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O menir de Pommery

PAULA ESTER JANOVITCH "O MENIR DE POMMERY" Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais (Antropologia) à Comissão Julgadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Dra. Norma Abreu Telles. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 1994 COMISSÃO JULGADORA Resumo "O Menir de Pommery" foi construído sobre uma obra literária paulistana do início do séc.XX, Madame Pommery de Hilário Tácito. Através das aventuras da personagem Madame Pommery uma história da cidade de São Paulo passa a ser contada. Mas na medida que esta história transcorre, a obra amplia e extrapola o espaço urbano paulistano e Madame Pommery desdobra-se, engendrando a cidade na obra ficcional: aquilo que poderia ser apenas uma versão da história da cidade começa a armar encruzilhadas e confrontar teorias com a vida cultural daquele momento. A vitalidade da obra ficcional cresce a tal ponto que não percebemos mais onde termina a cidade e onde começa a saga de Madame Pommery. O diálogo se aproxima da história das idéias, seu ponto de partida esta na Descoberta nacional e seus desdobramentos . Sobre a História dos Fatos cruza-se novamente a vida ficcional. A Ficção "pilha" os Fatos volatilizando-os. Em meio a digressões "O Menir de Pommery" rompe o tempo cronológico e lança Madame Pommery para o futuro. "Talvez a tarefa de quem ama os homens seja fazer rir da verdade, fazer rir a verdade, por que a única verdade é aprendermos a nos libertar da paixão insana pela verdade". ( Umberto Eco, O Nome da Rosa, p.552) Aos meus pais pelo Riso. Agradecimentos À minha orientadora Dra.Norma Abreu Telles por me Iniciar nos segredos da Leitura, Em todos os momentos devo um especial agradecimento ao Maurício, Ao Sr.Eric Gemeinder pela descoberta de Maria Ribeiro da Silva Ferraz do Amaral, À querida Dna.Maria esposa de Toledo Malta, À Beatriz Carneiro pelas encruzilhadas da cidade, Ao Cido, João, Carlota e Chico amigos de congressos e leituras, Ao Professor Dr.Edgard de Assis Carvalho pelos anos de aprendizado, Aos meus colegas e amigos do DPH/SP pela "força", Ao Alexandre pelo copyright da capa. À Lú, Ró e Beth irmãs de coração, À Beatriz Helena de Castro pela forma final, A bolsa de estudos do CNPq forneceu apoio a realização desta pesquisa. Índice Introdução A Mão e a Matéria 1 Capítulo I No Tempo de Pommery... 7 Capítulo II Do Hotel dos Estrangeiros ao Paradis Retrouvé: uma breve retrospectiva 34 Capítulo III Do Amanho de Madame Pommery na Administração de sua Casa 54 Capítulo IV A Apoteose da Descoberta 88 Capítulo V Do Fato à Ficção 103 A Fixação 107 Capítulo VI Da Ficção ao Fato 114 Madame Pommery e a Poética das Influências 124 Reticências 138 Cronologia Básica da Obra e do Autor 150 Bibliografia Geral 154 A Mão e a Matéria Começar a analisar uma obra literária é um grande desafio. Conforme penetramos o espaço literário vamos descobrindo a trama das frases. No desemaranhar lento onde os fios nunca acabam de se cruzar percebemos que o trabalho vai tornando-se infinito. A cada leitura mais atenta uma outra frase se revela e novos caminhos se traçam nas entrelinhas das folhas cobertas de tinta. Um lápis, uma borracha, um pequeno caderninho ao lado da mesa. A margem do livro repleta de observações, asteriscos e palavras soltas. A obra desperta o leitor que já a transforma num material sucatado que se revela em suas margens como desenhos aleatórios e desconexos. O leitor solta-se do livro. A imaginação começa a se constituir. O destino traça um casamento, construído sobre o esforço da busca e o encontro lento das palavras. O leitor vai às bibliotecas, livrarias e alfarrábios, procura incansavelmente uma trilha. Lê tudo, vê tudo, se alimenta em excesso para corresponder aos desejos de uma só obra, uma só vida, uma única criação. O labor torna-se companheiro infatigável, a leitura de milhares de outras obras fazem com que o leitor possa sentar novamente diante a obra. Agora a leitura se apresenta mais lenta, melhor tramada. Tomamos consciência de um outro espaço imaginal, denso, onde as obras se constroem a partir de outras tantas que trançaram o caminho do escritor-leitor. Para Bachelard a mão molda a matéria que resiste e cede criando, entre ambas, uma ambivalência Gaston Bachelard, La Terre et les Reveries de la Volonté, Paris: ed.Librairie José Corti, 1948. pp.116-117. Portanto lidamos com objetos singulares que são influenciados por tantos outros, mas que sempre recebem de seu criador uma única e nova versão. A mão toca a matéria, o lápis mancha o papel, o pincel desenha uma gaiola com a porta aberta. A mão vai moldando a matéria, o grafite penetra o papel e a gaiola espera a visita do pássaro. O grafite retoca melhor a frase, molda novamente o desenho, a frase se arredonda, o pássaro voa anunciando sua chegada. O pássaro entra na gaiola. A mão silencia. O pássaro canta. A mão "arranca delicadamente uma das penas do pássaro e escreve seu nome num canto do quadro". Este trecho foi extraído de um poema de Jacques Prevert, "Para Pintar o retrato de um pássaro".In: Jaques Prevert, Jacques Prévert, Poemas, Rio de Janeiro: ed.Nova Fronteira, 1963. p. 14 Nossa função como pesquisadores deste espaço de criação, ao mesmo tempo social e singular, é revitalizar estas pinturas esquecidas tentando respeitar-lhes os coloridos. Proponho acompanhar uma história, relê-la várias vezes até o ponto que seus coloridos se soltem da tela original. Neste trabalho árduo, nos deparemos com uma obra própria, filha pródiga de tantas influências. Tocar em uma obra literária esquecida pela história, é tentar restituir-lhe a vitalidade e, por isso, a responsabilidade é imensa. A Barca de Caronte nos atravessa em um universo desconhecido; vamos sós, apenas com o desejo de compartilhar daquele fio silencioso e invisível que une todas as histórias do mundo em uma grande memória universal. O que tentarei traçar, nos capítulos que se seguem, parece ser sempre um convite permanente entre a vitalidade e a morte, a solidão e o eterno desejo de compartilhar. A obra literária que trabalharemos, Madame Pommery de Hilário Tácito, é uma dessas criações que no processo histórico e literário nacional, ficou empilhada nas prateleiras de alguma Academia de Letras, escondida e silenciosa. Abrimos o livro e logo nos deparamos com Hilário Tácito, narrador da história, justificando os motivos que o levaram a escrever tal obra. Madame Pommery parece ser uma biografia e Hilário Tácito o copilador de seus passos na cidade de São Paulo. Mas de repente percebemos que algo atravessa as primeiras páginas do livro, somos tentados a supor que o narrador está sozinho e necessita justificar sua capacidade de escrever uma obra que não se parece em nada com outras tantas histórias que estão a se tecer no mesmo momento. Hilário Tácito não é um narrador póstumo, nem sua obra refere-se a alguém já morto. O narrador e seus personagens vivem e participam do movimento da cidadezinha paulistana, a Botocúndia do escritor. Madame Pommery não é biografia nem é romance, mas "História Verídica". Hilário Tácito procura o leitor, pede cumplicidade e compreensão para trafegar em outras vias da literatura. Seu português parece vir das "louçanias vernáculas com pronomes policiados" supondo-se ser ele um pedagogo com os óculos clássicos e sobrecasaca. Mas nada disso, Hilário Tácito está na cidade e vive o momento: "- eu também freqüento o Bar do Municipal, e bebo, à noite entre luzes e sorrisos, aquele champanha fatal de 30 mil-réis a garrafa, instituição imorredoura de Mme. Pommery. Visto os paletós cinturados do risco do Vicente; e no meu lenço de fina irlanda, pendente no bolsinho, muita vez se adivinha, com a evocação de luxúrias vertiginosas, o Ambre Antique denunciador de pecados belos e recentes". Hilário Tácito, Madame Pommery, São Paulo: ed. Universidade de Campinas e Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 4.ed, 1992. pp.34-35. As citações seguintes da obra Madame Pommery serão indicadas apenas por uma referência à pagina no próprio corpo do texto. É este o narrador de Madame Pommery. Tanto a personagem principal como o narrador vivem e estão sós na construção da história da cidade e do movimento da obra. Ambos estão tentando recriar uma via pública e compartilhar sua história com a cumplicidade do leitor: o narrador embustido na função de dar à personagem Madame Pommery seu lugar na participação da desbotucatização de São Paulo; e a personagem, excluída da sociedade por sua prostituição itinerante, tentando burlar o cerco do moralismo histórico e integrar a memória-viva da cidade de São Paulo. A tentativa "Dom Quixoteana" de salvar sua "Desdemona" e conduzí-la ao lugar que lhe é de direito na vida urbana paulistana, leva o narrador a uma viagem onde não podem ser excluídos nem os clássicos da literatura universal nem tão pouco as artimanhas da ilustre preceptora deixadas de lado. A história de Madame Pommery transforma-se numa grande bufonaria onde a "história alegre" e bem humorada afirma sua presença entre a evocação de príncipes e princesas, prostitutas bíblicas, obras clássicas, fatos históricos, todos se movendo na busca da mesma cidade e de suas singulares transformações. A obra de Hilário Tácito não pode ser analisada pelos princípios memorialistas, onde o sonho vive de um passado cristalizado. Distante deste sonho, a obra e seus personagens são vivos e pulsantes, respiram o crescimento urbano e se alimentam das tramas que vão se traçando no encontro vulgar e bem humorado de uma cortesã e uma sociedade tecendo novos costumes. Toda Madame Pommery se estabelece num presente contínuo e portanto rompe com qualquer tentativa de cronologia que não seja aquela que aponte para os movimentos da cortesã na cidade de São Paulo. Desta forma temos: O Destino, A Chegada, A Descoberta e a retirada de Madame Pommery da vida noturna para um outro negócio mais rendoso. A história não acaba, apenas se transforma numa Grande Apoteose da Descoberta onde o Fato vira Ficção e a Ficção torna-se Fato. Navegamos nesta obra entre digressões e suspiros, percorremos as ruas da pequena cidadezinha paulistana e seus primeiros desejos de progresso. A obra nos revela a cidade e a cidade passa a ser uma construção, uma imagem, um pequeno recorte, uma via de acesso na escuridão. De repente, em meio às justificativas do narrador, a personagem principal, surge viva e madura, ela respira, basta que acreditemos em sua realidade. Madame Pommery faz parte do crescimento da cidade, da história, das transformações e dos gestos elegantes. Ela poderia ser uma garrafa de champanhe, uma prostituta de alto bordo, uma alusão a Madame Bovary, ou ainda a conjunção benevolente desses vários seres em forma de nervos de uma cidade em crescimento. O sol adormece, vemos a vida das luzes artificiais despertar a noite. Ali se tecem histórias, nem sempre tão alegres. Tece-se uma construção de cidade, algo que pouco vazou para a História preocupada em higienizar e ser objetiva com seus leitores. Mas é de um lugar pouco aconselhável de se tecer uma história que Hilário Tácito foi buscar toda sua inspiração. Naquelas pequenas pensões alegres, no Bar do Municipal ou na vida pulsante do triângulo, a cidade de São Paulo se revela. Poderia ser Buenos Aires, ou mesmo, Montevidéu, em todos esses lugares a história da civilização desabrocha. Primeiro foi a cerveja, depois o champanhe e com ele as francesas, os novos costumes, o gosto pelas coisas européias, os gestos acanhados de uma sociedade em formação. Uma cidade inchando, crescendo desordenadamente sem saber direito para onde ir. Neste momento onde a filosofia, a história, a cortesã e os coronéis dialogam sobre mais alguns mistérios que não vazaram na História, Hilário Tácito não se intimida com os riscos de romper com esta barreira quase intransponível: pega sua lança e se arma contra os moinhos de vento que cercam a História da cidade. Nesta batalha tudo é possível. Hilário Tácito derruba fronteiras chamando Shakespeare para anunciá-lo. Nada mais plausível do que clamar Hamlet e começar escrevendo:"há muitas cousas no céu e na terra além dessas com que sonha a vã filosofia " e completa: "Pois ainda é tempo de acrescentar que muitas outras cousas há e houve por esse mundo de Cristo, além das que nos contam as vaníssimas histórias... ".(p.35) CAPÍTULO No Tempo de Pommery... Mme. Pommery aportou em território nacional nos primeiros anos do século XX, aqui chegando pelas mesmas mãos que trouxeram Cabral: o Acaso. O Destino ou o Acaso fez de Cabral e Mme. Pommery os principais autores da descoberta de uma terra a ser civilizada. Para o primeiro ficaram os louros da descoberta do Brasil, para a "roliça" Mme. Pommery "cumpria descobrir em São Paulo a pedra angular sobre a qual tinha de reconstruir todo o edifício da civilização indígena". Hilário Tácito, Madame Pommery, São Paulo: ed. Universidade de Campinas e Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 4.ed, 1992. p61. As citações seguintes da obra Madame Pommery serão indicadas apenas por uma referência à página no próprio corpo do texto. A "Mão da Providência Divina" que trouxe Mme. Pommery para São Paulo poderia tê-la levado ao Rio de Janeiro, Montevidéu ou mesmo Buenos Aires, mas nada disso aconteceu. Foi em Santos que ela desembarcou do navio Bonne Chance e ali, em território paulista, teve a firme convicção que São Paulo e seus ricos coronéis do café deveriam ter a honra de receber a sua mais ilustre preceptora. Como os bandeirantes que se aventuraram pelo interior do país em busca de índios e pedras preciosas, Mme. Pommery e as mais diversas mercadorias vindas com o Bonne Chance: "quinze pipas de vinho Bordeaux, sardinhas, o bacalhau, dois mil volumes de Zola, sebo, quarenta caixas de Champanha - e Mme.Pommery” (p.61) subiram a Serra para a educação de uma nova civilização. Em 6 de setembro de 1865 havia um número maior de pessoas no Campo da Luz. Era dia da inauguração da estrada de ferro que ligaria São Paulo a Santos. Os jornais anunciavam o fato, a população contava os dias nos dedos. O Horto Botânico, futuro Jardim da Luz, reunia as nobres famílias paulistanas com seus escravos e sua prataria luminosa. Naquele dia tudo brilhava, estava tudo arrumado, só restava o convidado especial... uma, duas horas... o trem não vinha, nem poderia chegar: "o trem havia dado um trambolhão na ponte do Pari. Mortos e feridos. Uma hecatombe. O povo debandou(...)Mais tarde, soube-se que só havia uma morte: a do maquinista. E a festa terminou antes de haver começado". Afonso Shmidt, São Paulo dos meus amôres, São Paulo: ed.Clube do Livro, 1954. pp.44-6 A história de Mme. Pommery inicia-se com o primeiro silvo do trem Benedito Lima de Toledo, São Paulo: três cidades em um século, São Paulo: ed. Livraria Duas Cidades, 1983. p.67. São Paulo ia perdendo sua característica de núcleo de tropeiros, entreposto comercial e pernoite de comerciantes para a descida da Serra do Mar, para transformar-se, na virada do nosso século, no maior centro cafeicultor do país. Nesta época o café valorizava-se, sua expansão foi um fenômeno internacional que englobava os produtos tropicais em geral. "Entre 1910 e 1920, o Brasil produziu cerca de dois terços do café mundial, sendo as fazendas paulistas responsáveis por 70% desse total, ou seja, quase a metade da produção nacional". Joseph Love, A Locomotiva, Rio de Janeiro: ed.Paz e Terra, 1982. p.65 O café torna-se um dos símbolos dos novos tempos brasileiros. Já, na proclamação da Independência, D. Pedro propunha um novo Escudo para o Brasil, onde o café e o tabaco destacavam-se como dois louros da riqueza das terras nacionais, ligados na parte inferior pela nação independente. Da Independência à República vários brasões e barões surgiram pela força comercial do café. José Teixeira de Oliveira, História do Café, Rio de Janeiro: ed.Livraria Kosmos, 1984. p.352 Os fazendeiros começavam a sentir aquele comichão das primeiras safras do café. A riqueza fluía da fazenda para o trem, do trem para o porto e do porto para as grandes embarcações que levavam a rubiácea ao seu destino final: a Europa. O café chegava à Europa assim como Mme. Pommery chegava a São Paulo, quem sabe este ir e vir fazia parte da mesma história contada de formas diferentes. Mas como escapar disso se o final do século passado e o começo do nosso foi um eterno palmilhar em terreno já tão pisado? O mundo estava totalmente mapeado, os transportes por terra e mar cumpriam a tarefa de aproximá-lo, não se viam mais obstáculos intransponíveis. Onde o braço do homem não alcançava sobrepunha-se o movimento da máquina. Os países e continentes trocavam bens e pessoas. O século estava sob o império da mudança, sob o poder branco e europeu."Nunca houve na história um século mais europeu, nem tornará a haver". Eric Hobsbawn, A Era dos Impérios, Rio de Janeiro: ed.Paz e Terra, 1988. pp.30-36 A Europa estava unida, havia um modelo "de vida civilizada" exportável, consumível, que tornava-se regra em qualquer canto do mundo onde o pé europeu se fixasse. Mas, no que se transformaria este mundo habitado, conquistado e redesenhado? O que seria este "modo europeu de vida" nos países onde aportava? Qual era o desenho do nosso mapa, e São Paulo realmente existia? Estávamos no "Reino de Jambon", na Bruzundunga, a mais recente (re)Descoberta nacional de Lima Barreto: o mapa do Brasil tinha a forma de pernil e a característica de ser este um alimento servido com o melão, algo que vem antes ou depois do prato principal que, obviamente, deveria ser um prato europeu. Nicolau Sevcenko,"A República dos cem anos: tragédia ou comédia". Crisis, São Paulo, novembro de 1989. Estávamos em Botocúndia de Hilário Tácito, sua geografia era São Paulo e a cidade parecia ser o mundo todo: começava em Santos perto do oceano, ia até o extremo norte, terra natal do protagonista da história, depois rodopiava por mais umas três cidades e chegava-se a São Paulo com tudo que lhe é de direito." Eis aí no que se resume a carta da Botocúndia, o limite dos horizontes a que se estendeu a minha visão...". (p.86) A cidade de São Paulo, até então uma província acanhada com fortes traços coloniais, começa a "tomar ares" de um grande centro urbano representante do café e das primeiras indústrias nacionais. A construção das ferrovias que comunicavam as várias regiões do Estado produtoras de café com a capital paulista, aumentava o crescimento populacional e econômico da cidade. "A viagem da fazenda para a capital é rápida e confortável. Será possível sem grande transtorno, passar parte do ano em São Paulo e, talvez, por que não? morar na capital." Benedito Lima de Toledo, op. cit., p.67 São Paulo ainda não podia comparar-se ao Rio de Janeiro, a Capital, onde as grandiosas construções se destacavam ao longo da Avenida Central, ou a rua do Ouvidor, a rua que tem "ouvidos" das crônicas de João do Rio. São Paulo era provinciana, acanhada e tímida, mas já tinha desejos de uma cidade grande. Entre este quase de "ares modernos", mas com os poeirentos pés fixados na vida provinciana, destacava-se a figura do Coronel, quem sabe seu estereótipo como personagem mais importante da cidade que, ávido por costumes civilizados, por savoire-faire, começava a vestir São Paulo com uma nova indumentária. Primeiro foi o trem, depois vieram as indústrias "os dois mil volumes de Zola(...) inúmeras caixas de vinho. (p.61) Mal a poeira se assenta, vemos num outro canto da pequena urbe outros personagens, só que desta vez eles não vinham do interior, mas do outro lado do Atlântico: "O trem que desceu carregado de café, sobe agora trazendo o material para se construir uma casa igual àquela vista em alguma cidade européia" ibidem ; traz novos habitantes, imigrantes italianos, as "francesas só de sotaque", portugueses, "turcos" e outros. A população aumenta e as linguagens acabam se chocando, se misturando pouco a pouco, até um dia que não vai longe tornarem-se parte integrante da vida da mesma cidade. A pequena urbe continuava sua marcha, a elite também se fixava na cidade. Os Coronéis e os estrangeiros enriquecidos vão habitar a parte alta da cidade: Campos Elísios, Higienópolis e, depois, afastando-se ainda mais, vão para os arredores da Av.Paulista e dos Jardins. Os imigrantes sem posses, as classes populares em geral, pessoas do campo, negros libertos, vão para as várzeas: Brás, Bom Retiro e Barra Funda, onde a falta de saneamento básico e a precariedade das habitações dava seu tom característico. Logo a fumaça do trem deixaria a cidade envolta em seu próprio "progresso material" que chegava à São Paulo em forma de trilhos, bondes, fios elétricos e companhias estrangeiras. A ausência de planejamento urbano se chocava com um crescimento populacional assombroso. Em 1872 a cidade de São Paulo somava uma população de 23.000 habs., já em 1920 esta taxa se elevou para 580.000 habs. Warren Dean, A industrialização em São Paulo, 3ed, São Paulo/Rio de Janeiro: ed.Difel. 1971. p.10 A partir de 1870 o vultuoso crescimento demográfico seria acompanhado de mudanças nas leis municipais que reformulavam a personalidade da capital paulista. "Caiam as rótulas e as mantilhas", acabava o "ciclo dos trovadores" , desapareciam os chafarizes e os quiosques, espécie antiga de botequim que se multiplicou nas ruas centrais de São Paulo, onde o povo se reunia e tomava café e cachaça. Ernani Silva Bruno, História das Tradições da Cidade de São Paulo, V.III, Rio de Janeiro: ed.José Olympio, 1954. p.907. Com a valorização da cidade como centro difusor de crescimento os costumes ligados a vida provinciana começavam a esbarrar nas novas medidas das ruas e nas diferentes condutas sociais. O desaparecimento de costumes ligados às manifestações populares, ou até mesmo dos locais onde o povo tinha por tradição se reunir, foi um traço característico da personalidade paulistana no começo do século. As histórias dos tropeiros que desciam a Serra do Mar dando um breve adeus na sua lenta partida em cima das mulas, acena agora nos velhos livros de memórias em páginas amareladas pelo tempo. Nestes livros, nos detemos de repente e nos interrogamos: onde será que está essa cidade? A página rola perdida por inúmeras outras histórias caladas por um tempo mal iluminado no qual as horas simplesmente passavam. Enfim, o tropeiro virou as costas a esta cidade, a tradição luso-brasileira e a primeira curva fê-lo desaparecer envolto no seu último adeus à cidade que desaparecia. A cidade crescia desordenadamente sem qualquer plano urbanístico, sem diretrizes ou fronteiras oficiais que definissem o seu crescimento, principalmente, sem que fosse instalada uma infra-estrutura que dotasse os bairros periféricos de condições básicas de moradia. A capital paulista transpunha os seus limites corpóreos deixando que triunfassem as "linhas artificiais", o viés do crescimento sem limites, abstrato e moderno. Richard Morse, op. cit., p.254 As distâncias diminuíam apesar da precariedade das construções, as fronteiras tornavam-se mais tênues e não se podia afirmar onde acabava a cidade. Os limites para o crescimento urbano estavam sendo abolidos a galope: a cada novo governo, diferentes regulamentos surgiam demarcando outros loteamentos e desapropriações; as chácaras desapareciam e o trem surgia por antigos caminhos marcados pelas patas das mulas nos tempos coloniais. Novos caminhos, diferentes horizontes. O crescimento urbano desenhava uma cidade sempre provisória, semelhante a uma colcha de retalhos onde as construções, os barulhos dos passantes, o tamanho das ruas formavam colagens aleatórias despreocupadas em se comporem num todo coeso. O panorama da capital, para os estrangeiros, era quase unânime em afirmar as características européias, meio bizarras, onde vários estilos arquitetônicos se misturavam. Para alguns pareciam estar na cidade natal, sentiam-se mesmo em casa. Para outros, atrás desta "paisagem" européia surgia um conglomerado urbano, une foule , cheio de tentáculos onde os limites da riqueza e da pobreza eram lidos nos próprios contornos urbanos. "São Paulo se transforma fisicamente!" O triângulo, como era conhecido o antigo centro da cidade, desfigura-se. As ruas estreitas, próprias dos tempos coloniais, onde a pacata Piratininga recebia a visita dos tropeiros, que ali pernoitavam para, no outro dia, descerem a Serra do Mar, se vêem agora enroscadas em carretéis de fios elétricos e postes da Companhia Canadense, a Light & Power. A poeira aumenta conforme o movimento da cidade toma vulto. A via pública estreita-se, os veículos de tração animal dividem a rua com os tílburis mais rápidos próprios para o passeio e ruas mais macias, os bondes elétricos, desenham no céu da cidade um corredor de fios aparentando uma enorme teia de aranha, substituindo os amistosos bondes de tração animal, aqueles que na subida deixavam os passantes a pé e na descida corriam sozinhos "equilibrados pelo breque do condutor. E o par de burros seguindo depois". Oswald de Andrade, Um homem sem profissão, São Paulo: ed.Globo/Sec. de Estado da Cultura, 1990. p.46 Uma leve brisa já levantava a poeira das ruas de chão batido mostrando a onda de fuligem que surgia com o aumento do movimento urbano. A cidade estava barulhenta, repleta de funcionários da Light & Power colocando trilhos para a passagem de mais bondes elétricos. Os passantes das acanhadas ruas que a tudo consentiam observavam aquela balbúrdia de palavras e buracos que definia uma nova disposição de cidade. " Naquele tempo, como tudo era diferente! Os bondes elétricos constituíam ainda uma novidade, cujas vantagens se encareciam diariamente nas palestras. Um automóvel, que passasse por uma rua sossegada, fazia abrir repentinamente todas as janelas, cheias num instante de caras assustadas e curiosas" .(p.39) O bonde foi assunto de inúmeros escritores, fez parte da vida sentimental da cidade no susto e no ódio, no amor e na saudade. Assim encontramos Oswald de Andrade relatando a inauguração triunfal do bonde em São Paulo :" Um amigo da casa informava: - O bonde pode andar até a velocidade de 9 pontos. Mas aí é uma disparada dos diabos. Ninguém agüenta. É capaz de saltar dos trilhos! E matar todo mundo.". Oswald de Andrade, op. cit., p.48 A novidade acabou. Nos primeiros anos de sua estréia, a passagem do bonde elétrico, era cara e as linhas restringiam-se às áreas centrais. Viajar de bonde era de alto custo e curto percurso. Inúmeras foram as reclamações de atrasos e da sua preferência pelo centro. O bonde elétrico acabou pecando pela falta de democracia. Afonso Shmidt, op. cit., p.56 Para outros escritores, como José Agudo, as ruas estavam perigosas, a vida era mais "intensa": " porque é preciso andar-se de ouvido fino e olhos bem abertos, para se não ser atropelado por algum automóvel cheio de candidatos aos cubículos do Juquery" José Agudo, Gente Rica, São Paulo: ed."O Pensamento", 1912. p.29. Os bondes pareciam ser os introdutores de acidentes, congestionamentos e atropelamentos dos passantes na cidade. Assim adicionava-se à vida "intensa" de José Agudo um clima de animosidade quanto às conquistas elétricas. Milton Andrade, "A alma das ruas(III)". Memória/Eletropaulo, Outubro/91-Março/92. p.20 A cidade não crescia tranqüila, despedia-se de seu passado recente aos tropeços, feito uma moça tímida e desajeitada, com um tamanho que não corresponde à sua idade. Das antigas lendas da velha Piratininga, dos heróis que desbravaram as matas e construíram o primeiro núcleo urbano em território paulista, da união de João Ramalho e Bartira, surgia lentamente um outro sonho de cidade, sonho que vangloriava-se de seu passado mas adquiria força alçando-se no futuro. Foi em meio a estas mudanças que Mme. Pommery chegou a São Paulo. A cidade não era Cocagne nem Mme.Pommery uma daquelas coccotes européias tão cobiçadas pelos ricos coronéis do café. Aliás, nesta época, eles viviam tempos de crise mas, como nos diz Hilário Tácito, depois das vacas magras vem as vacas gordas. Era neste raciocínio que se achava Mme. Pommery. Já com as suas trinta e quatro primaveras, bem vividas, vinha "fazer América" e via na figura do Coronel o "modelo" de sua mais rentável aplicação para uma confortável velhice. Mme. Pommery desceu na Estação da Luz, deixou no chão suas enxúndias e olhou resoluta para a cidade que despertava. A neblina umedecia as folhagens e o único barulho que se ouvia era o lufa-lufa do trem. Era muito cedo para uma estrangeira saber aonde iria se postar, mas a cidade era pequena e uma cortesã do quilate de Ida Sanchez Pommerikowsky (nome de batismo de Mme. Pommery), sabia muito bem se portar em qualquer parte do mundo. Assim a nossa ilustre personagem foi para o centro, o triângulo: "como são conhecidas as três ruas principais - Quinze de Novembro, São Bento e Direita, que nem por isso deixa de ser torta" Caio Prado Junior, Evolução Política do Brasil e outros estudos, 5.ed, São Paulo: ed Brasiliense, 1966. p.123. Entrou no Hotel dos Estrangeiros, uma casa noturna repleta de "bacantes caboclas" que mal sabiam como divertir os botocúdos locais, localizado entre as ruas São Bento e Líbero Badaró. Ainda era muito cedo para ela ensinar à cidade métodos mais modernos de divertimento. Neste primeiro momento ela só observou. Amanhecia na cidade, o triângulo espichava-se cada vez mais, os viadutos rompiam as escarpas naturais que impediam o crescimento urbano, o homem dominava o Vale do Anhangabaú, uma esteira de ferro estendia-se rapidamente por séculos de história. O mosteiro de São Bento, com sua muralha de pedras, derramava-se pela encosta do Anhangabaú, tornava-se, de repente, uma lembrança dos tempos coloniais, um bastião solitário, uma curva que terminava uma cidade e que agora assistia ao início de outra, talvez menos defendida, quem sabe mais aberta . A face moderna da cidade, simbolizada pelos viadutos e suas grandes sustentações de ferro, facilitavam a comunicação da população por entre os altos relevos naturais, mostrava também seus pequenos pesadelos cotidianos: "Foi iniciada a era dos viadutos, construções que dariam à parte central de São Paulo alguns dos traços mais característicos de sua fisionomia moderna." Ernani Silva Bruno, op. cit,. p.1055 Os viadutos, principalmente o Viaduto do Chá inaugurado em 1892, abriam caminho à cidade que crescia. No começo, para se passar de um lado deste Viaduto para outro, era necessário pagar três vinténs, depois a passagem passou a ser de graça; poderia-se até mesmo ir dali para o céu: o Viaduto do Chá passou a ser o suicidouro paulista. "No bolso de um suicida que, segundo consta, se atirara do Viaduto do Chá (naturalmente suicida sentimental), encontrou a polícia um bilhete em que se leu o seguinte(...)'Bendito sejas, viaduto paulista! Sem tu não poderia eu passar desta para melhor, embalado pela brisa que te circunda. Adeus! Até para a eternidade és passadiço de útil eficiência'". Paulo Cursino de Moura, São Paulo de Outr'Ora, São Paulo: ed. Itatiaia Limitada/Ed.EDUSP, 1980. p.126 Enquanto no triângulo se abriam passagens, embelezava-se a cidade, não muito longe dali tentava-se esconder o lado trágico da constituição geográfica paulista. A Natureza se rebelava contra o Homem e uma de suas vinganças manifestou-se pela água, como vemos no "canto do povo": "Eu fui passar na ponte/ e a ponte estremeceu/água tem veneno, morena/quem bebeu morreu..." Canto do povo em São Paulo de 1890, citado por Gabriel Marques, Ruas e Tradições de São Paulo, São Paulo: ed.Conselho Estadual de Cultura, 1966. p.59 Os rios paulistas, como o Tietê e o Pinheiros, eram repletos de curvas, atrapalhando a retidão das pontes. Outros, como o Anhangabaú e o Tamanduateí, eram conhecidos por suas águas venenosas que amedrontavam os habitantes da parte baixa da cidade. Com o passar dos anos essas águas paulistanas foram sendo escondidas, rios drenados, retificados e cobertos. O Tietê e o Pinheiros passaram a ser rios onde se praticavam esportes náuticos, em suas margens haviam clubes esportivos como o Tietê e o Espéria. A Paulicéia chegava nos anos republicanos sem um rio que desse à sua paisagem o ritmo constante de uma Veneza ou a inspiração do Sena na vida do parisiense. Ao contrário das águas compondo tranqüilamente a paisagem da cidade, São Paulo ganhou viadutos e pontes, largas avenidas que, muitas vezes, repousavam no leito desses rios adormecidos. Assim, a página das águas sintetiza-se na busca de conter o monstro que constantemente queria engolir a cidade, e nos momentos onde este monstro deixava a população transformar suas margens em eternos balneários próprios para o banho e o esporte . Voltemos ao centro, ao querido triângulo, pois nossa história não trata de monstros nem dos lugares fétidos de São Paulo, mas da vida mundana. Não esta de coisas terrestres e miseráveis, mas de uma outra que versa sobre a vida airada da cidade, das farras, a vida noturna, mesmo que o narrador, por vezes, escape deste mundo boêmio onde a história é contada entre goles de champanhe e cerveja, para surgir como o engenheiro que nos surpreendeu na imprensa paulista. Foi assim que descobrimos José Maria de Toledo Malta, sóbrio engenheiro, de repente o autor de Madame Pommery, lá por 1926 assinava, no periódico O Estado de São Paulo, uma coletânea de artigos sobre o progresso da cidade. Fora da literatura desaparecia Hilário Tácito, mas a cidade continuava sendo o foco de atenção do engenheiro Toledo Malta: "Grita-se orgulhosamente que São Paulo conta perto de 800.000 habs., com 80.000 prédios (dos quaes uns 20 arranha-céus) e que os seus limites suburbanos abrange uma área de 150 km quadrados(...) Ao parecer de outros havidos por mais sisudos e mais letrados, um crescer por saltos tão descompassados é phenomeno que nos emparelha com os povos mais admirados do mundo pela celebridade do seu progresso urbano(...)Um crescer que se manifesta por desordens e crises de toda a espécie - crise de transportes, crise de habitação, crise de abastecimento(...)tal crescer não merece nome de progresso" . José Maria de Toledo Malta, "O crescimento de São Paulo". O Estado de São Paulo, 20/01/1926. O progresso foi o assunto da cidade nas primeiras décadas do nosso século. Falava-se muito das melhorias da cidade, reverenciava-se sempre as grandes metrópoles. Paris, Londres ou mesmo Nova York conquistavam pequenos espaços nas estreitas ruas do centro. O progresso surgia nas propagandas, nos novos artefatos técnicos, nos automóveis e na vida mundana. O progresso tornava-se taxa populacional, explodia em taxa populacional e começavam a rarear casas para alugar José Agudo, op. cit., p.68: " - São as consequências do progresso, não ha dúvida alguma. O futuro do Brazil está no sul, reside em S.Paulo, e só o não prevê quem não tem habito de meditar sobre as cousas que nos cercam. Mas, se é facto que todos se queixam, por outro lado há uma classe que prospera a olhos vistos: - é essa chusma de congregados e congregadas, expulsos de diversos paízes da Europa, que para aqui têm vindo em grandes levas(...)Adquirem terrenos a preços elevados e constroem casarões antiestheticos; compram boas casas de quem precisa vendel-as e augmentam-nas sem respeito ao estylo inicial(...) Isto aqui , para elles, é o verdadeiro paiz de cocagne ou, antes, o verdadeiro El-Dorado". José Agudo, op. cit., p.69 São Paulo era a Cocagne dos "congregados e congregadas" que vinham "fazer América"; expressão comum na época, roteiro certo de muitos imigrantes, "piratas", "escroques" e trabalhadores europeus que vinham para o novo mundo, intensamente propagandeado em seus países de origem, civilizá-lo, começar uma vida nova e finalmente fugir de um Velho Mundo densamente povoado. No final do século XIX e começo do século XX as propagandas atraindo imigrantes europeus para trabalharem em terras brasileiras era intensa. A necessidade de braços na lavoura, nos cafezais e na própria construção da vida urbana chegou ao ápice com a abolição da escravatura e o início dos anos republicanos. A imagem da "América" surgida nas propagandas nas grandes Exposições Internacionais apresentava-se para estes imigrantes como uma possibilidade de ascensão social, onde tudo estava para ser conquistado. Obviamente os poderes locais, tentavam sustentar a imagem de país civilizado, onde as igualdades e as possibilidades de trabalho seriam ilimitadas. Francisco F. Hardman, O Trem Fantasma, São Paulo, ed. Companhia das Letras,1988. pp.95-96 A imagem do Brasil como país promissor confundia-se com o seu ingresso nas relações internacionais na passagem do Império para a República. Vivia-se uma República forjada, onde a Constituinte do país não coincidia com sua constituição nacional. E o único lamento que se ouvia dos intelectuais e políticos que percebiam o viés que o país havia tomado em sua versão republicana poderia ser resumida numa frase célebre de Olavo Bilac: "Esta não foi a República dos meus sonhos. " O fato é que esta foi a nossa entrada nas relações internacionais. A forma não foi das melhores, haviam vozes dissonantes, ideais republicanos calados, homens públicos apaixonados por um ideal republicano e havia uma República constituída: éramos apenas produtores de matérias-primas. As mudanças internacionais aliadas à idéia de progresso e avanços tecnológicos chegava aos países produtores de matérias-primas pelas mãos dos estrangeiros ou da pequena elite local, interessada em importar tais valores europeus. A conquista das novas terras não se definia mais por demarcações de fronteiras, mas pelas transformações dos países produtores, recentemente independentes, por mercados "canalizadores da economia européia: "O momento definia uma divisão onde as desigualdades entre os continentes tornavam-se cada vez maiores" Eric Hobsbawn, op. cit., pp.30-57. O progresso cobria com um manto a história que prosperava em forma de mudança. "Não há fato histórico que não suscite no espírito uma infinidade de questões gerais. Não há guerra que não faça pensar na estupidez e ferocidade naturais dos homens. Não há descoberta que não traga à baila as questões do atraso e do progresso. Nem há conto que não junte um ponto".(pp.58-59) O progresso mostrava seus louros, mas nem tudo que chegava em território nacional era recebido com euforia. O contraponto ao progresso fazia-se sentir em "sua adaptação nacional". A fina "casta" que tentava adaptá-lo à temperatura local sofria resistência da própria população que, no caso da cidade de São Paulo, não se desfazia de seus costumes locais a fim de acatar os novos tempos de maneira tranqüila. O progresso e o crescimento urbano surgiu "para perturbar hábitos arraigados ao passo que os indícios de melhoria eram fracos e pouco convincentes " . ibidem.7 Esta resistência aos novos costumes que penetravam a vida urbana pelas mãos da elite pode ser vista nas obras literárias da época. Por exemplo, Gente Rica de José Agudo é uma obra que está sofrendo estas mudanças, ela é construída em diálogos de personagens perplexos com as transformações no centro; vemos o trânsito, o aumento de automóveis, os novos cheiros e o incômodo das multidões. A pergunta que fica parece ser sempre a mesma: progresso para quem? A obra literária Madame Pommery de Hilário Tácito parece expressar também as mudanças na cidade de São Paulo. Ao contrário de Gente Rica de José Agudo, onde a perplexidade dos personagens é o seu tom atenuado, Madame Pommery é a mudança pelos seus agentes, os desmandos dos coronéis, a decadência de um antigo sistema e a urbanização enredada na própria trama da obra: "Pommery, o tempo que Vs. comiam içá" . Lima Barreto, "Mme.Pommery". Gazeta de Notícias(Rio de Janeiro), 02/06/1920. Parece que Lima Barreto não se enganou, Madame Pommery lembra o tempo dos "içás" e o sabor destes nos remete à época dos coronéis, ou seja, o "Tempo de Pommery". Atrás da figura do "coronel-tipo", catalisador de energias econômicas e políticas, cresciam os "fenômenos urbanos". Pessoas surgidas nas malhas da urbanização, prontas para intermediar qualquer negócio que se referisse a lucros imediatos ou a curto prazo. As oportunidades para estes negociantes, futuros industriais e coronéis da cidade, tenderiam a crescer. A verdadeira forma de se obter capital não estava realmente nos cafezais, nem na figura "bufa" dos lendários coronéis. O grande "veio de ouro" estava em acompanhar a safra da "rubiácea" até o porto de Santos, deixar o "coronel" descansando lá pela cidade, descer a Serra do Mar e intermediar a venda do produto. Richard M.Morse, op. cit., cap.XIV Agora, quem sabe já se possa desconfiar da ligação histórica e biográfica de Mme. Pommery com a cidade de São Paulo e vice-versa. Mesmo assim, chamaremos Penélope a grande tecedeira das histórias que nunca acabam porque não podem terminar, e voltaremos à chegada da nossa coccote espanhola no navio Bonne Chance. Mme. Pommery desembarcou em Santos com o imediato do cargueiro, Mr.Defer, que entrou nesta história como anfitrião da personagem principal na passagem de Marselha à América do Sul. Em troca, a nossa personagem indenizaria o marujo em viagem "...pelo concubinato itinerário, gratuito e transatlântico"(p.55). Em Santos "o casal", já acostumado com os aspectos brasílicos, pois o navio havia aportado na Bahia e no Rio de Janeiro, foi jantar no Hotel Parque. Ali a aventurosa espanhola teve a revelação:" Ia sentar-se; mas não sentou. Caiu(...)Madame Pommery caiu das nuvens" (p.62); no salão de jantar a nossa personagem reconheceu Zoraida sua antiga preceptora, o espanto não foi de reconhecê-la mas vê-la com os dedos carregados de jóias jantando maritalmente. Neste momento, Mme.Pommery resolveu indagar o garçom a respeito da ilustre dama sentada com o cavalheiro: "- É o coronel Fidêncio Pacheco Izidro com sua senhora. De São Paulo. Muita influência... " - (...) Es Coronel el caballero? Pero no tenía el uniforme... " - Não é preciso...Aqui, quando um freguês não é doutor, é coronel. Coronel é qualquer freguês de respeito - quando paga tudo. Há doutores, até, que são coronéis.” (...) " - Si? ... Pero, digame Usted? los hay acá muchos coroneles, muchos dotores-coroneles? " - Oh, se há!!...Está assim!!...(e mostrava os dez dedos apinhados) - Uma fartura!... "- Dios mio, caramba!... qué tierra tan bonita!"(p.63) Santos foi só A Chegada, o salto maior estaria no alto da Serra, onde o verdadeiro "paradigma nacional" estava fixado. Mme.Pommery descobriu "a casta dos coronéis", a tierra parecia boa e promissora para os estrangeiros. Ela despediu-se de Mr.Defer, que não lamentou a sua partida, e subiu a Serra. Assim a força do Destino ou o Acaso que já havia resolvido tantas interrogações na História Nacional, desde a vinda de Cabral até a chegada de Mme.Pommery, mais uma vez mostra que tudo na História, quando é mais esmiuçado suscita uma infinidade de questões. Num dado momento histórico, juntou-se o "sopro do acaso" à argúcia da "roliça espanhola", que em sua Pré-História já fora adestradora de ursos, centrando fogo num mesmo objetivo ou matéria-prima: O Coronel. Revista a chegada de Madame Pommery e explicitados os reais vínculos que a guiavam à São Paulo, voltemos à cena da nossa simpática personagem que espera por nós perdida no Hotel dos Estrangeiros, olhando chocada aquele requebro desregrado das índias locais. Ela estava solitária, abandonada ao lado de Mme.Filisberti, a dona da "Escola". Já havia tentado de tudo para pegar um pato, mas por mais que dançasse o maxixe, o cake-walk e fizesse requebros acrobáticos, as suas trinta e quatro primaveras vicejantes faziam-na vegetar na obscuridade. Ali sentada, observando o movimento geral, entre uma cerveja e um conhaque, Madame Pommery saiu do seu estado de espectadora da Botocúndia e dos botocúdos. Começou a produzir idéias sobre como modificar aquela vida local desregrada e veicular capital para os próprios bolsos. Num sobressalto as idéias começaram a girar até tomar a forma de uma garrafa de champanhe e "Mme. Pommery vomitou cerveja Antarctica".(p.44) Ela já tinha seu plano bem traçado: vira no champanhe a forma de se obter daquela "casta de coronéis" seu plano particular de valorização. Estávamos na época da valorização. O governo federal, os políticos locais, a oligarquia cafeeira, instituíram o sistema de valorização como uma forma de salvaguardar os produtores de café das oscilações do mercado internacional. A superprodução da rubiácea, que vinha num crescente desde a época do Encilhamento, expansão financeira que ocorreu entre 1890-1, estimulou novas plantações de café. O resultado deste aumento de produção foi o "encalhe" do produto por falta de procura. O Estado teria como prática estocar a mercadoria afim de valorizá-la. Mas o café, depois de torrado, é um produto de longa durabilidade e os importadores também seguraram seus estoques na intenção de "desová-lo" no momento de alta. A tendência da valorização apenas protelou uma situação de crise que caracterizaria o destino oscilatório do café no século XX. Assim entre 1901 e 1904 ocorreu a primeira grande crise do café, onde os lucros caíram em 10% Joseph Love, op. cit., pp.71-2. Estes primeiros índices de declínio pareciam apontar também uma crise no tipo de política personalista e localista da oligarquia cafeeira e, ao mesmo tempo, para o reconhecimento da fragilidade econômica no trato com o mercado internacional. As características de mandonismo local iriam se transformar na medida em que as novas gerações da oligarquia paulista, mais ligadas ao meio urbano, fossem conquistando espaço na política local. Edgar Carone, "Madame Pommery Companhia Limitada". In: Edgar Carone, Da Esquerda à Direita, Belo Horizonte: Ed.Oficina do Livro, 1991. pp.123-5 Todos estavam de olhos atentos ao declínio do café, todos esperavam com expectativa uma mudança no mercado internacional. Mas Madame Pommery estava além das causas materiais, enquanto todos olhavam a "inocente rubiácea" alheia às vontades humanas, a sensibilidade da "espanhola", que tinha em seu sangue um lado judeu e outro misturado aos votos rompidos de uma "noviça rebelde", indagava consigo: quem valorizaria o Coronel? quem daria sentido ao seu "potencial" já obtido? A resposta dada pela História parece rápida demais: o capital acumulado pela cafeicultura iria para a indústria; por indústrias entende-se cidade, à cidade associa-se urbanização e, pronto, a história já foi contada. Mas, como entender Madame Pommery que estava fazendo um esforço tremendo de interromper esta seqüência dos fatos para lhes dar um novo sabor? Assumindo a presença da "nossa adestradora de ursos" nas transformações dos costumes locais, diríamos que a valorização feita pelo governo e a veiculação do capital gerado pelo café, estariam fatalmente condenados ao fracasso se na interferência entre ambos não surgisse a valorização correlata do seu produtor: o Coronel. Esta descoberta foi de nossa ilustre preceptora que veio para a Paulicéia educar, civilizar e dar sentido a economia local. Assim, em meio às transformações que passava a cidade, na conquista avassaladora de espaços, surgiam figuras de proa, que nesta configuração em palimpsesto tentariam obter lucros às custas da pequena elite local. Esta deixava suas tradições coloniais ligadas ao meio rural para habitar a cidade. O café seria o veículo das transformações urbanas, mas a veiculação do capital já havia saído das mãos do "coronel-tipo" para ter em sua figura apenas o estereótipo de um poder personalista que se perderia espalhado nas malhas urbanas. O começo do século XX parece ser um momento onde estão se fincando as raízes de novas relações de poder. Em São Paulo, a Primeira República sobre o signo do café e a representação de uma oligarquia cafeeira, as transformações do poder local foram muito reveladoras. Conforme o século avançava, o poder rural, ou seja, as formas de poder local da oligarquia cafeeira, seria transposto para a máquina do Estado Republicano. A política personalista própria do coronelismo, onde a prática da corrupção e acordos entre familiares fazia parte de uma herança rural que sobrevivia ainda na máquina governamental, foi característica dos primeiros anos republicanos. Por mais que o Partido Republicano Paulista sustentasse uma política partidária complexa, que não se situava apenas nas fronteiras locais, muitos dos seus agentes, os coronéis, viam e viviam a política como uma forma de expressar os seus interesses privados. Em São Paulo a Prefeitura e a Câmara Municipal caracterizaram-se por monopolizarem os interesses desta oligarquia cafeeira, seus conflitos e contradições, que giravam em torno de interesses privados. Somado a este poder local que pouco representava o cidadão, tinha-se uma cidade que não parava de inchar. A cidade crescia e se diversificava. Os estrangeiros, que antes da formação da Companhia de Imigração (1872) não passavam de 23.000 habs. Por volta de 1920 constituíam quase 2/3 da população da Capital paulista e formavam 52% da mão-de-obra industrial Warren Dean, op. cit., p.57 . A cidade era construída pelas mãos de arquitetos, engenheiros e artesãos que mal falavam o português. A pequena urbe acolhia a todos aceitando a sua personalidade transitória. "Como os fenômenos sociais não se concretizam de forma simplificada e mecanizada, onde o 'novo' naturalmente determina o fim do 'velho', em São Paulo conviveriam a um só tempo as novas formas culturais em emergência, as tradicionais que insistiam em permanecer e mesmo aquelas que mantinham tanto os elementos tradicionais com os de inspiração renovadora". José Geraldo Vinci de Moraes, As sonoridades paulistanas. Dissertação de mestrado apresentada a Faculdade de História da PUC, São Paulo, 1989. p.51 O Coronel, nesta rede populacional diversificada, foi um dos que investiu seu capital na cidade afim de também ver seu pequeno mundinho europeu no Campos Elísios e esperar, atordoado, alguma coccote francesa importada da Europa. A elite cafeeira que vinha morar na cidade via ali um elo de ligação com o mundo civilizado. O Coronel, o político, o escritor e o jornalista faziam parte de um mesmo mundinho que se caracterizava por uma recente formação urbana contraditória e híbrida. cf.Edmundo Amaral em A grande cidade onde este aspecto do centro urbano como refletor da novidade, do estar up to day fica notório na relação urbano/rural A cidade conglomerava linguagens e desejos que desenhavam seu novo mapa. Madame Pommery chegara a pouco, mas já tinha consciência das mudanças que se passavam na pequena urbe paulistana. Aliás, ela seria uma das representantes destes novos costumes. Ela era um marco destes costumes, assim como o Coronel era um representante das antigas tradições que impulsionavam a vida urbana na capital; "Proclamam os nossos estadistas que não basta atrair para aqui os braços estrangeiros. Que é preciso fixá-los; prever tudo, intentar tudo, para os ter em nossa terra, fixos e permanentes."(p.75). Fixados os braços, aliás fixando-se os braços, as pernas se fixariam também, uma coisa deve levar a outra, porque ambas fazem parte do mesmo movimento. O fato é que as pernas ou os braços, ou ambos, se fixavam ao mesmo tempo em que aquele caballero a quem chamavam Coronel estava no local exato, na hora certa, com a pessoa correta: Mme.Pommery. Nossa "adestradora de ursos" tentava “...convencer o Coronel Pinto Gouveia, comissário do café, sujeito de sessenta anos e abalizado comerciante."(p.73), à contribuir com a formação de uma nova "Escola" na cidade de São Paulo que estivesse a altura da abastada elite local que deixava as fazendas para habitar a capital paulista. E assim a luz se fez! O Coronel Pinto Gouveia, o último dos representantes do café, aliás o seu comissário, ou seja, um daqueles elementos pertencentes ao grupo de brasileiros e portugueses que diversificava seus negócios entre a fazenda, o comércio e os bancos, quando a maior parte dos grandes fazendeiros do café ainda não havia vindo em peso para a cidade, contribuiu com a "Abadia" de Madame Pommery, virou seu primeiro e único sócio fundador. Os primeiros estímulos oriundos do surto do café, apesar de não estarem no seu auge, haviam contribuído com os projetos de edificação e com os novos costumes da nossa promissora capitalista Mme.Pommery. Com esse pequeno detalhe que passou despercebido pela História Oficial da cidade, ficamos sabendo que entre os lucros do café e a industrialização ocorreu uma transformação na cidade que iria dar sentido a tudo mais que estivesse ligado ao crescimento, ao progresso e aos novos costumes; o nome deste fenômeno já é notório e mais que provado: Mme.Pommery. A nossa preceptora, além de requebrar bem o roliço corpo de domadora de ursos, demonstrava sensibilidade de economista abalizada expondo suas habilidades na ponta do lápis como um fado na mão de um toureador. Passou despercebida pelo nosso idoso Coronel, também abalizado comerciante, que não levou em conta este recorte da personalidade-judaica de Mme.Pommery. Tomado pelo desejo de descansar em braços amigos, Pinto Gouveia bebia champanhe Pommery, dormia no quarto de nossa heroína balzaquiana certo que finalmente repousaria seu corpo cansado na tranqüila "Abadia". Mas, neste caso, enquanto a formiga descansava a cigarra contava e computava os últimos dias de repouso do Coronel "NO DEVER E NO HAVER ". A roda da fortuna não parava e Madame Pommery sabia disto. Hoje era o Coronel, amanhã... amanhã a "Abadia", o PARADIS RETROUVÉ, como ela batizara sua pensão de luxo para artistas. Teria que sobreviver, aliás, mais do que sobreviver, viver e ascender com os novos tempos. Neste momento percebemos que a História e a Vida fazem parte de um mesmo movimento. Só que a História, preocupada em deixar marcos para o futuro, esquece, por vezes, a Vida e assim não perscruta de forma apropriada personagens e fatos que definiram sorrateiramente os caminhos de um dado povo ou de uma ilusória cidade. Voltando à "Abadia". Lá estava o Coronel Pinto Gouveia, próspero comerciante com a orelha grudada à porta do quarto da heroína, totalmente estupefato com os últimos acontecimentos. Madame Pommery não lhe devia mais nada, a conta estava liquidada, o empréstimo fora pago e a estadia acabara. "O Coronel reconheceu sem custo a voz do Dr.Mangancha, diretor tesoureiro da Companhia Paulista de Teatros e Passatempos; e, como era cavalheiro, não quis escândalos nem barulhos que o tornariam mais ridículo. Por isso desceu muito açodado, mastigando a raiva. Foi para casa; e mandou pagar a conta, no outro dia.” (p.82) O final do primeiro ciclo de Madame Pommery terminara. Seu sócio-coronel fora embora, agora seria, quem sabe, mais um freguês solitário que viria à sua "Escola" divertir-se. Os tempos eram outros, a cidade estava crescendo e novos agentes ou "sócios temporários" entrariam nos rumos de nossa heroína, que tinha em seu destino a função de galgar sempre por métodos às vezes pouco recomendados nas biografias dos grandes heróis de nossa terra. Afinal, Madame Pommery não tinha pretensões de ascender por métodos comuns e notórios próprios aos heróis da História, mesmo porque sua origem nunca foi o veio dramático, assim como sua desenvoltura nunca produziu efeito no universo da natureza hostil à moda de um Guarani. A filha de lambe-feras com noviça arrependida, ovelha desgarrada de uma troupe circense, lançada em território nacional por algum canhão humano, estava mais para uma arguta economista, sensível meteorologista atenta às transformações do mercado. Nossa heroína havia burlado o cerco do amor romântico, fugido do veio dramático para construir sua fama, sua história sobre humildes menires ainda pouco lapidados. Seu destino estava traçado, sua herança a determinava na vida pública, nas grandes pantomimas dos bastidores da política, nas orgias e no riso universal de uma marafona. Madame Pommery, a partir dos próximos capítulos, irá pontificar, armar e desarmar tramas e fados que só serão possíveis se regados pelo tom satírico do narrador, Hilário Tácito, que nunca deixará sua protagonista em situações de mão única ou caminhos que dêem em um só lugar. Para desdobrarmos um novo capítulo basta, no momento, acreditar que Madame Pommery está na cidade viva, fixa e respirando como nós leitores. CAPÍTULO Do Hotel dos Estrangeiros ao Paradis Retrouvé: uma breve retrospectiva. Achamos por bem recapitular alguns dos primeiros empreendimentos de Madame Pommery na cidade de São Paulo para esclarecer pontos que possibilitem o fluxo tranqüilo desta história. Seremos breves mas fiéis à protagonista da história. Mme.Pommery chegou a São Paulo e foi habitar O Hotel dos Estrangeiros. Naquele tempo existiam duas grandes casas noturnas: numa Mme.Pommery passou sua "infância", berço onde nossa heroína deu seus primeiros "choramingos" em território nacional; e outra era conhecida como o número "10" da rua Formosa. Hilário Tácito, Madame Pommery, 4.ed., São Paulo: Universidade de Campinas, 1992 e Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa. p.42. As citações seguintes serão indicadas apenas por uma referência à página no próprio corpo do texto. Foi nestes Palácios de Luxúria que nossa "ex-faniqueira de Marselha" aguardou, por um longo tempo, as modificações as quais estava destinada sua vinda a São Paulo. O Hotel dos Estrangeiros e o "10" da rua Formosa faziam parte de um pequeno mundo dos prazeres que se estabelecia na cidade com a chegada das coccotes estrangeiras que vinham "fazer América", e destacavam-se em relação às meretrizes locais . Guido Fonseca, História da prostituição em São Paulo, São Paulo: ed.Resenha Universitária, 1982. pp.131-2 No final do séc.XIX, São Paulo é palco de uma onda crescente de imigrações, em 1875 a cidade atinge a taxa de 54% de estrangeiros da sua população total Ernani Silva Bruno, op. cit., p 886. Este volume de pessoas que chegavam, na sua maioria, do continente europeu, tinham diferentes hábitos sociais e culturais, contribuindo também com novas diversões urbanas. O Hotel dos Estrangeiros, na esquina da R.Líbero Badaró, foi um dos locais preferidos para a elite paulistana se divertir. Ali, nos primeiros tempos, havia desde meretrizes brasileiras até estrangeiras dos mais variados países. Todo este exército babilônico era chefiado por Madame Filisberti, a proprietária do Hotel procurava ficar no "caixa" controlando a entrada da "clientela" através de um enorme espelho localizado ao lado de uma escada de mármore que dava no salão. Desta posição Mme.Filisberti recebia maternalmente os coronéis, vieux marcheurs, e exterioriva sua antipatia quanto à freqüência dos gigolots . Cicero Marques, Tempos Passados..., São Paulo: Moema Ed.Ltda, 1942. pp.120-1 Quando escurecia, nestes espaços de divertimento dançava-se o maxixe, cantava-se modinhas da época e fazia-se malabarismos regados a cerveja Antarctica. A vida mundana passava, assim, com um regimento de mulheres que chegavam e um reduzido espaço para todo este variado contingente "alegre". "São Paulo, pela proximidade com o Rio de Janeiro e, principalmente pelos surtos de progresso e riqueza que o envolvia não podia deixar de atrair a atenção dos exploradores de mulheres. Daí o número enorme de mundanas estrangeiras, das mais variadas nacionalidades, que deram uma feição toda especial à prostituição da Paulicéia" . Guido Fonseca, op. cit., p.133 O Hotel dos Estrangeiros ficou pequeno. Na década de 20 o edifício foi destruído para dar lugar a uma faculdade de medicina. A recém inaugurada Escola passou a ser o divertimento da juventude local, a cada sala em que se entrava da faculdade insinuava-se algum gracejo. Nas lembranças carinhosas de Cícero Marques, em De Pastora à Rainha Cícero Marques, De Pastora à Rainha, São Paulo: ed. da Rádio Panamericana S/A, 1944., percebemos como estes boêmios, jovens que participavam do momento, olhavam aquele sacerdócio da ciência estruturado sobre um outro tipo de estudo da anatomia humana. A faculdade durou pouco, apenas três anos, o Hotel dos Estrangeiros, ao contrário, sobreviveu à sua própria destruição na memória daquela juventude calorosa que se iniciou ali nas leis do amor. Antes desta demolição acontecer, sabemos que Mme.Pommery esteve lá, no Hotel dos Estrangeiros, esperando desesperada uma chance para mostrar seus dotes no manejo e administração dos novos costumes urbanos. Sabemos também que a nossa ilustre personagem tudo observava enquanto esperava. Mas afinal, o que tanto esperava? Ou melhor, quem esperava? A resposta é delicada, por incrível que pareça Mme. Pommery esperava Zoraida. Para quem esqueceu, Zoraida surgiu no cap.1 no momento em que Mme.Pommery decide ficar em Santos e "dá um chega prá lá" em Mr.Defer, o marujo do cargueiro que a trouxe de Marselha. Depois temos o episódio da Subida da Serra, quando percebemos que Madame Pommery opta por se estabelecer na cidade de São Paulo. O que não ficou claro, naquele momento, foi o papel real de Zoraida no passado, no presente e no futuro de nossa heroína. Novamente comprometemos o caminho principal desta história devido ao excesso de detalhes que o fogoso narrador, Hilário Tácito, parece não conseguir dispensar. O Desvio é parte integrante desta História, pois esta obra refere-se a uma biografia verídica onde não há caminhos mais importantes ou fatos que possam ser desprezados. Numa "História Verídica" é necessário mostrar os vários atalhos e descaminhos do biografado."Percorrer o jardim, sem atentar nas flores?".(p.59) Da Chegada temos a Descoberta e, finalmente da Descoberta percebemos um fio que dá um curto circuito na História do Brasil. Afinal estamos na época da eletricidade, do movimento rápido, onde não podemos nos reportar às Descobertas sem contextualizá-las. Estamos no início de um período de instalação de fios, trilhos e dos freqüentes acidentes gerados por toda essa parafernália elétrica. A Chegada de Madame Pommery, que ombreia importância histórica com a vinda de Pedro Alvares Cabral, sofre modificações drásticas. Na época que Cabral aportou em território nacional este ilustre herói não conhecia absolutamente ninguém por aqui. Cabral pisou o solo brasileiro e viu o índio, o famoso bom selvagem, aquele que mais tarde, depois de dominado, tornou-se o "Outro" da América Latina, ou na versão nacional, o "Peri da Ceci". A Barca de Caronte que pela milésima vez transpunha o Oceano Atlântico, decifrava os enigmas de um território desconhecido. Os mistérios do mar e a fúria das correntezas já eram forças dominadas. O novo obstáculo constituía em decodificar as terras "além mar". Nesta busca, a literatura, os diários de viagens e a investigação científica se uniram para pintar um novo homem, para representá-lo em cores que ornassem com a natureza descoberta. Estduardo Nunez, "O elemento latino americano em outras literaturas". In: César Fernandez Moreno(org.), América Latina em sua literatura, São Paulo: ed.Perspectiva, 1979. pp.83-112. Foi numa dessas buscas, onde as ilusões e as desilusões convergem para um território vazio, prenhe de cartografia, que encontramos jovens trabalhadores no meio da Floresta Amazônica num projeto maluco de cortá-la por trilhos. Lá estava Mad Maria, a locomotiva da Selva, a prostituta desbravadora da Floresta. A marca do pé civilizado que se impôs sobre a mata indomável apenas pelo desejo de lucro, de fazer um "caminho que conduzisse do nada a lugar-nenhum". Essas referências foram retiradas da obra de Márcio Souza, Mad Maria, Rio de Janeiro: ed. Marco Zero, 1980. p.143/ cf. Francisco F.Hardman, Trem Fantasma, São Paulo: ed.Companhia das Letras, 1988. p.137 Bem no encalço de Mad Maria, Mme.Pommery aportou mais ao sul, águas tranqüilas, território menos selvagem mas tão inóspito quanto a Floresta. Tanto uma como outra ombreavam o grau de preceptoras e tinham objetivos parecidos: cortar o mapa nacional pelos trilhos da civilização, não importando muito por que métodos ou formas chegariam ao seus fins. Sabemos que Mad Maria foi o grande sonho de dominar o desconhecido, "de levar a civilização até as últimas fronteiras" Francisco Foot Harman, op. cit, pp.136-7.: cortar a Floresta por trilhos fazendo a ligação da Bolívia com o Oceano Atlântico. Mas o sonho transformou a vida de muitos homens que trabalharam neste projeto num verdadeiro pesadelo cotidiano. A presença daquela locomotiva-mulher era ao mesmo tempo símbolo de civilização e barbárie. A Medusa que soltava vapor fixava seu tapete de trilhos sobre o sangue de homens, presos, desiludidos, engolidos pela selva, embriagados pelo que vai além da civilização. O homem se rendeu à selva levado pelo som mágico de uma flauta chamada Mad Maria. Mad Maria poderia ser considerada uma femme fatale. A máquina-mulher que levou muitos homens ao desespero, ao caos, ou porque não arriscar dizer: ao limite da selvageria adormecida no próprio seio da civilização. Aludimos a todo este drama ocorrido ao norte de nossa imaginação por um motivo muito simples que continuaremos a afirmar até o fim desta pesquisa: Mad Maria foi a grande Medusa à vapor da Floresta, mas não foi a única. Mme.Pommery não era nenhuma "locomotiva à vapor". Nem chegou em território nacional saudada por uma solenidade de homens, embriagados de desejos curtidos no grande berço europeu, ou mesmo, por americanos afoitos por lucros rápidos. Ela realmente se utilizou do trem mas só para transporte. Ao contrário de Mad Maria, que retirava toda sua força de seu poder de maquinismo, Madame Pommery, mais humilde na apresentação, apenas repetia o caminho de muitas outras demi-mondaines estrangeiras no ritual da Subida da Serra. Nestas paragens as máscaras da Medusa eram multicoloridas e sua presença corpórea vivia em estilhaços na cidade, em pequenos invólucros que se abriam aqui e ali sem muita ordem. Um rosto pintado surgia em um canto, a voz estridente anunciava mais um agudo, a liga de uma meia se soltava e aquela inocente menina nem parecia a bela senhora maquiada de cores fortes no instantâneo fotográfico. As lindas mulheres surgiam como vaga-lumes incandescentes que tomavam a cidade. Elas acendiam e apagavam e, neste eterno lusco-fusco, conquistavam admiradores, entravam sorrateiramente na vidinha provinciana sem causar o "estrondo" de Mad Maria. Mas obtinham, no final das contas, os mesmos resultados da solitária locomotiva à vapor que, a cada apito, penetrava um pouco mais na selva quase intransponível, anunciando a proximidade da civilização. Assim como Mad Maria, a figura da prostituta estrangeira, a francesa, também surgia no imaginário local como mulher sedutora e poderosa: femme fatale. Sua presença significava o surgimento da "civilidade", de hábitos modernos, o elo de ligação com os costumes europeus e, também, uma ameaça à vida pacata local. Maragereth Rago, Os Prazeres da Noite, São Paulo: ed. Paz e Terra, 1991. p.44 A chegada de nossa heroína, a pequena Ida (Madame Pommery) foi embalada num desses pequenos "embrulhos" do Destino. Ela veio num papel colorido meio gasto, com as cores um pouco opacas, mas contendo a experiência atávica de séculos. Mme.Pommery já conhecia os aspectos brazílicos, ouvira histórias a respeito da natureza paradisíaca pela boca de Mr.Defer, o marujo do cargueiro que a trouxe. Isso tudo fazia parte de sua Pré-História em Marselha . O que Madame Pommery realmente Descobriu, obviamente, não foi o "Outro", pois esse já havia sido descoberto. A nossa sensível adestradora de ursos simplesmente não descobriu nada no primeiro momento, apenas reencontrou o mesmo, ou para melhor compreensão, a Mesma. Madame Pommery, ao contrário de Cabral, já conhecia alguém em território nacional, e este alguém era Zoraida sua madrastra. A preceptora que ensinou-lhe as primeiras pantomimas, treinou-a para fortalecer os músculos, dançar, saltar e finalmente adestrar. Foi com Zoraida que a pequena Ida ganhou o mundo, traçou e entrançou o mapa europeu até chegar à Marselha já com suas 34 primaveras...o resto nós conhecemos. Ao ver aquela mais que conhecida Aparição, Madame Pommery ficou cega: viu Zoraida, fixou o Coronel Pacheco Izidro e subiu a Serra no encalço da preceptora a fim de encontrar um seio amigo, uma leve chantagem, alguma coisa que "reunisse" novamente madrasta e afilhada. Madame Pommery, quem sabe atordoada com este encontro triunfal, ficou em estado de euforia. Via Zoraida unida ao Coronel e logo concluiu que o ilustre cavalheiro desconhecia o "animado" passado de sua antiga colega de aventuras. Foi nesta ilusão, de acreditar que o passado teria o peso de um tesouro recém descoberto, que a nossa heroína sofreu o primeiro escorregão nacional. Pasmem! São Paulo, a vida local, se constituía também destas uniões nem sempre tão lícitas como manda a fé cristã. Longe das fazendas, das sinhás, dos costumes ligados ao passado colonial, os casamentos entre cortesãs e coronéis eram comuns e notórios. Muitas coccotes prestigiadas na época tornaram-se esposas de importantes homens da cidade de São Paulo ibidem.: "...Tal era o caso do Coronel e de Zoraida. Todo o mundo conhecia, até melhor que Madame Pommery, as aventuras passadas da matrona. Mas, que importava tudo isso?" (p.66) O passado de Zoraida, madrasta de Mme.Pommery, parecia não assustar nem as moscas que sobrevoavam o salão dos Estrangeiros; a tentativa de chantagem estava desfeita, mas nem tudo estava perdido. Mme.Pommery com este pequeno lapso conseguiu apurar melhor o seu "fado de toureadora" à realidade local. A realidade de uma cidadezinha que crescia da mistura de várias culturas. A mesma que se desenvolverá neste capítulo: o encontro do Coronel com a Cortesã e como este encontro frutificou em termos de futuro da cidade e produção de tradições. "Prostituição e modernidade, neste sentido, foram intimamente associadas, num momento em que amplos esforços eram mobilizados pelos diferentes setores sociais no sentido de se auto representarem como uma sociedade que ingressava numa nova era inaugural, sintonizando seus passos ao ritmo da modernização das demais nações européias". ibidem, p.45 A "prostituição profissional" se iniciou, na cidade de São Paulo, com a vinda das meretrizes estrangeiras que traziam muito mais do que a comercialização do próprio corpo. Elas surgiam com hábitos europeus, formas de se vestir e portar que as transformavam em geradoras de novos comportamentos sociais. A coccote, a "cafetina", "a polonesa", "a francesa" e "a italiana" carregavam em si uma "função civilizadora". ibidem, p.44 Esta função civilizadora transformava os espaços sociais da cidade, pelos menos nos primeiros anos do séc.XX, quando as prostitutas de "alto-bordo" eram vistas nos mesmos locais que as famílias. Com o passar da década, esta presença do mundo do prazer e da vida privada da família, convivendo num mesmo espaço social, será motivo de conflitos. Mas, neste primeiro momento, o encontro do Coronel com a Cortesã acontece no meio da rua, às vistas de todos, ainda que algumas vozes já pedissem a reclusão de tais damas à privacidade de suas casas. Guido Fonseca, op. cit., pp.167-178 Qualquer medida para regulamentar a vida dessas mulheres passaria pela legitimação do comércio do prazer, ou seja, os orgãos públicos além de "tolerar" sua presença teriam que institucionalizar tal prática. A questão parecia um tanto complicada para esses primeiros anos do séc.XX, o debate se acalorava nos jornais onde se ouviam vozes contra e a favor da legalização referendando a solução parisiense. Na verdade levantamos esta pequena "rusga", produzida pelo mundo urbano, para mostrarmos o processo de produção cultural que se formava na cidade de São Paulo. Paris parecia ser o centro difusor de cultura internacional, mas a vida parisiense também era um mundo de exageros cujas características não foi consenso importar. Todas estas manifestações culturais e sociais que chegavam à cidade pelos jornais, navios e pessoas, em forma de contradições, também contribuíam para o crescimento de São Paulo. A aceitação ou não de tais agentes já se transformava em produção do próprio crescimento urbano. Pelo que podemos notar, a união do Coronel com a Cortesã frutificava no centro urbano, crescia de tal forma que cada vez mais a volta do coronel à fazenda era retardada. Assim, "se Maomé não vai a montanha a montanha vai a Maomé" e a gorda esposa do Coronel, a escrava, a vida cercada do espaço rural também se deslocava para o centro urbano. A sinhá, senhora pouco acostumada com a nova exposição da mulher, coloca o véu preto e sai à rua num gesto religioso quase de rebeldia. A seu lado suas filhas e netas que já compartilham da vida urbana, mães prestimosas e meninas melindrosas que viam na futilidade das aparências sua maneira de ser. Margareth Rago, op. cit., p.64 Observando estas manifestações que convergiam para o centro urbano conseguimos compreender um pouco as dificuldades de nossa heroína na adaptação local. Nas profundezas de sua alma Mme.Pommery pode ter achado essa realidade uma grande bagunça: faltava organização, papéis claros e definidos no comércio amoroso. Quanto a Zoraida, esta agora fica um pouco de lado nesta história, mas sempre pairando nas regiões mais obscuras de Madame Pommery, pois não deixará de ser o espelho pelo qual nossa heroína deverá se guiar, ou melhor, superar. Aproveitando o impulso de superação que vai impregnando a história voltemos à vida airada no Hotel dos Estrangeiros. Ali Madame Pommery observava aquela balbúrdia de vozes num cenário repleto de palmeiras, aureolado pela luz elétrica, que refletia um retrato agudo da realidade local. A paisagem do salão parecia gritar aos olhos e ouvidos de Madame: de um lado uma bacante cabocla numa dança desgrenhada, de outro um pançudo pronto para devorar um bife e, mais adiante,” uma espanhola em crise de gargalhadas .” (p.43) Neste momento, a cerveja Antarctica já rodopiava na cabeça da nossa adestradora de ursos, que apenas bebia e observava, tomada por um ar de decepção e repulsa à selvageria local. Ela olhou para o lado das prateleiras e lá, bem no alto, descansava algo intocado, algo que as mãos impuras dos nababos locais idolatravam, amavam mas não consumiam na correta proporção: Mme.Pommery viu o champanhe e arregalou os olhos como se visse uma outra Aparição. "Vendia-se a cerveja, arvorada em bebida de gente fina, a dois mil-réis a garrafa. E achavam caro! O champanha, considerado um luxo de nababos, venerava-se nos armários com cerimoniosa devoção; e apenas descia deles em datas inesquecíveis, com estrondos escandalosos, cujos ecos, dilatados pela fantasia dos sobreviventes, se repetiam por largo tempo nas imaginações e nas conversas".(p.42) Este era o cenário local. Parecia ser esta a realidade à qual Mme.Pommery deveria se Adaptar, onde adaptar significa apenas perceber para modificar, transformar em métodos civilizados, pois estamos nos referindo a uma educadora. A referência a esta ilustre dama, que no momento se via numa situação um pouco confusa, mas já com idéias a serem postas em prática, nos obriga a sair do terreno da divagação para nos colocar, agora, na vida concreta da biografada . Mme.Pommery já havia bebido muito além da conta, precisa se levantar, arejar as idéias, sair daquele estado de torpor nacional que deixou-a, desde o primeiro capítulo desta pesquisa, sentada ao lado de Madame Filisberti. Mme. Pommery ficou em pé, mais do que isso, ela foi carregada e os detalhes deste episódio contaremos depois, pois o que importa agora é sua Ação. As luzes se acenderam e da situação de observadora começou surgir a domadora, ou melhor, uma lutadora romana de peso pesado. As vozes silenciaram, o único barulho vinha da voz de Ida, "Idazinha", com as mãos na cintura, pronta para o combate. Nossa personagem, lapidada em outras obras literárias, tinha em suas várias vidas uma que lhe dava concretude e impunha uma ação rápida na garantia de sua sobrevivência: "...era no palco, em lutas e cançonetas, que amassava o pão de cada dia. Nos Estrangeiros, quase às moscas(...)E, revolvendo pacientemente as suas idéias, murmurava consigo mesma esta divisa: "Con arte y con engaño Vivo la mitad del año; Y con engaño y arte Vivo la otra parte."(p.67) Naquela época as casas de diversões eram um misto de tudo: circo, apresentações de luta romana, boxeurs, cavalinhos e damas elegantes. Num mesmo lugar se concentravam diversas atrações, palco de entretenimentos meio provisórios onde a criatividade e a imaginação tentavam se sobrepor aos fracassos da eficiência técnica na arte do ilusionismo. Um exemplo desses primeiros tempos de "divertimentos difíceis" pode ser visto para o lado do rio Tietê. Neste rio havia se instalado um tipo de casa anfíbia que ficava parada em suas margens com vista para uma ilhota próxima. Ali, o velho Caetano, um tirador de areia das águas do rio, resolveu encontrar uma nova maneira de ganhar a vida. Abriu um Café-concerto que tornou-se a coqueluche dos habitués. A nova casa de diversões estava literalmente dentro do rio, só recebendo sua "nota feérica" dos notívagos que reverenciavam o lugar: "Lá chegando, a paisagem era desanimadora!(...)Das águas do rio, subiam aos ares vapores da neblina que tudo encobria.O 'Caetano', lugubremente iluminado por algumas raquíticas lâmpadas elétricas, mais tristonho fazia o lugar". Cícero Marques, Tempos passados..., p.125. Mais próximo do centro da cidade, onde se concentrava uma maior quantidade de diversões, andavam em moda as lutas romanas: "Paulo Pons, Raoul le Boucher, Fitzsimons - que sei eu? - todas as máquinas de músculos mais possantes do universo entusiasmavam o indígena enfezado com prodígios de força e de destreza" (p.49). O espetáculo dos lutadores ou lutadoras acontecia em algum Café-concerto, lançava-se um desafio entre os adversários e no palco, com um público numeroso, os boxeurs davam chutes e socos, mostravam seus músculos e sua técnica de ataque e defesa. "Mlle Sanchez desafiava qualquer pessoa do seu sexo para uma luta em cena aberta, com um premio de 500$000 a quem conseguisse vencê-la". Vicente de Paula Araújo, Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, São Paulo: ed.Perspectiva, 1981.p.132. Todos os boxeurs citados em Madame Pommery eram internacionalmente conhecidos. O cinematógrafo ainda não dominava as diversões dos paulistanos que davam preferência aos cafés-concertos e suas inúmeras apresentações. O grande destaque da época, na área dos teatros de divertimentos, era o Polyteama-concerto. Este edifício localizava-se bem na Rua de São João com a Rua Formosa, foi conhecido como o velho barracão de zinco com a melhor acústica da cidade. Edmundo Amaral, A Grande Cidade, São Paulo: ed. Livraria José Olympio, 1950. p.43 No final do século XIX nasce o Teatro Polyteama. Naquela época já encenavam, em seu palco, representações que iriam marcar a vida republicana. Por ele passou o batalhão Paulista que voltava de Canudos Vicente de Paula Araújo, op. cit., p.23; alguns anos depois ali surgiram novas versões do Guarani da Cia.Italiana, Peri rompia a estética do índio com penas e sem pelos para assumir seu papel urbano de pince-nez e cavignac e, para dar o toque internacional, ali se apresentou a grande Sara Bernhardt, a maior atriz do século XIX. ibidem, p.39 Eram os tempos modernos, o novo século despontava sem que as previsões do austríaco Rudolf Falb se confirmassem: não houve chuva de estrelas cadentes ibidem.. Final do mundo ou início de uma nova era? O fato é que o século XX despontou e, certamente, se não houve tempestade ocorreu ao menos a queda de um único meteoro: Mme.Pommery. O barracão de zinco conhecido por Polyteama-Teatro reformulara-se na entrada do novo século, havia se transformado no Polyteama-Concerto, up to date com os novos tempos. De todos os lados a vida noturna começava a se movimentar mais. A Rua São João afirmava-se como a espinha dorsal dos divertimentos noturnos, conduzindo a vida airada da paulicéia: a ladeira foi tomada pelos bondes e pensões alegres, sempre um andar acima, sempre com uma cortina fechada. Em 1904 o chefe de Polícia ordenava maior vigilância quanto à demonstração pública das meretrizes nas janelas e portas, também restringia o uso de vestimentas que atentassem ao pudor do passante na rua. Neste mesmo ano chegava a Missão Francesa e a polícia se organizava em novos moldes, ela se tornava mais autônoma em relação ao governo e mais rígida quanto a vigilância dos costumes. Guido Fonseca, op. cit., p.161. cf. Margareth Rago, op. cit. p.110 As ruas que cortavam a São João acompanhavam seu crescimento. Ao lado de casas de divertimentos residiam famílias de variadas profissões: sapateiros, açougueiros, joalheiros e dentistas. Num mesmo espaço, as residências se misturavam com os divertimentos e o comércio. Cícero Marques, De Pastora à Rainha , pp.25-30 Continuando na rua de São João, que vira ladeira até a rua Formosa e atravessa o Vale do Anhangabaú, alojavam-se, perto do Largo do Payssandu, outros restaurantes, pensões alegres, costureirinhas e modistas. A ladeira tornava-se estreita e parecia antiquada para acomodar engraxates, transeuntes e o bonde que apontava no alto pronto para descê-la. Mas a São João não comportava apenas o comércio e os divertimentos, depois de séculos sendo o que sempre foi, uma ladeira, transformou-se num relevo a ser superado. O Viaduto do Chá já havia suplantado tal relevo, mas o homem da cidade começou a ser mais arrogante, desejava transformar a ladeira num desafio, numa vitória que misturava músculos e destreza. Surgia o ciclismo, e os jovens desportistas, vez por outra desafiavam a ladeira tentando atingí-la no alto: "quem não conseguisse(...)podia contar com os apupos dos engraxates que encafifavam o bisonho ciclista, (...) acompanhando-o a vibrante clarinada zombateira dos pernáquios irreverentes". ibidem, p.25. Ver também Nicolau Sevcenko, Orfeu Extático na Metrópole, São Paulo: ed.Companhia das Letras. 1992. cap.1 Na altura onde da rua São João avistava a Líbero Badaró, se impunham outros divertimentos, com destaque para o Casino Paulista como Café-concerto; foi neste palco que Sar-Farah chocou o público paulistano deixando a mostra toda a sua nudez Cicero Marques, De Pastora à Rainha, p.35. As roupas começaram encurtar, as partes do corpo se tornaram mais insinuantes e por trás de toda mulher já se avistava uma silhueta esbelta e traiçoeira. Neste momento o desnudamento feminino, nos remete à valoração da mulher na rua, que parece ocorrer quando seu papel alia-se à função de consumidora. A mulher se expõe como ornamento, e deseja os novos costumes que vêm de Paris exibidos na vitrina de alguma loja na rua 15 de Novembro. Mas o corpo feminino não acata somente o comércio, a ação agora faz parte de seus papéis. Os novos tempos valorizam a mulher, o esporte, o movimento que se ajusta a novas formas de sedução. Margareth Rago, op. cit., pp.51-7 A dança, na época dominada pelo maxixe, passa a receber o movimento das senzalas, o cake-walk de origem americana. Os palcos da cidade encenavam os novos movimentos, exageravam nas cores cegando a vista do público com muita luz elétrica. O efeito de tais malabarismo regados a álcool e noutros "vícios mais elegantes", eram corpos maravilhosos que bem poderiam ser feixes elétricos em movimento. "No santuário do fetiche-mercadoria, tudo que reluz é ouro, o brilho é intenso e ao contrário do que prescreve a fé iluminista, pode ofuscar qualquer razão". Francisco F. Hardman, op. cit., p.60 "Caiam as rótulas e as mantilhas" Ernani Silva Bruno, op. cit., p.907 , o corpo da mulher se desnudava, seu movimento chegava a ofuscar. A nova mulher tornava-se um enigma da claridade: desnuda mas opaca. Esta mulher parecia fugir ao controle do amor cortês, tinha em seu corpo um agente mercadológico. A rua era sua nova vitrina e a ação sua vestimenta do momento. A Praça da República, antigo Largo dos Curros, também acatava o movimento, transformara-se em rinque de patinação, espaço para espetáculos circenses, competições de poules e festas beneficentes. Um pouco mais adiante, na rua da Consolação surgia o Velódromo da cidade; e pouco mais distante do centro, no Parque Antarctica, veremos a juventude nos anos 20 venerando seus astros do Football. Ver Nicolau Sevcenko, Orfeu Extático na Metrópole, cap.1. De todos os lados surgiam novos divertimentos, a vida noturna se intensificava e Madame Pommery crescia e prosperava: nas lutas romanas angariou muitos admiradores, foi nesta transição que nossa preceptora resolveu colocar seus planos em prática. O casal Zoraida e Coronel faziam parte da falta de regras nas leis do amor."Era-lhe, já, impossível assistir indiferente à continuação de todos os erros e disparates que presenciava. Cumpria-lhe o dever apostólico de remodelar esta gentilidade, anunciando-lhe a Nova lei do Amor corrupto, feito limpo, decoroso e sublimado pelo batismo do Champanha". (p.44) Infelizmente as "champanhadas" de Madame Pommery ficaram restritas a um determinado grupo da cidade, a um tipo de prostituição de "alto-bordo" que nas grandes transformações do centro conseguiu preservar tais "templos do amor". Por serem, em última análise, divertimento de importantes "figurões" da época. Guido Fonseca, op. cit., pp.154-5. O baixo meretrício não agüentou as transformações que ocorriam no centro da cidade e saiu dos arredores da Sé. Acusado de afrontar os passantes, foi para locais mais distantes: o Lgo.do Piques e o Anhangabaú. A velha Praça da Sé, em 1911, sofreu alargamentos que fizeram desaparecer seus becos e vielas. A praça se transformaria, sobre seu novo manto a única coisa que poderia afrontar a atenção do passante seria a nova Catedral. ibidem. Não tão longe dali, sobre a égide do Prefeito Antonio Prado, as novas leis da picareta pública transformavam o antigo Largo do Rosário na atual Praça Antonio Prado, o ponto chic da época. Mas ao contrário da Sé, onde a exclusão carnal deu lugar ao prazer celestial, na Praça Antonio Prado quem saía era a igreja dos Homens Pretos que desceu a ladeira da São João e foi reconstruída pela comunidade negra no Largo do Payssandu. Foi ali, bem pertinho da igreja dos Homens Pretos, num canto da rua São João, que veio a ser o Palácio de Luxúrias de Madame Pommery: o PARADIS RETROUVÉ. Naquele local da cidade, onde outros teatros de diversões surgiam e restaurantes se estabeleciam, reinou nossa mais ilustre dama. Madame Pommery dali pontificava sobre seus súditos botocúdos que a honravam com sua presença constante. Foi naquele "paraíso de perdições" que Pinto Gouveia caiu nas "desgraças" da "Hetaíre Rainha" que, num piscar de olhos, substituiu-o por outro a quem pendeu mais seu coração. O nome do "novo plebeu" era Dr.Mangancha, homem abalizado na vida dos divertimentos, Diretor Tesoureiro da Companhia Paulista de Teatros e Passatempos, e parceiro mais seguro nas transformações pelas quais passava o mundo dos divertimentos. "Compreende-se, diante do exposto, que o diretor tesoureiro da Companhia Paulista de Teatros e Passatempos - pela boa roda que o cercava, pelo seu prestígio entre as artistas, pela faculdade de distribuir frisas do Casino a bel-prazer - era o homem da ocasião, sem contradita nenhuma. Compreende-se, também, que Mme.Pommery não se descuidasse um momento de colocar, como devia, the right man in the right place"...(p.81) CAPÍTULO Do Amanho de Madame Pommery na Administração de sua Casa "As mulheres boas vão para o céu, as mulheres más vão a qualquer lugar" Esta citação foi retirada de um jornal carioca do sindicado das prostitutas do Rio de Janeiro, O Beijo na rua. Depois de tantas momentos de penúria e transformação parecia que a cidade e Madame Pommery haviam chegado em algum tipo de acordo. Neste momento a domadora acertara o passo com a fera e aparentemente viviam em uma cooperação bastante interessante. Em 1907 "a light aumentava o fornecimento da força motriz para a Capital e assim aumentava a nitidez das fitas cinematográficas, o circo na cidade surgia iluminado a luz elétrica" Vicente de Paula Araújo, op.cit. p.141. O movimento parecia geral. As picaretas e idéias dos arquitetos e engenheiros recém formados pululavam sedentos por espaços a construir. Uma cidade precisava morrer para nascerem duas, três, enfim, quantas fossem necessárias para a sede de tantos interessados. Um desenho estava sendo riscado no escritório do famoso professor de arquitetura da Escola Politécnica Alexandre de Albuquerque; o projeto denominava-se "Grandes Avenidas" e reunia outros nomes ilustres da construção: o Sr.Conde de Prates, Plínio da Silva Prado, Francisco de Paula Ramos de Azevedo, Horácio Belfort Sabino e outros. O plano "Grandes Avenidas" pretendia abrir largas avenidas que facilitassem a comunicação do centro com as duas estações ferroviárias mais importantes:"A avenida principal partirá da atual praça Antonio Prado em direção aos Campos Elísios; a segunda ligará o Teatro Municipal e a estação da Luz e Sorocabana e a terceira facilitará a comunicação do novo viaduto de Santa Ifigênia com o largo do Arouche". Benedito Lima de Toledo, op. cit., p.99 Coincidentemente a Prefeitura, pelas mãos do arquiteto Samuel das Neves, também fazia seus planos de alargamento e embelezamento da cidade. Os projetos designavam um futuro para a cidade, ambos se pareciam no desenho geral e, na dúvida, a Prefeitura pediu a apreciação do arquiteto Bouvard na escolha do plano mais apropriado à cidade. O arquiteto Bouvard participou de inúmeros planos urbanísticos para a cidade de São Paulo, sendo internacionalmente conhecido por sua participação na concepção de cenógrafos para a Exposição Internacional de Paris em 1900. O relatório de Bouvard destaca sua preocupação quanto as áreas verdes que oxigenassem a cidade paulistana. Depois de discussões calorosas, o destino do "Grandes Avenidas" ficou definido por Bouvard na abertura de espaços com vegetação no Parque do Anhangabaú, alternados por palacetes e belvederes Benedito Lima de Toledo, op.cit., p.104. Assim um dos planos mais bonitos da cidade de São Paulo seria edificado. O Parque do Anhangabaú ficou rodeada por edifícios majestosos. Por muito tempo o Vale foi o cartão postal de São Paulo, até que a utilidade se sobrepôs à estética e sua beleza simplesmente naufragou numa futura cidade conturbada. As praças surgiam na cidade, digo surgiam pois realmente apareceram na passagem do Império para a República. Na época imperial os espaços livres estavam ligados às expressões religiosas, o próprio sentido do largo "não passa de um alargamento de rua cujo centro não é realçado" ibidem./ cf. Sobre as diferenças entre largos e praças Janice Theodoro da Silva, São Paulo 1554-1880 discurso ideológico e organização espacial, São Paulo: ed.Moderna, 1984. p.147 parecendo não se referir a local de divertimento nem a espaço decorativo. O sentido das praças, diferente em tempo e espaço dos largos, buscava o público e o estético. Podemos perceber estas transformação nas mudanças do Lgo. do Rosário que vai tornar-se Pça. Antonio Prado, ou mesmo o Jardim Botânico na Luz que será o Jardim Público. A cidade parecia querer deixar cair seus muros. A urbe fechada, que valorizava os espaços interiores empurrava um vão de porta onde um sonho de cidade tecia sua rede imaginária de projetos possíveis e impossíveis. Mal o "Grandes Avenidas" saía do papel outros projetos eram desenhados à toque de caixa. Madame Pommery também desenhava novas estratégias para a conquista da cidade, à noite, quando escurecia, ela abria seus salões e as luzes de seu pequeno mundo dos prazeres se acendiam. Daquele "Palácio" saíam belas coccotes prontas a dar o bote em algum pato. Seu destino, ao contrário do imaginado, era previamente planejado pela Madame.. "Começava-se pelo encontro no Largo do Rosário. Hoje chama-se praça Antonio Prado. Tiraram-lhe a igreja; puseram-lhe as Ilhas do Prontos e o Palácio Martinico(...)era ali, no Largo do Rosário, ao canto da Casa Seleta, o centro de gravitação de toda vida paulistana; vida fácil, vida airada ...e também da outra, que, embora oposta, não se chama, contudo, nem desairada, nem difícil". Hilário Tácito, Madame Pommery, São Paulo: ed.Universidade de Campinas e Rio de Janeiro: Fund.Casa de Rui Barbosa, 4ed. 1992. p.40. As citações seguintes da obra Madame Pommery serão indicadas apenas por uma referência à página no próprio corpo do texto. A primeira parada era no Castelões. A confeitaria Castelões localizava-se na Praça Antonio Prado, antigo Largo do Rosário. Na época, o Castelões era tão conhecido e freqüentado que Cícero Marques em suas memórias refere-lhe a posição de locução adverbial. Mme. Pommery completaria o elogio ortográfico com a especificação de locução adverbial de lugar e tempo. Pois a tal confeitaria acatava os tempos republicanos com muita simpatia. No frenesi das horas a população que freqüentava o Castelões se modificava: de manhã, pendurados em seu balcão de zinco, amontoavam caixeiros viajantes afoitos pelas empadinhas que adormeciam na estufa, de tarde vinham as Senhoras e suas filhas que desfilavam seus novos modelos pela rua 15 de novembro e faziam uma "parada social" no Castelões em busca de um refresco, à noite, depois das cinco horas, o ambiente começava a ficar carregado, as demi-mondaines chegavam e, com elas, todo o público "interessado". Alfredo, o protagonista da obra A Grande Cidade de Edmundo Amaral observava a ilustre confeitaria naquele momento. Na parede existiam painéis pintados de paisagens em grandes panoramas de diversos países, poderia se ver Roma em seu teor religioso, representada pelo Vaticano, mais adiante Veneza e o grande Canal e, finalmente, uma paisagem brasileira, a baía de Guanabara com o Pão de Açúcar ao fundo Edmundo Amaral, op. cit., p.71. As alusões às cidades européias, à vida religiosa e à Capital do país, faziam parte da decoração da época. O olhar distraído de Alfredo penetrava aqueles mundos que giravam ao seu redor anunciando o predomínio do século da imagem. Depois desta fração de segundos onde o olhar do protagonista viajou por outras cidades, o auxiliar de Mme. Pommery voltou a se embriagar no burburinho local. O perfume francês tomava o salão e Alfredo se via engolido por bocas, cigarros e flertes ocasionais e indiscretos, que iam cobrindo pouco a pouco aqueles desenhos na parede, paisagens distantes de mundos impenetráveis. As demi-mondaines começavam seu desfile de amostras ali, olhavam e eram olhadas. Os primeiros sinais eram dados e a "via sacra" continuava. Depois da confeitaria este "meio mundo" procurava divertimentos mais agitados. A vida noturna apenas começara. Para aquelas que não haviam encontrado companhia o roteiro previamente preparado da Madame tinha seu próximo ponto no Casino Paulista, também conhecido como "Casino dos Médicos", na rua 24 de Maio. O Café-concerto como o Teatro Sant'ana na rua Boa Vista, o Moulin Rouge no Lgo.Payssandu, ou o El-Dorado, ao lado do Politeama, garantiam o comércio do prazer. O espetáculo começava, o público olhava atento para o palco, as cançonetistas entravam cantando a Viúva Alegre ou O Vatapá, havia apresentações de cômicos que "desopilavam o fígado dos habitués" e cantoras italianas, espanholas, que imantavam os homens com a voz cheia de ternura e expressão. A platéia aplaudia já entorpecida pela noite, alguns vaiavam e comparavam os espetáculos ao de outras casas noturnas. Os repórteres invadiam as sessões, prontos a anotarem o movimento noturno que surgia publicados em artigos intitulados "A vida mundana". Nestas colunas os divertimentos eram apresentados, costumava-se anunciar a chegada de novas troupes ou a passagem de artistas famosos. A imprensa também desenhava a cidade que surgia, sua moldura era o "Anúncio", algo que previamente divulgava e se tornava público. Assim tínhamos propagandas de bares, dos bijoux, dos teatros e clubs. Tudo isto regado com comentários sobre as pessoas que freqüentavam tais lugares e o tipo de divertimento que estava sendo oferecido. Os palcos onde as cançonetistas faziam sua fama dividia espaço com o cinematógrafo. Os panoramas ganhavam movimento. Poderia se fazer uma viagem à Terra Santa, 8 mil léguas em 30 minutos, ou mesmo, assistir sentado a inauguração da Exposição Universal de 1900 ou o vôo histórico de Santos Dumont ao redor da Torre Eiffel. Mas nem tudo parecia caminhar na mesma direção. O "progresso" que alguns desejavam sofria os enganos e desatinos dos primeiros passos. No Pirralho encontramos Jayme da Gama, comentador da coluna "Cidade Elegante", num gesto de preocupação quanto aos incidentes locais. Para ele a vida social em São Paulo não pode ser comparada a de Viena, Rio, ou mesmo Paris, mas há planos e projetos para a "vida mundana" se tornar mais intensa. Reclama que as pessoas em São Paulo ainda estão isoladas em grandes tabas. Não há recepções nem dias marcados para as famílias se visitarem, ou mesmo fazerem passeios chics. Entretanto o comentador já anuncia que a Av.Paulista terá seu rendez-vous, um parque projetado que já anima a sociedade local. O Pirralho(São Paulo), 12/08/1911. (n.1) A cidade paulistana, a duros golpes, vai tentando vestir uma nova roupagem, um ar de liberdade bem próximo da silhueta feminina: chapéus de todos os formatos, jupes entravées, saias estreitas na parte inferior para realçar o desenho do corpo ou longas cortadas ao lado para o vislumbre sutil dos tornozelos. Nas paradas de bondes no triângulo surgia um exército de homens curiosos e afoitos para observar um flagrante de famosas saias entravées subindo no bonde e deixando à mostra um breve sinal de corpo descoberto:"Há sempre diversos rapazes 'habitués' desse local que não esperam bonde algum, e se reúnem simplesmente para vêr esses dois palmos de pernas que as mulheres mostram quando sobem nos 'trainways'". Silvio Floreal, Ronda da Meia-Noite, São Paulo: Typ.Cupolo, 1925. p.108 As revistas de moda invadem a cabeça dos habitantes da pequena São Paulo. Os filmes, as peças de teatros, fazem da cidade e dos elegantes locais uma panacéia bem típica dos novos tempos. O que seria de bom tom usar? O que se encontra na rua em termos de toilettes?: "Toilettes ricas e de apurado gosto ostentavam-se garbosas ao lado de desengonçados casacos. Já se não vai ao theatro com a roupa de passeio. En revanche há ainda muita senhora que sahe a rua em trajes de baile(...)há rapazes que vão almoçar de smoking!! E no entanto a moda vive diariamente nas vitrines e nas seções elegantes dos jornaes". O Pirralho(São Paulo), 26/08/1911. (n.3) A moda começa sua ditadura, aliada à mercadoria e ao feminino, colorindo o novo século, ditando o eterno em forma de novidade, provocando nas mulheres desejos de consumo até então pouco conhecidos:"Depois de mencionar casos e fatos ocorridos na vida íntima de fulano e sicrano, citam nomes de crêmes, perfumes e outras coisas frívolas que desempenham sua missão no recato dos 'boudoirs'." Sylvio Floreal, op cit., p.106. Madame Pommery já sabia de tudo isso, ela carregava séculos de história, no seu sangue circulava todo um saber judaico-cristão que a abalizava nas trocas e na reunião do rebanho disperso. Ela, só ela sabia que havia necessidade de ensinar os botocúdos locais como e onde consumir e, neste quase milagre do pão, fazer com que este pequeno rebanho apurasse o gosto, desejasse coisas caras e raras. No "Tempo de Pommery" a cerveja foi substituída pelo champanhe com o rótulo Pommery anunciando um império regido por uma Rainha. Nesta altura os espetáculos estavam terminando e os cafés voltavam a encher, a jeunesse dorée havia saído das funções e iria comentar suas façanhas ali mesmo no triângulo. O Café Guarani, fiel ao seu público, aguardava a revoada destes alegres jovens que, ao lado dos pardais, invadiam a cidade . O Café Guarani localizado na Travessa do Comércio, dividia sua fama com o Café Brandão; na rua São Bento esquina com a Ladeira da rua de São João, o Girondino, o Java e outros. O Café Guarani se destacava à noite depois dos espetáculos no Sant'ana ou no Politeama, quando as famílias tomavam seu lanche antes de pegarem o bonde para suas casas, e os jornalistas, advogados, médicos e estudantes se acomodavam nas suas cadeirinhas austríacas para ouvir as valsas de Lehar e Strauss. O Café ainda ficava aberto pela madrugada com o salão quase deserto, restavam as mesas do fundo animadas pelas discussões sindicais. O Guarani era um salão querido e conhecido por todo interior de São Paulo. Mais ou menos em 1914 este Café foi destruído e suas mesinhas de mármore, eternamente rabiscadas, se fizeram em milhares de pedacinhos que encontramos por aí entre a fuligem da cidade e a lágrima de um poeta como Afonso Shmidt... Haa! este escritor, nós lhe agradecemos o seu São Paulo de meus amôres . Afonso Shmidt, op. cit, pp.126-7 Eram nesses cafés e bares que encontramos muito da vida da cidade. Ali as discussões se acaloravam, os olhares se cruzavam e uma obra sobre a cidade surgia. "O bar é o lugar de passagem entre o público e o privado, entre o exterior e o interior. Já não é a casa e ainda não é a rua. Câmara de descompressão no circuito entre uma e outra, é uma extensão da casa e uma redução da rua." Este trecho foi retirado de um texto de Teixeira Coelho para a exposição "De Bar em Bar" realizada em São Paulo no Centro Cultural Vergueiro, do dia 25/11/92 a 10/01/93. A estas horas as ruas já estavam desertas, as lâmpadas incandescentes eram apagadas e a cidade parecia se recolher. Mas apenas parecia, entre este ritual, que lançava o mulherio na rua e as famílias nos bares e teatros, surgia um outro espaço onde, sem dúvida, o dito público e o dito privado se misturavam numa balbúrdia só. A esta hora as pensões alegres eram o pouso de toda a juventude, dos coronéis, dos profissionais liberais e homens da política. Era ali dentro do PARADIS RETROUVÉ que a nossa "Hetaíre-Rainha" domesticava os botocúdos locais. O sistema da casa era simples e eficiente:" PAGA TUDO O QUE FIZERES...".(p.90) A rotina da casa era a seguinte: à chegada do cliente, lá pela meia-noite, depois dos espetáculos, já embriagado pelo álcool, ouvia-se o toque da campainha. O porteiro devidamente trajado vinha abrir a porta e ver a idoneidade da visita. Logo em seguida a própria Mme.Pommery segurava o sujeito e, num sorriso largo de marafona, conduzia-o para o salão. Nesta passagem dava para ver uma estreita escadaria que conduzia às celas ou "câmaras vulgares de ‘comércio’ amoroso"(p.92), justamente por isso que Madame levava o cliente pelo braço: para que ele não fosse ao Paraíso antes de pagar uma pequena taxa pela escalada. Madame levava o cliente direto para o salão, longe daquela escadaria. Ali o entregava a um garçom que o acomodaria numa mesa. O salão do PARADIS era baixo, as paredes forradas de verde e um enorme lustre pendia sobre a mesa de jantar. Num canto ficavam os aparelhos musicais: o piano, o violino e a flauta. Ali poderia se ouvir o maxixe e as valsas. Em volta da mesa de jantar várias mesinhas se distribuíam onde os coronéis sentavam com "as alunas". E mais uma vez nos surpreendemos com o narrador, Hilário Tácito que, pelo amor à verdade, certa vez foi ao tal Palácio de Luxúrias para verificar pessoalmente todo o brilho que tantos boêmios haviam propagandeado. Entrou pelos corredores da "Abadia", sentou em uma daquelas mesas e, num gesto displicente, deixou que o guardanapo caísse embaixo da mesa. Desta posição percebeu que tudo ali parecia ser ordinário, a luz vermelha e o álcool obstruíam a vista do cliente fazendo com que as ilusões gerassem histórias que iam muito além da realidade. Dentro desses Palácios de Luxúria havia "ruidosas ceiatas" que muitas vezes terminavam em pancadaria ou mesmo homicídios: "Um casal, sendo ela prostituta, se suicidou tomando lysol no Bordel depois de voltarem de automóvel as 3 hs.. da madrugada". A Capital(São Paulo), 12/01/1916. A prostituição aliava-se aos "vícios elegantes", na ganância por maiores lucros. O tráfico de entorpecentes tinha como intermediárias as meretrizes ou até mesmo as donas de pensão. O rapazio elegante consumia cocaína, morfina e éter. Guido Fonseca, op. cit., p.189 O PARADIS RETROUVÉ tinha suas funcionárias "fixas". A Leda Roskoff, loura eslava que trazia em seu peito jóias dadas por um grão-duque, antes dela aportar em território nacional com seu amante Sigfredo. Este jovem, o Sigfredo, se dizia empresário e gastava todo seu dinheiro em jogatinas. Contava que iria receber uma herança da Alemanha. Enquanto esta não chegava as más línguas comentavam seu rufionismo itinerante. Isolda Bogary, era outra funcionária, uma francesinha graciosa sentada ao lado da italiana Coralina "...rechonchuda popolana, que dava umas risadas malandras com os trinta e dois dentes fora e as ventas para o teto."(p.95). A Nenea representava a prostituição indígena se parecendo muito com Mme.Pommery. E, por fim, a Lia, irmã de Isolda Bogary. O exército de Mme.Pommery se dispunha nas mesas com os vários grupos, pediam bebidas comiam e riam. Mme.Pommery, a grande anfitriã, passava pelas diversas mesas, levantava um brinde com o champanhe e já caía fora para outra mesa. Diz a lenda que Madame domesticava as moscas para caírem em seu copo: "A boire, messieurs!" Perto dali já se construía o maior teatro de São Paulo, o Municipal, aquele que finalmente honraria os paulistanos com um espaço de divertimentos digno de uma cidade que crescia. O local escolhido pertencia à cidade nova, ligada pelo Viaduto do Chá, onde antigamente existia uma serraria. Em frente, impassível, localizava-se o Teatro São José, local que seria ocupado no futuro pelo prédio da Light & Power. O Municipal crescia, tomava forma e, em 1911 , estava totalmente pronto para a inauguração. O Teatro era grandioso, chegava a ser comparado com o Opéra de Paris. Os comentários sobre o custo e as empresas que lucraram na construção ombreavam em tamanho nas entrelinhas das reportagens. A população olhava aquele monumento impenetrável plantado no alto do Vale. Edifício que completaria o seu cartão de visitas ou mais uma inspiração oportuna para o Além. "Le Municipàle avec son imponent fachade domine la valée du Anhangabahu oû se matent les desesperées de la vie, en se jugant dune grande alture, la cabèce en bas." O Pirralho(São Paulo), 16/09/1911. O Municipal com sua imponente fachada domina o Vale do Anhangabaú, onde se matam os desesperados da vida, se jogando de uma grande altura com a cabeça para baixo.(trad.) O Municipal, diferente de outros teatros e casas de diversões era O Monumento. Um troféu a uma cidade que tinha suas óperas no Polyteama ou sua estréia no Sant'ana. Agora, com a nova Casa, todas as artes estavam legitimadas: desde a cançonetista até o cantor de ópera teriam naquele espaço, as estréias, os aplausos e os comentários no jornal. O Teatro abraçaria todos os grandes espetáculos. Mas, naquele dia, quem teria sua grande consagração de estréia seria o próprio Municipal. Dia da inauguração, uma terça-feira. As damas e senhores já haviam preparado suas vestimentas para honrar sua nova casa de espetáculos. "Mme.Tibiriçá, toilette de calipso de seda marinho, coberta com rica túnica de filó de seda fantasia e franjas com finíssimas aplicações fantasia de vidrilho" Emilie Chamie, Teatro Municipal: 70 anos do teatro municipal, São Paulo: ed. SMC/PMSP, 1981. pp.6-7. A Casa Michel inaugurava uma exposição de jóias nas vésperas da estréia e uma chamada no jornal oferecia aluguel de uma Limousine para a Tournée Titta Ruffo. No dia da inauguração o automóvel seria limpo, para o desfile noturno ao redor daquele templo das artes. O Viaduto do Chá sofreria um dos seus primeiros congestionamentos: "cerca de 300 veículos transportavam espectadores para o teatro". Emilie Chamie, op. cit., p.6 " Le Theatre Municipèle est construit encime de la terre et il se levante impavide et haut audessous de la même. /La architecture est simplement dantesque, il faut voir! Il a des portes, des janelles et des buraques redondes en divers estyles, trés elegants". O Pirralho(São Paulo), 16/09/1911. O Teatro Municipal é construido sobre a terra e ele se levanta, impávido e alto, em cima da mesma. A arquitetura é simplesmente dantesca, precisa-se ver! Há portas, janelas e buracos redondondos de diversos estilos, muito elegantes.(trad.) A cidade era derrubada, apareciam ruas e desapareciam casas. A inauguração do Teatro foi algo controverso, dantesco mesmo. Ele era suntuoso e caro demais, enquanto os problemas sociais aumentavam. O Municipal representava a afronta e o triunfo da cidade nova. Seria a vitória do progresso aureolado na beleza da imponente casa de divertimentos. Sobre suas formas se despejava a expectativa de uma classe abastada que necessitava de espaços de encontros e promenades no foyer. Por falar de encontros e promenades não podemos tecer elogios ao Teatro sem mencionar o Bar do Municipal. O que seria contar uma meia verdade, algo que Mme. Pommery nunca aprovaria. O Bar do Municipal faz parte de sua biografia e entra na história de Mme. Pommery como uma pérola caída do colar de alguma demi-mondaine prestes a ter um ataque de riso. O tempo perdeu esta pérola, traiu o grande Teatro omitindo a parte mais intrigante da nova casa de espetáculos. O Bar funcionava mesmo sem o Teatro estar com alguma tournée. Ele surgia, nos anos dez, como um dos espaços sociais da cidade mais freqüentados. Imagino suas mesas de mármore envolvidas em delicadas molduras de madeira e suas cadeirinhas austríacas da melhor qualidade. O Bar do Municipal fazia o frenesi do Teatro... Haaa!!! Mme. Pommery sua pérola está aqui, sente, tome um champanhe e voltemos a conversar. A noite é a inauguração, os lugares nas frisas e camarotes são disputados a tapas. As grandes marafonas da cidade mandavam seus serviçais bem cedo para a conquista de um bom lugar para verem e serem vistas. As famílias da alta sociedade davam seus últimos retoques. Mme.Pommery se olhava no espelho e via suas formas arredondadas como um violón. Suas linhas haviam aumentado e seu jeito tornava-se, a cada dia, uma caricatura mais viva. Mas isto não era problema! Mme.Pommery vestiu seu traje de noite, arrumou suas meninas e foi para o Teatro. Era bem pertinho de sua Casa, mas a Rainha iria com suas alunas de Automóvel; chegariam em grande estilo e a sua presença faria com que o próprio Municipal se envergonhasse de sua imponência. Pois, o que aconteceu foi exatamente isto: Mme.Pommery e suas lindas aluninhas subiram as escadarias do Municipal animadíssimas, sedentas, secas por um champanhe e tudo parecia se paralisar à esta entrada triunfal. O Teatro significava muito para Mme.Pommery, seria através dele que sua Chegada completaria um ciclo na educação paulistana. - Lindas senhoras! Subam as escadas...hiii! o colar de Mme. Pommery se partiu, ela corre atrás de uma perolinha que vai rolando até a entrada do Bar. Mme.Pommery se abaixa para pegá-la, um homem alto com um sotaque italiano encontra os olhos da Rainha e como numa premunição anuncia a extensão de seu reinado:"É AQUI O SEU LUGAR". A Madame, num gesto displicente e de pouco caso, retruca tranqüilamente: "EU JÁ SABIA". Depois deste primeiro encontro, conversaram, ficaram amigos, trocaram confidências e mercadorias. Acabaram se descobrindo: ela como Rainha do PARADIS e ele, Vicente Rosati, como Diretor Proprietário do Bar do Municipal No livro de Emilie Chamie, op. cit., encontra-se reproduzido um anúncio da época do Bar do Municipal no Edifício do Theatro Municipal com destaque para o nome do seu Diretor Proprietário Vicente Rosati.. Neste dia de inauguração Mme.Pommery teve suas núpcias com o Teatro. Não, desculpe, com o Bar, com a Pérola e com a História. Mme.Pommery olhou para a varanda do Bar e para lá se dirigiu em busca de outra pérola que se alojara nas mãos de um cavalheiro sentado numa mesinha. Mme.Pommery olhou-o fixamente, era um sujeito moreno, de pincez-nez, com um paletó cinturado e um lenço pendente no bolso que exalava Ambre Antique. Ele se apresentou timidamente porque sabia com quem estava falando: "Sou Hilário Tácito e tenho o prazer de ser o guardião de sua pérola perdida". Mme. Pommery não perdeu tempo se apresentando. Sentou. Olhou o sujeito que parecia um molecote e foi bebendo um champanhe Pommery disposta na mesa. Comentou alguma coisa sobre seu PARADIS. Não deu cartão de visitas porque a tipografia dos Lemmi estava ocupada demais com as diabruras do filho Voltolino e suas caricaturas de costumes. Mme.Pommery falava de seu palácio como se fosse um doce tentador, chegava a dar água na boca. Aquela Femme de trinte ans inspirava intimidade e carinho maternal. Ela dizia que dentro de seu Salão tudo brilhava, as músicas eram ótimas, a última moda de Paris, suas alunas eram pequenos pedacinhos de pecado embrulhados em versos amorosos e remelexos do maxixe. Hilário Tácito ficou encantado, já conhecia muito bem tudo aquilo, seu pai havia passado noitadas sentado no colo da Leda ou mesmo debruçado nos braços da Madame. Mas o bonito rapaz, era finamente educado, nada disse, apenas ouvia aquela voz espanholada admirando seus gestos com ar de generosidade...Quem sabe não foi deste encontro fortuito, produzido mais uma vez pelo Acaso, que o nosso jovem narrador iniciou a obra imorredoura sobre Mme.Pommery? "Pois a verdade, meus senhores, é esta, embora ninguém me creia:- eu também freqüento o Bar do Municipal, e bebo, à noite entre luzes e sorrisos, aquele champanha fatal de 30 mil-réis a garrafa, instituição imorredoura de Mme.Pommery .Visto os paletós cinturados do risco do Vicente; e no meu lenço de fina irlanda, pendente no bolsinho, muita vez se adivinha, com evocação de luxúrias vertiginosas, o Ambre Antique denunciador de pecados belos e recentes. E sou tal, em suma, que Mme.Pommery não achará razões maiores para se envergonhar do seu cronista." (p.34-5) Hilário Tácito prometeu ir conhecer o Salão depois de algum espetáculo. Ainda mais por ser pertinho, era beber no Municipal e cair nos braços da Rainha. Mme.Pommery levantou, tomou a pérola das mãos do rapaz e virou as costas. A domadora não podia perder tempo com detalhes enquanto uma estréia agitada acontecia. Saiu ignorando seu próprio Destino que já a colocara na comédia de costumes locais. O narrador Hilário Tácito traçaria sua biografia e ela, num gesto quase altruísta, desejou comprar toda a edição daquilo que documentaria seu reinado para o futuro. Cicero Marques, Tempos passados..., p.119 A inauguração do Municipal foi um fiasco, lembrou um pouco a inauguração da estrada de ferro São Paulo-Santos. Na inauguração, em 11 de setembro, o Teatro sofreria a sua primeira desilusão. Teatro pronto, público afoito e a companhia do grande barítono Titta Ruffo estava sem seus cenários que viajavam da Argentina para o Brasil. A grande e esperada estréia teve de ser transferida para o dia seguinte. No dia 12 de setembro este primeiro desgosto já havia sido esquecido. O material para a construção dos cenários chegara e a grande estréia aconteceria. "O espetáculo começou com a protophonia do Guarany, executada pela excellente orchestra da companhia(...)Em seguida teve início a representação da ópera Hamlet, que foi magistralmente cantada". Emilie Chamie, op.cit., p.6 Infelizmente nem tudo poderia ser perfeito. Naquele dia 12, dia de "re-inauguração", o espetáculo havia começado atrasado, às 10 horas da noite, e à 1 hora da madrugada do dia 13 ainda não havia terminado. O que fazer? Terminar a apresentação? Hamlet, a tragédia ficou sem epílogo devido ao adiantado da hora. Naquele dia de triunfos e festas mal se sabia que depois de mais alguns espetáculos de cantores de óperas, velhos mas famosos como Bonci, Grazziela Pareto e o Cirino & Companhia, o Teatro fecharia suas portas para o público por mais ou menos um ano; fazendo com que o Bar brilhasse solitário dentro daquele edifício monumental: “...foram-se os cantores, guardaram-se os binóculos e as casacas, os vestidos novos ficaram velhos, e o Teatro apagou as luzes e fechou as portas por um ano.”(p.117) “Mas isso não foi assim, à letra. Porque nem todas as portas se fecharam e ainda se acendiam algumas luzes todas as noites: o Bar do Municipal tinha ficado aberto e iluminado.”(p.117). Com ou sem espetáculos no Teatro a vida dos divertimentos continuaria. Mme.Pommery voltou ao Bar do Municipal. Outra inauguração iria começar e se pudéssemos arriscar, bem mais interessante para as meninas do PARADIS RETROUVÉ. Madame saiu do espetáculo inaugural, foi para o Bar e já era outra: de espectadora tornara-se protagonista. Piscou para o garçom, André Brovi, que piscou para o Diretor Proprietário, Vicente Rosati, que piscou para o motorista de taxi e amigo de Madame, o Romano, "fornecedor de drogas para suas inquilinas." Guido Fonseca, op.cit., p.200. Naquele dia Madame Pommery cruzara por duas vezes pessoa e lugar que marcariam seu Destino histórico, ficcional e profissional. Pois bem, a pessoa nós já sabemos, era Hilário Tácito e o lugar, obviamente, o próprio Teatro que escondia o novo protetorado da Rainha na cidade. Madame Pommery estava para o Bar do Municipal assim como este estava para Madame. Um e o outro se mantinham como a forca e a corda se completam. Os laços de Mme. Pommery foram tão fortes, a propaganda de seu "conventilho" tão bem apresentada que o Teatro despencou em sua casa. Seu Salão vivia cheio de políticos importantes e Madame vivia em estado de euforia absoluta. De um lado ilustres políticos, do outro os "vícios elegantes" e as champanhadas que animavam as festas e provocavam esferas interessantes no fino lustre do salão. A "Hetaíre-Rainha" estourava dez champanhes por minuto e espumava de felicidade. O passado nefasto da cidade estava distante, agora era só granjear fama e prestígio. Os champanhes estouravam e Madame lançava seu copo em desvario. A mosca caía e ela rapidamente se dirigia para outra mesa à animar a clientela. Edmundo Amaral, op. cit., p.48 A vida na cidade se agitara, os "vícios elegantes" aumentavam. Dizia-se que o Bar do Municipal era a origem de muitos "danos morais" a jeunesse dorée. Ali os negócios proliferavam, a vida dos divertimentos era mais cara e Madame Pommery era a peça chave no emaranhado destas histórias, sinônimos de "movimento", "pó" e etc... Guido Fonseca, op.cit., p.200 " O Municipal, o Cassino theatro que consumio tanto dinheiro digno de applicação mais util e urgente continua transformado em casa de chá e mais alguma cousa" O Pirralho(São Paulo), 25/11/1911. Hilário Tácito sabia de tudo isso, mas silenciou sobre o assunto. Resolveu não se ater às mazelas e comentários maldosos chegando à conclusão de que eles eram originários da inveja de outros personagens paulistanos que não foram honrados com biografia nenhuma. Assim esta parte ficou no "deixa prá lá da história". Voltando ao que importa. Um dia, o qual já mencionado de passagem quando encontramos o narrador olhando debaixo da mesa em busca de um guardanapo perdido, Hilário Tácito entrou no salão do PARADIS, olhou Madame e ela não o reconheceu. Sentou em uma daquelas mesas e tornou-se mais um habitué do lugar. Havia entrado no "céu" e dali não sairia nunca mais. Ele foi "duro" na sua descrição do PARADIS , mas fiel à razão e à verdade, dois patrimônios que amava como aquele Salão, berço dos desvarios de seu pai e inspiração de sua futura obra literária. Numa outra mesa, perto da orquestra, outros habituées bebiam e comiam bife com batata frita. Na época o álcool fazia parte das palestras nas pensões alegres e na Câmara Municipal. A discussão girava em torno da permissão de bebidas alcoólicas em determinados estabelecimentos. Alguns eram a favor das bebidas em bares abertos e sua proibição em bordéis, no intuito de vincular o comércio do prazer ao álcool. "A Lia Bogary com um molho de palitos fez espumar os vários copos: - boire! - e lembrou a tal lei municipal que proibia o champanha depois da meia noite. Era aproveitar, por conseguinte, enquanto não começava a interdição".(p.91) Desde o início do século XX a questão da venda de bebidas alcoólicas em lugares fechados já era discutida. Considerava-se a idéia de limitar a sua venda até as 24 hs. O consumo de álcool, principalmente nas pensões alegres, passa a ser foco de crítica acirrada, pois dizia-se que nestes mundos fechados ocorriam "cenas condenáveis", violências que exigiam alguma regulamentação mais rígida. As pensões alegres, em 1917, contavam em torno de 50 a 60 casas e contribuíam de forma expressiva com os impostos municipais. Ver Guido Fonseca, op.cit., pp.180-1 e Anais da Camara Municipal de 1917. p.855 A discussão na Câmara se acalorara, a questão que alguns vereadores colocavam referia-se à viabilidade de uma lei proibitiva quanto à sua fiscalização:"Quem irá constatar a infração nessas casas onde só tem entrada a 'jeunesse dorée', o pessoal chic? Seria preciso postar um fiscal em cada uma dessas casas, um guarda que penetrasse nos gabinetes reservados onde se fazem as libações alcoólicas e onde se realizam as demais consequências destas visitas". Anais da Camara Municipal de 1917, p.855 A resposta para a fiscalização foi simples, pelo menos naquela visita de Justiniano Sacramento, lançador da Arrecadação Estadual de Taxas e Impostos, ao PARADIS RETROUVÉ. O problema da fiscalização era penetrar naqueles antros de perdição com a função de punir e enquadrar as casas qualificadas como "pensões". Um dia bem cedinho aquele lançador de impostos que sabia de memória as leis, decretos, regulamentos e portarias, bateu à porta do PARADIS. A estas horas só a empregada estava acordada, o resto da Casa sonhava. Justiniano Sacramento impossibilitado de conversar com Madame olhou toda aquela desarrumação no salão e percebeu que aquela casa não era uma pensão familiar. O que seria então? Foi à Arrecadação Estadual e consultou seus amigos que tentaram convencê-lo da familiaridade do ambiente. Não convencido de tal categoria resolveu multar Madame Pommery em taxa elevada por promover bailes públicos e ser proprietária de uma casa de diversões. A taxa chegou à casa de Madame que logo foi articulando uma maneira de se desfazer de tal "engano". Levou o problema à Chico Lambisco, redator de jornal, pediu para tomar conhecimento da execução e, se possível, reverter a classificação da casa de diversões em Pensão Familiar. O Chico foi para o jornal e lá por coincidência encontrou o autor da multa. A causa de Madame Pommery já estava ganha pois sua influência atingia o Ministro dos Impostos, Pacheco Izidro, o marido da Zoraida. Mas, para salvar a forma e convencer o Lançador foi preparado uma farsa que ficou nas histórias das patuscadas do PARADIS RETROUVÉ. Uma noite o Lançador Justiniano Sacramento voltou àquele salão acompanhado por Chico Lambisco que desejava provar ao exímio funcionário e defensor do Erário Público a familiaridade da Casa. Lá chegando o Lambisco apresentou as "meninas" e Madame para o Arrecadador. Este beijou a mão de todas como se fossem legítimas senhoras católicas. Depois deste dia Justiniano adotou o PARADIS como o seu segundo Templo. Foi ali que deixou todo o dinheiro que guardara na Caixa Econômica para sua velhice honrada...quando só Madame Pommery teve pena dele. Neste momento estávamos nas ressonâncias da Primeira Guerra Mundial. A primeira guerra de massas, algo que atingia a todos mesmo que não participássemos diretamente do conflito. O grande confronto mundial que se estabelecia fazia o homem ter consciência da finitude humana, só alguns sobreviveriam e muitos morreriam de uma só vez. O mito da eternidade da Bela Época derretia como um sorvete de creme. As utopias românticas estavam em descrédito. O esporte, a saúde, o pouco consumo de bebidas acalorava as discussões nos bares e salões elegantes. Surgiam os grandes astros do esporte na cidade. Suas façanhas tomavam as colunas dos jornais. A página esportiva destacava a sessão "Sport", apresentando os novos sportmen. Ver Nicolau Sevcenko em Orfeu Extático na Metrópole sobre a relação do esporte com a primeira guerra de massas. cap.1 Numa coluna de "Sport" do Queixoso, o periódico destacava Cícero Marques num histórico apurado de sua vida esportiva e dando destaque à evolução de sua musculatura: "foi uma criança franzina(...)pouco a pouco os seus músculos foram enrijando, o seu peito alargando e Cicero se tornaria (...)campeão brasileiro de lucta romana". O Queixoso(São Paulo), 25/02/1916 Mas nem a Guerra, nem a Câmara Municipal, nem a lei da evolução aplicada aos músculos de Cicero Marques venceriam Mme. Pommery no "Amanho de sua Casa" o que já ficou provado no caso do pobre Justiniano. Normas eram para ser flexíveis quando se tratava da elite que vivia sobre as leis e acima delas. O álcool por conseqüência continuaria imperando em território de Pommery e dali não sairia. "Em São Paulo mesmo já se viu um edil de bons intentos e de alma cândida que procurou refrar o abuso das bebidas. A lei que ele engenhou, e que seus pares aprovaram, resvalou na aplicação com o nascente prestígio de Mme.Pommery, porque visava diretamente o consumo de champanhe nos paraísos de alto-bordo".(p.90) Um dia, nos salões da "Hetaíre-Rainha", eram comensais de uma mesma mesa o preferido de Madame, Dr.Mangancha, médico da Companhia Paulista de Teatros e Passatempos, o bacharel Romeu de Camarinhas, o da Intendência, o Vidigal, amigo de Mangancha, e suas respectivas coccotes. Eles discutiam a questão do álcool e a evolução humana regados à champanhe Pommery. Mme.Pommery parecia se entediar com toda aquela discussão sobre o álcool , tocava ao fundo do salão O vatapá, e Mme.Pommery sumiu junto com o Coronel de Nenea, o Romeu de Camarinhas. "(Lia):(...)Á propos, dis-moi cherie, ton petit coronel, oús qu'il s'est fichu? (Nenea): (...)Ils se sont cachés, Ah!...Ah!...Ah!...Ça va vite; et nous allons rigoler... Oh, lá, lá... O vatapá/ Comida rara /É assim iaiá/Que se prepara/O vatapá...".(p.97) Pobre Dr. Mangacha, enquanto discutia o futuro do seres humanos e os benefícios do álcool, Madame Pommery mais uma vez acelerava o Destino. Olhava Romeu de Camarinhas, o da Intendência, com ojos de paixão. Num gesto rápido entre "O vatapá..." e a "iaiá..." a ágil espanhola sumiu como num passe de mágica...sabemos que quando a nossa domadora some assim algo vai acontecer, e algo realmente ocorreu. Madame Pommery voltou se apalpando e se entorsendo com caretas e gemidos tristes. Dr.Mangancha apelidado de Magarefe pela fama de seu bisturi certeiro diagnosticou uma apendicite aguda. O médico e amante deixou-a no quarto e saiu para preparar a cirurgia da pobrezinha. O Magarefe já havia sido substituído pelo Intendente. Os tempos haviam mudado "desde que entrara na moda o Bar do Municipal e que o Casino e o Politeama deram sinais de decadência, baixou muito no alto bordo a antiga cotação do diretor tesoureiro da C.P. de T e P. Este momento crítico na história da vida noturna e da civilização paulista não escapou à sagacidade de Mme.Pommery".(p.103) O Bar do Vicente, o Municipal, tornara-se feira de amores caros, onde o mulherio transformava-o em vitrina substituindo o antigo hábito dos cafés-concertos. Isto tudo já se imaginava, afinal Mme.Pommery naquele dia da inauguração não havia previsto tudo isso? Sim, a união do Vicente e Mme. Pommery resultou em "obras grandes, duráveis e beneméritas". (p.105) O consumo de garrafas de champanhe Pommery havia aumentado e a taxa sobre tal preciosidade também: trinta mil réis a garrafa. A valorização do champanhe aumentava na proporção exata em que a cidade crescia. Novos hábitos, novos desejos e preços mais altos para consumir tudo isso. Era de bom tom aumentar o valor do Pommery , "quando não era o Clicquot adocicado ou Gran Mascato" (p.76), falsa ou verdadeira todos tinham que à boire sem parar. O champanhe Pommery se derramava sobre os copos como uma marca registrada do reinado da grande preceptora dos botocúdos. Quem poderia imaginar que Idazinha Pomerikowsky teria previsto toda esta fartura nos começos de sua carreira em solo paulistano? Pois saibam todos que naquele episódio no qual a futura Rainha bebe demais e passa mal, aconteceu a premunição de tudo isso. "Madame Pommery subia pelas escadas cavalgando no bojo de uma colossal garrafa de champanha..." (p.25). O sonho tornara-se realidade e os louros de sua vitória vinham à galope. Pergunte à burra (tipo de cofre) de Madame que silenciava no toucador, constantemente vigiada pelo faro astuto de sua dona que zunia em espanhol a todo momento, "Vengan los dineros" e os dinheiros vinham. E aquele coronel carrancudo dos primeiros tempos já não era o mesmo, começava a rir, os bigodes estavam penteados e ele tomava seu primeiro banho na banheira batismal da "Abadia". Madame Pommery colocou os coronéis em fila, alinhou aquelas barrigas todas e explicou centenas de vezes tudo sobre higiene. Levou-os individualmente ao toalete. Apresentou o pára-vento e o que se ocultava ali: o bidê, o balde, os jarros, bacias, saboneteiras, tubos e regadores. Explicou em inúmeras lições os modos corretos de se abordar uma senhora. Pegou em sua penteadeira perfumes finos, deixou que aqueles rudes homens aspirassem o néctar parisiense. Colocou um pouquinho de perfume em seu gordo pescocinho e dissimulou uma olhadela. O Coronel se apaixonou por todo aquele ritual. O primeiro banho não foi tranqüilo, nem poderia, algo iria mudar e aquele velho homem cansado, rude, tinha medo daquela banheira repleta de vapores cheirosos. O homem sentou na banheira. Madame olhou-o como uma mãe olha um filho. Esfregou aqueles ombros sofridos e foi colocando pensamentos naquele corpo entregue às magias da prestidigitadora. Depois deste dia era impossível não ver a casa de Madame repleta de admiradores. A grande Rainha transformava a simples vida local num palácio coberto de tesouros. Acabara-se aquele tempo de homens brutos e mau cheirosos. Agora o perfume francês escapava do frasco da "Hetaíre-Rainha" e saía de sua casa pela fresta das janelas invadindo a cidade. O odor forte embriagava a imaginação daqueles homens que até então não sabiam sonhar. Os perfumes entravam sorrateiramente na casa dos alunos recém "batizados" no PARADIS RETROUVÉ. Entre um segredinho e um comentário aquelas senhoras, esposas e filhas de coronéis, adotavam alguns costumes que saíam da "Abadia". As mulheres se confundiam, a moda lançava novos valores e quem os divulgava era esta escola de prazeres chamada PARADIS. Os costumes se misturavam, o Bar do Municipal acolhia a todos. Olhares, risos, 10 hs., hora do movimento mudar, mães de família pra casa, mulheres públicas na rua, homens voltando de casa, sorrisos e encontros anteriormente discretos. Agora o ar do Bar era de intimidade, a vida se refazia. As risadas altas inundavam o salão. Flirts, o império dos flirts. Os brilhos eram intensos, as faces maquiadas deixavam as mulheres mais vistosas. A mulher brilhava e se movia no Salão. Enquanto o movimento imperava naquela "feira de amores caros", a cidade não se intimidava. As construções continuavam. Os projetos de alargamento do centro cresciam e alguma coisa incomodava Madame Pommery. Será que Mme.Pommery mostrava seus primeiros sinais de cansaço frente aos amores locais? Será que Romeu de Camarinhas, o Intendente, havia entrado na vida da Rainha por causa daquela discussão sobre o álcool? Não. Madame Pommery era incansável. Aquele tédio na discussão sobre o álcool apenas dissimulou uma forma de se ver a sós com Romeu de Camarinhas. O que realmente preocupava Madame não era nada disso. O que a preocupava fazia parte do crescimento da cidade, algo que ela mesma viabilizara e que agora a ameaçava em forma de picaretas. "Os negócios no Paraíso tinham muito que ver, naquele instante com as leis do município. Não por causa da limitação no consumo de champanha(...)Madame Pommery não era ingênua a ponto de se inquietar por semelhante rusga(...)O Paradis Retrouvé estava instalado em situação que o expunha diretamente às ameaças da picareta municipal, que andava demolindo a torto e a direito casas e quarteirões inteiros, na faina de abrir praças , de alargar ruas, segundo os planos que Bouvard aprovou por cem mil francos".(p.106) O Destino havia cruzado a evolução do PARADIS com a ambição daqueles engenheiros cheios de sonhos que deixaram seus escritórios e foram às ruas redesenhar a cidade. Mme. Pommery tinha seu Palácio no Largo do Payssandu e grande parte de seu "Conventilho" se dispunha na rua de São João. Ela não teria lucro nenhum com a desocupação do imóvel, já que o edifício era locado e o "Palácio" teria que mudar de endereço. Romeu de Camarinhas seria o amante certo para aquele ato heróico de paralisar a picareta pública. Mesmo que esta paralisação não fosse definitiva, o temporário caía muito bem no caso do PARADIS RETROUVÉ. E assim foi, o "Palácio" ficou ali por um bom tempo, ou seja, o tempo certo para os intentos da nossa heroína. A fama do PARADIS era conhecida por todos os elegantes da época. Dar uma passada na Casa de Madame revelava status frente a sociedade local. As taxas do "Conventilho", a taxa centesimal, invenção de Mme.Pommery, valiam para todo "Coronel-tipo". Estas taxas começavam a granjear fama, todos queriam pagar dentro da fórmula moderna de prestações do prazer.(p.75) Madame Pommery fazia a colheita daquilo que havia plantado desde que se impusera na vida airada paulistana. Sua casa exalava por toda a cidade, seus métodos eram tidos como formas modelos de administração, suas vestimentas lançadas nas ruas como última moda e logo difundidas por todo o público de mulheres. Ela havia conquistado a cidade, burlado as fronteiras do prazer, rigidamente vigiadas pelos moralistas, e agora mal sabíamos onde terminava a cidade de São Paulo e onde começava a Saga de Madame Pommery. Para darmos mais realidade aos fatos que sucederam no "Tempo de Pommery" nada melhor do que o próprio tempo para ditar o ritmo da meteorologia local. Estávamos na primavera, época do florescimento do amor, da paisagem mais clara e do céu límpido. Em todas as partes do mundo civilizado esta é a época mais bonita, onde as moças se expõem em toda sua plenitude e os rapazes saem às ruas para adorar tais jóias das calçadas, dos pontos de bondes e do cinematógrafo. Mas todo este cenário parece ficar manchado com um simples comentário que parece ir se adotando na cidade, com a vinda do progresso, e com a idéia de ruas macias para o automóvel. A cidade na primavera impede qualquer manifestação de florescimento: o pó, a poeira da rua parece insistir em não abandonar a vida do paulistano, e somos obrigados a aceitar as observações do "Pirralho chic", nosso plantonista de momento. O "correspondente-Pirralho" parece manifestar todo seu desagrado quando, adicionado ao volume de pó por habitante, reclama da falta de um parque para esta época do ano onde o florescimento faz parte da vida que se realiza em todo esplendor: "não podemos freqüentar a nossa linda Av.Paulista, nem o nosso jardim da Antárctica, que são os dois únicos passeios elegantes desta muito artística cidade." O Pirralho(São Paulo), 26/08/1911 Para afugentar o pó e o mau humor desta gente que tem de suportá-lo surgiu o verão, tentativa de deixar o paulistano um pouco mais livre na rua sem tanta apreensão quanto à quantidade de poeira na vestimenta. O carnaval se aproximava e o corso se deslocara do triângulo para a Av. Paulista, onde aos domingos "se coalha de automóveis e carros repletos de elegantes senhoras e guapos rapazes". O Pirralho(São Paulo), 12/08/1911 A Av.Paulista aproximava o homem dos anos 20, anos onde aquela planície cortada numa macia e longa horizontal tentaria desobstruir todos os desejos e expectativas de uma classe abastada com poucas opções de divertimento na cidade. No começo a comprida Avenida era distante do centro, passeio para o fim de semana. Com os transportes, o bonde, o automóvel aquele distante passeio foi tornando-se cada vez mais próximo, habituel e de habituées. O passeio elegante na Avenida, o corso aos domingos foram trazendo aos poucos a vida airada e elegante do triângulo. Entre automóveis e tílburis surgia Nenê Romano, femme fatale, mulher que vestia a máscara da morte e da paixão. A tragédia dos novos tempos, das lindas linhas retas e dos longos passeios de automóvel, poderia ter começado num daqueles dias ensolarados de verão onde o amor nem teve tempo de florescer, foi logo se tornando paixão e loucura. Num domingo, Nenê Romano andava pela Avenida e num encontro inesperado com seu amante recebeu um longo e indiscreto beijo na mão. Aquele beijo às vistas de todos provocou a ira da filha da Rainha do Café, Maria Eugênia Junqueira Guimarães. A pobre moça apaixonada pelo amante de Nenê encomendou o assassinato da rival. A bela cortesã escapou da morte, mas não da marca da navalha cravada no seu lindo rosto. Guido Fonseca, op.cit., pp.205-7 Os anos vinte sacudiam a imaginação dos jovens e aquela musa do amor atirou mais uma flecha certeira em outro coração sem dono. O escolhido foi Moacyr de Toledo Piza que iniciou seu romance defendendo Nenê Romano da agressão ocorrida anteriormente. O desfecho deste encontro foi fatal para o casal. Moacyr de Toledo Piza tomado de paixão atirou em Nenê Romano e em seguida se matou realizando o destino que ele já havia escrito em um de seus poemas: "nunca provaste o amor terreno, O amor de uma mulher, que é o meu Destino e cuja boca é a taça de veneno, que faz de um homem justo - um assassino". Moacyr de Toledo Piza, Roupa Suja - Onde se faz o panegyrico de alguns homens da política republicana, São Paulo: s.e., 1923. p.60 A grande Avenida reiterava sonhos e tragédias que aquelas estreitas ruas do triângulo tentaram disfarçar , escondendo seus pequenos dramas cotidianos. A ampliação dos espaços, o alargamento das ruas e o desejo de movimento faziam com que as pequenas tragédias ficassem expostas sem um canto, uma viela, uma rua estreita que lhes desse guarita. Assim foi o começo daquela Avenida cheia de vida, sonhos, paixões e caminhos desencontrados, onde, por vezes, a farsa e a realidade deixavam cair suas máscaras e víamos o tecido fino dos divertimentos elegantes, da vida de uma classe que encontrava novos valores e sucumbia aos seus desejos. Nenê Romano poderia ser a "porta estandarte" destes novos tempos de claridade. A prostituta vampiresca que sugava o sangue dos meninos ingênuos de uma classe abastada. Mulher Fatal, máquina-mulher que traçava seu caminho sobre trilhos fixos e seguros. Acabara o Tempo da Educação, das primeiras damas que se aventuraram na Floresta Amazônica. Caminhos abandonados, largas avenidas, o cinematógrafo alimentando o desenho dessa nova mulher que concentrava em suas formas toda paixão e veneno que a levaria ao seu próprio consumo. Foi assim o fim de Nenê Romano, assim como o fim escandaloso de outras damas que surgiam rápido e desapareciam instantâneamente. Os novos tempos deixavam poucas opções a Madame Pommery. A vida da mulher independente, o crescimento do cinematógrafo como forma de perceber o mundo, o alargamento das ruas, obrigavam nossa heroína a se reformular novamente. Foi no carnaval, na grande festa de mascarados, em que o narrador esteve na Avenida Paulista. Hilário Tácito catalogava os gestos da "Hetaíre-Rainha" que aproveitava aquela farsa para se mostrar em sua plenitude. O baile se realizava no Belvedere Trianon construído na administração do Barão de Duprat e inaugurado em 1916 por Washington Luis. O Trianon surgia como um novo ponto de encontro da vida elegante paulistana. Ali aconteciam partidas e chegadas de eventos socioesportivos, tornava-se, por vezes, palanque para homenagens políticas, e coroava o verão com os bailes de carnaval, confetes e serpentinas. Foi num desses bailes do Trianon que Mme.Pommery e Hilário Tácito tomaram real consciência do preconceito referente a esta classe de mulheres que introduzia na cidade uma vida mais civilizada. Hilário Tácito armado de pena certeira partiu para a guerra contra os moralistas da cidade. Homem de munição e senso de justiça aguçado, não deixaria sua personagem principal terminar seus dias em alguma pocilga imunda da cidade, enxovalhada por uma camada de moralistas mal informados. Hilário Tácito foi à raiz do problema, demonstrou a atuação de tal classe mundana na cidade. Mostrou a influência dessas moças no cinematógrafo, nos cafés tentando lembrar aos desavisados a real presença desta camada no mundo dos divertimentos. Mostrou a farsa das máscaras do carnaval e retirou a fantasia de muitos foliões, que na quarta-feira de cinzas "vomitaram uma ressaca negra, de cobras e lagartos(...)contra a corrupção da nossa sociedade!".(p.126) Mme.Pommery percebia a força que o preconceito tomava na sociedade desses botocúdos. Neste momento o bem e o mal se polarizavam e era inevitável que o papel do demônio caísse bem às cortesãs. Ela, Mme.Pommery, a grande marafona da cidade teria que tomar uma atitude frente ao contexto que se apresentava. Os desejos da cidade se diversificavam, os divertimentos surgiam em maior quantidade. O cinematógrafo regia os novos tempos. Max Linder, o famoso cômico imantava a platéia. As informações chegavam à cidade das mais variadas formas, e as opiniões e comentários costuravam novas relações sociais que pareciam querer apagar dos novos tempos toda aquela confusão dos primeiros tempos de desbotucatização paulistana. Mas Madame não se aborreceu com aquela falta de consideração, não chorou pelo descaso nem disse adeus aos rancorosos e desavergonhados botocúdos. Lembrou de Zoraida, viu-a entrando no "Electro Club" com o Coronel Pacheco Izidro, seu marido, e resolveu transformar o final desta etapa de sua história em uma "grande apoteose". "Mme.Pommery não morreu, louvado seja... Mas começou vida nova e nova fase, como um bicho-da-seda que primeiro engorda, engorda, com voracidade pasmosa, até começar a vomitar seda, a enrodilhar-se no casulo, para depois ressurgir, na transfiguração da mariposa."(p.151) E assim espalhou-se a notícia pela cidade: o PARADIS RETROUVÉ fora vendido e a próspera empresária desejava entrar no "Electro Clube". Para esse feito a "Hetaíre-Rainha" sucumbiria aos preconceitos locais, pois o único jeito que permitiria seu livre trânsito em tal grêmio social aristocrático seria o casamento, ou seja, a compra de um sobrenome. Madame Pommery cedeu ao preconceito, para vencer o preconceito! Madame foi ao Bar do Municipal. Fez um levantamento dos pretendentes e escolheu um candidato de avant garde de uma nova safra de novos-ricos, "barões de meia tigela" que abundavam naquela vitrina de amores caros. Madame Pommery casou com um deles, foi ao "Electro Clube" muitas vezes, fez uma viagem longa de núpcias e voltou com sua nova roupagem aristocrática em fase de Regeneração. No momento basta sabermos que Madame Pommery está na cidade: viva, fixa e respirando assim como nós leitores. CAPÍTULO A Apoteose da Descoberta Do "achamento": "Senhor, Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota e assim igualmente os outros capitães escrevam a Vossa Alteza dando notícia do achamento desta Vossa terra nova, que agora nesta navegação se achou, não deixarei de eu dar minha conta disso a Vossa Alteza, fazendo como melhor me for possível, ainda que - para o bem contar e falar - o saiba pior que todos. Queira porém Vossa Alteza tomar minha ignorância por boa vontade, e creia que certamente nada porei aqui, para embelezar nem para enfeiar, mais do que vi e me pareceu." Pero Vaz de Caminha, Carta a El Rey Dom Manuel, Rio de Janeiro: ed.Record. 1981.p.9 A primeira notícia da Descoberta foi dada logo após a Chegada de Cabral. O escrivão Pero Vaz de Caminha formulou, então, obra que fundaria toda História Oficial da Etnologia brasileira, a Carta do Descobrimento A Carta foi lançada além-mar no intuito de informar Dom Manoel do novo território descoberto. Assim, o escrivão da frota portuguesa nos deu a primeira Carta escrita sobre o pedaço de terra já nomeada, pelo Capitão-mor, de Terra de Vera Cruz. A terra estava Descoberta. Seria melhor afirmar que estava "achada"? Bem, o que Pero Vaz de Caminha descreve parece nos dar esta certeza, que ocorreu um "achamento", deu-se um nome à terra vista da nau, e se fez um relato sobre o modo dos homens que a habitavam. Depois ocorreram muitas trocas: aqueles homens inocentes, nativos tão bem descritos por Caminha, ganharam muitas "bugigangas" e deram muito metal precioso àquela gente. O que tentaremos destacar neste "início de História Nacional" é o movimento de fundação da escrita. A Carta de Pero Vaz de Caminha, procedimento normal na época dos descobrimentos, reúne o valor da escritura à ação da conquista. O escrivão Caminha também descobriu a Terra de Vera Cruz dando sua versão dos fatos em letra cortesã Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguêsa, Rio de Janeiro: ed. Nova Fronteira, 1986. Buscar em "letra", onde se conceitua a letra da Carta de Pero Vaz de Caminha como cortesã ou processual, a qual se caracteriza por ser redonda, cerrada e com grande número de ligaduras.. Este relato passou para a História Nacional como o primeiro documento escrito da Origem Nacional. Depois deste primeiro contato onde se funda a escrita e se nomeia a terra Descoberta, produziram-se ao longo dos séculos outras tantas histórias sobre os primeiros momentos da vida nacional, das etnias que vieram habitar estas paragens e das próprias paisagens que nunca escaparam da reconstrução da formação do caráter nacional. Tanto a nomeação da terra Descoberta, o mapeamento desta extensão territorial como a classificação de seus habitantes responderiam, no correr dos séculos, ao processo civilizador europeu. Onde se inscrevia o "mundo dos brancos" nos espaços de "pura natureza". Flora Sussekkind, O Brasil não é longe daqui, São Paulo: Ed.Companhia das Letras, 1990. p.13 O processo civilizador europeu que buscou dominar nomeando e "branqueando" seus territórios, tinha, como base de suas conquistas, construções imaginárias que transpunham ao "mundo novo", à América; bem mais do que "armas e brasões". Aliado à "dominação material" surgia, para o novo continente, toda uma representação do "outro", do não-europeu, que buscou, ao longo dos séculos de conquista, o desdobramento de sua própria identidade numa relação de superioridade com os povos conquistados e colonizados. Edward W.Said, Orientalismo, São Paulo: Ed.Companhia das Letras, 1990. pp.13-39 A produção cultural baseada nesta relação de dominação concebeu, historicamente, um desenho cada vez mais singular da compreensão do território conquistado. A primeira destas apropriações refere-se à construção imaginária, de cunho paradisíaco, do "novo mundo", onde é realçada a grandiosidade da natureza frente a inferioridade de seus habitantes. Esta visão paradisíaca bem estudada por Sérgio B.de Holanda na Visão do Paraíso, chama atenção à representação ambivalente da imagem do homem latino-americano: este parece, por vezes, ser pintado à tintura da inocência, tendo por fundo a natureza, mas na medida que é analisado sem tais cenários, realça o barbarismo e a selvageria dos costumes locais. Roberto Ventura, Estilo Tropical, São Paulo: Ed.Companhia das Letras, 1991. pp.22-23 A ambivalência entre o "mundo da natureza", "paraíso reencontrado na terra", e o homem desta terra, selvagem e bárbaro, terá seus contornos nítidos na filosofia da Ilustração, onde as "luzes" desenvolveriam com maior profundidade esta relação de negatividade do homem com a natureza. A colonização foi a possibilidade do homem europeu colocar em prática todo este arcabouço teórico que representava a idéia de superioridade do mundo europeu sobre o colonizado. Desta forma a hegemonia "branca" tinha sua manutenção assegurada, pois o "mundo europeu estava aqui" e, por estar aqui, toda a cultura local era "incorporada" e traduzida de forma a realimentar a própria produção cultural européia. Edward W.Said em Orientalismo define este "estar presente" do colonizador como uma situação de "superioridade posicional flexível" onde o agente em ação se multiplica em diversas formas: como cientista, missionário, latifundiário, erudito, etc. Edward W.Said, op. cit., p.19 O ato de colonizar torna-se uma forma de colocar em marcha todo conjunto de forças estruturais e modos de vida do agente colonizador: "A colonização dá um ar de recomeço e arranque a culturas seculares." Alfredo Bosi, Dialética da Colonização, São Paulo: Ed.Companhia das Letras, 1992. p.12 A colonização sempre esteve investida deste poder multifacetado de dominação. Nas palavras de Alfredo Bosi em Dialética da Colonização a origem das palavras cultura, culto e colonização derivam de um mesmo verbo, colo, que em Roma significou: "eu moro ou ocupo a terra". Cultura, culturus, deriva do particípio futuro de colo, sendo então compreendido como aquele que vai trabalhar ou cultivar a terra. A terminação urus dá a idéia de movimento, de porvir. O presente do verbo colo, o ocupar a terra, alia-se ao porvir desta terra pelo seu particípio futuro, culturus. A cultura aliada ao progresso levará a extremos uma dimensão de projeto e porvir, já implantados na colonização. Desta forma, podemos inferir que historicamente a cultura toma uma dimensão de projeto para modificar o destino material dos homens, onde a flecha para o futuro terá função de perpetuar o processo civilizador. Sobre este tema, Alfredo Bosi, op. cit., p.16, onde o autor relaciona a dimensão de projeto com o mito de Prometeu que roubou o fogo dos céus para modificar o destino material dos homens. A literatura também referendará tais contornos culturais e materiais; a América construída no imaginário europeu tomou o futuro como sua mais forte representação. Por muito tempo estas "construções imaginárias" pautadas neste investimento futuro, sustentaram, para além do atraso material, a manutenção da dominação européia e branca sobre a América Latina. Antonio Candido, "Literatura e subdesenvolvimento". In: Cesar Fernadez Moreno(org.) America Latina em sua literatura, Coleção Estudos(52), São Paulo: ed.Perspectiva, 1972. pp.343-352 A análise de produções culturais que vincularam-se à dominação econômica e política definindo historicamente representações do "nacional", não devem se restringir à interferência de meros "instrumentos de dominação". Ao contrário, as obras literárias que se detiveram na caracterização do território conquistado, e nas representações deste "mundo novo", devem ser interpretadas em seus aspectos "externos", como representações do "mundo novo", ou seja, intercâmbios dentro da própria cultura. Muitos textos que parecem colados à história documental, adquirem nova vitalidade quando podemos perceber que também se tratam de representações, "re-presenças" que forjam o caráter de autenticidade e fidelidade ao original. Tais "re-presenças" se distribuem pela linguagem, nas expressões e estilos literários de cada época, produzindo "mundos novos", "El-dorados" e "paraísos terrestres" . Os "mundos forjados" adquirem seu valor no próprio deslocamento do real, na medida em que este real torna-se supérfluo na efetivação da escritura, ou mesmo, na construção da América. O ponto de partida da escritura se situa na Descoberta nacional e todo tipo de representações que esta desenvolveu ao longo dos séculos. A Descoberta constrói sobre a própria escrita a apologia da origem. Ela própria torna-se Mausoléu posto a descoberta. Margem de fatos tecidos sobre seu desenho mais aparente; repetimos a Carta, quem sabe, para termos a possibilidade do Départ. Madame Pommery de Hilário Tácito surge no início do século XX. A personagem Pommery também faz o seu ritual de Chegada, quem sabe os fados, a "mão da providência" e outras sigilosas artimanhas, não a coloquem em lugar de destaque numa literatura nacional que atravessou os séculos nos alimentando da grande "Apoteose da Descoberta": "...se Cabral arribou na enseada de Santa Cruz e Mme.Pommery desembarcou em Santos, foi porque Cabral era um homem-bólido, como Mme.Pommery é uma mulher-meteoro, ambos arremessados a estas plagas por mãos da Divina Providência - Cabral por ser necessário aos destinos do Brasil; Mme.Pommery porque não era menos necessária aos destinos de S. Paulo. Porquanto, na verdade, se a Pedro Alvares Cabral estava guardada a glória do descobrimento do Brasil com as conseqüências de tamanho feito na Civilização Universal, a Mme.Pommery cumpria descobrir, em S. Paulo, a pedra angular sobre a qual tinha de reconstituir todo o edifício da civilização indígena". Hilário Tácito, Madame Pommery, p.43. As citações seguintes da obra Madame Pommery virão no próprio corpo do texto dando referência à página. Hilário Tácito como Pero Vaz de Caminha, relator e autor das aventuras de Mme.Pommery em território nacional, também sente-se na obrigação de justificar seu "relato" pois pensa ser necessário esclarecer alguns tantos momentos obscuros na desbotucatização paulistana:"Convençam-se todos. Este livro é um livro honesto e de boa-fé. Se eu quisesse ter-lhe-ia dado aquela epígrafe de Montaigne: C'est icy um livre de bonne foi, lecteur(...)Com isto depara-se-me a ocasião de observar que a boa-fé, o amor à sinceridade, é o que me leva a tratar de minha humilde pessoa neste capítulo inicial."(p.14) No caso de Pero Vaz de Caminha, escrivão-autor da Descoberta, o seu "relato-achamento" foi um dos documentos enviados a D.Manuel. O relator Pero Vaz de Caminha mandava suas observações sobre a terra e seus habitantes assim como outros súditos do rei enviavam informes sobre a navegação. Quanto ao peso futuro de tal documento, apenas a eleição histórica poderia explicá-lo. Com Hilário Tácito o caso parece ser diferente. A época dos relatos já havia terminado, a Carta de Pero Vaz de Caminha já era um monumento sólido. O tema da Origem Nacional havia produzido uma literatura vasta sobre os homens e a terra brasileira. Os vários momentos históricos haviam gerado seus heróis, que penetravam o interior e casavam-se com índias maravilhosas fundando a nação brasileira. Hilário Tácito chegava muito depois de tudo isso, mas parecia ter vindo de muito antes. Seu português de lei sugeria "rancor a galicismos". A forma da escritura quase declarava ao leitor da época que o relator era "um homem de sobrecasaca seiscentista, atreito a vigílias gramaticais". (p.14) Sobre o "embuste" de seu estilo rebuscado Hilário Tácito nos informa que pertencia e participava do momento e do local dos acontecimentos e fatos que iria contar: "Pois a verdade, meus senhores, é esta, embora ninguém me creia:- eu também freqüento o Bar do Municipal, e bebo, à noite, entre luzes e sorrisos, aquela champanha fatal de 30 mil-réis a garrafa, instituição imorredoura de Mme.Pommery."(p.14) A atitude contida no "embuste" do personagem-narrador parece sugerir sempre deslocamento. A linguagem é seiscentista mas o momento, quando se tece a obra, é o presente da cidade de São Paulo em sua relação com as aventuras de Mme.Pommery. O deslocamento parece também pertencer ao contexto da cidade de São Paulo. O período em que surge a personagem Mme.Pommery é uma época marcada por violentas transformações espaciais e grande aumento populacional, principalmente de imigrantes europeus. Também está em deslocamento a protagonista da história. O Ritual de Chegada apenas havia feito a primeira atualização da Carta, a Descoberta. De resto Mme.Pommery era apenas mais um imigrante chegando do Velho Continente a fim de "fazer América". No séc.XIX a idéia de se tentar um futuro fora das fronteiras européias foi uma imagem recorrente. Tanto na vida ficcional como na vida real de muitos aventureiros, lavradores, cortesãs, especuladores e pequenos negociantes, "fazer América" ficou sendo uma porta de saída como rota bastante utilizada. "Parece que este Mr.Defer(imediato do cargueiro Bonne Chance), lhe tinha insuflado pensamentos aventurosos e ambições de rápida fortuna, pintando-lhe as paragens meridionais do Novo Mundo tal qual o País de Cocagne fabuloso, onde o ouro e as pedras preciosas são em tanta abundância como as araras, os papagaios e os macacos(...)O fato é que Mme.Pommery , repentinamente , assentou de se embarcar para as Américas. Encasquetou-se-lhe a idéia de 'fazer América'. Só pensava na América."(p.36) Nas representações européias a própria concepção da América como "ponto de fuga" parece estar envolvida nesta atitude proposital de deslocamento. Assim, a construção deste "mundo novo" perpetuou a execução do processo civilizador europeu, garantindo sua superioridade frente às culturas locais. Inúmeras são as produções literárias e relatos de viajantes que primam pela capacidade de deslocar os personagens e a própria natureza do espaço original que as inspirou. A América construída dentro da cultura européia reforçava a idéia de conquista e conversão moderna relacionada com verdadeiros valores civilizados. "...esses lampejos de mundos estranhos não tinham caráter documentário. Eles eram ideológicos, em geral reforçando o sentimento de superioridade do civilizado em relação ao primitivo. Eram imperialistas apenas porque, como mostram os romances de Joseph Conrad, a vinculação central entre o mundo do exótico e do cotidiano era a penetração, formal ou informal, do Ocidente no Terceiro Mundo". Eric Hobsbawn, op. cit., pp.119-120 Neste sentido a noção de cultura não pode ser analisada apenas pela ótica da dominação. A cultura estende seu valor de representação no mesmo momento em que os imperialismos acabam por penetrar as culturas, envolvendo umas as outras. Nenhuma cultura é pura, todas são híbridas e não monolíticas. Edward W. Said, Culture and Imperialism, New York: Alfred A. Knop, 1993. pp.xiii-xxi A arte da narração, as aventuras das conquistas, os romances de Conrad, as tragédias de Shakespeare ou o "Inferno" de Dante também são formas das sociedades não-européias se reconhecerem a si próprias na melhor luz possível. Todos estes deslocamentos que se davam em forma de bens, pessoas e idéias fizeram com que o século XIX se caracterizasse como um século europeu. A "expansão" e as conquistas, "as grandes descobertas", tornaram o mundo genuinamente global: "Quase todas as suas partes agora eram conhecidas e mapeadas" Eric Hobsbawun, op. cit., p.30. A vitória do liberalismo como ideologia do Estado Nação e instrumento de poder da burguesia, conduzia os laços entre a Europa e os países independentes, antigas colônias, a estreitas relações de trocas de mercadorias pautadas numa forte "ocidentalização" cultural. Esta forte "ocidentalização" já vinha sendo implantada, desde a Descoberta de forma violenta, ideológica e através de disposição espacial. A diferença marcante é que o séc.XIX europeu leva esta difusão do mundo civilizado a relações globais onde a multiplicação das comunicações, as facilidades tecnológicas, os transportes ferroviários, a utilização da energia elétrica e outros artefatos técnicos, uniam-se aproximando o mundo europeu e civilizado ao mundo bárbaro. Sabemos que a produção cultural européia representou os povos não-civilizados de várias formas, ao longo dos séculos de dominação. Em todas estas formas estava implícita uma articulação que dava superioridade ao "mundo branco" em detrimento dos outros povos. No séc.XIX, estas formas de representação também tinham como grandes temas as aventuras da penetração nos territórios conquistados. Nos romances de aventura o mistério, o "exotismo", desses locais desconhecidos mesclavam-se às aventuras dos heróis brancos em territórios enigmáticos com manifestações pinçadas da cultura local; como, por exemplo no O Mundo Perdido de Conan Doyle. Outras vezes esta "aventura da penetração" se efetiva de forma inversa e temos o péle-vermelha, o cowboy, o show do oeste bravio, o Búfalo Bill conquistando a Europa. Os heróis dos submundos das grandes metrópoles européias não estavam menos distantes da civilização que os selvagens. Eric Hobsbawn, op. cit., p.119. cf. Flávio R.Kothe(org.), Walter Benjamin, São Paulo: ed.Ática, 1985.pp.70-1 A "aventura da penetração" que abria novos mercados à Europa, fetichizando o mundo da natureza e humanizando o mundo da mercadoria, também seduzia e derrubava os pequenos exércitos locais. O processo civilizador aliado às novas tecnologias detinha o tempo, a cultura com perspectiva de futuro, pela força, a violência, numa doce harmonia capaz de derrubar milhares de homens num simples contato físico. No romance-histórico Mad Maria de Márcio Souza, o índio Caripuna, Joe, em 1912 se apresentou em Nova York num concerto onde dedilhava o Hino Nacional Americano com os pés. Joe fora caçado pelos brancos que violentamente lhe deceparam as mãos, mas, mesmo assim, aprendeu a tocar piano atraído pelo sons que o instrumento soltava "quando pressionavam-se as teclas brancas que pareciam brancos dentes de um animal morto" Marcio Souza, op. cit., p.311. Depois de um enorme sucesso tocando vários programas nos Estados Unidos, Joe Caripuna morreu de sífilis. Porém não eram só os povos não-europeus que caíam. O final do séc.XIX, na Europa, principalmente nos grandes centros urbanos, Londres e Paris, denunciava, na aparente vitória do dinamismo tecno-econômico em conjunção com o século da civilização liberal burguesa, seu próprio potencial de crise e destruição. George Steiner, O Castelo do Barba Azul, 1991. p.32 Este potencial de crise, que surgia no centro de um mundo repleto de mercadorias e paraísos artificiais, anunciava a vitória do imobilismo social frente a crescente desigualdade entre as classes sociais. Nas produções culturais esta crise, também conhecida como ennui(tédio), atormentava os escritores e artistas. O declínio dos ideais liberais, a estabilidade do mundo burguês e a organização da sociedade baseado na força da coação social, retirava qualquer possibilidade de crença no futuro. Madame Bovary de Flaubert é um dos exemplos desta falta de perspectivas sociais. Este estado de saturação que transformava todos os sonhos e desejos individuais em energia dissipada e perdida. Emma Bovary, a protagonista de Madame Bovary, estava encurralada diante de suas próprias dívidas. Seus encantos eram caros e seus sonhos apaixonados. A literatura a despertou para as grandes aventuras do amor romântico e a realidade a matou. A personagem Bovary, apaixonadamente envolvida em sua própria trama tomou arsênico e morreu com um insuportável gosto de tinta de escrever na boca. Gustave Flaubert, Madame Bovary, São Paulo: ed.Clube do Livro, 1987. p.344 O fin de siècle irrompia como um fim literal onde a sensação de vazio cultural, provocado por uma crescente instabilidade social, assumia a forma de controles mais estreitos em relação aos sexos, às raças e às classes sociais. O florescimento de teorias sobre a degeneração social e o crescente controle da vida individual no espaço urbano demonstram o temor quanto à idéia deste "apocalipse final". Ao mesmo tempo, estas teorias garantiam a preservação da identidade e a permanência da ordem vigente através das diferenças entre as raças e a desigualdade entre os sexos. Eliane Schowalter, Anarquia Sexual, sexo e cultura no fin de siècle, Rio de Janeiro: ed.Rocco, 1993. p.17 Diante deste final de séc.XIX, onde a racionalidade e a organização do mundo burguês estavam sendo solapadas, "o ponto de fuga", os deslocamentos de bens e pessoas assim como toda uma literatura que se debruçou sobre este tema, parece se conjugar com outra faceta do processo civilizador. A "aventura da penetração", o "exótico" surgiam para alguns escritores como uma perspectiva de futuro diante da falência deste mundo civilizado e urbano. Madame Bovary reflete o "mal estar fin de siècle";entediada pela rotina provinciana, coagida a viver um casamento sem paixão, resolve seguir os seus desejos e as suas leituras. Sua aventura romântica acaba no mesmo momento em que Joe Caripuna, do outro lado do Atlântico, seduzido pelos sons da tecla do piano, se envolve nos emaranhados laços daquela misteriosa caixa produtora de sons. Tanto Emma Bovary como Joe Caripuna, apesar do oceano que os separava, sucumbiram vítimas da mesma crise que impregnava o final do século XIX. O arsênico, usado por Emma para se envenenar tal como a sífilis, doença venérea contraída por Joe no contato sexual com o civilizado, mostram com agudeza a artificialidade e ambivalência do mundo burguês. Na verdade, a preocupação em manter rígidas as fronteiras entre as raças e os sexos, em oposição aos povos bárbaros, eram gestadas na própria cultura européia. Este potencial de "saturação" surgia dos subterrâneos de um mundo burguês que se construía sobre a inércia e a lassidão. Outro dos sintomas manifestos dessa crise era a neurose. Os nervos aliados à agilidade da eletricidade apontavam a origem das ansiedades, fatigas e más digestões. Ao mesmo tempo, o enervamento do espírito demonstrava prova de sensibilidades refinadas.O final do séc.XIX se alimentava desta "indigestão" manifesta nas várias áreas da cultura. Também penetrava a literatura em seu "caráter nervoso": "Baudelaire admirava o caráter nervoso da escrita de Edgar Allan Poe e a intensidade nervosa da música de Wagner". Eugen Weber, França Fin de Siècle, São Paulo: ed.Companhia das Letras, 1991. pp.23-24 O discurso científico e médico embasado no positivismo de Aguste Comte e posteriormente no evolucionismo de Darwin desenvolve as teorias da "degeneração das raças", dos "miasmas" urbanos , da "hereditariedade dos vícios", tendo como principal foco de suas premissas os centros urbanos. Por trás dessas teorias que buscavam organizar e disciplinar a vida urbana existia a intenção clara de conter e manter as fronteiras entre as classes sociais. O caráter nervoso de Poe não esconde os fantasmas que saem dos subterrâneos dos centros urbanos. A cidade organizada produz suas dobras e esconderijos. Estes "cantos" têm seus próprios atores que parecem destoar da racionalidade urbana imposta pelo mundo burguês. Neste contexto impregnado de fins, onde as teorias sobre degeneração se chocam no espaço urbano e multidões anônimas começam a crescer estreitando os conflitos sociais, existe sempre um "ponto de fuga". Na nossa história a "fuga" iniciou-se na viagem Marselha-Santos, o nome da passageira: Mme. Pommery. CAPÍTULO Do Fato à Ficção Até este momento tentamos mostrar como o caminho da Descoberta conteve múltiplos significados. Desdobramos este grande tema da História nacional alinhavando-o com o conceito de départ que iluminou as representações literárias e reafirmou o processo civilizador branco e europeu. "...houvemos vista da terra" Pero Vaz de Caminha, op.cit., p.13 e esta Chegada, como a natureza e os homens desta terra nova, fortificaram e forjaram a identidade européia. "E dali houvemos vista de homens..." ibidem, p.14 e como se deu o "processo de penetração"; as aventuras do misterioso território conquistado e as enigmáticas culturas que se deparou o processo civilizador europeu. Os mundos foram se aproximando a ponto de percebermos sua globalização. O progresso material mesclava-se com a difusão das imagens e a produção em larga escala de mercadorias, fazendo com que a antiga rota do Atlântico fosse largamente utilizada. O movimento de bens e homens que se deslocavam da Europa para "fazer América" passou a ser um dos temas da literatura e um dos fundamentos do deslocamento desenvolvido na obra Madame Pommery. Agora tentaremos partir de um outro foco de análise. Arriscaremos uma "(re)-Descoberta", um outro plano fixado em solo nacional depois de inúmeras Chegadas. Neste sentido a afirmação de que Mme.Pommery saiu de Marselha e chegou em Santos parece não surpreender ninguém. Pois por trás de todas estas partidas e chegadas existia uma lógica da aventura na representação do estrangeiro. "Mme.Pommery desembarcou um belo dia em São Paulo, com as suas roliças enxúndias, quatro cançonetas realejadas, um fado de toureador e dois baús. Começou pobremente. Depois cresceu e se multiplicou; granjeou fortuna, importância e honrosa fama, alargando-se cada vez mais por toda a terra seduzida o insidioso influxo da sua personalidade."(p.18) O que queremos demonstrar é que esta lógica da aventura comporta também uma inversão. Aquilo que tínhamos de "vistas da terra" à orla da praia é apenas uma versão das representações possíveis. Madame Pommery é uma dessas obras que focalizaram às avessas o processo civilizador europeu. Fixando seu cavalete na região imaginária da Botocúndia, Hilário Tácito foi tecendo num vai-e-vem todas as aventuras de Mme.Pommery, obra que nunca saiu dos contornos vividos do narrador-personagem: "nunca fui à Europa; quase nada viajei. Se tivesse que restringir o mapa-mundi aos limites das minhas peregrinações pelo planeta, traçava uma única linha mais ou menos sinuosa, como a estrada Paulista com a Inglesa em continuação. Na extremidade sul punha-lhe um pingo de tinta e, mais, uns riscos de ondas representando o oceano: Santos. No extremo norte, muito longe, outro pingo; mas um pinguinho minúsculo com o nome bem amado de um lugarejo, onde nasci...Depois, ainda pingava ao longo da linha mais três ou quatro cidades, que conheço, e São Paulo no sítio próprio e em realce conveniente: um grande pingão vistoso e bastante esparramado".(p.70) Foi desta Carta da Botocúndia Hilário Tácito denomina de Carta da Botocúndia o desenho do mapa citado anteriormente. que Madame Pommery de Hilário Tácito surgiu. Ela cresceu exatamente do encontro nada fortuito entre uma cortesã disposta a fincar seus pés na América e uma cidade em mudanças profundas. A escolha de ser esta cidade São Paulo e não Rio de Janeiro, Buenos Aires ou Montevidéu pode ser explicada pelo Acaso: "Os Fados assim o decidiram".(p.42) A Chegada que poderia ser desinteressante, fim de viagem, término dos fatos, reinveste-se de interesse quando o narrador, insatisfeito com a "rota correta", se desvia do caminho e desloca o foco de narração mudando seu curso. O Desvio segue a leitura e, somente a leitura, torna a viagem uma nova aventura num pais desconhecido. A aventura torna-se geográfica. As leituras escolhem uma nova rota, e aquilo que parecia ser Destino passa a ser empréstimo. As influências também chegam com a maré; aliás, elas tornam-se parte dos alimentos, das palavras e da realidade local: "É a literatura que nos empresta um particular fascínio à civilização européia e faz com que descubramos em todas as cidades além-atlântico uma particular característica. Sem a literatura a Europa perderá oitenta por cento do seu encanto" . Brito Broca, Teatro das Letras, São Paulo: ed Unicamp, 1993. p.54 A Fixação "E eis aqui, nua e crua, a tal famosa Lei das Influências...".(p.18) Sobre a escolha de Madame Pommery em relação à terra nada há a acrescentar. A decisão de sair de Marselha, seduzida pelas promessas de fortuna e prazer no novo continente transformava a representação de qualquer cidade em crescimento num foco receptor destas correntes imigratórias. Junto com estas correntes imigratórias chegavam toda uma parafernália de idéias em forma de livros, revistas e manuais que formulariam o pensamento nacional dos novos tempos republicanos. O positivismo de August Comte, o darwinismo social, o evolucionismo de Spencer, as obras de Zola ganhavam tradutores e discípulos no meio da elite pensante nacional. Nessas obras e autores procuravam-se as verdadeiras expressões de um novo caráter nacional brasileiro. De todos os lados do país surgiam obras, teorias, tratados médicos e discursos relacionados à vida nacional. Madame Pommery nascia nesta efervescência de idéias evolucionistas, darwinistas, biológicas e sociais que tentavam medir e submeter todas as manifestações sociais e culturais em preceitos considerados fundadores da nação. De maneira geral, todas estas teorias partiam da evolução histórica dos povos, tendo como modelo a ser atingido a civilização européia. O incipiente Estado Nação brasileiro se encaixava na categoria dos povos, simples, primitivos, mas com possibilidades de atingir o grau máximo da civilização. Porém, para que a nação brasileira atingisse o estágio civilizado deveria sanar o seu "atraso histórico". "Sanar este atraso" significava também repensar a relação do homem versus a natureza em suas formulações tradicionais: representações estáticas e negativas dos povos americanos, baseadas nos climas quentes e na fixidez dos povos , que apenas excluíam a nação da fluidez do progresso histórico e civilizado. Roberto Ventura, op. cit., p.23 A atualização do caráter nacional foi uma das alternativas encontradas para equiparar o país aos povos ditos civilizados. A realização de um projeto nacional seria pautado nos conceitos científicos evolucionistas e universalizantes da história. Lúcia L. Oliveira, op. cit., p.85 Madame Pommery surgia como filha impura e pródiga deste cipoal de idéias que rodeava a pequena cidade de São Paulo e o pensamento nacional. Hilário Tácito não se omitiu desta discussão e quis dar sua contribuição, up to date com a vida da cidade, colocou na primeira página da obra uma generosa dedicatória às sociedades pensantes da época: o Instituto Histórico e Geográfico, fundado por D.Pedro II em 1838 com a missão de pensar a história da pátria; a Academia Paulista de Letras, fundada em 1909 para monumentalizar a produção das letras paulistas, e a Sociedade Eugênica de São Paulo, inaugurada em 1918 com o objetivo de estudar e dar subsídios à formação do homem brasileiro através do aprimoramento das raças. Sobre as bases da História, da Raça e das Letras, Hilário Tácito também retirava o país daquela imagem fundadora da natureza edênica grafada na própria Carta da Descoberta, "atualizando" e ativando todo um processo oficioso da cultura. Propunha com Madame Pommery dar sua contribuição para o "perfeito entendimento de muitos fatos particulares, assim políticos como sociais, que resultariam, sem ela, de impenetrável obscuridade para o futuro historiador".(p.1) A natureza e o homem compreendidos como possibilidades de mudanças devido ao seu pertencimento à história temporal, seriam as bases da formação do caráter nacional."No século XIX, surgiu um conceito evolutivo de história, que trouxe a temporização das estruturas de conhecimento, ao romper com o fixismo do pensamento clássico, em que o tempo não era concebido como princípio de desenvolvimento para os seres vivos. A indagação de Buffon sobre a diversidade humana, animal e vegetal cedeu lugar à investigação das diferenças evolutivas entre os seres vivos, resultantes da ação positiva do meio(Lamarck) ou da variação espontânea do caráter(Darwin)". Roberto Ventura, op. cit., p.28 Estas idéias chegavam ao Brasil num contexto de mudanças e desilusões: a Guerra do Paraguai, a lei do ventre-livre, o fim do processo de servidão e a Guerra Franco-Alemã, foram elementos pontuais para que o país se pensasse como nação. Pensar o caráter nacional era integrar o país nestas grandes teorias evolutivas, darwinistas, que impregnavam a vida urbana das grandes cidades européias, mas também seria imprimir ao nacional algo de particular, algo de singular que diferenciasse a nação brasileira das outras. Porém, este duplo movimento de nacionalização e integração do que "vem de fora" não se fez de forma homogênea. As grandes teses científicas eram integradas na vida nacional a partir de inúmeras "adaptações". Retiravam do darwinismo social a diferença e hierarquia entre as classes, do evolucionismo social a afirmação de que as raças estão em constante evolução e aperfeiçoamento, excluindo outras partes, como as implicações negativas da miscigenação, ou mesmo, deixando passar a idéia de que a humanidade era una. Por mais que estas teorias ou fragmentos de teorias estivessem em contradição com seus textos originais, na "adaptação" local tinham a característica de transformarem-se em justificativas eficientes e modelos de sucesso para a manutenção das diferenças estruturais históricas. Lilia M. Shwartz, O Espetáculo das Raças, São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.18 A força do nacionalismo ligado à produção científica foi o tema geral deste momento. O apelo da propaganda nacionalista, apelo quase missionário, arregimentou um grande número de escritores, intelectuais e jornalistas, que munidos de traduções, manuais científicos e literários, instrumentavam-se com os conceitos de raça, história, meio, hereditariedade e evolução, transformando seus trabalhos em verdadeiras odisséias nacionais. "As propostas nacionalistas, sejam elas marcadamente políticas ou marcadamente culturais, tendem a se auto-atribuir uma missão salvadora, acentuando uma glória passada a ser resgatada, ou um futuro a ser construído". Lúcia L. Oliveira, op. cit., p.189. cf. Sobre as grandes obras nacionalistas e republicanas que eram difundidas na época, podemos citar Gonzaga Duque(1897), Revoluções Brasileiras e Afonso Celso, Por que me ufano de meu país? Atento ao "apelo nacionalista", Hilário Tácito escolheu a cortesã como representante do paradigma civilizador. A imigração foi o meio de comunicação utilizado. E a Botocúndia, local de onde a personagem-protagonista iria pontificar sobre os fatos idos e vividos nos primeiros anos do séc.XX. "Eis por que eu, Hilário Tácito, movido de justificável zelo patriótico e atento à propaganda nacionalista, assentei de empreender este trabalho superior ao meu engenho. Não será, pois, um monumento, como reclamava a celebridade da heroína, mas uma rude construção de pedras amontoadas sem arte nenhuma, à maneira dos menires e dos dolmens primitivos".(p.15) Munido de Personagem, História e Meio, o narrador-habitante, assumia uma outra via de acesso à vida da cidade, aos fatos políticos nacionais, sociais e culturais. Sobre as vestes de Madame Pommery, Hilário Tácito tal como "Sancho Pança", abandonava o trote sempre firme do senso comum da história para registrar as lendas e anedotas mais abonadas sobre o nascimento, a infância e a educação da mesma conspícua senhora. Através desta escolha o narrador dava conta da sua versão local dos fatos, pois Madame Pommery surgia no cenário paulistano justamente desarticulando o edifício-mausoléu construído para responder aos anseios patrióticos nacionais. Em vez de monumentos, a obra seria de rudes menires amontoados. Quando "Sancho Pança" abandonou seu ruço, se viu governador da ilha Barataria. Hilário Tácito deixava as maneiras escorreitas de se produzir histórias para mostrar que atrás dos grandes fatos nacionais existiam formas difusas e obscuras, pedras rudes, pouco ou nada lapidadas que cresciam e prosperavam desta mesma vida cultural. Como os fantasmas de Poe, surgidos dos subterrâneos de uma cidade ordenada, Mme.Pommery, solitária heroína, nascia das dobras da vida cultural e urbana, pronta para transformar os pacatos hábitos locais em catarses homéricas e patuscadas retumbantes. Ninguém sabe exatamente quando Mme.Pommery chegou porque a sua história é, antes de tudo, aventura e as aventuras se descolam de temporalidade definida. Mas todos viveram e respiraram o "Tempo de Pommery". Poucos admitiram sua presença na cidade, alguns até lembravam vagamente, porém dissimulavam. Hilário Tácito foi o único que viu, assumiu e escreveu a história desta personagem que participou, viveu e influenciou toda a vida social paulistana nos primeiros lustros do nosso século. Hilário Tácito dera à luz um fruto maduro, pensante e vivo, que vinha para inaugurar um novo ritmo na história da cidade. Madame Pommery não surgia do lado mais puro da história, onde os grandes heróis nacionais tinham suas vidas rastreadas por grandes gestos e gigantes monumentos, futuras moradas de pombos. apud, Wilson Martins, História da Inteligência Brasileira, V.v, p.20. Gonzaga Duque em sua obra Revoluções Brasileiras é um ótimo exemplo deste momento onde se buscou levantar a árvore genealógica das famílias brasileiras, das revoluções e dos fatos nacionais a fim de ilustrar a vida republicana e condenar o período monárquico. Ao contrário de um busto póstumo e futuro pedestal para pombos, Mme.Pommery escolheu como morada o PARADIS RETROUVÉ. Entre a pacata companhia das aves, preferiu o gosto da vida provisória e mundana, porém divertida dos Coronellos e seus bolsos cheios de contitos. Sobre a influência do Meio adotou, com bem humorado rigor, o método científico rezado por Taine Darwinista. Desta forma foi amontoando as rudes pedras no centro da cidade. O volume foi crescendo, Madame Pommery foi engordando, virou bicho-da-seda e enredou a vida na obra, a ficção na história. De repente se transformou em Mariposa e alterou toda ordem dos fatos. CAPÍTULO Da Ficção ao Fato "E no meio do caminho tinha uma pedra..." Trecho retirado da poesia de Carlos Drummond de Andrade," No meio do caminho". O que aconteceria se começássemos a reler a vida cultural e social às avessas? Como seria ser descoberto por uma cortesã com nome de champanhe francesa? E se de repente se percebesse que este champanhe era falso e produzido aqui mesmo, em território nacional? Então tudo poderia ser trocado. Ao invés de Portugal, a Descoberta estaria mais na interferência de duas outras nações: a Espanha cavalheiresca e a Polônia das baladas. Entre Cabral e seu lendário comentarista, Pero Vaz de Caminha, surgia, na disparada do Bonne Chance, Madame Pommery e seu arteiro narrador, Hilário Tácito. Aquela fatigante forma de se fazer história, onde se sobrecarrega nas datas e nos nomes, seria varrida das minuciosas pesquisas históricas do Instituto Histórico Geográfico de São Paulo. No seu lugar ficaria uma vasta e generosa legenda escrita em letras garrafais: "No tempo de Pommery". Poderia ter acontecido tudo isto, mas não aconteceu por que Madame Pommery não quis reeditar todo o "exclusivismo" que graçava nos grandes métodos de se fazer história. Generosa com seus súditos e atenta às necessidades do Meio, a protagonista não negou o seu passado nem deixou de aproveitar tudo que existia de aproveitável no arcaico maquinário nacional. Ela retirou os coronéis daquela situação "congênita" em que se achavam, sem direitos e sem prazeres civilizados. Acatou as idéias de sua antecessora Mme.Nhorica, que se utilizou do "elemento nacional", tentando dar ao seu "Internato" uma certa disciplina: "chegara a elevar a dois mil e quinhentos o preço da cerveja Antarctica"(p.55). Mas nenhuma destas mudanças retirou do "Internato" a pecha de origem, as influências degenerativas do Meio. O resultado deste primeira "Escola" paulistana foi o fracasso. O tal "Instituto"(leia-se pensão para moças) estava condenado desde a origem a um "raquitismo incurável". Quanto ao "raquitismo incurável", Madame Pommery não pode fazer absolutamente nada pois, além de não ter cura, algumas manifestações faziam parte de um passado que deveria ser superado sobre pena de não nos desbotucatizarmos nunca. "Assim, ficou até hoje comprometida a hegemonia nacional neste terreno. Paciência...O Brasil é grande; nem lhe faltarão Nhoricas no futuro que nos consolem do desprimor."(p.56) Consciente do processo degenerativo que rondava o meio urbano e a vida cultural do país, Madame Pommery não perdeu tempo. A capacidade financeira e ociosa do Coronel logo buscou veicular a oportunidade certa. Esta oportunidade de transformar a vida local só poderia se dar com a influência do homem europeu e civilizado sobre o "gentil e anárquico elemento nacional", também identificados pelos estrangeiros como botocúdos. Nos comentários de Wilson Martins op. cit., (v.V), p.219, esta identificação do brasileiro com os botocúdos parece sugerir a forte imagem do índio que chegava à Europa como representação do nacional. Exemplo disto são os livros de José de Alencar, a obra-musical O Guarani, ou mesmo, a pintura A Primeira Missa. Madame Pommery correspondia a todos os requisitos necessários para aliar a capacidade local dos botocúdos às modernas oportunidades capitalistas. O único "nó atávico" que deveria superar era exatamente aquele que lhe garantiria a existência: o Meio O Meio para as novas ciências era algo bastante amplo e abstrato. Poderia se dizer que o Meio era toda a extensão territorial nacional e estaria correto. Também poderia se afirmar que o Meio era o hábitat natural e humano pesquisado por viajantes, naturalistas de passagem, que atulhavam suas bagagens de instrumentos magníficos e se embrenhavam pelo vasto território nacional detectando e catalogando espécies, e também estaria correto. O que importa de fato, é que todo este movimento de pesquisas e viagens científicas retiravam dos povos americanos a desgastada imagem do "gentil" submetido às leis da natureza. Através de fósseis os pesquisadores descobriam e provavam a ancestralidade dos americanos. A antigüidade colocava o Homem americano dentro da História Universal. Mas, mesmo provando que o Homem americano pertencia à História e portanto não fazia mais parte da natureza, Madame Pommery ainda se via emaranhada naquele "nó atávico" que transformava o Meio em obstáculo intransponível. No caso, o Meio era a cidade de São Paulo. É notório que a cidade crescia assustadoramente, mas algo nesta cidade permanecia provinciano. As obras literárias da época denunciam este viés interiorano dos costumes paulistanos mesclados ao movimento da cidade em transição. Outras obras apenas passam pelo meio urbano e instalam a força da sua trama nos costumes rurais. Na história literária paulistana este momento parece mesclar a força da vida provinciana com a presença marcante dos estrangeiros. Só pelos habitantes que vêm compor o Meio urbano paulistano, o universo ficcional já torna-se paradigmático e híbrido Elias Thomé Saliba, "Juó Bananére: testemunho da Belle Époque paulista". Estado de São Paulo, 19/01/91.. Porém, para definir as representações locais deste momento, a crítica literária clássica optou por conceituá-las como regionalistas. A partir desta generalização a maior parte da produção literária paulista se dissolveu no que Brito Broca apontou em Teatro das Letras como uma literatura ligada a temas da vida rural." O movimento sertanista, impropriamente rotulado de Regionalismo, que precedeu a Semana de Arte Moderna, deslocou o ambiente do romance paulista para a roça. Mas era justamente nessa ocasião que a metrópole bandeirante assinalava um grande surto de progresso material e apareciam os primeiros arranha-céus, dando origem, no plano intelectual, a um sensível desenvolvimento da literatura". Brito Broca, op. cit., p.49 Hilário Tácito, narrador-cidadão, engenheiro envolvido nos projetos da cidade em crescimento, célebre pensador, reunia toda a sua erudição para conceber Madame Pommery, mulher-meteoro. Se para a história da "cidade-monumento" seu lugar não existiu, na literatura este espaço seria reconquistado pela obra. "Há um labirinto das ruas que só a aventura pessoal pode penetrar e um labirinto de signos que só a inteligência pode decifrar, encontrando sua ordem". Angel Rama, Cidade das Letras, São Paulo: ed. Brasiliense, 1985. p.53 Superar o Meio a fim de garantir a perpetuidade da obra, parece ser um dos desafios de Madame Pommery. Para tal façanha uma das alternativas foi incorporar este Meio e fazê-lo circular na obra ficcional: "Hoje em dia, querem-se os fatos logicamente ligados uns aos outros e o conjunto deles enraizado fortemente na terra, donde surgem; de maneira que, da sua perfeita urdidura e apoio natural, resulte, não algum cipoal inextricável, de galhos ressequidos, mas uma árvore cheia de vida, com seus ramos, flores e frutos(grifo meu)".(p.17) Madame Pommery seguiria os rígidos métodos científicos. Mas, como os próprios fundamentos da ciência moderna e o apanacho das influências, também conceberia sua forma de "adaptação". Tanto como o pensamento nacional que buscava nas teorias evolucionistas a unidade da nação, Hilário Tácito recria na obra ficcional o que de mais representativo encontrou naquelas leis "que recheiam volumes e se alinham bibliotecas.Tudo bugigangas e inúteis palanfrórios!" (p.19) Deste Meio saturado de idéias, memórias e crônicas que circulavam coladas aos preceitos evolucionistas, Hilário Tácito fez a sua própria seleção natural. Como um autêntico representante do pensamento nacional foi tirando daqui e dali idéias científicas, passagens históricas, fragmentos literários, que justificassem a permanência de Madame Pommery na vida paulistana. Os fatos deveriam estar logicamente ligados a um resultado final determinado, a tal árvore de ramos, flores e frutos grifada anteriormente. Determinado este final, nada impediria que a lógica dos fatos se invertesse. E era exatamente isto que Hilário Tácito pretendia mostrar ao leitor, a ordem poderia ser flexionada. Taine darwinista e suas leis da influência do Meio angariavam adeptos em território nacional. Mas existia também Sainte-Beuve que com as mesmas leis do ambiente priorizava a reconstrução do gênio particular. E ainda, para atualizar a idéia de que a obra de arte é algo que vai do particular para o geral, lembrava-se do nome de Oscar Wilde. Mais particular ainda é o método utilizado em Madame Pommery que escapa de todas estas propostas de abordar os fatos para reintegrá-los numa expressão original para se escrever histórias. Se Taine se destaca mais por seu talento literário do que pela veracidade científica; se a lógica dos fatos não alterava o produto final, a tal árvore cheia de frutos e ramos; então Madame Pommery também poderia se permitir transformar todas aquelas teorias sobre a "degeneração pelo vício" e o "comércio amoroso", em elementos fundamentais para o bom andamento da sociedade. E foi o que fez. Montando seu "Internato" e batizando com o nome sugestivo de PARADIS RETROUVÉ, a ex-faniqueira de Marselha abria espaço para as fervorosas palestras locais. Dentro do seu Salão, ao contrário do que muitos podem pensar, ao lado do "vício e da devassidão", dos divertimentos e do cake-walk, Hilário Tácito focalizava o burburinho local. Desta posição começou a ouvir uma das melhores teorias: "Do Alcoolismo. Adaptação e Seleção na Espécie Humana".(p.96) O salão estava repleto, todos bebiam champanhe Pommery, quando o personagem-narrador, corrompido pela curiosidade científica, aproximou o foco de narração em uma das mesas do PARADIS, soltou a pena e ligou o gramofone deixando que o diálogo fosse direto. Estão na mesa o Dr.Mangacha, o Dr.Vidigal, seu sócio e médico, a Nenea, "polpuda brasileira", e Lia, irmã da Isolda Bovary, ambas funcionárias do PARADIS. A conversa verte sobre umas dores no ventre que Isolda Bovary sente, às quais o Dr.Vidigal prontamente receita Água de Janos. Levanta-se mais um dos brindes da noite quando alguém lembra a lei municipal proibitiva do álcool em estabelecimentos fechados. O Dr Vidigal prontamente defende tal restrição, afirmando só aceitá-la em doses homeopáticas. O Dr.Mangacha não só discorda da lei proibitiva como também defende as vantagens do álcool na adaptação e seleção natural. Para justificar sua tese se põe a lembrar as teorias ultrapassadas que relacionavam o clima intertropical como um dos fatores degenerativos da raça. Ao contrário do que se imaginava ficou provado que, depois de gerações, o cruzamento de estrangeiros, portugueses e holandeses, com os indígenas, a raça dita degenerada, adaptou-se e criou resistência e tenacidade aos climas tórridos. Para provar tal tese de resistência e tenacidade o Dr.Mangacha lembra as façanhas dos valentes jagunços de Canudos e os homens dos seringais da Amazônia. Para reforçar os argumentos do Dr.Mangacha interrompemos por uns momentos o gramofone, a fim de esclarecermos a importância do Meio e da Raça na formação do pensamento nacional. A eleição da Raça e do Meio como conceitos chaves para a compreensão da formação nacional foram temas centrais retirados das formulações gerais das teorias evolucionistas. Estas teses eram usadas num processo de mesclagem na tentativa de darem conta da realidade nacional. Da relação com o Meio, definido comparativamente com o modelo europeu, a natureza tropical, as altas temperaturas seriam interpretadas como obstáculos ao desenvolvimento do Homem. Entretanto, este mesmo Homem poderia agir sobre a natureza inóspita a fim de transformá-la. Os Sertões de Euclides da Cunha mostra com exatidão esta luta constante do Homem com o Meio. O sertanejo é forte perante uma natureza completamente inóspita. Ou seja, diante de um Meio inóspito, o "jagunço" torna-se superior à natureza. A possibilidade de superação deste "estado de natureza" está na composição das três raças fundadoras da nação: o branco, o africano e o índio. O mulato, síntese da fusão das três etnias surgia como uma das formas de se aprimorar o homem nacional pela teoria do branqueamento. Através deste processo de miscigenação acreditava-se que os aspectos negativos do africano e do índio seriam suplantados. Porém, sobre este tema, também haviam vozes dissonantes: acreditava-se que os cruzamentos entre as diferentes raças levaria a degeneração do homem branco e europeu. Roberto Ventura, op. cit., p.67. O modelo de adaptação pelo álcool do Dr.Mangacha tinha a mesma lógica deste raciocínio sobre os climas tórridos. Aceitando que o álcool estraga o organismo, mas que também é um "tóxico" universal extraordinário, usado ancestralmente, desde Noé que inventou a zurrapa (vinho ruim) até nossos dias; alegando ainda que o fisiologista e higienista Armand Gautier tinha como uma das suas conhecidas teses que andam pelas mãos dos estudantes, o valor do álcool como um rico alimento pela sua capacidade de se volatilizar transformando-se em calor e energia; o Dr.Mangacha tentava provar a excelência de tal alimento para o progresso da humanidade. Mas o Dr. Vidigal era daqueles que defendiam a adaptação com restrições e em doses homeopáticas não vendo com bons olhos tal "aberração das teorias". Argumentando ser o álcool alimento corrosivo às funções do organismo humano, o sócio do Dr.Mangacha resistia em aceitar a argüição inflamatória e benéfica em defesa do volátil combustível humano. O Dr.Mangacha então lhe saiu com a Filosofia Zoológica de Lamarck e o sábio Mr.Tenon. Explicou que o homem que bebe muito, come pouco, tem como uma das conseqüências o encurtamento do intestino. Ao contrário do que se possa pensar este estreitamento não é algo negativo, mas sim mais uma vantagem: citando Metchnikoff nos Ensaios Otimistas, percebe-se que os intestinos muito compridos podem conter toxinas mortíferas capazes de abreviar a vida da pessoa. À esta descoberta de Metchnikoff, o Dr.Mangancha acrescentou as vantagens do álcool como revitalizador intestinal, tanto por encurtar o intestino como por varrer dele os micróbios indesejáveis. Mesmo assim, o Dr.Vidigal não se convenceu, e logo foi lembrando as perturbações nervosas e a epilepsia que o vício provoca nos bebedores. O Dr.Mangacha retrucou estas afirmações alegando que tais efeitos só se manifestam nos "inadaptáveis", uma minoria de pessoas, considerando que a maioria dos bebedores é forte e perfeitamente adaptada ao álcool. Justificando através das teses lamarckistas a transmissão hereditária e benéfica para os futuros bebedores, o amante de Madame Pommery pensava ter acabado com os argumentos de seu amigo e sócio. Porém, o Dr.Vidigal ainda fez sua última defesa contra o vício alegando ser este o motivo de crimes, horrores e misérias pelo mundo a fora. Nem assim o Dr.Mangancha recuou. Asseverando que o Dr.Vidigal via apenas um lado da coisa. Logo foi citando ilustres bebedores históricos: Goethe que bebia de cair até os 83 anos; Beethoven, que era filho de um bêbado, e outros que podem ser encontrados no Larousse. Neste momento, o diálogo foi interrompido por Mme. Pommery. Mas o que nos interessa, a vitória do valor alimentício do álcool para a espécie humana, garantia à Madame Pommery uma das aplicações do seu método particular de lidar com a teórica inadaptação dos Fatos ao Meio . Se para o álcool Hilário Tácito conseguiu provar sua "adaptação", Madame Pommery provava que o espaço ficcional conquistava mais uma vitória. A lei municipal restringia o uso do álcool, quando e o onde consumir. A obra ficcional diversifica e volatiliza-o também como matéria-prima literária. Desta forma Hilário Tácito adquiria o direito e a liberdade de escrever a história de Madame Pommery por seus próprios meios. Aquele monte de pedras rudes e lascadas crescia à vista d'olhos e já não se poderia negar a sua presença corpórea na cidade. Madame Pommery e a poética das influências "Há mais a fazer interpretando as interpretações que interpretando as coisas, e mais livros sobre os livros que sobre qualquer outro assunto; nós não fazemos mais que nos entreglosar." Ensaios de Montaigne, liv.III, cap.XIII. As influências iam além do Meio e do momento, e, sem querer querendo, o narrador-personagem convidava um arrozal de pensadores, obras clássicas, personagens lendários, a dialogarem com a história de Madame Pommery na cidade de São Paulo. Escritores, tradutores e imitadores eram definitivamente esmiuçados em forma de deliciosas digressões que faziam Madame Pommery crescer no cenário paulistano, como uma lagartixa que ia lentamente se metamorfoseando numa Mariposa. Entre a transição da cidadezinha de São Paulo e as aventuras da marafona na Botocúndia cruzavam-se os séculos da história da humanidade, a fim de ilustrar o direito de autoria do narrador e da personagem. Das passagens bíblicas lembrava-se o primeiro tradutor das "Escrituras", Jesus filho de Siraque e Sta.Maria Egipcíaca, a primeira cortesã a fazer uma travessia Interessante notar que Santa Maria Egipcíaca, ou Maria a judia descobriu os segredos da destilação do álcool e o duplo recipiente denominado bain marie (banho maria), ver The Woman's Encyclopedia of Myths and Secrets, San Francisco: Row and Harper Publishers, 1983.. Da História nacional Hilário Tácito citava os maus imitadores como Odorico Mendes no seu Virgílio Brasileiro e os métodos biográficos ultrapassados, como a obra O Infante Dom Pedro de Gaspar Dias Landam. Neste vai-e-vem de idéias, de escritores célebres que aparentemente eram lembrados apenas para contribuir para a valorização de Madame Pommery, ampliavam-se suas influências, sendo, eles mesmos, incorporados no movimento interno da história. Madame Pommery excluía suas "contribuições" com a imediata intenção de incluí-las em suas digressões neste complexo processo de se fazer história. As digressões também brincavam com a história das idéias provocando a saturação dos grandes modelos Mário Chamie, A Linguagem Virtual, São Paulo, ed.Quiron, 1976. p.46 e mostrando, mais uma vez a nós leitores, que a história não se faz de forma contínua e cronológica: " observem agora a superioridade deste meu sistema. Os personagens são mais vivos, os fatos têm mais relevo, porque os não empilho em prateleiras cronológicas, com rótulos de datas como se a história fosse um museu"(p.53). Nesta lógica , Madame Pommery não nascia, surgia madura e viva, pronta para legislar sobre a Botocúndia. As pedras já formavam um monte bem grande como vasos silenos "de que fala o mestre Rabelais; os quais eram pintados de figuras burlescas, para excitar o riso como o bom Sileno, preceptor de Baco. Mas, dentro, guardavam as mais finas essências, pedraria finíssima e outras coisas raras e preciosas. Nestes que é ler e aproveitar"(p.1). Madame Pommery despachava do alto de seu humilde menir plantado no meio da cidade. De tanto armar encruzilhadas Madame Pommery acabou aprisionando a cidade na obra. A cidade virou texto literário a ser decifrado e, ambas, obra e cidade, passaram a conglomerar a História do mundo civilizado. "O que constitui o principal atrativo de uma cidade é o que poderemos chamar o seu mito. Paris, Londres, Roma, Lisboa, Madri e tantas outras urbes do Velho Mundo possuem todas elas uma mitologia e é a literatura que as cria". Brito Broca, op. cit., p.54 Sobre o texto literário se desfolhava a cidade. Madame Pommery criava seu mito particular no novo mundo. Mito que buscava na literatura uma outra abordagem do fascínio pela civilização. A obra literária especulava sobre a cidade real. Redesenhava sobre seu plano material uma nova escrita sobreposta à anterior. "As transformações dos costumes de São Paulo, de que agora se trata, são mais da espécie artificial do que da natural(...)Que uma simples rameira arrufinada haja influído nos bons e maus costumes de uma capital como São Paulo, é verdade que pode passar por ousadia aos olhos de pessoas inexpertas, ou mal informadas sobre os bastidores da civilização".(p.117) Madame Pommery era "rameira", cortesã de profissão, também poderia ser uma garrafa de champanhe, uma alusão a Madame Bovary de Flaubert, a abreviação da ex-desconhecida Ida Pomerikowsky, filha de lambe-feras com freira de laços rompidos. Poderia ser essas, e porque não tantas outras coisas mais? As influências se sobrepunham como palimpsestos. Madame Pommery incorporava no texto suas várias origens, tornando-se ela própria fragmento de outras obras já escritas. Neste "tout est dit", aparentemente expresso como um esgotamento da criação num mundo saturado de idéias, sempre ocorre o diálogo entre as obras, a poética das influências. Harold Bloom em A Angústia da Influência tenta mapear este diálogo incessante entre poetas precursores que se descolam de relações temporais e cronológicas e surgem revitalizados nas obras dos novos poetas. Diz Bloon, citando Borges, que na concepção poética todo escritor cria seus precursores, transformando o passado e modificando o futuro. Harold Bloon, A Angústia da Influência, Rio de Janeiro: ed.Imago, 1991.p.12. cf. sobre este tema o interessante trabalho de Michel Shneider, Ladrões de Palavras, Campinas: ed.da Unicamp, 1990. Sobre o pessimismo do "tudo já foi dito", fartamente utilizado por Hilário Tácito no processo de criação, podemos atestar as relações precisas apontadas por Bloom no diálogo entre as obras. Madame Pommery constrói seu passado tendo como campo magnético a obra, ela também escolhe seus precursores. Ao mesmo tempo, estes poetas sublimes, escolhidos num momento em que uma imagem, uma frase, se destaca mais do que milhares de outras, tornam-se, na obra do novo escritor (o artesão da frase), lampejos para um "ato de correção criativa", uma desleitura já recontextualizada em um novo espaço ficcional. Assim se move a poética das influências. Talvez assim se produzam as obras literárias que perambulam pelos tempos; a grande "Imitação Universal" onde os diálogos, as imagens literárias, fogem dos livros célebres e vão habitar outras obras e outros países. Neste sentido, a representação literária torna-se volátil, não tem fronteiras que a impeçam de ser uma garrafa de champanhe aqui e, um pouco mais para frente, a mágica de uma garrafa de champanhe se transformando numa biografia verídica de uma marafona em território nacional. Na época moderna este diálogo entre livros envolvendo o aprendizado e a apropriação teve como contra peso a valorização da autoria e a singularidade da obra. Ambas tornaram o ato da criação obra única onde o prazer do empréstimo fácil cede lugar à "angústia das influências" Harold Bloon, op.cit., p.55. As influências tornam-se mais uma maldição, um inferno , um débito permanente do que a generosidade da pilhagem criativa tão cultivada pelos Gregos e Latinos. Hilário Tácito bebe nesta fonte de criação generosa que vem de Heródoto e se realimenta no pensamento dos humanistas. Mas Madame Pommery também tem seus débitos bem marcados anunciando seu pertencimento à época moderna e à herança iluminista, onde o empréstimo assume a forma da expropriação e plágio, no sentido moderno da insuficiência de imaginação. Isto parece ficar claro em todos os momentos em que Hilário Tácito tenta "burlar" os seus precursores afirmando que seguirá seus próprios métodos. Neste mesmo momento o Coronel Pinto Gouveia bate na porta de Madame Pommery, mas era inútil, lá do quarto vinha uma voz masculina que o nosso ingênuo Coronel logo reconheceu como a do Dr.Mangacha. Pinto Gouveia foi para casa e mandou pagar a conta, no outro dia.(p.67) O débito estava pago, Madame Pommery redobrava a sua liberdade de ação. Era a única proprietária do PARADIS RETROUVÉ e livre para escolher outro amante mais interessante para suas patuscadas nacionais. Hilário Tácito articula Madame Pommery neste duplo sentido da poética das influências. Por um lado reivindica seu direito de autoria afirmando fazer uma obra singular, por outro, a cada autor e obra citados nas inúmeras digressões, realiza seu imediato "ato de pilhagem". Na medida em que assume ficcionalmente a poética das influências, Hilário Tácito vai mostrando ao leitor seu método de fazer história. A cópia participa da forma e do conteúdo do texto aceitando o empréstimo como criação literária. Fragmentos das obras de Rabelais desfilam no salão do Hotel dos Estrangeiros, provocando em Madame Pommery a vertigem do champanhe e o seu primeiro "sonho de vocação". O champanhe vai crescendo até transformar-se numa garrafa gigante na qual Madame Pommery é carregada em triunfo pela "escadaria infindável". Do sonho de vocação contido na colossal garrafa de champanhe, desdobra-se um novo capítulo, e mais uma fase das aventuras da cortesã na cidade de São Paulo. A garrafa vai se incorporando à personagem principal, tornando o devaneio rabelaisiano, parte das características de Madame Pommery. A cortesã se embaralha ao nome do champanhe até ambos se confundirem. O champanhe Pommery torna-se empreendimento capitalista. Como marco da desbotucatização paulistana é utilizado em contraponto a outro rótulo-símbolo que imperava até então, a cerveja Antarctica. Romper com o império da cerveja Antarctica e imprimir a valorização do champanhe Pommery é um dos grandes investimentos capitalistas da personagem principal na cidade de São Paulo. O champanhe Pommery como marco-símbolo dos novos tempos transforma-se em método publicitário para imprimir outros hábitos à elite local. Entretanto, apesar de hábil empreendedora, Madame Pommery não foi original. Ela apenas expôs o que se escondia nas prateleiras do Hotel dos Estrangeiros, ou seja, a cortesã foi intermediária de um processo já existente mas que, até então, não havia tido a sua correlata valorização. Valorizar o champanhe e introduzir seu uso também foi uma das formas de Madame Pommery investir na sua própria imagem pessoal. A garrafa de champanhe contém o valor que Madame Pommery lhe investe, assim, não importa se o champanhe é verdadeiro ou falso, se Madame Pommery bebe ou não toda vez que lança um brinde. O que realmente efetiva o uso do champanhe é sua difusão, o fato delae estar sendo sustentado por uma lembrança permanente, as repetidas vezes em que um brinde é levantado. Madame Pommery funciona como agente publicitário de seus próprios investimentos. Madame Pommery pede para abrir mais uma garrafa de Pommery em cada mesa do salão pela qual passa brindando. Ninguém sabe explicar qual o fenômeno que faz seu copo sumir depois de um "À boire du champanhe! À la santé de la patronne! Garçon versez à boire à Madame". (p.85) À noite, no PARADIS RETROUVÉ, não existe distinção entre a garrafa de champanhe e Madame Pommery, o álcool se volatiza enlouquecendo a matéria. O salão começa a fervilhar e o "mulherio" parece perder todo o pudor. "Todos os psiquiatras especialistas em sexualismo, Kraft Ebing à frente, Forel, Brown-Sequard, Lombroso et caterva, unanimemente observam que é o álcool o sustento principal da prostituição e da libertinagem. Os poetas também, desde Anacreonte nas ODES até Guerra Junqueira no D.João têm dito mais ou menos a mesma coisa;(...)Donde concluo que a poesia sabe, mais, ou melhor, que a ciência;(...)".(p.87) A literatura corrompe a ciência e legitima a vitória do álcool na sobrevivência das espécies. Madame Pommery tenta lucrar nesta intersecção rica em imagens, que parece explodir bem no centro de seu Palácio de Luxúrias. Se os preceitos científicos e seus interlocutores moralistas criticam o valor alimentício do álcool, a literatura, ao contrário, trabalha a seu favor criando conceitos que rompem com os limites da ciência. A matéria torna-se ativa quando a criação se anima. O império da ciência se estilhaça e sobre seus cacos percebemos que a imaginação ressuscita forte, viva tal como Madame Pommery que respira na cidade. No sarau do PARADIS a cortesã sacode a História, corrige mais um de seus enganos; até então afirmava ser pela ciência e, somente por ela, que o pensamento cultural nacional deveria se pautar: "Essa é a época em que a ciência serve de rótulo ao literato o qual toma mais e mais a exterioridade do pensamento científico a fim de garantir uma suposta objetividade literária. Com efeito, a moda cientificista entra no país por meio da literatura e não da ciência diretamente". Lilia Schwartz, op. cit., p.32 A literatura influência a ciência transformando o Meio em Acaso. Madame Pommery que organizou todas estas transformações vai se transfigurando, a cada capítulo, em personagem mais e mais caricata. Suas formas vão se arredondando. A cortesã se oferece como texto e se abre em múltiplas ligaduras. Ver Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, op.cit, em "letra" cortesã. Madame Pommery se anima a tal ponto que acabamos esquecendo uma de suas precursoras sonoras, Madame Bovary de Flaubert. Mas este golpe sonoro que une as duas obras num primeiro momento logo se desfaz. A história da voluntariosa Emma nunca ombreará com as aventuras de Ida Pommerikowsky. Madame Pommery bebe de outras fontes literárias que lhe garantem sempre a saída caricata, ao contrário da pobre Emma Bovary que no fogo literário acendeu labaredas que transformaram seu envenenamento premeditado num verdadeiro final necrológico. Nossa Madame não morre, muito pelo contrário, suas aventuras são um aprendizado à como se volatizar em ambiente "inóspito e bárbaro". Hilário Tácito resgatou de Madame Bovary a fama, a sonoridade, mas não o Destino. Este já estava assegurado naquele Desvio que surgiu no debate sobre a "(re)-Descoberta". Assim o engano sonoro causado por Madame Bovary se desfaz e tornamos a encontrá-la liberta na estrada principal. A mesclagem destas várias formas de representação, que vão desde uma simples garrafa de champanhe, passagens de Rabelais até à confusão sonora de Madame Bovary, parecem confirmar a tese de que no processo de criação os originais se anulam. Ao mesmo tempo em que existe este processo de fusão e anulação dos originais, a preocupação com as fontes acompanha todo a criação literária de Madame Pommery. Junto com o "ato de pilhar" Hilário Tácito afirma estar sempre seguindo seu próprio caminho, mas deixa ao leitor a dica clara que seu caminho nunca exclui seus precursores, muito pelo contrário, a cada reverência do que não vai fazer existe a sua imediata ingerência literária. A confirmação de que há sempre um original mostra a preocupação moderna do narrador com seu tempo. Mas, até mesmo este "débito" literário Hilário Tácito transforma em brincadeira. Brincar com a "angústia das influências". Transformar também esta angústia em corpo da obra. As digressões comportam esta função bem humorada de discutir o peso e a leveza do "ato de pilhagem". Um dos exemplos destes momentos é claro no início do cap.III de Madame Pommery onde Hilário Tácito vai discorrer sobre o valor da tradução e seus "desvios". Para fazê-lo começa se referindo a um hexâmetro célebre da Eneida que foi traduzido por Odorico Mendes no Virgilio Brasileiro, e fartamente utilizado por outros escritores, jornalistas, em citações de início de textos. Sobre o hábito das citações que nem sempre acompanham a coerência dos textos, artigos de jornal ou mesmo capítulos de livros, Hilário Tácito diz ser um procedimento que vem sendo feito desde os antigos, onde à citação ou título nunca se garantiu um conteúdo análogo do que iria se tratar nos textos. Assim fez Camões nos Lusíadas, o autêntico Virgílio na Eneida, Flaubert em Salambô e outros. Mas também afirma Hilário Tácito: "nem todos os exemplos se hão de aplaudir e imitar só porque sejam dos Mestres" (p.48). E neste momento percebemos que a leveza da imitação transforma-se em peso, quando aquela citação de um verso da Eneida torna-se surrada pelo uso e abuso dos comentários: "tão a propósito...como se se tratasse de botas. Exemplifico. - O jornalista em peregrinação acha-se por acaso em Roma, à vista do Coliseu. Aquela ingente ruinaria traz-lhe à memória tudo quanto leu no Quo Vadis?, a respeito de Nero, gladiadores e outras feras. Descobre um certo ar de tristeza no secular desmantelamento e, zás! - escreve comovido: 'Observando a mole imponente do colosso, a chorar no esboroamento das suas pedras, compreendemos as palavras de Virgilio: Sunt lacrymae rerum. Sim; aquelas pedras carcomidas são na verdade as lágrimas das coisas...'. "São as lágrimas das coisas!!!... Pois o que Virgílio disse foi, apenas, que - Há lágrimas para tais coisas".(p.28) A presença do Quo Vadis torna-se mais representativa do que o próprio original e, por mais que a realidade e a leitura do texto clássico seja diversa da interpretação, seus comentadores se vêm tomados pelo desesperado fogo de Nero, palimpsesto sobreposto à tranqüila constatação de Virgilio na Eneida. Hilário Tácito acusa a influência dos comentadores como deturpadora da citação original. Mas faz isso sutilmente, quase às avessas, pois sabe que ele próprio usou de subterfúgios semelhantes na interpretação de seus precursores. O que o narrador-personagem procura mostrar é que existe uma diferença entre pilhagem criativa, aquela que transforma influências em desleituras e as interpretações sobre comentários. Estas, como foi dito, imperavam no cenário nacional como a principal fonte de leitura de grande parte da produção cultural do momento. Na discussão sobre o peso e a leveza do "ato de pilhagem", Hilário Tácito também nos introduz uma outra dimensão de Madame Pommery; e quem sabe, neste momento, aquela metamorfose, que acompanhou suas aventuras na cidade de São Paulo, comece a definir seu estado de Mariposa. O narrador, preocupado em salvar Madame Pommery dos perigosos comentadores, assume sua própria obra como um original, precursora de outras tantas que o futuro irá julgar. Seu diálogo, agora se volta para os novos poetas e escritores que irão colocar os olhos sobre Madame Pommery e fazer dela uma nova desleitura. Para estes poetas Hilário Tácito transmite seu débito hereditário, afirma com todas as letras que Madame Pommery é obra viva, biografia verídica de uma cortesã na cidade de São Paulo. "Mme.Pommery vive e respira tão real e efetivamente como eu, que escrevo, e o leitor, que me lê, apenas com muito mais apetite e folego".(p.29) O débito pertence ao futuro e não mais ao passado. Do alto do seu menir Madame Pommery admira a cidade e percebe que o esforço dos primeiros anos de desbotucatização já estavam superados. "Agora estavam as coisas diferentes, desde que se operava a reabilitação do mundanismo, graças ao esforço inteligente de Mme.Pommery". (p.122) Orgulhosa de sua contribuição para o crescimento da cidade Madame Pommery resolve se volatizar. Pega suas "meninas" e vai aos bailes do Casino, do Municipal e do Trianon. Só que a cortesã não colocou a máscara, foi para ser reconhecida. Os moralistas que normalmente são míopes e não costumam ir a bailes e cinemas, estavam lá também disfarçados de foliões. Talvez por isso Madame Pommery nem os tenha notado. No outro dia, quarta-feira de cinzas, aqueles foliões, os "Catões da Botocúndia", resolveram proteger o pudor das boas famílias de São Paulo. Os moralistas foram aos jornais, chamaram a polícia, e decretaram o fim do "andanço paradisíaco na sociedade paulistana". Hilário Tácito não se conteve. Afinal, depois de todas as contribuições que Mme.Pommery obrou na cidade e as influências que exerceu sobre a Arte, a Moda, e mesmo sobre a educação destas famílias, seria uma injustiça excluí-la do ingresso em divertimentos e espetáculos abertos às mesmas famílias. O narrador levantou uma lista de cortesãs históricas, apelou para o seu valor nas Artes e na Literatura, mostrou os livros que aquelas Senhoras devoravam em casa com prazer, vociferou sobre as leis contra estas frágeis mulheres, "filhas de Eva", feitas pelo "orgulho estúpido" dos homens, e pediu o perdão moral bíblico lembrando a benevolência de Jesus Cristo com a Madalena, mas nada disso adiantou. Mme.Pommery cedeu ao preconceito e entrou em fase de Regeneração. Vendeu o PARADIS no auge de sua fama e foi procurar um pretendente daqueles que surgiam na cidade de São Paulo, "os barões de meia-tigela." Assim, a nossa cortesã retirou-se do mundanismo paulistano e ressuscitou numa "grande apoteose" sem ter, antes, que morrer: "Mme.Pommery não morreu, louvado seja... Mas começou vida nova e nova fase, como um bicho-da-seda que primeiro engorda, engorda, com voracidade pasmosa, até que começa a vomitar seda, a enrodilhar-se no casulo, para depois ressurgir, na transfiguração da mariposa. E lá se foram as comedeiras de lagarta, e o bom tempo das amoras: a mariposa é por natureza um animal saciado, que só come pouco, refinadamente mostrando suntuosidades e graças, com a honesta preocupação de constituir família, e de acabar com honra".(p.151) Mas isto não é da nossa conta... José Maria de Toledo Malta Reticências " Há uma história da literatura que se projeta na cidade de São Paulo; e há uma história da cidade de São Paulo que se projeta na literatura". Antonio Candido, Literatura e Sociedade, São Paulo: Companhia Ed.Nacional, 1967. p.191 Era ano de 1919, Monteiro Lobato estava procurando novos escritores a serem lançados. O editor da Revista do Brasil havia descoberto o método para venda de livros: a publicidade. José Maria de Toledo Malta, Hilário Tácito, tomava contato com a Editora do Brasil nos primeiros anos do século XX. Ali se encontravam outros escritores do momento tais como Leo Vaz, Valdomiro da Silveira, Moacir de Toledo Piza e Oswald de Andrade. Entre um cafezinho no Guarani e o persistente movimento cultural da Editora da Revista do Brasil surgia Madame Pommery de Hilário Tácito, que foi um dos grandes sucessos de venda da Editora. Pouco se sabe de José Maria de Toledo Malta, aqui e ali reunimos algumas referências biográficas. É através do prefácio de Leo Vaz dedicado a Toledo Malta na tradução à Seleta de Ensaios de Montaigne que nos aproximamos um pouco do autor de Madame Pommery. Leo Vaz começa o prefácio contando que conheceu Toledo Malta na ed. da Revista do Brasil quando esta era dirigida por Monteiro Lobato. Lobato, num certo dia, animado com o livro Madame Pommery, mostrou a Leo Vaz os originais que pretendia publicar rapidamente. O livro fazia uma sátira aos costumes paulistas, onde pessoas e lugares eram imediatamente reconhecíveis e identificáveis pelo leitor paulistano, mas o que mais encantava na obra era o estilo em que vinha escrito: "A novela que era a biografia fantasiada de célebre e próspera cortesã vinha vazado na língua de algum discreto moralista de Lisboa ou Coimbra do século XVII; e deste contraste provinha boa parte da graça que tôda gente sentia à leitura da Pommery." José Maria de Toledo Malta(tradutor), Seleta dos Ensaios de Montaigne, (tomoI), Rio de Janeiro: ed.José Olympio, 1961. p.IX Ao sucesso da obra seguiu-se uma maior presença de Hilário Tácito na Ed. da Revista do Brasil, tornando-se amigo e parceiro freqüente de Monteiro Lobato no jogo de xadrez. Foi entre uma partida e outra que José Maria de Toledo Malta viria a inspirar uma das histórias infantis de Lobato: a "História do Peixinho que morreu afogado", a primeira versão de A Menina do Narizinho Arrebitado. Monteiro Lobato, A menina do Narizinho Arrebitado, fac-simile da 1.ed, São Paulo, 1982 Logo descobriu-se que Toledo Malta, além de escritor, era exímio Engenheiro Civil, especializado em cálculos de resistência em concreto armado e muito requisitado pelos arquitetos da época, chegou a escrever dois livros técnicos sobre cálculos e resistência de materiais: Concreto Armado - cálculo rápido e Lajes, Vigas e Pilares de Cimento Armado; também participou de vários projetos e cálculos de edifícios e obras de urbanização na cidade de São Paulo. José Maria de Toledo Malta quando trabalhou na Repartição de Águas e Esgotos da cidade de São Paulo projetou uma rede especial de irrigação, o observatório da Agua Branca, a ponte da Móoca(Tamanduateí) e o reservatório da Lapa. Foi também um dos responsáveis pelo cálculo para a construção do primeiro arranha céu paulistano, o Ed. Martinelli. Além de suas qualidades na área da Engenharia, Toledo Malta demonstrava certo conhecimento universal, sempre pronto a discutir qualquer assunto. Mas, nas palavras de Leo Vaz, o que realmente chamou sua atenção foi o domínio que Toledo Malta tinha no campo da linguagem. Conhecia o espanhol, o italiano, o inglês, o alemão, o francês em suas diversas fases dialetais. Também era um profundo estudioso do latim, do português e da literatura brasileira. Parece que nenhuma dessas características, encontradas também por Leo Vaz, passam despercebidas ao tomarmos contato com Madame Pommery. Infelizmente, Hilário Tácito escreveu uma única obra: Madame Pommery. Sobre os poucos trabalhos literários do autor obtemos algumas explicações no "Prefácio" de Léo Vaz às obras de Montaigne. Num diálogo com o autor de Madame Pommery sobre sua contribuição à literatura isto parece se esclarecer um pouco: ( disse José Maria de Toledo Malta) "Tudo quanto o homem pode pensar - ouvi-lhe dizer mais de uma vez - já foi pensado, dito e escrito, escarafunchado, contradito e rebatido por milhares de sujeitos, há milhares de anos, pelos gregos, pelos hebraicos, pelos hindus, pelos caldeus, pelos persas, pelos chineses(...)E não serei eu quem vá, agora, descobrir nenhum mel de pau". Leo Vaz, "Prefácio" In: José Maria de Toledo Malta, Seleta dos Ensaios de Montaigne, Rio de Janeiro: ed.José Olympio, 1961. p.x Ceticismo ou timidez? Leo Vaz não se convenceu do descrédito do autor de Pommery insistindo para que este escrevesse algumas crônicas no Estado de São Paulo. Parece que Hilário Tácito realmente escreveu estas crônicas, mas sem motivos aparentes resolveu parar nas primeiras. Depois de muito tempo, quando Toledo Malta já estava adoentado em casa e traduzindo os Ensaios de Montaigne, Leo Vaz veio entender um pouco os motivos daquela resistência em participar mais da vida literária. Hilário Tácito declarou que já não gozava de boa fama com Madame Pommery, e se escrevesse outras coisas ou mesmo traduzisse obras como as de Rabelais, "então é que os casacas-preta me passam o pior dos diplomas". Leo Vaz, op.cit., p.xi Mas apesar da resistência em participar dos movimentos literários da época, tanto no Dicionário de Autores Paulistas Luís Correa de Melo, Dicionário de Autores Paulistas, São Paulo: ed. IV Centenário, 1954. Procurar em Malta, José Maria de Toledo. como nas coletâneas críticas de Lobato, encontramos referências que ligam o autor de Madame Pommery ao grupo de intelectuais que fundou o Estadinho e o Queixoso, dois periódicos culturais e políticos dos primeiros anos do século XX. Nos dois periódicos citados não foi possível encontrar nenhuma referência a Hilário Tácito. O Queixoso foi totalmente lido e o Estadinho por não estar disponível ao público não pôde ser checado. Além destes dois periódicos anteriores à publicação de Madame Pommery, encontramos Hilário Tácito prefaciando dois outros livros da época: A Vida Ociosa de Godofredo Rangel e Vespeira de Moacyr Piza, ambos datam do início dos anos 20. Moacir de Toledo Piza Vespeira, São Paulo: ed. Livraria Santos, 1923 e Godofredo Rangel, Vida Ociosa, São Paulo: ed.Revista do Brasil, 1920. Por Acaso ou Divina Providência, paginando a revista A Maçã de 6 de janeiro de 1923 na Bienal do Livro de São Paulo, encontrei uma única crônica do autor de Madame Pommery, "Elogio a Cortesã". Hilário Tácito, "Elogio a Cortesã". A Maçã, 06/01/923. Ao contrário de Hilário Tácito, que resistiu à participação no meio literário, sua obra, Madame Pommery, parece não compartilhar de seu desejo de anonimato. Apesar dela ter sido "vitima do silêncio da crítica" (N. do A) Observação feita por Monteiro Lobato em relação a ausência de críticas a Madame Pommery., tem como uma de suas características a sútil perpetuidade ao longo dos anos. Desde sua primeira edição, em 1920, a obra Madame Pommery reaparece até os dias de hoje, através de comentários, críticas, adaptação para teatro, ou mesmo, na cuidadosa re-edição da Fundação Casa de Rui Barbosa/Ed.Unicamp publicada em 1993 A última edição de Madame Pommery publicada pela Fundação Casa de Rui Barbosa e Ed.Unicamp de 1993 traz uma introdução e notas explicativas que auxiliam muito à leitura e compreensão da obra.. Neste sentido a obra de Hilário Tácito parece traçar o caminho das estrelas cadentes que sempre estão a desenhar novas órbitas no céu mas são de brilho rápido e passageiro. Utilizando os diários e notas críticas de Monteiro Lobato organizadas por Edgar Cavalheiro, pode-se ter acesso à correspondência de Lobato com Godofredo Rangel, que em algumas passagens contém referências a Madame Pommery. Na Carta de 23/03/1920 Lobato anuncia a Godofredo Rangel os livros que iriam ser publicados pela Editora :"Estão a sair Sem Crime de Papi Junior, lá do norte, o romance, Madame Pommery, uma obra prima de sátira bordelenga de Toledo Malta ou Hilário Tácito: Tácito, porque aquilo é história, e Hilário porque é história alegre". Monteiro Lobato, A Barca de Gleyre, (Tomo 2), São Paulo: ed. Brasiliense, 1946. p.215 Em outra carta datada de 29/11/1920, Lobato escreve para Godofredo Rangel comunicando que Hilário Tácito fará o prefácio de seu livro, Vida Ociosa. Comenta também a estréia do autor de Madame Pommery num dos jantares literários. Conta-nos Lobato que diante de um número grande de pessoas Toledo Malta resolveu sentar em uma das pontas da mesa, tomando acento na outra ponta o próprio Lobato e Raul, outro escritor que pertencia ao extinto periódico literário O Minarete. Toledo Malta assim como outras pessoas foram chamadas a fazer discursos. No momento que o autor de Pommery começou o seu, Lobato, aproveitando-se da surdez dos dois amigos, Toledo Malta e Raul, resolveu fazer uma das suas brincadeirinhas. Na medida que o discurso transcorria, Lobato enchia os ouvidos de Raul afirmando estar escutando o autor de Madame Pommery acusar o colega de plagiador. Findado o discurso o pobre Raul se levantou para responder aos tais insultos de Malta que, surdo também, perguntava às pessoas sentadas ao seu lado sobre o que o outro falava tão exaltadamente. Lobato relatou, assim um dos "jantares" onde não se sabia quem jantava ou era "jantado". ibidem, pp.220-223 No livro Críticas e Outras Notas de Monteiro Lobato encontra-se outra referência a Madame Pommery datado da sua publicação em 1920 e noticiada na Revista do Brasil: "São Paulo inaugurou o ano com duas revelações literárias dos mais finos quilates. O Professor Jeremias já fez carreira no público, que o absorveu e absorve com avidez consoladora. "O mesmo está sucedendo com Madame Pommery, sátira formidável aos costumes paulistanos(...)Como chegou ela a esse resultado, depois de sábias auscultaçãos da psicologia dos ricaços da cidade, e coronéis do interior, é coisa que Hilário Tácito desfia com graça infinita(...)misturando sólida erudição clássica, e citações bíblicas às maiores patifarias carnais da nossa alta goma". Monteiro Lobato, Críticas e outras notas, p.62 No final da nota Lobato ainda salientava a enorme aceitação do livro pelo público leitor, e o surgimento de um escritor que só aparece de geração em geração. Nas coletâneos de Lobato ainda temos referências a Madame Pommery numa apreciação crítica elogiosa de Lima Barreto na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. Sobre o artigo de Lima Barreto podemos destacar alguns trechos de sua correspondência com Monteiro Lobato: "Meu caro Lobato, "Não te mandei o artigo que escrevi sobre Mme.Pommery na Gazeta de Notícias, mas, apesar disto, sei bem que tu tivesse notícia dele(...)O livro está merecendo curiosidade aqui, e grande. Sei que até o Rui comprou um na Briquet(...) 31/05/920Lima Barreto. Amigo Lima, "(...)a Mme.Pommery merece teu apoio. É finíssimo e está sendo vítima do silêncio covarde da crítica. Ninguém hás de crer? - atreve-se a falar dele! Lobato". Trechos retirados da Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, Rio de Janeiro: ed Serviço de Documentação/Ministério da Cultura.s.d Encontrei na Fundação Casa de Rui Barbosa esta primeira edição do Madame Pommery que vinha com uma dedicatória de Hilário Tácito a Rui Barbosa nestes dizeres: "A crítica da moral subvertida transmuda-se na irônia, que é a lógica do avesso. Contudo, só da summa grandeza d'alma e da severidade do gênio, atrevo-me a expressar a piedade, e a tolerância que me hão de relevar a ousadia do gesto humilde com que apresento a V.Exmo frivolidades tão desprimorosas. São Paulo 15/06/920 Hilário Tácito." Apesar do interesse despertado por Madame Pommery em algumas personalidades da época, a reclamação de Lobato quanto à ausência de críticas em São Paulo parece perdurar. Porém, também podemos afirmar que este silêncio não era geral, o público leitor, contrariando a crítica especializada, logo comprou toda a primeira edição do Madame Pommery. Podemos verificar este sucesso da obra nos comentários de Terezinha Del Fiorentino em Prosa de ficção em São Paulo: produção e consumo, onde a autora pesquisou a quantidade de livros que saíram nas primeiras décadas do nosso século. Del Fiorentino aponta Madame Pommery como uma das obras que tiveram grande número de exemplares consumidos pelo público: "uma tiragem de 3.000 exemplares". E ainda observa: "O romance de Hilário Tácito constitui o exemplo inverso dos romances que atrás citei(...)elogiados pela crítica e ignorados pelo público" Teresinha A. Del Fiorentino, Prosa de Ficção em São Paulo: produção e consumo (1900-1922), ver quadro na p.12. Concluindo que tanto Madame Pommery como o Professor Jeremias de Leo Vaz foram grandes sucessos editorias. ibidem, pp.84-92 Baseados em outros levantamentos feitos através de artigos de jornais, alguns caminhos podem ser trilhados a respeito da obra Madame Pommery e a ausência de crítica que rodeou seu surgimento. No artigo do Diário de São Paulo de 26/06/1952, sobre o título "Um romance esquecido", que saiu após um ano da morte de Toledo Malta, João Pacheco sugere que o enorme sucesso de público devia-se em grande parte à divulgação e comentários que se fizeram sobre o livro antes mesmo de sua publicação: "Tratava-se de um tema que parecia falar de uma 'patronne' que há pouco se retirará da atividade cujo nome ainda envolvia numa aura de voga ruidosa(...)contudo, fôra grande a expectativa, não menor foi a decepção. O prato que se esperava fortemente condimentado trazia o condimento inteiramente assimilado a substâncias outras, que permaneciam dentro do campo estrito da literatura" João Pacheco, "Um romance esquecido". Diário de São Paulo.26/06/952.. Neste artigo, João Pacheco ainda chega a comparar Madame Pommery a um "Decameron" brasileiro. Através deste artigo temos alguns indícios para afirmar que a obra Madame Pommery passou por um "mal entendido" entre a ficção e a realidade, o que pode ter resultado no "silêncio covarde da crítica" ao qual se refere Monteiro Lobato. O depoimento de Maria T.M. Ferraz, viúva de Toledo Malta, reforça esta idéia Entrevista com Maria de Toledo Malta Ferraz concedida na sua casa em Mogi Mirim. 1992.. Quando perguntada se o livro Madame Pommery foi motivo de escândalo na época, ela respondeu que a obra de Hilário Tácito mexeu com alguns fazendeiros, coronéis que quiseram até processar o autor. Por outro lado, Maria T.M. Ferraz contou sobre o tipo de pessoa que era Toledo Malta. Disse ela: o autor de Pommery era extremamente bem humorado, um boêmio que viveu a cidade de São Paulo nos seus anos de juventude. Ainda por sua vez sobre as vestes de Madame Pommery, Hilário Tácito, que significava "rir calado", como o autor afirmava, retratoua vida noturna da época.: " O amante da Mme.Pommery era o pai dele, seu Francisco. Toledo Malta sentava no colo da Madame Pommery". Entrevista com Maria T.M Ferraz já citada. Como o livro era inspirado em pessoas e fatos reconhecíveis da época, tratando-os caricaturalmente também pode ter aguçado a curiosidade do público leitor e inibido a crítica especializada . No livro A História da prostituição na cidade de São Paulo de Guido Fonseca, inúmeros são os momentos em que o autor se refere à "cafetina" Mme.Sanchez, aproximando-a da personagem Mme.Pommery Guido Fonseca, op. cit., p.199. Podemos achar estas mesmas aproximações em outras obras de "memórias noturnas" e "costumes políticos" da época: Tempos Passados e De Pastora à Rainha de Cícero Marques, Roupa Suja de Moacyr de Toledo Piza, ou mesmo, em trabalhos acadêmicos recentes como Os Prazeres da Noite de Margareth Rago que mapeou a história da prostituição na cidade de São Paulo. Margareth Rago, op. cit., p.170 Ao contrário dos trabalhos acima citados que buscaram inventariar Madame Pommery em sua relação com a vida dos atores sociais, penso ser de fundamental importância desvincular esta aproximação que parece ter preponderado na análise e interpretação da obra de Hilário Tácito. Madame Pommery para além da "geografia dos prazeres" e dos hábitos noturnos dos primeiros anos do século XX de São Paulo, também é uma obra de transição; como esclarece muito bem Naief Safadi, no Suplemento Literário do Estado de São Paulo de 06/04/1963 sobre a obra de Hilário Tácito: "existe no romance de Toledo Malta um objetivo nítido: definir, num tom de sátira séria, o processo dinâmico de uma cidade em mudança" Naief Safadi, "Paraiso Reencontrado". Estado de São Paulo. 06/04/963.. Talvez seja necessário acrescentar a estas mudanças urbanas, a própria transição pela qual passava a literatura. Ernani da Silva Bruno, num artigo sobre o "Centenário de Toledo Malta" publicado na Folha de São Paulo, em 27 de março de 1985, reafirma esta vitalidade literária da obra pouco referendada: "Na verdade, o livro reflete uma faixa muito restrita da vida paulistana do começo do século - e sua qualidade maior está no estilo muito pessoal do autor, cuja linguagem se reveste em geral de um arcaísmo virtuosístico que, no entanto, não faria discípulos na ficção paulista ou brasileira, já então em busca de uma expressão renovadora". Ernani da Silva Bruno, "Centenário de Toledo Malta". Folha de São Paulo. 27/03/985. Por outro lado, podemos perceber que a obra Madame Pommery, desde sua primeira edição, não deixou de aparecer ou mesmo transformar-se. Em 1982 foi adaptada para o teatro. No depoimento de Maria T.M Ferraz, pode-se ter referências ao espetáculo, um misto de comédia poética e musical. Maria T.M. Ferraz conta que a turma do teatro convidou-a para a estréia da peça Madame Pommery, devidamente regada no champanhe. Aos seus olhos a Ciça Camargo(atriz que fazia o papel de Mme.Pommery) parecia muito com a verdadeira Mme.Pommery . A peça de Alcides Nogueira Pinto, dirigida por Antonio Abujamra, tenta fazer uma "mixórdia" da época e dos fatos, transformando-os num musical leve e engraçado. Artigo do Jornal da Tarde sobre o título "São Paulo nos braços de Pommery" de 24/12/82 Da adaptação para teatro parece que a nossa personagem resolveu se reciclar: "se Mme.Pommery não morreu, em compensação ressuscitou" (p.151), vestiu nova roupagem e ressurgiu para os leitores em sua quarta edição. Está última edição de 1993, além de ser uma revisão das outras três, nos trás referências a José Maria de Toledo Malta e notas e comentários explicativos a obra Madame Pommery. De roupagem nova a nossa cortesã parece não se contentar com o século XX, nas suas várias metarmofoses, a Mariposa paciente pretende "varar" o século e surpreender outra vez o público entrando no próximo milênio. "Mme. Pommery ... louvado seja ... começou vida nova e nova fase" . (p.151) Final do mundo ou início de uma nova era? Desta vez Madame Pommery não vem como mulher-meteóro, pois já está entre nós. Madame Pommery pretende entrar no novo milênio por seus próprios méritos: o humor que é "o cômico que perdeu peso corpóreo tornando-se leve" Italo Calvino, Seis Propostas para o Próximo Milênio, São Paulo, ed.Companhia Das Letras, 1990. p.32; e as digressões, que multiplicam o tempo suspendendo a morte. ibidem, p.59 Com certeza as previsões do italiano Italo Calvino devem se confirmar e entre as suas Seis Propostas para o Próximo Milênio, duas Madame Pommery garante, de antemão, a Leveza e a Rapidez. Para sua estréia nada parece ter sido esquecido... sobre as reticências da história...reitera-se o que havia de melhor na época. E, naquele tempo... naquele tempo... o que ficou, ou melhor o que voltou foi o champanhe Pommery. A questão de pouco tempo a Casa Ricardo está importando o champanhe Pommery produzida desde 1836 na cidade francesa de Reims. O Pommery destacou-se dos outros champanhes por ser brut(seco) pois até então a bebida era habitualmente consumida doce. Este comentário sobre o champanhe Pommery foi retirado de um anúncio que saiu na Folha de São Paulo de 24/03/92 quando este voltou a ser importado. Destino ou Acaso? Parece que Madame Pommery pretende comemorar a entrada do próximo milênio estourando sua garrafa de champanhe na cidade de São Paulo. Cronologia Básica do Autor e Obra 1885 - 27 de março nasceu em Araraquara José Maria de Toledo Malta. 1908 - Diplomou-se neste ano na Escola Politécnica de São Paulo. 1911 - Como engenheiro civil começou sua carreira profissional na Companhia Mogiano. No ano de 1911 ingressou na Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo. 1916 - Por volta desta ano fundou junto com outros intelectuais o Queixoso e o Estadinho. 1919 - Toma contato com a Ed. da Revista do Brasil e mostra os originais de Madame Pommery a Monteiro Lobato. 1920 - Sai a primeira edição de Madame Pommery e a respectiva resenha de João Pinto da Silva na Revista do Brasil(maio-ago).Escreve o prefácio de Vida Ociosa de Godofredo Rangel sobre o título "Prologo Dispensável". 1921 - Sai outra resenha do mes de Benamin de Garay publicada pela Revista do Brasil(jan-mar). 1922 - Mais ou menos neste ano parece ter saido a segunda edição do Madame Pommery. Trabalhou na construção do dique de ilha das Cobras. 1923 - Escreve Prefácio do livro Vespeira de Moacyr Piza. Escreve uma crônica na revista A Maçã de 6 de janeiro com o título "Elogio da Cortesã" . 1925 - Publica seu primeiro livro técnico: Cimento armado - cálculo rápido e Lajes, vigas e pilares de cimento armado/ Sucede o Eng.Lino Sá Pereira, chefe da terceira seção técnica da Repartição de Águas e Esgotos. Projeta uma rede especial para irrigação da cidade de São Paulo, o observatório da Água Branca, a ponte da Móoca, o reservatório da Lapa, a reificação do Canal do Tietê. Exerce a chefia do escritório técnico da firma Siciliano & Silva e faz os cálculos e grandes estruturas como por exemplo do Mercado Municipal. 1926 - Escreve uma série de artigos contra a Criação de uma nova Comissão de obras sobre direção do Eng.Henrique de Novais . Estado de São Paulo:"O crescimento de São Paulo", 20/01/26, 22/01/26, 26/01/26, 29/01/26 1927 - Outra série de artigos no Estado de São Paulo com o título "Hidráulica por Decreto", 03/03/1927, 04/03/1927. 1937 - Casa-se em segundas núpcias com Maria Toledo Malta Ferraz. 1939 - Seu projeto da Barragem de Poço Preto em concreto recebe elogios e referências no Génie Civil de 22 de julho. É presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo no biênio de 1939-40. 1940 - Ocupa o cargo de Diretor interino da Repartição de Águas e Esgotos. Em setembro deste ano Leo Vaz publica na Revista da Academia Paulista de Letras um comentário crítico sobre Madame Pommery. 1941 - Aposenta-se da Repartição de Águas e Esgotos. Abre com alguns jovens engenheiros, o "Consultório de Engenharia Civil Ltda". Desta época até a sua morte traduziu a Seleta de Ensaios de Montaigne e as Odes de Horacio. 1951- No dia 1 de Novembro, dia de Todos os Santos , José Maria de Toledo Malta faleceu e foi enterrado no Cemitério da Consolação. 1952 - Em 26/06 no Diário de São Paulo João Pacheco escreve um artigo sobre o escritor José Maria de Toledo Malta sobre o título "Um romancista esquecido". 1961 - É publicado a primeira edição da Seleta dos Ensaios de Montaigne traduzida por José Maria de Toledo Malta e prefaciada por Leo Vaz. 1963 - Em 06/04 no Suplemento Literário do Estado de São Paulo, Naief Safady escreve um artigo sobre o Madame Pommery com o título "Paraiso Reencontrado" 1967 - Em 13/09 sai uma pequena nota no Estado de São Paulo sobre as iniciais L.M. O artigo comenta a obra Madame Pommery e sua contribuição para a história da cidade de São Paulo. 1976 - No livro Linguagem Virtual Mário Chamie faz uma das primeiras análises críticas da obra Madame Pommery aproximando-a do movimento modernista. É publicado na Revista Escrita um trecho da obra Madame Pommery. 1977 - Sai a terceira edição de Madame Pommery, publicada pela Academia Paulista de Letras e prefaciada por Osmar Pimentel. 1982 - 24/12 sai no Jornal da Tarde sobre o título "São Paulo nos braços de Mme. Pommery" , uma crítica à peça de Alcides Nogueira Pinto Madame Pommery 1985 - Ernani da Silva Bruno escreve um artigo para o centenário de Toledo Malta na Folha de São Paulo, 27 de março. 1993 - Sai publicada pela Fundação Casa de Rui Barbosa e Editora Unicamp a quarta edição do Madame Pommery. Bibliografia Geral - ADLER, Laure. Os Bordéis Franceses, São Paulo, ed. Companhia das Letras, 1991. - AGUDO, José. Gente Rica, São Paulo, ed."O Pensamento", 1912. - AMARAL, Amadeu. 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