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Artigo publicado em livro

Direitos para esta edição cedidos à Atena Editora pelos autores. Open access publication by Atena Editora Todo o conteúdo deste livro está licenciado sob uma Licença de Atribuição Creative Commons. Atribuição-Não-Comercial-NãoDerivativos 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0). O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores, inclusive não representam necessariamente a posição oficial da Atena Editora. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. Todos os manuscritos foram previamente submetidos à avaliação cega pelos pares, membros do Conselho Editorial desta Editora, tendo sido aprovados para a publicação com base em critérios de neutralidade e imparcialidade acadêmica. A Atena Editora é comprometida em garantir a integridade editorial em todas as etapas do processo de publicação, evitando plágio, dados ou resultados fraudulentos e impedindo que interesses financeiros comprometam os padrões éticos da publicação. Situações suspeitas de má conduta científica serão investigadas sob o mais alto padrão de rigor acadêmico e ético.

Editora chefe Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira Editora executiva Natalia Oliveira Assistente editorial Flávia Roberta Barão Bibliotecária Janaina Ramos Projeto gráfico Camila Alves de Cremo Daphynny Pamplona Gabriel Motomu Teshima Luiza Alves Batista Natália Sandrini de Azevedo Imagens da capa iStock Edição de arte Luiza Alves Batista 2022 by Atena Editora Copyright © Atena Editora Copyright do texto © 2022 Os autores Copyright da edição © 2022 Atena Editora Direitos para esta edição cedidos à Atena Editora pelos autores. Open access publication by Atena Editora Todo o conteúdo deste livro está licenciado sob uma Licença de Atribuição Creative Commons. Atribuição-Não-Comercial-NãoDerivativos 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0). O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores, inclusive não representam necessariamente a posição oficial da Atena Editora. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. Todos os manuscritos foram previamente submetidos à avaliação cega pelos pares, membros do Conselho Editorial desta Editora, tendo sido aprovados para a publicação com base em critérios de neutralidade e imparcialidade acadêmica. A Atena Editora é comprometida em garantir a integridade editorial em todas as etapas do processo de publicação, evitando plágio, dados ou resultados fraudulentos e impedindo que interesses financeiros comprometam os padrões éticos da publicação. Situações suspeitas de má conduta científica serão investigadas sob o mais alto padrão de rigor acadêmico e ético. Conselho Editorial Ciências Humanas e Sociais Aplicadas Prof. Dr. Adilson Tadeu Basquerote Silva – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí Prof. Dr. Alexandre de Freitas Carneiro – Universidade Federal de Rondônia Prof. Dr. Alexandre Jose Schumacher – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná Prof. Dr. Américo Junior Nunes da Silva – Universidade do Estado da Bahia Profª Drª Ana Maria Aguiar Frias – Universidade de Évora Profª Drª Andréa Cristina Marques de Araújo – Universidade Fernando Pessoa Prof. Dr. Antonio Carlos da Silva – Universidade Católica do Salvador Prof. Dr. Antonio Carlos Frasson – Universidade Tecnológica Federal do Paraná Prof. Dr. Antonio Gasparetto Júnior – Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais Prof. Dr. Antonio Isidro-Filho – Universidade de Brasília Prof. Dr. Arnaldo Oliveira Souza Júnior – Universidade Federal do Piauí Prof. Dr. Carlos Antonio de Souza Moraes – Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Crisóstomo Lima do Nascimento – Universidade Federal Fluminense Profª Drª Cristina Gaio – Universidade de Lisboa Prof. Dr. Daniel Richard Sant’Ana – Universidade de Brasília Prof. Dr. Deyvison de Lima Oliveira – Universidade Federal de Rondônia Profª Drª Dilma Antunes Silva – Universidade Federal de São Paulo Prof. Dr. Edvaldo Antunes de Farias – Universidade Estácio de Sá Prof. Dr. Elson Ferreira Costa – Universidade do Estado do Pará Prof. Dr. Eloi Martins Senhora – Universidade Federal de Roraima Prof. Dr. Gustavo Henrique Cepolini Ferreira – Universidade Estadual de Montes Claros Prof. Dr. Humberto Costa – Universidade Federal do Paraná Profª Drª Ivone Goulart Lopes – Istituto Internazionele delle Figlie de Maria Ausiliatrice Prof. Dr. Jadilson Marinho da Silva – Secretaria de Educação de Pernambuco Prof. Dr. Jadson Correia de Oliveira – Universidade Católica do Salvador Prof. Dr. José Luis Montesillo-Cedillo – Universidad Autónoma del Estado de México Prof. Dr. Julio Candido de Meirelles Junior – Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Kárpio Márcio de Siqueira – Universidade do Estado da Bahia Profª Drª Keyla Christina Almeida Portela – Instituto Federal do Paraná Profª Drª Lina Maria Gonçalves – Universidade Federal do Tocantins Profª Drª Lucicleia Barreto Queiroz – Universidade Federal do Acre Prof. Dr. Luis Ricardo Fernandes da Costa – Universidade Estadual de Montes Claros Prof. Dr. Lucio Marques Vieira Souza – Universidade do Estado de Minas Gerais Profª Drª Natiéli Piovesan – Instituto Federal do Rio Grande do Norte Profª Drª Marianne Sousa Barbosa – Universidade Federal de Campina Grande Prof. Dr. Marcelo Pereira da Silva – Pontifícia Universidade Católica de Campinas Profª Drª Maria Luzia da Silva Santana – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Prof. Dr. Miguel Rodrigues Netto – Universidade do Estado de Mato Grosso Prof. Dr. Pedro Henrique Máximo Pereira – Universidade Estadual de Goiás Prof. Dr. Pablo Ricardo de Lima Falcão – Universidade de Pernambuco Profª Drª Paola Andressa Scortegagna – Universidade Estadual de Ponta Grossa Profª Drª Rita de Cássia da Silva Oliveira – Universidade Estadual de Ponta Grossa Prof. Dr. Rui Maia Diamantino – Universidade Salvador Prof. Dr. Saulo Cerqueira de Aguiar Soares – Universidade Federal do Piauí Prof. Dr. Urandi João Rodrigues Junior – Universidade Federal do Oeste do Pará Profª Drª Vanessa Bordin Viera – Universidade Federal de Campina Grande Profª Drª Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti – Universidade Católica do Salvador Prof. Dr. William Cleber Domingues Silva – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Prof. Dr. Willian Douglas Guilherme – Universidade Federal do Tocantins A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Diagramação: Correção: Indexação: Revisão: Organizadores: Daphynny Pamplona Yaiddy Paola Martinez Amanda Kelly da Costa Veiga Os autores Edwaldo Costa Suélen Keiko Hara Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P964 A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 / Organizadores Edwaldo Costa, Suélen Keiko Hara. – Ponta Grossa - PR: Atena, 2022. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-65-258-0055-4 DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.554221103 1. Comunicação. I. Costa, Edwaldo (Organizador). II. Hara, Suélen Keiko (Organizadora). III. Título. CDD 302.2 Elaborado por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 Atena Editora Ponta Grossa – Paraná – Brasil Telefone: +55 (42) 3323-5493 www.atenaeditora.com.br [email protected] DECLARAÇÃO DOS AUTORES Os autores desta obra: 1. Atestam não possuir qualquer interesse comercial que constitua um conflito de interesses em relação ao artigo científico publicado; 2. Declaram que participaram ativamente da construção dos respectivos manuscritos, preferencialmente na: a) Concepção do estudo, e/ou aquisição de dados, e/ou análise e interpretação de dados; b) Elaboração do artigo ou revisão com vistas a tornar o material intelectualmente relevante; c) Aprovação final do manuscrito para submissão.; 3. Certificam que os artigos científicos publicados estão completamente isentos de dados e/ou resultados fraudulentos; 4. Confirmam a citação e a referência correta de todos os dados e de interpretações de dados de outras pesquisas; 5. Reconhecem terem informado todas as fontes de financiamento recebidas para a consecução da pesquisa; 6. Autorizam a edição da obra, que incluem os registros de ficha catalográfica, ISBN, DOI e demais indexadores, projeto visual e criação de capa, diagramação de miolo, assim como lançamento e divulgação da mesma conforme critérios da Atena Editora. DECLARAÇÃO DA EDITORA A Atena Editora declara, para os devidos fins de direito, que: 1. A presente publicação constitui apenas transferência temporária dos direitos autorais, direito sobre a publicação, inclusive não constitui responsabilidade solidária na criação dos manuscritos publicados, nos termos previstos na Lei sobre direitos autorais (Lei 9610/98), no art. 184 do Código penal e no art. 927 do Código Civil; 2. Autoriza e incentiva os autores a assinarem contratos com repositórios institucionais, com fins exclusivos de divulgação da obra, desde que com o devido reconhecimento de autoria e edição e sem qualquer finalidade comercial; 3. Todos os e-book são open access, desta forma não os comercializa em seu site, sites parceiros, plataformas de e-commerce, ou qualquer outro meio virtual ou físico, portanto, está isenta de repasses de direitos autorais aos autores; 4. Todos os membros do conselho editorial são doutores e vinculados a instituições de ensino superior públicas, conforme recomendação da CAPES para obtenção do Qualis livro; 5. Não cede, comercializa ou autoriza a utilização dos nomes e e-mails dos autores, bem como nenhum outro dado dos mesmos, para qualquer finalidade que não o escopo da divulgação desta obra. APRESENTAÇÃO Este e-book lança um olhar para a Ciências da Comunicação, mais especificamente sobre a produção do conhecimento. O segundo volume da obra “A produção do conhecimento nas ciências da comunicação” explora questões epistemológicas e metodológicas acerca da pesquisa de comunicação com base nas propostas de convergência e de sobreposição de temas e metodologias que se fazem notar de forma crescente na literatura atual, tanto por parte de pesquisadores da comunicação como das ciências sociais e humanas. A obra é composta por 15 artigos que visam compreender os contornos que as Ciências da Comunicação e seus componentes estabelecem entre si e com outras tessituras sociais. Trata-se, portanto, de uma necessária atitude crítica diante do campo em toda a sua complexidade, para mirar suas reconfigurações, seus atravessamentos e os sentidos que os fatos comunicacionais e outros produzem na contemporaneidade. Os autores abordam a comunicação estratégica, o jornalismo cultural, a ciência da informação, a reverberação midiática, o conceito de equilíbrio de baixo nível, a propagação de informações, os projetos Green Belt, a gestão de comunicação em tempos da Covid-19, a comunicação pública, o conceito Amazônia pela cultura letrada regional, o estudo do caso “Fabiane - a bruxa do Guarujá”, a história da comunicação, editoria política, telejornalismo e um estudo de caso dos portais de notícias Metrópoles e R7. Do ponto de vista do campo de pesquisa, os assuntos abordam uma configuração transdisciplinar. Um dos objetivos deste e-book, volume 2, é continuar propondo análises e discussões a partir de diferentes pontos de vista: científico, comunicacional, social. Como toda obra coletiva, esta também precisa ser lida tendo-se em consideração a diversidade e a riqueza específica de cada contribuição. Por fim, espera-se que com a composição diversa de autores e autoras, temas, questões, problemas, pontos de vista, perspectivas e olhares, este e-book ofereça uma contribuição plural e significativa. Edwaldo Costa Suélen Keiko Hara SUMÁRIO CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. 1 HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO: NARRATIVAS E TEMPORALIDADES Geraldo Pieroni Aline Cristina Pires Augusto Puga Débora Rosenente Fábio Ricardo Gioppo Gisele Filippetto Júlio Rigoni Filho https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211031 CAPÍTULO 2 ...............................................................................................................22 A COMUNICAÇÃO EXTERNA E A COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA NA GESTÃO DA IDENTIDADE ORGANIZACIONAL Layana do Amaral Rios https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211032 CAPÍTULO 3 ...............................................................................................................34 ASPECTOS GERAIS DA TRASNFERÊNCIA DE TECNOLOGIA EM BIOTECNOLOGIA NO BRASIL: UMA ABORDAGEM DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Francisco Carlos Paletta Thiago Negrão Chuba https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211033 CAPÍTULO 4 ...............................................................................................................57 SER CURTIDO E APROVADO OU DESCURTIDO E APAGADO? UM ESTUDO DE CASO DOS PORTAIS DE NOTÍCIAS ON-LINE METRÓPOLES E R7 Iasmim Santos Andréa Souza Daniela Ribeiro https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211034 CAPÍTULO 5 ...............................................................................................................72 A ATUAÇÃO DO PORTAL DE NOTÍCIAS ‘A CIDADE ON’ NO ÂMBITO DO JORNALISMO CULTURAL EM CAMPINAS Letícia Cristina Sobrinho Maria Lucia De Paiva Jacobini https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211035 CAPÍTULO 6 ...............................................................................................................83 CONSULTÓRIO NO AR: COMO A AUDIÊNCIA SE APROPRIA DOS CONTEÚDOS DOS PROGRAMAS DE SAÚDE NO RÁDIO Elane Gomes Santos Coutinho Valdinei Trombini SUMÁRIO https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211036 CAPÍTULO 7 ...............................................................................................................94 FATORES DE COMUNICAÇÃO QUE CONTRIBUÍRAM PARA O SUCESSO DE PROJETOS GREEN BELT Juliana Regina Galvão Reis https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211037 CAPÍTULO 8 .............................................................................................................108 GESTÃO DE COMUNICAÇÃO EM TEMPOS DE COVID-19: O CASO DE ESTUDO DE UMA EMPRESA MOÇAMBICANA Catarina Winnie Santos Garrido Felipe Miranda de Souza Almeida https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211038 CAPÍTULO 9 .............................................................................................................129 COMUNICAÇÃO PÚBLICA E DESINFORMAÇÃO EM SAÚDE: ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS COMUNICACIONAIS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NA COBERTURA DA CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO CONTRA A POLIOMIELITE E CONTRA O SARAMPO DE 2018 Johnny Ribas da Motta Nelia Rodrigues Del Bianco https://doi.org/10.22533/at.ed.5542211039 CAPÍTULO 10...........................................................................................................158 NOTAS SOBRE A INCORPORAÇÃO DO CONCEITO AMAZÔNIA PELA CULTURA LETRADA REGIONAL Luís Francisco Munaro https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110310 CAPÍTULO 11 ...........................................................................................................172 FOGUEIRAS INQUISITÓRIAS NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: ESTUDO DO CASO “FABIANE, A BRUXA DO GUARUJÁ” Bárbara Carolina Rodrigues Marques https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110311 CAPÍTULO 12...........................................................................................................183 EQUILÍBRIO DE BAIXO NÍVEL: UM PANORAMA BIBLIOMÉTRICO DAS PUBLICAÇÕES DE MAIOR FATOR DE IMPACTO Cícero Pereira Leal Rogério Galvão de Carvalho José Antônio Rodrigues do Nascimento Kleydson Jurandir Gonçalves Feio https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110312 SUMÁRIO CAPÍTULO 13...........................................................................................................197 A EFETIVAÇÃO DO IGNORANCIALISMO POR MEIO DA REVERBERAÇÃO MIDIÁTICA Álvaro Nunes Larangeira Tarcis Prado Júnior https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110313 CAPÍTULO 14...........................................................................................................210 POR TRÁS DA EDITORIA POLÍTICA DO JORNAL O ALTO URUGUAI (DE 1995 A 2005) O QUE FOI NOTÍCIA NOS 11 ANOS DE MUTISMO POLÍTICO Lana D’Ávila Campanella https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110314 CAPÍTULO 15...........................................................................................................238 A HISTÓRIA E OS DESAFIOS DO TELEJORNALISMO EM TEMPOS DE PANDEMIA Edwaldo Costa https://doi.org/10.22533/at.ed.55422110315 SOBRE OS ORGANIZADORES .............................................................................252 ÍNDICE REMISSIVO .................................................................................................253 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO: NARRATIVAS E TEMPORALIDADES Data de aceite: 01/02/2022 Geraldo Pieroni Doutor pela Université Paris-Sorbonne (Paris IV). Professor de História da Comunicação no PPGCom/UTP (Mestrado e Doudorado) Aline Cristina Pires Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná Augusto Puga Mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná Débora Rosenente Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná Fábio Ricardo Gioppo Doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná Gisele Filippetto Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná Júlio Rigoni Filho Mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 RESUMO: A História desde que contada, passou continuamente por transformações de foco, atenção e de compreensão. A discussão sobre espaço e tempo são pontos fundamentais para o ensino de História e fazem parte do nosso cotidiano, contribuindo para a compreensão do que se dá no mundo, das tensões, das rupturas e das continuidades. A História da Comunicação torna-se ainda mais respeitável com o processo acelerado do desenvolvimento e do enriquecimento das novas tecnologias da informação e, ao que tudo indica um novo período histórico da civilização humana: a sociedade da informação. PALAVRAS-CHAVE: História, Comunicação, civilização. ABSTRACT: History, since being told, has undergone continuous transformations in focus, attention and understanding. The discussion about space and time are fundamental points for the teaching of History and are part of our daily life, contributing to the understanding of what happens in the world, of tensions, ruptures and continuities. The History of Communication becomes even more respectable with the accelerated process of development and enrichment of new information technologies and, it seems, a new historical period of human civilization: the information society. KEYWORDS: History, Communication, civilization. Capítulo 1 1 HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO: UMA PREMISSA ACERCA DE NARRATIVAS E TEMPORALIDADES A História desde que contada, passou continuamente por transformações de foco, atenção e de compreensão. A discussão sobre espaço e tempo são pontos fundamentais para o ensino de História e fazem parte do nosso cotidiano, contribuindo para a compreensão do que se dá no mundo, das tensões, das rupturas e das continuidades. A História da Comunicação torna-se ainda mais respeitável com o processo acelerado do desenvolvimento e do enriquecimento das novas tecnologias da informação e, ao que tudo indica um novo período histórico da civilização humana: a sociedade da informação. A dimensão espaço-temporal se modifica no espaço virtual, trazendo para o ensino de História um novo tipo de espacialidade e de temporalidade, por meio do conceito de ciberespaço, no qual o espaço é destituído de dimensão (REINATO, 2006). Por sua vez, o tempo sensível em que transitamos nesse ciberespaço, ainda que o faça de forma virtual, é marcado pelo fato de que vou de um espaço ao outro sem sair da frente do meu computador em tempo palpável e sem sair de casa. Há a construção de um mundo espacial paralelo e de uma nova forma de experiência temporal. Esta experimentação do virtual é uma nova forma de vivência que emerge na cultura contemporânea das comunicações. É, para Pierre Lévy, a manifestação mais acentuada e apenas uma das dimensões de uma alteração antropológica de grande amplitude (LÉVY, 1990). Para, Agamben, A contemporaneidade, é uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela (AGAMBEN, 2009). Mediante aos desafios contemporâneos, Marialva Barbosa (BARBOSA, 2013) corrobora que só é possível proferir uma história da comunicação avaliando as épocas e os meios abarcados pelas relações humanas. Vai além de uma história que se incide na cronologia veloz das tecnologias, mas adentra nas complexas práticas culturais humanas. O “presente perpétuo, esta percepção de que estamos inseridos no universo contemporâneo da formulação de um inédito regime de historicidade localizado no presente.” (HARTOG, 2014). O presente se consome na ação imediata acelerada pela contínua mudança, uma espécie de presentismo infindável (HARTOG, 2014). Todo e qualquer instante “se transforma em tempo de frenesi que dura continuamente” (BARBOSA, 2017). Este continuado tempo nos meios de comunicação “é marcado pelo fluxo contínuo da informação, instaurando um tempo novo governado pela lógica do ininterrupto” (BARBOSA, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 2 2017). Diante disto, há um vasto campo de possibilidades de estudos, discussões e análises referentes aos novos desafios contemporâneos impostos à História da Comunicação. Novos objetos, novos problemas, novas perspectivas dentre os quais, se inserem os estudos que se seguem. Boa leitura! A CONVERGÊNCIA DA TV COM AS REDES SOCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA O presente texto tem relação com a pesquisa de mestrado de mesmo tema e apresenta as combinações de recursos no âmbito comunicacional que envolvem a convergência entre os meios televisão e redes sociais. As conexões atuais e a efetividade de seus resultados. Novas palavras e termos são utilizados em tempos de pandemia, novas formas e meios, novos insumos, sejam eles tecnológicos ou humanos, estes que estão por trás das novas ferramentas e precisam imediatamente reinventar-se. Trata-se de uma transformação cultural repentina e acelerada por conta do contexto ‘pandemia’, ocorrida a partir do mês de março do ano de 2020. Ora ouve-se que não há tecnologia positiva sem a presença da figura humana, ora ouve-se que a figura humana é o objeto de grande expressividade e melhores resultados. Isto exposto, este texto objetiva avaliar e entender a relação da comunicação sob o tema ‘A Convergência da TV com as redes sociais em tempos de pandemia’. “A convergência não ocorre por meio de aparelho, mas dentro do cérebro dos consumidores” (JENKINS, 2009). Este artigo é de extrema importância para fundamentar o âmbito comunicacional, no que permeia o uso de tecnologias associado à figura humana. Busca a união desses fatores de modo a permitir que se conclua o grau de importância e relevância para a prática da comunicação contemporânea através da convergência entre meios. Existem inúmeros artigos e análises a respeito do tema “convergência”, porém não especificamente com a combinação de análise aqui proposta: tv, redes sociais e o contexto de pandemia. Qual é a efetiva e concreta relação entre a tecnologia e o ser humano, quando inseridas no contexto comunicacional em tempos de pandemia? Como a televisão converge com as redes sociais em tempos de pandemia? Uma vez que há a necessidade de comunicação imediata, full time. Esta questão visa solucionar o entendimento dos fatores necessários e atuais intitulados como tecnologia & humanização, seus resultados, a conectividade e importância de cada um desses insumos. Bem como investigar como se dá o processo de comunicação entre esses agentes quando expostos à convergência dos meios televisão e redes sociais. Como exemplificação do que ocorre atualmente, avalia-se a nova arquitetura de marcas do Grupo Globo e sua campanha publicitária denominada ‘100 Milhões de Uns’ A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 3 bem como a motivação para esta mudança e sua origem iniciada via convergência da TV com as redes sociais em tempos de pandemia, além das motivações políticas e sociais contemporâneas envolvidas. A mudança se dá também no sentido de que, se o produto TV apresenta socialmente algum tipo de resistência ou rejeição por parte de um determinado público, de uma fatia de público, então a ideia é alterar o produto para manter aquele público consumidor. Se um telespectador, por exemplo, faz uso da #globolixo, refere-se ao produto: televisão. Portanto, se a marca diz a ele somos ‘100 Milhões de Uns’ e possuímos inúmeras marcas que compõem a marca guarda-chuva Globo, então ele poderá entender que não deve generalizar e entenderá que assim deve consumir algum outro produto, já que devido a questões políticas e sociais momentâneas não se identifica mais com o produto inicial: televisão. A leitura esperada seria algo como: não consumo a TV Globo, portanto consumo a plataforma de streaming Globoplay, por exemplo. Vejamos a alteração realizada na marca Globo: Imagem 1 – Nova logo da Globo Fonte: Meio e mensagem, 2021. Observe o elemento visual que ilustra a letra l, mais espesso, quase de forma lateral, de modo a remeter a um aparelho celular. O que faz alusão e referência à convergência da TV com as redes sociais. Uma conectividade voltada para o mobile first, conceito aplicado para o uso de dispositivos móveis. Vejamos uma notícia sobre o ajuste de marca: A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 4 Imagem 2 – Manchete da matéria da revista Meio e Mensagem Fonte: Meio e Mensagem, 2021. Uma vez que a emissora usa a estratégia de adaptação de logomarca, entendese que busca algo novo, no sentido de desmembrar-se de um público já existente. Atua estrategicamente na busca por uma segmentação mais detalhada de público. Um público cada vez mais individualizado, daí o uso do slogan ‘100 Milhões de Uns’. Quando aplica sua marca de forma mais voltada para a rede social, demonstra que está ‘antenada’ e possui convergência entre o que inicialmente é, no caso TV, com o que pode contemplar também, no caso, as redes sociais. A notícia publicada pelo jornal Meio e Mensagem apresenta a seguinte frase: “Com o nome de “Milhões de Globos”, ação destaca a variedade dos conteúdos da empresa e a forma personalizada com que cada espectador pode consumi-lo. Segundo Nöth (1990, p.480), a “divisão mais fundamental de signos” de Pierce – entre ícone, índice, símbolo – tem sido repetidamente aplicada na publicidade. “Os símbolos aparecem em nomes de marca e em logotipos visuais” (apud SANTAELLA, 2017, p. 106). Para concluir, trata-se de uma estratégia muito utilizada na propaganda. Quando um produto não é bem aceito entre os consumidores, muda-se a estratégia de comunicação. Obviamente que, na tentativa de manter o público através de nova linguagem, nova roupagem, novo signo. Se a marca não agrada a todos, então passa a ser para ‘100 Milhões de Uns’. O que é claramente ocasionado pela convergência da TV com as redes sociais, em tempos de pandemia. REDE DE ÓDIO: QUANDO A FICÇÃO DISTÓPICA CONFUNDE-SE COM A REALIDADE E A DESINTEGRAÇÃO DAS LIBERDADES Resumo do Filme The Hater, ‘Rede de Ódio’, título em português, dirigido por Jan Komasa e escrito por Mateusz Pacewicz, lançado em março de 2020, que conta a história do estudante Tomek ou Tomala, expulso por plágio da Universidade de Varsóvia, com visíveis problemas de autoaceitação e ressentimentos críveis, o qual torna-se um disseminador, através de seu trabalho, de fake news em redes sociais destruindo reputações e conduzindo ao caos uma eleição para a Prefeitura de Varsóvia, entre dois candidatos polarizados. O fenômeno abordado no filme tem um pano de fundo mundial, com diversos eventos que simbolicamente são erigidos ao longo dos últimos anos, e um de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 5 seus principais foi a eleição de Donald Trump em 2016, bem como a saída da Inglaterra do Brexit, onde manifestaram ações de terrorismo digital e ataques sistemáticos ao sistema democrático, desinformando para destituir e confundir processos democráticos, induzindo comunidades inteiras paralelamente ao medo e a distensão das relações institucionais. O filme aborda o colapso de um jovem, o caos da polarização e dos vieses étnico-sociais tão atuais na Europa. Mas o que deve ser uma discussão necessária é como pessoas comuns aderem ao emaranhado de ideias ou ideologias falseadas e produzidas pelo autoritarismo? De fato, em Hume (1752, p.36) observamos que “o homem é um ser racional, ele busca continuamente a felicidade, que espera para satisfazer alguma paixão ou afeição, ele raramente age, fala ou pensa sem propósito ou intenção”. Mas o interessante é o fato de que a democracia, é a garantia de liberdade na coletividade e na equidade dos atos políticos, porém, diante dos fatos históricos subjacentes ao passado, temos uma revolta contra o sistema democrático no qual Carvalho (2020, p.3) afirma: não é surpreendente, portanto, que, em paralelo aos ataques ao espaço cívico, estejamos vendo um declínio das democracias, em quantidade, qualidade e integridade. É importante lembrar que a democracia não é uma ideia nova, remonta da Grécia antiga. Entretanto, sua implementação, como a conhecemos hoje, é mais recente, desde o século XVIII, com a Constituição Americana de 1787 – a primeira constituição democrática do mundo. No período de dois séculos (XIX e XX), a democracia se espalhou de um, para mais de 100 países. Ela também sofreu reveses ao longo do caminho e continua, até hoje, a enfrentar resistência. Entretanto, segue sendo o melhor sistema de governo para gerar crescimento e melhorar o bem público em comparação com as alternativas conhecidas — seja o governo de reis, teocracias, ditaduras ou autoridade tribal. Foi Samuel Huntington quem popularizou a ideia de que a democracia se desenvolveu em diferentes ondas e descreveu as três principais. Francis Fukuyama previu em seu artigo de 1989 intitulado O fim da história a quarta onda democrática e a vitória das democracias liberais e do capitalismo.20 Mas, em 2017, ele reconheceu que o mundo estava indo de uma “recessão democrática” para uma “depressão democrática”. Assim, a questão fundamental no momento é se esse declínio é apenas um desvio da quarta onda ou uma decadência terminal das democracias (CARVALHO, 2020, p.3). Em uma sociedade que celebra o advento e vitória da tecnologia e da superação veloz dos limites da comunicação, o filme nos atemoriza com prototerroristas que podem estar instalados em quaisquer lócus, basta que sua habilidade técnica seja tão grande quanto seu ressentimento, que entorpecidos por organizações que não se pautam pela ética os arremessam ao terror digital, bastando cinco ou mais contas de rede sociais e um compartilhamento múltiplo para contribuir com a erosão da democracia. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 6 Imagem 3: Fake ers compartilhadas em quatro mídias sociais. Fonte: Gomes; penna e arroio (2020, p.8). Na narrativa do filme, temas como tribalismo, nacionalismo e autoritarismo, são entremeados com uma realidade de uma família burguesa e socialista que milita pela liberdade e democracia, em contradição com o comportamento do personagem Tomek, um nítido obcecado e rejeitado pela filha do casal Kruzack (que o considera um pária social enquanto ele não se empodera), atua em uma agência de marketing, a qual promove por ofício, a disseminação de fake news e lá o jovem encontra o meio de destilar seu ódio gerando ressentimento, medo e incitando nas redes sociais com motes, desinformações em contas falsas de redes sociais. O medo da falta da democracia abala a sociedade, a qual diante da soberba de algumas instituições e políticos, saqueando seu conforto e anomia, fica evidente que, a sociedade do pós-guerra estava desacostumada ao debate polarizado e baseou se na ilusão da guerra fria sem perscrutar o risco do autoritarismo. Notei que, em alguns momentos do filme, personagens vão às lágrimas diante da violência dos protestos que estão ocorrendo, ou se explica por Chomsky (2013, p.33): “Como a domesticação do rebanho desorientado nunca é perfeita, a batalha é permanente”. Somos vítimas? Ou desatentos?O personagem, a empresa, o ressentimento e a política (muito menos importante para a persona de Tomek) conectam a motivação fundamentada na psicopatia aparente dele, que se serve do cenário de caos político interno e manipula de forma dicotômica todas as esferas sociais em que atua bem como as destrói, aos outros e a si. Quantos aos cidadãos, com suas fixações e recalques, já teorizados em Freud, temos uma massa de “personagens como Tomek, e suas dicotomias não mais o homem massa ou as facções, mas a ameaça não tem origem, segundo Empoli (2019, p.167): “Na era do narcisismo de massa, a democracia representativa está em risco de ser ver na mesma situação que os gatos pretos”. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 7 Política quântica é um fator sumariamente preponderante na democracia em declínio e na disseminação da pós-verdade, em que robôs escrevem textos inteiros por uma leitura e confecção randômica, criando a notícia mesmo que inexistente. A verdade é uma versão, um factóide, uma produção mnemônica reproduzida dos computadores pessoais às ruas, e o filme exemplifica isso na organização simultânea de duas passeatas polarizadas executadas pelo mesmo personagem, em seu surto de loucura. Frágil, é o nome de nosso destino quanto à democracia? Pesquisa efetuada, utilizando embasamento bibliográfico e de análise de artigos acadêmicos, artigos de revistas e periódicos e análises de articulista de relevância e lisura intelectual. IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19 NO SETOR AUDIOVISUAL O setor audiovisual vem sofrendo diversas modificações ao longo dos anos, desde novas tecnologias até o modo de exibição das produções. A cada ano o setor se atualiza e cria novas estratégias, sempre procurando melhorar as produções e se adaptar às novas realidades do mundo. Mas o grande salto das produções, nos últimos anos, aconteceu com a chegada da pandemia de Covid-19, que afetou o mundo nos mais diversos setores. Pesquisadores da Universidade de Kent, no Reino Unido, em um artigo publicado pelo jornal científico PLOS Pathogens, afirmaram que com a utilização de métodos da ciência da conservação, estima-se que “o Sars-CoV-2 apareceu pela primeira vez entre o início de outubro e meados de novembro de 2019” (REUTERS, 2021) na China. Porém este não foi o primeiro caso deste tipo de vírus no mundo, o coronavírus (CoV) faz parte de uma grande família viral, conhecido desde os anos 1960, “já os primeiros casos de SARS associadas ao coronavírus (SARS-CoV) foram relatados na China em 2002” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). O vírus se disseminou rapidamente para mais de doze países: América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia. Foram infectadas mais de 8.000 pessoas e causou a morte de aproximadamente 800, esta epidemia de SARS foi controlada em 2003. Em abril de 2012, foi descoberto outro coronavírus distinto do anterior, que foi identificado inicialmente na Arábia Saudita e, posteriormente, em outros países do Oriente Médio, na Europa e na África. A doença passou a ser chamada de Síndrome Respiratória do Oriente Médio, e difundida pelo mundo através da sigla MERS, que vem do inglês Middle East Respiratory Syndrome, isso porque todos os casos identificados fora da Península Arábica viajaram ou tiveram contato com viajantes de países do Oriente Médio, como Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes Unidos e Jordânia. O Coronavírus associado à MERS, passou a utilizar a sigla MERSCoV (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Nenhum desses casos foi tão grave quanto à pandemia de Covid-19. Desde o surgimento do novo Sars-CoV-2, em 2019, ocorreram e ainda ocorrem diversas mudanças no mundo. Sendo assim, na indústria audiovisual não seria diferente, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 8 logo ela precisou se adaptar. Muitas práticas comuns em sets de filmagens foram alteradas. Diversos protocolos de segurança foram implementados para a segurança de toda a equipe de produção, atores e demais funcionários. Nos estúdios Globo, por exemplo, as gravações de suas produções inéditas foram suspensas por mais de 5 meses em 2020 e, ao retornar, aconteceram em etapas, núcleo a núcleo. Evitando assim que atores e equipes de outros núcleos se misturassem e aumentassem as aglomerações. Nos sets de gravação, apenas as pessoas estritamente necessárias estavam presentes (NEBLINA, 2020). Além de usar máscaras, álcool gel e fazer o exame, as cenas de beijos requereram que os atores ficassem em quarentena antes das gravações. Outra mudança foi a inserção de placas de acrílico entre os atores, retiradas na edição, tanto nas cenas de beijos quanto nas cenas com interações mais próximas, como mostra a imagem 04. Fonte: Galdino, Melissa. (2021). Imagem 04 - Interação dos personagens Fiona e Téo, na novela Salve-se Quem Puder, com a inserção de placa de acrílico entre os atores. A rotina da categoria mudou totalmente e foi fortemente afetada. Não somente na produção dos materiais, mas também na forma como as produções são consumidas pelos telespectadores. Impactando até famosas premiações como o Oscar, que precisou adaptar várias de suas premiações para o novo cenário. Uma das grandes mudanças na premiação, em 2021, foi a data dos filmes nomeados, que passou de 01 de janeiro a 31 de dezembro A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 9 para 01 de janeiro de 2020 a 28 de fevereiro de 2021. Porém a maior mudança de todas foi a admissão de filmes que não foram lançados inicialmente em salas de cinema, mas sim diretamente em streamings e vídeos on demand. A única exigência era o lançamento também no sistema exclusivo do Oscar dentro de 60 dias do seu lançamento oficial. Esta mudança ocorreu depois de 92 edições e até o momento é exclusiva para o evento de 2021 (HENRIQUE, 2021). O cinema foi o mais afetado do ponto de vista comercial, afinal as salas de cinema estavam fechadas até recentemente. Já os streamings tiveram grande crescimento em um mercado em que as pessoas estão isoladas em suas casas. Fazendo com que gigantes do cinema migrassem para plataformas como Netflix e Prime Vídeos, da Amazon. Outro bom exemplo dessa migração é a Disney+ que está fazendo seus lançamentos, anteriormente feitos exclusivamente em salas cinemas, na própria plataforma por um valor extra, simultaneamente às salas de cinema. O streaming que mais cresceu no Brasil durante a pandemia foi o Prime Video, da Amazon, como aponta uma pesquisa da empresa NZN Intelligence. Sendo o streaming que mais se aproxima da Netflix em termos de assinantes no Brasil, enquanto o primeiro tem 150 milhões de clientes, o segundo tem 195 milhões (VITORIO, 2020). Com todas as mudanças que o mundo sofreu desde o início da pandemia muitas práticas do mercado foram alteradas e não voltarão a ser como antes. Diversos avanços que já vinham acontecendo foram acelerados e melhorados para garantir a qualidade das produções e suas exibições. Os streamings que já estavam em ascensão no mercado estão ainda mais consolidados. Provando que o cinema não é apenas uma sala, mas sim uma experiência que pode ser vivida no conforto de suas casas. A mudança está aí e veio para ficar. A AÇÃO TEMPORAL E SUA INFLUÊNCIA NAS MUDANÇAS SOCIAIS DAS PERSONAGENS DE A TERCEIRA MARGEM DO RIO Há tempo para tudo debaixo do céu - Eclesiastes João Guimarães Rosa (1908-1967) é um escritor brasileiro, autor de vários livros. Por mais que seu primeiro livro, lançado em 1946, tenho sido uma coletânea de contos – Sagarana –, o maior destaque de sua obra, sem dúvida, é o romance ambientado nos sertões de Minas Gerais, Goiás e Bahia: Grande sertão: veredas. Obra que retrata muito bem a cultura do jaguncismo num distante Brasil, sertão a dentro, no meio do século XX. O fio condutor da narrativa é a dúvida do personagem-narrador sobre um possível pacto com o diabo, realizado com o propósito de se obter vantagem na busca da morte de Hermógenes, o Judas. Contando a história para um interlocutor, que participa da conversa quase calado o tempo todo, Riobaldo revela o amor que teve por um outro jagunço de nome Diadorim. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 10 A despeito do alcance desse potente livro de Rosa, o presente texto terá seu foco voltado para um dos mais conhecidos contos roseanos: A terceira margem do rio, publicado no livro Primeiras Estórias em 1962. Mergulhando nos não-ditos desse conto, trataremos de perceber como se dão os movimentos e transformações subjetivas e socioculturais na vida dos personagens. Que mudanças podemos notar em suas relações com a sociedade da qual fazem parte, levando em conta aspectos culturais que os ciclos do tempo oferecem a cada um de nós. Para tanto, lançaremos mão dos estudos de Sorokin e Merton (1992) que reconhecem o tempo como um elemento sociocultural, destacando que não só a natureza (rio que flui) marca a noção de temporalidade (o que conduziria a uma concepção global do tempo), mas haveria também a participação de grandes marcadores dos ritmos sociais, tais como ciclo familiar, trabalho agrícola e ritos religiosos. Imbuídos desse pensamento, temos o objetivo de relacionar estudos teóricos com a obra literária e entendermos como o tempo influencia as ações dos personagens, e como o pai da família estudada no conto subverte esses padrões, quebrando-os como se virasse as costas para o mundo, para a família e para a sociedade que o cercava. O tempo que não para poderia muito bem ser o mote do conto A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa. Isso se confirmaria caso viéssemos a analisar essa hipótese pelo olhar, principalmente, de dois personagens: o narrador-personagem e o pai deste. No entanto percebemos marcas temporais que se evidenciam não só nos corpos dos outros personagens, mas também de uma forma social devidamente estabelecida em instâncias socioculturais, como, por exemplo, os negócios da fazenda, estudo, casamento. Não está claro para o leitor do texto (nem mesmo para o narrador) a decisão de um pai de família, que vive muito próximo às margens de um grande rio com mulher, dois filhos e uma filha, em encomendar a construção de uma canoa e sobre ela viver o tempo final de sua vida num entremeio terra-água-madeira-ar. Quanto ao pai foi isto: decisão tomada, canoa pronta, vida no rio. Vida entre as margens do rio, em uma tentativa de parar no tempo-espaço em cima da água, visto que sua intenção não era subir nem descer o rio, nem voltar para casa, nem atravessar para o outro lado da margem. Não houve quem o fizesse mudar de resolução: ficaria ali. Nem família, nem alguns pescadores conhecidos com quem talvez tivesse encontrado no meio do rio, nem autoridades, nem exército, nem jornal. Estaria lá. Parado no tempo. Parado no espaço. Sua vida agora se ocupava de, tãosomente, remar a fim de controlar os movimentos da embarcação de tal forma que não se deslocasse mais em direção alguma. Dentro daqueles espaços - canoa e entremargens – permaneceria agora. Sendo castigado, sim, pela ação do tempo e da natureza. Queimado do sol. Encharcado pelas tempestades. Açoitado pelos ventos. Corpo envelhecido e decaindo-se pouco a pouco devido o passar do tempo. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 11 Pode-se depreender do texto que a vida, o tempo da vida, os anos, os meses, as semanas, os dias, as horas e minutos se passaram para a filha, pois seguindo o ritmo normal desse tempo-rio (se é que essa normalidade existe), ela decide se casar. Vemos esse movimento, dentro da narrativa, configurando-se como a realização de uma instância temporal balizada por normas sociais. Existe um ciclo na vida que devemos cumprir. Há um padrão estabelecido naquela cultura, na cultura visualizada no enredo do conto, dessa vontade de contrair matrimônio. Tanto é que a irmã do narrador prossegue a caminhada e toma suas escolhas a partir, quem sabe, do exemplo que teve em casa. Com as rédeas na mão, resolve formar outra família. Lança-se a esse propósito e cumpre sua sina. Agora, com o marido, planejam mostrar ao pai, no rio, o filho que tiveram. Notamos mais uma clara evidência dessa marcha constante do tempo, a qual transforma a vida dessa personagem, pois agora, além de casada, ela materializa, em algum ponto temporal de sua jornada, o desejo de ser mãe. E torna-se mãe. Ciclo normal, aparentemente normal, visto que o narrador nada fala sobre algum percalço da gravidez da irmã. Nove meses se passaram, e mais um homem vem ao mundo. Com a bênção do Criador, frutificou e multiplicou. Quem sabe se esse menino seria o salvador da mãe, de sua família? Pois portador da semente do avô, não seria capaz de unir as gerações, fazendo com que o passado fosse esquecido e que um novo futuro viesse a acontecer? Será que, avistando o neto, o qual é erguido pela mãe, às margens do rio, o remador muda de ideia e resolve voltar ao tempo de sua casa? Essa, talvez, era a pergunta que a filha se fazia, na tentativa de alterar o percurso das remadas do pai, agora que a vida-rio o tornara avô. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 12 O tempo não para, as plantações não deixam de crescer, assim como as ervas daninhas; a lavoura necessita de cuidados, pois os ciclos das estações exigem que haja o trabalho do dia a dia para que possa haver colheita a seu tempo. Da mesma forma, os animais, o gado, as cabras, os porcos, as galinhas receberam uma ordem divina para se multiplicarem, exigindo o trato de alguém entendido desses trabalhos. O tio do narrador é chamado para essa incumbência. Desloca-se, então, no tempo e no espaço, convertendo sua vida, agora, para outra direção. É afetado pela decisão do cunhado e vê-se na responsabilidade de acudir sua família. Tratará dos negócios. Movimentando-se em uma outra direção (talvez a contragosto), percebe que os tempos mudam: é hora de se deslocar para diferente empreitada. Os negócios... outra marca social (e temporal) presente no conto, a qual exige um empenho de forças do ser humano com o objetivo de não se extraviar os talentos que se recebem. Devem-se multiplicar os talentos, com trabalho e empenho, tal qual a parábola narrada pelo Cristo nos Evangelhos. A oportunidade deixada de lado pelo remador, agora está nas mãos de outrem. Esse trato da lavoura e com a criação dos animais, aparentemente não tem tanta importância, no interior da narrativa. Entretanto vale ressaltar a importância dada ao trabalho pelo autor do texto, revelando a prevalência do tempo e da sua marcha constante que exige de nós uma tomada de decisão. Ao sermos intimados por esse movimento, temos escolhas a fazer, resoluções a tomar. Não obstante o pai tivesse decidido ir embora, os filhos não poderiam (não deveriam) perder tempo sem escola, sem aprender. Não poderiam ficar sem estudo. Daí a mãe chamar professor que desse conta de aproveitar o tempo de infância dos meninos com a finalidade de ensiná-los algo útil. Spinoza diz que o bem é tudo aquilo que é útil, o contrário é o mal. Não é o fito deste texto a temática do bem e do mal, mas percebemos que a mãe deseja o bem dos filhos, ocupando o tempo deles com algo útil a ser feito. Por isso o aprendizado formal a seu tempo. Outra marca cultural presente no conto – o estudo - a qual revela a importância dada para esse ofício. Uns remam e não aproveitam o tempo, outros estudam e dão valor a isso. O tempo não para para os que remam, nem para os que estudam. Implacável. O JAZZ NA TELA DO CINEMA – A INVISIBILIDADE DOS MÚSICOS – (IM) POSSIBILIDADE DE REVELAÇÃO DAS RESPECTIVAS IDENTIDADES. A PESQUISA DE DAVID MEEKER SOBRE O JAZZ NO CINEMA. O PASSADO SEM ECOS QUE A TODOS ATINGE. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 13 Imagem 06 - Duke Ellington Fonte: Erich Auerbach/getty images, 19-02-1967 O jazz e o cinema são contemporâneos, nasceram praticamente ao mesmo tempo e enfrentaram dificuldades, desafios e provações até serem socialmente aceitos e definitivamente incorporados à arte e à indústria do entretenimento. Historicamente, suas trajetórias se entrecruzam e, ao encontrar-se, muitas das vezes fertilizam-se. Chama a atenção, contudo, nessa união do jazz com o cinema, que muitos dos músicos de jazz, os instrumentistas propriamente ditos, compositores, arranjadores, orquestradores, e outros envolvidos com a produção musical cinematográfica tenham ficado no anonimato, sem terem sido reconhecidos, e sem chance de talvez algum dia terem reveladas as suas identidades. A tela do cinema tem essa dívida, quiçá impagável e imprescritível com esses músicos e com cada qual interessado neste conhecimento. Este reconhecimento da (in) visibilidade dos músicos de jazz nas trilhas sonoras, assim como as consequências e os prejuízos sociais desta conduta da produção fílmica, tem despertado o interesse de estudiosos e pesquisadores. O jazz, há mais de cem anos depois de seu surgimento, continua sendo uma música de protesto contra qualquer forma de discriminação social e segregação racial e espiritual, ao ponto de muitos músicos norte-americanos, sobretudo os afrodescendentes, interpretarem esse protesto como uma luta racial (BERENDT e HUESMANN, 2014). Sem dúvida, o jazz é isso também, mas não teria se tornado uma linguagem musical universal em 40 anos após a publicação de St. Louis Blues (1914) se se tratasse somente da questão racial (HOBESBAWN, 2019). Em resumo, o jazz moderno não é tocado apenas por divertimento, por dinheiro, ou por requinte técnico: também é tocado como um manifesto – seja de revolta contra o capitalismo e a cultura comercial, seja de igualdade do negro ou qualquer outra A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 14 coisa. A arte do músico de jazz não é simplesmente tocar, mas sim criar linhas musicais imaginativas e livres, que souberam ser muito bem utilizadas pelo cinema, que na maioria das vezes deixou de revelar a identidade dos talentos. No cinema, as aparições de faixas pretas cuidadosamente projetadas como sequências independentes tornaram fácil excluir, por exemplo, personalidades como Lena Horn, em muitas das suas performances na década de 1940. É difícil afirmar exatamente quando e onde começa a história do jazz na tela (MEEKER, 2019), porque, na medida em que avançam o tempo e as pesquisas, nosso conhecimento também se modifica. A década de 1920, nos EUA, é tida como a era dourada dos filmes mudos e é considerada The Jazz Age. Evidentemente, muitos músicos e grupos de jazz foram os animadores do cinema mudo, tocando no set de filmagem. Neste mesmo período, a música começou a atingir certa popularidade, a ponto de se tornar bem conhecida mais tarde, quando as gravações de jazz pré-elétrico se tornaram itens de exibição padrão nos balcões das lojas de discos e as bandas de jazz se tornaram centros do entretenimento noturno de bailes e ocasiões sociais. Também nessa época, a tela do cinema exibiu, em dezenas de filmes, números incontáveis de dançarinas e de dançarinos que se moviam performaticamente ao som de sucessivas bandas, assim como músicos individuais. Poucos músicos que ali trabalharam, contudo, podem ser identificados. Uma exceção foi Liberty Sincopators, de Mutt Carey (trompete) que toca para o casal de dançarinos em Legion Of Condemned (1928), com Joe Darensbourg (clarinete), sem os devidos créditos, inequivocamente. Até os anos 1950, todos os grandes estúdios de Hollywood adotavam a prática de segregar os músicos de jazz por serem negros a grande maioria de seus expoentes. A situação somente começou a se modificar lentamente com a escola de Nova Iorque a partir de SHADOWS (1959) e THE CONNECTION (1961) que utilizaram o jazz nos filmes, de forma diferente, como elemento psicológico, e pela postura de Quincy Jones, que em 1971 exigiu que os músicos que executassem sua partitura para The Hot Rock recebessem os créditos em tela inteira. Isso não impediu que THE GAUNTLET (1977), dirigido por Clint Eastwood, omitisse os nomes dos responsáveis pelas tonalidades da partitura de Jerry Fielding e assim por diante, como em BLAZING SADDLES (1974), onde a banda de Count Basie toca April in Paris, mas quem aparece na tela são atores contratados para a performance. Em Apocalypse Now (1979), dirigido por Francis Coppola, a percussão é de Airto Moreira, com grandes performances vocais de Flora Purim, que simplesmente não aparecem nos créditos. Nos filmes, o jazz aproxima-se de 4.000 títulos, incluindo curtas-metragens, desenhos animados, filmes estrangeiros, assim considerados os de origem não-norteamericana e programas de televisão disponíveis em filme. David Meeker (2019), na busca de alcançar o impossível, construiu uma base de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 15 dados que já está na oitava edição da Editora Livraria do Congresso (Washington, DC, 2019), com mais de 2.000 páginas, tentando documentar o trabalho de cerca de 1.000 grandes figuras do jazz e do blues envolvidas em mais de 25.000 produções de cinema, televisão e vídeo, quer o resultado do seu envolvimento nestes meios de comunicação seja visível nas câmeras ou oculto, seja nos bastidores do grupo musical ou concernente à produção, seja jazz ou não. Ser é perceber e ser percebido, é ver e ser visto (GEORGE BERKELEY) ou ainda nessa linha, ser é ouvir e ser ouvido. A identidade não revelada de um músico na tela, para além de silenciá-lo, priva o espectador do acesso a esse patrimônio imaterial produzido pelo cinema. OS ANÚNCIOS DE PREVENÇÃO ÀS DROGAS NO SÉCULO XX Esse texto adentra aspectos históricos da pesquisa de mestrado cujo objetivo é compreender os sentidos das figurações do corpo em anúncios de prevenção às drogas. Embora movimentos de repressão ao consumo de substâncias acompanhem a própria história das drogas, destacam-se as propagandas para a conscientização, nas quais o corpo humano é uma presença figurativa, visível ou invisível. Mesmo que o jornalismo e as artes também possuam relatos sobre o uso de substâncias, no aspecto dos anúncios de conscientização, essas iniciativas remontam ao início do século XX, tendo como uma das justificativas básicas o avanço dos meios de comunicação e a ascensão da comunicação persuasiva. Nesta breve explanação, serão apresentadas as principais características de alguns movimentos relevantes para a compreensão do corpo enquanto elemento central das campanhas de propaganda para a conscientização ao uso e abuso de drogas. Tais movimentos são: o combate ao tabagismo na Alemanha nazista, o combate ao alcoolismo na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o movimento de guerra às drogas encabeçada pelos Estados Unidos. Inicialmente, ao refletir sobre a etimologia da palavra droga, para Carneiro (2002), sua origem está no termo holandês droog, que ao longo dos séculos XVI ao XVIII remetia a uma série de substâncias naturais empregadas na alimentação e na medicina. No aspecto corpóreo, a droga constitui uma fonte de prazer e de consolo para as dores, sejam elas físicas ou psíquicas. Para o historiador, a partir do século XX, o uso de drogas é regulado pelo estado junto a legislações próprias, tratados internacionais e dispositivos policiais, havendo ainda uma distorção no preço e no lucro. Assim como o ‘drogado’, figuras como o ‘homossexual’, o ‘alienado’ e a ‘ninfomaníaca’, ou seja, tipologias que classificavam comportamentos considerados como patológicos de forma preconceituosa, explicitando a hegemonia na exclusão dos indivíduos, são marcadores intensificados no século XX. Carneiro A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 16 (2018) aponta que movimentos populares anteriores ao século XX pregavam ideias de conscientização, como as ligas de sobriedade em países como Canadá e Estados Unidos. Neste último, destacam-se as práticas industriais como o taylorismo e o fordismo, que ocorrem junto ao puritanismo da Lei Seca, entre de 1920 a 1930, e a discriminação racial de imigrantes, vistos como produtores de ópio e de maconha. Na Alemanha do início do século XX, a indústria farmacêutica e química passa a isolar os componentes de plantas, dando origem aos estudos e aplicações de novas substâncias. Como explica Proctor (2018), é durante o nazismo que os fatores anti-eugênicos do tabaco, enquanto elemento de poluição do sangue e da raça, tornam-se argumentos estatais para o combate a droga. Diferente das campanhas antissemitas, na qual havia a construção estereotipada de um inimigo comum, o argumento para a cessação do tabagismo envolvia questões racionais, como o gasto monetário que o usuário tem com a compra constante da droga. Curiosamente, esse argumento monetário ainda é perceptível em campanhas atuais sobre o tabagismo. Ao longo do século XX na URSS, principalmente no governo de Mikhail Gorbachev, a partir de 1985 que a luta contra o alcoolismo ganha intensa veiculação de cartazes. Há uma forte inclinação para aspectos políticos ligados a figuras do corpo inseridas nas imagens soviéticas. Empregando o construtivismo russo, tais pôsteres compreendem o corpo como a principal vítima do abuso do álcool, seja pela sua comparação explícita com aspectos animalescos, como a comparação entre ‘porcos e bêbados’, seja também pela solidão e abandono ao qual tal corpo é condenado devido às suas escolhas. A seguinte imagem apresenta um exemplo de pôster veiculado: A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 17 Imagem 7: Pôster soviético de combate ao alcoolismo. Fonte: Portal UOL, 2021. A condenação moral, no caso dos pôsteres soviéticos, engloba aspectos do trabalho, ou seja, o corpo do trabalhador deve ser saudável e útil à labuta. Retornando aos Estados Unidos, saindo do controle ao álcool e passando ao controle de drogas consideradas ‘pesadas’ como a maconha, a cocaína e a heroína, a prática de guerra às drogas torna-se política oficial do governo estadunidense a partir do final da década de 1960 ao início da década de 1970, servindo de pretexto para a intervenção política e cultural em diversos países. Tais práticas mostram a preocupação com a saúde da juventude, sendo que grande parte das campanhas que incidem sobre o mundo na atualidade tem como base esse princípio de defesa dos adolescentes. Logo, pode-se considerar que há uma preocupação dos regimes de poder com a manutenção do trabalho, ou seja, com a presença de trabalhadores saudáveis, que são base dos sistemas econômicos. Entretanto, ao mesmo tempo, a indústria das drogas legais, álcool e tabaco resiste, como forma de entorpecimento e amortecimento das mazelas diárias enfrentadas pelos indivíduos, enquanto brecha para uma vida mais feliz. Assim, o consumo de substâncias torna-se escalonar, sendo seu excesso alvo de combate intenso. Enquanto registro de doença e do estigma ao qual os usuários de drogas estão envoltos, é possível considerar que ao longo da história das imagens dos anúncios de prevenção o uso de técnicas de visualização do corpo e de produção de imagens tornamse cada vez mais agressivas e invasivas. “Usam de artifícios, desvelam e exibem o que era A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 18 invisível, escondido ou secreto” (MICHAUD, 2011, p. 546). Em resumo, retomando as considerações de Carneiro (2002), enquanto item presente nas culturas, a cultura das drogas manifesta-se de forma política, religiosa, científica e estética, por isso o interesse em compreender os sentidos das figurações do corpo. REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Editora Unochapecó: 2009. BARBOSA, Marialva. 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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 1 21 CAPÍTULO 2 A COMUNICAÇÃO EXTERNA E A COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA NA GESTÃO DA IDENTIDADE ORGANIZACIONAL Data de aceite: 01/02/2022 Layana do Amaral Rios Universidade Nova de Lisboa Lisboa - Portugal http://lattes.cnpq.br/7276923922417759 1 | INTRODUÇÃO São inúmeras as transformações ocorridas nas organizações ao longo do tempo e a comunicação, que já foi interpretada somente como transferência de informações, torna-se cada vez mais protagonista como RESUMO: O artigo busca fazer uma reflexão sobre como a comunicação externa e a comunicação estratégica podem atuar como instrumentos para uma gestão satisfatória da identidade da organização. A partir desta revisão bibliográfica, chegou-se a uma melhor compreensão sobre as principais ferramentas para a elaboração de uma comunicação externa estratégica que irá incidir na identidade organizacional. PALAVRAS-CHAVE: identidade organizacional, comunicação estratégica, comunicação externa. ferramenta estratégica na gestão das empresas e no relacionamento com os seus diferentes públicos. Nessa nova realidade, a identidade e imagem organizacionais tornam-se importantes expressões sociais para auxiliar o contexto comunicacional das organizações. A forma como a organização é percebida pelos seus diferentes públicos pode ser um diferencial na escolha de determinado produto por um cliente ou ainda, impacta na imagem que os públicos têm daquela EXTERNAL COMMUNICATION AND STRATEGIC COMMUNICATION IN ORGANIZATIONAL IDENTITY MANAGEMENT ABSTRACT: The article seeks to reflect on how external communication and strategic communication can act as instruments for a satisfactory management of the organization’s identity. From this literature review, a better understanding of the main tools for the elaboration of strategic external communication that will focus on organizational identity has been reached. KEYWORDS: organizational identity, strategic communication, external communication. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 empresa o que, consequentemente, repercute na reputação da organização. Por isso, é importante que as organizações estejam sempre reforçando as mensagens que fortalecem a sua identidade perante os públicos. A comunicação externa, por sua vez, é o meio para que as organizações se relacionem com todos os seus diferentes públicos que estão fora dela. Os canais de comunicação se ampliam a partir das novas ferramentas tecnológicas e as necessidades dos públicos também vão se transformando. A história ou a responsabilidade social de um produto ou uma Capítulo 2 22 marca, por exemplo, pode trazer um peso para a escolha pelo público, e a forma que essa comunicação será feita é crucial para atingir os objetivos desejados. Outro fator relevante para este cenário em constantes mudanças, tanto no que diz respeito às organizações quanto à forma de se comunicar, é o elemento da estratégia comunicacional. Esta, vai além do planejamento de comunicação, tem o foco no longo prazo e nas questões mais fundamentais da organização, que caracterizam a identidade organizacional. O presente artigo aborda os conceitos de identidade, comunicação externa e comunicação estratégica com base em uma revisão de literatura, sobretudo, dos trabalhos de: Albert e Whetten (1985); Argenti (2014); Cornelissen (2004); Falkheimer e Heide (2018); Hallahan et al. (2007); Kunsch (2006); Mintzberg (1983); e Van Riel e Fombrun (2007). O objetivo é relacionar os três conceitos com vistas a obter instrumentos para uma comunicação externa estratégica direcionada à gestão da identidade organizacional. 2 | IDENTIDADE ORGANIZACIONAL Quando se fala em identidade, por uma perspectiva sociológica, geralmente a pergunta que vem à tona para respondê-la é: “quem sou eu?”. Nas organizações, o questionamento é o mesmo, porém não mais no singular e sim “quem somos nós?” enquanto organização. Albert e Whetten (1985) foram os responsáveis pela definição seminal da identidade organizacional, classificando-a por três características: a centralidade, que são os atributos que definem a organização aos olhos dos seus membros; a distintividade, que diz respeito ao diferencial em relação a organizações semelhantes; e a durabilidade, ou seja, a sua capacidade de continuidade ao longo do tempo. Em outras palavras, o conceito de identidade organizacional pode ser especificado como os atributos centrais e duradouros de uma organização que a distinguem de outras organizações. Posteriormente, Gioia et al. (2000) acrescenta um importante contraponto complementar a definição seminal, no que se refere à durabilidade da identidade. Os autores argumentaram que a identidade organizacional não é necessariamente duradoura, mas é estável e fluida, podendo evoluir com o tempo, caso seja necessário. Desde então, uma série de autores trazem diversos conceitos sobre a identidade, que chegam até a ser antagônicos em alguns momentos, mas que vão se desdobrando em pesquisas ao longo dos 36 anos após o primeiro conceito sobre o tema. Serão apresentados aqui os conceitos de identidade organizacional, identidade corporativa e imagem. Todos estão, de certa forma, relacionados com a base conceitual de Albert e Whetten (1985) carregando nomenclaturas diferentes conforme os pesquisadores que os abordam. Van Riel e Fombrun (2007) trazem uma abordagem com quatro tipos de identidade organizacional. São elas: Identidade percebida: o conjunto de atributos tidos como típicos da “continuidade, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 23 centralidade e singularidade” da organização aos olhos dos seus membros (conforme a conceituação seminal da identidade organizacional). Identidade projetada: as auto apresentações dos atributos da organização manifestadas nos sinais implícitos e explícitos que a organização transmite para públicosalvo internos e externos por meio de comunicações e símbolos. Identidade desejada (ou “ideal”): a imagem idealizada que os gerentes possuem do que a organização poderia evoluir sob sua liderança. Identidade aplicada: os sinais que uma organização transmite de forma consciente e inconsciente por meio de comportamentos e iniciativas em todos os níveis da organização. Cornelissen (2004) explica que nas empresas, a identidade organizacional é frequentemente estabelecida pelos gerentes ou líderes para serem seguidas por eles próprios e pelos demais membros da organização, sendo caracterizada por uma série de valores, crenças e aspirações que comumente já estão sintetizadas na missão, visão estratégica e na cultura corporativa mais geral da organização. O autor afirma que muitas vezes na missão já existe uma declaração sobre as crenças que sustentam a gestão, a estratégia e como a empresa deseja ser conhecida pelos grupos de fora dela. Dentro da identidade organizacional, Cornelissen (2004) aponta para a existência de uma identidade corporativa, que pode ser conceituada como a expressão de uma imagem da organização para as partes interessadas (stakeholders) por meio de campanhas de comunicação, comportamento dos funcionários e produtos e serviços. Já Dowling (2016) descrevem a identidade corporativa como os símbolos e a nomenclatura que uma organização usa para se identificar junto dos seus públicos, ou seja, a totalidade dos meios visuais e não visuais de uma organização para se apresentar a todos os seus públicos. Dessa forma, em ambos os conceitos, a identidade corporativa gera uma imagem da empresa para os seus diferentes stakeholders. Em suma, Cornelissen (2004) explica que a identidade corporativa deve ser direcionada para uma construção que diferencie a posição e as ofertas de uma organização aos olhos de grupos de stakeholders importantes, enquanto a identidade organizacional é baseada em padrões mais profundos de significado e construção de sentido das pessoas dentro da organização, que levam a valores compartilhados, identificação e pertencimento. Mesmo fazendo uma conceituação separada de ambas, o autor afirma que identidade organizacional e identidade corporativa devem ser vistas como “duas faces de uma mesma moeda” na prática organizacional. A identidade corporativa, que é projetada para os públicos externos, tem o objetivo de alcançar reputações fortes e favoráveis, segundo Cornelissen (2004), por isso precisa ser gerenciada, informada e orientada pela identidade organizacional, ou seja, pelos valores centrais da organização (voltando ao conceito seminal de identidade organizacional). Ao permear todos os diversos comportamentos, campanhas de comunicação e produtos e serviços veiculados pela organização, há um envio consistente de mensagens que A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 24 geram também uma distinção que faz com que os públicos consigam reconhecer aquela organização com mais facilidade. Cornelissen (2004) afirma que a identidade ganha destaque no contexto de um modelo de gestão estratégica de stakeholders. Uma identidade bem comunicada de forma consistente traz o reconhecimento da organização, além de confiança com os públicos, a partir da imagem mais clara que é transmitida pela organização. Internamente, uma identidade forte também pode auxiliar no aumento de motivação entre os funcionários, trazendo um sentimento de pertencimento e de identificação com a organização. Conforme explica o autor, as organizações precisam vincular a identidade corporativa – a imagem apresentada pela organização aos seus públicos – à identidade organizacional – os valores que os próprios membros da organização atribuem a ela. Dessa forma, a identidade corporativa é considerada como a auto apresentação ou manifestação externa de uma organização que se baseia na filosofia, estratégia, cultura e visão da empresa, ou seja, na sua identidade organizacional, o que na visão já exposta anteriormente de Van Riel (2004) é considerada a identidade projetada. Quem partilha de uma visão semelhante é Argenti (2014), porém segue pela terminologia dos conceitos de identidade corporativa e imagem. Segundo ele, uma visão corporativa inspiradora, uma marca corporativa cuidadosamente elaborada (com foco em nomes e logomarcas) e uma auto apresentação coerente e integrada são aspectos que contribuem positivamente para a identidade corporativa de uma organização. Já a imagem, segundo Argenti (2014) é o reflexo da identidade de uma organização. Como a organização é vista pelos seus diferentes públicos varia não somente pela identidade corporativa transmitida pela organização, mas também pelas próprias percepções prévias que o público pode ter antes mesmo de começar a interagir com a organização, seja pelo segmento no qual a empresa pertence ou por informações de terceiros que já interagiram com a empresa, ou de membros da organização, entre outros. Dessa forma, a imagem corporativa é o resultado de processamento de informação pelo público interessado e, portanto, influencia como esse público toma decisões e atitudes em relação à organização. E por ser esse processamento de informações, esta imagem está sempre sujeita a mudanças à medida que novas informações chegam e são processadas pelos interessados. Portanto, cabe destacar que as organizações não têm o poder de construir uma imagem corporativa uma vez que não há possibilidade de controlar o contexto em que a organização é interpretada ou compreendida pelo público, no entanto, destaca-se, novamente, a importância de uma identidade corporativa clara e bem gerida para auxiliar estrategicamente na construção dessa imagem. Cornelissen (2004) também atenta para a possibilidade de um indivíduo ter mais de uma função de parte interessada (stakeholder) em relação a uma organização, portanto, garantir o envio de mensagens consistentes pela organização evita potenciais problemas que podem ocorrer quando mensagens conflitantes são enviadas. Um exemplo são os A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 25 funcionários, que podem também ser consumidores dos produtos da empresa para a qual trabalham. Quando a organização não envia uma identidade consistente, isso ameaça as percepções dos funcionários sobre a integridade da empresa: eles recebem uma informação da administração, mas verificam uma mensagem diferente está sendo enviada ao mercado. Fato é que com a maior competitividade do mercado e a semelhança de produtos disponíveis, os consumidores passam a fazer distinções com bases em outros atributos que não o produto em si, o que faz da identidade (e da imagem) um diferencial potencial. 3 | COMUNICAÇÃO EXTERNA A comunicação externa é fator preponderante para o relacionamento entre a organização e seus diferentes públicos. Kunsch (2006) afirma que foi na contemporaneidade que a comunicação com um caráter mais corporativo e estratégico começou a ser visto como fundamental, uma vez que somente o marketing isolado já não era suficiente para se relacionar com os públicos de interesse. Estes são cada vez mais exigentes e cobram das organizações responsabilidade social, atitudes transparentes, comportamentos éticos, graças a uma sociedade mais consciente e uma opinião pública sempre mais vigilante. E, neste contexto, a comunicação passa a ser estratégica e a sua gestão tem que ser profissionalizada e dirigida com competência. (KUNSCH, 2006, p. 172). Argenti (2014) elenca quatro fatores para demonstrar a importância tão óbvia da comunicação no século XXI: o primeiro é que vivemos no período mais tecnológico e sofisticado em termos de comunicação. Tudo é transmitido simultaneamente e à velocidade da luz. O segundo são as exigências do público em relação às organizações. Com toda a informação disponível em um clique, o público torna-se mais sofisticado em sua relação com as empresas e precisa de conteúdo relevante para tirar suas conclusões. Terceiro, a forma como esse conteúdo chega é cada vez mais “bonita” que no passado. O design, seja das publicações ou do próprio ambiente físico também é importante para passar a mensagem aos públicos. Por último, as próprias organizações se tornaram tão grandes e complexas que já não cabe mais somente uma pessoa atuando em determinada área ou fazendo muitas funções superficialmente. É necessária toda uma estrutura para a gestão da estratégia da comunicação. Ambos os autores abordam a comunicação organizacional de uma forma geral, mas são conceitos que estão relacionados, sobretudo, ao público externo, uma vez que a comunicação envolve duas partes, a organização e o seu público que, em sua maioria, tratase de público externo, portanto, tais conceitos cabem como justificativa para importância da comunicação externa dentro da comunicação organizacional. Os autores também utilizam o termo estratégia, o qual será aprofundado no capítulo seguinte. Comunicação externa pode ser definida como qualquer tipo de atividade de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 26 comunicação realizada por uma organização com o objetivo de informar, persuadir ou simplesmente se relacionar com indivíduos ou grupos que estão do lado de fora dela (CORNELISSEN, 2004). Dessa forma, a comunicação externa liga a organização a vários públicos externos por meio de diversas formas e canais como, por exemplo, notícias, publicidade, redes sociais, discursos públicos, inquéritos de opinião pública, podcasts, entre outros. Além das comunicações “por palavras”, a comunicação visual também faz parte da comunicação externa. Instalações, marca, design, produtos e serviços e a forma como as organizações se apresentam também comunicam causando efeito no público e contribuindo para a percepção externa da organização. Mais que transmitir informações ao público externo, é importante que a organização conheça os seus públicos e use estas informações de forma planejada e estratégica. Grunig e Hunt (apud FALKHEIMER & HEIDE, 2018), criaram a teoria situacional dos públicos, que parte da premissa de que existem públicos que são criados espontaneamente a partir de uma causa, ou um problema que os afetem ou de uma disputa entre uma organização e seu entorno. Por exemplo: empresas alimentícias cujos produtos são atacados por causarem obesidade, pressão para a diminuição da emissão de carbono de determinada indústria para contribuir com a causa climática, entre outros. Os autores definiram quatro públicos de acordo com o grau de engajamento e envolvimento no problema: Privados: grupos que não se afetam nem são afetados por um problema e, por isso, não se envolvem. Públicos latentes: grupos afetados por algum problema, mas não se envolvem. São passivos. Públicos conscientes: são grupos que estão cientes do problema e existe uma possibilidade de agirem em relação ao problema, mas não há uma certeza de tal fato. Públicos ativos: são grupos diretamente afetados pelo problema e que estão fortemente engajados, por isso, traçam estratégias e táticas para agir em relação ao problema, o que comumente significa enfrentar a organização considerada responsável pelo problema. Os públicos não são estáticos e as caracterizações podem ser consideradas como etapas, portanto, é fundamental que a organização tenha conhecimento dos tipos de públicos para não correr o risco de negligenciar públicos latentes e conscientes e ter que lidar com um público ativo. Quando o público ativo desafia a organização o problema já foi definido pelo público externo e há grandes possibilidades de uma crise ser instaurada. Para atender à demanda das organizações em conhecer os diferentes stakeholders, estar em sintonia com o que é discutido em nível governamental que possa afetar de alguma forma os seus interesses ou dos seus clientes, gerenciar os públicos ativos e as crescentes necessidades dos públicos externos, novas áreas de especialização nas A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 27 atividades de comunicação externa acabaram por surgir, com os public affairs (trabalho de monitoramento e gerenciamento do ambiente da organização com o objetivo manter uma reputação forte e um campo comum com os públicos), relações governamentais e relações com os Investidores. Mas de fato, por muito tempo a comunicação externa esteve associada majoritariamente com as relações com a imprensa. Inclusive, a função de relações públicas nasceu da necessidade das empresas melhor se comunicarem com seus públicos, sobretudo, com a mídia, que acabava por ser a grande influenciadora dos demais stakeholders. Argenti (2014) afirma que, no geral, o trabalho das relações públicas era de impedir que a imprensa chegasse perto demais da gerência. “O antigo profissional de RP deveria proteger a empresa contra publicidade ruim, em geral fazendo uma leitura positiva de notícias prejudiciais” (p. 58). Tal atividade foi se adaptando ao longo do tempo, surgindo novos campos e funções dentro da comunicação e o que se percebe atualmente é que a comunicação externa já deixou de ser majoritariamente as relações com a mídia. Não quer dizer que essa relação com a imprensa tenha se tornado irrelevante, muito pelo contrário, a mídia ainda possui papel fundamental, sobretudo, nos momentos de crise. A relevância da mídia continua alta, no entanto foram as mudanças de acesso à informação, com os blogs, seguidos das mídias sociais, podcasts, lives, entre outros, que inclusive permitem a interação imediata entre o emissor e o receptor da informação, e também as mudanças do comportamento do público, ávido por informações além do que é transmitido nos noticiários e propagandas, que fizeram e ainda fazem com que mais atividades especializadas sejam abarcadas pelo setor de comunicação de uma organização. Argenti (2014) elenca uma lista de atividades de comunicação externa que uma moderna equipe costuma desempenhar, que foi originalmente publicada pela diretoria de comunicação da Corporate Executive Board, no relatório Resource Allocation Benchmarks de 2010. São elas: “relações com os investidores; comunicações financeiras; relatórios anuais; sites corporativos; propaganda corporativa; comunicações de marketing; comunicações executivas; relações com a comunidade; relações com o governo; mídias sociais externas; monitoramento de mídias sociais externas; monitoramento de reputação” (p. 62). Além destas, há as consideradas atividades de comunicação diversas e que também podem dizer respeito ao público externo, que são: “serviços gráficos ou criativos; medição das comunicações; gerenciamento de eventos; responsabilidade social empresarial — relatórios; responsabilidade social empresarial — programas; atividades de caridade e doações; patrocínio corporativo; desenvolvimento da equipe de comunicações” (p. 62). O leque é grande e, a depender do tamanho da equipe a desempenhar tais funções e do objetivo da organização, é fundamental estabelecer uma estratégia que atenda às necessidades organizacionais em consonância com os recursos disponíveis. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 28 4 | COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA Conforme apontam Falkheimer e Heide (2018), a comunicação estratégica tal como conceito profissional e acadêmico é relativamente nova, tendo emergido nas últimas duas décadas, tornando-se um termo constantemente utilizado por profissionais da comunicação, políticos, executivos, além do meio acadêmico, que tem se debruçado sobre o tema e lançado programas de especialização sobre o assunto. Assim como em outros campos recentes das humanas, o conceito de comunicação estratégica também acaba tendo múltiplas versões. Este trabalho buscará se focar nos conceitos que costumam ser consenso entre a maior parte dos pesquisadores. A comunicação estratégica pode ser definida como “o estudo de como as organizações usam a comunicação propositadamente para cumprir suas missões gerais” (FRANDSEN & JOHANSEN, 2017, apud FALKHEIMER & HEIDE, 2018, p. 62) ou ainda os seus “objetivos organizacionais gerais e de longo prazo” (FALKHEIMER & HEIDE, 2018, p. 62). É uma comunicação informacional, persuasiva, discursiva e relacional quando usada no contexto da consecução da missão de uma organização. Ou seja, uma das premissas da comunicação estratégica é atuar de forma proposital em prol dos objetivos maiores da organização, tornando-se importante para a existência, legitimidade e operações de uma organização. Argenti (2014) define comunicação estratégica como a que está alinhada à estratégia geral da organização com o objetivo de desenvolver o seu posicionamento estratégico. Para isso, uma estratégia eficiente busca enviar mensagens “claras, compreensíveis e verdadeiras, comunicadas com paixão, e que sejam estrategicamente repetitivas e repetidas, além de serem consistentes com seus diversos públicos” (p. 53). É importante esclarecer que a comunicação estratégica é diferente da comunicação planejada. Esta última está relacionada com uma comunicação projetada para responder às necessidades de comunicação percebidas de públicos importantes e não efetivamente com a missão da organização. Falkheimer e Heide (2018) afirmam que a comunicação planejada é uma comunicação tática, geralmente baseada em uma mentalidade de comunicação unilateral tradicional, onde pressupõe-se que emissor está no controle do processo de comunicação e, segundo os autores, muitas das consultorias que utilizam o conceito de comunicação estratégica na realidade estão oferecendo comunicação planejada. Falkheimer e Heide (2018) sustentam que na comunicação estratégica, três campos tradicionais da comunicação – relações públicas, comunicação organizacional e comunicação de marketing – são integrados em uma estrutura única. E são nesses campos que se concentram de diversas formas a comunicação orientada para os objetivos das organizações. Segundo os autores, os estudos de pesquisa contemporâneos dentro dos três campos tradicionais apontam que ainda há muito em comum no que diz respeito aos desenvolvimentos sociais, culturais e político-econômicos da organização. A produção de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 29 compreensão, relações duráveis e uma identidade comum são objetivos comuns para a comunicação das organizações. O processo de formulação da estratégia de comunicação passa por etapas de análise, intenção da estratégia, ação e avaliação. Para Argenti (2014), criar uma estratégia de comunicação empresarial coerente envolve a análise dos públicos-alvo relevantes, a definição da estratégia geral da empresa para a comunicação e uma boa transmissão das mensagens. Além disso, é preciso analisar as respostas do público-alvo para determinar se a comunicação foi bem-sucedida. Dessa forma, a estratégia determinará como a organização pretende desenvolver suas atividades durante um determinado horizonte temporal de modo a atingir os seus objetivos. A estratégia, dentro do contexto organizacional, será as ações tomadas pelos gestores para gerir a interação entre os seus públicos, ajudando a captar, transmitir e interpretar informação ao meio externo, assim como representar a organização no exterior. Ao desenvolver uma estratégia geral, as organizações precisam considerar o que está manifestado nas suas declarações de missão e visão – elementos que compõem a identidade desejada. Dessa forma, a organização evita repercussões futuras e reforça as suas características identitárias perante os públicos. Outro fator relevante é que o CEO seja a pessoa mais envolvida no desenvolvimento da estratégia geral de comunicação e na transmissão de mensagens consistentes para o público-alvo. Os próprios CEOs acabam por se tornar uma personificação da marca corporativa e são eles quem irão estar no topo de toda essa comunicação estratégica, seja operacionalizando, seja comunicando (ARGENTI, 2014, p. 66). Falkheimer e Heide (2018) afirmam que a comunicação estratégica inclui todas as formas de comunicação – interna e externa, formal e informal – que estejam em consonância com os valores e visões gerais da organização. A comunicação estratégica deve ocorrer em todos os níveis de uma organização. Falkheimer e Heide (2018) afirmam que “fazer comunicação estratégica inclui a exploração de necessidades, planejamento, formulação estratégica, intervenções de comunicação, programas de comunicação e processos de comunicação” (p. 76). A comunicação estratégica, portanto, não se limita às atividades dos profissionais de comunicação. Ela envolve todos os setores de uma empresa, como Recursos Humanos, os gerentes de diversos níveis hierárquicos, profissionais de marketing e o próprio contato entre os funcionários e os diferentes públicos atendidos pela organização. Isso não significa que todos esses membros da organização possuam uma mesma percepção da importância da comunicação ou um nível de capacitação na área, por isso, cabe aos profissionais de comunicação realmente atuarem como os especialistas da área e podem ser utilizados como consultores internos para auxiliar no propósito global (Argenti, 2014). Zerfass e Huck (apud FALKHEIMER & HEIDE, 2018) argumentam que a comunicação estratégica como uma prática “molda o significado, constrói confiança, cria reputação e A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 30 gerencia relacionamentos simbólicos com as partes interessadas internas e externas, a fim de apoiar o crescimento organizacional e garantir a liberdade de operar” (p. 75). Portanto, é importante, no ato do planejamento, além de organizar as estratégias da comunicação em si, alinhar como os profissionais de comunicação disponíveis na organização poderão atuar como consultores das demais áreas, de modo a obter os resultados estratégicos desejados. 5 | CONCLUSÃO A partir dos conteúdos sobre identidade organizacional, comunicação externa e comunicação estratégica abordados neste trabalho, algumas reflexões são feitas sobre como a comunicação externa e a comunicação estratégica podem atuar como instrumentos para a gestão da identidade da organização. Inicialmente, é inegável que as características centrais, distintivas e duradouras da identidade organizacional bem administradas são fundamentais para gerar uma identidade corporativa e uma imagem positiva perante seus diferentes públicos, refletindo em uma boa reputação no mercado em que atua. Partindo da corrente de vários estudiosos de que “a organização é comunicação” (KUNSCH, 2006, p. 167), ou seja, são indissociáveis, a comunicação vai ser a ferramenta principal a transmitir as mensagens que irão gerir a identidade organizacional, assim como identidade e imagem corporativas. Como foi amplamente citado em todo o trabalho, essa comunicação, que é inerente às organizações, vem se transformando com o passar dos avanços tecnológicos e das mudanças de comportamento e de consumo dos públicos interessados. Dessa forma, a comunicação externa passou a abranger uma série de atividades que outrora sequer existiam, além de atuar diretamente com vários tipos de públicos que vão muito além da imprensa. Quando abordamos o conceito de comunicação estratégica já existe uma corrente de mudança no formato de segmentar a comunicação externa da interna, uma vez que a comunicação deve ocorrer em todos os níveis da organização e os funcionários devem ser levados em consideração como aliados para a efetivação dessa comunicação estratégica. Falkheimer e Heide (2018) sustentam que “usando uma abordagem de fora para dentro, as comunicações podem ser organizadas e executadas de forma processual, em vez de unidirecional” (p. 124). Dessa forma, o que se constata que é a comunicação estratégica vem com a proposta de integração de todas os tipos de comunicação já existentes dentro de uma organização, no sentido de não desperdiçar esforços tendo as mesmas atuando de forma isolada. Inclusive, o conceito da comunicação estratégica sai da esfera do setor de comunicação e passa a ser desenvolvida por todos da organização, em diferentes níveis, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 31 o que vai demandar mudanças na forma de atuação do profissional de comunicação e da posição desse profissional dentro da alta gestão, nesse contexto. No entanto, a implantação de uma comunicação estratégica tem os seus desafios dentro das empresas. O primeiro deles é a alta administração realmente colocar a comunicação na cúpula estratégica da organização, levando em consideração o que os profissionais de comunicação têm a contribuir para o andamento dos trabalhos. Para isso, Cornelissen (2004, p. 178) afirma que os profissionais de comunicação precisam mostrar e comunicar o seu valor agregado à alta administração para garantir tanto sua contribuição estratégica, quanto status dentro da organização. Nesse momento, podemos fazer uma rápida referência a Mintzberg (1983), quando ele define o poder como “a capacidade de afetar os resultados organizacionais” (p. 4) e a importância de ser um influenciador interno nas relações de poder da organização. O segundo é a necessidade de os profissionais de comunicação passarem para uma atuação gerencial em maior grau. O fato de a comunicação estratégica ser algo que deverá envolver todos os setores levará o profissional de comunicação a apoiar os demais gerentes, sendo uma espécie de consultor de comunicação dentro da empresa, além de estar em constante contato com o CEO da organização. Falkheimer e Heide (2018) afirmam que “o valor real que os profissionais de comunicação podem contribuir será confirmado quando eles começarem a trabalhar dentro dos processos de trabalho reais da organização e apoiar e ajudar os gestores em diferentes níveis de comunicação e questões de comunicação” (p. 60). É importante ter sempre uma perspectiva crítica sobre a comunicação estratégica. É preciso evitar planos muito rígidos ou excesso de controle, o que pode inviabilizar a execução do planejamento e constantemente avaliar o andamento das ações, analisando os resultados e adequando o que for necessário para o propósito geral, que vai estar eminentemente relacionado a identidade, imagem e reputação da organização. Por fim, constata-se que a comunicação estratégica tem suas bases semelhantes à identidade organizacional. Ambas estão alicerçadas nos atributos mais profundos da organização, como a missão, valores e visão de futuro e, portanto, uma comunicação estratégica sempre irá impactar a identidade organizacional. Já a comunicação externa permeia a comunicação estratégica, mas esta tem uma visão maior de comunicação integrada com todos os tipos de comunicação existentes na organização. Cabe aos profissionais construírem um plano com as ferramentas comunicacionais mais adequadas para a estratégia a ser efetivada e os resultados serão perceptíveis na identidade organizacional. REFERÊNCIAS ALBERT, S.; WHETTEN, D. A. Organizational identity. Research in Organizational Behavior, v. 7, p. 263–295, 1985. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 32 ARGENTI, P. A. Comunicação empresarial. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. CORNELISSEN, J. Corporate comunications: Theory and practice. London: Sage Publications, 2004. DOWLING, G. R. Winning the reputation game: Creating stakeholder value and competitive advantage. Cambridge: MIT Press, 2016. FALKHEIMER, J.; HEIDE, M. Strategic communication: An introduction. New York: Routledge, 2018. GIOIA, D. A.; SCHULTZ, M.; CORLEY, K. G. Organizational identity, image, and adaptive instability. The Academy of Management Review, v. 25, n. 1, p. 63–81, jan. 2000. HALLAHAN, K. et al. Defining strategic communication. International Journal of Strategic Communication, v. 1, n. 1, p. 3–35, 22 mar. 2007. KUNSCH, M. M. Comunicação organizacional: Conceitos e dimensões dos estudos e das práticas. In: MARCHIORI, M. (Ed.). . Faces da cultura da comunicação organizacional. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2006. p. 167–190. MINTZBERG, H. Power in and around organizations. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1983. VAN RIEL, C. B. M.; FOMBRUN, C. J. Essentials of corporate communication: Implementing practices for effective reputation management. New york: Routledge, 2007. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 2 33 CAPÍTULO 3 ASPECTOS GERAIS DA TRASNFERÊNCIA DE TECNOLOGIA EM BIOTECNOLOGIA NO BRASIL: UMA ABORDAGEM DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Data de aceite: 01/02/2022 Francisco Carlos Paletta Thiago Negrão Chuba RESUMO: O presente trabalho objetiva apresentar os aspectos elementares do ecossistema de transferência de tecnologia em biotecnologia no Brasil, desde um panorama da transferência de tecnologia propriamente dita, a biotecnologia, bioeconomia e os aspectos legais associados. Com base em uma metodologia de busca de dados na literatura, apresenta-se um modelo de transferência de tecnologia em biotecnologia, e apresenta-se alguns casos de ocorrência da mesma em instituições brasileiras. As principais considerações do trabalho residem na necessidade de mais trabalhos e textos na área, principalmente com o objetivo de formação de recursos humanos atuantes na área, bem como uma reflexão de aspectos de melhoria de tal ecossistema no contexto brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Transferência de Tecnologia. Biotecnologia. Propriedade Organização da Intelectual. Inovação. Informação. GENERAL ASPECTS OF BIOTECHNOLOGY TECH TRANSFER IN BRAZIL: AN INFORMATION SCIENCE APPROACH ABSTRACT: The present work aims to present the elementary aspects of the technology transfer A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 in biotechnology ecosystem in Brazil, based on an overview of the transfer of technology itself, biotechnology, bioeconomic and associated legal aspects. Based on a data search in current literature methodology, a model of technology transfer in biotechnology is presented, as well as some cases occurred in Brazilian institutions. The main final considerations of this work lie in the need for more work and texts in the area, mainly with the objective of training human resource. Finally, it is given a reflection improvement aspect of such tech transfer ecosystem in the Brazilian context. KEYWORDS: Technology transfer. Biotechnology. Intellectual Property. Innovation. Information Organisation. ASPECTOS GENERALES DE LA TRANSFERENCIA DE BIOTECNOLOGÍA EN BRASIL: UN ENFOQUE DE LA CIENCIA DE LA INFORMACIÓN RESUMEN: El presente trabajo tiene por objeto presentar los aspectos elementales de la transferencia de tecnología en el ecosistema de la biotecnología en el Brasil, basándose en una visión general de la transferencia de tecnología propiamente dicha, la biotecnología, la bioeconomía y los aspectos jurídicos conexos. A partir de una búsqueda de datos en la metodología de la literatura actual, se presenta un modelo de transferencia de tecnología en biotecnología, así como algunos casos ocurridos en instituciones brasileñas. Las principales consideraciones finales de este trabajo residen en la necesidad de más trabajos y textos en el Capítulo 3 34 área, principalmente con el objetivo de capacitar el recurso humano. Finalmente, se da un aspecto de mejora de la reflexión sobre dicho ecosistema de transferencia de tecnología en el contexto brasileño. PALABRAS CLAVE: Transferencia de Tecnología. Biotecnología. Propiedad Intelectual. Innovación. Organización de la información. 1 | INTRODUÇÃO O ambiente de desenvolvimento de pesquisa em biotecnologia brasileiro, principalmente àquela voltada para as áreas de saúde e biologia, tem considerável viés acadêmico no Brasil. Do ponto de vista de um pesquisador científico ou mesmo de pesquisadores em treinamento, como alunos de pós-graduação e alunos de graduação, temas como patentes, propriedade intelectual e mesmo as legislações pertinentes na área são bastante distantes da sua realidade, e estes temas são tratados como de grande complexidade ou de interesse apenas para grandes players do mercado – o que não deveria ser uma realidade. Atualmente, a conversão de resultados de pesquisas científicas em patentes e em efetivas transferências de tecnologia no Brasil é consideravelmente baixo. Considerando um ecossistema de pesquisa científica no qual a mesma é financiada principalmente por entes públicos que, notadamente, tem seus recursos disponíveis cada vez mais escassos, comprometendo a qualidade e a perpetuação de pesquisas científicas de qualidade, uma saída é o retorno perante a remuneração de licenciamento e concessão de patentes derivadas de resultados de pesquisas produzidos pelas instituições públicas e privadas brasileiras. Para tanto, porém, é necessário que se desperte uma cultura empreendedora e de inovação em todos os níveis da cadeia científica no Brasil. Este trabalho objetiva, portanto, apresentar os elementos básicos da transferência de tecnologia em biotecnologia e trazer à luz aspectos básicos da biotecnologia, bioeconomia e dos aspectos legais associados no contexto brasileiro. Especial foco será dado nas Instituições de Ciência e Tecnologia públicos, uma vez que compõem a grande massa da produção acadêmica nacional. Além disso, evidenciam-se alguns exemplos de casos de sucesso na área, bem como propõe-se um modelo de transferência de tecnologia em biotecnologia, baseado na literatura. Assim, espera-se que este texto sirva de subsídio para iniciantes e interessados na área a expandirem seus conhecimentos e terem acesso a novas informações na área. 2 | METODOLOGIA A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica em bases de dados atuais e relevantes, bem como a busca de casos publicamente divulgados e disponíveis na internet. Uma curadoria e seleção das informações mais pertinentes foi feita, e um compilado das A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 35 mesmas foi preparado. 3 | REVISÃO DA LITERATURA Inicialmente, é importante destacar e definir os conceitos mais elementares para o melhor entendimento da área. Assim, se buscou definir elementos como a transferência de tecnologia e a biotecnologia tanto de maneira técnica quanto de forma mais prática. Além disso, foram definidos aspectos mais específicos pertinentes à área, como aspectos jurídicos no qual se embasa o cenário brasileiro. 3.1 Transferência de tecnologia A expressão “transferência de tecnologia” pode ser definida, em linhas gerais, como o um processo formal no qual o detentor de uma propriedade intelectual – seja ele uma instituição de pesquisa pública ou privada ou uma empresa - transfere suas descobertas ou inovações que são resultado de pesquisas científicas para outros (RIBEIRO, 2001). De maneira mais específica, isso acontece sob as formas de licenciamentos e cessões da propriedade intelectual (UTFPR, 2017). O licenciamento é definido como a cessão do direito de comercialização da propriedade intelectual mediante remuneração (royalties, milestones, ou conforme acordado contratualmente), enquanto a cessão é definida como a transferência do direito total da propriedade intelectual, passando o novo proprietário da propriedade intelectual a usufruir total controle da mesma, podendo utilizá-la como bem entender. No Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) é o responsável pela averbação e validação de contratos de transferência de tecnologia, ou seja, contratos que envolvam licenças, sublicenças e a cessão de direitos de propriedade intelectual, conforme sua Instrução Normativa PR nº 70/2017, de 11 de abril de 2017 (INPI, 2017). São reconhecidas, entretanto, cinco formas de transferências de tecnologia (SANTOS et al, 2017): 1. Licença e cessão para exploração de patente e desenho industrial: Definidos pelos contratos que autorizam a exploração comercial da propriedade intelectual protegida por patente e pedidos de desenho industrial devidamente depositados ou concedidos, seja no Brasil ou no exterior, para terceiros. 2. Licença e cessão de uso de Marca: Autoriza o uso por terceiros de uma marca registrada no Brasil. 3. Franquia: Define a transferência de serviços, tecnologias e a transmissão de padrões, bem como o uso de marcas e patentes, entre franqueadores e franqueados. 4. Fornecimento de Tecnologia: Contratos que dispõem sobre as condições de aquisição de técnicas e conhecimentos, incluindo aqueles não protegidos por propriedade industrial – incluindo aqueles não passíveis de proteção no Brasil. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 36 5. Serviços de Assistência Técnica e Científica: Definem a prestação de serviços especializados que envolvem técnicas e tecnologias específicos utilizados na elaboração de diferentes projetos e estudos. Além disso, o INPI também oferece todo o suporte jurídico e oferece o embasamento jurídico necessário para elaboração de contratos, além de outras disposições relevantes na área, sendo todos dispostos em seu portal na internet. Ainda que o Brasil tenha em seu órgão de propriedade intelectual o ponto central de toda a averbação de contratos de transferência tecnologia, é notável que o país ainda não apresenta uma cultura de transferência de tecnologia definida (SANTOS; TOLEDO; LOTUFO, 2009). Conforme indicado por TOLEDO e seus colaboradores, é notável a falta de sensibilização das instituições quanto à importância econômica e estratégica da inovação e propriedade intelectual – principalmente as públicas. Isso se reflete, por exemplo, em dificuldades para a estruturação dos núcleos de inovação nas Instituições de Pesquisa Científica e Tecnológica (ICTs), que, segundo a Lei de Inovação Brasileira (Lei 13.243 de 2016), são os órgãos responsáveis pelas políticas institucionais de inovação e, consequentemente, pela política de propriedade intelectual e de transferências de tecnologias das ICTs. Uma vez que a grande maioria da ciência brasileira é financiada e executada por instituições públicas (BRITO CRUZ, 2000), fato sustentado por dados que indicam apenas uma empresa aparece entre as 1000 maiores instituições que publicam artigos no país – a Petrobras, uma empresa pública (SCIMAGO, 2017), é possível afirmar que o país sofre cronicamente com a ausência de iniciativas e de maiores experiências na área. Segundo RIBEIRO, 2001, as dificuldades também atingem o setor produtivo. Uma vez que o Brasil teve a consolidação de sua indústria por meio da importação de tecnologias – ou seja, sendo o recipiente de contratos de transferência de tecnologia e, para tanto, utilizando um grande montante de recursos financeiros seja de forma direta, via royalties, ou indireta, como por isenções fiscais ou, ainda, pela permissão de que empresas de outros países aqui se estabelecessem sem a necessidade de geração de novas tecnologias – o que resultou em uma estrutura deficitária de geração de conhecimento, uma vez que a comunidade científica e o empresariado brasileiro não teve acesso direto à inovações e ao processo inovativo. É possível afirmar que o Brasil teve seu processo de industrialização sem conexão com sua política de Ciência, Tecnologia e Inovação (BORHER et al, 2007). 3.2 Transferência de tecnologia em icts Uma vez que os principais agentes de ciência ao se considerar ICTs são as universidades, que tem como seu tripé o ensino, a pesquisa e a extensão, é possível afirmar, conforme LOTUFO, 2009, que existem dois principais aspectos para que uma universidade contribua para a melhoria da capacidade de inovação no Brasil: a formação de alunos para inovação, seja apoiando a absorção de seus egressos por empresas de base tecnológica ou A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 37 pelo estímulo ao empreendedorismo, ou ainda pelo apoio à incorporação das tecnologias resultantes de suas pesquisas em formas que tragam benefício à sociedade (SCHOLZE; CHAMAS, 1998). Percebe-se que por isso é necessário considerar que é preciso aproximar a política de Ciência, Tecnologia e Inovação da política industrial. Para tanto, é importante que, além de incentivos à formação de recursos humanos na área tecnológica, mecanismos de propriedade intelectual sejam fortificados para que haja estimulo a investimentos e para que ocorra a garantia de direitos. É necessário que haja maior aproximação entre o ambiente acadêmico, no Brasil representado primariamente por ICTs, e o mercado – o ambiente privado (BUAINAIN; CARVALHO, 2000). Com a publicação da Lei de Inovação brasileira, determinou-se juridicamente a necessidade da criação de um órgão responsável pela gestão da inovação e transferência de tecnologias nas ICTs públicas: os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs). Segundo a Lei, o NIT tem como função a manutenção da política institucional de estímulo à proteção de criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia; avaliar e classificar os resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa (LOTUFO, 2009). O NIT deve, portanto, buscar a criação de um ambiente de inovação convidativo na instituição, fazendo da inovação parte da cultura institucional, além de atuar como mediador entre a comunidade acadêmica e o setor privado, estabelecendo a relação ICT-Empresa, concretizando planos e elaborando contratos e convênios. Entretanto, ainda que muitas universidades já dispusessem de tal estrutura, para diferentes instituições tal necessidade ainda é desafiadora, mesmo que a lei tenha sido publicada em 2005 (LOTUFO, 2009). A principal dificuldade apontada para o devido estabelecimento de um NIT em uma ICT está na inexperiência dos gestores que os assumem, uma vez que deve saber lidar com aspectos bastante específicos ligados à propriedade intelectual e à gestão da inovação, bem como há falta de habilidade de resolução de conflitos e dificuldades em comunicação, que devem ser feitos de maneira mais eficiente e veloz do que aquela normalmente verificada no serviço público, e mais próxima do setor privado (TOLEDO, 2009). É necessário destacar, entretanto, que a transferência de tecnologia é não somente esperada com origem nas universidades, entidades sem fins lucrativos e instituições de pesquisa governamentais, mas é também essencial para o desenvolvimento da maioria das inovações biomédicas e necessária para que o investimento público em pesquisa seja convertido em benefícios à população (SOBRINHO, 2017). O ciclo de pesquisa e comercialização é ilustrado conforme a figura 1, na qual se observa que o roteiro que acontece na ciência básica, entre a ideia, pesquisa, geração de conhecimento e publicação de resultados é cíclico, se alimentando continuamente, mas sem espaços para sair do ambiente acadêmico e atingir a sociedade. Para tanto, é necessário que exista uma pressão para que, desse conhecimento, seja postulada uma invenção, passível de desenvolvimento e comercialização, que por sua vez atingem a população em geral e resultam em recursos A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 38 capazes de financiar o ciclo de pesquisa. Figura 1 - Ciclo de Pesquisa Básica e Comercialização. Adaptado de Sobrinho, 2017. 3.3 Biotecnologia A biotecnologia pode ser definida como a ciência que combina conhecimentos científicos de principalmente de áreas como a bioquímica, biologia molecular e biologia celular (KREUZER; MASSEY, 2002), complementadas pela engenharia química, ciências da computação, bioinformática, ciência dos materiais, genética, imunologia, fisiologia, microbiologia e engenharia bioquímica (COSTA, 2006), visando o desenvolvimento de novas técnicas, tecnologias e produtos para o uso da sociedade. Dentre as principais áreas de impacto em que a biotecnologia pode atuar destacamse saúde humana (prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças), a agricultura (melhoramento de culturas e maior produtividade) e ciências do ambiente (energias renováveis, detecção e resolução de contaminantes ambientais e melhoramento de processos produtivos) (VALLE, 2006). Alguns exemplos de aplicações de grande são as tecnologias de anticorpos monoclonais, a engenharia de proteínas, a tecnologia de edição do genoma, como o sistema CRISPR-Cas9, as tecnologias de bioprocessamento, as tecnologias de biossensores, a engenharia de tecidos, as técnicas de cultura de células e tecidos, a engenharia genética e os sistemas body-on-a-chip (KREUZER; MASSEY, 2002). Sendo, portanto, uma ciência na qual conhecimentos obtidos por resultados de pesquisa básica, em bancada – e realizada prioritariamente em universidades e institutos de pesquisa (ICTs) – são transladados para aplicações e resultados práticos, de impacto na sociedade, é razoável afirmar que a biotecnologia exige um ambiente científico e de inovação bastante sólido, bem como de um setor produtivo que seja capaz de transformar A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 39 esses conhecimentos em negócios e produtos a serem disponibilizados no mercado (SILVEIRA et al, 2004). 3.3.1 Bioeconomia O Brasil, sendo um país notadamente reconhecido por sua biodiversidade e riqueza biológica, alça uma posição mundial de destaque ao se considerar o contexto biotecnológico. Dois grandes temas aparecem como destaque ao se adotar tal ótica: a regulamentação de acesso aos recursos de tal biodiversidade, bem como questões de propriedade intelectual consideradas nesse processo (GRANJA; VARELLA, 1999). Nesse contexto, o Brasil apresenta em sua Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – 2016-2019 (MCTI, 2016) - que as espécies de sua fauna, flora e microbioma são alvo de grande interesse para as indústrias, além de exercerem impacto direto na economia nacional por atividades de baixo impacto tecnológico. Assim, defende um planejamento e políticas públicas direcionados para o avanço tecnológico na área, com o objetivo de “apoiar o desenvolvimento de tecnologias inovadoras para agregação de valor aos bens e serviços da sociobiodiversidade brasileira e promover maior interação entre os setores acadêmico e produtivo, a fim de elevar a competitividade do país no cenário da Bioeconomia mundial”. Para tanto, o documento traça objetivos a serem elaborados no quadriênio que compreende os anos entre 2016 a 2019, dentro os quais é possível destacar a elaboração de um Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação em Bioeconomia e em Biomas, de forma a promover a competitividade nacional e a geração de conhecimentos, tecnologias, inovação, produtos e serviços na área, seja pela criação de redes em biotecnologia e biodiversidade e pelo estabelecimento de parcerias público-privadas para criação de novos negócios de base biotecnológica. 3.3.2 Modelo da tripla hélice Sendo a biotecnologia uma área de interseção entre os ambientes acadêmico e empresarial, o que no Brasil significa também a interseção entre os setores público e privado, se percebe a necessidade de um sistema de inovação capaz de integrar as ações dos diferentes atores envolvidos em tais processos, de forma a fomentar o desenvolvimento científico e econômico. Segundo RIBEIRO, 2001, destacam-se no Brasil três grupos: as instituições governamentais (em todos seus níveis e esferas), o setor empresarial e as instituições de pesquisa públicas e privadas (ICTs). Um modelo proposto por Etzkowitz e Leydesdorff (1991) sintetiza tais relações: o modelo da hélice tripla. Neste modelo, objetiva-se uma articulação tripla entre o Governo, as Universidades e Empresas, de forma que o principal resultado seja o aumento de recursos financeiros produzidos conjuntamente para utilização nos sistemas educacionais e tecnológicos. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 40 Sua proposta é de que as universidades ganhem autonomia e tenham em suas pesquisas maior diversidade, bem como que os egressos de suas cadeiras tenham acesso facilitado ao mercado de trabalho. As empresas, além de absorver e ter em suas equipes mão de obra qualificada em maior número e qualidade, terá também maior capacitação tecnológica, ser tornando, portanto, mais competitiva (RIBEIRO, 2001). Tal capacitação será adquiridas das universidades, de forma a remunerá-las pelo desenvolvimento tecnológico e de inovação, de forma que se cria um ciclo virtuoso: a universidade apresenta melhores resultados, que são absorvidos pelas empresas, que remuneram as universidades por sua propriedade intelectual – de maneira contínua. Cria-se, portanto, um ambiente de dependência mútua entre universidade e empresa (CLOSS; FERREIRA, 2012). Assim, as interações ICT-Empresas tornam-se potencialmente ferramentas de mudança social e democratização do conhecimento (MACIEL, 1999). O governo, por sua vez, deve atuar de forma a dar suporte e articular as relações entre as outras duas entidades, servindo como um catalisador para tais interações (CLOSS; FERREIRA, 1999). 3.4 Aspectos legais e propriedade intelectual em biotecnologia A biotecnologia mostra-se como uma das principais soluções para problemas alimentícios e de saúde no século XXI (ZUCOLOTO; FREITAS, 2013). Há, portanto, o surgimento de uma nova indústria, baseada no conhecimento, na qual há a agregação de processos das indústrias química, farmacêutica, alimentar, da saúde, da energia e da informação (LOPES; CARNEIRO, 2005). Desta forma, é necessário que um país que deseja alcançar grau de excelência e destaque nesse cenário tenha uma estrutura regulatória e de propriedade intelectual sólidos. O Brasil lança, quadrienalmente, um documento que define sua Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. A versão publicada em 2016, com validade até 2019, define algumas áreas prioritárias para o desenvolvimento da biotecnologia no país: bioenergia e biocombustíveis, biotecnologia marinha, alimentos, bioeconomia e biodiversidade e saúde. O plano considera, em linhas gerais, a biotecnologia como uma área convergente e habilitadora: capaz de introduzir mudanças significativas na sociedade e que, se combinada com outras tecnologias, pode resultar em mudanças ainda mais significativas. Nesse contexto, existem instrumentos de apoio para a concretização aos planos descritos na Estratégia Nacional. A Lei de Inovação, publicada originalmente como a Lei nº 10.973/2004 e alterada mais recentemente com a Lei nº 13.243/2016, define medidas de incentivo à pesquisa e à inovação, regulando a propriedade intelectual e participação dos pesquisadores em ganhos econômicos; estimula a cooperação entre instituições públicas e privadas, dispensando a necessidade de licitações para licenciamento de propriedade intelectual, além de estimular o uso da infraestrutura pública de pesquisa, permitindo que empresas financiem diretamente pesquisas, além de permitir financiamento público de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 41 pesquisas realizadas no ambiente privado; dentre outros aspectos. De forma complementar, em 2007 foi criado o Centro Nacional de Biotecnologia (CNB), que instituiu uma Política de Desenvolvimento da Biotecnologia, que tem como objetivo: (...) o estabelecimento de ambiente adequado para o desenvolvimento de produtos e processos biotecnológicos inovadores, o estímulo à maior eficiência da estrutura produtiva nacional, o aumento da capacidade de inovação das empresas brasileiras, a absorção de tecnologias, a geração de negócios e a expansão das exportações (Brasil, 2007). Dentre as ações de destaque tomadas desde então, destacam-se o aumento dos investimentos públicos e privados para difusão da biotecnologia, o desenvolvimento nacional de produtos e processos nas áreas indicadas na PDB e o estabelecimento de ambiente regulatório que facilitou a atividade inovativa em biotecnologia, com a consolidação de órgãos como a ANVISA e o INPI (ZUCOLOTO; FREITAS, 2013). Um ponto central do desenvolvimento da biotecnologia no Brasil está em sua legislação de propriedade intelectual, na forma da Lei nº 9.279/1996, a chamada Lei da Propriedade Industrial (LPI). Em relação a invenções biotecnológicas, destacam-se alguns incisos dos artigos 10 e 18 e o artigo 24 da LPI: Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade: (...) VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. Art. 18 - Não são patenteáveis: (...) III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial previstos no art. 80 e que não sejam meras descoberta. Parágrafo único - Para os fins desta lei, microrganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais. Além disso, em consonância com suas diretrizes de proteção da biodiversidade, são considerados itens não patenteáveis, conforme o Ato Normativo nº 127/1997 do INPI, reeditado em 2007: (...) as sequências de nucleotídeos e peptídeos isolados de organismos vivos naturais per se ; os extratos e todas as moléculas, substâncias e misturas per se obtidas de ou produzidas a partir de vegetais, animais ou microrganismos encontrados na natureza; os animais e suas partes, mesmo quando isolados da natureza ou quando resultantes de manipulação por parte do ser humano; as plantas e suas partes, mesmo quando isoladas da natureza ou quando resultantes de manipulação por parte do ser humano; métodos terapêuticos; A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 42 os métodos terapêuticos biotecnológicos incluem, por exemplo, terapias gênicas. (INPI, 2007). De maneira complementar, a Lei nº 11.105/2005, chamada de Lei de Biossegurança, criou um Conselho Nacional de Biossegurança e estruturou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que, com o objetivo de estabelecer: (...) normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente (Brasil, 2005). Dessa forma, o Brasil consolidou de maneira fundamental e de maneira anterior a muitos países (DOLABELLA et al, 2005) a regulação de atividades, eventos e processos biotecnológicos. Foram definidos aspectos da pesquisa biotecnológica básicos, desde a aplicabilidade de organismos, ácido desoxirribonucleico (DNA), ácido ribonucleico (RNA), engenharia genética, DNA/RNA recombinante, organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, clonagem, entre outros termos. Definiram-se também os casos em que a lei permite a utilização de determinadas tecnologias, o uso de células-tronco embrionárias humanas, quais atividades são proibidas, bem como as diretrizes de trabalho para garantir a segurança do operador e do bioma. (ZUCOLOTO; FREITAS, 2013). 4 | TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA EM BIOTECNOLOGIA O modelo proposto por SOBRINHO, 2017, é adaptado da realidade praticada na Universidade de Maryland, em Baltimore, Maryland, Estados Unidos, e se apresenta como um exemplo prático de bastante utilidade para se observar um panorama geral da transferência de biotecnologia, na qual atores governamentais e do terceiro setor interagem com a universidade objetivando o desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação na área. A Universidade de Maryland é parte de um sistema de universidades com 14 instituições, das quais a sede em Baltimore é a mais vibrante para as ciências da vida. Em 2016, apenas este campus recebeu cerca de 530 milhões de dólares em recursos para pesquisa, advindos do governo e de empresas farmacêuticas e de biotecnologia. Atualmente são mais de 250 ensaios clínicos ativos e 65 tecnologias licenciadas nos últimos 3 anos. Entretanto, tais resultados não foram simples de serem obtidos: são resultado de uma forte política institucional de Propriedade Intelectual, no qual define obrigações de todos os atores envolvidos na pesquisa, de pesquisadores visitantes e alunos ao mais alto funcionário, bem como define processos de decisões para com a propriedade intelectual e estabelece um ambiente de facilitação para a constituição de empresas por parte dos A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 43 pesquisadores da Universidade. Destaca-se em sua abordagem a obrigatoriedade dos pesquisadores de relatarem revelações científicas, que serão devidamente avaliadas pelo escritório de propriedade intelectual, somente então, liberadas para publicação pelo pesquisador ou protegidas por patente. Em sua estrutura de pesquisa, uma vez que um pesquisador tem uma ideia, estabelece sua hipótese e estabelece um experimento, submetendo o projeto do mesmo para órgãos públicos para receber investimentos. Uma vez financiado, o projeto é executado, resultando em informações, que podem ter três destinos: a publicação, a colaboração via contratos de confidencialidade ou, ainda, sua revelação via patente. Processo inverso também pode ocorrer caso conhecimentos não-públicos sejam necessários para o desenvolvimento da pesquisa: a informação pode ser licenciada ou condida, de acordo com a negociação. Procedimento semelhante é adotado para materiais: aqueles que são adquiridos via contratos de transferência de materiais ou aqueles que são obtidos via o recurso injetado no projeto. A descoberta, assim que finalizada, é avaliada pelo escritório de propriedade intelectual que pode tomar duas decisões: de que a pesquisa se trata de pesquisa básica, sem aplicação comercial potencial, e a libera para publicação pelo pesquisador – fechando o ciclo de pesquisa acadêmica, já que este é o resultado que o governo, investidor da pesquisa, espera; ou a proteção da propriedade intelectual, usualmente via patente, sendo que a descoberta passa a ser tratada, então, como invento. Uma vez protegido, o invento pode ter dois destinos: o licenciamento a um parceiro, que remunerará a universidade e o pesquisador para obter o direto de explorar aquele invento independentemente e, com isso, comercializá-lo e obter retorno financeiro; ou realizar o desenvolvimento e a comercialização internamente à Universidade. Para tanto, o desenvolvimento pode ser feito com financiamento federal ou como uma pesquisa patrocinada por empresa, de forma que o resultado comercializável pertence à universidade e a seu financiador. Ao final dessa cadeia de valor, observa-se que há um benefício público obtido a partir do resultado da pesquisa: o produto disponibilizado. A figura 2 ilustra de maneira simplificada a cadeia acima descrita. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 44 Figura 2 - Modelo de Transferência de Tecnologia em Biotecnologia. Adaptado de Sobrinho, 2017. Destaca-se no modelo proposto na Universidade de Maryland a interação do escritório de propriedade intelectual com os pesquisadores, afetando diretamente a decisão de patenteabilidade. Segundo SOBRINHO, 2017, para o escritório, os pesquisadores são tratados como clientes: a comunicação é regular, com trabalho de desenvolvimento contínuo, objetivando estabelecer um relacionamento de longa data, focando nas prioridades do pesquisador. Para tanto, o escritório disponibiliza recursos online para interação com o pesquisador, de forma a se realizar o trabalho da maneira mais simplificada possível. Além disso, o escritório organiza seminários e realiza reuniões frequentes para tornar a potencial conturbada relação entre ciência básica e negócios a mais tranquila possível. A comunicação de cada descoberta é realizada por meio de um formulário de revelação, a ser preenchido pelo pesquisador, no qual o mesmo descreve aspectos elementares do trabalho desenvolvido, como seu título, descrição da invenção, estágio de desenvolvimento, planejamento futuro, possíveis aplicações comerciais e as apresentações e publicações realizadas, se houverem. Disto, há uma pré-avaliação, na qual é realizada análise mercadológica, análise técnica e avaliação de patenteabilidade, na qual avalia-se a inventividade e novidade da descoberta, sua viabilidade técnica e comercial e o custo para a instituição. A decisão de patentear é tomada então de acordo com o estágio de desenvolvimento do mesmo, bem como a real necessidade de patentear. É realizada então uma reunião com o pesquisador, na qual define-se o interesse de depositar e, futuramente, licenciar a patente. Após a finalização do processo por um comitê de revisão científica (CRC), define-se se a descoberta ainda tem dados insuficientes, se é passível de conversão para patente ou se a ideia é abandonada e liberada para se tornar ferramenta de pesquisa. A figura 3 evidencia um esquema gráfico da triagem de invenções da Universidade de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 45 Maryland. Figura 3 - Esquema de Triagem de Invenções para Decisão de Patenteabilidade da Univerisdade de Maryland. Adaptado de Sobrinho, 2017. Além disso, a estratégia de transferência de tecnologia do escritório de propriedade intelectual da Universidade de Maryland adota uma postura de marketing bastante ofensiva. Há prospecção ativa e passiva de potenciais novos licenciadores da propriedade intelectual da universidade. Como marketing ativo destaca-se a publicação de newsletters, divulgação por meio notas oficiais e contato direto com as potenciais empresas interessadas, bem como a organização de conferências, teleconferências e a confecção de materiais publicitários para atração de potenciais licenciadores. As estratégias de marketing passivo estão voltadas para a manutenção do portfólio online das propriedades intelectuais da universidade, bem como a disponibilização de serviços e informações sobre estes dados em outras fontes. Além destas abordagens, há o fomento para a formação de startups dentro da universidade, estabelecendo um elo direto entre a universidade e o mercado. Ainda que estas empresas não sejam de propriedade da instituição, elas estão intimamente ligadas à mesma, e por muitas vezes tem como proprietária da propriedade intelectual a própria universidade, que cede ou licencia os direitos de exploração econômica para essas empresas. 5 | ESTUDO DE CASOS 5.1 Embrapa A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi criada em 1973 com o desafio de desenvolver um modelo de agricultura e pecuária totalmente brasileiro, adaptado ao clima tropical e capaz de superar barreiras limitantes da produção de alimentos, fibras e A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 46 energia do território nacional (EMBRAPA, 2017). A empresa é a responsável pela incorporação de mais de 50% da área atual de produção de grãos, bem como conseguiu quadruplicar a produção de carne bovina e multiplicou em 22 vezes a oferta de carne de frango produzidas no Brasil. Sua estrutura consiste em 17 unidades centrais, localizadas em Brasília, além de 46 unidades descentralizadas, distribuídas em todo o Brasil, além de 4 laboratórios localizados no exterior (Estados Unidos, Europa, China e Coreia do Sul) e 3 escritórios na América Latina e África. Dispõe de uma equipe de mais de 9700 empregados, dos quais aproximadamente 2500 são pesquisadores. Seu orçamento, em 2015, foi da ordem de 3 bilhões de reais (EMBRAPA, 2017). Sua atuação em transferência de tecnologia busca ser colaborativa, objetivando a construção do conhecimento conjuntamente aos mais diversos segmentos do setor agroprodutivo. Sua estratégia é, portanto, embasada em três pontos: · Transferência de Tecnologia (TT): tratada como um dos componentes do processo de inovação, no qual o uso de soluções tecnológicas é utilizado em diferentes estratégias de comunicação e interação com os diferentes recipientes da tecnologia com o objetivo de alavancar e dinamizar processos produtivos, aspectos mercadológicos e arranjos institucionais. · Intercâmbio de Conhecimentos (IC): tratado como um processo interativo no qual soluções tecnológicas já desenvolvidas e estabelecidas com fins específicos são aplicados a diferentes contextos a partir da troca entre saberes tradicionais e conhecimentos tácitos e científicos. Dessa forma, a interação proposta permite que tecnologias e conhecimentos sejam melhor interpretados e, assim, adaptados a novas realidades, atendendo a interesses e demandas particulares. · Construção Coletiva do Conhecimento (CC): em uma relação muito próxima ao conceito de Inovação Aberta, esta é uma proposta de interação de transferência de conhecimentos baseada na troca constante de informações, na qual um grupo composto por diferentes entes observa a realidade e a avalia criticamente e, com a colaboração daqueles que serão diretamente impactados pelas mudanças a serem implementadas, sistematiza as soluções tecnológicas no contexto de sua aplicação. A estrutura da Embrapa no que se refere à transferência de tecnologia é bastante única, uma vez que é bastante especializada e profissionalizada, fato que destoa da maioria das empresas e ICTs brasileiras. A atuação neste âmbito é coordenada por uma DiretoriaExecutiva de Transferência de Tecnologia, que reporta diretamente à presidência da instituição. Por sua vez, a esta diretoria tem sob sua supervisão duas unidades gerenciais: · Departamento de Transferência de Tecnologia (DTT): uma Unidade Central (com sede em Brasília) subordinada diretamente à Presidência da empresa. É responsável pela coordenação, articulação, orientação e avaliação das diretrizes e estratégias da Embrapa quanto à transferência de tecnologia, buscando a aplicação efetiva das tecnologias e conhecimentos gerados dentro da empresa, garantindo o A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 47 melhor desenvolvimento da agropecuária brasileira. Tem, em sua estrutura: quatro coordenadorias: Coordenadoria de Programas e Parcerias (CPP), Coordenadoria de Informação e Prospecção (CIP), Coordenadoria de Métodos e Análises (CMA) e Coordenadoria de Capacitação para Transferência de Tecnologia (CCT). · Secretaria de Negócios (SNE): outra Unidade Central subordinada à Presidência, tendo como missão institucional a implementação de estratégias de ação em negócios e a elaboração e revisão da política de informação da Empresa, bem como realiza a gestão da propriedade intelectual, implementação da legislação e atendimento ao marco regulatório de inovação tecnológica no âmbito da instituição. Tem quatro coordenadorias em sua estrutura: Coordenadoria de Assuntos Regulatórios (CAR), Coordenadoria de Inovação em Negócios (CIN), Coordenadoria de Negociação e Contratos (CNC) e Coordenadoria de Propriedade Intelectual (CPI). Além disso, as Unidades Descentralizadas (localizadas em todo o Brasil) tem papel fundamental na estrutura de transferência de tecnologia da instituição, tendo principal destaque à duas unidades de negócios: a Embrapa Informação Tecnológica e a Embrapa Produtos e Mercado (EMBRAPA, 2017). Considerável parte da estratégia de transferência de tecnologia da Embrapa é baseada em sua rede de parceiros, sendo estre um aspecto chave em seu sucesso. Ao estabelecer alianças estratégicas, a transferência de tecnologia propriamente dita e o intercâmbio de conhecimentos são viabilizados. Para tanto, a eficiente articulação com uma série de parceiros é necessária. Para tanto, a Embrapa realiza contratos de parceria com diferentes instituições públicas e privadas, como instituições de pesquisa agrícola de assistência técnica e extensão rural (ICTs públicas, Universidades públicas e particulares, Institutos Federais e instituições privadas), instituições de comercialização e cooperativismo (de âmbito municipal e estadual) e com outros atores do cenário nacional. A abrangência dessas parcerias deve cobrir todo o processo produtivo e de pesquisa e desenvolvimento: desde fornecedores e instituições de crédito, passando por organizações de agricultores e comunidades rurais e chegando a organizações internacionais (EMBRAPA, 2017). A amplitude dessas entidades está ilustrada na figura 4. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 48 Figura 4 - Entidades de Alianças Estratégicas da Embrapa. Retirado de: https://www.embrapa.br/transferencia-de-tecnologia 5.2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) O patrimônio intelectual da UFMG é resultado direto da ação dos programas de pós-graduação da Universidade e da definição de diretrizes institucionais em relação à proteção e utilização da produção científica da instituição (MILAN, 2006). Estas políticas garantem à UFMG a posição de segunda universidade brasileira em número de registro de patentes e de licenciamentos de propriedade intelectual, superando gigantes como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com número menor apenas que a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (CTIT, 2017). A estrutura de propriedade intelectual da instituição é gerenciada pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), que tem como principais objetivos a atuação na gestão do conhecimento científico e tecnológico da universidade, com atenção ao sigilo de informações sensíveis, à proteção do conhecimento e à comercialização das inovações geradas na estrutura universitária, além de disseminar a cultura de propriedade intelectual. Atualmente, a UFMG conta com mais de 1100 propriedades intelectuais em seu nome, dos quais aproximadamente 300 estão registrados no exterior e cerca de 750 estão A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 49 registrados em território nacional. A Universidade conta com uma incubadora de empresas que tem hoje mais de 20 empresas incubadas em seu programa de incubação, além de outras 59 empresas que saíram da sua estrutura e estão estabelecidas no mercado. Além disso, o NIT da instituição conta com mais de 60 parceiros nacionais e internacionais, que garantiram mais de 80 licenciamentos de propriedades intelectuais. Por fim, considerando sua proposta de formar recursos humanos de excelência na área, os cursos organizados pelo CTIT contam com mais de 1200 participações (CTIT, 2017). A política de transferência de tecnologia estabelecida determina que as patentes da UFMG são passíveis de licenciamento somente perante o pagamento de taxas de licenciamento e royalties. Estas taxas são divididas em partes iguais entre a universidade e os pesquisadores responsáveis pelo conhecimento protegido – entretanto, a divisão da parte deles é de responsabilidade dos mesmos, em acordo prévio estabelecido. A universidade também fomenta iniciativas nas quais o licenciamento resulte em financiamento para projetos de pesquisa patrocinados pelo licenciado, seja este o total pagamento da licença ou parte dele. Os interessados para tanto devem contatar a CTIT com suas demandas, sendo que as mesmas serão avaliadas e passíveis de desenvolvimento pelos pesquisadores da UFMG mediante contrato (CTIT, 2017). Dentre a totalidade de sua propriedade intelectual, 70% das mesmas estão ligadas à área de biotecnologia, sendo relacionadas à novos fármacos, medicamentos, técnicas biotecnológicas, instrumentos médicos ou outras inovações. Apenas entre 2004 e 2006, processos de transferência de tecnologia renderam à UFMG recursos na ordem de 900 mil reais, dos quais a grande maioria está relacionada a processos de licenciamento e transferência de know-how para a indústria nacional na área de biotecnologia (MILAN, 2006). Considerando essa experiência, é possível destacar um caso de sucesso de transferência de tecnologia da UFMG: o contrato de transferência tecnológica assinado com a Viriontech do Brasil, envolvendo quatro patentes da área de biotecnologia relacionados à comercialização e produção de kits de diagnóstico para anemia infecciosa equina. A Viriontech é uma empresa incubada pela Fundação Biominas. O principal objetivo é realizar o diagnóstico da anemia infecciosa em cavalos, uma vez que os animais positivos para a doença devem ser sacrificados para que não contaminem os demais. Com o diagnóstico precoce, é possível reduzir as perdas de produção, uma vez que apenas os animais contaminados em fase precoce seriam sacrificados – em vez de, potencialmente, um grande número de animais, o que levaria à grandes perdas econômicas. Dessa forma, evidencia-se a promoção de parcerias com empresas por parte da universidade, de forma que cada vez mais contratos sejam firmados e cada vez mais o conhecimento produzido na universidade seja convertido em informação estratégica para as empresas (MILAN, 2006). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 50 5.3 Instituto Butantan O Instituto Butantan é um Instituto de Ciência de Tecnologia ligado à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Existe como instituição autônoma desde fevereiro de 1901. Atualmente tem como principais atribuições a produção de soros e vacina, a pesquisa e a divulgação da ciência. Desenvolve estudos e pesquisa básica nas áreas de biologia, biomedicina e ciências relacionadas, básicas e aplicadas, principalmente nas especialidades de animais peçonhentos, agentes patogênicos, inovação e modernização de processos de produção e controle de imunobiológicos, além de estudos clínicos, terapêuticos e epidemiológicos relacionados. Também capacita estudantes interessados em pesquisa, desenvolvimento e inovação, além de oferecer cursos de extensão. Conta também com coleções biológicas e desenvolve atividades educacionais e culturais por meio de seus quatro museus: Museu Biológico, Museu Histórico, Museu de Microbiologia e Museu de Saúde Pública. É, também, o principal produtor de imunobiológicos do Brasil, sendo responsável por grande parcela da produção nacional de soros e antígenos vacinais que compõem as vacinas disponibilizadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde brasileiro (BUTANTAN, 2017). Dessa forma, é possível dizer que a toxinologia e a regulação da resposta imune são áreas de excelência na atuação do Instituto, construindo reputação internacional. As pesquisas desenvolvidas no Instituto com venenos com o objetivo de descobrir novas moléculas em sua composição que apresentem potencial terapêutico levaram à instituição à uma aproximação com o desenvolvimento e inovação na área farmacêutica, o que resultou na descoberta e patenteamento de diferentes proteínas e peptídeos derivados da biodiversidade brasileira. O sucesso posterior de diferentes trabalhos, principalmente àqueles ligados ao Centro de Toxinologia Aplicada. Nesse contexto, foi criado o Centro de Toxinas e Resposta Imune e Sinalização Celular (CeTICS), com o objetivo de se tornar um centro de excelência e renome mundial na área. A vocação para a inovação tecnológica tornou-se uma característica marcante do centro, do qual participam 11 pesquisadores seniores do Centro, bem como uma série de outros pesquisadores associados e estudantes (CETICS, 2017). A proposta de transferência de tecnologia é baseada em estabelecer parcerias em instituições privadas e com o governo por meio de suas agências de fomento, seja a nível estadual ou federal. Para tanto, é necessário considerar que a infraestrutura do Centro conta com laboratórios altamente especializados e equipados para a investigação científica em nível internacional, além de laboratórios de desenvolvimento tecnológico que operam em condições de Boas Práticas de Laboratório (BPL), o que permite um cenário competitivo e o estabelecimento de um círculo virtuoso entre resultados científicos, o desenvolvimento tecnológico e a transferência de tecnologia. Além disso, diversos subprojetos ligados ao Centro têm como objetivo a geração de resultados científicos promissores para o A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 51 desenvolvimento tecnológico. Assim, estabeleceu-se prioridade em transferência de tecnologia, em primeiro lugar, para as seções industriais do Instituto Butantan e, em segundo, indústrias privadas, seguidas pelo público externo. O licenciamento de patentes segue as diretrizes institucionais do Instituto Butantan e da FAPESP, agência financiadora do Centro (ELIAS-SABBAGA, 2017). Dessa forma, o Centro busca seguir um fluxograma do processo de desenvolvimento de uma tecnologia conforme ilustrado na figura 5. Figura 5 - Fluxograma do processo de desenvolvimento de uma tecnologia. Retirado de ELIASSABBAGA, 2017. Tais diretrizes já resultaram em resultados bastante positivos em transferências tecnológicas de pesquisas a partir de conhecimentos e propriedade intelectual gerados no CeTICS. Destacam-se as seguintes iniciativas: a. Amblyomin e Lopap: Estas moléculas, desenvolvidas sob a coordenação da Drª. Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, foram negociadas para desenvolvimento junto às, respectivamente, empresas União Química e Biolab. ambas sob Ana Marisa Chudzinski-Tavassi. Atualmente, o projeto Amblyomin recebe bolsas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ensaios préclínicos e para o desenvolvimento de um processo industrial; b. ENPAK: Desenvolvimento em colaboração com a Biolab, sob supervisão da pesquisadora Drª. Yara Cury; c. Adjuvante vetor Sílica (SBA-15), negociado com a indústria Cristália, sob responsabilidade do Dr. Osvaldo A. Sant’Anna. Atualmente, o processo está em fase de aplicação na produção de soros antiveneno e, também, no desenvolvimento de vacinas orais; A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 52 d. Fator imunossupressor do veneno de Lachesis muta, também negociado com a indústria Cristália e sob a coordenação da Drª. Denise Tambourgi. Conjuntamente às iniciativas de desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação, estabeleceu-se a necessidade de formação de recursos humanos de excelência na área, seja nos setores público ou privado. Ao avaliar-se a necessidade de formação de pessoal, percebeu-se a imediata necessidade de gestores de inovação em biotecnologia, que precisariam de formação específica, tanto em aspectos gerenciais quanto técnicos. Ao se avaliar o universo de profissionais já atuantes na área, percebe-se que a grande maioria é de técnicos e pesquisadores científicos, com ensino formal na área de biociências e ciências afins que passam por transição de carreira para a área de gestão. Para atender essa demanda, fundou-se o MBA em Gestão da Inovação em Saúde, no Instituto Butantan: um curso semipresencial utilizando o método de aprendizagem baseado em problemas, aulas presenciais e videoconferências. O curso tem duração de 18 meses, cobertos por 3 ciclos (Propriedade intelectual, Processos e Produtos, Gestão de projetos e Empreendedorismo. O objetivo deste MBA é formar profissionais capazes de fazer a conexão entre setores produtivos e acadêmicos, entre indústrias e escritórios regulatórios, a academia e escritórios de advocacia, bem como outros atores relevantes do processo de desenvolvimento científico e tecnológico em biotecnologia (ELIAS-SABBAGA, 2017). 6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS Espera-se que, com este trabalho, aspectos gerais da transferência de tecnologia em biotecnologia tenham sido elucidados, permitindo a iniciantes e interessados na área, em especial atenção a estudantes de graduação e pós-graduação, tenham um texto base para prosseguir seus estudos. Também foi possível perceber alguns aspectos positivos e negativos quanto às condições gerais da transferência de tecnologia em biotecnologia no Brasil. Infelizmente, a transferência de tecnologia em biotecnologia no Brasil ainda é incipiente: ou são transferências de aquisição, voltadas para a produção e não para o desenvolvimento ou são para pequenas empresas, derivadas das próprias ICTs ou de alguma forma a elas associadas. É ponto focal a necessidade de se fazer cumprir a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e o Plano de Desenvolvimento da Biotecnologia, além de existir uma grande necessidade de incentivar novas políticas públicas que fortaleçam a estruturação do setor biotecnológico do país, destacando o fato de que o país carece de investimentos no apoio à formação e absorção de recursos humanos na área de saúde e em pesquisa tecnológica, que necessitam de maior priorização. Em contraponto, diferentes aspectos são bastante positivos. As políticas de incentivo à inovação e os documentos reguladores de biotecnologia no país estabeleceram um ambiente bastante favorável no Brasil nos últimos anos, permitindo perspectivas A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 53 promissoras. Além disso, ainda que os atuais exemplos sejam de transferências de tecnologia realizadas para pequenos licenciadores, muitas vezes ligados à própria ICT como uma spin-off ou como uma empresa nela incubada, é preciso valorizar a experiência que se ganha com essas iniciativas, preparando cada vez mais pessoas para poderem atuar na área, além de valorizar os recursos humanos já atuantes nela. Sem contar que toda iniciativa de propriedade intelectual e transferência de tecnologia está associada a iniciativas de formação, permitindo assim que mais pessoas tenham acesso a esse universo e que a cultura de inovação seja multiplicada e perpetuada. Dessa forma, é possível efetivar a mudança que o país tanto necessita em sua tecnologia. AGRADECIMENTO Projeto Investigação com Apoio FAPESP Processo 19/01128-7. REFERÊNCIAS BOHRER, M. B. A.; AVILA, J.; CASTRO, A. C.; CHAMAS, C. I.; CARVALHO, S. M. P. Ensino e pesquisa em propriedade intelectual no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, p. 281-310. 2007. BRASIL. Lei Nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm>. Acesso em 3 jul. 2021. BRITO CRUZ, C. A universidade, a empresa e a pesquisa. Revista Humanidades, 45 pp.15-29,1999. BUAINAIN, A. M.; CARVALHO, S. M. P. Propriedade intelectual em um mundo globalizado. 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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 3 56 CAPÍTULO 4 SER CURTIDO E APROVADO OU DESCURTIDO E APAGADO? UM ESTUDO DE CASO DOS PORTAIS DE NOTÍCIAS ON-LINE METRÓPOLES E R7 Data de aceite: 01/02/2022 Iasmim Santos Graduada em Jornalismo pela Faculdade Anísio Teixeira (FAT) http://lattes.cnpq.br/3284847115139079 channels can contribute to maintaining the cancellation following a perspective aligned with journalistic criteria. KEYWORDS: News coverage; Personalities in the pandemic; Cancellation; news portals; canceled celebrities Andréa Souza Daniela Ribeiro 1 | INTRODUÇÃO As redes sociais digitais e as interações nos espaços virtuais, tema do presente estudo, RESUMO: Este estudo teve o intuito de refletir sobre a cobertura jornalística dos portais de notícias on-line Metrópoles e R7, com enfoque nos cancelamentos ocorridos de janeiro a setembro de 2020. Por meio dele, identificou-se que enquanto o R7 apresentou perfis variados de personalidades canceladas na pandemia, o Metrópoles focou em uma delas, revelando como os canais de comunicação podem contribuir com a manutenção do cancelamento seguindo uma perspectiva alinhada aos critérios jornalísticos. PALAVRAS-CHAVE: Cobertura jornalística; Personalidades na Cancelamento; Portais Celebridades canceladas. de pandemia; notícias; ABSTRACT: This study aimed to reflect on the journalistic coverage of the online news portals Metrópoles and R7, with a focus on cancellations that occurred from January to September 2020. Through it, it was identified that while the R7 presented different profiles of personalities canceled in the pandemic, Metrópoles focused on one of them, revealing how communication A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 promovem variadas mudanças no cenário contemporâneo, sendo pertinente observarmos que nesse contexto as possibilidades de criar, recriar ou se desvencilhar de algo são muito maiores. Deste modo, foi imprescindível analisarmos as manifestações que nasceram em tempos pós-modernos, a exemplo do cancelamento virtual, um movimento que, em virtude da pandemia em 2020, aflorou e repercutiu nos espaços virtuais. Logo, esse movimento, que ganhou o meio on-line originando debates e discussões, teve o seu surgimento em casos nos quais personalidades ou qualquer indivíduo, que por terem se manifestado de uma forma vista como incorreta, tiveram sua ação criticada e transformada em alvo de ataques no ambiente virtual promovendo consequências para a vida pública e digital de quem sofreu o cancelamento. A vista disso, o movimento do cancelamento virtual atraiu a atenção de veículos jornalísticos on-line, que observaram Capítulo 4 57 esse movimento de envolvimento e permanência dos usuários e passaram a promovê-los e repercutí-los. É importante ressaltarmos que o foco neste artigo é a cobertura jornalística dos cancelamentos de personalidades que tiveram seus comportamentos reprovados socialmente no contexto da pandemia. Neste presente trabalho, foram escolhidos dois portais de notícias on-line Metrópoles e R7, e analisamos a problemática: como as matérias desses portais refletem o cancelamento de figuras públicas na cobertura jornalística em 2020? E como objetivo geral refletimos sobre a cobertura jornalística dos portais de notícias Metrópoles e R7 a respeito dos cancelamentos de personalidades que repercutiram na mídia no contexto da pandemia em 2020. Já, como objetivos específicos discorremos sobre os comportamentos relacionados às práticas de cancelamento através da análise da cobertura dos portais de notícias on-line Metrópoles e R7. Identificamos a recorrência de personalidades canceladas na pandemia, com base na análise dos portais de notícias on-line e foram esmiuçados os principais critérios de valor jornalístico envolvidos nas construções das matérias. Para tanto, este estudo torna-se relevante para a ordem social, porque a partir dele foi possível conhecermos os motivos que mais entrelaçam um indivíduo a ponto de ser cancelado, demonstrando como o movimento do cancelamento foi interpretado e quais os alvos que ele mira. Ao fazermos a análise dos portais em questão foi possível percebermos as nuances por trás do cancelamento e como isso se intensificou1 em 2020, ano atípico, já que o mundo se observou diante de uma pandemia e mudanças comportamentais. Logo, essa pesquisa torna-se imprescindível ao campo da comunicação, fazendo-nos perceber também que a educação midiática é uma ferramenta necessária para promover reações mais saudáveis e prevenir determinadas consequências que possam surgir em conjunto com cancelamentos em ambientes midiáticos. Além disso, os objetivos metodológicos desta pesquisa apresentaram caráter descritivo e exploratório, tendo como campo de estudo a internet trazendo elementos da netnografia. E apresentou, como estratégia de pesquisa, o Estudo de Caso realizado por meio da coleta de dez matérias jornalísticas, sendo cinco matérias do portal Metrópoles e cinco matérias do portal R7, essas matérias referem-se aos cancelamentos ocorridos durante a pandemia, de janeiro a setembro de 2020. A escolha das matérias foi compilada através de palavras-chave em ferramentas de pesquisa como o Google e nas áreas de buscas dos próprios portais escolhidos. Além da análise dessas matérias, como uma ferramenta do método exploratório, foi utilizada a análise de discurso para refletirmos a respeito das questões propostas nos objetivos desta pesquisa. Dessa forma, autores referenciais foram trazidos para o desenvolvimento desse 1 Conforme dados da Kantar, empresa especializada em pesquisas de comunicação, mídia, consumo e medição no meio digital, com a pandemia a navegação na web se elevou em 70%, e o engajamento nas mídias sociais aumentou em 61% em relação às taxas de usos normais, o que pode possibilitar ainda mais o policiamento virtual. Barômetro COVID-19: Atitudes do consumidor, hábitos e expectativas da mídia – Disponível em: <https://www.kantar.com/Inspiration/Coronavirus/COVID-19-Barometer-Consumer-attitudes-media-habits-and-expectations>. Acesso em: 13 abr. 2021. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 58 artigo, que foi dividido em cinco capítulos: a noticiabilidade e a prática jornalística na web; jornalismo, redes sociais digitais e interações; cancelamento virtual e educação para as mídias, e os dois últimos capítulos foram reservados para a análise do nosso estudo de caso. Por meio dessa análise, foi possível identificarmos que enquanto o portal R7 apresentou perfis variados de personalidades canceladas na pandemia, o portal Metrópoles focou em uma das personalidades, evidenciando como os canais de comunicação podem contribuir com a manutenção do cancelamento seguindo uma perspectiva direcionada e alinhada aos critérios de noticiabilidade na prática jornalística. 2 | NOTICIABILIDADE E A PRÁTICA JORNALÍSTICA NA WEB O termo jornalismo refere-se ao substantivo jornal e por extensão designa toda atividade que produz e divulga informações na atualidade (PINTO, 1999). Logo, a atividade jornalística opera com base em determinados princípios que conduzem a sua prática e seus produtos, como o compromisso ético com uma ideia de verdade, que pode ser compreendida através dos aspectos principais e transformada em relato noticioso. Além disso, foi observado que no discurso jornalístico vários elementos são predispostos na construção das notícias para que assegurem uma coerência a determinadas narrativas, um exemplo desses elementos são os critérios de noticiabilidade (valor-jornalístico ou valornotícia). A noticiabilidade corresponde a um conjunto de critérios, técnicas e instrumentos com os quais os órgãos de informação enfrentam a tarefa de escolher, diariamente, entre um número extenso e indefinido de fatos, uma quantidade mensurável, finita e tendencialmente fixa de notícias (WOLF, 1985). Esses critérios de valores-notícia surgem para responder e direcionar quais são os fatos realmente relevantes e significativos a ponto de serem transformados em notícia e expostos ao público (FERREIRA; DALMONTE, 2008). Os principais critérios analisados nos estudos da comunicação, conforme Ferreira e Dalmonte (2008) envolvem: novidade; proximidade geográfica; negativismo; surpresa; impacto; conflito pessoal; pessoa de destaque ou personagem público; incomum; referente ao governo; de interesse nacional/ universal/ pessoal/econômico (número de pessoas afetadas); injustiça que provoca indignação; catástrofe; emoção; descobertas/ invenções; crime e violência. Para mais, o autor Franciscato (2014) nos apresenta o critério de continuidade e ruptura, que orienta o jornalista para situações pontuais que ainda não tiveram um fim, ou que representaram uma quebra ou separação na ordem de acontecimentos; e o critério de normalidade e anormalidade que se associa à identificação de padrões de normalidade em contraste do que é ‘anormal’, também considerada uma forma de ruptura. Além das contribuições sobre os critérios de noticiabilidade ao discurso jornalístico, é importante trazermos alguns elementos que se potencializaram com a internet. Logo, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 59 cada meio possui uma linguagem própria “a rádio diz, a televisão mostra e o jornal explica” (CANAVILHAS, 2003, p. 64), com a internet não poderia ser diferente, ao utilizar um texto, som e imagem em movimento, a internet tem uma linguagem única que se potencializou no hipertexto e nos conteúdos que são utilizados em outros meios existentes (CANAVILHAS, 2003). Com isso, ao falarmos sobre a prática jornalística na web, observamos elementos multimídias (áudio, vídeo, hiperligações) que alteraram o processo de produção de uma notícia e a forma como se ler. A exemplo, pode-se citar a leitura não-linear2, que apresenta a necessidade da disponibilização de um complemento informativo, no qual permita a um indivíduo recorrer a ele sem que isso provoque mudanças no mapa mental de compreensão da notícia. À vista disso, pode-se observar que o webjornalismo apresenta a quebra da linearidade do texto como uma das dificuldades das novas plataformas, portanto, o jornalista da web precisa encontrar o melhor caminho para levar o leitor a uma quebra nas regras de recepção impostas e comuns aos meios comunicacionais atuais (CANAVILHAS, 2003). 3 | JORNALISMO, REDES SOCIAIS E INTERAÇÕES O século XXI proporcionou ao jornalismo uma explosão de mensagens jornalísticas em um mesmo suporte (o ambiente digital) ampliando o campo noticiável e as possibilidades de inclusão sem fronteiras delimitadas. Proporcionou também a disseminação de mensagens originadas por diversas fontes simbolizando os mais variados interesses, exigindo do jornalista mais competência e integridade aos valores que compõem sua atividade. O discurso propagado através de coberturas jornalísticas de sites, blogs, portais de notícias ou redes sociais digitais, termo que será esmiuçado nesse capítulo, passou a apresentar não apenas uma narrativa ao público, mas também passou a demonstrar elementos essenciais que situassem esse público, cada vez mais exigente e fragmentado, ao lugar em que se desenvolve determinada narrativa repassada. Ou seja, integrando esse receptor para que ele se sinta conectado e integrado aos elementos expostos em determinada matéria, ou conteúdo informativo. Por meio disso, compreende-se que a prática jornalística precisa ser completa, geradora de contexto, sentido e pertencimento (COELHO, 2013). Ademais, quando o jornalista passa a operar no ambiente on-line ele torna-se mais dependente do público. Esse profissional precisa pensar nas opções adequadas para que o seu público interaja, visto que a interatividade torna possível que um usuário opine, elogie, critique, colabore com sugestões e principalmente ajude a construir as notícias. E com a ampla utilização das redes sociais digitais como suporte para plataformas informativas essa interação tornou-se ainda mais relevante. 2 Leitura não-linear corresponde a uma composição que oferece caminhos distintos, além da possibilidade de múltiplos finais e interpretações. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 60 Conforme Souza e Cardoso (2011) as redes sociais são como uma estrutura formada por indivíduos e organizações que estão ligadas por relações e partilham valores e objetivos parecidos. Análogo à ideia anterior, a pesquisadora Raquel Recuero (2009) define as redes sociais digitais como um conjunto de dois elementos, os atores e suas conexões, mediados por um computador: os “atores”, que podem ser pessoas, instituições, grupos, ou os nós da rede. E suas “conexões”, que são formadas por interações ou laços sociais. Essas interações mediadas por um computador são capazes de gerar fluxos de informações e trocas de sentido que impactam as estruturas. Cabe acrescentarmos que essas ligações estabelecidas entre computadores viabilizam a ampliação do ciberespaço, que Lévy (1999, p. 92) define como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores”. Dessa forma, a interatividade, uma das possibilidades que surge nos ambientes digitais, aumenta as probabilidades de comunicação com o outro, como apresenta Lévy (1999), a interatividade mediada pelos computadores define um dispositivo de comunicação “todos-todos”, ou seja, todos os indivíduos podem falar com todos. Assim como analisa Raquel Recuero (2009) em seus estudos: A interação social é compreendida como geradora de processos sociais a partir de seus padrões na rede, classificados em competição, cooperação e conflito […] Existem interações que visam somar e construir um determinado laço social e existem interações que visam enfraquecer ou mesmo destruir outro laço (RECUERO, 2009, p. 79 – 81). Além disso, através das redes e ferramentas digitais observamos que assim como existem possibilidades de publicar e distribuir conteúdo, existe também a consequência de termos informações monitoradas e vigiadas por qualquer indivíduo na rede (FALQUETO, 2014). É o que discutiremos a seguir. 4 | CANCELAMENTO VIRTUAL E EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS O cancelamento virtual é um termo novo, mas que pode ser compreendido como “o ato de boicotar uma pessoa, isto é, negá-la e excluí-la da legitimação social em resposta a uma atitude tomada por ela que tenha sido considerada errada” (BRASILEIRO; AZEVEDO, p. 6, 2020). O termo3 é compreendido também como uma ameaça ou ataque à reputação e aos meios de subsistência atuais e futuros dos cancelados. E para mais, quando nos atentamos a forma como essa prática de cancelamento opera, pode-se verificar que ela se caracteriza por publicações em massa, e na maior parte das vezes, realizada por vários internautas e canais midiáticos contra um indivíduo (BRASILEIRO; AZEVEDO, 2020). Conforme Oliveira e Honório (2020), o movimento de cancelar o outro é “um novo envelopamento de algo que já conhecemos e identificamos durante décadas, a exemplo 3 O que é a ‘cultura de cancelamento’ – Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-53537542>. Acesso em: 12 abr. 2021. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 61 temos o linchamento, o boicote, o ódio e humilhação” (OLIVEIRA; HONÓRIO, 2020, p. 6). Segundo esses pesquisadores, podemos nos atentar aos três principais tipos de cancelamento: o primeiro se refere ao boicote, e na maioria das vezes está ligado à política, religião, marcas, personalidades, ou instituições de poder que romperam ou fragmentaram a confiança de seus consumidores. O segundo tipo se refere ao ban ou close errado, que é considerado um movimento informal, mas que pode atingir desde internautas anônimos que repercutem, até influenciadores e celebridades. Já o linchamento virtual é o terceiro tipo de exclusão observada nas redes sociais digitais, também considerado um movimento informal, assim como o segundo tipo. E, normalmente, é gerado por um ou mais closes errados, que como consequência se desencadeia em um cancelamento. Os cancelamentos originam-se como uma reação contrária a comportamentos que se desviam da norma padrão, princípios morais ou éticos, e na maioria das vezes destinam-se aos influenciadores digitais, que são “aquelas pessoas que se destacam nas redes digitais e que possuem capacidade de mobilizar um grande número de seguidores, pautando opiniões e comportamentos e até mesmo criando conteúdos exclusivos” (SILVA; TESSAROLO, p. 3, 2016), e às celebridades que, para Bauman (2011), significa o mesmo que está vulnerável aos olhos da sua audiência. Ademais, segundo Chiari et al. (2020) é possível observarmos que esse movimento tomou destaque em 2017 tendo como “alvo” dos ataques influencers de Hollywood. Em um primeiro estágio os ataques surgiram a partir da hashtag MeToo, a fim de expor e denunciar abusos e violências sexuais que teriam sido efetivadas por personalidades públicas. No início, o movimento teve sucesso, porque conseguiu levar à prisão pessoas que, devido à posição social, poucos desconfiariam dos seus crimes, como o produtor de cinema Harvey Weinstein denunciado por agressão sexual, estupro e assédio, sendo considerado culpado de duas das cinco acusações de má conduta sexual4. Contudo, ainda segundo Chiari et al. (2020), cabe observarmos que o movimento do cancelamento pode tomar diferentes proporções, não só expondo atitudes tidas como erradas por lei, mas expondo qualquer indivíduo que não atenda às expectativas que foram depositadas nele. A vista disso, os comportamentos negligentes e que põem em risco a vida da coletividade foram um dos mais reprovados, no período da pandemia em 2020. Isso porque, devido ao surto da COVID-19 iniciado no fim de 2019, a Lei nº 13.979/205 foi promulgada trazendo medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública visando à proteção da coletividade, como o isolamento social e medidas relacionadas à quarentena. Logo, quando uma pessoa demonstra que não está cumprindo as medidas de prevenção, a fim de dissolver ou diminuir a contaminação do Coronavírus, os vigilantes sociais, pessoas que observam as ações das outras no ambiente virtual, começam 4 Harvey Weinstein é condenado a 23 anos de prisão; entenda o caso em 7 questões – Disponível em: <https://www. bbc.com/portuguese/geral-51553491>. Acesso em: 12 abr. 2021. 5 Diário Oficial da União – Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/ lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735>. Acesso em: 28 de out 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 62 a repercutir em suas falas discursos de indignação contra o comportamento de outros indivíduos até chegar ao banimento. Por meio disso, basta uma frase mal colocada, um comportamento desaprovado e emitido principalmente por uma figura pública, por conta de contraposição de discurso, pela associação com artistas já cancelados ou por apresentarem apelos discriminatórios (OLIVEIRA; HONÓRIO, 2020), o dardo do cancelamento pode ser acionado. Além disso, cabe observamos que as ações e reações envolvidas em movimentos de cancelamento podem estar associadas às sociedades em que o poder público não apresenta credibilidade e confiabilidade diante da opinião pública, a partir disso a população acaba se tornando juíza e executora (OLIVEIRA; HONÓRIO, 2020). Logo, torna-se perceptível a necessidade de uma educação midiática6, que corresponde a um compilado de habilidades que auxiliam o indivíduo a acessar uma informação, criar conteúdo e sobreviver no ambiente informacional das redes sociais digitais, a fim de formar produtores de sentidos mais conscientes e críticos para atuarem no ambiente virtual. Os autores Kellner e Share (2008) expõem que uma aprendizagem focada na mídia pode intensificar os nossos processos críticos analíticos e explorar a recepção da audiência para que se aprenda a ler e criar criticamente textos de mídia; buscar justiça social; além de compreender os contextos políticos, econômicos, históricos e sociais em que todas as mensagens são escritas e lidas. Além disso, quando um indivíduo está digitalmente letrado ele sabe que as redes sociais digitais podem ser utilizadas tanto para reverberar situações boas quanto situações ruins. Como salienta Buckingham (2010), os indivíduos alfabetizados para a mídia passam a utilizar as redes digitais para o seu crescimento e o dos outros, realizando buscas eficientes, comparando uma série de fontes e separando os conteúdos ou documentos confiáveis dos não confiáveis e os relevantes dos irrelevantes. Ademais, esse autor destaca que os usuários precisam “fazer perguntas sobre as fontes dessa informação, sobre os interesses de seus produtores, além de questões mais amplas sobre os pontos de vista que são representados ou não o são” (BUCKINGHAM, 2010, p. 49-50). 5 | ANÁLISE DO PORTAL DE NOTÍCIAS ON-LINE METRÓPOLES O portal Metrópoles, fundado em 2015, assim como a editora e a rádio fazem parte do Grupo Metrópoles. Conforme o Google Analytics, 63 milhões de usuários únicos prestigiam a página mensalmente7 e seu crescimento se direciona ao âmbito nacional e dimensões regionais. Para mais, as matérias coletadas e analisadas deste portal se concentram nas editorias Celebridades e Entretenimento. A partir disso, podemos iniciar analisando a matéria (A), nela pode-se observar 6 A educação midiática como vacina contra a infodemia - Disponível em: <https://porvir.org/a-educacao-midiatica-como-vacina-contra-a-infodemia/>. Acesso em: 16 de mar. 2021. 7 Metrópoles – Disponível em: <https://www.metropoles.com/quem-somos>. Acesso em: 06 nov. 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 63 que as redes sociais digitais são um perigo para os artistas sertanejos. Com a leitura do subtítulo, observa-se também que o ambiente das lives é propício para provocar a onda de cancelamento, porque é um ambiente regado por muito álcool e pouca inibição dos artistas sendo um terreno fértil aos cancelamentos. Em um dos trechos dessa matéria, é demonstrado que o público desses artistas não estava preparado para vê-los sem filtro. O que nos faz subentender a necessidade de um preparo aos usuários das redes sociais digitais que na maioria das vezes não sabem como agir e muitos partem para a crítica, xingamentos e aniquilamento de determinado “alvo”. Ao analisarmos as personalidades canceladas temos: a cantora sertaneja Marília Mendonça que foi cancelada, porque debochou de um de seus músicos que, segundo a cantora, teria se relacionado com uma mulher transexual. Esse comportamento de deboche não foi visto com bons olhos pelo público LGBTQ+ que disseminou críticas e cancelou a cantora. Outros cancelados foram: o cantor Leonardo que comparou o HIV ao Coronavírus e o cantor Eduardo Costa, que fez um comentário pejorativo relacionado ao bebê de uma cantora sertaneja. Quando analisamos os critérios de valor jornalístico envolvidos nesta matéria observamos: o de pessoa de destaque; de indignação, o critério de proximidade, já que os artistas apresentados nessa matéria fazem parte de um mesmo estilo musical e apresentam relações semelhantes ao público. Na matéria (B) ao observarmos o título, vemos que a influenciadora destacada, Gabriela Pugliesi, é colocada no banco de acusada, ou aquela que ficará sentada no banco de réu no tribunal do ciberespaço, sendo os internautas os seus acusadores. O motivo de a influenciadora ter sido cancelada remete a forma como romantizou o Coronavírus, após realizar uma publicação, na qual diz algo invisível que chegou e colocou tudo no lugar. A forma como a influenciadora expressou suas palavras indignou os internautas, provavelmente, porque Gabriela generalizou questões que não se enquadram a todos. Ficar em casa na quarentena, por exemplo, foi um privilégio que poucos puderam adotar. Os critérios de valor jornalístico em destaque são o de indignação e de personalidade pública. (Figura 1) Captura de imagem da publicação de uma internauta, após texto postado por Pugliesi. Extraída da matéria (B). Na matéria (C) observamos os mesmos critérios jornalísticos citados anteriormente, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 64 como também o critério de anormalidade que se associa a uma quebra de expectativa. Nessa matéria, Gabriela Pugliesi foi cancelada devido à promoção de uma festa clandestina. A festa promovida pela influenciadora gerou revolta no público anônimo e em personalidades famosas, que também atuaram na posição de canceladoras, como a humorista Tatá Werneck e o cantor Emicida que desejou um isolamento sem sofrimento para todos, menos para Pugliesi. A influenciadora perdeu o patrocínio de diversas marcas, e também seus seguidores, que são essenciais àqueles que desejam progredir e se consolidar nas redes sociais digitais. Pugliesi contava com 4,55 milhões de seguidores antes do acontecimento e passou a contabilizar 4,4 milhões em abril de 2020, mês que ocorreu a festa. E ao analisarmos os seguidores da influencer neste ano de 2021, observase que ela está conseguindo se consolidar novamente no ambiente digital, já que apresenta atualmente 4,5 milhões de seguidores. E, não podemos ignorar que continua sendo um número alto. Na matéria (D) Pugliesi continua figurando como personalidade de destaque, e o conteúdo abordado refere-se ao retorno da influenciadora no dia 20 de julho ao postar um vídeo pedindo desculpas aos seus seguidores, após ter se afastado por três meses das redes sociais digitais por conta dos julgamentos sofridos. Nessa matéria, como critérios jornalísticos temos: pessoa de destaque e o critério de continuidade observado logo no título da matéria, que nos leva a inferir que os leitores que vão lê-la já estão integrados aos acontecimentos envolvidos com a influencer e provavelmente vão querer saber um pouco mais. Já na última matéria (E), do portal Metrópoles, observamos os mesmos critérios de valor jornalístico observados na matéria anterior, tendo Gabriela Pugliesi também como personalidade em foco. O título da matéria induz que já lemos a matéria (D) e sugere que provavelmente o público que está lendo esta matéria deseja saber mais sobre o decorrer do caso que ainda não foi finalizado. Observa-se na matéria (E) que, após um vídeo pedindo desculpas, Pugliesi ainda estava sendo alvo de críticas. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 65 (Figura 2) Captura de imagem da publicação de uma internauta, após a volta de Gabriela Pugliesi ao Instagram. Extraída da matéria (E). 6 | ANÁLISE DO PORTAL DE NOTÍCIAS ON-LINE R7 O portal R7 ou R7.com é considerado um dos maiores portais de internet brasileiro, criado em 2009, pertence ao Grupo Record8 e oferece conteúdos informativos e de entretenimento. No ano de 2017, o R7 expôs que se tornara o quinto maior da América Latina9. Para mais, cabe destacarmos que as matérias que serão analisadas nesse portal foram coletadas nas editorias Life Style e Entretenimento. A vista disso, na primeira matéria (F) analisada, pode-se observar que o cancelado em destaque é o MC Kevin. O ex-músico frequentou áreas de lazer do prédio, no qual residia mesmo sabendo que estava infectado, o que contribuiu com a realização de um Boletim de Ocorrência feito pelos seus vizinhos. Outra situação que gerou revolta nos internautas relaciona-se a uma postagem que o MC realizou horas antes de ter revelado que estava com o vírus. Nessa postagem o MC proferia as seguintes palavras: não posso sair, mas vou sair, porque não aguento mais ficar em casa. Isso gerou uma onda de reações nos seus 5 milhões de seguidores, sendo duramente criticado por ter saído de casa e desrespeitado o isolamento, já pressupondo estar infectado. A partir dessa repercussão negativa, MC Kevin apagou as suas publicações. Os critérios de valor jornalístico observados foram: de pessoa de destaque; indignação; crime; critério de continuidade já que essa matéria apresenta duas seções dedicadas a apresentar a progressão de eventos que envolveram o cantor, além do critério de anormalidade. 8 Grupo Record – Disponível em: <https://brazil.mom-rsf.org/br/proprietarios/empresas/detail/company/company/show/ grupo-record/>. Acesso em: 06 nov. 2020. 9 Quinto maior site da América Latina – Disponível em: <https://noticias.r7.com/bahia/quinto-mais-visitado-da-america-latina-portal-r7-tem-138-milhoes-de-acessos-mensais-31032018?amp>. Acesso em: 06 nov. 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 66 (Figura 3) Comentários de seguidores do MC Kevin extraídos da matéria (F). Na matéria (G) a partir do título observa-se que uma sucessão de ações ocorre até que a personalidade em foco, Gabriela Pugliesi, fosse detonada. Nessa matéria o motivo do cancelamento foi o mesmo retratado na matéria (C) do portal Metrópoles, a festa realizada pela personalidade. Dentre os principais critérios jornalísticos pode-se citar: o critério de personalidade de destaque; indignação; o critério de continuidade, porque ao decorrer dos fatos observamos intertítulos que descrevem a progressão dos episódios figurados pela influencer, além do critério ruptura ou anormalidade. Na matéria (H) verifica-se que logo no título a posição da personalidade cancelada, Gabriela Pugliesi, é intensificada. A influenciadora é retratada como traidora social e a fala de uma psicóloga colabora para isso, segundo essa profissional furar isolamento é traição social. Ademais, como critérios de valor jornalístico pode-se citar: o de personalidade de destaque; de interesse e o critério de indignação. Na matéria (I) existe uma ênfase ao termo cancelados que provavelmente foi utilizado para atrair a atenção do público que se interessa pelo conceito. Como personalidades apresentadas pode-se citar: Pugliesi, MC Kevin, Thaila Ayala que foi cancelada, porque criou uma marca de roupas inspirada pelo Coronavírus, intitulada Ví.rus 2020 e o cantor Gusttavo Lima, que foi cancelado por dois motivos, o primeiro por segurar uma galinha morta na mão, algo normal para a realidade do sertanejo, mas para muitos uma imagem não apreciável, e ter escrito na legenda da imagem jantar garantido. E o segundo motivo por ter furado a quarentena para pescar com Leonardo, outro cantor. A partir disso, o cantor Gusttavo Lima se pronunciou contra os canceladores: esse povo está querendo me cancelar. Que que é cancelar? Depois do que, 12 anos, 10 anos de sucesso, cancelar eu? Vai ser difícil. Além de observarmos que o cantor foi cancelado por um termo que não tem o conhecimento, ele expõe que não ficará submisso a esse conceito. E observa-se também, na fala do cantor, que para ele quanto mais conhecido e sucesso tiver uma personalidade menos ela será alvo de críticas, mas ao associarmos isso aos cancelamentos que ocorreram no início de 2021, a exemplo da rapper Karol Conká observa-se que não importa o tamanho da sua fama ou militância, se desagradou A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 67 o pacto coletivo depositado sobre esse indivíduo, a personalidade pode sim, sofrer com cancelamento. Mas, assim como se posicionou o cantor Gusttavo Lima, uma personalidade também tem o direito de aderir ou não ao que está sendo acusada. Outros famosos cancelados foram o MC Livinho, o ator Evan Peters e a atriz Emma Watson que foi cancelada por conta do Blackout Tuesday (terça-feira do apagão), a atriz aderiu ao movimento e fez a publicação de uma imagem preta no seu Instagram, no entanto ela usou uma moldura branca na imagem para manter a estética e a organização do seu perfil, contudo os internautas não perdoaram o detalhe que não passou despercebido pelos canceladores. A atriz recebeu muitas críticas, e com isso, observam-se como pequenas coisas podem tomar grandes proporções quando os vigilantes da internet estão a nos observar. Dentre os critérios jornalísticos que se evidenciam podemos citar: o de pessoa de destaque; de indignação; de interesse de grande número de pessoas; de continuidade, ao observarmos diferentes personalidades envolvidas em um mesmo acontecimento, o cancelamento, e o critério de anormalidade. Na última matéria (J) analisada o portal relembra casos de personalidades que foram canceladas, o termo relembrar nos faz deduzir que algo foi esquecido e nessa matéria podese observar o poder do discurso jornalístico de disseminar ou intensificar determinada fala ou acontecimento. Nela, observam-se os mesmos critérios jornalísticos da matéria anterior. Como personalidades relembradas, pode-se citar: Gabriela Pugliesi; Thaila Ayala; Flávia Pavanelli que deu a entender que tinha contraído a COVID de entregadores de delivery, a ex-bbb Rafa Kalimann que foi alvo de críticas após publicar fotos de uma festa junina que realizou para os sobrinhos durante a quarentena; o jogador de futebol Neymar que foi cobrado pelos seus seguidores para que liberasse dinheiro, a fim de ajudar no combate ao Coronavírus. Após as críticas o jogador doou cinco milhões para ajudar no combate ao vírus. E, como última personalidade relembrada tivemos a atriz Isis Valverde que entrou na mira do cancelamento por manter a babá de seu filho trabalhando durante a quarentena. 7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS O termo cancelamento se intensificou com a pandemia em 2020, já que afloraram nas pessoas o descontentamento, julgamentos e críticas diante dos comportamentos alheios. Portanto, ao verificarmos os comportamentos que mais levaram uma personalidade a ser cancelada, com base na cobertura jornalística dos portais de notícias on-line Metrópoles e R7, pode-se mencionar: a ausência de empatia, o desrespeito ou preconceito, a romantização do Coronavírus, a negligência, o egoísmo, o assédio, e a utilização de símbolos ou expressões não apreciadas por uma comunidade virtual. Além disso, ao falarmos de personalidades mais canceladas, observa-se que enquanto o portal R7 mesclou na exibição e cobertura de variadas personalidades, fazendo uma abordagem mais geral, o portal Metrópoles não expôs uma variedade de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 68 personalidades canceladas, como visto no R7, sendo Gabriela Pugliesi uma personalidade que ganhou destaque nos dois portais, porém mais ênfase no Metrópoles. Cabe salientarmos que os portais de notícias on-line, ao noticiarem o movimento do cancelamento, têm o poder de perpetuarem ideias e intensificarem discursos que nascem em territórios digitais, colaborando com a extensão dos julgamentos. Contudo, as matérias analisadas dos portais on-line só figuraram como notícias, porque foram incluídas dentro de critérios de noticiabilidade, com isso, pode-se destacar dentre os principais critérios observados nesse estudo: o critério de personagem público ou pessoa de destaque; indignação; interesse; crime; continuidade e anormalidade. A vista disso, a pandemia exigiu novas posturas e atenção redobrada não só de personalidades, que estão mais suscetíveis a serem curtidas ou apagadas nas redes sociais digitais, mas de qualquer indivíduo ou produtor de conteúdo que explore o ambiente digital. Para mais, pode-se perceber que os efeitos de cancelar um indivíduo podem perdurar mais para uns do que para outros, podendo ser assunto para futuras pesquisas: a análise de gêneros mais recorrentes em cancelamentos, assim como o aprofundamento nos mecanismos que a educação midiática possui, a fim de promover comunicações interpessoais mais saudáveis, diálogos críticos e empáticos, respeito entre opiniões divergentes, contribuições positivas para o âmbito social e consciências mais fortalecidas e assertivas no amanhã. REFERÊNCIAS BRASILEIRO, Felipe Sá; AZEVEDO, Jade Vilar de. Novas práticas de linchamento virtual: fachadas erradas e cancelamento de pessoas na cultura digital. Revista Latinoamericana de Ciencias de la comunicación. Vol. 19, nº. 34, 2020. BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Tradução: Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. BUCKINGHAM, David Cultura Digital. Educação Midiática e o Lugar da Escolarização Educação & Realidade. Vol. 35, n°. 3. 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Matéria (D) - Vídeo: Gabriela Pugliesi volta ao Instagram e fala sobre responsabilidade. Disponível em:https://www.metropoles.com/celebridades/video-gabriela-pugliesi-volta-ao-instagram-e-fala-sobreresponsabilidade. Acesso em: 31 de mai. 2021. Matéria (E) - Após vídeo de desculpas, Pugliesi conseguiu perdão da internet? Confira. Disponível em:https://www.metropoles.com/entretenimento/apos-video-de-desculpas-pugliesi-conseguiu-perdaoda-internet-veja-dados. Acesso em: 31 de mai. 2021. Matérias do portal de notícias R7 Matéria (F) - Com covid-19, MC Kevin fura isolamento social e é criticado. Disponível em: <https:// entretenimento.r7.com/musica/com-covid-19-mc-kevin-fura-isolamento-social-e-e-criticado-11052020>. Acesso em: 31 de mai. 2021. Matéria (G) - Gabriela Pugliesi quebra quarentena, faz festa e é detonada. Disponível em: https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/gabriela-pugliesi-quebra-quarentena-faz-festa-e-edetonada-26042020. Acesso em: 31 de mai. 2021. Matéria (H) - Caso Pugliesi: psicóloga explica que furar isolamento é traição social. Disponível em: <https://lifestyle.r7.com/caso-pugliesi-psicologa-explica-que-furar-isolamento-e-traicaosocial-27042020>. Acesso em: 31 de mai. 2021. Matéria (I) - De Gusttavo Lima a Thaila Ayala: veja famosos que foram ‘cancelados’. Disponível em: <https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/fotos/de-gusttavo-lima-a-thaila-ayala-veja-famosos-queforam-cancelados-09062020>. Acesso em: 31 de mai. 2021. Matéria (J) - ‘Cancelados’: relembre vacilos de influenciadores durante pandemia. Disponível em: <https://lifestyle.r7.com/fotos/cancelados-relembre-vacilos-de-influenciadores-durantepandemia-21072020>. Acesso em: 31 de mai. 2021. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 4 71 CAPÍTULO 5 A ATUAÇÃO DO PORTAL DE NOTÍCIAS ‘A CIDADE ON’ NO ÂMBITO DO JORNALISMO CULTURAL EM CAMPINAS1 Data de aceite: 01/02/2022 Letícia Cristina Sobrinho Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo da PUC-Campinas Campinas, SP Maria Lucia De Paiva Jacobini Professora doutora do Curso de Jornalismo da PUC-Campinas Campinas, SP Web jornalismo; Jornalismo Cultural; Cultura. INTRODUÇÃO Em 2019, uma pesquisa feita pelo Portal3601 buscou dados de 10 dos jornais diários mais relevantes, como por exemplo Globo, Estadão e Folha de S. Paulo, e constatou que de janeiro a outubro daquele ano, a circulação de exemplares em papel já havia caído 10%. Segundo a pesquisa, esse dado segue uma tendência de queda dos últimos Trabalho apresentado no GT História da Mídia Digital, integrante do XIII Encontro Nacional de História da Mídia. Este trabalho é concorrente ao Prêmio José Marques de Melo. cinco anos. Olhando para o cenário local, alguns veículos importantes da cidade de Campinas ilustram essa tendência em âmbito regional, pois migraram para o digital nos últimos anos. RESUMO: A presente pesquisa utiliza das metodologias revisão bibliográfica e análise de conteúdo para verificar se a produção de jornalismo cultural - em novembro e dezembro de 2019 - no portal de notícias A Cidade ON contribui para a valorização, reverberação e democratização dacultura, em toda sua diversidade, na sociedade campineira. A demais, por se tratar de um veículo online,busca - se analisar se opor tal trabalha dentro das características do web jornalismo e utiliza os recursos disponíveis no meio digital com o objetivo de tornar seu conteúdo mais dinâmico,interessante e robusto. PALAVRAS-CHAVE:Históriada Mídia Digital; Em 2016, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) anunciou em seu site oficial que o Jornal da Universidade, prestes a completar 30 anos, passaria a ser publicado exclusivamente na versão online. O mesmo aconteceu com o jornal Diário do Povo, que em 2012, seu centenário, trocou o impresso pelo online. Fidalgo (In: BARBOSA, 2007) discorre sobre a mudança na resolução semântica da notícia. Por exemplo, a possibilidade da atualização constante trazida pelo meio online influencia na qualidade e profundidade da informação, já que, é sempre possível editar 1 Disponível em: <https://www.poder360.com.br/midia/jornais-no-brasil-perdem-tiragem-impressa-e-venda-digital-ainda- e-modesta/> Acesso em: 02 set, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 72 conteúdos publicados ou criar novos conteúdos que dialoguem com os anteriores. Pode-se acrescentar ao webjornalismo a capacidade de construir comunidades (BARBOSA, 2001, p.5) – ao informar pessoas localizadas em um mesmo espaço geográfico, ou com pensamentos, cultura e interesses similares – e de criar memória coletiva – ao fazer uma documentação e registro de acontecimentos. A presente pesquisa analisa a produção jornalística sobre cultura feita pelo portal de notícias online ACidade ON2 dentro da cidade de Campinas. O veículo é integrante do Grupo EP, que possui quatro afiliadas Globo (EPTV) no Interior de São Paulo e Sul de Minas, e abrange as regiões de Araraquara, Campinas, Ribeirão Preto e São Carlos. O período escolhido para análise foi novembro e dezembro de 2019. O trabalho tem como objetivo geral verificar se o veículo noticia sobre a produção cultural vinda de áreas periféricas da cidade e de locais historicamente elitizados em uma mesma proporção. Além disso, busca-se identificar o nível da abordagem feita - se mais aprofundada ou se mantém o estilo “agenda cultural”, apenas informando sobre acontecimento de eventos. Também, verificar se o veículo trabalha dentro das 7 características do webjornalismo apresentadas por Canavilhas (2014 apud SOUZA, 2016). E, por fim, identificar e quantificar os recursos multimídia que o ACidade ON dedica à cultura da região. Destaca-se aqui a importância de falar sobre cultura – tanto sobre o acesso a ela quanto sobre os recursos para produzi-la – levando em conta o contexto político e social atual, no qual há uma tendência a deslegitimação da produção cultural. Alex Pegna Hercog, em artigo3 publicado no jornal Le Monde Diplomatique Brasil, em fevereiro de 2020, faz uma análise do um ano de governo Bolsonaro e conclui que este foi marcado por ataques à cultura. Hercog cita as críticas a Lei Rouanet; passa pelos cortes de 43% no orçamento do Fundo Setorial Audiovisual, e chega até as censuras diretas, como a ocorrida na Agência Nacional do Cinema (Ancine), que suspendeu edital para séries que incluíam temáticas raciais e LGBTs. Bolsonaro assumiu sua intervenção direta na agência. Esta pesquisa utiliza como metodologia a revisão bibliográfica e a análise de conteúdo – quantitativa e qualitativa. Gil (2002) explica que revisão bibliográfica é parte importante de um projeto de pesquisa e utiliza como base materiais já elaborados, como livros e artigos. É necessário consultá-los para conhecer o que já foi desenvolvido sobre o tema escolhido de forma mais profunda, a fim de enriquecer a pesquisa. Alguns dos autores utilizados são Alves & Oliveira (2015), para apresentar algumas definições de cultura; Melo (2010), que discorre acerca da cultura quando abordada pelo jornalismo; Ballerini (2016) e sua visão sobre a chamada “ditadura” da agenda cultural 2 Disponível em: <https://www.acidadeon.com/campinas/default.aspx> Acesso em: 27 out, 2020. 3 Disponível em: <https://diplomatique.org.br/primeiro-ano-de-governo-bolsonaro-e-marcado-por-ataques-a-cultura/> Acesso em: 02 set, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 73 e a apresentação de Souza (2016) das características do webjornalismo, de Canavilhas (2014). A análise de conteúdo, por sua vez, é a metodologia na qual se busca descrever e interpretar conteúdos de maneira mais minuciosa. Por se tratar de uma interpretação de conteúdo, pode carregar um pouco da opinião do autor da pesquisa sobre o tema. No entanto, isso não significa ser uma análise sem direcionamento, o autor precisa ter claro em sua mente o que deseja descobrir com essa pesquisa, ou seja, quais são seus objetivos. “Numa abordagem quantitativa, dedutiva, de verificação de hipóteses, os objetivos são definidos de antemão de modo bastante preciso” (MORAES, 1999, p.3). As 52 matérias analisadas foram localizadas com o uso de palavras-chave relacionadas ao jornalismo cultural e a manifestações culturais, são elas: arte, cinema, circo, dança, teatro, música, debate, espetáculo, evento, exposição, feira, literatura, oficina, sarau, show e workshop. Os critérios da análise realizada têm como base as características do jornalismo cultural, as discussões sobre o conceito de cultura, as críticas à agenda cultural e as sete características do webjornalismo. DEFINIÇÕES DE CULTURA E QUANDO ABORDADA PELO JORNALISMO Apesar de parecer simples, uma definição exata e única de cultura é difícil de se encontrar, pois o termo é amplamente discutido desde o início do século XVI (ALVES; OLIVEIRA, 2015) por várias áreas do conhecimento. Dentro da perspectiva antropológica, Roque de Barros Lacaia (2009 apud ALVES; OLIVEIRA, 2015) argumenta que a humanidade atingiu seu apogeu graças à cultura, pois, enquanto outros animais dependiam de modificações genéticas para se adaptarem ao meio ambiente, o homem valeu-se dela para sobreviver. O autor (2009 apud ALVES; OLIVEIRA, 2015) explica que a cultura é dinâmica e cumulativa, ou seja, o indivíduo nasce com alguns conhecimentos e habilidades, mas sempre pode adquirir novos de acordo com o que é imposto pelo meio em que vive. Além disso, esse caráter não-estático da cultura permite a contestação de comportamentos. Zygmunt Bauman contribui para a visão sociológica da cultura em sua obra Ensaios sobre o conceito de cultura (2012). Nela, dentre várias interpretações, o autor trabalha com uma visão dualística. Ele diz que ao mesmo tempo em que a cultura é conservadora – mantém o que já existe –, também é mutável – está aberta ao novo. Segundo ele, ela liberta e limita ao mesmo tempo, por ser “uma espécie de gabarito comportamental tanto de indivíduos como de comunidades” (ALVES; OLIVEIRA, 2015, p.6). Segundo Melo (2010), o sentido de cultura se altera nas sociedades contemporâneas. A autora explica que graças à chegada da internet, há maior flexibilidade e diálogo entre o próximo e o distante; além disso, os meios de comunicação enfraquecem monopólios e A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 74 jogam luz às manifestações culturais antes ignoradas. Burke (2004 apud MELO, 2010) explica que o jornalismo cultural emerge historicamente no final do século XVII, ao ganhar novos contornos na Europa e conquistar difusão, periodicidade e mercado. Os primeiros impressos de cobertura de obras culturais datam de 1665 e 1684. No Brasil esse tipo de conteúdo só começaria a ser produzido dois séculos depois, tendo sua expressão máxima em 1928, com a revista O Cruzeiro. A partir dos anos 50, aparecem os primeiros cadernos de cultura nos jornais impressos, especialmente nos fins de semana, inaugurados pelo Jornal do Brasil, em 1956, com o “Caderno B”. Para definir o que é jornalismo cultural e construir sua identidade, Melo (2010) busca características que se mantém desde seu surgimento: a necessidade de democratizar conhecimento e seu caráter reflexivo. Desde o jornal britânico The Spectator (1711) e sua missão de “trazer a filosofia para fora das instituições acadêmicas” (BURKE, 2004, p.78 apud MELO, 2010, p.2), até o Jornal do Brasil, 200 anos depois, o jornalismo cultural nasce e se mantém com a função social de democratizar o acesso ao conhecimento - fazendo chegar a muitos o que era restrito a poucos -, traduzir ideias complexas e revelar que em toda obra há algum pensamento profundo sobre a condição humana (MORIN, 2010 apud MELO, 2010). Golin utiliza Rivera (1995) e Gadini (2004) para explicar que, na tentativa de tipificar a produção de jornalismo cultural, este se encontra em um espaço com diversas possibilidades. A autora explica que, se tratando de forma e conteúdo, o alcance do jornalismo cultural é amplo. Ademais, segundo ela, o jornalismo, de forma geral, vive um impasse, desde o século XVII, na tentativa de separar opinião e informação. No entanto, desde seu nascimento, o jornalismo cultural se caracteriza por sua análise crítica e abordagem aprofundada – tal atributo fica evidente em alguns de seus gêneros textuais: crítica, resenha, crônica –, e é isso que o diferencia de outras editorias (MELO, 2010). A “DITADURA” DA AGENDA NO JORNALISMO CULTURAL Sobre o que chama de “ditadura da agenda”, Ballerini4 pontua que o jornalismo se distancia da premissa de George Orwell - “jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade” - ao se tornar escravo deste tipo de abordagem. Ele critica que ao se analisar as publicações de jornalismo cultural nota-se, além de materiais muito semelhantes, em sua grande maioria, conteúdos pautados em press-releases recebidos de assessorias de imprensa. Thomé, por sua vez, critica o jornalismo cultural agenda que anuncia, vende 4 Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/ditadura-da-agenda-cultural/> Acesso em: 16 set, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 75 “produtos culturais e não fatos culturais”5. Ela argumenta que o problema não está só nas escolhas dos meios de comunicação, mas também na dificuldade de convencer os próprios consumidores de que o jornalismo cultural é importante. Segundo ela, “o Brasil é um deserto em termos de cultura” e, por isso, o jornalismo cultural fica à margem em discussões sobre os meios de comunicação. Isso causa, também, uma abordagem superficial do tema dentro das universidades, que, consequentemente, inibe a produção de um jornalismo cultural consistente, logo, entra-se em um ciclo vicioso. Por fim, Thomé usa as palavras de Mauricio Stycer, repórter e crítico de televisão do UOL e colunista da Folha de S. Paulo, para apresentar pontos problemáticos dentro do jornalismo cultural brasileiro em seu formato agenda: contaminação pela publicidade; rejeição de assuntos considerados chatos, como políticas culturais, patrocínios, leis de incentivo; jornalismo de celebridade, ou seja, a vida é mais importante que a obra, e assessores de imprensa com muita influência sobre os editores. Percebe-se que tais pontos críticos entram em choque com o que se espera do jornalismo cultural: postura crítica e democratização da cultura. AS CARACTERÍSTICAS DO WEBJORNALISMO A produção jornalística na web carrega consigo algumas características. Elas são apresentadas por Souza (2016) em uma resenha sobre o livro de João Canavilhas, Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença (2014). A primeira característica, hipertextualidade, pode ser definida como blocos informativos e hiperlinks estruturados, mantendo-se uma escrita não sequencial, ou seja, um texto com várias opções de leitura. Assim, o leitor tem a opção de escolher o que deseja ler primeiro e é encaminhado de um bloco informativo até o outro por meio dos links, e quando essa conexão entre dois blocos acontece, denomina-a hiperligação. A segunda característica, multimedialidade, significa informar para todos os sentidos humanos – visão, audição, olfato, paladar e tato. Se trata de combinar ao menos dois tipos de linguagem em somente uma mensagem. Ao ouvir o leitor e conhecer seu público, os meios de informação jornalísticos dão maior poder a ele, por isso, a importância da terceira característica, a interatividade. Ela é dividida em dois tipos: a seletiva – se dá por meio da ação individual do leitor, ao selecionar conteúdos e se aprofundar no que mais lhe interessa – e a comunicativa – que acontece quando o meio de comunicação abre espaço para o usuário comentar em publicações ou enviar e-mails para a redação, por exemplo. Já a quarta característica, memória, significa unir vários formatos midiáticos em uma rede de arquivos que pode ser acessada instantânea e rapidamente. Por isso, estes arquivos se transformam em fonte de informação, tanto para quem a produz, quanto para 5 Disponível em: < https://www.coletiva.net/artigos/jornalismo-cultural-agenda-ou-tradicao,189517.jhtml> Acesso em: 16 set, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 76 quem a consome. Sobre a quinta característica, instantaneidade, o autor, no livro, argumenta que a busca por ser o primeiro a noticiar sobre algo, ou seja, dar o furo, devido à concorrência, pode ser um problema, pois o público pode até querer saber primeiro, mas também quer saber com profundidade. A sexta característica, personalização, é útil na conquista ou reconquista de espaço de mercado. Ela é dividida em seis níveis: possibilitar a adaptação das páginas de conteúdo em diversas telas; adaptar o conteúdo de acordo com os horários e necessidades do seu público; garantir que o leitor possa interagir; utilizar ferramentas e aplicativos que ajudem o leitor na tomada de decisões, como compra de um carro ou uma casa; utilizar algoritmos que produzam atualização constante de conteúdos que variam muito, como a taxa de câmbio, por exemplo; e, por fim, adicionar outras aplicações dentro da notícia. A última característica, ubiquidade, se trata da capacidade de estar em vários lugares ao mesmo tempo, ou seja, poder acessar informação de qualquer lugar. No entanto, um ponto negativo da ubiquidade seria “o declínio da privacidade e a ascensão da vigilância estatal, através da vigilância do público sobre o privado em detrimento ao anonimato e à privacidade” (SOUZA, 2016, p.7). RESULTADOS OBTIDOS E ANÁLISE A partir de uma análise de conteúdo feita sobre o objeto - 52 matérias do portal ACidade ON localizadas com o uso das palavras-chave: arte, cinema, circo, dança, teatro, música, debate, espetáculo, evento, exposição, feira, literatura, oficina, sarau, show e workshop; publicadas em novembro e dezembro de 2019 – obteve-se os seguintes resultados. Tomando a argumentação de Melo (2010) e Golin (2009) como base, podemos, em poucas palavras, definir que o jornalismo cultural tem a função de provocar reflexão no leitor e democratizar conhecimento. Assim, pode-se concluir ser necessária atenção não só para o nível de abordagem, mas também para quais locais é dada visibilidade. O jornalismo cultural só se torna democrático ao abordar, igualmente, manifestações vindas de todos os espaços. Um estudo do Ibope Inteligência6, publicado em 2016, mostrou que 80% dos frequentadores de Shoppings pertencem às classes A e B, em 1998 eram 61%; e que 48% tem ensino superior, em 1998 eram 21%; ou seja, a segregação cresceu ao longo dos anos. Logo, percebe-se que estes locais são mais frequentados por elites econômicas. O primeiro critério para análise do conteúdo foi identificar em quais bairros e espaços da cidade de Campinas a produção de jornalismo cultural do portal chega, para 6 Disponível em: <https://exame.com/marketing/9-numeros-reveladores-sobre-os-consumidores-nos-shoppings/> Acesso em: 23 out, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 77 visualizar se há uma cobertura equilibrada em toda a cidade ou predomínio de algumas regiões. Das 52 matérias analisadas, em 24 (quase metade) são divulgados acontecimentos culturais ocorridos na área central da cidade e em Shoppings, ou seja, espaços onde o acesso é mais fácil para populações elitizadas, pois realizam, historicamente, segregação. Ao passo que há divulgação de apenas 11 eventos em locais destinados especialmente à cultura – Teatros, Sesc, MIS, CIS, Ciesp e Instituto CPFL – e apenas 6 em regiões periféricas – Barão Geraldo, Urucungos Puítas e Quijengues, e Associação Anhumas Quero-Quero. Assim, percebe-se que a distribuição de pautas é desigual entre a cidade, logo, o portal não cumpre com totalidade seu papel de democratizar cultura. Ao observar a área de cobertura do veículo, nota-se, também, um dos lados da visão dualística de Bauman (2012) sobre cultura. O autor diz que a cultura pode ser, ao mesmo tempo, conservadora – mantém o que já existe –, e mutável – está aberta ao novo. No portal, ao haver uma maior divulgação de acontecimentos em locais centrais e elitizados e espaços criados especialmente para eventos culturais, percebe-se que em sua produção há uma tendência a conservar a cultura já existente e conhecida na cidade, mantendo-se em uma zona de conforto e abrindo pouco espaço para o novo, seja ele um local ou um conceito, já que o jornalismo cultural produzido pelo veículo pouco, ou quase nada, discute cultura. Outro ponto analisado foi a profundidade de abordagem, com objetivo de verificar se o jornalismo cultural do portal provoca reflexão no leitor. Ademais, observar se discute conceitos culturais, desdobramentos e implicações das produções, manifestações ou eventos na sociedade campineira ou se mantém um estilo de agenda cultural. Em 47 matérias o portal apresenta uma contextualização básica do acontecimento cultural antes dele acontecer – informa do que se trata, onde e quando vai ocorrer, como participar, quem são as pessoas envolvidas (artistas, grupos, etc) e um breve resumo sobre elas (carreira, formação, etc) –, ou seja, não discute conceitos culturais, desdobramentos e implicações das produções, manifestações ou eventos na sociedade campineira. Portanto, se trata de uma agenda cultural. No entanto, o jornalismo cultural no modelo agenda abre margem para críticas e algumas de suas características são visíveis no portal. Olhar raso, forte apelo publicitário (há banners e gadgets ao redor de todo conteúdo com anúncios, como de carros ou celulares, por exemplo, que não necessariamente se conectam ao tema da publicação), uma estrutura simples (apenas foto e texto) e rejeição de assuntos “chatos”, como políticas culturais, patrocínios e leis de incentivo, são atributos do veículo que fazem com que sua produção, nas palavras de Thomé (2004), venda produtos culturais e não fatos culturais, e tal postura é problemática, pois distancia-se do que se espera do jornalismo que aborda a cultura. Das 52 analisadas, apenas 5 apresentam abordagens diferentes e utilizam mais A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 78 recursos multimídia, assim, são apresentadas neste trabalho com exceções. Dentro do período de amostragem foram encontradas 4 matérias pertencentes à coluna “Giro, com Guilherme Gongra”, nas quais é apresentada a cobertura de eventos após o acontecimento deles – diferente das outras 47 matérias citadas anteriormente. Porém, mantêm-se uma contextualização básica, sem aprofundamento em discussões sobre os impactos sociais e/ou desdobramentos do evento na sociedade campineira. Assim, o maior diferencial destas matérias, se comparadas as outras, é o uso de galeria de fotos em todas as quarto e de vídeo em duas delas. A quinta exceção é uma reportagem produzida por Cecília Polycarpo para o Doc ON – aba do portal ACidade ON destinada a conteúdos especiais. Intitulada ‘Em alta, grafite é alternativa contra o cinza urbano’7, a reportagem tem texto mais extenso e a abordagem aprofunda em desdobramentos e impactos do grafite na cidade de Campinas; além disso, são ouvidos e é apresentado o trabalho de quatro grafiteiros. Ademais, a matéria tem galeria com 19 fotos e um vídeo de 1 minuto e 49 segundos. Em se tratando das características do webjornalismo apresentadas por João Canavilhas, em seu livro Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença (2014 apud SOUZA, 2016), e analisadas no portal, obteve-se os resultados apresentados abaixo. Das matérias verificadas, apenas 10 utilizam hiperlink(s). No entanto, o direcionamento é a sites para venda de ingressos, inscrição no evento ou com o regulamento de promoções, portanto, não dividem o conteúdo em blocos informativos complexos, que tragam novas informações e agreguem conhecimento à matéria. As únicas exceções, talvez, sejam o direcionamento feito para uma página com trailers de filmes e outro para outra matéria dentro portal, mas, ainda assim, é um uso muito raso da hipertextualidade. Para observar a multimedialidade, foi realizada contagem dos recursos multimídia utilizados no portal e obteve-se os seguintes resultados. Apenas 7 matérias utilizam vídeo. Em uma delas, inclusive, o material é dos próprios artistas abordados na publicação e foi incorporado na postagem. Tal recurso, a título de exemplo, poderia ser utilizado também na matéria ‘Duo Lus se apresenta nesta quinta em Barão Geraldo’ – a fim de apresentar o trabalho dos artistas ao leitor, sem desprender de recursos próprios para produção audiovisual, ou seja, sem gastos –, no entanto, isso não é feito. Além disso, 51 matérias utilizam post em áudio8 - a matéria ‘Sobrapar reúne mais de 4 mil pessoas em show beneficente’9 não utiliza o recurso. 51 matérias utilizam fotografia - não utiliza nenhuma fotografia a matéria ‘MIS tem opção de cinema gratuito no final de 7 Disponível em: <https://www.acidadeon.com/campinas/docon/especial/NOT,0,0,1460229,em-alta-grafite-e-alternativa- contra-o-cinza-urbano.aspx> Acesso em: 16 out, 2020. 8 Post em áudio é quando no início da notícia há um player de áudio com todo o conteúdo do texto gravado. Em suma, ele permite que o usuário ouça a matéria ao invés de ler. 9 Disponível em: <https://www.acidadeon.com/campinas/lazerecultura/giro/GFOT,0,3,38005,sobrapar+reune+mais+de+4+mil+pessoas+em+show+beneficente.aspx#:~:text=O%20evento%20beneficente%20reuniu%20mais,de%20 m%C3%A9dia%20e%20alta%2 0complexidade. > Acesso em: 30 out, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 79 semana’10 -, mas em apenas 5 (apresentadas anteriormente) é feito uso de mais de uma foto. Nenhuma matéria utiliza infográfico11. Percebe-se, assim, que o veículo apresenta algumas deficiências nesta característica pois, mesmo sendo um portal online e, portanto, não sofreria com a limitação do impresso – que permite uso apenas de texto e imagem –, utiliza muito pouco do que está disponível para o meio digital, que o diferencia do jornalismo impresso. Sobre a interatividade, percebe-se que ela também não é uma preocupação do veículo, pois no site não há uma seção de comentários para que o leitor opine e participe da construção da notícia. A única interação disponível ao usuário é a possibilidade de reportar, à equipe do portal, erros na matéria – classificada como interatividade comunicativa –; compartilhar a postagem em redes sociais (Facebook, Twitter, LinkedIn e WhatsApp) e imprimir a notícia. A parte isso, não há encorajamento para a discussão sobre o conteúdo. Tal comportamento limita o veículo no conhecimento de seu público e, assim, se torna mais difícil personalizar sua produção pensando no leitor. Sobre a personalização, dos 6 níveis apresentados no livro, o portal cumpre bem apenas 3: possibilidade de leitura do material em diversas telas (celular, computador, tablet); adaptação de conteúdo com o uso do post em áudio, permitindo ao leitor ouvir a matéria ao invés de ler; e ferramentas que ajudam na tomada de decisão, como o direcionamento para sites de compra de ingressos. No entanto, nos demais níveis o portal deixa a desejar, pois não permite que o leitor interaja, como já apresentado; não utiliza algoritmos que produzem atualização constante – também não faz atualização de conteúdo – e nem outras aplicações dentro da notícia, como leitor de QR Code, por exemplo. Sobre a instantaneidade, considerando o estilo agenda cultural adotado pelo portal, percebe-se que, independente do desejo de noticiar primeiro ou não, a abordagem é imediatista. O imediatismo, segundo Golin (2009), leva a produção de conteúdo raso e menos maciço, que se distancia do esperado do jornalismo cultural. As duas últimas características do webjornalismo apresentadas no livro de Canavilhas aparecem no portal – produção de memória e ubiquidade – e ambas pelo mesmo motivo, ser um veículo online. A primeira, pois todo conteúdo pode ser acessado, de forma instantânea e rápida, por qualquer um - leitor ou jornalista - que deseje encontrar informações, logo, serve como banco de dados. E a segunda, pois o material pode ser acessado a qualquer momento, desde que se tenha acesso à internet. CONSIDERAÇÕES FINAIS O veículo analisado neste trabalho carrega consigo definições que direcionam o 10 Disponível em: < https://www.acidadeon.com/campinas/lazerecultura/NOT,0,0,1468040,mis+tem+opcao+de+cinema+gratuito+no+final+de+semana.aspx> Acesso em: 15 out, 2020. 11 Textos aliados a elementos não verbais – imagens, sons, gráficos e hiperlinks –, são explicativos e informativos. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 80 tipo de atuação que se espera dele, segundo o que diz a bibliografia sobre tais definições. É um portal de notícias online, portanto, webjornalismo, que aborda a produção cultural e artística, também, na cidade de Campinas. Sobre os portais de notícia, Barbosa (2001) explica que eles empregam as características relativas ao jornalismo online e atuam como mediadores, filtrando o excesso de informação encontrado na web, principalmente os portais que atuam regionalmente, como é o caso do ACidade ON. No entanto, esse filtro não é sinônimo de escolher certas manifestações culturais em detrimento de outras. Após análise da produção de jornalismo cultural do portal, percebe-se que não há um trabalho equilibrado de curadoria, já que eventos realizados em espaços centrais e elitizados da cidade de Campinas são os mais divulgados. Portanto, ao fazer registro e documentação dos acontecimentos, o veículo não se torna um agente para a valorização e reverberação de manifestações culturais diversas, ou seja, não democratiza cultura – um dos objetivos do jornalismo cultural, segundo Melo (2010). Tal postura fortalece apenas um dos lados da visão dualística que Bauman (2012 apud ALVES; OLIVEIRA, 2015) tinha sobre cultura. Ele argumentava que a cultura é, ao mesmo tempo, conservadora e mutável. Ao dar mais espaço para as manifestações culturais citadas, em detrimento de outras, o portal se mantém na zona de conforto de conservar o que já é conhecido, explorando raramente – vide a reportagem sobre o Grafite em Campinas – manifestações marginalizadas e periféricas. Além disso, o portal é insuficiente não apenas em termos de seleção de pautas, mas também na profundidade de abordagem. Melo (2010) argumenta que o jornalismo não pode se limitar a uma divulgação de livros, CDs, exposições; que é preciso explorar e compreender os impactos da produção cultural na sociedade, sem renunciar a um olhar crítico. Assim, deveria ser possível traduzir ideias complexas e provocar reflexão no leitor, objetivos que, com a abordagem rasa e reduzida a uma agenda cultural realizada pelo veículo, se tornam mais difíceis de alcançar. REFERÊNCIAS ALVES, Adilson Francelino; OLIVEIRA, Evandro de. Uma Análise Literária sobre o Conceito de Cultura. Revista Brasileira de Educação e Cultura, São Gotardo, n.11, 2015. Disponível em: http:// periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura/article/view/200. Acesso em: 29 out, 2020. BARBOSA, Suzana Oliveira. Jornalismo online: dos sites noticiosos aos portais locais. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, 2001. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/barbosasuzana-jornalismo-online.pdf. Acesso em: 29 out, 2020. CAVALCANTI, Ivo Henrique França de Andrade Dantas; ROCHA, Heitor Costa Lima da. WEBJORNALISMO: Dos Portais Às Redes Sociais. Revista Observatório, v. 3, n. 1, 2017, p. 374395. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/2825. Acesso em: 29 out, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 81 FIDALGO, António. A resolução semântica no jornalismo online. In: BARBOSA, Suzana. Jornalismo Digital de Terceira Geração. Covilhã: Labcom, 2007. Pp. 101-110. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002. GOLIN, Cida. Jornalismo cultural: reflexão e prática. In: Sete propostas para o jornalismo cultural: reflexões e experiências, São Paulo, 2009. Disponível em: http://d3nv1jy4u7zmsc.cloudfront.net/wpcontent/uploads/2012/02/Jornalismo-Cultural-Reflex%C3%A3o-e-Pr%C3%A1tica.pdf. Acesso em: 29 out, 2020. MELO, Isabelle Anchieta de. Jornalismo Cultural: Pelo encontro da clareza do jornalismo com a densidade e complexidade da cultura. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, 2010. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/melo-isabelle-jornalismo-cultural.pdf. Acesso em: 29 out, 2020. MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, 1999, p. 7-32. Disponível em: http://cliente.argo.com.br/~mgos/analise_de_conteudo_moraes.html. Acesso em: 29 out, 2020. SOUZA, Haryson Alves de. Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença. Revista Temática, v. 12, n. 8, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica/article/ view/30210. Acesso em: 29 out, 2020. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 5 82 CAPÍTULO 6 CONSULTÓRIO NO AR: COMO A AUDIÊNCIA SE APROPRIA DOS CONTEÚDOS DOS PROGRAMAS DE SAÚDE NO RÁDIO Data de aceite: 01/02/2022 Elane Gomes Santos Coutinho Mestra em Comunicação pela UNIP – Universidade Paulista -SP. São Paulo-SP https://orcid.org/0000-0001-8133-6013 Valdinei Trombini Doutor em Comunicação na UNIP – Universidade de São Paulo SP - Sorocaba https://orcid.org/0000-0002-9286-5356 RESUMO: Ao longo da história, os meios de comunicação de massa vêm, de diversos modos, sendo utilizados na propagação de informações sobre cuidados com a saúde. Partindo dessa premissa, o objetivo desse estudo é identificar e analisar as formas de apropriação dos conteúdos de saúde no rádio, por parte dos ouvintes, para compreender os sentidos que a audiência dá a estes conteúdos, a fim de contribuir com os estudos do rádio como meio de disseminação de informações sobre saúde. O estudo de natureza qualitativa faz uma análise de recepção, tendo como objeto o programa Mais Saúde da Rádio América de São Paulo, pertencente ao Sistema Canção Nova de Comunicação. O corpus se constitui em 27 interações dos ouvintes no blog da emissora, no período de 2008 a 2017. A partir dos dados coletados, foi feita uma análise categorial das respostas do público, baseada no esquema de Flores(1994). O resultado aponta o impacto que o rádio tem no cotidiano dos A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 ouvintes, quando trata de temas ligados à saúde, assumindo, em alguns casos, o papel próximo ao de um consultório. PALAVRAS CHAVE: Rádio e Saúde. Comunicação e saúde. Apropriação de conteúdo. Recepção midiática. ABSTRACT: Throughout history, the mass media have, in various ways, been used in the dissemination of information about health care. Based on this premise, the objective of this study is to identify and analyze the forms of appropriation of health content on the radio, by the listeners, in order to understand the meanings that the audience gives to these contents, in order to contribute to radio studies as means of disseminating health information. The qualitative study makes an analysis of reception, having as object the program More Health of Radio America of São Paulo, belonging to the Canção Nova Communication System. The corpus is made up of 27 interactions by listeners on the station’s blog, from 2008 to 2017. From the data collected, a categorical analysis of the public’s responses was made, based on the scheme of Flores (1994). The result points to the impact that the radio has on the listeners’ daily lives, when dealing with health-related topics, assuming, in some cases, the role close to that of a doctor’s office. KEYWORDS: Radio and Health. Communication and health. Appropriation of content. Media reception. Capítulo 6 83 1 | INTRODUÇÃO A figura do receptor vem mudando ao longo do tempo, assim como evoluem os usos dos meios de comunicação. A audiência acolhe as mensagens direcionadas pela mídia em consonância com sua história de vida, seus desejos etc., e a mídia molda sua cultura de ouvir, seus modos de ouvir e usar as informações passadas (ADAMI, 2008). Uma vez que a audiência tende a ressignificar e dar novos sentidos às informações e produtos que lhe são oferecidos, interessa saber como o público-alvo tem recebido também informações sobre saúde que invadem todos os dias a sua rotina, através de programas de rádio voltados a este tema. Existem estudos mostrando como o rádio traz resultados na disseminação das campanhas de saúde e na divulgação de temas relacionados à saúde púbica. (OLIVEIRA; PINHEIRO, 2013). Alguns autores se debruçam em saber os tipos de perguntas e temas que os ouvintes fazem no rádio para ensinar estudantes da área de saúde que informações seus pacientes precisam (DERING-ANDERSON; ALLISON, 2018). Isso demonstra a importância que a própria área de saúde já identificou no rádio. Verifica-se um número vasto de pesquisas sobre rádio, desenvolvidas pela área de saúde. Por outro lado, rádios no mundo todo vêm investindo, dentro de suas programações, em temas orientados à saúde com o intuito de atender ao interesse da audiência, que busca melhoria na qualidade de vida. Pode-se dizer que contribuir com bons hábitos de saúde é também uma forma de conquistar e manter mais ouvintes. Estudos apontam ainda que o rádio pode ser uma fonte de informação de saúde, praticamente sem custo, principalmente para a população de baixa renda e pouca escolaridade. Desta forma, o meio favorece o acesso do público às informações que não teria facilmente. (RAMIREZ et al.,2015). Esta pesquisa visa contribuir com os estudos sobre conteúdos de saúde no rádio tratando sobre a importância e o sentido que a audiência dá a estes conteúdos. A problemática central está em como é que os ouvintes se apropriam dos conteúdos de saúde em um programa de rádio. O objetivo desta discussão é analisar as interações dos ouvintes a respeito dos conteúdos de saúde do programa radiofônico Mais Saúde, da Rádio América de São Paulo AM 7801, apresentado de segunda a sexta-feira, das 12h às 13h., pela nutricionista Gisela Savioli. Para tanto, seguiremos o seguinte trajeto: 1º) Descrever como é o programa Mais Saúde exibido pela Rádio América de SP. 2º) Identificar as diversas formas de apropriação dos conteúdos do programa por parte da audiência a partir das interações dos ouvintes no programa. 3º) Analisar e discutir as formas de apropriação dos conteúdos de saúde no rádio. O estudo é de natureza qualitativa, analisando um programa que está no ar há 15 anos, sendo um dos principais da emissora. Pelo sucesso, deixou de ser um programa de rádio local e passou a ser exibido para toda a rede de rádio e pela rede de TV do Sistema 1 No período da pesquisa a emissora estava na frequência 780 do dial de São Paulo-SP A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 84 Canção Nova de Comunicação. Atualmente, no rádio, vai ao ar de segunda a sexta-feira, ao meio dia. O programa recebe como convidados profissionais renomados de diversas áreas da saúde, em especial da Nutrição. Doutores, pesquisadores da área e professores da Universidade de São Paulo (USP) e outras instituições. A audiência - em sua maioria, feminina e formada pela classe C - encontra no Mais Saúde um espaço midiático, onde pode tirar dúvidas com estes profissionais, a quem não teriam acesso com facilidade, num consultório ou unidade de saúde pública. Por estes motivos, o programa foi escolhido como objeto desta pesquisa. Os ouvintes interagem através de telefone e das redes sociais: Facebook, Youtube e Blog. Como o nosso intuito foi fazer uma análise das diversas formas de apropriação dos programas, usou-se como corpus 27 interações dos ouvintes no blog da emissora, do período de 2008 a 2017. O critério de escolha pelo blog, em detrimento das outras formas de interação, foi o fato de observar que, nesta plataforma, os ouvintes se expressam com mais elementos textuais do que nas outras redes sociais do programa, dando assim mais condições para análise. Foram coletados todos os comentários que havia no blog da emissora, nas postagens a respeito de vários episódios do programa2. A partir dos dados coletados nestes documentos, fez-se uma análise categorial das respostas dos ouvintes, baseada na proposta de Flores (1994). Como método de trabalho, o estudo tem base na concepção construtivista social, segundo a visão de Creswel (2010, p.30), quando afirma que, neste paradigma, acredita-se que “os indivíduos desenvolvem significados subjetivos de suas experiências, significados dirigidos para alguns objetos ou coisas”. A pesquisa se baseia em visita à Rádio América para entrevista com o responsável pela programação da emissora e análise dos documentos existentes que informam os índices de audiência, onde percebemos que o programa Mais Saúde teve bastante aceitação do público, pelo fato de tratar de temas de interesse comum. Os ouvintes sempre participaram, ao vivo ou por telefone, e agora também pelo Facebook e WhatsApp. A interação através do blog foi bem frequente durante o período estudado, o que mostra uma cultura participativa através dessas mídias. MAIS SAÚDE NA RÁDIO AMÉRICA Desde a estreia, o Mais Saúde teve bastante aceitação do público, pelo fato de tratar de temas de interesse comum. A apresentadora, Dra. Gisela Savioli, é nutricionista clínica funcional e fitoterapeuta. Desde o começo é a locutora do programa que trata de temas diversos, além da Nutrição. Os assuntos vêm muitas vezes do seu campo profissional e das participações dos ouvintes. 2 Rádio América: uma Canção Nova em sua vida. Disponível em: https://blog.cancaonova.com/america/. Acesso em agosto de 2019. A rádio, atualmente, não divulga mais o blog, porém até o período desta pesquisa, fevereiro e maio de 2019, ele estava no ar para acesso. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 85 Os 60 minutos do programa podem ser descritos basicamente da seguinte forma: a locutora faz uma apresentação inicial do programa com o tema do dia e as credenciais dos convidados e, em seguida, anuncia os canais de interação do ouvinte, motivando as participações. Após isto, os convidados fazem uma explanação didática do assunto. Durante a explicação acontecem poucas interações da apresentadora, às vezes explicando termos técnicos ou pedindo ao convidado que o faça. Posto o assunto, depois do intervalo, nos próximos trinta minutos do horário, são apresentadas no ar as perguntas dos ouvintes. Neste momento a apresentadora interage mais, pondo questões que favoreçam o debate e os esclarecimentos. O convidado responde às perguntas até o momento final do programa, onde são dados avisos diversos, sobre eventos, próximos temas, agenda, etc. Dependendo da temática, pode haver mais de um convidado. Eventualmente, o programa realiza sorteios de produtos.3 Quando não há entrevistados, o horário se constituiu de respostas às perguntas dos ouvintes, geralmente as que não foram contempladas em outros programas. Às vezes acontecem também algumas reprises. CAMINHO METODOLÓGICO A natureza do rádio é um ambiente social propício para construção de proximidade, para participações mais íntimas por assim dizer, onde a audiência forma uma espécie de comunidade. Sendo assim, neste estudo, o conhecimento construído vem, em parte, do público no programa. Por isso, a discussão se apois numa concepção construtivista. Uma vez que o problema desta pesquisa consiste em responder como os ouvintes se apropriam dos conteúdos dos programas de saúde no rádio, a abordagem foi feita a partir do método qualitativo, em que foi estudada a recepção do programa. A pesquisa qualitativa também permitiu uma interpretação da complexidade dos dados. (Creswel, 2010, p.117). Portanto, não fez parte deste trabalho analisar os números de participações em cada programa ou qualquer outro dado numérico. O nosso foco está no significado revelado nas interações, nos conceitos e no modo como o ouvinte responde ao conteúdo do programa, observando nisso as várias formas de apropriação. Quanto à estratégia de pesquisa, optou-se por realizar procedimento de análise de dados disponíveis no blog, a fim de verificar os conteúdo e temas dos escritos dos ouvintes nesta plataforma, a partir de expressões textuais usadas. Esta estratégia proporcionou um estudo das similaridades nas participações dos ouvintes e uma classificação, baseada no modelo de Flores (1994), de modo a podermos classificar as apropriações em formas de categorias, as quais explicaremos na próxima seção. Usando os conceitos de Creswell (2010), as técnicas de coletas de dados foram as seguintes: 3 Esta é uma descrição básica feita com base na escuta de alguns programas. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 86 a. Observação completa (sem participação) não-estruturada: visita à emissora para coleta de informações gerais sobre o programa e conversa com a produção. b. Análise documental textual: foram coletados, impressos e analisadas todos os 27 comentários encontrados nas publicações dos ouvintes, em cada postagem do blog da emissora sobre cada tema do programa. A coleta foi feita entre março e maio de 2019. c. Escuta do programa – escutamos o programa Mais Saúde durante uma hora, três vezes por semana, no período de 3 meses, e registramos as observações em caderno de anotações. Nesta escuta, observou-se os diversos modos de interação dos ouvintes, através das redes sociais e do telefone. d. Foi feita uma consulta em cada uma das redes sociais e verificou-se que, no blog, as participações foram expressas com elementos textuais mais completos, sendo por isso mais passível de ter o seu conteúdo analisado. Uma vez que a ideia é analisar a recepção, optou-se em trabalhar com os próprios escritos dos ouvintes, sua linguagem e uso de palavras. O montante dos dados qualitativos, gerados pelos documentos em estudo, foi reduzido e condensado em metacategorias e subcategorias para análise do conteúdo das respostas dos ouvintes, baseada em Flores (1994). Tais metacategorias e subcategorias foram: 1. Consultório Midiático: relato sobre condição de saúde, solicitação de ajuda para tratamento, tipos de alimento para prevenção, esclarecimento sobre doenças. 2. Meio de obter benefícios: abertura para sugerir temas e convidados, satisfação com o programa, satisfação com a apresentadora, ganho de produtos e meio de aprendizado; 3. Meio de obter informações: Indicação de local para compra de produtos específicos, indicação de marca de produtos, indicação de cardápio, credibilidade das informações; 4. Incentivo para mudança de hábito: reeducação alimentar, motivação para acrescentar alimentos na dieta. A seguir, detalhamos como se dá cada uma das formas de apropriação identificadas nas interações dos ouvintes a respeito dos conteúdos do programas Mais Saúde. FORMAS DE APROPRIAÇÃO DOS CONTEÚDOS NO PROGRAMA MAIS SAÚDE Ao agruparmos os dados em categorias, foi possível perceber algumas tendências e estabelecer relações entre elas. No geral, verificamos que as metacategorias e subcategorias estão bem interligadas e são interdependentes. A segmentação, no entanto, possibilitou uma análise mais detalhada para identificação das principais apropriações, bem como dos significados que elas têm para os ouvintes. Para uma maior clareza a respeito da A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 87 categorização citada na seção anterior, apresentamos o mapa mental na Figura 1: Figura 1 – Mapa Categorial das interações dos ouvintes do Mais Saúde. Fonte: Autores, 2019. Uma ideia central que vem da análise dos dados é a de que os ouvintes se apropriam do programa, ou seja, tomam-no como um momento do seu dia e da agenda. Vejamos agora, como se deu cada uma destas apropriações: CONSULTÓRIO MIDIÁTICO Esta foi a primeira metacategoria verificada e está interligada às outras três. Os ouvintes veem o programa como um consultório médico no qual é possível ir a várias “consultas”, fazer perguntas, expor situações, ouvir um diagnóstico e sair com um direcionamento. As diversas interações mostram que estas ações básicas, feitas num consultório médico, repetem-se nas participações do programa. Isto fica evidenciado nas seguintes subcategorias de interação. a) Relato sobre condição de saúde: Os ouvintes participam contando sobre suas situações de saúde, sem medo de se expor e com a confiança de quem está diante de um profissional conhecido, tal qual o faz num consultório. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 88 Gosto muito de ouvir o seu programa tem me ajudado bastante na minha reeducação alimentar(sic), estou passando por um problema muito chato que é vaginite recorrente, passo sempre na ginecologista, e ela receita antibióticos e cremes que não soluciona o problema. (Carmem, nome fictício), b) Solicitação de ajuda de tratamento: Da mesma maneira que relatam seus problemas a um profissional de saúde, os ouvintes o fazem desejando que seja dada uma solução para o seu problema. A interação a seguir evidencia isso: Meu problema: não durmo tenho que tomar Rivotril todas as noites 10 gotas, gostariam(sic) de dormir sem tomar este tipo de droga sei que vicia, mas se não tomar o sono some me ajude (sic) por favor obrigado. (Antônia, nome fictício), c) Tipo de alimento para a prevenção: a apresentadora é nutricionista funcional e acredita que os alimentos ajudam a prevenir e, em alguns casos, até tratar alguma questão de saúde. Os ouvintes, que compreenderam a proposta, interagem reafirmando a ideia de consumir o alimento de modo preventivo: Bom dia!! Tenho cálculo renal e Hemocromatose Familiar e também evito consumir muito ferro pra não aumentar demais. Grata pela atenção. Beijos. (Rosana, nome fictício). d) Esclarecimento sobre doença: os ouvintes usam o programa como espaço para saber o que se passa com eles e saber mais sobre suas patologias: Gostaria de saber mais sobre fibromialgia, os alimentos e o tratamento. Obrigada. (Sandra, nome fisctício). MEIO DE OBTER BENEFÍCIO Outra metacategoria identificada foi a de benefício. Nos comentários, os ouvintes deixam claro o quanto se beneficiam do programa e se utilizam disso. Certamente estes benefícios reconhecidos por eles, fazem a audiência do programa. Essa metacategoria, assim como a anterior, está interligada às outras três e também as complementa: a) Abertura para sugerir temas. Em alguns programas, a apresentadora pede sugestão de temas e os pedidos de participações que ela faz no ar são constantes. Os ouvintes se utilizam disso e sugerem assuntos dos seus interesses, além de convidados. Geralmente pedem convidados que conheceram ouvindo o próprio programa e fazem as escolhas conforme sua conveniência. Este também é um modo de apropriação. Foi realmente uma bênção a Dra. Gisela ter tido essa oportunidade de compartilhar informações VERDADEIRAS sobre alimentação e qualidade de vida. Mas de todos (gosto de todos viu?) a minha preferida é a Dra. Denise (Maria - Nome fictício). b) Satisfação com o programa. Os ouvintes demonstram satisfação pelo programa nas interações. Nesta subcategoria, vê-se que os conteúdos tratados estão relacionados com as necessidades da audiência que se sente atendida. Sendo A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 89 assim, percebem que o programa com suas temáticas é um benefício: Parabéns, Dra Gisela. pela seriedade e compromisso com que trata os assuntos abordados. Muito grata. (Carla, nome fictício). Não é sempre que acompanho, mas as vezes que ouvi o programa, fiquei satisfeita com os temas apresentados. (Maria Aparecida de Oliveira Souza, nome fictício), (Sic). c) Satisfação com a apresentadora. Muitos ouvintes também simpatizam com a apresentadora, e demonstram que ela atende às suas necessidades; sua abordagem tem relevância em seus conceitos. Este ponto foi identificado também como um dos benefícios apontados pelos ouvintes: Obrigada doutora Gisela por este programa Mais Saúde, por tudo de bom que vc ensina, por todo(sic) a beleza que vc passa para nós. Obrigada! ( Raquel, nome fictício). d) Ganho de produtos. Eventualmente, o programa realiza sorteio de produtos, alinhados com a abordagem do programa ou divulgação de parceiros. Os ouvintes interagem também para obter este tipo de benefício. Estou escutando seu programa pela 1º vez. Estou gravida de 6 meses e estou gostando bastante do programa. Gostaria de participar do sorteio dos produtos mãe terra (sic). (Flávia, nome fictício). e) Meio de aprendizado. Embora esta categoria pudesse estar agrupada na metacategoria Meio de obter informação, optamos por deixá-la nesta classificação porque, no universo das participações, este parece ser um dos maiores benefícios do programa, ainda que o aprendizado seja também uma grande informação. Os ouvintes relatam que o programa é um meio de aprendizado e se apropriam disso:Dra., acho o seu programa muito importante, pois aprendi assuntos fantásticos. (Sic)(Rosa Maria, nome fictício). MEIO DE OBTER INFORMAÇÃO a) Indicação de produto. Devido a confiança que o programa transmite, os ouvintes tembém veem o espaço como local de obter informações e indicação de produtos. Na interação a seguir, percebe-se que a ouvinte traz um receio de consumir produtos anunciados em algumas mídias, porém e solicita indicações tanto de produto, como de local em que ela possa fazer compras. [...] Ouvi no rádio do carro sobre a maca peruana. Tenho receio de comprar coisas anunciadas em rádio e TV. Mas, vindo de vocês esta informação me sinto segura em usar. Mas onde encontrar? Existe alguma marca para indicar? (Maria Aparecida de Oliveira Souza, nome fictício) (Sic). b) Indicação de cardápios. Observamos que o consumo de conteúdo do programa Mais Saúde, traz ao ouvinte uma contribuição dentro de suas necessidades cotidianas. O ouvinte passa a ter não somente uma identificação com os conteúdos, mas deseja agregar também as informações aos seus costumes: Moro no Morumbi. eu gostaria de saber algumas opções de lanches da tarde, menos calórico qual é o A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 90 melhor tipo de bolacha ou biscoito para uma dieta.(Ana Carolina, nome fictício) (Sic) c) Credibilidade na informação. A credibilidade da informação é também um fator apontado diversas vezes pelos ouvintes. Eles relatam que, ao escutar o programa, sentem-se seguros em dispor das informações e utilizam do programa como meio de de estar informado: Foi realmente uma benção a Dra. Gisele ter tido essa oportunidade de compartilhar informações VERDADEIRAS sobre alimentação e qualidade de vida. (Luiza, nome fictício), (Sic) INCENTIVO PARA MUDANÇA DE HÁBITOS Observou-se que essa metacategoria também complementa os sentidos das outras. As interações sugerem que os ouvintes mudam seus hábitos, optando por ações mais saudáveis a partir do que ouvem no programa. Aqui apresentamos os comentários em que eles buscam orientações, vendo o Mais Saúde como um incentivo para uma melhor qualidade de vida. Seguem abaixo as subcategorias que encontramos nesta categoria: a) Acréscimo de alimento à dieta. Os ouvintes se apropriam do programa como um meio de conhecer alimentos que ajudam no bem-estar e na prevenção de doenças e se propõem a usar das informações sobre o assunto. Olá Dra., boa tarde! Amei o pgm(Sic) sobre os fitoquímicos! Vou aumentar ainda mais o consumo de vegetais. Mais frutas e legumes com certeza! O alho então… Que delícia! Cebola picada…Suco verde… hummm. (Mariana Ferraz, nome fictício) b) Reeducação alimentar. Para a audiência, o programa Mais Saúde cumpre um papel de incentivador para a mudança de hábito, pois, com a disponibilização de conteúdos ligados a qualidade de vida, permite que o ouvinte busque em si a motivação necessária para a uma vida mais saudável: [...] Olá Dra. Boa tarde! Gosto muito de ouvir o seu programa e tem me ajudado bastante na minha reeducação alimentar. As minhas unhas são escuras e o cabelo cai bastante, por favor me ajude! (Paula de Souza Alves, nome fictício), Esses relatos evidenciam quão grande é o potencial que o rádio pode exercer sob os ouvintes, garantindo a existência de um espaço de interlocução dentro da sociedade. Através desses relatos podemos atestar a importância e o impacto que o rádio tem no cotidiano desses públicos. A apropriação dos conteúdos os remete a uma interpretação da própria realidade de saúde. Para outros traz a satisfação se sentir-se bem informado e de poder ter acesso a conteúdos e respostas que, muitas vezes, só teriam dentro de um consultório, sendo atendidos por aqueles médicos que ouvem na rádio. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 91 CONCLUSÃO Diante da problemática que buscamos responder - como os ouvintes se apropriam dos programas de saúde no rádio – o objetivo proposto foi identificar e analisar tais formas de apropriação destes conteúdos por parte dos ouvintes para compreender a importância que a audiência dá a elas e assim, contribuir com os estudos do rádio como meio de disseminação de informações sobre saúde. Os meios de comunicação de massa, pela potência que têm na difusão de ideias e na construção de imaginários vêm sendo usados com bastante frequência como ferramentas para educação em saúde. O rádio em si, tem particularidades que proporcionam êxito neste papel pois é bastante popular, principalmente para as classes menos favorecidas. Verifica-se que tal característica constitui um dos pontos que ajudam a relação entre rádio e saúde. Desta forma, por ser um produto radiofônico, o programa Mais Saúde já tem em si elementos que favorecem o interesse da audiência. A respeito da recepção, a pesquisa ajudou a compreender que, com tantas transformações nos modos de se consumir o conteúdo, a audiência também mudou o seu posicionamento. Já não é mais o ouvinte passivo, que apenas recebe informações. O público atual quer contribuir, opinar, sugerir, perguntar, etc. Ele codifica e decodifica as mensagens, dando-lhes o sentido de acordo com o seu contexto social, histórico e suas necessidades individuais. Tudo isso é percebido nas interações apontadas aqui. A análise categorial, que agrupou as diversas participações em metacategorias e subcategorias, possibilitou identificar a importância que os ouvintes dão ao programa de saúde de acordo os diversos significados que estes programas têm para eles: Ora os ouvintes parecem precisar do conselho de um médico e interagem como pacientes num consultório midiático; ora querem algum benefício, e o programa se torna um meio para isso; ora precisam de informações e escutam o programa nesta perspectiva; ora desejam uma mudança de hábito para uma vida mais saudável. Às vezes, querem simplesmente expor suas opiniões e contribuir com a discussão. Percebemos que tudo isso interligado revela que, no Mais Saúde, a apropriação que se sobressai é a de Consultório Midiático. Em algumas participações ela fica mais evidente e em outras, subjacente, mas está lá, nas necessidades que vão expondo e se complementa com as outras metacategorias. Verifica-se ainda que, com sua temática e um formato que leva convidados renomados a uma mídia acessível, o Mais Saúde aproxima uma classe menos favorecida que compõe a sua audiência a uma elite científica. Por fim , nota-se também que, tendo o programa o foco na alimentação saudável como forma de prevenção ou até solução para determinados problemas de saúde, o debate que ele proporciona leva, numa certa medida, a autonomia no sujeito perante o seu próprio processo saúde-doença a partir do conhecimento e da aprendizagem que vão sendo construídos. Vale ressaltar também que o programa não faz propagandas de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 92 medicamentos e nem os prescreve ao vivo. Sempre que os especialistas percebem que as perguntas dos ouvintes são mais específicas ou de outra ordem que foje ao objetivo do programa, eles orientam a buscar um médico. Neste sentido, a expressão “consultório no ar” diz respeito à forma como os ouvintes se apropriam do Mais Saúde e não tem nenhuma relação com o objetivo do programa. Esta pesquisa faz parte de um outro estudo, no qual abordamos também a questão da convergência de mídia e o universo das redes sociais. O que está posto aqui não garante saber sobre as mudanças por parte dos ouvintes, porque não era a proposta de a pesquisa ir em direção a essa análise, que sem dúvida também é necessária. Tal questão pode ser aprofundada na continuidade dos estudos, que podem ser ampliados ainda mais com teorias, inclusive as que tratam da recepção midiática no rádio; podem também ser usadas abordagens focadas na produção do programa, ou ainda se fazer outras interpretações possíveis das interações. REFERÊNCIAS ADAMI, A.; MAIA, M.R.; VASQUES, R.O. 6o Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, Niterói/ RJ. As pesquisas sobre a história do rádio paulista. Anais dos encontros nacionais, 13 a 16 maio 2008. Disponível em: www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais- 1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008. CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2010.3. Ed. 296, Porto Alegre: Artmed, 2010. DERING-ANDERSON, Allison Mari. Reflections on 500 Call-in Radio Shows. American Journal of Pharmaceutical Education, Vol. 82, Issue 9, p1029. 5 p, nov. 2018. FLORES, J. Aproximación interpretativa al contenido de la información textual. In: ANALISIS de datos cualitativos - aplicaciones a la investigación educativa. Barcelona: PPU, 1994. p. 65-107. OLIVEIRA N, Alfredo; PINHEIRO, Roseni. O que a saúde tem a ver com rádio comunitária? Uma análise de uma experiência em Nova Friburgo - RJ. Ciência & Saúde Coletiva, vol.18, n.2, pp.527536, 2013. RAMIREZ, A; et all. Who Seeks Cita Con El Doctor? Twelve Years of Spanish-Language Radio Program Targeting U.S. Latinos. Health Education & Behavior, Vol. 42 Issue 5, p611-620,10p. out 2015. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 6 93 CAPÍTULO 7 FATORES DE COMUNICAÇÃO QUE CONTRIBUÍRAM PARA O SUCESSO DE PROJETOS GREEN BELT Data de aceite: 01/02/2022 Data da Submissão: 17/12/2021 Juliana Regina Galvão Reis Universidade de São Paulo / Esalq São Paulo, Brasil http://lattes.cnpq.br/6452723124597935 RESUMO: Em um mundo em que o compartilhamento de informações é essencial, a habilidade de se comunicar bem se tornou alvo de estudos. Um líder passa boa parte do seu tempo se comunicando, por isso é uma das chaves de sucesso para se alcançar a meta estabelecida de um projeto. Dado este contexto, esta pesquisa foi realizada com o objetivo de identificar os fatores de comunicação que contribuíram para um grupo de líderes certificados Green Belt que obteve sucesso dentro de uma companhia de telecomunicações. Por meio de análises estatísticas do banco de dados sobre desempenho desses líderes em cada fase do projeto DMAIC e pela aplicação de uma pesquisa de campo qualitativa para entender a relação com a sua equipe, observou-se que os fatores que contribuíram para o sucesso foi a frequência constante que o líder estabeleceu com seu time, especialmente na fase Medir. O valor da comunicação também foi percebido pelos líderes e cada um soube direcionar esforços específicos dentro do canal escolhido para a obtenção dos resultados necessários. Diante disso, a comunicação possuiu um papel importante A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 dentro dos projetos e que as melhores avaliações se estabeleceram quando o líder esteve mais próximo da sua equipe, principalmente na construção de um relacionamento com este stakeholder desde o início do projeto. Por fim, essa pesquisa contribuiu para um aprendizado nunca tido dentro do Programa Lean 6 Sigma com informações que trouxeram conhecimento do emprego da comunicação em projetos Green Belt que obtiveram sucesso e, portanto, a possibilidade da elaboração de panoramas para estratégias de desenvolvimento deste comportamento por futuros líderes de projetos. PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Green Belt; projetos; fatores de sucesso. CONTRIBUTIONS OF COMMUNICATION FACTORS TO THE SUCCESS OF GREEN BELT PROJECTS ABSTRACT: In a world where sharing information is essential, the ability to communicate has become an object of study. A leader spends most of its time communicating, therefore it is one of the keys to achieve the project’s desired target. Due to this context, the aim of this research was to find out the communications factors that contributed to a Green Belt leaders in a Telecon company. This study did statistical analysis in a database about the group’s performance in each phase of the DMAIC project and promoted a survey to understand the group’s relationship with their teams. It was possible to observe that the factors which contributed to the success were the constant communication with their teams and specially inside the Measure phase. The value of communication was perceived by the leaders and Capítulo 7 94 each one was able to direct their specific efforts in a chosen channel to obtain the results needed. Thus, communication played an important role within the projects and brought significant benefits when the leader was closer to their teams mainly in building a relationship with this stakeholder since the beginning of the project. Finally, this research contributed to an unprecedented learning within The Lean 6 Sigma Program with information that brought knowledge to the use of communication in Green Belt projects that were successful, as well as the creation of an overview for strategies and development of this ability by the leaders. KEYWORDS: Communication; Green Belt; projects; success factors. INTRODUÇÃO O Fórum Econômico Mundial publicou em 2020 as 15 principais habilidades que o profissional do futuro precisa desenvolver para se manter relevante no mercado de trabalho até 2025 (World Economic Forum, 2020). E para o desenvolvimento de algumas delas como liderança, inteligência emocional, persuasão e negociação, a competência de comunicação se faz necessária. É também uma importante habilidade para o gerente de projetos e tem sido objeto de análise, assim como foi demonstrado no Estudo de Benchmarking em Gerenciamento de Projetos feito pelo Project Management Institute (PMI, 2010). Nesta pesquisa, verificou-se que 41% das organizações apontaram como uma das habilidades mais valorizadas, como também 50% manifestaram como a competência mais deficiente nesses profissionais. O ato de comunicar é inato ao ser humano e surgiu a partir das suas primeiras comunidades como forma de sobrevivência. Em um mundo em que as informações se tornaram essenciais, é indispensável fazer com que a ideia seja compartilhada e entendida tanto no critério pessoal como empresarial (Iochimoto et al, 2020). A metodologia Lean 6 Sigma compõem os projetos Green Belt, dentro do programa de excelência operacional de uma companhia de telecomunicações, nos quais utilizam o ciclo DMAIC, que do inglês são as fases: Define, Measure, Analyse, Improve, Control e traduzido para o português, Definir, Medir, Analisar, Melhorar e Controlar. Essas etapas executadas constituem a busca de soluções de problemas e melhorias de processos (Bassan, 2020). Os líderes desses projetos estabelecem uma relação de comunicação com todos os seus stakeholders, sendo estes o Programa Lean 6 Sigma [PL6S], o Champion, o Sponsor, e, por último, a equipe. Dentro da estrutura, o Programa desempenha o papel de um Escritório de Projetos, pois sua característica é de prestar consultoria, treinamento e acompanhar a execução das atividades (Prado et al, 2011). O Champion tem relação com o líder, pois é seu gerente funcional e possui o papel de apoiador. O Sponsor, ou padrinho, é composto pela figura da alta-liderança, como os diretores, e possui uma posição de contribuir para a eliminação de barreiras do ponto de vista estratégico (Prado et al, 2011). Por fim, a equipe é escolhida pelo líder do projeto e possui relação direta na implantação e execução de atividades a fim de conquistar a melhoria do processo (Iochimoto et al, 2020). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 95 As comunicações fazem parte do processo de certificação do Green Belt e é um fator de contribuição para o seu sucesso tanto na condução do projeto, quanto para o seu atingimento de metas. Costa (2014) destaca que ela não se limita a apenas algumas instâncias para resultados esporádicos, mas tem papel fundamental na gestão do processo como um todo e há um vínculo forte com a cultura organizacional, sua missão e seus valores. O processo de comunicação dentro do Programa Lean 6 Sigma foi classificado como formal ou informal. Para as reuniões formais tem como principal aspecto a apresentação de resultados de cada fase do projeto, na qual há uma avaliação do líder por parte do Programa, como também reuniões e envio de e-mails padrões contendo as informações sumarizadas para o Champion e Sponsor. As comunicações informais são destinadas à equipe do projeto, no qual o líder possui uma característica particular de se comunicar e estabelecer seu canal, seja por e-mail, reuniões ou até mesmo a utilização de redes sociais. Após decretada a pandemia devido ao vírus Covid-191, observou-se que 62% dos projetos Green Belt em andamento foram paralisados a partir de março de 2020 e um dos motivos foi a falta de comunicação que o líder manteve com o Programa, além de outras causas referentes às particularidades de cada processo. Uma boa comunicação é fundamental para garantir a entrega do projeto pelo líder, bem como alcançar seus objetivos traçados. Por isso, este trabalho teve como principal objetivo entender os fatores de comunicação que contribuíram para projetos concluídos de um grupo anterior a este dentro do Programa Lean 6 Sigma que obteve sucesso, como também compor um aprendizado para projetos futuros. MATERIAIS E MÉTODOS Segundo PMI (2013), os gerentes de projetos passam mais de 90% do seu tempo se comunicando e é a chave principal para o sucesso. As habilidades comportamentais são tão necessárias quanto às boas habilidades técnicas e, por isso, identificar alguns fatores ligados à comunicação se fez necessário para um aprendizado contínuo dentro do PL6S e para que situações como essa vividas, sejam melhor confrontadas devido a um conhecimento prévio. A pesquisa se pautou em um estudo de caso de um grupo de 25 líderes de projetos certificados como Green Belt, no período anterior a pandemia, situado dentro de uma companhia de telecomunicações. Deste modo, os critérios que foram impostos para a análise atenderam as seguintes características: cumprimento do cronograma do projeto e das avaliações feitas pelo Programa Lean 6 Sigma, assim como a conclusão do projeto para a certificação. Durante o mês de novembro de 2020 foram definidas duas etapas de coleta de 1 Covid-19 é uma infecção respiratória aguda resultante do vírus com alto poder de transmissão SARS-CoV-2. A Organização Mundial da Saúde diante da emergência ocasionada reconheceu a pandemia e uma das medidas estabelecidas foi o distanciamento social para reduzir a taxa de contágio da população (BRASIL, 2020). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 96 dados. A primeira foi a análise quantitativa do banco de dados com o objetivo de capturar informações das comunicações formais e utilizar o software Minitab® para analisar estatisticamente e determinar possíveis relações com as seguintes variáveis: • Notas de avaliações de condução do projeto; • Frequência das comunicações com os grupos: Equipe, Champion e Sponsor; • Fator de Superação de Meta; Para o primeiro critério, os projetos Green Belt conduzidos pelos líderes atenderam a metodologia Lean 6 Sigma usando o ciclo DMAIC (Define, Measure, Analyse, Improve, Control). Para cada fase o líder passou por uma avaliação feita pelo Programa, com o objetivo de averiguar a condução do projeto, bem como sugerir algumas ações corretivas com o propósito de melhorar o desenvolvimento das atividades. Os parâmetros avaliados para compor a nota do líder foram: envolvimento da equipe e delegação de funções; periodicidade de comunicação com equipe e stakeholders; nível de engajamento das partes envolvidas; e, rompimento de barreiras ao longo do projeto. Para a análise da frequência de comunicações praticadas com cada grupo foi estratificado o plano de comunicação de cada projeto, que identificou a periodicidade (semanal, quinzenal ou mensal) que o líder se comunicou com a Equipe, Champion e Sponsor. Por último, o fator de superação de meta foi tabulado no Microsoft Excel® marcando “Sim” a todos que superaram e “Não” para aqueles que apenas cumpriram com a meta estipulada no contrato do projeto. Para a segunda etapa do estudo, houve a implantação de uma pesquisa para os mesmos líderes, com o objetivo de coletar as informações sobre a rotina de comunicações informais estabelecidas com o time, sendo avaliados: • Qual o nível de importância que a comunicação exerceu para o desenvolvimento do projeto; • Quais canais utilizados para se comunicar com a Equipe; • Quais os efeitos esperados da comunicação com a Equipe; • Em qual fase a comunicação com o time foi essencial; • E qual Stakeholder influenciou mais positivamente com o desenvolvimento do trabalho. O questionário contendo essas questões foi aplicado através da ferramenta Microsoft Forms®, enviado por e-mail para todos os 25 líderes em novembro de 2020 e tabulados após 2 semanas usando o Microsoft Excel®. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 97 RESULTADOS E DISCUSSÕES Para elucidar os principais resultados desta pesquisa, foram feitos dois tipos de análises, separada e complementarmente, sendo que a primeira etapa analisou o banco de dados das avaliações de cada fase do projeto, frequência de comunicação com os stakeholder e fator de superação de meta; e a segunda foi proveniente da pesquisa realizada com os líderes dos projetos, que corroboraram as principais informações resultantes deste tipo de comunicação. A base para a construção das análises foi a nota de condução de projeto, pois representou uma medida contínua sobre as atribuições resultantes do processo de comunicação dentro do projeto. De acordo com o objetivo proposto por este estudo, essa parte focou em estabelecer a relação de fatores formais que contribuíram para o desenvolvimento do projeto. Aplicouse o teste estatístico ANOVA para verificar se houve diferença no desempenho da nota em relação à frequência de comunicação com os stakeholders e a superação de meta. A análise de variância, ou ANOVA, é um teste estatístico que tem como objetivo verificar se há diferença na relação da distribuição de uma medida entre os grupos assumindo duas hipóteses (Guimarães, 2020): • Hipótese nula, na qual as médias das amostras são iguais; • Hipótese alternativa, pelo menos uma média se difere do restante. Para que a hipótese nula seja descartada o valor de significância, ou valor – p, deve ser menor que 0,05 (Guimarães, 2020). Para o primeiro fator estabelecido como frequência de comunicação, foi aplicado o teste de variância para determinar se houve diferença entre a nota de condução com a frequência de comunicação observada com a Equipe, Champion e Sponsor. Para isso, foi utilizado o software estatístico Minitab®. O método assumiu como: • Hipótese nula: todas as médias de condução de projeto foram iguais; • Hipótese alternativa: no mínimo uma média foi diferente. A Figura 1 traz o gráfico correspondente à aplicação do teste para com o grupo analisado e o Quadro 1 resume todos os valores – p encontrados. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 98 Figura 1. Teste ANOVA para 1 fator: Média Condução de Projeto versus Plano de Comunicação Equipe. Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021). Fonte de Variação Valor – p Plano de Comunicação com a Equipe 0,032 Plano de Comunicação com o Champion 0,816 Plano de Comunicação com o Sponsor 0,698 Quadro 1. O valor - p correspondente ao teste ANOVA para média de condução de projeto versus o plano de comunicação do grupo em análise Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021) De acordo com o valor - p encontrado para cada um dos testes realizados e assim como demonstrados no Quadro 1, somente o plano de comunicação com a equipe teve sua hipótese nula descartada. Portanto, a frequência de comunicação estabelecida com a equipe foi o único fator de influência para a nota de condução de projeto. Ao observar o gráfico da Figura 1, podemos destacar uma crescente das notas de condução de projeto conforme a periodicidade que o líder se comunicou com o seu time, chegando ao topo com a comunicação semanal. A equipe tem papel fundamental na execução de atividades do projeto e está diretamente sob a esfera de influência do gerente do projeto, conforme mostrado na Figura 2. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 99 Figura 2. Exemplo da esfera de influência do gerente do projeto. Fonte: PMI (2013). Para o sucesso de um projeto é necessário que o líder tenha habilidades para não somente gerir um processo, como também liderar pessoas. A visão da década de 80 para o fracasso de um projeto era ligada às medidas quantitativas ineficazes, porém na década seguinte o modelo de sucesso passou a incorporar a medida qualitativa, que está ligada a relações humanas (Wood J. et al, 2019). A comunicação promove a liderança, o planejamento e a coordenação do projeto para que atinjam seus objetivos (PMI, 2013). Por isso, foi importante que os líderes dos projetos estabelecessem uma rotina de proximidade com sua equipe. Assim como visto na Figura 2, o Patrocinador está mais distante na esfera de influência do líder e, por isso, uma rotina menos frequente de comunicação não sofreria interferência na forma de conduzir o projeto. O mesmo comportamento se deu ao Champion, por se tratar de uma figura de apoiador, pouco exerceu influência no tocante a comunicação. Esse desempenho indicou o quanto o líder, ou gerente de projetos, teve autoridade sobre aquele processo, assim como é mostrado pela Figura 3. Quanto mais projetizada a organização, mais autonomia o líder possui e há uma menor necessidade de interferência por parte do Champion e do Sponsor. Sendo assim, coube ao líder somente o papel de comunicar a esses stakeholders sobre andamento do projeto a cada fase finalizada, assim como foi feito. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 100 Figura 3. Necessidade de reuniões e de ajuda ao Sponsor e Gerente Funcional. Fonte: Prado et al (2011). Para o próximo fator, também foi utilizado o teste de variância feito no software Minitab®, no qual analisou a média de condução de projeto em relação a superação de meta. O valor - p encontrado foi de 0,518, ou seja, ficou acima do valor de significância, portanto, a forma como foi conduzido o projeto em relação a comunicação não houve correlação com o fator de superação de meta. O valor da meta foi estabelecido em uma reunião com o Sponsor do projeto, por isso refletiu não somente os objetivos organizacionais, como também a expectativa do patrocinador. De acordo com o PMI (2013), para iniciar um projeto o Sponsor leva em consideração necessidades internas do negócio e desloca recursos, se houver necessidade, para atender os objetivos esperados. Devido a isso, os alinhamentos estratégicos não estão necessariamente sob a esfera de influência do líder levando ao patrocinador a designar a meta de acordo com a sua expectativa. Logo, a limitação do estudo esteve baseada nas distintas práticas de determinação da meta, seja ela estabelecida por meio de estudos ou pela determinação de acordo com a expectativa do patrocinador. A pesquisa enviada aos 25 líderes pelo Microsoft Forms® teve uma aderência de 60% de respondentes e compreendeu o estudo de comunicações informais que o líder do projeto Green Belt manteve com a sua equipe. A proposta do questionário foi entender a importância que essa competência exerceu dentro do projeto, em qual momento e stakeholder foi considerado essencial, assim como os canais utilizados e efeitos esperados. As perguntas detalhadas do estudo estão no Quadro 2 e foram utilizados o Microsoft Excel® e o Minitab® como ferramentas de análise. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 101 Número Pergunta 1 Qual o nível de importância que você considera que a comunicação contribuiu para o desenvolvimento do seu Projeto? 2 Qual foi o principal canal utilizado com o time? 3 Qual o principal efeito esperado de comunicação com a equipe? 4 Em qual fase a comunicação com o time foi essencial? 5 Qual Stakeholder influenciou mais positivamente no desenvolvimento do seu trabalho? Quadro 2. Perguntas da pesquisa enviada aos líderes de projetos Green Belt Fonte: Dados originais da pesquisa (2021) A importância da comunicação demonstrou não estar restrita somente pelo aspecto informativo, mas também pelo relacionamento e interações que o líder possui com todas as partes envolvidas. A gestão dessa atividade também se situa no entendimento daquilo que funciona ou não dentro dos aspectos de cada projeto para a obtenção dos resultados esperados. Para isso, é importante definir diretrizes no processo de comunicação e procedimentos, como também criar espaços para que possam ser construídos diálogos (Schmitz, 2020). Para a primeira pergunta, os líderes classificaram em uma escala de zero a 10, sendo 10 a nota atribuída de maior importância e zero de menor importância que consideraram que a comunicação contribuiu para o desenvolvimento do seu projeto. A média global dos respondentes obtida para esta pergunta foi de 9,7, no qual 73% dos líderes atribuíram alto grau de importância. Diante disso, explica-se o alto grau atribuído pelos líderes de projeto quanto à contribuição da comunicação no desenvolvimento de seus projetos, pois houve a necessidade de construir um relacionamento com todos os stakeholders para a obtenção do sucesso, como também identificar a melhor maneira de se estabelecer essas relações. As duas perguntas a seguir, de acordo com o Quadro 2, mostraram quais tipos de relações que o líder construiu com a sua equipe, delimitando as diretrizes e empregando os melhores procedimentos para a construção dessa comunicação. Nesta pesquisa, houve a necessidade de entender quais tipos de canais que o líder utilizou, assim como os efeitos esperados da comunicação com sua equipe. Para ambas as perguntas, os líderes escolheram a opção principal empregada em seu projeto. O Quadro 3 destaca que a maioria das comunicações foram realizadas por meio de redes sociais, colocando a necessidade de reuniões em última posição. E o Quadro 4 demonstrou que os efeitos mais esperados foram a necessidade de cobrança do plano de ação e informativos sobre o projeto. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 102 Canal Principal Percentual de Escolha E-mail 53% WhatsApp 27% Reuniões Semanais/ Quinzenais 20% Quadro 3. Principais canais utilizados pelo líder para a comunicação com sua equipe Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021) Principal Efeito Requerido Percentual de Escolha Cobrança do Plano de Ação 53% Informativos do Desenvolvimento do Projeto 40% Motivação 7% Quadro 4. Principais Efeitos Esperados pelos líderes com a Comunicação Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021) Além da obtenção dessas informações, foi feita a análise estatística Anova no Minitab® para determinar se houve diferença na média de condução do projeto quanto ao tipo de canal escolhido e os efeitos esperados pela comunicação. Os valores – p encontrados foram, respectivamente, 0,825 e 0,868, ou seja, não houve diferença da média de condução de projetos entre as opções escolhidas, o que se conclui que cada projeto teve suas particularidades e que o líder soube empregar as melhores formas de fazer a gestão de suas comunicações, como também estabelecer um propósito claro para o seu time. A penúltima questão buscou entender qual a fase a comunicação foi essencial para cada líder de projeto. O Quadro 5 mostra a distribuição das escolhas feitas pelos líderes. Fase do Projeto Percentual de Escolha Medir (M) 33% Analisar (A) 27% Melhorar (I) 40% Quadro 5. Fase Escolhida pelo Líder em que a comunicação foi primordial Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021) Os líderes utilizaram a metodologia DMAIC para alcançar a melhoria do processo. Esse método consistiu em executar 5 etapas descritas como: Definir, Medir, Analisar, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 103 Melhorar e Controlar. De acordo com as etapas escolhidas pelos líderes, para a fase Medir é necessário fazer um levantamento do problema, entender os dados e compreender o real desempenho do processo para fazer análises posteriores. A fase Analisar transforma os dados isolados em informações relevantes para a montagem do plano de ação. Nesta parte é importante ter uma boa comunicação e relacionamento com todos os envolvidos para garantir que tenham entendido o problema e assegurar que as ações definidas serão colocadas em prática de acordo com o planejado. Por fim, a fase Melhorar é a etapa que se coloca em prática essas ações e há a necessidade de verificar os prazos e se estão sendo feitas dentro dos padrões de qualidade (Bassan, 2020). Conforme descrito, as etapas escolhidas pelos líderes requerem um alto poder de comunicação e relação com sua equipe, para que possam entender o problema e construir juntos análises e soluções para alcançar as mudanças e melhorias em seus processos, assim como colocá-las em prática. A equipe possui um desempenho importante para implantar e executar as ações de melhoria, por isso o principal efeito escolhido de comunicação pelos líderes compreendeu a cobrança do plano de ação. Além disso, o estudo buscou entender se houve diferença na nota de condução de projeto versus frequência de comunicação com a equipe em cada etapa escolhida na pesquisa. O Quadro 6 resume os valores – p encontrados pelo teste de hipótese ANOVA empregado. Fonte de Variação Valor – p Plano de Comunicação com a Equipe Fase M 0,00 Plano de Comunicação com a Equipe Fase A 0,65 Plano de Comunicação com a Equipe Fase I 0,093 Quadro 6. O valor - p correspondente ao teste ANOVA para média de condução de projeto versus o plano de frequência de comunicação com a equipe nas fases Medir (M), Analisar (A) e Melhorar (I) Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021) De acordo com os valores obtidos, notou-se que apenas a fase Medir possuiu diferença na nota de condução de projeto, pois o valor – p ficou abaixo de 0,05. O gráfico, da Figura 4, mostra que houve um salto na média quando o líder se comunicou com sua equipe semanalmente nessa fase. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 104 Figura 4. ANOVA para 1 fator: Média de Condução de Projeto versus Plano de Comunicação com a Equipe na Fase Medir Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021). A última pergunta analisou, na opinião dos líderes, quais dos stakeholders desempenharam uma influência mais positiva em seu projeto. O resultado apresentado pelo Quadro 7 aponta que a equipe foi a escolha da maioria. Principal Stakeholder Percentual de Escolha Equipe 80% Champion 7% Sponsor 13% Quadro 7. Percentual de Escolha do Stakeholder que mais Influenciou Positivamente o Trabalho. Fonte: Resultados originais da pesquisa (2021). A comunicação é a base do relacionamento, por isso é importante a comunicação constante do líder com a sua equipe de tal forma que faça se sentirem parte do processo e sejam vistos como parte da organização e ativos importantes. Para Chiavenato (2010), as pessoas devem ser tratadas como talentos fornecedores de competências, capazes de agregar a inteligência ao negócio e ajudar a organização a alcançar seus objetivos e conduzir para o caminho do sucesso e excelência. Para alcançar a eficiência é importante que a equipe de projetos tenha claramente o objetivo a ser conquistado, a percepção integrada, bem como a divisão de tarefas e em quais partes a atividade individual de cada integrante é necessária para a conquista do propósito. Por isso, o apontamento de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 105 equipe como escolha de 80% dos líderes deste estudo mostrou a importância do poder da liderança quanto ao seu time de projeto, que esteve alinhado com seus objetivos e contribuiu fortemente para a conquista da melhoria do processo a ser alcançado. CONCLUSÕES Diante desta pesquisa, foi possível mostrar que a comunicação teve um papel importante para os líderes e para a condução dos projetos, no qual obtiveram suas melhores avaliações, por parte do Programa Lean 6 Sigma, quando se aproximaram mais de sua equipe desde o início do projeto e estabeleceram seu canal e propósito claro de se comunicar. Dada a importância dessa habilidade no contexto de liderança de projetos, esse estudo trouxe respostas importantes a um comportamento essencial e foi capaz de formar um aprendizado nunca visto dentro do Programa Lean 6 Sigma, de que a comunicação foi importante ser estimulada constante e frequentemente desde a fase inicial do projeto e, especialmente, com sua equipe. Isto gerou um ganho em relação a boa prática de comunicação que poderá ser aplicado a situações similares, bem como nos próximos projetos a serem desenvolvidos, além de que contribui para criar estratégias desde a concepção do tema a ser trabalhado, na escolha do time, como também se torna uma habilidade importante a ser desenvolvida pelo líder antes mesmo da execução das atividades. No entanto, é importante ressaltar que este trabalho avaliou um grupo específico que obteve sucesso e atingiu a meta proposta sendo, portanto, recomendada a aplicação de estudos futuros para observar se esse mesmo comportamento ocorre em outros grupos de líderes Green Belt que passaram pelo ciclo DMAIC, assim como no aprofundamento desta temática em outros aspectos não observados. REFERÊNCIAS Bassan, E. J. 2020. Ferramentas Avançadas da Qualidade: Aplicações e Estudos. 1 ed. Edilberto José Bassan, Curitiba, PR, Brasil. BRASIL. Ministério da Saúde. 2020. Coronavírus (Covid-19). Disponível em: <https://coronavirus. saude.gov.br/sobre-a-doenca>. Acesso em: 07 mai. 2021. Chiavenato, I. 2010. Gestão de Pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações. 3 ed. Elsevier, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Costa, B.W. D. 2014. Comunicação Empresarial: Alinhando Teoria e Prática. 1 ed. Editora Manole, Barueri, SP, Brasil. Guimarães, L. M. 2020. Estatística Aplicada em Engenharia [com Minitab]. Volume 1. 1 ed. Publicação Independente, Santa Rita do Sapucaí, MG, Brasil. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 106 Iochimoto, C. K.; Furlan, C. J. G. 2020. Gerência de Projetos: Gestão das Comunicações e Stakeholders. 1 ed. Editora Senac, São Paulo, SP, Brasil. PMI, Project Management Institute – Chapters Brasileiros. 2010. Estudo de Benchmarking em Gerenciamento de Projetos Brasil. Disponível em: < http://pmsurvey.org >. Acesso em 13 jan. 2021. PMI. 2013. A Guide to the Project Management Body of Knowledge (PMBOK® Guide) – Portuguese. 5 ed. Project Management Institute, Inc., Pennsylvania, NY, USA. Prado, D.; Archibald, R. D. 2011. Gerenciamento de Projetos Para Executivos. 2 ed. Falconi Editora, Belo Horizonte, MG, Brasil. Schmitz, A. 2020. Manual de Comunicação Organizacional. 1 ed. Combook, Florianópolis, SC, Brasil. Wood, J.; Kogon, K.; Blakemore, S. 2019. Gerenciamento de Projetos Para Não Gestores. 1 ed. Alta Books, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. World Economic Forum. 2020. The Future of Jobs Report. Disponível em: < http://www3.weforum.org/ docs/WEF_Future_of_Jobs_2020.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2021. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 7 107 CAPÍTULO 8 GESTÃO DE COMUNICAÇÃO EM TEMPOS DE COVID-19: O CASO DE ESTUDO DE UMA EMPRESA MOÇAMBICANA Data de aceite: 01/02/2022 Catarina Winnie Santos Garrido Engenheira Civil e de Transportes Moçambique Felipe Miranda de Souza Almeida RESUMO: A chegada da pandemia de COVID-19 surpreendeu o mundo com as mudanças que carrega consigo até aos dias atuais. Uma das maiores mudanças foi a massificação da comunicação digital como modo de sobrevivência das sociedades e das economias. Muitos projetos que estavam inseridos nas economias das sociedades foram cancelados, paralisados e/ou atrasados, sendo raros os que não sofreram o abalo desta pandemia. Visto que a gestão de projetos sempre teve como um dos alicerces a gestão de comunicação para a sua concretização, o presente estudo teve como objetivo verificar se houve mudanças causadas pela pandemia de COVID-19 ligadas à gestão de comunicação em equipes de projetos e verificar a eficácia da gestão de comunicação nas equipes numa empresa de gestão portuária em Moçambique. Para alcançar os objetivos propostos, o estudo baseou-se em entrevistas a membros e gestores de equipes de projetos da empresa objeto do estudo e numa pesquisa sobre a percepção do gerenciamento de comunicação nas equipes. Os resultados alcançados mostram um certo grau de positividade, pois a empresa esforçou-se, na medida do possível no controlo da situação de caos que a pandemia causou. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Adicionalmente, verificou-se o uso de algumas ferramentas e técnicas de comunicação sugeridos na bibliografia selecionada para este estudo, embora não estejam a ser utilizadas na totalidade e nem por todos os intervenientes. Isto gerou recomendações para melhoria para uma melhor gestão de comunicação na gestão de projetos. PALAVRAS-CHAVE: Equipes de projeto; Comunicação Digital INTRODUÇÃO A evolução da humanidade sempre esteve ligada a projetos de variadas áreas científicas que o próprio homem desenvolveu, sendo que para a sua concretização, sempre foi necessária uma correta gestão dos mesmos. Segundo Maximiamo (2014), além produtos e equipamentos que um dia foram projetos, podem encontrar-se no mundo inteiro obras grandiosas resultantes de projetos, como as pirâmides do Egito, os canais de irrigação da Mesopotâmia, os templos na Grécia, a grande muralha da China e a torre Eiffel na França. Dessa forma, apesar dos projetos serem temporários, os seus resultados são duradouros, legitimando a aplicação de grandes conhecimentos técnicos e de gestão. O gerenciamento de projetos, a fim de cumprir com as suas exigências e objetivos, é o uso de conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas ligadas às suas atividades e Capítulo 8 108 dinamismos. Esta gestão é importante, pois permite a eficácia e a eficiência na realização de projetos por indivíduos, grupos e organizações públicas e privadas (Project Management Institute [PMI], 2017). Segundo o guia “Project Management Body of Knowledge” [PMBOK] (PMI, 2017) uma das principais áreas de conhecimento a ser administrada é o gerenciamento de comunicação. Este deve integrar processos necessários para assegurar que as informações ao projeto e das partes interessadas sejam eficazmente trocadas através de uma estratégia e implementar as atividades necessárias para que essa estratégia de comunicação seja devidamente aplicada. Do ponto de vista antropológico, logo de início, a comunicação é caraterizada como sendo uma experiência essencial. Evidentemente a comunicação caracteriza-se como sendo uma permutação de algo com alguém. Resumidamente, a vida individual e coletiva depende da comunicação (comunicação esta que necessita de regras). Da mesma forma que para existirem sociedades são necessários os homens, também é necessário que exista a comunicação (Wolton, 1997). De acordo com Torquato (2015), a comunicação em si é um sistema aberto que exerce um poder importante dentro das organizações, podendo afetar e alterar rotinas e o clima ambiental de trabalho. Ela não deve ser menosprezada pois pelo simples fato da sua existência entre seus interlocutores há transferência de ideias, o que gera influências através do chamado poder expressivo. Este valida a existência de outros poderes nas organizações/empresas: o remunerativo, o normativo e o coercitivo. A comunicação tem suas vertentes como processo e técnica, tendo como base disciplinas humanas pois permite intermediar discursos organizacionais, adaptar interesses, controlar os participantes internos e externos, promovendo assim maior admissibilidade dos valores da organização ou empresa. Deste modo, a comunicação contribui diretamente para o alcance de maior produtividade, colaborando e substanciando a economia organizacional (Torquato, 2015). A comunicação na gestão de projetos é feita principalmente pelo gestor de projetos, pessoa que ocupa uma posição crítica na liderança da equipe de projetos. O gestor é comparável a um maestro de orquestra isto porque são ambos responsáveis pelo produto de suas equipes: o resultado do projeto e o concerto da orquestra, respectivamente. Ambos necessitam ter uma visão geral dos produtos das equipes que lideram de modo a conseguir planificar, coordenar e concluir os seus projetos. Ambos utilizam a percepção que têm dos projetos que conduzem para comunicar e motivar as suas equipes, com o objetivo final de concluir de modo satisfatório as metas estabelecidas. Tal como não se supõe que o maestro esteja habilitado a tocar todos os instrumentos da orquestra, o gestor de projetos deve como ele ter conhecimento técnico, compreensão e experiência (de música para o maestro e de projetos para o gestor). Ambos devem proporcionar às suas equipes liderança, planejamento e coordenação por meio da comunicação (PMI, 2017). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 109 Nos anos 2020 e 2021 consegue-se perceber que a comunicação, e principalmente a comunicação na gestão de projetos passou e está ainda passando por modificações devido à pandemia de COVID-19 que tem abalado o mundo desde o final do ano de 2019, pois trouxe consigo a necessidade de adaptação do modo de vida e de trabalho. O confinamento e distanciamento inter-pessoal foram exemplos de medidas adotadas ao nível mundial, como forma de prevenção de contágio desta doença. Em Moçambique, desde Março de 2020 (quando foi registado o primeiro caso de COVID-19) o governo impôs medidas para a prevenção de alastramento da doença. Tais medidas têm sido atualizadas periodicamente, visto que o número de contaminações tem aumentado, tal como se tem verificado em várias partes do mundo. No país, em 2020 foi declarado 3 vezes o estado de emergência e, em 2021, já foi declarado o estado de situação de calamidade pública. Com isto, várias empresas e organizações viram-se obrigadas a adotar novas metodologias de trabalho, adotando várias formas de comunicação. No caso específico de projetos, os gestores que passam a maior parte do seu tempo se comunicando com suas equipes, tiveram que se reinventar, para gerirem as suas equipes remotamente. De acordo com Argenti (2020), devido à pandemia, a correta gestão da comunicação é muito importante para colocar as empresas nas posições que desejam na época pós-pandemia e ajuda na execução dos planos de contingência. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo verificar se houve mudanças causadas pela pandemia de COVID-19 ligadas à gestão de comunicação em equipes de projetos e verificar a eficácia desta gestão nas equipes, numa empresa do ramo dos transportes de Moçambique. MATERIAL E MÉTODOS A presente pesquisa é do tipo exploratório e, segundo Gil (2002), tem como objetivos principais o aprimoramento de ideias e a descoberta de intuições. O seu planejamento apresenta um certo grau de flexibilidade, possibilitando a consideração de diversos aspectos ligados ao tema. Ademais, foi feito um estudo de campo que tem como preocupação a descrição, com ênfase não no rigor mas sim na profundidade, podendo resultar na reformulação dos objetivos ao longo da pesquisa. O estudo de campo focou-se em uma comunidade de trabalho (não necessariamente espaço geográfico) (Gil, 2002). Para tal, foi escolhida uma empresa do ramo dos transportes, mais especificamente, de gestão portuária. Esta empresa é concessionária do porto da Beira, a segunda maior cidade de Moçambique. A empresa foi fundada em 1998. O Porto da Beira está localizado, estrategicamente, no centro de Moçambique. Aqui existe ligação direta com o sistema rodoviário e ferroviário do país, permitindo a conexão dos principais mercados do interior da África Austral, nomeadamente o Zimbabwe, o A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 110 Malawi, a Zâmbia, o Botswana, a República Democrática do Congo, ao mercado local e às rotas do comércio internacional. A empresa utilizada como caso de estudo que gere o porto da Beira, está organizada em departamentos nomeadamente: Direção de Operações (terminal de contentores e propósitos múltiplos e terminal de carga geral), Direção de Finanças e Contabilidade (departamento de finanças e departamento de contabilidade), Direção de Recursos Humanos (departamento de recursos humanos e departamento de formação), Direção Comercial (departamento de desenvolvimento de novos negócios e marketing e departamento comercial), Gabinete de Engenharia e Manutenção Civil, Departamento de Manutenção Elétrica e Salubridade, Departamento de Ambiente, Saúde e Segurança Operacional e Departamento de Informação e Comunicação [ICT]. Para se alcançar o objetivo proposto, foram realizadas entrevistas e uma pesquisa de percepção. Com relação à primeira, as entrevistas, tinha-se como objetivo verificar se houve mudanças causadas pela pandemia de COVID-19, ligadas à gestão de comunicação em equipes de projetos, investigar a percepção dos membros da equipe quanto ao grau de satisfação da(s) equipe(s) e o sucesso dos projetos. Já com relação à segunda, o intuito foi o de verificar a eficácia da gestão da comunicação de projetos na empresa, de acordo com as ferramentas e técnicas utilizadas, recomendadas pelo PMBOK. Os colaboradores entrevistados fazem parte de equipes de projetos dos departamentos de: engenharia e manutenção civil, desenvolvimento de novos negócios e marketing, manutenção elétrica e salubridade, operações do terminal de carga geral e ICT. Foi inicialmente feito um mapeamento e convite a 34 colaboradores, tendo-se tido resposta positiva e colaboração de 32, ou seja 94% do universo desejado. Dos participantes das entrevistas, 15% são mulheres e 85% são homens. Em termos de experiência, foram entrevistados colaboradores que estão na empresa desde há cerca de 8 meses e outras que estão na empresa desde a sua fundação. Dentre os entrevistados constam gestores de projetos, membros das equipes de projetos, chefes de departamentos e diretores seniores da empresa. As linhas mestras da entrevista orientaram-se para se perceber: • Se houve mudanças associadas à pandemia na gestão de comunicação e, se sim, que tipo de mudanças foram; • Se com a chegada da pandemia do covid-19 houve necessidade de se desenvolver novas competências de comunicação com as equipes de projetos (técnicas e comportamentais); • Que dificuldades de comunicação as equipes de projeto enfrentam desde o início da pandemia; • O que é que os membros das equipes de projetos pensam sobre a comunicação virtual/remota, bem como suas vantagens e desvantagens; A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 111 • Se têm sido feitas reuniões de trabalho remotamente/virtualmente e, em caso afirmativo, como são avaliadas em termos de qualidade e quantidade; • Se existe alguma iniciativa inerente às reuniões remotas que permanecerá póspandemia; • Se em relação aos projetos que tiveram andamento desde o início da pandemia e os que tiveram início antes da pandemia com datas de entrega até ao momento, quantos foram entregues sem atraso, quantos foram entregues antes do tempo e quantos foram entregues com atraso; • Se se faz coleta de informação de satisfação dos clientes dos projetos; • Como é que os membros das equipes de projetos acreditam que será feita a comunicação para gestão de equipes e de projetos no futuro; • Como é que a empresa poderá se preparar para outras possíveis mudanças no futuro. As informações e os dados recolhidos nas entrevistas (que tiveram a duração média de 60 minutos, durante 22 dias), foram transcritos, analisados e tratados de forma coletiva, com a finalidade de construir resultados sem a sua distinção entre grupos entrevistados (líderes e colaboradores). Esta coleta de dados teve em conta alguns aspectos referenciados por Gil (2002), essenciais para estudos de campo: aliança com pessoas que tenham interesse na pesquisa e preservação da identidade dos entrevistados. Para a pesquisa sobre a percepção da visão geral da gestão de comunicações em projetos foi distribuída aos líderes dos departamentos (onde se desenvolvem projetos na empresa) uma lista de ferramentas utilizada nas fases de planejamento, gerenciamento e monitoramento de comunicações, com base nas orientações do PMBOK. Destaca-se que os líderes envolvidos na pesquisa de percepção eram dos mesmos departamentos acima referidos. Assim, foram convidados a responder a esta pesquisa 5 líderes, tendo respondido 4 líderes, ou seja, houve 80% da colaboração desejada. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para as entrevistas, em relação ao cenário antes da pandemia do COVID-19, os colaboradores entrevistados afirmaram que a comunicação nas equipes de projetos era na sua maioria feita de modo presencial (encontros e reuniões presenciais). Usava-se também o telefone e o e-mail. O telefone era usado para esclarecimento de dúvidas ou troca de impressões pontuais e para dar/receber ordens pontuais/urgentes. O e-mail era usado para marcar reuniões presenciais e troca de atas dessas reuniões, bem como formalização de tomadas de decisões nessas mesmas reuniões. No que se refere à gestão da comunicação em projetos, a mesma era feita na sua maioria de modo presencial e o seu registro era feito por e-mail e documentos físicos (papel). Em 2019 foi feita para toda a empresa a configuração do Office 365 que já A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 112 incorporava o software “Microsoft Teams” e o sistema de gestão de documentação digital “DocuSign”. Ligado ao primeiro aspeto citado, o objetivo da empresa nesta altura, era o de acompanhar o avanço tecnológico e proceder à atualização das ferramentas de trabalho, ligadas ao software da “Microsoft”. A empresa sempre utilizou o software da “Microsoft” em ambiente de trabalho. Em relação ao segundo aspeto citado, os objetivos eram de otimizar o tempo do processo de aprovações e reduzir o uso de papel. Porém, na altura, estes “softwares” não foram devidamente explorados por todos os departamentos, por não haver a necessidade urgente de se fazerem tais mudanças, pois os usos dos meios de comunicação convencionais na altura, não pressionavam à utilização destas ferramentas digitais de trabalho. As áreas que então faziam o uso mais avançado dessas ferramentas eram o departamento de tecnologias de comunicação e a direção da empresa. Em Março de 2020, aquando da eclosão da pandemia em Moçambique, a empresa viu-se obrigada a tomar medidas de prevenção contra o COVID-19, reduzindo o contacto físico, mas garantindo que o trabalho na empresa não parasse por causa da pandemia. Ao longo do ano 2020, seguindo a perspetiva de aumento de medidas de prevenção desta doença, foi-se atualizando a estratégia de combate à propagação da doença. Em todos os momentos a empresa publicou comunicados internos dirigidos aos trabalhadores, com informações claras sobre as medidas de prevenção da infeção. Tais medidas de prevenção obrigatórias, implementadas pela Empresa foram: • A lavagem ou desinfeção das mãos regular, principalmente depois da utilização de utensílios, instrumentos ou objetos comuns; • O uso obrigatório de máscaras, tanto em espaços fechados como abertos; • O distanciamento físico de 1.5m entre trabalhadores; • A proibição da troca de roupa no local de trabalho, tendo os trabalhadores que se apresentar, à entrada, já devidamente uniformizados; • A interdição do uso de chuveiros nos vestiários; • A restrição de acesso aos cacifos e vestiários para um máximo de 5 pessoas de cada vez; • A disponibilização de desinfetantes individuais aos trabalhadores, para a desinfeção das mãos e outros utensílios; • O aumento de autocarros para transporte dos trabalhadores de modo a reduzir a sua ocupação para 50%; • A restrição de acesso ao refeitório para 20 pessoas sentadas de cada vez, passando as refeições a serem servidas em recipientes individuais e selados; • A separação de todos os departamentos da empresa em 2 equipes, as quais passaram a trabalhar em 2 edifícios diferentes1; 1 Em 2017 nasceu o projeto de ocupação de metade de um edifício existente na área portuária, que estava fora da área de concessão por parte desta empresa. O objetivo do projeto era de criar novos escritórios para as áreas operacionais. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 113 • A substituição das reuniões presenciais por reuniões virtuais, através do uso do “software” “Microsoft Teams”; • A substituição da gestão de toda a documentação física para gestão de documentação digital, através do software “DocuSign”; • A substituição do uso do telefone fixo pelo [3CX] para comunicação interna na empresa (este meio de comunicação não necessita de rede de dados – internet para funcionar); • A substituição de submissão de documentos físicos por de colaboradores externos (despachantes aduaneiros, linhas de navegação, agentes de carga e clientes), para uma submissão num sistema digital, sendo agora uma plataforma eletrônica para gestão de documentos digitais – esta plataforma foi desenvolvida dentro da própria empresa; • A substituição de todas as formações e viagens de trabalho anteriormente programadas, por sessões em modo virtual (através do “Microsoft Teams” ou “Zoom”). A informação recolhida em todos os departamentos entrevistados, exceto o ICT, é que em relação às competências técnicas de comunicação, houve a necessidade de serem desenvolvidas e aperfeiçoadas quando eclodiu a pandemia COVID-19. Todos os colaboradores tiveram de aprender a usar as novas plataformas de trabalho disponibilizadas pela empresa: “Microsoft Teams”, 3CX e “DocuSign” principalmente. Houve outras plataformas de comunicação que foram disponibilizadas, mas que só passaram a ser usadas por quem tivesse interesse. A plataforma eletrônica para gestão de documentos digitais, referenciada acima passou a ser usada apenas pelas áreas com necessidade e autorização para tal. Para além de aprender a usar estas ferramentas o departamento de ICT, teve de dominá-las completamente, visto que este é o departamento que tem a responsabilidade de ensinar e dar assistência a toda a empresa para a utilização destes “softwares”. Em relação às competências comportamentais, foi relatado que tiveram de se desenvolver metodologias individuais, para combater sentimentos que surgiram devido à pandemia: estresse, angústia, impaciência, isolamento, frustração, resistência à mudança, incerteza, falta de atenção e tristeza. As causas para as dificuldades de comunicação registradas desde o início da pandemia até ao momento das entrevistas foram: • A baixa qualidade de internet (oscilação da rede de internet); • O baixo domínio técnico do uso dos “softwares” por alguns membros das equipes Entretanto, em 2018, por motivos internos da empresa, o projeto foi cancelado. Mas em 2020, com a chegada da pandemia do Covid-19 e com as primeiras contaminações aqui, a direção da empresa, tomou a decisão de solicitar novamente metade do espaço do edifício ao proprietário do Porto, para servirem de escritórios. O objetivo era de ter 2 equipes de cada departamento, independentes, de modo a que se houver contaminações num dos edifícios e haja necessidades de se encerrar as atividades temporariamente, no edifício em causa, a empresa não pare de funcionar. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 114 dos projetos (colaboração através de tecnologias digitais); • A ausência de um plano geral de comunicação e um código de conduta em ambiente digital; • A falta de definição do canal oficial de comunicação de gestão de projetos, pois usam-se várias plataformas de comunicação entre as equipes de projetos (“Whatsapp”, e-mail, “Microsoft Teams”); • A ausência do conhecimento de literacia digital por alguns membros das equipes de projetos (nem todos sabem como interagir através de tecnologias digitais; partilhar informações e dados; falta de conhecimento de cidadania de tecnologias digitais); • A resistência à mudança de alguns membros das equipes dos projetos para o uso dos meios de comunicação digital; • A quebra da comunicação formal em ambiente de trabalho por alguns membros das equipes de projeto, uma vez que a comunicação digital eliminou determinadas barreiras de comunicação existentes no passado ligadas à acessibilidade à liderança de topo à toda empresa. Todos os entrevistados informaram que a comunicação remota permitiu e permite que o trabalho e os projetos não ficassem paralisados em tempos de crise, provocados pela pandemia. Permite também segurança no trabalho e nos projetos que se realizam. Porém, todos estes, afirmam que sentem falta da comunicação que era feita fisicamente, no passado, por falta do contacto físico e calor humano. Este contacto físico permitia uma melhor perceção da reação das pessoas através do movimento corporal de cada um, nas reuniões e encontros de trabalho, aquando da partilha e troca de informações. Em todos os departamentos são realizadas reuniões de trabalho remotamente. Regra geral todos os departamentos têm pelo menos uma reunião semanal para alinhamento das atividades e dos projetos do departamento. A avaliação feita por 100% dos entrevistados é que em termos de qualidade as reuniões são boas e objetivas. Em termos de quantidade: • 90% afirma que é boa (a média é de 3 reuniões virtuais por semana); • 8% afirma que é demasiada (a média é de 5 reuniões remotas por semana); • 2% afirma que não se importa com o número de reuniões que tiver semanalmente. Foi levantada a questão se existia alguma iniciativa realizada nas reuniões remotas que permanecerá pós-pandemia e, 3%, responderam que nestas reuniões há um bom novo hábito que é o do coletivo se preocupar com cada indivíduo. Por exemplo, no início das reuniões remotas, há um interesse em saber como está cada um e respetiva família em relação à saúde. 97% informou que as próprias reuniões remotas de trabalho para alinhamento são por si só boas iniciativas e que devem permanecer no período póspandemia. Em relação aos projetos que tiveram andamento desde o início da pandemia e os que tiveram início antes da pandemia com datas de entrega até ao momento: A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 115 • 7% foram entregues sem atrasos; • 3% foram entregues antes do tempo; e • 90% foram entregues com atrasos; Ficou claro que houve projetos cancelados devido à pandemia e que a maior parte dos atrasos registados estão associados às restrições impostas por esta pandemia. Pode-se registar que em nenhum departamento existe um procedimento uniforme de coleta de satisfação dos clientes, após a entrega dos projetos. Na maior parte dos casos faz-se uma entrega formal do projeto e uma troca de e-mails para perceber se não houve problemas após essa disponibilização. Durante esta pesquisa, cerca de 87% dos entrevistados informaram que a comunicação remota é do seu agrado e tem a convicção de que este tipo de comunicação continuará a ser usado no futuro. Reconhecem que a comunicação remota apresenta as seguintes vantagens: • Melhor gestão de tempo; • Flexibilidade; • Redução de custos associados à mobilização (que anteriormente existia nos projetos para a realização de reuniões, treinamentos, etc.); • Maior eficiência na gestão de projetos; • Facilidade na partilha de informação em tempo real e útil; • Redução das emissões de carbono com a redução de movimentação de pessoas utilizando meios de transporte para participar em reuniões, etc.; • Economia de recursos (agora há melhor definição do escopo de trabalho e função de cada membro das equipes de projeto); • Maior participação dos membros das equipes em reuniões remotas de projetos; • Contacto independentemente da localização geográfica das pessoas. Cerca de 13% dos entrevistados reiteraram que a comunicação remota apresenta as seguintes desvantagens: • No caso de quem faz trabalhos de campo, para além do trabalho de escritório, quando estão no campo, algumas vezes perdem chamadas de trabalho através de plataformas de comunicação que só conseguem acessar quando estão no escritório. Perdem-se chamadas que são feitas por exemplo via “Microsoft Teams”, apesar de se alterar o estado para “ausente” (apenas algumas pessoas têm “Microsoft Teams” ligado ao telefone da empresa, não é o caso destes entrevistados); • Falta de perceção dos limites de horário de trabalho, pois a comunicação remota permite maior acessibilidade de todos, e a qualquer hora; • Frieza no ambiente de trabalho; A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 116 • Não utilização correta das plataformas de comunicação e trabalho por todos, apesar de a empresa disponibilizar meios para todos; • Perda do convívio social. Dos membros das equipes de projetos entrevistados 94% acreditam que a comunicação para gestão de equipes e de projetos no futuro (após a vacinação da população ao nível de se ter a imunidade comunitária acautelada) será feita através de uma comunicação mista. Isto é, uma combinação de comunicação remota e comunicação presencial. Aqui prevê-se que se faça a utilização correta das vantagens que a comunicação remota e a comunicação presencial apresentam em conjunto. A empresa em causa apresenta alto nível de resiliência e robustez, devido às inúmeras situações que obrigaram à adaptação desta a novos hábitos nos últimos anos. São exemplos do que se refere: em 2017 - troca momentânea do quadro da direção devido a um acidente de trabalho que culminou com o desaparecimento físico de 4 membros seniores da direção da empresa, em 2019 - fustigação pelo ciclone IDAI (que destruiu grande parte da cidade da Beira com ventos a 220 ) e em 2020 - surgimento da pandemia global COVID-19. Quando se levantou a questão de como é que a empresa se poderá preparar para mais mudanças no futuro, 80% dos entrevistados apresentou segurança nas decisões que a empresa for a tomar, independentemente do que acontecer, pois o mundo está em constante mutação e a direção da empresa está sempre atenta a estas mudanças. PERCEPÇÃO SOBRE A VISÃO GERAL DA GESTÃO DA COMUNICAÇÃO EM PROJETOS Segundo o PMBOK (PMI, 2017) o gerenciamento de comunicações de projetos possui as ferramentas necessárias, para que os interesses e objetivos dos projetos sejam alcançados, por meio de uma troca de correta e eficaz de informações. Como foi referenciado na seção Material e Métodos, foi distribuído para os gestores dos departamentos de operação, engenharia, manutenção, tecnologias de informação e de marketing, o mapa da Visão Geral do Gerenciamento das Comunicações do Projeto do guia PMBOK, com o intuito de perceber quais os documentos, ferramentas e técnicas recomendadas são utilizados na gestão da comunicação dos projetos na empresa. Segundo o guia PMBOK (PMI, 2017) a primeira etapa do gerenciamento de comunicações é a etapa de planejamento. Regra geral, o planejamento das comunicações é realizado logo no começo do projeto, aquando do reconhecimento das partes interessadas e da evolução do plano de gerenciamento do projeto. Aqui deve-se desenvolver uma abordagem e um plano correto de comunicação, para que as necessidades de informação para todas as partes interessadas do projeto e os objetivos do projeto sejam concretizados. As comunicações do projeto são resultado deste processo de planejamento com o rumo guiado pelo plano de gerenciamento das comunicações, no qual se deve estabelecer A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 117 a coleta, criação, divulgação, conservação, recuperação, gerenciamento, rastreamento e refugo desses elementos de comunicação. No final, a estratégia de comunicação e o plano de gerenciamento das comunicações servirão de base sólida para o monitoramento do resultado da comunicação a ser estabelecida. As comunicações do projeto são apoiadas em persistentes pontos de atenção para evitar deslizes ou falhas de comunicação. Isto fazse nesta fase de planejamento, através da criteriosa escolha de métodos, processos e tipos de mensagens. A principal vantagem deste processo de planejamento é uma abordagem documentada, para apresentar de um modo eficaz as informações-chave do projeto em causa às partes interessadas. Deve-se realizar regularmente, o planejamento ao longo do projeto, conforme as necessidades. Na Tabela 1 a seguir, estão os resultados apresentados pelos gestores dos departamentos sobre a perceção do planejamento das comunicações. Planejamento das Comunicações Resultados 1. Entradas 1.1 Termo de abertura do projeto 25 % 1.2 Plano do gerenciamento do projeto 75 % 1.3 Documentos do projeto 75 % 1.4 Fatores ambientais da empresa 0% 1.5 Ativos de processos organizacionais 0% 2. Ferramentas e Técnicas 2.1 Opinião especializada 100% 2.2 Análise de requisito das comunicações 25% 2.3 Tecnologia das comunicações 75% 2.4 Modelos de comunicações 50% 2.5 Métodos de comunicação 50% 2.6 Habilidades interpessoais e de equipe 75% 2.7 Representação de dados 50% 2.8 Reuniões 75% 3. Saídas 3.1 Plano de gerenciamento das comunicações 25% 3.2 Atualizações do plano de gerenciamento do projeto 25% 3.3 Atualização de documentos do projeto Tabela 1 – Percepção sobre planejamento das comunicações. Fonte: Resultados originais da pesquisa 25% Nas entradas desta etapa de planejamento de comunicações, verifica-se que se toma em consideração o plano de gerenciamento e os dados do projeto (75%). Porém, o termo de abertura do projeto é menos utilizado. Segundo o guia PMBOK (PMI, 2017), o termo de abertura do projeto deve ter como conteúdo informações sobre o projeto, como: finalidade do projeto; objetivos mensuráveis do projeto e critérios de sucesso relacionados; descrição de alto nível do projeto, seus limites e entregas-chave; risco geral do projeto; A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 118 resumo do cronograma de marcos; recursos financeiros pré-aprovados; lista das partes interessadas chave; requisitos para aprovação do projeto; critérios de término do projeto; gerente do projeto designado, responsabilidade e nível de autoridade; e nome e autoridade do patrocinador ou outra(s) pessoa(s) que autoriza(m) o termo de abertura do projeto. Em resumo, o termo de abertura do projeto permite que se faça um acordo entre as partes interessadas sobre as entregas e metas mais importantes e dos papéis e responsabilidades de todos os envolvidos no projeto. Verifica-se que apenas 25% dos inquiridos utilizam este tipo de ferramenta tendo-se verificado que nem toda a informação acima referida (que deve estar presente no termo de abertura do projeto) consta no tipo de documento verificado (sabendo que este projeto não é também partilhado por toda a equipe do projeto em causa). A justificação apresentada é de haver desconhecimento da importância deste tipo de ferramenta. Este cenário demonstra que logo à partida do projeto existem motivos para que existam problemas/lacunas de comunicação, ao longo da vida do projeto. Ainda nas entradas desta etapa, aspetos como os fatores ambientais da empresa e os ativos de processos organizacionais, obtiveram resultado nulo, em níveis de organização, o que demonstra uma grave lacuna no planejamento da gestão das comunicações em projetos. Para citar um exemplo, segundo o guia PMBOK (PMI, 2017), os fatores ambientais da empresa, como: cultura organizacional, clima político e estrutura de governança, políticas de administração de pessoal, limites de risco das partes interessadas, canais, tendências, práticas ou hábitos globais, regionais ou locais, que podem interferir nesta fase não são tomados em consideração de forma consciente. Os ativos de processos organizacionais, como: políticas e procedimentos organizacionais para redes sociais, ética e proteção, políticas e procedimentos organizacionais, riscos, mudanças e gerenciamento de dados, requisitos de comunicação da organização, diretrizes padronizadas para desenvolvimento, troca, armazenamento e recuperação de informações, repositório de lições aprendidas e informações históricas e dados e informações de partes interessadas e comunicações de projetos anteriores, também não são considerados de modo consciente. Nas ferramentas e técnicas desta etapa de planejamento de comunicações percebese que todos os departamentos buscam opinião especializada, e que grande parte (75%) considera a tecnologia das comunicações, habilidades interpessoais e de equipe e realiza reuniões de projeto. Verifica-se que metade dos departamentos avaliados (50%) utiliza as ferramentas de modelos de comunicações, métodos de comunicação, e representação de dados. Mas, apenas 25% faz a análise de requisitos das comunicações. Segundo o PMBOK (PMI, 2017), a ferramenta de planejamento permite que se defina o tipo e a imprescindibilidade de informações para as partes interessadas do projeto. Ou seja, são definidas as condições de partilha de informação necessária (tendo em conta o tipo e o formato) acompanhada por uma avaliação sobre o valor dessas informações. As fontes de informações normalmente utilizadas para identificar e definir as condições das A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 119 comunicações do projeto acima citadas, tomam em conta: • Requisitos de informações e comunicação importantes, a partir do registro das partes interessadas e do plano de engajamento das partes interessadas; • Número de canais ou vias de comunicação em potencial, incluindo comunicação de um para um, um para muitos e muitos para muitos; • Organogramas; • Organização do projeto e responsabilidade, relacionamentos e interdependências entre as partes interessadas; • Abordagem de desenvolvimento; • Disciplinas, departamentos e especialidades envolvidas no projeto; • Logística (número de envolvidos e locais a considerar); • Necessidades de informações internas; necessidades de informações externas; • Requisitos legais. As saídas deste processo de planejamento de comunicações são, de certo modo, enfraquecidas, o que compromete as fases seguintes do gerenciamento de comunicações. Foi possível constatar que nesta empresa não existem processos de comunicação padronizados e por escrito que possam ser seguidos por todos. Algumas ferramentas recomendadas são utilizadas por alguns, outras não são utilizadas no geral. Segundo o PMBOK (PMI, 2017), a etapa seguinte ao planejamento é a de gerenciamento das comunicações. Esta tem como objetivo garantir a coleta, criação, divulgação, conservação, recuperação, gerenciamento, monitoramento e apresentação final das informações do projeto, de forma conveniente e acertada. A principal vantagem desta etapa é viabilizar a existência, entre a equipe do projeto e as partes interessadas, e a da necessária fluidez na troca de informações. O gerenciamento de comunicações, possibilita a escolha de todos os meios para uma comunicação eficaz e eficiente através, por exemplo, da escolha de metodologias e técnicas de comunicação mais adequadas, de acordo com as mudanças que ocorrerem no projeto. Esta etapa não se limita à divulgação de informações relevantes ao projeto, inclui a garantia de que as informações que estão a ser divulgadas às partes interessadas, sejam recebidas pelo público-alvo, sem distorções. Aqui, existe espaço para que as partes interessadas possam solicitar informações, esclarecimentos e discussões extraordinárias. Algumas das técnicas e considerações tomadas em conta e que garantem eficácia nesta etapa de gerenciamento das comunicações são: modelos de emissor-recetor; escolha dos meios de comunicação; estilo de redação (ou seja, uso correto da voz ativa ou passiva, estrutura certa das frases e escolha adequada de palavras); gerenciamento de reuniões; apresentações (ou seja, tomada de consciência do impacto da linguagem corporal e desenvolvimento de recursos visuais); facilitação e escuta ativa. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 120 Na Tabela 2, a seguir, estão os resultados apresentados pelos gestores dos departamentos sobre a perceção do gerenciamento das comunicações. Gerenciamento das Comunicações Resultados 1. Entradas 1.1 Plano de gerenciamento do projeto 75% 1.2 Documentos do projeto 75% 1.3 Relatórios de desempenho do trabalho 25% 1.4 Fatores ambientais da empresa 0% 1.5 Ativos organizacionais 0% 2. Ferramentas e técnicas 2.1 Tecnologias de comunicações 50% 2.2 Métodos de comunicação 50% 2.3 Habilidades de comunicação 25% 2.4 Sistema de informação de gerenciamento de projetos 25% 2.5 Relatórios de projetos 50% 2.6 Habilidades interpessoais e de equipe 25% 2.7 Reuniões 50% 3. Saídas 3.1 Comunicações do projeto 25% 3.2 Atualizações do plano de gerenciamento do projeto 25% 3.3 Atualização de documentos do projeto 50% 3.4 Atualização de ativos de processos organizacionais 0% Tabela 2 - Percepção sobre gerenciamento de comunicações. Fonte: Resultados originais da pesquisa. Tendo-se como base os dados expostos anteriormente, percebe-se que, os departamentos tomam em consideração os relatórios de desempenho de trabalho (25%), e o plano de gerenciamento de projeto e os documentos do projeto (75%). Segundo o PMBOK (PMI, 2017) os relatórios de desempenho de trabalho são documentos onde se devem encontrar as informações corretamente apresentadas, registradas para serem divulgadas (em formato físico ou digital) para dar a conhecer, alertar e/ou gerar tomadas de decisão ou ação sobre o projeto pelos responsáveis (aqui estão patentes normalmente informações sobre o progresso do projeto). Estes relatórios de desempenho são divulgados pela via do processo de comunicação definido no plano de gerenciamento do projeto, e podem ser constituídos, de entre outros, por gráficos e informações de valor agregado, linhas e previsões de tendências, gráficos de evolução regressiva de reserva, resumos de riscos. Já nas ferramentas e técnicas, verifica-se que metade dos departamentos avaliados (50%), utilizam as tecnologias de comunicações, métodos de comunicação, fazem relatórios A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 121 de projeto e realizam reuniões. As ferramentas com baixa utilização (25%) são: habilidades de comunicação, sistema de informação de gerenciamento de projetos [SIGP] e habilidades interpessoais e de equipe. No âmbito das habilidades de comunicação, segundo o PMBOK (PMI, 2017) os aspetos mais importantes a salientar são: competência de comunicação, “feedback”, comunicação não verbal e apresentações. As competências de comunicação são um pacto de habilidades de comunicação moldadas, que tomam em conta aspetos como: entendimento da finalidade em mensagens principais, relacionamentos e compartilhamento de informações eficazes e comportamentos de liderança. O “feedback” são informações sobre reflexos a comunicações, uma entrega ou contexto. O “feedback” dá suporte à comunicação interativa entre todas as partes interessadas, não deixando de lado o gerente do e a equipe do projeto (exemplos: “coaching”, mentoria e negociação). Quanto à comunicação não verbal, pode-se ter em consideração que a linguagem corporal apropriada é importante para transmitir o significado, como a gesticulação, tonalidade vocal e as expressões faciais. As técnicas mais importantes neste tipo de comunicação são a empatia e o contato visual. Deve haver consciência, por parte dos membros da equipe de projetos, de como se expressam, tendo em conta tudo o que se fala e tudo o que não se fala. Para as apresentações, pode-se ter em conta de que são meios para entrega formal de informações e/ou documentação às partes interessadas do projeto. As apresentações devem ser claras e objetivas na informação que transmitem sobre o projeto. Podem ser: relatórios de progresso e atualizações de informações para as partes interessadas; informações de histórico para sustentar tomadas de decisões; informações gerais sobre o projeto e seus objetivos, com o fim de dar visibilidade ao perfil do trabalho do projeto e à equipe; e informações específicas com o objetivo de ampliar o entendimento e o apoio do trabalho e dos objetivos do projeto. As apresentações têm sucesso quando o seu conteúdo considera: o público-alvo (partes interessadas), suas expectativas e necessidades; bem como as necessidades e os objetivos do projeto e da equipe do projeto. Já o SIGP, permite a garantia de que as partes interessadas possam acessar e/ ou recuperar, sem dificuldade, as informações relativas ao projeto em causa, sempre que necessário. As informações do projeto são normalmente gerenciadas e distribuídas utilizando-se várias ferramentas eletrônicas disponíveis. Pode-se considerar que a coleta de dados e de informação, bem como, relatórios automatizados sobre os principais indicadores de desempenho podem-se enquadrar neste sistema. As técnicas utilizadas neste tipo de sistema nas empresas, para gerenciar e distribuir informações, normalmente são: ferramentas eletrônicas para gerenciamento de projetos; gerenciamento eletrônico das comunicações; gerenciamento de redes sociais. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 122 Para as técnicas de habilidades interpessoais e de equipe que são pouco utilizadas no gerenciamento de comunicação nesta empresa (25%), é preciso ter em conta que o PMBOK (PMI, 2017) informa que estas permitem obter soluções informais, mas úteis para solucionar problemas que possam surgir e/ou sugestões para melhoria de desempenho; consciência política (ajuda o gerente do projeto no comprometimento das partes interessadas de forma adequada para manter seu apoio durante o projeto). Algumas destas técnicas são: escuta ativa, gerenciamento de conflitos, consciência cultural, gerenciamento de reuniões, rede de relacionamentos, ou seja, é preciso manter uma interação com outras pessoas para trocar informações e desenvolver contatos. Este tipo de cenário permite perceber que existem dificuldades de gerenciamento de projetos na empresa, decorrentes da utilização reduzida destas ferramentas e técnicas, como por exemplo, habilidades de comunicação por parte dos gestores e membros das equipes de projetos, habilidades interpessoais e de equipe e, também, por não existir um sistema padrão de informação de gerenciamento de projetos. Como resultado da pesquisa da etapa de gerenciamento das comunicações, as saídas que se obtêm não são muito fortes, sendo a mais visível nos departamentos (50%) a atualização de documentos do projeto, seguida de comunicações do projeto e atualizações do plano de gerenciamento do projeto feito por uma pequena parte dos departamentos avaliados (25%). Nenhum destes têm como saída a atualização de ativos de processos organizacionais (registros do projeto, como correspondência, memorandos, atas de reuniões e outros documentos usados no projeto; relatórios e apresentações do projeto planejados e ad hoc.). Dos resultados recolhidos para esta etapa verifica-se assim, que não existe consistência na utilização das metodologias, ferramentas e técnicas que a compõem. A fase final do gerenciamento das comunicações de projetos, segundo o PMBOK (PMI, 2017), é o monitoramento das comunicações. Esta é a etapa que salvaguarda a satisfação e realização das necessidades de informação do projeto e de suas partes interessadas. Aqui é possível verificar se as técnicas e metodologias determinadas na fase de planejamento de comunicações foram bem-sucedidas em aumentar ou manter o apoio das partes interessadas em relação aos objetivos e resultados do projeto. A mensuração do efeito das comunicações do projeto deve ser feita com muita atenção, para que a mensagem com o conteúdo certo chegue ao público-alvo certo com o canal adequado e na hora correta. O monitoramento de comunicações pode requerer várias metodologias, como pesquisas de satisfação do cliente, coleta e reflexão de lições aprendidas, observações para a equipe, revisão de dados do registro das questões e muito mais. Na Tabela 3 estão os resultados apresentados pelos gestores dos departamentos sobre a perceção do monitoramento das comunicações. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 123 Monitoramento das Comunicações Resultados 1. Entradas 1.1 Plano de gerenciamento do projeto 75% 1.2 Documentos do projeto 75% 1.3 Dados do desempenho do trabalho 25% 1.4 Fatores ambientais da empresa 0% 1.5 Ativos de processos organizacionais 0% 2. Ferramentas e Técnicas 2.1 Opinião especializada 50% 2.2 Sistema de informação de gerenciamento de projetos 25% 2.3 Representação de dados 0% 2.4 Habilidades interpessoais e de equipe 50% 2.5 Reuniões 50% 3. Saídas 3.1 Informações sobre o desempenho do trabalho 0% 3.2 Solicitações de mudança 25% 3.3 Atualizações do plano de gerenciamento do projeto 25% 3.4 Atualização de documentos do projeto 25% Tabela 3 - Percepção do monitoramento de comunicações. Fonte: Resultados originais da pesquisa. Da pesquisa realizada, verifica-se nesta etapa, que nas entradas grande parte dos departamentos (75%), toma em consideração o plano de gerenciamento e os documentos do projeto. No entanto, apenas 25% toma em consideração os dados do desempenho de trabalho e nenhum departamento, toma em consideração os fatores ambientais da empresa e os ativos de processos organizacionais. A falta de consideração destes últimos elementos, leva a crer que há necessidade de desenvolver: • Uma cultura organizacional, um clima político e uma estrutura de governança mais robustos; • Políticas de administração de pessoal por todos os departamentos; • Análise dos limites de risco das partes interessadas. • Políticas e procedimentos organizacionais para questões, riscos, mudanças e gerenciamento de dados; • Requisitos de comunicação da organização; • Diretrizes padronizadas para desenvolvimento, troca, armazenamento e recuperação de informações; • Hábitos de reflexão sobre de lições aprendidas e informações históricas dos projetos e criação de repositórios devidos para tal; A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 124 • Sistemas de armazenamento correto para dados e informações de partes interessadas e comunicações de projetos anteriores. No que concerne às ferramentas e técnicas, os resultados mostram que 50% dos departamentos avaliados utilizam opinião especializada, habilidades interpessoais e de equipe e realizam reuniões de projetos. Apenas 25% utilizam o sistema de informação de gerenciamento de projetos e nenhum departamento (0%) utiliza a representação de dados. Segundo o PMBOK (PMI, 2017), algumas das metodologias que podem ser usadas para a representação de dados são: mapeamento mental; e matriz de avaliação do nível de engajamento das partes interessadas (uma forma de classificar o nível de engajamento das partes interessadas pode ser desinformada, resistente, neutra; apoiadora; e líder). Esta matriz pode fornecer informações sobre a eficácia das atividades de comunicação. Isso é possível, revisando as mudanças entre o engajamento desejado e o atualmente realizado, ajustando as comunicações, conforme necessário. Portanto, verifica-se que este tipo de ferramenta não é utilizado na empresa na fase de monitoramento de comunicações, o que não permite um conhecimento e classificação das partes interessadas em relação ao seu envolvimento no projeto. Em relação às saídas do monitoramento de comunicações, um número reduzido (25%) dos departamentos regista as solicitações de mudança, atualizações do plano de gerenciamento do projeto e faz atualização de documentos do projeto. Verifica-se que nenhum departamento tem como saída as informações sobre o desempenho no trabalho. Segundo o PMBOK (PMI, 2017), as informações sobre o desempenho do trabalho incluem informações sobre o desempenho da comunicação do projeto, onde se faz a comparação e análise das comunicações implementadas com as planejadas (aqui também, se toma em conta o “feedback” sobre comunicações). Estes dados são colhidos durante o progresso do projeto e são passados para processos de controle (por exemplo escopo, cronograma, orçamento e qualidade que são definidas no início do projeto como parte do plano de gerenciamento do projeto que depois são comparados com o desempenho verificado). Existem informações adicionais que podem passar referências necessárias para determinar se o projeto está de acordo com o plano e orçamento ou se há variações, a esse nível. Isto ajuda na tomada de decisões sobre ações preventivas ou corretivas para o projeto. A correta análise dos dados de desempenho do trabalho e as informações adicionais do projeto, permite entender o contexto como um todo propiciando argumentos fortes para tomada de decisões no projeto. Nesta etapa evidencia-se assim, a inconsistência na consideração e utilização das metodologias, ferramentas e técnicas recomendadas pelo PMBOK. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 125 RECOMENDAÇÕES PARA MELHORIA DA GESTÃO DE COMUNICAÇÃO Da pesquisa realizada, em primeiro lugar, pode-se perceber que existiram mudanças motivadas pela pandemia COVID-19, ligadas à gestão de comunicação em equipes de projetos. Em relação à percepção sobre a visão geral da gestão da comunicação em projetos, verifica-se haver necessidade de: • Criar de um Plano Geral do Gerenciamento das Comunicações do Projeto, seguindo as orientações do PMBOK. O objetivo deste plano é de permitir um melhor planejamento, gerenciamento e monitoramento as comunicações nas equipes de projetos, tendo em conta que é necessário ter em conta: • Aspetos ligados a políticas: Desenvolver políticas e procedimentos organizacionais para redes sociais, ética e proteção, políticas e procedimentos organizacionais para questões, riscos, mudanças e gerenciamento de dados, requisitos de comunicação da organização, diretrizes padronizadas para desenvolvimento, troca, armazenamento e recuperação de informações, criação de hábitos para reflexão, coleta e registro de lições aprendidas e informações históricas e dados e informações de partes interessadas e comunicações de projetos anteriores; Criar um código de conduta em ambiente digital para uniformização de comportamento, de modo a manter a formalidade exigida na comunicação em ambiente de trabalho; Definir o canal oficial de comunicação de gestão de projetos e definição da priorização em caso de se utilizarem várias plataformas de comunicação entre as equipes de projetos (“Whatsapp”, e-mail, “Microsoft Teams”) de modo a eliminar perdas de informação e ruído; • Aspetos tecnológicos: Melhorar a qualidade de internet, por forma a reduzir ou eliminar as suas oscilações (por exemplo contratar novos provedores de internet, ou pressionar os atuais a elevarem a qualidade dos seus serviços); • Aspetos ligados aos funcionários: Mapear e capacitar os membros das equipes de projetos que apresentam baixo domínio técnico do uso dos softwares de modo a improvisar a colaboração através de tecnologias digitais; Treinar os membros das equipes de projetos em literacia digital de modo a permitir uma melhor interação através de tecnologias digitais; partilha informações e dados; conhecimento de cidadania de tecnologias digitais; Divulgar as vantagens do uso dos meios de comunicação digital de modo a reduzir a resistência que se verifica em alguns membros das equipes de projetos, visto que existe uma grande probabilidade da comunicação digital/ virtual vir a ter um grande uso no futuro. Ligado a outros aspetos verificados, que se apresentam como importantes, importa recomendar o seguinte: • A criação de um Escritório de Gestão de Projetos [EGP]. Segundo o guia PMBOK (PMI, 2017), o EGP é um órgão de gestão que normaliza os processos de governança relacionados com o projeto e facilita o compartilhamento de recursos, metodologias, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 126 ferramentas e técnicas por toda a empresa. Visto que vários departamentos na empresa trabalham com projetos, este órgão poderá dar o apoio necessário para a implementação e gestão de projetos com mais qualidade; • O desenvolvimento de uma cultura organizacional, clima político e estrutura de governança para permitir a eficácia das comunicações em equipes de projetos. Seriam então implantadas (a) políticas de administração de pessoal (b) limites de risco das partes interessadas (c) canais, tendências, práticas ou hábitos globais, regionais ou locais; • Dar a devida atenção para aspetos de força maior, que permitirá que a empresa se prepare para possíveis mudanças no futuro, através de: • Um mapeamento dos possíveis riscos associados ao tipo de atividade desenvolvida pela empresa como por exemplo risco de incêndio; • Um mapeamento dos possíveis riscos associados na sociedade onde a empresa se insere, ligado a fenómenos naturais (ciclones, terremotos, inundações, etc.) e ocorrências políticas (guerras, revoluções, greves, etc.); • Elaboração de manuais de reação detalhada para cada uma das eventualidades; • Divulgação desses manuais de reação através de palestras e treinamentos teóricos; • Simulação de todos os possíveis eventos na prática com a empresa toda para melhor perceção de todos sobre os riscos associados; • Elaboração de um quadro de “perguntas mais frequentes em caso de…” (tendo em conta todos os possíveis riscos) e publicação em todas as redes de comunicação interna da empresa. CONCLUSÃO Tendo em conta os objetivos do presente estudo citados inicialmente e ligados à uma empresa do ramo dos transportes de Moçambique, chega-se à conclusão de que houve sim mudanças causadas pela pandemia COVID-19 ligadas à gestão de comunicação em equipes de projetos e que se verifica eficácia da gestão de comunicação, passível, entretanto de melhorias tal como recomendado neste estudo. AGRADECIMENTO Gostaria de agradecer à minha família, amigos e professores pelo apoio prestado desde o início do curso. Um especial obrigado aos meus pais que sempre me incentivaram a estudar. Um agradecimento importante aos colaboradores que participaram desta pesquisa da empresa que serviu de caso de estudo. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 127 REFERÊNCIAS Argenti, Paul A. 2020. Communicating Through the Coronavirus Crisis. Havard Business Review. Disponível em: <https://hbr.org/2020/03/communicating-through-the-coronavirus-crisis>. Acesso em: 5/10/2020. 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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 8 128 CAPÍTULO 9 COMUNICAÇÃO PÚBLICA E DESINFORMAÇÃO EM SAÚDE: ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS COMUNICACIONAIS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NA COBERTURA DA CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO CONTRA A POLIOMIELITE E CONTRA O SARAMPO DE 2018 trabalho recebeu menção honrosa no Prêmio Prêmio Abrapcorp de Dissertações de 2021. Data de aceite: 01/02/2022 Johnny Ribas da Motta Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria e Mestre pelo Programa de Pósgraduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás. Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo e Especialista pelo MBA em Gestão da Comunicação Pública e Empresarial da Universidade Tuiuti do Paraná. Graduando em Relações Públicas pela Universidade Federal do Paraná Nelia Rodrigues Del Bianco Doutora em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo com estágio de pós-doutorado na Universidade de Sevilha, Espanha. Professora dos programas de pós-graduação das Universidades de Brasília e Federal de Goiás. Professora visitante na Universidade Federal de Ouro Preto. Membro da Rede de Radiojornalismo da SBPJor, do Grupo de Pesquisa de Rádio e Mídia Sonora da Intercom, do Grupo de Pesquisa Geografias da Comunicação e do Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto Este artigo é resultado da dissertação de mestrado defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás, intitulada “Comunicação Pública e Campanhas Nacionais de Vacinação em Contexto de Midiatização: as estratégias comunicacionais do Ministério da Saúde na crise da cobertura vacinal de 2018”, sob orientação da professora doutora Nelia Rodrigues Del Bianco. O A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 RESUMO: O presente artigo debruça-se sobre as estratégias comunicacionais da Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o Sarampo realizadas pelo Ministério da Saúde (MS) em 2018, com o objetivo de entender em que medida as ações desenvolvidas confrontaram a desinformação em torno da recusa e resistência à imunização. Partindo do pressuposto de que a campanha é uma comunicação entre Estado e Sociedade que deve ser pautada pelo interesse público, sendo fundamental na sua concepção o planejamento de processos, estratégias e ações, visando o alcance de direitos fundamentais, questiona-se a eficácia discursiva das peças publicitárias da campanha no enfrentamento da desinformação. O corpo teórico-metodológico dialoga com o conceito de Comunicação Pública e Ecossistema da Desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017), que abrange desde notícias falsas, informação propositalmente enganosa motivada por falsas crenças até conteúdo impostor, quando fontes verdadeiras são imitadas. O objeto empírico é composto por peças publicitárias produzidas pelo MS, como vídeos, cartazes, filipetas e um Blog de fact-checking, coletados a partir da Observação Encoberta e Não Participativa (JOHNSON, 2010), examinados sob a perspectiva da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016; LAVILLE; DIONNE, 1999) complementada pelos Ciclos de Codificação (SALDAÑA, 2013). A pesquisa evidenciou pouco entendimento Capítulo 9 129 dos gestores do órgão sobre as estratégias de construção de mensagens falsas e de seus processos de disseminação, resultando na apresentação de uma campanha com discurso pouco eficaz na defesa da vacinação e com limitada capacidade de se contrapor às crenças enraizadas na população e amplamente referendadas pela informação enganosa. PALAVRAS-CHAVE: Campanha de Vacinação; Ministério da Saúde; Estratégias Comunicacionais; Comunicação Pública; Ecossistema da Desinformação; Fact-checking. 1 | INTRODUÇÃO Pela primeira vez desde 1994 – desde quando há dados disponíveis – o Brasil não atingiu em 2019 a meta de vacinar 95% do público-alvo em nenhuma das 15 vacinas do calendário público aplicadas gratuitamente em crianças com menos de 10 anos. Embora o país possua um dos melhores sistemas públicos de vacinação do mundo e haja esforços de profissionais para convencimento da população e campanhas governamentais em saúde pública, essas ações não têm sido suficientes para evitar a crescente queda na cobertura vacinal verificada desde 2011 (MADEIRO, 2020). É o caso da cobertura da primeira dose da vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, que até 2014 se encontrava acima da meta. A exemplo, a meta de cobertura da primeira dose passou de 96% em 2015 para 88,55% em 2019. Os dados da segunda dose, apontaram índices mais baixos. Passou de 92,9% em 2014 para 77,07% em 2019. A cobertura de vacinação da poliomielite teve desfecho semelhante, caindo de 98,2% em 2015 para 65,34% de crianças imunizadas em 20191 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). Em consequência desse quadro, cresceu a notificação de casos confirmados de sarampo, levando o Brasil a perder a certificação de erradicação da doença emitido pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) três anos após recebê-lo, em 2016. Em 2019, foram 15.914 casos de sarampo confirmados, com registro de 15 mortes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019). O risco da volta do sarampo e da poliomielite circularem de forma endêmica preocupa organizações da sociedade civil e instituições governamentais. O sarampo é considerado um dos principais causadores de morte entre crianças no mundo e o risco de retorno da poliomielite é tangível, a considerar o declínio das taxas de cobertura vacinal. Conforme aponta estudo realizado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC) da União Europeia (EU), liderado pelas pesquisadoras Heidi Larson e Emilie Karafillakis do Projeto para a Confiança nas Vacinas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, a hesitação e recusa de segmentos da população diante das campanhas de vacinação tem vários fatores, entre eles: 1) influências contextuais - questões relacionadas com o fatalismo religioso, teorias conspiratórias e exposição negativas aos 1 Conforme orientação da Organização Mundial da Saúde, o índice de cobertura vacinal adequado deve ser de 95% da população-alvo, inferior à meta é considerado risco eminente de retorno de doenças imunopreveníveis. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 130 meios de comunicação; 2) influências individuais e de grupo - em que são consideradas as percepções, crenças pessoais e influências do ambiente social, como experiências anteriores negativas, medo de injeção, segurança das vacinas e desconfiança em relação as instituições de saúde; e 3) questões específicas - relacionadas a desconfiança quanto ao aconselhamento insistente para se vacinar, falta de recomendação médica e custo financeiro (LARSON; KARAFILLAKIS, 2015). Além destes fatores, o Comitê Econômico e Social Europeu, criado pela União Europeia para o fortalecimento da cooperação contra doenças evitáveis identificou a desinformação, isto é, informação comprovadamente falsa e com o objetivo de enganar entre os possíveis motivos para hesitação às vacinas. Para o Comitê, não existe solução única para lidar com a problemática, porém, é necessário mudar a percepção pública sobre a questão por meio do diálogo com os cidadãos, além do desenvolvimento de estratégias de intervenção personalizadas (COMISSÃO EUROPÉIA, 2018). Visão referendada pela Organização Mundial da Saúde que vê no processo participativo um caminho para melhoria da qualidade dos serviços, de forma a criar confiança e demonstrar respeito com benefícios mais amplos para a cobertura da imunização (OMS, 2018). Uma das facetas da desinformação no Brasil é a atuação de movimentos sociais antivacinas nas redes sociais. Em 2017, o jornal O Estado de S. Paulo identificou no Facebook cinco grupos brasileiros antivacinas reunindo mais de 13 mil pessoas. Nos grupos, pais trocam informações sobre como não informar aos pediatras a respeito da decisão de não vacinar os filhos e estratégias para garantir imunização alternativa, por meio do uso de óleos, homeopatia e determinados tipos de alimentos (CAMBRICOLI; PALHARES, 2017). A iniciativa segue uma tendência verificada em outros países. Estudo publicado na revista Plos Medine aponta que de 2009 a 2016, o número de estados norteamericanos em que os pais optaram por não vacinarem seus filhos subiu de 12 para 18, tendo como justificativas razões filosóficas (OLIVE; HOTEZ; DAMANIA; NOLAN, 2018). Em 2018, o MS começou a entender as razões para a brusca queda nas taxas de imunização, entre eles, o papel da desinformação na construção do comportamento de rejeição a vacinação. Na visão da instituição, o comportamento decorre: 1) da percepção enganosa dos pais de que não é preciso mais vacinar porque as doenças desapareceram; 2) do desconhecimento de quais são os imunizantes que integram o calendário nacional de vacinação (todos de aplicação obrigatória); 3) do medo de que as vacinas causem reações prejudiciais ao organismo; 4) do receio de que o número elevado de imunizantes sobrecarregue o sistema imunológico; e 5) da falta de tempo das pessoas para irem aos postos de saúde (REVISTA FAPESP, 2018). Com base neste contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar as estratégias de combate ao ecossistema da desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) realizadas pelo MS ao elaborar a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o Sarampo de 2018, veiculada na mídia tradicional e redes sociais. A questão problema deste A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 131 artigo indaga: Em que medida o Ministério da Saúde conseguiu fazer o enfrentamento do ecossistema da desinformação em torno de questionamentos quanto à eficácia das vacinas?. A partir do conceito de ecossistema da desinformação e da revisão de estudos que versam sobre a construção de percepções errôneas sobre a vacinação, bem como da comunicação pública, para entender como se deu o enfrentamento às informações enganosas, delimita-se como corpus os materiais comunicacionais de divulgação da presente campanha, além do site de fact-checking Saúde Sem Fake News do Ministério da Saúde. Parte-se do pressuposto de que a campanha de vacinação se insere no âmbito da Comunicação Pública entre Estado e sociedade e, por essa condição, deve ser pautada pelo interesse público, sendo fundamental o planejamento estratégico de processos e ações, visando alcançar o exercício de três direitos fundamentais: o direito à vida, à informação e à comunicação. A pesquisa tem como pano de fundo aportes teóricos como do francês Pierre Zémor (2009), que ao refletir sobre o papel do Estado como promotor da comunicação pública, estabelece a necessidade de compreensão de quatro características indispensáveis para essa prática comunicacional: 1) o interesse público; 2) a divulgação dos serviços; 3) a transparência; e, 4) o diálogo com o público. Por essa perspectiva, o exercício da comunicação e o diálogo com a sociedade legitimam a cidadania e a democratização, pois proporcionam o que o autor chama de escuta ativa da população. Portanto, para além de veicular informações de interesse público, as ações de comunicação devem incluir o atendimento, a orientação e a criação de espaços que oportunizem e aperfeiçoem o diálogo do Estado com a sociedade. Significa que o Estado, guiado pelo interesse público, precisa refletir sobre a eficácia de suas campanhas dirigidas à saúde pública. Nesta lógica, Petracci (2012, p. 43) aduz que pensar na eficácia é entender que em “[...] cada desafio da comunicação há sempre um assunto social, cuja compreensão é, em primeiro lugar, teórico”, e que sempre há uma “[...] densidade do campo sócio comunicacional com a saúde que excede todos os passos ao se tratar de assuntos de governos e organizações sociais”. A investigação baseia-se em aportes teóricos-metodológicos da pesquisa qualitativa (MINAYO, 2001), da Observação Encoberta e Não Participativa (JOHNSON, 2010), e da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016; LAVILLE; DIONNE, 1999) complementada pelos Ciclos de Codificação (SALDAÑA, 2013). A análise evidencia que houve um enfrentamento tímido e superficial do ecossistema da desinformação na elaboração dos materiais publicitários da campanha de 2018, demonstrando pouco entendimento dos gestores sobre as estratégias de construção de mensagens falsas e dos processos de disseminação. Entende-se que a desinformação coloca em risco a vida de pessoas e tem sua grande aceitação social por validar percepções e crenças enganosas de parte da população, como, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 132 por exemplo, de que a vacina é dispensável porque doenças como sarampo e poliomielite, aparentemente, desapareceram. E, ainda, coloca o cidadão no centro da decisão pela adoção ou repulsa à vacinação, isentando-o da responsabilidade coletiva pela saúde da sociedade. Por fim, os próximos tópicos apresentam uma aproximação teórica-conceitual com o argumento central desta pesquisa, bem como o caminho metodológico percorrido, a análise e interpretação dos dados, as considerações finais e referências. 2 | COMUNICAÇÃO PÚBLICA E CAMPANHAS NACIONAIS DE VACINAÇÃO A articulação entre comunicação e saúde é pensada estrategicamente no Brasil desde o início do século XX, quando o governo propôs associar a propaganda e a educação com o objetivo de incentivar a população a adotar atitudes favoráveis a medidas de prevenção. Na época, o modelo sanitarista campanhista2, inspirado no governo militar, propunha o combate de doenças em massa, adotando estilo repressivo e interventor. Modalidade de campanha que gerava desconfiança por parte da população, a exemplo, o movimento popular da Revolta da Vacina, iniciado em 1904 no Rio de Janeiro. A população recusava a campanha de aplicação da vacina contra varíola realizada de casa em casa, sempre em companhia da polícia sanitária, e se opunha ao isolamento imposto aos doentes e seus contatos (TEIXEIRA, 1999). Houve ainda oposição às campanhas de abordagem coercitiva realizadas entre 1902 e 1906, conduzidas pelo médico Oswaldo Cruz. Sanitarista responsável pela criação das Brigadas Mata-Mosquitos composta por grupos de funcionários do Serviço Sanitário, de policiais e autoridades que mandavam derrubar casas consideradas ameaças ao combate da febre amarela. Já nas décadas de 1920 e 1930, período considerado de importante mudança nos serviços de saúde pública, o médico Carlos Chagas criou o Departamento Nacional de Saúde Pública. Na época, o cinema e o rádio foram usados como instrumentos de propaganda política e ampliação das campanhas sanitárias. Em 1930, com a criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, foram elaborados planos de ação com estratégias persuasivas que visavam o cumprimento de recomendações sanitárias estabelecidas pelas autoridades de Estado (ROCHA, 2003). Até a década de 1950, segundo Diaz Bordenave (1981), não se falava muito em comunicação, mas em informação. No entanto, o conceito de comunicação foi ampliado na década seguinte, o que levou a considerar que o processo comunicativo poderia favorecer o diálogo e a participação social. Foi nesse período que os meios de comunicação foram identificados como ferramentas de educação, capazes de colaborar com a solução de problemas sociais. 2 O modelo sanitarista campanhista ficou marcado na história por seu perfil autoritário e militarista das suas ações, como a fiscalização dos portos, o poder de polícia dado aos agentes de saúde, que na maioria das vezes usava da força para intervir no processo saúde-doença da população. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 133 Os anos de 1960 foram marcados pela intensificação da imunização em massa, mediante a realização das primeiras campanhas (com vacina oral) contra a poliomielite. Na década seguinte, a reorganização do Ministério da Saúde e a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública resultaram em avanços nas campanhas públicas, tal como, a difusão de conteúdo educativo com linguagem popular (FUNASA, 2019). Momento em que houve preocupação com a eficácia das informações de convencimento da população a adotar hábitos e práticas de promoção da saúde. A criação do Plano Nacional de Controle da Poliomielite, na década de 1970, é um marco para as campanhas de imunização. O plano surgiu num período conturbado, marcado por crescentes índices de contágios por doenças infecciosas em que se fazia necessário construir um espaço de diálogo com a sociedade, em especial, com pais e responsáveis por crianças menores de um ano de idade, públicos-alvo das campanhas de vacinação ofertadas pelo Estado. Um passo importante para a organização das campanhas foi a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1973, no âmbito do MS, em pleno regime militar, com o propósito de ampliar a informação e a mobilização das comunidades, além de assegurar a adesão da população ao programa de imunização. Nesse período já se discutia sobre a importância da participação social em campanhas, objetivando diminuir as tensões geradas pela crise na saúde e pelo modelo econômico desenvolvimentista instaurado no país. A ideia, no entanto, somente ganhou força durante a VII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, quando se discutiu a democratização da saúde com a participação da população nos processos de decisão e acompanhamento de ações (ROCHA, 2003, p. 797). Contudo, é nesse contexto de mudanças que se consolidaram as estratégias de vacinação de combate à poliomielite, considerada doença de extrema gravidade e com altos índices de contágio, e o plano para estadualização da vacinação contra sarampo. As novas estratégias baseavam-se na facilidade de aplicação da vacina oral, o que favorecia a intensiva participação voluntária e a ampliação dos recursos disponíveis na rede de serviços básicos da saúde. Em colaboração com as secretarias estaduais e organizações sociais de saúde, o MS criou grupos de trabalho para cuidar das diversas frentes de combate às doenças infecciosas, para trabalhar no cuidado clínico-epidemiológico, recursos humanos, divulgação, mobilização e logística. Educadores e profissionais da comunicação, juntamente com representantes das instituições e grupos da comunidade foram mobilizados para discutir estratégias e ações, visando levar as campanhas de vacinação para próximo da população. Ao mesmo tempo, veículos de comunicação, como emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas, rádios comunitárias e serviços de alto-falantes integraram-se aos esforços de divulgação nacional. Em 1984, a instituição da campanha nacional de vacinação contra poliomielite, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 134 sarampo, difteria, coqueluche e tétano, de crianças até 4 anos, impulsionou a criação de uma cultura de comunicação institucional de massa. Coube a área de comunicação social do MS planejar e profissionalizar a campanha de vacinação na mídia. O caminho escolhido foi a contratação de agências publicitárias e de figuras públicas como atores, humoristas e jogadores de futebol para “dar voz” as mensagens (ROCHA, 2003). Com a profissionalização, as campanhas evoluíram do apelo inicial à culpa, medo e a responsabilização de pais com uso de imagens apelativas de crianças com deficiência físicas graves, para dar lugar a imputabilidade individual e coletiva por meio de mensagens carinhosas como “uma nova dose de amor”; “dobre seu compromisso”, “comprometa-se com a vacina” e “mãe, que é mãe, vacina” (TEIXEIRA, 1999). As mudanças, no entanto, não cessaram as controvérsias relacionadas às campanhas nacionais. De um lado, havia aqueles que defendiam a prática de ações rotineiras dos serviços de saúde, e do outro, os que criticavam o verticalismo nos dias nacionais de vacinação. Com o propósito de unificar as atividades de comunicação foi desenvolvido o Projeto de Ação e Divulgação para o PNI, que propunha a criação de uma logomarca que representasse a erradicação da paralisia infantil. Com isso, surgiu a ideia de criar um símbolo que fosse capaz de dialogar com diferentes públicos, especialmente o infantil. Atendendo ao convite do MS e com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o artista plástico Darlan Manoel Rosa criou em 1986 uma logomarca (Figura 1) para marcar o compromisso assumido pelo país de erradicar a poliomielite até 1990. Figura 1 – Logomarca da erradicação da poliomielite no Brasil. Fonte: Ministério da Saúde, 2018. Para dar uma identidade ao novo boneco-símbolo, o MS realizou um concurso para a escolha do nome com a participação de estudantes de todo o país e o nome vencedor foi “Zé Gotinha”. O mascote tornou-se sinônimo de vacinação, referencial para a população e foi apropriado em outras ações básicas de saúde da criança, como reidratação oral, aleitamento materno, crescimento e desenvolvimento infantil. Para fomentar essa ideia, o Zé Gotinha foi inserido em histórias, propagandas em televisão, rádio e peças publicitárias, sempre acompanhado de amigos e da comunidade. A intensificação das campanhas de vacinação surtiu efeitos com a redução gradativa A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 135 de casos de sarampo e poliomielite num período de 10 anos, o que levou a erradicação dessas doenças. A situação gerou uma certa acomodação dos setores envolvidos com os dias de vacinação, devido à crença de que as equipes responsáveis já sabiam o que fazer e de que a população já estava consciente (ROCHA, 2003). Contudo, não foi o que aconteceu. O resultado dessa acomodação generalizada refletiu anos mais tarde. Entre os anos de 2011 e 2015, por exemplo, motivado pela queda constante nos índices de imunização, o Brasil entrou no radar das organizações mundiais de saúde como país com índices insuficientes nos programas de vacinação. Entre as causas do agravamento desse quadro, está a crescente circulação de informações falsas publicadas em portais, redes sociais e em mensagens compartilhadas via WhatsApp (a partir de 2016), repassadas indiscriminadamente sem confirmação de veracidade. No ápice do ecossistema da desinformação, a mídia brasileira registrou (Quadro 1) as principais informações falsas e enganosas que repercutiram em 2018. Pelo menos doze dessas informações enganosas sem comprovação científica foram identificadas. Nº Principais Desinformações Encontradas 1 O incentivo do governo e dos médicos à vacinação é somente para dar lucro à indústria farmacêutica 2 Pessoas não vacinadas formam mais autodefesas 3 Crianças sem vacina são crianças sem autismo 4 A vacina fracionada não tem o mesmo efeito 5 O mercúrio presente nas vacinas é 25 mil vezes superior ao permitido 6 Mesmo que um adulto tenha tomado a vacina contra o sarampo na infância, deve receber outra dose 7 A campanha contra sarampo tem adultos como público-alvo 8 As vacinas combinadas usadas no primeiro ano de vida causam doença 9 As vacinas não passam por testes suficientes 10 As vacinas da rede privada são mais seguras do que as da rede pública 11 As crianças sempre têm reação depois de tomar vacinas 12 As vacinas têm vários efeitos colaterais Quadro 1 – Síntese das principais desinformações repercutidas na mídia nacional em 2018. Fonte: Elaborado pelos autores, 2018. Conforme expõe o quadro acima, o caso mais grave identificado foi a associação da vacina com autismo, que resultou na articulação de grupos antivacinas. Em 1998, a revista científica The Lancet publicou um estudo do inglês Andrew Wakefield que insinuava haver uma relação entre a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) e o autismo. Posteriormente, o estudo foi refutado e se constatou que o propósito de Wakefield era indicar o uso de uma vacina produzida por uma empresa em que tinha ações. Mesmo diante da refutação das evidências e a cassação de sua licença médica, movimentos A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 136 antivacinas sustentaram a informação inicial e intensificaram seus discursos nas redes sociais (REVISTA FAPESP, 2018). 3 | DESINFORMAÇÃO, SOCIEDADE E MIDIATIZAÇÃO Refletir sobre as estratégias de enfrentamento ao ecossistema da desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) requer entender sua natureza, forma de produção e disseminação no contexto da sociedade midiatizada, tendo em vista o contínuo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. Segundo Martino (2012), a midiatização pode ser vista como o conjunto das transformações ocorridas na sociedade contemporânea relacionadas ao desenvolvimento dos meios eletrônicos e virtuais de informação e comunicação. Dentre as transformações tecnológicas apontadas pelo autor, uma das mais significativas foi o advento da internet. Oposto ao tradicional processo produtivo burocratizado e verticalizado de disseminação da informação, o avanço das tecnologias digitais e da banda larga viabilizaram a produção, distribuição e armazenamento online de vídeos, áudios e sons de modo reticulado e horizontal, possibilitando a continuidade e a ampliação de relacionamentos entre pessoas distantes. É neste contexto estrutural de mutação midiática, que o acesso às redes e a possibilidade de troca informativa a partir delas tornaram-se fatores determinantes de inclusão na chamada sociedade informacional (DI FELICE, 2012). Embora a sociedade midiatizada potencialize relações, na medida em que a mídia passa a atuar como um dispositivo tecnológico preponderante para a efetivação das tecnointerações (SODRÉ, 2006), grupos de interesse às instrumentalizam visando a disseminação de informações enganosas e falsas que contrariam o interesse público. A desinformação não é uma novidade, segundo Fallis (2015), é possível encontrála em qualquer lugar, seja nas propagandas enganosas sobre produtos, na política e até mesmo em governos. No entanto, o diferencial na atualidade está na rapidez de criação e divulgação de informações imprecisas e enganosas impulsionadas pelas plataformas digitais e seus algoritmos, uma prática que além de danos diretos, como políticos, financeiros e físicos, pode também prejudicar as pessoas indiretamente, corroendo a confiança e inibindo a capacidade de compartilhar informações entre si. O termo está ligado diretamente a manipulação dos meios e a destruição das informações de interesse público, o que representa uma informação enganosa que se destina a ser – ou pelo menos previsto para ser – enganosa. Fallis (2015) aponta três características importantes para definição do termo desinformação. Segundo o autor, o termo pode ser reconhecido como: 1) um tipo de informação de conteúdo representacional do que é falso; 2) uma informação enganosa produzida com prováveis motivos para criar crenças falsa; e 3) não é uma informação acidentalmente enganosa. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 137 Neste artigo, entende-se que o conceito de Fake News é limitado e não abarca a complexidade do fenômeno, especificamente na identificação dos diferentes níveis da desinformação. Em geral, Fake News equivale a uma informação divulgada com aparência de notícia, sem base factual e que levanta incerteza quanto a veracidade de seu conteúdo e, mesmo com essas características, conquista penetrabilidade social devido, em parte, a crise de confiança do público nos veículos tradicionais (DELMAZO; VALENTE, 2018). Ao invés de Fake News, adota-se o termo ecossistema da desinformação que segundo Wardle e Derakhshan (2017), abrange o amplo espectro de conteúdo problemático e diversos em circulação. Os autores identificaram sete tipos de conteúdo que circulam nesse ecossistema (Figura 2), sendo: 1) falsa conexão, quando manchetes e ilustrações não confirmam o conteúdo; 2) falso contexto, quando o conteúdo verdadeiro é compartilhado com informações contextuais falsas; 3) manipulação do contexto, quando a informação ou imagem verdadeira é manipulada para enganar; 4) sátira ou paródia, quando não há nenhuma intenção de prejudicar, mas potencialmente pode enganar; 5) conteúdo enganoso, quando se usa informações enganosas para enquadrar um indivíduo ou uma questão qualquer; 6) conteúdo impostor, quando fontes verdadeiras são imitadas; e, 7) conteúdo fabricado, quando é 100% falso, criado com o intuito de prejudicar (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017). Figura 2 – Ecossistema da desinformação. Fonte: Wardle; Derakhshan, 2017, p. 17. O conceito de ecossistema da desinformação permite compreender a complexidade do fenômeno, especialmente no desequilíbrio que provoca na esfera pública. O caso brasileiro é exemplar, a considerar que é a terceira maior população do mundo conectada às redes sociais digitais, tornando-se um terreno fértil para a disseminação de informações inverídicas e enganosas. Segundo o cientista político Pablo Ortellado, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 138 no Brasil, são publicadas diariamente uma média de 3.500 notícias na internet, sendo que desse total, 200 são compartilhadas via redes sociais digitais. Na sua avaliação em “[...] um dia de noticiário “quente”, os sites que produzem notícias falsas atingem o topo da lista, e em alguns casos, entre as dez notícias mais lidas, seis são de notícias falsas” (MARTINS, 2017). No caso da vacinação, é necessário compreender os fatores que contribuem para a eficiência desse ecossistema da desinformação para convencer pais a não imunizarem seus filhos ou eles próprios a recusarem a vacinação. Um deles é que a desinformação alimenta crenças sobre questões controversas que foram igualmente distorcidas por informações incorretas. Um dos mitos mais destrutivos é a falsa alegação que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola causa autismo, informação distorcida e sem evidências científicas que alimenta há anos a percepção negativa sobre a imunização. Há uma espécie de “raciocínio motivado”, ou seja, uma tendência das pessoas em interpretar informações a partir de predisposições ligadas à sua visão de mundo, o que torna mais difícil contradizê-las sem ameaçar a sua identidade (NYHAN, 2016). Implica em afirmar que nem sempre dizer a verdade é necessariamente mais eficaz para contrapor a desinformação quando as pessoas têm dificuldade em atualizar com precisão suas crenças, depois de descobrir que as informações que aceitaram anteriormente foram desacreditadas. Por isso, a crença nas percepções errôneas mais significativas, geralmente, é bastante estável ao longo do tempo. Para Nyhan et al (2014), há um longo caminho até se descobrir estratégias de comunicação que possam colaborar para modificar percepções errôneas. Em experimento realizado, os autores observaram as reações de 1.759 pais americanos com filhos, ao serem colocados diante de quatro informações verdadeiras, sendo: 1) não há evidência entre vacina e autismo conforme atestou o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos; 2) há mais benefícios em vacinar para prevenir doenças graves evitáveis; 3) imagens de crianças com doenças preveníveis; e, 4) uma narrativa dramática sobre uma criança que quase morreu de sarampo. O objetivo do experimento dos autores foi testar a eficácia de mensagens projetadas para reduzir a desinformação sobre a vacina e aumentar as taxas de imunização contra sarampo, caxumba e rubéola. Os pesquisadores perceberam que a exposição diante das quatro informações não conseguiu demovê-los da intenção de não vacinar os filhos. Já refutar as alegações que vinculavam a vacina contra sarampo ao autismo, com base em dados científicos, reduziu com sucesso as percepções errôneas, mas não convenceu totalmente pais que tiveram atitudes menos favoráveis à vacina. Além disso, a exibição de imagens de crianças doentes aumentou a crença expressa do grupo pesquisado em relação aos efeitos colaterais da vacina. Os autores do estudo concluíram que, por vezes, as campanhas de saúde pública A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 139 podem não ser eficazes e provocam efeito adverso, como também aumentar as percepções errôneas ou reduzir a intenção de vacinação. Na avaliação de Nyhan et al., (2014), tentativas de ampliar a preocupação com doenças transmissíveis ou corrigir alegações falsas sobre as vacinas podem ser especialmente contraproducentes, o que indica a necessidade de realizar pesquisas para determinar quais abordagens podem ser mais eficazes. 4 | ABORDAGEM METODOLÓGICA Conforme exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar as estratégias de combate ao ecossistema da desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) desenvolvidas pelo MS ao elaborar a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o Sarampo de 2018, veiculada na mídia tradicional e redes sociais. A questão problema guia deste artigo indaga: Em que medida o Ministério da Saúde conseguiu fazer o enfrentamento do ecossistema da desinformação em torno de questionamentos quanto à eficácia das vacinas? A partir do conceito de ecossistema da desinformação e da revisão de estudos que versam sobre a construção de percepções errôneas sobre a imunização, bem como da comunicação pública, para entender como se deu o enfrentamento as informações enganosas, delimita-se como corpus os materiais comunicacionais de divulgação da presente campanha, além do site de fact-checking Saúde Sem Fake News do Ministério da Saúde. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Esta escolha se baseia em Minayo (2001), ao alegar que este tipo de investigação tem por premissa trabalhar com um universo de significados motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos fenômenos e dos processos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Como técnicas para exame do corpus da campanha de vacinação, a coleta é realizada a partir da Observação Encoberta e Não Participativa (JOHNSON, 2010), analisada sob a perspectiva da Análise de Conteúdo complementada pelos Ciclos de Codificação (SALDAÑA, 2013). Para Bardin (2016, p. 48), a AC é caracterizada por como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos”, possibilitando “[...] a descrição do conteúdo [...] em indicadores [...] que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...]”. A partir da perspectiva de Bardin (2016); Laville e Dione (1999), que entendem a AC não como um método rígido com etapas fixas mas como algo que pode ser desenvolvido e instrumentalizado de forma flexível, buscou-se analisar os materiais comunicacionais em busca de marcas discursivas indicativas de tratamento de aspectos do ecossistema da desinformação, tais como informação enganosa proposital, manipulação de contexto, conteúdo impostos e fabricados, entre outros. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 140 Seguiu-se as três fases da análise tradicional da AC, isto é: 1) pré-análise do corpus constituído por três cartazes, dois folders, quatro filmes para TV, 12 posts para redes sociais; 2) exploração do material em profundidade em busca de características discursivas que qualificam a vacinação e como são abordadas aquelas desqualificadoras da imunização; e o 3) tratamento, inferência e interpretação dos dados coletados, que se traduzem nas marcas discursivas identificadas sobre a desinformação que subsidia a recusa ou hesitação vacinal, e a compreensão da forma de tratamento desse aspecto na campanha pelo MS. Já os Ciclos de Codificação (SALDAÑA, 2013) possibilitam a descrição e a realização de inferências sobre o objeto, com o intuito de compreender as condições de produção, divulgação e/ou de recepção dos aspectos comunicacionais. O respaldo dessa escolha está na proposição de dois ciclos de codificação estabelecidos por Saldaña (2013), realizado a partir de 31 possibilidades diferentes para a elaboração de códigos, que podem variar do método gramatical ao método procedimental. Considerando o corpus proposto, além da pré-codificação que, em linhas gerais, corresponde a fase da pré-análise da AC, define-se três ciclos de codificação: 1) para o primeiro ciclo, a codificação inicial e descritiva; e, 2) para o segundo ciclo, a codificação axial. Ciclos Pré-codificação Tipo de Codificação Definição do Tipo de Codificação -- Codificar com palavras e frases curtas, [...] circulando, realçando, negrito, sublinhando ou colorindo citações ou passagens de participantes ricas ou significativas [...] - aqueles “codificáveis momentos” dignos de atenção. Inicial A codificação inicial pretende ser um ponto de partida para fornecer ao pesquisador pistas analíticas para uma exploração mais aprofundada e “para ver a direção na qual o estudo deve tomar”. Descritiva A codificação descritiva é uma oportunidade que o pesquisador tem para refletir de forma aprofundada acerca dos conteúdos e nuances dos dados para começar a tomar posse deles. Axial A codificação axial estende o trabalho analítico da codificação inicial e, até certo ponto, da codificação focalizada. O objetivo é reagrupar estrategicamente os dados que foram “divididos” ou “fraturados” durante o processo de codificação inicial. 1º Ciclo de Codificação 2º Ciclo de Codificação Quadro 2 – Ciclos de codificação selecionados. Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Considerando os procedimentos relacionados acima, nos itens seguintes são A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 141 apresentadas a análise e interpretação dos dados. 4.1 A campanha nacional de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de 2018 O planejamento, coordenação, monitoramento e avaliação das campanhas de vacinação são de responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunizações. Cabe a Secretaria fomentar a comunicação e divulgação das ações e estratégias de vacinação, em articulação com as demais unidades competentes por meio do seu Núcleo de Comunicação (NUCOM/SVS/MS). Já as demandas de comunicação do MS são atendidas pela Assessoria de Comunicação Social (ASCOM/MS), vinculada ao gabinete do ministro. É de sua responsabilidade planejar, coordenar, orientar e controlar as atividades de comunicação social, conforme orientações da Comunicação Social da Presidência da República, além de formular e implementar a política de comunicação; elaborar o plano de comunicação anual e prover os meios necessários para a execução da política de comunicação do MS. Conforme aponta Araújo (2012), os fluxos para se definir a produção de materiais de comunicação institucional são dinâmicos, podendo ser modificados constantemente. Há uma pluralidade de instâncias necessárias para que os materiais das campanhas sejam encaminhados do MS aos estados e municípios. De maneira simplificada, o fluxo de produção funcionada da seguinte forma: de pose do calendário anual de vacinação, o PNI e NUCOM/SVS, por meio da Assessoria de Publicidade, estabelecem parâmetros para construção das campanhas. Em seguida é emitida uma nota informativa para a SECOM/MS. Na sequência, a SECOM/MS realiza a abertura de concorrência entre as agências licitadas pelo MS. As agências recebem o briefing e desenvolvem os produtos preliminares, com conceito, canais de divulgação e slogan. A equipe técnica vota na proposta que melhor traduz o briefing, e somente depois o material é produzido pela agência, com a supervisão da equipe do PNI e NUCOM/ SVS/MS. A campanha é, inicialmente, analisada pela equipe do PNI e NUCOM/SVS/MS e depois encaminhada para aprovação do ministro, do secretário da SVS e da SECOM/ MS. Assim que o material é aprovado, é realizado o lançamento no período de divulgação correspondente à campanha. A Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o Sarampo de 2018 foi realizada conforme fluxo exposto e em duas fases. A primeira (Figura 3), veiculada entre os dias 06 e 31 agosto, seguiu com estratégias já conhecidas, com a presença de uma celebridade da mídia e personagens de desenho infantil. A madrinha escolhida foi a apresentadora Maria da Graça, conhecida como Xuxa Meneghel, rainha dos baixinhos, que já atuou em outras campanhas nos anos de 1980. Com o tema “Se tem infância tem vacinação contra a poliomielite e sarampo” foram criados cartazes, filipetas, folders, filmes e spots de 30’ e 60’ para divulgação em TV, rádio, impressos e nos perfis das redes sociais do MS (Facebook, Instagram, Twitter e YouTube), ao custo médio de R$17 milhões. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 142 Figura 3 – Cartaz da 1ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de 2018. Fonte: Ministério da Saúde, 2018. A campanha dessa primeira fase foi apresentada de forma descontraída, com o slogan “Vacinar é Proteger”. Os filmes, gravados em 3D (Figura 4), fizeram uma viagem ao passado, quando nasceu o personagem Zé Gotinha e, também, quando o Brasil assumiu o compromisso de eliminar o sarampo e a poliomielite. Neste material, Xuxa e o mascote contam com o apoio de outros personagens, como do desenho infantil a Galinha Pintadinha e dos dançarinos do game, Just Dance. Figura 4 – Filme da 1ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de 2018. Fonte: Ministério da Saúde, 2018. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 143 Ao trazer para as peças uma personagem que não atua em programa infantil há quase uma década, a campanha intencionava estabelecer uma conexão com pais que, provavelmente, se vacinaram naquela época. Esse vínculo com o passado foi atualizado com a inserção de personagens contemporâneos conhecidos das crianças na TV, já o Zé Gotinha, assumiu o papel de influenciador digital. Nos dois filmes protagonizados por Xuxa, três aspectos foram salientados: 1) no passado, sarampo e poliomielite foram erradicados e agora é preciso proteger as crianças e impedir o retorno dessas doenças; 2) vacinar faz parte da infância; e 3) é importante vacinar mesmo que pessoas digam ser desnecessário. A questão da desinformação é tratada de forma sútil nas peças ao mencionar que há pessoas induzindo comportamento contrário à vacinação. A opção pelo discurso positivo e amável não abriu espaço para abordar as causas da recusa associadas a crenças construídas e reforçadas pela desinformação. A intencionalidade do engano com a disseminação de informações errôneas sem base científica – aspecto central da desinformação – é tangenciado nesse material remetendo a ideia de que a influência é construída pela conversação interpessoal. No contexto da sociedade midiatizada, as trocas de informações podem se dar em conversas entre pessoas. No entanto, o conteúdo dessas conversas, muitas vezes, é construído a partir de dados falsos compartilhados nas redes sociais que favorecem à formação de percepções errôneas. A campanha da primeira fase não teve poder de convencimento do público-alvo, a considerar que em agosto de 2018, a cobertura vacinal alcançou o patamar inferior a 80%. Em parte, a ineficácia se deveu a inadequação das peças publicitárias ao empregar um personagem sem conexão contemporânea com o cotidiano do público-alvo. De outra parte, a campanha teve veiculação reduzida na TV. A Rede Globo não veiculou as peças publicitárias, alegando que as normas internas não permitiam produtos com personagens de programas da própria TV, o antigo Show da Xuxa ou de emissoras concorrentes. Outros fatores também contribuíram para a baixa cobertura. De acordo com equipes de saúde municipais e estaduais, a desinformação sobre a imunização provocada por boatos sobre a ineficácia das vacinas e seus graves efeitos colaterais, e o horário de funcionamento das unidades de saúde incompatível com a jornada de trabalho da população também corroboraram com a queda nos índices de vacinação. Diante dessa situação, o MS decidiu fazer uma campanha publicitária de reforço, com dois filmes, de 30’ e 60’, além de spots de rádio, anúncios em jornais e revistas, mobiliários urbanos, painéis e ações na internet. A nova campanha abandonou o discurso amável e informal e optou pela seriedade, demonstrando preocupação com a situação. Veiculada entre os dias 01 e 28 setembro, esta nova fase utilizou da estratégia de relatos de casos reais, narrados por pessoas vítimas de sarampo e poliomielite. Nas peças produzidas pela Agência Calia Comunicação, o personagem Zé Gotinha aparece, pela primeira vez, de forma mais séria, com tom grave A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 144 no papel de influenciador digital. A mudança em relação a primeira é radical, se o slogan anterior naturalizava a vacinação (“Se tem infância, tem vacinação”), agora o apelo é forte, “Porque, contra o arrependimento, não existe vacina” (Figura 5). O uso de imagens apelativas com casos reais de vítimas de sarampo e poliomielite, teve o objetivo de atualizar a percepção pública sobre essas doenças. Em um dos cartazes, Zé Gotinha mostra no celular a foto de uma criança com sarampo, atualizando socialmente a imagem de uma vítima da doença para quem não conheceu uma pessoa infectada. O discurso enfatiza o risco de morte associado ao sarampo e a responsabilidade de todos em não deixar a doença circular. Em relação à paralisia infantil, seguiu-se a mesma estratégia, com o uso da imagem de um homem paraplégico em cadeira de rodas em decorrência da falta de vacina contra a poliomielite, uma representação que no imaginário popular poderia estar associada, na atualidade, a sequelas de acidente de carro. Figura 5 – Cartazes da 2ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de 2018. Fonte: Ministério da Saúde, 2018. Em um dos filmes é apresentado o caso de Eliana Zagui (Figura 6), de 44 anos, que A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 145 há 42 anos sofre de uma paralisia severa, situação que a obriga a viver no Hospital das Clínicas de São Paulo. A protagonista é tetraplégica e respira com ajuda de aparelhos. O caso aconteceu ainda na infância, quando Eliana não recebeu a vacina contra a poliomielite por estar com febre no momento da aplicação. Figura 6 – Filmes da 2ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de 2018. Fonte: Ministério da Saúde, 2018. Outro caso destacado foi o de Neuza Costa, de 57 anos (Figura 7), que perdeu, na infância, cinco irmãos em decorrência de complicações do sarampo. Sobre este novo conceito de campanha, o MS (2018d) afirmou que o objetivo era mostrar que as baixas coberturas de vacinação podem ser perigosas, uma vez, que abrem caminho para a reintrodução de doenças já eliminadas e que podem voltar a matar no país. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 146 Figura 7 – Filme da 2ª fase da campanha de vacinação contra a poliomielite e contra o sarampo de 2018. Fonte: Ministério da Saúde, 2018. Focar no desconhecimento da gravidade e risco de morte provocado por doenças preveníveis foi uma abordagem discursiva em torno da responsabilidade coletiva e não somente dos pais. Nos filmes produzidos, Zé Gotinha fala da necessidade de uma ampla mobilização envolvendo pais, responsáveis, professores e profissionais de saúde para resgatar a importância de manter a vacinação em dia. Lembra que a motivação para a recusa da vacinação pode estar vinculada a condições de saúde da criança, negligência ou falta de informação sobre os riscos dessas doenças. Novamente, o comportamento motivado pela desinformação que sustenta crenças não foi abordado diretamente. Nyhan e Reifler (2012, p. 14) já alertavam para o fato de que a perseverança na crença decorre da influência contínua, ou seja, a desinformação circula com frequência até ser codificada na memória como algo verdadeiro, dificultando a adesão ao discurso que visa eliminar seus efeitos no comportamento. Os estudos dos autores (id., p. 15-16) mostram que as pessoas podem ser mais receptivas e até mudarem de opinião quando entram em contato com discurso de vítimas que compartilham afiliações e fornecem informações novas. No entanto, mesmo que as pessoas não estejam ativamente engajadas em resistir a fatos indesejados, as limitações da memória podem impedir a correção de percepções errôneas por meio de fenômenos conhecidos como “perseverança na crença” e o efeito da “influência contínua”. Ao considerar a lógica da desinformação, as campanhas de vacinação anuais brasileiras podem ser pouco eficazes por não favorecerem a confrontação contínua de informações enganosas, ou seja, por serem temporárias e não ter poder de promover a repetição constante da informação correta, a ponto de torná-la familiar até se obter o efeito A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 147 cognitivo de compreensão quanto a importância da vacinação. Nesse contexto de ecossistema da desinformação, a comunicação de Estado precisa ser pensada de forma estratégica para impulsionar as ações de mobilização social. E o primeiro aspecto a ser discutido é o uso do discurso publicitário persuasivo – considerando sua estrutura e formato –, pois apresenta limitações quando aplicado numa campanha de vacinação com foco na informação e não na comunicação. O segundo aspecto tem relação com o fato de as peças não terem passado por pesquisa/teste em grupos focais (focus groups) junto a sociedade. É notório a falta de proximidade da mensagem com o público pela dificuldade da publicidade de perceber os reais motivos que levam pais à hesitação. Materiais elaborados a partir do discurso da persuasão e indução, que não estimulam a reflexão da sociedade confrontando-as com suas crenças podem não colaborar para reverter o poder da desinformação em saúde. 4.2 Estratégias de fact-checking Diante dos baixos índices de adesão à campanha de vacinação, o MS lançou, em agosto de 2018 um canal de comunicação com a população por meio do WhatsApp, intitulado projeto Saúde Sem Fake News (Figura 8), caracterizado como um “[...] canal exclusivo e oficial para desmascarar as notícias falsas e certificar as verdadeiras” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018c). A partir do recebimento de mensagens, o conteúdo é apurado junto às áreas técnicas do órgão e devolvido ao cidadão com um carimbo. Foram produzidos dois selos para classificar as informações: 1) Isto é Fake News – notícia falsa – não divulgue; 2) Esta notícia é verdadeira – Compartilhe. O canal apresenta a vantagem de circular o resultado da checagem diretamente pelo WhatsApp e pelo Portal Saúde, estabelecendo contraponto oficial à desinformação utilizando os mesmos mecanismos por onde circulam e são compartilhadas. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 148 Figura 8: Banner do Saúde Sem Fake News do Ministério da Saúde. Fonte: Ministério da Saúde, 2018c. Além do acesso via WhatsApp, o órgão disponibilizou a checagem de informação enganosa na página Saúde de A a Z, especificamente numa seção intitulada Com saúde não se brinca! Diga NÃO às Fake News!, que reuni as informações falsas que mais circularam em 2018 (Figura 9). Ao analisar o padrão de verificação de fatos, observou-se o uso de estratégias discursivas que tornaram a ação contraproducente, reduzindo seu potencial de convencimento. Figura 9: Fact-checking do Ministério da Saúde em 2018. Fonte: Ministério da Saúde, 2019. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 149 Baseado nas recomendações de Nyhan e Reifler (2012), foram identificados equívocos que comprometem a sua eficácia, sendo: 1) repete a falsa informação com uma negação (“Não, vacinas não causam autismo”), estratégia esta que leva as pessoas a lembrarem facilmente o núcleo da frase falsa (“Vacinas causam autismo”), tornando-a mais familiar e com aparência de verdadeira; 2) repete o termo “não é verdade” na resposta, quando já existe o selo com o mesmo conteúdo, mais um reforço à informação enganosa; 3) o MS se reveste da autoridade para contrapor à informação enganosa e não cita outras fontes de autoridade científica. Faz um discurso autorreferente que reforça a crença na racionalidade como estratégia de convencimento. 4.3 Estratégias comunicacionais na internet Além das estratégias de fact-checking voltadas para o WhatsApp e na página Saúde de A a Z, o Ministério da Saúde empregou uma rede de comunicação com o intuito de visibilizar o conteúdo comunicacional da campanha em outras mídias, como no Blog da Saúde, no site institucional do órgão, em duas páginas no Facebook (página oficial e página Vacinação, além de contas no Instagram, LinkedIn, Twitter e YouTube. Em levantamento realizado durante o período da campanha (6 de agosto a 28 de setembro de 2018), aqueles mecanismos que apresentaram o maior número de publicações foram o site (97 publicações), seguido do Twitter (44 publicações), Instagram (28 publicações) e a página Vacinação do MS no Facebook (20 publicações). Os mecanismos que receberam menor quantidade de publicações foram o LinkedIn (02 publicações), o perfil do MS no YouTube (10 publicações), a página oficial do órgão no Facebook (11 publicações), e o Blog da Saúde (12 publicações). A partir deste mapeamento, observou-se que os conteúdos publicados nessas plataformas foram empregados com a finalidade de atuar como estratégia de contraposição à desinformação, mesmo que quantitativamente divergentes em relação a comparação das publicações por mecanismo e por fase da campanha. Dentre as temáticas discutidas, o órgão apostou em conteúdos relacionados com a importância da apuração das informações antes do compartilhamento, orientações de como descobrir se o conteúdo compartilhado é uma notícia falsa, orientações sobre o porquê de não compartilhar notícias falsas, e também, informações e esclarecimentos sobre a importância da imunização para o bemestar e saúde pública da população. A partir do exposto, pondera-se que estas plataformas foram empregadas como fonte de informações corretivas e de estímulo a correção de atitudes contrárias à vacinação. Além disso, em síntese, aduz-se que discursivamente, essas estratégias comunicacionais combinaram elementos que suscitaram a ideia de “novo” (“Fake News”, “informação sem garantia”, “boatos”, “compartilhamento”) e de “tradicional” (“velho e bom jornalismo”, “compromisso com a qualidade”, “investigação”, “revelar o que está oculto”, “revelar o verdadeiro”) para construir o ethos discursivo assentado no sentido da credibilidade e de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 150 guia do público-leitor. Mesmo que o objetivo de parte das informações publicadas pelo órgão tivesse o intuito de contraposição à desinformação circulada no ambiente digital – predominante na segunda etapa da campanha de vacinação –, observou-se que a estratégia empregada se alinhou aos conteúdos publicizados em outras mídias e com isso, foram identificados equívocos semelhantes que comprometiam a eficácia comunicacional deste tipo de estratégia. Salienta-se, que o ecossistema da desinformação abrange um amplo espectro de conteúdo problemático em circulação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) e para isso, é necessário a identificação de todos os tipos de conteúdo que circulam nesse ecossistema, para assim, combatê-los. Deve-se altear que essas mídias digitais se apresentam como suportes e ferramentas importantes para a aproximação da sociedade com as instituições estatais e estratégias para as políticas de comunicação em saúde pública, contudo, é certo de que há uma necessidade de aperfeiçoamento destas práticas. A mera disponibilização de mecanismos não é suficiente para ampliar a participação e mobilizar os cidadãos para as campanhas de vacinação. Em conformidade com os autores supracitados neste texto, no caso do Ministério da Saúde, a adoção de meios digitais de interação deve acompanhar os normativos que há institucionalizam – ou seja, ser um caminho para a qualificação da saúde pública – e em hipótese alguma, deve-se constituir como um projeto político em que apenas são reconhecidas experiências isoladas, momentâneas e desconexas da realidade contemporânea. É nesta lógica que o argumento em relação à disponibilização de plataformas digitais se enquadra, visto que a participação só é estabelecida quando ocorrem as condições necessárias para que os papéis – emissor e receptor – sejam intercalados. Além disso, sublinha-se que quando o cidadão é colocado como centro das ações da comunicação pública, se assegura um dos principais indicativos da práxis do interesse público. Nas estratégias empreendias pelo MS para a campanha de 2018 isso não foi observado, não apenas na formulação das estratégias, mas sobretudo na condução dos diálogos realizados por meio dos mecanismos digitais no combate ao ecossistema da desinformação. Reitera-se, que mesmo estando entre seus principais temas de discussão, ao observar a integralidade dos mecanismos, conclui-se que as estratégias de combate a desinformação na internet não foram apresentadas de forma complementar entre os mecanismos, não só ao contabilizar o quantitativo das informações difundidas, ou seja, no que se refere a profusão da informação publicizada, mas sobretudo, em seu aspecto qualitativo, isto é, ao considerar a competência e a eficiência na interatividade. Conforme verificou-se, diante de crises como estas, o MS vem atuando de forma corretiva e não preventiva. Este fato é observado na diversidade de informações sobre vacinação que bombardearam os cidadãos durante todo o período da campanha, colocando em dúvida a credibilidade da eficácia das vacinas, mas também da narrativa do Ministério A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 151 da Saúde. Por fim, a análise evidenciou pouco entendimento dos gestores do MS sobre as estratégias de construção de mensagens falsas e de seus processos de disseminação, resultando na apresentação de uma campanha com discurso pouco eficaz na defesa da vacinação e com limitada capacidade de se contrapor a crenças enraizadas na população e amplamente referendadas pela desinformação. 5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo teve como objetivo analisar as estratégias de combate ao ecossistema da desinformação (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017) desenvolvidas pelo MS ao elaborar a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e contra o Sarampo de 2018, veiculada na mídia tradicional e redes sociais. A questão problema guia desta investigação indagou: “Em que medida o Ministério da Saúde conseguiu fazer o enfrentamento do ecossistema da desinformação em torno de questionamentos quanto à eficácia das vacinas?”. É salutar que o avanço da desinformação desafia fortemente o planejamento estratégico e a criação de campanhas de vacinação na dimensão institucional do Ministério da Saúde. Desta forma, se o país quiser melhorar os índices de cobertura, reconquistar o certificado de erradicação da paralisia infantil e garantir maior eficácia nas campanhas, as estratégias precisam considerar o modo de operação do ecossistema da desinformação e os mecanismos que colaboram para a sustentabilidade de crenças sobre a recusa à imunização enraizada na sociedade. O MS precisará entender o que acontece no âmbito dos grupos antivacinas e na conversação sobre o tema nas redes sociais para construir um discurso comunicacional que dialogue com as crenças referendadas pela desinformação. Significa renunciar a práticas visivelmente campanhista, com produção centralizada de materiais publicitários que não consideram as características contextuais e as diferenças regionais. Além disso, também deve superar conceitos estagnados, isto é, fórmulas publicitárias que já deram certo no passado, mas que hoje demonstram não terem eficácia necessária que a sociedade midiatizada carece. Face ao exposto, ainda é prematuro afirmar que o uso de depoimentos e histórias reais de vítimas de doenças imunopreveníveis sejam o tipo de ideal de abordagem com potencial para modificar comportamentos de recusa. Diante da complexidade engendrada, uma das ferramentas importante neste processo é a aplicação dos princípios da comunicação pública como um instrumento capaz de fortalecer a cidadania e atingir o interesse público. É mister que a práxis da comunicação pública está em colocar o cidadão na centralidade do processo, não apenas por meio da garantia do direito à informação e à comunicação, mas, sobretudo, em possibilitar espaços que atentem ao diálogo, ao respeito às características e necessidades, ao estímulo à participação ativa, racional e corresponsável dos cidadãos (DUARTE, 2009). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 152 Nesta perspectiva, mesmo que a sociedade midiatizada encontre-se (ainda) distante dos processos comunicacionais plurais e democráticos desejados, ainda assim, reafirmase a necessidade de uma comunicação impregnada de dialogismo e que seja socialmente transformadora. É legítimo, que na medida em que se tensiona comunicação pública e internet, “[...] vislumbra-se [...] uma possibilidade de ampliação das formas de expressão da sociedade, e, consequentemente, uma maior pluralidade [...]” onde a questão central não está na técnica, mas sim na possibilidade [...]” de mobilização e organização da sociedade no desenvolvimento de espaços de interlocução no ambiente digital (MAINIERI, 2016, p. 40). Repensar as estratégias comunicacionais se faz urgente, a considerar que sete em cada dez brasileiros (67%) acreditam em pelo menos uma declaração factualmente imprecisa sobre as vacinas – identificando pelo menos uma como um fato verdadeiro –. E mais, conforme pesquisa encomendada pelo Ibope realizada pela Organização Avaaz e Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), 57% dos que não se vacinam ou não vacinaram uma criança, citam uma razão que é considerada incorreta pela SBIm e pela Organização Mundial da Saúde (AVAAZ, 2019, p. 5-6). Ademais, frente aos desafios instaurados pelo ecossistema da desinformação em saúde, é certo afirmar que a efetivação da cidadania a partir do direito à saúde pública – de qualidade – perpassa diretamente pela confiança. Destarte, a comunicação pública mediada pelo Ministério da Saúde deve atuar de forma a reestabelecer a credibilidade e a legitimidade das ações de imunização. Os problemas que ressurgem diante dessa esfera midiatizada carecem de processos integrados, que possibilitem procedimentos e estratégias comunicacionais efetivas, em que o cidadão seja colocado na centralidade de todo o processo institucional. Por fim, considerando que as discussões apresentadas nesta pesquisa podem servir de caminho para estudos futuros sobre a comunicação pública praticada na esfera governamental, conjectura-se como possibilidade e aprofundamento investigações que discutam as estratégias estabelecidas pelos burocratas responsáveis pela efetivação das políticas públicas de comunicação e combate ao ecossistema da desinformação nos estados e municípios, isto é, nos ambientes públicos que efetivamente os cidadãos brasileiros acessam seu direito à saúde. REFERÊNCIAS AAVAZ. As Fake News estão nos deixando doentes? Como a desinformação antivacinas pode estar reduzindo as taxas de cobertura vacinal no Brasil. Ibope, 2019. Disponível em: <https://avaazimages. avaaz.org/AVAAZ_RELATORIO_ANTIVACINA-v2.pdf>. Acesso em: 18 jan. 19. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 153 ARAÚJO, I. 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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 9 157 CAPÍTULO 10 NOTAS SOBRE A INCORPORAÇÃO DO CONCEITO AMAZÔNIA PELA CULTURA LETRADA REGIONAL Data de aceite: 01/02/2022 moderna literatura acadêmica, Amazônia é uma palavra cuja evocação lembra uma Luís Francisco Munaro enorme porção territorial habitada por lendas Doutor Professor do Programa de PósGraduação em Comunicação da UFRR Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, RR e tesouros inexprimíveis. Para chegar até nós como um corpo cultural mais ou menos nítido no interior do continente americano, ela precisou ser preenchida de sentido histórico e, ao ser preenchida, causar a impressão de Uma versão deste capítulo foi apresentada no GT História da Mídia Impressa, integrante do XIII Encontro Nacional de História da Mídia. “estar sempre ali”. O processo de invenção da Amazônia, como o chamou Neide Gondim, envolveu cartas, relatos, livros e outras mídias que, ao povoarem a mentalidade europeia, se RESUMO: Percorrendo alguns dos principais textos produzidos por viajantes na América do Sul, este artigo procura entender como “Amazônia” se tornou um conceito importante para a compreensão de vasta porção territorial, acabando por servir de denominador de uma ação política comum entre elites políticas situadas em Belém e Manaus. Os textos são as relaciones de Gaspar de Carvajal e Cristóbal Acuña, o relatório de Charles Marie de La Condamine, o romance de Lourenço da Silva e Amazonas bem como alguns textos da imprensa paraense da segunda metade do século XIX, sobretudo da autoria de D. Macedo da Costa. Para tanto, recorre à história do conceito como compreendida por R. Koselleck (2006) e a um breve prospecto da história da mídia impressa. PALAVRAS-CHAVE: História da Mídia Impressa, História do conceito, Amazônia, Livros, Viajantes. reconstruíram entre nossas elites letradas na forma de literaturas e mitos sobre uma grandeza naturalmente coesa, como que predestinada a realizar-se no tempo. Elites letradas imaginaram a Amazônia e o fizeram, ainda que dialogando com a realidade regional, pois de outra forma não poderia ser, a partir de sua própria projeção de si mesmas, daquilo que gostariam de ver em suas melhores qualidades históricas e nos elementos sociais e culturais que escolheram, por motivos diversos, ser a encarnação de sua própria existência no tempo. Ora estes elementos são indígenas, ora caboclos, ora mesmo descendentes de europeus no Brasil. Este artigo busca fornecer um pouco de nitidez ao processo em que relatos publicados como livros inauguraram sentidos sobre a ocupação Desde os viajantes europeus até a da Amazônia pela consciência histórica europeia, acabando por ser aclimatados no Brasil e servindo de suporte narrativo para A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 158 as histórias contadas por aqueles que viriam a chamar a si mesmos de amazônicos ou amazônidas. Quer dizer, o texto percorre rapidamente os principais relatos que foram lidos e relidos por elites letradas e formaram uma determinada ideia de pertencimento à região, ajudaram a cristalizar aquilo que se pode chamar de uma “tradição”, concentrandose nos seguintes: As relaciones de Gaspar de Carvajal e de Cristóbal Acuña, a relation de Charles Marie de La Condamine, o romance de Lourenço da Silva e Amazonas bem como alguns textos da imprensa paraense da segunda metade do século XIX, sobretudo da autoria de D. Macedo da Costa, que parecem demonstrar um uso já mais estabilizado da palavra Amazônia. É claro que este não é um processo que fica circunscrito ao universo dos letrados. Mas são eles que trabalham pela formação de uma metamemória, ou seja, uma memória coletiva que se pode dizer consciente de seu próprio papel na história. Ao narrarem o passado reconfigurando textos mais antigos, tradições já fundadas, como num círculo hermenêutico elas contribuem para estabelecer determinados marcos identitários sobre o que significa pertencer a um lugar. É um processo que mesmo quando a partir de meados do século XIX tenta assumir uma postura anti colonizatória, continua se revolvendo dentro da tradição cultural europeia. Amazônia assim será tratada como um conceito que, como qualquer outro conceito, tem uma história. O historiador Reinhardt Koselleck, ao discutir a relação entre as palavras e as coisas ao longo do tempo, lembra que é o conceito em comum que permite “a unidade de ação política”. Os agentes políticos, entendendo-os como aqueles que, ao longo do processo histórico, desenvolvem um horizonte de consciência sobre as suas ações políticas, reúnem-se em torno de conceitos agregadores, que podem aludir desde um movimento político até um lugar em comum. Os recursos linguísticos de que eles dispõem fazem parte do seu horizonte de ação. É um erro, por exemplo, dizer que haja uma “consciência proletária”, na medida em que os proletários foram em sua maior parte alheios à existência uns dos outros, muito embora seja possível falar numa consciência histórica do “comunismo”. Isto porque “comunismo”, tanto quanto “liberalismo”, “positivismo” e uma série de outros “ismos”, revelam, como lembra o mesmo Koselleck, “um ponto de vista polêmico orientado para o presente, assim como um componente de planejamento futuro, ao lado de determinados elementos de longa duração da constituição social e originários do passado” (KOSELLECK, 2016, p. 101). Sabe-se assim que o conceito serve para reunir indivíduos empenhados num projeto coletivo, tornando-os “agentes históricos”, o que não quer dizer que estes conceitos não sejam mutantes, quer dizer, recebam novos significados a partir do uso vulgarizado por determinados autores e grupos políticos. Os usos frequentes do conceito terminam por transformar o campo de experiência política e social, definindo novos horizontes de expectativas. A partir disso, faz-se a seguinte pergunta sobre o conceito: “Por quanto tempo permaneceu inalterado o conteúdo suposto de determinada forma linguística, o quanto ele se alterou, de modo que, ao longo do tempo, também o significado do conceito tenha sido submetido a uma alteração histórica?” (Ibid. p. 105). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 159 A busca pela compreensão da estabilização do uso do conceito Amazônia começará pelos relatos de viajantes tratados como os principais narradores do processo de colonização até chegar na formação de classes de letrados nativos. É pela transformação de Manaus na capital da província do Amazonas, em 1850, que se interiorizou uma elite letrada, antes cingida ao espaço de Belém, e que se dividia entre pensar a si mesma como parte do Grão-Pará brasileiro ou de Portugal. Amazônia era, então, algo inteiramente alheio ao imaginário destas elites, quer dizer, despertava muito maior preocupação nos círculos ilustrados europeus – ainda que começasse a se desenhar, entre os intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, uma preocupação com os “vazios demográficos” nacionais, preocupação da qual partiu o intelectual romântico Lourenço da Silva e Amazonas para compor o seu dicionário e seu romance sobre a história do Amazonas. O processo de nomeação do rio, que passou pela construção de um conceito que causou viva impressão na Europa, depois retraduzido num contorno territorial capaz de despertar algum tipo de sentimento patriótico, começou pela famosa viagem de Francisco Orellana entre 1541 e 1542. Tendo partido de Quito, a expedição atravessou o Amazonas e tornou o rio conhecido dos letrados europeus. Integrante da expedição, Frei Gaspar de Carvajal produziu a “relación que escribió fr. Gaspar de Carvajal, Fraile de La Orden de Santo Domingo de Guzmán, del nuevo descubrimento del famoso Río Grande que descubrió por muy gran ventura el Capitán Francisco de Orellana desde su nacimiento hasta salir a la mar, con cincuenta y siete hombres que trajo consigo y se echó a su ventura por el dicho río, y por el nombre del Capitán que le descubrió se llamó el río de Orellana”. A relación tem, antes de um objetivo descritivo, como se consolidará nos registros históricos e etnográficos do iluminismo, a intenção de mostrar os serviços dos súditos à Sua Majestade e gravar a conquista espanhola do novo rio, cuidando mais projetar um determinado ideal na terra desconhecida do que fornecer sobre ela elementos geográficos nítidos. Foi durante a descida do rio Solimões, diante de uma chuva de flechadas no território dos omágua, que o imaginário de Carvajal, povoado pelos relatos bíblicos e pelos resquícios da mitologia greco-romana na cultura da Europa medieval, julgou ter visto enormes guerreiras com um seio amputado para poderem manusear melhor o arco e flecha, as amazonas. Dessa experiência nada agradável, que resultou num olho a menos para Gaspar, herdou a Amazônia o seu nome. Os relatos foram publicados “á expensas del excmo. sr. Duque de Tserclaes de Tilly” e, a partir de sua publicação, fugiram do controle da coroa espanhola alimentando uma série de imagens sobre o novo mundo. A relación de Carvajal revela, tanto quanto a dificuldade de nomear e criar inteligibilidade para um lugar tão distante da mentalidade espanhola, a importância do “dizer suporte” (1993), um dizer que, mesmo que partindo de uma ficção, ajuda a estabilizar um conjunto de “narrativas fundadoras” sobre as quais será possível conhecer efetivamente a região. Mais importante, portanto, do que a verdade da viagem, é o relato que dela se fez e que, uma vez escrito, circulou por toda a Europa a partir de um rio já nomeado. Longe de questão ociosa, a discussão em A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 160 torno das amazonas está no cerne do curto circuito entre uma visão edenista da América e uma visão infernista (GONDIM, 2004), já que as amazonas costumavam encarnar tanto o cuidado maternal, a rebelião contra um certo estado de opressão, quanto a agressividade na proteção do seu território. Quase um século depois da viagem de Orellana, uma expedição saída de Belém do Pará em 1637 tentou chegar até Quito através do rio Amazonas, ou seja, fazendo o percurso inverso ao de Francisco Orellana. O capitão Pedro Teixeira levou consigo o jesuíta espanhol Cristobal Acuña, que produziu o relato intitulado “Nuevo Descubrimento Del Gran Río de Las Amazonas”, impresso pela Imprensa do Reino em Madri, em 1641. O comandante Bento da Costa foi o responsável pela elaboração do mais antigo mapa do Rio das Amazonas. Com o seu registro cartográfico, foi possível o início de um processo de ocupação, tanto física quanto simbólica, pela delimitação cuidadosa dos rios, seus afluentes, bem como espaços que poderiam ser aproveitados econômica e militarmente pelos colonizadores. A relación de Acuña é um documento importante porque acendeu na política colonial portuguesa a necessidade de tomar posse do território através da construção de fortes, da conversão dos indígenas e das atividades econômicas. Guiado pelo topos historia magistra vitae, característico da mentalidade do período, Acuña entendia a narrativa histórica como um repositório de grandes exemplos capaz de fornecer ou mesmo comprovar doutrinas morais, políticas e jurídicas, quer dizer, mais de demonstrar aquilo que poderia ter acontecido do que descrever o que verdadeiramente aconteceu. Da mesma forma como no relato de Carvajal, antes de “contar a verdade”, o narrador busca a imitação, o seu discurso “apresenta aos olhos dos ouvintes ou leitores aquilo que é verossímil, de modo a movê-los (movere) pelo deleite (delectare) e pelo ensinamento (docere), visando a fins morais, políticos e religiosos” (LACHAT, 2019, p. 111). Estes detalhes a respeito do período mostram, inclusive, como seriam impossíveis relatos jornalísticos no sentido habitual do termo, já que nem mesmo estava consolidada uma narrativa histórica capaz de separar com clareza verdade e ficção. A relación documenta a existência de comunidades indígenas, buscando catalogá-las, ao mesmo tempo em que confirma os mitos representativos da região: “confirmamos las largas noticias que por todo este río traíamos de las afamadas Amazonas, de quienes él tomó el nombre desde sus primeros principios”; e “los fundamentos que hay para asegurar [la existencia de la] provincia de [las] Amazonas en este río son tantos y tan fuertes que sería faltar a la fe humana el no darles crédito (Apud. Ibid.)” É importante lembrar que a viagem de Pedro Teixeira seria utilizada como argumento mais tarde, em 1750, para a posse portuguesa do território amazônico, no contexto das discussões do Tratado de Madri. As obras de catequese que se expandiram no continente americano ao longo do século XVII se inscrevem neste processo de dar inteligibilidade ao território amazônico e trazê-lo para perto da religião cristã. O poder dos jesuítas na região cresceu tanto que o Marquês de Pombal passou a enxergá-los como uma ameaça geopolítica, expulsando vários deles do Brasil em 1759. Dentre os jesuítas nomeados para o trabalho de catequese A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 161 na Amazônia está o padre Samuel Fritz, ligado à Coroa Espanhola, que chegou em 1684 na Amazônia ocidental e lá permaneceu durante quase quarenta anos. Fritz produziu mapas e relatórios, fornecendo importantes instrumentos para a colonização e para os esforços de conversão realizados pelos portugueses e espanhóis. Os mapas de Fritz seriam fundamentais para a orientação do viajante Charles-Marie de La Condamine. Sobre La Condamine, que esteve em solo americano entre 1735 e 1745, é importante fornecer alguns elementos históricos sobre o tipo de sociedade de letrados da qual fazia parte, bem como das suas aspirações possíveis enquanto geógrafo e etnógrafo. No seu século, se desenvolveu uma solidariedade intelectual entre os homens de letras, a ponto de se poder falar numa “República das Letras”, tendo os philosophes assumido um posicionamento ativo na mudança do mundo ou na reforma do homem para potencializar o seu uso da razão. Como disse o afamado Kant, em frase que se tornou lapidar da mentalidade dos intelectuais e da sua convicção profunda na salvação pela razão, sapere aude. O ideal dessa solidariedade entre letrados era a própria publicação, ou a exposição ao público daquilo que estava soterrado, e sua discussão na forma de “crítica”, conceito que permite compreender como o ataque à moral do rei, pedra basilar do funcionamento do estado absolutista, espargiu uma crise política em toda a Europa. O intelectual se fundiu no editor, o primeiro passando a dominar técnicas de editoração e mantendo íntimo contato com livreiros: surge assim o ideal do intelectual como um publisher. E o Publisher é um philosophe, um engagé, sempre pronto a desfilar nos salões e clubes a sua capacidade de conversação e argumentação. Além disso, o philosophe assumiu a função de pedagogo, ou de guia do ainda incipiente público leitor em direção ao progresso imaginado. Ele é, ou assim se crê, ungido, na expressão utilizada pelo Thomas Sowell (2011). Pode-se então falar que, de forma geral, com a expansão do Iluminismo, difunde-se também entre os intelectuais uma certa ideologia do progresso, ou a noção de que o passado, um emaranhado de absolutismo, religião formal e escolasticismo, deve ser ultrapassado para o bem da reforma humana. Alguns estados nacionais europeus conseguiram manter uma censura mais bem organizada e evitar os chamados “panfletos incendiários”. Na Espanha e Portugal, a Inquisição agiu até o início do século XIX e as publicações precisavam passar pela licença régia. Portanto, as tais Luzes não se dispersaram com a mesma velocidade em cada rincão, havendo sempre filtros nacionais para cada ilustração. No contexto destes confrontos entre a razão e a tradição, os europeus, sobretudo franceses e ingleses, começaram a debater o tamanho do mundo, sua real dimensão, bem como querer expor à luz (de seus respectivos países) todos os cantos do mundo que lhes eram desconhecidos. Um destes confrontos girava em torno do próprio formato do globo terrestre, pois não se sabia se era “inchado nos polos”, como sugeriu René Descartes, ou “achatado”, como sugeriu Isaac Newton. Em conjunto com outros membros da Academia de Ciências, o cientista La Condamine foi enviado à América do Sul para efetuar medições que seriam capazes de resolver a celeuma. Feitos A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 162 seus cálculos em Quito, La Condamine decidiu retornar com sua expedição pelo rio das Amazonas, coletando, para melhor poder se orientar, todos os documentos que encontrou sobre a região. La Condamine se correspondeu com Don Josef Pardo de Figueroa Acuña, sobrinho-neto do anteriormente citado Cristóbal Acuña e que ocupava o posto de marquês de Valleumbroso em Quito (SAFIER, 2009). Don Josef forneceu documentos, entre os quais a relación de Cristóbal Acuña, as descrições dos jesuítas Jean Magnin e de Samuel Fritz, e complementou “Já terá visto que estranhas são nestes países as ciências matemáticas [...] e o pouco que se pode confiar nos mapas comuns, que pela maior parte se têm formado sobre relatos pouco certos, e por nada exatos” (Apud. Ibid., p. 95). Em seus relatórios de viagem, intitulados “Relation abrégée d’un voyage fait dans l’intérieur de l’Amérique méridionale depuis la côte de la mer du Sud jusqu’aux côtes du Brésil et de la Guyane, en descendant la rivière des Amazones, lue à l’assemblée publique de l’Académie des sciences, le 28 avril 1745”, La Condamine se apressou em desacreditar as narrativas anteriores como pouco verossímeis, ou “somente históricas”, não dando fundamento à existência do rio: “Não se sabe hoje na Europa nada sobre os países atravessados pelo Amazonas fora daquilo que se apreendeu há mais de um século por meio do relato do padre d’Acuña” (Apud. Ibid.). A tentativa de La Condamine ultrapassar Acuña e mesmo soterrar os diários do Padre Samuel Fritz e Jean Magnin se explica pelo próprio ambiente competitivo da Academia de Ciências e dos intelectuais que buscavam espaço, dinheiro de mecenas e celebridade. Quer dizer, mesmo tendo copiado relatos e descrições sobre povos indígenas de outros autores, La Condamine se apressou em mostrar que a sua relation é muito mais meritória que as anteriores. E, de fato, essa se tornou uma prática acadêmica comum: refundir elementos de obras anteriores sob uma aparência absolutamente original, ao mesmo tempo em que adornando-a de um verniz retórico empolgante. La Condamine não apenas criou as condições para a sua fama na Academia de Ciências, como também contribuiu para a popularização de uma visão da Amazônia que, pelo menos um século depois, começaria a ser incorporada pelos habitantes daquilo que hoje se conhece como Amazônia. Na sua relation, medidas astronômicas dividiam espaço com os relatos míticos, as descrições coloridas “foram intercaladas com anotações de latitude e longitude, um modelo que prefigurava uma nova fórmula capaz de atrair um público amplo ao mesmo tempo em que se conformava às expectativas rígidas de uma memória acadêmica” (Ibid., p. 92). O brasilianista Neil Safier documenta a recepção do público, ou da esfera pública literária, a respeito dos relatos feitos por La Condamine em evento na Academia de Ciências. A revista literária Mercure de France, por exemplo, dizia que o autor: [...] entretinha a assembleia ao contar a sua descida pelo ‘fleuve du Maragnon ou des Amazones’, e que ‘incluía comentários sobre plantas e animais da região, costumes, crenças e línguas indígenas, os mitos e lendas que diziam respeito à raça de mulheres guerreiras que deram nome ao rio, e a informação geográfica que se encontrava inscrita no ‘preciso’ mapa que ele trouxera na A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 163 volta à França (Ibid). Noutras palavras, o viajante e philosophe se assenhoreou de dados e registros fornecidos por outros viajantes e jesuítas, engrossou-os com uma percepção mais propriamente acadêmica e recheou-os dos elementos literários que tanto provocavam fascínio no público europeu, já que a manutenção das amazonas na narrativa científica era necessária para a recepção da sua obra. Ao mesmo tempo, ao compilar o rio Amazonas para o público europeu, o “rivière des amazones”, o autor acabou por dar uma identidade ao território, transformando-o num objeto de estudos alusivo à toda a região onde circulavam os rios que desembocavam no Amazonas. Foi com La Condamine, portanto, que se consolidou no público europeu a percepção da região amazônica como fruto da bacia do rio amazonas, ainda que o autor não tenha mencionado o conceito Amazônia. Além de cuidadoso observador dos rios pelos quais passou, desde o Marañon, Solimões, Negro, Tapajós, Xingu, o viajante manteve ativa interlocução com os indígenas, cuidando perguntar, sempre que pôde, a respeito das lendárias amazonas. Segundo nos relata, as respostas dos indígenas sempre foi favorável à sua existência, muito embora apresentassem informações conflitantes. Ao finalizar a questão, La Condamine constata que elas existiam, muito embora não possa assegurar exatamente qual o local da rede hidrográfica em que se encontravam: Malgré tout cela, j´avoue que j´aourois bien de la peine à croire que nos Amazones y fussent actuellement établies, sans qu´on eût de leur nouvelles plus positives, de proche en proche, par les indiens voisins des colonies européennes des côtes de la Guiane; mais cette nation ambulante pourroit bien avoir encore changé de demeure; et ce qui me paroit plus vraisemblable que tout le reste, c´est qu´elles ayent perdu avec le tems leurs anciens usages, soit qu´elles aient été subjuguées par une autre nation, foit qu´ennuyées de leus solitutude, les filles aient à la fin oublié l´aversion de leurs meres pour les hommes (LA CONDAMINE, 1745, p. 106-7). Muito embora tenha começado a sua obra pela descrição pejorativa dos indígenas, lembrados como apáticos e sem vitalidade, no que foi influenciado pela “Descrição da província e das Missões de Maynas no reino de Quito”, escrita por Jean Magnin (1701-53) sobre as missões em Maynas e outras populações indígenas da região (SAFIER, 2009), La Condamine finaliza sua relation apresentando os indígenas como um povo em fuga para interiores amazônicos cada vez menos desbravados – e o faz por meio das amazonas que assumem essa condição metafórica. Sabe-se que o imaginário sobre o indígena caminha entre uma visão dele como um ente hostil à presença europeia e um bom cristão afastado dos vícios europeus (no mesmo movimento pendular entre o Éden e o Inferno), como nos ensaios de Michel de Montaigne ou mesmo na etnografia espanhola de Bartolomé de Las Casas e Garcilaso de La Veiga. A “apropriação”, para usar uma palavra da moda, que La Condamine fez dos relatos que o precederam, correspondia a uma expectativa de testemunhos pessoais no interior da Academia e ao mesmo tempo começava a ser A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 164 atravessada pela fuga romântica verbalizada pelo mais lembrado contemporâneo do nosso viajante: o polemista Jean Jacques Rousseau. Ao saírem das observações de jesuítas como Magnin e Fritz, viajarem para a Europa por meio dos relatos de La Condamine, e finalmente serem impressas na Encyclopédie, um longo caminho foi percorrido até se dar a sua cristalização, concluída tanto com a celebridade das amazonas quanto com a celebridade do próprio La Condamine (SAFIER, 2009, p. 99). Uma vez componentes do grande projeto enciclopédico, estas informações já tinham o estatuto de verdades sólidas na comunidade intelectual europeia. A obra de La Condamine foi intensamente discutida em círculos letrados europeus, beneficiando-se dos clubes literários, inclusive com fortes críticas à sua obra pela forma aparentemente redutora com que se referiu aos indígenas. Na conclusão de Neil Safier, “apesar das várias contestações à confiabilidade e à coerência lógica de suas teorias, foi a imagem que La Condamine criou do rio, dos ancestrais míticos da região e de seus habitantes indígenas que prevaleceu e deleitou um público europeu ansioso por histórias exóticas de ‘países pouco conhecidos’ do mundo” (SAFIER, 2009, pp. 111-112), acabando por consolidar a imagem do viajante filósofo ávido por trazer novidades para o ainda mais ávido público europeu em formação. A descrição do bom selvagem construída por Jean Jacques Rousseau a partir destes relatos, sendo o próprio Rousseau um inimigo ferino da sociedade francesa de Antigo Regime, teria profunda influência não apenas sobre as elites brasileiras, mas também sobre as elites latino-americanas de forma geral, como demonstrado de maneira introdutória por Carlos Rangel (2018). No caso brasileiro, Rousseau teve influência sobre a geração romântica de integrantes do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, entre eles Lourenço da Silva Amazonas (MUNARO, 2021a). A partir desta influência, os indígenas começaram a ser pintados como heróis da saga brasileira, topos sem dúvida reforçado pela trilogia indigenista de José de Alencar em meados do século XIX. Cabe pensar, nesse sentido, como o Brasil, fundado como nação independente em 1822, inscreveu a Amazônia em seu próprio corpo territorial e como habitantes da Amazônia passaram a se entender como habitantes de uma região dotada de identidade própria. Em 1822, quando da independência brasileira, as elites políticas grã-paraenses (sendo a província do Grão-Pará diretamente administrada pela metrópole portuguesa) eram não só compostas de descendentes de portugueses como se entendiam elas mesmas como portuguesas. O reino português conheceu um panorama peculiar de impressos livres de censura a partir da migração da corte portuguesa para o Brasil em 1807, e com a diáspora de grupos de políticos e letrados para o Rio de Janeiro, Paris e Londres. Sobretudo em Londres, formou-se uma comunidade de portugueses que escrevia ativamente para o Reino Português, que tinha agora o Rio de Janeiro como capital. O primeiro destes escritos foi o Correio Braziliense, de autoria de Hipólito José da Costa. Hipólito, como outros intelectuais lapidados no pensamento das Luzes, não somente buscava impulsionar transformações no Reino luso-brasileiro, mas também consolidar um novo ofício, destarte livre da censura, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 165 que conhecemos por jornalismo. Ele e outros portugueses migrados em Londres, como José Bernardo da Rocha Loureiro e José Liberato Carvalho, fixaram os pressupostos para a atividade jornalística em língua portuguesa, com fortes críticas ao sistema absolutista que apressaram a necessidade de reformas no Brasil e em Portugal (MUNARO, 2014). Essas reformas foram iniciadas em 1821 com a realização das Cortes de Lisboa. No contexto da realização das cortes, deputados brasileiros foram convocados para participar e ajudar na elaboração de um texto constitucional para o Reino luso-brasileiro. Movido pela boa nova das reformas constitucionais no reino, o jovem estudante de direito na Universidade de Coimbra, Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, nascido em Belém do Pará, retornou para o Grão-Pará para ajudar na propaganda das Cortes de Lisboa. Patroni, então com 23 anos, iniciou em Belém a publicação do jornal O Paraense, buscando filiar o GrãoPará no movimento constitucional português. Utilizando uma linguagem política similar à de Hipólito da Costa, Patroni mencionou para os seus conterrâneos da província as novidades do século, quer dizer, as luzes, os melhoramentos advindos de um sistema constitucional, bem como da necessidade de proteger as liberdades individuais. Assim, ele instalou o ofício de jornalista no Norte do país. O ofício do intelectual, no contexto de um Brasil em nascimento, que buscava dar uma fisionomia política para a sua terra e gente, ainda estava profundamente vinculado à redação de panfletos e jornais. Jornais que possuíam o formato de livros e eram organizados enquanto tais. Eles eram elaborados por letrados que, em geral, detinham a organização de toda a função jornalística, indo desde a redação até a impressão. É um fato histórico importante que Patroni, como um representante daquilo que se pode chamar uma elite intelectual nativa, tenha se visto entre, no contexto da independência política brasileira em 1822, a filiação do Grão-Pará ao Brasil ou ao reino português, tendo preferido, pelos menos num primeiro momento, o reino português. No imaginário das elites políticas do Grão-Pará, aquelas cuja consciência histórica permitia vislumbrar a existência de grandes espaços agregados por cartas, relatos e livros, a filiação a Portugal era mais proveitosa do que uma filiação ao Brasil, sendo sintomático que em momento algum se fale numa Amazônia. Com o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, fundado em 1838, os intelectuais foram inscritos num conjunto de preocupações de dar um contorno para o Estado e nação brasileira, nos moldes dos Estados nacionais europeus, para tanto articulando as várias regiões do Brasil e redefinindo sua fisionomia. É aí que entra outro fruto da modernidade, a “consciência nacional” lentamente lapidada por meio da literatura e do jornalismo, quer dizer, da produção cultural em língua vernácula. A partir de 1850, integrantes do IHGB nascidos no Brasil, caso de Lourenço Amazonas, Joaquim Manuel Macedo e Gonçalves Magalhães, fizeram esforços para incorporar elementos nativos respondendo ao seu dever diante do Estado de formular um ideia sólida de nação, ao mesmo tempo buscando afastar de si a herança portuguesa. Naquele momento, o IHGB ajudou a desenhar, como órgão de Estado, um corpo nacional que podia se imaginar como dotado de unidade política, ao A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 166 mesmo tempo em que direcionado ao progresso histórico (MUNARO, 2020a). Lourenço da Silva Amazonas, nascido na Bahia, foi designado em missão para o interior da província do Amazonas (criada durante a sua estada na região, em 1850) para produzir relatos descritivos de comunidades indígenas e de elementos botânicos. Ele acabou produzindo um extenso dicionário de termos sobre o Amazonas em 1852, além de um confuso romance sobre a emancipação dos indígenas, de 1857. É precisamente este romance, intitulado “Simá, Romance histórico do Alto Amazonas”, que revela o mito fundacional mais importante da Amazônia, muito embora a obra de Lourenço Amazonas tenha passado despercebida diante da produção indigenista de José de Alencar no mesmo período (O Guarani foi publicado no mesmo ano em que Simá). O romance tem como pano de fundo a Revolta de Lamalonga, ocorrida em 1757, quando principais indígenas da região destruíram igrejas, paramentos religiosos e assassinaram um missionário carmelita. A protagonista da narrativa é Simá, neta de um indígena cavalheiro e filha de um comerciante português corrupto. A relação que deu origem à Simá, uma “índia mameluca”, na expressão cercada de simpatia de Lourenço, é um reforço da metáfora que seria consagrada mais de século depois na literatura acadêmica: o nascimento do Brasil é fruto da violência contra os indígenas, de um estupro sistemático. O produto do estupro é uma menina pacífica, inteligente e boa cristã, que se desliga da maldade de seu pai português e vive com seu avô indígena em direção a um mundo novo, o mundo brasileiro. A linguagem de Lourenço, influenciada pela leitura de Rousseau, largamente citado direta e indiretamente, mescla a ojeriza ao elemento português e a apologia pela riqueza no trabalho com a terra, espontâneo e natural. Mesmo sendo um indivíduo exógeno à Amazônia, Lourenço cria ou pelo menos ilustra um topônimo da leitura dos temas regionais, contendo todos os elementos sociais que seriam enfatizados pelos literatos endógenos nos anos subsequentes: o colonizador português, o indígena revoltado, o caboclo resiliente, os missionários bons e os missionários maus (sobretudo jesuítas) e a fundação do Amazonas. O comércio internacional da borracha a partir do final dos anos 1870 permitiu a expansão de um circuito de escritos no interior da região amazônica. A abertura da navegação internacional em 1867, já beneficiada pelo navio a vapor, acabou por potencializar a formação de várias vilas pequenas, cuja municipalidade era inaugurada em conjunto com uma máquina tipográfica. Com os eventos econômicos definidores da expansão da borracha, a população se multiplicou muito rapidamente, atraindo migrantes de outras regiões e países e, fato de não menor importância, assistindo a um número cada vez maior de periódicos impressos. Este processo “fecundou” a bacia hidrográfica amazônica com pequenas folhas jornalísticas, criadas de forma quase concomitante à fundação dos municípios impulsionada pela economia gomífera e em acordo com as necessidades administrativas de publicação de atos oficiais. Pode-se dizer que estas folhas, em localidades bastante distantes umas das outras, integradas apenas pelo lento fluxo dos vapores, vão “tomando consciência do seu pertencimento” a uma região em A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 167 comum, região formada pelo grande rio Amazonas. É pelo jornalzinho que o habitante entra em contato com o país, estende a sua compreensão de si mesmo e percebe que existem outros indivíduos letrados, amazônicos, correspondendo-se com ele. Nesse sentido é que se pode falar em “rios de palavras” (MUNARO, 2017). Claro que, em Belém e Manaus, as duas principais cidades amazônicas, a imprensa já possuía difusão considerável, com as folhas se colocando como favoráveis às mudanças urbanas ao mesmo tempo em que criticando os limites estreitos da modernidade regional. O predomínio do analfabetismo deu ao intelectual um aspecto de vida solitária e, ao mesmo tempo, uma aura meio mágica de domínio culto da língua, potencializada pela sua vida em meio aos livros. Nos jornais de Belém, ao mesmo tempo em que imbuído desta função de pedagogo, guia das massas desorganizadas, o intelectual desenvolveu a consciência de participação num todo cultural comum no seio do Brasil. Num destes jornais que circulou em Belém nos anos 1860, “A Estrella do Norte” impressa na “typographia ecclesiastica”, o ativo bispo da província do Grão-Pará D. Macedo Costa fortaleceu a consciência da participação regional a partir do seu trabalho evangelizador. Em texto anexado na edição 2 de 1863, lê-se que o rio age com sua potência integradora, uma metáfora mesmo para o trabalho catequético ou para a ação divina: “Aqui vou com os olhos fitos sobre o Amazonas, rio por certo o mais considerável de todo o mundo, não só pela sua extensão pasmosa, mas ainda pela largura e profundeza do seu leito. Que magnífico espetáculo fornece a natureza” (p. 13). O rio vai percorrendo imponente a planície, com a calma que Deus lhe deu, recebendo a água dos inúmeros afluentes até ser despejado no oceano, mansamente, como um bom cristão. Mais tarde, em 1883, A Constituição, Órgão do Partido Conservador do Pará, anexou conferência recitada em Manaus pelo bispo denominada “A Amazônia: meios de desenvolver a sua civilisação”, no contexto de um extenso debate sobre a questão do povoamento e desenvolvimento regional. Macedo dirige-se à elite política e intelectual manauara usando o denominador comum Amazônia e “vale do Amazonas” para vinculála à província do Pará – o uso da expressão, evidentemente, não é fortuito, tem como objetivo despertar a solidariedade dos manauaras que o ouviam vencendo as rivalidades provinciais. O bispo referia-se ao estado miserável do “povo amazonense” e ao desejo por progresso do grande vale do Amazonas: O que me assombra e entristece é ver o desamparo em que aí vegetam essas populações cristãs, tão boas, tão aproveitáveis, mas cuja dispersão mesma é o principal obstáculo a toda ação moralizadora, a todo o influxo civilizador que sobre elas queiram exercer a autoridade civil e religiosa [...] Pergunto, senhores, um povo vivendo a desgarrada por um vastíssimo território deserto, abandonado a si próprio, entregue a largos ócios e excessos bacanais, sem nenhuma instrução civil nem religiosa, e parte dele ainda selvagem, poderá atingir o porvir grandioso que todos queremos, que todos ardentemente desejamos para o grande vale do Amazonas (A Constituição, 4 de abril de 1883, p. 4, grifos nossos). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 168 O uso que se dissemina e consolida aqui serve para reunir agentes políticos, nas mãos dos quais estão importantes decisões, provocando o seu horizonte de consciência em direção a um tipo de sociedade que deverá ser construída, uma identidade coletiva. Macedo indica o uso já estável da palavra, disponível tanto na imprensa manauara como belenense e mesmo na existência de clubs como o “Club Amazonia”, fundado em 1884, em Belém, para lutar pela liberdade e prosperidade do “povo amazônico” (como dito em seu manifesto pela liberdade: “Qual é a situação na Amazônia? A da escravidão de parte da sua população”). É importante notar, contudo, que ao mesmo tempo em que intelectuais como D. Macedo se referiam à Amazônia, Torquato Tapajós, talvez o principal defensor da causa amazonense no período, estava mais preocupado com a definição das fronteiras provinciais, inclusive nas disputas de terras entre as duas províncias que alimentavam forte rivalidade política. Ambos os importantes intelectuais estão unidos, contudo, nos topos comuns do período, relativos à necessidade de trabalho, migração, povoamento, cristianização, etc. (MUNARO, 2020b). Na imprensa belenense, outra situação é apresentada em edição de janeiro de 1883 do “Diário do Grão Pará”, para quem “o partido liberal escraviza-se ao governo central, que não manifesta interesse algum pelo nosso engrandecimento, e antes empenha-se em sufocar com a sua onipotência os movimentos legítimos de reação da Amazônia”, enquanto comenta a autonomia das províncias e reclama a atenção do poder central. Aqui estão os embriões de um sentimento autonomista que tem na revisita da Cabanagem, a grande rebelião regional amazônica, um elemento de memória comum que será trabalhado exaustivamente pela intelligentsia regional dos anos 1930. Ao responder o “Diário do Grão Pará”, o redator do “Liberal do Pará, órgão do Partido Liberal”, diz o seguinte: Assim se, por exemplo, fosse submetido à câmara um projeto de reformas em que as províncias do Pará e Amazonas, ou Amazônia, como chama o colega, fossem desligadas da congregação do Brasil, certamente não teria o apoio da câmara, e nós não abraçaríamos a ideia [...] Mas, parece, seria o caso de perguntar-se: Ficaria melhor a Amazônia, só, pequena, fraca, do que unida ao gigante da América do Sul? Se temos o dever de nos não deixar esmagar, temo-lo também de não nos lançar no plano em que se acham as republiquetas nossas vizinhas (19 de janeiro de 1883, p. 1). Ao questionar o seu colega na imprensa, exibindo um processo internalizado de diálogo entre as elites cultas, o redator do Liberal mostra que o uso do conceito Amazônia ainda é bastante ambíguo. Ao mesmo tempo em que se fala num certo sentimento nativista que uniria as províncias do Pará e Amazonas, reconhece-se que são antes de tudo províncias do Brasil. Nesta altura do campeonato, em termos que buscam ser conclusivos, não sendo conclusivos em todo o caso, pode-se dizer que a Amazônia se solidificou a partir de um conjunto de livros nos quais estavam tradições europeias, compreendidos seus elementos religiosos e culturais, patentes desde a nomeação do rio, do território, seu povoamento com imagens míticas, até o sentido civilizacional que lhe deu um D. Macedo, até estourar na A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 10 169 celeuma: “a Amazônia importa mais do que as províncias individualmente consideradas”? Trata-se de um circuito de mídias que potencializam a região, espaço intermediário entre o local e o nacional: das relaciones, cartas e mapas, transformam-se numa consolidada narrativa científica e acabam figurando no importante projeto enciclopedista. São vulgarizados nos textos incendiários de Jean Jacques Rousseau, até reingressarem na cultura política brasileira por meio de letrados pressurosos da incorporação das novidades literárias europeias e, ao mesmo tempo, em dar sentido ao seu próprio lugar no mundo. Foi com a transformação do Brasil numa república federativa, com a Constituição de 1891, que se passa a descrever mais ativamente a existência de uma Amazônia cultural, tendo a luta de emancipação pelo Acre desempenhado papel fundamental no contorno identitário e nativista. A partir de então, a expressão vai servir aos mais diversos objetivos políticos, sempre recheados de contornos míticos, patentes desde a expressão “celeiro do mundo” até “pulmão do mundo”. 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Inferimos que este tipo de acontecimento colabora com a constituição de uma rede de violência que ganha replicabilidade nas redes sociais digitais. PALAVRAS-CHAVE: Redes digitais; Estudo de caso; Caça às bruxas; Fabiane. Os processos emergentes redes de constituição sociais digitais das têm transformado a disseminação de conteúdos e informações, potencializando o empoderamento dos sujeitos por meio da expressão e vindicação, mas, ao mesmo tempo, aumentam a conflitualidade e a circulação de discursos de raiva e indiferença. Neste contexto, analisamos, à luz dos estudos da comunicação e ancorados no campo teórico-metodológico do estudo de caso, de que modo funciona o fenômeno da caça às bruxas e como se atualiza na contemporaneidade a ponto de, em 2014, uma dona de casa de 33 anos ter sido linchada THE INQUISITIVE BONFIRES IN DIGITAL SOCIAL NETWORKS: CASE STUDY “FABIANE, THE WITCH OF GUARUJÁ” ABSTRACT: The emerging digital social networks has transformed the dissemination of information, enhancing the empowerment of subjects through the possibilities of expression and vindication, but, at the same time, it increases conflict and the circulation of discourses of anger and indifference. We analyzed, through a case study, the phenomenon of the witch hunt, with a focus on the Fabiane case, “The Witch of Guarujá”. We infer that this type of event collaborates with the constitution of a network of violence that gains A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 no Guarujá após ser acusada de sequestrar crianças para praticar magia negra. Embora existam, na história, traços e valores-notícia desde o Império Romano, com a Acta Diurna, a mídia nasce em 1440, com a prensa móvel de Gutenberg. Este acontecimento é responsável pela revolução cultural jamais vista antes: a mídia impressa se torna o principal veículo de difusão de ideias, gerando uma demanda por alfabetização, crescimento do comércio e o aumento da circulação de livros (BRIGGS; BURKE, 2004). Capítulo 11 172 Sem esses fatores, o renascimento não teria sido possível. Porém, ao mesmo tempo em que a sociedade ocidental sai de seu – assim chamado pelos iluministas – período de trevas, o racionalismo ascende como corrente filosófica e muitas mulheres na Europa começam a ser alvos de discursos violentos que as acusavam de bruxaria, levando-as à condenação nas fogueiras dos inquisidores. Para Federici (2017), o fenômeno tem raízes nas transformações sociais que acompanharam o surgimento do capitalismo. Um exemplo é o caso do filósofo Thomas Hobbes que defendia a filosofia mecanicista cartesiana, mas também afirmava que embora a bruxaria contenha em si nenhum poder de efetivo, mas é justo que as castiguem pela falsa crença que têm de ser a causa do malefício e, ademais, por seu propósito de fazê-lo, se puderem (HOBBES, 1963 apud FEDERICI, 2017, p. 261).” Além disso, a publicação de manuais para inquisidores (como o Malleus Maleficarum, de 1486) logo no início da imprensa também têm uma participação considerável no processo. Crenças foram criadas, reforçadas e espalhadas pela sociedade e meios de comunicação da época. Neste sentido, o auge do fenômeno da Caça às Bruxas coincide com o surgimento da imprensa e, diante de acontecimentos como o caso de Fabiane de Jesus, é necessário problematizar sua atualização pois, de maneira sutil, mas eficaz, os elementos da linguagem podem se materializar tanto em enunciados da mídia tradicional quanto nas redes sociais on-line. Diante desta perspectiva histórica do surgimento da mídia, que se desenrola até o cenário atual, no qual as redes digitais assumem papel relevante na dinâmica da comunicação e da interatividade, analisamos como acontecimentos de uma era tão distante podem se materializar em diferentes dizeres do século XXI. Buscamos responder, neste artigo, à seguinte pergunta: De que maneira a Caça às Bruxas, evento ocorrido entre os séculos XV e XVII, pode influenciar e se materializar em discursos midiáticos, podendo estimular comportamentos e atitudes na contemporaneidade, como o caso de Fabiane de Jesus, a ‘Bruxa do Guarujá’? COMUNICAÇÃO E A RELEVÂNCIA DAS ALTERIDADES Marcondes Filho (2018) explica que todos os seres vivos emitem sinais, por isso tudo e todos são emissores. Alguns são passivos, no sentido de que apenas comunicam sua existência, por exemplo uma montanha que está presente ocupando seu campo de visão, enquanto os emissores ativos têm o poder de comunicar algo, fazer compreender uma mensagem por meio da negociação de sentidos, sedução e persuasão. Desta forma, não existe o lado negativo de comunicação. É como não se comportar: não demonstrar uma reação já é um comportamento. Porém, nesse cenário, precisamos estabelecer uma relação: a comunicação antecede o comportamento, pois quando ela é A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 173 efetiva, é recebida pelo outro em seu íntimo (MARCONDES FILHO, 2018). A essa intimidade, Marcondes Filho (2018) chama de alteridade. Notar o sinal do outro e ignorá-lo não é alteridade, haja vista que o receptor não permite a entrada do emissor. Nesse sentido, a comunicação sem alteridade é o que sustenta posturas anacrônicas, uma vez que o indivíduo busca mensagens que reforçam ideias já consolidadas por ele mesmo. O discurso produz efeitos de sentido e pode convencer sujeitos à ação. Se existe um enunciado, ele serve ou para reforçar dogmas pré-existentes, como a ideia de uma bruxa que precisa ser caçada ou para tentar quebrar essas concepções. Uma opção exclui a outra. Relevante ressaltar que nem toda relação é uma comunicação, mas toda comunicação é uma relação organizada pela linguagem. Por isso é preciso compreender que uma mensagem, ou seja, o pacote de representações que serve de ponto de passagem para as significações sociais, não pode ser desassociada de seu contexto. Nesta linha conceitual, Baitello (2014) afirma que o sentido é um conjunto de vínculos maiores que levam em conta o homem em sua dimensão histórica, política, social, psicológica e antropológica. Em outras palavras, compreende a complexidade da humanidade e das relações entre os indivíduos. Entendemos a cultura, na esteira de Baitello (2014), como a transmissão social de técnicas que permitem a durabilidade de uma informação no tempo por meio de processos de aprendizagem, o que nos leva a concluir que ela é a principal responsável pela produção de sentido em uma civilização. Essa transmissão entre sujeitos, ao longo do tempo, torna-se uma forma de comunicação, já que o processo de tornar algo comum é estabelecer, através da linguagem, uma relação que permite a sobrevivência da espécie para o conjunto de indivíduos nas estruturas sociais. Portanto, pertencer a uma cultura, a uma sociedade, é participar de processos de significação (PERUZZOLO, 2006). A ÉTICA NO ECOSSISTEMA DIGITAL É impossível falar sobre a dinâmica das mídias sociais digitais e não pensar nas questões de ética. No contexto atual, a discussão sobre se as redes são ou não reais já se tornou ultrapassada. A Web é real não só porque ela é, por si só, um ambiente de socialização, mas também porque invade a esfera presencial. Para Lévy (apud MERCURI, 2016), a virtualização é um processo de transformação do modo de ser num outro. O virtual não substitui o real, mas potencializa sua atuação. Essa extensão cria um novo ritmo no qual as velocidades e os meios de comunicação são acelerados. Mercuri (2016) faz uma leitura dos linchamentos virtuais como uma atualização dos linchamentos que existiram ao longo da história, como exemplifica o movimento de caça às bruxas. Existem algumas particularidades desta prática que são comuns a todos os A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 174 contextos: o linchamento é um crime coletivo, praticado por um conjunto de atores e que tem como fim a extinção do réu, pois acredita que isso restaurará a ordem social. A punição acontece de maneira pública, seja em ruas ou praças ou nas redes sociais virtuais, onde impera a justiça popular. Nela, indivíduos se unem para assumir o papel que, pela norma, seria do estado, sob a justificativa de legitimidade, já que pune um ato prévio que foi considerado condenável sob critérios que fogem do campo da legislação. Desta forma, qualquer ação pode acarretar um lichamento, cuja orientação do julgamento ocorre pela emoção dos participantes e não a imparcialidade da razão e a valorização dos fatos. Entender os linchamentos à luz da virtualidade implica em entender que, com a globalização, esses processos são elevados a uma potência avassaladora, haja vista que, como explica Baitello (2014), as ferramentas comunicativas, seja o papel ou o celular, amplificam as mensagens nos campos comunicativos: tempo, espaço e intensidades. Destarte, debater uma ética para o espaço digital requer compreender que os linchamentos virtuais — atualmente também chamados de cancelamentos — significa olhar para uma prática antiga que antecede à Web. Também é necessário abranger as particularidades deste fenômeno nas mídias e redes sociais on-line. Segundo Brasileiro e Azevedo (2020), nas redes, existem três fatores principais que formam o tripé do linchamento virtual: a denúncia, o julgamento e a punição. Ao confrontar, diretamente, coletivamente e publicamente o sujeito que cometeu um ato reprovável, os tribunais digitais comunicam e direcionam a situação de forma a distribuir os sentimentos coletivos contra um indivíduo, que passa a personificar todos os problemas que afligem uma sociedade. Esta dinâmica se revela também na estrutura de uma postagem que incita linchamento nas redes: como apontamos adiante no caso de Fabiane de Jesus, a ‘Bruxa do Guarujá’, a denúncia expõe nome e foto da vítima para que os demais usuários da web possam decidir a sua sentença. Os linchamentos são frutos de uma comunicação sem alteridade levada às últimas consequências, de maneira a transformar a violência simbólica, exercida através das palavras, em violência física, por meio dos golpes. Com isso, chegamos ao que Wolton (2011) considera como o grande desafio do século XXI: como coabitar com o outro, dando importância à sua existência, à sua identidade e à sua alteridade? Essa é a principal questão que norteia os esforços da comunicação, considerando que os meios técnicos e tecnológicos são imprescindíveis para que ela ocorra, comunicar-se, como vimos, não é algo de mão única, mas representa o estabelecimento de uma relação com o outro, sem subjugá-lo. Para Baitello (2014), a explosão informacional gera uma série de processos comunicativos que implicam na construção e na expansão de vínculos. Se entendermos essa concepção à luz da virtualização proposta Mercuri (2016), concluímos que o mundo virtual pode promover a reinterpretação de significados tanto quanto pode atualizar as estruturas sociais pré estabelecidas de maneira ainda mais violenta. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 175 Desta forma, é fulcral que se proponha e pratique uma ética que permeie o ciberespaço, pois caso contrário condutas e conceitos construídos historicamente serão repetidos ininterruptamente. METODOLOGIA: CAÇA ÀS BRUXAS NAS REDES DIGITAIS - ESTUDO DO CASO FABIANE, “A BRUXA DO GUARUJÁ” O estudo de caso é uma metodologia majoritariamente qualitativa, mas que também pode incluir evidências quantitativas, buscando responder questionamentos sobre um evento e/ou caso. É uma metodologia eficiente em inserir pesquisadores nas técnicas e métodos de pesquisa e integra um conjunto de ferramentas para levantamento e análise de informações (DUARTE, 2005). Como método, o estudo de caso olha para a realidade social, proporcionando uma análise intensiva realizada em uma única ou mais organizações reais, e reúne informações para entender a complexidade de uma situação. Yin define o estudo de caso como uma investigação empírica que pesquisa “um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”, segundo Yin (2001, p. 32). Essa metodologia compreende um “estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento”, conforme Gil (2002, p. 54). Esse tipo de estudo quer compreender fenômenos sociais complexos, sejam individuais, organizacionais, sociais ou políticos, permitindo que a investigação preserve as características integrais e significativas do evento ou caso (YIN, 2001). O estudo de caso não tem como objetivo proporcionar conhecimentos e características determinantes do evento ou caso estudado, mas o de “proporcionar uma visão global do problema ou de identificar possíveis fatores que o influenciam ou são por ele influenciados” (GIL, 2002, p. 55), permitindo identificar os diversos elementos que compõe uma situação ou problema e compartilhar o conhecimento gerado pela pesquisa, além de possibilitar que outros indivíduos depreendam suas considerações particulares (DUARTE, 2005). ORGANIZAÇÃO DOS DADOS PARA O ESTUDO DO CASO “A BRUXA DO GUARUJÁ” A criação de uma cultura de comunicação desafia as estruturas sociais que regem a nossa vida, pois como Wolton (2011) observa, a globalização acelera o pensamento utópico e escancara as dificuldades da comunicação que são, por sua vez, históricas e, sobretudo, de coabitação. Um caso que retrata essas dificuldades, na atualidade, e conversa com a história, é o linchamento de Fabiane Jesus, conhecida como “A Bruxa do Guarujá”. Fabiane Maria de Jesus era uma dona de casa de 33 anos, moradora de um bairro da periferia da cidade do Guarujá, na baixada santista. A versão mais aceita do que A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 176 aconteceu no dia 3 de maio de 2014 é que ela teria ido até a igreja para pegar uma bíblia que teria esquecido. Na volta para casa, encontrou uma criança na rua e a cumprimentou. A mãe desta criança a confundiu com uma suposta sequestradora que raptava crianças para praticar magia negra. A ‘notícia’ havia sido publicada em um jornal local e replicada na página de Facebook “Guarujá Alerta”, com o seguinte retrato: Figura 1: Retrato falado. Fonte: Internet, 2021. Após ser confundida com a suposta bruxa, Fabiane foi morta e linchada por parte da comunidade enfurecida. Sua agressão foi, inclusive, transmitida nas redes digitais. Os moradores da divisão 4 do bairro Morrinhos amarram-na, a agrediram e a levaram para os fundos do bairro: Figura 2: Imagem do linchamento. Fonte: Internet, 2021. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 177 Os vizinhos denunciaram a agressão à Polícia Militar, porém as viaturas tiveram dificuldades de chegar ao local por conta da multidão. Os policiais conseguiram resgatá-la, ela chegou a ser socorrida e internada em estado crítico no Hospital Santo Amaro, também em Guarujá. Enquanto ela era levada pelos policiais em uma maca, é possível escutar gritos de “assassina” ao fundo: Figura 3: Fabiane em atendimento médico. Fonte: Internet, 2021. A imagem do retrato falado que influenciou a percepção da comunidade surgiu em 2012, como explica Fonseca e Rantin (2017), no contexto em que a polícia carioca investigava uma mulher suspeita de ter esfaqueado outra para sequestrar sua filha recém nascida. Depois, ressurgiu em 2014 sob o boato de uma sequestradora de crianças do Rio de Janeiro, em uma postagem, agora já excluída, que chegou aos 8 mil compartilhamentos. Apesar do jornal “Entre Rios” ter desmentido a informação no mesmo dia, o periódico “Pontal de Notícias” publicou o retrato falado com a seguinte nota: A mulher do retrato falado acima é uma criminosa que tentou sequestrar uma criança em uma creche em Pontal do Paraná. Segundo informações, essa moça sequestra crianças para praticar magia negra e está sendo procurada pela polícia por ser acusada de sequestrar mais de 30 crianças. (HERMAN, 2014 apud FONSECA; RANTIN, 2017, p. 2). Fonseca e Rantin (2017) identificam uma série de elementos visuais como itens que constroem o imaginário coletivo de modo a orientar e provocar uma ação violenta por parte dos receptores de determinada mensagem. No caso de Fabiane, os símbolos listados pelos autores são as ideias de bruxa, cabelo, criança, fruto, livro e fogo que, ao serem reconhecidos pelos receptores, ajudam na criação de um bode expiatório que se torna a A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 178 vítima ideal para que a violência se canalize, por meio de um movimento organizado, com o objetivo de restaurar uma suposta ordem social. Em outras palavras, como explica Jackson (1987), o bode expiatório concentra em sua figura um mal maior que ele mesmo. Em 1692, uma histeria coletiva tomou conta do vilarejo de Salem, estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, após a filha de nove anos do reverendo Parris ter sido diagnosticada pelo médico do vilarejo como vítima de bruxaria. De início, três pessoas foram acusadas: Tituba, uma mulher escravizada trazida da América do Sul, Sarah Good, uma mendiga excêntrica e Sarah Osborne, uma idosa adoentada; pessoas que já cabiam nos moldes do papel de bruxa no imaginário popular. Apesar das redes on-line terem um papel fundamental no linchamento de Fabiane, a mensagem é mais antiga, remontando ao contexto da imprensa de Guttenberg de 1440, quando a propaganda religiosa sobre as “servas de Satã” replicava tal como um meme viraliza no ecossistema digital. Sollée (2017) argumenta que a partir da publicação do primeiro manual de inquisidores em 1489, o Malleus Maleficarum de Heinrich Kramer, que foi impresso em grande escala até 1669, houve um impacto significativo em como os europeus viam a figura da bruxa. Além dos textos escritos, a edição contava também com ilustrações e propunha uma narrativa visual da bruxaria. O processo de impressão dá origem à cultura da mimese, que contribui para espalhar o pânico acerca da bruxaria, consolidando a intolerância e a violência simbólica. Figura 4: Postagem na página “Guarujá alerta”. Fonte: Internet, 2021. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 179 Figura 5: Postagem na plataforma Facebook. Fonte: Internet, 2021. Para Mercuri (2016), o discurso de raiva e desprezo à face do outro está incluso no linchamento virtual e fomenta a violência para além das redes. A propaganda religiosa sobre as ‘”servas de Satã” replicavam tal como um meme viraliza, hoje, no ecossistema digital. Sollée (2017) acredita que por mais que a era da Caça às Bruxas tenha acabado oficialmente, a caça às bruxas não terminou e ainda faz vítimas como Fabiane de Jesus e o caso do Guarujá, revelando o poder do boato e do coletivismo na prática da vingança e suposta recuperação da ordem comunitária. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para compreender a prática dos linchamentos virtuais é preciso entendê-los não apenas como um fenômeno das redes on-line, já que os efeitos ultrapassam o digital e atingem o sujeito na cotidianidade. Necessitamos pensar em uma ética pró-ativa e adaptativa às diversas mídias que possibilitam a circulação de informação e desinformação, estimulando práticas de vingança e justiça próprias, como o caso em análise. Segundo Wolton (2011), as dificuldades da comunicação são históricas e foram perpetuadas pela linguagem, uma vez que ela intermedeia a relação dos sujeitos com o mundo. Sollée (2017) define a metáfora “caça às bruxas” como uma perseguição justificada A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 180 por uma reprovação moral, uma alegação de intenção subversiva, uma conspiração ou uma traição encoberta. O caso de Fabiane ilustra que essa concepção não está longe da realidade, seja pelo fator da temporalidade seja pelo espaço e que precisamos entender como esse fenômeno, como aponta Lévy (apud MERCURI, 2016), foi atualizado através do processo de virtualização. Por meio do compartilhamento acelerado de textos, fotos e acusações, os tribunais digitais comunicam e direcionam os acontecimentos para que os sentimentos coletivos e as ações decorrentes deles sejam distribuídas contra o suposto errante. Essa distribuição, por sua vez, ocorre por meio da disseminação de discursos violentos que criam vítimas e se perpetue a agressão para além das redes on-line, como o caso de Fabiane. Para Mercuri (2016), uma vez que um linchamento virtual é instaurado, ocorre uma verdadeira caçada às “bruxas” que, por sua vez, podem ser qualquer pessoa considerada culpada pelos justiceiros. Neste sentido, a luta contra as notícias falsas e as mentiras que se espalham nos dias atuais, tal como no período da caça às bruxas, é sobretudo cibernética. Embora, como dito por Butler (1997), não haja maneira de ‘purificar’ a linguagem de seu passado traumático, é possível utilizar as palavras que eram usadas para oprimir de maneira estratégica, como forma de resistência ao mal e à maldade que são próprios do ser humano. Entender a propagação de discursos de vingança por meio de casos concretos é essencial para que se evitem injustiças e crimes hediondos, como o de Fabiane de Jesus. As redes sociais digitais são um lugar propício para se descontruírem narrativas e se produzirem as condições habitativas da convivência, haja vista que a comunicação, como defende Wolton (2011), consiste num espaço simbólico para que as coisas possam ser ditas pelas palavras, não pelos golpes e pela violência contra a face do outro. REFERÊNCIAS BAITELLO, Junior, Norval. A era da iconofagia: reflexões sobre a imagem, comunicação, mídia e cultura. São Paulo: Paulus, 2014. BRASILEIRO, Fellipe Sá; AZEVEDO, Jade Villar. Novas práticas de linchamento virtual: fachadas erradas e cancelamento de pessoas na cultura digital. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación. V. 19, n. 34. 2020. BRIGGS, A; BURKE, P. Uma história social da mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. BUTLER, Judith. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge. 1997. CASTRO, João Paulo. Moradores se reúnem para agredir mulher em bairro de Guarujá, SP. G1 Santos e Região. 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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 11 182 CAPÍTULO 12 EQUILÍBRIO DE BAIXO NÍVEL: UM PANORAMA BIBLIOMÉTRICO DAS PUBLICAÇÕES DE MAIOR FATOR DE IMPACTO Data de aceite: 01/02/2022 Cícero Pereira Leal Doutorando em Ciências Sociais – Unisinos; Mestre em Gestão Econômica do MeioAmbiente – Universidade de Brasília – UnB; Graduado em Economia – UnB; Técnico em Segurança do Trabalho – SESC/ DF; Professor da Escola Superior de Gestão – ESG/DF e Perito Judicial -TRF/TJDFT/CJF; Rogério Galvão de Carvalho Doutorado em andamento em Ciências Empresariais e Sociais - Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales, UCES, Argentina; Mestrado em Economia Universidade Católica de Brasília (Conceito CAPES 6), UCB/DF, Brasil; Especialização em Especialização em Direito Público - Centro Universitário Estácio Brasília, Estácio Brasília, Brasil; Graduado em Economia - Centro Universitário de Brasília, UniCEUB, Brasil José Antônio Rodrigues do Nascimento Doutorando em Ciências Sociais – Unisinos; Mestre em Economia – UnB; Especialista em Administração Financeira - ICAT Instituto de Cooperação e Assistência Técnica; Graduado em Administração de Empresas - AEUDF Associação de Ensino Unificado do DF; Experiencia Acadêmica nas funções de professor e coordenador na graduação e pós-graduação: UniCEUB; AEUDF; Faculdade Projeção; IESB; FAJESU e UNIPLAN Kleydson Jurandir Gonçalves Feio Mestrando em Economia – UnB; Especialista em Finanças Públicas – Universidade Gama Filho - UGF; Especialista em Logística A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Reversa – Faculdade Grande Fortaleza FGF; Graduado em Economia – Universidade Federal do Pará – UFPa. Bacharel em Administração – Faculdade Unibrasília; Professor da Faculdade Unibrasília RESUMO: O objetivo do trabalho foi aferir a evolução dos estudos sobre o equilíbrio de baixo nível nos últimos 75 anos, em revistas especializadas. A armadilha de equilíbrio de baixo nível é um conceito em economia desenvolvido por Richard R. Nelson, no qual, em baixos níveis de renda per capita, as pessoas são pobres demais para economizar e investir, e esse baixo nível de investimento resulta em taxa de crescimento menor na economia e na renda nacional. Quando a renda per capita se eleva acima de um certo nível mínimo, uma proporção crescente da renda será economizada e investida, o que levará a uma maior taxa de crescimento da renda. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, utilizando o enfoque meta-analítico. Foram seguidos os sete passos do método e foram identificadas as principais revistas e autores. PALAVRAS-CHAVE: Equilíbrio de Baixo Nível, Enfoque Meta-Analítico, Bibliometria, Fator de Impacto LOW LEVEL EQUILIBRIUM: A BIBLIOMETRIC OVERVIEW OF PUBLICATIONS WITH THE GREATEST IMPACT FACTOR ABSTRACT: The objective of the research was Capítulo 12 183 to assess the 75-year evolution of studies on low-level equilibrium in specialized magazines. The low-level equilibrium trap is a concept in economics developed by Richard R. Nelson, in which, at low levels of per capita income, people are too poor to save and invest, and this low level of investment results in a lower growth in the economy and national income. When per capita income rises above a certain minimum level, an increasing proportion of income will be saved and invested, which will lead to a higher rate of income growth. The methodology used was exploratory bibliographic research, using the meta-analytical approach. The seven steps of the method were followed and the main journals and authors were identified. KEYWORDS: Low-Level Equilibrium, Meta-Analytical Approach, Bibliometry, Impact Factor EQUILIBRIO DE BAJO NIVEL: UNA VISIÓN BIBLIOMÉTRICA DE LAS PUBLICACIONES CON MAYOR FACTOR DE IMPACTO RESUMEN: El objetivo del estudio fue evaluar la evolución de los estudios sobre el equilibrio de bajo nivel en los últimos 75 años, en revistas especializadas. La trampa del equilibrio de bajo nivel es un concepto en economía desarrollado por Richard R. Nelson, en el cual, a bajos niveles de ingreso per cápita, la gente es demasiado pobre para ahorrar e invertir, y este bajo nivel de inversión resulta en un menor crecimiento en la economía y la renta nacional. Cuando la renta per cápita supera un cierto nivel mínimo, se ahorrará e invertirá una proporción cada vez mayor de la renta, lo que dará lugar a una mayor tasa de crecimiento de la renta. La metodología utilizada fue la investigación bibliográfica exploratoria, utilizando el enfoque metaanalítico. Se siguieron los siete pasos del método y se identificaron las principales revistas y autores. PALABRAS CLAVE: equilibrio de bajo nivel, enfoque metaanalítico, bibliometría, factor de impacto. INTRODUÇÃO Em um estudo realizado por Spiller e Savedoff (1999), para alguns países da América Latina, observou-se que os governos apresentam tendência para fixar preços abaixo do equilíbrio financeiro para o setor de abastecimento de água. Percebeu-se que isto provoca um desequilíbrio econômico-financeiro para as empresas públicas e privadas no que tange a oferta dos seus respectivos serviços. Com essa política de preços baixos as empresas não realizam investimentos e a receita é comprometida para pagamento de salários, inviabilizando a expansão e qualidades dos serviços. Quando o sistema é operado por empresa pública, os investimentos do setor supracitado ficam condicionados a repasses orçamentários do governo central, ou seja, a empresa pública precisa de auxílio para arcar com os seus compromissos financeiros. De acordo com Spiller e Savedoff (1999) o resultado é a ineficiência das empresas, serviços de baixa qualidade e falta de expansão para novos consumidores. Com esse modelo de produção ineficiente e sem o suporte político, cria-se um “oportunismo” no qual o governo conserva os preços baixos, provocando um modelo vicioso, gerando um “Equilíbrio de Baixo Nível” (EBN). O objetivo do modelo de Spiller e Savedoff (1999, p. 2) e os estudos A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 184 de Farias, Nogueira e Mueller (2005) é avaliar o equilíbrio financeiro das empresas prestadoras de bens e serviços de saneamento básico, bem como os impactos decorrentes deste desequilíbrio. Ao longo desse período, o país experimentou racionamento de água e não avançou na difusão dos serviços de coleta e tratamento de esgoto na velocidade planejada. Como resultado os salários pagos, aos trabalhadores do referido setor, são muito baixos e isso pode comprometer o crescimento da economia. Por isso o objetivo do presente trabalho é mensurar e analisar a evolução dos estudos sobre o equilíbrio de baixo nível nos últimos 75 anos em revistas especializadas. REVISÃO BIBLIOGRAFICA A armadilha de equilíbrio de baixo nível é um conceito em economia desenvolvido por Richard R. Nelson, no qual, em baixos níveis de renda per capita, as pessoas são pobres demais para economizar e investir, e esse baixo nível de investimento resulta em taxa de crescimento menor na economia e na renda nacional. Quando a renda per capita se eleva acima de um certo nível mínimo, uma proporção crescente da renda será economizada e investida, o que levará a uma maior taxa de crescimento da renda (NELSON, 1956). Em conformidade com Nelson (1956) os problemas das economias subdesenvolvidas podem ser entendidos como um nível de equilíbrio constante da renda per capita ou próximo aos requisitos de subsistência. Nesse nível de equilíbrio estável baixo, a taxa de investimento e a poupança são baixas. Se a renda per capita for aumentada acima do nível mínimo de subsistência, isso incentivará o crescimento da população. Na opinião de Nelson, existem quatro condições que são propícias para armadilha de equilíbrio de baixo nível: 1) Uma alta correlação entre o nível de renda per capita e a taxa de crescimento populacional; 2) Baixa propensão a direcionar renda per capita adicional ao aumento do investimento per capita; 3) Escassez de terras aráveis não cultivadas e 4) Métodos de produção ineficientes. Vale destacar que essas hipóteses de Nelson foram pensadas para 1956, momento no qual não se observou a variável “tecnológica” (NELSON, 1956). Segundo Nelson (1956), as principais causas do crescimento populacional na maioria dos países subdesenvolvidos nas últimas décadas têm sido a redução nas taxas de mortalidade devido a melhorias na saúde pública e no controle de epidemias e endemias, que não estavam intimamente relacionados ao aumento anterior do nível de renda per capita. Assim sendo, é primordial que os governos ofertem bens e serviços (saneamento básico) que possam contribuir para minimizar essas doenças provocadas por falta de infraestrutura básica. Segundo Rohit Bura (1998) a teoria de Nelson (1956) possui pelo menos 02 (dois) problemas: Em primeiro lugar, a teoria pressupõe que um aumento na renda per capita até certo ponto leva a um aumento na taxa de crescimento da população por meio do declínio de morte. Mas o declínio na taxa de mortalidade em países subdesenvolvidos se deve mais A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 185 a melhorias na saúde pública e nas instalações médicas do que ao aumento nos níveis de renda per capita. Em segundo lugar, a relação funcional entre o nível de renda per capita e a taxa de crescimento da renda total não é tão simples quanto se supõe na teoria (BURA, [s.d.], [1957?]). Apesar das críticas, Richard R. Nelson publica em 1960, um estudo denominado “Growth Models and the Escape from the Low-Level Equilibrium Trap: The Case Of Japan” no qual os modelos de crescimento agregado são percebidos como ferramentas problemáticas para análise do crescimento econômico. Dessa foram, se o crescimento econômico for definido como um aumento da renda per capita, esses modelos não explicam o crescimento. Enquanto os parâmetros permanecerem fixos, eles impedem o crescimento. Pode-se deduzir uma taxa de equilíbrio de crescimento da renda nacional e um nível de equilíbrio da renda per capita. Embora esses modelos expliquem o crescimento da renda nacional total, o crescimento da renda per capita só pode ser explicado como movimentos em direção a um novo e maior equilíbrio resultante de mudanças nos parâmetros do modelo. Eles podem explicar uma “fuga da armadilha de equilíbrio de baixo nível, “ e “ o crescimento autossustentado” (NELSON, 1960). Para Strand (2012), entende que a heterogeneidade dos serviços de utilidade pública é comum nos países em desenvolvimento. Em um equilíbrio de “alto nível”, a qualidade dos serviços de utilidade (ex. saneamento) é alta, e com isso a disposição do consumidor em pagar pelos serviços é elevada, a concessionária é bem financiada e uma equipe bem paga para induzir um desempenho de alta qualidade. Em um equilíbrio de “baixo nível”, o oposto acontece. Dessa forma, a qualidade da prestação dos serviços da concessionária e a percepção do público sobre a qualidade do serviço podem indicar a existência do Equilíbrio de Baixo Nível. Segundo Strand (2012) o seu modelo se relacione com várias vertentes da literatura, todavia, nenhuma análise é satisfatória e diretamente comparável com múltiplos equilíbrios nos mercados de entrega de infraestrutura existente atualmente. Os mecanismos de “aprisionamento”, nomeadamente um nível inadequado de fundos para libertar a economia da armadilha (em Nelson para investimento; aqui para recompensar a concessionária pelo esforço), são semelhantes no modelo Strand de 2012 e de Nelson de 1956. Outra vertente da literatura lida com centralização versus descentralização de serviços de utilidade pública. Estudos realizados em países da América Latina, para verificar a existência do equilíbrio de baixo nível, apresentaram, em maior ou menor grau, a presença de um modelo de gestão centralizado, gerando sistemas de provisão de água com características do EBN. Walker et al. (1999) verificaram tal circunstância em Honduras; Tamayo et al. (1999), no país Peruano; Ozuna e Gomez (1999), no modelo do México; Morandé e Doña (1999), nas companhias do Chile; e Artana; Navajas e Urbiztondo (1999), no caso da Argentina. Assim em conformidade com Spiller e Savedoff (1999) foi observado que os governos apresentam tendência para fixar preços abaixo do equilíbrio financeiro para o setor de abastecimento A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 186 de água, provocando um desequilíbrio econômico-financeiro para as empresas públicas e privadas que ofertam os serviços. Com a aplicação desse modelo, a redução na qualidade dos serviços e um baixo índice de cobertura são os resultados dessa política. Ademais, com os preços baixos as empresas não realizam investimentos e a receita é comprometida para pagamento de salários, inviabilizando a expansão e a qualidade dos serviços. Quando o sistema é operado por empresa pública, os investimentos no setor ficam condicionados a repasses orçamentários do governo central (SPILLER; SAVEDOFF, 1999). Devido a essas políticas e à falta de credibilidade, as empresas privadas não efetivam investimentos no setor de fornecimento de água. As empresas privadas maximizam o lucro e minimizam os riscos. E caso existam empresas privadas no setor, a política de preços baixos, induz à redução de perdas, custos e investimentos necessários para a manutenção e o fornecimento dos serviços. Dessa forma, esse modelo provoca manutenção do setor com um Equilíbrio de Baixo Nível com pouca possibilidade de mudança (FARIAS, NOGUEIRA e MUELLER, 2005). O Equilíbrio de Baixo Nível apresenta elevados custos sociais e merece prioridade na agenda do governo para não permanecer nesse modelo. Eles ainda observam que a falta do suporte político faz com que os governos mantenham os preços baixos (FARIAS, NOGUEIRA e MUELLER, 2005). Ao analisar essa opção dos governos de usar o EBN, Spiller e Savedoff (1999) questionam algumas das soluções por identificarem possíveis falhas. As principais falhas identificadas são: primeiro, o fato de que um aumento de preço, sem regras definidas, não é uma resposta eficiente; segundo, outra solução que não resulta em êxito é a implantação de um novo modelo de gestão nas operadoras públicas baseado em contratos de desempenho. Com esses contratos o governo estimula a operadora oferecendo uma parte do lucro incrementado pelo bom desempenho; uma terceira solução é promover contratos do tipo BOTs – Build, Operate and Transfer, que é uma forma de financiamento de projeto, em que uma entidade privada recebe uma concessão do setor público ou privado para financiar, projetar, construir, possuir e operar uma instalação declarada no contrato de concessão. Dessa forma, observa-se que as soluções propostas são insuficientes para mudar as Evidências do Equilíbrio de Baixo Nível (SPILLER; SAVEDOFF, 1999). Para Spiller e Savedoff (1999, p. 20), o ideal seria ter um modelo no qual o poder discricionário do governo fosse limitado na determinação dos preços, sendo necessário que a empresa tivesse autonomia financeira e gerencial com base em três mecanismos demonstrados: i) restrições importantes devem estar incluídas de uma forma clara no contrato; ii) limitações sobre a possibilidade de alterações contrato; e iii) e que haja instituições de controle para acompanhar a execução do contrato. Faria, Faria e Mota (2003) apresentam um estudo para entender a questão dos serviços de saneamento no Brasil, com bons indicadores de atendimento, se são sustentáveis a longo prazo. Para compreender esse tema, os autores usaram a Teoria do Equilíbrio de Baixo Nível (EBN) de Spiller e Savedoff (1999). Com base nessa teoria A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 187 e com algumas condições iniciais que não limitem a intervenção política nas companhias de saneamento, gera-se um “oportunismo político” com preços abaixo dos custos dos serviços, provocando vários resultados indesejáveis e que repetem o ciclo vicioso de baixa desempenho dos serviços. De acordo com as hipóteses da EBN, as empresas com índices de atendimento adequado não estão isentas de apresentar indicadores de equilíbrio de baixo nível. Nesse sentido - Faria, Nogueira e Mueller (2005) realizaram um estudo de caso da Companhia de Saneamento Básico do Distrito Federal. Considerando as hipóteses da Teoria do Equilíbrio de Baixo Nível, o estudo pode ser refletido para outras empresas que trabalhem de maneira institucionalmente semelhante com a ausência de apoio político direta ou indiretamente. No primeiro caso, o governo não realiza ou retarda o equilíbrio econômico-financeiro, reduzindo o fluxo de caixa da companhia, provocando realocação de recursos públicos para a manutenção dos serviços. No segundo caso, os reajustes ocorrem, porém com ausência de apoio político direto, as manifestações contrárias ocorrem e geram uma deterioração do capital político muito representativo (FARIA, FARIA, MOTA, op. cit.). Corroborando com a Teoria do Equilíbrio de Baixo Nível, Faria, Nogueira e Mueller (2005), apresentam um artigo examinando a EBN no seguimento de saneamento urbano brasileiro, conforme o modelo de Spiller e Savedoff (1999). Com base na EBN e suas premissas de viés de oportunismo do governo, constata-se o uso de preços abaixo dos custos de produção dos serviços, a deficiência de investimentos e a precariedade dos serviços disponibilizados à sociedade. Os resultados apresentados demonstram a existência de Equilíbrio de Baixo Nível, para o Brasil a exemplo de países da América Latina, para a qualidade dos serviços de abastecimento urbano de água e de esgotamento sanitário. MÉTODOS A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica de caráter exploratório por meio do enfoque meta-analítico. O enfoque meta analítico utiliza o critério de impacto de revistas e artigos para a escolha do material a ser utilizado. Tem como objetivo combinar bases de dados conceituadas, para dessa forma apresentar um aporte de material válido. O enfoque meta-analítico possibilita obter os melhores autores, artigos e revistas, e realizar uma análise das técnicas estatísticas, das amostras, das linhas mais pesquisadas e das abordagens utilizadas (MARIANO, GARCIA CRUZ, ARENAS GAITAN, 2011). De acordo com Ramirez Correa e Garcia Cruz (2005), o enfoque meta-analítico pode ser realizado em 4 etapas: 1) Determinação de artigos base para estudo; 2) Leitura de artigos, exclusão e inclusão de estudos; 3) Construção da base de dados e 4) Análises e exposição dos resultados. Por outro lado, Mariano, Garcia Cruz e Arenas Gaitan (2011), entendem que o estudo pode ser ampliado em até 7 etapas. Nesse trabalho, adotaram- A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 188 se as 7 etapas descritas conforme a seguir: 1) Análise e apresentação das revistas da disciplina, e reconhecer as revistas mais utilizadas no contexto estudado; 2) Selecionar as revistas significativas do tema, utilizando com critério o fator de impacto ISI, que é calculado somando as citações dos artigos recebidas no ano do cálculo do fator de impacto e dividindo esse número pela quantidade de artigos publicados nos dois anos antecedentes a esse cálculo, Institute for Scientific Information (1998) apud Calazans, Masson e Mariano (2015), e quantidade de citações segundo SCIamo Journal&Country; 3) Coleta de dados para alimentação da base de dados - consiste no filtro, as palavras-chave do tema e as publicações escolhidas anteriormente; 4) Análise dos autores e artigos - Compreende o cálculo da média anual de artigos sobre o tema pesquisado, e suas citações. Identificando os autores que mais publicaram sobre o tema; 5) Determinação dos Enfoques Teóricos de Pesquisa – trata de identificar os principais enfoques teóricos acerca do tema; 6) Análise das Palavras-Chave – propicia importantes subsídios a respeito do desenvolvimento do tema em questão e das linhas de pesquisa e 7) Estudo das relações dos artigos selecionados anteriormente. ANÁLISE E APRESENTAÇÃO Conforme apresentado antes, passaremos a demonstrar as etapas do trabalho com o enfoque meta-analítico. Etapa 1 - Análise e apresentação das revistas da disciplina Esse estudo foi desenvolvido usando as bases de dados da plataforma ISI Web of Science (WoS) no período de 1945 a 2020, com acesso no dia 30/11/2020, utilizando o descritor “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível), com base nas 452 revistas da principal coleção da plataforma WoS. Segundo Garcia; Ramirez, (2004) apud Calazans; Paldês e Mariano, (2015) a ISI Web of Science é designada mundialmente como uma das mais excelentes e completas bases de dados do mundo (INSTITUTE FOR SCIENTIFIC INFORMATION, 1998) apud (MARIANO; GARCIA CRUZ; ARENAS GAITAN, op. cit.). O estudo pesquisou as revistas relacionadas aos principais congressos e encontros relacionados ao tema da palavra-chave da pesquisa. A base do ISI Journal Citation Report Edition apresentou 452 revistas, considerando o domínio relacionado ao tema. Etapa 2 - Seleção de revistas relevantes da disciplina As revistas foram selecionadas segundo o fator de impacto ISI (Institute for Scientific Information). Dessa base, foram selecionadas as revistas com maior fator de impacto apresentadas na tabela 1. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 189 Revista Fator de Impacto ENERGY & ENVIRONMENTAL SCIENCE 30.289 NATURE CLIMATE CHANGE 20.893 NATURE SUSTAINABILITY 12.080 GLOBAL ENVIRONMENTAL CHANGE-HUMAN AND POLICY DIMENSIONS 10.466 FRONTIERS IN ECOLOGY AND THE ENVIRONMENT 9.295 WATER RESEARCH 9.130 REMOTE SENSING OF ENVIRONMENT 9.085 JOURNAL OF HAZARDOUS MATERIALS 9.038 ENERGY POLICY 5.042 APPLIED CATALYSIS A-GENERAL 5.006 Tabela 1. Revistas com maior fator de impacto (acima de 5.0). Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria. Etapa 3 - Coleta de dados para alimentação da base de dados Identificadas as revistas com maior fator de impacto e/ou citações, foi realizada a busca “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível) no espaço temporal de setenta e cinco anos (1945-2020). O resultado nas revistas consultadas foi de 34 artigos na Web of Science sobre o tema. A tabela 2. Apresenta as Revistas que mais foram citadas sobre esse tema. Vale destacar que dos 34 artigos apenas 24 receberam 01(uma) ou mais citações. Revistas Citações AMERICAN ECONOMIC REVIEW 184 BRITISH JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE 141 JOURNAL OF ECONOMIC GROWTH 104 INTEGRATIVE AND COMPARATIVE BIOLOGY 94 ARCHIVES OF ENVIRONMENTAL CONTAMINATION AND TOXICOLOGY 76 WATER RESOURCES RESEARCH 40 SOIL & TILLAGE RESEARCH 28 JOURNAL OF MACROECONOMICS 11 EUROPEAN ECONOMIC REVIEW 10 Tabela 2. Revistas mais citadas (acima de 10). Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria Com relação ao quantitativo de publicação e citações, por ano, referente ao tema, observamos que o primeiro registro foi no ano de 1956 e 1960, com uma lacuna sem publicações e citações até o ano de 2003. No entanto, foi possível encontrar literatura sobre o tema “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível), nos anos de 1999, 2003, A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 190 2004 e 2005. Etapa 4 - Análise dos autores e artigos Os autores, que possuem artigos mais citados, estão apresentados na Tabela 3. É possível inferir dessa informação que, ao longo do período de 1945 a 2020, ocorreu uma oscilação quanto ao quantitativo de autores vs citações, não sendo possível projetar uma tendência, quanto ao tema. Citações Ano NELSON, RR 184 1956 DEMOCRATIZATION BACKWARDS: THE PROBLEM OF THIRD-WAVE DEMOCRACIES ROSE, R; SHIN, DC 141 2001 CONTINUOUS SURVEILLANCE OF ORGANOCHLORINE COMPOUNDS IN HUMAN BREAST MILK FROM 1972 TO 1998 IN OSAKA, JAPAN KONISHI, Y; KUWABARA, K; HORI, S 76 2001 Artigos Autores A THEORY OF THE LOW-LEVEL EQUILIBRIUM TRAP IN UNDERDEVELOPED ECONOMIES Tabela 3. Autores com artigos mais citados/ano. Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria. No Gráfico 1, podemos observar que de 1956 a 2009, ocorreram várias oscilações, quanto a citações referente ao tema. Já em 2010, notamos a tendência de declínio nos números de citações que tratam de palavras-chave “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível), em todo o período estudado foram contabilizados 741citações. Gráfico 1. Citações vs Anos referente ao tema Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 191 Ao todo, os artigos do período receberam 697 citações, do total de 741 citações de toda a base da Web of Science. Isso corresponde a 94,46% das citações. Dos 10 autores, só 1 autor produziu no período selecionado dois artigos. Esses dados permitem concluir que todos esses autores têm um significativo fator de impacto na literatura sobre “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível). Etapa 5 - Determinar Linhas e Enfoques Teóricos de Pesquisa Na Tabela 6, apresentamos as principais linhas de pesquisa e enfoques que trataram do tema “low level equilibrium” (Equilíbrio de Baixo Nível). As linhas de pesquisa que mais trataram do estudo proposto foram: business economics (13 citações) e environmental sciences ecology responsáveis por 7 citações, representado 58,82% do total das linhas de pesquisa. Linhas de pesquisa % of 34 Registros 13 38.235 ENVIRONMENTAL SCIENCES ECOLOGY 7 20.588 DEVELOPMENT STUDIES 4 11.765 TOXICOLOGY 3 8.824 WATER RESOURCES 2 5.882 BUSINESS ECONOMICS Tabela 6. Linhas de pesquisas. Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria Etapa 6 -Análise das Palavras-Chave. Com a finalidade de saber o rumo das novas pesquisas, foram usados critérios objetivos através de uma busca das palavras-chave. Essas palavras revelam características próprias de cada trabalho, permitindo agrupar os estudos e classificá-los. O Gráfico 2 apresenta as 15 palavras-chave que obtiveram mais citações. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 192 Gráfico 2. Palavras-Chave vs Citações. Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria. Etapa 7: Estudo das Relações É importante investigar quais os enfoques que mais foram abordados, em que locais se têm aplicado as pesquisas (meio acadêmico ou indústria), qual a amostra, entre outras informações. A análise foi realizada considerando todos os 17 autores que abordaram o tema com seus artigos. A Tabela 7 apresenta parte da análise considerando os autores mais citados no período de 1956 a 2020. Autores Artigos/ano Enfoque NELSON, RR A theory of the low-level equilibrium trap in underdeveloped economies/1956 O estudo avalia os problemas das economias subdesenvolvidas que podem ser entendidos como um nível de equilíbrio constante da renda per capita ou próximo aos requisitos de subsistência. Nesse nível de equilíbrio estável baixo, a taxa de investimento e a poupança são baixas A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 193 Rose, R; Shin, DC Os países da terceira onda de democratização introduziram eleições competitivas antes de estabelecer instituições básicas de um Estado moderno, como o Estado de Direito, as instituições da sociedade civil e a responsabilidade dos governadores. Em contraste, os países da primeira onda de democratização tornaram-se Estados modernos antes da introdução do Democratization backsufrágio universal. Por terem se democratizado ao wards: The problem of contrário desses, a maioria dos países da terceira third-wave democraonda são democracias incompletas. As democracias cies/2001 incompletas podem se desenvolver de três maneiras diferentes: podem completar a democratização; repudiar eleições livres e se voltar para uma alternativa não democrática; ou cair em uma armadilha de equilíbrio de baixo nível em que as inadequações das elites são acompanhadas por baixas demandas e expectativas populares. Bloom, DE; Canning, D; Sevilla, J Testa a visão de que as grandes diferenças nos níveis de renda que vemos em todo o mundo são devidas a diferenças na geografia intrínseca de cada país em comparação com a visão alternativa de que existem armadilhas da pobreza. Rejeitando Geography and poverty o determinismo geográfico simples em favor de um traps/2003 modelo de armadilha da pobreza com equilíbrios de alto e baixo nível. O estado de equilíbrio de alto nível é considerado o mesmo para todos os países, enquanto a renda no equilíbrio de baixo nível e a probabilidade de estar no equilíbrio de alto nível são maiores em países frios e costeiros. Tabela 7. Linhas de pesquisas. Fonte: Web of Science (2020) - Elaboração própria CONSIDERAÇÕES A finalidade do estudo foi avaliar a evolução das publicações sobre o tema “Equilíbrio de Baixo Nível” no período de 1945 a 2020, utilizando a abordagem meta-analítico. A metodologia da pesquisa foi a bibliográfica de especificidade exploratório, efetivando uma revisão com o enfoque meta-analítico. Foram empregados os sete passos desse método e, inicialmente, identificamos e selecionamos as revistas de maior fator de impacto do domínio estudado. Os dados permitiram identificar que o crescimento do quantitativo de artigos sobre esse assunto apresenta várias oscilações no decorrer do período observado, com um sinal de declínio nas duas primeiras décadas do século XXI, demonstrando a importância da retomada do tema nas agendas de pesquisas e/ou a revisitação dos estudos já apresentados para um melhor entendimento, questionamento e contribuições substantivas para o estado as artes. Com relação aos autores e artigos, verificou-se o interesse de 7 países com relação ao tema proposto. A determinação dos enfoques e a análise das palavras-chave e relacionamentos permitiram inferir que alguns artigos apresentam o tema Equilíbrio de Baixo Nível em outros campos de pesquisas (saúde, agricultura, mercado de trabalho, química e outros). Foi possível identificar que a maior parte dos artigos citados realiza A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 194 avaliação empírica ou estudo experimental com relação ao tema. Aplicando as sete fases do enfoque meta-analítico, foi possível identificar os artigos dos autores mais citados nas revistas com maior fator de impacto, que acompanham as tendências dos estudos sobre um tema em decrescimento. Dessa forma, deixamos com sugestão para trabalhos futuros, a retomada do tema nas agendas de pesquisas, pois acreditamos na possibilidade do debate aprimorado em novos estudos e/ou revisitação e aplicação da teoria na área de políticas públicas. REFERÊNCIAS ARTANA, Daniel; NAVAJAS, Fernando; URBIZTONDO, Santiago. Governance and regulation: a tale of two concessions in Argentina. Spilled water: institutional commitment in the provision of water services. Washington, D. C.: Inter-American Development Bank, 1999. Disponível em: <https:// citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.690.1406&rep=rep1&type=pdf> Acesso em: 19 fev. 2021. BURA, Rohit. What is the Low Level Equilibrium Trap theory put forward by R.R. Nelson?. PreserveArticles.com. [s.d.], [1957?]. Disponível em: <https://www.preservearticles.com/education/whatis-the-low-level-equilibrium-trap-theory-put-forward-by-rr-nelson/28553>. Acesso em: 03 dez. 2020. CALAZANS, Angelica Toufano Seidel; MASSON, Eloisa Toufano Seidel; MARIANO, Ari Melo. Uma revisão sistemática da bibliografia sobre inovação bancária utilizando o enfoque metaanalítico. Revista ESPACIOS. Vol. 36 (No 15) Año 2015. Disponível em: <https://www.researchgate. net/publication/280831999_Uma_revisao_sistematica_da_bibliografia_sobre_inovacao_bancaria_ utilizando_o_enfoque_meta-analitico_A_systematic_review_of_the_literature_on_banking_innovation_using_meta-analytic_approach>. Acesso em: 21 dez. 2020. CALAZANS, Angelica Toufano Seidel; PALDÊS, Roberto Avila; MARIANO, Ari Melo. Uma revisão sistemática da bibliografia sobre métricas funcionais de tamanho de software utilizando o enfoque meta-analítico. Universitas Gestão e TI, Brasília, v. 5, n. 2, p. 67-77, jul./dez. 2015. Disponível em: <https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/gti/article/view/3532/2857>. Acesso em: 21 dez. 2020. FARIA, Ricardo Coelho; NOGUEIRA, Jorge Madeira; MUELLER, Bernado. 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MARIANO, Ari Melo; GARCIA CRUZ, Rosário; ARENAS-GAITÁN, Jorge. Meta Análises como instru- A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 195 mento de pesquisa: uma revisão sistemática da bibliografia aplicada ao estudo das alianças estratégicas internacionais. Congresso internacional de Administração: Gestão Estratégica: inovação colaborativa e competitividade. 2011. Ponta Grossa Paraná: UEPG. Disponível em: < https://www. researchgate.net/publication/276410177_ Meta_Analises_Como_Instrumento_de_ Pesquisa_Uma_Revisao_Sistematica_da_Bibliografia_Aplicada_ao_Estudo_das_Aliancas_Estrategicas_Internacionais_ Meta_Analysis_as_a_Tool_of_Research_A_Systematic_Review_o> Acesso em: 19 fev. 2021. MORANDÉ, Felipe; DOÑA, Juan E. Governance and regulation in Chile: fragmentation of the public water sector. Spilled water: Institucional commitment in the provision of water services. Washington, D. C.: Inter-American Development Bank, 1999. 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A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 12 196 CAPÍTULO 13 A EFETIVAÇÃO DO IGNORANCIALISMO POR MEIO DA REVERBERAÇÃO MIDIÁTICA Data de aceite: 01/02/2022 REVERBERATION OF THE MEDIA Álvaro Nunes Larangeira Universidade Federal do Espírito Santo http://orcid.org/0000-0002-7849-398X Tarcis Prado Júnior Universidade Tuiuti do Paraná https://orcid.org/0000-0002-6252-696X RESUMO: O artigo propõe o conceito de Ignorancialismo para a explicação e compreensão do peculiar momento político-existencial brasileiro, e demonstra como ele se efetiva por meio da reverberação midiática. Para sustentar a hipótese do trabalho foram esquadrinhadas quatro matérias do jornal paranaense Gazeta do Povo selecionadas com base na pesquisa qualitativa ancorada na Sociologia Compreensiva de Max Weber. PALAVRAS-CHAVE: Ignorancialismo. Efetivação. Reverberação midiática. Mídia. Gazeta do Povo. ABSTRACT: The article proposes the concept of Ignorancialism for the explanation and understanding of the peculiar Brazilian politicalexistential moment, and demonstrates how it is effective through media reverberation. In order to support the hypothesis of the work, were scanned four articles of the newspaper of Paraná Gazeta do Povo selected based on the qualitative research anchored in Comprehensive Sociology of Max Weber. KEYWORDS: Ignorancialism. Effectuation. Reverberation. Media. Gazeta do Povo. INTRODUÇÃO O Brasil avança para o passado. O governo Bolsonaro oferece ao trabalhador a escolha de Sofia: menos direitos trabalhistas e o emprego ou todos os direitos e o desemprego?1. Dilema ilustrativo primórdios da das negociações Revolução Industrial. dos A aposentadoria está prestes a ser inviabilizada2. A História é pressionada a revisar o termo THE EFFECTUATION OF IGNORANCIALISM THROUGH THE Ditadura para se referir ao período da Ditadura Militar brasileira (1964-1985)3. Ressurge o espectro do Comunismo a assombrar o país, 1 “Bolsonaro diz no JN que trabalhador terá de escolher entre direitos e emprego”. InfoMoney, 28 ago. 2018. Disponível em: https:// www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7589379/bolsonaro-diz-no-jn-que-trabalhador-tera-de-escolher-entre-direitos-e-emprego. 2 “Reforma da Previdência: entenda a proposta ponto a ponto”. G1, 20 fev. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/ noticia/2019/02/20/reforma-da-previdencia-entenda-a-proposta-ponto-a-ponto.ghtml. 3 “Filho de Bolsonaro propõe revisão histórica sobre ditadura em livro didático. Folha de São Paulo, 10 jan. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/01/filho-de-bolsonaro-propoerevisao-historica-sobre-ditadura-em-livro-didatico.shtml. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 197 agora sob a forma de Marxismo Cultural dominante4. Engendra-se a ressurreição das disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira (OSPB) – ícones dos tempos dos generais-presidentes –, com a inclusão obrigatória no currículo da educação básica5, e a exclusão da universidade do horizonte das classes populares6. Ensino domiciliar, distante dos doutrinadores escolares7. Seguro e familiar como encenado em novelas de época. Forças de segurança respaldadas para matar, legítima defesa em situações de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”8. É época da apologia da ignorância, em termos de fermentação do ódio e da certificação intelectual do não conhecimento. Ela se expande por todos os campos, conforme atesta a convicção de um motorista em Curitiba que faz questão de expor sua veia belicosa mostrando para todos que a cor de seu carro é apenas uma circunstância das características de seus bens materiais, já que o que importa mesmo é seu capital moral-ideológico: “Meu carro é vermelho mas minha bandeira jamais será vermelha9” (figura 1). 4 “Marxismo cultural faz ‘mal à saúde’, diz Vélez Rodríguez após assumir o Ministério da Educação”. Jovem Pan, 2 jan. 2019. Disponível em: https://jovempan.uol.com.br/noticias/brasil/marxismo-cultural-faz-mal-a-saude-diz-velez-rodriguez-apos-assumir-o-ministerio-da-educacao.html. 5 “Bolsonaro quer resgatar educação moral e cívica no currículo das escolas”. Gazeta do Povo, 25 set. 2018. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/bolsonaro-quer-resgatar-educacao-moral-e-civica-no-curriculo-das-escolas-b4w9vbdgd9pm4pjppm2ho9o7z/. 6 “‘As universidade devem ficar reservadas para uma elite intelectual’, diz ministro da Educação”. Carta Educação, 28 jan. 2019. Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/as-universidades-devem-ficar-reservadas-para-uma-elite-intelectual-diz-ministro-da-educacao/. 7 “MP da Educação vai dar proteção às famílias, diz Damares. Senado Notícias, 21 fev. 2019. Disponível em: https:// www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/02/21/mp-da-educacao-domiciliar-vai-dar-protecao-as-familias-diz-damares. 8 “Pacote anticrime de Moro pode isentar policial que causar morte”. R7, 4 fev. 2019. Disponível em: https://noticias. r7.com/brasil/pacote-anticrime-de-moro-pode-isentar-policial-que-causar-morte-04022019. 9 “Minha bandeira jamais será vermelha” foi o jargão recorrente nas manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 e posteriormente acabou se incorporando também nas manifestações de apoio ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Essa palavra de ordem é uma alusão ao vermelho que, segundo eles, caracteriza tudo o que é “esquerda”, no sentido pejorativo do termo. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 198 Figura 1 – Expressão do Ignorancialismo na sociedade. No adesivo se lê: “Meu carro é vermelho, mas minha bandeira jamais será vermelha” Fonte: autores, 2018. Assim, nosso estudo tem o propósito de apresentar o conceito de Ignorancialismo, representativo do atual momento brasileiro, mostrando, por meio de matérias escolhidas para análise no jornal paranaense Gazeta do Povo, a infusão e acolhimento desta ideia na mídia. Para o delineamento do texto o artigo está distribuído em cinco seções, incluindo a introdução e as considerações finais. Em O Ignorancialismo apresentamos o conceito do tema central de nosso estudo; com Metodologia explicitamos o modo como conduzimos a pesquisa; e, por fim, com O Ignorancialismo materializado, apresentamos as marcas do Ignorancialismo nas matérias da Gazeta do Povo. O IGNORANCIALISMO É preciso investigar por que as sombras das paredes da caverna, projetadas pelo fogo às costas dos inquilinos, são tomadas por reais. Para tanto, se faz necessário teorizar, para acostumar os olhos com a claridade, poder enxergar a realidade à luz do sol e perceber sobremaneira o ilusionismo das imagens formuladas no breu. Comporta sobrepor-se à apropriação do objeto e respectivo campo de visão e desapegar-se da comodidade cientificista de exigir do estudo de caso o preenchimento dos requisitos da investigabilidade metódica. A teoria, expressa Gadamer, “não é o ato individual instantâneo, mas uma atitude, uma posição e um estado em que nos demoramos. […] ela não se esgota ao serviço imediato da práxis”. (2001, p. 36 e 37). Tendo em vista as teorias como redes “lançadas para capturar aquilo que denominamos ‘mundo’: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo” (POPPER, 2013, p. 53) e havendo o cuidado de fortalecer a malha com a indispensável conceituação capaz de habilitar os fios a suportarem o peso do contemporâneo revisionismo pueril amparado no alçar do desconhecimento a estatuto de verdade e nas deturpações teórica e histórica como princípio de autoridade intelectual, intentamos erigir o termo conceitual em condições de elucidar as razões pelas quais a estultice, o insólito e o obscurantismo atingiram o patamar de referencialidade na leitura de mundo e, por exemplo, parâmetro governamental em vigência desde o início do presente ano. Institucionalizado no Brasil desde janeiro de 2019, o Ignorancialismo é uma multifacetada representação impositiva do espírito do tempo. É ideologia e visão de mundo, filosofia e corrente de pensamento, estatuto moral e primado ético, diretriz intelectual e princípio pedagógico, regime político e sistema de governo, entre tantas perspectivas. Se no Estado Mundial huxleyano a História era considerada uma fraude, e com o espanador foram removidos arcaísmos como a Democracia e o Liberalismo, fontes da A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 199 apologia da liberdade individual e da “liberdade de ser ineficiente e infeliz. A liberdade de ser uma cavilha redonda num buraco quadrado” (HUXLEY, 2001, p. 60), e na Oceania orwelliana o passado era reformulado todo dia pelo Departamento de Registro do Ministério da Verdade, pois “quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado” (ORWELL, 2005, p. 36), no Ignorancialismo a História é ignorável porque reescrita para “desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em suma, do patriotismo” (GAZETA DO POVO, 5 ideias...). Assim, depurada do nefasto viés ideológico – expressão esta repetida em escala próxima à verbigeração –, o Brasil do Ignorancialismo tem uma Nova História na qual “nos últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira”; as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) são as responsáveis pela introdução do crack no país; “Um milhão de brasileiros foram assassinados desde a 1ª reunião do Foro de São Paulo10”; o Brasil, mesmo na República Velha (1889-1930), na Ditadura Militar e na Nova República (governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso), “nunca adotou em sua História Republicana os princípios liberais” e com o governo Bolsonaro dáse a libertação do povo brasileiro do socialismo.11 Se no Estado Mundial havia o controle indireto do nível de inteligência por meio do domínio da oxigenação dos embriões – e quanto mais baixa a casta, menor o fluxo de oxigênio: “Nada como a penúria de oxigênio para manter um embrião abaixo do normal” (HUXLEY, 2001, p. 22) – e se na América o queimador-chefe dos Bombeiros – cujo slogan era “Reduza os livros às cinzas e, depois, queime as cinzas” (BRADBURY, 2009, p. 21) – mantinha milhares de livros em casa para deixá-los morrer nas estantes, no Ignorancialismo, porque educado pelos preceptores aplicativos e redes sociais, há o esmero em pragmatizar a imbecilidade ambiente do mundo digital e deificar o contraponto a incomodativas cobranças de veracidade e coerência. No Ignorancialismo, desconhecimento é verdade, ignorância é giz, retroceder é avançar. Todo cidadão, em especial o de bem12, tem o direito à liberdade de ser racista, misógino, homofóbico, xenófobo, justiceiro e assassino. Se por acaso for vítima do racismo, da misoginia, da homofobia, da xenofobia e da injustiça, deve-se levar em consideração 10 Entidade composta por partidos e organizações políticas de centro-esquerda e esquerda latino-americanos e caribenhos, fundada em encontro na capital paulista em julho de 1990 - http://forodesaopaulo.org/historico-do-foro-de-sao-paulo/ 11 As quatro primeiras assertivas constam do documento O caminho da prosperidade, apresentado como plano de governo de Jair Messias Bolsonaro na campanha presidencial em 2018, e a última foi proferida no discurso de posse à presidência da República em 1º de janeiro de 2019. 12 “Cidadão/Gente de bem” é um termo que designa pessoas que não causam problemas. No contexto político-social, são aquelas que aceitam passivamente o que o governo propõe para a sociedade ou empresa para seus colaboradores. No limite, é uma expressão que significa as pessoas “da direita”, os “direitos”. “Gente de bem” aparece inclusive em Mein Kampf (Minha Luta) de Adolf Hitler (1983, p. 209) “Sobre o cérebro e a alma da gente de bem [grifo nosso], vai descendo, aos poucos, como um pesadelo, o temor do judaísmo, a arma dos marxistas” (HITLER, 1983, p. 209). Obs.: a editora fez a tradução direta integral do alemão. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 200 o intrínseco entrelaçamento entre os benefícios e desvantagens, direitos e obrigações derivados do igualitarismo ignorancialista: “Queremos um Brasil com todas as cores: verde, amarelo, azul e branco” (PARTIDO SOCIAL LIBERAL..., 2018, p. 8). Todas as cores são quatro. Todos são iguais, se um dos quatro. A aventada policromia é monocromática. O Ignorancialismo é a certificação da razoabilidade humanista da contradição. Por isso, protegido à sombra da vacuidade intelectual e descompromisso com a coerência e amparado na prepotência do desconhecimento assumido, o Ignorancialismo tem o lastro imbecilial para propor, e agendar, discussões a ele pertinentes, e plausíveis, como os equívocos históricos de tratar a Ditadura Militar como ditadura e inocentar os escravos da responsabilidade pela escravidão, da irmandade em termos teórico-ideológicos do Comunismo com o Nazifascismo, do autoritarismo ser o aperfeiçoamento natural da Democracia, do inequívoco racismo dos negros contra os brancos, do evidente preconceito sofrido pelos heterossexuais, da deformação moral e desvio sexual aplicados em escolas por professores doutrinadores, do... Mas então quem dá propriedade a estas proposições e questões esdrúxulas, e por extensão ao proponente? A mídia, por exemplo. METODOLOGIA Identificar marcas do Ignorancialismo na sociedade não é tarefa das mais difíceis, já que ele se encontra em todos os lugares. Na mídia, dependendo do veículo de comunicação, ele aparece de maneira mais sutil e esporadicamente, dado o pudor que ainda circunda as redações país afora. Existem casos, porém, em que ele é frequente e contumaz, surgindo todos os dias em diversas postagens e para todos os públicos, surpreendendo seus leitores (ou internautas). Reduzida ou farta, a matéria-prima requer a depuração, implementada, neste estudo, pela abordagem analítica de uma pesquisa qualitativa de característica exploratória. Busca uma circunstância para munir de critérios e resultar em uma maior compreensão de determinada temática (MALHOTRA, 2006) e inclusive promove o conhecimento sobre o objeto em perspectiva (MATTAR, 2005). Esse tipo de pesquisa vem ancorado pela Sociologia Compreensiva de Max Weber, que se configura numa ciência que visa “compreender interpretativamente as ações orientadas por um sentido” (2010, p. 14). Para o autor, as pessoas não têm consciência do sentido de suas ações e agem por impulso ou costume na maioria das vezes. As emoções e estados afetivos irracionais intervêm nas atividades humanas e devem ser considerados na atitude compreensiva. A abordagem compreensiva permite descrever e interpretar a ação social a partir de evidências não apenas racionais, que podem ser apreendidas intelectualmente de modo imediato e claro. Para isso, utilizamos levantamentos bibliográficos, com complemento do método documental que envolveu a consulta a livros, revistas científicas e matérias jornalísticas. Os levantamentos bibliográficos amadurecem um problema de pesquisa e permitem uma A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 201 cobertura de uma gama de fenômenos (MATTAR, 2005). Assim, valemo-nos da amostra não probabilística por conveniência, onde não se emprega seleção aleatória e procura-se uma amostra de elementos convenientes, a critério do pesquisador (MALHOTRA, 2006). No nosso caso, considera-se como estrato do presente estudo quatro matérias do jornal paranaense Gazeta do Povo, a saber: “As cartas de intenções de Bolsonaro e seus ministros” (2018), “A ameaça do PT à democracia é real” (2018), “O esquerdismo como religião secular” (2018), e “Universidade para quem?” (2007). Dessa forma, estudar os acontecimentos sociais (GOMES, 2016) requer métodos e dados para observar os acontecimentos de modo sistemático, analisar os sentidos, interpretar a matéria-prima e proceder à análise sistemática. Os dados formais exigem certa expertise para serem produzidos, como, por exemplo, os textos jornalísticos que representam o mundo para seus leitores. O jornal, portanto, indica uma visão de mundo posta em circulação (BAUER; GASKELL, 2008) e é essa distopia “óptica” que vamos empreender na próxima seção. IGNORANCIALISMO MATERIALIZADO O Ignorancialismo conta com veículos de comunicação para fazer ecoar sua voz mundo afora. O jornal Gazeta do Povo, pertencente ao Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM), empresa midiática hegemônica em Curitiba congregando duas rádios, dois jornais e a retransmissora da TV Globo no Estado paranaense, é um exemplo da vocalização do Ignorancialismo produzido em seu casulo. Nesta seção, portanto, mostramos a materialização do conceito da ignorância em pedra bruta por meio de quatro matérias do jornal publicadas tanto no impresso quanto no meio digital. O recorte temporal escolhido é proposital, já que é o tempo em que o Ignorancialismo foi gestado e parido, além de ter então tomado forma. A primeira delas (figura 2) é o editorial amigável ao novo governo sobre os discursos de posse do presidente eleito Jair Bolsonaro e também dos seus ministros. Com o título “As ‘cartas de intenções’ de Bolsonaro e seus ministros” a Gazeta do Povo sinaliza a simpatia com o Ignorancialismo ao justificar a natural superficialidade do seu objeto de afeição: “Equivoca-se quem critica os discursos por repetirem chavões de campanha ou por não apresentarem, logo de imediato, propostas detalhadas para atingir os objetivos prometidos ao eleitor. Tais falas são, normalmente, apenas a apresentação de uma ‘carta de intenções’, sem grandes detalhamentos, que virão à medida que as novas equipes forem trabalhando” (GAZETA DO POVO, 2019). Cartas de intenções? O discurso deve vir com frações do plano de governo e não intenções! O Ignorancialismo minimiza o complexo na tentativa de simplificá-lo, posto que é apenas dessa forma que ele poderia ser compreendido pelos seus adeptos. Como vocalização do Ignorancialismo, é natural que o jornal faça tal exercício em A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 202 suas publicações para atingir seu (e)leitor. Figura 2 – As “cartas de intenções” de Bolsonaro e seus ministros. Fonte: Gazeta do Povo, 6 jan. 2019. Em outro trecho da mesma matéria, a Gazeta do Povo subscreve o objetivo do então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez: (...) ao assumir o cargo de ministro da Educação, reforçou sua linha de combate à ideologização do ensino e à imposição da ideologia de gênero, contra as convicções morais das famílias, mas mostrou que essa vertente de sua gestão não vai sufocar outras prioridades da educação. Reforço na educação básica, ampliação do uso da tecnologia no ensino, formação direcionada ao mercado de trabalho, redução da evasão e melhoria de gestão nas universidades públicas estiveram entre os pontos citados no discurso. Além disso, Vélez já criou uma secretaria dedicada exclusivamente à alfabetização (GAZETA DO POVO, 2019). O jornal insinua a ideologização do ensino como prática corrente e assume como posição a palavra do novo ministro. Além disso, concorda também com a educação utilitarista, aquela voltada para suprir as necessidades do mercado, como que ignorando a contribuição da formação humanística na consolidação de um profissional de ponta. Ao final do texto o jornal coroa de complacência ao novo governo em seu editorial: “Os planos lançados agora, se levados a cabo, promoverão uma enorme transformação positiva no país – e isso mesmo que não cheguem a ser implantados em sua totalidade”. Ignorar que se os planos feitos por todos os ministros levarão o país ao retrocesso é próprio do Ignorancialismo e suas propostas como o ensino do criacionismo nas escolas, a retirada do país de pactos de proteção ao meio ambiente, ou mesmo a expulsão dos médicos cubanos, não poderão ter outra consequência que não seja a regressão. Na mesma época, por exemplo, a recém-nomeada ministra da Mulher, da Família A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 203 e dos Direitos Humanos, Damares Regina Alves, declarou que a Igreja evangélica havia errado ao permitir o ensino do evolucionismo nas escolas13. Seu colega ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Cesar Pontes, contrapôs-se à ministra afirmando que a Ciência requer seriedade14. Ou seja, o Ignorancialismo grassa no governo, vem à tona, e se permite até uma resma de refutação, mas nada que o diminua em sua essência. Ele é resiliente! Na campanha eleitoral para a presidência da República em 2018 a Gazeta do Povo fez um editorial que afirmava ser o PT o risco à democracia (fig. 3). O candidato Jair Bolsonaro, com discursos de ódio e de louvores ao período militar, incluindo a tortura de presos políticos e eliminação de adversários, era para o jornal alguém do campo democrático, mesmo com todo o currículo mostrar o contrário. Figura 3 – Editorial “A ameaça do PT à democracia é real” Fonte: Gazeta do Povo, 9 out. 2018. O texto é um exemplo do Ignorancialismo porque suprime os fatos (e interpretações dos mesmos) em prol de uma nuvem fantasiosa de ilações subsidiada pelos ideólogos de uma reencarnação da ameaça comunista a que – supostamente – o partido representaria. O primeiro parágrafo afirma: Na segunda-feira, o candidato petista à Presidência da República, Fernando Haddad, disse querer uma aliança com vários dos derrotados no primeiro turno, como Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB) e até Henrique Meirelles (MDB). “Temos todo o interesse em que as forças democráticas progressistas estejam unidas”, afirmou. A escolha de palavras é intencional, a de colocar o adversário Jair Bolsonaro (PSL) no campo antidemocrático enquanto Haddad e os demais adversários seriam os democratas. Mas uma leitura atenta do plano de governo protocolado pelo PT no Tribunal Superior Eleitoral mostra que não há nada de democrático nas intenções dos petistas (GAZETA DO POVO, 2018). O jornal, em primeiro lugar, parece ignorar pressupostos dos valores democráticos para então tachar o PT de antidemocrático e Bolsonaro o seu oposto. Nessa mesma matéria 13 As declarações da ministra sobre o tema podem ser conferidas em: <https://veja.abril.com.br/politica/damares-diz-que-igreja-perdeu-espaco-nas-escolas-para-teoria-da-evolucao/>. 14 “Não se deve misturar ciência com religião”, diz Marcos Pontes sobre as declarações da ministra Damares Alves. Disponível em: <https://www.midiamax.com.br/politica/2019/marcos-pontes-rebate-damares-nao-se-deve-misturar-ciencia-com-religiao/>. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 204 o periódico paranaense ainda critica justamente os direitos e faz vir à superfície um dos traços característicos do Ignorancialismo: refutar a participação social crítica, menosprezar o regime democrático e ignorar premissas do Estado de Direito. A julgar pelo plano de governo de Haddad, o PT nada mais quer que retomar os planos frustrados em sua passagem de 15 anos pelo Palácio do Planalto, como se a eventual vitória representasse uma carta branca para voltar a ameaçar a democracia no Brasil. Os capítulos 1.2 a 1.4 do plano de governo são uma carta de intenções em que o objetivo é submeter as instituições republicanas ao partido, por meio de um “controle social” sobre cada um dos três poderes, além do Ministério Público. (GAZETA DO POVO, 2018). Se numa sociedade democrática não houver o controle social, como a sociedade poderá fazê-lo? As instituições são compostas por pessoas e esse monitoramento é fundamental e basilar em uma democracia. Outro exemplo claro do Ignorancialismo na Gazeta do Povo se materializa em “O esquerdismo como religião secular” (fig. 4). Ao reproduzir o texto publicado originalmente no The Daily Signal, o jornal busca pautar tema circunscrito às redes sociais, principalmente por ideólogos de direita e extrema-direita como, respectivamente, Luiz Felipe Pondé e Olavo de Carvalho. Faz assim o trabalho de conferir uma pretensa credibilidade a um assunto ainda pouco explorado pelos meios convencionais de comunicação. Figura 4: Artigo “O esquerdismo como religião secular”. Fonte: Gazeta do Povo, 16 set. 2018. O texto, subscrito pelo jornal, relaciona a quantidade de filhos à religião das pessoas (para quem é religioso – não importa qual seja a fé – a família é numerosa, ou pelo menos existe um único filho; já para quem não é, o aumento da prole não seria interessante): Hoje, no Ocidente, o amor e o casamento (além dos filhos) andam de mãos dadas para os fiéis católicos, os judeus ortodoxos, os mórmons religiosos e os protestantes evangélicos – não para os seculares. Conheço muitas famílias religiosas com mais de quatro filhos; não conheço uma única família formada por pais seculares com mais de quatro filhos, e é provável que você tampouco conheça (GAZETA DO POVO, 2018). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 205 A asserção já revela a ignorância subjacente à ideia do reducionismo embutido, mas a justificativa é ainda mais clara sobre a certificação do coletivo ao individual: A resposta ao grande vazio de sentido deixado pela morte da religião bíblica no Ocidente é a religião secular. Os primeiros dois grandes substitutos seculares foram o comunismo e o nazismo. O primeiro ofereceu sentido a centenas de milhões de pessoas; o segundo fez o mesmo para a maioria dos alemães e austríacos (...). Com a queda do comunismo e a tomada de consciência da extensão dos massacres (cerca de 100 milhões de não combatentes dizimados) e escravização em massa (virtualmente todas pessoas nos países comunistas são escravizadas, essencialmente, com a exceção dos líderes do Partido Comunista) cometidos por ele, o comunismo adquiriu má fama, ou foi o que aconteceu pelo menos com a palavra “comunismo”. Então o que podiam fazer os intelectuais seculares depois de o comunismo ter se tornado “o deus que fracassou”? A resposta foi criar outra religião secular de esquerda. O esquerdismo é isso: uma alternativa secular para conferir sentido à vida, algo criado para tomar o lugar do cristianismo. As expressões religiosas de esquerda incluem marxismo, comunismo, socialismo, feminismo e ambientalismo (GAZETA DO POVO, 2018). Assim, o Ignorancialismo do jornal paranaense mostra que não sabe (ou melhor, não deseja) lidar com a complexidade, já que não contextualiza e não explica a chamada “escravidão” comunista e aposta na deformação por uma lente descomprometida com fatos e documentos. Afinal, como afirmar que o esquerdismo teria sido criado para tomar o lugar de uma religião? Quais as bases para tal assertiva? E ainda: qual a definição do termo esquerdismo, já que até mesmo a definição entre esquerda e direita são difusas? Com esse texto (FIG. 4) o jornal coloca no mesmo balaio temas que seriam agendas da humanidade, qual sejam, a proteção ao meio ambiente, a defesa dos direitos humanos, a consideração sobre as especificidades entre os gêneros e o respeito às diferenças. Assim, o texto coloca no campo “da esquerda” pautas humanitárias, contribuindo assim para a polarização ideológica da maneira mais míope possível, posto que baseado em suposições, convicções (sem provas), delírios. O texto “O esquerdismo como religião secular” contribui para o discurso de ódio ao diferente, simplesmente por não entender o que é ou qual o significado dessa distinção. Por fim, em “Universidade para quem?” (fig. 5) a Gazeta subscrevia, 12 anos atrás, a concepção elitista do ensino superior, hoje incorporada pelo Ignorancialismo como política pública educacional. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 206 Figura 5 – Universidade para quem?15. Fonte: Gazeta do Povo, 27 set. 2007. A ideia do artigo é o que o Ignorancialismo traz em seu cerne: a meritocracia classista, a elitização do acesso ao ensino universitário e a distinção social intrínseca à natureza humana, em termos individuais e coletivos. Para o jornal a Universidade é para poucos e a seleção natural é quem faria a escolha desse grupo que poderia frequentá-la: Por mais que doa ao igualitarismo feroz que hoje domina a sociedade, é necessário reconhecer que o ensino superior deve forçosamente ser restrito para que continue sendo superior. Não falo de restrições financeiras, mas de uma restrição natural: a intelectual. Há quem tenha capacidade intelectual para estudos superiores, e há quem não a tenha. Pessoas péssimas podem tê-la, e pessoas maravilhosas podem não a ter; não há nisso nenhum mérito próprio (GAZETA DO POVO, 2007). O articulista ainda critica as políticas governamentais que disponibilizavam o acesso ao Ensino Superior por meio de linhas de financiamento como o FIES (Financiamento do Ensino Superior) do governo Federal e outras iniciativas da época (2007). Quando, contudo, um contra-senso tão absoluto quanto “universidade para todos” se torna projeto de governo, vale temer que o próximo projeto seja engravidar todos os homens ou fazer salada de todas as plantas. É tão possível ter-se uma universidade que realmente seja um local de ensino superior e ao mesmo tempo tenha “todos” como alunos quanto prometer a gravidez ou a palatabilidade universais (GAZETA DO POVO, 2007). Os traços do Ignorancialismo não poderiam ser mais robustos ao comparar a promessa do acesso universal ao ensino superior aos aspectos biológicos como a gravidez e a palatabilidade, colocando na mesma régua de interpretação duas medidas diferentes com o objetivo claro de desqualificar a medida do governo da época. Ao publicar esse texto (FIG. 5) a Gazeta do Povo não se envergonha de fazer parte do rol dos ignorancialistas quando propõe, conforme Souza (2017), a manutenção da desigualdade por meio da 15 Mantivemos a publicidade da página logo acima do título porque ela é bastante sugestiva da política de anúncios do jornal. Como o artigo critica o acesso universal ao ensino superior, nada mais convidativo para o leitor que saber que no SENAC existem cursos técnicos que podem proporcionar empregos e sucesso para você, ou algum conhecido (que não tem pretensão, ou melhor, capacidade, de fazer um curso superior). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 13 207 distinção de um sistema meritocrático no qual o que interessa é o pobre tendo acesso no máximo a um curso técnico, para continuar operário; e o rico (entendido aqui como pertencente à classe abastada, ou, na terminologia de Souza (2017, p. 155-166), elite do dinheiro), este sim, em condições de disputar uma vaga no ensino superior. Afinal, ele nasceu capacitado para o privilégio, como apregoa o castamental Ignorancialismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Objetivamos nesse artigo seguir o princípio popperiano para o trabalho do pesquisador, qual seja o de conceber uma teoria – no nosso caso, conceito formulado a partir da própria realidade – e colocá-la à prova, havendo a finalidade de perceber se o enunciado responde às inquietações motrizes da investigação. Esmiudamos quatro matérias do jornal paranaense Gazeta do Povo para elucidar a forma como se dá a legitimação do Ignorancialismo – termo-raiz para materializar a leitura de mundo regressista e obscurantista, escorada na creditação do não conhecimento como estatuto de veracidade – por meio da reverberação midiática, pelo fato de haver o pressuposto corrente – rescaldo da sociedade do espetáculo – de se é passível de discussão é plausível e se aparece é porque é apropriado, em especial se sintonizado com a mesma objetivada explicação do momento analisado. REFERÊNCIAS 5 IDEIAS do futuro ministro da Educação de Bolsonaro. Gazeta do Povo, 2018. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/5-ideias-do-futuro-ministro-da-educacao-de-bolsonaro8e0baom2o8h7skbt9dceb0vyb/. Acesso em: 28 set. 2019. AS CARTAS de intenções de Bolsonaro e seus ministros. Gazeta do Povo, 2019. 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Os resultados da análise foram alcançados com base na seleção de alguns critérios de noticiabilidade adotados por Traquina (2008) sob o viés da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). Assim, pode-se corroborar a hipótese inicial de que foram veiculadas matérias sobre política durante esses onze anos entre outros pontos, bem como, os critérios de noticiabilidade que mais prevaleceram, indicando as principais agendas. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Político, Jornalismo Impresso, Critérios de Noticiabilidade, Jornal O Alto Uruguai, História da Imprensa. to contextualize the history of the newspaper imbricated to the municipality of Frederico Westphalen. The results of the analysis were based on the selection of some newsworthiness criteria adopted by Traquina (2008) under the bias of Content Analysis (BARDIN, 2011). Thus, it is possible to corroborate the initial hypothesis that subjects on politics during these eleven years were published among other points, as well as the most prevalent newsworthiness criteria, indicating their agendas. KEYWORDS: Political Journalism, Printed Journalism, News Reporting Criteria, The Alto Uruguai Newspaper, Press History. 1 | A PESQUISA: METODOLÓGICOS PROCEDIMENTOS Uma das técnicas de tratamento de dados em pesquisa qualitativa é a Análise de Conteúdo, podendo ser aplicada a todas formas de comunicação em seus discursos diversos, cabendo ao analista a função dupla de entender a comunicação (receptor) buscando outras significações possíveis (decodificador). A Análise de Conteúdo surgiu no século XX, nos Estados Unidos, potencializada pela necessidade dos órgãos de inteligência e ABSTRACT: The study analyzes the criteria for news reporting identified in the policy material published between 1995 and 2005 in the newspaper AU, since in this period the newspaper opted not to have a political editor. Firstly, Bibliographic and Documentary Research were conducted in addition to Interviews, in order A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 políticos do governo americano, investigarem os textos jornalísticos que veiculavam na mídia como forma de identificar alguma propaganda subversiva, sendo sistematizada como método a partir da década de 20. Contudo, a definição do método só foi surgir vinte anos depois, nos Capítulo 14 210 estudos de Berelson (1952) auxiliado por Lazarsfeld (1970), merecendo destaque a base conceitual de Bardin, autora mais citada no Brasil no que se refere a análise de dados, que designa o termo como: “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.” (2011, p. 47). Para condução desse processo sistemático, elencou três fases distintas: a organização da análise (pré-análise); a exploração do material e tratamento dos resultados e a inferência e a interpretação dos resultados. 1.1 Etapas da Análise Para construção do arcabouço teórico, foi realizada a revisão bibliográfica sobre o campo do jornalismo político, os critérios de noticiabilidade e a imprensa interiorana, além de leituras sobre a metodologia escolhida para o estudo. Também, serviu de embasamento na busca de dados iniciais sobre a história do município de Frederico Westphalen, o uso de pesquisa documental e a coleta de entrevista aberta, como forma de entender como surgiu o jornal AU e sua trajetória. A escolha pela técnica de entrevista aberta deu-se para que os entrevistados tivessem mais liberdade em suas narrativas e trocas entre si, permitindo uma cobertura mais profunda sobre assuntos por vezes delicados e valorizando os aspectos afetivos e de valor para os entrevistados. Por seu caráter exploratório, existe um maior detalhamento nas pautas tratadas, onde os entrevistados podem discorrer sobre o assunto introduzido de forma espontânea, inclusive, relacionando outros assuntos de interesse. Minayo (1993) aponta que a interferência do entrevistador deve ser a mínima possível, de modo que se coloque na posição de ouvinte, interrompendo apenas em caso de extrema necessidade ou para avisar do término da entrevista. A realização da entrevista ocorreu na sede do jornal AU, no dia 20 de outubro de 2018, com duração das nove ao meio dia, com a presença dos donos e precursores do jornal que previamente foram informados sobre: a pauta da entrevista, dos participantes, de que suas falas seriam gravadas, bem como, o teto para encerrar a sessão. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 211 Figura 1: Entrevista com os donos e precursores do jornal AU. Na foto (da esquerda para direita): Wilson Aleixo Ferigollo, Francisco Carlos Cerutti, Adjalma Cerutti, Lana Campanella e Agostinho Piovesan. No que se refere ao uso da análise de conteúdo, foram examinadas 33 edições compreendidas entre os anos de 1995 a 2005, cujo recorte foi de três edições por ano distribuídas nos meses de março, julho e novembro, perfazendo 191 matérias sobre política no total das edições dos onze anos. Para que houvesse equidade na mostra, optou-se por alternar as semanas de forma a contemplar de forma equilibrada um extrato de cada uma. Assim, seguiu-se uma sequência iniciada pela 1ª semana de março/1995, seguida da 2ª semana de julho/1995, 3ª semana de novembro de 1995, 4ª semana de março/1996, 1ª semana de julho/1996 e assim sucessivamente, até novembro de 2005. Foram descartadas da seleção, matérias sobre política que se referiam a outros municípios da região, que aparecem como retrancas intituladas: Iraí, Seberi, Caiçara, Ametista do Sul, Vicente Dutra, etc., de modo a contemplar somente as veiculações sobre o município de Frederico Westphalen e referentes as esferas do Estado e país. Na pré-análise ocorreu a leitura flutuante do material da coleta de dados com vistas a demarcar o que seria analisado e estabelecer a hipótese e os objetivos. Na segunda fase, houve a codificação e a identificação das unidades de significação a fim de ver a frequência e compreender a significação dos registros. A análise reflexiva deu-se em um terceiro momento, de posse dos resultados interpretados devidamente enquadrados nos critérios de noticiabilidade adotados mediante escolha prévia e embasados na proposta de Traquina (2008). Assim, elegeu-se como categorias de análise: a notoriedade, a proximidade, a relevância, o tempo, a novidade e o conflito/controvérsia. Os pré-testes foram feitos através da leitura das edições digitalizadas dos jornais, realizado entre os meses de setembro e outubro de 2018, sendo a coleta final conclusa em novembro onde foi estabelecido a forma de caracterização e apresentação dos dados A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 212 coletados com base nas limitações percebidas durante os pré-testes. É mister comentar sobre os defrontamentos na operacionalização dessa pesquisa por conta das informações políticas não estarem ancoradas em uma editoria, mas “soltas” nas páginas dos jornais, dificultando o trabalho de captação e triagem. Outro desafio, se referiu a grande quantidade de informações identificadas nas 191 matérias e o curto período que pode ser dedicado a análise, influindo na decisão de eleger apenas a quantidade de aparições dos critérios nas matérias, sem averiguar a frequência com que se repetiam nos textos. Também, foi verificado quais assuntos dentro do segmento política prevaleceram na agenda do AU durante esses anos. 2 | BREVIÁRIO DO JORNAL O AU E SUAS IMBRICAÇÕES COM A PRINCESA DO MÉDIO ALTO URUGUAI A criação da Comissão de Terras e Colonização do Norte 1(Inspetoria de Terras) pelo Governador Borges de Medeiros, deu início ao crescimento demográfico do Alto Uruguai e regiões, com o mando de que fosse aberta estrada com início na “Boca da Picada” (atual Seberi), passando pelo “Barril” (atual Frederico Westphalen - FW) e findando nas águas com fama medicinal , conhecidas como “Águas do Mel” (atual Iraí). Com população atual estimada em 31.120 pessoas conforme dados do IBGE2 de 2018, o nascimento do Barril é marcado por um acidente de carroça, onde ao cair de cima um barril de aguardente, carreteiros tiveram a ideia de adaptar ao vasilhame tombado, uma taquara em um orifício lateral para captar água potável sobre uma fonte que servisse a quem transitava em direção ao oeste catarinense, assim surgindo a expressão “vou descansar, comer e dormir no Barril”3 . O Barril era uma espécie de paradouro onde os viajantes paravam para descansar, descrito por Battistella como um “imenso tapete de selvagens matarias lançado sobre vales e serrarias entremeadas de rumorejantes rios.”, 4 nos remetendo ao tempo em que FW pertencia a Palmeira das Missões, de 1918 a 1928. 1 Decreto nº2.250 de 1917. 2 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/frederico-westphalen/panorama (acesso em 12/12/2018). 3 FERIGOLLO, Wilson. A. A cidade Princesa sob as lentes dos fotógrafos Vitório Locatelli e Ângelo Buzatto. FW: Litografia Pluma, 2018, p. 2. 4 BATISTELLA, Monsenhor Vitor. Painéis do Passado. A História de Fred. Westphalen em 60 quadros de literatura amena. FW: Gráfica Marin, 1969, p. 12. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 213 Figura 13: Pio Manfio bebendo água do barril. Fonte: Ferigollo, 2018. A primeira década do século XX, anuncia a chegada dos primeiros migrantes abrindo picadas nas terras do Barril, que só recebe o nome de “Vila Frederico Westphalen” anos mais tarde, pelo Decreto nº 30 da prefeitura de Palmeira das Missões em homenagem ao engenheiro que colonizou a região cumprindo ordens do Governo do Estado. O sobrenome de origem alemã do engenheiro, em um primeiro momento, suscita que a colonização do município tenha tido sua origem germânica, quando na verdade é a representatividade italiana que prevalece, seguida dos polacos. A forte influência religiosa se fez presente desde os primórdios, como manda a tradição italiana, sendo o primeiro oratório oferecido a Santo Antônio, datado de 1921. A história da escolha do padroeiro da cidade é inaudita, pois, foi fruto de promessa alcançada pelo casal Aníbal Orlando, ele um dos fabriqueiros responsáveis pela construção da Igreja Matriz, por interseção do santo ao salvar um de seus filhos. A igreja teve forte influência no curso dos principais acontecimentos em FW, com a atuação do Pe. Vitor Battistella que por trinta anos atuou - além de orientador espiritual - de forma intensa nas causas sociais, políticas, econômicas e culturais junto à comunidade frederiquense, O religioso de origem italiana, chegou em 1932 ao Distrito de Frederico Westphalen recebendo o título de Monsenhor, em 1956 e de Cidadão Honorário de FW em março de 1962. Ainda é cercado de mistério os motivos que levaram o padre ativista a assinar um pedido de auto renúncia, permanecendo como capelão do hospital local até 1973 quando veio a falecer, sendo a hipótese mais aceita, que tenha sido por questões políticas já que no mesmo ano, assumiu a prefeitura do município Lino Cerutti do MDB. Battistella era apoiador do Partido Social Democrático (PSD)5, partido que esteve por quase duas décadas consecutivas a frente da 5 Partido político brasileiro, fundado em 17 de julho de 1945 e extinto pela ditadura militar, pelo Ato Institucional Número A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 214 gestão do município com a ajuda do Monsenhor. Figura 14: Monsenhor Vitor Batistella. Fonte: Ferigollo, 2018. A vida política mereceu capítulos exclusivos na obra de Battistella 6onde, além de narrar sobre os gestores que até então haviam administrado o Barril, os criticava quanto “A conduta omissiva de uns e construtiva de outros em relação aos interesses distritais...” Também, resenha sobre o caudilhismo – presente em todo Rio Grande do Sul desde 1923 – e seu impacto na região que, por ocasião da Revolução Constitucionalista de São Paulo (SP) em 1932, recrutou filhos de colonos “...contrariados, assustados, desgostosos e sem nenhuma vontade de marchar para o front de SP.” 7 A cidade surge pós Estado Novo (1937-1945), período em que tudo estava sob a égide da censura, inclusive a imprensa, se emancipando de Palmeira das Missões em 15 de dezembro de 1954 a partir da implantação da Lei Estadual nº 2523. Várias comunidades que pertenciam ao município de Frederico Westphalen, também foram se emancipando sendo na primeira década: Vicente Dutra, Caiçara e Palmitinho (1954-1965) e, trinta anos depois, Taquaruçu do Sul (1957-1990) e Vista Alegre (1958-1990). Com o bipartidarismo criado em decorrência do Ato Institucional (AI-2) em 27 de outubro de 1966 e que se estendeu até 1979, as correntes políticas que se estabeleceram no país foram a situacionista: conservadora, representada pela ARENA e composta por dissidentes da UDN e PDS e de oposição: centro-esquerda e liberal-democrata formada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Para melhor entender a tendência política Dois (AI-2), em 27 de outubro de 1965. 6 BATTISTELLA, Monsenhor Vitor, op. cit., p. 109 et seq. 7 Ibidem, p. 110. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 215 partidária na Administração Municipal de Frederico Westphalen durante suas gestões, apresentamos abaixo a evolução nas siglas dos principais partidos políticos brasileiros. Figura 15: Evolução das siglas nos Partidos Políticos. Fonte: Autora. O município, que está em sua décima quarta gestão, apesar do pluripartidarismo que surgiu no curso da história, se polarizou entre dois partidos: ARENA e MDB, prevalecendo por oito gestões os situacionistas que inauguraram os quatro primeiros mandatos de 1955 a 1973 representados pelos prefeitos João Muniz Reis (coligação PSD, UDN e PL) que assumiu dois mandatos; Arisoly Martellet (coligação PSD e UDN) e Nerone Campo (Arena). As três administrações sucessivas, tiveram a oposição à frente até 1989, através das gestões dos prefeitos Lino Cerutti (MDB); Osvaldo Cerezer (MDB) e Deoclides Vendruscollo (PMDB). O PDS volta a assumir o município com Edemar Girardi até 1992, retornando a sigla do PMDB na nona gestão, novamente com Vendruscollo. De 1997 a 2008, o poder municipal ficou a cargo de Orlando Girardi (PPB) e Luiz Carlos Stefanello (PP), tendo continuidade na décima terceira gestão capitaneada por Roberto Felin Júnior, o Betinho (PP) de 2013 a 2016, uma vez que o atual prefeito, José Alberto Panosso (MDB), já havia assumido à prefeitura de 2009 a 2012. A disputa entre os dois partidos ainda é visível em tempos hodiernos no comércio, onde muitos correligionários optam em comprar em lugares cujos donos sigam seus princípios políticos, pois desde sempre, faz parte da cultura local as discussões sobre A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 216 política. A rivalidade entre “[...] a Arena e o MDB renderam muito assunto”, 8como na edição do AU de 13 de novembro de 1976, quando o colunista Carlos Luiz Vendruscolo “Carlão”, deixa em branco sua coluna sobre política em protesto a censura que o veículo recebeu após representação da Arena. Quem promoveu a representação foi Lírio Zanchet, presidente da Arena à época que, décadas mais tarde passou a ser colunista do AU, função que mantém até hoje. Zanchet se redime pouco depois do ocorrido usando frase costumeira de campanha: “Somos todos filhos de Deus, do mesmo Deus que faz nascer o sol para a Arena e o MDB...”. 9 Figura 16: Coluna do “Carlão” em branco. Fonte: Ed.AU 13 de novembro de 1976. O surgimento do aeroclube na cidade foi precoce, motivado da necessidade em viabilizar o transporte até os grandes centros e, talvez, demandado por questões políticopartidárias, embora as estradas precárias e lamacentas fossem empecilho ao progresso. Assim, surgiu em 1951, dez anos depois de inaugurado o Aeroporto Internacional Salgado Filho em Porto Alegre, o aeroclube – três anos antes da emancipação do município de Palmeira das Missões em 195410 – tendo como padrinho, o engenheiro e Secretário de Obras Públicas do Estado, Leonel de Moura Brizolla. A falta de um Plano Diretor Municipal prevendo o crescimento urbano já era referenciado por Mons. Batistella em 1969, ao falar que “Havia apenas um elementar mapa para indicar as ruas, não poucas delas mal projetadas. ” 11 Com uma sociedade tão politizada, o aparecimento de gráficas e da imprensa não tardou surgindo em meados de 1943, a primeira gráfica para impressões diversas, fundada por Vitalino Cerutti e Domingos Centenário. Mais de uma década depois, Pompílio Giradello fundou a Impressora Mercantil que dividia espaço com uma pequena livraria. 8 50 anos – Jornal O Alto Uruguai. A sua vida é a nossa história. Ed. Especial de 16/02/2016, p. 18. 9 Idem. 10 Lei Estadual nº 2523, de 15 de dezembro de 1954. 11 BATTISTELLA, Monsenhor Vitor, op. cit., p. 164 et seq. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 217 A imprensa surgiu na mesma época, capitaneada pelo correspondente Wilson Jeihvah Farias que exerceu esse papel até 1968, além de outros representantes expressivos como o correspondente Wilson Aleixo Ferigollo – único colunista que se mantém desde a primeira edição do AU -, que editava o Correio do Povo e a Folha da Tarde e, a partir de 1980, o jornalista Agostinho Piovesan que também passou a compor o rol de colunistas do AU. A força da igreja nos meios de comunicação surgiu com a criação do Sistema de Radiodifusão Luz e Alegria em 1952, tendo como gestores Mons. Vitor Battisttella, Henrique Caovilla e João Muniz Reis. Enquanto isso em Porto Alegre, surgia a televisão através do canal 5 da TV Piratini. Djalma comenta: “Era o poder que o padre, né, um padre superfamoso, tal Monsenhor de Batistella, é que mandava na cidade, que mandava no partido, que mandava em tudo. E só saía o que ele definia, entende? (informação verbal).”12 Os primeiros jornais da região começaram a circular em 1965, com o surgimento do “CINEFATOS13” e “O Despertar14”, editado pela União Frederiquense de Estudantes (UFE) contando com o apoio a partir de 1967, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O embrião dos relatos em livro do Monsenhor Battistella, nasceu de suas publicações semanais no jornal “O Despertar” onde foi convidado a colaborar, tendo tido apoio municipal do prefeito Nerone Campo (PDS), que se ocupou de escrever o prefácio e assim retribuir a dedicação do padre para com o partido. A rivalidade entre os dois jornais surgiu na origem, da insatisfação de um grupo de estudantes frente à redação do CINEFATOS “o que foi salutar, obrigando a reorganização e alteração do rumo do pequeno CINEFATOS. 15 ”, inspirando o surgimento no dia 20 de fevereiro de 1966, do Jornal O Alto Uruguai sob a égide de Vitalino Cerutti. As edições eram no formato tabloide - mantido até hoje – escritas por inúmeros colunistas e colaboradores, destacando os propósitos de independência e imparcialidade do veículo no editorial de 20 de fevereiro de 1968. Agostinho Piovesan lembra dos primórdios da imprensa em Frederico Westphalen: “Era difícil fazer jornalismo, e depois é que foi melhorando [...]. O Alto Uruguai para mim foi uma história, assim, maravilhosa, porque desde a Unisinos. Eu escrevia, desde 1979, era o último ano lá de Jornalismo e eu mandava as colunas pelo Ouro e Prata, o Djalma colocava as colunas, e depois eu fui editor do jornal... e o Alto Uruguai tem papel fundamental no desenvolvimento de Frederico e da região (informação verbal). ” 16 12 Entrevista concedida por CERUTTI, Djalma. Entrevista AU. [outubro, 2018]. Entrevistador: Lana D’Ávila Campanella. Frederico Westphalen, 2018. 2 arquivos .mp3 (180 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A deste relatório. 13 Distribuído gratuitamente aos frequentadores do Cine Jussara, sendo fundado em 20/06/1965 por Luis Fernandes, Luis Carlos Vinhas, João Maria da Costa e Wilson Ferigollo. 14 Fundado em 26/09/1065 sob a direção de Renato Hickmann. 15 FERIGOLLO, Wilson. Op.cit., p.162 et seq. 16 Entrevista concedida por PIOVESAN, Agostinho. Entrevista AU. [outubro, 2018]. Entrevistador: Lana D’Ávila Campanella. Frederico Westphalen, 2018. 2 arquivos .mp3 (180 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A deste relatório. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 218 Figura 17: Propósitos do jornal – Editorial. Fonte: Ed.AU 20 de fevereiro de 1986. A primeira gestão do jornal foi comandada pelo porto-alegrense Luiz Fernandes sendo sucedida por Breno Ferigollo e, em 1970, por Rui Risotto – ano que que o veículo adquire novas impressoras. Sete anos depois, assume a direção do AU Diunysio Cerutti inovando ao montar equipe para o auxílio da revenda e distribuição dos jornais. O período que começa e se estende até a próxima direção em 1983 é de crise financeira, fazendo com que algumas edições deixassem de circular “período necessário para que os diretores Vitalino Adjalmo Cerutti e Francisco Carlos Cerutti, que assumiram a liderança do semanário em 1982, pudessem fazer os ajustes necessários.” 17 O jornal, que surgiu em um período que a imprensa estava em oposição contra o regime militar, travou bravatas partidárias já que a família fundadora era do MDB que sofria retaliações do partido oponente “[...] teve uma época assim, entende, que saía uma notícia contra o partido, na outra semana vinha todo mundo lá suspender as propagandas do partido. [...] eles ligavam casa por casa para mandar suspender a assinatura. (informação verbal) ”comenta Djalma. “Assim era na rádio. [...] o pessoal do MDB suspendia também. Então era um negócio sério. Era uma guerra. (informação verbal), arremata Wilson. A primeira impressão em cores surge em 1996 por exigência dos anunciantes, mas o veículo só passou a ter suas páginas totalmente coloridas em 2013 – ano em que ingressei como colunista de variedades. Desde 2004, o jornal é dirigido por Patrícia Cerutti que, imprimiu um modelo de gestão de alavancagem financeira e operacional permitindo que a empresa equilibrasse o financeiro, propiciando novos aportes operacionais, em específico na redação, venda e distribuição do jornal e gerando lucros. Assim, o veículo passou a 17 50 anos – Jornal O Alto Uruguai. A sua vida é a nossa história. Op. cit., loc. cit. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 219 ser bissemanal - veiculando nas quartas e nos sábados – sendo o de maior circulação e tiragem na Região do Médio Uruguai, com aproximadamente cinco mil assinantes e uma tiragem média de seis mil exemplares por edição distribuídos em 21 municípios da região além de várias cidades do Rio Grande do Sul e de outros Estados.18 O AU, se propõe a ser referência na área de comunicação através da qualidade, serviços prestados e relacionamento de forma a conjugar valores como: ética, qualidade, credibilidade, pioneirismo, inovação, sustentabilidade e liberdade de expressão como forma de atingir a visão estabelecida. A missão em informar com credibilidade, qualidade e inovação na colaboração do desenvolvimento sustentável da região norteia as premissas que foram traçadas para os próximos 50 anos do veículo. Figura 18: Premissas próximos 50 anos – Editorial. Fonte: Site do AU19 Outros jornais foram aparecendo, mas tendo pouco tempo de brevidade como: “O Regional” (07/09/1974); “Repórter Regional” (20/10/1977); “A Voz do Povo” (06/1978); “Zabaratana” (1978); “Novo Tempo” (01/05/1991); “Barril Dicas” (1996); “Gazeta Regional” (1996); “Gazeta do Cañellas” (1997); “Visão Regional” (1997) e o “RS Norte” (1998) de Agostinho Piovesan, que se mantem até os dias atuais. 3 | OS CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE PRESENTES NAS MATÉRIAS VEICULADAS ENTRE 1995 A 2005 NO JORNAL AU A construção da notícia é fruto de um conjunto de operações que iniciam pela pauta até a veiculação da matéria que, nasce decorrente de critérios de noticiabilidade, ancorados na fala de vários autores, extrapolando o simples interesse da sociedade pelas pautas e adentrando em outros saberes que transitam pelo valor-notícia. Nessa seara, o jornalista 18 https://www.oaltouruguai.com.br/empresa. (Acesso em 12/12/2018.) 19 idem A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 220 tem que estar imbuído no rigor das informações coletadas, expondo os fatos com ética, o máximo de isenção, além de conjugar a relação das fontes com as conjunturas históricas, políticas, sociais e econômicas “…] que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e, por isso, possuindo ‘valor-notícia’. ” 20 Para esse estudo, elegeu-se traquina (2008) que divide os valores-notícia de seleção em substantivos, quando fazem referência direta dos acontecimentos e contextuais, aos se referirem aos contextos de produção dessas notícias. Dos critérios arrolados pelo autor foram selecionados seis, em decorrência da fase inicial de análise prévia das matérias onde ocorreu a leitura flutuante do material da coleta de dados com vistas a demarcar o que seria analisado e estabelecer a hipótese e os objetivos. Na segunda fase, houve a codificação e a identificação das unidades de significação a fim de ver a frequência e compreender a significação dos registros. A análise reflexiva deu-se em um terceiro momento, de posse dos resultados interpretados devidamente enquadrados nos critérios de noticiabilidade adotados mediante escolha prévia e embasados na proposta de Traquina (2008). Assim, elegeu-se como categorias de análise: a notoriedade, a proximidade, a relevância, o tempo, a novidade e o conflito/controvérsia. • Notoriedade: relacionado as notícias que envolvem celebridades e elite como atores sociais. • Proximidade: subdividido em três instâncias: geográfica, social e psicológica, o critério de proximidade revela a necessidade dos grupos verem noticiados fatos que envolvam a comunidade onde estão inseridos. • Relevância: se refere ao impacto e a influência dos acontecimentos sobre a sociedade. • Tempo: o continuísmo na narrativa dos fatos, por vezes serve de gancho para outros acontecimentos que acabam por fidelizar o leitor em acompanhar o desenrolar dos fatos. • Novidade: a contradição inicial que possa existir entre o que é novidade com o continuísmo é explicado por Franciscato (2005) quando cita a maneira como o novo é percebido por uma sociedade, podendo ser um fato a ser somado a conjunturas existentes e, portanto, criando vínculos cada vez mais intensos com o leitor na familiarização das notícias. • Conflito/controvérsia: situado nas disputas envolvendo violência física ou simbólica através de reivindicações, greves e rivalidades. Ao todo, foram examinadas 33 edições compreendidas entre os anos de 1995 a 2005, cujo recorte foi de três edições por ano distribuídas nos meses de março, julho e 20 TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo – Porque as notícias são como são. Volume I. Florianópolis: Insular, 2. Ed., 2008, p. 63. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 221 novembro, perfazendo 191 matérias sobre política no total das edições dos onze anos. As matérias sobre política que se referiam a outros municípios da região foram descartadas de modo a contemplar somente as veiculações sobre o município de Frederico Westphalen e referentes as esferas do Estado e país. Os pré-testes foram feitos através da leitura das edições digitalizadas dos jornais, realizado entre os meses de setembro e outubro de 2018, sendo a coleta final conclusa em novembro onde foi estabelecido a forma de caracterização e apresentação dos dados coletados com base nas limitações percebidas durante os prétestes. A quantidade de matérias referentes a política identificadas no jornal AU no período de 1995 a 2005 resultaram em 191 matérias apresentadas no gráfico 1 por ano. Gráfico 1 – Quantidade de matérias sobre política por ano. De posse dos dados, notou-se que houve certa equidade na quantidade de matérias sobre o tema política ao longo dos anos, destacando-se o ano de 1997 (13%) com um maior número de veiculações, seguido pelos anos de 1995 e 2003 com 12% e, também havendo empate técnico na terceira colocação, referente aos anos de 1996 e 1999, com 11% de inserções. Os demais anos seguiram o seguinte score: 2002 (10%); 2001 (9%); empate técnico nos anos de 1998 e 2004 com 6%; 2000 (7%) e 2005 (3%). A divisão dos assuntos tratados dentro da temática política, foram embasados em Ramos (1970), Beltrão (1969) e Erbolato (1981), sumarizando o entendimento dos autores acerca de política em quatro grupos: os Organismos Oficiais (no âmbito federal, estadual e municipal), os Organismos Partidários (a vida partidária, eleições e partidos), os Organismos Administrativos (serviço público, atos administrativos, Projetos de Lei, mudanças de cargo) e os Conflitos (greves, escândalos, processos contra políticos, golpes e abuso de poder) apresentados no gráfico 2. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 222 Gráfico 2 – Incidência de assuntos na área política O assunto que prevaleceu na amostra analisada foi referente aos Organismos Administrativos com 72 matérias (38%), seguido por Organismos Partidários com 61 matérias (32%), ficando em terceiro lugar os assuntos atinentes aos Organismos Oficiais com 42 matérias (22%) e encerrando com assuntos sobre Conflito com 16 matérias (8%). A última etapa de análise dos dados, foi referente aos critérios de noticiabilidade que mais prevaleceram dentro das categorias previamente estabelecidas. Para tanto, foram realizadas leituras na íntegra das 191 matérias arroladas abaixo por: ano, mês e título. A partir da escolha prévia das categorias, a tabela 1 revela a quantidade de aparições de cada uma delas por ano. *N Quantidade de matérias por ano. Tabela1: Incidência das categorias na amostra. A análise teve como foco o conteúdo das notícias (explícitos e implícitos), sem se ater a questões linguísticas. Desse modo, o gráfico 3 apresenta o total de aparição das categorias presentes nas 191 edições analisadas entre os anos de 1995 e 2005 do jornal AU. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 223 Gráfico 3 – Total de aparições nas 33 edições analisadas. A ordem de aparição resultou da análise dos dados da tabela 1 conforme segue abaixo: 1º - Relevância, presente em 180 das 191 edições; 2º - Proximidade, presente em 179 das 191 edições; 3º - Novidade, presente em 157 das 191 edições; 4º - Tempo, presente em 55 das 191 edições; 5º - Notoriedade, presente em 37 das 191 edições e 6º - Conflito, presente em 20 das 191 edições. A maior presença da Relevância (29%), Proximidade (28%) e Novidade (25%) demonstra que foram esses os principais critérios de noticiabilidade utilizados na produção das matérias. Como forma de ilustrar a presença desses critérios, foram selecionados aleatoriamente alguns trechos das edições analisadas. 3.1 Relevância Nas 191 matérias analisadas a presença massiva da categoria relevância foi identificada em 180 textos analisados, ou seja, aparecendo em 94,2% das matérias merecendo destaque os anos de: 1997, 1998, 2003, 2004 e 2005 em que todas matérias selecionadas sobre política possuíam o viés relevância. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 224 Figura 2: Edição AU 18/11/1995, p.14. Edição Novembro/1995 O texto mescla informações de cunho relevante, de novidade, de proximidade e de tempo ao falar da crise financeira devido o Plano Real. A relevância aparece por se tratar de assunto importante que impacta a comunidade local ao citar que dados do SINE de FW “indicam o aumento vertiginoso de pessoas que procuram emprego e o seguro-desemprego.” (Ed. 18 de novembro, p.14), também se enquadrando nos critérios de novidade com a revelação dos dados do SINE e proximidade por estar diretamente relacionado à comunidade local. O critério tempo surge na fala do entrevistado, o então Presidente da Câmara dos Vereadores de FW, José Alberto Panosso quando fala que o assunto está sendo abordado há meses pelos vereadores das três bancadas: “Inclusive já foram remetidas correspondências aos deputados, senadores, ministros e ao próprio Presidente da República, alertando sobre a gravidade da crise. ” (Ed. 18 de novembro, p.14). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 225 Figura 3: Edição AU 12/11/2000, p. 7 Edição Novembro/2000 O critério relevância se destaca nessa matéria que trata da proposta orçamentária para o município de FW detalhada pelo Prefeito da época, Orlando Girardi, em um total de recursos de 25,64% oriundos do próprio município trazendo o caráter novidade e proximidade ao aludir que, se reeleito, dará prioridade aos setores da agricultura e agroindústria, ou seja, embutido na notícia do orçamento, se desvela a questão das próximas eleições. 3.2 Proximidade O critério proximidade praticamente tem empate técnico com o critério relevância, com 179 incidências de matérias que possuíam essa característica, perfazendo 93,7%, merecendo destaque os anos de: 1997, 1998, 2003 e 2005 onde o critério proximidade despontou em todas matérias selecionadas. A grande maioria das matérias identificadas com o critério proximidade, surgem através de temas comuns a determinados grupos e movidos pela proximidade espacial que diz respeito as interações com a comunidade. Figura 4: Edição AU 20/07/1996, p. 1 A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 226 Edição Julho/1996 A matéria fala de assunto que está diretamente relacionado a comunidade frederiquense comentado a decisão do Governo do Estado em escolher o município como um dos cinco polos do Estado onde funcionarão escolas profissionalizantes com verba oriunda do Governo Federal. Figura 5: Edição AU 4/03/2000, p. 7 Edição Março/2000 A inauguração de uma rede de água potável oriunda de um poço artesiano que beneficiará 54 famílias denota o caráter proximidade percebido na matéria cujo subtítulo é: “ Parceria entre a prefeitura municipal e comunidades garante melhor qualidade de vida no meio rural”, dando visibilidade à gestão municipal [...] já são sete novas redes de água entregues à população do interior nesta administração [...]. (Ed. 4 de março, p.7). Também estão presentes os critérios de relevância e novidade apontados inclusive no título: “Água potável: uma nova realidade no interior”. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 227 3.3 Novidade O critério novidade aparece em terceiro lugar em aparição com 82,2% de incidências, merecendo destaque os anos de 2003 e 2005 em que aparece em todas edições acerca de política. Figura 6: Edição AU 29/11/2003, p. 2. Edição Novembro/2003 O caráter novidade já começa pelo título “Frederico Westphalen tem o prefeito mais jovem do Brasil por uma semana” e se apresenta durante toda matéria “Pela primeira vez na história de Frederico Westphalen o município ganhou como representante máximo o prefeito mais jovem do país, segundo dados da Famurs. ” (Ed. 29 de novembro de 2003, p.2). A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 228 Figura 7: Edição AU 10/07/1999, p.5 Edição Julho/1999 A matéria anuncia no título o caráter novidade “Projeto do novo aeroporto será discutido na Câmara”, estando também presentes os critérios de relevância, proximidade e tempo por ser assunto de interesse da comunidade e recorrente, sendo apresentado um breve resgate da conjuntura “A única pista asfaltada da região está localizada em Iraí, mas a mesma foi ocupada pelos índios caingangues há mais de 4 anos. ” (Ed. 10 de Julho de 1999, p.5). 3.4 Tempo Com 55 (28,8%) incidências nas edições analisadas, o critério tempo não se destacou em nenhum dos onze anos verificados. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 229 Figura 8: Edição AU 27/07/2002, p.9. Edição Julho/2002 Apesar do assunto ser recorrente [...] a federação está com essa luta desde o final do ano passado, quando iniciou a estiagem. (Ed. 27 de Julho de 2001, p.9), o texto atualiza o leitor com novas informações trazendo o caráter novidade, sendo a relevância e a proximidade implícitos na relação do assunto com a comunidade de agricultores da região e o critério conflito, deflagrado por conta da mobilização dos agricultores bloqueando a BR-386, portanto, envolvendo as esferas municipal e federal. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 230 Figura 9: Edição AU 4/03/2000, p. 3. Edição Março/2000 Apesar do cerne da matéria serem os festejos alusivos ao aniversário do município, o texto resgata antigos anseios da comunidade [...] a atual administração atendeu a uma antiga reivindicação da população. (Ed. 4 de março de 2000, p.3) que passam a ser contemplados como parte das comemorações, atribuindo assim, outros critérios a notícia como: novidade, relevância e proximidade. 3.5 Notoriedade O critério notoriedade apareceu em 37 matérias perfazendo 19,4%, não tendo nenhuma incidência no ano de 2000. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 231 Figura 10: Edição AU 9/03/2002, p.7. Edição Março/2002 O título já enaltece a comunidade frederiquense ao mencionar que um conterrâneo foi eleito vereador na Alemanha. Figura 11: Edição AU 27/11/1999, p.5. Edição Novembro/1999 O título remete a uma homenagem ensejada pela aprovação de Moção de Aplauso por unanimidade pelos vereadores de Frederico Westphalen, à um cidadão por relevantes serviços prestados à comunidade. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 232 3.6 Conflito Em última colocação, o critério conflito aparece em 20 (10,5%) matérias. Figura 12: Edição AU 14/03/1998, p.17. Edição Março/1998 O conflito está deflagrado a partir do título da matéria, consubstanciado durante todo o texto ao se referir a um grupo de religiosos católicos da diocese de Frederico Westphalen em oposição a projeto de lei que autoriza o aborto. A notícia também possui os critérios de relevância e proximidade observados no trecho em que os religiosos ressaltam que estarão atentos aos deputados que votarem contra a vida. 4 | EPÍLOGO E PROSSECUÇÕES Entender as motivações que levaram o jornal AU ao mutismo em ter uma editoria política por onze anos, se desvela em uma decisão da gestão como forma de amenizar os ataques do partido oponente ao jornal e, com o intuito de dar um novo enfoque ao veículo em suas pautas marcadas pela liberdade de expressão, inclusive sobre política. Contudo, a hipótese inicial de que mesmo sem editoria política o tema seria abordado no veículo, se comprovou através de matérias e colunas espalhadas pelas edições dos jornais em onze anos de pseudo-silêncio acerca de política. Foram identificadas 191 matérias na amostra de 33 edições que apontaram como principais incidências dos seis critérios de A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 233 noticiabilidade analisados, a Relevância, a Proximidade e a Novidade presentes na quase que totalidade das edições verificadas, demonstrando a importância que os jornalistas e colunistas continuaram dedicando ao tema política, com ênfase na política local. No jornalismo especializado, a editoria política é uma das mais importantes se ocupando de pautar acontecimentos como: eleições, questões de conflito, pautas partidárias e que envolvam órgãos de governo federais, estaduais e municipais, de modo que, não falar desses assuntos seria praticar um desserviço à comunidade. O viés de omissão e/ ou controle de informação (poder), também enfraquece o segmento social levando ao seu controle (MARCONDES FILHO, 1998). A importância da temática não é privilégio da sociedade hodierna, pois a pauta política moveu a humanidade desde a antiguidade clássica, sendo assunto primeiro nas rodas sociais e, tendo na obra “Política” de Aristóteles, a inauguração do termo. O vocábulo “política”, derivado do adjetivo grego pólis (politikós) relativo à cidade, mudou sua acepção ao longo do tempo havendo severas discrepâncias conceituais, divergências e más interpretações sobre o seu entendimento. E, por seu caráter eviterno, a política se iguala ao amor, a morte e a sociedade conforme Maffesoli (2005), sofrendo transformações ao passo que se mantendo sempre na agenda das sociedades. Dos vários sentidos vinculados à política, destaca-se o conflito no sentido Antagonístico de rivalidades, incompatibilidades, posições e luta de potências, e Agonísticos presentes na retórica e doutrinação (BOBBIO, 2000), exigindo desdobramentos na gestão da solução desses conflitos por parte dos envolvidos já que o pensamento político costuma se situar em prós ou contras e não por lógica. A divergência histórica entre política e moral também é discutida em outras esferas da atividade humana, no sentido do que é moralmente lícito e moralmente ilícito relacionando a diferença de ética individual e de grupo, podendo haver sentidos distintos nas convicções e responsabilidades. A história política contada pela imprensa escrita, revisa os acontecimentos à luz da inter-relação existente entre o Estado e o poder, tangenciando aspectos econômicos e culturais, além das ideologias que transitam como pano de fundo nos discursos. No jornalismo especializado, a política tem seu destaque ao registrar os principais acontecimentos que impactaram a sociedade. Desta forma, a fonte documental que o jornalismo produz, informa ao mesmo tempo que manipula, criando e destruindo mitos e, muitas vezes, priorizando agendas que respondam aos seus interesses próprios, sendo atores políticos de suma importância na formação da opinião pública (OP). A imprensa periódica chegou tardia no Brasil em relação ao contexto mundial, sendo citados a censura e o oficialismo como os fatores que influenciaram os primórdios da imprensa (SODRÉ, 2011) ao se referir as restrições à liberdade imposta por Portugal que procurava isolar o Brasil através do impedimento em abrir escolas e imprimir livros e jornais, além do fechamento dos portos para o comércio internacional. Neste cenário é que surgem, em 1808, os primeiros jornais brasileiros: O Correio Brasiliense feito em A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 234 Londres e a Gazeta do Rio de Janeiro, editado e impresso no Brasil, porém, limitado a publicações sobre a família real no Brasil. Uma década depois, surgem outros jornais, panfletos e pasquins cuja brevidade denuncia a fragilidade da imprensa brasileira da época que só começou a se estruturar, no início do século XX, introduzindo a relação dos veículos com o seu público, com os anunciantes e com a política. O surgimento da imprensa no Rio Grande do Sul (RS) pode ser datado a partir de 1830 – período onde o enfrentamento bipartidário político era comum entre legalistas e rebeldes – com o discurso farroupilha que estava embasado no liberalismo, porém com características díspares do pensamento europeu, havendo uma adaptação ao contexto rio-grandense. Em uma rápida revisão sobre as características políticas desse período, evidenciam-se o autoritarismo nas relações sociais, o fortalecimento do regionalismo e o antagonismo entre convicções liberais e soberanas, de modo a formar a gênese política do RS com a singularidade que lhe é peculiar. Em específico no RS, o jornalismo teve duas fases distintas conforme alude Rüdiger (1993), sendo a primeira relacionada ao jornalismo político partidário predominante até a década de 30 do século XIX e a segunda, conceituada como jornalismo informativo moderno, surgida no início do século XX. As décadas de 1950 e 1960 tiveram forte engajamento partidário por parte da imprensa que, em âmago nacional, se dividia entre o PSD e a UDN. No município de Frederico Westphalen não foi diferente, com o surgimento dos primeiros jornais em 1965, dentre eles “O Despertar”, tendo à frente Monsenhor Battistella, convidado a colaborar pelo prefeito Nerone Campo (PDS) em retribuição a sua dedicação ao partido. Um ano depois, surge “O Alto Uruguai” que, apesar dos propósitos de independência e imparcialidade, tinha fundadores do MDB. O paralelismo político que inicia no período populista (19461964) e prossegue no regime militar (1964-1985), mostra uma imprensa refém e, por vezes, fragilizada em função dos interesses partidários e conflitos ideológicos. Uma década depois, estando o país já vivenciando a redemocratização advinda da abertura política e a política merecendo destaque em noticiários que, além de uma editoria política contavam com um par de colunistas especializados na área, o AU anda na contramão desses preceitos optando pelo mutismo político ao deixar de veicular a editoria política por 11 anos. Se o país avançava com celeridade na democracia e liberdade de imprensa, alguns municípios interioranos ainda sentiam o açoite da polarização política que comandava os veículos, assim como, a comunidade como um todo. Contudo, como deixar de falar das coisas políticas que impactavam a comunidade? De fato, isso não ocorreu, uma vez que o jornal não negligenciou essas informações sobre o que acontecia acerca de política na região, apenas resolveu continuar publicando notícias políticas, sem se utilizar de uma editoria. Essa postura refletiu nos critérios de noticiabilidade cujas maiores incidências denotam o interesse em trabalhar o local (proximidade), trazendo quase sempre fatos novos (novidade) e de importância (relevância) para comunidade. Sendo a política um acontecimento de interesse público, a veiculação de notícias nessa área permite que o A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 235 leitor tenha acesso as recônditas informações trancafiadas em gabinetes parlamentares ou presente nas campanhas eleitorais como alude Barreto (2006). Nos estudos sobre jornalismo contemporâneo, Traquina (2008) comenta sobre o papel do jornalismo à luz da teoria democrática em fornecer informações úteis; de ser um espaço do contraditório e da pluralidade de opiniões e na proteção dos cidadãos contra abusos do poder. A ênfase de seus preceitos no jornalismo político se resume em: informar, formar opinião e fiscalizar, e isso o jornal AU conseguir fazer, mesmo tendo optado por não ter editoria durante onze anos. A família Cerutti sofreu retaliações e perseguições políticas, passaram por severa crise financeira que quase fechou às portas do jornal, mas se mantiveram persistentes no ideal de trazer informação com responsabilidade e com o máximo de isenção possível. O fato de manter desde o início do periódico um colunista oposto partidariamente as raízes partidárias do jornal é prova de ética e de liberdade de imprensa, já que nunca nenhum jornalista ou colunista foi censurado em seus escritos. Parte dessas informações foram obtidas em entrevista realizada com os fundadores do jornal através de relatos emocionantes e ricos de informações. A história oral descortina meandros da história que ainda não estão documentados, implicando em um emaranhado de percepções do passado e o impacto que tiveram no processo societal. Sentir as emoções evocadas pela memória dos entrevistados é ter a responsabilidade de registrá-las com o mesmo desvelo com que foram ditas. As questões outrora esboçadas e que serviriam como base para entrevista acabaram automaticamente sendo respondidas de forma espontânea, sem que fosse necessário argui-los. Aliás, foi dito muito mais do que inicialmente investigado, sendo um espaço onde os entrevistados deixaram fluir suas reminiscências sobre a história do veículo que se mesclavam com a do município, formando uma rica simbiose. O resultado de tanto material coletado através de relatos e pesquisa documental levaram ao comprometimento junto aos dirigentes do jornal e precursores, de escrever a história do veículo – responsabilidade de muita honra para quem não é filho da terra, porto-alegrense que sou -, já amplamente divulgado na comunidade frederiquense que espera o lançamento para 2020. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BARRETO, Emanoel. Jornalismo e política: a construção do poder. Estudos em Jornalismo e Mídia. Vol. III N. 1 - 1o semestre de 2006. BATISTELLA, Monsenhor Vitor. Painéis do Passado. A História de Fred. Westphalen em 60 quadros de literatura amena. FW: Gráfica Marin, 1969. BELTRÃO, Luiz. A imprensa informativa. São Paulo, Folco Masucci, 1969. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 236 BERELSON, B. Content analysis in communication research. Glence: Free Press. 1952. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Ciência Política. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. Rio de Janeiro, 2007. ERBOLATO, Mário. Jornalismo especializado. São Paulo: Atlas, 1981. FERIGOLLO, Wilson. A. A cidade Princesa sob as lentes dos fotógrafos Vitório Locatelli e Ângelo Buzatto. FW: Litografia Pluma, 2018. FERIGOLLO, Wilson A. Rostos e Rastros no Barril – 1954-2004. FW: Ed.Pluma, 2004. FRANCISCATO, Carlos Eduardo. A atualidade no jornalismo: bases para sua delimitação teórica – Tese. 336 p. Salvador, 2003. GODOY A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, 35(2), 57-63, 1995a. LAZARSFELD, Paul F. A sociologia. Lisboa: Bertrand, 1970. MAFFESOLI, Michel. A Transfiguração do Político. Porto Alegre: Sulina, 2005a. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento científico: pesquisa qualitativa em saúde. 2a edição. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 1993. RAMOS, José Nabantino. Jornalismo, dicionário enciclopédico. São Paulo, Ibrasa, 1970. RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS, 1993. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo – Porque as notícias são como são. Volume I. Florianópolis: Insular, 2. Ed., 2008. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 14 237 CAPÍTULO 15 A HISTÓRIA E OS DESAFIOS DO TELEJORNALISMO EM TEMPOS DE PANDEMIA Data de aceite: 01/02/2022 Edwaldo Costa Pós-doutorando no Programa de PósGraduação em História da UnB http://lattes.cnpq.br/3950553227038648 https://orcid.org/0000-0002-3416-3815 RESUMO: O presente estudo tem em seu bojo estudar qual fora o impacto e os desafios interpostos pela pandemia à produção telejornalística. De fato, essas produções precisaram dar destaques e continuar os seus ofícios, todavia, surpreendidos com mudanças bem significativas as quais perpassaram as produções e reuniões de pauta até as entrevistas. É válido conceber que o telejornalismo já vinha passando por uma rotina produtiva com a inserção das ferramentas disponibilizadas por uma rede móvel e internet e todos os adventos da web. Já havia uma tônica de proporcionar ao telespectador a competência de protagonizar notícias e essas demandas foram realçadas com o advento da pandemia da COVID-19. As programações precisaram ser alteradas, as imagens encaminhadas por telespectadores foram aproveitadas por âncoras, assim como fontes e todo um processo de autoria fora revisto. Para se contemplar essas modificações, por certo, é necessário entender como o telejornalismo surge e se modifica ao longo da história, destarte, poder-se-á entender como antes da pandemia esse ciclo de produção era explorado e como que ele se adapta conforme as A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 necessidades dos tempos atuais. PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo. História. Atualidade. Pandemia. THE HISTORY AND CHALLENGES OF TELEJOURNALISM IN PANDEMIC TIMES ABSTRACT: The present study aims to study the impact and challenges posed by the pandemic to telejournalistic production. In fact, these productions needed to highlight and continue their work, however, surprised by very significant changes which permeated the productions and agenda meetings until the interviews. It is valid to conceive that telejournalism was already going through a productive routine with the insertion of tools made available by a mobile network and internet and all the advents of the web. There was already an emphasis on providing the viewer with the competence to star in the news and these demands were highlighted with the advent of the COVID-19 pandemic. The schedules had to be changed, the images sent by viewers were used by anchors, as well as sources and an entire authorship process had been revised. To contemplate these changes, it is certainly necessary to understand how telejournalism arises and changes throughout history, thus, it will be possible to understand how before the pandemic this production cycle was explored and how it adapts according to the needs of current times. KEYWORDS: Television journalism. History. Present. Pandemic. Capítulo 15 238 1 | INTRODUÇÃO Para compreender o cenário das mudanças que impactam o telejornalismo na pandemia da Covid-19, entende-se que é preciso levantar um viés histórico e entender como o telejornal vinha sendo produzido para informar à sociedade ao longo das décadas. É importante compreender também que, ao longo da pandemia da Covid-19, o telejornalismo sofreu os impactos restritivos e de mudança de mercado, contudo precisou manter a sua finalidade: informar. E para isso, ele contou com mais protagonismo dos telespectadores, sendo palco da construção de uma notícia cada vez mais interativa. A cobertura da pandemia teve impacto em suas rotinas de produção e com recursos que estão relacionados aos próprios aportes de trabalho, como quem segura o microfone, os vídeos amadores e uma construção da notícia sem linearidade, além das chamadas de vídeo como um meio de práticas as entrevistas. Outro viés da enunciação é a inserção de um vocabulário intrínseco à área médica que começou a ser utilizado como: imunizados, máscaras, intubação, medicações, UTI, vacina e margem de óbitos e curados. O telejornalismo, ao longo de um ano de pandemia, vai buscando os espaços sociais como processo de produção e que cria uma perspectiva de contato com a notícias, mais intimista. A Covid-19 norteou de distintas formas a rotina de trabalho de imprensa até pela necessidade de uma informação diária que cobrisse o momento pelo qual o país estivesse passando em comparação com demais localidades do mundo. Justifica-se o estudo pela importância de se compreender como que o telejornalismo já contava como recursos de produção os modelos tecnológicos mais atuais e precisaram realçar a utilização dessas ferramentas com o advento da pandemia. Logo, a proporção das medidas de prevenção foi também adotada no jornalismo, onde muitos jornalistas passaram a trabalhar em ambiente remoto e só retornaram a estúdio pós-vacina; muitos jornalistas contaram com a utilização de equipamentos de proteção específica, como a necessidade de se utilizar a máscara a qual por certo muda as nuances das ondas de transmissão e ainda a redação e as formas de produção também mudaram. O problema da pesquisa incide sobre a seguinte pergunta: Quais foram os impactos da pandemia na produção do telejornalismo e como a uso da tecnologia ajudou na produção? O objetivo geral do estudo é compreender as alternâncias na produção, nas reuniões de pauta e transmissão. Os objetivos específicos consistem em: estudar a história do telejornalismo e como ele transcorria antes da pandemia; compreender como as ferramentas tecnológicas agregam recursos ao telejornalismo; e observar quais são as principais mudanças do telejornalismo na pandemia. Procurou-se observar como as empresas de comunicação estão se adaptando para continuar produzindo informação, combater as fake news, lidar com protocolos, principalmente com a saúde de seus colaboradores, e com os impactos da crise sanitária A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 239 no fazer jornalístico relacionados aos procedimentos de coleta de informações e produção de reportagens. 2 | ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS RELATIVOS AO TELEJORNALISMO Tentar compreender as nuances do telejornalismo é busca abarcar o presente e o momento da pandemia assim como que as ferramentas que evoluíram com o telejornalismo puderam ser aproveitadas no momento da crise da Covid-19. A história do telejornalismo tem as suas periodicidades, tanto nos aspectos da enunciação e como a notícia é produzida, como na exploração dos recursos técnicos os quais são utilizados. Kneipp (2008) destaca o primeiro jornal televisivo da Globo o qual vai ao ar em 1969. Já na Rede Tupi, o primeiro telejornal começa em 1950. Ainda sob o jugo da censura, esse telejornal tenta de todas as formas lidar com a ditadura e nas suas intervenções de escolhas profissionais. No período da redemocratização, especificamente em 80, o investimento é em bons redatores para, inclusive, haver uma boa cobertura do processo de reabertura política do país. Nos anos 90, o telejornal começa a ser segmentado pela interface do tempo. O jornal 24 horas é aquele que aparece nesse período mostrando etapas massivamente constitutivas de plantões de notícias divididas em blocos. Quando se inicia o novo milênio, as configurações mudam para uma constituição estruturada nos adventos tecnológicos e em uma escalada não linear da notícia. Kneipp (2008, p. 21) fala o quanto o telejornalismo tornou-se híbrida ao logo dessas décadas. A hibridização é um termo que se tem usado bastante em época pandêmica para denotar um mesmo veículo que se utiliza de um mesmo objeto por tempos distintos: presencial e online. Backes (2018, p. 47) fala a respeito da inauguração do telejornalismo na televisão brasileira: Desde a estreia da televisão no Brasil, em 1950, os telejornais fazem parte da grade de programação da maioria das emissoras de canal aberto, e, atualmente, já existem canais fechados totalmente direcionados à veiculação de notícias. Mas, quando esses programas informativos começaram a ser exibidos, os profissionais sabiam muito pouco sobre a produção de notícias para a televisão, visto que seu conhecimento advinha da ampla experiência com o jornalismo radiofônico: locutores com vozes vibrantes simplesmente liam notícias, expondo sua imagem à frente das câmeras”. O que a autora menciona é a forma como o telejornalismo quando ele começa a ser incluído na grade das programações televisivas e pondera a respeito da herança do rádio e de seus programas, novelas que, de certa forma, são transpostos para a televisão e mudança a conjuntura produtiva. Aqui há um viés técnico e que precisa buscar qual é formatação do telejornal para a televisão. Backes (2018) ressalta algumas peculiaridades do telejornalismo a essa época. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 240 Primeiramente, ela reforça que a herança radiofônica é patente. Os âncoras dos telejornais apenas liam a notícia e a autora exemplifica com o Repórter Esso. A segunda característica é compreender que o telejornal não era a parte principal da programação de um canal ou emissora. Logo, ele entrava em espaços intermediados, entre programas televisivos que mobilizam mais a sociedade ao passo que hoje, canais de streamming são dedicados única e exclusivamente às notícias. Outra característica é a equalização entre a imagem para ilustrar a notícia que era lida o que, aos poucos, começa a ser a tônica do telejornal para alcançar a modalidade do telejornalismo de plantão. Rezende (2010 apud BACKES, 20178) reflete a respeito da parte figurativa da notícia a qual não precisaria ser somente narrada ou lida uma vez que o contexto não seria somente mais o radiofônico. Tomar conhecimento da notícia e visualizá-la começava a se revelar como algo apreciado pelo telespectador que começa a inserir a relação do que era transmitido verbalmente para o que era visualizado por imagens para que o discurso e a enunciação da reportagem pudessem estar sempre no limiar da autenticidade. Contudo, o autor também pondera que as dificuldades técnicas para que essa imagem pudesse chegar ao telespectador e transformar uma notícia em um veículo mais espontâneo. Na tentativa de se tornar um tipo de programação mais fiel à notícia que era transmitida, o telejornal avança pelo jugo e censura do governo militar e como que ele elencava os conteúdos que deveriam ou poderia ser transmitido. Com o jornal em cadeia nacional a partir do ano de 1969, as notícias tinham uma tônica, mas técnica, colorida, buscando investir em âncoras, repórteres, comentarias e correspondentes internacionais que trouxesse sobriedade às notícias, critério do governo militar para a veiculação de notícias. Todos os noticiários passavam por censura prévia com um investimento em notícias nacionais em detrimento das locais. Após a Constituição de 1988, a comunicação jornalística começa a ser autônoma ao elencar notícias pautando-se pela superação do momento de censura em plena manifestação da liberdade de pensamento. Com isso, percebe-se a evolução da competitividade entre as emissoras e como que os programas passam a ser roteirizados de forma mais educacional, artística e informativa (REZENDE, 2010). Enquanto que os anos 80 representou a conquista da liberdade de pensamento e informação, os anos 90 começa com um diálogo com os correspondentes internacionais de forma mais acintosa e com a modernidade a qual começa a permitir que as TVs por assinatura lancem conteúdos informacionais específicos para assinantes de diversos gostos. As infraestruturas começam a ter mais investimento. A TV a cabo aparece como mais uma opção de distintos canais e, nesse cenário, a notícia é moldada para serem diluídas entre audiências e para dirimir as limitações dos canais abertos. Backes, (2018, p. 52), a respeito dos canais fechados fala que: A inserção dos canais informativos fechados no Brasil provocou alterações no telejornalismo praticado pela TV aberta com vistas a enfrentar a nova A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 241 concorrência: matérias mais longas, com esclarecimentos, serviços públicos, defesa do consumidor e densidade crítica”. Logo, esse crescimento e repartição dos canais em fechados e abertos impactam o telejornalismo e preparam um ambiente que tem o seu ápice a partir de 2000 com o advento da globalização: o desenvolvimento tecnológico que culmina com a web TV e, hoje, com os serviços de streaming, muitos com acesso liberado outros com aplicativos e canais que podem disponibilizar o acesso por redes móveis. (KNEIPP, 2008). A TV Digital, aquela que pode ser tanto vista na TV com também nos dispositivos móveis cria uma versatilidade na veiculação da notícia tal qual a linearidade da transmissão a qual é representada por uma produção televisual a qual avança em distintos conglomerados de notícias. É possível, por exemplo, um jornal contar com vários informantes que estão falando de distintas localidades simultaneamente o que globaliza a informação. Kneipp (2008) no tocante à parte técnica e de produção de notícia apresenta uma periodicidade do telejornalismo, acrescentando e descrevendo as características de cada um deles. O primeiro período descrito é a fase radiofônica a qual já supracitada denota ter maior herança dos programas que eram produzidos para o rádio. Como que a televisão a essa época era novidade, as câmeras utilizadas para filmar era as mesmas dos filmes, logo, havia ainda a produção com câmeras cinematográficas. As imagens eram em preto e branco, com baixa qualidade e ainda não se tinham as ferramentas técnicas para equalizar som e câmera. (KNEIPP, 2008). Os primeiros profissionais a serem convocados para trabalhar na televisão foram os radialistas, visto que a tecnologia, até então, era muito parecida, pelo menos no que diz respeito ao sistema de radiofusão de som e imagens. As exigências para se trabalhar na televisão eram mínimas, pois ninguém sabia como fazer televisão naquele momento (KNEIPP, 2008, p. 98). Com isso, observa-se ainda que a improvisação seria uma característica muito aderente aos primeiros telejornais. Logo, a transposição do telejornalismo da TV para a rádio aparenta ter uma reversibilidade simples dado o contexto de produção, porém era preciso convocar mais aparatos tecnológicos para que os radialistas pudessem se despojar do improviso o qual seria um elemento bem aceito no rádio. Outro período demarcado é a fase cinematográfica, dos rolos de vídeos, os antigos negativos que utilizam o cromaqui e os jogos de luz e contraluz para profissionalizar a participação dos âncoras. A técnica tenta minimizar as hastes do improviso e incorpora a tecnologia do teleprompter que é o mecanismo da leitura por jogos espelhados, proporcionando ao apresentador um olhar mais profissional. (KNEIPP, 2008). A terceira e última fase dessa periodização aponta para a ampliação dos computadores e mais recursos tecnológicos até as datas de hoje que norteiam com mais segurança as políticas de atuação do jornalista que caminha até a implantação da TV A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 242 digital. Nesse curto percurso compreende-se como a técnica oferece mais segurança para os âncoras e demais participantes do telejornalismo, que começa a apurar a notícia para depois transforma-la em informações mais estruturadas. Por fim, para se dar início à técnica e rotina dessas produções telejornalísticas é imprescindível conceber como a internet modificou o contexto de produção de jornais e a inclusão de mais telespectadores à informação. 3 | TELEJORNALISMO: RETRATO PRÉ-PANDÊMICO Para compreender quais foram os impactos da pandemia na rotina de produção do telejornalismo, é preciso traçar qual o cenário e como que ele era realizado antes do advento da pandemia. Primeiramente, pode-se afirmar que toda a parte de edição, reunião de pauta, entrevista eram arroladas à luz de um jornalismo não linear e com o contexto digital, das novas tecnologias e são esses pressupostos que serão elencados aqui. Viuse que as novas tecnologias aprimoraram drasticamente as ferramentas para a produção telejornalística. Crocomo (2001) fala que a edição não linear foi conveniente para a produção do jornalismo diário com os adventos tecnológicos. Os softwares de edição não linear nos tempos da digitalização transferem imagens de formas mais simples que os videotapes, os quais seriam classificados como um material muito bruto para ser editado nas ilhas de edição analógicas. Para o autor, os benefícios da digitalização são: Não precisamos mais copiar em fita cada matéria a ser utilizada no telejornal. Não há mais perda de tempo. As matérias estão no disco rígido do computador. A única perda de tempo continua existindo para a digitalização das imagens. Melhorou a qualidade de imagem porque se elimina a cópias e as matérias passam a ser rodadas a partir do computador, diminuindo os riscos de vazar no ar sons de fita rebobinando no início, fim ou em qualquer ponto desejado (CROCOMO, 2001. p. 81). A estação analógica passa, portanto, a ter um caráter não linear e, com isso, as saídas de áudio e vídeo a partir do computador passou a ser de fácil edição. Ficou fácil também para o âncora que está conectado às saídas da produção e consegue acompanhar toda a transmissão, com mais segurança nas intervenções as quais ele precisa ter, conforme os retornos que lhe são dados pela equipe. (CROCOMO, 2001). Os equipamentos digitais, por conseguinte, são remanejados e permitem uma atualização tecnológicos de forma que os apresentadores, âncoras e correspondentes possam participar de toda a lógico do curso da transmissão para a audiência. Outro fato importante é permitir que esse jornalista possa estar na redação, sem ter que dominar uma ilha de educação. Ele apenas precisa estar na sala de redação, para a reunião de pauta, com outros jornalistas, trocando informações de como lançar e desenvolver determinada pauta e editar de forma viável para ser incluída na programação. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 243 Crocomo (2001) aponta, portanto, quais foram as modificações e um ambiente analógico para um digital. A edição seria uma mudança destacável porque migra-se dos acúmulos e fitas de videotape para softwares. E assim, a máquina prepara os filmes que precisariam ser editados. A digitalização do material é toda convergente para o computador e integrando às redações e aos profissionais que precisam ter acesso junto com o técnico. Ao longo desse processo tem-se uma adaptação, para a edição não linear. Crocomo (2001, p. 92) relata como que a edição de um telejornal pode começar: O telejornal começa e o diretor de imagens seleciona, através da mesa de corte, mas imagens que vão ao ar. A partir da mesa é possível escolher as câmeras de estúdio, de externa (para entradas ao vivo dos repórteres que estão na rua) e também para a exibição das reportagens. É demonstrado no excerto como que o telejornalismo é editado e de onde que as matérias são exibidas. A âncora lê todas as matérias que foram selecionadas pelo editor e a matéria entra. Essa sequência é toda alinhada na redação e nos encontros entre os jornalistas responsáveis pela apresentação e pelas matérias que estariam encadeadas. O investimento em placas maiores de softwares e demais equipamentos que garantam as gravações, assim com os offs que estão disponibilizados pelos narradores, são equipamentos que precisarão ser sempre aprimorados. Outro por a ser destacado é a elaboração da pauta. Esta é a relação de assuntos, a discussão e os encaminhamentos que são lançados pelo repórter responsável pela matéria. Quando ele tem as suas reuniões para contemplar possíveis desdobramentos da sua pauta, ela pode acessar um grande banco de imagens na redação, assim como matérias e gravações que estejam em um servidor relacionadas com a pauta que ele deseja levantar. (BACKES, 2018). Durante a reportagem, o meio digitalizado, prescinde dos repórteres pauteiros, os quais precisam estar à frente da condução da informação porque eles que a desenvolveram na reunião de pauta. Com esta, ele pode orientar os responsáveis de imagens para captar a essência do que pode ilustrar com mais objetividade a matéria. Em alguns momentos, esse pauteiro está em uma transmissão imediata, ou seja, aquela que não passará por edição para chegar ao jornalista âncora. Eles seriam responsáveis pela notícia direta, entradas ao vivo, coberturas sequenciais. (KNEIPP, 2008). Cromoco (2001, p. 100) menciona a importância de a pauta ter as informações bem alinhadas com as imagens na linha de educação, priorizando um arrolamento correto de scritp para que o jornal possa ter um resultado positivo: Continua sendo fundamental a correta elaboração dos scripts – com textos e informações técnicas necessárias para que o programa seja exibido. No caso das matérias especiais. O roteiro continua sendo fundamental. A garantia de uma boa decupagem – anotação exata das cenas desejadas – cada um com o respectivo timecode inicial e final – já é um bom início A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 244 A boa veiculação para uma audiência também depende da disponibilidade do público para se adequar a todas essas inovações. A linguagem, tônica das pautas são elementos que sensibilizam com mais facilidade e imediatismo os telespectadores. Estes serão parte da audiência caso as estruturas de determinada produção possam lhes impactar. Os investimentos realizados para se manter um telejornal na TV digital contam com a apropriação da notícia pelos telespectadores, não somente com os que ficam de frente para a televisão. Telespectador hoje se configura pelos acessos que as plataformas têm através dos dispositivos móveis. Essa dinâmica de interação do telespectador com a notícia que é transmitida em tempo real é uma das características que mais dinamizam o telejornalismo atualmente. Santos (2014) fala que é um jornalismo cidadão e que, por meio de tecnologias digitais acessíveis a todos, podem acionar setores da sociedade promovendo um jornalismo participativo. Dada essa produção para uma nova agenda de transmissão de telejornais, a audiência deixa o telespectadorismo e formula com mais inferências suas percepções da matéria que está sendo veiculada. Essa modalidade de jornalismo que é proposto pela TV digital reconfigura as dinâmicas de interação com a audiências. Hoje em dia o recurso da interatividade, na televisão terrestre aberta brasileira, só pode ser realizado através do uso de uma segunda tela, a qual possibilita a resposta por parte da audiência, ou restrito ao recebimento de informações enviadas pela emissora. Provavelmente, tais limitações sejam passageiras, já que uma das grandes apostas das grandes empresas de comunicação para reconquistar o público perdido para a internet é exatamente a ferramenta que possibilita a interação entre emissora e telespectadores (SANTOS, 2014, p. 113). As ferramentas da TV digital, por certo, impactaram na participação direta do espectador que ganha uma amplitude no acesso ao telejornal porque passa a ser alcançado por várias plataformas. Ferraz (2009 apud SANTOS, 2014) fala que essa interatividade com base na interferência direta e quase simultânea constitui o empoderamento do público que tenta se apropriar dos seus espaços participativos. Por esse prisma, o jornalismo televisivo pautado por uma era digital revela as personas participantes do outro lado da tela, representado por um público receptor pelas mensagens que são captadas, especificamente por uma população que consome mídia. (FERRAZ, 2009). Antes dessa digitalização televisiva, o perfil do público seria para quem estava em casa: programas para a criança, para as donas de casa que não estavam no mercado de trabalho e, ainda, o telejornal que passava na hora que o marido chegaria em casa do trabalho. Hoje, há uma persona por detrás de muitas telas e que, muitas das vezes, recebe a notícia na hora em que ela é anunciada e se prepara para as coberturas que serão feitas nas plataformas digitais. Ou seja, pessoas instalam aplicativos, recebem notícias em push A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 245 e é como se tivessem previamente o roteiro do programa que irão assistir logo mais. Logo, apesar de uma reformulação técnica que é promovida pela TV Digital, as redações jornalísticas passaram a criar e mediar as suas pautas conforme o acesso do público a determinada notícia, o que representa também a liberdade de escolha da população para saber mais a respeito de um assunto. 4 | A PANDEMIA E OS IMPACTOS NO TELEJORNALISMO DIGITAL Com o cenário do telejornalismo traçado, tanto em uma abordagem história quanto técnica, compreende-se que houve uma certa ruptura na promoção das notícias. Dantes vistas, as redações deixaram de ser um ambiente isolado e os pauteiros não puderam se acomodar no rol de informações já presentes no banco digital de matérias. Com o advento da pandemia, o impacto primeiro presume ter sido na articulação dos profissionais responsáveis pela pauta, articulação das entrevistas e maior interatividade com o público. Durante a quarentena de 2021, com todos precisando cumprir com regras de isolamento, os jornais começaram a delinear novos perfis de audiência. Logo, entendese que a interatividade com certeza ampliou. A lógica da digitalização, com todas as mudanças e vieses que motiva a aplicação da rotina de uma forma mais prática ela concepção técnica não fora o suficiente para que as reuniões de pauta, entrevistas e interatividade para que o conteúdo audiovisual pudesse transcorrer normalmente em período de pandemia. Muitos jornalistas precisaram ficar em casa por conta da prevenção e poucos estavam presentes no estúdio. Os serviços interativos convergem por certo para uma apuração mais intensa, pautas mais dinâmicas e captação de fontes que pudessem trazer uma informação verídica para cobrir também a situação da saúde do país e de outras localidades. Cajazeira e Souza (2020) falam que o foco, nesse período, fora a pandemia e os seus desdobramentos em todo o mundo. Todavia, os próprios profissionais precisaram migrar para home office e deslocando-se do estúdio para realizar as suas correspondências e análises. Como medida preventiva, esses profissionais também precisaram ficar reclusas o que já tem suas resultantes em toda a rotina desse profissional com o seu editor e com as demais tarefas de sua rotina. Outro destaque dado pelos autores é que muitos foram para a cobertura da linha de frente em várias localidades e precisaram estar equipados com máscaras e outros equipamentos de proteção, o que por certo teria interferência no uso do microfone. Ainda assim, todo o protocole precisou ser seguido rigorosamente por equipes internas e externas. Figaro et al (2020, p. 19 apud Cajazeira e Souza, 2020, p. 2) revelam que: O contexto da pandemia da Covid-19 certamente acelerou a transição que alguns setores já ensaiavam de transmutar o local de trabalho da residência do trabalhador. A situação de emergência em prol da saúde coletiva passou a A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 246 justificar desse modo, a forma improvisada que muitos tivemos de assumir do trabalho em casa. O improviso é de toda ordem: equipamentos inadequados, faltas de softwares para edição, falta de apoio técnico, móvel e local não ergonômicos, lugar/ espaço/ ambiente inadequado, porque sobreposto à ambiência que pertence ao espaço privado da casa, do lar. O isolamento social também retira do trabalho algo fundamental que é a coletividade. A perspectiva coloca no excerto acima pelos autores traça componentes os quais são superados pelos desenvolvimentos tecnológicos pelos quais passaram as redações. Desde as características ergonômicas: cadeiras apropriadas, câmeras à altura dos olhos e chamadas para entrar no ar – até a participação desse jornalista à edição e produção de pauta coletiva da matéria que ele propôs. Apesar desse profissional transpor barreiras outrora conhecidas pelos jornalistas com a revolução digital, a domesticalização do seu trabalho não trouxe a segurança inicial para ele continuar desenvolvendo de forma independente os seus programas. A equipe técnica presente para realizar matérias externas também não pôde continuar os takes, logos, muitos programas específicos ficaram suspensos. Outro impacto bem evidente foram os meios de apuração para checar o desdobramento da pauta. Figaro et al (2020) falam que pautas que precisariam de algumas checagens/apurações nem sempre puderam ser efetivadas de casa. O jornalista, para realizar apurações mais específicas, precisaria realizá-las in logo e a necessidade do distanciamento não permitira essa ação. O isolamento comprometeu a atuação desse profissional que precisaria trazer informações para se manter fiel a um script, a maioria se adaptou e ampliou a sua pauta com volumes de novas informações, automatizando a emissão das notícias. Esse trabalho não pôde ser interrompido porque as comunidades precisariam da transparência e atualizações das notícias em plena pandemia. Os jornalistas precisaram reorganizar o processo de apuração e levantamento de pautas e como essas informações seriam distribuídas dado o veículo informacional. A função pública do telejornalismo durante a pandemia continuou exigindo aplicabilidade informacional devida como prestação de serviço social. A edição não-linear das notícias também dá a tônica de um telejornal que converge para uma mobilidade e que é o cenário representado para o público com a proposta do telejornalismo digital, de plataformas. Como visto anteriormente, a tecnologia digital aparece para mudar a forma como os processos de se fazer a notícia são feitos, desde a captação de informações até a criação desse produto final para a emissão em uma plataforma digital ou canais abertos e fechados. Esses compromissos permaneceram inalterados com o advento da pandemia. A pandemia, portanto, somente antecipou uma reconfiguração acima da linearidade. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 247 As entrevistas, o agrupamento virtual de um conglomerado de jornalistas que estão em cidades diferentes, a ampliação do protagonismo do espectador e as notícias em tempo real, são esses produtos das novas mídias que já beiram a uma realidade virtual. Acreditamos, assim, que o jornalista de tv terá que passar por um processo de reciclagem e de interação com novas mídias, aprendendo outras formas de apresentação do conteúdo, bem como outras maneiras de produzi-lo. As tarefas de buscar, selecionar, analisar e apresentar acontecimentos em forma de notícias imparcialmente continuará sendo missão do jornalista, contudo o perfil que se instaura confere a concentração de outras atividades, como pensar em ferramentas interativas para serem integradas à informação que está sendo veiculada (PEREIRA, 2010, p. 139). Assim, esse futuro antecipado, diga-se, pretende continuar com a rotina do jornalista e da produção do telejornal de forma a preparar as próximas novidades que forma acionadas pela pandemia. O advento do 5G proporcionar outras formas de interação em estudo e com mais realidade virtual, para além da simultânea. Avanços esses que não significam que os telejornais precisam ancorar as suas rotinas de produção nas tecnologias que vão aparecendo porque a pandemia da Covid-19 mostrou que as medidas sanitárias intervêm me modelos já instituídos e classificados como avançados. 5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo discorreu sobre os impactos da pandemia da Covid-19 no exercício da profissão do jornalista e no telejornalismo. O que se averiguou foi que a produção telejornalística vinha com um histórico de evolução técnica desde a época da redemocratização, o que se pôde constatar na abordagem história da sua produção. Em seguida, a culminância técnica, com ferramentas que tiveram o seu ápice de aplicação após o ano 2000 com os recursos das mídias digitais e que muito impactaram na construção da notícia, desde as pautas até a emissão da notícia em plataformas determinando uma acessibilidade. A covid-19 evidenciou as desigualdades sociais, econômicas, políticas e desafiou a ciência e a psiquê humana, já que fomos obrigados ao isolamento, à solidão e até ao medo da morte. O coronavírus atingiu as instituições sociais, pôs à prova corporações nacionais e internacionais, e impôs uma crise desafiadora às mídias digitais, o mais seguro elo de conexão entre os povos no Espaço e no Tempo. Por fim, viu-se o jornalista de televisão superando desafios e correndo riscos para, mesmo em tempo de pandemia, levar informações as pessoas sobre os serviços disponíveis, orientações sobre tratamentos e como prevenir doenças. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 248 REFERÊNCIAS BACKES, Vanessa. Telejornalismo: deferentes reconfigurações da notícia. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências Sociais, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/14163/DI CAJAZEIRA, Paulo Eduardo; SOUZA, José. Telejornalismo, trabalho e saúde na cobertura da pandemia da Covid-19. Revista Dispositiva, PUC-Minas, 2020. Disponível em: file:///home/everex/ Downloads/23906-Texto%20do%20artigo-92609-1-10 CROCOMO, Fernando Antonio. O uso da edição não-linear: as novas rotinas no telejornalismo e a democratização de acesso à produção de vídeo. Dissertação de Mestrado. Universidade de Santa Catarina, 2001. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/ handle/123456789/79896/177735.pdf?sequence KNEIPP. Valquíria Passos. Trajetória de formação do telejornalista. Tese de Doutorado. Escola de Comunicações e Artes, 2008. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde27042009-121921/publico/157520.pdf FIGARO, R. et al. Como trabalham os comunicadores na pandemia do Covid-19? 2020. Disponível em: http://revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/ view/76. Acesso em: 03 jul. 2020 FERRAZ, Carlos. Análise e perspectivas da interatividade na TV digital. In: SQUIRRA, Sebastião, FECHINE, Yvana (orgs.). Televisão digital: desafios para a comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2009. p.15-43. PEREIRA, Lívia Cirne. Interatividade e perspectivas no telejornalismo da TV digital. Dissertação de Mestrado. UFPB, 2010. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/4498/1/ arquivototal SANTOS, Wendel Ribeiro. Você na TV: o papel da audiência nas rotinas produtivas do telejornalismo. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, 2014. Disponível em: https:// repositorio.unb.br/bitstream/10482/15706/1/2014_WendelRibeirodosSantos.pdf REZENDE, Guilherme Jorge de. 60 anos de jornalismo na TV Brasileira: percalços e conquistas. Florianópolis: Insular, 2010. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Capítulo 15 249 SOBRE OS ORGANIZADORES EDWALDO COSTA - Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da UnB. Pós-doutor em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (ECA/USP). Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Marília e especialista em Informática na Educação, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Concluiu graduações em Comunicação Social/Jornalismo e Ciências da Computação. Atuou como professor na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), no Centro Universitário Toledo de Araçatuba e na União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo. Atualmente, o organizador do e-book é membro efetivo da Academia de Letras do Brasil-DF e atua como jornalista no Centro de Comunicação Social da Marinha, em Brasília. SUÉLEN KEIKO HARA TAKAHAMA - Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Jataí (UFJ) e bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Especialista em Educação Especial (PUCMG). Possui graduação em Pedagogia/Licenciatura Plena. Especialização em Educação Especial Inclusiva pela PUC-MINAS e Especialização em Educação à Distância e as Novas Tecnologias. Curso de Libras pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS). Foi professora de Libras na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Instituto Federal de São Paulo e na Fundação Educacional de Penápolis (FUNEPE). Também atuou como professora interlocutora de Libras na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e na Secretaria Municipal de Educação de Corumbá-MS. Em Araçatuba-SP trabalhou como professora de Educação Infantil e na Secretaria Municipal de Educação em Cuiabá, como professora da Sala de Recursos Multifuncionais. A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Sobre os organizadores 250 ÍNDICE REMISSIVO A A Cidade ON 3, 72 Amazônia 2, 4, 158, 159, 160, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171 Anúncios de prevenção às drogas 16 A terceira margem do rio 10, 11 Audiência 3, 62, 63, 83, 84, 85, 86, 89, 91, 92, 243, 245, 246, 249 Audiovisual 8, 73, 79, 246 B Biotecnologia 3, 34, 35, 36, 39, 40, 41, 42, 43, 45, 50, 53, 54, 55, 56 Biotecnologia no Brasil 3, 34 C Caça às bruxas 172, 174, 176, 180, 181 Campanha de vacinação 130, 132, 135, 140, 143, 145, 146, 147, 148, 151 Campanha nacional de vacinação contra a poliomielite 4, 129, 131, 140, 142, 152, 155 Cancelamento 57, 58, 59, 61, 62, 63, 64, 67, 68, 69, 70, 181 Celebridades canceladas 57 Ciência da informação 2, 3, 34 Ciências 1, 2, 21, 39, 43, 51, 53, 81, 82, 155, 156, 157, 162, 163, 182, 183, 208, 249, 250 Ciências da comunicação 1, 2 Cinema 10, 13, 14, 15, 16, 20, 62, 73, 74, 77, 79, 80, 133 Cobertura jornalística 57, 58, 68 Comunicação 1, 2, 3, 4, 1, 2, 3, 5, 6, 16, 19, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 38, 45, 47, 57, 58, 59, 61, 69, 70, 74, 76, 81, 82, 83, 84, 85, 92, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 137, 139, 140, 142, 144, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 172, 173, 174, 175, 176, 180, 181, 182, 201, 202, 205, 209, 210, 219, 221, 239, 241, 245, 249, 250 Comunicação digital 108, 115, 126 Comunicação estratégica 2, 3, 22, 23, 29, 30, 31, 32 Comunicação externa 3, 22, 23, 26, 27, 28, 31, 32 Comunicação pública 2, 4, 129, 130, 132, 133, 140, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157 Conceito Amazônia 4 Conceito Amazônia pela cultura letrada regional 4 A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Índice Remissivo 251 Conhecimento 1, 2, 14, 15, 27, 37, 38, 41, 47, 49, 50, 55, 67, 74, 75, 77, 79, 80, 86, 92, 94, 96, 109, 115, 125, 126, 176, 198, 201, 208, 240, 241 Convergência da TV com as redes sociais 3 Covid-19 2, 4, 8, 20, 58, 62, 71, 96, 106, 108, 110, 111, 112, 113, 114, 117, 126, 127, 238, 239, 240, 246, 248, 249 D Desinformação 4, 129, 130, 131, 132, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 144, 147, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 180 Desinformação em saúde 4, 129, 148, 153 E Ecossistema da desinformação 129, 130, 131, 132, 136, 137, 138, 139, 140, 148, 151, 152, 153 Editoria política 2, 5, 210, 234, 235, 236 Equilíbrio de baixo nível 2, 4, 183, 185, 186, 188, 194 Equipes de projeto 108, 111, 115, 116 Estratégias comunicacionais 4, 129, 130, 150, 153, 156 Estratégias comunicacionais do Ministério da Saúde 4, 129 F Fabiane 2, 4, 172, 173, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182 Fabiane, a bruxa do Guarujá 4, 172 Fact-checking 129, 130, 132, 140, 148, 149, 150, 157 Fogueiras inquisitórias 4, 172 G Gestão da identidade organizacional 3, 22, 23 Gestão de comunicação 2, 4, 108, 110, 111, 126, 127 Gestão de comunicação em tempos de Covid-19 4, 108 Guarujá 2, 4, 172, 173, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182 H História 2, 3, 5, 1, 2, 3, 5, 6, 10, 15, 16, 18, 19, 21, 22, 54, 72, 83, 84, 93, 133, 157, 158, 159, 160, 170, 171, 172, 174, 176, 181, 182, 197, 199, 200, 210, 211, 213, 214, 216, 218, 219, 220, 229, 235, 237, 238, 239, 240, 246, 248, 250 História da comunicação 2, 3, 1, 2, 3, 19 A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Índice Remissivo 252 História da mídia impressa 158 I Ignorancialismo 5, 197, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 208 Impactos da pandemia de covid-19 no setor audiovisual 8 J Jazz 13, 14, 15, 16, 21 Jornalismo cultural 82 Jornalismo cultural em Campinas 2, 3, 10, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 82, 158, 166, 168, 169, 172, 200, 201, 235 Jornal O Alto Uruguai 5, 210, 218, 219, 220 L Livros 69, 158 M Ministério da saúde 4, 8, 20, 51, 106, 129, 130, 132, 134, 135, 140, 143, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156 Mudanças sociais 10 N Narrativas 3, 1, 2, 59, 160, 163, 181, 211 P Panorama bibliométrico 4, 183 Personalidades na pandemia 57 Portais de notícias 2, 3, 57, 58, 60, 68, 69 Portal de notícias 3, 63, 66, 71, 72, 73, 81 Produção do conhecimento 1, 2 Programas de saúde 3, 83, 86, 92 programas de saúde no rádio 3, 83, 86, 92 Projetos Green Belt 4 Publicações de maior fator de impacto 4, 183 R Redes sociais 4, 3, 4, 5, 7, 27, 57, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 69, 70, 71, 80, 81, 85, 87, 93, 96, 102, 119, 122, 126, 131, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 152, 154, 172, 173, 175, 181, 200, 205 A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Índice Remissivo 253 Reverberação midiática 2, 5, 197, 208 T Telejornalismo 2, 5, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249 Temporalidades 3, 1, 2, 19 V Vacinação 4, 117, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 154, 155, 156, 157 Viajantes 8, 158, 160, 164, 213 A produção do conhecimento nas ciências da comunicação 2 Índice Remissivo 254