UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA
JURÍDICA
LABORATÓRIO DE PESQUISA EM TEORIAS
CONSTITUCIONAIS E POLÍTICAS
CONSTITUTIONAL AND POLITICAL THEORIES
RESEARCH LAB
RELATÓRIO DAS ATIVIDADES ANUAIS
CPOL-LAB - 2021
Jacarezinho/PR
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA
JURÍDICA
LABORATÓRIO DE PESQUISA EM TEORIAS
CONSTITUCIONAIS E POLÍTICAS
CONSTITUTIONAL AND POLITICAL THEORIES
RESEARCH LAB
RELATÓRIO DAS ATIVIDADES ANUAIS
CPOL-LAB – 2021
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelholinha/07638981459555431234799
COORDENAÇÃO: JAIRO LIMA
https://uenp.academia.edu/JairoLima
http://lattes.cnpq.br/5837066319512062
Jacarezinho/PR
2021
SUMÁRIO
1 – APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DO CPOL –LAB............................................................... 3
2 – COMPOSIÇÃO DO GRUPO NO ANO DE 2021 ...................................................................... 5
3 – RESUMO DOS TEXTOS ANALISADOS..................................................................................... 6
3.1 – Agentes católicos na Assembleia Constituinte ................................................................. 6
3.2 – Atuação parlamentar dos evangélicos na Assembleia Constituinte ................................. 12
3.3 – O movimento negro na Assembleia Constituinte .......................................................... 14
3.4 – Direitos das mulheres na Assembleia Constituinte ........................................................ 23
3.5 – Judiciário, STF e juristocracia na Assembleia Constituinte ............................................. 30
3.6 – Segurança pública e militares na Assembleia Constituinte .............................................. 38
3.7 – A OAB na Assembleia Constituinte .............................................................................. 44
4 – RESUMO DOS TEXTOS DOS PARTICIPANTES EXTERNOS .......................................... 47
4.1 - LOBO, Judá Leão. The Government and the opposition: The dispute for the Additional
Act in Imperial Brazil ............................................................................................................. 47
4.2 - SERRA, Janaínna de Oliveira. Frames do movimento feminista sobre assédio sexual: uma
análise de vídeos publicados por mulheres no Youtube antes e depois da lei do crime de
importunação sexual .............................................................................................................. 49
4.3 - JUNQUILHO, Tainá Aguiar. Projeto Victor: Perspectivas de Aplicação da Inteligência
Artificial ao Direito ................................................................................................................ 52
5 – PROJETOS DE PESQUISA PRODUZIDOS E DISCUTIDOS ............................................. 54
6 – PALAVRA DO COORDENADOR ............................................................................................... 58
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1 – APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DO CPOL –LAB
Considerando que a articulação entre graduação e pós-graduação é requisito
indispensável para a boa avaliação de um Programa de Pós-Graduação, um dos instrumentos
mais eficazes para a efetivação desse vínculo se dá por meio das atividades dos Grupos de
Pesquisa, pois são nesses ambientes que simultaneamente acontecem o encontro entre iniciação
científica, mestrandos, doutorandos e professores em torno de um eixo de pesquisa comum. Para
os mestrandos e doutorandos esses grupos são fundamentais para a criação de uma cultura de
pesquisa e investigação científica. Já para os estudantes da graduação, esses grupos representam,
em muitas vezes, a primeira oportunidade em que eles terão contato com a pesquisa desenvolvida
em nível profissional. Nesses grupos os estudantes são apresentados a um mundo diverso
daquele conhecido no nível do ensino e extensão. Em razão disso, os grupos de pesquisa são
canais naturais de formação de jovens pesquisadores que irão alimentar as futuras turmas de
mestrado e doutorado, fazendo com que esses estudantes cheguem à pós-graduação preparados
previamente por meio da experiência tida em grupos de pesquisa.
Diante
disso,
o
LABORATÓRIO
DE
PESQUISA
EM
TEORIAS
CONSTITUCIONAIS E POLÍTICAS (CPOL-LAB), criado em 2021 no âmbito do Programa
de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP),
representa um Grupo de Pesquisa que alberga a produção e a discussão de investigações
científicas em torno da temática teoria constitucional e sua conexão com as teorias políticas.
Busca-se criar um ambiente institucional propício para o desenvolvimento de pesquisam que
tenham por objeto os aspectos políticos dos fenômenos constitucionais e os aspectos
constitucionais dos fenômenos políticos, seja por meio de fundamentações teóricas ou por
análises empíricas. Tem-se como objetivo principal a realização de pesquisas que tenham como
ponto de contato um repertório analítico e conceitual tematicamente comum para servir como
produtor de conhecimento no campo da ciência jurídica e na área das humanidades. Para que
haja uma delimitação que indique uma verticalização das pesquisas a serem produzidas, o Grupo
de Pesquisa se subdivide em 2 linhas de atuação: 1) Fundamentos teóricos da soberania e 2)
Práticas constitucionais brasileiras. A primeira de viés teórico-normativo e a segunda de viés
histórico-empírico, no entanto, são bem-vindos trabalhos que ultrapassem esses vieses
metodológicos. Portanto, é dentro dessas duas linhas que o Grupo de Pesquisa busca produzir
conhecimento em teoria constitucional e política. Tais delimitações são justificadas pelo fato de
que o coordenador do CPOL-LAB, prof. Jairo Lima, desenvolve suas pesquisas no campo da
teoria constitucional e, por meio desse projeto, busca fomentar e verticalizar as investigações
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nessa temática, as quais possuem aderência à Linha de Pesquisa do PPGD UENP “Função
política do direito e teorias da constituição”, a qual o prof. Jairo Lima está vinculado.
Para realizar esse intento, no seu ano inaugural de 2021 foi eleito o enfoque sobre o
tema Participação Popular no Processo Constituinte Brasileiro, o qual se filia dentro da Linha 2
do grupo, qual seja, práticas constitucionais brasileiras. Nesse tema, inicialmente, tem-se como
problema de pesquisa a seguinte pergunta: como se deu a participação de determinados setores
da sociedade brasileira no processo de elaboração da Constituição de 1988? O objetivo principal
dessa investigação é demonstrar como essa participação contribuiu para que o texto
constitucional apresentasse elementos de ruptura com o regime anterior, mas, também, de
continuidades. Por essa razão, foram analisados diversos seguimentos da sociedade civil e sua
interlocução com a Assembleia Nacional Constituinte. A partir de pesquisas já realizadas nesse
campo foi possível colher diversas conclusões, as quais estão expressas nos resumos dos textos
que foram debatidos durante o ano de 2021.
Além dessas atividades, o CPOL-LAB contou com a presença de 3 pesquisadores
externos que apresentaram suas pesquisas mais recentes a fim de proporcionar um intercâmbio
metodológico com os participantes do grupo. Estiveram presentes: Judá Leão Lobo, com o texto
The Government and the opossition: The dispute for the Additional Act in Imperial Brazil; Janaínna de
Oliveira Serra, com o trabalho Frames do movimento feminista sobre assédio sexual: uma análise de vídeos
publicados por mulheres no Youtube antes e depois da lei do crime de importunação sexual; e, por fim, Tainá
Aguiar Junquilho com Projeto Victor: Perspectivas de Aplicação da Inteligência Artificial ao Direito.
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2 – COMPOSIÇÃO DO GRUPO NO ANO DE 2021
Jairo Lima – Coordenador
Andrei Domingos Fonseca
Anny Carolina Nogueira Lods da Silva
Beatriz Tavares Fernandes dos Santos
Diogo Pinto Mendes Carlos
Gabriel Teixeira Santos
Gabriela Siqueira Ho
Hirmínia Dorigan de Matos Diniz
João Pedro Felipe Godoi
Júlia Prado Dágola
Laís Burgemeister de Almeida
Larisse Leite Albuquerque
Leonardo Paschoalini Paiva
Lucas de Moura Alves Evangelista
Luiz Willian Fraga
Marcela Luísa Foloni
Maria Cecília Gatti
Mariana Tavares Pedi
Matheus Conde Pires
Rafael Bulgakov Klock Rodrigues
Rômulo Blecha Veiga
Ronaldo Blecha Veiga
Vinny Pellegrino Pedro
Vitória Aguiar Silva
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3 – RESUMO DOS TEXTOS ANALISADOS
3.1 – Agentes católicos na Assembleia Constituinte1
A supracitada tese fez uma análise da atuação de representantes da Igreja Católica, sejam
eles parlamentares ou militantes, na Assembleia Nacional Constituinte – ANC de 1987-1988,
através do estudo dos Diários Oficiais da ANC, com destaque em duas subcomissões, as que
tratavam da família, do menor de idade, do idoso, de política agrícola, fundiária e reforma agrária.
O referido texto é composto por três capítulos. O primeiro serve contextualização do
período da constituinte e de panorama do funcionamento da ANC. O segundo e o terceiro
apresentam uma situação interessante, se naquele é evidenciado um caráter mais consensual entre
os católicos e evangélicos, no tocante à instituição familiar, bem como os direitos dos menores e
dos idosos, neste a questão agrária se mostra como um impasse instransponível, quando a Igreja
Católica traz à tona sua busca por justiça social frente aos interesses dos latifundiários.
Na introdução é explicado que o principal interesse do trabalho era analisar as relações
entre os constituintes e os membros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas
não só. Partindo da premissa de que o Estado brasileiro seguiria um modelo europeu, que se
desenvolveu juntamente da Igreja Católica, mas que desta se distanciou, e por vezes, a tratou como
opositora, a tese buscou entender como houve a penetração desta no Estado novamente.
Ainda foram examinados os agentes, de maneira personalizada, que intervieram na
constituinte, quais foram as vantagens e desvantagens destes no jogo político, e de que forma esses
conseguiram uma Constituição “laica”, “sob a proteção de Deus”.
Para isso, o autor verificou as atas de audiências públicas das subcomissões já mencionadas,
além de escrutinar a biografia de cerca de 70 parlamentares relacionados, direta ou indiretamente,
ao movimento católico, sem prejuízo da atuação de entidades, como a Pastoral do Menor, da Terra,
e campanhas da fraternidade pré constituinte.
Pode-se dizer que o autor se utilizou de método histórico, refazendo os passos dos atores
presentes nas discussões, tanto dentro quanto fora da constituinte, formando assim, o cenário em
que se deu os entraves políticos.
Vinicius também deixa claro que, mais importante que o estudo do impacto dos
indivíduos em suas individualidades, o trabalho preocupou-se com a atuação institucional das
WOHNRATH, Vinicius Parolin. Constituindo a nova República: agentes católicos na Assembleia Nacional 1987-88.
Tese de Doutorado, UNICAMP, 2017.
1
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entidades católicas. Assim, quando o comportamento dos indivíduos foi analisado, este seria
motivado pelo alinhamento com as entidades que eram integrantes ou aliados.
Outro aspecto levantado foram as relações da Igreja Católica com o Estado Brasileiro
após o Golpe Militar de 1964, onde essa apresentou comportamento de cisão, dado que seus
membros não formavam unidade quanto às considerações do novo regime instaurado. Todavia, a
soma dos poderes, em regra, tendeu aos militares, considerando que era majoritariamente o baixo
clero que se posicionou de forma contrária.
Todavia, no momento de redemocratização do Brasil, os princípios cristãos eram mais
coerentes com os partidos progressistas. Assim, mesmo que o alto clero flertasse diretamente com
as elites apoiadoras do golpe, foram selecionados representantes mais ativistas, como Leonardo
Boff e Frei Betto, para formarem certo tipo de lobby.
Prosseguindo, no primeiro capítulo da obra foi traçado um panorama da política no
período imediatamente anterior à formação da constituinte, explicada as divisões da ANC e a
mobilização da Igreja Católica para a constituinte.
A ANC foi composta por sete etapas, dividindo-se ainda em 25 fases distintas, iniciando
com a redação de seu regimento interno e coleta e recebimento de sugestões de temas e dispositivos,
e finalizando com a promulgação da Constituição.
A segunda etapa da ANC foi a formação de 24 subcomissões temáticas, que incluíam
todos os aspectos presentes atualmente no texto constitucional. A participação nestas podia
ocorrer como parlamentar ou participante externo, através de debates públicos.
Essas participações dependiam tanto da influência dos constituintes, quanto do
conhecimento especializado e reconhecimento daqueles que participariam. Já nessa fase a CNBB
se articulava para ser representada, e ainda tinha um viés progressista, no tocante aos direitos
humanos. Mesmo sendo contraditório que o alto clero fosse próximo às elites, muitos membros da
Igreja foram vítimas de violência, o que impedia uma postura diferente da CNBB.
Ainda nos anos de 1960 e 1970 a Igreja Católica já se manifestava como protetora dos
mais desfavorecidos, sendo considerada progressista, tomando partido no combate à Ditadura.
Então, com o advento da Teologia da Libertação, que impunha ações concretas para a
transformação social, a atuação da CNBB foi tomando forma, principalmente na questão de
proteção à infância e à educação. Aqui já era reivindicado normatização de direitos humanos,
reforma agrária e outras garantias.
Surgiram também a Pastoral da Criança e a Pastoral do Menor, buscando a oferta de saúde
e alimentação para proteção das crianças e jovens vulneráveis, incluindo os infratores. Todavia, o
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caráter conservador da Igreja permanecia rígido, como o tratamento jurídico do aborto, da
dissolução do casamento e da emancipação feminina.
No segundo capítulo foi explorada a formação e composição da subcomissão responsável
pela família, pelo menor e pelo idoso, bem como a relação entre os agentes envolvidos, quais sejam,
os católicos, evangélicos, as feministas, entre outros. Aqui ficou caracterizado o tom apaziguador,
pela forma como as discussões eram levadas a cabo rapidamente, e sem grandes proporções.
Interessante é o diagnóstico de baixa participação dos liberais nesta subcomissão,
evidenciado com a vacância de cadeiras. Salienta-se ainda o número de ausências nas em muitas
votações relevantes, que, por vezes, não atingiam o quórum.
Nessa subcomissão os parlamentares evangélicos representavam metade dos membros
participantes, impondo uma vantagem difícil de ser superada. Com isso, os católicos se forçaram a
formar alianças em relação àquelas pautas em que o posicionamento era uníssono, como o aborto,
deixando as feministas ainda mais isoladas.
Um ponto muito importante defendido pela Igreja Católica era a valorização da criança
como sujeito de direito, e não sendo uma mera consequência da instituição familiar. Aqui houve
uma adesão à agenda da UNICEF. Com a identificação de um Ciclo de marginalização do menor
foi mais fácil de encontrar pontos de intervenção estatal para a tentativa de superação da
problemática.
A atuação dos constituintes evangélicos foi acelerada também pelos meios de
comunicação, que já eram dominados por estes.
Seguindo, o debate sobre o aborto seguiu um caminho linear, a despeito da luta das
feministas para a legalização deste, pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM). A
proteção da criança, para os católicos deveria começar com a concepção destes. Todavia, quanto a
gravidez advinda de estupro ou de fetos anencefálicos, não havia um pensamento único.
Nas pautas morais, os católicos e evangélicos tiveram muitas coisas em comum, como o
tratamento da mulher, a questão da sexualidade e da configuração da família, a despeito
possibilidade de divórcio, para os segundos.
A tutela da infância e o financiamento de projetos educacionais privados foram grandes
pontos da Igreja Católica. No primeiro aspecto, pode-se perceber que a preocupação era tamanha,
que, dois anos após a ANC, foi publicado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na questão da
educação, a capacidade e qualidade da educação fornecida pelo Estado era fortemente questionada,
e havia uma tentativa de fomentar a as entidades filantrópicas.
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A legitimidade do casamento civil foi debatida, e mesmo que o casamento religioso
permanecesse como modelo, foi admitida a família monoparental e a união estável. A bíblia foi
utilizada como referência para a imposição de certos modelos.
No capítulo três foram expostas as peculiaridades da subcomissão responsável pela
reforma agrária.
Houve uma mobilização dos latifundiários para evitar que uma reforma profunda
acontecesse. Aqui a Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi fortemente rebatida União Democrática
Ruralista (UDR) e pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
A polarização foi evidente. De um lado ou constituintes progressistas, que atacavam a
manutenção de desigualdades históricas, perpetuadas pela não distribuição de terras de maneira
equânime. De outro, os constituintes conservadores, tutelando pela manutenção dos latifúndios,
em prol da economia nacional.
Como introdução ao problema agrário do Brasil, o autor remonta à colonização do país,
e como a distribuição de terras começou pelos portugueses abastados, quais sejam, os homens bons,
e perpetuou-se, quase que sem exceções, na mão de uma elite branca até o fim do Império.
Ainda no intervalo citado a Igreja avalizava a manutenção latifundiária, sendo ela mesma
uma grande detentora de terras. Apenas com a chegada da República é que surgiu um movimento
de ruptura entre Estado e Igreja, o que diminuiu as propriedades eclesiásticas.
As referências utilizadas pelo autor reforçam que o modo como as terras foram
distribuídas no Brasil caracterizam o modelo de Estado vigente até hoje, e que também refletem
no fato de o país ter a maior parte de sua economia lastreada no agronegócio, mais especificamente,
em commodities.
Prosseguindo, com a Teologia da Libertação foi evidenciada a necessidade de reforma
agrária, voltando suas reivindicações para o campo. Foram implementados programas educacionais
destinados aos camponeses, de forma a possibilitar a participação destes na economia.
Também havia o incentivo de manter a população no campo, com o fito de evitar o êxodo
rural. Nesse ponto é exposto um interesse aparentemente oculto da Igreja. Era mais fácil manter
os indivíduos envolvidos com a Igreja enquanto este morava no campo. A vida na cidade se
apresentava como empecilho à catequização.
Os conflitos agrários também eram preocupantes. A violência se propagava de maneira
exponencial. Esses eram decorrentes da premissa de que a propriedade privada constituía um
direito absoluto e inquestionável.
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Todavia, uma grande contradição era a grande quantidade de terras que a Igreja ainda
possuía, e que foi questionada durante a ANC, para que a própria instituição executasse as
mudanças que tanto pregava.
Já na subcomissão propriamente dita, sua composição era diversa, mas ainda assim
majoritariamente ruralista. Nas participações externas surpreende a não audição do Movimento
dos Sem-Terra (MST), da UDR e do Ministério da Agricultura. Em regra, os participantes apoiavam
a reforma, mas muitos agiam de forma a mantê-la inaplicável à realidade.
Os membros da subcomissão eram políticos de carreira, e muitos herdeiros ou grandes
proprietários de terra. O Centro-Oeste foi a região mais representada proporcionalmente.
O autor identificou como problemática a definição da mesa diretora, que não foi pacífica.
A maior parte dos candidatos representavam ruralistas, e embora tenha havido atrito entre estes, a
união ocorreu logo depois, para fazer resistência aos progressistas.
Outro problema foram os candidatos suplentes e o número de inscritos acima do
regimento. Não estava sendo mantida a proporcionalidade entre membros titulares e suplentes.
A última problema aqui seria a seleção dos participantes externos. Muito esforço foi
demandado pelos ruralistas para que os católicos não tivessem voz nas audiências públicas. O autor
dividiu os parlamentares em três grupos, como aqueles que se intitulavam proprietários de terras,
os liberais interessados e os militantes católicos. Os dois primeiros grupos criaram muitas
dificuldades para o terceiro.
Destaca-se ainda a participação de entidades estatais como EMBRAPA, INCRA e
MIRAD. Na oitiva desses órgãos foi trazida a dificuldade econômica de reforma agrária, nos termos
em que esta era suscitada. Também foi exposta a precarização dos direitos trabalhistas no campo.
A Campanha Nacional da Reforma Agrária, por sua vez, apontava a necessidade de
distribuição das terras como sendo também uma distribuição dos poderes na sociedade. Esse
discurso foi rebatido pelos ruralistas, com base na valorização e importância das grandes
propriedades. A EMBRAPA conseguiu se furtar da temática reforma agrária nessas audiências,
aderindo a uma neutralidade científica.
Foi trazida a possibilidade de reforma agrária exclusivamente através da desapropriação,
que foi criticada, e como alternativa, levantada a hipótese de desapropriação de terras públicas.
Também foram ouvidas associações ruralistas, também manifestando-se favorável à
reforma, porém apenas em relação às propriedades improdutivas. Os jornais foram criticados, por
supostamente fazerem apologia à reforma agrária, como se esta fosse uma panaceia.
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) também caracterizou alguns membros
do CNBB como comunistas, que deveriam estar sujeitos à Lei de Segurança Nacional. O autor
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entendeu o apelo da confederação para que a reforma contemplasse apenas terras públicas de baixa
fertilidade.
A conclusão da tese foi no sentido de que a Igreja Católica foi mais bem sucedida na
primeira subcomissão. Talvez o tido fracasso na pauta da reforma agrária deveu-se ao ápice da
Guerra Fria, ao medo do retorno da Ditadura, da forma como essa era à pouquíssimo tempo, e até
mesmo, do fantasma do comunismo.
A bancada ruralista fez grande esforços, e conseguiu mobilizar grandes atores em prol de
seus interesses, tanto dentro da Igreja, quanto fora, através da UDR, da TFP e de conglomerados
econômicos. Além disso, muitos constituintes seriam afetados diretamente por uma eventual
reforma agrária.
Assim, entre as diferenças nas dinâmicas das duas subcomissões é que na primeira o
capital econômico quase não foi afetado, sendo uma disputa por valores sociais a serem
implantados ou preservados na nova composição do Estado. Já a segunda subcomissão discutia e
causaria impactos diretos em grandes latifúndios, de forma a dificultar qualquer aspecto de
conciliação entre os envolvidos.
Assim, restou demonstrado que a economia e a propriedade privada era uma prioridade
dentro da ANC, muito acima dos valores cristãos, evidente tanto pela menor mobilização dos
setores conservadores na Subcomissão que tratava de família, e sua consequente amenidade na
distribuição de funções internas, quanto na luta pela participação externa das entidades interessadas.
Enfim, o autor finaliza apontando que uma ditadura não se desfaz do dia para a noite, e
que é esperado avanços e retrocessos. Nesse sentido, por mais frustrações que a ANC tenha
causado em grupos progressistas, ou em atores com pautas sociais avançadas, ainda assim, rompeu
com o Estado posto, e trouxe muitos avanços.
Rafael Bulgakov Klock Rodrigues2
2
Mestrando em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP.
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3.2 – Atuação parlamentar dos evangélicos na Assembleia Constituinte3
A dissertação de Guilherme Lopes Esteves Galvão intitulada "Evangélicos, mídia e poder:
análise da atuação parlamentar Na Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988)" apresenta como
objetivo central analisar como foi a atuação evangélica na Assembleia Nacional Constituinte (ANC),
no governo de José Sarney (1985-1990), com destaque aos atritos que diziam respeito às
modificações de conceções de rádio e televisão, bem como sobre a presença evangélica na política
do país e suas ramificações/relações a grupos e veículos de comunicação em massa.
No capítulo 1 "Evangélicos no Brasil: dos púlpitos ao Congresso Nacional" o pesquisador
aborda as divisões e tendências do protestantismo brasileiro com reporte especial aos evangélicos
tradicionais e pentecostais. Além disso, ainda traz à tona a presença de uma outra linha, a
neopentecostal que foi responsável pelo crescimento do "movimento" evangélico a partir de 1980.
O rádio também foi um importante meio de evangelização e de influência pública. Por isso, algumas
emissoras foram compradas por igrejas e empresários evangélicos. Sem falar que com o passar do
tempo também adquiriram concessões para novas emissoras e redes de rádio.
O uso da mídia é destacado nesse capítulo como um exercício de poder, pois as conexões
entre mídia e poder "são perceptíveis a partir da forma como exercem influência sobre os modos
de expressão dos atores políticos" (GALVÃO, p. 39, 2017). No que diz respeito à ANC, os
discursos políticos evangélicos presentes naquele momento estavam direcionados a um auditório
com o objetivo de influenciar a opinião pública em relação a atuação do grupo na Câmara dos
Deputados, em especial, na ANC.
A partir da lógica historiográfica, a pesquisa traz aprofundamentos relacionados aos
evangélicos com a mídia e o poder. Essas duas últimas caminham lado a lado e se confundem em
diferentes momentos, uma vez que quanto maior a visibilidade midiática, maior será a
representação política. Assim, "quanto maior o poder deste grupo, melhores condições são criadas
para expansão de seus propósitos políticos e religiosos a partir da posse dos meios de comunicação"
(GALVÃO, p. 18, 2017).
Além das questões supracitadas, o autor passa a discutir sobre a primeira organização de
evangélicos do país em 1930: a Confederação Evangélica do Brasil (CEB), que reunia em grande
parte evangélicos de linhas tradicionais quando em cena estavam pautas sociais, políticas e
educacionais. A CEB foi desarticulada devido seu caráter progressista em 1964.
3 LOPES, Guilherme Esteves Galvão. Evangélicos, mídia e poder: análise da atuação parlamentar na Assembleia
Nacional Constituinte (1987-1988). Dissertação de Mestrado, UERJ, 2017.
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No capítulo 2, Galvão inicia suas discussões a partir do período de redemocratização do
Brasil, com atenção as eleições de 1986 que foi responsável por eleger os integrantes da ANC.
Nessa perspectiva, o Plano Cruzado teve um impacto positivo ao PMDB do governo de José Sarney.
Além disso, algumas igrejas evangélicas, em especial, a Assembleia de Deus (pentecostais) passaram
a ter maioria na representatividade política.
O pesquisador ainda analisa o termo "bancada evangélica" surgido nesse período, com
enfoque para as generalizações e fragilidades que envolvem esse conceito. Além disso, o
ressurgimento da CEB, se dá em um contexto distinto daquela da sua fundação, cuja funcionalidade
estava atrelada a articulação política do grupo constituinte. Apesar da instituição ter tido um
alinhamento com setores conservadores da sociedade surgiram os evangélicos dissidentes,
próximos da esquerda e críticos do governo Sarney.
Já no terceiro capítulo, é destacado os interesses e relações dos parlamentares evangélicos
com os veículos de comunicação, em especial, o rádio e a televisão. Tais relações deram respaldo
para que a atuação na Constituinte fosse preponderante na comissão e na subcomissão que
trabalhavam sobre comunicações. Enquanto isso, ocorria a tática desenfreada de concessões de
radiofusão, encabeçada pelo até então ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães
(ACM). Por fim, em suas considerações finais Galvão aponta que a Constituição de 1988 contribuiu
para o desenvolvimento da mídia religiosa no decorrer de 1990.
Andrei Domingos Fonseca4
Mestrando em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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14
3.3 – O movimento negro na Assembleia Constituinte5
O trabalho teve por objetivo analisar a atuação do “Movimento Negro” e suas demandas
incipientes na Assembleia Constituinte, alicerçando-o no campo das relações raciais e jurídicas.
Neste sentido, os seguintes questionamentos foram feitos e enfrentados pela autora: “1- Quais
foram as demandas pleiteadas por organizações do Movimento Negro no contexto da Assembleia
Nacional Constituinte? 2- Que tipos de argumentos são mobilizados por tais atores/atrizes para
sustentar a necessidade e viabilidade da inserção dos pleitos no texto constitucional? 3- Essas
demandas foram incluídas na Constituição Federal? De que maneira?” (p. 17).
Dividido em quatro capítulos e a introdução formulada, a autora fez uma revisão dos
registros, sugestões e atas das assembleias públicas efetuados durante a ANC e de uma emenda
popular pertinente ao tema, através de uma abordagem indutiva-dedutiva.
O primeiro capítulo é iniciado com um exame sobre o momento histórico atravessado
pelo país no período da ditadura militar (1964-1985). Com o ingresso de José Sarney na presidência
e a proposta de convocação da ANC, que após ter a sua composição e divisão dos trabalhos
devidamente definidos, foram iniciados os trabalhos –– com intensa mobilização social.
Trata-se, portanto, de etapa descritiva feita pelo trabalho para que houvesse a devida
contextualização sobre a formação da ANC (por seus atores sociais e políticos).
No segundo capítulo, a autora inicia a abordagem delineando que o movimento
examinado constitui o denominado “Movimento Negro Contemporâneo” (p. 41), proveniente da
tentativa de construção de movimentos nacionais e comitês de base atrelados ao marxismo, de
modo que eram tratados como “subversivos”.
A soma da precarização da vida, exploração laboral, vigilância/violência/espionagem
policial e a discriminação em seus variados níveis exigiu a configuração de um modelo
representativo das ideias do Movimento conhecido por “democracia racial”, até então contestado
pelo modelo militar (o que pode ser observado, por exemplo, na Lei de Segurança Nacional). A
efervescência de um modelo cultural e midiático emergente atrelado a formação e organização de
entidades fez com que houvesse um acompanhamento “próximo” destas atividades. Assim surge
o MNU enquanto marco para a discussão, reivindicação e mobilização política desse grupo.
SANTOS, Natália Neris da Silva Santos. A voz e a palavra do movimento negro na Assembleia Nacional Constituinte
(1987/1988): um estudo das demandas por direitos. Dissertação de Mestrado, FGV/SP, 2015.
5
15
Importante pauta deste grupo residiu na luta pela ampliação do conceito de “preso
político” para que englobasse negros presos por crimes contra a propriedade (p. 48) diante das
torturas cotidianas por eles sofridas.
A partir do início da década de 80, foram realizadas articulações políticas e sociais, de
sorte que o PT englobou parte dos intelectuais, dando início a “Comissão do Negro no PT” (p.
51). Igualmente, a presença negra se verificou no PDT e no PMDB. Importante destacar, ainda,
que referido grupo se capilariza em outros movimentos e grupos, articulando-se para que pudessem
ingressar na “Comissão dos Notáveis”.
Com a chegada de 1986, o Movimento caracterizou-se por forte militância (p. 56) e
incentivo pelo fomento ao ato, conscientizando-os das próximas eleições e da necessidade de uma
participação ativa na construção da nova constituição.
Houve a criação das comissões que centralizavam a argumentação sobre o tema. Benedita
da Silva e Lélia Gonzalez participaram ativamente da “Comissão Discriminação Racial” (p. 58). Ao
final, em 1988, os representantes da chamada “Bancada Negra da Constituinte” foram os seguintes:
Benedita da Silva do PT/RJ, Carlos Alberto Caó do PDT/RJ, Valentim do PT/RJ e Paulo Paim do
PT/RS.
Adentrando ao terceiro capítulo, este teve por escopo examinar a fase descentralizada da
Assembleia Nacional Constituinte. Como delimitado pela autora na página 60, seu enfoque se deu
na Comissão da Ordem Social (Comissão VII) e a Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas,
Pessoas Deficientes e Minorias (Subcomissão VIIc).
Quando da instalação da primeira reunião desta Subcomissão, com baixa adesão diante
dos faltantes, há uma ênfase no resgate de uma dívida que a sociedade brasileira detém para com
os vulneráveis, sendo ressaltada a presença de Benedita por ser mulher negra, e que ao mesmo
tempo havia uma necessidade na ruptura de uma hegemonia e necessidade de construção de novas
subjetividades.
Já na segunda reunião, que contou com representantes de movimentos sociais, teve por
objetivo delimitar a forma de trabalho para que os temas pudessem ser tratados (considerando a
grande quantidade destes e o escasso tempo –– p. 67) com uma mobilização dos próprios políticos
em seus grupos e partidos para destacar a importância dos assuntos debatidos. Para tanto, três
grandes eixos são criados: 1) a necessidade de um subsídio teórico-dogmático; 2) a necessidade de
que a diversidade seja garantida; e 3) a necessidade de que as realidades sejam conhecidas para além
da tribuna, ouvindo-se as pessoas das comunidades. Organizou-se, por fim, uma atividade para que
a importância da temática seja publicizada.
16
No ato seguinte, as lideranças indígenas deixaram suas sugestões ao anteprojeto
(considerando a não eleição de representantes e a necessidade de se fazerem ouvir) e foram
incluídas minorias portadoras de enfermidades crônicas. Depois, formularam o calendário dos
debates e reuniões.
Por sua vez, na quarta reunião que contou com 12 constituintes e convidados externos,
sendo que inclusive delimitam a terminologia “minoria”, fundamental para que se compreenda
quais serão os tutelados pela subcomissão (enquanto pertencentes a nação, mas sem o pleno gozo
de seus direitos civis e políticos que são ditados pelos integrantes da maioria). Essa discussão
inaugura a pretensa abordagem sobre raça e suas respectivas relações (com a inclusão da questão
indígena e dos encarcerados). Os indesejáveis, portanto, seriam compostos pelos homens livres e
pobres, indígenas e negros escravizados (p. 74) –– afetados pela questão colonial e devidamente
exterminados por ela.
Especificamente ao adentrar nos negros, Florestan Fernandes demonstra que há uma
disrupção no orgulho deste povo, sem que haja um efetivo reconhecimento da identidade e
condição racial. Inclusive, após a abolição, há uma enorme dificuldade para integração deste povo
no corpo social; não lhes foram garantidas condições adequadas e suficientes de emancipação
(inclusive o sociólogo demonstra que as mulheres negras são integradas aos trabalhos domésticos)
sem que pudessem atingir camadas superiores do substrato social, privando-os dos mesmos
espaços e possibilidades que concedem “autodefesa e proteção coletivas”.
Segundo Fernandes, os negros não conseguiram se organizar enquanto minoria
consolidada e solidária. Isto faz com que seus períodos/momentos sejam divididos em dois: (i)
tentativa de ascensão social e econômica individuais, rompendo a percepção de grupo; e (ii) nos
anos 70 e 80 a configuração de modelos nos quais há um prestígio pelo coletivo em detrimento do
individual, para que possam galgar posições sociais melhores e através de um enfrentamento dos
modelos consolidados.
Com a interpelação dos presentes, após, passou a expor sobre como não lidar a questão
racial na constituição e que ela exige diversos meios de intervenção, podendo ingressar nas
instituições-chaves da sociedade –– não através da mudança exclusiva da subjetividade do indivíduo
em si, mas através da transformação do próprio sistema.
Através da leitura das atas, como destaca a autora (p. 79), percebe-se que houve uma
tentativa de democratização na condução dos trabalhos e escolha dos respectivos cargos. A
necessidade de debates antes das votações e a multiplicidade de conceitos e abrangências sobre
quais seriam estas minorias, pareceria um óbice intransponível. Sem embargo, salienta a autora que
todos aqueles que quiseram fazer uso do espaço e da palavra se fizeram ouvir, inclusive com a
17
“saída” da Subcomissão para uma aldeia indígena e uma prisão, demonstrando um aparente
comprometimento e sensibilidade com as demandas ali emergidas.
Transposto este tópico, a autora passa a debater a participação do Movimento Negro nas
chamadas “audiências públicas” ocorridas em “[...] 28/04/1987, pela manhã (das 09h às 13h30),
na mesma data, no período da tarde/noite (das 17h às 20h45)135, e em 04/05/1987, no período
da tarde/noite (das 17h às 20h30)” (p. 81)., ultrapassando a barreira de debates formulados por
constituintes e convidados para constituintes.
As falas, por seu turno, foram centralizadas em três grandes eixos pela autora: (i)
identificação e debates sobre as condições de vida do povo negro; (ii) a observância do momento
histórico em que estão situados e a efetiva existência de mecanismos de enfrentamento ao racismo
e as desigualdades identificadas; e (iii) as propostas legislativas.
Esta primeira audiência pública se ocupou em delimitar o passado da população negra
através da sua marginalização e implementação de mecanismos de branqueamento (por exemplo
com a imigração e discurso construído pelas instituições estatais), sendo um momento propício
para o reconhecimento não apenas desta luta, mas da necessidade da superação de um paradigma
social, cultural e econômico que acarreta a uma violência simbólica e marginalização para que haja
a construção efetivamente de uma nação (como se nota da fala de Lélia Gonzalez e pelo endosso
de Helena Theodoro). Essa luta, igualmente, deve ser difusa e em todos os ambientes ocupados.
Divergindo, Alceni Guerra aponta que a segregação racional é um aspecto geracional,
geográfico e circunstancial e que o problema reside na educação (p. 88). Ademais, sua fala gerou
entrave e fez com que houvesse ponderações sobre o que se busca: se igualdade ou superioridade
racial.
Neste sentido, o destaque dado é de que as pautas trazidas pelo Movimento Negro não
buscam exclusivamente beneficiar esta população, mas, em certa medida, contemplar todas as
minorias.
Surge, em meios aos debates, a proposta do constituinte Hélio Costa para prever um
sistema de cotas nos empregos. Entretanto, de forma salutar, Benedita destacou a necessidade de
constar as reivindicações do Movimento Negro com estratégia para que se evite o enfrentamento
direto. Ao final, o relator manifesta que as discriminações derivam da opressão (econômica)
atrelados ao recorte social e econômico.
Indo no período da tarde (tópico 3.3.2), Lauro Lima aponta as dificuldades para o
reconhecimento da identidade negra diante dos apagamentos históricos, assim como para a
Revolução Farroupilha (que costuma ser glamourizada). Iniciando sobre a dinâmica dos trabalhos,
18
a discussão passa a ser sobre o artigo sobre a quebra da isonomia (para a concessão de benefícios
ou medidas compensatórias).
Natalino Cavalcante de Melo, apresenta duas grandes indagações: (i) se os negros
efetivamente são minorias; e (ii) se existiam negros homossexuais durante o período colonial (fala
esta repudiada).
Não obstante, a participação educacional foi tida como fundamental (tanto no ingresso
quanto na continuidade destes estudos). A fala de Benedita (p. 103) é crucial para que se entenda o
movimento de luta realizada: nem tudo estará no texto, mas será no movimento à elaboração de
uma nova Constituição que as estratégias de lutas serão tratadas; foi ainda assertiva na luta pelos
homossexuais diante das falas machistas externadas por outros militantes que tratavam a violência
simbólica promovida em desfavor deste grupo como algo simbólico.
Por fim, ressaltada a sensibilização promovida pelos ativistas e a necessidade de
engajamento destes em seus estados e núcleos sociais.
A segunda Audiência Pública, seguindo-se a dinâmica anterior de que os ativistas (seis)
falam antes dos constituintes (oito), houve uma centralidade das observações na constituinte e na
própria Carta.
Neste momento, a fala do ativista Hugo Ferreira pela mobilização permanente do
movimento negro e por uma dupla necessidade sancionadora (criminalização do preconceito e
inafiançabilidade), com o princípio da isonomia ao mercado de trabalho. Por via reflexa, devem ser
combatidos o analfabetismo e o problema da mortalidade infantil. Nota-se que nesta reunião o
contexto cultural recebe um enfoque enquanto necessário para a promoção de uma mudança social.
Em apanhado, a mobilização das audiências públicas foi fundamental para que se
compreenda a dimensão da clivagem realizada pelas violências simbólicas por estas minorias. A
necessidade de igualdades, promoção de isonomias, compreensão da própria identidade, inserção
na educação e fomento de uma produção cultural identitária demonstram a preocupação, na época,
de que estes assuntos fossem tratados –– de forma ordenada e estratégica –– para que pudessem
passar.
Para o Movimento Negro, como destacado pela autora (p. 117) era uma oportunidade de
reescrever uma história constituída em uma soberania racial, enfrentando uma marginalização
histórica sofrida por esse povo (racismo estrutural, racismo reverso, miscigenação, moralidade racial
e necessidade de exaltação dos heróis negros). Por óbvio, ainda que divergentes os pontos de vistas
sobre quais seriam as exclusões e racismos, o reconhecimento da população negra, bem como da
sua contribuição a sociedade brasileira e a reforma curricular se mostraram eixos centrais dos
debates (p. 120). A Constituição deve ser uma etapa na luta contra o racismo.
19
As demandas encaminhadas via sugestões e a emenda popular (3.4), majoritariamente
estas discutiam (I) questões estruturais da sociedade; (II) liberdades e garantias individuais, dentre
as quais a penalização/criminalizações do racismo; e (III) derrocada de mecanismos de controle
do povo negro (violência policial, discriminação e controle de natalidade).
Neste diapasão, a autora restringiu sua abordagem em cinco pontos. O primeiro, a respeito
da descriminalização no mercado de trabalho. Os negros acabam ocupando postos secundários e,
de todas as formas possíveis, são marginalizados a ponto de não conseguirem a ascensão social
(que também é prejudicada por questões estruturais, tais como a baixa escolaridade).
O segundo eixo perpassa a educação, delineando como seu acesso é dificultado em uma
verdadeira faceta etnocêntrica e sexista, sendo primordial fomentar o acesso.
Por sua vez, no terceiro ponto, houve a discussão sobre o controle de natalidade, inserindo
aqui o controle/planejamento familiar, revertendo a visão de mecanismo de controle de prole. A
quarta problemática diz respeito a violência policial, que aflige de forma mais proeminente o povo
negro e reiteram uma estigmatização contra estes.
Ao final, pela discriminação e acesso à justiça, que demonstram como os casos de racismo
são denunciados de forma irrisória, permeados por uma “cifra oculta” e que deve ser facilitado o
ingresso a estas formas de responsabilização. Em síntese, a autora (p. 132/135) sistematizou as
propostas apresentadas a cada um dos temas –– o mesmo foi feito para as “Sugestões de Estudos
Afro-brasileiros” (p. 136/138). Apresentou-se também moção de repúdio.
Ato seguinte, a Emenda Popular (E00104-7/1P20773-8) possuiu três escopos: coercitivo,
promocional e didática-pedagógica, não sendo analisada por ausência das assinaturas necessárias.
As sugestões, apresentadas em variados formatos, tiveram variados formatos e
flexibilidades, buscando desconstruir o mito de relações harmônicas e de uma democracia racial
brasileira, apontando injustiças socioeconômicas e culturais/simbólicas (p. 143). Assim, os pleitos
foram relacionados a problemas gerais do povo negro que os afetam de forma mais específicas e
àqueles relacionados a dimensão do pertencimento.
Dentre os pontos, a criminalização da raça e a criação de um Tribunal específico para
julgamento deste crime são propostas trazidas (inclusive a nível federal). No tocante a isonomia, a
criação de fundos, planos e políticas públicas foram delineadas/solicitadas.
Enquanto encaminhamentos finais, havia um temor diante da discricionariedade quanto
aos relatórios para que não se perdesse o trabalho feito. Igualmente, já havia alguns embates nesta
etapa considerando a necessidade e os argumentos trazidos para demonstrar e implementar a
isonomia pretendida pelo Movimento Negro.
20
Na página 151, iniciou-se o quarto e derradeiro capítulo. Nele foi examinada a temática
racial na fase parlamentar e o balanço geral das atividades. Como menciona a autora, os dispositivos
recaem sobre “sobre criminalização, isonomia, educação, cultura, relações diplomáticas e questão
quilombola”. Frise-se que sofreram diversas críticas e oposições dos conservadores. A autora
aborda em cada um dos tópicos o avanço legislativo sobre cada um dos temas, todavia diante da
extensão, limitaremos a destacar em itálico exclusivamente as redações finais.
A)
Sobre a criminalização, esta chegou através da proposta do parlamentar Caó, através
do Projeto B, com a inclusão dos termos “discriminação racial” e “racismo” no texto
constitucional, culminando na seguinte redação:
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
Dos direitos e deveres individuais e coletivos
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei.
B)
No que engloba a isonomia, houve a delimitação da concepção de que devem ser
concedidas opções e possibilidades de acessos a determinados bens ou serviços, ainda que gerem
um tratamento desigual ou exijam medidas compensatórias.
Título I – Dos princípios fundamentais
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação;
Capítulo III – Da Educação, da cultura e do desporto
Seção I – Da educação
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
VII – atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material
didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
C)
Na educação, reiteram-se as considerações e preocupações etnocêntricas e sexistas
dos currículos escolares, bem como a necessidade de adequação dos currículos escolares para
contemplarem a história dos negros.
Capítulo III - Da educação, da cultura e do desporto
21
Seção I - Da educação Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Das Disposições Constitucionais Gerais
Art. 242 § 1º – O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias
para a formação do povo brasileiro.
D)
As questões culturais recaíram especificamente quanto à necessidade de
reconhecimento da multipluralidade do país (étnica e racial), estabelecimento do feriado nacional
da Consciência Negra e a previsão de defesa e proteção das diferentes manifestações culturais no
Brasil
Capítulo III - Da educação, da cultura e do desporto Seção I - Da educação
Art. 215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º – A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes
segmentos étnicos nacionais.
Art. 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
§ 5º – Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos
quilombos.
E)
O recorte que coube as relações diplomáticas, centram na noção de ruptura de
relações com países que mantêm condutas discriminatórias, especialmente de cunho racial.
Dos Princípios Fundamentais
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios:
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo
F)
Questão quilombola: foi mantido o título de propriedade aos quilombos, devendo
o Estado emitir a documentação necessária (não sofreu significativas alterações).
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Art. 68 Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
22
A autora, ao estipular os balanços dos consensos e divergências, ela destacou que o
Movimento Negro era visto como uma ameaça do projeto de Nação pautado –– em falsas –– ideias
de igualdade, unidade e harmonia. Portanto, as denúncias formuladas a respeito do mito da
“democracia racial” e a articulação deste movimento a partir dos anos 80 mobilizou a constituinte
–– e assim reconhecia o momento: como um marco de ruptura aos preconceitos e necessidade de
que seja rescrita sua história.
Infelizmente, como asseverou a autora, a Subcomissão teve baixa adesão e com pouca
atenção midiática, de modo que estratégias tiveram que ser desenvolvidas para dar “quórum”. Por
outro lado, o espaço foi nitidamente democrático permitindo a todos o uso da palavra, podendo
ser ouvidas pessoas sensíveis e técnicas ao tema.
Ainda, importante salientar, como já trazido no bojo deste ensaio, a relação entre raça,
classe e gênero conceitualizada e trazida principalmente pelas ativistas. O Movimento Negro trouxe
de forma central a discussão de que o racismo é fomentado pelo próprio Estado em ações e
omissões, de ordem cultural, simbólica e estrutural.
Houve, em verdade, resistência para o recorte de raça em detrimento ao de classe, tanto
que o auxílio para crianças carentes foi mantido.
Assim, a conclusão tida pela autora é de que os dispositivos são importantes conquistas
do Movimento Negro, dando ênfase na inserção da palavra racismo que reconhece a ocorrência do
fenômeno.
Para além da inserção da data simbólica, ao longo dos anos seguintes verificou-se a edição
de legislações visando atender a criminalização proposta, os dilemas educacionais e até mesmo um
Estatuto da Igualdade Racial (em 2010). A atenção e atuação sempre vigilante do Movimento, que
permanece em constante mobilização, cria a pressão necessária para que o Estado se mobilize e se
sinta coagido para tanto.
Gabriel Teixeira Santos6
6
Mestrando em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
23
3.4 – Direitos das mulheres na Assembleia Constituinte7
A tese elaborada pela autora Adriana Vidal de Oliveira, e discutida e apresentada no
Laboratório de Pesquisa em Teorias Constitucionais e Políticas (CPOL/LAB - UENP) tem como
marco histórico a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 – 1988, tomando por base as
discussões nas comissões e subcomissões que existiam naquele momento histórico, bem como a
Constituição Federal, resultante da ANC e que efetivou no Brasil a maior conquista de direitos na
história recente do país.
Adriana Vidal de Oliveira desenvolve seu trabalho na esfera do Direito e Gênero,
especificamente no que diz respeito as conquistas e direitos das mulheres, atrelado a diferentes
teorias sobre o gênero. Para tanto, a presente tese é fruto de um desenvolvimento que se inicia em
momento anterior ao seu doutorado, tendo início durante seu mestrado, onde a autora buscou
abordar através de marcos teóricos que se fazem presente em sua Tese, a relação entre os processos
revolucionários em relação aos direitos das mulheres e a constituição dos movimentos feministas,
na medida em que essas mulheres percebiam que as suas demandas por igualdade de direitos não
ganhavam terreno.
Em conjunto as ideias elaboradas na dissertação, e ao marco histórico da presente
pesquisa fruto de seu doutorado, a autora se utiliza para analisar os movimentos feministas, dois
autores que não tratam do mesmo tema: Antonio Negri e Judith Butler. No que diz respeito as
ideias de Antonio Negri, a autora se utiliza da obra “Poder Constituinte: ensaio sobre as alternativas
da modernidade” cujo objetivo é buscar entender de que forma os processos revolucionários, após
a Modernidade, se iniciam e são interrompidos, pelo chamado Poder Constituído; entendido aqui
pela autora como o poder que possui a capacidade de refrear as lutas por libertação e por expansão
de direitos.
Segundo a autora, Antonio Negri, ao percorrer as revoluções ocorridas ao longo da
Modernidade não se dedicou a analisar nenhum movimento feminista, por mais que mulheres
tenham desempenhado papéis de participação em processos revolucionários nos Estados Unidos
e na França, os quais também se tornam marcos temporais na história da luta feminista.
Em relação à teoria de Judith Butler, a autora faz uso de sua teoria sobre os atos
performativos dentro de uma perspectiva de processo de retomada de conquistas de direitos a
partir da perspectiva de gênero, vez que Butler entende o gênero como algo construído e faz críticas
OLIVEIRA, Adriana Vidal de Oliveira. Constituição e Direitos das Mulheres: uma análise dos estereótipos de gênero
na Assembleia Constituinte e suas consequências no texto constitucional. Curitiba: Juruá, 2014, p. 191-450.
7
24
à afirmação da identidade, entendendo seu uso estratégico na reinvindicação de direitos que sempre
poderia ser revisto conforma as necessidades dos movimentos minoritários aparecessem.
Diante disso, Adriana Vidal busca, na sua tese, aprofundar o entendimento sobre a teoria
dos atos performativos, resgatando tais conceitos na filosofia da linguagem ao passo que busca
entender tal categoria através da obra de John Langshaw Austin, conhecida como “Performative
Utterance” ou “Enunciado Performativo” em uma tradução livre, obra essencial para entender as
noções desenvolvidas por Butler. Através desse entendimento, a autora buscou compreender como
a figura da mulher brasileira foi forjada, através de recursos de linguagem, e como o feminismo
buscou nessas mesmas ferramentas forma de subverter a imagem criada e fazer nascer a luta por
direitos. Para tanto, a autora passa pelo momento da construção da mulher brasileira moderna.
Assim, Adriana Vidal estrutura sua tese em duas partes, sendo a primeira composta por
dos capitulas nos quais se dedica aos pressupostos teóricos necessários para se ingressar nos temas
tratados em algumas subcomissões da Assembleia Nacional Constituinte. O primeiro capítulo trata
dos atores performativos, enquanto o segundo se dedica a uma análise da constituição das
performances de gênero no Brasil e sua apropriação pelas feministas e sua participação enquanto
movimento minoritário na Assembleia Nacional Constituinte.
Já a segunda parte da tese é composta por mais 5 capítulos, onde a autora desenvolve a
explicação dos critérios para a escolha das subcomissões que foram analisadas, um exame das
constituinte que compuseram a “bancada feminina”, bem como uma análise dos debates nas
subcomissões dos Direitos e Garantias Individuais; Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher, e as três subcomissões que compuseram a Comissão da Ordem
Social e a Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso.
Contudo, a leitura desenvolvida no Laboratório de Pesquisa em Teorias Constitucionais
e Políticas (CPOL/LAB – UENP) teve como foco principal a parte II da pesquisa, onde a autora,
já no seu capítulo três teve como foco explorar a pluralidade ideológica da chamada “Bancada
Feminina” na Assembleia Nacional Constituinte. A partir desse capítulo, ocorre também a análise
das atas da ANC, buscando investigar as discussões em comissões e subcomissões temáticas,
visando compreender a atuação da “Bancada Feminina” e seus limites, em virtude da sua
construção heterogênea.
A proposta de análise da atuação nas subcomissões é discursiva, visando demonstrar pelas
falas dos Constituinte e dos representantes civis que ali podiam participar qual era o perfil da mulher
que se encontrava em discussão naquele determinado momento histórico, dessa forma, Adriana
Vidal não busca realizar uma análise exaustiva da Assembleia Constituinte.
25
Ressalta ainda a autora, que as subcomissões foram escolhidas porque nelas, a sociedade
civil tinha espaço para manifestação, se tornando um momento estratégico na popularização das
propostas das constituintes, assim, a análise se estende pelas subcomissões onde os temas se
encontram pertinentes aos direitos individuais das mulheres de formas diferentes; trabalho,
restruturação familiar, saúde etc. Portanto, conforme deixa claro a autora, ficam de fora as
subcomissões onde muito provavelmente não tenha havido qualquer debate que envolvesse
qualquer discussão sobre gênero.
Levando em conta as escolhas da autora, as comissões observadas são; da Soberania e dos
Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, onde foram escolhidas para análise a subcomissão
dos Direitos e Garantias Individuais, enquanto a comissão da Ordem Social teve suas três
subcomissões analisadas; subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos,
subcomissão da Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente e subcomissão dos Negros, Populações
Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, vez que nas três o tema de gênero aparecia de alguma
forma. Já na Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, Ciência e Tecnologia e da
Comunicação, a autora deu atenção a subcomissão da Família, do Menor e do Idoso, onde a questão
do aborto e divórcio foram discutidas.
Adriana Vital ressalta como a temática que envolve gênero e minorias de forma geral
dificilmente se enquadra as estruturas concebidas durante a compartimentação de assuntos na
Assembleia Nacional Constituinte, e como essa plasticidade de tais temáticas serviu a estratégia dos
representantes dos movimentos sociais minoritários nas subcomissões que entendiam pertinentes.
O
que a autora deixa de evidenciar, entretanto, é que mesmo em um momento de construção
de um texto que define o arranjo institucional posterior, as estruturas da própria Assembleia
Nacional Constituinte não dão um espaço próprio às temáticas minoritárias, as quais, diante de tal
cenário, procuram se adequar a melhor forma de se fazer ouvir.
Para além da análise das comissões e subcomissões, a autora passa também pela
construção da “Bancada Feminina” na ANC, que contou com vinte e seis deputadas, ressaltando
que apesar de serem mulheres, a maioria não possuía qualquer vínculo com o movimento feminista,
ainda que em um momento anterior à Constituinte, graças a Lei de Anistia, houvesse a reinserção
de mulheres que se encontravam no exílio e tiveram contato com o movimento feminista no
exterior já havia ocorrido, e as ideias já começavam a se espalhar pelo Brasil.
Entretanto, Adriana Vital ressalta que ainda que a construção de uma identidade entre as
mulheres constituintes não tenha ocorrido em um momento anterior, através da associação pela
ideologia feminista, está se deu em virtude da dinâmica dos trabalhos na Assembleia, levando em
conta para isso, a atuação do Conselho Nacional de Direitos da Mulher que buscava agir sobre as
26
mulheres constituintes, bem como as emendas populares que visavam a ampliação do rol de direitos
individuais da mulher e o ambiente predominantemente masculino, não só em números totais, mas
no controle dos procedimentos realizados durante a Constituinte.
Adriana Vidal demonstra, pelos perfis das mulheres constituintes traçados, que se travam
de mulheres completamente distintas e ainda assim, conseguiram instituir a “Bancada Feminina”,
ainda que dependendo da pauta, essa não fosse integralmente coesa. A Bancada se provou forte,
dada sua formação acidental, mas sem força o suficiente para proceder com as demandas feministas
justamente por não ser uma banca alinhada ideologicamente à pauta feministas.
Já no quarto capítulo, Adriana Vidal se destina a analisar os debates que ocorreram na
subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais e como tais debates influenciaram a elaboração
das propostas apresentadas na Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da
Mulher, para tanto, estruturou o capítulo de forma a se dedicar a primeiramente a subcomissão, e
em um segundo momento as discussões do anteprojeto já na Comissão.
No que diz respeito a subcomissão de Direitos e Garantias Individuais, esta contou com
várias reuniões, sendo as reuniões de número oito e doze as mais interessantes. Ainda os primeiros
dias foram onde surgiram as discussões de quais entidades deveriam ser ouvidas - dado o pouco
espaço de tempo para tanto – o segundo problema a ser tratado seria justamente do conteúdo dos
direitos e garantias individuais. A primeira discussão foi justamente sobre a inclusão do termo
“mulher” ao nome da Comissão, evitando a utilização de “homem” de forma jurídica e futuras
articulações jurídicas que pudessem vir se valer de tais artimanhas. Contudo, o verdadeiro que
apareceu em relação ao gênero se deu com o surgimento inesperado do grupo Triângulo Rosa e o
preconceito que enfrentavam dentro da própria Assembleia.
A oitava reunião, fora aonde os comentários em relação ao aborto surgiram, bem como
pela igualdade de gênero, onde Lúcia Braga buscava assegurar a estabilidade no emprego durante
um ano após o término da licença gestante. Em contrapartida, existia o discurso que entendia que
a mulher não deveria assumir uma postura concorrente ao dos homens no mercado de trabalho e
no meio sindical, e que se a mulher pretendesse tal empreitada, que fosse condizente com os papéis
tradicionalmente atribuídos a ela. Em meio as discussões o argumento que “a mulher pertence ao
lar e cuida deste e dos filhos” reaparecia com frequência, comum sutil processo de ofensa buscando
“colocar a mulher em seu devido lugar”. Nesse ínterim, Leonor Nunes de Paiva buscou superar a
fragilidade atribuída a mulher, deixando claro que a única fragilidade na qual as mulheres ainda se
encontravam dizia respeito justamente aos preconceitos perpetuados pelas instituições e legislações
com cunho discriminatório.
27
Quanto ao aborto, o assunto causou controvérsia e houve posições dissonantes, mesmo
daqueles que se mostravam ao lado das reivindicações das mulheres nas questões por igualdade,
como é o caso de Costa Ferreira, que entendia que o aborto era prejudicial à mulher, de forma
genérica, quando na verdade esse é prejudicial quando realizado de forma precária. Ainda, Leonor
Nunes Paiva explica que o aborto não é uma prática realizada por apenas mulheres que tinham
relações clandestinas, mas em sua maioria, por mulheres casas e que engravidavam de seus maridos,
que recorriam ao aborto quando havia falha no método contraceptivo, o que não caracterizava o
aborto como uma forma de contracepção, e sim um mecanismo último frente à um filho indesejado.
Sendo de forma diferente, a mulher estaria condenada a assumir o risco do ônus de uma gravidez
e da criação de um filho ao exercer a sua sexualidade.
Na décima segunda reunião fora o momento em que o grupo Triângulo Rosa se
apresentou com a apresentação de sua única grande reinvindicação imediata: a proibição da
discriminação em virtude de orientação sexual. Tal exigência era apoiada pelo Conselho Nacional
dos Direitos da mulher. A argumentação era de que o machismo não gerava discriminação apenas
em relação às mulheres, mas também contra homossexuais. A reinvindicação feita pelo grupo
sofreu com a argumentação de ordem moral de alguns constituintes, que em meio as discussões se
viram alvo de discriminação.
Fica visível pelo trato dos constituintes a preocupação com a estabilidade das relações e
convenções sociais, a preocupação de indução ao “homossexualismo”, pouco se preocupando com
a garantia legal contra a violência sofrida por uma minoria. Nesse sentido, Luiz Salomão fora o
único que apontava a necessidade da nova Constituição conhecer a homossexualidade como um
fato natural não muito explicado ainda e que por esse mesmo motivo, sofria com os preconceitos
que acentuavam a estigmatização social.
Quanto a autora passa a análise da comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do
Homem e da Mulher, ela entende que os estereótipos de gênero instaurados a partir do final do
século XIX e início do século XX se perpetuaram e produziram impacto na Constituinte, seja nessa
comissão e subcomissões, ou por toda ela. Adriana nota ainda, o uso de argumentação científica
como forma de adquirir certa autoridade ao tratar de determinados momentos, que lembrava a
forma como o feminismo buscou subverter as virtudes femininas enquanto pleiteava a busca por
direitos à participação política.
No capítulo 5 a autora discorre sobre o enfrentamento dos temas relacionados a gênero
nas subcomissões relacionadas à Comissão da Ordem Social, manifestando que não houve grandes
contrastes, vez que tais subcomissões parecem mais abertas às reivindicações dos movimentos
sociais, se tornando pontuais os momentos de discrepância discursiva. A ordem adotada pela autora
28
é: Subcomissão dos Trabalhadores e Servidores Públicos; Subcomissão da Saúde, Seguridade e
Meio Ambiente, e finalmente, a Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas
Deficientes e Minorias, tendo como última etapa a análise do anteprojeto da Comissão da Ordem
Social.
Sobre a Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos, a discussão
de maior grau se deu sobre a relação à licença maternidade, com a manifestação de Wilma Maria
em defesa dos 120 dias de licença, que se encontrava em votação para o aumento para 180 dias,
entendendo, assim como demais constituintes, que o aumento do período de licença maternidade
criaria dificuldades maiores para a inserção da mulher no mercado de trabalho. Referente à
subcomissão de Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente, Maria Luiza trouxera propostas que
envolviam as garantias às grávidas em ambiente de trabalho, bem como a saúde da mulher,
incluindo a possibilidade do aborto. Adriana Vidal ao passar por essa subcomissão, ressalta o fato
de não ter havido qualquer discussão sobre os temas. Além disso, algumas considerações menores
e breves foram realizadas nessa subcomissão.
No que se refere a subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficiente e
Minorias, não houve muito destaque sobre as questões relacionadas à mulher, fixando-se mais sobre
questões ligadas aos povos indígenas. Por fim, a comissão da Ordem Social fora de forma geral, a
mais abertas e onde menos houve, segundo Adriana Vidal, a verbalização dos preconceitos de
gênero, ainda que houvesse uma valorização da condição materna.
Adriana Vidal, ao examinar a subcomissão da Família, do Menor e do Idoso no capítulo
6, entende que esta seria a que teria a pior recepção das ideias advindas da militância feminista, de
tal forma que quase houve alguns retrocessos em relação as matérias trazidas, o que levou a uma
postura mais estratégica do movimento feminista, que viu como necessário a retirada de
determinadas pautas da Constituinte, bem como obrigou as representantes a formar articulações
para evitar retrocessos. Ainda, Adriana Vidal faz questão de ressaltar que, apesar de problemático
do ponto de vista das mulheres, o anteprojeto da subcomissão não fora incorporado na proposta
que o Relator da Comissão apresentou na votação.
O Planejamento familiar e paternidade responsável são pontos importantes dentro desta
subcomissão, contudo foram enfrentados com sentido diferente nessas discussões. Já no início de
suas atividades da subcomissão, ficou claro como a figura da mulher seria retratada naquele espaço,
voltada a uma posição sempre ligada a condição maternal e de guardiã do lar e de dona de casa,
apesar de ali serem constituintes assim como os demais membros.
No que diz respeito a Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência
e Tecnologia e da Comunicação, houve uma manobra com o intuito de que a Comissão não
29
conseguisse cumprir com o prazo em virtude de interesses contrários à democratização dos meios
de comunicação, especialmente no que se referia as concessões de espaço para televisão e rádio, os
quais se encontravam concentrados nesta comissão.
Por fim, Adriana Vidal conclui que no decorrer da Assembleia Nacional Constituinte foi
possível perceber a reprodução de toda sorte de estereótipos de gênero, onde a própria Constituinte
se fez representante em menor escala, do processo de luta por direitos, bem como do exercício
realizado pela parcela dominante em desmantelar tal processo e refrear a luta. Nesse sentido, a
autora entende que fica mais claro e aparente as questões que se encontravam dentro das
subcomissões temáticas, visto que nestas, existia a dissonância e troca de discursos entre a sociedade
civil e os Constituintes, o que legitima sua motivação em analisar tais subcomissões, evidenciando,
durante a sua investigação o descompasso entre os movimentos sociais e os representantes na
Assembleia Nacional Constituinte.
Adriana evidencia já na sua conclusão que as dificuldades enfrentadas pelo movimento
feminista ao longo do debate nas subcomissões fez com que as estratégias discursivas fossem
repensadas ao longo do processo Constituinte, principalmente quando se encontravam em meio a
subcomissões opostas às pautas feministas, e apesar de todas as divergências dentro da própria
“Bancada Feminina” que não possuía identidade anterior à Constituinte, vários retrocessos que
diziam respeito à militância feminina foram evitados, o que de certa forma, garantira a possibilidade
de continuar com a luta no processo de reinvindicação de direitos pelo movimento feminista, em
momento posterior à Assembleia Nacional Constituinte.
Leonardo Paschoalini Paiva8
8 Mestrando em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Bolsista pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
30
3.5 – Judiciário, STF e juristocracia na Assembleia Constituinte9
O autor inicia o texto destacando que os processos constituintes são marcados pela forte
participação de elites interessadas na consolidação ou manutenção de arranjos político-jurídicos ou
que conservem o status quo estrutural em que se funda o seu domínio, que é o caso da Assembleia
Nacional Constituinte de 1987/88. Segundo o autor, o cenário político da ANC se colocava no
desafio de reproduzir a aliança entre diversos grupos de interesse corporativo que haviam se
reunidos nos últimos anos da ditadura militar, algo não tão simples de se fazer.
No tocante à presença do Poder Judiciário na ANC, o autor ressalta que a mais
significativa presença dos juristas no cenário político da época se deu na composição da Comissão
Provisória de Estudos Constitucionais convocada pelo Decreto nº 91.450, de julho de 1985,
também chamada de Comissão Afonso Arinos. Segundo o autor, o Poder Judiciário mantinha-se
fechado à interferência da esfera pública e avesso à crítica, aumentando, desse modo, suas
competências, especialmente do Supremo Tribunal Federal. A alteração no cenário constituinte era
uma oportunidade que não poderia ser desconsiderada, razão pela qual o Ministro Moreira Alves,
Presidente do Supremo à época, manifestou a José Sarney o desejo da Corte de ser ouvida pela
comissão quanto às mudanças relacionadas ao Judiciário. O Ministro Oscar Dias Corrêa também
manifestou positivamente à participação ativa do Supremo na constituinte. Segundo ele, o Supremo
era um árbitro dos conflitos entre os demais poderes do Estado, cuja função seria reequilibrar a
interdependência ameaçada, ou a harmonia atingida. É a noção do Supremo como um terceiro
pacificador do regime de separação de poderes. Entretanto, destaca o autor que o referido
pensamento assegurava ao Supremo uma ambiguidade constitucional concomitante de parte e juiz
da Constituição, ambiguidade esta incompatível com a noção de que a ninguém é dado ser juiz em
causa própria.
Segundo o autor, as propostas que o STF havia encaminhado em 30 de junho de 1986 à
Comissão Afonso Arinos, após ouvir todos os tribunais do país, foram as mesmas que o Tribunal
levou à constituinte. Em maio de 1987, o ministro Sydney Sanches, ex-presidente da AMB, expôs
as propostas do STF à Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo, quando fixou
os principais itens da pauta do Judiciário: 1) autonomia orçamentária e administrativa, nos planos
federal e estadual, com a submissão da proposta orçamentária diretamente ao Legislativo; 2) a
permanência
da
exclusividade
do
PGR
para
a
propositura
da
representação
de
inconstitucionalidade; 3) oposição à criação do STJ e manutenção da competência do Supremo
CARVALHO, Alexandre Douglas Zaidan de. Juscorporativismo: os juízes e o judiciário na Assembleia Nacional
Constituinte. Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 114, 2017.
9
31
para o julgamento dos recursos extraordinários, com alguns ajustes; 4) oposição à transformação
do Tribunal em Corte Constitucional por ofensa ao princípio federativo; 5) criação dos Tribunais
Regionais Federais; 6) exclusão da competência da justiça militar para julgar civis; 7) extinção dos
juízes classistas na justiça do trabalho; 8) mudança nas regras de promoção da magistratura para
evitar a perda de quadros; 9) criação de novos tribunais de alçada; 10) criação dos juizados especiais
de pequenas causas; 11) gratuidade da justiça, e 12) oficialização dos cartórios, a serem remunerados
por recursos públicos, porém, mantidos os titulares de então.
Conforme o autor, a leitura sobre a composição da magistratura e seu papel na
constituinte era significativamente diversa entre jornalistas e juristas não vinculados a órgãos
judiciais. Embora a autonomia orçamentária e administrativa fosse consenso do qual comungavam
e descreviam como dimensão fundamental para o resgate da função política, o modo como as
associações e os integrantes do Judiciário atuava na defesa e ampliação de suas prerrogativas foi
objeto de críticas. O foco desse segundo grupo de avaliações sobre a magistratura na constituinte
estava, justamente, na crítica à sobreposição das questões corporativas à discussão do melhor
desenho institucional para uma organização judiciária funcional na futura Constituição.
Após inúmeros debates no decorrer do processo constituinte, ao final, a maior parte da
estrutura interna do Judiciário foi mantida pela constituinte. Ao contrário do Ministério Público,
que teve profundas alterações em seu estatuto funcional, e da Defensoria Pública, criada com a
nova Constituição, a organização das competências dos membros da magistratura sofreu poucos
ajustes. Conservou-se o Supremo Tribunal Federal como órgão de cúpula, com atribuição para o
controle de constitucionalidade difuso e concentrado. A justiça federal foi descentralizada em
tribunais regionais e o antigo Tribunal Federal de Recursos transformado no Superior Tribunal de
Justiça. Mantiveram-se as justiças especializadas do Trabalho, Eleitoral e Militar, além da autonomia
dos Estados para organizar suas próprias justiças. A principal mudança foi a aprovação da
autonomia administrativa e financeira, com a previsão de que caberia aos próprios tribunais a
elaboração de seus orçamentos, atendidos os limites da lei de diretrizes orçamentárias. Segundo o
autor, do processo constituinte como um todo as impressões foram as mais variadas, porém a
maioria delas convergia para os aspectos positivos da nova Carta, cuja principal função havia sido
alcançada: estabelecer as regras sobre as quais o jogo político se desenvolveria a partir de então.
Todavia, apesar de alcançada a principal função da nova Carta, a caracterização da
centralidade do Poder Judiciário no arranjo político-jurídico da Carta e o reforço da percepção de
que seria dele a missão de implementar a nova ordem constitucional – em discursos que fundiam
as noções de Constituição e democracia ou redemocratização, também era evidenciada em
seminários organizados por juristas para debater o texto aprovado. A manifestação mais expressiva
32
dessa posição foi de Ives Gandra Martins, que em reunião do grupo de 33 juristas em Belo
Horizonte realizada no final de setembro de 1988, disse que após a promulgação da Constituição
o poder efetivo passaria ao Judiciário. Conclusão que, na visão dele, daria aos próprios juristas uma
posição privilegiada – senão exclusiva, para avaliar os efeitos do texto.
Diante disso, conclui o autor que da reflexividade que representa o espaço de experiência
de uma constituinte para a organização do Estado poderiam ter sido criadas, e efetivamente foram,
expectativas normativas amplas e diversas sobre o papel institucional do Judiciário e dos seus
representantes. Antes do processo constituinte estas expectativas se lançaram sobre como a
redemocratização refletiria a sua incidência sobre espaços pouco acessíveis e transparentes, como
era o espaço judicial naquele momento
O segundo artigo examinado 10 trata da relação dos ministros do Supremo Tribunal
Federal – STF com outros agentes políticos durante o processo constituinte de 1987-1988, a partir
de duas perspectivas: a primeira considera o STF como objeto de deliberação e a segunda considera
o STF como produtor da nova Constituição. Essas perspectivas, segundo os autores, permitem
verificar como o STF foi projetado no processo constituinte e como os seus ministros agiram
durante as deliberações.
Para tanto, os autores elaboraram a cronologia da constituinte com a seleção dos eventos
críticos relacionados à dinâmica interna e externa desse momento. Conforme exposto no artigo,
esses eventos foram pesquisados em fontes secundárias, tais como bancos de notícias de jornais e
periódicos jurídicos. Além disso, foi realizado o levantamento das manifestações dos ministros, em
discursos e entrevistas, para tratar da confluência entre as posições desses e de juristas em relação
a dos partidos constituintes. As decisões da Assembleia Nacional Constituinte – ANC sobre os
poderes do STF, por sua vez, foram analisadas com base nos Anais da Constituinte e na
documentação disponível nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Por fim, as
decisões sobre a Constituinte foram pesquisadas no sítio eletrônico do STF.
Em relação ao período pré-constituinte (1984-1987), foi destacado que o foco do conflito
político estava centrado no sentido e no alcance das mudanças políticas que deveriam ocorrer na
constituinte. Havia, contudo, consenso sobre algumas questões, dentre elas o fortalecimento das
instituições judiciais e as pautas de independência financeira e administrativa do Judiciário, assim
como sobre as garantias para o Ministérios Público e a ampliação do acesso à justiça. O dissenso,
por outro lado, estava centrado na questão da natureza e poderes do Poder Constituinte, visto que
KOERNER, Andre; FREITAS, Lígia Barros de. O Supremo na Constituinte e a Constituinte no Supremo. Lua Nova,
nº 88, 2013.
10
33
à direita falava-se em emendas ou revisão da Constituição vigente, enquanto à esquerda falava-se
em assembleia soberana e exclusiva, com ruptura da ordem existente, além da preservação ou não
do STF como tribunal supremo, com poderes concentrados de controle de constitucionalidade,
pauta defendida pela direita, ou que as leis fossem resolvidas pelo Legislativo, por uma delegação
deste ou um tribunal, e com ampla participação popular, defendida à esquerda. À margem disso,
era definida a mobilização corporativa dos juízes, liderada pelos dirigentes dos tribunais.
Nesse processo, os ministros do STF adotavam posições de centro a direita ao tratarem
da constituinte com certa reserva. Os ministros, ainda, buscavam a preservação do STF, de modo
a evitar mudanças profundas. Os autores destacam que, em 1985, falava-se em “possíveis reformas
constitucionais”, e que o ministro Oscar Corrêa, por exemplo, considerava injustificada a
Constituinte, conforme apontou em discurso feito em solenidades. Nas sugestões que os ministros
do STF enviaram à Comissão Afonso Arinos, foi defendida a continuidade da forma de
organização e atribuições do STF, porém, também foram incorporadas as propostas dos
magistrados pelo fortalecimento institucional do Poder Judiciário.
Em relação à constituinte, os autores destacaram que, na sessão de instalação da ANC, o
presidente do STF, Moreira Alves, adotou uma perspectiva de continuidade, que vinculava a
constituinte à ordem então vigente. Após a instalação da ANC, o deputado Maurílio Ferreira Lima
(PMDB-CE) apresentou o Projeto de Resolução nº 1 de 1987, que previa a adoção, pela constituinte,
de resoluções constitucionais para alteração das normas vigentes. Para ir contra a proposta, era
afirmado que os trabalhos constituintes eram limitados, tendo em vista que a convocação da
constituinte se deu por emenda, sem rompimento na ordem constitucional. O STF foi mobilizado
para tratar da questão através de consulta. Embora fosse um procedimento inadequado, o
presidente do STF enviou a consulta à Procuradoria-Geral da República – PGR. Em resposta, o
procurador afirmou que a ANC teria poderes para interpretar a Constituição vigente, mas não para
modificar o seu texto. O projeto acabou sendo retirado pelo seu autor e houve incorporação parcial
da proposta no Regimento Interno da constituinte – RIANC. A soberania da constituinte foi
afirmada, visto que ela poderia criar projetos de decisão para sobrestar medidas que pudessem
ameaçar seus trabalhos.
Em 1987, os conservadores se uniram em torno do centrão para promover seus interesses.
Após a apresentação do Projeto de Constituição A da Comissão de Sistematização, eles atuaram
para desqualificá-lo, assim como para provocar a reforma do regimento e alcançar um projeto de
Constituição alternativo, contudo, o Projeto de Constituição A foi aprovado em novembro de 1987.
Os autores ressaltam que as votações ficaram paralisadas pelas negociações sobre a reforma do
RIANC, contra o qual o centrão investiu o seu ressentimento.
34
Um fato importante ocorrido à época é o da disputa acerca da duração do mandato do
presidente Sarney, que atravessou o processo constituinte. Em janeiro de 1988, começam as
votações em plenário em primeiro turno, com pressões tanto no âmbito interno como externo.
Ulysses Guimarães entendia que o STF não poderia intervir nos trabalhos constitucionais e
defendia a atuação dos constituintes, cujas decisões eram tomadas por maioria absoluta, e ressaltava
a prevalência da Constituinte sobre os demais poderes. Havia, na época, uma intenção de golpe,
que foi inclusive anunciada para caso o mandato de quatro anos fosse aprovado. A ANC aprovou
o mandato presidencial de cinco anos. Os autores destacam que uma sentença do STF não seria
condição necessária para um golpe militar, entretanto, conferiria legitimidade constitucional à
intervenção. O STF deu sinais favoráveis às teses conservadoras, visto que os ministros, à exceção
de Djaci Falcão, procuraram manter uma postura discreta sobre a possibilidade de sucesso de
recurso, ao Tribunal, contra a constituinte, o que deixou em aberto a possibilidade de mobilização
estratégica do Tribunal.
Em razão da possibilidade anteriormente mencionada, existiram ameaças à situação da
constituinte, entretanto, as ações ingressadas e decisões do STF foram pouco numerosas no
período. Embora em baixo número, essas decisões apresentavam questões relevantes: em relação
aos Mandados de Segurança nº 20.718 e 20.828, as decisões do STF foram no sentido de não
intervir nas decisões da ANC, sob o argumento de que as decisões da constituinte não eram
definitivas e não existia ato de autoridade; nos INQs º 273 e 307, foi tratado sobre o alcance das
normas regimentais da ANC.
Ao tratarem o STF como objeto da deliberação constitucional, os autores destacaram que
os ministros do STF foram importantes atores na Constituinte, pois construíram alianças com
parlamentares de centro e centro-direita, com o fim de apoiar a preservação do tribunal. Algumas
decisões das fases de deliberação da ANC foram importantes nesse sentido. Sobre a estrutura do
STF, três propostas foram formuladas: a criação de um Tribunal Constitucional, com ministros
temporários, escolhidos pelo Congresso Nacional ou pelos três poderes da República; a criação, no
próprio STF, de uma seção especializada para tratar das questões constitucionais, composta por
ministros temporários; por fim, a manutenção do STF. Nas subcomissões e comissões da ANC, o
resultado sobre essas propostas foi distinto. Outro tema polêmico foi o dos legitimados para a
propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI. O governo e o STF entendiam que
deveria ser mantida a exclusividade do PGR, enquanto a OAB e a AMB defenderam a legitimidade
de qualquer cidadão.
Já na comissão de sistematização, os dispositivos polêmicos sobre o STF sofreram
modificações, com negociações entre a direção da constituinte e o STF. No primeiro substitutivo
35
do relator (Cabral 1), o número de ministros do STF foi reduzido de dezesseis para onze e foi
tratado da avocatória, que acabou por ser eliminada por votação de emenda. No projeto Cabral 2,
foi tratado sobre o mandado de injunção nos capítulos das garantias individuais e do Poder
Judiciário. Com a vitória sobre a organização do STF, os políticos e juristas conservadores passaram
a combater outras propostas – tais como a criação do CNJ e do Conselho da Magistratura. A
emenda substitutiva do “Centrão” sobre o Poder Judiciário foi aprovada em Plenário, com 359
votos contra 10 e quatro abstenções, e trouxe algumas mudanças em relação ao Projeto de
Constituição “A”, como, por exemplo, a necessidade de aprovação por maioria absoluta, no Senado
Federal, do nome indicado para ministro do STF pelo presidente da República. Após a votação da
emenda, passou-se à votação dos destaques de emendas. No segundo turno, o Projeto de
Constituição B foi aprovado por consenso, ressalvados os destaques. Os autores apontam, no
entanto, que os destaques foram previamente acordados, o que tornou as votações pouco
polarizadas. O Projeto de Constituição C foi enviado para a comissão de redação, sendo que o texto
final da Constituição foi aprovado em 22/09/1988, em turno único. A supressão da avocatória foi
a única modificação relevante introduzida pelas votações em plenário.
Na fase final, antes da promulgação, havia incerteza sobre a finalização dos trabalhos, os
impactos das normas e a fidelidade dos dirigentes às inovações da Constituição. Os ministros do
STF, que buscaram frear as modificações e que teriam o papel de interpretar a nova Constituição,
estavam no centro dessa incerteza. Antes da aprovação do texto final, os ministros expressaram
suas opiniões em declarações à imprensa, seminários e eventos promovidos pelo próprio STF.
Os políticos e os juristas assumiram duas atitudes contrapostas no que diz respeito à
Constituição: de crítica pelos possíveis efeitos desta sobre a governabilidade do país, e de otimismo
moderado quanto aos potenciais de sua aplicação. Os ministros do STF fizeram reuniões reservadas
com os dirigentes de outros tribunais para definir como aplicariam os dispositivos controvertidos.
Os autores destacam, ainda, que havia um receio de ocorrer uma “avalanche de processos” em
razão do novo texto constitucional.
Deste modo, o artigo aponta que os ministros do STF e juízes, em aliança com os
conservadores, conseguiram preservar o STF com poderes concentrados e papéis institucionais
acumulados, e, ainda, lograram êxito em fortalecer o Poder Judiciário, sem controles ou participação
externos. Já no pós-constituinte, os autores apontam que os juízes passaram a inserir em seus
julgamentos as inovações políticas e sociais trazidas pela nova Constituição, momento em que
julgavam segundo suas convicções e retribuíam os apoios recebidos.
36
Nesse terceiro texto11, a autora inicia seu texto afirmando a importância do Supremo
Tribunal Federal no sistema político brasileiro, à medida em que o encaminhamento de importantes
demandas públicas a este órgão jurisdicional, seus procedimentos, ritos e, finalmente, as decisões
prolatadas, formam um contexto geral de aprofundamento da relevância de seus membros no jogo
político. Para tanto, faz uma breve contextualização do surgimento do Supremo Tribunal Federal e
seu desenvolvimento até período constituinte de 1987-88.
Segundo a autora, no decorrer do processo de transição entre o regime ditatorial e a
redemocratização, tinha-se como exigência a elaboração de uma nova constituição, uma vez que,
por quase toda a década de 80, a convivência de um processo gradativo de redemocratização
ocorreu de forma simultânea à vigência do Ato Institucional nº 5, que espalhou juridicamente a
ditadura militar. Assim, diante da reiterada constitucionalização das normas antidemocráticas e das
medidas de exceção por parte dos militares e dos seus aliados civis, conjugada ao déficit de
legitimidade da ordem autoritária, era necessário assegurar uma institucionalidade democrática.
Entretanto, destaca a autora que os trabalhos da ANC foram iniciados sem previsão dos seus rumos,
pois não havia um grupo hegemônico que reunisse condições de impor seu projeto ao País. Apesar
da tensão característica desse momento histórico de transição democrática, havia consenso em
torno da garantia de direitos fundamentais, da organização política e do fortalecimento das
instituições judiciais. Esses consensos, entre outros, derivavam da necessidade de superação do
regime político anterior e do compromisso dos constituintes de atenderem esses anseios. Existia,
assim, a responsabilidade de criar as condições jurídicas para a estabilização das instituições
governamentais, de sorte que as demandas, nos termos da democracia representativa, fossem
processadas pelos meios institucionais, tanto legislativos quanto judiciais. Abria-se, portanto, aos
constituintes, o desafio de assegurar instrumentos normativos para a promoção de mudanças
socioeconômicas, aptas a garantir a legitimidade do sistema político e jurídico.
Voltando sua atenção ao Poder Judiciário, a autora ressalta que a nova estrutura do Poder
Judiciário é oriunda do trabalho da Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público
(SPJMP), pertencente à Comissão da Organização e Sistema de Governo da Assembleia Nacional,
cujas atividades se iniciaram em sete de abril de 1987. Ademais, a Subcomissão também foi marcada
pela forte participação de juristas de profissão e acadêmicos das diversas áreas do direito. Os relatos
mostram a constante presença de desembargadores, juízes, professores, advogados, assim como
presidentes de associações de setores do Poder Judiciário, além do Ministro da Justiça. Desse modo,
conforme a autora, a participação dos profissionais do Direito garantiu o aspecto técnico e a
LIMA, Flávia Danielle Santiago. Revisitando os pressupostos da juristocracia à brasileira: mobilização judicial na
Assembleia Constituinte e o fortalecimento do Supremo Tribunal Federal. Revista da Faculdade de Direito UFPR,
Curitiba, PR, Brasil, v. 63, n. 2, p. 145-167, ago. 2018.
11
37
proteção de seus interesses de classe, com o fortalecimento das instituições judiciais que lhes
assegurou protagonismo no cenário político vindouro.
Nesse contexto, destaca a autora que o Supremo Tribunal Federal – como órgão de cúpula
– assegurou proeminência. Na verdade, a instituição influenciou o próprio processo constituinte,
desde a condução dos debates até o processo decisório, à medida que seus ministros participaram
da definição do próprio formato da Assembleia Nacional Constituinte, eis que a adoção de um
modelo congressual por via de emenda constitucional e as dúvidas sobre a aplicação intertemporal
das regras discutidas davam um ar de incerteza ao processo. A participação dos Ministros do
Supremo foi ainda mais acentuada nas discussões em torno da criação de um Tribunal
Constitucional. Diante deste cenário, descreve a autora que, por óbvio, foram expandidas as
funções do STF, a partir de uma estrutura que concentra atribuições as mais diversas no Tribunal
e de um renovado desenho de revisão judicial de legislação que une os controles concreto e abstrato
sob sua tutela, de modo que o STF se tornou uma instituição singular em termos comparativos,
seja com sua própria história, seja com a história de cortes existentes em outras democracias,
mesmo as mais proeminentes.
Assim, conclui a autora que a expansão das competências e dos instrumentos de controle
de constitucionalidade, o desenho institucional independente e as garantias de seus membros
(vitaliciedade e responsabilidade apenas pela via do impeachment, por exemplo) fortalecem o
exercício de poder pelo STF, protegido de eventuais ingerências de titulares de outros Poderes. Os
meios processuais permitem que as pretensões dos mais diversos setores da sociedade civil sejam
encaminhadas ao Tribunal. E, por fim, a adoção de uma carta analítica, permeada de compromissos
substantivos, viabiliza a conversão de expectativas políticas em demandas jurídicas. Tem-se aqui a
conjunção de fatores que favorecem a relevância do STF no cenário político brasileiro. Finaliza a
autora dizendo que a participação de grupos específicos nos acontecimentos decisivos das
sociedades é, muitas vezes, manipulada ou pormenorizada pelos grupos dominantes. Neste sentido,
resgatar a influência dos próprios ministros do STF no processo constituinte que fortaleceu o
Tribunal, criando as condições institucionais para a judicialização da política no Brasil, mostra que
o Poder Judiciário se mobilizou para assegurar sua relevância no arranjo político, de sorte que não
foi – e não é – apenas objeto deste processo histórico, mas seu sujeito ativo.
Beatriz Tavares Fernandes dos Santos12
Ronaldo Blecha Veiga13
12 Mestranda em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e bolsista pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
13 Mestrando em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
38
3.6 – Segurança pública e militares na Assembleia Constituinte14
O núcleo da pesquisa pode ser sintetizado por meio do seguinte questionamento: “por
que os constituintes considerados mais progressistas que dominaram o processo de escolha dos
cargos de liderança em diversas subcomissões, comissões temáticas e comissões sistemáticas nos
trabalhos da ANC não conseguiram fazer o mesmo na área de segurança pública?”.
O questionamento surge de um contraste entre as expectativas de mudança que orbitavam
a nova Constituição e as continuidades que permearam as diretrizes da segurança pública. O
próprio discurso de Ulysses Guimarães enfatiza uma perspectiva de mudança e transformação.
Apesar da descentralização dos trabalhos e do acordo entre os líderes partidários Mario Covas
(PMDB) e José Lourenço (PFL), que acabava favorecendo o grupo progressista, o texto
constitucional sobre a segurança pública não apresentou rupturas quando comparado com o
momento pretérito.
O debate sobre a segurança pública ficou a cargo da Subcomissão de Defesa do Estado,
da Sociedade e de sua Segurança (Subcomissão IVb), que pertencia à Comissão da Organização
Eleitoral Partidária e Garantia das Instituições (Comissão IV). Essa subcomissão foi marcada pela
presença de 11 constituintes ligados à ala conservadora e 8 ligados aos progressistas. Das
autoridades chamadas para falar sobre a temática, apenas 2 não eram ligadas à polícia ou às Forças
Armadas.
Os pontos principais de tensão sobre a segurança pública envolviam a finalidade do
Estado, as atribuições das Forças Armadas e das polícias, assim como a questão da atuação da
polícia civil e militar em temas ligados à segurança pública interna.
Foram realizadas 45 sugestões sobre o assunto, de modo que 32 delas visavam assegurar
a manutenção do status quo. Pode-se notar, portanto, uma articulação coesa que pretendia conservar
as estruturas principais da organização militar, mesmo após a redemocratização.
Em suma, os autores destacam os seguintes elementos que garantiram a permanência da
atuação repressiva na seara da segurança pública: i) ausência de consenso sobre o papel das forças
armadas por parte dos progressistas; ii) coesão dos conservadores em buscar assegurar a
manutenção do status quo; iii) vitória eleitoral em estados relevantes como São Paulo e Rio de Janeiro
da “linha dura”; iv) controle de constituintes considerados conservadores nos trabalhos de
RIBEIRO, Leandro Molhano; BURLAMAQUI, Patrícia. Trinta anos depois, os desafios são os mesmos? O debate
sobre a Segurança Pública na Assembleia Nacional Constituinte. Locus: Revista de História, v. 24, nº 2, 2018.
14
39
presidência e relatoria na Subcomissão IVb e Comissão IV; v) provável influência de grupos
corporativos da Polícia Militar e Forças Armadas no processo constituinte.
O estudo ainda indica que alguns temas parecem ter ficado totalmente de fora dos debates
constituintes, como por exemplo a relação da política de segurança pública com outras políticas
sociais, como saúde, e educação.
Cabe destacar também o evento relevante durante a Assembleia Nacional Constituinte
que deu origem ao “Centrão”. Isto pois, é em meio a essa reviravolta que os constituintes ligados
aos interesses de cunho conservador se articularam a fim de obstaculizar o avanço progressista
conquistado até a fase de sistematização.
Este episódio ocorre justamente após os anteprojetos Cabral I e II, nos quais a atuação
da polícia militar deixaria de ser uma força auxiliar e reserva do Exército e das Forças Armadas
para atuar apenas em situações de segurança externa. Não obstante, após a revisão regimental
promovida pelo “centrão” o texto aprovado na Comissão IV se manteve praticamente intacto,
representando os interesses ligados ao que se pode identificar como espectro político de “direita”.
Foram 11 emendas coletivas apresentadas pelo “Centrão”, sendo que uma delas dizia respeito
especificamente à segurança pública. Essa emenda mantinha o conteúdo e estrutura do Projeto –
A, o que acabou se mantendo até a aprovação final da Constituição.
Embora seja possível notar essa continuidade, existiram proposições inovadoras como: i)
desmilitarização da política; ii) controle democrático e social das polícias; iii) destinação das Forças
Armadas exclusivamente à segurança externa; iv) unificação da polícia civil e militar; v) encarar a
segurança pública como uma prestação de serviço à comunidade, que atuaria na defesa do indivíduo
e sociedade.
O artigo apresenta os principais elementos que fizeram com que a segurança pública não
tivesse mudanças estruturais com o advento da Constituição de 1988, de forma a indicar que os
desafios persistem e as discussões contemporâneas se apresentam de forma análoga.
Nesse segundo texto15, o núcleo da pesquisa pode ser sintetizado por meio do seguinte
questionamento: “como as polícias militares compreenderam e se portaram na elaboração da
Constituição Federal de 1988”. Destaca-se que a investigação em questão abordou a revisão
constitucional de 1993 e a atuação da PM nesse contexto.
O trabalho analisado pode ser dividido em três momentos: i) a presença da polícia militar
na Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (Comissão Afonso Arinos); ii) a atuação e
SOARES, Bruno César Prado. A longa constituinte dos policiais militares: da preparação para a Assembleia Nacional
Constituinte à revisão de 1993. In: COELHO, Saulo de Oliveira Pinto, et. all. (Orgs). Florianópolis, Tirant lo Blacnh,
2018.
15
40
comportamento da polícia militar na Assembleia Nacional Constituinte (1987 – 1988); iii) o
processo de revisão de 1993 e reunião dos comandantes da polícia militar.
A investigação pretende, portanto, aprofundar sobre a construção do artigo 144 a partir
de um grupo específico de atores. Nesse sentido, há um recorte muito claro com relação aos agentes
políticos e instituições que serão abordados. Esse enfoque se dirige à atuação da polícia militar e
das forças armadas.
É possível identificar que o uso de questões históricas e memórias se apresentaram como
ferramentas utilizadas para a defesa do papel das polícias militares. Apelava-se para as origens
coloniais a fim de desvincular a imagem das instituições da ditadura militar.
Após o golpe de 64 a organização da polícia militar foi centralizada e subordinada aos
objetivos das forças armadas. Em suma, os militares buscavam a manutenção do status quo.
Ao assumir a presidência, Sarney cumpre com o acordo da “Aliança Democrática” e
encaminha uma emenda convocando uma Assembleia Nacional Constituinte Congressual. Essa
medida desagradava a ala progressista que pretendia uma Assembleia Exclusiva.
Antes de se iniciarem os trabalhos constituintes a presidência convocou uma Comissão
de Notáveis, a fim de estabelecer um texto base constitucional. Não obstante, enquanto a ala
progressista via tal comportamento como uma ameaça à autonomia da Constituinte, grupos
conservadores ficaram descontentes com o resultado alcançado. Dentre estes, encontra-se a própria
polícia militar, em especial a de Minas Gerais que fez um manifesto destacando sua irresignação. O
texto aprovado na Comissão Afonso Arinos praticamente extinguia a polícia militar, de forma que
foi justamente este ponto que gerou a ausência de apoio da PM.
Diante das articulações em torno do novo texto constitucional que estava porvir, em 1985
os Comandantes Gerais das polícias militares do Brasil se reuniram para se organizar diante dos
riscos do declínio militar na elaboração da nova Constituição. A reunião, realizada em Belo
Horizonte, elaborou um documento com as reivindicações da instituição.
Os grupos de pressão ligados às polícias militares e forças armadas tiveram enfoque em
três abordagens: i) Subcomissão IVb e Comissão IV; ii) assessoria parlamentar do exército
brasileiro; iii) trabalhos da Comissão de Sistematização e redação final.
Durante as audiências públicas realizadas na subcomissão IVb, pode-se notar a
concentração de representantes das polícias militares. Em suas falas há uma ênfase à história e à
tradição, buscando indicar que as instituições transcendem o período autoritário vivido. A defesa
da hierarquia e disciplina foram elementos constantes na defesa da manutenção das instituições.
Houve ainda o argumento da necessidade de uma polícia numerosa, bem armada, devidamente
equipada e treinada para a manutenção da ordem.
41
A comissão passava a apresentar algumas conclusões sobre os debates: i) necessidade de
manutenção da polícia militar e bombeiros militares; ii) subordinação da polícia militar aos
governadores; iii) manutenção da hierarquia e disciplina das instituições; iv) competência exclusiva
da polícia ostensiva para os militares; v) competência da União para legislar em alguns aspectos
específicos que dizia respeito aos militares; vi) direito de cidadania para os militares, salvo algumas
exceções; vii) manutenção da Justiça Militar Estadual.
As Forças Armadas ainda desejavam que a polícia militar atuasse como uma força auxiliar
do exército. As instituições atuavam em reuniões constantes com os constituintes e manifestavam
advertências públicas a respeito da condução e andamento dos trabalhos.
Bernardo Cabral, relator da Comissão de Sistematização buscou alterar o texto advindo
da Comissão IV, contudo com as alterações posteriores essa medida foi contornada.
Nem todas as pautas da Assessoria Parlamentar do Exército e das polícias militares foram
confluentes, de forma eu o texto constitucional aprovado se distanciava das intenções constantes
no documento elaborado pelo Centro de Comunicação Social da força terrestre. O texto da
Comissão de Sistematização pode ser visto como resultante de um acordo entre policiais civis e
militares.
É possível identificar um despreparo das corporações policiais militares em 1987 e 1988,
de forma que buscaram se organizar melhor para o processo de revisão constitucional. Não
obstante, os militares tinham dificuldades com o ambiente político e legislativo, o que acabou
prejudicando as articulações.
No terceiro texto 16 , o núcleo da pesquisa pode ser sintetizado por meio do seguinte
questionamento: “quais foram as prerrogativas militares não democráticas da Constituição anterior
mantidas na Constituição de 1988 e quais foram as prerrogativas adicionadas?”.
O questionamento surge da afirmação de que, embora o processo de redação da
Constituição de 1988 tenha sido democrático, a essência do resultado não foi liberal, o que impede
que o país possua uma plena democracia.
O autor dividiu o texto em três momentos, buscando cumprir três objetivos: a) Em um
primeiro momento, discutiu o paradoxo de certas cláusulas constitucionais terem sido escritas de
acordo com os procedimentos democráticos, mas resultarem em conteúdos pouco liberais; b) Em
um segundo momento, mostrou que tais cláusulas constitucionais tornam impossível a
consolidação de relações civil‐militares democráticas; e, por fim, c) Em um terceiro momento,
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição brasileira de 1988. In: TELES,
Edson; SAFATLE, Vladimir (Org.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
16
42
questionou os motivos da inexistência de tentativas regulares de mudança destas cláusulas
constitucionais, embora a Constituição tenha sido emendada mais de 60 vezes, até o momento da
escrita do texto.
Para iniciar a discussão do primeiro objetivo, o autor traça um histórico dos anos que
antecederam a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e as relações entre os militares e os civis
no final dos anos 70 e início dos anos 80, destacando a promessa pública de Tancredo Neves sobre
o tempo de mandato do presidente, o apoio militar à assunção do cargo por José Sarney, após a
morte de Tancredo, e o veto ao nome de Ulysses Guimarães; o veto a uma ANC pelos militares; e
a negociação de anistia aos militares que cometeram abusos durante o período ditatorial.
Em relação ao paradoxo e à impossibilidade de consolidação das relações civil-militares,
o autor destacou o lobby que os militares realizaram na ANC que garantiu a manutenção das
cláusulas relacionadas com as Forças Armadas, Policias Militares estaduais, sistema judiciário militar
e de segurança pública em geral; a atuação deles e a composição e dinâmica na e da Subcomissão
de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, responsável pelo tema; apresentou uma
listagem de artigos constitucionais que entende que os conteúdos liberais deixaram a desejar, em
especial o art. 142 da Constituição Federal, trazendo a problemática do exercício do poder soberano,
em uma perspectiva de Giorgio Agamben; e exemplificou o uso de algumas dessas cláusulas pelos
Presidentes da República que governaram o país posteriormente.
Destacou, também, alguns casos de pressões e insubordinações dos militares aos Poderes
da República e ao Presidentes da República, como o caso do incidente com o prefeito de Londrina,
que havia proibido que aviões Bandeirantes, fabricados pela Embraer, aterrissassem no aeroporto
local enquanto não se esclarecesse a causa da queda de quatro desses aviões mas que, devido a uma
ameaça de suspensão da licença de funcionamento do aeroporto de Londrina pelo diretor do DAC,
rendeu-se às pressões militares sem esclarecimento algum; ou o caso em que a Aeronáutica não
entregou a caixa‐preta do acidente dos Mamonas Assassinas aos familiares, limitando‐se a
transcrever trechos dela; mesmo procedimento adotado com a caixa‐preta do Fokker‐100 da TAM
que caiu em São Paulo em 1996, que a Aeronáutica recusou a entrega mesmo com ordem do
Superior Tribunal de Justiça para tanto; e, ainda, o caso da greve dos controladores militares
promovida quando o presidente Lula acenou pela desmilitarização da aviação comercial no país.
O autor ainda aponta que um processo de democratização pode ser dividido em três fases:
a da liberalização, quando o regime começa a fraquejar e sinalizar mudanças; a da transição, quando
novos atores políticos são incorporados ao processo de tomada de decisões; e a da consolidação
democrática, na qual se fortalecem as instituições e as aprofunda juntamente com a cultura
democrática; mas entende que essa divisão é problemática, principalmente em países da América
43
Latina, como o Brasil, onde a forte presença política militar que foi redigida na Constituição Federal
pós regime (1988), mantendo-se um viés autoritário.
O autor entende que os Presidentes FHC e Lula contribuíram para aprofundar a
militarização em vez de desmilitarizar a segurança pública; critica o Judiciário militar pela defesa
dos interesses constitucionais das Forças Armadas; a manutenção da Lei de Segurança Nacional,
amplamente fundada na doutrina da Segurança Nacional; o crescimento da presença militar na
segurança pública, em áreas urbanas — principalmente no Rio de Janeiro —, e entende que a
existência de um controle civil parcial sobre militares indica uma democracia defeituosa.
O autor conclui que o artigo procurou demonstrar que os militares se mantêm no controle
de posições estratégicas do aparelho do Estado, em um apenas aparente estado de submissão ao
controle civil, gozando de prestígio popular e continuando a exercer influência política, detendo
prerrogativas incompatíveis com um regime democrático.
Por fim, o autor conclui que é impossível que os governantes eleitos no Brasil tenham
poder real de governar com a presença de domínios reservados de poder (enclaves autoritários) e
que a incapacidade da elite civil de gerir o país de 1985 a 2009 faz com que a presença militar na
política continue a ser consequência e não causa desta inépcia; alertando para os riscos de a
instabilidade econômica no país levar a uma convulsão social diante do cenário narrado.
Matheus Conde Pires17
Vinny Pellegrino18
17
18
Doutorando em Direito pela UNESP. Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
Doutorando em Direito pela UENP. Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP.
44
3.7 – A OAB na Assembleia Constituinte19
O núcleo da pesquisa pode ser sintetizado por meio do seguinte questionamento: “como
se deu a dinâmica de interesses corporativos e gerais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987-1988?”. Para responder este problema a
investigação se dividiu em dois momentos, o primeiro teve como o objetivo de identificar a
participação e as influências da OAB na sugestão de emendas na ANC, enquanto o segundo buscou
analisar as audiências públicas em que a OAB se apresentou como expositora externa. O método
de procedimento utilizado para o deslinde da indagação apresentada foi o histórico documental.
Inicialmente a pesquisa destaca o posicionamento institucional da OAB frente ao
processo constituinte, tendo como parâmetro a X Conferência Nacional da Ordem dos Advogados
do Brasil realizada em Recife em 1984. Nesta foram apontadas as seguintes questões: i) A ANC
deveria ser exclusiva para a discussão da nova Constituição, além de não se limitar à presença da
classe política, de forma a permitir espaço para candidaturas avulsas e participação popular direta;
ii) A ANC deveria ter regras de controle das minorias, para que pudesse prevalecer a representação
e o exercício de influência da maioria na tomada de decisão; iii) A ANC deveria levar ao texto final
da Constituição apenas questões relevantes sobre o funcionamento das instituições, os direitos e
garantias individuais e a ordem econômica e social, discorrendo no texto sobre cada uma dessas
questões, com foco no Poder Judiciário. Diante disto, a pesquisa identifica uma dualidade de
interesses da OAB. Uma ligada à preocupações com a participação popular, garantias individuais e
a ordem social e econômica e até mesmo sobre as instituições e sua organização; e outra relacionada
a interesses corporativos.
A OAB se opunha publicamente às práticas de lobby. No entanto, reconhecia, por meio
de falas do seu então presidente, que tinha conquistado uma posição privilegiada no processo
constituinte. A questão que se coloca é como foi alocada essa relação entre uma posição privilegiada
na constituinte e uma postura pública anti-loby. Fazendo uma busca foi possível identificar que ,
apesar de ser entidade legitimada para proposição de sugestões diretas na fase preliminar da
Constituinte, ao contrário de outras entidades como a CNBB e a CUT, a OAB não as fez, nem
mesmo as sugestões de interesse corporativo/profissional, constando apenas em sugestões de
constituintes. Não obstante, tal fato não implica em uma abstenção da instituição do referido
PELLEGRINO, Vinny; LIMA, Jairo. A Participação da Ordem dos Advogados do Brasil na Assembleia Nacional
Constituinte de 19987-1988 e a Dinâmica de seus Interesses. Em avaliação. 2021.
19
45
processo, pelo contrário, indica que a participação da OAB pode ter se dado pelo intermédio direto
de constituintes. Nesse sentido, destacam-se dois nomes: Nelson Jobim e Bernardo Cabral.
O primeiro trabalhou muito próximo à OAB, apresentando proposições, sugestões (como
a de criação de um Tribunal Constitucional) e emendas de sua autoria contendo interesses
corporativos da entidade. O próprio Thomaz Bastos, presidente da OAB neste momento confirma
a atuação próxima do parlamentar à instituição de representação dos advogados. Por sua vez, Cabral
buscava se apresentar como alguém isento e não vinculado a qualquer organização. Destaca-se que
o constituinte havia participado ativamente do Conselho Federal da OAB e de campanhas como
“Diretas Já!”. No entanto, sua postura pública por isenção e o receio da OAB de se associar com
lobbys podem ter prejudicado uma relação mais enfática e explicita entre as partes. Nesse sentido,
pôde-se concluir que as eventuais influências da OAB sobre Bernardo Cabral podem ter se dado
no tocante às decisões tomadas pelo constituinte enquanto Relator da Comissão de Sistematização
e Redação. Podem ser identificadas 39 propostas de emendas de constituintes próximos à OAB, se
consideradas as etapas das Subcomissões, Comissões temáticas e início da Sistematização. Não
obstante, esta informação não oferece subsídios para concluir sobre a abrangência e influência da
OAB na constituinte como um todo.
A OAB participou como expositora externa de 1 Comissão temática (Organização dos
Poderes e Sistema de Governo) e de 5 subcomissões temáticas: i) A Subcomissão dos direitos
políticos, dos direitos coletivos e garantia, vinculada à Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher; ii) A Subcomissão dos direitos e garantias individuais, também
vinculada à Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher; iii) A
Subcomissão dos Estados, vinculada à Comissão da Organização do Estado; iv) A Subcomissão de
defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, vinculada à Comissão da Organização Eleitoral,
Partidária e Garantia das Instituições; v) A Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e
Emendas, também vinculada à Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das
Instituições.
A participação da OAB se deu com a presença de seu então presidente Thomaz Bastos.
Este se portou de forma deferente aos constituintes, de forma a indicar que não iria dar um tom
professoral a sua fala, indicando que procurava apenas auxiliar os constituintes para qualificar a
vontade daqueles que representavam o povo. De forma geral as intervenções foram pontuais e
presaram por colocar em pauta os temas de maior interesse da entidade. As pautas da OAB se
mostraram bastante claras durante a ANC e, em paralelo às emendas apresentadas por constituintes
próximos, foram também postas em discussão por seu presidente em todas as intervenções nas
46
audiências públicas, seja durante as apresentações iniciais, seja nas respostas às perguntas dos
constituintes.
Em que pese algumas reivindicações pontuais derrotadas como a não criação do CNJ e
do Tribunal Constitucional, é possível afirmar que as intervenções da OAB foram frutíferas, pois
a entidade saiu fortalecida ao término do processo, ampliando seu poder político com as
disposições e os assuntos encampados pelo texto da Constituição de 1988. Este fortalecimento se
deu em razão do texto constitucional anuir com assuntos de interesse geral/nacional como também
por interesses corporativos.
Matheus Conde Pires20
20
Doutorando em Direito pela UNESP. Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
47
4 – RESUMO DOS TEXTOS DOS PARTICIPANTES EXTERNOS21
4.1 - LOBO, Judá Leão. The Government and the opposition: The dispute for the
Additional Act in Imperial Brazil22
Publicado no jornal da província do Governo do Paraná, uma série de artigos intitulados
O governo e a oposição, foram escritos em defesa do presidente da província no caso da comarca de
São Jose dos Pinhais. Judá Leão Lobo, guiado pela abordagem micro-histórica de Carlo Ginzburg
busca descobrir baseado em quatro textos em particular se era possível desvendar questões gerais
relacionados ao período do Brasil Imperial.
O autor, ao reconstruir a discussão pública pertencente a autores anônimos, entende que
tais discussões faziam parte de um quadro maior sobre a interpretação do Ato Adicional de 1834.
Tal ato consistiu em uma reforma Constitucional da Carta Imperial de 1824, e representava um
pacto com nuances federativos entre a coroa e as oligarquias provinciais que existiam à época.
Embora a análise do autor se baseie em quatro textos específicos de jornais, o que pode
em certa medida ser tendenciosa e de certa maneira inviabiliza a amplitude necessária para se
entender o quadro maior, permite também visualizar narrativas partidárias da época e colaboram
para o entendimento dos procedimentos acerca de matéria Constitucional naquele determinado
momento da história do Brasil.
O trabalho do autor consistiu em recompor um mosaico cujos fragmentos foram
espalhados em diferentes direções, sendo cada uma destas um traço interpretativo diferente que
couberam ao autor serem interpretados, que entende que os artigos da imprensa da época por ele
analisados não podem ser entendidos como mera fonte de informação sobre fatos, e sim de
narrativas diversas e conflitantes que pertencem a um contexto mais amplo de discussão.
O cenário político na província do Paraná era dominado por oligarquias familiares
construídas sobre casamento, subserviência e troca de favores, contudo para fins de pesquisa, o
autor foca em duas famílias oligárquicas que são relevantes para a pesquisa: Uma ligada ao partido
conservador – na figura de Visconde de Nácar (que alinhava seus interesses à ala conservadora) e outra família em torno do partido liberal do Paraná – comandada por Jesuíno Marcon de Oliveira
e Sá (que fez do partido liberal seu instrumento de interesses pessoais).
21 Elaboração: Leonardo Paschoalini Paiva. Mestrando em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná
(UENP). Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
22
LOBO, Judá Leão. The Government and the opposition: The dispute for the Additional Act in Imperial Brazil.
Revista História Constitucional, n. 22, 2021.
48
Assim, em um primeiro momento, Judá Leão Lobo apresenta as relações de força
dominantes na província do Paraná, bem como as problemáticas e disputas políticas entre tais
forças, com foco especial no caso da comarca de São José dos Pinhais, buscando, dessa forma
enquadrar o contexto regional em que surge os artigos intitulados de O governo e a oposição.
Em um segundo momento, o autor passa a analisar os quatro artigos anônimos pela luz
da discussão pública a que pertencem de modo a retratar as muitas nuances interpretativas, bem
como o movimento pendular da discussão pública; que vai da província ao centro e vice-versa. Por
fim, o autor traça o caminho do evento particular para a questão geral: o conflito de interesses
provinciais foi encenado dentro das possibilidades de discursos de personagens e intérpretes
historicamente estabelecidos, que continham fortes divergências entre as diretrizes interpretativas
dos partidos conservador e liberal.
Adeptos do centro, os conservadores entenderam o Ato Adicional a partir de uma
interpretação restritiva das prerrogativas das Assembleias Provinciais e, ao mesmo tempo, um
sentido expansivo das atribuições dos presidentes das províncias, uma vez que eram livremente
indicados pelo Poder Executivo central. Por outro lado, os liberais, amigos das franquias provinciais,
interpretavam restritivamente os poderes de tais delegados do governo central e expansivamente
os das legislaturas provinciais eleitas pelas províncias.
Havia ainda, neste mesmo período, diferentes nuances interpretativos entre indivíduos
dentro de um mesmo partido, além de incoerências com as diretrizes interpretativas partidárias por
causa de um “costume constitucional”: contra o Texto Constitucional, o Poder Executivo Central
interpretava a lei e a Constituição.
Devido a este costume constitucional, o poder executivo central tornou-se um intérprete
reconhecido da lei e da constituição. Tal desenho institucional condenava os liberais à incoerência
crônica com sua diretriz interpretativa: tanto no governo, como na oposição. Uma forma de Estado
central fora então estabelecida como tentativa de solução.
Assim, o autor entende que o Estado Imperial não era absoluto nem arbitrário. O
governo-intérprete podia contar com um conselho para interpretar a lei e para fundamentar de
forma devida os significados atribuídos às fontes do Direito. Desta forma, o grande órgão
interpretativo fornecia ao ministério a interpretação e justificativa para as deliberações emitidas, por
meio de uma fonte de direito que emanava do Poder Executivo, cunhada de “advertências
ministeriais”.
49
4.2 - SERRA, Janaínna de Oliveira. Frames do movimento feminista sobre assédio sexual:
uma análise de vídeos publicados por mulheres no Youtube antes e depois da lei do crime
de importunação sexual23
A autora Janaínna de Oliveira Serra fora convidada para apresentar parte de sua
dissertação; Frames do movimento feminista sobre assédio sexual: uma análise de vídeos publicados por mulheres
no Youtube antes e depois da lei do crime de importunação sexual, aos membros do Laboratório de Pesquisa
em Teorias Constitucionais e Políticas (CPOL/LAB) no dia 10/06/ 2021, ocasião na qual fora
disponibilizado pela mesma parte das análises realizadas no curso da sua dissertação com o intuito
de compartilhar com o grupo a forma pela qual fora realizada sua pesquisa sócio jurídica na
modalidade empírica, com base em análises de legal frames usados na narrativa de Youtubers sobre a
questão relativa ao assédio.
Para que pudesse extrair dos vídeos analisados os significados e mensagens dos processos
de enquadramento do movimento feminista quanto ao assédio sexual, a autora se utiliza de três
dimensões distintas: o enquadramento por diagnóstico, pelo qual movimentos sociais devem
interpretar determinada situação como um problema social e, mais especificamente, como uma
injustiça, identificando as devidas causas para sua existência; o enquadramento via prognóstico,
onde considera-se a elaboração de soluções para as problemáticas diagnosticadas; enquanto o
enquadramento motivacional se torna o responsável pela construção de mensagens que estimulem
que os indivíduos que se enquadrem na posição de vítimas ou seus representantes se engajem nas
atividades relacionadas aos movimentos sociais. Feito os enquadramentos necessários e após a
codificação dos conteúdos, a autora divide os conteúdos dos vídeos analisados em três esferas; o
Frame individual, o Frame social e o Frame Estatal.
O Frame individual tem por foco a subjetividade das mulheres e a conduta dos homens,
ao passo que sugerem as ações individuais para a diminuição do assédio sexual. Neste frame
específico, o assédio sexual é concebido como toda ação masculina que se promove após a
manifestação de contrariedade da mulher, ressaltando e valorizando a escolha desta. Este
determinado frame, segundo a autora, não sofreu impacto pela lei de crime de importunação sexual
(Lei 13.718/18), mas seu conteúdo fora o mais influente para a mudança legislativa e para a
definição do crime de importunação sexual.
SERRA, Janaínna de Oliveira. Frames do movimento feminista sobre assédio sexual: uma análise de vídeos
publicados por mulheres no Youtube antes e depois da lei do crime de importunação sexual. (Dissertação de Mestrado)
– Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo – USP, Ribeirão Preto/SP, 2021.
23
50
Em sequência, a autora busca trabalhar o significado de assédio antes da promulgação da
Lei 13.718/18, momento no qual trouxe uma variedade de construções acerca do assédio,
elaboradas por Youtubers mulheres: Clara Averbuck, Bruna Braga, Lua Blanco, JoutJout, Jamile D.,
Antônia Pellegrino, Dora Figueredo, Rosa Costa, Tulla Luana, Juliana Arv, Regina Racco e Francis
Pio, onde fica evidente ainda que exemplificado por situações diferentes que o assédio se forma
após o “não” da mulher não ser levado em consideração, quando o consentimento desta é
desconsiderado.
Logo em seguida, a autora busca através das youtubers entender quais são os responsáveis
para a existência do assédio. Nesse sentido, ficou evidenciado que o assédio cometido por homens
é resultado do machismo enraizado nas relações sociais bem como a ignorância masculina para
com sua própria postura frente à mulher. Algumas youtubers, como Francis Pio aponta a conduta
machista por parte de algumas mulheres.
Feito isso, a autora passa a analisar o Frame Social, onde se encontram inseridos
mensagens e significados fornecidos por campanhas do movimento feminista, pesquisas
relacionadas à condição da mulher, bem como demais ações coletivas. No frame social as sugestões
são diretamente voltadas para a educação de determinada população, buscando a restruturação de
condutas sociais para que o assédio sexual contra mulheres seja suprimido.
Nesse ponto, encontram-se responsáveis pela consolidação do assédio as emissoras de
telecomunicação que relativizam em seus programas a gravidade do assédio. É nesse frame que
também se evidencia o machismo, a “cultura do estupro” e a assimetria de poder entre homens e
mulheres que se encontra enraizada na sociedade brasileira e são apontados como principais
culpados pelo assédio sexual. Campanhas são citadas dentro do enquadramento do frame social,
tais como “Chega de Fiu Fiu” e as hashtags levantadas nas redes sociais como “#NãoéNão,
#MeuPrimeiroAssédio. Essas campanhas são as principais emissoras de mensagens que incentivam
as mulheres a lutar contra o assédio ao passo que conscientizam a sociedade como um todo.
Ainda, é neste frame que se vê o impacto do movimento feminista na criação do crime
de importunação sexual. O clamor social das mulheres que se enquadram nesse frame é
categorizado pela autora como muito influente na mudança legislativa, mas que após a resposta
estatal, seu uso foi menos empregado pelo movimento feminista para atingir seus objetivos.
Buscando o significado de assédio relativo ao frame social, a autora buscou nas youtubers
anteriormente apresentadas elementos que condizentes ao frame social que apresentassem
construções do crime de assédio. Nesse sentido, alguns programas de televisão como “Amor e Sexo”
que buscaram tratar como “cantadas de pedreiro” o que é assédio. Bem como programas de reality
show que não puniram da forma devida participantes que cometeram assédio. Ainda, é feita a relação
51
do assédio dentro de uma relação de poder, uma posição privilegiada permitida pelo machismo
estrutural que não necessariamente se dá dentro de um ambiente profissional ou hierárquico.
Por fim, a autora cria o enquadramento relativo ao Frame Estatal, do qual se utiliza para
analisar significados, críticas e elogios às leis e instituições democráticas enquanto aparatos estatais
no que diz respeito ao assédio. Vale ressaltar que o frame estatal fora mais utilizado depois da data
de promulgação da lei de crime de importunação sexual e seu uso foi feito na maior parte por
advogadas e professoras de direito, profissionais as quais elogiaram a inovação legislativa da Lei
13.718/18, entendendo que a configuração do crime era necessária para dar amparo legal às
mulheres vítimas desse tipo de violência sexual. Segundo a autora, é possível observar como as
exigências e críticas elaboradas pelas mulheres, bem como a divulgação de notícias de violências
sexuais nos transportes públicos nas mídias tradicionais surtiram efeitos no conteúdo e na criação
do crime de importunação sexual.
No frame estatal, torna-se visível quanto ao significado do assédio, um maior rigor jurídico,
no qual o rigor técnico é maior e as discussões acerca do assédio tomam outra roupagem, ao ponto
de existir em determinado momento, um contraponto com o crime de estupro. Quanto aos
responsáveis pelo assédio, o aspecto jurídico também se evidencia na figura do homem que assiste
ao abuso sem dizer nada, figurando como cúmplice do crime, bem como a crítica que recai sobre
a mulher quanto ao ônus da prova de que sofreu com o abuso. Por fim, no que diz respeito as
mensagens que motivam mais mulheres a lutarem contra o assédio, no frame estatal existe um foco
na ideia de autorização da mulher.
52
4.3 - JUNQUILHO, Tainá Aguiar. Projeto Victor: Perspectivas de Aplicação da
Inteligência Artificial ao Direito24
O campo da inteligência artificial representa um poderoso instrumento de suporte e apoio
a diversas áreas de conhecimento e uso humano, com o potencial de gerar maior efetividade e
velocidade
esse
mesmo
instrumento
tecnológico
pode
ser
o
diferencial
para
o
descongestionamento do sistema judicial brasileiro. Através do questionamento: O que se pode
esperar da aplicação da inteligência artificial no Poder Judiciário? Os autores, Mamede Said Maia
Filho e Tainá Aguiar Junquilho buscam evidenciar com base nas experiências iniciais do projeto,
perspectivas de aplicação de inteligência artificial (IA) ao Direito.
O posicionamento dos autores faz-se favorável à introdução das ferramentas tecnológicoalgorítmicas ao mundo do direito, visto que existe uma expectativa de maior racionalização do
trabalho desenvolvido pelos operadores do direito, em especial os juízes e Tribunais, de maneira a
permitir a execução de tarefas e a operação de sistemas com uma precisão que sem o uso de tais
ferramentas se tornaria impossível.
Segundo os autores, as inovações tecnológicas possuem o potencial de afetar de modo
determinante os dados analisados, a fim de que se levantem informações de sentenças e dados
envolvendo variados casos, os quais não poderiam ser adequadamente confrontadas utilizando-se
os caminhos tradicionais de pesquisa jurisprudencial. O manejo, o controle e a categorização de
processos judiciais poderão se dar de forma mais racional, permitindo uma análise de dados
qualificada e abrangente, assim como o reconhecimento de padrões, o cruzamento de informações
e a geração de insights oriundos de diferentes perspectivas e contextos.
Apesar do potencial da tecnologia, os autores ressaltam que a tecnologia não substituiria
o juízo humano, ainda que as técnicas realizadas pela inteligência artificial fossem capazes de indicar
decisões ou reconhecer textos, falas ou imagens visuais, elas não prescindem do fator humano, ou
seja, elas não trabalham de forma autônoma, sendo necessário a ação humana para avaliar as
respostas apontadas pela IA. O ser humano ainda é quem detém o controle da entrada de dados e
fornece comentários sobre a precisão dos resultados que a inteligência artificial apresenta.
O fator humano não é indispensável no uso instrumental da inteligência artificial, visto
que esta deve ser utilizado de forma ética e responsável, de modo a não prejudicar nenhum
procedimento ou garantia dos indivíduos ou violar a privacidade de dados de cada um. Contudo,
FILHO, Mamede Said Maia; JUNQUILHO, Tainá Aguiar. Projeto Victor: Perspectivas de Aplicação da Inteligência
Artificial ao Direito. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais. v. 19, nº 3, p. 218- 237, 2018.
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os autores ressaltam que o desenvolvimento tecnológico centrado em dados é imprescindível para
o futuro das instituições.
No presente artigo, os autores apresentam o projeto Pesquisa & Desenvolvimento de
Aprendizado de Máquina (machine learning) sobre dados judiciais das repercussões gerais do Supremo Tribunal
Federal, intitulado de “Victor” (em homenagem ao ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Victor
Nunes Leal). Trata-se de um projeto que envolve a parceria entre três cursos da Universidade de
Brasília (UnB): Direito, Engenharia de Software e Ciência da Computação, e tem por objeto a
aplicação do método de aprendizado computacional de máquina com o objetivo de reconhecer
padrões nos processos jurídicos relativos à julgamentos de repercussão geral do Supremo Tribunal
Federal.
“Victor” possui o potencial de gerar efeitos positivos do ponto de vista institucional,
trazendo maior qualidade e velocidade ao trabalho de avaliação judicial, com redução das tarefas
repetitivas de classificação, organização e digitalização de processos. Segundo os autores, “Victor”
nos primeiros anos de sua implementação já contribuiu para a diminuição da distribuição de
processos no STF de forma significativa.
Contudo, a experiência do projeto “Victor” ainda que inovadora no campo jurídico deve
ser feita com cautela visto os diversos receios fundamentados sobre o assunto, como a problemática
dos vieses cognitivos que podem ocorrer no decorrer da programação da inteligência artificial, a
necessidade de melhor regulamentação na contratação de empresas, visto a inadequação da Lei
8.666/93 no que diz respeito aos investimentos público para a inovação, e a proteção de dados
individuais. Entretanto, ainda que tais riscos devam ser levados em conta em cada passo do
desenvolvimento e aprimoramento do projeto “Victor” os autores descartam a possibilidade da
substituição dos profissionais do direito, visto que para além daquilo que é rotineiro e repetitivo o
Poder Judiciário como um todo se encontra longe de tornar-se inteiramente automatizado.
O know how propiciado pelo projeto “Victor” abre precedentes para o desenvolvimento
de outros sistemas e aplicações instrumentais da inteligência artificial nos mais diversos níveis do
Poder Judiciário, contribuindo não somente para a efetividade institucional como para a
disseminação na esfera do direito do desenvolvimento das tecnologias de inteligência artificial.
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5 – PROJETOS DE PESQUISA PRODUZIDOS E DISCUTIDOS
GATTI, Maria Cecília. Tratados internacionais na subcomissão da nacionalidade, da
soberania e das relações internacionais.
Resumo: O debate acerca da recepção dos tratados internacionais já ratificados pelo Brasil, assim
como sobre os que poderiam ser aprovados após a promulgação da Constituição, foi um dos temas
que ganhou notoriedade na Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações
Internacionais da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88. Assim, o projeto de pesquisa
propõe a análise das atas das sessões da Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações
Internacionais, para verificar quais foram os principais pontos levantados nos debates ocorridos na
subcomissão, além dos questionamentos feitos pelos constituintes sobre os tratados internacionais
e a soberania do Estado.
CARLOS, Diogo. Constituição brasileira de 1988 e o “novo constitucionalismo latinoamericano”: uma abordagem crítica.
Resumo: Ao final do século XX, surgiu, no cenário jurídico latino-americano, um movimento que
objetivava incluir as bases populares historicamente excluídas do constitucionalismo elitista erigido
na região, o qual convencionou-se denominar “novo constitucionalismo latino-americano”.
Entretanto, observa-se que a Constituição brasileira de 1988, assim como seu processo constituinte,
já havia se norteado por noções profundamente democráticas, antes mesmo da Constituição
colombiana de 1991, apontada como a inaugural desse movimento. Diante disso, a pesquisa busca
investigar se o chamado “novo constitucionalismo latino-americano” é realmente novo, ou seja, se
as Constituições representantes do movimento correspondem a verdadeiras revoluções
SILVA, Anny. Mulheres na política: a corrida de obstáculos para acessar e permanecer nas
repartições públicas.
Resumo: Há uma constante luta das mulheres para alcançar a ocupação dos espaços que lhes foram
negados historicamente. Essa luta também ocorre nas repartições públicas, onde existem entraves
à plena participação feminina. A este respeito, nota-se que, na atualidade, uma prática sabota a
efetiva participação das mulheres no espaço político: as candidaturas fantasmas, que têm, como
escopo, o cumprimento formal da cota determinada pela Lei nº 9.504/1997 pelos partidos políticos.
Assim, a pesquisa pretende analisar a efetividade das leis que propõe a equidade de gênero frente
ao cenário permeado pelos obstáculos à efetiva participação feminina, assim como verificar quais
ações e direitos foram modificados, afastados, excluídos ou tiveram sua aplicação maquiada pelas
entidades institucionais, com o intuito de manter a exclusão, na política brasileira, em desfavor do
grupo feminino.
HO, Gabriela. Democracia e a noção de gênero: vozes femininas na política.
Resumo: No Brasil, a legislação eleitoral e partidária vigente estimula a participação feminina na
política, pois estabelece um percentual mínimo de 30% de candidaturas de cada gênero no
Legislativo. Assim, segundo as regras eleitorais em vigência, no Brasil nenhum dos gêneros pode
dispor de mais de 70% das candidaturas partidárias. A prática, no entanto, revela que o número de
mulheres efetivamente eleitas se encontra em patamar inferior ao legalmente estabelecido, e que,
para alcançar o preenchimento dessas vagas, tem se verificado a ocorrência de candidaturas
fraudulentas, que se convencionou denominar como “candidaturas laranjas”. Assim, a pesquisa
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pretende apurar como as cotas eleitorais de gênero instrumentalizam o direito da participação das
mulheres na política e se elas realmente fazem efeito.
DÁGOLA, Júlia. O fantasma do feminismo: impactos políticos dos movimentos feministas
de primeira onda na constituinte.
Resumo: A igualdade formal entre homens e mulheres, uma das pautas do movimento de primeira
onda do feminismo, foi objeto de discussão na Constituinte de 1987-88. Nesse sentido, observa-se
que a Constituição Federal de 1988 dispôs, expressamente, sobre a igualdade entre homens e
mulheres em seu art. 5º, inciso I. A inclusão do dispositivo que garante a igualdade entre homens
e mulheres, no entanto, não significa que a constituinte contou com grande participação de
mulheres, nem que as constituintes defenderam pautas de interesse das mulheres. Por isso, a
pesquisa busca tratar sobre a trajetória percorrida para concretização do princípio da igualdade no
texto constitucional, além de abordar o modo como a sub-representação de mulheres nos trabalhos
constituintes (e no poder) impediu e ainda impede a positivação dos direitos das mulheres, além de
frustrar a eficácia dos direitos já positivados.
VEIGA, Rômulo. Análise da democracia sob o aspecto da representatividade referente ao
5º ano da turma 50 de direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná.
Resumo: Diante das inconformidades aparentes que a população tem com alguns aspectos da
democracia, dentre eles o da representatividade, a pesquisa propõe uma análise da visão jurídica,
acadêmica e social desse aspecto. Assim, a partir de votação seguida de entrevista junto aos
membros da Turma 50º de Direito na UENP, pretende-se verificar se existe problema quanto ao
aspecto democrático do voto e, caso exista, se esse ocorre unicamente quanto à representatividade.
Ressalta-se, por fim, que a análise também indicará o que a amostra representa em relação ao todo
na questão da diversidade e da representatividade.
GODOI, João Pedro. A resolução de litígios territoriais interestaduais por via plebiscitária
como forma de promoção da soberania popular.
Resumo: A malha territorial do Brasil, composta por diversas fronteiras internas, possui limites
territoriais sem uma delimitação clara, o que pode levar a litígios territoriais. Grande parte desses
litígios acaba sendo judicializado, embora a Constituição de 1988 estabeleça que o processo de
desmembramento, subdivisão e incorporação de territórios entre estados brasileiros possa ocorrer
por meio da realização de plebiscito com a população diretamente interessada. Destaca-se, nesse
sentido, que o STF já se manifestou contrariamente a esta hipótese, por entender que a competência
do Tribunal é atraída pela natureza federativa dos litígios territoriais e que o plebiscito deve ocorrer
somente nos casos de mudança nos limites de forma voluntária. Assim, pretende-se investigar
como a resolução dos litígios territoriais interestaduais por meio do plebiscito poderia contribuir
no processo de inserção do povo nas discussões sobre questões que interferem a vida da população,
conferindo maior efetividade ao princípio da soberania popular.
EVANGELISTA, Lucas. O direito à demarcação das terras indígenas: a aplicação da tese
do marco temporal e as consequências reveladas pela Assembleia Nacional Constituinte
de 1987-1988.
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Resumo: Após a mobilização dos povos indígenas para garantia do direito à demarcação das terras
indígenas na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88, o direito às terras foi reconhecido pela
Constituição Federal de 1988. Porém, no ano de 2009, foi caracterizado, através do julgamento da
Pet 3388-4/RR pelo STF, o marco temporal da ocupação das terras, sendo que o referido conceito
também foi utilizado no Projeto de Lei nº 490/2007, que propõe alterar o Estatuto do Índio para
transferir a competência para demarcação das terras indígenas do Poder Executivo para o Poder
Legislativo, e em projetos a ele apensados. Diante disso, a pesquisa busca averiguar quais são os
efeitos do marco temporal da ocupação de terras e, além disso, da transferência de competência do
Executivo para o Legislativo para o processo de demarcação das terras indígenas iniciados após a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
FRAGA, Luiz. A comunicação existente entre subsistema jurídico e político e sua
influência negativa sobre o instituto do Impeachment.
Resumo: A experiência constitucional brasileira, na vigência da Constituição de 1988, é marcada
por dois processos de impeachment: o do ex-Presidente da República Fernando Collor, em 1992,
e o da ex-Presidente Dilma Rousseff, em 2016. Diante disso, a pesquisa busca verificar se
intervenções de subsistemas externos, como o jurídico, por exemplo, podem levar à desvirtuação
da principal função do instituto do impeachment e convertê-lo em um mecanismo de perseguição
política. Para a análise, propõe-se utilizar a teoria de Niklas Luhmann, que apresenta a sociedade
como uma rede interativa onde os subsistemas nela existentes podem se comunicar e interagir até
determinado ponto, sendo que, caso ultrapassado esse limite, podem ocorrer desvirtuamentos na
finalidade desses subsistemas.
SILVA, Vitória. Constitucionalismo Feminista e o direito à educação: os reflexos da Lei
14.164/2021 na formação de uma cidadania igualitária.
Resumo: O texto constitucional brasileiro reconhece a educação como um direito social, aponta
que o Estado e a família são responsáveis pela efetivação desse direito e, ainda, indica que a
educação é necessária para a plena efetivação da democracia. Assim, existem dispositivos no texto
constitucional que permitem utilizar a educação para mudança da realidade atual. No que tange à
utilização da educação como forma preventiva no combate à violência contra mulher, observa-se
que, desde a elaboração da Constituição Federal de 88, já existiam discussões acerca dessa
possibilidade. Entretanto, somente no mês de junho de 2021 que foi sancionada a Lei nº
14.164/2021, que altera Lei nº 9.394/1996 para incluir o conteúdo sobre a prevenção da violência
contra a mulher nos currículos da educação básica. Assim, o projeto pretende analisar os reflexos
que a referida lei pode ter na formação da cidadania igualitária, tendo em vista as inovações por ela
trazidas.
FOLONI, Marcela. A sub-representatividade institucional das mulheres na subcomissão
do Poder Legislativo na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988.
Resumo: A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88 foi instalada após um longo período de
ditadura militar no Brasil, marcado por autoritarismo e concentração de poderes na figura do
Presidente da República. Por isso, para elaboração do texto constitucional, buscou-se favorecer a
participação de diversos setores da sociedade. Essa participação, no entanto, foi deficitária, tendo
em vista a baixa participação de mulheres na constituinte. Diante disso, a pesquisa visa averiguar
como a sub-representatividade de mulheres na subcomissão do Poder Legislativo na ANC pode
ter levado a uma ausência de apresentação de mecanismos capazes de mitigar a escassa
representatividade feminina no poder. Outrossim, o trabalho também almeja investigar de que
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maneira a subcomissão apresentou instrumentos legislativos que possibilitaram maior participação
feminina na política e a paridade de gênero.
PEDI. Mariana. Redistribuir, reconhecer e representar: razões para participação paritária
de mulheres em processos constituintes.
Resumo: A atualidade é permeada por estatísticas que indicam opressões vividas por mulheres nas
distintas áreas do viver, e, em resposta a isso, as mulheres se organizam em movimentos sociais em
busca de melhores condições do viver. Assim, a pesquisa propõe-se investigar as razões teóricas
que justifiquem a necessidade de participação de mulheres em processos constituintes. Para tanto,
serão analisadas as experiências de participação de mulheres em três processos de elaboração
constitucional, quais sejam, África do Sul, Tunísia e Brasil, com o exame da argumentação teóricofilosófica da filósofa crítica norte-americana Nancy Fraser, em especial da sua concepção de
feminismo e da Teoria Tridimensional de Justiça, para buscar a resposta ao problema proposto.
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6 – PALAVRA DO COORDENADOR
O ano de 2021 representou o início das atividades do CPOL-LAB e, nesse mesmo período,
todo o planeta ainda enfrentava os desafios impostos pela pandemia do COVID-19. O ensino a
distância, de modo virtual, já estava estabelecido desde o ano anterior e coube a nós organizar o
funcionamento do CPOL-LAB dentro dessas circunstâncias. Essa tarefa só foi possível de se tornar
realidade com a ajuda e participação inestimável de todas as pessoas participantes do grupo que se
engajaram desde o início para que o objetivo principal fosse atingido, qual seja: realizar pesquisa no
âmbito da teoria constitucional. Sem a colaboração ativa de quem esteve conosco em 2021 o
CPOL-LAB não teria se estabelecido com o mesmo sucesso. Cabe a mim, como coordenador do
grupo, meus sinceros agradecimentos às pessoas dedicadas que compuseram o CPOL-LAB em
2021.
Os desafios para o próximo ano ainda são imensos, pois criar e manter uma prática de
pesquisa exige um compromisso de longo prazo para que os resultados possam surgir. Na condição
de coordenador me sinto bastante motivado para continuar esse trabalho, já que houve uma
receptividade muito grande do CPOL-LAB perante quem esteve junto de nós em 2021 e deseja
estar em 2022.
Da parte da coordenação podem esperar o mesmo comprometimento, seriedade e
abertura para estabelecermos um centro de pesquisas de qualidade dentro do Programa de PósGraduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná.
Meus agradecimentos e meu convite para continuarmos nessa jornada.
Jairo Lima
Como citar: LABORATÓRIO DE PESQUISA EM TEORIAS CONSTITUCIONAIS E
POLÍTICAS (CPOL-LAB). Relatório das atividades anuais 2021. Programa de Pós-Graduação
em Ciência Jurídica, Universidade Estadual do Norte do Paraná, Jacarezinho, 2021. Disponível em:
https://uenp.academia.edu/JairoLima.