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Suspensão condicional do processo em nova dimensão

2003

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO EM NOVA DIMENSÃO D1: Antonio José F de S. Pêcego (*) SUMÁRIO: 1 Crise no sistema carcerário. 2 Breves considerações sobre a origem do sursis antecipado. 3 O novo conceito de crime de menor potencial ofensivo. 4 Reflexos na Suspenscio Condicional do Processo. 5 Ampliação da abrangência. 6 Conclusão. 1 Crise no sistema carcerário De longa data que a situação caótica do sistema carcerário neste país se vem agravando, sendo atualmente do conhecimento público e notório a sua falên­ cia sob diversos aspectos, dentre os quais a situação de os Estados terem que arcar com os presos que cometem crimes federais em face da inércia da União em construir penitenciárias ou presídios federais. Assim, a administração do sistema deveria ser compartilhada entre a União, Estados e Municípios, sempre buscando manter o preso - produto da socie­ dade em que vivemos - próximo de seus familiares, dando-lhe melhores condições de habitação, alimentação, ocupação, assistência médica e higiene no cárcere, de forma a efetivamente promover uma reeducação e ressocialização do sentenciado, permitindo a sua reinserção social de forma mais concreta e não só formal, afas­ tando de vez esse estigma de que as prisões hoje são depósitos de pessoas huma­ nas diante do descaso e abandono por parte das autoridades constituídas. O sentenciado já está pagando pelo crime que cometeu com o cerceamento legítimo de sua liberdade, não sendo humano deixar de reconhecer os seus direitos à progressão de regime prisional e outros. Pois, a partir do instante em que inexistem pólos regionais da Comissão Técnica de Classificação ou até mesmo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, exceto nos grandes centros, os direitos públicos subjetivos (progressão, livramento condicional...) surgem nas mais longín­ quas cadeias públicas onde cumpre pena irregulannente por falta de vaga no sistema. Como os direitos subjetivos não são apreciados a tempo e modo por inércia do Estado, permanece o preso vinculado a regime a que não mais faz jus. Constitui essa anomalia uma verdadeira afronta aos direito� humanos, tomando o encarceramento um ato arbitrário (Decreto 678, de 06.11.1Q91 - Pacto de São José da Costa Rica). (*).luiz de Direito de Minas Gerais. Pós-graduando en, Direito Público pe.a PUC/MG. Membro do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Mcmbri do Instituto i->ras1teiro de Ciências Criminais - IBCCrim/SP. Conselheiro Cientifico. Consultivo e i.. s�al do Instituto de Ciências penais-lCP VOL. 164 22 JURISPRUDÊNCIA MINEIRA Por outro lado, é sabido que a prisão atua em uma de suas vertentes como fator de criminalidade e que a "verdade é que, mesmo nas moderníssimas prisões construídas na Europa - como na Suécia, na Suíça - e nos EUA, apesar da preo­ cupação de pôr em prática as idéias de reforma apontadas pela doutrina, fracas­ saram completamente. Qualquer que seja o estabelecimento prisional, os índices de reincidência continuam muito altos. De modo que se pode dizer que os réus apenados com outras penas que não sejam as de prisão reincidem em muito menor número do que os que vão, efetivamente, para a cadeia".' 2 Breves considerações sobre a origem do sursis antecipado A Suspensão Condicional do Processo, ou sursis antecipado, !1ª correta denominação dada pelo Professor Weber Martins Batista, que idealizou tão importante e moderno instituto de natureza mista (penal e processual), à época chamou de "Suspensão Condicional do Procedimento" porque visava a sua ocor­ rência antes do oferecimento ou recebimento da denúncia nos crimes de pequena gravidade; todavia assim não ocorreu - a meu sentir mais acertadamente - quando da introdução do art. 89 na Lei 9.099/1995, fazendo jus ao nome de Suspensão Condicional do Processo. Ao tratar das vantagens processuais do instituto, em uma das passagens, o insigne Professor asseverou com propriedade: r JURISPRUDÊNCIA MINEIRA 23 de crime de menor potencial ofensivo contido no art. 61 da Lei 9.099/1995, der­ rogando-o ao conceituar de forma inovadora essas infrações penais como "os cri­ mes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa" (art. 2º, parágrafo único, da LJEF). Não restam dúvidas de que a Suspensão Condicional do Processo, nos ter­ mos constantes do art. 89 da Lei 9.099/1995, sempre esteve ao alcance dos crimes de menor potencial ofensivo de outrora (art. 61), assim como dos de média gravi­ dade ao se aplicar a todo e qualquer delito em que a pena mínima privativa de liberdade fosse de OI (um) ano de detenção ou reclusão, limite máximo que vigo­ rava para a aplicação aos crimes de menor gravidade da Lei 9.099/1995. 4 Reflexos na Suspensão Condicional do Processo .Com efeito, não se pode negar uma evolução nas políticas criminais de descarcerização e despenalização que inspiraram os legisladores das Leis 9.099/1995 e 10.259/2001, com uma maior ingerência dos defensores do direito penal mínimo em detrimento dos simpatizantes do movimento Lei-Ordem, nem que a amplitude do conceito dos crimes de menor potencial ofensivo (pequena gravidade) gerou reflexos nos crimes que lhes seguem de média gravidade. "A preocupação maior dos ap/icadores da lei está voltada para a verdadeira impunidade dos criminosos de alta periculosidade, que - esta sim - já existe entre nós, porque, por excesso de trabalho, não processamos com a rapidez necessária e. por falta de lugares nos presídios, não prendemos os autores de crimes mais graves. Assim, há de existir um marco, sob pena de se dar ensejo a uma fusão na base delimitadora fixada outrora pelo legislador quando disse que crime de menor potencial ofensivo era aquele cuja pena máxima privativa de liberdade não era excedente a O1 (um) ano e que este seria o limite mínimo de todo o crime não abrangido pela Lei 9.099/95, que teria igualmente direito ao benefício da Suspensão Condicional do Processo. As varas criminais das grandes cidades andam afogadas em processos. entre os quais feitos por crimes violentos. Aí estão as quadrilhas de assaltantes, os traficantes de drogas, um sem número de criminosos violentos, da mais alta periculosidade, a exigir dos juízes mais atenção, maior severidade de tratamen­ to, mais tempo do que têm".' Nessa linha, com visão contemporânea digna de elogios, encontra-se importante julgado à unanimidade da 5" Turma do Superior Tribunal de Justiça, que teve como Relator o Ministro Felix Fischer: 3 O novo conceito de crime de menor potencial ofensivo De forma majoritária, a doutrina e a jurisprudência já pacificaram que a Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259, de 12.06.2001) ampliou o conceito ' BATISTA, Weber Martins. Suspensão Condicional do Procedimento. SEPARATA - Revista Farense. v. 284, p. 02. '!d, ib., p. 06. VOL. 164 "Súm. n. 243-ST.J. Limite. Dois Anos. -A lei n. /0.259/2001, ao definir as infrações penais de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois anos para a pena mínima cominada. Daí que o ar/. 6 J da lei n. 9. 09911995 foi derro­ gado, sendo o limite de um ano alterado para dois, devendo tal mudança ser acrescentada à parte final da Súm. n. 243 desta Corte. visto que as alterações da lei penal que são benéficas para os réus devem retroagi!'. A Turma deu provimen­ to ao recurso para ajàstar o limite de um ano e estabelecer o de dois anos para a concessão do beneficio da suspensão condicional do processo. RHC 12.033-MS, Rei. Min. Felix Fischel'. julgado em 13.08.2002. Informativo STJ n. / 42 de 12 a /6.08.2002)". VOL. 164 25 JURISPRUDÊNCIA MINEIRA JURISPRUDÊNCIA MINEIRA Dessa forma, o novo marco seria o limite de dois anos da pena privativa de liberdade, como máximo, para definir a competência do Juízo Penal Especial e permitir a concessão do benefício, e, como mínimo, para definir os diversos cri­ mes de média gravidade que teriam direito igualmente à Suspensão Condicional do Processo. caput, do CP (Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo); 29. Art. 265, parágrafo único, do CP(Atentado contra a segurança de ser­ viço de utilidade pública); 30. Art. 266, parágrafo único, do CP (Introdução ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico); 31. Art. 271, caput, do CP (Corrupção ou poluição de água potável); 32. Art. 288, parágrafo único, do CP (Quadrilha ou bando); 33. Art. 290, caput, do CP (Crimes assimilados ao de moeda falsa); 34. Art. 291 do CP(Petrechos para falsificação de moeda); 35. Art. 296, caput, e § ! º, do CP (Falsificação de selo ou sinal público); 36. Art. 297, caput, do CP(Falsificação de documento público); 37. Art. 299, parágrafo único, do CP (Falsidade ideológica); 38. Art. 301, caput, do CP (Certidão ou atestado ideologicamente falso); 39. Art. 305 do CP (Supressão de documento público); 40. Art. 306, caput, do CP(Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins); 41. Art. 312, capul, do CP(Peculato); 42. Art. 313-A do CP(Inserção de dados falsos em sistema de informações); 42. Art. 316, caput e§ 2º, do CP(Concussão); 43. Art. 317, § l º, do CP.(Corrupção passiva); 44. Art. 325,§ 2º, do CP (Violação de sigilo funcio­ nal com dano à Administração Pública ou a outrem); 45. Art. 328, parágrafo único, do CP(Usurpação de função pública); 46. Art. 332, caput, do CP(Tráfico de Influência); 47. Art. 333, parágrafo único, do CP (Corrupção ativa); 48. Art. 334, § 3º, do CP (Contrabando ou descaminho aéreo); 49. Art. 337 do CP (Subtração ou inutilização de livro ou documento); 50. Art. 337-A, caput, do CP (Sonegação de contribuição previdenciária); 51. Art. 339, caput, do CP (Denunciação caluniosa); 52. A11. 342, § 1º, do CP (Falso testemunho ou falsa perícia com efeito em processo penal); 53. Art. 343, parágrafo único, do CP; 54. Art. 351,§ l º, do CP(Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança). 24 A questão reclama uma nova adequação do marco divisório entre crimes de pequena gravidade e de média gravidade por meio de uma interpretação siste­ mática que considere a nova e ampliativa política de descarcerização e despenali­ zação trazida ao ordenamento jurídico pela Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Federais), em respeito ao princípio da proporcionalidade, sob pena de se criar um verdadeiro retrocesso e descompasso entre o justo e o injusto na escala das gravi­ dades dos crimes; ou seja, um paradoxo ao se permitir o sursis antecipado para os crimes de menor potencial ofensivo com pena máxima de dois anos de reclusão ou detenção, mas não para os crimes de média gravidade que tenham pena míni­ ma privativa de liberdade superior a O1 (um) ano. 5 Ampliação da abrangência no Código Penal 1. Art. 122, capul, CP(Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio); 2. Art. 123 do CP(Infanticídio); 3. Art. 124 do CP(Aborto provocado pela gestante ou com seu sentimento); 4. Art. 129,§ 2º, do CP(Lesão corporal gravíssima); 5. Art. 140,§ 3°, ele ai1. 141 do CP(Injúria qualificada); 6. Art. 149 do CP(Redução à condição análoga à de escravo); 7. Art. 155,§ 1º e§ 4º, do CP(Furto durante o repouso noturno e qualificado); 8. Art. 168, § 1º, do CP (Apropriação indébita qualificada); 9. Art. 168-A, caput, do CP (Apropriação indébita de contribuição social); 10. A,1. 171. § 3º, do CP (Estelionato qualificado): 11. Art. 172 do CP (Duplicata simulada); 12. Art. 173 do CP(Abuso de incapazes); 12. Art. 203,§ 2º, do CP(Frustração de direito assegurado por lei trabalhista); 13. Art. 207,§ 2º, do CP(Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional); 14. Art. 2 15, parágrafo único, do CP(Posse sexual mediante fraude); 15. Art. 216, parágrafo único, do CP(Atentado ao pudor mediante fraude); 16. Art:217 do CP (Sedução); 17. Arts. 215, 216 e 218, caput, (Corrupção de menores) c/c 226 do CP (Aumento de pena); 18. Art. 219 do CP(Rapto violento ou mediante fraude); 19. A11. 227, §§ 1° e 2º, do CP (Mediação para servir a lascívia de outrem); 20. Art. 228, capul, do CP (Favorecimento a prostituição); 21. Art. 229 do CP (Casa de prostituição); 22. Art. 230, § 2° (Rufianismo): 23. Art. 235, caput, do CP (Bigamia); 24. Art. 241, capul, do CP (Registro de nascimento inexistente); 25. Art. 242, caput, do CP (Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido); 26. Art. 257 do CP(Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento); 27. Art. 259 do CP (Difusão de doença ou praga); 28. Art. 260, caput, do CP(Perigo de desastre ferroviário); 28. Art. 261, VOL. 164 6 Conclusão Assim, em respeito ao princípio da proporcionalidade, é recomendável a alteração da Súmula n. 243 do STJ ("O beneficio da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, con­ curso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (O/) ano") para impor o limite de 02 (dois) anos, como muito bem sugerido à una­ nimidade pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 12.033-MS, Rei. Min. Felix Fischer, j. em 13.08.2002. Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos para a proposta do sursis antecipado, filio-me à doutrina e à jurisprudência que entendem ser um verdadei­ ro direito público subjetivo do acusado, cabendo ao Ministério Público diante do caso concreto, fazer uma análise qualitativa e quantitativa da proposta, com o Magistrado realizando a mesma atividade, inclusive para a eventual apresentação de condição judicial, visto não ser mero chancelador da proposta ministerial. VOL. 164 26 JURISPRUDÊNCIA MINEIRA Em sendo o caso de crime violento contra a pessoa (art. 129, § 2º, do CP), ou outro qualquer de média gravidade mais acentuada, conforme o caso concreto, cabe, devidamente fundamentada, uma proposta de Suspensão Condicional do Processo por um período de prova superior ao mínimo de dois anos, bem como a reparação do dano, salvo a comprovada impossibilidade de fazê-lo ou inaplicabi­ lidade no caso. O acusado que for reincidente ou estiver sendo processado não terá direito ao benefício, reservando-se o sursis antecipado para aquelas pessoas em que o fato-crime foi um acontecimento isolado nas suas vidas, ou para outras que ape­ nas preencham os pressupostos do art. 89 da Lei 9.099/1995 e, que, ao invés de serem eventualmente condenadas à pena privativa de liberdade ou à substitutiva por restritiva de direitos, tenham, durante o período pedagógico de prova, por meio de um monitoramento efetivo, tempo para refletir sobre suas ações e se ree-­ ducar com mais eficiência e humanidade, pois, no descumprimento de algumas das condições ou na prática de contravenção, o benefício poderá ser revogado; mas, na prática de novo crime durante o sursis, a revogação é automática para o regular prosseguimento do processo criminal. Bibliografia TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos .Juizudos Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000. JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2000. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; LOPES. Maurício Antonio Ribeiro. Comemários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 3. ed., São Paulo: RT, 2000. MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. VOL. 164