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Experiência e filosofia

Filosofia e Educação

Este ensaio se propõe a abordar o tema da escuta em sala de aula, durante as aulas de filosofia, junto aos estudantes de ensino fundamental II e ensino médio. A partir da escuta é que se trama um emaranhado de experiências que se articulam com os afetos ocorridos na relação entre a comunidade escolar. Além disso, é partindo destes afetos que pode-se pensar na sala de aula como um espaço de comunidade, onde todos os participantes contribuem para a aprendizagem significativa elaborando estratégias de lutas antirracistas e de um olhar para as singularidades. Logo, é no corpo e na produção de sentidos que a experiência e a filosofia se entrecruzam em sala de aula construindo desejos e entusiasmo.  

Ensaios P á g i n a | 216 DOI: 10.20396/rfe.v14i2.8668394 Experiência e Filosofia: os efeitos da escuta em sala de aula Geverton Kohnlein1 Resumo Este ensaio se propõe a abordar o tema da escuta em sala de aula, durante as aulas de filosofia, junto aos estudantes da escola onde trabalho. A partir da escuta é que se trama um emaranhado de experiências que se articulam com os afetos ocorridos na relação entre a comunidade escolar. Além disso, é partindo destes afetos que pode-se pensar na sala de aula como um espaço de comunidade, onde todos os participantes contribuem para a aprendizagem significativa elaborando estratégias de lutas antirracistas e de um olhar para as singularidades. Logo, fui afetado pelas vivências e experiências de algo que me produz vertigem, arrependimento e um olhar crítico sobre mim. Afeto de desconstrução do EU sob um olhar da luta antirracista pelo qual estou disposto a lutar em sala de aula. Palavras- chave: Filosofia. Educação. Experiência. Abstract This essay proposes to address the issue of listening in the classroom, during philosophy classes, with students at the school where I work. From listening, a tangle of experiences is plotted that are articulated with the affections that occurred in the relationship between the school community. In addition, it is from these affections that the classroom can be thought of as a community space, where all participants contribute to meaningful learning by developing strategies for anti-racist struggles and a look at singularities. Soon, I was affected by the experiences and experiences of something that makes me dizzy, regret and a critical look at myself. Affect of deconstruction of the I under a perspective of the anti-racist struggle for which I am willing to fight in the classroom. Key-words: Philosophy. Education. Experience. 1 Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor de Filosofia no Colégio Luterano Concordia São Leopoldo. E-mail: [email protected] Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 217 Caminhos iniciais... Until the philosophy which hold one race superior And another inferior Is finally and permanently Discredited and abandoned Everywhere is war Me say war (War – Bob Marley) Este texto, em formato de ensaio crítico, aparece em um contexto bem familiar dos docentes, a sala de aula. Faz muito tempo que busco escrever sobre algo, sobre as experiências que tenho como docente, no entanto, em momento algum me senti tão empolgado quanto agora, pois foi na sala de aula que as coisas tomaram outro rumo. Vou contar minhas memórias do ano de 2021, memórias não tem a intenção de produzir história, de produzir uma verdade sobre os acontecimentos, mas sim, de falar sobre uma perspectiva específica, no caso a minha. Portanto, não vou traçar um ensaio crítico a fim de alcançar uma verdade sobre experiência, tampouco criar um modelo de ser docente e se relacionar com os estudantes. O que pretendo neste texto é desenvolver uma crítica ao ensino apostilado da disciplina de filosofia e apresentar argumentos que demonstrem que ensinar a filosofar deve estar à frente do ensinar filosofia. Neste sentido, então, o que me detenho a desenhar aqui são traços de um filosofar na educação, ou com a educação, e nunca para a educação. Vamos lá! Para dar um pontapé inicial penso que seja importante me situar, apresentar o meu lugar de fala. Sou professor de filosofia, branco e desde 2017 leciono a disciplina de filosofia para estudantes do ensino fundamental 2 e ensino médio, em escolas particulares. Acredito que isso defina muitas coisas e que, ao mesmo tempo, produza uma série de ideias sobre o meu lugar, ou seja, o lugar que eu habito como sujeito, como professor e como devir filósofo. Sim, reconheço em primeira instância minha branquitude, para com isso poder determinar os espaços privilegiados que estou e estive ao longo da minha vida. Um pouco da crítica já está aqui, pois, como afirma Djamila Ribeiro (2019), é importante reconhecermos nosso lugar e dialogarmos sobre a branquitude e negritude para tornarmo-nos menos racistas diariamente. E, é Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 218 sobre isso que minha experiência dialoga, sobre o outro que me constrói como sujeito e juntos desconstruímos objetos, inclusive de objetificar pessoas, como nossa história fez e faz com diferentes seres humanos no mundo. Desde o momento em que tive meus primeiros contatos com o “chão de sala de aula”, e até mesmo durante a graduação, busquei manter uma postura ética nestes espaços. Levantei questões, provoquei e propus ideias e as coloquei em prática, de alguma forma fui ouvido, mas nem todos eram. Ser escutado não é para todos(as), percebi o lugar privilegiado que eu ocupava, e ainda ocupo hoje. Ser homem e branco, me possibilitou algumas coisas que eu sei que nem todos(as) vão conseguir. Nossa sociedade foi e é racista e sexista, construindo culturalmente os espaços para que cada pessoa tenha seu devido lugar, assim como foi para mim. O que essa construção cultural não espera são os sujeitos do desencaixe, os sujeitos que se percebem fora da caixa, fora da norma, fora dos padrões e que conseguem, o que não é fácil, psicologicamente falando, sustentar este lugar. O mais fácil é naturalizar! Mas, quem disse que o fácil é o que me cabe? Diante disso, desta naturalização das coisas, do qual eu não consigo engolir, do qual escolhi seguir na filosofia, me tornando professor desta disciplina. Já na graduação, como a própria Djamila Ribeiro (2019), que cursou filosofia, sinaliza, vi poucas mulheres filósofas dentro do curso e nenhum filósofo negro, ou seja, não aprendi nada, praticamente, sobre a perspectiva feminista, ou sobre a perspectiva da negritude. O que demonstra que a preocupação de um suposto “filosofar” é caracterizado por racismo e um machismo epistemológico. Quem está no lugar de poder? Quem ocupa este espaço do conhecimento? Quem produz às verdades da filosofia, ou do campo da ciência? Já sabemos a resposta, o que não quer dizer que precisamos aceita-las! Estas perguntas apresentam um pouco do que aprendi no curso, a não naturalizar as coisas. Mesmo que a maioria das pessoas siga um caminho, não se pode guiar-se por um suposto “ideal” platônico, um amor incondicional para com os desejos da maioria, pois quais são os seus? O espaço da sala de aula me proporcionou pensar sobre meus desejos, sobre a minha vontade de Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 219 potência e sobre o próprio papel da filosofia nas salas de aula. Por isso, no próximo tópico vou abordar melhor as questões críticas do ponto de vista da sala de aula. Espaço este que pode ensinar os professores, para além de ele ser o “ensinador”. Existe uma brecha para que todos os professores possam tornar-se aprendizes e que a sala de aula seja uma comunidade, como nos ensinou bell hooks (2013). Ser professor de filosofia ou tornar-se professor de filosofia Como sinalizei na introdução, sempre me vi como um devir professor de filosofia, ou um devir professor, nunca me vi como algo definido, como algo que já é, mas sim algo que sempre pode mudar. O aspecto da mudança, como pensou Heráclito, possibilita que cada sujeito seja o que ele quiser, que ele possa mudar a si mesmo a partir do tempo que não foi medido. Essa mudança talvez seja a única essência do ser humano. Não podemos controlar o tempo, mesmo que estejamos com o relógio no pulso. Com isso, no espaço docente, não podemos controlar tudo o que vai se passar e o que se passa na sala de aula. Não sabemos quem, o que, vai acontecer durante o processo do ensino aprendizagem. Isso não quer dizer que não estabelecemos objetivos, ou “ideias”, para nosso planejamento, mas, existe um grau de suspeita em todas as aulas. Por quais motivos isso ocorre? Uma possível resposta é que existem outros sujeitos no mesmo espaço que o professor habita. Uma sala de aula não é um lugar fechado, existem várias brechas, fendas, rupturas que vão produzir o desconhecido. A suspeita, e outros conceitos mais, tem a ver com um dos filósofos que mais me inspirei ao longo da jornada de devir professor, é ele Friedrich Nietzsche. Para não problematizar questões outras, abordo somente o escrito dele e não o que fez em vida, pois não tenho como mudar o passado, apenas viver com suas memórias e transformá-la no presente. Por isso, Nietzsche (2008) me ensina que “[...] não há fatos, só interpretações.” (p. 260), dentro do campo epistemológico. Este argumento me remete a pensar no papel do professor em sala de aula, como aquele que tem autoridade no espaço, mas Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 220 que, por ter esta autoridade, pode criar estratégias para não se transformar em alguém autoritário. Seria uma espécie de autocrítica e reconhecimento do lugar de poder que cada professor ocupa. O que fazer com isso? Saber escutar e perceber a comunidade que podemos formar em uma sala? Saber escutar e perceber que o estudante não é um objeto sem voz (aluno)? Ou, simplesmente ignorar e naturalizar tudo? Cada escolha é uma escolha, não escolher é uma escolha. Por este motivo, como nos ensina bell hooks (2013), o professor não é um sujeito politicamente neutro, e não estou falando de partido, mas sim de posicionamento frente aos aspectos que competem a seu ser cidadão. Ele tem papel fundamental no ensino político para com os estudantes que estão junto com ele. Sinalizar, escutar, aconselhar e encaminhar são ações que o mesmo deve ter, pensando numa questão ética da docência. Então, mesmo que muitas pessoas não consigam ver isso, sim o professor não é neutro, e sim, ele tem papel fundamental na construção do cidadão que está a sua frente. Pois ele, o estudante (criança ou adolescente), tem voz e tem direitos na nossa democracia brasileira, tudo isso assegurado pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Qual é o problema da escuta? Por que silenciar os estudantes? A essas perguntas retomo o lugar de poder do professor, já apresentado por Michel Foucault (2013), quando analisa algumas instituições escolares francesas e mostra que a escola é uma instituição disciplinadora, com caráter punitivo e coercitivo. E o professor é o sujeito do biopoder, alguém que tem o papel de vigiar os estudantes e, caso precise, puni-los com diferentes instrumentos. Mas, isso não significa que ele deve realmente fazer isso. No entanto, como bell hooks (2013) nos mostrou, é desafiador para alguns professores mudarem seu modo de ser, seu modo de ensinar e seu modo de pensar. É desafiador, para alguns professores, saírem do seu conforto, de seu material didático, de suas didáticas e instrumentos avaliativos. O que não os impede de fazer, pois existem várias brechas, na sala de aula, que torna possível a mudança, uma delas se chama estudante. Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 221 O estudante, aquele que pode ser denominado como aluno(a), é um sujeito em sala de aula, não é um mero objeto que está ali para ser alimentado pelo conhecimento. É ele, também, um ensinante. Ele carrega uma bagagem que pode ser um conteúdo para diferentes disciplinas escolares, o que costuma confundir os professores é o modo como eles apresentam este conteúdo. É complicado, muitas vezes, saber ouvir a perspectiva do estudante, pois ela vem carregada de subjetividades, diferente das nossas. Assim como no contrário, quando os estudantes não conseguem compreender alguns conteúdos transmitidos pelos professores. O que falta aqui? A meu ver, diálogo! Sim, algo tão antigo quanto a própria filosofia. E diálogo só pode ser formalizado quando temos escuta e fala de ambas as partes. Não basta somente ouvir, precisamos escutar, e a escuta requer afeto. Estamos dispostos a nos afetar pelo estudante, como professores, sujeito de poder em sala de aula? O que ocorre quando este afeto, em formato de escuta, toca o professor? Afetar-se para não silenciar as diferentes perspectivas Perceberam algumas autoras citadas aqui? Djamila Ribeiro e bell hooks? Como eu disse, na graduação não aprendi nada sobre elas, até no mestrado em educação não li nada sobre autores (as) negros (as). Como elas vieram parar aqui? Dos estudantes. Sim, de muitos estudantes negros e negras pelos quais eu habito em conjunto nas salas de aula das escolas que trabalho, na escola comunidade, que produz o conhecimento em conjunto. Foi em algumas destas salas de aula que me deparei com algumas coisas, onde estão as filósofas nos livros? E os filósofos e filósofas negras? E os filósofos indígenas, latino-americanos? Como uma estudante, mulher, vai gostar de filosofia se só estudamos homens? Como um estudante, negro, vai gostar de filosofia se só estudamos homens brancos? Onde está a representatividade, ainda mais vinda de um professor branco e homem? Sim, foram estas as perguntas que me fiz ao longo do ano de 2021. Quando me deparei com uma turma onde a maioria eram de estudantes mulheres, onde esbarrei com uma turma onde a maioria eram de estudantes Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 222 negros e negras. Isso me afetou, ouvi o silêncio dos estudantes evocados nas suas bocas fechadas. Parecia que suas vozes transbordavam através dos seus olhares, e eu, ignorante, parado ali tentando ensinar filosofia. Como mudar isso? Como tornar a sala de aula mais aberta, sendo que os livros nos enclausuram em um status quo determinado? Que força tenho eu como docente para mudar isso? Brechas! Escuta! Posicionamento! Estudos! Quero relatar aqui alguns acontecimentos que ocorreram até este texto. Memórias que me produziram um mal-estar como professor. Como Benjamin (1994) abordou em seus escritos, narrar uma memória não quer dizer que ela se estabelece como sendo a verdade, por isso, algumas coisas podem não condizer com o que de fato ocorreu, pois, minha memória não é uma filmadora. Na minha memória há afetos que guardei das experiências que tive ao longo do ano, muitas delas, infelizmente foram perdidas, mas as que permaneceram produzem a mudança de professor que acabei exercitando ao longo deste ano. Certa vez, em uma aula de culturas religiosas 2, estávamos trabalhando sobre o candomblé e religiões afro-brasileiras. Como eu sou formado em filosofia, tive que estudar muito sobre determinado assunto. Até que em certo momento, uma menina negra, me disse que fazia parte de um grupo de ativismo negro, que poderia me ajudar nas aulas. Neste grupo apenas meninas negras podem participar, aprendendo sobre a valorização da negritude. Eu, ao escutar ela, aceitei de cara sua proposta, com isso ela me passou o número de sua professora. Logo entrei em contato com ela (a professora), e convidei-a para fazer uma fala sobre as religiões de matriz africana no Brasil. No entanto, ela não tinha tempo para me ajudar, mas me indicou uma mãe de santo, que se dispôs a participar da nossa aula. Em uma sextafeira, tivemos uma baita aula sobre Candomblé, dentro do terreiro dela (foi online pois estávamos de forma remota). Os estudantes, assim como eu, aprendemos muito sobre a religião e sobre as principais características do espaço. No entanto, a mesma menina negra, que passou o contato, depois da aula com a nossa convidada disse: - Não me senti representada por ela! A fala desta estudante, mesmo sabendo quem era a pessoa e que sua professora a convidou para ocupar o lugar dela, reitera algo importante que é a representatividade. Lembro que naquele momento falei para ela que eu lutava, em meu lugar de fala, por mais pessoas ocupando lugares de poder que podem lhe representar. Como sinaliza Djamila Ribeiro (2020), Para além de filosofia, leciono Sociologia e Culturas Religiosas, além de ser aplicador da Escola da Inteligência. 2 Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 223 O fundamental é que indivíduos pertencentes ao grupo social privilegiado em termos de locus social consigam enxergar as hierarquias produzidas a partir deste lugar, e como esse lugar impacta diretamente a constituição dos lugares de grupos subalternizados (p.85). Eu, como professor, homem e branco, reconheço o lugar que ocupo na sociedade e na relação entre os participantes de uma sala de aula. Depois desta cena fiquei muito intrigado e, de fato, preocupado com meus posicionamentos frente aos diferentes sujeitos que ocupavam a sala de aula do qual eu fazia parte. Olhava para os livros, para as minhas leituras e para o devir professor que estou sendo. Comecei a me aproximar, cada vez mais, de algo importante na filosofia que é a CRÍTICA. Primeiramente, autocrítica, depois construções docentes críticas. Que poder tenho eu para mudar os espaços habitados por anos de teorias, epistemologias, experiências docentes? Muito poder, penso eu, e de fato, foi isso que fiz. Mas, antes de falar sobre práticas, retomemos mais algumas memórias. Uma delas fundamental para pensar em estereótipos, com um músico que me acompanha desde quando eu era criança, Bob Marley. Uma das minhas principais estratégias para trabalhar questões de negritude e lutas antirracistas é abordar as músicas de Robert Niesta Marley. Desde muito jovem sempre gostei das músicas do Bob, no entanto, por falta de pesquisa, acesso a informação, não sabia muito bem sobre o que as letras falavam, apenas gostava das melodias. Depois que descobri as traduções das letras, me senti muito feliz por ver sobre o que se tratavam seus escritos. Sempre que posso levo algumas de suas letras para falar sobre filosofia (WAR), lutas antirracistas (REDEMPTION SONG), equidade. Certa vez, levei a música Redemption Song para a sala de aula, tentando instigar os estudantes a pensarem sobre filosofia e desconstrução de pensamento, foi em um destes momentos que, em uma turma de 8º ano, surgiram algumas questões bem interessantes, como relato a seguir. Certo dia, quando estávamos discutindo equidade e luta por justiças sociais, levei, mais uma vez, uma música do Bob Marley. Para provocar os estudantes, levei a música Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 224 Redemption Song, onde em uma das frases da música Bob canta “None but ourselves can free our minds” (Ninguém além de nós mesmos pode libertar nossa mente). Do que? Para que? Da alienação dos sistemas que naturalizam as coisas. A partir disso, iniciamos uma discussão bem interessante sobre a música, também sobre as questões raciais fazem parte dela. Em um determinado momento, um estudante, menino negro, levantou sua mão e disse: -Sempre achei que as músicas do Bob Marley faziam apologia a maconha e as drogas. Este menino em questão, durante o período de aulas remotas, foi tomando o lugar de fala na turma e assumindo um gosto muito especial à filosofia. Quando retornamos as aulas presenciais ele era o estudante que mais se empolgava com as questões filosóficas provocadas por todos nós. Neste caso específico, com a música de Bob Marley, pudemos desconstruir um estereótipo racial de músicas cantadas e escritas por pessoas negras, ou até mesmo pela melodia, como é o caso do Rap, Samba, Funk e Reggae. Neste lugar que eu ocupo, como professor, autoridade, abro brechas para produzir pensamentos nos estudantes, assim como eles produzem em mim. Na mesma turma, uma menina negra, que faz parte do mesmo grupo da estudante da turma do 7º ano, me ensinou uma coisa incrível, justamente neste viés das músicas de Bob Marley. Certa vez, quando ainda discutíamos as questões raciais em sala de aula, uma menina negra tomou a palavra e começou a produzir uma série de conhecimentos que eu, ignorante, não tinha. Disse ela: - Eu não me reconhecia como negra, desde que comecei a estudar e conversar com pessoas que me ensinaram isso. Hoje, me considero “preta”, pois é uma palavra de resistência ao corpo que tenho. Depois disso, pedi para ela me explicar por qual motivo ela usa a palavra preta e não negra. Foi uma aula incrível! Fiquei empolgado e muito feliz com o que escutei. Me contou sobre povos Iorubás, sobre a vinda dos negros da África, sobre ancestralidade, sobre literatura antirracista. A fala desta menina, da turma do 8º ano, repercutiu muito na minha cabeça, levei tempos tentando entender qual era meu lugar em sala de aula. O que eu, como professor, poderia fazer para contribuir para uma educação antirracista, então comecei a estudar sobre o tema, sem um norte específico, fui me guiando por um primeiro livro da autora Grada Kilomba (2019). No livro de Kilomba vi a estudante da sala de aula, vi do que ela estava se Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 225 apropriando e o que ela estava desconstruindo dentro de si, assim como estava fazendo o menino na música do Bob Marley. De fato, como sinaliza Kilomba (2019), no Brasil, por ser um país racializado, temos muitas memórias esquecidas, principalmente as do racismo cotidiano. Fato este que nos faz cair em tentações de apagamento e negação da história dos povos oprimidos, que são maioria em nosso país. O que uma aluna me ensinou, está na Lei de Diretrizes e Bases, sob o número 10.639/03, mas para além desta lei, está incrustrada na história do Brasil, em todos os lugares que foram silenciados e que hoje, como professor, temos um compromisso ético para a escuta, reconhecendo a ignorância que nos habita. Depois desta cena, a mesma aluna e algumas de suas colegas, começaram a perceber que existe algo importante na filosofia, a conscientização e a crítica. Mas, como produzir isso se os espaços da filosofia nas escolas estão sendo cada vez mais negados? Como promover um pensamento crítico se nossos governantes querem promover o individualismo e o empreendedorismo de si, sob a ótica neoliberal? Na resistência! Resistir é preciso, isso outra menina negra me ensinou, em uma turma de 6º ano, quando estávamos falando sobre bullyng. Certa vez, quando estávamos falando sobre preconceito, bullyng e questões vinculadas à discursos de ódio, uma menina negra pediu a palavra para nos fazer refletir. – Bullyng, eu sofri bullyng, pior do que isso eu fui vítima do racismo. Sempre falaram do meu cabelo, da minha cor, do meu jeito de ser. Várias vezes eu chorava sozinha (ela estava chorando neste momento). Precisamos acabar com isso, por isso eu grito, falo e não me calo, as pessoas brancas não vão entender, porque elas não sofrem com isso, e não, não é vítimismo. Se ela chorou, eu chorei, mas não pude mostrar minhas lágrimas para a turma, fiquei desolado, sim, nunca tinha me acontecido isso em uma sala de aula. Fiquei triste, mas feliz ao mesmo tempo. Triste pois eu sabia do que ela estava falando, triste por ainda ver a hipocrisia que muitas pessoas não conseguem enxergar, ver, ouvir e falar. Mas feliz, pois ela estava reconhecendo seu lugar de fala, estava reconhecendo o que é uma sociedade racializada e que ela estava tomando posição frente ao combate. Assim como Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 226 cita Kilomba (2019), referenciando bell hooks, sobre discursos de pessoas negras, assim como a menina que tomou voz e produziu um conhecimento, para mim e para seus colegas. Essa transformação é refletida em nossos discursos. Quando produzimos conhecimento, argumenta bell hooks, nossos discursos incorporam não apenas palavras de luta, mas também de dor - a dor da opressão. E ao ouvir nossos discursos, pode-se também ouvir a dor e a emoção contidas em sua precariedade: a precariedade, ela argumenta, de ainda sermos excluídas/os de lugares aos quais acabamos de “chegar”, mas dificilmente podemos “ficar”. (KILOMBA, p.59, 2019). A demora e as palavras para falar da experiência Demorou muito até que consegui colocar em palavras algumas experiências que tive no ano de 2021. Estava com muita vontade de escrever este texto, mas, com que referências? Só consegui desenvolver essa escrita depois das leituras que tive de autoras como Djamila Ribeiro, Grada Kilomba, bell hooks, Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus e Franz Fanon, e claro de outros (as) por tabela. E isso, só foi possível quando do reconhecimento do lugar que eu ocupava como professor. Não bastava estar lá, aplicando os conteúdos dos livros didáticos, mas sim existir de diferentes formas e isso aconteceu quando eu dei aula para o ensino médio. Sim, embora os relatos anteriores ocorreram no ensino fundamental, foi somente no ensino médio que pude me perceber como ignorante. Quando isso aconteceu? Bem, para começo de conversa, tudo inicia com quase 20 capítulos de uma apostila de filosofia para o ensino médio. Tantos capítulos que resumem a história da filosofia, mas que filosofia? Comecei a me questionar. Como posso passar 3 anos ensinando para os estudantes que não conseguem, sequer, se reconhecer em algum dos autores que eu estava trabalhando? Como nos faz pensar Chimamanda (2019), em “Os perigos de uma história única”, eis o perigo, aniquilar os conhecimentos de filósofas mulheres e de filósofos indígenas, negros, latino-americanos. Sim, quase 20 capítulos sem citar sequer algum destes sujeitos. 3 anos ensinando filosofia branca, masculina e Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 227 europeia. Não que não seja importante, mas que filosofia é essa? Para quem é essa filosofia? Por quais motivos os estudantes negros, mulheres, homossexuais, transexuais, não conseguem se identificar com a filosofia? Existe algum motivo óbvio nesta história única. Mas, pensar é importante e foi isso que busquei ensinar para os estudantes da 3ª série do ensino médio, que o que importa mesmo na filosofia é resistir e re-existir. Como fiz isso? Brechas! Ocupar um lugar de poder, não quer dizer que você precisa ser o príncipe de Maquiavel! Reconhecer o espaço que você está te oportuniza dar voz às pessoas oprimidas e isso demonstra o aspecto ético da professoralidade. No livro de Djamila Ribeiro (2019), a autora apresenta propostas para o reconhecimento de sua branquitude e do lugar de poder do qual alguém pode ocupar, diz ela: “Acordar para os privilégios que certos grupos sociais têm e praticar pequenos exercícios de percepção pode transformar situações de violência que antes do processo de conscientização não seriam questionadas” (p.107). Eis alguns dos relatos de brechas que abri no lugar onde eu me encontro como professor em sala de aula. Certa vez, estávamos trabalhando, na 2ª série do ensino médio, com filosofia moderna, especificamente, Imannuel Kant. Fizemos a leitura do texto “O que é o esclarecimento?” E discutíamos o lugar da razão para Kant, levando em consideração o livro – Crítica da Razão Pura – ao mesmo tempo, estávamos discutindo, em Sociologia, as questões de Raça (racismo, sociedade racializada, branquitude). E resolvi, abrir uma brecha em filosofia com o livro do Camaronês Achille Mbembe – Crítica da razão Negra, e contei um pouco sobre como a própria filosofia contribuiu e contribui, para as justificativas da escravização. Retomei o lugar do escravo para Platão e Aristóteles (claro sob outra perspectiva). E no fim, propus que os estudantes elaborassem uma “Crítica à razão branca”, uma forma de perceber que a razão é um dos argumentos que justificam os processos de inferiorização dos sujeitos, transformando-os em objetos. A partir disso, um estudante negro da turma, comprou um livro do Aristóteles – A política, disse-me: - Comprei o livro pois estou procurando em qual parte ele fala sobre a naturalização de se ter escravos. E discutimos várias coisas ao longo do ano sobre este tema, não somente em sala de aula, mas como também nos corredores da escola, pois ficou nítido a vontade do estudante de filosofar sobre o tema. Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 228 Esse relato se deu logo no 1º trimestre do ano letivo, estávamos apenas iniciando o ano e muitas coisas começaram a me chamar atenção como professor. Os livros didáticos eram uma das questões. Como é possível ficarmos 3 anos sem ver filósofas mulheres e filósofos negros, indígenas, latino-americanos? Por quais motivos temos esta negação? Eis os perigos de uma história única, como nos bem lembra Chimamanda (2019). O que fazer com as diferentes perspectivas que ocorrem na história? Negar? –Se eu nego eu naturalizo. Eis o que eu penso sobre. Sei que abordar um assunto como este não é tranquilo, ainda mais quando se é um assalariado e que depende do dinheiro para pagar as contas. Mas, até onde vai nossa ética como professor? Que tipo de aula estamos potencializando para nossos estudantes? Será que só o “foco no Enem” basta para que a escola seja o espaço de tamanha importância na sociedade? Partindo disso, destas perguntas, é que me propus a tensionar. Mas, sempre com algo em mente, para não deixar arrebentar a corda. Existem diversas formas de tensionar, produzir e problematizar temas, sem radicalizar e arrebentar com tudo. Tudo isso exige diálogo e paciência. Quando eu disse que iria trabalhar com o pensamento decolonial, uma colega de trabalho me sinalizou sua preocupação. Trabalhar com autores(as) negro(a)s, indígenas, gays, trans... sim, filosofia contemporânea, atual, hoje! Como fiz isso? Diálogo! Onde vemos a melhor justificativa para trabalhar com isso? Culturas Juvenis na Base Nacional Comum Curricular (2018). O professor precisa estar ciente da sua posição na sociedade, como nos escreveu bell hooks (2013), não tem como ele ser neutro, mesmo que seja em uma aula de ciências exatas. E se me perguntarem sobre políticas públicas? Sobre gênero e sexualidade? Sobre um vídeo do TIK TOK? Sobre uma fala do presidente da república? Vou me esquivar? Vou silenciar o estudante? A fala deste estudante, seu questionamento, são gatilhos para uma pesquisa em construção coletiva, onde professor se torna estudante e juntos transformam a sala de aula em um ateliê de arte. O mais fácil é negar e naturalizar, se dizer neutro, o mais difícil é se posicionar. E, se posicionando, podemos perceber uma vontade de aprender do estudante, pois este é um dos Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 229 propósitos da escola. Deveríamos instigar os estudantes a querer aprender, e não os forçar à isso com métodos de punição. Por isso, os projetos, que vão ser uma das formas de trabalho do novo ensino médio, são uma das diferentes maneiras de pesquisar sobre autores que não estão engessados nas apostilas. A surpresa de algumas meninas estudantes da 3ª série do ensino médio, ao comentar sobre os quase 20 capítulos da apostila que estávamos trabalhando não citarem uma filósofa mulher, foi muito interessante. Elas não quiseram acreditar que deixaram de fora as mulheres na história da filosofia. Como promover a representatividade se não estamos incluindo-as nos espaços de maior importância da sala de aula, os livros didáticos? Embora eu não tenha apresso pelos livros, eles acabam se tornando ferramentas norteadoras, mas, não podem se tornar uma regra moral. Precisamos saber criar, através dos olhares dos estudantes, estratégias para fortalecer os vínculos entre toda a comunidade da sala de aula. Foi isso que fizemos em um projeto interdisciplinar – FILOSOFIA, SOCIOLOGIA, GEOGRAFIA, HISTÓRIA E LITERATURA – elaboramos, em um trimestre inteiro, um projeto sobre pensadores e pensadoras com uma perspectiva decolonial. Um movimento muito interessante, onde ensinei e aprendi a transgredir. Os estudantes tiveram a oportunidade de pesquisar estes e estas autores(as), nomes que apareceram nas pesquisas: Djamila Ribeiro; Franz Fanon; Conceição Evaristo; Angela Davis; Márcia Tiburi; Achille Mbembe, bell hooks, Grada Kilomba, entre outras e outros mais. Mas, como apresentar isso? Como transformar esta pesquisa em algo apresentável? Quem sabe um livro? Mais um capítulo da apostila? Não, existiu outra forma artística, o ZINE. Foi assim que os estudantes apresentaram suas pesquisas. Embora não tenha um relato de algum estudante nesta passagem, vejo que ela, por si só, tem voz sobre experiência de desconstrução, mesmo que seja em um instrumento avaliativo, que valia o trimestre destes estudantes. E, nos instrumentos avaliativos (trabalhos, provas, testes...) também podemos abrir brechas como professores. Foi isso que ocorreu em um teste na 1ª série do ensino médio, onde elaborei uma situação problema com um texto do Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 230 Ailton Krenak, indígena e filósofo brasileiro. Os estudantes deveriam criar uma solução para os problemas ambientais e o etnocídio dos indígenas no Brasil. O que mais me chamou a atenção foi a fala de uma das estudantes, ao ler o texto de Krenak. Certa vez, em uma das últimas avaliações do ano letivo, uma estudante, ao ler o texto do teste, ficou pasma com o que viu. Ela disse: - Nossa este texto foi um soco no estômago. Me senti mal, inclusive. Deveríamos ter mais contato com este tipo de leitura. Achei muito interessante e importante. O que ela leu de Ailton Krenak afinal? Bem ela e seus colegas, leram duas obras de Krenak, são elas: - O amanhã não está à venda e – A vida não é útil. Nestes dois textos, Krenak (2020) nos ensina a respeitar a natureza, saber lidar com aquilo que os indígenas aprenderam e ensinaram para sua comunidade. Ele tensiona, a todo momento, o modo como nós, seres civilizados, nos relacionamos com a natureza. O que a estudante leu nos dá um choque de realidade, pois estamos sendo ensinados a não pensar no todo, mas apenas no nosso próprio umbigo. Embora não possa citar aqui o que a estudante, junto com sua colega, escreveu, sinto que seu texto (formato de entrega da atividade) tem um viés crítico e reflexivo, muito mais filosófico do que saber o que é, por exemplo, A Alegoria da Caverna, ou decorar o Imperativo Categórico de Kant. O que ela fez foi filosofar, permitir-se sair de si mesmo e se conectar em algo que está tão próximo de nós, mas que por ideias coloniais eliminamos, o pensamento indígena brasileiro. Krenak (2020) nos diz, em A vida não é útil, sobre a educação: Acho gravíssimo as escolas continuarem ensinando a reproduzir esse sistema desigual e injusto. O que chamam de educação é, na verdade, uma ofensa à liberdade de pensamento, é tomar um ser humano que acabou de chegar aqui, chapá-lo de ideias e soltá-lo para destruir o mundo. Para mim isso não é educação, mas uma fábrica de loucura que as pessoas insistem em manter. Talvez essa parada por causa da pandemia faça muita gente repensar por que mandam seus filhos para um reduto chamado escola e o que acontece com eles lá. Os pais renunciaram a um direito, que deveria ser inalienável, de transmitir o que aprenderam, a memória deles, para que a próxima geração possa existir no mundo com alguma herança, com algum sentimento de ancestralidade. Hoje, quem fala em ancestralidade é um Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 231 místico, um pajé, uma mãe de santo, porque as "pessoas de bem” saíram de um MBA em algum lugar e não vão ficar falando esse tipo de coisa. São como uns ciborgues que estão circulando por aí, inclusive administrando grandes grupos educacionais, universidades e toda essa superestrutura que o Ocidente ergueu para manter todo mundo encurralado (p. 49). Krenak (2020) e tantos outros indígenas tem muito o que nos ensinar. Nós, seres ditos civilizados, deveríamos refletir mais sobre o papel da escola na educação da sociedade. Compreendo que seja necessário aprendermos mais sobre o que queremos, sobre nos escutar e escutar os outros, inclusive nossos estudantes. A escuta foi, e é, para mim a melhor ferramenta docente, sem ela nenhum destes relatos seriam possíveis. Além é claro, das demoradas leituras antirracistas que fui forçado a fazer por escutar, pelos corpos dos estudantes, as múltiplas perspectivas que um mesmo espaço tem, que é a sala de aula. Saí de um narcisismo professoral, para um diálogo de aprendizagem e isso nenhum diploma pode me proporcionar como profissional. Devir conclusão É difícil terminar um texto que me trouxe tantos afetos. Escrever isso, durante minhas férias, enquanto estou longe da comunidade escolar é uma forma de elaboração do ano letivo. Um ano complicado pela pandemia, mas muito proveitoso. Todos os relatos foram feitos em uma das escolas que trabalho, parece que estou anos nela, mas nem completei meu primeiro ano. Tudo foi muito intenso, os estudantes são sensacionais e me ensinaram muito sobre ser professor. Não basta entrar em sala de aula, com toda a bagagem do currículo e sair achando que vai ser tranquilo, nunca é tranquilo se você realmente se importar com o que está fazendo. Ser professor é se permitir tocar-se pelo outro, ouvi-lo e deixá-lo falar, é trazer as reflexões, mas permitir que os caminhos sejam traçados pelos estudantes. E, perceber isso é abrir-se para novas leituras, novos entendimentos, perceber o que não foi aprendido durante a formação. Perceber as minorias e dar voz a elas, é um lugar político e não posso negar que tenho um lugar de fala privilegiado que pode abrir a Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605 Ensaios P á g i n a | 232 porta para novas oportunidades. O novo incomoda, mas é fundamental para as mudanças cotidianas. Como citado ao longo do texto, por Heráclito, tudo muda e nada permanece o mesmo, por isso, o ensino de filosofia apostilado precisa mudar; assim como a sala de aula tradicional, que necessita ver as perspectivas dos estudantes e deixá-las falar, eis um ponto importante para o filosofar. Eu tinha mais memórias para relatar aqui, mas quero deixar para outro momento, até mesmo aquelas que esqueci. Referências BENJAMIN, Walter. O narrador. In: Magia e Técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1994. BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm Acesso em: 10 de Fev de 2022. BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art266>. Acesso em: 10 fev. 2020. 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Artigo recebido em: 16/02/2022 Artigo aprovado em: 16/06/2022 Artigo publicado em: 30/08/2022 Filos. e Educ., Campinas, SP, v.14, n.1, p.216-233, Maio/ago. 2022–ISSN 1984-9605