Academia.eduAcademia.edu

RISCO E INTERNET A PARTIR DE JOHN ADAMS

2021, CONPEDI

A pesquisa, por meio de revisão bibliográfica e marco teórico proposto por John Adams, busca identificar e elucidar as perspectivas de análise do risco e sua compensação. Vai verificar as variedades de incertezas e os limites incertos entre o que é chamado risco e o que é chamado incerteza. Dentro do cenário da Internet, o trabalho pretende avaliar o risco virtual e seu sistema de gerenciamento e, se de fato esse sistema pode ser pensado para reduzir situações de risco ou se situações social e culturalmente constituídas não podem ser vigiadas de forma a ser extintas.

III ENCONTRO VIRTUAL DO CONPEDI DIREITO, GOVERNANÇA E NOVAS TECNOLOGIAS III DANIELLE JACON AYRES PINTO HENRIQUE RIBEIRO CARDOSO AIRES JOSE ROVER Copyright © 2021 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores. Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Orides Mezzaroba - UFSC – Santa Catarina Diretora Executiva - Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini - UNIVEM/FMU – São Paulo Vice-presidente Norte - Prof. Dr. Jean Carlos Dias - Cesupa – Pará Vice-presidente Centro-Oeste - Prof. Dr. José Querino Tavares Neto - UFG – Goiás Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Leonel Severo Rocha - Unisinos – Rio Grande do Sul Vice-presidente Sudeste - Profa. Dra. Rosângela Lunardelli Cavallazzi - UFRJ/PUCRio – Rio de Janeiro Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Gina Vidal Marcilio Pompeu - UNIFOR – Ceará Representante Discente: Prof. Dra. Sinara Lacerda Andrade – UNIMAR/FEPODI – São Paulo Conselho Fiscal: Prof. Dr. Caio Augusto Souza Lara – ESDHC – Minas Gerais Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim - UCAM – Rio de Janeiro Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho – Ceará Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS – Sergipe Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR – São Paulo Secretarias Relações Institucionais: Prof. Dra. Daniela Marques De Moraes – UNB – Distrito Federal Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues - UNIVEM – São Paulo Prof. Dr. Yuri Nathan da Costa Lannes - Mackenzie – São Paulo Comunicação: Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho - UPF/Univali – Rio Grande do Sul Profa. Dra. Maria Creusa De Araújo Borges - UFPB – Paraíba Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro - UNOESC – Santa Catarina Relações Internacionais para o Continente Americano: Prof. Dr. Heron José de Santana Gordilho - UFBA – Bahia Prof. Dr. Jerônimo Siqueira Tybusch - UFSM – Rio Grande do Sul Prof. Dr. Paulo Roberto Barbosa Ramos - UFMA – Maranhão Relações Internacionais para os demais Continentes: Prof. Dr. José Barroso Filho – ENAJUM Prof. Dr. Rubens Beçak - USP – São Paulo Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr - Unicuritiba – Paraná Eventos: Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta - Fumec – Minas Gerais Profa. Dra. Cinthia Obladen de Almendra Freitas - PUC – Paraná Profa. Dra. Livia Gaigher Bosio Campello - UFMS – Mato Grosso do Sul Membro Nato – Presidência anterior Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UMICAP – Pernambuco D597 Direito, governança e novas tecnologias III [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI Coordenadores: Aires Jose Rover; Danielle Jacon Ayres Pinto; Henrique Ribeiro Cardoso – Florianópolis: CONPEDI, 2021. Inclui bibliografia ISBN: 978-65-5648-321-4 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: Saúde: segurança humana para a democracia 1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Governança. 3. Novas tecnologias. III Encontro Virtual do CONPEDI (1: 2021 : Florianópolis, Brasil). CDU: 34 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Florianópolis Santa Catarina – Brasil www.conpedi.org.br III ENCONTRO VIRTUAL DO CONPEDI DIREITO, GOVERNANÇA E NOVAS TECNOLOGIAS III Apresentação No III Encontro Virtual do CONPEDI, realizado de 23 a 28 Junho de 2021, o grupo de trabalho “Direito, Governança e Novas Tecnologias III”, que teve lugar na tarde de 25 de junho de 2020, foi o promotor de debates profundos e estruturantes sobre esse tema tão instigante e contemporâneo. Ao longo de GT foram apresentados trabalhos de alta qualidade produzidos por doutores, pós-graduandos e graduandos. Vale ressaltar nesse GT a potencialidade e alegria de ver a diversidade de gênero sendo efetivada entre os participantes, homens e mulheres elevaram de forma significativa a qualidade dos estudos jurídicos que versam sobre as novas tecnologias e os processos de governança, num esforço efetivo para promover de práticas justas e democráticas frente às novas tecnologias e à sua influência no mundo do direito. Ao total foram apresentados 16 artigos que tiveram comentários dos coordenadores e do público presente como assistência na sala virtual do GT. Esse rico debate demonstra a inquietude que os temas estudados despertam na seara jurídica. Cientes desse fato, os programas de pós-graduação em Direito empreendem um diálogo que suscita a interdisciplinaridade na pesquisa e se propõem a enfrentar os desafios que as novas tecnologias impõem ao Direito e a toda a sociedade. Para apresentar e discutir os trabalhos produzidos sob essa perspectiva, os coordenadores do grupo de trabalho dividiram os artigos em três blocos, quais sejam: a) inteligência artificial e os perigos do uso das novas tecnologias; b) Desinformação, internet e privacidade; e c) governo eletrônico e seus processos de governança impulsionados pela pandemia de COVID-19. O bloco inicial dedicou-se a pensar a inteligência artificial e os perigos do uso das novas tecnologias. Nesse espaço foram debatidos os seguintes temas: “Risco e internet”; “Os limites éticos do uso da IA no Judiciário”; “Avanço da IA na atividade jurisdicional”; “Gestão de Departamentos Jurídicos e data drive”; “Governança algorítmica” . No segundo bloco os temas ligados a desinformação, internet e privacidade foram os principais em debate, com temas como: “A proteção dos direitos da personalidade nos negócios jurídicos das lawtechs”; “O capitalismo de vigilância e a necessidade de uma ética para os avanços tecnológicos”; “Deepfake e a desinformação”; “A exploração da autonomia na sociedade da informação”; “A governança e o registro de dados em LGPD sob a ótica da tomada de decisão estratégica”; “O direito fundamental à privacidade no governo digital”; “A lei geral de proteção de dados pessoais – nível de adequação nas operadoras de plano de saúde”. No terceiro e derradeiro bloco, os trabalhos tiveram o intuito de debater o governo eletrônico e seus processos de governança impulsionados pela pandemia de COVID-19 com os temas: “Responsabilidade social, governança corporativa e compliance”; “O governo digital e a nova roupagem da administração pública: o empurrão dado pela crise atual da pandemia de covid-19”; “Direito à informação correta e a covid-19”; “Legal design como mecanismo de acesso à justiça”; “Mundo V.U.C.A. e saúde global”. Todos os artigos apresentados nesse GT tiveram como função fomentar a pesquisa de qualidade e fortalecer o diálogo interdisciplinar em torno dos temas do direito, novas tecnologias e processos de governança. Tais produções são resultados claros do aumento de importância desses temas para os programas de pós-graduação na área jurídica, motivados pela cada vez maior inserção do mundo virtual na vida cotidiana dos cidadãos e da necessidade de buscar transformações e adequações legais efetivas para satisfazer as demandas da sociedade nesse mundo em transformação. Os Coordenadores Prof. Dr. Aires José Rover Profa. Dra. Danielle Jacon Ayres Pinto Prof. Dr. Henrique Ribeiro Cardoso RISCO E INTERNET A PARTIR DE JOHN ADAMS RISK AND INTERNET FROM JOHN ADAMS Emerson Wendt Karen Lucia Bressane Rubim Juliana Bloise dos Santos Resumo A pesquisa, por meio de revisão bibliográfica e marco teórico proposto por John Adams, busca identificar e elucidar as perspectivas de análise do risco e sua compensação. Vai verificar as variedades de incertezas e os limites incertos entre o que é chamado risco e o que é chamado incerteza. Dentro do cenário da Internet, o trabalho pretende avaliar o risco virtual e seu sistema de gerenciamento e, se de fato esse sistema pode ser pensado para reduzir situações de risco ou se situações social e culturalmente constituídas não podem ser vigiadas de forma a ser extintas. Palavras-chave: Gerenciamento, Incerteza, Internet, Risco, Segurança Abstract/Resumen/Résumé The research, through bibliographic review and theoretical framework proposed by John Adams, seeks to identify and elucidate the perspectives of risk analysis and its compensation. It will check the varieties of uncertainties and the uncertain boundaries between what is called risk and what is called uncertainty. Within the Internet scenario, the work intends to assess virtual risk and its management system and, if in fact this system can be designed to reduce risk situations or if socially and culturally constituted situations cannot be monitored in order to be extinguished. Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Management, Uncertainty, Internet, Risk, Safety 5 1 INTRODUÇÃO Já não se concebe mais a existência do cotidiano, pessoal ou profissional, sem a Internet, que passou a ser a base das comunicações e interações sociais, culturais, econômicas, políticas e, reforçada no momento da pandemia do coronavírus, educacionais, dentre outros aspectos. Essa demanda emergencial e contingente da sua utilização, permite aos exploradores de vulnerabilidades, propagadores de pragas digitais e criminosos da Internet um amplo espectro de vítimas, que, ao utilizarem as funcionalidades da rede mundial, não percebem ou não conhecem a totalidade de seus riscos e vulnerabilidades, embora o processo percepcional de cada indivíduo seja diferente, não só em relação ao tempo, à forma, à constância, à atenção, dentre outros fatores de uso da interação digital. Assim, a presente pesquisa busca a identificar e elucidar as perspectivas de análise do risco na Internet e sua compensação, partindo do marco teórico proposto por John Adams e pela teoria cultural. A partir de revisão bibliográfica se verificam as variedades de incertezas e os limites incertos entre o que é chamado de risco e o que é chamado de incerteza. Como problema de pesquisa tem-se a indagação de se é possível um diálogo entre as teorias do risco (compensação do risco) e cultural (estereótipos) com o ambiente da Internet, podendo elas ser aplicadas para compreensão do risco no meio cibernético. Num segundo momento, o trabalho visará a pontuar que o risco virtual possui peculiaridades no que pertine às concepções dos riscos (a) percebidos pela ciência ou (b) percebidos diretamente, parecendo claros, embora os “julgamentos” se deem em níveis diversos, baseados ou não, respectivamente, em análises formais quanto aos riscos envolvidos. Isso porque, no aspecto formal do risco predomina o julgamento, realizado através do instinto, da intuição e da experiência, que têm por base crenças, preconceitos e superstições. Já o risco analisado no cenário da Internet, as ameaças tecnicamente podem ser também iluminadas pela ciência, porquanto uma parte acentuada dos incidentes é conhecido tecnicamente. Nesse sentido, a pesquisa busca também verificar se a teoria proposta por John Adams se aplica por completo ao tema em análise, tendo em vista que os riscos no contexto da Internet não são conhecidos e observados por todos os usuários da rede. 6 Num terceiro momento, a pesquisa buscará indicar o gerenciamento do risco e de que forma esse ocorre na tentativa de reduzir situações de sua existência no contexto da Internet e se o sistema de gerenciamento de fato pode ser utilizado para mensurar situações tidas como risco e, ainda, se essas situações são objetivas ou se tratam de construção cultural e cada vez mais transmutadas a uma sociedade da informação. Trata-se, portanto, de um trabalho com método dialógico, entre a teoria do risco de John Adams, os riscos e vulnerabilidades existentes no contexto da Internet, procurando compreender como se dá a percepção e absorção do risco e a correlação com o direito, pois que este apenas estabelece vínculos com o futuro e a tecnologia pode ofertar meios diferenciados de mitigação dos danos cibernéticos. 2 PERSPECTIVAS DE ANÁLISE DE RISCO E SUA COMPENSAÇÃO As análises realizadas Adams (2009, p. 14-15) são baseadas na compensação do risco e na teoria cultural: (a) na primeira, em busca de oportunidades, procuramos no ambiente evidências de segurança e perigo, modificando o comportamento em relação ao que foi/é observado (baseia-se em Sam Peltzman e Gerald Wilde1); (b) na segunda, está em jogo o modo mais sensato de gerenciar o risco através de busca de padrões de incertezas (baseia-se em Mary Douglas e Michael Thompson2). Sob esta perspectiva, o risco é culturalmente construído, pois somos orientados pela suposição, pela inferência e pela crença (ADAMS, 2009, p. 30). Adams (2009, p. 15) alerta para as variedades de incertezas e os limites incertos entre o que é chamado de risco e o que é chamado de incerteza. Propõe os círculos do risco, estabelecendo aquele(s): (a) percebido(s) diretamente; (b) percebido(s) pela ciência; (c) risco virtual (incertezas: hipóteses polêmicas, ignorância e desconhecimento). Figura 1: Diferentes tipos de risco 1 Gerald Wilde desenvolveu a Teoria de Homeostase do Risco, que “coloca algumas ressalvas quanto à eficácia das inovações tecnológicas como medidas para aumentar a segurança no trânsito e no trabalho, para reduzir acidentes, entendendo ser a diminuição do nível do risco pelas pessoas, sim, uma medida comportamental com resultado positivo” (ARCIONI, 2007). Para Wilde (2005, p. 17), “os seres humanos nunca podem estar totalmente seguros sobre os resultados de suas decisões. Portanto, todas as decisões são decisões arriscadas”. 2 Boa parte da pesquisa de John Adams sobre o risco é compartilhada com Michael Thompson, com quem iniciou os estudos. 7 Fonte: autores, inspirado em Adams (2009, p. 15) As concepções dos riscos percebidos pela ciência ou percebidos diretamente parecem claros, embora os “julgamentos” se deem em níveis diversos, baseados ou não, respectivamente, em análises formais quanto aos riscos. Tal não acontece no risco virtual, no qual predomina o julgamento, realizado através do instinto, da intuição e da experiência, que têm por base crenças, preconceitos e superstições (v.g., a Internet profunda, também chamada de Deep Web, contemplaria situações de oferta de crimes tão somente, ou, ela é somente acessada por criminosos).3 Ao analisar o termostato do risco (Figura 2), essência da hipótese de compensação do risco de Gerald Wilde (2005) – em relação à saúde –, Adams (2009) – em relação à segurança no trânsito –, afirma que correr risco é fazer algo que carrega em si uma probabilidade de um resultado adverso, pois se as pessoas correm riscos, haverá acidentes; no caso da Internet, seriam incidentes. Porém, a maioria das pessoas gerencia os riscos equilibrando recompensas percebidas com o risco percebido dos incidentes na Internet. Estes, estão na parte inferior da representação gráfica; aquelas, na parte superior. 3 Ao estabelecer outra classificação do risco, como voluntário, involuntário ou imposto, Adams (2009, p. 16-17) afirma que a “aceitação de um determinado nível estatístico de risco varia, em grande medida, de acordo com o nível percebido de controle que um indivíduo pode exercer sobre ele e, nos casos de riscos impostos, com os motivos percebidos de quem os impõe”. Essa classificação é de difícil adequação à questão da Internet, porquanto a aceitabilidade e ampliação do risco está no seu uso e na maneira como ele ocorre, embora o risco já esteja na decisão de usar ou não a Internet. 8 Figura 1 - O "termostato" do risco4 Fonte: autores, adaptado de Adams (2009, p. 49) Verifica-se, assim, que os operadores de saúde e segurança no trânsito trabalham com a premissa do diagnóstico (diagnose) e tem paradigmas e parâmetros (análises clínicas, exames, dados estatísticos etc.). Assim, para a saúde/trânsito se aplica – de modo lógico – o termo “termostato”, pois é medida ou forma de medir. Na saúde ou no trânsito, então, esse termômetro é possível, pois se tem ferramentas. Esse conceito de “termostato” pode ser, também, aplicado à tecnologia, em especial à Internet, pois que as ameaças e vulnerabilidades, em regra, são conhecidas, embora determinadas circunstâncias não o são e podem gerar incertezas e danos, como são os ataques denominados zero-day5. No direito, isso pode ser diferente, considerando a imprecisão do diagnóstico – contingência (multiplicidade de escolhas que levam a multiplicidade de ações, o que leva à complexidade das decisões e ações). O direito dá uma possibilidade de ação, mas várias interpretações e reações; assim, o modelo do diagnóstico não se aplica completamente à questão do direito, embora se aplique à questão tecnológica (da Internet). Arnaud (2007) cita o risco como primeira análise na mercancia6; já Luhmann (2006), expectativas sobre danos futuros. 4 Inspirado do gráfico em Adams (2009, p. 49). Adaptou-se à concepção da Internet, onde os perigos são representados pelas ameaças (códigos e aplicativos maliciosos, ações de coleta de dados etc.) e vulnerabilidades (falhas em softwares e hardwares e displicência nas condutas de usuários) e os “acidentes” analisados por Adams (2009) são, na verdade, os incidentes na Internet. 5 Segundo Rosa, Santin e Malucelli (2011, p. 2), os ataques zero-day “ocorrem quando uma vulnerabilidade (falha de software) se torna publicamente conhecida antes que sua correção esteja disponível”. Pode-se acompanhar estudos e notícias sobre ataques zero-day através do site http://www.zerodayinitiative.com/. 6 Uma análise sobre esse tema também é feita, com base em Arnaud e Beck, por Andreucci e Dos Santos (2013, p. 74-88). 9 Tal qual Adams (2009), pode-se afirmar que não há uma única visão social sobre os problemas do risco e ele pode ser percepcionado através de uma tipologia dos filtros perceptuais (ADAMS, 2009, p. 23), sob a ótica dos: fatalistas; hierárquicos/reguladores; individualistas/jogadores, e; igualitários/defensores. Assim, “Quanto menos correta a ciência, mais influentes se tornam os filtros perceptuais da teoria cultural e mais dogmáticos ficam os participantes do debate.” (ADAMS, 2009, p. 24).7 Voltar-se-á, mais a frente, à tipologia dos filtros perceptuais, com ênfase aos atores envolvidos na Internet. Adams (2009, p. 26), tal qual outros autores sobre o assunto (DE GIORGI, 1998; LUHMANN, 2006), relaciona a palavra risco ao futuro, que existe apenas na imaginação, mas que a ciência pode oferecer a ela (imaginação) orientações úteis. Quanto mais iluminados pela luz da ciência, encontram-se problemas de gerenciamento do risco potencialmente solucionáveis (pela luz da ciência); quanto mais fraca a luz (da ciência), o índice de especulação cresce em relação à evidência8. Adams (2009, p. 26-27) diferencia risco e ameaça, sendo esta algo que poderia causar dano e aquele (risco) o resultado da multiplicação da probabilidade pela ameaça. Assim, pela sua forma de análise, no contexto da ciência, o risco é colocado no círculo iluminado ao passo que as ameaças e seus tipos estão relacionados aos riscos percebidos diretamente e aos riscos virtuais (não no sentido da tecnologia virtual, mas da virtualidade dos riscos). 7 Sob a ótica da teoria cultural, Adams diz que a mesma “oferece estrutura e vocabulário úteis para descrever as atitudes encontradas nas discussões sobre a melhor maneira de abordar um futuro incerto, além de ajudar as pessoas a refletirem sobre os próprios vieses e preconceitos” (ADAMS, 2009, p. 21). 8 Acredita-se que ao falar em evidência, Adams se refira à possibilidade de solução ou calculabilidade de solução sobre o risco em observação. 10 Figura 2 - Onde estão as chaves? "luz da ciência"9 Fonte: Adams (2009, p. 25) No contexto da Internet, no entanto, as ameaças tecnicamente podem ser também iluminadas pela ciência, porquanto uma parte acentuada dos incidentes é conhecido tecnicamente10. A teoria de Adams, então, não se aplica por completo, porquanto mesmo que iluminados e percebidos pela ciência, os riscos no contexto da Internet não são conhecidos e observados por todos os usuários da rede: eles são percebidos dependendo da ótica do observador. No entanto, os aspectos elencados pelo autor citado – a compensação do risco e a teoria cultural com seus estereótipos – “nos fornecem um bote salva-vidas que nos impede de afogar no mar do relativismo reflexivo, ou seja, são dois conjuntos de suposições simplificadoras propostas [...] na tentativa de dar sentido ao comportamento frente à incerteza.” (ADAMS, 2009, p. 30) Neste processo, por outro lado, há o embate entre “leigos” (que estão na escuridão) e “peritos” (que tem o condão de iluminar a escuridão com base em seus estudos11) sobre a percepção do risco: ignorar, negar ou desafiar tais riscos como formulados por peritos é parte da vida social; acessar ou não a Internet é parte da ação humana atual; realizar 9 Imagem original, elaborada por Adams (no seu livro lançado no Brasil, consta da pág. 25) em que a iluminação oferecida pela ciência é capaz de orientar a análise do risco, sendo o julgamento realizado com base em probabilidades. 10 Veja-se o elenco de incidentes catalogado pelo CERT.br (Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, mantido pelo NIC.br, do Comitê Gestor da Internet no Brasil) em: http://www.cert.br/stats/. 11 Adams (2009, p. 37) alerta quanto aos especialistas de análise do risco, pois embora tenham conhecimento abstrato que por vezes é útil, na maioria das vezes é enganoso e suas mensurações científicas significam muito pouco. 11 compras em sites na Internet, desafiando possibilidades de coletas de dados e credenciais, é arriscar ou não o patrimônio. Segundo Wendt (2017, p. 124), a percepção do risco na Internet pela sociedade brasileira é alta: “84,7% dos respondentes considera arriscado usar a Internet no Brasil, sendo mais acentuada essa percepção em pessoas do sexo feminino e entre pessoas com idade entre 20 e 38 anos”. Assim, com base em Marques (2013), fala-se, portanto, de modulação das percepções de risco e como determinados riscos podem ser amplificados, através da intensificação ou atenuação deles, levando-se em conta as instâncias de sociabilidade, quais sejam: indivíduo, grupos sociais e culturais, mídia, agências governamentais, profissionais de relações públicas etc. Estes são, assim, estações dos processos de amplificação dos riscos que têm a função de realizar espécie de filtros, realizar mediações, comunicações e, também, de “opinar” sobre a informação corrente a respeito de ameaças específicas12. Paralelamente, Adams (2009, p. 33-38) atenta para os níveis de responsabilidade pelo gerenciamento do risco, ou seja, crianças, adultos e autoridades, esperando-se que estes sejam dotados de uma sabedoria superior sobre a natureza dos riscos e sobre como gerencia-los, embora raramente as “decisões sobre o risco são tomadas com informações que podem ser reduzidas a probabilidades quantificáveis, porém de alguma forma as decisões são tomadas” (ADAMS, 2009, p. 36). Assim, a decisão de acessar a Internet, de clicar ou não clicar em um determinado link, de realizar ou não realizar uma compra em sites de e-commerce, de postar ou não postar uma foto ou vídeo numa rede social, dentre outras decisões possíveis. Segundo Adams (2009, p. 49), o ponto de partida de qualquer teoria do risco deve ser a ideia de que qualquer pessoa, de livre e espontânea vontade, corre riscos, porém este não é o ponto de partida da maior parte da literatura sobre o risco. Segundo Luhmann (2006), toda e qualquer ação humana contempla um risco. Ao abordar o homo prudens (aquele do risco zero) e o homo aleatorius (aquele que corre riscos) e os debates entre Einstein e Max Born sobre a certeza/incerteza, pondera Adams (2009, p. 50-52) que a incerteza é a única coisa que nos permite a possibilidade de um significado moral, pois somente se houver a incerteza existe espaço para a responsabilidade e a consciência. Em face da incerteza, acrescenta, tanto cientistas quanto teólogos recorrem à crença. 12 A mídia traz todos os dias notícias e fatos sobre os quais há menção e/ou análise de riscos: as notícias dedicam-se de forma maciça ao risco e este é característica definidora da notícia (ADAMS, 2009, p. 35), como bem observado no capítulo anterior, quando da análise do caso Carolina Dieckmann. 12 Correr o risco parece ser uma confirmação de autonomia moral que pode ser, em si, a recompensa suprema de se correr um risco. Segundo Wendt (2017, p. 124), “podese inferir que usuários com acesso à Internet todos os dias podem deixar de percepcionar os (eventuais) riscos existentes”. A recompensa aparece, então, como invocada e usada para explicar comportamentos de aceitação do risco13. Pontua Adams (2009, p. 53), de uma perspectiva dostoievskiana, que quanto maior for o sucesso dos regulamentadores de segurança na remoção da incerteza de nossas vidas, mais forte se tornará a compulsão por reafirmá-la. Por isso, explicar-se-ia a tendência de regulamentação de vários aspectos relacionados à Internet, procurando reduzir as incertezas geradas com seu uso. Concorda-se com Adams (2009, p. 54) quando afirma que o risco é um fenômeno interativo em que o comportamento de equilíbrio de uma pessoa tem consequência para outras (v.g., compartilhamento de uma notícia pela Internet e/ou ato de curtir uma postagem em redes sociais). Porém, a interação de risco pode acontecer frequentemente em termos de grande desigualdade, de conhecimento/desconhecimento no caso da Internet (v.g., compartilhamento de uma notícia falsa, com código malicioso escondido, para usuários de e-mails). Assim, Adams (2009, p. 48) apresenta um modelo, originalmente desenvolvido por Gerald Wilde (2005), de teoria da compensação do risco, evidenciando a circularidade das relações que frustram o desenvolvimento de medidas objetivas do risco. O modelo postula: (a) todos têm propensão a correr riscos; (b) essa propensão varia de um indivíduo para o outro; (c) essa propensão é influenciada pelas possíveis recompensas obtidas quando se corre um risco; (d) as percepções do risco são influenciadas pela experiência de perda em acidentes (perdas próprias e das pessoas próximas). No caso da Internet, em relação aos incidentes (ameaças e vulnerabilidades); (e) as decisões individuais relativas a correr riscos representam um ato de equilíbrio, no qual as percepções do risco são ponderadas em relação à propensão de correr riscos; Neste ponto, Adams cita Fiódor Dostoiévski (“Memórias do subsolo”), que possui edição brasileira em 2000. 13 13 (f) as perdas por acidentes (Internet = incidentes) são, por definição, consequência da atitude de correr riscos, pois quanto mais riscos um indivíduo corre, maior, em média, serão as recompensas e também as perdas em que ele incorre. Não se trata aqui de problematizar a mensuração, bastante questionada por Adams quanto ao assunto de sua análise – acidentes de trânsito –, pois não existe nem mesmo uma concordância ou padrão sobre quais unidades de medida poderiam ser utilizadas para a Internet, senão os elaborados por organismos de governança da Internet14. Neste caso, as recompensas do risco (estar conectado, pertencer à comunidades virtuais, usufruir de tecnologias digitais de geolocalização etc.) quanto as perdas por incidentes e ameaças na rede mundial de computadores (com pirataria, fraudes eletrônicas, ofensas virtuais etc.) prejudicam a redução a um denominador comum, à medidas especificáveis. Assim, as recompensas têm variadas formas (acesso à informação, poder do conhecimento, reconhecimento, ostentação etc.) e as perdas por incidentes (ameaças e vulnerabilidades) não podem ser mensuradas com uma única medida. Ademais, cada usuário de Internet poderia atribuir significação diferente a eventos semelhantes. Poder-se-ia, também, analisar o quanto o comportamento de equilíbrio se afasta ou se aproxima de subjetividades ou objetividades15. Porém, certo é que nesse processo16 poderá então haver uma adição de filtros culturais aos termostatos do risco17, pois as No Brasil, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Adams (2009, p. 57), sobre isso, traz a concepção do termostato do risco esticado, em que o comportamento de equilíbrio fica mais deslocado em relação à objetividade. 16 Ao analisar a questão da poluição gerada pelo tráfego de veículos na década de 1990 e as opiniões pró e contra, Adams (2009, p. 78) pondera que o que está em jogo são os benefícios ou não gerados pelo aumento do tráfego: se os benefícios são considerados grandes então são necessárias evidências para gerar um sacrifício de alguns desses benefícios; de outro lado, se os benefícios são considerados menores, mais forte fica o argumento a favor do acautelamento através do princípio preventivo. 17 Em Schwarz e Thompson há correlação das tipologias da natureza humana com as tipologias da natureza física, que forma o quadro central da teoria cultural proposta por John Adams. Segundo este (2009, p. 7273), essas diferentes racionalidades tendem a fortificar-se, pois que tanto os paradigmas da ciência quanto os mitos da teoria cultural são filtros poderosos através dos quais o mundo é percebido, sendo reforçados pelas pessoas com que convivemos. “Tanto cientistas quanto “pessoas comuns” confrontam o mundo armados apenas com seus mitos sobre a natureza.” (ADAMS, 2009, p. 73). Pontua ainda Adams (2009, p. 74) que a teoria cultural é o mito dos mitos (supermito) do antropólogo e que deve ser julgado pelo grau em que se harmoniza com a experiência das pessoas: ser útil a elas enquanto tentam navegar pelo mar de incerteza. Ao analisar as quatro racionalidades como paradigmas conflitantes, Adams (2009, p. 76-77) enfatiza que o debate da teoria cultural não deve ser entre racionais e irracionais, mas uma discussão racional com base em premissas diferentes. Assim, para os individualistas, que tendem a ter uma interpretação otimista da história, vêm a natureza como estável, robusta e benigna, sendo ela capaz de minimizar os insultos do homem e é raramente vingativa. Por isso, acreditam nas forças do mercado e na responsabilidade individual, sendo hostis aos reguladores do “Estado-babá” (nanny-State). Quanto aos igualitários, que se inclinam a uma interpretação ansiosa da história, apegam-se à visão de que a natureza é frágil e precária e, portanto, gostariam que todos pisassem com cuidado na Terra e, havendo casos de dúvida, dever-se-á invocar o princípio preventivo. Já os hierárquicos ou reguladores – que possuem uma visão equilibrada da história (traz advertências, mas também promessas) –, membros de grandes empresas, governos e burocracias, acreditam que a natureza será benéfica se manejada de forma adequada, acreditando 14 15 14 reações comportamentais à mesma realidade objetiva são diversas e implicam que a realidade é filtrada por paradigmas ou mitos sobre a natureza, tanto física quanto humana. Há, então, um processo de combinação dos fenômenos da compensação do risco com os insights da teoria cultural (ADAMS, 2009, p. 79). Figura 3 - O "termostato" do risco esticável e com filtros culturais18 Fonte: autores (adaptado de ADAMS, 2009, p. 57 e 79). Adams (2009, p. 87) afirma que embora sejam caricaturas as figuras mitológicas da teoria cultural, é comum encontrarmos pessoas que se parecem com elas e, no vácuo de informações, há preenchimento feito por pessoas provenientes dos quatro cantos da tipologia, afirmando suas certezas contraditórias e esse ruidoso debate é caracterizado por racionalidades plurais, senão múltiplas. Assim, a resposta às questões – não solucionáveis pela ciência e como podemos gerenciar melhor o risco – parecem depender da pessoa à qual o questionamento é dirigido: se fatalista (na Internet, seria a maioria dos usuários), se individualista (na Internet, pode-se correlacionar com os que a defendem totalmente livre, sem regulamentações e, também, a livre manifestação de opiniões e ações), se hierárquico (na Internet, os que pregam uma maior interferência governamental no controle dela e, frente na pesquisa que estabelece “os fatos” sobre a natureza física e a humana e nas regulamentações para o bem coletivo. Finalmente, quanto aos fatalistas, que ficam na base da pirâmide social, acreditam que a natureza é caprichosa e imprevisível, esperando o melhor e temendo o pior, ou seja, têm a vida como uma loteria cujos resultados não se tem controle. 18 Baseado em John Adams, no “termostato” do risco esticado (2009, p. 57), e no “termostato” do risco com filtros culturais (2009, p. 79). 15 aos riscos, um contingenciamento pela ação normativa.) ou igualitário (na Internet, podem ser os defensores da neutralidade da rede, do acesso a todos, porém, consciente e sustentável). Verifica-se, desde já, com base nos dados coletados e analisados, que os tipos de riscos na Internet – e que na teoria de John Adams são três (percebidos pela ciência, percebidos diretamente e o risco virtual) –, em relação àqueles que seriam iluminados pela ciência e àqueles percebidos diretamente, podem ser categorizados dentro de um único campo, associados os dois aspectos, formando os “riscos tecnológicos detectados e analisados” (dados e informações sobre incidentes detectados e analisados pelos peritos, através de estudos tecnológicos, possibilitando indicativos de probabilidades). Além desse risco, há o chamado “risco virtual”, onde o gerenciamento de risco que se dá com o uso de julgamento, porém sem análises técnicas e prévias de probabilísticas formais do risco, baseado no instinto, intuição e experiência. Figura 4 - Riscos na Internet Fonte: autores. No cruzamento dos riscos tecnológicos detectados e analisados, que possibilitam indicativos de probabilidades, com o risco virtual, no qual a atuação do usuário se dá por instinto, intuição ou experiência, embora tenham dados técnicos elaborados por peritos, 16 do ponto de vista do usuário há um total desconhecimento e a impossibilidade de inferência, justamente por inexistir qualquer tipo de interação entre peritos e leigos, ou seja, estão totalmente ausentes os fatores de influência e amplificadores do risco. Nesse ponto, os riscos desconhecidos podem passar totalmente desapercebidos; no entanto, se conhecidos, poderiam gerar julgamentos e condutas diversas, também dependentes dos fatores de influência e de amplificação dos riscos. 3 GERENCIAMENTO DO RISCO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DO RISCO: E A INTERNET? O gerenciamento do risco compõe-se de um setor formal, de autoridades/especialistas (em gerenciamento de riscos e Segurança da Informação, compliance etc.), cujo objetivo é reduzir o risco, e, de um setor informal, de pessoas comuns (os usuários da Internet), cujo objetivo é equilibrar riscos e recompensas. Em todos os casos o comportamento do setor informal é modificado pelas atividades do setor formal, seja de forma apreciativa, seja de forma inadequada ou, ainda, de forma ressentida; também, o setor informal reage às atividades dos gerenciadores de risco freelancers, ou de forma paternalista ou de forma abusiva. Ao tratar do risco e a Royal Society britânica, Adams (2009, p. 39-62) cita estudos realizados em 1983 e 1992, cujas primeiras anotações estabeleciam a distinção entre risco objetivo (tipo de coisa sobre o qual especialistas sabem) e risco percebido (antecipação de acontecimentos futuros, com frequência muito divergente, feita por pessoas leigas) e a lacuna existente entre o que se afirma ser científico e passível de mensuração e o modo como a opinião pública avalia os riscos e toma decisões, ou seja, como ele é percepcionado. O sistema de gerenciamento do risco com separação entre o risco objetivo e o risco subjetivo passa, então, a ser contestado pela Royal Society já em 1992, cujos estudos são divergentes e apontam para opiniões de que o risco é culturalmente construído (ADAMS, 2009, p. 42). Essa constatação, com a ativa utilização da Internet em todo mundo pela maioria da população, é acentuada, porquanto as informações estão mais disponíveis ao acesso público, cujos “consumidores” tendem a fazer suas próprias avaliações, de acordo com seu contexto econômico, cultural e social. 17 Há assim, contestação em relação ao posicionamento dos objetivistas ou kelvinistas19, embora ainda sejam naquele período a grande maioria e que consideram incompreensível a ideia de que o risco é culturalmente construído (ADAMS, 2009, p. 43)20. Assim, sistemas de tecnologia com menor número de usuários ou de acesso restrito, em regra tendem a ser mais seguros; sistemas operacionais de computador, como iOS e Linux, com menor número usuários em todo mundo, tendem a ser menos explorados em suas vulnerabilidades e, por consequência, mais seguros e, contrario sensu, os sistemas operacionais Windows são mais inseguros. Não são considerados aspectos relativos à ansiedade subjetiva e emocional das pessoas. Para kelvinistas se o risco existe, ele existe como probabilidade que pode ser mensurado (ADAMS, 2009, p. 44). “A escola ortodoxa da análise de risco trata as estatísticas de acidentes como medidas objetivas do risco”, não se atendo às percepções locais ou setoriais (leigas) sobre os riscos (ADAMS, 2009, p. 46). Na Internet, avalia-se que as percepções locais e setoriais são importantes para o reconhecimento e reação aos riscos. Adams pondera sobre dois fatores difíceis de mensuração, que são a exposição (ex.: de usuários a sites com fraudes e coletas de dados) e vigilância21, pois à medida em que a ameaça percebida aumenta, as pessoas reagem tornando-se mais cuidadosas, havendo enorme diversidade de maneiras pelas quais isso pode se dar, tornando difícil a mensuração: O problema para os que buscam criar medidas objetivas do risco é que as pessoas, em variados graus, modificam tanto seus níveis de vigilância quanto sua exposição ao perigo em resposta a suas percepções subjetivas do risco. [...] Como indivíduos e instituições reagem a suas percepções do risco buscando gerencia-lo, eles alteram o que é previsto no momento da previsão. [...] Ainda que a precisão e confiabilidade dos dados pudessem ser garantidas, ainda permaneceria o problema insuperável de interpreta-los como medidas objetivas de risco para os indivíduos. [...] Todos os riscos são condicionais” (ADAMS, 2009, p. 47). Termo baseado no físico William Thompson, nominado como Lorde Kelvin, que disse: “tudo que existe, existe em alguma quantidade e pode portanto ser mensurado”. 20 O estudo de Adams relaciona-se às questões do risco nas estradas e seus exemplos são nessa área. Os capítulos 7 e 8 de sua obra são sobre segurança nas estradas, relativamente ao cinto de segurança e mais filtragens sobre o risco (p. 159-212). Assim, para Adams as estradas com menor número de acidentes são mais seguras; escolas com menor número de incidentes são mais seguras etc. 21 No caso da Internet, esse aspecto da vigilância e coleta de dados é acentuado, porquanto cada uma das aplicações tem suas peculiaridades e política de acompanhamento da navegação do usuário na rede e coleta de suas informações. 19 18 Embora se possa deslocar os riscos (v.g., nas estradas, proibição de uso de bicicletas; na Internet, bloqueio de determinados sites), não se pode mensurar corretamente a redução do risco (de morte, de fraudes etc.) em geral. Adams (2009, p. 58) afirma que o mundo contém cerca de cinco bilhões de termostatos do risco, sendo alguns grandes e outros muitíssimos pequenos. Essa multiplicidade de termostatos é lançada pelo autor como “a dança dos termostatos do risco” (ADAMS, 2009, p. 59), que também estão influenciados pelas forças da natureza, as “Borboletas de Pequim” (Teoria do Caos), comportamento humano sobre a natureza etc. No âmbito da rede mundial de computadores, percebe-se que estudos sobre novos riscos (vulnerabilidades exploradas por criminosos cibernéticos), mesmo que relativos a outros países, regiões, tendem a influenciar o comportamento humano. “A incerteza científica sobre o mundo físico, o fenômeno da compensação do risco e a natureza interativa do risco torna os eventos individuais inerentemente incertos” (ADAMS, 2009, p. 60). Quanto às variedades de incertezas, embora traga conceito trabalhado desde 1921 por Frank Knight (‘se você não sabe ao certo o que acontecerá, mas conhece as probabilidades, isso é risco; se você não conhece nem mesmo as probabilidades, isso é incerteza’), a distinção entre risco e incerteza perdeu sua nitidez e as palavras são usadas de maneira intercambiável. “A incerteza, como definida por Knight (1972), é inescapável, pois não está no terreno do cálculo, mas do julgamento.” (ADAMS, 2009, p. 61) Ainda, pontua Adams (2009, p. 62) que o risco incorpora os conceitos de probabilidade e magnitude encontrados nas definições quantificadas “científicas” do risco, mas não insiste que seus valores sejam precisamente conhecíveis. Se abdicarmos da inalcançável aspiração a uma quantificação precisa, podemos encontrar, acredito eu, algumas formas úteis de navegar no mar da incerteza. Ao usar o princípio de incerteza de Heisenberg22, Adams (2009, p. 63-64) analisa os padrões de incerteza e pondera que existem problemas semelhantes de relatividade e indeterminação para os que tentam delimitar o risco com números objetivos, “pois ele está em constante movimento e se move em reação às tentativas de mensurá-lo”. Os sistemas de mensuração, então, variam em quantidade similar à quantidade dos observadores (do risco): “o risco percebido é o risco ao qual se reage”. 22 Diz o princípio que o ato de medir a localização de uma partícula altera sua posição de forma imprevisível. 19 Outro aspecto pontuado por Adams (2009, p. 63-64) é que eventuais índices sobre determinadas circunstâncias de riscos não podem servir como medidas de risco, pois se são baixos (os índices) não necessariamente há indicação de que o risco foi baixo, podendo significar que um alto risco foi percebido e evitado. O risco, “no mundo real”, é gerenciado para orientar comportamentos, mas esse risco será dependente das reações comportamentais, que dependerão do risco percebido e, assim, o ciclo prossegue. Mesmo no caso de riscos incontroláveis (v.g., informação de colisão de um meteoro), haverá consequências (no exemplo, rezar, embebedar-se ou construir subterrâneos etc.) (ADAMS, 2009, p. 65). Para Adams (2009, p. 65), o propósito dos mensuradores e gerenciadores de risco é a diminuição do risco (remover todo o risco, eliminar todos os acidentes etc.), situação na qual governos, ao identificar novo risco, alavancado pelas pessoas em suas campanhas por segurança e de seu desejo de tornar o mundo mais seguro, alimentam suas regras (leis e regulamentos), criando-as ou modificando-as, para que sejam cumpridas com mais rigor. Tal raciocínio, assim, aplica-se perfeitamente ao gerenciamento e mensuração de riscos na era digital. Assim, a segurança, sob o aspecto da redução do risco, se tornou a maior indústria do mundo (doméstica, de emergência, no lazer, no trabalho, nos dispositivos pessoais e nas estradas, por exemplo). Essa indústria parece ser orientada por vieses e por pistas (bilhões). “A dança dos termostatos do risco parece, à primeira vista, uma confusão rudimentar e relativista; no entanto, um exame mais acurado revela ordem e padrão no comportamento dos dançarinos.” (ADAMS, 2009, p. 67) Ao analisar esses padrões na incerteza, parte Adams (2009, p. 68-70) dos mitos sobre a natureza de Holling e de Schwarz e Thompson – a natureza benigna, a efêmera, a perversa/tolerante e a caprichosa – para analisar os mitos sobre a natureza humana e sobre as crenças sobre a natureza que orientam decisões de risco23. Figura 5 - Os quatro mitos sobre a natureza 23 Vide outras observações de Guivant (1998). 20 Fonte: Adams (2009). Em Douglas e Wildavsky (1982), Risk and Culture tem-se que o risco é culturalmente construído e a essência dos padrões culturais, com base nos outros autores, foi sintetizada em uma tipologia quádrupla: fatalista, hierárquico, individualista e igualitário24. No eixo horizontal da grade (figura a seguir), movendo-se da esquerda para a direita, a natureza humana torna-se menos individualista e mais coletivista. O eixo vertical é denominado de “prescrito/desigual” e “prescritor/igual”, onde no topo o comportamento humano é limitado por restrições sobre a escolha impostas por autoridades superiores, ou seja, é prescrito; já na parte inferior, não existem limitações prescritas (externamente) para a escolha, pois as pessoas negociam as regras como iguais à medida que vão vivendo (ADAMS, 2009, p. 70-72). Figura 6 - As quatro racionalidades (baseado nos 4 mitos da natureza e 4 da natureza humana) 24 Ou: fatalistas; hierárquicos/reguladores; individualistas/jogadores, e; igualitários/defensores. 21 Fonte: Douglas e Wildavsky (1982). O quadro parece complexo e incompreensível em um primeiro momento, especialmente se pretende aplicá-lo à lógica da Internet, porém verificam-se contextos de individualismo e de coletivismo na rede, sendo o que leva a um ou outro são os interesses envolvidos. De outra, em relação à prescrição de regras, verifica-se que a adequação também se dá no sentido de absorção de comportamentos que podem ser tendentes à segurança, ao menos jurídica, porém, o jurídico pode não assegurar o tecnológico, persistindo o risco com base nos comportamentos e ações. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo do marco teórico proposto por John Adams e teoria cultural, a pesquisa elucidou e verificou as perspectivas de análise do risco e sua compensação para que se pudesse avaliar o risco tido como virtual e a diferença entre risco e incerteza, pois para o autor citado, o ponto de partida de qualquer teoria do risco deve ser a ideia de que qualquer pessoa, de livre e espontânea vontade, corre riscos, porém este não é o ponto de partida da maior parte da literatura sobre o risco. Viu-se que no contexto da Internet as diferenças entre risco e incerteza são diluídas pelas percepções dos usuários da rede e seus julgamentos: riscos tecnológicos já conhecidos tecnicamente podem não ser percebidos, total ou parcialmente, pelos usuários da rede mundial de computadores. Outro aspecto pontuado é que eventuais índices sobre 22 determinadas circunstâncias de riscos não podem servir como medidas de risco, pois se são baixos (os índices) não necessariamente há indicação de que o risco foi baixo, podendo significar que um alto risco foi percebido e evitado. O risco, “no mundo real”, é gerenciado para orientar comportamentos, mas esse risco será dependente das reações comportamentais, que dependerão do risco percebido e, assim, o ciclo prossegue, mesmo no caso de riscos incontroláveis. Assim, a segurança, sob o aspecto da redução do risco, tornou-se a maior indústria do mundo (doméstica, de emergência, no lazer, no trabalho, nos dispositivos pessoais e nas estradas, por exemplo), inclusive em relação à Internet. Essa indústria parece ser orientada por vieses e por pistas (bilhões), o que não significa que o sistema de gerenciamento de risco sirva efetivamente para sua redução, mas sim para fomento tecnológico de uma indústria da vigilância tendo em vista a necessidade de segurança frente aos comportamentos tidos como arriscados ou riscos de ambientes “inanimados” como a Internet, sem considerarmos a interação de seu ciberespaço. Assim, a teoria proposta por John Adams, não se aplica por completo, porquanto mesmo que iluminados e percebidos pela ciência, os riscos no contexto da Internet não são conhecidos e observados por todos os usuários da rede. No entanto, os aspectos elencados pelo autor citado quanto à compensação do risco e a teoria cultural com seus estereótipos contribuem para compreender o caráter reflexivo da incerteza e do risco no ambiente movido por bits e bytes. 5 REFERÊNCIAS ADAMS, John. Risco. São Paulo: Ed. Senac, 2009. ANDREUCCI, Álvaro Gonçalves Antunes; DOS SANTOS, Queila Rocha Carmona. Globalização e Direito: Sobre Uma Convivência Responsável Diante dos Riscos Tecnológicos. Revista de Direito Brasileira, v. 6, n. 3, p. 74-88, 2013. ARCIONI, Ana Cristina. O LIMITE ACEITÁVEL DE RISCO – Uma nova Psicologia de Segurança e de Saúde. O que funciona? O que não funciona? E por que... Anais do III Workshop de Gestão Integrada: Riscos e Desafios. Centro Universitário Senac: São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.arcioni.com.br/wpcontent/uploads/artigos/artigo1.pdf. Acesso em: 13 out. 2020. ARNAUD, André-Jean. Governar sem fronteiras: entre globalização e pósglobalização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 2, 2007. 23 DE GIORGI, Raffaele. Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. SA Fabris Editor, 1998. DOUGLAS, Mary; WILDAVSKY, Aaron. Risk and culture: An essay on the selection of technological and environmental dangers. Berkeley, CA: University of California Press, 1982. GUIVANT, Julia. A trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da teoria social. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 46, n. 2, p. 3-37, 1998. KNIGHT, Frank Hyneman. Risco, incerteza e lucro. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1972. LUHMANN, Niklas. Sociología del riesgo. 3. ed. México: Universidade Iberoamericana, 2006. MARQUES, Rodrigo. Risco, confiança e uso de internet: um estudo qualitativo. 2007. Dissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/Universidade Federal do Rio de Janeiro. ROSA, Thiago M.; SANTIN, Altair O.; MALUCELLI, Andreia. Uma ontologia para Mitigar XML Injection. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO EM SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO E DE SISTEMAS COMPUTACIONAIS (SBSeg), 11., 2011, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: SBC, p. 1-14, 2011. WILDE, Gerald. O limite aceitável do risco: uma proposta sobre segurança e saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. 24