PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE
Vivências de Psicólogos como Integrantes de Equipes
Multidisciplinares em Hospital
Psychologists’
Lived
Experiences
Multidisciplinary Teams in Hospital
as
Members
in
Vivencias de los Psicólogos como Miembros de Equipos
Multidisciplinarios en Hospital
Thaís de Castro Gazotti*
Universidade Paulista - UNIP, Limeira, São Paulo, Brasil
Vera Engler Cury**
Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas, Campinas, São
Paulo, Brasil
RESUMO
Objetivou-se analisar fenomenologicamente a experiência de psicólogos que
atuam em equipes multidisciplinares em hospitais. Participaram do estudo
nove psicólogos, sendo oito mulheres e um homem, de hospitais no estado
de São Paulo. Realizaram-se encontros dialógicos individuais com os
participantes registrados sob a forma de narrativas compreensivas, que
visam descrever os principais elementos da experiência de cada participante.
Em seguida, redigiu-se uma narrativa síntese contendo os elementos
significativos das experiências para apreender a estrutura do fenômeno em
foco. Concluiu-se que: psicólogos necessitam romper barreiras e
sobrecarregam-se com demandas, pois as equipes dificilmente reconhecem
suas funções e sua importância; batalham pelo princípio da integralidade
junto à equipe; compreensão empática, aceitação positiva incondicional e
confiança caracterizam suas atuações com pacientes, familiares e
profissionais para um bom funcionamento da equipe; necessitam se cuidar
para exercerem suas funções; boa formação em Psicologia e pós-graduação
em Psicologia Hospitalar precedem atuação competente em equipe.
Palavras-chave: psicologia hospitalar, interdisciplinaridade, fenomenologia.
ABSTRACT
The aim was to analyze phenomenologically the experience of psychologists
who work in multidisciplinary teams in hospitals. Nine psychologists
participated in the study, being eight women and one man, from hospitals in
the state of São Paulo. Individual dialogical meetings were held with
registered participants in the form of comprehensive narratives, aimed at
describing the main elements of each participant's experience. Then, a
synthesis narrative was written containing the significant elements of the
experiences to learn the structure of the phenomenon in focus. It was
concluded that: psychologists need to break barriers and overload
themselves with demands as the teams hardly recognize their functions and
ISSN 1808-4281
Estudos e Pesquisas em Psicologia
Rio de Janeiro
v. 19
n. 3
p. 772-786
Setembro a
Dezembro de 2019
Thaís de Castro Gazotti, Vera Engler Cury
their importance; they fight for the principle of integrality with the team;
empathic understanding, unconditional positive acceptance and trust
characterize their actions with patients, family members and professionals
for a good functioning of the team; they need to take care of themselves to
exercise their functions; good training in Psychology and post-graduation in
Hospital Psychology precede competent performance in the team.
Keywords: hospital psychology, interdisciplinarity, phenomenology.
RESUMEN
El objetivo era analizar fenomenológicamente la experiencia de psicólogos
que trabajan en equipos multidisciplinares en hospitales. Nueve psicólogos
participaron en el estudio, ocho mujeres y un hombre, de hospitales del
estado de São Paulo. Se celebraron encuentros dialógicos individuales con
los participantes inscritos en forma de narrativas comprensivas, con el fin de
describir los principales elementos de la experiencia de cada uno de ellos.
Luego, se escribió una narrativa de síntesis que contenía los elementos
significativos de las experiencias para aprender la estructura del fenómeno
en cuestión. Se concluyó que: los psicólogos necesitan romper barreras y
están sobrecargados de demandas porque los equipos difícilmente reconocen
sus funciones y su importancia; luchan por el principio de integralidad con el
equipo; la comprensión empática, la aceptación positiva incondicional y la
confianza caracterizan sus acciones con los pacientes, familiares y
profesionales para el buen funcionamiento del equipo; necesitan cuidarse a
sí mismos para ejercer sus funciones; la buena formación en Psicología y el
posgrado en Psicología Hospitalaria preceden al desempeño competente en
el equipo.
Palabras
clave:
psicología
del
hospital,
interdisciplinariedad,
fenomenología.
O Psicólogo Hospitalar e a Equipe Multidisciplinar
No Brasil, a atenção à saúde esteve centralizada no contexto
hospitalar desde a década de 1940, em decorrência da implantação
de uma proposta baseada no modelo clínico-assistencialista de
cuidado. A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde passou a
ser compreendida como um direito de todos e um dever do Estado.
Iniciou-se, então, a construção das diretrizes norteadoras da política
pública denominada Sistema Único de Saúde (SUS), o qual teve sua
modulação na década de 1990 (Leis nº 8.080/1990 e nº
8.142/1990). A proposta do SUS está diretamente relacionada à 8ª
Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em 1986, que
demarcou historicamente a reformulação do conceito de saúde no
Brasil ao compreendê-la a partir do modelo biopsicossocial, que a
concebe como uma conjugação de fatores físicos, psíquicos e sociais.
A mudança no conceito de saúde promoveu novas formas de atuação
da Psicologia na área da saúde; este campo de atuação é
denominado, em outros países, Psicologia da Saúde – Health
Psychology – caracterizando as práticas realizadas em instituições de
nível primário, secundário e terciário; o conceito de “hospital”
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corresponde aos níveis secundário e terciário, apenas. Assim, a
Psicologia Hospitalar pode ser compreendida como uma parte da
Psicologia da Saúde, a qual é considerada um subcampo da
Psicologia. No contexto hospitalar, o psicólogo não irá atuar
diretamente nos processos de doença que cabem ao médico, mas irá
auxiliar o paciente na busca pela reorganização do equilíbrio
psicológico perdido em razão da doença (Melo, 2015).
Ao psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar cabe a descrição
apresentada na Resolução nº 013/2007 do Conselho Federal de
Psicologia, a qual consolida as resoluções relativas aos títulos de
especialista em psicologia e dispõe sobre as normas e procedimentos
para seu registro, como: atuação em instituições de saúde de nível
secundário ou terciário, nas diferentes áreas da instituição
(Ambulatório, Unidade de Tratamento Intensivo e Pronto
Atendimento), em instituições de ensino superior e centros de
pesquisa; assim como nas modalidades diversificadas de atendimento
(psicoterapia individual, psicoterapia de grupo, grupos de profilaxia,
consultoria e interconsulta). Sua atuação estabelece diferentes
relações: médico-paciente, paciente-familiares, paciente-paciente,
paciente-processo de adoecimento, hospitalização, repercussões
emocionais e as questões subjetivas presentes entre os membros da
equipe de saúde.
Neste campo de atuação busca-se promover e/ou recuperar a saúde
física e mental daquele que recebe a assistência. Em relação ao
trabalho
com
a
equipe
multidisciplinar,
preferencialmente
interdisciplinar, de acordo com a resolução acima citada, cabe ao
psicólogo participar de decisões em relação à conduta a ser adotada
pela equipe, objetivando promover apoio e segurança ao paciente e a
seus familiares por meio de informações pertinentes à área de
atuação, assim como impulsionar o suporte e o manejo voltado para
possíveis dificuldades operacionais e/ou subjetivas dos membros da
equipe.
Desenvolveu-se o conceito e a prática da interdisciplinaridade sob
influência do princípio de integralidade proposto pelo SUS, pois a
atenção à saúde passou a envolver práticas que levam em conta as
complexidades presentes nos problemas de saúde (Chiararia, 2015).
Deste modo, contrapõe-se ao paradigma cartesiano que se
caracteriza pela fragmentação dos conhecimentos e pela criação das
diversas especialidades.
Então, criaram-se as equipes multidisciplinares – também
denominadas multiprofissionais –, as quais correspondem a grupos
que atuam nas formações de redes em suas práticas diárias. Com o
advento das equipes multidisciplinares, aumentou a inserção dos
profissionais que atuam na área da saúde.
Assim, para que o psicólogo exerça seu trabalho no hospital, é
fundamental que os demais profissionais compreendam o seu papel
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para um trabalho eficaz. No entanto, o desconhecimento das
especialidades a respeito da atuação da Psicologia, não se restringe
apenas ao contexto hospitalar, mas à ciência da Psicologia como um
todo, havendo equívocos sobre o papel do psicólogo hospitalar e as
demandas que lhe cabem, conforme apresentado no estudo de
Kirchner, Granzotto e Menegatti (2012). Isto por vezes diminui o
impacto da presença do psicólogo, levando-o a atuar em consonância
ao que os demais membros da equipe esperam dele (Moré, Crepaldi,
Queiroz, Wendt, & Cardoso, 2004 citado por Morais, Castro, & Souza,
2012).
Segundo Chiararia (2015), ao psicólogo em equipe multidisciplinar
cabe atuar junto ao coletivo, às práticas preventivas e de tratamento,
tendo em vista diagnosticar e compreender o conteúdo envolvido nas
queixas, sintomas e patologias, assim como possibilitar estabelecer o
vínculo entre o paciente e a equipe multiprofissional, e contribuir para
a humanização no ambiente hospitalar. As funções do psicólogo no
contexto hospitalar e como membro da equipe multidisciplinar,
devem ter em vista a grande variedade de atividades designadas ao
psicólogo hospitalar. No entanto, há obstáculos que precisam ser
contornados para delinear melhor o espaço de atuação do psicólogo
junto à equipe multidisciplinar, dentre eles destacam-se a relação e a
comunicação entre a Psicologia e os demais saberes profissionais da
equipe (Gazotti & Prebianchi, 2014), que são base para o
relacionamento interpessoal, o elemento fundamental para o bom
funcionamento multidisciplinar.
Delineamento da Pesquisa
Este artigo decorre de uma pesquisa de Mestrado que objetivou
descrever e compreender fenomenologicamente a experiência de
psicólogos em relação às suas participações como membros de
equipes multidisciplinares em contexto hospitalar. Para ser possível
compreender a experiência dos participantes, adotou-se um
delineamento qualitativo inspirado no método fenomenológico,
desenvolvido pelo matemático e filósofo alemão Edmund Husserl
(1859-1938).
Assim, o objeto de estudo é o próprio fenômeno em foco, o qual
contempla as vivências humanas cotidianas, que são simbolizadas
nos processos de imaginação e percepção, e que vão influir sobre as
relações interpessoais. O olhar fenomenológico volta-se para a
subjetividade de modo a evidenciar a essência de cada aspecto que a
constitui (Husserl, 2002).
O método fenomenológico aplicado às pesquisas na área da
Psicologia, caracteriza-se por princípios inter-relacionados, são eles: a
redução fenomenológica (suspensão dos conhecimentos prévios e
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teóricos sobre o fenômeno em estudo, de modo que os
conhecimentos não são negados em sua veracidade, apenas são
colocados de lado no momento de conhecer o fenômeno); a descrição
da experiência do participante (apresentar as estruturas essenciais do
fenômeno) (Giorgi, 1997 citado por Finlay, 2009); e a redução
eidética ou transcendental (busca pelas essências, as quais
correspondem à estrutura imutável do fenômeno que possibilita
àquele que o percebe intuir seus sentidos) (Husserl, 2002).
Na pesquisa fenomenológica o pesquisador assume papel ativo
importante ao abrir-se à experiência do outro a partir de uma atitude
fenomenológica (Finlay, 2009). Esta atitude aproxima-se daquelas
descritas por Carl. R. Rogers (1902-1987), psicólogo norte-americano
que desenvolveu a Abordagem Centrada na Pessoa, que são:
aceitação positiva incondicional (cada pessoa deve ser valorizada
positivamente de maneira incondicional), compreensão empática
(atitude de abertura para o referencial interno do outro e seus
significados), e autenticidade ou congruência (estar presente como
pessoa íntegra e genuína consigo mesma e na relação com o outro)
(Rogers & Wood, 2008).
Coleta e Análise de Dados
A estratégia metodológica utilizada para coleta de dados foi a
narrativa. Em um encontro dialógico entre pesquisador e participante,
o relato do participante é compreendido como um narrar de sua
história e de seus significados simbolizados. Ao pesquisador cabe
escrever as narrativas em vista de descrever (a partir de sua
consciência), compreender e analisar os significados que emergiram
nos encontros com os participantes sobre suas experiências diante do
fenômeno em foco.
O processo de análise de dados inicia-se pela construção de
narrativas compreensivas referentes ao encontro dialógico com cada
participante para aproximar-se das significações vividas durante cada
encontro. Logo após, ocorreu a leitura de cada narrativa aos demais
pesquisadores do Grupo de Pesquisa Institucional, objetivando
receber contribuições para o processo de análise dos encontros. Na
sequência, as narrativas compreensivas foram lidas em conjunto para
dar origem à narrativa síntese, que contempla a compreensão sobre
os elementos significativos das experiências de todos os
participantes, em busca dos elementos estruturais do fenômeno
humano em estudo.
Participantes
Após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos (parecer nº 1.365.235), a pesquisadora entrou em
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contato com alguns psicólogos e convidou-os a participarem do
estudo. Nove psicólogos hospitalares, sendo oito mulheres e um
homem, concordaram em participar. Foram, então, realizados
encontros dialógicos únicos e individuais com cada participante, no
início dos quais foi entregue e assinado o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Na sequência, a pesquisadora apresentou a
questão norteadora: “Gostaria que me contasse sobre a sua
experiência, como psicólogo hospitalar, ao participar de uma equipe
multidisciplinar no hospital”. Os nomes dos participantes são fictícios
em virtude de preservar o sigilo diante dos dados de identificação dos
participantes.
De acordo com a Tabela 1, a respeitos dos participantes, observa-se
que: seis (66,6%) participantes encontram-se na faixa etária de 26 a
30 anos, dois (22,2%) encontram-se na faixa etária de 31 a 35 anos,
e um (11,1%) encontra-se na faixa etária de 41 a 45 anos. Dos
estados brasileiros onde graduaram-se em Psicologia, cinco (55,5%)
participantes realizaram a graduação no estado de São Paulo, um
(11,1%) graduou-se em Brasília, um (11,1%) graduou-se no Paraná,
um (11,1%) graduou-se em Minas Gerais e um (11,1%) graduou-se
na Bahia.
A seguir, objetivando exemplificar, apresenta-se um trecho de uma
narrativa escrita sobre o encontro da pesquisadora com a psicóloga
Thalita:
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“(...) Tais experiências a fizeram notar que o mais importante
na relação com uma equipe é o tempo de conhecimento entre
os profissionais, pois quando conhecem a psicóloga há um
tempo é mais fácil considerarem suas avaliações. Ou seja, ao
iniciar sua participação no grupo, o psicólogo tem que
conquistar seu espaço e ganhar credibilidade. (...).”
Os Resultados em Discussão
Para uma boa atuação do psicólogo em contexto hospitalar, a
transposição de modelos anteriores de atuação a este contexto é
inadequada devido às exigências específicas que o caracterizam
(Santos & Jacó-Vilela, 2009 citado por Azevêdo & Crepaldi, 2016).
Em decorrência disto, pode-se observar nos dados da Tabela 1 que
todos os participantes desta pesquisa cursaram algum tipo de
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicologia Hospitalar
após a conclusão do curso de Graduação em Psicologia, priorizando
os cursos disponíveis na época, devido às exigências específicas que
caracterizam este campo de atuação.
A partir das narrativas escritas sobre os encontros, pôde-se descrever
os elementos estruturantes das experiências dos participantes.
Embora os elementos sejam apresentados distintamente, guardam
relações entre si.
A Necessidade de “Cavar Espaço” para Conquistar Respeito e
Reconhecimento por Parte da Equipe
Este elemento mostrou-se como fundamental para que os psicólogos
pudessem iniciar efetivamente suas atividades junto à equipe
multidisciplinar no contexto hospitalar. O espaço que buscam
conquistar diz respeito tanto a atender às demandas hospitalares que
lhes cabem, quanto à participação em equipe multidisciplinar.
Os participantes priorizam construir uma relação junto à equipe em
vista de criar, primordialmente, um vínculo de confiança entre os
profissionais, enquanto pessoas e especialistas. A equipe segue um
delineamento único para uma atuação em conjunto, por isso é
importante que seja estabelecido um envolvimento enquanto grupo.
De acordo com Rogers (1976), um grupo pode se formar de diversas
maneiras e com diversos propósitos, mas há uma qualidade que os
aproximam: a possibilidade dos envolvidos vivenciarem uma
experiência intensiva que influencia no desenvolvimento grupal e
pessoal. A participação em grupo proporciona o desenvolvimento de
um relacionamento que possibilita mudanças construtivas a partir de
um processo de crescimento intersubjetivo.
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Este crescimento intersubjetivo pode ocasionar em mudanças: na
pessoa que vivencia a aceitação positiva na equipe e reciprocamente,
podendo mudar o próprio autoconceito e suas atitudes ao sentir-se
num clima grupal empático; e no grupo, devido à convivência
cotidiana
levar
ao
compartilhamento
de
conhecimentos,
procedimentos e modos de intervenção que desenvolve sentimentos
de segurança, beneficiando a integralidade das ações. Com isso, é
provável que ocorram mudanças na própria instituição a partir da
maior consolidação e protagonismo das equipes.
O desejo de participar efetivamente da equipe e contribuir para a
qualificação do cuidado aos pacientes, transcende as características
elencadas pela Resolução nº 013/2007 do CFP, que delimita os
possíveis moldes de ações referentes a cada tipo de demanda que o
psicólogo hospitalar é solicitado em relação: ao paciente, à equipe,
aos familiares e às diversas sistematizações da atuação do psicólogo
hospitalar encontradas na literatura (Nogueira-Martins, 2012; Gazotti
& Prebianchi, 2014).
De acordo com os participantes desta pesquisa, é essencial para uma
boa atuação, que o psicólogo hospitalar estabeleça uma relação
grupal coesa, pois, ao priorizar um conhecimento coletivo, os saberes
de cada especialidade são compartilhados de modo a potencializar a
qualidade da atuação interdisciplinar (Bezerra, 2016).
A Sobrecarga de Demandas que Recaem sobre o Psicólogo ao
Participar de uma Equipe Multidisciplinar
Os participantes descreveram a existência de diversas barreiras a
serem ultrapassadas para que possam participar junto às outras
especialidades como um grupo, de modo a poderem atuar a seus
próprios modos diante das demandas e das relações que
estabelecem. Suas atuações em equipes multidisciplinares têm em
vista oferecer atenção às demandas de modo integral.
Consideram os obstáculos: a falta de compreensão dos profissionais
da equipe diante do processo subjetivo de adoecimento e a falta de
suporte emocional para lidar com as demandas e exigências
emocionais dos pacientes, por sentirem-se vulneráveis a vivenciar os
mesmos sentimentos que os pacientes ao não disporem de recursos
psicológicos para lidar com esta demanda. Um estudo realizado em
Londres apresentou as tensões emocionais que os profissionais da
saúde, no caso os enfermeiros, podem vivenciar no contexto
hospitalar: observou-se o aumento de ansiedade, angústia e
frustração em decorrência das situações vividas nas condições de
trabalho, junto a sentimentos contraditórios em relação aos pacientes
– piedade, compaixão, amor; culpa, ansiedade, ódio e ressentimento
(Nogueira-Martins, 2012).
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Uma vez que o psicólogo hospitalar recebe uma solicitação de
intervenção e constata que decorre da equipe ou de algum
profissional individualmente, lhe é exigido realizar um trabalho duplo:
atender ao paciente para fazer sua própria avaliação sobre seu
estado psicológico e emocional naquele momento, e então, retornar à
equipe para analisar, agora, ambas as demandas – a do paciente e a
da equipe – e buscar solucioná-las em conjunto. Assim, deve ser
reconhecido que o trabalho do psicólogo hospitalar junto à equipe não
se limita a fazer parte dela de modo a caracterizá-la enquanto
multidisciplinar; mas também, oferecer suporte e auxílio psicológico
para as dificuldades práticas e subjetivas dos profissionais diante da
sua prática cotidiana.
Segundo Oliveira (2013), a prática cotidiana no contexto hospitalar
representa um desafio aos profissionais da equipe por vivenciarem
situações que não estão descritas nos livros e para as quais não
foram preparados, tanto do ponto de vista teórico, quanto técnico.
Cabe ao psicólogo contribuir para a avaliação desses aspectos em
relação aos pacientes atendidos e estar aberto a acolher as reações
emocionais dos próprios colegas de equipe.
A Preocupação com a Integralidade do Cuidado Ofertado
Para os participantes, no momento em que os membros da equipe
compreendem o papel do psicólogo hospitalar e reconhecem a
necessidade de dar importância aos aspectos subjetivos e emocionais
dos pacientes, torna-se possível haver um trabalho com maior
intercâmbio entre os diversos saberes. Anteriormente a isto, os
profissionais irão agir isoladamente e à sua própria maneira com as
demandas emocionais dos pacientes, assim, excedem suas próprias
competências e vêm a ocupar o lugar destinado ao psicólogo
hospitalar. Estes aspectos somente são ressaltados caso haja um
psicólogo na equipe para trazê-los à tona e que possa orientar tais
compreensões.
Estes obstáculos mostram a importância de haver conhecimento por
parte dos membros da equipe a respeito dos conceitos sobre cuidado
biopsicossocial, integralidade e interdisciplinaridade no contexto
hospitalar. A presença do psicólogo contribui para concretizar práticas
de natureza interdisciplinar do cuidado devido à sua atuação
principalmente enquanto interconsultor (Gazotti & Prebianchi, 2014),
uma vez que, na maior parte das vezes, os aspectos emocionais e
sociais influenciam as enfermidades trazendo consequências
desorganizadoras para a vida cotidiana do paciente e de seus
familiares. O psicólogo hospitalar propicia à equipe, com maior
facilidade, um olhar amplo e inter-relacionado de todos os aspectos
presentes no cuidado aos pacientes do ponto de vista relacional.
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O Especialista no Cuidado Subjetivo e Emocional e a Atitude
Empática
Em situações onde as solicitações de atendimento psicológico
decorrem de demandas da própria equipe, o psicólogo, enquanto
especialista no cuidado aos aspectos subjetivos e emocionais,
percebe a passagem de responsabilidade da equipe que busca se
afastar das demandas que lhe causam angústia. A presença do
psicólogo hospitalar torna-se essencial, pois percebe que, caso a
equipe venha a enfrentar sozinha tais circunstâncias, pode prejudicar
o equilíbrio psicológico e emocional das demais especialidades. Desse
modo,
o
trabalho
do
psicólogo
em
mediar
a
relação
equipe/profissional-paciente é intensificado. O distanciamento dos
profissionais frente aos pacientes pode produzir a eles sofrimento,
pois conduz a um sentimento de insegurança diante da doença, do
prognóstico e do profissional (Riba & Juver, 2009 citado por Barreto &
Castro, 2015).
Os participantes compreendem a atitude da equipe nestas
circunstâncias, e enfatizam a intenção de desenvolver na equipe o
olhar empático diante do processo de adoecimento e dos aspectos
subjetivos presentes para que haja uma corresponsabilização do
cuidado. Preocupam-se ainda, em atuar em relação aos pacientes e à
equipe a partir de uma atitude empática.
De acordo com Rogers e Wood (2008), a atitude empática representa
a possibilidade de “sentir o mundo privado do outro como se fosse o
seu, mas sem perder a qualidade do ‘como se’” (p. 151). Esta atitude
possibilita ao outro – no caso, o psicólogo hospitalar – compreender
aquilo que um – o paciente, a equipe ou um profissional – já
conhece; assim como também capacita o psicólogo a entrar em
contato com os significados da experiência do outro, expressa no
momento em que este tem apenas breve ou nenhum conhecimento.
Isto proporcionará evoluir a qualidade dos relacionamentos, cultivar o
olhar para a perspectiva do paciente de maneira ampliada e
possibilitar aos profissionais compreenderem de maneira integrada,
as demandas, os quadros clínicos, o modo subjetivo de cada paciente
lidar com seu processo de adoecimento, e aos próprios profissionais
poderem compreender seus sentimentos provenientes da relação de
cuidado. Trata-se de uma oportunidade do psicólogo hospitalar de
auxiliar os demais profissionais a desenvolverem a atitude de empatia
diante
dos
pacientes
para
evoluírem
os
relacionamentos
estabelecidos e, assim, estabelecerem devidamente suas atuações,
tanto individualmente, quanto em grupo.
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A Valorização do Psicólogo Hospitalar pela Equipe Desenvolvese a partir de uma Relação de Confiança Mútua
Para os participantes, somente a partir do momento em que suas
atuações entram em cena e eles participam em conjunto das
intervenções da equipe, podem iniciar um trabalho interdisciplinar
com olhar amplo para as necessidades subjetivas e emocionais. Caso
contrário, apenas lhes caberia um papel protocolar em relação aos
pacientes e aos procedimentos de avaliação desenvolvidos pela
equipe.
Partindo da percepção dos participantes, a respeito da defasagem na
compreensão dos demais profissionais sobre suas atuações, isto
provoca um distanciamento entre os profissionais da saúde e os
psicólogos porque, aos olhos da equipe multidisciplinar, o psicólogo
não é tão fundamental quanto os demais no cuidado à saúde.
O fato da Psicologia ser parte das Ciências Humanas e das Ciências
da Saúde, promove nos profissionais da saúde uma certa
desconfiança sobre as afinidades possíveis para uma atuação
conjunta.
As
demais
especialidades,
tais
como
Medicina,
Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, entre outras, parecem se
reconhecer reciprocamente em relação aos procedimentos e visões
sobre o binômio saúde-doença. No caso da Psicologia, a perspectiva
contempla aspectos emocionais nas relações subjetivas e
intersubjetivas, cujo objeto difere das ciências tradicionalmente
consideradas da área da saúde. Ela tem como objeto de estudo o
funcionamento psicológico dos indivíduos, o qual não é visível,
palpável, mensurável, qualificável e, tampouco, passível de
qualificação dos resultados obtidos em um tratamento da mesma
forma que é possível para as Ciências Médicas (Melo, 2015). Por isso,
a literatura apresenta (Kirchner et al., 2012) conflitos gerados devido
à busca, das demais áreas da saúde, por resultados concretos do
tratamento realizado pelo psicólogo, sem compreenderem o
funcionamento e o olhar desta ciência para o seu objeto de estudo.
Os participantes relataram que, a partir da construção de uma
relação grupal apropriada com a equipe e através da participação nas
reuniões semanais, puderam ter a oportunidade de estabelecer
atividades que promovam o diálogo e a compreensão entre os
diferentes pontos de vista de cada especialidade que possibilitam aos
profissionais desenvolver, entre si, práticas mais cooperativas e
centradas no paciente (Motta & Pacheco, 2014).
No momento em que este nível de relação é alcançado, os
participantes percebem que as atitudes para com eles, com as
demandas ou com os cuidados psicológicos também mudam. Os
demais profissionais passam a valorizar suas presenças e
participações, expressando sua valorização ao solicitarem avaliações
e suporte psicológico e ao considerarem suas contribuições, suas
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análises sobre os casos e suas propostas de manejo das relações com
os pacientes, bem como com seus familiares em determinadas
situações que exijam sensibilidade e acolhimento.
Cuidar de Si Mesmo como Oportunidade de Crescimento
Pessoal
Para que seja possível estarem dispostos a auxiliar os demais em
suas necessidades e estarem presentes e íntegros em todas as
relações, os psicólogos precisam olhar para si mesmos, enquanto
pessoas e profissionais, de modo a se prepararem para as novas
situações e demandas que os desafiam. Pois, uma das funções do
psicólogo é lidar com conflitos psicológicos que se desenvolvem nas
interações entre profissionais, membros das equipes, pacientes e
familiares que demandam uma escuta qualificada.
No caso de uma intermediação entre a equipe e o paciente, os
participantes ressaltam a preocupação em se manterem o máximo
possível em uma posição de neutralidade. Para tanto, é necessário
que o psicólogo tenha claro para si esta característica peculiar de seu
trabalho. Isto torna a sua preparação psicológica essencial para que
atue de maneira segura e imparcial, pois também estão presentes
questões particulares.
Os participantes também sentem necessidade de poder ter um
momento para relaxar da tensão do trabalho. Por isso, ressaltam a
importância de terem contato com colegas psicólogos próximos, no
mesmo hospital, para discutirem mais a fundo os casos e poderem
expressar suas angústias. Do contrário, o trabalho pode vir a se
tornar muito solitário.
Os momentos vividos rememorados e as diferenças nas formas como
os participantes os significam e os interpretam, possibilitaram
perceber que houve um processo de crescimento pessoal e
profissional em cada um que representa o processo de tendência à
autoatualização. A tendência à autoatualização corresponde a um
conjunto de forças organísmicas que movimentam o indivíduo em
direção ao seu crescimento e que podem ser potencializadas quando
sob condições físicas e psicológicas facilitadoras, saudáveis e
favoráveis (Rogers & Wood, 2008). De acordo com os mesmos
autores, essa tendência, presente em todas as pessoas, direciona o
organismo a entrar em contato com suas atitudes, sentimentos e
emoções de modo a explorá-los, genuinamente, no seu próprio ritmo
e com suas próprias simbolizações.
O crescimento psicológico favorece os participantes a terem maior
flexibilidade pessoal e psicológica para lidar com as adversidades e
obstáculos que, inevitavelmente, estão presentes no contexto em que
atuam. Tornam-se mais munidos, psicológica e emocionalmente, de
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recursos internos para enfrentar tais barreiras e para agir de modo
mais criativo.
Considerações Finais
A atuação do psicólogo em uma equipe multidisciplinar que reconhece
a sua presença como agregando qualidade ao grupo, proporciona aos
pacientes um atendimento integrado em função do compartilhamento
de saberes entre membros da equipe. Os participantes foram
bastante enfáticos sobre a importância da existência de uma relação
bem construída e sedimentada em confiança mútua entre todos os
membros da equipe multidisciplinar.
Este trabalho pôde descrever as vivências dos psicólogos e
compreender a experiência da atuação do psicólogo inserido na
equipe multidisciplinar em hospitais. O número de participantes não
permite a generalização dos resultados, mas as experiências
apresentadas possibilitam ao leitor considerar a relevância da
discussão deste trabalho a partir da sua própria situação vivida.
As dificuldades presentes no trabalho realizado pelo psicólogo
hospitalar são temas que precisam ser continuamente pesquisados
para que se possa analisar novas propostas de atuação e explorar as
atividades que podem ser exercidas em conjunto por uma equipe
multidisciplinar. Tem-se em vista que cada vez mais seja possibilitada
a atuação interdisciplinar e o cuidado centrado na pessoa integrados
à prática das especialidades da área da saúde, principalmente quando
atuando em equipe.
Esta forma diferenciada de olhar o fenômeno, a partir de uma relação
intersubjetiva que a pesquisa apresenta, possibilitou apresentá-lo de
modo a abranger diversas facetas que o constituem, privilegiando as
vivências dos participantes. Novos estudos que enfatizem os
elementos significativos das vivências de psicólogos serão bemvindos para aprimorar os diversos níveis de formação responsáveis
pelo desenvolvimento de competências e habilidades para atuar na
área da saúde.
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Endereço para correspondência
Thaís de Castro Gazotti
Rua Tiradentes, 235 apto 141, Centro, CEP 13480-080, Limeira - SP, Brasil
Endereço eletrônico:
[email protected]
Vera Engler Cury
Rua João Stanis, 05, Taquaral, CEP 13076-270, Campinas - SP, Brasil
Endereço eletrônico:
[email protected]
Recebido em: 04/02/2019
Aceito em: 13/11/2019
Notas
* Doutoranda FMUSP. Mestre Psicologia PUC-Campinas. Formação Transtornos
Alimentares (AMBULIM-IPq-HC-FMUSP). Psicóloga AMBULIM e clínica. Docente
UNIP-Limeira.
** Especialista Psicologia Clínica. Mestre Psicologia Clínica IPUSP. Doutora Saúde
Mental FCM UNICAMP. Docente titular Graduação e Pós-Graduação em Psicologia
PUC-Campinas.
Financiamento: Bolsa CNPq.
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