Silvia Pereira Gonzaga de Moraes
Avaliação do Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemática:
Contribuições da teoria histórico-cultural
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo, como exigência parcial à
obtenção
do
título
de
doutora
em
Educação, sob a orientação do Professor
Doutor Manoel Oriosvaldo de Moura.
SÃO PAULO
2008
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
375.3
M827e
Moraes, Silvia Pereira Gonzaga de
Avaliação do processo de ensino e aprendizagem em
matemática : contribuições da teoria histórico-cultural / Silvia
Pereira Gonzaga de Moraes ; orientação Manoel Oriosvaldo de
Moura. São Paulo : s.n., 2008.
261 p. : il., tabs.
Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em
Educação.Área de Concentração : Ensino de Ciências e
Matemática) - - Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo.
1. Matemática – Estudo e Ensino 2. Ensino – Atividade 3.
Ensino - Organização 4. Ensino e aprendizagem 5. Avaliação da
aprendizagem 6. Formação de professores 7. Prática de ensino I.
Moura, Manoel Oriosvaldo de, orient.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Silvia Pereira Gonzaga de Moraes
Avaliação do processo de ensino e aprendizagem em Matemática: contribuições da teoria
histórico-cultural
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, como
exigência parcial à obtenção do título de
doutora em Educação, sob orientação do
Professor Doutor Manoel Oriosvaldo de
Moura.
Aprovado em:
Banca examinadora
Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição:____________________________________Assinatura:_____________________
Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição:____________________________________Assinatura:_____________________
Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição:___________________________________Assinatura:______________________
Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição:____________________________________Assinatura:_____________________
Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição:____________________________________Assinatura:_____________________
Ao Sebastião,
pelo amor, apoio e compreensão
Ao Guilherme e à Maria Ester,
sentido de minha existência.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura, Ori, orientador dedicado, que nos
mobiliza, constantemente, na busca por um mundo mais humano.
À Elaine, Diana e Marta, pela seriedade e respeito com que apreciaram o meu
trabalho no exame de qualificação.
Aos amigos do GEPAPe, Anne, Bel, Camila, Elaine, Eliza, Flávia Asbhar, Flávia,
Josélia, Humberto, Luciana, Malu, Marta, Sérgio, Silem, Silvia Tavares, Ori, Vanessa,
Wellington, e aos novos integrantes, pelos profícuos momentos de estudo, que contribuem
para o meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Às professoras participantes da Oficina Pedagógica de Matemática em Ribeirão
Preto, pela aprendizagem compartilhada.
Aos professores do Departamento de Teoria e Prática de Educação, em especial
aos da área de Prática de Ensino, pelo apoio oferecido durante a realização desta pesquisa.
À Longhini, pela revisão deste texto.
Às amigas Angélica, Cida Favoreto, Aparecida Augusta e Vanessa, pelas
contribuições valiosas.
Aos meus pais, Ester e Osvaldo, que sempre apoiaram minha caminhada.
À D. Maria e a Edimara, por cuidarem, com amor e dedicação, dos meus filhos
para que eu pudesse realizar este estudo.
À minha irmã, meus cunhados, cunhadas, sobrinhos e sobrinhas, que sem
perceberem, só por existirem, contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa.
Ao Eraldo, pela ajuda com seus conhecimentos na área de computação.
Aos amigos e amigas, Ana, Augusta, Áurea, Elisete, Evanilde, Elenita, Elma,
Ivonete, João Antonio, Lia, Lizete, Levon, Martinha, Nívea, Regina Chicarelli, Regina
Pavanello, Sueli, Tânia, Thaís, Thiago pelo carinho na medida certa.
Aos funcionários da secretaria do Programa de Pós Graduação – USP e do setor
de Capacitação Docente da Universidade Estadual de Maringá pelo atendimento preciso.
À CAPES, pelo apoio financeiro.
RESUMO
MORAES, S. P. G. Avaliação do processo de ensino e aprendizagem em Matemática:
contribuições da teoria histórico-cultural. 2008. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
O objetivo desta pesquisa consiste em investigar o significado da avaliação em matemática na
perspectiva histórico-cultural, focalizando a teoria da atividade. Para o desenvolvimento dessa
investigação, foi formado o grupo colaborativo da Oficina Pedagógica de Matemática de
Ribeirão Preto (OPM/RP), constituído por professoras da Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental, as quais foram sujeitos da pesquisa. A função principal do grupo
colaborativo foi proporcionar uma formação orientada às professoras sobre o ensino de
matemática na perspectiva histórico-cultural, com o intuito de levantar dados sobre o processo
de apropriação dos conhecimentos matemáticos pelas docentes. O processo formativo,
pautado nos pressupostos da Atividade Orientadora de Ensino, privilegiou a apresentação de
situações-problema, cujas soluções possibilitaram a elaboração de conhecimentos, referentes
não apenas aos conteúdos matemáticos, mas, também, à prática docente: ensinar, aprender e
avaliar em matemática. Na análise dos dados, utilizamos o conceito de isolado (CARAÇA,
1989, MOURA, 2000) como princípio teórico-metodológico para a compreensão do
fenômeno em desenvolvimento. Os dados foram organizados em três isolados – aprendizagem
docente, organização do ensino e prática pedagógica, tendo em vista a relação de
interdependência e fluência entre os mesmos. Na relação entre a aprendizagem docente
(apropriação dos conceitos teórico-metodológicos sobre o ensino de matemática), a
organização do ensino (como elaborar atividade de ensino para que os alunos se apropriem
dos conceitos) e a prática pedagógica (como colocar os conceitos teórico-metodológicos em
ação na sala de aula) é que o professor se desenvolve profissionalmente, isto é, aprende a ser
professor em um contínuo processo formativo. A síntese sobre o processo de aprendizagem
docente foi importante para a sistematização dos elementos norteadores da avaliação em
matemática na perspectiva da teoria histórico-cultural. Os resultados evidenciaram que a
avaliação constitui-se em um constante processo de análise e síntese e seu direcionamento é
dado pelo objetivo da atividade de ensino elaborada pelo professor, ou seja, sua
intencionalidade pedagógica. A característica principal da avaliação consiste no
acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem, por meio da análise do sistema de
atividade, na dinâmica entre a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem,
considerando os elementos constitutivos da atividade (necessidade, motivos, objetivos, ações
e operações). Por meio da análise das ações de ensino e de aprendizagem, tendo como
parâmetros as características do pensamento teórico (reflexão, análise e planificação teórica),
concluímos que a avaliação é mediadora entre a atividade de ensino elaborada pelo professor
e a atividade de aprendizagem realizada pelos escolares.
Palavras-chave: Teoria da atividade. Atividade de ensino. Atividade de aprendizagem.
Ensino de matemática. Avaliação da aprendizagem.
ABSTRACT
MORAES, S. P. G. Evaluation of the teaching and learning process in mathematics:
contributions from the historical-cultural theory. 2008. Thesis (PhD in Education) – Faculty
of Education, University of São Paulo, São Paulo, 2008.
This research aims to investigate the meaning of evaluation in mathematics from the
historical-cultural perspective, focusing on the activity theory. In order to develop the
investigation, a collaborative group was formed from the Oficina Pedagógica de Matemática
de Ribeirão Preto – São Paulo (Math Pedagogic Workshop of Ribeirão Preto – OPM/RP),
constituted by teachers of Educação Infantil (Brazilian Primary Education) and teachers of
the first years of Ensino Fundamental (Brazilian Secondary Education), which were
participants of this research. The main role of the collaborative group was to offer an oriented
development to the teachers about the teaching of mathematics from the historical-cultural
perspective, aiming at collecting data on the process of appropriation of mathematical
knowledge by the teachers. The development process, based on the premises of the Teaching
Oriented Activity, privileged the introduction of problem-solving situations, whose solutions
allowed the elaboration of knowledge, referring not only to math contents, but also to the
teaching practice: teaching, learning and evaluating in mathematics. In analyzing data, we
used the concept of isolated (CARAÇA, 1989, MOURA, 2000) as a theoreticalmethodological principle to understand the phenomenon under development. Data were
organized into three isolated – teacher’s learning, teaching organization and pedagogical
practice, having in mind the relationship of interdependency and fluency among them. It is in
the relationship among the teacher’s learning (appropriation of theoretical-methodological
concepts on the teaching of mathematics), the organization of teaching (how to elaborate the
teaching activity so that students can appropriate concepts) and the pedagogical practice (how
to put theoretical-methodological concepts into practice in the classroom) that the teacher
develops professionally, that is, learns to become a teacher through a continuous developing
process. The synthesis about the teachers’ learning process was important to systematize the
guiding elements of evaluation in mathematics from the historical-cultural perspective.
Results showed that evaluation is constituted of a continuous process of analysis and
synthesis, and its north is set by the aim of the teaching activity elaborated by the teacher, that
is, his/her pedagogical intentionality. The main characteristic of evaluation lies on keeping
track of the teaching and learning process, by means of the analysis of the activity system,
along the dynamics between the teaching activity and the learning activity, taking into
consideration the activity constitutive elements (need, reasons, objectives, actions and
operations). By analyzing the actions of teaching and the actions of learning, having as
parameters the characteristics of the theoretical thought (reflection, analysis and theoretical
rationalization), we conclude that evaluation is a mediator between the teaching activity
elaborated by the teacher and the learning activity performed by the school students.
Key words: Activity theory. Teaching activity. Learning activity. Teaching of mathematics.
Learning evaluation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
11
2 AVALAÇÃO UMA AÇÃO INERENTE À ATIVIDADE HUMANA
18
2.1 Avaliação da aprendizagem na relação escola e sociedade
25
3 DESENVOLVIMENTO HUMANO, CONHECIMENTO MATEMÁTICO E
A AVALIAÇÃO
48
3.1 A formação do pensamento teórico nos escolares
51
3.2 A relação entre aprendizagem e desenvolvimento
53
3.3 A concepção de desenvolvimento e aprendizagem em Vigotski e a avaliação
60
3.4 Matemática empírica e a formação do pensamento empírico
64
3.5 Matemática teórica e a formação do pensamento teórico
74
4 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA
ATIVIDADE
84
4.1 Teoria da Atividade: Significado e Possibilidades na Educação Atual
84
4.2 O professor como organizador da atividade de ensino
93
4.3 O aluno sujeito da atividade de aprendizagem
103
4.4 A relação entre atividade de ensino, atividade de aprendizagem e avaliação
escolar
107
5 PROFESSORES EM ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM E DE ENSINO
NA OFICINA PEDAGÓGICA DE MATEMÁTICA
118
5.1 Constituição do grupo colaborativo
124
5.2 Organização dos trabalhos
126
5.3. Entre instrumentos e dados
132
5.4 A configuração dos isolados formativos
133
6 APRENDIZAGEM DOCENTE NO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DOS
CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS: ISOLADOS DE ANÁLISE
140
6.1 Aprendizagem Docente
6.1.1 Episódio1 – Carta Caitité
140
140
6.1.2 Episódio 2 – Pastor Linus
6.1.3 Análise da aprendizagem docente: qualidade da aprendizagem
150
154
6.2 Organização do Ensino
163
6.2.1 Episódio 1 – Primeira versão de uma atividade de ensino
164
6.2.2 Episódio 2 – Segunda versão da atividade de ensino
171
6.2.3 Análise da aprendizagem docente: a relação entre a apropriação do
conceito e a organização da situação desencadeadora de aprendizagem
178
10
6.3 Prática Pedagógica
184
6.3.1 Episódio 1 – História da Shantal
185
6.3.2 Análise da aprendizagem docente: reflexão sobre o trabalho das
professoras Lara e Thaís
200
6.3.3 Episódio 2 – O laranjal
204
6.3.4 Análise da aprendizagem docente: reflexão sobre o trabalho da professora
Érica
6.3.5 Episódio 3 – A experiência em sala de aula ressignifica o processo
formativo na OPM/RP
215
222
6.3.6 Análise da aprendizagem docente: o ensinar como forma de qualificação
da aprendizagem das professoras
225
7 O CAMINHO PERCORRIDO E AS NOVAS DIREÇÕES
231
REFERÊNCIAS
245
ANEXOS
255
11
1 INTRODUÇÃO
O interesse em pesquisar a avaliação do processo de ensino e aprendizagem surgiu da
nossa experiência docente no Curso de Pedagogia. Como professora de Prática de Ensino,
temos a possibilidade de orientar e acompanhar os acadêmicos nos estágios supervisionados
nas escolas públicas das séries iniciais do Ensino Fundamental. A vivência de tais situações
junto aos estudantes, nas escolas, coloca-nos diante de inúmeros desafios como professora
formadora de futuros docentes. Dentre eles, preocupa-nos como são desenvolvidas as práticas
avaliativas neste nível de ensino.
A lógica das práticas avaliativas, freqüente nas instituições escolares, não consegue
elucidar a relação entre o ensino e a aprendizagem proporcionados aos alunos. Não é difícil
perceber, observando o contexto educacional ou mesmo, acompanhando as notícias sobre o
desempenho escolar veiculadas na mídia, que muitos alunos progridem na seriação ou
mesmos nos ciclos de aprendizagem, mas acumulam defasagens em conhecimentos, no
entanto, são promovidos e certificados. Consideramos que essa situação não é de
responsabilidade apenas da avaliação da aprendizagem, mas é conseqüência da própria
organização do ensino, visto que a lógica da avaliação não é independente da lógica da escola
(FREITAS, 2003).
Desta forma, procuramos investigar a relação entre a avaliação e a organização do
ensino. A nossa premissa é a de que ela deveria se constituir em um importante elemento para
a regulação da prática pedagógica, no sentido de subsidiar as ações dos sujeitos envolvidos no
processo de ensino e aprendizagem.
Nos estudos desenvolvidos nas disciplinas do Curso de Doutorado e, também, no
aprofundamento teórico-metodológico sobre a teoria histórico-cultural proporcionados pelo
Grupo de Estudos e Pesquisa da Atividade Pedagógica (GEPAPe),1 tivemos a oportunidade
de reafirmar o quadro teórico de que nos apoiaríamos na análise do objeto de nossa
investigação – a avaliação da aprendizagem escolar.
1
O GEPAPe é um grupo liderado pelo Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura da Faculdade de Educação da
USP, que tem por objetivo investigar os processos de aprendizagem dos sujeitos na atividade pedagógica e os
princípios que organizam esta atividade. O objeto, os fundamentos da educação escolar como atividade na
perspectiva leontieviana. “[...] as pesquisas e estudos desenvolvidos no GEPAPe têm como ponto de partida a
atividade humana relacionada ao movimento de aprendizagem dos professores e estudantes nas relações
educacionais, bem como dos espaços em que se constituem as atividades pedagógicas” (MOURA, 2005, p. 4).
12
O referencial teórico da perspectiva histórico-cultural permitiu pensar a concepção de
ensino e educação vinculada às formas de desenvolvimento do psiquismo humano. O
desenvolvimento do psiquismo humano é uma categoria mais ampla que inclui o desempenho
escolar, no entanto, analisa-o para além dos aspectos estritamente escolares. Segundo
Leontiev (1983, p. 192, tradução nossa) “[...] a instrução e a educação se analisam como
processos que não somente proporcionam conhecimentos para as crianças, mas conformam a
tendência de sua personalidade, suas relações a respeito da realidade”.2
Esse pressuposto redimensiona o entendimento da avaliação da aprendizagem para
além da verificação dos conhecimentos aprendidos na escola, como uma maneira de
compreender a relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano. Desta forma,
fornece-nos indicadores teóricos importantes para compreendermos a relação entre a
avaliação e a organização do ensino.
A opção pelo referencial do materialismo histórico dialético, no qual a teoria históricocultural está inserida, levou em consideração a abrangência dos pressupostos teóricometodológicos que norteiam a concepção de homem, sociedade e conhecimento.
O materialismo histórico propõe-se a estudar o processo social em sua
totalidade, isto é propõe-se fazê-lo quando este surge não como mais uma
história setorial [...] mas como uma história total da sociedade, no qual todas
as outras histórias setoriais estão reunidas. (THOMPSON, 1981, p. 83)
Nesse sentido, buscamos investigar o nosso objeto de estudo, avaliação da
aprendizagem, de forma relacional, com o intuito de apreender as ligações entre o contexto
escolar e o social. Isto é, ao estudar um dos componentes da prática pedagógica, é possível
compreender os aspectos gerais que influenciam a organização e o funcionamento da escola e
suas relações com a sociedade.
Sob esta perspectiva teórica, todo conhecimento é histórico: “qualquer momento
histórico é ao mesmo tempo resultado de processos anteriores e um índice da direção de seu
fluxo futuro” (THOMPSON, 1981, p. 58). O conhecimento é produzido pelos homens e
mulheres, isto é, os sujeitos têm papel ativo na construção da sociedade, determinados pelo
confronto de interesses e forças contraditórias. Assim, o conhecimento nunca está pronto e
acabado, mas é sempre provisório e processual. Aquilo que se quer conhecer não se reduz a
uma lista de dados soltos, bem como o olhar do pesquisador não é neutro, são produtos e
2
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] la instrucción y la educación se analizan como procesos que no solo le
aportan al nino conocimientos, sino que tambiém conformam la tendência de su personalidad, sus relaciones
respecto de la realidad” (LEONTIEV, 1983, p. 192).
13
produtores do processo histórico. O pesquisador é parte integrante do processo e atribui
significado tomando por base suas concepções de homem, de mundo e de conhecimento.
Outro ponto que faz parte da elaboração de nosso problema de pesquisa refere-se à
área de saber em que investigamos a avaliação da aprendizagem: a matemática. Essa escolha
emerge da nossa vida profissional. Desde o início de nossa carreira docente como professora
de matemática da Educação Básica e como professora de prática de ensino em cursos de
formação de professores, incomoda-nos, o modo como esta disciplina é ministrada nas
escolas.
A vivência dos estágios nas escolas públicas do Ensino Fundamental tem revelado que
o trabalho com a disciplina de Matemática acaba reduzido aos seus aspectos simbólicos. Ante
a supervalorização da linguagem matemática, dos símbolos e da forma, perde-se de vista o
processo de produção humana do conhecimento matemático. Como o processo de apropriação
do conhecimento matemático não é valorizado, a disciplina é desenvolvida de forma a
cristalizar a idéia de que o conhecimento está pronto e acabado. Nesse sentido, a escola abre
mão de ensinar os conceitos matemáticos e, como conseqüência deste ensino, predomina a
memorização, a repetição e a resolução de algoritmos, desconectadas das situações reais
vividas pelos alunos. Em consonância com este modelo de ensino e aprendizagem a avaliação
também se limita à cobrança das descrições, classificações, definições parciais ou
equivocadas, as fórmulas e as regras memorizadas.
Os alunos que têm facilidade em memorizar os conteúdos trabalhados pelos
professores terão condições de sair bem nas avaliações, porém são incapazes de compreender
a essência dos conceitos. Assim, os conhecimentos matemáticos apropriados na escola servem
apenas para resolver os problemas propostos no interior da sala de aula, não se constituindo
em uma ferramenta simbólica para que os sujeitos possam utilizá-la na interação com a
realidade em que vive. É por isso que, depois de realizadas as avaliações, normalmente, os
alunos esquecem os conteúdos que foram cobrados já que não têm sentido para eles.
Os estudos realizados na área de Educação Matemática estão sendo importantes para a
mudança, ainda que lenta, sobre ensino desta disciplina. Contudo, o tema da avaliação tem
sido pouco investigado e as alterações têm sido muito pequenas na prática avaliativa desta
disciplina. Um exame em cinco periódicos nacionais e em anais de dois eventos importantes
na área, nos últimos sete anos, revelou que, de 2124 trabalhos, apenas 72 trataram da questão
da avaliação em matemática, representando 3,5% do total.3 Maciel (2003), em sua
3
Os periódicos selecionados para o estudo foram: Zetetiké, Revista de Estudos em Avaliação Educacional,
Revista do Professor de Matemática, Bolema e Educação Matemática em Revista. Quanto aos eventos, optamos
14
investigação sobre a avaliação na área de matemática no ensino médio, também constatou um
número reduzido de pesquisas sobre a avaliação desta disciplina. Segundo suas palavras:
São poucas as pesquisas no Brasil que enfocam o tema avaliação na área de
Educação Matemática. No período entre os anos 1970 e 1992 só foram
realizadas 6 (seis) [...] no período subseqüente até os dias de hoje pudemos
contabilizar mais 8 (oito) trabalhos (MACIEL, 2003, p. 5).
Nessa análise, observamos que são pouquíssimos os trabalhos que abordaram a
temática da avaliação na teoria histórico-cultural. Dos 72 textos selecionados, somente três
tiveram como suporte teórico estudos nesta perspectiva, enquanto 22 trabalhos tiveram como
objeto a avaliação do desempenho escolar sob a dimensão cognitiva e metacognitiva
provenientes da abordagem psicogenética. Acreditamos que esta situação ocorre porque na
área de Educação Matemática, o foco teórico, reside, especialmente, sobre os pressupostos
decorrentes da epistemologia genética de J. Piaget e seus discípulos.
A tônica desses trabalhos são as estratégias de ensino para acompanhar o
desenvolvimento cognitivo do aluno, aplicação de testes para verificar o desempenho da
criança em determinado conceito e a função do erro no processo de ensino e aprendizagem.
Mesmo com um número expressivo de trabalhos na área de Educação Matemática de
natureza cognitiva e metacognitiva, tais investigações, segundo Kilpatrick, não tem
contribuído para aclarar os esquemas cognitivos gerais que se utilizam quando se trabalha em
matemática. Reforça o autor: “[...] a investigação da aprendizagem das matemáticas tem-se
preocupado mais pela aprendizagem individual e menos pela aprendizagem de grupos de
estudantes” (KILPATRICK, 1998, p. 10, tradução nossa).4
Consideramos essa observação importante, tendo em vista que o ensino de matemática
nas escolas ocorre em grupos. Todavia tornam-se relevantes as investigações que associam as
dimensões individual e coletiva de modo a contribuir para o melhor entendimento do processo
de apropriação dos conhecimentos matemáticos pelos estudantes em sala de aula. Nesse
sentido, os estudos sobre o processo de apropriação do conhecimento subsidiado pela teoria
histórico-cultural são relevantes para a área de matemática, visto que um dos pressupostos
centrais desta corrente teórica é que a apropriação dos conhecimentos pelo indivíduo ocorre,
pelas reuniões realizadas pela Associação Nacional de Pesquisas em Educação (ANPED), tendo em vista que,
nesse evento, há o Grupo de Educação Matemática (GT – 19), o único grupo ligado a uma área de
conhecimentos específicos, e também, pelo Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM).
4
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] la investigación en el aprendizaje de las matemáticas se há preocupado más
por el aprendizaje individual y menos por el aprendizaje de grupos de estudiantes" (KILPATRICK, 1998, p.10).
15
primeiramente, na dimensão social, nas relações interpsíquicas, para, posteriormente, serem
internalizados pelo sujeito. Outro ponto é a importância da mediação do mais experiente para
que a aprendizagem se efetive. Esses pressupostos são fundamentais para pensar a
organização do ensino na coletividade e o significado da avaliação no processo de ensino e
aprendizagem.
Essas observações em torno da avaliação da aprendizagem e do ensino de matemática
constituem as inquietações que nos mobilizaram a desenvolver esta pesquisa, cujo problema
central consiste na necessidade de avaliar o processo de apropriação dos conhecimentos
matemáticos em movimento, buscando compreender a intervenção pedagógica como
promotora do desenvolvimento humano, função essencial da escola. Nesse sentido, a
avaliação precisa ser refletida de modo a colaborar com a qualificação do processo
pedagógico.
Deste modo, o objetivo principal desta pesquisa constitui-se em investigar o
significado da avaliação em matemática na perspectiva histórico-cultural, focalizando a
teoria da atividade. Nesta investigação, buscaremos responder as seguintes questões:
Qual o significado da avaliação na atividade de ensino?
Qual a qualidade da aprendizagem que a atividade de ensino proporciona ao
professor e ao aluno?
Como acompanhar o processo de apropriação do conhecimento pelos aprendizes?
Acreditamos que, ao responder essas questões, teremos elementos significativos para
acompanhar o movimento de aprendizagem, possibilitando sistematizar os pressupostos
orientadores da avaliação em matemática na perspectiva histórico-cultural.
Para dar conta deste objetivo e responder a estas questões, primeiramente, sentimos a
necessidade de compreender a avaliação em uma perspectiva mais ampla, buscando entendêla como inerente à atividade humana. Esse estudo, apresentado no primeiro capítulo do
trabalho, teve como objetivo fornecer elementos teórico-metodológicos para o entendimento
da prática avaliativa escolar na relação com a concepção de homem, de sociedade, de
educação, de escola, de ensino e de aprendizagem.
Na segunda parte, discutimos a relação entre desenvolvimento humano, conhecimento
matemático e avaliação. Esta abordagem, realizada com base em estudos de Vigotski5 e
5
Na literatura, são encontradas diferentes formas de grafia para o nome de Vigotski, preferiu-se usar Vigotski
por predominar essa forma de escrita na maioria dos textos utilizados nesta pesquisa. Porém, quando o nome
aparece em citações de outros autores ou referenciados nos textos, manteve-se a grafia original.
16
Davídov, destaca a relação entre formação do pensamento matemático empírico e teórico,
ressaltando a avaliação do desenvolvimento dos sujeitos em cada tipo de pensamento.
Na terceira parte do trabalho, focalizamos os elementos essenciais da teoria da
atividade, o significado de atividade, de atividade de ensino, de atividade de aprendizagem e
de atividade orientadora do ensino. Seus conceitos são tomados como fundamentais para a
organização do ensino com vista ao desenvolvimento do pensamento teórico nos escolares.
Nessa etapa da pesquisa, é realizada a síntese sobre a relação entre atividade de ensino,
atividade de aprendizagem e avaliação.
Os dados empíricos desta pesquisa são abordados na quarta parte, destacando o
encaminhamento metodológico e os sujeitos envolvidos na investigação. O levantamento dos
dados foi realizado na dinâmica de trabalho da Oficina Pedagógica de Matemática, na USP/
Faculdade de Filosofia e Letras de Ribeirão Preto (OPM/RP), junto com professoras da rede
de ensino pública deste município e, também, em quatro escolas do Ensino Fundamental,
sendo três da rede pública e uma escola pertencente ao Serviço Social da Indústria (SESI) do
município. Na análise dos dados, utilizamos o conceito de isolado (CARAÇA, 1989,
MOURA, 2000) como princípio teórico-metodológico, que possibilita a compreensão do
fenômeno em desenvolvimento, sendo consoante com o problema central desta pesquisa que
consiste em avaliar o processo de apropriação do conhecimento matemático em movimento.
Os dados foram organizados em três isolados – aprendizagem docente, organização do
ensino e prática pedagógica – os quais são explicitados por meio dos episódios de formação
compostos por cenas. Os episódios são classes de fatos que explicitam empiricamente o
fenômeno. Estes recursos metodológicos de análise do fenômeno ajudam a compreender o
movimento de aprendizagem dos professores no processo de apropriação dos conhecimentos
de matemática na teoria histórico-cultural.
Na quinta parte, na análise dos isolados, buscamos acompanhar o movimento de
aprendizagem docente na oficina, como estes sujeitos se apropriaram dos conhecimentos
matemáticos, qual a qualidade da aprendizagem – empírica ou teórica –, como o trabalho
desenvolvido ressignificou a aprendizagem docente. Esta análise foi realizada por meio do
exame do movimento do sistema de atividades, tentando evidenciar o processo de apropriação
do conhecimento matemático pelas professoras, tendo como parâmetros as características do
pensamento teórico, proposto por Davídov (1988), e os níveis de desenvolvimento, definidos
por Vigotski (2000, 2004a).
A análise do sistema de atividades forneceu elementos importantes para acompanhar o
movimento de aprendizagem docente, possibilitando sistematizar os pressupostos
17
orientadores da avaliação em matemática na teoria histórico-cultural. Estes são apresentados
nas considerações finais desta investigação como uma forma de síntese sobre como
analisar/avaliar o movimento de apropriação dos conhecimentos, visto que esta análise
consiste na avaliação do processo de ensino e aprendizagem na teoria histórico-cultural.
18
1 AVALIAÇÃO: UMA AÇÃO INERENTE À ATIVIDADE HUMANA
O ser humano se diferencia do animal
porque bebe sem sede e ama sem
tempo.
Ortega y Gasset
Com o objetivo de compreender a temática da avaliação na teoria histórico-cultural,
buscamos explicar, nesta parte do trabalho, como ela aparece na relação homem e mundo,
homem e homem, isto é, tentamos apreender o ato de avaliar no processo de humanização do
homem.
Partimos do pressuposto que o homem é um ser histórico e social, que, para garantir
sua existência, necessita de uma atividade intencional, o trabalho humano, em que transforma
a natureza e, ao transformá-la, ele também se modifica. O homem, ao realizar uma ação, ele
antes a idealiza. Neste processo, ele avalia a importância e a possibilidade de execução, quais
instrumentos serão utilizados para dar conta dos objetivos, isto é, para assegurar que sua
atividade esteja adequada aos fins propostos, recorre à avaliação constantemente.
A possibilidade de fazer projetos é que diferencia os homens dos animais. O ato de
avaliar se constitui em conjunto com o ato de planejar. O homem, diante de suas necessidades
e possibilidades, planeja e, no processo de execução do plano, avalia se as ações e operações
estão de acordo com o seu plano original e, se necessário, realiza alterações no movimento de
execução da atividade. Porém não é uma avaliação que se limita ao projeto e ao indivíduo que
a executa, as necessidades e as possibilidades de execução do projeto são atos sociais.
Tratam-se de atos determinados historicamente e, à medida que o homem realiza sua ação,
avalia, constantemente, se os objetivos estão sendo atingidos, mediada por interesses e
condições históricas. Por isto, defendemos que o ato de avaliar é histórico. Conforme defende
Marx (1978, p. 130):
Assim como não se julga o que o indivíduo é a partir do julgamento que ele
se faz de si mesmo, da mesma maneira não se pode julgar uma época de
transformação a partir da sua própria consciência; ao contrário é preciso
explicar esta consciência a partir das contradições da vida material, a partir
do conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de
produção. [...] É por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode
19
resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará à conclusão de
que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução já
existem, ou pelo menos, são captadas no processo de seu devir.
Diferentemente das atividades dos animais, que permanecem nos limites das relações
biológicas, instintivas com a natureza, as ações dos homens são realizadas para além das leis
biológicas, têm o peso histórico e social, uma vez que a atividade humana é orientada a um
fim e é contextualizada, mesmo a satisfação de suas necessidades básicas para a sua
sobrevivência é determinada historicamente.
Leontiev ([197-]) esclarece que, na constituição histórica do homem, houve um
período em que as leis biológicas comandavam suas atividades, mas, ao atingir as
propriedades de homo sapiens, a atividade humana passou a ser determinada pelas leis sóciohistóricas. Esta é a relação entre a hominização e humanização, a qual Leontiev explica
recorrendo a três estágios:
1) Preparação biológica do homem: seu desenvolvimento tinha como pressuposto
as leis biológicas, muito próximas às dos animais. Na classificação histórica, os
representantes humanos deste período, por volta de 3,5 milhões de anos atrás, eram
os australopitecos;
2) Passagem ao homem: inicia com a fabricação de instrumentos (forma embrionária
do trabalho) e, com isso, desenvolve a comunicação pela linguagem. Pouco a
pouco, seu desenvolvimento biológico tornava-se dependente do desenvolvimento
da produção, o homem como sujeito do processo social. O representante dessa
época é homem Neanderthal, que viveu por volta de 150 mil a 30 mil anos atrás.
3) Homo sapiens: quando o homem atinge as formas atuais, por volta de 100 mil
anos atrás até o presente. Conforme Leontiev ([197-], p. 281, grifo do autor) “[...] é
o momento que o homem se liberta totalmente da sua dependência inicial para com
as mudanças biológicas inevitavelmente lentas, que se transmitem pela
hereditariedade. Apenas as leis sócio-históricas regerão a evolução do homem”.
O processo de hominização é constituído, primeiramente, pelo trabalho e, depois deste
ou em conjunto com este, pela linguagem (ENGELS, 1979; LEONTIEV, [197-]; LURIA,
1996). Luria (1996, p. 22) afirma que:
20
Como resultado da história social, a linguagem transformou-se em
instrumento decisivo do conhecimento humano, graças ao qual o homem
pode superar os limites da experiência sensorial, individualizar as
características dos fenômenos, formular determinadas generalizações ou
categorias. Pode-se dizer que, sem o trabalho e a linguagem, o homem não
se teria formado o pensamento abstrato “categorial”.
O trabalho, a ligação entre o homem e a natureza e entre os homens com outros
homens, realiza-se por meio de dois elementos interdependentes: um deles é o uso e a
produção dos instrumentos e outro são as condições comuns coletivas de realização da
atividade. Estes elementos são mediados pela linguagem, tendo em vista que, para dividir as
ações, faz-se necessário comunicar um com os outros. Para produzir os meios, os
instrumentos, o homem estabelece relações com os outros; por isso, que Marx e Engels (2004)
chamam a produção humana de social. Leontiev ([197-], p. 92) reforça que: “O nascimento da
linguagem só pode ser compreendida em relação com a necessidade, nascida do trabalho, que
os homens sentem de dizer alguma coisa”.
Leontiev ([197-]) utiliza-se do exemplo da caçada para explicar o trabalho na
coletividade e na produção de instrumentos. Para um grupo de indivíduos obter a carne para
matar a fome, é necessário abater um animal. Para isso, dividem-se as ações entre os membros
do grupo: espreitar e direcionar o animal, preparar a armadilha, cuidar do fogo, abater o
animal, entre outras. Enfim, são diferentes ações direcionadas para a materialização de um
motivo – matar a fome – e a satisfação da necessidade coletiva que é a sobrevivência do
grupo. Ao concluir a atividade, cada um receberá o produto do trabalho coletivo com o intuito
de satisfazer a sua necessidade.
A decomposição de uma ação supõe que o sujeito que age tem a
possibilidade de refletir psiquicamente a relação que existe entre o motivo
objetivo da relação e o seu objeto. Senão a ação é impossível, é vazia de
sentido para o sujeito. Assim, se retomarmos o nosso exemplo do batetor, é
evidente que a sua ação só é possível desde que reflita as ligações que
existem entre o resultado que ele goza antecipadamente da ação que
realiza pessoalmente e o resultado final do processo da caçada
completada, isto é, o ataque do animal em fuga, a sua matança, e por fim seu
consumo (LEONTIEV, [197-], p. 85, grifos nossos).
21
Assim, o desenvolvimento do homem por meio do trabalho engendra formas
superiores do reflexo psíquico, ou seja, as atividades regidas pelas condições objetivas
originam “[...] uma forma especificamente humana de reflexo da realidade, a consciência
humana” (LEONTIEV, [197-], p. 85). A consciência é formada no decurso do
desenvolvimento histórico. Assim, a cada momento, de acordo com o modo como os homens
se organizam para garantir sua sobrevivência, constitui-se uma forma de consciência.
É importante ressaltar que, na atividade coletiva, o homem pensa antecipadamente
sobre sua ação para que ele possa chegar ao resultado final. Nesse processo avalia
constantemente a sua atividade, no sentido que as ações estejam direcionadas para o objetivo
da atividade. O ato de reflexão consiste em uma ação de avaliar, de analisar os atos humanos e
o contexto histórico constitui-se na forma humanizada de reconstruir a natureza pelo trabalho.
Assim, o ato de avaliar torna-se parte integrante da atividade humana.
São as relações sociais e materiais estabelecidas pelos homens que sustentam sua
forma de olhar, perceber, pensar e agir, isto é, são as necessidades sócio-históricas que
influenciarão a forma dos homens analisarem e fazerem suas escolhas. Os homens avaliam,
comparam, analisam com base no que pressupõem ser essencial para a sua sobrevivência.
Como destaca Marx (1978, p. 11, grifos do autor):
O homem apropria-se do seu ser global de forma global, isto é, como homem
total. Cada uma das suas relações humanas com o mundo – ver, ouvir,
cheirar, saborear, sentir, pensar, observar, perceber, querer, atuar, amar –, em
resumo, todos os órgãos de sua individualidade, como os órgãos que são
imediatamente comunitários em sua forma são, em seu comportamento
objetivo, em seu comportamento para com o objeto, a apropriação deste.
A apropriação da efetividade humana, seu comportamento frente ao objeto, é
a manifestação da efetividade humana.
O homem, ao transformar um objeto natural em um instrumento, necessita conhecer as
características naturais do objeto para verificar se relacionam-se com as funções que terá o
instrumento. Ao transformar o objeto natural em instrumento, o homem humaniza o objeto e
se humaniza, isto é, ao sofrer a ação humana, o objeto passa a ter novas funções e é inserido
na atividade social (DUARTE, 1998). Neste sentido, a avaliação está relacionada com
transformação, tendo em vista que, para transformar, faz-se necessário proceder a análise. A
22
este processo, Duarte (1998), apoiado em Marx, denomina de processo de objetivação e
apropriação.
Pela sua atividade transformadora, o homem se apropria da natureza, incorporando-a
na prática social, ao mesmo tempo em que produz uma realidade objetiva, que passa ser
portadora de características humanas. Por exemplo: ao produzir, a partir da pedra lascada, o
machado, o homem deu outro significado para o objeto natural, deu-lhe uma função social,
produziu o instrumento, ou seja, o “[...] objeto com o qual se realiza uma ação de trabalho,
operações de trabalho” (LEONTIEV, [197-], p. 88). Essa produção de instrumento não é
arbitrária, depende da relação dialética entre objetivação e apropriação no decurso do
processo histórico.
A objetivação são os produtos materiais e não-materiais produzidos pelos homens, por
exemplo, os instrumentos de trabalho, a linguagem, os conhecimentos científicos, etc. Para
objetivar, é preciso conhecer, apropriar-se do objeto em suas relações. As necessidades
humanas colocam o homem em atividade com o objetivo primeiro de satisfazer suas
necessidades de sobrevivência – o homem precisa comer, abrigar-se, vestir-se, entre outras.
Contudo, sabe-se que, ao atender às necessidades básicas, os homens criam novas
necessidades, novos instrumentos, novas técnicas e novos conhecimentos científicos, isto é,
criam a cultura, em um processo contínuo e ininterrupto de apropriação-objetivação
(OLIVEIRA, 2006).
A referida autora destaca que o ato intencional é um ato de consciência, mas, nas
atividades cotidianas, muitas vezes, não temos consciência da consciência (é uma consciência
em si), uma vez que essas atividades respondem a objetivos práticos utilitários, não
necessitando de questionamentos e reflexões. Nas atividades não-cotidianas, por exemplo, as
relacionadas com a produção de conhecimento, ciência, filosofia, trabalho educativo, faz-se
necessário ter consciência da consciência, ou seja, a consciência para si, já que a reflexão e a
análise constituem componentes essenciais para sua produção.
Desse modo, pode-se pensar que as avaliações que o homem realizam cotidianamente,
se não conseguem revelar a essência das dimensões humanas, ficam na dimensão prática,
imediata; não há uma consciência da consciência, são avaliações assistemáticas. As avaliações
sistematizadas são aquelas que buscam revelar a essência do fenômeno; para isso, é preciso
ter consciência da consciência. Tal avaliação é necessária nas atividades não-cotidianas em
que “[...] o homem estabelece intencionalmente suas finalidades em função de valores e, para
23
tanto, precisa ter consciência da consciência para organizar, executar e avaliar a prática em
função desses fins e valores” (OLIVEIRA, 2006, p. 9, grifos nossos).
Ao afirmar que a atividade humana é intencional e consciente, seja na consciência em
si ou na consciência para si, significa que ambas são determinadas histórica e socialmente. Na
relação entre intenção e objetivação, sempre estará presente a avaliação com o objetivo de
verificar se os caminhos escolhidos levam à objetivação desejada ou necessária. Dessa
maneira, avaliação se constitui em uma ação inerente à atividade humana na dinâmica entre o
ideal e o real. Salientamos que só se descobre o critério de verdade na prática, em uma relação
teórica com esta mesma prática (práxis), mediante um movimento duplo entre essas duas
dimensões:
Ora, a prática não fala por si mesma, e os fatos práticos – como todo fato –
têm que ser analisados, interpretados, já que não revelam seu sentido a
uma observação direta e imediata, ou a uma apreensão intuitiva. O critério
de verdade está na prática, mas só se descobre numa relação propriamente
teórica com a prática mesma (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977, p. 157, grifos
nossos).
O conceito de atividade humana exposto por Sánchez Vázquez (1977, p.187) esclarece
que “a atividade propriamente humana só se verifica quando os atos dirigidos a um objeto
para transformá-lo se iniciam com um resultado ideal, ou finalidade, e terminam com um
resultado ou produto efetivo, real”. Dessa forma, podemos perceber o movimento do ideal
(finalidade) e o real (produto efetivo) como uma unidade e, é nesse movimento que se entende
a prática avaliativa como uma ação inerente à atividade humana e reguladora dessa própria
atividade. Davýdov (1982, p. 26, tradução nossa) faz a seguinte afirmação:
Para que a idéia e o objetivo do homem possam encarnar o produto real, as
ações têm de conformar-se com a natureza dos objetos, das condições e dos
instrumentos da atividade. A atividade construtiva é, pois, condição e
método para um conhecimento mais profundo do mundo circundante:
atuando sobre os objetos, correlacionando-os entre si, o homem conhece
suas propriedades.6
6
No texto, em espanhol, lê-se: “Para que la idea y objetivo del hombre puedan encarnar en producto real, las
acciones han de conformarse com la naturaleza de los objetos, de las condiciones y de los instrumentos de la
actividad. La actividad constructiva es, pues, condición y método para un conocimiento más profundo del mundo
circundante: actuando sobre los objetos, correlacionándolos entre si, el hombre conoce sus propiedades”
(DAVÝDOV, 1982, p. 280-281)
24
Na adequação entre a intenção e o resultado, em que a finalidade constitui-se produto
da consciência social, conforme defende Sánchez Vázquez (1977, p.191): “É certo que o
homem não faz apenas antecipar o futuro com sua atividade teleológica; ao perceber uma
realidade presente, e com base em seu conhecimento, pode prever uma fase de seu
desenvolvimento que ainda não ocorre”.
Deste modo, o ato de avaliar constitui-se na ação de analisar o projeto inicialmente
idealizado, como também de reavaliar, constantemente, a distância, os caminhos e as
possibilidades de atingir o objetivo inicial no processo e após a realização da atividade.
É importante notar que esta forma de mentalizar, planejar com antecedência as ações
de um trabalho a ser executado e analisar o processo de trabalho não que ocorre apenas no
espaço particular, mas é inerente à vida do homem em todos os seus espaços, sejam eles
teóricos ou manuais e, ainda, seja uma consciência em si ou uma consciência para si como
nos esclareceu Oliveira (2006).
Dessa forma e de acordo com os pressupostos do materialismo histórico dialético,
pensar o processo de produção e apropriação dos conhecimentos com base nos sujeitos e
objetos constituídos historicamente, é pensar além do homem explicado e compreendido em
seus limites biológicos. Neste sentido, a avaliação do processo de apropriação dos
conhecimentos deve levar em consideração os elementos sócio-históricos de construção do
homem. Segundo Leontiev ([197-]), atualmente, todo homem nasce candidato a ser humano,
mas somente se constituirá humano ao se apropriar da cultura produzida pelos homens. O
processo de apropriação da cultura humana é resultado da atividade efetiva do homem sobre
os objetos e o mundo circundante mediados pela comunicação. Então, a criança precisa entrar
em relação com os objetos do mundo, por meio da relação com outros homens, por meio da
comunicação, para ter a possibilidade de se apropriar das obras humanas e tornar-se humana.
A este processo, Leontiev denominou de educação. Esse é o principal motor de transmissão e
apropriação da história social humana.
Nesse sentido, podemos afirmar que a formação do indivíduo é sempre um processo
educativo. O autor esclarece, ainda, que a transmissão dos conhecimentos adquiriu formas
diversas no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade. Houve momentos na história
em que a transmissão resumia-se na simples imitação dos atos, ligada diretamente aos objetos,
até chegar às formas especializadas e sistematizadas encontradas na sociedade atual. No
entanto, Leontiev (1978, p. 272, grifo do autor) reforça que:
25
[...] o ponto principal que deve ser bem sublinhado é que este processo
[educativo] deve sempre ocorrer sem o que a transmissão dos resultados do
desenvolvimento sócio-histórico da humanidade nas gerações seguintes,
seria impossível, conseqüentemente, a continuidade do progresso histórico.
Assim, quanto mais complexas as relações sociais, maior é a função da educação para
que os seres humanos se apropriem das objetivações produzidas pelos homens ao longo da
história. Nesse sentido, o papel da educação escolar, na sociedade atual, é fundamental para a
continuidade do processo histórico e a inserção dos indivíduos neste processo, o que nos
desafia a compreender como a avaliação pode se apresentar no contexto escolar.
2.1 Avaliação da aprendizagem na relação escola e sociedade
A sociedade, ao longo da história, criou diferentes formas para garantir que a
população mais nova se apropriasse dos conhecimentos produzidos pelas gerações anteriores.
Atualmente, diante da complexificação das relações sociais, tem-se a escola como a
instituição cuja função principal é a socialização do saber sistematizado. Conforme afirma
Duarte (2007, p. 50):
[...] até um certo estágio do desenvolvimento histórico os homens podiam
formar-se pelo simples convívio social. Após o surgimento da sociedade
capitalista a reprodução da sociedade passa a exigir que a educação escolar,
enquanto processo educativo direto e intencional, passe à condição de forma
socialmente dominante de educação.
Na atualidade, é comum, ao referir-se à avaliação, imediatamente, as pessoas
relacionarem-na com a escola. Esta aproximação, na verdade, deve-se ao fato de que a escola
tem feito parte da maioria da população, tendo em vista que esta tem sido a forma que a
sociedade encontrou para a “transmissão” dos conhecimentos produzidos historicamente às
novas gerações.
A avaliação está presente em vários momentos da trajetória escolar. Entretanto a
forma de avaliar, os instrumentos utilizados e sua relação com a atividade educativa
dependem dos valores sócio-históricos que estão inseridos nas relações humanas. Segundo
26
Nagel (1986, p. 3), as relações estabelecidas pelos homens na sociedade influenciam a forma
de avaliar na escola. Assim,
[...] a visão de sociedade, de trabalho, de homem – certa, errada, falsa ou
velha – é que faz com que as avaliações tomem diferentes significados assim
como tome diferentes formas quando de sua execução. As diferentes formas
de avaliação têm, pois, uma explicação muito maior, muito mais ampla, do
que os pedagogos possam, de imediato, pensar.
Nesse sentido, a avaliação escolar tem como questão de fundo o ideal de homem que
deseja formar, qual o papel da escola na formação dos indivíduos. Desse modo, as
práticas avaliativas da aprendizagem escolar não podem ser compreendidas por si mesmas,
mas estão inseridas num contexto maior. Tal pressuposto está relacionado com uma das teses
principais de Marx e Engels (s/d, p.301):
[...] na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas
relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção
que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das forças
produtivas materiais.[...]. O modo de produção da vida material condiciona o
processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do
homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que
determina a sua consciência.
Destacamos, nesta tese, a importante relação entre as condições de existência humana
e a formação da consciência. Sobre esta questão, é necessário, ainda, acrescentar a avaliação,
a qual se faz com base na concepção de homem, de trabalho e de sociedade.
Segundo Nagel (1986, p. 8), em diferentes períodos históricos, tivemos visões de
avaliações diferenciadas. O contexto histórico fornece elementos para serem trabalhados e a
forma de serem cobrados na escola, elementos que interferem na relação professor e aluno no
processo de ensino e de aprendizagem.
O conteúdo das preocupações sociais sempre se expressou dentro da escola.
As indagações que os homens se faziam e (se fazem) sempre aparecem na
instituição educativa. Na Grécia, a procura pelo método lógico, pelo método
considerado ideal para a descrição do mundo, perpassou em todos os
trabalhos acadêmicos da época. Na Idade Média, o mesmo ocorreu só que,
naquele momento, associava-se a necessidade de dominar esse método ao
desejo de submetê-lo à Revelação divina. Na Idade Moderna, o objetivo de
conhecer e dominar a natureza transparecia até na literatura, nas artes, na
27
pintura, etc. Método novo e conteúdo novo surgiram lentamente na vida
institucional (grifos da autora).
As afirmações da autora permitem destacar que a avaliação, os parâmetros que o
homem utiliza para analisar e julgar, assim como o homem também são históricos.
Tal afirmação coloca em pauta a reflexão sobre a avaliação escolar na sociedade
contemporânea – capitalista. O desenvolvimento das forças produtivas, a divisão do trabalho
permitiram ao homem produzir para além de suas necessidades imediatas, mas essa produção
de riqueza não se reverteu em riqueza social, ao contrário, criou o oposto. Uma grande massa
de trabalhadores expropriados tem sido forçada a viver (sobreviver) de acordo com péssimas
condições de vida.
Nesse processo de criação de riqueza e miséria, a igualdade entre os homens,
conforme foi propalada pela revolução burguesa, está longe de se efetivar. De acordo com
Nagel (1986, p. 9):
Pela superprodução de alimentos e de mercadorias no mundo de hoje podese afirmar que o problema desta sociedade não mais reside no domínio da
natureza, para se produzir a abundância. Parece, sim, que o problema desta
sociedade a ser resolvido consiste naquele que, embora sendo desejado pela
Idade Moderna, não foi consumado. Ou seja, o problema atual residiria na
questão da igualdade entre os homens, pois o trabalho, já realizado, criou as
condições necessárias para uma vida sem aflições na área de subsistência. O
problema de hoje é, sim, o problema de ontem que não foi equacionado: a
igualdade humana dentro de uma sociedade em abundância.
Se a contradição entre a riqueza, a pobreza e as condições materiais para se ter uma
sociedade mais igualitária é a problemática da sociedade atual, é necessário acrescentar que a
escola tem sido defendida como um elemento que oportuniza o acesso ao saber e à igualdade
entre os homens. Entretanto o que verificamos é que a escola, a medida que se universaliza,
também recebe críticas sobre a qualidade do saber transmitido, sobretudo, nas escolas
públicas. Vários autores se debruçaram sobre esta questão direta ou indiretamente, dentre eles
se destacam Nagel (1986, 1992), Freitas (1995, 2002a), Frigotto (1997, 2000), Arroyo (1999),
Paro (1999), entre outros, com o objetivo de marcar a contradição existente na função
genérica7 da escola e as funções que assume na sociedade capitalista, especialmente o embate
7
A função genérica da escola consiste na formação humana dos indivíduos mediante a apropriação dos
conhecimentos teóricos produzidos pela humanidade no decurso da história.
28
entre a formação humana integral e a preparação para o mercado de trabalho. Nagel (1986, p.
7) afirma que:
Muito já se disse que a escola reflete a realidade que a circunda. Se a
sociedade não tem novos objetivos para a época pela qual passa, a escola
também não os terá. Se a sociedade não circunscreve, não delimita, não
estabelece os problemas que são seus, a escola também não os levantará. A
escola de fato sempre refletiu o social. É preciso que aqui se registre, que é
dentro de cada crise da sociedade que emergem as formas novas de viver, de
trabalhar, de ver o mundo, de ver os homens.
Essa discussão é complexa e não se constitui em objetivo direto desta investigação,
porém é necessário que se destaque a escola na relação com a sociedade não como elemento
determinante ou determinado, mas como espaço de formação em que pairam as tradições de
épocas passadas e as pressões de um novo que nunca chega de forma clara. Uma escola que,
em seus limites, idealiza uma formação para além das condições determinadas. Neste espaço
entre passado e futuro, real e ideal, a escola, como instituição formal e responsável pela
formação humana, é envolta em concepções teóricas que apontam-na como responsável pela
formação humana integral (omnilateral). Entretanto, nos limites da sociedade capitalista, é
muito difícil concretizar a educação omnilateral, visto que se trata de uma sociedade em que o
homem relaciona-se de forma individualizada e compartimentada com o seu trabalho e com
os outros. Neste ideal educacional que se constrói nas e pelas contradições capitalistas, é
necessário ter clareza, consciência histórica das necessidades que levam tal ideal a florir e os
limites de sua realização.
O desenvolvimento histórico da educação escolar brasileira foi marcado por várias
tendências na avaliação do processo ensino e aprendizagem em seu interior. A principal
tônica, desde o final do século XIX, reside na avaliação do indivíduo por ele mesmo, separado
de suas condições sócio-históricas. Nesta perspectiva, o conhecimento é transmitido de forma
estática e fragmentado em áreas de conhecimento, em que a avaliação tende confirmar a
capacidade ou não do indivíduo de apropriar-se deste conhecimento. Entretanto esta
apropriação, necessariamente, não significa agir, refletir, atuar sobre o conhecimento, mas
simplesmente reproduzi-lo mecanicamente.
Esta prática avaliativa está estreitamente ligada com as formas de relações sociais
estabelecidas pela sociedade capitalista, em que se responsabilizam o indivíduo pelo seu
sucesso e fracasso tanto escolar quanto social. Essa forma de avaliação filia-se ao o projeto de
29
escola que busca a adaptação dos indivíduos no sentido de manter a ordem social e econômica
vigente, isto é, a manutenção do sistema econômico baseado na propriedade privada dos
meios de produção. Uma sociedade em que os meios de produção não são socializados, o
acesso ao conhecimento historicamente elaborado pela humanidade também se torna
propriedade privada. Um exemplo dessa situação, observamos ao estudar o processo de
democratização da escola brasileira, em que foi ampliado o acesso a quase todas as crianças à
escola, mas não se garantiram a sua permanência e muito menos a qualidade do ensino.
Para justificar as diferenças sociais, algumas correntes pedagógicas buscaram respaldo
científico em várias áreas do saber para esclarecer o processo de desenvolvimento dos
indivíduos, particularmente na a psicologia. Nagel (1986, p. 06) afirma que:
A pedagogia também se dispôs a justificar essas diferenças e trouxe os testes
de inteligência, as demonstrações matemáticas, das diferenças individuais,
trouxe as “doenças das vontades”... trouxe também, na atualidade, a
demonstração estatística das lesões cerebrais causadas pela pobreza, pela
falta de leucina, pela falta de vitaminas. Trouxe também, com estas
explicações para ensinar “aos diferentes”. Assim como trouxe, juntas, no
mesmo pacote, as frágeis explicações para o insucesso escolar.
Saviani (1991), ao analisar a história da educação brasileira, classificou-as em duas
grandes tendências teóricas: não-críticas e a crítica. As correntes pedagógicas denominadas de
pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia tecnicista são classificadas como
tendências não-críticas, tendo em vista que acreditam que a educação possibilita a igualdade
social. A tendência crítica inclui as pedagogias crítico-reprodutivistas e a pedagogia históricocrítica; a primeira, apesar de fazer a crítica à sociedade capitalista, parte do pressuposto de
que a educação reproduz as condições sociais vigentes. Essa corrente teórica toma a sociedade
com algo estático, não lançando perspectivas educacionais de superação. A pedagogia
histórico-crítica busca compreender a educação no movimento histórico. Considera a
sociedade capitalista em transição e entende que a escola, ao mesmo tempo que reproduz as
relações sociais, abre caminhos para uma possível transformação da sociedade. Saviani
(1991), um dos principais representantes dessa corrente teórica, destaca que a possibilidade de
transformação se faz devido ao fato de a categoria de contradição ser mais ampla que a
categoria de reprodução.
Na história da educação brasileira, podemos verificar que, em alguns momentos, o
debate educacional tomou proporções gigantescas, e alguns teóricos se relacionam aos
30
acontecimentos históricos do período.8 De nossa parte, apenas gostaríamos de ressaltar que,
entre esses debates e juntamente com o método e conteúdo escolar, a avaliação esteve em
pauta. Entre as diversas correntes teóricas que subsidiaram a educação brasileira, a escola
nova, suscitou um grande movimento entre os pedagogos que defendem e criticam esta
corrente. Também consideramos interessante registrar que, apesar de se fazer conhecida no
Brasil, por volta de 1930, por meio dos Pioneiros da Escola Nova,9 ela tem sido
constantemente retomada, seja na sua fundamentação teórica original seja na reconfiguração
desta.
A corrente escolanovista teve como principal teórico o filósofo norte americano J.
Dewey (1859-1952). Segundo Nagel (1986), a escola nova se opõe à perspectiva tradicional,
desvaloriza o enciclopedismo e a cultura geral. O importante é a descoberta por meio da
atividade constante dos alunos. A avaliação da aprendizagem consiste na análise da
capacidade individual de tirar conclusões das experiências, valoriza-se a criatividade e a
forma de pensar do indivíduo, isto é o saber da experiência.
Assim, preconiza a formação do indivíduo que consiga resolver os problemas
imediatos. Esse princípio defendido por Dewey (1959) tinha como preocupação a preparação
do homem para a crescente industrialização norte-americana do início do século XX e a para a
efetivação da democracia, representativa do somatório de homens iguais e livres.
Em outros termos, observamos que esta corrente teórica exalta as capacidades
individuais. Segundo Facci (2004, p. 104), esta corrente busca na psicologia a sustentação
para essa forma de pensar e desenvolver a educação:
O individualismo na pedagogia foi intensificado pelo desenvolvimento da
psicologia humanista (existencial), que divulgou a educação como processo
de adequação pessoal ante as influencias ambientais, e pela divulgação da
psicanálise, a qual explica as relações entre o ser humano e a cultura como
sendo determinada pelo inconsciente.
8
Dentre eles, citamos Saviani (1985), Ghiraldelli (1990), Nagel (1992), Romanelli (1998), Gadotti (1978),
Favoreto (1998).
9
Segundo Warde (1982), o Manifesto dos Pioneiros, também conhecido como Manifesto de 32, foi feito por um
grupo de manifestantes não homogêneo, composto por liberais, que desencadeou, nos primeiros anos da década
de 1930, um movimento educacional de profundas implicações político-ideológicas, cujo auge foi a Constituição
de 1934. Os princípios básicos defendidos pelos manifestantes eram: escola pública, obrigatória, gratuita, única e
laica.
31
A materialização desta tendência psicológica na escola se deu por meio da utilização
dos testes de inteligência para conhecer o aluno. Leite (1972, p. 95) afirma que a
universalização da escola provocou o estudo da inteligência ao invés do da aprendizagem.
Segundo esse autor:
No estudo da inteligência é possível, grosseiramente, pensar em duas
perspectivas: numa delas, que seria geral, estaremos interessados na
inteligência como processo que deve ou não, ser separado de outros
processos que ocorrem no comportamento. Neste sentido, é possível pensar
que determinado comportamento decorre de inteligência, enquanto outro
decorre de hábito, de aprendizagem, etc. Numa segunda perspectiva, mais
propriamente de psicologia individual ou diferencial, estamos interessados
em distinguir e comparar a inteligência de diferentes indivíduos.
Pelo que podemos observar na constituição da escola contemporânea brasileira, essa
segunda perspectiva teve uma aceitação considerável, visto que a comparação e a
classificação dos indivíduos por meio dos testes consistiam na principal forma de analisar o
desenvolvimento dos alunos. No que se refere ao escolanovismo e sua relação com a
psicologia, Facci (2004, p. 104, grifos nossos) afirma que:
O escolanovismo, baseando no mito da igualdade de oportunidades na
chamada sociedade democrática e, portanto, considerando a escola como
instrumento por excelência para o desenvolvimento da capacidade de cada
um e para harmonia da sociedade, encontra na psicologia, além dos
fundamentos teóricos que lhe dão sustentação, uma forte aliada através dos
testes psicológicos, dos conceitos de inteligência, prontidão e maturidade
que se propunham explicar “cientificamente” as diferenças individuais
e, conseqüentemente as desigualdades sociais.
As predições realizadas pelos testes psicológicos eram confirmadas pelas escolas,
assim, se um aluno submetido a determinado teste de inteligência era diagnosticado com
baixo desempenho, logo suas dificuldades escolares eram explicadas/relacionadas pelos
resultados do teste. O trabalho educativo não mudava essa situação, ao contrário, buscava
justificativa nos testes para o desempenho dos alunos em sala de aula.
Nesse sentido, a avaliação da aprendizagem sustentava a classificação e seleção dos
alunos. A decisão da vida escolar dos estudantes ficava nas mãos dos professores, a eles cabia
a decisão sobre a sua permanência ou não na escola. A avaliação era concebida como
32
instrumento de poder, de controle comportamental, privilegiando o resultado ao invés do
desenvolvimento dos sujeitos.
A crescente industrialização brasileira, em particular após a década de 1950, fortaleceu
a idéia de que a escolarização poderia ser a alternativa de elevação da condição social de cada
brasileiro. Esta idéia floresceu diante de dois fatores contraditórios: o desenvolvimento da
industrialização nacional e o aumento da miséria nas periferias das grandes cidades.
Diante de tal contradição, cresceu o argumento de que o conhecimento poderia mudar
o comportamento e, conseqüentemente, produzir uma nova cultura brasileira. Com isso, as
diferenças sociais nacionais e internacionais eram interpretadas como diferenças culturais e de
conhecimento, escamoteando as diferenças sociais, econômicas e políticas dadas pela divisão
entre capital e trabalho.
Nesse contexto, a psicologia contribui com uma nova forma de explicar os problemas
educacionais, utilizando-se, para além dos aspectos biológicos, dos aspectos sociais.
Em termos de educação, é importada dos Estados Unidos a teoria da carência
cultural, que buscava oferecer explicações para o fato de grande parte das
escolas públicas fracassarem nos estudos, comprometendo a harmonia social
pregada pelo liberalismo. Nessa perspectiva, considerava-se que o fracasso
do indivíduo tinha uma dimensão social e o aluno que fracassava era
socialmente desfavorecido. As causas apontadas para o insucesso escolar
eram as seguintes: desnutrição, precárias condições de saúde dos alunos,
Quociente de Inteligência (QI) baixo, deficiência de linguagem, imaturidade
e carência afetiva (FACCI, 2004, p. 105).
Observamos que a teoria da carência cultural não eliminou as análises biologicistas
sobre o fracasso escolar, apenas inseriu os aspectos sociais. Porém os aspectos sociológicos
serviram de explicação para o biológico, houve a patologização do fracasso escolar. Nesse
sentido,
[...] a psicologia concluía que os indivíduos da camada social menos
favorecida eram portadores de várias deficiências, das quais justificavam o
fracasso escolar e social dessa clientela.
[...]
A psicologia continuou, ainda, mantendo-se comprometida com o
conservadorismo e a reprodução da sociedade de classes e analisando a
educação desvinculada da sua função de socialização dos conhecimentos
produzidos pela humanidade. O olhar do psicólogo ainda voltado para
questões individuais e particulares dos indivíduos sem considerar as
33
especificidades da educação com fatores sócio-histórico (FACCI, 2004, p.
105-106).
Em pleno regime militar, a preocupação centrava-se no desenvolvimento econômico
da nação e a educação era considerada prioridade nacional para a aceleração desse processo.
Essa época foi marcada pelo auge do tecnicismo educacional. Sobre o processo de mudanças
nos debates educacionais, Nagel (1986, p. 18) explica que:
Mas a crise econômica voltou (as crises do capitalismo são cíclicas). O
nível de vida abaixou. As diferenças entre intelectuais e analfabetos
cresceram. E a tentativa de encontrar nova “saída” para um futuro melhor,
caberia à escola e à sociedade, juntas. O enciclopedismo não havia trazido
resultados positivos. O ativismo individual escola-novista também não. O
“erro” dessas duas tendências anteriormente encontrava-se na “inabilidade
do conjunto de pessoas” (ou de algumas) de planejar racionalmente suas
atividades, segundo a Escola Tecnicista. O que estava faltando, portanto,
era a administração, gerência e organização. O somatório de “técnicos”,
produzidos pela escola, levaria às decisões corretas para a vida de todos os
homens.
Assim, durante o regime militar, mais uma vez a educação torna-se responsável pelos
problemas sociais e é repassada a ela a função de levar a sociedade ao desenvolvimento
econômico e ao progresso científico e tecnológico, só que desta vez acentua-se a idéia de que
o especialista, o técnico pode fazer isto. A fragmentação do trabalho no interior da escola
assemelhava-se com a que ocorria nas fábricas, mantendo a coerência tecnicista, o trabalho do
professor perde a visão geral do processo educativo, resumindo-se em executor de tarefas
particularizadas, elaboradas por especialistas das Secretarias da Educação e do MEC.
De modo geral, podemos afirmar que o modelo avaliativo da aprendizagem não foi
alterado substancialmente em relação ao escolanovismo e ao debate educacional da década de
1950. Continuou prevalecendo a classificação e seleção dos indivíduos particulares,
baseando-se nos aspectos biológicos e sociais patologizados. Nesse período, valorizava-se o
sujeito que conseguia dominar as técnicas de planejamento e execução. Assim, após o término
de cada conteúdo trabalhado, a avaliação consistia na verificação se os alunos memorizaram
as técnicas não seu sentido organizacional, mas técnicas fragmentadas. O instrumento
predominante para este tipo de avaliação era as provas orais e escritas.
34
No final da década de 1970 com o fim do “milagre econômico”, aprofundaram-se as
contradições sociais e políticas no país, gerando o enfraquecimento político do regime militar.
O clima de aparente tranqüilidade dos primeiros anos de 1970 cedeu lugar a manifestações de
descontentamento generalizado. Setores de oposição exigiam a volta do “Estado de Direito”,
denunciavam a tortura, a repressão, a corrupção; questionavam a política econômica; os
trabalhadores se posicionavam contra o arrocho salarial e uma parte da burguesia contra a
estatização, as políticas sociais de habitação, transporte, saúde, educação, etc. Em termos
gerais, cresceram os movimentos sociais que protestavam contra os baixos salários e as
precárias condições de trabalho. Toda esta crise econômica e política pôs em xeque o modelo
econômico e político do militarismo e, conseqüentemente, com o acirramento da crise, chegase ao fim do chamado Regime Militar no país em 1985.
No processo de rearticulação econômica e política, a questão educacional passa
também por reavaliação. Diversos educadores uniram-se em diferentes encontros, simpósios e
congressos, com o objetivo de refletir sobre a educação brasileira.10 Todos deram corpo à
oposição educacional contra o regime militar.
Esta oposição foi respaldada pela tendência crítica da educação, representada, em um
primeiro momento, pelas teorias crítico-reprodutivistas defendidas por Bourdieu e Passeron
(teoria do sistema de ensino como violência simbólica), Althusser (teoria da escola como
aparelho ideológico de Estado) e Baudelot e Establet (teoria da escola dualista). Segundo
Saviani (1991), estes autores contribuíram para que os pesquisadores brasileiros refletissem
sobre o aspecto autoritário da educação no país e a consolidação das desigualdades sociais
pela escola. Em um segundo momento, Saviani, contrário à teoria crítica-reprodutivista,11 à
pedagogia liberal12 e apoiado nos trabalhos de Marx e Gramsci, formulou a base teóricometodológica da pedagogia histórico-crítica.
A pedagogia fundamentada na teoria marxista busca entender as questões educacionais
a partir das contradições sociais, da totalidade e da dialética. Isso implica compreender a
10
Desses encontros, podem-se destacar as reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
as quais se transformaram em um local significativo do Fórum de oposicionistas; o ressurgimento da União
Nacional dos Estudantes (UNE), no final da década de 70; o I Seminário Brasileiro em Educação, ocorrido em
Campinas em 1978.
11
É importante, segundo Maciel (2003), ressaltar que os estudos da teoria crítico-reprodutivista serviram de base
para as pesquisas sobre educação nos cursos de mestrado e doutorado durante a década de 1980. Dentre os
estudiosos, destacamos: Luckesi (1978, 2005), Saul (1985), Demo (1987), Depresbiteris (1989), Hoffmann
(1993), Vasconcellos (1994), Sandra Zákia Lian de Sousa (2001), José Dias Sobrinho (1997, 2002), Clarilza
Prado de Sousa (2001, 2001a), Ludke e Mediano (1992) e Freitas (1995, 2002a).
12
Pedagogia liberal compreende as seguintes correntes educacionais: escola tradicional, nova e tecnicista.
Denominadas por Saviani (1991) de teoria não-críticas.
35
realidade escolar, como resultado das transformações. Nesta perspectiva, valorizam-se os
conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade e a capacidade dos homens de
perceberem as contradições e transformações sociais.
Assim, o conteúdo escolar deixa ser visto como algo estático e passa a ser
compreendido como um processo, tanto no que se refere à constituição do conhecimento
científico como ao aluno que se apropria destes conhecimentos.
Nas pesquisas sobre a avaliação, que contemplam esta perspectiva, destacam-se os
trabalhos de Freitas (1995, 2002a), Luckesi (1978, 2005), Vasconcellos (1994), Nagel (1986).
Tais estudos contribuem, pelo menos nos discursos pedagógicos, para repensar as práticas
avaliativas. É interessante registrar que, apesar de os autores acima citados terem abordado a
questão sob diferentes aspectos, a tônica de seus trabalhos recai, geralmente, sobre a crítica do
sistema avaliativo predominante até este momento, isto é, a avaliação quantitativa,
classificatória e seletiva dos indivíduos. Para eles, a avaliação não poderia ser tomada como
uma simples técnica, muito menos como um mecanismo de controle autoritário de seleção e
de classificação. Tais defesas fortalecem a importância da avaliação da aprendizagem ser
diagnóstica, contínua e cumulativa.
Nos discursos pedagógicos no início de 1990, bem como nos documentos escolares,
esta forma de avaliar estava posta, funcionando, inclusive, como um jargão, porém poucas
mudanças na prática de avaliação em sala de aula foram implementadas. Decorre dessa
inércia a necessidade de pesquisas que contribuam teórico-metodologicamente para modificar
as práticas avaliativas no interior da escola, de modo a auxiliar na qualificação do processo de
ensino e aprendizagem nas escolas brasileiras.
Apesar da divulgação de pesquisas educacionais fundamentadas no materialismo
histórico dialético, esta corrente, na última década do século 20, não é a única no debate sobre
educação, ao contrário, ela divide espaço com a teoria neoliberal, que ganhou destaque
amparado no discurso da qualidade total13 e pelos documentos nacionais e internacionais
publicados pelo MEC, dentre eles destacamos: Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental (BRASIL, 1997a) Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (BRASIL, 1999), Relatório da UNESCO para a educação do século XXI (DELLORS,
1999).
13
O significado de qualidade atribuído à educação assume o conteúdo que este conceito possui no campo
produtivo, no setor mercantil. Segundo Gentili (1997), no campo educativo, o discurso da qualidade foi
assumindo a fisionomia de uma nova retórica conservadora.
36
Tal discurso, em parte, está ligado aos novos rumos dados à economia e à política.
Nesse período a globalização, o livre mercado, o crescimento da produção, a alta concorrência
passam a fazer parte das medidas administrativas e econômicas, visto que a livre concorrência
comercial passa a ser defendida por alguns empresários e intelectuais em contraposição ao
estado intervencionista, criticando, também, a eficiência estatal na organização da economia
brasileira. Diante da grande concorrência internacional, a preocupação dos administradores
voltou-se, sobretudo, ao barateamento da produção, o que implica na redução de mão-de-obra
e na aplicação da alta tecnologia. Esta passou a ser apontada como solução mais viável.
A alta concorrência e a inserção constante de novas tecnologias à produção
contribuíram para um novo conceito de mão-de-obra. Com a robotização, o funcionário
“padrão”, disciplinado, obediente, pontual, capaz de repetir por horas o mesmo movimento
não é mais o funcionário predominante no sistema de produção. Na década de 1990, as
empresas, pressionadas pela concorrência, almejam que o seu funcionário consiga levar o
produto para além das fronteiras da empresa, para tanto, idealiza um trabalhador curioso, com
iniciativa e flexibilidade. A exigência de baratear a produção solicita o mínimo de mão-deobra ociosa dentro de uma empresa; assim, o funcionário ideal é aquele capaz de executar
diversas funções. O modelo de produção taylorista e fordista14 da década de 1970, que exigia
um funcionário técnico, vai sendo substituído por um modelo de produção que exige um
funcionário com maior capacidade de adaptação a diferentes demandas.
Nesse período, início da década de 1990, as escolas brasileiras passam por uma
reorganização por meio da implantação do Ciclo Básico de Alfabetização (CBA). O objetivo
principal dessa alteração foi o alargamento do tempo de alfabetização para dois anos letivos,
reunidos em um continuum a 1ª e 2ª séries. Segundo Mainardes (2001, p. 47):
As intenções do CBA, expressas nos documentos e atos oficiais eram:
reverter o ‘fracasso escolar’ nas séries iniciais; iniciar um amplo processo de
reorganização da escola pública; implantar metodologias inovadoras no
processo de alfabetização, incorporando avanços das diferentes áreas do
conhecimento, buscando a ruptura com a concepção mecanicista e as
metodologias tradicionais que orientavam o processo de alfabetização;
14
O modelo taylorista criado por Frederick W. Taylor (1956-1915) é um conjunto de normas que objetiva o
aumento da produtividade, controlando os movimentos do homem e da máquina, com prêmios e remuneração
para quem produz mais. Henry Ford (1867-1947) aplicou as idéias de Taylor e organizou a linha de montagem
da fábrica, de modo que pudesse produzir mais por meio da especialização do trabalhador, trata-se de um
conjunto de métodos que visa a racionalização da produção em massa, conhecido como modelo fordista
(CHIAVENATO, 2004).
37
mudar o enfoque da avaliação, buscando a superação do sistema de
avaliação de provas, notas e exames.
Outros aspectos estabelecidos legalmente na implantação desse regime de estudos
foram em relação às condições de trabalho dos professores, à oferta de contra-turno e à
oportunidade de formação continuada dos profissionais do Ensino Fundamental. No entanto, a
implantação do Ciclo Básico foi realizada de forma aligeirada, sem que os principais
envolvidos tomassem consciência dessa nova reorganização do ensino. Após alguns anos de
funcionamento, podemos observar que, ao invés desse projeto ser aperfeiçoado, começou a
perder as poucas qualidades defendidas na proposta inicial, notadamente no que diz respeito a
investimentos financeiros, pois os anos 90 do século XX foram marcados pela diminuição dos
recursos financeiros do Estado para o setor social, do qual a educação é integrante.
Com o ensino por ciclo, passou a não haver mais retenção da 1ª para a 2ª série, não se
justificando mais as notas/conceitos para determinar a continuidade da vida escolar dos
alunos. Diante disso, adotou-se a elaboração pelos professores dos pareceres descritivos, com
o objetivo de registrar o desenvolvimento dos alunos.
Observa-se que o pressuposto básico na organização do ensino e na implantação do
Ciclo Básico de Alfabetização é que a escola contribua para o desenvolvimento intelectual do
aluno, isto é, há uma luta para definir e caracterizar a função da instituição escolar.
O Ciclo Básico de dois anos foi o germe para implantação do continuum curricular
único, que reúne as quatro séries iniciais do Ensino Fundamental. Podemos dizer que o Ciclo
Básico foi o precursor da progressão continuada. Todavia a implantação do continuum
curricular único nas escolas brasileiras não foi acompanhada por discussões, estudos e
formação continuada dos profissionais diretamente envolvidos com as mudanças.
Considerava-se que, com o Ciclo Básico de Alfabetização em funcionamento, a implantação
do continuum de quatro anos consistiria em um processo natural. Conforme Mainardes (2001,
p. 47):
A extensão da proposta para quatro anos, no entanto, não foi precedida de
uma avaliação do CBA de dois anos, desconsiderando importantes aspectos:
o impacto dos índices de aprovação, a retenção e evasão; a garantia das
condições necessárias e previstas nos atos legais; a opinião dos professores;
as dificuldades para sua consolidação.
38
Retomando a questão da avaliação e sua forma de registro, verificamos que, nos
poucos cursos que foram oferecidos aos professores da rede estadual de ensino, a temática da
avaliação do desempenho escolar não foi abordada em profundidade. Isto se tornou um
complicador, porque os professores desenvolviam seu trabalho pedagógico tendo na
avaliação, por meio da nota ou conceito, uma forma de poder e, como isso não era mais
aceito, tornava-se necessário estabelecer um outro sentido para a relação professorconhecimento-aluno.
Em nossa experiência docente, observamos que é proposta aos professores uma
mudança no processo avaliativo, bem como no seu registro. Tais alterações, como
mencionado anteriormente, envolvem o modo de conceber o homem, a escola e a aquisição
do conhecimento. No entanto, as propostas não foram acompanhadas de um processo de
formação dos professores, sendo entendidas apenas como uma imposição a ser cumprida,
perdendo, com isso, a dimensão educativa.
Nesse processo de mudança do paradigma avaliativo, Franco (2001) caracterizou dois
modelos de práticas de avaliação. Um denominado como objetivista, marcado pela
perspectiva teórica positivista, em que a avaliação precisa ser funcional, planificada e a ênfase
avaliativa recai sobre a medida do produto observável por meio de testes, escalas de atitudes,
respostas prontas, provas objetivas. O segundo modelo, que chamou de subjetivista, a
avaliação constitui-se de análises abstratas e universais, centrada no indivíduo, sem levar em
consideração o caráter histórico nem a sistematização dos dados por meio de instrumentos que
valorizem as questões abertas ou divergentes. A autora ressalta que ambos os modelos são
insuficientes para explicar a realidade por negligenciarem o caráter histórico e transitório dos
fatos. Citando suas palavras:
Tanto na vertente “objetivista” quanto na vertente “subjetivista”, a visão de
indivíduo apresenta-se de uma forma automatizada, a-histórica e ‘abstrata’.
A redefinição da avaliação educacional deve ter como unidade de análise o
vínculo indivíduo-sociedade numa dimensão histórica. (FRANCO, 2001,
p. 22)
Tais modelos encontram-se caracterizados nas práticas avaliativas atuais, pois
“saímos” de um paradigma em que tudo se avaliava, tudo se media, para um modelo em que a
avaliação ocorre sem nenhum critério ou sistematização. Esteban (2002, p.13) classifica esse
modelo como híbrido, visto que engloba duas perspectivas distintas nas práticas avaliativas:
39
[...] uma que não abandonou a idéia de que avaliação deva ser instrumento
de controle, de adaptação e de seleção, ainda que o controle deve ocorrer por
meio de mecanismos cada vez menos visíveis, de modo a adquirir uma
aparência democrática e a seleção deva ser resultado de um processo, que
analise o sujeito em seu lugar na hierarquia social, a outra perspectiva tem
como objetivo romper com o sistema de controle de segregação, mas ainda
não encontrou os aspectos chaves que devem ser transformados, por isso
propõe modificações superficiais, ainda que aparentemente indique
mudanças profundas.
A construção de uma escola democrática e de qualidade tem que levar em
consideração os critérios de avaliação, já que a não reprovação não significa que os alunos
não devem ser avaliados, mas indica que devem ser repensados os critérios comumente
utilizados. As dificuldades que os alunos apresentam são importantes para a sua própria autoavaliação e para que o professor questione sua prática e repense seu trabalho em sala de aula.
Conforme Freitas (2002a, p. 13): “[...] a existência da avaliação na escola é uma exigência
sistêmica, histórica e ligada à concepção de educação vigente, que engendra as condições de
trabalho e as relações entre professores, alunos e demais profissionais da escola”.
A questão da progressão continuada15 dos alunos constitui-se tema de debates
fervorosos entre professores, equipe pedagógica, membros do MEC, secretarias da educação,
pais de alunos e esteve presente, também, nos discursos políticos de candidatos a
governadores16. Enquanto isso, verificamos que muitas escolas têm retornado ao regime
seriado sem uma discussão e entendimento do significado do regime de estudos por ciclos e a
importância da progressão continuada. Outras escolas têm admitido a progressão continuada
somente nas duas séries iniciais do Ensino Fundamental e, mesmo após ter trabalhado com o
continuum curricular único nas quatro séries iniciais, decidiram voltar ao regime de
15
Constitui-se em um processo de organização da escola que substitui a progressão seriada por ciclos contínuos
de estudos, havendo retenção somente no final dos ciclos. Conforme apresenta Mainardes (2001, p. 36): “no
Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, o regime de progressão continuada foi organizado em dois ciclos:
Ciclo I, que corresponde às quatro primeiras séries, e o Ciclo II, às quatro últimas séries do ensino
fundamental”.
16
O sistema de progressão continuada implantado nas escolas da rede pública do Estado de São Paulo tornou-se
um dos pontos altos da campanha pela sucessão eleitoral. Adversários em busca de votos procuraram reduzir a
preocupação do país sobre a qualidade do ensino a uma crítica simplista e errada à “aprovação automática”.
Por exemplo, o então candidato do PPB, Paulo Maluf, assumiu, ao ser eleito, acabar com o regime de
progressão continuada e voltar para o regime seriado de estudos, admitindo a importância da reprovação.
Citando suas palavras: “a progressão continuada permite aos estudantes passar de ano sem exames, o que faz
com que as crianças saiam da escola sem saber ler e escrever. A progressão continuada ainda tira a auto-estima
do professor, impedindo-os de aprovar ou reprovar seus alunos quando necessário. Esse sistema será extinto.”
(MALUF, 2002, p. A3).
40
seriação17. Concordamos com Freitas (2002a) que esta situação ocorreu devido à forma de
implantação desse regime de estudos, que retirou do professor a oportunidade de discussão e
compreensão do processo. Para o autor, essa é uma das razões pela qual a implantação dos
ciclos e da progressão continuada encontra dificuldades.
[...] a mobilização de grandes forças não se faz com um ‘ diálogo por cima’,
verticalizado, mas com ampla participação. Isso fere cronogramas políticos,
muitas vezes, mas não respeitar esta regra pode gerar a rejeição das
mudanças e seu arquivamento no momento seguinte, sem que tenha uma
perspectiva sustentável de continuidade. (FREITAS, 2002a, p. 7)
É preciso considerar que a organização do ensino em forma de ciclos e a adoção do
regime de progressão continuada correspondem outra concepção de educação, de escola e de
formação humana que se choca com o modelo de escola necessária à manutenção da
sociedade capitalista. Quando discutimos a crise na educação, é preciso verificar quem são os
envolvidos nesta crise. No caso brasileiro, é a maioria da população. Sobre esta questão,
Freitas (2002a, p. 12-13) afirma que:
A introdução da noção e da prática de ciclos na rede pública só pode ser
acompanhada de uma modificação na concepção de educação, passando a
ser espaço de vivência de experiências socialmente significativas e úteis para
a idade do aluno – mas jamais restritas à noção de instrução.
Isso mostra que a organização escolar por ciclos envolve questões complexas. A
mudança do regime de estudos tem que ser acompanhada da modificação fundamentada dos
demais elementos que abrangem o ato de ensinar e aprender, desde a concepção de escola,
conhecimento e avaliação. A adoção dos ciclos no Ensino Fundamental está ligada à mudança
na concepção de conhecimento. A partir da década de 1990, com a intensificação dos estudos
e pesquisas sobre o processo de aquisição do conhecimento, destacando os trabalhos de Piaget
e Vigotski no campo educacional, ficou evidente que o conhecimento não é algo pronto e
acabado, ao contrário, constitui-se em um processo contínuo e provisório. Diante da
17
Para exemplificar essa situação, tomamos o Estado do Paraná. No ano 2003 analisamos as mudanças na
organização do ensino nas escolas pertencentes ao Núcleo Regional de Educação de Maringá. De um total de
89 escolas estaduais do Ensino Fundamental, apenas 18 optaram, no seu projeto pedagógico, em continuar com
o regime de estudos continuum curricular único, as demais (71 escolas) optaram pelo regime de estudos em
que divide as quatro séries iniciais em dois ciclos. As escolas municipais de Maringá não aderiram ao
continuum curricular único e adotaram o regime seriado na organização do ensino.
41
concepção de como ocorre o conhecimento, buscaram-se alternativas para romper com a
rigidez da seriação.
Ao assumir o conhecimento de forma processual, perde sentido, pelo menos nos
discursos pedagógicos, a avaliação como mera atribuição de nota ou conceito, como meio de
classificação e de controle do aluno; ganham espaço as práticas avaliativas que se utilizam de
diferentes instrumentos para a promoção da aprendizagem dos alunos. Nesse período, toma
força a concepção de avaliação formativa, tendo como seus principais representantes Hadji
(1994), Perrenoud (1986, 1999), Allal, (1986).
Maciel (2003), baseado nas pesquisas desses três autores, destaca os seguintes
aspectos sobre a avaliação formativa:
é integrada à ação formadora;
sempre está a serviço da aprendizagem;
respeita os processos de aprendizagem, os quais são diferenciados;
procura adaptar o ensino às características dos alunos (ensino diferenciado);
atua como forma de prevenção do fracasso escolar;
considera a perspectiva qualitativa do processo de aprendizagem, porém não
desconsidera os aspectos quantitativos;
busca explicar o sucesso ou insucesso dos alunos;
o juízo de valor baseia-se no processo e não no produto da aprendizagem;
utilizam-se diferentes de instrumentos avaliativos para compreender o processo de
aprendizagem;
Os princípios da avaliação formativa constituem um importante avanço para a
compreensão sobre o processo de ensino e aprendizagem quando comparados com a avaliação
restritamente quantitativa. No entanto, avaliar depende do conteúdo, do método, do objetivo,
isto é, do homem que se deseja formar. Contudo, se a avaliação formativa inserida na
organização do ensino que se baseia na valorização dos conhecimentos imediatos em
detrimento ao conhecimento produzido historicamente, na experiência imediata dos
indivíduos e não no processo histórico que constitui esse indivíduo, no interesse e necessidade
da própria criança e não na social, impossibilitará o indivíduo de enxergar para além da
sociedade que o cerca, mais ainda, limitará suas possibilidades de desenvolvimento humano.
42
Duarte (2004) e Facci (2004) afirmam que, atualmente, por meio das idéias
construtivistas, a teoria do professor reflexivo e a pedagogia das competências são formas de
revigoração dos princípios defendidos pelo escolanovismo em meados do século XX. Isto é,
as tendências educacionais anteriormente apresentadas são reconfiguradas para dar conta da
manutenção e adaptação dos indivíduos à sociedade. Utilizando-se das palavras de Duarte
(2004, p. 28-29):
Uma das formas mais importantes, ainda que não única, de revigoramento do
“aprender a aprender” nas duas últimas décadas foi a maciça difusão da
epistemologia e da psicologia genéticas de Jean Piaget como referencial para
a educação, por meio do movimento construtivista que, no Brasil, tornou-se
um grande modismo a partir da década de 1980, defendendo princípios
pedagógicos muito próximos aos do movimento escolanovista. Mas o
construtivismo não deve ser visto como um fenômeno isolado ou
desvinculado do contexto mundial das últimas décadas. Tal movimento
ganha força justamente no interior do aguçamento do processo de
mundialização do capital e da difusão, na América Latina, do modelo
econômico, político e ideológico neoliberal e também de seus
correspondentes no plano teórico, o pós-modernismos e o pós-naturalismo.
Segundo Duarte (2004), a reconfiguração dos princípios escolanovistas revestidos
pelos pressupostos da psicologia genética de Jean Piaget18, preconizam:
o aprender sozinho em detrimento de um processo de transmissão pelo outro, a
aprendizagem é resultado das ações dos alunos sobre a realidade por eles vivida;
o método de aquisição de conhecimentos é mais importante que os conhecimentos
científicos, ou seja, é preciso criar condições para os alunos construírem suas próprias
verdades em contraposição ao processo de transmissão dos conhecimentos existentes;
a atividade dos alunos, para ser verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e
dirigida pelos interesses e necessidades da própria criança.
Diante desse quadro, as propostas educacionais valorizam a formação do sujeito ético
(aprender a ser, aprender a viver juntos), competente (aprender a conhecer, aprender a
aprender), flexível e polivalente (aprender a fazer). Propostas essas que surgem revestidas de
uma retórica democrática e formativa, a qual pressupõe que a educação para todos tem a
18
Jean Piaget (1896-1980), epistemólogo suíço, sua preocupação central consistia na elaboração de uma teoria
que respondesse à questão da origem e do desenvolvimento do conhecimento.
43
capacidade de prover pessoas capacitadas para interagir e colaborar com o novo modo de
acumulação do capital.
O debate entre as tendências críticas e não-críticas, mencionado anteriormente,
continua em pauta. Apesar dos discursos e pesquisas atuais grifarem que houve um avanço na
discussão educacional, de nossa parte salientamos que a retomada dos pressupostos
escolanovistas, mesmo reconfigurados, não apresentam nenhuma novidade, ao contrário,
limitam o debate na mesma circunferência que já ocorria na década de 1980.
Assim, no mesmo ritmo em que a sociedade desenvolve novos produtos de consumo e
estes se tornam rapidamente obsoletos, o conhecimento assume o mesmo caráter imediatista,
superficial e efêmero.
A escola criada pela sociedade capitalista, que é a escola na forma que conhecemos,
tem como objetivo a unificação do pensamento dos homens de maneira a contribuir para a
manutenção desta forma de produzir e garantir a existência humana fundada na apropriação
privada dos bens. Então, a sua função primordial não consiste na formação humana dos
sujeitos, mas garantir a preparação de homens e mulheres para fins mercadológicos.
No entanto, a concepção materialista histórico-dialética permite-nos vislumbrar uma
outra função para a instituição escolar voltada para o desenvolvimento humano genérico. Esta
concepção, ao recuperar a função humanizadora da escola, questiona o processo
desumanizador instalado na sociedade capitalista e defende a escola como a instituição criada
pelos homens para assegurar apropriação dos conhecimentos necessários para participar da
transformação da sociedade. Esta concepção extrapola a apropriação utilitária do
conhecimento, derivada das correntes que defendem a adaptação do indivíduo às exigências
do mercado. Com base nisso, Oliveira (2006, p. 24) afirma que uma das implicações
vigotskianas para o trabalho educativo é que:
[...] a atividade a ser desenvolvida no trabalho educativo é exatamente
aquela que está organizada de modo a que o educando possa desenvolver-se
como sujeito transformador em seu contexto social, não só conhecendo a
complexidade da prática social existente, mas também seus limites no
sentido de contribuir com sua atuação para as transformações desse
contexto e de si mesmo (grifo do autor).
O desenvolvimento do sujeito depende da qualidade dos vínculos que o indivíduo
estabelece com o mundo, isto é, do grau de organização das atividades em relação aos seus
44
fins e motivos, bem como do grau de subordinação desta organização à consciência sobre si e
à autoconsciência. É por isso que acreditamos que o individuo que tem possibilidade de
interagir com o mundo, ao utilizar-se dos conhecimentos científicos das diferentes ciências
como ferramenta, terá oportunidade de alcançar os princípios gerais que proporcionam o
desenvolvimento humano.
Nesse sentido, as condições objetivas devem proporcionar o desenvolvimento das
máximas capacidades intelectuais e o empobrecimento destas condições limita o
desenvolvimento individual. Deste modo, cabe à escola oferecer condições para que os alunos
se desenvolvam. Uma dessas condições seria a possibilidade de apropriação dos
conhecimentos teóricos da diferentes áreas do saber. Segundo Martins (2005, p. 134):
O empobrecimento do universo físico-material e humano que sustenta a
construção da individualidade tem como conseqüência o embotamento da
dinâmica do processo de apropriação-objetivação, por onde os limites
impostos até mesmo para as apropriações de objetivação genéricas em si
tornam-se impeditivos para as apropriações das objetivações genéricas para
si e conseqüentemente para a plena humanização do indivíduo.
Martins (2005, p. 135) afirma que saltos qualitativos no processo de personalização
ocorrem quando os indivíduos ampliam seu campo de atividade, isto é: [...] quando passam a
ser implementadas ações pelas quais a pessoa produz, desenvolve e operacionaliza novas
capacidades, aptidões e propriedades individuais a se colocarem a serviço de sua
humanização”.
Partimos do pressuposto, em conjunto com os autores que defendem a psicologia
histórico-cultural, de que a educação escolar deve possibilitar o pleno desenvolvimento do
gênero humano. Esta é a principal referência para a avaliação do processo de ensino e de
aprendizagem.
A avaliação com o intuito de revelar a essência do fenômeno pedagógico necessita da
relação dialética entre teoria e prática, ensino e aprendizagem, ideal e real, planejamento e
execução. Analisar esta relação configura a dimensão avaliativa da práxis pedagógica.
Práxis no sentido defendido por Sánchez Vázquez (1977, p. 202): “como atividade real,
material, adequada a finalidades”.
Tal entendimento está relacionado com um dos princípios básicos do materialismo
histórico dialético, que, segundo Sánchez Vázquez (1977, p. 143), constitui “o problema das
45
relações entre sujeito e objeto, não só no sentido ontológico, como também gnosiológico, tem
que ser examinado à luz da práxis”, isto é, no processo histórico que forma o sujeito e seu
pensamento. Nesse sentido, a dimensão avaliativa que se baseia nos pressupostos da práxis
pedagógica se amplia para além do sujeito, visto que busca compreender a relação entre
sujeito e objeto na dinâmica da prática. Para que essa avaliação seja possível, é necessário
compreender o modo de produção e de apropriação do conhecimento em relação ao seu
contexto histórico.
Esta forma de avaliação envolve duas dimensões: ideal e real, as quais estão em
constante relação. Nesta relação, o sujeito envolvido no processo de ensino e aprendizagem,
ao executar suas atividades, realiza-as de forma consciente, isto porque partimos do
pressuposto de que o sujeito antecipa em sua mente o resultado que deseja alcançar.
Conforme Sánchez Vázquez (1977, p. 187): “Em virtude dessa antecipação do resultado que
se deseja obter, a atividade propriamente humana tem um caráter consciente”. Neste caso, a
avaliação enquanto práxis pedagógica busca constantemente compreender a relação entre
ideal e real, ou seja, ao avaliar tem que ter em consideração o homem que se deseja formar e
as reais condições para essa formação. Lembrando que tanto o ideal como real devem ser
pensados no processo histórico-cultural.
Pensar a escola dentro de um processo histórico significa pensá-la em toda a sua
complexidade pedagógica, a qual extrapola a relação professor e aluno na sala de aula. À
escola, por envolver espaços físicos e relações sociais, cabe a ela fazer a mediação entre o
contexto histórico ideal e real. Sobre essa questão Sánchez Vázquez (1977, p. 234) argumenta
que: “A relação entre a intencionalidade e resultado não é direta, nem imediata, mas um
processo complexo, no movimento dialético entre a teoria e a prática”. Assim, no momento
em que o professor planeja suas atividades, ele está antecipando os resultados, para isso é
preciso lançar mão de seus conhecimentos teóricos sobre o que irá ensinar e de como o aluno
pode aprender. No processo de execução das atividades juntos aos alunos, ele tem que
analisar, adequar, modificar sua intervenção de modo que possibilite a relação entre o
conhecimento a ser atingido e o conhecimento acumulado pelo aluno.
Nesse sentido, a dimensão avaliativa da práxis pedagógica implica ir além da simples
verificação, constatação ou mesmo interpretação dos dados referentes ao processo ensino e
aprendizagem. Necessita da intervenção pedagógica com o intuito buscar o desenvolvimento
humano dos envolvidos no processo.
46
Avaliação é entendida, aqui como uma forma de compreender a relação
cognoscitiva entre o sujeito e o objeto na objetivação do processo de ensino e
aprendizagem. Objetivação no sentido de atividade não-material, de mudança do
pensamento, no entendimento de que, por meio da apropriação do conhecimento elaborado
socialmente, o homem se humaniza, isto é, integra-se ao mundo humanizado historicamente.
Esta dimensão do processo de apropriação do conhecimento não está separada do
método de “transmissão” dos mesmos, isto é, reconhecer que uma avaliação como processo só
é possível se a compreendemos e a desenvolvemos como um processo.
A avaliação da aprendizagem embasada nos pressupostos teórico-metodológicos da
perspectiva do materialismo histórico dialético significa que a concepção de mundo e de
homem estará subsidiando a dimensão avaliativa da práxis pedagógica, em que a teoria e a
prática, o ideal e o real constituem unidades dialéticas. Nesse sentido, assumimos como teoria
e prática o conjunto de conhecimentos sobre a relação sujeito-objeto no processo de
apropriação do conhecimento, em que os elementos teóricos são acrescidos da forma e
conteúdo do ato de ensinar e aprender, em nosso caso específico, o modo como são
organizados e trabalhados os conhecimentos escolares, particularmente o conhecimento
matemático.
Ao defendermos a avaliação na dimensão da práxis pedagógica, compreendemos que
pressupõe a análise do processo de apropriação dos conhecimentos nas condições de uma
ação efetiva dos sujeitos envolvidos na atividade de conhecer. Assim, a organização do ensino
estará voltada para o ato de ensinar e o ato de aprender, superando as práticas avaliativas
usadas como controle, cujo objetivo é fazer com que o aluno seja obediente, responsável e
participativo para alcançar a nota, finalidade última para o ensino e o aluno.
Dessa forma, o professor e o aluno tornam-se produtores do seu trabalho, sujeitos que
se apropriam do conhecimento em estreita vinculação com a prática social, já que são seres
sociais e não indivíduos independentes uma sala de aula. O aluno passa a compreender seu
processo de apropriação do conhecimento e o professor torna-se sujeito do seu
desenvolvimento profissional, na medida em que produz, realiza o trabalho educativo, reflete
e, se necessário, redireciona suas ações, ao mesmo tempo que ele, também, estará se
desenvolvendo. Ao conceber o ato de ensinar nessa dimensão, podemos afirmar que o
professor se conscientiza do seu trabalho, conforme vai formulando, de maneira articulada,
seu corpo teórico com sua prática docente.
47
A essência da ação de avaliar, nesta perspectiva teórica, é analisar os elementos
culturais
necessários
à
humanização
do
indivíduo,
acompanhar
o
processo
de
desenvolvimento humano não no sentido de conformação, mas de reflexão e intervenção
durante o processo. Para que isto ocorra, é de fundamental importância a mediação do
professor entre o conhecimento científico e o aluno, tendo em vista que o conhecimento
científico não é algo que se apropria diretamente, por meio de atributos observáveis, mas, ao
contrário, necessita de organização para que os sujeitos possam se apropriar da essência dos
conceitos.
A ação de avaliar não se limita a analisar o indivíduo, porém o processo de ensino e
aprendizagem no contexto social, ou seja, as condições objetivas para a apropriação dos
conhecimentos. Sob esta perspectiva, o processo de ensino e de aprendizagem não se explica
pelo biológico e muito menos pela simples condição social do aluno, entra em questão, para
além desses fatores, a concepção de desenvolvimento humano, aprendizagem, ensino, função
social da escola. Assim, a avaliação não pode ser naturalizada, trata-se de um processo que é
sócio-histórico.
Ante o entendimento de que a avaliação é um processo sócio-histórico, torna-se
imprescindível a avaliação constante da aprendizagem do aluno. Como partimos do
pressuposto que a função da escola constitui-se na socialização dos conhecimentos humanos
elaborados historicamente, a avaliação a ser realizada deve evidenciar se essa função está
sendo cumprida. Então, ao contrário do que alguns professores argumentam, a avaliação é um
elemento importante no processo de ensino e aprendizagem. São as avaliações sistematizadas
da aprendizagem escolar que podem elucidar o desenvolvimento dos sujeitos envolvidos no
processo educativo.
Então, antes de avaliar o que a criança aprendeu, é necessário questionar as condições
objetivas do processo de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, concordamos com
Davídov (1982, 1987, 1988) que a concepção, a forma pela qual conhecimento é
desenvolvido na escola possibilitam a formação de um tipo de pensamento, bem como uma
maneira de analisar a aprendizagem dos escolares. Para compreender melhor esse aspecto, no
próximo capítulo desta pesquisa, abordaremos a relação entre desenvolvimento humano,
conhecimento matemático e avaliação.
48
3 DESENVOLVIMENTO HUMANO, CONHECIMENTO MATEMÁTICO E A
AVALIAÇÃO
Hoje, mais do que nunca, os homens precisam
esclarecer teoricamente sua prática social, e regular
conscientemente suas ações como sujeitos da história.
Sánchez Vázquez
No capítulo anterior, vimos que a avaliação é uma ação inerente à atividade humana,
visto que o homem, ao estabelecer, intencionalmente, a finalidade para sua atividade, analisa
as condições de realização antecipadamente e durante o processo, se necessário, faz
modificações para que o resultado final atinja o objetivo idealizado de modo a satisfazer suas
necessidades. O trabalho, atividade que determina a mediação entre o homem e a natureza,
constitui a sua condição universal de humanização. É na relação entre objetivação e
apropriação dos bens culturais produzidos pela humanidade que o homem torna-se humano.
Assim, o processo de humanização depende das condições objetivas para que o
homem se aproprie dos bens produzidos histórica e socialmente pela humanidade. Nesse
sentido, os pesquisadores da psicologia histórico-cultural, dentre eles Vigotski (1989, 1991,
2000, 2004), Leontiev ([197-], 1983, 2001), Luria (1991, 1996), Davídov (1982, 1987, 1988),
Obújova (1987), Kostiuk (1991), defendem a educação como forma universal do
desenvolvimento humano.
Esta concepção de educação constitui-se em uma das teses principais de Vigotski,
subsidiada pelos pressupostos marxistas de que a apropriação da cultura é condição
fundamental para a estruturação do pensamento humano, conseqüentemente, para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Vygotsky (1989) distinguiu duas linhas
qualitativamente diferentes do desenvolvimento: os processos elementares, que são de origem
biológica, ligados às sensações dos cinco sentidos, e as funções psicológicas superiores, de
origem sócio-cultural, que são desenvolvidas por meio da mediação do outro. O referido autor
alerta que “[...] a história do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, seria
impossível sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas, e de seu arranjo
orgânico” (VYGOTSKY, 1989, p. 52).
49
O desenvolvimento das funções psicológicas superiores permite a regulação do
comportamento dos homens, ou seja, a conscientização da sua atividade. No processo de
educação e ensino, cada homem em particular apropria-se dos meios e dos métodos de
pensamento produzidos pela sociedade, convertendo-os em sua própria atividade
(DAVÝDOV, 1982). Esse processo é denominado pelo materialismo histórico dialético de
reprodução. Significa que a produção coletiva dos bens culturais passa a ser subjetivada pelo
indivíduo. Neste sentido, Leontiev (1978, p. 169, grifo do autor) afirma que:
O processo de assimilação ou apropriação é diferente [do animal]; o seu
resultado é a reprodução pelo indivíduo, das aptidões e funções humanas,
historicamente formadas. Pode-se dizer que é o processo pelo qual o homem
atinge no seu desenvolvimento ontogenético o que é atingido no animal, pela
hereditariedade, isto é, encarnação do desenvolvimento da espécie.
Para o homem encarnar o desenvolvimento da espécie humana, é necessário apropriarse dos bens culturais, ou seja, como afirma Saviani (1985, p. 80), do “próprio modo como é
produzida a existência humana”. Às produções sócio-históricas do gênero humano, que
garantem e facilitam sua vida, entre elas os instrumentos, as técnicas e as idéias, é dado o
nome de cultura.
Vigotski (2004) defende que o pensamento por conceitos se constitui no meio mais
adequado para compreender a realidade. Por meio do domínio dos bens culturais, tais como: a
linguagem, a escrita, a aritmética, o homem é capaz de se apropriar do fenômeno na sua
essencialidade. Assim, possibilitar a apropriação dos conceitos às crianças é uma forma de
integrá-las à sociedade em que vivem, isto é, proporcionar ao indivíduo o domínio dos meios
externos do desenvolvimento da cultura e do pensamento.
Nesta direção, Vigotski estabelece uma distinção entre os conceitos espontâneo ou
cotidiano e científico. O conceito cotidiano é aquele que os sujeitos se apropriam pela relação
direta e espontânea com o objeto, não tendo consciência do conceito que está sendo
apropriado. O conceito científico, por sua vez, pressupõe uma relação mediada com o objeto.
Sua fonte é a aprendizagem sistematizada, necessária para a formação da consciência do
conceito. Segundo Vigotski (2000, p. 348):
[...] o conceito espontâneo da criança se desenvolve de baixo para cima, das
propriedades mais elementares e inferiores às superiores, ao passo que os
conceitos científicos se desenvolvem de cima para baixo, das propriedades
50
mais complexas e superiores para as mais elementares e inferiores. Essa
diferença está vinculada à referida relação distinta dos conceitos científico e
espontâneo com o objeto.
Essa distinção não significa independência e sim inter-relação.
O desenvolvimento do conceito espontâneo da criança deve atingir um
determinado nível para que a criança possa aprender o conceito científico e
tomar consciência dele. Em seus conceitos espontâneos, a criança deve
atingir aquele limiar além do qual se torna possível a tomada de consciência
(VIGOTSKI, 2000, p. 349).
Por exemplo: a criança desde muito pequena aprende a quantificar, utilizando-se da
forma como os adultos ou crianças mais experientes usam o número, destacando seu aspecto
utilitário. Porém, ao quantificar, nem sempre elas têm a compreensão matemática do conceito
número. Esta compreensão será possível por meio do ensino sistematizado sobre o controle de
quantidades, o qual possibilitará que a criança aproprie-se do conceito de número.
Neste sentido, a escola é considerada o espaço por excelência de desenvolvimento dos
conceitos científicos, a instituição capaz de fazer a mediação entre os conceitos cotidianos e o
científico. Nas palavras de Saviani (1991, p. 29): “Em suma, pela mediação da escola, dá-se a
passagem do saber espontâneo ao saber sistematizado, da cultura popular à cultura erudita”.
Por isso, a escola não deve considerar apenas o conhecimento que o aluno possui, mas
por meio da intervenção pedagógica, é necessário possibilitar, sobretudo, a elaboração e a
sistematização dos conhecimentos que ainda não possui. Conforme Duarte (2007, p. 93):
O indivíduo humano se faz humano apropriando-se da humanidade
produzida historicamente. O indivíduo se humaniza reproduzindo as
características historicamente produzidas do gênero humano. Nesse sentido,
reconhecer a historicidade do ser humano significa, em se tratando do
trabalho educativo, valorizar a transmissão da experiência histórico-social,
valorizar a transmissão do conhecimento socialmente existente.
De acordo com esses pressupostos, faz-se necessário questionarmos qual é o
conhecimento matemático que influência na promoção dos indivíduos, isto é, que potencializa
a sua humanidade. Para refletirmos sobre esta questão, basear-nos-emos nos estudos
51
desenvolvidos por Davídov (1982, 1987, 1988) sobre a relação entre conhecimento
matemático e formação do pensamento teórico.
3.1 A formação do pensamento teórico nos escolares
Vasili V. Davídov (1930-1998) foi membro da Academia Russa de Educação, doutor
em psicologia, professor universitário e desenvolveu, junto com D. B. Elkonin19,
investigações em várias escolas russas com o objetivo de reorganização do ensino para a
reforma educacional na URSS em 1984. Esses estudos tiveram longa duração: em torno de 25
anos (1959 – 1984). O objetivo das investigações era elevar a qualidade do ensino e da
educação, com o intuito de superar os métodos de estudos que consistiam no ensino ligado,
fundamentalmente, à teoria do pensamento empírico que não proporcionavam o
desenvolvimento mental das crianças.
Para isso, Davídov fundamentou-se nas principais teses vigotskianas, especialmente
no entendimento de que aprendizagem e desenvolvimento são processos mediados e que a
educação e o ensino constituem formas universais do desenvolvimento mental. Nesse sentido,
defende a escolarização como fundamental para a apropriação dos conhecimentos científicos
e para o desenvolvimento do pensamento.
Davídov (1982, 1987, 1988) desenvolveu estudos para explicar a importância do
desenvolvimento do pensamento teórico nos escolares. Ele diferencia dois tipos de
pensamento: o empírico e o teórico. E reforça que o objetivo principal da educação escolar é
possibilitar que o indivíduo se aproprie do pensamento teórico. Davídov (1988, p. 125,
tradução nossa) advoga que:
O conteúdo do pensamento teórico é a existência mediatizada, refletida,
essencial. O pensamento teórico é o processo de idealização de um dos
aspectos da atividade objetivo-prática, a reprodução, nela, das formas
universais das coisas. Tal reprodução tem lugar na atividade laboral das
pessoas como peculiar experimento objetivo-sensorial. Logo este
experimento adquire cada vez mais um caráter cognoscitivo, permitindo às
pessoas passar, com o tempo, a realizar os experimentos mentalmente.20
19
As pesquisas de Daniil B. Elkonin (1904-1984) concentraram-se sobre a periodização do desenvolvimento
humano e a aprendizagem escolar.
20
No texto, em espanhol, lê-se: “El contenido del pensamiento teórico es la existência mediatizada, reflejada,
esencial. El pensamiento teórico es el proceso de idealización de uno de los aspectos de la actividad objetalprática, la reproducción , en ella, de las formas universales de las cosas, /tal reprodución tiene lugar en la
52
Contrário a isso, tem-se o pensamento empírico que tem caráter externo, imediato.
Nesta forma de pensar, as representações gerais estão ligadas, diretamente, com a atividade
prática e os dados são obtidos da atividade sensorial das pessoas. Deste modo, a relação do
homem com o conhecimento reduz-se à descrição dos objetos circunstanciais, em que a
comparação constitui a via principal de formação do conceito, o qual é expresso pela
utilização de palavras-termo. Nesse sentido, Davýdov (1982, p. 296-297, grifos do autor)
afirma que:
[...] a formação de representações sensoriais gerais, diretamente entrelaçadas
com a atividade prática, cria as condições para uma atividade espiritual
muito complexa, a que está aceito chamar de pensamento. Característico
desta formação e emprego de palavras – denominações genéricas que
permitem dar à experiência sensorial a forma de generalidade abstrata.
Graças a esta forma cabe generalizar a experiência nos juízos e empregá-la
nas deduções. Dessa generalidade, baseada no princípio de identidade
puramente formal e abstrata, é uma peculiaridade do pensamento empírico,
[...] Se constitui nos homens como forma verbalmente expressa e
transfigurada da atividade dos “sentidos-teóricos”, entrelaçada com a vida
real. É um derivado direto da atividade objetivo-sensorial dos homens
(tradução nossa)21.
Mesmo fazendo distinção entre o pensamento empírico e o teórico, Davídov (1988, p.
124-125, tradução nossa) salienta que:
[...] é necessário sublinhar que o fundamento e a fonte de todos os
conhecimentos do homem sobre a realidade são as sensações e as
percepções, dados sensoriais. Porém os resultados da atividade dos órgãos
dos sentidos do homem são expressos por este em forma verbal, a que
acumula a experiência de outras pessoas22.
actividad laboral de las personas, como peculiar experimento objetal-sensorial. Luego este experimento adquiere
cada vez más un carácter cognoscitivo, permitiendo a las personas pasar, con el tiempo, a los experimentos
realizados mentalmente” (DAVÍDOV,1988, p. 125).
21
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] la formación de representaciones sensoriales generales, directamente
entrelazadas con la actividad práctica, crea las condiciones para una actividad espiritual muy compleja, ala que
está aceptado llamar pensamiento. Característico de él es la formación y empleo de palabras-denominaciones
genéricas que permiten dar a la experiencia sensorial la forma de generalidad abstracta. Gracias a esta forma
cabe generalizar a experiencia en lo juicios y emplearla en las deducciones. Dicha generalidad, basada en el
principio de identidad puramente formal y abstracta, es una peculiaridad del pensamiento empírico, […] Se
constituye en los hombres como forma verbalmente expresada y transfigurada de la actividad de los “sentidosteóricos”, entrelazada con la vida real. Es un derivado directo de la actividad objetiva-sensorial de los hombres”
(DAVÝDOV, 1982, p. 296-297, grifos do autor).
22
“[...] es necesario subrayar que el fundamento y la fuente de todos os conocimientos del hombre sobre la
realidad son las sensaciones y las percepciones, los dados sensoriales. Pero los resultados de la actividad de los
53
Então, a partir da atividade prática dos sujeitos e do seu pensamento empírico sobre a
realidade, é possível desenvolver o pensamento teórico, há uma relação de interdependência
entre esses dois tipos de pensamento. Podemos estabelecer um paralelo desta relação de
interdependência entre o pensamento empírico e o teórico, defendida por Davídov, e a relação
também de interdependência entre os conceitos cotidianos e científicos trabalhada por
Vigotski.
Davídov enfatiza que o conteúdo da escola não deve se restringir aos conhecimentos
empíricos apropriados pelos homens na relação direta com os objetos circundantes, ao
contrário, é necessário possibilitar aos escolares a formação do pensamento teórico. Com isso,
a fonte do trabalho pedagógico são os conhecimentos científicos das diferentes áreas do saber.
A verdadeira realização do princípio do caráter científico está internamente
ligada com a mudança do tipo de pensamento, projetado por todo o sistema
de ensino, isto é, com a formação das crianças, já desde os primeiros graus,
das bases do pensamento teórico, que está no fundamento da atitude criativa
do homem sobre a realidade (DAVÍDOV, 1987, p. 150, tradução nossa)23.
Desse modo, a formação das bases do pensamento depende da concepção, do conteúdo
e da metodologia adotada na organização do ensino. Esta tese de Davídov está de acordo com
a relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano investigada por Vigotski, que será
apresentada a seguir.
3.2 A relação entre aprendizagem e desenvolvimento
Vigotski (2000) destacou três abordagens sobre aprendizagem e desenvolvimento, que
são:
1)
Aprendizagem e desenvolvimento: processos independentes;
2)
Aprendizagem e desenvolvimento: processos idênticos;
órganos de los sentidos del hombre son expresados por este en forma verbal, la que acumula la experiencia de
otras personas” (DAVÍDOV, 1988, p. 125).
23
No texto, em espanhol, lê-se: “La verdadera realización del principio del carácter científico esta internamente
ligada con el cambio del tipo de pensamiento, proyectado por todo el sistema de enseñanza, es decir con a
formación de los niños, ya desde los primeros grados, de las bases del pensamiento teórico, que está en el
fundamento de la actitud creativa del hombre hacia la realidad” (DAVÍDOV, 1987, p.150).
54
3)
Aprendizagem e desenvolvimento: processos diferentes e relacionados.
Após Vigotski fazer a análise sobre estas três abordagens, ele caracteriza sua
concepção sobre aprendizagem e desenvolvimento, lançando novos pressupostos para a
compreensão desta relação, bem como definindo o papel decisivo da educação e do ensino
para o desenvolvimento humano. Para nossa explicitação, seguiremos a mesma organização
feita por Vigotski.
De acordo com a primeira abordagem, que concebe a aprendizagem e o
desenvolvimento como independentes entre si, o desenvolvimento da criança constitui-se
em um processo de maturação do sujeito segundo as leis naturais e a aprendizagem é
meramente exterior às oportunidades criadas pelo processo de desenvolvimento. Um dos
principais representantes desta corrente é o epistemólogo Jean Piaget.
A aprendizagem, nesta concepção, dependeria do surgimento de novas estruturas e do
aperfeiçoamento das antigas. Isto significa que a aprendizagem não pode influenciar o
desenvolvimento, ou seja, que as formas superiores de pensamento são desenvolvidas mesmo
que a criança não freqüente o ensino escolar.
A relação entre o desenvolvimento, a aprendizagem e o meio em que a criança vive
também é vista de forma desconectada. Embora ressalte a interação com o meio, trata-se de
uma interação baseada na premissa da necessidade de certo grau de maturação das funções
psíquicas particulares. Dessa maneira, a atuação do meio fica reduzida à mudança do
indivíduo, é algo meramente externo. Em poucas palavras, esta concepção prioriza o processo
de desenvolvimento em detrimento da aprendizagem. “O desenvolvimento deve concluir
certos círculos de leis, determinadas funções devem amadurecer antes que a escola passe a
lecionar determinados conhecimentos à criança. Os ciclos do desenvolvimento sempre
antecedem os ciclos da aprendizagem” (VIGOTSKI, 2004a, p. 468).
Leontiev ([197-], p. 197) afirma que esta concepção de desenvolvimento e
aprendizagem está ancorada nos pressupostos da velha psicologia idealista, segundo a qual:
[...] a criança possuiria por natureza a faculdade de efetuar processos mentais
inferiores, que os fenômenos que agem sobre a criança apenas fariam
provocar estes processos e enriquecê-los com um conteúdo cada vez mais
complexo, e que o seu desenvolvimento se reduziria a isso.
55
Mesmo os estudos piagetianos tendo como pressuposto que o conhecimento é
constituído na interação do sujeito com o meio externo (objetos e pessoas), contudo, fica
evidenciado na sua teoria o aspecto funcional do pensamento, a prioridade reside no processo
de desenvolvimento, o qual está ligado à totalidade das estruturas. Vigotski (2000, p. 299)
define essa relação da seguinte forma: “É como se aprendizagem colhesse os frutos do
amadurecimento da criança, mas em si mesma a aprendizagem continua indiferente ao
desenvolvimento. A memória, a atenção e o pensamento da criança já se desenvolveram a um
nível que permite aprender a linguagem escrita e aritmética”.
Esta forma de conceber a aprendizagem e o desenvolvimento como processos
separados implica que o conteúdo que a criança aprendeu não possibilita uma mudança no seu
desenvolvimento intelectual. Com isso, a importância do ensino fica diminuída, colocando em
xeque a função social da educação escolar, visto que essa concepção considera o
desenvolvimento no seu aspecto natural, ou seja, todo o ser humano é capaz de alcançá-lo e o
processo pedagógico deve-se adaptar ao desenvolvimento psíquico da criança. Esta
abordagem desvaloriza as práticas educativas, podendo até serem dispensadas.
A segunda abordagem, citada anteriormente, considera que a aprendizagem e o
desenvolvimento são fundidos um no outro, tornando-se idênticos e paralelos. A criança,
ao aprender, desenvolve-se e, ao se desenvolver, aprende. Vigotski (2000) salientou, nessa
perspectiva, que o desenvolvimento segue passo a passo atrás da aprendizagem, como sombra
atrás do objeto projetado.
Tal abordagem é sustentada pelas concepções associativistas da psicologia, tendo
como representantes William James24 e Thorndike25. Van der Veer e Valsiner (2001, p. 357)
afirmam que: “Vygotsky via Thorndike como um representante dessa categoria de
pensamento, por este ter desenvolvido esta idéia até seu ponto extremo, afirmando que
aprendizagem e desenvolvimento cognitivo na verdade coincidem”.
Para os defensores desta concepção, o processo de associação na relação estímulo –
resposta (E – R) conduziria à atividade intelectual. Ao estudar tal abordagem, Leontiev
([197-], p. 199) a critica, ressaltando que “[...] o processo de atualização das associações não é
24
William James (1842-1910) é considerado precursor da corrente psicológica funcionalista nos Estados Unidos.
Enfatizou a importância do “[...] pragmatismo na psicologia, cuja doutrina baseia-se na comprovação da validade
de uma idéia ou um conceito mediante a análise das conseqüências práticas. A conhecida expressão do ponto de
vista pragmático ‘se funcionar, é verdadeiro’” (SCHULTZ; SIDNEY, 2005, p. 165).
25
Edward L. Thorndike (1874-1949) foi um dos principais expoentes, junto com John B. Watson (1878-1958),
da teoria behaviorista de aprendizagem, desenvolvida, sobretudo nos Estados Unidos, a partir dos anos 30. “O
termo behaviorismo engloba todas as teorias de condicionamento S-R” (BIGGE, 1977, p. 51).
56
de modo algum idêntico ao processo de atividade intelectual que é senão uma das condições e
um dos mecanismos da sua realização”. O autor reforça, ainda, que há uma omissão sobre o
encadeamento principal e a condição essencial dos processos de apropriação, que são as ações
da criança – base real destes processos. A justificativa para a omissão é a falta de fundamento
teórico-prático.
A abordagem associacionista concebe que a qualidade específica de uma sensação é
determinada pelas propriedades do receptor e das vias nervosas condutoras. Desta forma, as
causas exteriores não afetam qualquer sensação, isto é, os processos motores da sensação
estão dados, dependendo apenas do condicionamento. Assim, as leis de desenvolvimento são
entendidas como leis naturais e, do mesmo modo, explica-se a aprendizagem, a qual ocorre
simultaneamente e sincronizada com o desenvolvimento.
A função do ensino, nesta abordagem, seria simplesmente a organização do
comportamento, até porque não interferiria na mudança das leis naturais do desenvolvimento.
A aprendizagem, realizada de forma mecânica, não conscientizada, aconteceria por meio de
ensaio e erro até chegar ao resultado positivo, tornando o treinamento de habilidades uma das
principais funções da educação escolar. Desse modo, o ensino estaria priorizando o
desenvolvimento das funções psíquicas elementares, visto que a ação de treinar habilidades
não implica em desenvolver as outras funções – superiores – com intencionalidade.
Na primeira abordagem, há uma relação entre o tempo, o desenvolvimento e a
aprendizagem, isto é, para aprender, primeiramente, é necessário desenvolver-se, o que ocorre
por meio da maturação do sistema nervoso. Na segunda abordagem, tal relação não ocorre,
uma vez que os processos são idênticos e correspondentes. Segundo Bernardes (2006, p. 41),
“[...] os aspectos internos decorrentes da maturação do sistema nervoso determinam as
possibilidades de aprendizagem, assim como, em medida correspondente, a aprendizagem
categoriza as possibilidades do desenvolvimento das capacidades humanas”.
Se, na primeira abordagem, a função do ensino fica limitada, nesta abordagem, tal
quadro não se modifica, uma vez que a aprendizagem e o desenvolvimento são concebidos
como inatos e caberia ao ensino a simples organização e mudança do comportamento. O papel
do ensino consistiria na conformação desses processos apoiados na dominação dos reflexos
condicionados.
A terceira abordagem concebe a aprendizagem e o desenvolvimento como processos
diferentes e relacionados. Esta abordagem tem como principal representante o estudioso
57
Kofka26.Trata-se de uma tentativa de ocupar um meio termo entre as duas abordagens
anteriores por meio da unificação dos dois pontos de vista contidos nas abordagens anteriores.
Em função disso, a relação entre desenvolvimento e aprendizagem é tomada com duplo
caráter. Por isso, para Vigotski (2000), esta abordagem não só deixa de explicar claramente a
relação entre desenvolvimento e aprendizagem, como torna-a mais confusa ainda.
Para esta concepção, é necessário diferenciar quando o desenvolvimento é maturação e
quando ele é aprendizagem. Quando Kofka concebe o desenvolvimento como maturação,
alia-se à primeira abordagem, em que aprendizagem e desenvolvimento são independentes.
Quando assume que desenvolvimento também é aprendizagem, junta-se aos pressupostos da
segunda abordagem, em que o desenvolvimento e a aprendizagem são fundidos um no outro.
Segundo Vigotski (2000), este estudioso consegue até visualizar a interdependência entre os
dois elementos quando verifica que a aprendizagem influência até certo ponto a maturação e
vice-versa, porém não explica essa influência, fica apenas no reconhecimento.
Kofka diverge das abordagens anteriores, porque não concebe a aprendizagem como
específica e não a reduz à formação de habilidades. Isto ocorre porque, segundo o autor, o
indivíduo não reage de forma cega e automática aos estímulos e pressões do meio, ou seja,
sua conduta depende da compreensão da situação. Desta forma, pode-se dizer que ele amplia
a função da aprendizagem.
Vigotski (2000) verificou que a terceira abordagem não rompe com o dualismo entre o
desenvolvimento e a aprendizagem. Contudo, ao distinguir aprendizagem de maturação,
acrescenta algo novo nesta relação, que é a possibilidade da aprendizagem produzir o
desenvolvimento, apesar de considerar o desenvolvimento sempre um conjunto maior que o
aprendizado. Nesse sentido, observou que “[...] a aprendizagem pode ir não só atrás do
desenvolvimento, não só passo a passo com ele, mas pode superá-lo, projetando-o para frente
e suscitando nele novas formações” (VIGOTSKI, 2000, p. 303). Explicar esse conteúdo novo
para a relação entre aprendizagem e desenvolvimento consistiu no principal trabalho de
Vigotski.
A realização do estudo comparativo sobre as abordagens psicológicas do
desenvolvimento e da aprendizagem, sinteticamente por nós apresentadas, foi importante para
que Vigotski pudesse lançar seus pressupostos teóricos de forma que superassem, por
incorporação, as teorias vigentes sobre esses dois processos. Tomando como base os aspectos
26
Kurt Kofka (1886-1941) foi um dos representantes da teoria de campo Gestalt, que teve sua origem na
Alemanha durante a primeira parte do século XX (BIGGE, 1977).
58
contraditórios apresentados nas abordagens anteriores, ele concluiu que há uma unidade entre
estes dois elementos e não apenas uma identidade ou coincidência. Assim, concebe que o
desenvolvimento e a aprendizagem são diferentes, porém articulados entre si, numa
relação dialética. Entre outras palavras: a aprendizagem influencia o desenvolvimento, assim
como o desenvolvimento influência a aprendizagem. Isto ocorre, porém, não apenas em um
espaço reservado e único, mas na vivência social. Tal concepção supera as dicotomias
defendidas pelas concepções anteriores. Vigotskii (2001, p. 115) nega a relação de identidade
entre desenvolvimento e aprendizagem quando afirma que:
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta
organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental,
ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não
poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um
momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na
criança essas características humanas não-naturais, mas formadas
historicamente.
Sua defesa evidencia que a aprendizagem não pode ir atrás do desenvolvimento, como
postula a abordagem idealista; nem só passo a passo com ele, como defendem os
associacionistas, mas pode superar o desenvolvimento, projetando-o para a frente e
provocando nele novas formações.
É com base neste pressuposto que Vigotskii (2001) elabora sua principal tese que
considera que a boa aprendizagem é aquela que se adianta e conduz o desenvolvimento. Desta
forma, ele, além de valorizar a aprendizagem como a promotora do desenvolvimento humano,
delega à educação e ao ensino um importante papel nesse processo. Este pressuposto é de
fundamental importância para a educação escolar por colocá-la em um grau de extrema
relevância na constituição do desenvolvimento humano.
Isto ocorre porque, de acordo com a perspectiva vigotskiana, a aprendizagem sai do
contexto da mecanização e do treinamento de habilidades que, na maioria das vezes, ficam
restritas às funções elementares e, conseqüentemente, pouco influenciam as funções
psicológicas superiores (memória, atenção, pensamento, consciência). Tais funções não só se
distinguem por estruturas mais complexas, como auxiliam a formação de outras
absolutamente novas, possibilitando a formação de sistemas funcionais complexos.
59
Com o objetivo de comprovar sua tese, Vigotski realiza uma série de investigações
sobre a aprendizagem e o desenvolvimento. Estas investigações inserem-se no campo da
psicologia escolar e analisa o ensino das matérias escolares básicas: leitura, escrita, aritmética
e ciências naturais. Ele conclui que: “[...] toda aprendizagem escolar, tomada no aspecto
psicológico, gira sempre em torno do eixo das novas formações básicas da idade escolar: a
tomada de consciência e apreensão” (VIGOTSKI, 2000, p. 321).
Para tornar suas conclusões mais claras, Vigotski cita o exemplo do ensino de
aritmética, em que suas pesquisas revelaram que o desenvolvimento não termina no momento
de assimilação de alguma operação ou de algum conceito científico, ao contrário, apenas
começa. Assim, o desenvolvimento não coincide com a aprendizagem do programa escolar,
ele se realiza por outros ritmos, tem sua própria lógica. Conforme Vigotski (2000, p. 322),
“[...] a criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica antes de aprender a
aplicá-los de modo consciente”. Isso significa que a aprendizagem está à frente do
desenvolvimento.
Outra conclusão importante sobre as pesquisas realizadas foi a de que: “[...] o
pensamento abstrato da criança se desenvolve em todas as aulas, e esse desenvolvimento de
forma alguma se decompõe em cursos isolados de acordo com as disciplinas que se decompõe
o ensino escolar” (VIGOTSKI, 2000, p. 325). Isto implica defender que, quando a criança
aprende, ela está desenvolvendo a estrutura de pensamento que pode ser transferida para
outros campos de conhecimento, já que as funções psíquicas superiores desenvolvem-se num
processo complexo e uno em que: “[...] a tomada de consciência e a apreensão são essa base
comum a todas as funções psíquicas superiores cujo desenvolvimento constitui a nova
formação básica da idade escolar” (VIGOTSKI, 2000, p. 326). Nesse sentido, a consciência é
compreendida como sendo a forma mais elevada de reflexão sobre a realidade (LURIA,
1991).
A preocupação de Vigotski, ao realizar suas investigações sobre as diferentes
abordagens que tratam da relação entre aprendizagem e desenvolvimento, era compreender o
nível de desenvolvimento intelectual da criança. Para isso, o autor elabora dois conceitos:
desenvolvimento atual ou real e zona de desenvolvimento proximal. O primeiro constitui-se
nos conhecimentos que a criança já possui, o que ela consegue realizar sozinha. O segundo
são os conhecimentos que a criança terá capacidade de se apropriar por meio das mediações
culturais ao longo de sua vida. Isto é: o intervalo entre que é capaz de realizar sozinha e o que
será capaz de fazer com a mediação do outro mais experiente.
60
[...] define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas estão em
processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão
presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas
de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do
desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o
desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de
desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental
prospectivamente (VYGOTSKI, 1989, p. 97).
Diante disso, Vigotski defende que analisar o que a criança é capaz de fazer com a
ajuda do outro é um importante indicativo para compreender seu desenvolvimento mental e
também é determinante para entender a relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento.
Tal pressuposto, para a avaliação da aprendizagem escolar, objeto de nossa investigação, é de
suma importância, visto que coloca aos profissionais da educação a possibilidade de analisar a
aprendizagem sobre aquilo que ainda não está “amadurecido”, fazendo com que se
compreenda o significado do processo de apropriação do conhecimento entre o
desenvolvimento real, ou seja, aquilo que está formado, instituído, e aquilo que está por se
formar, instituinte. A zona de desenvolvimento proximal aparece como um campo de
possibilidades para a aprendizagem (ARAUJO, 2003) e para avaliação.
3.3 A concepção de desenvolvimento e aprendizagem em Vigotski e a avaliação
A concepção de desenvolvimento e aprendizagem proposta por Vigotski apresenta
elementos importantes para explicar a avaliação da aprendizagem como processo contínuo e
realizado sistematicamente durante a execução das atividades escolares, na interação
professor – conhecimento – criança. Conforme defende Vigotsky (1991, p.44):
Isto significa que com o auxílio deste método podemos medir não só o
processo de desenvolvimento até o momento presente e os processos de
maturação que já se produziram, mas também os processos que estão
ocorrendo ainda, que só agora estão amadurecendo e desenvolvendo-se.
Desse modo, a avaliação escolar torna-se uma ação essencial para o acompanhamento
do desenvolvimento do aluno ao possibilitar analisar uma relação qualitativa entre a atividade
61
de ensino elaborada pelo professor e a atividade de aprendizagem realizada pelos alunos. Essa
perspectiva também encontra sustentação no pressuposto vigotskiano de que a mediação do
professor ou do outro mais experiente, ao atuarem na zona de desenvolvimento proximal do
aluno, poderá promover o seu desenvolvimento.
Sendo assim, o professor necessita ser um observador perspicaz das ações de
aprendizagem da criança. Vigotski (2000) cita um exemplo interessante. Em seus estudos
sobre a importância do brincar, do jogar na educação infantil, relata que estas atividades se
constituem como principal fonte para a criança desenvolver-se e revelar seu desenvolvimento.
Assim, o professor, como um observador perspicaz, analisa tal processo para intervir. Porém,
infelizmente, o que percebemos nas práticas escolares da educação infantil é que pouco se
observam as crianças brincando e seus processos de aprendizagem. Os exercícios repetitivos,
nas folhas de papel, direcionados às crianças tomam o maior espaço no trabalho pedagógico.
Nesse período de escolarização, os jogos e as brincadeiras até são tomados como núcleo do
trabalho com a criança, no entanto não se explora a relação entre brincar, aprender e
desenvolver-se.
Culturalmente, as práticas avaliativas têm reforçado, por meio da aplicação de provas
e testes, o que a criança já sabe, classificando-a, com o objetivo de aprovar e reprovar, isto é,
dar o veredicto final. O processo de ensino e aprendizagem é analisado pelo seu produto, não
pelo seu processo. O pior dessa prática avaliativa é que os resultados não são tomados para
refletir sobre o trabalho pedagógico. Seus objetivos são muito mais burocráticos e imediatos,
com isso não influenciam nem o ensino e muito menos a aprendizagem, revelando uma
dissociação entre esses dois elementos cruciais das práticas escolares. Em poucas palavras,
essa forma de avaliar constitui-se em uma pseudo-avaliação ou uma avaliação estática.
Segundo Lunt (1994, p. 228, grifos da autora):
As técnicas de avaliação estática concentram-se no que a criança já sabe e,
portanto, no produto da aprendizagem, e no que ela sabe fazer por si
mesma. A intenção desses procedimentos é estabelecer níveis de
competência, que freqüentemente são confundidos e usados como medidas
de potencial.
É possível inferir que a prática avaliativa estática foi influenciada pela perspectiva
psicológica psicométrica, em que baterias de testes eram realizadas com o objetivo de
identificar o nível de desenvolvimento do sujeito. De acordo com essa ótica, avalia-se o
62
desenvolvimento já completado e o ensino deverá direcionar suas práticas tendo como
referência esses dados. A lógica dessa prática avaliativa é a da resposta certa, porque, para a
sociedade, era o que importava.
A proposta vigotskiana reverte tal concepção ao mostrar a importância capital de
analisar o que a criança é capaz de realizar com a ajuda do outro, do mediador, possibilita
uma avaliação prospectiva, mediante uma relação dinâmica entre retrospecção e prospecção.
O desafio consiste em acompanhar o processo de apropriação do conhecimento, focando na
interação com o outro e verificando se o ensino incide na zona de desenvolvimento proximal.
Lunt (1994) desenvolveu um estudo sobre a avaliação na perspectiva vigotskiana,
estabelecendo distinções entre avaliação estática e dinâmica. No quadro a seguir são
apresentadas as principais características destes dois tipos de avaliação.
AVALIAÇÃO ESTÁTICA
Pressupõe a existência no indivíduo de características
fixas e mensuráveis.
O progresso é controlável;
A avaliação é realizada por nível de competência,
freqüentemente confundida e usada como o potencial
da criança (aproveitamento como sinônimo de
potencial);
A avaliação é individual;
Concentra-se no que a criança já sabe (produto da
aprendizagem), destacando os resultados;
A avaliação é retrospectiva, descritiva e prognóstica;
Evidencia os dados quantitativos, não permitindo uma
exploração mais ampla das funções psicológicas;
As informações colhidas nas avaliações não subsidiam
o ensino;
Valoriza os testes de QI;
A criança é isolada do seu contexto.
AVALIAÇÃO DINÂMICA
A aprendizagem e o desenvolvimento estão em
movimento;
O potencial da criança será revelado por meio das
interações que estabelece;
A avaliação é realizada tanto coletiva como
individualmente;
Há interação dinâmica entre o aluno e o professor;
A ênfase recai em como a criança aprende. O foco está
no processo de aprendizagem, analisando o que a
criança pode fazer com a ajuda do outro (mediador);
A avaliação é prospectiva;
Evidencia os dados qualitativos, objetivando
compreender a relação entre a aprendizagem e o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores;
A avaliação tem o potencial para revelar informações
importantes sobre as estratégias e processos de
aprendizagem, oferecendo sugestões úteis sobre o
ensino;
Valoriza a análise da atividade em sala de aula.
Quadro 1 – Características da avaliação estática e dinâmica
De acordo com Lunt (1994), a prática avaliativa que segue os pressupostos de Vigotski
enquadra-se na perspectiva de avaliação dinâmica, como demonstramos quadro acima, seu
foco está na compreensão da qualidade de aprendizagem e o objetivo é revelar as mudanças
psicológicas do aluno ao longo do processo educacional. Segundo Martins (2005, p. 73):
63
Tal avaliação também deve contemplar o desenvolvimento das funções
psicológicas que estão implicadas nas atividades propostas pelo professor:
será através dessas atividades que a criança desenvolverá o seu pensamento,
a linguagem, a atenção voluntária, a memória, estabelecerá relações e
correlações, etc.
Os estudos de Vigotski fornecem elementos que possibilitam a organização de
métodos de análise sobre os processos de aprendizagem, o potencial de aprendizagem e o
desenvolvimento dos indivíduos (diagnóstico e prognóstico), oferecendo informações para a
reestruturação do ensino voltado à promoção humana.
Desta forma, as práticas avaliativas baseadas nesta perspectiva privilegiam formas
mais interativas e qualitativas de aprendizagem, analisando o que a criança não sabe fazer
sozinha, isto é, explorando a natureza do potencial de aprendizagem na zona de
desenvolvimento proximal, por isso constitui-se em uma avaliação prospectiva. Lunt (1994, p.
234) afirma que:
[...] qualquer avaliação que não explore a zona de desenvolvimento proximal
é apenas parcial, já que só leva em conta as funções já desenvolvidas e não
aquelas que estão em processo de desenvolvimento e que, por definição,
desenvolvem-se por meio da atividade colaborativa.
Nesta concepção de avaliação, o valor da interação está imbricado, fundamentalmente,
com a forma como a criança se apropria dos conhecimentos: primeiramente, nas relações com
os outros – interpsicológicas – para, depois, incidir no plano individual (intrapsicológica), ou
seja, na dinâmica dialética entre o social e o individual, entre o externo e o interno. Deste
modo, conforme Martins (2005, p. 56),
[...] é o exercício social do conhecimento que permitirá aos alunos dar
sentido próprio para o conhecimento oferecido na escola. Essa concepção
revela o movimento na avaliação, buscando dar conta da complexidade do
ensinar e aprender, como elementos essenciais à promoção humana.
Esta síntese que realizamos sobre a aprendizagem e desenvolvimento humano fornece
subsídios para a compreensão sobre a relação entre a matemática e a formação do
pensamento, que será tratada a partir de duas distintas concepções sobre o ensino de
matemática, por nós denominadas de: matemática empírica e matemática teórica. A primeira
64
refere-se à organização do ensino que privilegia os aspectos sensoriais e observáveis desta
área de conhecimento e a segunda consiste no trabalho com a unidade fundamental dos
conhecimentos matemáticos, considerados imprescindíveis para o desenvolvimento do
pensamento teórico.
3.4 Matemática empírica e a formação do pensamento empírico
A matemática que ora denominamos de empírica está fundamentada pelos
pressupostos da lógica formal do pensamento, em que os conceitos matemáticos são
ensinados de acordo com o formalismo e rigor das estruturas matemáticas, uma vez que o
conhecimento é visto como algo pronto e acabado, desconsiderando seus aspectos sóciohistóricos. Assim, o ensino é reduzido à transmissão de conhecimentos sem significação
social para os alunos. Estes conhecimentos os escolares aprendem porque fazem parte da
ciência, porém descaracterizando seu processo dinâmico de produção pela humanidade.
A seqüência dos programas docentes constitui-se análoga ao processo histórico de
constituição da matemática. Segundo Davýdov (1982, p. 40-41, tradução nossa):
[...] no ensino das matemáticas, as regularidades da generalização e da
abstração têm seu reflexo na ordem habitual que segue o estudo da
aritmética e da álgebra. A primeira se concentra nos cursos primários; a
segunda vem a ser ensinada somente com base na aritmética e depois dela.
[...] Sob a ótica psicológica, a diferença entre a aritmética e a álgebra se pode
ver em que, ao operar com cifras ou algarismos – caso da aritmética –,
concebemos números empíricos particulares, ainda que operando com letras
– caso da álgebra – entendemos que subjazem todos os números do gênero
dado.27
Com isso, o trabalho do professor, que também aprendeu matemática nesta
perspectiva, isto é nos padrões da lógica formal e do pensamento empírico, prioriza os
aspectos externos do objeto. O conhecimento é apropriado seguindo o esquema percepção –
27
No texto, en espanhol, lê-se: “[...] a la enseñanza de las matemáticas, las regularidades de desarrollo de la
generalización y la abstracción tienen su reflejo en el orden habitual que sigue el estudio de la aritmética y el
álgebra. La primera se concentra en los cursos primarios; la segunda viene a enseñarse sólo en base a la
aritmética y en pos de ella. […] Desde la óptica psicológica, la diferencia entre la aritmética y el álgebra se
puede ver en que, al operar con cifras o guarismos – caso de la aritmética – , concebimos números empíricos
particulares, mientras que operando con letras – caso del álgebra – entendemos que subyacen todos los números
del genero dado” (DAVÝDOV, 1982, p. 40-41).
65
representação – conceito. Assim, parte-se de observações diretas, sensoriais, dos objetos
singulares (percepção), seguida de representação, utilizando-se de gráficos ou desenhos, para,
finalmente, chegar ao conceito no seu aspecto discursivo. Davýdov (1982, p. 22, tradução
nossa) descreve esse processo da seguinte forma:
Como ponto de partida para todos os níveis de generalização servem os
objetos e fenômenos singulares, sensorialmente perceptíveis, do mundo que
nos rodeia. No processo docente, se ensina às crianças a maneira de observar
conseqüentemente essa diversidade sensorial concreta de objetos e
fenômenos, assim como explicar em forma oral os resultados das
observações. De modo gradual, as crianças adquirem a faculdade, por um
lado, de efetuar a descrição oral dos objetos sobre a base de impressões
anteriores, apoiando-se nas representações visuais, auditivas e táteismotoras, e por outro, seguindo a narração verbal e as indicações do mestre,
desenhar as adequadas representações ilustrativas de objetos com os quais
não têm uma relação direta28.
Segundo Davýdov (1982), o esquema percepção – representação – conceito
constitui um processo de abstração e generalização empírica do conceito, visto que prioriza os
seguintes aspectos:
a comparação e o cotejamento dos objetos análogos são a via principal da formação
do conceito;
a abstração ocorre por meio da separação mental dos atributos comuns dos objetos,
considerando suas propriedades extrínsecas;
o esquema de abstração e generalização empírica se realiza da parte para o todo,
diante da comparação de um grande número de objetos. “Sobre a base de um grande número
de fatos adequadamente selecionados nasce a idéia abstrata, generalizadora, de um dos
atributos que os associam” (DAVÝDOV, 1982, p. 15)29.
a palavra é um substituto dos conceitos;
28
No texto, en espanhol, lê-se: “Como material de partida para todos los niveles de generalización sirven los
objetos e fenómenos singulares, sensorialmente perceptibles, del mundo que nos rodea. En el proceso docente, se
enseña a los niños la manera de observar consecuentemente esa diversidad sensorial concreta de objetos y
fenómenos, así como también a explicar en forma oral los resultados de las observaciones. De modo gradual los
niños adquieren la facultad, por una parte, de efectuar la descripción oral de los objetos sobre la base de
impresiones anteriores, apoyándose en las representaciones visuales, auditivas y táctiles-motoras; y por otra,
siguiendo la narración verbal y las indicaciones del maestro, diseñar las adecuadas representaciones ilustrativas
de objetos con los que no han tenido una relación directa” (DAVÝDOV, 1982, p. 22).
29
No texto, em espanhol, lê-se: “Sobre la base de un gran número de hechos adecuadamente seleccionados nace
la idea abstracta, generalizadora, de uno de los atributos que los asocian” (DAVÝDOV, 1982, p.15).
66
o processo generalizador consiste em entender o que é comum nos objetos e formar
sua classe.
No ensino da matemática, esta forma de abstração e generalização do conceito pode
ser observada no exemplo citado por Davídov (1999, p.134) sobre o ensino do número.
Um exemplo de tal desenho curricular na matemática está relacionado com o
modo de apropriação da noção de número pelas crianças. Como é bem
conhecido, para fazer as crianças se familiarizarem com esta noção, são
mostrados a elas conjuntos de objetos (tais como conjuntos de palitos, bolas
e carros de brinquedos, etc.). As crianças observam esses conjuntos, extraem
as características numéricas idênticas ou comuns, e os nomeiam com os
signos numéricos/palavras numerais. Como resultado, um conjunto pode ser
como o signo numérico/ palavra numérica dois, outro conjunto três, e daí por
diante.30 (tradução CEDRO; SERRÃO).
Esta situação é muito comum no ensino de matemática, em que aos escolares é
proporcionado o trabalho com as particularidades do conteúdo de número, por meio de atos
comparativos e repetitivos em que “[...] os ‘números’ são tomados como dado e ‘fatos’, que
tem sua representação nas ‘figuras numéricas’” (DAVÝDOV, 1982, p. 197, tradução nossa)31.
É claro que o aprendizado deste conhecimento proporciona um tipo de pensamento –
empírico – que serve para interagir na realidade social, porém é limitado para a complexidade
social em que vivemos. Os conhecimentos empíricos não dão conta de compreender a
realidade em sua essencialidade e muito menos possibilitam uma atuação crítica e
transformadora dos sujeitos. Davýdov (1982, p. 92) também apresenta os limites desse tipo de
abstração e generalização:
[...] o esquema empírico de generalização e abstração perde seu autêntico
valor cognoscitivo e se converte em método de separação e diferenciação
dos objetos segundo umas ou outras propriedades extrínsecas, um meio para
30
No texto, em ingles, lê-se: “One exempla of such curriculum design on mathematics is related to how children
appropriate the notion of number. As is well-known, to make children familiar with the notion the are shown
sets of objects (such of sets of sticks, balls, toy cards, etc.) The children observe these sets, compare them
numbers, abstract the characteristic features of these sets, extract the identical or common numerical
characteristics, and name them with word numerals. As a result, and set can be named with numerical word two,
another set – ‘there’, and so on (DAVÍDOV, 1999, p. 134)
31
“[...] los ‘números’ se toman como dados y ‘ hechos’, que tienen su representación en las ‘figuras numéricas’”
(DAVÝDOV, 1982, p. 197).
67
criar novos termos, denominações e sinais (grifos do autor, tradução
nossa).32
O ensino, ao enfatizar os aspectos de diferenciação, classificação e denominação e
utilizar-se de novos termos, não contribui para a criação de novos conhecimentos; ao
contrário, priva os escolares de chegarem à essência dos conhecimentos, limitando as
condições de formação do pensamento teórico. Davídov (1999, p. 135, tradução SERRÂO;
CEDRO) reforça que “[...] o pensamento empírico é desenvolvido nos humanos sem qualquer
escolarização; a escolarização somente oferece suporte para a utilização adicional e o cultivo
desta forma de pensamento”33.
O trabalho com os números, no ensino fundamental, é muito mais procedimental do
que um trabalho que possibilite a formação do pensamento numérico. A preocupação é que os
escolares apropriem-se dos procedimentos, isto é, o trabalho com o número é sistematizado de
forma que os alunos possam realizar as quatro operações, mas, com isso, desconhecem as
propriedades internas destes conceitos e suas interconexões. O número é apenas mostrado e
não reproduzido pela criança. O ensino deste conteúdo não parte de uma problematização, o
conceito de número é trabalhado com as crianças como algo pré-fabricado sem revelar seu
conteúdo objetivo. Nesse sentido, Lanner de Moura (2007, p. 72) afirma que:
O ensino de matemática traduz os conceitos de que trata a linguagem da
lógica formal, que é linguagem que preferencialmente dá funcionamento às
máquinas. Por esse facto, foi o ensino que mais se adaptou a uma forma
mecânica de ensinar os conceitos. Destituídos de acções pedagógicas de
enfoque na dimensão criativa do conceito, este ensino deixou de obrigar a
integração do aluno no movimento do conceito, como actividade que solicita
a participação de todas as formas de pensamento.
Assim, algo que é imprescindível para o desenvolvimento humano, como é o
pensamento numérico, acaba sendo reduzido a exercícios estéreis e repetitivos. Essa maneira
de ensinar revela o desenvolvimento da matemática empírica, em que os conceitos não são
trabalhados de forma relacional, não se estabelecem os nexos conceituais e se desconhece a
32
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] el esquema empírico de generalización y abstracción pierde su auténtico
valor cognoscitivo y se convierte en método de desgaje y diferenciación de los objetos según unas u otras
propiedades extrínsecas, en medio para crear nuevos términos, denominaciones y señales” (DAVÝDOV, 1982,
p.92, grifos do autor)
33
No texto, em ingles, lê-se: “[…] empirical thinking is developed in humans without any schooling; schooling
only supports the further utilization and cultivation of this former f thinking” (DAVÍDOV, 1999, p.135).
68
procedência do conceito. O ensino organizado e executado que tem como referência o
conhecimento empírico faz com os alunos se apropriem muito mais de noções matemáticas do
que de conceitos genuinamente matemáticos.
Na prática pedagógica do ensino matemático sustentado pela lógica formal e pelo
conhecimento empírico, verificamos a seguinte situação: após o professor trabalhar com uma
variedade de problemas, que nada mais são que exercícios aritméticos repetitivos, ao propor
uma outra situação semelhante, os alunos, antes mesmo de lerem o enunciado, questionam:
- Vai ser de mais ou de menos? Os professores consideram esse questionamento como
inquietante, porque, após tanto trabalho com os alunos, eles não conseguem empregar a
operação adequada para a resolução do problema. A justificativa apresentada pelos docentes é
de que o aluno tem dificuldades de decodificação e compreensão da língua escrita. Vejamos a
resposta dada por uma das professoras participantes da Oficina Pedagógica de Matemática
quando questionado sobre como procederia na elaboração do plano de ensino:
Uma avaliação diagnóstica dos alunos é importante. Verificar se cada um é
competente para resolver as quatro operações fundamentais da
aritmética/matemática. Descobrir a capacidade de compreender um texto na
nossa língua. Um problema de matemática nada mais é que a compreensão
e interpretação do enunciado e a solução depende do aluno saber os
cálculos necessários.
Plano: 1) Fazer o aluno ser competente nas quatro operações com trabalho
individual; 2) Estimular o aluno a gostar de resolver “continhas”; 3)
Mostrar ao aluno que se ele sabe, o que para muitos é complicado, dominar
a língua é muito mais fácil; 4) Desenvolver a habilidade em resolver
problemas apresentando as ações mais usadas nos livros de matemática
(ganhar, perder, distribuir, dobrar,...); 5) Refazer o caminho perdido nas
séries anteriores (RP - Ju)34.
Tal resposta confirma a importância de compreender o significado de uma situaçãoproblema e o conteúdo do ensino de matemática. Para essa professora o aluno não consegue
resolver o problema porque não compreende o texto, então, a dificuldade não reside na
dimensão do ensino de Matemática, mas na de Língua Portuguesa. Essa constitui uma
avaliação simplificada e equivocada sobre o domínio dos conteúdos matemáticos. Os
professores esquecem que o ato de compreender o problema, constitui uma das etapas do
conhecimento matemático. Podemos dizer que se trata da etapa mais importante, visto que é a
partir daí que a criança escolherá os instrumentos que utilizará na resolução do problema. Isto
34
Utilizaremos RP para indicar relato das professoras seguido da sílaba das iniciais do seu nome.
69
significa que precisamos lançar esforços no ensino de matemática para que os alunos possam
desenvolver a capacidade de análise dos problemas, pensar sobre os dados e não
simplesmente acertar na resolução dos cálculos, conforme defendem Davýdov (1982) e
Kalmykova (1991).
Outro exemplo que reforça esta situação foi relatado por uma professora durante os
encontros realizados na Oficina Pedagógica de Matemática. Segundo seu depoimento, após
passar na lousa o seguinte exercício: Substitua o * pelo numeral ordinal correspondente:
Minha mãe fez 40 anos neste ano. No ano que vem será seu * aniversário. Um de seus alunos
questionou-a sobre o que tinha que fazer para encontrar a solução do exercício. Assim, para
tornar o enunciado mais claro, a professora questionou os alunos sobre o conteúdo do
exercício:
Ju - O que significa ordinal?
Aluno- É bandido
Esta professora relatou, indignadamente, que os alunos chegam até a 4ª série e não têm
vocabulário e muito menos compreensão do que está escrito para resolver os problemas
propostos. Conforme seu depoimento:
Ju- Não é que eles não sabem matemática é que eles não sabem interpretar o
problema, assim não conseguem nem aplicar os cálculos para resolver.
Tal exemplo reforça a concepção equivocada dos professores, em que as dificuldades
encontradas pelos alunos na aprendizagem dos conhecimentos matemáticos estão fora do
campo da própria matemática, o que dificulta buscar alternativas para saná-las. Faz-se
necessário destacar que a leitura de um texto envolve dois níveis de compreensão:
decodificação (transposição do código escrito para oralidade) e interpretação do texto (além
da decodificação, o sujeito precisa ter domínio dos conceitos e estabelecer relações e
conexões no texto). Tais níveis de compreensão não estão alocados em uma área do saber,
perpassam por todas as áreas.
No depoimento da professora, percebemos que, ao não trabalhar o conceito de ordinal,
nem mesmo a relação entre cardinalidade e ordinalidade – conceitos imprescindíveis para a
70
compreensão do conceito de número –35 , não se pode esperar que os alunos se apropriem
destes conceitos. No exemplo citado, a criança, por não saber o significado da palavra, fez
ligação com uma palavra parecida que é utilizada na sua experiência de vida. É preciso
compreender que o processo de apropriação dos conhecimentos matemáticos também é
responsável pelo aumento do vocabulário e, mais ainda, à medida que se apropriam dos
conceitos, os escolares poderão utilizá-los como ferramenta psicológica para a compreensão
da realidade. A utilização da palavra deve ser no sentido atribuído por Vigotski (2000), não só
como unidade do pensamento e do discurso, mas como unidade de generalização e de
comunicação do pensamento. A forma de conceber, organizar e executar o ensino de
matemática no exemplo citado tem como referência o desenvolvimento do conhecimento
empírico e a formação do pensamento também empírico em que “a fala discursiva dos
aprendizes desempenha um papel fundamental na apropriação de tal conhecimento”
(DAVÍDOV, 1999, p. 134, tradução SERRÃO; CEDRO).36
Davýdov (1982) apresenta algumas considerações importantes sobre as dificuldades
do ensino de matemática na época de seu estudo, por volta da década de 1970 na URSS, que
retomaremos tendo em vista a atualidade da suas investigações para a reflexão sobre o ensino
de matemática. Naquela época, destaca o autor, ensinar o conceito de número reduzia-se a
tipos de problemas. Para resolver os problemas propostos, os alunos utilizavam metade do
tempo destinado aos estudos. Elas tinham que identificar o tipo de problema e aplicar o
método resolutivo anteriormente assimilado para chegar ao resultado, ou seja, ensinava-se a
classificar o problema, ao invés de resolvê-lo. Vários problemas eram propostos para que os
alunos, por meio da repetição, chegassem à sua resolução. Nesta ótica, aprender significava
repetir, memorizar, tendo em vista que a solução do problema dependia apenas de recordar e
reproduzir o método resolutivo já conhecido. Neste modelo, os alunos resolvem os problemas
recordando a solução e não pensando-a, não se desenvolve a faculdade de análise. Nas
palavras de Davýdov (1982, p. 155):
Assim pois, os escolares – especialmente os primários – resolvem com
inteiro acerto no fundamental somente problemas do tipo que eles conhecem
e cuja identificação prévia é a premissa fundamental para reproduzir o
método resolutivo concreto que antes assimilaram. Com toda a
35
A noção de número se dá pela junção do aspecto cardinal, definido pela correspondência biunívoca (produto
final da contagem), com a ordinalidade, definida pela sucessão (ação de organizar os objetos em uma sucessão
de forma a não contar o mesmo objeto duas vezes, nem deixar de contá-lo).
36
No texto, em inglês, lê-se: “The discursive speech of learners plays a major role in a appropriation of such
knowledge” (DAVÍDOV, 1999, p. 134).
71
complexidade desde labor já que por si só, ele não passa dos marcos do
pensamento classificante e empírico (grifo do autor, tradução nossa).37
O exemplo por nós acima apresentado revela que o trabalho com o número e as
operações hoje desenvolvidos em muitas escolas assemelha-se ao que Davídov observou no
ensino de matemática de seu país. Faz parte de um ensino que desconsidera as faculdades de
análise e síntese no processo de ensino e aprendizagem, imprescindíveis para a apropriação
dos conhecimentos científicos de matemática e para a formação do pensamento teórico.
Outro ponto que Davýdov (1982, p.156) nos apresenta para repensar o ensino de
matemática diz respeito aos aspectos metodológicos fundamentados no concreto (palpável,
manipulável), centrando a atenção das crianças nas particularidades do objeto.
O trânsito correto e oportuno das crianças desde o apoio na evidência natural
até a faculdade de orientar-se nas relações das próprias grandezas e
números (nas “relações abstratas”) é uma condição importante para iniciar-se
no domínio das matemáticas. Sem dúvida, na prática, durante excessivo
tempo se mantém as crianças no nível das representações sobre os objetos
reais circundantes e seus conjuntos, o que entorpece a formação dos
conceitos genuinamente matemáticos (grifos do autor, tradução nossa).38
Davýdov (1982) afirma que o método de ensino que se baseia na concretização para
descobrir os nexos e a relação entre as grandezas orienta a atenção das crianças nas
peculiaridades concretas, inerentes às condições do problema, isto é, nas propriedades
extrínsecas dos objetos. As representações das crianças, mesmo abstraindo as propriedades
dos objetos, constituem-se na imagem do objeto no pensamento. Assim, “[...] a representação
se conserva ainda a forma sensorialmente percebida da imagem do objeto; mas por outro, já
37
No texto, em espanhol, lê-se: “Así pues, los escolares – especialmente los primarios – resuelven con entero
acierto en lo fundamental sólo problemas del tipo que ellos conocen y cuya identificación previa en la premisa
fundamental para reproducir el método resolutivo concreto que antes asimilaron. Con toda la complejidad de esta
ya de por sí, ella no rebase los marcos del pensamiento clasificante y empírico” (DAVÝDOV, 1982, p.155,
grifos do autor).
38
“El tránsito correcto y oportuno de los niños desde el apoyo en la evidencia natural hasta la facultad de
orientar-se en las relaciones de las propias magnitudes y números (en las “relaciones abstractas”) es una
condición importante para iniciarse en le dominio de las matemáticas. Sin embargo, en la práctica, durante
excesivo tiempo se mantiene a los niños en el nivel de las representaciones sobre los objetos reales circundantes
y sus conjuntos, lo que entorpece la formación de conceptos genuinamente matemáticos” (DAVÝDOV, 1982, p.
156, grifos do autor)
72
tem sido eliminados dela certos traços secundários, deixando somente os mais importantes”
(DAVÝDOV, 1982, p. 23, tradução nossa).39
Verificamos que o ensino ancorado em aspectos procedimentais, por exemplo, o
ensino dos números e das operações fundamentais, revela a situação apontada por Davídov.
Muitas vezes, ao questionarmos jovens que estudam no ensino médio sobre uma operação
simples de adição, ao invés de resolvê-la com base no movimento das quantidades numéricas,
resolvem imaginando o algoritmo no pensamento. Assim, quando solicitados para responder o
resultado de 34 + 48, fazem-no utilizando mentalmente o procedimento do algoritmo escrito
da adição, ou seja, 4 + 8 = 12, ficam dois na unidade e acrescenta uma dezena, depois somam
1+3+4 = 8, totalizando 82. Como durante o processo de escolarização foi reforçado,
continuamente, o emprego do algoritmo na maioria das situações, não oportunizando trabalhar
com o sistema decimal em movimento, os escolares acabam absolutizando a utilização desse
procedimento, ao invés de pensar numericamente. Por exemplo, poderiam ter resolvido, com
exatidão e rapidez, da seguinte forma: retirar duas unidades do numeral 34 e acrescentar ao
48, simplificando a operação: 50 + 32=82. Ao absolutizar os passos do algoritmo como único
modo de solução, eles não se despregam do procedimento; sua representação é a imagem do
observável diretamente (no caso, os passos do algoritmo). Desse modo, a abstração sempre
está relacionada com o tipo de objeto.
Este exemplo também revela que o conteúdo de matemática não é considerado como
um conhecimento relacional, ficando seu ensino restrito aos aspectos parciais do
conhecimento. No caso exposto, o trabalho com as operações aritméticas, cujo foco está nos
procedimentos, não possibilita que os alunos compreendam o conceito de cada operação
fundamental, reduzindo-se a um conhecimento empírico, porque não revela a essência do
conceito. Trata-se de um ensino de matemática ancorado nos pressupostos da lógica formal do
conhecimento, cujo objetivo, segundo Davýdov (1982, p. 100, tradução nossa), fica restrito à
assimilação de “[...] determinados conhecimentos sobre o mundo natural e social
circundantes, e logo – com a ajuda dos mesmos – resolvem determinado círculo de exercícios
práticos”40.
39
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] a representación se conserva aún la forma sensorialmente percibida de la
imagen del objeto; mas, por otra, ya han sido eliminados de ella ciertos rasgos secundarios, dejando sólo los más
importantes” (DAVÝDOV, 1982, p. 23).
40
“[...] determinados conocimientos sobre el mundo natural y social circundantes, y luego – con ayuda de los
mismos – resulvan determinado círculo de ejercícios prácticos” (DAVÝDOV, 1982, p. 100).
73
A metodologia desta forma de ensino é expositiva, por partir das definições dos
conceitos assimilados de forma verbal, fazendo com que os escolares descrevam os aspectos
distintos sobre as coisas e fenômenos diretamente perceptíveis e observáveis. Nesse sentido, a
tarefa do docente restringe-se à orientação das observações dos alunos para que identifiquem
os traços comuns dos objetos ou grupo de objetos que devem ser generalizados e abstraídos.
Este modelo de ensino prioriza o empirismo, o pragmatismo e o utilitarismo dos conteúdos. A
prática escolar fica reduzida à vida cotidiana, ao princípio da evidência, não marcando uma
diferença entre os conhecimentos apropriados na vida cotidiana e os escolares.
O ensino fundamentado no esquema de abstração e generalização empírica limita-se a
sistematizar e classificar os objetos em determinadas categorias, partindo do singular para o
geral. Tal esquema não garante o movimento contrário. O conceito constitui-se no conjunto
dos traços comuns levantados pela percepção e descritos verbalmente, desarticulado das
formas de atividade mental, considerando os atributos externos dos objetos como autônomos
e independentes entre si. Neste tipo de ensino, “[...] as disciplinas constituem uma das fontes
de rigoroso caráter descritivo da matéria, e o trabalho mental em torno da mesma com
freqüência se reduz a que as crianças assimilem as classificações dos fenômenos e os
acontecimentos, a reter suas descrições verbais características.” (DAVÝDOV, 1982, p.195196, tradução nossa).41
O pensamento formado neste tipo de ensino reduz-se ao pensamento imediato e ao
empírico limitando-se à descrição do real e não marcando significativamente, o
desenvolvimento psíquico dos escolares. A avaliação do processo de ensino e aprendizagem,
ao seguir esta concepção, também será comparativa, restrita ao observável diretamente, uma
mera verificação do que o aluno sabe por meio das suas manifestações discursivas ou
representativas, sem analisar as ações que levaram os sujeitos a essas manifestações. Consiste
no exame restrito sobre aquilo que o professor ensinou e a criança conseguiu repetir.
Assim, a avaliação tem como função atestar, classificar o que foi ensinado, por meio
de instrumentos que serão aplicados ao final de cada unidade, para examinar as aprendizagens
adquiridas. A análise sobre o que o aluno aprendeu recai sobre o observável, o visível, sobre o
que foi objetivado. Não se tem a preocupação em analisar o desenvolvimento cognitivo do
aluno, o não aparente. Nessa organização do ensino, a importância do aprender ou o que foi
41
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] las dichas disciplinas constituye una de las fuentes del riguroso carácter
descriptivo de la materia, y la labor mental en torno a la misma con frecuencia se reduce a que los niños asimilen
las clasificaciones de los fenómenos y los acontecimientos, a retener sus descripciones verbales y características”
(DAVÝDOV, 1982, p. 195-196).
74
memorizado tem durabilidade até a avaliação, depois cai no esquecimento, porque não tem
significado para o sujeito.
Esta forma de avaliar pressupõe que o indivíduo tenha características fixas e
mensuráveis, que são desenvolvidas em várias idades e estágios; dá-se importância para a
avaliação do nível, do estágio em que a criança se encontra (LUNT, 1994).
Com certeza, esse não é o modo mais humano de ensinar, aprender e avaliar os
conhecimentos matemáticos, tendo em vista os limites objetivos que se coloca para o
desenvolvimento do pensamento teórico dos sujeitos. Para a formação do pensamento teórico
na criança, faz-se necessário modificar o tipo de princípios didáticos que regem o ensino. No
caso específico do ensino de matemática, significa substituir o ensino memorístico, mecânico,
reprodutivo e superficial por um ensino matemático que fundamenta-se nos conhecimentos
científicos desta área do saber e que coloca o aluno como sujeito de seu conhecimento. Deste
modo, tanto o conteúdo como os procedimentos metodológicos precisam estar articulados
para que os alunos se apropriem teoricamente dos conhecimentos matemáticos.
3.5 Matemática teórica e a formação do pensamento teórico
Davýdov (1982) defende que, desde os primeiros anos escolares, o ensino deve estar
“direcionado” para a formação do pensamento teórico nas crianças. Como desenvolver o
pensamento teórico matemático nas crianças?
Primeiramente, Davýdov (1982) destaca a importância de mudar a concepção que
subsidia o ensino de matemática. Sua proposta toma como base sua crítica sobre o ensino
desta disciplina na década de setenta do século XX em seu país de origem, como
apresentamos anteriormente. Atualmente, passados quase quarenta anos de seus estudos sobre
a escola tradicional, tais críticas se enquadram perfeitamente para refletir sobre o ensino de
matemática nas escolas brasileiras.
Segundo Davýdov (1982), para desenvolver o pensamento teórico matemático, é
necessário organizar o ensino partindo das teses gerais da área do saber e não dos casos
particulares, buscando a célula dos conceitos, a gênese e a essência do conceito. Assim,
75
Todos os conceitos constitutivos da disciplina dada ou de seus aparatos
fundamentais devem assimilar-se pelas crianças mediante o exame das
condições materiais-objetivas de procedência dos mesmos graças aos quais
eles definem como necessários (DAVÝIDOV, 1982, p. 444, grifos do autor,
tradução nossa).42
Nesse sentido, os programas para o ensino de matemática não devem ser organizados
obedecendo à seqüência cronológica da ciência matemática. Ao contrário, deverão abarcar a
produção científica dessa área do saber e organizar seus programas de acordo com as teses
gerais do conhecimento matemático, buscando um trabalho relacional com os diferentes
conteúdos matemáticos.
Atualmente, nas diretrizes curriculares propostas pelos órgãos governamentais, a
organização dos conteúdos matemáticos está distribuída em eixos ou blocos de conteúdos e a
recomendação teórico-metodológica é que sejam trabalhados de forma articulada, isto é em
relação um com o outro. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL,
1997) é um exemplo desta organização do currículo de matemática em que os conteúdos desta
disciplina foram distribuídos em quatro blocos: números e operações; espaço e forma;
grandezas e medidas; tratamento da informação. No entanto, mesmo com a orientação
teórico-metodológica que os conhecimentos sejam trabalhados de forma relacional, o que se
observa, no trabalho escolar, é o respeito à cronologia da produção histórica da ciência
matemática, bem como o formalismo lógico dos conhecimentos nesta área do saber. Isso
evidencia que não houve uma mudança da concepção e dos encaminhamentos teóricometodológicos sobre o ensino de matemática pelos docentes. Sua formação, tanto inicial
quanto a continuada, não tem conseguido abordar essa temática em profundidade.
No caso do ensino do conceito de número – núcleo do ensino de matemática –, devese partir, segundo os pressupostos da perspectiva histórico-cultural, de situações-problema
que revelem para a criança o modo de produção humana deste conceito sobre o controle de
quantidades trabalhando-se este conhecimento em relação com as grandezas. Davýdov (1982,
p. 435-436) defende que: “No sistema dado de estudo, a formação nas crianças do conceito de
número se reproduz mediante a revelação das condições necessárias para o surgimento do
42
No texto, em espanhol, lê-se: “Todos los conceptos constitutivos de la disciplina dada o de sus apartados
fundamentales deben asimilarse por los niños mediante el examen de las condiciones materiales-objetivas de
procedencia de los mismos gracias a las cuales ellos devienen como necesarios” (DAVÝDOV, 1982, p. 444,
grifos do autor).
76
mesmo (ou seja, através da generalização essencial)” (grifo do autor, tradução nossa).43 Por
isso, temos que considerar que o conceito emerge de uma situação-problema e da necessidade
de sua superação (KOPNIN, 1978).
O encaminhamento teórico-metodológico do ensino de matemática deve respeitar o
aspecto lógico-histórico do conhecimento matemático, em que contempla o histórico do
conceito e sua essência, o lógico, de forma articulada. Portanto, trabalhar com a unidade
lógico-histórica no ensino de matemática constitui-se em uma forma de desenvolver os
conhecimentos desta área do saber que considere seu processo de produção, como produto da
atividade humana diante das necessidades objetivas enfrentadas pelos homens (MOURA,
2004; ARAÚJO, 2003, 2007; DIAS, 2007; LANNER DE MOURA, 2007).
A organização do ensino de acordo com os aspectos lógico-históricos tem como
objetivo propor às crianças atividades de ensino que possibilitem a sua integração
[...] no movimento conceitual do número traz para seu interior a história do
conceito despida dos elementos ocasionais e centrada no ato de criação.
Desencadeia, na criança e no educador, a dinâmica do saber-pensar o
conceito. É desta forma que entendemos que o plano da ação pedagógica
pode desenvolver a dinâmica histórica de criação do conceito na
singularidade criativa do sujeito que aprende. (LANNER DE MOURA,
2007, p. 73).
Assim, a formação do pensamento numérico deve iniciar com situações-problemas,
por meio das quais as crianças tenham possibilidade de reproduzir o conceito de número,
iniciando com a sua reprodução como numeral-objeto44 até os conceitos fundamentais do
Sistema de Numeração Decimal, no qual o numeral é tratado de forma totalmente abstrata
sem relação entre o significante e significado. O processo de apropriação do conceito de
número possibilitará à criança “[...] construir pensamento e linguagem numérica
dimensionados pelo seu entendimento de variação de quantidade” (LANNER DE MOURA,
2007, p. 74). Nesta lógica, o número é trabalhado em relação com as diferentes grandezas.
Reforçando, assim, um dos princípios do ensino de matemática teórica, em que os conceitos
43
No texto, em espanhol, lê-se: “En el sistema dado de estudio, la formación en los niños de l concepto de
número se produce mediante la revelación a éstos de las condiciones necesarias para el surgimiento del mismo
(o sea, a través de la generalización esencial)” (DAVÝDOV, 1982, p. 435-436, grifo do autor).
44
Numeral objeto consiste no controle de quantidades, utilizando-se de objetos ou marcas. “A contagem por
correspondência um a um e o uso dos objetos para contar caracterizam a etapa histórica da contagem pelo
‘numeral objeto’” (MOURA, 2003, p. 6).
77
necessitam ser trabalhados em relação, ou seja, como parte de um sistema, de modo a
desvelar a essência dos mesmos.
Davýdov (1982) trabalha esta questão da seguinte forma: para que as crianças se
apropriem do objeto matemático é necessário que elas, no início da escolarização (crianças
por volta dos sete anos), não trabalhem diretamente com os números formalizados. Durante os
primeiros meses na escola (um semestre), é preciso que as crianças assimilem, com bastante
detalhes, os conhecimentos sobre as grandezas/medidas destacadas nos objetos físicos e se
familiarizem com suas propriedades fundamentais. Desta forma, as crianças, operando com
objetos reais e destacando neles os parâmetros das grandezas (peso, volume, superfície e
longitude, etc.), aprendem a comparar as coisas por uma ou outra grandeza, determinando a
igualdade e a desigualdade das mesmas. Em seguida, as crianças anotam essas relações
utilizando-se de signos.
A proposta de Davýdov (1982) é contrária àquelas em que a criança, ao chegar à
escola, é envolvida com exercícios repetitivos, tanto de contagem oral quanto de transcrição
escrita dos numerais. Um exemplo destes exercícios rotineiros, propostos nas escolas das
séries iniciais do Ensino Fundamental, é a escrita dos numerais até uma determinada
quantidade – escreva de 0 a 50 – que a criança realiza repetidas vezes. Não queremos
descaracterizar, totalmente, a importância de tais exercícios, porém marcar os sérios limites
dessa prática pedagógica para o desenvolvimento do pensamento numérico. É claro que, para
pensar numericamente, a criança precisa saber contar seqüencialmente e que, para quantificar
não pode contar um mesmo objeto duas vezes e dominar a escrita dos dez signos numéricos,
mas o conceito de número envolve outros conceitos que somente esse tipo de exercício ou
outros parecidos não dão conta. Tal forma de trabalhar com os números parte de situações
artificiais e não considera a atividade mental das crianças.
De acordo com os pressupostos teóricos do materialismo histórico dialético, no
processo de trabalho, o homem leva em conta não somente as propriedades externas do
objeto, mas também as internas, as quais permitem modificar sua forma e atributo, fazendo-o
passar de um estado para outro. Desta forma, ao construir ou utilizar um instrumento, ele
reelabora seu pensamento. Ao elaborar novos instrumentos para satisfação de suas
necessidades, o homem também reorganiza seu conhecimento e seu pensamento, confirmando
a existência mediatizada e o movimento das ações internas e externas. Nesse processo, o
pensamento matemático sobre a relação entre as diferentes grandezas é muito importante.
Davýdov (1982, p. 304-305, tradução nossa) esclarece que “os conceitos historicamente
78
formados na sociedade existem objetivamente nas formas da atividade do homem e nos
resultados das mesmas: nos objetos racionalmente criados”.45 O trabalho com os
conhecimentos matemáticos, nesta perspectiva, revela esta ciência como produto da atividade
humana em movimento (CARAÇA, 1989; D’AMBRÓSIO, 1986; MOURA, 2006).
O pensamento teórico realiza-se por meio do conceito, na tentativa de abarcar a
regularidade universal da natureza em eterno movimento. Desta forma,
O pensamento teórico ou conceito há de reunir em um todo coisas não
semelhantes, distintas, multifacetadas, não coincidentes e mostrar seu peso
específico neste todo único. Por conseguinte, como conteúdo específico do
pensamento teórico aparece a conexão objetiva do geral e do singular (do
íntegro e do diferente) (DAVÝDOV, 1982, p. 308, grifos do autor, tradução
nossa).46
Davídov, nesta afirmação, chama-nos a atenção para o método de ascensão do abstrato
ao concreto, um dos princípios didáticos da lógica dialética para a organização do ensino, o
qual constitui em uma das possibilidades para a formação do pensamento teórico. Conforme
suas palavras, “[...] é necessário mostrar francamente às crianças a essência abstrata das
matemáticas, inculcar-lhes a faculdade de fazer abstrações e de aproveitar sua força teórica”
(DAVÝDOV, 1982, p.157, grifos do autor, tradução nossa)47. Nesse sentido, o ingresso na
escola marcará um caráter novo no processo de apropriação dos conhecimentos,
diferentemente dos conhecimentos que são apropriados pela relação direta na vida prática. Os
conceitos científicos ou teóricos devem ser tratados distintamente dos conceitos cotidianos e
as atividades escolares devem estar direcionadas para que os alunos desenvolvam ações que
revelem a conexão essencial e geral dos objetos. Estas ações são fontes para as abstrações,
generalizações e formação dos conceitos teóricos matemáticos.
Assim, uma prática escolar voltada para a formação da individualidade para
si não visa fundamentalmente satisfação das necessidades já dadas pela vida
45
No texto, em espanhol, lê-se: “Los conceptos históricamente formados en la sociedad existen objetivamente
en las formas de la actividad del hombre y en los resultados de las mismas: en los objetos racionalmente
creados” (DAVÝDOV, 1982, p. 304-305, grifo do autor)
46
“El pensamiento teórico o concepto han de reunir en un todo cosas disímiles, distintas, multifacéticas, no
coincidentes y mostrar su peso específico en este todo único. Por consiguiente, como conteúdo específico del
concepto teórico aparece la conexión objetiva de lo general y lo singular (de lo íntegro y de lo diferente)”
(DAVÝDOV, 1982, p. 308, grifos do autor).
47
“[...] es necesario mostrarles francamente a los niños la esencia abstracta de las matemáticas, inculcarles la
facultad de hacer abstracción y aprovechar su fuerza teórica” (DAVÝDOV, 1982, p. 157, grifos do autor).
79
cotidiana do aluno, mas produzir no aluno necessidades do tipo superior, que
não surgem espontaneamente, e sim pela apropriação dos conceitos de
objetivação genérica para si. É claro que não se trata de um processo de mera
justaposição. É preciso que já existam, nas atividades e no pensamento
cotidianos, os germens que apontem para as necessidades de tipo superior
(DUARTE, 2007, p. 58)48.
Podemos inferir que, se as condições objetivas de apropriação do conhecimento
matemático – ensino escolar – mantiverem-se no nível da recordação das resoluções
anteriores, enfatizando a repetição ao invés da análise e síntese das situações-problema,
reduzindo-se à representação dos objetos observáveis ao invés de buscar a essência do
conceito, estaremos limitando o desenvolvimento psicológico da criança, de forma a
permanecer distante da formação do pensamento teórico que é essencial para o processo de
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Kalmykova (1991), em seu estudo sobre os pressupostos psicológicos para uma
melhor aprendizagem da resolução de problemas aritméticos, defende que é necessário um
ensino orientado para que a criança aproprie da base analítico-sintético, condição
imprescindível para a apropriação dos conceitos matemáticos e como utilizá-los como
ferramenta cognitiva na sua vida. Em seu trabalho, a referida autora exemplifica, utilizando-se
da análise do trabalho de uma professora em sala de aula no ensino de resolução de problemas
e identifica os passos deste processo.
Uma assimilação consciente dos métodos de resolução dos problemas não só
exige que se assimile o correspondente sistema de operações aritméticas,
como também se assimile a forma de raciocínio mediante a qual os alunos
analisam o conteúdo de um problema e escolhem determinadas operações
(KALMYKOVA, 1991, p. 24).
No pensamento empírico, a formação dos conceitos se constitui via comparação; no
pensamento teórico, o conceito é formado com base na análise e síntese dos objetos, buscando
apreender os nexos internos dos mesmos. Desta forma, por meio da comparação, o conteúdo
identifica-se com o fenômeno ou objeto; por meio da análise e síntese, o sujeito é capaz de
48
Duarte (2007) faz uma diferenciação entre individualidade em si e individualidade para si. A primeira diz
respeito à formação da individualidade espontânea, sem que haja uma relação consciente desta individualidade.
A individualidade para si consiste na apropriação das características humanas objetivadas pelo gênero humano,
objetivação individual mediada pelo que foi apropriado. Para maior aprofundamento, ver Duarte (1993, 2007).
80
revelar a essência do fenômeno ou objeto e esta não se identifica com as propriedades
externas do objeto.
No caso do número, a denominação das figuras numéricas por meio de associação
entre quantidade e símbolo é a aparência; a essência desse conceito é a ação mental realizada
pela criança ao realizar essa operação. Essência é entendida conforme Davýdov (1982, p. 346,
tradução nossa) como:
[...] conexão interna, que como manancial único e como base genética
determina todas as demais peculiaridades particulares do todo. Trata-se de
conexões objetivas que em seu desmembramento e manifestação asseguram
a unidade de todos os aspectos do ser íntegro, ou seja, dotam ao objeto do
valor concreto. Neste sentido, essência é a definição geral do objeto (grifo
do autor).49
Nesse sentido,
Conhecer a essência significa tomar o geral como base e como fonte única
de uma certa diversidade dos fenômenos, e logo mostrar como esse ente
geral determina o surgimento e a interconexão dos fenômenos, ou seja, a
existência do valor concreto (DAVÝDOV, 1982, p. 347, tradução nossa).50
Para formar o pensamento teórico em matemática, faz-se necessário organizar o ensino
de forma que os alunos realizem atividades visando a formação deste pensamento. Nesse
sentido, é preciso propor situações-problema que revelem a essência do conceito, como, por
exemplo, o conceito de número, que pode ser expresso por uma linguagem numérica, a qual
se constitui no “[…] conjunto de símbolos e idéias que o ser humano tem criado para operar
coletivamente os diversos movimentos quantitativos que compõem a natureza humana”
(LANNER DE MOURA, 2007, p. 78).
O número é uma abstração da realidade quantitativa. Por isso, o seu conhecimento não
se revela de modo direto, por meio da observação imediata dos objetos, ao contrário, sua
49
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] conexión interna, que como manantial único y como base genética
determina todas las demás peculiaridades particulares del todo. Se trata de conexiones objetivas que en su
desglose y manifestación aseguran la unidad de todos los aspectos del ser íntegro, o sea, dotan al objeto de valor
concreto. En este sentido, esencia es la definición general del objeto” (DAVÝDOV, 1982, p. 346, grifo do
autor).
50
“Conocer la esencia significa hallar lo general como base y como fuente única de una cierta diversidad de los
fenómenos, y luego mostrar cómo ese ente general determina el surgimiento y la interconexión de los
fenómenos, o sea, a existencia del valor concreto” (DAVÝDOV, 1982, p. 347).
81
apropriação necessita de ações mentais sobre o controle de quantidade, sobre as relações entre
as coisas na vida. O conteúdo da abstração teórica não existe na realidade, mas na cabeça
humana. Desse modo, o conceito científico ou teórico não se encontra no conteúdo objetivo,
mas no método de assimilação, no processo de estudo, na relação sujeito, objeto e mediação
cultural.
Enquanto, na formação do pensamento empírico, o conceito revela-se por meio da
palavra-termo, na formação do pensamento teórico o conhecimento se expressa nos
procedimentos de diferentes sistemas simbólicos e signos. No ensino de matemática, a escola
deverá possibilitar aos escolares a apropriação de um “[...] sistema de representação do
número e do espaço, considerando a natureza social do processo de elaboração desses signos
numéricos e da linguagem geométrica” (ARAUJO, 2007, p. 36). Isto é, consiste na
apropriação dos conceitos necessários para que os sujeitos possam controlar o movimento das
quantidades, das formas, do espaço e das relações entre eles.
Num certo momento da vida social, os homens controlavam as quantidades de
ovelhas, por exemplo, utilizando-se de pedras, por meio da correspondência biunívoca (uma
pedra correspondia a uma ovelha), criando, assim, o que denominamos de numeral-objeto.
Com a complexificação das relações, com o aumento da produção de bens de consumo, o
homem necessitou de meios mais eficazes para controlar as quantidades produzidas. Portanto,
é a partir das necessidades humanas que são produzidos os conceitos para atender às
demandas sociais. Do numeral-objeto até o nosso Sistema de Numeração Decimal, foi um
grande caminho percorrido pelos homens. Porém a invenção do sistema de contagem de base
10 constitui-se em uma das maiores invenções humanas, revelando as potencialidades dos
homens diante dos problemas colocados pela vida em sociedade. Segundo Moura (2007, p.
46-47):
[...] ao longo do percurso da humanidade, a necessidade de controlar
quantidades promove o movimento de controle das quantidades que vai do
concreto ao abstrato. Isto só foi possível graças à construção de um sistema
de signos que, ao serem compartilhados nos processos comunicativos,
partilham um modo de fazer entender objetivamente o movimento das
quantidades.
82
O ensino de matemática que se propõe formar nos escolares o pensamento teórico tem
que dar conta desse movimento de produção dos conceitos. Acreditamos que esse pressuposto
é fundamental na organização do ensino desta disciplina. Davýdov (1982, p. 328) afirma que:
A função do pensamento é abarcar toda a representação em seu movimento,
ou seja, expressar todo o conjunto dos dados sensoriais em
desenvolvimento, e para ele é necessário o pensamento dialético. Tal
pensamento tem de captar o movimento em seu conjunto, e então cumpre
essa função, refletir esse conteúdo objetivo, inacessível à representação
(grifos no original, tradução nossa).51
Nesse sentido, as abstrações formais não têm dado conta de reproduzir o concreto real,
“[...] o pensamento teórico pode reproduzir seu objeto somente através da análise de seu
desenvolvimento” (DAVÝDOV, 1982, p. 335, grifos do autor, tradução nossa).52 Para chegar
à abstração teórica, é preciso captar a unidade intrínseca do objeto. Então, as análises teóricas
têm que revelar o surgimento dessas formas mais gerais do objeto de estudo, o que possibilita
às abstrações teóricas se diferenciarem qualitativamente das abstrações empíricas. Segundo
Davýdov (1982, p. 336, tradução nossa):
Nas abstrações empíricas, consolidativas das propriedades formalmente
gerais das coisas existentes, não se capta o conteúdo da forma universal das
mesmas, e em virtude dele – como abstrações feitas – não podem utilizar-se
ao examinar as condições de surgimento daquela, o que é indispensável na
ascensão ao concreto.53
Desta forma, o ensino de matemática precisa ancorar-se em atividades de ensino que
propiciem aos alunos a reprodução do conceito. Para isso, é importante que as atividades
propostas às crianças partam de situações-problema semelhantes às vividas pelo homem no
processo de criação do conceito.
51
No texto, em espanhol, lê-se: “La función del pensamiento es abarcar toda a representación en su movimiento,
o sea, expresar todo el conjunto de los datos sensoriales en desarrollo, y para ello es necesario el pensamiento
dialéctico. Dicho pensamiento ha de captar o movimiento en su conjunto, y entonces cumple esa función,
refleja ese contenido objetivo, inasequible a la representación” (DAVÝDOV, 1982, p. 328, grifos do autor).
52
“[...] el pensamiento teórico puede reproducir su objeto sólo a través del análisis de su desarrollo”
(DAVÝDOV, 1982, p. 335).
53
“En las abstracciones empíricas, consolidativas de las propiedades formalmente generales de las cosas
existentes, no se capta el contenido de la forma universal de las mismas, y en virtud de ello – como abstracciones
hechas – no pueden utilizarse al examinar las condiciones de surgimiento de aquélla, lo que es indispensable en
la ascensión a lo concreto” (DAVÝDOV, 1982, p. 336).
83
Conforme procuramos demonstrar neste capítulo, para que ocorra o desenvolvimento
humano faz-se necessário que os indivíduos se apropriem dos bens sócio-históricos
produzidos pelos homens. A possibilidade dos indivíduos desenvolver suas capacidades
humanas está relacionada com as condições objetivas para tal. Assim, a escola, por meio da
sua função principal, que é a de socialização do saber sistematizado, tem papel fundamental
nesse processo, no sentido de possibilitar aos indivíduos o domínio dos conhecimentos
teóricos, das diferentes áreas do saber. Os indivíduos, ao se apropriarem dos conhecimentos
teóricos, desenvolvem formas mais elevadas de consciência, isto é, a aprendizagem dos
conceitos provoca seu desenvolvimento psicológico.
Nesse sentido, o ensino de matemática que se propõe a formar o pensamento teórico
nos escolares precisa trabalhar com os conhecimentos desta área do saber como conteúdos
vivos, como produto da atividade humana em movimento (CARAÇA, 1989; D’AMBRÓSIO,
1986; MOURA, 2006). Nesta ótica, a prática do ensino de matemática deve proporcionar
atividades que propiciem aos alunos a reprodução do conceito na sua subjetividade, para que
esses conceitos possam ser utilizados como ferramentas simbólicas para a compreensão mais
elaborada da realidade.
A avaliação da aprendizagem escolar se constitui na mediação entre a escola e o
desenvolvimento dos indivíduos inseridos no processo de ensino e aprendizagem, buscando
analisar se trabalho pedagógico está proporcionando o desenvolvimento humano. Analisar
com o objetivo de intervir nesse processo de forma que os sujeitos reflitam constantemente
sobre suas ações, no sentido de desenvolver plenamente suas funções psicológicas superiores.
No próximo capítulo, aprofundaremos sobre os pressupostos teórico-metodológicos
para a organização do ensino, focalizando as contribuições da teoria da atividade para
repensar a avaliação do ensino no processo de ensino e aprendizagem.
84
4 A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA
ATIVIDADE
O conhecimento social não é simplesmente
um aumento da quantidade de informação no
sistema denominado humanidade. Implica
também selecionar e elaborar da informação
no processo da prática social.
Leontiev
Para que o trabalho escolar possa constituir-se em mediador entre o conhecimento que
o aluno possui e os conhecimentos teóricos elaborados historicamente, faz-se necessária uma
adequada organização do ensino. Nesse sentido, para refletirmos sobre os aspectos
organizacionais do processo educativo, abordaremos, nesta parte da pesquisa, os pressupostos
teóricos da Teoria Psicológica da Atividade, proposta por Leontiev ([197-], 1983), e,
decorrente desta teoria, trataremos sobre o significado de atividade de estudos desenvolvida
por Davídov (1982.1987, 1988, 1999) e sobre a base teórico-metodológica para a organização
das ações do ensino a Atividade Orientadora do Ensino (AOE), elaborada por Moura (1992,
1996, 2001, 2004). Esses fundamentos teórico-metodológicos serão tomados como princípios
norteadores para a compreensão dos principais elementos da avaliação da aprendizagem na
perspectiva histórico-cultural.
4.1 Teoria da Atividade: significado e possibilidades na educação atual
Liev Semiónovitch Vigotski (1886-1934), baseado nos pressupostos teóricos
marxistas, é o precursor da Teoria Psicológica da Atividade. O objetivo principal de seus
trabalhos consistia na compreensão do psiquismo humano por meio do método histórico, isto
é, uma nova forma para explicar os processos psicológicos humanos.
Para Vigotski, o entendimento do desenvolvimento psicológico humano deve-se
basear na análise objetiva do seu comportamento, visto que é esta análise que permite
desvelar as regularidades internas do desenvolvimento psíquico. É pela sua atividade prática
85
no processo de apropriação dos instrumentos e idéias elaboradas pelos próprios homens que
se tem a possibilidade de estudar e compreender o desenvolvimento das suas funções
psicológicas.
O homem, ao apropriar-se da cultura, desenvolve diferentes formas de pensar e agir no
mundo circundante. Ele desenvolve signos, que são como instrumentos que estão “[...] fora do
organismo, está separado da pessoa e por essência constitui um órgão social ou um meio
social” (DAVÍDOV; SHUARE, 1987, p. 6, tradução nossa)54. Como exemplo de signos temos
a escrita, o cálculo, os materiais- objetais que encarnam a cultura humana. Ao agir utilizandose desses signos, o homem modifica sua forma de pensar sobre a realidade. Quando uma
criança “[...] se apropria de um instrumento, isso significa que aprendeu a servir-se dele
corretamente e que já se formaram nela ações e operações motoras e mentais necessárias para
esse efeito” (LEONTIEV, 1978, p. 321).
Esse fundamento teórico-metodológico defendido por Vigostki consiste em uma
questão complexa, mas estava de acordo com a sua época revolucionária, anos 1920 na antiga
URSS.55 Leontiev (1997, p. 428, tradução nossa) afirma que:
A idéia de Vigotski era clara: os fundamentos teórico-metodológicos da
psicologia marxista deveriam começar a ser elaborados a partir da análise
psicológica da atividade prática, laboral do homem, a partir de posições
marxistas. É precisamente aí que jazem as leis fundamentais e as unidades
iniciais da vida psíquica do homem.56
Sobre essa questão Davídov e Shuare (1987, p. 8, grifos dos autores, tradução nossa)
advogam que:
54
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] fuera del organismo, está separado de la persona y por esencia constituye
un órgano social o un meio social” (DAVÍDOV; SHUARE, 1987, p. 6).
55
Os trabalhos de Vigotski refletem seu momento histórico, a época da Grande Revolução Socialista de
Outubro, conhecida como Revolução de Outubro, ocorrida em 1917. Esta revolução marcou profundas
mudanças na sociedade soviética. Segundo Leontiev (1997, p. 421, tradução nossa) a tarefa dos psicólogos era a
de “[...] elaborar uma nova teoria que substituísse a psicologia introspectiva da consciência individual baseada
no idealismo filosófico. A nova psicologia devia partir da filosofia do materialismo dialético e histórico, tinha de
se converter numa psicologia marxista”.
56
“La idea de Vygotski era clara: los fundamentos teórico-metodológico de la psicologia marxista deberían
comenzar a elaborarse a partir del análisis psicológico de la actividad prática, laboral del hombre, a partir de
posiciones marxistas. Ahí es precisamente donde yacen las leyes fundamentales y las unidades iniciales de la
vida psíquica del hombre” (LEONTIEV, 1997, p. 428).
86
A teoria de L. Vigotski sustenta o enfoque histórico do desenvolvimento da
psique humana e mostra as fontes sociais deste processo, vinculadas à
atividade coletiva das pessoas (afinal de contas, na atividade laboral
transformadora). Esta teoria se contrapõe, por uma parte, a diferentes
concepções psicológicas idealistas que vêem as fontes do desenvolvimento
psíquico nas mudanças imanentes da própria psique; por outra parte, se
opõem as diferentes concepções naturalistas da psique.57
Vigotski teve com principais colaboradores em suas investigações A. N. Leontiev e A.
R. Lúria, juntos formavam a conhecida “troika da psicologia soviética”. Outros discípulos
também se juntaram a eles, formando a escola psicológica científica de L. S. Vigotski, dentre
eles citamos: A. Zaporózhets, D. Elkonin, L. Bozhóvich, P. Galperin (DAVÍDOV; SHUARE,
1987).
A. N. Leontiev (1903-1979), apoiado nos pressupostos vigotskianos, centrou seus
estudos sobre a atividade humana, sendo o principal pesquisador da Teoria Psicológica da
Atividade, cujo objetivo foi esclarecer que a consciência se forma com e na atividade prática
dos homens, tendo em vista que o pensamento, a consciência, a personalidade são produtos do
desenvolvimento das relações objetivas. Utilizando-se das suas palavras:
A análise da atividade constitui o ponto decisivo e o método principal do
conhecimento científico do reflexo psíquico, da consciência. No estudo das
formas da consciência social está a análise da vida cotidiana da sociedade,
das formas de produção próprias desta e do sistema de relações sociais; no
estudo da psique individual está a análise da atividade dos indivíduos nas
condições sociais dadas e nas circunstancias concretas que lhes tem tocado
em sorte a cada um deles (LEONTIEV, 1983, p. 17, tradução nossa).58
Leontiev ([197-]), ao tomar a categoria da atividade como fundamental para a
compreensão do desenvolvimento do psiquismo humano, conclui que esse desenvolvimento é
mutável e constitui-se por um processo de transformações qualitativas no decurso do
desenvolvimento histórico e social. Isto é, como já mencionamos no capítulo inicial deste
57
“La teoria de L. Vigotski sostiene o enfoque histórico do desarrollo da psiquis humana y muestra las fontes
sociales de este proceso, vinculadas a la actividad colectiva de las personas (a fin de cuentas, a la actividad
laboral transformadora). Esta teoria se contrapone, por uma parte, a diferentes concepciones psicológicas
idealistas que ven las fuentes del desarrollo psíquico en los câmbios inmanentes de la psiquis misma; por outra
parte, se opone a diferentes concepciones naturalistas de la psiquis” (DAVÍDOV; SHUARE,,1987, p. 8, grifos
do autores).
58
No texto, em espanhol, lê-se: “El análisis de la actividad constituye el punto decisivo y el método principal del
conocimiento científico del reflexo psíquico, de la conciencia. En el estúdio de las formas de la conciencia social
está el análisis de la vida cotidiana de la sociedad, de las formas de producción propias de esta y del sistema de
relaciones sociales; en el estúdio de la psiquis individual está el análisis de la actividad de los indivíduos en las
condiciones sociales dadas y en las circunstaancias concretas que les ha tocado en suerte a cada uno de ellos”
(LEONTIEV, 1983, p. 17).
87
trabalho, a constituição do homem, sua forma de pensar, perceber, memorizar, raciocinar
depende das suas condições históricas, em que a transformação de como o homem produz a
vida modifica a sua consciência.
Para descobrir essas características psicológicas da consciência devemos
absolutamente rejeitar as concepções metafísicas que isolam a consciência
da vida real. Devemos, pelo contrário, estudar como a consciência do
homem depende do modo de vida humano, da sua existência. Isto significa
que devemos estudar como se formam as relações vitais do homem em tais
ou tais condições sociais históricas e que estrutura particular engendra dadas
relações. Devemos em seguida estudar como a estrutura da consciência do
homem se transforma com a estrutura da sua atividade. Determinar os
caracteres da estrutura interna da consciência é caracterizá-la
psicologicamente (LEONTIEV, [197-], p. 98).
O desenvolvimento psíquico do homem é caracterizado pela apropriação das formas
sociais de atividade historicamente constituídas pela humanidade. Esta apropriação é marcada
por duas condições. Na primeira, a apropriação dos bens produzidos só ocorre por meio da
atividade efetiva do sujeito em relação a eles, decorrente de uma atividade adequada.
Conforme afirma Leontiev ([197-], p. 254) “[...] o indivíduo, a criança, não é apenas
‘colocada’ diante do mundo dos objetos humanos. Para viver, deve agir (ativamente e)
adequadamente neste mundo”. Ou melhor, a criança não se adapta ao mundo dos objetos e
fenômenos como ocorre com os animais, elas se apropriam deles. Apropriar no sentido
defendido por Leontiev (1978, p. 320, grifos do autor):
A apropriação é um processo que tem por resultado a reprodução pelo
indivíduo de caracteres, faculdades e modos de comportamento humanos
formados historicamente. Por outros termos, é o processo graças ao que se
produz na criança o que, no animal, é devido à hereditariedade: a
transmissão ao indivíduo das aquisições do desenvolvimento da espécie.
A segunda condição é que apropriação dos instrumentos e das idéias produzidas pelos
homens é um processo mediado, ou seja, os próprios homens introduzem as novas gerações,
por meio da comunicação, no mundo dos objetos culturais. Como já evidenciamos na
primeira parte desta pesquisa, todo o processo de apropriação é um processo educativo por
natureza. Nesse processo, “[...] cada indivíduo aprende a ser um homem” (LEONTIEV,
88
[197-], p. 285, grifo do autor). A relação sujeito e objeto é sempre mediatizada pela atividade
e pelos próprios homens.
Segundo Leontiev (1983), as atividades externas e internas possuem a mesma
estrutura. A origem da atividade interna está na atividade externa, as quais se realizam por
meio de instrumentos e se desenvolvem somente nas condições de cooperação e comunicação
humana. Assim, os processos psicológicos superiores ocorrem na inter-relação homemhomem (interpsicológico) para depois se tornarem do sujeito (intrapsicológico).
Nas condições sociais, que asseguram o desenvolvimento multilateral das
pessoas, a atividade mental não está isolada da atividade prática. O
pensamento humano é reproduzido dentro da vida integral dos indivíduos, na
medida da necessidade (LEONTIEV, 1983, p. 81, tradução nossa).59
Para Leontiev (2001, p. 68), atividades são “[...] apenas aqueles processos que,
realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial
correspondente a ele”. As atividades são sempre estimuladas por um motivo e este coincide
com o objetivo do sujeito para executar determinada ação.
O homem, ao longo do tempo no processo de apropriação e objetivação, foi
desenvolvendo ações e produzindo instrumentos para a satisfação das suas necessidades. Em
um primeiro momento, o homem buscou a satisfação das suas necessidades orgânicas, de
ordem biológica, tais como, abrigar-se, alimentar-ser, locomover-se, muito próxima das
necessidades dos animais. Mas, com o decorrer da história, essas necessidades geraram
outras, não vinculadas imediatamente às condições físicas. Essas são as necessidades
propriamente humanas, dentre elas a necessidade de se apropriar da cultura produzida pelos
próprios homens. Assim, a necessidade dá origem à atividade, objetiva-se materialmente no
motivo de acordo com as condições históricas para sua objetivação. Segundo Leontiev (1983,
p. 71, tradução nossa), apoiado em Marx, a formação da necessidade “[...] se explica porque
na sociedade humana os objetos das necessidades se produzem e graças a isto se produzem
também as necessidades mesmas”.60
59
No texto, em espanhol, lê-se: “En las condiciones sociales, que aseguran el desarrollo multilateral de las
personas, la actividad mental no está aislada de la actividade prática. El pensamiento humano deviene
reproducible dentro de la vida integral de los indivíduos, en la medida de la necesidad” (LEONTIEV, 1983, p.
81).
60
“[...] se explica porque en la sociedad humana los objetos de las necesidades se producen y gracias a esto se
producen también las necesidades mismas” (LEONTIEV, 1983, p. 81).
89
Certas necessidades humanas motivam o homem a agir por meio de diferentes ações,
seja no plano material ou no ideal, utilizando-se de variados instrumentos que nada mais são
que as estratégias de ação, operacionalizando-as com a manipulação dos instrumentos para
satisfazer sua necessidade inicial. Ao realizar determinada ação, é possível desencadear outras
ações em seu processo.
Leontiev (2001, p. 69) apresenta a diferença entre ação e atividade: “Um ato ou ação é
um processo cujo motivo não coincide com seu objetivo (isto é, com aquilo para qual ele se
dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte”. Desse modo, um sujeito está em
atividade quando o objetivo de sua ação coincide com o motivo de sua atividade.
O referido autor exemplifica esses conceitos por meio de uma situação que envolve
um escolar nos estudos para o exame. Leontiev esclarece que se a leitura do livro de história
somente é realizada devido a sua cobrança no exame, o sujeito não está em atividade, está
realizando apenas uma ação, porque o objetivo da leitura, que é dominar conhecimentos, não
é o que mobiliza o sujeito agir. Porém, se este aluno soubesse que não seria necessário
realizar o exame e, mesmo assim, continuasse a leitura, poderíamos dizer que ele está em
atividade, já que o motivo que mobiliza sua ação coincide com o objeto da atividade, isto é a
apropriação dos conhecimentos propostos no livro. Nesse último caso, a leitura se dirigia pelo
objetivo que levou o escolar à ação de ler o livro.
Os elementos estruturantes da atividade são: necessidade, motivo, ação e operação. O
motivo é regido por uma necessidade, que mobiliza as ações, as quais estão subordinadas a
objetivos e dependem das condições para a sua realização por meio das operações, que nada
mais são que a tecnificação da ação. Conforme Leontiev (1983, p. 89, tradução nossa):
E assim, do fluxo geral da atividade que forma a vida humana em suas
manifestações superiores mediadas pelo reflexo psíquico se desprendem, em
primeiro termo, distintas – especiais – atividades segundo o motivo que as
impele; depois se desprendem as ações – processos – subordinadas a
objetivos conscientes; e finalmente, as operações que dependem diretamente
das condições para alcançar o objetivo concreto dado.61
61
No texto, em espanhol, lê-se: “Y así, del flujo general de la actividad que forma la vida humana en sus
manifestaciones superiores mediadas por el reflejo psíquico, se desprenden, em primer término, distintas –
especiales – actividades según el motivo que las impela; después se desprenden las acciones – procesos –
subordinadas a objetivos conscientes; y finalmente, las operaciones que dependen directamente de las
condiciones para el logro objetivo concreto dado” (LEONTIEV, 1983, p. 89).
90
A atividade só existe por meio de ações ou grupo de ações, uma mesma ação pode
fazer parte de distintas atividades. E um mesmo motivo pode ser concretizado em diferentes
objetivos e gerar distintas ações. A atividade são processos que se caracterizam por
transformações constantes, sempre em movimento; uma atividade pode se transformar em
uma ação e vice-versa.
Uma ação pode tornar-se atividade quando o motivo da atividade transforma-se em
objeto da ação. A necessidade humana de proteger-se das mudanças climáticas e dos perigos
da natureza fez com que o homem desenvolvesse diferentes atividades ao longo da história
para a satisfação desta necessidade. Desde a ação de procurar um abrigo seguro, por exemplo,
a caverna, até mesmo a produção de materiais para a construção das mais modernas casas.
Podemos afirmar que houve uma transformação das necessidades e dos motivos. Chegou um
momento em que a fabricação dos materiais tornou-se objeto das suas ações, transformandose, em uma atividade. A necessidade de abrigar-se passou de procurar um abrigo seguro para
a construção de sua moradia, marcando um importante avanço no processo de humanização
da natureza com o objetivo de garantir e facilitar a vida humana.
A transformação de ação em atividade constitui um aspecto fundamental, porque é a
partir desse processo que nascem novas atividades, as quais são pensadas e realizadas
decorrentes de novos motivos, que são mobilizadores de novas ações. Enfim, há uma
mobilidade entre os componentes da atividade. O que diferencia uma atividade da outra é o
objeto a qual se destina, isto é o produto da atividade.
Os distintos tipos concretos de atividades podemos diferenciá-los entre si por
qualquer traço significativo: por sua forma, pelas vias de sua realização,
tensão emocional, característica especial e temporal, mecanismos
fisiológicos, etc. Sem dúvida, o mais importante que distingue uma atividade
de outra é o objeto da atividade. É o objeto da atividade que confere a ela
mesma determinada direção. Pela terminologia proposta por mim, o objeto
da atividade é seu motivo real (LEONTIEV, 1983, p. 82-83, tradução
nossa).62
Os motivos reais respondem a necessidades humanas que são históricas. Os motivos
podem ser de ordem material ou mental. Em uma atividade cognoscitiva os motivos e as
62
No texto, em espanhol, lê-se: “Los distintos tipos concretos de actividad podemos diferenciar-los entre si por
cualquer rasgo significativo: por su forma, por las vias de su realización, tensión emocional, característica
espacial y temporal, mecanismos fisiológicos, etcétera. Sin embargo, lo más importantee que distingue uma
actividad de outra es el objeto de la actividad. Es el objeto de la actividad lo que confiere a la misma
determinada dirección” (LEONTIEV, 1983, p. 82-83).
91
ações são mentais. O exemplo da leitura do livro citado por Leontiev diz respeito a uma
atividade cognoscitiva, porém esta realiza-se por meio de ações externas que podem assumir
formas de processos mentais. No caso, se os estudos estivessem dirigidos apenas para passar
nos exames, os processos mentais seriam diferentes daqueles que se formariam se o escolar
realizasse a leitura movido pela necessidade de apropriar-se dos conhecimentos. Na primeira
situação, a ação de ler motivada por passar no exame, sua atividade mental poderia
concentrar-se apenas na memorização mecânica do conteúdo. Porém, se sua ação tem como
objetivo apropriar-se dos conhecimentos, sua atividade mental envolveria a reflexão, análise e
síntese, desencadeando uma forma superior dos processos mentais.
A atividade prática, por exemplo: aprender andar de bicicleta, exigirá ações motoras,
as quais são menos complexas que as mentais, porem não dissociadas. A princípio, as ações
são desarticuladas entre si, a criança não consegue coordenar as pedaladas e cuidar da direção
da bicicleta, isto é, elas vão se constituindo aos poucos, somente quando domina as ações
consegue andar de bicicleta e a realizá-las de forma automatizada. A ação transformou-se em
operação, por exemplo: a ação de coordenar o guidão, de pedalar, de equilibrar-se tornaram-se
operações, um hábito. Uma ação convertida em operação de forma automatizada significa que
o sujeito consegue reconstruí-la durante a realização da atividade.
As transformações da atividade conduzem à reestruturação das atividades no
entrelaçamento com as funções psicológicas cerebrais (novas funções). Leontiev (1983, p. 95,
tradução nossa) considera que o mais importante é “[...] investigar aquelas transformações da
atividade que conduzem à reestruturação do entrelaçamento das funções psicofisiológicas
cerebrais”63. Portanto, é por meio da análise de como os sujeitos realizam suas atividade
que permite conhecer como está se desenvolvendo.
Leontiev ([197-]) defende que cada período do desenvolvimento humano é marcado
por atividades dominantes, sendo estas responsáveis pelas principais mudanças nos processos
psicológicos das crianças e na constituição da sua personalidade em um dado estágio de seu
desenvolvimento. Desse modo, classificou o desenvolvimento humano em três estágios
principais no processo de apropriação da cultura:
Idade pré-escolar: período em que se abre para a criança o mundo da atividade
humana que a rodeia, sua atividade dominante é o jogo;
63
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] investigar aquellas transformaciones de la actividad que conducen a la
reestruturación del entrelazamiento de las funciones psicofisiológicas cerebrais” (LEONTIEV, 1983, p. 95).
92
Idade escolar: ligada à entrada da criança na escola, suas relações passam a ser,
além dos pais e educador, agora com a sociedade. Sua atividade dominante é a de estudo.
Segundo Davídov e Márkova (1987, p. 176) “[...] o ingresso na escola marca o começo de
uma nova etapa na vida da criança, ela muito se modifica tanto no aspecto da organização
externa como interna”64.
Estudante adolescente: passagem ligada à sua inserção nas formas de vida social
que lhe são acessíveis. Há uma mudança do lugar real que a criança ocupa na vida cotidiana
dos adultos que a rodeia, sua força física, seus conhecimentos colocam-na em igualdade com
o adulto, podendo até se sentir superior. Nesse período da vida, sua atividade dominante
consiste nas atividades de estudos e de trabalho.
É importante salientar que essas etapas no desenvolvimento humano dependem do
lugar que o indivíduo ocupa no sistema das relações humanas, o qual é regido por leis sóciohistóricas. Nesse sentido, não é a idade da criança que determina o conteúdo do estágio de
desenvolvimento, mas, ao contrário, a idade da passagem de um estágio a outro depende do
seu conteúdo e muda com as condições sócio-históricas. Então, para compreender o
desenvolvimento do psiquismo da criança, deve-se partir da análise do desenvolvimento
da sua atividade, tal como ela se organiza nas condições concretas de sua vida.
Essa explanação sobre os pressupostos da Teoria da Atividade possibilita entender os
elementos que envolvem a complexa atividade humana e a educação escolar como uma
especial atividade dos homens na produção e apropriação dos saberes humanos, propiciando a
satisfação de suas necessidades criadas no conjunto das relações sociais. Ao tomarmos a
educação escolar como atividade sob esta perspectiva teórica, é preciso compreendê-la em
movimento, considerando-a em seus aspectos sociais, históricos, econômicos, políticos e
culturais.
Os pressupostos da Teoria da Atividade permitem a compreensão das ações de cada
sujeito envolvidas no trabalho educativo. Assim, a atividade assume a função de categoria de
análise para a compreensão das diferentes dimensões da educação escolar.
Diante do que foi exposto, é possível inferir que a Teoria da Atividade constitui-se em
uma perspectiva teórica importante para a qualificação da educação atual, no sentido de
64
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] el ingreso a la escuela marca el comienzo de uma nueva etapa en la vida del
niño; en ella mucho es lo que cambia tanto en el aspecto de la organización externa como de los móviles
internos” (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, p. 176).
93
possibilitar a apropriação dos conhecimentos produzidos pela humanidade (as objetivações
humanas), potencializando o desenvolvimento dos sujeitos envolvidos no processo educativo.
Para a disciplina de Matemática, as contribuições desta perspectiva teórica podem
auxiliar na organização do seu ensino, de modo que os conteúdos desta área do saber sejam
trabalhados no sentido de possibilitar aos estudantes a apropriação teórica dos conceitos
matemáticos. Isto é, uma prática educativa em matemática que coloque como centro dos
trabalhos o processo cognitivo e cultural dos aprendizes e que seus conhecimentos sejam
compreendidos como produção humana para a satisfação dos problemas enfrentados pelos
homens no decurso da história.
4.2 O professor como organizador da atividade de ensino
A práxis pedagógica, como unidade entre a atividade teórica e prática, como definida
anteriormente, possui dois elementos importantes que mobilizam os sujeitos no trabalho
educativo: a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem. A atividade de ensino
consiste no núcleo do trabalho do professor, tendo em vista que os conceitos científicos não
são apropriados diretamente pelos alunos, necessitando da mediação do professor. Neste
sentido, a organização do ensino, por meio das atividades de ensino, consiste na maneira pela
qual o professor organiza sua intervenção junto ao aluno. A atividade de aprendizagem
constitui-se na atividade principal do aluno em idade escolar. É por meio da atividade de
aprendizagem que o aluno pode apropriar-se dos conhecimentos e desenvolver suas funções
psicológicas superiores.65
Para entender o professor como organizador da atividade de ensino, é importante ter
claro que as atividades de ensino e de aprendizagem são articuladas entre si; cabe ao professor
organizar o ensino na forma de atividades, que serão desencadeadoras de atividades de
aprendizagem para o aluno. O tratamento em separado, neste texto, é apenas uma forma
65
Davídov (1987, 1988, 1999), de acordo com os pressupostos de Leontiev, considerava atividade de estudo
como a atividade dominante da criança em idade escolar. Ele desenvolveu os pressupostos teóricometodológicos desta especifica atividade humana, os quais serão retomados na seção seguinte, de forma a
evidenciar o aluno como sujeito dessa atividade. Consideramos importante salientar que, em alguns textos,
sobretudo de tradução para a língua inglesa, foi utilizado o termo atividade de aprendizagem como equivalente
ao de atividade de estudo. De acordo com o contexto escolar brasileiro, consideramos que o termo atividade de
aprendizagem é mais apropriado, sendo assim, também, utilizaremos atividade de aprendizagem como
equivalente a atividade de estudos. Nas traduções referentes os escritos de Davídov, manteremos o termo
definido pelo autor.
94
didática de abordar a temática e, também, de marcar o lugar social, como defende Leontiev
(2001), que cada um ocupa no processo de ensino e aprendizagem. O lugar social do professor
é diferente daquele que o estudante ocupa, como também são diferentes suas necessidades,
seus motivos, suas ações e suas operações.
A perspectiva de educação escolar adotada neste trabalho é aquela que tem como
objetivo possibilitar aos indivíduos a apropriação dos bens culturais elaborados pela
humanidade. Conforme Davídov (1988, p. 3, grifos do autor, tradução nossa), “[...] a escola
deve ensinar os alunos a pensar, isto é, desenvolver ativamente neles os fundamentos do
pensamento contemporâneo, para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o
desenvolvimento”.66
É preciso questionar que tipo de pensamento a escola deve desenvolver nos sujeitos
que dela participam. Sobre esta questão, os autores da perspectiva teórica histórico-cultural
esclarecem que é o pensamento teórico, como já apresentamos o capítulo anterior. Como o
objetivo da escola é o desenvolvimento do pensamento teórico, o conteúdo do ensino é
constituído pelos conhecimentos teóricos. Mas é preciso pensar como ensinar para atingir esse
objetivo. Decorre daí a importância de se pensar sobre o papel do professor na organização do
ensino. Que atividades ele propõe para possibilitar a apropriação dos conhecimentos teóricos
pelos alunos? Segundo Serrão (2004, p. 119):
No exercício de sua atribuição de ensinar, cabe ao professor organizar meios
e situações adequadas para assimilação, por parte dos estudantes, da
“experiência histórico-social”.
[...] compete ao professor propor tarefas de estudos, que irão desencadear a
mobilização dos estudantes rumo à concretização dos objetivos próprios da
aprendizagem e do ensino.
Para que as aprendizagens tenham sentido para os alunos, é necessário que o professor
compreenda o significado social do conhecimento a ser trabalhado, como pensar a relação
entre sentido e significado no processo de ensino e aprendizagem? Segundo Leontiev, o
reflexo psíquico depende da relação do sujeito com o objeto, do sentido que este objeto possui
para o sujeito. É na relação entre o mundo objetivo e o subjetivo que se tem a relação entre
66
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] la escuela debe enseñar a los alumnos a pensar, es decir, desarrollar
activamente en ellos los fundamentos del pensamiento contemporáneo, para lo cual es necesario organizar una
enseñanza que impulse el desarrollo” (DAVÍDOV,1988, p. 3).
95
significado (ou significação) e sentido. Conforme as palavras de Leontiev ([197-], p. 100):
“[...] o reflexo consciente é psicologicamente caracterizado pela presença de uma relação
interna específica, a relação entre sentido subjetivo e significação”. A significação é
constituída pela prática social dos homens, na qual se cristalizam as experiências humanas,
que, refletidas e fixadas pela e na linguagem, constituem a consciência social.
No decurso da sua vida, o homem assimila as experiências das gerações
precedentes; este processo realiza-se precisamente sob a forma da aquisição
das significações e na medida desta aquisição. A significação é, portanto, a
forma sob a qual um homem assimila a experiência humana generalizada e
refletida (LEONTIEV, [197-], p. 101).
O referido autor esclarece que as significações não existem no mundo das idéias, mas
sim na atividade humana concreta. O homem toma consciência do mundo (reflexo
generalizado da realidade) mediatizado pelas significações, as quais se apóiam na experiência
da prática social e as integra independentemente da sua relação individual. A significação é
social, se os homens dão o destino para suas produções dependendo das relações que
estabelecem com os objetos e suas necessidades.
Uma ilustração dessa situação é retratada no filme “Os Deuses devem estar loucos”,67
em que os habitantes de uma tribo africana, separada a poucos quilômetros da urbanidade,
apenas 920 km, conseguem viver com poucas alterações no meio natural. Porém, um dia, ao
encontrarem uma garrafa, a qual foi derrubada por um piloto de avião, utilizam-na de
diferentes formas, fazem dela um instrumento para suas variadas necessidades (socar, triturar
raízes, produzir som), visto que foi o objeto de maior dureza que encontraram. Para
acondicionar líquido não era utilizada, até porque onde viviam – Deserto do Kalahari – a água
era extremamente escassa. Sem contar que consideravam-na um presente dos deuses e que,
por causar discórdia no grupo, um dos habitantes resolve devolvê-la, mote para a continuidade
do filme. Este objeto – a garrafa – não fazia parte do sistema de significações daquele povo,
então estabeleceram significação de acordo com sua prática social e com os aspectos externos
do objeto. Esse exemplo revela que:
[...] um objeto social e seu conceito não são apreendidos pela mera relação
física que o indivíduo possa estabelecer. Essa apreensão só se dá na medida
67
The gods must be crazy – comédia produzida na África do Sul e nos Estados Unidos, dirigida por Jamie Uys,
em 1980.
96
em que o indivíduo, relacionando-se com outros homens que têm aquele
objeto instituído enquanto tal – por decorrência, também enquanto conceito
se apropria daquela relação (KLEIN, 2002, p. 68).
A aquisição das significações decorre do processo de apropriação dos conceitos pelos
indivíduos, apropriação de um saber ou um saber-fazer, por meio de diferentes formas de o
homem apropriar-se do mundo humanizado.
Desta forma, a consciência não deve ser entendida por si própria, mas no conjunto das
relações humanas, nas interações reais entre o sujeito real e o mundo real que o cerca. Nesta
relação, são criados os sentidos conscientes.
De um ponto de vista psicológico concreto, este sentido consciente é criado
pela relação objetiva que se reflete no cérebro do homem, entre aquilo que o
incita a agir e aquilo para o qual a sua ação se orienta como resultado
imediato. Por outras palavras, o sentido consciente traduz a relação do
motivo ao fim (LEONTIEV, [197-], p. 103).
Ao conceber o sentido como sendo o motivo que leva o indivíduo a agir, então, o
sentido é pessoal e estabelecido na atividade do sujeito com o mundo, traduzindo a relação do
sujeito com os fenômenos objetivos conscientizados. Isso explica porque não existem sentidos
puros, mas fazem parte da consciência e estão entrelaçados ao sistema de significações.
Na verdade, se bem que o sentido (“sentido pessoal”) e a significação
pareçam, na introspecção, fundidos na consciência, devemos distinguir
esses dois conceitos. Eles estão intrinsecamente ligados um ao outro, mas
apenas por uma revelação inversa da assinalada precedentemente; ou seja, é
sentido que se exprime nas significações (como o motivo nos fins) e não a
significação no sentido (LEONTIEV, [197-], p.104).
Ao compreender a relação entre sentido e significações, faz-se necessário pensar tal
relação no processo de ensino e aprendizagem. Leontiev ([197-]) defende essa relação a partir
de uma outra relação que é a do ensino conscientizado e aprendizagem conscientizada. Ensino
conscientizado seria assumir a vida do homem como necessidade orgânica, pensar os
conhecimentos importantes para o homem na sociedade em que vive, ou seja, a apropriação
das significações, do conjunto de experiências produzidas pela humanidade. Aprendizagem
conscientizada seria pensar o sentido que adquirem para as crianças os conhecimentos que
aprendem; qual a importância que têm os conhecimentos assimilados pelas crianças, o lugar
97
que ocupam dentro da vida, de sua personalidade, e que sentido adquirem para elas. Este é o
motivo que leva as crianças a aprenderem determinados conhecimentos (LEONTIEV, [197-]).
Na organização do ensino de acordo com os pressupostos da perspectiva históricocultural, o professor deverá ter claro que os conhecimentos a serem trabalhados são aqueles
que potencializam o desenvolvimento das máximas capacidades humanas dos sujeitos.
Uma forma de organizar o ensino como atividade foi defendida por Moura (1992,
1996, 2001, 2004) por meio da base teórico-metodológica para organização do ensino,
denominada de Atividade Orientadora de Ensino (AOE).
A atividade orientadora de ensino tem uma necessidade: ensinar; tem
ações: define o modo ou procedimentos de como colocar os conhecimentos
em jogo no espaço educativo; e elege instrumentos auxiliares de ensino: os
recursos metodológicos adequados a cada objetivo e ação (livro, giz,
computador, ábaco, etc.). E, por fim, os processos de análise e síntese, ao
longo da atividade, são momentos de avaliação permanente para quem
ensina e aprende (MOURA, 2001, p. 155, grifos do autor).
A elaboração das atividades de ensino orientada pelos pressupostos AOE é
caracterizada como um ato intencional, “[...] o que imprime uma responsabilidade ímpar aos
que organizam o ensino” (MOURA, 2001, p. 146). A AOE como base teórico-metodológica
para a organização do ensino é constituída, especialmente, pela atividade de ensino elaborada
pelo professor e a atividade de aprendizagem realizada pelo aluno.
De acordo com os pressupostos da AOE, na relação ensino e aprendizagem, a cultura
aparece como algo a ser apropriado e interiorizado pelos indivíduos. Segundo Davídov
(1988), a interiorização constitui na transformação da atividade coletiva (experiência social)
em uma atividade individual (experiência do indivíduo). Essa transformação é possível por
meio da comunicação entre as pessoas.
Podemos dizer que a relação entre atividade coletiva e individual está relacionada com
a tese vigotskiana de que o conhecimento ocorre em um primeiro momento no social
(interpessoal) para transformar em individual (intrapessoal). Essa transformação não é
imediata, ao contrário, constitui-se em um longo processo de desenvolvimento. Vygotsky
(1989, p. 65) esclarece que “a internalização de formas culturais de comportamento envolve a
reconstrução da atividade psicológica, tendo como base as operações com signos”.
98
Vale destacar que a necessidade da atividade pedagógica reside em proporcionar aos
envolvidos no processo educativo a apropriação da cultura humana como síntese das ações de
ensinar e aprender. Na figura a seguir, apresentamos um esquema sobre a relação entre a
atividade pedagógica e AOE.
Atividade Pedagógica
NECESSIDADE – Humanização
Objeto – Transformação do
sujeito no movimento de
apropriação da cultura humana
Atividade Orientadora de Ensino
Base teórico-metodológica para
Organização do ensino
Figura 1 - Educação como Atividade
Para a concretização da atividade pedagógica com vista à humanização dos sujeitos
envolvidos no trabalho educativo, o professor lança mão da AOE como base teóricometodológica para a organização do ensino, isto é, organização das suas intervenções
pedagógicas junto aos escolares.
Nesta perspectiva, a AOE constitui-se em um modo geral de organização do ensino,
em que seu conteúdo principal é o conhecimento teórico e seu objeto é a transformação do
sujeito no movimento de apropriação destes conhecimentos. O professor, ao organizar o
processo de ensinar, também qualifica seus conhecimentos, por isso, a AOE constitui-se em
unidade de formação do professor e do aluno (MOURA, 1996, 2001).
A atividade de ensino constitui-se em uma particularidade da atividade pedagógica e
esta, em uma particular atividade no contexto geral das atividades humanas no processo de
99
apropriação dos bens culturais produzidos pelos homens ao longo da história. É importante
destacar que sempre que pensarmos sobre a atividade de ensino, precisamos-nos reportar a um
sistema de atividade, já que uma está correlacionada com a outra.
A situação desencadeadora de aprendizagem constitui-se na objetivação da
atividade de ensino, a qual contempla a elaboração e da solução coletiva e a gênese do
conceito. Para que a aprendizagem torne-se significativa a atividade de ensino deve
desencadear uma atividade de aprendizagem. Pressupõe-se que o professor crie a
necessidade no aluno de se apropriar dos conhecimentos teóricos. Esta ação do professor
na organização da atividade de ensino está de acordo com a defesa de Davídov (1999, p. 4)
sobre a elaboração das tarefas de estudos pelos docentes. Ele defende que: “ninguém pode
forçar a criança escolar entrar em atividade de aprendizagem se elas não têm necessidade de
fazer isto”68. Para nós, a situação desencadeadora de aprendizagem equivale às tarefas de
estudos propostas por este pesquisador, visto que ela é organizada de modo a possibilitar
condições para que o objetivo da atividade de ensino seja alcançado.
A situação desencadeadora de aprendizagem deve contemplar a gênese do conceito,
ou seja, a sua essência. Desta forma, ela deve ser composta por um problema de
aprendizagem, e não um problema prático. A distinção desses dois tipos de problemas foi
feita por Rubtsov (1996), o qual afirma que: um problema concreto prático busca modos de
ação em si, a aquisição de uma ação para a resolução de uma situação específica particular; já
num problema de aprendizagem, o aluno se apropria de uma forma de ação geral, que se torna
base de orientação das ações em diferentes situações que o cercam.
Por exemplo, quando propomos a situação desencadeadora de aprendizagem intitulada
Pastor Linus (Anexo A), na questão a ser resolvida – Como o Pastor Linus pode contar a
mesma quantidade de ovelhas utilizando menos pedra? –, o conceito é trabalhado em relação
ao seu processo histórico de produção, aproximando o sujeito de um problema vivido pelo
homem na busca do controle de quantidades. Para resolver esta questão, será necessário
trabalhar com a contagem por agrupamento. Quando o homem começou a agrupar
quantidades para o controle da produção de bens, a relação entre significante (objeto que
conta) e significado (objeto contado) ficou menor, marcando a importância da posição do
objeto que conta nesse processo, premissa fundamental para o conceito de valor posicional.
68
No texto, em ingles, lê-se: “Equally, we cannot force school children to enter into learning activity if they do
not have the need to do so” (DAVÍDOV, 1999, p.127).
100
Esse problema de aprendizagem contempla a essência do conceito de contagem por
agrupamento para o controle de quantidade.
São as necessidades humanas que mobilizam o homem na produção de instrumentos.
Foi a necessidade de controlar as quantidades que fez os homens criarem o sistema de
numeração. Conforme Moretti (2007, p.97)
[...] compreender a essência das necessidades que moveram a humanidade na
busca de soluções que possibilitaram a construção social dos conceitos é
parte do movimento de compreensão do próprio conceito. Assim, o aspecto
histórico associa-se ao aspecto lógico no processo de conhecimento de um
determinado objeto de estudo e é só nessa unidade dialética que o
conhecimento desse objeto é possível.
Partindo desse pressuposto, defendemos que as atividades de ensino devem revelar o
processo de produção do conceito, considerando seu aspecto lógico-histórico. No caso do
ensino de matemática, o trabalho nesta perspectiva possibilitará ao professor e ao aluno
compreenderem essa ciência como uma produção humana.
Em particular para o ensino de matemática, é fundamental que a história do
conceito permeie a organização das ações do professor de modo que esse
possa propor aos seus alunos problemas desencadeadores que embutam em
si a essência do conceito. Isso implica que a história da matemática que
envolve o problema desencadeador não é a história factual, mas sim aquela
que está impregnada no conceito ao se considerar que esse conceito objetiva
uma necessidade humana colocada historicamente (MORETTI, 2007, p. 98).
Outro ponto característico da AOE é que a elaboração da atividade de ensino e a
solução da situação-problema pelos alunos devem ser realizadas na coletividade, como forma
de transformar as necessidades individuais em coletivas. Dessa forma, as atividades de ensino
elaboradas pelos professores tornam-se fonte de produção de conhecimento.
As situações desencadeadoras de aprendizagem podem ser materializadas por meio de
diferentes recursos metodológicos. Lanner de Moura e Moura (1996b, p. 12- 14, grifos dos
autores) destacaram três: jogos, situação emergente do cotidiano e história virtual do conceito.
O jogo com propósito pedagógico pode ser um importante aliado no ensino,
já que preserva o caráter de problema. [...] O que devemos considerar é a
101
possibilidade do jogo colocar a criança diante de uma situação-problema
semelhante à vivenciada pelo homem ao lidar com conceitos matemáticos.
[...]
A problematização de situações emergentes do cotidiano possibilita à prática
educativa oportunidade de colocar a criança diante da necessidade de
vivenciar solução de problemas significativos para ela.
[...]
É a história virtual do conceito porque coloca a criança diante de uma
situação problema semelhante àquela vivida pelo o homem ao ter que
controlar quantidades contínuas e discretas.
Moura e Lanner de Moura (1996b) defendem que o problema colocado à criança deve
conter grau de desafio e ludicidade para que os escolares se envolvam na busca de solução e
se apropriem de uma aprendizagem significativa.
O objetivo principal da situação desencadeadora de aprendizagem é desencadear a
necessidade de apropriação do conceito pelo aluno, de modo que suas ações sejam realizadas
na busca da solução do problema mobilizadas pelo motivo real desta atividade – apropriação
dos conhecimentos. Só assim, o sujeito se encontrará em atividade de aprendizagem.
As atividades de ensino elaboradas pelos professores devem oferecer condições para
que os alunos entendam a situação de aprendizagem e realizem ações de aprendizagem. Para
isso, a ação de avaliação constitui-se parte inerente do planejamento e da execução da
atividade, tendo em vista que se realiza no processo de análise e síntese na relação entre a
atividade de ensino elaborada pelo professor e a atividade de aprendizagem realizada pelo
aluno. As ações de aprendizagem realizadas pelos alunos constituirão foco da análise do
professor para refletir sobre a qualidade da sua atividade de ensino.
No quadro abaixo, procuramos sintetizar a organização do ensino como atividade de
acordo com os pressupostos teóricos adotados nesta pesquisa.
ATIVIDADE DE ENSINO
Sujeito
Professor
Conteúdo
Conhecimentos teóricos
Necessidade
Humanização dos sujeitos envolvidos no processo educativo – Promoção de
Aprendizagens
Motivo
Organização do ensino
Objeto
Transformação dos conhecimentos teóricos de modo que o sujeito envolvido no
processo de ensino e aprendizagem possa apropriá-se dele.
102
Plano de ação – Situação desencadeadora de aprendizagem
Objetivo
Ensinar
Ações
Definição dos procedimentos teórico-metodológicos de como trabalhar com os
conhecimentos teóricos:
Estudo de conteúdos matemáticos e dos referenciais metodológicos;
Elaboração de situações desencadeadoras de aprendizagem (criar necessidade do
conceito);
Avaliação (analisar se a atividade de ensino foi adequada, se promoveu a
aprendizagem dos escolares, se estes se apropriaram, de um modo geral, a
resolução da situação-problema).
Operações
Utilização dos recursos metodológicos que auxiliarão o ensino:
Trabalho em grupo;
Organização da sala de aula;
Escolha dos instrumentos a serem disponibilizados aos alunos, por exemplo:
pedrinhas; material dourado, ábaco, entre outros;
Quadro 2: Atividade de Ensino seguindo os pressupostos da AOE
Como tentamos explicitar ao longo do texto, a atividade de ensino constitui-se o
núcleo do trabalho do professor no processo de humanização dos escolares. O que mobiliza os
professores estarem em atividade de ensino é a necessidade de organizar suas intervenções
pedagógicas – o ensino, o qual, se adequadamente organizado, possibilitará a aprendizagem
dos escolares e, conseqüentemente, proporcionará seu desenvolvimento psicológico, isto é
uma transformação do sujeito no movimento de apropriação dos conhecimentos teóricos. Esta
transformação não ocorre somente nos escolares, mas também no professor, porque ao
apropriar do processo de organização do ensino, também se desenvolve profissionalmente.
Em síntese, as ações são direcionadas pelo objetivo principal do professor que é ensinar, para
isso, suas ações consistirão no estudo, elaboração, implementação, controle e avaliação de
situações desencadeadoras de aprendizagem. Estas serão concretizadas por meio de
operações, as quais estão relacionadas às condições concretas para efetivação do objetivo da
atividade.
A atividade de ensino envolve desde a elaboração do currículo de uma determinada
área do saber até as ações de ensinar o conteúdo selecionado. É uma atividade complexa e
comporta um grande número de ações, mas cada uma delas deve estar dirigida para a sua
essência que é ensinar o outro.
103
Para que o professor possa elaborar as atividades de ensino, faz-se necessário que os
programas de ensino sejam mais que um rol de conteúdos ou um aglomerado de
conhecimentos, ao contrário, devem fornecer direções para estabelecer sistemas integrados de
conhecimento. Desse modo, para que o professor tenha condições de compreender a relação
essencial dos conteúdos de determinada área do saber, ele deve ter se apropriado desses
conhecimentos teoricamente, senão pode incorrer em escolhas e formas de ensinar que
seguem, unicamente, livros didáticos, que, na maioria das vezes, não trabalham com a
essência do conceito. Ao exigir que o professor domine esses conhecimentos, consideramos
importante proporcionar uma constante formação docente que tenha como foco o núcleo de
seu trabalho, a atividade de ensino.
4.3 O aluno sujeito na atividade de aprendizagem
Davídov (1982, 1988, 1999) ressalta a importância em conhecer as características das
atividades de aprendizagem, isto é, saber como os escolares realizam suas ações no processo
de aquisição do conhecimento, visto que tal conhecimento fornece elementos para se pensar a
organização do ensino e acompanhar os resultados do trabalho pedagógico.
Defende que os alunos devem ser sujeitos das suas ações nas atividades de
aprendizagem, tendo consciência do significado das mesmas no processo de apropriação dos
conhecimentos. As atividades propostas pelos professores devem gerar necessidades nos
alunos para se constituírem em atividades de aprendizagem na perspectiva defendida por
Leontiev e Davídov. É essencial levar em consideração este aspecto, uma vez que muitas
tarefas desenvolvidas pelos estudantes representam somente exigências dos professores, e eles
as realizam apenas para cumprir solicitações externas. Tanto o professor quanto o aluno
acabam realizando tarefas que não traduzem necessidades, objetivos próprios. Conforme
Davídov,
[...] a necessidade da atividade de estudo estimula os escolares a assimilar os
conhecimentos teóricos; os motivos, a assimilar os procedimentos de
reprodução destes conhecimentos por meio das ações de estudo, dirigidas a
resolver as tarefas de estudos (recordamos que a tarefa é a unidade do
104
objetivo da ação e das condições para alcançá-lo) (DAVÍDOV,1988, p.
178, tradução nossa)69.
Rubtsov (1996) também investigou sobre a atividade de aprendizagem. Ele afirma
que:
[...] é através de uma atividade concreta que o conteúdo dos conhecimentos é
adquirido e que as regras que comandam este processo de aquisição são
estabelecidas. Esse processo torna-se, então, o meio pelo qual problemas
típicos de uma ou de outra atividade (jogo, trabalho, etc.) podem ser
resolvidos. Mas, quando se trata de uma atividade de aprendizagem, então,
estes processos de aquisição tornam-se o objetivo direto e o problema a ser
resolvido por essa atividade (RUBTSOV, 1996, p. 130, grifos nossos).
Garnier, Berdnarz e Ulanovskaya (1996) defendem que: as atividades de
aprendizagem desenvolvem a capacidade de análise e síntese, permitindo ao professor
introduzir as bases necessárias ao desenvolvimento psicológico das crianças, formando-as na
reflexão teórica, na análise e no planejamento. É por meio de tais atividades de aprendizagem
que os escolares adquirem uma forma de ação geral frente aos problemas de aprendizagem, a
qual desencadeia ações cognitivas do sujeito frente ao objeto.
[...] a aquisição de ação geral constitui um aspecto muito importante da
resolução de um problema de aprendizagem. Essa resolução pede que um
dado modelo de ação seja transformado em uma base, que constitui a
orientação comum para completar as ações concretas relativas a uma classe
de problemas; procedimentos que resulta na transformação do aluno em si,
através de uma autotransformação, uma vez que ele modifica, então, os
modos de funcionamento e de regulagem das suas próprias ações e adquire
novos modos de orientação de suas ações no interior do sistema de
situações que o cerca (RUBTSOV, 1996, p. 133, grifos nossos).
Nesta perspectiva, a atividade de aprendizagem, ao desencadear ações de
aprendizagem nas quais os alunos analisam as condições de origem do conceito de
determinado conteúdo científico e descobrem as relações que produzem a generalização deste
69
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] la necesidad de la actividad de estudio estimula a los escolares a asimilar
los conocimientos teóricos; los motivos, a asimilar los procedimientos de reproducción de estos conocimientos
por medio de las acciones de estudio, dirigidas a resolver las tareas de estudio (recordemos que la tarea es la
unidad del objetivo de la acción y de las condiciones para alcanzarlo)” (DAVÍDOV, 1988, p. 178).
105
no plano mental, forma assim as bases do pensamento teórico nos escolares. São as ações de
aprendizagem dirigidas pelo objetivo de aprender os conhecimentos.
Outro ponto, destacado por Davídov e Rubtsov, refere-se ao caráter das atividades de
aprendizagem. Para esses autores, o ensino deve ter caráter problemático, isto é, por meio
da resolução de problemas o aluno pode se apropriar, de forma autônoma, dos conhecimentos
teóricos, conteúdo das atividades de aprendizagem. Reforça Davídov (1988, p.181),
Como afirmam os especialistas no ensino de caráter problemático os
conhecimentos não se transmitem aos alunos em forma já pronta, senão
são adquiridos por eles no processo de atividade cognoscitiva autônoma
na presença da situação problemática. A atividade de estudo aponta
também para que os escolares assimilem os conhecimentos no processo de
solução autônoma das tarefas, o que lhes permite descobrir as condições de
origem destes conhecimentos. Assinalamos que o ensino de caráter
problemático, como a atividade de estudo, está internamente ligada com o
nível teórico de assimilação dos conhecimentos e com o pensamento teórico
(grifos do autor, tradução nossa)70.
Sobre esse aspecto, Davídov (1999) esclarece que, se a criança é submetida a
conhecimentos que já havia formado, não revelando seu processo de produção como algo
novo ou como um problema a ser resolvido, sua atividade de aprendizagem fica limitada, por
não desencadear reais ações de aprendizagem. Segundo o autor, os livros textos baseados em
técnicas tradicionais de ensino estão repletos desse tipo de conhecimento, que pouco
acrescenta às aprendizagens das crianças. Essa forma de ensinar explica porque muitas vezes
as crianças ou mesmo adultos passam longos períodos na escola e sua relação com a realidade
é minimamente modificada em comparação àqueles que não freqüentaram os bancos
escolares. Os conhecimentos ficam limitados ao cotidiano, este não necessita de uma
intervenção sistematizada para que o sujeito se aproprie.
O referido autor também destaca que a realização das atividades de aprendizagem de
forma autônoma pelos alunos não acontece de maneira instantânea, ao contrário, é um
70
No texto, em espanhol, lê-se: “Como afirman los especialistas en la enseñanza de carácter problemático los
conocimientos no se transmiten a los alumnos en forma ya lista, sino que son adquiridos por ellos en el proceso
de la actividad cognoscitiva autónoma en presencia de la situación problemática. La actividad de estudio apunta
también a que los escolares asimilen los conocimientos en el proceso de solución autónoma de las tareas, lo que
lês permite poner al descubierto las condiciones de origen de estos conocimientos. Señalemos que la enseñanza
de carácter problemático, como la actividad de estudio, está internamente ligada con el nivel teórico de
asimilación de los conocimientos y con el pensamiento teórico” (DAVÍDOV, 1988, p. 181).
106
processo em que os alunos, inicialmente, ajudados, por meio da mediação do professor, a
resolver as situações problema.
Os escolares no começo, naturalmente, não sabem formular de maneira
autônoma as tarefas de estudo e realizar as ações para resolvê-las. Ajuda-os,
até certo momento, o professor, mas paulatinamente os alunos adquirem as
correspondentes capacidades (justamente neste processo se forma neles a
atividade de estudo realizável autonomamente, a capacidade de aprender)
(DAVÍDOV, 1988, p. 181-182, tradução nossa)71.
O referido autor ressalta a importância das atividades de aprendizagem da seguinte
forma:
No curso da formação da atividade de estudo, nos escolares de menor idade
se constitui e desenvolve uma importante neoestrutura psicológica: as bases
da consciência e do pensamento teórico e as capacidades psíquicas a eles
vinculadas (reflexão, análises, planificação) (DAVÍDOV, 1988, p. 176,
tradução nossa)72.
É possível afirmar que um dos elementos centrais na atividade de aprendizagem é que
o aluno seja sujeito no processo de sua realização, de modo que os objetivos de suas
diferentes ações coincidam com o da atividade proposta pelo professor e/ou pelo grupo de
aprendizes. Dessa forma, a escola, em seu objeto central, o ensino, terá significado para o
aluno, tendo em vista que ele atribuirá um sentido pessoal ao seu aprendizado. O ensino,
concebido e trabalhado nesta perspectiva, contribuirá para que os alunos desenvolvam-se
psicologicamente de modo a consolidar as importantes bases cognitivas para a apropriação do
pensamento teórico. Concordamos com Cedro (2004) quando afirma que a atividade de
aprendizagem está inserida na atividade de ensino e permite a introdução das bases
necessárias para o desenvolvimento psicológico dos sujeitos.
71
No texto, em espanhol, lê-se: “Los escolares al comienzo, naturalmente, no saben formular de manera
autónoma las tareas de estudio y realizar las acciones para resolverlas. Los ayuda, hasta cierto momento, el
maestro, pero paulatinamente los alumnos adquieren las correspondientes capacidades (justamente en este
proceso se forma en elles la actividad de estudio realizable autónomamente, la capacidad de aprender)
(DAVÍDOV, 1988, p. 181).
72
“En el curso de la formación de la actividad de estudio, en los escolares de menor edad se constituye y
desarrolla una importante neoestructura psicológica: las bases de a conciencia y el pensamiento teóricos y las
capacidades psíquicas a ellos vinculadas (reflexión, análisis, planificación)” (DAVÍDOV, 1988, p. 176).
107
Segue o quadro que sintetiza a relação entre os elementos estruturantes da atividade e
da atividade de aprendizagem no processo de apropriação dos conhecimentos teóricos:
ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM
Sujeito
Aluno
Conteúdo
Conhecimentos teóricos
Necessidade
Humanizar-se
Motivo
Apropriação dos conhecimentos teóricos
Objeto
Transformação do sujeito no movimento de apropriação dos conhecimentos
teóricos – Aprendizagem
Objetivo
Aprender
Ações
Resolução da situação desencadeadora de aprendizagem
Categorização dos atributos básicos da situação desencadeadora de
aprendizagem;
Modelação da situação-problema, (representação das relações gerais do
conhecimento);
Definição do sistema de relações;
Avaliação
Operações
Utilização dos recursos metodológicos que auxiliarão a aprendizagem:
Leitura da situação-problema;
Utilização de desenho, cálculos ou maquetes;
Organização da apresentação da solução para o grupo (oral ou escrita);
Quadro 3: Atividade de aprendizagem seguindo os pressupostos da AOE
4.4 A relação entre atividade de ensino, atividade de aprendizagem e avaliação escolar
Como apresentamos em tópicos anteriores, as atividades de ensino e de aprendizagem
não são indissociáveis, porém, em cada uma, há a marca dos sujeitos em seus processos. Na
atividade de ensino, destaca-se a importância do professor na organização do ensino e, na
atividade de aprendizagem, é evidenciado o aluno como sujeito das suas ações no processo de
apropriação dos conhecimentos teóricos – conteúdo da atividade de ensino e de
aprendizagem.
Entendemos que a avaliação apresenta-se como uma forma de acompanhar se a
atividade de ensino elaborada pelo professor desencadeou a atividade de aprendizagem
esperada para o aluno, possibilitando compreender o processo de desenvolvimento da criança.
108
O pressuposto básico desta perspectiva teórica consiste que, por meio da apropriação dos
conhecimentos teóricos, a criança desenvolva suas funções psicológicas superiores. O
acompanhamento desse processo permite pressupor que a avaliação constitui-se mediadora
entre a atividade de ensino organizada pelo professor e a atividade de aprendizagem realizada
pelo aluno.
Nesta perspectiva, o objetivo principal da avaliação consiste na reflexão das ações
desenvolvidas tanto pelo aluno como pelo professor, no sentido de qualificar o processo de
atividade cognitiva dos envolvidos. A avaliação como um processo de análise e síntese é
importante para o direcionamento das atividades desenvolvidas pelos sujeitos do processo de
ensino e aprendizagem.
Dessa forma, se o professor considera o ensino como uma situação-problema que visa
o desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes, também deve considerar como um
dos aspectos fundamentais do ensino a reflexão. Para isso, é necessário que o professor fique
atento durante a preparação e desenvolvimento das atividades, isto é, como defende Vigotski
(2000), seja um observador perspicaz. A observação não pode ser realizada aleatoriamente, ao
contrário, é preciso sistematizar os dados para que a análise do desenvolvimento dos alunos
seja coerente com as ações desempenhadas tanto pelos aprendizes quanto pelo professor. Isto
é, observar, acompanhar o processo ensino-aprendizagem para intervir.
Davídov (1988) ressalta que, dentre as ações de aprendizagem, está a de controle e
avaliação. Utilizando suas palavras:
A ação de estudo de controle e avaliação possui um grande papel na
assimilação, pelos escolares, dos conhecimentos. O controle consiste em
determinar a correspondência de outras ações de estudo às condições e
exigências da tarefa de estudo. [...] Graças a ele, o controle assegura a
requerida plenitude na composição operacional das ações e a forma correta
de sua execução.
[...]
A ação de avaliação permite determinar se está assimilado (e em que
medida) ou não o procedimento geral de solução da tarefa de estudo dada,
se o resultado das ações de estudo corresponde (e em que medida) ou não a
seu objetivo final. [...] É justamente a avaliação que “informa” aos escolares
se teve resultado ou não a tarefa de estudo dada (DAVÍDOV, 1988, p. 184,
tradução nossa)73.
73
No texto, em espanhol, lê-se: “La acción de estudio de control y evaluación juegan un gran papel en la
asimilación, por los escolares, de los conocimientos. El control consiste en determinar la correspondencia de
109
Verificamos que o controle está relacionado com a operacionalização das ações dos
estudantes e a avaliação com o exame qualitativo e substancial das ações. Para nós, a ação de
controle e de avaliação é parte integrante tanto da atividade de ensino elaborada pelo
professor quanto da atividade de aprendizagem realizada pelo aluno, o professor e o aluno
regulam suas ações de ensinar e aprender por meio da análise das suas próprias ações.
Podemos inferir que o controle e a avaliação estão ligados às categorias de produto e de
processo, as quais concebemos articuladas dialeticamente. Não existe controle sem avaliação
e avaliação sem controle. Neste trabalho, tomaremos o termo mais amplo que é a avaliação
como uma forma de expressar essa relação dialética.
No processo avaliativo, é importante observar se os objetivos de realização das
atividades propostas pelo professor constituem propostas significativas para o aluno. Se os
alunos não realizam a atividade com base em uma necessidade própria, de acordo com seus
motivos, esta não pode ser considerada atividade na perspectiva de Leontiev. Isto remete ao
significado e sentido que os alunos e professores dão para o ato de estudar, e ampliando a
questão para o significado da instituição escolar.
Leontiev (1983) defende que o ensino conscientizado implica numa aprendizagem
também conscientizada. Isto é, o professor necessita saber o significado social do que se
ensina para que este ensino possa ter sentido para a criança, é nessa relação entre sentido e
significado que os conhecimentos se tornam “vivos”. Destaca, também, a importância dos
conhecimentos assimilados pelas crianças e o lugar que ocupam em sua vida, na sua
personalidade e no sentido que adquirem para ela.
A atividade constitui-se em um processo em constante transformação que ao se
reestruturar, forma novas funções cerebrais por meio do trânsito das ações e das operações em
que tais processos se realizam. Desta forma, podemos inferir que, no plano psicológico, o
processo de avaliação seria o acompanhamento do movimento do sistema de atividade.
Cabe ao professor analisar os componentes constitutivos da atividade de forma que possibilite
compreender se houve ou não apropriação dos conceitos pelos alunos no plano mental, isto
otras acciones de estudio a las condiciones y exigencias de la tarea de estudio.[...] Graças a ello, o control
asegura la requerida plenitud em la composición operacional de las acciones y la forma correcta de su ejecución.
[…]
La acción de evaluación permite determinar si está asimilado (y en qué medida) o no el procedimiento general de
solución de la tarea de estudio dada, si el resultado de las acciones de estudio corresponde (y en qué medida) o
no a su objetivo final. [...] Es justamente la evaluación la que “informa” a los escolares si han resuelto o no la
tarea de estudio dada” (DAVÍDOV, 1988, p. 184).
110
significa analisar o trânsito entre as atividades internas e externas (trânsito das relações
extracerebrais e intracerebrais).
Inferimos que os pressupostos defendidos por Leontiev ampliam, e muito, o
significado de avaliação comumente conhecido ao procurar adentrar no plano psicológico dos
estudantes, levando em consideração o processo de apropriação do conhecimento, em que os
movimentos internos e externos da atividade devem ser analisados articuladamente, do
contrário, destrói-se a atividade. A relação entre o sentido e o significado da realização da
atividade constitui elemento importante para se compreender a articulação entre o movimento
interno e externo. A avaliação dos estudantes deve estar centrada no processo de análise
do sistema de atividades, das ações e suas formas de execução. Conforme afirma Leontiev,
[...] denominaremos atividade ao processo originado e dirigido por um
motivo, dentro do qual tem tomado forma de objeto determinada
necessidade. Em outros termos, por trás da correlação entre atividades se
descobre a correlação dos motivos. E, chegamos deste modo à necessidade
de desenvolver a análise dos motivos e examinar seu desenvolvimento,
transformação, capacidade para desmembração de suas funções e todas as
substituições que entre eles se produzem, dentro do sistema dos processos
que conformam a vida do homem como personalidade (LEONTIEV, 1983,
p. 155, tradução nossa)74.
A análise dos elementos estruturantes da atividade, ou seja, do sistema de atividade,
possibilita, no plano pedagógico, compreender a relação entre o ensino e a aprendizagem
conscientizada. Desta relação, verificamos que a avaliação do sistema de atividade constituise em mediadora entre a atividade de ensino elaborada pelo professor e a atividade de
aprendizagem realizada pelo aluno. Aqui, devemos levar em consideração o lugar social que
cada sujeito ocupa na sociedade (LEONTIEV, [197-]). Nesse sentido, Moura (2000, p. 28)
afirma que:
[...] a própria atividade traz o germe da sua superação: a avaliação [...] É ela
que vai permitir a retrospectiva das ações para que possam ser estabelecidas
novas metas, para satisfazer novas necessidades, que exigirão novas ações
74
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] denominaremos actividad al proceso originado y dirigido por un motivo,
dentro del cual ha tomado forma de objeto determinada necesidad. E otros términos, detrás de la correlación
entre actividades se descubre la correlación de motivos. Y llegamos de este modo a la necesidad de volver al
análisis de los motivos y examinar su desarrollo, transformación, capacidad para desmembración de sus
funciones y todas las sustituciones que entre ellos se producen, dentro del sistema de los procesos que conforman
la vida del hombre como personalidad” (LEONTIEV, 1983, p. 155).
111
com novos instrumentos. Essa parece ser a dimensão da atividade de ensino
ao ser elaborada pelo professor. Quando é atividade a ação do professor
suscita a avaliação.
O professor irá avaliar sua atividade de ensino tendo como referência os
conhecimentos teóricos ensinados na relação com atividade de aprendizagem realizada pelos
escolares.
Davídov (1988) apresenta as peculiaridades das atividades de aprendizagem: o
processo de atividade cognitiva, o processo de solução autônoma das tarefas, o processo de
assimilação dos conhecimentos e as condições de origem dos conhecimentos. Assim, por
meio da análise e da organização do ensino baseada nessas peculiaridades, é possível
acompanhar o processo de apropriação do conhecimento. Isto é, conhecer a passagem do
pensamento empírico para o pensamento teórico. O pensamento teórico ocorre mediante a
reflexão, análise e a planificação teórica. Semenova (1996, p. 166, grifos da autora), apoiada
em Davídov, sintetiza esse processo da seguinte forma:
[...] o pensamento teórico decompõe-se em diversos elementos. Comporta,
antes de mais nada, a reflexão. Essa consiste na descoberta, por parte do
sujeito, das razões de suas ações e de sua correspondência com as condições
do problema. Segue-se a análise do conteúdo do problema. Visa levantar o
princípio ou o modo universal para sua elaboração, a fim de poder transferilo para toda uma classe de problemas análogos. Por fim, é o plano interior
das ações que assegura a sua planificação e sua efetivação mental.
Estes aspectos do pensamento teórico são fundamentais para a análise das ações da
atividade de ensino e da atividade de aprendizagem.
Sforni (2004), em sua pesquisa sobre a aprendizagem conceitual e organização do
ensino na perspectiva da teoria da atividade, defende que uma forma de analisar a relação
entre o ensino e a aprendizagem seria por meio da análise da atividade psicológica, que
denominou de “avaliação da atividade psicológica” do processo ensino-aprendizagem.
Para a autora, essa é uma possibilidade de compreender se a atividade proposta pelo professor
teve sentido pessoal e converteu-se em fonte do desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Conforme Sforni (2004, p. 124, grifos da autora):
112
A análise da atividade psicológica permite identificar sua atividade
dominante, considerar as capacidades adquiridas, reconhecer o que os
mobiliza, entender como individualmente o sujeito se apropria de
conhecimentos, como ocorre o processo de internalização. Essas questões,
ao serem pensadas em conjunto com a análise do conteúdo da ciência,
fornecem direções para a análise e organização de procedimentos
instrucionais que constituem a atividade orientadora de ensino.
Tal forma de compreender a avaliação dos escolares permite inferir que a avaliação é
mediadora entre a atividade de ensino elaborada pelo professor e a atividade de aprendizagem
executada pelos alunos.
A necessidade de mobilizar o pensamento para a aprendizagem reafirma que
na organização do ensino o professor não trata apenas da organização lógica
do conteúdo, mas também do modo de fazer corresponder o objeto do ensino
com os motivos, desejos e necessidade do aluno (SFORNI, 2004, p.111).
A autora, ao tomar como o pressuposto que aprender é um ato consciente, enfatiza a
importância de se compreender como os alunos se conscientizam de sua aprendizagem. Nesse
sentido, defende que a avaliação da atividade psicológica deve ser desenvolvida no processo
de realização da atividade, durante as ações e operações dos alunos, com o objetivo de
compreender o movimento entre o ensino e o desenvolvimento psicológico dos alunos. Para
essa análise, foram utilizadas as três características fundamentais do pensamento teórico
proposta por Davídov (1988): reflexão, análise e plano interior das ações.
Segundo Sforni (2004), por meio da reflexão, é possível compreender se o aluno se
conscientizou das ações na atividade, isto é, se a atividade do aluno está diretamente ligada à
sua atividade psicológica. Na análise, busca-se verificar se os alunos compreenderam o modo
geral de resolução do problema e conseguem transferir para outras situações semelhantes,
condição essencial para a generalização. Nesta análise, não interessa se a ação está correta,
mas a qualidade de pensamento que dirige a ação, a reflexão e a análise que liberam a
capacidade de um pensamento mais elaborado. O plano interior das ações é identificado ao
se investigar se o pensamento conceitual tornou-se instrumento cognitivo; enfim, se houve
desenvolvimento psicológico.
Das colocações acima, podemos inferir que a avaliação consiste em acompanhar todo
o processo de atividade. O acompanhamento deve ser feito tanto pelo professor quanto pelo
aluno. Deve ser contínuo, ultrapassando a simples verificação dos conteúdos fixados de forma
113
verbal; é preciso empreender esforços e criar situações para constatar se o aluno apreendeu os
conteúdos escolares no plano mental, se atingiu o pensamento teórico.
Sforni (2004a, p. 874) afirma que:
Observar ações que promovem essa capacidade implica estar atento ao tipo
de problemas apresentados, à mediação docente e à forma de resolução de
problemas particulares, observando se as ações decorrem da utilização de um
modo geral de resolução, de atos mecânicos ou de tentativas e erros;
observando, enfim, se em todos esses momentos é estabelecida a relação
entre a situação particular e o princípio geral.
Como ressalta Sforni (2004), no processo de organização do ensino, o professor deve
voltar sua atenção para as atividades propiciadas aos alunos, no sentido de examinar a
aquisição dos elementos que compõem o pensamento teórico. Para isso, é importante
conhecer como os alunos apropriam-se dos conhecimentos, bem como mapear, inicialmente,
as etapas de desenvolvimento das atividades, tendo como eixo norteador o objetivo final, que
consiste na aquisição dos conceitos e no modo geral de resolução dos problemas. Sforni
(2004a, p. 876) destaca que:
O ensino dos conceitos [...] tem função de ampliar a medida de generalidade
dos conhecimentos que vão sendo apropriados ao longo da vida. Dessa
forma, importa que, durante a escolarização, o aluno seja envolvido no
próprio movimento de desenvolvimento conceitual, ou seja, que a
aprendizagem conceitual mobilize as ações e operações pautadas em um
novo nível de organização do pensamento.
Nesse sentido, a avaliação constitui-se elemento central no processo de organização do
ensino, por possibilitar ao professor e aos alunos refletirem sobre o processo de apropriação
dos conhecimentos teóricos. Ela oferece orientações para que o professor redirecione as
atividades propostas e os alunos repensem suas ações no processo de ensino e aprendizagem.
Desse modo, a reflexão sobre as ações idealizadas e realizadas tanto pelo professor quanto
pelo aluno constitui objeto central do processo avaliativo no sentido de possibilitar aos
escolares a apropriação dos conhecimentos científicos, conseqüentemente, a formação do
pensamento teórico.
Com isso, verificamos que a apropriação dos conhecimentos não se reduz ao plano da
linguagem, este processo é mais amplo. Os conceitos apropriados na escola constituem-se em
114
instrumentos para o pensamento, importantes para o desenvolvimento psicológico da criança.
Esta concepção revela a avaliação para além do plano observável e descrito, para a análise dos
aspectos psicológicos e pedagógicos do ato de ensinar e aprender.
A avaliação como uma forma de acompanhamento do pensamento da criança está
presente em todos os momentos do processo de apropriação dos conceitos e o professor tem
um papel fundamental nesse processo. Ele é o mediador para que ocorra a estruturação do
conhecimento escolar. Suas ações direcionadoras e orientadoras das ações dos alunos é fator
decisivo para que a avaliação seja mediadora entre as atividades de ensino e as de
aprendizagem.
A avaliação do processo de ensino e aprendizagem realizada pelo o professor ocorre
em dois movimentos articulados entre si. Uma prática avaliativa mais ampla, que envolve o
trabalho docente como um todo, em que o professor discute e reorganiza a adequação da
organização do ensino. E a outra prática avaliativa mais situada no “acompanhamento
individual do aluno”, buscando apreender as alterações de ordem intrapsíquicas. Esse dois
movimentos avaliativos foram observados por Bernardes (2000) quando desenvolveu sua
pesquisa com escolares da 3ª série do Ensino Fundamental, na qual procurou investigar o
conjunto de ações e operações que norteiam a organização do ensino, por meio de atividades
orientadoras de ensino.
O trabalho de Bernardes (2000) revela a importância da relação entre o movimento
interno e externo na reflexão inter e intrapessoal. A avaliação na perspectiva interpessoal é
realizada na relação estabelecida em sala de aula, no coletivo, por exemplo, nas discussões em
grupo. Na dimensão intrapessoal, a avaliação é desenvolvida individualmente, com o intuito
de perceber as transformações conceituais dos alunos. Esse trabalho é realizado
constantemente, objetivando apreender o processo de apropriação do conceito por meio do
monitoramento das ações dos alunos. Verificamos que a prática avaliativa está vinculada
diretamente com a organização do ensino, constituindo-se uma das ações educativas.
Podemos inferir que essa forma de acompanhar do movimento de apropriação do
conceito, adotada por Bernardes (2000), revela uma marca importante sobre o significado e a
função da avaliação na perspectiva histórico-cultural, a qual busca elementos para que os
envolvidos na atividade pedagógica possam compreender como o ensino está influenciando o
desenvolvimento psicológico do sujeito, isto é, se aprendizagem está incidindo sobre a zona
de desenvolvimento proximal (VIGOTSKI, 2000).
115
Segundo Bernardes (2000), a avaliação, de forma mais ampla, envolve a estrutura da
aula. Diante do planejamento inicial de trabalho e na interação com o grupo, o professor irá
observar suas ações em conjunto com as ações do grupo de alunos diante da situação
desencadeadora de aprendizagem proposta. Nesta avaliação, são destacadas as relações interpessoais do ensino compartilhado na sala de aula.
Na dimensão da prática avaliativa mais situada no desenvolvimento do aluno, nas
relações interpsíquicas, Bernardes (2000) utilizou-se dos “recursos de expressão”, que são os
registros do grupo-classe (gravações em vídeo e manuscritos, desenho dos alunos no
desenvolvimento das aulas e anotações no caderno de Geometria e, também, o registro
individual dos alunos). Tais instrumentos tinham por objetivo de evidenciar dados para
comprovar as transformações conceituais dos alunos, o movimento de construção dos
conceitos.
As análises dos registros foram realizadas de três maneiras:
a) Os registros produzidos durante a elaboração em pequenos grupos (etapa denominada
apropriação do enunciado);
b) Demonstrações das alterações nos registros anteriores, mostrando um refinamento
conceitual (trabalhos realizados inter-grupos);
c) Registros elaborados individualmente, no caderno de Geometria, resultante da
manifestação interpsíquica dos sujeitos;
d) Análise da linguagem verbal dos estudantes.
Bernardes (2000, p. 43) considerou o registro dos alunos como uma importante forma
de expressão do desenvolvimento do pensamento geométrico. Segundo suas palavras: “A
expressão, na forma de código lingüístico, faz parte do cotidiano do aluno nesta fase de
escolaridade, ao passo que os códigos matemáticos requerem uma nova adaptação, um novo
aprendizado”.
Diante dos pressupostos apresentados, pretendemos ressaltar a avaliação como
mediadora das atividades de ensino elaboradas pela professora e das atividades de
aprendizagem realizadas pelos alunos. Mediadora no sentido de fornecer elementos para o
professor e aluno refletirem sobre suas ações, conscientizando-os do processo de ensinar e
aprender. A avaliação por meio da análise das ações de ensino e aprendizagem possibilita a
intervenção dos envolvidos no processo pedagógico com vistas, se necessário,a redirecionar
116
as ações com o intuito de chegar à materialização da atividade, seu objeto. No caso do
processo de ensino e de aprendizagem, o objeto da atividade constitui-se na transformação
dos sujeitos pelo processo de apropriação dos conhecimentos.
Nesse sentido, a avaliação não tem característica de instrumento de mensuração da
aprendizagem do aluno, ao contrário, constitui-se em um elemento que permite ao professor
rever sua forma de organização das aulas. Neste caso, ao acompanhar o movimento conceitual
dos alunos, o professor tem oportunidade de rever/refletir/avaliar sobre suas atividades de
ensino, analisar se elas se constituem em atividades de aprendizagem para os alunos. Dessa
forma, a avaliação passa a ser importante para o acompanhamento e o desenvolvimento
da aprendizagem, constituindo-se em elemento central na organização do ensino.
A seguir, apresentamos uma figura síntese da relação entre atividade de ensino,
atividade de aprendizagem e avaliação.
ATIVIDADE ORIENTADORA
DE ENSINO
ATIVIDADE
DE ENSINO
Professor
Ensinar
CONTEÚDO:
Conhecimentos Teóricos
SUJEITO
OBJETIVO
ATIVIDADE DE
APRENDIZAGEM
Aluno
Aprender
Organização do
Ensino
MOTIVOS
Apropriação dos
conhecimentos teóricos
]
Definição dos procedimentos
teórico-metodológico
AÇÕES
Resolução dos problemas
de aprendizagem
Utilização dos recursos
metodológicos que
auxiliarão o ensino
OPERAÇÕES
Utilização dos recursos
metodológicos que
auxiliarão aprendizagem
AVALIAÇÃO
Figura 2 – Relação entre atividade de ensino, atividade de aprendizagem e avaliação
A organização do ensino é uma atividade em que os conhecimentos teóricos
constituem seu conteúdo principal. A AOE constitui no modo geral de organização do ensino,
117
que contempla a situação coletiva e a gênese do conceito, os quais são objetivados na situação
desencadeadora de aprendizagem. Seu objeto e necessidade coincidem com o da atividade
pedagógica, que é a transformação do sujeito no movimento de apropriação dos
conhecimentos teóricos. Essa forma de organizar e executar o ensino caracteriza a educação
como atividade e a avaliação é parte inerente desse processo. Ela se constitui na complexa
análise do sistema de atividade, isto é, na relação direta entre a atividade de ensino e atividade
de aprendizagem, por meio dos elementos estruturantes da atividade, tendo em vista que:
O que determina diretamente o desenvolvimento da psique de uma criança é
a sua própria vida e o desenvolvimento dos processos reais desta vida – em
outras palavras: o desenvolvimento da atividade da criança, quer a atividade
aparente, quer atividade interna. Mas seu desenvolvimento, por sua vez,
depende de suas condições reais de vida (LEONTIEV, 2001, p. 63).
No caso da avaliação do processo de ensino e de aprendizagem é na relação entre a
atividade de ensino e atividade de aprendizagem que é possível compreender o
desenvolvimento dos alunos, ou seja, nas suas reais condições de apropriação do
conhecimento. Reforça Leontiev (2001, p. 63):
Só com esse modo de estudo, baseado no conteúdo da própria atividade
infantil em desenvolvimento, é que podemos compreender de forma
adequada o papel condutor da educação e da criação, operando precisamente
em sua atividade e em sua atitude diante da realidade, e determinando,
portanto, sua psique e sua consciência.
Como objetivar essa prática avaliativa no processo de ensino e aprendizagem? Para
responder esta questão, na continuidade deste trabalho, vamos analisar o processo de
apropriação dos conhecimentos matemáticos pelas professoras participantes da Oficina
Pedagógica de Matemática, as quais se constituíram em sujeitos desta pesquisa.
118
5 PROFESSORES EM ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM E DE ENSINO NA
OFICINA PEDAGÓGICA DE MATEMÁTICA
A pesquisa,
É, ao mesmo tempo,
trabalho e reflexão
Para que os homens
Achem todos um pouco de pão
E mais liberdade
Gerard-B. Martin
De acordo com o objetivo desta pesquisa – investigar o significado da avaliação em
matemática na perspectiva histórico-cultural – e pela opção por trabalhar com professores da
rede de ensino fez-se necessária a constituição do grupo colaborativo. É importante observar
que, para a realização desta investigação, não poderia escolher, aleatoriamente, os sujeitos da
pesquisa, nem mesmo as escolas que poderiam servir de base para a investigação. Diante dos
aportes teóricos que subsidiam este estudo, foi preciso formar o grupo que, posteriormente,
constituiu-se em sujeitos da pesquisa.
Vigotski (1989, 2000, 2004), em suas pesquisas, empregou o “método genético
causal”, também denominado de experimento formativo. Este método tinha como objetivo
“[...] investigar o surgimento das neoestruturas psíquicas mediante sua formação orientada”
(DAVÍDOV, 1988, p. 195, tradução nossa)75. Buscamos nos amparar nos procedimentos
metodológicos utilizados por Vigotski e seus sucessores para pensar em uma forma de
intervenção que desse conta da formação dos professores envolvidos no processo, tentando
captar as mudanças na ação de ensinar, aprender e avaliar em matemática. A essa forma de
intervenção do pesquisador, chamamos de grupo colaborativo, cujo objetivo é revelar o
processo de ensinar e aprender pautado em uma formação orientada na perspectiva históricocultural.
Tal procedimento – constituição do grupo colaborativo – tornou-se necessário tendo
em vista que a concepção e a organização do ensino de matemática revelam a sua prática
avaliativa. Desta forma, será possível acompanhar o processo de apropriação dos
75
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] investigar el surgimiento das neoestructuras psíquicas mediante sua
formação orientada” (DAVÍDOV, 1988, p. 195).
119
conhecimentos matemáticos pelos professores, o movimento de aprendizagem docente.
Acreditamos que esse acompanhamento fornecerá elementos para compreender o significado
da avaliação em matemática na perspectiva histórico-cultural, objetivo principal desta
investigação.
De acordo com os pressupostos teórico-metodológicos desta pesquisa, optamos por
desenvolver a investigação em conjunto com as atividades da Oficina Pedagógica de
Matemática (OPM), na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
(FFCL/USP – Ribeirão Preto), sob a coordenação da Professora Drª. Elaine S. de Araújo, a
qual está vinculada a OPM da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP).
A OPM constitui-se em um espaço de formação e profissionalização que iniciou suas
atividades no ano de 1989, na Faculdade de Educação da USP – São Paulo, como um dos
projetos do Laboratório de Pesquisa e Ensino em Educação Matemática, sob a coordenação do
Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura. As atividades desenvolvidas foram de assessoria
pedagógica às Secretarias de Educação (São Paulo e Diadema) e cursos de formação de
professores que ensinam matemática. Caracteriza-se como um espaço de formação e de
pesquisa, visto que um de seus objetivos é a formação teórica dos participantes e como espaço
para pesquisa, constitui-se em um lugar privilegiado para investigar “o processo de
pensamento teórico do professor no movimento de elaboração, aplicação, análise e síntese da
Atividade Orientadora de Ensino” (ARAUJO, 2006, p. 5).
Uma outra justificativa para a formação do grupo colaborativo junto à OPM é que os
trabalhos nela desenvolvidos seguem os pressupostos teóricos da perspectiva históricocultural para o ensino de matemática. E, como já foi mencionado, a formação teórica
orientada por esta perspectiva permite refletir, organizar e avaliar o ensino de acordo com tais
pressupostos.
O público alvo da Oficina Pedagógica de Matemática de Ribeirão Preto (OPM /RP)
foram os professores de Educação Infantil e da 1ª fase do Ensino Fundamental, sobretudo
professores das escolas campo de estágio dos graduandos do Curso de Pedagogia. É
importante salientar que a participação dos professores não foi uma imposição, contamos com
a manifestação de interesse por parte dos mesmos. Foi feito o convite, expondo a dinâmica de
trabalho da OPM, informando que conteúdos e objetivos seriam negociados coletivamente.
Esta forma de constituir um grupo é importante devido o referencial teórico adotado na
organização e na realização da pesquisa e porque não se objetivava criar uma situação
120
artificial, mas integrar-se ao contexto a ser investigado para acompanhar seu processo de
desenvolvimento (FREITAS, 2002).
De acordo com o suporte teórico da perspectiva histórico-cultural, em especial a
Teoria da Atividade, Moura (1992, 1996, 2001, 2004) tem desenvolvido o conceito de
Atividade Orientadora de Ensino (AOE)76, referencial adotado neste trabalho. Nesse sentido,
a AOE constitui-se na base teórico-metodológica para a organização do ensino. Por tratar-se
de uma pesquisa envolvendo professores e pesquisadores em um projeto de intervenção,
possibilita ao pesquisador organizar sua atividade de pesquisa e aos professores,
aprofundarem seus conhecimentos. Assim, a AOE constitui-se em unidade formadora do
pesquisador e do professor. No movimento de ensinar e aprender, a pesquisadora passa a ser
uma das mediadoras no processo formativo. Esta, em uma relação dialética, contribui para a
formação do outro e, concomitantemente, está, também, desenvolvendo-se e reelaborando
seus conhecimentos. Conforme defende Freitas (2002, p. 25, grifos da autora):
Produzir um conhecimento a partir de uma pesquisa é, pois, assumir a
perspectiva de aprendizagem como processo social compartilhado e gerador
de desenvolvimento.
[...] Vygotski também vê a pesquisa como uma relação entre sujeitos,
relação essa que se torna promotora de desenvolvimento mediado por um
outro.
Na relação entre pesquisadora e professores, diferentes ações devem ser trabalhadas de
forma coletiva. Moura (2004, p. 264, grifos nossos), ao trabalhar com a pesquisa colaborativa
na formação de professores, defende que:
Dar significado às ações de pesquisadores e professores é convergi-las
para satisfazer as necessidades do coletivo. O ponto de partida constitui
nos desejos individuais e que, por um acordo, haviam se tornado comum: a
formação colaborativa na escola. Tratava-se, assim, de conseguir uma
unidade de ação que permitisse avaliar o avanço do professor rumo à
melhoria do seu desempenho profissional e de saber se ele percebia os outros
como aqueles que o ajudariam a se desenvolver profissionalmente. Ele
precisava ter claro que o coletivo era impulsionador da sua formação e que,
por sua vez, o desenvolvimento do coletivo dependia também das suas ações.
76
O detalhamento do conceito de Atividade Orientadora de Ensino foi realizado no Capítulo IV desta tese.
121
Uma das características mais importante da pesquisa como atividade é a de possibilitar
o movimento de ensinar e aprender aos envolvidos; por exemplo, quando o professor organiza
uma situação desencadeadora de aprendizagem para trabalhar com seu aluno, ele também está
se desenvolvendo. Conforme defende Sánchez Vázquez (1977, p.193): “o homem age
conhecendo, do mesmo modo que [...] conhece agindo”. Nesse caso, as ações coletivas entre
pesquisadora e professores, professores e professores possibilitam o desenvolvimento humano
dos envolvidos no processo.
A pesquisa como atividade coloca o pesquisador também como sujeito da pesquisa.
Tratam-se de relações estabelecidas na coletividade, por meio de ações diferenciadas que se
encontram na reflexão do conhecimento. Essa forma de investigar fornece elementos para
compreender o processo de formação e de qualificação das ações e operações dos professores,
contribuindo para o entendimento da avaliação do ensino de matemática na perspectiva
histórico-cultural, em especial, na teoria da atividade. É importante ressaltar que “o
pesquisador, portanto, faz parte da própria situação de pesquisa, a neutralidade é impossível,
sua ação e também os efeitos que propicia constituem elementos de análise” (FREITAS, 2002,
p. 25).
No exame dos dados, pretendemos privilegiar um modo de compreender o processo de
apropriação do conhecimento em movimento, bem como indicadores para o acompanhamento
da aprendizagem dos professores, buscando analisar a mudança de qualidade do pensamento.
Essa mudança de qualidade é no sentido defendido por Engels (1979), em que o
desenvolvimento não ocorre como um simples processo de crescimento linear, ao contrário, o
desenvolvimento ocorre por saltos, de um estado para o outro, resultado da acumulação de
mudanças quantitativas. Enfim, as mudanças quantitativas se convertem em mudanças
qualitativas.
Caraça (1989, p. 113), nesse mesmo sentido, conceitua qualidade do ser como “[...]
conjunto de relações em que um determinado ser se encontra com outros seres dum agregado,
chamaremos as qualidade desse ser”. Assim, a qualidade se expressa nas relações do ser com
o seu contexto, fora desse conceito, as qualidades não têm significado. O autor complementa a
relação entre qualidade e quantidade ao afirmar que há qualidades que admitem variações
segundo a quantidade, então a quantidade passa ser um atributo da qualidade. Caraça (1989,
p. 116-117, grifos do autor) resume que “[...] a quantidade é um atributo da qualidade e, como
tal, só em relação a ela pode ser considerada”.
122
Como perceber essas mudanças no processo formativo dos professores? Quais são os
indicadores que revelam o processo de apropriação do conhecimento e sua relação com o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores? Como estabelecer o nexo entre a
avaliação do processo de aprendizagem docente e a avaliação do conhecimento de forma
geral? Assim, o caminho escolhido, o processo formativo na OPM/RP, justifica-se pelo
pressuposto de que, para se avaliar na perspectiva histórico-cultural, é preciso desenvolver o
ensino na mesma perspectiva.
Dar conta da totalidade do objeto impõe uma maneira de enxergá-lo em seu conjunto,
para isso recorremos à análise dos isolados proposta por Caraça (1989), com o objetivo de
compreender a realidade na sua relação de interdependência e fluência, ou seja, em
movimento. Realidade entendida como um sistema vivo que se modifica com o tempo.
A análise por meio dos isolados implica em um recorte do todo, mas respeitando as
relações de interdependência e fluência, em que a parte está no todo e o todo está na parte.
Essa será a forma de análise das mudanças qualitativas do objeto de estudo. Conforme Caraça
(1989, p.112), “[...] é do bom senso do observador recortar o isolado de estudo, de modo a
compreender nele todos os fatores dominantes, isto é, todos aqueles cuja ação de
interdependência influi sensivelmente no fenômeno a estudar”.
Caraça (1989) ressalta também que, durante os estudos, podem surgir os inesperados,
que constituem em fato dominante não previsto anteriormente e pode ser revelado durante o
processo de investigação. No caso do processo ensino e aprendizagem, que é extremamente
complexo e multifacetado por natureza, é impossível prever todos os aspectos, porém, ao
recorrer à análise por meio dos isolados e inesperados, a pesquisa tem a mobilidade para
desvelar o fenômeno que deseja pesquisar, que, no caso específico desta investigação, é a
avaliação na perspectiva histórico-cultural.
Outro ponto a ser observado é que a análise dos dados por intermédio dos isolados,
proposta por Caraça, aproxima-se do método de análise em unidade complexas, realizado por
Vigotski, relação também observada por Araujo (2003). Vigotski (2000, p. 8) define unidade
como: “[...] um produto da análise que, diferente dos elementos, possui todas as propriedades
que são inerentes ao todo e, concomitantemente, são partes vivas e indecomponíveis dessa
unidade”. Para este autor, a unidade é a chave para o entendimento do fenômeno. Assim
apreender a unidade sobre a aprendizagem docente no processo formativo da OPM/RP
fornecerá elementos para compreender a avaliação do conhecimento matemático, que
constitui o foco desta investigação.
123
Por fim, sendo nosso objeto de estudo a avaliação do processo de ensino e
aprendizagem na área de matemática, consideramos importante enfatizar a concepção deste
conhecimento trabalhado na dinâmica da OPM/RP. Tomamos como referência os
pressupostos de Caraça (1989, p. XIII), para o qual a matemática, ao ser concebida como uma
ciência produzida pelos homens, “[...] aparece-nos como um organismo vivo, impregnado de
condição humana, com as grandes necessidades do homem na sua luta pelo entendimento e
pela libertação; aparece-nos, enfim, como um grande capítulo da vida humana social”. Assim,
nos objetivos da OPM/RP, torna-se imprescindível:
Aprofundar e ampliar o conhecimento matemático, especialmente em
relação a conceitos e metodologias trabalhados na Educação Infantil e no
Ensino Fundamental.
Conhecer aspectos que caracterizam o processo pelo qual a Matemática se
constituiu como ciência e as reformulações que tem sofrido ao longo dos
tempos.
Analisar o movimento conceitual na Matemática, para melhor compreendêla e, também, para propor situações de aprendizagem aos alunos.
Compreender o conhecimento matemático como produto cultural e como
pode ser organizado seu ensino no sistema escolar da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental (ARAUJO, 2006, p. 5).
A aprendizagem de matemática na OPM/RP fundamenta-se em pressupostos
vigotskianos, tais como: em que a apropriação dos conhecimentos matemáticos possibilita o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores; os conhecimentos matemáticos são
apropriados pelos indivíduos por meio da mediação do outro, considerando sua natureza
sócio-histórica; e a educação escolar é condição necessária para o processo de humanização
dos indivíduos. Conforme já abordamos no capítulo dois deste trabalho.
Os trabalhos desenvolvidos na OPM/RP configuram-se em atividade de pesquisa e
ensino (formação), tendo como objetivo principal investigar e formar os sujeitos envolvidos
no processo educativo. A investigação se consolida desde a elaboração do projeto até a análise
dos dados após os encontros realizados com os professores. O processo formativo destaca-se
pelo fato de, ao elaborar atividades para trabalhar junto aos professores, objetiva-se que os
envolvidos apropriem-se dos conhecimentos teórico-metodológicos trabalhados durante a
realização dos encontros. Dessa forma, tanto pesquisadores quanto pesquisados estão em
processos de aprendizagem, como defende Freitas (2002, p. 26):
124
[...] o pesquisador, durante o processo de pesquisa, é alguém que está em
processo de aprendizagem, de transformações. Ele se ressignifica no campo.
O mesmo acontece com o pesquisado que, não sendo um mero objeto,
também tem oportunidade de refletir, aprender e ressignificar-se no processo
de pesquisa.
Os participantes do grupo colaborativo são os professores e o pesquisador, os quais,
nesta dinâmica formativa, procuraram, para além das necessidades e motivações individuais,
conformar necessidades e motivações coletivas, condições essenciais para a constituição de
um grupo.
5.1 Constituição do grupo colaborativo
Em março de 2006, foram distribuídos os convites para as escolas da rede pública do
município de Ribeirão Preto e para os egressos do curso de Pedagogia, convidando-os para
participar da reunião de apresentação da OPM/RP. No primeiro encontro, apresentamos os
objetivos, a organização da oficina e a concepção de ensino e de aprendizagem em
matemática.
Em seguida, foram feitas as inscrições dos interessados e negociada a data da próxima
reunião. Nesse dia, compareceram 19 pessoas, todos fizeram a inscrição. O grupo ficou
constituído, até então, por 16 professores da rede de ensino de Ribeirão Preto e três egressos
do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências de Ribeirão Preto
(FFCL-RP/USP).
Na primeira reunião com o grupo, compareceram 12 professores e uma aluna egressa,
quando foi elaborado o cronograma dos encontros do primeiro semestre de 2006. Ficou
decidido que os encontros seriam realizados quinzenalmente, às quintas-feiras, das 19:30 às
22:00 horas.
Salientamos que a OPM/RP não tem natureza formativa pontual, com sujeitos
determinados. O conteúdo e o cronograma são estabelecidos coletivamente de acordo com as
necessidades dos participantes, considerando que o foco das ações incide no processo de
apropriação dos conhecimentos teórico-metodológicos sobre o ensino de matemática.
125
Nesse segundo encontro, foi reforçado que a OPM/RP constitui-se em um espaço de
ensino, pesquisa e extensão. Assim, a participação das pessoas na oficina pode estar
relacionada com diferentes motivos que interagem na coletividade. Aproveitando-se da interrelação entre ensino, pesquisa e extensão, é que nós, pesquisadora desta investigação,
inserimo-nos nesta dinâmica formativa com o objetivo de estudar a avaliação na perspectiva
histórico-cultural, subsídio teórico-metodológico também da OPM/RP. O grupo formado pela
OPM/RP passou a ser entendido por nós, pesquisadora com concordância dos participantes,
como o grupo colaborativo desta pesquisa. O principal objetivo do grupo consiste em
proporcionar uma formação orientada sobre o ensino de matemática na perspectiva históricocultural para servir de instrumento para o desenvolvimento desta pesquisa.
A partir desse momento, a OPM/RP ficou constituída por 13 participantes, sendo três
professoras de creche, uma de pré-escola, sete professoras e um professor das séries iniciais
do Ensino Fundamental e, ainda, uma egressa que trabalhava em uma Organização NãoGovernamental em Ribeirão Preto. Os demais professores que fizeram a inscrição não
compareceram ao encontro, alguns alegaram que o dia e o horário escolhidos pelo grupo não
eram compatíveis com sua disponibilidade. Como ficou combinado na primeira reunião, os
horários e os dias de realização dos encontros seriam negociados, bem como a presença no
segundo encontro era imprescindível para programar os futuros encontros.77
Nesse encontro, as pessoas tiveram a oportunidade de se apresentarem e expor os
motivos que as levaram a participar da OPM/RP. Revelaram os seguintes motivos:
a dificuldade de trabalhar com a matemática;
busca de novidades;
urgência de conhecimentos para aplicar em sala de aula;
não aprendizado de alguns conteúdos;
Diante dos depoimentos, salientamos que os trabalhos a serem desenvolvidos na
OPM/RP teriam como unidade de análise a atividade de ensino e as respostas para as
dificuldades no ensino de matemática seriam construídas78 coletivamente, uma vez que, de
acordo com a perspectiva teórica adotada nesta investigação, as respostas pontuais e prontas,
77
Considerando que a maioria dos participantes da OPM/RP é do sexo feminino, o único professor desistiu da
participação na oficina no mês de agosto de 2006, utilizaremos o gênero feminino para designar os participantes
da OPMRP.
78
Construção no sentido defendido por Leontiev, segundo Cecchini (1991, p. 14): “[...] usa-se para salientar a
ação, construtiva, do espírito que se ‘apropria’ e ‘procura’, como diz Leontiev, em vez de assimilar e suportar”.
126
normalmente, não resolvem as questões relacionadas ao processo ensino e aprendizagem
desta área de conhecimento. É necessário apropriar-se dos conhecimentos matemáticos
teoricamente para que o professor tenha condições de organizar o ensino de maneira que
possibilite aos escolares também a apropriação teórica dos conhecimentos matemáticos.
5.2 Organização dos trabalhos
O trabalho na OPM/RP foi desenvolvido pela coordenadora e uma pesquisadora.
Foram realizados 16 encontros durante o ano letivo de 2006. No período de março a agosto,
trabalharam-se atividades que tinham como objetivo principal o aprofundamento teóricometodológico sobre o ensino de matemática na perspectiva histórico-cultural.
A dinâmica de formação privilegiou a discussão de situações-problema, cujas soluções
pudessem conduzir à elaboração de novos conhecimentos, referentes não apenas a
determinados conteúdos matemáticos, mas à própria prática docente, visando à qualificação
do ensino de matemática – superação da prática atual, por ser este o motivo principal que
mobiliza tanto as pesquisadoras quanto os envolvidos na OPM/RP.
Além dos textos de apoio79, desenvolveram-se, junto aos participantes, situações
desencadeadoras de aprendizagens sobre o conteúdo de matemática, buscando destacar os
elementos importantes para a organização do ensino como atividade, pressuposto inerente à
prática de ensinar na perspectiva histórico-cultural. Foram utilizados recursos metodológicos
para o ensino, como: jogos, história virtual do conceito e situações-problema emergentes do
cotidiano, como forma diferenciada de se trabalhar com os conhecimentos matemáticos junto
às professoras80. Estes poderiam se basear em tais práticas para desenvolver os conteúdos em
suas respectivas salas de aula, com o intuito de qualificar o processo de ensinar, aprender e
avaliar o ensino de matemática.
79
IFRAH, G. Os números: a história de uma grande invenção. 11ª ed. São Paulo: Globo, 2005.
MOURA, M. O. A atividade d ensino como unidade formadora. Bolema, Ano II, n. 12. p. 29-43, 1996.
________ (Coord.). Controle da variação de quantidades: atividades de ensino. São Paulo, FEUSP, 1996b.
________ (Coord). Organizando a contagem em sistemas. Programa de Formação Continuada. Fundação de
Apoio à Faculdade de Educação/USP: São Paulo, 2003.
RUBTSOV, Vitaly. A atividade de aprendizagem e os problemas referente à formação do pensamento teórico
dos escolares. In: GARNIER, C., BEDNARZ, N. e (org). Após Vygotsky e Piaget: perspectivas sociais e
construtivistas. Escola russa e ocidental. Porto Alegre: Artmed, 1996. p. 186-196.
VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 7. ed.
São Paulo: Ícone, 2001.
80
No capítulo IV, tratamos dos pressupostos teórico-metodológicos para a organização do ensino na perspectiva
histórico-cultural e esclarecemos o significado desses recursos metodológicos para o ensino de matemática.
127
Na dinâmica de trabalho na OPM, três professoras das séries iniciais do Ensino
Fundamental concordaram em desenvolver situações desencadeadoras de aprendizagem,
tendo como referencial teórico-metodológico a Atividade Orientadora de Ensino. A escolha
delas deu-se em razão da combinação de algumas variáveis: disponibilidade, a docência nas
séries iniciais do ensino fundamental e pertencimento à rede pública de ensino. Conforme
combinamos, a pesquisadora acompanhou a aplicação em suas respectivas salas de aula com o
objetivo de coletar dados para a continuidade da pesquisa sobre a avaliação na perspectiva
histórico-cultural.
As três professoras que concordaram em desenvolver situações desencadeadoras de
aprendizagem em suas respectivas salas de aula eram docentes que trabalhavam oito horas
diárias na rede de ensino de Ribeirão Preto, e duas delas, além de trabalharem na rede pública,
são docentes do Centro de Educação do Serviço Social da Indústria (SESI). Conforme
detalhamento a seguir.81
A professora Thaís82 trabalhava na 1ª série, no período matutino, em uma escola
pública estadual na periferia de Ribeirão Preto. No período vespertino, lecionava no ciclo
inicial (que corresponde à 1ª série) do Centro de Educação SESI, em um bairro situado
próximo à zona central da cidade. Era recém-formada em Pedagogia pela FFCLRP/USP e
possuía experiência de seis anos de profissão.
A professora Lara lecionava em uma escola da rede municipal de ensino, também na
periferia de Ribeirão Preto. No período matutino, era professora da 3ª série e, à tarde,
trabalhava com a 1ª série. Na época de realização da pesquisa, estava completando dez anos
de profissão, e já havia trabalhado na Educação Infantil, porém, nos últimos anos, seu lócus
de trabalho tem sido as séries iniciais do Ensino Fundamental. A sua formação também é em
Pedagogia.
A professora Érica trabalhava no período da manhã em uma escola da rede estadual e
à tarde no Centro de Educação SESI, ambas as turmas eram de 4ª série, apenas mudava a
denominação (no SESI referia-se Ciclo Final 2). A Escola Estadual está localizada em um
bairro periférico da cidade e o SESI em bairro mais central. Érica possuía cinco anos de
experiência nas séries iniciais do Ensino Fundamental e era aluna egressa do Curso de
Pedagogia da FFCLRP/USP.
81
Embora nosso critério de escolha para a realização das observações tenha sido a escola pública, observamos,
também, aulas no Centro de Educação SESI, a pedido das professoras que trabalhavam nas duas redes de ensino.
82
Utilizamos nomes fictícios para preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa.
128
O desenvolvimento de situações desencadeadoras de aprendizagem, nas salas de aulas
das referidas professoras, foi realizado durante os meses de outubro, novembro e início de
dezembro de 2006. Totalizaram 19 sessões em sala de aula, tanto nas turmas de 1ª quanto de
4ª séries, assim distribuídas:
Professoras
Local
Série
N. de Sessões
Lara
Escola Municipal
1ª
6
Thaís
Escola Estadual
1ª
4
Thaís
SESI
Ciclo Inicial 1
(1ª)
2
Érica
Escola Estadual
4ª
3
Érica
SESI
Ciclo Final 2 (4ª)
4
TOTAL
19
Quadro 3 – Sujeitos e Local da Coleta de Dados
De acordo com o projeto da OPM/RP, as ações previstas visavam subsidiar o grupo no
exercício profissional, de modo a: desenvolver uma metodologia de pesquisa colaborativa;
refletir e reconhecer pressupostos teóricos que sustentam a prática em sala de aula; e discutir,
elaborar, aplicar e avaliar as atividades de ensino com base nos pressupostos da Atividade
Orientadora de Ensino na área de Matemática (MOURA, 1996, 2002).
Os trabalhos da OPM/RP foram realizados em grupo para exercitar o processo de
ensino e aprendizagem na coletividade, em que a interação com o outro se torna
imprescindível para a apropriação do conhecimento. Vigotski (2000) defende que, no trabalho
desenvolvido em cooperação, a criança revela-se mais forte, mais inteligente que trabalhando
sozinha. Este pressuposto deve-se estender ao adulto, tendo em vista que, para este autor, o
conhecimento é sempre apropriado na mediação simbólica com as pessoas.
As linhas mestras traçadas pela OPM/RP foram orientadoras das ações tanto dos
organizadores – coordenadora e pesquisadora – quanto dos participantes. As ações das
organizadoras concentraram-se na elaboração do projeto da OPM/RP e na estruturação dos
encontros de modo a conciliar a aprendizagem docente e o ensino de matemática na
perspectiva histórico-cultural, sem deixar de colocar em pauta a prática atual dos envolvidos.
Como é um projeto que concilia ensino, pesquisa e extensão, procuramos sistematizar as
129
atividades de modo a favorecer a análise do processo de aprendizagem dos participantes em
sua formação orientada.
O trabalho da OPM/RP buscou considerar as condições político-sociais do professor
como trabalhador da educação, o que implicou contemplar, na organização do ensino, as
dificuldades e contradições da escola na sociedade capitalista. Além do mais, o ensino de
matemática na perspectiva histórico-cultural apresenta-se como algo inovador e, ainda, pouco
(re)conhecido, seja por parte dos professores ou por parte das propostas curriculares. O
(re)conhecimento implica um contínuo processo de formação, requisito imprescindível para o
exercício da profissão docente.
No decorrer do trabalho, quando detalharmos as intervenções das organizadoras junto
aos participantes da OPM/RP, utilizaremos as abreviações CO para as intervenções da
coordenadora da oficina e PE quando se referir à pesquisadora que desenvolve a investigação
sobre o significado da avaliação na perspectiva histórico-cultural. É importante salientar que,
dada às características desta oficina, a função da coordenadora e da pesquisadora foram as
mesmas, isto é, de mediadoras no processo formativo dos professores. Então, somente
diferenciaremos a pesquisadora e a coordenadora em casos específicos das intervenções na
oficina. De modo geral, quando tratarmos do trabalho formativo desenvolvido pela
coordenadora e pesquisadora referiremos de pesquisadoras.
Como aprender, ensinar e avaliar o ensino de matemática na perspectiva escolhida é
um pressuposto da OPM/RP, o professor, em sua atividade de ensino, está em atividade de
aprendizagem também. O produto dessa última atividade é efetivado quando coincide seu
aprendizado com sua atuação docente – ensino. Por isso a afirmação de que há uma relação de
unidade entre aprendizagem docente e o ensino. Nesse sentido, concordamos com Lopes
(2004) que o produto da aprendizagem do professor é resultado contínuo do movimento de
formar-se.
No caso desta pesquisa, a atividade do professor e da pesquisadora esteve implicada
pela necessidade comum de superação da prática de ensino de matemática, mesmo atuando
em níveis escolares diferentes, isto é, o professor na formação direta dos alunos das séries
iniciais do Ensino Fundamental ou Educação Infantil e as organizadoras nos cursos de
formação de professores.
No quadro a seguir, apresentamos uma síntese do processo formativo da OPM/RP,
tendo como pressuposto os elementos estruturantes da atividade segundo Leontiev (1983):
130
ELEMENTOS
ESTRUTURANTES DA
ATIVIDADE
ATIVIDADE DO PROFESSOR
NA OPM
ATIVIDADE DA
PESQUISADORAFORMADORA NA OPM
Necessidade
Superar a prática de ensino de
matemática atual.
Superar a prática de ensino de
matemática atual.
Apropriação
teóricos
Sistematização de pressupostos
teórico-metodológicos para o
acompanhamento/avaliação
do
processo
de
ensino
e
aprendizagem.
Motivos
Objeto
Objetivos
Ações
Operações
dos
conhecimentos
Qualificação profissional,
Elaboração da tese;
conseqüentemente, qualificação da Qualificação profissional.
sua ação de professora que ensina
matemática;
Aprimorar seus conhecimentos
sobre o ensino de matemática;
Organização do ensino na área de
matemática;
Compreender o processo de
aprendizagem.
Investigar
a
avaliação
em
matemática
na
perspectiva
histórico-cultural:
Compreender a avaliação no
processo de apropriação dos
conhecimentos pelas professoras;
Analisar a avaliação como
mediadora entre atividade de
ensino
e
atividade
de
aprendizagem;
Estudo dos referencias teóricos;
Resolução dos problemas de
aprendizagem;
Elaboração
de
situações
desencadeadoras de aprendizagem.
Estudo dos referencias teóricos;
Organização do projeto;
Elaboração
de
situações
desencadeadoras de aprendizagem
para compreender a avaliação no
processo de qualificação do
pensamento dos professores;
Acompanhamento das atividades
realizadas pelas professoras;.
Análise e sistematização dos
dados;
Utilização
dos
recursos
metodológicos que auxiliarão o
ensino:
Trabalho em grupo;
Registros escritos;
Confecção de materiais.
Utilização
dos
recursos
metodológicos que auxiliarão o
ensino e a pesquisa:
Registros escritos, gravados e
fotografados;
Quadro 4 : Atividade Formativa na OPM/RP
Uma das preocupações centrais no processo formativo da OPM/RP foi trabalhar com
os conceitos matemáticos articulados com a forma de ensinar, por isso elegeu-se a Atividade
Orientadora de Ensino (AOE) como norteadora das ações formativas.
O início dos trabalhos pautou-se nas atividades anteriormente realizada na OPM na
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. De acordo com o objetivo da oficina –
131
aprofundar os conhecimentos matemáticos, bem como a forma de trabalhar com os conceitos
matemáticos na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental –, foram
escolhidas situações desencadeadoras de aprendizagem que focalizassem os seguintes
conteúdos matemáticos relacionado com a linguagem numérica:
Sistema de Numeração Decimal:
base;
agrupamento;
ordenação;
correspondência um-a-um.
As quatro operações fundamentais:
adição;
subtração;
multiplicação;
divisão.
Noções de estatísticas.
Esses conteúdos foram trabalhados fundamentados nos pressupostos teóricometodológicos do ensino de matemática na perspectiva histórico-cultural. Dentre eles,
citamos:
Atividade;
Atividade Orientadora de Ensino (AOE);
Atividade de ensino;
Atividade de aprendizagem;
Problemas de aprendizagem;
Pensamento empírico e teórico.
É importante salientar que esta forma de trabalhar foi discutida com as professoras,
objetivando uma formação orientada que atendesse às necessidades dos participantes da
132
OPM/RP. Um dos aspectos que os professores destacaram foi que os trabalhos realizados na
oficina possibilitassem a apropriação dos conceitos matemáticos e como desenvolvê-los em
sala de aula.
5.3 Entre instrumentos e dados
A constituição do grupo colaborativo, nesta investigação, teve como função principal
proporcionar uma formação orientada no ensino de matemática na perspectiva históricocultural, para que fosse possível levantar dados sobre como as professoras se apropriaram do
conhecimento matemático. Nesse sentido, o grupo colaborativo serviu de instrumento para a
recolha e a análise dos dados desta pesquisa. Instrumento no sentido defendido pela
perspectiva materialista histórica dialética, que modifica os sujeitos pesquisados e o
pesquisador também é modificado.
De acordo com a dinâmica formativa da OPM/RP e a inserção da pesquisadora junto
às professoras na aplicação das atividades em suas sala de aula, utilizou-se o caderno de
campo para o registro dos dados coletados, os quais foram analisados de modo a apreender o
movimento de apropriação do conhecimento pelas professoras.
No caderno de campo, foram registradas as observações realizadas pela pesquisadora
durante os encontros e as sessões de aula. Observações que, posteriormente, possibilitaram a
reconstituição e uma primeira análise do fenômeno investigado. O caderno contou também,
em alguns momentos, com o registro dos depoimentos integrais dos professores.
A inserção da pesquisadora, nas salas de aulas, de três professoras participantes da
OPM/RP deu-se por meio da observação participante, a qual teve como objetivo coletar dados
junto aos alunos que revelassem o processo de aprendizagem docente no movimento de
organização e efetivação do ensino. Com as observações em sala de aula, recolhemos alguns
registros dos alunos e das professoras acerca das atividades desenvolvidas.
Para a inserção da pesquisadora na escola, foi solicitada autorização junto às diretoras
dos estabelecimentos de ensino por meio de uma carta, explicitando o objetivo da pesquisa. A
solicitação foi prontamente atendida, uma escola fez a exigência de não ser identificada na
pesquisa. Quanto a isso, a pesquisadora esclareceu que seria resguardada a identidade tanto
dos estabelecimentos quanto dos sujeitos envolvidos diretamente na investigação.
133
Outro instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário semiestruturado, com o objetivo de verificar como as professoras acompanharam a organização e
aplicação das situações desencadeadoras em sala, bem como as mudanças na concepção do
ensinar e avaliar em matemática. Consideramos que, mediante a análise do processo de
apropriação do conhecimento pelas professoras, podemos obter indicadores para compreender
o significado da avaliação na perspectiva histórico-cultural.
5.4 A configuração dos isolados formativos
No exame dos dados, foi privilegiado o modo de compreender o processo de
apropriação do conhecimento em movimento. Para isso, dentre os 16 encontros ocorridos na
OPM/RP e as 19 sessões de aula, escolhemos episódios que, ordenados em isolados, revelam
este processo. Acreditamos que esta análise fornecerá elementos que poderão ser
generalizados para o entendimento de como acompanhar o processo de ensino e de
aprendizagem e definimos tal forma de analisar o processo como sendo avaliação na
teoria histórico-cultural. A avaliação constitui-se em um modo de analisar a aprendizagem
em movimento para compreender a relação entre a atividade de ensino elaborada pelo
professor e a atividade de aprendizagem realizada pelo aluno. Nesse sentido, procuramos
verificar se a atividade de ensino desencadeou uma atividade de aprendizagem, se o sujeito se
mobiliza e é mobilizado na busca da solução das situações-problemas. Essa forma de análise
permite perceber qual a qualidade da aprendizagem proporcionada pelo ensino de
determinado conhecimento teórico, quais funções psicológicas estão sendo potencializadas.
Assim, procuraremos compreender o movimento de aprendizagem das professoras no
processo de apropriação dos conhecimentos de matemática na perspectiva histórico-cultural.
Lidamos com sujeitos singulares – professoras de Educação Infantil e séries iniciais do
Ensino Fundamental –, porém, ao desvelar o movimento de aprendizagem desses sujeitos,
acreditamos que teremos condições de “sistematizar” os pressupostos essenciais para
acompanhar o desenvolvimento de diferentes sujeitos em aprendizagem, isto é, avaliar na
perspectiva histórico-cultural.
Consideramos que a unidade fundamental do processo educativo é a promoção
humana, objetivo central da educação escolar. Deste modo, o objetivo da avaliação deve
134
coincidir com este princípio para não perder seu significado e reduzir as possibilidades do
trabalho pedagógico como princípio humanizador.
Acreditamos que o movimento de aprendizagem docente na OPM/RP revela-se na
dinâmica da atividade de ensino e da atividade de aprendizagem. Decorre daí a análise
focalizar a atividade elaborada pelas organizadoras (atividade de ensino) e a atividade das
professoras (atividade de aprendizagem).
A dinâmica formativa junto ao grupo colaborativo ocorreu em dois espaços de
aprendizagem83: nas atividades realizadas na OPM/RP e no desenvolvimento de situações
desencadeadoras de aprendizagens em sala de aula. Para a análise do fenômeno – avaliação –,
recorremos ao conceito de isolado proposto por Caraça (1989), apresentado anteriormente.
A análise dos dados realizada com base nos pressupostos metodológicos defendidos
por esse autor tem sido utilizada por diferentes pesquisadores (MOISÉS, 1999; MOURA,
2000, 2004; ARAUJO, 2003; SOUSA, 2004; DIAS, 2007), que a fazem fundamentados no
materialismo histórico dialético, no qual os isolados podem ser compreendidos como
principio teórico-metodológico de análise do fenômeno, ou seja, o isolado permite “[...]
estudo, descrição, compreensão, ilustração e avaliação de certas sessões tematizadas da
realidade” (KOSIK, 2002, p. 36), considerando a totalidade concreta. Kosik (2002) apresenta
a totalidade concreta em três dimensões: como conceito dialético, como principio
epistemológico e como princípio metodológico. É nesse sentido que podemos compreender a
definição de isolado proposto por Moura (2000, p. 81) ao apresentá-lo como uma metodologia
de análise, “[...] como uma regularidade do pensamento ao atuar sobre a complexidade da
realidade e não como uma concepção desta”.
A utilização do isolado como princípio teórico-metodológico possibilita a
compreensão do fenômeno em desenvolvimento, sendo consoante com o problema central
desta pesquisa que consiste em avaliar o processo de apropriação do conhecimento em
movimento. Neste caso particular, o estudo da aprendizagem docente na dinâmica formativa
OPM/RP permite compreender o objeto desta pesquisa, avaliação, em seu processo de
mudança qualitativa.
De acordo com a análise dos dados levantados nesta investigação, foi possível
destacar, nesse momento, três isolados que permitiram compreender o fenômeno da avaliação
83
Espaço de aprendizagem é “[...] o lugar da realização da aprendizagem dos sujeitos, orientado pela ação
intencional de quem ensina” (CEDRO, 2004, p. 34).
135
na perspectiva histórico-cultural no contexto do movimento formativo docente na OPM/RP.
Os isolados são: aprendizagem docente, organização do ensino e prática pedagógica. Para
a delimitação destes isolados, levamos em consideração a dinâmica formativa da OPM/RP
revelada nas ações dos organizadores e participantes.
O isolado aprendizagem docente teve como foco a relação de interdependência e
fluência entre a atividade de ensino elaborada pelos organizadores e a atividade de
aprendizagem realizada pelas professoras. O processo de ensinar e aprender revela-se na
constituição das atividades em que os conceitos fundamentais e a abordagem teóricometodológica plasmam-se nos pressupostos teóricos da perspectiva histórico-cultural, dentre
eles citamos: a mediação, a intencionalidade, a essência do conceito, o pensamento teórico.
No isolado organização do ensino, destacamos: a) como os pressupostos teóricos
adotados foram se constituindo parte do processo de organização do ensino de matemática
pelas professoras; b) a relação entre aprender e ensinar sendo pensada a partir das situações
desencadeadoras de aprendizagem elaboradas pelas docentes.
No isolado três prática pedagógica, fazemos a análise da aprendizagem docente no
contexto de sua sala de aula, à procura de elementos que revelem o processo de apropriação
do saber docente e como a prática em sala de aula ressignifica a aprendizagem dos
professores.
O movimento de análise dos dados buscou compreender a aprendizagem docente na
relação entre o professor como aprendiz e o profissional do ensino, o qual também tem como
objetivo a aprendizagem dos seus alunos por meio de sua atividade principal: o ensino. Nesta
dinâmica e considerando este contexto específico procuramos identificar esse modo de
aprender.
Salientamos que esses isolados, de acordo com sua própria definição, são tomados em
relação de interdependência para análise dos dados. Sendo assim, um sofre a influência do
outro. A organização do ensino e a prática pedagógica dependem, fundamentalmente, dos
conceitos apropriados pelas professoras e, também, de como ensiná-los. Conseqüentemente,
ao organizar o ensino e desenvolvê-lo com seus alunos, a professora ressignifica sua
aprendizagem docente. Os três isolados recortados para análise estão em constante
movimento (fluência).
136
Aprendizagem
Docente
Prática
Pedagógica
Organização do
Ensino
Figura 3: Interdependência entre os Isolados
Os isolados, por sua vez, são compostos por episódios que são classes de fatos que
explicitam empiricamente o fenômeno. Moura (2000) definiu episódios de formação como
um modo de focar as ações de aprendizagem docente no processo formativo. O conteúdo dos
episódios será apresentado por um conjunto de cenas escolhidas dentre os dados levantados
com o objetivo de revelar as ações no processo formativo. As cenas retratam os
acontecimentos nos espaços de aprendizagem, compondo um cenário sobre o processo
formativo da OPM/RP, o qual serviu de contexto para compreender a avaliação na perspectiva
histórico-cultural. Na figura a seguir, sintetizamos a forma de análise da intervenção
orientada.
137
GRUPO
COLABORATIVO
Forma de intervenção
orientada
com
o
objetivo
de
compreender
as
mudanças na ação de
ensinar, aprender e
avaliar.
Atividades formativas
na Oficina Pedagógica
de Matemática
Aplicação de Situações
Desencadeadoras
em
Sala de Aula
Professores e Organizadoras da
OPM (Coord. e pesquisadora)
Professores, alunos e
pesquisadora
ISOLADOS
Classes de fatos que
explicitam o fenômeno
empiricamente
Aprendizagem docente
Organização do Ensino
Prática Pedagógica
Episódios
Cenas
Ações que indicam o processo
formativo, o movimento de
aprendizagem docente.
Figura 4 – Forma de Análise da Intervenção Orientada
Essa forma de análise dos dados constitui o estabelecimento dos isolados para
investigar a complexidade do processo formativo, o movimento de ensino e aprendizagem
junto às professoras. Esta análise possibilitará a compreensão do significado da avaliação na
perspectiva histórico-cultural, o qual constitui objetivo principal desta pesquisa.
Consideramos que o movimento formativo revelará como a docente se apropriou do ensino de
matemática na perspectiva histórico-cultural. Entendemos que, ao revelar esse modo de
aprender, será possível ter elementos para acompanhar o processo de apropriação do
conhecimento de diferentes disciplinas, tanto pelo adulto quanto pela criança, fornecendo,
assim, um modo de “avaliar” na perspectiva histórico-cultural.
Cabe salientar que não há uma relação hierárquica entre os momentos formativos, mas
uma relação dialética entre os episódios, de maneira que os mesmos revelem o movimento de
138
aprendizagem docente na OPM/RP, possibilitando identificar os indicadores da avaliação em
matemática na perspectiva histórico-cultural. Dessa forma, na análise dos episódios,
procuramos revelar a regularidade do processo avaliativo da aprendizagem docente diante da
complexidade do ato formativo, o movimento ensinar-aprender.
Para sintetizar, apresentamos, no quadro abaixo, uma visão geral dos isolados, com os
episódios e a cenas que compõem cada um, os quais serão trabalhados na próxima parte desta
investigação.
Isolado
APRENDIZAGEM
DOCENTE
Episódios e Cenas
Conteúdo
Qualidade
Episódio 1 - Carta Caitité:
aprendizagem.
Cena 1 – Dificuldades iniciais
Cena 2 – Mediação
Cena 3 – Características do sistema de
numeração
Cena 4 – Em questão os indicadores para
acompanhar o processo de apropriação dos
conhecimentos matemáticos
Episódio 2 – Pastor Linus
Cena 1 – Saber empírico
Cena 2 – Uma outra
conhecimento matemático
relação
com
da
o
Análise da aprendizagem docente: qualidade
da aprendizagem
ORGANIZAÇÃO
DO ENSINO
Episódio 1 – Primeira versão da atividade de Organização da atividade
de ensino
ensino
Cena 1 – Apresentação da atividade
Cena 2 – Análise da atividade pelo grupo
Episódio 2 – Segunda versão da atividade de
ensino
Cena 1 – Apresentação da atividade;
Cena 2 – Problematização
Análise da aprendizagem: a relação entre a
apropriação do conceito e a organização da
situação desencadeadora de aprendizagem
PRÁTICA
PEDAGÓGICA
Episódio 1 – História da Shantal
Cena 1 - A situação desencadeadora de
aprendizagem: o trabalho das professoras Lara e
Thaís
Cena 2 – A mediação da pesquisadora
Cena 3 – A utilização do ábaco como
instrumento mediador
Cena 4 - A interação entre os pares
Contexto da sala;
Desenvolvimento
situações
desencadeadoras
aprendizagem.
de
de
139
Cena 5 - Desdobramento da atividade: o jogo de
dominó
Análise da aprendizagem: a reflexão sobre o
trabalho realizado pelas professoras Lara e a
Thaís
Episódio 2 - O Laranjal
Cena 1 – A situação desencadeadora de
aprendizagem: o trabalho realizado pela
professora Érica
Cena 2 – A busca da solução para a situaçãoproblema
Cena 3 – Validando as respostas dos alunos
Análise da aprendizagem: a reflexão sobre o
trabalho realizado pela professora Érica
Episódio 3 – A experiência em sala de aula
ressignifica o processo formativo na OPM/RP
Cena 1 – Desmistificando a utilização de
instrumento com crianças
Cena 2 – O significado do professor mediador no
processo de aprendizagem escolar
Analise da aprendizagem docente: o ensinar
como forma de qualificação da aprendizagem
das professoras
Quadro 5 – Distribuição e Composição dos Isolados
140
6 APRENDIZAGEM DOCENTE NO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DOS
CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS: ISOLADOS DE ANÁLISE
A doutrina materialista sobre a alteração das
circunstâncias e da educação esquece que as
circunstâncias são alteradas pelos homens e
que o próprio educador deve ser educado
.
Marx
6.1 Aprendizagem Docente
Este isolado é composto por dois episódios de formação, constituindo parte das
atividades desenvolvidas na OPM/RP com o objetivo de analisar a qualidade de aprendizagem
das professoras a partir de situações desencadeadoras de aprendizagens propostas pelas
pesquisadoras.
6.1.1 Episódio – Carta Caitité
Neste episódio, foi trabalhada, junto aos participantes da OPM/RP, a situação
desencadeadora de aprendizagem intitulada Carta Caitité. A organização desta atividade de
ensino contemplou os pressupostos teórico-metodológicos da AOE, conseqüentemente, os da
perspectiva histórico-cultural: necessidade do conceito; interação entre os pares; a mediação
do mais experiente; intencionalidade pedagógica; trabalho com o conhecimento do abstrato
para o concreto; essência do conceito e seus nexos conceituais.
Esta situação desencadeadora de aprendizagem foi elaborada por Manoel Oriosvaldo
de Moura, no ano de 2004, como uma forma de trabalhar os conceitos fundamentais de um
sistema de numeração com seus alunos da graduação, na disciplina Metodologia do Ensino de
Matemática. Constitui-se em uma história virtual do conceito, porque recupera o modo de
produção dos conceitos fundamentais de um sistema de numeração e coloca para o sujeito
que irá solucioná-la a necessidade destes conceitos. Como podemos observar a seguir:
141
Iuaip, 27 de outubro de 2004.
Caros colegas,
Como vocês sabem, estou em Iuaip, país maravilhoso, para conhecer os avanços dos seus acadêmicos
em matemática. Já participei do primeiro seminário. O nosso tema foi a descoberta de um sistema de
numeração de uma comunidade chamada de Caitité. Os renomados professores Ovatsug e Oigres
apresentaram as suas descobertas iniciais baseadas em escritas que parecem representar os bens de
um rico senhor daquela comunidade. Os professores disseram que foi possível perceber que as
quantidades de um a doze, em ordem crescente, podem ser representadas da seguinte forma: <, +, Ν,
<Ι, <<, <+, <Ν, +Ι, +<, ++, +Ν, ΝΙ. Descobriram também que o povo caitité, embora não muito
desenvolvido matematicamente, já tinha um símbolo para o zero: I
Os professores mostraram uma inscrição que apresentava a figura de um jegue seguida dos símbolos
+Ν<. Supomos que quem fez esta inscrição estava querendo comunicar o valor do jegue.
No próximo seminário pretendemos descobrir a lógica do sistema de numeração dos caitités.
Acreditamos que isso poderá trazer grande contribuição para entender a cultura desse povo. Estou
enviando-lhes este resumo do que já presenciei porque sei o quanto vocês ficarão desafiados para
encontrar uma solução geral para o problema que estamos investigando.
Peço-lhes que procurem descobrir qual o sistema de numeração dos Caitités, pois isso daria grande
prestígio para a nossa academia. Se vocês conseguirem descobrir, escrevam, com os nossos numerais,
quanto custa o jegue e escrevam também quanto seria 23 e 203 em escrita caitité. Vocês podem
mandar a resposta por e-mail. O meu endereço eletrônico aqui é:
[email protected]
Saudações universitárias,
Manoel Oriosvaldo de Moura (Ori)
Para que os sujeitos resolvam a situação-problema sobre “a lógica do sistema de
numeração Caitité”, faz-se necessário buscar os conhecimentos anteriores sobre o sistema de
numeração de forma relacional. Como esse conhecimento, que é teórico, não se constitui
diretamente, a interação entre os pares torna-se imprescindível. Assim, a organização da sala
de aula para a solução da situação-problema parte do princípio do resolver com o outro, a
troca de idéias entre os pares é condição essencial para chegar à resposta para o problema.
Esta atividade, materializada na situação desencadeadora de aprendizagem, parte do
pressuposto teórico da lógica dialética de abordagem do conhecimento, parte do abstrato
(Sistema de Numeração Caitité – SNC) para o concreto (qualquer Sistema de Numeração). Os
conceitos de bases, articulados com os de valor posicional, de ordem e de correspondência,
142
são constitutivos do sistema de numeração. Conforme Pototzki (1963, apud DAVÝDOV,
1982, p. 402, tradução nossa):
[...] a verdadeira compreensão das idéias matemáticas é possível somente na
base do conhecimento na sua origem, com base ao conhecimento de suas
fontes na realidade viva e em sua problemática, que como resultado da
abstração conduz as teorias matemáticas correspondentes84.
A Carta Caitité reúne elementos que dão conta desse processo, a situação
desencadeadora de aprendizagem não parte de conhecimentos particulares para chegar ao
conceito de um sistema de numeração. Ao contrário, partiu de um sistema elaborado para que
os alunos, por meio de suas ações e operações, descobrissem os conceitos fundamentais
constituintes deste sistema: base, valor posicional, correspondência um-a-um e ordem dos
signos.
Observamos que, na situação de aprendizagem, o objetivo é a compreensão da gênese
de um sistema de numeração, isto é, qual é a essência desse sistema, já que os signos
numéricos não podem ser tomados soltos, é preciso que se estabeleça uma relação com os
demais conceitos. Nesta organização, o objetivo é que o sujeito compreenda os conceitos
essenciais de um sistema de numeração.
O pressuposto teórico é o de que os alunos, ao compreenderem os princípios gerais de
um conhecimento, saberão lidar com as variações particulares, com poucas intervenções do
outro (mestre, formadores, pares mais experientes). Este pressuposto constitui um princípio
teórico-metodológico da concepção materialista histórica dialética do conhecimento. Davídov
(1982, p.404, tradução nossa) afirma que: “Na formação dos conceitos matemáticos, por
exemplo, ‘é mais fecundo iniciar o ensino pelo conhecimento dos conceitos mais gerais’, já
que eles facilitam o processo de assimilação, e passar logo ao estudo das particularidades”.85
Na OPM/RP, esta situação desencadeadora de aprendizagem foi trabalhada com o
objetivo que os participantes compreendessem a complexidade de um sistema de numeração.
84
POTOTZKI, N. S. O pedagoguícheskij osnóvaj obuchenia matemátikie/ Sobre los fundamentos
pedagógicos de enseñanza de las matemáticas. Moscú, Uchpedguiz, 1963.
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] la verdadera compresión de las ideas matemáticas es posible sólo en base, en
base al conocimiento de sus fuentes en la realidad viva y em su problemática, que como resultado de la
abstración conduce a las teorias matemáticas correspondentes” (1963, apud DAVÝDOV, 1982, p. 402).
85
“En la formación de los conceptos matemáticos, por ejemplo, ‘ es más fecundo iniciar la ensañanza por el
conocimiento de los conceptos más generales, ya que ellos facilitan en o proceso de asimilación y pasar luego al
estudio de las particularidades’” (DAVÝDOV, 1982, p. 404)
143
Na seqüência, apresentaremos algumas cenas de como as professoras participantes da
OPM/RP desenvolveram esta situação-problema.
Cena 1 – Dificuldades iniciais
As pesquisadoras formadoras distribuíram a carta para cada participante, e
combinaram que resolvessem em duplas ou trios. Primeiramente, leram individualmente e
iniciaram a resolução. No contato inicial, alguns comentários surgiram, tais como:
Ed86- Sou ruim em matemática!
Ne - Eu não sei fazer.
Pa - É complicado!
Em conversas entre os pares, a primeira manifestação era de que não sabiam nem por
onde começar, demonstrando o pavor de errar; revelando a concepção sobre a incapacidade de
aprender matemática, bem como aceitar, inicialmente, o desafio da resolução da proposta. A
partir da intervenção das pesquisadoras, questionando-os, ajudando-os a organizar as
informações, essa primeira impressão foi se desfazendo. Assim, o trabalho cooperativo e as
intervenções das pesquisadoras desencadearam motivos que mobilizaram seus conhecimentos
prévios para a solução da situação problema.
Temos nesse momento dois pontos importantes no processo de aprendizagem docente:
a concepção sobre a incapacidade de aprender matemática e a importância da mediação, do
trabalho coletivo no processo ensino-aprendizagem.
Parece ser simples esta concepção sobre a incapacidade de aprender matemática, mas é
preocupante por partir de professoras que trabalham com o ensino desta disciplina na
educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Esta manifestação dos professores
está relacionada com a concepção, instalada fortemente nas práticas pedagógicas ou mesmo
como cultura escolar em torno da matemática, de que só os “iluminados”, as pessoas
extremamente inteligentes podem aprender matemática. Tal concepção sobre a aprendizagem
de matemática retira da disciplina seu caráter humano e histórico, em que a apropriação de
86
Utilizamos as iniciais dos nomes das participantes para determinar quem está relatando o fato.
144
conhecimentos, por meio da mediação, está diretamente ligada com as necessidades dos
homens em apropriar-se da realidade e a construção da matemática como uma ferramenta
importante nesse processo.
Cena 2 – Mediação
A primeira impressão sobre a incapacidade de solucionar a situação-problema foi
sendo superada pela intervenção das pesquisadoras por meio de questionamentos, os quais
eram feitos tendo como base os elementos estruturantes da atividade.
Co- Qual é a necessidade de resolução dessa situação-problema? (Silêncio). Vejam
no contexto da carta, é preciso que os universitários de São Paulo descubram a lógica do
sistema de numeração dos Caitités. Então, instala-se aqui uma necessidade para os
universitários e, nesse momento, para nós. Como podemos descobrir esta lógica?
Co - Quantos símbolos os Caitités possuem para representar os diferentes numerais?
Há uma lógica para a representação? Se há uma lógica como ela se expressa para a
representação de qualquer numeral?
Ma – Então, vamos ver por onde começamos!
Num primeiro momento, para entender a questão proposta (preço do jegue), foram
logo fazendo a substituição direta dos símbolos dos Caitités para os numerais do sistema de
numeração decimal, desconsiderando qualquer lógica (preço no Sistema de Numeração
Caitité +N< = 231). Reverter essa situação necessitou da relação dialógica entre os pares e as
pesquisadoras.
Esta mobilização do pensamento não é fácil, teve momentos que as pesquisadoras
encontraram dificuldade de formular questões de forma que mobilizassem o pensamento do
outro, e não resolvessem a situação para eles. Querendo fugir dessa situação, as pesquisadoras
procuraram maneiras diferentes de questioná-los de forma que buscassem a solução para o
problema e, especialmente, colocassem o pensamento dos participantes em movimento.
Pe – Vamos analisar a regularidade dos símbolos numéricos Caitités.
145
A partir dessa intervenção, as duplas voltaram para seu trabalho, lendo por diversas
vezes a carta e registrando a seqüência da representação dos numerais do Sistema de
Numeração Decimal (SND) e o Sistema de Numeração dos Caitités (SNC). Por exemplo:
0–I
5 - <<
9 - +<
13 - N<
1-<
6 - <+
10 - ++
14 – N+
2-+
7 - <N
11 - +N
15 - NN
3-Ν
8 - +I
12 – NI
16 - ?
4 - <Ι
Quando chegaram ao numeral 16, houve um momento de tensão, porque a seqüência
que vinham fazendo necessitava mudar. Como não haviam compreendido, ainda, o
significado de base no SNC, encontraram outros obstáculos na solução da situação-problema.
Foi possível verificar que perceberam uma regularidade em relação ao quatro conforme foram
fazendo a seqüenciação, no entanto não estabeleceram relação com o conceito de base e valor
posicional.
Para ultrapassar esse momento e as professoras compreenderem o conceito de base, de
maneira a chegarem a um modo geral para solução do problema, as pesquisadoras fizeram a
representação dos numerais no ábaco. Ao representar o numeral 16 (<II) no ábaco, os
participantes tiveram a oportunidade de identificar o conceito de base quatro e a importância
do zero para determinar a posição dos símbolos.
Esta
situação
revela
as
possibilidades
mediadoras
do
mais
experiente
(pesquisadoras) e do próprio instrumento, possibilitando a compreensão do SNC pelas
professoras. O significado de base e de valor posicional são conceitos fundamentais para a
generalização e interiorização de qualquer sistema de numeração.
Uma dupla de professoras conseguiu facilmente, por meio da escrita seqüencial dos
numerais, descobriu a representação do numeral 23, mas não captou que o SNC é de base
quatro, mesmo com a utilização do ábaco, não abstraiu essa lógica, fundamental para a
compreensão de qualquer sistema de numeração. O que comprova que somente a correlação
signos dos numerais Caitités e seu correlato no sistema de numeração decimal não implica no
entendimento dos conceitos fundamentais do sistema de numeração.
146
O ábaco atua como um instrumento mediador que possibilita ampliar esse
conhecimento e, ao mesmo tempo, propiciar a generalização da lógica de um sistema de
numeração. Observamos que, no início, as soluções resumiam-se em ações de tentativas e
erros, depois, com a utilização do ábaco e dos cálculos, obteve-se um modo geral de solução
para a situação-problema.
Cena 3 – Características de um sistema numeração
Quando as pesquisadoras escolheram esta situação desencadeadora de aprendizagem
para iniciar os trabalhos, foi com o objetivo de fazer o exercício do pressuposto teórico da
lógica dialética: abordar o conhecimento por meio do abstrato (SNC) para o concreto
(qualquer Sistema de Numeração). Os conceitos de base articulados com o de valor
posicional, de ordem e de correspondência, são constitutivos do sistema de numeração. As
pesquisadoras ao revelar a complexidade de um Sistema de Numeração, colocaram o
pensamento das professoras em movimento, bem como proporcionaram situações para que o
sujeito em atividade se apropriasse desse conhecimento matemático.
Davýdov (1982, p. 408-409) afirma que: “[...] os alunos têm de estudar essa conexão
do geral com o particular e singular, ou seja, operar com o conceito. A assimilação do
material de estudo envolvida pelo conceito dado se efetuará no processo de transição do geral
ao singular”. Assim, “[...] na base do conceito se situa uma operação específica, que desde o
seu início reproduz certa generalidade” (grifos do autor, tradução nossa)87.
Durante a execução dessa atividade, as pesquisadoras verificaram a necessidade de
continuar o trabalho com as professoras sobre SNC para focalizar o significado de base, (4 ).
Para isso, elaboraram-se outras questões com o objetivo que as professoras sistematizasse esse
conhecimento.
1) Qual é a representação de 1237 no SNC?
2) Qual é a representação de 256 no SNC?
87
No texto, em espanhol, lê-se: “[...] los alumnos han de estudiar esas conexiones de lo general con lo particular
y singular, o sea, operar con el concepto. La asimilación del material de estudio abarcable por el concepto dado se
efectuará en el proceso de transición de lo general a lo singular”.
“[...] en la base del concepto se situa uma operación específica que desde su mismo inicio reproduce cierta
generalidad (DAVÝDOV, 1982, p. 408-409, grifos do autor)
147
3) Será que com quatro símbolos do SNC dá para representar qualquer numeral como
no SND?
4) Que conclusões podemos chegar?
O trabalho das professoras, para dar conta de responder essas questões, foi intenso, e
também perceberam que não haviam se apropriado do conceito de base. Nessa situação, as
ações e operações realizadas sobre o conceito revelam seu grau de apropriação.
Para esclarecer melhor a situação, vamos recorrer a um exemplo: para representar o
numeral 1237 no SNC foi necessário aumentar o número de hastes no ábaco e mais cálculos.
No encontro anterior, as pesquisadoras haviam trabalhado até 4 4 (quatro elevado à quarta
potência).
Essa nova situação problema suscitou os seguintes comentários:
Ed – Agora complicou mais ainda?
Pa – Será que vamos utilizar uma linha cheia de símbolos?
Por meio desses questionamentos, foi possível verificar que, por não se apropriarem
do conceito de base em sua plenitude, as professoras não conseguiram utilizar o ábaco para a
representação do numeral 1237, necessitou da nossa intervenção. Para isso, as organizadoras
retomaram a utilização do ábaco (representado na lousa) e fizeram juntos a conversão deste
numeral (1237 = <IN<<<). Conforme ilustração e os cálculos a seguir:
<
I
N
<
1 x 45 = 1024
0 x 44 =
0
3 x 4³ =
192
1 x 4² =
16
1 x 4¹ =
4
1 x 4º =
1
________
1 237
<
<
148
Esta representação revelou a complexidade de um sistema de numeração de base
quatro, tendo em vista a necessidade de realização de cálculos e de utilização de vários signos
repetidos. Conforme Moura (2003, p.12): “Quando um sistema possui um número muito
grande de signos, torna-se ineficiente ou limitado. Percebemos que, na contagem por
correspondência biunívoca, existirão tantas marcas quantas forem a quantidade a serem
representadas”.
Outro aspecto interessante foi a utilização do símbolo (I) que equivale a zero, uma vez
que ao representar o numeral 256 (<IIII) foi preciso empregá-lo várias vezes, marcando sua
importância no SNC. Conforme Ifrah (2005, p. 11): “O inventor do zero, escriba meticuloso e
preocupado em delimitar um lugar numa série de algarismos submetidos ao princípio da
posição, provavelmente nunca teve consciência da revolução quer tornava possível”.
Consideramos que este aspecto constitui-se o núcleo de entendimento de um sistema
de numeração, por revelar os nexos conceituais que compõem o próprio sistema. Ao
generalizar esses aspectos, compreende-se a lógica dos demais sistemas de numeração. Tal
conceito não foi apropriado diretamente pelas professoras, fez-se necessário a mediação do
mais experiente, das pesquisadoras e do próprio instrumento – ábaco –, e ainda, a troca de
idéias entre os pares.
Podemos dizer que a apropriação dos conceitos ocorreu respeitando alguns níveis de
generalização, os quais possibilitaram a reorganização da atividade de ensino pelas
pesquisadoras. Observamos que as ações de aprendizagens das professoras iniciaram com
mera transposição dos símbolos, para obtenção da resposta para a primeira questão (por
exemplo, o valor do jegue +N< = 231), depois dos questionamentos das pesquisadoras e a
discussão entre os pares tentaram buscar a regularidade entre os símbolos em relação aos
numerais, por meio de várias tentativas.
Esse primeiro momento consistia em ensaios e erros. Porém, por meio da intervenção
das pesquisadoras e da utilização do ábaco e dos cálculos compreenderam o significado de
base; e, ainda, com o emprego do símbolo I, que representa o zero, o que possibilitou as
professoras entender a lógica do SNC.
Esse foi um dos objetivos da proposta de trabalho com a situação desencadeadora de
aprendizagem – Carta Caitité. Ao trabalhar com o SNC, percebemos que a aproximação das
professoras com o conceito de base e a própria estrutura de um sistema de numeração,
preparando-se para a apropriação do pensamento teórico sobre o sistema de numeração.
149
Mesmo necessitando de recorrer ao ábaco e aos cálculos para realizar as representações ou
compreender qual era o numeral correlato no SND.
Observamos que os participantes precisavam reportar as anotações ou a representação
no ábaco, isto se deve a dois fatores: um é a complexidade do SNC, posicional de base quatro,
o qual necessita de vários símbolos para representar os numerais; e a outra é a realização das
operações de acordo com a base quatro. Essa dificuldade demonstra que o SNC base quatro
torna-se mais complicado que o Sistema de Numeração Decimal (SND) base 10.
Compreender a relação entre o grau de dificuldade de um sistema de numeração e outro é
importante para entender o processo histórico de criação do SND, entender porque os homens
demoraram tanto tempo no processo de elaboração de um sistema de numeração que
facilitasse sua relação com o mundo dos objetos, demonstrando a riqueza das possibilidades
intelectuais humanas expressa no SND.
Cena 4 – Em questão os indicadores para acompanhar o processo de apropriação dos
conhecimentos matemáticos
Durante o desenvolvimento da atividade, as professoras comentavam sobre sua prática
com o Sistema de Numeração com as crianças. Dentre as falas, o que nos chamou atenção foi
a seguinte:
Th - Em língua portuguesa eu tenho indicadores ou elementos para identificar o que a
criança aprendeu [...]. Já, em matemática, não temos elementos para saber o que o aluno
aprendeu e preparar atividades.
Entendemos que esse depoimento, sobre a dificuldade de acompanhar o processo de
apropriação dos conhecimentos matemáticos, é revelador de uma reflexão importante sobre a
organização do ensino desta disciplina. Consideramos que esta reflexão só foi possível
quando a professora teve a oportunidade de lidar com a gênese do conceito matemático de
número, já que, mesmo afirmando que não possui estes indicadores para saber o que a criança
aprendeu ou como fazer essa avaliação de aprendizagem, a docente começa a questionar o que
é necessário para realizar esse processo – avaliação.
150
Ao ter oportunidade de aprender e desvelar os nexos conceituais de um sistema de
numeração, este mesmo processo acaba fornecendo elementos para pensar a prática de ensino
deste conteúdo e o processo de apropriação do conceito de número, em que os impasses no
próprio processo do aprender da professora revelam o modo de aprender do aluno e
como acompanhar a apropriação deste conhecimento. O conteúdo do conceito revela a
forma dessa apropriação, essa dinâmica de solução da situação-problema está relacionada
com a concepção de Moura (1992, p. 68) sobre a atividade orientadora de ensino: “[...] a
estrutura da atividade orientadora é a própria gênese do conceito: o problema desencadeador,
a busca de ferramentas intelectuais para solucioná-lo, o surgimento das primeiras soluções e a
busca de otimização destas soluções”. Assim, a relação entre conhecimento teórico
(conceitos) e como se ensina para que o outro aprenda deve ser pensada articuladamente.
Nesta cena, verificamos que a professora, ao se apropriar do conhecimento
considerando seu aspecto lógico-histórico, tem condições de pensar o ensino sob esta
perspectiva e, com isso, avaliar o processo de apropriação dos conceitos de forma dinâmica e
prospectiva.
6.1.2 Episódio 2 – Pastor Linus
A carta Caitité desencadeou o questionamento sobre o SND, o que as professoras
tinham como óbvio e consolidado foi reavaliado. Para explicar esse movimento formativo,
expomos, a seguir, um outro episódio de formação em que se trabalhou com a história virtual
do conceito do Pastor Linus (Anexo A).
Essa atividade foi desenvolvida em conjunto com o texto “A atividade de ensino como
unidade formadora”88, o objetivo foi articular o conteúdo de matemática, controle de
quantidades – valor posicional, com o procedimento teórico-metodológico de como ensinar,
foco de trabalho da OPM/RP.
Assim, como a Carta Caitité, esta situação desencadeadora de aprendizagem foi
elaborada considerando os pressupostos teórico-metodológicos da AOE. A situação-problema
central da história virtual do conceito Pastor Linus consistiu em ajudar o pastor a contar seu
88
MOURA, M. O. A atividade de ensino como unidade formadora. Bolema, Ano II, n. 12.
p. 29-43, 1996.
151
rebanho de modo a utilizar o menor número de pedras possíveis; para isso, o conceito
fundamentalmente trabalhado foi o de valor posicional em um sistema de contagem.
Consideramos que a forma como está exposta a situação-problema revela o modo
histórico de produção deste conceito, visto aproximar de um problema vivido pelo homem na
busca do controle de quantidades. Nessa situação desencadeadora de aprendizagem, era
necessário estabelecer a relação entre o conjunto que conta (pedras) e o conjunto contado
(ovelhas) e, ainda, uma forma de quantificar sem ter que carregar uma grande quantidade de
pedras.
Cena 1 – Saber Empírico
O trabalho com a situação desencadeadora de aprendizagem “Pastor Linus” foi
desenvolvido em grupos de três pessoas. Foi entregue a situação-problema e um saquinho
com 17 pedrinhas coloridas para cada grupo. Uma das participantes fez a leitura da situaçãoproblema e, em seguida, todas iniciaram a resolução.
As respostas iniciais pautaram-se nos aspectos sensoriais: tamanho e cor das pedras. O
critério da cor para o agrupamento logo foi abandonado, mas o critério tamanho persistiu
durante um bom tempo na tentativa de solucionar o problema. Dois grupos estabeleceram que
o pastor deveria controlar a quantidade de ovelhas por meio do agrupamento de 5: a pedra
menor valia 1, a pedra um pouco maior valeria 5 e a pedra maior valeria 10. Outro grupo
chegou à conclusão que deveria ser utilizado o agrupamento de 5 e de 10. Assim, havia a
pedra grande no valor de 100, uma outra um pouco menor valendo 10, outra menor ainda
valendo 5 e uma outra pequenina valendo 1.
Para testar qual forma seria mais eficiente para que o Pastor controlasse suas ovelhas,
solicitou-se que representassem algumas quantidades utilizando-se os diferentes critérios e,
também, os dois critérios conjuntamente. Esses questionamentos foram importantes para que
percebessem o sistema de contagem por agrupamento e para que os participantes verificassem
em suas soluções iniciais que o tamanho não era o critério mais eficiente para a representação
das quantidades. Foi necessário que as pesquisadoras lançarem outra questão:
152
Co – Se desconsiderar a cor e o tamanho das pedras o que se pode fazer para
representar 303?
Essa questão foi fundamental para repensarem os critérios para a solução da situaçãoproblema, mesmo que, no primeiro momento, tenham se apegado aos atributos de cor e
tamanho.
A idéia do grupo um era que o Pastor tinha que carregar sacolinhas de cores
diferentes: uma que representasse 10, outra 5 e a outra 1. Alguns questionamentos foram
feitos pelas pesquisadoras e pelos demais participantes quando o grupo apresentou a sua idéia.
Co - Como ele saberia em qual sacolinha ele iria colocar as pedras?
Ju- Ele saberia que a sacolinha da cor vermelha representaria 5, a amarela
representaria 10.
Co- Quantas pedrinhas ele tinha que carregar para representar 303?
Ju- 30 de 10 e 3 de 1.
A resposta do grupo dois foi parecida com a do grupo um, o Pastor deveria utilizar
saquinhos para a colocação das pedras. Não mencionaram se teriam cores, mas também não
conseguiram explicar como o Pastor iria saber a quantidade de ovelhas. Quando questionados:
Co- Como o Pastor saberia a quantidade de ovelhas?
Ed- Ele (Pastor Linus) não pode ir pelo tamanho.
No grupo três, decidiu-se que o Pastor Linus deveria ter potinhos (pote amarelo vale 1,
verde vale 10 e o vermelho vale 100), simularam isso com copos descartáveis.
É possível observar até esse momento que, mesmo as professoras esforçando-se para
se desprenderem dos aspectos sensoriais (cor, tamanho), não conseguiram, transferiram esses
atributos da pedra para as sacolinhas ou copinhos. Porém, após os grupos apresentarem suas
discussões, um dos participantes mencionou a importância da posição das sacolinhas, isto é o
lugar que cada pedra ocupa, desvelando a importância do valor posicional.
153
Jo- Ah! Não é pela cor, nem pelo tamanho das pedras, mas o lugar em que ela está
nos potinhos.
Os outros participantes compreenderam a importância da idéia exposta pela colega e
verificaram que esta seria a solução mais eficiente para o problema de controle de ovelhas do
Pastor Linus.
A título de complementação, as pesquisadoras expuseram a resposta da história
virtual, em que o Pastor Linus amarrou na cinta três bolsinhos e as pedras eram posicionadas
em cada bolso (1, 10 e 100). Foi destacado, também, que essa forma de controlar as
quantidades consiste em um sistema de contagem, já que, no sistema de numeração, tem-se a
base representada por símbolos.
Cena 2 – Uma outra relação com o conhecimento matemático
Verificamos que propor atividades que levam os sujeitos a entenderem o modo de
produção do conceito é importante para o processo de apropriação do conhecimento
matemático e, também, para organização do ensino desta disciplina. Isto foi observado nos
comentários feitos pelos professores. Citamos alguns:
La- Eu nunca havia aprendido matemática assim!
Er- Assim, eu consigo aprender o conceito. Não é mecânico.
Com essas atividades, a obviedade do SND foi questionada. Um outro aspecto que se
apresenta é o processo histórico de produção do conceito. Este constitui uma marca
importante nos trabalhos da OPM/RP. As professoras, compreendendo o modo de produção
do conceito para além da sua estrutura lógico-matemática, conseqüentemente, apropriam-se
do conceito e, ainda, suas práticas de ensinar Matemática são interrogadas, possibilitando uma
reorganização do ensinar e do aprender os conhecimentos matemáticos.
Esse movimento revela o processo de relação sujeito e objeto em que o professor, ao
se apropriar dos conhecimentos, muda a si próprio e a sua atuação na realidade. Segundo
Poloni (2006, p. 154):
154
Os professores de Matemática propiciam a produção do significado a ser
internalizado, para satisfazer demandas sociais, históricas e culturais,
estando eles próprios implicados no processo como seres sociais e
interlocutores.
As respostas mostraram o quanto as professoras estavam presas à aparência do
conhecimento, algo muito parecido acontece com as crianças. A transição do saber empírico
ao teórico depende das mediações estabelecidas com o outro, revelando a importância do
outro mais experiente no processo de apropriação do conhecimento, visto que o saber teórico
não é apropriado diretamente, necessita de mediações.
No caso específico da atividade proposta as participantes da OPM/RP, a aproximação
com o saber teórico foi consolidada após a desconexão do objeto para sua explicação. No caso
da situação-problema do Pastor Linus, para que as professoras compreendessem o seu sistema
de contagem, foi necessário desprender do objetal, do sensível. A transição ocorreu pela
mediação do outro e dos instrumentos. Os questionamentos promovidos pelas pesquisadoras e
pelas próprias parceiras mobilizaram o pensamento dos participantes, revelando uma mudança
qualitativa neste processo.
6.1.3 Análise da aprendizagem docente: qualidade da aprendizagem
Um primeiro ponto desta análise é se a atividade de ensino elaborada pelas
pesquisadoras desencadeou a atividade de aprendizagem nas participantes. Como é que se
pode perceber este processo? Seguindo os pressupostos da teoria histórico-cultural os
indicativos para analisar esse processo são os elementos estruturantes do sistema de atividade
(necessidade, motivo, objetivo, ações, operações).
A situação desencadeadora criou a necessidade de o sujeito resolver a situaçãoproblema? Verificamos que a atividade tornou-se do sujeito, isto é, ele teve motivos para
resolver a situação-problema. O motivo foi direcionador das suas ações, desenvolvendo um
processo cognitivo de solução da situação-problema de forma autônoma. Podemos observar
que, após as pesquisadoras terem lançado a situação desencadeadora, não precisou ficar
chamando atenção para a resolução, as próprias professoras buscaram alternativas para a
solução. As ações das professoras estavam voltadas para a resolução da situação-problema
com o objetivo de apropriar-se dos conhecimentos teóricos de matemática.
155
A análise dos motivos do sujeito não é algo mensurável por notas ou conceito, consiste
em examinar se a atividade elaborada pelo professor tornou-se significativa para o aluno,
desencadeando uma atividade de aprendizagem. Nesse sentido, a aprendizagem dos
conhecimentos teóricos passa a ser finalidade das ações do aluno, e o aluno estará em
atividade de modo que o objetivo da sua ação coincida com o da atividade pedagógica.
Retomando o conceito de qualidade, trabalhado capítulo anterior, podemos afirmar
que a qualidade da aprendizagem só pode ser analisada em relação a determinado contexto, no
caso da aprendizagem escolar, no contexto de sala de aula, nas condições ideais e materiais
para a apropriação dos conhecimentos teóricos, na relação entre a atividade de ensino e
atividade de aprendizagem. Desta forma, a quantidade será um atributo da qualidade,
conforme defende Caraça (1989), na qual consideramos que não precisa ter um número para
exprimir a qualidade de aprendizagem, mas podemos estabelecer graduação, intensidade. A
esse respeito Moura (2004, p. 269, grifos nossos), apoiado em Caraça, esclarece que:
[...] existem qualidades que são suscetíveis de admitir graus de intensidade
diferente. Estas são aquelas sobre as quais podemos fazer juízos de “mais
que”, “menos que”, “maior que”, “menor que”. Essas qualidades admitem
variações segundo a quantidade. Os exemplos de conceitos matemáticos,
como retas paralelas e circunferência, são exemplos de qualidades que não
sofrem variação de qualidade. Isto é, não existem uma circunferência mais
circular que outra nem duas retas mais paralelas que outras duas que também
sejam paralelas. Já para a qualidade de ser corajoso, podemos estabelecer
graduação de intensidade. Não existe um número que possa ser associado a
uma quantidade de coragem. Não existe uma unidade de medida, mas é
possível fazer juízo sobre a variação de intensidade de qualidade de ser
corajoso que B e B é mais corajoso que C, então A é mais corajoso que C.
Isso é a variação de intensidade dessas qualidades que respeitam a
transitividade, embora não sejam quantificáveis.
Sendo assim, o julgamento sobre as aprendizagens dos indivíduos não implica estar
relacionada com o número, como convencionalmente tem sido feito na avaliação do
desempenho dos alunos. Ao receber a nota dez parece indicar que o aluno se apropriou da
totalidade do conhecimento, mas não é fácil evidenciar o que significa o cinco, o dois.
Acreditamos que, ao invés da quantificação, muitas vezes sem sentido, mais importante é
conhecer as ações dos alunos para saber a intensidade e a graduação do seu processo de
apropriação do conhecimento. Deste modo, para compreender a qualidade da aprendizagem
dos sujeitos, é preciso recorrer à análise do sistema de atividade no processo de ensino e
aprendizagem com o intuito elucidar o a relação entre ensino e aprendizagem.
156
Nesse sentido, é preciso verificar como foi o processo de realização da situação
desencadeadora de aprendizagem. Por meio da análise das ações de aprendizagem
observamos que as alternativas iniciais para a resolução das situações-problema mobilizaram
os conhecimentos anteriores das docentes. Apesar de “dominarem” o Sistema de Numeração
Decimal (SND), não perceberam, de imediato, a relação entre o valor posicional para além
dos atributos visíveis. Saber o porquê de inicialmente, ficarem restritas a esse tipo de
conhecimento – saber empírico – constitui um dos elementos para compreender quais os
processos mentais que estão dirigindo suas ações.
Uma das hipóteses para esta situação é que os professores dominam o SND no dia-adia, porém eles não têm abstraído ou se apropriado dos conceitos presentes neste sistema de
numeração. Mesmo, anteriormente, tendo trabalhado com a Carta Caitité, em que tiveram a
possibilidade de lidar com os conceitos constitutivos de um sistema de numeração, ao se
depararem com uma nova situação-problema não conseguiram transferir o modo geral de
solução constituído anteriormente. De acordo com Kalmykova (1991, p. 20):
Não basta possuir noções; é necessário ser capaz de usá-las no momento
preciso, escolhendo as noções necessárias para a solução de determinado
problema. Costuma suceder que um aluno não consiga resolver um problema
por não saber mobilizar as noções que possui. A escolha das noções
necessárias exige uma especial concentração sobre o texto do problema, ou
seja, analisá-lo.
A análise constitui uma das características do pensamento teórico. Segundo Davídov
(1988), as outras são a reflexão e o planificação teórica das ações. A seguir, vamos analisar
essas três características diante do trabalho realizado com o sistema de numeração com os
professores na OPM nestes dois episódios de formação:
Reflexão: verificamos que as professoras se conscientizaram das ações da atividade,
porque sua atividade externa estava ligada à sua atividade psicológica. A relação entre as
ações externas e internas é um elemento essencial da situação desencadeadora de
aprendizagem, como o próprio nome diz, desencadear motivos nos sujeitos para buscar
solucioná-la. É condição fundamental para que o sujeito possa se apropriar do conceito. As
professoras se mobilizaram para resolver a situação-problema com o intuito de satisfazer uma
necessidade própria: que consistia em se apropriar dos conhecimentos teóricos para mudança
de sua prática docente com o ensino de matemática. Desse modo, as diferentes ações, tanto
157
das pesquisadoras quando das docentes, estavam direcionadas para a satisfação dessa
necessidade, na qual desencadeou os motivos, que devem coincidir com o objeto da atividade,
a apropriação dos conhecimentos teóricos. Saber de que a atividade a ação faz parte é de
fundamental importância para conhecer o desenvolvimento dos sujeitos (LEONTIEV, 2001).
Para ilustrar essa característica do pensamento teórico no desenvolvimento da Carta
Caitité, mencionamos na cena dois que, após a intervenção das pesquisadoras, uma das
professoras faz a seguinte manifestação a dois outros membros do seu grupo:
Ma – Então! Por onde começamos a resolução?
Pela sua manifestação, é possível verificar que a professora busca caminhos junto aos
seus pares para a solução da situação-problema, para isso mobiliza seus conhecimentos
anteriores. Ela ainda não sabe, mas acredita que, por meio das suas ações, chegará a um
resultado. Podemos inferir que tomou consciência do problema a resolver.
Análise: tanto na primeira situação-problema – Carta Caitité – quanto na segunda –
Pastor Linus, as professoras chegaram ao um modo geral de solução: conseguiram transferir
para situações análogas a mesma situação, apropriando-se de um pensamento mais elaborado
sobre um sistema de numeração.
Para exemplificar essa característica do pensamento teórico, temos na situação
desencadeadora de aprendizagem do Pastor Linus o momento que os participantes
conseguem, depois de várias soluções provisórias, chegar à solução mais eficiente, a qual
desconsidera os atributos físicos do objeto. Essa situação foi manifestada no seguinte
depoimento feito por uma professora:
Jo- Ah! Não é pela cor, nem pelo tamanho das pedras, mas o lugar que ela está nos
potinhos.
Na resolução da Carta Caitité, o momento característico da análise é manifestado
quando descobrem que o SNC é de base quatro e conseguem compreender a sua lógica, com a
ajuda do ábaco e dos cálculos. Apesar de chegarem à solução, não conseguiram transferir o
conhecimento apropriado por meio da situação desencadeadora de aprendizagem Carta Caitié
158
para a solução do problema do Pastor Linus, que constitui situações-problema de uma mesma
classe. Para compreenderem o conceito de valor posicional contido na história virtual do
conceito do Pastor Linus, as professoras passaram pela fase do sensorial e, com a ajuda das
pesquisadoras e dos pares, só conseguiram pensar além dos atributos observáveis.
Planificação teórica: tendo em vista que as professoras não conseguiram transferir o
modo geral de solução para a resolução de problemas de uma mesma classe, condição
essencial para a generalização, é possível inferir que não conseguiram chegar ao pensamento
conceitual como instrumento cognitivo sobre o sistema de numeração. Tal constatação
possibilita afirmar que, com o desenvolvimento dessas duas situações desencadeadoras de
aprendizagem, houve uma mudança de qualidade do pensamento das professoras sobre o
sistema de numeração ao se apropriarem do conceito de base e de valor posicional, porém não
estabeleceram relações entre eles em uma outra situação-problema.
No plano mental, as participantes deveriam estabelecer a relação entre os conceitos
numéricos: base, valor posicional, correspondência um-a-um, ordem, importância dos
símbolos para a resolução das situações-problema despregadas dos aspectos sensoriais, isto é
ter condições de pensar numericamente, utilizando-se dos nexos conceituais. Podemos afirmar
que as professoras conhecem o sistema de numeração não quando identificam os sinais
gráficos pertencentes a um determinado sistema, mas quando, mediante esses sinais, podem
comunicar, realizar ações mentais ou físicas, interagindo com esses códigos.
Outras atividades foram trabalhadas na OPM/RP para que as professoras continuassem
no processo de apropriação dos conceitos fundamentais do sistema de numeração de modo a
formar o pensamento teórico.
Esta forma de conceber o ensino de matemática está diretamente relacionada com os
pressupostos vigotskianos, porque, ao defender a socialização dos conhecimentos, pressupõe
que os conteúdos matemáticos sejam constituídos e comunicados em uma perspectiva sóciohistórica.
Quando cada grupo fazia a exposição de suas idéias e os participantes ou as
pesquisadoras questionavam, a comunicação da resolução envolvia o outro e o outro era
envolvido, mobilizando o grupo a pensar sobre a solução do problema. A comunicação,
tomada como um instrumento psicológico (signo), foi fundamental para a internalização dos
significados. Segundo Vygotsky (1989), instrumentos psicológicos (signos) são estímulos
criados pelo homem como meios auxiliares para solucionar tarefa psicológica (memorizar,
159
comparar algo, informar, escolher). A diferença entre instrumentos (ferramenta) e signo é que
o primeiro está dirigido ao objeto, é o meio da atividade externa do homem para modificar a
natureza e o signo é o meio da atividade interna, dirigido para o domínio do próprio homem.
A internalização consiste na transformação de um processo interpessoal (social) num processo
intrapessoal (individual) (VYGOTSKY, 1989).
A linguagem tomada como um meio de comunicação é condição para a apropriação
dos conhecimentos, é por meio dela que o sujeito manifesta seu pensamento. Conforme
defende Leontiev ([197-], p. 184):
A linguagem é aquilo através do qual se generaliza e se transmite a
experiência da prática sócio-histórica da humanidade, por conseqüência é
igualmente um meio de comunicação, a condição da apropriação dos
indivíduos desta experiência e a forma da sua existência na consciência.
É possível afirmar, também, que as situações-problema atuaram na zona de
desenvolvimento proximal das professoras. Isto foi revelado no percurso da resolução das
atividades, em que houve a mobilização dos conhecimentos anteriores e a interação entre os
pares e as pesquisadoras. Percebemos que, naquele momento, necessitavam da ajuda do outro
para a resolução da situação e, nessa relação dialógica, conseguiram compreender o modo de
solução, que envolveu as ações de aprendizagem: categorização dos atributos básicos,
modelação da situação-problema e definição do sistema de relações em uma mesma situação
desencadeadora de aprendizagem.
O caminho do conhecimento que foi trilhado pelo grupo, talvez, se fosse um processo
solitário alguns poderiam ter abandonado. Analisar essa dinâmica do processo de ensino e
aprendizagem revela o movimento de aprendizagem e desenvolvimento dos docentes.
Quando se faz a análise por meio dos elementos estruturantes da atividade, está
avaliando o processo de apropriação dos conhecimentos em que o controle e o exame
substancial das ações, propostos por Davídov (1988), estão articulados dialeticamente. Ao
analisar a atividade, faz-se uma verificação operacional (controle) se as ações e operações
realizadas pelos aprendizes estão de acordo com a situação-problema proposta. Esta
verificação é feita durante a execução da situação desencadeadora de aprendizagem, pela
análise das ações e operações realizadas pelos participantes da OPM/RP. Na relação dialógica
entre pesquisadoras e professoras, professoras e professoras, vai se refletindo sobre as ações e
160
operações para que consigam solucionar o problema. Consolida-se, assim, o movimento de
análise – síntese – análise.
No exame substancial das ações, verificamos se houve a assimilação do procedimento
geral da situação-problema, como o sujeito lida com o conhecimento apropriado, se consegue
estabelecer relações, transferência, isto é, se atingiu o plano teórico das ações. Por meio do
controle e do exame substancial das ações, teremos elementos orientadores do ensino. Nesse
sentido, é possível verificar a avaliação como mediadora entre a atividade de ensino elaborada
pelo professor e a atividade de aprendizagem realizada pelo aluno. No contexto desta
pesquisa, examinamos se as atividades de ensino preparadas pelas pesquisadoras constituíram
em atividades de aprendizagem docente.
Estes dois episódios de formação revelaram o nível real que as professoras se
encontravam em relação aos conhecimentos sobre o sistema de numeração. Quando iniciaram
as atividades, as docentes não perceberam os conceitos embutidos no sistema, utilizava-os
como instrumento cognitivo, considerando seus aspectos gráficos. Esse nível de
conhecimento das professoras sobre o SND, revela ser empírico, por não permitir
compreender a essência do conceito e suas relações. Somente com a apropriação dos nexos,
conceituais é possível pensar numericamente.
O processo de aprendizagem docente foi marcado, nesse momento por meio da
realização das situações desencadeadoras de aprendizagem, pela possibilidade de questionar a
obviedade sobre o sistema de numeração, especialmente o decimal. Isto é, ao compreenderem
os conceitos que constituem um sistema de numeração – base, valor posicional,
correspondência um-a-um, agrupamento –, houve uma alteração no significado do sistema,
revelando a sua complexidade. A compreensão dos conceitos constitui um novo nível de
desenvolvimento real, o qual se encontra em constante movimento. O processo formativo na
OPM/RP, ao incidir sobre essa nova zona de desenvolvimento proximal, revela-se como um
campo de possibilidades para a formação do pensamento teórico, que representa uma das
funções psicológicas superiores (ARAUJO, 2003).
O essencial é compreender, na relação entre os conhecimentos, o que as professoras já
possuíam e os conhecimentos potencializados nas ações formativas da OPM/RP é o que eles
trazem de novo ao se formarem na zona de desenvolvimento proximal. Esse processo foi
revelado nas ações de ensino e aprendizagem. Percebemos que o processo de apropriação dos
conceitos que compõem o sistema de numeração decimal, por exemplo: base, agrupamento,
valor posicional, notação simbólica, desencadeou a reflexão sobre a forma de ensinar esse
161
conteúdo em sala de aula, bem como o modo de acompanhar o processo de apropriação deste
conhecimento pelos alunos.
O desenvolvimento das situações desencadeadoras de aprendizagem – Carta Caitité e
Pastor Linus – revelou para as professoras a complexidade de um sistema de numeração e
para as pesquisadoras a complexidade do ensino de um conceito teoricamente, mesmo tendo
uma forma de organizar o ensino orientado pelos pressupostos da AOE, em que a dinâmica do
ensinar aprender se desenvolve na articulação conhecimento teórico, sujeito e mediadores
culturais. Conforme Araujo (2003, p.21) “a defesa dessa tríade implica uma complexidade na
relação sujeito-objeto, ambos considerados históricos numa relação igualmente históricocultural”.
A análise do sistema de atividade revelou a relação de interdependência entre a
atividade de ensino organizada pelas pesquisadoras e a atividade de aprendizagem realizada
pelas professoras. Somente considerando essa relação, é possível acompanhar o processo de
apropriação dos conhecimentos pelos sujeitos, ou seja, avaliar na teoria históricocultural. Este processo de apropriação é analisado em movimento, considerando as diferentes
ações realizadas e quais pensamentos estão sendo mobilizados.
No isolado aprendizagem docente, buscamos analisar o processo de apropriação do
conhecimento pelas professoras na relação de interdependência e fluência entre a atividade de
ensino e a atividade de aprendizagem, visto que o processo de ensinar e aprender revela-se na
constituição das duas atividades. Isso implica afirmar que a qualidade da aprendizagem dos
sujeitos está diretamente relacionada com a organização do ensino. Nesse sentido, Vigotski
(2004a, p. 168) defende que:
Para garantir o êxito do ensino e da aprendizagem, o mestre deve assegurar
não só todas as condições de desenvolvimento correto das reações, mas o
que é mais importante, uma atividade correta. De pleno acordo com a teoria
psicológica, pode-se dizer que a ênfase principal da educação deve recair
precisamente sobre as atitudes. Em função disso o mestre deve sempre levar
em conta se o material que ele oferece corresponde às leis básicas da
atenção.
Assim, é possível compreender que a avaliação ocorre na dinâmica entre a atividade
de ensino e a atividade de aprendizagem e, pela análise, é possível conhecer a relação entre o
conhecimento que o sujeito possui e os conhecimentos desencadeados pelo processo de
162
ensino e aprendizagem. A referência desta análise são os conhecimentos teóricos e a formação
do pensamento teórico. É por isso que as ações formativas da OPM/RP tiveram como
parâmetros de análise as características do pensamento teórico propostas por Davídov:
reflexão, análise e planificação teórica. Esses elementos teórico-metodológicos são de suma
importância para a análise do processo de apropriação dos conhecimentos, visto que contribui
para entender as ações de ensino e de aprendizagem no movimento do sistema de atividade,
isto é, a avaliação deste processo. Desse modo, a avaliação só pode ser compreendida inserida
nas atividades dos sujeitos no processo educativo e de acordo com o seu contexto.
A seguir, apresentamos um quadro que sintetiza a análise da aprendizagem docente.
163
AÇÕES DE ENSINO
• Estudo do referencial
teórico-metodológico;
OPERAÇÕES DE
ENSINO
• Distribuição dos grupos na
OPM/RP;
AÇÕES DE
APRENDIZAGEM
• Resolução da situação
desencadeadora de problema
de aprendizagem;
• Seleção dos conteúdos:
controle de quantidades
(sistema de numeração,
base e valor posicional);
• Escolha dos instrumentos
auxiliares ao ensino dos
conteúdos
selecionados
(lousa, ábaco, pedrinhas);
- Categorização dos atributos
básicos;
•
Organização
da
Situação desencadeadora
de
Aprendizagem
(SDA): Carta Caitité e
Pastor Linus;
• Organização da exposição
das soluções parciais.
- Modelação do problema;
- Definição do sistema de
relações;
- Exposição oral e escrita das
soluções parciais e finais;
• Avaliação das ações de
ensino e aprendizagem.
- Avaliação das ações de
aprendizagem;
OPERAÇÕES DE
APRENDIZAGEM
• Leitura individual e coletiva da
SDA;
AVALIACÃO DA APRENDIZAGEM
DOCENTE
Reflexão: conscientização das suas ações
de aprendizagem para resolução da SDA;
• Levantamento dos dados do
problema;
- Carta Caitité: comparação
entre os símbolos do sistema de
numeração Caitité e o sistema de
numeração decimal;
- Pastor Linus: respostas
iniciais pautadas nos atributos
externos do objeto;
Análise: As professoras chegaram a um
modo geral de solução da situaçãoproblema e conseguiram transferir para
situações análogas na mesma situação
(apropriaram-se de um pensamento mais
elaborado sobre o sistema de numeração);
• Questionamento sobre os dados
levantados;
• Carta Caitité: Utilização do
ábaco e dos cálculos para
representar qualquer quantidade
no sistema de numeração Caitité
(compreensão da lógica desse
sistema);
• Pastor Linus: as professoras
perceberam a importância da
posição
das
pedras
nas
sacolinhas ou copinhos, ao
desvelar a solução do problema
– o Valor Posicional.
Quadro 6 – Síntese sobre a análise da aprendizagem docente
Planificação teórica das ações: Não
conseguiram transferir o modo geral de
solução de um problema de uma mesma
classe – controle de quantidades.
O processo de aprendizagem docente foi
marcado, neste momento, por meio da
realização das situações desencadeadoras de
aprendizagem, pela possibilidade de
questionar a obviedade sobre o sistema de
numeração. Isto é, ao compreenderem os
conceitos que constituem um sistema de
numeração – base, valor posicional,
correspondência um-a-um, agrupamento –
houve uma alteração no significado dado ao
sistema de numeração, revelando a sua
complexidade, constituindo-se em um novo
nível de desenvolvimento real (o qual se
encontra em constante movimento).
164
6.2 Organização do Ensino
Neste isolado, iremos analisar como os pressupostos teóricos da perspectiva históricocultural foram se constituindo no processo de organização do ensino pelas professoras. A
relação entre o ensinar e aprender é refletida durante a elaboração de situações
desencadeadoras de aprendizagem.
Será evidenciado como o processo de apropriação do conceito influencia diretamente a
organização do ensino e a prática pedagógica, tendo em vista que o professor, para exercer
sua função de ensinar, só a faz considerando os conhecimentos teóricos que possui tanto no
aspecto do conteúdo como do encaminhamento teórico-metodológico.
O professor, ao organizar o ensino sob esta perspectiva, está em atividade e o produto
desta atividade materializa-se na situação desencadeadora de aprendizagem, a qual será
determinante para sua intervenção pedagógica.
6.2.1 Episódio 1 – Primeira versão da atividade de ensino
Um outro episódio de formação a ser analisado é o episódio em que os participantes da
OPM/RP elaboraram situações desencadeadoras de aprendizagem subsidiadas pelo referencial
teórico-metodológico adotado na oficina.
A elaboração destas situações iniciou-se no mês de agosto de 2006. A dinâmica era
que as professoras, em grupo, organizassem situações desencadeadoras de aprendizagem que
considerassem importantes para sua prática docente junto aos seus alunos e trouxessem para
discussão no grupo de professoras da OPM/RP com o objetivo de ser uma atividade
constituída na coletividade. O exercício constante do aprender com o outro. Para isso, as
professoras se organizaram de acordo com o conteúdo e o nível de ensino e em grupos de três
pessoas.
Conforme mencionamos anteriormente neste trabalho refletiremos sobre as atividades
de ensino elaboradas pelas professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental.
165
Cena 1 – Apresentação da atividade
Para esta análise, escolheu-se uma das atividades elaborada pelo grupo da professora
Lara. Registramos que a referida professora elaborou a atividade individualmente, já que seu
parceiro não poderia participar mais dos encontros da OPM/RP por ter assumido aulas nas
quintas-feiras.
A primeira versão da situação desencadeadora de aprendizagem elaborada pela
professora Lara, intitulada “Cenoura? De jeito nenhum”, teve como objetivo principal
conscientizar os alunos sobre a alimentação saudável. Lara trabalha com 35 alunos da 3ª série
no período da manhã e 34 da 1ª série à tarde em uma escola da rede municipal de ensino de
Ribeirão Preto. Nessa situação-problema, a Matemática seria envolvida no conteúdo sobre
nutrição (Ciências), a intenção, segundo a professora, era trabalhar os conteúdos dessa
disciplina concretamente. Para ficar mais clara nossas observações sobre o movimento de
aprendizagem docente, optamos por trazer a primeira versão da atividade na íntegra,
conforme segue.
É comum algumas crianças refutarem frutas, verduras e legumes nas refeições
oferecidas pela escola. Além disso, alguns alunos com melhor poder aquisitivo trazem
guloseimas como pacote de bolacha recheadas, chips e outros. Observa-se também que
algumas crianças encontram-se com excesso de peso, visível para a sua faixa etária, o que
nos faz refletir e sugerir como assunto a nutrição.
Assunto: Nutrição
História Virtual: Cenoura?De jeito nenhum (E.M. e P Kes/Peters Day - Tradução
Mônica Stahel – Editora Scipione).
“Gustavo não gostava de cenoura, mas de jeito nenhum.
Toda hora sua mãe explicava que cenoura faz bem à saúde, contém muitas vitaminas,
deixa a gente com as bochechas rosadas e patati, patatá ...
Nada feito. Gustavo não gostava mesmo.”
Questionar os alunos para elencarem por escrito os alimentos que não gostam de
comer no primeiro momento. No segundo momento, os alimentos que gostam e comem muito.
Feito isso, questioná-los sobre:
Por que nos alimentamos?
Para que serve cada um dos alimentos? O que encontramos neles?
166
Como devemos nos alimentar para termos uma boa saúde?
Para ilustrar e direcionar nosso trabalho utilizaremos outra história virtual em CD na
qual uma criança desenvolve uma pesquisa sobre os alimentos dos amiguinhos: carboidratos,
proteínas, vitaminas, fibras e sais minerais e, finalmente, a gordura. Neste CD, explicam
onde são encontrados e qual grupo é mais forte. Portanto, os alunos conseguem perceber que
os alimentos se dividem em 4 grupos e cada grupo tem uma função para manter a nossa
saúde.
Metodologia: A cada grupo enfocado no CD, teremos um texto informativo para
leitura e escrita pessoal sobre os alimentos preferidos pela criança.
Atividade de Matemática englobando Arte
Após a leitura e registro de um grupo, com o número de alunos presentes naquele dia,
as crianças deverão se separar para confeccionarem os alimentos do grupo estudado.
Assim sendo, deverão realizar no concreto a divisão. Eles perceberão as exatas e
inexatas e criarão regras para colocar no grupo os alunos que restavam caso a divisão seja
inexata.
Intervenção: Vamos confeccionar os alimentos do grupo enfocado para realizarmos
nosso teatro.
- Como nos separaremos se preciso 8 turmas hoje? Vão sobrar alunos? Como os
incluiremos nos grupos?
Variações nos demais dias: 6 turmas, 7 turmas.
Último dia: Vão sobrar ___ alunos. Quantos grupos serão formados?
Após realizarem no concreto, pediremos para registrarem de forma escrita.
Os registros serão expostos, os alunos discutem e selecionam a melhor representação
tendo como critério a representação mais sintética, que nos permite fácil compreensão e
memorização.
Conteúdos Envolvidos – interdisciplinaridade
Língua Portuguesa – uso da leitura e escrita bem como o diálogo;
Ciência/Saúde – alimentação saudável;
Os componentes dos alimentos;
Aparelho digestivo;
Higiene.
Arte- confecção criativa de adereços, cantar com ritmo; apresentação de peça teatral;
Ética – Regras do bom convívio
167
Matemática – conceito de divisão
Divisão exata
Divisão inexata – número de grupos formados;
Cálculo para resolução de problema
Registro gráfico;
Sólido geométrico – pirâmide
Através das necessidades colocadas pela construção da atividade norteadora, os
alunos terão condições de utilizar ferramentas que possibilitem a compreensão do conceito
de divisão Terão oportunidades de resolver situações em que a divisão é exata e outras
inexatas, percebendo assim a diferença dos restos e a sua importância.
Introduzir o sólido geométrico – pirâmide – pelo fato de que os alimentos foram
divididos em prioridades para comparações. Assim, faz-se necessário ampliar
conhecimentos.
Avaliação: Registrar, diariamente, as observações do desempenho dos alunos para
construírem seu aprendizado. Refletir para poder intervir de forma que os alunos possam
avançar na aprendizagem.
Propor novos desafios que possibilitem...
Após a professora apresentar a atividade, iniciamos a discussão com os demais
participantes da OPM. Esta análise foi realizada oralmente, com o objetivo de que o grupo
contribuísse com o processo de organização da atividade de ensino de modo a aperfeiçoar a
aprendizagem docente. Ao considerarmos a atividade de ensino como unidade de trabalho do
professor, entendemos que este profissional, ao elaborar situações desencadeadoras de
aprendizagem tem a oportunidade de aprender a dinâmica de organização do ensino e
possibilidade de tornar-se sujeito do trabalho docente, e não mero replicador de exercícios
prontos nos livros didáticos.
Lembramos que o conteúdo principal deste isolado é a organização do ensino. Assim,
a análise da aprendizagem docente terá como eixo norteador suas ações no processo de
organizar o ensino, a análise do professor em sua atividade principal: ensinar.
168
Cena 2 – Análise da atividade pelo grupo
Assim que a professora Lara concluiu sua apresentação, iniciou-se a apreciação pelo
grupo.
Ma- Do jeito que está colocado o problema nesta situação percebemos que é um
problema da professora e não dos alunos!
Na análise do grupo, o que ficou evidente é que, na atividade, não estava explícito o
problema para o aluno, e sim para a professora, tendo em vista que comer ou não verdura,
legumes e frutas não consistia um problema para os alunos, ao contrário, comer esses
alimentos é que era um problema para eles.
Um outro elemento apresentado foi sobre o lugar que a Matemática ocupa na
atividade, segundo as participantes, tratava-se de uma relação secundarizada com a disciplina.
Chamou a atenção do grupo a questão da objetividade, porque, ao se propor trabalhar vários
conteúdos em nome da interdisciplinaridade, pode-se trabalhar de forma superficial com os
conteúdos. Segundo os comentários das participantes:
Ma- Falta colocar a Matemática em evidência. Mobilizar os conhecimentos por meio
de uma situação-problema. Nas questões que as crianças irão resolver, você já mostra que
elas necessitam fazer contas.
Ed- A atividade é interessante, porém será que estamos sendo objetivos?
Nestes depoimentos é colocado que a situação-problema da atividade proposta não
constitui um problema de aprendizagem para o conteúdo de matemática pretendido, isto é,
não se trabalha com a essência do conceito de divisão, bem como a professora apresenta
antecipadamente o caminho para a resolução.
Na análise realizada pelo grupo, estavam presentes alguns elementos essenciais da
atividade – necessidade e intencionalidade. Isso é um indicativo de que as professoras
incorporaram alguns dos pressupostos teórico-metodológicos para a organização do ensino na
perspectiva histórico-cultural adotado na OPM/RP.
169
A análise das pesquisadoras junto ao grupo revelou que a história virtual do conceito –
Cenoura?De jeito nenhum (E.M. e P Kes/Peters Day - Tradução Mônica Stahel – Editora
Scipione) –, estava sendo tomada como uma história qualquer de introdução ou
contextualização de determinado conteúdo, evidenciando uma forma equivocada de conceber
a maneira de trabalhar com o ensino de matemática ao se utilizar este recurso metodológico.
Discutimos esta questão por meio das atividades trabalhadas na oficina junto às
professoras, por exemplo, a história virtual do conceito do Pastor Linus. Esclarecemos que
este recurso metodológico para o ensino busca recuperar o modo de produção do conceito. A
utilização da história virtual do conceito instaura a necessidade do conceito, destacando seu
aspecto lógico-histórico.
As ações formativas da OPM/RP tinham como objetivo desencadear a necessidade de
apropriação dos conceitos matemáticos pelas professoras. As situações desencadeadoras de
aprendizagem desenvolvidas junto às docentes eram tomadas como referência para a análise e
a elaboração de suas atividades de ensino. No entanto, o processo de elaboração de suas
atividades tem sentido pessoal para cada uma das participantes da oficina. O sentido pessoal
está relacionado com a concepção, com o sistema de significação constituído durante sua
profissão docente diante de seu contexto sócio-histórico. Esta concepção pessoal pode
modificar-se no coletivo, ao colocar seu saber e suas dúvidas diante dos saberes do grupo, isto
é, na interação com o outro, há uma negociação de significados em uma relação dinâmica
entre o sentido pessoal e o significado social, porque no processo de apropriação dos
conceitos, é que se adquirem as significações, como produto das relações humanas. É neste
processo que são criados os sentidos conscientes, ou seja, o motivo que leva o indivíduo a
uma ação significativa.
A identificação da concepção equivocada do recurso metodológico da história virtual
do conceito desencadeou um processo de reflexão das pesquisadoras sobre a dinâmica de
trabalho da OPM/RP. As pesquisadoras também avaliaram seu trabalho junto as professoras e
decidiu-se trabalhar, mais detalhadamente, no próximo encontro, o significado e a
importância da história virtual do conceito no ensino de Matemática com o objetivo de
possibilitar às professoras o entendimento deste recurso metodológico na organização do
ensino de matemática.
Este processo de reflexão constitui-se em importante elemento para a aprendizagem
docente, possibilitado pelas ações formativas da OPM/RP. Nessa comunidade de
aprendizagem, os sujeitos envolvidos com a necessidade de apropriação dos conhecimentos
170
teóricos sobre o ensino de matemática têm oportunidade de elaborar e analisar sua atividade
de ensino num processo dialógico.
Vale ressaltar que a professora teve a preocupação de elaborar uma atividade
considerada como uma situação-problema, mesmo que isso não tenha tido sucesso na primeira
versão da atividade.
Outro ponto a ser destacado é que a professora Lara foi se inserindo nas atividades
realizadas pela OPM/RP de forma gradativa e receosa, mas, quando compreendeu a
perspectiva de trabalho, os objetivos propostos, o diálogo estabelecido com sua prática
pedagógica, mostrou-se motivada, em outros termos, em atividade, sua intensidade
participativa mobilizava seus pares, tanto que foi a primeira participante do grupo a apresentar
a atividade.
Observamos, também, que a professora Lara tinha uma preocupação de trabalhar a
matemática de forma concreta, conforme mencionou na situação-problema apresentada.
Verificamos que ela entendia que significado de concreto é quando se trabalha com materiais
manipuláveis; abstrato refere-se às etapas da “conta” em que a criança operaria com os signos
numéricos. Um exemplo de sua concepção tem-se na situação-problema da divisão dos alunos
segundo o número de grupos de alimentos (4). Para a professora, esta seria uma maneira de
trabalhar com o concreto na matemática. Tal concepção sobre o ensino de matemática revelou
a necessidade das pesquisadoras, no desenvolvimento dos trabalhos da oficina, trabalharem
com os conceitos de abstrato e concreto do conhecimento. Quando os professores produzem
sua atividade e essa se torna objeto de conhecimento do grupo, desencadeia um processo de
formação em que o conteúdo deste passa a ser as dificuldades apresentadas pelas professoras
na objetivação da sua atividade principal, o ensino.
A prática avaliativa apresentada pela professora em sua atividade de ensino não
provocou questionamentos no grupo. Verificamos que a professora compreende a avaliação
como promotora da aprendizagem, porém algumas questões podem ser suscitadas: quais são
os elementos norteadores para que a avaliação desempenhe esta função? Qual o significado do
registro do desempenho dos alunos?
Responder essas questões é essencial para a compreensão do significado da avaliação
no processo de ensino e de aprendizagem, caso contrário, é possível que esta concepção fique
restrita ao discurso, como consta em muitos projetos político-pedagógicos das escolas.
171
A análise desenvolvida pelo grupo constitui-se na avaliação da atividade de ensino
elaborada pela professora Lara, no sentido de contribuir para o aperfeiçoamento tanto da
própria atividade quanto da aprendizagem docente. Desse modo, a avaliação é fundamental na
atividade profissional, já que, no processo de análise e síntese, é imprescindível para a
constituição da atividade principal do professor, o ensino.
A avaliação se revela na própria complexidade do conceito a ser apropriado, no caso
do processo formativo da OPM/RP, no modo como as professoras se apropriam e organizam
o ensino de matemática na perspectiva histórico-cultural. Essa dinâmica avaliativa pode ser
percebida por meio das ações das professoras em atividade de ensino, dentre elas podemos
citar:
• Escolha do conteúdo baseada na dificuldade que encontra no trabalho em sala de
aula, no caso da professora Lara, o conceito de divisão aliado ao conteúdo de nutrição;
• Elaboração da situação-problema;
• Eleição dos instrumentos de apoio: livro de história; CD com música;
• Discussão da atividade no grupo da OPM/RP;
• Estudo dos referenciais teóricos para reelaboração da atividade;
No processo de análise e síntese das ações, a aprendizagem docente é aperfeiçoada,
modificando a qualidade da atividade elaborada pela professora.
6.2.2 Episódio 2 – Segunda versão da atividade de ensino
Cena 1 – Apresentação da atividade
A continuidade do processo de elaboração da situação desencadeadora de
aprendizagem foi alterada, ficou decidido que seria um trabalho extra à OPM, mantendo-se os
grupos: séries iniciais do Ensino fundamental e da Educação Infantil. O grupo das séries
iniciais seria acompanhado pela pesquisadora convidada e o grupo da Educação Infantil
receberia o acompanhamento da coordenadora da OPM/RP. Neste trabalho, de acordo com o
objetivo da pesquisa, são analisados os dados sobre a elaboração e a aplicação da situação
172
desencadeadora de aprendizagem desenvolvida pelas professoras das séries iniciais do Ensino
Fundamental.
Importante esclarecer que a elaboração das atividades foi tomada como um trabalho
extra aos da OPM/RP devido à necessidade exposta pelo grupo de continuar estudando e
desenvolvendo atividades para a apropriação dos conceitos matemáticos. Na dinâmica da
OPM/RP, em que buscamos trabalhar com a essência dos conceitos, as professoras foram
tomando consciência de que não haviam se apropriado dos conceitos fundamentais de
matemática para o ensino das séries iniciais. Assim, o grupo chegou à conclusão que, para dar
conta desses objetivos – apropriação dos conhecimentos matemáticos e elaboração de
atividades de ensino –, era preciso aumentar o número de encontros. Deste modo, a partir de
outubro, os encontros com as professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental foram
realizados semanalmente.
O grupo das séries iniciais do Ensino Fundamental ficou reduzido apenas em um,
formado pela professora Lara, Thaís e Érica, visto que três outros participantes não
compareceram mais nas atividades da OPM/RP. No mês de setembro, houve a desistência de
três professoras, duas justificaram que assumiram compromissos profissionais no dia
estabelecido para a OPM/RP, uma não justificou. Nesse mesmo período, outros profissionais,
dentre eles: professoras, coordenadoras e supervisoras iniciaram a participação na oficina.
Esta oficina tem esse caráter dinâmico, os interessados em participar podem se juntar ao
grupo a qualquer momento.
Para participar desta oficina há uma exigência: estar disposto a aprender. Caso
contrário perde o sentido a participação. Exige-se compromisso com o coletivo, desde a
apropriação dos conhecimentos até os combinados para o lanche. Trata-se de uma
comunidade de aprendizagem em que o compartilhamento constitui a maneira de formar-se
com o outro, um momento para dar sentido ao ser professor, isto é, constituir-se
profissionalmente.
A segunda versão da situação problema de aprendizagem elaborada pela professora
Lara foi discutida em conjunto com a professora Thaís e Érica. O combinado junto a esse
grupo foi que o processo de elaboração seria compartilhado com as demais professoras da
OPM/RP.
O interesse das professoras Érica e Thaís de se juntarem ao processo de elaboração da
atividade da professora Lara foi por coincidir com seus objetivos: trabalhar com o conceito de
173
divisão e a possibilidade de aplicar a referida situação desencadeadora de aprendizagem em
suas salas de aula, especialmente à professora Érica que lecionava na 4ª série. A professora
Thaís, que lecionava na 1ª série, mostrou interesse em readequar a situação desencadeadora da
aprendizagem para trabalhar com seus alunos. Esses foram os acordos iniciais em torno da
elaboração, reflexão e aplicação da atividade de ensino.
A seguir, apresentamos a segunda versão da situação desencadeadora de aprendizagem
elaborada pela professora Lara:
Meu nome é Serginho, tenho 9 anos e estou na 3ª série. Adoro sexta-feira porque tem
aula de Educação Física e eu jogo futebol. Quando eu crescer serei, um jogador de futebol.
Outro dia eu fiquei chateado com o Flávio, meu colega de classe. Jogávamos futebol
em time adversário e nossos times estavam empatados em 2 x 2. Pintou uma bola dividida e
entre nós foi uma confusão. O Flávio me xingou de gorducho e eu o xinguei de magricelo. Ele
é magricelo mesmo! No dia seguinte ficamos de bem e, no recreio, lanchamos juntos. Eu
sempre levo chips, bolachas recheadas ou doces que a mamãe encontra na promoção.
Termino rapidinho de comer e o Flávio demora um tempão mastigando o lanche que é
oferecido pela escola.
Na semana passada, passei mal com dor de barriga e precisei faltar na escola. Tive
que fazer a exame de sangue e, no retorno, o médico fez várias recomendações sobre a
alimentação saudável. Mamãe até ganhou um livrinho de como se alimentar bem para ter
boa saúde.
1) A mamãe falou que os alimentos que eu adoro, tais como doces, bolachas, chips,
chocolates, contêm muita gordura e devem ser consumidos em pouca quantidade, porque
fazem mal à saúde e nos deixa gordinhos, obesos.
Antes, a mamãe gastava 80 reais com esses alimentos, agora ela disse que vai gastar
apenas a metade. Como posso ajudar a mamãe a calcular? Ela sempre diz que estudou
apenas até a 4ª série porque não teve oportunidade e que muita coisa ela já esqueceu. Como
fazer a conta para lembrá-la?
2) Amiguinhos da 3ª série A, muito obrigado pela ajuda. Eu compreendi o que vocês
fizeram e consegui ajudar a mamãe. Agora ela disse que as frutas, verduras e legumes
contêm vitaminas, sais minerais e fibras que são importantes para o bom funcionamento do
intestino e nos protegem de doenças, além disso, deixa a pele, os cabelos e as unhas bonitas.
Para fazer compras no varejão reservou 64 reais que serão gastos por mês. A mamãe
quer saber quanto poderá gastar em cada semana. Estou tentando resolver, mas ainda não
consegui. Será que vocês poderiam me ajudar?
3) A mamãe ficou contente, já está anotando tudo para não esquecer. Obrigado pela
ajuda.
174
Aprendi mais uma coisa que as carnes vermelhas, frango, peixes, ovos, queijos,
iogurte, leite, feijão contem proteínas que servem para...
A mamãe reservou 120 reais para estas compras. Já para os alimentos ricos em
carboidratos, aqueles que nos fornecem energia para brincar correr, estudar, andar, dançar
e nos ajuda a crescer, mamãe reservou 48 reais.
Eu quis saber que alimentos eram estes e ela falou que o macarrão, batata, biscoito,
açúcar, cereais, milho, mel, ervilha, pães são alimentos ricos em carboidratos.
Agora, é necessário calcular os gastos porque ela pode fazer compras apenas uma vez
por semana, no sábado.
Vou fazer as minhas contas e gostaria que fizessem também. Vamos ver se dá o mesmo
resultado?
Até breve, Serginho.
Quando a professora Lara finalizou sua apresentação da situação desencadeadora de
aprendizagem para o grupo (pesquisadora, Thaís e Érica), fez o seguinte comentário:
La - Eu não consigo pensar diferente nesse momento.
Este depoimento revela que a professora está em atividade, suas ações estão
direcionadas ao objetivo de aprimorar os conhecimentos matemáticos e repensar o processo
de organização do ensino desta disciplina. Quando pontua “nesse momento”, é possível inferir
que a professora considera-se em processo de apropriação de conhecimentos e lança
esperança que, na continuidade dos estudos, sua relação com a prática do ensino de
matemática seja aperfeiçoada. Sempre argumentava que não havia aprendido matemática de
forma diferente, a OPM/RP constitui uma primeira imersão em uma nova maneira de ensinar
esta disciplina.
É possível verificar que a segunda versão da situação desencadeadora de
aprendizagem elaborada, a princípio, pela professora Lara teve um salto de qualidade
importante, ela conseguiu captar a maioria das observações feita pelo grupo e materializá-las
na situação-problema. Dentre os saltos qualitativos, podemos destacar alguns: após sua
apresentação e questionamentos da pesquisadora sobre qual o recurso metodológico utilizado,
ela conclui que era uma situação emergente do cotidiano, e não como havia classificado
anteriormente, como uma história virtual do conceito. Desfez, assim, sua concepção
equivocada em relação à concepção de história virtual do conceito.
Outro ponto importante é que a professora Lara conseguiu transferir um problema que
era seu para uma situação-problema para o aluno. Na primeira versão, a preocupação para que
175
as crianças comessem frutas e legumes, era da professora; na segunda versão, tentou inverter,
com a ajuda do personagem principal “Serginho”, para um problema de vida diária sobre a
obesidade infantil e utilizou algumas questões para serem desenvolvidas com auxílio do
conhecimento matemático.
Isso revelou que a professora está em atividade e que suas ações estão direcionadas
para a organização do ensino de matemática que promova o desenvolvimento humano. Nesta
perspectiva, percebemos que a atividade modificou a professora e a ela modificou a atividade.
Na próxima cena, apresentaremos a discussão feita no grupo das professoras das séries
iniciais e a pesquisadora.
Cena 2 - Problematização
As professoras Thaís e Érica manifestaram que a atividade estava bem elaborada e que
os alunos gostam de ajudar o amigo a resolver seus problemas, destacando a importância da
colaboração. Conforme depoimento:
Er - Os alunos teriam motivos para resolver as questões propostas na atividade,
porque eles gostam de ajudar o outro.
A pesquisadora observou que houve uma mudança qualitativa em relação à primeira
atividade de ensino. Na primeira, o conteúdo de matemática aparecia como um apêndice da
situação-problema acerca do tema nutrição. Na segunda versão a matemática estava melhor
articulada com o conteúdo de ciências. Nesse sentido, inferimos que a professora
compreendeu as observações feitas pelo grupo. Porém, no processo de análise, a pesquisadora
apresentou que as questões expostas na situação desencadeadora de aprendizagem estavam
centradas no algoritmo da divisão e seria necessário recuperar o modo de construção do
conceito. Por exemplo, na primeira questão, temos:
1) A mamãe falou que os alimentos que eu adoro, tais como doces, bolachas, chips,
chocolates, contêm muita gordura e devem ser consumidos em pouca quantidade, porque
fazem mal à saúde e nos deixa gordinhos, obesos.
176
Antes a mamãe gastava 80 reais com esses alimentos, agora, ela disse que vai gastar
apenas a metade. Como posso ajudar a mamãe a calcular? (grifos nossos)
Este problema, apesar de envolvido com o conteúdo de ciências, pode ser classificado
como um problema-tipo, em que são dadas algumas informações para que as crianças possam
resolvê-lo, utilizando-se os algoritmos, não implica em criar a necessidade do conceito, em
especial do conceito de divisão. A partir desta análise e com o objetivo de que as professoras
superassem esta situação, a pesquisadora lançou a seguinte questão:
Pe - Como esta atividade recupera o modo de produção do conceito de divisão?
Cabe destacar que a divisão era o conteúdo matemático que tanto a professora Lara
quanto a professora Érica gostariam de trabalhar com seus alunos, suas justificativas eram
sobre a dificuldade de ensinar esse conteúdo. Percebemos que a dificuldade manifestada pelas
docentes, num primeiro momento, concentrava-se na resolução do algoritmo da divisão,
porém, no decorrer dos encontros da OPM/RP, o foco mudou para o conceito da divisão. As
professoras foram incorporando a importância da organização do ensino por meio de
situações-problemas, com o objetivo de que os alunos se apropriassem dos conceitos e não
apenas dos procedimentos. Novamente, apresenta-se a marca fundamental do processo
formativo da OPM/RP, em que as professoras, ao se apropriarem dos conceitos matemáticos,
refletem e reorganizam seu modo de ensinar, aprender e avaliar os conhecimentos
matemáticos.
A questão lançada pela pesquisadora sobre a atividade elaborada pela professora Lara
(Como esta atividade pode recuperar o modo de produção do conceito?) foi basilar para a
reorganização da atividade, uma vez que, ao se apropriarem do modo de produção do
conceito, as professoras estarão trabalhando com o aspecto lógico-histórico do conceito em
movimento.
Para responder a questão, foi realizado um estudo sobre o texto “Desenvolvimento das
Operações Aritméticas”89, para que as professoras identificassem as idéias principais de cada
89
MOURA, M. O. Desenvolvimento das operações aritméticas. In: MOURA. M. O. (Coord). Organizando a
contagem em sistemas. Programa de Formação Continuada. Fundação de Apoio à Faculdade de Educação/USP:
São Paulo, 2003.
177
uma das operações fundamentais. Após a discussão, ficou decidido que o estudo mais
detalhado do texto seria o ponto de partida para pensarem a questão proposta para a
reelaboração em conjunto da atividade da Lara.
Durante os estudos junto às professoras para dar continuidade à elaboração da
atividade de ensino, ficou clara a dificuldade das professoras em articular o conteúdo de
ciência (qualidade alimentar) e o de matemática (divisão), sem contar que, após alguns
questionamentos realizados pela pesquisadora, revelaram, também, o não domínio desses dois
conteúdos pelas docentes.
Para superar essa situação, a professora Érica sugeriu que:
Er- Além de estudarmos os conteúdos de matemática, precisamos aprofundar também
sobre os conteúdos de ciências que tratam da qualidade alimentar.
Por consenso cada professora pesquisaria sobre o assunto e traria para o grupo com o
objetivo de aprimorar a situação desencadeadora de aprendizagem. Podemos perceber que o
processo de elaboração da atividade de ensino, desencadeou a necessidade de estudo dos
conteúdos a serem trabalhados. Esse aspecto é de fundamental importância para a
aprendizagem docente, uma forma de conscientização de ser professor para além das práticas
formativas vigentes. Estas descaracterizam a profissão ao postular o aprender na prática
cotidiana em detrimento aos conhecimentos teóricos. Em nossa concepção, os conhecimentos
teóricos são a matéria prima da atividade do professor.
Outra ponto importante foi em relação à forma de apresentação da situação
desencadeadora de aprendizagem. Conforme relatos a seguir:
La – Vamos enviar como se fosse uma carta para os alunos, ou somos nós que iremos
receber?
Th- Carta!
La – Pode ser uma carta.
Er – Na sua escola, as crianças vão para o laboratório de informática?
La – Vão.
Er – Então, eu acho que seria mais interessante ser recebida por e-mail.
178
Nesta discussão, de como seria a apresentação da situação-problema aos alunos,
verificamos que houve a incorporação dos elementos tecnológicos como instrumento auxiliar
no processo de ensino e aprendizagem. Ao refletirem sobre a atividade de ensino, as
possibilidades de como trabalhar com os conteúdos são ampliadas, esta ampliação foi
alcançada como parte de um processo coletivo de formação e de tomada de consciência sobre
a atividade de ensinar.
Essas foram as últimas conclusões sobre essa situação desencadeadora de
aprendizagem, tendo em vista que, após iniciarem a aplicação de situações-problema em sala
de aula, conforme veremos na análise do próximo isolado, o tempo que as professoras tinham
disponível era dedicado para a reflexão do processo de desenvolvimento da atividade com
seus alunos.
6.2.3 Análise da aprendizagem: a relação entre a apropriação do conceito e a
organização da situação desencadeadora de aprendizagem
Diante do processo de elaboração da situação desencadeadora de aprendizagem, as
professoras se depararam com a dificuldade de não dominar os conceitos, tanto da área de
Ciências como da de Matemática. Sabemos que, para elaborar uma situação-problema que
coloque para os alunos a necessidade do conceito, é preciso que os professores dominem este
conceito. Para responder à questão proposta sobre a reorganização da atividade de ensino
sobre o conceito de divisão e seu modo de produção, é necessário dominar seu conceito, por
isso a importância de estudar, do contínuo processo de formar-se. As professoras participantes
da OPM/RP vêm em busca da aprendizagem docente para não ter que lidar com a nãoapropriação de conhecimento durante toda a sua carreira docente. Buscam quebrar o ciclo,
“aprendi assim e só sei ensinar assim”, para que seus alunos também não sofram do mesmo
mal. Ou seja, na formação inicial, as professoras não se apropriaram dos conceitos
fundamentais para o ensino de matemática.
A questão do domínio dos conceitos para a elaboração da atividade de ensino merece
atenção, porque no processo em que entraram as professoras, a etapa de formação da
OPM/RP, no movimento de aprender e ensinar, necessitam, primeiramente, apropriar-se dos
conceitos matemáticos. Então, o processo de elaboração da atividade precisou ser prolongado.
Consideramos que esta situação se constitui um inesperado enfrentado pela pesquisadora,
que, na organização inicial do projeto formativo da OPM/RP, não contava com tal fato e com
179
essa dimensão. Isto é, acreditava-se que, no mês de setembro, diante do processo formativo na
oficina, a atividade de ensino organizada pelas professoras já estaria em condições de ser
trabalhada junto aos alunos.
Porém, diante desse inesperado e as professoras movidas pelo interesse de trabalhar
com seus alunos conforme estavam aprendendo matemática na oficina, decidiram desenvolver
as atividades que haviam realizado na oficina juntos aos seus alunos. Em relação à situação
desencadeadora em processo de elaboração, ficou combinado que continuariam esse trabalho
em conjunto com as atividades desenvolvidas em sala de aula e também na OPM/RP.
Observamos, no entanto, um salto qualitativo no processo de organização do ensino de
matemática, já que as professoras, em um primeiro momento, conseguiram analisar a
atividade elaborada pela professora Lara a partir dos referenciais teórico-metodológicos da
AOE. Consideramos que a reflexão desenvolveu-se em um nível que não se pautou somente
nos referencias da prática do professor, foi realizada com base nos pressupostos teóricos que
subsidiam a OPM/RP.
Verificamos, também, que a atividade elaborada pela professora Lara teve uma
mudança de qualidade, passou de um mero exercício contextualizado a uma atividade de
ensino que contemplou os recursos metodológicos da AOE: situação-problema, a interação e a
mediação dos pares e dos instrumentos, porém faltou a essência do conceito do conteúdo de
divisão.
A organização do ensino contemplando estes aspectos não ocorreu de forma
espontânea, as professoras vivenciaram e refletiram na OPM/RP atividades nesta perspectiva
teórica, o que as mobilizou a produzir o ensino, que se aproximasse destas características. No
trabalho da OPM/RP, verificaram a importância do conceito e no caso, a necessidade que as
professoras Érica e Lara manifestaram: para trabalhar com o conceito de divisão era preciso a
sua apropriação pelas professoras. Então, o processo de elaboração da situação
desencadeadora de aprendizagem promoveu a reflexão sobre a prática de ensino de
matemática e mobilizou-as a desenvolver ao estudo dos conceitos de matemática e de
ciências.
Diante da necessidade das professoras em trabalhar com os conteúdos matemáticos de
acordo com os pressupostos metodológicos da OPM/RP, na seqüência dos trabalhos, as
professoras Lara, Thaís e Érica se envolveram com a aplicação de situações desencadeadoras
de aprendizagens com seus alunos. Ao trabalharem com as situações-problema já realizadas
180
pelas professoras na oficina com seus alunos, desencadearam o processo de reflexão sobre o
próprio trabalho realizado em sala de aula. As professoras estavam em atividade, o que faziam
na OPM/RP e o que realizavam em sala de aula era permeado pelo processo reflexivo e de
estudo. Isso demandava mais disponibilidade de tempo, e esse era escasso, tendo em vista que
as professoras trabalhavam oito horas diárias em sala de aula. Esta situação impediu a
continuidade do processo de elaboração e aplicação da situação desencadeadora de
aprendizagem iniciada pela professora Lara.
Verificamos que o processo de elaboração da atividade de ensino é revelador da
aprendizagem docente, destacando os seguintes avanços: a estrutura da atividade elaborada
contemplou a problematização, a necessidade da interação dos pares para a apropriação dos
conhecimentos e a importância da essência do conceito. Este último, apesar de não ter sido
contemplado diretamente na atividade, foi propulsor das discussões e estudo realizados no
grupo.
Há que considerar que as professoras, no processo de elaboração de uma situação
desencadeadora de aprendizagem, identificaram sua complexidade. Inclusive a pesquisadora
ressaltou essa questão levantada pelas professoras ao fazer uma analogia utilizando-se da
história virtual do conceito “Pastor Linus”.
Pe – A elaboração da atividade do Pastor Linus exigiu que dominasse o conceito de
valor posicional, soubesse da história desse conceito e a utilização do ábaco para realmente
tornar-se uma situação-problema.
Outro ponto que precisamos ressaltar é que a proposta da situação desencadeadora de
aprendizagem do grupo envolvia dois conteúdos, de Ciências, (nutrição) e de Matemática
(divisão). Isso torna o processo de elaboração mais complexo. No entanto, como foi idéia de
uma das participantes e com a aprovação das demais professoras do grupo, decidimos por
manter a proposta de trabalho. Até porque a raiz da questão proposta na situação
desencadeadora de aprendizagem constitui-se no controle de quantidade e qualidade dos
alimentos, um problema genuinamente matemático.
Estes elementos proporcionaram uma forma de acompanhar a aprendizagem docente
em seu aspecto mais singular, a organização do ensino. Em nossa análise, ficou evidenciada a
não-apropriação dos conhecimentos e a organização do ensino de matemática na perspectiva
histórico-cultural na íntegra, porém revelou que o processo formativo impactou as professoras
181
no seu desenvolvimento profissional. A aprendizagem docente se revela em um contínuo
processo de formar a própria atividade principal do professor, o ensino.
Apesar de as professoras, no processo de elaboração da situação desencadeadora de
aprendizagem, não conseguiram a sistematização ideal que contemplasse a essência do
conceito, um dos elementos principais da AOE, não podemos afirmar que não houve um
avanço no processo de aprendizagem docente. Se assim afirmássemos, estaríamos avaliando
de forma a considerar que, se não aprenderam o conteúdo na totalidade que foi trabalhado na
oficina, não aprenderam nada. Essa forma de avaliar a aprendizagem é muito comum nas
escolas, justificando a retenção ou reprovação do aluno, o qual é submetido a refazer a série
novamente e a repetir os mesmos conteúdos, a mesma metodologia.
No nosso modo de avaliar, buscamos o acompanhamento do processo de
aprendizagem docente de modo a intervir durante as ações de aprendizagem nas questões que
as professoras apresentavam dificuldades. Isto se dá pelo o movimento de aprendizagem na
relação entre os conhecimentos que as docentes possuem e os conhecimentos teóricos
necessários para o exercício de sua profissão.
Nas ações formativas da OPM/RP, foi possível perceber, por meio das ações de
aprendizagem, que as professoras conscientizaram do caminho para a organização do ensino
de matemática na perspectiva histórico-cultural, visto que o ponto de chegada desse processo
consiste no contínuo processo de análise e síntese da sua atividade de ensino. Para que isso
ocorra, é imprescindível que se disponibilizem condições de trabalho e de formação aos
professores e que se privilegiem o trabalho coletivo e a apropriação dos conhecimentos
teóricos.
A análise da aprendizagem docente no processo de organização do ensino, por meio
das situações desencadeadoras de aprendizagem, revelou que as sínteses a que chegaram as
professoras foram importantes para marcar a mudança qualitativa da sua aprendizagem.
Mesmo não chegando à materialização ideal da proposta conforme os pressupostos da AOE,
houve uma qualificação das ações na organização do ensino. Esta qualificação foi marcada
pelo processo reflexivo desencadeado no grupo, que possibilitou às professoras tornarem-se
sujeitos da sua atividade de ensino. É no constante esforço de apropriação dos conhecimentos
teóricos que se processam novas formas de pensar o modo ensinar. Conforme Bogoyavlensky
e Menchisnkaya (1991, p. 83):
182
A utilização do conhecimento adquirido conduz a uma reflexão mais
completa e precisa sobre os aspectos essenciais do fenômeno estudado.
Juntamente com um capital cada vez maior de conhecimento adquirido
desenvolve-se um crescente potencial de pensamento, de assimilação de
cognições novas dentro daqueles sistemas de conhecimentos adquiridos
anteriormente que constituem a “experiência precedente”.
Esta forma de acompanhar a aprendizagem docente revela que a avaliação do processo
ensino aprendizagem tem como referência a objetivação dos conhecimentos teóricos pelos
aprendizes, diferentemente das práticas avaliativas pontuais que ficam restritas ao produto
final e não conseguem evidenciar qual aprendizagem está sendo apropriada pelos sujeitos.
Os episódios de formação referentes ao trabalho das professoras em sala de aula com
os alunos serão analisados a seguir, buscando compreender como o trabalho como o aluno
ressignifica o conhecimento docente e, na página seguinte, há um quadro síntese-análitico da
aprendizagem docente.
183
AÇÕES DE ENSINO
• Estudo do referencial
teórico-metodológico;
OPERAÇÕES DE
ENSINO
• Distribuição dos grupos na
OPM/RP;
• Seleção dos conteúdos:
- pressupostos teóricometodológicos para a
organização do ensino na
teoria histórico-cultural;
• Escolha dos textos de
apoio para o trabalho com
os conceitos fundamentais
da organização do ensino
nesta perspectiva teórica:
•
Organização
da
situação desencadeadora
de aprendizagem (SDA):
quais são os elementos
essenciais
para
a
preparação
de
uma
atividade de ensino?
Mediação,
trabalho
coletivo,
aprendizagem,
desenvolvimento,
intencionalidade
pedagógica;
• Avaliação das ações de
ensino e aprendizagem.
- Atividade, atividade de
ensino,
atividade
de
aprendizagem,
atividade
orientadora
do
ensino
(AOE),
problema
de
aprendizagem,
recursos
metodológicos
para
o
ensino;
AÇÕES DE
APRENDIZAGEM
• Elaboração de uma atividade
de ensino de acordo com os
pressupostos
da
teoria
histórico-cultural:
OPERAÇÕES DE
APRENDIZAGEM
- Definição do conteúdo e dos
objetivos;
• Exposição da atividade
elaborada para o grupo;
- Elaboração da situação
desencadeadora
de
aprendizagem (SDA);
• Análise da SDA pelo grupo;
- Estudo
teórico;
do
referencial
• Reflexão junto ao grupo sobre
os elementos essenciais de uma
SDA;
• Reelaboração da SDA;
- Eleição dos instrumentos de
apoio;
- Reelaboração da SDA;
• Avaliação das ações de
aprendizagem.
•
Trabalho
com
a
organização do ensino por
meio da AOE tendo como
referência
as
situações
desencadeadoras
de
aprendizagem: Carta Caitité,
Pastor Linus;
• Organização da exposição
das atividades elaboradas
pelas professoras.
Quadro 7 – Síntese sobre a análise da aprendizagem docente
AVALIACÃO DA APRENDIZAGEM
DOCENTE
Reflexão: conscientização das suas ações
de aprendizagem para a elaboração de uma
SDA;
Análise: Apropriação de um modo geral, da
organização do ensino na teoria histórico
cultural. As diferentes ações de ensinar
estavam direcionadas para que o aluno se
apropriasse do conceito. No entanto, o não
domínio pelas professoras do conceito
matemático que objetivavam ensinar –
divisão – dificultou a materialização da
SDA segundo os pressupostos da AOE.
A situação elaborada teve um salto de
qualidade, passou de um mero exercício
contextualizado a uma atividade de ensino
que contemplou alguns aspectos da AOE.
A reflexão desenvolveu-se em um outro
nível, isto é, não se pautou somente nos
referenciais da experiência prática do
professor, mas foi realizada a partir dos
pressupostos teóricos que subsidiam a
OPM/RP.
Planificação teórica das ações: As
professoras, por meio das ações de
aprendizagem,
conscientizaram-se
do
caminho teórico-metodológico para a
organização do ensino de matemática na
perspectiva histórico-cultural. O ponto de
chegada desse processo constitui-se em um
contínuo trabalho de análise e síntese da sua
atividade de ensino.
184
6.3 Prática Pedagógica
Os episódios que fazem parte deste isolado é resultado do trabalho de três professoras
participantes da OPM/RP que desenvolveram algumas atividades de ensino de matemática
junto a seus alunos. A necessidade das professoras trabalharem com os alunos atividades
desenvolvidas na oficina surgiu durante o processo formativo, tendo em vista que as docentes,
ao terem oportunidade de aprender matemática de um outro modo, apropriando-se dos
conceitos numéricos fundamentais, repensaram a forma de ensinar este conteúdo. Tal
movimento constitui-se objetivo da OPM/RP, por acreditarmos que, para o professor ensinar
os conhecimentos teóricos, faz-se necessário que ele se aproprie teoricamente dos mesmos.
As professoras de 1ª série, Lara e Thaís, escolheram a História Virtual do Conceito da
Shantal (Anexo B). Um dos motivos para essa escolha foi a compreensão do trabalho com o
ábaco, proporcionada ao desenvolver esta atividade na OPM/RP. As professoras tiveram a
oportunidade de conhecer as possibilidades de exploração do sistema de numeração decimal
(SND) por meio deste instrumento. Relataram que nunca haviam trabalhado com o ábaco em
sala de aula porque não sabiam utilizá-lo.
Elas declararam que, até o mês de setembro, haviam trabalhado com o SND até o
numeral 50 e iniciaram as operações de adição e subtração sem dezenas, utilizando-se de
problemas simples90. Durante os encontros da OPM/RP, no processo de apropriação dos
conceitos numéricos que compõem o SND, revelaram que estavam descontentes com o
trabalho realizado até então. Relataram, também, que o trabalho com o ábaco, por meio da
História da Shantal, seria uma forma diferenciada de trabalhar com o ensino de matemática,
possibilitando que os alunos se apropriassem dos conceitos do SND. Essas foram as
justificativas apresentadas para a escolha da atividade.
A atividade escolhida pela professora Érica para ser aplicada nas suas duas turmas de
4ª série foi a do Laranjal, cujo objetivo principal é trabalhar o conceito das operações de
multiplicação e divisão. Assim, quando se trabalhou, na OPM/RP, com as professoras a
atividade do Laranjal, elas se aproximaram da idéia central da multiplicação e da divisão, e
puderam refletir sobre a forma como trabalhavam tais conceitos. Verificaram que o seu
trabalho restringia-se aos procedimentos e não aos conceitos matemáticos destas operações.
90
Problemas simples são aqueles que envolvem o princípio aditivo, considerando a idéia de adição como juntar e
de subtração de tirar.
185
A seguir, expomos os episódios de formação em que as professoras desenvolveram
situações desencadeadoras de aprendizagem com seus alunos, tentando compreender como o
ato de ensinar com base nos pressupostos da AOE pode ressignificar a aprendizagem docente,
isto é contribuir para a formação do professor e do aluno.
6.3.1 Episódio 1 – História da Shantal
A história da Shantal (Anexo B) foi elaborada pelos participantes da OPM/SP segundo
os pressupostos da AOE. O objetivo principal é o de possibilitar que a criança compreenda o
valor posicional por meio da utilização do ábaco. Na situação desencadeadora de
aprendizagem, duas crianças, filhas de pastores, necessitavam compreender como os pais
controlavam a quantidade de ovelhas no rebanho.
Utilizavam-se do ábaco para fazer esse controle. O ábaco é um instrumento síntese das
ações humanas em que o conceito de valor posicional está abstraído. A situação-problema que
compõe esta atividade cria a necessidade do sujeito lançar mão dos conhecimentos anteriores
para a resolução da situação. Este conceito – valor posicional – não é apropriado diretamente,
necessita da mediação do outro para que a criança possa compreendê-lo.
A compreensão do conceito de valor posicional é de fundamental importância para o
entendimento do sistema de numeração decimal. Sendo assim, esta forma de trabalhar o
conceito, em que se busca colocar o pensamento da criança em movimento para que possa
compreender a sua essência, questiona os exercícios que se reduzem à contagem seqüencial,
bem como o trabalho comparativo com os números e a constante algoritmização do ensino de
matemática.
Este episódio de formação é composto pela aplicação da situação desencadeadora de
aprendizagem “Shantal” nas salas de 1ª série das professoras Lara e Thaís. Esta atividade foi
desenvolvida durante três sessões em cada uma das séries durante os meses de outubro e
novembro.
186
Cena 1 – A situação desencadeadora de aprendizagem: o trabalho das professoras Lara
e Thaís
No dia 16 de outubro de 2006 a professora Lara iniciou o trabalho com a situação
desencadeadora de aprendizagem intitulada Shantal em sua sala de 1ª série, a qual foi
trabalhada em mais três sessões, cada uma com 1 h e 40 min de duração.
Na sala de aula, as carteiras estavam organizadas em grupos de três e as crianças
foram entrando e ocupando seus lugares, não houve nenhum problema em relação à
organização dos grupos, dez, num total de 29 crianças.
A pesquisadora apresentou-se bem rapidamente para não tomar o tempo da atividade,
evidenciando que a professora Lara e a pesquisadora estudavam juntas sobre o ensino de
matemática e que seria importante vivenciar o trabalho com esta disciplina em sala de aula.
Em seguida, a professora, mesmo um pouco insegura, iniciou a história da Shantal
utilizando bonequinhas e lendo algumas partes. As crianças ficaram em silêncio para ouvir a
história. Quando Lara fez a primeira questão: Qual família possuía mais ovelhas? (mostrando
no ábaco, conforme a história),
Shantal
Mira
a maioria dos alunos concordou que era a família de Mira que possuía mais ovelhas. A
justificativa apresentada foi que ela tinha mais sementes (argolinhas) que Shantal, reforçando
que Mira tinha cinco e Shantal apenas quatro.
Na continuidade da história, quando se propôs aos alunos que representassem 32 no
ábaco (nesse momento, foi distribuído um ábaco para cada grupo), foi possível perceber que
algumas crianças tinham dificuldade de contar até 32, perdiam-se no meio da contagem.
Outros grupos contaram rapidamente e colocaram as 32 argolas no ábaco. O numeral 32 foi
representado de diferentes formas: um grupo colocou 16 argolas numa haste e 16 na outra,
outro colocou 8 argolas em cada uma das quatro hastes e a maioria preencheu uma haste com
187
as argolas, depois, a segunda e a terceira, dependendo do ábaco. Marcaram apenas a
freqüência da peças, sem considerar a posição.
Na sala de aula da professora Thaís, a história foi desenvolvida de forma similar ao da
professora Lara, no entanto, cada sujeito se relaciona de forma diferenciada com a atividade
em sua prática em sala de aula, por exemplo: para contar a história da Shantal, preparou dois
fantoches para representar as meninas e, antes de iniciar a história, contextualizou-a
historicamente.
Th- Há muito tempo atrás, quando não tinha energia elétrica, máquinas ..., aconteceu
essa história.
A história era contada com o apoio do texto (lendo), mas personalizou as falas. As
crianças ficaram atentas e prestavam muita atenção. Quando chegou à primeira questão: Qual
família tinha mais ovelhas? (mostrando no ábaco conforme a história), pediu às crianças que
pensassem, conversassem com o amigo para depois dar a resposta.
As crianças conversaram rapidamente entre elas, mas logo apontaram o resultado:
Mira tinha mais ovelhas porque tinha mais argolinhas no ábaco que Shantal.
Thaís, dirigindo-se para uma dupla questionou: E... sua dupla decidiu quem tem mais
ovelhas.
E - Mira.
Th- Por quê?
E- Porque a Shantal tem 4 e a Mira tem 5.
Th- Vem me mostrar (A criança foi até a frente e mostrando no ábaco por meio da
contagem, 1, 2, 3, ...).
Th- Quem pensou diferente?
Algumas crianças levantaram a mão. Thaís chamou uma delas.
G- Aqui tem dois e dois (ábaco com a representação de Shantal) e aqui tem quatro e
um (ábaco com a representação das ovelhas da Mira).
Th- O que a dupla do H... pensou?
H- Se mudar de lugar vai mudar a quantidade, mudando as argolinhas no ábaco.
188
Cena 2: A mediação da pesquisadora
A relação estabelecida entre pesquisadora e professoras permitiu que esta pudesse
participar de todo o processo de aplicação das atividades de forma a ajudar o trabalho das
professoras. Devemos considerar que esta relação de respeito, de confiança e de troca foi
construída durante o processo formativo na OPM/RP. Nessa comunidade de aprendizagem,
essa relação constitui um fator fundamental para o crescimento dos envolvidos, reforçando o
papel de mediação entre os envolvidos no processo formativo.
Diante da relação estabelecida, a pesquisadora, observando o andamento da aula, em
alguns momentos, fez-se necessário a sua intervenção, no sentido de contribuir com a
formação dos professores e alunos. Por exemplo, junto à professora Lara, quando as crianças
tinham que fazer a marcação do numeral 32 no ábaco e não estavam considerando o valor
posicional, precisou recuperar como o pai de Shantal havia representado as quantidades de
ovelhas no ábaco.
Pe- Quantas ovelhas a família da Shantal tinha?
Cs91- 22.
Pe- Vamos colocar as 22 argolinhas perto do ábaco.(Colocava uma a uma e as
crianças foram contando até chegar no 22).
Pe- E a da Mira?
Cs- 14
Pe- Vamos colocar as argolinhas representando as ovelhas da família de Mira.
Pe- Agora, observem (mostrando no ábaco). Eles utilizaram todas as argolinhas para
representar a quantidade de ovelhas?
Cs- Não.
Pe- O que eles fizeram?
C- Colocaram 2 e 2.
Pe- Então, como é que vamos representar 32 ovelhas no ábaco?.
91
Quando várias crianças respondem juntas determinada questão, será utilizado Cs, quando é uma criança,
utilizar-se-á C, C 1, C 2. E, ainda, quando a professora chamar pelo nome da criança, utilizaremos a inicial do
seu nome.
189
Passado um tempo, mais ou menos dez minutos, a professora Lara também recuperou
essa parte da história e a fez utilizando o ábaco e representando no quadro de giz com o
numeral correspondente às quantidades de ovelhas de cada família.
2
2
No caso da professora Thaís também foi solicitado que recuperasse como os pais de
Shantal e Mira representaram a quantia no ábaco, e a professora atendeu, tendo em vista que
as crianças estavam necessitando desta mediação para compreender o significado de valor
posicional e representar para o numeral 32.
A intervenção da pesquisadora na sala da professora Lara foi diretamente com os
alunos devido à sua dinâmica de trabalho. Lara tinha a preocupação de atender às crianças nos
grupos e, como não dava tempo para que todos fossem atendidos, alguns grupos ficavam
brincando com o ábaco sem direcionar as ações para a solução da questão proposta –
representação do numeral 32. Ao observar essa dinâmica de trabalho, a pesquisadora
negociou com a professora e buscou a atenção de todos para a explicação de como os pais das
meninas haviam representado no ábaco. Essa intervenção foi importante tanto para os alunos
como para a professora, visto que, o grupo-classe voltou-se, em sua maioria, para a resolução
do problema naquele momento. Em seguida, Lara também retomou esse procedimento
objetivando que as crianças compreendessem a representação no ábaco e atentassem para o
conceito de valor posicional.
Cena 3 – A utilização do ábaco como instrumento mediador
Durante o trabalho com o ábaco, as crianças ficaram fascinadas, brincando, contando,
em alguns momentos mais brincando do que contando e representando as quantidades. Em
outros momentos, o trabalho em grupo era interrompido pela professora na tentativa de
organizar as ações das crianças em torno da situação problema.
190
Outra situação vivenciada no trabalho com o ábaco foi a disputa entre os membros dos
grupos para quem iria manipulá-lo, somente uma criança queria manipular o ábaco e
restringindo a participação dos outros dois membros. Diante dessa situação, a professora Lara
propôs uma reorganização em alguns grupos de forma que todos pudessem participar da
atividade. Pediu para que alguns alunos trocassem de lugar no grupo, isto é, aquele que estava
no centro iria para a extremidade e depois, trocariam novamente de forma que todos
pudessem participar da resolução da situação-problema em harmonia cooperativa.
Na análise de seu trabalho com o ábaco, a professora Lara manifestou que:
Durante a aplicação da proposta percebi que o ábaco foi manipulado de
forma curiosa pelas crianças, entretanto, estava presente o egocentrismo,
pois em alguns grupos os alunos queriam separar a quantidade
individualmente e queriam disputar quem manipularia o ábaco sozinho.
Houve até alteração comportamental para dominar e “fazer uso do ábaco”
(RP-La).
Essa também foi a postura da professora Thaís, diante da impossibilidade de cada um
ter o ábaco, Thaís negociou junto aos alunos para que a manipulação fosse em conjunto, todos
teriam um momento para trabalhar com o instrumento.
Durante a resolução da situação-problema, professora e pesquisadora acompanharam
os trabalhos realizados nos grupos para perceber como tentavam resolver a questão (como
ficaria a representação do numeral 32 no ábaco). Na observação, foi constatado que as
crianças colocavam as 32 peças no ábaco contando uma a uma, dispondo-as de diferentes
formas, desconsiderando, nesse momento, o valor posicional.
Com objetivo de socializar as diferentes formas de solução do problema, a professora
Lara mostrou para a sala as várias maneiras que os grupos representaram 32 no ábaco (16 e 16
em cada haste; 8 em 8 nas quatro hastes; 9 em três hastes e 5 na outra; 15 e 15 em cada haste e
2 em uma haste) e chamou novamente a atenção das crianças para a seguinte questão.
La- Será que os pais de Shantal e Mira utilizaram todas as argolinhas para realizar a
representação? O que será que eles fizeram?
191
Nesse momento, a Lara convidou alguns membros do grupo para pensarem e refez a
marcação no ábaco da quantidade de ovelhas de Shantal e Mira. E questionou. Como é que
podemos representar o 32?
Após essa explanação e esse questionamento, uma das crianças, solicitada pela
professora, representou 32 da seguinte forma:
A professora Lara questionou:
La- Será que tem 32?
C- Não tem 33
La- E para ficar 32?
C1- Tira um
La- De qual haste?
A criança retirou um da primeira haste e ficou representado 32 no ábaco. Após essa
operação, a professora solicitou que as crianças voltassem ao grupo e continuassem a pensar.
A finalização feita pela professora sobre a representação do aluno não evidenciou se estava ou
não correta o que eles tinham realizado.
Nesse momento, a pesquisadora sugeriu à professora que explicasse como os pais de
Shantal e Mira haviam chegado naquela representação. A professora chamou atenção das
crianças da seguinte forma:
La- Os pais de Shantal e Mira têm um segredo para fazer esta marcação, vamos ver,
para descobrir como podemos ajudar as meninas.
Realizou, por meio da composição e decomposição das quantidades, a representação
de 22 e 14 no ábaco, mostrando que as argolinhas em cada haste estavam relacionadas com o
valor posicional. Durante esse momento, as crianças ficaram atentas.
La- Como será que podemos representar o 32 no ábaco?
192
A professora Lara deu mais um tempo (15 minutos), enquanto isso a professora e
pesquisadora atendiam aos grupos para compreender como eles estavam lidando com a nova
informação. Havia grupos que não tinha nem separado 32 argolinhas, estavam mais entretidos
com o ábaco, a manipulação das argolinhas aleatoriamente, do que com as questões postas
pela professora.
Três grupos conseguiram captar a relação da troca estabelecida (10 argolas era
representada por uma na haste seguinte), o valor posicional no ábaco. Outros perceberam a
necessidade de realizar a troca, porém faziam somente a primeira troca da unidade para a
dezena, o restante das peças ficava na haste da unidade. Por exemplo, na marcação do 32,
colocavam 10 pecinhas na haste da unidade e trocavam por uma da dezena, depois
continuavam colocando as demais peças na haste da unidade, ficando 1 dezena e 22 unidades.
Para que as crianças compreendessem a marcação de quantidades no ábaco, a
professora Lara realizou a representação do numeral 32 no ábaco. Ela percebeu, pela forma
com as crianças estavam representando, que seria mais fácil explicar as trocas quando
separava a quantidade e depois colocava as peças no ábaco, ao completar 10 na casa da
unidade, imediatamente, trocava por uma da dezena, fazendo todas as trocas necessárias.
Após representar, discutiu a marcação feita no ábaco com a ajuda de um dos alunos.
La- Vamos ver como vocês representaram. T... vem me explicar
C- Aqui tem 3, mostrando no ábaco.
La- Quanto que representa cada um?
C- 10
La- Então , 10 mais 10 mais 10
C- 30
La- Na outra fileira quanto eu tenho?
C- 2
A professora verificou, pela análise junto aos seus alunos, que diferentes pensamentos
estavam envolvidos para a compreensão do conceito do valor posicional. Este conteúdo, que
era trabalhado automaticamente, como se fosse óbvio, passou a ser examinado
detalhadamente. A professora procurou observar as ações das crianças: se sabiam contar um a
um; como elas estavam realizando as trocas; após terem feito as trocas, se sabiam qual
numeral estava representado. Consideramos que a análise das ações e operações constitui-
193
se fundamental para avaliar o processo de apropriação do conhecimento. Esta análise
está respaldada pela forma como o professor trabalha com o conhecimento, o ensino do
movimento conceitual do SND revelará o movimento de apropriação dos conceitos,
evidenciando se os alunos compreenderam o significado do SND e não apenas a sua
decodificação.
Houve momentos em que professora Lara teve que chamar a atenção da sala, porque
estavam conversando demais e brincando com o ábaco, ou seja, as ações não estavam
voltadas para a questão proposta.
La - O ábaco é para utilizar para brincar, mas também aprender. Já não é mais
novidade, é preciso ouvir.
Essa situação também foi vivenciada pela professora Thaís, já que as crianças se
entretinham e as ações não eram direcionadas para a resolução do problema. Diante disso, ao
entregar o ábaco estipulava um tempo para exploração do instrumento, mas o combinado era
o de que, quando iniciasse a história e lançasse as questões, os alunos teriam que voltar-se
para a busca de solução. Esse acordo deu certo, mas, em alguns momentos, alguns grupos
ficavam brincando com as peças, fazendo torres, desenhos. Thaís relembrava o combinado,
sobre a importância de ouvir.
Na segunda sessão de trabalho, após esta situação desencadeadora de aprendizagem, a
professora Thaís distribuiu os ábacos para as crianças e alertou-os que: no primeiro momento
podiam brincar, mas, quando ela estivesse explicando, era preciso prestar atenção. Em um
momento da aula, solicitou para que os grupos parassem de mexer com o ábaco que iria
começar a explicação, como um dos grupos não parou, a professora Thaís tomou o ábaco do
grupo.
A atitude tomada pela professora merece reflexão, porque o ábaco era o instrumento
mediador dos trabalhos. Ao tomá-lo das crianças, retirava a possibilidade de participação na
aula. Porém, logo em seguida conversou novamente com o grupo e devolveu o ábaco. Esta
situação revela os atos que os professores realizam para que a criança possa voltar sua ação
para o conhecimento. No entanto, foi drástico e não pedagógico, necessita de reflexão sobre o
que estava faltando para as crianças se envolverem com a aprendizagem.
194
A análise da prática pedagógica é muito importante para compreender o que ocorre em
certos momentos da atividade de ensino que não está potencializando a atividade de
aprendizagem dos alunos. Compreendemos, conforme Davídov (1988), que a atividade de
aprendizagem não ocorre instantaneamente, faz-se necessário o preparo dos alunos para que
desenvolvam ações de aprendizagem. Para isso, o papel do professor é imprescindível, porém
é preciso refletir, constantemente, sobre as ações do ensino que levam à aprendizagem.
A maneira como as professoras Thaís e Lara socializavam as idéias dos grupos eram
parecidas, por meio da solicitação de alguns grupos que se dispusessem e explicar como
haviam feito a representação no ábaco. A professora Thaís era mais enfática neste aspecto, a
todo o momento solicitava que os alunos expusessem suas idéias. Vejamos como a professora
Thaís procedeu junto aos seus alunos:
Th- Quem gostaria de explicar como marcou 32.
Uma criança levantou a mão e a Thaís pediu para que viesse na frente para explicar
para os demais.
C- Nós fomos contando.
Th- Como assim?
Cs (do grupo)- 1,2,3,4... até 22 (mostrando no ábaco).
Th- Eles marcaram 22, era para marcar 22?
Cs- Não, 32.
Continuou questionando e chamando os grupos para explicar para a turma. Outro
grupo.
Th- Porque vocês colocaram quantidades diferentes? (mostrando no ábaco)
As crianças não souberam responder, então ela pediu para sentar.
195
Th- Quem pensou diferente?
Outro grupo levantou a mão
Th- Como vocês marcaram? Vamos ficar em silêncio para o G... explicar.
A criança falava muito baixinho.
G- Viu no da Shantal tinha duas, então coloquei 3 para ficar 30. Colocamos três para
não ficar muitas pecinhas.
Th- O que você acha disso J...? M...?
Th- Quem pensou diferente?
C- Eu coloquei 40
Th- Por quê? Quem conseguiu marcar 32?
A forma como a professora Thaís trabalhava, enfatizando a socialização das respostas
das crianças, influenciou o trabalho da professora Lara. Isso só foi possível devido ao
processo formativo que possibilitava a troca de experiência. Isto é, nas discussões em grupo,
era feito o relato das sessões de aula, as observações da pesquisadora. Desde modo, como as
professoras estavam preocupadas em qualificar sua prática, ficavam atentas para os aspectos
apresentados.
As professoras procuraram representar no ábaco numerais que foram quantificados na
sala de aula, objetivando dar significado para aquela representação. Para isso, a professora
Lara quantificou os produtos recicláveis que as crianças haviam trazido para a campanha da
escola. A Thaís utilizou-se da sua idade para aguçar a curiosidade das crianças.
Th- Eu tenho 26 anos. Vamos marcar minha idade no ábaco?
Um outro exemplo interessante foi quando a professora Thaís utilizou a idade de sua
avó (91 anos). Este exemplo permitiu ampliar o trabalho com o ábaco para além da unidade e
da dezena. Não que avó da Thaís tenha 100 anos, porém, a partir da representação da idade da
avó, 91 anos, ela fez uma suposição com as crianças até a avó completar 100 anos,
representando uma centena no ábaco. O exemplo permitiu explorar uma característica
importante do ábaco que constitui em dar movimento ao nosso SND.
Outro ponto que ficou evidenciado no processo de aplicação da situação
desencadeadora de aprendizagem “Shantal” foi a compreensão das professoras sobre as
possibilidades de trabalho com o ábaco. Este instrumento constitui-se em mediador entre o
196
sujeito e determinado sistema de numeração, porém, para que a criança compreenda essa
relação, é preciso a mediação do mais experiente. O ábaco sozinho não tem significado para a
apropriação dos conceitos numéricos, este instrumento, por abarcar as abstrações humanas do
processo de controle de quantidade, solicita a intervenção do outro mais experiente para
revelar a lógica do sistema de numeração, decimal ou não.
Não está exposto no objeto que a criança, por meio do conhecimento sensorial, pode
entender o significado de valor posicional, é preciso desenvolver ações no plano do
pensamento, da memória, da atenção para abstrair o significado do valor posicional. A
diferença entre o ábaco e o material dourado é que este último é fundamentalmente empírico,
a relação significante e significado está dada, é perceptual, o ábaco necessita da mediação do
mais experiente para revelar as construções sócio-históricas de um povo sobre a base
escolhida para o controle de quantidades.
O reconhecimento da importância do professor mediador está exposto no relato da
professora Lara:
Um momento mais interessante de envolvimento dos grupos foi quando
receberam
atenção
individualizada
do
professor
mediador.
Exemplificando: O grupo da M... que conversou aleatoriamente durante o
trabalho, ao ser mediado, voltou à atenção a proposta e manipulou o ábaco
fazendo a troca das unidades pelas dezenas. Assim, percebendo essa
necessidade de sentar com os grupos, orientando-os, fazendo juntos foi
possível aos poucos resgatar o interesse em participar da atividade
objetivando alcançar o conhecimento (RP-La).
Cena 4 – A interação entre os pares
Na segunda sessão de trabalho com a situação desencadeadora da aprendizagem
“História da Shantal”, a professora Lara organizou os grupos de forma que os mais
experientes estivessem com os colegas que ainda não havia compreendido a lógica de
utilização do ábaco. Esse agrupamento só foi possível porque a docente ficou atenta sobre as
ações das crianças na aula anterior. Destacamos que esse é um elemento importante da
avaliação na perspectiva histórico-cultural, o professor observa para intervir e
possibilitar a aprendizagem da criança.
197
A questão sobre a representação do numeral 32 no ábaco foi realizada por um grupo
da sala da professora Lara com a ajuda de uma outra criança. É interessante observar que esta
criança não estava envolvida no trabalho, não quis participar de nenhum grupo e não realizou
nenhuma das questões propostas pela professora anteriormente, ficou lendo gibis no fundo da
sala e de vez em quando, observava o que estava acontecendo na aula. Com a possibilidade de
ajudar o grupo, demonstrou que estava atento ao que ocorria na sala, isto é, o trabalho da
professora estava mobilizando o seu pensamento. Depois dessa intervenção junto aos amigos,
começou a participar das atividades propostas.
Segundo depoimento da professora Lara, esta criança demora a se envolver nas
atividades, ela precisa ser solicitada constantemente, conforme seu relato:
Alunos como o G... que resiste à proposta num primeiro momento e isolouse do grupo, quando convidado a me ajudar, organizando os ábacos em
carteiras na frente, bem como ajudar na história, acabam sendo seduzidos,
uma vez que carecem de maior aproximação e incentivo para se disporem a
trabalhar (RP-La).
A professora Thaís potencializava a interação entre os pares por meio da solicitação,
especialmente dos grupos mais experientes, para ajudar outros grupos na resolução das
questões. Isso era realizado com tranqüilidade, evidenciando que o trabalho em grupo parece
ser uma prática comum na sua sala de aula.
Consideramos que é preciso sempre potencializar o trabalho em grupo e entre os
grupos para que possa haver trocas de idéias entre as crianças (mediação do outro), o colega
pode contribuir na apropriação dos conhecimentos.
Cena 5 – Desdobramento da atividade: o jogo de dominó
Na continuidade do trabalho sobre o valor posicional, as professoras Thaís e Lara
repensaram a situação desencadeadora de aprendizagem Shantal. Chegaram à conclusão que
seria importante trabalhar o significado de troca de outra forma, para que todos
compreendessem o significado das trocas realizadas no ábaco. Em seus relatos, as professoras
manifestaram que haviam observado que vários de seus alunos necessitavam entender o que
significa trocar, para depois continuar trabalhando com ábaco.
198
Para o redirecionamento da atividade retomaram os textos da OPM, especialmente o
material intitulado Controle da variação de quantidades: atividades de ensino, produzido na
OPM/FEUSP em 1996, e elaboraram um jogo de dominó. A professora Lara sugeriu que
fosse de frutas para articular com o trabalho da história do Chapeuzinho Vermelho que havia
contado na aula anterior. A professora Thaís preferiu trabalhar com o jogo de dominó
tradicional.
As peças de dominó foram impressas em papel cartolina e as crianças pintaram e
recortaram. As regras do jogo de dominó foram respeitadas, porém com menos peças para
potencializar a troca, que ficou estabelecida da seguinte forma: a cada partida ganha a criança
recebia uma tampinha, cada três tampinhas seria trocada por uma figurinha.
O jogo foi um sucesso, todas as crianças se envolveram desde a confecção até na hora
do jogo propriamente dito. Ao ganhar três partidas e trocar pela figurinha os olhos brilhavam,
porém a sala ficou agitadíssima por jogarem muito rápido para ganhar e realizar a troca.
Assim, o objetivo que, inicialmente, era da professora, por meio do jogo, passou a ser do
aluno e de uma forma lúdica.
Após ter trabalhado atividade com o jogo de dominó, as professoras exploraram as
diferentes possibilidades de trocas sempre utilizando-se dos registros (desenho ou descrição
das respostas). Os trabalhos foram desenvolvidos em grupo de três ou quatro crianças, com o
objetivo de potencializar a socialização dos conhecimentos entre os pares. Por exemplo:
La- Para ganhar 4 figurinhas quantas tampinhas vou precisar?
Solicitou que era para pensar, discutir depois registrar por meio de desenho ou
escrever, anotando esse esquema no canto da lousa.
1- PENSAR;
2- DISCUTIR;
3- DESENHAR
OU
ESCREVER
A utilização desta estratégia era a de fazer com que as crianças trabalhassem em
grupo, trocassem idéias, porque na sala da professora Lara, muitas vezes, mesmo em grupo, as
soluções das situações-problema eram realizadas individualmente.
199
Após lançar a situação problema, a professora Lara combinou com os alunos que
teriam 10 minutos para pensar e discutir no grupo. Nesse tempo, ela ia até os grupos para
verificar e questionar como estavam pensando a questão.
La- Quantas tampinhas serão necessárias para você ganhar 4 figurinhas?
C- 12
La- Como você fez para encontrar esse valor?
C- 3 tampinhas,1 figurinha; 6 tampinhas, 2 figurinhas; 9, 3; 12, 4 figurinhas.
La- Muito bem!
Conforme registro a seguir:
Outro registro sobre essa questão:
200
No último desenho, além da criança solucionar o problema com o registro escrito, ela faz
a representação no ábaco e coloca o seu personagem pensando sobre a questão (Para ganhar
quatro figurinhas quantas tampinhas serão necessárias?). Esse registro revela que a criança
compreendeu as propriedades do ábaco no processo de compreensão dos conceitos numéricos.
6.3.2 Análise da aprendizagem: a reflexão sobre o trabalho realizado pelas professoras
Lara e a Thaís
Um ponto que marcou os trabalhos das professoras Lara e Thaís foi que ao
desenvolverem a situação desencadeadora de aprendizagem e a utilização do ábaco
perceberam que a apropriação do valor posicional no SND não é automática. A partir de
então, questionaram o trabalho desenvolvido anteriormente, que se resumia em identificar,
nomear e verbalizar sobre as quantidades de dezenas e de unidades. Vejamos o relato da
professora Lara:
La – Nossa! Eu fazia a casinha da dezena e da unidade e parecia que a criança estava
entendendo. Somente quando temos uma situação-problema que é possível ver que não é algo
automático92.
Esse comentário revela como o trabalho em sala de aula, envolvido em um processo
formativo, ressignifica a prática docente, visto que a todo o momento este trabalho é
questionado, demonstrando um modo de aprender dos professores em que conteúdo e forma
estão articulados. À medida que se trabalha com a gênese do conceito, suscita a necessidade
de se trabalhar os nexos conceituais, por exemplo, para se entender o conceito de SND é
necessário compreender o significado de valor posicional, de correspondência um-a-um, de
agrupamento, significado dos signos, entre outros.
Quando as professoras Lara e Thaís tiveram essa compreensão, concluíram que o
melhor encaminhamento seria, antes de trabalhar com a situação desencadeadora da
aprendizagem História da Shantal, ter desenvolvido atividades de ensino que contemplassem
92
O que a professora está chamando de casinha é o exercício comum no ensino da unidade e dezena que pede
para as crianças representarem os numerais nas casinhas com a dezena e a unidade.
201
o agrupamento, a troca, a correspondência um-a-um. O relato da professora Lara traduz essa
situação:
Creio que explicar a “troca” das unidades para a dezena ficaria mais clara
se desde o início do trabalho com a Matemática eu utilizasse o material
dourado no jogo do nunca 10, pelo fato de ter tempo para todos se
apropriarem da “troca”, [...] enriqueceria, desta forma, mais o trabalho
com o ábaco (RP-La).93
Com o desenvolvimento das situações desencadeadoras de aprendizagem subsidiada
pela base teórico-metodológica da AOE para a organização do ensino de matemática,
percebemos que as professoras foram reelaborando suas estratégias de intervenção, isto é
verificaram a importância do trabalho coletivo. Para isso, reorganizaram a distribuição dos
alunos em sala e proporcionaram momentos de interação entre os pares.
No caso da professora Lara, isso foi feito com objetivo de estabelecer a troca de idéias
entre os pares. Por mais que, no primeiro momento, os alunos ficassem agitados, a professora
tentou diferentes maneiras de trabalhar em grupo, visto que essa não era uma prática comum
em sala de aula, prevalecia era o trabalho individual com as crianças enfileiradas. Ao
discutirmos no grupo (professoras e pesquisadora) sobre este aspecto, a professora Lara
manifestou que reconhece a importância do trabalho em grupo, mas que o trabalho individual
é uma maneira “mais fácil” de controlar as crianças em sala. Essa também foi a opinião da
professora Érica, conforme seu relato:
O trabalho em grupo é uma estratégia que deve ser utilizada
constantemente, pois os alunos aprendem muito com os pares, discutem,
reelaboram o seu raciocínio,...
Porém fica difícil sistematizar este recurso em salas pequenas, com móveis
sucateados, com salas lotadas, com barulho externo (quadro, pátio,...), entre
outros fatores que dificultam esta dinâmica (RP- Er).
Como sabemos, se as crianças não forem orientadas para o desenvolvimento do
trabalho em grupo, isso possivelmente não irá acontecer Se as relações com o conhecimento
93
Será utilizado RP seguido das iniciais dos nomes fictícios das professoras para designar o relato por escrito
realizado por elas.
202
são estabelecidas individualmente, é pouco provável que o contrário ocorra, sobretudo em
uma sociedade que prima pelo individualismo exacerbado,
As professoras ficaram atentas para o acompanhamento das ações das crianças em
torno do processo de apropriação do conhecimento do valor posicional. Nas suas observações,
destacaram diferenças de “níveis de aprendizagem” (denominação utilizada pela professora
Lara). Segundo seus depoimentos, observaram que havia criança que tinha dificuldade de
contar um a um, outros, quando colocavam 14 peças no ábaco e era para colocar 22, tinham
que contar tudo novamente, as formas como as trocas eram estabelecidas por alguns alunos.
As ações das crianças são reveladoras de sua aprendizagem e fornecem elementos para o
redirecionamento da atividade de ensino elaborada pelo professor. O que era ensinado de
forma natural e mecânica passou a ser questionado.
O relato da professora Thaís, evidencia como é possível acompanhar o processo de
apropriação dos conhecimentos pelas crianças:
Durante as atividades, ao interagir e questionar os alunos, pudemos
perceber que estes haviam avançado em relação aos seus conhecimentos
prévios, também foram capazes de aplicar os conceitos/habilidades
trabalhados com a história virtual do conceito e com o ábaco em outras
situações.
Alguns indicadores que podem ser utilizados são as habilidades: o que o
aluno é capaz de fazer. Entre outras:
Agrupar quantidades;
Realizar trocas de “um para muitos”;
Atribuir valor posicional, inicialmente ao ábaco e posteriormente a
algarismos;
Operar e resolver situações-problema utilizando os conceitos acima
(RP–Th).
A dinâmica formativa na OPM/RP possibilitou aos envolvidos responder a questão
levantada pela própria professora Thaís:
Th - Em língua portuguesa eu tenho indicadores ou elementos para identificar o que a
criança aprendeu [...]. Já, em matemática não temos elementos para saber o que o aluno
aprendeu e preparar atividades.
No relato transcrito acima, verificamos que a professora demonstra alguns indicadores
para acompanhar o processo de apropriação dos conhecimentos matemáticos nas séries
203
iniciais do ensino fundamental no que se refere ao conteúdo do sistema de numeração decimal
nas situações desencadeadoras de aprendizagem. Lanner de Moura (2007, p. 68) defende que
o ato de ensinar e aprender matemática constitui-se um encontro com o conceito. “Neste
encontro, o educador e a criança comporão um movimento efetivo, do entendimento de si
próprios, das coisas e dos outros ao (re)criarem o conceito nas suas subjetividades”.
Assim, o próprio processo de apropriação dos conceitos, nesta perspectiva teórica
revela o grau de abstração alcançado pelo sujeito. Deste modo, alguns indicadores para saber
o que a criança aprendeu é o que a professora relata. No caso do sistema de numeração
decimal, é preciso saber se a criança domina os conceitos nele embutidos, bem como se estes
conceitos são tomados de forma relacional, isto é, considerando seus nexos conceituais para a
resolução dos problemas. Como bem define Lanner de Moura (2007, p. 69):
Os nexos conceituais são conceitos dos quais o conceito em estudo resulta
numa nova síntese. Assim, dizemos que os conceitos de correspondência
biunívoca, de equivalência, de agrupamento, de grandeza discreta e contínua
são, entre outros, nexos conceituais do conceito de número.
Por meio da atividade da criança sobre o objeto do conhecimento, poderemos saber o
grau de apropriação do conceito.
É, portanto, a atividade humana a origem do movimento conceitual do
pensamento. Assim, entende-se que o conceito de número não está impresso
no movimento das quantidades da natureza, mas no movimento do
pensamento originado pela atividade de controlar a variação dessas
quantidades (LANNER DE MOURA, 2007, p.69).
Considerando esses pressupostos, inferimos que a avaliação do processo de
apropriação dos conhecimentos é mediadora entre a atividade de ensino elaborada pelo
professor e a atividade de aprendizagem realizada pelo aluno, pois a qualidade de suas
ações revela o tipo de aprendizagem que está apropriando-se.
Outro ponto importante a ser analisado e que faz parte do processo de avaliação dos
conhecimentos constitui-se na forma de observar a inserção do sujeito no processo de
aprendizagem. Por exemplo, o caso da professora Lara: foi possível acompanharmos seu
processo de desenvolvimento pelos trabalhos realizados em sala de aula, bem como a sua
204
participação na dinâmica da OPM/RP. Esta professora iniciou timidamente sua participação,
revelando, num primeiro momento, seu descontentamento com os cursos de formação para
professores que havia participado. Pouco a pouco, foi incorporando os pressupostos teóricometodológicos adotados na oficina e entusiasmou-se para desenvolver atividades em sua sala
de aula, ainda mais, demonstrou satisfação em ter a pesquisadora junto nesse momento para
acompanhar seu processo de aprendizagem.
Podemos dizer que a professora Lara entrou em atividade, desencadeada pela
necessidade de superar a prática atual do ensino de matemática. Segundo Leontiev (1983, p.
72, tradução nossa): “[...] a objetividade da atividade dá lugar não somente ao caráter material
das imagens, mas também à objetividade das necessidades, das emoções e os sentimentos”.94
A atividade foi válida para mim enquanto professora porque me coloca
desafios, reflexões individuais e coletivas quando podemos compartilhá-la
na OPM. Para os meus alunos, como o passar do tempo poderão adquirir
mais conhecimento e para a OPM há muito que refletir, debater e construir
com as experiências de cada um. Gostei, valeu! (RP-La)
Desta forma, a análise das atividades das professoras, as quais refletem as ações
formativas desenvolvidas na OPM/RP – as situações desencadeadoras de aprendizagem
realizadas e elaboradas pelas professoras, as ações desenvolvidas em sala de aula junto aos
alunos para garantir a apropriação dos conhecimentos e, ainda, a análise de seus relatos – e
revelam o movimento de aprendizagem docente. Esta análise constitui-se em avaliação do
processo de ensino e aprendizagem na perspectiva histórico-cultural, por demonstrar que
as ações de ensino desencadearam ações de aprendizagem.
6.3.3 Episódio 2 – O laranjal
Como mencionamos anteriormente, a professora Érica trabalha com a 4ª série em duas
escolas, uma da rede estadual de ensino e outra do SESI. O trabalho com a situação
desencadeadora de aprendizagem do Laranjal teve o objetivo de possibilitar à criança a
compreensão do princípio multiplicativo, em que a organização em fileiras é condição para
94
“[...] la objetividad de la actividad da lugar no sólo al carácter material de las imagens sino tambíen a la
objetividad de las necesidades, las emociones e los sentimientos” (LEONTIEV, 1983, p. 72).
205
uma contagem mais rápida e mais segura. Esta atividade de ensino, por meio da simulação de
uma situação emergente do cotidiano, busca instaurar a necessidade do conceito da
multiplicação e divisão nos sujeitos.
A necessidade destes conceitos surgiu para os homens na medida em que começaram a
produzir riquezas excedentes, demandava um controle de quantidades mais rápido e eficiente.
Assim: “O homem que se apodera da criação de novas qualidades de riquezas é o mesmo que
se apodera das quantidades do que é produzido ou encontrado naturalmente na natureza”
(MOURA, 2001a, p. 1). A seguir, apresentamos a situação desencadeadora de aprendizagem
para facilitar a compreensão de nossas análises.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cajamar, 01 de setembro de 2006.
Caros colegas professores,
Quem escreve aqui é o Ademir da Costa. Tenho 50 anos e toda a minha vida trabalhei
como mecânico aqui em Cajamar. Agora que eu estou recém-aposentado, recebi um
comunicado de que meu tio Jurandir deixou para mim uma pequena fazenda no município de
Barretos. Além de uma casa antiga, do curral e de alguns equipamentos meio sucateados, a
propriedade tem um laranjal, que meu tio formou com muito sacrifício, pensando em
comercializar a produção de laranja cultivada sem agrotóxicos. Nestes dois anos, a
propriedade ficou abandonada, e no laranjal cresceu muito mato e também uns pés de
laranja fora da plantação original.
Eu decidi que agora vou me dedicar ao cultivo da laranja. Ai eu pesquisei na Internet
e vi que, apesar de ter mais pés de laranja agora do que os que meu tio plantou, vou ter que
arrancar esses novos pés, porque senão a plantação fica “apinhada” demais e acaba
atrapalhando os pés que já existiam na hora de receberem sol e irrigação, além de dificultar
a limpeza e adubação do pé e atrair pragas. Ai a fruta não atinge o padrão bom pra
comercialização e eu vou gastar com mão de obra e transporte sem conseguir vender a
produção.
Eu combinei com o Tião, agregado aqui da fazenda, que ele arrancaria os pés
sobressalentes de laranja; eu vou pagar R$ 5,00 por pé arrancado. Eu combinei também com
ele que vamos abrir outra área de plantio de laranjas na fazenda, só que nessa outra área a
profundidade do terreno só permite plantar 4 fileiras de laranjas. Eu queria plantar a mesma
quantidade de pés que os que vão ficar na primeira plantação, e vou pagar também R$ 10,00
por muda plantada, pelo Tião. Só que eu preciso saber tudo o que tenho que pagar, porque
tenho que tirar o dinheiro do banco, na cidade, e o Tião vai estar aqui só nos fins de semana
para fazer o serviço. Então eu preciso saber separar a plantação original dos pés que
nasceram depois e também saber como organizar a plantação com o mesmo número de
mudas em quatro fileiras. Como eu posso fazer isso?
206
Peço a vocês que me mandem uma carta ou me telefonem pra me ajudarem a
solucionar esse problema, por favor. Contando com a vossa ajuda.
Sempre às ordens,
Ademir.
P.S. Como eu vou ter que passar as instruções para o Tião, que freqüentou muito
pouco a escola, eu agradeceria se vocês pudessem me passar a solução passo a passo, sem
usar as continhas para explicar.95
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------Quando seu Ademir solicita, na carta, que ajudem organizar o laranjal, torna-se uma
situação-problema para além do processo de soma das partes, é preciso realizar um rearranjo
ordenado dos pés de laranja para facilitar o cálculo. E, ainda, quando pede para explicar o
processo de cuidado com o laranjal: quantos pés serão arrancados, quantos serão plantados e
quanto seu ajudante, Tião, irá receber, desencadeia o movimento de explicação por meio dos
registros orais e escritos do pensamento.
Antes de desenvolver com os alunos esta situação-problema foi resolvida pela
professora na OPM/RP. Foi nesse processo de resolução que ela manifestou o interesse de
trabalhar com seus alunos, tendo em vista que, segundo seu depoimento, o princípio da
multiplicação e da divisão era trabalhado de forma mecânica, reportando-se somente ao
algoritmo.
Cena 1 – A situação desencadeadora de aprendizagem: o trabalho realizado pela
professora Érica
A professora Érica desenvolveu a situação desencadeadora de aprendizagem
primeiramente na 4ª série escola estadual. No início do trabalho, solicitou que as crianças se
organizassem em grupos de quatro alunos. Formaram-se oito grupos, sendo dois com duas
crianças; cinco com quatro crianças e um grupo com cinco crianças, num total de 29 alunos,
isso significa que, nesse dia, faltaram nove alunos.
95
Texto elaborado por Anemari R. L. V. Lopes e Maria Isabel B. Serrão para Oficina Pedagógica de
Matemática vinculada ao GEPAPe-USP (Grupo de Estudos e Pesquisa da Atividade Pedagógica). Adaptado por
Silvia C. A. Tavares e Wellington L. Cedro.
207
Iniciou com a minha apresentação e, em com, cada aluno falou seu nome. Expliquei
que eu e a Érica estávamos estudando sobre o ensino de Matemática e gostaria de conhecer
como seria o trabalho em sala de aula.
Dois alunos distribuíram as folhas com as informações sobre a situação
desencadeadora de aprendizagem. Enquanto isso, a Érica fez o “combinado” sobre a
importância de se inscreverem para falar (a organização das falas). Também verificou quem
não tinha lápis e pediu para pegar na caixinha. Chamou a atenção contando de um até três
para iniciar a leitura da carta, impressa em cópia reduzida, não ideal para a leitura, mas,
segundo a professora, diante dos parcos recursos da escola, precisava economizar papel.
A leitura foi realizada pela professora e as crianças ficaram em silêncio absoluto para
o acompanhamento da mesma. No decorrer da leitura, a Érica foi explicando e fazendo
algumas apreciações com o objetivo de chamar a atenção das crianças para os dados contidos
na carta. Após a leitura, a professora fez o seguinte comentário:
Er- Parece ser uma cartinha confusa, mas não é não. (Em seguida, pediu para as
crianças analisarem o gráfico da plantação de laranja)
208
C- O que significam as bolinhas e os xis?
Er- Vamos ver.
C- Os que têm o xizinho serão arrancados?
Er- Será que as bolinhas que têm o xizinho serão arrancadas? O que você está
fazendo? (Dirigindo-se a um dos alunos).
C- Contando.
Er- Por que você está contando? Vamos ver o que o E... tem a dizer.
E- Eu acho que a que tem bolinhas serão arrancadas porque as outras estão
enfileiradas.
Er- Veja o que o amigo falou!
C- Está organizada tanto na horizontal quanto na vertical.
Alguns alunos captaram o princípio multiplicativo e foram fazendo direto a
multiplicação, se numa fileira tem 8 e na outra tem 7, 8 X 7, no laranjal havia 56 pés de
laranjas. Assim, na outra área a ser plantada, haveria de ser 14 pés em cada uma das quatro
fileiras, porque fizeram a divisão, 56 por 4. É importante observar a tabuada estava colada na
parede e alguns alunos recorreram a ela para chegar à solução da situação-problema.
Er- Como podemos repassar estas informações para o Tião? Ele não sabe fazer
contas?
Er- Vamos para segunda parte? Quantas serão arrancadas?
Após essa aula,tivemos a oportunidade de discutir seu desenvolvimento em conjunto
com as parceiras Lara e Thais, que também estavam envolvidas no trabalho em sala de aula
com situações-problema, tendo como base orientadora da ação de ensino AOE. A professora
Érica considerou que as crianças tiveram uma boa aceitação da atividade. Comentou que não
esperava ter direcionado tanto a atividade, por mais que tentou se controlar percebeu que foi
diretiva. Justificou tal atuação devido à cultura formativa, em que o professor está acostumado
a dar respostas e não questioná-las. Também destacou que, com a expectativa que os alunos
chegassem à solução acabou valorizando as respostas certas que eram apresentadas, poderia
ter explorado mais os caminhos que os alunos tinham escolhido para solucionar o problema.
Esta reflexão só foi possível diante dos parâmetros teóricos que subsidiam o processo
formativo na OPM/RP, em que as professoras têm a possibilidade de refletir sobre a qualidade
das intervenções, aspecto fundamental do processo de aprendizagem docente.
209
Esta reflexão foi importante para redirecionar seu trabalho na sua outra turma do ciclo
final 2, que corresponde à 4ª série, do SESI. A sala estava organizada em grupos de 4 a 5
crianças, compareceram 37 alunos, de um total de 41. Primeiramente, foram distribuídas as
folhas contendo a situação desencadeadora. Os grupos fizeram uma leitura individual e
silenciosa. Investigaram se poderiam grifar o texto. A resposta da Érica foi a de que lessem e
anotassem o que acharem importante. Passado um tempo, uma criança se manifestou:
C- Li e não entendi nada.
As crianças ficaram preocupadas por não terem entendido algumas palavras no texto.
Após a leitura, iniciaram a discussão revelando algumas informações sobre a situaçãodesencadeadora.
C- Achei confuso!
Er- A gente pode ouvir o V...?
V- Aqui está falando que ele vai pagar R$5,00 por cada pé arrancado. Então, tenho
que descobrir quantos pés terá que arrancar...
A professora Érica não havia distribuído a planta baixa do laranjal, o que dificultou às
crianças estabelecerem, inicialmente, as relações necessárias para a resolução da situaçãoproblema. Assim que a distribuiu, as análises ficaram mais completas. Em seguida, Érica leu a
carta em voz alta, explicando com algumas interrupções e com comentários das crianças.
C- As bolinhas que estão com xis serão arrancadas e as bolinhas vão ficar (referindose a planta baixa da fazenda).
Er- Repete para todos.
C- As que estão com um xis serão arrancadas.
C- Ele não sabe isso?
Er- Mas vamos ajudar o Tião a descobrir.
Nesse momento, a pesquisadora solicitou para que a Érica deixasse cada grupo pensar
sobre a situação-problema para encontrar a forma de resolvê-la. Assim, a Érica e pesquisadora
210
passaram a acompanhar os grupos, questionando-os para que pudessem perceber as
informações contidas na situação-desencadeadora.
Cena 2 – A busca da solução para a situação-problema
Na 4ª série da escola estadual, as crianças se concentraram na resolução da questão
sobre quantos pés de laranjas deveriam ser plantados. Alguns utilizaram o princípio
multiplicativo, porém a contagem foi a estratégia escolhida. A Érica ora observava o trabalho
em cada grupo, ora discutia as soluções parciais apresentadas pelas crianças, sempre seguidas
de questionamentos. Por exemplo:
Er- Quanto seu Ademir irá pagar para o Tião? São 56 pés ele vai pagar R$ 10,00
cada um? Como fazer essa conta?
C- Somar de 10 em 10.
C- Dá muito trabalho, 56 X10 dá 560.
Er- Quantos pés ele vai ter que arrancar?
C- 79
C– É 79
Er- Como descobriram?
C- Contando e fazendo risco.
C- Eu também contei e deu 66.
Er- Quanto ele vai pagar por cada pé arrancado?
C- 23
Er- 23?
C- R$5,00
C- O meu deu 80 pés.
Er- Está variando muito. Vamos escutar como G... resolveu. Vamos ver quanto seu
Ademir irá pagar para o Tião.
Nesse momento dos trabalhos, as crianças ficaram resolvendo a segunda questão
proposta para o problema, os grupos solucionaram a questão de acordo com a contagem do
número de pés de laranjas a que chegaram, por isso o resultado variou de um grupo para outro
(73, 79 e 80). Registraram suas repostas. Uma boa parte das crianças ficou feliz em chegar ao
211
resultado, porém a explicação ficava em torno do algoritmo, sem chegar à uma instrução para
que o Tião compreendesse como iria realizar o trabalho, porém estiveram envolvidas com a
situação desencadeadora de aprendizagem.
Cena 3 – Validando as respostas dos alunos
Na continuidade do trabalho com essa situação-problema, ficou combinado que iriam
desenvolver coletivamente uma carta para o seu Ademir como resultado dos trabalhos tanto
da 4ª série da Escola Estadual, quando da do SESI.
Na 4ª série da escola estadual diante dos feriados e da programação escolar do mês de
outubro, a professora só pôde continuar esse trabalho após 15 dias. Iniciou a aula comentando
sobre a atividade do laranjal desenvolvida anteriormente, elogiando as respostas que haviam
dado para o senhor Ademir. Leu novamente a carta para relembrá-los, explicando algumas
partes. Explicou que a reposta sobre a quantidade de pés de laranja que seu Ademir teria que
arrancar variou muito (73, 79, 80), como a planta do laranjal era igual para todos, deveriam
chegar a uma resposta comum para repassá-la ao seu Ademir.
As crianças estavam sem o material de apoio para relembrar, deveriam ter colado no
caderno. Para conferir as respostas, professora realizou a contagem em conjunto com as
crianças por meio de uma planta do laranjal ampliada colada na lousa. Com essa estratégia,
chegaram a uma resposta para a questão sobre quantas árvores deveriam ser arrancadas, 81. A
pendência a ser resolvida consistia em uma maneira de explicar para o Tião, visto que a
maioria dos alunos recorreu aos algoritmos, porém era preciso explicar para além dos
cálculos, sendo este um dos objetivos para a elaboração da carta coletiva para seu Ademir.
Para isso, Érica questionava os alunos:
Er - Como podemos explicar para o Tião?
C- Fileira de 7 e reto tem 8.
C- Também não pode esquecer que, na outra área, vão ser plantadas 4 fileiras de 14.
Er- Alguns deram idéias para saber quantos serão arrancadas. Uns falaram para
pintar e outro para amarrar uma coisa na árvore.
C- Tira uma foto e manda para o Tião.
212
O objetivo da discussão era que as crianças arrumassem uma forma de explicar para o
Tião quais laranjeiras ele deveria arrancar e quais ficariam, uma vez que, nas respostas
anteriores, as crianças apresentaram somente os resultados, não explicaram como o Tião faria
para chegar aos resultados.
Nesse dia, Érica encontrou dificuldade para o desenvolvimento do que havia
planejado, tendo que chamar atenção dos alunos a todo o momento.
Er- Minha sala não quer me ajudar! T...; E... (chamando a atenção de alguns alunos
que estavam conversando).
Algumas equipes dispersaram-se totalmente do trabalho, estavam brincando de forca,
outros desenhando e outros ficavam manipulando o aparelho de celular. Nem parecia a
mesma sala que havia feito a primeira etapa da atividade.
Er- Quem não está nem aí, não está aprendendo, não está participando, perde a
oportunidade.
A turma, nesse dia, tinha sido convidada para assistir a um jogo, a escola estava
movimentada. A professora utilizou o argumento de que “se não prestassem atenção e se não
fizessem silêncio não iriam assistir ao jogo”. O descontentamento foi geral. Nesse momento, a
professora esperou mais ou menos uns 10 minutos até obter silêncio e lerem a carta em
conjunto.
A carta para seu Ademir foi escrita, porém com muitas interrupções (Anexo C).
Apenas alguns alunos participavam.
Na 4ª série do SESI, a continuação da resolução da carta ocorreu no dia seguinte do
início da atividade. Como nessa sala de aula só estuda a turma da Érica, os grupos
continuavam arrumados como no dia anterior. Compareceram 40 crianças em uma sala
planejada para 25, no máximo.
A professora Érica entregou as produções do dia anterior e solicitou para os grupos
que haviam terminado que revisassem o que fizeram e aqueles que não, aproveitassem o
tempo para concluir. Enquanto os alunos estavam nestas operações, a pesquisadora e a
213
professora verificavam como os grupos estavam realizando a atividade, a professora
questionava suas respostas.
Explicar para o Tião como iriam ser arrancadas as laranjeiras excedentes e como
seriam plantadas as novas mudas foi a questão mais complexa para resolver, isto é, não
observaram a questão do distanciamento entre as árvores, nem perceberam que os pés de
laranja que ficariam estavam organizados em fileiras.
Em um grupo que havia terminado, e sem a solicitação da professora, um colega foi
ajudar o outro, dizendo:
C- Vocês têm que ter uma idéia de como explicar para o Tião as que vão arrancar e
quais irão ficar.
Após uma hora, em que as crianças estiveram envolvidas com a atividade, a professora
organizou para que cada grupo expusesse suas idéias, registrando na lousa. Assim, cada grupo
leu a carta que elaborou.
Um grupo informou que Tião iria plantar 56 pés de laranja, em 4 fileiras com 14 cada
uma e receberia R$140,00. A Érica questionou:
Er- Quanto Tião receberia para plantar um pé de laranja?
C- 10
Er- Quantos pés irá plantar na nova área?
C- 56
Er- O que será que ocorreu que o grupo da P... chegou em R$140,00?
C- Elas pagaram apenas para ele plantar uma fileira com 14 laranjeiras.
Er- O que elas têm que fazer para complementar a resposta?
C- Multiplica por quatro.
Er- Qual será o valor?
C- 560
Os grupos conseguiram responder com sucesso as questões postas no problema,
variando a quantidade de pés de laranjas a serem arrancados, com isso o valor que seu Ademir
iria retirar do banco para pagar o Tião não foi unânime. Uns grupos apresentaram que era 80 e
214
outros 81 pés que seriam arrancados. Então, a Érica colou o cartaz com a planta do laranjal
ampliada no quadro para que a sala chegasse a uma conclusão comum.
Er- Como podemos saber quantos pés de laranja seriam arrancados?
Cs- Contando.
Er- Como podemos contar para chegar a um resultado comum?
C- Contando e pintando as bolinhas.
Er- Um aluno da turma da manhã deu a idéia de irmos contando e fazendo um risco
em cima de cada bolinha como se fosse um percurso, vamos tentar?
Cs- Vamos.
A Érica foi contando junto com os alunos e fazendo um caminho por cima das
bolinhas que representava a quantidade de pés de laranjas que seriam arrancados, chegando ao
resultado de 81 árvores.
Nesse momento, reforçou o princípio multiplicativo: a organização em fileiras para
facilitar o cálculo. Após esse trabalho, os alunos decidiram que iria digitar a carta para
responder às questões do Sr. Ademir.
Podemos observar que foi estabelecida uma interação entre os grupos e intragrupos. A
primeira é quando eles conseguem trocar idéias entre si e a segunda quando ajudam os outros
grupos, e também no momento de exposição das idéias, as quais são discutidas no grande
grupo, possibilitando repensarem as repostas apresentadas.
O trabalho entre os grupos depende do direcionamento da atividade pela professora.
Esta foi a segunda vez que a Érica desenvolveu esta situação-problema com os alunos, foi
possível percebê-la mais segura e menos diretiva. Segundo seu depoimento, essa turma
(SESI) era mais tranqüila para trabalhar, aceitavam bem as novas propostas. A justificativa
era que os alunos têm mais contato com livros, não faltam às aulas e os pais são mais
participantes da vida escolar dos filhos.
215
6.3.4 Análise da Aprendizagem: reflexão sobre o trabalho da professora Érica
No primeiro momento de trabalho com a situação desencadeadora de aprendizagem
“O laranjal”, tanto na turma da 4ª série da Escola Estadual, quanto na do SESI, houve uma
interação das crianças com o objeto do conhecimento. Podemos dizer que a atividade de
ensino desencadeou uma atividade de aprendizagem. A situação-problema motivou os alunos
a buscarem seus conhecimentos anteriores para resolvê-la. Nesta etapa dos trabalhos, cada
grupo chegou a uma solução para o problema proposto. Conforme os registros dos alunos a
seguir:
216
Estes dois registros referem-se aos trabalhos realizados na 4ª série da escola estadual.
Nessa sala, mesmo a professora Érica orientando o trabalho para ser realizado em grupo, isso
só ocorreu aparentemente, uma vez que as crianças acabaram resolvendo individualmente a
situação.
Na 4ª série do SESI, essa situação não foi verificada, percebemos que as crianças
resolviam o trabalho no grupo, discutiam suas idéias. Essa situação pode ser verificada
mesmo nos registros, como no exemplo que apresentamos de um dos grupos:
217
Percebemos que uma mesma professora, com um mesmo material tem uma postura
diferenciada em sala de aula, observamos que, na sala do SESI, há mais facilidade para o
desenvolvimento do trabalho em grupo, organização das discussões, o que não foi possível
verificar com o mesmo grau na sala de aula da escola estadual.
A Érica tentou o tempo todo socializar as soluções parciais das crianças, porém, para
que a situação-problema se torne dos sujeitos (alunos), é preciso que a intervenção da
professora seja no sentido de condução das sínteses teóricas, para que possam chegar a
solução eficiente do problema de aprendizagem. O professor deve tomar cuidado para não dar
respostas prontas, caso isso aconteça, descaracteriza a situação desencadeadora de
218
aprendizagem. Por exemplo, leitura inicial deveria ter sido realizada pelos grupos, seguida de
uma rodada de exposição de idéias, voltar para o grupo e, no final, uma resposta do grande
grupo.
Consideramos importante o questionamento sobre a situação-problema, como forma
de organização das informações, e a busca das alternativas de solução, já que um problema só
pode ser resolvido a partir das análises detalhadas pelos alunos. Mas as interpretações e
análise precisam ser realizadas pelas crianças, a professora necessita motivá-los para pensar a
situação-problema e cuidar para não cair na armadilha de dar respostas ou mesmo indicar os
procedimentos para a resolução. Deste modo, a criança aprende a resolver as situaçõesproblema a partir da análise do conteúdo do problema (KALMYKOVA, 1991).
No início da atividade, manifestaram que o problema era confuso, que não entendiam
nada, porém, quando foram compreendendo os dados expressos na situação, começaram a
agir e elaborar a solução. Esta impressão inicial é perfeitamente normal porque a situação
desencadeadora de aprendizagem fundamentada na AOE é diferente dos exercícios que estão
acostumados a resolver no dia-a-dia, necessita lançar mão dos conhecimentos anteriores, as
respostas não são encontradas por mera reprodução, é preciso pensar e repensar as possíveis
soluções.
As respostas apresentadas foram interessantes, tentaram explicar de modo que o Tião
pudesse entender, lançando mão do desenho e do registro detalhado das operações.
219
Foi possível perceber que a professora atentou para as observações realizadas nas
discussões junto às demais professoras e a pesquisadora e, na segunda vez que trabalhou com
a situação desencadeadora de aprendizagem, procurou não direcionar os trabalhos, mas,
mesmo assim, em alguns momentos da aula sentiu essa necessidade. Nessas ações, está
implícita a cultura escolar em que o professor fornece as pistas ou mesmo revelam quais são
os procedimentos para que as crianças cheguem ao resultado. Destacamos que é importante o
direcionamento das ações dos alunos no sentido de se apropriarem do conhecimento teórico,
porém é preciso tomar cuidado para que as intervenções não reduzam o espaço do outro na
atividade. Nesse sentido, os professores precisam refletir sobre a qualidade das intervenções
pedagógicas, priorizando aquelas que colocam o pensamento do outro em movimento.
Devido a esse fato, fez-se necessário a intervenção da pesquisadora, o qual não causou
constrangimento à professora, tendo em vista que está colocada na relação entre a professora,
a pesquisadora e os demais participantes da OPM/RP, consiste na aprendizagem
compartilhada, o aprender com o outro.
Percebemos que os alunos da 4ª série da escola estadual, no primeiro momento,
envolveram-se na atividade, os grupos trabalharam, conseguiram chegar às respostas de
acordo com seus cálculos iniciais. Primeiramente, a contagem foi a estratégia escolhida,
depois, lançarem mão do princípio multiplicativo. Fixaram-se no algoritmo e, após os
questionamentos sobre como explicariam para o Tião, e utilizaram outros meios: desenho,
marcação nos pés de laranjas, entre outros. Nessa etapa, a maioria dos grupos conseguiu
responder a carta para o Sr. Ademir, porém as respostas a que chegaram variaram, já que a
contagem das árvores arrancadas não foi igual, isto é, houve grupos em que o resultado foi 79,
outros 80 e outros 81. A variação nas respostas seria discutida na próxima aula.
Como foi exposto na cena três deste episódio, na elaboração da carta coletiva para o
registro das soluções da 4ª da escola estadual, a estratégia que a professora utilizou para
validar as respostas da sala e reforçar o conhecimento sobre o princípio multiplicativo não foi
adequada, porque os alunos tiveram dificuldade de participar das discussões coletivas.
A escrita da carta coletiva não mobilizou a turma da 4ª da escola estadual. A discussão
oral das idéias do grupo não promoveu interesse das crianças, sentiram-se ociosas, livres para
conversar, sair para ir ao banheiro, fazer desenho, brincar de forca, entre outras; criaram
alternativas para ocupar o tempo. Assim, a intencionalidade da ação de ensino não constituiu
em ações de aprendizagem. O trabalho com a carta coletiva foi a estratégia usada para obter
os seguintes objetivos: sintetizar os trabalhos dos grupos, visto que, na primeira etapa do
220
trabalho os alunos mesmo em grupo, acabaram solucionando a situação-problema
individualmente; validar as respostas apresentadas e reforçar o princípio multiplicativo.
Em nossa análise, um ponto que colaborou para as crianças não se envolverem na
proposta de trabalho foi a falta do material de apoio no caderno. A professora Érica não
recuperou as soluções anteriores dos alunos e demorou para retomar a atividade devido os
feriados no mês de outubro. Por passar muito tempo, quinze dias, para a continuação do
trabalho, era preciso que as crianças lessem suas cartas para depois iniciar a carta coletiva.
As ações das crianças e da professora demonstraram que a continuidade da atividade
não foi adequada para a turma, cansaram e estavam desmotivados na elaboração da carta em
conjunto. Como redirecionar a atividade em movimento?
Observamos que a turma não consegue, ainda, manter-se atenta durante um período
longo de discussão e elaboração (que ultrapasse vinte minutos). Quando a atividade de ensino
não está adequada ou não se potencializa em uma atividade de aprendizagem, o exercício do
poder por parte da professora sobre os alunos é utilizado. Por exemplo, utilizou o
autoritarismo para garantir a atenção das crianças. Quando disse que as crianças não iriam
assistir ao jogo que foram convidados, foi uma forma extrema de resolver a questão. Em seu
depoimento, a professora apresenta a justificativa para essa situação:
As atividades ministradas no Estado precisam sempre de motivação, pois a
grande maioria necessitava de incentivo constante para participar das
aulas. No dia-a-dia, os discursos que circulam não mostram a escola como
algo importante, é preciso "ganhá-los" todos os dias. A motivação
intrínseca da atividade já havia terminado, a carta coletiva estava com
cara de atividade vazia, não mais uma ajuda ao Ademir, pois os alunos já
haviam feito o registro individual (RP – Er).
Essa situação não foi vivenciada na 4ª série do SESI, as reflexões que ocorreram no
processo de execução da atividade de ensino na escola estadual foram importantes para o
encaminhamento pedagógico com as crianças da outra turma. Outro ponto importante
destacado pela professora foi que, nesta sala de aula, era mais fácil trabalhar com discussões
coletivas, havia uma aceitabilidade melhor.
Diferente do SESI, onde os alunos dominam melhor o material escrito e
gostam de atividades em geral, não é preciso grandes incentivos para que
eles participem das aulas, há incentivo em casa e em seu cotidiano, de um
modo geral, a escola tem papel importante
221
Este fato é constante, no SESI todas as atividades que elaboro são bem
recebidas, há alguns questionamentos, mas sempre ocorre o envolvimento.
Já no estado, alguns alunos se envolvem, sabem da importância de fazê-las,
mas a grande maioria não vê grande importância nas atividades escolares;
o tempo todo tenho que levar novidades e os projetos não podem ser muito
longos, pois perdem o interesse. Ás vezes levo até presentinhos, para
incentivar (e funciona) (RP – Er).
A questão que fica para a nossa reflexão é porque as crianças da 4ª série da escola
estadual não são acessíveis a inovações? Por que o trabalho exige que seja mais rápido e com
registros pontuais? Por que a dificuldade em trabalhar em grupo? São questões que remetem à
prática pedagógica do processo de escolarização desses alunos, que vem sendo reforçada pela
escola. Isto é, diante das dificuldades enfrentadas neste tipo de trabalho, diante da pouca
participação dos pais em acompanhar a vida escolar dos seus filhos, a não-assiduidade nas
aulas, entre outras razões, os professores deste nível de formação inicial da educação básica
acabam se rendendo e as condições sociais dos alunos determinam o que e como aprender ou
não aprender.
A perspectiva histórico-cultural defende que a formação das capacidades intelectuais
das crianças depende, fundamentalmente, das condições objetivas da apropriação pelos
indivíduos da experiência acumulada pelos homens no decurso da histórica. Segundo
Leontiev (1978, p. 322), o ensino sistematizado é uma forma de dirigir a atividade da criança.
Mas o que foi dito é ainda mais evidente no que toca à aprendizagem de
acções mentais como a leitura, a escrita ou cálculo. É ainda mais evidente
neste caso que a formação destas acções constitui um processo de operações
que se formam pela experiência das gerações precedentes e elas apenas
podem formar-se na criança se lhes ensinamos, se se orientar a sua
actividade de maneira determinada e se construir a sua acção (grifos do
autor).
Diante desses pressupostos, as dificuldades de trabalho, apresentadas pela professora
Érica com as crianças da escola estadual podem ser explicadas não apenas pelas condições
sociais e biológicas das crianças, mas, ao contrário, pela própria organização pedagógica da
instituição educativa, a qual não possibilita atividades adequadas para a aprendizagem dos
escolares.
Apesar de professora se deparar com essa dificuldade no desenvolvimento das
situações desencadeadoras de aprendizagem com seus alunos, esse trabalho foi importante
222
para seu processo de aprendizagem docente. Como destacamos anteriormente, a Érica já havia
realizado esta atividade na oficina, mas quando trabalhou com seus alunos precisou fazer
algumas adaptações. Para validar a resposta da questão sobre a quantidade de pés de laranjas a
serem arrancados, utilizou-se da ampliação do gráfico da planta baixa da fazenda do seu
Ademir. O gráfico foi colado na lousa e a professora contou com os alunos, marcando de
vermelho as árvores a serem arrancadas. A estratégia utilizada pela professora foi importante
para que os alunos chegassem ao resultado comum (81 pés de laranja seriam arrancados) e,
também, para reforçar o princípio multiplicativo. Podemos concluir que a professora mesmo,
utilizando-se de uma atividade de ensino elaborada por outras pessoas, pode modificar,
adaptar à necessidade da sua sala de aula. É possível afirmar que a prática ressignifica a
aprendizagem docente, como veremos no próximo episódio.
6.3.5 Episódio 3 – A experiência em sala de aula ressignifica o processo formativo na
OPM/RP
Cena 1 – Desmistificando a utilização de instrumento com crianças
O trabalho com as situações desencadeadoras de aprendizagem realizado pelas
professoras Lara, Érica e Thaís revelou-se como propulsor no processo de aprendizagem
docente tanto das próprias professoras quanto das demais envolvidas no processo formativo
da OPM/RP. Isso pode ser verificado nas exposições das experiências vivenciadas pelas
professoras em suas salas de aula.
Por exemplo, quando as professoras Lara e Thais expuseram como foi o trabalho com
o ábaco, uma professora questionou:
Si – Vocês trabalharam com o ábaco com as crianças de 1ª série? Elas não fizeram
bagunça com as pecinhas?
Sobre essa questão a professora Thaís manifestou:
La- Não tive nenhum problema, é claro que eles gostavam de brincar com o ábaco,
mas quando chamava a atenção voltavam-se para a resolução do problema.
223
Thaís e Lara defenderam o trabalho e revelaram que a organização da sala era muito
importante para a dinâmica. Outro ponto apresentado pelas professoras foi que, ao trabalhar
com os numerais e algoritmos de forma estática, não se questionavam o que estavam
ensinando e como os alunos aprendiam. Nesse trabalho, percebemos que as ações das crianças
eram reveladoras de seu processo de aprendizagem, visto que não visualizavam apenas a
colocação de um resultado qualquer, ao contrário, encaminhavam ações que evidenciavam
como interagiam com o conhecimento para responder a situação-problema. Essas observações
levantadas pelas professoras Lara e Thaís são muito importantes, por recuperarem a relação
de interdependência entre o ensino e a aprendizagem e o professor como mediador na
condução das sínteses teóricas dos alunos.
As professoras também manifestaram que compreenderam a complexidade do sistema
de numeração decimal (SND) e como se dá o processo de aprendizagem das crianças. São
pontos importantes que ajudam no questionamento da prática de ensino de matemática.
Mesmo reconhecendo essa complexidade por meio das atividades desenvolvidas na OPM/RP,
elas tinham como pressuposto que, com a utilização do ábaco com as crianças, seria mais
simples o enfrentamento da questão.
Durante a exploração dos recursos metodológicos para o ensino: jogos, situação
emergente do cotidiano e a história virtual do conceito, bem como os instrumentos
mediadores da aprendizagem dos conhecimentos matemáticos com as professoras, tais como:
ábaco, material dourado, pedrinhas, entre outros, algumas professoras questionavam seu
emprego em sala de aula, como foi manifestado no depoimento já citado. Consideramos que
há uma concepção equivocada sobre o uso de materiais pelas crianças, em que a exploração
pode resultar em desordem ou mesmo estragar o material. Essa concepção é comum entre
professores, e se verifica em escolas que muitos materiais ficam empoeirando nos armários e
não são utilizados no trabalho com as crianças. Acreditamos que é preciso criar um ambiente
de aprendizagem em sala de aula para que se possa utilizar todo e qualquer material que
contribua para o processo de aprendizagem. Outro ponto é que a ordem não garante a
aprendizagem, o que garante a aprendizagem é a interação da criança com o objeto de
conhecimento de modo que ela se torna sujeito desse processo.
Outra questão, já abordada anteriormente, é que o ábaco, por si só, assim como outros
materiais, não se constitui em um instrumento mediador da aprendizagem sobre o valor
posicional, faz-se necessário o trabalho do professor para explicitar o processo de abstração
dos conceitos numéricos produzidos pela humanidade, posição e freqüência. Para que o
224
professor possa fazer uso dos materiais, é preciso conhecer suas potencialidades pedagógicas,
caso contrário, tornar-se-á apenas em um material que a criança utiliza para passar o tempo e
não para aprender.
Cena 2 – O significado de professor mediador no processo de aprendizagem escolar
Nesta cena, é importante ressaltar o trabalho da professora Érica em sua sala de aula
quando desenvolveu a situação desencadeadora de aprendizagem “O laranjal”. Durante a
realização dessa atividade na OPM, ela manifestou que essa forma de trabalho revelava o
conceito de multiplicação e divisão não era automático, reduzido somente aos procedimentos
operatórios. Porém, no desenvolvimento da mesma com seus alunos, Érica avaliou que foi
interessante porque os alunos estiveram envolvidos, no entanto, não esperava ter direcionado
tanto o trabalho. Justificou sua postura diante da sua formação acadêmica e da cultura de que
professor sempre deve dar respostas.
Er – Estamos acostumados a dar respostas, a valorizar o certo e não o processo, agir
de outro modo não é fácil!
Er- Tem hora que eu não sei como agir, fico preocupada se minha intervenção está
sendo positiva ou não.
Esse trabalho permitiu realizar reflexões sobre a prática, revelando o quanto é
importante analisar o que e como estamos desenvolvendo os conhecimentos com os alunos,
ou seja, a qualidade da intervenção do professor. No caso da professora Érica, ficou evidente
que o direcionamento era no sentido de envolver as crianças na atividade, todavia, a situação
vivenciada pela professora e o compartilhamento dar experiência foram importantes para
desencadear a reflexão sobre a qualidade das intervenções pedagógicas. Nesta perspectiva
teórica, uma situação desencadeadora de aprendizagem deve mobilizar a criança a buscar seus
conhecimentos anteriores de modo a torna-se sujeito de sua aprendizagem. O trabalho do
professor com “perguntas guias” conforme definiu Vigotski (2004), é no sentido de condução
das sínteses teóricas e não indicar as respostas e os procedimentos que precisam para a
solução das situações-problema.
225
O questionamento para mobilizar o pensamento é importante, deve-se cuidar para não
valorizar as ações dos alunos que estão corretas, é preciso verificar como eles estão chegando
à solução da situação-problema. Por exemplo, como a professora Érica sabia que determinado
aluno estava no caminho certo da solução, ela solicitava para que ele expusesse para o grupo
sua forma de resolução. Como já dissemos anteriormente, o importante não é só atingir o
resultado correto, mas saber quais pensamentos foram mobilizados para atingir essa solução,
isto é, acompanhar o envolvimento das crianças na busca das soluções. Quais ações e
operações estão sendo realizadas para garantir a aprendizagem do conceito. Realizar este
acompanhamento significa avaliar na perspectiva histórico-cultural.
É complicado dizer que o trabalho não deve ser direcionado, porque, na teoria
histórico-cultural, defende-se a importância do professor ser o mediador do processo de
apropriação do conhecimento. Entretanto mediar significa orientar, no sentido de contribuir
com diferentes formas de interação e recursos para que o aluno seja capaz de mobilizar seus
conhecimentos a partir das atividades de ensino que potencializam as atividades de
aprendizagem para a promoção de novas aprendizagens, isto é, a possibilidade da criança se
apropriar dos conhecimentos teóricos, função primordial da escola.
A avaliação realizada pela professora Érica foi importante para suscitar no grupo esta
reflexão e repensar a função do professor no processo de ensino e de aprendizagem. A
reflexão da prática mobiliza a aprendizagem docente do grupo.
6.3.6 Análise da aprendizagem docente: o ensinar como forma de qualificação da
aprendizagem das professoras
Neste isolado – prática pedagógica – tivemos como conteúdo principal a atuação das
professoras em sala de aula no trabalho com situações desencadeadoras de aprendizagem,
subsidiadas pelos pressupostos teórico-metodológicos da AOE. A experiência das professoras
foi acompanhada pela pesquisadora e elas tiveram a oportunidade de discutir suas ações de
ensino com o grupo de professoras que estavam envolvidas neste trabalho e, também, com as
participantes da OPM/RP, enriquecendo seu processo formativo.
Ao relatar como foi sua sessão de ensino, desencadeou a síntese sobre a sua atuação
pedagógica, revelou suas dificuldades, dúvidas e incorporou os modos de ação do outro.
Deste modo, concordamos com Araujo (2003, p. 170, grifos do autor) quando defende que:
226
[...] ao comunicar verbalmente sua atividade,
representações mentais acerca das ações realizadas
integrante do processo de formação de conceitos−,
envolvido também realize uma ordenação teórica
em questão.
além de revelar suas
−atividade necessária e
possibilita que o grupo
e prática da atividade
Essa dinâmica de trabalho evidenciou a reflexão sobre o trabalho docente como
fundamental no processo de aprendizagem do professor, possibilitando aprender com o outro,
no coletivo.
As professoras, ao se colocarem no lugar de aprendizes na dinâmica formativa da
OPM/RP, tiveram a oportunidade de refletir como os alunos aprendem; com isso, na sua
atuação em sala de aula, houve orientação e valorização das ações das crianças sobre o
conhecimento. Podemos inferir que os impasses no processo de aprender do professor
revelam o modo de aprender do aluno e proporciona indicadores de como acompanhar este
processo. A preocupação constante das professoras era de envolver as crianças na atividade,
por meio de ações mentais, para chegarem à solução do problema proposto. Assim, buscavam
verificar se suas ações de ensino desencadeavam ações de aprendizagem. Conforme afirma
Moura (2004, p. 265): “O professor, que não tinha como uma das necessidades essenciais o
entendimento sobre os modos de aprender, passa a ver-se diante de um problema novo e, ao
adquirir esse novo conhecimento, muda a qualidade de sua ação”.
Desde a escolha do conteúdo até a estratégia a ser empregada foram permeadas pelo
processo de reflexão desencadeado pelo processo formativo da OPM/RP. As atividades
escolhidas pelas professoras faziam parte dos trabalhos desenvolvidos pela OPM, porém, ao
desenvolvê-las com as crianças, desencadearam um processo de estudo e ampliação da
atividade de forma a adequá-las aos seus alunos.
Nos episódios que compuseram este isolado, observamos que as professoras
readequaram a atividade de ensino, propondo novas ações de aprendizagem para o trabalho
com os mesmos conceitos.
No caso das professoras Lara e Thaís, após analisarem as ações das crianças sobre o
processo de resolução da situação desencadeadora de aprendizagem e o trabalho com o ábaco,
concluíram que alguns alunos não estavam entendendo o significado de trocar (dez unidades
por uma peça na haste seguinte do ábaco, que representava uma dezena). Diante dessa
227
situação, resolveram após estudos e discussões no grupo, trabalhar com o jogo de dominó.
Utilizaram o jogo com intencionalidade pedagógica, como um recurso metodológico para a
promoção da aprendizagem.
A professora Érica se deparou com vários resultados para uma mesma questão na
situação desencadeadora de aprendizagem (o número de pés de laranjas a ser arrancado). Para
resolver esta questão, decidiu ampliar a planta baixa da fazenda do Seu Ademir de modo que
os alunos pudessem contar em conjunto com a professora e chegar a um resultado comum.
Este cartaz também foi utilizado pela professora para reforçar a idéia da operação de
multiplicação.
Importante salientar que essas atividades de ensino, antes de serem desenvolvidas com
os alunos, foram resolvidas pelas professoras na OPM/RP. No processo de solução e
validação das respostas pelas docentes, não surgiram as situações que foram vivenciadas na
sala de aula. Somente ao desenvolvê-las com os alunos é que surgiram as dúvidas e as
dificuldades. Por exemplo: quando a Lara e a Thaís trabalharam com o ábaco na oficina, não
se preocuparam com a ação de explicar para as crianças, parecia que isto estava automatizado,
até porque dominavam a marcação no ábaco. Porém, quando foram esclarecer para as crianças
como marcar as quantidades, tiveram que dar conta, de qual haste se deveria iniciar a
colocação das peças (da direita para a esquerda), seria melhor separar as quantidades de peças
para depois marcá-las no ábaco por meio da composição e decomposição de unidades e
dezenas. Enfim, as questões surgiram no processo de comunicação com os alunos sobre o
conhecimento e desencadearam um processo de reflexão importante para a aprendizagem
docente. Tais situações vivenciadas em sala de aula foram importantes para reforçar que as
professoras são:
Sujeitos que lidam com o conceito como ferramenta precisam ter acesso e
meios que os levem ao entendimento de seu objeto de modo muito preciso,
pois necessitam dar significado ao que ensinam para que os seus educandos
possam ver sentido naquilo que lhes dizem ser importante de aprenderem.
Aqui nos parece que está o primeiro e principal problema que devemos
abordar na formação do professor. Esse é um profissional que poderíamos
chamar de criador de sentido para o que é ensinado e sua ferramenta
principal é a palavra (MOURA, 2004, p. 258).
Essa aprendizagem foi potencializada por participar de uma comunidade de aprendizes
da OPM/RP. Porém consideramos de suma importância que os professores tenham espaço de
228
aprendizagem no interior da escola que trabalha para manter-se em constante processo
formativo em conjunto com o seu grupo. Para isto, é necessário que os administradores
educativos proporcionem a criação destes espaços de modo que se priorize a formação dos
professores tendo como referência a sua atividade principal – ensinar. Conforme os
pressupostos teóricos que temos defendidos neste trabalho, não se trata de qualquer formação,
ao contrário, trata-se daquela que busca, constantemente, desenvolver a aprendizagem docente
na coletividade. Concebemos essa forma de pensar a formação dos professores como uma
importante alternativa para a qualificação do sistema de ensino brasileiro.
O aprender a ensinar a partir dos conhecimentos teóricos mobilizou o questionamento
sobre a prática pedagógica das professoras. E foi desta forma que a aprendizagem
desencadeou o processo de desenvolvimento psíquico das professoras na organização do
ensino e da prática pedagógica.
Ao decidirem em ensinar os conceitos teóricos na sua essencialidade, as professoras
vivenciaram uma experiência oposta, de forma geral, ao que se presencia na escola, em que os
conceitos espontâneos são tomados como referência das ações do ensino. Este exercício de
profissionais e de aprendizes mobilizou a reflexão sobre a prática pedagógica. Nesta reflexão,
as professoras se aproximaram de conceitos importantes da organização do ensino subsidiados
pela AOE. Dentre eles, citamos:
- entenderam o significado da mediação como elemento imprescindível no processo
ensino aprendizagem (para além do discurso);
- a reflexão constituiu um aspecto importante na reelaboração das intervenções
pedagógicas;
- nas análises do trabalho docente, estavam presentes os elementos estruturadores da
atividade, constituindo uma maneira de organização do ensino;
- verificaram que o processo de apropriação do conceito ocorre de acordo com ações
de aprendizagem da criança sobre o objeto do conhecimento;
- ao trabalharem com a gênese do conceito, puderam identificar os níveis de
aprendizagem das crianças diante da necessidade de apropriação dos nexos conceituais;
- reconheceram a importância de aprender com o outro;
- nas reflexões com o grupo, constataram que o ato de ensinar ressignifica a prática
docente;
229
Enquanto, no isolado aprendizagem docente, tínhamos a situação das professoras
como aprendizes, no isolado organização do ensino e prática pedagógica, o lugar ocupado
pelas professoras é de sujeitos que aprendem e ensinam. Destacou-se o ensino como atividade
principal do professor, mas articulada dialeticamente com o processo de apropriação e
organização dos conhecimentos. Mas há que se considerar o que Leontiev (2001, p. 72)
afirma: “Dependendo de que atividade a ação faz parte, a ação terá outro caráter psicológico.
Essa é uma lei básica do desenvolvimento do processo das ações”.
As ações de aprendizagem das professoras, no contexto de sua atividade de
aprendizagem no processo formativo da OPM/RP, estavam direcionadas para a apropriação
do conhecimento. Na atividade de ensino, estas ações estão direcionadas para a organização
do processo de ensino e aprendizagem.
Consideramos que o fato de as professoras adotarem os pressupostos teóricos da AOE
para a organização e o desenvolvimento do ensino possibilitou o resgate da sua função
principal na atividade educativa – ensinar os conhecimentos teóricos elaborados pela
humanidade – cujo resultado constitui-se na transformação dos sujeitos pelo processo de
apropriação dos conhecimentos.
230
AÇÕES DE ENSINO
• Estudo do referencial
teórico-metodológico;
OPERAÇÕES DE
ENSINO
• Distribuição dos grupos
na OPM/RP;
• Seleção dos conteúdos:
pressupostos
teóricometodológicos para a
organização do ensino na
teoria histórico-cultural;
• Escolha dos textos de
apoio para o trabalho com
os conceitos fundamentais
da organização do ensino
nesta perspectiva teórica:
•
Organização
da
situação desencadeadora
de aprendizagem (SDA):
quais elementos são
essenciais
para
o
desenvolvimento de uma
atividade de ensino?
• Avaliação das ações de
ensino e aprendizagem;
• Trabalho
com a
organização do ensino por
meio da AOE, tendo
como
referência
a
situação desencadeadora
de aprendizagem História
da Shantal e o Laranjal.
• Acompanhamento das
professoras no processo
de desenvolvimento das
DAS em sala de aula.
AÇÕES DE
APRENDIZAGEM
• Desenvolvimento junto
aos alunos de SDA de
acordo
com
os
pressupostos da teoria
histórico-cultural:
- Definição do conteúdo,
objetivos e da SDA;
História da Shantal: Valor
posicional;
Laranjal: conceito de
multiplicação e divisão;
- Organização da sala de
aula;
- Exposição da SDA aos
alunos;
OPERAÇÕES DE
APRENDIZAGEM
•
Confecção
dos
instrumentos de apoio:
fantoches, ábacos, cartaz,
jogo de dominó;
• Execução da atividade
junto aos alunos;
• Análise das ações de
aprendizagem dos alunos;
• Releitura sobre as ações de
aprendizagem: análise da
dinâmica do trabalho em
sala de aula;
• Reorganização dos grupos
de alunos;
- Estudo do referencial
teórico;
• Readequação da SDA:
ampliação da atividade
utilizando-se de jogos;
elaboração do cartaz para
validar as respostas das
crianças;
- Readequação da SDA:
utilização dos jogos;
• Relato oral e escrito da
experiência ao grupo;
Eleição
dos
instrumentos de apoio;
• Reflexão da atividade
junto ao grupo da
OPM/RP;
• Avaliação das ações de
aprendizagem;
Quadro 8 – Síntese sobre a análise da aprendizagem docente
AVALIACÃO DA APRENDIZAGEM DOCENTE
Reflexão: conscientização das suas ações de aprender e
ensinar;
Por exemplo: As professoras Lara e Thaís perceberam
que a apropriação do conceito de valor posicional no
SND não é automática, questionando o trabalho
desenvolvido anteriormente que se resumia em
identificar, nomear e verbalizar sobre as quantidades de
dezenas e de unidades.
Análise: As professoras compreenderam um modo
geral de organização e desenvolvimento do ensino na
teoria histórico-cultural. Este exercício de profissionais
e de aprendizes mobilizou a reflexão sobre a prática
pedagógica. Nesta reflexão, os professores se
aproximaram de conceitos importantes da organização
do ensino subsidiados pela AOE. Dentre eles, citamos:
- entenderam o significado da mediação como
elemento imprescindível no processo ensino
aprendizagem (para além do discurso);
- a reflexão constituiu um aspecto importante na
reelaboração das intervenções pedagógicas;
- nas análises do trabalho docente, estavam presentes
os elementos estruturadores da atividade, constituindo
em uma maneira de organização do ensino;
- ao trabalharem com a gênese do conceito, foi possível
identificar os níveis de aprendizagem das crianças, por
meio das ações de aprendizagem;
- reconheceram a importância de aprender com o outro;
Planificação teórica das ações: Como na análise do
isolado anterior, as professoras, por meio das ações de
aprendizagem, conscientizaram-se do caminho
teórico-metodológico
para
a
organização
e
desenvolvimento do ensino de matemática na
perspectiva histórico-cultural. O ponto de chegada
desse processo constitui-se em um contínuo trabalho de
análise e síntese da sua atividade de ensino.
231
7 O CAMINHO PERCORRIDO E AS NOVAS DIREÇÕES
Todas as coisas devem ser estudadas em
relação com o seu contexto. É nesse tribunal
que devem ser julgados os resultados que os
instrumentos analíticos, na sua forma mais
geral, permitem adquirir.
Caraça
Considerar a educação como atividade, de acordo com os pressupostos defendidos por
Leontiev (1978, 1983, 2001), significa compreendê-la em movimento no sistema de atividade,
como práxis pedagógica – unidade entre teoria e prática. A atividade de ensino elaborada pelo
professor e a atividade de aprendizagem realizada pelos escolares constituem o núcleo da
atividade pedagógica. É na relação dinâmica entre essas duas atividades que é possível
compreender o processo de ensino e aprendizagem. É nessa linha que Davýdov (1982, p. 280,
tradução nossa) defende que: “A análise da origem e desenvolvimento do pensamento tem
que começar esclarecendo as peculiaridades da atividade laboral dos homens”.96 A atividade
pedagógica, como uma particular atividade humana, precisa ser analisada, já que tem como
objeto principal a transformação do sujeito no processo de apropriação dos conhecimentos, ou
seja, a formação do humano.
Para dar conta da materialização da atividade pedagógica nesta perspectiva de
educação humanizadora, faz-se necessário organizar o ensino como atividade, no que se inclui
o processo de avaliação das ações educativas. Por considerarmos a avaliação como uma ação
inerente à atividade pedagógica, é que assumimos essa investigação desencadeada pelas
perguntas: qual o significado da avaliação na atividade de ensino? Qual a qualidade da
aprendizagem que a atividade de ensino proporciona para o professor e para o aluno? Como
acompanhar o processo de apropriação do conhecimento pelos aprendizes?
Guiados pelos princípios do ensino desenvolvidos pelos estudiosos da teoria históricocultural e com o objetivo de elevar o pensamento dos escolares, isto é, desenvolver o
96
No texto, em espanhol, lê-se:“ El análisis del origen y desarrollo del pensamiento hay que comenzarlo
esclarciendo las peculiaridades de la actividad laboral de los hombres” (DAVÝDOV, 1982, p. 280).
232
pensamento teórico, assumimos que o professor, ao organizar suas ações de ensino que
oportunizam a apropriação dos conhecimentos teóricos pelos alunos, também estará se
desenvolvendo. É por isso que Moura (1996) defende que a Atividade Orientadora de Ensino
(AOE) é unidade de formação do professor e do aluno. Nesse sentido, consideramos a AOE
como base teórico-metodológica para a organização do ensino como atividade. Suas
características principais são:
a intencionalidade pedagógica;
a situação desencadeadora de aprendizagem é a materialização da atividade de
ensino;
a essência do conceito;
a mediação é condição fundamental para o desenvolvimento da atividade;
a necessidade do trabalho coletivo;
torna-se uma atividade do sujeito.
Diante desses pressupostos teóricos, consideramos que o professor tem a importante
tarefa de desenvolver junto aos seus alunos o conjunto da experiência produzida pela
humanidade de forma a criar sentido para eles se apropriarem dos conhecimentos. Essa tarefa
demanda condições objetivas para sua efetivação. Uma delas é a formação contínua do
professor, tendo como núcleo dos seus estudos sua atividade principal – o ensino.
A atividade de ensino é materializada na situação desencadeadora de aprendizagem e
esta tem como conteúdo a essência do conceito científico, bem como criar a necessidade deste
conceito para o aluno. Dessa forma, a atividade de aprendizagem está inserida na atividade de
ensino. Podemos afirmar que o aluno está em atividade de aprendizagem quando ele é sujeito
de suas ações por estar mobilizado pelo objetivo da atividade que é a apropriação dos
conhecimentos teóricos. Nas atividades de aprendizagem realizadas pelos escolares, é
possível o desenvolvimento do pensamento teórico por meio das suas principais
características, segundo Davídov (1988): reflexão, análise e planificação teórica.
Neste trabalho, assumimos a ação de avaliação na relação dialética entre a ação de
controle (verificação operacional das ações de aprendizagem) e de avaliação (exame
qualitativo das ações) na dinâmica entre atividade de ensino e atividade de aprendizagem. Na
atividade de ensino, a ação de avaliação tem a função de analisar, por meio dos elementos
estruturantes da atividade, se as ações de ensino estão adequadas às ações de aprendizagem,
233
de forma que assegure ao aprendiz a apropriação do modo geral de solução da situaçãoproblema e a sua transferência para outras situações. Isto é, o professor analisa se o conceito
foi apropriado pelos escolares de forma a constituir-se em uma ferramenta simbólica nas suas
ações com o mundo circundante.
Assim, o significado da avaliação na atividade de ensino e de aprendizagem deve ser o
de orientação e de direcionamento do processo de apropriação dos conhecimentos. Trata-se da
avaliação como análise e síntese das atividades dos sujeitos, tanto daquele que ensina como
daquele que aprende. Nesta linha de raciocínio, a avaliação deve ser considerada na relação
entre prospecção e retrospecção, ou seja, os conhecimentos prévios dos sujeitos são condições
para que ele possa apropriar-se daquilo que lhe é potencial – o que naquele momento não
estava ao seu alcance –, mas que, por meio do ensino, ele terá potencialidade de se apropriar.
Essa forma de avaliar o processo de ensino e aprendizagem é um diferencial importante entre
a avaliação na perspectiva histórico-cultural e o consolidado nas práticas pedagógicas atuais,
as quais valorizam apenas os conhecimentos formados pelo aluno. Assim, as contribuições
para as ações educativas ficam limitadas, porque não lançam parâmetros para pensar os
conceitos que o aluno ainda não se apropriou.
Ao analisar os dados coletados junto ao grupo colaborativo formado por professoras
das séries iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil na dinâmica formativa da
OPM/RP, buscamos avaliar o movimento de aprendizagem docente no processo de
apropriação dos conhecimentos matemáticos, tendo como subsídios teórico-metodológicos a
teoria histórico-cultural. Esta análise forneceu elementos para a sistematização da avaliação
nesta perspectiva teórica, objetivo principal desta pesquisa.
Na análise dos dados sobre o processo formativo desenvolvido na OPM/RP, foram
estabelecidos três isolados: aprendizagem docente, organização do ensino e prática
pedagógica. A análise desses isolados, por meio dos episódios de formação, possibilitou
compreendermos os fatos dominantes do processo de apropriação dos conhecimentos
matemáticos pelas professoras. Utilizamos para a avaliação da aprendizagem docente, o
sistema de atividade pedagógica na dinâmica entre a atividade de ensino e atividade de
aprendizagem, as características do pensamento teórico e a relação entre o nível de
desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal.
A análise dos dados revelou-nos que o desenvolvimento profissional docente tem
como referência a relação de interdependência e fluência entre esses três isolados. A unidade
do movimento de aprendizagem docente na OPM/RP foi a apropriação dos conceitos
234
matemáticos e a forma como ensiná-los na perspectiva da teoria histórico-cultural. O modo
como os professores se apropriam do conceito está articulado com a forma de trabalhar com
seus alunos – ensinar. Nesse sentido, o conteúdo e o encaminhamento metodológico, o
aprender e o ensinar, estão articulados dialeticamente.
A aprendizagem docente foi analisada na dinâmica entre a atividade de ensino
elaborada pelas pesquisadoras e a atividade de aprendizagem realizada pelas professoras.
Mesmo quando as docentes estavam envolvidas com a organização e desenvolvimento do
ensino, tomamos suas atividades, no contexto desta investigação, como atividade de
aprendizagem. Uma vez que é na relação entre a aprendizagem docente (apropriação dos
conceitos teórico-metodológicos sobre o ensino de matemática), a organização do ensino
(como elaborar atividade de ensino para que os alunos apropriem dos conceitos) e a prática
pedagógica (como colocar os conceitos teórico-metodológicos em ação na sala de aula) que o
professor se desenvolve profissionalmente, isto é, aprende a ser professor, em um contínuo
processo formativo. Conforme Araujo (2003, p. 167): “[...] o movimento de fazer atividade de
ensino é ao mesmo tempo movimento de fazer-se professor”.
Verificamos que os professores em atividade de aprendizagem, no processo formativo
da OPM/RP, tiveram a oportunidade de desenvolver as bases para a formação do pensamento
teórico. Observamos isto por meio de suas ações de aprendizagem desencadeadas pelas
situações-problema (ações de ensino), como, por exemplo, a Carta Caitité e o Pastor Linus,
nas ações para elaboração da atividade de ensino a ser trabalhada em sua sala de aula e no
desenvolvimento de situações desencadeadoras de aprendizagem com seus alunos. Pela via da
análise, os dados revelaram que as professoras conscientizaram-se das suas ações mentais no
processo de apropriação dos conhecimentos teórico-metodológicos para o ensino de
matemática. Foi possível constatar, por meio da avaliação do sistema de atividade, que as
ações realizadas pelas professoras tinham sentido para elas, isto é, o motivo consistia na
apropriação dos conhecimentos teóricos matemáticos para melhorar sua prática de ensinar
esta disciplina. Este aspecto foi o fio condutor e orientador dos trabalhos das pesquisadoras e
das professoras da OPM/RP.
Na avaliação da aprendizagem das professoras, ficou evidenciado que elas
aproximaram, de um modo geral, do ensino de matemática na perspectiva da teoria históricocultural. Mesmo que na elaboração da situação desencadeadora de aprendizagem, as docentes
não tenham conseguido objetivar na sua atividade de ensino a essência do conceito de divisão.
Esse momento revelou que as professoras estavam em atividade de aprendizagem, ou seja, em
235
processo de apropriação dos conceitos matemáticos fundamentais. As condições objetivas de
trabalho, tais como falta de tempo para dedicação aos estudos e, o simultâneo envolvimento
do trabalho com situações desencadeadoras de aprendizagem em sua sala de aula,
impossibilitaram a continuidade do processo de elaboração da atividade de ensino, bem como
o desenvolvimento desta junto aos seus alunos. Há que se considerar, como apresentamos na
análise do isolado organização do ensino, que a atividade elaborada pela professora Lara,
revelou um salto de qualidade em relação à primeira versão apresentada para exame do grupo,
passando de um mero exercício contextualizado a uma atividade de ensino que contemplou
aspectos da AOE.
Esse salto de qualidade pode ser observado pela estrutura da atividade de ensino
apresentada pela professora. Na segunda versão da situação desencadeadora de aprendizagem
estava presente a problematização para o aluno e não para a professora, como foi o caso da
primeira versão; a necessidade da interação entre os alunos e a essência do conceito. A
importância deste último, embora as professoras não tenham conseguido alcançar, fortaleceu a
necessidade de apropriação dos conteúdos matemáticos pelas mesmas. Faz-se necessário
considerar que esta situação foi desencadeadora de aprendizagem docente para o grupo, visto
que o constante processo de apropriação dos conhecimentos teóricos é o que possibilita novas
formas de pensar e organizar a atividade pedagógica.
Outro ponto importante a ser considerado é a reflexão das professoras sobre o
processo de elaboração de uma situação desencadeadora de aprendizagem desenvolveu-se em
um outro nível, já que a análise da organização e a efetivação do ensino tiveram como
referência os conhecimentos teórico-metodológicos desenvolvidos na OPM/RP, isto é, saiu
dos limites da própria prática, do aprender profissional reduzido ao saber fazer. Ao tomar a
reflexão como elemento importante para o desenvolvimento profissional, revelou-se uma
nova qualidade nas ações docentes; as professoras se conscientizaram do seu trabalho no
processo de formação humana dos indivíduos.
Em nossa avaliação do processo de aprendizagem docente, verificamos, por meio dos
dados coletados, que as professoras, ao se apropriarem dos conceitos fundamentais do sistema
de numeração, bem como do modo de produção destes conceitos, tiveram condições de
repensar a prática de ensino de matemática com as crianças das séries iniciais do Ensino
Fundamental de uma outra maneira, em que a dimensão teórica constitui-se a base para suas
ações e pensamento. Assim, podemos inferir que o ensino/formação realizado pela OPM/RP
promoveu novas formas de pensar e agir aos professores. Desse modo, concluímos que a
236
dinâmica de trabalho da Oficina contribuiu para a aprendizagem docente e esta dirigiu e
impulsionou o desenvolvimento das professoras (VIGOTSKI, 2000, 2004a).
As professoras, ao desenvolverem situações desencadeadoras de aprendizagem junto
a seus alunos, tiveram a oportunidade de realizar análises e sínteses sobre sua prática
pedagógica. Esse processo foi possível diante da forma como foram encaminhados os
trabalhos, em que a reflexão em grupo, com as parceiras da OPM/RP, constituiu-se
fundamental para o processo de aprendizagem docente. As professoras perceberam a
importância de formar-se com o outro, do aprender em grupo. O aprender coletivamente foi
instaurado diante da relação de respeito e companheirismo com o outro no processo,
qualidade relevante em uma comunidade de aprendizagem, já que o compartilhamento de
saberes é essencial para o desenvolvimento profissional e humano.
Outro fato importante, que constatamos por meio da análise dos dados, é que as
professoras compreenderam ou se aproximaram de alguns elementos importantes da
organização e desenvolvimento do ensino na perspectiva histórico-cultural. Neste trabalho,
conforme as avaliações realizadas, utilizamos o termo “aproximaram” para indicar que a
compreensão dos conceitos teórico-metodológicos sobre ensino de matemática na perspectiva
histórico-cultural não foi alcançada na totalidade do que foi trabalhado na OPM/RP referente
ao período de estudo, porém observamos que houve uma mudança de qualidade da
aprendizagem docente.
Para a avaliação dessa qualidade de aprendizagem recorremos à análise da dinâmica
entre o desenvolvimento real das professoras e a zona de desenvolvimento proximal (ZPD),
definida por Vigotski (2000, 2004a). Nesse sentido, os trabalhos realizados na OPM/RP
constituiram-se em um campo de possibilidades para o desenvolvimento dos professores,
porque houve uma alteração sobre os conceitos e a forma de ensinar matemática
desencadeada pelas intervenções pedagógicas realizadas na oficina.
O desenvolvimento real, os conhecimentos que as professoras já haviam formado, está
em constante movimento desde que o processo de formativo (ensino) incida sobre os
conhecimentos em processo de formação, ou seja, na ZDP. O ensino só pode incidir sobre os
conhecimentos ainda não formados por meio de atividades adequadas proporcionadas aos
sujeitos e pela mediação do mais experiente (pesquisadoras, as parceiras), potencializando,
assim, novos conhecimentos, que se transformam em um novo nível de desenvolvimento real.
237
Nesse sentido, o desenvolvimento real e a ZPD são sempre reconstituídos pelas
atividades que os sujeitos desenvolvem, dependendo, fundamentalmente, das suas condições
sócio-históricas. Assim, o movimento entre o nível de desenvolvimento real e a ZDP é
contínuo e só cessa ou não se realiza se ao indivíduo não forem proporcionadas atividades
adequadas para a sua aprendizagem e seu desenvolvimento ou se ele não tiver condições
vitais para realizar tais atividades.
Diante destes indicadores, é possível afirmar que a apropriação dos conhecimentos no
processo formativo da OPM/RP modificou a forma de pensar e de agir das professoras sobre
o ensino, ou seja, houve uma transformação das professoras no processo de aprendizagem
docente. O processo de apropriação do conhecimento matemático na OPM/RP ampliou o
campo de atuação das docentes. A organização do ensino, na perspectiva teórica adotada na
oficina, consistiu em uma constante atividade de aprendizagem profissional, em que o ato de
planejar a atividade de ensino foi direcionador das ações de ensino, potencializando a
atividade de aprendizagem dos participantes. Segundo Leontiev ([197-], p. 191):
A apropriação da experiência sócio-histórica acarreta modificação da
estrutura geral dos processos do comportamento e do reflexo, forma novos
modos de comportamento e engendra formas e tipos de comportamento
verdadeiramente novos. Razão porque os mecanismos do processo de
apropriação têm a particularidade de ser mecanismos de formação de
mecanismos.
As professoras participantes da OPM/RP, ao terem a oportunidade de aprender os
conceitos que estão presentes, por exemplo, no sistema de numeração decimal, questionaram
o processo de apropriação dos conceitos pelas crianças. Elas se conscientizaram de que a
aprendizagem dos conteúdos matemáticos tem como referência a própria complexidade do
conceito. Essa questão é de suma importância para a avaliação de matemática na teoria
histórico-cultural, visto que oportuniza às professoras terem referência para ensinar e
avaliar a aprendizagem dos conteúdos matemáticos.
No relato a seguir, a professora sintetizou como poderia acompanhar o processo de
apropriação do sistema de numeração decimal pelos alunos:
Alguns indicadores que podem ser utilizados são as habilidades: o que o
aluno é capaz de fazer. Entre outras:
238
Agrupar quantidades;
Realizar trocas de “um para muitos”;
Atribuir valor posicional, inicialmente no ábaco e, posteriormente, nos
algarismos;
Operar e resolver situações-problema utilizando os conceitos acima (RP–
Th).
Nesse sentido, as professoras compreenderam, no que se refere, sobretudo, ao sistema
de numeração decimal e às quatro operações, que a simples identificação e escrita dos
numerais e a resolução automática das operações fundamentais não significa que os escolares
apropriaram-se do conceito de número e das operações, isto é, que eles pensam
numericamente. Para atingir esse pensamento, que é teórico, é preciso que as crianças tenham
oportunidade de realizar atividades que as mobilizem a pensar sobre os conceitos que
envolvem o sistema de numeração (base, valor posicional, correspondência um-a-um,
agrupamento, notação simbólica) em relação.
As professoras, ao se apropriarem dos conceitos fundamentais do sistema de
numeração decimal, bem como da história da produção destes conceitos, têm condições de
elaborar situações desencadeadoras de aprendizagem, as quais por sua vez, criam necessidade
de apropriação do conceito pelo aluno. Desta forma, ao invés de trabalhar com os aspectos
sensoriais e observáveis do objeto a ser conhecido, conseguem desenvolver atividades de
ensino que envolvam as propriedades internas e suas interconexões, possibilitando, assim, a
apropriação do conceito científico e o desenvolvimento do pensamento teórico em
matemática.
O ensino de matemática, ao focalizar os conhecimentos teóricos, requer uma avaliação
para além dos limites do observável e das manifestações discursivas; solicita que se analisem
as aprendizagens dos alunos pautadas nas suas ações de aprendizagem, de modo a
revelar as mudanças que promovem no seu desenvolvimento no plano psicológico. Isso
significa que, além de classificar, identificar e reconhecer os aspectos do conceito, os
professores e os alunos terão condições de dominar o movimento de apropriação dos
conceitos científicos. A avaliação assim concebida responde a questão que foi levantada por
uma das professoras da OPM/RP
239
Th - Em língua portuguesa eu tenho indicadores ou elementos para identificar o que a
criança aprendeu [...]. Já, em matemática, não temos elementos para saber o que o aluno
aprendeu e preparar atividades.
Os elementos para determinar a apropriação do conceito em matemática são as
condições objetivas proporcionadas aos alunos e a complexidade do conceito científico. As
primeiras são as atividades de ensino elaboradas pelos professores, as quais são materializadas
na situação desencadeadora de aprendizagem, o aluno ao buscar a solução para a situaçãoproblema estará realizando ações de aprendizagem. A segunda é determinada pelos conceitos
que compõem um determinado sistema. Por exemplo, para que aluno se aproprie do conceito
de área é preciso que compreenda os conceitos de largura e comprimento em movimento. Isto
significa que o fato de o aluno calcular a área de uma determinada figura geométrica
retangular, ao utilizar o procedimento de multiplicação do comprimento pela largura, não
garante que ele tenha a compreensão do conceito de área. Para dominar esse conceito, é
necessária a compreensão da unidade de área. Quando isto ocorre, há uma mudança do
pensamento matemático, visto que o sujeito passará trabalhar com duas dimensões. O
resultado do procedimento A= C x L constitui-se a soma das unidades de área.
Assim, avaliar em matemática depende fundamentalmente: do conceito que está sendo
ensinado, de sua relação com os nexos conceituais e das ações mentais para a sua apropriação.
Se os professores desconhecem os nexos conceituais envolvidos em um conceito, ficam sem
referência para a elaboração da atividade de ensino e, conseqüentemente, para a avaliação da
aprendizagem dos alunos. Então, a complexidade do conceito e as condições objetivas para
a sua apropriação são elementos essenciais para avaliar a aprendizagem dos
conhecimentos matemáticos.
A avaliação do processo de apropriação do conhecimento será realizada pela análise
do sistema de atividade, por meio dos elementos estruturantes da atividade, na dinâmica entre
atividade de ensino e atividade de aprendizagem. A avaliação é assumida como mediadora
entre essas duas atividades, possibilitando a regulação da atividade pedagógica, no
sentido de direcionar e orientar o processo de ensino e aprendizagem por meio da
adequação, se necessária, desta atividade, de forma a assegurar a apropriação dos
conhecimentos teóricos. Diante disso, a avaliação é concebida na relação de
interdependência entre as ações de ensino e de aprendizagem e seus parâmetros são as
características do pensamento teórico – reflexão, análise e a planificação teórica.
240
Esta forma de avaliar opõe se à avaliação expressa por meio de notas e conceitos. Ela é
materializada pela descrição dos aspectos essenciais do processo de ensino e aprendizagem,
de modo a revelar a qualidade das ações dos alunos e dos professores.
Os registros sobre a aprendizagem dos alunos devem contemplar os objetivos, os
conteúdos, as atividades desenvolvidas e quais ações de ensino possibilitaram as objetivações
ou não das aprendizagens dos escolares. O documento escolar sobre o desenvolvimento dos
alunos que considera esses elementos (ações de ensino, ações de aprendizagem e a
aprendizagem alcançada), com certeza, constitui-se um material significativo para análise do
processo de ensino e aprendizagem, superando a análises do desempenho escolar por meio de
notas e conceitos e mesmos as descrições inócuas sobre a vida escolar dos alunos.
Nesta concepção, os instrumentos utilizados para avaliar são os mesmos usados na
realização da atividade de aprendizagem, no processo de apropriação dos conhecimentos. Não
há diferença entre a condução da aula e a realização da avaliação, visto que a avaliação é uma
ação inerente às atividades de ensino e de aprendizagem, cujo objetivo central é conhecer este
processo.
Observamos que a própria atividade traz implícita, no seu processo de realização e na
busca de solução para as situações-problema, a verificação das ações, possibilitando à criança
e ao professor rever o trajeto e os instrumentos utilizados na formulação do conceito mediante
a análise das ações. Isto indica que o processo de realização da atividade é tão importante
quanto o produto, porque toda atividade possibilita o processo de análise e síntese dos
diferentes graus de dificuldades.
Essa forma que utilizamos para avaliar a aprendizagem docente, a análise do sistema
de atividades que os sujeitos realizam no processo de ensino e aprendizagem, na dinâmica
entre atividade de ensino e atividade de aprendizagem, tendo como referência as bases para o
desenvolvimento do pensamento teórico e os níveis de desenvolvimento definidos por
Vigotski – desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal, teve como objetivo
principal elucidar a relação entre ensino (processo formativo da OPM/RP), aprendizagem e o
desenvolvimento docente. Compreendemos que essa é a função principal da avaliação na
perspectiva da teoria histórico-cultural. Entendemos que estes pressupostos teóricometodológicos podem ser utilizados para outras situações de aprendizagem de diferentes áreas
do saber.
241
Assim, a avaliação nesta perspectiva, é assumida como mediadora entre a atividade de
ensino elaborada pelo professor e a atividade de aprendizagem realizada pelo aluno,
fornecendo elementos para esclarecer e orientar o processo de ensino e aprendizagem. Seu
parâmetro fundamental são os conhecimentos teóricos necessários à formação humana dos
sujeitos envolvidos no processo educativo. A avaliação sob esta ótica, é uma ação inerente à
atividade pedagógica e reguladora desta atividade.
O que determina a aprendizagem dos sujeitos é o grau de domínio da essência do
conceito e sua atividade efetiva com os conhecimentos apropriados. No caso da aprendizagem
docente, o domínio dos conhecimentos matemáticos foi a referência para a nossa análise. Essa
se constitui em uma diferença importante entre a prática avaliativa na perspectiva históricocultural e as demais práticas avaliativas. Se pensarmos nas aprendizagens dos escolares em
geral, o domínio dos conhecimentos teóricos é a referência para a progressão dos alunos. Esta
lógica avaliativa se contrapõe às atuais formas de avaliar os alunos, tendo em vista que não se
objetiva em um avanço na série ou ciclo, mas em um avanço que terá como referência os
conteúdos fundamentais para o desenvolvimento humano. Cabe ressaltar, que este modo de
avaliar contribui para pensar uma nova forma de organização do sistema de ensino nas
escolas, particularmente, nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
No quadro a seguir, apresentamos uma síntese sobre o que assumimos como
elementos essenciais da avaliação na teoria histórico-cultural, tendo como base teóricometodológica para a organização do ensino a AOE:
242
ATIVIDADE ORIENTADORA DO
ENSINO
Desencadeou uma
Significação social;
Núcleo do trabalho
do professor;
Organização
da
intervenção junto ao
aluno;
Conteúdo:
conhecimentos
teóricos
Atividade de
Ensino
Atividade de
Aprendizagem
ANÁLISE DO MOVIMENTO
DO SISTEMA DE ATIVIDADE
Transição entre o
pensamento
empírico para o
teórico
AVALIACÃO
Reflexão;
Análise;
Planificação
teórica das ações
Perceber o movimento
externo e interno no
processo de apropriação
do conhecimento
Processo de
atividade cognitiva;
Processo de solução
das tarefas
autônomas;
Processo de
assimilação dos
conhecimentos;
Processo de
condições de origem
dos conhecimentos;
Conhecer como os
escolares realizam
suas
ações
e
operações.
Os
motivos de suas
ações.
Se os objetivos
propostos pelo
professor constituem
propostas significativas para os alunos.
Figura 5 - Processo Avaliativo na Teoria Histórico-Cultural
Essa forma de analisar a atividade do aluno e do professor constitui a base para a
avaliação na teoria histórico-cultural, por permitir compreender:
a)
a relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento psicológico;
b)
se a atividade de ensino elaborada pelo professor desencadeou uma
atividade de aprendizagem;
243
c)
se as ações e operações de aprendizagem desenvolvidas pelos escolares
promoveram a apropriação dos conhecimentos teóricos;
d)
a transição entre o pensamento empírico e teórico;
e)
que o conteúdo das ações dos alunos está diretamente relacionado com a
qualidade das mediações, pautada na organização do ensino.
Ao assumirmos que a avaliação na teoria histórico-cultural constitui-se em um
constante processo de análise e síntese e que seu direcionamento é dado pelo objetivo
principal da atividade de ensino elaborada pelo professor – a intencionalidade pedagógica, o
professor, ao avaliar, terá condições de conhecer o processo de apropriação do conhecimento.
Dessa maneira, poderá intervir com o intuito de garantir a formação dos conhecimentos
teóricos e, conseqüentemente, a formação do pensamento teórico, isto é, contribuir para que
os sujeitos envolvidos no processo educativo desenvolvam as máximas capacidades
intelectuais.
O estudo da avaliação da aprendizagem, tendo como referência a teoria históricocultural, ofereceu oportunidades ímpares que precisam ser destacadas, tendo em vista que elas
podem lançar direção para outras investigações.
A primeira, diz respeito à organização do ensino. Ao buscarmos elementos para a
avaliação da aprendizagem em matemática na teoria histórico-cultural, foi necessário pensar e
organizar o ensino, como foi o caso dos trabalhos realizados junto ao grupo colaborativo na
OPM/RP, também nesta perspectiva. Acreditamos a forma de organizar e avaliar a
aprendizagem realizada junto às professoras nesta oficina deve ser estendida para diferentes
sujeitos em atividade de aprendizagem e, também, para as outras áreas do conhecimento. Para
que isso ocorra, é necessário mais pesquisas sobre esta temática, de maneira que possam
desenvolver outros conceitos que serão importantes para a implementação, nas escolas, da
organização e da avaliação da aprendizagem segundo os pressupostos da teoria históricocultural.
A segunda, refere-se à formação de professores. Nesta investigação tivemos a
oportunidade de trabalhar com professoras na OPM/RP, que se constitui em um importante
espaço de pesquisa, ensino e extensão. Consideramos que projetos com esta proposta de
trabalho são fundamentais para a articulação entre a universidade e a escola, proporcionando
um canal para a realização e a divulgação dos trabalhos científicos.
244
Uma terceira questão trata sobre a organização escolar. A avaliação da aprendizagem
na perspectiva da teoria histórico-cultural tem como referência, para se pensar a progressão
dos alunos, o domínio dos conhecimentos teóricos pelos escolares. Este pressuposto contribui
para repensar a própria organização do sistema de ensino com relação a distribuição dos
alunos na escola, isto é, permite-nos vislumbrar um outra forma de organização escolar que
ultrapasse o regime seriado e até mesmo o de ciclos. Estudos nesta linha permitirão refletir
sobre uma organização da instituição escolar de forma que proporcione reais condições para o
desenvolvimento dos sujeitos envolvidos no processo educativo. Processo que requer um
ambiente escolar propício para a realização do trabalho docente de forma colaborativa.
Ao estudar a avaliação num trabalho colaborativo, permite ter a pesquisa como uma
atividade e, sendo assim, a pesquisa é em si uma avaliação das ações no processo de produção
de conhecimento. Nesse sentido, a pesquisadora, ao organizar a investigação na dinâmica do
processo formativo da OPMRP, sob a perspectiva da teoria histórico-cultural, também
reorganizou seus conhecimentos, novas sínteses foram apropriadas tanto sobre os aspectos
teóricos quanto práticos, sobre como ensinar e avaliar em matemática.
A realização desta investigação em parceria com os professores da rede pública de
ensino oportunizou à pesquisadora um exercício singular sobre o processo de elaboração de
novos conhecimentos e, também, de aprendizagem docente como professora do ensino
superior. Ao conjugar ensino e pesquisa, esta investigação revelou-se para a pesquisadora
uma forma de produção de conhecimentos articulada diretamente com a sua atividade
principal, o ensino.
245
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255
ANEXOS
256
ANEXO A
História virtual do conceito
Pastor Linus97
Atividade Orientadora: Melhorando a contagem do Pastor
Conteúdo: Agrupamento e conceito de base numérica
Objetivo: Desenvolver o conceito de base
Problema desencadeador:
Há muito tempo atrás, o pastor Linus, contava suas ovelhas guardava uma pedra para
cada animal. Certo dia, mostrou para seu vizinho Petrus a quantidade de ovelhas de seu
rebanho. Petrus alertou o amigo dizendo-lhe que se o rebanho aumentar consideravelmente irá
carregar muita pedra e acabou criando um problema para Linus: “Como contar a mesma
quantidade com menos pedra?”
Desenvolvimento da atividade:
1) Distribuir para os grupos, dezessete pedrinhas ou unidades do material dourado que
representam a quantidade de ovelhas de Linus;
2) Solicitar que os alunos resolvam o problema, individualmente, por meio de um
desenho;
3) Discutir em grupos de três ou quatro pessoas as soluções criadas;
4) Escolher uma solução para cada grupo, que abranja todos os casos de contagem;
5) Solicitar para que os grupos apresentem a solução para a classe no retroprojetor;
6) Escolher uma das criações para se utilizada pela classe para efetuar contagens
diversas;
Exemplo: contar a quantidade 23 a partir da criação da classe, o número de alunos.
7) Registrar o ano de 2006 com a contagem escolhida.
97
Atividade extraída MOURA, M. O (Coord.) Organizando a contagem em sistemas. Programa de Formação
Continuada. Fundação de Apoio à Faculdade de Educação/USP: São Paulo, 2003.
257
ANEXO B
História virtual do conceito
Shantal98
Para a apresentação do ábaco.
(Antes de contar a história, é conveniente ter em mãos um ábaco de hastes, que pode ser
construído usando diversos materiais, como argila, massinha de modelar, madeira, isopor,
palitos de churrasco, etc.)
Esta é a história de duas amigas: Shantal e Mira. Elas eram filhas de pastores de
ovelhas, brincavam sempre juntas e quando necessário ajudavam seus pais no trato com o
rebanho. Certo dia, quando seus pais, que também eram amigos, voltavam do pasto com todo
o rebanho, as amigas ficaram a observar que os pastores contavam os animais usando um
instrumento com três hastes, nas quais iam colocando sementes perfuradas, enquanto cada
animal entrava para o curral.
Shantal, muito curiosa, se aproxima de seu pai e pergunta:
- Papai, mas que coisa esquisita vocês estão usando para contar?
- É um ábaco, serve para saber de modo mais rápido quantas ovelhas temos. Amanhão
iremos trocá-las na feira, disse meio apressado.
Shantal e Mira, ficaram então curiosas em descobrir qual das duas famílias possuía
maior quantidade de animais. Assim que seus pais entraram em casa, deixando seus ábacos
sobre a mesa, as duas amigas começaram a tentar desvendar a quantidade representada em
cada um. Afinal, pensavam, quem teria mais animais?
A marcação ficou assim:
Shantal
Mira
2
2
1
4
(Problematizar com os alunos, questionando quem tem mais e por que).
Mira foi logo dizendo:
98 98
Atividade extraída MOURA, M. O (Coord.) Organizando a contagem em sistemas. Programa de
Formação Continuada. Fundação de Apoio à Faculdade de Educação/USP: São Paulo, 2003.
258
- É claro que tenho mais ovelhas, pois tem mais sementes no ábaco de meu pai.
Shantal, muito esperta, perguntou:
- Por que será que não colocam todas as sementes na mesma haste?
- Ah, isto não sei.
Depois de muito discutirem e sem chegar a um acordo resolveram perguntar quantas
ovelhas cada família possuía. Os pais das crianças acharam graça no motivo da discussão e
resolveram aproveitar a situação e lançar um desafio às meninas.
O pai de Shantal colocou 22 pedrinhas sobre a mesa ao lado do ábaco e o pai de Mira
colocou 14.
- Esta é a quantidade de ovelhas de cada um. Como seria a marcação no ábaco se
tivesse 32 ovelhas? Questionou o pai de Shantal.
- E se eu tivesse 20? Perguntou o pai de Mira.
Deixando as filhas curiosas e empenhadas nessa tarefa se puseram a observar como
elas se divertiam em resolver o problema proposto.
- E você? Qual solução daria ao problema?
Lançando o desafio para os alunos e coordenando suas resposta, o professor ensina a regra
de representação no ábaco. A seguir lança algumas situações para serem resolvidas através
da representação no ábaco.
Shantal e Mira descobriram como era feita a marcação e deram pulos de alegria. Muito
satisfeitas, resolveram treinar esta contagem para ajudar seus pais quando fossem conferir
novamente as ovelhas do seu rebanho.
Atividades a partir da história
Após contar a história, o professor pode propor várias situações de comparação e
registro de quantidades envolvendo o contexto da história. É muito interessante cada aluno
confeccionar seu próprio ábaco e solucionar os problemas manipulando-o. Os desafios podem
ser propostos graficamente depois de realizadas as operações com o ábaco, que estará então
representado na folha. Alguns exemplos de situações-problemas:
Shantal e Mira resolveram contar sua coleção de pedrinhas usando o ábaco. As quantidades
eram as seguintes:
Shantal
Mira
259
Como ficaram estas quantidades no ábaco? Quem possuía mais? Quantas a mais?
Resolveram então juntar as suas pedrinhas, para formarem uma grande coleção. Quantas
pedrinhas ficaram?
Certo dia, o pai de Mira precisou viajar e solicitou que ela contasse suas ovelhas. Deixou
então o ábaco com Mira dizendo: “Veja bem, esta é a quantidade de ovelhas que tenho no
pasto. Confira bem, na hora de recolhê-las.” Esta era a quantidade marcada no ábaco:
Mira, satisfeita por poder ajudar seu pai, ao recolher as ovelhas faz a contagem. O resultado
foi:
O que pode ter acontecido?
O pai d eShantal tinha esta quantidade de ovelhas:
Vendeu
260
Quantas ovelhas ficaram?
Após
algumas
ovelhas.
semanas,
nasceram
Quantas ele possuía agora?
O professor pode também usar o ábaco como instrumento de registro de pontos em jogos e na
solução de outras situações-problemas.
261
ANEXO C
Carta Coletiva elaborada com os alunos da 4ª série A da Escola Estadual Hélio
Lourenço
Ribeirão Preto, 25 de outubro de 2006.
Caro Amigo Ademir
Quem escreve está carta são os amigos da 4ª A. Esta carta vai te indicar o que você pode
fazer no pomar.
Depois de muito trabalho e esforço, finalmente, nós concluímos uma resposta para a sua
carta.
Os pés de laranjas que vão ficar estão enfileirados e tem uma distância entre eles que é fácil
de perceber porque é quase igual. São 7 fileiras com8 pés em cada uma, num total de 56 laranjeiras
que ficarão.
Ademir para saber quantas vão ser arrancadas você observa as que estão fora da fileira que
são 81.
Para saber quanto você irá tirar do banco, basta multiplicar 81 vezes 5,00 que vai dar
R$ 405,00, pois serão arrancadas 81 pés de laranjas e cada um você pagará R$5,00.
Sobre os pés que serão plantados já dissemos que serão 56, se pagará R$ 10,00, basta
multiplicar 10 vezes 56, que dará 560.
Agora, para finalizar, basta juntar 405 com 560 que dará um total de 965. Essa é a quantia
que irá tirar do banco.
Terminando, a nova área a ser plantada você deve pedir ao Tião plantar 4 fileiras com 14 pés
cada uma, igual no antigo laranjal do seu tio.
Espero que nossa ajuda tenha sido útil, boas vendas e nos escreva.
Abraços
Alunos do EE Hélio Lourenço- 4ª A.