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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Diagramação:
Correção:
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Organizadores:
Daphynny Pamplona
Yaiddy Paola Martinez
Amanda Kelly da Costa Veiga
Os autores
Edwaldo Costa
Suélen Keiko Hara
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
P964
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação
2 / Organizadores Edwaldo Costa, Suélen Keiko Hara.
– Ponta Grossa - PR: Atena, 2022.
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-258-0055-4
DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.554221103
1. Comunicação. I. Costa, Edwaldo (Organizador). II.
Hara, Suélen Keiko (Organizadora). III. Título.
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e-mails dos autores, bem como nenhum outro dado dos mesmos, para qualquer finalidade que não o
escopo da divulgação desta obra.
APRESENTAÇÃO
Este e-book lança um olhar para a Ciências da Comunicação, mais especificamente
sobre a produção do conhecimento. O segundo volume da obra “A produção do conhecimento
nas ciências da comunicação” explora questões epistemológicas e metodológicas acerca
da pesquisa de comunicação com base nas propostas de convergência e de sobreposição
de temas e metodologias que se fazem notar de forma crescente na literatura atual, tanto
por parte de pesquisadores da comunicação como das ciências sociais e humanas.
A obra é composta por 15 artigos que visam compreender os contornos que as
Ciências da Comunicação e seus componentes estabelecem entre si e com outras tessituras
sociais. Trata-se, portanto, de uma necessária atitude crítica diante do campo em toda a
sua complexidade, para mirar suas reconfigurações, seus atravessamentos e os sentidos
que os fatos comunicacionais e outros produzem na contemporaneidade.
Os autores abordam a comunicação estratégica, o jornalismo cultural, a ciência da
informação, a reverberação midiática, o conceito de equilíbrio de baixo nível, a propagação
de informações, os projetos Green Belt, a gestão de comunicação em tempos da Covid-19,
a comunicação pública, o conceito Amazônia pela cultura letrada regional, o estudo do caso
“Fabiane - a bruxa do Guarujá”, a história da comunicação, editoria política, telejornalismo
e um estudo de caso dos portais de notícias Metrópoles e R7. Do ponto de vista do campo
de pesquisa, os assuntos abordam uma configuração transdisciplinar.
Um dos objetivos deste e-book, volume 2, é continuar propondo análises e
discussões a partir de diferentes pontos de vista: científico, comunicacional, social. Como
toda obra coletiva, esta também precisa ser lida tendo-se em consideração a diversidade e
a riqueza específica de cada contribuição.
Por fim, espera-se que com a composição diversa de autores e autoras, temas,
questões, problemas, pontos de vista, perspectivas e olhares, este e-book ofereça uma
contribuição plural e significativa.
Edwaldo Costa
Suélen Keiko Hara
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. 1
HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO: NARRATIVAS E TEMPORALIDADES
Geraldo Pieroni
Aline Cristina Pires
Augusto Puga
Débora Rosenente
Fábio Ricardo Gioppo
Gisele Filippetto
Júlio Rigoni Filho
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211031
CAPÍTULO 2 ...............................................................................................................22
A COMUNICAÇÃO EXTERNA E A COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA NA GESTÃO DA
IDENTIDADE ORGANIZACIONAL
Layana do Amaral Rios
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211032
CAPÍTULO 3 ...............................................................................................................34
ASPECTOS GERAIS DA TRASNFERÊNCIA DE TECNOLOGIA EM BIOTECNOLOGIA NO
BRASIL: UMA ABORDAGEM DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Francisco Carlos Paletta
Thiago Negrão Chuba
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211033
CAPÍTULO 4 ...............................................................................................................57
SER CURTIDO E APROVADO OU DESCURTIDO E APAGADO? UM ESTUDO DE CASO
DOS PORTAIS DE NOTÍCIAS ON-LINE METRÓPOLES E R7
Iasmim Santos
Andréa Souza
Daniela Ribeiro
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211034
CAPÍTULO 5 ...............................................................................................................72
A ATUAÇÃO DO PORTAL DE NOTÍCIAS ‘A CIDADE ON’ NO ÂMBITO DO JORNALISMO
CULTURAL EM CAMPINAS
Letícia Cristina Sobrinho
Maria Lucia De Paiva Jacobini
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211035
CAPÍTULO 6 ...............................................................................................................83
CONSULTÓRIO NO AR: COMO A AUDIÊNCIA SE APROPRIA DOS CONTEÚDOS DOS
PROGRAMAS DE SAÚDE NO RÁDIO
Elane Gomes Santos Coutinho
Valdinei Trombini
SUMÁRIO
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211036
CAPÍTULO 7 ...............................................................................................................94
FATORES DE COMUNICAÇÃO QUE CONTRIBUÍRAM PARA O SUCESSO DE PROJETOS
GREEN BELT
Juliana Regina Galvão Reis
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211037
CAPÍTULO 8 .............................................................................................................108
GESTÃO DE COMUNICAÇÃO EM TEMPOS DE COVID-19: O CASO DE ESTUDO DE
UMA EMPRESA MOÇAMBICANA
Catarina Winnie Santos Garrido
Felipe Miranda de Souza Almeida
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211038
CAPÍTULO 9 .............................................................................................................129
COMUNICAÇÃO PÚBLICA E DESINFORMAÇÃO EM SAÚDE: ANÁLISE DAS
ESTRATÉGIAS COMUNICACIONAIS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NA COBERTURA
DA CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO CONTRA A POLIOMIELITE E CONTRA O
SARAMPO DE 2018
Johnny Ribas da Motta
Nelia Rodrigues Del Bianco
https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211039
CAPÍTULO 10...........................................................................................................158
NOTAS SOBRE A INCORPORAÇÃO DO CONCEITO AMAZÔNIA PELA CULTURA
LETRADA REGIONAL
Luís Francisco Munaro
https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110310
CAPÍTULO 11 ...........................................................................................................172
FOGUEIRAS INQUISITÓRIAS NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: ESTUDO DO CASO
“FABIANE, A BRUXA DO GUARUJÁ”
Bárbara Carolina Rodrigues Marques
https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110311
CAPÍTULO 12...........................................................................................................183
EQUILÍBRIO DE BAIXO NÍVEL: UM PANORAMA BIBLIOMÉTRICO DAS PUBLICAÇÕES
DE MAIOR FATOR DE IMPACTO
Cícero Pereira Leal
Rogério Galvão de Carvalho
José Antônio Rodrigues do Nascimento
Kleydson Jurandir Gonçalves Feio
https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110312
SUMÁRIO
CAPÍTULO 13...........................................................................................................197
A EFETIVAÇÃO DO IGNORANCIALISMO POR MEIO DA REVERBERAÇÃO MIDIÁTICA
Álvaro Nunes Larangeira
Tarcis Prado Júnior
https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110313
CAPÍTULO 14...........................................................................................................210
POR TRÁS DA EDITORIA POLÍTICA DO JORNAL O ALTO URUGUAI (DE 1995 A 2005)
O QUE FOI NOTÍCIA NOS 11 ANOS DE MUTISMO POLÍTICO
Lana D’Ávila Campanella
https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110314
CAPÍTULO 15...........................................................................................................238
A HISTÓRIA E OS DESAFIOS DO TELEJORNALISMO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Edwaldo Costa
https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110315
SOBRE OS ORGANIZADORES .............................................................................252
ÍNDICE REMISSIVO .................................................................................................253
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO: NARRATIVAS E
TEMPORALIDADES
Data de aceite: 01/02/2022
Geraldo Pieroni
Doutor pela Université Paris-Sorbonne (Paris
IV). Professor de História da Comunicação no
PPGCom/UTP (Mestrado e Doudorado)
Aline Cristina Pires
Mestranda do Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Linguagens da Universidade
Tuiuti do Paraná
Augusto Puga
Mestrando do Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Linguagens da Universidade
Tuiuti do Paraná
Débora Rosenente
Mestranda do Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Linguagens da Universidade
Tuiuti do Paraná
Fábio Ricardo Gioppo
Doutorando do Programa de Pós-graduação
em Comunicação e Linguagens da
Universidade Tuiuti do Paraná
Gisele Filippetto
Mestranda do Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Linguagens da Universidade
Tuiuti do Paraná
Júlio Rigoni Filho
Mestrando do Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Linguagens da Universidade
Tuiuti do Paraná
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
RESUMO: A História desde que contada, passou
continuamente por transformações de foco,
atenção e de compreensão. A discussão sobre
espaço e tempo são pontos fundamentais para
o ensino de História e fazem parte do nosso
cotidiano, contribuindo para a compreensão
do que se dá no mundo, das tensões, das
rupturas e das continuidades. A História da
Comunicação torna-se ainda mais respeitável
com o processo acelerado do desenvolvimento
e do enriquecimento das novas tecnologias da
informação e, ao que tudo indica um novo período
histórico da civilização humana: a sociedade da
informação.
PALAVRAS-CHAVE: História, Comunicação,
civilização.
ABSTRACT: History, since being told, has
undergone continuous transformations in focus,
attention and understanding. The discussion
about space and time are fundamental points
for the teaching of History and are part of our
daily life, contributing to the understanding of
what happens in the world, of tensions, ruptures
and continuities. The History of Communication
becomes even more respectable with the
accelerated process of development and
enrichment of new information technologies
and, it seems, a new historical period of human
civilization: the information society.
KEYWORDS:
History,
Communication,
civilization.
Capítulo 1
1
HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO: UMA PREMISSA ACERCA DE NARRATIVAS E
TEMPORALIDADES
A História desde que contada, passou continuamente por transformações de foco,
atenção e de compreensão. A discussão sobre espaço e tempo são pontos fundamentais
para o ensino de História e fazem parte do nosso cotidiano, contribuindo para a compreensão
do que se dá no mundo, das tensões, das rupturas e das continuidades.
A História da Comunicação torna-se ainda mais respeitável com o processo
acelerado do desenvolvimento e do enriquecimento das novas tecnologias da informação
e, ao que tudo indica um novo período histórico da civilização humana: a sociedade da
informação.
A dimensão espaço-temporal se modifica no espaço virtual, trazendo para o ensino
de História um novo tipo de espacialidade e de temporalidade, por meio do conceito de
ciberespaço, no qual o espaço é destituído de dimensão (REINATO, 2006). Por sua vez, o
tempo sensível em que transitamos nesse ciberespaço, ainda que o faça de forma virtual, é
marcado pelo fato de que vou de um espaço ao outro sem sair da frente do meu computador
em tempo palpável e sem sair de casa. Há a construção de um mundo espacial paralelo e
de uma nova forma de experiência temporal.
Esta experimentação do virtual é uma nova forma de vivência que emerge na cultura
contemporânea das comunicações. É, para Pierre Lévy, a manifestação mais acentuada e
apenas uma das dimensões de uma alteração antropológica de grande amplitude (LÉVY,
1990). Para, Agamben,
A contemporaneidade, é uma singular relação com o próprio tempo, que
adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente,
essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e
um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que
em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos
porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o
olhar sobre ela (AGAMBEN, 2009).
Mediante aos desafios contemporâneos, Marialva Barbosa (BARBOSA, 2013)
corrobora que só é possível proferir uma história da comunicação avaliando as épocas e
os meios abarcados pelas relações humanas. Vai além de uma história que se incide na
cronologia veloz das tecnologias, mas adentra nas complexas práticas culturais humanas.
O “presente perpétuo, esta percepção de que estamos inseridos no universo
contemporâneo da formulação de um inédito regime de historicidade localizado no
presente.” (HARTOG, 2014). O presente se consome na ação imediata acelerada pela
contínua mudança, uma espécie de presentismo infindável (HARTOG, 2014). Todo e
qualquer instante “se transforma em tempo de frenesi que dura continuamente” (BARBOSA,
2017). Este continuado tempo nos meios de comunicação “é marcado pelo fluxo contínuo da
informação, instaurando um tempo novo governado pela lógica do ininterrupto” (BARBOSA,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 1
2
2017).
Diante disto, há um vasto campo de possibilidades de estudos, discussões e análises
referentes aos novos desafios contemporâneos impostos à História da Comunicação. Novos
objetos, novos problemas, novas perspectivas dentre os quais, se inserem os estudos que
se seguem. Boa leitura!
A CONVERGÊNCIA DA TV COM AS REDES SOCIAIS EM TEMPOS DE
PANDEMIA
O presente texto tem relação com a pesquisa de mestrado de mesmo tema e
apresenta as combinações de recursos no âmbito comunicacional que envolvem a
convergência entre os meios televisão e redes sociais. As conexões atuais e a efetividade
de seus resultados. Novas palavras e termos são utilizados em tempos de pandemia, novas
formas e meios, novos insumos, sejam eles tecnológicos ou humanos, estes que estão
por trás das novas ferramentas e precisam imediatamente reinventar-se. Trata-se de uma
transformação cultural repentina e acelerada por conta do contexto ‘pandemia’, ocorrida a
partir do mês de março do ano de 2020.
Ora ouve-se que não há tecnologia positiva sem a presença da figura humana, ora
ouve-se que a figura humana é o objeto de grande expressividade e melhores resultados.
Isto exposto, este texto objetiva avaliar e entender a relação da comunicação sob o tema ‘A
Convergência da TV com as redes sociais em tempos de pandemia’.
“A convergência não ocorre por meio de aparelho, mas dentro do cérebro dos
consumidores” (JENKINS, 2009).
Este artigo é de extrema importância para fundamentar o âmbito comunicacional,
no que permeia o uso de tecnologias associado à figura humana. Busca a união desses
fatores de modo a permitir que se conclua o grau de importância e relevância para a prática
da comunicação contemporânea através da convergência entre meios. Existem inúmeros
artigos e análises a respeito do tema “convergência”, porém não especificamente com a
combinação de análise aqui proposta: tv, redes sociais e o contexto de pandemia.
Qual é a efetiva e concreta relação entre a tecnologia e o ser humano, quando
inseridas no contexto comunicacional em tempos de pandemia? Como a televisão
converge com as redes sociais em tempos de pandemia? Uma vez que há a necessidade
de comunicação imediata, full time. Esta questão visa solucionar o entendimento dos
fatores necessários e atuais intitulados como tecnologia & humanização, seus resultados,
a conectividade e importância de cada um desses insumos. Bem como investigar como se
dá o processo de comunicação entre esses agentes quando expostos à convergência dos
meios televisão e redes sociais.
Como exemplificação do que ocorre atualmente, avalia-se a nova arquitetura de
marcas do Grupo Globo e sua campanha publicitária denominada ‘100 Milhões de Uns’
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 1
3
bem como a motivação para esta mudança e sua origem iniciada via convergência da TV
com as redes sociais em tempos de pandemia, além das motivações políticas e sociais
contemporâneas envolvidas.
A mudança se dá também no sentido de que, se o produto TV apresenta socialmente
algum tipo de resistência ou rejeição por parte de um determinado público, de uma fatia
de público, então a ideia é alterar o produto para manter aquele público consumidor. Se
um telespectador, por exemplo, faz uso da #globolixo, refere-se ao produto: televisão.
Portanto, se a marca diz a ele somos ‘100 Milhões de Uns’ e possuímos inúmeras marcas
que compõem a marca guarda-chuva Globo, então ele poderá entender que não deve
generalizar e entenderá que assim deve consumir algum outro produto, já que devido a
questões políticas e sociais momentâneas não se identifica mais com o produto inicial:
televisão. A leitura esperada seria algo como: não consumo a TV Globo, portanto consumo
a plataforma de streaming Globoplay, por exemplo. Vejamos a alteração realizada na marca
Globo:
Imagem 1 – Nova logo da Globo
Fonte: Meio e mensagem, 2021.
Observe o elemento visual que ilustra a letra l, mais espesso, quase de forma lateral,
de modo a remeter a um aparelho celular. O que faz alusão e referência à convergência da
TV com as redes sociais. Uma conectividade voltada para o mobile first, conceito aplicado
para o uso de dispositivos móveis.
Vejamos uma notícia sobre o ajuste de marca:
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 1
4
Imagem 2 – Manchete da matéria da revista Meio e Mensagem
Fonte: Meio e Mensagem, 2021.
Uma vez que a emissora usa a estratégia de adaptação de logomarca, entendese que busca algo novo, no sentido de desmembrar-se de um público já existente. Atua
estrategicamente na busca por uma segmentação mais detalhada de público. Um público
cada vez mais individualizado, daí o uso do slogan ‘100 Milhões de Uns’. Quando aplica
sua marca de forma mais voltada para a rede social, demonstra que está ‘antenada’ e
possui convergência entre o que inicialmente é, no caso TV, com o que pode contemplar
também, no caso, as redes sociais.
A notícia publicada pelo jornal Meio e Mensagem apresenta a seguinte frase: “Com
o nome de “Milhões de Globos”, ação destaca a variedade dos conteúdos da empresa e
a forma personalizada com que cada espectador pode consumi-lo. Segundo Nöth (1990,
p.480), a “divisão mais fundamental de signos” de Pierce – entre ícone, índice, símbolo –
tem sido repetidamente aplicada na publicidade. “Os símbolos aparecem em nomes de
marca e em logotipos visuais” (apud SANTAELLA, 2017, p. 106).
Para concluir, trata-se de uma estratégia muito utilizada na propaganda. Quando um
produto não é bem aceito entre os consumidores, muda-se a estratégia de comunicação.
Obviamente que, na tentativa de manter o público através de nova linguagem, nova
roupagem, novo signo. Se a marca não agrada a todos, então passa a ser para ‘100 Milhões
de Uns’. O que é claramente ocasionado pela convergência da TV com as redes sociais,
em tempos de pandemia.
REDE DE ÓDIO: QUANDO A FICÇÃO DISTÓPICA CONFUNDE-SE COM A
REALIDADE E A DESINTEGRAÇÃO DAS LIBERDADES
Resumo do Filme The Hater, ‘Rede de Ódio’, título em português, dirigido por
Jan Komasa e escrito por Mateusz Pacewicz, lançado em março de 2020, que conta a
história do estudante Tomek ou Tomala, expulso por plágio da Universidade de Varsóvia,
com visíveis problemas de autoaceitação e ressentimentos críveis, o qual torna-se um
disseminador, através de seu trabalho, de fake news em redes sociais destruindo
reputações e conduzindo ao caos uma eleição para a Prefeitura de Varsóvia, entre dois
candidatos polarizados. O fenômeno abordado no filme tem um pano de fundo mundial,
com diversos eventos que simbolicamente são erigidos ao longo dos últimos anos, e um de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 1
5
seus principais foi a eleição de Donald Trump em 2016, bem como a saída da Inglaterra do
Brexit, onde manifestaram ações de terrorismo digital e ataques sistemáticos ao sistema
democrático, desinformando para destituir e confundir processos democráticos, induzindo
comunidades inteiras paralelamente ao medo e a distensão das relações institucionais. O
filme aborda o colapso de um jovem, o caos da polarização e dos vieses étnico-sociais tão
atuais na Europa. Mas o que deve ser uma discussão necessária é como pessoas comuns
aderem ao emaranhado de ideias ou ideologias falseadas e produzidas pelo autoritarismo?
De fato, em Hume (1752, p.36) observamos que “o homem é um ser racional, ele busca
continuamente a felicidade, que espera para satisfazer alguma paixão ou afeição, ele
raramente age, fala ou pensa sem propósito ou intenção”.
Mas o interessante é o fato de que a democracia, é a garantia de liberdade na
coletividade e na equidade dos atos políticos, porém, diante dos fatos históricos subjacentes
ao passado, temos uma revolta contra o sistema democrático no qual Carvalho (2020, p.3)
afirma:
não é surpreendente, portanto, que, em paralelo aos ataques ao espaço
cívico, estejamos vendo um declínio das democracias, em quantidade,
qualidade e integridade. É importante lembrar que a democracia não é uma
ideia nova, remonta da Grécia antiga. Entretanto, sua implementação, como
a conhecemos hoje, é mais recente, desde o século XVIII, com a Constituição
Americana de 1787 – a primeira constituição democrática do mundo. No
período de dois séculos (XIX e XX), a democracia se espalhou de um, para mais
de 100 países. Ela também sofreu reveses ao longo do caminho e continua,
até hoje, a enfrentar resistência. Entretanto, segue sendo o melhor sistema de
governo para gerar crescimento e melhorar o bem público em comparação
com as alternativas conhecidas — seja o governo de reis, teocracias,
ditaduras ou autoridade tribal. Foi Samuel Huntington quem popularizou a
ideia de que a democracia se desenvolveu em diferentes ondas e descreveu
as três principais. Francis Fukuyama previu em seu artigo de 1989 intitulado O
fim da história a quarta onda democrática e a vitória das democracias liberais
e do capitalismo.20 Mas, em 2017, ele reconheceu que o mundo estava indo
de uma “recessão democrática” para uma “depressão democrática”. Assim,
a questão fundamental no momento é se esse declínio é apenas um desvio
da quarta onda ou uma decadência terminal das democracias (CARVALHO,
2020, p.3).
Em uma sociedade que celebra o advento e vitória da tecnologia e da superação
veloz dos limites da comunicação, o filme nos atemoriza com prototerroristas que podem
estar instalados em quaisquer lócus, basta que sua habilidade técnica seja tão grande
quanto seu ressentimento, que entorpecidos por organizações que não se pautam pela
ética os arremessam ao terror digital, bastando cinco ou mais contas de rede sociais e um
compartilhamento múltiplo para contribuir com a erosão da democracia.
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Imagem 3: Fake ers compartilhadas em quatro mídias sociais.
Fonte: Gomes; penna e arroio (2020, p.8).
Na narrativa do filme, temas como tribalismo, nacionalismo e autoritarismo, são
entremeados com uma realidade de uma família burguesa e socialista que milita pela
liberdade e democracia, em contradição com o comportamento do personagem Tomek, um
nítido obcecado e rejeitado pela filha do casal Kruzack (que o considera um pária social
enquanto ele não se empodera), atua em uma agência de marketing, a qual promove por
ofício, a disseminação de fake news e lá o jovem encontra o meio de destilar seu ódio
gerando ressentimento, medo e incitando nas redes sociais com motes, desinformações
em contas falsas de redes sociais. O medo da falta da democracia abala a sociedade,
a qual diante da soberba de algumas instituições e políticos, saqueando seu conforto e
anomia, fica evidente que, a sociedade do pós-guerra estava desacostumada ao debate
polarizado e baseou se na ilusão da guerra fria sem perscrutar o risco do autoritarismo.
Notei que, em alguns momentos do filme, personagens vão às lágrimas diante da violência
dos protestos que estão ocorrendo, ou se explica por Chomsky (2013, p.33): “Como a
domesticação do rebanho desorientado nunca é perfeita, a batalha é permanente”. Somos
vítimas? Ou desatentos?O personagem, a empresa, o ressentimento e a política (muito
menos importante para a persona de Tomek) conectam a motivação fundamentada na
psicopatia aparente dele, que se serve do cenário de caos político interno e manipula de
forma dicotômica todas as esferas sociais em que atua bem como as destrói, aos outros
e a si.
Quantos aos cidadãos, com suas fixações e recalques, já teorizados em Freud,
temos uma massa de “personagens como Tomek, e suas dicotomias não mais o homem
massa ou as facções, mas a ameaça não tem origem, segundo Empoli (2019, p.167): “Na
era do narcisismo de massa, a democracia representativa está em risco de ser ver na
mesma situação que os gatos pretos”.
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Política quântica é um fator sumariamente preponderante na democracia em
declínio e na disseminação da pós-verdade, em que robôs escrevem textos inteiros por
uma leitura e confecção randômica, criando a notícia mesmo que inexistente. A verdade
é uma versão, um factóide, uma produção mnemônica reproduzida dos computadores
pessoais às ruas, e o filme exemplifica isso na organização simultânea de duas passeatas
polarizadas executadas pelo mesmo personagem, em seu surto de loucura. Frágil, é o
nome de nosso destino quanto à democracia?
Pesquisa efetuada, utilizando embasamento bibliográfico e de análise de artigos
acadêmicos, artigos de revistas e periódicos e análises de articulista de relevância e lisura
intelectual.
IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19 NO SETOR AUDIOVISUAL
O setor audiovisual vem sofrendo diversas modificações ao longo dos anos, desde
novas tecnologias até o modo de exibição das produções. A cada ano o setor se atualiza e
cria novas estratégias, sempre procurando melhorar as produções e se adaptar às novas
realidades do mundo. Mas o grande salto das produções, nos últimos anos, aconteceu com
a chegada da pandemia de Covid-19, que afetou o mundo nos mais diversos setores.
Pesquisadores da Universidade de Kent, no Reino Unido, em um artigo publicado
pelo jornal científico PLOS Pathogens, afirmaram que com a utilização de métodos da ciência
da conservação, estima-se que “o Sars-CoV-2 apareceu pela primeira vez entre o início de
outubro e meados de novembro de 2019” (REUTERS, 2021) na China. Porém este não foi
o primeiro caso deste tipo de vírus no mundo, o coronavírus (CoV) faz parte de uma grande
família viral, conhecido desde os anos 1960, “já os primeiros casos de SARS associadas
ao coronavírus (SARS-CoV) foram relatados na China em 2002” (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2014). O vírus se disseminou rapidamente para mais de doze países: América do Norte,
América do Sul, Europa e Ásia. Foram infectadas mais de 8.000 pessoas e causou a morte
de aproximadamente 800, esta epidemia de SARS foi controlada em 2003. Em abril de
2012, foi descoberto outro coronavírus distinto do anterior, que foi identificado inicialmente
na Arábia Saudita e, posteriormente, em outros países do Oriente Médio, na Europa e na
África. A doença passou a ser chamada de Síndrome Respiratória do Oriente Médio, e
difundida pelo mundo através da sigla MERS, que vem do inglês Middle East Respiratory
Syndrome, isso porque todos os casos identificados fora da Península Arábica viajaram ou
tiveram contato com viajantes de países do Oriente Médio, como Arábia Saudita, Catar,
Emirados Árabes Unidos e Jordânia. O Coronavírus associado à MERS, passou a utilizar
a sigla MERSCoV (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Nenhum desses casos foi tão grave
quanto à pandemia de Covid-19.
Desde o surgimento do novo Sars-CoV-2, em 2019, ocorreram e ainda ocorrem
diversas mudanças no mundo. Sendo assim, na indústria audiovisual não seria diferente,
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logo ela precisou se adaptar. Muitas práticas comuns em sets de filmagens foram alteradas.
Diversos protocolos de segurança foram implementados para a segurança de toda a equipe
de produção, atores e demais funcionários.
Nos estúdios Globo, por exemplo, as gravações de suas produções inéditas foram
suspensas por mais de 5 meses em 2020 e, ao retornar, aconteceram em etapas, núcleo
a núcleo. Evitando assim que atores e equipes de outros núcleos se misturassem e
aumentassem as aglomerações. Nos sets de gravação, apenas as pessoas estritamente
necessárias estavam presentes (NEBLINA, 2020). Além de usar máscaras, álcool gel e
fazer o exame, as cenas de beijos requereram que os atores ficassem em quarentena
antes das gravações. Outra mudança foi a inserção de placas de acrílico entre os atores,
retiradas na edição, tanto nas cenas de beijos quanto nas cenas com interações mais
próximas, como mostra a imagem 04.
Fonte: Galdino, Melissa. (2021).
Imagem 04 - Interação dos personagens Fiona e Téo, na novela Salve-se Quem Puder, com a inserção
de placa de acrílico entre os atores.
A rotina da categoria mudou totalmente e foi fortemente afetada. Não somente na
produção dos materiais, mas também na forma como as produções são consumidas pelos
telespectadores. Impactando até famosas premiações como o Oscar, que precisou adaptar
várias de suas premiações para o novo cenário. Uma das grandes mudanças na premiação,
em 2021, foi a data dos filmes nomeados, que passou de 01 de janeiro a 31 de dezembro
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para 01 de janeiro de 2020 a 28 de fevereiro de 2021. Porém a maior mudança de todas
foi a admissão de filmes que não foram lançados inicialmente em salas de cinema, mas
sim diretamente em streamings e vídeos on demand. A única exigência era o lançamento
também no sistema exclusivo do Oscar dentro de 60 dias do seu lançamento oficial. Esta
mudança ocorreu depois de 92 edições e até o momento é exclusiva para o evento de 2021
(HENRIQUE, 2021).
O cinema foi o mais afetado do ponto de vista comercial, afinal as salas de cinema
estavam fechadas até recentemente. Já os streamings tiveram grande crescimento em um
mercado em que as pessoas estão isoladas em suas casas. Fazendo com que gigantes do
cinema migrassem para plataformas como Netflix e Prime Vídeos, da Amazon. Outro bom
exemplo dessa migração é a Disney+ que está fazendo seus lançamentos, anteriormente
feitos exclusivamente em salas cinemas, na própria plataforma por um valor extra,
simultaneamente às salas de cinema.
O streaming que mais cresceu no Brasil durante a pandemia foi o Prime Video, da
Amazon, como aponta uma pesquisa da empresa NZN Intelligence. Sendo o streaming que
mais se aproxima da Netflix em termos de assinantes no Brasil, enquanto o primeiro tem
150 milhões de clientes, o segundo tem 195 milhões (VITORIO, 2020).
Com todas as mudanças que o mundo sofreu desde o início da pandemia muitas
práticas do mercado foram alteradas e não voltarão a ser como antes. Diversos avanços
que já vinham acontecendo foram acelerados e melhorados para garantir a qualidade das
produções e suas exibições. Os streamings que já estavam em ascensão no mercado
estão ainda mais consolidados. Provando que o cinema não é apenas uma sala, mas sim
uma experiência que pode ser vivida no conforto de suas casas. A mudança está aí e veio
para ficar.
A AÇÃO TEMPORAL E SUA INFLUÊNCIA NAS MUDANÇAS SOCIAIS DAS
PERSONAGENS DE A TERCEIRA MARGEM DO RIO
Há tempo para tudo debaixo do céu
- Eclesiastes
João Guimarães Rosa (1908-1967) é um escritor brasileiro, autor de vários livros.
Por mais que seu primeiro livro, lançado em 1946, tenho sido uma coletânea de contos
– Sagarana –, o maior destaque de sua obra, sem dúvida, é o romance ambientado nos
sertões de Minas Gerais, Goiás e Bahia: Grande sertão: veredas. Obra que retrata muito
bem a cultura do jaguncismo num distante Brasil, sertão a dentro, no meio do século XX. O
fio condutor da narrativa é a dúvida do personagem-narrador sobre um possível pacto com o
diabo, realizado com o propósito de se obter vantagem na busca da morte de Hermógenes,
o Judas. Contando a história para um interlocutor, que participa da conversa quase calado
o tempo todo, Riobaldo revela o amor que teve por um outro jagunço de nome Diadorim.
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A despeito do alcance desse potente livro de Rosa, o presente texto terá seu foco voltado
para um dos mais conhecidos contos roseanos: A terceira margem do rio, publicado no livro
Primeiras Estórias em 1962.
Mergulhando nos não-ditos desse conto, trataremos de perceber como se dão os
movimentos e transformações subjetivas e socioculturais na vida dos personagens. Que
mudanças podemos notar em suas relações com a sociedade da qual fazem parte, levando
em conta aspectos culturais que os ciclos do tempo oferecem a cada um de nós. Para
tanto, lançaremos mão dos estudos de Sorokin e Merton (1992) que reconhecem o tempo
como um elemento sociocultural, destacando que não só a natureza (rio que flui) marca a
noção de temporalidade (o que conduziria a uma concepção global do tempo), mas haveria
também a participação de grandes marcadores dos ritmos sociais, tais como ciclo familiar,
trabalho agrícola e ritos religiosos.
Imbuídos desse pensamento, temos o objetivo de relacionar estudos teóricos com a
obra literária e entendermos como o tempo influencia as ações dos personagens, e como
o pai da família estudada no conto subverte esses padrões, quebrando-os como se virasse
as costas para o mundo, para a família e para a sociedade que o cercava.
O tempo que não para poderia muito bem ser o mote do conto A terceira margem do
rio, de João Guimarães Rosa. Isso se confirmaria caso viéssemos a analisar essa hipótese
pelo olhar, principalmente, de dois personagens: o narrador-personagem e o pai deste. No
entanto percebemos marcas temporais que se evidenciam não só nos corpos dos outros
personagens, mas também de uma forma social devidamente estabelecida em instâncias
socioculturais, como, por exemplo, os negócios da fazenda, estudo, casamento. Não está
claro para o leitor do texto (nem mesmo para o narrador) a decisão de um pai de família,
que vive muito próximo às margens de um grande rio com mulher, dois filhos e uma filha,
em encomendar a construção de uma canoa e sobre ela viver o tempo final de sua vida
num entremeio terra-água-madeira-ar.
Quanto ao pai foi isto: decisão tomada, canoa pronta, vida no rio. Vida entre as
margens do rio, em uma tentativa de parar no tempo-espaço em cima da água, visto que
sua intenção não era subir nem descer o rio, nem voltar para casa, nem atravessar para
o outro lado da margem. Não houve quem o fizesse mudar de resolução: ficaria ali. Nem
família, nem alguns pescadores conhecidos com quem talvez tivesse encontrado no meio
do rio, nem autoridades, nem exército, nem jornal.
Estaria lá. Parado no tempo. Parado no espaço. Sua vida agora se ocupava de, tãosomente, remar a fim de controlar os movimentos da embarcação de tal forma que não se
deslocasse mais em direção alguma. Dentro daqueles espaços - canoa e entremargens –
permaneceria agora. Sendo castigado, sim, pela ação do tempo e da natureza. Queimado
do sol. Encharcado pelas tempestades. Açoitado pelos ventos. Corpo envelhecido e
decaindo-se pouco a pouco devido o passar do tempo.
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Pode-se depreender do texto que a vida, o tempo da vida, os anos, os meses, as
semanas, os dias, as horas e minutos se passaram para a filha, pois seguindo o ritmo
normal desse tempo-rio (se é que essa normalidade existe), ela decide se casar. Vemos
esse movimento, dentro da narrativa, configurando-se como a realização de uma instância
temporal balizada por normas sociais. Existe um ciclo na vida que devemos cumprir. Há
um padrão estabelecido naquela cultura, na cultura visualizada no enredo do conto, dessa
vontade de contrair matrimônio. Tanto é que a irmã do narrador prossegue a caminhada
e toma suas escolhas a partir, quem sabe, do exemplo que teve em casa. Com as rédeas
na mão, resolve formar outra família. Lança-se a esse propósito e cumpre sua sina. Agora,
com o marido, planejam mostrar ao pai, no rio, o filho que tiveram.
Notamos mais uma clara evidência dessa marcha constante do tempo, a qual
transforma a vida dessa personagem, pois agora, além de casada, ela materializa, em
algum ponto temporal de sua jornada, o desejo de ser mãe. E torna-se mãe. Ciclo normal,
aparentemente normal, visto que o narrador nada fala sobre algum percalço da gravidez
da irmã. Nove meses se passaram, e mais um homem vem ao mundo. Com a bênção do
Criador, frutificou e multiplicou. Quem sabe se esse menino seria o salvador da mãe, de sua
família? Pois portador da semente do avô, não seria capaz de unir as gerações, fazendo
com que o passado fosse esquecido e que um novo futuro viesse a acontecer? Será que,
avistando o neto, o qual é erguido pela mãe, às margens do rio, o remador muda de ideia
e resolve voltar ao tempo de sua casa? Essa, talvez, era a pergunta que a filha se fazia,
na tentativa de alterar o percurso das remadas do pai, agora que a vida-rio o tornara avô.
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O tempo não para, as plantações não deixam de crescer, assim como as ervas
daninhas; a lavoura necessita de cuidados, pois os ciclos das estações exigem que haja
o trabalho do dia a dia para que possa haver colheita a seu tempo. Da mesma forma, os
animais, o gado, as cabras, os porcos, as galinhas receberam uma ordem divina para se
multiplicarem, exigindo o trato de alguém entendido desses trabalhos. O tio do narrador é
chamado para essa incumbência. Desloca-se, então, no tempo e no espaço, convertendo
sua vida, agora, para outra direção. É afetado pela decisão do cunhado e vê-se na
responsabilidade de acudir sua família. Tratará dos negócios. Movimentando-se em uma
outra direção (talvez a contragosto), percebe que os tempos mudam: é hora de se deslocar
para diferente empreitada.
Os negócios... outra marca social (e temporal) presente no conto, a qual exige um
empenho de forças do ser humano com o objetivo de não se extraviar os talentos que se
recebem. Devem-se multiplicar os talentos, com trabalho e empenho, tal qual a parábola
narrada pelo Cristo nos Evangelhos. A oportunidade deixada de lado pelo remador,
agora está nas mãos de outrem. Esse trato da lavoura e com a criação dos animais,
aparentemente não tem tanta importância, no interior da narrativa. Entretanto vale ressaltar
a importância dada ao trabalho pelo autor do texto, revelando a prevalência do tempo e da
sua marcha constante que exige de nós uma tomada de decisão. Ao sermos intimados por
esse movimento, temos escolhas a fazer, resoluções a tomar.
Não obstante o pai tivesse decidido ir embora, os filhos não poderiam (não
deveriam) perder tempo sem escola, sem aprender. Não poderiam ficar sem estudo. Daí
a mãe chamar professor que desse conta de aproveitar o tempo de infância dos meninos
com a finalidade de ensiná-los algo útil. Spinoza diz que o bem é tudo aquilo que é útil, o
contrário é o mal. Não é o fito deste texto a temática do bem e do mal, mas percebemos
que a mãe deseja o bem dos filhos, ocupando o tempo deles com algo útil a ser feito. Por
isso o aprendizado formal a seu tempo. Outra marca cultural presente no conto – o estudo
- a qual revela a importância dada para esse ofício. Uns remam e não aproveitam o tempo,
outros estudam e dão valor a isso. O tempo não para para os que remam, nem para os que
estudam. Implacável.
O JAZZ NA TELA DO CINEMA – A INVISIBILIDADE DOS MÚSICOS – (IM)
POSSIBILIDADE DE REVELAÇÃO DAS RESPECTIVAS IDENTIDADES. A
PESQUISA DE DAVID MEEKER SOBRE O JAZZ NO CINEMA. O PASSADO
SEM ECOS QUE A TODOS ATINGE.
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Imagem 06 - Duke Ellington
Fonte: Erich Auerbach/getty images, 19-02-1967
O jazz e o cinema são contemporâneos, nasceram praticamente ao mesmo
tempo e enfrentaram dificuldades, desafios e provações até serem socialmente aceitos e
definitivamente incorporados à arte e à indústria do entretenimento. Historicamente, suas
trajetórias se entrecruzam e, ao encontrar-se, muitas das vezes fertilizam-se. Chama a
atenção, contudo, nessa união do jazz com o cinema, que muitos dos músicos de jazz, os
instrumentistas propriamente ditos, compositores, arranjadores, orquestradores, e outros
envolvidos com a produção musical cinematográfica tenham ficado no anonimato, sem
terem sido reconhecidos, e sem chance de talvez algum dia terem reveladas as suas
identidades.
A tela do cinema tem essa dívida, quiçá impagável e imprescritível com esses
músicos e com cada qual interessado neste conhecimento. Este reconhecimento da (in)
visibilidade dos músicos de jazz nas trilhas sonoras, assim como as consequências e
os prejuízos sociais desta conduta da produção fílmica, tem despertado o interesse de
estudiosos e pesquisadores.
O jazz, há mais de cem anos depois de seu surgimento, continua sendo uma música
de protesto contra qualquer forma de discriminação social e segregação racial e espiritual, ao
ponto de muitos músicos norte-americanos, sobretudo os afrodescendentes, interpretarem
esse protesto como uma luta racial (BERENDT e HUESMANN, 2014). Sem dúvida, o jazz
é isso também, mas não teria se tornado uma linguagem musical universal em 40 anos
após a publicação de St. Louis Blues (1914) se se tratasse somente da questão racial
(HOBESBAWN, 2019). Em resumo, o jazz moderno não é tocado apenas por divertimento,
por dinheiro, ou por requinte técnico: também é tocado como um manifesto – seja de revolta
contra o capitalismo e a cultura comercial, seja de igualdade do negro ou qualquer outra
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coisa. A arte do músico de jazz não é simplesmente tocar, mas sim criar linhas musicais
imaginativas e livres, que souberam ser muito bem utilizadas pelo cinema, que na maioria
das vezes deixou de revelar a identidade dos talentos.
No cinema, as aparições de faixas pretas cuidadosamente projetadas como
sequências independentes tornaram fácil excluir, por exemplo, personalidades como Lena
Horn, em muitas das suas performances na década de 1940.
É difícil afirmar exatamente quando e onde começa a história do jazz na tela
(MEEKER, 2019), porque, na medida em que avançam o tempo e as pesquisas, nosso
conhecimento também se modifica. A década de 1920, nos EUA, é tida como a era dourada
dos filmes mudos e é considerada The Jazz Age. Evidentemente, muitos músicos e grupos
de jazz foram os animadores do cinema mudo, tocando no set de filmagem. Neste mesmo
período, a música começou a atingir certa popularidade, a ponto de se tornar bem conhecida
mais tarde, quando as gravações de jazz pré-elétrico se tornaram itens de exibição padrão
nos balcões das lojas de discos e as bandas de jazz se tornaram centros do entretenimento
noturno de bailes e ocasiões sociais.
Também nessa época, a tela do cinema exibiu, em dezenas de filmes, números
incontáveis de dançarinas e de dançarinos que se moviam performaticamente ao som de
sucessivas bandas, assim como músicos individuais. Poucos músicos que ali trabalharam,
contudo, podem ser identificados. Uma exceção foi Liberty Sincopators, de Mutt Carey
(trompete) que toca para o casal de dançarinos em Legion Of Condemned (1928), com Joe
Darensbourg (clarinete), sem os devidos créditos, inequivocamente.
Até os anos 1950, todos os grandes estúdios de Hollywood adotavam a prática de
segregar os músicos de jazz por serem negros a grande maioria de seus expoentes. A
situação somente começou a se modificar lentamente com a escola de Nova Iorque a partir
de SHADOWS (1959) e THE CONNECTION (1961) que utilizaram o jazz nos filmes, de
forma diferente, como elemento psicológico, e pela postura de Quincy Jones, que em 1971
exigiu que os músicos que executassem sua partitura para The Hot Rock recebessem os
créditos em tela inteira.
Isso não impediu que THE GAUNTLET (1977), dirigido por Clint Eastwood, omitisse
os nomes dos responsáveis pelas tonalidades da partitura de Jerry Fielding e assim por
diante, como em BLAZING SADDLES (1974), onde a banda de Count Basie toca April
in Paris, mas quem aparece na tela são atores contratados para a performance. Em
Apocalypse Now (1979), dirigido por Francis Coppola, a percussão é de Airto Moreira,
com grandes performances vocais de Flora Purim, que simplesmente não aparecem nos
créditos.
Nos filmes, o jazz aproxima-se de 4.000 títulos, incluindo curtas-metragens,
desenhos animados, filmes estrangeiros, assim considerados os de origem não-norteamericana e programas de televisão disponíveis em filme.
David Meeker (2019), na busca de alcançar o impossível, construiu uma base de
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dados que já está na oitava edição da Editora Livraria do Congresso (Washington, DC,
2019), com mais de 2.000 páginas, tentando documentar o trabalho de cerca de 1.000
grandes figuras do jazz e do blues envolvidas em mais de 25.000 produções de cinema,
televisão e vídeo, quer o resultado do seu envolvimento nestes meios de comunicação
seja visível nas câmeras ou oculto, seja nos bastidores do grupo musical ou concernente à
produção, seja jazz ou não.
Ser é perceber e ser percebido, é ver e ser visto (GEORGE BERKELEY) ou ainda
nessa linha, ser é ouvir e ser ouvido. A identidade não revelada de um músico na tela, para
além de silenciá-lo, priva o espectador do acesso a esse patrimônio imaterial produzido
pelo cinema.
OS ANÚNCIOS DE PREVENÇÃO ÀS DROGAS NO SÉCULO XX
Esse texto adentra aspectos históricos da pesquisa de mestrado cujo objetivo é
compreender os sentidos das figurações do corpo em anúncios de prevenção às drogas.
Embora movimentos de repressão ao consumo de substâncias acompanhem a própria
história das drogas, destacam-se as propagandas para a conscientização, nas quais o
corpo humano é uma presença figurativa, visível ou invisível.
Mesmo que o jornalismo e as artes também possuam relatos sobre o uso de
substâncias, no aspecto dos anúncios de conscientização, essas iniciativas remontam ao
início do século XX, tendo como uma das justificativas básicas o avanço dos meios de
comunicação e a ascensão da comunicação persuasiva.
Nesta breve explanação, serão apresentadas as principais características de
alguns movimentos relevantes para a compreensão do corpo enquanto elemento central
das campanhas de propaganda para a conscientização ao uso e abuso de drogas. Tais
movimentos são: o combate ao tabagismo na Alemanha nazista, o combate ao alcoolismo
na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o movimento de guerra às drogas
encabeçada pelos Estados Unidos.
Inicialmente, ao refletir sobre a etimologia da palavra droga, para Carneiro (2002),
sua origem está no termo holandês droog, que ao longo dos séculos XVI ao XVIII remetia a
uma série de substâncias naturais empregadas na alimentação e na medicina. No aspecto
corpóreo, a droga constitui uma fonte de prazer e de consolo para as dores, sejam elas
físicas ou psíquicas.
Para o historiador, a partir do século XX, o uso de drogas é regulado pelo estado
junto a legislações próprias, tratados internacionais e dispositivos policiais, havendo ainda
uma distorção no preço e no lucro. Assim como o ‘drogado’, figuras como o ‘homossexual’,
o ‘alienado’ e a ‘ninfomaníaca’, ou seja, tipologias que classificavam comportamentos
considerados como patológicos de forma preconceituosa, explicitando a hegemonia
na exclusão dos indivíduos, são marcadores intensificados no século XX. Carneiro
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(2018) aponta que movimentos populares anteriores ao século XX pregavam ideias de
conscientização, como as ligas de sobriedade em países como Canadá e Estados Unidos.
Neste último, destacam-se as práticas industriais como o taylorismo e o fordismo, que
ocorrem junto ao puritanismo da Lei Seca, entre de 1920 a 1930, e a discriminação racial
de imigrantes, vistos como produtores de ópio e de maconha.
Na Alemanha do início do século XX, a indústria farmacêutica e química passa a isolar
os componentes de plantas, dando origem aos estudos e aplicações de novas substâncias.
Como explica Proctor (2018), é durante o nazismo que os fatores anti-eugênicos do tabaco,
enquanto elemento de poluição do sangue e da raça, tornam-se argumentos estatais para
o combate a droga. Diferente das campanhas antissemitas, na qual havia a construção
estereotipada de um inimigo comum, o argumento para a cessação do tabagismo envolvia
questões racionais, como o gasto monetário que o usuário tem com a compra constante da
droga. Curiosamente, esse argumento monetário ainda é perceptível em campanhas atuais
sobre o tabagismo.
Ao longo do século XX na URSS, principalmente no governo de Mikhail Gorbachev,
a partir de 1985 que a luta contra o alcoolismo ganha intensa veiculação de cartazes.
Há uma forte inclinação para aspectos políticos ligados a figuras do corpo inseridas nas
imagens soviéticas. Empregando o construtivismo russo, tais pôsteres compreendem o
corpo como a principal vítima do abuso do álcool, seja pela sua comparação explícita com
aspectos animalescos, como a comparação entre ‘porcos e bêbados’, seja também pela
solidão e abandono ao qual tal corpo é condenado devido às suas escolhas. A seguinte
imagem apresenta um exemplo de pôster veiculado:
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Imagem 7: Pôster soviético de combate ao alcoolismo.
Fonte: Portal UOL, 2021.
A condenação moral, no caso dos pôsteres soviéticos, engloba aspectos do trabalho,
ou seja, o corpo do trabalhador deve ser saudável e útil à labuta.
Retornando aos Estados Unidos, saindo do controle ao álcool e passando ao controle
de drogas consideradas ‘pesadas’ como a maconha, a cocaína e a heroína, a prática de
guerra às drogas torna-se política oficial do governo estadunidense a partir do final da
década de 1960 ao início da década de 1970, servindo de pretexto para a intervenção
política e cultural em diversos países. Tais práticas mostram a preocupação com a saúde
da juventude, sendo que grande parte das campanhas que incidem sobre o mundo na
atualidade tem como base esse princípio de defesa dos adolescentes.
Logo, pode-se considerar que há uma preocupação dos regimes de poder com a
manutenção do trabalho, ou seja, com a presença de trabalhadores saudáveis, que são
base dos sistemas econômicos. Entretanto, ao mesmo tempo, a indústria das drogas legais,
álcool e tabaco resiste, como forma de entorpecimento e amortecimento das mazelas
diárias enfrentadas pelos indivíduos, enquanto brecha para uma vida mais feliz. Assim, o
consumo de substâncias torna-se escalonar, sendo seu excesso alvo de combate intenso.
Enquanto registro de doença e do estigma ao qual os usuários de drogas estão
envoltos, é possível considerar que ao longo da história das imagens dos anúncios de
prevenção o uso de técnicas de visualização do corpo e de produção de imagens tornamse cada vez mais agressivas e invasivas. “Usam de artifícios, desvelam e exibem o que era
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invisível, escondido ou secreto” (MICHAUD, 2011, p. 546).
Em resumo, retomando as considerações de Carneiro (2002), enquanto item
presente nas culturas, a cultura das drogas manifesta-se de forma política, religiosa,
científica e estética, por isso o interesse em compreender os sentidos das figurações do
corpo.
REFERÊNCIAS
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Honesko. Chapecó: Editora Unochapecó: 2009.
BARBOSA, Marialva. História da Comunicação no Brasil. Petrópolis : Ed. Vozes, 2013)
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HARTOG, F. Regime de historicidade: presentismo e experiência do tempo. Belo Horizonte: Ed.
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LÉVY, Pierre. Les technologies de l’intelligence, l’avenir da la pensée à l’ère informatique,. Paris:
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REINATO, Eduardo José. Informática e educação: exemplificando uma experiência e uma inquietação
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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 1
21
CAPÍTULO 2
A COMUNICAÇÃO EXTERNA E A COMUNICAÇÃO
ESTRATÉGICA NA GESTÃO DA IDENTIDADE
ORGANIZACIONAL
Data de aceite: 01/02/2022
Layana do Amaral Rios
Universidade Nova de Lisboa
Lisboa - Portugal
http://lattes.cnpq.br/7276923922417759
1 | INTRODUÇÃO
São
inúmeras
as
transformações
ocorridas nas organizações ao longo do tempo
e a comunicação, que já foi interpretada
somente como transferência de informações,
torna-se cada vez mais protagonista como
RESUMO: O artigo busca fazer uma reflexão sobre
como a comunicação externa e a comunicação
estratégica podem atuar como instrumentos
para uma gestão satisfatória da identidade da
organização. A partir desta revisão bibliográfica,
chegou-se a uma melhor compreensão sobre as
principais ferramentas para a elaboração de uma
comunicação externa estratégica que irá incidir
na identidade organizacional.
PALAVRAS-CHAVE: identidade organizacional,
comunicação estratégica, comunicação externa.
ferramenta estratégica na gestão das empresas
e no relacionamento com os seus diferentes
públicos.
Nessa nova realidade, a identidade e
imagem organizacionais tornam-se importantes
expressões sociais para auxiliar o contexto
comunicacional das organizações. A forma como
a organização é percebida pelos seus diferentes
públicos pode ser um diferencial na escolha de
determinado produto por um cliente ou ainda,
impacta na imagem que os públicos têm daquela
EXTERNAL COMMUNICATION AND
STRATEGIC COMMUNICATION
IN ORGANIZATIONAL IDENTITY
MANAGEMENT
ABSTRACT: The article seeks to reflect on
how external communication and strategic
communication can act as instruments for a
satisfactory management of the organization’s
identity. From this literature review, a better
understanding of the main tools for the elaboration
of strategic external communication that will focus
on organizational identity has been reached.
KEYWORDS: organizational identity, strategic
communication, external communication.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
empresa o que, consequentemente, repercute
na reputação da organização. Por isso, é
importante que as organizações estejam sempre
reforçando as mensagens que fortalecem a sua
identidade perante os públicos.
A comunicação externa, por sua vez, é o
meio para que as organizações se relacionem
com todos os seus diferentes públicos que
estão fora dela. Os canais de comunicação
se ampliam a partir das novas ferramentas
tecnológicas e as necessidades dos públicos
também vão se transformando. A história ou a
responsabilidade social de um produto ou uma
Capítulo 2
22
marca, por exemplo, pode trazer um peso para a escolha pelo público, e a forma que essa
comunicação será feita é crucial para atingir os objetivos desejados.
Outro fator relevante para este cenário em constantes mudanças, tanto no que diz
respeito às organizações quanto à forma de se comunicar, é o elemento da estratégia
comunicacional. Esta, vai além do planejamento de comunicação, tem o foco no longo
prazo e nas questões mais fundamentais da organização, que caracterizam a identidade
organizacional.
O presente artigo aborda os conceitos de identidade, comunicação externa e
comunicação estratégica com base em uma revisão de literatura, sobretudo, dos trabalhos
de: Albert e Whetten (1985); Argenti (2014); Cornelissen (2004); Falkheimer e Heide
(2018); Hallahan et al. (2007); Kunsch (2006); Mintzberg (1983); e Van Riel e Fombrun
(2007). O objetivo é relacionar os três conceitos com vistas a obter instrumentos para uma
comunicação externa estratégica direcionada à gestão da identidade organizacional.
2 | IDENTIDADE ORGANIZACIONAL
Quando se fala em identidade, por uma perspectiva sociológica, geralmente
a pergunta que vem à tona para respondê-la é: “quem sou eu?”. Nas organizações, o
questionamento é o mesmo, porém não mais no singular e sim “quem somos nós?” enquanto
organização. Albert e Whetten (1985) foram os responsáveis pela definição seminal da
identidade organizacional, classificando-a por três características: a centralidade, que são
os atributos que definem a organização aos olhos dos seus membros; a distintividade,
que diz respeito ao diferencial em relação a organizações semelhantes; e a durabilidade,
ou seja, a sua capacidade de continuidade ao longo do tempo. Em outras palavras, o
conceito de identidade organizacional pode ser especificado como os atributos centrais e
duradouros de uma organização que a distinguem de outras organizações.
Posteriormente, Gioia et al. (2000) acrescenta um importante contraponto
complementar a definição seminal, no que se refere à durabilidade da identidade. Os
autores argumentaram que a identidade organizacional não é necessariamente duradoura,
mas é estável e fluida, podendo evoluir com o tempo, caso seja necessário.
Desde então, uma série de autores trazem diversos conceitos sobre a identidade,
que chegam até a ser antagônicos em alguns momentos, mas que vão se desdobrando em
pesquisas ao longo dos 36 anos após o primeiro conceito sobre o tema. Serão apresentados
aqui os conceitos de identidade organizacional, identidade corporativa e imagem. Todos
estão, de certa forma, relacionados com a base conceitual de Albert e Whetten (1985)
carregando nomenclaturas diferentes conforme os pesquisadores que os abordam.
Van Riel e Fombrun (2007) trazem uma abordagem com quatro tipos de identidade
organizacional. São elas:
Identidade percebida: o conjunto de atributos tidos como típicos da “continuidade,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
23
centralidade e singularidade” da organização aos olhos dos seus membros (conforme a
conceituação seminal da identidade organizacional).
Identidade projetada: as auto apresentações dos atributos da organização
manifestadas nos sinais implícitos e explícitos que a organização transmite para públicosalvo internos e externos por meio de comunicações e símbolos.
Identidade desejada (ou “ideal”): a imagem idealizada que os gerentes possuem do
que a organização poderia evoluir sob sua liderança.
Identidade aplicada: os sinais que uma organização transmite de forma consciente e
inconsciente por meio de comportamentos e iniciativas em todos os níveis da organização.
Cornelissen (2004) explica que nas empresas, a identidade organizacional é
frequentemente estabelecida pelos gerentes ou líderes para serem seguidas por eles
próprios e pelos demais membros da organização, sendo caracterizada por uma série
de valores, crenças e aspirações que comumente já estão sintetizadas na missão, visão
estratégica e na cultura corporativa mais geral da organização. O autor afirma que muitas
vezes na missão já existe uma declaração sobre as crenças que sustentam a gestão, a
estratégia e como a empresa deseja ser conhecida pelos grupos de fora dela.
Dentro da identidade organizacional, Cornelissen (2004) aponta para a existência de
uma identidade corporativa, que pode ser conceituada como a expressão de uma imagem
da organização para as partes interessadas (stakeholders) por meio de campanhas de
comunicação, comportamento dos funcionários e produtos e serviços.
Já Dowling (2016) descrevem a identidade corporativa como os símbolos e a
nomenclatura que uma organização usa para se identificar junto dos seus públicos, ou
seja, a totalidade dos meios visuais e não visuais de uma organização para se apresentar
a todos os seus públicos. Dessa forma, em ambos os conceitos, a identidade corporativa
gera uma imagem da empresa para os seus diferentes stakeholders.
Em suma, Cornelissen (2004) explica que a identidade corporativa deve ser
direcionada para uma construção que diferencie a posição e as ofertas de uma organização
aos olhos de grupos de stakeholders importantes, enquanto a identidade organizacional é
baseada em padrões mais profundos de significado e construção de sentido das pessoas
dentro da organização, que levam a valores compartilhados, identificação e pertencimento.
Mesmo fazendo uma conceituação separada de ambas, o autor afirma que identidade
organizacional e identidade corporativa devem ser vistas como “duas faces de uma mesma
moeda” na prática organizacional.
A identidade corporativa, que é projetada para os públicos externos, tem o objetivo
de alcançar reputações fortes e favoráveis, segundo Cornelissen (2004), por isso precisa
ser gerenciada, informada e orientada pela identidade organizacional, ou seja, pelos valores
centrais da organização (voltando ao conceito seminal de identidade organizacional). Ao
permear todos os diversos comportamentos, campanhas de comunicação e produtos
e serviços veiculados pela organização, há um envio consistente de mensagens que
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
24
geram também uma distinção que faz com que os públicos consigam reconhecer aquela
organização com mais facilidade.
Cornelissen (2004) afirma que a identidade ganha destaque no contexto de um
modelo de gestão estratégica de stakeholders. Uma identidade bem comunicada de forma
consistente traz o reconhecimento da organização, além de confiança com os públicos,
a partir da imagem mais clara que é transmitida pela organização. Internamente, uma
identidade forte também pode auxiliar no aumento de motivação entre os funcionários,
trazendo um sentimento de pertencimento e de identificação com a organização.
Conforme explica o autor, as organizações precisam vincular a identidade corporativa
– a imagem apresentada pela organização aos seus públicos – à identidade organizacional
– os valores que os próprios membros da organização atribuem a ela. Dessa forma, a
identidade corporativa é considerada como a auto apresentação ou manifestação externa
de uma organização que se baseia na filosofia, estratégia, cultura e visão da empresa, ou
seja, na sua identidade organizacional, o que na visão já exposta anteriormente de Van Riel
(2004) é considerada a identidade projetada.
Quem partilha de uma visão semelhante é Argenti (2014), porém segue pela
terminologia dos conceitos de identidade corporativa e imagem. Segundo ele, uma visão
corporativa inspiradora, uma marca corporativa cuidadosamente elaborada (com foco em
nomes e logomarcas) e uma auto apresentação coerente e integrada são aspectos que
contribuem positivamente para a identidade corporativa de uma organização.
Já a imagem, segundo Argenti (2014) é o reflexo da identidade de uma organização.
Como a organização é vista pelos seus diferentes públicos varia não somente pela identidade
corporativa transmitida pela organização, mas também pelas próprias percepções prévias
que o público pode ter antes mesmo de começar a interagir com a organização, seja pelo
segmento no qual a empresa pertence ou por informações de terceiros que já interagiram
com a empresa, ou de membros da organização, entre outros.
Dessa forma, a imagem corporativa é o resultado de processamento de informação
pelo público interessado e, portanto, influencia como esse público toma decisões e
atitudes em relação à organização. E por ser esse processamento de informações, esta
imagem está sempre sujeita a mudanças à medida que novas informações chegam e são
processadas pelos interessados. Portanto, cabe destacar que as organizações não têm o
poder de construir uma imagem corporativa uma vez que não há possibilidade de controlar
o contexto em que a organização é interpretada ou compreendida pelo público, no entanto,
destaca-se, novamente, a importância de uma identidade corporativa clara e bem gerida
para auxiliar estrategicamente na construção dessa imagem.
Cornelissen (2004) também atenta para a possibilidade de um indivíduo ter mais de
uma função de parte interessada (stakeholder) em relação a uma organização, portanto,
garantir o envio de mensagens consistentes pela organização evita potenciais problemas
que podem ocorrer quando mensagens conflitantes são enviadas. Um exemplo são os
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
25
funcionários, que podem também ser consumidores dos produtos da empresa para a qual
trabalham. Quando a organização não envia uma identidade consistente, isso ameaça as
percepções dos funcionários sobre a integridade da empresa: eles recebem uma informação
da administração, mas verificam uma mensagem diferente está sendo enviada ao mercado.
Fato é que com a maior competitividade do mercado e a semelhança de produtos
disponíveis, os consumidores passam a fazer distinções com bases em outros atributos
que não o produto em si, o que faz da identidade (e da imagem) um diferencial potencial.
3 | COMUNICAÇÃO EXTERNA
A comunicação externa é fator preponderante para o relacionamento entre a
organização e seus diferentes públicos. Kunsch (2006) afirma que foi na contemporaneidade
que a comunicação com um caráter mais corporativo e estratégico começou a ser visto
como fundamental, uma vez que somente o marketing isolado já não era suficiente para se
relacionar com os públicos de interesse.
Estes são cada vez mais exigentes e cobram das organizações
responsabilidade social, atitudes transparentes, comportamentos éticos,
graças a uma sociedade mais consciente e uma opinião pública sempre mais
vigilante. E, neste contexto, a comunicação passa a ser estratégica e a sua
gestão tem que ser profissionalizada e dirigida com competência. (KUNSCH,
2006, p. 172).
Argenti (2014) elenca quatro fatores para demonstrar a importância tão óbvia da
comunicação no século XXI: o primeiro é que vivemos no período mais tecnológico e
sofisticado em termos de comunicação. Tudo é transmitido simultaneamente e à velocidade
da luz. O segundo são as exigências do público em relação às organizações. Com toda a
informação disponível em um clique, o público torna-se mais sofisticado em sua relação
com as empresas e precisa de conteúdo relevante para tirar suas conclusões. Terceiro,
a forma como esse conteúdo chega é cada vez mais “bonita” que no passado. O design,
seja das publicações ou do próprio ambiente físico também é importante para passar a
mensagem aos públicos. Por último, as próprias organizações se tornaram tão grandes e
complexas que já não cabe mais somente uma pessoa atuando em determinada área ou
fazendo muitas funções superficialmente. É necessária toda uma estrutura para a gestão
da estratégia da comunicação.
Ambos os autores abordam a comunicação organizacional de uma forma geral,
mas são conceitos que estão relacionados, sobretudo, ao público externo, uma vez que a
comunicação envolve duas partes, a organização e o seu público que, em sua maioria, tratase de público externo, portanto, tais conceitos cabem como justificativa para importância da
comunicação externa dentro da comunicação organizacional. Os autores também utilizam
o termo estratégia, o qual será aprofundado no capítulo seguinte.
Comunicação externa pode ser definida como qualquer tipo de atividade de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
26
comunicação realizada por uma organização com o objetivo de informar, persuadir ou
simplesmente se relacionar com indivíduos ou grupos que estão do lado de fora dela
(CORNELISSEN, 2004). Dessa forma, a comunicação externa liga a organização a vários
públicos externos por meio de diversas formas e canais como, por exemplo, notícias,
publicidade, redes sociais, discursos públicos, inquéritos de opinião pública, podcasts,
entre outros.
Além das comunicações “por palavras”, a comunicação visual também faz parte da
comunicação externa. Instalações, marca, design, produtos e serviços e a forma como as
organizações se apresentam também comunicam causando efeito no público e contribuindo
para a percepção externa da organização.
Mais que transmitir informações ao público externo, é importante que a organização
conheça os seus públicos e use estas informações de forma planejada e estratégica.
Grunig e Hunt (apud FALKHEIMER & HEIDE, 2018), criaram a teoria situacional dos
públicos, que parte da premissa de que existem públicos que são criados espontaneamente
a partir de uma causa, ou um problema que os afetem ou de uma disputa entre uma
organização e seu entorno. Por exemplo: empresas alimentícias cujos produtos são
atacados por causarem obesidade, pressão para a diminuição da emissão de carbono
de determinada indústria para contribuir com a causa climática, entre outros. Os autores
definiram quatro públicos de acordo com o grau de engajamento e envolvimento no
problema:
Privados: grupos que não se afetam nem são afetados por um problema e, por isso,
não se envolvem.
Públicos latentes: grupos afetados por algum problema, mas não se envolvem. São
passivos.
Públicos conscientes: são grupos que estão cientes do problema e existe uma
possibilidade de agirem em relação ao problema, mas não há uma certeza de tal fato.
Públicos ativos: são grupos diretamente afetados pelo problema e que estão
fortemente engajados, por isso, traçam estratégias e táticas para agir em relação ao
problema, o que comumente significa enfrentar a organização considerada responsável
pelo problema.
Os públicos não são estáticos e as caracterizações podem ser consideradas
como etapas, portanto, é fundamental que a organização tenha conhecimento dos tipos de
públicos para não correr o risco de negligenciar públicos latentes e conscientes e ter que
lidar com um público ativo. Quando o público ativo desafia a organização o problema já foi
definido pelo público externo e há grandes possibilidades de uma crise ser instaurada.
Para atender à demanda das organizações em conhecer os diferentes stakeholders,
estar em sintonia com o que é discutido em nível governamental que possa afetar de
alguma forma os seus interesses ou dos seus clientes, gerenciar os públicos ativos e
as crescentes necessidades dos públicos externos, novas áreas de especialização nas
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
27
atividades de comunicação externa acabaram por surgir, com os public affairs (trabalho de
monitoramento e gerenciamento do ambiente da organização com o objetivo manter uma
reputação forte e um campo comum com os públicos), relações governamentais e relações
com os Investidores.
Mas de fato, por muito tempo a comunicação externa esteve associada
majoritariamente com as relações com a imprensa. Inclusive, a função de relações
públicas nasceu da necessidade das empresas melhor se comunicarem com seus
públicos, sobretudo, com a mídia, que acabava por ser a grande influenciadora dos demais
stakeholders. Argenti (2014) afirma que, no geral, o trabalho das relações públicas era de
impedir que a imprensa chegasse perto demais da gerência. “O antigo profissional de RP
deveria proteger a empresa contra publicidade ruim, em geral fazendo uma leitura positiva
de notícias prejudiciais” (p. 58).
Tal atividade foi se adaptando ao longo do tempo, surgindo novos campos e funções
dentro da comunicação e o que se percebe atualmente é que a comunicação externa já
deixou de ser majoritariamente as relações com a mídia. Não quer dizer que essa relação
com a imprensa tenha se tornado irrelevante, muito pelo contrário, a mídia ainda possui
papel fundamental, sobretudo, nos momentos de crise.
A relevância da mídia continua alta, no entanto foram as mudanças de acesso à
informação, com os blogs, seguidos das mídias sociais, podcasts, lives, entre outros, que
inclusive permitem a interação imediata entre o emissor e o receptor da informação, e
também as mudanças do comportamento do público, ávido por informações além do que
é transmitido nos noticiários e propagandas, que fizeram e ainda fazem com que mais
atividades especializadas sejam abarcadas pelo setor de comunicação de uma organização.
Argenti (2014) elenca uma lista de atividades de comunicação externa que uma
moderna equipe costuma desempenhar, que foi originalmente publicada pela diretoria de
comunicação da Corporate Executive Board, no relatório Resource Allocation Benchmarks
de 2010. São elas: “relações com os investidores; comunicações financeiras; relatórios
anuais; sites corporativos; propaganda corporativa; comunicações de marketing;
comunicações executivas; relações com a comunidade; relações com o governo; mídias
sociais externas; monitoramento de mídias sociais externas; monitoramento de reputação”
(p. 62). Além destas, há as consideradas atividades de comunicação diversas e que também
podem dizer respeito ao público externo, que são: “serviços gráficos ou criativos; medição
das comunicações; gerenciamento de eventos; responsabilidade social empresarial —
relatórios; responsabilidade social empresarial — programas; atividades de caridade e
doações; patrocínio corporativo; desenvolvimento da equipe de comunicações” (p. 62).
O leque é grande e, a depender do tamanho da equipe a desempenhar tais funções
e do objetivo da organização, é fundamental estabelecer uma estratégia que atenda às
necessidades organizacionais em consonância com os recursos disponíveis.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
28
4 | COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
Conforme apontam Falkheimer e Heide (2018), a comunicação estratégica tal
como conceito profissional e acadêmico é relativamente nova, tendo emergido nas últimas
duas décadas, tornando-se um termo constantemente utilizado por profissionais da
comunicação, políticos, executivos, além do meio acadêmico, que tem se debruçado sobre
o tema e lançado programas de especialização sobre o assunto. Assim como em outros
campos recentes das humanas, o conceito de comunicação estratégica também acaba
tendo múltiplas versões. Este trabalho buscará se focar nos conceitos que costumam ser
consenso entre a maior parte dos pesquisadores.
A comunicação estratégica pode ser definida como “o estudo de como as
organizações usam a comunicação propositadamente para cumprir suas missões gerais”
(FRANDSEN & JOHANSEN, 2017, apud FALKHEIMER & HEIDE, 2018, p. 62) ou ainda os
seus “objetivos organizacionais gerais e de longo prazo” (FALKHEIMER & HEIDE, 2018, p.
62). É uma comunicação informacional, persuasiva, discursiva e relacional quando usada
no contexto da consecução da missão de uma organização. Ou seja, uma das premissas
da comunicação estratégica é atuar de forma proposital em prol dos objetivos maiores da
organização, tornando-se importante para a existência, legitimidade e operações de uma
organização.
Argenti (2014) define comunicação estratégica como a que está alinhada à estratégia
geral da organização com o objetivo de desenvolver o seu posicionamento estratégico.
Para isso, uma estratégia eficiente busca enviar mensagens “claras, compreensíveis e
verdadeiras, comunicadas com paixão, e que sejam estrategicamente repetitivas e
repetidas, além de serem consistentes com seus diversos públicos” (p. 53).
É importante esclarecer que a comunicação estratégica é diferente da comunicação
planejada. Esta última está relacionada com uma comunicação projetada para responder às
necessidades de comunicação percebidas de públicos importantes e não efetivamente com
a missão da organização. Falkheimer e Heide (2018) afirmam que a comunicação planejada
é uma comunicação tática, geralmente baseada em uma mentalidade de comunicação
unilateral tradicional, onde pressupõe-se que emissor está no controle do processo de
comunicação e, segundo os autores, muitas das consultorias que utilizam o conceito de
comunicação estratégica na realidade estão oferecendo comunicação planejada.
Falkheimer e Heide (2018) sustentam que na comunicação estratégica, três
campos tradicionais da comunicação – relações públicas, comunicação organizacional e
comunicação de marketing – são integrados em uma estrutura única. E são nesses campos
que se concentram de diversas formas a comunicação orientada para os objetivos das
organizações. Segundo os autores, os estudos de pesquisa contemporâneos dentro dos
três campos tradicionais apontam que ainda há muito em comum no que diz respeito aos
desenvolvimentos sociais, culturais e político-econômicos da organização. A produção de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
29
compreensão, relações duráveis e uma identidade comum são objetivos comuns para a
comunicação das organizações.
O processo de formulação da estratégia de comunicação passa por etapas de
análise, intenção da estratégia, ação e avaliação. Para Argenti (2014), criar uma estratégia
de comunicação empresarial coerente envolve a análise dos públicos-alvo relevantes, a
definição da estratégia geral da empresa para a comunicação e uma boa transmissão das
mensagens. Além disso, é preciso analisar as respostas do público-alvo para determinar se
a comunicação foi bem-sucedida.
Dessa forma, a estratégia determinará como a organização pretende desenvolver
suas atividades durante um determinado horizonte temporal de modo a atingir os seus
objetivos. A estratégia, dentro do contexto organizacional, será as ações tomadas pelos
gestores para gerir a interação entre os seus públicos, ajudando a captar, transmitir e
interpretar informação ao meio externo, assim como representar a organização no exterior.
Ao desenvolver uma estratégia geral, as organizações precisam considerar o que
está manifestado nas suas declarações de missão e visão – elementos que compõem a
identidade desejada. Dessa forma, a organização evita repercussões futuras e reforça as
suas características identitárias perante os públicos. Outro fator relevante é que o CEO
seja a pessoa mais envolvida no desenvolvimento da estratégia geral de comunicação e na
transmissão de mensagens consistentes para o público-alvo. Os próprios CEOs acabam
por se tornar uma personificação da marca corporativa e são eles quem irão estar no
topo de toda essa comunicação estratégica, seja operacionalizando, seja comunicando
(ARGENTI, 2014, p. 66).
Falkheimer e Heide (2018) afirmam que a comunicação estratégica inclui todas as
formas de comunicação – interna e externa, formal e informal – que estejam em consonância
com os valores e visões gerais da organização. A comunicação estratégica deve ocorrer em
todos os níveis de uma organização.
Falkheimer e Heide (2018) afirmam que “fazer comunicação estratégica inclui a
exploração de necessidades, planejamento, formulação estratégica, intervenções de
comunicação, programas de comunicação e processos de comunicação” (p. 76).
A comunicação estratégica, portanto, não se limita às atividades dos profissionais de
comunicação. Ela envolve todos os setores de uma empresa, como Recursos Humanos,
os gerentes de diversos níveis hierárquicos, profissionais de marketing e o próprio contato
entre os funcionários e os diferentes públicos atendidos pela organização. Isso não significa
que todos esses membros da organização possuam uma mesma percepção da importância
da comunicação ou um nível de capacitação na área, por isso, cabe aos profissionais de
comunicação realmente atuarem como os especialistas da área e podem ser utilizados
como consultores internos para auxiliar no propósito global (Argenti, 2014).
Zerfass e Huck (apud FALKHEIMER & HEIDE, 2018) argumentam que a comunicação
estratégica como uma prática “molda o significado, constrói confiança, cria reputação e
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
30
gerencia relacionamentos simbólicos com as partes interessadas internas e externas, a fim
de apoiar o crescimento organizacional e garantir a liberdade de operar” (p. 75).
Portanto, é importante, no ato do planejamento, além de organizar as estratégias
da comunicação em si, alinhar como os profissionais de comunicação disponíveis na
organização poderão atuar como consultores das demais áreas, de modo a obter os
resultados estratégicos desejados.
5 | CONCLUSÃO
A partir dos conteúdos sobre identidade organizacional, comunicação externa e
comunicação estratégica abordados neste trabalho, algumas reflexões são feitas sobre
como a comunicação externa e a comunicação estratégica podem atuar como instrumentos
para a gestão da identidade da organização.
Inicialmente, é inegável que as características centrais, distintivas e duradouras da
identidade organizacional bem administradas são fundamentais para gerar uma identidade
corporativa e uma imagem positiva perante seus diferentes públicos, refletindo em uma boa
reputação no mercado em que atua.
Partindo da corrente de vários estudiosos de que “a organização é comunicação”
(KUNSCH, 2006, p. 167), ou seja, são indissociáveis, a comunicação vai ser a ferramenta
principal a transmitir as mensagens que irão gerir a identidade organizacional, assim como
identidade e imagem corporativas.
Como foi amplamente citado em todo o trabalho, essa comunicação, que é inerente
às organizações, vem se transformando com o passar dos avanços tecnológicos e das
mudanças de comportamento e de consumo dos públicos interessados. Dessa forma,
a comunicação externa passou a abranger uma série de atividades que outrora sequer
existiam, além de atuar diretamente com vários tipos de públicos que vão muito além da
imprensa.
Quando abordamos o conceito de comunicação estratégica já existe uma corrente
de mudança no formato de segmentar a comunicação externa da interna, uma vez que a
comunicação deve ocorrer em todos os níveis da organização e os funcionários devem ser
levados em consideração como aliados para a efetivação dessa comunicação estratégica.
Falkheimer e Heide (2018) sustentam que “usando uma abordagem de fora para dentro,
as comunicações podem ser organizadas e executadas de forma processual, em vez de
unidirecional” (p. 124).
Dessa forma, o que se constata que é a comunicação estratégica vem com a
proposta de integração de todas os tipos de comunicação já existentes dentro de uma
organização, no sentido de não desperdiçar esforços tendo as mesmas atuando de
forma isolada. Inclusive, o conceito da comunicação estratégica sai da esfera do setor de
comunicação e passa a ser desenvolvida por todos da organização, em diferentes níveis,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
31
o que vai demandar mudanças na forma de atuação do profissional de comunicação e da
posição desse profissional dentro da alta gestão, nesse contexto.
No entanto, a implantação de uma comunicação estratégica tem os seus desafios
dentro das empresas. O primeiro deles é a alta administração realmente colocar a
comunicação na cúpula estratégica da organização, levando em consideração o que os
profissionais de comunicação têm a contribuir para o andamento dos trabalhos. Para isso,
Cornelissen (2004, p. 178) afirma que os profissionais de comunicação precisam mostrar e
comunicar o seu valor agregado à alta administração para garantir tanto sua contribuição
estratégica, quanto status dentro da organização.
Nesse momento, podemos fazer uma rápida referência a Mintzberg (1983), quando
ele define o poder como “a capacidade de afetar os resultados organizacionais” (p. 4) e a
importância de ser um influenciador interno nas relações de poder da organização.
O segundo é a necessidade de os profissionais de comunicação passarem para
uma atuação gerencial em maior grau. O fato de a comunicação estratégica ser algo que
deverá envolver todos os setores levará o profissional de comunicação a apoiar os demais
gerentes, sendo uma espécie de consultor de comunicação dentro da empresa, além
de estar em constante contato com o CEO da organização. Falkheimer e Heide (2018)
afirmam que “o valor real que os profissionais de comunicação podem contribuir será
confirmado quando eles começarem a trabalhar dentro dos processos de trabalho reais da
organização e apoiar e ajudar os gestores em diferentes níveis de comunicação e questões
de comunicação” (p. 60).
É importante ter sempre uma perspectiva crítica sobre a comunicação estratégica.
É preciso evitar planos muito rígidos ou excesso de controle, o que pode inviabilizar a
execução do planejamento e constantemente avaliar o andamento das ações, analisando
os resultados e adequando o que for necessário para o propósito geral, que vai estar
eminentemente relacionado a identidade, imagem e reputação da organização.
Por fim, constata-se que a comunicação estratégica tem suas bases semelhantes
à identidade organizacional. Ambas estão alicerçadas nos atributos mais profundos da
organização, como a missão, valores e visão de futuro e, portanto, uma comunicação
estratégica sempre irá impactar a identidade organizacional. Já a comunicação externa
permeia a comunicação estratégica, mas esta tem uma visão maior de comunicação
integrada com todos os tipos de comunicação existentes na organização. Cabe aos
profissionais construírem um plano com as ferramentas comunicacionais mais adequadas
para a estratégia a ser efetivada e os resultados serão perceptíveis na identidade
organizacional.
REFERÊNCIAS
ALBERT, S.; WHETTEN, D. A. Organizational identity. Research in Organizational Behavior, v. 7, p.
263–295, 1985.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
32
ARGENTI, P. A. Comunicação empresarial. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
CORNELISSEN, J. Corporate comunications: Theory and practice. London: Sage Publications,
2004.
DOWLING, G. R. Winning the reputation game: Creating stakeholder value and competitive
advantage. Cambridge: MIT Press, 2016.
FALKHEIMER, J.; HEIDE, M. Strategic communication: An introduction. New York: Routledge,
2018.
GIOIA, D. A.; SCHULTZ, M.; CORLEY, K. G. Organizational identity, image, and adaptive instability. The
Academy of Management Review, v. 25, n. 1, p. 63–81, jan. 2000.
HALLAHAN, K. et al. Defining strategic communication. International Journal of Strategic
Communication, v. 1, n. 1, p. 3–35, 22 mar. 2007.
KUNSCH, M. M. Comunicação organizacional: Conceitos e dimensões dos estudos e das práticas. In:
MARCHIORI, M. (Ed.). . Faces da cultura da comunicação organizacional. São Caetano do Sul:
Difusão Editora, 2006. p. 167–190.
MINTZBERG, H. Power in and around organizations. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1983.
VAN RIEL, C. B. M.; FOMBRUN, C. J. Essentials of corporate communication: Implementing
practices for effective reputation management. New york: Routledge, 2007.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 2
33
CAPÍTULO 3
ASPECTOS GERAIS DA TRASNFERÊNCIA DE
TECNOLOGIA EM BIOTECNOLOGIA NO BRASIL:
UMA ABORDAGEM DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Data de aceite: 01/02/2022
Francisco Carlos Paletta
Thiago Negrão Chuba
RESUMO: O presente trabalho objetiva
apresentar os aspectos elementares do
ecossistema de transferência de tecnologia em
biotecnologia no Brasil, desde um panorama da
transferência de tecnologia propriamente dita, a
biotecnologia, bioeconomia e os aspectos legais
associados. Com base em uma metodologia
de busca de dados na literatura, apresenta-se
um modelo de transferência de tecnologia em
biotecnologia, e apresenta-se alguns casos de
ocorrência da mesma em instituições brasileiras.
As principais considerações do trabalho residem
na necessidade de mais trabalhos e textos na
área, principalmente com o objetivo de formação
de recursos humanos atuantes na área, bem
como uma reflexão de aspectos de melhoria de
tal ecossistema no contexto brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE:
Transferência
de
Tecnologia.
Biotecnologia.
Propriedade
Organização
da
Intelectual.
Inovação.
Informação.
GENERAL ASPECTS OF
BIOTECHNOLOGY TECH TRANSFER
IN BRAZIL: AN INFORMATION SCIENCE
APPROACH
ABSTRACT: The present work aims to present
the elementary aspects of the technology transfer
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
in biotechnology ecosystem in Brazil, based on
an overview of the transfer of technology itself,
biotechnology, bioeconomic and associated
legal aspects. Based on a data search in current
literature methodology, a model of technology
transfer in biotechnology is presented, as well as
some cases occurred in Brazilian institutions. The
main final considerations of this work lie in the
need for more work and texts in the area, mainly
with the objective of training human resource.
Finally, it is given a reflection improvement aspect
of such tech transfer ecosystem in the Brazilian
context.
KEYWORDS: Technology transfer. Biotechnology. Intellectual Property. Innovation. Information
Organisation.
ASPECTOS GENERALES DE LA
TRANSFERENCIA DE BIOTECNOLOGÍA
EN BRASIL: UN ENFOQUE DE LA
CIENCIA DE LA INFORMACIÓN
RESUMEN: El presente trabajo tiene por
objeto presentar los aspectos elementales de
la transferencia de tecnología en el ecosistema
de la biotecnología en el Brasil, basándose
en una visión general de la transferencia de
tecnología propiamente dicha, la biotecnología,
la bioeconomía y los aspectos jurídicos conexos.
A partir de una búsqueda de datos en la
metodología de la literatura actual, se presenta
un modelo de transferencia de tecnología en
biotecnología, así como algunos casos ocurridos
en instituciones brasileñas. Las principales
consideraciones finales de este trabajo residen
en la necesidad de más trabajos y textos en el
Capítulo 3
34
área, principalmente con el objetivo de capacitar el recurso humano. Finalmente, se da un
aspecto de mejora de la reflexión sobre dicho ecosistema de transferencia de tecnología en
el contexto brasileño.
PALABRAS CLAVE: Transferencia de Tecnología. Biotecnología. Propiedad Intelectual.
Innovación. Organización de la información.
1 | INTRODUÇÃO
O ambiente de desenvolvimento de pesquisa em biotecnologia brasileiro,
principalmente àquela voltada para as áreas de saúde e biologia, tem considerável
viés acadêmico no Brasil. Do ponto de vista de um pesquisador científico ou mesmo de
pesquisadores em treinamento, como alunos de pós-graduação e alunos de graduação,
temas como patentes, propriedade intelectual e mesmo as legislações pertinentes na
área são bastante distantes da sua realidade, e estes temas são tratados como de grande
complexidade ou de interesse apenas para grandes players do mercado – o que não
deveria ser uma realidade.
Atualmente, a conversão de resultados de pesquisas científicas em patentes e em
efetivas transferências de tecnologia no Brasil é consideravelmente baixo. Considerando
um ecossistema de pesquisa científica no qual a mesma é financiada principalmente por
entes públicos que, notadamente, tem seus recursos disponíveis cada vez mais escassos,
comprometendo a qualidade e a perpetuação de pesquisas científicas de qualidade, uma
saída é o retorno perante a remuneração de licenciamento e concessão de patentes
derivadas de resultados de pesquisas produzidos pelas instituições públicas e privadas
brasileiras. Para tanto, porém, é necessário que se desperte uma cultura empreendedora e
de inovação em todos os níveis da cadeia científica no Brasil.
Este trabalho objetiva, portanto, apresentar os elementos básicos da transferência de
tecnologia em biotecnologia e trazer à luz aspectos básicos da biotecnologia, bioeconomia
e dos aspectos legais associados no contexto brasileiro. Especial foco será dado nas
Instituições de Ciência e Tecnologia públicos, uma vez que compõem a grande massa
da produção acadêmica nacional. Além disso, evidenciam-se alguns exemplos de casos
de sucesso na área, bem como propõe-se um modelo de transferência de tecnologia em
biotecnologia, baseado na literatura. Assim, espera-se que este texto sirva de subsídio
para iniciantes e interessados na área a expandirem seus conhecimentos e terem acesso
a novas informações na área.
2 | METODOLOGIA
A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica em bases de dados atuais e
relevantes, bem como a busca de casos publicamente divulgados e disponíveis na internet.
Uma curadoria e seleção das informações mais pertinentes foi feita, e um compilado das
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
35
mesmas foi preparado.
3 | REVISÃO DA LITERATURA
Inicialmente, é importante destacar e definir os conceitos mais elementares para o
melhor entendimento da área. Assim, se buscou definir elementos como a transferência
de tecnologia e a biotecnologia tanto de maneira técnica quanto de forma mais prática.
Além disso, foram definidos aspectos mais específicos pertinentes à área, como aspectos
jurídicos no qual se embasa o cenário brasileiro.
3.1 Transferência de tecnologia
A expressão “transferência de tecnologia” pode ser definida, em linhas gerais, como
o um processo formal no qual o detentor de uma propriedade intelectual – seja ele uma
instituição de pesquisa pública ou privada ou uma empresa - transfere suas descobertas
ou inovações que são resultado de pesquisas científicas para outros (RIBEIRO, 2001).
De maneira mais específica, isso acontece sob as formas de licenciamentos e cessões
da propriedade intelectual (UTFPR, 2017). O licenciamento é definido como a cessão do
direito de comercialização da propriedade intelectual mediante remuneração (royalties,
milestones, ou conforme acordado contratualmente), enquanto a cessão é definida como
a transferência do direito total da propriedade intelectual, passando o novo proprietário da
propriedade intelectual a usufruir total controle da mesma, podendo utilizá-la como bem
entender.
No Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) é o responsável pela
averbação e validação de contratos de transferência de tecnologia, ou seja, contratos que
envolvam licenças, sublicenças e a cessão de direitos de propriedade intelectual, conforme
sua Instrução Normativa PR nº 70/2017, de 11 de abril de 2017 (INPI, 2017).
São reconhecidas, entretanto, cinco formas de transferências de tecnologia
(SANTOS et al, 2017):
1. Licença e cessão para exploração de patente e desenho industrial: Definidos
pelos contratos que autorizam a exploração comercial da propriedade intelectual
protegida por patente e pedidos de desenho industrial devidamente depositados ou
concedidos, seja no Brasil ou no exterior, para terceiros.
2. Licença e cessão de uso de Marca: Autoriza o uso por terceiros de uma marca
registrada no Brasil.
3. Franquia: Define a transferência de serviços, tecnologias e a transmissão de
padrões, bem como o uso de marcas e patentes, entre franqueadores e franqueados.
4. Fornecimento de Tecnologia: Contratos que dispõem sobre as condições de
aquisição de técnicas e conhecimentos, incluindo aqueles não protegidos por
propriedade industrial – incluindo aqueles não passíveis de proteção no Brasil.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
36
5. Serviços de Assistência Técnica e Científica: Definem a prestação de serviços
especializados que envolvem técnicas e tecnologias específicos utilizados na
elaboração de diferentes projetos e estudos.
Além disso, o INPI também oferece todo o suporte jurídico e oferece o embasamento
jurídico necessário para elaboração de contratos, além de outras disposições relevantes na
área, sendo todos dispostos em seu portal na internet.
Ainda que o Brasil tenha em seu órgão de propriedade intelectual o ponto central
de toda a averbação de contratos de transferência tecnologia, é notável que o país ainda
não apresenta uma cultura de transferência de tecnologia definida (SANTOS; TOLEDO;
LOTUFO, 2009). Conforme indicado por TOLEDO e seus colaboradores, é notável a
falta de sensibilização das instituições quanto à importância econômica e estratégica
da inovação e propriedade intelectual – principalmente as públicas. Isso se reflete, por
exemplo, em dificuldades para a estruturação dos núcleos de inovação nas Instituições de
Pesquisa Científica e Tecnológica (ICTs), que, segundo a Lei de Inovação Brasileira (Lei
13.243 de 2016), são os órgãos responsáveis pelas políticas institucionais de inovação
e, consequentemente, pela política de propriedade intelectual e de transferências de
tecnologias das ICTs. Uma vez que a grande maioria da ciência brasileira é financiada e
executada por instituições públicas (BRITO CRUZ, 2000), fato sustentado por dados que
indicam apenas uma empresa aparece entre as 1000 maiores instituições que publicam
artigos no país – a Petrobras, uma empresa pública (SCIMAGO, 2017), é possível afirmar
que o país sofre cronicamente com a ausência de iniciativas e de maiores experiências na
área.
Segundo RIBEIRO, 2001, as dificuldades também atingem o setor produtivo. Uma
vez que o Brasil teve a consolidação de sua indústria por meio da importação de tecnologias
– ou seja, sendo o recipiente de contratos de transferência de tecnologia e, para tanto,
utilizando um grande montante de recursos financeiros seja de forma direta, via royalties,
ou indireta, como por isenções fiscais ou, ainda, pela permissão de que empresas de outros
países aqui se estabelecessem sem a necessidade de geração de novas tecnologias – o
que resultou em uma estrutura deficitária de geração de conhecimento, uma vez que a
comunidade científica e o empresariado brasileiro não teve acesso direto à inovações e ao
processo inovativo. É possível afirmar que o Brasil teve seu processo de industrialização
sem conexão com sua política de Ciência, Tecnologia e Inovação (BORHER et al, 2007).
3.2 Transferência de tecnologia em icts
Uma vez que os principais agentes de ciência ao se considerar ICTs são as
universidades, que tem como seu tripé o ensino, a pesquisa e a extensão, é possível afirmar,
conforme LOTUFO, 2009, que existem dois principais aspectos para que uma universidade
contribua para a melhoria da capacidade de inovação no Brasil: a formação de alunos para
inovação, seja apoiando a absorção de seus egressos por empresas de base tecnológica ou
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
37
pelo estímulo ao empreendedorismo, ou ainda pelo apoio à incorporação das tecnologias
resultantes de suas pesquisas em formas que tragam benefício à sociedade (SCHOLZE;
CHAMAS, 1998).
Percebe-se que por isso é necessário considerar que é preciso aproximar a política
de Ciência, Tecnologia e Inovação da política industrial. Para tanto, é importante que,
além de incentivos à formação de recursos humanos na área tecnológica, mecanismos
de propriedade intelectual sejam fortificados para que haja estimulo a investimentos e
para que ocorra a garantia de direitos. É necessário que haja maior aproximação entre
o ambiente acadêmico, no Brasil representado primariamente por ICTs, e o mercado – o
ambiente privado (BUAINAIN; CARVALHO, 2000).
Com a publicação da Lei de Inovação brasileira, determinou-se juridicamente a
necessidade da criação de um órgão responsável pela gestão da inovação e transferência
de tecnologias nas ICTs públicas: os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs). Segundo a
Lei, o NIT tem como função a manutenção da política institucional de estímulo à proteção
de criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia; avaliar
e classificar os resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa (LOTUFO,
2009). O NIT deve, portanto, buscar a criação de um ambiente de inovação convidativo na
instituição, fazendo da inovação parte da cultura institucional, além de atuar como mediador
entre a comunidade acadêmica e o setor privado, estabelecendo a relação ICT-Empresa,
concretizando planos e elaborando contratos e convênios. Entretanto, ainda que muitas
universidades já dispusessem de tal estrutura, para diferentes instituições tal necessidade
ainda é desafiadora, mesmo que a lei tenha sido publicada em 2005 (LOTUFO, 2009).
A principal dificuldade apontada para o devido estabelecimento de um NIT em uma ICT
está na inexperiência dos gestores que os assumem, uma vez que deve saber lidar com
aspectos bastante específicos ligados à propriedade intelectual e à gestão da inovação,
bem como há falta de habilidade de resolução de conflitos e dificuldades em comunicação,
que devem ser feitos de maneira mais eficiente e veloz do que aquela normalmente
verificada no serviço público, e mais próxima do setor privado (TOLEDO, 2009).
É necessário destacar, entretanto, que a transferência de tecnologia é não somente
esperada com origem nas universidades, entidades sem fins lucrativos e instituições de
pesquisa governamentais, mas é também essencial para o desenvolvimento da maioria
das inovações biomédicas e necessária para que o investimento público em pesquisa
seja convertido em benefícios à população (SOBRINHO, 2017). O ciclo de pesquisa e
comercialização é ilustrado conforme a figura 1, na qual se observa que o roteiro que
acontece na ciência básica, entre a ideia, pesquisa, geração de conhecimento e publicação
de resultados é cíclico, se alimentando continuamente, mas sem espaços para sair do
ambiente acadêmico e atingir a sociedade. Para tanto, é necessário que exista uma pressão
para que, desse conhecimento, seja postulada uma invenção, passível de desenvolvimento
e comercialização, que por sua vez atingem a população em geral e resultam em recursos
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
38
capazes de financiar o ciclo de pesquisa.
Figura 1 - Ciclo de Pesquisa Básica e Comercialização. Adaptado de Sobrinho, 2017.
3.3 Biotecnologia
A biotecnologia pode ser definida como a ciência que combina conhecimentos
científicos de principalmente de áreas como a bioquímica, biologia molecular e biologia
celular (KREUZER; MASSEY, 2002), complementadas pela engenharia química, ciências
da computação, bioinformática, ciência dos materiais, genética, imunologia, fisiologia,
microbiologia e engenharia bioquímica (COSTA, 2006), visando o desenvolvimento de
novas técnicas, tecnologias e produtos para o uso da sociedade.
Dentre as principais áreas de impacto em que a biotecnologia pode atuar destacamse saúde humana (prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças), a agricultura
(melhoramento de culturas e maior produtividade) e ciências do ambiente (energias
renováveis, detecção e resolução de contaminantes ambientais e melhoramento de
processos produtivos) (VALLE, 2006). Alguns exemplos de aplicações de grande são as
tecnologias de anticorpos monoclonais, a engenharia de proteínas, a tecnologia de edição
do genoma, como o sistema CRISPR-Cas9, as tecnologias de bioprocessamento, as
tecnologias de biossensores, a engenharia de tecidos, as técnicas de cultura de células e
tecidos, a engenharia genética e os sistemas body-on-a-chip (KREUZER; MASSEY, 2002).
Sendo, portanto, uma ciência na qual conhecimentos obtidos por resultados de
pesquisa básica, em bancada – e realizada prioritariamente em universidades e institutos
de pesquisa (ICTs) – são transladados para aplicações e resultados práticos, de impacto
na sociedade, é razoável afirmar que a biotecnologia exige um ambiente científico e de
inovação bastante sólido, bem como de um setor produtivo que seja capaz de transformar
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
39
esses conhecimentos em negócios e produtos a serem disponibilizados no mercado
(SILVEIRA et al, 2004).
3.3.1
Bioeconomia
O Brasil, sendo um país notadamente reconhecido por sua biodiversidade e riqueza
biológica, alça uma posição mundial de destaque ao se considerar o contexto biotecnológico.
Dois grandes temas aparecem como destaque ao se adotar tal ótica: a regulamentação de
acesso aos recursos de tal biodiversidade, bem como questões de propriedade intelectual
consideradas nesse processo (GRANJA; VARELLA, 1999).
Nesse contexto, o Brasil apresenta em sua Estratégia Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação – 2016-2019 (MCTI, 2016) - que as espécies de sua fauna, flora e
microbioma são alvo de grande interesse para as indústrias, além de exercerem impacto
direto na economia nacional por atividades de baixo impacto tecnológico. Assim, defende
um planejamento e políticas públicas direcionados para o avanço tecnológico na área, com
o objetivo de “apoiar o desenvolvimento de tecnologias inovadoras para agregação de valor
aos bens e serviços da sociobiodiversidade brasileira e promover maior interação entre os
setores acadêmico e produtivo, a fim de elevar a competitividade do país no cenário da
Bioeconomia mundial”.
Para tanto, o documento traça objetivos a serem elaborados no quadriênio que
compreende os anos entre 2016 a 2019, dentro os quais é possível destacar a elaboração
de um Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação em Bioeconomia e em Biomas, de
forma a promover a competitividade nacional e a geração de conhecimentos, tecnologias,
inovação, produtos e serviços na área, seja pela criação de redes em biotecnologia e
biodiversidade e pelo estabelecimento de parcerias público-privadas para criação de novos
negócios de base biotecnológica.
3.3.2
Modelo da tripla hélice
Sendo a biotecnologia uma área de interseção entre os ambientes acadêmico e
empresarial, o que no Brasil significa também a interseção entre os setores público e
privado, se percebe a necessidade de um sistema de inovação capaz de integrar as ações
dos diferentes atores envolvidos em tais processos, de forma a fomentar o desenvolvimento
científico e econômico. Segundo RIBEIRO, 2001, destacam-se no Brasil três grupos: as
instituições governamentais (em todos seus níveis e esferas), o setor empresarial e as
instituições de pesquisa públicas e privadas (ICTs). Um modelo proposto por Etzkowitz
e Leydesdorff (1991) sintetiza tais relações: o modelo da hélice tripla. Neste modelo,
objetiva-se uma articulação tripla entre o Governo, as Universidades e Empresas, de forma
que o principal resultado seja o aumento de recursos financeiros produzidos conjuntamente
para utilização nos sistemas educacionais e tecnológicos.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
40
Sua proposta é de que as universidades ganhem autonomia e tenham em suas
pesquisas maior diversidade, bem como que os egressos de suas cadeiras tenham acesso
facilitado ao mercado de trabalho. As empresas, além de absorver e ter em suas equipes
mão de obra qualificada em maior número e qualidade, terá também maior capacitação
tecnológica, ser tornando, portanto, mais competitiva (RIBEIRO, 2001). Tal capacitação será
adquiridas das universidades, de forma a remunerá-las pelo desenvolvimento tecnológico
e de inovação, de forma que se cria um ciclo virtuoso: a universidade apresenta melhores
resultados, que são absorvidos pelas empresas, que remuneram as universidades por
sua propriedade intelectual – de maneira contínua. Cria-se, portanto, um ambiente de
dependência mútua entre universidade e empresa (CLOSS; FERREIRA, 2012). Assim,
as interações ICT-Empresas tornam-se potencialmente ferramentas de mudança social e
democratização do conhecimento (MACIEL, 1999). O governo, por sua vez, deve atuar de
forma a dar suporte e articular as relações entre as outras duas entidades, servindo como
um catalisador para tais interações (CLOSS; FERREIRA, 1999).
3.4 Aspectos legais e propriedade intelectual em biotecnologia
A biotecnologia mostra-se como uma das principais soluções para problemas
alimentícios e de saúde no século XXI (ZUCOLOTO; FREITAS, 2013). Há, portanto, o
surgimento de uma nova indústria, baseada no conhecimento, na qual há a agregação
de processos das indústrias química, farmacêutica, alimentar, da saúde, da energia e da
informação (LOPES; CARNEIRO, 2005). Desta forma, é necessário que um país que deseja
alcançar grau de excelência e destaque nesse cenário tenha uma estrutura regulatória e de
propriedade intelectual sólidos.
O Brasil lança, quadrienalmente, um documento que define sua Estratégia
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. A versão publicada em 2016, com validade
até 2019, define algumas áreas prioritárias para o desenvolvimento da biotecnologia no
país: bioenergia e biocombustíveis, biotecnologia marinha, alimentos, bioeconomia e
biodiversidade e saúde. O plano considera, em linhas gerais, a biotecnologia como uma
área convergente e habilitadora: capaz de introduzir mudanças significativas na sociedade
e que, se combinada com outras tecnologias, pode resultar em mudanças ainda mais
significativas.
Nesse contexto, existem instrumentos de apoio para a concretização aos planos
descritos na Estratégia Nacional. A Lei de Inovação, publicada originalmente como a Lei nº
10.973/2004 e alterada mais recentemente com a Lei nº 13.243/2016, define medidas de
incentivo à pesquisa e à inovação, regulando a propriedade intelectual e participação dos
pesquisadores em ganhos econômicos; estimula a cooperação entre instituições públicas
e privadas, dispensando a necessidade de licitações para licenciamento de propriedade
intelectual, além de estimular o uso da infraestrutura pública de pesquisa, permitindo que
empresas financiem diretamente pesquisas, além de permitir financiamento público de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
41
pesquisas realizadas no ambiente privado; dentre outros aspectos.
De forma complementar, em 2007 foi criado o Centro Nacional de Biotecnologia
(CNB), que instituiu uma Política de Desenvolvimento da Biotecnologia, que tem como
objetivo:
(...) o estabelecimento de ambiente adequado para o desenvolvimento
de produtos e processos biotecnológicos inovadores, o estímulo à maior
eficiência da estrutura produtiva nacional, o aumento da capacidade de
inovação das empresas brasileiras, a absorção de tecnologias, a geração de
negócios e a expansão das exportações (Brasil, 2007).
Dentre as ações de destaque tomadas desde então, destacam-se o aumento dos
investimentos públicos e privados para difusão da biotecnologia, o desenvolvimento nacional
de produtos e processos nas áreas indicadas na PDB e o estabelecimento de ambiente
regulatório que facilitou a atividade inovativa em biotecnologia, com a consolidação de
órgãos como a ANVISA e o INPI (ZUCOLOTO; FREITAS, 2013).
Um ponto central do desenvolvimento da biotecnologia no Brasil está em sua
legislação de propriedade intelectual, na forma da Lei nº 9.279/1996, a chamada Lei da
Propriedade Industrial (LPI). Em relação a invenções biotecnológicas, destacam-se alguns
incisos dos artigos 10 e 18 e o artigo 24 da LPI:
Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade: (...) VIII - técnicas
e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de
diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e IX - o todo ou parte
de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou
ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser
vivo natural e os processos biológicos naturais.
Art. 18 - Não são patenteáveis: (...) III - o todo ou parte dos seres vivos,
exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três requisitos
de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial previstos no art. 80 e que não sejam meras descoberta.
Parágrafo único - Para os fins desta lei, microrganismos transgênicos são
organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem,
mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma
característica normalmente não alcançável pela espécie em condições
naturais.
Além disso, em consonância com suas diretrizes de proteção da biodiversidade,
são considerados itens não patenteáveis, conforme o Ato Normativo nº 127/1997 do INPI,
reeditado em 2007:
(...) as sequências de nucleotídeos e peptídeos isolados de organismos vivos
naturais per se ; os extratos e todas as moléculas, substâncias e misturas per
se obtidas de ou produzidas a partir de vegetais, animais ou microrganismos
encontrados na natureza; os animais e suas partes, mesmo quando isolados
da natureza ou quando resultantes de manipulação por parte do ser humano;
as plantas e suas partes, mesmo quando isoladas da natureza ou quando
resultantes de manipulação por parte do ser humano; métodos terapêuticos;
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
42
os métodos terapêuticos biotecnológicos incluem, por exemplo, terapias
gênicas. (INPI, 2007).
De maneira complementar, a Lei nº 11.105/2005, chamada de Lei de Biossegurança,
criou um Conselho Nacional de Biossegurança e estruturou a Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança (CTNBio), que, com o objetivo de estabelecer:
(...) normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o
cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação,
a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo,
a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente
modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao
avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à
vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da
precaução para a proteção do meio ambiente (Brasil, 2005).
Dessa forma, o Brasil consolidou de maneira fundamental e de maneira anterior a
muitos países (DOLABELLA et al, 2005) a regulação de atividades, eventos e processos
biotecnológicos. Foram definidos aspectos da pesquisa biotecnológica básicos, desde a
aplicabilidade de organismos, ácido desoxirribonucleico (DNA), ácido ribonucleico (RNA),
engenharia genética, DNA/RNA recombinante, organismos geneticamente modificados
(OGM) e seus derivados, clonagem, entre outros termos. Definiram-se também os casos
em que a lei permite a utilização de determinadas tecnologias, o uso de células-tronco
embrionárias humanas, quais atividades são proibidas, bem como as diretrizes de trabalho
para garantir a segurança do operador e do bioma. (ZUCOLOTO; FREITAS, 2013).
4 | TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA EM BIOTECNOLOGIA
O modelo proposto por SOBRINHO, 2017, é adaptado da realidade praticada na
Universidade de Maryland, em Baltimore, Maryland, Estados Unidos, e se apresenta
como um exemplo prático de bastante utilidade para se observar um panorama geral da
transferência de biotecnologia, na qual atores governamentais e do terceiro setor interagem
com a universidade objetivando o desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação na
área.
A Universidade de Maryland é parte de um sistema de universidades com 14
instituições, das quais a sede em Baltimore é a mais vibrante para as ciências da vida.
Em 2016, apenas este campus recebeu cerca de 530 milhões de dólares em recursos
para pesquisa, advindos do governo e de empresas farmacêuticas e de biotecnologia.
Atualmente são mais de 250 ensaios clínicos ativos e 65 tecnologias licenciadas nos últimos
3 anos. Entretanto, tais resultados não foram simples de serem obtidos: são resultado de
uma forte política institucional de Propriedade Intelectual, no qual define obrigações de
todos os atores envolvidos na pesquisa, de pesquisadores visitantes e alunos ao mais alto
funcionário, bem como define processos de decisões para com a propriedade intelectual
e estabelece um ambiente de facilitação para a constituição de empresas por parte dos
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
43
pesquisadores da Universidade. Destaca-se em sua abordagem a obrigatoriedade dos
pesquisadores de relatarem revelações científicas, que serão devidamente avaliadas
pelo escritório de propriedade intelectual, somente então, liberadas para publicação pelo
pesquisador ou protegidas por patente.
Em sua estrutura de pesquisa, uma vez que um pesquisador tem uma ideia, estabelece
sua hipótese e estabelece um experimento, submetendo o projeto do mesmo para órgãos
públicos para receber investimentos. Uma vez financiado, o projeto é executado, resultando
em informações, que podem ter três destinos: a publicação, a colaboração via contratos
de confidencialidade ou, ainda, sua revelação via patente. Processo inverso também pode
ocorrer caso conhecimentos não-públicos sejam necessários para o desenvolvimento da
pesquisa: a informação pode ser licenciada ou condida, de acordo com a negociação.
Procedimento semelhante é adotado para materiais: aqueles que são adquiridos via
contratos de transferência de materiais ou aqueles que são obtidos via o recurso injetado
no projeto. A descoberta, assim que finalizada, é avaliada pelo escritório de propriedade
intelectual que pode tomar duas decisões: de que a pesquisa se trata de pesquisa básica,
sem aplicação comercial potencial, e a libera para publicação pelo pesquisador – fechando
o ciclo de pesquisa acadêmica, já que este é o resultado que o governo, investidor da
pesquisa, espera; ou a proteção da propriedade intelectual, usualmente via patente, sendo
que a descoberta passa a ser tratada, então, como invento.
Uma vez protegido, o invento pode ter dois destinos: o licenciamento a um parceiro,
que remunerará a universidade e o pesquisador para obter o direto de explorar aquele
invento independentemente e, com isso, comercializá-lo e obter retorno financeiro; ou
realizar o desenvolvimento e a comercialização internamente à Universidade. Para tanto,
o desenvolvimento pode ser feito com financiamento federal ou como uma pesquisa
patrocinada por empresa, de forma que o resultado comercializável pertence à universidade
e a seu financiador. Ao final dessa cadeia de valor, observa-se que há um benefício público
obtido a partir do resultado da pesquisa: o produto disponibilizado. A figura 2 ilustra de
maneira simplificada a cadeia acima descrita.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
44
Figura 2 - Modelo de Transferência de Tecnologia em Biotecnologia. Adaptado de Sobrinho, 2017.
Destaca-se no modelo proposto na Universidade de Maryland a interação do
escritório de propriedade intelectual com os pesquisadores, afetando diretamente a decisão
de patenteabilidade. Segundo SOBRINHO, 2017, para o escritório, os pesquisadores são
tratados como clientes: a comunicação é regular, com trabalho de desenvolvimento contínuo,
objetivando estabelecer um relacionamento de longa data, focando nas prioridades do
pesquisador. Para tanto, o escritório disponibiliza recursos online para interação com o
pesquisador, de forma a se realizar o trabalho da maneira mais simplificada possível. Além
disso, o escritório organiza seminários e realiza reuniões frequentes para tornar a potencial
conturbada relação entre ciência básica e negócios a mais tranquila possível.
A comunicação de cada descoberta é realizada por meio de um formulário de
revelação, a ser preenchido pelo pesquisador, no qual o mesmo descreve aspectos
elementares do trabalho desenvolvido, como seu título, descrição da invenção, estágio de
desenvolvimento, planejamento futuro, possíveis aplicações comerciais e as apresentações
e publicações realizadas, se houverem. Disto, há uma pré-avaliação, na qual é realizada
análise mercadológica, análise técnica e avaliação de patenteabilidade, na qual avalia-se
a inventividade e novidade da descoberta, sua viabilidade técnica e comercial e o custo
para a instituição. A decisão de patentear é tomada então de acordo com o estágio de
desenvolvimento do mesmo, bem como a real necessidade de patentear. É realizada então
uma reunião com o pesquisador, na qual define-se o interesse de depositar e, futuramente,
licenciar a patente. Após a finalização do processo por um comitê de revisão científica
(CRC), define-se se a descoberta ainda tem dados insuficientes, se é passível de conversão
para patente ou se a ideia é abandonada e liberada para se tornar ferramenta de pesquisa.
A figura 3 evidencia um esquema gráfico da triagem de invenções da Universidade de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
45
Maryland.
Figura 3 - Esquema de Triagem de Invenções para Decisão de Patenteabilidade da Univerisdade de
Maryland. Adaptado de Sobrinho, 2017.
Além disso, a estratégia de transferência de tecnologia do escritório de propriedade
intelectual da Universidade de Maryland adota uma postura de marketing bastante ofensiva.
Há prospecção ativa e passiva de potenciais novos licenciadores da propriedade intelectual
da universidade. Como marketing ativo destaca-se a publicação de newsletters, divulgação
por meio notas oficiais e contato direto com as potenciais empresas interessadas, bem
como a organização de conferências, teleconferências e a confecção de materiais
publicitários para atração de potenciais licenciadores. As estratégias de marketing passivo
estão voltadas para a manutenção do portfólio online das propriedades intelectuais da
universidade, bem como a disponibilização de serviços e informações sobre estes dados
em outras fontes.
Além destas abordagens, há o fomento para a formação de startups dentro da
universidade, estabelecendo um elo direto entre a universidade e o mercado. Ainda que
estas empresas não sejam de propriedade da instituição, elas estão intimamente ligadas
à mesma, e por muitas vezes tem como proprietária da propriedade intelectual a própria
universidade, que cede ou licencia os direitos de exploração econômica para essas
empresas.
5 | ESTUDO DE CASOS
5.1 Embrapa
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi criada em 1973 com o
desafio de desenvolver um modelo de agricultura e pecuária totalmente brasileiro, adaptado
ao clima tropical e capaz de superar barreiras limitantes da produção de alimentos, fibras e
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
46
energia do território nacional (EMBRAPA, 2017).
A empresa é a responsável pela incorporação de mais de 50% da área atual de
produção de grãos, bem como conseguiu quadruplicar a produção de carne bovina e
multiplicou em 22 vezes a oferta de carne de frango produzidas no Brasil.
Sua estrutura consiste em 17 unidades centrais, localizadas em Brasília, além
de 46 unidades descentralizadas, distribuídas em todo o Brasil, além de 4 laboratórios
localizados no exterior (Estados Unidos, Europa, China e Coreia do Sul) e 3 escritórios na
América Latina e África. Dispõe de uma equipe de mais de 9700 empregados, dos quais
aproximadamente 2500 são pesquisadores. Seu orçamento, em 2015, foi da ordem de 3
bilhões de reais (EMBRAPA, 2017).
Sua atuação em transferência de tecnologia busca ser colaborativa, objetivando
a construção do conhecimento conjuntamente aos mais diversos segmentos do setor
agroprodutivo. Sua estratégia é, portanto, embasada em três pontos:
·
Transferência de Tecnologia (TT): tratada como um dos componentes do
processo de inovação, no qual o uso de soluções tecnológicas é utilizado em
diferentes estratégias de comunicação e interação com os diferentes recipientes da
tecnologia com o objetivo de alavancar e dinamizar processos produtivos, aspectos
mercadológicos e arranjos institucionais.
·
Intercâmbio de Conhecimentos (IC): tratado como um processo interativo no
qual soluções tecnológicas já desenvolvidas e estabelecidas com fins específicos
são aplicados a diferentes contextos a partir da troca entre saberes tradicionais
e conhecimentos tácitos e científicos. Dessa forma, a interação proposta permite
que tecnologias e conhecimentos sejam melhor interpretados e, assim, adaptados a
novas realidades, atendendo a interesses e demandas particulares.
· Construção Coletiva do Conhecimento (CC): em uma relação muito próxima
ao conceito de Inovação Aberta, esta é uma proposta de interação de transferência
de conhecimentos baseada na troca constante de informações, na qual um grupo
composto por diferentes entes observa a realidade e a avalia criticamente e, com a
colaboração daqueles que serão diretamente impactados pelas mudanças a serem
implementadas, sistematiza as soluções tecnológicas no contexto de sua aplicação.
A estrutura da Embrapa no que se refere à transferência de tecnologia é bastante
única, uma vez que é bastante especializada e profissionalizada, fato que destoa da maioria
das empresas e ICTs brasileiras. A atuação neste âmbito é coordenada por uma DiretoriaExecutiva de Transferência de Tecnologia, que reporta diretamente à presidência da
instituição. Por sua vez, a esta diretoria tem sob sua supervisão duas unidades gerenciais:
·
Departamento de Transferência de Tecnologia (DTT): uma Unidade Central
(com sede em Brasília) subordinada diretamente à Presidência da empresa. É
responsável pela coordenação, articulação, orientação e avaliação das diretrizes e
estratégias da Embrapa quanto à transferência de tecnologia, buscando a aplicação
efetiva das tecnologias e conhecimentos gerados dentro da empresa, garantindo o
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
47
melhor desenvolvimento da agropecuária brasileira. Tem, em sua estrutura: quatro
coordenadorias: Coordenadoria de Programas e Parcerias (CPP), Coordenadoria
de Informação e Prospecção (CIP), Coordenadoria de Métodos e Análises (CMA) e
Coordenadoria de Capacitação para Transferência de Tecnologia (CCT).
· Secretaria de Negócios (SNE): outra Unidade Central subordinada à Presidência,
tendo como missão institucional a implementação de estratégias de ação em negócios
e a elaboração e revisão da política de informação da Empresa, bem como realiza
a gestão da propriedade intelectual, implementação da legislação e atendimento
ao marco regulatório de inovação tecnológica no âmbito da instituição. Tem quatro
coordenadorias em sua estrutura: Coordenadoria de Assuntos Regulatórios (CAR),
Coordenadoria de Inovação em Negócios (CIN), Coordenadoria de Negociação e
Contratos (CNC) e Coordenadoria de Propriedade Intelectual (CPI).
Além disso, as Unidades Descentralizadas (localizadas em todo o Brasil) tem papel
fundamental na estrutura de transferência de tecnologia da instituição, tendo principal
destaque à duas unidades de negócios: a Embrapa Informação Tecnológica e a Embrapa
Produtos e Mercado (EMBRAPA, 2017).
Considerável parte da estratégia de transferência de tecnologia da Embrapa é
baseada em sua rede de parceiros, sendo estre um aspecto chave em seu sucesso. Ao
estabelecer alianças estratégicas, a transferência de tecnologia propriamente dita e o
intercâmbio de conhecimentos são viabilizados. Para tanto, a eficiente articulação com
uma série de parceiros é necessária. Para tanto, a Embrapa realiza contratos de parceria
com diferentes instituições públicas e privadas, como instituições de pesquisa agrícola de
assistência técnica e extensão rural (ICTs públicas, Universidades públicas e particulares,
Institutos Federais e instituições privadas), instituições de comercialização e cooperativismo
(de âmbito municipal e estadual) e com outros atores do cenário nacional. A abrangência
dessas parcerias deve cobrir todo o processo produtivo e de pesquisa e desenvolvimento:
desde fornecedores e instituições de crédito, passando por organizações de agricultores
e comunidades rurais e chegando a organizações internacionais (EMBRAPA, 2017). A
amplitude dessas entidades está ilustrada na figura 4.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
48
Figura 4 - Entidades de Alianças Estratégicas da Embrapa.
Retirado de: https://www.embrapa.br/transferencia-de-tecnologia
5.2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
O patrimônio intelectual da UFMG é resultado direto da ação dos programas de
pós-graduação da Universidade e da definição de diretrizes institucionais em relação à
proteção e utilização da produção científica da instituição (MILAN, 2006).
Estas políticas garantem à UFMG a posição de segunda universidade brasileira em
número de registro de patentes e de licenciamentos de propriedade intelectual, superando
gigantes como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), e com número menor apenas que a Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) (CTIT, 2017).
A estrutura de propriedade intelectual da instituição é gerenciada pela Coordenadoria
de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), que tem como principais objetivos a
atuação na gestão do conhecimento científico e tecnológico da universidade, com atenção
ao sigilo de informações sensíveis, à proteção do conhecimento e à comercialização das
inovações geradas na estrutura universitária, além de disseminar a cultura de propriedade
intelectual.
Atualmente, a UFMG conta com mais de 1100 propriedades intelectuais em seu
nome, dos quais aproximadamente 300 estão registrados no exterior e cerca de 750 estão
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
49
registrados em território nacional. A Universidade conta com uma incubadora de empresas
que tem hoje mais de 20 empresas incubadas em seu programa de incubação, além de
outras 59 empresas que saíram da sua estrutura e estão estabelecidas no mercado. Além
disso, o NIT da instituição conta com mais de 60 parceiros nacionais e internacionais, que
garantiram mais de 80 licenciamentos de propriedades intelectuais. Por fim, considerando
sua proposta de formar recursos humanos de excelência na área, os cursos organizados
pelo CTIT contam com mais de 1200 participações (CTIT, 2017).
A política de transferência de tecnologia estabelecida determina que as patentes
da UFMG são passíveis de licenciamento somente perante o pagamento de taxas de
licenciamento e royalties. Estas taxas são divididas em partes iguais entre a universidade e
os pesquisadores responsáveis pelo conhecimento protegido – entretanto, a divisão da parte
deles é de responsabilidade dos mesmos, em acordo prévio estabelecido. A universidade
também fomenta iniciativas nas quais o licenciamento resulte em financiamento para
projetos de pesquisa patrocinados pelo licenciado, seja este o total pagamento da licença ou
parte dele. Os interessados para tanto devem contatar a CTIT com suas demandas, sendo
que as mesmas serão avaliadas e passíveis de desenvolvimento pelos pesquisadores da
UFMG mediante contrato (CTIT, 2017).
Dentre a totalidade de sua propriedade intelectual, 70% das mesmas estão ligadas
à área de biotecnologia, sendo relacionadas à novos fármacos, medicamentos, técnicas
biotecnológicas, instrumentos médicos ou outras inovações. Apenas entre 2004 e 2006,
processos de transferência de tecnologia renderam à UFMG recursos na ordem de 900
mil reais, dos quais a grande maioria está relacionada a processos de licenciamento e
transferência de know-how para a indústria nacional na área de biotecnologia (MILAN,
2006).
Considerando essa experiência, é possível destacar um caso de sucesso de
transferência de tecnologia da UFMG: o contrato de transferência tecnológica assinado com
a Viriontech do Brasil, envolvendo quatro patentes da área de biotecnologia relacionados
à comercialização e produção de kits de diagnóstico para anemia infecciosa equina. A
Viriontech é uma empresa incubada pela Fundação Biominas. O principal objetivo é realizar
o diagnóstico da anemia infecciosa em cavalos, uma vez que os animais positivos para a
doença devem ser sacrificados para que não contaminem os demais. Com o diagnóstico
precoce, é possível reduzir as perdas de produção, uma vez que apenas os animais
contaminados em fase precoce seriam sacrificados – em vez de, potencialmente, um
grande número de animais, o que levaria à grandes perdas econômicas. Dessa forma,
evidencia-se a promoção de parcerias com empresas por parte da universidade, de forma
que cada vez mais contratos sejam firmados e cada vez mais o conhecimento produzido na
universidade seja convertido em informação estratégica para as empresas (MILAN, 2006).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
50
5.3 Instituto Butantan
O Instituto Butantan é um Instituto de Ciência de Tecnologia ligado à Secretaria
de Saúde do Estado de São Paulo. Existe como instituição autônoma desde fevereiro
de 1901. Atualmente tem como principais atribuições a produção de soros e vacina, a
pesquisa e a divulgação da ciência. Desenvolve estudos e pesquisa básica nas áreas de
biologia, biomedicina e ciências relacionadas, básicas e aplicadas, principalmente nas
especialidades de animais peçonhentos, agentes patogênicos, inovação e modernização
de processos de produção e controle de imunobiológicos, além de estudos clínicos,
terapêuticos e epidemiológicos relacionados. Também capacita estudantes interessados
em pesquisa, desenvolvimento e inovação, além de oferecer cursos de extensão. Conta
também com coleções biológicas e desenvolve atividades educacionais e culturais por
meio de seus quatro museus: Museu Biológico, Museu Histórico, Museu de Microbiologia
e Museu de Saúde Pública. É, também, o principal produtor de imunobiológicos do Brasil,
sendo responsável por grande parcela da produção nacional de soros e antígenos vacinais
que compõem as vacinas disponibilizadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI)
do Ministério da Saúde brasileiro (BUTANTAN, 2017).
Dessa forma, é possível dizer que a toxinologia e a regulação da resposta imune
são áreas de excelência na atuação do Instituto, construindo reputação internacional. As
pesquisas desenvolvidas no Instituto com venenos com o objetivo de descobrir novas
moléculas em sua composição que apresentem potencial terapêutico levaram à instituição
à uma aproximação com o desenvolvimento e inovação na área farmacêutica, o que
resultou na descoberta e patenteamento de diferentes proteínas e peptídeos derivados
da biodiversidade brasileira. O sucesso posterior de diferentes trabalhos, principalmente
àqueles ligados ao Centro de Toxinologia Aplicada. Nesse contexto, foi criado o Centro de
Toxinas e Resposta Imune e Sinalização Celular (CeTICS), com o objetivo de se tornar um
centro de excelência e renome mundial na área. A vocação para a inovação tecnológica
tornou-se uma característica marcante do centro, do qual participam 11 pesquisadores
seniores do Centro, bem como uma série de outros pesquisadores associados e estudantes
(CETICS, 2017).
A proposta de transferência de tecnologia é baseada em estabelecer parcerias em
instituições privadas e com o governo por meio de suas agências de fomento, seja a nível
estadual ou federal. Para tanto, é necessário considerar que a infraestrutura do Centro
conta com laboratórios altamente especializados e equipados para a investigação científica
em nível internacional, além de laboratórios de desenvolvimento tecnológico que operam
em condições de Boas Práticas de Laboratório (BPL), o que permite um cenário competitivo
e o estabelecimento de um círculo virtuoso entre resultados científicos, o desenvolvimento
tecnológico e a transferência de tecnologia. Além disso, diversos subprojetos ligados
ao Centro têm como objetivo a geração de resultados científicos promissores para o
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
51
desenvolvimento tecnológico. Assim, estabeleceu-se prioridade em transferência de
tecnologia, em primeiro lugar, para as seções industriais do Instituto Butantan e, em
segundo, indústrias privadas, seguidas pelo público externo. O licenciamento de patentes
segue as diretrizes institucionais do Instituto Butantan e da FAPESP, agência financiadora
do Centro (ELIAS-SABBAGA, 2017). Dessa forma, o Centro busca seguir um fluxograma
do processo de desenvolvimento de uma tecnologia conforme ilustrado na figura 5.
Figura 5 - Fluxograma do processo de desenvolvimento de uma tecnologia. Retirado de ELIASSABBAGA, 2017.
Tais diretrizes já resultaram em resultados bastante positivos em transferências
tecnológicas de pesquisas a partir de conhecimentos e propriedade intelectual gerados no
CeTICS. Destacam-se as seguintes iniciativas:
a. Amblyomin e Lopap: Estas moléculas, desenvolvidas sob a coordenação da Drª.
Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, foram negociadas para desenvolvimento junto
às, respectivamente, empresas União Química e Biolab. ambas sob Ana Marisa
Chudzinski-Tavassi. Atualmente, o projeto Amblyomin recebe bolsas do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ensaios préclínicos e para o desenvolvimento de um processo industrial;
b. ENPAK: Desenvolvimento em colaboração com a Biolab, sob supervisão da
pesquisadora Drª. Yara Cury;
c. Adjuvante vetor Sílica (SBA-15), negociado com a indústria Cristália, sob
responsabilidade do Dr. Osvaldo A. Sant’Anna. Atualmente, o processo está em fase
de aplicação na produção de soros antiveneno e, também, no desenvolvimento de
vacinas orais;
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
52
d. Fator imunossupressor do veneno de Lachesis muta, também negociado com a
indústria Cristália e sob a coordenação da Drª. Denise Tambourgi.
Conjuntamente às iniciativas de desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação,
estabeleceu-se a necessidade de formação de recursos humanos de excelência na área,
seja nos setores público ou privado. Ao avaliar-se a necessidade de formação de pessoal,
percebeu-se a imediata necessidade de gestores de inovação em biotecnologia, que
precisariam de formação específica, tanto em aspectos gerenciais quanto técnicos. Ao se
avaliar o universo de profissionais já atuantes na área, percebe-se que a grande maioria
é de técnicos e pesquisadores científicos, com ensino formal na área de biociências e
ciências afins que passam por transição de carreira para a área de gestão. Para atender
essa demanda, fundou-se o MBA em Gestão da Inovação em Saúde, no Instituto
Butantan: um curso semipresencial utilizando o método de aprendizagem baseado em
problemas, aulas presenciais e videoconferências. O curso tem duração de 18 meses,
cobertos por 3 ciclos (Propriedade intelectual, Processos e Produtos, Gestão de projetos
e Empreendedorismo. O objetivo deste MBA é formar profissionais capazes de fazer a
conexão entre setores produtivos e acadêmicos, entre indústrias e escritórios regulatórios,
a academia e escritórios de advocacia, bem como outros atores relevantes do processo de
desenvolvimento científico e tecnológico em biotecnologia (ELIAS-SABBAGA, 2017).
6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Espera-se que, com este trabalho, aspectos gerais da transferência de tecnologia
em biotecnologia tenham sido elucidados, permitindo a iniciantes e interessados na área,
em especial atenção a estudantes de graduação e pós-graduação, tenham um texto base
para prosseguir seus estudos.
Também foi possível perceber alguns aspectos positivos e negativos quanto às
condições gerais da transferência de tecnologia em biotecnologia no Brasil. Infelizmente,
a transferência de tecnologia em biotecnologia no Brasil ainda é incipiente: ou são
transferências de aquisição, voltadas para a produção e não para o desenvolvimento ou
são para pequenas empresas, derivadas das próprias ICTs ou de alguma forma a elas
associadas. É ponto focal a necessidade de se fazer cumprir a Estratégia Nacional de
Ciência, Tecnologia e Inovação e o Plano de Desenvolvimento da Biotecnologia, além de
existir uma grande necessidade de incentivar novas políticas públicas que fortaleçam a
estruturação do setor biotecnológico do país, destacando o fato de que o país carece de
investimentos no apoio à formação e absorção de recursos humanos na área de saúde e
em pesquisa tecnológica, que necessitam de maior priorização.
Em contraponto, diferentes aspectos são bastante positivos. As políticas de
incentivo à inovação e os documentos reguladores de biotecnologia no país estabeleceram
um ambiente bastante favorável no Brasil nos últimos anos, permitindo perspectivas
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
53
promissoras. Além disso, ainda que os atuais exemplos sejam de transferências de
tecnologia realizadas para pequenos licenciadores, muitas vezes ligados à própria ICT
como uma spin-off ou como uma empresa nela incubada, é preciso valorizar a experiência
que se ganha com essas iniciativas, preparando cada vez mais pessoas para poderem
atuar na área, além de valorizar os recursos humanos já atuantes nela. Sem contar que
toda iniciativa de propriedade intelectual e transferência de tecnologia está associada a
iniciativas de formação, permitindo assim que mais pessoas tenham acesso a esse universo
e que a cultura de inovação seja multiplicada e perpetuada. Dessa forma, é possível efetivar
a mudança que o país tanto necessita em sua tecnologia.
AGRADECIMENTO
Projeto Investigação com Apoio FAPESP Processo 19/01128-7.
REFERÊNCIAS
BOHRER, M. B. A.; AVILA, J.; CASTRO, A. C.; CHAMAS, C. I.; CARVALHO, S. M. P. Ensino e pesquisa
em propriedade intelectual no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, p. 281-310.
2007.
BRASIL. Lei Nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225
da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades
que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho
Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança –
CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de
janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o,
10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm>. Acesso em 3 jul. 2021.
BRITO CRUZ, C. A universidade, a empresa e a pesquisa. Revista Humanidades, 45 pp.15-29,1999.
BUAINAIN, A. M.; CARVALHO, S. M. P. Propriedade intelectual em um mundo globalizado. In:
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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
54
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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 3
56
CAPÍTULO 4
SER CURTIDO E APROVADO OU DESCURTIDO E
APAGADO? UM ESTUDO DE CASO DOS PORTAIS
DE NOTÍCIAS ON-LINE METRÓPOLES E R7
Data de aceite: 01/02/2022
Iasmim Santos
Graduada em Jornalismo pela Faculdade
Anísio Teixeira (FAT)
http://lattes.cnpq.br/3284847115139079
channels can contribute to maintaining the
cancellation following a perspective aligned with
journalistic criteria.
KEYWORDS: News coverage; Personalities
in the pandemic; Cancellation; news portals;
canceled celebrities
Andréa Souza
Daniela Ribeiro
1 | INTRODUÇÃO
As redes sociais digitais e as interações
nos espaços virtuais, tema do presente estudo,
RESUMO: Este estudo teve o intuito de refletir
sobre a cobertura jornalística dos portais de
notícias on-line Metrópoles e R7, com enfoque
nos cancelamentos ocorridos de janeiro a
setembro de 2020. Por meio dele, identificou-se
que enquanto o R7 apresentou perfis variados
de personalidades canceladas na pandemia, o
Metrópoles focou em uma delas, revelando como
os canais de comunicação podem contribuir com
a manutenção do cancelamento seguindo uma
perspectiva alinhada aos critérios jornalísticos.
PALAVRAS-CHAVE: Cobertura jornalística;
Personalidades
na
Cancelamento;
Portais
Celebridades canceladas.
de
pandemia;
notícias;
ABSTRACT: This study aimed to reflect on the
journalistic coverage of the online news portals
Metrópoles and R7, with a focus on cancellations
that occurred from January to September 2020.
Through it, it was identified that while the R7
presented different profiles of personalities
canceled in the pandemic, Metrópoles focused
on one of them, revealing how communication
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
promovem variadas mudanças no cenário
contemporâneo, sendo pertinente observarmos
que nesse contexto as possibilidades de
criar, recriar ou se desvencilhar de algo são
muito maiores. Deste modo, foi imprescindível
analisarmos as manifestações que nasceram
em tempos pós-modernos, a exemplo do
cancelamento virtual, um movimento que,
em virtude da pandemia em 2020, aflorou e
repercutiu nos espaços virtuais.
Logo, esse movimento, que ganhou o
meio on-line originando debates e discussões,
teve o seu surgimento em casos nos quais
personalidades ou qualquer indivíduo, que
por terem se manifestado de uma forma vista
como incorreta, tiveram sua ação criticada e
transformada em alvo de ataques no ambiente
virtual promovendo consequências para a vida
pública e digital de quem sofreu o cancelamento.
A
vista
disso,
o
movimento
do
cancelamento virtual atraiu a atenção de
veículos jornalísticos on-line, que observaram
Capítulo 4
57
esse movimento de envolvimento e permanência dos usuários e passaram a promovê-los
e repercutí-los. É importante ressaltarmos que o foco neste artigo é a cobertura jornalística
dos cancelamentos de personalidades que tiveram seus comportamentos reprovados
socialmente no contexto da pandemia.
Neste presente trabalho, foram escolhidos dois portais de notícias on-line
Metrópoles e R7, e analisamos a problemática: como as matérias desses portais refletem
o cancelamento de figuras públicas na cobertura jornalística em 2020? E como objetivo
geral refletimos sobre a cobertura jornalística dos portais de notícias Metrópoles e R7 a
respeito dos cancelamentos de personalidades que repercutiram na mídia no contexto da
pandemia em 2020. Já, como objetivos específicos discorremos sobre os comportamentos
relacionados às práticas de cancelamento através da análise da cobertura dos portais de
notícias on-line Metrópoles e R7. Identificamos a recorrência de personalidades canceladas
na pandemia, com base na análise dos portais de notícias on-line e foram esmiuçados os
principais critérios de valor jornalístico envolvidos nas construções das matérias.
Para tanto, este estudo torna-se relevante para a ordem social, porque a partir dele
foi possível conhecermos os motivos que mais entrelaçam um indivíduo a ponto de ser
cancelado, demonstrando como o movimento do cancelamento foi interpretado e quais os
alvos que ele mira. Ao fazermos a análise dos portais em questão foi possível percebermos
as nuances por trás do cancelamento e como isso se intensificou1 em 2020, ano atípico, já
que o mundo se observou diante de uma pandemia e mudanças comportamentais. Logo,
essa pesquisa torna-se imprescindível ao campo da comunicação, fazendo-nos perceber
também que a educação midiática é uma ferramenta necessária para promover reações
mais saudáveis e prevenir determinadas consequências que possam surgir em conjunto
com cancelamentos em ambientes midiáticos.
Além disso, os objetivos metodológicos desta pesquisa apresentaram caráter
descritivo e exploratório, tendo como campo de estudo a internet trazendo elementos da
netnografia. E apresentou, como estratégia de pesquisa, o Estudo de Caso realizado por
meio da coleta de dez matérias jornalísticas, sendo cinco matérias do portal Metrópoles
e cinco matérias do portal R7, essas matérias referem-se aos cancelamentos ocorridos
durante a pandemia, de janeiro a setembro de 2020. A escolha das matérias foi compilada
através de palavras-chave em ferramentas de pesquisa como o Google e nas áreas de
buscas dos próprios portais escolhidos. Além da análise dessas matérias, como uma
ferramenta do método exploratório, foi utilizada a análise de discurso para refletirmos a
respeito das questões propostas nos objetivos desta pesquisa.
Dessa forma, autores referenciais foram trazidos para o desenvolvimento desse
1 Conforme dados da Kantar, empresa especializada em pesquisas de comunicação, mídia, consumo e medição no
meio digital, com a pandemia a navegação na web se elevou em 70%, e o engajamento nas mídias sociais aumentou
em 61% em relação às taxas de usos normais, o que pode possibilitar ainda mais o policiamento virtual. Barômetro
COVID-19: Atitudes do consumidor, hábitos e expectativas da mídia – Disponível em: <https://www.kantar.com/Inspiration/Coronavirus/COVID-19-Barometer-Consumer-attitudes-media-habits-and-expectations>. Acesso em: 13 abr. 2021.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
58
artigo, que foi dividido em cinco capítulos: a noticiabilidade e a prática jornalística na web;
jornalismo, redes sociais digitais e interações; cancelamento virtual e educação para as
mídias, e os dois últimos capítulos foram reservados para a análise do nosso estudo de caso.
Por meio dessa análise, foi possível identificarmos que enquanto o portal R7 apresentou
perfis variados de personalidades canceladas na pandemia, o portal Metrópoles focou em
uma das personalidades, evidenciando como os canais de comunicação podem contribuir
com a manutenção do cancelamento seguindo uma perspectiva direcionada e alinhada aos
critérios de noticiabilidade na prática jornalística.
2 | NOTICIABILIDADE E A PRÁTICA JORNALÍSTICA NA WEB
O termo jornalismo refere-se ao substantivo jornal e por extensão designa toda
atividade que produz e divulga informações na atualidade (PINTO, 1999). Logo, a atividade
jornalística opera com base em determinados princípios que conduzem a sua prática
e seus produtos, como o compromisso ético com uma ideia de verdade, que pode ser
compreendida através dos aspectos principais e transformada em relato noticioso. Além
disso, foi observado que no discurso jornalístico vários elementos são predispostos na
construção das notícias para que assegurem uma coerência a determinadas narrativas, um
exemplo desses elementos são os critérios de noticiabilidade (valor-jornalístico ou valornotícia).
A noticiabilidade corresponde a um conjunto de critérios, técnicas e instrumentos
com os quais os órgãos de informação enfrentam a tarefa de escolher, diariamente, entre um
número extenso e indefinido de fatos, uma quantidade mensurável, finita e tendencialmente
fixa de notícias (WOLF, 1985). Esses critérios de valores-notícia surgem para responder
e direcionar quais são os fatos realmente relevantes e significativos a ponto de serem
transformados em notícia e expostos ao público (FERREIRA; DALMONTE, 2008).
Os principais critérios analisados nos estudos da comunicação, conforme Ferreira
e Dalmonte (2008) envolvem: novidade; proximidade geográfica; negativismo; surpresa;
impacto; conflito pessoal; pessoa de destaque ou personagem público; incomum;
referente ao governo; de interesse nacional/ universal/ pessoal/econômico (número de
pessoas afetadas); injustiça que provoca indignação; catástrofe; emoção; descobertas/
invenções; crime e violência. Para mais, o autor Franciscato (2014) nos apresenta o
critério de continuidade e ruptura, que orienta o jornalista para situações pontuais que
ainda não tiveram um fim, ou que representaram uma quebra ou separação na ordem de
acontecimentos; e o critério de normalidade e anormalidade que se associa à identificação
de padrões de normalidade em contraste do que é ‘anormal’, também considerada uma
forma de ruptura.
Além das contribuições sobre os critérios de noticiabilidade ao discurso jornalístico,
é importante trazermos alguns elementos que se potencializaram com a internet. Logo,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
59
cada meio possui uma linguagem própria “a rádio diz, a televisão mostra e o jornal explica”
(CANAVILHAS, 2003, p. 64), com a internet não poderia ser diferente, ao utilizar um texto,
som e imagem em movimento, a internet tem uma linguagem única que se potencializou no
hipertexto e nos conteúdos que são utilizados em outros meios existentes (CANAVILHAS,
2003).
Com isso, ao falarmos sobre a prática jornalística na web, observamos elementos
multimídias (áudio, vídeo, hiperligações) que alteraram o processo de produção de uma
notícia e a forma como se ler. A exemplo, pode-se citar a leitura não-linear2, que apresenta
a necessidade da disponibilização de um complemento informativo, no qual permita a um
indivíduo recorrer a ele sem que isso provoque mudanças no mapa mental de compreensão
da notícia. À vista disso, pode-se observar que o webjornalismo apresenta a quebra da
linearidade do texto como uma das dificuldades das novas plataformas, portanto, o jornalista
da web precisa encontrar o melhor caminho para levar o leitor a uma quebra nas regras
de recepção impostas e comuns aos meios comunicacionais atuais (CANAVILHAS, 2003).
3 | JORNALISMO, REDES SOCIAIS E INTERAÇÕES
O século XXI proporcionou ao jornalismo uma explosão de mensagens jornalísticas
em um mesmo suporte (o ambiente digital) ampliando o campo noticiável e as possibilidades
de inclusão sem fronteiras delimitadas. Proporcionou também a disseminação de mensagens
originadas por diversas fontes simbolizando os mais variados interesses, exigindo do
jornalista mais competência e integridade aos valores que compõem sua atividade.
O discurso propagado através de coberturas jornalísticas de sites, blogs, portais
de notícias ou redes sociais digitais, termo que será esmiuçado nesse capítulo, passou
a apresentar não apenas uma narrativa ao público, mas também passou a demonstrar
elementos essenciais que situassem esse público, cada vez mais exigente e fragmentado,
ao lugar em que se desenvolve determinada narrativa repassada. Ou seja, integrando
esse receptor para que ele se sinta conectado e integrado aos elementos expostos em
determinada matéria, ou conteúdo informativo. Por meio disso, compreende-se que a
prática jornalística precisa ser completa, geradora de contexto, sentido e pertencimento
(COELHO, 2013).
Ademais, quando o jornalista passa a operar no ambiente on-line ele torna-se mais
dependente do público. Esse profissional precisa pensar nas opções adequadas para que o
seu público interaja, visto que a interatividade torna possível que um usuário opine, elogie,
critique, colabore com sugestões e principalmente ajude a construir as notícias. E com
a ampla utilização das redes sociais digitais como suporte para plataformas informativas
essa interação tornou-se ainda mais relevante.
2 Leitura não-linear corresponde a uma composição que oferece caminhos distintos, além da possibilidade de múltiplos
finais e interpretações.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
60
Conforme Souza e Cardoso (2011) as redes sociais são como uma estrutura
formada por indivíduos e organizações que estão ligadas por relações e partilham valores
e objetivos parecidos. Análogo à ideia anterior, a pesquisadora Raquel Recuero (2009)
define as redes sociais digitais como um conjunto de dois elementos, os atores e suas
conexões, mediados por um computador: os “atores”, que podem ser pessoas, instituições,
grupos, ou os nós da rede. E suas “conexões”, que são formadas por interações ou laços
sociais. Essas interações mediadas por um computador são capazes de gerar fluxos de
informações e trocas de sentido que impactam as estruturas. Cabe acrescentarmos que
essas ligações estabelecidas entre computadores viabilizam a ampliação do ciberespaço,
que Lévy (1999, p. 92) define como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão
mundial dos computadores”.
Dessa forma, a interatividade, uma das possibilidades que surge nos ambientes
digitais, aumenta as probabilidades de comunicação com o outro, como apresenta Lévy
(1999), a interatividade mediada pelos computadores define um dispositivo de comunicação
“todos-todos”, ou seja, todos os indivíduos podem falar com todos. Assim como analisa
Raquel Recuero (2009) em seus estudos:
A interação social é compreendida como geradora de processos sociais a
partir de seus padrões na rede, classificados em competição, cooperação e
conflito […] Existem interações que visam somar e construir um determinado
laço social e existem interações que visam enfraquecer ou mesmo destruir
outro laço (RECUERO, 2009, p. 79 – 81).
Além disso, através das redes e ferramentas digitais observamos que assim como
existem possibilidades de publicar e distribuir conteúdo, existe também a consequência de
termos informações monitoradas e vigiadas por qualquer indivíduo na rede (FALQUETO,
2014). É o que discutiremos a seguir.
4 | CANCELAMENTO VIRTUAL E EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS
O cancelamento virtual é um termo novo, mas que pode ser compreendido como “o
ato de boicotar uma pessoa, isto é, negá-la e excluí-la da legitimação social em resposta a
uma atitude tomada por ela que tenha sido considerada errada” (BRASILEIRO; AZEVEDO,
p. 6, 2020). O termo3 é compreendido também como uma ameaça ou ataque à reputação
e aos meios de subsistência atuais e futuros dos cancelados. E para mais, quando nos
atentamos a forma como essa prática de cancelamento opera, pode-se verificar que ela se
caracteriza por publicações em massa, e na maior parte das vezes, realizada por vários
internautas e canais midiáticos contra um indivíduo (BRASILEIRO; AZEVEDO, 2020).
Conforme Oliveira e Honório (2020), o movimento de cancelar o outro é “um novo
envelopamento de algo que já conhecemos e identificamos durante décadas, a exemplo
3 O que é a ‘cultura de cancelamento’ – Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-53537542>. Acesso
em: 12 abr. 2021.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
61
temos o linchamento, o boicote, o ódio e humilhação” (OLIVEIRA; HONÓRIO, 2020,
p. 6). Segundo esses pesquisadores, podemos nos atentar aos três principais tipos de
cancelamento: o primeiro se refere ao boicote, e na maioria das vezes está ligado à política,
religião, marcas, personalidades, ou instituições de poder que romperam ou fragmentaram
a confiança de seus consumidores. O segundo tipo se refere ao ban ou close errado, que
é considerado um movimento informal, mas que pode atingir desde internautas anônimos
que repercutem, até influenciadores e celebridades. Já o linchamento virtual é o terceiro
tipo de exclusão observada nas redes sociais digitais, também considerado um movimento
informal, assim como o segundo tipo. E, normalmente, é gerado por um ou mais closes
errados, que como consequência se desencadeia em um cancelamento.
Os cancelamentos originam-se como uma reação contrária a comportamentos
que se desviam da norma padrão, princípios morais ou éticos, e na maioria das vezes
destinam-se aos influenciadores digitais, que são “aquelas pessoas que se destacam nas
redes digitais e que possuem capacidade de mobilizar um grande número de seguidores,
pautando opiniões e comportamentos e até mesmo criando conteúdos exclusivos” (SILVA;
TESSAROLO, p. 3, 2016), e às celebridades que, para Bauman (2011), significa o mesmo
que está vulnerável aos olhos da sua audiência.
Ademais, segundo Chiari et al. (2020) é possível observarmos que esse movimento
tomou destaque em 2017 tendo como “alvo” dos ataques influencers de Hollywood. Em um
primeiro estágio os ataques surgiram a partir da hashtag MeToo, a fim de expor e denunciar
abusos e violências sexuais que teriam sido efetivadas por personalidades públicas. No
início, o movimento teve sucesso, porque conseguiu levar à prisão pessoas que, devido à
posição social, poucos desconfiariam dos seus crimes, como o produtor de cinema Harvey
Weinstein denunciado por agressão sexual, estupro e assédio, sendo considerado culpado
de duas das cinco acusações de má conduta sexual4.
Contudo, ainda segundo Chiari et al. (2020), cabe observarmos que o movimento
do cancelamento pode tomar diferentes proporções, não só expondo atitudes tidas como
erradas por lei, mas expondo qualquer indivíduo que não atenda às expectativas que foram
depositadas nele. A vista disso, os comportamentos negligentes e que põem em risco a
vida da coletividade foram um dos mais reprovados, no período da pandemia em 2020.
Isso porque, devido ao surto da COVID-19 iniciado no fim de 2019, a Lei nº 13.979/205 foi
promulgada trazendo medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública visando
à proteção da coletividade, como o isolamento social e medidas relacionadas à quarentena.
Logo, quando uma pessoa demonstra que não está cumprindo as medidas de
prevenção, a fim de dissolver ou diminuir a contaminação do Coronavírus, os vigilantes
sociais, pessoas que observam as ações das outras no ambiente virtual, começam
4 Harvey Weinstein é condenado a 23 anos de prisão; entenda o caso em 7 questões – Disponível em: <https://www.
bbc.com/portuguese/geral-51553491>. Acesso em: 12 abr. 2021.
5 Diário Oficial da União – Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/
lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735>. Acesso em: 28 de out 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
62
a repercutir em suas falas discursos de indignação contra o comportamento de outros
indivíduos até chegar ao banimento. Por meio disso, basta uma frase mal colocada, um
comportamento desaprovado e emitido principalmente por uma figura pública, por conta de
contraposição de discurso, pela associação com artistas já cancelados ou por apresentarem
apelos discriminatórios (OLIVEIRA; HONÓRIO, 2020), o dardo do cancelamento pode
ser acionado. Além disso, cabe observamos que as ações e reações envolvidas em
movimentos de cancelamento podem estar associadas às sociedades em que o poder
público não apresenta credibilidade e confiabilidade diante da opinião pública, a partir disso
a população acaba se tornando juíza e executora (OLIVEIRA; HONÓRIO, 2020).
Logo, torna-se perceptível a necessidade de uma educação midiática6, que
corresponde a um compilado de habilidades que auxiliam o indivíduo a acessar uma
informação, criar conteúdo e sobreviver no ambiente informacional das redes sociais
digitais, a fim de formar produtores de sentidos mais conscientes e críticos para atuarem
no ambiente virtual.
Os autores Kellner e Share (2008) expõem que uma aprendizagem focada na mídia
pode intensificar os nossos processos críticos analíticos e explorar a recepção da audiência
para que se aprenda a ler e criar criticamente textos de mídia; buscar justiça social; além
de compreender os contextos políticos, econômicos, históricos e sociais em que todas as
mensagens são escritas e lidas.
Além disso, quando um indivíduo está digitalmente letrado ele sabe que as redes
sociais digitais podem ser utilizadas tanto para reverberar situações boas quanto situações
ruins. Como salienta Buckingham (2010), os indivíduos alfabetizados para a mídia passam
a utilizar as redes digitais para o seu crescimento e o dos outros, realizando buscas
eficientes, comparando uma série de fontes e separando os conteúdos ou documentos
confiáveis dos não confiáveis e os relevantes dos irrelevantes. Ademais, esse autor destaca
que os usuários precisam “fazer perguntas sobre as fontes dessa informação, sobre os
interesses de seus produtores, além de questões mais amplas sobre os pontos de vista que
são representados ou não o são” (BUCKINGHAM, 2010, p. 49-50).
5 | ANÁLISE DO PORTAL DE NOTÍCIAS ON-LINE METRÓPOLES
O portal Metrópoles, fundado em 2015, assim como a editora e a rádio fazem parte do
Grupo Metrópoles. Conforme o Google Analytics, 63 milhões de usuários únicos prestigiam
a página mensalmente7 e seu crescimento se direciona ao âmbito nacional e dimensões
regionais. Para mais, as matérias coletadas e analisadas deste portal se concentram nas
editorias Celebridades e Entretenimento.
A partir disso, podemos iniciar analisando a matéria (A), nela pode-se observar
6 A educação midiática como vacina contra a infodemia - Disponível em: <https://porvir.org/a-educacao-midiatica-como-vacina-contra-a-infodemia/>. Acesso em: 16 de mar. 2021.
7 Metrópoles – Disponível em: <https://www.metropoles.com/quem-somos>. Acesso em: 06 nov. 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
63
que as redes sociais digitais são um perigo para os artistas sertanejos. Com a leitura do
subtítulo, observa-se também que o ambiente das lives é propício para provocar a onda
de cancelamento, porque é um ambiente regado por muito álcool e pouca inibição dos
artistas sendo um terreno fértil aos cancelamentos. Em um dos trechos dessa matéria, é
demonstrado que o público desses artistas não estava preparado para vê-los sem filtro.
O que nos faz subentender a necessidade de um preparo aos usuários das redes sociais
digitais que na maioria das vezes não sabem como agir e muitos partem para a crítica,
xingamentos e aniquilamento de determinado “alvo”.
Ao analisarmos as personalidades canceladas temos: a cantora sertaneja Marília
Mendonça que foi cancelada, porque debochou de um de seus músicos que, segundo a
cantora, teria se relacionado com uma mulher transexual. Esse comportamento de deboche
não foi visto com bons olhos pelo público LGBTQ+ que disseminou críticas e cancelou a
cantora. Outros cancelados foram: o cantor Leonardo que comparou o HIV ao Coronavírus
e o cantor Eduardo Costa, que fez um comentário pejorativo relacionado ao bebê de uma
cantora sertaneja. Quando analisamos os critérios de valor jornalístico envolvidos nesta
matéria observamos: o de pessoa de destaque; de indignação, o critério de proximidade,
já que os artistas apresentados nessa matéria fazem parte de um mesmo estilo musical e
apresentam relações semelhantes ao público.
Na matéria (B) ao observarmos o título, vemos que a influenciadora destacada,
Gabriela Pugliesi, é colocada no banco de acusada, ou aquela que ficará sentada no banco
de réu no tribunal do ciberespaço, sendo os internautas os seus acusadores. O motivo
de a influenciadora ter sido cancelada remete a forma como romantizou o Coronavírus,
após realizar uma publicação, na qual diz algo invisível que chegou e colocou tudo no
lugar. A forma como a influenciadora expressou suas palavras indignou os internautas,
provavelmente, porque Gabriela generalizou questões que não se enquadram a todos.
Ficar em casa na quarentena, por exemplo, foi um privilégio que poucos puderam adotar.
Os critérios de valor jornalístico em destaque são o de indignação e de personalidade
pública.
(Figura 1) Captura de imagem da publicação de uma internauta, após texto postado por Pugliesi.
Extraída da matéria (B).
Na matéria (C) observamos os mesmos critérios jornalísticos citados anteriormente,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
64
como também o critério de anormalidade que se associa a uma quebra de expectativa.
Nessa matéria, Gabriela Pugliesi foi cancelada devido à promoção de uma festa
clandestina. A festa promovida pela influenciadora gerou revolta no público anônimo e
em personalidades famosas, que também atuaram na posição de canceladoras, como a
humorista Tatá Werneck e o cantor Emicida que desejou um isolamento sem sofrimento
para todos, menos para Pugliesi. A influenciadora perdeu o patrocínio de diversas marcas,
e também seus seguidores, que são essenciais àqueles que desejam progredir e se
consolidar nas redes sociais digitais. Pugliesi contava com 4,55 milhões de seguidores
antes do acontecimento e passou a contabilizar 4,4 milhões em abril de 2020, mês que
ocorreu a festa. E ao analisarmos os seguidores da influencer neste ano de 2021, observase que ela está conseguindo se consolidar novamente no ambiente digital, já que apresenta
atualmente 4,5 milhões de seguidores. E, não podemos ignorar que continua sendo um
número alto.
Na matéria (D) Pugliesi continua figurando como personalidade de destaque, e o
conteúdo abordado refere-se ao retorno da influenciadora no dia 20 de julho ao postar um
vídeo pedindo desculpas aos seus seguidores, após ter se afastado por três meses das
redes sociais digitais por conta dos julgamentos sofridos. Nessa matéria, como critérios
jornalísticos temos: pessoa de destaque e o critério de continuidade observado logo no
título da matéria, que nos leva a inferir que os leitores que vão lê-la já estão integrados aos
acontecimentos envolvidos com a influencer e provavelmente vão querer saber um pouco
mais. Já na última matéria (E), do portal Metrópoles, observamos os mesmos critérios de
valor jornalístico observados na matéria anterior, tendo Gabriela Pugliesi também como
personalidade em foco. O título da matéria induz que já lemos a matéria (D) e sugere que
provavelmente o público que está lendo esta matéria deseja saber mais sobre o decorrer do
caso que ainda não foi finalizado. Observa-se na matéria (E) que, após um vídeo pedindo
desculpas, Pugliesi ainda estava sendo alvo de críticas.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
65
(Figura 2) Captura de imagem da publicação de uma internauta, após a volta de Gabriela Pugliesi ao
Instagram. Extraída da matéria (E).
6 | ANÁLISE DO PORTAL DE NOTÍCIAS ON-LINE R7
O portal R7 ou R7.com é considerado um dos maiores portais de internet brasileiro,
criado em 2009, pertence ao Grupo Record8 e oferece conteúdos informativos e de
entretenimento. No ano de 2017, o R7 expôs que se tornara o quinto maior da América
Latina9. Para mais, cabe destacarmos que as matérias que serão analisadas nesse portal
foram coletadas nas editorias Life Style e Entretenimento.
A vista disso, na primeira matéria (F) analisada, pode-se observar que o cancelado
em destaque é o MC Kevin. O ex-músico frequentou áreas de lazer do prédio, no qual residia
mesmo sabendo que estava infectado, o que contribuiu com a realização de um Boletim
de Ocorrência feito pelos seus vizinhos. Outra situação que gerou revolta nos internautas
relaciona-se a uma postagem que o MC realizou horas antes de ter revelado que estava
com o vírus. Nessa postagem o MC proferia as seguintes palavras: não posso sair, mas vou
sair, porque não aguento mais ficar em casa. Isso gerou uma onda de reações nos seus 5
milhões de seguidores, sendo duramente criticado por ter saído de casa e desrespeitado o
isolamento, já pressupondo estar infectado. A partir dessa repercussão negativa, MC Kevin
apagou as suas publicações. Os critérios de valor jornalístico observados foram: de pessoa
de destaque; indignação; crime; critério de continuidade já que essa matéria apresenta
duas seções dedicadas a apresentar a progressão de eventos que envolveram o cantor,
além do critério de anormalidade.
8 Grupo Record – Disponível em: <https://brazil.mom-rsf.org/br/proprietarios/empresas/detail/company/company/show/
grupo-record/>. Acesso em: 06 nov. 2020.
9 Quinto maior site da América Latina – Disponível em: <https://noticias.r7.com/bahia/quinto-mais-visitado-da-america-latina-portal-r7-tem-138-milhoes-de-acessos-mensais-31032018?amp>. Acesso em: 06 nov. 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
66
(Figura 3) Comentários de seguidores do MC Kevin extraídos da matéria (F).
Na matéria (G) a partir do título observa-se que uma sucessão de ações ocorre até
que a personalidade em foco, Gabriela Pugliesi, fosse detonada. Nessa matéria o motivo do
cancelamento foi o mesmo retratado na matéria (C) do portal Metrópoles, a festa realizada
pela personalidade. Dentre os principais critérios jornalísticos pode-se citar: o critério de
personalidade de destaque; indignação; o critério de continuidade, porque ao decorrer dos
fatos observamos intertítulos que descrevem a progressão dos episódios figurados pela
influencer, além do critério ruptura ou anormalidade.
Na matéria (H) verifica-se que logo no título a posição da personalidade cancelada,
Gabriela Pugliesi, é intensificada. A influenciadora é retratada como traidora social e a fala
de uma psicóloga colabora para isso, segundo essa profissional furar isolamento é traição
social. Ademais, como critérios de valor jornalístico pode-se citar: o de personalidade de
destaque; de interesse e o critério de indignação.
Na matéria (I) existe uma ênfase ao termo cancelados que provavelmente foi utilizado
para atrair a atenção do público que se interessa pelo conceito. Como personalidades
apresentadas pode-se citar: Pugliesi, MC Kevin, Thaila Ayala que foi cancelada, porque
criou uma marca de roupas inspirada pelo Coronavírus, intitulada Ví.rus 2020 e o cantor
Gusttavo Lima, que foi cancelado por dois motivos, o primeiro por segurar uma galinha
morta na mão, algo normal para a realidade do sertanejo, mas para muitos uma imagem
não apreciável, e ter escrito na legenda da imagem jantar garantido. E o segundo motivo
por ter furado a quarentena para pescar com Leonardo, outro cantor.
A partir disso, o cantor Gusttavo Lima se pronunciou contra os canceladores: esse
povo está querendo me cancelar. Que que é cancelar? Depois do que, 12 anos, 10 anos
de sucesso, cancelar eu? Vai ser difícil. Além de observarmos que o cantor foi cancelado
por um termo que não tem o conhecimento, ele expõe que não ficará submisso a esse
conceito. E observa-se também, na fala do cantor, que para ele quanto mais conhecido
e sucesso tiver uma personalidade menos ela será alvo de críticas, mas ao associarmos
isso aos cancelamentos que ocorreram no início de 2021, a exemplo da rapper Karol
Conká observa-se que não importa o tamanho da sua fama ou militância, se desagradou
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
67
o pacto coletivo depositado sobre esse indivíduo, a personalidade pode sim, sofrer com
cancelamento. Mas, assim como se posicionou o cantor Gusttavo Lima, uma personalidade
também tem o direito de aderir ou não ao que está sendo acusada.
Outros famosos cancelados foram o MC Livinho, o ator Evan Peters e a atriz Emma
Watson que foi cancelada por conta do Blackout Tuesday (terça-feira do apagão), a atriz
aderiu ao movimento e fez a publicação de uma imagem preta no seu Instagram, no entanto
ela usou uma moldura branca na imagem para manter a estética e a organização do seu
perfil, contudo os internautas não perdoaram o detalhe que não passou despercebido pelos
canceladores. A atriz recebeu muitas críticas, e com isso, observam-se como pequenas
coisas podem tomar grandes proporções quando os vigilantes da internet estão a nos
observar. Dentre os critérios jornalísticos que se evidenciam podemos citar: o de pessoa
de destaque; de indignação; de interesse de grande número de pessoas; de continuidade,
ao observarmos diferentes personalidades envolvidas em um mesmo acontecimento, o
cancelamento, e o critério de anormalidade.
Na última matéria (J) analisada o portal relembra casos de personalidades que foram
canceladas, o termo relembrar nos faz deduzir que algo foi esquecido e nessa matéria podese observar o poder do discurso jornalístico de disseminar ou intensificar determinada fala
ou acontecimento. Nela, observam-se os mesmos critérios jornalísticos da matéria anterior.
Como personalidades relembradas, pode-se citar: Gabriela Pugliesi; Thaila Ayala; Flávia
Pavanelli que deu a entender que tinha contraído a COVID de entregadores de delivery,
a ex-bbb Rafa Kalimann que foi alvo de críticas após publicar fotos de uma festa junina
que realizou para os sobrinhos durante a quarentena; o jogador de futebol Neymar que foi
cobrado pelos seus seguidores para que liberasse dinheiro, a fim de ajudar no combate
ao Coronavírus. Após as críticas o jogador doou cinco milhões para ajudar no combate ao
vírus. E, como última personalidade relembrada tivemos a atriz Isis Valverde que entrou na
mira do cancelamento por manter a babá de seu filho trabalhando durante a quarentena.
7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O termo cancelamento se intensificou com a pandemia em 2020, já que afloraram
nas pessoas o descontentamento, julgamentos e críticas diante dos comportamentos
alheios. Portanto, ao verificarmos os comportamentos que mais levaram uma personalidade
a ser cancelada, com base na cobertura jornalística dos portais de notícias on-line
Metrópoles e R7, pode-se mencionar: a ausência de empatia, o desrespeito ou preconceito,
a romantização do Coronavírus, a negligência, o egoísmo, o assédio, e a utilização de
símbolos ou expressões não apreciadas por uma comunidade virtual.
Além disso, ao falarmos de personalidades mais canceladas, observa-se que
enquanto o portal R7 mesclou na exibição e cobertura de variadas personalidades,
fazendo uma abordagem mais geral, o portal Metrópoles não expôs uma variedade de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
68
personalidades canceladas, como visto no R7, sendo Gabriela Pugliesi uma personalidade
que ganhou destaque nos dois portais, porém mais ênfase no Metrópoles.
Cabe salientarmos que os portais de notícias on-line, ao noticiarem o movimento do
cancelamento, têm o poder de perpetuarem ideias e intensificarem discursos que nascem
em territórios digitais, colaborando com a extensão dos julgamentos. Contudo, as matérias
analisadas dos portais on-line só figuraram como notícias, porque foram incluídas dentro
de critérios de noticiabilidade, com isso, pode-se destacar dentre os principais critérios
observados nesse estudo: o critério de personagem público ou pessoa de destaque;
indignação; interesse; crime; continuidade e anormalidade.
A vista disso, a pandemia exigiu novas posturas e atenção redobrada não só de
personalidades, que estão mais suscetíveis a serem curtidas ou apagadas nas redes
sociais digitais, mas de qualquer indivíduo ou produtor de conteúdo que explore o ambiente
digital. Para mais, pode-se perceber que os efeitos de cancelar um indivíduo podem
perdurar mais para uns do que para outros, podendo ser assunto para futuras pesquisas:
a análise de gêneros mais recorrentes em cancelamentos, assim como o aprofundamento
nos mecanismos que a educação midiática possui, a fim de promover comunicações
interpessoais mais saudáveis, diálogos críticos e empáticos, respeito entre opiniões
divergentes, contribuições positivas para o âmbito social e consciências mais fortalecidas
e assertivas no amanhã.
REFERÊNCIAS
BRASILEIRO, Felipe Sá; AZEVEDO, Jade Vilar de. Novas práticas de linchamento virtual: fachadas
erradas e cancelamento de pessoas na cultura digital. Revista Latinoamericana de Ciencias de la
comunicación. Vol. 19, nº. 34, 2020.
BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Tradução: Vera Pereira. Rio de Janeiro:
Zahar, 2011.
BUCKINGHAM, David Cultura Digital. Educação Midiática e o Lugar da Escolarização Educação &
Realidade. Vol. 35, n°. 3. Set./Dez, 2010, pp. 37-58.
CANAVILHAS, João. Webjornalismo: considerações gerais sobre jornalismo na web. Livros Labcom,
2003.
COELHO, Pedro Manuel Rouxinol Samina. A formação académica para o jornalismo do século XXI:
sobre questões de prática e técnica Jornalismo e mercado - os novos desafios colocados à formação.
Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2013.
CHIARI, Breno da Silva. et al. A cultura do cancelamento, seus efeitos sociais negativos e injustiças.
ETIC - Revistas Eletrônicas da Toledo Prudente.Vol.16, n°. 16. 2020.
FALQUETO, Emanuelly Silva. Cibercultura, redes sociais digitais e a complexificação só fazer
comunicativo. TROPOS: Comunicação, Sociedade e Cultura. Vol. 1, n°. 2. 2014.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 4
69
FERREIRA, Giovandro Marcus; DALMONTE, Edson Fernando. Webjornalismo, critérios de
noticiabilidade e efeitos de sentido. Comunicação Veredas. Ano 7, n°. 07. Nov. 2008.
FRANCISCATO, Carlos Eduardo. Limites teóricos e metodológicos nos estudos sobre a noticiabilidade.
Compós. 2014.
KELLNER, Douglas; SHARE, Jeef. Educação para a leitura crítica da mídia, democracia radical e a
reconstrução da educação. Educação & Sociedade. Vol. 29, nº. 104. Out. 2008, pp. 687-715.
LÉVY, PIERRE. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 1ª ed. São Paulo: Ed. 34, 1999.
OLIVEIRA, Camilla Pereira de; HONÓRIO, Bruno. Cultura do Cancelamento: O que é? Do que se
alimenta? Como se reproduz? MUTATO. São Paulo, 2020.
PINTO, Manuel. O jornalismo enquanto campo social e como domínio de formação. Comunicação e
Sociedade. Vol.12, n° 1-2, 1999, pp 75-95.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
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SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de; CARDOSO, Carla. As redes sociais digitais: um mundo em
transformação. Agenda Social. Vol. 5, n° 1. Jan./ Abr. 2011, por. 65-78.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Tradução: Maria Jorge Vilar de Figueiredo. 8ª ed. Portugal:
Presença, 1985.
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Capítulo 4
70
ANEXOS
Matérias do portal de notícias Metrópoles
Matéria (A) - Cancelados! Redes sociais têm sido prova de fogo para cantores sertanejos. Disponível
em:https://www.metropoles.com/entretenimento/musica/de-marilia-mendonca-a-eduardo-costaentenda-a-onda-de-sertanejos-cancelados. Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matéria (B) - Coronavírus: Gabriela Pugliesi é acusada de romantizar doença. Disponível em:https://
www.metropoles.com/celebridades/coronavirus-gabriela-pugliesi-e-acusada-de-romantizar-doenca.
Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matéria (C) - Após festa, Pugliesi perde 150 mil seguidores no Instagram. Disponível em:https://www.
metropoles.com/celebridades/apos-festa-pugliesi-perde-150-mil-seguidores-no-instagram. Acesso em:
31 de mai. 2021.
Matéria (D) - Vídeo: Gabriela Pugliesi volta ao Instagram e fala sobre responsabilidade. Disponível
em:https://www.metropoles.com/celebridades/video-gabriela-pugliesi-volta-ao-instagram-e-fala-sobreresponsabilidade. Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matéria (E) - Após vídeo de desculpas, Pugliesi conseguiu perdão da internet? Confira. Disponível
em:https://www.metropoles.com/entretenimento/apos-video-de-desculpas-pugliesi-conseguiu-perdaoda-internet-veja-dados. Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matérias do portal de notícias R7
Matéria (F) - Com covid-19, MC Kevin fura isolamento social e é criticado. Disponível em: <https://
entretenimento.r7.com/musica/com-covid-19-mc-kevin-fura-isolamento-social-e-e-criticado-11052020>.
Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matéria (G) - Gabriela Pugliesi quebra quarentena, faz festa e é detonada. Disponível em:
https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/gabriela-pugliesi-quebra-quarentena-faz-festa-e-edetonada-26042020. Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matéria (H) - Caso Pugliesi: psicóloga explica que furar isolamento é traição social. Disponível
em: <https://lifestyle.r7.com/caso-pugliesi-psicologa-explica-que-furar-isolamento-e-traicaosocial-27042020>. Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matéria (I) - De Gusttavo Lima a Thaila Ayala: veja famosos que foram ‘cancelados’. Disponível em:
<https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/fotos/de-gusttavo-lima-a-thaila-ayala-veja-famosos-queforam-cancelados-09062020>. Acesso em: 31 de mai. 2021.
Matéria (J) - ‘Cancelados’: relembre vacilos de influenciadores durante pandemia. Disponível
em: <https://lifestyle.r7.com/fotos/cancelados-relembre-vacilos-de-influenciadores-durantepandemia-21072020>. Acesso em: 31 de mai. 2021.
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71
CAPÍTULO 5
A ATUAÇÃO DO PORTAL DE NOTÍCIAS ‘A CIDADE
ON’ NO ÂMBITO DO JORNALISMO CULTURAL EM
CAMPINAS1
Data de aceite: 01/02/2022
Letícia Cristina Sobrinho
Estudante de Graduação 8º. semestre do
Curso de Jornalismo da PUC-Campinas
Campinas, SP
Maria Lucia De Paiva Jacobini
Professora doutora do Curso de Jornalismo da
PUC-Campinas
Campinas, SP
Web jornalismo; Jornalismo Cultural; Cultura.
INTRODUÇÃO
Em 2019, uma pesquisa feita pelo
Portal3601 buscou dados de 10 dos jornais
diários mais relevantes, como por exemplo
Globo, Estadão e Folha de S. Paulo, e constatou
que de janeiro a outubro daquele ano, a
circulação de exemplares em papel já havia
caído 10%. Segundo a pesquisa, esse dado
segue uma tendência de queda dos últimos
Trabalho apresentado no GT História da Mídia Digital,
integrante do XIII Encontro Nacional de História da
Mídia. Este trabalho é concorrente ao Prêmio José
Marques de Melo.
cinco anos.
Olhando para o cenário local, alguns
veículos importantes da cidade de Campinas
ilustram essa tendência em âmbito regional,
pois migraram para o digital nos últimos anos.
RESUMO: A presente pesquisa utiliza das
metodologias revisão bibliográfica e análise de
conteúdo para verificar se a produção de jornalismo
cultural - em novembro e dezembro de 2019 - no
portal de notícias A Cidade ON contribui para
a valorização, reverberação e democratização
dacultura, em toda sua diversidade, na sociedade
campineira. A demais, por se tratar de um veículo
online,busca - se analisar se opor tal trabalha
dentro das características do web jornalismo e
utiliza os recursos disponíveis no meio digital
com o objetivo de tornar seu conteúdo mais
dinâmico,interessante e robusto.
PALAVRAS-CHAVE:Históriada Mídia Digital;
Em 2016, a Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) anunciou em seu site oficial que o
Jornal da Universidade, prestes a completar 30
anos, passaria a ser publicado exclusivamente
na versão online. O mesmo aconteceu com
o jornal Diário do Povo, que em 2012, seu
centenário, trocou o impresso pelo online.
Fidalgo (In: BARBOSA, 2007) discorre
sobre a mudança na resolução semântica
da notícia. Por exemplo, a possibilidade da
atualização constante trazida pelo meio online
influencia na qualidade e profundidade da
informação, já que, é sempre possível editar
1 Disponível em: <https://www.poder360.com.br/midia/jornais-no-brasil-perdem-tiragem-impressa-e-venda-digital-ainda- e-modesta/> Acesso em: 02 set, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
72
conteúdos publicados ou criar novos conteúdos que dialoguem com os anteriores.
Pode-se acrescentar ao webjornalismo a capacidade de construir comunidades
(BARBOSA, 2001, p.5) – ao informar pessoas localizadas em um mesmo espaço geográfico,
ou com pensamentos, cultura e interesses similares – e de criar memória coletiva – ao fazer
uma documentação e registro de acontecimentos.
A presente pesquisa analisa a produção jornalística sobre cultura feita pelo portal
de notícias online ACidade ON2 dentro da cidade de Campinas. O veículo é integrante do
Grupo EP, que possui quatro afiliadas Globo (EPTV) no Interior de São Paulo e Sul de
Minas, e abrange as regiões de Araraquara, Campinas, Ribeirão Preto e São Carlos. O
período escolhido para análise foi novembro e dezembro de 2019.
O trabalho tem como objetivo geral verificar se o veículo noticia sobre a produção
cultural vinda de áreas periféricas da cidade e de locais historicamente elitizados em
uma mesma proporção. Além disso, busca-se identificar o nível da abordagem feita
- se mais aprofundada ou se mantém o estilo “agenda cultural”, apenas informando
sobre acontecimento de eventos. Também, verificar se o veículo trabalha dentro das 7
características do webjornalismo apresentadas por Canavilhas (2014 apud SOUZA, 2016).
E, por fim, identificar e quantificar os recursos multimídia que o ACidade ON dedica à
cultura da região.
Destaca-se aqui a importância de falar sobre cultura – tanto sobre o acesso a ela
quanto sobre os recursos para produzi-la – levando em conta o contexto político e social
atual, no qual há uma tendência a deslegitimação da produção cultural.
Alex Pegna Hercog, em artigo3 publicado no jornal Le Monde Diplomatique Brasil,
em fevereiro de 2020, faz uma análise do um ano de governo Bolsonaro e conclui que este
foi marcado por ataques à cultura. Hercog cita as críticas a Lei Rouanet; passa pelos cortes
de 43% no orçamento do Fundo Setorial Audiovisual, e chega até as censuras diretas, como
a ocorrida na Agência Nacional do Cinema (Ancine), que suspendeu edital para séries que
incluíam temáticas raciais e LGBTs. Bolsonaro assumiu sua intervenção direta na agência.
Esta pesquisa utiliza como metodologia a revisão bibliográfica e a análise de
conteúdo – quantitativa e qualitativa. Gil (2002) explica que revisão bibliográfica é parte
importante de um projeto de pesquisa e utiliza como base materiais já elaborados, como
livros e artigos.
É necessário consultá-los para conhecer o que já foi desenvolvido sobre o tema
escolhido de forma mais profunda, a fim de enriquecer a pesquisa.
Alguns dos autores utilizados são Alves & Oliveira (2015), para apresentar algumas
definições de cultura; Melo (2010), que discorre acerca da cultura quando abordada pelo
jornalismo; Ballerini (2016) e sua visão sobre a chamada “ditadura” da agenda cultural
2 Disponível em: <https://www.acidadeon.com/campinas/default.aspx> Acesso em: 27 out, 2020.
3 Disponível em: <https://diplomatique.org.br/primeiro-ano-de-governo-bolsonaro-e-marcado-por-ataques-a-cultura/>
Acesso em: 02 set, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
73
e a apresentação de Souza (2016) das características do webjornalismo, de Canavilhas
(2014).
A análise de conteúdo, por sua vez, é a metodologia na qual se busca descrever
e interpretar conteúdos de maneira mais minuciosa. Por se tratar de uma interpretação
de conteúdo, pode carregar um pouco da opinião do autor da pesquisa sobre o tema. No
entanto, isso não significa ser uma análise sem direcionamento, o autor precisa ter claro em
sua mente o que deseja descobrir com essa pesquisa, ou seja, quais são seus objetivos.
“Numa abordagem quantitativa, dedutiva, de verificação de hipóteses, os objetivos são
definidos de antemão de modo bastante preciso” (MORAES, 1999, p.3).
As 52 matérias analisadas foram localizadas com o uso de palavras-chave
relacionadas ao jornalismo cultural e a manifestações culturais, são elas: arte, cinema,
circo, dança, teatro, música, debate, espetáculo, evento, exposição, feira, literatura, oficina,
sarau, show e workshop.
Os critérios da análise realizada têm como base as características do jornalismo
cultural, as discussões sobre o conceito de cultura, as críticas à agenda cultural e as sete
características do webjornalismo.
DEFINIÇÕES DE CULTURA E QUANDO ABORDADA PELO JORNALISMO
Apesar de parecer simples, uma definição exata e única de cultura é difícil de se
encontrar, pois o termo é amplamente discutido desde o início do século XVI (ALVES;
OLIVEIRA, 2015) por várias áreas do conhecimento.
Dentro da perspectiva antropológica, Roque de Barros Lacaia (2009 apud ALVES;
OLIVEIRA, 2015) argumenta que a humanidade atingiu seu apogeu graças à cultura, pois,
enquanto outros animais dependiam de modificações genéticas para se adaptarem ao meio
ambiente, o homem valeu-se dela para sobreviver.
O autor (2009 apud ALVES; OLIVEIRA, 2015) explica que a cultura é dinâmica
e cumulativa, ou seja, o indivíduo nasce com alguns conhecimentos e habilidades, mas
sempre pode adquirir novos de acordo com o que é imposto pelo meio em que vive. Além
disso, esse caráter não-estático da cultura permite a contestação de comportamentos.
Zygmunt Bauman contribui para a visão sociológica da cultura em sua obra Ensaios
sobre o conceito de cultura (2012). Nela, dentre várias interpretações, o autor trabalha
com uma visão dualística. Ele diz que ao mesmo tempo em que a cultura é conservadora
– mantém o que já existe –, também é mutável – está aberta ao novo. Segundo ele, ela
liberta e limita ao mesmo tempo, por ser “uma espécie de gabarito comportamental tanto
de indivíduos como de comunidades” (ALVES; OLIVEIRA, 2015, p.6).
Segundo Melo (2010), o sentido de cultura se altera nas sociedades contemporâneas.
A autora explica que graças à chegada da internet, há maior flexibilidade e diálogo entre
o próximo e o distante; além disso, os meios de comunicação enfraquecem monopólios e
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
74
jogam luz às manifestações culturais antes ignoradas.
Burke (2004 apud MELO, 2010) explica que o jornalismo cultural emerge
historicamente no final do século XVII, ao ganhar novos contornos na Europa e conquistar
difusão, periodicidade e mercado. Os primeiros impressos de cobertura de obras culturais
datam de 1665 e 1684.
No Brasil esse tipo de conteúdo só começaria a ser produzido dois séculos depois,
tendo sua expressão máxima em 1928, com a revista O Cruzeiro. A partir dos anos 50,
aparecem os primeiros cadernos de cultura nos jornais impressos, especialmente nos fins
de semana, inaugurados pelo Jornal do Brasil, em 1956, com o “Caderno B”.
Para definir o que é jornalismo cultural e construir sua identidade, Melo (2010) busca
características que se mantém desde seu surgimento: a necessidade de democratizar
conhecimento e seu caráter reflexivo.
Desde o jornal britânico The Spectator (1711) e sua missão de “trazer a filosofia para
fora das instituições acadêmicas” (BURKE, 2004, p.78 apud MELO, 2010, p.2), até o Jornal
do Brasil, 200 anos depois, o jornalismo cultural nasce e se mantém com a função social
de democratizar o acesso ao conhecimento - fazendo chegar a muitos o que era restrito
a poucos -, traduzir ideias complexas e revelar que em toda obra há algum pensamento
profundo sobre a condição humana (MORIN, 2010 apud MELO, 2010).
Golin utiliza Rivera (1995) e Gadini (2004) para explicar que, na tentativa de
tipificar a produção de jornalismo cultural, este se encontra em um espaço com diversas
possibilidades. A autora explica que, se tratando de forma e conteúdo, o alcance do
jornalismo cultural é amplo.
Ademais, segundo ela, o jornalismo, de forma geral, vive um impasse, desde o século
XVII, na tentativa de separar opinião e informação. No entanto, desde seu nascimento, o
jornalismo cultural se caracteriza por sua análise crítica e abordagem aprofundada – tal
atributo fica evidente em alguns de seus gêneros textuais: crítica, resenha, crônica –, e é
isso que o diferencia de outras editorias (MELO, 2010).
A “DITADURA” DA AGENDA NO JORNALISMO CULTURAL
Sobre o que chama de “ditadura da agenda”, Ballerini4 pontua que o jornalismo se
distancia da premissa de George Orwell - “jornalismo é publicar aquilo que alguém não
quer que se publique. Todo o resto é publicidade” - ao se tornar escravo deste tipo de
abordagem. Ele critica que ao se analisar as publicações de jornalismo cultural nota-se,
além de materiais muito semelhantes, em sua grande maioria, conteúdos pautados em
press-releases recebidos de assessorias de imprensa.
Thomé, por sua vez, critica o jornalismo cultural agenda que anuncia, vende
4 Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/ditadura-da-agenda-cultural/>
Acesso em: 16 set, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
75
“produtos culturais e não fatos culturais”5. Ela argumenta que o problema não está só nas
escolhas dos meios de comunicação, mas também na dificuldade de convencer os próprios
consumidores de que o jornalismo cultural é importante.
Segundo ela, “o Brasil é um deserto em termos de cultura” e, por isso, o jornalismo
cultural fica à margem em discussões sobre os meios de comunicação. Isso causa, também,
uma abordagem superficial do tema dentro das universidades, que, consequentemente,
inibe a produção de um jornalismo cultural consistente, logo, entra-se em um ciclo vicioso.
Por fim, Thomé usa as palavras de Mauricio Stycer, repórter e crítico de televisão
do UOL e colunista da Folha de S. Paulo, para apresentar pontos problemáticos dentro
do jornalismo cultural brasileiro em seu formato agenda: contaminação pela publicidade;
rejeição de assuntos considerados chatos, como políticas culturais, patrocínios, leis
de incentivo; jornalismo de celebridade, ou seja, a vida é mais importante que a obra,
e assessores de imprensa com muita influência sobre os editores. Percebe-se que tais
pontos críticos entram em choque com o que se espera do jornalismo cultural: postura
crítica e democratização da cultura.
AS CARACTERÍSTICAS DO WEBJORNALISMO
A produção jornalística na web carrega consigo algumas características. Elas
são apresentadas por Souza (2016) em uma resenha sobre o livro de João Canavilhas,
Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença (2014).
A primeira característica, hipertextualidade, pode ser definida como blocos
informativos e hiperlinks estruturados, mantendo-se uma escrita não sequencial, ou seja,
um texto com várias opções de leitura. Assim, o leitor tem a opção de escolher o que deseja
ler primeiro e é encaminhado de um bloco informativo até o outro por meio dos links, e
quando essa conexão entre dois blocos acontece, denomina-a hiperligação.
A segunda característica, multimedialidade, significa informar para todos os
sentidos humanos – visão, audição, olfato, paladar e tato. Se trata de combinar ao menos
dois tipos de linguagem em somente uma mensagem.
Ao ouvir o leitor e conhecer seu público, os meios de informação jornalísticos dão
maior poder a ele, por isso, a importância da terceira característica, a interatividade. Ela é
dividida em dois tipos: a seletiva – se dá por meio da ação individual do leitor, ao selecionar
conteúdos e se aprofundar no que mais lhe interessa – e a comunicativa – que acontece
quando o meio de comunicação abre espaço para o usuário comentar em publicações ou
enviar e-mails para a redação, por exemplo.
Já a quarta característica, memória, significa unir vários formatos midiáticos em
uma rede de arquivos que pode ser acessada instantânea e rapidamente. Por isso, estes
arquivos se transformam em fonte de informação, tanto para quem a produz, quanto para
5 Disponível em: < https://www.coletiva.net/artigos/jornalismo-cultural-agenda-ou-tradicao,189517.jhtml> Acesso em:
16 set, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
76
quem a consome.
Sobre a quinta característica, instantaneidade, o autor, no livro, argumenta que a
busca por ser o primeiro a noticiar sobre algo, ou seja, dar o furo, devido à concorrência,
pode ser um problema, pois o público pode até querer saber primeiro, mas também quer
saber com profundidade.
A sexta característica, personalização, é útil na conquista ou reconquista de
espaço de mercado. Ela é dividida em seis níveis: possibilitar a adaptação das páginas de
conteúdo em diversas telas; adaptar o conteúdo de acordo com os horários e necessidades
do seu público; garantir que o leitor possa interagir; utilizar ferramentas e aplicativos que
ajudem o leitor na tomada de decisões, como compra de um carro ou uma casa; utilizar
algoritmos que produzam atualização constante de conteúdos que variam muito, como a
taxa de câmbio, por exemplo; e, por fim, adicionar outras aplicações dentro da notícia.
A última característica, ubiquidade, se trata da capacidade de estar em vários lugares
ao mesmo tempo, ou seja, poder acessar informação de qualquer lugar. No entanto, um
ponto negativo da ubiquidade seria “o declínio da privacidade e a ascensão da vigilância
estatal, através da vigilância do público sobre o privado em detrimento ao anonimato e à
privacidade” (SOUZA, 2016, p.7).
RESULTADOS OBTIDOS E ANÁLISE
A partir de uma análise de conteúdo feita sobre o objeto - 52 matérias do portal
ACidade ON localizadas com o uso das palavras-chave: arte, cinema, circo, dança, teatro,
música, debate, espetáculo, evento, exposição, feira, literatura, oficina, sarau, show
e workshop; publicadas em novembro e dezembro de 2019 – obteve-se os seguintes
resultados.
Tomando a argumentação de Melo (2010) e Golin (2009) como base, podemos,
em poucas palavras, definir que o jornalismo cultural tem a função de provocar reflexão
no leitor e democratizar conhecimento. Assim, pode-se concluir ser necessária atenção
não só para o nível de abordagem, mas também para quais locais é dada visibilidade. O
jornalismo cultural só se torna democrático ao abordar, igualmente, manifestações vindas
de todos os espaços.
Um estudo do Ibope Inteligência6, publicado em 2016, mostrou que 80% dos
frequentadores de Shoppings pertencem às classes A e B, em 1998 eram 61%; e que 48%
tem ensino superior, em 1998 eram 21%; ou seja, a segregação cresceu ao longo dos anos.
Logo, percebe-se que estes locais são mais frequentados por elites econômicas.
O primeiro critério para análise do conteúdo foi identificar em quais bairros e
espaços da cidade de Campinas a produção de jornalismo cultural do portal chega, para
6 Disponível em: <https://exame.com/marketing/9-numeros-reveladores-sobre-os-consumidores-nos-shoppings/>
Acesso em: 23 out, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
77
visualizar se há uma cobertura equilibrada em toda a cidade ou predomínio de algumas
regiões.
Das 52 matérias analisadas, em 24 (quase metade) são divulgados acontecimentos
culturais ocorridos na área central da cidade e em Shoppings, ou seja, espaços onde o
acesso é mais fácil para populações elitizadas, pois realizam, historicamente, segregação.
Ao passo que há divulgação de apenas 11 eventos em locais destinados especialmente à
cultura – Teatros, Sesc, MIS, CIS, Ciesp e Instituto CPFL – e apenas 6 em regiões periféricas
– Barão Geraldo, Urucungos Puítas e Quijengues, e Associação Anhumas Quero-Quero.
Assim, percebe-se que a distribuição de pautas é desigual entre a cidade, logo, o portal não
cumpre com totalidade seu papel de democratizar cultura.
Ao observar a área de cobertura do veículo, nota-se, também, um dos lados da
visão dualística de Bauman (2012) sobre cultura. O autor diz que a cultura pode ser, ao
mesmo tempo, conservadora – mantém o que já existe –, e mutável – está aberta ao novo.
No portal, ao haver uma maior divulgação de acontecimentos em locais centrais e elitizados
e espaços criados especialmente para eventos culturais, percebe-se que em sua produção
há uma tendência a conservar a cultura já existente e conhecida na cidade, mantendo-se
em uma zona de conforto e abrindo pouco espaço para o novo, seja ele um local ou um
conceito, já que o jornalismo cultural produzido pelo veículo pouco, ou quase nada, discute
cultura.
Outro ponto analisado foi a profundidade de abordagem, com objetivo de verificar
se o jornalismo cultural do portal provoca reflexão no leitor. Ademais, observar se discute
conceitos culturais, desdobramentos e implicações das produções, manifestações ou
eventos na sociedade campineira ou se mantém um estilo de agenda cultural.
Em 47 matérias o portal apresenta uma contextualização básica do acontecimento
cultural antes dele acontecer – informa do que se trata, onde e quando vai ocorrer, como
participar, quem são as pessoas envolvidas (artistas, grupos, etc) e um breve resumo sobre
elas (carreira, formação, etc) –, ou seja, não discute conceitos culturais, desdobramentos e
implicações das produções, manifestações ou eventos na sociedade campineira. Portanto,
se trata de uma agenda cultural.
No entanto, o jornalismo cultural no modelo agenda abre margem para críticas e
algumas de suas características são visíveis no portal. Olhar raso, forte apelo publicitário
(há banners e gadgets ao redor de todo conteúdo com anúncios, como de carros ou
celulares, por exemplo, que não necessariamente se conectam ao tema da publicação),
uma estrutura simples (apenas foto e texto) e rejeição de assuntos “chatos”, como políticas
culturais, patrocínios e leis de incentivo, são atributos do veículo que fazem com que sua
produção, nas palavras de Thomé (2004), venda produtos culturais e não fatos culturais,
e tal postura é problemática, pois distancia-se do que se espera do jornalismo que aborda
a cultura.
Das 52 analisadas, apenas 5 apresentam abordagens diferentes e utilizam mais
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
78
recursos multimídia, assim, são apresentadas neste trabalho com exceções.
Dentro do período de amostragem foram encontradas 4 matérias pertencentes à
coluna “Giro, com Guilherme Gongra”, nas quais é apresentada a cobertura de eventos após
o acontecimento deles – diferente das outras 47 matérias citadas anteriormente. Porém,
mantêm-se uma contextualização básica, sem aprofundamento em discussões sobre os
impactos sociais e/ou desdobramentos do evento na sociedade campineira. Assim, o maior
diferencial destas matérias, se comparadas as outras, é o uso de galeria de fotos em todas
as quarto e de vídeo em duas delas.
A quinta exceção é uma reportagem produzida por Cecília Polycarpo para o Doc ON
– aba do portal ACidade ON destinada a conteúdos especiais. Intitulada ‘Em alta, grafite
é alternativa contra o cinza urbano’7, a reportagem tem texto mais extenso e a abordagem
aprofunda em desdobramentos e impactos do grafite na cidade de Campinas; além disso,
são ouvidos e é apresentado o trabalho de quatro grafiteiros. Ademais, a matéria tem
galeria com 19 fotos e um vídeo de 1 minuto e 49 segundos.
Em se tratando das características do webjornalismo apresentadas por João
Canavilhas, em seu livro Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença (2014
apud SOUZA, 2016), e analisadas no portal, obteve-se os resultados apresentados abaixo.
Das matérias verificadas, apenas 10 utilizam hiperlink(s). No entanto, o
direcionamento é a sites para venda de ingressos, inscrição no evento ou com o regulamento
de promoções, portanto, não dividem o conteúdo em blocos informativos complexos, que
tragam novas informações e agreguem conhecimento à matéria. As únicas exceções,
talvez, sejam o direcionamento feito para uma página com trailers de filmes e outro para
outra matéria dentro portal, mas, ainda assim, é um uso muito raso da hipertextualidade.
Para observar a multimedialidade, foi realizada contagem dos recursos multimídia
utilizados no portal e obteve-se os seguintes resultados.
Apenas 7 matérias utilizam vídeo. Em uma delas, inclusive, o material é dos
próprios artistas abordados na publicação e foi incorporado na postagem. Tal recurso, a
título de exemplo, poderia ser utilizado também na matéria ‘Duo Lus se apresenta nesta
quinta em Barão Geraldo’ – a fim de apresentar o trabalho dos artistas ao leitor, sem
desprender de recursos próprios para produção audiovisual, ou seja, sem gastos –, no
entanto, isso não é feito.
Além disso, 51 matérias utilizam post em áudio8 - a matéria ‘Sobrapar reúne mais de
4 mil pessoas em show beneficente’9 não utiliza o recurso. 51 matérias utilizam fotografia
- não utiliza nenhuma fotografia a matéria ‘MIS tem opção de cinema gratuito no final de
7 Disponível em: <https://www.acidadeon.com/campinas/docon/especial/NOT,0,0,1460229,em-alta-grafite-e-alternativa- contra-o-cinza-urbano.aspx> Acesso em: 16 out, 2020.
8 Post em áudio é quando no início da notícia há um player de áudio com todo o conteúdo do texto gravado. Em suma,
ele permite que o usuário ouça a matéria ao invés de ler.
9 Disponível em: <https://www.acidadeon.com/campinas/lazerecultura/giro/GFOT,0,3,38005,sobrapar+reune+mais+de+4+mil+pessoas+em+show+beneficente.aspx#:~:text=O%20evento%20beneficente%20reuniu%20mais,de%20
m%C3%A9dia%20e%20alta%2 0complexidade. > Acesso em: 30 out, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
79
semana’10 -, mas em apenas 5 (apresentadas anteriormente) é feito uso de mais de uma
foto. Nenhuma matéria utiliza infográfico11.
Percebe-se, assim, que o veículo apresenta algumas deficiências nesta característica
pois, mesmo sendo um portal online e, portanto, não sofreria com a limitação do impresso
– que permite uso apenas de texto e imagem –, utiliza muito pouco do que está disponível
para o meio digital, que o diferencia do jornalismo impresso.
Sobre a interatividade, percebe-se que ela também não é uma preocupação do
veículo, pois no site não há uma seção de comentários para que o leitor opine e participe da
construção da notícia. A única interação disponível ao usuário é a possibilidade de reportar,
à equipe do portal, erros na matéria – classificada como interatividade comunicativa –;
compartilhar a postagem em redes sociais (Facebook, Twitter, LinkedIn e WhatsApp) e
imprimir a notícia. A parte isso, não há encorajamento para a discussão sobre o conteúdo.
Tal comportamento limita o veículo no conhecimento de seu público e, assim, se torna mais
difícil personalizar sua produção pensando no leitor.
Sobre a personalização, dos 6 níveis apresentados no livro, o portal cumpre bem
apenas 3: possibilidade de leitura do material em diversas telas (celular, computador, tablet);
adaptação de conteúdo com o uso do post em áudio, permitindo ao leitor ouvir a matéria
ao invés de ler; e ferramentas que ajudam na tomada de decisão, como o direcionamento
para sites de compra de ingressos. No entanto, nos demais níveis o portal deixa a desejar,
pois não permite que o leitor interaja, como já apresentado; não utiliza algoritmos que
produzem atualização constante – também não faz atualização de conteúdo – e nem outras
aplicações dentro da notícia, como leitor de QR Code, por exemplo.
Sobre a instantaneidade, considerando o estilo agenda cultural adotado pelo portal,
percebe-se que, independente do desejo de noticiar primeiro ou não, a abordagem é
imediatista. O imediatismo, segundo Golin (2009), leva a produção de conteúdo raso e
menos maciço, que se distancia do esperado do jornalismo cultural.
As duas últimas características do webjornalismo apresentadas no livro de
Canavilhas aparecem no portal – produção de memória e ubiquidade – e ambas pelo
mesmo motivo, ser um veículo online.
A primeira, pois todo conteúdo pode ser acessado, de forma instantânea e rápida,
por qualquer um - leitor ou jornalista - que deseje encontrar informações, logo, serve como
banco de dados. E a segunda, pois o material pode ser acessado a qualquer momento,
desde que se tenha acesso à internet.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O veículo analisado neste trabalho carrega consigo definições que direcionam o
10 Disponível em: < https://www.acidadeon.com/campinas/lazerecultura/NOT,0,0,1468040,mis+tem+opcao+de+cinema+gratuito+no+final+de+semana.aspx> Acesso em: 15 out, 2020.
11 Textos aliados a elementos não verbais – imagens, sons, gráficos e hiperlinks –, são explicativos e informativos.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
80
tipo de atuação que se espera dele, segundo o que diz a bibliografia sobre tais definições.
É um portal de notícias online, portanto, webjornalismo, que aborda a produção cultural e
artística, também, na cidade de Campinas.
Sobre os portais de notícia, Barbosa (2001) explica que eles empregam as
características relativas ao jornalismo online e atuam como mediadores, filtrando o excesso
de informação encontrado na web, principalmente os portais que atuam regionalmente,
como é o caso do ACidade ON. No entanto, esse filtro não é sinônimo de escolher certas
manifestações culturais em detrimento de outras.
Após análise da produção de jornalismo cultural do portal, percebe-se que não há
um trabalho equilibrado de curadoria, já que eventos realizados em espaços centrais e
elitizados da cidade de Campinas são os mais divulgados. Portanto, ao fazer registro e
documentação dos acontecimentos, o veículo não se torna um agente para a valorização
e reverberação de manifestações culturais diversas, ou seja, não democratiza cultura – um
dos objetivos do jornalismo cultural, segundo Melo (2010).
Tal postura fortalece apenas um dos lados da visão dualística que Bauman (2012
apud ALVES; OLIVEIRA, 2015) tinha sobre cultura. Ele argumentava que a cultura é,
ao mesmo tempo, conservadora e mutável. Ao dar mais espaço para as manifestações
culturais citadas, em detrimento de outras, o portal se mantém na zona de conforto de
conservar o que já é conhecido, explorando raramente – vide a reportagem sobre o Grafite
em Campinas – manifestações marginalizadas e periféricas.
Além disso, o portal é insuficiente não apenas em termos de seleção de pautas,
mas também na profundidade de abordagem. Melo (2010) argumenta que o jornalismo
não pode se limitar a uma divulgação de livros, CDs, exposições; que é preciso explorar
e compreender os impactos da produção cultural na sociedade, sem renunciar a um olhar
crítico. Assim, deveria ser possível traduzir ideias complexas e provocar reflexão no leitor,
objetivos que, com a abordagem rasa e reduzida a uma agenda cultural realizada pelo
veículo, se tornam mais difíceis de alcançar.
REFERÊNCIAS
ALVES, Adilson Francelino; OLIVEIRA, Evandro de. Uma Análise Literária sobre o Conceito de
Cultura. Revista Brasileira de Educação e Cultura, São Gotardo, n.11, 2015. Disponível em: http://
periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura/article/view/200. Acesso em: 29 out, 2020.
BARBOSA, Suzana Oliveira. Jornalismo online: dos sites noticiosos aos portais locais. Biblioteca
Online de Ciências da Comunicação, 2001. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/barbosasuzana-jornalismo-online.pdf. Acesso em: 29 out, 2020.
CAVALCANTI, Ivo Henrique França de Andrade Dantas; ROCHA, Heitor Costa Lima da.
WEBJORNALISMO: Dos Portais Às Redes Sociais. Revista Observatório, v. 3, n. 1, 2017, p. 374395. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/2825.
Acesso em: 29 out, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
81
FIDALGO, António. A resolução semântica no jornalismo online. In: BARBOSA, Suzana. Jornalismo
Digital de Terceira Geração. Covilhã: Labcom, 2007. Pp. 101-110.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
GOLIN, Cida. Jornalismo cultural: reflexão e prática. In: Sete propostas para o jornalismo cultural:
reflexões e experiências, São Paulo, 2009. Disponível em: http://d3nv1jy4u7zmsc.cloudfront.net/wpcontent/uploads/2012/02/Jornalismo-Cultural-Reflex%C3%A3o-e-Pr%C3%A1tica.pdf. Acesso em: 29
out, 2020.
MELO, Isabelle Anchieta de. Jornalismo Cultural: Pelo encontro da clareza do jornalismo com
a densidade e complexidade da cultura. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, 2010.
Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/melo-isabelle-jornalismo-cultural.pdf. Acesso em: 29 out,
2020.
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, 1999, p. 7-32.
Disponível em: http://cliente.argo.com.br/~mgos/analise_de_conteudo_moraes.html. Acesso em: 29
out, 2020.
SOUZA, Haryson Alves de. Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença. Revista
Temática, v. 12, n. 8, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica/article/
view/30210. Acesso em: 29 out, 2020.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 5
82
CAPÍTULO 6
CONSULTÓRIO NO AR: COMO A AUDIÊNCIA SE
APROPRIA DOS CONTEÚDOS DOS PROGRAMAS
DE SAÚDE NO RÁDIO
Data de aceite: 01/02/2022
Elane Gomes Santos Coutinho
Mestra em Comunicação pela UNIP –
Universidade Paulista -SP.
São Paulo-SP
https://orcid.org/0000-0001-8133-6013
Valdinei Trombini
Doutor em Comunicação na UNIP –
Universidade de São Paulo
SP - Sorocaba
https://orcid.org/0000-0002-9286-5356
RESUMO: Ao longo da história, os meios de
comunicação de massa vêm, de diversos modos,
sendo utilizados na propagação de informações
sobre cuidados com a saúde. Partindo dessa
premissa, o objetivo desse estudo é identificar e
analisar as formas de apropriação dos conteúdos
de saúde no rádio, por parte dos ouvintes, para
compreender os sentidos que a audiência dá
a estes conteúdos, a fim de contribuir com os
estudos do rádio como meio de disseminação de
informações sobre saúde. O estudo de natureza
qualitativa faz uma análise de recepção, tendo
como objeto o programa Mais Saúde da Rádio
América de São Paulo, pertencente ao Sistema
Canção Nova de Comunicação. O corpus se
constitui em 27 interações dos ouvintes no blog
da emissora, no período de 2008 a 2017. A
partir dos dados coletados, foi feita uma análise
categorial das respostas do público, baseada no
esquema de Flores(1994). O resultado aponta
o impacto que o rádio tem no cotidiano dos
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
ouvintes, quando trata de temas ligados à saúde,
assumindo, em alguns casos, o papel próximo ao
de um consultório.
PALAVRAS
CHAVE:
Rádio
e
Saúde.
Comunicação e saúde. Apropriação de conteúdo.
Recepção midiática.
ABSTRACT: Throughout history, the mass
media have, in various ways, been used in the
dissemination of information about health care.
Based on this premise, the objective of this
study is to identify and analyze the forms of
appropriation of health content on the radio, by
the listeners, in order to understand the meanings
that the audience gives to these contents, in
order to contribute to radio studies as means of
disseminating health information. The qualitative
study makes an analysis of reception, having as
object the program More Health of Radio America
of São Paulo, belonging to the Canção Nova
Communication System. The corpus is made
up of 27 interactions by listeners on the station’s
blog, from 2008 to 2017. From the data collected,
a categorical analysis of the public’s responses
was made, based on the scheme of Flores (1994).
The result points to the impact that the radio has
on the listeners’ daily lives, when dealing with
health-related topics, assuming, in some cases,
the role close to that of a doctor’s office.
KEYWORDS: Radio and Health. Communication
and health. Appropriation of content. Media
reception.
Capítulo 6
83
1 | INTRODUÇÃO
A figura do receptor vem mudando ao longo do tempo, assim como evoluem os usos
dos meios de comunicação. A audiência acolhe as mensagens direcionadas pela mídia em
consonância com sua história de vida, seus desejos etc., e a mídia molda sua cultura de
ouvir, seus modos de ouvir e usar as informações passadas (ADAMI, 2008). Uma vez que a
audiência tende a ressignificar e dar novos sentidos às informações e produtos que lhe são
oferecidos, interessa saber como o público-alvo tem recebido também informações sobre
saúde que invadem todos os dias a sua rotina, através de programas de rádio voltados a
este tema.
Existem estudos mostrando como o rádio traz resultados na disseminação das
campanhas de saúde e na divulgação de temas relacionados à saúde púbica. (OLIVEIRA;
PINHEIRO, 2013). Alguns autores se debruçam em saber os tipos de perguntas e temas
que os ouvintes fazem no rádio para ensinar estudantes da área de saúde que informações
seus pacientes precisam (DERING-ANDERSON; ALLISON, 2018). Isso demonstra a
importância que a própria área de saúde já identificou no rádio. Verifica-se um número
vasto de pesquisas sobre rádio, desenvolvidas pela área de saúde. Por outro lado, rádios
no mundo todo vêm investindo, dentro de suas programações, em temas orientados à
saúde com o intuito de atender ao interesse da audiência, que busca melhoria na qualidade
de vida. Pode-se dizer que contribuir com bons hábitos de saúde é também uma forma
de conquistar e manter mais ouvintes. Estudos apontam ainda que o rádio pode ser uma
fonte de informação de saúde, praticamente sem custo, principalmente para a população
de baixa renda e pouca escolaridade. Desta forma, o meio favorece o acesso do público às
informações que não teria facilmente. (RAMIREZ et al.,2015).
Esta pesquisa visa contribuir com os estudos sobre conteúdos de saúde no
rádio tratando sobre a importância e o sentido que a audiência dá a estes conteúdos. A
problemática central está em como é que os ouvintes se apropriam dos conteúdos de
saúde em um programa de rádio. O objetivo desta discussão é analisar as interações dos
ouvintes a respeito dos conteúdos de saúde do programa radiofônico Mais Saúde, da Rádio
América de São Paulo AM 7801, apresentado de segunda a sexta-feira, das 12h às 13h.,
pela nutricionista Gisela Savioli. Para tanto, seguiremos o seguinte trajeto:
1º) Descrever como é o programa Mais Saúde exibido pela Rádio América de SP.
2º) Identificar as diversas formas de apropriação dos conteúdos do programa por
parte da audiência a partir das interações dos ouvintes no programa.
3º) Analisar e discutir as formas de apropriação dos conteúdos de saúde no rádio.
O estudo é de natureza qualitativa, analisando um programa que está no ar há 15
anos, sendo um dos principais da emissora. Pelo sucesso, deixou de ser um programa de
rádio local e passou a ser exibido para toda a rede de rádio e pela rede de TV do Sistema
1 No período da pesquisa a emissora estava na frequência 780 do dial de São Paulo-SP
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
84
Canção Nova de Comunicação. Atualmente, no rádio, vai ao ar de segunda a sexta-feira,
ao meio dia.
O programa recebe como convidados profissionais renomados de diversas áreas
da saúde, em especial da Nutrição. Doutores, pesquisadores da área e professores da
Universidade de São Paulo (USP) e outras instituições. A audiência - em sua maioria,
feminina e formada pela classe C - encontra no Mais Saúde um espaço midiático, onde
pode tirar dúvidas com estes profissionais, a quem não teriam acesso com facilidade, num
consultório ou unidade de saúde pública. Por estes motivos, o programa foi escolhido como
objeto desta pesquisa. Os ouvintes interagem através de telefone e das redes sociais:
Facebook, Youtube e Blog. Como o nosso intuito foi fazer uma análise das diversas formas
de apropriação dos programas, usou-se como corpus 27 interações dos ouvintes no blog
da emissora, do período de 2008 a 2017.
O critério de escolha pelo blog, em detrimento das outras formas de interação, foi
o fato de observar que, nesta plataforma, os ouvintes se expressam com mais elementos
textuais do que nas outras redes sociais do programa, dando assim mais condições para
análise. Foram coletados todos os comentários que havia no blog da emissora,
nas
postagens a respeito de vários episódios do programa2. A partir dos dados coletados
nestes documentos, fez-se uma análise categorial das respostas dos ouvintes, baseada na
proposta de Flores (1994).
Como método de trabalho, o estudo tem base na concepção construtivista social,
segundo a visão de Creswel (2010, p.30), quando afirma que, neste paradigma, acredita-se
que “os indivíduos desenvolvem significados subjetivos de suas experiências, significados
dirigidos para alguns objetos ou coisas”. A pesquisa se baseia em visita à Rádio América
para entrevista com o responsável pela programação da emissora e análise dos documentos
existentes que informam os índices de audiência, onde percebemos que o programa Mais
Saúde teve bastante aceitação do público, pelo fato de tratar de temas de interesse comum.
Os ouvintes sempre participaram, ao vivo ou por telefone, e agora também pelo Facebook
e WhatsApp. A interação através do blog foi bem frequente durante o período estudado, o
que mostra uma cultura participativa através dessas mídias.
MAIS SAÚDE NA RÁDIO AMÉRICA
Desde a estreia, o Mais Saúde teve bastante aceitação do público, pelo fato de tratar
de temas de interesse comum. A apresentadora, Dra. Gisela Savioli, é nutricionista clínica
funcional e fitoterapeuta. Desde o começo é a locutora do programa que trata de temas
diversos, além da Nutrição. Os assuntos vêm muitas vezes do seu campo profissional e das
participações dos ouvintes.
2 Rádio América: uma Canção Nova em sua vida. Disponível em: https://blog.cancaonova.com/america/. Acesso em
agosto de 2019. A rádio, atualmente, não divulga mais o blog, porém até o período desta pesquisa, fevereiro e maio de
2019, ele estava no ar para acesso.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
85
Os 60 minutos do programa podem ser descritos basicamente da seguinte forma:
a locutora faz uma apresentação inicial do programa com o tema do dia e as credenciais
dos convidados e, em seguida, anuncia os canais de interação do ouvinte, motivando
as participações. Após isto, os convidados fazem uma explanação didática do assunto.
Durante a explicação acontecem poucas interações da apresentadora, às vezes explicando
termos técnicos ou pedindo ao convidado que o faça. Posto o assunto, depois do intervalo,
nos próximos trinta minutos do horário, são apresentadas no ar as perguntas dos ouvintes.
Neste momento a apresentadora interage mais, pondo questões que favoreçam o debate e
os esclarecimentos. O convidado responde às perguntas até o momento final do programa,
onde são dados avisos diversos, sobre eventos, próximos temas, agenda, etc. Dependendo
da temática, pode haver mais de um convidado. Eventualmente, o programa realiza sorteios
de produtos.3
Quando não há entrevistados, o horário se constituiu de respostas às perguntas
dos ouvintes, geralmente as que não foram contempladas em outros programas. Às vezes
acontecem também algumas reprises.
CAMINHO METODOLÓGICO
A natureza do rádio é um ambiente social propício para construção de proximidade,
para participações mais íntimas por assim dizer, onde a audiência forma uma espécie de
comunidade. Sendo assim, neste estudo, o conhecimento construído vem, em parte, do
público no programa. Por isso, a discussão se apois numa concepção construtivista. Uma
vez que o problema desta pesquisa consiste em responder como os ouvintes se apropriam
dos conteúdos dos programas de saúde no rádio, a abordagem foi feita a partir do método
qualitativo, em que foi estudada a recepção do programa. A pesquisa qualitativa também
permitiu uma interpretação da complexidade dos dados. (Creswel, 2010, p.117). Portanto,
não fez parte deste trabalho analisar os números de participações em cada programa ou
qualquer outro dado numérico. O nosso foco está no significado revelado nas interações,
nos conceitos e no modo como o ouvinte responde ao conteúdo do programa, observando
nisso as várias formas de apropriação.
Quanto à estratégia de pesquisa, optou-se por realizar procedimento de análise de
dados disponíveis no blog, a fim de verificar os conteúdo e temas dos escritos dos ouvintes
nesta plataforma, a partir de expressões textuais usadas. Esta estratégia proporcionou um
estudo das similaridades nas participações dos ouvintes e uma classificação, baseada no
modelo de Flores (1994), de modo a podermos classificar as apropriações em formas de
categorias, as quais explicaremos na próxima seção.
Usando os conceitos de Creswell (2010), as técnicas de coletas de dados foram as
seguintes:
3 Esta é uma descrição básica feita com base na escuta de alguns programas.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
86
a. Observação completa (sem participação) não-estruturada: visita à emissora para
coleta de informações gerais sobre o programa e conversa com a produção.
b. Análise documental textual: foram coletados, impressos e analisadas todos os
27 comentários encontrados nas publicações dos ouvintes, em cada postagem do
blog da emissora sobre cada tema do programa. A coleta foi feita entre março e
maio de 2019.
c. Escuta do programa – escutamos o programa Mais Saúde durante uma hora,
três vezes por semana, no período de 3 meses, e registramos as observações em
caderno de anotações. Nesta escuta, observou-se os diversos modos de interação
dos ouvintes, através das redes sociais e do telefone.
d. Foi feita uma consulta em cada uma das redes sociais e verificou-se que, no blog,
as participações foram expressas com elementos textuais mais completos, sendo
por isso mais passível de ter o seu conteúdo analisado.
Uma vez que a ideia é analisar a recepção, optou-se em trabalhar com os próprios
escritos dos ouvintes, sua linguagem e uso de palavras. O montante dos dados qualitativos,
gerados pelos documentos em estudo, foi reduzido e condensado em metacategorias e
subcategorias para análise do conteúdo das respostas dos ouvintes, baseada em Flores
(1994). Tais metacategorias e subcategorias foram:
1. Consultório Midiático: relato sobre condição de saúde, solicitação de ajuda para
tratamento, tipos de alimento para prevenção, esclarecimento sobre doenças.
2. Meio de obter benefícios: abertura para sugerir temas e convidados, satisfação
com o programa, satisfação com a apresentadora, ganho de produtos e meio de
aprendizado;
3. Meio de obter informações: Indicação de local para compra de produtos
específicos, indicação de marca de produtos, indicação de cardápio, credibilidade
das informações;
4. Incentivo para mudança de hábito: reeducação alimentar, motivação para
acrescentar alimentos na dieta.
A seguir, detalhamos como se dá cada uma das formas de apropriação identificadas
nas interações dos ouvintes a respeito dos conteúdos do programas Mais Saúde.
FORMAS DE APROPRIAÇÃO DOS CONTEÚDOS NO PROGRAMA MAIS
SAÚDE
Ao agruparmos os dados em categorias, foi possível perceber algumas tendências
e estabelecer relações entre elas. No geral, verificamos que as metacategorias e
subcategorias estão bem interligadas e são interdependentes. A segmentação, no entanto,
possibilitou uma análise mais detalhada para identificação das principais apropriações, bem
como dos significados que elas têm para os ouvintes. Para uma maior clareza a respeito da
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
87
categorização citada na seção anterior, apresentamos o mapa mental na Figura 1:
Figura 1 – Mapa Categorial das interações dos ouvintes do Mais Saúde.
Fonte: Autores, 2019.
Uma ideia central que vem da análise dos dados é a de que os ouvintes se apropriam
do programa, ou seja, tomam-no como um momento do seu dia e da agenda. Vejamos
agora, como se deu cada uma destas apropriações:
CONSULTÓRIO MIDIÁTICO
Esta foi a primeira metacategoria verificada e está interligada às outras três. Os
ouvintes veem o programa como um consultório médico no qual é possível ir a várias
“consultas”, fazer perguntas, expor situações, ouvir um diagnóstico e sair com um
direcionamento. As diversas interações mostram que estas ações básicas, feitas num
consultório médico, repetem-se nas participações do programa. Isto fica evidenciado nas
seguintes subcategorias de interação.
a)
Relato sobre condição de saúde: Os ouvintes participam contando sobre
suas situações de saúde, sem medo de se expor e com a confiança de quem está
diante de um profissional conhecido, tal qual o faz num consultório.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
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Gosto muito de ouvir o seu programa tem me ajudado bastante na minha
reeducação alimentar(sic), estou passando por um problema muito chato que
é vaginite recorrente, passo sempre na ginecologista, e ela receita antibióticos
e cremes que não soluciona o problema. (Carmem, nome fictício),
b) Solicitação de ajuda de tratamento: Da mesma maneira que relatam seus
problemas a um profissional de saúde, os ouvintes o fazem desejando que seja dada
uma solução para o seu problema. A interação a seguir evidencia isso:
Meu problema: não durmo tenho que tomar Rivotril todas as noites 10 gotas,
gostariam(sic) de dormir sem tomar este tipo de droga sei que vicia, mas se
não tomar o sono some me ajude (sic) por favor obrigado. (Antônia, nome
fictício),
c) Tipo de alimento para a prevenção: a apresentadora é nutricionista funcional e
acredita que os alimentos ajudam a prevenir e, em alguns casos, até tratar alguma
questão de saúde. Os ouvintes, que compreenderam a proposta, interagem
reafirmando a ideia de consumir o alimento de modo preventivo: Bom dia!! Tenho
cálculo renal e Hemocromatose Familiar e também evito consumir muito ferro pra
não aumentar demais. Grata pela atenção. Beijos. (Rosana, nome fictício).
d) Esclarecimento sobre doença: os ouvintes usam o programa como espaço para
saber o que se passa com eles e saber mais sobre suas patologias: Gostaria de
saber mais sobre fibromialgia, os alimentos e o tratamento. Obrigada. (Sandra,
nome fisctício).
MEIO DE OBTER BENEFÍCIO
Outra metacategoria identificada foi a de benefício. Nos comentários, os ouvintes
deixam claro o quanto se beneficiam do programa e se utilizam disso. Certamente estes
benefícios reconhecidos por eles, fazem a audiência do programa. Essa metacategoria,
assim como a anterior, está interligada às outras três e também as complementa:
a) Abertura para sugerir temas. Em alguns programas, a apresentadora pede
sugestão de temas e os pedidos de participações que ela faz no ar são constantes.
Os ouvintes se utilizam disso e sugerem assuntos dos seus interesses, além de
convidados. Geralmente pedem convidados que conheceram ouvindo o próprio
programa e fazem as escolhas conforme sua conveniência. Este também é um
modo de apropriação.
Foi realmente uma bênção a Dra. Gisela ter tido essa oportunidade de
compartilhar informações VERDADEIRAS sobre alimentação e qualidade de
vida. Mas de todos (gosto de todos viu?) a minha preferida é a Dra. Denise
(Maria - Nome fictício).
b) Satisfação com o programa. Os ouvintes demonstram satisfação pelo programa
nas interações. Nesta subcategoria, vê-se que os conteúdos tratados estão
relacionados com as necessidades da audiência que se sente atendida. Sendo
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
89
assim, percebem que o programa com suas temáticas é um benefício:
Parabéns, Dra Gisela. pela seriedade e compromisso com que trata os
assuntos abordados. Muito grata. (Carla, nome fictício).
Não é sempre que acompanho, mas as vezes que ouvi o programa, fiquei
satisfeita com os temas apresentados. (Maria Aparecida de Oliveira Souza,
nome fictício), (Sic).
c) Satisfação com a apresentadora. Muitos ouvintes também simpatizam com a
apresentadora, e demonstram que ela atende às suas necessidades; sua abordagem
tem relevância em seus conceitos. Este ponto foi identificado também como um dos
benefícios apontados pelos ouvintes: Obrigada doutora Gisela por este programa
Mais Saúde, por tudo de bom que vc ensina, por todo(sic) a beleza que vc passa
para nós. Obrigada! ( Raquel, nome fictício).
d) Ganho de produtos. Eventualmente, o programa realiza sorteio de produtos,
alinhados com a abordagem do programa ou divulgação de parceiros. Os ouvintes
interagem também para obter este tipo de benefício. Estou escutando seu programa
pela 1º vez. Estou gravida de 6 meses e estou gostando bastante do programa.
Gostaria de participar do sorteio dos produtos mãe terra (sic). (Flávia, nome fictício).
e) Meio de aprendizado. Embora esta categoria pudesse estar agrupada na
metacategoria Meio de obter informação, optamos por deixá-la nesta classificação
porque, no universo das participações, este parece ser um dos maiores benefícios
do programa, ainda que o aprendizado seja também uma grande informação.
Os ouvintes relatam que o programa é um meio de aprendizado e se apropriam
disso:Dra., acho o seu programa muito importante, pois aprendi assuntos fantásticos.
(Sic)(Rosa Maria, nome fictício).
MEIO DE OBTER INFORMAÇÃO
a) Indicação de produto. Devido a confiança que o programa transmite, os ouvintes
tembém veem o espaço como local de obter informações e indicação de produtos.
Na interação a seguir, percebe-se que a ouvinte traz um receio de consumir produtos
anunciados em algumas mídias, porém e solicita indicações tanto de produto, como
de local em que ela possa fazer compras.
[...] Ouvi no rádio do carro sobre a maca peruana. Tenho receio de comprar
coisas anunciadas em rádio e TV. Mas, vindo de vocês esta informação me
sinto segura em usar. Mas onde encontrar? Existe alguma marca para indicar?
(Maria Aparecida de Oliveira Souza, nome fictício) (Sic).
b) Indicação de cardápios. Observamos que o consumo de conteúdo do programa
Mais Saúde, traz ao ouvinte uma contribuição dentro de suas necessidades
cotidianas. O ouvinte passa a ter não somente uma identificação com os conteúdos,
mas deseja agregar também as informações aos seus costumes: Moro no Morumbi.
eu gostaria de saber algumas opções de lanches da tarde, menos calórico qual é o
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
90
melhor tipo de bolacha ou biscoito para uma dieta.(Ana Carolina, nome fictício) (Sic)
c) Credibilidade na informação. A credibilidade da informação é também um fator
apontado diversas vezes pelos ouvintes. Eles relatam que, ao escutar o programa,
sentem-se seguros em dispor das informações e utilizam do programa como meio
de de estar informado: Foi realmente uma benção a Dra. Gisele ter tido essa
oportunidade de compartilhar informações VERDADEIRAS sobre alimentação e
qualidade de vida. (Luiza, nome fictício), (Sic)
INCENTIVO PARA MUDANÇA DE HÁBITOS
Observou-se que essa metacategoria também complementa os sentidos das outras.
As interações sugerem que os ouvintes mudam seus hábitos, optando por ações mais
saudáveis a partir do que ouvem no programa. Aqui apresentamos os comentários em
que eles buscam orientações, vendo o Mais Saúde como um incentivo para uma melhor
qualidade de vida. Seguem abaixo as subcategorias que encontramos nesta categoria:
a) Acréscimo de alimento à dieta. Os ouvintes se apropriam do programa como um
meio de conhecer alimentos que ajudam no bem-estar e na prevenção de doenças
e se propõem a usar das informações sobre o assunto.
Olá Dra., boa tarde! Amei o pgm(Sic) sobre os fitoquímicos! Vou aumentar
ainda mais o consumo de vegetais. Mais frutas e legumes com certeza! O
alho então… Que delícia! Cebola picada…Suco verde… hummm. (Mariana
Ferraz, nome fictício)
b) Reeducação alimentar. Para a audiência, o programa Mais Saúde cumpre um
papel de incentivador para a mudança de hábito, pois, com a disponibilização de conteúdos
ligados a qualidade de vida, permite que o ouvinte busque em si a motivação necessária
para a uma vida mais saudável:
[...] Olá Dra. Boa tarde! Gosto muito de ouvir o seu programa e tem me
ajudado bastante na minha reeducação alimentar. As minhas unhas são
escuras e o cabelo cai bastante, por favor me ajude! (Paula de Souza Alves,
nome fictício),
Esses relatos evidenciam quão grande é o potencial que o rádio pode exercer sob
os ouvintes, garantindo a existência de um espaço de interlocução dentro da sociedade.
Através desses relatos podemos atestar a importância e o impacto que o rádio tem no
cotidiano desses públicos. A apropriação dos conteúdos os remete a uma interpretação
da própria realidade de saúde. Para outros traz a satisfação se sentir-se bem informado e
de poder ter acesso a conteúdos e respostas que, muitas vezes, só teriam dentro de um
consultório, sendo atendidos por aqueles médicos que ouvem na rádio.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
91
CONCLUSÃO
Diante da problemática que buscamos responder - como os ouvintes se apropriam
dos programas de saúde no rádio – o objetivo proposto foi identificar e analisar tais formas
de apropriação destes conteúdos por parte dos ouvintes para compreender a importância
que a audiência dá a elas e assim, contribuir com os estudos do rádio como meio de
disseminação de informações sobre saúde.
Os meios de comunicação de massa, pela potência que têm na difusão de ideias e na
construção de imaginários vêm sendo usados com bastante frequência como ferramentas
para educação em saúde. O rádio em si, tem particularidades que proporcionam êxito
neste papel pois é bastante popular, principalmente para as classes menos favorecidas.
Verifica-se que tal característica constitui um dos pontos que ajudam a relação entre rádio
e saúde. Desta forma, por ser um produto radiofônico, o programa Mais Saúde já tem em
si elementos que favorecem o interesse da audiência.
A respeito da recepção, a pesquisa ajudou a compreender que, com tantas
transformações nos modos de se consumir o conteúdo, a audiência também mudou o
seu posicionamento. Já não é mais o ouvinte passivo, que apenas recebe informações.
O público atual quer contribuir, opinar, sugerir, perguntar, etc. Ele codifica e decodifica as
mensagens, dando-lhes o sentido de acordo com o seu contexto social, histórico e suas
necessidades individuais. Tudo isso é percebido nas interações apontadas aqui.
A análise categorial, que agrupou as diversas participações em metacategorias
e subcategorias, possibilitou identificar a importância que os ouvintes dão ao programa
de saúde de acordo os diversos significados que estes programas têm para eles: Ora os
ouvintes parecem precisar do conselho de um médico e interagem como pacientes num
consultório midiático; ora querem algum benefício, e o programa se torna um meio para
isso; ora precisam de informações e escutam o programa nesta perspectiva; ora desejam
uma mudança de hábito para uma vida mais saudável. Às vezes, querem simplesmente
expor suas opiniões e contribuir com a discussão. Percebemos que tudo isso interligado
revela que, no Mais Saúde, a apropriação que se sobressai é a de Consultório Midiático.
Em algumas participações ela fica mais evidente e em outras, subjacente, mas está lá, nas
necessidades que vão expondo e se complementa com as outras metacategorias.
Verifica-se ainda que, com sua temática e um formato que leva convidados
renomados a uma mídia acessível, o Mais Saúde aproxima uma classe menos favorecida
que compõe a sua audiência a uma elite científica.
Por fim , nota-se também que, tendo o programa o foco na alimentação saudável
como forma de prevenção ou até solução para determinados problemas de saúde, o
debate que ele proporciona leva, numa certa medida, a autonomia no sujeito perante o
seu próprio processo saúde-doença a partir do conhecimento e da aprendizagem que
vão sendo construídos. Vale ressaltar também que o programa não faz propagandas de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
92
medicamentos e nem os prescreve ao vivo. Sempre que os especialistas percebem que
as perguntas dos ouvintes são mais específicas ou de outra ordem que foje ao objetivo do
programa, eles orientam a buscar um médico. Neste sentido, a expressão “consultório no
ar” diz respeito à forma como os ouvintes se apropriam do Mais Saúde e não tem nenhuma
relação com o objetivo do programa.
Esta pesquisa faz parte de um outro estudo, no qual abordamos também a questão
da convergência de mídia e o universo das redes sociais. O que está posto aqui não garante
saber sobre as mudanças por parte dos ouvintes, porque não era a proposta de a pesquisa
ir em direção a essa análise, que sem dúvida também é necessária. Tal questão pode
ser aprofundada na continuidade dos estudos, que podem ser ampliados ainda mais com
teorias, inclusive as que tratam da recepção midiática no rádio; podem também ser usadas
abordagens focadas na produção do programa, ou ainda se fazer outras interpretações
possíveis das interações.
REFERÊNCIAS
ADAMI, A.; MAIA, M.R.; VASQUES, R.O. 6o Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, Niterói/
RJ. As pesquisas sobre a história do rádio paulista. Anais dos encontros nacionais, 13 a 16 maio
2008. Disponível em: www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais- 1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008.
CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2010.3. Ed.
296, Porto Alegre: Artmed, 2010.
DERING-ANDERSON, Allison Mari. Reflections on 500 Call-in Radio Shows. American Journal of
Pharmaceutical Education, Vol. 82, Issue 9, p1029. 5 p, nov. 2018.
FLORES, J. Aproximación interpretativa al contenido de la información textual. In: ANALISIS de
datos cualitativos - aplicaciones a la investigación educativa. Barcelona: PPU, 1994. p. 65-107.
OLIVEIRA N, Alfredo; PINHEIRO, Roseni. O que a saúde tem a ver com rádio comunitária? Uma
análise de uma experiência em Nova Friburgo - RJ. Ciência & Saúde Coletiva, vol.18, n.2, pp.527536, 2013.
RAMIREZ, A; et all. Who Seeks Cita Con El Doctor? Twelve Years of Spanish-Language Radio
Program Targeting U.S. Latinos. Health Education & Behavior, Vol. 42 Issue 5, p611-620,10p. out
2015.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 6
93
CAPÍTULO 7
FATORES DE COMUNICAÇÃO QUE CONTRIBUÍRAM
PARA O SUCESSO DE PROJETOS GREEN BELT
Data de aceite: 01/02/2022
Data da Submissão: 17/12/2021
Juliana Regina Galvão Reis
Universidade de São Paulo / Esalq
São Paulo, Brasil
http://lattes.cnpq.br/6452723124597935
RESUMO: Em um mundo em que o
compartilhamento de informações é essencial,
a habilidade de se comunicar bem se tornou
alvo de estudos. Um líder passa boa parte do
seu tempo se comunicando, por isso é uma das
chaves de sucesso para se alcançar a meta
estabelecida de um projeto. Dado este contexto,
esta pesquisa foi realizada com o objetivo
de identificar os fatores de comunicação que
contribuíram para um grupo de líderes certificados
Green Belt que obteve sucesso dentro de uma
companhia de telecomunicações. Por meio de
análises estatísticas do banco de dados sobre
desempenho desses líderes em cada fase do
projeto DMAIC e pela aplicação de uma pesquisa
de campo qualitativa para entender a relação
com a sua equipe, observou-se que os fatores
que contribuíram para o sucesso foi a frequência
constante que o líder estabeleceu com seu
time, especialmente na fase Medir. O valor da
comunicação também foi percebido pelos líderes
e cada um soube direcionar esforços específicos
dentro do canal escolhido para a obtenção
dos resultados necessários. Diante disso, a
comunicação possuiu um papel importante
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
dentro dos projetos e que as melhores avaliações
se estabeleceram quando o líder esteve mais
próximo da sua equipe, principalmente na
construção de um relacionamento com este
stakeholder desde o início do projeto. Por fim,
essa pesquisa contribuiu para um aprendizado
nunca tido dentro do Programa Lean 6 Sigma
com informações que trouxeram conhecimento
do emprego da comunicação em projetos
Green Belt que obtiveram sucesso e, portanto,
a possibilidade da elaboração de panoramas
para estratégias de desenvolvimento deste
comportamento por futuros líderes de projetos.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Green Belt;
projetos; fatores de sucesso.
CONTRIBUTIONS OF COMMUNICATION
FACTORS TO THE SUCCESS OF GREEN
BELT PROJECTS
ABSTRACT: In a world where sharing information
is essential, the ability to communicate has
become an object of study. A leader spends most
of its time communicating, therefore it is one of
the keys to achieve the project’s desired target.
Due to this context, the aim of this research
was to find out the communications factors that
contributed to a Green Belt leaders in a Telecon
company. This study did statistical analysis in
a database about the group’s performance in
each phase of the DMAIC project and promoted
a survey to understand the group’s relationship
with their teams. It was possible to observe that
the factors which contributed to the success were
the constant communication with their teams and
specially inside the Measure phase. The value of
communication was perceived by the leaders and
Capítulo 7
94
each one was able to direct their specific efforts in a chosen channel to obtain the results
needed. Thus, communication played an important role within the projects and brought
significant benefits when the leader was closer to their teams mainly in building a relationship
with this stakeholder since the beginning of the project. Finally, this research contributed to
an unprecedented learning within The Lean 6 Sigma Program with information that brought
knowledge to the use of communication in Green Belt projects that were successful, as well
as the creation of an overview for strategies and development of this ability by the leaders.
KEYWORDS: Communication; Green Belt; projects; success factors.
INTRODUÇÃO
O Fórum Econômico Mundial publicou em 2020 as 15 principais habilidades que o
profissional do futuro precisa desenvolver para se manter relevante no mercado de trabalho
até 2025 (World Economic Forum, 2020). E para o desenvolvimento de algumas delas como
liderança, inteligência emocional, persuasão e negociação, a competência de comunicação
se faz necessária. É também uma importante habilidade para o gerente de projetos e
tem sido objeto de análise, assim como foi demonstrado no Estudo de Benchmarking em
Gerenciamento de Projetos feito pelo Project Management Institute (PMI, 2010). Nesta
pesquisa, verificou-se que 41% das organizações apontaram como uma das habilidades
mais valorizadas, como também 50% manifestaram como a competência mais deficiente
nesses profissionais.
O ato de comunicar é inato ao ser humano e surgiu a partir das suas primeiras
comunidades como forma de sobrevivência. Em um mundo em que as informações se
tornaram essenciais, é indispensável fazer com que a ideia seja compartilhada e entendida
tanto no critério pessoal como empresarial (Iochimoto et al, 2020).
A metodologia Lean 6 Sigma compõem os projetos Green Belt, dentro do programa
de excelência operacional de uma companhia de telecomunicações, nos quais utilizam o
ciclo DMAIC, que do inglês são as fases: Define, Measure, Analyse, Improve, Control e
traduzido para o português, Definir, Medir, Analisar, Melhorar e Controlar. Essas etapas
executadas constituem a busca de soluções de problemas e melhorias de processos
(Bassan, 2020). Os líderes desses projetos estabelecem uma relação de comunicação com
todos os seus stakeholders, sendo estes o Programa Lean 6 Sigma [PL6S], o Champion,
o Sponsor, e, por último, a equipe. Dentro da estrutura, o Programa desempenha o papel
de um Escritório de Projetos, pois sua característica é de prestar consultoria, treinamento e
acompanhar a execução das atividades (Prado et al, 2011). O Champion tem relação com
o líder, pois é seu gerente funcional e possui o papel de apoiador. O Sponsor, ou padrinho,
é composto pela figura da alta-liderança, como os diretores, e possui uma posição de
contribuir para a eliminação de barreiras do ponto de vista estratégico (Prado et al, 2011).
Por fim, a equipe é escolhida pelo líder do projeto e possui relação direta na implantação e
execução de atividades a fim de conquistar a melhoria do processo (Iochimoto et al, 2020).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
95
As comunicações fazem parte do processo de certificação do Green Belt e é um fator de
contribuição para o seu sucesso tanto na condução do projeto, quanto para o seu atingimento
de metas. Costa (2014) destaca que ela não se limita a apenas algumas instâncias para
resultados esporádicos, mas tem papel fundamental na gestão do processo como um todo
e há um vínculo forte com a cultura organizacional, sua missão e seus valores. O processo
de comunicação dentro do Programa Lean 6 Sigma foi classificado como formal ou informal.
Para as reuniões formais tem como principal aspecto a apresentação de resultados de
cada fase do projeto, na qual há uma avaliação do líder por parte do Programa, como
também reuniões e envio de e-mails padrões contendo as informações sumarizadas para
o Champion e Sponsor. As comunicações informais são destinadas à equipe do projeto, no
qual o líder possui uma característica particular de se comunicar e estabelecer seu canal,
seja por e-mail, reuniões ou até mesmo a utilização de redes sociais.
Após decretada a pandemia devido ao vírus Covid-191, observou-se que 62% dos
projetos Green Belt em andamento foram paralisados a partir de março de 2020 e um
dos motivos foi a falta de comunicação que o líder manteve com o Programa, além de
outras causas referentes às particularidades de cada processo. Uma boa comunicação é
fundamental para garantir a entrega do projeto pelo líder, bem como alcançar seus objetivos
traçados. Por isso, este trabalho teve como principal objetivo entender os fatores de
comunicação que contribuíram para projetos concluídos de um grupo anterior a este dentro
do Programa Lean 6 Sigma que obteve sucesso, como também compor um aprendizado
para projetos futuros.
MATERIAIS E MÉTODOS
Segundo PMI (2013), os gerentes de projetos passam mais de 90% do seu tempo
se comunicando e é a chave principal para o sucesso. As habilidades comportamentais
são tão necessárias quanto às boas habilidades técnicas e, por isso, identificar alguns
fatores ligados à comunicação se fez necessário para um aprendizado contínuo dentro do
PL6S e para que situações como essa vividas, sejam melhor confrontadas devido a um
conhecimento prévio.
A pesquisa se pautou em um estudo de caso de um grupo de 25 líderes de projetos
certificados como Green Belt, no período anterior a pandemia, situado dentro de uma
companhia de telecomunicações. Deste modo, os critérios que foram impostos para a
análise atenderam as seguintes características: cumprimento do cronograma do projeto
e das avaliações feitas pelo Programa Lean 6 Sigma, assim como a conclusão do projeto
para a certificação.
Durante o mês de novembro de 2020 foram definidas duas etapas de coleta de
1 Covid-19 é uma infecção respiratória aguda resultante do vírus com alto poder de transmissão SARS-CoV-2. A Organização Mundial da Saúde diante da emergência ocasionada reconheceu a pandemia e uma das medidas estabelecidas
foi o distanciamento social para reduzir a taxa de contágio da população (BRASIL, 2020).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
96
dados. A primeira foi a análise quantitativa do banco de dados com o objetivo de capturar
informações das comunicações formais e utilizar o software Minitab® para analisar
estatisticamente e determinar possíveis relações com as seguintes variáveis:
• Notas de avaliações de condução do projeto;
• Frequência das comunicações com os grupos: Equipe, Champion e Sponsor;
• Fator de Superação de Meta;
Para o primeiro critério, os projetos Green Belt conduzidos pelos líderes atenderam
a metodologia Lean 6 Sigma usando o ciclo DMAIC (Define, Measure, Analyse, Improve,
Control). Para cada fase o líder passou por uma avaliação feita pelo Programa, com o
objetivo de averiguar a condução do projeto, bem como sugerir algumas ações corretivas
com o propósito de melhorar o desenvolvimento das atividades. Os parâmetros avaliados
para compor a nota do líder foram: envolvimento da equipe e delegação de funções;
periodicidade de comunicação com equipe e stakeholders; nível de engajamento das
partes envolvidas; e, rompimento de barreiras ao longo do projeto.
Para a análise da frequência de comunicações praticadas com cada grupo foi
estratificado o plano de comunicação de cada projeto, que identificou a periodicidade
(semanal, quinzenal ou mensal) que o líder se comunicou com a Equipe, Champion e
Sponsor.
Por último, o fator de superação de meta foi tabulado no Microsoft Excel® marcando
“Sim” a todos que superaram e “Não” para aqueles que apenas cumpriram com a meta
estipulada no contrato do projeto.
Para a segunda etapa do estudo, houve a implantação de uma pesquisa para os
mesmos líderes, com o objetivo de coletar as informações sobre a rotina de comunicações
informais estabelecidas com o time, sendo avaliados:
• Qual o nível de importância que a comunicação exerceu para o desenvolvimento
do projeto;
• Quais canais utilizados para se comunicar com a Equipe;
• Quais os efeitos esperados da comunicação com a Equipe;
• Em qual fase a comunicação com o time foi essencial;
• E qual Stakeholder influenciou mais positivamente com o desenvolvimento do
trabalho.
O questionário contendo essas questões foi aplicado através da ferramenta Microsoft
Forms®, enviado por e-mail para todos os 25 líderes em novembro de 2020 e tabulados
após 2 semanas usando o Microsoft Excel®.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
97
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para elucidar os principais resultados desta pesquisa, foram feitos dois tipos de
análises, separada e complementarmente, sendo que a primeira etapa analisou o banco
de dados das avaliações de cada fase do projeto, frequência de comunicação com os
stakeholder e fator de superação de meta; e a segunda foi proveniente da pesquisa realizada
com os líderes dos projetos, que corroboraram as principais informações resultantes deste
tipo de comunicação.
A base para a construção das análises foi a nota de condução de projeto, pois
representou uma medida contínua sobre as atribuições resultantes do processo de
comunicação dentro do projeto.
De acordo com o objetivo proposto por este estudo, essa parte focou em estabelecer
a relação de fatores formais que contribuíram para o desenvolvimento do projeto. Aplicouse o teste estatístico ANOVA para verificar se houve diferença no desempenho da nota em
relação à frequência de comunicação com os stakeholders e a superação de meta.
A análise de variância, ou ANOVA, é um teste estatístico que tem como objetivo
verificar se há diferença na relação da distribuição de uma medida entre os grupos
assumindo duas hipóteses (Guimarães, 2020):
• Hipótese nula, na qual as médias das amostras são iguais;
• Hipótese alternativa, pelo menos uma média se difere do restante.
Para que a hipótese nula seja descartada o valor de significância, ou valor – p, deve
ser menor que 0,05 (Guimarães, 2020).
Para o primeiro fator estabelecido como frequência de comunicação, foi aplicado
o teste de variância para determinar se houve diferença entre a nota de condução com a
frequência de comunicação observada com a Equipe, Champion e Sponsor. Para isso, foi
utilizado o software estatístico Minitab®.
O método assumiu como:
• Hipótese nula: todas as médias de condução de projeto foram iguais;
• Hipótese alternativa: no mínimo uma média foi diferente.
A Figura 1 traz o gráfico correspondente à aplicação do teste para com o grupo
analisado e o Quadro 1 resume todos os valores – p encontrados.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
98
Figura 1. Teste ANOVA para 1 fator: Média Condução de Projeto versus Plano de Comunicação Equipe.
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021).
Fonte de Variação
Valor – p
Plano de Comunicação com a Equipe
0,032
Plano de Comunicação com o Champion
0,816
Plano de Comunicação com o Sponsor
0,698
Quadro 1. O valor - p correspondente ao teste ANOVA para média de condução de projeto versus o
plano de comunicação do grupo em análise
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021)
De acordo com o valor - p encontrado para cada um dos testes realizados e assim
como demonstrados no Quadro 1, somente o plano de comunicação com a equipe teve
sua hipótese nula descartada. Portanto, a frequência de comunicação estabelecida com
a equipe foi o único fator de influência para a nota de condução de projeto. Ao observar o
gráfico da Figura 1, podemos destacar uma crescente das notas de condução de projeto
conforme a periodicidade que o líder se comunicou com o seu time, chegando ao topo com
a comunicação semanal.
A equipe tem papel fundamental na execução de atividades do projeto e está
diretamente sob a esfera de influência do gerente do projeto, conforme mostrado na Figura
2.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
99
Figura 2. Exemplo da esfera de influência do gerente do projeto.
Fonte: PMI (2013).
Para o sucesso de um projeto é necessário que o líder tenha habilidades para
não somente gerir um processo, como também liderar pessoas. A visão da década de 80
para o fracasso de um projeto era ligada às medidas quantitativas ineficazes, porém na
década seguinte o modelo de sucesso passou a incorporar a medida qualitativa, que está
ligada a relações humanas (Wood J. et al, 2019). A comunicação promove a liderança, o
planejamento e a coordenação do projeto para que atinjam seus objetivos (PMI, 2013). Por
isso, foi importante que os líderes dos projetos estabelecessem uma rotina de proximidade
com sua equipe.
Assim como visto na Figura 2, o Patrocinador está mais distante na esfera de influência
do líder e, por isso, uma rotina menos frequente de comunicação não sofreria interferência
na forma de conduzir o projeto. O mesmo comportamento se deu ao Champion, por se
tratar de uma figura de apoiador, pouco exerceu influência no tocante a comunicação. Esse
desempenho indicou o quanto o líder, ou gerente de projetos, teve autoridade sobre aquele
processo, assim como é mostrado pela Figura 3. Quanto mais projetizada a organização,
mais autonomia o líder possui e há uma menor necessidade de interferência por parte do
Champion e do Sponsor. Sendo assim, coube ao líder somente o papel de comunicar a
esses stakeholders sobre andamento do projeto a cada fase finalizada, assim como foi
feito.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
100
Figura 3. Necessidade de reuniões e de ajuda ao Sponsor e Gerente Funcional.
Fonte: Prado et al (2011).
Para o próximo fator, também foi utilizado o teste de variância feito no software
Minitab®, no qual analisou a média de condução de projeto em relação a superação de
meta. O valor - p encontrado foi de 0,518, ou seja, ficou acima do valor de significância,
portanto, a forma como foi conduzido o projeto em relação a comunicação não houve
correlação com o fator de superação de meta.
O valor da meta foi estabelecido em uma reunião com o Sponsor do projeto, por
isso refletiu não somente os objetivos organizacionais, como também a expectativa do
patrocinador.
De acordo com o PMI (2013), para iniciar um projeto o Sponsor leva em consideração
necessidades internas do negócio e desloca recursos, se houver necessidade, para
atender os objetivos esperados. Devido a isso, os alinhamentos estratégicos não estão
necessariamente sob a esfera de influência do líder levando ao patrocinador a designar a
meta de acordo com a sua expectativa. Logo, a limitação do estudo esteve baseada nas
distintas práticas de determinação da meta, seja ela estabelecida por meio de estudos ou
pela determinação de acordo com a expectativa do patrocinador.
A pesquisa enviada aos 25 líderes pelo Microsoft Forms® teve uma aderência de
60% de respondentes e compreendeu o estudo de comunicações informais que o líder do
projeto Green Belt manteve com a sua equipe. A proposta do questionário foi entender
a importância que essa competência exerceu dentro do projeto, em qual momento e
stakeholder foi considerado essencial, assim como os canais utilizados e efeitos esperados.
As perguntas detalhadas do estudo estão no Quadro 2 e foram utilizados o Microsoft Excel®
e o Minitab® como ferramentas de análise.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
101
Número
Pergunta
1
Qual o nível de importância que você considera que a
comunicação contribuiu para o desenvolvimento do seu
Projeto?
2
Qual foi o principal canal utilizado com o time?
3
Qual o principal efeito esperado de comunicação com a
equipe?
4
Em qual fase a comunicação com o time foi essencial?
5
Qual Stakeholder influenciou mais positivamente no
desenvolvimento do seu trabalho?
Quadro 2. Perguntas da pesquisa enviada aos líderes de projetos Green Belt
Fonte: Dados originais da pesquisa (2021)
A importância da comunicação demonstrou não estar restrita somente pelo aspecto
informativo, mas também pelo relacionamento e interações que o líder possui com todas
as partes envolvidas. A gestão dessa atividade também se situa no entendimento daquilo
que funciona ou não dentro dos aspectos de cada projeto para a obtenção dos resultados
esperados. Para isso, é importante definir diretrizes no processo de comunicação e
procedimentos, como também criar espaços para que possam ser construídos diálogos
(Schmitz, 2020).
Para a primeira pergunta, os líderes classificaram em uma escala de zero a 10, sendo
10 a nota atribuída de maior importância e zero de menor importância que consideraram
que a comunicação contribuiu para o desenvolvimento do seu projeto. A média global dos
respondentes obtida para esta pergunta foi de 9,7, no qual 73% dos líderes atribuíram alto
grau de importância.
Diante disso, explica-se o alto grau atribuído pelos líderes de projeto quanto
à contribuição da comunicação no desenvolvimento de seus projetos, pois houve a
necessidade de construir um relacionamento com todos os stakeholders para a obtenção
do sucesso, como também identificar a melhor maneira de se estabelecer essas relações.
As duas perguntas a seguir, de acordo com o Quadro 2, mostraram quais tipos de
relações que o líder construiu com a sua equipe, delimitando as diretrizes e empregando
os melhores procedimentos para a construção dessa comunicação. Nesta pesquisa,
houve a necessidade de entender quais tipos de canais que o líder utilizou, assim como os
efeitos esperados da comunicação com sua equipe. Para ambas as perguntas, os líderes
escolheram a opção principal empregada em seu projeto. O Quadro 3 destaca que a maioria
das comunicações foram realizadas por meio de redes sociais, colocando a necessidade
de reuniões em última posição. E o Quadro 4 demonstrou que os efeitos mais esperados
foram a necessidade de cobrança do plano de ação e informativos sobre o projeto.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
102
Canal Principal
Percentual de
Escolha
E-mail
53%
WhatsApp
27%
Reuniões Semanais/ Quinzenais
20%
Quadro 3. Principais canais utilizados pelo líder para a comunicação com sua equipe
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021)
Principal Efeito Requerido
Percentual de
Escolha
Cobrança do Plano de Ação
53%
Informativos do Desenvolvimento do
Projeto
40%
Motivação
7%
Quadro 4. Principais Efeitos Esperados pelos líderes com a Comunicação
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021)
Além da obtenção dessas informações, foi feita a análise estatística Anova no
Minitab® para determinar se houve diferença na média de condução do projeto quanto
ao tipo de canal escolhido e os efeitos esperados pela comunicação. Os valores – p
encontrados foram, respectivamente, 0,825 e 0,868, ou seja, não houve diferença da média
de condução de projetos entre as opções escolhidas, o que se conclui que cada projeto
teve suas particularidades e que o líder soube empregar as melhores formas de fazer a
gestão de suas comunicações, como também estabelecer um propósito claro para o seu
time.
A penúltima questão buscou entender qual a fase a comunicação foi essencial para
cada líder de projeto. O Quadro 5 mostra a distribuição das escolhas feitas pelos líderes.
Fase do Projeto
Percentual de
Escolha
Medir (M)
33%
Analisar (A)
27%
Melhorar (I)
40%
Quadro 5. Fase Escolhida pelo Líder em que a comunicação foi primordial
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021)
Os líderes utilizaram a metodologia DMAIC para alcançar a melhoria do processo.
Esse método consistiu em executar 5 etapas descritas como: Definir, Medir, Analisar,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
103
Melhorar e Controlar. De acordo com as etapas escolhidas pelos líderes, para a fase Medir
é necessário fazer um levantamento do problema, entender os dados e compreender o
real desempenho do processo para fazer análises posteriores. A fase Analisar transforma
os dados isolados em informações relevantes para a montagem do plano de ação. Nesta
parte é importante ter uma boa comunicação e relacionamento com todos os envolvidos
para garantir que tenham entendido o problema e assegurar que as ações definidas serão
colocadas em prática de acordo com o planejado. Por fim, a fase Melhorar é a etapa que se
coloca em prática essas ações e há a necessidade de verificar os prazos e se estão sendo
feitas dentro dos padrões de qualidade (Bassan, 2020).
Conforme descrito, as etapas escolhidas pelos líderes requerem um alto poder de
comunicação e relação com sua equipe, para que possam entender o problema e construir
juntos análises e soluções para alcançar as mudanças e melhorias em seus processos, assim
como colocá-las em prática. A equipe possui um desempenho importante para implantar e
executar as ações de melhoria, por isso o principal efeito escolhido de comunicação pelos
líderes compreendeu a cobrança do plano de ação. Além disso, o estudo buscou entender
se houve diferença na nota de condução de projeto versus frequência de comunicação
com a equipe em cada etapa escolhida na pesquisa. O Quadro 6 resume os valores – p
encontrados pelo teste de hipótese ANOVA empregado.
Fonte de Variação
Valor – p
Plano de Comunicação com a Equipe
Fase M
0,00
Plano de Comunicação com a Equipe
Fase A
0,65
Plano de Comunicação com a Equipe
Fase I
0,093
Quadro 6. O valor - p correspondente ao teste ANOVA para média de condução de projeto versus o
plano de frequência de comunicação com a equipe nas fases Medir (M), Analisar (A) e Melhorar (I)
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021)
De acordo com os valores obtidos, notou-se que apenas a fase Medir possuiu
diferença na nota de condução de projeto, pois o valor – p ficou abaixo de 0,05. O gráfico,
da Figura 4, mostra que houve um salto na média quando o líder se comunicou com sua
equipe semanalmente nessa fase.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
104
Figura 4. ANOVA para 1 fator: Média de Condução de Projeto versus Plano de Comunicação com a
Equipe na Fase Medir
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021).
A última pergunta analisou, na opinião dos líderes, quais dos stakeholders
desempenharam uma influência mais positiva em seu projeto. O resultado apresentado
pelo Quadro 7 aponta que a equipe foi a escolha da maioria.
Principal Stakeholder
Percentual de
Escolha
Equipe
80%
Champion
7%
Sponsor
13%
Quadro 7. Percentual de Escolha do Stakeholder que mais Influenciou Positivamente o Trabalho.
Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021).
A comunicação é a base do relacionamento, por isso é importante a comunicação
constante do líder com a sua equipe de tal forma que faça se sentirem parte do processo
e sejam vistos como parte da organização e ativos importantes. Para Chiavenato (2010),
as pessoas devem ser tratadas como talentos fornecedores de competências, capazes
de agregar a inteligência ao negócio e ajudar a organização a alcançar seus objetivos e
conduzir para o caminho do sucesso e excelência. Para alcançar a eficiência é importante
que a equipe de projetos tenha claramente o objetivo a ser conquistado, a percepção
integrada, bem como a divisão de tarefas e em quais partes a atividade individual de
cada integrante é necessária para a conquista do propósito. Por isso, o apontamento de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
105
equipe como escolha de 80% dos líderes deste estudo mostrou a importância do poder
da liderança quanto ao seu time de projeto, que esteve alinhado com seus objetivos e
contribuiu fortemente para a conquista da melhoria do processo a ser alcançado.
CONCLUSÕES
Diante desta pesquisa, foi possível mostrar que a comunicação teve um papel
importante para os líderes e para a condução dos projetos, no qual obtiveram suas
melhores avaliações, por parte do Programa Lean 6 Sigma, quando se aproximaram
mais de sua equipe desde o início do projeto e estabeleceram seu canal e propósito
claro de se comunicar. Dada a importância dessa habilidade no contexto de liderança de
projetos, esse estudo trouxe respostas importantes a um comportamento essencial e foi
capaz de formar um aprendizado nunca visto dentro do Programa Lean 6 Sigma, de que
a comunicação foi importante ser estimulada constante e frequentemente desde a fase
inicial do projeto e, especialmente, com sua equipe. Isto gerou um ganho em relação a
boa prática de comunicação que poderá ser aplicado a situações similares, bem como
nos próximos projetos a serem desenvolvidos, além de que contribui para criar estratégias
desde a concepção do tema a ser trabalhado, na escolha do time, como também se torna
uma habilidade importante a ser desenvolvida pelo líder antes mesmo da execução das
atividades.
No entanto, é importante ressaltar que este trabalho avaliou um grupo específico
que obteve sucesso e atingiu a meta proposta sendo, portanto, recomendada a aplicação
de estudos futuros para observar se esse mesmo comportamento ocorre em outros grupos
de líderes Green Belt que passaram pelo ciclo DMAIC, assim como no aprofundamento
desta temática em outros aspectos não observados.
REFERÊNCIAS
Bassan, E. J. 2020. Ferramentas Avançadas da Qualidade: Aplicações e Estudos. 1 ed. Edilberto José
Bassan, Curitiba, PR, Brasil.
BRASIL. Ministério da Saúde. 2020. Coronavírus (Covid-19). Disponível em: <https://coronavirus.
saude.gov.br/sobre-a-doenca>. Acesso em: 07 mai. 2021.
Chiavenato, I. 2010. Gestão de Pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações. 3 ed.
Elsevier, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Costa, B.W. D. 2014. Comunicação Empresarial: Alinhando Teoria e Prática. 1 ed. Editora Manole,
Barueri, SP, Brasil.
Guimarães, L. M. 2020. Estatística Aplicada em Engenharia [com Minitab]. Volume 1. 1 ed. Publicação
Independente, Santa Rita do Sapucaí, MG, Brasil.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
106
Iochimoto, C. K.; Furlan, C. J. G. 2020. Gerência de Projetos: Gestão das Comunicações e
Stakeholders. 1 ed. Editora Senac, São Paulo, SP, Brasil.
PMI, Project Management Institute – Chapters Brasileiros. 2010. Estudo de Benchmarking em
Gerenciamento de Projetos Brasil. Disponível em: < http://pmsurvey.org >. Acesso em 13 jan. 2021.
PMI. 2013. A Guide to the Project Management Body of Knowledge (PMBOK® Guide) – Portuguese. 5
ed. Project Management Institute, Inc., Pennsylvania, NY, USA.
Prado, D.; Archibald, R. D. 2011. Gerenciamento de Projetos Para Executivos. 2 ed. Falconi Editora,
Belo Horizonte, MG, Brasil.
Schmitz, A. 2020. Manual de Comunicação Organizacional. 1 ed. Combook, Florianópolis, SC, Brasil.
Wood, J.; Kogon, K.; Blakemore, S. 2019. Gerenciamento de Projetos Para Não Gestores. 1 ed. Alta
Books, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
World Economic Forum. 2020. The Future of Jobs Report. Disponível em: < http://www3.weforum.org/
docs/WEF_Future_of_Jobs_2020.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2021.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 7
107
CAPÍTULO 8
GESTÃO DE COMUNICAÇÃO EM TEMPOS DE
COVID-19: O CASO DE ESTUDO DE UMA EMPRESA
MOÇAMBICANA
Data de aceite: 01/02/2022
Catarina Winnie Santos Garrido
Engenheira Civil e de Transportes
Moçambique
Felipe Miranda de Souza Almeida
RESUMO: A chegada da pandemia de COVID-19
surpreendeu o mundo com as mudanças que
carrega consigo até aos dias atuais. Uma
das maiores mudanças foi a massificação
da comunicação digital como modo de
sobrevivência das sociedades e das economias.
Muitos projetos que estavam inseridos nas
economias das sociedades foram cancelados,
paralisados e/ou atrasados, sendo raros os que
não sofreram o abalo desta pandemia. Visto que
a gestão de projetos sempre teve como um dos
alicerces a gestão de comunicação para a sua
concretização, o presente estudo teve como
objetivo verificar se houve mudanças causadas
pela pandemia de COVID-19 ligadas à gestão
de comunicação em equipes de projetos e
verificar a eficácia da gestão de comunicação
nas equipes numa empresa de gestão portuária
em Moçambique. Para alcançar os objetivos
propostos, o estudo baseou-se em entrevistas a
membros e gestores de equipes de projetos da
empresa objeto do estudo e numa pesquisa sobre
a percepção do gerenciamento de comunicação
nas equipes. Os resultados alcançados mostram
um certo grau de positividade, pois a empresa
esforçou-se, na medida do possível no controlo
da situação de caos que a pandemia causou.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Adicionalmente, verificou-se o uso de algumas
ferramentas e técnicas de comunicação
sugeridos na bibliografia selecionada para este
estudo, embora não estejam a ser utilizadas na
totalidade e nem por todos os intervenientes. Isto
gerou recomendações para melhoria para uma
melhor gestão de comunicação na gestão de
projetos.
PALAVRAS-CHAVE: Equipes de projeto;
Comunicação Digital
INTRODUÇÃO
A evolução da humanidade sempre
esteve ligada a projetos de variadas áreas
científicas que o próprio homem desenvolveu,
sendo que para a sua concretização, sempre
foi necessária uma correta gestão dos mesmos.
Segundo Maximiamo (2014), além produtos e
equipamentos que um dia foram projetos, podem
encontrar-se no mundo inteiro obras grandiosas
resultantes de projetos, como as pirâmides do
Egito, os canais de irrigação da Mesopotâmia,
os templos na Grécia, a grande muralha da
China e a torre Eiffel na França. Dessa forma,
apesar dos projetos serem temporários, os
seus resultados são duradouros, legitimando a
aplicação de grandes conhecimentos técnicos e
de gestão.
O gerenciamento de projetos, a fim de
cumprir com as suas exigências e objetivos, é o
uso de conhecimentos, habilidades, ferramentas
e técnicas ligadas às suas atividades e
Capítulo 8
108
dinamismos. Esta gestão é importante, pois permite a eficácia e a eficiência na realização
de projetos por indivíduos, grupos e organizações públicas e privadas (Project Management
Institute [PMI], 2017).
Segundo o guia “Project Management Body of Knowledge” [PMBOK] (PMI, 2017)
uma das principais áreas de conhecimento a ser administrada é o gerenciamento de
comunicação. Este deve integrar processos necessários para assegurar que as informações
ao projeto e das partes interessadas sejam eficazmente trocadas através de uma estratégia
e implementar as atividades necessárias para que essa estratégia de comunicação seja
devidamente aplicada.
Do ponto de vista antropológico, logo de início, a comunicação é caraterizada como
sendo uma experiência essencial. Evidentemente a comunicação caracteriza-se como
sendo uma permutação de algo com alguém. Resumidamente, a vida individual e coletiva
depende da comunicação (comunicação esta que necessita de regras). Da mesma forma
que para existirem sociedades são necessários os homens, também é necessário que
exista a comunicação (Wolton, 1997).
De acordo com Torquato (2015), a comunicação em si é um sistema aberto que
exerce um poder importante dentro das organizações, podendo afetar e alterar rotinas e
o clima ambiental de trabalho. Ela não deve ser menosprezada pois pelo simples fato da
sua existência entre seus interlocutores há transferência de ideias, o que gera influências
através do chamado poder expressivo. Este valida a existência de outros poderes nas
organizações/empresas: o remunerativo, o normativo e o coercitivo.
A comunicação tem suas vertentes como processo e técnica, tendo como base
disciplinas humanas pois permite intermediar discursos organizacionais, adaptar interesses,
controlar os participantes internos e externos, promovendo assim maior admissibilidade dos
valores da organização ou empresa. Deste modo, a comunicação contribui diretamente para
o alcance de maior produtividade, colaborando e substanciando a economia organizacional
(Torquato, 2015).
A comunicação na gestão de projetos é feita principalmente pelo gestor de projetos,
pessoa que ocupa uma posição crítica na liderança da equipe de projetos. O gestor é
comparável a um maestro de orquestra isto porque são ambos responsáveis pelo produto
de suas equipes: o resultado do projeto e o concerto da orquestra, respectivamente. Ambos
necessitam ter uma visão geral dos produtos das equipes que lideram de modo a conseguir
planificar, coordenar e concluir os seus projetos. Ambos utilizam a percepção que têm
dos projetos que conduzem para comunicar e motivar as suas equipes, com o objetivo
final de concluir de modo satisfatório as metas estabelecidas. Tal como não se supõe
que o maestro esteja habilitado a tocar todos os instrumentos da orquestra, o gestor de
projetos deve como ele ter conhecimento técnico, compreensão e experiência (de música
para o maestro e de projetos para o gestor). Ambos devem proporcionar às suas equipes
liderança, planejamento e coordenação por meio da comunicação (PMI, 2017).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
109
Nos anos 2020 e 2021 consegue-se perceber que a comunicação, e principalmente
a comunicação na gestão de projetos passou e está ainda passando por modificações
devido à pandemia de COVID-19 que tem abalado o mundo desde o final do ano de
2019, pois trouxe consigo a necessidade de adaptação do modo de vida e de trabalho.
O confinamento e distanciamento inter-pessoal foram exemplos de medidas adotadas ao
nível mundial, como forma de prevenção de contágio desta doença.
Em Moçambique, desde Março de 2020 (quando foi registado o primeiro caso de
COVID-19) o governo impôs medidas para a prevenção de alastramento da doença. Tais
medidas têm sido atualizadas periodicamente, visto que o número de contaminações tem
aumentado, tal como se tem verificado em várias partes do mundo. No país, em 2020 foi
declarado 3 vezes o estado de emergência e, em 2021, já foi declarado o estado de situação
de calamidade pública. Com isto, várias empresas e organizações viram-se obrigadas a
adotar novas metodologias de trabalho, adotando várias formas de comunicação.
No caso específico de projetos, os gestores que passam a maior parte do seu
tempo se comunicando com suas equipes, tiveram que se reinventar, para gerirem as suas
equipes remotamente. De acordo com Argenti (2020), devido à pandemia, a correta gestão
da comunicação é muito importante para colocar as empresas nas posições que desejam
na época pós-pandemia e ajuda na execução dos planos de contingência.
Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo verificar se houve mudanças
causadas pela pandemia de COVID-19 ligadas à gestão de comunicação em equipes
de projetos e verificar a eficácia desta gestão nas equipes, numa empresa do ramo dos
transportes de Moçambique.
MATERIAL E MÉTODOS
A presente pesquisa é do tipo exploratório e, segundo Gil (2002), tem como objetivos
principais o aprimoramento de ideias e a descoberta de intuições. O seu planejamento
apresenta um certo grau de flexibilidade, possibilitando a consideração de diversos
aspectos ligados ao tema.
Ademais, foi feito um estudo de campo que tem como preocupação a descrição,
com ênfase não no rigor mas sim na profundidade, podendo resultar na reformulação dos
objetivos ao longo da pesquisa. O estudo de campo focou-se em uma comunidade de
trabalho (não necessariamente espaço geográfico) (Gil, 2002). Para tal, foi escolhida uma
empresa do ramo dos transportes, mais especificamente, de gestão portuária.
Esta empresa é concessionária do porto da Beira, a segunda maior cidade de
Moçambique. A empresa foi fundada em 1998.
O Porto da Beira está localizado, estrategicamente, no centro de Moçambique. Aqui
existe ligação direta com o sistema rodoviário e ferroviário do país, permitindo a conexão
dos principais mercados do interior da África Austral, nomeadamente o Zimbabwe, o
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
110
Malawi, a Zâmbia, o Botswana, a República Democrática do Congo, ao mercado local e às
rotas do comércio internacional.
A empresa utilizada como caso de estudo que gere o porto da Beira, está
organizada em departamentos nomeadamente: Direção de Operações (terminal de
contentores e propósitos múltiplos e terminal de carga geral), Direção de Finanças e
Contabilidade (departamento de finanças e departamento de contabilidade), Direção de
Recursos Humanos (departamento de recursos humanos e departamento de formação),
Direção Comercial (departamento de desenvolvimento de novos negócios e marketing
e departamento comercial), Gabinete de Engenharia e Manutenção Civil, Departamento
de Manutenção Elétrica e Salubridade, Departamento de Ambiente, Saúde e Segurança
Operacional e Departamento de Informação e Comunicação [ICT].
Para se alcançar o objetivo proposto, foram realizadas entrevistas e uma pesquisa
de percepção. Com relação à primeira, as entrevistas, tinha-se como objetivo verificar se
houve mudanças causadas pela pandemia de COVID-19, ligadas à gestão de comunicação
em equipes de projetos, investigar a percepção dos membros da equipe quanto ao grau de
satisfação da(s) equipe(s) e o sucesso dos projetos. Já com relação à segunda, o intuito foi
o de verificar a eficácia da gestão da comunicação de projetos na empresa, de acordo com
as ferramentas e técnicas utilizadas, recomendadas pelo PMBOK.
Os colaboradores entrevistados fazem parte de equipes de projetos dos
departamentos de: engenharia e manutenção civil, desenvolvimento de novos negócios e
marketing, manutenção elétrica e salubridade, operações do terminal de carga geral e ICT.
Foi inicialmente feito um mapeamento e convite a 34 colaboradores, tendo-se tido resposta
positiva e colaboração de 32, ou seja 94% do universo desejado.
Dos participantes das entrevistas, 15% são mulheres e 85% são homens. Em termos
de experiência, foram entrevistados colaboradores que estão na empresa desde há cerca
de 8 meses e outras que estão na empresa desde a sua fundação. Dentre os entrevistados
constam gestores de projetos, membros das equipes de projetos, chefes de departamentos
e diretores seniores da empresa.
As linhas mestras da entrevista orientaram-se para se perceber:
• Se houve mudanças associadas à pandemia na gestão de comunicação e, se sim,
que tipo de mudanças foram;
• Se com a chegada da pandemia do covid-19 houve necessidade de se desenvolver
novas competências de comunicação com as equipes de projetos (técnicas e
comportamentais);
• Que dificuldades de comunicação as equipes de projeto enfrentam desde o início
da pandemia;
• O que é que os membros das equipes de projetos pensam sobre a comunicação
virtual/remota, bem como suas vantagens e desvantagens;
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
111
• Se têm sido feitas reuniões de trabalho remotamente/virtualmente e, em caso
afirmativo, como são avaliadas em termos de qualidade e quantidade;
• Se existe alguma iniciativa inerente às reuniões remotas que permanecerá póspandemia;
• Se em relação aos projetos que tiveram andamento desde o início da pandemia
e os que tiveram início antes da pandemia com datas de entrega até ao momento,
quantos foram entregues sem atraso, quantos foram entregues antes do tempo e
quantos foram entregues com atraso;
• Se se faz coleta de informação de satisfação dos clientes dos projetos;
• Como é que os membros das equipes de projetos acreditam que será feita a
comunicação para gestão de equipes e de projetos no futuro;
• Como é que a empresa poderá se preparar para outras possíveis mudanças no
futuro.
As informações e os dados recolhidos nas entrevistas (que tiveram a duração média
de 60 minutos, durante 22 dias), foram transcritos, analisados e tratados de forma coletiva,
com a finalidade de construir resultados sem a sua distinção entre grupos entrevistados
(líderes e colaboradores). Esta coleta de dados teve em conta alguns aspectos referenciados
por Gil (2002), essenciais para estudos de campo: aliança com pessoas que tenham
interesse na pesquisa e preservação da identidade dos entrevistados.
Para a pesquisa sobre a percepção da visão geral da gestão de comunicações em
projetos foi distribuída aos líderes dos departamentos (onde se desenvolvem projetos na
empresa) uma lista de ferramentas utilizada nas fases de planejamento, gerenciamento
e monitoramento de comunicações, com base nas orientações do PMBOK. Destaca-se
que os líderes envolvidos na pesquisa de percepção eram dos mesmos departamentos
acima referidos. Assim, foram convidados a responder a esta pesquisa 5 líderes, tendo
respondido 4 líderes, ou seja, houve 80% da colaboração desejada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para as entrevistas, em relação ao cenário antes da pandemia do COVID-19, os
colaboradores entrevistados afirmaram que a comunicação nas equipes de projetos era na
sua maioria feita de modo presencial (encontros e reuniões presenciais). Usava-se também
o telefone e o e-mail. O telefone era usado para esclarecimento de dúvidas ou troca de
impressões pontuais e para dar/receber ordens pontuais/urgentes. O e-mail era usado para
marcar reuniões presenciais e troca de atas dessas reuniões, bem como formalização de
tomadas de decisões nessas mesmas reuniões. No que se refere à gestão da comunicação
em projetos, a mesma era feita na sua maioria de modo presencial e o seu registro era feito
por e-mail e documentos físicos (papel).
Em 2019 foi feita para toda a empresa a configuração do Office 365 que já
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
112
incorporava o software “Microsoft Teams” e o sistema de gestão de documentação digital
“DocuSign”. Ligado ao primeiro aspeto citado, o objetivo da empresa nesta altura, era o de
acompanhar o avanço tecnológico e proceder à atualização das ferramentas de trabalho,
ligadas ao software da “Microsoft”. A empresa sempre utilizou o software da “Microsoft”
em ambiente de trabalho. Em relação ao segundo aspeto citado, os objetivos eram de
otimizar o tempo do processo de aprovações e reduzir o uso de papel. Porém, na altura,
estes “softwares” não foram devidamente explorados por todos os departamentos, por não
haver a necessidade urgente de se fazerem tais mudanças, pois os usos dos meios de
comunicação convencionais na altura, não pressionavam à utilização destas ferramentas
digitais de trabalho. As áreas que então faziam o uso mais avançado dessas ferramentas
eram o departamento de tecnologias de comunicação e a direção da empresa.
Em Março de 2020, aquando da eclosão da pandemia em Moçambique, a empresa
viu-se obrigada a tomar medidas de prevenção contra o COVID-19, reduzindo o contacto
físico, mas garantindo que o trabalho na empresa não parasse por causa da pandemia.
Ao longo do ano 2020, seguindo a perspetiva de aumento de medidas de prevenção desta
doença, foi-se atualizando a estratégia de combate à propagação da doença. Em todos
os momentos a empresa publicou comunicados internos dirigidos aos trabalhadores, com
informações claras sobre as medidas de prevenção da infeção. Tais medidas de prevenção
obrigatórias, implementadas pela Empresa foram:
• A lavagem ou desinfeção das mãos regular, principalmente depois da utilização de
utensílios, instrumentos ou objetos comuns;
• O uso obrigatório de máscaras, tanto em espaços fechados como abertos;
• O distanciamento físico de 1.5m entre trabalhadores;
• A proibição da troca de roupa no local de trabalho, tendo os trabalhadores que se
apresentar, à entrada, já devidamente uniformizados;
• A interdição do uso de chuveiros nos vestiários;
• A restrição de acesso aos cacifos e vestiários para um máximo de 5 pessoas de
cada vez;
• A disponibilização de desinfetantes individuais aos trabalhadores, para a desinfeção
das mãos e outros utensílios;
• O aumento de autocarros para transporte dos trabalhadores de modo a reduzir a
sua ocupação para 50%;
• A restrição de acesso ao refeitório para 20 pessoas sentadas de cada vez, passando
as refeições a serem servidas em recipientes individuais e selados;
• A separação de todos os departamentos da empresa em 2 equipes, as quais
passaram a trabalhar em 2 edifícios diferentes1;
1 Em 2017 nasceu o projeto de ocupação de metade de um edifício existente na área portuária, que estava fora da área
de concessão por parte desta empresa. O objetivo do projeto era de criar novos escritórios para as áreas operacionais.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
113
• A substituição das reuniões presenciais por reuniões virtuais, através do uso do
“software” “Microsoft Teams”;
• A substituição da gestão de toda a documentação física para gestão de
documentação digital, através do software “DocuSign”;
• A substituição do uso do telefone fixo pelo [3CX] para comunicação interna na
empresa (este meio de comunicação não necessita de rede de dados – internet para funcionar);
• A substituição de submissão de documentos físicos por de colaboradores externos
(despachantes aduaneiros, linhas de navegação, agentes de carga e clientes), para
uma submissão num sistema digital, sendo agora uma plataforma eletrônica para
gestão de documentos digitais – esta plataforma foi desenvolvida dentro da própria
empresa;
• A substituição de todas as formações e viagens de trabalho anteriormente
programadas, por sessões em modo virtual (através do “Microsoft Teams” ou
“Zoom”).
A informação recolhida em todos os departamentos entrevistados, exceto o ICT,
é que em relação às competências técnicas de comunicação, houve a necessidade de
serem desenvolvidas e aperfeiçoadas quando eclodiu a pandemia COVID-19. Todos os
colaboradores tiveram de aprender a usar as novas plataformas de trabalho disponibilizadas
pela empresa: “Microsoft Teams”, 3CX e “DocuSign” principalmente. Houve outras
plataformas de comunicação que foram disponibilizadas, mas que só passaram a ser
usadas por quem tivesse interesse. A plataforma eletrônica para gestão de documentos
digitais, referenciada acima passou a ser usada apenas pelas áreas com necessidade e
autorização para tal.
Para além de aprender a usar estas ferramentas o departamento de ICT, teve de
dominá-las completamente, visto que este é o departamento que tem a responsabilidade
de ensinar e dar assistência a toda a empresa para a utilização destes “softwares”.
Em relação às competências comportamentais, foi relatado que tiveram de se
desenvolver metodologias individuais, para combater sentimentos que surgiram devido à
pandemia: estresse, angústia, impaciência, isolamento, frustração, resistência à mudança,
incerteza, falta de atenção e tristeza.
As causas para as dificuldades de comunicação registradas desde o início da
pandemia até ao momento das entrevistas foram:
• A baixa qualidade de internet (oscilação da rede de internet);
• O baixo domínio técnico do uso dos “softwares” por alguns membros das equipes
Entretanto, em 2018, por motivos internos da empresa, o projeto foi cancelado. Mas em 2020, com a chegada da pandemia do Covid-19 e com as primeiras contaminações aqui, a direção da empresa, tomou a decisão de solicitar novamente
metade do espaço do edifício ao proprietário do Porto, para servirem de escritórios. O objetivo era de ter 2 equipes de
cada departamento, independentes, de modo a que se houver contaminações num dos edifícios e haja necessidades
de se encerrar as atividades temporariamente, no edifício em causa, a empresa não pare de funcionar.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
114
dos projetos (colaboração através de tecnologias digitais);
• A ausência de um plano geral de comunicação e um código de conduta em
ambiente digital;
• A falta de definição do canal oficial de comunicação de gestão de projetos,
pois usam-se várias plataformas de comunicação entre as equipes de projetos
(“Whatsapp”, e-mail, “Microsoft Teams”);
• A ausência do conhecimento de literacia digital por alguns membros das equipes de
projetos (nem todos sabem como interagir através de tecnologias digitais; partilhar
informações e dados; falta de conhecimento de cidadania de tecnologias digitais);
• A resistência à mudança de alguns membros das equipes dos projetos para o uso
dos meios de comunicação digital;
• A quebra da comunicação formal em ambiente de trabalho por alguns membros
das equipes de projeto, uma vez que a comunicação digital eliminou determinadas
barreiras de comunicação existentes no passado ligadas à acessibilidade à liderança
de topo à toda empresa.
Todos os entrevistados informaram que a comunicação remota permitiu e permite
que o trabalho e os projetos não ficassem paralisados em tempos de crise, provocados
pela pandemia. Permite também segurança no trabalho e nos projetos que se realizam.
Porém, todos estes, afirmam que sentem falta da comunicação que era feita fisicamente,
no passado, por falta do contacto físico e calor humano. Este contacto físico permitia uma
melhor perceção da reação das pessoas através do movimento corporal de cada um, nas
reuniões e encontros de trabalho, aquando da partilha e troca de informações.
Em todos os departamentos são realizadas reuniões de trabalho remotamente. Regra
geral todos os departamentos têm pelo menos uma reunião semanal para alinhamento das
atividades e dos projetos do departamento. A avaliação feita por 100% dos entrevistados é
que em termos de qualidade as reuniões são boas e objetivas. Em termos de quantidade:
• 90% afirma que é boa (a média é de 3 reuniões virtuais por semana);
• 8% afirma que é demasiada (a média é de 5 reuniões remotas por semana);
• 2% afirma que não se importa com o número de reuniões que tiver semanalmente.
Foi levantada a questão se existia alguma iniciativa realizada nas reuniões remotas
que permanecerá pós-pandemia e, 3%, responderam que nestas reuniões há um bom
novo hábito que é o do coletivo se preocupar com cada indivíduo. Por exemplo, no início
das reuniões remotas, há um interesse em saber como está cada um e respetiva família
em relação à saúde. 97% informou que as próprias reuniões remotas de trabalho para
alinhamento são por si só boas iniciativas e que devem permanecer no período póspandemia.
Em relação aos projetos que tiveram andamento desde o início da pandemia e os
que tiveram início antes da pandemia com datas de entrega até ao momento:
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
115
• 7% foram entregues sem atrasos;
• 3% foram entregues antes do tempo; e
• 90% foram entregues com atrasos;
Ficou claro que houve projetos cancelados devido à pandemia e que a maior parte
dos atrasos registados estão associados às restrições impostas por esta pandemia.
Pode-se registar que em nenhum departamento existe um procedimento uniforme
de coleta de satisfação dos clientes, após a entrega dos projetos. Na maior parte dos casos
faz-se uma entrega formal do projeto e uma troca de e-mails para perceber se não houve
problemas após essa disponibilização.
Durante esta pesquisa, cerca de 87% dos entrevistados informaram que a
comunicação remota é do seu agrado e tem a convicção de que este tipo de comunicação
continuará a ser usado no futuro. Reconhecem que a comunicação remota apresenta as
seguintes vantagens:
• Melhor gestão de tempo;
• Flexibilidade;
• Redução de custos associados à mobilização (que anteriormente existia nos
projetos para a realização de reuniões, treinamentos, etc.);
• Maior eficiência na gestão de projetos;
• Facilidade na partilha de informação em tempo real e útil;
• Redução das emissões de carbono com a redução de movimentação de pessoas
utilizando meios de transporte para participar em reuniões, etc.;
• Economia de recursos (agora há melhor definição do escopo de trabalho e função
de cada membro das equipes de projeto);
• Maior participação dos membros das equipes em reuniões remotas de projetos;
• Contacto independentemente da localização geográfica das pessoas.
Cerca de 13% dos entrevistados reiteraram que a comunicação remota
apresenta as seguintes desvantagens:
• No caso de quem faz trabalhos de campo, para além do trabalho de escritório,
quando estão no campo, algumas vezes perdem chamadas de trabalho através de
plataformas de comunicação que só conseguem acessar quando estão no escritório.
Perdem-se chamadas que são feitas por exemplo via “Microsoft Teams”, apesar de
se alterar o estado para “ausente” (apenas algumas pessoas têm “Microsoft Teams”
ligado ao telefone da empresa, não é o caso destes entrevistados);
• Falta de perceção dos limites de horário de trabalho, pois a comunicação remota
permite maior acessibilidade de todos, e a qualquer hora;
• Frieza no ambiente de trabalho;
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
116
• Não utilização correta das plataformas de comunicação e trabalho por todos,
apesar de a empresa disponibilizar meios para todos;
• Perda do convívio social.
Dos membros das equipes de projetos entrevistados 94% acreditam que a
comunicação para gestão de equipes e de projetos no futuro (após a vacinação da
população ao nível de se ter a imunidade comunitária acautelada) será feita através de
uma comunicação mista. Isto é, uma combinação de comunicação remota e comunicação
presencial. Aqui prevê-se que se faça a utilização correta das vantagens que a comunicação
remota e a comunicação presencial apresentam em conjunto.
A empresa em causa apresenta alto nível de resiliência e robustez, devido às
inúmeras situações que obrigaram à adaptação desta a novos hábitos nos últimos anos.
São exemplos do que se refere: em 2017 - troca momentânea do quadro da direção devido
a um acidente de trabalho que culminou com o desaparecimento físico de 4 membros
seniores da direção da empresa, em 2019 - fustigação pelo ciclone IDAI (que destruiu
grande parte da cidade da Beira com ventos a 220 ) e em 2020 - surgimento da pandemia
global COVID-19. Quando se levantou a questão de como é que a empresa se poderá
preparar para mais mudanças no futuro, 80% dos entrevistados apresentou segurança nas
decisões que a empresa for a tomar, independentemente do que acontecer, pois o mundo
está em constante mutação e a direção da empresa está sempre atenta a estas mudanças.
PERCEPÇÃO SOBRE A VISÃO GERAL DA GESTÃO DA COMUNICAÇÃO EM
PROJETOS
Segundo o PMBOK (PMI, 2017) o gerenciamento de comunicações de projetos
possui as ferramentas necessárias, para que os interesses e objetivos dos projetos sejam
alcançados, por meio de uma troca de correta e eficaz de informações.
Como foi referenciado na seção Material e Métodos, foi distribuído para os gestores
dos departamentos de operação, engenharia, manutenção, tecnologias de informação e
de marketing, o mapa da Visão Geral do Gerenciamento das Comunicações do Projeto
do guia PMBOK, com o intuito de perceber quais os documentos, ferramentas e técnicas
recomendadas são utilizados na gestão da comunicação dos projetos na empresa.
Segundo o guia PMBOK (PMI, 2017) a primeira etapa do gerenciamento de
comunicações é a etapa de planejamento. Regra geral, o planejamento das comunicações
é realizado logo no começo do projeto, aquando do reconhecimento das partes interessadas
e da evolução do plano de gerenciamento do projeto. Aqui deve-se desenvolver uma
abordagem e um plano correto de comunicação, para que as necessidades de informação
para todas as partes interessadas do projeto e os objetivos do projeto sejam concretizados.
As comunicações do projeto são resultado deste processo de planejamento com o
rumo guiado pelo plano de gerenciamento das comunicações, no qual se deve estabelecer
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
117
a coleta, criação, divulgação, conservação, recuperação, gerenciamento, rastreamento e
refugo desses elementos de comunicação. No final, a estratégia de comunicação e o plano
de gerenciamento das comunicações servirão de base sólida para o monitoramento do
resultado da comunicação a ser estabelecida. As comunicações do projeto são apoiadas
em persistentes pontos de atenção para evitar deslizes ou falhas de comunicação. Isto fazse nesta fase de planejamento, através da criteriosa escolha de métodos, processos e tipos
de mensagens. A principal vantagem deste processo de planejamento é uma abordagem
documentada, para apresentar de um modo eficaz as informações-chave do projeto em
causa às partes interessadas. Deve-se realizar regularmente, o planejamento ao longo do
projeto, conforme as necessidades.
Na Tabela 1 a seguir, estão os resultados apresentados pelos gestores dos
departamentos sobre a perceção do planejamento das comunicações.
Planejamento das Comunicações
Resultados
1. Entradas
1.1 Termo de abertura do projeto
25 %
1.2 Plano do gerenciamento do projeto
75 %
1.3 Documentos do projeto
75 %
1.4 Fatores ambientais da empresa
0%
1.5 Ativos de processos organizacionais
0%
2. Ferramentas e Técnicas
2.1 Opinião especializada
100%
2.2 Análise de requisito das comunicações
25%
2.3 Tecnologia das comunicações
75%
2.4 Modelos de comunicações
50%
2.5 Métodos de comunicação
50%
2.6 Habilidades interpessoais e de equipe
75%
2.7 Representação de dados
50%
2.8 Reuniões
75%
3. Saídas
3.1 Plano de gerenciamento das comunicações
25%
3.2 Atualizações do plano de gerenciamento do projeto
25%
3.3 Atualização de documentos do projeto
Tabela 1 – Percepção sobre planejamento das comunicações.
Fonte: Resultados originais da pesquisa
25%
Nas entradas desta etapa de planejamento de comunicações, verifica-se que se
toma em consideração o plano de gerenciamento e os dados do projeto (75%). Porém, o
termo de abertura do projeto é menos utilizado. Segundo o guia PMBOK (PMI, 2017), o
termo de abertura do projeto deve ter como conteúdo informações sobre o projeto, como:
finalidade do projeto; objetivos mensuráveis do projeto e critérios de sucesso relacionados;
descrição de alto nível do projeto, seus limites e entregas-chave; risco geral do projeto;
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
118
resumo do cronograma de marcos; recursos financeiros pré-aprovados; lista das partes
interessadas chave; requisitos para aprovação do projeto; critérios de término do projeto;
gerente do projeto designado, responsabilidade e nível de autoridade; e nome e autoridade
do patrocinador ou outra(s) pessoa(s) que autoriza(m) o termo de abertura do projeto. Em
resumo, o termo de abertura do projeto permite que se faça um acordo entre as partes
interessadas sobre as entregas e metas mais importantes e dos papéis e responsabilidades
de todos os envolvidos no projeto.
Verifica-se que apenas 25% dos inquiridos utilizam este tipo de ferramenta tendo-se
verificado que nem toda a informação acima referida (que deve estar presente no termo de
abertura do projeto) consta no tipo de documento verificado (sabendo que este projeto não é
também partilhado por toda a equipe do projeto em causa). A justificação apresentada é de
haver desconhecimento da importância deste tipo de ferramenta. Este cenário demonstra
que logo à partida do projeto existem motivos para que existam problemas/lacunas de
comunicação, ao longo da vida do projeto.
Ainda nas entradas desta etapa, aspetos como os fatores ambientais da empresa e
os ativos de processos organizacionais, obtiveram resultado nulo, em níveis de organização,
o que demonstra uma grave lacuna no planejamento da gestão das comunicações em
projetos. Para citar um exemplo, segundo o guia PMBOK (PMI, 2017), os fatores ambientais
da empresa, como: cultura organizacional, clima político e estrutura de governança, políticas
de administração de pessoal, limites de risco das partes interessadas, canais, tendências,
práticas ou hábitos globais, regionais ou locais, que podem interferir nesta fase não são
tomados em consideração de forma consciente. Os ativos de processos organizacionais,
como: políticas e procedimentos organizacionais para redes sociais, ética e proteção,
políticas e procedimentos organizacionais, riscos, mudanças e gerenciamento de dados,
requisitos de comunicação da organização, diretrizes padronizadas para desenvolvimento,
troca, armazenamento e recuperação de informações, repositório de lições aprendidas e
informações históricas e dados e informações de partes interessadas e comunicações de
projetos anteriores, também não são considerados de modo consciente.
Nas ferramentas e técnicas desta etapa de planejamento de comunicações percebese que todos os departamentos buscam opinião especializada, e que grande parte (75%)
considera a tecnologia das comunicações, habilidades interpessoais e de equipe e realiza
reuniões de projeto. Verifica-se que metade dos departamentos avaliados (50%) utiliza as
ferramentas de modelos de comunicações, métodos de comunicação, e representação de
dados. Mas, apenas 25% faz a análise de requisitos das comunicações.
Segundo o PMBOK (PMI, 2017), a ferramenta de planejamento permite que se
defina o tipo e a imprescindibilidade de informações para as partes interessadas do projeto.
Ou seja, são definidas as condições de partilha de informação necessária (tendo em conta
o tipo e o formato) acompanhada por uma avaliação sobre o valor dessas informações. As
fontes de informações normalmente utilizadas para identificar e definir as condições das
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
119
comunicações do projeto acima citadas, tomam em conta:
• Requisitos de informações e comunicação importantes, a partir do registro das
partes interessadas e do plano de engajamento das partes interessadas;
• Número de canais ou vias de comunicação em potencial, incluindo comunicação
de um para um, um para muitos e muitos para muitos;
• Organogramas;
• Organização do projeto e responsabilidade, relacionamentos e interdependências
entre as partes interessadas;
• Abordagem de desenvolvimento;
• Disciplinas, departamentos e especialidades envolvidas no projeto;
• Logística (número de envolvidos e locais a considerar);
• Necessidades de informações internas; necessidades de informações externas;
• Requisitos legais.
As saídas deste processo de planejamento de comunicações são, de certo modo,
enfraquecidas, o que compromete as fases seguintes do gerenciamento de comunicações.
Foi possível constatar que nesta empresa não existem processos de comunicação
padronizados e por escrito que possam ser seguidos por todos. Algumas ferramentas
recomendadas são utilizadas por alguns, outras não são utilizadas no geral.
Segundo o PMBOK (PMI, 2017), a etapa seguinte ao planejamento é a de
gerenciamento das comunicações. Esta tem como objetivo garantir a coleta, criação,
divulgação, conservação, recuperação, gerenciamento, monitoramento e apresentação
final das informações do projeto, de forma conveniente e acertada.
A principal vantagem desta etapa é viabilizar a existência, entre a equipe do projeto e
as partes interessadas, e a da necessária fluidez na troca de informações. O gerenciamento
de comunicações, possibilita a escolha de todos os meios para uma comunicação eficaz
e eficiente através, por exemplo, da escolha de metodologias e técnicas de comunicação
mais adequadas, de acordo com as mudanças que ocorrerem no projeto.
Esta etapa não se limita à divulgação de informações relevantes ao projeto, inclui
a garantia de que as informações que estão a ser divulgadas às partes interessadas,
sejam recebidas pelo público-alvo, sem distorções. Aqui, existe espaço para que as partes
interessadas possam solicitar informações, esclarecimentos e discussões extraordinárias.
Algumas das técnicas e considerações tomadas em conta e que garantem eficácia
nesta etapa de gerenciamento das comunicações são: modelos de emissor-recetor;
escolha dos meios de comunicação; estilo de redação (ou seja, uso correto da voz ativa
ou passiva, estrutura certa das frases e escolha adequada de palavras); gerenciamento
de reuniões; apresentações (ou seja, tomada de consciência do impacto da linguagem
corporal e desenvolvimento de recursos visuais); facilitação e escuta ativa.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
120
Na Tabela 2, a seguir, estão os resultados apresentados pelos gestores dos
departamentos sobre a perceção do gerenciamento das comunicações.
Gerenciamento das Comunicações
Resultados
1. Entradas
1.1 Plano de gerenciamento do projeto
75%
1.2 Documentos do projeto
75%
1.3 Relatórios de desempenho do trabalho
25%
1.4 Fatores ambientais da empresa
0%
1.5 Ativos organizacionais
0%
2. Ferramentas e técnicas
2.1 Tecnologias de comunicações
50%
2.2 Métodos de comunicação
50%
2.3 Habilidades de comunicação
25%
2.4 Sistema de informação de gerenciamento de projetos
25%
2.5 Relatórios de projetos
50%
2.6 Habilidades interpessoais e de equipe
25%
2.7 Reuniões
50%
3. Saídas
3.1 Comunicações do projeto
25%
3.2 Atualizações do plano de gerenciamento do projeto
25%
3.3 Atualização de documentos do projeto
50%
3.4 Atualização de ativos de processos organizacionais
0%
Tabela 2 - Percepção sobre gerenciamento de comunicações.
Fonte: Resultados originais da pesquisa.
Tendo-se como base os dados expostos anteriormente, percebe-se que, os
departamentos tomam em consideração os relatórios de desempenho de trabalho (25%), e
o plano de gerenciamento de projeto e os documentos do projeto (75%). Segundo o PMBOK
(PMI, 2017) os relatórios de desempenho de trabalho são documentos onde se devem
encontrar as informações corretamente apresentadas, registradas para serem divulgadas
(em formato físico ou digital) para dar a conhecer, alertar e/ou gerar tomadas de decisão
ou ação sobre o projeto pelos responsáveis (aqui estão patentes normalmente informações
sobre o progresso do projeto). Estes relatórios de desempenho são divulgados pela via
do processo de comunicação definido no plano de gerenciamento do projeto, e podem
ser constituídos, de entre outros, por gráficos e informações de valor agregado, linhas e
previsões de tendências, gráficos de evolução regressiva de reserva, resumos de riscos.
Já nas ferramentas e técnicas, verifica-se que metade dos departamentos avaliados
(50%), utilizam as tecnologias de comunicações, métodos de comunicação, fazem relatórios
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
121
de projeto e realizam reuniões.
As ferramentas com baixa utilização (25%) são: habilidades de comunicação,
sistema de informação de gerenciamento de projetos [SIGP] e habilidades interpessoais
e de equipe. No âmbito das habilidades de comunicação, segundo o PMBOK (PMI, 2017)
os aspetos mais importantes a salientar são: competência de comunicação, “feedback”,
comunicação não verbal e apresentações.
As competências de comunicação são um pacto de habilidades de comunicação
moldadas, que tomam em conta aspetos como: entendimento da finalidade em mensagens
principais, relacionamentos e compartilhamento de informações eficazes e comportamentos
de liderança.
O “feedback” são informações sobre reflexos a comunicações, uma entrega
ou contexto. O “feedback” dá suporte à comunicação interativa entre todas as partes
interessadas, não deixando de lado o gerente do e a equipe do projeto (exemplos:
“coaching”, mentoria e negociação).
Quanto à comunicação não verbal, pode-se ter em consideração que a linguagem
corporal apropriada é importante para transmitir o significado, como a gesticulação,
tonalidade vocal e as expressões faciais. As técnicas mais importantes neste tipo de
comunicação são a empatia e o contato visual. Deve haver consciência, por parte dos
membros da equipe de projetos, de como se expressam, tendo em conta tudo o que se fala
e tudo o que não se fala.
Para as apresentações, pode-se ter em conta de que são meios para entrega formal
de informações e/ou documentação às partes interessadas do projeto. As apresentações
devem ser claras e objetivas na informação que transmitem sobre o projeto. Podem
ser: relatórios de progresso e atualizações de informações para as partes interessadas;
informações de histórico para sustentar tomadas de decisões; informações gerais sobre o
projeto e seus objetivos, com o fim de dar visibilidade ao perfil do trabalho do projeto e à
equipe; e informações específicas com o objetivo de ampliar o entendimento e o apoio do
trabalho e dos objetivos do projeto. As apresentações têm sucesso quando o seu conteúdo
considera: o público-alvo (partes interessadas), suas expectativas e necessidades; bem
como as necessidades e os objetivos do projeto e da equipe do projeto.
Já o SIGP, permite a garantia de que as partes interessadas possam acessar e/
ou recuperar, sem dificuldade, as informações relativas ao projeto em causa, sempre
que necessário. As informações do projeto são normalmente gerenciadas e distribuídas
utilizando-se várias ferramentas eletrônicas disponíveis. Pode-se considerar que a coleta
de dados e de informação, bem como, relatórios automatizados sobre os principais
indicadores de desempenho podem-se enquadrar neste sistema. As técnicas utilizadas
neste tipo de sistema nas empresas, para gerenciar e distribuir informações, normalmente
são: ferramentas eletrônicas para gerenciamento de projetos; gerenciamento eletrônico
das comunicações; gerenciamento de redes sociais.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
122
Para as técnicas de habilidades interpessoais e de equipe que são pouco utilizadas
no gerenciamento de comunicação nesta empresa (25%), é preciso ter em conta que o
PMBOK (PMI, 2017) informa que estas permitem obter soluções informais, mas úteis para
solucionar problemas que possam surgir e/ou sugestões para melhoria de desempenho;
consciência política (ajuda o gerente do projeto no comprometimento das partes
interessadas de forma adequada para manter seu apoio durante o projeto). Algumas destas
técnicas são: escuta ativa, gerenciamento de conflitos, consciência cultural, gerenciamento
de reuniões, rede de relacionamentos, ou seja, é preciso manter uma interação com outras
pessoas para trocar informações e desenvolver contatos.
Este tipo de cenário permite perceber que existem dificuldades de gerenciamento
de projetos na empresa, decorrentes da utilização reduzida destas ferramentas e técnicas,
como por exemplo, habilidades de comunicação por parte dos gestores e membros das
equipes de projetos, habilidades interpessoais e de equipe e, também, por não existir um
sistema padrão de informação de gerenciamento de projetos.
Como resultado da pesquisa da etapa de gerenciamento das comunicações, as
saídas que se obtêm não são muito fortes, sendo a mais visível nos departamentos (50%) a
atualização de documentos do projeto, seguida de comunicações do projeto e atualizações
do plano de gerenciamento do projeto feito por uma pequena parte dos departamentos
avaliados (25%). Nenhum destes têm como saída a atualização de ativos de processos
organizacionais (registros do projeto, como correspondência, memorandos, atas de
reuniões e outros documentos usados no projeto; relatórios e apresentações do projeto
planejados e ad hoc.).
Dos resultados recolhidos para esta etapa verifica-se assim, que não existe
consistência na utilização das metodologias, ferramentas e técnicas que a compõem.
A fase final do gerenciamento das comunicações de projetos, segundo o PMBOK
(PMI, 2017), é o monitoramento das comunicações. Esta é a etapa que salvaguarda a
satisfação e realização das necessidades de informação do projeto e de suas partes
interessadas. Aqui é possível verificar se as técnicas e metodologias determinadas na fase
de planejamento de comunicações foram bem-sucedidas em aumentar ou manter o apoio
das partes interessadas em relação aos objetivos e resultados do projeto.
A mensuração do efeito das comunicações do projeto deve ser feita com muita
atenção, para que a mensagem com o conteúdo certo chegue ao público-alvo certo com
o canal adequado e na hora correta. O monitoramento de comunicações pode requerer
várias metodologias, como pesquisas de satisfação do cliente, coleta e reflexão de lições
aprendidas, observações para a equipe, revisão de dados do registro das questões e muito
mais.
Na Tabela 3 estão os resultados apresentados pelos gestores dos departamentos
sobre a perceção do monitoramento das comunicações.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
123
Monitoramento das Comunicações
Resultados
1. Entradas
1.1 Plano de gerenciamento do projeto
75%
1.2 Documentos do projeto
75%
1.3 Dados do desempenho do trabalho
25%
1.4 Fatores ambientais da empresa
0%
1.5 Ativos de processos organizacionais
0%
2. Ferramentas e Técnicas
2.1 Opinião especializada
50%
2.2 Sistema de informação de gerenciamento de projetos
25%
2.3 Representação de dados
0%
2.4 Habilidades interpessoais e de equipe
50%
2.5 Reuniões
50%
3. Saídas
3.1 Informações sobre o desempenho do trabalho
0%
3.2 Solicitações de mudança
25%
3.3 Atualizações do plano de gerenciamento do projeto
25%
3.4 Atualização de documentos do projeto
25%
Tabela 3 - Percepção do monitoramento de comunicações.
Fonte: Resultados originais da pesquisa.
Da pesquisa realizada, verifica-se nesta etapa, que nas entradas grande parte dos
departamentos (75%), toma em consideração o plano de gerenciamento e os documentos
do projeto. No entanto, apenas 25% toma em consideração os dados do desempenho
de trabalho e nenhum departamento, toma em consideração os fatores ambientais da
empresa e os ativos de processos organizacionais. A falta de consideração destes últimos
elementos, leva a crer que há necessidade de desenvolver:
• Uma cultura organizacional, um clima político e uma estrutura de governança mais
robustos;
• Políticas de administração de pessoal por todos os departamentos;
• Análise dos limites de risco das partes interessadas.
• Políticas e procedimentos organizacionais para questões, riscos, mudanças e
gerenciamento de dados;
• Requisitos de comunicação da organização;
• Diretrizes padronizadas para desenvolvimento, troca, armazenamento e
recuperação de informações;
• Hábitos de reflexão sobre de lições aprendidas e informações históricas dos
projetos e criação de repositórios devidos para tal;
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
124
• Sistemas de armazenamento correto para dados e informações de partes
interessadas e comunicações de projetos anteriores.
No que concerne às ferramentas e técnicas, os resultados mostram que 50% dos
departamentos avaliados utilizam opinião especializada, habilidades interpessoais e de
equipe e realizam reuniões de projetos. Apenas 25% utilizam o sistema de informação de
gerenciamento de projetos e nenhum departamento (0%) utiliza a representação de dados.
Segundo o PMBOK (PMI, 2017), algumas das metodologias que podem ser usadas
para a representação de dados são: mapeamento mental; e matriz de avaliação do nível
de engajamento das partes interessadas (uma forma de classificar o nível de engajamento
das partes interessadas pode ser desinformada, resistente, neutra; apoiadora; e líder). Esta
matriz pode fornecer informações sobre a eficácia das atividades de comunicação. Isso é
possível, revisando as mudanças entre o engajamento desejado e o atualmente realizado,
ajustando as comunicações, conforme necessário. Portanto, verifica-se que este tipo de
ferramenta não é utilizado na empresa na fase de monitoramento de comunicações, o que
não permite um conhecimento e classificação das partes interessadas em relação ao seu
envolvimento no projeto.
Em relação às saídas do monitoramento de comunicações, um número reduzido
(25%) dos departamentos regista as solicitações de mudança, atualizações do plano de
gerenciamento do projeto e faz atualização de documentos do projeto.
Verifica-se que nenhum departamento tem como saída as informações sobre
o desempenho no trabalho. Segundo o PMBOK (PMI, 2017), as informações sobre o
desempenho do trabalho incluem informações sobre o desempenho da comunicação do
projeto, onde se faz a comparação e análise das comunicações implementadas com as
planejadas (aqui também, se toma em conta o “feedback” sobre comunicações). Estes
dados são colhidos durante o progresso do projeto e são passados para processos de
controle (por exemplo escopo, cronograma, orçamento e qualidade que são definidas
no início do projeto como parte do plano de gerenciamento do projeto que depois são
comparados com o desempenho verificado). Existem informações adicionais que podem
passar referências necessárias para determinar se o projeto está de acordo com o plano e
orçamento ou se há variações, a esse nível. Isto ajuda na tomada de decisões sobre ações
preventivas ou corretivas para o projeto. A correta análise dos dados de desempenho do
trabalho e as informações adicionais do projeto, permite entender o contexto como um todo
propiciando argumentos fortes para tomada de decisões no projeto.
Nesta etapa evidencia-se assim, a inconsistência na consideração e utilização das
metodologias, ferramentas e técnicas recomendadas pelo PMBOK.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
125
RECOMENDAÇÕES PARA MELHORIA DA GESTÃO DE COMUNICAÇÃO
Da pesquisa realizada, em primeiro lugar, pode-se perceber que existiram mudanças
motivadas pela pandemia COVID-19, ligadas à gestão de comunicação em equipes de
projetos. Em relação à percepção sobre a visão geral da gestão da comunicação em
projetos, verifica-se haver necessidade de:
• Criar de um Plano Geral do Gerenciamento das Comunicações do Projeto,
seguindo as orientações do PMBOK. O objetivo deste plano é de permitir um melhor
planejamento, gerenciamento e monitoramento as comunicações nas equipes de
projetos, tendo em conta que é necessário ter em conta:
• Aspetos ligados a políticas: Desenvolver políticas e procedimentos organizacionais para redes sociais, ética e proteção, políticas e procedimentos organizacionais para questões, riscos, mudanças e gerenciamento de dados,
requisitos de comunicação da organização, diretrizes padronizadas para
desenvolvimento, troca, armazenamento e recuperação de informações,
criação de hábitos para reflexão, coleta e registro de lições aprendidas e
informações históricas e dados e informações de partes interessadas e comunicações de projetos anteriores; Criar um código de conduta em ambiente digital para uniformização de comportamento, de modo a manter a formalidade exigida na comunicação em ambiente de trabalho; Definir o canal
oficial de comunicação de gestão de projetos e definição da priorização em
caso de se utilizarem várias plataformas de comunicação entre as equipes
de projetos (“Whatsapp”, e-mail, “Microsoft Teams”) de modo a eliminar perdas de informação e ruído;
• Aspetos tecnológicos: Melhorar a qualidade de internet, por forma a reduzir ou eliminar as suas oscilações (por exemplo contratar novos provedores
de internet, ou pressionar os atuais a elevarem a qualidade dos seus serviços);
• Aspetos ligados aos funcionários: Mapear e capacitar os membros das
equipes de projetos que apresentam baixo domínio técnico do uso dos softwares de modo a improvisar a colaboração através de tecnologias digitais;
Treinar os membros das equipes de projetos em literacia digital de modo
a permitir uma melhor interação através de tecnologias digitais; partilha
informações e dados; conhecimento de cidadania de tecnologias digitais;
Divulgar as vantagens do uso dos meios de comunicação digital de modo
a reduzir a resistência que se verifica em alguns membros das equipes de
projetos, visto que existe uma grande probabilidade da comunicação digital/
virtual vir a ter um grande uso no futuro.
Ligado a outros aspetos verificados, que se apresentam como importantes, importa
recomendar o seguinte:
• A criação de um Escritório de Gestão de Projetos [EGP]. Segundo o guia PMBOK
(PMI, 2017), o EGP é um órgão de gestão que normaliza os processos de governança
relacionados com o projeto e facilita o compartilhamento de recursos, metodologias,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
126
ferramentas e técnicas por toda a empresa. Visto que vários departamentos na
empresa trabalham com projetos, este órgão poderá dar o apoio necessário para a
implementação e gestão de projetos com mais qualidade;
• O desenvolvimento de uma cultura organizacional, clima político e estrutura de
governança para permitir a eficácia das comunicações em equipes de projetos.
Seriam então implantadas (a) políticas de administração de pessoal (b) limites de
risco das partes interessadas (c) canais, tendências, práticas ou hábitos globais,
regionais ou locais;
• Dar a devida atenção para aspetos de força maior, que permitirá que a empresa se
prepare para possíveis mudanças no futuro, através de:
• Um mapeamento dos possíveis riscos associados ao tipo de atividade desenvolvida pela empresa como por exemplo risco de incêndio;
• Um mapeamento dos possíveis riscos associados na sociedade onde a empresa se insere, ligado a fenómenos naturais (ciclones, terremotos, inundações, etc.) e ocorrências políticas (guerras, revoluções, greves, etc.);
• Elaboração de manuais de reação detalhada para cada uma das eventualidades;
• Divulgação desses manuais de reação através de palestras e treinamentos
teóricos;
• Simulação de todos os possíveis eventos na prática com a empresa toda
para melhor perceção de todos sobre os riscos associados;
• Elaboração de um quadro de “perguntas mais frequentes em caso de…”
(tendo em conta todos os possíveis riscos) e publicação em todas as redes
de comunicação interna da empresa.
CONCLUSÃO
Tendo em conta os objetivos do presente estudo citados inicialmente e ligados à
uma empresa do ramo dos transportes de Moçambique, chega-se à conclusão de que
houve sim mudanças causadas pela pandemia COVID-19 ligadas à gestão de comunicação
em equipes de projetos e que se verifica eficácia da gestão de comunicação, passível,
entretanto de melhorias tal como recomendado neste estudo.
AGRADECIMENTO
Gostaria de agradecer à minha família, amigos e professores pelo apoio prestado
desde o início do curso. Um especial obrigado aos meus pais que sempre me incentivaram a
estudar. Um agradecimento importante aos colaboradores que participaram desta pesquisa
da empresa que serviu de caso de estudo.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
127
REFERÊNCIAS
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Wolton, Dominique. 1997. Pensar a comunicação. DIFEL – Difusão Editorial.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 8
128
CAPÍTULO 9
COMUNICAÇÃO PÚBLICA E DESINFORMAÇÃO EM
SAÚDE: ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS COMUNICACIONAIS
DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NA COBERTURA DA
CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO CONTRA A
POLIOMIELITE E CONTRA O SARAMPO DE 2018
trabalho recebeu menção honrosa no Prêmio Prêmio
Abrapcorp de Dissertações de 2021.
Data de aceite: 01/02/2022
Johnny Ribas da Motta
Doutorando pelo Programa de Pós-graduação
em Comunicação da Universidade Federal de
Santa Maria e Mestre pelo Programa de Pósgraduação em Comunicação da Universidade
Federal de Goiás. Bacharel em Comunicação
Social - Jornalismo e Especialista pelo MBA em
Gestão da Comunicação Pública e Empresarial
da Universidade Tuiuti do Paraná. Graduando
em Relações Públicas pela Universidade
Federal do Paraná
Nelia Rodrigues Del Bianco
Doutora em Comunicação pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo com estágio de pós-doutorado
na Universidade de Sevilha, Espanha.
Professora dos programas de pós-graduação
das Universidades de Brasília e Federal de
Goiás. Professora visitante na Universidade
Federal de Ouro Preto. Membro da Rede
de Radiojornalismo da SBPJor, do Grupo
de Pesquisa de Rádio e Mídia Sonora da
Intercom, do Grupo de Pesquisa Geografias
da Comunicação e do Grupo de Pesquisa
Convergência e Jornalismo da Universidade
Federal de Ouro Preto
Este artigo é resultado da dissertação de mestrado
defendida junto ao Programa de Pós-graduação em
Comunicação da Universidade Federal de Goiás,
intitulada “Comunicação Pública e Campanhas
Nacionais de Vacinação em Contexto de Midiatização:
as estratégias comunicacionais do Ministério da Saúde
na crise da cobertura vacinal de 2018”, sob orientação
da professora doutora Nelia Rodrigues Del Bianco. O
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
RESUMO: O presente artigo debruça-se sobre
as estratégias comunicacionais da Campanha
Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e
contra o Sarampo realizadas pelo Ministério
da Saúde (MS) em 2018, com o objetivo de
entender em que medida as ações desenvolvidas
confrontaram a desinformação em torno da
recusa e resistência à imunização. Partindo
do pressuposto de que a campanha é uma
comunicação entre Estado e Sociedade que
deve ser pautada pelo interesse público, sendo
fundamental na sua concepção o planejamento
de processos, estratégias e ações, visando o
alcance de direitos fundamentais, questiona-se
a eficácia discursiva das peças publicitárias da
campanha no enfrentamento da desinformação.
O corpo teórico-metodológico dialoga com o
conceito de Comunicação Pública e Ecossistema
da Desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN,
2017), que abrange desde notícias falsas,
informação propositalmente enganosa motivada
por falsas crenças até conteúdo impostor,
quando fontes verdadeiras são imitadas. O objeto
empírico é composto por peças publicitárias
produzidas pelo MS, como vídeos, cartazes,
filipetas e um Blog de fact-checking, coletados
a partir da Observação Encoberta e Não
Participativa (JOHNSON, 2010), examinados sob
a perspectiva da Análise de Conteúdo (BARDIN,
2016; LAVILLE; DIONNE, 1999) complementada
pelos Ciclos de Codificação (SALDAÑA, 2013).
A pesquisa evidenciou pouco entendimento
Capítulo 9
129
dos gestores do órgão sobre as estratégias de construção de mensagens falsas e de seus
processos de disseminação, resultando na apresentação de uma campanha com discurso
pouco eficaz na defesa da vacinação e com limitada capacidade de se contrapor às crenças
enraizadas na população e amplamente referendadas pela informação enganosa.
PALAVRAS-CHAVE: Campanha de Vacinação; Ministério da Saúde; Estratégias
Comunicacionais; Comunicação Pública; Ecossistema da Desinformação; Fact-checking.
1 | INTRODUÇÃO
Pela primeira vez desde 1994 – desde quando há dados disponíveis – o Brasil não
atingiu em 2019 a meta de vacinar 95% do público-alvo em nenhuma das 15 vacinas do
calendário público aplicadas gratuitamente em crianças com menos de 10 anos. Embora o
país possua um dos melhores sistemas públicos de vacinação do mundo e haja esforços de
profissionais para convencimento da população e campanhas governamentais em saúde
pública, essas ações não têm sido suficientes para evitar a crescente queda na cobertura
vacinal verificada desde 2011 (MADEIRO, 2020).
É o caso da cobertura da primeira dose da vacina tríplice viral, que protege contra
sarampo, caxumba e rubéola, que até 2014 se encontrava acima da meta. A exemplo,
a meta de cobertura da primeira dose passou de 96% em 2015 para 88,55% em 2019.
Os dados da segunda dose, apontaram índices mais baixos. Passou de 92,9% em 2014
para 77,07% em 2019. A cobertura de vacinação da poliomielite teve desfecho semelhante,
caindo de 98,2% em 2015 para 65,34% de crianças imunizadas em 20191 (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2020).
Em consequência desse quadro, cresceu a notificação de casos confirmados de
sarampo, levando o Brasil a perder a certificação de erradicação da doença emitido pela
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) três anos após recebê-lo, em 2016. Em
2019, foram 15.914 casos de sarampo confirmados, com registro de 15 mortes (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2019). O risco da volta do sarampo e da poliomielite circularem de forma
endêmica preocupa organizações da sociedade civil e instituições governamentais. O
sarampo é considerado um dos principais causadores de morte entre crianças no mundo e
o risco de retorno da poliomielite é tangível, a considerar o declínio das taxas de cobertura
vacinal.
Conforme aponta estudo realizado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle
das Doenças (ECDC) da União Europeia (EU), liderado pelas pesquisadoras Heidi Larson
e Emilie Karafillakis do Projeto para a Confiança nas Vacinas da Escola de Higiene e
Medicina Tropical de Londres, a hesitação e recusa de segmentos da população diante das
campanhas de vacinação tem vários fatores, entre eles: 1) influências contextuais - questões
relacionadas com o fatalismo religioso, teorias conspiratórias e exposição negativas aos
1 Conforme orientação da Organização Mundial da Saúde, o índice de cobertura vacinal adequado deve ser de 95% da
população-alvo, inferior à meta é considerado risco eminente de retorno de doenças imunopreveníveis.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
130
meios de comunicação; 2) influências individuais e de grupo - em que são consideradas
as percepções, crenças pessoais e influências do ambiente social, como experiências
anteriores negativas, medo de injeção, segurança das vacinas e desconfiança em relação
as instituições de saúde; e 3) questões específicas - relacionadas a desconfiança quanto
ao aconselhamento insistente para se vacinar, falta de recomendação médica e custo
financeiro (LARSON; KARAFILLAKIS, 2015).
Além destes fatores, o Comitê Econômico e Social Europeu, criado pela União
Europeia para o fortalecimento da cooperação contra doenças evitáveis identificou a
desinformação, isto é, informação comprovadamente falsa e com o objetivo de enganar
entre os possíveis motivos para hesitação às vacinas. Para o Comitê, não existe solução
única para lidar com a problemática, porém, é necessário mudar a percepção pública sobre
a questão por meio do diálogo com os cidadãos, além do desenvolvimento de estratégias
de intervenção personalizadas (COMISSÃO EUROPÉIA, 2018). Visão referendada pela
Organização Mundial da Saúde que vê no processo participativo um caminho para melhoria
da qualidade dos serviços, de forma a criar confiança e demonstrar respeito com benefícios
mais amplos para a cobertura da imunização (OMS, 2018).
Uma das facetas da desinformação no Brasil é a atuação de movimentos sociais
antivacinas nas redes sociais. Em 2017, o jornal O Estado de S. Paulo identificou no
Facebook cinco grupos brasileiros antivacinas reunindo mais de 13 mil pessoas. Nos
grupos, pais trocam informações sobre como não informar aos pediatras a respeito da
decisão de não vacinar os filhos e estratégias para garantir imunização alternativa, por
meio do uso de óleos, homeopatia e determinados tipos de alimentos (CAMBRICOLI;
PALHARES, 2017). A iniciativa segue uma tendência verificada em outros países. Estudo
publicado na revista Plos Medine aponta que de 2009 a 2016, o número de estados norteamericanos em que os pais optaram por não vacinarem seus filhos subiu de 12 para 18,
tendo como justificativas razões filosóficas (OLIVE; HOTEZ; DAMANIA; NOLAN, 2018).
Em 2018, o MS começou a entender as razões para a brusca queda nas taxas de
imunização, entre eles, o papel da desinformação na construção do comportamento de
rejeição a vacinação. Na visão da instituição, o comportamento decorre: 1) da percepção
enganosa dos pais de que não é preciso mais vacinar porque as doenças desapareceram;
2) do desconhecimento de quais são os imunizantes que integram o calendário nacional
de vacinação (todos de aplicação obrigatória); 3) do medo de que as vacinas causem
reações prejudiciais ao organismo; 4) do receio de que o número elevado de imunizantes
sobrecarregue o sistema imunológico; e 5) da falta de tempo das pessoas para irem aos
postos de saúde (REVISTA FAPESP, 2018).
Com base neste contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar as estratégias
de combate ao ecossistema da desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) realizadas
pelo MS ao elaborar a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o
Sarampo de 2018, veiculada na mídia tradicional e redes sociais. A questão problema deste
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
131
artigo indaga: Em que medida o Ministério da Saúde conseguiu fazer o enfrentamento
do ecossistema da desinformação em torno de questionamentos quanto à eficácia das
vacinas?.
A partir do conceito de ecossistema da desinformação e da revisão de estudos
que versam sobre a construção de percepções errôneas sobre a vacinação, bem como
da comunicação pública, para entender como se deu o enfrentamento às informações
enganosas, delimita-se como corpus os materiais comunicacionais de divulgação da
presente campanha, além do site de fact-checking Saúde Sem Fake News do Ministério
da Saúde.
Parte-se do pressuposto de que a campanha de vacinação se insere no âmbito da
Comunicação Pública entre Estado e sociedade e, por essa condição, deve ser pautada
pelo interesse público, sendo fundamental o planejamento estratégico de processos
e ações, visando alcançar o exercício de três direitos fundamentais: o direito à vida, à
informação e à comunicação.
A pesquisa tem como pano de fundo aportes teóricos como do francês Pierre Zémor
(2009), que ao refletir sobre o papel do Estado como promotor da comunicação pública,
estabelece a necessidade de compreensão de quatro características indispensáveis
para essa prática comunicacional: 1) o interesse público; 2) a divulgação dos serviços;
3) a transparência; e, 4) o diálogo com o público. Por essa perspectiva, o exercício da
comunicação e o diálogo com a sociedade legitimam a cidadania e a democratização, pois
proporcionam o que o autor chama de escuta ativa da população.
Portanto, para além de veicular informações de interesse público, as ações de
comunicação devem incluir o atendimento, a orientação e a criação de espaços que
oportunizem e aperfeiçoem o diálogo do Estado com a sociedade. Significa que o Estado,
guiado pelo interesse público, precisa refletir sobre a eficácia de suas campanhas dirigidas
à saúde pública. Nesta lógica, Petracci (2012, p. 43) aduz que pensar na eficácia é
entender que em “[...] cada desafio da comunicação há sempre um assunto social, cuja
compreensão é, em primeiro lugar, teórico”, e que sempre há uma “[...] densidade do campo
sócio comunicacional com a saúde que excede todos os passos ao se tratar de assuntos de
governos e organizações sociais”.
A investigação baseia-se em aportes teóricos-metodológicos da pesquisa qualitativa
(MINAYO, 2001), da Observação Encoberta e Não Participativa (JOHNSON, 2010), e da
Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016; LAVILLE; DIONNE, 1999) complementada pelos
Ciclos de Codificação (SALDAÑA, 2013). A análise evidencia que houve um enfrentamento
tímido e superficial do ecossistema da desinformação na elaboração dos materiais
publicitários da campanha de 2018, demonstrando pouco entendimento dos gestores sobre
as estratégias de construção de mensagens falsas e dos processos de disseminação.
Entende-se que a desinformação coloca em risco a vida de pessoas e tem sua grande
aceitação social por validar percepções e crenças enganosas de parte da população, como,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
132
por exemplo, de que a vacina é dispensável porque doenças como sarampo e poliomielite,
aparentemente, desapareceram. E, ainda, coloca o cidadão no centro da decisão pela
adoção ou repulsa à vacinação, isentando-o da responsabilidade coletiva pela saúde da
sociedade.
Por fim, os próximos tópicos apresentam uma aproximação teórica-conceitual com
o argumento central desta pesquisa, bem como o caminho metodológico percorrido, a
análise e interpretação dos dados, as considerações finais e referências.
2 | COMUNICAÇÃO PÚBLICA E CAMPANHAS NACIONAIS DE VACINAÇÃO
A articulação entre comunicação e saúde é pensada estrategicamente no Brasil
desde o início do século XX, quando o governo propôs associar a propaganda e a
educação com o objetivo de incentivar a população a adotar atitudes favoráveis a medidas
de prevenção. Na época, o modelo sanitarista campanhista2, inspirado no governo militar,
propunha o combate de doenças em massa, adotando estilo repressivo e interventor.
Modalidade de campanha que gerava desconfiança por parte da população, a exemplo, o
movimento popular da Revolta da Vacina, iniciado em 1904 no Rio de Janeiro.
A população recusava a campanha de aplicação da vacina contra varíola realizada
de casa em casa, sempre em companhia da polícia sanitária, e se opunha ao isolamento
imposto aos doentes e seus contatos (TEIXEIRA, 1999). Houve ainda oposição às
campanhas de abordagem coercitiva realizadas entre 1902 e 1906, conduzidas pelo
médico Oswaldo Cruz. Sanitarista responsável pela criação das Brigadas Mata-Mosquitos
composta por grupos de funcionários do Serviço Sanitário, de policiais e autoridades que
mandavam derrubar casas consideradas ameaças ao combate da febre amarela.
Já nas décadas de 1920 e 1930, período considerado de importante mudança
nos serviços de saúde pública, o médico Carlos Chagas criou o Departamento Nacional
de Saúde Pública. Na época, o cinema e o rádio foram usados como instrumentos de
propaganda política e ampliação das campanhas sanitárias. Em 1930, com a criação do
Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, foram elaborados planos de ação
com estratégias persuasivas que visavam o cumprimento de recomendações sanitárias
estabelecidas pelas autoridades de Estado (ROCHA, 2003).
Até a década de 1950, segundo Diaz Bordenave (1981), não se falava muito em
comunicação, mas em informação. No entanto, o conceito de comunicação foi ampliado na
década seguinte, o que levou a considerar que o processo comunicativo poderia favorecer
o diálogo e a participação social. Foi nesse período que os meios de comunicação foram
identificados como ferramentas de educação, capazes de colaborar com a solução de
problemas sociais.
2 O modelo sanitarista campanhista ficou marcado na história por seu perfil autoritário e militarista das suas ações,
como a fiscalização dos portos, o poder de polícia dado aos agentes de saúde, que na maioria das vezes usava da força
para intervir no processo saúde-doença da população.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
133
Os anos de 1960 foram marcados pela intensificação da imunização em massa,
mediante a realização das primeiras campanhas (com vacina oral) contra a poliomielite. Na
década seguinte, a reorganização do Ministério da Saúde e a criação da Superintendência
de Campanhas de Saúde Pública resultaram em avanços nas campanhas públicas, tal
como, a difusão de conteúdo educativo com linguagem popular (FUNASA, 2019). Momento
em que houve preocupação com a eficácia das informações de convencimento da população
a adotar hábitos e práticas de promoção da saúde.
A criação do Plano Nacional de Controle da Poliomielite, na década de 1970, é
um marco para as campanhas de imunização. O plano surgiu num período conturbado,
marcado por crescentes índices de contágios por doenças infecciosas em que se fazia
necessário construir um espaço de diálogo com a sociedade, em especial, com pais e
responsáveis por crianças menores de um ano de idade, públicos-alvo das campanhas de
vacinação ofertadas pelo Estado.
Um passo importante para a organização das campanhas foi a criação do Programa
Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1973, no âmbito do MS, em pleno regime
militar, com o propósito de ampliar a informação e a mobilização das comunidades, além
de assegurar a adesão da população ao programa de imunização. Nesse período já se
discutia sobre a importância da participação social em campanhas, objetivando diminuir
as tensões geradas pela crise na saúde e pelo modelo econômico desenvolvimentista
instaurado no país. A ideia, no entanto, somente ganhou força durante a VII Conferência
Nacional de Saúde, realizada em 1986, quando se discutiu a democratização da saúde
com a participação da população nos processos de decisão e acompanhamento de ações
(ROCHA, 2003, p. 797).
Contudo, é nesse contexto de mudanças que se consolidaram as estratégias de
vacinação de combate à poliomielite, considerada doença de extrema gravidade e com
altos índices de contágio, e o plano para estadualização da vacinação contra sarampo. As
novas estratégias baseavam-se na facilidade de aplicação da vacina oral, o que favorecia
a intensiva participação voluntária e a ampliação dos recursos disponíveis na rede de
serviços básicos da saúde.
Em colaboração com as secretarias estaduais e organizações sociais de saúde,
o MS criou grupos de trabalho para cuidar das diversas frentes de combate às doenças
infecciosas, para trabalhar no cuidado clínico-epidemiológico, recursos humanos,
divulgação, mobilização e logística. Educadores e profissionais da comunicação, juntamente
com representantes das instituições e grupos da comunidade foram mobilizados para
discutir estratégias e ações, visando levar as campanhas de vacinação para próximo
da população. Ao mesmo tempo, veículos de comunicação, como emissoras de rádio e
televisão, jornais, revistas, rádios comunitárias e serviços de alto-falantes integraram-se
aos esforços de divulgação nacional.
Em 1984, a instituição da campanha nacional de vacinação contra poliomielite,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
134
sarampo, difteria, coqueluche e tétano, de crianças até 4 anos, impulsionou a criação de
uma cultura de comunicação institucional de massa. Coube a área de comunicação social
do MS planejar e profissionalizar a campanha de vacinação na mídia. O caminho escolhido
foi a contratação de agências publicitárias e de figuras públicas como atores, humoristas e
jogadores de futebol para “dar voz” as mensagens (ROCHA, 2003).
Com a profissionalização, as campanhas evoluíram do apelo inicial à culpa, medo
e a responsabilização de pais com uso de imagens apelativas de crianças com deficiência
físicas graves, para dar lugar a imputabilidade individual e coletiva por meio de mensagens
carinhosas como “uma nova dose de amor”; “dobre seu compromisso”, “comprometa-se
com a vacina” e “mãe, que é mãe, vacina” (TEIXEIRA, 1999). As mudanças, no entanto,
não cessaram as controvérsias relacionadas às campanhas nacionais. De um lado, havia
aqueles que defendiam a prática de ações rotineiras dos serviços de saúde, e do outro, os
que criticavam o verticalismo nos dias nacionais de vacinação.
Com o propósito de unificar as atividades de comunicação foi desenvolvido o
Projeto de Ação e Divulgação para o PNI, que propunha a criação de uma logomarca
que representasse a erradicação da paralisia infantil. Com isso, surgiu a ideia de criar um
símbolo que fosse capaz de dialogar com diferentes públicos, especialmente o infantil.
Atendendo ao convite do MS e com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), o artista plástico Darlan Manoel Rosa criou em 1986 uma logomarca (Figura 1)
para marcar o compromisso assumido pelo país de erradicar a poliomielite até 1990.
Figura 1 – Logomarca da erradicação da poliomielite no Brasil.
Fonte: Ministério da Saúde, 2018.
Para dar uma identidade ao novo boneco-símbolo, o MS realizou um concurso para
a escolha do nome com a participação de estudantes de todo o país e o nome vencedor foi
“Zé Gotinha”. O mascote tornou-se sinônimo de vacinação, referencial para a população
e foi apropriado em outras ações básicas de saúde da criança, como reidratação oral,
aleitamento materno, crescimento e desenvolvimento infantil. Para fomentar essa ideia, o
Zé Gotinha foi inserido em histórias, propagandas em televisão, rádio e peças publicitárias,
sempre acompanhado de amigos e da comunidade.
A intensificação das campanhas de vacinação surtiu efeitos com a redução gradativa
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
135
de casos de sarampo e poliomielite num período de 10 anos, o que levou a erradicação
dessas doenças. A situação gerou uma certa acomodação dos setores envolvidos com
os dias de vacinação, devido à crença de que as equipes responsáveis já sabiam o que
fazer e de que a população já estava consciente (ROCHA, 2003). Contudo, não foi o que
aconteceu. O resultado dessa acomodação generalizada refletiu anos mais tarde. Entre
os anos de 2011 e 2015, por exemplo, motivado pela queda constante nos índices de
imunização, o Brasil entrou no radar das organizações mundiais de saúde como país com
índices insuficientes nos programas de vacinação.
Entre as causas do agravamento desse quadro, está a crescente circulação de
informações falsas publicadas em portais, redes sociais e em mensagens compartilhadas
via WhatsApp (a partir de 2016), repassadas indiscriminadamente sem confirmação de
veracidade. No ápice do ecossistema da desinformação, a mídia brasileira registrou (Quadro
1) as principais informações falsas e enganosas que repercutiram em 2018. Pelo menos
doze dessas informações enganosas sem comprovação científica foram identificadas.
Nº
Principais Desinformações Encontradas
1
O incentivo do governo e dos médicos à vacinação é somente para dar lucro à
indústria farmacêutica
2
Pessoas não vacinadas formam mais autodefesas
3
Crianças sem vacina são crianças sem autismo
4
A vacina fracionada não tem o mesmo efeito
5
O mercúrio presente nas vacinas é 25 mil vezes superior ao permitido
6
Mesmo que um adulto tenha tomado a vacina contra o sarampo na infância,
deve receber outra dose
7
A campanha contra sarampo tem adultos como público-alvo
8
As vacinas combinadas usadas no primeiro ano de vida causam doença
9
As vacinas não passam por testes suficientes
10
As vacinas da rede privada são mais seguras do que as da rede pública
11
As crianças sempre têm reação depois de tomar vacinas
12
As vacinas têm vários efeitos colaterais
Quadro 1 – Síntese das principais desinformações repercutidas na mídia nacional em 2018.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.
Conforme expõe o quadro acima, o caso mais grave identificado foi a associação
da vacina com autismo, que resultou na articulação de grupos antivacinas. Em 1998, a
revista científica The Lancet publicou um estudo do inglês Andrew Wakefield que insinuava
haver uma relação entre a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) e o
autismo. Posteriormente, o estudo foi refutado e se constatou que o propósito de Wakefield
era indicar o uso de uma vacina produzida por uma empresa em que tinha ações. Mesmo
diante da refutação das evidências e a cassação de sua licença médica, movimentos
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
136
antivacinas sustentaram a informação inicial e intensificaram seus discursos nas redes
sociais (REVISTA FAPESP, 2018).
3 | DESINFORMAÇÃO, SOCIEDADE E MIDIATIZAÇÃO
Refletir sobre as estratégias de enfrentamento ao ecossistema da desinformação
(WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) requer entender sua natureza, forma de produção
e disseminação no contexto da sociedade midiatizada, tendo em vista o contínuo
desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. Segundo Martino (2012),
a midiatização pode ser vista como o conjunto das transformações ocorridas na sociedade
contemporânea relacionadas ao desenvolvimento dos meios eletrônicos e virtuais de
informação e comunicação.
Dentre as transformações tecnológicas apontadas pelo autor, uma das mais
significativas foi o advento da internet. Oposto ao tradicional processo produtivo
burocratizado e verticalizado de disseminação da informação, o avanço das tecnologias
digitais e da banda larga viabilizaram a produção, distribuição e armazenamento online
de vídeos, áudios e sons de modo reticulado e horizontal, possibilitando a continuidade e
a ampliação de relacionamentos entre pessoas distantes. É neste contexto estrutural de
mutação midiática, que o acesso às redes e a possibilidade de troca informativa a partir
delas tornaram-se fatores determinantes de inclusão na chamada sociedade informacional
(DI FELICE, 2012).
Embora a sociedade midiatizada potencialize relações, na medida em que a
mídia passa a atuar como um dispositivo tecnológico preponderante para a efetivação
das tecnointerações (SODRÉ, 2006), grupos de interesse às instrumentalizam visando a
disseminação de informações enganosas e falsas que contrariam o interesse público.
A desinformação não é uma novidade, segundo Fallis (2015), é possível encontrála em qualquer lugar, seja nas propagandas enganosas sobre produtos, na política e até
mesmo em governos. No entanto, o diferencial na atualidade está na rapidez de criação
e divulgação de informações imprecisas e enganosas impulsionadas pelas plataformas
digitais e seus algoritmos, uma prática que além de danos diretos, como políticos,
financeiros e físicos, pode também prejudicar as pessoas indiretamente, corroendo a
confiança e inibindo a capacidade de compartilhar informações entre si.
O termo está ligado diretamente a manipulação dos meios e a destruição das
informações de interesse público, o que representa uma informação enganosa que se
destina a ser – ou pelo menos previsto para ser – enganosa. Fallis (2015) aponta três
características importantes para definição do termo desinformação. Segundo o autor, o
termo pode ser reconhecido como: 1) um tipo de informação de conteúdo representacional
do que é falso; 2) uma informação enganosa produzida com prováveis motivos para criar
crenças falsa; e 3) não é uma informação acidentalmente enganosa.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
137
Neste artigo, entende-se que o conceito de Fake News é limitado e não abarca
a complexidade do fenômeno, especificamente na identificação dos diferentes níveis da
desinformação. Em geral, Fake News equivale a uma informação divulgada com aparência
de notícia, sem base factual e que levanta incerteza quanto a veracidade de seu conteúdo
e, mesmo com essas características, conquista penetrabilidade social devido, em parte, a
crise de confiança do público nos veículos tradicionais (DELMAZO; VALENTE, 2018).
Ao invés de Fake News, adota-se o termo ecossistema da desinformação
que segundo Wardle e Derakhshan (2017), abrange o amplo espectro de conteúdo
problemático e diversos em circulação. Os autores identificaram sete tipos de conteúdo
que circulam nesse ecossistema (Figura 2), sendo: 1) falsa conexão, quando manchetes e
ilustrações não confirmam o conteúdo; 2) falso contexto, quando o conteúdo verdadeiro é
compartilhado com informações contextuais falsas; 3) manipulação do contexto, quando a
informação ou imagem verdadeira é manipulada para enganar; 4) sátira ou paródia, quando
não há nenhuma intenção de prejudicar, mas potencialmente pode enganar; 5) conteúdo
enganoso, quando se usa informações enganosas para enquadrar um indivíduo ou uma
questão qualquer; 6) conteúdo impostor, quando fontes verdadeiras são imitadas; e, 7)
conteúdo fabricado, quando é 100% falso, criado com o intuito de prejudicar (WARDLE;
DERAKHSHAN, 2017).
Figura 2 – Ecossistema da desinformação.
Fonte: Wardle; Derakhshan, 2017, p. 17.
O conceito de ecossistema da desinformação permite compreender a complexidade
do fenômeno, especialmente no desequilíbrio que provoca na esfera pública. O caso
brasileiro é exemplar, a considerar que é a terceira maior população do mundo conectada
às redes sociais digitais, tornando-se um terreno fértil para a disseminação de informações
inverídicas e enganosas.
Segundo o cientista político Pablo Ortellado, pesquisador do Grupo de Pesquisa em
Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
138
no Brasil, são publicadas diariamente uma média de 3.500 notícias na internet, sendo que
desse total, 200 são compartilhadas via redes sociais digitais. Na sua avaliação em “[...] um
dia de noticiário “quente”, os sites que produzem notícias falsas atingem o topo da lista, e
em alguns casos, entre as dez notícias mais lidas, seis são de notícias falsas” (MARTINS,
2017).
No caso da vacinação, é necessário compreender os fatores que contribuem para a
eficiência desse ecossistema da desinformação para convencer pais a não imunizarem seus
filhos ou eles próprios a recusarem a vacinação. Um deles é que a desinformação alimenta
crenças sobre questões controversas que foram igualmente distorcidas por informações
incorretas. Um dos mitos mais destrutivos é a falsa alegação que a vacina contra sarampo,
caxumba e rubéola causa autismo, informação distorcida e sem evidências científicas que
alimenta há anos a percepção negativa sobre a imunização.
Há uma espécie de “raciocínio motivado”, ou seja, uma tendência das pessoas em
interpretar informações a partir de predisposições ligadas à sua visão de mundo, o que
torna mais difícil contradizê-las sem ameaçar a sua identidade (NYHAN, 2016). Implica em
afirmar que nem sempre dizer a verdade é necessariamente mais eficaz para contrapor a
desinformação quando as pessoas têm dificuldade em atualizar com precisão suas crenças,
depois de descobrir que as informações que aceitaram anteriormente foram desacreditadas.
Por isso, a crença nas percepções errôneas mais significativas, geralmente, é bastante
estável ao longo do tempo.
Para Nyhan et al (2014), há um longo caminho até se descobrir estratégias de
comunicação que possam colaborar para modificar percepções errôneas. Em experimento
realizado, os autores observaram as reações de 1.759 pais americanos com filhos, ao
serem colocados diante de quatro informações verdadeiras, sendo: 1) não há evidência
entre vacina e autismo conforme atestou o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do
Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos; 2) há mais benefícios
em vacinar para prevenir doenças graves evitáveis; 3) imagens de crianças com doenças
preveníveis; e, 4) uma narrativa dramática sobre uma criança que quase morreu de
sarampo.
O objetivo do experimento dos autores foi testar a eficácia de mensagens projetadas
para reduzir a desinformação sobre a vacina e aumentar as taxas de imunização contra
sarampo, caxumba e rubéola. Os pesquisadores perceberam que a exposição diante das
quatro informações não conseguiu demovê-los da intenção de não vacinar os filhos. Já
refutar as alegações que vinculavam a vacina contra sarampo ao autismo, com base em
dados científicos, reduziu com sucesso as percepções errôneas, mas não convenceu
totalmente pais que tiveram atitudes menos favoráveis à vacina. Além disso, a exibição
de imagens de crianças doentes aumentou a crença expressa do grupo pesquisado em
relação aos efeitos colaterais da vacina.
Os autores do estudo concluíram que, por vezes, as campanhas de saúde pública
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
139
podem não ser eficazes e provocam efeito adverso, como também aumentar as percepções
errôneas ou reduzir a intenção de vacinação. Na avaliação de Nyhan et al., (2014), tentativas
de ampliar a preocupação com doenças transmissíveis ou corrigir alegações falsas sobre
as vacinas podem ser especialmente contraproducentes, o que indica a necessidade de
realizar pesquisas para determinar quais abordagens podem ser mais eficazes.
4 | ABORDAGEM METODOLÓGICA
Conforme exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar as estratégias de
combate ao ecossistema da desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) desenvolvidas
pelo MS ao elaborar a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o
Sarampo de 2018, veiculada na mídia tradicional e redes sociais. A questão problema guia
deste artigo indaga: Em que medida o Ministério da Saúde conseguiu fazer o enfrentamento
do ecossistema da desinformação em torno de questionamentos quanto à eficácia das
vacinas?
A partir do conceito de ecossistema da desinformação e da revisão de estudos
que versam sobre a construção de percepções errôneas sobre a imunização, bem como
da comunicação pública, para entender como se deu o enfrentamento as informações
enganosas, delimita-se como corpus os materiais comunicacionais de divulgação da
presente campanha, além do site de fact-checking Saúde Sem Fake News do Ministério
da Saúde.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Esta escolha se baseia em Minayo (2001),
ao alegar que este tipo de investigação tem por premissa trabalhar com um universo de
significados motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos fenômenos e dos processos que não podem ser reduzidos
à operacionalização de variáveis.
Como técnicas para exame do corpus da campanha de vacinação, a coleta é
realizada a partir da Observação Encoberta e Não Participativa (JOHNSON, 2010),
analisada sob a perspectiva da Análise de Conteúdo complementada pelos Ciclos de
Codificação (SALDAÑA, 2013). Para Bardin (2016, p. 48), a AC é caracterizada por
como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos
sistemáticos”, possibilitando “[...] a descrição do conteúdo [...] em indicadores [...] que
permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...]”.
A partir da perspectiva de Bardin (2016); Laville e Dione (1999), que entendem a AC
não como um método rígido com etapas fixas mas como algo que pode ser desenvolvido
e instrumentalizado de forma flexível, buscou-se analisar os materiais comunicacionais
em busca de marcas discursivas indicativas de tratamento de aspectos do ecossistema
da desinformação, tais como informação enganosa proposital, manipulação de contexto,
conteúdo impostos e fabricados, entre outros.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
140
Seguiu-se as três fases da análise tradicional da AC, isto é: 1) pré-análise do
corpus constituído por três cartazes, dois folders, quatro filmes para TV, 12 posts para
redes sociais; 2) exploração do material em profundidade em busca de características
discursivas que qualificam a vacinação e como são abordadas aquelas desqualificadoras
da imunização; e o 3) tratamento, inferência e interpretação dos dados coletados, que
se traduzem nas marcas discursivas identificadas sobre a desinformação que subsidia a
recusa ou hesitação vacinal, e a compreensão da forma de tratamento desse aspecto na
campanha pelo MS.
Já os Ciclos de Codificação (SALDAÑA, 2013) possibilitam a descrição e a realização
de inferências sobre o objeto, com o intuito de compreender as condições de produção,
divulgação e/ou de recepção dos aspectos comunicacionais. O respaldo dessa escolha está
na proposição de dois ciclos de codificação estabelecidos por Saldaña (2013), realizado a
partir de 31 possibilidades diferentes para a elaboração de códigos, que podem variar do
método gramatical ao método procedimental. Considerando o corpus proposto, além da
pré-codificação que, em linhas gerais, corresponde a fase da pré-análise da AC, define-se
três ciclos de codificação: 1) para o primeiro ciclo, a codificação inicial e descritiva; e, 2)
para o segundo ciclo, a codificação axial.
Ciclos
Pré-codificação
Tipo de
Codificação
Definição do Tipo de Codificação
--
Codificar com palavras e frases curtas, [...]
circulando, realçando, negrito, sublinhando
ou colorindo citações ou passagens de
participantes ricas ou significativas [...] - aqueles
“codificáveis momentos” dignos de atenção.
Inicial
A codificação inicial pretende ser um ponto
de partida para fornecer ao pesquisador
pistas analíticas para uma exploração mais
aprofundada e “para ver a direção na qual o
estudo deve tomar”.
Descritiva
A codificação descritiva é uma oportunidade
que o pesquisador tem para refletir de forma
aprofundada acerca dos conteúdos e nuances
dos dados para começar a tomar posse deles.
Axial
A codificação axial estende o trabalho analítico
da codificação inicial e, até certo ponto, da
codificação focalizada. O objetivo é reagrupar
estrategicamente os dados que foram
“divididos” ou “fraturados” durante o processo
de codificação inicial.
1º Ciclo de Codificação
2º Ciclo de Codificação
Quadro 2 – Ciclos de codificação selecionados.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Considerando os procedimentos relacionados acima, nos itens seguintes são
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
141
apresentadas a análise e interpretação dos dados.
4.1 A campanha nacional de vacinação contra a poliomielite e contra o
sarampo de 2018
O planejamento, coordenação, monitoramento e avaliação das campanhas de
vacinação são de responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde, por meio
do Programa Nacional de Imunizações. Cabe a Secretaria fomentar a comunicação
e divulgação das ações e estratégias de vacinação, em articulação com as demais
unidades competentes por meio do seu Núcleo de Comunicação (NUCOM/SVS/MS). Já as
demandas de comunicação do MS são atendidas pela Assessoria de Comunicação Social
(ASCOM/MS), vinculada ao gabinete do ministro. É de sua responsabilidade planejar,
coordenar, orientar e controlar as atividades de comunicação social, conforme orientações
da Comunicação Social da Presidência da República, além de formular e implementar
a política de comunicação; elaborar o plano de comunicação anual e prover os meios
necessários para a execução da política de comunicação do MS.
Conforme aponta Araújo (2012), os fluxos para se definir a produção de materiais
de comunicação institucional são dinâmicos, podendo ser modificados constantemente. Há
uma pluralidade de instâncias necessárias para que os materiais das campanhas sejam
encaminhados do MS aos estados e municípios.
De maneira simplificada, o fluxo de produção funcionada da seguinte forma: de
pose do calendário anual de vacinação, o PNI e NUCOM/SVS, por meio da Assessoria
de Publicidade, estabelecem parâmetros para construção das campanhas. Em seguida
é emitida uma nota informativa para a SECOM/MS. Na sequência, a SECOM/MS realiza
a abertura de concorrência entre as agências licitadas pelo MS. As agências recebem o
briefing e desenvolvem os produtos preliminares, com conceito, canais de divulgação e
slogan. A equipe técnica vota na proposta que melhor traduz o briefing, e somente depois
o material é produzido pela agência, com a supervisão da equipe do PNI e NUCOM/
SVS/MS. A campanha é, inicialmente, analisada pela equipe do PNI e NUCOM/SVS/MS
e depois encaminhada para aprovação do ministro, do secretário da SVS e da SECOM/
MS. Assim que o material é aprovado, é realizado o lançamento no período de divulgação
correspondente à campanha.
A Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o Sarampo de
2018 foi realizada conforme fluxo exposto e em duas fases. A primeira (Figura 3), veiculada
entre os dias 06 e 31 agosto, seguiu com estratégias já conhecidas, com a presença de
uma celebridade da mídia e personagens de desenho infantil. A madrinha escolhida foi a
apresentadora Maria da Graça, conhecida como Xuxa Meneghel, rainha dos baixinhos,
que já atuou em outras campanhas nos anos de 1980. Com o tema “Se tem infância tem
vacinação contra a poliomielite e sarampo” foram criados cartazes, filipetas, folders, filmes
e spots de 30’ e 60’ para divulgação em TV, rádio, impressos e nos perfis das redes sociais
do MS (Facebook, Instagram, Twitter e YouTube), ao custo médio de R$17 milhões.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
142
Figura 3 – Cartaz da 1ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de
2018.
Fonte: Ministério da Saúde, 2018.
A campanha dessa primeira fase foi apresentada de forma descontraída, com o
slogan “Vacinar é Proteger”. Os filmes, gravados em 3D (Figura 4), fizeram uma viagem ao
passado, quando nasceu o personagem Zé Gotinha e, também, quando o Brasil assumiu
o compromisso de eliminar o sarampo e a poliomielite. Neste material, Xuxa e o mascote
contam com o apoio de outros personagens, como do desenho infantil a Galinha Pintadinha
e dos dançarinos do game, Just Dance.
Figura 4 – Filme da 1ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de
2018.
Fonte: Ministério da Saúde, 2018.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
143
Ao trazer para as peças uma personagem que não atua em programa infantil há
quase uma década, a campanha intencionava estabelecer uma conexão com pais que,
provavelmente, se vacinaram naquela época. Esse vínculo com o passado foi atualizado
com a inserção de personagens contemporâneos conhecidos das crianças na TV, já o Zé
Gotinha, assumiu o papel de influenciador digital.
Nos dois filmes protagonizados por Xuxa, três aspectos foram salientados: 1) no
passado, sarampo e poliomielite foram erradicados e agora é preciso proteger as crianças e
impedir o retorno dessas doenças; 2) vacinar faz parte da infância; e 3) é importante vacinar
mesmo que pessoas digam ser desnecessário. A questão da desinformação é tratada de
forma sútil nas peças ao mencionar que há pessoas induzindo comportamento contrário
à vacinação. A opção pelo discurso positivo e amável não abriu espaço para abordar as
causas da recusa associadas a crenças construídas e reforçadas pela desinformação.
A intencionalidade do engano com a disseminação de informações errôneas
sem base científica – aspecto central da desinformação – é tangenciado nesse material
remetendo a ideia de que a influência é construída pela conversação interpessoal. No
contexto da sociedade midiatizada, as trocas de informações podem se dar em conversas
entre pessoas. No entanto, o conteúdo dessas conversas, muitas vezes, é construído a
partir de dados falsos compartilhados nas redes sociais que favorecem à formação de
percepções errôneas.
A campanha da primeira fase não teve poder de convencimento do público-alvo,
a considerar que em agosto de 2018, a cobertura vacinal alcançou o patamar inferior a
80%. Em parte, a ineficácia se deveu a inadequação das peças publicitárias ao empregar
um personagem sem conexão contemporânea com o cotidiano do público-alvo. De outra
parte, a campanha teve veiculação reduzida na TV. A Rede Globo não veiculou as peças
publicitárias, alegando que as normas internas não permitiam produtos com personagens
de programas da própria TV, o antigo Show da Xuxa ou de emissoras concorrentes.
Outros fatores também contribuíram para a baixa cobertura. De acordo com
equipes de saúde municipais e estaduais, a desinformação sobre a imunização provocada
por boatos sobre a ineficácia das vacinas e seus graves efeitos colaterais, e o horário
de funcionamento das unidades de saúde incompatível com a jornada de trabalho da
população também corroboraram com a queda nos índices de vacinação. Diante dessa
situação, o MS decidiu fazer uma campanha publicitária de reforço, com dois filmes, de 30’
e 60’, além de spots de rádio, anúncios em jornais e revistas, mobiliários urbanos, painéis
e ações na internet.
A nova campanha abandonou o discurso amável e informal e optou pela seriedade,
demonstrando preocupação com a situação. Veiculada entre os dias 01 e 28 setembro,
esta nova fase utilizou da estratégia de relatos de casos reais, narrados por pessoas
vítimas de sarampo e poliomielite. Nas peças produzidas pela Agência Calia Comunicação,
o personagem Zé Gotinha aparece, pela primeira vez, de forma mais séria, com tom grave
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
144
no papel de influenciador digital.
A mudança em relação a primeira é radical, se o slogan anterior naturalizava a
vacinação (“Se tem infância, tem vacinação”), agora o apelo é forte, “Porque, contra o
arrependimento, não existe vacina” (Figura 5). O uso de imagens apelativas com casos
reais de vítimas de sarampo e poliomielite, teve o objetivo de atualizar a percepção pública
sobre essas doenças.
Em um dos cartazes, Zé Gotinha mostra no celular a foto de uma criança com
sarampo, atualizando socialmente a imagem de uma vítima da doença para quem não
conheceu uma pessoa infectada. O discurso enfatiza o risco de morte associado ao
sarampo e a responsabilidade de todos em não deixar a doença circular. Em relação à
paralisia infantil, seguiu-se a mesma estratégia, com o uso da imagem de um homem
paraplégico em cadeira de rodas em decorrência da falta de vacina contra a poliomielite,
uma representação que no imaginário popular poderia estar associada, na atualidade, a
sequelas de acidente de carro.
Figura 5 – Cartazes da 2ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de
2018.
Fonte: Ministério da Saúde, 2018.
Em um dos filmes é apresentado o caso de Eliana Zagui (Figura 6), de 44 anos, que
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
145
há 42 anos sofre de uma paralisia severa, situação que a obriga a viver no Hospital das
Clínicas de São Paulo. A protagonista é tetraplégica e respira com ajuda de aparelhos. O
caso aconteceu ainda na infância, quando Eliana não recebeu a vacina contra a poliomielite
por estar com febre no momento da aplicação.
Figura 6 – Filmes da 2ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de
2018.
Fonte: Ministério da Saúde, 2018.
Outro caso destacado foi o de Neuza Costa, de 57 anos (Figura 7), que perdeu,
na infância, cinco irmãos em decorrência de complicações do sarampo. Sobre este novo
conceito de campanha, o MS (2018d) afirmou que o objetivo era mostrar que as baixas
coberturas de vacinação podem ser perigosas, uma vez, que abrem caminho para a
reintrodução de doenças já eliminadas e que podem voltar a matar no país.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
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Figura 7 – Filme da 2ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de
2018.
Fonte: Ministério da Saúde, 2018.
Focar no desconhecimento da gravidade e risco de morte provocado por doenças
preveníveis foi uma abordagem discursiva em torno da responsabilidade coletiva e não
somente dos pais. Nos filmes produzidos, Zé Gotinha fala da necessidade de uma ampla
mobilização envolvendo pais, responsáveis, professores e profissionais de saúde para
resgatar a importância de manter a vacinação em dia. Lembra que a motivação para a
recusa da vacinação pode estar vinculada a condições de saúde da criança, negligência ou
falta de informação sobre os riscos dessas doenças.
Novamente, o comportamento motivado pela desinformação que sustenta crenças
não foi abordado diretamente. Nyhan e Reifler (2012, p. 14) já alertavam para o fato de que
a perseverança na crença decorre da influência contínua, ou seja, a desinformação circula
com frequência até ser codificada na memória como algo verdadeiro, dificultando a adesão
ao discurso que visa eliminar seus efeitos no comportamento.
Os estudos dos autores (id., p. 15-16) mostram que as pessoas podem ser mais
receptivas e até mudarem de opinião quando entram em contato com discurso de vítimas
que compartilham afiliações e fornecem informações novas. No entanto, mesmo que as
pessoas não estejam ativamente engajadas em resistir a fatos indesejados, as limitações
da memória podem impedir a correção de percepções errôneas por meio de fenômenos
conhecidos como “perseverança na crença” e o efeito da “influência contínua”.
Ao considerar a lógica da desinformação, as campanhas de vacinação anuais
brasileiras podem ser pouco eficazes por não favorecerem a confrontação contínua de
informações enganosas, ou seja, por serem temporárias e não ter poder de promover a
repetição constante da informação correta, a ponto de torná-la familiar até se obter o efeito
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
147
cognitivo de compreensão quanto a importância da vacinação.
Nesse contexto de ecossistema da desinformação, a comunicação de Estado precisa
ser pensada de forma estratégica para impulsionar as ações de mobilização social. E o
primeiro aspecto a ser discutido é o uso do discurso publicitário persuasivo – considerando
sua estrutura e formato –, pois apresenta limitações quando aplicado numa campanha de
vacinação com foco na informação e não na comunicação. O segundo aspecto tem relação
com o fato de as peças não terem passado por pesquisa/teste em grupos focais (focus
groups) junto a sociedade.
É notório a falta de proximidade da mensagem com o público pela dificuldade da
publicidade de perceber os reais motivos que levam pais à hesitação. Materiais elaborados
a partir do discurso da persuasão e indução, que não estimulam a reflexão da sociedade
confrontando-as com suas crenças podem não colaborar para reverter o poder da
desinformação em saúde.
4.2 Estratégias de fact-checking
Diante dos baixos índices de adesão à campanha de vacinação, o MS lançou, em
agosto de 2018 um canal de comunicação com a população por meio do WhatsApp, intitulado
projeto Saúde Sem Fake News (Figura 8), caracterizado como um “[...] canal exclusivo e
oficial para desmascarar as notícias falsas e certificar as verdadeiras” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2018c).
A partir do recebimento de mensagens, o conteúdo é apurado junto às áreas
técnicas do órgão e devolvido ao cidadão com um carimbo. Foram produzidos dois selos
para classificar as informações: 1) Isto é Fake News – notícia falsa – não divulgue; 2)
Esta notícia é verdadeira – Compartilhe. O canal apresenta a vantagem de circular o
resultado da checagem diretamente pelo WhatsApp e pelo Portal Saúde, estabelecendo
contraponto oficial à desinformação utilizando os mesmos mecanismos por onde circulam
e são compartilhadas.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
148
Figura 8: Banner do Saúde Sem Fake News do Ministério da Saúde.
Fonte: Ministério da Saúde, 2018c.
Além do acesso via WhatsApp, o órgão disponibilizou a checagem de informação
enganosa na página Saúde de A a Z, especificamente numa seção intitulada Com saúde não
se brinca! Diga NÃO às Fake News!, que reuni as informações falsas que mais circularam
em 2018 (Figura 9). Ao analisar o padrão de verificação de fatos, observou-se o uso de
estratégias discursivas que tornaram a ação contraproducente, reduzindo seu potencial de
convencimento.
Figura 9: Fact-checking do Ministério da Saúde em 2018.
Fonte: Ministério da Saúde, 2019.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
149
Baseado nas recomendações de Nyhan e Reifler (2012), foram identificados
equívocos que comprometem a sua eficácia, sendo: 1) repete a falsa informação com uma
negação (“Não, vacinas não causam autismo”), estratégia esta que leva as pessoas a
lembrarem facilmente o núcleo da frase falsa (“Vacinas causam autismo”), tornando-a mais
familiar e com aparência de verdadeira; 2) repete o termo “não é verdade” na resposta,
quando já existe o selo com o mesmo conteúdo, mais um reforço à informação enganosa;
3) o MS se reveste da autoridade para contrapor à informação enganosa e não cita outras
fontes de autoridade científica. Faz um discurso autorreferente que reforça a crença na
racionalidade como estratégia de convencimento.
4.3 Estratégias comunicacionais na internet
Além das estratégias de fact-checking voltadas para o WhatsApp e na página
Saúde de A a Z, o Ministério da Saúde empregou uma rede de comunicação com o intuito
de visibilizar o conteúdo comunicacional da campanha em outras mídias, como no Blog
da Saúde, no site institucional do órgão, em duas páginas no Facebook (página oficial e
página Vacinação, além de contas no Instagram, LinkedIn, Twitter e YouTube.
Em levantamento realizado durante o período da campanha (6 de agosto a 28 de
setembro de 2018), aqueles mecanismos que apresentaram o maior número de publicações
foram o site (97 publicações), seguido do Twitter (44 publicações), Instagram (28
publicações) e a página Vacinação do MS no Facebook (20 publicações). Os mecanismos
que receberam menor quantidade de publicações foram o LinkedIn (02 publicações), o
perfil do MS no YouTube (10 publicações), a página oficial do órgão no Facebook (11
publicações), e o Blog da Saúde (12 publicações).
A partir deste mapeamento, observou-se que os conteúdos publicados nessas
plataformas foram empregados com a finalidade de atuar como estratégia de contraposição
à desinformação, mesmo que quantitativamente divergentes em relação a comparação das
publicações por mecanismo e por fase da campanha. Dentre as temáticas discutidas, o
órgão apostou em conteúdos relacionados com a importância da apuração das informações
antes do compartilhamento, orientações de como descobrir se o conteúdo compartilhado
é uma notícia falsa, orientações sobre o porquê de não compartilhar notícias falsas, e
também, informações e esclarecimentos sobre a importância da imunização para o bemestar e saúde pública da população.
A partir do exposto, pondera-se que estas plataformas foram empregadas como
fonte de informações corretivas e de estímulo a correção de atitudes contrárias à vacinação.
Além disso, em síntese, aduz-se que discursivamente, essas estratégias comunicacionais
combinaram elementos que suscitaram a ideia de “novo” (“Fake News”, “informação sem
garantia”, “boatos”, “compartilhamento”) e de “tradicional” (“velho e bom jornalismo”,
“compromisso com a qualidade”, “investigação”, “revelar o que está oculto”, “revelar o
verdadeiro”) para construir o ethos discursivo assentado no sentido da credibilidade e de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
150
guia do público-leitor.
Mesmo que o objetivo de parte das informações publicadas pelo órgão tivesse o
intuito de contraposição à desinformação circulada no ambiente digital – predominante na
segunda etapa da campanha de vacinação –, observou-se que a estratégia empregada
se alinhou aos conteúdos publicizados em outras mídias e com isso, foram identificados
equívocos semelhantes que comprometiam a eficácia comunicacional deste tipo de
estratégia. Salienta-se, que o ecossistema da desinformação abrange um amplo espectro
de conteúdo problemático em circulação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) e para isso, é
necessário a identificação de todos os tipos de conteúdo que circulam nesse ecossistema,
para assim, combatê-los.
Deve-se altear que essas mídias digitais se apresentam como suportes e
ferramentas importantes para a aproximação da sociedade com as instituições estatais
e estratégias para as políticas de comunicação em saúde pública, contudo, é certo de
que há uma necessidade de aperfeiçoamento destas práticas. A mera disponibilização de
mecanismos não é suficiente para ampliar a participação e mobilizar os cidadãos para as
campanhas de vacinação. Em conformidade com os autores supracitados neste texto, no
caso do Ministério da Saúde, a adoção de meios digitais de interação deve acompanhar
os normativos que há institucionalizam – ou seja, ser um caminho para a qualificação da
saúde pública – e em hipótese alguma, deve-se constituir como um projeto político em que
apenas são reconhecidas experiências isoladas, momentâneas e desconexas da realidade
contemporânea.
É nesta lógica que o argumento em relação à disponibilização de plataformas digitais
se enquadra, visto que a participação só é estabelecida quando ocorrem as condições
necessárias para que os papéis – emissor e receptor – sejam intercalados. Além disso,
sublinha-se que quando o cidadão é colocado como centro das ações da comunicação
pública, se assegura um dos principais indicativos da práxis do interesse público. Nas
estratégias empreendias pelo MS para a campanha de 2018 isso não foi observado, não
apenas na formulação das estratégias, mas sobretudo na condução dos diálogos realizados
por meio dos mecanismos digitais no combate ao ecossistema da desinformação.
Reitera-se, que mesmo estando entre seus principais temas de discussão, ao
observar a integralidade dos mecanismos, conclui-se que as estratégias de combate a
desinformação na internet não foram apresentadas de forma complementar entre os
mecanismos, não só ao contabilizar o quantitativo das informações difundidas, ou seja,
no que se refere a profusão da informação publicizada, mas sobretudo, em seu aspecto
qualitativo, isto é, ao considerar a competência e a eficiência na interatividade.
Conforme verificou-se, diante de crises como estas, o MS vem atuando de forma
corretiva e não preventiva. Este fato é observado na diversidade de informações sobre
vacinação que bombardearam os cidadãos durante todo o período da campanha, colocando
em dúvida a credibilidade da eficácia das vacinas, mas também da narrativa do Ministério
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
151
da Saúde. Por fim, a análise evidenciou pouco entendimento dos gestores do MS sobre
as estratégias de construção de mensagens falsas e de seus processos de disseminação,
resultando na apresentação de uma campanha com discurso pouco eficaz na defesa da
vacinação e com limitada capacidade de se contrapor a crenças enraizadas na população
e amplamente referendadas pela desinformação.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo analisar as estratégias de combate ao
ecossistema da desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) desenvolvidas pelo
MS ao elaborar a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o
Sarampo de 2018, veiculada na mídia tradicional e redes sociais. A questão problema guia
desta investigação indagou: “Em que medida o Ministério da Saúde conseguiu fazer o
enfrentamento do ecossistema da desinformação em torno de questionamentos quanto à
eficácia das vacinas?”.
É salutar que o avanço da desinformação desafia fortemente o planejamento
estratégico e a criação de campanhas de vacinação na dimensão institucional do Ministério
da Saúde. Desta forma, se o país quiser melhorar os índices de cobertura, reconquistar o
certificado de erradicação da paralisia infantil e garantir maior eficácia nas campanhas, as
estratégias precisam considerar o modo de operação do ecossistema da desinformação
e os mecanismos que colaboram para a sustentabilidade de crenças sobre a recusa à
imunização enraizada na sociedade.
O MS precisará entender o que acontece no âmbito dos grupos antivacinas e na
conversação sobre o tema nas redes sociais para construir um discurso comunicacional
que dialogue com as crenças referendadas pela desinformação. Significa renunciar a
práticas visivelmente campanhista, com produção centralizada de materiais publicitários
que não consideram as características contextuais e as diferenças regionais.
Além disso, também deve superar conceitos estagnados, isto é, fórmulas publicitárias
que já deram certo no passado, mas que hoje demonstram não terem eficácia necessária
que a sociedade midiatizada carece. Face ao exposto, ainda é prematuro afirmar que o uso
de depoimentos e histórias reais de vítimas de doenças imunopreveníveis sejam o tipo de
ideal de abordagem com potencial para modificar comportamentos de recusa.
Diante da complexidade engendrada, uma das ferramentas importante neste
processo é a aplicação dos princípios da comunicação pública como um instrumento capaz
de fortalecer a cidadania e atingir o interesse público. É mister que a práxis da comunicação
pública está em colocar o cidadão na centralidade do processo, não apenas por meio da
garantia do direito à informação e à comunicação, mas, sobretudo, em possibilitar espaços
que atentem ao diálogo, ao respeito às características e necessidades, ao estímulo à
participação ativa, racional e corresponsável dos cidadãos (DUARTE, 2009).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
152
Nesta perspectiva, mesmo que a sociedade midiatizada encontre-se (ainda) distante
dos processos comunicacionais plurais e democráticos desejados, ainda assim, reafirmase a necessidade de uma comunicação impregnada de dialogismo e que seja socialmente
transformadora. É legítimo, que na medida em que se tensiona comunicação pública e
internet, “[...] vislumbra-se [...] uma possibilidade de ampliação das formas de expressão da
sociedade, e, consequentemente, uma maior pluralidade [...]” onde a questão central não
está na técnica, mas sim na possibilidade [...]” de mobilização e organização da sociedade
no desenvolvimento de espaços de interlocução no ambiente digital (MAINIERI, 2016, p.
40).
Repensar as estratégias comunicacionais se faz urgente, a considerar que sete
em cada dez brasileiros (67%) acreditam em pelo menos uma declaração factualmente
imprecisa sobre as vacinas – identificando pelo menos uma como um fato verdadeiro –.
E mais, conforme pesquisa encomendada pelo Ibope realizada pela Organização Avaaz
e Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), 57% dos que não se vacinam ou não
vacinaram uma criança, citam uma razão que é considerada incorreta pela SBIm e pela
Organização Mundial da Saúde (AVAAZ, 2019, p. 5-6).
Ademais, frente aos desafios instaurados pelo ecossistema da desinformação em
saúde, é certo afirmar que a efetivação da cidadania a partir do direito à saúde pública
– de qualidade – perpassa diretamente pela confiança. Destarte, a comunicação pública
mediada pelo Ministério da Saúde deve atuar de forma a reestabelecer a credibilidade
e a legitimidade das ações de imunização. Os problemas que ressurgem diante dessa
esfera midiatizada carecem de processos integrados, que possibilitem procedimentos e
estratégias comunicacionais efetivas, em que o cidadão seja colocado na centralidade de
todo o processo institucional.
Por fim, considerando que as discussões apresentadas nesta pesquisa podem
servir de caminho para estudos futuros sobre a comunicação pública praticada na esfera
governamental, conjectura-se como possibilidade e aprofundamento investigações que
discutam as estratégias estabelecidas pelos burocratas responsáveis pela efetivação
das políticas públicas de comunicação e combate ao ecossistema da desinformação
nos estados e municípios, isto é, nos ambientes públicos que efetivamente os cidadãos
brasileiros acessam seu direito à saúde.
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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 9
157
CAPÍTULO 10
NOTAS SOBRE A INCORPORAÇÃO DO CONCEITO
AMAZÔNIA PELA CULTURA LETRADA REGIONAL
Data de aceite: 01/02/2022
moderna
literatura
acadêmica,
Amazônia
é uma palavra cuja evocação lembra uma
Luís Francisco Munaro
enorme porção territorial habitada por lendas
Doutor Professor do Programa de PósGraduação em Comunicação da UFRR
Universidade Federal de Roraima, Boa Vista,
RR
e tesouros inexprimíveis. Para chegar até
nós como um corpo cultural mais ou menos
nítido no interior do continente americano, ela
precisou ser preenchida de sentido histórico
e, ao ser preenchida, causar a impressão de
Uma versão deste capítulo foi apresentada no
GT História da Mídia Impressa, integrante do
XIII Encontro Nacional de História da Mídia.
“estar sempre ali”.
O processo de invenção
da Amazônia, como o chamou Neide Gondim,
envolveu cartas, relatos, livros e outras mídias
que, ao povoarem a mentalidade europeia, se
RESUMO: Percorrendo alguns dos principais
textos produzidos por viajantes na América
do Sul, este artigo procura entender como
“Amazônia” se tornou um conceito importante
para a compreensão de vasta porção territorial,
acabando por servir de denominador de uma ação
política comum entre elites políticas situadas em
Belém e Manaus. Os textos são as relaciones de
Gaspar de Carvajal e Cristóbal Acuña, o relatório
de Charles Marie de La Condamine, o romance
de Lourenço da Silva e Amazonas bem como
alguns textos da imprensa paraense da segunda
metade do século XIX, sobretudo da autoria
de D. Macedo da Costa. Para tanto, recorre à
história do conceito como compreendida por
R. Koselleck (2006) e a um breve prospecto da
história da mídia impressa.
PALAVRAS-CHAVE: História da Mídia Impressa,
História do conceito, Amazônia, Livros, Viajantes.
reconstruíram entre nossas elites letradas na
forma de literaturas e mitos sobre uma grandeza
naturalmente coesa, como que predestinada a
realizar-se no tempo. Elites letradas imaginaram
a Amazônia e o fizeram, ainda que dialogando
com a realidade regional, pois de outra forma
não poderia ser, a partir de sua própria projeção
de si mesmas, daquilo que gostariam de ver
em suas melhores qualidades históricas e nos
elementos sociais e culturais que escolheram,
por motivos diversos, ser a encarnação de
sua própria existência no tempo. Ora estes
elementos são indígenas, ora caboclos, ora
mesmo descendentes de europeus no Brasil.
Este artigo busca fornecer um pouco de
nitidez ao processo em que relatos publicados
como livros inauguraram sentidos sobre a
ocupação
Desde os viajantes europeus até a
da
Amazônia
pela
consciência
histórica europeia, acabando por ser aclimatados
no Brasil e servindo de suporte narrativo para
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
158
as histórias contadas por aqueles que viriam a chamar a si mesmos de amazônicos ou
amazônidas. Quer dizer, o texto percorre rapidamente os principais relatos que foram
lidos e relidos por elites letradas e formaram uma determinada ideia de pertencimento à
região, ajudaram a cristalizar aquilo que se pode chamar de uma “tradição”, concentrandose nos seguintes: As relaciones de Gaspar de Carvajal e de Cristóbal Acuña, a relation
de Charles Marie de La Condamine, o romance de Lourenço da Silva e Amazonas bem
como alguns textos da imprensa paraense da segunda metade do século XIX, sobretudo
da autoria de D. Macedo da Costa, que parecem demonstrar um uso já mais estabilizado
da palavra Amazônia. É claro que este não é um processo que fica circunscrito ao universo
dos letrados. Mas são eles que trabalham pela formação de uma metamemória, ou seja,
uma memória coletiva que se pode dizer consciente de seu próprio papel na história. Ao
narrarem o passado reconfigurando textos mais antigos, tradições já fundadas, como num
círculo hermenêutico elas contribuem para estabelecer determinados marcos identitários
sobre o que significa pertencer a um lugar. É um processo que mesmo quando a partir de
meados do século XIX tenta assumir uma postura anti colonizatória, continua se revolvendo
dentro da tradição cultural europeia.
Amazônia assim será tratada como um conceito que, como qualquer outro conceito,
tem uma história. O historiador Reinhardt Koselleck, ao discutir a relação entre as palavras
e as coisas ao longo do tempo, lembra que é o conceito em comum que permite “a unidade
de ação política”. Os agentes políticos, entendendo-os como aqueles que, ao longo
do processo histórico, desenvolvem um horizonte de consciência sobre as suas ações
políticas, reúnem-se em torno de conceitos agregadores, que podem aludir desde um
movimento político até um lugar em comum. Os recursos linguísticos de que eles dispõem
fazem parte do seu horizonte de ação. É um erro, por exemplo, dizer que haja uma
“consciência proletária”, na medida em que os proletários foram em sua maior parte alheios
à existência uns dos outros, muito embora seja possível falar numa consciência histórica
do “comunismo”. Isto porque “comunismo”, tanto quanto “liberalismo”, “positivismo” e uma
série de outros “ismos”, revelam, como lembra o mesmo Koselleck, “um ponto de vista
polêmico orientado para o presente, assim como um componente de planejamento futuro,
ao lado de determinados elementos de longa duração da constituição social e originários
do passado” (KOSELLECK, 2016, p. 101). Sabe-se assim que o conceito serve para reunir
indivíduos empenhados num projeto coletivo, tornando-os “agentes históricos”, o que não
quer dizer que estes conceitos não sejam mutantes, quer dizer, recebam novos significados
a partir do uso vulgarizado por determinados autores e grupos políticos. Os usos frequentes
do conceito terminam por transformar o campo de experiência política e social, definindo
novos horizontes de expectativas. A partir disso, faz-se a seguinte pergunta sobre o
conceito: “Por quanto tempo permaneceu inalterado o conteúdo suposto de determinada
forma linguística, o quanto ele se alterou, de modo que, ao longo do tempo, também o
significado do conceito tenha sido submetido a uma alteração histórica?” (Ibid. p. 105).
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Capítulo 10
159
A busca pela compreensão da estabilização do uso do conceito Amazônia começará
pelos relatos de viajantes tratados como os principais narradores do processo de
colonização até chegar na formação de classes de letrados nativos. É pela transformação
de Manaus na capital da província do Amazonas, em 1850, que se interiorizou uma elite
letrada, antes cingida ao espaço de Belém, e que se dividia entre pensar a si mesma
como parte do Grão-Pará brasileiro ou de Portugal. Amazônia era, então, algo inteiramente
alheio ao imaginário destas elites, quer dizer, despertava muito maior preocupação nos
círculos ilustrados europeus – ainda que começasse a se desenhar, entre os intelectuais do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, uma preocupação com os “vazios demográficos”
nacionais, preocupação da qual partiu o intelectual romântico Lourenço da Silva e Amazonas
para compor o seu dicionário e seu romance sobre a história do Amazonas.
O processo de nomeação do rio, que passou pela construção de um conceito que
causou viva impressão na Europa, depois retraduzido num contorno territorial capaz de
despertar algum tipo de sentimento patriótico, começou pela famosa viagem de Francisco
Orellana entre 1541 e 1542. Tendo partido de Quito, a expedição atravessou o Amazonas
e tornou o rio conhecido dos letrados europeus. Integrante da expedição, Frei Gaspar
de Carvajal produziu a “relación que escribió fr. Gaspar de Carvajal, Fraile de La Orden
de Santo Domingo de Guzmán, del nuevo descubrimento del famoso Río Grande que
descubrió por muy gran ventura el Capitán Francisco de Orellana desde su nacimiento
hasta salir a la mar, con cincuenta y siete hombres que trajo consigo y se echó a su ventura
por el dicho río, y por el nombre del Capitán que le descubrió se llamó el río de Orellana”. A
relación tem, antes de um objetivo descritivo, como se consolidará nos registros históricos e
etnográficos do iluminismo, a intenção de mostrar os serviços dos súditos à Sua Majestade
e gravar a conquista espanhola do novo rio, cuidando mais projetar um determinado
ideal na terra desconhecida do que fornecer sobre ela elementos geográficos nítidos. Foi
durante a descida do rio Solimões, diante de uma chuva de flechadas no território dos
omágua, que o imaginário de Carvajal, povoado pelos relatos bíblicos e pelos resquícios da
mitologia greco-romana na cultura da Europa medieval, julgou ter visto enormes guerreiras
com um seio amputado para poderem manusear melhor o arco e flecha, as amazonas.
Dessa experiência nada agradável, que resultou num olho a menos para Gaspar, herdou a
Amazônia o seu nome. Os relatos foram publicados “á expensas del excmo. sr. Duque de
Tserclaes de Tilly” e, a partir de sua publicação, fugiram do controle da coroa espanhola
alimentando uma série de imagens sobre o novo mundo. A relación de Carvajal revela,
tanto quanto a dificuldade de nomear e criar inteligibilidade para um lugar tão distante da
mentalidade espanhola, a importância do “dizer suporte” (1993), um dizer que, mesmo
que partindo de uma ficção, ajuda a estabilizar um conjunto de “narrativas fundadoras”
sobre as quais será possível conhecer efetivamente a região. Mais importante, portanto, do
que a verdade da viagem, é o relato que dela se fez e que, uma vez escrito, circulou por
toda a Europa a partir de um rio já nomeado. Longe de questão ociosa, a discussão em
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
160
torno das amazonas está no cerne do curto circuito entre uma visão edenista da América e
uma visão infernista (GONDIM, 2004), já que as amazonas costumavam encarnar tanto o
cuidado maternal, a rebelião contra um certo estado de opressão, quanto a agressividade
na proteção do seu território.
Quase um século depois da viagem de Orellana, uma expedição saída de Belém do
Pará em 1637 tentou chegar até Quito através do rio Amazonas, ou seja, fazendo o percurso
inverso ao de Francisco Orellana. O capitão Pedro Teixeira levou consigo o jesuíta espanhol
Cristobal Acuña, que produziu o relato intitulado “Nuevo Descubrimento Del Gran Río de Las
Amazonas”, impresso pela Imprensa do Reino em Madri, em 1641. O comandante Bento da
Costa foi o responsável pela elaboração do mais antigo mapa do Rio das Amazonas. Com
o seu registro cartográfico, foi possível o início de um processo de ocupação, tanto física
quanto simbólica, pela delimitação cuidadosa dos rios, seus afluentes, bem como espaços
que poderiam ser aproveitados econômica e militarmente pelos colonizadores. A relación
de Acuña é um documento importante porque acendeu na política colonial portuguesa a
necessidade de tomar posse do território através da construção de fortes, da conversão
dos indígenas e das atividades econômicas. Guiado pelo topos historia magistra vitae,
característico da mentalidade do período, Acuña entendia a narrativa histórica como um
repositório de grandes exemplos capaz de fornecer ou mesmo comprovar doutrinas morais,
políticas e jurídicas, quer dizer, mais de demonstrar aquilo que poderia ter acontecido do que
descrever o que verdadeiramente aconteceu. Da mesma forma como no relato de Carvajal,
antes de “contar a verdade”, o narrador busca a imitação, o seu discurso “apresenta aos
olhos dos ouvintes ou leitores aquilo que é verossímil, de modo a movê-los (movere) pelo
deleite (delectare) e pelo ensinamento (docere), visando a fins morais, políticos e religiosos”
(LACHAT, 2019, p. 111). Estes detalhes a respeito do período mostram, inclusive, como
seriam impossíveis relatos jornalísticos no sentido habitual do termo, já que nem mesmo
estava consolidada uma narrativa histórica capaz de separar com clareza verdade e ficção.
A relación documenta a existência de comunidades indígenas, buscando catalogá-las,
ao mesmo tempo em que confirma os mitos representativos da região: “confirmamos las
largas noticias que por todo este río traíamos de las afamadas Amazonas, de quienes él
tomó el nombre desde sus primeros principios”; e “los fundamentos que hay para asegurar
[la existencia de la] provincia de [las] Amazonas en este río son tantos y tan fuertes que
sería faltar a la fe humana el no darles crédito (Apud. Ibid.)” É importante lembrar que a
viagem de Pedro Teixeira seria utilizada como argumento mais tarde, em 1750, para a
posse portuguesa do território amazônico, no contexto das discussões do Tratado de Madri.
As obras de catequese que se expandiram no continente americano ao longo do
século XVII se inscrevem neste processo de dar inteligibilidade ao território amazônico
e trazê-lo para perto da religião cristã. O poder dos jesuítas na região cresceu tanto que
o Marquês de Pombal passou a enxergá-los como uma ameaça geopolítica, expulsando
vários deles do Brasil em 1759. Dentre os jesuítas nomeados para o trabalho de catequese
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na Amazônia está o padre Samuel Fritz, ligado à Coroa Espanhola, que chegou em 1684
na Amazônia ocidental e lá permaneceu durante quase quarenta anos. Fritz produziu
mapas e relatórios, fornecendo importantes instrumentos para a colonização e para os
esforços de conversão realizados pelos portugueses e espanhóis. Os mapas de Fritz
seriam fundamentais para a orientação do viajante Charles-Marie de La Condamine. Sobre
La Condamine, que esteve em solo americano entre 1735 e 1745, é importante fornecer
alguns elementos históricos sobre o tipo de sociedade de letrados da qual fazia parte, bem
como das suas aspirações possíveis enquanto geógrafo e etnógrafo. No seu século, se
desenvolveu uma solidariedade intelectual entre os homens de letras, a ponto de se poder
falar numa “República das Letras”, tendo os philosophes assumido um posicionamento
ativo na mudança do mundo ou na reforma do homem para potencializar o seu uso da
razão. Como disse o afamado Kant, em frase que se tornou lapidar da mentalidade dos
intelectuais e da sua convicção profunda na salvação pela razão, sapere aude. O ideal
dessa solidariedade entre letrados era a própria publicação, ou a exposição ao público
daquilo que estava soterrado, e sua discussão na forma de “crítica”, conceito que permite
compreender como o ataque à moral do rei, pedra basilar do funcionamento do estado
absolutista, espargiu uma crise política em toda a Europa. O intelectual se fundiu no
editor, o primeiro passando a dominar técnicas de editoração e mantendo íntimo contato
com livreiros: surge assim o ideal do intelectual como um publisher. E o Publisher é um
philosophe, um engagé, sempre pronto a desfilar nos salões e clubes a sua capacidade de
conversação e argumentação.
Além disso, o philosophe assumiu a função de pedagogo, ou de guia do ainda
incipiente público leitor em direção ao progresso imaginado. Ele é, ou assim se crê, ungido,
na expressão utilizada pelo Thomas Sowell (2011). Pode-se então falar que, de forma geral,
com a expansão do Iluminismo, difunde-se também entre os intelectuais uma certa ideologia
do progresso, ou a noção de que o passado, um emaranhado de absolutismo, religião
formal e escolasticismo, deve ser ultrapassado para o bem da reforma humana. Alguns
estados nacionais europeus conseguiram manter uma censura mais bem organizada e
evitar os chamados “panfletos incendiários”. Na Espanha e Portugal, a Inquisição agiu até
o início do século XIX e as publicações precisavam passar pela licença régia. Portanto, as
tais Luzes não se dispersaram com a mesma velocidade em cada rincão, havendo sempre
filtros nacionais para cada ilustração. No contexto destes confrontos entre a razão e a
tradição, os europeus, sobretudo franceses e ingleses, começaram a debater o tamanho
do mundo, sua real dimensão, bem como querer expor à luz (de seus respectivos países)
todos os cantos do mundo que lhes eram desconhecidos. Um destes confrontos girava em
torno do próprio formato do globo terrestre, pois não se sabia se era “inchado nos polos”,
como sugeriu René Descartes, ou “achatado”, como sugeriu Isaac Newton. Em conjunto
com outros membros da Academia de Ciências, o cientista La Condamine foi enviado à
América do Sul para efetuar medições que seriam capazes de resolver a celeuma. Feitos
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162
seus cálculos em Quito, La Condamine decidiu retornar com sua expedição pelo rio das
Amazonas, coletando, para melhor poder se orientar, todos os documentos que encontrou
sobre a região. La Condamine se correspondeu com Don Josef Pardo de Figueroa Acuña,
sobrinho-neto do anteriormente citado Cristóbal Acuña e que ocupava o posto de marquês
de Valleumbroso em Quito (SAFIER, 2009). Don Josef forneceu documentos, entre os quais
a relación de Cristóbal Acuña, as descrições dos jesuítas Jean Magnin e de Samuel Fritz, e
complementou “Já terá visto que estranhas são nestes países as ciências matemáticas [...]
e o pouco que se pode confiar nos mapas comuns, que pela maior parte se têm formado
sobre relatos pouco certos, e por nada exatos” (Apud. Ibid., p. 95).
Em seus relatórios de viagem, intitulados “Relation abrégée d’un voyage fait dans
l’intérieur de l’Amérique méridionale depuis la côte de la mer du Sud jusqu’aux côtes du
Brésil et de la Guyane, en descendant la rivière des Amazones, lue à l’assemblée publique
de l’Académie des sciences, le 28 avril 1745”, La Condamine se apressou em desacreditar
as narrativas anteriores como pouco verossímeis, ou “somente históricas”, não dando
fundamento à existência do rio: “Não se sabe hoje na Europa nada sobre os países
atravessados pelo Amazonas fora daquilo que se apreendeu há mais de um século por
meio do relato do padre d’Acuña” (Apud. Ibid.). A tentativa de La Condamine ultrapassar
Acuña e mesmo soterrar os diários do Padre Samuel Fritz e Jean Magnin se explica pelo
próprio ambiente competitivo da Academia de Ciências e dos intelectuais que buscavam
espaço, dinheiro de mecenas e celebridade. Quer dizer, mesmo tendo copiado relatos
e descrições sobre povos indígenas de outros autores, La Condamine se apressou em
mostrar que a sua relation é muito mais meritória que as anteriores. E, de fato, essa se
tornou uma prática acadêmica comum: refundir elementos de obras anteriores sob uma
aparência absolutamente original, ao mesmo tempo em que adornando-a de um verniz
retórico empolgante. La Condamine não apenas criou as condições para a sua fama na
Academia de Ciências, como também contribuiu para a popularização de uma visão da
Amazônia que, pelo menos um século depois, começaria a ser incorporada pelos habitantes
daquilo que hoje se conhece como Amazônia. Na sua relation, medidas astronômicas
dividiam espaço com os relatos míticos, as descrições coloridas “foram intercaladas com
anotações de latitude e longitude, um modelo que prefigurava uma nova fórmula capaz de
atrair um público amplo ao mesmo tempo em que se conformava às expectativas rígidas de
uma memória acadêmica” (Ibid., p. 92). O brasilianista Neil Safier documenta a recepção
do público, ou da esfera pública literária, a respeito dos relatos feitos por La Condamine
em evento na Academia de Ciências. A revista literária Mercure de France, por exemplo,
dizia que o autor:
[...] entretinha a assembleia ao contar a sua descida pelo ‘fleuve du Maragnon
ou des Amazones’, e que ‘incluía comentários sobre plantas e animais da
região, costumes, crenças e línguas indígenas, os mitos e lendas que diziam
respeito à raça de mulheres guerreiras que deram nome ao rio, e a informação
geográfica que se encontrava inscrita no ‘preciso’ mapa que ele trouxera na
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
163
volta à França (Ibid).
Noutras palavras, o viajante e philosophe se assenhoreou de dados e registros
fornecidos por outros viajantes e jesuítas, engrossou-os com uma percepção mais
propriamente acadêmica e recheou-os dos elementos literários que tanto provocavam
fascínio no público europeu, já que a manutenção das amazonas na narrativa científica era
necessária para a recepção da sua obra. Ao mesmo tempo, ao compilar o rio Amazonas
para o público europeu, o “rivière des amazones”, o autor acabou por dar uma identidade
ao território, transformando-o num objeto de estudos alusivo à toda a região onde
circulavam os rios que desembocavam no Amazonas. Foi com La Condamine, portanto,
que se consolidou no público europeu a percepção da região amazônica como fruto da
bacia do rio amazonas, ainda que o autor não tenha mencionado o conceito Amazônia.
Além de cuidadoso observador dos rios pelos quais passou, desde o Marañon, Solimões,
Negro, Tapajós, Xingu, o viajante manteve ativa interlocução com os indígenas, cuidando
perguntar, sempre que pôde, a respeito das lendárias amazonas. Segundo nos relata, as
respostas dos indígenas sempre foi favorável à sua existência, muito embora apresentassem
informações conflitantes. Ao finalizar a questão, La Condamine constata que elas existiam,
muito embora não possa assegurar exatamente qual o local da rede hidrográfica em que
se encontravam:
Malgré tout cela, j´avoue que j´aourois bien de la peine à croire que nos
Amazones y fussent actuellement établies, sans qu´on eût de leur nouvelles
plus positives, de proche en proche, par les indiens voisins des colonies
européennes des côtes de la Guiane; mais cette nation ambulante pourroit
bien avoir encore changé de demeure; et ce qui me paroit plus vraisemblable
que tout le reste, c´est qu´elles ayent perdu avec le tems leurs anciens usages,
soit qu´elles aient été subjuguées par une autre nation, foit qu´ennuyées de
leus solitutude, les filles aient à la fin oublié l´aversion de leurs meres pour les
hommes (LA CONDAMINE, 1745, p. 106-7).
Muito embora tenha começado a sua obra pela descrição pejorativa dos indígenas,
lembrados como apáticos e sem vitalidade, no que foi influenciado pela “Descrição da
província e das Missões de Maynas no reino de Quito”, escrita por Jean Magnin (1701-53)
sobre as missões em Maynas e outras populações indígenas da região (SAFIER, 2009), La
Condamine finaliza sua relation apresentando os indígenas como um povo em fuga para
interiores amazônicos cada vez menos desbravados – e o faz por meio das amazonas que
assumem essa condição metafórica. Sabe-se que o imaginário sobre o indígena caminha
entre uma visão dele como um ente hostil à presença europeia e um bom cristão afastado
dos vícios europeus (no mesmo movimento pendular entre o Éden e o Inferno), como
nos ensaios de Michel de Montaigne ou mesmo na etnografia espanhola de Bartolomé
de Las Casas e Garcilaso de La Veiga. A “apropriação”, para usar uma palavra da moda,
que La Condamine fez dos relatos que o precederam, correspondia a uma expectativa
de testemunhos pessoais no interior da Academia e ao mesmo tempo começava a ser
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
164
atravessada pela fuga romântica verbalizada pelo mais lembrado contemporâneo do nosso
viajante: o polemista Jean Jacques Rousseau. Ao saírem das observações de jesuítas
como Magnin e Fritz, viajarem para a Europa por meio dos relatos de La Condamine,
e finalmente serem impressas na Encyclopédie, um longo caminho foi percorrido até se
dar a sua cristalização, concluída tanto com a celebridade das amazonas quanto com a
celebridade do próprio La Condamine (SAFIER, 2009, p. 99). Uma vez componentes do
grande projeto enciclopédico, estas informações já tinham o estatuto de verdades sólidas
na comunidade intelectual europeia. A obra de La Condamine foi intensamente discutida
em círculos letrados europeus, beneficiando-se dos clubes literários, inclusive com fortes
críticas à sua obra pela forma aparentemente redutora com que se referiu aos indígenas.
Na conclusão de Neil Safier, “apesar das várias contestações à confiabilidade e à coerência
lógica de suas teorias, foi a imagem que La Condamine criou do rio, dos ancestrais míticos
da região e de seus habitantes indígenas que prevaleceu e deleitou um público europeu
ansioso por histórias exóticas de ‘países pouco conhecidos’ do mundo” (SAFIER, 2009, pp.
111-112), acabando por consolidar a imagem do viajante filósofo ávido por trazer novidades
para o ainda mais ávido público europeu em formação.
A descrição do bom selvagem construída por Jean Jacques Rousseau a partir
destes relatos, sendo o próprio Rousseau um inimigo ferino da sociedade francesa de
Antigo Regime, teria profunda influência não apenas sobre as elites brasileiras, mas
também sobre as elites latino-americanas de forma geral, como demonstrado de maneira
introdutória por Carlos Rangel (2018). No caso brasileiro, Rousseau teve influência sobre
a geração romântica de integrantes do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, entre eles
Lourenço da Silva Amazonas (MUNARO, 2021a). A partir desta influência, os indígenas
começaram a ser pintados como heróis da saga brasileira, topos sem dúvida reforçado
pela trilogia indigenista de José de Alencar em meados do século XIX. Cabe pensar, nesse
sentido, como o Brasil, fundado como nação independente em 1822, inscreveu a Amazônia
em seu próprio corpo territorial e como habitantes da Amazônia passaram a se entender
como habitantes de uma região dotada de identidade própria.
Em 1822, quando da independência brasileira, as elites políticas grã-paraenses
(sendo a província do Grão-Pará diretamente administrada pela metrópole portuguesa)
eram não só compostas de descendentes de portugueses como se entendiam elas mesmas
como portuguesas. O reino português conheceu um panorama peculiar de impressos livres
de censura a partir da migração da corte portuguesa para o Brasil em 1807, e com a diáspora
de grupos de políticos e letrados para o Rio de Janeiro, Paris e Londres. Sobretudo em
Londres, formou-se uma comunidade de portugueses que escrevia ativamente para o Reino
Português, que tinha agora o Rio de Janeiro como capital. O primeiro destes escritos foi o
Correio Braziliense, de autoria de Hipólito José da Costa. Hipólito, como outros intelectuais
lapidados no pensamento das Luzes, não somente buscava impulsionar transformações
no Reino luso-brasileiro, mas também consolidar um novo ofício, destarte livre da censura,
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que conhecemos por jornalismo. Ele e outros portugueses migrados em Londres, como
José Bernardo da Rocha Loureiro e José Liberato Carvalho, fixaram os pressupostos para
a atividade jornalística em língua portuguesa, com fortes críticas ao sistema absolutista que
apressaram a necessidade de reformas no Brasil e em Portugal (MUNARO, 2014). Essas
reformas foram iniciadas em 1821 com a realização das Cortes de Lisboa. No contexto da
realização das cortes, deputados brasileiros foram convocados para participar e ajudar
na elaboração de um texto constitucional para o Reino luso-brasileiro. Movido pela boa
nova das reformas constitucionais no reino, o jovem estudante de direito na Universidade
de Coimbra, Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, nascido em Belém do Pará,
retornou para o Grão-Pará para ajudar na propaganda das Cortes de Lisboa. Patroni, então
com 23 anos, iniciou em Belém a publicação do jornal O Paraense, buscando filiar o GrãoPará no movimento constitucional português. Utilizando uma linguagem política similar à de
Hipólito da Costa, Patroni mencionou para os seus conterrâneos da província as novidades
do século, quer dizer, as luzes, os melhoramentos advindos de um sistema constitucional,
bem como da necessidade de proteger as liberdades individuais. Assim, ele instalou o
ofício de jornalista no Norte do país. O ofício do intelectual, no contexto de um Brasil em
nascimento, que buscava dar uma fisionomia política para a sua terra e gente, ainda estava
profundamente vinculado à redação de panfletos e jornais. Jornais que possuíam o formato
de livros e eram organizados enquanto tais. Eles eram elaborados por letrados que, em
geral, detinham a organização de toda a função jornalística, indo desde a redação até a
impressão. É um fato histórico importante que Patroni, como um representante daquilo
que se pode chamar uma elite intelectual nativa, tenha se visto entre, no contexto da
independência política brasileira em 1822, a filiação do Grão-Pará ao Brasil ou ao reino
português, tendo preferido, pelos menos num primeiro momento, o reino português. No
imaginário das elites políticas do Grão-Pará, aquelas cuja consciência histórica permitia
vislumbrar a existência de grandes espaços agregados por cartas, relatos e livros, a filiação
a Portugal era mais proveitosa do que uma filiação ao Brasil, sendo sintomático que em
momento algum se fale numa Amazônia.
Com o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, fundado em 1838, os intelectuais
foram inscritos num conjunto de preocupações de dar um contorno para o Estado e nação
brasileira, nos moldes dos Estados nacionais europeus, para tanto articulando as várias
regiões do Brasil e redefinindo sua fisionomia. É aí que entra outro fruto da modernidade,
a “consciência nacional” lentamente lapidada por meio da literatura e do jornalismo, quer
dizer, da produção cultural em língua vernácula. A partir de 1850, integrantes do IHGB
nascidos no Brasil, caso de Lourenço Amazonas, Joaquim Manuel Macedo e Gonçalves
Magalhães, fizeram esforços para incorporar elementos nativos respondendo ao seu dever
diante do Estado de formular um ideia sólida de nação, ao mesmo tempo buscando afastar
de si a herança portuguesa. Naquele momento, o IHGB ajudou a desenhar, como órgão
de Estado, um corpo nacional que podia se imaginar como dotado de unidade política, ao
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mesmo tempo em que direcionado ao progresso histórico (MUNARO, 2020a).
Lourenço da Silva Amazonas, nascido na Bahia, foi designado em missão para
o interior da província do Amazonas (criada durante a sua estada na região, em 1850)
para produzir relatos descritivos de comunidades indígenas e de elementos botânicos. Ele
acabou produzindo um extenso dicionário de termos sobre o Amazonas em 1852, além
de um confuso romance sobre a emancipação dos indígenas, de 1857. É precisamente
este romance, intitulado “Simá, Romance histórico do Alto Amazonas”, que revela o mito
fundacional mais importante da Amazônia, muito embora a obra de Lourenço Amazonas
tenha passado despercebida diante da produção indigenista de José de Alencar no mesmo
período (O Guarani foi publicado no mesmo ano em que Simá). O romance tem como pano
de fundo a Revolta de Lamalonga, ocorrida em 1757, quando principais indígenas da região
destruíram igrejas, paramentos religiosos e assassinaram um missionário carmelita. A
protagonista da narrativa é Simá, neta de um indígena cavalheiro e filha de um comerciante
português corrupto. A relação que deu origem à Simá, uma “índia mameluca”, na expressão
cercada de simpatia de Lourenço, é um reforço da metáfora que seria consagrada mais de
século depois na literatura acadêmica: o nascimento do Brasil é fruto da violência contra
os indígenas, de um estupro sistemático. O produto do estupro é uma menina pacífica,
inteligente e boa cristã, que se desliga da maldade de seu pai português e vive com seu
avô indígena em direção a um mundo novo, o mundo brasileiro. A linguagem de Lourenço,
influenciada pela leitura de Rousseau, largamente citado direta e indiretamente, mescla a
ojeriza ao elemento português e a apologia pela riqueza no trabalho com a terra, espontâneo
e natural. Mesmo sendo um indivíduo exógeno à Amazônia, Lourenço cria ou pelo menos
ilustra um topônimo da leitura dos temas regionais, contendo todos os elementos sociais
que seriam enfatizados pelos literatos endógenos nos anos subsequentes: o colonizador
português, o indígena revoltado, o caboclo resiliente, os missionários bons e os missionários
maus (sobretudo jesuítas) e a fundação do Amazonas.
O comércio internacional da borracha a partir do final dos anos 1870 permitiu
a expansão de um circuito de escritos no interior da região amazônica. A abertura
da navegação internacional em 1867, já beneficiada pelo navio a vapor, acabou por
potencializar a formação de várias vilas pequenas, cuja municipalidade era inaugurada
em conjunto com uma máquina tipográfica. Com os eventos econômicos definidores da
expansão da borracha, a população se multiplicou muito rapidamente, atraindo migrantes
de outras regiões e países e, fato de não menor importância, assistindo a um número
cada vez maior de periódicos impressos. Este processo “fecundou” a bacia hidrográfica
amazônica com pequenas folhas jornalísticas, criadas de forma quase concomitante
à fundação dos municípios impulsionada pela economia gomífera e em acordo com as
necessidades administrativas de publicação de atos oficiais. Pode-se dizer que estas
folhas, em localidades bastante distantes umas das outras, integradas apenas pelo lento
fluxo dos vapores, vão “tomando consciência do seu pertencimento” a uma região em
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Capítulo 10
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comum, região formada pelo grande rio Amazonas. É pelo jornalzinho que o habitante entra
em contato com o país, estende a sua compreensão de si mesmo e percebe que existem
outros indivíduos letrados, amazônicos, correspondendo-se com ele. Nesse sentido é que
se pode falar em “rios de palavras” (MUNARO, 2017).
Claro que, em Belém e Manaus, as duas principais cidades amazônicas, a imprensa
já possuía difusão considerável, com as folhas se colocando como favoráveis às mudanças
urbanas ao mesmo tempo em que criticando os limites estreitos da modernidade regional.
O predomínio do analfabetismo deu ao intelectual um aspecto de vida solitária e, ao mesmo
tempo, uma aura meio mágica de domínio culto da língua, potencializada pela sua vida em
meio aos livros. Nos jornais de Belém, ao mesmo tempo em que imbuído desta função de
pedagogo, guia das massas desorganizadas, o intelectual desenvolveu a consciência de
participação num todo cultural comum no seio do Brasil. Num destes jornais que circulou
em Belém nos anos 1860, “A Estrella do Norte” impressa na “typographia ecclesiastica”,
o ativo bispo da província do Grão-Pará D. Macedo Costa fortaleceu a consciência da
participação regional a partir do seu trabalho evangelizador. Em texto anexado na edição
2 de 1863, lê-se que o rio age com sua potência integradora, uma metáfora mesmo para o
trabalho catequético ou para a ação divina: “Aqui vou com os olhos fitos sobre o Amazonas,
rio por certo o mais considerável de todo o mundo, não só pela sua extensão pasmosa,
mas ainda pela largura e profundeza do seu leito. Que magnífico espetáculo fornece a
natureza” (p. 13). O rio vai percorrendo imponente a planície, com a calma que Deus lhe
deu, recebendo a água dos inúmeros afluentes até ser despejado no oceano, mansamente,
como um bom cristão.
Mais tarde, em 1883, A Constituição, Órgão do Partido Conservador do Pará,
anexou conferência recitada em Manaus pelo bispo denominada “A Amazônia: meios de
desenvolver a sua civilisação”, no contexto de um extenso debate sobre a questão do
povoamento e desenvolvimento regional. Macedo dirige-se à elite política e intelectual
manauara usando o denominador comum Amazônia e “vale do Amazonas” para vinculála à província do Pará – o uso da expressão, evidentemente, não é fortuito, tem como
objetivo despertar a solidariedade dos manauaras que o ouviam vencendo as rivalidades
provinciais. O bispo referia-se ao estado miserável do “povo amazonense” e ao desejo por
progresso do grande vale do Amazonas:
O que me assombra e entristece é ver o desamparo em que aí vegetam essas
populações cristãs, tão boas, tão aproveitáveis, mas cuja dispersão mesma
é o principal obstáculo a toda ação moralizadora, a todo o influxo civilizador
que sobre elas queiram exercer a autoridade civil e religiosa [...] Pergunto,
senhores, um povo vivendo a desgarrada por um vastíssimo território deserto,
abandonado a si próprio, entregue a largos ócios e excessos bacanais, sem
nenhuma instrução civil nem religiosa, e parte dele ainda selvagem, poderá
atingir o porvir grandioso que todos queremos, que todos ardentemente
desejamos para o grande vale do Amazonas (A Constituição, 4 de abril de
1883, p. 4, grifos nossos).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
168
O uso que se dissemina e consolida aqui serve para reunir agentes políticos, nas
mãos dos quais estão importantes decisões, provocando o seu horizonte de consciência
em direção a um tipo de sociedade que deverá ser construída, uma identidade coletiva.
Macedo indica o uso já estável da palavra, disponível tanto na imprensa manauara como
belenense e mesmo na existência de clubs como o “Club Amazonia”, fundado em 1884,
em Belém, para lutar pela liberdade e prosperidade do “povo amazônico” (como dito em
seu manifesto pela liberdade: “Qual é a situação na Amazônia? A da escravidão de parte
da sua população”). É importante notar, contudo, que ao mesmo tempo em que intelectuais
como D. Macedo se referiam à Amazônia, Torquato Tapajós, talvez o principal defensor da
causa amazonense no período, estava mais preocupado com a definição das fronteiras
provinciais, inclusive nas disputas de terras entre as duas províncias que alimentavam
forte rivalidade política. Ambos os importantes intelectuais estão unidos, contudo, nos
topos comuns do período, relativos à necessidade de trabalho, migração, povoamento,
cristianização, etc. (MUNARO, 2020b).
Na imprensa belenense, outra situação é apresentada em edição de janeiro de 1883
do “Diário do Grão Pará”, para quem “o partido liberal escraviza-se ao governo central,
que não manifesta interesse algum pelo nosso engrandecimento, e antes empenha-se
em sufocar com a sua onipotência os movimentos legítimos de reação da Amazônia”,
enquanto comenta a autonomia das províncias e reclama a atenção do poder central. Aqui
estão os embriões de um sentimento autonomista que tem na revisita da Cabanagem, a
grande rebelião regional amazônica, um elemento de memória comum que será trabalhado
exaustivamente pela intelligentsia regional dos anos 1930. Ao responder o “Diário do Grão
Pará”, o redator do “Liberal do Pará, órgão do Partido Liberal”, diz o seguinte:
Assim se, por exemplo, fosse submetido à câmara um projeto de reformas em
que as províncias do Pará e Amazonas, ou Amazônia, como chama o colega,
fossem desligadas da congregação do Brasil, certamente não teria o apoio
da câmara, e nós não abraçaríamos a ideia [...] Mas, parece, seria o caso de
perguntar-se: Ficaria melhor a Amazônia, só, pequena, fraca, do que unida
ao gigante da América do Sul? Se temos o dever de nos não deixar esmagar,
temo-lo também de não nos lançar no plano em que se acham as republiquetas
nossas vizinhas (19 de janeiro de 1883, p. 1).
Ao questionar o seu colega na imprensa, exibindo um processo internalizado de
diálogo entre as elites cultas, o redator do Liberal mostra que o uso do conceito Amazônia
ainda é bastante ambíguo. Ao mesmo tempo em que se fala num certo sentimento nativista
que uniria as províncias do Pará e Amazonas, reconhece-se que são antes de tudo províncias
do Brasil. Nesta altura do campeonato, em termos que buscam ser conclusivos, não sendo
conclusivos em todo o caso, pode-se dizer que a Amazônia se solidificou a partir de um
conjunto de livros nos quais estavam tradições europeias, compreendidos seus elementos
religiosos e culturais, patentes desde a nomeação do rio, do território, seu povoamento com
imagens míticas, até o sentido civilizacional que lhe deu um D. Macedo, até estourar na
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
169
celeuma: “a Amazônia importa mais do que as províncias individualmente consideradas”?
Trata-se de um circuito de mídias que potencializam a região, espaço intermediário entre
o local e o nacional: das relaciones, cartas e mapas, transformam-se numa consolidada
narrativa científica e acabam figurando no importante projeto enciclopedista. São
vulgarizados nos textos incendiários de Jean Jacques Rousseau, até reingressarem na
cultura política brasileira por meio de letrados pressurosos da incorporação das novidades
literárias europeias e, ao mesmo tempo, em dar sentido ao seu próprio lugar no mundo.
Foi com a transformação do Brasil numa república federativa, com a Constituição de 1891,
que se passa a descrever mais ativamente a existência de uma Amazônia cultural, tendo a
luta de emancipação pelo Acre desempenhado papel fundamental no contorno identitário
e nativista. A partir de então, a expressão vai servir aos mais diversos objetivos políticos,
sempre recheados de contornos míticos, patentes desde a expressão “celeiro do mundo”
até “pulmão do mundo”.
REFERÊNCIAS
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2011.
COSTA, Antonio de Macedo. A Amazonia: meios de desenvolver a sua civilisação. Conferencia
recitada em Manaus, no Paço da Assembleia Provincial, perante o Exmo Sr. Presidente da Provincia
e grande número de pessoas gradas, no dia 21/3/1883. 3a ed., Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger &
Filhos, 1884.
DE ACUÑA, Cristóbal. Novo descobrimento do grande rio das Amazonas. Rio de Janeiro: Agir,
1994.
GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 2004.
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méridionale depuis la côte de la mer du Sud jusqu’aux côtes du Brésil et de la Guyane, en
descendant la rivière des Amazones, lue à l’assemblée publique de l’Académie des sciences,
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LACHAT, Marcelo. “Nuevo descubrimiento del gran Río de las Amazonas (1641), de Cristóbal de Acuña,
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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
170
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SOWELL, Thomas. Os intelectuais e a sociedade. São Paulo: É realizações, 2011.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 10
171
CAPÍTULO 11
FOGUEIRAS INQUISITÓRIAS NAS REDES SOCIAIS
DIGITAIS: ESTUDO DO CASO “FABIANE, A BRUXA
DO GUARUJÁ”
Data de aceite: 01/02/2022
Bárbara Carolina Rodrigues Marques
replicability in digital social networks.
KEYWORDS: Social networks; Case study; Withhunting; Fabiane.
INTRODUÇÃO
RESUMO: As emergentes redes sociais
digitais têm transformado a disseminação de
informações, potencializando o empoderamento
dos sujeitos por meio das possibilidades de
expressão e vindicação, mas, ao mesmo tempo,
aumenta a conflitualidade e a circulação de
discursos de raiva e indiferença. Analisamos,
por meio de estudo de caso, o fenômeno da
caça às bruxas, com foco para o caso Fabiane,
“A bruxa do Guarujá”. Inferimos que este tipo de
acontecimento colabora com a constituição de
uma rede de violência que ganha replicabilidade
nas redes sociais digitais.
PALAVRAS-CHAVE: Redes digitais; Estudo de
caso; Caça às bruxas; Fabiane.
Os
processos
emergentes
redes
de
constituição
sociais
digitais
das
têm
transformado a disseminação de conteúdos e
informações, potencializando o empoderamento
dos
sujeitos
por
meio
da
expressão
e
vindicação, mas, ao mesmo tempo, aumentam
a conflitualidade e a circulação de discursos de
raiva e indiferença. Neste contexto, analisamos,
à luz dos estudos da comunicação e ancorados
no campo teórico-metodológico do estudo
de caso, de que modo funciona o fenômeno
da caça às bruxas e como se atualiza na
contemporaneidade a ponto de, em 2014, uma
dona de casa de 33 anos ter sido linchada
THE INQUISITIVE BONFIRES IN DIGITAL
SOCIAL NETWORKS: CASE STUDY
“FABIANE, THE WITCH OF GUARUJÁ”
ABSTRACT: The emerging digital social networks
has transformed the dissemination of information,
enhancing the empowerment of subjects through
the possibilities of expression and vindication,
but, at the same time, it increases conflict
and the circulation of discourses of anger and
indifference. We analyzed, through a case study,
the phenomenon of the witch hunt, with a focus
on the Fabiane case, “The Witch of Guarujá”. We
infer that this type of event collaborates with the
constitution of a network of violence that gains
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
no Guarujá após ser acusada de sequestrar
crianças para praticar magia negra.
Embora existam, na história, traços e
valores-notícia desde o Império Romano, com
a Acta Diurna, a mídia nasce em 1440, com a
prensa móvel de Gutenberg. Este acontecimento
é responsável pela revolução cultural jamais
vista antes: a mídia impressa se torna o
principal veículo de difusão de ideias, gerando
uma demanda por alfabetização, crescimento
do comércio e o aumento da circulação de livros
(BRIGGS; BURKE, 2004).
Capítulo 11
172
Sem esses fatores, o renascimento não teria sido possível. Porém, ao mesmo tempo
em que a sociedade ocidental sai de seu – assim chamado pelos iluministas – período
de trevas, o racionalismo ascende como corrente filosófica e muitas mulheres na Europa
começam a ser alvos de discursos violentos que as acusavam de bruxaria, levando-as à
condenação nas fogueiras dos inquisidores.
Para Federici (2017), o fenômeno tem raízes nas transformações sociais que
acompanharam o surgimento do capitalismo. Um exemplo é o caso do filósofo Thomas
Hobbes que defendia a filosofia mecanicista cartesiana, mas também afirmava que embora
a bruxaria contenha em si nenhum poder de efetivo, mas é justo que as castiguem pela
falsa crença que têm de ser a causa do malefício e, ademais, por seu propósito de fazê-lo,
se puderem (HOBBES, 1963 apud FEDERICI, 2017, p. 261).”
Além disso, a publicação de manuais para inquisidores (como o Malleus Maleficarum,
de 1486) logo no início da imprensa também têm uma participação considerável no
processo. Crenças foram criadas, reforçadas e espalhadas pela sociedade e meios de
comunicação da época.
Neste sentido, o auge do fenômeno da Caça às Bruxas coincide com o surgimento
da imprensa e, diante de acontecimentos como o caso de Fabiane de Jesus, é necessário
problematizar sua atualização pois, de maneira sutil, mas eficaz, os elementos da linguagem
podem se materializar tanto em enunciados da mídia tradicional quanto nas redes sociais
on-line.
Diante desta perspectiva histórica do surgimento da mídia, que se desenrola
até o cenário atual, no qual as redes digitais assumem papel relevante na dinâmica da
comunicação e da interatividade, analisamos como acontecimentos de uma era tão distante
podem se materializar em diferentes dizeres do século XXI. Buscamos responder, neste
artigo, à seguinte pergunta: De que maneira a Caça às Bruxas, evento ocorrido entre os
séculos XV e XVII, pode influenciar e se materializar em discursos midiáticos, podendo
estimular comportamentos e atitudes na contemporaneidade, como o caso de Fabiane de
Jesus, a ‘Bruxa do Guarujá’?
COMUNICAÇÃO E A RELEVÂNCIA DAS ALTERIDADES
Marcondes Filho (2018) explica que todos os seres vivos emitem sinais, por isso
tudo e todos são emissores. Alguns são passivos, no sentido de que apenas comunicam
sua existência, por exemplo uma montanha que está presente ocupando seu campo de
visão, enquanto os emissores ativos têm o poder de comunicar algo, fazer compreender
uma mensagem por meio da negociação de sentidos, sedução e persuasão.
Desta forma, não existe o lado negativo de comunicação. É como não se comportar:
não demonstrar uma reação já é um comportamento. Porém, nesse cenário, precisamos
estabelecer uma relação: a comunicação antecede o comportamento, pois quando ela é
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 11
173
efetiva, é recebida pelo outro em seu íntimo (MARCONDES FILHO, 2018).
A essa intimidade, Marcondes Filho (2018) chama de alteridade. Notar o sinal do outro
e ignorá-lo não é alteridade, haja vista que o receptor não permite a entrada do emissor.
Nesse sentido, a comunicação sem alteridade é o que sustenta posturas anacrônicas, uma
vez que o indivíduo busca mensagens que reforçam ideias já consolidadas por ele mesmo.
O discurso produz efeitos de sentido e pode convencer sujeitos à ação. Se existe um
enunciado, ele serve ou para reforçar dogmas pré-existentes, como a ideia de uma bruxa
que precisa ser caçada ou para tentar quebrar essas concepções. Uma opção exclui a
outra.
Relevante ressaltar que nem toda relação é uma comunicação, mas toda comunicação
é uma relação organizada pela linguagem. Por isso é preciso compreender que uma
mensagem, ou seja, o pacote de representações que serve de ponto de passagem para as
significações sociais, não pode ser desassociada de seu contexto. Nesta linha conceitual,
Baitello (2014) afirma que o sentido é um conjunto de vínculos maiores que levam em
conta o homem em sua dimensão histórica, política, social, psicológica e antropológica.
Em outras palavras, compreende a complexidade da humanidade e das relações entre os
indivíduos.
Entendemos a cultura, na esteira de Baitello (2014), como a transmissão social de
técnicas que permitem a durabilidade de uma informação no tempo por meio de processos
de aprendizagem, o que nos leva a concluir que ela é a principal responsável pela produção
de sentido em uma civilização.
Essa transmissão entre sujeitos, ao longo do tempo, torna-se uma forma de
comunicação, já que o processo de tornar algo comum é estabelecer, através da linguagem,
uma relação que permite a sobrevivência da espécie para o conjunto de indivíduos nas
estruturas sociais. Portanto, pertencer a uma cultura, a uma sociedade, é participar de
processos de significação (PERUZZOLO, 2006).
A ÉTICA NO ECOSSISTEMA DIGITAL
É impossível falar sobre a dinâmica das mídias sociais digitais e não pensar nas
questões de ética. No contexto atual, a discussão sobre se as redes são ou não reais
já se tornou ultrapassada. A Web é real não só porque ela é, por si só, um ambiente de
socialização, mas também porque invade a esfera presencial. Para Lévy (apud MERCURI,
2016), a virtualização é um processo de transformação do modo de ser num outro. O virtual
não substitui o real, mas potencializa sua atuação. Essa extensão cria um novo ritmo no
qual as velocidades e os meios de comunicação são acelerados.
Mercuri (2016) faz uma leitura dos linchamentos virtuais como uma atualização dos
linchamentos que existiram ao longo da história, como exemplifica o movimento de caça
às bruxas. Existem algumas particularidades desta prática que são comuns a todos os
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 11
174
contextos: o linchamento é um crime coletivo, praticado por um conjunto de atores e que
tem como fim a extinção do réu, pois acredita que isso restaurará a ordem social.
A punição acontece de maneira pública, seja em ruas ou praças ou nas redes sociais
virtuais, onde impera a justiça popular. Nela, indivíduos se unem para assumir o papel que,
pela norma, seria do estado, sob a justificativa de legitimidade, já que pune um ato prévio
que foi considerado condenável sob critérios que fogem do campo da legislação. Desta
forma, qualquer ação pode acarretar um lichamento, cuja orientação do julgamento ocorre
pela emoção dos participantes e não a imparcialidade da razão e a valorização dos fatos.
Entender os linchamentos à luz da virtualidade implica em entender que, com a
globalização, esses processos são elevados a uma potência avassaladora, haja vista que,
como explica Baitello (2014), as ferramentas comunicativas, seja o papel ou o celular,
amplificam as mensagens nos campos comunicativos: tempo, espaço e intensidades.
Destarte, debater uma ética para o espaço digital requer compreender que os linchamentos
virtuais — atualmente também chamados de cancelamentos — significa olhar para uma
prática antiga que antecede à Web.
Também é necessário abranger as particularidades deste fenômeno nas mídias e
redes sociais on-line. Segundo Brasileiro e Azevedo (2020), nas redes, existem três fatores
principais que formam o tripé do linchamento virtual: a denúncia, o julgamento e a punição.
Ao confrontar, diretamente, coletivamente e publicamente o sujeito que cometeu um ato
reprovável, os tribunais digitais comunicam e direcionam a situação de forma a distribuir os
sentimentos coletivos contra um indivíduo, que passa a personificar todos os problemas que
afligem uma sociedade. Esta dinâmica se revela também na estrutura de uma postagem
que incita linchamento nas redes: como apontamos adiante no caso de Fabiane de Jesus,
a ‘Bruxa do Guarujá’, a denúncia expõe nome e foto da vítima para que os demais usuários
da web possam decidir a sua sentença.
Os linchamentos são frutos de uma comunicação sem alteridade levada às últimas
consequências, de maneira a transformar a violência simbólica, exercida através das
palavras, em violência física, por meio dos golpes.
Com isso, chegamos ao que Wolton (2011) considera como o grande desafio
do século XXI: como coabitar com o outro, dando importância à sua existência, à sua
identidade e à sua alteridade? Essa é a principal questão que norteia os esforços da
comunicação, considerando que os meios técnicos e tecnológicos são imprescindíveis para
que ela ocorra, comunicar-se, como vimos, não é algo de mão única, mas representa o
estabelecimento de uma relação com o outro, sem subjugá-lo.
Para Baitello (2014), a explosão informacional gera uma série de processos
comunicativos que implicam na construção e na expansão de vínculos. Se entendermos
essa concepção à luz da virtualização proposta Mercuri (2016), concluímos que o mundo
virtual pode promover a reinterpretação de significados tanto quanto pode atualizar as
estruturas sociais pré estabelecidas de maneira ainda mais violenta.
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Capítulo 11
175
Desta forma, é fulcral que se proponha e pratique uma ética que permeie o
ciberespaço, pois caso contrário condutas e conceitos construídos historicamente serão
repetidos ininterruptamente.
METODOLOGIA: CAÇA ÀS BRUXAS NAS REDES DIGITAIS - ESTUDO DO
CASO FABIANE, “A BRUXA DO GUARUJÁ”
O estudo de caso é uma metodologia majoritariamente qualitativa, mas que também
pode incluir evidências quantitativas, buscando responder questionamentos sobre um
evento e/ou caso. É uma metodologia eficiente em inserir pesquisadores nas técnicas e
métodos de pesquisa e integra um conjunto de ferramentas para levantamento e análise de
informações (DUARTE, 2005).
Como método, o estudo de caso olha para a realidade social, proporcionando uma
análise intensiva realizada em uma única ou mais organizações reais, e reúne informações
para entender a complexidade de uma situação. Yin define o estudo de caso como uma
investigação empírica que pesquisa “um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto
da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos”, segundo Yin (2001, p. 32).
Essa metodologia compreende um “estudo profundo e exaustivo de um ou poucos
objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento”, conforme Gil
(2002, p. 54). Esse tipo de estudo quer compreender fenômenos sociais complexos, sejam
individuais, organizacionais, sociais ou políticos, permitindo que a investigação preserve as
características integrais e significativas do evento ou caso (YIN, 2001).
O estudo de caso não tem como objetivo proporcionar conhecimentos e características
determinantes do evento ou caso estudado, mas o de “proporcionar uma visão global do
problema ou de identificar possíveis fatores que o influenciam ou são por ele influenciados”
(GIL, 2002, p. 55), permitindo identificar os diversos elementos que compõe uma situação
ou problema e compartilhar o conhecimento gerado pela pesquisa, além de possibilitar que
outros indivíduos depreendam suas considerações particulares (DUARTE, 2005).
ORGANIZAÇÃO DOS DADOS PARA O ESTUDO DO CASO “A BRUXA DO
GUARUJÁ”
A criação de uma cultura de comunicação desafia as estruturas sociais que regem a
nossa vida, pois como Wolton (2011) observa, a globalização acelera o pensamento utópico
e escancara as dificuldades da comunicação que são, por sua vez, históricas e, sobretudo,
de coabitação. Um caso que retrata essas dificuldades, na atualidade, e conversa com a
história, é o linchamento de Fabiane Jesus, conhecida como “A Bruxa do Guarujá”.
Fabiane Maria de Jesus era uma dona de casa de 33 anos, moradora de um bairro
da periferia da cidade do Guarujá, na baixada santista. A versão mais aceita do que
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Capítulo 11
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aconteceu no dia 3 de maio de 2014 é que ela teria ido até a igreja para pegar uma bíblia
que teria esquecido. Na volta para casa, encontrou uma criança na rua e a cumprimentou.
A mãe desta criança a confundiu com uma suposta sequestradora que raptava crianças
para praticar magia negra. A ‘notícia’ havia sido publicada em um jornal local e replicada na
página de Facebook “Guarujá Alerta”, com o seguinte retrato:
Figura 1: Retrato falado.
Fonte: Internet, 2021.
Após ser confundida com a suposta bruxa, Fabiane foi morta e linchada por parte
da comunidade enfurecida. Sua agressão foi, inclusive, transmitida nas redes digitais. Os
moradores da divisão 4 do bairro Morrinhos amarram-na, a agrediram e a levaram para os
fundos do bairro:
Figura 2: Imagem do linchamento.
Fonte: Internet, 2021.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 11
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Os vizinhos denunciaram a agressão à Polícia Militar, porém as viaturas tiveram
dificuldades de chegar ao local por conta da multidão. Os policiais conseguiram resgatá-la,
ela chegou a ser socorrida e internada em estado crítico no Hospital Santo Amaro, também
em Guarujá. Enquanto ela era levada pelos policiais em uma maca, é possível escutar
gritos de “assassina” ao fundo:
Figura 3: Fabiane em atendimento médico.
Fonte: Internet, 2021.
A imagem do retrato falado que influenciou a percepção da comunidade surgiu
em 2012, como explica Fonseca e Rantin (2017), no contexto em que a polícia carioca
investigava uma mulher suspeita de ter esfaqueado outra para sequestrar sua filha recém
nascida.
Depois, ressurgiu em 2014 sob o boato de uma sequestradora de crianças do Rio
de Janeiro, em uma postagem, agora já excluída, que chegou aos 8 mil compartilhamentos.
Apesar do jornal “Entre Rios” ter desmentido a informação no mesmo dia, o periódico
“Pontal de Notícias” publicou o retrato falado com a seguinte nota:
A mulher do retrato falado acima é uma criminosa que tentou sequestrar uma
criança em uma creche em Pontal do Paraná. Segundo informações, essa
moça sequestra crianças para praticar magia negra e está sendo procurada
pela polícia por ser acusada de sequestrar mais de 30 crianças. (HERMAN,
2014 apud FONSECA; RANTIN, 2017, p. 2).
Fonseca e Rantin (2017) identificam uma série de elementos visuais como itens
que constroem o imaginário coletivo de modo a orientar e provocar uma ação violenta por
parte dos receptores de determinada mensagem. No caso de Fabiane, os símbolos listados
pelos autores são as ideias de bruxa, cabelo, criança, fruto, livro e fogo que, ao serem
reconhecidos pelos receptores, ajudam na criação de um bode expiatório que se torna a
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 11
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vítima ideal para que a violência se canalize, por meio de um movimento organizado, com
o objetivo de restaurar uma suposta ordem social.
Em outras palavras, como explica Jackson (1987), o bode expiatório concentra em
sua figura um mal maior que ele mesmo. Em 1692, uma histeria coletiva tomou conta do
vilarejo de Salem, estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, após a filha de nove
anos do reverendo Parris ter sido diagnosticada pelo médico do vilarejo como vítima de
bruxaria. De início, três pessoas foram acusadas: Tituba, uma mulher escravizada trazida
da América do Sul, Sarah Good, uma mendiga excêntrica e Sarah Osborne, uma idosa
adoentada; pessoas que já cabiam nos moldes do papel de bruxa no imaginário popular.
Apesar das redes on-line terem um papel fundamental no linchamento de Fabiane,
a mensagem é mais antiga, remontando ao contexto da imprensa de Guttenberg de 1440,
quando a propaganda religiosa sobre as “servas de Satã” replicava tal como um meme
viraliza no ecossistema digital.
Sollée (2017) argumenta que a partir da publicação do primeiro manual de
inquisidores em 1489, o Malleus Maleficarum de Heinrich Kramer, que foi impresso em
grande escala até 1669, houve um impacto significativo em como os europeus viam a figura
da bruxa. Além dos textos escritos, a edição contava também com ilustrações e propunha
uma narrativa visual da bruxaria. O processo de impressão dá origem à cultura da mimese,
que contribui para espalhar o pânico acerca da bruxaria, consolidando a intolerância e a
violência simbólica.
Figura 4: Postagem na página “Guarujá alerta”.
Fonte: Internet, 2021.
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Figura 5: Postagem na plataforma Facebook.
Fonte: Internet, 2021.
Para Mercuri (2016), o discurso de raiva e desprezo à face do outro está incluso
no linchamento virtual e fomenta a violência para além das redes. A propaganda religiosa
sobre as ‘”servas de Satã” replicavam tal como um meme viraliza, hoje, no ecossistema
digital. Sollée (2017) acredita que por mais que a era da Caça às Bruxas tenha acabado
oficialmente, a caça às bruxas não terminou e ainda faz vítimas como Fabiane de Jesus e
o caso do Guarujá, revelando o poder do boato e do coletivismo na prática da vingança e
suposta recuperação da ordem comunitária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para compreender a prática dos linchamentos virtuais é preciso entendê-los não
apenas como um fenômeno das redes on-line, já que os efeitos ultrapassam o digital
e atingem o sujeito na cotidianidade. Necessitamos pensar em uma ética pró-ativa e
adaptativa às diversas mídias que possibilitam a circulação de informação e desinformação,
estimulando práticas de vingança e justiça próprias, como o caso em análise.
Segundo Wolton (2011), as dificuldades da comunicação são históricas e foram
perpetuadas pela linguagem, uma vez que ela intermedeia a relação dos sujeitos com o
mundo. Sollée (2017) define a metáfora “caça às bruxas” como uma perseguição justificada
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por uma reprovação moral, uma alegação de intenção subversiva, uma conspiração ou
uma traição encoberta. O caso de Fabiane ilustra que essa concepção não está longe da
realidade, seja pelo fator da temporalidade seja pelo espaço e que precisamos entender
como esse fenômeno, como aponta Lévy (apud MERCURI, 2016), foi atualizado através
do processo de virtualização.
Por meio do compartilhamento acelerado de textos, fotos e acusações, os tribunais
digitais comunicam e direcionam os acontecimentos para que os sentimentos coletivos e
as ações decorrentes deles sejam distribuídas contra o suposto errante. Essa distribuição,
por sua vez, ocorre por meio da disseminação de discursos violentos que criam vítimas
e se perpetue a agressão para além das redes on-line, como o caso de Fabiane. Para
Mercuri (2016), uma vez que um linchamento virtual é instaurado, ocorre uma verdadeira
caçada às “bruxas” que, por sua vez, podem ser qualquer pessoa considerada culpada
pelos justiceiros.
Neste sentido, a luta contra as notícias falsas e as mentiras que se espalham nos dias
atuais, tal como no período da caça às bruxas, é sobretudo cibernética. Embora, como dito
por Butler (1997), não haja maneira de ‘purificar’ a linguagem de seu passado traumático,
é possível utilizar as palavras que eram usadas para oprimir de maneira estratégica, como
forma de resistência ao mal e à maldade que são próprios do ser humano.
Entender a propagação de discursos de vingança por meio de casos concretos é
essencial para que se evitem injustiças e crimes hediondos, como o de Fabiane de Jesus.
As redes sociais digitais são um lugar propício para se descontruírem narrativas e se
produzirem as condições habitativas da convivência, haja vista que a comunicação, como
defende Wolton (2011), consiste num espaço simbólico para que as coisas possam ser
ditas pelas palavras, não pelos golpes e pela violência contra a face do outro.
REFERÊNCIAS
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cultura. São Paulo: Paulus, 2014.
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Acesso em 30 de agosto de 2021.
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Capítulo 11
181
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FONSECA, André Azevedo da; RANTIN, Cristiano. Fogueiras Modernas: os símbolos da narrativa da
“Bruxa do Guarujá” no linchamento de Fabiane de Jesus. Semeiosis: semiótica e transdisciplinaridade
em revista. [suporte eletrônico]. Disponível em: <http://www.semeiosis.com.br/wp-content/
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Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Aplicadas.
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YIN, Roberto K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 11
182
CAPÍTULO 12
EQUILÍBRIO DE BAIXO NÍVEL: UM PANORAMA
BIBLIOMÉTRICO DAS PUBLICAÇÕES DE MAIOR
FATOR DE IMPACTO
Data de aceite: 01/02/2022
Cícero Pereira Leal
Doutorando em Ciências Sociais – Unisinos;
Mestre em Gestão Econômica do MeioAmbiente – Universidade de Brasília – UnB;
Graduado em Economia – UnB; Técnico em
Segurança do Trabalho – SESC/ DF; Professor
da Escola Superior de Gestão – ESG/DF e
Perito Judicial -TRF/TJDFT/CJF;
Rogério Galvão de Carvalho
Doutorado em andamento em Ciências
Empresariais e Sociais - Universidad de
Ciencias Empresariales y Sociales, UCES,
Argentina; Mestrado em Economia Universidade Católica de Brasília (Conceito
CAPES 6), UCB/DF, Brasil; Especialização
em Especialização em Direito Público - Centro
Universitário Estácio Brasília, Estácio Brasília,
Brasil; Graduado em Economia - Centro
Universitário de Brasília, UniCEUB, Brasil
José Antônio Rodrigues do Nascimento
Doutorando em Ciências Sociais – Unisinos;
Mestre em Economia – UnB; Especialista
em Administração Financeira - ICAT Instituto
de Cooperação e Assistência Técnica;
Graduado em Administração de Empresas
- AEUDF Associação de Ensino Unificado
do DF; Experiencia Acadêmica nas funções
de professor e coordenador na graduação e
pós-graduação: UniCEUB; AEUDF; Faculdade
Projeção; IESB; FAJESU e UNIPLAN
Kleydson Jurandir Gonçalves Feio
Mestrando em Economia – UnB; Especialista
em Finanças Públicas – Universidade Gama
Filho - UGF; Especialista em Logística
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Reversa – Faculdade Grande Fortaleza FGF; Graduado em Economia – Universidade
Federal do Pará – UFPa. Bacharel em
Administração – Faculdade Unibrasília;
Professor da Faculdade Unibrasília
RESUMO: O objetivo do trabalho foi aferir a
evolução dos estudos sobre o equilíbrio de
baixo nível nos últimos 75 anos, em revistas
especializadas. A armadilha de equilíbrio
de baixo nível é um conceito em economia
desenvolvido por Richard R. Nelson, no qual, em
baixos níveis de renda per capita, as pessoas
são pobres demais para economizar e investir,
e esse baixo nível de investimento resulta em
taxa de crescimento menor na economia e na
renda nacional. Quando a renda per capita se
eleva acima de um certo nível mínimo, uma
proporção crescente da renda será economizada
e investida, o que levará a uma maior taxa de
crescimento da renda. A metodologia utilizada foi
a pesquisa bibliográfica de caráter exploratório,
utilizando o enfoque meta-analítico. Foram
seguidos os sete passos do método e foram
identificadas as principais revistas e autores.
PALAVRAS-CHAVE: Equilíbrio de Baixo Nível,
Enfoque Meta-Analítico, Bibliometria, Fator de
Impacto
LOW LEVEL EQUILIBRIUM: A
BIBLIOMETRIC OVERVIEW OF
PUBLICATIONS WITH THE GREATEST
IMPACT FACTOR
ABSTRACT: The objective of the research was
Capítulo 12
183
to assess the 75-year evolution of studies on low-level equilibrium in specialized magazines.
The low-level equilibrium trap is a concept in economics developed by Richard R. Nelson, in
which, at low levels of per capita income, people are too poor to save and invest, and this low
level of investment results in a lower growth in the economy and national income. When per
capita income rises above a certain minimum level, an increasing proportion of income will be
saved and invested, which will lead to a higher rate of income growth. The methodology used
was exploratory bibliographic research, using the meta-analytical approach. The seven steps
of the method were followed and the main journals and authors were identified.
KEYWORDS: Low-Level Equilibrium, Meta-Analytical Approach, Bibliometry, Impact Factor
EQUILIBRIO DE BAJO NIVEL: UNA VISIÓN BIBLIOMÉTRICA DE LAS
PUBLICACIONES CON MAYOR FACTOR DE IMPACTO
RESUMEN: El objetivo del estudio fue evaluar la evolución de los estudios sobre el equilibrio
de bajo nivel en los últimos 75 años, en revistas especializadas. La trampa del equilibrio
de bajo nivel es un concepto en economía desarrollado por Richard R. Nelson, en el cual,
a bajos niveles de ingreso per cápita, la gente es demasiado pobre para ahorrar e invertir,
y este bajo nivel de inversión resulta en un menor crecimiento en la economía y la renta
nacional. Cuando la renta per cápita supera un cierto nivel mínimo, se ahorrará e invertirá una
proporción cada vez mayor de la renta, lo que dará lugar a una mayor tasa de crecimiento
de la renta. La metodología utilizada fue la investigación bibliográfica exploratoria, utilizando
el enfoque metaanalítico. Se siguieron los siete pasos del método y se identificaron las
principales revistas y autores.
PALABRAS CLAVE: equilibrio de bajo nivel, enfoque metaanalítico, bibliometría, factor de
impacto.
INTRODUÇÃO
Em um estudo realizado por Spiller e Savedoff (1999), para alguns países da
América Latina, observou-se que os governos apresentam tendência para fixar preços
abaixo do equilíbrio financeiro para o setor de abastecimento de água. Percebeu-se que
isto provoca um desequilíbrio econômico-financeiro para as empresas públicas e privadas
no que tange a oferta dos seus respectivos serviços. Com essa política de preços baixos
as empresas não realizam investimentos e a receita é comprometida para pagamento
de salários, inviabilizando a expansão e qualidades dos serviços. Quando o sistema é
operado por empresa pública, os investimentos do setor supracitado ficam condicionados a
repasses orçamentários do governo central, ou seja, a empresa pública precisa de auxílio
para arcar com os seus compromissos financeiros.
De acordo com Spiller e Savedoff (1999) o resultado é a ineficiência das empresas,
serviços de baixa qualidade e falta de expansão para novos consumidores. Com esse
modelo de produção ineficiente e sem o suporte político, cria-se um “oportunismo” no qual o
governo conserva os preços baixos, provocando um modelo vicioso, gerando um “Equilíbrio
de Baixo Nível” (EBN). O objetivo do modelo de Spiller e Savedoff (1999, p. 2) e os estudos
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
184
de Farias, Nogueira e Mueller (2005) é avaliar o equilíbrio financeiro das empresas
prestadoras de bens e serviços de saneamento básico, bem como os impactos decorrentes
deste desequilíbrio. Ao longo desse período, o país experimentou racionamento de água
e não avançou na difusão dos serviços de coleta e tratamento de esgoto na velocidade
planejada. Como resultado os salários pagos, aos trabalhadores do referido setor, são
muito baixos e isso pode comprometer o crescimento da economia. Por isso o objetivo do
presente trabalho é mensurar e analisar a evolução dos estudos sobre o equilíbrio de baixo
nível nos últimos 75 anos em revistas especializadas.
REVISÃO BIBLIOGRAFICA
A armadilha de equilíbrio de baixo nível é um conceito em economia desenvolvido por
Richard R. Nelson, no qual, em baixos níveis de renda per capita, as pessoas são pobres
demais para economizar e investir, e esse baixo nível de investimento resulta em taxa de
crescimento menor na economia e na renda nacional. Quando a renda per capita se eleva
acima de um certo nível mínimo, uma proporção crescente da renda será economizada e
investida, o que levará a uma maior taxa de crescimento da renda (NELSON, 1956).
Em conformidade com Nelson (1956) os problemas das economias subdesenvolvidas
podem ser entendidos como um nível de equilíbrio constante da renda per capita ou
próximo aos requisitos de subsistência. Nesse nível de equilíbrio estável baixo, a taxa
de investimento e a poupança são baixas. Se a renda per capita for aumentada acima do
nível mínimo de subsistência, isso incentivará o crescimento da população. Na opinião de
Nelson, existem quatro condições que são propícias para armadilha de equilíbrio de baixo
nível: 1) Uma alta correlação entre o nível de renda per capita e a taxa de crescimento
populacional; 2) Baixa propensão a direcionar renda per capita adicional ao aumento do
investimento per capita; 3) Escassez de terras aráveis não cultivadas e 4) Métodos de
produção ineficientes. Vale destacar que essas hipóteses de Nelson foram pensadas para
1956, momento no qual não se observou a variável “tecnológica” (NELSON, 1956).
Segundo Nelson (1956), as principais causas do crescimento populacional na
maioria dos países subdesenvolvidos nas últimas décadas têm sido a redução nas taxas de
mortalidade devido a melhorias na saúde pública e no controle de epidemias e endemias,
que não estavam intimamente relacionados ao aumento anterior do nível de renda per
capita. Assim sendo, é primordial que os governos ofertem bens e serviços (saneamento
básico) que possam contribuir para minimizar essas doenças provocadas por falta de
infraestrutura básica.
Segundo Rohit Bura (1998) a teoria de Nelson (1956) possui pelo menos 02 (dois)
problemas: Em primeiro lugar, a teoria pressupõe que um aumento na renda per capita até
certo ponto leva a um aumento na taxa de crescimento da população por meio do declínio
de morte. Mas o declínio na taxa de mortalidade em países subdesenvolvidos se deve mais
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
185
a melhorias na saúde pública e nas instalações médicas do que ao aumento nos níveis de
renda per capita. Em segundo lugar, a relação funcional entre o nível de renda per capita e
a taxa de crescimento da renda total não é tão simples quanto se supõe na teoria (BURA,
[s.d.], [1957?]).
Apesar das críticas, Richard R. Nelson publica em 1960, um estudo denominado
“Growth Models and the Escape from the Low-Level Equilibrium Trap: The Case Of
Japan” no qual os modelos de crescimento agregado são percebidos como ferramentas
problemáticas para análise do crescimento econômico. Dessa foram, se o crescimento
econômico for definido como um aumento da renda per capita, esses modelos não explicam
o crescimento. Enquanto os parâmetros permanecerem fixos, eles impedem o crescimento.
Pode-se deduzir uma taxa de equilíbrio de crescimento da renda nacional e um nível de
equilíbrio da renda per capita. Embora esses modelos expliquem o crescimento da renda
nacional total, o crescimento da renda per capita só pode ser explicado como movimentos
em direção a um novo e maior equilíbrio resultante de mudanças nos parâmetros do
modelo. Eles podem explicar uma “fuga da armadilha de equilíbrio de baixo nível, “ e “ o
crescimento autossustentado” (NELSON, 1960).
Para Strand (2012), entende que a heterogeneidade dos serviços de utilidade pública
é comum nos países em desenvolvimento. Em um equilíbrio de “alto nível”, a qualidade dos
serviços de utilidade (ex. saneamento) é alta, e com isso a disposição do consumidor em
pagar pelos serviços é elevada, a concessionária é bem financiada e uma equipe bem
paga para induzir um desempenho de alta qualidade. Em um equilíbrio de “baixo nível”, o
oposto acontece. Dessa forma, a qualidade da prestação dos serviços da concessionária
e a percepção do público sobre a qualidade do serviço podem indicar a existência do
Equilíbrio de Baixo Nível.
Segundo Strand (2012) o seu modelo se relacione com várias vertentes da literatura,
todavia, nenhuma análise é satisfatória e diretamente comparável com múltiplos equilíbrios
nos mercados de entrega de infraestrutura existente atualmente. Os mecanismos de
“aprisionamento”, nomeadamente um nível inadequado de fundos para libertar a economia
da armadilha (em Nelson para investimento; aqui para recompensar a concessionária pelo
esforço), são semelhantes no modelo Strand de 2012 e de Nelson de 1956. Outra vertente
da literatura lida com centralização versus descentralização de serviços de utilidade
pública. Estudos realizados em países da América Latina, para verificar a existência do
equilíbrio de baixo nível, apresentaram, em maior ou menor grau, a presença de um modelo
de gestão centralizado, gerando sistemas de provisão de água com características do EBN.
Walker et al. (1999) verificaram tal circunstância em Honduras; Tamayo et al. (1999), no
país Peruano; Ozuna e Gomez (1999), no modelo do México; Morandé e Doña (1999), nas
companhias do Chile; e Artana; Navajas e Urbiztondo (1999), no caso da Argentina. Assim
em conformidade com Spiller e Savedoff (1999) foi observado que os governos apresentam
tendência para fixar preços abaixo do equilíbrio financeiro para o setor de abastecimento
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
186
de água, provocando um desequilíbrio econômico-financeiro para as empresas públicas e
privadas que ofertam os serviços. Com a aplicação desse modelo, a redução na qualidade
dos serviços e um baixo índice de cobertura são os resultados dessa política.
Ademais, com os preços baixos as empresas não realizam investimentos e a receita
é comprometida para pagamento de salários, inviabilizando a expansão e a qualidade dos
serviços. Quando o sistema é operado por empresa pública, os investimentos no setor ficam
condicionados a repasses orçamentários do governo central (SPILLER; SAVEDOFF, 1999).
Devido a essas políticas e à falta de credibilidade, as empresas privadas não efetivam
investimentos no setor de fornecimento de água. As empresas privadas maximizam o lucro
e minimizam os riscos. E caso existam empresas privadas no setor, a política de preços
baixos, induz à redução de perdas, custos e investimentos necessários para a manutenção e
o fornecimento dos serviços. Dessa forma, esse modelo provoca manutenção do setor com
um Equilíbrio de Baixo Nível com pouca possibilidade de mudança (FARIAS, NOGUEIRA
e MUELLER, 2005).
O Equilíbrio de Baixo Nível apresenta elevados custos sociais e merece prioridade
na agenda do governo para não permanecer nesse modelo. Eles ainda observam que a
falta do suporte político faz com que os governos mantenham os preços baixos (FARIAS,
NOGUEIRA e MUELLER, 2005). Ao analisar essa opção dos governos de usar o EBN, Spiller
e Savedoff (1999) questionam algumas das soluções por identificarem possíveis falhas.
As principais falhas identificadas são: primeiro, o fato de que um aumento de preço, sem
regras definidas, não é uma resposta eficiente; segundo, outra solução que não resulta em
êxito é a implantação de um novo modelo de gestão nas operadoras públicas baseado em
contratos de desempenho. Com esses contratos o governo estimula a operadora oferecendo
uma parte do lucro incrementado pelo bom desempenho; uma terceira solução é promover
contratos do tipo BOTs – Build, Operate and Transfer, que é uma forma de financiamento de
projeto, em que uma entidade privada recebe uma concessão do setor público ou privado
para financiar, projetar, construir, possuir e operar uma instalação declarada no contrato
de concessão. Dessa forma, observa-se que as soluções propostas são insuficientes para
mudar as Evidências do Equilíbrio de Baixo Nível (SPILLER; SAVEDOFF, 1999).
Para Spiller e Savedoff (1999, p. 20), o ideal seria ter um modelo no qual o poder
discricionário do governo fosse limitado na determinação dos preços, sendo necessário
que a empresa tivesse autonomia financeira e gerencial com base em três mecanismos
demonstrados: i) restrições importantes devem estar incluídas de uma forma clara
no contrato; ii) limitações sobre a possibilidade de alterações contrato; e iii) e que haja
instituições de controle para acompanhar a execução do contrato.
Faria, Faria e Mota (2003) apresentam um estudo para entender a questão dos
serviços de saneamento no Brasil, com bons indicadores de atendimento, se são
sustentáveis a longo prazo. Para compreender esse tema, os autores usaram a Teoria
do Equilíbrio de Baixo Nível (EBN) de Spiller e Savedoff (1999). Com base nessa teoria
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
187
e com algumas condições iniciais que não limitem a intervenção política nas companhias
de saneamento, gera-se um “oportunismo político” com preços abaixo dos custos dos
serviços, provocando vários resultados indesejáveis e que repetem o ciclo vicioso de baixa
desempenho dos serviços. De acordo com as hipóteses da EBN, as empresas com índices
de atendimento adequado não estão isentas de apresentar indicadores de equilíbrio de
baixo nível. Nesse sentido - Faria, Nogueira e Mueller (2005) realizaram um estudo de caso
da Companhia de Saneamento Básico do Distrito Federal.
Considerando as hipóteses da Teoria do Equilíbrio de Baixo Nível, o estudo pode ser
refletido para outras empresas que trabalhem de maneira institucionalmente semelhante
com a ausência de apoio político direta ou indiretamente. No primeiro caso, o governo
não realiza ou retarda o equilíbrio econômico-financeiro, reduzindo o fluxo de caixa da
companhia, provocando realocação de recursos públicos para a manutenção dos serviços.
No segundo caso, os reajustes ocorrem, porém com ausência de apoio político direto,
as manifestações contrárias ocorrem e geram uma deterioração do capital político muito
representativo (FARIA, FARIA, MOTA, op. cit.).
Corroborando com a Teoria do Equilíbrio de Baixo Nível, Faria, Nogueira e Mueller
(2005), apresentam um artigo examinando a EBN no seguimento de saneamento urbano
brasileiro, conforme o modelo de Spiller e Savedoff (1999). Com base na EBN e suas
premissas de viés de oportunismo do governo, constata-se o uso de preços abaixo
dos custos de produção dos serviços, a deficiência de investimentos e a precariedade
dos serviços disponibilizados à sociedade. Os resultados apresentados demonstram a
existência de Equilíbrio de Baixo Nível, para o Brasil a exemplo de países da América
Latina, para a qualidade dos serviços de abastecimento urbano de água e de esgotamento
sanitário.
MÉTODOS
A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica de caráter exploratório por meio
do enfoque meta-analítico. O enfoque meta analítico utiliza o critério de impacto de revistas
e artigos para a escolha do material a ser utilizado. Tem como objetivo combinar bases
de dados conceituadas, para dessa forma apresentar um aporte de material válido. O
enfoque meta-analítico possibilita obter os melhores autores, artigos e revistas, e realizar
uma análise das técnicas estatísticas, das amostras, das linhas mais pesquisadas e das
abordagens utilizadas (MARIANO, GARCIA CRUZ, ARENAS GAITAN, 2011).
De acordo com Ramirez Correa e Garcia Cruz (2005), o enfoque meta-analítico
pode ser realizado em 4 etapas: 1) Determinação de artigos base para estudo; 2) Leitura
de artigos, exclusão e inclusão de estudos; 3) Construção da base de dados e 4) Análises
e exposição dos resultados. Por outro lado, Mariano, Garcia Cruz e Arenas Gaitan (2011),
entendem que o estudo pode ser ampliado em até 7 etapas. Nesse trabalho, adotaram-
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
188
se as 7 etapas descritas conforme a seguir: 1) Análise e apresentação das revistas da
disciplina, e reconhecer as revistas mais utilizadas no contexto estudado; 2) Selecionar
as revistas significativas do tema, utilizando com critério o fator de impacto ISI, que é
calculado somando as citações dos artigos recebidas no ano do cálculo do fator de impacto
e dividindo esse número pela quantidade de artigos publicados nos dois anos antecedentes
a esse cálculo, Institute for Scientific Information (1998) apud Calazans, Masson e Mariano
(2015), e quantidade de citações segundo SCIamo Journal&Country; 3) Coleta de dados
para alimentação da base de dados - consiste no filtro, as palavras-chave do tema e as
publicações escolhidas anteriormente; 4) Análise dos autores e artigos - Compreende o
cálculo da média anual de artigos sobre o tema pesquisado, e suas citações. Identificando
os autores que mais publicaram sobre o tema; 5) Determinação dos Enfoques Teóricos de
Pesquisa – trata de identificar os principais enfoques teóricos acerca do tema; 6) Análise das
Palavras-Chave – propicia importantes subsídios a respeito do desenvolvimento do tema
em questão e das linhas de pesquisa e 7) Estudo das relações dos artigos selecionados
anteriormente.
ANÁLISE E APRESENTAÇÃO
Conforme apresentado antes, passaremos a demonstrar as etapas do trabalho com
o enfoque meta-analítico.
Etapa 1 - Análise e apresentação das revistas da disciplina
Esse estudo foi desenvolvido usando as bases de dados da plataforma ISI Web of
Science (WoS) no período de 1945 a 2020, com acesso no dia 30/11/2020, utilizando o
descritor “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível), com base nas 452 revistas da
principal coleção da plataforma WoS. Segundo Garcia; Ramirez, (2004) apud Calazans;
Paldês e Mariano, (2015) a ISI Web of Science é designada mundialmente como uma das
mais excelentes e completas bases de dados do mundo (INSTITUTE FOR SCIENTIFIC
INFORMATION, 1998) apud (MARIANO; GARCIA CRUZ; ARENAS GAITAN, op. cit.).
O estudo pesquisou as revistas relacionadas aos principais congressos e encontros
relacionados ao tema da palavra-chave da pesquisa. A base do ISI Journal Citation Report
Edition apresentou 452 revistas, considerando o domínio relacionado ao tema.
Etapa 2 - Seleção de revistas relevantes da disciplina
As revistas foram selecionadas segundo o fator de impacto ISI (Institute for Scientific Information). Dessa base, foram selecionadas as revistas com maior fator de impacto
apresentadas na tabela 1.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
189
Revista
Fator de Impacto
ENERGY & ENVIRONMENTAL SCIENCE
30.289
NATURE CLIMATE CHANGE
20.893
NATURE SUSTAINABILITY
12.080
GLOBAL ENVIRONMENTAL CHANGE-HUMAN AND POLICY
DIMENSIONS
10.466
FRONTIERS IN ECOLOGY AND THE ENVIRONMENT
9.295
WATER RESEARCH
9.130
REMOTE SENSING OF ENVIRONMENT
9.085
JOURNAL OF HAZARDOUS MATERIALS
9.038
ENERGY POLICY
5.042
APPLIED CATALYSIS A-GENERAL
5.006
Tabela 1. Revistas com maior fator de impacto (acima de 5.0).
Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria.
Etapa 3 - Coleta de dados para alimentação da base de dados
Identificadas as revistas com maior fator de impacto e/ou citações, foi realizada a
busca “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível) no espaço temporal de setenta e
cinco anos (1945-2020). O resultado nas revistas consultadas foi de 34 artigos na Web of
Science sobre o tema. A tabela 2. Apresenta as Revistas que mais foram citadas sobre esse
tema. Vale destacar que dos 34 artigos apenas 24 receberam 01(uma) ou mais citações.
Revistas
Citações
AMERICAN ECONOMIC REVIEW
184
BRITISH JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE
141
JOURNAL OF ECONOMIC GROWTH
104
INTEGRATIVE AND COMPARATIVE BIOLOGY
94
ARCHIVES OF ENVIRONMENTAL CONTAMINATION AND TOXICOLOGY
76
WATER RESOURCES RESEARCH
40
SOIL & TILLAGE RESEARCH
28
JOURNAL OF MACROECONOMICS
11
EUROPEAN ECONOMIC REVIEW
10
Tabela 2. Revistas mais citadas (acima de 10).
Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria
Com relação ao quantitativo de publicação e citações, por ano, referente ao tema,
observamos que o primeiro registro foi no ano de 1956 e 1960, com uma lacuna sem
publicações e citações até o ano de 2003. No entanto, foi possível encontrar literatura
sobre o tema “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível), nos anos de 1999, 2003,
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
190
2004 e 2005.
Etapa 4 - Análise dos autores e artigos
Os autores, que possuem artigos mais citados, estão apresentados na Tabela 3. É
possível inferir dessa informação que, ao longo do período de 1945 a 2020, ocorreu uma
oscilação quanto ao quantitativo de autores vs citações, não sendo possível projetar uma
tendência, quanto ao tema.
Citações
Ano
NELSON, RR
184
1956
DEMOCRATIZATION BACKWARDS: THE
PROBLEM OF THIRD-WAVE DEMOCRACIES
ROSE, R; SHIN, DC
141
2001
CONTINUOUS SURVEILLANCE OF
ORGANOCHLORINE COMPOUNDS IN HUMAN
BREAST MILK FROM 1972 TO 1998 IN OSAKA,
JAPAN
KONISHI, Y;
KUWABARA, K; HORI,
S
76
2001
Artigos
Autores
A THEORY OF THE LOW-LEVEL EQUILIBRIUM
TRAP IN UNDERDEVELOPED ECONOMIES
Tabela 3. Autores com artigos mais citados/ano.
Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria.
No Gráfico 1, podemos observar que de 1956 a 2009, ocorreram várias oscilações,
quanto a citações referente ao tema. Já em 2010, notamos a tendência de declínio nos
números de citações que tratam de palavras-chave “low level equilibrium” (Equilíbrio de
Baixo Nível), em todo o período estudado foram contabilizados 741citações.
Gráfico 1. Citações vs Anos referente ao tema
Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
191
Ao todo, os artigos do período receberam 697 citações, do total de 741 citações de
toda a base da Web of Science. Isso corresponde a 94,46% das citações. Dos 10 autores,
só 1 autor produziu no período selecionado dois artigos. Esses dados permitem concluir
que todos esses autores têm um significativo fator de impacto na literatura sobre “low level
equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível).
Etapa 5 - Determinar Linhas e Enfoques Teóricos de Pesquisa
Na Tabela 6, apresentamos as principais linhas de pesquisa e enfoques que trataram
do tema “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível). As linhas de pesquisa que mais
trataram do estudo proposto foram: business economics (13 citações) e environmental
sciences ecology responsáveis por 7 citações, representado 58,82% do total das linhas de
pesquisa.
Linhas de pesquisa
% of 34
Registros
13
38.235
ENVIRONMENTAL SCIENCES ECOLOGY
7
20.588
DEVELOPMENT STUDIES
4
11.765
TOXICOLOGY
3
8.824
WATER RESOURCES
2
5.882
BUSINESS ECONOMICS
Tabela 6. Linhas de pesquisas.
Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria
Etapa 6 -Análise das Palavras-Chave.
Com a finalidade de saber o rumo das novas pesquisas, foram usados critérios
objetivos através de uma busca das palavras-chave. Essas palavras revelam características
próprias de cada trabalho, permitindo agrupar os estudos e classificá-los. O Gráfico 2
apresenta as 15 palavras-chave que obtiveram mais citações.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
192
Gráfico 2. Palavras-Chave vs Citações.
Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria.
Etapa 7: Estudo das Relações
É importante investigar quais os enfoques que mais foram abordados, em que locais
se têm aplicado as pesquisas (meio acadêmico ou indústria), qual a amostra, entre outras
informações. A análise foi realizada considerando todos os 17 autores que abordaram o
tema com seus artigos. A Tabela 7 apresenta parte da análise considerando os autores
mais citados no período de 1956 a 2020.
Autores
Artigos/ano
Enfoque
NELSON, RR
A theory of the low-level equilibrium trap in
underdeveloped economies/1956
O estudo avalia os problemas das economias subdesenvolvidas que podem ser entendidos como um
nível de equilíbrio constante da renda per capita ou
próximo aos requisitos de subsistência. Nesse nível
de equilíbrio estável baixo, a taxa de investimento e
a poupança são baixas
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
193
Rose, R; Shin, DC
Os países da terceira onda de democratização introduziram eleições competitivas antes de estabelecer
instituições básicas de um Estado moderno, como o
Estado de Direito, as instituições da sociedade civil e
a responsabilidade dos governadores. Em contraste,
os países da primeira onda de democratização tornaram-se Estados modernos antes da introdução do
Democratization backsufrágio universal. Por terem se democratizado ao
wards: The problem of
contrário desses, a maioria dos países da terceira
third-wave
democraonda são democracias incompletas. As democracias
cies/2001
incompletas podem se desenvolver de três maneiras diferentes: podem completar a democratização;
repudiar eleições livres e se voltar para uma alternativa não democrática; ou cair em uma armadilha
de equilíbrio de baixo nível em que as inadequações
das elites são acompanhadas por baixas demandas
e expectativas populares.
Bloom, DE;
Canning, D;
Sevilla, J
Testa a visão de que as grandes diferenças nos
níveis de renda que vemos em todo o mundo são
devidas a diferenças na geografia intrínseca de
cada país em comparação com a visão alternativa
de que existem armadilhas da pobreza. Rejeitando
Geography and poverty o determinismo geográfico simples em favor de um
traps/2003
modelo de armadilha da pobreza com equilíbrios de
alto e baixo nível. O estado de equilíbrio de alto nível é considerado o mesmo para todos os países,
enquanto a renda no equilíbrio de baixo nível e a
probabilidade de estar no equilíbrio de alto nível são
maiores em países frios e costeiros.
Tabela 7. Linhas de pesquisas.
Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria
CONSIDERAÇÕES
A finalidade do estudo foi avaliar a evolução das publicações sobre o tema “Equilíbrio
de Baixo Nível” no período de 1945 a 2020, utilizando a abordagem meta-analítico. A
metodologia da pesquisa foi a bibliográfica de especificidade exploratório, efetivando uma
revisão com o enfoque meta-analítico. Foram empregados os sete passos desse método
e, inicialmente, identificamos e selecionamos as revistas de maior fator de impacto do
domínio estudado. Os dados permitiram identificar que o crescimento do quantitativo de
artigos sobre esse assunto apresenta várias oscilações no decorrer do período observado,
com um sinal de declínio nas duas primeiras décadas do século XXI, demonstrando
a importância da retomada do tema nas agendas de pesquisas e/ou a revisitação dos
estudos já apresentados para um melhor entendimento, questionamento e contribuições
substantivas para o estado as artes.
Com relação aos autores e artigos, verificou-se o interesse de 7 países com
relação ao tema proposto. A determinação dos enfoques e a análise das palavras-chave
e relacionamentos permitiram inferir que alguns artigos apresentam o tema Equilíbrio de
Baixo Nível em outros campos de pesquisas (saúde, agricultura, mercado de trabalho,
química e outros). Foi possível identificar que a maior parte dos artigos citados realiza
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
194
avaliação empírica ou estudo experimental com relação ao tema.
Aplicando as sete fases do enfoque meta-analítico, foi possível identificar os artigos
dos autores mais citados nas revistas com maior fator de impacto, que acompanham as
tendências dos estudos sobre um tema em decrescimento. Dessa forma, deixamos com
sugestão para trabalhos futuros, a retomada do tema nas agendas de pesquisas, pois
acreditamos na possibilidade do debate aprimorado em novos estudos e/ou revisitação e
aplicação da teoria na área de políticas públicas.
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Capítulo 12
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document/Spilled-Water-Institutional-Commitment-in-the-Provision-of-Water-Services.pdf> Acesso em:
19 fev. 2021.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 12
196
CAPÍTULO 13
A EFETIVAÇÃO DO IGNORANCIALISMO POR MEIO
DA REVERBERAÇÃO MIDIÁTICA
Data de aceite: 01/02/2022
REVERBERATION OF THE MEDIA
Álvaro Nunes Larangeira
Universidade Federal do Espírito Santo
http://orcid.org/0000-0002-7849-398X
Tarcis Prado Júnior
Universidade Tuiuti do Paraná
https://orcid.org/0000-0002-6252-696X
RESUMO: O artigo propõe o conceito de
Ignorancialismo para a explicação e compreensão
do
peculiar
momento
político-existencial
brasileiro, e demonstra como ele se efetiva por
meio da reverberação midiática. Para sustentar
a hipótese do trabalho foram esquadrinhadas
quatro matérias do jornal paranaense Gazeta
do Povo selecionadas com base na pesquisa
qualitativa ancorada na Sociologia Compreensiva
de Max Weber.
PALAVRAS-CHAVE:
Ignorancialismo.
Efetivação. Reverberação midiática. Mídia.
Gazeta do Povo.
ABSTRACT: The article proposes the concept
of Ignorancialism for the explanation and
understanding of the peculiar Brazilian politicalexistential moment, and demonstrates how it is
effective through media reverberation. In order
to support the hypothesis of the work, were
scanned four articles of the newspaper of Paraná
Gazeta do Povo selected based on the qualitative
research anchored in Comprehensive Sociology
of Max Weber.
KEYWORDS:
Ignorancialism.
Effectuation.
Reverberation. Media. Gazeta do Povo.
INTRODUÇÃO
O Brasil avança para o passado. O
governo Bolsonaro oferece ao trabalhador a
escolha de Sofia: menos direitos trabalhistas e o
emprego ou todos os direitos e o desemprego?1.
Dilema
ilustrativo
primórdios
da
das
negociações
Revolução
Industrial.
dos
A
aposentadoria está prestes a ser inviabilizada2.
A História é pressionada a revisar o termo
THE EFFECTUATION OF
IGNORANCIALISM THROUGH THE
Ditadura para se referir ao período da Ditadura
Militar brasileira (1964-1985)3. Ressurge o
espectro do Comunismo a assombrar o país,
1 “Bolsonaro diz no JN que trabalhador terá de escolher entre direitos e emprego”. InfoMoney, 28 ago. 2018. Disponível em: https://
www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7589379/bolsonaro-diz-no-jn-que-trabalhador-tera-de-escolher-entre-direitos-e-emprego.
2 “Reforma da Previdência: entenda a proposta ponto a ponto”. G1, 20 fev. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/
noticia/2019/02/20/reforma-da-previdencia-entenda-a-proposta-ponto-a-ponto.ghtml.
3 “Filho de Bolsonaro propõe revisão histórica sobre ditadura em livro didático. Folha de São Paulo, 10
jan. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/01/filho-de-bolsonaro-propoerevisao-historica-sobre-ditadura-em-livro-didatico.shtml.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
197
agora sob a forma de Marxismo Cultural dominante4. Engendra-se a ressurreição das
disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira (OSPB)
– ícones dos tempos dos generais-presidentes –, com a inclusão obrigatória no currículo
da educação básica5, e a exclusão da universidade do horizonte das classes populares6.
Ensino domiciliar, distante dos doutrinadores escolares7. Seguro e familiar como encenado
em novelas de época. Forças de segurança respaldadas para matar, legítima defesa em
situações de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”8.
É época da apologia da ignorância, em termos de fermentação do ódio e da
certificação intelectual do não conhecimento. Ela se expande por todos os campos, conforme
atesta a convicção de um motorista em Curitiba que faz questão de expor sua veia belicosa
mostrando para todos que a cor de seu carro é apenas uma circunstância das características de
seus bens materiais, já que o que importa mesmo é seu capital moral-ideológico: “Meu carro
é vermelho mas minha bandeira jamais será vermelha9” (figura 1).
4 “Marxismo cultural faz ‘mal à saúde’, diz Vélez Rodríguez após assumir o Ministério da Educação”. Jovem Pan, 2 jan.
2019. Disponível em: https://jovempan.uol.com.br/noticias/brasil/marxismo-cultural-faz-mal-a-saude-diz-velez-rodriguez-apos-assumir-o-ministerio-da-educacao.html.
5 “Bolsonaro quer resgatar educação moral e cívica no currículo das escolas”. Gazeta do Povo, 25 set. 2018. Disponível
em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/bolsonaro-quer-resgatar-educacao-moral-e-civica-no-curriculo-das-escolas-b4w9vbdgd9pm4pjppm2ho9o7z/.
6 “‘As universidade devem ficar reservadas para uma elite intelectual’, diz ministro da Educação”. Carta Educação, 28
jan. 2019. Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/as-universidades-devem-ficar-reservadas-para-uma-elite-intelectual-diz-ministro-da-educacao/.
7 “MP da Educação vai dar proteção às famílias, diz Damares. Senado Notícias, 21 fev. 2019. Disponível em: https://
www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/02/21/mp-da-educacao-domiciliar-vai-dar-protecao-as-familias-diz-damares.
8 “Pacote anticrime de Moro pode isentar policial que causar morte”. R7, 4 fev. 2019. Disponível em: https://noticias.
r7.com/brasil/pacote-anticrime-de-moro-pode-isentar-policial-que-causar-morte-04022019.
9 “Minha bandeira jamais será vermelha” foi o jargão recorrente nas manifestações pelo impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff em 2016 e posteriormente acabou se incorporando também nas manifestações de apoio ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Essa palavra de ordem é uma alusão ao vermelho que, segundo eles, caracteriza
tudo o que é “esquerda”, no sentido pejorativo do termo.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
198
Figura 1 – Expressão do Ignorancialismo na sociedade. No adesivo se lê: “Meu carro é vermelho, mas
minha bandeira jamais será vermelha”
Fonte: autores, 2018.
Assim, nosso estudo tem o propósito de apresentar o conceito de Ignorancialismo,
representativo do atual momento brasileiro, mostrando, por meio de matérias escolhidas
para análise no jornal paranaense Gazeta do Povo, a infusão e acolhimento desta ideia na
mídia. Para o delineamento do texto o artigo está distribuído em cinco seções, incluindo a
introdução e as considerações finais. Em O Ignorancialismo apresentamos o conceito do
tema central de nosso estudo; com Metodologia explicitamos o modo como conduzimos a
pesquisa; e, por fim, com O Ignorancialismo materializado, apresentamos as marcas do
Ignorancialismo nas matérias da Gazeta do Povo.
O IGNORANCIALISMO
É preciso investigar por que as sombras das paredes da caverna, projetadas
pelo fogo às costas dos inquilinos, são tomadas por reais. Para tanto, se faz necessário
teorizar, para acostumar os olhos com a claridade, poder enxergar a realidade à luz do
sol e perceber sobremaneira o ilusionismo das imagens formuladas no breu. Comporta
sobrepor-se à apropriação do objeto e respectivo campo de visão e desapegar-se da
comodidade cientificista de exigir do estudo de caso o preenchimento dos requisitos da
investigabilidade metódica. A teoria, expressa Gadamer, “não é o ato individual instantâneo,
mas uma atitude, uma posição e um estado em que nos demoramos. […] ela não se esgota
ao serviço imediato da práxis”. (2001, p. 36 e 37).
Tendo em vista as teorias como redes “lançadas para capturar aquilo que
denominamos ‘mundo’: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo” (POPPER, 2013, p. 53)
e havendo o cuidado de fortalecer a malha com a indispensável conceituação capaz de
habilitar os fios a suportarem o peso do contemporâneo revisionismo pueril amparado no
alçar do desconhecimento a estatuto de verdade e nas deturpações teórica e histórica
como princípio de autoridade intelectual, intentamos erigir o termo conceitual em condições
de elucidar as razões pelas quais a estultice, o insólito e o obscurantismo atingiram o
patamar de referencialidade na leitura de mundo e, por exemplo, parâmetro governamental
em vigência desde o início do presente ano. Institucionalizado no Brasil desde janeiro
de 2019, o Ignorancialismo é uma multifacetada representação impositiva do espírito do
tempo. É ideologia e visão de mundo, filosofia e corrente de pensamento, estatuto moral
e primado ético, diretriz intelectual e princípio pedagógico, regime político e sistema de
governo, entre tantas perspectivas.
Se no Estado Mundial huxleyano a História era considerada uma fraude, e com
o espanador foram removidos arcaísmos como a Democracia e o Liberalismo, fontes da
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
199
apologia da liberdade individual e da “liberdade de ser ineficiente e infeliz. A liberdade de
ser uma cavilha redonda num buraco quadrado” (HUXLEY, 2001, p. 60), e na Oceania
orwelliana o passado era reformulado todo dia pelo Departamento de Registro do Ministério
da Verdade, pois “quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente,
controla o passado” (ORWELL, 2005, p. 36), no Ignorancialismo a História é ignorável
porque reescrita para “desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange
à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em suma, do patriotismo”
(GAZETA DO POVO, 5 ideias...).
Assim, depurada do nefasto viés ideológico – expressão esta repetida em escala
próxima à verbigeração –, o Brasil do Ignorancialismo tem uma Nova História na qual “nos
últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo se uniu às
oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira”; as Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) são as responsáveis pela introdução do
crack no país; “Um milhão de brasileiros foram assassinados desde a 1ª reunião do Foro
de São Paulo10”; o Brasil, mesmo na República Velha (1889-1930), na Ditadura Militar e na
Nova República (governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso), “nunca
adotou em sua História Republicana os princípios liberais” e com o governo Bolsonaro dáse a libertação do povo brasileiro do socialismo.11
Se no Estado Mundial havia o controle indireto do nível de inteligência por meio
do domínio da oxigenação dos embriões – e quanto mais baixa a casta, menor o fluxo
de oxigênio: “Nada como a penúria de oxigênio para manter um embrião abaixo do
normal” (HUXLEY, 2001, p. 22) – e se na América o queimador-chefe dos Bombeiros –
cujo slogan era “Reduza os livros às cinzas e, depois, queime as cinzas” (BRADBURY,
2009, p. 21) – mantinha milhares de livros em casa para deixá-los morrer nas estantes,
no Ignorancialismo, porque educado pelos preceptores aplicativos e redes sociais, há o
esmero em pragmatizar a imbecilidade ambiente do mundo digital e deificar o contraponto
a incomodativas cobranças de veracidade e coerência.
No Ignorancialismo, desconhecimento é verdade, ignorância é giz, retroceder é
avançar. Todo cidadão, em especial o de bem12, tem o direito à liberdade de ser racista,
misógino, homofóbico, xenófobo, justiceiro e assassino. Se por acaso for vítima do racismo,
da misoginia, da homofobia, da xenofobia e da injustiça, deve-se levar em consideração
10 Entidade composta por partidos e organizações políticas de centro-esquerda e esquerda latino-americanos e caribenhos, fundada em encontro na capital paulista em julho de 1990 - http://forodesaopaulo.org/historico-do-foro-de-sao-paulo/
11 As quatro primeiras assertivas constam do documento O caminho da prosperidade, apresentado como plano de
governo de Jair Messias Bolsonaro na campanha presidencial em 2018, e a última foi proferida no discurso de posse à
presidência da República em 1º de janeiro de 2019.
12 “Cidadão/Gente de bem” é um termo que designa pessoas que não causam problemas. No contexto político-social,
são aquelas que aceitam passivamente o que o governo propõe para a sociedade ou empresa para seus colaboradores.
No limite, é uma expressão que significa as pessoas “da direita”, os “direitos”. “Gente de bem” aparece inclusive em
Mein Kampf (Minha Luta) de Adolf Hitler (1983, p. 209) “Sobre o cérebro e a alma da gente de bem [grifo nosso], vai
descendo, aos poucos, como um pesadelo, o temor do judaísmo, a arma dos marxistas” (HITLER, 1983, p. 209). Obs.:
a editora fez a tradução direta integral do alemão.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
200
o intrínseco entrelaçamento entre os benefícios e desvantagens, direitos e obrigações
derivados do igualitarismo ignorancialista: “Queremos um Brasil com todas as cores: verde,
amarelo, azul e branco” (PARTIDO SOCIAL LIBERAL..., 2018, p. 8). Todas as cores são
quatro. Todos são iguais, se um dos quatro. A aventada policromia é monocromática. O
Ignorancialismo é a certificação da razoabilidade humanista da contradição.
Por isso, protegido à sombra da vacuidade intelectual e descompromisso com a
coerência e amparado na prepotência do desconhecimento assumido, o Ignorancialismo
tem o lastro imbecilial para propor, e agendar, discussões a ele pertinentes, e plausíveis,
como os equívocos históricos de tratar a Ditadura Militar como ditadura e inocentar os
escravos da responsabilidade pela escravidão, da irmandade em termos teórico-ideológicos
do Comunismo com o Nazifascismo, do autoritarismo ser o aperfeiçoamento natural da
Democracia, do inequívoco racismo dos negros contra os brancos, do evidente preconceito
sofrido pelos heterossexuais, da deformação moral e desvio sexual aplicados em escolas
por professores doutrinadores, do... Mas então quem dá propriedade a estas proposições e
questões esdrúxulas, e por extensão ao proponente? A mídia, por exemplo.
METODOLOGIA
Identificar marcas do Ignorancialismo na sociedade não é tarefa das mais difíceis, já
que ele se encontra em todos os lugares. Na mídia, dependendo do veículo de comunicação,
ele aparece de maneira mais sutil e esporadicamente, dado o pudor que ainda circunda
as redações país afora. Existem casos, porém, em que ele é frequente e contumaz,
surgindo todos os dias em diversas postagens e para todos os públicos, surpreendendo
seus leitores (ou internautas). Reduzida ou farta, a matéria-prima requer a depuração,
implementada, neste estudo, pela abordagem analítica de uma pesquisa qualitativa de
característica exploratória. Busca uma circunstância para munir de critérios e resultar em
uma maior compreensão de determinada temática (MALHOTRA, 2006) e inclusive promove
o conhecimento sobre o objeto em perspectiva (MATTAR, 2005).
Esse tipo de pesquisa vem ancorado pela Sociologia Compreensiva de Max Weber,
que se configura numa ciência que visa “compreender interpretativamente as ações
orientadas por um sentido” (2010, p. 14). Para o autor, as pessoas não têm consciência do
sentido de suas ações e agem por impulso ou costume na maioria das vezes. As emoções
e estados afetivos irracionais intervêm nas atividades humanas e devem ser considerados
na atitude compreensiva. A abordagem compreensiva permite descrever e interpretar
a ação social a partir de evidências não apenas racionais, que podem ser apreendidas
intelectualmente de modo imediato e claro.
Para isso, utilizamos levantamentos bibliográficos, com complemento do método
documental que envolveu a consulta a livros, revistas científicas e matérias jornalísticas.
Os levantamentos bibliográficos amadurecem um problema de pesquisa e permitem uma
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
201
cobertura de uma gama de fenômenos (MATTAR, 2005).
Assim, valemo-nos da amostra não probabilística por conveniência, onde não
se emprega seleção aleatória e procura-se uma amostra de elementos convenientes, a
critério do pesquisador (MALHOTRA, 2006). No nosso caso, considera-se como estrato
do presente estudo quatro matérias do jornal paranaense Gazeta do Povo, a saber: “As
cartas de intenções de Bolsonaro e seus ministros” (2018), “A ameaça do PT à democracia
é real” (2018), “O esquerdismo como religião secular” (2018), e “Universidade para quem?”
(2007).
Dessa forma, estudar os acontecimentos sociais (GOMES, 2016) requer métodos
e dados para observar os acontecimentos de modo sistemático, analisar os sentidos,
interpretar a matéria-prima e proceder à análise sistemática. Os dados formais exigem
certa expertise para serem produzidos, como, por exemplo, os textos jornalísticos que
representam o mundo para seus leitores. O jornal, portanto, indica uma visão de mundo
posta em circulação (BAUER; GASKELL, 2008) e é essa distopia “óptica” que vamos
empreender na próxima seção.
IGNORANCIALISMO MATERIALIZADO
O Ignorancialismo conta com veículos de comunicação para fazer ecoar sua
voz mundo afora. O jornal Gazeta do Povo, pertencente ao Grupo Paranaense de
Comunicação (GRPCOM), empresa midiática hegemônica em Curitiba congregando duas
rádios, dois jornais e a retransmissora da TV Globo no Estado paranaense, é um exemplo
da vocalização do Ignorancialismo produzido em seu casulo. Nesta seção, portanto,
mostramos a materialização do conceito da ignorância em pedra bruta por meio de quatro
matérias do jornal publicadas tanto no impresso quanto no meio digital. O recorte temporal
escolhido é proposital, já que é o tempo em que o Ignorancialismo foi gestado e parido,
além de ter então tomado forma.
A primeira delas (figura 2) é o editorial amigável ao novo governo sobre os discursos
de posse do presidente eleito Jair Bolsonaro e também dos seus ministros. Com o título “As
‘cartas de intenções’ de Bolsonaro e seus ministros” a Gazeta do Povo sinaliza a simpatia
com o Ignorancialismo ao justificar a natural superficialidade do seu objeto de afeição:
“Equivoca-se quem critica os discursos por repetirem chavões de campanha ou por não
apresentarem, logo de imediato, propostas detalhadas para atingir os objetivos prometidos
ao eleitor. Tais falas são, normalmente, apenas a apresentação de uma ‘carta de intenções’,
sem grandes detalhamentos, que virão à medida que as novas equipes forem trabalhando”
(GAZETA DO POVO, 2019). Cartas de intenções? O discurso deve vir com frações do
plano de governo e não intenções! O Ignorancialismo minimiza o complexo na tentativa de
simplificá-lo, posto que é apenas dessa forma que ele poderia ser compreendido pelos seus
adeptos. Como vocalização do Ignorancialismo, é natural que o jornal faça tal exercício em
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
202
suas publicações para atingir seu (e)leitor.
Figura 2 – As “cartas de intenções” de Bolsonaro e seus ministros.
Fonte: Gazeta do Povo, 6 jan. 2019.
Em outro trecho da mesma matéria, a Gazeta do Povo subscreve o objetivo do então
ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez:
(...) ao assumir o cargo de ministro da Educação, reforçou sua linha de
combate à ideologização do ensino e à imposição da ideologia de gênero,
contra as convicções morais das famílias, mas mostrou que essa vertente
de sua gestão não vai sufocar outras prioridades da educação. Reforço
na educação básica, ampliação do uso da tecnologia no ensino, formação
direcionada ao mercado de trabalho, redução da evasão e melhoria de
gestão nas universidades públicas estiveram entre os pontos citados no
discurso. Além disso, Vélez já criou uma secretaria dedicada exclusivamente
à alfabetização (GAZETA DO POVO, 2019).
O jornal insinua a ideologização do ensino como prática corrente e assume como
posição a palavra do novo ministro. Além disso, concorda também com a educação
utilitarista, aquela voltada para suprir as necessidades do mercado, como que ignorando a
contribuição da formação humanística na consolidação de um profissional de ponta.
Ao final do texto o jornal coroa de complacência ao novo governo em seu editorial:
“Os planos lançados agora, se levados a cabo, promoverão uma enorme transformação
positiva no país – e isso mesmo que não cheguem a ser implantados em sua totalidade”.
Ignorar que se os planos feitos por todos os ministros levarão o país ao retrocesso é próprio
do Ignorancialismo e suas propostas como o ensino do criacionismo nas escolas, a retirada
do país de pactos de proteção ao meio ambiente, ou mesmo a expulsão dos médicos
cubanos, não poderão ter outra consequência que não seja a regressão.
Na mesma época, por exemplo, a recém-nomeada ministra da Mulher, da Família
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
203
e dos Direitos Humanos, Damares Regina Alves, declarou que a Igreja evangélica havia
errado ao permitir o ensino do evolucionismo nas escolas13. Seu colega ministro da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Cesar Pontes, contrapôs-se à ministra
afirmando que a Ciência requer seriedade14. Ou seja, o Ignorancialismo grassa no governo,
vem à tona, e se permite até uma resma de refutação, mas nada que o diminua em sua
essência. Ele é resiliente!
Na campanha eleitoral para a presidência da República em 2018 a Gazeta do
Povo fez um editorial que afirmava ser o PT o risco à democracia (fig. 3). O candidato
Jair Bolsonaro, com discursos de ódio e de louvores ao período militar, incluindo a tortura
de presos políticos e eliminação de adversários, era para o jornal alguém do campo
democrático, mesmo com todo o currículo mostrar o contrário.
Figura 3 – Editorial “A ameaça do PT à democracia é real”
Fonte: Gazeta do Povo, 9 out. 2018.
O texto é um exemplo do Ignorancialismo porque suprime os fatos (e interpretações
dos mesmos) em prol de uma nuvem fantasiosa de ilações subsidiada pelos ideólogos de
uma reencarnação da ameaça comunista a que – supostamente – o partido representaria.
O primeiro parágrafo afirma:
Na segunda-feira, o candidato petista à Presidência da República, Fernando
Haddad, disse querer uma aliança com vários dos derrotados no primeiro
turno, como Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB)
e até Henrique Meirelles (MDB). “Temos todo o interesse em que as forças
democráticas progressistas estejam unidas”, afirmou. A escolha de palavras
é intencional, a de colocar o adversário Jair Bolsonaro (PSL) no campo
antidemocrático enquanto Haddad e os demais adversários seriam os
democratas. Mas uma leitura atenta do plano de governo protocolado pelo
PT no Tribunal Superior Eleitoral mostra que não há nada de democrático nas
intenções dos petistas (GAZETA DO POVO, 2018).
O jornal, em primeiro lugar, parece ignorar pressupostos dos valores democráticos
para então tachar o PT de antidemocrático e Bolsonaro o seu oposto. Nessa mesma matéria
13 As declarações da ministra sobre o tema podem ser conferidas em: <https://veja.abril.com.br/politica/damares-diz-que-igreja-perdeu-espaco-nas-escolas-para-teoria-da-evolucao/>.
14 “Não se deve misturar ciência com religião”, diz Marcos Pontes sobre as declarações da ministra Damares Alves.
Disponível em: <https://www.midiamax.com.br/politica/2019/marcos-pontes-rebate-damares-nao-se-deve-misturar-ciencia-com-religiao/>.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
204
o periódico paranaense ainda critica justamente os direitos e faz vir à superfície um dos
traços característicos do Ignorancialismo: refutar a participação social crítica, menosprezar
o regime democrático e ignorar premissas do Estado de Direito.
A julgar pelo plano de governo de Haddad, o PT nada mais quer que retomar
os planos frustrados em sua passagem de 15 anos pelo Palácio do Planalto,
como se a eventual vitória representasse uma carta branca para voltar a
ameaçar a democracia no Brasil. Os capítulos 1.2 a 1.4 do plano de governo
são uma carta de intenções em que o objetivo é submeter as instituições
republicanas ao partido, por meio de um “controle social” sobre cada um dos
três poderes, além do Ministério Público. (GAZETA DO POVO, 2018).
Se numa sociedade democrática não houver o controle social, como a sociedade
poderá fazê-lo? As instituições são compostas por pessoas e esse monitoramento é
fundamental e basilar em uma democracia.
Outro exemplo claro do Ignorancialismo na Gazeta do Povo se materializa em “O
esquerdismo como religião secular” (fig. 4). Ao reproduzir o texto publicado originalmente
no The Daily Signal, o jornal busca pautar tema circunscrito às redes sociais, principalmente
por ideólogos de direita e extrema-direita como, respectivamente, Luiz Felipe Pondé e
Olavo de Carvalho. Faz assim o trabalho de conferir uma pretensa credibilidade a um
assunto ainda pouco explorado pelos meios convencionais de comunicação.
Figura 4: Artigo “O esquerdismo como religião secular”.
Fonte: Gazeta do Povo, 16 set. 2018.
O texto, subscrito pelo jornal, relaciona a quantidade de filhos à religião das pessoas
(para quem é religioso – não importa qual seja a fé – a família é numerosa, ou pelo menos
existe um único filho; já para quem não é, o aumento da prole não seria interessante):
Hoje, no Ocidente, o amor e o casamento (além dos filhos) andam de mãos
dadas para os fiéis católicos, os judeus ortodoxos, os mórmons religiosos e
os protestantes evangélicos – não para os seculares. Conheço muitas famílias
religiosas com mais de quatro filhos; não conheço uma única família formada
por pais seculares com mais de quatro filhos, e é provável que você tampouco
conheça (GAZETA DO POVO, 2018).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
205
A asserção já revela a ignorância subjacente à ideia do reducionismo embutido, mas
a justificativa é ainda mais clara sobre a certificação do coletivo ao individual:
A resposta ao grande vazio de sentido deixado pela morte da religião bíblica no
Ocidente é a religião secular. Os primeiros dois grandes substitutos seculares
foram o comunismo e o nazismo. O primeiro ofereceu sentido a centenas de
milhões de pessoas; o segundo fez o mesmo para a maioria dos alemães
e austríacos (...). Com a queda do comunismo e a tomada de consciência
da extensão dos massacres (cerca de 100 milhões de não combatentes
dizimados) e escravização em massa (virtualmente todas pessoas nos países
comunistas são escravizadas, essencialmente, com a exceção dos líderes
do Partido Comunista) cometidos por ele, o comunismo adquiriu má fama,
ou foi o que aconteceu pelo menos com a palavra “comunismo”. Então o
que podiam fazer os intelectuais seculares depois de o comunismo ter se
tornado “o deus que fracassou”? A resposta foi criar outra religião secular
de esquerda. O esquerdismo é isso: uma alternativa secular para conferir
sentido à vida, algo criado para tomar o lugar do cristianismo. As expressões
religiosas de esquerda incluem marxismo, comunismo, socialismo, feminismo
e ambientalismo (GAZETA DO POVO, 2018).
Assim, o Ignorancialismo do jornal paranaense mostra que não sabe (ou melhor,
não deseja) lidar com a complexidade, já que não contextualiza e não explica a chamada
“escravidão” comunista e aposta na deformação por uma lente descomprometida com fatos
e documentos. Afinal, como afirmar que o esquerdismo teria sido criado para tomar o lugar
de uma religião? Quais as bases para tal assertiva? E ainda: qual a definição do termo
esquerdismo, já que até mesmo a definição entre esquerda e direita são difusas?
Com esse texto (FIG. 4) o jornal coloca no mesmo balaio temas que seriam agendas
da humanidade, qual sejam, a proteção ao meio ambiente, a defesa dos direitos humanos,
a consideração sobre as especificidades entre os gêneros e o respeito às diferenças.
Assim, o texto coloca no campo “da esquerda” pautas humanitárias, contribuindo assim
para a polarização ideológica da maneira mais míope possível, posto que baseado em
suposições, convicções (sem provas), delírios. O texto “O esquerdismo como religião
secular” contribui para o discurso de ódio ao diferente, simplesmente por não entender o
que é ou qual o significado dessa distinção.
Por fim, em “Universidade para quem?” (fig. 5) a Gazeta subscrevia, 12 anos atrás, a
concepção elitista do ensino superior, hoje incorporada pelo Ignorancialismo como política
pública educacional.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
206
Figura 5 – Universidade para quem?15.
Fonte: Gazeta do Povo, 27 set. 2007.
A ideia do artigo é o que o Ignorancialismo traz em seu cerne: a meritocracia
classista, a elitização do acesso ao ensino universitário e a distinção social intrínseca à
natureza humana, em termos individuais e coletivos. Para o jornal a Universidade é para
poucos e a seleção natural é quem faria a escolha desse grupo que poderia frequentá-la:
Por mais que doa ao igualitarismo feroz que hoje domina a sociedade, é
necessário reconhecer que o ensino superior deve forçosamente ser restrito
para que continue sendo superior. Não falo de restrições financeiras, mas de
uma restrição natural: a intelectual. Há quem tenha capacidade intelectual
para estudos superiores, e há quem não a tenha. Pessoas péssimas podem
tê-la, e pessoas maravilhosas podem não a ter; não há nisso nenhum mérito
próprio (GAZETA DO POVO, 2007).
O articulista ainda critica as políticas governamentais que disponibilizavam o acesso
ao Ensino Superior por meio de linhas de financiamento como o FIES (Financiamento do
Ensino Superior) do governo Federal e outras iniciativas da época (2007).
Quando, contudo, um contra-senso tão absoluto quanto “universidade para
todos” se torna projeto de governo, vale temer que o próximo projeto seja
engravidar todos os homens ou fazer salada de todas as plantas. É tão possível
ter-se uma universidade que realmente seja um local de ensino superior e ao
mesmo tempo tenha “todos” como alunos quanto prometer a gravidez ou a
palatabilidade universais (GAZETA DO POVO, 2007).
Os traços do Ignorancialismo não poderiam ser mais robustos ao comparar a
promessa do acesso universal ao ensino superior aos aspectos biológicos como a gravidez
e a palatabilidade, colocando na mesma régua de interpretação duas medidas diferentes
com o objetivo claro de desqualificar a medida do governo da época. Ao publicar esse texto
(FIG. 5) a Gazeta do Povo não se envergonha de fazer parte do rol dos ignorancialistas
quando propõe, conforme Souza (2017), a manutenção da desigualdade por meio da
15 Mantivemos a publicidade da página logo acima do título porque ela é bastante sugestiva da política de anúncios do
jornal. Como o artigo critica o acesso universal ao ensino superior, nada mais convidativo para o leitor que saber que
no SENAC existem cursos técnicos que podem proporcionar empregos e sucesso para você, ou algum conhecido (que
não tem pretensão, ou melhor, capacidade, de fazer um curso superior).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
207
distinção de um sistema meritocrático no qual o que interessa é o pobre tendo acesso
no máximo a um curso técnico, para continuar operário; e o rico (entendido aqui como
pertencente à classe abastada, ou, na terminologia de Souza (2017, p. 155-166), elite
do dinheiro), este sim, em condições de disputar uma vaga no ensino superior. Afinal, ele
nasceu capacitado para o privilégio, como apregoa o castamental Ignorancialismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Objetivamos nesse artigo seguir o princípio popperiano para o trabalho do
pesquisador, qual seja o de conceber uma teoria – no nosso caso, conceito formulado
a partir da própria realidade – e colocá-la à prova, havendo a finalidade de perceber se
o enunciado responde às inquietações motrizes da investigação. Esmiudamos quatro
matérias do jornal paranaense Gazeta do Povo para elucidar a forma como se dá a
legitimação do Ignorancialismo – termo-raiz para materializar a leitura de mundo regressista
e obscurantista, escorada na creditação do não conhecimento como estatuto de veracidade
– por meio da reverberação midiática, pelo fato de haver o pressuposto corrente – rescaldo
da sociedade do espetáculo – de se é passível de discussão é plausível e se aparece é
porque é apropriado, em especial se sintonizado com a mesma objetivada explicação do
momento analisado.
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Capítulo 13
208
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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 13
209
CAPÍTULO 14
POR TRÁS DA EDITORIA POLÍTICA DO JORNAL
O ALTO URUGUAI (DE 1995 A 2005) O QUE FOI
NOTÍCIA NOS 11 ANOS DE MUTISMO POLÍTICO
Data de aceite: 01/02/2022
Lana D’Ávila Campanella
http://lattes.cnpq.br/9414200017759898
RESUMO: O estudo faz uma análise dos critérios
de noticiabilidade identificados nas matérias sobre
política veiculadas entre 1995 a 2005 no jornal
AU, uma vez que neste período, o jornal optou
por não ter editoria política. Primeiramente, foram
realizadas Pesquisas Bibliográfica e Documental
além de Entrevistas, a fim de contextualizar
a história do jornal imbricada ao município de
Frederico Westphalen. Os resultados da análise
foram alcançados com base na seleção de alguns
critérios de noticiabilidade adotados por Traquina
(2008) sob o viés da Análise de Conteúdo
(BARDIN, 2011). Assim, pode-se corroborar
a hipótese inicial de que foram veiculadas
matérias sobre política durante esses onze anos
entre outros pontos, bem como, os critérios de
noticiabilidade que mais prevaleceram, indicando
as principais agendas.
PALAVRAS-CHAVE:
Jornalismo
Político,
Jornalismo Impresso, Critérios de Noticiabilidade,
Jornal O Alto Uruguai, História da Imprensa.
to contextualize the history of the newspaper
imbricated to the municipality of Frederico
Westphalen. The results of the analysis were
based on the selection of some newsworthiness
criteria adopted by Traquina (2008) under the
bias of Content Analysis (BARDIN, 2011). Thus,
it is possible to corroborate the initial hypothesis
that subjects on politics during these eleven
years were published among other points, as well
as the most prevalent newsworthiness criteria,
indicating their agendas.
KEYWORDS: Political Journalism, Printed
Journalism, News Reporting Criteria, The Alto
Uruguai Newspaper, Press History.
1 | A PESQUISA:
METODOLÓGICOS
PROCEDIMENTOS
Uma das técnicas de tratamento de
dados em pesquisa qualitativa é a Análise
de Conteúdo, podendo ser aplicada a todas
formas de comunicação em seus discursos
diversos, cabendo ao analista a função dupla de
entender a comunicação (receptor) buscando
outras significações possíveis (decodificador).
A Análise de Conteúdo surgiu no século XX,
nos
Estados
Unidos,
potencializada
pela
necessidade dos órgãos de inteligência e
ABSTRACT: The study analyzes the criteria
for news reporting identified in the policy
material published between 1995 and 2005
in the newspaper AU, since in this period the
newspaper opted not to have a political editor.
Firstly, Bibliographic and Documentary Research
were conducted in addition to Interviews, in order
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
políticos do governo americano, investigarem
os textos jornalísticos que veiculavam na mídia
como forma de identificar alguma propaganda
subversiva, sendo sistematizada como método
a partir da década de 20. Contudo, a definição
do método só foi surgir vinte anos depois, nos
Capítulo 14
210
estudos de Berelson (1952) auxiliado por Lazarsfeld (1970), merecendo destaque a base
conceitual de Bardin, autora mais citada no Brasil no que se refere a análise de dados, que
designa o termo como:
“um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter,
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.” (2011, p. 47).
Para condução desse processo sistemático, elencou três fases distintas: a
organização da análise (pré-análise); a exploração do material e tratamento dos resultados
e a inferência e a interpretação dos resultados.
1.1 Etapas da Análise
Para construção do arcabouço teórico, foi realizada a revisão bibliográfica sobre o
campo do jornalismo político, os critérios de noticiabilidade e a imprensa interiorana, além
de leituras sobre a metodologia escolhida para o estudo. Também, serviu de embasamento
na busca de dados iniciais sobre a história do município de Frederico Westphalen, o uso de
pesquisa documental e a coleta de entrevista aberta, como forma de entender como surgiu
o jornal AU e sua trajetória.
A escolha pela técnica de entrevista aberta deu-se para que os entrevistados
tivessem mais liberdade em suas narrativas e trocas entre si, permitindo uma cobertura
mais profunda sobre assuntos por vezes delicados e valorizando os aspectos afetivos e
de valor para os entrevistados. Por seu caráter exploratório, existe um maior detalhamento
nas pautas tratadas, onde os entrevistados podem discorrer sobre o assunto introduzido
de forma espontânea, inclusive, relacionando outros assuntos de interesse. Minayo (1993)
aponta que a interferência do entrevistador deve ser a mínima possível, de modo que se
coloque na posição de ouvinte, interrompendo apenas em caso de extrema necessidade ou
para avisar do término da entrevista.
A realização da entrevista ocorreu na sede do jornal AU, no dia 20 de outubro de
2018, com duração das nove ao meio dia, com a presença dos donos e precursores do
jornal que previamente foram informados sobre: a pauta da entrevista, dos participantes, de
que suas falas seriam gravadas, bem como, o teto para encerrar a sessão.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
211
Figura 1: Entrevista com os donos e precursores do jornal AU. Na foto (da esquerda para direita):
Wilson Aleixo Ferigollo, Francisco Carlos Cerutti, Adjalma Cerutti, Lana Campanella e Agostinho
Piovesan.
No que se refere ao uso da análise de conteúdo, foram examinadas 33 edições
compreendidas entre os anos de 1995 a 2005, cujo recorte foi de três edições por ano
distribuídas nos meses de março, julho e novembro, perfazendo 191 matérias sobre política
no total das edições dos onze anos. Para que houvesse equidade na mostra, optou-se por
alternar as semanas de forma a contemplar de forma equilibrada um extrato de cada uma.
Assim, seguiu-se uma sequência iniciada pela 1ª semana de março/1995, seguida da 2ª
semana de julho/1995, 3ª semana de novembro de 1995, 4ª semana de março/1996, 1ª
semana de julho/1996 e assim sucessivamente, até novembro de 2005. Foram descartadas
da seleção, matérias sobre política que se referiam a outros municípios da região, que
aparecem como retrancas intituladas: Iraí, Seberi, Caiçara, Ametista do Sul, Vicente
Dutra, etc., de modo a contemplar somente as veiculações sobre o município de Frederico
Westphalen e referentes as esferas do Estado e país.
Na pré-análise ocorreu a leitura flutuante do material da coleta de dados com vistas
a demarcar o que seria analisado e estabelecer a hipótese e os objetivos. Na segunda fase,
houve a codificação e a identificação das unidades de significação a fim de ver a frequência
e compreender a significação dos registros. A análise reflexiva deu-se em um terceiro
momento, de posse dos resultados interpretados devidamente enquadrados nos critérios
de noticiabilidade adotados mediante escolha prévia e embasados na proposta de Traquina
(2008). Assim, elegeu-se como categorias de análise: a notoriedade, a proximidade, a
relevância, o tempo, a novidade e o conflito/controvérsia.
Os pré-testes foram feitos através da leitura das edições digitalizadas dos jornais,
realizado entre os meses de setembro e outubro de 2018, sendo a coleta final conclusa
em novembro onde foi estabelecido a forma de caracterização e apresentação dos dados
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
212
coletados com base nas limitações percebidas durante os pré-testes.
É mister comentar sobre os defrontamentos na operacionalização dessa pesquisa
por conta das informações políticas não estarem ancoradas em uma editoria, mas “soltas”
nas páginas dos jornais, dificultando o trabalho de captação e triagem. Outro desafio, se
referiu a grande quantidade de informações identificadas nas 191 matérias e o curto período
que pode ser dedicado a análise, influindo na decisão de eleger apenas a quantidade de
aparições dos critérios nas matérias, sem averiguar a frequência com que se repetiam nos
textos. Também, foi verificado quais assuntos dentro do segmento política prevaleceram na
agenda do AU durante esses anos.
2 | BREVIÁRIO DO JORNAL O AU E SUAS IMBRICAÇÕES COM A PRINCESA
DO MÉDIO ALTO URUGUAI
A criação da Comissão de Terras e Colonização do Norte 1(Inspetoria de Terras) pelo
Governador Borges de Medeiros, deu início ao crescimento demográfico do Alto Uruguai e
regiões, com o mando de que fosse aberta estrada com início na “Boca da Picada” (atual
Seberi), passando pelo “Barril” (atual Frederico Westphalen - FW) e findando nas águas
com fama medicinal , conhecidas como “Águas do Mel” (atual Iraí).
Com população atual estimada em 31.120 pessoas conforme dados do IBGE2 de
2018, o nascimento do Barril é marcado por um acidente de carroça, onde ao cair de cima
um barril de aguardente, carreteiros tiveram a ideia de adaptar ao vasilhame tombado,
uma taquara em um orifício lateral para captar água potável sobre uma fonte que servisse
a quem transitava em direção ao oeste catarinense, assim surgindo a expressão “vou
descansar, comer e dormir no Barril”3 . O Barril era uma espécie de paradouro onde os
viajantes paravam para descansar, descrito por Battistella como um “imenso tapete de
selvagens matarias lançado sobre vales e serrarias entremeadas de rumorejantes rios.”,
4
nos remetendo ao tempo em que FW pertencia a Palmeira das Missões, de 1918 a 1928.
1 Decreto nº2.250 de 1917.
2 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/frederico-westphalen/panorama (acesso em 12/12/2018).
3 FERIGOLLO, Wilson. A. A cidade Princesa sob as lentes dos fotógrafos Vitório Locatelli e Ângelo Buzatto. FW:
Litografia Pluma, 2018, p. 2.
4 BATISTELLA, Monsenhor Vitor. Painéis do Passado. A História de Fred. Westphalen em 60 quadros de literatura
amena. FW: Gráfica Marin, 1969, p. 12.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
213
Figura 13: Pio Manfio bebendo água do barril. Fonte: Ferigollo, 2018.
A primeira década do século XX, anuncia a chegada dos primeiros migrantes abrindo
picadas nas terras do Barril, que só recebe o nome de “Vila Frederico Westphalen” anos
mais tarde, pelo Decreto nº 30 da prefeitura de Palmeira das Missões em homenagem ao
engenheiro que colonizou a região cumprindo ordens do Governo do Estado. O sobrenome
de origem alemã do engenheiro, em um primeiro momento, suscita que a colonização do
município tenha tido sua origem germânica, quando na verdade é a representatividade
italiana que prevalece, seguida dos polacos.
A forte influência religiosa se fez presente desde os primórdios, como manda a
tradição italiana, sendo o primeiro oratório oferecido a Santo Antônio, datado de 1921. A
história da escolha do padroeiro da cidade é inaudita, pois, foi fruto de promessa alcançada
pelo casal Aníbal Orlando, ele um dos fabriqueiros responsáveis pela construção da Igreja
Matriz, por interseção do santo ao salvar um de seus filhos. A igreja teve forte influência
no curso dos principais acontecimentos em FW, com a atuação do Pe. Vitor Battistella
que por trinta anos atuou - além de orientador espiritual - de forma intensa nas causas
sociais, políticas, econômicas e culturais junto à comunidade frederiquense, O religioso de
origem italiana, chegou em 1932 ao Distrito de Frederico Westphalen recebendo o título de
Monsenhor, em 1956 e de Cidadão Honorário de FW em março de 1962. Ainda é cercado
de mistério os motivos que levaram o padre ativista a assinar um pedido de auto renúncia,
permanecendo como capelão do hospital local até 1973 quando veio a falecer, sendo a
hipótese mais aceita, que tenha sido por questões políticas já que no mesmo ano, assumiu
a prefeitura do município Lino Cerutti do MDB. Battistella era apoiador do Partido Social
Democrático (PSD)5, partido que esteve por quase duas décadas consecutivas a frente da
5 Partido político brasileiro, fundado em 17 de julho de 1945 e extinto pela ditadura militar, pelo Ato Institucional Número
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
214
gestão do município com a ajuda do Monsenhor.
Figura 14: Monsenhor Vitor Batistella. Fonte: Ferigollo, 2018.
A vida política mereceu capítulos exclusivos na obra de Battistella 6onde, além de
narrar sobre os gestores que até então haviam administrado o Barril, os criticava quanto
“A conduta omissiva de uns e construtiva de outros em relação aos interesses distritais...”
Também, resenha sobre o caudilhismo – presente em todo Rio Grande do Sul desde 1923
– e seu impacto na região que, por ocasião da Revolução Constitucionalista de São Paulo
(SP) em 1932, recrutou filhos de colonos “...contrariados, assustados, desgostosos e sem
nenhuma vontade de marchar para o front de SP.” 7
A cidade surge pós Estado Novo (1937-1945), período em que tudo estava sob a
égide da censura, inclusive a imprensa, se emancipando de Palmeira das Missões em 15
de dezembro de 1954 a partir da implantação da Lei Estadual nº 2523. Várias comunidades
que pertenciam ao município de Frederico Westphalen, também foram se emancipando
sendo na primeira década: Vicente Dutra, Caiçara e Palmitinho (1954-1965) e, trinta anos
depois, Taquaruçu do Sul (1957-1990) e Vista Alegre (1958-1990).
Com o bipartidarismo criado em decorrência do Ato Institucional (AI-2) em 27 de
outubro de 1966 e que se estendeu até 1979, as correntes políticas que se estabeleceram
no país foram a situacionista: conservadora, representada pela ARENA e composta por
dissidentes da UDN e PDS e de oposição: centro-esquerda e liberal-democrata formada
pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Para melhor entender a tendência política
Dois (AI-2), em 27 de outubro de 1965.
6 BATTISTELLA, Monsenhor Vitor, op. cit., p. 109 et seq.
7 Ibidem, p. 110.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
215
partidária na Administração Municipal de Frederico Westphalen durante suas gestões,
apresentamos abaixo a evolução nas siglas dos principais partidos políticos brasileiros.
Figura 15: Evolução das siglas nos Partidos Políticos. Fonte: Autora.
O município, que está em sua décima quarta gestão, apesar do pluripartidarismo que
surgiu no curso da história, se polarizou entre dois partidos: ARENA e MDB, prevalecendo
por oito gestões os situacionistas que inauguraram os quatro primeiros mandatos de 1955
a 1973 representados pelos prefeitos João Muniz Reis (coligação PSD, UDN e PL) que
assumiu dois mandatos; Arisoly Martellet (coligação PSD e UDN) e Nerone Campo (Arena).
As três administrações sucessivas, tiveram a oposição à frente até 1989, através das
gestões dos prefeitos Lino Cerutti (MDB); Osvaldo Cerezer (MDB) e Deoclides Vendruscollo
(PMDB). O PDS volta a assumir o município com Edemar Girardi até 1992, retornando a
sigla do PMDB na nona gestão, novamente com Vendruscollo. De 1997 a 2008, o poder
municipal ficou a cargo de Orlando Girardi (PPB) e Luiz Carlos Stefanello (PP), tendo
continuidade na décima terceira gestão capitaneada por Roberto Felin Júnior, o Betinho
(PP) de 2013 a 2016, uma vez que o atual prefeito, José Alberto Panosso (MDB), já havia
assumido à prefeitura de 2009 a 2012.
A disputa entre os dois partidos ainda é visível em tempos hodiernos no comércio,
onde muitos correligionários optam em comprar em lugares cujos donos sigam seus
princípios políticos, pois desde sempre, faz parte da cultura local as discussões sobre
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
216
política. A rivalidade entre “[...] a Arena e o MDB renderam muito assunto”, 8como na
edição do AU de 13 de novembro de 1976, quando o colunista Carlos Luiz Vendruscolo
“Carlão”, deixa em branco sua coluna sobre política em protesto a censura que o veículo
recebeu após representação da Arena. Quem promoveu a representação foi Lírio Zanchet,
presidente da Arena à época que, décadas mais tarde passou a ser colunista do AU, função
que mantém até hoje. Zanchet se redime pouco depois do ocorrido usando frase costumeira
de campanha: “Somos todos filhos de Deus, do mesmo Deus que faz nascer o sol para a
Arena e o MDB...”. 9
Figura 16: Coluna do “Carlão” em branco. Fonte: Ed.AU 13 de novembro de 1976.
O surgimento do aeroclube na cidade foi precoce, motivado da necessidade em
viabilizar o transporte até os grandes centros e, talvez, demandado por questões políticopartidárias, embora as estradas precárias e lamacentas fossem empecilho ao progresso.
Assim, surgiu em 1951, dez anos depois de inaugurado o Aeroporto Internacional Salgado
Filho em Porto Alegre, o aeroclube – três anos antes da emancipação do município de
Palmeira das Missões em 195410 – tendo como padrinho, o engenheiro e Secretário de
Obras Públicas do Estado, Leonel de Moura Brizolla. A falta de um Plano Diretor Municipal
prevendo o crescimento urbano já era referenciado por Mons. Batistella em 1969, ao
falar que “Havia apenas um elementar mapa para indicar as ruas, não poucas delas mal
projetadas. ” 11
Com uma sociedade tão politizada, o aparecimento de gráficas e da imprensa
não tardou surgindo em meados de 1943, a primeira gráfica para impressões diversas,
fundada por Vitalino Cerutti e Domingos Centenário. Mais de uma década depois, Pompílio
Giradello fundou a Impressora Mercantil que dividia espaço com uma pequena livraria.
8 50 anos – Jornal O Alto Uruguai. A sua vida é a nossa história. Ed. Especial de 16/02/2016, p. 18.
9 Idem.
10 Lei Estadual nº 2523, de 15 de dezembro de 1954.
11 BATTISTELLA, Monsenhor Vitor, op. cit., p. 164 et seq.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
217
A imprensa surgiu na mesma época, capitaneada pelo correspondente Wilson Jeihvah
Farias que exerceu esse papel até 1968, além de outros representantes expressivos como
o correspondente Wilson Aleixo Ferigollo – único colunista que se mantém desde a primeira
edição do AU -, que editava o Correio do Povo e a Folha da Tarde e, a partir de 1980, o
jornalista Agostinho Piovesan que também passou a compor o rol de colunistas do AU.
A força da igreja nos meios de comunicação surgiu com a criação do Sistema
de Radiodifusão Luz e Alegria em 1952, tendo como gestores Mons. Vitor Battisttella,
Henrique Caovilla e João Muniz Reis. Enquanto isso em Porto Alegre, surgia a televisão
através do canal 5 da TV Piratini. Djalma comenta: “Era o poder que o padre, né, um padre
superfamoso, tal Monsenhor de Batistella, é que mandava na cidade, que mandava no
partido, que mandava em tudo. E só saía o que ele definia, entende? (informação verbal).”12
Os primeiros jornais da região começaram a circular em 1965, com o surgimento do
“CINEFATOS13” e “O Despertar14”, editado pela União Frederiquense de Estudantes (UFE)
contando com o apoio a partir de 1967, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O embrião
dos relatos em livro do Monsenhor Battistella, nasceu de suas publicações semanais no
jornal “O Despertar” onde foi convidado a colaborar, tendo tido apoio municipal do prefeito
Nerone Campo (PDS), que se ocupou de escrever o prefácio e assim retribuir a dedicação
do padre para com o partido.
A rivalidade entre os dois jornais surgiu na origem, da insatisfação de um grupo de
estudantes frente à redação do CINEFATOS “o que foi salutar, obrigando a reorganização
e alteração do rumo do pequeno CINEFATOS.
15
”, inspirando o surgimento no dia 20 de
fevereiro de 1966, do Jornal O Alto Uruguai sob a égide de Vitalino Cerutti. As edições eram
no formato tabloide - mantido até hoje – escritas por inúmeros colunistas e colaboradores,
destacando os propósitos de independência e imparcialidade do veículo no editorial de 20
de fevereiro de 1968. Agostinho Piovesan lembra dos primórdios da imprensa em Frederico
Westphalen:
“Era difícil fazer jornalismo, e depois é que foi melhorando [...]. O Alto Uruguai
para mim foi uma história, assim, maravilhosa, porque desde a Unisinos. Eu
escrevia, desde 1979, era o último ano lá de Jornalismo e eu mandava as
colunas pelo Ouro e Prata, o Djalma colocava as colunas, e depois eu fui
editor do jornal... e o Alto Uruguai tem papel fundamental no desenvolvimento
de Frederico e da região (informação verbal). ” 16
12 Entrevista concedida por CERUTTI, Djalma. Entrevista AU. [outubro, 2018]. Entrevistador: Lana D’Ávila Campanella. Frederico Westphalen, 2018. 2 arquivos .mp3 (180 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A deste relatório.
13 Distribuído gratuitamente aos frequentadores do Cine Jussara, sendo fundado em 20/06/1965 por Luis Fernandes,
Luis Carlos Vinhas, João Maria da Costa e Wilson Ferigollo.
14 Fundado em 26/09/1065 sob a direção de Renato Hickmann.
15 FERIGOLLO, Wilson. Op.cit., p.162 et seq.
16 Entrevista concedida por PIOVESAN, Agostinho. Entrevista AU. [outubro, 2018]. Entrevistador: Lana D’Ávila Campanella. Frederico Westphalen, 2018. 2 arquivos .mp3 (180 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no
Apêndice A deste relatório.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
218
Figura 17: Propósitos do jornal – Editorial. Fonte: Ed.AU 20 de fevereiro de 1986.
A primeira gestão do jornal foi comandada pelo porto-alegrense Luiz Fernandes
sendo sucedida por Breno Ferigollo e, em 1970, por Rui Risotto – ano que que o veículo
adquire novas impressoras. Sete anos depois, assume a direção do AU Diunysio Cerutti
inovando ao montar equipe para o auxílio da revenda e distribuição dos jornais. O período
que começa e se estende até a próxima direção em 1983 é de crise financeira, fazendo
com que algumas edições deixassem de circular “período necessário para que os diretores
Vitalino Adjalmo Cerutti e Francisco Carlos Cerutti, que assumiram a liderança do semanário
em 1982, pudessem fazer os ajustes necessários.” 17
O jornal, que surgiu em um período que a imprensa estava em oposição contra o
regime militar, travou bravatas partidárias já que a família fundadora era do MDB que sofria
retaliações do partido oponente “[...] teve uma época assim, entende, que saía uma notícia
contra o partido, na outra semana vinha todo mundo lá suspender as propagandas do
partido. [...] eles ligavam casa por casa para mandar suspender a assinatura. (informação
verbal) ”comenta Djalma. “Assim era na rádio. [...] o pessoal do MDB suspendia também.
Então era um negócio sério. Era uma guerra. (informação verbal), arremata Wilson.
A primeira impressão em cores surge em 1996 por exigência dos anunciantes, mas o
veículo só passou a ter suas páginas totalmente coloridas em 2013 – ano em que ingressei
como colunista de variedades. Desde 2004, o jornal é dirigido por Patrícia Cerutti que,
imprimiu um modelo de gestão de alavancagem financeira e operacional permitindo que a
empresa equilibrasse o financeiro, propiciando novos aportes operacionais, em específico
na redação, venda e distribuição do jornal e gerando lucros. Assim, o veículo passou a
17 50 anos – Jornal O Alto Uruguai. A sua vida é a nossa história. Op. cit., loc. cit.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
219
ser bissemanal - veiculando nas quartas e nos sábados – sendo o de maior circulação e
tiragem na Região do Médio Uruguai, com aproximadamente cinco mil assinantes e uma
tiragem média de seis mil exemplares por edição distribuídos em 21 municípios da região
além de várias cidades do Rio Grande do Sul e de outros Estados.18
O AU, se propõe a ser referência na área de comunicação através da qualidade,
serviços prestados e relacionamento de forma a conjugar valores como: ética, qualidade,
credibilidade, pioneirismo, inovação, sustentabilidade e liberdade de expressão como
forma de atingir a visão estabelecida. A missão em informar com credibilidade, qualidade e
inovação na colaboração do desenvolvimento sustentável da região norteia as premissas
que foram traçadas para os próximos 50 anos do veículo.
Figura 18: Premissas próximos 50 anos – Editorial. Fonte: Site do AU19
Outros jornais foram aparecendo, mas tendo pouco tempo de brevidade como: “O
Regional” (07/09/1974); “Repórter Regional” (20/10/1977); “A Voz do Povo” (06/1978);
“Zabaratana” (1978); “Novo Tempo” (01/05/1991); “Barril Dicas” (1996); “Gazeta Regional”
(1996); “Gazeta do Cañellas” (1997); “Visão Regional” (1997) e o “RS Norte” (1998) de
Agostinho Piovesan, que se mantem até os dias atuais.
3 | OS CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE PRESENTES NAS MATÉRIAS
VEICULADAS ENTRE 1995 A 2005 NO JORNAL AU
A construção da notícia é fruto de um conjunto de operações que iniciam pela pauta
até a veiculação da matéria que, nasce decorrente de critérios de noticiabilidade, ancorados
na fala de vários autores, extrapolando o simples interesse da sociedade pelas pautas e
adentrando em outros saberes que transitam pelo valor-notícia. Nessa seara, o jornalista
18 https://www.oaltouruguai.com.br/empresa. (Acesso em 12/12/2018.)
19 idem
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
220
tem que estar imbuído no rigor das informações coletadas, expondo os fatos com ética, o
máximo de isenção, além de conjugar a relação das fontes com as conjunturas históricas,
políticas, sociais e econômicas “…] que determinam se um acontecimento, ou assunto, é
susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado
em matéria noticiável e, por isso, possuindo ‘valor-notícia’. ”
20
Para esse estudo, elegeu-se traquina (2008) que divide os valores-notícia de seleção
em substantivos, quando fazem referência direta dos acontecimentos e contextuais, aos se
referirem aos contextos de produção dessas notícias. Dos critérios arrolados pelo autor
foram selecionados seis, em decorrência da fase inicial de análise prévia das matérias onde
ocorreu a leitura flutuante do material da coleta de dados com vistas a demarcar o que seria
analisado e estabelecer a hipótese e os objetivos. Na segunda fase, houve a codificação
e a identificação das unidades de significação a fim de ver a frequência e compreender a
significação dos registros. A análise reflexiva deu-se em um terceiro momento, de posse
dos resultados interpretados devidamente enquadrados nos critérios de noticiabilidade
adotados mediante escolha prévia e embasados na proposta de Traquina (2008). Assim,
elegeu-se como categorias de análise: a notoriedade, a proximidade, a relevância, o tempo,
a novidade e o conflito/controvérsia.
• Notoriedade: relacionado as notícias que envolvem celebridades e elite como
atores sociais.
• Proximidade: subdividido em três instâncias: geográfica, social e psicológica, o
critério de proximidade revela a necessidade dos grupos verem noticiados fatos que
envolvam a comunidade onde estão inseridos.
• Relevância: se refere ao impacto e a influência dos acontecimentos sobre a
sociedade.
• Tempo: o continuísmo na narrativa dos fatos, por vezes serve de gancho para
outros acontecimentos que acabam por fidelizar o leitor em acompanhar o desenrolar
dos fatos.
• Novidade: a contradição inicial que possa existir entre o que é novidade com o
continuísmo é explicado por Franciscato (2005) quando cita a maneira como o novo
é percebido por uma sociedade, podendo ser um fato a ser somado a conjunturas
existentes e, portanto, criando vínculos cada vez mais intensos com o leitor na
familiarização das notícias.
• Conflito/controvérsia: situado nas disputas envolvendo violência física ou
simbólica através de reivindicações, greves e rivalidades.
Ao todo, foram examinadas 33 edições compreendidas entre os anos de 1995 a
2005, cujo recorte foi de três edições por ano distribuídas nos meses de março, julho e
20 TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo – Porque as notícias são como são. Volume I. Florianópolis: Insular,
2. Ed., 2008, p. 63.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
221
novembro, perfazendo 191 matérias sobre política no total das edições dos onze anos. As
matérias sobre política que se referiam a outros municípios da região foram descartadas
de modo a contemplar somente as veiculações sobre o município de Frederico Westphalen
e referentes as esferas do Estado e país. Os pré-testes foram feitos através da leitura das
edições digitalizadas dos jornais, realizado entre os meses de setembro e outubro de 2018,
sendo a coleta final conclusa em novembro onde foi estabelecido a forma de caracterização
e apresentação dos dados coletados com base nas limitações percebidas durante os prétestes.
A quantidade de matérias referentes a política identificadas no jornal AU no período
de 1995 a 2005 resultaram em 191 matérias apresentadas no gráfico 1 por ano.
Gráfico 1 – Quantidade de matérias sobre política por ano.
De posse dos dados, notou-se que houve certa equidade na quantidade de matérias
sobre o tema política ao longo dos anos, destacando-se o ano de 1997 (13%) com um
maior número de veiculações, seguido pelos anos de 1995 e 2003 com 12% e, também
havendo empate técnico na terceira colocação, referente aos anos de 1996 e 1999, com
11% de inserções. Os demais anos seguiram o seguinte score:
2002 (10%); 2001 (9%);
empate técnico nos anos de 1998 e 2004 com 6%; 2000 (7%) e 2005 (3%).
A divisão dos assuntos tratados dentro da temática política, foram embasados em
Ramos (1970), Beltrão (1969) e Erbolato (1981), sumarizando o entendimento dos autores
acerca de política em quatro grupos: os Organismos Oficiais (no âmbito federal, estadual e
municipal), os Organismos Partidários (a vida partidária, eleições e partidos), os Organismos
Administrativos (serviço público, atos administrativos, Projetos de Lei, mudanças de cargo)
e os Conflitos (greves, escândalos, processos contra políticos, golpes e abuso de poder)
apresentados no gráfico 2.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
222
Gráfico 2 – Incidência de assuntos na área política
O assunto que prevaleceu na amostra analisada foi referente aos Organismos
Administrativos com 72 matérias (38%), seguido por Organismos Partidários com 61
matérias (32%), ficando em terceiro lugar os assuntos atinentes aos Organismos Oficiais
com 42 matérias (22%) e encerrando com assuntos sobre Conflito com 16 matérias (8%).
A última etapa de análise dos dados, foi referente aos critérios de noticiabilidade que
mais prevaleceram dentro das categorias previamente estabelecidas. Para tanto, foram
realizadas leituras na íntegra das 191 matérias arroladas abaixo por: ano, mês e título.
A partir da escolha prévia das categorias, a tabela 1 revela a quantidade de aparições
de cada uma delas por ano.
*N Quantidade de matérias por ano.
Tabela1: Incidência das categorias na amostra.
A análise teve como foco o conteúdo das notícias (explícitos e implícitos), sem se
ater a questões linguísticas. Desse modo, o gráfico 3 apresenta o total de aparição das
categorias presentes nas 191 edições analisadas entre os anos de 1995 e 2005 do jornal
AU.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
223
Gráfico 3 – Total de aparições nas 33 edições analisadas.
A ordem de aparição resultou da análise dos dados da tabela 1 conforme segue
abaixo:
1º - Relevância, presente em 180 das 191 edições;
2º - Proximidade, presente em 179 das 191 edições;
3º - Novidade, presente em 157 das 191 edições;
4º - Tempo, presente em 55 das 191 edições;
5º - Notoriedade, presente em 37 das 191 edições e
6º - Conflito, presente em 20 das 191 edições.
A maior presença da Relevância (29%), Proximidade (28%) e Novidade (25%)
demonstra que foram esses os principais critérios de noticiabilidade utilizados na produção
das matérias. Como forma de ilustrar a presença desses critérios, foram selecionados
aleatoriamente alguns trechos das edições analisadas.
3.1 Relevância
Nas 191 matérias analisadas a presença massiva da categoria relevância foi
identificada em 180 textos analisados, ou seja, aparecendo em 94,2% das matérias
merecendo destaque os anos de: 1997, 1998, 2003, 2004 e 2005 em que todas matérias
selecionadas sobre política possuíam o viés relevância.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
224
Figura 2: Edição AU 18/11/1995, p.14.
Edição Novembro/1995
O texto mescla informações de cunho relevante, de novidade, de proximidade
e de tempo ao falar da crise financeira devido o Plano Real. A relevância aparece por
se tratar de assunto importante que impacta a comunidade local ao citar que dados do
SINE de FW “indicam o aumento vertiginoso de pessoas que procuram emprego e o
seguro-desemprego.” (Ed. 18 de novembro, p.14), também se enquadrando nos critérios
de novidade com a revelação dos dados do SINE e proximidade por estar diretamente
relacionado à comunidade local. O critério tempo surge na fala do entrevistado, o então
Presidente da Câmara dos Vereadores de FW, José Alberto Panosso quando fala que o
assunto está sendo abordado há meses pelos vereadores das três bancadas: “Inclusive
já foram remetidas correspondências aos deputados, senadores, ministros e ao próprio
Presidente da República, alertando sobre a gravidade da crise. ” (Ed. 18 de novembro,
p.14).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
225
Figura 3: Edição AU 12/11/2000, p. 7
Edição Novembro/2000
O critério relevância se destaca nessa matéria que trata da proposta orçamentária
para o município de FW detalhada pelo Prefeito da época, Orlando Girardi, em um total de
recursos de 25,64% oriundos do próprio município trazendo o caráter novidade e proximidade
ao aludir que, se reeleito, dará prioridade aos setores da agricultura e agroindústria, ou
seja, embutido na notícia do orçamento, se desvela a questão das próximas eleições.
3.2 Proximidade
O critério proximidade praticamente tem empate técnico com o critério relevância,
com 179 incidências de matérias que possuíam essa característica, perfazendo 93,7%,
merecendo destaque os anos de: 1997, 1998, 2003 e 2005 onde o critério proximidade
despontou em todas matérias selecionadas. A grande maioria das matérias identificadas
com o critério proximidade, surgem através de temas comuns a determinados grupos e
movidos pela proximidade espacial que diz respeito as interações com a comunidade.
Figura 4: Edição AU 20/07/1996, p. 1
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
226
Edição Julho/1996
A matéria fala de assunto que está diretamente relacionado a comunidade
frederiquense comentado a decisão do Governo do Estado em escolher o município como
um dos cinco polos do Estado onde funcionarão escolas profissionalizantes com verba
oriunda do Governo Federal.
Figura 5: Edição AU 4/03/2000, p. 7
Edição Março/2000
A inauguração de uma rede de água potável oriunda de um poço artesiano que
beneficiará 54 famílias denota o caráter proximidade percebido na matéria cujo subtítulo
é: “ Parceria entre a prefeitura municipal e comunidades garante melhor qualidade de vida
no meio rural”, dando visibilidade à gestão municipal [...] já são sete novas redes de água
entregues à população do interior nesta administração [...]. (Ed. 4 de março, p.7). Também
estão presentes os critérios de relevância e novidade apontados inclusive no título: “Água
potável: uma nova realidade no interior”.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
227
3.3 Novidade
O critério novidade aparece em terceiro lugar em aparição com 82,2% de incidências,
merecendo destaque os anos de 2003 e 2005 em que aparece em todas edições acerca
de política.
Figura 6: Edição AU 29/11/2003, p. 2.
Edição Novembro/2003
O caráter novidade já começa pelo título “Frederico Westphalen tem o prefeito mais
jovem do Brasil por uma semana” e se apresenta durante toda matéria “Pela primeira vez
na história de Frederico Westphalen o município ganhou como representante máximo o
prefeito mais jovem do país, segundo dados da Famurs. ” (Ed. 29 de novembro de 2003,
p.2).
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
228
Figura 7: Edição AU 10/07/1999, p.5
Edição Julho/1999
A matéria anuncia no título o caráter novidade “Projeto do novo aeroporto será
discutido na Câmara”, estando também presentes os critérios de relevância, proximidade
e tempo por ser assunto de interesse da comunidade e recorrente, sendo apresentado um
breve resgate da conjuntura “A única pista asfaltada da região está localizada em Iraí, mas
a mesma foi ocupada pelos índios caingangues há mais de 4 anos. ” (Ed. 10 de Julho de
1999, p.5).
3.4 Tempo
Com 55 (28,8%) incidências nas edições analisadas, o critério tempo não se
destacou em nenhum dos onze anos verificados.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
229
Figura 8: Edição AU 27/07/2002, p.9.
Edição Julho/2002
Apesar do assunto ser recorrente [...] a federação está com essa luta desde o
final do ano passado, quando iniciou a estiagem. (Ed. 27 de Julho de 2001, p.9), o texto
atualiza o leitor com novas informações trazendo o caráter novidade, sendo a relevância
e a proximidade implícitos na relação do assunto com a comunidade de agricultores da
região e o critério conflito, deflagrado por conta da mobilização dos agricultores bloqueando
a BR-386, portanto, envolvendo as esferas municipal e federal.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
230
Figura 9: Edição AU 4/03/2000, p. 3.
Edição Março/2000
Apesar do cerne da matéria serem os festejos alusivos ao aniversário do município,
o texto resgata antigos anseios da comunidade [...] a atual administração atendeu a uma
antiga reivindicação da população. (Ed. 4 de março de 2000, p.3) que passam a ser
contemplados como parte das comemorações, atribuindo assim, outros critérios a notícia
como: novidade, relevância e proximidade.
3.5 Notoriedade
O critério notoriedade apareceu em 37 matérias perfazendo 19,4%, não tendo
nenhuma incidência no ano de 2000.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
231
Figura 10: Edição AU 9/03/2002, p.7.
Edição Março/2002
O título já enaltece a comunidade frederiquense ao mencionar que um conterrâneo
foi eleito vereador na Alemanha.
Figura 11: Edição AU 27/11/1999, p.5.
Edição Novembro/1999
O título remete a uma homenagem ensejada pela aprovação de Moção de Aplauso
por unanimidade pelos vereadores de Frederico Westphalen, à um cidadão por relevantes
serviços prestados à comunidade.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
232
3.6 Conflito
Em última colocação, o critério conflito aparece em 20 (10,5%) matérias.
Figura 12: Edição AU 14/03/1998, p.17.
Edição Março/1998
O conflito está deflagrado a partir do título da matéria, consubstanciado durante todo
o texto ao se referir a um grupo de religiosos católicos da diocese de Frederico Westphalen
em oposição a projeto de lei que autoriza o aborto. A notícia também possui os critérios de
relevância e proximidade observados no trecho em que os religiosos ressaltam que estarão
atentos aos deputados que votarem contra a vida.
4 | EPÍLOGO E PROSSECUÇÕES
Entender as motivações que levaram o jornal AU ao mutismo em ter uma editoria
política por onze anos, se desvela em uma decisão da gestão como forma de amenizar
os ataques do partido oponente ao jornal e, com o intuito de dar um novo enfoque ao
veículo em suas pautas marcadas pela liberdade de expressão, inclusive sobre política.
Contudo, a hipótese inicial de que mesmo sem editoria política o tema seria abordado no
veículo, se comprovou através de matérias e colunas espalhadas pelas edições dos jornais
em onze anos de pseudo-silêncio acerca de política. Foram identificadas 191 matérias na
amostra de 33 edições que apontaram como principais incidências dos seis critérios de
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
233
noticiabilidade analisados, a Relevância, a Proximidade e a Novidade presentes na quase
que totalidade das edições verificadas, demonstrando a importância que os jornalistas e
colunistas continuaram dedicando ao tema política, com ênfase na política local.
No jornalismo especializado, a editoria política é uma das mais importantes se
ocupando de pautar acontecimentos como: eleições, questões de conflito, pautas partidárias
e que envolvam órgãos de governo federais, estaduais e municipais, de modo que, não
falar desses assuntos seria praticar um desserviço à comunidade. O viés de omissão e/
ou controle de informação (poder), também enfraquece o segmento social levando ao seu
controle (MARCONDES FILHO, 1998).
A importância da temática não é privilégio da sociedade hodierna, pois a pauta
política moveu a humanidade desde a antiguidade clássica, sendo assunto primeiro
nas rodas sociais e, tendo na obra “Política” de Aristóteles, a inauguração do termo. O
vocábulo “política”, derivado do adjetivo grego pólis (politikós) relativo à cidade, mudou
sua acepção ao longo do tempo havendo severas discrepâncias conceituais, divergências
e más interpretações sobre o seu entendimento. E, por seu caráter eviterno, a política se
iguala ao amor, a morte e a sociedade conforme Maffesoli (2005), sofrendo transformações
ao passo que se mantendo sempre na agenda das sociedades.
Dos vários sentidos vinculados à política, destaca-se o conflito no sentido
Antagonístico de rivalidades, incompatibilidades, posições e luta de potências, e Agonísticos
presentes na retórica e doutrinação (BOBBIO, 2000), exigindo desdobramentos na gestão
da solução desses conflitos por parte dos envolvidos já que o pensamento político costuma
se situar em prós ou contras e não por lógica. A divergência histórica entre política e
moral também é discutida em outras esferas da atividade humana, no sentido do que é
moralmente lícito e moralmente ilícito relacionando a diferença de ética individual e de
grupo, podendo haver sentidos distintos nas convicções e responsabilidades.
A história política contada pela imprensa escrita, revisa os acontecimentos à luz
da inter-relação existente entre o Estado e o poder, tangenciando aspectos econômicos e
culturais, além das ideologias que transitam como pano de fundo nos discursos. No jornalismo
especializado, a política tem seu destaque ao registrar os principais acontecimentos que
impactaram a sociedade. Desta forma, a fonte documental que o jornalismo produz, informa
ao mesmo tempo que manipula, criando e destruindo mitos e, muitas vezes, priorizando
agendas que respondam aos seus interesses próprios, sendo atores políticos de suma
importância na formação da opinião pública (OP).
A imprensa periódica chegou tardia no Brasil em relação ao contexto mundial,
sendo citados a censura e o oficialismo como os fatores que influenciaram os primórdios
da imprensa (SODRÉ, 2011) ao se referir as restrições à liberdade imposta por Portugal
que procurava isolar o Brasil através do impedimento em abrir escolas e imprimir livros
e jornais, além do fechamento dos portos para o comércio internacional. Neste cenário
é que surgem, em 1808, os primeiros jornais brasileiros: O Correio Brasiliense feito em
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
234
Londres e a Gazeta do Rio de Janeiro, editado e impresso no Brasil, porém, limitado a
publicações sobre a família real no Brasil. Uma década depois, surgem outros jornais,
panfletos e pasquins cuja brevidade denuncia a fragilidade da imprensa brasileira da época
que só começou a se estruturar, no início do século XX, introduzindo a relação dos veículos
com o seu público, com os anunciantes e com a política.
O surgimento da imprensa no Rio Grande do Sul (RS) pode ser datado a partir de
1830 – período onde o enfrentamento bipartidário político era comum entre legalistas e
rebeldes – com o discurso farroupilha que estava embasado no liberalismo, porém com
características díspares do pensamento europeu, havendo uma adaptação ao contexto
rio-grandense. Em uma rápida revisão sobre as características políticas desse período,
evidenciam-se o autoritarismo nas relações sociais, o fortalecimento do regionalismo e o
antagonismo entre convicções liberais e soberanas, de modo a formar a gênese política do
RS com a singularidade que lhe é peculiar. Em específico no RS, o jornalismo teve duas
fases distintas conforme alude Rüdiger (1993), sendo a primeira relacionada ao jornalismo
político partidário predominante até a década de 30 do século XIX e a segunda, conceituada
como jornalismo informativo moderno, surgida no início do século XX.
As décadas de 1950 e 1960 tiveram forte engajamento partidário por parte da
imprensa que, em âmago nacional, se dividia entre o PSD e a UDN. No município de
Frederico Westphalen não foi diferente, com o surgimento dos primeiros jornais em 1965,
dentre eles “O Despertar”, tendo à frente Monsenhor Battistella, convidado a colaborar pelo
prefeito Nerone Campo (PDS) em retribuição a sua dedicação ao partido. Um ano depois,
surge “O Alto Uruguai” que, apesar dos propósitos de independência e imparcialidade,
tinha fundadores do MDB. O paralelismo político que inicia no período populista (19461964) e prossegue no regime militar (1964-1985), mostra uma imprensa refém e, por vezes,
fragilizada em função dos interesses partidários e conflitos ideológicos.
Uma década depois, estando o país já vivenciando a redemocratização advinda
da abertura política e a política merecendo destaque em noticiários que, além de uma
editoria política contavam com um par de colunistas especializados na área, o AU anda na
contramão desses preceitos optando pelo mutismo político ao deixar de veicular a editoria
política por 11 anos. Se o país avançava com celeridade na democracia e liberdade de
imprensa, alguns municípios interioranos ainda sentiam o açoite da polarização política que
comandava os veículos, assim como, a comunidade como um todo. Contudo, como deixar
de falar das coisas políticas que impactavam a comunidade? De fato, isso não ocorreu,
uma vez que o jornal não negligenciou essas informações sobre o que acontecia acerca
de política na região, apenas resolveu continuar publicando notícias políticas, sem se
utilizar de uma editoria. Essa postura refletiu nos critérios de noticiabilidade cujas maiores
incidências denotam o interesse em trabalhar o local (proximidade), trazendo quase sempre
fatos novos (novidade) e de importância (relevância) para comunidade. Sendo a política um
acontecimento de interesse público, a veiculação de notícias nessa área permite que o
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
235
leitor tenha acesso as recônditas informações trancafiadas em gabinetes parlamentares ou
presente nas campanhas eleitorais como alude Barreto (2006).
Nos estudos sobre jornalismo contemporâneo, Traquina (2008) comenta sobre o
papel do jornalismo à luz da teoria democrática em fornecer informações úteis; de ser um
espaço do contraditório e da pluralidade de opiniões e na proteção dos cidadãos contra
abusos do poder. A ênfase de seus preceitos no jornalismo político se resume em: informar,
formar opinião e fiscalizar, e isso o jornal AU conseguir fazer, mesmo tendo optado por
não ter editoria durante onze anos. A família Cerutti sofreu retaliações e perseguições
políticas, passaram por severa crise financeira que quase fechou às portas do jornal, mas
se mantiveram persistentes no ideal de trazer informação com responsabilidade e com o
máximo de isenção possível. O fato de manter desde o início do periódico um colunista
oposto partidariamente as raízes partidárias do jornal é prova de ética e de liberdade de
imprensa, já que nunca nenhum jornalista ou colunista foi censurado em seus escritos.
Parte dessas informações foram obtidas em entrevista realizada com os fundadores do
jornal através de relatos emocionantes e ricos de informações.
A história oral descortina meandros da história que ainda não estão documentados,
implicando em um emaranhado de percepções do passado e o impacto que tiveram no
processo societal. Sentir as emoções evocadas pela memória dos entrevistados é ter a
responsabilidade de registrá-las com o mesmo desvelo com que foram ditas. As questões
outrora esboçadas e que serviriam como base para entrevista acabaram automaticamente
sendo respondidas de forma espontânea, sem que fosse necessário argui-los. Aliás, foi
dito muito mais do que inicialmente investigado, sendo um espaço onde os entrevistados
deixaram fluir suas reminiscências sobre a história do veículo que se mesclavam com a
do município, formando uma rica simbiose. O resultado de tanto material coletado através
de relatos e pesquisa documental levaram ao comprometimento junto aos dirigentes do
jornal e precursores, de escrever a história do veículo – responsabilidade de muita honra
para quem não é filho da terra, porto-alegrense que sou -, já amplamente divulgado na
comunidade frederiquense que espera o lançamento para 2020.
REFERÊNCIAS
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BARRETO, Emanoel. Jornalismo e política: a construção do poder. Estudos em Jornalismo e
Mídia. Vol. III N. 1 - 1o semestre de 2006.
BATISTELLA, Monsenhor Vitor. Painéis do Passado. A História de Fred. Westphalen em 60
quadros de literatura amena. FW: Gráfica Marin, 1969.
BELTRÃO, Luiz. A imprensa informativa. São Paulo, Folco Masucci, 1969.
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Capítulo 14
236
BERELSON, B. Content analysis in communication research. Glence: Free Press. 1952.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Ciência Política. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. Rio de
Janeiro, 2007.
ERBOLATO, Mário. Jornalismo especializado. São Paulo: Atlas, 1981.
FERIGOLLO, Wilson. A. A cidade Princesa sob as lentes dos fotógrafos Vitório Locatelli e Ângelo
Buzatto. FW: Litografia Pluma, 2018.
FERIGOLLO, Wilson A. Rostos e Rastros no Barril – 1954-2004. FW: Ed.Pluma, 2004.
FRANCISCATO, Carlos Eduardo. A atualidade no jornalismo: bases para sua delimitação teórica –
Tese. 336 p. Salvador, 2003.
GODOY A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de
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LAZARSFELD, Paul F. A sociologia. Lisboa: Bertrand, 1970.
MAFFESOLI, Michel. A Transfiguração do Político. Porto Alegre: Sulina, 2005a.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento científico: pesquisa qualitativa em
saúde. 2a edição. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 1993.
RAMOS, José Nabantino. Jornalismo, dicionário enciclopédico. São Paulo, Ibrasa, 1970.
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. Porto Alegre: Editora da Universidade/
UFRGS, 1993.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo – Porque as notícias são como são. Volume I.
Florianópolis: Insular, 2. Ed., 2008.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 14
237
CAPÍTULO 15
A HISTÓRIA E OS DESAFIOS DO TELEJORNALISMO
EM TEMPOS DE PANDEMIA
Data de aceite: 01/02/2022
Edwaldo Costa
Pós-doutorando no Programa de PósGraduação em História da UnB
http://lattes.cnpq.br/3950553227038648
https://orcid.org/0000-0002-3416-3815
RESUMO: O presente estudo tem em seu
bojo estudar qual fora o impacto e os desafios
interpostos pela pandemia à produção
telejornalística. De fato, essas produções
precisaram dar destaques e continuar os seus
ofícios, todavia, surpreendidos com mudanças
bem significativas as quais perpassaram as
produções e reuniões de pauta até as entrevistas.
É válido conceber que o telejornalismo já vinha
passando por uma rotina produtiva com a
inserção das ferramentas disponibilizadas por
uma rede móvel e internet e todos os adventos
da web. Já havia uma tônica de proporcionar ao
telespectador a competência de protagonizar
notícias e essas demandas foram realçadas
com o advento da pandemia da COVID-19. As
programações precisaram ser alteradas, as
imagens encaminhadas por telespectadores
foram aproveitadas por âncoras, assim como
fontes e todo um processo de autoria fora
revisto. Para se contemplar essas modificações,
por certo, é necessário entender como o
telejornalismo surge e se modifica ao longo da
história, destarte, poder-se-á entender como
antes da pandemia esse ciclo de produção era
explorado e como que ele se adapta conforme as
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
necessidades dos tempos atuais.
PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo. História.
Atualidade. Pandemia.
THE HISTORY AND CHALLENGES OF
TELEJOURNALISM IN PANDEMIC TIMES
ABSTRACT: The present study aims to study the
impact and challenges posed by the pandemic
to telejournalistic production. In fact, these
productions needed to highlight and continue
their work, however, surprised by very significant
changes which permeated the productions and
agenda meetings until the interviews. It is valid
to conceive that telejournalism was already going
through a productive routine with the insertion of
tools made available by a mobile network and
internet and all the advents of the web. There
was already an emphasis on providing the viewer
with the competence to star in the news and
these demands were highlighted with the advent
of the COVID-19 pandemic. The schedules
had to be changed, the images sent by viewers
were used by anchors, as well as sources and
an entire authorship process had been revised.
To contemplate these changes, it is certainly
necessary to understand how telejournalism
arises and changes throughout history, thus, it
will be possible to understand how before the
pandemic this production cycle was explored and
how it adapts according to the needs of current
times.
KEYWORDS: Television journalism. History.
Present. Pandemic.
Capítulo 15
238
1 | INTRODUÇÃO
Para compreender o cenário das mudanças que impactam o telejornalismo na
pandemia da Covid-19, entende-se que é preciso levantar um viés histórico e entender
como o telejornal vinha sendo produzido para informar à sociedade ao longo das décadas.
É importante compreender também que, ao longo da pandemia da Covid-19, o
telejornalismo sofreu os impactos restritivos e de mudança de mercado, contudo precisou
manter a sua finalidade: informar. E para isso, ele contou com mais protagonismo dos
telespectadores, sendo palco da construção de uma notícia cada vez mais interativa.
A cobertura da pandemia teve impacto em suas rotinas de produção e com recursos
que estão relacionados aos próprios aportes de trabalho, como quem segura o microfone,
os vídeos amadores e uma construção da notícia sem linearidade, além das chamadas de
vídeo como um meio de práticas as entrevistas. Outro viés da enunciação é a inserção de
um vocabulário intrínseco à área médica que começou a ser utilizado como: imunizados,
máscaras, intubação, medicações, UTI, vacina e margem de óbitos e curados.
O telejornalismo, ao longo de um ano de pandemia, vai buscando os espaços sociais
como processo de produção e que cria uma perspectiva de contato com a notícias, mais
intimista. A Covid-19 norteou de distintas formas a rotina de trabalho de imprensa até pela
necessidade de uma informação diária que cobrisse o momento pelo qual o país estivesse
passando em comparação com demais localidades do mundo.
Justifica-se o estudo pela importância de se compreender como que o telejornalismo
já contava como recursos de produção os modelos tecnológicos mais atuais e precisaram
realçar a utilização dessas ferramentas com o advento da pandemia. Logo, a proporção
das medidas de prevenção foi também adotada no jornalismo, onde muitos jornalistas
passaram a trabalhar em ambiente remoto e só retornaram a estúdio pós-vacina; muitos
jornalistas contaram com a utilização de equipamentos de proteção específica, como a
necessidade de se utilizar a máscara a qual por certo muda as nuances das ondas de
transmissão e ainda a redação e as formas de produção também mudaram.
O problema da pesquisa incide sobre a seguinte pergunta: Quais foram os impactos
da pandemia na produção do telejornalismo e como a uso da tecnologia ajudou na
produção?
O objetivo geral do estudo é compreender as alternâncias na produção, nas
reuniões de pauta e transmissão. Os objetivos específicos consistem em: estudar a
história do telejornalismo e como ele transcorria antes da pandemia; compreender como
as ferramentas tecnológicas agregam recursos ao telejornalismo; e observar quais são as
principais mudanças do telejornalismo na pandemia.
Procurou-se observar como as empresas de comunicação estão se adaptando
para continuar produzindo informação, combater as fake news, lidar com protocolos,
principalmente com a saúde de seus colaboradores, e com os impactos da crise sanitária
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
239
no fazer jornalístico relacionados aos procedimentos de coleta de informações e produção
de reportagens.
2 | ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS RELATIVOS AO TELEJORNALISMO
Tentar compreender as nuances do telejornalismo é busca abarcar o presente e o
momento da pandemia assim como que as ferramentas que evoluíram com o telejornalismo
puderam ser aproveitadas no momento da crise da Covid-19.
A história do telejornalismo tem as suas periodicidades, tanto nos aspectos da
enunciação e como a notícia é produzida, como na exploração dos recursos técnicos os
quais são utilizados. Kneipp (2008) destaca o primeiro jornal televisivo da Globo o qual
vai ao ar em 1969. Já na Rede Tupi, o primeiro telejornal começa em 1950. Ainda sob o
jugo da censura, esse telejornal tenta de todas as formas lidar com a ditadura e nas suas
intervenções de escolhas profissionais. No período da redemocratização, especificamente
em 80, o investimento é em bons redatores para, inclusive, haver uma boa cobertura do
processo de reabertura política do país. Nos anos 90, o telejornal começa a ser segmentado
pela interface do tempo. O jornal 24 horas é aquele que aparece nesse período mostrando
etapas massivamente constitutivas de plantões de notícias divididas em blocos. Quando
se inicia o novo milênio, as configurações mudam para uma constituição estruturada nos
adventos tecnológicos e em uma escalada não linear da notícia.
Kneipp (2008, p. 21) fala o quanto o telejornalismo tornou-se híbrida ao logo dessas
décadas. A hibridização é um termo que se tem usado bastante em época pandêmica
para denotar um mesmo veículo que se utiliza de um mesmo objeto por tempos distintos:
presencial e online.
Backes (2018, p. 47) fala a respeito da inauguração do telejornalismo na televisão
brasileira:
Desde a estreia da televisão no Brasil, em 1950, os telejornais fazem parte
da grade de programação da maioria das emissoras de canal aberto, e,
atualmente, já existem canais fechados totalmente direcionados à veiculação
de notícias. Mas, quando esses programas informativos começaram a ser
exibidos, os profissionais sabiam muito pouco sobre a produção de notícias
para a televisão, visto que seu conhecimento advinha da ampla experiência
com o jornalismo radiofônico: locutores com vozes vibrantes simplesmente
liam notícias, expondo sua imagem à frente das câmeras”.
O que a autora menciona é a forma como o telejornalismo quando ele começa a
ser incluído na grade das programações televisivas e pondera a respeito da herança do
rádio e de seus programas, novelas que, de certa forma, são transpostos para a televisão
e mudança a conjuntura produtiva. Aqui há um viés técnico e que precisa buscar qual é
formatação do telejornal para a televisão.
Backes (2018) ressalta algumas peculiaridades do telejornalismo a essa época.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
240
Primeiramente, ela reforça que a herança radiofônica é patente. Os âncoras dos telejornais
apenas liam a notícia e a autora exemplifica com o Repórter Esso. A segunda característica
é compreender que o telejornal não era a parte principal da programação de um canal ou
emissora. Logo, ele entrava em espaços intermediados, entre programas televisivos que
mobilizam mais a sociedade ao passo que hoje, canais de streamming são dedicados única
e exclusivamente às notícias. Outra característica é a equalização entre a imagem para
ilustrar a notícia que era lida o que, aos poucos, começa a ser a tônica do telejornal para
alcançar a modalidade do telejornalismo de plantão.
Rezende (2010 apud BACKES, 20178) reflete a respeito da parte figurativa da
notícia a qual não precisaria ser somente narrada ou lida uma vez que o contexto não seria
somente mais o radiofônico. Tomar conhecimento da notícia e visualizá-la começava a se
revelar como algo apreciado pelo telespectador que começa a inserir a relação do que era
transmitido verbalmente para o que era visualizado por imagens para que o discurso e a
enunciação da reportagem pudessem estar sempre no limiar da autenticidade. Contudo, o
autor também pondera que as dificuldades técnicas para que essa imagem pudesse chegar
ao telespectador e transformar uma notícia em um veículo mais espontâneo.
Na tentativa de se tornar um tipo de programação mais fiel à notícia que era
transmitida, o telejornal avança pelo jugo e censura do governo militar e como que ele
elencava os conteúdos que deveriam ou poderia ser transmitido. Com o jornal em cadeia
nacional a partir do ano de 1969, as notícias tinham uma tônica, mas técnica, colorida,
buscando investir em âncoras, repórteres, comentarias e correspondentes internacionais
que trouxesse sobriedade às notícias, critério do governo militar para a veiculação de
notícias. Todos os noticiários passavam por censura prévia com um investimento em
notícias nacionais em detrimento das locais.
Após a Constituição de 1988, a comunicação jornalística começa a ser autônoma ao
elencar notícias pautando-se pela superação do momento de censura em plena manifestação
da liberdade de pensamento. Com isso, percebe-se a evolução da competitividade entre as
emissoras e como que os programas passam a ser roteirizados de forma mais educacional,
artística e informativa (REZENDE, 2010).
Enquanto que os anos 80 representou a conquista da liberdade de pensamento e
informação, os anos 90 começa com um diálogo com os correspondentes internacionais
de forma mais acintosa e com a modernidade a qual começa a permitir que as TVs por
assinatura lancem conteúdos informacionais específicos para assinantes de diversos
gostos. As infraestruturas começam a ter mais investimento. A TV a cabo aparece como
mais uma opção de distintos canais e, nesse cenário, a notícia é moldada para serem
diluídas entre audiências e para dirimir as limitações dos canais abertos.
Backes, (2018, p. 52), a respeito dos canais fechados fala que:
A inserção dos canais informativos fechados no Brasil provocou alterações
no telejornalismo praticado pela TV aberta com vistas a enfrentar a nova
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
241
concorrência: matérias mais longas, com esclarecimentos, serviços públicos,
defesa do consumidor e densidade crítica”.
Logo, esse crescimento e repartição dos canais em fechados e abertos impactam
o telejornalismo e preparam um ambiente que tem o seu ápice a partir de 2000 com o
advento da globalização: o desenvolvimento tecnológico que culmina com a web TV e,
hoje, com os serviços de streaming, muitos com acesso liberado outros com aplicativos e
canais que podem disponibilizar o acesso por redes móveis. (KNEIPP, 2008).
A TV Digital, aquela que pode ser tanto vista na TV com também nos dispositivos
móveis cria uma versatilidade na veiculação da notícia tal qual a linearidade da transmissão a
qual é representada por uma produção televisual a qual avança em distintos conglomerados
de notícias. É possível, por exemplo, um jornal contar com vários informantes que estão
falando de distintas localidades simultaneamente o que globaliza a informação.
Kneipp (2008) no tocante à parte técnica e de produção de notícia apresenta uma
periodicidade do telejornalismo, acrescentando e descrevendo as características de cada
um deles.
O primeiro período descrito é a fase radiofônica a qual já supracitada denota ter
maior herança dos programas que eram produzidos para o rádio. Como que a televisão
a essa época era novidade, as câmeras utilizadas para filmar era as mesmas dos filmes,
logo, havia ainda a produção com câmeras cinematográficas. As imagens eram em preto e
branco, com baixa qualidade e ainda não se tinham as ferramentas técnicas para equalizar
som e câmera. (KNEIPP, 2008).
Os primeiros profissionais a serem convocados para trabalhar na televisão
foram os radialistas, visto que a tecnologia, até então, era muito parecida,
pelo menos no que diz respeito ao sistema de radiofusão de som e imagens.
As exigências para se trabalhar na televisão eram mínimas, pois ninguém
sabia como fazer televisão naquele momento (KNEIPP, 2008, p. 98).
Com isso, observa-se ainda que a improvisação seria uma característica muito
aderente aos primeiros telejornais. Logo, a transposição do telejornalismo da TV para a
rádio aparenta ter uma reversibilidade simples dado o contexto de produção, porém era
preciso convocar mais aparatos tecnológicos para que os radialistas pudessem se despojar
do improviso o qual seria um elemento bem aceito no rádio.
Outro período demarcado é a fase cinematográfica, dos rolos de vídeos, os antigos
negativos que utilizam o cromaqui e os jogos de luz e contraluz para profissionalizar a
participação dos âncoras. A técnica tenta minimizar as hastes do improviso e incorpora
a tecnologia do teleprompter que é o mecanismo da leitura por jogos espelhados,
proporcionando ao apresentador um olhar mais profissional. (KNEIPP, 2008).
A terceira e última fase dessa periodização aponta para a ampliação dos
computadores e mais recursos tecnológicos até as datas de hoje que norteiam com mais
segurança as políticas de atuação do jornalista que caminha até a implantação da TV
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
242
digital. Nesse curto percurso compreende-se como a técnica oferece mais segurança para
os âncoras e demais participantes do telejornalismo, que começa a apurar a notícia para
depois transforma-la em informações mais estruturadas.
Por fim, para se dar início à técnica e rotina dessas produções telejornalísticas é
imprescindível conceber como a internet modificou o contexto de produção de jornais e a
inclusão de mais telespectadores à informação.
3 | TELEJORNALISMO: RETRATO PRÉ-PANDÊMICO
Para compreender quais foram os impactos da pandemia na rotina de produção
do telejornalismo, é preciso traçar qual o cenário e como que ele era realizado antes do
advento da pandemia. Primeiramente, pode-se afirmar que toda a parte de edição, reunião
de pauta, entrevista eram arroladas à luz de um jornalismo não linear e com o contexto
digital, das novas tecnologias e são esses pressupostos que serão elencados aqui. Viuse que as novas tecnologias aprimoraram drasticamente as ferramentas para a produção
telejornalística.
Crocomo (2001) fala que a edição não linear foi conveniente para a produção do
jornalismo diário com os adventos tecnológicos. Os softwares de edição não linear nos
tempos da digitalização transferem imagens de formas mais simples que os videotapes,
os quais seriam classificados como um material muito bruto para ser editado nas ilhas de
edição analógicas. Para o autor, os benefícios da digitalização são:
Não precisamos mais copiar em fita cada matéria a ser utilizada no telejornal.
Não há mais perda de tempo. As matérias estão no disco rígido do computador.
A única perda de tempo continua existindo para a digitalização das imagens.
Melhorou a qualidade de imagem porque se elimina a cópias e as matérias
passam a ser rodadas a partir do computador, diminuindo os riscos de vazar
no ar sons de fita rebobinando no início, fim ou em qualquer ponto desejado
(CROCOMO, 2001. p. 81).
A estação analógica passa, portanto, a ter um caráter não linear e, com isso, as
saídas de áudio e vídeo a partir do computador passou a ser de fácil edição. Ficou fácil
também para o âncora que está conectado às saídas da produção e consegue acompanhar
toda a transmissão, com mais segurança nas intervenções as quais ele precisa ter, conforme
os retornos que lhe são dados pela equipe. (CROCOMO, 2001).
Os equipamentos digitais, por conseguinte, são remanejados e permitem uma
atualização tecnológicos de forma que os apresentadores, âncoras e correspondentes
possam participar de toda a lógico do curso da transmissão para a audiência. Outro fato
importante é permitir que esse jornalista possa estar na redação, sem ter que dominar uma
ilha de educação. Ele apenas precisa estar na sala de redação, para a reunião de pauta,
com outros jornalistas, trocando informações de como lançar e desenvolver determinada
pauta e editar de forma viável para ser incluída na programação.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
243
Crocomo (2001) aponta, portanto, quais foram as modificações e um ambiente
analógico para um digital. A edição seria uma mudança destacável porque migra-se dos
acúmulos e fitas de videotape para softwares. E assim, a máquina prepara os filmes que
precisariam ser editados. A digitalização do material é toda convergente para o computador
e integrando às redações e aos profissionais que precisam ter acesso junto com o técnico.
Ao longo desse processo tem-se uma adaptação, para a edição não linear.
Crocomo (2001, p. 92) relata como que a edição de um telejornal pode começar:
O telejornal começa e o diretor de imagens seleciona, através da mesa de
corte, mas imagens que vão ao ar. A partir da mesa é possível escolher as
câmeras de estúdio, de externa (para entradas ao vivo dos repórteres que
estão na rua) e também para a exibição das reportagens.
É demonstrado no excerto como que o telejornalismo é editado e de onde que as
matérias são exibidas. A âncora lê todas as matérias que foram selecionadas pelo editor
e a matéria entra. Essa sequência é toda alinhada na redação e nos encontros entre os
jornalistas responsáveis pela apresentação e pelas matérias que estariam encadeadas.
O investimento em placas maiores de softwares e demais equipamentos que
garantam as gravações, assim com os offs que estão disponibilizados pelos narradores,
são equipamentos que precisarão ser sempre aprimorados.
Outro por a ser destacado é a elaboração da pauta. Esta é a relação de assuntos,
a discussão e os encaminhamentos que são lançados pelo repórter responsável pela
matéria. Quando ele tem as suas reuniões para contemplar possíveis desdobramentos
da sua pauta, ela pode acessar um grande banco de imagens na redação, assim como
matérias e gravações que estejam em um servidor relacionadas com a pauta que ele
deseja levantar. (BACKES, 2018).
Durante a reportagem, o meio digitalizado, prescinde dos repórteres pauteiros, os
quais precisam estar à frente da condução da informação porque eles que a desenvolveram
na reunião de pauta. Com esta, ele pode orientar os responsáveis de imagens para captar a
essência do que pode ilustrar com mais objetividade a matéria. Em alguns momentos, esse
pauteiro está em uma transmissão imediata, ou seja, aquela que não passará por edição
para chegar ao jornalista âncora. Eles seriam responsáveis pela notícia direta, entradas ao
vivo, coberturas sequenciais. (KNEIPP, 2008).
Cromoco (2001, p. 100) menciona a importância de a pauta ter as informações bem
alinhadas com as imagens na linha de educação, priorizando um arrolamento correto de
scritp para que o jornal possa ter um resultado positivo:
Continua sendo fundamental a correta elaboração dos scripts – com textos e
informações técnicas necessárias para que o programa seja exibido. No caso
das matérias especiais. O roteiro continua sendo fundamental. A garantia de
uma boa decupagem – anotação exata das cenas desejadas – cada um com
o respectivo timecode inicial e final – já é um bom início
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
244
A boa veiculação para uma audiência também depende da disponibilidade do público
para se adequar a todas essas inovações. A linguagem, tônica das pautas são elementos
que sensibilizam com mais facilidade e imediatismo os telespectadores. Estes serão parte
da audiência caso as estruturas de determinada produção possam lhes impactar.
Os investimentos realizados para se manter um telejornal na TV digital contam
com a apropriação da notícia pelos telespectadores, não somente com os que ficam de
frente para a televisão. Telespectador hoje se configura pelos acessos que as plataformas
têm através dos dispositivos móveis. Essa dinâmica de interação do telespectador com a
notícia que é transmitida em tempo real é uma das características que mais dinamizam o
telejornalismo atualmente.
Santos (2014) fala que é um jornalismo cidadão e que, por meio de tecnologias
digitais acessíveis a todos, podem acionar setores da sociedade promovendo um jornalismo
participativo. Dada essa produção para uma nova agenda de transmissão de telejornais, a
audiência deixa o telespectadorismo e formula com mais inferências suas percepções da
matéria que está sendo veiculada.
Essa modalidade de jornalismo que é proposto pela TV digital reconfigura as
dinâmicas de interação com a audiências.
Hoje em dia o recurso da interatividade, na televisão terrestre aberta brasileira,
só pode ser realizado através do uso de uma segunda tela, a qual possibilita
a resposta por parte da audiência, ou restrito ao recebimento de informações
enviadas pela emissora. Provavelmente, tais limitações sejam passageiras, já
que uma das grandes apostas das grandes empresas de comunicação para
reconquistar o público perdido para a internet é exatamente a ferramenta que
possibilita a interação entre emissora e telespectadores (SANTOS, 2014, p.
113).
As ferramentas da TV digital, por certo, impactaram na participação direta do
espectador que ganha uma amplitude no acesso ao telejornal porque passa a ser alcançado
por várias plataformas. Ferraz (2009 apud SANTOS, 2014) fala que essa interatividade
com base na interferência direta e quase simultânea constitui o empoderamento do público
que tenta se apropriar dos seus espaços participativos.
Por esse prisma, o jornalismo televisivo pautado por uma era digital revela as
personas participantes do outro lado da tela, representado por um público receptor pelas
mensagens que são captadas, especificamente por uma população que consome mídia.
(FERRAZ, 2009).
Antes dessa digitalização televisiva, o perfil do público seria para quem estava em
casa: programas para a criança, para as donas de casa que não estavam no mercado de
trabalho e, ainda, o telejornal que passava na hora que o marido chegaria em casa do
trabalho. Hoje, há uma persona por detrás de muitas telas e que, muitas das vezes, recebe
a notícia na hora em que ela é anunciada e se prepara para as coberturas que serão feitas
nas plataformas digitais. Ou seja, pessoas instalam aplicativos, recebem notícias em push
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
245
e é como se tivessem previamente o roteiro do programa que irão assistir logo mais.
Logo, apesar de uma reformulação técnica que é promovida pela TV Digital, as
redações jornalísticas passaram a criar e mediar as suas pautas conforme o acesso
do público a determinada notícia, o que representa também a liberdade de escolha da
população para saber mais a respeito de um assunto.
4 | A PANDEMIA E OS IMPACTOS NO TELEJORNALISMO DIGITAL
Com o cenário do telejornalismo traçado, tanto em uma abordagem história quanto
técnica, compreende-se que houve uma certa ruptura na promoção das notícias. Dantes
vistas, as redações deixaram de ser um ambiente isolado e os pauteiros não puderam se
acomodar no rol de informações já presentes no banco digital de matérias.
Com o advento da pandemia, o impacto primeiro presume ter sido na articulação dos
profissionais responsáveis pela pauta, articulação das entrevistas e maior interatividade
com o público. Durante a quarentena de 2021, com todos precisando cumprir com regras
de isolamento, os jornais começaram a delinear novos perfis de audiência. Logo, entendese que a interatividade com certeza ampliou.
A lógica da digitalização, com todas as mudanças e vieses que motiva a aplicação
da rotina de uma forma mais prática ela concepção técnica não fora o suficiente para que
as reuniões de pauta, entrevistas e interatividade para que o conteúdo audiovisual pudesse
transcorrer normalmente em período de pandemia.
Muitos jornalistas precisaram ficar em casa por conta da prevenção e poucos estavam
presentes no estúdio. Os serviços interativos convergem por certo para uma apuração mais
intensa, pautas mais dinâmicas e captação de fontes que pudessem trazer uma informação
verídica para cobrir também a situação da saúde do país e de outras localidades.
Cajazeira e Souza (2020) falam que o foco, nesse período, fora a pandemia e os
seus desdobramentos em todo o mundo. Todavia, os próprios profissionais precisaram
migrar para home office e deslocando-se do estúdio para realizar as suas correspondências
e análises. Como medida preventiva, esses profissionais também precisaram ficar reclusas
o que já tem suas resultantes em toda a rotina desse profissional com o seu editor e com
as demais tarefas de sua rotina. Outro destaque dado pelos autores é que muitos foram
para a cobertura da linha de frente em várias localidades e precisaram estar equipados com
máscaras e outros equipamentos de proteção, o que por certo teria interferência no uso do
microfone. Ainda assim, todo o protocole precisou ser seguido rigorosamente por equipes
internas e externas.
Figaro et al (2020, p. 19 apud Cajazeira e Souza, 2020, p. 2) revelam que:
O contexto da pandemia da Covid-19 certamente acelerou a transição que
alguns setores já ensaiavam de transmutar o local de trabalho da residência
do trabalhador. A situação de emergência em prol da saúde coletiva passou a
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
246
justificar desse modo, a forma improvisada que muitos tivemos de assumir do
trabalho em casa. O improviso é de toda ordem: equipamentos inadequados,
faltas de softwares para edição, falta de apoio técnico, móvel e local não
ergonômicos, lugar/ espaço/ ambiente inadequado, porque sobreposto à
ambiência que pertence ao espaço privado da casa, do lar. O isolamento
social também retira do trabalho algo fundamental que é a coletividade.
A perspectiva coloca no excerto acima pelos autores traça componentes os quais
são superados pelos desenvolvimentos tecnológicos pelos quais passaram as redações.
Desde as características ergonômicas: cadeiras apropriadas, câmeras à altura dos olhos
e chamadas para entrar no ar – até a participação desse jornalista à edição e produção de
pauta coletiva da matéria que ele propôs.
Apesar desse profissional transpor barreiras outrora conhecidas pelos jornalistas
com a revolução digital, a domesticalização do seu trabalho não trouxe a segurança inicial
para ele continuar desenvolvendo de forma independente os seus programas. A equipe
técnica presente para realizar matérias externas também não pôde continuar os takes,
logos, muitos programas específicos ficaram suspensos.
Outro impacto bem evidente foram os meios de apuração para checar o
desdobramento da pauta. Figaro et al (2020) falam que pautas que precisariam de algumas
checagens/apurações nem sempre puderam ser efetivadas de casa. O jornalista, para
realizar apurações mais específicas, precisaria realizá-las in logo e a necessidade do
distanciamento não permitira essa ação.
O isolamento comprometeu a atuação desse profissional que precisaria trazer
informações para se manter fiel a um script, a maioria se adaptou e ampliou a sua pauta com
volumes de novas informações, automatizando a emissão das notícias. Esse trabalho não
pôde ser interrompido porque as comunidades precisariam da transparência e atualizações
das notícias em plena pandemia. Os jornalistas precisaram reorganizar o processo de
apuração e levantamento de pautas e como essas informações seriam distribuídas dado o
veículo informacional.
A função pública do telejornalismo durante a pandemia continuou exigindo
aplicabilidade informacional devida como prestação de serviço social. A edição não-linear
das notícias também dá a tônica de um telejornal que converge para uma mobilidade e
que é o cenário representado para o público com a proposta do telejornalismo digital, de
plataformas.
Como visto anteriormente, a tecnologia digital aparece para mudar a forma como
os processos de se fazer a notícia são feitos, desde a captação de informações até a
criação desse produto final para a emissão em uma plataforma digital ou canais abertos e
fechados. Esses compromissos permaneceram inalterados com o advento da pandemia.
A pandemia, portanto, somente antecipou uma reconfiguração acima da linearidade.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
247
As entrevistas, o agrupamento virtual de um conglomerado de jornalistas que estão em
cidades diferentes, a ampliação do protagonismo do espectador e as notícias em tempo
real, são esses produtos das novas mídias que já beiram a uma realidade virtual.
Acreditamos, assim, que o jornalista de tv terá que passar por um processo
de reciclagem e de interação com novas mídias, aprendendo outras formas
de apresentação do conteúdo, bem como outras maneiras de produzi-lo. As
tarefas de buscar, selecionar, analisar e apresentar acontecimentos em forma
de notícias imparcialmente continuará sendo missão do jornalista, contudo
o perfil que se instaura confere a concentração de outras atividades, como
pensar em ferramentas interativas para serem integradas à informação que
está sendo veiculada (PEREIRA, 2010, p. 139).
Assim, esse futuro antecipado, diga-se, pretende continuar com a rotina do jornalista
e da produção do telejornal de forma a preparar as próximas novidades que forma acionadas
pela pandemia. O advento do 5G proporcionar outras formas de interação em estudo e
com mais realidade virtual, para além da simultânea. Avanços esses que não significam
que os telejornais precisam ancorar as suas rotinas de produção nas tecnologias que vão
aparecendo porque a pandemia da Covid-19 mostrou que as medidas sanitárias intervêm
me modelos já instituídos e classificados como avançados.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo discorreu sobre os impactos da pandemia da Covid-19 no
exercício da profissão do jornalista e no telejornalismo.
O que se averiguou foi que a produção telejornalística vinha com um histórico
de evolução técnica desde a época da redemocratização, o que se pôde constatar na
abordagem história da sua produção.
Em seguida, a culminância técnica, com ferramentas que tiveram o seu ápice de
aplicação após o ano 2000 com os recursos das mídias digitais e que muito impactaram
na construção da notícia, desde as pautas até a emissão da notícia em plataformas
determinando uma acessibilidade.
A covid-19 evidenciou as desigualdades sociais, econômicas, políticas e desafiou a
ciência e a psiquê humana, já que fomos obrigados ao isolamento, à solidão e até ao medo
da morte. O coronavírus atingiu as instituições sociais, pôs à prova corporações nacionais
e internacionais, e impôs uma crise desafiadora às mídias digitais, o mais seguro elo de
conexão entre os povos no Espaço e no Tempo.
Por fim, viu-se o jornalista de televisão superando desafios e correndo riscos
para, mesmo em tempo de pandemia, levar informações as pessoas sobre os serviços
disponíveis, orientações sobre tratamentos e como prevenir doenças.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
248
REFERÊNCIAS
BACKES, Vanessa. Telejornalismo: deferentes reconfigurações da notícia. Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências Sociais, 2018. Disponível em:
https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/14163/DI
CAJAZEIRA, Paulo Eduardo; SOUZA, José. Telejornalismo, trabalho e saúde na cobertura da
pandemia da Covid-19. Revista Dispositiva, PUC-Minas, 2020. Disponível em: file:///home/everex/
Downloads/23906-Texto%20do%20artigo-92609-1-10
CROCOMO, Fernando Antonio. O uso da edição não-linear: as novas rotinas no
telejornalismo e a democratização de acesso à produção de vídeo. Dissertação de Mestrado.
Universidade de Santa Catarina, 2001. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/
handle/123456789/79896/177735.pdf?sequence
KNEIPP. Valquíria Passos. Trajetória de formação do telejornalista. Tese de Doutorado. Escola
de Comunicações e Artes, 2008. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde27042009-121921/publico/157520.pdf
FIGARO, R. et al. Como trabalham os comunicadores na pandemia do Covid-19? 2020. Disponível
em: http://revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/ view/76. Acesso em: 03 jul. 2020
FERRAZ, Carlos. Análise e perspectivas da interatividade na TV digital. In: SQUIRRA, Sebastião,
FECHINE, Yvana (orgs.). Televisão digital: desafios para a comunicação. Porto Alegre: Sulina,
2009. p.15-43.
PEREIRA, Lívia Cirne. Interatividade e perspectivas no telejornalismo da TV digital. Dissertação
de Mestrado. UFPB, 2010. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/4498/1/
arquivototal
SANTOS, Wendel Ribeiro. Você na TV: o papel da audiência nas rotinas produtivas do
telejornalismo. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, 2014. Disponível em: https://
repositorio.unb.br/bitstream/10482/15706/1/2014_WendelRibeirodosSantos.pdf
REZENDE, Guilherme Jorge de. 60 anos de jornalismo na TV Brasileira: percalços e conquistas.
Florianópolis: Insular, 2010.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Capítulo 15
249
SOBRE OS ORGANIZADORES
EDWALDO COSTA - Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da UnB.
Pós-doutor em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (ECA/USP). Doutor em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Marília e especialista em Informática
na Educação, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Concluiu graduações em
Comunicação Social/Jornalismo e Ciências da Computação. Atuou como professor na
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), no Centro Universitário Toledo de
Araçatuba e na União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo. Atualmente, o
organizador do e-book é membro efetivo da Academia de Letras do Brasil-DF e atua como
jornalista no Centro de Comunicação Social da Marinha, em Brasília.
SUÉLEN KEIKO HARA TAKAHAMA - Mestranda no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Jataí (UFJ) e bolsista pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Especialista em Educação Especial (PUCMG). Possui graduação em Pedagogia/Licenciatura Plena. Especialização em Educação
Especial Inclusiva pela PUC-MINAS e Especialização em Educação à Distância e as Novas
Tecnologias. Curso de Libras pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
(FENEIS). Foi professora de Libras na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG),
Instituto Federal de São Paulo e na Fundação Educacional de Penápolis (FUNEPE). Também
atuou como professora interlocutora de Libras na Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo e na Secretaria Municipal de Educação de Corumbá-MS. Em Araçatuba-SP trabalhou
como professora de Educação Infantil e na Secretaria Municipal de Educação em Cuiabá,
como professora da Sala de Recursos Multifuncionais.
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Sobre os organizadores
250
ÍNDICE REMISSIVO
A
A Cidade ON 3, 72
Amazônia 2, 4, 158, 159, 160, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171
Anúncios de prevenção às drogas 16
A terceira margem do rio 10, 11
Audiência 3, 62, 63, 83, 84, 85, 86, 89, 91, 92, 243, 245, 246, 249
Audiovisual 8, 73, 79, 246
B
Biotecnologia 3, 34, 35, 36, 39, 40, 41, 42, 43, 45, 50, 53, 54, 55, 56
Biotecnologia no Brasil 3, 34
C
Caça às bruxas 172, 174, 176, 180, 181
Campanha de vacinação 130, 132, 135, 140, 143, 145, 146, 147, 148, 151
Campanha nacional de vacinação contra a poliomielite 4, 129, 131, 140, 142, 152, 155
Cancelamento 57, 58, 59, 61, 62, 63, 64, 67, 68, 69, 70, 181
Celebridades canceladas 57
Ciência da informação 2, 3, 34
Ciências 1, 2, 21, 39, 43, 51, 53, 81, 82, 155, 156, 157, 162, 163, 182, 183, 208, 249, 250
Ciências da comunicação 1, 2
Cinema 10, 13, 14, 15, 16, 20, 62, 73, 74, 77, 79, 80, 133
Cobertura jornalística 57, 58, 68
Comunicação 1, 2, 3, 4, 1, 2, 3, 5, 6, 16, 19, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 38,
45, 47, 57, 58, 59, 61, 69, 70, 74, 76, 81, 82, 83, 84, 85, 92, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101,
102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119,
120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 137, 139,
140, 142, 144, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 172, 173, 174, 175, 176,
180, 181, 182, 201, 202, 205, 209, 210, 219, 221, 239, 241, 245, 249, 250
Comunicação digital 108, 115, 126
Comunicação estratégica 2, 3, 22, 23, 29, 30, 31, 32
Comunicação externa 3, 22, 23, 26, 27, 28, 31, 32
Comunicação pública 2, 4, 129, 130, 132, 133, 140, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157
Conceito Amazônia 4
Conceito Amazônia pela cultura letrada regional 4
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Índice Remissivo
251
Conhecimento 1, 2, 14, 15, 27, 37, 38, 41, 47, 49, 50, 55, 67, 74, 75, 77, 79, 80, 86, 92, 94,
96, 109, 115, 125, 126, 176, 198, 201, 208, 240, 241
Convergência da TV com as redes sociais 3
Covid-19 2, 4, 8, 20, 58, 62, 71, 96, 106, 108, 110, 111, 112, 113, 114, 117, 126, 127, 238,
239, 240, 246, 248, 249
D
Desinformação 4, 129, 130, 131, 132, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 144, 147, 148, 150,
151, 152, 153, 154, 180
Desinformação em saúde 4, 129, 148, 153
E
Ecossistema da desinformação 129, 130, 131, 132, 136, 137, 138, 139, 140, 148, 151,
152, 153
Editoria política 2, 5, 210, 234, 235, 236
Equilíbrio de baixo nível 2, 4, 183, 185, 186, 188, 194
Equipes de projeto 108, 111, 115, 116
Estratégias comunicacionais 4, 129, 130, 150, 153, 156
Estratégias comunicacionais do Ministério da Saúde 4, 129
F
Fabiane 2, 4, 172, 173, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182
Fabiane, a bruxa do Guarujá 4, 172
Fact-checking 129, 130, 132, 140, 148, 149, 150, 157
Fogueiras inquisitórias 4, 172
G
Gestão da identidade organizacional 3, 22, 23
Gestão de comunicação 2, 4, 108, 110, 111, 126, 127
Gestão de comunicação em tempos de Covid-19 4, 108
Guarujá 2, 4, 172, 173, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182
H
História 2, 3, 5, 1, 2, 3, 5, 6, 10, 15, 16, 18, 19, 21, 22, 54, 72, 83, 84, 93, 133, 157, 158,
159, 160, 170, 171, 172, 174, 176, 181, 182, 197, 199, 200, 210, 211, 213, 214, 216, 218,
219, 220, 229, 235, 237, 238, 239, 240, 246, 248, 250
História da comunicação 2, 3, 1, 2, 3, 19
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Índice Remissivo
252
História da mídia impressa 158
I
Ignorancialismo 5, 197, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 208
Impactos da pandemia de covid-19 no setor audiovisual 8
J
Jazz 13, 14, 15, 16, 21
Jornalismo cultural 82
Jornalismo cultural em Campinas 2, 3, 10, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 82, 158, 166,
168, 169, 172, 200, 201, 235
Jornal O Alto Uruguai 5, 210, 218, 219, 220
L
Livros 69, 158
M
Ministério da saúde 4, 8, 20, 51, 106, 129, 130, 132, 134, 135, 140, 143, 145, 146, 147,
148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156
Mudanças sociais 10
N
Narrativas 3, 1, 2, 59, 160, 163, 181, 211
P
Panorama bibliométrico 4, 183
Personalidades na pandemia 57
Portais de notícias 2, 3, 57, 58, 60, 68, 69
Portal de notícias 3, 63, 66, 71, 72, 73, 81
Produção do conhecimento 1, 2
Programas de saúde 3, 83, 86, 92
programas de saúde no rádio 3, 83, 86, 92
Projetos Green Belt 4
Publicações de maior fator de impacto 4, 183
R
Redes sociais 4, 3, 4, 5, 7, 27, 57, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 69, 70, 71, 80, 81, 85, 87, 93,
96, 102, 119, 122, 126, 131, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 152, 154, 172, 173,
175, 181, 200, 205
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Índice Remissivo
253
Reverberação midiática 2, 5, 197, 208
T
Telejornalismo 2, 5, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249
Temporalidades 3, 1, 2, 19
V
Vacinação 4, 117, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 139, 140, 141, 142, 143, 144,
145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 154, 155, 156, 157
Viajantes 8, 158, 160, 164, 213
A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2
Índice Remissivo
254