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Patologias Sociais

Revista Dissertatio de Filosofia

Este artigo apresenta uma revisão de literatura, que possui como objetivo investigar como o fenômeno corpolatria está inserido em publicações científicas. Teve como lócus três portais de buscas (Scielo, Portal de Periódicos da CAPES e Google Acadêmico) e recorte temporal de 2012 a 2021. Os dados foram analisados qualitativamente, no qual, averiguou-se a conceituação de corpolatria destacada na literatura e o local de origem dos estudos. A partir dos resultados, inferiu-se que a temática ainda é incipiente entre os pesquisadores brasileiros, embora haja boa distribuição geográfica dos estudos. Percebeu-se que corpolatria é uma patologia da modernidade, caracterizada pelo culto exagerado do corpo, referendada como uma espécie de ditadura corporal, estabelecida pelo discurso do corpo perfeito. Disseminada pela mídia, pelas redes sociais e pela sociedade, caracteriza-se como uma patologia social à medida que causa mal-estar social, pois pode gerar consequências físicas, transtornos psic...

PATOLOGIAS SOCIAIS: UMA REVISÃO DE LITERATURA SOBRE CORPOLATRIA EM PUBLICAÇÕES (2012-2021) Patrícia Weiduschadt Universidade Federal de Pelotas / CNPq Vitor Garcia Stoll PPG em Educação da UFPel Resumo: Este artigo apresenta uma revisão de literatura, que possui como objetivo investigar como o fenômeno corpolatria está inserido em publicações científicas. Teve como lócus três portais de buscas (Scielo, Portal de Periódicos da CAPES e Google Acadêmico) e recorte temporal de 2012 a 2021. Os dados foram analisados qualitativamente, no qual, averiguou-se a conceituação de corpolatria destacada na literatura e o local de origem dos estudos. A partir dos resultados, inferiu-se que a temática ainda é incipiente entre os pesquisadores brasileiros, embora haja boa distribuição geográfica dos estudos. Percebeu-se que corpolatria é uma patologia da modernidade, caracterizada pelo culto exagerado do corpo, referendada como uma espécie de ditadura corporal, estabelecida pelo discurso do corpo perfeito. Disseminada pela mídia, pelas redes sociais e pela sociedade, caracteriza-se como uma patologia social à medida que causa mal-estar social, pois pode gerar consequências físicas, transtornos psicológicos e insegurança. Palavras-chave: corpolatria, ditadura corporal, patologias sociais. Abstract: This article presents a literature review, which aims to investigate how the corpolatry phenomenon is inserted in scientific publications. Three websites have been used for searching (Scielo, CAPES journals and Google Scholar), within a timeline from 2012 to 2021. The data have been analysed qualitatively, in which the concept of corpolatry was investigated in literature as well as the source of the studies. From the results, it was possible to infer that the topic is still incipient among Brazilian researchers, although the studies have a good geographical distribution. It has been noticed that corpolatry is a contemporary pathology, known for excessive body worship, ratified as a sort of body tyranny, based on the speech of a perfect body. Spread all over media, social networks and society, it is characterised as a social pathology as far as it causes social discomfort, since it may result in physical health consequences, mental disorders and insecurity. Keywords: corpolatry, body tyranny, social pathology. © Dissertatio - Volume Suplementar 13, 2023 | 33-48 Patrícia Weiduschadt - Vitor Garcia Stoll 1. Palavras iniciais Na atualidade o corpo se tornou mercadoria e objeto de consumo. Esteve em curso, neste último século, transformações radicais, em perspectiva sociológica, antropológica, cultural e filosófica, em relação às práticas e discursos acerca do corpo. Neste sentido, observam-se que as discussões que se quer levantar, tem-se como mote principal de que o corpo é construído social e culturalmente (LE BRETTON, 2007). O corpo não pode ser visto numa perspectiva meramente biológica, a bem da verdade não temos um corpo, mas somos um corpo. Portanto, ele é a “(...) nossa ancoragem no mundo” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 35), daí se constitui a corporeidade, o movimento de ser e estar no mundo, produzindo identidades (SILVA, 2000). David Le Breton, sendo um dos pioneiros a tratar o corpo com centralidade e objeto de pesquisa, revisa historicamente a perspectiva sociológica de tais caminhos. A Sociologia do Corpo, obra de destaque do referido autor, mostra que uma das primeiras aproximações com pesquisas sobre o corpo, é denominada por ele, como abordagem social de modo implícito. Em tal perspectiva, não se negava que se existia um corpo, mas ele servia de meio para entender os aspectos de exploração do trabalho e do controle por meio do higienismo. Em outra etapa as pesquisas sociais, ao se aproximarem da antropologia, começam a reverberar em inúmeras investigações, em que o autor denomina “uma sociologia em pontilhado: inventário do corpo”. Em tais trabalhos investigativos privilegiaram-se aspectos de inventariar técnicas do corpo, gestualidades, etiqueta corporal, as expressões e percepções sensoriais, inscrições corporais. Apesar desta diversidade e interesse nas manifestações corporais em diferentes culturas, ainda, segundo o estudo de Le Breton, não havia sistematização metodológica deste inventário, em que o corpo tivesse a centralidade de objeto de pesquisa. Somente a partir dos anos 1960, que Le Breton considera que houve, efetivamente, uma sociologia do corpo, inclinando-se diretamente sobre ele, observando lógicas sociais e culturais. Para tanto, muitos estudos deram visibilidade ao fenômeno corpóreo. Ao mesmo tempo em que o corpo se tornou objeto de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento: da Filosofia, da Sociologia, da História, da Arte, da Saúde comportamental, entre tantas, foi evidenciado no meio social, tornandose alvo de controles, prescrições e discursos que fomentaram algumas patologias. Neste sentido, não se consegue problematizar a patologia social “corpolatria” sem compreender os diferentes sentidos do corpo ao longo do 34 Dossiê Teoria Crítica renovada e patologias sociais, Dissertatio - Volume Suplementar 13| UFPel [2023] 33-48 tempo na perspectiva social, histórica e filosófica. A corpolatria, considerada pela literatura como uma patologia da modernidade (SANTOS; RIBEIRO, 2019; DIAS et al., 2016) é caracterizada pelo culto exagerado ao corpo (CASTRO; TIMM, 2020) no sentido narcisístico de sua aparência ou embelezamento físico (SUEITTI; SUEITTI, 2015). De acordo com Malysse (2011), a corpolatria associa-se ao narcisismo corporal coletivo contemporâneo, em que há uma supervisibilidade da construção do alter ego, por meio dos padrões estabelecidos pela moda, pela mídia e pela própria sociedade. Ao estudar as representações sociais dos corpos no Rio de Janeiro, em especial da classe média, o autor descreve que o Brasil está diante de uma “obsessão psicológica” sobre a aparência do próprio corpo e da visão que os outros possuem sobre ele, o que acaba gerando um mito cultural acerca da corpolatria (MALYSSE, 2011). O culto excessivo do corpo faz com que os indivíduos circundem em torno do “eu físico”, idealizando um corpo padronizado pela mídia e pelas redes sociais; quem não se enquadra nos padrões, acaba se sentido à margem, excluído e, muitas vezes, envergonhado com a aparência corporal natural. Comumente, a corpolatria pode trazer consequências físicas, como, por exemplo, a aquisição de transtornos alimentares (como a bulimia e anorexia) e o uso indiscriminado de anabolizantes, além de transtornos psicológicos, o que a torna uma patologia social. Por patologias sociais, entende-se os processos que levam os sujeitos ao adoecimento que pode ser proveniente da rotina ou estilo de vida da população (ALMEIDA; VITAGLIANO, 2009; PIZZI; CENCI, 2021). Ou, nas palavras de Cenci e Pizzi (2021, p. 83): “(...) o termo patologias sociais aparece como uma das distintas expressões voltadas à análise do mal-estar social, sinônimo de anomia, anomalias ou, simplesmente, patologia social”. Tal conceito, do ponto de vista filosófico, é ancorado na perspectiva de Axel Honneth. Tal autor, ao apresentar o conceito de patologia social, adverte que não se pretende reduzi-lo somente a uma questão de “enfermidade” social ou individual, mas o que se quer mobilizar é que a sociedade é uma entidade orgânica. Nas suas análises é reforçada a necessidade de não se delimitar no contraponto entre o adoecimento individual e social, mas, sim focar nas relações entre as duas esferas, da individualização e da socialização. Como bem observa: Algo diferente seria focar nosso olhar não em circuitos funcionais isolados, específicos, mas em sua interação, em sua relação recíproca de adaptação. Aqui, neste plano sobreposto de entrelaçamento dos diversos âmbitos funcionais igualmente podem ocorrer distúrbios ou atritos, a saber, quando as respectivas 35 Patrícia Weiduschadt - Vitor Garcia Stoll regulações institucionais não estão afinadas ou até mesmo se prejudicam entre si. (...) Estes atritos e tensões têm em comum com enfermidades individuais que eles revelam uma relação perturbada de um sujeito, seja de uma pessoa ou da sociedade, consigo mesmo; e a limitação da liberdade, que faz parte de nosso conceito de “enfermidade”, no caso da sociedade consiste em que as soluções institucionalizadas para os âmbitos funcionais específicos atrapalham um ao outro e impedem seu desenvolvimento salutar. (HONNETH, 2010, p. 592). Neste sentido, ao instigar o conceito de corpolatria, tem-se como escolha conceitual a base teórica de patologia social de Honneth, porque ele auxilia na compreensão do uso mercadológico corporal, como um bem individual de consumo, mas que está relacionado com imposições culturais e sociais a uma padronização e distinção. Neste artigo, ancorado na teoria de patologia social e na sociologia do corpo, apresentada anteriormente, traz uma revisão de literatura a respeito da corpolatria em publicações no período de 2012 a 2021, em três portais de busca. Objetivou-se investigar como o fenômeno corpolatria está inserido em publicações científicas. Especificamente, buscou-se averiguar a conceituação destacada na literatura e o local de origem dos estudos. Para tanto, o texto está organizado em quatro tópicos, sendo o primeiro a introdução, onde se apresenta o tema. No segundo, mostram-se os caminhos da busca pelas publicações nos portais; no seguinte, os resultados e as discussões acerca da literatura e, por fim, são tecidas algumas considerações finais. 2. Caminhos da busca Metodologicamente a investigação caracteriza-se como qualitativa, que de acordo com Gil (2002) trata-se de uma sequência de atividades que engloba a redução, categorização e interpretação dos dados empíricos, procedida da redação do relatório. Neste tipo de pesquisa, os resultados são produzidos “(...) sem a ajuda de procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação, muito embora a quantificação possa ser usada” (MOREIRA, 2018, p. 406). Os dados coletados são predominantemente descritivos, há maior subjetividade entre objeto e pesquisador e a análise do processo segue a lógica indutiva (LÜDKE; ANDRÉ, 2014) No que tange aos procedimentos técnicos, classifica-se como uma revisão de literatura, que nada mais é do que “(...) a junção de ideias de diferentes autores sobre determinado tema, conseguidas através de leituras, de pesquisas realizadas pelo pesquisador” (BRIZOLA; FANTIN, 2016, p. 27). O referido método busca fornecer um panorama geral de determinado tema, 36 Dossiê Teoria Crítica renovada e patologias sociais, Dissertatio - Volume Suplementar 13| UFPel [2023] 33-48 neste caso, a corpolatria na literatura. Seu objetivo é coletar e sistematizar pesquisas anteriores, devendo detalhar suas etapas, seleção e avaliação dos trabalhos encontrados (AZEVEDO, 2016). Elencou-se como descritor de busca o termo “corpolatria”, com refinamento temporal de 2012 a 2021, com vistas a obter resultados recentes, sendo 2022 desconsiderado por estar em andamento. Foram consultadas três bases, quais sejam: (1) Scielo 1 , (2) Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) 2 e (3) Google Acadêmico 3 . Na sequência, verificaram-se os títulos, os resumos e as palavraschave das publicações, sendo consideradas para análise detalhada apenas os artigos científicos que apresentaram o termo “corpolatria” num dos campos. Teses, dissertações, resumos expandidos e resumos sobre o tema foram desconsiderados. O Quadro 01 detalha os critérios de inclusão e exclusão utilizados, bem como, o quantitativo obtido em cada etapa de busca. Quadro 01: Critérios de inclusão e exclusão e quantitativo obtido em cada etapa de refinamento Critérios de inclusão e exclusão Scielo Portal de Google Periódicos da Acadêmico CAPES Critério (1): termo de busca “corpolatria” 1 6 878 Critério (2): temporalidade. 1 6 512 0 4 10 0 4 6 - Inclusão: publicações entre 2012-2021. - Exclusão: publicações fora dessa temporalidade. Critério (3): relação com a temática. - Inclusão: presença do termo “corpolatria” no título, resumo ou palavras-chave nas bases Scielo e Portal de Periódicos da CAPES; filtragem do termo “corpolatria” no título das publicações do Google Acadêmico. - Exclusão: ausência do termo “corpolatria” no título, resumo ou palavras-chave. Critério (4): tipo de arquivo. - Inclusão: artigos. Disponível em: https://search.scielo.org/. Acesso em: 05 dez. 2022. Disponível em: https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/. Acesso em: 05 dez. 2022. 3 Disponível em: https://scholar.google.com.br/. Acesso em: 05 dez. 2022. 1 2 37 Patrícia Weiduschadt - Vitor Garcia Stoll - Exclusão: resumos, resumos expandidos, dissertações e teses. Critério (5): duplicatas. 0 4 4 - Exclusão: artigos repetidos, já encontrados em outras bases. Fonte: Autoria própria (2022). De posse do material, total de oito artigos selecionados, procedeu-se com a leitura atenta a partir da qual emergiram as seguintes categorias de análise: (1) instituição de ensino das publicações, e (2) conceito de corpolatria. 3. Resultados e discussões A partir da busca do descritor “corpolatria” nas bases de buscas e refinamento temporal de 2012-2021, obteve-se um total de 13 resultados. A exclusão dos arquivos repetidos ou inacessíveis totalizou oito publicações para análise da revisão de literatura, conforme apresentado no Quadro 02. O baixo quantitativo demonstra que a temática ainda é incipiente entre os pesquisadores. Quadro 02: Publicações ligadas a corpolatria consideradas para análise Cód. Autoria/ Ano Título A1 VALLADÃO Corpo, corpolatria e performatividade na educação física. Google Acadêmico. “Corpos e suas narrativas”: a experiência da realização de uma live no Instagram sobre corpolatria e racismo no cotidiano das aglomerações e dos isolamentos provocados pela pandemia da covid19. Google Acadêmico. Professores de educação física e a realidade da corpolatria na contemporaneidade. Google Acadêmico. , 2021 A2 CUNHA, CARDOSO, LADISLAU, 2020 A3 CASTRO, TIMM, 2020 38 Base encontrada Dossiê Teoria Crítica renovada e patologias sociais, Dissertatio - Volume Suplementar 13| UFPel [2023] 33-48 A4 SANTOS; RIBEIRO, 2019 A5 DIAS et al., 2016 A6 IANNELLI, NOVAES, A cultura da corpolatria na pósmodernidade e o deficiente físico: uma reflexão acerca dessa lógica binária. Portal de Periódicos da Pedagogia histórico-crítica, cultura corporal, saúde e atividade física: aspectos teóricos e metodológicos para o ensino médio. Portal de Periódicos da A dimensão simbólica do corpo e o fenômeno social da corpolatria. Portal de Periódicos da 2015 A7 DA SILVA, SUEITTI; SUEITTI, 2015 Google Acadêmico. CAPES. CAPES. Google Acadêmico. 2015 A8 CAPES. No pain, no gain... O discurso da corpolatria em “Lili & Elizete”. Portal de Periódicos da A corpolatria e os transtornos da imagem corporal: uma realidade que exige atenção e cuidado. Google Acadêmico. CAPES. Fonte: Autoria própria (2022). Valladão (2021), A1, em seu estudo denominado “Corpo, corpolatria e performatividade na educação física” reflete sobre a concepção de corpo e performatividade nesta componente curricular e apresenta uma revisão de literatura sobre as percepções que os graduandos e docentes têm sobre o corpo. O autor aponta para a necessidade da ampliação e qualificação da discussão sobre corpo com os docentes e graduandos, de modo que, esses profissionais possam combater os estereótipos e as estratégias da performatividade (VALLADÃO, 2021). De acordo com Ball (2010, p. 38), a performatividade pode ser considerada “(...) uma cultura e um modo de regulação, (...) um sistema que implica julgamento, comparação e exposição, tomados respectivamente como formas de controle, de atrito e de mudança”. A performatividade relaciona-se a corpolatria à medida que “(...) torna o sujeito objeto de uma avaliação (...)” (VALLADÃO, 2021, p. 75), muitas vezes, pautada somente por um ideal estético. O artigo de Cunha, Cardoso e Ladislau (2020), A2, intitulado “Corpos e suas narrativas: a experiência da realização de uma live no Instagram sobre corpolatria e racismo no cotidiano das aglomerações e dos isolamentos provocados pela pandemia da covid19” relata as percepções de professores no processo de elaboração da referida 39 Patrícia Weiduschadt - Vitor Garcia Stoll live, tendo como temática o corpo e a sociedade. O debate dos profissionais teve como objetivo refletir “(...) sobre o impacto da pandemia sobre os diferentes corpos, flertando com o racismo e instrumentalização dos corpos negros (...) e com a idolatria das formas corporais perfeitas (...)” (CUNHA; CARDOSO; LADISLAU, 2020). Castro e Timm (2020), A3, em sua pesquisa “Professores de educação física e a realidade da corpolatria na contemporaneidade” pesquisaram de que forma essa patologia vem se apresentando na contemporaneidade e como os profissionais de Educação Física estão lidando com ela. Para tanto, realizaram entrevistas semiestruturadas com profissionais de academia e submeteram os dados à análise de conteúdo. Como resultados, identificaram que a corpolatria é uma preocupação percebida pelos profissionais, sendo a conversa o principal método adotado por eles para lidar com esse fenômeno. Os entrevistados também indicaram que a formação inicial não dá subsídios para trabalhar com a temática. O estudo A4, “A cultura da corpolatria na pós-modernidade e o deficiente físico: uma reflexão acerca dessa lógica binária”, autoria de Santos e Ribeiro (2019) busca evidenciar como a corpolatria é fortemente ditada e influenciada pela mídia, acentuando o narcisismo e primando a forma física bela e referencial em evidência. Para tanto, os autores refletem e discutem a forma como o corpo é realçado na pós-modernidade, fazendo com que o corpo do deficiente físico seja inevidente e desvalorizado neste contexto, pois não se enquadra nos padrões do corpo perfeito ou referenciais pré-estabelecidos pela sociedade. Dias e colaboradores (2016), A5, em seu artigo “Pedagogia históricocrítica, cultura corporal, saúde e atividade física: aspectos teóricos e metodológicos para o Ensino Médio”, desenvolvem um plano de unidade realizado na componente curricular de Educação Física em um Instituto Federal. Abordaram-se com os estudantes os conteúdos referentes às relações e especificidades da atividade física, saúde e as influências da mídia. Por meio da pedagogia histórico-crítica, os estudantes perceberam a necessidade de lutar por uma “individualidade para si” construída a partir da coletividade, que se contrapõem ao caráter individualista (DIAS et al, 2016, p. 165). Relacionado a corpolatria, num dos encontros discutem a influência da mídia na propagação e imposição do ideal corpóreo, o que pode ocasionar o culto exagerado ao corpo e, consequentemente, causar ao indivíduo transtornos alimentares, psicológicos e físicos. A pesquisa de Iannelli e Novaes (2015), A6, denominada “A dimensão simbólica do corpo e o fenômeno social da corpolatria", intencionou examinar o lugar do corpo feminino historicamente, investigando sua dimensão social. As autoras partem do pressuposto do corpo enquanto capital, refletindo de que 40 Dossiê Teoria Crítica renovada e patologias sociais, Dissertatio - Volume Suplementar 13| UFPel [2023] 33-48 forma os hábitos corporais construídos são reflexo da transmissão cultural. Dentre os resultados, evidenciam que a corpolatria tem aspectos estruturantes na mídia e na indústria da beleza: a primeira assume o papel de mediadora, pois está intrinsecamente presente no cotidiano dos indivíduos, apresentando as novidades e descobertas tecnológicas; a segunda, dita as tendências comportamentais e os objetos e produtos consumíveis. De acordo com as autoras: Atualmente, o corpo é exibido em praticamente todos os tipos de mídias. De comerciais televisivos a toda sorte de anúncios na Internet, em sites de relacionamento, dentre outros. A venda de produtos está, portanto, diretamente ligada a ele, garantindo credibilidade e visibilidade à mercadoria. A alta exposição midiática em consonância com a potência comercial atribuída ao corpo, exibe uma cadeia de “supostos modelos de beleza” para o público consumidor e, assim como um fenômeno de massa, a corpolatria assume um elevado status social na atualidade (IANNELLI; NOVAES, 2015, p. 177). O artigo de Da Silva (2015), A7, intitulado “No pain, no gain... O discurso da corpolatria em ‘Lili & Elizete'” analisa o discurso dessa patologia nas tiras dos referidos personagens de Caco de Galhardo. Como principais resultados, o autor percebeu que as tiras traziam “(...) críticas e filiações ao discurso da corpolatria, o que demonstra a necessidade de se investigar de maneira mais profícua como o culto ao corpo afeta os sujeitos nas fissuras da história do presente” (DA SILVA, 2015, p. 93). Sueitti e Sueitti (2015), A8, em seu estudo “A corpolatria e os transtornos da imagem corporal: uma realidade que exige atenção e cuidado” pretende “(...) demonstrar os riscos que a ditadura do corpo perfeito pode promover em seus adeptos, assim como alertar sobre a necessidade de um olhar voltado para o cuidado” (SUEITTI; SUEITTI; 2015, p. 102). Para tanto, os autores abordam a corpolatria por meio da influência midiática e alertam sobre os transtornos psicológicos que podem afetar a percepção da imagem corporal. No Quadro 3 são apresentadas as instituições de ensino superior (IES) que originaram essas publicações. Para os artigos com mais de uma autoria considerou-se apenas a filiação do primeiro autor. Percebeu-se que cinco estudos são oriundos da região sudeste (A1, A2, A4, A5 e A6), dois da região sul (A3 e A8) e um da região nordeste (A7). Apesar do baixo quantitativo, percebe-se que há boa distribuição geográfica. 41 Patrícia Weiduschadt - Vitor Garcia Stoll Quadro 02: Instituição de Ensino Superior das publicações analisadas Região Sul Estado Instituição de Ensino Superior Cod. Centro Universitário Metodista – IPA A3 Faculdades EST A8 RS Universidade MG Estadual de Montes Claros – A2 Unimontes Universidade FUMEC A4 Instituto Federal - Campus Juiz de Fora A5 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ A1 Universidade Veiga de Almeida - UVA. A6 Universidade Federal da Paraíba A7 Sudeste RJ Nordeste PB Fonte: Autoria própria (2022). No que se refere a conceituação de corpolatria identificada nas publicações, A4 e A6, embasados em Senne (1995), classificam-na como uma patologia da modernidade, “(...) caracterizada pela preocupação e pelos cuidados extremos com o próprio corpo (não no sentido de saúde), mas particularmente no sentido narcisístico de sua aparência ou embelezamento físico” (SANTOS; RIBEIRO, 2019, p. 3). Neste caso, a busca por um corpo aceito dentro de alguns padrões, reforça a ideia de estetização, na qual, a busca do corpo perfeito é vista, muitas vezes, como o único caminho para a felicidade. Desse modo, considera-se que a corpolatria transformou-se em um fenômeno sociocultural, pois o indivíduo normalmente atribui a aparência maior prioridade do que outras áreas de sua vida. Ao fazer isso, coloca mais relevância ao corpo em detrimento de sua satisfação afetiva, econômica e profissional (NOVAES, 2001). A busca incessante pela perfeição corporal é intensificada na sociedade atual, pois o corpo pode ser transformado pela atividade física, intervenções cirúrgicas e recursos estéticos (SUEITTI; SUEITTI, 2015). 42 Dossiê Teoria Crítica renovada e patologias sociais, Dissertatio - Volume Suplementar 13| UFPel [2023] 33-48 Para Valladão (2021), a influência da mídia e das redes sociais faz com que os padrões de beleza sejam impostos e renovados a cada década. O acesso, principalmente, aos meios cirúrgicos intensifica as mudanças corporais, reduzindo o corpo as suas partes individuais e excluindo o todo. Por exemplo, ao diminuir a barriga, tonificar os bíceps, aumentar os seios e reduzir a cintura, “(...) seria como se as partes de nosso corpo estivessem fora de nós mesmos, e como as modificações sofridas por uma delas não fossem, na verdade, modificações do todo” (VALLADÃO, 2021, p. 76). O desejo de se enquadrar num padrão estético pré-estabelecido pode ocasionar ou agravar transtornos psicológicos, causando distorção da imagem corporal (SUEITTI; SUEITTI, 2015). Para além disso, a corpolatria pode fazer com que os indivíduos usem indiscriminadamente os recursos disponíveis para alcançar a perfeição corporal, tais como: “(...) tratamentos estéticos, dietas e suplementos alimentares facilmente encontradas na internet, sem a prescrição de um nutricionista, o uso excessivo de esteroides anabolizantes, sem receita ou mesmo acompanhamento médico” (VALLADÃO, 2021, p. 77). Esses métodos podem ocasionar graves problemas de saúde, muitas vezes levando ao óbito. Quase a totalidade de estudos destaca o caráter narcisista da corpolatria, inclusive A8 a referenda como uma espécie de ditadura corporal estabelecida pelo discurso do corpo perfeito, atribuindo ao narcisismo o seu surgimento (SUEITTI; SUEITTI, 2015). Embasados em Codo (2004) defendem: Era doença, agora é bem-estar. Era patologia, agora é ideologia. A marca mais evidente da corpolatria é o narcisismo. Curiosamente, na época de Freud os psiquiatras consideravam o culto excessivo à própria imagem como uma doença; hoje, além de perder o caráter patológico, passou a significar sinônimo de bemestar consigo mesmo. “O indivíduo toma como objeto sexual seu próprio corpo e o contempla com agrado, o acaricia e o beija até chegar à satisfação”. É assim que ele caracteriza o narcisismo, como uma patologia que hoje tornou-se ideologia (SUEITTI; SUEITTI, 2015, p. 105). Semelhante ao exposto até aqui, A3 e A5 consideram a corpolatria como uma forma de alienação que prima o culto exagerado ao corpo (DIAS et al., 2016; CASTRO; TIMM, 2020). Embasados em Codo e Senne (2005) alertam: Hoje os tempos são outros, outras serão, forçosamente, as relações entre corpo e mercadoria. Hoje ocorre ao mesmo tempo uma universalização da mercadoria como forma de troca entre os homens e a desregulamentação do mercado mediante a especulação financeira internacional. O resultado é um homem solitário, que se refugia no exercício narcísico e solitário do próprio corpo, na 43 Patrícia Weiduschadt - Vitor Garcia Stoll corpolatria. Uma armadilha: solitário e despossuído, resta a este ser humano o seu próprio corpo como exercício de autonomia e liberdade; em um primeiro movimento, busca-se a idolatria do corpo como modo de libertar-se. O corpo, contudo, mesmo idolatrado, por ser idolatrado se separa do mundo, se divorcia do outro, do mundo, ao isolar-se narcisicamente o corpo solitário impede a seu dono de enxergar além de si; aquela busca de liberdade metamorfoseou-se em outra alienação (CODO; SENNE, 2005, p. 102). Por fim, Valladão (2021), A1, também classifica a corpolatria da forma semelhante a A3 e A5, definindo-a como “(...) a busca por um corpo perfeito”. Já A2, A7 não conceituam a corpolatria. Ao observar o conjunto de trabalhos levantados, observa-se que eles perpassam a questão da corpolatria relacionando-a a questões identitárias, de gênero e raciais, potencializadas pela manipulação midiática. Ao mesmo tempo em que a diversidade poderia ser benéfica, a patologia se desenvolve na medida em que se individualiza os corpos e os leva a valorização de determinado padrão ocidental. Aqui, entende-se a identidade como sendo relacional e não essencialista, nós nos construímos como ser ao se relacionar com o outro e nos identificamos a partir mais do que não somos. Nesse sentido Hall (2000) nos ajuda a compreender que a identidade é constituída pela corporeidade e que a corpolatria, como patologia, busca não considerar a diversidade e, sim, a padronização. Com essa busca padronizada de determinados estereótipos corporais, não há espaço para a valorização da diferença. Stuart Hall (2000) ao definir a identidade a partir da diferença, menciona que: É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas. Além disso, elas emergem no interior do jogo de modalidades específicas de poder e são, assim, mais o produto da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente constituída, de uma ‘identidade’ em seu significado tradicional- isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação interna. (HALL, 2000, p. 109). E que a patologia se desenvolve de forma a considerar a identidade como única, seguindo determinado padrão, que regerá o que é certo, bonito, saudável. No entanto, os processos identitários precisam valorizar a diferença, 44 Dossiê Teoria Crítica renovada e patologias sociais, Dissertatio - Volume Suplementar 13| UFPel [2023] 33-48 a diversidade, para poder incluir costuras e fronteiras. Portanto, a corpolatria se fundamenta no desenvolvimento de uma unidade aparente, inalcançável para muitos sujeitos. Porque, (...) Acima de tudo, e de forma diretamente contrária àquela pela qual elas são constantemente invocadas, as identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela. Isso implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio da relação com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente com aquilo que falta. (HALL, 2000, p. 110). Por isso, que enxergar o outro por meio de uma corporeidade sem estereótipos exige que alcemos perspectivas mais diversas e que se atente que toda a norma que se traduz em padrão, pode adoecer e causar tal patologia social. Os trabalhos elencados, acima nesse texto, que tratam dessa modalidade de patologia em que o corpo ocupa o lugar central de análise, mostram que a negação das diferenças raciais, físicas, imagem corporal é responsável por esta debilidade social e causa sofrimento social. 4. Considerações finais No presente artigo que trata da corpolatria como patologia social, foi necessário ressaltar o papel do corpo e da corporeidade na sociedade. Ainda se tem estudos incipientes e escassos, em razão de que o corpo foi recentemente colocado de forma direta como objeto de pesquisa. No entanto, não se pode dissociar que os discursos e práticas em relação ao corpo foram influenciadas por ditames históricos e sociais. Diante de tais visões historicamente e socialmente constituídas da construção corporal é que se percebe como o corpo na atualidade sofre com perspectivas que reforçam os estereótipos e a padronização. Além disso, ainda ele é visto como uma mercadoria, um bem na sociedade capitalista, não somente serviria para o trabalho, mas para ser explorado em discursos midiáticos e na necessidade de se tornar um meio de identificação única e estática. A partir da revisão de literatura realizada em três bases de dados, percebeu-se que a corpolatria ainda é pouco recorrente em pesquisas, estando presente de forma mais acentuada nos estudos da área da Educação Física. Por este motivo, afirma-se a necessidade de novas abordagens e pesquisas que esclareçam e ampliem as discussões acerca do tema, visto que muitas pessoas ainda não possuem conhecimentos das definições atribuídas a essa patologia social. Um dos objetivos desse artigo foi averiguar a conceituação da corpolatria empregada na literatura identificada. Percebeu-se linearidade entre 45 Patrícia Weiduschadt - Vitor Garcia Stoll os autores, com sutis diferenças que se complementam no entendimento desse conceito. De forma geral, a corpolatria pode ser entendida patologia da modernidade, caracterizada pelo culto exagerado ao corpo, uma espécie de ditadura corporal estabelecida pelo discurso do corpo perfeito. Identificou-se que a busca do corpo perfeito muitas vezes é influenciada pela mídia e pelas redes sociais, por força do meio cultural e também a partir de questões pessoais, emocionais e sociológicas. A corpolatria se caracteriza enquanto patologia social na medida em que a busca pelo corpo pré-estabelecido se torna um processo narcisista, que pode ocasionar e agravar doenças psicológicas e/ou levar os indivíduos a práticas estéticas que coloquem em risco seu bem-estar pessoal e social. Mas atentando ao que Honneth defende, as individuações não estão desconexas da sociedade, de forma institucionalizada inclusive. Até determinadas políticas públicas de saúde não vislumbram de forma clara o entendimento do sofrimento social de grupos que são culpabilizados individualmente, mas que são emaranhados em disseminação de princípios de padronização, veiculados com interesses consumistas do mercado. Com base no exposto, como perspectiva de estudos futuros, pretende-se expandir as buscas sobre corpolatria para outras bases, principalmente internacionais, e aprofundar as categorias até então elencadas. Referências ALMEIDA, M. A. B.; VITAGLIANO, L. F. “Patologias sociais e a qualidade de vida na sociedade moderna”. In: Revista Brasileira de Qualidade de Vida, Ponta Grossa, v. 1, n. 2, p. 1-7, 2009. AZEVEDO, D. Revisão de Literatura, Referencial Teórico, Fundamentação Teórica e Framework Conceitual em Pesquisa – diferenças e propósitos. Working paper, 2016. BALL, S. J. “Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade performativa”. 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