Ensaios
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DOI: 10.20396/rfe.v14i2.8668394
Experiência e Filosofia: os efeitos da escuta em sala de
aula
Geverton Kohnlein1
Resumo
Este ensaio se propõe a abordar o tema da escuta em sala de aula, durante as aulas de
filosofia, junto aos estudantes da escola onde trabalho. A partir da escuta é que se trama
um emaranhado de experiências que se articulam com os afetos ocorridos na relação
entre a comunidade escolar. Além disso, é partindo destes afetos que pode-se pensar na
sala de aula como um espaço de comunidade, onde todos os participantes contribuem
para a aprendizagem significativa elaborando estratégias de lutas antirracistas e de um
olhar para as singularidades. Logo, fui afetado pelas vivências e experiências de algo que
me produz vertigem, arrependimento e um olhar crítico sobre mim. Afeto de
desconstrução do EU sob um olhar da luta antirracista pelo qual estou disposto a lutar
em sala de aula.
Palavras- chave: Filosofia. Educação. Experiência.
Abstract
This essay proposes to address the issue of listening in the classroom, during philosophy
classes, with students at the school where I work. From listening, a tangle of experiences
is plotted that are articulated with the affections that occurred in the relationship
between the school community. In addition, it is from these affections that the
classroom can be thought of as a community space, where all participants contribute to
meaningful learning by developing strategies for anti-racist struggles and a look at
singularities. Soon, I was affected by the experiences and experiences of something that
makes me dizzy, regret and a critical look at myself. Affect of deconstruction of the I
under a perspective of the anti-racist struggle for which I am willing to fight in the
classroom.
Key-words: Philosophy. Education. Experience.
1
Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Professor de Filosofia no Colégio Luterano Concordia São Leopoldo. E-mail:
[email protected]
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Caminhos iniciais...
Until the philosophy which hold one race superior
And another inferior
Is finally and permanently
Discredited and abandoned
Everywhere is war
Me say war
(War – Bob Marley)
Este texto, em formato de ensaio crítico, aparece em um contexto bem
familiar dos docentes, a sala de aula. Faz muito tempo que busco escrever
sobre algo, sobre as experiências que tenho como docente, no entanto, em
momento algum me senti tão empolgado quanto agora, pois foi na sala de aula
que as coisas tomaram outro rumo. Vou contar minhas memórias do ano de
2021, memórias não tem a intenção de produzir história, de produzir uma
verdade sobre os acontecimentos, mas sim, de falar sobre uma perspectiva
específica, no caso a minha. Portanto, não vou traçar um ensaio crítico a fim
de alcançar uma verdade sobre experiência, tampouco criar um modelo de ser
docente e se relacionar com os estudantes. O que pretendo neste texto é
desenvolver uma crítica ao ensino apostilado da disciplina de filosofia e
apresentar argumentos que demonstrem que ensinar a filosofar deve estar à
frente do ensinar filosofia. Neste sentido, então, o que me detenho a desenhar
aqui são traços de um filosofar na educação, ou com a educação, e nunca para
a educação. Vamos lá!
Para dar um pontapé inicial penso que seja importante me situar,
apresentar o meu lugar de fala. Sou professor de filosofia, branco e desde
2017 leciono a disciplina de filosofia para estudantes do ensino fundamental
2 e ensino médio, em escolas particulares. Acredito que isso defina muitas
coisas e que, ao mesmo tempo, produza uma série de ideias sobre o meu lugar,
ou seja, o lugar que eu habito como sujeito, como professor e como devir
filósofo. Sim, reconheço em primeira instância minha branquitude, para com
isso poder determinar os espaços privilegiados que estou e estive ao longo da
minha vida. Um pouco da crítica já está aqui, pois, como afirma Djamila
Ribeiro (2019), é importante reconhecermos nosso lugar e dialogarmos sobre
a branquitude e negritude para tornarmo-nos menos racistas diariamente. E, é
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sobre isso que minha experiência dialoga, sobre o outro que me constrói como
sujeito e juntos desconstruímos objetos, inclusive de objetificar pessoas,
como nossa história fez e faz com diferentes seres humanos no mundo.
Desde o momento em que tive meus primeiros contatos com o “chão
de sala de aula”, e até mesmo durante a graduação, busquei manter uma
postura ética nestes espaços. Levantei questões, provoquei e propus ideias e
as coloquei em prática, de alguma forma fui ouvido, mas nem todos eram. Ser
escutado não é para todos(as), percebi o lugar privilegiado que eu ocupava, e
ainda ocupo hoje. Ser homem e branco, me possibilitou algumas coisas que
eu sei que nem todos(as) vão conseguir. Nossa sociedade foi e é racista e
sexista, construindo culturalmente os espaços para que cada pessoa tenha seu
devido lugar, assim como foi para mim. O que essa construção cultural não
espera são os sujeitos do desencaixe, os sujeitos que se percebem fora da
caixa, fora da norma, fora dos padrões e que conseguem, o que não é fácil,
psicologicamente falando, sustentar este lugar. O mais fácil é naturalizar!
Mas, quem disse que o fácil é o que me cabe?
Diante disso, desta naturalização das coisas, do qual eu não consigo
engolir, do qual escolhi seguir na filosofia, me tornando professor desta
disciplina. Já na graduação, como a própria Djamila Ribeiro (2019), que
cursou filosofia, sinaliza, vi poucas mulheres filósofas dentro do curso e
nenhum filósofo negro, ou seja, não aprendi nada, praticamente, sobre a
perspectiva feminista, ou sobre a perspectiva da negritude. O que demonstra
que a preocupação de um suposto “filosofar” é caracterizado por racismo e
um machismo epistemológico. Quem está no lugar de poder? Quem ocupa
este espaço do conhecimento? Quem produz às verdades da filosofia, ou do
campo da ciência? Já sabemos a resposta, o que não quer dizer que precisamos
aceita-las!
Estas perguntas apresentam um pouco do que aprendi no curso, a não
naturalizar as coisas. Mesmo que a maioria das pessoas siga um caminho, não
se pode guiar-se por um suposto “ideal” platônico, um amor incondicional
para com os desejos da maioria, pois quais são os seus? O espaço da sala de
aula me proporcionou pensar sobre meus desejos, sobre a minha vontade de
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potência e sobre o próprio papel da filosofia nas salas de aula. Por isso, no
próximo tópico vou abordar melhor as questões críticas do ponto de vista da
sala de aula. Espaço este que pode ensinar os professores, para além de ele
ser o “ensinador”. Existe uma brecha para que todos os professores possam
tornar-se aprendizes e que a sala de aula seja uma comunidade, como nos
ensinou bell hooks (2013).
Ser professor de filosofia ou tornar-se professor de filosofia
Como sinalizei na introdução, sempre me vi como um devir professor
de filosofia, ou um devir professor, nunca me vi como algo definido, como
algo que já é, mas sim algo que sempre pode mudar. O aspecto da mudança,
como pensou Heráclito, possibilita que cada sujeito seja o que ele quiser, que
ele possa mudar a si mesmo a partir do tempo que não foi medido. Essa
mudança talvez seja a única essência do ser humano. Não podemos controlar
o tempo, mesmo que estejamos com o relógio no pulso. Com isso, no espaço
docente, não podemos controlar tudo o que vai se passar e o que se passa na
sala de aula. Não sabemos quem, o que, vai acontecer durante o processo do
ensino aprendizagem. Isso não quer dizer que não estabelecemos objetivos,
ou “ideias”, para nosso planejamento, mas, existe um grau de suspeita em
todas as aulas. Por quais motivos isso ocorre? Uma possível resposta é que
existem outros sujeitos no mesmo espaço que o professor habita. Uma sala de
aula não é um lugar fechado, existem várias brechas, fendas, rupturas que vão
produzir o desconhecido.
A suspeita, e outros conceitos mais, tem a ver com um dos filósofos
que mais me inspirei ao longo da jornada de devir professor, é ele Friedrich
Nietzsche. Para não problematizar questões outras, abordo somente o escrito
dele e não o que fez em vida, pois não tenho como mudar o passado, apenas
viver com suas memórias e transformá-la no presente. Por isso, Nietzsche
(2008) me ensina que “[...] não há fatos, só interpretações.” (p. 260), dentro
do campo epistemológico. Este argumento me remete a pensar no papel do
professor em sala de aula, como aquele que tem autoridade no espaço, mas
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que, por ter esta autoridade, pode criar estratégias para não se transformar em
alguém autoritário. Seria uma espécie de autocrítica e reconhecimento do
lugar de poder que cada professor ocupa. O que fazer com isso? Saber escutar
e perceber a comunidade que podemos formar em uma sala? Saber escutar e
perceber que o estudante não é um objeto sem voz (aluno)? Ou, simplesmente
ignorar e naturalizar tudo?
Cada escolha é uma escolha, não escolher é uma escolha. Por este
motivo, como nos ensina bell hooks (2013), o professor não é um sujeito
politicamente neutro, e não estou falando de partido, mas sim de
posicionamento frente aos aspectos que competem a seu ser cidadão. Ele tem
papel fundamental no ensino político para com os estudantes que estão junto
com ele. Sinalizar, escutar, aconselhar e encaminhar são ações que o mesmo
deve ter, pensando numa questão ética da docência. Então, mesmo que muitas
pessoas não consigam ver isso, sim o professor não é neutro, e sim, ele tem
papel fundamental na construção do cidadão que está a sua frente. Pois ele, o
estudante (criança ou adolescente), tem voz e tem direitos na nossa
democracia brasileira, tudo isso assegurado pelo ECA (Estatuto da Criança e
do Adolescente). Qual é o problema da escuta? Por que silenciar os
estudantes?
A essas perguntas retomo o lugar de poder do professor, já
apresentado por Michel Foucault (2013), quando analisa algumas instituições
escolares francesas e mostra que a escola é uma instituição disciplinadora,
com caráter punitivo e coercitivo. E o professor é o sujeito do biopoder,
alguém que tem o papel de vigiar os estudantes e, caso precise, puni-los com
diferentes instrumentos. Mas, isso não significa que ele deve realmente fazer
isso. No entanto, como bell hooks (2013) nos mostrou, é desafiador para
alguns professores mudarem seu modo de ser, seu modo de ensinar e seu
modo de pensar. É desafiador, para alguns professores, saírem do seu
conforto, de seu material didático, de suas didáticas e instrumentos
avaliativos. O que não os impede de fazer, pois existem várias brechas, na
sala de aula, que torna possível a mudança, uma delas se chama estudante.
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O estudante, aquele que pode ser denominado como aluno(a), é um
sujeito em sala de aula, não é um mero objeto que está ali para ser alimentado
pelo conhecimento. É ele, também, um ensinante. Ele carrega uma bagagem
que pode ser um conteúdo para diferentes disciplinas escolares, o que costuma
confundir os professores é o modo como eles apresentam este conteúdo. É
complicado, muitas vezes, saber ouvir a perspectiva do estudante, pois ela
vem carregada de subjetividades, diferente das nossas. Assim como no
contrário, quando os estudantes não conseguem compreender alguns
conteúdos transmitidos pelos professores. O que falta aqui? A meu ver,
diálogo! Sim, algo tão antigo quanto a própria filosofia. E diálogo só pode ser
formalizado quando temos escuta e fala de ambas as partes. Não basta
somente ouvir, precisamos escutar, e a escuta requer afeto. Estamos dispostos
a nos afetar pelo estudante, como professores, sujeito de poder em sala de
aula? O que ocorre quando este afeto, em formato de escuta, toca o professor?
Afetar-se para não silenciar as diferentes perspectivas
Perceberam algumas autoras citadas aqui? Djamila Ribeiro e bell
hooks? Como eu disse, na graduação não aprendi nada sobre elas, até no
mestrado em educação não li nada sobre autores (as) negros (as). Como elas
vieram parar aqui? Dos estudantes. Sim, de muitos estudantes negros e negras
pelos quais eu habito em conjunto nas salas de aula das escolas que trabalho,
na escola comunidade, que produz o conhecimento em conjunto. Foi em
algumas destas salas de aula que me deparei com algumas coisas, onde estão
as filósofas nos livros? E os filósofos e filósofas negras? E os filósofos
indígenas, latino-americanos? Como uma estudante, mulher, vai gostar de
filosofia se só estudamos homens? Como um estudante, negro, vai gostar de
filosofia se só estudamos homens brancos? Onde está a representatividade,
ainda mais vinda de um professor branco e homem?
Sim, foram estas as perguntas que me fiz ao longo do ano de 2021.
Quando me deparei com uma turma onde a maioria eram de estudantes
mulheres, onde esbarrei com uma turma onde a maioria eram de estudantes
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negros e negras. Isso me afetou, ouvi o silêncio dos estudantes evocados nas
suas bocas fechadas. Parecia que suas vozes transbordavam através dos seus
olhares, e eu, ignorante, parado ali tentando ensinar filosofia. Como mudar
isso? Como tornar a sala de aula mais aberta, sendo que os livros nos
enclausuram em um status quo determinado? Que força tenho eu como
docente para mudar isso? Brechas! Escuta! Posicionamento! Estudos!
Quero relatar aqui alguns acontecimentos que ocorreram até este
texto. Memórias que me produziram um mal-estar como professor. Como
Benjamin (1994) abordou em seus escritos, narrar uma memória não quer
dizer que ela se estabelece como sendo a verdade, por isso, algumas coisas
podem não condizer com o que de fato ocorreu, pois, minha memória não é
uma filmadora. Na minha memória há afetos que guardei das experiências
que tive ao longo do ano, muitas delas, infelizmente foram perdidas, mas as
que permaneceram produzem a mudança de professor que acabei exercitando
ao longo deste ano.
Certa vez, em uma aula de culturas religiosas 2, estávamos
trabalhando sobre o candomblé e religiões afro-brasileiras.
Como eu sou formado em filosofia, tive que estudar muito sobre
determinado assunto. Até que em certo momento, uma menina
negra, me disse que fazia parte de um grupo de ativismo negro,
que poderia me ajudar nas aulas. Neste grupo apenas meninas
negras podem participar, aprendendo sobre a valorização da
negritude. Eu, ao escutar ela, aceitei de cara sua proposta, com
isso ela me passou o número de sua professora. Logo entrei em
contato com ela (a professora), e convidei-a para fazer uma fala
sobre as religiões de matriz africana no Brasil. No entanto, ela
não tinha tempo para me ajudar, mas me indicou uma mãe de
santo, que se dispôs a participar da nossa aula. Em uma sextafeira, tivemos uma baita aula sobre Candomblé, dentro do
terreiro dela (foi online pois estávamos de forma remota). Os
estudantes, assim como eu, aprendemos muito sobre a religião
e sobre as principais características do espaço. No entanto, a
mesma menina negra, que passou o contato, depois da aula com
a nossa convidada disse: - Não me senti representada por ela!
A fala desta estudante, mesmo sabendo quem era a pessoa e que sua
professora a convidou para ocupar o lugar dela, reitera algo importante que é
a representatividade. Lembro que naquele momento falei para ela que eu
lutava, em meu lugar de fala, por mais pessoas ocupando lugares de poder
que podem lhe representar. Como sinaliza Djamila Ribeiro (2020),
Para além de filosofia, leciono Sociologia e Culturas Religiosas, além de ser aplicador da
Escola da Inteligência.
2
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O fundamental é que indivíduos pertencentes ao grupo social
privilegiado em termos de locus social consigam enxergar as
hierarquias produzidas a partir deste lugar, e como esse lugar
impacta diretamente a constituição dos lugares de grupos
subalternizados (p.85).
Eu, como professor, homem e branco, reconheço o lugar que ocupo na
sociedade e na relação entre os participantes de uma sala de aula.
Depois desta cena fiquei muito intrigado e, de fato, preocupado com
meus posicionamentos frente aos diferentes sujeitos que ocupavam a sala de
aula do qual eu fazia parte. Olhava para os livros, para as minhas leituras e
para o devir professor que estou sendo. Comecei a me aproximar, cada vez
mais, de algo importante na filosofia que é a CRÍTICA. Primeiramente,
autocrítica, depois construções docentes críticas. Que poder tenho eu para
mudar os espaços habitados por anos de teorias, epistemologias, experiências
docentes? Muito poder, penso eu, e de fato, foi isso que fiz. Mas, antes de
falar sobre práticas, retomemos mais algumas memórias. Uma delas
fundamental para pensar em estereótipos, com um músico que me acompanha
desde quando eu era criança, Bob Marley.
Uma das minhas principais estratégias para trabalhar questões de
negritude e lutas antirracistas é abordar as músicas de Robert Niesta Marley.
Desde muito jovem sempre gostei das músicas do Bob, no entanto, por falta
de pesquisa, acesso a informação, não sabia muito bem sobre o que as letras
falavam, apenas gostava das melodias. Depois que descobri as traduções das
letras, me senti muito feliz por ver sobre o que se tratavam seus escritos.
Sempre que posso levo algumas de suas letras para falar sobre filosofia
(WAR), lutas antirracistas (REDEMPTION SONG), equidade. Certa vez,
levei a música Redemption Song para a sala de aula, tentando instigar os
estudantes a pensarem sobre filosofia e desconstrução de pensamento, foi em
um destes momentos que, em uma turma de 8º ano, surgiram algumas
questões bem interessantes, como relato a seguir.
Certo dia, quando estávamos discutindo equidade e luta por
justiças sociais, levei, mais uma vez, uma música do Bob
Marley. Para provocar os estudantes, levei a música
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Redemption Song, onde em uma das frases da música Bob canta
“None but ourselves can free our minds” (Ninguém além de nós
mesmos pode libertar nossa mente). Do que? Para que? Da
alienação dos sistemas que naturalizam as coisas. A partir
disso, iniciamos uma discussão bem interessante sobre a
música, também sobre as questões raciais fazem parte dela. Em
um determinado momento, um estudante, menino negro,
levantou sua mão e disse: -Sempre achei que as músicas do Bob
Marley faziam apologia a maconha e as drogas.
Este menino em questão, durante o período de aulas remotas, foi
tomando o lugar de fala na turma e assumindo um gosto muito especial à
filosofia. Quando retornamos as aulas presenciais ele era o estudante que mais
se empolgava com as questões filosóficas provocadas por todos nós. Neste
caso específico, com a música de Bob Marley, pudemos desconstruir um
estereótipo racial de músicas cantadas e escritas por pessoas negras, ou até
mesmo pela melodia, como é o caso do Rap, Samba, Funk e Reggae. Neste
lugar que eu ocupo, como professor, autoridade, abro brechas para produzir
pensamentos nos estudantes, assim como eles produzem em mim. Na mesma
turma, uma menina negra, que faz parte do mesmo grupo da estudante da
turma do 7º ano, me ensinou uma coisa incrível, justamente neste viés das
músicas de Bob Marley.
Certa vez, quando ainda discutíamos as questões raciais em sala
de aula, uma menina negra tomou a palavra e começou a
produzir uma série de conhecimentos que eu, ignorante, não
tinha. Disse ela: - Eu não me reconhecia como negra, desde que
comecei a estudar e conversar com pessoas que me ensinaram
isso. Hoje, me considero “preta”, pois é uma palavra de
resistência ao corpo que tenho. Depois disso, pedi para ela me
explicar por qual motivo ela usa a palavra preta e não negra.
Foi uma aula incrível! Fiquei empolgado e muito feliz com o que
escutei. Me contou sobre povos Iorubás, sobre a vinda dos
negros da África, sobre ancestralidade, sobre literatura
antirracista.
A fala desta menina, da turma do 8º ano, repercutiu muito na minha
cabeça, levei tempos tentando entender qual era meu lugar em sala de aula. O
que eu, como professor, poderia fazer para contribuir para uma educação
antirracista, então comecei a estudar sobre o tema, sem um norte específico,
fui me guiando por um primeiro livro da autora Grada Kilomba (2019). No
livro de Kilomba vi a estudante da sala de aula, vi do que ela estava se
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apropriando e o que ela estava desconstruindo dentro de si, assim como estava
fazendo o menino na música do Bob Marley. De fato, como sinaliza Kilomba
(2019), no Brasil, por ser um país racializado, temos muitas memórias
esquecidas, principalmente as do racismo cotidiano. Fato este que nos faz cair
em tentações de apagamento e negação da história dos povos oprimidos, que
são maioria em nosso país. O que uma aluna me ensinou, está na Lei de
Diretrizes e Bases, sob o número 10.639/03, mas para além desta lei, está
incrustrada na história do Brasil, em todos os lugares que foram silenciados e
que hoje, como professor, temos um compromisso ético para a escuta,
reconhecendo a ignorância que nos habita.
Depois desta cena, a mesma aluna e algumas de suas colegas,
começaram a perceber que existe algo importante na filosofia, a
conscientização e a crítica. Mas, como produzir isso se os espaços da filosofia
nas escolas estão sendo cada vez mais negados? Como promover um
pensamento crítico se nossos governantes querem promover o individualismo
e o empreendedorismo de si, sob a ótica neoliberal? Na resistência! Resistir é
preciso, isso outra menina negra me ensinou, em uma turma de 6º ano, quando
estávamos falando sobre bullyng.
Certa vez, quando estávamos falando sobre preconceito,
bullyng e questões vinculadas à discursos de ódio, uma menina
negra pediu a palavra para nos fazer refletir. – Bullyng, eu sofri
bullyng, pior do que isso eu fui vítima do racismo. Sempre
falaram do meu cabelo, da minha cor, do meu jeito de ser.
Várias vezes eu chorava sozinha (ela estava chorando neste
momento). Precisamos acabar com isso, por isso eu grito, falo
e não me calo, as pessoas brancas não vão entender, porque
elas não sofrem com isso, e não, não é vítimismo.
Se ela chorou, eu chorei, mas não pude mostrar minhas lágrimas para
a turma, fiquei desolado, sim, nunca tinha me acontecido isso em uma sala de
aula. Fiquei triste, mas feliz ao mesmo tempo. Triste pois eu sabia do que ela
estava falando, triste por ainda ver a hipocrisia que muitas pessoas não
conseguem enxergar, ver, ouvir e falar. Mas feliz, pois ela estava
reconhecendo seu lugar de fala, estava reconhecendo o que é uma sociedade
racializada e que ela estava tomando posição frente ao combate. Assim como
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cita Kilomba (2019), referenciando bell hooks, sobre discursos de pessoas
negras, assim como a menina que tomou voz e produziu um conhecimento,
para mim e para seus colegas.
Essa transformação é refletida em nossos discursos. Quando
produzimos conhecimento, argumenta bell hooks, nossos
discursos incorporam não apenas palavras de luta, mas também
de dor - a dor da opressão. E ao ouvir nossos discursos, pode-se
também ouvir a dor e a emoção contidas em sua precariedade: a
precariedade, ela argumenta, de ainda sermos excluídas/os de
lugares aos quais acabamos de “chegar”, mas dificilmente
podemos “ficar”. (KILOMBA, p.59, 2019).
A demora e as palavras para falar da experiência
Demorou muito até que consegui colocar em palavras algumas
experiências que tive no ano de 2021. Estava com muita vontade de escrever
este texto, mas, com que referências? Só consegui desenvolver essa escrita
depois das leituras que tive de autoras como Djamila Ribeiro, Grada Kilomba,
bell hooks, Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus e Franz Fanon, e
claro de outros (as) por tabela. E isso, só foi possível quando do
reconhecimento do lugar que eu ocupava como professor. Não bastava estar
lá, aplicando os conteúdos dos livros didáticos, mas sim existir de diferentes
formas e isso aconteceu quando eu dei aula para o ensino médio. Sim, embora
os relatos anteriores ocorreram no ensino fundamental, foi somente no ensino
médio que pude me perceber como ignorante. Quando isso aconteceu?
Bem, para começo de conversa, tudo inicia com quase 20 capítulos de
uma apostila de filosofia para o ensino médio. Tantos capítulos que resumem
a história da filosofia, mas que filosofia? Comecei a me questionar. Como
posso passar 3 anos ensinando para os estudantes que não conseguem, sequer,
se reconhecer em algum dos autores que eu estava trabalhando? Como nos
faz pensar Chimamanda (2019), em “Os perigos de uma história única”, eis o
perigo, aniquilar os conhecimentos de filósofas mulheres e de filósofos
indígenas, negros, latino-americanos. Sim, quase 20 capítulos sem citar
sequer algum destes sujeitos. 3 anos ensinando filosofia branca, masculina e
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europeia. Não que não seja importante, mas que filosofia é essa? Para quem
é essa filosofia? Por quais motivos os estudantes negros, mulheres,
homossexuais, transexuais, não conseguem se identificar com a filosofia?
Existe algum motivo óbvio nesta história única.
Mas, pensar é importante e foi isso que busquei ensinar para os
estudantes da 3ª série do ensino médio, que o que importa mesmo na filosofia
é resistir e re-existir. Como fiz isso? Brechas! Ocupar um lugar de poder, não
quer dizer que você precisa ser o príncipe de Maquiavel! Reconhecer o espaço
que você está te oportuniza dar voz às pessoas oprimidas e isso demonstra o
aspecto ético da professoralidade. No livro de Djamila Ribeiro (2019), a
autora apresenta propostas para o reconhecimento de sua branquitude e do
lugar de poder do qual alguém pode ocupar, diz ela: “Acordar para os
privilégios que certos grupos sociais têm e praticar pequenos exercícios de
percepção pode transformar situações de violência que antes do processo de
conscientização não seriam questionadas” (p.107). Eis alguns dos relatos de
brechas que abri no lugar onde eu me encontro como professor em sala de
aula.
Certa vez, estávamos trabalhando, na 2ª série do ensino médio,
com filosofia moderna, especificamente, Imannuel Kant.
Fizemos a leitura do texto “O que é o esclarecimento?” E
discutíamos o lugar da razão para Kant, levando em
consideração o livro – Crítica da Razão Pura – ao mesmo
tempo, estávamos discutindo, em Sociologia, as questões de
Raça (racismo, sociedade racializada, branquitude). E resolvi,
abrir uma brecha em filosofia com o livro do Camaronês Achille
Mbembe – Crítica da razão Negra, e contei um pouco sobre
como a própria filosofia contribuiu e contribui, para as
justificativas da escravização. Retomei o lugar do escravo para
Platão e Aristóteles (claro sob outra perspectiva). E no fim,
propus que os estudantes elaborassem uma “Crítica à razão
branca”, uma forma de perceber que a razão é um dos
argumentos que justificam os processos de inferiorização dos
sujeitos, transformando-os em objetos. A partir disso, um
estudante negro da turma, comprou um livro do Aristóteles – A
política, disse-me: - Comprei o livro pois estou procurando em
qual parte ele fala sobre a naturalização de se ter escravos. E
discutimos várias coisas ao longo do ano sobre este tema, não
somente em sala de aula, mas como também nos corredores da
escola, pois ficou nítido a vontade do estudante de filosofar
sobre o tema.
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Esse relato se deu logo no 1º trimestre do ano letivo, estávamos apenas
iniciando o ano e muitas coisas começaram a me chamar atenção como
professor. Os livros didáticos eram uma das questões. Como é possível
ficarmos 3 anos sem ver filósofas mulheres e filósofos negros, indígenas,
latino-americanos? Por quais motivos temos esta negação? Eis os perigos de
uma história única, como nos bem lembra Chimamanda (2019). O que fazer
com as diferentes perspectivas que ocorrem na história? Negar? –Se eu nego
eu naturalizo. Eis o que eu penso sobre. Sei que abordar um assunto como
este não é tranquilo, ainda mais quando se é um assalariado e que depende do
dinheiro para pagar as contas. Mas, até onde vai nossa ética como professor?
Que tipo de aula estamos potencializando para nossos estudantes? Será que
só o “foco no Enem” basta para que a escola seja o espaço de tamanha
importância na sociedade?
Partindo disso, destas perguntas, é que me propus a tensionar. Mas,
sempre com algo em mente, para não deixar arrebentar a corda. Existem
diversas formas de tensionar, produzir e problematizar temas, sem radicalizar
e arrebentar com tudo. Tudo isso exige diálogo e paciência. Quando eu disse
que iria trabalhar com o pensamento decolonial, uma colega de trabalho me
sinalizou sua preocupação. Trabalhar com autores(as) negro(a)s, indígenas,
gays, trans... sim, filosofia contemporânea, atual, hoje! Como fiz isso?
Diálogo! Onde vemos a melhor justificativa para trabalhar com isso? Culturas
Juvenis na Base Nacional Comum Curricular (2018).
O professor precisa estar ciente da sua posição na sociedade, como
nos escreveu bell hooks (2013), não tem como ele ser neutro, mesmo que seja
em uma aula de ciências exatas. E se me perguntarem sobre políticas
públicas? Sobre gênero e sexualidade? Sobre um vídeo do TIK TOK? Sobre
uma fala do presidente da república? Vou me esquivar? Vou silenciar o
estudante? A fala deste estudante, seu questionamento, são gatilhos para uma
pesquisa em construção coletiva, onde professor se torna estudante e juntos
transformam a sala de aula em um ateliê de arte. O mais fácil é negar e
naturalizar, se dizer neutro, o mais difícil é se posicionar. E, se posicionando,
podemos perceber uma vontade de aprender do estudante, pois este é um dos
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propósitos da escola. Deveríamos instigar os estudantes a querer aprender, e
não os forçar à isso com métodos de punição. Por isso, os projetos, que vão
ser uma das formas de trabalho do novo ensino médio, são uma das diferentes
maneiras de pesquisar sobre autores que não estão engessados nas apostilas.
A surpresa de algumas meninas estudantes da 3ª série do ensino
médio, ao comentar sobre os quase 20 capítulos da apostila que estávamos
trabalhando não citarem uma filósofa mulher, foi muito interessante. Elas não
quiseram acreditar que deixaram de fora as mulheres na história da filosofia.
Como promover a representatividade se não estamos incluindo-as nos
espaços de maior importância da sala de aula, os livros didáticos? Embora eu
não tenha apresso pelos livros, eles acabam se tornando ferramentas
norteadoras, mas, não podem se tornar uma regra moral. Precisamos saber
criar, através dos olhares dos estudantes, estratégias para fortalecer os
vínculos entre toda a comunidade da sala de aula. Foi isso que fizemos em
um projeto interdisciplinar – FILOSOFIA, SOCIOLOGIA, GEOGRAFIA,
HISTÓRIA E LITERATURA – elaboramos, em um trimestre inteiro, um
projeto sobre pensadores e pensadoras com uma perspectiva decolonial.
Um movimento muito interessante, onde ensinei e aprendi a
transgredir. Os estudantes tiveram a oportunidade de pesquisar estes e estas
autores(as), nomes que apareceram nas pesquisas: Djamila Ribeiro; Franz
Fanon; Conceição Evaristo; Angela Davis; Márcia Tiburi; Achille Mbembe,
bell hooks, Grada Kilomba, entre outras e outros mais. Mas, como apresentar
isso? Como transformar esta pesquisa em algo apresentável? Quem sabe um
livro? Mais um capítulo da apostila? Não, existiu outra forma artística, o
ZINE. Foi assim que os estudantes apresentaram suas pesquisas.
Embora não tenha um relato de algum estudante nesta passagem, vejo
que ela, por si só, tem voz sobre experiência de desconstrução, mesmo que
seja em um instrumento avaliativo, que valia o trimestre destes estudantes. E,
nos instrumentos avaliativos (trabalhos, provas, testes...) também podemos
abrir brechas como professores. Foi isso que ocorreu em um teste na 1ª série
do ensino médio, onde elaborei uma situação problema com um texto do
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Ailton Krenak, indígena e filósofo brasileiro. Os estudantes deveriam criar
uma solução para os problemas ambientais e o etnocídio dos indígenas no
Brasil. O que mais me chamou a atenção foi a fala de uma das estudantes, ao
ler o texto de Krenak.
Certa vez, em uma das últimas avaliações do ano letivo,
uma estudante, ao ler o texto do teste, ficou pasma com
o que viu. Ela disse: - Nossa este texto foi um soco no
estômago. Me senti mal, inclusive. Deveríamos ter mais
contato com este tipo de leitura. Achei muito interessante
e importante.
O que ela leu de Ailton Krenak afinal? Bem ela e seus colegas, leram
duas obras de Krenak, são elas: - O amanhã não está à venda e – A vida não
é útil. Nestes dois textos, Krenak (2020) nos ensina a respeitar a natureza,
saber lidar com aquilo que os indígenas aprenderam e ensinaram para sua
comunidade. Ele tensiona, a todo momento, o modo como nós, seres
civilizados, nos relacionamos com a natureza. O que a estudante leu nos dá
um choque de realidade, pois estamos sendo ensinados a não pensar no todo,
mas apenas no nosso próprio umbigo. Embora não possa citar aqui o que a
estudante, junto com sua colega, escreveu, sinto que seu texto (formato de
entrega da atividade) tem um viés crítico e reflexivo, muito mais filosófico
do que saber o que é, por exemplo, A Alegoria da Caverna, ou decorar o
Imperativo Categórico de Kant. O que ela fez foi filosofar, permitir-se sair de
si mesmo e se conectar em algo que está tão próximo de nós, mas que por
ideias coloniais eliminamos, o pensamento indígena brasileiro. Krenak
(2020) nos diz, em A vida não é útil, sobre a educação:
Acho gravíssimo as escolas continuarem ensinando a reproduzir
esse sistema desigual e injusto. O que chamam de educação é,
na verdade, uma ofensa à liberdade de pensamento, é tomar um
ser humano que acabou de chegar aqui, chapá-lo de ideias e
soltá-lo para destruir o mundo. Para mim isso não é educação,
mas uma fábrica de loucura que as pessoas insistem em manter.
Talvez essa parada por causa da pandemia faça muita gente
repensar por que mandam seus filhos para um reduto chamado
escola e o que acontece com eles lá. Os pais renunciaram a um
direito, que deveria ser inalienável, de transmitir o que
aprenderam, a memória deles, para que a próxima geração possa
existir no mundo com alguma herança, com algum sentimento
de ancestralidade. Hoje, quem fala em ancestralidade é um
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místico, um pajé, uma mãe de santo, porque as "pessoas de bem”
saíram de um MBA em algum lugar e não vão ficar falando esse
tipo de coisa. São como uns ciborgues que estão circulando por
aí, inclusive administrando grandes grupos educacionais,
universidades e toda essa superestrutura que o Ocidente ergueu
para manter todo mundo encurralado (p. 49).
Krenak (2020) e tantos outros indígenas tem muito o que nos ensinar.
Nós, seres ditos civilizados, deveríamos refletir mais sobre o papel da escola
na educação da sociedade. Compreendo que seja necessário aprendermos
mais sobre o que queremos, sobre nos escutar e escutar os outros, inclusive
nossos estudantes. A escuta foi, e é, para mim a melhor ferramenta docente,
sem ela nenhum destes relatos seriam possíveis. Além é claro, das demoradas
leituras antirracistas que fui forçado a fazer por escutar, pelos corpos dos
estudantes, as múltiplas perspectivas que um mesmo espaço tem, que é a sala
de aula. Saí de um narcisismo professoral, para um diálogo de aprendizagem
e isso nenhum diploma pode me proporcionar como profissional.
Devir conclusão
É difícil terminar um texto que me trouxe tantos afetos. Escrever isso,
durante minhas férias, enquanto estou longe da comunidade escolar é uma
forma de elaboração do ano letivo. Um ano complicado pela pandemia, mas
muito proveitoso. Todos os relatos foram feitos em uma das escolas que
trabalho, parece que estou anos nela, mas nem completei meu primeiro ano.
Tudo foi muito intenso, os estudantes são sensacionais e me ensinaram muito
sobre ser professor. Não basta entrar em sala de aula, com toda a bagagem do
currículo e sair achando que vai ser tranquilo, nunca é tranquilo se você
realmente se importar com o que está fazendo. Ser professor é se permitir
tocar-se pelo outro, ouvi-lo e deixá-lo falar, é trazer as reflexões, mas permitir
que os caminhos sejam traçados pelos estudantes. E, perceber isso é abrir-se
para novas leituras, novos entendimentos, perceber o que não foi aprendido
durante a formação. Perceber as minorias e dar voz a elas, é um lugar político
e não posso negar que tenho um lugar de fala privilegiado que pode abrir a
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porta para novas oportunidades. O novo incomoda, mas é fundamental para
as mudanças cotidianas. Como citado ao longo do texto, por Heráclito, tudo
muda e nada permanece o mesmo, por isso, o ensino de filosofia apostilado
precisa mudar; assim como a sala de aula tradicional, que necessita ver as
perspectivas dos estudantes e deixá-las falar, eis um ponto importante para o
filosofar. Eu tinha mais memórias para relatar aqui, mas quero deixar para
outro momento, até mesmo aquelas que esqueci.
Referências
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sobre literatura e história da cultura. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1994.
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dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-brasileira”, e dá outras providências. Disponível em:
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm
Acesso em: 10 de Fev de 2022.
BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da]
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Janeiro. Ed. Cobogó, 2019.
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RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo. Companhia das
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______. Lugar de Fala. São Paulo. Ed. Jandaíra, 2020.
Artigo recebido em: 16/02/2022
Artigo aprovado em: 16/06/2022
Artigo publicado em: 30/08/2022
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