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Patologia

O protozoário Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, penetra ativamente nas células do hospedeiro, onde reverte para uma forma amastigota, se multiplica por sucessivas divisões binárias, enchendo, distendendo e rompendo as células parasitadas, eliminando formas amastigotas e tripomastigotas. Ao se romper, a célula parasitada libera diversos mediadores da inflamação. Onde quer que ela esteja localizada, aí os leucócitos polis e mononucleares se acumulam em torno, formando a primeira resposta básica do hospedeiro. Esta reação pode ser tornar extensa e confluente em alguns locais, mas sempre na dependência da intensidade do parasitismo. No coração entretanto a inflamação costuma adquirir caráter diferente, difuso, isto é, se estendendo em extensas áreas, não mais em relação direta com a presença dos parasitas, quando complexos fatores imunológicos assumem participação proeminente. Assim sendo, a patologia da doença de Chagas é uma patologia inflamatória, a qual pode ter um caráter focal ou multifocal em qualquer órgão e em qualquer fase da doença, mas exibindo no coração um componente difuso que pode aparecer tanto na fase aguda, como na fase crônica cardíaca.

Patologia geral O protozoário Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, penetra ativamente nas células do hospedeiro, onde reverte para uma forma amastigota, se multiplica por sucessivas divisões binárias, enchendo, distendendo e rompendo as células parasitadas, eliminando formas amastigotas e tripomastigotas. Ao se romper, a célula parasitada libera diversos mediadores da inflamação. Onde quer que ela esteja localizada, aí os leucócitos polis e mononucleares se acumulam em torno, formando a primeira resposta básica do hospedeiro. Esta reação pode ser tornar extensa e confluente em alguns locais, mas sempre na dependência da intensidade do parasitismo. No coração entretanto a inflamação costuma adquirir caráter diferente, difuso, isto é, se estendendo em extensas áreas, não mais em relação direta com a presença dos parasitas, quando complexos fatores imunológicos assumem participação proeminente. Assim sendo, a patologia da doença de Chagas é uma patologia inflamatória, a qual pode ter um caráter focal ou multifocal em qualquer órgão e em qualquer fase da doença, mas exibindo no coração um componente difuso que pode aparecer tanto na fase aguda, como na fase crônica cardíaca.   A forma aguda Esta forma tem as características clínicas de uma infecção generalizada, de gravidade variável, sendo o diagnóstico sugerido pela presença dos sinais de porta de entrada (sinal de Romaña, chagoma cutâneo) e comprovado pelo encontro dos parasitos no sangue periférico (exame a fresco ou gota espessa). Os casos fatais costumam exibir nas necrópsias intensa miocardite e\ou meningo-encefalite, por vezes com grave broncopneumonia bacteriana como complicação. Os parasitos intracelulares são encontrados em vários órgãos, principalmente no interior do miocárdio, os testes de imuno-histoquímica facilitando o reconhecimento da intensidade do parasitismo (Figura 1).  A inflamação no miocárdio costuma ser muito intensa, difusa, em desproporção com o numero de células parasitadas. Há evidências morfológicas indicativas da  participação do sistema imune na ampliação desta resposta inflamatória, como o achado  de linfócitos e macrófagos aderidos, com fusionamento de membranas em focos de desintegração de cardiomiócitos, dados morfológicos reveladores de citoaderência e citotoxidade, bem como a presença de uma microangiopatia. A presença de necrose de miocardiócitos não parasitados é também um achado comum. Nos demais órgãos a inflamação é focal ou multifocal, sempre em relação direta com células parasitadas. Estas últimas podem ser desde macrófagos, células musculares lisas e estriadas até mesmo adipócitos da gordura cinzenta, e células gliais no sistema nervoso central e  as correspondentes células satélites no sistema nervoso autônomo. Em relação à presença de parasitismo e inflamação nas suas vizinhanças imediatas, os neurônios nos plexos mioentéricos podem exibir lesões regressivas de vários graus ou mesmo necrose e lise.   Figura 1: miocardite chagásica aguda fatal observada em uma criança. Note-se a intensa inflamação e a presença de parasitos intracelulares (A), o que aparece bem mais evidente com a aplicação da técnica imuno-histoquímica (B). A: H.E., 200X; B: Imuno-peroxidase, com anticorpos anti-Trypanosoma cruzi.  100X.  Forma crônica indeterminada A maioria absoluta dos indivíduos infectados pelo T. cruzi, tenha ou não previamente apresentado uma forma aguda evidente, geralmente  evolui para um estado de aparente equilíbrio parasito-hospedeiro, sem manifestações clínicas. Este estado de infecção silenciosa é denominado forma indeterminada. Para ser mais preciso o diagnóstico, exige-se que esta forma seja identificada não só pelas evidências sorológicas e/ou parasitológicas da infecção, como pela demonstração radiológica e eletrocardiográfica de normalidade dos aparelhos digestivo e circulatório, para evitar a inclusão de portadores de formas evolutivas ainda no seu estágio assintomático. Em cerca de 30% dos casos pode ocorrer uma transição para a forma cardíaca anos mais tarde, mas a maioria não mostra tendência evolutiva. A patologia da forma indeterminada tem sido investigada em indivíduos humanos assintomáticos, com sorologia positiva para o T. cruzi, através de biópsias miocárdicas ou em necrópsias após morte acidental ou suicídio. Tem também sido investigada em animais experimentais, pois quase todos os mamíferos desenvolvem uma infecção aguda quando inoculados com o T. cruzi, a qual logo é seguida por uma forma crônica indeterminada. Destes, apenas o cão já foi comprovado como capaz de evoluir espontaneamente para uma forma crônica, com arritmías, cardiomegalia, congestão visceral e derrames cavitários após um longo período de infecção silenciosa. Todos estes estudos, com material humano ou experimental, revelam que o substrato morfológico da forma indeterminada é uma miocardite focal discreta, autolimitada. Há evidências imuno-histoquímicas e moleculares da relação do T. cruzi com tais lesões miocárdicas focais. O infiltrado inflamatório focal é policlonal, intersticial, não lesa os miocardiócitos, e se acompanha de uma ligeira expansão fibrosa focal da matriz intersticial. Tudo indica que, após um certo tempo, o infiltrado inflamatório desaparece, após as células inflamatórias exibirem um surto de apoptose, enquanto o excesso de tecido intersticial é degradado e re-absorvido (Figura 2). Tudo sugere a existência de um equilíbrio entre as novas lesões que se formam e aquelas mais antigas que sofrem regressão, o que explicaria a formação de lesões focais miocárdicas, anos após anos, sem efeito cumulativo, e sem aparente repercussão sobre o funcionamento cardíaco. Há fortes indícios de que células imunes reguladoras participam deste processo de supressão do processo agressivo fisiopatológico e que a sua falha ou eliminação determinaria a atuação, sem oposição, dos mecanismos lesionais da forma crônica cardíaca da doença. Figura 2: forma indeterminada da doença de Chagas no cão. Quase todas as células de um infiltrado miocárdico focal exibem alterações de apoptose. A: microscopia eletrônica, 3.000X; B: técnica do Apoptag, 400X. O surgimento de imunodepressão de qualquer etiologia, inclusive naquela resultante da AIDS, pode induzir a reativação do parasitismo generalizado em portadores da infecção peloT. cruzi, re-agudizando a infecção. Em alguns casos têm surgido peculiares lesões encefálicas tumorais, expansivas, com extensa proliferação glial e a presença de numerosos parasitos intracelulares.    Forma crônica cardíaca Esta forma é representada por uma miocardiopatia inflamatória fibrosante, essencialmente arrítmica, que leva à uma insuficiência cardíaca progressiva, de curso fatal. O agente etiológico, o T. cruzi, nem sempre pode ser demonstrado nas secções histológicas, mas os achados patológicos são muito uniformes e característicos. Muitas vezes ocorre uma lesão altamente característica, senão patognomônica, ao nível da ponta do ventrículo esquerdo, comumente designada como "lesão da ponta" ou "aneurisma". Trata-se de um adelgaçamento, sem fibrose, mas com atrofia das fibras miocárdicas, e protusão da ponta do ventrículo esquerdo do coração. Esta lesão tem conexão íntima com o peculiar envolvimento do sistema de condução do coração na forma crônica cardíaca da doença de Chagas. É provável que um dos efeitos destas lesões apareça sob a forma de um retardo na chegada do estímulo elétrico à região da ponta do ventrículo esquerdo. A pressão da coluna sanguínea a cada sístole, sobre uma zona não ativada, acaba por provocar uma “herniação” das paredes do ápice do ventrículo esquerdo (Figura 3). Figura 3: típica lesão apical “aneurismática” da forma crônica cardíaca da doença de Chagas. A histologia da miocardite crônica também tem peculiaridades, pois exibe uma inflamação essencialmente fibrosante, com alterações de várias idades, o que revela um processo dinâmico, progressivo. Este processo se estende ao tecido de formação e condução de estímulo elétrico, num padrão dos mais variados, com fibrose, ectasia e graus variáveis de esclerose vascular, em áreas variadas, o que explica o porque da doença apresentar quase todas as arritmias catalogadas, isoladas ou combinadas, como em nenhuma outra cardiopatia. Com a dilatação das câmaras cardíacas e a propagação da inflamação ao endocárdio, os trombos intracardiácos se formam freqüentemente, especialmente nas fases terminais da cardiopatia, gerando êmbolos e infartos em vários órgãos, os mais importantes envolvendo o sistema nervoso central. Forma crônica digestiva             A expressão mais importante desta forma da doença é o megaesôfago endêmico do Brasil Central, vindo em seguida o megacólon. Estas manifestações se iniciam como uma incoordenação motora (disperistalse), devido ao comprometimento do sistema nervoso autônomo (plexos mioentéricos) pela doença de Chagas. Embora as lesões neuronais afetem o plexo mientérico em várias partes do tubo digestivo, as maiores repercussões ocorrem no esôfago e cólon. Nestes locais o conteúdo costuma ser sólido e portanto mais dependente das forças peristálticas. Também a presença de esfíncteres nestes locais, senão anatômicos pelo menos fisiológicos, contribui para agravar a disperistálsis. Esta estimula o peristaltismo de luta, a que se segue hipertrofia das camadas musculares, seguida no final pela dilatação ou ectasia dos órgãos comprometidos. Nos megas digestivos, vê-se que há na porção mais distal uma zona estreitada fazendo transição entre a parte normal e a zona dilatada, fusiforme ou cilíndrica. A mucosa pode apresentar áreas de metaplasia, que no esôfago podem ser vistas como zonas esbranquiçadas (metaplasia epidermóide). Podem aparecer zonas ulceradas, mais comuns no colon (úlceras estercoráceas). O aparecimento de um câncer pode ser uma complicação do mega, especialmente do megaesôfago. Microscopicamente, os plexos mioentéricos aparecem destruídos, tanto na zona estreitada, como na zona dilatada. Estudos ultraestruturais têm mostrado lesões peculiares na camada muscular em casos de megas, mas não se sabe se elas seriam primárias ou secundárias O quadro anatomo-patológico dos megas chagásicos não difere essencialmente do que se vê nos megas esporádicos que são observados fora das áreas geográficas onde a doença de Chagas não existe.