doi: 10.13037/rbcs.vol13n45.2789
ISSN 2359-4330
Rev. de Atenção à Saúde, v. 13, no 45, jul./set. 2015, p. 26-33
raS
26
artigo original
QUEIXAS MUSCULOESQUELÉTICAS EM MOTOTAXISTAS
MUSCULOSKELETAL COMPLAINTS IN MOTORCYCLE TAXI PILOTS
Deyse Xavier de Sousa Françaa*, Hanne Alves Bakkeb**
[email protected],
[email protected]
*Faculdades Integradas de Patos – Patos (PB), Brasil.
**Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – João Pessoa (PB), Brasil.
a
Data de recebimento do artigo: 05/06/2014
Data de aceite do artigo: 22/01/2015
RESUMO
Introdução: Mototáxi é uma profissão que surge como alternativa de transporte, com baixo custo,
rapidez e acesso a áreas remotas. Mas poucos estudos analisam as posturas envolvidas nesta profissão
que, quando inadequadas, podem ocasionar distúrbios no indivíduo, incapacitando-o de realizar suas
funções. Objetivos: Levantar as queixas musculoesqueléticas e o nível de dor referida, estudar a relação
entre as queixas e os fatores relacionados ao trabalho, e realizar uma análise biomecânica da atividade
dos mototaxistas. Materiais e métodos: A pesquisa foi realizada com 20 mototaxistas de uma cidade do
interior da Paraíba, selecionados de forma aleatória. Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário
semiestruturado, o diagrama corporal de Corlett e o software de análise biomecânica REBA. A relação
entre as queixas musculoesqueléticas e as variáveis de idade, tempo de serviço e horas de trabalho foi
estudada pelo teste t de student. Resultados: Esta profissão emprega indivíduos jovens, com baixo
nível de escolaridade, que se submetem a jornadas de trabalho prolongadas. A dor foi referida por 10
dos mototaxistas, com maior incidência entre os indivíduos de 20 a 30 anos. A região mais acometida
com dor foi as costas, sendo a quantidade de horas trabalhadas significativamente maior no grupo de
trabalhadores que sentem dor (p=0,01). Conclusões: As queixas musculoesqueléticas são compatíveis
com o desenvolvimento do trabalho sentado, e o risco biomecânico durante a condução da moto é médio,
requerendo alterações. A carga horária pode ser um fator de risco para o surgimento de queixas nestes
trabalhadores.
Palavras-chave: Sistema musculoesquelético; trabalhadores; saúde do trabalhador.
ABSTRACT
Introduction: Motorcycle taxi pilot is a profession that began as a transport alternative, with low cost,
quickness and access to remote areas. But few studies analyze the postures adopted in this profession that,
when inadequate, can cause disorders that unable one from developing his activities. Objectives: To raise
the musculoskeletal symptoms and their pain degree; to study the relationship between musculoskeletal
symptoms and factors related to work and conduct a biomechanics analysis in postures adopted in the
motorcycle taxi pilot activity. Material and methods: The study was conducted with 20 motorcycle taxi
pilots from a small city in Paraíba, whom were chosen randomly. A semi-structured questionnaire was
used in the research, as well as the Corlett’s corporal diagram and the REBA ergonomic software analysis.
The relationship between the musculoskeletal symptoms and the variables: age, service time and work
hours was analyzed by the student t test. Results: This profession involves young individuals with low
academic levels, that submit themselves to long working hours. Pain was referred by 10 pilots with greater
incidence among the individuals, with 20 to 30 years of age. The body part most compromised was the
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QUEIXAS MUSCULOESQUELÉTICAS EM MOTOTAXISTAS
back. Working hours were significantly higher among the pilots that referred pain (p=0.01). Conclusion:
Musculoskeletal symptoms are compatible with sitting work postures, and the biomechanical risk while
conducting the vehicle is medium, demanding changes. Working hours can be a risk factor for the development of the disorders in these workers.
Keywords: Musculoskeletal system; workers; occupational health.
Introdução
O trabalho assume um papel cada vez mais importante na vida do homem. É através dele que o indivíduo
sente-se útil, produtivo e valorizado, aumentando a sua
autoestima e possibilitando sua autorrealização. Por isso,
o ambiente de trabalho deve ser adaptado às exigências
da profissão e à capacidade do trabalhador, na tentativa
de minimizar os riscos aos quais os trabalhadores estão
expostos, e maximizar a sua produtividade.
Quando as pessoas são levadas a adotar posturas
incorretas ou manusear equipamentos mal projetados,
mesmo durante um curto período de tempo, podem
ocorrer danos ao sistema musculoesquelético1. As lesões
nesse sistema se manifestam de forma aguda ou cumulativa2. As agudas ocorrem quando os esforços ultrapassam
a tolerância da estrutura musculoesquelética; e as cumulativas, referem-se a forças repetitivas, que desgastam a
estrutura muscular. Nesses casos, os músculos tornam-se fatigados, diminuindo a tolerância à tensão, causando lesões e reduzindo a capacidade laboral. Esse tipo de
lesão, também denominada Distúrbio Osteomuscular
Relacionado ao Trabalho (DORT) tem se tornado muito comum nos postos de trabalho, acometendo principalmente os membros superiores e a coluna. Dentre os
principais fatores citados como causadores destes distúrbios, estão: ritmo excessivo de trabalho e padrões repetitivos de movimentos; tempo de repouso insuficiente; levantamento de carga e forças manuais; adoção de
posturas corporais (estáticas ou dinâmicas) não neutras;
concentração de pressão mecânica; vibração corporal ou
local; exposição ao frio em qualquer combinação entre
si ou com fatores psicossociais do ambiente de trabalho,
tais como altas cargas de trabalho ou baixa autonomia2,3
Esses distúrbios têm chamado a atenção devido ao
alto custo econômico e social que causam4. Na União
Europeia, estima-se que 0,5 a 2% do Produto Interno
Bruto (PIB) são gastos com os distúrbios musculoesqueléticos, dos quais 17% da prevalência de dores musculares são ocasionadas pelo trabalho, cujo percentual de
afastamento de duas semanas ou mais em decorrência
do trabalho gira em torno de 53%5.
A rápida evolução tecnológica, aliada à necessidade
de produção em grande escala, proporcionaram ambientes de trabalho que, apesar da maior capacidade dos
equipamentos, apresentam maior complexidade dos
processos com baixo envolvimento do homem, maior
nível de automação e condições laborais mais severas,
refletindo na saúde dos trabalhadores6.
A profissão de mototaxista surge nesse contexto, na
década de 1990, como uma invenção de mercado para
jovens pobres7, que insere o jovem na zona de coesão social, por uma inscrição de trabalho valorizada e pelo fortalecimento de laços de pertencimento. Ela surge como
alternativa ao transporte coletivo, apresentando vantagens como rapidez, baixo preço e garantia de acesso a
lugares não atendidos por outros meios de transporte8,9.
Esses profissionais trabalham com transporte de pessoas, geralmente de forma autônoma, com flexibilidade
de horário e controle do próprio tempo. A jornada de
trabalho tem cerca de dez horas ou mais, durante seis ou
sete dias por semana8.
No entanto, ao dirigir, esse indivíduo permanece
sentado e estático por longos períodos, além de ficar exposto à vibração, situações que podem trazer distúrbios
musculoesqueléticos10. Embora haja carência de estudos
sobre motociclistas, há maior tendência desses condutores apresentarem distúrbios musculoesqueléticos
quando comparados aos demais que usam outros meios
de transporte11. Estudos apontam que os desconfortos
musculoesqueléticos na condução de motocicletas são
mais comuns na parte superior do corpo, tais como cabeça e pescoço, ombro, costas superiores, braço e mão,
costas inferiores e nádegas12.
Nessa perspectiva, a ergonomia estuda todos os fatores que envolvem o desempenho produtivo do homem
em seu ambiente de trabalho, como forma de melhorar
a qualidade de vida, incluindo saúde, segurança, conforto, usabilidade e produtividade13,14. Ela procura diminuir as exigências biomecânicas e cognitivas nos postos
de trabalho, colocando o trabalhador em uma postura
adequada, reduzindo as tarefas repetitivas, proporcionando melhor equilíbrio biomecânico, diminuição de
contrações estáticas e de estresse.
Dessa forma, o desenvolvimento deste trabalho
teve como objetivo levantar as queixas musculoesqueléticas e o nível da dor referida, estudar a relação
entre as queixas e os fatores relacionados ao trabalho,
e realizar uma análise biomecânica da atividade dos
mototaxistas. Esta pesquisa contribui com informações para a classe trabalhadora sobre os problemas
biomecânicos presentes na atividade dos mototaxistas, repercutindo na melhoria das condições da realização de suas atividades.
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Metodologia
Resultados
Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal, quali-quantitativa. Os dados foram coletados em uma cidade no
interior da Paraíba, ao longo do mês de outubro de 2010.
A amostra foi do tipo probabilística, selecionada a
partir de um sorteio de 20 mototaxistas, dentre os 992
cadastrados no sindicato da categoria, das diversas praças da cidade. Foram incluídos os profissionais que estavam cadastrados no sindicato e trabalhando em uma
praça, tanto os ativos quanto os que estavam afastados
por doenças. Os trabalhadores afastados por motivos de
acidentes de trânsito foram excluídos do estudo.
A localização das queixas musculoesqueléticas, bem
como sua intensidade, foram coletadas com o diagrama
corporal de Corlett15. Já a exposição do mototaxista aos
fatores de risco biomecânicos foi analisada com a ferramenta Rapid Entire Body Assessment (REBA), proposta
por Hignett e McAtamney16, que analisa a angulação
das partes corporais, forças exercidas, e duração da contração muscular dos segmentos corporais (tronco, pescoço, ombro, cotovelo, punho e membros inferiores),
assim como a carga ou força manuseada e tipo de garra
utilizada pelo trabalhador. Ela classifica o risco postural
em: insignificante (1 ponto); baixo (2 ou 3); médio (4
a 7); alto (8 a 10); e muito alto (11 ou mais). Também
gradua a urgência da intervenção, de acordo com a pontuação em, respectivamente: não necessário; pode ser
necessário; necessário; necessário o quanto antes; e necessário imediatamente. Para essa avaliação foi utilizado
o software Ergolândia (versão 3.0 – demo), desenvolvido pela FBF Sistemas. Dados individuais e relacionados
à caracterização da jornada de trabalho foram coletados com um formulário de entrevista semiestruturado,
com perguntas objetivas e subjetivas, preenchido pelo
pesquisador.
Para a análise da postura com este software, foi realizado o registro fotográfico da simulação de condução de uma motocicleta, utilizando a máquina digital
Olympus X-40 de 10 mega pixels, 3x optical zoom. Os
parâmetros de angulação articular foram analisados
subjetivamente, tendo como referência as posturas dos
segmentos corporais (tronco, pescoço, ombro, cotovelo,
punho e membros inferiores) sugeridas pela ferramenta
REBA.
Além da estatística descritiva, foi realizado o teste t
de Student para estudar a relação entre as variáveis: idade; tempo de serviço; jornada de trabalho e as queixas
musculoesqueléticas.
Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética
e Pesquisa das Faculdades Integradas de Patos, sendo aprovada segundo parecer nº 0698/2010. Todos
os participantes da pesquisa assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Dentre os 992 mototaxistas cadastrados no sindicato, foram selecionados, aleatoriamente, 20 trabalhadores, que estavam dispostos em 13 das 81 praças, encontrados nos turnos da manhã, tarde e noite. Todos
os trabalhadores entrevistados são do sexo masculino,
com média de idade de 38,15 anos (s=10,3). Quanto ao
estado civil, foi observado que onze (55%) deles eram
casados, seis (30%) eram solteiros, e três (15%) eram separados/divorciados. Em relação ao nível de escolaridade, como ilustra a Tabela 1, 65% dos entrevistados não
concluíram o ensino médio ou o fundamental, apontando para o baixo grau de escolaridade entre a maioria
dos participantes.
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Tabela 1: Grau de escolaridade da amostra.
Escolaridade
Ensino Fundamental Incompleto
Ensino Fundamental Completo
Ensino Médio Incompleto
Ensino Médio Completo
Total
n
%
9
0
4
7
20
45%
0%
20%
35%
100%
O mototaxista é uma profissão nova, que surgiu
em meados da década de 1990, e só foi regulamentada recentemente. Isso pode ser evidenciado pelos dados contidos na Figura 1, que expõe o tempo de serviço
dos entrevistados, dos quais 50% têm até sete anos na
profissão.
Figura 1: Tempo de serviço dos mototaxistas.
Outra variável analisada que pode interferir no surgimento de queixas musculoesqueléticas é a carga horária de trabalho diário (Figura 2). Salienta-se que, no
Brasil17, a duração do trabalho normal não deve ser superior a oito horas diárias. No entanto, pode-se observar que, embora considerada uma profissão autônoma,
a jornada de trabalho diária é longa, sendo superior a
11 horas em 60% dos mototaxistas que participaram
do estudo.
QUEIXAS MUSCULOESQUELÉTICAS EM MOTOTAXISTAS
Seis (60%) dos dez mototaxistas relataram dor com
intensidade cinco, o que representa uma dor moderada,
que surgia geralmente ao final do dia.
Figura 2: Carga horária diária.
Tendo isso em vista, uma das variáveis estudadas
foi a queixa de dor musculoesquelética. Trata-se de
uma experiência individual referida quando uma
agressão é infligida ao organismo, funcionando como
indicador de que existe algo errado. Ela pode surgir
em decorrência de lesões teciduais que, no contexto
do trabalho, podem ser causadas por: jornadas excessivas ou até mesmo duplas; exigência por aumento
de produtividade; pouco tempo para intervalos durante o trabalho; repetição de movimentos; mobiliário e equipamentos inadequados18. Dentre os indivíduos que relataram sentir dor (dez), foi observado
que a maioria apontou mais de uma região do corpo
(Figura 3).
Figura 4: Intensidade da dor.
A Figura 5 mostra a relação entre idade e referência (ou não) de dor entre os trabalhadores entrevistados. Uma constatação interessante é a maior
incidência de dor entre os mais jovens, com idade
entre 20 e 30 anos. Pode-se observar, também, que
os indivíduos que menos se queixaram foram aqueles
com mais de 40 anos (35%), que para Figueiredo20, é
explicado pela adoção de estratégias que minimizam
o risco biomecânico, mediante o acúmulo de experiência pelo trabalhador.
Figura 3: Região do corpo onde sente-se dor.
Figura 5: Relação idade e dor.
Além disso, ressalta-se que a região mais mencionada
pelos mototaxistas foi o tronco, no qual as costas médias
foram as que obtiveram a maior frequência. Apesar de
não ser previsto neste esquema dores na região da cabeça, ela foi mencionada por dois (10%) dos entrevistados, sendo, portanto, incluída no gráfico.
Uma das características mais ressaltadas da dor é sua
intensidade19. Dos 20 mototaxistas entrevistados, dez
(50%) alegaram dor em alguma região do corpo cujo
grau de intensidade está expresso na Figura 4.
Considerando que os dados encontrados na literatura apontam para relações entre presença de
queixas musculoesqueléticas e idade, carga horária e
tempo na profissão, aplicou-se o teste t de Student
para comparar as médias entre os grupos com e sem
queixas (Tabela 2).
Os dados revelam que, para os mototaxistas entrevistados, houve diferença significativa apenas para a variável carga horária, que demonstrou ser maior para os
trabalhadores que relataram sentir dor.
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Com relação à avaliação de risco biomecânico da
postura adotada durante a atividade de dirigir uma moto
(Figura 6), obteve-se pontuação sete, indicando que há
risco biomecânico médio, sugerindo-se intervenções.
Alguns fatores agravantes na postura analisada são: extensão de punho > 15º, pronação completa de ambos os
antebraços; flexão de ombro entre 45 e 90°, com abdução
e elevação da cintura escapular; flexão de joelho > 60°.
Estes fatores são agravados pela manutenção de posturas
mantidas por uma ou mais partes do corpo por mais de
um minuto, assim como pela repetitividade da tarefa.
Figura 6: Postura padrão adotada pelo mototaxista.
Tabela 2: Teste t (p<0,05) entre o grupo de trabalhadores que
referem dor e aqueles que não apresentam queixas.
Variável
Idade
Carga Horária
Tempo na Profissão
Média 1
34,6
12,1
6,7
Média 2
41,7
7,9
7,9
p
0,13
0,01*
0,56
*Valor significativo.
Média 1 representa as médias das variáveis do grupo que refere dor, e a Média
2 refere-se às médias do grupo sem dor.
Discussão
Com relação à escolaridade, o mercado de trabalho tende a descartar os menos qualificados, exigindo
mais estudos8. Apesar da crescente exigência por qualificação profissional, Gomes e Duque9 relatam que há
mais facilidade em uma inserção como mototaxista,
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pois não há muitas cobranças quanto à escolaridade,
cursos e treinamentos, senão a posse ou arrendamento de uma moto. Barreto21 sugere a baixa escolaridade
pela necessidade de muitos, quando jovens, abandonarem os estudos para garantir e ajudar o sustento de
suas famílias. O estudo de Cavini e Souza22 também
corrobora essa informação, na qual o grau máximo de
escolaridade encontrado entre os integrantes da pesquisa seria o segundo grau completo. Para as autoras, o
desemprego foi o principal motivador para a inserção
desses indivíduos nessa profissão, assim como a remuneração média mensal mais elevada.
A baixa escolaridade é um fator a ser analisado entre
os trabalhadores, considerando que estudos detectaram
maior presença de distúrbios musculoesqueléticos entre
indivíduos com baixo nível de escolaridade23. No entanto,
esses distúrbios são crescentes entre profissões de maior
escolaridade, devido ao aumento da exigência e competitividade do mercado24. Além disso, trata-se de uma
variável importante para a eficácia de ações preventivas,
voltadas para a redução dos efeitos nocivos do trabalho na
saúde. Salim25 afirma que houve queda da incidência de
lesão entre indivíduos com nível superior, enquanto que,
naquele grupo cuja escolaridade não ultrapassava o primeiro grau (tempo inferior a oito anos) houve aumento
nos registros. O autor cita ainda uma relação entre faixas
de salários mínimos para a caracterização dos lesionados,
havendo uma tendência de maior incidência da doença
entre aqueles situados na base da pirâmide social, o que
enfatiza o caráter excludente da doença do trabalho.
Segundo Salim25, o tempo na ocupação pode ser
um fator importante quando se trata de DORT. Em
sua pesquisa, foi detectado maior índice de diagnósticos
destas lesões entre trabalhadores com pouco tempo de
serviço. Aqueles que trabalharam de dois a quatro anos
representaram 20% dos casos, e entre quatro e nove
anos, 25%, totalizando quase 50% dos casos comunicados. O autor relata que essa tendência ocorreu simultaneamente ao aumento da rotatividade de mão de obra,
informatização e automação.
Em relação aos motociclistas, foi identificado que a
experiência de condução teve correlação positiva com
a queixa de dores nas regiões costas superiores, braços
e mãos, e costas inferiores26. Figueiredo20 relata que
trabalhadores novatos, por desconhecerem as minúcias do trabalho e os modos operatórios, podem ser
acometidos por distúrbios musculoesqueléticos, pois
alteram seus padrões de trabalho para cumprir metas
de produção, e se expõem a riscos. Já os trabalhadores
mais experientes adotam medidas regulatórias e desenvolvem habilidades que diminuem as demandas do sistema musculoesquelético, portanto, apresentam menos distúrbios e queixas. No entanto, essa relação não
foi vista neste estudo, visto que não houve diferença
QUEIXAS MUSCULOESQUELÉTICAS EM MOTOTAXISTAS
estatística da variável tempo na profissão entre os mototaxistas com e sem dor.
A quantidade de horas dirigidas também pode ser um
fator associado à ocorrência de dores em motoristas10,26.
Quanto mais longo o expediente, mais o motociclistas tornam-se fatigados27, fato corroborado pelo presente estudo.
Princípio semelhante foi encontrado em uma pesquisa que
encontrou uma correlação positiva entre a quantidade de
horas dirigidas e a ocorrência de dores nas nádegas26, entre
motociclistas. O desconforto referido pelos motociclistas
pode ser atribuído possivelmente à distribuição não homogênea de pressão das nádegas sobre o assento da motocicleta, com pico localizado na região isquiática27.
Além disso, outras pesquisas apontam para maiores
percentuais de DORT em indivíduos com jornadas de
trabalho de oito ou mais horas25,28. Outro levantamento
realizado com portadores de DORT revelou que 84%
desses indivíduos tinha uma jornada de oito horas, assim como 62% tinha o hábito de realizar horas extras
até três vezes por semana28. Outra pesquisa realizada
com bancários, dentre os trabalhadores que apresentaram diagnóstico de algum DORT (31,72%), 52,18%
executava carga horária igual ou superior a 8 horas29.
Isso pode ser decorrente do tempo insuficiente para a
regeneração do organismo às exigências de trabalho,
ocasionando fadiga, dor e lesões2,30
A postura sentada é outro fator de risco para os condutores de motocicletas31. Essa postura geralmente é adotada sem apoio para as costas e/ou região lombar, situações
estas que são apontadas como causadoras de dor nesta
região32,33. Estudos com motociclistas apontam a região
das costas (superior e inferior) como dolorosas34,26. Nessa
posição, os quadris produzem cifose na região lombar,
aumentando a pressão intradiscal, provocando cargas e
estresse desnecessários nos discos, e, posteriormente, alterações patológicas33. A forma da postura sentada (desajeitada, lordose longa, lordose curta) pode estar associada ao
aparecimento de dores nessa região durante a condução
do veículo. Em uma pesquisa com motociclistas, foi identificado que mais de 70% dos indivíduos dirigiam com
postura inadequada, tendo maior frequência de dores na
região das costas superiores26. Nesse sentido, os dados encontrados nesta pesquisa estão de acordo com as informações apontadas pela literatura, considerando que a região
das costas foi a mais citada por causar desconforto entre
os mototaxistas. Todavia, outros estudos apontam outras
regiões como dolorosas entre os motociclistas, em especial as regiões da parte superior do corpo, tais como ombro10,12, pescoço ou cabeça, e nádegas12. Para Karmegam
et al.26,27, o desconforto referido nas diversas regiões do
corpo pelos motociclistas pode estar relacionado à precária interação ergonômica entre o homem e a motocicleta.
Um fator curioso apontado na pesquisa foi a referência por parte dos trabalhadores quanto ao surgimento
de dores na região da cabeça, embora não prevista no
esquema corporal de Corlett. Segundo os próprios trabalhadores, uma das principais causas da dor de cabeça
é a alta temperatura, que é uma forte característica da
cidade. Este fator é também comentado por Gomes e
Duque9, que a apontam como muito prejudicial à saúde
do mototaxista, tornando o trabalho mais cansativo.
A intensidade da dor é uma variável importante a ser
estudada, pois pode estar associada à capacidade para o trabalho, assim como à gravidade das lesões35. Regiões relatadas
como “muito desconfortáveis” foram costas inferiores e nádegas, e “desconfortáveis”, pescoço e cabeça, ombro, costas
superiores e inferiores12. Os membros inferiores são a região
menos acometida por dor entre os motociclistas masculinos12.
Através da Figura 5, percebe-se que sete dos dez
mototaxistas que alegaram dor têm entre 20 e 40 anos.
Garcia et al.23 identificaram que 91% dos indivíduos
com DORT encontravam-se entre 20 e 50 anos. Merlo,
Jacques e Hoefel28 identificaram que 84% dos acometidos com estas patologias tinha entre 31 a 50 anos.
Salim25, por sua vez, em uma pesquisa com portadores
de DORT entre os períodos de 1991 e 1999, afirmou
haver predominância na faixa etária entre 30 e 39 anos,
resultado semelhante ao encontrado por Burin et al.29.
No estudo de Walsh et al.35, as variáveis dor, afastamento e idade explicaram 71% da baixa capacidade para o
trabalho entre bancários, no qual dor e afastamento respondiam, por si só, a 59%.
A predominância de distúrbios musculoesqueléticos entre indivíduos na faixa etária de maior produtividade e capacidade reflete a composição da mão de
obra no país29. No entanto, Salim25 chama atenção
para o forte impacto social dos DORTs, tendo em
vista que a maioria dos incapacitados são jovens, ainda em idade produtiva, e para eles, uma invalidez ou
aposentadoria precoce causaria um déficit no referencial de vida.
Em se tratando da avaliação biomecânica de uma
simulação de postura pelo método REBA, pode-se destacar alguns pontos. Alguns autores sugerem o uso de
um apoio para coluna nas motocicletas, para auxiliar os
motociclistas no equilíbrio e na proteção desta região,,
além de manter uma postura adequada enquanto dirigem31. Trabalhar com as costas reclinadas e apoiadas
causa menos dor, corroborando a ideia de que a contração estática é a maior causa de dores lombares e torácicas em curto prazo36.
Segundo Barbosa6, a contração estática de alguns
grupos musculares, com o intuito de manter uma determinada postura corporal, ou mesmo estabilidade, é
altamente fatigante. Isso ocorre pois, devido à manutenção de uma contração constante, há uma diminuição
do suprimento sanguíneo para o músculo, que ao ter
déficits de oxigênio e de nutrientes, fadiga rapidamente
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32
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e acumula resíduos metabólitos6,33. Se a carga estática
é repetida frequentemente e durante longos períodos
de tempo, podem ocorrer distúrbios e dores crônicas33.
O ideal é que a contração muscular seja dinâmica, ou
seja, com alternâncias entre a contração e o relaxamento. Para reduzir o estresse biomecânico, a atividade e
a fadiga musculares, juntamente com o conforto ao
se sentar, devem ser considerados no projeto de uma
motocicleta27.
Referências
1.
2.
3.
Conclusão
O estudo demonstrou que as queixas musculoesqueléticas foram relatadas em metade dos mototaxistas, sendo mais frequentes dores nas costas (médias e
inferiores), que estão compatíveis com a característica
do trabalho sentado. Dos que alegaram dor, destaca-se
que nove trabalhadores são portadores de intensidade
entre 5 e 10, apontando para sensações de dor alta e
moderada.
A carga horária foi significativamente maior entre os
trabalhadores que relataram dores musculoesqueléticas,
reforçando esta variável como um fator de risco para o
surgimento de queixas nesse sistema. As variáveis idade
e tempo na profissão não apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Analisada à luz do método REBA, a postura adotada
pelos mototaxistas apresenta médio risco biomecânico,
relacionando-se com repetitividade, posturas estáticas e
inadequadas durante a jornada de trabalho.
Dessa forma, conclui-se que a atividade de mototaxista apresenta riscos biomecânicos, sendo ratificado pelo relato de dor na metade dos trabalhadores
entrevistados, e pela avaliação por meio do método
REBA. No entanto, percebe-se que estudos com esses profissionais são muito escassos e que, portanto,
são necessárias mais pesquisas, ampliando o tamanho
amostral, com o intuito de preservar a saúde dos trabalhadores. Ressalva-se a importância da compreensão
de fatores agravantes do trabalho, tendo em conta as
consequências que doenças ocupacionais podem ocasionar na qualidade de vida de indivíduos em plena
idade produtiva.
Conflitos de interesse
Apresentamos que o artigo intitulado “Queixas
Musculoesqueléticas em Mototaxistas” não possui
conflito de interesses econômicos, éticos e operacionais que comprometam a fidedignidade dos dados e
sua isenção científica, tanto na análise como na apresentação deles.
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