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Dossiê Criminologia e Feminismo - Uma apresentação

2016, Sistema Penal & Violência

ISSN 2177-6784 http://dx.doi.org/10.15448/2177-6784.2016.1.24676 APRESENTAÇÃO Criminologia e feminismo Uma apresentação Criminology and feminism A presentation O s artigos que compõe o Dossiê Criminologia e Feminismo trabalham, a partir de distintos temas, esses dois campos de conhecimento. Os estudos de gênero – contribuição feminista – e os estudos sobre o crime, os processos de criminalização e controle – contribuição criminológica – demarcam academicamente o potencial de suas perspectivas. Contemporaneamente, essas duas abordagens teóricas foram desafiadas pelos estudos críticos raciais e da teoria queer. A interseccionalidade entre as perspectivas de gênero, raça/etnia e sexualidades apresenta-se hoje como referência obrigatória para quem pretende analisar o controle penal. Sob diferentes prismas, estão presentes nos artigos que integram o Dossiê. No artigo Crimes sexuais na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), as autoras Rosa Maria Zaia Borges, Simone Schuck da Silva e Laura Gigante Alburquerque analisam, desde uma perspectiva de gênero, a violência institucional e a prática de crimes sexuais cometidos contra mulheres durante a ditadura civilmilitar no Brasil. As análises até então existente sobre a violência institucional no período mencionado não possuem a perspectiva de gênero. Por isso, afirmam as autoras que é urgente criar um “capítulo específico” sobre as violências sexual e de gênero nos processos de resgate da memória e da verdade inseridos na justiça de transição, indo além da generalização das violências e tornando visível uma violência de contornos específicos. Assim, a dimensão de gênero é necessária para todo e qualquer movimento histórico ou discurso emancipatório, revolucionário, ou até distributivo, pois a questão de gênero é garantia da emancipação. A temática da sexualidade, poder e violência institucional contra mulheres dentro das prisões permeia a perspectiva do artigo de Andrea Ana do Nascimento e Tainá Machado Vargas. As autoras revelam como a transversalidade dessas dimensões de gênero são ao mesmo tempo, reproduzidas no ambiente prisional e extrapolam os muros da prisão, infiltrando-se no cotidiano da vida das mulheres. Ainda sobre o sistema prisional, Ramon Alves da Silva e Adalberto Antonio Batista Arcelo analisam o binarismo sexual e a heteronormatividade que dominam a política de execução penal, ignorando a identidade e a subjetividade de mulheres transexuais e de travestis. Aqui, a interseccionalidade entre gênero e sexualidades é fortemente visível e os limites institucionais da execução penal para tratar com essas diferenças revela toda a violência institucional que as ‘desviantes’ sofrem. Os autores apresentam como possível alternativa, a criação de espaços destinados àquelas que rompem com o padrão heteronormativo, de modo a evitar mais violência. A contribuição do feminismo negro e sua crítica aos estudos de gênero de acadêmicas brancas é a tônica do trabalho de Camilla de Magalhães Gomes. A autora inspirada em bell hooks e feministas negras, realiza uma corajosa autocrítica de seu próprio trabalho, denunciando como a criminologia feminista é branca e essencialista, pois não incorpora a perspectiva racial e a produção do feminismo negro, reproduzindo um lugar de fala que emudece a outra. Como resposta, Camila aponta para a interseccionalidade que deve permear a criminologia feminista. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 1-2, jan.-jun. 2016 1 Campos, C. H. ApresentAção: Criminologia e feminismo A contribuição dos estudos vitimológicos é trazida por Vanessa Chari Gonçalves na análise sobre as possibilidades de soluções alternativas para a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido, a autora sugere que, em alguns casos, a resolução alternativa de conflitos, em especial, a mediação pode ter resultados positivos. A morte violenta de mulheres, o feminicídio é analisado em dois artigos. Patsili Toledo examina as legislações na América Latina, e em especial na Argentina, pontuando a dificuldade de aplicação desse tipo penal – femicídio/feminicídio na região latino-americana. Examinando decisões de tribunais argentinos, a autora identifica que em muitas vezes, há incompreensão da violência de gênero. Em outros casos, os tipos penais trazem conceitos do feminismo que dificulta o entendimento e a aplicação do próprio tipo. Analisando a experiência brasileira do feminicídio, Ela Wiecko de Castilhos problematiza as Diretrizes Nacionais do Feminicídio, a partir de um projeto piloto de sensibilização de profissionais da área do direito. A autora pontua que as Diretrizes são um importante instrumento para uma investigação, denúncia e decisão com perspectiva de gênero. Além disso, o artigo traz as contribuições dos setores do sistema de justiça para o aprimoramento de uma investigação policial sensível ao gênero. Por fim, a criminalização do aborto através do PL 5069/2013 é analisado no artigo de Carmen Hein de Campos, Rovena Furtado Amorim e Júlia Teixeira Loyola. As autoras discutem como a proposta criminalizante viola os direitos das mulheres, especialmente a sua autonomia reprodutiva e se inscreve em contexto de recrudescimento do punitivismo no Brasil. A ampliação da criminalização de condutas e práticas médicas pretende impedir que profissionais e movimentos sociais colaborem para reduzir os danos de um abortamento inseguro. Concluem as autoras que o projeto de lei é uma violência institucional e uma violação aos direitos humanos das mulheres. Este número da revista Sistema Penal & Violência conta ainda com mais dois artigos, inseridos cada qual em uma das linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS. Em seu artigo coletivo, inserido na linha de ViolênCia, Crime e segurança PúbliCa, Felipe Ornell, Renata Maria Dotta, Juliana Nichterwitz Scherer, Sonia Lucinda Modena, Vanessa Dal Cin, Adriana Mokwa Zanini e Silvia Chwartzmann Halpern tratam do enorme desafio representado pelo atendimento à saúde da população carcerária, analisando dados relacionados ao Rio Grande do Sul. Na linha de sistemas JurídiCo-Penais ContemPorâneos, Marcia Elayne Berbich de Moraes apresenta parte substancial do argumento da sua tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, no qual dialoga intensamente com a obra de René Girard e extrai algumas consequências para fornecer uma compreensão do papel peculiar do processo penal como ocultador e canalizador da violência social. Desejo a todos uma excelente leitura! Carmen Hein de Campos Doutora em Ciências Criminais, PUCRS. Professora do Programa de Mestrado em Segurança Pública, UVV/ES. <e-mail@???> Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 1-2, jan.-jun. 2016 2