III ENCONTRO VIRTUAL DO
CONPEDI
DIREITO, GOVERNANÇA E NOVAS TECNOLOGIAS
III
DANIELLE JACON AYRES PINTO
HENRIQUE RIBEIRO CARDOSO
AIRES JOSE ROVER
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D597
Direito, governança e novas tecnologias III [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Aires Jose Rover; Danielle Jacon Ayres Pinto; Henrique Ribeiro Cardoso – Florianópolis: CONPEDI,
2021.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-5648-321-4
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Saúde: segurança humana para a democracia
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Governança. 3. Novas tecnologias. III Encontro
Virtual do CONPEDI (1: 2021 : Florianópolis, Brasil).
CDU: 34
Conselho Nacional de Pesquisa
e Pós-Graduação em Direito Florianópolis
Santa Catarina – Brasil
www.conpedi.org.br
III ENCONTRO VIRTUAL DO CONPEDI
DIREITO, GOVERNANÇA E NOVAS TECNOLOGIAS III
Apresentação
No III Encontro Virtual do CONPEDI, realizado de 23 a 28 Junho de 2021, o grupo de
trabalho “Direito, Governança e Novas Tecnologias III”, que teve lugar na tarde de 25 de
junho de 2020, foi o promotor de debates profundos e estruturantes sobre esse tema tão
instigante e contemporâneo. Ao longo de GT foram apresentados trabalhos de alta qualidade
produzidos por doutores, pós-graduandos e graduandos. Vale ressaltar nesse GT a
potencialidade e alegria de ver a diversidade de gênero sendo efetivada entre os participantes,
homens e mulheres elevaram de forma significativa a qualidade dos estudos jurídicos que
versam sobre as novas tecnologias e os processos de governança, num esforço efetivo para
promover de práticas justas e democráticas frente às novas tecnologias e à sua influência no
mundo do direito.
Ao total foram apresentados 16 artigos que tiveram comentários dos coordenadores e do
público presente como assistência na sala virtual do GT.
Esse rico debate demonstra a inquietude que os temas estudados despertam na seara jurídica.
Cientes desse fato, os programas de pós-graduação em Direito empreendem um diálogo que
suscita a interdisciplinaridade na pesquisa e se propõem a enfrentar os desafios que as novas
tecnologias impõem ao Direito e a toda a sociedade. Para apresentar e discutir os trabalhos
produzidos sob essa perspectiva, os coordenadores do grupo de trabalho dividiram os artigos
em três blocos, quais sejam: a) inteligência artificial e os perigos do uso das novas
tecnologias; b) Desinformação, internet e privacidade; e c) governo eletrônico e seus
processos de governança impulsionados pela pandemia de COVID-19.
O bloco inicial dedicou-se a pensar a inteligência artificial e os perigos do uso das novas
tecnologias. Nesse espaço foram debatidos os seguintes temas: “Risco e internet”; “Os
limites éticos do uso da IA no Judiciário”; “Avanço da IA na atividade jurisdicional”;
“Gestão de Departamentos Jurídicos e data drive”; “Governança algorítmica” .
No segundo bloco os temas ligados a desinformação, internet e privacidade foram os
principais em debate, com temas como: “A proteção dos direitos da personalidade nos
negócios jurídicos das lawtechs”; “O capitalismo de vigilância e a necessidade de uma ética
para os avanços tecnológicos”; “Deepfake e a desinformação”; “A exploração da autonomia
na sociedade da informação”; “A governança e o registro de dados em LGPD sob a ótica da
tomada de decisão estratégica”; “O direito fundamental à privacidade no governo digital”; “A
lei geral de proteção de dados pessoais – nível de adequação nas operadoras de plano de
saúde”.
No terceiro e derradeiro bloco, os trabalhos tiveram o intuito de debater o governo eletrônico
e seus processos de governança impulsionados pela pandemia de COVID-19 com os temas:
“Responsabilidade social, governança corporativa e compliance”; “O governo digital e a
nova roupagem da administração pública: o empurrão dado pela crise atual da pandemia de
covid-19”; “Direito à informação correta e a covid-19”; “Legal design como mecanismo de
acesso à justiça”; “Mundo V.U.C.A. e saúde global”.
Todos os artigos apresentados nesse GT tiveram como função fomentar a pesquisa de
qualidade e fortalecer o diálogo interdisciplinar em torno dos temas do direito, novas
tecnologias e processos de governança. Tais produções são resultados claros do aumento de
importância desses temas para os programas de pós-graduação na área jurídica, motivados
pela cada vez maior inserção do mundo virtual na vida cotidiana dos cidadãos e da
necessidade de buscar transformações e adequações legais efetivas para satisfazer as
demandas da sociedade nesse mundo em transformação.
Os Coordenadores
Prof. Dr. Aires José Rover
Profa. Dra. Danielle Jacon Ayres Pinto
Prof. Dr. Henrique Ribeiro Cardoso
RISCO E INTERNET A PARTIR DE JOHN ADAMS
RISK AND INTERNET FROM JOHN ADAMS
Emerson Wendt
Karen Lucia Bressane Rubim
Juliana Bloise dos Santos
Resumo
A pesquisa, por meio de revisão bibliográfica e marco teórico proposto por John Adams,
busca identificar e elucidar as perspectivas de análise do risco e sua compensação. Vai
verificar as variedades de incertezas e os limites incertos entre o que é chamado risco e o que
é chamado incerteza. Dentro do cenário da Internet, o trabalho pretende avaliar o risco virtual
e seu sistema de gerenciamento e, se de fato esse sistema pode ser pensado para reduzir
situações de risco ou se situações social e culturalmente constituídas não podem ser vigiadas
de forma a ser extintas.
Palavras-chave: Gerenciamento, Incerteza, Internet, Risco, Segurança
Abstract/Resumen/Résumé
The research, through bibliographic review and theoretical framework proposed by John
Adams, seeks to identify and elucidate the perspectives of risk analysis and its compensation.
It will check the varieties of uncertainties and the uncertain boundaries between what is
called risk and what is called uncertainty. Within the Internet scenario, the work intends to
assess virtual risk and its management system and, if in fact this system can be designed to
reduce risk situations or if socially and culturally constituted situations cannot be monitored
in order to be extinguished.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Management, Uncertainty, Internet, Risk, Safety
5
1 INTRODUÇÃO
Já não se concebe mais a existência do cotidiano, pessoal ou profissional, sem a
Internet, que passou a ser a base das comunicações e interações sociais, culturais,
econômicas, políticas e, reforçada no momento da pandemia do coronavírus,
educacionais, dentre outros aspectos.
Essa demanda emergencial e contingente da sua utilização, permite aos
exploradores de vulnerabilidades, propagadores de pragas digitais e criminosos da
Internet um amplo espectro de vítimas, que, ao utilizarem as funcionalidades da rede
mundial, não percebem ou não conhecem a totalidade de seus riscos e vulnerabilidades,
embora o processo percepcional de cada indivíduo seja diferente, não só em relação ao
tempo, à forma, à constância, à atenção, dentre outros fatores de uso da interação digital.
Assim, a presente pesquisa busca a identificar e elucidar as perspectivas de
análise do risco na Internet e sua compensação, partindo do marco teórico proposto por
John Adams e pela teoria cultural. A partir de revisão bibliográfica se verificam as
variedades de incertezas e os limites incertos entre o que é chamado de risco e o que é
chamado de incerteza. Como problema de pesquisa tem-se a indagação de se é possível
um diálogo entre as teorias do risco (compensação do risco) e cultural (estereótipos) com
o ambiente da Internet, podendo elas ser aplicadas para compreensão do risco no meio
cibernético.
Num segundo momento, o trabalho visará a pontuar que o risco virtual possui
peculiaridades no que pertine às concepções dos riscos (a) percebidos pela ciência ou (b)
percebidos diretamente, parecendo claros, embora os “julgamentos” se deem em níveis
diversos, baseados ou não, respectivamente, em análises formais quanto aos riscos
envolvidos.
Isso porque, no aspecto formal do risco predomina o julgamento, realizado
através do instinto, da intuição e da experiência, que têm por base crenças, preconceitos
e superstições. Já o risco analisado no cenário da Internet, as ameaças tecnicamente
podem ser também iluminadas pela ciência, porquanto uma parte acentuada dos
incidentes é conhecido tecnicamente. Nesse sentido, a pesquisa busca também verificar
se a teoria proposta por John Adams se aplica por completo ao tema em análise, tendo em
vista que os riscos no contexto da Internet não são conhecidos e observados por todos os
usuários da rede.
6
Num terceiro momento, a pesquisa buscará indicar o gerenciamento do risco e
de que forma esse ocorre na tentativa de reduzir situações de sua existência no contexto
da Internet e se o sistema de gerenciamento de fato pode ser utilizado para mensurar
situações tidas como risco e, ainda, se essas situações são objetivas ou se tratam de
construção cultural e cada vez mais transmutadas a uma sociedade da informação.
Trata-se, portanto, de um trabalho com método dialógico, entre a teoria do risco
de John Adams, os riscos e vulnerabilidades existentes no contexto da Internet,
procurando compreender como se dá a percepção e absorção do risco e a correlação com
o direito, pois que este apenas estabelece vínculos com o futuro e a tecnologia pode ofertar
meios diferenciados de mitigação dos danos cibernéticos.
2 PERSPECTIVAS DE ANÁLISE DE RISCO E SUA COMPENSAÇÃO
As análises realizadas Adams (2009, p. 14-15) são baseadas na compensação do
risco e na teoria cultural: (a) na primeira, em busca de oportunidades, procuramos no
ambiente evidências de segurança e perigo, modificando o comportamento em relação ao
que foi/é observado (baseia-se em Sam Peltzman e Gerald Wilde1); (b) na segunda, está
em jogo o modo mais sensato de gerenciar o risco através de busca de padrões de
incertezas (baseia-se em Mary Douglas e Michael Thompson2). Sob esta perspectiva, o
risco é culturalmente construído, pois somos orientados pela suposição, pela inferência e
pela crença (ADAMS, 2009, p. 30).
Adams (2009, p. 15) alerta para as variedades de incertezas e os limites incertos
entre o que é chamado de risco e o que é chamado de incerteza. Propõe os círculos do
risco, estabelecendo aquele(s): (a) percebido(s) diretamente; (b) percebido(s) pela
ciência; (c) risco virtual (incertezas: hipóteses polêmicas, ignorância e desconhecimento).
Figura 1: Diferentes tipos de risco
1 Gerald Wilde desenvolveu a Teoria de Homeostase do Risco, que “coloca algumas ressalvas quanto à
eficácia das inovações tecnológicas como medidas para aumentar a segurança no trânsito e no trabalho,
para reduzir acidentes, entendendo ser a diminuição do nível do risco pelas pessoas, sim, uma medida
comportamental com resultado positivo” (ARCIONI, 2007). Para Wilde (2005, p. 17), “os seres humanos
nunca podem estar totalmente seguros sobre os resultados de suas decisões. Portanto, todas as decisões são
decisões arriscadas”.
2 Boa parte da pesquisa de John Adams sobre o risco é compartilhada com Michael Thompson, com quem
iniciou os estudos.
7
Fonte: autores, inspirado em Adams (2009, p. 15)
As concepções dos riscos percebidos pela ciência ou percebidos diretamente
parecem claros, embora os “julgamentos” se deem em níveis diversos, baseados ou não,
respectivamente, em análises formais quanto aos riscos. Tal não acontece no risco virtual,
no qual predomina o julgamento, realizado através do instinto, da intuição e da
experiência, que têm por base crenças, preconceitos e superstições (v.g., a Internet
profunda, também chamada de Deep Web, contemplaria situações de oferta de crimes tão
somente, ou, ela é somente acessada por criminosos).3
Ao analisar o termostato do risco (Figura 2), essência da hipótese de
compensação do risco de Gerald Wilde (2005) – em relação à saúde –, Adams (2009) –
em relação à segurança no trânsito –, afirma que correr risco é fazer algo que carrega em
si uma probabilidade de um resultado adverso, pois se as pessoas correm riscos, haverá
acidentes; no caso da Internet, seriam incidentes. Porém, a maioria das pessoas gerencia
os riscos equilibrando recompensas percebidas com o risco percebido dos incidentes na
Internet. Estes, estão na parte inferior da representação gráfica; aquelas, na parte superior.
3 Ao estabelecer outra classificação do risco, como voluntário, involuntário ou imposto, Adams (2009, p.
16-17) afirma que a “aceitação de um determinado nível estatístico de risco varia, em grande medida, de
acordo com o nível percebido de controle que um indivíduo pode exercer sobre ele e, nos casos de riscos
impostos, com os motivos percebidos de quem os impõe”. Essa classificação é de difícil adequação à
questão da Internet, porquanto a aceitabilidade e ampliação do risco está no seu uso e na maneira como ele
ocorre, embora o risco já esteja na decisão de usar ou não a Internet.
8
Figura 1 - O "termostato" do risco4
Fonte: autores, adaptado de Adams (2009, p. 49)
Verifica-se, assim, que os operadores de saúde e segurança no trânsito trabalham
com a premissa do diagnóstico (diagnose) e tem paradigmas e parâmetros (análises
clínicas, exames, dados estatísticos etc.). Assim, para a saúde/trânsito se aplica – de modo
lógico – o termo “termostato”, pois é medida ou forma de medir. Na saúde ou no trânsito,
então, esse termômetro é possível, pois se tem ferramentas. Esse conceito de “termostato”
pode ser, também, aplicado à tecnologia, em especial à Internet, pois que as ameaças e
vulnerabilidades, em regra, são conhecidas, embora determinadas circunstâncias não o
são e podem gerar incertezas e danos, como são os ataques denominados zero-day5.
No direito, isso pode ser diferente, considerando a imprecisão do diagnóstico –
contingência (multiplicidade de escolhas que levam a multiplicidade de ações, o que leva
à complexidade das decisões e ações). O direito dá uma possibilidade de ação, mas várias
interpretações e reações; assim, o modelo do diagnóstico não se aplica completamente à
questão do direito, embora se aplique à questão tecnológica (da Internet). Arnaud (2007)
cita o risco como primeira análise na mercancia6; já Luhmann (2006), expectativas sobre
danos futuros.
4 Inspirado do gráfico em Adams (2009, p. 49). Adaptou-se à concepção da Internet, onde os perigos são
representados pelas ameaças (códigos e aplicativos maliciosos, ações de coleta de dados etc.) e
vulnerabilidades (falhas em softwares e hardwares e displicência nas condutas de usuários) e os “acidentes”
analisados por Adams (2009) são, na verdade, os incidentes na Internet.
5 Segundo Rosa, Santin e Malucelli (2011, p. 2), os ataques zero-day “ocorrem quando uma vulnerabilidade
(falha de software) se torna publicamente conhecida antes que sua correção esteja disponível”. Pode-se
acompanhar estudos e notícias sobre ataques zero-day através do site http://www.zerodayinitiative.com/.
6 Uma análise sobre esse tema também é feita, com base em Arnaud e Beck, por Andreucci e Dos Santos
(2013, p. 74-88).
9
Tal qual Adams (2009), pode-se afirmar que não há uma única visão social sobre
os problemas do risco e ele pode ser percepcionado através de uma tipologia dos filtros
perceptuais (ADAMS, 2009, p. 23), sob a ótica dos: fatalistas; hierárquicos/reguladores;
individualistas/jogadores, e; igualitários/defensores. Assim, “Quanto menos correta a
ciência, mais influentes se tornam os filtros perceptuais da teoria cultural e mais
dogmáticos ficam os participantes do debate.” (ADAMS, 2009, p. 24).7 Voltar-se-á, mais
a frente, à tipologia dos filtros perceptuais, com ênfase aos atores envolvidos na Internet.
Adams (2009, p. 26), tal qual outros autores sobre o assunto (DE GIORGI, 1998;
LUHMANN, 2006), relaciona a palavra risco ao futuro, que existe apenas na imaginação,
mas que a ciência pode oferecer a ela (imaginação) orientações úteis. Quanto mais
iluminados pela luz da ciência, encontram-se problemas de gerenciamento do risco
potencialmente solucionáveis (pela luz da ciência); quanto mais fraca a luz (da ciência),
o índice de especulação cresce em relação à evidência8.
Adams (2009, p. 26-27) diferencia risco e ameaça, sendo esta algo que poderia
causar dano e aquele (risco) o resultado da multiplicação da probabilidade pela ameaça.
Assim, pela sua forma de análise, no contexto da ciência, o risco é colocado no círculo
iluminado ao passo que as ameaças e seus tipos estão relacionados aos riscos percebidos
diretamente e aos riscos virtuais (não no sentido da tecnologia virtual, mas da virtualidade
dos riscos).
7 Sob a ótica da teoria cultural, Adams diz que a mesma “oferece estrutura e vocabulário úteis para
descrever as atitudes encontradas nas discussões sobre a melhor maneira de abordar um futuro incerto, além
de ajudar as pessoas a refletirem sobre os próprios vieses e preconceitos” (ADAMS, 2009, p. 21).
8 Acredita-se que ao falar em evidência, Adams se refira à possibilidade de solução ou calculabilidade de
solução sobre o risco em observação.
10
Figura 2 - Onde estão as chaves? "luz da ciência"9
Fonte: Adams (2009, p. 25)
No contexto da Internet, no entanto, as ameaças tecnicamente podem ser também
iluminadas pela ciência, porquanto uma parte acentuada dos incidentes é conhecido
tecnicamente10. A teoria de Adams, então, não se aplica por completo, porquanto mesmo
que iluminados e percebidos pela ciência, os riscos no contexto da Internet não são
conhecidos e observados por todos os usuários da rede: eles são percebidos dependendo
da ótica do observador. No entanto, os aspectos elencados pelo autor citado – a
compensação do risco e a teoria cultural com seus estereótipos – “nos fornecem um bote
salva-vidas que nos impede de afogar no mar do relativismo reflexivo, ou seja, são dois
conjuntos de suposições simplificadoras propostas [...] na tentativa de dar sentido ao
comportamento frente à incerteza.” (ADAMS, 2009, p. 30)
Neste processo, por outro lado, há o embate entre “leigos” (que estão na escuridão)
e “peritos” (que tem o condão de iluminar a escuridão com base em seus estudos11) sobre
a percepção do risco: ignorar, negar ou desafiar tais riscos como formulados por peritos
é parte da vida social; acessar ou não a Internet é parte da ação humana atual; realizar
9 Imagem original, elaborada por Adams (no seu livro lançado no Brasil, consta da pág. 25) em que a
iluminação oferecida pela ciência é capaz de orientar a análise do risco, sendo o julgamento realizado com
base em probabilidades.
10 Veja-se o elenco de incidentes catalogado pelo CERT.br (Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de
Incidentes de Segurança no Brasil, mantido pelo NIC.br, do Comitê Gestor da Internet no Brasil) em:
http://www.cert.br/stats/.
11 Adams (2009, p. 37) alerta quanto aos especialistas de análise do risco, pois embora tenham
conhecimento abstrato que por vezes é útil, na maioria das vezes é enganoso e suas mensurações científicas
significam muito pouco.
11
compras em sites na Internet, desafiando possibilidades de coletas de dados e credenciais,
é arriscar ou não o patrimônio. Segundo Wendt (2017, p. 124), a percepção do risco na
Internet pela sociedade brasileira é alta: “84,7% dos respondentes considera arriscado
usar a Internet no Brasil, sendo mais acentuada essa percepção em pessoas do sexo
feminino e entre pessoas com idade entre 20 e 38 anos”.
Assim, com base em Marques (2013), fala-se, portanto, de modulação das
percepções de risco e como determinados riscos podem ser amplificados, através da
intensificação ou atenuação deles, levando-se em conta as instâncias de sociabilidade,
quais sejam: indivíduo, grupos sociais e culturais, mídia, agências governamentais,
profissionais de relações públicas etc. Estes são, assim, estações dos processos de
amplificação dos riscos que têm a função de realizar espécie de filtros, realizar mediações,
comunicações e, também, de “opinar” sobre a informação corrente a respeito de ameaças
específicas12.
Paralelamente, Adams (2009, p. 33-38) atenta para os níveis de responsabilidade
pelo gerenciamento do risco, ou seja, crianças, adultos e autoridades, esperando-se que
estes sejam dotados de uma sabedoria superior sobre a natureza dos riscos e sobre como
gerencia-los, embora raramente as “decisões sobre o risco são tomadas com informações
que podem ser reduzidas a probabilidades quantificáveis, porém de alguma forma as
decisões são tomadas” (ADAMS, 2009, p. 36). Assim, a decisão de acessar a Internet, de
clicar ou não clicar em um determinado link, de realizar ou não realizar uma compra em
sites de e-commerce, de postar ou não postar uma foto ou vídeo numa rede social, dentre
outras decisões possíveis.
Segundo Adams (2009, p. 49), o ponto de partida de qualquer teoria do risco deve
ser a ideia de que qualquer pessoa, de livre e espontânea vontade, corre riscos, porém este
não é o ponto de partida da maior parte da literatura sobre o risco. Segundo Luhmann
(2006), toda e qualquer ação humana contempla um risco. Ao abordar o homo prudens
(aquele do risco zero) e o homo aleatorius (aquele que corre riscos) e os debates entre
Einstein e Max Born sobre a certeza/incerteza, pondera Adams (2009, p. 50-52) que a
incerteza é a única coisa que nos permite a possibilidade de um significado moral, pois
somente se houver a incerteza existe espaço para a responsabilidade e a consciência. Em
face da incerteza, acrescenta, tanto cientistas quanto teólogos recorrem à crença.
12 A mídia traz todos os dias notícias e fatos sobre os quais há menção e/ou análise de riscos: as notícias
dedicam-se de forma maciça ao risco e este é característica definidora da notícia (ADAMS, 2009, p. 35),
como bem observado no capítulo anterior, quando da análise do caso Carolina Dieckmann.
12
Correr o risco parece ser uma confirmação de autonomia moral que pode ser, em
si, a recompensa suprema de se correr um risco. Segundo Wendt (2017, p. 124), “podese inferir que usuários com acesso à Internet todos os dias podem deixar de percepcionar
os (eventuais) riscos existentes”. A recompensa aparece, então, como invocada e usada
para explicar comportamentos de aceitação do risco13. Pontua Adams (2009, p. 53), de
uma perspectiva dostoievskiana, que quanto maior for o sucesso dos regulamentadores
de segurança na remoção da incerteza de nossas vidas, mais forte se tornará a compulsão
por reafirmá-la. Por isso, explicar-se-ia a tendência de regulamentação de vários aspectos
relacionados à Internet, procurando reduzir as incertezas geradas com seu uso.
Concorda-se com Adams (2009, p. 54) quando afirma que o risco é um fenômeno
interativo em que o comportamento de equilíbrio de uma pessoa tem consequência para
outras (v.g., compartilhamento de uma notícia pela Internet e/ou ato de curtir uma
postagem em redes sociais). Porém, a interação de risco pode acontecer frequentemente
em termos de grande desigualdade, de conhecimento/desconhecimento no caso da
Internet (v.g., compartilhamento de uma notícia falsa, com código malicioso escondido,
para usuários de e-mails).
Assim, Adams (2009, p. 48) apresenta um modelo, originalmente desenvolvido
por Gerald Wilde (2005), de teoria da compensação do risco, evidenciando a circularidade
das relações que frustram o desenvolvimento de medidas objetivas do risco. O modelo
postula:
(a) todos têm propensão a correr riscos;
(b) essa propensão varia de um indivíduo para o outro;
(c) essa propensão é influenciada pelas possíveis recompensas obtidas quando se
corre um risco;
(d) as percepções do risco são influenciadas pela experiência de perda em
acidentes (perdas próprias e das pessoas próximas). No caso da Internet, em relação aos
incidentes (ameaças e vulnerabilidades);
(e) as decisões individuais relativas a correr riscos representam um ato de
equilíbrio, no qual as percepções do risco são ponderadas em relação à propensão de
correr riscos;
Neste ponto, Adams cita Fiódor Dostoiévski (“Memórias do subsolo”), que possui edição brasileira em
2000.
13
13
(f) as perdas por acidentes (Internet = incidentes) são, por definição, consequência
da atitude de correr riscos, pois quanto mais riscos um indivíduo corre, maior, em média,
serão as recompensas e também as perdas em que ele incorre.
Não se trata aqui de problematizar a mensuração, bastante questionada por Adams
quanto ao assunto de sua análise – acidentes de trânsito –, pois não existe nem mesmo
uma concordância ou padrão sobre quais unidades de medida poderiam ser utilizadas para
a Internet, senão os elaborados por organismos de governança da Internet14. Neste caso,
as recompensas do risco (estar conectado, pertencer à comunidades virtuais, usufruir de
tecnologias digitais de geolocalização etc.) quanto as perdas por incidentes e ameaças na
rede mundial de computadores (com pirataria, fraudes eletrônicas, ofensas virtuais etc.)
prejudicam a redução a um denominador comum, à medidas especificáveis. Assim, as
recompensas têm variadas formas (acesso à informação, poder do conhecimento,
reconhecimento, ostentação etc.) e as perdas por incidentes (ameaças e vulnerabilidades)
não podem ser mensuradas com uma única medida. Ademais, cada usuário de Internet
poderia atribuir significação diferente a eventos semelhantes.
Poder-se-ia, também, analisar o quanto o comportamento de equilíbrio se afasta
ou se aproxima de subjetividades ou objetividades15. Porém, certo é que nesse processo16
poderá então haver uma adição de filtros culturais aos termostatos do risco17, pois as
No Brasil, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br).
Adams (2009, p. 57), sobre isso, traz a concepção do termostato do risco esticado, em que o
comportamento de equilíbrio fica mais deslocado em relação à objetividade.
16 Ao analisar a questão da poluição gerada pelo tráfego de veículos na década de 1990 e as opiniões pró e
contra, Adams (2009, p. 78) pondera que o que está em jogo são os benefícios ou não gerados pelo aumento
do tráfego: se os benefícios são considerados grandes então são necessárias evidências para gerar um
sacrifício de alguns desses benefícios; de outro lado, se os benefícios são considerados menores, mais forte
fica o argumento a favor do acautelamento através do princípio preventivo.
17 Em Schwarz e Thompson há correlação das tipologias da natureza humana com as tipologias da natureza
física, que forma o quadro central da teoria cultural proposta por John Adams. Segundo este (2009, p. 7273), essas diferentes racionalidades tendem a fortificar-se, pois que tanto os paradigmas da ciência quanto
os mitos da teoria cultural são filtros poderosos através dos quais o mundo é percebido, sendo reforçados
pelas pessoas com que convivemos. “Tanto cientistas quanto “pessoas comuns” confrontam o mundo
armados apenas com seus mitos sobre a natureza.” (ADAMS, 2009, p. 73). Pontua ainda Adams (2009, p.
74) que a teoria cultural é o mito dos mitos (supermito) do antropólogo e que deve ser julgado pelo grau
em que se harmoniza com a experiência das pessoas: ser útil a elas enquanto tentam navegar pelo mar de
incerteza. Ao analisar as quatro racionalidades como paradigmas conflitantes, Adams (2009, p. 76-77)
enfatiza que o debate da teoria cultural não deve ser entre racionais e irracionais, mas uma discussão
racional com base em premissas diferentes. Assim, para os individualistas, que tendem a ter uma
interpretação otimista da história, vêm a natureza como estável, robusta e benigna, sendo ela capaz de
minimizar os insultos do homem e é raramente vingativa. Por isso, acreditam nas forças do mercado e na
responsabilidade individual, sendo hostis aos reguladores do “Estado-babá” (nanny-State). Quanto aos
igualitários, que se inclinam a uma interpretação ansiosa da história, apegam-se à visão de que a natureza
é frágil e precária e, portanto, gostariam que todos pisassem com cuidado na Terra e, havendo casos de
dúvida, dever-se-á invocar o princípio preventivo. Já os hierárquicos ou reguladores – que possuem uma
visão equilibrada da história (traz advertências, mas também promessas) –, membros de grandes empresas,
governos e burocracias, acreditam que a natureza será benéfica se manejada de forma adequada, acreditando
14
15
14
reações comportamentais à mesma realidade objetiva são diversas e implicam que a
realidade é filtrada por paradigmas ou mitos sobre a natureza, tanto física quanto humana.
Há, então, um processo de combinação dos fenômenos da compensação do risco com os
insights da teoria cultural (ADAMS, 2009, p. 79).
Figura 3 - O "termostato" do risco esticável e com filtros culturais18
Fonte: autores (adaptado de ADAMS, 2009, p. 57 e 79).
Adams (2009, p. 87) afirma que embora sejam caricaturas as figuras mitológicas
da teoria cultural, é comum encontrarmos pessoas que se parecem com elas e, no vácuo
de informações, há preenchimento feito por pessoas provenientes dos quatro cantos da
tipologia, afirmando suas certezas contraditórias e esse ruidoso debate é caracterizado por
racionalidades plurais, senão múltiplas.
Assim, a resposta às questões – não solucionáveis pela ciência e como podemos
gerenciar melhor o risco – parecem depender da pessoa à qual o questionamento é
dirigido: se fatalista (na Internet, seria a maioria dos usuários), se individualista (na
Internet, pode-se correlacionar com os que a defendem totalmente livre, sem
regulamentações e, também, a livre manifestação de opiniões e ações), se hierárquico (na
Internet, os que pregam uma maior interferência governamental no controle dela e, frente
na pesquisa que estabelece “os fatos” sobre a natureza física e a humana e nas regulamentações para o bem
coletivo. Finalmente, quanto aos fatalistas, que ficam na base da pirâmide social, acreditam que a natureza
é caprichosa e imprevisível, esperando o melhor e temendo o pior, ou seja, têm a vida como uma loteria
cujos resultados não se tem controle.
18 Baseado em John Adams, no “termostato” do risco esticado (2009, p. 57), e no “termostato” do risco com
filtros culturais (2009, p. 79).
15
aos riscos, um contingenciamento pela ação normativa.) ou igualitário (na Internet,
podem ser os defensores da neutralidade da rede, do acesso a todos, porém, consciente e
sustentável).
Verifica-se, desde já, com base nos dados coletados e analisados, que os tipos de
riscos na Internet – e que na teoria de John Adams são três (percebidos pela ciência,
percebidos diretamente e o risco virtual) –, em relação àqueles que seriam iluminados
pela ciência e àqueles percebidos diretamente, podem ser categorizados dentro de um
único campo, associados os dois aspectos, formando os “riscos tecnológicos detectados e
analisados” (dados e informações sobre incidentes detectados e analisados pelos peritos,
através de estudos tecnológicos, possibilitando indicativos de probabilidades). Além
desse risco, há o chamado “risco virtual”, onde o gerenciamento de risco que se dá com
o uso de julgamento, porém sem análises técnicas e prévias de probabilísticas formais do
risco, baseado no instinto, intuição e experiência.
Figura 4 - Riscos na Internet
Fonte: autores.
No cruzamento dos riscos tecnológicos detectados e analisados, que possibilitam
indicativos de probabilidades, com o risco virtual, no qual a atuação do usuário se dá por
instinto, intuição ou experiência, embora tenham dados técnicos elaborados por peritos,
16
do ponto de vista do usuário há um total desconhecimento e a impossibilidade de
inferência, justamente por inexistir qualquer tipo de interação entre peritos e leigos, ou
seja, estão totalmente ausentes os fatores de influência e amplificadores do risco. Nesse
ponto, os riscos desconhecidos podem passar totalmente desapercebidos; no entanto, se
conhecidos, poderiam gerar julgamentos e condutas diversas, também dependentes dos
fatores de influência e de amplificação dos riscos.
3 GERENCIAMENTO DO RISCO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DO RISCO: E A
INTERNET?
O
gerenciamento
do
risco
compõe-se
de
um
setor
formal,
de
autoridades/especialistas (em gerenciamento de riscos e Segurança da Informação,
compliance etc.), cujo objetivo é reduzir o risco, e, de um setor informal, de pessoas
comuns (os usuários da Internet), cujo objetivo é equilibrar riscos e recompensas. Em
todos os casos o comportamento do setor informal é modificado pelas atividades do setor
formal, seja de forma apreciativa, seja de forma inadequada ou, ainda, de forma
ressentida; também, o setor informal reage às atividades dos gerenciadores de risco freelancers, ou de forma paternalista ou de forma abusiva.
Ao tratar do risco e a Royal Society britânica, Adams (2009, p. 39-62) cita estudos
realizados em 1983 e 1992, cujas primeiras anotações estabeleciam a distinção entre risco
objetivo (tipo de coisa sobre o qual especialistas sabem) e risco percebido (antecipação
de acontecimentos futuros, com frequência muito divergente, feita por pessoas leigas) e
a lacuna existente entre o que se afirma ser científico e passível de mensuração e o modo
como a opinião pública avalia os riscos e toma decisões, ou seja, como ele é
percepcionado.
O sistema de gerenciamento do risco com separação entre o risco objetivo e o
risco subjetivo passa, então, a ser contestado pela Royal Society já em 1992, cujos estudos
são divergentes e apontam para opiniões de que o risco é culturalmente construído
(ADAMS, 2009, p. 42). Essa constatação, com a ativa utilização da Internet em todo
mundo pela maioria da população, é acentuada, porquanto as informações estão mais
disponíveis ao acesso público, cujos “consumidores” tendem a fazer suas próprias
avaliações, de acordo com seu contexto econômico, cultural e social.
17
Há assim, contestação em relação ao posicionamento dos objetivistas ou
kelvinistas19, embora ainda sejam naquele período a grande maioria e que consideram
incompreensível a ideia de que o risco é culturalmente construído (ADAMS, 2009, p.
43)20. Assim, sistemas de tecnologia com menor número de usuários ou de acesso restrito,
em regra tendem a ser mais seguros; sistemas operacionais de computador, como iOS e
Linux, com menor número usuários em todo mundo, tendem a ser menos explorados em
suas vulnerabilidades e, por consequência, mais seguros e, contrario sensu, os sistemas
operacionais Windows são mais inseguros. Não são considerados aspectos relativos à
ansiedade subjetiva e emocional das pessoas.
Para kelvinistas se o risco existe, ele existe como probabilidade que pode ser
mensurado (ADAMS, 2009, p. 44). “A escola ortodoxa da análise de risco trata as
estatísticas de acidentes como medidas objetivas do risco”, não se atendo às percepções
locais ou setoriais (leigas) sobre os riscos (ADAMS, 2009, p. 46). Na Internet, avalia-se
que as percepções locais e setoriais são importantes para o reconhecimento e reação aos
riscos.
Adams pondera sobre dois fatores difíceis de mensuração, que são a exposição
(ex.: de usuários a sites com fraudes e coletas de dados) e vigilância21, pois à medida em
que a ameaça percebida aumenta, as pessoas reagem tornando-se mais cuidadosas,
havendo enorme diversidade de maneiras pelas quais isso pode se dar, tornando difícil a
mensuração:
O problema para os que buscam criar medidas objetivas do risco é que as
pessoas, em variados graus, modificam tanto seus níveis de vigilância quanto
sua exposição ao perigo em resposta a suas percepções subjetivas do risco. [...]
Como indivíduos e instituições reagem a suas percepções do risco buscando
gerencia-lo, eles alteram o que é previsto no momento da previsão. [...] Ainda
que a precisão e confiabilidade dos dados pudessem ser garantidas, ainda
permaneceria o problema insuperável de interpreta-los como medidas
objetivas de risco para os indivíduos. [...] Todos os riscos são condicionais”
(ADAMS, 2009, p. 47).
Termo baseado no físico William Thompson, nominado como Lorde Kelvin, que disse: “tudo que existe,
existe em alguma quantidade e pode portanto ser mensurado”.
20 O estudo de Adams relaciona-se às questões do risco nas estradas e seus exemplos são nessa área. Os
capítulos 7 e 8 de sua obra são sobre segurança nas estradas, relativamente ao cinto de segurança e mais
filtragens sobre o risco (p. 159-212). Assim, para Adams as estradas com menor número de acidentes são
mais seguras; escolas com menor número de incidentes são mais seguras etc.
21 No caso da Internet, esse aspecto da vigilância e coleta de dados é acentuado, porquanto cada uma das
aplicações tem suas peculiaridades e política de acompanhamento da navegação do usuário na rede e coleta
de suas informações.
19
18
Embora se possa deslocar os riscos (v.g., nas estradas, proibição de uso de
bicicletas; na Internet, bloqueio de determinados sites), não se pode mensurar
corretamente a redução do risco (de morte, de fraudes etc.) em geral. Adams (2009, p. 58)
afirma que o mundo contém cerca de cinco bilhões de termostatos do risco, sendo alguns
grandes e outros muitíssimos pequenos. Essa multiplicidade de termostatos é lançada pelo
autor como “a dança dos termostatos do risco” (ADAMS, 2009, p. 59), que também estão
influenciados pelas forças da natureza, as “Borboletas de Pequim” (Teoria do Caos),
comportamento humano sobre a natureza etc. No âmbito da rede mundial de
computadores, percebe-se que estudos sobre novos riscos (vulnerabilidades exploradas
por criminosos cibernéticos), mesmo que relativos a outros países, regiões, tendem a
influenciar o comportamento humano.
“A incerteza científica sobre o mundo físico, o fenômeno da compensação do risco
e a natureza interativa do risco torna os eventos individuais inerentemente incertos”
(ADAMS, 2009, p. 60).
Quanto às variedades de incertezas, embora traga conceito trabalhado desde 1921
por Frank Knight (‘se você não sabe ao certo o que acontecerá, mas conhece as
probabilidades, isso é risco; se você não conhece nem mesmo as probabilidades, isso é
incerteza’), a distinção entre risco e incerteza perdeu sua nitidez e as palavras são usadas
de maneira intercambiável. “A incerteza, como definida por Knight (1972), é inescapável,
pois não está no terreno do cálculo, mas do julgamento.” (ADAMS, 2009, p. 61)
Ainda, pontua Adams (2009, p. 62) que
o risco incorpora os conceitos de probabilidade e magnitude encontrados nas
definições quantificadas “científicas” do risco, mas não insiste que seus valores
sejam precisamente conhecíveis. Se abdicarmos da inalcançável aspiração a
uma quantificação precisa, podemos encontrar, acredito eu, algumas formas
úteis de navegar no mar da incerteza.
Ao usar o princípio de incerteza de Heisenberg22, Adams (2009, p. 63-64) analisa
os padrões de incerteza e pondera que existem problemas semelhantes de relatividade e
indeterminação para os que tentam delimitar o risco com números objetivos, “pois ele
está em constante movimento e se move em reação às tentativas de mensurá-lo”. Os
sistemas de mensuração, então, variam em quantidade similar à quantidade dos
observadores (do risco): “o risco percebido é o risco ao qual se reage”.
22 Diz
o princípio que o ato de medir a localização de uma partícula altera sua posição de forma imprevisível.
19
Outro aspecto pontuado por Adams (2009, p. 63-64) é que eventuais índices sobre
determinadas circunstâncias de riscos não podem servir como medidas de risco, pois se
são baixos (os índices) não necessariamente há indicação de que o risco foi baixo,
podendo significar que um alto risco foi percebido e evitado.
O risco, “no mundo real”, é gerenciado para orientar comportamentos, mas esse
risco será dependente das reações comportamentais, que dependerão do risco percebido
e, assim, o ciclo prossegue. Mesmo no caso de riscos incontroláveis (v.g., informação de
colisão de um meteoro), haverá consequências (no exemplo, rezar, embebedar-se ou
construir subterrâneos etc.) (ADAMS, 2009, p. 65).
Para Adams (2009, p. 65), o propósito dos mensuradores e gerenciadores de risco
é a diminuição do risco (remover todo o risco, eliminar todos os acidentes etc.), situação
na qual governos, ao identificar novo risco, alavancado pelas pessoas em suas campanhas
por segurança e de seu desejo de tornar o mundo mais seguro, alimentam suas regras (leis
e regulamentos), criando-as ou modificando-as, para que sejam cumpridas com mais
rigor. Tal raciocínio, assim, aplica-se perfeitamente ao gerenciamento e mensuração de
riscos na era digital.
Assim, a segurança, sob o aspecto da redução do risco, se tornou a maior indústria
do mundo (doméstica, de emergência, no lazer, no trabalho, nos dispositivos pessoais e
nas estradas, por exemplo). Essa indústria parece ser orientada por vieses e por pistas
(bilhões). “A dança dos termostatos do risco parece, à primeira vista, uma confusão
rudimentar e relativista; no entanto, um exame mais acurado revela ordem e padrão no
comportamento dos dançarinos.” (ADAMS, 2009, p. 67)
Ao analisar esses padrões na incerteza, parte Adams (2009, p. 68-70) dos mitos
sobre a natureza de Holling e de Schwarz e Thompson – a natureza benigna, a efêmera, a
perversa/tolerante e a caprichosa – para analisar os mitos sobre a natureza humana e sobre
as crenças sobre a natureza que orientam decisões de risco23.
Figura 5 - Os quatro mitos sobre a natureza
23
Vide outras observações de Guivant (1998).
20
Fonte: Adams (2009).
Em Douglas e Wildavsky (1982), Risk and Culture tem-se que o risco é
culturalmente construído e a essência dos padrões culturais, com base nos outros autores,
foi sintetizada em uma tipologia quádrupla: fatalista, hierárquico, individualista e
igualitário24.
No eixo horizontal da grade (figura a seguir), movendo-se da esquerda para a
direita, a natureza humana torna-se menos individualista e mais coletivista. O eixo
vertical é denominado de “prescrito/desigual” e “prescritor/igual”, onde no topo o
comportamento humano é limitado por restrições sobre a escolha impostas por
autoridades superiores, ou seja, é prescrito; já na parte inferior, não existem limitações
prescritas (externamente) para a escolha, pois as pessoas negociam as regras como iguais
à medida que vão vivendo (ADAMS, 2009, p. 70-72).
Figura 6 - As quatro racionalidades (baseado nos 4 mitos da natureza e 4 da
natureza humana)
24
Ou: fatalistas; hierárquicos/reguladores; individualistas/jogadores, e; igualitários/defensores.
21
Fonte: Douglas e Wildavsky (1982).
O quadro parece complexo e incompreensível em um primeiro momento,
especialmente se pretende aplicá-lo à lógica da Internet, porém verificam-se contextos de
individualismo e de coletivismo na rede, sendo o que leva a um ou outro são os interesses
envolvidos. De outra, em relação à prescrição de regras, verifica-se que a adequação
também se dá no sentido de absorção de comportamentos que podem ser tendentes à
segurança, ao menos jurídica, porém, o jurídico pode não assegurar o tecnológico,
persistindo o risco com base nos comportamentos e ações.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do marco teórico proposto por John Adams e teoria cultural, a pesquisa
elucidou e verificou as perspectivas de análise do risco e sua compensação para que se
pudesse avaliar o risco tido como virtual e a diferença entre risco e incerteza, pois para o
autor citado, o ponto de partida de qualquer teoria do risco deve ser a ideia de que qualquer
pessoa, de livre e espontânea vontade, corre riscos, porém este não é o ponto de partida
da maior parte da literatura sobre o risco.
Viu-se que no contexto da Internet as diferenças entre risco e incerteza são
diluídas pelas percepções dos usuários da rede e seus julgamentos: riscos tecnológicos já
conhecidos tecnicamente podem não ser percebidos, total ou parcialmente, pelos usuários
da rede mundial de computadores. Outro aspecto pontuado é que eventuais índices sobre
22
determinadas circunstâncias de riscos não podem servir como medidas de risco, pois se
são baixos (os índices) não necessariamente há indicação de que o risco foi baixo,
podendo significar que um alto risco foi percebido e evitado.
O risco, “no mundo real”, é gerenciado para orientar comportamentos, mas esse
risco será dependente das reações comportamentais, que dependerão do risco percebido
e, assim, o ciclo prossegue, mesmo no caso de riscos incontroláveis. Assim, a segurança,
sob o aspecto da redução do risco, tornou-se a maior indústria do mundo (doméstica, de
emergência, no lazer, no trabalho, nos dispositivos pessoais e nas estradas, por exemplo),
inclusive em relação à Internet.
Essa indústria parece ser orientada por vieses e por pistas (bilhões), o que não
significa que o sistema de gerenciamento de risco sirva efetivamente para sua redução,
mas sim para fomento tecnológico de uma indústria da vigilância tendo em vista a
necessidade de segurança frente aos comportamentos tidos como arriscados ou riscos de
ambientes “inanimados” como a Internet, sem considerarmos a interação de seu
ciberespaço.
Assim, a teoria proposta por John Adams, não se aplica por completo, porquanto
mesmo que iluminados e percebidos pela ciência, os riscos no contexto da Internet não
são conhecidos e observados por todos os usuários da rede. No entanto, os aspectos
elencados pelo autor citado quanto à compensação do risco e a teoria cultural com seus
estereótipos contribuem para compreender o caráter reflexivo da incerteza e do risco no
ambiente movido por bits e bytes.
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ANDREUCCI, Álvaro Gonçalves Antunes; DOS SANTOS, Queila Rocha Carmona.
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23
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WILDE, Gerald. O limite aceitável do risco: uma proposta sobre segurança e saúde.
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24