RedeLabs
Felipe Fonseca
novembro 2010
Intro
Este arquivo é uma compilação de textos publicados ao longo do processo de levantamento e articulação do projeto RedeLabs, nos últimos
meses. É uma edição feita com pressa, certamente com um monte de
falhas de revisão (sim, eu vi todos os links vazando pra margem direita
das páginas) e de organização. Seu objetivo é alimentar o debate durante o encontro RedeLabs, a ser realizado durante o Fórum da Cultura
Digital Brasileira, de 14 a 17 de novembro em São Paulo. Recomendo
que todos os textos sejam lidos nos links originais, que incluem um
monte de comentários relevantes e, em alguns casos, imagens.
Este material foi diagramado exclusivamente com software livre (LyX)
e está publicado com a licença CC-BY-SA. Segue o modelo de publicação online desenvolvido experimentalmente pelo coletivo MutGamb.
Aguardo comentários e nossa conversa presencial.
VQV e abraços!
efeefe
2
Sumário
1 Redelabs – Contexto
5
2 Um resumo do Brasil profundo
8
3 Medialabs - pra quê mesmo?
11
4 Lugar e espaço
17
5 Eventos
19
6 Cultura Digital Experimental? Parte 1 - Twitter
20
7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
24
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem 37
9 Laboratórios de Mídia - referências
47
10 Redelabs - Caminhos brasileiros para a Cultura Digital Ex52
perimental
11 Modelos e Perspectivas - Empyre
59
12 Labtolab - dia a dia
61
13 FISLI - Debate Cultura Digital Experimental
71
14 Laboratórios de Experimentação em Cultura Digital, as Gangues
73
e a Indústria Criativa
3
Sumário
15 Uma conversa com James Wallbank
76
16 Entrevista - Alejo Duque
84
17 Future Everything – Festivais como Laboratórios Vivos
95
18 Entrevista - Drew Hemment
98
19 Bate-papo com Gisela Domschke
101
20 Conversa com Cesar Harada
114
21 O futuro dos laboratórios
119
4
1 Redelabs – Contexto
http://culturadigital.br/redelabs/2010/04/redelabs-contexto/
23/04/2010
No contexto internacional das novas mídias e da arte eletrônica, os
medialabs - laboratórios de mídia - têm um papel essencial – desde o
emblemático medialab do norte-americano MIT, passando por iniciativas diversas em países europeus como o Medialab Prado de Madrid e
a Tesla de Berlim, até projetos de intercâmbio com países em desenvolvimento como a plataforma Waag/Sarai entre Holanda e Índia.
A posição que tais laboratórios ocupam sempre se adaptou às características cambiantes do próprio campo em que atuam. Se muitos
medialabs funcionaram como espaços de acesso quando as tecnologias
não eram tão acessíveis, atualmente eles têm por desafio permanecer
relevantes em uma época de disseminação de tecnologias. Mesmo no
Brasil, um computador pode ser comprado em prestações baixas em
qualquer hipermercado e as conexões de banda larga têm se expandido
a cada trimestre.
Em uma época na qual o acesso a tecnologias de produção e publicação de mídias está cada vez mais facilitado, um cenário em que as
redes abertas fazem a informação circular diretamente entre as pessoas, qual a razão de existir de um laboratório de mídia? A dinâmica do
trabalho criativo tem se transformado de forma cada vez mais rápida, e
a estratégia “build it and they’ll come” não faz mais sentido. Para incentivar a produção criativa, é necessária uma sensação de apropriação e
de gestão compartilhada, no sentido da reconstrução da própria idéia
5
1 Redelabs – Contexto
de espaço público. Isso demanda a reinvenção do próprio imaginário
dos laboratórios de mídia. Que tipo de relação uma estratégia para
laboratórios de mídia deve manter com o que tem sido construído nos
últimos anos como uma cultura digital eminentemente brasileira?
Mais do que oferecer simplesmente uma estrutura, os medialabs
mais interessantes de hoje em dia engajam-se em um diálogo cada vez
mais aberto e crítico com o meio com o qual se relacionam, e tornam-se
espaços de referência e intercâmbio, cabeças de rede, muito mais agenciando conversas do que expressando uma posição própria específica.
Esses espaços, em vez de buscar exclusividade, concedem a artistas e
coletivos a liberdade de adotar estratégias nômades, impermanentes
e autônomas para sua produção, articulação e divulgação. Com isso,
encontram relevância mesmo em um mundo de comunicação fragmentada e desestruturada.
Apropriação de redes
A criação e dinamização de redes de articulação, produção e distribuição
de cultura digital não pode se limitar à estrutura. Um traço característico das culturas brasileiras é justamente a força que as redes adquirem
no dia a dia. Chama a atenção em todo o mundo o nosso nível profundo de apropriação de ambientes sociais online, o recorde mundial
de horas conectados, a naturalidade cotidiana da gramática da rede.
Algumas das iniciativas brasileiras mais relevantes no cenário da mídia eletrônica são exatamente aquelas que se configuram como redes
abertas. É necessário tratar essa perspectiva não só como ferramenta
ou estrutura, mas como eixo conceitual – a construção de novos horizontes sobre espaços experimentais e de produção artística, e entender
como isso dialoga com nossa maneira única de negociar os espaços
cotidianos. Em outras palavras, não só usar uma rede para falar sobre arte, mas essencialmente tratar a própria rede como um projeto
experimental, de arte nos novos meios de comunicação.
6
1 Redelabs – Contexto
Laboratórios em Rede
A reflexão da plataforma RedeLabs vai no sentido de propor um passo
adiante, em que se mesclam os referenciais de laboratórios de mídia
e a cultura digital brasileira. Ao longo dos próximos meses, vamos
propor estratégias para o estímulo de redes que articulem espaços de
produção nesse sentido.
Colaborações serão sempre bem-vindas.
7
2 Um resumo do Brasil
profundo
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/um-resumo-do-brasil-profundo/
14/06/2010
Escrevi há dois anos um artigo que seria publicado como caderno
submidiático #71 do des).(centro http://pub.descentro.org/ e posteriormente no livro Apropriações Tecnológicas2 . O que segue abaixo é uma
tentativa de contar a mesma história sob a perspectiva dos laboratórios
de mídia.
Em 2002, quando começou a articulação para a realização de um
“Laboratório de Mídia Tática” em São Paulo, eu demorei alguns meses
para entender porque o chamavam de “laboratório”. Entendi menos
ainda quando o festival Mídia Tática Brasil finalmente aconteceu,
muito mais focado em colocar as pessoas em contato do que em fazer
coisas novas acontecerem ou promover experimentação. De qualquer
maneira, ele promoveu o contato e a troca entre um monte de gente que
se reencontraria várias vezes nos anos seguintes. Teve ainda o mérito
de propor atividades no telecentro da Cidade Tiradentes, na Zona Leste
de São Paulo, uma ação incipiente mas promissora de convergência
entre o referencial ativista internacional e a realidade brasileira. Isso se
aprofundaria, por exemplo no projeto Autolabs, criado e desenvolvido
1 http://pub.descentro.org/caderno_submidiatico_7_em_busca_do_brasil_profundo
2 http://pub.descentro.org/wiki/apropriacoes_tecnologicas_emergencia_de_textos_ideias_e_imagen
8
2 Um resumo do Brasil profundo
em 2004 por integrantes dos coletivos que estavam no MTB. O Autolabs sim acabou assumindo um papel mais experimental. Apesar de
ser antes de tudo um projeto focado na educação midiática, ele proporcionou um ritmo de convivência entre as pessoas que levou a um
grande nível de experimentação – técnica, social e administrativa. As
bases do que foi desenvolvido e testado por ali seriam depois replicadas
em muitos outros projetos, entre eles a ação cultura digital nos Pontos
de Cultura.
No fim de 2003, alguns dos participantes do MTB fomos convidados
para a última edição do Next Five Minutes, na Holanda. Conhecemos
lá o pessoal do Sarai (Nova Déli), que tinha uma plataforma de intercâmbio com a fundação Waag (Amsterdam). Eles estavam lançando
uma chamada para projetos para a plataforma. Pediam que se enviassem propostas para a criação de um centro de mídia para promover
intercâmbio “sul-sul”. Foram selecionadas propostas do coletivo Mídia
Tática – que propunha um ônibus que circulasse pelo Brasil – e da
MetaReciclagem – que já tinha dois espaços de trabalho, em São Paulo
e Santo André.
Ao longo do desenvolvimento do projeto nos meses seguintes, o
Mídia Tática propôs uma estratégia para a criação de três centros de
mídia – em Campinas, São Paulo e Rio. No Rio, Ricardo Ruiz e Tatiana
Wells chegaram a criar o IP, um espaço na Lapa. Já a MetaReciclagem,
à medida que se espalhava para novos espaços – o próprio IP, novas
iniciativas em outros lugares do Brasil e a perspectiva iminente de implementação dos Pontos de Cultura, além de outros projetos públicos
– decidiu não propor nenhum centro, mas pensar uma estratégia em
rede para a ocupação de espaços que já existiam. Ela propunha não laboratórios, mas “esporos”, espaços auto-geridos que se comunicariam
através de uma rede aberta.
Essas duas perspectivas foram apresentadas no encontro da plataforma
no fim de 2004, na Índia. Segundo a avaliação dos parceiros internacionais, nenhuma das duas propostas no Brasil “estava pronta” para
desenvolver um centro. Na opinião deles, ainda estávamos em uma
9
2 Um resumo do Brasil profundo
fase prematura de organização. Hoje eu tenho mais elementos para
afirmar que, pelo contrário, estávamos propondo uma forma de paraorganização3 . A plataforma Waag/Sarai se propôs a promover uma
residência de dois integrantes da MetaReciclagem no projeto Cybermohalla, em Nova Déli; e a apoiar uma publicação e um evento organizados pela Mídia Tática. O evento tornou-se a Submidialogia, que teve
sua primeira edição em 2005 em Campinas, e depois outras edições ao
longo dos anos – em Olinda, Lençois, Belém, Atins e Arraial d’Ajuda – a
próxima será na Baía de Paranaguá.
Naquela primeira edição da Submidialogia, foram dados os primeiros
passos para estabelecer-se o des).(centro, que incorporou desde o início todo o referencial de ação em rede e produção colaborativa – suas
assembleias se realizam através da internet, e não existe a figura do
presidente ou qualquer eufemismo equivalente. O próprio nome da
associação já traz uma visão crítica do caminho tradicional das organizações – que muitas vezes começam com grupos de afinidade mas
acabam tendendo à centralização, à especialização e à alienação.
Ao longo de todos esses anos, esse grupo bastante heterogêneo e
disperso, assumindo diversas identidades dinâmicas e formando subgrupos que se mesclam e reformam o tempo todo, também realizaram
outras ações e eventos – o festival Findetático, o encontro Digitofagia,
as próprias conferências Submidialogia e muitos encontros e ações
entremeadas no meio do cenário cultural e político. Agregou ainda
muitas pessoas interessadas em diversos aspectos da apropriação de
tecnologias. Realizou experimentação em diversas áreas, inclusive em
formatos de organização e trabalho coletivo – até na própria implementação da cultura digital nos Pontos de Cultura, que incorporou
princípios de autonomia, conhecimento livre, aprendizado em rede
e outros, promovendo um diálogo profundo do formato hacklab com
a realidade institucional no governo. E continua se refazendo a todo
instante.
3 como sugere Jamie King nesse PDF aqui http://www.shiftspace.cc/jamie/gang_grammar.pdf
10
3 Medialabs - pra quê mesmo?
http://desvio.weblab.tk/blog/medialabs-pra-que-mesmo-1
05/12/2009
Há uns meses fui convidado para uma conversa em sampa sobre
medialabs. Não pude estar presente, mas mandei umas considerações
por email:
Quero primeiro me apresentar: sou Felipe Fonseca, um dos fundadores da rede MetaReciclagem1 , que conta com algumas centenas
de pessoas em todo o Brasil atuando na apropriação crítica de tecnologias da informação para finalidades diversas: arte, educação, transformação social, etc. Trabalhei nos primeiros anos da ação Cultura Digital
no projeto Cultura Viva do Minc, e hoje sou um dos articuladores do
coletivo Desvio2 , que atua principalmente com experimentação em
novas mídias. Também sou um dos criadores da rede internacional
Bricolabs3 , que conta com integrantes em todo o mundo.
Nos últimos anos, tive um contato bastante grande com projetos de
laboratórios de mídia. Após ter participado do festival Mídia Tática
Brasil, em São Paulo, fui convidado a falar no Next 5 Minutes (Amsterdam, 2003), quando conheci os integrantes plataforma Waag-Sarai.
Waag4 é um dos laboratórios de novas mídias que emergiu em Amsterdam e dialogou bastante com o universo conceitual de mídia tática
(representado, entre outros, por teóricos como Geert Lovink e David
1 http://rede.metareciclagem.org
2 http://desvio.weblab.tk
3 http://bricolabs.net
4 http://waag.nl
11
3 Medialabs - pra quê mesmo?
Garcia). Sarai5 é uma organização de Nova Déli, na Índia, que recebeu
apoio do Waag para estabelecer-se como laboratório de novas mídias.
Em 2004, inseri nesse contexto a MetaReciclagem, respondendo a uma
chamada aberta da plataforma Waag-Sarai que buscava projetos de
medialabs em países em desenvolvimento.
Na época, estávamos atuando diretamente com a rede de telecentros
de São Paulo e começando a implementação dos Pontos de Cultura.
Nossa proposta foi, a partir dessa potencial multiplicidade de espaços,
dissolver a própria ideia de laboratórios de mídia: queríamos investir
esforços não em estabelecer (mais) um laboratório de mídia, mas sim
desenvolver uma metodologia descentralizada, em rede, que ocupasse
os espaços que continuariam se multiplicando. Assim fizemos, e a
rede MetaReciclagem se espalhou por todo o Brasil (e recentemente
ganhou o prêmio de mídias livres do minc). Ainda dentro do escopo da
plataforma Waag-Sarai, participei ativamente do desenvolvimento do
descentro6 (que também conta com tatiana wells e ricardo ruiz, que
fizeram um centro de mídia na lapa, rio de janeiro, antes de isso ser
moda no brasil), uma organização sem fins lucrativos registrada com
integrantes e subsedes em diferentes regiões do país, e que também
adota princípios efetivos de descentralização e articulação em rede.
Nos anos seguintes, participei de uma série de eventos ligados de
uma forma ou outra a diferentes medialabs em Amsterdam, Berlim,
Barcelona, Madrid, Londres, Paris e outros. Junto com um holandês
e uma britânica, criei a rede Bricolabs, que conta com mais de uma
centena de integrantes, muitos deles ligados a projetos ou centros de
mídia em algum lugar do mundo: waag e minilab (amsterdam), arcspace (manchester), london media lab, hangar (barcelona), eyebeam
(nova york), fo-am (bruxelas), tesla e c-base (berlim), honf (jacarta), tmplab (paris), v2 (rotterdam), freaknet (sicília/amsterdam), uke (croácia),
e outros.
Nos tempos atuais, qualquer esforço relacionado a medialabs precisa
5 http://sarai.net
6 http://descentro.org
12
3 Medialabs - pra quê mesmo?
ser muito bem pensado. Se o medialab do MIT era emblemático de
uma certa maneira de viabilizar ações, a tentativa do MIT de criar uma
réplica na Irlanda foi um fracasso. O modelo norte-americano tem uma
ênfase em estrutura, centralização e articulação com a indústria (inclusive a indústria bélica, é bom lembrar) que pode não funcionar em
outros lugares. Por outro lado, os projetos que têm atraído atenção e
dinamizado produção efetiva atualmente têm uma ênfase muito maior
em se configurarem como espaços de contato, troca e articulação do
que necessariamente proporcionarem acesso a infra-estrutura. Ainda
mais em tempos de abundância de recursos. Há alguns meses escrevemos uma provocação para uma instituição artística comentando isso:
"Em março passado, durante uma das sessões do Paralelo7 , o inglês
Mike Stubbs questionou qual era o papel de um centro de artes nos
dias de hoje. A pergunta pode ser estendida para o contexto dos medialabs: em um cenário no qual o acesso a tecnologias de produção
e publicação de mídias está cada vez mais facilitado, um cenário em
que as redes abertas fazem a informação circular diretamente entre as
pessoas, qual a razão de existir um laboratório de mídia? A dinâmica
do trabalho criativo tem se transformado de forma cada vez mais rápida, e a estratégia "build it and they’ll come" não faz mais sentido.
Para incentivar a produção criativa, é necessária uma sensação de
liberdade de apropriação e de gestão compartilhada, no sentido da
reconstrução da própria idéia de espaço público. Mais do que oferecer
simplesmente uma estrutura, os medialabs mais interessantes de hoje
em dia - hangar, medialab prado, eyebeam, entre outros - engajam-se
em diálogo cada vez mais aberto e crítico com o meio com o qual se
relacionam, e tornam-se espaços de referência e intercâmbio, cabeças
de rede, muito mais agenciando conversas do que expressando sua
própria perspectiva.
Esse diálogo reside potencialmente em qualquer espaço, desde que
se baseie em uma posição de abertura autêntica. Em um primeiro
momento, toda conversa nesse sentido vai parecer a reafirmação de
7 http://paralelo.wikidot.com
13
3 Medialabs - pra quê mesmo?
posições já existentes: as pessoas vão reclamar da mesma coisa que
já reclamaram, colocar demandas que já sabem que têm. Mas trabalhando alguns fatores-chave é possível ir além e construir uma conversa
propositiva de ocupação e apropriação coletivas de espaços simbólicos."
Links
http://rede.metareciclagem.org
http://desvio.weblab.tk
http://pub.descentro.org
http://bricolabs.net
Rodrigo Savazoni respondeu:
Felipe,
Obrigado. Fundamental a tua contribuição.
Eu te questionaria sobre duas coisas, apenas, em relação às tuas
experiências dos últimos anos:
1. Você acha que seria válido termos no Brasil uma rede de espaços
com o que há de "mais avançado" em tecnologias digitais? Por exemplo,
espaço de exposições preparado com um hiperwall, uma cave, ou seja,
infra para visualização de ponta? Além disso, nesse mesmo sentido,
seria interessante um equipamento dotado de tecnologias que os artistas digitais não acessam, e por isso não podem com eles experimentar:
isso faz sentido?
2. Você acha que, nesse mesmo sentido, um espaço público ser
responsável por investigar e produzir a infra-estrutura ideal para a
criação em rede é algo válido? Por exemplo, a Funarte São Paulo será
uma das instituições a receberem a conexão multigigabit da RNP. Com
isso, com a possibilidade de oferecer conexões de 1 a 10 gigabit, será
um espaço privilegiado para a criação em rede. Há esse desejo de
experimentar com bandas muito largas entre os artistas e realizadores
multimídia?
E eu voltei:
1) minha dúvida é se isso pode ser considerado o "mais avançado".
de certa forma, os artistas que querem trabalhar com essas coisas
14
3 Medialabs - pra quê mesmo?
acabam prevendo orçamento pra isso e constróem a estrutura exata
que precisam (como a rejane cantoni e o leonardo crescenti fizeram
no MIS pra peça "Solar"). acho que se um lab for investir em uma
estrutura assim, vai ter que escolher duas ou três possibilidades, e isso
também constitui uma limitação. De certa forma fetichiza a relação:
vou criar uma obra para aquela tecnologia. Hoje em dia, com dois
projetores e um controle de Wii dá pra fazer miséria. Outro problema
de ter uma estrutura específica é como escolher os projetos que vão
usar. Sou mais partir pra multiplicidade, com encontros periódicos
de troca de conhecimento (como fazem o Hangar em Barça e o NYC
Resistor). Acho que investir em alta tecnologia é potencializar essa
multiplicidade. Por exemplo: esses encontros podem ser transmitidos
pela web, se pans com meia dúzia de câmeras simultâneas, e o cara
que tá assistindo tem o suíte na hora, pode escolher interativamente
qual câmera quer assistir. Dá pra pensar em mecanismos de controle
de direcionamento de câmeras também, que dê pra controlar pela rede
motores que apontam a câmera para algum lugar (ou automatizar isso
com sensores de movimento ou coisa assim). Mas tudo isso pra abrir
potencial de indeterminação, e que as pessoas que ocupam o espaço
decidam como usar tecnologia. A gente tá em pleno momento de
paradoxo de nível de desenvolvimento nesse mundo de arte eletrônica.
O que mais tá crescendo - diy, arduino, software livre - vai na direção
oposta da "alta tecnologia". Como construir um caminho equilibrado
ali, que dê estrutura mas seja vivo, em vez de grandes monumentos
vazios?
2) Na real a questão da banda larga, se for no sentido de distribuição,
já tem soluções alternativas: o streaming por icecast usa pouca banda
do cliente até o servidor, e só depois se espalha. Bit torrent também.
Posso estar enganado, mas acho que largura de banda não é essencial
para o tipo de criação que tá rolando hoje em dia. Um uso potencial
que nunca andou é sincronização imediata: uma banda poder tocar
junta em diferentes lugares. Mas todos os lugares precisariam estar na
mesma rede, e mesmo assim haveria um delay (acho que dá pra pensar
15
3 Medialabs - pra quê mesmo?
em alternativas pra isso também, criando buffers locais, mas preciso
de alguém mais racional pra pensar direito nisso).
Daí que insisto: a superbanda da RNP é importante, mas não acho
essencial. A mera disponibilização de banda não vai fazer o pessoal
sair de seus estúdios na vila madalena e ir até a Funarte. Precisa mais
do que isso: frequência/periodicidade, autonomia/indeterminação,
pessoas/temas relevantes.
Pra mim, pessoalmente, um medialab na funarte seria um bom espaço pra levar meus amigos gringos pra visitar. E pra fazer um debate
por mês sobre gambiarra e apropriação.
16
4 Lugar e espaço
http://culturadigital.br/redelabs/2010/05/lugar-e-espaco/
28/05/2010
No artigo “Uma introdução à locação em arte e tecnologia” (publicado no reader1 da conferência Paralelo2 ), Karla Brunet3 e Juan Freire4
– que coordenam o projeto Narrativas Digitais5 – trazem uma diferenciação interessante entre as ideias de lugar e espaço. A primeira seria
a mera topografia e materialidade – o ponto no mapa, a estrutura, a
soma de atributos físicos. Já o espaço seria aquilo que se compõe das
diversas camadas sociais e culturais entrelaçadas, o momento em que
o lugar adquire significado e valor para as pessoas.
Na investigação sobre o desenvolvimento de uma rede que contemple uma visão ampla das diversas fases – articulação, concepção,
produção, exibição e distribuição – da cultura digital experimental, é
fundamental trazer esse aspecto mais aprofundado, da valorização
do espaço. Não se trata de somente criar novos espaços e dar acesso
a infra-estrutura tecnológica, mas de fomentar um diálogo com espaços existentes, fortalecer as condições de trabalho neles e incentivar
a apropriação, o intercâmbio, o aprendizado distribuído.
Reformulando uma questão que já estava presente lá atrás na plataforma
Waag/Sarai, é necessário pensar menos em lugares (infra-estrutura) e
1 http://www.virtueelplatform.nl/#2930
2 http://paralelo.wikidot.com/
3 http://www.karlabrunet.com/
4 http://nomada.blogs.com/
5 http://ecoarte.info/narrativas/
17
4 Lugar e espaço
mais na dinamização descentralizada de espaços (pessoas, redes, projetos). Ao longo dos próximos meses, vamos tentar levantar algumas
pistas e ideias nesse sentido.
18
5 Eventos
http://culturadigital.br/redelabs/2010/05/eventos/
28/05/2010
Um pilar fundamental para o desenvolvimento de cultura digital
experimental é a realização de eventos onde ela seja reconhecida enquanto linguagem, inovação e ação social. Talvez aqui no Brasil isso
seja o que a gente já tem de mais bem desenvolvido. Desde todo o
processo1 de descoberta e realização que passou pelo Mídia Tática
Brasil, Findetático, Digitofagia e acabou gerando as conferências Submidialogia2 , até os festivais internacionais de alto nível como FILE3 ,
Arte.Mov4 e Mobilefest5 , além de diversos eventos que, mesmo com
focos diversos, abrem espaço para essas iniciativas, o Brasil já começa a
ter um calendário de eventos interessantes, que promovem o encontro
e a troca entre o meio.
Eu estive recentemente na Future Everything6 , em Manchester. Além
do grande interesse no Brasil, que resultou na realização de uma perna
da conferência internacional enredada (GloNet) em São Paulo, o FE
contou também com uma temática bastante relevante, e com a participação de pessoas do mundo inteiro, que estavam ali dispostas a trocar
e conversar. Relatei mais sobre o evento no blog Desvio7 .
1 http://pub.descentro.org/caderno_submidiatico_7_em_busca_do_brasil_profundo
2 http://submidialogias.descentro.org/
3 http://file.org.br/
4 http://artemov.net/
5 http://mobilefest.org/
6 http://futureeverything.org/
7 http://desvio.weblab.tk/tag/future-everything
19
6 Cultura Digital Experimental?
Parte 1 - Twitter
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/cultura-digital-experimental-parte-
07/06/2010
No sábado, enquanto estava na fila do check-in para o voo que me
traria a Madrid, pensava nos eixos de reflexão e articulação em torno
dos quais o projeto redelabs vai se desenvolver. Perguntei na rede o
que as pessoas achavam do termo “cultura digital experimental”, que
eu já usei em alguns posts por aí. A conversa se espalhou pelo twitter,
pelo google buzz e também na lista da MetaReciclagem. Saíram coisas
bem interessantes ali no meio, que quero trazer aqui pro blog. Mas
como o volume foi grande, vou fazer por partes – por ferramentas, na
verdade. Começando, hoje, pelo twitter. Ali, a conversa ficou um pouco
limitada pelos 140 caracteres e pela impossibilidade de responder a
posts específicos. Tentei organizar, abaixo:
efeefe: como soa pra vocês falar em “cultura digital experimental”?
bambozzi: @efeefe tudo pode ser experimental, no sentido de
que é resultado ou proporciona experiências novas.
efeefe: @bambozzi Então experimental é genérico demais? quero
entender o que têm em comum todas essas coisas táticasdiy-desconstrutivas.
20
6 Cultura Digital Experimental? Parte 1 - Twitter
bambozzi: @efeefe defender o experimental, convicto e explicitado como tal, não é tão genérico. Assumir a experiência, a
pesquisa, o erro inclusive.
bambozzi: @efeefe e precisa ficar um pouco mais entendido
onde começam as novas mídias e quando elas se sobrepoem
às demais – se isso rola de fato.
efeefe: @bambozzi Mas tu acha viável ou desejável construir
uma estratégia coletiva voltada para uma cultura digital experimental?
rodrigosavazoni: @efeefe soa bem. E adequado, se tomarmos como
base o trabalho da rede #metareciclagem, sempre, no mínimo,
um passo a frente dos demais
efeefe: @rodrigosavazoni a #metareciclagem tá no meio de tudo
e todxs – com passos à frente e atrás, numa dança meio
estranha.
rodrigosavazoni: efeefe: Aliás, o experimental anda de braço
dado com o pioneirismo. E isso é bom
efeefe: certamente, circunscrever isso sob o eixo “cultura digital” (também um genérico) é uma tática específica de contexto.
efeefe: . . . porque o digital não é o mais importante. E tanto cultura
quanto experimental podem significar um monte de coisas.
mondegrass: @efeefe Concordo plenamente. E por mais importante que uma ferramenta seja, é apenas uma ferramenta.
Precisa ou precisou de mãos e mente. . .
efeefe: @mondegrass Mas como chamam essas mentes & mãos?
O que elas têm de especial?
mondegrass: @efeefe Talvez o que mova as mentes e mão seja
a vontade, sonho. Por mais que uma ferramenta seja exata,
ela ainda é desprovida de sonhos.
21
6 Cultura Digital Experimental? Parte 1 - Twitter
mondegrass: @efeefe Eu humilde pensante creio que o que
mais vale são as órbitas. Quando tudo se alinha e gira, coisas
acontecem.
mondegrass: @efeefe mas ainda estou a aprender sobre tais
órbitas, e meu caminho é longo. . .
efeefe: ainda: “livre” é outra esfera – ecológica/econômica, mas não
interessa tanto em termos de linguagem. devia é ser pré-requisito.
efeefe: outras ideias recorrentes: mídias, novas mídias, interface. E
claro, o onipresente “laboratório”. Labrat am I?
efeefe: e ainda: imaterial, criativo, disruptivo, sustentável, reflexivo,
inclusivo, fluido, líquido, rizomático. . . ixe, vai longe.
efeefe: pra não falar nos chegados mais próximos – des, sub, meta,
trans – como notou fabib.
bambozzi: @efeefe ficar demais nos chegados já vira endomarketing.
efeefe: concordo. endomarketing me incomoda já tem um tempo.
e acho que é uma preocupação também presente em outros
lugares.
efeefe: até por isso é necessário tentar ver as coisas mais de
longe, pra entender qual o papel dessa cena no macro. pistas?
efeefe: e ainda enredado (minha trad pra networked), conectado, tele,
online.
efeefe: sem mencionar o idiota 2.0 e o quase ultrapassado virtual.
efeefe: repetindo Pajé: qual a ideia por trás? E uns anos depois: pra
que pd?
efeefe: essas coisas todas não se justificam em si mesmas. Ou não
deveriam. #comofaz pra interagir com o mundo lá fora?
22
6 Cultura Digital Experimental? Parte 1 - Twitter
efeefe: não só na crítica genérica à contemporaneidade, mas se relacionando e propondo soluções. . .
efeefe: soluções pra disparidade, pro fundamentalismo moralista de
origem religiosa (que existe aqui no Brasil sim!), pro consumismo.
efeefe: pra violência urbana, pro desrespeito à natureza, pra todo
cerceamento de liberdade – até aquele q grassa em círculos “livres”.
23
7 Cultura Digital Experimental?
Parte 2 - Google Buzz
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/cultura-digital-experimental-parte-
08/06/2010
Ainda editando os comentários a partir da provocação do termo
“cultura digital experimental”. Ontem postei aqui as conversas que isso
gerou no twitter. Hoje trago um pedaço editado da longa conversa que
rolou no google buzz. Eu parei a conversa lá por enquanto, porque ela
já levantou alguns pontos que merecem atenção específica, e também
porque o papo está continuando na lista da MetaReciclagem (e eu vou
postar aqui nos próximos dias)
Felipe Fonseca – como soa pra vocês falar em “cultura digital experimental”?
fabianne balvedi – experimentar é o que fazemos desde que existem
estúdios livres. nada de novo.
Felipe Fonseca – não tô querendo propor nada de “novo”. é
uma conversa que tô começando, sobre propor estratégias
para labs/ações/intercâmbios. ainda tentando encontrar o
eixo em torno do qual a conversa vai rolar. perguntava se
“experimental” é um foco válido. é?
Renato Fabbri – eu até gosto. mesmo não sendo novidade e sendo
estilo fruta. é tipo um conceito guarda-chuva que abriga várias
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
coisas inclusive o que fazemos com os estúdios livres e outras
atividades +.
marcelo estraviz – isso de “digital” é muito old fashion. . .
glerm soares – Contraculturadigital
Gesamkunstwerk
Uverdrängung
“O conceito de cultura é profundamente reacionário. É uma
maneira de separar atividades semióticas (atividades de orientação no mundo social e cósmico) em esferas, às quais os homens
são remetidos. Isoladas, tais atividades são padronizadas, instituídas potencial ou realmente e capitalizadas para o modo de
semiotização dominante – ou seja, elas são cortadas de suas realidades políticas. ”
(Cartografias do desejo, Félix Guattari ,1982 – http://organismo.art.br/blog/?
você quer dizer Esporos, você quer dizer ALÉM DA POLÍTICA
CULTURALDIGITAL WEBCÊNTRICA.
fabianne balvedi – separações em si só não são ruins. pensando
numa analogia boba: pedaços de alface separados por mãos
que os torcem mantém suas propriedades porque se rompem
a partir de sua estrutura natural. Porém se cortados pela
navalha de uma faca, perdem muito de seu potencial nutritivo, pois suas estruturas se rompem de maneira abrupta e
artificial.
fabianne balvedi – porém, qualquer separação tende a fazer o
prazo de validade diminuir, umas mais, outras menos. . .
glerm soares – Especificamente se eu entendo de onde essa demanda
vem e onde você quer chegar -> Isso me lembra o esforço seu e
do dpadua e outros Para-Raios em gerar a tempestade Nuvem ->
Geada -> Precipitação ——> inviabilizada pela paranoia corporativa cobrando “produtos culturais de política pública webcêntrica” -> isto é -> web gera exposição imediata -> necessidade
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
de se explicar antes mesmo de “experimentar” = aborto onde a
criança ainda ofega e se debate até hoje. . .
Felipe Fonseca – glerm: o lugar de onde tô partindo tem sim a
ver com aquele momento para-raio com o dpadua, mas acho
que a intenção é outra. não precisamos entregar produtos
webcêntricos ou qualquer coisa assim. #redelabs vem de
outra perspectiva: existe gente fazendo coisas, e o mundo
institucional que quer ajudar isso não sabe como. parafraseando nós mesmxs agora há pouco: existe tradução possível?
bora des-precarizar?
glerm soares – Vamos falar de software livre audiovisual que não tem
uma linha de código da comunidade daqui, que só quer usar,
usar e ficar comparando ingenuamente com software corporativo. . . porém a política publica só quer propagandear em cima
de “cultura livre” fazendo mais e mais “webportais“*? (*que estão
ficando bons finalmente – porém ninguem vai sair do facebook,
myspace e do youtube por causa disso – aceitem)
Quais políticas públicas pras pessoas realmente abrirem a caixa
preta computacional? 90% dos guris que se dizem “tech” ou
“hacker” por aqui só entende de web e servidores web. Vamos aos
fatos.
Apresentem vossas plataformas de governo ou de vossos candidatos ao Ministério da Cultura Digital! O Povo quer saber!
Arte Digital? Ouvi falar que vai virar “Classe”! Cade a “classe”
tecnologicamente livre pra compartilhar código computacional
“poético”?
glerm soares – [*aliás antes que mudem de assunto e comentem sobre
meu comentário sarcástico sobre o youtube vs "nossoportal"eu penso que o certo seria as pessoas publicarem suas coisas
no próprio computador e este ser o próprio nó na internet - e
que tivessemos banda larga pra isso - mas esse não é assunto
principal, pois é o mais discutido desde sempre, porém - sem
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
experimentação com computação ninguém vai entender o que é
a internet - então o ovo vem antes da galinha sim (pois ela mutou
de outra ave).]
Felipe Fonseca – glerm: concordo com o webcentrismo e servidorzismo, principalmente se tu tá falando de uns 4 anos
atrás. hoje eu tenho visto mais gente entrando em experimentação mais profunda – tipo a galera que tu agrega com
devolts etc. ou é só impressão porque antes eu não via
ninguém? mas de novo pergunto: existe alguma coisa que
se possa fazer em nível institucional pra tentar melhorar
isso tudo? ou só depende de mais gente deixar de lado o
lance de hype web e mídia social? eu não programo, tenho
pouca paciência pra matemática e a última vez que pensei
em ser engenheiro foi aos 16 anos. mas eu, pessoalmente,
gostaria de abrir espaço pra mais gente que tá ali naquele
meio do caminho poder encontrar maneiras de produzir
sua experimentação. pra isso tô propondo uma conversa
com a institucionalidade, um tipo de conversa que eu tenho
tentado aprender porque é viabilizadora. vale a pena?
glerm soares – ok. pra voltar na pergunta do ff:
#redelabs = “cultura digital experimental”?
E minha pergunta:
Como garantir um ambiente de real experimentação? Arte? Filosofia?
Ideologia?
Residência Permanente?
Cozinha, Cama, Mesa, Banho, Banda larga, Ferros de Solda?
Felipe Fonseca – glerm: “Como garantir um ambiente de real experimentação?” é um pedaço da pergunta que eu tô querendo
fazer. (mas antes: “experimentação” é mesmo uma base interessante?). eu, que experimento com coisas muito mais
rasas do que tu, gostaria sim de ter casa, comida, roupa
lavada, internet, telefone, ferro de solda, verba pra equipa-
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
mentos & livros & viagens. mas até aí eu disse nada. dinheiro compra tudo isso. depois, quê mais? estruturas são
necessárias? espaços, eventos & estratégias? prédios vazios
pra malucxs ocuparem? com o quê? internet gigabit? wi-fi
livre? bancadas, sofás & máquinas de café? impressoras 3D?
canal direto com uma sweatshop chinesa com funcionários
semiescravos?
se a gente tem a chance de pedir o que quer, vamos pedir o
quê?
Sília Moan Moan – além: se pensarmos como reconhecimento,
como incentivo, acho legal. Mas como inovação é nada. O
ambiente é a estrutura e as pessoas. Cê quer? Então faz. Mas
quando aparece institucionalizado. . . qualéqueé!?!!
Felipe Fonseca – silia: a intenção não é ser “inovação”. é construir pontes e viabilizar.
Gera Rocha – Me parece tentar retomar algo que já deveria ser e que
não é mais.
(Cultura Digital hoje é o que, afinal de contas? Uma instituição?
Além disso, é muito sobrenome/adjetivo.
E, o “como garantir” é extremamente importante de ser perguntado, desde que não caia no “quem vai garantir?”.
Estamos na moda, é foda, mas estamos na moda. kkkkk)
glerm soares – Essa pergunta é ótima:
Quem vai garantir?
É TUDO que eu preciso saber. Do resto eu pago uma cerva
pra continuarmos discutindo COMO GARANTIR!
glerm soares – A questão aqui era só uma escolha de termos? Ou abrimos a caixa de conceitos rumo a uma definição de metas?
Insisto – a institucionalização permeia e é óbvio seu debater de
tentáculos, porém as prioridades individuais mesmo – essas confusas subjetividades condutoras – ainda tateiam na definição de
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
termos.
Sim, por aqui basta mexer numas gavetas, acreditar em simulacros possíveis, mas me interessa a profundidade de uma convergência de termos comuns. . .
. . . pra saber até onde conseguimos cavar este buraco aqui.
Felipe Fonseca – glerm: “A questão aqui era só uma escolha de
termos?” não mesmo. é mais uma busca de eixo. totalmente
aberto a sugestões ou alternativas melhores. tô me colocando como mediador de uma conversa que acho que é
necessária. antes de me jogar, também quero saber se vale a
pena.
Sília Moan Moan – Quem é o cultura digital hoje? Que raioOOO de
termo é esse? Abrange tudo isso que eu, você estamos inseridos,
ou é só mais um “grupinho” que fica comparando adobe premier
x KDEnlive?????? Para mim, essas repostas são passos largos. . .
Felipe Fonseca – silia: “o cultura digital hoje” é mais ou menos
isso aqui: http://culturadigital.br. mas a minha investigação
e minha posição não são só lá dentro: tô ali na fronteira
(que é meu lugar de conforto) tentando abrir permeabilidades, porque vejo de um lado uma realidade institucional
com cada vez mais recursos e do outro um bando de gente
criativa, relevante e dedicada pra caramba que continua
na precariedade porque não quer se submeter a estranhos
atalhos que a tiram das próprias rotas.
glerm soares – ff? Sr. Buzz, tá acompanhando tb? Uma só solução
convergente.
(infinitas retas que se encontram num ponto). . . .
#nome_da_coisa = coisa_em_si?
Minha pergunta “engraçadinha”: Onde, Como, quando?
Gera Rocha – A princípio a rede não deveria permitir que o onde
e o quando se tornassem mais quânticos, por assim dizer?
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
Mais múltiplos. Onde, deveria ser em todos os lugares, ou em
cada lugar que ocupamos, e que realmente está disponível
pra quem quiser saber. O quando também, se desfez consideravelmente e deve ser todo o tempo. Fazemos porque
vivemos assim, não porque alguém nos pediu. O como é o
complicado mesmo. A realidade múltipla, ou não, se impõe.
Sinto falta de ser mais “anti”, mesmo. Acho que de repente
tudo é muito “plus” e que isso tá meio farsa. . . .
Felipe Fonseca – gera: a rede possiblita a multiplicidade de ondes, quandos e quens. mas pra chegar a algum lugar, a
gente precisa convergir. . . escolher um quem (que pode ser
aberto) / onde (que pode ser aqui mesmo, ou ali no irc, ou
numa lista) / quando (que pode ser como essa conversa, que
começou no sábado e se esparrama pra segunda). mas de
qualquer forma, duas respostas pro glerm: aqui/agora/entre
a gente; e daqui a poucos meses num encontro presencial
em sampa. bora?
marcelo estraviz – apesar do trocadalho do carilho, eu ainda aposto
que esse lance de digital é mesmo uma farsa e que cria um mundinho descolado de webqualquercoisaqualquernota.
o onde é todo lugar mesmo, sem precisar dizer que é um papo
webverso ou net-tudo.
o como também pouco importa.
o quando é sempre.
Felipe Fonseca – estraviz: “digital” é uma farsa em muitos sentidos. mas nos últimos anos virou uma categoria “institucional”. nesse sentido, falar em digital é agir taticamente
e posicionar-se dentro de um contexto específico com o
objetivo de influenciá-lo, espero que para melhor.
glerm soares – O que eu vejo pegando nessa viagem de “Experimental”, como você já apontou na lista metarec – está na essência sim
da discussão do papel da arte processual, da redefinição destas
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
construções epifanizadas de sentido como uma valor pra fora do
resíduo documentação, documentário, objeto plástico, música,
filme, algoritmo, patente.
Gostei de um comentário de alguém ali no seu twitter – “É preciso
valorizar o erro“.
Da minha experiência pessoal me vem imediatamente a problemática da quase centena de cacarecos que eu gero e tenho em
minha gaveta inacabados pra dar na existência de um “Toscolão”
ou da travada que eu dei no “Navalha” e tou paralisado pensando
como chegar em uma pesquisa de inteligência artificial aplicada
nele que possa ir além do academicismo.
Dezenas de projetos abortados, crises de consciência sobre dependencia tecnológica sem solução e etc.
É preciso que o ambiente possa potencializar uma reflexão sobre
esses erros, é preciso que o ambiente possa assimilar uma coisa
que eu não vejo mais caminho e tenha como ter alguem próximo
para apropriar-se e mutar a idéia reciclada e com um novo sentido
discutido em grupo. Pra isso acredito que um modelo de residência, com bastante fluxos de pessoas curiosas e possibilidade para
que as mais enagajadas consigam ser absorvidas e somadas é
um caminho. Mas é preciso também um respiro pra fora dessa
institucionalidade, que a meu ver seria conectando sempre mais
redes externas, mantendo a chama acesa da autocrítica desse
subsistema.
Luiz Algarra – Não sei não, FF. Cultura me parece um entrelaçamento
de condutas, sentires e fazeres humanos em um cotidiano de convivência. Se for assim toda cultura já é uma dinâmica existente,
um fluxo que especifica e é especificado pelos seres humanos
vivos imersos neste processo. Não sei como falar em cultura experimental. Quem vive imerso numa cultura não a percebe feito
um peixe nágua, apenas vive. Agora, quando percebemos nossa
cultura já estamos em outra cultura, numa posição reflexiva que
nos diferencia daqueles que apenas vivem naquela cultura de
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
modo transparente. Como poderíamos experimentar uma cultura? Talvez apenas convivendo com outras pessoas num fluxo
cultural distinto do atual. Conviver digitalmente, por exemplo.
Talvez por aí algo se sustente, mas depende muito do contexto
de onde você quer falar Cultura Digital Experimental, e de onde
você pretende que as pessoas te ouçam, certo? Na academia, no
ativismo, nas políticas governamentais, na própria rede em suas
possibilidades?
Felipe Fonseca – algarra:- esclarecendo dois pontos específicos:
• o contexto onde estou querendo trabalhar a questão é em
“políticas governamentais“. resumindo ao máximo: o Ministério da Cultura (daí “cultura” tomada em um sentido limitado, quase específico) percebeu uma demanda por apoio
a “laboratórios de mídia“. começamos uma conversa sobre
isso e abriu-se espaço para uma leitura alternativa no sentido de construir uma proposta coletiva (em vez de simplesmente dizer “vamos construir coisas dessas aí”). daí que não
estou, nesse momento, questionando todos os significados
possíveis de “cultura” – estou falando da atividade das pessoas que aplicam sua percepção, criatividade, expressão e
vivência em coisas ou ações (“obras”, “peças”, “instalações”)
que fazem sentido para outras pessoas. os nomes “arte digital”, “arte eletrônica”, “arte em novas mídias” são bastante
excludentes. os nomes “cultura digital” e afins são muito
genéricos. prefiro os genéricos, mesmo que cheguem a significar nada – porque dão mais liberdade de ação.
• experimental, como estou propondo aqui é em oposição a
“já testado” ou “estabelecido”. daí parto de uma percepção
minha: que existe gente fazendo múltiplos usos alternativos
das tecnologias da informação – não necessariamente para
“produzir” “riqueza” ou para “ganhar dinheiro”; e que esses
usos alternativos são necessários para a sociedade como um
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
todo. decidi chamá-los “experimentais” justamente para
embutir esse aspecto que o bambozzi comentou no twitter –
da aceitação do erro, do desvio, do teste como essenciais.
Luiz Algarra – Agora estou mais localizado no fluxo. Bem não sei
se estás procurando um conceito, um label pro projeto ou
as duas coisas em uma mas vamos lá. Vou falar do Experimental, a mim parece algo que vai ser testado, validado para
poder rodar, algo como um projeto piloto. Entendo que você
esteja colocando o foco em algo que se inventa e reinventa a
cada momento, um experimentar como princípio fundante,
um viver em beta, mas não sei o termo experimental passa
isso pensando do ponto de vista das políticas públicas.
Eu usaria Cultura Cibernética, apenas isso. Não como uma
transliteração de Cyber Culture mas a partir do conceito de
retroalimentação presente na cibernética. Estamos falando
de dinâmicas culturais (interações entre humanos) que se
modelam em um fluxo entrelaçado. Nesta nova cultura digital as interações não são determinísticas numa relação de
causa-efeito. Os encontros humanos são expressões individuais modeladas pelo meio que surge através das expressões
individuais. Retroalimentando-se, ciberneticamente.
Sei que o termo foi meio gasto pelo mau uso mas cientificamente é o que mais se aproxima de uma descrição sobre um
processo de auto-organização de grupo onde cada indivíduo
é parte e todo ao mesmo tempo.
Felipe Fonseca – sim, eu entendo a referência à cibernética. pensando no tipo de experiência e de vivência com as tecnologias que a gente gosta de ter, acho que faz sentido pensar
em um aspecto cibernético sim. mas aí pergunto: extrapolando, será que não é um referencial que se pode aplicar,
além das tecnologias, a toda à cultura? e aí, talvez no âmbito
dos objetivos dessa conversa aqui, mudar de rumo nesse
ponto, depois de uns sete anos de insistência no “digital”
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
pode ser desviar das coisas que precisam de mais atenção.
nos espaços que eu imagino que possamos abrir, a gente vai
poder chamar de “digital”, de “cibernética”, de “online”, de
“livre” ou o que for. não precisamos ter um nome definitivo.
quero lembrar aqui que no auge da cultura digital nos pontos
de cultura eu fui um dos primeiros a criticar a justaposição
de “cultura” e “digital”. meu argumento na época é que em
algum ponto toda a produção cultural (como entendida no
mundo institucional) vai ter algum contato, mesmo que mínimo, com tecnologias digitais. nem que seja no orkut usado
pra mobilizar participantes para a festa de são joão. e que
justamente por isso, a gente tinha que trabalhar com o horizonte de que algum dia “cultura digital” vai poder se aplicar
a quase todo projeto apoiado pelo ministério da cultura. na
época eu defendia que “cultura livre” era mais próximo do
que a gente queria propor. hoje já não tenho essa certeza,
mas sei que o “digital” foi assimilado pelas estruturas decisórias, e isso é inelutável. como o gera percebeu aí, tô
querendo usar isso estrategicamente. o que me leva a crer
que temos motivos não-conceituais para usar “digital”.
a pergunta, lá no início, surgiu da minha dúvida de que só
cultura digital consiga dar uma noção sobre todas essas iniciativas que não têm nome. mas já tô me repetindo.
Gera Rocha – Do ponto de vista que você colocou agora, FF, acho importante manter a marca “Cultura Digital”. Acho que agregar o
“Experimental” passa a mensagem de ser tanto um espaço onde
o erro é possível, mas principalmente do “experimental” no sentido científico ou do cientista, que é aquele que experimenta para
poder criar, que está colocando em prática a técnica somada à
criatividade. Dessa forma, o termo Cultura Digital Experimental
demonstra um tipo compreensível à politica pública da qual você
está falando.
Sem dúvida, existe uma galera que está fazendo isso de forma
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
muito do caralho. E acho que o Devolts, a iniciativa dele e a galera
que está nele é um exemplo muito bom disso (o CDTL também,
mas de um outro jeito, e a própria metarec).
Se há a possibilidade de viabilizar iniciativas como essa, mantendo a liberdade de “experimentação” concordo com você que
se deve tentar, sim, e muito provavelmente conseguir fazer isso
acontecer.
Luiz Algarra – Esta label tem um sentido para quem está no projeto
e outro para quem está fora do projeto, enxergando o projeto
de algum lugar externo. Se o que se busca é um entendimento
para o público interno então tá fácil. Conversar sobre o label e
seus significados é uma atividade inicial e constante que garante
a ressignificação da coisa toda. Desse modo podemos ver o label mais como um gatilho disparador do que um conceito final,
certo?
Tatiana Prado – eu não vou tratar do termo “cultura digital” porque
não tenho referências conceituais aprofundadas o bastante para
aceitar ou sugerir outro melhor. entendo e reconheço o que
efe quer dizer com “uso tático-estratégico” e assimilação institucional que essa dupla tem. e, além disso, tb prefiro os genéricos
pela liberdade de ação.
pra mim, o problema é o “experimental“. ele é um nome e uma
prática muito associad@ à arte, à ideia de inovação e “experiências gratuitas” que não têm o compromisso de chegar a lugar
algum além delas mesmas. as tentativas (ou “erros”, se assim
quisermos ver tb tudo bem) se bastam por si. em termos de
política pública isso tem a ver com a perspectiva do “fomento“.
no entanto, qdo penso em cultura não consigo localizar o experimental porque a natureza da cultura é fluida, híbrida e depende
das relações. é quase como se ela fosse uma experimentação
constante, entendem?
mas eu entendo essa “necessidade” de adjetivar o “cultura digital”
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7 Cultura Digital Experimental? Parte 2 - Google Buzz
pra enfatizar 1s tipo(s) de prática(s) e perspectiva específica (e
genérica, ao mesmo tempo, pra aumentar nossa dificuldade).
por outro lado, ao contrário de instituições privadas, fundações
e iniciativas do terceiro setor, um ministério não pode esquecer
que tem o compromisso com uma certa “universalização”, “amplitude” de ações e recursos pelo simples fato que sua renda vem
de imposto (pago por toda a população) e sua responsabilidade
é sobre todo território. e aí, acho que deve haver um cuidado
redobrado com essa perspectiva específica-genérica.
marcelo estraviz – taí: fomento. gostei.
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8 Cultura Digital Experimental?
Parte 3 - Lista
MetaReciclagem
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/cultura-digital-experimental-parte-
17/06/2010
Terminando de editar a conversa que começou com um post em
microblogs perguntando sobre “cultura digital experimental”, e depois
migrou para a lista da rede MetaReciclagem1 . Abaixo os melhores
momentos dessa conversa na lista:
Glerm Soares começou2 citando um comentário3 do pessoal do
Marginalia Lab4 às questões propostas no Labtolab5 , evento do qual eu
também participei na semana passada:
Glerm Soares, citando Marginalia Lab: (. . . ) gostaríamos de discutir
mais tanto o financiamento quanto a infraestrutura dos laboratórios, especialmente no que se refere à diferença entre as realidades Europeia e Latino-americana [Glerm: e outras políticas
continentais também que tal? De onde vêm os chips mesmo?].
Gostaríamos de discutir os prós e contras em ser financiado pelo
1 http://lista.metareciclagem.org/
2 http://article.gmane.org/gmane.politics.organizations.metareciclagem/37056
3 http://www.labtolab.org/∼labtolab/wiki/index.php/Questionnaire_Marginalia%2BLab
4 http://marginalialab.com/
5 http://www.labtolab.org/
37
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
setor privado, pelo governo, um híbrido dos dois ou completamente (se é que isso existe) independente. Também gostaríamos
de discutir a adequação das políticas culturais em diferentes localidades para admitir este tipo de projeto. Por último, gostaríamos
de nos aprofundar no debate sobre metodologia e no desafio
do enredamento – entre laboratórios e usuários e participantes
deles.
Felipe Fonseca: como respondes a essas questões? o que falta?
Glerm Soares: eu acho a parte mais problemática a discussão reciclagem x indústria local.
• O ponto onde o artesanal demanda toda a rede econômica de
dependências pra uma tecnologia existir ali no prazo desejado.
• O ponto onde a reciclagem é só um maneirismo estético pra
parecer mais bonito o mais difícil e sofrido, mas deixa de criar
uma estratégia mais inteligente e até mais ecológica pra criar uma
solução mais estável quando necessário e viável.
Felipe Fonseca: isso envolve a gente ter uma conversa em um
espectro muito mais amplo do que costuma ser ver por aí.
como tu sugeriu antes, “migração pra software livre” é só um
pedacinho do que precisa ser feito. sustentabilidade (logística, de fornecimento, de materiais, de disponibilidade, de
recursos financeiros) é ainda um horizonte distante.
acho que a reciclagem como maneirismo estético tem vantagens e desvantagens. o problema no que tu colocou é o
“só“. só maneirismo estético. especificamente sobre computadores, a gente precisa trilhar um caminho que não é tão
simples quanto parece – reutilizar máquinas antigas diminui
o impacto imediato no meio ambiente, mas também tem
um custo – equipamentos mais antigos têm menor eficiência energética, são frequentemente menos confiáveis, geram
mais calor. o equilíbrio aí é uma busca eterna.
38
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
Glerm Soares: E claro as expectativas, ansiedades dos envolvidos e o
ambiente necessário pra que um espaço desses consiga deixar
fluir uma reflexão produtiva e todos os simulacros derivados. É
preciso que uma cena independente exista sim, com perspectiva
de inserção, mas crítica e autocrítica deste sistema econômico
possível, para poder desafogá-lo e repensá-lo em loop. Um desejo
de que isso exista independente dos labs. . . pra que possa haver
uma experiência de raiz e de curiosidade anterior questionando
legitimidades institucionais sempre. . .
Felipe Fonseca: acho que isso vai continuar existindo independentemente dos labs, inclusive em espaços/tempos como esse aqui
onde a gente conversa agora. mas eu, particularmente nesse
momento, tô buscando compor estratégias com os labs – não
subordinadas a eles, mas aproveitando a chance de influenciar o
jeito como as coisas são feitas.
(. . . ) Eu estava vendo hoje a Ivana Bentes num debate na cparty6
levantando que se uma “estética processual” faz mesmo sentido
(e a obra é o lixo do processo artístico), é necessário pensar em
estratégias de financiamento do processo inteiro. financiamento
de vidas, ela diz.
como se faz isso? e acho que não tem como repensar isso sem
repensar o papel da ‘arte’.
Glerm Soares: Pra pegar essa coisa do termo “cultura digital experimental” que você colocou como questão no buzz está na essência
sim da discussão esta consciência do papel da arte processual, da
redefinição destas construções epifanizadas de sentido como um
valor pra fora do resíduo documentação, documentário, objeto
plástico, música, filme, algoritmo, patente.
Gostei de um comentário de alguém [Nota: Lucas Bambozzi] ali
6
http://blog.premiosergiomotta.org.br/2010/01/28/arte-open-source-na-campus-party-2010/
39
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
no seu twitter – ‘É preciso valorizar o erro‘7 .
Da minha experiência pessoal me vem imediatamente a problemática da quase centena de cacarecos que eu gero e tenho
agonizando em minha gaveta inacabados pra dar na existência
de um “Toscolão”8 ou da travada que eu dei no “Navalha”9 em
crise de upgrade e tou paralisado pensando como chegar em uma
pesquisa de inteligência artificial aplicada nele que possa ir além
do academicismo ou essa e aquela linguagem de programação
ou essa ou aquela estética.
Dezenas de projetos abortados, crises de consciência sobre dependência tecnológica sem solução e etc. E dá-lhe azucrinar
vocês por aqui nestes momentos.
É preciso que o ambiente possa potencializar uma reflexão sobre
esses erros, é preciso que o ambiente possa assimilar uma coisa
que eu não vejo mais caminho e tenha como ter alguém próximo
para apropriar-se e mutar a idéia reciclada e com um novo sentido
discutido em grupo. Pra isso acredito que um modelo de residência, com bastante fluxos de pessoas curiosas e possibilidade para
que as mais enagajadas consigam ser absorvidas e somadas é
um caminho. Mas é preciso também um respiro pra fora dessa
institucionalidade, que a meu ver seria conectando sempre mais
redes externas, mantendo a chama acesa da autocrítica desse
subsistema.”
Tati Prado: essa ideia do processo/estética processual na arte tá nos
primórdios da construção dos conceitos de arte contemporânea.
blz, o hélio oiticica já dizia isso e uma leva de artistas tb, naquela
7
http://twitter.com/bambozzi/status/15494132163
8
http://vimeo.com/303234
9
http://artesanato.devolts.org/?page_id=439
40
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
época, antes até, e hj. o que nunca ninguém conseguiu fazer, de
fato, foi “abrir mão do lixo”.
Por quê? eu não sei ao certo, mas talvez o ser humano precise de
alguma “materialidade” pra perceber que tá vivo.
pode ser que a contribuição da ivana pra olhar pra isso de novo,
só q de outro jeito, venha desse ponto: ‘outros mecanismos de
financiamento/financiamento de vidas’.
esse detalhe faz toda diferença porque está na gênese da arte a
ideia de produto.
qdo os caras pintavam as paredes da caverna, não chamavam
aquilo de arte. só muito tempo depois, atribuíram àquela prática
esse conceito/ideia. [e aí eu nem tô falando de arte-produto no
sentido mercantil apenas.]
e hj, qdo as práticas processuais “voltaram” pro foco da cena, não
se sabe muito bem como lidar com isso. galera faz as coisas de
forma integrada à vida cotidiana, tal como no tempo das cavernas.
[sem juízo de valor sobre esta prática] daí entram as instituições
pra tornar visível o produto: universidades, museus, galerias,
grandes mostras e festivais, o público, etc. há um sistema que
“complexifica” a vida cotidiana, confere status ao que é banal,
tornando ou fazendo parecer genial uma coisa que todo mundo
faz o tempo todo: criar e experimentar. (uma coisa q é supervalorizada no campo da arte e dá a impressão de “exclusividade”).
qdo a ivana usa a palavra “financiamento”, ela não nega o caráter
de produto da arte. mas qdo ela diz “financiamento de vida”,
talvez esteja tratando a arte e a cultura como se fossem a mesma
coisa. linkando com a ideia da karla (pq essa conversa “redelabs”
tá mais do q espalhada e difusa) pra mim, é como se a cultura
fosse o espaço, e a arte, o lugar.
daí, a “proposta” da ivana de estender a ideia de produto pra
todo o conjunto – financiar a vida – soa estranha. não se pensa a
vida como produto porque ele precisa de um “contorno”. . . mas
ninguém sabe como e qdo ela termina.
41
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
Felipe Fonseca: mas eu não vi a fala da ivana como estendendo
a ideia de produto para a arte não. acho que ela falou em
“financiamento” principalmente porque as pessoas que buscam esse tipo de coisa precisam, em última instância, de recursos (espaço, equipamentos, deslocamento, casa, comida,
roupa lavada e bandalarga ) – e infelizmente a maneira mais
fácil de obter todos esses recursos é com dinheiro. a questão
que ela levanta é: como pensar em novas maneiras de levar
esse dinheiro às pessoas, a partir justamente dessa crítica ao
“produto” da arte. a pergunta é: como viver de arte, e como
apoiar projetos e ações ligadas a isso.”
Tati Prado: é o que eu tb gostaria de saber, mas o que a experiência me mostrou até agora é que, nessa lógica produtiva – de
bens e serviços, com especializações e fragmentações – em
que vivemos, o artista acaba sendo um “inútil necessário” à
sociedade. . . e os profissionais da cultura são os “dedicados
incompetentes” [competência no sentido literal: fazer o que
lhe compete, fazer "mais" ou "menos" não importa. mesmo
se vc vende teu carro pra pagar um espetáculo, vc continua
sendo incompetente pq tá fazendo aquilo que não deveria
e não é da tua responsabilidade, mas é necessário, porque
o cenário não te permite trabalhar de outro jeito. daí vc insiste ad aeternum... é um devotado às pessoas, às relações
humanas, e vai pro céu...]
Tati Prado: talvez a minha dúvida seja anterior: existe arte sem “mecenas”?. eu não me lembro de ter visto. o que eu vejo são “mecenas”
com outros nomes e roupas, dependendo do momento histórico
e do cenário (numa perspectiva pública: se antes era o rei, agora
é o “estado democrático de direito”; numa perspectiva privada
individual: o “paitrocínio” para os mais abastados ou a escolha
de outra “profissão” para os menos – ficar tocando stairway to
heaven na guitarra para sempre no fim de semana; numa per-
42
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
spectiva coletiva independente-brasileira: muita solidariedade,
doação, empenho pessoal, trabalho voluntário, mobilização e
apoio de aliadxs – família, amigos, redes e parcerias pontuais
convenientes)
do ponto de vista “econômico-financeiro”, a arte é uma atividade
deficitária, ou seja, não produz recursos materiais suficientes
“endógenos”. tá sempre precisando de agentes externos para
subsidiá-la e garantir sua existência. e aí, a arte e a ciência, que
têm uma raiz comum de criação e experimentação, “pedem” um
fork. a “ciência” (do ponto de vista clássico, originária da física)
se conecta com a indústria de larga escala, que gera recursos financeiros, e elas se retroalimentam. do ponto de vista da arte
essa conexão é falha ou inexistente. do ponto de vista da cultura, há uma encruzilhada: a indústria cultural “atropelando”
e massacrando as possibilidades de oxigenação da própria cultura em vez de retroalimentá-la. não que a ciência/academia
não tenha problemas (vide necessidades de pesquisa aplicada e
muitas parcerias duvidosas entre universidades e indústrias), só
que a cultura “percebeu” há muito pouco tempo que ela tem que
se virar porque não é quadrada. e aí entra toda a discussão de
“economia da cultura” – as tentativas de provar e tornar visível a
capacidade da cultura gerar e movimentar recursos materiais e
imateriais (muitas vezes ela não tá propondo alternativas, tá só
se encaixando na lógica vigente sob uma ótica local/comunitária
pra sobreviver). já a “ciência tecnológico-exata” [horrível esse
termo, seria um tipo de “licença didática?”), me parece trabalhar muito mais sobre a premissa da “superação” de paradigmas
(teorias são substituídas a todo momento; a carruagem é substituída pelo carro, depois vem o bonde; o raio x é menos preciso
que a tomografia, que por sua vez fica “atrás” da ressonância
magnética), enquanto a cultura pressupõe a coexistência de perspectivas muito distintas (sociedades indígenas não são melhores
nem piores, mais ou menos evoluídas, que as “digitais”, são sim-
43
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
plesmente diferentes e precisam conviver em diálogo)
Felipe Fonseca: um pedaço da reflexão aqui é que estruturar maneiras
de apoiar essas coisas “experimentais” é sim em muitos sentidos
jogar dinheiro em coisas que não vão dar certo. coisas que não
vão ser “produtivas” na sociedade. coisas que vão ficar no piloto,
e desaparecer. a hipótese, entretanto, é que algumas, poucas,
dessas coisas, podem reverter em coisas boas pra sociedade. no
fim das contas, eu não tenho nenhuma certeza de que a conta vai
ser positiva – por exemplo, retornando em “valor à sociedade” a
quantidade de recursos que investirmos em projetos experimentais. ainda assim, acho válido tentar.
eu posso estar bitolado positivamente pelos projetos que vi apresentados aqui no medialab ontem10 , parte do #interactivos. ali
tem umas coisas que ficam exatamente nesse meio do caminho
entre arte, ciência e, sei lá, ativismo. coisas que não cabem estritamente nos sistemas estabelecidos de nenhuma das áreas. e eu
acho que esse tipo de – ó de novo – experimentação é necessária
por um monte de motivos.
Tati Prado: (. . . ) como a gente desenha uma política pública federal?
(. . . ) e nessa conversa dos “sem nome labs”, pelo que percebi, há
muitas coisas pra discutir.
(. . . ) até onde eu imagino, podem ser/são/serão espaços de convergência, intersecção, conflitos salutares, convívio estimulante,
“zonas de colaboração” e um bocado de outras coisas. . .
Glerm Soares: tentando ajudar um pouco mais no desenho estratégico
da “contrapartida” a quem interessar possa:
O resultado pra quem investe é a construção desse cenário cultural de ciênciarte (ja sem saber a diferença) aplicada de maneira
poética, apaixonada, inconsequentemente tão empolgada num
10
http://talleres.medialab-prado.es/blog/?p=9462
44
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
processo de descoberta da estetização e revelação do cotidiano,
sem esquecer de toda a política que a estética tem papel de mimetizar e criticar/sublimar papeis sociais e ansiedades subjetivas
e dali vem o seu valor inestimável. Isso tudo justifica inclusive
nosso frequente questionamento de tentar arrumar maneira polivalente e simultânea de acessar fomento à arte, ciência, tecnologia no esforço de fazer isso responder pela economia que o
movimento todo destes vértices em colisão gera e envolve; também pela construção de um cenário intelectual e reflexivo que
cria um ambiente melhor pra uma vida mais interessante além
da sobrevivência básica.
Não é só música – é inteligência matemática aplicada e assimilada como linguagem acessível, orgânica, harmônica. Não é só
imagem – é pesquisa pra uma maneira mais eficaz de comunicação em simulacros que ainda possam surpreender. Não é só
dança – é corpo em descoberta de si. Não é só improviso – é
reciclagem de materiais, talentos e ambientes. Não é só festa – e
a transformação do cotidiano em um carnaval de idéias. Não é só
sobrevivência – é convivência. . .
Tati Prado: sou contra a fome (física, simbólica e espiritual), não contra o fomento. trabalho nele, por ele e com ele.
(. . . ) escolher ser “inútil necessária” e “dedicada incompetente”
significa, entre outras coisas, transitar por diversos pontos de
vista e papeis em diferentes momentos, por muitas vezes simultâneos. passar a noite com os editais (se é pra mim, pro namorido,
prxs amigxs que dizem não saber escrever projetos ou pras “redes”
não faz diferença nenhuma pra mim. são “ócios” do ofício.) e no
outro dia ir falar com a funarte, a unesco, a votorantim ou seja
lá onde precise ir pra entender, discutir e batalhar pelo fomento
e algo mais, requer considerar um amplo espectro de pontos de
vista. eles podem ser de diversos tipos: uma visão progressista,
uma compreensão limitada da ciência, a ideia de que “arte é expressão do sentimento” e cultura tira criança da rua, que artista
45
8 Cultura Digital Experimental? Parte 3 - Lista MetaReciclagem
tem o direito de criar em paz em vez de ficar preenchendo formulário. . . blablabla. . . aiaiaisocorro. . . valei-me nossa senhora
do balé moderno. . . oh meu fantástico mundo de bob. . .
46
9 Laboratórios de Mídia referências
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/laboratorios-de-midia-referencias/
13/06/2010
A ideia de laboratório de mídia é uma construção diversa e bastante
genérica – e justamente por isso, com significados distintos. Muitos
modelos diferentes usam esse nome: de grandes estruturas que se
propõem a dar forma ao futuro da humanidade, até iniciativas de pequenos grupos que, em sentido complementar, promovem a apropriação crítica das tecnologias, buscando humanizar o desenvolvimento e
uso destas. Além de dezenas de outros formatos que se inserem no contexto da educação, do uso comercial de novas mídias, da busca artística
formal, etc. Este post pretende explorar dois modelos emblemáticos
e relacionados: o Medialab do MIT1 e alguns laboratórios de mídia
europeus.
O Medialab do MIT é uma das maiores referências de um modelo
que propõe grandes estruturas, ligadas à indústria de tecnologia e à
academia. Ele cumpre um papel bastante complexo, e por vezes contraditório. Por um lado agrega pessoas criativas de todo o mundo, que
trazem toda sua bagagem de vivências e referências para um ambiente
multicultural e inovador, onde têm acesso a uma estrutura técnica e de
conhecimento sem comparação. Por outro lado, o Medialab se insere
1 http://media.mit.edu/
47
9 Laboratórios de Mídia - referências
em um contexto bastante delicado: provê patentes e inovações em
um contexto econômico e político que se baseia na transformação do
cotidiano em comércio. Mesmo que muitos dos projetos desenvolvidos
no Medialab estejam baseados no estímulo à participação e à inclusão
social, muitas vezes sua estrutura acaba legitimando um estilo de vida
(um futuro imaginário) baseado no consumismo, na comoditização da
criatividade e na manutenção de desigualdades em nível internacional
a partir de um regime de propriedade intelectual apoiado pelo estado.
Para não falar na tendência a um papel professoral que fica no limite
entre a arrogância e o messianismo. O Medialab criou duas subsidiárias
internacionais – na Irlanda e na Índia – que fecharam as portas depois
de poucos anos de atuação.
Já alguns laboratórios de mídia europeus foram formados com outras bases – relacionados à arte em novas mídias, e/ou dialogando com
o ativismo midiático ligado à cena squatter dos anos noventas, com os
movimentos altermundista, do copyleft e do software livre e com uma
matriz de atuação hacker/DIY. Seguem também uma certa linhagem da
contracultura europeia que tem suas raízes em 1968 e em tudo que veio
depois daquilo. Ao longo dos últimos quinze anos, esses laboratórios
conseguiram aproveitar o interesse institucional advindo da disseminação das tecnologias de informação e comunicação para viabilizar
estruturas e eventos que trouxeram resultados positivos para o mundo
inteiro. O contraditório desse modelo está em uma certa crise de identidade que assume quando a retórica política das indústrias criativas
tenta cooptar suas práticas para transformar toda essa potência em
meras oportunidades de espetáculo e exploração comercial, trocando
a reflexão e o aprofundamento por um vício superficial na novidade
tecnológica. Esses laboratórios lutam para encontrar o equilíbrio entre
a dependência de recursos do estado/empresas e o quanto precisam
ceder em troca.
Existem muitas diferenças entre esses dois modelos, mas é importante buscar aquilo em que elas convergem. Apesar das diferenças institucionais, é possível ver uma condição em comum entre as pessoas
48
9 Laboratórios de Mídia - referências
que atuam nesses dois contextos: uma certa liberdade, que tem pelo
menos dois diferentes aspectos. O primeiro é a liberdade de definição
de temas de atuação. Sem dúvida é uma liberdade relativa e definida a
posteriori, totalmente condicionada pela orientação temática de quem
recruta e mantém essas pessoas. Mas ainda assim, fica a impressão
de que elas ganham espaço por conta da paixão que nutrem por uma
ideia, um insight ou um assunto, em vez de precisar se submeter a uma
orientação prévia das instituições. Isso é o contrário do que elas encontrariam em um ambiente formal de trabalho ou usualmente no ensino
tradicional. Certamente, essa liberdade não está somente nos laboratórios de mídia. Ela está presente por vezes no fomento à inovação na
universidade ou em alguns mecanismos e instituições artísticas. Mas é
um elemento que se pode identificar nessas estruturas tão diferentes
entre si.
O segundo aspecto presente é a liberdade de experimentar. Em um
sentido talvez bastante específico: os projetos que desenvolvem não
requerem resultados objetivamente mensuráveis de imediato. Outra
vez, ao contrário do mundo do trabalho, que avalia a todo momento
a produtividade de qualquer ato e promove uma especialização que
isola áreas de conhecimento. Como surgiu no nosso debate online
da semana passada, esse aspecto experimental naturaliza (ou deveria
naturalizar) o erro como elemento fundamental da criação.
Bem articuladas, essas liberdades propiciam um espaço de oxigenação e renovação, e talvez esses laboratórios emerjam como mediadores situados do conflito entre criação e consumo. Olhando sob
um ponto de vista amplo, esse é um papel fundamental, que pode
dar alguma pista sobre como podemos atestar a relevância da área.
Exatamente nesse nicho que estamos observando, essa relevância não
tem quase nada a ver com o impacto econômico direto da produção
cultural, mas de seu papel simbólico. Seu papel de influência no imaginário social, de politização (em sentido amplo) daquilo que de outra
forma é visto como mera ferramenta.
Esses projetos são quase sempre multidisciplinares e participativos.
49
9 Laboratórios de Mídia - referências
Existem dezenas, talvez centenas de instituições, projetos, redes mais
ou menos organizadas e coletivos que se situam nesse cruzamento
de áreas. Entretanto, elas próprias têm questionado a definição de
laboratório de mídia. É uma longa discussão, e o que vai abaixo é só
um resumo.
A ideia de laboratório implica certamente conotações positivas, como
o aspecto experimental, a criação de conhecimento e ser um espaço
de troca, aprendizado e teste de hipóteses. Mas também incorpora
algumas limitações: sugere uma ênfase no acesso a infra-estrutura e
equipamentos de alto custo, o que é cada vez menos o caso; traz uma
sensação de exclusividade, de que só pessoas com alguma certificação
podem ter acesso; e uma certa apreensão de que se trate de um ambiente não comprometido com a aplicação prática ou com a relevância
de suas ações “no mundo real” – o eterno projeto piloto, que nunca
sai da elucubração. Existem, obviamente, muitas outras interpretações
possíveis para o termo, mas essas são as que emergem nas conversas
com as pessoas envolvidas.
Já o tema mídia pode levar ao condicionamento à atuação com tecnologias de informação e comunicação, e com frequência esse é um
dos aspectos menos importantes dos projetos desenvolvidos. Alguns
deles só fazem um uso instrumental das tecnologias, e concentram-se
muito mais em aspectos conceituais, estéticos, sociais, de gestão e
outros. Em consequência, se cria uma situação na qual para inserir-se
nos mecanismos de viabilização estrutural e financeira, alguns projetos
precisam propor a utilização pro-forma de qualquer tipo de mídia, o
que os desvia de seus objetivos reais.
De qualquer forma, o nome laboratório de mídia é mantido por falta
de alternativa. Alguns se posicionam como laboratórios experimentais,
outros explicitam que não necessitam de uma estrutura física própria
posicionando-se como coletivos ou agências. Há ainda os deixam de
questionar, e logo se veem com problemas internos de relacionamento
porque as pessoas estão dedicando tempo demais a fazer coisas nas
quais não têm nenhum interesse porque se deixaram condicionar pela
50
9 Laboratórios de Mídia - referências
estrutura institucional.
O que emerge das conversas com pessoas interessadas na área é um
foco em experimentação, no cruzamento entre arte, ciência, cultura,
tecnologia, educação e design, e em diálogo com a sociedade. Reconhecer que essa experimentação vai muito além do que geralmente
se associa às ideias de laboratório e mídia é um começo, mas ainda
precisamos conversar muito mais sobre que estratégias podem ser delineadas entre os diferentes atores, as diferentes forças e os múltiplos
contextos que os circundam, em particular aqui no Brasil. Um bom
caminho pode ser deixar temporariamente de lado toda a estrutura e as
atividades dessas referências internacionais, e concentrar mais no que
elas compartilham na essência: liberdade, experimentação, e temática
multi-disciplinar. A partir daí a gente constroi a nossa resposta específica. Ou pelo menos tenta.
51
10 Redelabs - Caminhos
brasileiros para a Cultura
Digital Experimental
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/redelabs-caminhos-brasileiros-para
15/06/2010
Em outro texto, falei sobre dois modelos lembrados com frequência
quando se fala em laboratórios de mídia. Para o nosso contexto aqui
no Brasil, esses exemplos externos são importantes menos por suas
características específicas – infra-estrutura, funcionamento, costura
institucional ou metodologias – do que por sua adequação às características do contexto em que se inserem. Também levantei nesse texto
anterior que uma certa sensação de liberdade pode ser o elemento
que esses modelos diferentes têm em comum. Como a proposta do
projeto redelabs é promover o diálogo entre essas iniciativas de todo o
mundo com o que é interessante e possível fazer aqui no Brasil, quero
começar a desdobrar um pouco das nossas particularidades, e pensar em como isso pode apontar caminhos futuros. Abaixo eu tento
relacionar alguns fatos, eventos, estruturas e redes que têm alguma
relação com isso. Estou certamente bastante limitado à minha própria
experiência, e adoraria receber comentários e sugestões sobre o que
mais for relevante.
52
10 Redelabs - Caminhos brasileiros para a Cultura Digital Experimental
Tecnologias enredadas no Brasil
Nos anos recentes, as tecnologias de informação e comunicação se
desenvolveram em um ritmo bastante acelerado, disseminando-se por
praticamente todas as áreas do conhecimento. Os brasileiros viramos
recordistas no tempo mensal de uso de internet, especialmente com o
uso em massa de redes sociais – uma tendência que seria vista em todo
mundo alguns anos depois do que por aqui. As tecnologias em rede
fazem cada vez mais parte do imaginário – mais um motivo para experimentação, crítica e reflexão. Grande parte dos programas de inclusão
digital do terceiro setor e do setor público também já entenderam que
sua missão não pode estar limitada a oferecer acesso e atuam na dinamização de projetos, formação de público e desenvolvimento do
potencial de jovens criadores.
Em particular, cresceram de maneira significativa as ações no cruzamento entre arte, ciência, tecnologia e sociedade. Uma quantidade
cada vez maior de espaços, eventos, redes e programas dedicam esforços a promover reflexão, produção e a articulação na área – costurando atuação entre as instituições culturais e artísticas, a academia,
os coletivos independentes, o governo e a indústria. Artistas, produtores, estudantes e curiosos têm cada vez mais oportunidades para se
conhecer e aprender uns com os outros. Não só brasileiros – frequentemente, os eventos realizados aqui contam com a presença de nomes
importantes do mundo todo, enquanto eventos de todo o mundo também convidam representantes brasileiros. Instituições de naturezas
diversas têm fomentado a criação e exibição de projetos críticos e engajados, reconhecendo a relevância dessa produção. O mesmo em
eventos como o FILE, o Emoção Art.Ficial, o Arte.Mov, a Submidialogia
e tantos outros. No Brasil ainda não existe uma visão clara de circuito,
mas grande parte dessas iniciativas operam em parcerias informadas.
Estratégias conjuntas já parecem estar no horizonte, é só questão de
criar os mecanismos adequados.
53
10 Redelabs - Caminhos brasileiros para a Cultura Digital Experimental
Uma particularidade: “mídia” e “laboratório”
Eu demorei para prestar atenção nisso, mas é emblemático que aqui no
Brasil a gente fale em “a mídia” como uma palavra no singular. Talvez
isso seja um eco dos tempos em que praticamente o único meio de
comunicação relevante era aquela grande emissora de televisão. Talvez
tenha a ver com a tendência que os meios de comunicação de massa
têm ao uníssono, ao alinhamento e à falta de diversidade. De qualquer
forma, às vezes me dá a impressão de que usar o termo “mídia” para
identificar esse tipo de experimentação convergente para a qual queremos propor caminhos acaba por limitar bastante sua compreensão:
muitas pessoas pensam que se trata de “fazer vídeos”, ou então de
“fazer meios de comunicação alternativos” – o que é necessário, mas
não é o foco aqui. Um assunto sobre o qual todo mundo acha que
precisa tomar uma posição clara a favor ou contra acaba tendo pouco
espaço para aquele tipo de liberdade sobre o qual eu falava antes. Por
isso a tentativa de desviar um pouco do foco na mídia e concentrar
mais nas possibilidades de intercâmbio entre espaços de articulação,
ou laboratórios.
Semana passada no Labtolab1 , Gabriel Menotti me falou que achava
a ideia de laboratório tão ou mais complicada que a de mídia. Concordo que alguns dos significados geralmente atribuídos a laboratórios
são realmente difíceis (falei sobre eles no outro post – exclusão, ênfase
em infra-estrutura, desconexão com a realidade lá fora). Mas ainda
assim, muitas interpretações são possíveis. Tentando equacionar uma
construção que vá além da ideia disseminada de laboratórios de mídia, prefiro manter o termo que permite uma maior flexibilidade de
interpretação.
1 http://labtolab.org
54
10 Redelabs - Caminhos brasileiros para a Cultura Digital Experimental
Raqueando estruturas
Talvez porque até há pouco tempo não existia quase nenhuma possibilidade formal de financiamento de projetos experimentais, as pessoas interessadas na área aprenderam a ocupar todo espaço possível,
mesmo em projetos com outras naturezas. Um exemplo emblemático
é o papel que o SESC de São Paulo2 exerce há alguns anos – como
um dos únicos espaços que abrigavam um tipo de experimentação
que se posicionava entre o ativismo midiático e a educação. Muita
gente começou ou desenvolveu a carreira oferecendo oficinas no SESC.
Um caso próximo (entre dezenas ou centenas desenvolvidos por conhecidos): entre janeiro e fevereiro de 2007, eu organizei com Ricardo
Palmieri o LaMiMe3 – Laboratório de Mídias da MetaReciclagem. Foi
uma ocupação temporária da sala de internet do SESC Avenida Paulista,
que ofereceu oficinas sobre eletrônica básica e hardware livre (arduinos,
etc.), software livre (pd, cinelerra, ardour, etc.) e outras. Foi uma oportunidade excelente para troca de conhecimento e para conhecer gente
nova. Mas o formato de oficina condiciona as trocas para um lado mais
instrumental e pontual, e coíbe um pouco o ritmo mais caótico e despretensioso da descoberta. Por mais que se beneficiem mutuamente,
a educação e a experimentação têm objetivos e naturezas distintas, e é
necessário que aconteçam com respeito a essas diferenças.
O mesmo pode ser visto no contexto dos Pontos de Cultura: pessoas
interessadas em desenvolver projetos experimentais mas que por força
dos formatos possíveis acabaram se submetendo à lógica educacional.
Repito: oficinas são fundamentais. Mas não são tudo.
Propondo novos caminhos Em vez de ficar sempre tentando encontrar brechas nos formatos possíveis, precisamos pensar em quais
são os formatos que podem dar conta de equilibrar a diversidade de
necessidades pessoais, artísticas, institucionais e sociais.
Outro post aqui nesse blog debateu a questão da experimentação e
da incorporação do erro dentro do processo. Em um desdobramento
2 http://www.sescsp.org.br/
3 http://rede.metareciclagem.org/wiki/LaMiMe
55
10 Redelabs - Caminhos brasileiros para a Cultura Digital Experimental
daquela conversa na rede MetaReciclagem, eu citei uma imagem que
Ivana Bentes trouxe para o debate Arte Open Source4 (com Giselle
Beiguelman e André Mintz, na última Campus Party): “a obra é o lixo
do processo artístico”. O fato de grande parte dos mecanismos de apoio
à arte ainda se basearem na ideia de obra pode ser uma das causas
pelas quais existe mais competição do que colaboração. Como fazer
para trazer essa dimensão do processo para dentro do ciclo? Hoje em
dia, um espaço que tem recebido reconhecimento pela inovação e
relevância é o Eyebeam5 , em Nova Iorque. Um dos formatos com os
quais eles trabalham são as fellowships, bolsas concedidas para artistas
destacados, não necessariamente ligadas a um projeto específico. Será
que isso é um caminho interessante? Certamente, nos últimos anos
têm aparecido oportunidades similares aqui no Brasil. Só para citar
algumas: as bolsas da Funarte6 , que desde o ano passado reconhecem
a cultura digital como uma área de investigação e produção, ou o
programa Rumos7 do Itaú Cultural. Também o Prêmio Sergio Motta8 , o
novo File Prix Lux9 e alguns recentes prêmios do Ministério da Cultura
propõem questões próximas. O Minc ainda criou no ano passado o
projeto XPTA.Labs10 , que se posiciona de maneira bastante explícita na
questão experimental, e justamente nessas semanas deve estar saindo
o resultado do edital de Esporos de Cultura Digital11 , que também se
propõe a apoiar espaços de articulação e produção.
Um pouco do meu pé atrás em propor uma política centrada em laboratórios parte do princípio de que a falta de infra-estrutura – equipamentos e acessibilidade – não é mais o maior obstáculo à produção. O
coordenador de um laboratório de mídia europeu há pouco comentou comigo que está encarando um problema grave: o espaço e a
4 http://blog.premiosergiomotta.org.br/2010/01/28/arte-open-source-na-campus-
party-2010/
5 http://eyebeam.org/
6 http://funarte.gov.br/
7 http://itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2691
8 http://www.ism.org.br/ism/?page_id=15
9 http://www.fileprixlux.org/
10 http://www.culturadigital.br/xpta/
11 http://www.cultura.gov.br/site/2010/03/10/edital-cultura-digital-2010/
56
10 Redelabs - Caminhos brasileiros para a Cultura Digital Experimental
infraestrutura de sua organização vão triplicar nos próximos anos, mas
o orçamento para atividades deve diminuir em 30%. Ele questiona hoje
em dia a retórica de infraestrutura que usou para conquistar apoio institucional em seu contexto. O que acho que faz mais falta aqui no Brasil
é a falta de mecanismos adequados para a troca, exibição, formação de
público e – é claro – sobrevivência. Estamos em um momento em que
temos abertura para propor esses mecanismos.
Daí vêm algumas perguntas que tenho repetido nas últimas semanas
para algumas pessoas, e que quero fazer também a qualquer pessoa
interessada no assunto:
• Faz sentido pensar em um projeto que tenha por foco apoiar e
desenvolver ações de cultura digital experimental? No que ele
deveria consistir?
• Como ir além do modelo de laboratório de mídia? Acesso à internet, equipamentos para produção e espaços de encontro estarão
cada vez mais disponíveis. Se é possível fazer cultura digital experimental em uma livraria que ofereça internet wi-fi, no próprio
quarto ou na garagem de casa, o que um espaço que se dedica
a isso precisa ter para atrair as pessoas e fomentar a troca e a
produção colaborativa?
• É possível construir uma conversa realmente colaborativa entre laboratórios? Pensar em um cenário em que as diferentes
instituições e grupos envolvidos se proponham a, mais do que
demandar recursos, também oferecer partes de sua estrutura,
conhecimento aplicado e oportunidades de apoio para uma rede
aberta de laboratórios de cultura digital experimental. Mais do
que residências, promover itinerâncias e nomadismo comunicante pode ser uma boa.
• Qual a necessidade que temos hoje em dia de infra-estrutura? O
Minc está caminhando no sentido de interligar seus espaços com
fibra ótica – o que cria uma possibilidade de uso de banda larguíssima para experimentação e projetos. O que é possível propor
57
10 Redelabs - Caminhos brasileiros para a Cultura Digital Experimental
em uma estrutura interconectada dessas? Ideias, correções ou
sugestões? Aguardo demonstrações de interesse e comentários
abaixo.
58
11 Modelos e Perspectivas Empyre
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/modelos-e-perspectivas-empyre/
28/06/2010
Passei uma tarde da semana passada relendo o debate sobre Modelos
e perspectivas para Centros de Mídia e Organizações de Arte em Rede
moderado por Marcus Bastos em agosto de 20081 na lista Empyre2 . Na
época eu estava cadastrado na lista, mas a vida estava uma correria e
não consegui participar muito.
Marcus Bastos começou3 o debate com uma citação de Ned Rossiter4 :
existe uma necessidade urgente de novas formas institucionais que reflitam processos ‘relacionais’ para fazer frente a sistemas existentes de
governança e estruturas representacionais ultrapassadas. E na sequência fez referência ao texto de Michael Century, Pathways to Innovation5 .
Vale a pena ler o arquivo completo da discussão6 , mas escolhi alguns
trechos interessantes. Não me preocupei em manter a coerência das
discussões, só pincei alguns parágrafos que podem ser relevantes na
conversa sobre Redelabs. A tradução é minha, e com pouca revisão –
deve ter alguns equívocos ou falhas.
1 https://lists.cofa.unsw.edu.au/pipermail/empyre/2008-August/
2 http://subtle.net/empyre
3 https://lists.cofa.unsw.edu.au/pipermail/empyre/2008-August/000836.html
4 http://nedrossiter.org/
5 http://www.nextcentury.ca/PI/PImain.html#_Toc456019293
6 https://lists.cofa.unsw.edu.au/pipermail/empyre/2008-August/thread.html
59
11 Modelos e Perspectivas - Empyre
Leia o post completo no blog:
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/modelos-e-perspectivas-empyre/
60
12 Labtolab - dia a dia
http://desvio.weblab.tk/blog/labtolab-dia-dia (com fotos)
12/07/2010
Estive em Madrid em Junho para participar do Labtolab1 , encontro
de medialabs europeus (com muitos convidados latinoamericanos).
Comecei a contar as prévias e a viagem no blog2 . Esse texto aqui é um
relato do que rolou durante a semana que estive por lá.
No começo da tarde da segunda-feira, caminhei até a Plaza de las
Letras. O Medialab Prado fica atualmente no subsolo da praça, com
janelas viradas para uma rampa de acesso. Em um dos cantos da praça,
uma tela digital gigantesca decora a parede do que virá a ser a nova
sede do Medialab, com instalações quatro ou vezes maiores do que
hoje em dia.
Descendo a rampa, já vi a programação do mês estampada na janela
em letras adesivas, um detalhe sutil que mostra a preocupação do
Medialab em ter uma interface pública, em vez de fechar-se no próprio
umbigo. Em frente à escada que dá acesso ao subsolo, mais uma tela
onde sempre está rodando alguma obra interativa. Abri a pesada porta.
Logo na entrada, um monte de armários de tela com equipamentos
e materiais, à esquerda. No lado oposto, o balcão de recepção, com
material da programação corrente.
A área principal do Medialab estava montada como auditório. As
cadeiras, então voltadas para o fundo, geralmente ficam dobradas e
1 http://www.labtolab.org/
2 http://efeefe.no-ip.org/blog/labtolab-previas-e-chegada
61
12 Labtolab - dia a dia
penduradas em uma estrutura de aramados na parede. Tudo muito
móvel, mas bem prático e organizado. Ao longo da parede direita,
uma fileira de bancadas com uns poucos computadores para quem
quiser usar. Do lado esquerdo, a impressora 3D montada durante um
workshop do pessoal do Makerbot3 .
O labtolab começou com uma apresentação geral do evento por Marcos Garcia. Comentou sobre o intercâmbio de modos de produção, a
meu ver tão importante quanto a circulação da produção em si. Em
seguida, se apresentaram pessoas dos laboratórios que organizavam o
encontro. Gente de Nantes (Crealab4 ), Bruxelas (Constant5 ), Budapeste
(Kitchen Budapest6 ), Londres (Area107 ) e do próprio Medialab Prado.
Também conheci pessoal de Lima (Escuelab8 ), Córdoba (Modular9 ),
Tijuana (Protolab10 ), Buenos Aires (CCE11 ), Lisboa (Cultura Livre Associação12 ) e mais um monte de gente13 . Muitas visões aproximadas
mas com uma grande diversidade de métodos, perspectivas e atuação.
Também conheci finalmente o pessoal do Marginalia Projects14 , de BH.
Para o almoço, os mediadores do Medialab levaram grupos de participantes para diferentes restaurantes. Tínhamos recebido envelopes
com vales-refeição da produção do evento. Eu fiquei no grupo que foi
ao indiano Ganga. Comida razoável, boas conversas. Cuauhtemoc, do
México, contou sobre a estrutura e funcionamento do centro multimídia15 no Centro Nacional de Artes. Alejandro Tosatti contou sobre o
que tem desenvolvido na Costa Rica. Allison Kudla16 , norte-americana,
3 http://makerbot.com/
4 http://home.crealab.info/
5 http://www.constantvzw.org/site/
6 http://kitchenbudapest.hu/
7 http://area10.info/
8 http://escuelab.org/
9 http://www.modular.org.ar/nos.html
10 http://protolab.ws/
11 http://www.cceba.org.ar/v2/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog&id=6&It
12 http://culturalivre.eu/
13 http://www.labtolab.org/∼labtolab/wiki/index.php/Medialab-
Prado_Meeting#List_of_participants_.28provisional.29
14 http://marginaliaproject.com/lab/
15 http://cmm.cenart.gob.mx/
16 http://www.washington.edu/dxarts/profile_home.php?who=kudla
62
12 Labtolab - dia a dia
contou um pouco sobre sua vivência em uma escola de Bangalore
(ela trabalhava junto com Victor Vina17 , que conheci no Brasil e foi
a primeira pessoa que me falou sobre o Labtolab). Entre a comida e
a sobremesa, comecei a sentir o jetlag batendo e saí pra respirar um
pouco.
Voltamos ao Medialab para assistir as apresentações dos projetos que
seriam desenvolvidos no Interactivos18 . Gostei da seleção de projetos,
que tinham um corte muito interessante na perspectiva de ciência
de bairro - o momento em que a ciência de garagem passa a buscar
diálogo com a sociedade, em que o geek sai à rua e busca propósito
para suas pesquisas. Não acho que todos os projetos compartilhavam
dessa perspectiva, mas o contato entre eles certamente traria esse tipo
de questionamento.
Não consegui estar presente na abertura da exposição Estárter, dos
artistas colombianos na Offlimits19 . Fui pro hotel para dormir das
22h30 às 2h30, e depois ficar lendo RSS, escrevendo emails e esperando
o tempo passar. Tomei o racionado café da manhã no terraço outra vez
(com todo o cuidado para não acordar os hóspedes do último andar).
Voltei pro quarto, fiz um alongamento, um pouco de exercício e meditei
por algum tempo. Depois capotei por mais um par de horas.
—
A terça-feira começou com a apresentação das comunicações do
Interactivos. Perdi as primeiras, mas cheguei no meio da apresentação
da Fabiana de Barros20 , falando sobre o Fiteiro Cultural21 . Depois,
Gabriel Menotti apresentou sua comunicação Gambiarra - a prototyping perspective22 (que semana passada também entrou no metalivro
Gambiologia23 ). Allison Kudla apresentou o projeto Living Building24 .
17 http://dosislas.org/
18 http://medialab-prado.es/article/interactivos10
19 http://www.offlimits.es/
20 http://medialab-prado.es/article/fiteiro_cultural
21 http://www.fiteirocultural.org/SL/sl-what.html
22 http://medialab-prado.es/article/living_building
23 http://mutirao.metareciclagem.org/chamadas/gambiologia
24 http://medialab-prado.es/article/living_building
63
12 Labtolab - dia a dia
Me tocou ali não só a dinâmica de um laboratório totalmente móvel e
potencialmente mais aberto ao entorno do que o normal, mas também
a presença de uma sensação profunda de choque cultural para uma
norte-americana que parece ter aceitado bem.
O almoço foi um piquenique no parque del Retiro. Todo mundo
optou pelo mais fácil e encomendou sanduíches e alguma bebida.
Fiquei conversando com o pessoal do Marginália, com Gabriel Menotti,
com Kiko Mayorga do Escuelab, Wendy do Constant e outrxs. Voltei
ao Medialab conversando com Marcos Garcia sobre projetos, escala,
relações com a institucionalidade e outras batatas quentes.
A tarde começou com a apresentação dos tutores. Olivier Schulbaum
falou sobre todo o histórico do Platoniq25 e sobre o Youcoop26 . Andrés
Burbano27 fez uma apresentação sobre o trabalho de Konrad Zuse28 .
Também apresentou-se Douglas Repetto29 . Meu amigo e bricolega
Alejo Duque chegou no meio da tarde.
No fim da tarde, Landgon Winner, que estava de passagem por
Madrid, contou sem muita pressa sobre como uma comunidade da
qual ele faz parte conseguiu confrontar o poder de uma corporação
(perdi os detalhes da apresentação por cansaço e algum tédio). Saí
de lá para capotar uma horinha no hotel antes de colar no The Hub30
para um convescote com os participantes dos dois eventos. Queijo,
salgados e cerveja na faixa. Os tipos de conversas e questionamentos
que não rolam durante o dia. Alejo me apresentou para outros colombianos ponta firme, como Paula Vélez e Alejandro Araque (que durante
a tarde já tinha levantado a questão sobre computadores usados em
contextos rurais, etc.). Re-encontrei Alek Tarkowski, um dos cabeças
do creative commons Polônia, depois de uns três anos sem vê-lo. Ele
veio ao Labtolab porque está querendo criar algum tipo de espaço por
lá.
25 http://platoniq.net/
26 http://youcoop.org/
27 http://burbane.org/
28 http://pt.wikipedia.org/wiki/Konrad_Zuse
29 http://music.columbia.edu/∼douglas/portfolio/index.shtml
30 http://madrid.the-hub.net/
64
12 Labtolab - dia a dia
—
Na quarta, a programação seria em outro espaço. O Matadero31
é um amplo espaço com aquele visual de área industrial reformada.
Lembrei do SESC Pompeia e da Casa das Caldeiras. Grandes paredes de
tijolos descobertos. Muito metal e vidro. Intervenções arquitetônicas
aqui e ali, uma exposição de uma artista colombiana que lembrava
uma mimoSa. O Matadero sedia uma série de projetos. Um deles é o
Intermediae32 , que se define como um laboratório experimental.
Cheguei no começo da apresentação dos coordenadores do espaço.
Eles conseguiram negociar uma grande liberdade para implementar
o projeto. Apesar de existir uma intenção de realizar exposições, eles
conseguiram passar o primeiro ano sem se preocupar em expor nada.
Como eles falaram mais de uma vez em laboratório experimental, eu
aproveitei pra esticar por lá a questão que o Lucas Bambozzi tinha
levantado no twitter: se eles incorporavam o erro nos processos, e
como. Eles disseram que certamente, o erro faz parte do processo
- fizeram um evento que propunha que as pessoas gerenciassem a
própria participação e ninguém fez nada, e isso alimentou as decisões
para um evento posterior.
Em seguida, rolou uma sessão de prospecção dos futuros possíveis do
Kitchen Budapest. A proposta era que a equipe projetasse onde estaria
até 2020, em diálogo com todos os presentes. Depois da conversa beirar
algum delírio de dominação mundial, cheguei a fazer uma pergunta
tentando questionar a retórica de "laboratórios de mídia". Algo na
linha de "já que agora em 2020, com a crise ambiental impossibilitando
as viagens de longa distância e as novas possibilidades de telepresença,
estamos todos aqui ao mesmo tempo nessa sala compartilhada virtual
e em nossas casas; e agora que cada vez mais gente está usando os
iBrains - implantes cerebrais proprietários da Apple que se conectam
direto ao nervo ótico -, será que não é hora de parar de usar termos
como ’mídia’ e ’laboratório’"? Mas acho que não consegui ser muito
31 http://www.mataderomadrid.com/
32 http://intermediae.es/
65
12 Labtolab - dia a dia
claro lá (e nem aqui, na real).
Depois (ou antes, não lembro mais), os participantes foram divididos em grupos para debater duas de cinco questões propostas pela
organização. Eu moderei um dos grupos, com Attila Nemes (Kibu),
Rodrigo Calvo (Laboral33 ) e Inés Salmorza (Universidade de Sevilla).
Escolhemos as questões sobre sustentabilidade e continuidade. Gravei
a conversa, vou publicar trechos nas próximas semanas.
O almoço foi um churrasco (ou a tentativa bem-intencionada de
fazer um churrasco de hambúrgueres e linguiças) no Avant Garden do
próprio Matadero. As conversas continuaram. Paula Vélez pôs som pra
rodar no ambiente. Como o programa da tarde seria um planejamento
sobre o próximo Labtolab, resolvi sair para a cidade. Antes, porém,
ouvi uma participante perguntar em inglês sobre qual seria a continuação dos grupos de trabalho da manhã. Respondi alguma coisa, e o
Menotti perguntou por que não estávamos conversando em português.
Nos apresentamos, e só aí percebi, surpreso, que estava falando com a
Lenara34 , que foi minha professora no primeiro semestre na UFRGS,
quatorze anos atrás. Ela mora atualmente em Madrid, enquanto desenvolve o doutorado em Frankfurt, focando na interação colaborativa
entre artistas. Me convenci de vez que o mundo é uma esfiha de carne
quando descobri que o norte-americano amigo dela que estava ao lado
contou que estava morando em Dresden, a duas quadras de onde eu
morei há três anos.
Voltei ao Medialab no fim da tarde esperando um retorno das sessões
de debate da manhã, mas o pessoal estava muito cansado.
—
Na quinta-feira, a conferência aconteceria na Tabacalera de Lavapiés35 . É um lugar fantástico, uma construção enorme que foi uma
fábrica estatal de tabaco, passou um tempo abandonada e depois foi
escolhida para sediar um centro de artes. O projeto ficou parado um
tempo, e mais tarde foi retomado como um centro cultural autogestion33 http://www.laboralcentrodearte.org/
34 http://lenara.com/
35 http://latabacalera.net/
66
12 Labtolab - dia a dia
ado. Um monte de gente de algumas dezenas de grupos independentes
de Madrid estão envolvidos com La Tabacalera, que seria inaugurada
no fim de semana seguinte à nossa reunião por lá. Começamos com
uma visita pelo espaço, de olhos fechados e em fila indiana. Nossos
guias eram os franceses do Apo33/Crealab, que estavam ocupando
alguns espaços da Tabacalera. Passamos pelo porão, onde montaram
um "medialab de alguns anos atrás".
Passamos por um saguão central e chegamos à entrada, onde fica
um mural colaborativo com as tarefas atuais. Cruzamos o "espacio
copyleft", no meio do qual fica o centro de controle das câmeras de
segurança. Enquanto passávamos ao calmo jardim central, Julien Ottavi36 levantou um possível contrassenso entre a vigilância e o copyleft.
Depois de alguma discussão, argumentei que o problema não eram
as câmeras em si, mas quem tinha o controle das imagens - a ideia de
código livre supõe justamente que a informação sobre os processos
pertença a todxs envolvidxs, não somente a um grupo fechado. Talvez
uma solução de segurança condizente com a ideia de copyleft não fosse
a ausência de câmeras, mas definir maneiras de assegurar que toda a
comunidade tenha acesso às imagens geradas pelas câmeras - o que
daria inclusive mais condições para que a comunidade soubesse o que
acontece nas diferentes áreas da Tabacalera.
Em seguida, nos reunimos em uma sala que parece um refeitório,
ao lado do laboratório de molhos e aromas. Assistimos a uma apresentação sobre a história do espaço, as circunstâncias de sua criação
e o envolvimento com a comunidade. A apresentação se alongou um
pouco demais, e acabou atrasando outras atividades previstas para a
manhã.
Saí no intervalo do almoço para ir ao centro, encontrar umas lembranças e presentes. Também comprei uma câmera fotográfica pra
mim, depois de uns sete anos sem. Voltei à Tabacalera no meio da
tarde, para a conversa proposta com os grupos latinoamericanos. Infelizmente, alguém decidiu separar em grupos de uma forma meio
36 http://www.noiser.org/noise/
67
12 Labtolab - dia a dia
limitada: uma mesa de "brasileirxs", uma mesa de pessoas ligadas
aos Centros Culturais da Espanha, outra de pessoas envolvidas com
"laboratórios virtuais". Uma das consequências foi que os grupos latinoamericanos não tiveram uma conversa muito dinâmica entre si.
Na mesa do Brasil estávamos eu, o pessoal do Marginália e Menotti,
mais algumas pessoas que já conhecíamos de uma forma ou outra. Só
no meio da conversa reconheci o Josian37 , que havia conhecido em
Barcelona. A conversa foi animada, mas acho que faltou um planejamento para mais intercâmbio e circulação entre as mesas.
Voltamos a pé ao Medialab Prado, para uma programação que começava
com Pecha Kucha e continuaria com aperocodelab38 . Por algum motivo, eu decidi não apresentar nada na Pecha Kucha. Fiquei assistindo a
uma série de apresentações que falavam sobre Medialabs em diferentes
contextos e formatos, sempre tentando encontrar o que eles tinham em
comum. Vi uma busca por expandir a experimentação não só em termos de produção efetiva como também de formas de relacionamento.
Percebi de novo que a tradicional fórmula "arte, ciência e tecnologia"
tinha quase sempre "sociedade" como um quarto elemento. Também
passaram ali algumas pessoas tentando entender os medialabs (uma
ou outra sem noção do que estavam estudando), e algumas iniciativas
ainda bem no começo, mas com bastante potencial. O aperocodelab
foi mais animado, e mais barulhento. Alejo começou de leve, mas no
meio da apresentação do Ottavi poucas pessoas aguentaram o noise
extremo.
—
A sexta-feira seria o último dia de labtolab, começando na Tabacalera.
Os participantes do Interactivos que haviam nos acompanhado nos
primeiros dias já estavam totalmente imersos na produção dos projetos
selecionados. Pela manhã, participei de duas sessões de trabalho. A
primeira se chamava "Field of exchange: open call for residency, work
exchange, mobilities". Conversamos sobre a necessidade de criar mais
37 http://twitter.com/josianito
38 http://codelab.fr/1713
68
12 Labtolab - dia a dia
campos de intercâmbio de pessoas entre diferentes contextos - não
só artistas como também o que o medialab prado chama de "mediadores culturais". O argumento deles é que o conhecimento sobre
metodologia e produção também precisa circuar. Abrimos algumas
pontas de articulação ali que espero poder desenvolver mais no futuro.
Depois, segui para a sessão "Mapping Medialabs". Muita gente boa
nessa sessão, que continuava uma investigação que já começou no
primeiro encontro do Labtolab, sobre identificar espaços no mundo
inteiro que podem se encaixar no cenário de laboratórios de mídia. Foi
uma boa sessão de trabalho - saí de lá cadastrado em uma lista e tendo
exibido algumas experiências com mapeamentos e afins.
Saí para a cidade - quando comprei a câmera, tinha esquecido de
pedir a nota de Tax Free, e não queria perder 18 euros tão facilmente.
Continuei caminhando, almocei em um restaurante vegetariano chinês,
fiz algumas fotos. O programa previa uma sessão de encerramento
do dia na Tabacalera depois do almoço, seguida por uma sessão de
encerramento do labtolab no Medialab. Como já duvidava dos encerramentos diários e tinha necessidade de sentir a cidade antes de ir
embora, decidi continuar caminhando até a hora da segunda sessão.
Cheguei no Medialab na hora marcada. Só apareceram duas ou três
pessoas do labtolab. Me disseram que por cansaço haviam feito tudo
numa só sessão e que não rolaria o encerramento final. Fiquei bem
decepcionado, mesmo ouvindo que o encerramento não trouxe muita
novidade. Queria pelo menos encontrar as pessoas. Mas tudo bem,
ainda restava a última etapa da programação conjunta Interactivos +
Labtolab: o Dorkbot.
Caminhei com o pessoal que estava por lá até o Offlimits. No caminho, encontrei um cavalo de brinquedo, preto, muito pequeno. Tomei
como um presente de Madrid. Chegamos ao local antes do horário.
Pude ver pelo menos um pedaço da exposição estárter, cuja abertura
perdi na segunda. Gostei das peças expostas ali. Saímos para comprar algumas cervejas, e na volta sentamos onde deu - eu fiquei no
chão, no canto esquerdo. Assistimos à apresentação do Alejo Duque,
69
12 Labtolab - dia a dia
falando sobre e mostrando o material que capturou, de uma galera
de algum lugar do Brasil usando satélites pra comunicação absolutamente trivial - um uso totalmente imprevisto (e certamente ilegal) de
equipamento quase ocioso que orbita a terra. Alejo também falou de
um manifesto publicado há algumas décadas por nações equatoriais
protestando contra a ocupação do espaço orbital acima de seus territórios por equipamentos de países muito mais ricos - uma ocupação
que não revertia em nenhuma vantagem para os equatoriais.
Na sequência, Douglas Repetto do Dorkbot contou alguns causos e
mostrou ao vivo a operação via rede de um plotter de caneta que estava
em Nova Iorque, uma verdadeira façanha. Para encerrar, Brian Mackern
mostrou algumas de suas obras ligadas à visualização de interferência
eletromagnética ligada ao clima.
Na saída, acompanhei o pessoal que ia comer em Lavapiés. Ainda
conversei com mais algumas pessoas, inclusive algumas que não tinham aparecido antes, e retornei para o hotel porque voltaria ao Brasil
na manhã seguinte e ainda precisava resolver algumas coisas. Deu
vontade de ficar mais e conferir a produção do Interactivos, mas não
seria possível. Quem sabe numa outra ocasião (talvez do lado de cá do
Atlântico...).
70
13 FISLI - Debate Cultura
Digital Experimental
http://culturadigital.br/redelabs/2010/07/fisli-debate-cultura-digital-experim
29/07/2010
Apareceu meio em cima da hora a oportunidade de organizar um
debate sobre cultura digital experimental (que está virando o eixo principal de reflexão do projeto redelabs) durante o FISL1 na semana passada, em Porto Alegre. Montamos uma mesa meio às pressas, com
Adriano Belisário, Vilson Vieira, Ricardo Ruiz, Glerm Soares + Simone e
Dalton Martins. Maira agitou as coisas por lá. Eu não pude ir, e também
não consegui estar online para acompanhar o stream ao vivo.
Pelos relatos, a conversa expôs alguns conflitos que andavam submersos. Gerou algum mal-estar entre os presentes, mas eu acho isso
positivo. Melhor do que aqueles debates onde ninguém discorda de
ninguém (e ninguém muda de opinião, e ninguém aprende nada).
Dizem que a íntegra do vídeo vai estar disponível online nos próximos dias. Aguardamos. Enquanto isso, ficam aqui o relato da Maira2 , os
comentários do Adriano3 e do Glerm4 e um post do Dalton5 . A conversa
1 http://softwarelivre.org/fisl11
2 http://www.culturadigital.br/maira/2010/07/27/sobre-a-conversa-no-fisl/
3 http://www.culturadigital.br/maira/2010/07/28/adriano-belisario-sobre-a-mesa-
no-fisl/
4 http://www.culturadigital.br/maira/2010/07/28/glerm-sobre-a-mesa-do-fisl/
5 http://daltonmartins.blogspot.com/2010/07/11-fisl-dia-23-07-conversando-
sobre.html
71
13 FISLI - Debate Cultura Digital Experimental
está só começando. . .
72
14 Laboratórios de
Experimentação em Cultura
Digital, as Gangues e a
Indústria Criativa
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/laboratorios-de-experimentacao-em
28/06/2010
Ricardo Ruiz1 e Cary Grant2 escreveram um artigo3 relacionando
laboratórios experimentais, a classe do novo, uma visão mais ampla
das indústrias criativas, gang power, a história recente do Ministério
da Cultura, o des).(centro e conhecimento livre. O artigo finaliza com
recomendações para a reflexão e para propostas derivadas do projeto
Redelabs. Tentei umas quinze vezes colar a íntegra do texto aqui embaixo, com todas as notas e citações, mas não consegui. Vão abaixo dois
trechos que achei interessantes, e fica a recomendação de leitura do
artigo: Laboratórios de Experimentação em Cultura Digital, as Gangues
e a Indústria Criativa.
(. . . ) uma RedeLab, nós autônomos de pesquisa em áreas
1 Ricardo
Ruiz é entusiasta da alegria,
formado e pós-graduado.
http://www.culturadigital.br/ruiz/
2 Cary Grant é ator e espião.
3 http://www.culturadigital.br/ruiz/2010/06/28/laboratorios-de-experimentacao-emcultura-digital-as-gangues-e-a-industria-criativa/
73
14 Laboratórios de Experimentação em Cultura Digital, as Gangues e a Indústria
que vão do desenvolvimento sustentável à produção midiática
e tecnológica, construindo entre eles “protocolos” de comunicação e operação – como o intenso uso das tecnologias da
informação (até mesmo com o uso de algumas plataformas
em comum), a generosidade intelectual, o fortalecimento
de estruturas mais colaborativas e menos hierárquicas etc.
– que permitam a transversalidade entre eles, sem interferirem no funcionamento de cada um. O apoio a uma
Rede de Laboratórios em Experimentação em Cultura Digital é também o apoio ao desenvolvimento da Indústria
Criativa nacional, e é de suma importância que tais laboratórios usem a criatividade, a cultura e as TICs para a busca
de soluções inovadoras para os atuais problemas sociais,
políticos, econômicos e ecológicos. É também necessária
a compreensão de que uma busca em comum dos laboratórios é sua própria manutenção econômica, que explore
além da simplista troca comercial de bens imateriais por
dinheiro, sem cair na morosidade do assistencialismo estatal e que valorize, muito além das cifras, a experiência, a
alegria e o bem estar - de cada um e de todos.
É bom ressaltar que eles posicionam a ideia de “Indústrias
Criativas” de uma maneira bem mais ampla do que o lugarcomum da produção de conteúdo para as “novas mídias”
que acaba chegando por aqui. Na visão expressa recentemente por um programa europeu de cooperação, elas
dizem respeito a inovação, meio-ambiente, acessibilidade e
desenvolvimento urbano sustentável.
O artigo continua:
Acreditamos, portanto, que o apoio a uma Rede de Laboratórios Para a Experimentação em Cultura Digital possa ter
como objetivos a busca de inovações tecnológicas, políticas,
econômicas e sociais para os desafios do nosso século. Para
74
14 Laboratórios de Experimentação em Cultura Digital, as Gangues e a Indústria
tanto, se faz fundamental a sinergia entre todos os produtores, órgãos públicos, sociedade civil e empresas do setor
privado na busca por protocolos e objetivos em comum
para o bem comum, sem perderem nunca sua autonomia
de produção, estruturação e gestão.
75
15 Uma conversa com James
Wallbank
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/uma-conversa-com-james-wallban
02/06/2010
James Wallbank é diretor do Access Space1 , em Sheffield, criado em
2000 como o primeiro “free media lab” do Reino Unido. O Access Space
foi um dos primeiros projetos no mundo a trabalhar com o reuso criativo de tecnologias, usando software livre e convidando a comunidade a
se apropriar do espaço. James também criou a Low Tech2 , que trabalha
“onde tecnologia, criatividade e aprendizado se encontram”. O Access
Space e a Low Tech desenvolveram uma ação chamada “Grow Your
Own Media Lab”, que mostrava como montar laboratórios autônomos
e virou um guia impresso. Em 2009, ele liderou um workshop sobre Laboratórios de Mídia durante o Sommercamp Workstation3 , em Berlim.
James também é integrante da rede Bricolabs4 .
Levei uma conversa com James por email. Trechos relevantes abaixo:
efeefe: James, como eu te falei antes, estou começando um projeto
com o Ministério da Cultura do Brasil que tem a ver com laboratórios
de mídia, mas sob uma perspectiva diferente. Eu estou sugerindo
que a ideia de laboratório de mídia está associada a referências que
1 http://access-space.org/
2 http://lowtech.org/
3 http://www.sommercampworkstation.de/
4 http://bricolabs.net/
76
15 Uma conversa com James Wallbank
podem ter se tornado defasadas. Sem dúvida, o tipo de experiência
coletiva que a gente tem hoje em dia é essencialmente mediada, mas
eu acredito que essa mediação é menos importante do que seu aspecto
enredado. O tipo de experimentação que temos visto e projetado (com
software livre, hardware reutilizado e aberto, ambientes colaborativos
em rede, engajamento distribuído e até num futuro próximo a cena de
impressoras 3D) pode ser melhor entendida sob uma perspectiva de
redes do que sob uma perspectiva da “mídia”. Chamar essa experimentação de midiática evoca um monte de limitações. Muito do ativismo
midiático recente tem suas raízes nos anos noventa, quando as pessoas precisavam ter acesso às novas ferramentas eletrônicas. Agora o
horizonte é outro.
James: Eu entendo o que você quer dizer – eu nunca fiquei feliz
com o termo “Laboratório de Mídia” (Media Lab). Nós tivemos muitas
conversas online sobre qual melhor termo poderia ser usado para descrever o Access Space. Não gostamos do termo “mídia” que descreve
alguma coisa ou alguém que media (ou seja, fica no meio) e nós não
gostamos do termo “laboratório” que sugere algumas coisas boas (experimentação, pesquisa) mas também sugere algumas coisas ruins
(exclusividade, academia, desconexão da prática). Um pesquisador
que debateu isso com a gente em um simpósio falou “vocês deveriam
descrever o Access Space como um ‘espaço de acesso’ . É exatamente
isso que ele é. O problema de vocês é simplesmente fazer as pessoas
entenderem esse termo”.
É claro que muita gente pensa que o “acesso” do Access Space se
refere a acesso a tecnologias. Na verdade, se trata de acesso a pessoas,
a habilidades, a inspiração, a amizade. Nós começamos a entender
que a tecnologia em si é como um dedo apontando alguma coisa – a
criança olha para o dedo, o adulto olha para onde ele aponta. Para
nós, a tecnologia aponta para auto-expressão, interconexão, compartilhamento, desenvolvimento de habilidades, confiança, criatividade e
capacidades.
De volta às palavras, nós discutimos muitos termos – aqui vão duas
77
15 Uma conversa com James Wallbank
listas que nós desenvolvemos no Sommercamp Workstation em Berlim
no ano passado (em uma oficina liderada por mim e Jordi Claramonte):
Lista 1 – Função:
Mídia, Comídia, Social, Cidade, Transformacional, Inovação, Mudança, Inspiração, Informação, Tecnologia, Realidade, Ofício, Praxis,
Epistemológico, Aprendizado, TI, Experimental, Pesquisa, Inter-, Operativo, Coletivo, Acesso, Crescimento, Imaginação, Comunidade, Crítica,
Vizinhança, Co-, Comum, Ação, Aberto, Humano, Conexão, Compartilhamento.
(os hífens indicam prefixos)
Lista 2 – Lugar:
Lab, Utopia, Oásis, Bem, Espaço, Jardim, Fazenda, Playground, Complexo, Rede, Kibutz, Agrupamento, Cozinha, Nodo, Cruzamento, Intersecção, Junção, Conexão, Enxame, Cardume, Rebanho, Horda, Ninho,
Teia, Colmeia, Obervatório, Coletivo, Centro, Nó, Oficina, Comunidade,
Nuvem, Rossio, Estrutura, Lugar, Plataforma de Lançamento.
Nós debatemos e debatemos, mas não conseguimos encontrar uma
resposta. Foi muito divertido. No final sugerimos que seria ótimo criar
uma ferramenta online onde você pudesse pôr seus valores, ou apenas
palavras aleatórias, e a ferramenta diria o que seu centro (lugar, espaço,
o que for) se chamaria.
Algumas respostas, como “Agrupamento de Inovações” carregavam
claramente insinuações corporativas, mas muitas eram realmente interessantes e iluminadas. Nós particularmente gostamos de “Jardim de
inovação”, “Nuvem transformacional” e “Cozinha Epistemológica”.
efeefe: nós estamos chamando esse novo projeto de Redelabs – laboratórios enredados. Não tenho ideia de onde ele vai parar, mas a ideia
geral é ultrapassar o modelo de laboratório de mídia (estrutura, ferramentas, exclusividade) para uma estratégia mais distribuída (ações
enredadas entre laboratórios).
James: Muito interessante! Redelabs pode ser um termo melhor do
que “Laboratórios de Mídia” mas ainda pode ter questões – a palavra
“rede” também é fetichizada e mal-interpretada. Eu consigo imaginar
78
15 Uma conversa com James Wallbank
“network labs” sendo um novo aplicativo do Google ou o nome de um
novo plugin para o Facebook
efeefe: Heh, de fato. Mas nossa estratégia é usar “rede” mais como
um desvio do que um objetivo em si. Estamos elaborando isso como
uma crítica à insistência em “laboratórios de mídia” como um termo
genérico. Não estamos tentando somente substituir o termo por outro,
mas sim propor uma multiplicidade de definições – como a lista que
vocês elaboraram no Sommercamp.
James: Eu tenho que dizer que apesar de eu gostar (e concordar
totalmente com) a proposição de que o valor real está na “conexão” que
acontece dentro, entre e ao redor de laboratórios, também é necessário
haver um centro de gravidade – um espaço físico onde as pessoas se
encontram na vida real. É crucial que seja um espaço onde as pessoas
se encontram acidentalmente, além de quando elas planejam, e esse
espaço deve ter as ferramentas que possibilitam que coisas aconteçam.
efeefe: Claro. Quando falamos de uma estratégia em rede, não é uma
100% virtual ou planejada. Na verdade, estamos totalmente baseados
em espaços, pessoas e o significado criado quando essas duas coisas
se misturam. O que é mais importante estrategicamente em definir o
projeto como enredado não é em oposição a situado, mas em oposição
a institucionalizado, centralizado. Estamos na verdade respondendo a
uma demanda cultural percebida pelo Ministério da Cultura no Fórum
da Cultura Digital, mas invertendo a perspectiva – em vez de criar novos
espaços/laboratórios de mídia, estamos propondo que os diversos espaços existentes trabalhem juntos. É isso que estamos definindo como
“enredados” nesse contexto. Diversidade, diferença e serendipidade
são cruciais.
James: Se você tem somente encontros que são planejados, e você
não tem um lugar consistentemente aberto fica difícil engajar novas
pessoas, exceto pessoas que você já conhece, e que por isso são de
alguma forma parecidas com você.
Diversidade é importante para a inteligência coletiva (ver “A sabedoria das multidões de James Surowecki sobre isso). Sem diferença in-
79
15 Uma conversa com James Wallbank
terna de integrantes, é difícil para qualquer organização realmente
entender a si mesma, seus efeitos, e sua relação com o mundo exterior.
É crucial para a diversidade dos laboratórios que as pessoas que
são diferentes dos membros existentes em termos sociais, de atitude,
educação e cultura tenham a chance de participar. É por isso, acredito
eu, que um enredamento hábil é importante, e conexão arbitrária é
importante também. Um dos problemas com a internet é que, quando
você pode se conectar com milhões de pessoas diferentes, é fácil acabar
só se conectando com o seu tipo de gente. (Pense em adolescentes
que falam com amigos que gostam todos das mesmas bandas, usam
as mesmas roupas, compram nos mesmos lugares. . . pense em adultos que gravitam em torno de websites políticos que reforçam suas
próprias opiniões, onde debatem com pessoas que concordam com as
ideias deles).
efeefe: Sim, o efeito câmera de eco. Mas quando se trata de espaços
enredados, eu acredito que isso pode ser superado por um grande diálogo com eventos públicos – trazer arbitrariamente pessoas anônimas
para os espaços com frequência.
E sobre a percepção de um movimento desde “mídia” para “redes” –
faz algum sentido para você? Quais as consequências disso?
James: Eu acredito que nós ainda temos um problema em descrever o
conceito que estamos tentando agarrar. Nós lutamos diariamente para
explicar o que o Access Space é em uma frase simples. Mas eu acredito
que o conceito central pode estar se tornando mais claro. TICs (essencialmente, tecnologias de conexão) têm uma tedência a centralizar
– elas centralizam oportunidades, visibilidade, riqueza, habilidades,
capacidades, fama, dinheiro, poder, transporte, pessoas, recursos. . .
Dessa centralização também decorre um aumento na especialização
– a sociedade pede que as pessoas façam coisas cada vez mais especializadas. Quase parece que a humanidade é subserviente à lógica
tecnológica – o ideal humano se torna somente mais um componente
tecno-industrial. Existem muitas razões (de integridade, sanidade e robustez) para dizer que essa tendência à centralização, à especialização
80
15 Uma conversa com James Wallbank
e à inequalidade podem ser uma coisa ruim.
O que estamos buscando são intervenções locais que revertam o
fluxo – que cooptem as tecnologias de conexão digital para distribuir,
para descentralizar, para empoderar localmente, para criar possibilidades de autonomia. Posto de outra forma, estamos querendo ver
como a tecnologia pode se conformar às necessidades humanas, e não
o contrário.
Voltando à questão de nomes (e pensando mais sobre a “multiplicidade de termos” que, como você mencionou, tende a emergir quando a
gente começa a tentar melhorar o termo “laboratório de mídia”) eu sou
levado a pensar sobre os modelos de negócios dos labs. Eu penso que
nossa dificuldade em nomear esses “laboratórios” locais ou “espaços
sociais” ou “commons” vem da multiplicidade de propósitos deles. Eu
quero dizer o seguinte:
Muitas pessoas (principalmente patrocinadores) nos perguntam
“Qual é o modelo de negócios do Access Space?”. Minha resposta
(depois de oferecer uma planilha e um diagrama da organização que
faz com que eles se sintam seguros) é isso:
Todo negócio ou organização no nosso sistema sócio-econômico
atual tem exatamente o mesmo modelo de negócios: focar em alguma
coisa – fazê-la melhor, mais barato, mais rápido, de maneira mais
eficiente ou mais conveniente. Essa é a “Proposta Única de Vendas” do
negócio. Otimize a maneira como você entrega a coisa para o mercado,
e você terá sucesso.
Perceba que esse modelo de negócios não se aplica somente a negócios “com fins lucrativos”. Ele se aplica até a coisas sem fins lucrativos,
como igrejas! (Melhor pregador, fácil de chegar, maior estacionamento,
construção mais esperta, vitral mais inspirado. . . etc. etc.).
O Access Space (em comum com muitos Bricolabs) tem um modelo
de negócios diferente. Nosso modelo diz “não pegue uma coisa que
você faz melhor – faça as coisas que precisam ser feitas. Não foque em
otimizar a eficiência – em vez disso continue indo e responda às diversas questões relacionadas à medida que elas surgem. Não interrompa
81
15 Uma conversa com James Wallbank
suas práticas que funcionam para responder questões emergentes de
maneira mais eficiente – apenas faça o melhor que puder, com os recursos disponíveis. Permaneça flexível e tente ao máximo fazer você
mesmo.
Perceba que há apenas uma palavra-chave na minha descrição do
modelo que oferece apenas um foco – “relacionadas“. Eu sugiro que é
possivelmente inviável mediar, explicar e então envolver pessoas com
sucesso se você não tem nenhuma temática (a nossa é o reuso criativo
de tecnologias), mas eu queria ver alguém tentar!
Então, será que nossa dificuldade com nomes é um sintoma da nossa
resistência ao foco e à otimização?
Enquanto isso, acho que começo a perceber alguma outra coisa
(sobre a qual provavelmente é muito cedo para falar, mas vou tentar).
Com o Access Space ou qualquer outro projeto semelhante, “o produto
é o processo“. Em outras palavras (três tentativas):
O trabalho de reconstruir computadores cria um computador reutilizado. Mas isso é um subproduto de valor limitado. O computador
pode quebrar durante a remontagem, mas o processo ainda será útil.
O produto real e duradouro é o conhecimento, a habilidade, o envolvimento, o prazer, e atividade da pessoa que o faz.
O trabalho de organizar uma exposição – as habilidades, capacidades,
redes e inspiração criadas ao organizar uma exposição de arte no Access
Space são os valores mais significativos adicionados. A mostra em si é,
mais uma vez, somente um subproduto do processo.
A localização do valor adicionado no Access Space é na atividade e na
conexão – o que as pessoas estão criando é de importância secundária,
porque a coisa principal que eles estão criando é a si mesmas, suas
comunidades e suas experiências.
Uma hipótese: será que nos nossos termos para esses espaços de
mídia e redes, deveríamos incluir palavras como “fluido”, “flexível” e
“configurável”? Talvez cada uma dessas coisas não seja um laboratório
de mídia, mas de maneira mais precisa, uma “rede flexível de atividade
local“. Mas de novo, talvez “flexível” seja muito “mole” – essas redes
82
15 Uma conversa com James Wallbank
também precisam ser coerentes. . . ou talvez o nome “névoa de ação“?
efeefe: isso me faz lembrar do encontro dos Bricolabs no Wintercamp5 ano passado, e sua tentativa de entender o que os integrantes da
rede Bricolabs têm em comum como algo difícil de identificar – menos
interesses objetivos, e mais algo subjetivo como um aroma. Esse tipo
de identidade fluida é mesmo difícil de definir. . .
James: definir significa pensar “sobre o fim de”. O tipo de prática na
qual estamos interessados não tem um fim, uma borda ou um limite.
Descrever significa “desenhar uma linha em volta”. Se o que estamos
considerando desaparece sem traços, o lugar onde se desenha a linha
é arbitrário, e sempre inclui uma proporção maior ou menor do fundo.
O que estamos tentando fazer é encontrar o centro (ou a zona mais
densa da neblina!). O fato de uma coisa não ter um limite não quer
dizer que não tenha um centro. O fato de uma coisa ter uma forma
flexível não quer dizer que não tenha propriedades consistentes.
efeefe: e sobre intercâmbios em rede?
James: me parece que no momento os únicos intercâmbios de valor
(ou seja, interações) que existem entre espaços são acadêmicos, teóricos, conceituais e inspiracionais. Existem intercâmbios pessoais de
amizade e comunalidade também – mas esses são difíceis de avaliar.
Existem muitos intercâmbios concretos menores (expertise “dura”)
e quase nenhum intercâmbio de valor agregado (serviços). Eu acho
que seria bom aumentar o número e diversificar o tipo de intercâmbio.
Suspeito que o desenvolvimento dessas redes sugeriria maneiras pelas
quais nós (coletivamente) poderíamos atrair recursos.
5 http://networkcultures.org/wpmu/wintercamp/
83
16 Entrevista - Alejo Duque
http://culturadigital.br/redelabs/2010/08/entrevista-alejo-duque/
09/08/2010
Há alguns meses, durante a Lift1 em Genebra, conversei sobre laboratórios enredados, estratégias nômades e assuntos afins com Alejo
Duque. Alejo é um artista colombiano que vive na Suíça e circula por diversos espaços de arte eletrônica, ativismo midiático e afins. Também
é um colega na rede Bricolabs. Vão abaixo alguns pedaços da conversa.
Alejo Duque: Esse conceito de laboratórios em rede é muito relevante
aos tempos em que vivemos. Uma boa rota para trabalhar com
um grupos mais amplos do que os grupos locais. De uma maneira,
se estamos conversando agora é porque já fazemos alguma coisa
assim. Isso já é um laboratório em rede! Não é algo novo que
vamos criar. É algo que já existe, com que já trabalhamos, que
nos acompanha todo o tempo em que estamos conectados em
rede. O que pode ter de novo essa aproximação? O que não existe
nos modelos que já temos?
efeefe: É uma questão em aberto. Há um interesse de várias áreas em
fazer coisas enredadas, mas não existe uma ideia fechada nisso.
Redelabs quer se perguntar exatamente isso: o que podemos
propor? Ano passado, no processo do Fórum de Cultura Digital,
emergiu a demanda por medialabs. Mas geralmente o que se
1 http://liftconference.com/lift10/
84
16 Entrevista - Alejo Duque
pensa como medialab é o que se fazia dez anos atrás: estruturas.
Porém hoje em dia, pelo menos nas cidades grandes, existe banda
larga, os computadores e câmeras são mais baratos. Ao mesmo
tempo, há centenas de projetos no Brasil que poderiam ser vistos
como medialabs táticos em diferentes sentidos. O importante
não é mais a estrutura, mas uma estratégia de ocupação desses
espaços que já existem. A ideia agora é conceber um projeto
para propor uma estratégia de rede para esses espaços. Acho
importante uma coisa mais próxima ao cotidiano, mas trazendo
a reflexão sobre meios eletrônicos e o tipo de cultura que se pode
fazer com meios eletrônicos quando eles se hibridizam com as
culturas populares.
Alejo Duque: Nas sociedades latino-americanas é muito claro o apetite
voraz de copiar o que acontece no restante do mundo. É essa
noção específica de globalização. Estamos vendo uma cultura das
empresas que produzem o imaterial. As indústrias desaparecem,
e chegam os museus interativos. Se fala em melhorar o ar das
cidades, criam-se bibliotecas, tem toda a questão da gentrificação
que acompanha uma cultura de serviços. É um capitalismo selvagem mas muito camuflado. As pessoas que estão responsáveis
por essas mudanças querem saber o que pôr nos edifícios que
estão construindo. Já não querem medialabs. Há dez anos, tudo
que falava em Medialab do MIT tinha muito impacto! Felizmente,
hoje falam em Fablab2 . Eles têm que comprar as máquinas, para
fazer um Fablab em seus novos edifícios. Eu venho de um lugar
muito parecido com o Brasil e penso que a pequena escala em
nível social é que pode efetivar mudança e construir algo maior. É
na pequena escala, onde se pode trabalhar com pequenos grupos
que vão se solidificando e construindo algo maior, sem dúvida.
Em Medelín particularmente, em se falando de ajudar cultural2
http://fab.cba.mit.edu/
85
16 Entrevista - Alejo Duque
mente um grupo social para gerar mudança, estão ajudando aos
garotos que estão trabalhando com renderização 3d e mundos
sintéticos, animação, etc. Encanta a eles o caso da Nova Zelândia – onde passaram a fazer filmes para Hollywood, têm super
estúdios, rendering farms, etc. Em Medelín estão tratando de
motivar os jovens para que criem empresas nesse modelo. Estão
querendo que Medelín vire um hub para empresas como a Pixar.
A mim parece um pouco louco.
efeefe: Essa coisa de outsourcing
Alejo Duque: Exato.
efeefe: E se descarta todo um componente cultural que é forte e pode
ser fundamental hoje em dia. Tem uma reflexão que acho importante e queria saber tua opinião: no Brasil tivemos muito
tempo de instabilidade política, precariedade, em que não havia
infraestrutura, etc. As pessoas precisaram desenvolver um senso
de criatividade cotidiana que está muito próximo da coisa de
low-tech e de aproveitar os restos do processo industrial como
matéria-prima de novas invenções. E agora vejo uma coisa na
Europa, nos centros de mídia interessados em software livre e
low tech e esse tipo de criatividade, toda a coisa de Fablabs e
de fabricar em vez de comprar. Porque aí tem um processo
diferente de evolução nos últimos anos – todas as pessoas se
transformaram mais em consumidores do que atores, inventores,
criativos. Houve uma separação entre a criatividade e a vida cotidiana.
Com as novas tecnologias existe toda a relação com o sentido de
inventividade cotidiana – a Gambiarra no Brasil, o termo similar
na Colômbia, na Índia ["jugaad"]. E a maneira com que isso cria
um tipo diferenciado de apropriação de novas tecnologias, eu
acredito que leva a uma situação inversa – agora não estamos
olhando pra fora e dizendo que devíamos fazer como eles, mas
estamos dando o exemplo de como se apropriar das tecnologias
86
16 Entrevista - Alejo Duque
para fazer as pessoas desenvolverem seu potencial de criatividade e inventividade. Queria saber da tua experiência com os
medialabs da Europa nessa questão da criatividade cotidiana que
a gente tem e que agora está sendo interessante também nos
países desenvolvidos.
Alejo Duque: É interessante que estejam valorizando muito mais esse
tipo de aproximação à tecnologia. Pra mim é estranho, porque
tem essa coisa que evolui muito naturalmente quando se é pequeno e está procurando uma porca para a bicicleta ou algo assim. Alguma coisa estragou e você tem que arrumar. É muito
bonito porque você pode ir à rua, olhando pro chão por um par
de quadras e vai encontrar muita coisa – uma alavanca, uma
chave, uma porca e muitas outras coisas. E vai guardar porque
entende que mesmo que não vá usar agora pode precisar mais
pra frente. Esse é seu laboratório! O laboratório está nas ruas,
todo espalhado pelas ruas. E essa sensibilidade se vê valorizada
agora na Europa.
De qualquer forma, nós continuamos aprendendo muito com o
que eles estão fazendo. Hoje existe esse boom de arduino, cultura
maker, DIY [faça você mesmo], instructables, etc. Eu chego a
outra questão: sobre toda a comercialização da cultura DIY, que
tentei tocar no texto coletivo da bricolabs sobre lowtech3 . Falei
ali comparativamente sobre o catálogo da Radio Shack, que há
40 ou 50 anos era o mais importante pra quem queria aprender
sobre rádio e coisas eletrônicas. Penso que a revista Make, que
catalisa toda a cultura maker, está vindo por esse caminho. E me
parece muito interessante que todo mundo esteja atuando muito
com energias renováveis, com recuperar ímãs de HDs para gerar
eletricidade, como o pessoal fez aí no Brasil4 . Mas me parece
delicado que através de todos esses sites, de certa forma tão light,
3
http://wiki.bricolabs.net/index.php/Low_Tech
4
87
16 Entrevista - Alejo Duque
hype e fashion, se esteja impulsionando um mero consumo desse
tipo de apropriação de tecnologias. Vejo aí um choque frontal
entre aquele sair à rua que falei antes e o que a gente aprende a
fazer através da internet.
Semana passada a gente fez uma oficina na Suíça e refletimos
sobre as pessoas de lugares ditos subdesenvolvidos que têm isso
como filosofia de vida – pessoas que sobrevivem e vivem e pensam e todos os dias atualizam essas práticas de apropriação na
sua performatividade diária, no cotidiano. Isso é uma filosofia.
Essas pessoas nunca estão interessadas no que a gente tá fazendo
aqui. Hacking, modding, apropriação, conversão, nada disso.
Isso é uma coisa muito importante de discutir, porque a gente tá
exatamente no meio do caminho. Nenhum desses senhores que
trabalham na rua arrumando carros, que têm as mãos sujas de
graxa, vai se interessar por isso. Óbvio que pra gente é um prazer
ir conversar com eles e compartilhar, mas. . .
efeefe: Acho que existe um atrativo interessante para essas pessoas,
que é a coisa da tecnologia. E olha isso: podemos usar o pior lado
da tecnologia – o mito de estar conectado, de entrar no mundo
do que as pessoas mais ricas fazem, pra atrair as pessoas. E em
seguida podemos desconstruir essa ilusão e dizer: vem aqui, tu
vai aprender a pegar um computador, abrir, fazer coisas com ele.
E começar a informá-lo das possibilidades da tecnologia digital
auxiliar suas habilidades práticas cotidianas. Não sei o caminho
pra isso, mas algumas experiências já foram feitas – conversar
com os mestres de culturas populares, mostrar as possibilidades
das novas tecnologias. Claro que existe o risco de gerar somente
mais consumidores – pessoas que querem comprar coisas, que
nunca estão satisfeitas com suas vidas. Precisamos evitar isso.
Mas de qualquer maneira não é justo mantê-los longe de qual[eu tinha
mostrado
pra
ele
esse
vídeo
http://www.youtube.com/p2rca#p/a/u/2/uWa5vC_KwSI]
88
do
Peetsa
16 Entrevista - Alejo Duque
quer possibilidade por medo de influenciá-los.
Alejo Duque: Vem de novo a pergunta de inclusão e exclusão, sobre
a qual já conversamos um pouco na rede Bricolabs. Os políticos
falam em inclusão digital. E às vezes a gente percebe que a tal
inclusão é uma intromissão completa na vida privada. Pensamos
em trilhar o caminho da privacidade, de resguardar a intimidade,
fazer com que respeitem nossos atos, nossas pegadas digitais,
que se possa decidir quando nossos rastros são indexados e estudados por uma empresa de mercado e quando não. Até mais,
escolher quando eu posso deixar rastros que não são verdadeiros
– pensar que se alguém me persegue vou simular que vou por
esse caminho mas vou por outro.
efeefe: Pistas falsas. Tem a ver também com estratégias de inteligência
nas pontas, e não no meio. Na vida cotidiana, nas ditaduras da
América Latina, nos estados policiais, nas sociedades violentas, a
gente também aprendeu a sobreviver no dia a dia e fazer rastros
falsos, toda uma estratégia de sobrevivência e de privacidade. A
gente tem uma noção de privacidade diferente: na Europa existe
essa coisa do espaço privado, da casa de cada um. Já a gente no
Brasil sempre tem convidados dormindo no sofá, o vizinho que
tem a chave, a prima do interior que tá morando na sala. Isso
constroi uma outra noção de privacidade, mais flexível.
Alejo Duque: A gente tem que pensar em quando estamos trazendo
os mestres de cultura popular, como saber que estamos fazendo
uma inclusão justa ou que ela está acontecendo de forma equilibrada. Que não vá virar consumismo ou colonização, tecnoconolização – introduzir tecnologias que não deveriam ser introduzidas.
efeefe: A própria ideia de inclusão já não me soa bem. Melhor é pensar
que não são as pessoas que precisam se adaptar às tecnologias,
em como transformar essas tecnologias para mudar a vida das
89
16 Entrevista - Alejo Duque
pessoas. Não é que o mecânico precise enviar email ou entrar
no chat, mas pensar em que tipo de tecnologia se pode desenvolver para melhorar a vida dele. Nesse sentido, a flexibilidade
possível com software livre, low tech, etc, significa que se podem
desenvolver novos dispositivos ou novos usos para dispositivos
que já existem, especificamente para aquele cara. Então acho
que é uma perspectiva que é um trabalho muito mais pesado do
que tudo que já foi feito: desenvolver múltiplas tecnologias, e não
só incluir. A mera inclusão, conceitualmente, sempre chega em
um ponto em que não é mais necessária.
Alejo Duque: Em Medelín temos um problema estrutural. Vocês no
Brasil têm uma estrutura muito maior e mais forte. Nossos grupos sao mais nômades, têm que ir de um lugar a outro com o
hackerspace porque não há um lugar fixo. É muito dificil. Existem
poucos lugares bons aonde ir. Por exemplo a Casa Três Pátios5 ,
centro para residências de artistas, onde estão muito interessados em uma aproximação da arte tradicional com a tecnologia.
Temos que resolver nossos problemas estruturais para poder operar, e então ser capazes de abrir um espaço para ser hospitaleiros
e trazer outras pessoas para gerar intercâmbios. É um metodo
de trabalho que depende 100% desse tipo de interação e fluxo de
informacao. Senão não o faríamos, estaria cada um em sua casa
trabalhando pela internet.
efeefe: Ah, então uma questão importante: qual é a relevância de ter
espaços para essas coisas? Por que as pessoas precisam de espaços e não trabalham cada um em sua casa? A ideia comum dos
medialabs é de que havia tecnologias que não eram acessíveis
às pessoas, e havia a necessidade de uma grande estrutura para
pagar por acesso, computadores, câmeras. Quando isso vai mudando, ficando mais acessível e há ainda toda a possibilidade de
5
http://www.casatrespatios.org/
90
16 Entrevista - Alejo Duque
trabalhar com computadores usados, qual o motivo de as pessoas ainda quererem se encontrar e compartilhar espaços? Não
é somente compartilhar informação, que é possivel por email e
skype, é?
Alejo Duque: O primeiro é uma coisa natural, que é o aspecto humano.
Precisamos estar em grupos. É uma coisa bonita que se vê com
alguns garotos que vêm ao grupo trabalhar. São dropouts, um
pouco deslocados, que não se enquadram, não encaixam. Têm
problemas com os grupos a que pertencem no colégio, na universidade, na carreira que estão seguindo. Problemas com o próprio
sistema da Universidade, não conseguem cumprir horários e tarefas. Mas são muito bons. Fazem tudo de sua própria maneira,
resolvem de maneira 100% criativa! E ali encontram um grupo
com o qual podem experimentar, compartilhar. Encontram um
grupo, o que é fundamental. O segundo, é quando alguém tem
um problema operacional para resolver. Por exemplo, alguém
que quer fazer uma obra interativa, com sensores, que quer passar uma mensagem para o mundo, essas coisas. Talvez tenha o
computador, encontrou documentação na internet, mas o cara
não sabe como fazer a parte eletrônica. É um pouco triste, porque
existe um nível em que as pessoas vêm ao grupo para se utilizar
do grupo, para seus fins pessoais. Por isso mesmo, uma das tarefas do grupo é trabalhar para que tudo seja entendido como um
projeto de colaboração, e você sabe como isso é complexo e difícil.
efeefe: Não achas que aqueles techs que têm a visão mais fechada na
coisa eletrônica, por exemplo, não podem também aprender com
os artistas? Há um diálogo, ou então: o que podemos fazer para
existir mais diálogo?
Alejo Duque: É uma situação que gera uma maravilha de interação. A
palavra arte é uma que não usamos. De fato eu sou o único que
teve uma formação em escola de arte. Só usamos essa palavra
91
16 Entrevista - Alejo Duque
como piada, para rir. Para dizer “estamos fazendo arte” e brincar de tudo que significa essa história de arte. Porque sabemos
bem que não queremos participar dessas economias de galeria,
curadoria e exposição. É um grupo que tem muito mais gente da
engenharia do que da arte. Eles gostam muito de poder sair da
caixa de números e produção. Para eles é uma troca. Há diferentes maneiras de fazer e contribuir. E nós que somos artistas
aprendemos muito porque os garotos têm um conhecimento e
uma metodologia de trabalho muito avançada. Outra coisa que
falamos é que o movimento do software livre é 50% do caminho
ganho. Porque todos temos muito claro que estamos dando, entregando. Não há um problema de autoria, não é começar do
zero.
efeefe: Que tipo de de estratégias se pode pensar para os grupos nômades? Para que possam compartilhar os espaços, o tempo de
uso dos espaços de maneira efetiva, sem perder a flexibilidade e
agilidade que têm enquanto grupos nômades? Porque existem
muitas vantagens no nomadismo. E ainda, muitas estruturas
existem e fazem suas próprias programações. Como conectar as
estruturas e pôr no meio do caminho os grupos nômades que
podem fazer o papel de informantes entre os espaços diferentes,
o papel de hermes/mercúrio?
Alejo Duque: Das abelhas. . .
efeefe: Isso, das abelhas. Os informantes, as abelhas, já trabalham.
Agora queremos criar estratégias para dar suporte a essas pessoas
que cumprem essa função. Porque a institucionalidade sempre
se preocupa principalmente em criar estruturas de acesso, e o
que a gente está propondo no eixo redelabs é que já existem
dezenas dessas estruturas. Então a pergunta é não somente como
apoiar essas estruturas que já existem mas também como apoiar
as coisas que existem entre as estruturas. Como criar estratégias
que façam a conexão entre as estruturas.
92
16 Entrevista - Alejo Duque
Alejo Duque: É uma pergunta maravilhosa, que tem a ver com o que
eu comentei antes: como definir o que são laboratórios em rede?
Isso se liga muito bem à situação que temos. Em Medelín existe uma organização que se encarrega de usar parte dos lucros
das empresas locais para traçar os caminhos para daqui a 25, 50
anos. São os que estão planejando o que vai acontecer estrategicamente com as pessoas que vivem na cidade. Conversei com o
vice-presidente dessa organização. Eles vêm fazendo coisas interessantes. Estão muito preocupados porque não têm ideias novas,
não encontram novas maneiras de fazer as coisas. Tiveram um
momento de êxito, fizeram capitais enormes e hoje estão assustados porque estão saindo essas makerbots6 , repraps7 [impressoras 3D] se replicando por toda parte. Quem tinha a empresa
para fazer injeção de plástico tem que estar um pouco assustado,
porque daqui a pouco todo mundo vai fazer isso em casa. Então
eles ainda têm poder, têm muito dinheiro e querem pesquisar,
fazer P&D. E sabem que precisam desses grupos pequenos que
operam por aí a partir das redes, que são rápidos e ágeis, que têm
uma velocidade que eles nunca poderiam alcançar. Eles querem
organizar essas conferências, oficinas.
Então talvez respondendo à tua pergunta: eles estão trabalhando
através dessas oficinas realizadas no Museu de Ciências, em um
espaço para comunidades. O grupo do Hackerspace vai lá e realiza oficinas de streaming, que também realizam no Museu de Arte
Moderna. Dois públicos diferentes, um na comunidade e outro
de gente que se aproxima do Museu. E também o fazem com
o pessoal de 3D rendering, que certamente conhece o Blender8 ,
6
http://makerbot.com/
7
http://reprap.org/
8
http://blender.org/
93
16 Entrevista - Alejo Duque
que é software livre, mas não sabem muito sobre outras possibilidades para compartilhar informação entre eles, e o steaming
poderia ser útil. É assim que estamos operando na colombia,
em Medelín particularmente. O Hackerspace está recebendo por
essas oficinas, que paga seus custos.
efeefe: Existe um perigo aí que já passamos no Brasil, e começamos
a mudar: a apropriação. As pessoas que têm poder e dinheiro
chamam os hackers e ativistas a trabalhar como técnicos para
projetos conceituais, que no fim das contas vão dar muito mais
dinheiro para os financiadores. Agora a gente tá pensando em
mecanismos oficiais para equilibrar a equação, para que as pessoas não tenham que vender suas almas para as instituições locais. Criar ferramentas que permitam que os coletivos autogestionados mantenham o controle sobre suas coisas e que tudo seja
compartilhado. Uma possibilidade é criar mecanismos oficiais,
e o governo entra como órgão para equilibrar: tudo vai ser em
licença livre, não se fala mais nisso. Equilibrar a relação entre
os coletivos que têm potencia e agilidade, e as instituições que
têm estrutura e dinheiro. É uma coisa de desenvolver um novo
modelo de relação entre as instituições e as pessoas/coletivos.
Alejo Duque: Uma última coisa: estávamos falando sobre se incluímos ou não quem costumava nos excluir antes?
efeefe: Acho que a rede tem essa coisa de que a generosidade traz
mais resultados do que seu oposto. Mas acho que depende muito
do contexto.
94
17 Future Everything –
Festivais como
Laboratórios Vivos
http://culturadigital.br/redelabs/2010/08/future-everything-festivais-como-la
20/08/2010
O Future Everything1 é um festival que acontece anualmente no
Contact Theatre2 em Manchester, Inglaterra. Criado há mais de 15
anos (quando ainda se chamava Futuresonic), é um dos eventos mais
importantes daquilo que estamos chamando aqui de cultura digital
experimental. Eu tive a oportunidade de participar do festival em 20083
e em 20104 .
Há alguns meses Drew Hemment, diretor do festival, escreveu um
post de blog5 contextualizando os Future Everything Labs http://futureeverything
e levantando um dos (meta-) temas da próxima edição: Festivais como
Laboratórios Vivos. Traduzo um trecho abaixo:
“A melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo”.
1 http://futureeverything.org/
2 http://www.contact-theatre.org/
3 relatos em http://efeefe.no-ip.org/blog/voltando-do-futuresonic e emhttp://efeefe.no-
ip.org/blog/social-futures
http://desvio.weblab.tk/blog/futuro-tudo e http://desvio.weblab.tk/blog/roleparte-2-velhomundo-insular
5 http://www.futureeverything.org/blog/2010/07/the-futureeverything-festival-asliving-lab-the-best-way-to-predict-the-future-is-to-invent-it/
4 em
95
17 Future Everything – Festivais como Laboratórios Vivos
Esta citação de 1971 do cientista da computação norteamericano Alan Kay, mencionada dentro da mostra artística
do FutureEverything em 2010, captura um ethos comum na
cultura digital atual.
O festival FutureEverything busca “trazer o futuro para o
presente”, agregando uma comunidade mundial de artistas, tecnólogxs e pensadorxs do futuro para compartilhar,
inovar e inventar o futuro.
O FutureEverything apresenta intervenções participativas
de arte-design que constroem futuros possíveis e possibilitam que as pessoas os habitem como experiências e
experimentos. Esses experimentos projetam e testam inovações na arte, sociedade e tecnologia, e geram ideias e
conceitos colaborativamente. Projetos artísticos participativos no festival anteveem e experienciam transformações
na sociedade ou nas tecnologias, trazendo o futuro ao presente.
A perspectiva de laboratório vivo emergiu de disciplinas
como a ciência computacional e o design. Ela implica tirar a
pesquisa do laboratório para testar ideias e protótipos com
participantes em situações da vida real. Ela vai além do
simples teste com usuários, envolvendo-os na co-criação,
experimentação e avaliação.
O laboratório vivo do FutureEverything envolve uma visão
diferente da curadoria artística, em que o curador assume o
papel de disruptor, ensaiando experimentos participativos
na vida urbana moderna que levam as pessoas a verem
problemas de maneira diferente, e contribuírem para mudanças. Ele também tem características do pensamento de
design, particularmente do design participativo.
O FutureEverything combina essas influências para transformar a cidade de Manchester em um laboratório vivo, ou
96
17 Future Everything – Festivais como Laboratórios Vivos
espaço de atuação [play space] para experimentos participativos.
O festival cria um espaço no qual as pessoas podem experimentar e atuar. As atividades podem incluir obras de arte,
protótipos de tecnologia, inovação social e projetos de design. Isso fica mais interessante quando é realmente colaborativo e as pessoas estão fora de seus papeis convencionais
– artistas fazendo espaços sociais, comunidades criando
tecnologia, tecnólogxs possibilitando que percebamos o
mundo renovado.
Em seu programa artístico e em sua conferência, o FutureEverything reúne artistas, curadorxs, tecnólogxs, pesquisadorxs,
críticxs, futurólogxs e cientistas para descobrir as pequenas faíscas que se desdobram em novas maneiras de ver
o mundo. Ele destaca mostras artísticas, oficinas, performances e intervenções, incluindo muitas estreias mundiais
– transformando a cidade em um espaço para experimentação e fazendo-a viva.
Adotando essa perspectiva, o FutureEverything pode inventar e testar novas alternativas provocadoras para desafios
na arte, sociedade e tecnologia, e contribuir para debates
internacionais na arte, na inovação social e na cultura digital.
97
18 Entrevista - Drew Hemment
http://culturadigital.br/redelabs/2010/08/entrevista-drew-hemment/
20/08/2010
Uma curtíssima entrevista que consegui fazer com Drew Hemment,
do Future Everything. Drew é diretor do festival Future Everything, que
nesse ano sediou também a Glonet (global networked event) – que
contou com um capítulo brasileiro junto com o festival Arte.Mov. Drew
esteve no Brasil há alguns anos1 .
efeefe: Faz sentido chamar os projetos que o Future Everything exibe de “cultura digital experimental”? O que você acha dessa
expressão e como isso se relaciona com o contexto mais amplo de
como as tecnologias se inserem no mundo (em termos econômicos, artísticos, sociais, ambientais, etc.).
Drew Hemment: “Cultura Digital” já foi referido anteriormente a grupos de pessoas engajando-se naquelas mídias e artes digitais que
eram relativamente fáceis de distinguir da cultura não-digital.
Hoje, à medida que o espaço digital se espalha para todas as
áreas, é muito mais difícil identificá-lo como uma área discreta.
Eu nunca usei o termo “cultura digital experimental”, mas é uma
opção possível para indicar aquelas áreas do espaço digital mais
amplo que incluem artistas, hackers, a borda mais interessante
da comunidade de desenvolvedores, etc.
1 relato
dele em http://www.futureeverything.org/blog/2010/05/exploring-sao-paulodigital-culture-in-december-2007/
98
18 Entrevista - Drew Hemment
efeefe: Eu sei que vocês têm experimentado com formatos bastante
enredados, com particular sucesso na Glonet (conferência enredada
global). Por que vocês propuseram isso?
Drew Hemment: A motivação foi em primeiro lugar a sustentabilidade ambiental – reduzindo a necessidade de viagens aéres -, e
em segundo lugar buscar novas maneiras de se estar conectado
globalmente em uma época em que a telepresença e afins se
tornaram interessantes outra vez. Os resultados podem ser vistos
em nosso blog2 .
efeefe: Que tipo de mecanismo de apoio ainda falta para propiciar a
produção de experimentação cada vez mais enredada e sustentável? Por exemplo, alguns artistas demandam alternativas de
financiamento que enfoquem menos em obras artísticas e mais
em processos, o que possivelmente levaria a produção menos
competitiva e mais cooperativa. Que papel você imagina que o
governo deve ter nesse contexto?
Drew Hemment: É uma pergunta difícil de responder sem transformar
em um grande texto que infelizmente não posso fazer agora. Eu
concordo bastante com sua afirmação. No clima econômico atual,
agora é a época de ser muito empreendedor, não no sentido de
buscar lucro, mas de ser inventivo em como se desenvolve e
apoia projetos. É o que nós mesmos estamos tentando. Não
temos todas as respostas, mas estamos definitivamente fazendo
as perguntas!
Pessoalmente, tendo a pensar que o financiamento público não
pode ser toda a resposta. . . No Reino Unido o governo não se
demonstrou muito bom em ver o valor da cultura DIY emergente
[grassroots]. O Brasil foi (algumas vezes) melhor. Ao mesmo
tempo, muitas pessoas na área valorizam sua independência. Eu
2
http://www.futureeverything.org/blog/
99
18 Entrevista - Drew Hemment
gostaria de ver os governos apoiando mais essa área, apesar de,
como eu falei antes, eu não ver financiamento como a resposta a
tudo.
100
19 Bate-papo com Gisela
Domschke
Conversei há alguns meses com Gisela Domschke1 sobre alguns assuntos relacionados aos Redelabs. Foi em 2008, quando Gisela havia
retornado da Inglaterra (onde lecionara no Mestrado de Mídia Interativa da Goldsmiths) e coordenava o LabMIS2 , que eu a conheci por
intermédio de Bronac Ferran3 . Desde então temos nos encontrado em
trilhas cruzadas, principalmente em diversos eventos em Sampa.
efeefe: Você traz uma bagagem interessante, que é essa vivência dando
aulas na Goldsmiths, na Inglaterra. E Londres é meio que o epicentro mundial do ideário da indústria criativa. É uma coisa que
me assusta um pouco. . .
Gisela Domshcke: Também a mim. Por isso me agrada o termo cultura digital experimental, já que cultura digital é algo diretamente
1 http://giselad.com- Artista e curadora, mestre em Design de Comunicação pelo Cen-
tral Saint Martins College of Arts, em Londres. Coordenou o curso de mestrado em
Mídias Interativas na Goldsmiths University, em Londres. Participou de diversas
exposições e festivais de mídia, entre eles o World Wide Video Festival (Amsterdam),
Pandemonium Festival (Londres), Lovebytes (Sheffield), Videobrasil (São Paulo), Bienal Mercosul (Porto Alegre), 24a Bienal de São Paulo (São Paulo), Whitney Biennial
(Nova York), FILE (São Paulo), ICA New Media Talents Awards (Londres). Suas obras
foram publicadas em periódicos como Creative Review, Blueprint, The Guardian e
Arco Magazine. Coordenou a criação do LABMIS, laboratório de mídias do Museu de
Imagem e do Som, onde foi responsável pela programação de eventos, workshops
e programas de residência de artistas. Foi orientadora do curso de Digital & Virtual
Design do Istituto Europeo de Design, São Paulo, e é professora da Escola São Paulo
e da FAAP. Desenvolve projetos de curadoria e produção executiva em colaboração
com instituições culturais internacionais como British Council, AHRC, Mondriaan
Foundation, Virtuel Platform e Ludic Group.
2 http://www.mis-sp.org.br/labmis
3 http://boundaryobject.org/
101
19 Bate-papo com Gisela Domschke
relacionado a indústria criativa. É o que a originou, praticamente.
Toda a indústria criativa é uma consequência dessa cultura digital
enquadrada.
efeefe: A comoditização da cultura digital. A gente está falando sobre a necessidade de experimentação que não esteja voltada ao
mercado, produto, tv digital. Essa coisa de somente criar novos
mercados. . .
Gisela Domschke: Acho que a indústria criativa realmente não traz
aquilo que você está buscando, que é a experimentação. A indústria criativa já traz em si a inserção no mercado. Não vejo
que o poder público tenha que investir nisso. Isso se desenvolve
sozinho.
efeefe: Até porque tem a ênfase em explorar patentes, e aqui no Brasil
a gente tem trazido a coisa de direito autoral alternativo, reforma
da lei do direito autoral, licenças livres, e eu acho que dá pra
investir em outros caminhos aí.
Gisela Domschke: Penso que temos que encontrar um caminho alternativo. E isso a arte faz muito bem, é o seu grande valor. A
cultura digital alternativa tem essa característica. E mais que
isso, tem um certo ativismo. Ou poderia ter. Aqui no Brasil isso
acontece em menor escala. Quando dava aula na Goldsmiths, no
mestrado de Interactive Media, um dos tópicos que lecionava em
meu curso era o ativismo, porque sempre vi aí um dos um dos
valores mais importantes e interessantes da cultura digital.
efeefe: Eu tava relendo aquela conversa na Empyre4 , em que estavas
mencionando isso. . .
Gisela Domschke: Acho que no Brasil se faz pouco nesse sentido.
Inclusão digital tem acontecido até em telecentros. Mas quando
4
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/modelos-e-perspectivas-empyre/
102
19 Bate-papo com Gisela Domschke
se fala em montar laboratórios, sem dúvida nenhuma, concordo
com você, que a questão nao é montar novos centros desses
que já estão por aí. É buscar essa excepcionalidade, que está na
conversa, nessa formação de uma rede, de troca de experiências.
Por exemplo, essa oportunidade de você ir pra lá e participar
desse encontro [nota: eu havia acabado de retornar do labtolab 5 ,
em Madrid] ocasiona muitas ideias, é uma coisa inspiradora. E
sem dúvida nenhuma pra eles também. Isso tem que acontecer
mais, com mais frequência. Inclusive no Brasil.
efeefe: O que é estranho é que eu tive que ir pra Madrid pra conhecer
o pessoal de Buenos Aires, de Córdoba, Santiago, Lima, Medellín,
etc.
Gisela Domschke: E ainda depende do CCE http://ww2.ccebrasil.org.br/
proporcionar esse encontro. É realmente um cenário que poderia
ser mais facilitado com o apoio do poder público.
efeefe: Um caminho que a gente conversou várias vezes nos últimos
anos é a ideia de itinerâncias, em vez de residências. Aqui no
Brasil o pessoal que está mais ativo tem um aspecto de circulação
muito mais aprofundado do que o relacionamento com uma
comunidade específica, um lugar específico. A residência tem
essa coisa de levar a pessoa pra se aprofundar em um contexto,
mas aqui a gente tem muito mais a circulação. Daí a gente pensar
em um programa de itinerâncias, pegando grupos de artistas e
fazendo eles circularem, passar duas semanas em um lugar, duas
semanas em outro.
Gisela Domschke: Levando alguma coisa. . .
efeefe: Sim, levando. E fazer um projeto ao longo do itinerário, ou trabalhar, interferir nos projetos que estão acontecendo localmente.
5
http://desvio.weblab.tk/blog/labtolab-dia-dia
103
19 Bate-papo com Gisela Domschke
Sair desses modelos fixos. Porque o referencial de medialab tem
esse aspecto de fixo, estável.
Aliás, eu queria te ouvir por causa do teu tempo lá fora e da experiência com o LabMIS. Eu estou considerando que existem dois
modelos básicos de medialab6 – um é aquela coisa do MIT7 , a
grande estrutura de cima pra baixo, que surge na encruzilhada entre Universidade e Indústria pra criar patentes e produtos. Muitas
vezes ideias bem intencionadas mas que se baseiam sempre em
criar novos produtos, como o OLPC8 , computação vestível, Lego
Mindstorms9 . Tem essa coisa de propor uma solução pro mundo
criando novas coisas. É um modelo baseado naquela ideia de
inovação industrial, sempre com o risco de acabar caindo na
apropriação pela indústria bélica, etc. E tem outro modelo de
medialab, que eu vi mais no Medialab Prado 10 , Hangar11 , nos
primórdios do Waag12 . Uma coisa mais ativista, que vem dos
grupos squatters e artistas engajados, que precisavam ter acesso
a ferramentas de mídia. E abriram, criaram espaços, um movi6
http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/laboratorios-de-midia-referencias/
7
http://media.mit.edu/
8
http://laptop.org/
9
http://mindstorms.lego.com/
10
http://medialab-prado.es/
11
http://hangar.org/
12
http://waag.org/
104
19 Bate-papo com Gisela Domschke
mento situado. Mas agora o momento é outro. Não é tanto ter
acesso a ferramentas de mídia. E pra nossa realidade, falar em
inovação é uma coisa complicada, porque a indústria aqui em
geral importa inovação de fora. E fica essa questão, qual é a natureza dessa experimentação que a gente quer fazer? O que é
necessário aqui no Brasil? Ou então, qual é o modelo de espaço
ou articulação e estratégia nessa intenção experimental que não
seja necessariamente a ideia de laboratório com grandes computadores novos e brilhantes. Hoje isso tem em toda parte, salas
de aula, até telecentros, 3G, celular, o momento é outro.
Gisela Domschke: Acho que é a qualidade do humano que a gente
tem que buscar. E isso tanto no trato com a tecnologia quanto
no trato entre nós, humanos. Acho muito importante ver quem
vai colaborar nesse projeto. Não adianta investir em tecnologia
de ponta e ter pessoas que não possuam a compreensão dessa
dimensão experimental, porque aí não acontece. E isso é uma
coisa muito rara. Criar uma estrutura que possibilite que as pessoas possam trabalhar, criar e passar isso adiante, fazer florescer.
Penso que é basicamente por aí que temos que direcionar o projeto redelab. O exemplo do LabMIS. Eu vim de Londres muito
com esse tipo de abordagem. Nosso curso era parte do programa
do centro de estudos culturais, onde existia uma interdisciplinaridade. Tínhamos alunos voltados para a indústria, mas também
alunos voltados para a arte. E outros para o ativismo.
Quando cheguei em São Paulo e soube que o MIS planejava abrir
um laboratório – um laboratório em um museu público – vi a
possibilidade de se criar algo excepcional. Em termos de formato,
a gente tinha que atender às reivindicações de vários artistas que
estavam lá como orientadores. Tinha pessoas de diversas áreas,
cada um propondo uma lista de equipamentos. A gente teve que
pegar o orçamento e ver o que podia fazer para atender às diversas demandas. Criamos um laboratório de edição de vídeo com
máquinas da Apple e fibra ótica. Mas criamos em outra sala um
105
19 Bate-papo com Gisela Domschke
lab de desenvolvimento de interfaces. A ideia naquela sala era ter
linux, sensores, placas arduino13 , ferramentas, etc. Aquela sala
era um espaço dedicado a essa cultura digital alternativa, até te
chamei. . .
efeefe: É, a gente conversou na época. . .
Gisela Domschke: O espaço também pode ser fundamental, o espaço
é necessário. Tem esses dois elementos, o espaço e o humano.
E vontade, dedicação. Com isso acho que se pode fazer o que
quiser.
efeefe: Outra coisa que a gente está pensando é como desenvolver
arquiteturas de diálogo. Arquiteturas que facilitem a troca.
Gisela Domschke: você vê, os Zapatistas14 podem ser uma grande
inspiração em termos de arquitetura de comunicação. Como é
que a gente não consegue fazer isso acontecer hoje? O Brasil pode
ser bem desconectado. . .
efeefe: Em um sentido é, mas no outro não!
Gisela Domschke: No outro não, claro. Mas ainda assim. As pessoas
aqui em São Paulo falam do Acre como se fosse “o fim do mundo”!
efeefe: Tem duas coisas diferentes, uma coisa é o Brasil e outra é
São Paulo. São Paulo é um caso à parte no Brasil, justamente
nisso de estar à parte. Eu vejo muito mais intenção, por mais
que às vezes não aconteça até porque não tem recursos, mas
muito mais vontade e abertura pra diálogo fora de sampa do que
aqui. Aqui tem um pouco mais de recursos, mas tem muito mais
13
http://arduino.cc/
14
http://www.ufscar.br/rua/site/?p=2538
106
19 Bate-papo com Gisela Domschke
competição. Não tem muito essa disposição pro diálogo. Tem
bastante ativismo, mas os ativistas torcem a cara pra arte.
Gisela Domschke: essas segmentações eu não entendo.
efeefe: Tem essa coisa da competição, e por isso eu penso em arquiteturas de diálogo. Como a gente faz um processo que todo mundo
se sinta à vontade pra se apropriar.
Gisela Domschke: Um pode dialogar com outro, e aí criar outras
coisas, não?
efeefe: Mas pra isso é necessário um papel de mediação. . .
Gisela Domschke: É aí que entram em cena essas figuras importantíssimas – os mediadores. Não é tanto administação, mas mediação
o que é necessário.
efeefe: Durante o Labtolab em Madrid, uma das conversas que aconteceu era sobre residências, intercâmbios, etc. Uma integrante
do Medialab Prado sugeriu que não deveria haver residências só
dos artistas, mas também dos mediadores culturais, de pessoas
que estão envolvidas com outras coisas, mas são fundamentais
pro que acontece em cada um dos labs. Pensar nesse tipo de
intercâmbio também: de gestão, não só de produção. E pensar
circuitos. Eu quero acreditar que está se formando no Brasil nos
últimos anos um circuito de eventos e espaços. Antes eram coisas
mais esporádicas, isoladas. Hoje já tem, só aqui em Sampa, o
Arte.Mov15 , o FILE16 , o Reverberações17 , a programação do Itaú
15
http://artemov.net/
16
http://file.org.br/
17
http://reverberacoes.com.br/
107
19 Bate-papo com Gisela Domschke
Cultural18 , do MIS19 , Matilha Cultural20 . Um monte de coisas
acontecendo, e todas estão em contato. A gente vê as mesmas
pessoas participando, e isso acaba se tornando um circuito que
pode ser trabalhado, desenvolvido. Que já é mais do que existia
há alguns anos. Eu lembro de 2003 no Mídia Tática Brasil21 , que
foi o primeiro momento de contato entre um monte de gente do
Brasil inteiro.
Gisela Domschke: Foi em 2003 que veio o Barbrook?
efeefe: Isso, veio o Barbrook, o John Perry Barlow, e o Gil ali no meio.
Foi um momento de efervescência. Antes daquilo era meia dúzia
de pessoas em cada cidade grande do Brasil que se encontrava pra
fazer umas coisas e dialogava muito mais com o que acontecia
fora. E aí começou uma integração, intercâmbio entre as pessoas
daqui. Depois vieram os pontos de cultura, fez um tipo de contato
entre as pessoas mas era uma coisa muito mais utilitária. “Esse
ferramental aí de tecnologia e mídia. . . como é que usa isso
pra alguma coisa?”. E nunca teve o momento de aprofundar no
que é o isso, qual o isso que a gente quer propor. Sempre foi o
“como é que isso serve pra alguma coisa”. Então, tem um monte
de gente que tem potencial, que tem um histórico interessante
de produção experimental, mas que teve que se encaixar nos
formatos possíveis. Gente que não aguenta mais dar oficina. Mas
que não tem a estrutura, o interesse, a paciência pra entrar no
18
http://itaucultural.org.br/
19
http://mis-sp.org.br/
20
http://matilhacultural.com.br/
21
http://mtb.midiatatica.info/
108
19 Bate-papo com Gisela Domschke
jargão do financiamento tradicional de projetos experimentais.
E é daí que surge essa pergunta, como é que a gente faz pra
essas pessoas poderem trabalhar, contemplando toda a visão de
processo e não só da obra, da produção, do que pode ser exibido
nos circuitos tradicionais.
Gisela Domschke: Ontem mesmo numa discussão, levantei essa questão:
aqui no Brasil a gente não tem nenhum edital para pesquisa no
campo da arte. Você sempre tem que entregar um produto cultural. Pra quê? Pra ir lá e fazer a contabilidade no final. Tira foto e
manda. Estava comentando sobre essa necessidade de se abrir
esse espaço, esse apoio para pesquisa. O British Council22 fez um
pouco isso com o Artist Links. Nesse programa a gente não tinha
a necessidade de entregar um produto cultural. Uma coisa tão
bacana, mas que infelizmente não terá continuidade. Uma pena.
Faz-se três anos na China, três anos no Brasil, e então rumo ao
próximo Bric.
efeefe: Cumprir agenda.
Gisela Domschke: Acho bem complicado isso dentro do momento atual da globalização. Muitas vezes a troca cultural segue interesses
econômicos.
efeefe: É mais pra mostrar lá do que aqui.
Gisela Domschke: Mais pra mapear realmente, e ver onde eles se
situam. Compreender a cultura local seria a etapa inicial para
futuros relacionamento de negócios.
efeefe: Pra estabelecer controle. Eu estou conversando com o consulado da Holanda de novo porque eles querem uma atualização
do mapeamento de cultura digital no Brasil23 feito em 2009. Mas
22
http://www.britishcouncil.org/br/brasil.htm
23
109
19 Bate-papo com Gisela Domschke
agora a gente quer fazer em português, e depois traduzir. Porque
isso pode ser interessante pra gente mesmo e pra outros contextos. Isso pode ser um começo de troca.
Gisela Domschke: O Brasil mesmo poderia fazer esse tipo de mapeamento. E como funciona? A Holanda vai e aponta umas pessoas.
Poderiam existir outras formas de se fazer um mapeamento.
efeefe: Eu já propus pra eles de fazer um wiki. A gente vai e escreve
sobre tal organização, mas quero que o pessoal da organização
também vá lá e escreva.
Gisela Domschke: Nosso Ministério da Cultura poderia conhecer um
pouco mais sobre o que está acontecendo no país. Mesmo nós,
não conhecemos tudo. Para o redelabs, esse conhecimento seria
fundamental.
efeefe: A gente está pensando nessa questão de trabalhar nos espaços
inter-institucionais. E tem essa dificuldade de fazer as estruturas
não só entrarem na conversa, mas também cada uma delas ceder
espaço, tempo, conhecimento para uma rede que se forma também fora delas.
Gisela Domschke: A troca com a instituição pode trazer um conteúdo diversificado. Não precisa só estar na Bienal24 , no MAC25 ,
etc. Poderíamos, por exemplo, ter uma rede no Teatro Oficina26 .
Teatro é um ambiente que pode trazer coisas interessantes em
http://www.virtueelplatform.nl/en/#2646
24
http://www.fbsp.org.br/
25
http://www.mac.usp.br/mac/
26
http://teatroficina.uol.com.br/
110
19 Bate-papo com Gisela Domschke
termos de linguagem. Pode ter um nó dessa rede em um espaço
de música. De certa forma, criar uma interdisciplinaridade, mas
usando instituições que já são focadas em certas linguagens. E
na rede a interdisciplinaridade acontecer com pessoas que são
especialistas.
efeefe: Sim. A gente está querendo fugir um pouco da imagem de
media lab pra sair das limitações. . .
Gisela Domschke: É necessário trazer o humano!
efeefe: . . . e pensando em laboratórios em rede, o que dá pra interpretar de uma forma positiva.
Gisela Domschke: Seria uma coisa tática, de guerrilha mesmo. Ocupar esses espaços todos. E criar comunicação entre eles. Só isso
já seria um grande gol.
efeefe: A questão é: o quê propõe nisso? Como começamos?
Gisela Domschke: É aí que entra esse diálogo com cada instituição
ou organização. Seguindo o exemplo, no Teatro Oficina: aconteceria uma coisa ali com o Zé Celso totalmente diferente do que
aconteceria com a Ana Magalhães no MAC. Daí se criam focos de
ideias totalmente diversificados.
efeefe: Um campo de improbabilidade.
Gisela Domschke: E não fica aquela coisa de gueto, porque a rede
está comunicando a diversidade. Essa interdisciplinaridade seria
a grande transformação. Esse diálogo. E aí pensando naquele mapeamento. . . há de haver milhares de instituições/organizações
pelo Brasil afora, com as quais a gente não consegue se comunicar. A redelabs viria para interferir nesta situacão. Aquele site
do Minc, o Cultura Digital, talvez fosse uma tentativa de fazer isso.
Mas não adianta vir de cima.
111
19 Bate-papo com Gisela Domschke
efeefe: Eu estava conversando com o Mushon Zer Aviv27 , que é ligado
ao Eyebeam28 em Nova Iorque. Ele levantou uma questão: como
promover a colaboração sem obrigar as pessoas a colaborarem?
Tem também o texto do Geert Lovink, O princípio da inconexão
(traduzido ao português por Thiago Novaes), que fala que um
dos elementos principais da colaboração é que as pessoas podem optar por não colaborar. Se elas não puderem escolher não
colaborar, não é colaborativo de verdade. Ele critica ali todas as
estruturas que pensam a colaboração a partir da obrigatoriedade
da colaboração.
Gisela Domschke: Concordo. E a rede apenas pela rede não é suficiente. Tem que ter o humano, e o presencial.
efeefe: E liberdade. O que eu acho legal no Eyebeam é que eles têm um
programa de bolsas29 pras pessoas ficarem um tempo fazendo o
que quiserem. É um caminho interessante: um formato aberto
o suficiente que banque as pessoas produzindo – o processo
mesmo – mas que vincule essa produção a algum espaço físico.
O cara pode até propor de fazer na garagem da casa dele. Deixar
indeterminado. Um resultado possível dessa nossa investigação
de Redelabs é ouvir que o laboratório físico o cara pode ter em
casa.
Gisela Domschke: Essa flexibilidade é fundamental. O laboratório é
essa atitude de querer experimentar, de fazer alguma coisa.
efeefe: E aí a gente vai pro teatro, e laboratório tem outro significado.
Gisela Domschke: Por isso que eu acho bacana esse trânsito. Talvez
um sistema de bolsas de apoio a experimentação e fluxo. Porque
27 http://mushon.com
28 http://eyebeam.org
29
http://www.eyebeam.org/get-involved-fellowships/calls/open-call-eyebeam-fellowships-2010
112
19 Bate-papo com Gisela Domschke
assim não tem aquela coisa de sobrar lá uma sala com equipamentos que não são utilizados.
efeefe: E tem um monte de elementos novos. Um exemplo fácil é
o celular com internet. Tem toda uma questão aí, que a base
é comércio, empresa, dinheiro. Mas tem por outro lado uma
liberdade que a gente ainda não conseguiu explorar. Se ficarmos
presos no modelo de medialab, a gente não vai conseguir explorar
isso tudo. E as pessoas não vão ocupar o espaço, vão esperar a
indústria trazer a inovação de fora, sem nenhum questionamento
além da rejeição total. E isso não muda nada.
Gisela Domschke: Muito legal o questionamento. Acho que é isso,
pensar mesmo “pra quê” existir o laboratório hoje em dia.
113
20 Conversa com Cesar
Harada
http://culturadigital.br/redelabs/2010/09/conversa-com-cesar-harada/
15/09/2010
No começo do ano, eu estava dando uma vasculhada no site do
projeto Opensailing1 , que concorria à premiação do festival Future
Everything2 . Já tinha ouvido falar dele, e pareceu que podia ter alguma relação com o cenário aqui em Ubatuba3 . Resolvi entrar em
contato com Cesar Harada4 , idealizador do projeto. Cesar é um francês
de ascendência japonesa que desenvolveu seu mestrado no RCA, em
Londres, e depois recebeu uma fellowship do TED5 (entre outras conquistas6 ). Ele respondeu-me entusiástico, dizendo que me conhecia
– havia assistido à apresentação que fiz no RCA com Ruiz e CV7 , há
uns dois anos. Falou que admirava as posições e táticas da MetaReciclagem8 . Na época, ele estava em Londres desenvolvendo protótipos
para o Opensailing.
Quando eu comecei a pesquisa redelabs, comecei uma conversa/entrevista
com ele. Cesar estava no Quênia desenvolvendo a World Environment
1 https://sites.google.com/a/opensailing.net/www/
2 http://futureeverything.org/
3 http://ubalab.org/
4 http://cesarharada.com/
5 http://ted.com/
6 http://cesarharada.com/timeline/
7 http://pub.descentro.org/wiki/brazilian_medialogies_system_learnings%20no%20RCA
8 http://rede.metareciclagem.org/
114
20 Conversa com Cesar Harada
Action9 , e a caminho de Boston para começar a trabalhar em um laboratório do MIT10 . Nossa conversa já começou com uma mudança:
Cesar: Eu acabei de me demitir, ontem (07/07), de uma posição na
Escola de Arquitetura SENSEable City Lab11 (MIT), mas me ofereceram
outra vaga no departamento de artes do MIT Media Lab12 a partir de
outubro até janeiro de 2011. Mas eu não sei mais quão relevante isso é.
Eu quero focar em oceano e pesquisa, não na mídia que cerca isso.
efeefe: Como o Media Lab do MIT difere do que se pode encontrar
em instituições em Paris e Londres?
Cesar: A cena de arte e mídia em Paris e na França em geral são
bastante apoiadas pelo estado. A arte que sai de lá é muito oficial e
“antiquada”. Ela precisa de alguma maneira ter uma conexão com a
história da arte ou referências fortes. Uma comunidade underground
no Ministério da Cultura está sempre fazendo exposições extravagantes
com dinheiro maluco. A arte e mídia na França é em grande parte
financiada pelo DICREAM13 e museus públicos locais como Le Cube14
e o 10415 .
Existe um pequeno grupo emergente de coletivos underground que
fazem cada vez mais movimento como a Ars Longa16 , e uma cena
squat bem underground está surgindo também, mas crescendo muito
devagar.
Então Paris é em grande parte institucional e muito intelectual,
crítica, enraizada na filosofia francesa.
Em Londres é muito diferente. A cena de design interativo é muito
mais comercial. Na arte-mídia existem umas poucas instituições que
podem bancar prospecção, mas elas são muito boas. A cena de arte
britânica em geral é muito mais provocativa e mais rasa do que a
9 http://w-e-a.org/
10 http://mit.edu/
11 http://senseable.mit.edu/
12 http://media.mit.edu/
13 http://www.cnc.fr/Site/Template/T11.aspx?SELECTID=306&id=217&t=1
14 http://www.lesiteducube.com/
15 http://www.104.fr/
16 http://www.arslonga.fr/
115
20 Conversa com Cesar Harada
francesa, mas também mais dinâmica e mais ligada ao mundo da
mídia do que ao mundo da arte.
Nos EUA o Media Lab está quase totalmente incorporado à indústria.
No laboratório onde eu trabalhava, nenhum projeto é independente.
Cada projeto tem um financiador externo. Com exceção de poucas
e ótimas exceções, o Media Lab do MIT é extremamente comercial e
apoiado comercialmente. O melhor exemplo é o próprio motivo da
minha saída.
O laboratório me pediu para desenvolver uma tecnologia para limpar
a mancha de óleo [do vazamento no Golfo do México]. Eu projetei
máquinas para limpar o vazamento de óleo. Mas eles queriam me
forçar a trabalhar com uma nanotecnologia que só estará disponível
depois de 2020. A ideia deles era pegar 20 milhões de dólares, dividir entre dois laboratórios e desenvolver o conceito das máquinas, em vez de
soluções reais. O laboratório estava recorrendo a fundos de emergência
para levantar recursos para uma tecnologia que não era adequada para
solucionar emergências. Mas eles não se incomodam em usar dinheiro
de pessoas que estão passando por problemas agora. Eles só querem
associar arte e ciência, aparecer e ficar ricos rapidamente.
Então eu decidi que estava mais interessado em ter impacto real
no meio ambiente. Então estou saindo para tentar desenvolver eu
mesmo a tecnologia. Porque o Media Lab trabalha com mídia, não
mais com ciência. A política do laboratório de cidades SENSEable do
MIT é extremamente proprietária. No momento que eu entrei lá, tive
que assinar um papel dizendo basicamente que minha alma pertence
ao MIT. Meu coordenador tenta patentear todas as nossas ideias, fazer
o máximo possível de dinheiro, mesmo em projetos humanitários. . .
Então, acho que você pode entender por que eu estou tão feliz de sair.
Eu estava no ninho de cobras. Eles são loucos, totalmente o oposto da
MetaReciclagem. São tão antiquados em seu jeito de fazer negócios!
Além disso, o MIT é incrivelmente hierárquico. Eu era coordenador
de pesquisa, dando ordens para dez pessoas. Isso não é o meu jeito
de fazer as coisas. Eu sou mais distribuído, gosto de tratar as pessoas
116
20 Conversa com Cesar Harada
como humanos, não como escravos.
Então eu posso dizer com confiança que o Reino Unido é o mais
voltado para o futuro (ficção – 2030), a França é orientada à arte (salto
poético a 2020) e o MIT é incorporado ao mercado (2011). Minhas
expectativas do MIT eram totalmente diferentes. Eu estou desapontado
por eles serem tão antiquados. Eles têm excelentes ideias, mas não
desafiam estruturas sociais, e não pensam além daquilo que a indústria
deixa eles pensarem.
No fim das contas, eu aprendi um monte. Eu ficaria muito feliz
em ajudar a construir, por exemplo, novos modelos de laboratórios
no Brasil, se o tempo permitisse. Eu entendo que o MIT Media Lab
parece muito bom, olhando de fora. Mas acredito que há muitas outras
(e melhores) formas de organizar uma estrutura social para produzir
inovação.
Eu vim ao Media Lab pensando nele como uma casa de produção.
Acredito que teria sido melhor se eles estivessem trabalhando mais
colaborativamente e de forma mais aberta. Além disso, o fato de que
eles têm ligações tão fortes com a indústria os transforma em agências de publicidade semi-corruptas. Então, acredito que existem um
monte de coisas para aprender com o MIT, mas por outro lado muitos
vícios podem ser evitados com nossa forma de pensar – algo como um
híbrido de MetaReciclagem, Open Sailing e Media Lab – uma entidade
estranha.
Um exemplo interessante que eu encontrei é o Kitchen Budapest17 .
Eu só ouvi coisas boas sobre eles: Cada pesquisador tem um pagamento
fixo. Cada pessoa passa 80% do tempo em projetos pessoais, 15%
em colaboração, 5% para o laboratório em geral. Muito produtivo,
um monte de diversão, espaço aberto, bom relacionamento com a
indústria, políticas open source, tudo de bom!
[Há duas semanas, Cesar me mandou outro e-mail:]
A situação no Golfo estava OK até o fim de agosto, mas eles pararam
grande parte do esforço de limpeza do mar porque a mídia está ocu17 http://www.kitchenbudapest.hu/en
117
20 Conversa com Cesar Harada
pada com outras coisas. . . eu estou no momento em Seoul, na Coreia,
trabalhando em um protótipo para a máquina de limpar óleo. Encontramos também um patrocinador e alguns contatos interessantes –
assim espero.
118
21 O futuro dos laboratórios
http://culturadigital.br/redelabs/2010/10/o-futuro-dos-laboratorios/
17/10/2010
No fim do ano passado, os Baltan Laboratories1 de Eindhoven (Países
Baixos) organizaram uma conferência bastante interessante chamada
“O Futuro do Lab”. O objetivo era reunir 35 integrantes de diversos
laboratórios2 em toda a europa, além dos laboratórios holandeses. Durante o evento, foi construído um mapeamento colaborativo3 com
o objetivo de “explorar o futuro do laboratório de mídia. Pediu-se
aos participantes que discutissem como o laboratórios está mudando,
como essas mudanças podem ser encaminhadas a uma direção interessante e como a colaboração entre os diferentes laboratórios pode ser
facilitada”.
O site do Baltan conta com bastante documentação relacionada à
conferência4 . Algumas coisas são bem interessantes: o pessimismo
de Andreas Broeckmann – que apresentou o case da Tesla5 – sobre a
viabilidade de criar um medialab em Berlim nos dias de hoje, e algumas
experiências na Austrália, relatadas por Melinda Rackham6 . Também
é interessante ler o relato sobre a fala de Horst Hörtner, diretor do Ars
1 http://www.baltanlaboratories.org/
2 http://www.baltanlaboratories.org/?p=1420
3 http://www.baltanlaboratories.org/?p=1599
4 http://www.baltanlaboratories.org/?cat=53
5 http://www.baltanlaboratories.org/?p=1621
6 http://www.baltanlaboratories.org/?p=1610
119
21 O futuro dos laboratórios
Electronica Futurelab7 , na sessão de abertura8 . Ele levanta algumas
questões que já passaram aqui pelo blog Redelabs: “Como a gente
lida com a decrescente necessidade de infraestrutura técnica, uma
coisa que os primeiros media labs ofereciam? As comunidades online
abertas e colaborativas são os novos media labs? (. . . ) Para Horst, uma
das possibilidades está nas tecnologias convergentes e na necessária
interdisciplinaridade dessas tecnologias. (. . . ) existe a necessidade
de um forte intercâmbio de pensamentos e tópicos em um grupo de
pessoas experiences – mas isso não é totalmente realizável via plataformas online. Os media labs têm um papel chave como plataforma para
fomentar esse intercâmbio, acesso e contexto para artistas e designers
em relação a novas tecnologias e desenvolvimentos científicos”.
Questões como a relevância do termo “laboratório de mídia”, abertura e o laboratório de 2030 apareceram em diversas conversas9 . Não
poderia faltar também a eterna crise de identidade: O que é um media
lab10 ? Algumas visões interessantes ali, dentre as quais eu destaco a de
Walter van der Cruijsen (TAC, Eindhoven): “um laboratório é algo que
acontece fora do âmbito oficial, algo que é de baixo para cima, onde as
pessoas encontram umas às outras porque têm suas próprias maneiras
de reinventar a tecnologia. Então não se trata tanto de novas mídias,
mas mais de velhas mídias e o que se pode realmente fazer com elas”.
A conferência teve uma repercussão bastante relevante. Angela
Plohmann, uma das integrantes do Baltan, participou do Labtolab11
em Madrid em junho (eu a conheci lá, e relatei o labtolab no blog
Desvio12 ). Houve também uma sessão sobre o futuro dos labs durante
a ISEA 201013 , o lançamento de um livro com contribuições de alguns
participantes14 e uma apresentação durante o Ars Electronica 201015 .
7 http://www.aec.at/futurelab_about_en.php
8 http://www.baltanlaboratories.org/?p=1627
9 http://www.baltanlaboratories.org/?p=1684
10 http://www.baltanlaboratories.org/?p=1899
11 http://labtolab.org/
12 http://desvio.weblab.tk/blog/labtolab-dia-dia
13 http://www.baltanlaboratories.org/?p=2096
14 http://www.baltanlaboratories.org/?p=2194
15 http://www.baltanlaboratories.org/?p=2212
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