O D ESI GN TÊXTI L E A CON SCI ÊN CI A PROJETUAL
Luz García Neira
Mest re em Ciências da Com unicação ( ECA- USP) e Dout oranda em Arquit et ura e
Urbanism o ( FAU- USP) . Docent e do curso de Bacharelado em Design de Moda do Cent ro
Universit ário Senac- SP. <
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RESUM O
A hist ória do design de t êxt eis est á relacionada à hist ória da indust rialização, pois a
at ividade, de cert a m aneira, consolida as prát icas proj et uais de cada espaço- t em po em
observação. No Brasil, ao t om ar com o t em po de reflexão um longo período – da
“ descobert a” do país às prim eiras décadas do século XX –, verifica- se um a m udança
cont ínua na lógica proj et ual provocada, sobret udo, por pressões econôm icas que m arcam
as diferent es fases observadas. At é o século XVI I I , a consciência da necessidade de
sobrevivência com cert a dignidade m at erial im pulsiona o proj et o; durant e o século XI X, a
consciência
sobre
aprim oram ent o de
a
necessidade
de
desenvolvim ent o
indust rial
im pulsiona
o
produt os e, finalm ent e; no início de 1900, a consciência sobre o
proj et o surge, e ele passa a ser vist o com o et apa que ant ecede o produt o, podendo ser o
diferencial para o sucesso econôm ico do em preendim ent o.
Pa la vr a s- ch a ve : hist ória do design t êxt il; indust rialização; proj et o.
IARA – Revista de Moda, Cultura e Arte – São Paulo v.2 n.1 set. / dez. 2009 – Dossiê 1
Luz García Neira | O design têxtil e a consciência projetual
Con side r a çõe s in icia is
Se faz t odo o sent ido acredit ar que, ent re as décadas de 1950 e 1960,
aproxim adam ent e, é que passam os a t er consciência a respeit o da at ividade do design no
Brasil, m as que, m uit o ant es dessa dat a, a at ividade proj et ual j á era evident e ( Cardoso,
2005) , pret endo reflet ir, nest e m om ent o, sobre o design de t êxt eis nesse período. Não se
poderia concluir, at é 1960, pela m anifest ação da “ inconsciência” na prát ica do design,
m as sugerir que a consciência se aproxim ava da prát ica, sem ser ela m esm a proj et ual
por excelência.
É cert o que as condições que fizeram nascer o Design I ndust rial são prát icas de
concepção e de produção m uit o diferent es das que exist ent es hoj e em dia ( Dubuisson e
Hennion, 1996) , porém os part idos adot ados para o desenvolvim ent o de produt os
t razem , desde o século XVI , ingredient es das variáveis dos proj et os. Tant o com o
processo
quant o
com o
produt o,
acredit a- se
que
t om a
part e
do
design
a
m at erialização/ concret ização de um a lógica inst aurada que cost um a at ender a aspect os
obj et ivos ( t ecnicoeconôm icos) e relat ivos, ist o é, cult urais ( Munari, 1973) em um
det erm inado cont ext o de circulação de m ercadorias, e, t ant o hoj e quant o em t em pos
m ais dist ant es, essa lógica sem pre est eve present e, m esm o em processos art esanais.
Trat a- se, assim , nest e m om ent o, de discut ir alguns dos principais desafios que
suscit aram o desenvolvim ent o de produt os t êxt eis no Brasil ant es da rupt ura ( Cardoso,
2005) .
Desenvolvendo produt os de acordo com as m at erialidades e os sím bolos que
perm earam o am bient e social, do início do século XVI à prim eira m et ade do século XX, é
possível verificar a lut a incessant e dos indivíduos em preendedores que, prim eiram ent e,
t ent aram resolver seus problem as de subsist ência com a produção de t ecidos rúst icos
( consciência da necessidade)
est rangeira
( consciência
do
para,
post eriorm ent e,
progresso)
e,
para
com pet irem
t al,
com
aprim oraram
a produção
processos
de
desenvolvim ent o de produt os ( consciência do produt o) .
IARA – Revista de Moda, Cultura e Arte – São Paulo v.2 n.1 set. / dez. 2009 – Dossiê 1
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At é agora,
só foi possível t er acesso a esse cont ext o e, com isso, elaborar
hipót eses prováveis, por m eio de font es secundárias. Aliás, a exist ência no Brasil de
raras am ost ras de t ecidos, ant eriores ao século XI X, evidencia- se com o um problem a que
vem
sendo
cont inuam ent e
apont ado
( Paula,
2004;
Andrade,
2006)
por
nossos
pesquisadores.
Com base em narrações que versam , sobret udo a respeit o do desenvolvim ent o da
indust rialização e das t rocas sociais do período, a versão aqui apresent ada const it ui
apenas um a int erpret ação possível ( Le Goff, 1994) . É necessário, desse m odo, que o
leit or perceba que, em cam adas abaixo dest e t ext o, exist em out ras, const ruídas por
hist oriadores, sociólogos e escrit ores que aplicaram visões m ais rom ânt icas ou m ais
crít icas ao período em quest ão, de acordo, obviam ent e, com suas próprias “ consciências”
de indúst ria e sociedade. E porque não dizer, t am bém , de sua consciência de design? Tal
aspect o m erece um a ressalva, pois, raros aut ores com pesquisas abrangent es discut em o
design de t êxt eis ao falarem de indust rialização no Brasil.
Com o est e t rabalho versa a respeit o da fase em que o produt o é definido na
ausência de consciência proj et ual, m as t angencial a ela, o t ópico que t rat a da segunda
m et ade do século XX apenas procura dem onst rar que os esforços em preendidos em
séculos ant eriores surt iram efeit os posit ivos sobre o desenvolvim ent o do design de
t êxt eis. Esse período, port ant o, não est á t rat ado com a profundidade necessária.
Cabe,
apresent ada
enfim ,
e
m encionar
publicada
que
est e
nos Anais do
art igo
8º
part e
de
Congresso
um a
Brasileiro
versão
de
ant erior,
Pesquisa
e
Desenvolvim ent o em Design ( P&D) , ocorrido em São Paulo, em out ubro de 2008.
D o sé cu lo XVI a o XI X: con sciê n cia sobr e a n e ce ssida de
Em Origens e evolução da indúst ria t êxt il 1850- 1950 1 , publicação que pode est ar
ent re as precursoras acerca das origens e do desenvolvim ent o da indúst ria t êxt il
brasileira,
deparam o- nos
com
t erm inologias
curiosas
que
qualificam
os
t ecidos
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Luz García Neira | O design têxtil e a consciência projetual
produzidos ou im port ados pelo Brasil durant e o período. Tais designações evidenciam
que, m uit o em bora não exist isse o m esm o grau de consciência que at ualm ent e t em os
sobre a prát ica proj et ual, as diferenças ou qualidades foram not adas e, port ant o,
verbalizadas.
Tem os acesso às ideias de produt os t êxt eis por descrições que nos chegaram
pelos est udos hist óricos e, t am bém , pelos relat os de viagens e out ras lit erat uras. Est im ase a presença de um a variedade de t ecidos considerável além daquelas ‘desqualificações’
m encionadas por St ein ( 1979) , com o “ panos para negros” , “ panos para pessoas m enos
favorecidas pela sort e” , et c., ut ilizados para t ecidos grosseiros em geral. Out ras, quando
definidoras de algum nível de “ design” ( no sent ido m at erial, porque apresent avam algum
desenvolvim ent o de m at éria- prim a e processo produt ivo e, no sent ido sim bólico, porque
pret endiam dest inar- se a um out ro t ipo de consum o) , ou referiam - se ao local de origem
– bret anha, para espécies de t ecidos vindos da I nglat erra ou que im it avam as t ram as
inglesas, por exem plo –, ou aparência/ uso, ou sej a, “ est avam classificados de acordo
com a sua qualidade. Havia os superiores e os inferiores ou ordinários” ( Januário, 2006,
p. 178) . Essas nom eações foram usadas para a sua t ransform ação em m ercadorias.
Diferent em ent e dos produt os considerados art esanais, que no caso do Brasil
relacionam - se com a produção de art efat os indígenas, bem ant es do ano de 1500, e que
englobaria basicam ent e t écnicas de fiação, de cruzam ent o e de t ingim ent o de fibras para
a confecção de t angas, t únicas, calças, redes e cest as, ent re out ros, o design de t êxt il,
t om ado em sua perspect iva indust rial, é int erpret ado com o fat or de diferenciação,
progresso e concorrência.
Desconsiderando
I sso se inicia, no m ínim o, após dois séculos de colonização.
qualquer
análise
das
form as
significat ivas
quase
sem pre
present es nos m odos de produção art esanais ( Shoeser, 2003) , pode- se afirm ar que, at é
o século XVI I , a produção de t ecidos2 local era de subsist ência, dedicada apenas à
m anufat ura de t ecidos grossos dest inados às classes m ais pobres, à sem elhança do que
t am bém ocorria em Port ugal ( Delson, 2004) . Esse sist em a, que cont ava com a
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m ãodeobra escrava, t ant o para fiar quant o para t ecer, m anifest ou- se nas áreas m ais
povoadas de quase t odo o t errit ório e supria a necessidade int erna de produção de
t ecidos dest inada ao vest uário, com o t am bém às sacarias para o açúcar e o t abaco
produzidos nas fazendas, não se exigindo, port ant o, qualquer aprim oram ent o dos t êxt eis
“ da t erra” .
Para Delson ( 2004) , apesar de o Brasil possuir condições m uit o favoráveis ao
desenvolvim ent o desse t ipo de indúst ria, dispondo de m at éria- prim a abundant e, grande
quant idade de m ãodeobra, am plo m ercado int erno e, event ualm ent e, algum apoio dos
governos locais, sua posição com o colônia port uguesa const rangeu seu aprim oram ent o
durant e um longo período, um a vez que Port ugal est ava at ado aos t ecidos ingleses, pelo
Trat ado de Met huen, firm ado em 1703. Esse acordo com ercial, t am bém conhecido com o
Trat ados de Panos e Vinhos, liberava o envio de t ecidos ingleses para Port ugal sem o
pagam ent o de im post os alfandegários e, ainda, concedia os m esm os benefícios aos
vinhos port ugueses na I nglat erra.
Um a nova polít ica econôm ica im plant ada por Marquês de Pom bal ( 1600- 1782) ,
prim eiro- m inist ro port uguês no período 1750- 1777, t eria sido a responsável por
est im ular o surgim ent o de pequenos em preendim ent os t êxt eis3 em t odo o t errit ório
nacional à alt ura, conform e relat os de usuários com m ais posses e exigências, um a vez
que é apont ada a produção de linhos, veludos, rendas e t ecidos com fios de ouro e prat a.
Sem dúvida, a m aior part e da produção era de “ panos brancos” e um a cot a bem m enor
ut ilizava o t ingim ent o com o fat or de diferenciação, produzindo os prim eiros riscados com
a ut ilização de fios crus e t int os, que exigiam conhecim ent o sobre recursos nat urais ( os
corant es) e t écnicas quím icas. Além desses, conform e Delson ( 2004) , t ecidos m ais
grossos e acessíveis com ent relaçam ent o de seus fios previam ent e t ingidos, que
form avam padrões geom ét ricos sem elhant es aos dos art efat os indígenas, indicam a
influência cult ural da m ãodeobra sobre os produt os, o que t ornava t al produção capaz de
at ender
aos
valores
sim bólicos
desses
que
t am bém
eram
seus
consum idores.
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Luz García Neira | O design têxtil e a consciência projetual
Re pr odu çã o r e t ir a da da obr a de D e lson ( 2 0 0 4 ) .
Le ge n da : “ Prospect o do Tear , com que fazem as suas r edes m ais delicadas as Í ndias da villa de Mont e- Alegre”
Ao longo do século XVI I , a vida social na Colônia j á dava evidências de que os
t ecidos t inham um valor sim bólico que ia além de sua funcionalidade. Em decret o de
1696, por exem plo, aos escravos e negros foi proibido o uso de det erm inados t ipos de
t ecidos, cores e aviam ent os, rest ringindo a classe de t ecidos, t ida com o m ais nobre, aos
indivíduos de m aior posse e, ainda, dist inção. Econom icam ent e, a im port ância da
indúst ria t êxt il para o desenvolvim ent o dos países era fat o que com eçava a ser
observado ou, no m ínim o, a desaceleração dos processos indust riais vivenciada na
Europa abalava as finanças dos governos.
Nesse cont ext o, ao verificar que o t rânsit o de t ecidos cont rabandeados no Brasil
ou, ainda, o suprim ent o de algum as espécies pelas incipient es indúst rias que se
desenvolviam na Colônia, o governo port uguês foi alert ado quant o à im port ância do
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segm ent o. Assim , o Alvará de 5 de j aneiro de 1785, assinado pela Rainha Dona Maria I
( 1734- 1816) , proibiu a fabricação de m anufat uras de linho, algodão e seda na Colônia.
Le ge n da : Dona Maria I e Pedro I I I , 1760- 1785. Óleo sobre t ela, Museu Nacional dos Coches, Lisboa.
A m ot ivação polít ica do alvará era o im pedim ent o de const rução de um cam inho
em direção à independência: “ t endo os m oradores da colônia, por m eio da lavoura e da
cult ura, t udo quant o lhes era necessário, se aj unt assem a isso as vant agens da indúst ria
e das art es para vest uário, ‘ficarão os dit os habit ant es t ot alm ent e independent es de sua
capit al dom inant e’” ( Holanda, 2004, p. 107) . Desse m odo, coibiu- se o desenvolvim ent o
t êxt il no Brasil por m ais alguns anos.
Conform e indicam os docum ent os hist óricos exam inados por Libby ( 1997) , o at o
significou um a ação desm edida, um a vez que, na verdade, 94,8% da produção se t rat ava
de pano liso de algodão, em sua m aioria grosseira, e apenas um a pequena parcela de
designações do período indicaria a possível exist ência de variedades cuj a produção era
de fat o proibida:
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A segunda cat egoria m ais frequent e, im port ando em m ais 3% dos
t ipos de pano regist rados, era um a m ist ura de algodão liso com
algodão desenhado. O significado de desenhado não é claro; pode
t er envolvido o uso de fios coloridos ou sim plesm ent e panos
brancos com relevos. ( p. 111)
Mesm o que a am pla at ividade t êxt il, no âm bit o fam iliar, sej a significat iva para
apont ar que o país se m ost rava propício ao desenvolvim ent o indust rial, som ent e com a
chegada de Dom João VI , em 1808, e a revogação de dit o Alvará, é que se passou a
est im ular indist int am ent e a produção de t ecidos. Passam os, ent ão, a receber do Reino,
após 1813, invest im ent os em m aquinário e em m ãodeobra especializada, por sua vez,
dest inados a t ransform ar a t ecelagem local num a indúst ria prom issora, assim com o
ocorrera na I nglat erra 4 .
A hist ória dessas prim eiras em presas não foi m uit o prom issora, pois além das
quest ões t arifárias im pedindo
que se fizesse o
invest im ent o
necessário
para o
desenvolvim ent o dos produt os e das m anufat uras, a falt a de um a m ãodeobra qualificada,
capaz de operar as prim eiras m áquinas que exigiam delicadeza no t rat o, puseram fim
aos invest im ent os j á realizados. Observa- se, assim , que, at é m eados da década de 1870,
a variedade e a qualidade do produt o est avam lim it adas pelo seu processo produt ivo
carent e de qualquer inovação:
Em 1882, um a com issão parlam ent ar const at ou: a produção de
um fabricant e em nada diferia da produção de out ro; não havia
nenhum a
novidade,
variação
ou
m elhoria
que
aut orizasse
recom endar o t ecido de um a fábrica qualquer ou dist ingui- lo dos
t ecidos produzidos há anos ( St ein, 1979, p. 77) .
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Mesm o que os produt os t êxt eis nacionais t enham sido ut ilizados, quase que em
sua t ot alidade, para abast ecer as classes m enos favorecidas e, por essa razão, at ingiam
seu grau m áxim o de qualidade quando const at ada sua resist ência, não se deve negar
que o cam inho para a associação das caract eríst icas dos produt os ao sucesso
em preendedor havia sido t raçado. O m aior exem plo é o início da part icipação brasileira
nas
Exposições Universais: um nom e para cada coisa, um lugar para
cada nom e e para cada coisa, um t em po- espaço para exibir os
result ados. O Brasil, desde 1861, candidat ou- se a t om ar part e
at iva nessa represent ação. Cat alogou t udo que podia; decorou
seus com part im ent os; ent rou na cena do desfile m undial das
m ercadorias; com plet ava- se, assim , o rit ual de passagem que o
fazia at uar por int eiro no concert o das nações. A im agem do país
m oderno dessa form a se const ruía. Já era possível se m ost rar in
t ot um e nos det alhes. At é as frat uras est avam expost as ( Hardm an
apud Rezende, 2003, p. 125) .
A
qualidade
dos
t ecidos
brasileiros
passou
a
ser
reconhecida
inclusive
int ernacionalm ent e e inúm eras são as m enções honrosas recebidas por fabricant es
brasileiros em diferent es exposições. Esse fat o foi ut ilizado por nossas indúst rias com o
argum ent o de vendas e de prom oção do t ecido nacional:
fabricant es brasileiros
obt iveram m enção honrosa na exposição de Viena, em 1873 ( STEI N, 1979) ; prem iação 5
obt ida pela fábrica de t ecidos Carioba na Exposição Universal de Paris, em 1891, em
virt ude de “ art efat os de algodão” , enviados para subm issão; e de out ros enviados pela
Com panhia Am érica Fabril do Rio de Janeiro para a Exposição Universal de 1895,
t am bém prem iados ( WEI D, 1995) .
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A pr im e ir a m e t a de do sé cu lo XX : con sciê n cia sobr e o pr ogr e sso
Não é porque se verifica grande expansão das m anufat uras t êxt eis, ao longo do
século XX, que se deixa de observar a perm anência das at ividades art esanais de fiação e
t ecelagem . Aliás, esses t ecidos cum prem o m esm o papel daqueles produzidos pelas
prim eiras indúst rias, caract erizando- se com o grosseiros, apesar de exibirem , conform e
olhos at ent os, um design int eressant e. Pearse afirm a: “ alguns dos designs produzidos
pelos
t eares
m anuais
são
com plet am ent e
art íst icos,
sobret udo,
considerando
a
com binação de cores. Geralm ent e, t int as veget ais são usadas pelo t ecelão, que t inge ele
m esm o seu próprio fio” ( 1922, p. 26) .
Le ge n da : Reprodução ret irada da obra de Pearse ( 1922) . I m agem de m ulher fiando no int erior do Brasil, na
prim eira década do século XX.
Mas, na perspect iva indust rial, durant e t odo o século XI X, os t ecidos aqui
fabricados foram qualificados apenas por seu possível uso ou por sua funcionalidade,
sendo dest inados àqueles que realizavam at ividades subalt ernas: “ t ecidos para roupas
para os t rabalhadores, escravos e livres, da cidade e do cam po” ; “ panos para ensacar
açúcar e café” ; “ t ecidos de segunda usados som ent e para vest ir negros e para
enfardam ent o” ; “ t ecidos de algodão de segunda, adequados para roupas de escravos e
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colonos e para ensacam ent o” e “ pesados adequados para as classes da sociedade m enos
favorecidas pela sort e” e, t am bém , ao enfardam ent o de m ilit ares. Ent ende- se, port ant o,
que, durant e um longo período, t odos os t ecidos diferenciados pelo seu design e que
davam origem às vest im ent as da burguesia e
t am bém agradavam as m ulheres m ais
pobres, em sua m aioria, de origem im port ada:
Naqueles t em pos [ referindo- se à década de 1870] , um vest ido
com um
de
algodão
est am pado
de
m anufat ura
inglesa
ou
port uguesa cust ava ent re oit o e doze m il- réis, ist o é, de duas a
t rês libras est erlinas, devido ao m onopólio do com ércio, at ravés do
qual os m ercadores de Recife cobravam os preços que bem
ent endiam por suas m ercadorias. Porém , desde a abert ura dos
port os ao com ércio est rangeiro, as m ercadorias inglesas vêm
penet rando por t odo o país, e os vendedores am bulant es são
m uit o num erosos ( Kost er apud Libby, 1997, p. 101) .
Nesse cont ext o, m uit o em bora a indúst ria t êxt il brasileira est ivesse conscient e de
que oferecia t ecidos grossos que “ apresent avam m aior durabilidade” e que “ podiam ser
lavados m uit as vezes sem perder a resist ência e a t ext ura” ( St ein, 1979, p. 71) , a
concorrência com os produt os est rangeiros evidenciou a necessidade de m udanças.
Le ge n da : Reprodução ret irada da obra de Pearse ( 1922) . I m agem de m ulher fiando no int erior do Brasil, na
prim eira década do século XX.
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O prim eiro passo deu- se em direção ao aprim oram ent o das m anufat uras6 ( Mello,
2003) que, com o foi observado, operavam em t odas as et apas de t ransform ação da
m at éria- prim a – da lim peza do algodão ao t ingim ent o do t ecido –, não perm it indo
especializar- se em nenhum a delas. Por m eio de reform as nos t eares, aquisição de novas
m áquinas e especialização da m ãodeobra, perseguia- se o aum ent o da produção de
t ecidos e a obt enção de um padrão de qualidade que insist ent em ent e relacionava- se à
sua durabilidade e resist ência.
Os consum idores brasileiros, no ent ant o, cont inuavam a deixar- se “ seduzir pela
im pressão de boa aparência” ( St ein, 1979, p. 71) e, por isso, é possível que a indúst ria
t enha se sent ido est im ulada para o aperfeiçoam ent o e para a diversificação da produção
de t ecidos, a part ir de 1885, quando se localizam descrições de produt os nacionais
indicando a produção de novas variedades com o riscados7 , cassinet as8 e panos9 para
cam isas.
Todos esses produt os, obt idos pelo ent relaçam ent o de diferent es fios e de
alt erações na est rut ura de t ecim ent o, caract eríst icas específicas de acabam ent o quím ico
e/ ou físico, assim com o aqueles produzidos com fios de ouro e prat a ( Novais apud Libby,
1997) indicam o dom ínio das t écnicas de padronagem t êxt il. Essa at uação vem
dem onst rar que os prim eiros responsáveis por novas criações t eriam sido os próprios
operários, m est res e dem ais profissionais que pudessem est ar envolvidos com o processo
produt ivo, à sem elhança do que ocorrera com o processo de produção de t êxt eis na
I nglat erra em 1830 com o dest acou Boydell ( 1995) , ao afirm ar que “ woven design is
produced ent irely by m em bers of t he product ion st aff [ ...] ” ( p. 31) .
Adem ais,
o
que
Boydell
( 1995)
denom ina
t ext ile
design
( desenho
de
est am paria 10 ) , e que t eve início em m anufat uras européias no final século XVI I ,
apresent a raras font es hist óricas no Brasil. É possível, por hora, reconst it uir apenas o
cenário onde se pret endia im plem ent ar est am parias ou onde as prim eiras acabaram por
se est abelecer, não t endo sido especuladas ainda as t écnicas e t radições de desenho, a
at ividade profissional e at é m esm o afirm ar com precisão sobre as t ecnologias de
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im pressão disponíveis e as m ais com um ent e ut ilizadas. Out ra hipót ese, ainda, é de que
alguns dos processos de est am paria, apoiados na ideia de beneficiam ent o e m elhoria dos
t êxt eis, t enham ocorrido em oficina de t int uraria no Rio de Janeiro, em 1866, por um
em preendedor francês que se j ulgava o pioneiro na art e de im pressão de t ecidos no
Brasil.
Há cont rovérsias. Mello ( 2003) , por exem plo, indica, com o prim eira int enção para
a produção de t ecidos est am pados no Brasil 11 , a do Coronel Ant onio Barbosa da Silva,
considerado o pioneiro no cam po das indúst rias de t ecidos de Minas Gerais, quando, em
Sabará, “ fez plant ar o linho, m andou vir art ist as da Europa, e fez t ecer lãs, linhos,
algodões lisos e laureados” ( p. 30, grifos m eus) por volt a de 1768, ou sej a, com cem
anos de defasagem em relação ao uso m anufat ureiro da t écnica de block- print ers12 na
I nglat erra.
Em Minas Gerais, desde m eados do século XI X, est am pavam - se, t am bém a part ir
de cunhos, as chit as ( Mellão et al., 2005) . Com a int enção de concorrer com os chint z
ingleses, esses t ecidos m ant iveram a t radição da est am pa floral, m as foram barat eados
em sua const rução t êxt il que, sendo caract erizadas por t ram as m ais abert as, deram
origem a t êxt eis de m enor qualidade. At ualm ent e, a chit a que encont ram os no com ércio
pode t er a m ist ura de fibras art ificiais.
No Sudest e, a pret ensão de est am par t ecidos apenas m anifest ou- se quando os
ingleses j á est am pavam t ecidos em m aquinário de alt a produt ividade, ou sej a, nas
m áquinas
roller- print er 13 ,
pat ent eadas,
em
1785,
na
I nglat erra
e
rapidam ent e
dissem inadas pela Europa. No Rio de Janeiro, em 1820, foi m at riculada na Real Junt a de
Com ércio no Rio de Janeiro um a est am paria e, na Província de São Paulo, a prim eira
ideia de inst alar m áquinas de est am paria, de procedência francesa, som ent e ocorreu em
1825, quando o francês Nicolau Dreys solicit ou ao governo doação de t erras em local
onde poderia obt er ácido pirolenhoso pela dest ilação da m adeira, necessário ao processo
quím ico de est am paria ( MELLO, 2003) .
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Luz García Neira | O design têxtil e a consciência projetual
Sobre nossa aparent e dificuldade em produzir t ecidos est am pados, é possível que
isso t enha um a relação diret a com o desconhecim ent o t écnico que Port ugal t am bém
t inha, nesse sent ido. Segundo Mello ( 2003) , nas prim eiras décadas do século XI X,
Port ugal est ava at rasado em conhecim ent os quím icos e esse fat o causou a quebra desse
segm ent o indust rial, enquant o que out ros est udos ( Sloat , 1975) dem onst ram que, no
m esm o período, a t ransferência de t ecnologia da I nglat erra para os Est ados Unidos
prom oveu significat ivos avanços na Colônia: em 1826, j á se est am pavam indust rialm ent e
t ecidos pelo sist em a de blocks e, no ano seguint e, em m áquinas de est am paria com
rolos, verificando- se t am bém pesquisas e invest im ent os na área da quím ica t êxt il para
garant ir a qualidade do produt o final.
I niciat ivas em preendedoras à part e se devem considerar, ainda que exist am
diferenças subst anciais ent re a possibilidade de se produzir t ecidos est am pados e a sua
criação por designers no Brasil, área na qual as descobert as hist óricas e t écnicas t endem
a ser m ais inovadoras. Já é possível ant ecipar, no ent ant o, que, ant es da virada do
século, algum as fábricas de t ecidos j á t inham escolas de art ífices funcionando em seu
int erior e lá o desenho para a est am paria e t am bém a padronagem dos t ecidos eram
ensinados.
St ein ( 1979) afirm ou que, em 1894, a única indúst ria capaz de produzir t ecidos
est am pados no Rio de Janeiro era a Com panhia Progresso I ndust rial do Brazil. Supõe- se,
no ent ant o, de que a possibilidade de produzir padrões criados no Brasil só t enha
ocorrido a part ir de 1903, quando foi inaugurada a oficina de gravura dessa fábrica, “ que
passou a cont ar com um a prensa lit ográfica, um a t ipográfica e um m ot or elét rico” ( Silva,
1989, p. 30) . Na opinião dest e, a part ir de ent ão “ foi possível a seção recom por e abrir
novos cilindros de cobre, at é ent ão im port ados da I nglat erra” ( p. 30) e, sabe- se, j á
t rabalhava na fábrica o port uguês José Villas Boas, chefe da sessão de gravura,
considerado “ est ilist a” , ao m enos em relat os at uais14 .
A Com panhia Am érica Fabril, localizada no Rio de Janeiro, t am bém decidiu a part ir
de 1903 invest ir na sofist icação e diversificação de sua produção, inst alando um a seção
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de est am paria e beneficiam ent os com plem ent ares ( Weid, 1995) que, a part ir de 1911,
foram pot encializadas pelas inst alações anexas de apoio, “ com o um a oficina de gravura e
um laborat ório quím ico indust rial” ( p. 14) . Para a realização desses beneficiam ent os, a
em presa passou a cont ar “ com pessoal t écnico especializado” ( Weid, 1986, p. 139) ,
dando a ent ender que, de início, as indúst rias prepararam - se para a produção para, em
seguida, poderem realizar t am bém o proj et o dos t ecidos, que foi expandido com a
inauguração, na década de 1920, de um a seção de bordados com dez m áquinas para
bordar t ecidos que em pregou “ um m est re, ou um t écnico de bordados, ou pant ografist a,
responsável pela elaboração dos desenhos e o m anej o do pant ógrafo” ( p. 211) .
Os novos invest im ent os em t ecnologia t êxt il dest inada ao proj et o parecem t er sido
m ot ivados pela int enção de a indúst ria nacional capacit ar- se para a concorrência com os
t ecidos ingleses que ainda dom inavam o m ercado int erno quando o padrão de referência
era a nobreza e a variedade:
Com o t am bém se t ornasse necessário m elhorar a apresent ação do
t ecido, foram com pradas e assent adas na sala de m orim um a
calandra
de
lust rar
e
um a
m áquina
de
branquear
[ ...] .
A
Com panhia [ Com panhia Progresso I ndust rial do Brazil - - Bangu]
cont inuava [ refere- se ao ano de 1900]
com sua polít ica de
renovação e aperfeiçoam ent o, est im ulada pela diversificação dos
t ecidos da fábrica e especialização do m ercado int erno, e t am bém
por causa da concorrência que os sim ilares nacionais passaram a
fazer aos produt os est rangeiros ( SI LVA, 1989) .
Ainda que não sej a possível afirm ar com
precisão em
que m edida havia
originalidade nos t ecidos produzidos no Brasil e, sem dúvida, isso quer dizer t am bém
adequação funcional à realidade nacional ( especificam ent e, sobre o peso dos t ecidos) , o
avanço da indúst ria nacional, pela via da aquisição de equipam ent os e t ecnologia,
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Luz García Neira | O design têxtil e a consciência projetual
reverberou, sem dúvida, no produt o que passou a ser oferecido para o consum idor.
Algum as em presas, com o a Bangu, – q ue, no ent ender da pesquisadora Bonadio ( 2005) ,
era um a exceção naquele período – foram recom pensadas por seu em preendedorism o,
sendo galardoada na exposição de 1908 com “ duas m edalhas de ouro, para gravura
m ecânica e t ricom ia, e o Grande Prêm io dest inado aos m elhores t ecidos” ( Silva, 1989, p.
134) 15 , abrindo espaço para um a segm ent o indust rial que avançaria rapidam ent e nos
anos seguint es.
Em relat ório oficial ( Pearse, 1922) , elaborado de m arço a set em bro de 1921,
apont ou- se para o crescim ent o vert iginoso do segm ent o t êxt il, not adam ent e fiações e
t ecelagem de algodão. Os núm eros indicam : havia 9 indúst rias t êxt eis, em 1865; 49, em
1845; 110, em 1905; e, segundo o Cent ro I ndust rial de Fiação e Tecelagem do Rio de
Janeiro, em 1921, j á cont ávam os com 242 unidades fabris. Tal avanço fez com que o
próprio relat or verificassse que, naquela dat a, apenas os t ecidos im port ados de alt íssim a
qualidade t inham condições e gozavam de diferenciais para com pet ir no m ercado
brasileiro.
A se gu nda m e t a de do sé cu lo XX : consciê ncia sobr e o pr odu t o
As prim eiras décadas do século XX sediaram a grande expansão da indúst ria t êxt il
brasileira. Dados levant ados por Loureiro ( 2006) indicam que, em 1920, o país j á
cont ava com 1.211 est abelecim ent os t êxt eis de diversos t ipos e, em 1940, esse núm ero
havia crescido para 2.210, o que result ou na ocupação de m ãodeobra de m ais de 94 m il
t rabalhadores e, t am bém , na m udança de perfil desses operários. Se, inicialm ent e, as
at ividades de fiar e t ecer podiam ser realizadas por m ulheres e crianças, “ funções m uit o
especializadas, t ais com o a de engom ador, t int ureiro, est am pador e m ecânico rat ificam a
predom inância
do
hom em - adult o,
quando
o
saber
t écnico
t ornava- se
essencial”
( Loureiro, 2006, p. 41, grifos m eus) . Origina- se, desse m odo, a ideia de que ao haver
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grande núm ero de est am padores e operários relacionados com o acabam ent o quím ico
dos t ecidos, havia t am bém um a at ividade proj et ual precedent e sobre a qual cabem
novas invest igações.
Avent a- se a hipót ese de que o período 1920- 1950 t enha sido, por diversas razões,
o responsável pela “ nacionalização” da at ividade t êxt il, o que perm it e afirm ar que, ao
longo dessas t rês décadas, conquist ou- se capacidade t écnica suficient e t ant o do pont o de
vist a da m ãodeobra quant o do m aquinário 16 , para que fosse possível prom over esse
set or no Brasil.
Nesse m om ent o, a diversificação e a busca para a m aior qualidade de t ecidos,
segundo Loureiro ( 2006) , foi vist a com o um a saída para um a crise que t ornava
insust ent ável, especialm ent e no período 1930- 1940, quando não havia equilíbrio ent re a
capacidade int erna de produção de t ecidos e a de seu consum o. Um a est rat égia
relevant e para alinhar t al falt a de sint onia foi a produção de art igos de luxo “ para suprir a
dem anda das classes ricas” ( Loureiro, 2006, p. 261) .
A valorização da qualidade dos t ecidos nunca havia sido t ão grande. Em art igo de
Cecília Meireles de 1939, a escrit ora revela diferent es preços de roupas, segundo os
t ecidos que descreve com o “ t ecido regular com bordados” , “ t ecido m elhor” ou “ vest ido
de brocado sem out ro enfeit e que é a própria t ela” , e considera ainda que “ o vest ido ou é
sim ples, e a sua riqueza est á na qualidade do t ecido, ou é com plicado, e gast a- se m uit o
em bordados e aviam ent os” ( Meireles apud Maleronka, 2007, p. 111) .
Esse padrão de consum o, evident em ent e im post o pelo rit m o da indúst ria
européia, gerou um sist em a de reprodução de t ecidos em seus aspect os est rut urais e
est ét icos, que t am bém dom inou t ant o a confecção das roupas pelas m odist as quant o
pelo prêt - à- port er ( Maleronka, 2007) , dando início a um período de “ busca de ident idade
nacional” que m erece dest aque.
A at ividade precursora desse processo pode ser at ribuída a Piet ro Maria Bardi
( 1900- 1999) ao organizar, em novem bro de 1952, a exposição Moda Brasileira no,
ent ão, Museu de Art e ( at ual Masp) . A ideia, segundo Bardi ( 1952) , era a de “ apresent ar
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m odelos e t ecidos criados por art ist as nacionais com o propósit o de increm ent ar o est udo
e o desenvolvim ent o da m oda” , sendo os principais obj et ivos de o t rabalho revelar
aspect os vivos de nossa cult ura e est im ular a aut onom ia da nossa m oda com o expressão
das reais necessidades populares, o que foi ent endido pela im prensa no período com o a
criação de um a m oda popular acessível a t odos.
Recebendo apoio t écnico e de m at eriais da Casa Anglo Brasileira ( Mappin) , Bardi
convidou Caribé ( 1911- 1997) , Burle Marx ( 1909- 1994) e Sam bonet ( 1924- 1995) para
desenharem est am pas e criarem m odelos e, ainda, Klara Hart och, para professora das
aulas de t ecelagem do m useu, para a elaboração dos t ecidos.
Apesar do êxit o popular do event o, com provado com inúm eras crít icas favoráveis
em j ornais, nas próprias palavras de Bardi, esse event o t rat ou de um em preendim ent o
“ que não deu cert o” . Dez anos depois, no ent ant o, com o obj et ivo de int roduzir no
m ercado
int erno
t ecidos produzidos com
fios sint ét icos,
a Com panhia Brasileira
Rhodiacet a reproduziu o m esm o t ipo de event o e apoiou o desenvolvim ent o de est am pas
por art ist as brasileiros e, de seus respect ivos m odelos, por est ilist as nacionais, com o
est rat égia de divulgação dos fios sint ét icos ainda não incorporados à cult ura nacional.
Essa ação com ercial parece t er sido bast ant e significat iva para o desenvolvim ent o
criat ivo da indúst ria t êxt il brasileira, pois, segundo Bonadio ( 2005) , “ ent re o final da
década de 1950 e início da década de 1960 [ ...] , as est am pas dos t ecidos [ brasileiros]
são carregadas e pouco dialogam com os padrões adot ados pela m oda parisiense e pelas
art es” e t eria sido a Rhodia a responsável pela alt eração do design dos t ecidos no Brasil,
quando o “ excesso de flores m iúdas é subst it uído por padrões predom inant em ent e
geom ét ricos, os quais dialogam diret am ent e com as novas produções da m oda parisiense
e, em especial, com a art e abst rat a e concret ist a” ( p. 84) .
Não por acaso, a ação com unicat iva da em presa foi a de indust rializar a produção
art íst ica daqueles que eram expoent es de nossa ident idade m oderna no período. Tal
m odelo – o est ím ulo à produção de est am pas por art ist as brasileiros – t am bém foi
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reproduzido em out ras inst âncias, quando da realização de concursos e, t am bém , da
ext ensão dessas referências a inúm eras t ecelagens e est am parias brasileiras.
Con side r a çõe s fina is
Sabem os que as prát icas proj et uais, assim com o se dirigem a at ender quest ões
de ordens obj et iva e relat iva ( Munari, 1973) , t am bém respondem a elas, ist o é, um a
cult ura de proj et o inst ala- se em decorrência de quest ões t écnicas, econôm icas e
cult urais. Esse breve t rabalho procura dem onst rar que é possível, a part ir do est udo
dest e cont ext o, indicar causas de um det erm inado st at us de desenvolvim ent o de
produt os e, t am bém , analisar as suas consequências, t ant o com
o obj et ivo de
com preender o passado quant o para focar o olhar nos fat os do fut uro ( Bloch, 2002) .
N OTAS
1. St anley J. St ein foi brasilianist a am ericano que chegou ao Brasil em 1948 e r ealizou pesquisas
sobre a produção cafeeira, t am bém , sobre a indust rialização. Seu livro publicado nos Est ados
Unidos, em 1957, foi post eriorm ent e t raduzido para o port uguês no Brasil.
2. É im port ant e dest acar que est e est udo dedica- se apenas a observar a indúst ria t êxt il em seu
segm ent o de t ecelagem . Os hist oriadores pesquisados indicam , com bast ant e firm eza, a exist ência
de plant ações de algodão e de sua fiação, sobret udo para a export ação, porém a indust rialização
do algodão não será abor dada nest e t r abalho.
3. Diversos aut ores j á afirm aram que a at ividade t êxt il no âm bit o fam iliar sem pre foi m uit o com um
no Brasil e exercida, especialm ent e, pelas m ulheres e crianças. Libby ( 1997) chegou a sugerir,
inclusive, que esse t alvez t enha sido um dos m ot ivos pelos quais não houve int eresse por
indust rializar a at ividade t êxt il, fadada, naquele m om ent o, ao preconceit o, por part e dos
pat riarcas.
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4. Segundo Rafael Cardoso ( 2005) , a indúst ria t êxt il inglesa foi responsável pelo prim eiro surt o
indust rial verificado no final do século XVI I e que, devido à sua crescent e t ecnologização, viabilizou
o aum ent o da dem anda em função da am pla ofert a de m ercadorias por um baixo cust o.
5. Cart a enviada a Paris, em 3 de j unho de 1895, solicit ando a ent rega da m edalha ao Sr.
Benj am in Wilm ol, possivelm ent e em visit a à cidade. Arquivo do Est ado de São Paulo.
6. Nesse caso, m anufat ura refere- se ao m odo de pr odução e não aos produt os. I sso quer dizer que
os invest im ent os realizados eram para m elhorar a produt ividade dos em preendim ent os e não
diversificar
produt os.
7. Adornado com riscos ( diz- se de t ecido) ; list rado, conform e Dicionário Houaiss. Do pont o de vist a
da t ecnologia t êxt il, esses t ecidos, na ocasião, eram obt idos com fios de urdum e de cores
diferent es ent re si, ist o é, um a criação dependent e do t ecim ent o. At ualm ent e esse t ecido é
conhecido por fio t int o.
8. Tecido fino de lã, usado geralm ent e para forrar roupas, conform e Dicionário Houaiss.
9. Pelo que pôde ser observado pela revisão bibliográfica, pano refere- se a um a qualidade de
t ecido específica, provavelm ent e alvej ada ou colorida, ou sej a, não cru. O t erm o t ecido ( com o
subst ant ivo) aparece raram ent e com o descrição dos t ecidos at é o século XX.
10. A grande part e dos aut ores t écnicos denom ina o t ext ile design de Boydell com o print ed t ext ile
design.
11. Sabe que esses recursos poderiam dar origem a t ecidos desenhados com base em t écnicas de
ent relaçam ent o ( j acquard) , porém é pouco prov ável que t enha sido essa a int enção dada à
necessidade de concorrer com os t ecidos ingleses predom inant em ent e est am pados.
12. Block- print er é um sist em a de im pressão a part ir da elaboração de desenhos em alt o relevo em
placas de m adeira, t ant o por m eio da ret irada da m adeira com o por m eio de aplicação de desenhos
em m et al. Em língua port uguesa, denom ina- se cunhos.
13. Roller print er é um sist em a de im pressão por m eio de cilindros de cobr e nos quais os desenhos
a serem im pressos são encravados. Por m eio da im pressão indiret a – o cilindro
é subm erso em um t anque e a t int a deposit ada nas est rias, por cont at o, passa a um cilindro
recobert o de m at eriais adequados ( com caract eríst icas da borracha) –, o pigm ent o ent ra em
cont at o com a superfície do t ecido.
14.
ht t p: / / fut eboleum acaixinhadesurpr esas.blogspot .com / 2007/ 10/ o- escudo- e- as- cores- do-
bangu.ht m l Acessado em 22/ 12/ 2007.
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15. Apesar de at é o m om ent o não t er acesso a im agens ou docum ent os prim ários desse fat o,
com parando esse relat o com o cat álogo dos produt os enviados por São Paulo que t em grande
núm ero de fot ografias de t ecidos expost os, o depoim ent o j ust ifica- se. Ent re as inúm eras im agens,
m ais de 95% t razem apenas t ecidos lisos, list rados e xadrezes.
16. Não cabem discussões a respeit o da origem do m aquinário, m as sobre a sua disponibilidade no
Brasil para que fosse possível produzir bens concorr ent es com os est rangeiros.
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