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Constitucionalismo da Inimizade
The Constitucionalism of Emnity
Thula Rafaela de Oliveira Pires¹
¹ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
E-mail:
[email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2138-5483.
Ana Luiza Pinheiro Flauzina²
²
Universidade
Federal
da
Bahia,
Bahia,
Salvador,
Brasil.
[email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9995-7675.
E-mail:
Artigo recebido em 28/10/2022 e aceito em 31/10/2022.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13 N.04, 2022, p.2815-2840.
Thula Rafaela de Oliveira Pires e Ana Luiza Pinheiro Flauzina
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/70994 | ISSN: 2179-8966
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Resumo
O artigo apresenta o conceito de Constitucionalismo da Inimizade como categoria que
explicita o modelo constitucional historicamente adotado no Brasil. São discutidos os
duplos da herança constitucional francesa e estadunidense e apresentada a experiência
política Palmarina como um modelo de constitucionalismo amefricano. Por fim, analisa
aspectos da Constituição de 1824 e as dinâmicas que inauguram o Constitucionalismo da
Inimizade.
Palavras-chave: Constitucionalismo da Inimizade; Amefricanidade; Colonialidade.
Abstract
This article presents the concept of Constitutionalism of Enmity as a category that explains
the constitutional model historically adopted in Brazil. The silenced dimensions of the
French and American constitutional heritage are discussed and the political experience of
Palmares is presented as a model from Amefrican Constitutionalism. Finally, it analyzes
aspects of the 1824 Constitution and the dynamics that inaugurate the Constitutionalism
of Enmity.
Keywords: Constitucionalism of Emnity; Amefricanity; Coloniality.
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Introdução
Diante do chamado para pensarmos sobre “Constitucionalismos”, evocamos a
experiência Palmarina para oferecer marcos históricos, conceituais e metodológicos que
possam ampliar nossa imaginação político-constitucional.
Partimos da hipótese de que os modelos constitucionais que serviram de ponto
de referência para o pensamento constitucional brasileiro, notadamente os
desenvolvidos a partir da Revolução Francesa e do processo de Independência
estadunidense, obliteraram disputas políticas concretas que, naquele mesmo contexto,
enunciavam diferentes projetos de nação, de Estado, de Direito, de Democracia. Esse
repertório que se tornou hegemônico, foi sempre muito pouco permeável ao
enfrentamento das violências sofridas por pessoas negras em diáspora.
Tomando a amefricanidade, desenvolvida por Lélia Gonzalez (2020), como ponto
de oríentação1 conceitual e metodológica, buscamos a partir da resistência de mulheres
negras e indígenas à penetração colonial (MAMA, 1997, p. 48) as diretrizes sobre limitação
de poder e garantia de liberdades que, em alguma medida, definiram os contornos do
constitucionalismo brasileiro. A categoria político-cultural da amefricanidade permite a
releitura do processo histórico da diáspora africana na colonialidade, atribuindo
centralidade às interpretações ameríndias e africanas sobre a formação das bases
materiais e simbólicas dos processos de distribuição desproporcional do poder e da
violência no contexto da Améfrica Ladina.
Nesse sentido, a primeira parte do artigo se dedicará a explicitar os duplos da
herança constitucional francesa e estadunidense. Pretendemos tornar explícitas as
dimensões presentes naqueles modelos constitucionais, fundamentais para sua
estruturação, mas que costumam ser obliteradas ou tratadas como laterais. Em seguida,
apresentaremos alguns elementos que nos permitem perceber a experiência política
Palmarina como um modelo, dentre outros possíveis, de constitucionalismo amefricano.
Por fim, nos dedicaremos a desenvolver a ideia de Constitucionalismo da Inimizade como
o modelo que organizou o constitucionalismo brasileiro desde sua formação nacional.
1.
Os duplos da herança constitucional francesa e estadunidense
1
Tal como explicitado em trabalho anterior (PIRES, 2021), utilizamos a noção de oríentação para significar o
que guia/referencia/oríenta, reúne intelecto/memória/pensamento, articulando presente/ passado/futuro.
Tal construção se realiza através do significado de orí para religiosidades de matrizes africanas.
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Recorremos à noção de duplo para pensar a herança constitucional francesa e
estadunidense, por considerarmos que diferentemente das noções teóricas que apelam
para a exceção, o continuum de violência sobre pessoas negras na diáspora africana
representa não o desvio ou a antítese dos modelos analisados, mas uma presençaausente sobre as quais se sustentam as promessas modernas. Dito de maneira mais
direta, o sistema colonial e o escravismo representam o duplo da democracia e do
constitucionalismo: “os despojos e tesouros culturais dos vencedores não podem ser
separados da vidas dos derrotados e de seus corpos jogados no chão” (HARTMAN, 2021,
p. 269).
O mundo colonial não era a antítese da ordem democrática. Sempre foi o seu
duplo ou, até, a sua face nocturna. Não há democracia sem o seu duplo - a
colônia, pouco importa o seu nome e estrutura. Esta não é exterior à
democracia nem está necessariamente situada fora de portas. A democracia
contém em si a colônia, tal como a colônia contém a democracia, muitas
vezes mascarada.
Como afirmava Frantz Fanon, esta face noturna esconde, na verdade, um
vazio primordial e fundador - a lei que encontra a sua origem no não-direito
e que se institui como lei fora da lei. A este vazio fundador junta-se um
segundo vazio, desta vez, de conservação. Estes dois vazios estão
estritamente imbricados um no outro. Paradoxalmente, a ordem política
democrática da metrópole precisa deste duplo vazio, primeiro, para fazer
valer a existência de um contraste irredutível entre si e o seu avesso
aparente; depois, para alimentar os recursos mitológicos e para melhor
esconder o seu interior, tanto por dentro como por fora. (MBEMBE, 2017, p.
49-50).
O constitucionalismo moderno costuma ser apresentado como fruto do processo
histórico, político, jurídico, econômico e cultural que se desencadeou, sobretudo no
século XVIII, a partir das Revoluções Liberais-Burguesas (BONAVIDES, 2001; CANOTILHO,
2002; SARMENTO, 2013). Ainda que haja especificidades entre os modelos desenvolvidos
pela experiência constitucional inglesa, francesa e estadunidense nesse mesmo período,
o Antigo Regime funcionou como modelo de organização jurídico-política a ser superado,
cabendo ao constitucionalismo moderno assumir o compromisso com a limitação do
poder dos governantes como forma de garantir a liberdade para governados.
Conforme explicitamos acima, há duplos no processo de definição de como se
limita o poder e como se distribui as liberdades (o que se entende por liberdade, inclusive)
que não costumam ser explorados pelas leituras mais hegemônicas, ainda que críticas.
Não se pretende fazer uma revisão de literaturas hegemônicas para, a partir delas, pensar
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os duplos. Ao contrário, são as experiências de resistência amefricana que nos guiam na
percepção acerca da face noturna do constitucionalismo moderno. Nesse sentido, nos
dedicaremos a pensar alguns aspectos do modelo francês e estadunidense, por
entendermos que dialogam mais diretamente com as construções constitucionais que
informaram o constitucionalismo brasileiro.
A experiência constitucional estadunidense, quando tensionada em seus
pressupostos pela filosofia política, por Charles Mills (2013) com o contrato racial ou por
Carole Pateman (1993) com o contrato sexual, é apresentada a partir da noção de
contrato social como um pacto “manipulador e excludente empregado pelos poderosos
para subordinar outros na sociedade sob o pretexto de incluí-los como iguais” (MILLS,
2013, p. 22). Um contrato que não apenas mantém, como fomenta a desigualdade a partir
da legitimação da regulação política do estado liberal.
O redimensionamento proposto para leitura do contratualismo nos indicam que
as constituições modernas que nos foram apresentadas como um modelo de organização
de uma sociedade civil preocupada com a limitação do poder e garantia das liberdades,
tem como duplo um modelo jurídico-político de legitimação do terror racial e do terror
sexual. Um processo de distribuição desproporcional do poder e da violência que permite
a acumulação da riqueza pelos homens brancos e, sem a necessidade do consentimento
dos não brancos, institui para os brancos o direito de dominar, exterminar e controlar
negras/os e indígenas, fazendo com que as demais mulheres - reduzidas ao papel social
da esposa – também vivenciem a servidão (PATEMAN, 1993, p. 176).
O duplo do constitucionalismo estadunidense pode ser descrito de múltiplas
formas, mas, recorreremos a descrição oferecida por Hartman (2022, p. 103 e seguintes.
Todos os grifos no original):
O Sétimo Distrito era um lugar maravilhoso e arruinado, o coração de uma
metrópole negra e diversa, o embrião de um gueto emergente. A Filadélfia
abrigou a maior população negra da região nordeste até 1900, quando o
cinturão negro de Nova York superou a região, e Chicago tomou o seu lugar
como a segunda maior cidade da nação. Mas, em 1896, o lugar era
impressionante. Desde 1780, a Filadélfia tinha sido um laboratório para o
experimento da democracia racial da nação e o palco principal em que se
encenava o futuro pós-escravidão. A cidade se vangloriava de uma história
dourada de triunfos e realizações. A primeira lei de emancipação gradual da
escravidão foi aprovada em 1780. A Sociedade Africana Livre foi estabelecida
em 1787, e as portas da Igreja Metodista Episcopal Africana Bethel se abriram
em 1794. A Sociedade Antiescravagista Americana foi fundada em 1833.
Antes da Guerra Civil, a cidade era lar da maior comunidade negra livre do
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país, e ostentava uma pequena e próspera elite negra. Mas havia outro lado;
um surto de febre amarela em 1793 havia delimitado fronteiras raciais na
cidade. Os moradores negros foram culpados pela propagação da epidemia,
recrutados para cuidar dos doentes e transportar os mortos, e em seguida
incriminados por atos de roubo e extorsão que supostamente aconteceram
durante a crise. A Penitenciária Estadual do Leste abriu em 1829 e inaugurou
a prática do confinamento solitário. Seu primeiro prisioneiro foi Charles
Williams, um negro. Em 1838, os negros perderam o direito de voto depois
que o Legislativo decidiu que cidadãos negros e brancos não eram iguais
perante os olhos da lei e modificaram as qualificações para o sufrágio, antes
previsto para todo homem livre e agora para todo homem branco, livre, de
21 anos ou mais, e que pagasse impostos. Os levantes raciais de 1839, 1842,
1849 e 1871 agitaram a cidade e atestaram o significado de escravidão e
liberdade, de cidadão e estrangeiro em solo nortista. Os homens negros não
recuperaram o direito de voto até 1870, quando a décima quarta e a décima
quinta emendas foram ratificadas. [...] Após o compromisso de 1876 que deu
fim à Reconstrução e restituiu a escravidão no Sul sob os disfarces da
escravidão por dívida, parceria rural, servidão doméstica e o sistema de
arrendamento de condenados, ondas de migrantes negros começaram a
chegar na cidade. Eles fugiam da plantation e se juntavam nas ruas.
[...] A cada ano mais e mais negros inundavam o distrito, o que concentrava
as mortes e a pobreza da cidade no quarteirão negro e tornava mais difícil
enxergar além do gueto ou sonhar em escapar dele algum dia. [...] Três
décadas após a Emancipação, a liberdade era um experimento aberto.
[...] O longo e contínuo movimento dos negros em direção às cidades do
Norte deixou claro as implicações políticas da fuga, embora a ideia de que a
recusa da plantation fosse uma greve geral ainda não tivesse lhe ocorrido [Du
Bois]. [...] Incapazes de moldar o mundo segundo seus próprios termos, ao
menos elas podiam resistir ao mundo que lhes era imposto. O movimento
coletivo contra a servidão e a dívida, a fuga coreografada do estupro, do
terror e do linchamento era uma reiteração, uma segunda onda de um êxodo
anterior das pessoas escravizadas que deixaram a plantation durante a
Guerra Civil. Décadas mais tarde, ele [Du Bois] descreveria a greve geral [...]
Era uma greve fundada em uma base ampla contra as condições de trabalho.
Uma greve geral que, no fim, envolveu diretamente meio milhão de pessoas,
talvez. Elas queriam parar a economia do sistema da plantation, e para tanto
a deixaram.
[...] A greve geral era um grande experimento humano. As pessoas negras
“buscavam asilo político dentro das fronteiras de seu próprio país.”
[...] Os verbos contam a história: rebelar, debandar, vacilar, fugir e paralisar.
No Sétimo Distrito, “tudo é bom e humano e belo e feio e mau, ainda que a
Vida esteja em outro lugar”.
Ainda que tal descrição se aproxime mais da realidade vivenciada por pessoas
negras e indígenas no Brasil, estejam elas nos campos, nas cidades ou nas florestas, não
representam a percepção predominante sobre como o constitucionalismo estadunidense
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influenciou a doutrina constitucional brasileira. Mesmo em releituras críticas,
continuamos a apresentá-lo como um modelo que propicia ao povo, soberano, a práxis
da auto-organização, impondo a si mesmo as regras e os limites que regularão os poderes
constituídos (CHUEIRI e GODOY, 2010, p. 163). Mesmo quando apresentados os
problemas que o constitucionalismo impõe ao exercício da soberania popular, a noção de
povo, abstrata e desencarnada, é representativa da pretendida uniformidade que a zona
do ser impõe ao mundo moderno-colonial-escravista que tem no constitucionalismo um
dos elementos que naturaliza a supremacia branca.
Da experiência constitucional francesa, tanto a Declaração dos Direitos da Mulher
e da Cidadã de Olympe de Gouges2, de 1791, quanto a Revolução Haitiana nos permitem
revisitar muitos dos sentidos que atribuímos à esse modelo. Caracterizado como um
modelo de ruptura com a realidade político-jurídica anterior (Antigo Regime), a tradição
constitucional francesa costuma representar o poder constituinte como uma força
originária da nação que "organiza a organização" do poder político (CANOTILHO, 2002).
Em uma leitura amefricana, é impossível desconsiderar que a Liberdade afirmada
se acumpliciou com a escravidão, que a Igualdade sustentou o racismo colonial-patriarcalrepublicano francês e que a Fraternidade narcísica, entendida como necessária para
garantia da igualdade e liberdade enunciadas, quando muito garantiu a produção de uma
noção de unidade ou pertencimento coletivo que tinha como duplo o racismo, o
cisheteropatriarcado, o classismo e a manutenção do colonialismo.
Se tomamos a Revolução Francesa a partir das muitas batalhas que derrubaram
Santo Domingos e, sobre os seus escombros, refundaram o Haiti, alguns aspectos de seu
impacto sobre os constitucionalismos adotados na Améfrica Ladina podem ser
compreendidos. Movidos pela luta anti-escravista e contra-colonial, fortalecidas pelas
divindades vodu, com forte capacidade de resistir aos (des)tratos das autoridades
francesas, o duplo da Revolução Francesa (a Revolução Haitiana) produziu um modelo de
constitucionalismo liberal heterogêneo (DUARTE e QUEIROZ, 2016).
Podemos encontrar nas constituições haitianas pós revolução escrava,
principalmente nas de 1805 e 1806, a declaração do Império do Haiti como Estado livre,
soberano e independente, com disposições relativas à igualdade perante a lei, direito de
2
Disponível
em
https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/414/2018/10/DeclaraDirMulherCidada1791RecDidaPESSOALJNETO
.pdf. Acesso em 15 de setembro de 2020.
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propriedade, laicidade do Estado, liberdade religiosa, concentração das normas de
organização e funcionamento na figura do Chefe de Estado/Imperador. Até aqui não
temos muita novidade em relação ao que já fora pavimentado pelo constitucionalismo
liberal-burgês. O heterogêneo
entra no seguinte:
a escravidão é abolida
permanetemente; são considerados cidadãos todas as pessoas que pudesse ser vítimas
da escravidão e do genocídio, não apenas os africanos escravizados e seus descendentes,
mas os povos originários também; e, a previsão de que a partir daquele momento, todos
os haitianos deveriam ser tratados como negros. Se, de um lado, a defesa da autonomia
individual estava representada na disputa intransigente do antiescravismo; de outro, a
esfera da autonomia coletiva se desdobrava na afirmação contra-colonial de
Independência (SANTOS, 2021).
Um dos aspectos mais emblemáticos do arranjo constitucional que propuseram
está na rasura do clube exclusivo da humanidade (KRENAK, 2020) que o artigo 14 da
constituição de 1805 propõe: “Art. 14: Necessariamente debe cesar toda acepción de
color entre los hijos de una sola y misma familia donde el Jefe del Estado es el padre; a
partir de ahora los haitianos solo serán conocidos bajo la denominación de negros”.
Tornar norma constitucional, no início do século XIX, a afirmação de que toda e qualquer
pessoa sobre o território de um Império livre e independente deva ser tratada e
considerada como negra confronta as construções de sujeito de direito até então
vigentes.
Não se trata de mera inversão, passando os negros a representarem a zona do ser
e os não negros a zona do não ser. Trata-se da ruptura radical que o antiescravismo
contra-colonial propõe, de passar a considerar, pela primeira vez na história moderna,
todas as pessoas como plenamente humanas. Como já aprendemos com Fanon (2018,
p.90): “ o negro não se torna senhor - quando não há mais escravos, não existem mais
senhores”.
Tomar essas premissas como ponto de oríentação para pensar o
constitucionalismo permite inscrever pessoas negras num importante momento político
no mundo, em que uma parte significativa do globo passa a optar por reunir as decisões
políticas fundamentais de um determinado contingente de pessoas em um documento
escrito que simboliza parte de um processo contínuo de libertação. Tudo aquilo que nos
foi expropriado pelas experiências constitucionais estadunidense e francesa nos foi
devidamente ressarcido pelo constitucionalismo haitiano. Não por acaso, a inviabilidade
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do Haiti e de projetos políticos de vida negra livre na diáspora africana ganha novos
contornos. Muito, mas muito antes de Caetano Veloso, os constituintes de 1823 no Brasil
já tinham percebido que o “Haiti é aqui” e que, portanto, uma revolução correlata a que
tinham levado a cabo na Pérola do Caribe deveria ser impossibilitada a todo custo
(QUEIROZ, 2017).
Com tudo isso na cabeça e rememorando algumas falas de Lélia Gonzalez (2020,
p.51) e Abdias Nascimento (2019, p. 305), que se referiam à República Negra de Palmares,
passamos a buscar entre nós uma inspiração para pensar teoria do estado e
constitucionalismo. O racismo é mesmo muito perverso. Passamos a educação formal
toda tomando estuprador como exemplo de civilidade, invasor/dominador como modelo
de moralidade e saqueador de vida/memória/liberdade/natureza como exemplo de
desenvolvimento. Com uma experiência político-jurídica concreta como a de Palmares
entre nós, pelo menos desde finais do século XVI, passamos muito tempo tomando como
ponto de referência modelos de extermínio.
2. Um modelo constitucional americano
Para tentar recuperar parte do tempo perdido, o que podemos aprender com Palmares?
Muitas coisas! Vamos indicar alguns aspectos que podem ampliar a nossa imaginação
político-constitucional. A um só tempo, Palmares nos oferece a experiência concreta de
um projeto político livre na diáspora africana – no século XVII como no XXI; nos confronta
com a responsabilidade política do que fomos, somos e seremos para sermos
possibilidade; e, ainda, nos diz que mais do que escravização, há uma história de luta pela
afirmação plena de nossa humanidade que nos constitui (PIRES, 2021).
Antes do Haiti, Palmares emperrou a máquina do tempo moderna, cujas
engrenagens foram construídas para inviabilizar de todas as formas a vida negra livre e
autônoma. A despeito de todas as tentativas de extermínio empreendidas pelas
autoridades coloniais portuguesas e holandesas, por mais de um século se vivenciou
naquele corpo-território a experiência de uma liberdade anticolonial amefricana.
A primeira referência documentada sobre Palmares que se tem notícia data de
01/05/1597, uma carta do padre Pero Rodrigues ao padre João Álvares, ambos da Cia. de
Jesus. O documento apresenta uma narrativa das/os Palmarinas/os como as/os
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primeiras/os inimigas/os das autoridades coloniais. Esse é um ponto central, que será
desenvolvido no próximo item do artigo. Antes, precisamos trazer algumas características
importantes sobre Palmares.
Os documentos levantados por Flavio Gomes indicam que o Estado Negro
Palmarino3 foi iniciado com a ousadia de cerca de 40 cativos que promoveram uma
insurreição em um engenho próximo a Porto Calvo nas últimas décadas do século XVI, na
capitania de Pernambuco (GOMES, 2005, p. 48). A sua existência alimentava e era
alimentava pelas fugas coletivas dos engenhos e latifúndios que se multiplicaram no início
do século XVII.
Palmares se entremeava em montanhas e florestas de difícil acesso, aliando
proteção natural contra invasores, ambiente de caça, pesca, colheita de raízes e plantas
em abundância com estratégias militares de resistência baseadas na capacidade de se
integrar com e se movimentar na floresta.
Do ponto de vista de sua conformação social, é possível caracterizar Palmares
como um ambiente de fraternidade racial, pluricultural e pluriétnica da qual participavam
“em maioria os negros, mas que contava também com mulatos e índios” (CARNEIRO,
2011, p. XL). Diante da prevalência de africanos fugidos e seus descendentes, distintos
povos indígenas conviviam livremente em Palmares, enquanto outros se aliaram com as
autoridades coloniais para a destruição do quilombo. Do que os documentos revelam, em
Palmares conviviam pessoas comprometidas com a construção de uma sociedade
pluriétnica livre e contra-colonial.
Palmares nos obriga a pensar a noção de povo sem recorrer à noção de
homogeneidade. Ao abrigar etnias africanas e indígenas muito distintas entre si, o grau
de autonomia conferido aos mocambos que formavam o corpo-território Palmarino
garantiu a preservação de formas de vida e cosmosensações distintas que, reunidas pelo
exercício concreto da luta por liberdade, passavam a performar um povo,
palmarino/palmarista, quilombola, amefricano (PIRES, 2021).
A liberdade não era, e não poderia ser, tomada em abstrato. Um território que se
constitui da fuga e da recusa permanente da economia política do latifúndio, oferece uma
3 De acordo
com Flávio Gomes (2005, p. 42), a documentação sobre Palmares faz referência a seus habitantes
como “negros de Palmares”, “negros do Palmar”, “negros alevantados” ou “negros da Guiné”. Flavio Gomes
utiliza a expressão “palmaristas”, referência correlate a encontrada por ele no documento “Relação das
Guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do Governador Dom Pedro de Almeida (1675 a 1678)”.
Nesse trabalho, vamos manter a referência a “palmarinos/as”, por ser um termo mais recorrentemente
mobilizado pelos movimentos negros e de mulheres negras no Brasil.
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noção de liberdade que não encontra amparo no constitucionalismo moderno, nos
termos em que nos foi dado a conhecer.
Como desenvolvido em trabalho anterior (PIRES, 2021), o regime da liberdade em
Palmares era definido de três possíveis formas: (1) através do nascimento, nascido livre
em Palmares não seria escravizado; (2) através da mobilização de todos os esforços para
atingir a liberdade (os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar
aos Palmares eram considerados livres); e (3) através do compromisso com a libertação
coletiva, quando alguma pessoa escravizada era inicialmente raptada ou trazida à força
para Palmares, a sua liberdade poderia ser conquistada plenamente diante do
comprometimento com a libertação de outra pessoa cativa.
O principal critério para concessão da liberdade era, portanto, o de demonstrar
compromisso com ela. Nem tratada como direito natural, nem informada pela dimensão
ontológica, a liberdade era tratada nos marcos da disputa pela libertação coletiva, não
apenas de africanos(as) e seus(suas) descendentes.
O povo Palmarino era constituído, portanto, pelos nascidos no Estado negro,
os(as) que chegaram por sua própria conta em busca da liberdade e os(as) que aderiram
à condição de livres ao trazer alguém que vivia na condição de escravizado. A diáspora
africana projeta um movimento espiralar de permanente reivenção do "nós", ao qual se
opunham os estrangeiros com quem se mercanciava, as autoridades e forças militares
coloniais, assim como pessoas capturadas durante as múltiplas guerras travadas contra
Palmares.
Como nos ensina Beatriz Nascimento e Abdias Nascimento, Palmares forjou em
nós a tradição quilombista, essa capacidade de (re)inventar e organizar sociedades em
que negros possam se entender como pessoas (NASCIMENTO, 2021, p. 95; NASCIMENTO,
2019). O Estado Negro Palmarino foi a primeira experiência política concreta que, no
território que se convencionou chamar Brasil, tomou a população negra como parte da
nação, que nos ofereceu o desenvolvimento de nossas múltiplas possibilidades de ser e
estar no mundo e na natureza, que nos fez performar nossa plena humanidade, negada
pelo que se forjou como nação brasileira, desde a penetração colonial.
É reconhecida a semelhança do Estado Negro Palmarino com reinos que existiam
no continente Africano no século XVII. O poder político era determinado pela eletividade
do “mais hábil ou mais sagaz”, “de maior prestígio e felicidade na guerra ou no mando”
(CARNEIRO, 2011, p. 7). Sobre o modelo de organização política, há referências
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documentais que afirmam: “todos os arremedos de qualquer República se acham entre
eles (os negros)” (CARNEIRO, 2011, p.6), outros classificando o quilombo como “uma
República rústica, bem ordenada a seu modo” (idem).
Conforme já sinalizado em outro trabalho (PIRES, 2021), não sabemos o suficiente
sobre Palmares para retirar de nossa imaginação política um modelo de organização que
além de expressão radical de liberdade negra pudesse oferecer elementos republicanos.
Mas, sabemos o suficiente para explorar outros aspectos de sua organização política.
Edison Carneiro classifica Palmares como uma “oligarquia, constituída pelos
chefes de mocambo, a quem cabia, como na África, a atribuição de dispor das terras
comuns” (CARNEIRO, 2011. p. XLIV). A noção de posse útil regulava a disposição no
território, como ocorria entre nagôs e bantos no continente africano: “a terra pertence
aos habitantes da aldeia e só temporariamente o indivíduo detém a posse da terra que
cultivou [...] os rios e as matas pertenciam, dada a sua beleza em caça e pesca, a todos os
quilombolas” (CARNEIRO, 2011, p. XLII).
Se assumirmos que a distribuição do poder político seguia o modelo oligárquico,
é preciso ter em mente que, do ponto de vista social, as famílias negras precisaram ser
reinventadas nas Améfricas depois do sequestro, do tráfico atlântico e das distintas
tecnologias de descontinuidade promovidas pela economia política do latifúndio. Além
disso, a disposição de terras comuns pelas/os chefes de mocambo, ao adotarem o critério
de posse útil, distancia esse modelo daqueles que se utilizam da proteção da propriedade
privada como mecanismo de acumulação de riqueza e manutenção dos ativos
econômicos como atributo exclusivo dos considerados plenamente humanos.
Pesquisa realizada por Edison Carneiro, aponta para a existência documentada de
18 mocambos com alto grau de autonomia. Assim como ocorria em determinadas aldeias
bantos, na ocasião de guerras ou outras deliberações que pudessem impactar todo o
quilombo, “todos os chefes se reuniam para deliberar, na Casa do Conselho do mocambo
do Macaco” (CARNEIRO, 2011, p. 32).
Ainda que houvesse uma liderança central, como, por exemplo, a exercida por
Ganga-Zumba de 1645-1678, congregando liderança política, militar e religiosa e por
Zumbi a partir de 1678, a referência ao Conselho dos governos dos diversos mocambos
para a deliberação de questões estratégicas, nos oferece uma imagem não apenas do
funcionamento interno do governo, como da complexidade de seus arranjos. Enquanto
uma sociedade pluriétnica, pluricultural e anticolonial, o poder central tinha o desafio de,
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internamente, conferir autonomia a nações e etnias (africanas e indígenas) distintas, ao
tempo em que garantia a centralidade de decisões políticas estratégicas no Conselho. E,
no plano externo, de exercer a representação dos interesses do Estado Negro Palmarino,
sobretudo em relação às autoridades coloniais.
A dimensão externa do reconhecimento da soberania palmarina pode ser
vislumbrada no episódio de assinatura do tratado de paz4 entre Ganga-Zumba e a
autoridade colonial. Em junho de 1678, acompanhado de uma embaixada constituída de
pessoas de sua confiança, em Recife, “o rei negro foi recebido em palácio com missa de
ação de graças assistida pelos dois chefes de governo: Aires de Souza, da capitania de
Pernambuco e Ganga-Zumba, do Estado de Palmares” (NASCIMENTO, 2021, p. 97).
Outro importante elemento de caracterização do Estado, o território, foi
reconhecido, inclusive pelas autoridades coloniais, como referência daquela comunidade
(assim como do entorno), como sede material de poder, como domínio de ação, como
área de segurança dos indivíduos e das sociedades menores (os seus diversos mocambos)
e como instrumento ao serviço das finalidades do poder (MIRANDA, 2009, p.7).
A luta por liberdade no Brasil é indissociável da liberdade negra e indígena. Nesse
sentido, Palmares não representa a exceção, mas informa que o continuum de violência
sobre pessoas negras e indígenas no Brasil tem como seu duplo as múltiplas experiências
que concretamente nega(ra)m a sociedade colonial, a escravização negra e indígena, a
opressão e negação de suas línguas, religiosidades, saberes e formas de vida.
Como afirma Abdias Nascimento (2019, p. 305-306):
O quilombismo é um movimento político dos negros brasileiros (...) inspirado
no modelo da República dos Palmares, no século XVI, e em outros quilombos
que existiram e existem no país.
O Estado Nacional Quilombista tem sua base numa sociedade livre, justa,
igualitária e soberana. O igualitarismo democrático quilombista é
4
Ganga-Zumba mobilizou sua corte e ingressou em Recife para negociar um acordo de paz cuja cláusula
central era a liberdade para os nascidos em Palmares. Mas, o descaramento das cláusulas exigidas por
Portugal criavam as seguintes condicionalidades: (1) liberdade para os negros nascidos em Palmares; (2)
concessão de terras, demarcadas pela Coroa, para viverem e cultivarem; (3) garantia de comércio e relação
com os moradores, taberneiros, comerciantes e vendeiros da região. (4) novos(as) cativos que fugissem para
Palmares deveriam ser imediatamente devolvidos para as autoridades coloniais e seus respectivos senhores;
(5) a partir da assinatura do tratado, os habitantes de Palmares passariam à condição de vassalos do rei
(NASCIMENTO, 2021, p. 96; GOMES, 2005, p. 131). A atitude considerada unilateral de Ganga-Zumba, em sua
incapacidade de garantir liberdade e autonomia para as pessoas que viviam em Palmares, provocou violenta
reação na comunidade militar do quilombo. Zumbi, representando os grupos contrários ao acordo firmado
por Ganga-Zumba foi aclamado o governador das armas e estabeleceu estado de guerra: submeteu homens
ao adestramento intensivo, multiplicou as sentinelas nos limites do quilombo, intensificou a produção agrícola
e a metalurgia e decretou a lei marcial para os que tentassem desertar (NASCIMENTO, 2021, p. 99). Muitas
foram as tentativas de eliminação de Palmares pelas autoridades coloniais portuguesas (e holandesas). Mas,
Zumbi nos diz que apesar do Estado brasileiro decretar o nosso fim, resistimos.
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compreendido no tocante a sexo, sociedade, religião, política justiça,
educação, cultura, condição racial, situação econômica, enfim, todas as
expressões da vida em sociedade.
[...] A revolução quilombista é fundamentalmente antirracista, anticapitalista,
antilatifundiária, anti-imperialista e antineocolonialista.
Até agora, experiências constitucionais amefricanas como a palmarina não
costumam informar a doutrina constitucional brasileira. Mas, há herdeiras/os de
Palmares trazendo experiências quilombolas e quilombistas para pensar o
constitucionalismo (DIAS, 2016; GOMES, 2020; OLIVEIRA, 2019; PEREIRA, 2020; PIRES,
2021; SOUSA, 2009).
São muitos os aprendizados que temos a oferecer. No próximo ítem, vamos nos
dedicar a chamar a atenção para como a experiência política Palmarina pode nos ajudar
a pensar também sobre os consensos violentos que marcam a política criminal e o
constitucionalismo no Brasil.
3. Constitucionalismo da Inimizade
Destacamos no item anterior que o primeiro documento que se tem acesso e que informa
sobre a existência de Palmares é uma carta de 01/05/1597, em que o padre jesuíta Pero
Rodrigues apresenta ao também integrante da Cia. de Jesus, o padre João Álvares uma
narrativa das/os Palmarinas/os como as/os primeiras/os inimigas/os das autoridades
coloniais.
Conforme ensina Mbembe (2017), o conceito de inimigo deve ser entendido na
sua acepção concreta e existencial, não como metáfora ou abstração vazia. Nesse sentido,
define o inimigo como "aquele a quem se pode provocar a morte física, porque ele nega,
de modo existencial o nosso ser" (MBEMBE, 2017, p. 82). O inimigo representa o
antagonismo em nome do qual o Estado pode "dar a alguns o poder de ferir e de matar
outros homens" (idem).
Da penetração colonial à colonialidade contemporânea, "o ódio ao inimigo, a
necessidade de neutralizá-lo, bem como o desejo de evitar o perigo de contágio, do qual
ele seria o vetor" (idem, p. 84) tem orientado a atuação das autoridades coloniais e do
Estado Constitucional.
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A eleição de “inimigo de portas adentro pelas autoridades portuguesas”
(NASCIMENTO, 2021, p. 97) indicou que para Portugal era preciso eliminar as
possibilidades de que sociedades multiétnicas e contracoloniais como foi a palmarina
pudessem se desenvolver. Em seu lugar, foi consagrado o modelo constitucional de
distribuição do poder e da violência próprio da experiência ciscolonial e cristalizados
modelos de organização política contraditórios com aquilo que eles mesmos enunciam.
E é com o título recebido no século XVI de primeiros inimigos das autoridades
coloniais que pretendemos abrir a conversa para as interfaces entre política criminal,
formação nacional e constitucionalismo. Afinal de contas, os inimigos:
Vivem entre nós, mas não são verdadeiramente dos nossos, devem ser
rejeitados, postos no seu lugar ou simplesmente recambiados para fora das
nossas fronteiras [...]. A pacificação interna, a "guerra civil silenciosa" ou
molecular, as prisões em massa, a dissociação entre nacionalidade e
cidadania, as execuções extrajudiciais no contexto da política criminal e penal
contribuem para confundir a antiga distinção entre segurança interna e
segurança externa, num contexto de exacerbação dos sentimentos racistas
(MBEMBE, 2017, p. 93).
Aprendemos com Zaffaroni que o Direito penal do inimigo pressupõe a eleição de
determinados grupos, considerados não pessoas (perigosos ou daninhos), sobre os quais
o poder punitivo se exerce fora dos limites do direito penal liberal e das garantias do
direito internacional dos direitos humanos (ZAFFARONI, 2014, p. 11). Uma construção que
reduz o sujeito à noção de perigo, que o posiciona fora da comunidade, como inimigo
político a quem a hostilidade ou inimizade justifica a guerra como negação absoluta. Um
Estado que se organiza em relação ao inimigo, exerce sua soberania para destruí-lo ou
reduzi-lo à impotência total. (ZAFFARONI, 2014, p. 17).
O inimigo (na figura do estrangeiro) representa incômodo, insurbodinação,
indisciplina, inspiram desconfiança pela impossibilidade de exercer controle total sobre o
desconhecido, tomado como ameaça latente. Sabemos que há estrangeiros desejáveis
que fogem dessa métrica, e para quem o Estado oferece todas as possibilidades de
trânsito, permanência e respeito a direitos. Os estrangeiros indesejáveis são aqueles que
se aproximam do perfil dos inimigos políticos, inimigos declarados, sejam eles nacionais
ou estrangeiros. São declarados não porque tenham manifestado animosidade, mas,
porque quem exerce o poder os declara como tais. No direito romano, a retirada da
cidadania dos inimigos políticos permite que tenham o mesmo tratamento dos escravos.
(ZAFFARONI, 2014, p. 22-23). Em países de herança escravista como o Brasil, a inexistência
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da cidadania ancorada na economia política do latifúndio alarga sobremaneira os
processos de produção da impotência total.
Tomando a historicidade que nos forjou em diálogo com as reflexões do direito
penal do inimigo, precisamos revisitar algumas premissas que sustentam essa teoria.
Seguindo com Zaffaroni (idem), o direito penal insere uma contradição permanente, na
medida em que faz conviver tratamentos diferenciados entre seres humanos (tirando-os
da condições de pessoas, própria de Estados absolutos) com os princípios internacionais
do Estado Constitucional de Direito, que nem em casos de guerra admitiria tratar como
não pessoas os seres humanos.
Se o desafio colocado por Zaffaroni para o direito penal é de que a negociação
com o “inimigo” o afasta do funcionamento compatível com o Estado Constitucional de
Direito, lançamos mão na ideia de Constitucionalismo da Inimizade para colocar em
destaque que o próprio constitucionalismo se acumplicia com a (re)produção do inimigo,
não apenas através do direito penal.
O que queremos ressaltar aqui é que o Estado Constitucional brasileiro se formou
através da assunção de pessoas negras e indígenas na condição de inimigos, não só na
organização do poder punitivo, mas em todos os outros aspectos de seu funcionamento
jurídico-institucional, seja em períodos autoritários ou reconhecidos como de estabilidade
democrática. Afinal de contas, já nos disse em conversa o mestre Edson Cardoso:
nenhuma força política no Brasil abriu mão da subjugação negra como moeda de
governança.
Nesse sentido, pretendemos politizar e historicizar o conceito de inimigo,
ampliando a percepção sobre a sua reprodução tanto no direito penal quanto na teoria
constitucional. Esse movimento nos obriga a revisitar a história político-constitucional
brasileira e a perceber que para a população negra ela se materializa na legitimação
jurídico-política dos processos de desumanização que vivenciamos desde o período da
penetração colonial. E que se reproduziu em momentos políticos cruciais para formação
jurídico-institucional brasileira como, por exemplo, na discussão sobre quem seriam os
cidadãos, e por consequência quem seriam as não pessoas, no momento da invenção do
Brasil como nação até as cumplicidades com a (re)produção do genocídio nos períodos
reconhecidos como de estabilidade democrática.
Ao fazer esse giro, pautamos o constitucionalismo brasileiro como a base
primordial do pacto sangrento que estrutura o Estado e que parece querer se dissociar
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simbolicamente de esferas de explicitação desse processo, em especial no âmbito penal.
Ou seja, estamos aqui trabalhando a ideia de que as constituições brasileiras têm operado
de duas formas muito específicas para racionalizar os processos de dominação no país.
Em períodos declaradamente autoritários, vê-se supressões diretas de direitos e a
movimentação da máquina punitivista do Estado exaltada no texto constitucional sem
maiores disfarces. Já em períodos tidos como de avanços dos princípios liberais (que
incluem momentos de vigência da escravidão) até os marcos recentes da democracia, o
que se percebe é uma terceirização para legislação infraconstitucional e para
interpretações judiciais das demandas mais expressas do genocídio.
Com isso, não queremos anistiar os textos constitucionais brasileiros lidos como
progressistas de terem também em suas linhas conteúdo diretamente relacionado ao
controle e extermínio da população negra e indígena no Brasil. Muito ao contrário: o
exercício é o de enxergar que há uma tendência de esvaziamento desse tipo de conteúdo
explicitamente pautado nas constituições em determinados momentos históricos, sem
que as elites transijam na manutenção efetiva do poder e no tratamento do outro como
inimigo irreconciliável. Como afirmou Abdias Nascimento:
Para os africanos escravizados, assim como para seus descendentes
“libertos”, tanto o Estado colonial português quanto o Brasil – colônia,
império e república – têm uma única e identica significação: um estado de
terror organizado contra eles. Um Estado por assim dizer natural em sua
iniquidade fundamental, um Estado naturalmente ilegítimo, porque tem sido
a cristalização político-social dos interesses exclusivos de um segmento
elitista, cuja aspiração é atingir o status ário-europeu em estética racial, em
padrão de cultura e civilização (NASCIMENTO, 2019, p. 286).
Portanto, a tentativa é a de flagrar o Constitucionalismo como um dos motores
que conduzem esse processo de dizimação, retirando dessa arena as fachadas
artificialmente construídas para a manutenção da autoimagem liberal-civilizada das elites.
Nesse tocante, pautar um debate sobre tortura em sua ampla acepção parece ser uma
boa porta de entrada para entendermos o funcionamento dessa dinâmica. Aqui, a
intenção não é a de fazer um longo panorama sobre o debate da tortura no Brasil. O que
nos interessa é pontuar algumas questões que nos permitam traçar um quadro do
continumm genocida que, assentado nesse tipo de constitucionalismo perverso, atualiza
a barbárie colonial. Para tanto, nos debruçaremos em alguns momentos chaves que nos
permitam revelar a forma como o Constitucionalismo da Inimizade tem operado.
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Diante desse desafio, escolhemos fazer uma discussão a partir da Constituição de
1824 para explicitar como o terror se enreda na normatividade desde a formação das
bases jurídico-políticas do Estado brasileiro.
Na Constituição de 1824, a cidadania ficou restrita a pessoas nascidas livres no
Brasil, retirando a possibilidade de que africanos livres, brasileiros ou africanos
escravizados pudessem ser considerados cidadãos. Mais do que evidenciar a exclusão das
pessoas negras dos marcos da humanidade, nos interessa explorar como o nascedouro da
nação brasileira, com seus arranjos pós-independência, é revelador da função cumprida
pelo Direito de garantir a convivência de marcos da civilidade e de práticas objetivas de
terror dirigidas aos corpos dos inimigos do Estado.
Esse tipo de dicotomia que projeta os duplos do projeto colonial, pode ser sentido
na forma como os preceitos constitucionais vão sendo anulados pela legislação
infraconstitucional e/ou interpretações judiciais que visam delimitar as fronteiras que
separam os mundos cindidos pelo racismo.
Eunice Prudente (1988) nos chama atenção para essa dinâmica ao se debruçar
sobre o arcabouço jurídico do período em tela. De um lado, nos lembra a autora, temos
uma Constituição que quer se impor pelos princípios liberais que inspiram a elite colonial
a construírem sua autoimagem dentro dos marcos civilizatórios. Diz o art. 179, inciso X da
Carta Magna de 1824: “desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro
quente, e todas as mais penas cruéis”.
Seis anos depois, quando se dá a promulgação do Código Criminal em 1830, vê-se
como o Estado materializa o duplo colonial sem maiores constrangimentos: art.60: “se o
réu for escravo, e incorrer pena que não seja capital ou de galés, será condenado na de
açoites e, depois de os sofrer, será entregue ao seu senhor, que se obrigará em trazê-lo
com um ferro, pelo tempo e maneira que o juiz designar”.
Na mesma esteira, como resposta direta à revolta dos malês, é promulgada a lei
4 de 10 de junho de 1835, que assevera:
Art. 1º: “Serão punidos com a pena de morte os escravos ou escravas, que
matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem
gravemente ou fizerem outra qualquer grave offensa physica a seu senhor, a
sua mulher, a descendentes ou ascendentes, que em sua companhia
morarem, a administrador, feitor e ás suas mulheres, que com elles viverem.
Se o ferimento, ou offensa physica forem leves, a pena será de açoutes a
proporção das circunstâncias mais ou menos agravantes”
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Argumentamos aqui, que os enunciados da morte, da tortura e dos açoites estão
em conformidade com o sistema escravista. Portanto, não é o conteúdo das
perversidades descritas na legislação o que estamos tentando pautar. Se por um lado, é
importante constatar que o sadismo era o fundamento principal da política de Estado, o
maior escândalo a ser anunciado está no fato das elites brasileiras usufruírem dos
benefícios do terror e dormirem embaladas pelas mitologias da superioridade liberal
europeia. Portanto, o que deve nos causar espanto é a tentativa de produzir um tipo de
constitucionalismo de enunciados liberais no seio do escravismo; é a possibilidade de se
utilizar a gramática da humanidade de forma completamente compatível com a
degradação das pessoas negras; é a escolha política deliberada de se moldar o
ordenamento jurídico com um tipo de racionalidade que permite a assunção de qualquer
tipo de paradoxo para a imposição do genocídio. É essa duplicidade que, para nós, assina
a digital do Constitucionalismo da Inimizade.
É interessante observar como em 1886, diante da pressão da resistência negra,
contando com intensa militância inclusive nas trincheiras jurídicas, a lei 3.310 de 15 de
outubro, revoga o art.60 do Código Criminal e a Lei. N. 4 de 10 de junho de 1835, na parte
em que impõe a pena de açoites.
Com o advento da legislação, poderíamos supor que a questão do açoite estaria
finalmente superada, com a obediência efetiva às normas constitucionais em vigor desde
1824. Entretanto, como sabemos, o açoite sobrevive à abolição da escravidão e à
proclamação da República, sendo um estopim para a Revolta da Chibata, que ocorrerá já
em 1910, quando da vigência de nossa primeira constituição republicana.
Entender esse aparente paradoxo parece ser um exercício fundamental para que
possamos fazer uma leitura do Constitucionalismo da Inimizade a partir das lentes da
amefricanidade e os legados deixados por Palmares.
O que esse quadro revela é uma operação política que atua em três níveis: a) num
primeiro momento com a compatibilização entre terror e Direito, assumindo-se o
paradoxo funcional ao sistema de se negar a possibilidade da tortura na Constituição para
logo depois regulá-la no Código Criminal e legislação esparsa, como descrevemos acima;
b) num segundo momento, a partir da pressão das organizações negras, há um processo
de efetiva suspensão da legislação que impõe a tortura por meio da chibata, garantindose uma harmonia com a letra constitucional; e, c) finalmente, apesar da vedação legal da
chibata, há a necessidade de revolta popular para se suspender a prática de tortura.
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Essa equação é muito ilustrativa para nosso quadro de análise. Afinal, ela nos
ensina que a garantia da liberdade e da integridade física das pessoas negras não passa
por qualquer dimensão da gramática constitucional liberal. Nem mesmo quando o
posicionamento político se transforma e a letra da lei expressa os preceitos da
humanidade para esses corpos, ocorre um resguardo efetivo do direito assegurado. A
marinha não é interpelada por autoridades competentes que, de posse do arcabouço
jurídico liberal, questiona a imposição da chibata como um meio ilegal de punição dos
marinheiros. Na esteira dos processos de séculos de resistência negra, cabe aos
marinheiros, a partir de seus próprios esforços, garantirem algum tipo de efetividade da
lei. A Revolta da Chibata não usa a arena jurídica como o cerne de sua agenda de luta.
Trata-se de uma performance de força, conduzida por João Cândido e outros revoltosos,
que durante cinco dias transformam o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, num
iminente cenário de guerra com possíveis consequências desastrosas para as elites.
(MOREL, 2009)
Esse não é um dado menor. Aparentemente, nos marcos do Constitucionalismo
da Inimizade, a materialização de qualquer avanço efetivo para as pessoas negras passa
por um tipo de articulação que depende de seus próprios esforços e na criação de
embaraços tangíveis para as elites. Ou seja, no Constitucionalismo da Inimizade, o
arcabouço jurídico, no seu pior, é usado expressamente para vedar o acesso das pessoas
negras e indígenas aos seus direitos básicos e sua humanidade, e na sua faceta
complacente, é instrumentalizado como promessa de um futuro igualitário que nunca
chega. O que a história tem nos ensinado é que a interrupção desse quadro perverso, só
se dá com a invocação dos pressupostos Palmarinos de resistência.
Considerando esse horizonte, cabe pontuar não só como as promessas da
Constituinte de 1824 operaram de forma a resguardar os sentidos de um país que, apesar
da brutalidade da escravidão, queria afirmar sua civilidade, como avaliar a leitura que se
perpetuou no tempo a partir desse tipo de arranjo.
Para tanto, se seguirmos analisando a dimensão da tortura e da forma como essa
tem sido uma companhia dileta para as comunidades negras desde o período colonial, é
fácil evidenciar que há uma narrativa em torno desse período histórico que garante que
o projeto central do Constitucionalismo da Inimizade siga intocado até os dias atuais.
De saída, nos parece importante lembrar que a própria forma como se entende a
tortura tende a afastar de seu caráter intensamente racializado. É preciso compreender
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que a tortura é um fundamento do exercício do poder colonial que se expressa a partir de
punições como as de pena de açoite, mas que extrapola em muito os seus contornos. As
restrições alimentares, a insalubridade como dado das condições de moradia, o estupro
como dado patente da vida das mulheres e meninas negras, dentre outros, são parte de
um amplo léxico de políticas de Estado que fundamentam o controle da população negra.
Esse tipo de precaridade da vida certamente é uma das grandes evidências da vida
póstuma da escravidão (HARTMAN, 2003), que faz viver em condições desumanas grande
parte das pessoas no Brasil contemporâneo. Por isso, aqui estamos tentando acessar a
chave da tortura como pressuposto político do terror e não como prática individual e
pontual. Acreditamos ser esse um exercício relevante não para apagar as torturas
concretas impostas aos corpos dos indivíduos antes e hoje. Ao contrário, estamos
querendo evidenciar essa violência afirmando que essas ações não devem ser encaradas
somente sob o âmbito de atuação do Direito Penal na coibição de práticas isoladas, mas
como parte do próprio acerto do Constitucionalismo da Inimizade que opera a partir das
bases de terror.
De fato, um debate aprofundado sobre tortura a partir do prisma da
amefricanidade, nos permite chegar a conclusões prementes. Primeiro, porque ele nos
permite entender como há um saqueamento do sentido original da tortura no Brasil.
Nesse tocante, a forma como se compreendem as violências reguladas pela Constituição
de 1824, durante o período escravista, são fundamentais.
Aqui, é importante pontuar como há uma ampla difusão no senso comum –
amparada pela linguagem hegemônica empregada na historiografia brasileira – que usa
a terminologia “castigos da escravidão” ao tratar das violações à integridade física das
pessoas negras durante aquele período histórico. No imaginário nacional, a tortura está
reservada ao período da ditadura empresarial-militar, com a violação sistemática dos
corpos dos dissidentes políticos brancos que lutaram contra o regime. (FLAUZINA,
FREITAS, 2017). Ou seja, há uma negação simbólica da tortura como o motor que viabiliza
a própria existência do Estado-nação no Brasil. Mais: há uma negativa direta do
sofrimento negro, perpetuando-se um quadro de desumanidade que dá o sinal verde para
que a tortura siga violando sistematicamente esse contingente populacional.
Nesse tocante, entendemos que se projeta a dimensão liberal da Constituição de
1824 e se apaga o duplo da barbárie não só nas práticas jurídicas efetivas que
atravessaram aquele contexto histórico, mas também na forma como se narra esse
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período, como pressuposto de se salvaguardar a perpetuação do centro nervoso do
Constitucionalismo da Inimizade.
Assim, nos momentos de ruptura institucional que marcam profundamente a
história social brasileira, a carta constitucional tende a explicitar as dinâmicas do terror
de forma mais latente. Já nos períodos tidos como progressistas, há uma separação
artificial que permite que se afirme o caráter civilizatório do texto constitucional,
relegando-se principalmente a um tipo de deformidade quase que autônoma do Direito
Penal a instalação das dinâmicas de terror.
É esse tipo de leitura que permite com que se cristalize uma visão que parece
estigmatizar a arquitetura punitiva como o locus exclusivo da atualização da barbárie
colonial. Afasta-se as demais áreas desse tipo de crítica, em especial o Direito
Constitucional, que deve seguir intacto espelhando as promessas elevadas do liberalismo
como atributo esclusivo dos considerados plenamente humanos.
Considerações finais
A existência de um Estado Negro livre e de qualquer experiência de liberdade por pessoas
negras passaram a ser sentenciadas como práticas a serem impedidas, eliminadas
violentamente no século XVI como no XXI. Na condição de primeiras/os inimigas/os,
muitas foram as formas através das quais as autoridades coloniais e o Estado
Constitucional Brasileiro, por meio de seus agentes ou com a sua cumplicidade, se
utiliza(ra)m para dizimar famílias negras e inviabilizar nossa continuidade.
Tortura, estupro, encarceramento em massa, desaparecimento forçado,
assassinato por agentes do Estado, fome, insegurança alimentar, desterritorialização,
informalidade, mortalidade materno-infantil, epistemicídio e racismo religioso são
algumas das dinâmicas através das quais o Constitucionalismo da Inimizade sustenta as
promessas modernas de civilidade para a zona do ser através do terror sobre a zona do
não ser.
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Se o direito penal do inimigo nos ajudou a perceber o exercício do poder punitivo
na engrenagem genocida do Estado, o lugar de primeiras/os inimigas/os das autoridades
coloniais nos ensinaram há muito tempo que a luta por liberdade e por democracia só
será viável no Brasil se enfrentados os duplos do legado colonial.
A população negra tem oferecido projetos políticos de liberdade como resposta
ao apetite genocida das elites brasileiras, como a experiência Palmarina procurou
demonstrar.
As reivindicações que podem alterar estruturalmente o modelo de
distribuição de poder que herdamos passa pela invenção de um outro mundo (KRENAK,
2020), por perspectivas radicalmente novas (FANON, 2018), e pela redistribuição
desobediente de gênero e anticolonial da violência (MOMBAÇA, 2021). É nesse sentido
que entendemos ser possível pensar o Constitucionalismo para além da lógica da
Inimizade, que tem determinado sua atuação em relação a pessoas negras e indígenas no
país.
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Sobre as autoras
Thula Rafaela de Oliveira Pires
Doutora (2013) e Mestra (2004) em Direito Constitucional e Teoria do EstadoPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduada em Direito - Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (2002). Atualmente é professora nos cursos de
Graduação e Pós-graduação do Departamento de Direito da PUC-Rio, Coordenadora
do Programa de Pós-Graduação em Direito e Coordenadora Geral do NIREMA (Núcleo
Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente). Professora Visitante Jr. no
African Gender Institute, University of Cape Town (CAPES/Print/ 2020). Jovem Cientista
do Nosso Estado (FAPERJ- 2022/2025). Integrante do Conselho do Instituto Clima e
Sociedade (ICS), da Assembleia Geral da Anistia Internacional no Brasil e associada de
CRIOLA. Mãe da Dandara e bailarina. Tem experiência na área de: Direito
Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: pensamento
afrodiaspórico, racismo, mulheres negras, decolonialidade, teoria crítica da raça,
direitos humanos e teoria do reconhecimento.
Ana Luiza Pinheiro Flauzina
Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2003), graduação
em Historia pela Universidade de Brasilia (2004), especialização em sistema de justiça
criminal pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006), mestrado em Direito pela
Universidade de Brasilia (2006), doutorado em Direito pela American University
Washington College of Law (2012) e pos-doutorado pelo African and African Diaspora
Studies Department na University of Texas at Austin. (2013). É professora adjunta da
Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
As autoras contribuíram igualmente para a redação do artigo.
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