SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO EM NOVA DIMENSÃO
D1: Antonio José F de S. Pêcego (*)
SUMÁRIO: 1 Crise no sistema carcerário. 2 Breves considerações sobre a
origem do sursis antecipado. 3 O novo conceito de crime de menor potencial
ofensivo. 4 Reflexos na Suspenscio Condicional do Processo. 5 Ampliação da
abrangência. 6 Conclusão.
1 Crise no sistema carcerário
De longa data que a situação caótica do sistema carcerário neste país se
vem agravando, sendo atualmente do conhecimento público e notório a sua falên
cia sob diversos aspectos, dentre os quais a situação de os Estados terem
que arcar com os presos que cometem crimes federais em face da inércia da União
em construir penitenciárias ou presídios federais.
Assim, a administração do sistema deveria ser compartilhada entre a
União, Estados e Municípios, sempre buscando manter o preso - produto da socie
dade em que vivemos - próximo de seus familiares, dando-lhe melhores condições
de habitação, alimentação, ocupação, assistência médica e higiene no cárcere, de
forma a efetivamente promover uma reeducação e ressocialização do sentenciado,
permitindo a sua reinserção social de forma mais concreta e não só formal, afas
tando de vez esse estigma de que as prisões hoje são depósitos de pessoas huma
nas diante do descaso e abandono por parte das autoridades constituídas.
O sentenciado já está pagando pelo crime que cometeu com o cerceamento
legítimo de sua liberdade, não sendo humano deixar de reconhecer os seus direitos à
progressão de regime prisional e outros. Pois, a partir do instante em que inexistem
pólos regionais da Comissão Técnica de Classificação ou até mesmo do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, exceto nos grandes centros, os direitos
públicos subjetivos (progressão, livramento condicional...) surgem nas mais longín
quas cadeias públicas onde cumpre pena irregulannente por falta de vaga no sistema.
Como os direitos subjetivos não são apreciados a tempo e modo por inércia do
Estado, permanece o preso vinculado a regime a que não mais faz jus. Constitui essa
anomalia uma verdadeira afronta aos direito� humanos, tomando o encarceramento
um ato arbitrário (Decreto 678, de 06.11.1Q91 - Pacto de São José da Costa Rica).
(*).luiz de Direito de Minas Gerais. Pós-graduando en, Direito Público pe.a PUC/MG. Membro do
Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Mcmbri do Instituto i->ras1teiro de Ciências Criminais
- IBCCrim/SP. Conselheiro Cientifico. Consultivo e i.. s�al do Instituto de Ciências penais-lCP
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Por outro lado, é sabido que a prisão atua em uma de suas vertentes como
fator de criminalidade e que a "verdade é que, mesmo nas moderníssimas prisões
construídas na Europa - como na Suécia, na Suíça - e nos EUA, apesar da preo
cupação de pôr em prática as idéias de reforma apontadas pela doutrina, fracas
saram completamente. Qualquer que seja o estabelecimento prisional, os índices
de reincidência continuam muito altos. De modo que se pode dizer que os réus
apenados com outras penas que não sejam as de prisão reincidem em muito
menor número do que os que vão, efetivamente, para a cadeia".'
2 Breves considerações sobre a origem do sursis antecipado
A Suspensão Condicional do Processo, ou sursis antecipado, !1ª correta
denominação dada pelo Professor Weber Martins Batista, que idealizou tão
importante e moderno instituto de natureza mista (penal e processual), à época
chamou de "Suspensão Condicional do Procedimento" porque visava a sua ocor
rência antes do oferecimento ou recebimento da denúncia nos crimes de pequena
gravidade; todavia assim não ocorreu - a meu sentir mais acertadamente - quando
da introdução do art. 89 na Lei 9.099/1995, fazendo jus ao nome de Suspensão
Condicional do Processo.
Ao tratar das vantagens processuais do instituto, em uma das passagens, o
insigne Professor asseverou com propriedade:
r
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de crime de menor potencial ofensivo contido no art. 61 da Lei 9.099/1995, der
rogando-o ao conceituar de forma inovadora essas infrações penais como "os cri
mes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa" (art. 2º,
parágrafo único, da LJEF).
Não restam dúvidas de que a Suspensão Condicional do Processo, nos ter
mos constantes do art. 89 da Lei 9.099/1995, sempre esteve ao alcance dos crimes
de menor potencial ofensivo de outrora (art. 61), assim como dos de média gravi
dade ao se aplicar a todo e qualquer delito em que a pena mínima privativa de
liberdade fosse de OI (um) ano de detenção ou reclusão, limite máximo que vigo
rava para a aplicação aos crimes de menor gravidade da Lei 9.099/1995.
4 Reflexos na Suspensão Condicional do Processo
.Com efeito, não se pode negar uma evolução nas políticas criminais de
descarcerização e despenalização que inspiraram os legisladores das Leis
9.099/1995 e 10.259/2001, com uma maior ingerência dos defensores do direito
penal mínimo em detrimento dos simpatizantes do movimento Lei-Ordem, nem
que a amplitude do conceito dos crimes de menor potencial ofensivo (pequena
gravidade) gerou reflexos nos crimes que lhes seguem de média gravidade.
"A preocupação maior dos ap/icadores da lei está voltada para a verdadeira
impunidade dos criminosos de alta periculosidade, que - esta sim - já existe entre
nós, porque, por excesso de trabalho, não processamos com a rapidez necessária e.
por falta de lugares nos presídios, não prendemos os autores de crimes mais graves.
Assim, há de existir um marco, sob pena de se dar ensejo a uma fusão na
base delimitadora fixada outrora pelo legislador quando disse que crime de menor
potencial ofensivo era aquele cuja pena máxima privativa de liberdade não era
excedente a O1 (um) ano e que este seria o limite mínimo de todo o crime não
abrangido pela Lei 9.099/95, que teria igualmente direito ao benefício da
Suspensão Condicional do Processo.
As varas criminais das grandes cidades andam afogadas em processos.
entre os quais feitos por crimes violentos. Aí estão as quadrilhas de assaltantes,
os traficantes de drogas, um sem número de criminosos violentos, da mais alta
periculosidade, a exigir dos juízes mais atenção, maior severidade de tratamen
to, mais tempo do que têm".'
Nessa linha, com visão contemporânea digna de elogios, encontra-se
importante julgado à unanimidade da 5" Turma do Superior Tribunal de Justiça,
que teve como Relator o Ministro Felix Fischer:
3 O novo conceito de crime de menor potencial ofensivo
De forma majoritária, a doutrina e a jurisprudência já pacificaram que a Lei
dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259, de 12.06.2001) ampliou o conceito
' BATISTA, Weber Martins. Suspensão Condicional do Procedimento. SEPARATA - Revista
Farense. v. 284, p. 02.
'!d, ib., p. 06.
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"Súm. n. 243-ST.J. Limite. Dois Anos. -A lei n. /0.259/2001, ao definir as
infrações penais de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois anos
para a pena mínima cominada. Daí que o ar/. 6 J da lei n. 9. 09911995 foi derro
gado, sendo o limite de um ano alterado para dois, devendo tal mudança ser
acrescentada à parte final da Súm. n. 243 desta Corte. visto que as alterações da
lei penal que são benéficas para os réus devem retroagi!'. A Turma deu provimen
to ao recurso para ajàstar o limite de um ano e estabelecer o de dois anos para
a concessão do beneficio da suspensão condicional do processo. RHC
12.033-MS, Rei. Min. Felix Fischel'. julgado em 13.08.2002. Informativo STJ n.
/ 42 de 12 a /6.08.2002)".
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Dessa forma, o novo marco seria o limite de dois anos da pena privativa de
liberdade, como máximo, para definir a competência do Juízo Penal Especial e
permitir a concessão do benefício, e, como mínimo, para definir os diversos cri
mes de média gravidade que teriam direito igualmente à Suspensão Condicional
do Processo.
caput, do CP (Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou
aéreo); 29. Art. 265, parágrafo único, do CP(Atentado contra a segurança de ser
viço de utilidade pública); 30. Art. 266, parágrafo único, do CP (Introdução ou
perturbação de serviço telegráfico ou telefônico); 31. Art. 271, caput, do CP
(Corrupção ou poluição de água potável); 32. Art. 288, parágrafo único, do CP
(Quadrilha ou bando); 33. Art. 290, caput, do CP (Crimes assimilados ao de
moeda falsa); 34. Art. 291 do CP(Petrechos para falsificação de moeda); 35. Art.
296, caput, e § ! º, do CP (Falsificação de selo ou sinal público); 36. Art. 297,
caput, do CP(Falsificação de documento público); 37. Art. 299, parágrafo único,
do CP (Falsidade ideológica); 38. Art. 301, caput, do CP (Certidão ou atestado
ideologicamente falso); 39. Art. 305 do CP (Supressão de documento público);
40. Art. 306, caput, do CP(Falsificação do sinal empregado no contraste de metal
precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins); 41. Art. 312, capul,
do CP(Peculato); 42. Art. 313-A do CP(Inserção de dados falsos em sistema de
informações); 42. Art. 316, caput e§ 2º, do CP(Concussão); 43. Art. 317, § l º,
do CP.(Corrupção passiva); 44. Art. 325,§ 2º, do CP (Violação de sigilo funcio
nal com dano à Administração Pública ou a outrem); 45. Art. 328, parágrafo
único, do CP(Usurpação de função pública); 46. Art. 332, caput, do CP(Tráfico
de Influência); 47. Art. 333, parágrafo único, do CP (Corrupção ativa); 48. Art.
334, § 3º, do CP (Contrabando ou descaminho aéreo); 49. Art. 337 do CP
(Subtração ou inutilização de livro ou documento); 50. Art. 337-A, caput, do CP
(Sonegação de contribuição previdenciária); 51. Art. 339, caput, do CP
(Denunciação caluniosa); 52. A11. 342, § 1º, do CP (Falso testemunho ou falsa
perícia com efeito em processo penal); 53. Art. 343, parágrafo único, do CP; 54.
Art. 351,§ l º, do CP(Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança).
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A questão reclama uma nova adequação do marco divisório entre crimes
de pequena gravidade e de média gravidade por meio de uma interpretação siste
mática que considere a nova e ampliativa política de descarcerização e despenali
zação trazida ao ordenamento jurídico pela Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados
Federais), em respeito ao princípio da proporcionalidade, sob pena de se criar um
verdadeiro retrocesso e descompasso entre o justo e o injusto na escala das gravi
dades dos crimes; ou seja, um paradoxo ao se permitir o sursis antecipado para os
crimes de menor potencial ofensivo com pena máxima de dois anos de reclusão
ou detenção, mas não para os crimes de média gravidade que tenham pena míni
ma privativa de liberdade superior a O1 (um) ano.
5 Ampliação da abrangência no Código Penal
1. Art. 122, capul, CP(Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio); 2.
Art. 123 do CP(Infanticídio); 3. Art. 124 do CP(Aborto provocado pela gestante
ou com seu sentimento); 4. Art. 129,§ 2º, do CP(Lesão corporal gravíssima); 5.
Art. 140,§ 3°, ele ai1. 141 do CP(Injúria qualificada); 6. Art. 149 do CP(Redução
à condição análoga à de escravo); 7. Art. 155,§ 1º e§ 4º, do CP(Furto durante o
repouso noturno e qualificado); 8. Art. 168, § 1º, do CP (Apropriação indébita
qualificada); 9. Art. 168-A, caput, do CP (Apropriação indébita de contribuição
social); 10. A,1. 171. § 3º, do CP (Estelionato qualificado): 11. Art. 172 do CP
(Duplicata simulada); 12. Art. 173 do CP(Abuso de incapazes); 12. Art. 203,§ 2º,
do CP(Frustração de direito assegurado por lei trabalhista); 13. Art. 207,§ 2º, do
CP(Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional);
14. Art. 2 15, parágrafo único, do CP(Posse sexual mediante fraude); 15. Art. 216,
parágrafo único, do CP(Atentado ao pudor mediante fraude); 16. Art:217 do CP
(Sedução); 17. Arts. 215, 216 e 218, caput, (Corrupção de menores) c/c 226 do CP
(Aumento de pena); 18. Art. 219 do CP(Rapto violento ou mediante fraude); 19.
A11. 227, §§ 1° e 2º, do CP (Mediação para servir a lascívia de outrem); 20. Art.
228, capul, do CP (Favorecimento a prostituição); 21. Art. 229 do CP (Casa de
prostituição); 22. Art. 230, § 2° (Rufianismo): 23. Art. 235, caput, do CP
(Bigamia); 24. Art. 241, capul, do CP (Registro de nascimento inexistente); 25.
Art. 242, caput, do CP (Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente
ao estado civil de recém-nascido); 26. Art. 257 do CP(Subtração, ocultação ou
inutilização de material de salvamento); 27. Art. 259 do CP (Difusão de doença
ou praga); 28. Art. 260, caput, do CP(Perigo de desastre ferroviário); 28. Art. 261,
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6 Conclusão
Assim, em respeito ao princípio da proporcionalidade, é recomendável a
alteração da Súmula n. 243 do STJ ("O beneficio da suspensão do processo não
é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, con
curso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja
pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um
(O/) ano") para impor o limite de 02 (dois) anos, como muito bem sugerido à una
nimidade pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 12.033-MS, Rei.
Min. Felix Fischer, j. em 13.08.2002.
Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos para a proposta do sursis
antecipado, filio-me à doutrina e à jurisprudência que entendem ser um verdadei
ro direito público subjetivo do acusado, cabendo ao Ministério Público diante do
caso concreto, fazer uma análise qualitativa e quantitativa da proposta, com o
Magistrado realizando a mesma atividade, inclusive para a eventual apresentação
de condição judicial, visto não ser mero chancelador da proposta ministerial.
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Em sendo o caso de crime violento contra a pessoa (art. 129, § 2º, do CP),
ou outro qualquer de média gravidade mais acentuada, conforme o caso concreto,
cabe, devidamente fundamentada, uma proposta de Suspensão Condicional do
Processo por um período de prova superior ao mínimo de dois anos, bem como a
reparação do dano, salvo a comprovada impossibilidade de fazê-lo ou inaplicabi
lidade no caso.
O acusado que for reincidente ou estiver sendo processado não terá direito
ao benefício, reservando-se o sursis antecipado para aquelas pessoas em que o
fato-crime foi um acontecimento isolado nas suas vidas, ou para outras que ape
nas preencham os pressupostos do art. 89 da Lei 9.099/1995 e, que, ao invés de
serem eventualmente condenadas à pena privativa de liberdade ou à substitutiva
por restritiva de direitos, tenham, durante o período pedagógico de prova, por
meio de um monitoramento efetivo, tempo para refletir sobre suas ações e se ree-
ducar com mais eficiência e humanidade, pois, no descumprimento de algumas
das condições ou na prática de contravenção, o benefício poderá ser revogado;
mas, na prática de novo crime durante o sursis, a revogação é automática para o
regular prosseguimento do processo criminal.
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