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Os primeiros leitores portgueses de Marx economista

Carlos Bastien Os primeiros leitores portugueses de Marx economista 1. As primeiras referências à obra de Marx As revoltas populares que alastraram em quase toda a Europa em meados do século XIX e, sobretudo, a revolução de Fevereiro de 1848 em França, são acontecimentos capitais da história política e da história das ideologias na sociedade contemporânea. Com efeito, é nesse período que a burguesia atinge o fim da sua fase revolucionária, que a classe operária nascida da revolução industrial assume um papel activo e demarcado na cena histórica, que representantes operários tomam pela primeira vez assento num governo nacional, que a perspectiva do socialismo — ainda que então se tratasse apenas de um socialismo vago que mal se distinguia do democratismo radical — se torna preocupação dominante. Diversos jornais e clubes, sobretudo em França, davam expressão a esse movimento de ideias protagonizado pelas diversas seitas socialistas e proudhonianas, numa época em que o reformador Proudhon havia já publicado o seu Sistema de Contradições Económicas e em que Marx, ainda numa relativa obscuridade, havia já dado à estampa o Manifesto Comunista e a Miséria da Filosofia, anunciando o marxismo. Em Portugal, não obstante a quase inexistência de um proletariado industrial moderno e o não acompanhamento do movimento revolucionário europeu de 48, os acontecimentos de além-fronteiras não deixaram de encontrar algum eco. Alguns espíritos ilustrados iniciavam pouco depois a propaganda dos novos ideiais de igualdade económica e de instrução popular enquadrados nos sistemas ideológicos que ressoavam na França e lançavam as primeiras associações operárias e os primeiros exemplares de uma imprensa socialista, ao mesmo tempo que a Universidade começava, também ela, a ser tocada pelas novas ideias. Foi neste contexto que as páginas de jornais como o Eco dos Operários, A Península e A Esmeralda, ou de revistas chegadas ao meio académico coimbrão, como O Instituto, se abriram a afirmações de um pensamento socialista, a discussões em torno das ideias de Proudhon e que, nessa sequência, um Marx ainda em parte prémarxista começava, discretamente, a ser conhecido e a influenciar, ainda que ao de leve, alguns autores portugueses mais actualizados e preocupados com o que se ia fazendo lá por fora. Uma possível — e num caso inequívoca — influência da obra de Marx surgiu precisamente no desenvolvimento de uma crítica a Proudhon, que então gozava já de assinalável favor nos meios políticos, literários e científicos portugueses. Dessa literatura, e no período que medeia entre 1852 e 1854, sobressaem três acontecimentos de natureza teórica e ideológico-doutrinária protagonizados por Amorim Viana, por Oliveira Pinto e por Martens Ferrão. Se este último autor se limitava a contrapor a Proudhon um vago sistema doutrinário, apontando de passagem algumas incoerências e manifestando divergências conceptuais relativamente ao reformador francês1, recusando por exemplo — apoiado em Bastiat — a noção de valor de troca, já Viana ia um pouco mais fundo na crítica da Filosofia da Miséria. Com efeito, também este autor se lançaria na crítica do sistema doutrinário proudhoniano2, devendo no entanto sublinhar-se desde já que não se tratava de autor directamente influenciado pelo marxismo nascente — tão pouco citava Marx — muito embora não deixasse de evidenciar um relativamente vasto conhecimento quer das obras de Proudhon quer das polémicas em que este se havia envolvido com as diversas correntes socialistas. Viana, que tal como Ferrão não era adepto do socialismo [embora apoiante episódico de posições políticas socialistas]3 , e que tomava erradamente Proudhon por qualificado seguidor do método dialéctico hegeliano, não deixava de ser sensível à circunstância de os debates idológico--teóricos se deslocarem então para o terreno da economia política — «Proudhon aplica estas doutrinas à economia política e pretende dar-lhe assim um carácter científico e racional, e mesmo, a meu ver, é nisso que consiste a sua verdadeira missão e o seu maior padrão de glória»4 — residindo aí por ventura um dos traços de um eventual eco de intervenção teórica de Marx — que Viana certamente não desconhecia — pese embora o facto de esta não ter obtido de imediato grande repercussão e também o facto de a concepção de economia do autor português — «todos os princípios da economia se acham formulados e traduzidos na escrituração, toda a ciência económica sabe-a e emprega-a o guarda--livros»5 — estar nos antípodas da que o próprio Marx começava a desenvolver. Oliveira Pinto era de entre este conjunto de autores o que ia mais fundo na crítica às ideias económicas de Proudhon, e era também aquele que, sem se assumir como marxista — ao contrário, ele revelava-se um adepto de Bastiat ao menos em matéria de teoria do valor — evidenciava um efectivo conhecimento de algumas das posições teóricas de Marx, designadamente das constantes da Miséria da Filosofia, que era então citada pela primeira vez em Portugal. Pinto concordava expressamente com a formulação de Proudhon segundo a qual a teoria do valor é «a pedra angular do edifício económico»6, mas logo tratava de demonstrar que a versão desta teoria sustentada por aquele reformador francês «era falsa»7. A sua argumentação sublinhava em diversos momentos o que parecia considerar um certo e injustificado pretensiosismo científico de Proudhon e denunciava em algumas passagens a inconsistência do seu método, designadamente quando se referia ao facto de o economista de Grenoble apresentar o seu próprio método como uma extensão da dialéctica hegeliana à esfera da economia política. Notava assim Pinto: «[...] o método de Proudhon, que dando-se como sectário de Hegel, me parece que, na realidade, está longe de seguir tão fielmente como pretende inculcá--lo, os princípios metodológicos daquele filósofo.» (8, 9) A formulação de tal conclusão assentava contudo em diversas observações críticas que deviam muito à Miséria da Filosofia, designadamente quando sustentava que: «Outra falsificação da dialéctica hegeliana, muito notável, é a substituição da antinomia da ideia pela contradição entre o bem e o mal, entre a vantagem e o inconveniente. Neste caso a ideia não se move: são as circunstâncias que determinam o bem e o mal que se transformam, e cuja transformação, por uma ilusão da nossa inteligência, nos persuadimos ver na ideia. [...] Esta substituição de Proudhon, da tese e da antítese pelo bem e o mal, é a negação dada por ele mesmo ao movimento dialéctico.»10 E mais adiante: «A vantagem e o inconveniente: o bem e o mal em cada série económica — a divisão do trabalho, máquinas, concorrência, monopólio, imposto, propriedade, etc. — eis o que Proudhon nos apresenta em lugar do processo dialéctico que nos havia prometido. Chegado a este ponto, o criador da nova economia social não passa, como diz Marx, do burguês para quem Napoleão parece um grande homem porque fez muito bem e muito mal. O novum organon de Proudhon fica reduzido às proporções de uma espécie de maniqueísmo económico»11. O outro aspecto fundamental da crítica de Pinto dirigia-se directamente à teoria do valor de Proudhon, propondo-se aquele autor demonstrar que «a antinomia que ele se persuade ter encontrado na ideia de valor não existe; e, por isso, a sua trilogia como valor tese ou de uso, valor antítese ou de troca, e valor síntese ou constituído não pode ser a base do movimento dialéctico da economia política.» 12 Essa demonstração era relativamente sumária, mas consistente, seguindo Pinto, também neste ponto, muito de perto a argumentação de Marx, que, aliás, citava lisongeiramente: «Na dialéctica de Hegel a tese, a antítese e a síntese são três momentos da ideia: o segundo nasce do primeiro como o terceiro do primeiro e do segundo. Porém, com relação ao valor, Proudhon confessa que a sucessão da antítese (valor de troca) à tese (valor de utilidade) é, não só uma sucessão lógica, mas também uma sucessão histórica. Mas, ao mesmo tempo, sendo a ideia do valor a base da ciência económica, a série desta ideia, ou a sua evolução dialéctica, deve ser a série primitiva, da qual nascem todas as outras. Antes dela nada; depois dela a divisão do trabalho, máquinas, concorrência, crédito, propriedade, em suma, o complexo das séries antinómicas que, nascendo da evolução trilológica da ideia de valor, constitui, segundo Proudhon, o todo da economia política».13 E prosseguiria: «Como muito judiciosamente nota Karl Marx, desde que o homem reconhece colaboradores em funções diversas, reconhece a divisão do trabalho; reconhecendo esta, reconhece uma ordem de produção baseada sobre ela, reconhece a troca e, por isso, o valor de troca. De forma que, em última análise, Proudhon querendo explicar-nos a maneira como o valor de utilidade se transforma em valor de troca, reconhece a existência dessa transformação já feita; para nos mostrar como o valor de troca se gera e aparece, apresenta-no-lo já nascido e criado. Neste ponto a sucessão dialéctica da antítese à tese, do valor de troca ao valor de uso, deixa de existir, não só como sucessão filosófica, mas também como sucessão histórica; e a evolução do valor, de que Proudhon fizera a pedra angular do seu sistema, não fica sendo mais que a prova irrecusável da sua futilidade. Porque uma vez suposta a divisão do trabalho, tanto valeria partir do valor de troca para o de utilidade, como do de utilidade para o de troca; da tese para a antítese como da antítese para a tese; visto que a antítese existe antes de existir.»14 A crítica de Pinto não se detinha contudo neste ponto, passando ainda a considerar a tese antinómica de Proudhon segundo a qual «o aumento do valor de utilidade contém em si a diminuição do valor de troca, assim como o aumento do valor de troca contém em si a diminuição do de utilidade» 15, mas para sustentar em seguida, e contrariamente a Proudhon, que há independência, e não antinomia, entre aqueles dois tipos de valor, pelo que, após considerar alguns exemplos retirados do próprio texto proudhoniano, concluía: «o aumento do valor de utilidade não traria consigo diminuição do valor de troca, donde se segue que não seriam antinómicos» 16. E prosseguia, procurando fundamentar: «Como um saco de trigo, ou a colheita tenha sido escassa ou abundante, alimenta sempre o mesmo número de pessoas, segue-se que no ano de dobrada produção o valor de utilidade ficou sendo o mesmo, aumentando somente o número de objectos aos quais estava inerente esse valor. Nestas circunstâncias a explicação económica da diminuição do preço é fácil, sem ser necessário recorrer a essa quimérica antinomia.»17 Não se conclua daqui no entanto que Pinto se aproximava, ou tinha implícita, a teoria clássica ou marxista do valor-trabalho, enquanto chave da explicação daquela variação dos preços. Seguidor de Bastiat, que considerava «o maior economista dos nossos dias»18 , logo esclarecia: «Todas as vezes porém que realmente se dá um aumento do chamado valor utilidade — o valor de troca aumenta na devida proporção. [...] Aumentando o valor de utilidade de um produto, os seus produtores vendem-no por um preço maior, isto é, aumenta o seu valor de troca. E só vem a descer quando a produção aumenta sem que na mesma proporção aumentem as utilidades; mas isso é filho não de uma antinomia, mas da alteração das relações entre os serviços.»19 Como se vê, Pinto citava e apoiava-se em Marx para desenvolver a crítica a Proudhon, mas daí não se segue que tenha adoptado de modo consequente e continuado, designadamente no que se refere aos poucos dados sobre a sua própria visão da problemática do valor, as posições teóricas marxistas. A sua relação com este corpo teórico revelar-se-ia, ao contrário, apenas episódica e circunstancial. 2. Os anos 70 As duas décadas que se seguem à agitação revolucionária e à derrota popular de 1848 correspondem a uma fase de intensificação do desenvolvimento do capitalismo. No plano económico e social, este período, não obstante a crise de 57 e a agitação a ela associada, representa um tempo de relativa calmaria, e o próprio processo de elaboração e de afirmação das ideologias socialistas conhece uma fase de aparente estagnação. Apesar disso, três acontecimentos capitais marcam este período: a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, a Comuna de Paris — que assinalaria precisamente o termo desta fase — e, mais imediatamente importante para a temática que aqui nos ocupa, a elaboração de O Capital. Com efeito, Marx, exilado em Londres desde 1849, expressando o ponto de vista de que «os operários já têm por si o número, mas o número não decide se não houver organização da massa e se não for guiado pelo saber»20, empenhava-se então na construção desse saber, no aprofundar e rectificar da concepção materialista da história e, no âmbito desta, na edificação de uma teoria económica do capitalismo, susceptível de conferir um fundo científico à doutrina socialista, daí resultando imediatamente a publicação do livro I de O Capital em 1867. Por essa mesma época, o movimento operário começa um pouco por toda a Europa a recuperar algum ímpeto, daí resultando a possibilidade da fundação de uma organização internacional, a A.I.T., que, no dizer de Engels «encarnava o carácter internacional do movimento tanto aos olhos dos operários como da burguesia e dos governos, dando ânimo e fortalecendo o operariado»21 , e em cujo Conselho Geral e o próprio Marx assumia lugar destacado, sendo desde logo responsável pela elaboração do Manifesto Inaugural e dos Estatutos. Em Portugal, pela mesma época, e não obstante o atraso verificado no processo de afirmação da sociedade burguesa, vivia-se já ao longo da Regeneração um surto de desenvolvimento capitalista e, a partir dos finais da década de 60, também alguma agitação popular, como o revela, por exemplo, a revolta da Janeirinha, sendo contudo nos anos de 1871 a 1873 que se declararia o primeiro verdadeiro surto grevista e que a questão social se tornaria objecto de interesse geral, num processo a que os exemplos estrangeiros não eram inteiramente alheios. Nesta nova conjuntura, são vários os acontecimentos que vêm revelar os progressos da organização dos operários e do próprio movimento socialista. Surge então a Fraternidade Operária (depois continuada pela Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa), configurando uma primeira instituição de natureza intersindical22; ocorrem as conferências democráticas do Casino Lisbonense, sintetizando de alguma forma a crítica de esquerda ao liberalismo23; funda-se o núcleo português da A.I.T., que se manteria em contacto com a corrente marxista então hegemónica no Conselho Geral24 ; estabelecem-se contactos directos e epistolares com as mais destacadas figuras do marxismo internacional, designadamente com Lafargue e com os próprios Marx e Engels25; publicitam-se excertos do Manifesto Inaugural26 e o próprio Manifesto Comunista27; difundemse os primeiros exemplares da edição francesa do Livro I de O Capital28; funda-se, em obediência às directivas do Congresso de Haia, um Partido Socialista formalmente vinculado às posições políticas do marxismo internacional. É na sequência destes acontecimentos que o pensamento marxista, episodicamente presente, como se viu, na década de 50 e eclipsado nas seguintes, retomará contacto com a cena social e cultural portuguesa. Não que o espaço que aí ocupa seja vasto, e menos ainda hegemónico — o reformismo social de cariz moralista inspirado por Proudhon é então e mais acentuadamente ainda que na década de 50 o referencial quer do movimento operário quer da intelectualidade progressiva — mas não deixa, apesar de tudo, de se afirmar. Relativamente aos aspectos propriamente políticos do pensamento desta geração, foi já demonstrado que a adesão ao marxismo expressa, por exemplo, nas diversas citações de Marx enquanto figura carismática ou no alinhamento dos internacionais portugueses nos congressos da A.I.T., era mais formal que real, mas no que se refere especificamente às concepções económicas, esse processo tem sido menos estudado, embora se possa desde já admitir que a situação não era significativamente diversa. Quental, sem dúvida a mais destacada figura desta geração, que sustentava um «socialismo que procedia de uma preocupação moral, de uma generosidade fidalga, de um tradicional cristianismo e não de um exame reflectido dos fenómenos sociais»29, não atendia significativamente à economia enquanto dimensão fundamental na leitura da situação portuguesa. Para além disso, não era economista e, embora tenha chegado a citar Marx como um dos seus mestres, não terá chegado sequer a ler O Capital. Aliás, a sua posição em matéria de ciência económica era claramente expressa — «a ciência económica reformada e rectificada por aquele grande pensador popular, Proudhon»30 — e, como se vê, representava um claro recuo relativamente às posições teóricas já alcançadas pela geração anterior. A posição de Oliveira Martins, particularmente significativa neste contexto pois ele era o economista desta geração31, não era substancialmente diversa da de Quental. Martins, enquanto teorizador do socialismo, não deixava de assinalar que «o primeiro passo da Revolução é defini-la na sua teoria»32 , e numa das suas obras procurava mesmo, e de modo relativamente extenso, proceder à análise dos fundamentos económicos da doutrina33, mas, surpreendentemente, evitava a discussão do contributo marxista. De facto, Martins não só não denotava qualquer influência relevante desta corrente como se obstinava em minimizar o significado da obra económica de Marx, quer não o citando quer afirmando expressamente que «Proudhon e Owen, embora arrastados pela corrente lógica, são os únicos que abrem o novo período à economia social».34 Ainda que se possa presumir que desconhecesse O Capital — a edição francesa só chegaria a Lisboa em 1873 — não é crível, em função do seu ecletismo e relativamente vasto conhecimento dos economistas do século XIX, que não tenha tomado conhecimento da Miséria da Filosofia ou mesmo do Manifesto Comunista, já então traduzido e editado entre nós, e assim, a não consideração do contributo de Marx só pode entender-se como atitude deliberada de alguém que se deixava perceber como opositor meio aterrorizado com a acção da A.I.T.35. Em Martins, a estratégia discursiva do ataque ao marxismo assentava na conspiração do silêncio, tratando de não colocar escolhos na via da afirmação das suas proudhonices. Como justamente nota Margarido, «a questão não é de pura e simples ignorância, como sucedeu com outros próceres portugueses, mas antes de recusa deliberada de considerar a importância teórica e prática dos elementos teóricos propostos por Marx e Engels».36 Pelo seu lado, Batalha Reis, um outro intelectual que havia acompanhado Quental e Fontana desde o Centro Promotor até à organização do núcleo lisboeta da Internacional, terá sido porventura o único dos socialistas a ter um conhecimento directo e relativamente aprofundado da obra de Marx e Engels. Numa das Conferências do Casino propôs-se mesmo apresentar e discutir as concepções socialistas daqueles dois revolucionários, mas as conferências foram proibidas e a oportunidade frustrou-se, embora não totalmente, conforme o próprio Batalha Reis explicaria alguns anos mais tarde: «A minha conferência do Casino teria sido assim apenas a exposição crítica dos diferentes sistemas socialistas — principalmente dos de Proudhon, Karl Marx e Engels. Fui nomeado no ano seguinte ao das Conferências, professor do Instituto de Agronomia, substituindo na cadeira de Economia Política, o professor João de Andrade Corvo — a esse tempo ministro de Portugal em Madrid — e pude fazer, numa das minhas primeiras lições, exactamente a mesma conferência que o Marquês de Ávila me proibira no Casino.»37 Desta circunstância terá pois resultado a leccionação, pela primeira vez na universidade portuguesa, das concepções de Marx e Engels, mas o texto que terá eventualmente suportado essa lição não foi publicado, nem foi objecto de qualquer referência detalhada, nem apareceu até hoje no espólio deste autor, pelo que é impossível avaliar a leitura do marxismo então proposta. Também outras figuras igualmente ligadas a esta geração socialista — em alguns casos os próprios dirigentes do núcleo da A.I.T. — tomaram posição, ainda que episodicamente, acerca dos problemas teóricos relacionados com a perspectiva socialista que advogavam, mas, em regra, revelavam-se desconhecedores do marxismo, nomeadamente em matéria de concepções económicas. Fontana, por exemplo, situava-se próximo das ideias bakuninistas, para além de que a sua obra escrita era minúscula e nada significativa a respeito de eventuais polémicas teórico-económicas, e Nobre França, um operário, quiçá conjuntamente com Gneco o mais receptivo às posições políticas da A.I.T., não deixava de manifestar um obreirismo menosprezador da dimensão teórica da luta em que se achava envolvido: «este modo de ver [de Quental] baseado nos conhecimentos históricos e científicos, tem e terá uma influência muito negativa na organização internacional neste país».38 Nestas circunstâncias, seriam quase só alguns intelectuais académicos, não ou mesmo anti-socialistas, a dar alguma atenção às novidades teórico-económicas do marxismo. Um deles, Rodrigues de Freitas, professor de Economia e político republicano, propunha-se desde logo dar conta «das doutrinas da Associação Internacional dos Trabalhadores»39, para o que publicou em 1872 um texto mais polémico que propriamente teórico, no qual se revelava carregadamente antimarxista. Este autor, que alguns anos mais tarde se refiriria a Marx como «um dos escritores contemporâneos tidos como mais conhecedores da economia política»40, tinha ainda naquela data opinião diversa. Reconhecia claramente a posição proeminente de Marx no seio do movimento socialista e da A.I.T., chegando a publicar no texto acima referido uma nota bibliográfica a seu respeito41 , a transcrever excertos do Manifesto Inaugural42 e do Manifesto Comunista43 e a referir O Capital como a sua principal obra, mas, quando passava à crítica das posições doutrinárias e teóricas da Internacional, alvejava sobretudo o proudho-nismo — sem aparentemente dar conta do equívoco — acusando genericamente os internacionalistas de «desconhecerem as mais rudimentares verdades económicas».44 Seria, aliás, ao procurar dar verosimilhança a essa tese que afirmaria, por exemplo, que Marx e os demais membros da Internacional não sabem «como se cria o capital [pois] se houvessem reflectido mais nisto deparariam rapidamente com a harmonia entre ele e o trabalho»45, e que lhes atribuiria ainda de modo genérico a defesa do princípio de um «salário igual para cada homem»46, de «lançarem um olhar inimigo às máquinas»47 e de «combaterem a herança»48 , o que, como se sabe, era completamente estranho às posições doutrinárias e teóricas de Marx. Caberia no entanto a um outro professor de Economia o mérito de, nesta conjuntura, produzir uma alusão muito fragmentária mas correcta às posições teórico-económicas de Marx. Não que Laranjo, o autor em causa, tenha entendido claramente o carácter crítico e revolucionário da contribuição marxista —- pois nesse caso não teria produzido afirmações como aquela em que garantia que «na economia política pode dizer-se que há duas escolas, a escola inglesa e a francesa»49 — mas é nítido que não caía já nas confusões que permeavam a obra de Freitas, notando, por exemplo, que «é necessário tempo e experiência, como diz Karl Marx, para que os trabalhadores, tendo aprendido a distinguir entre a máquina e o seu emprego capitalista, dirijam os seus ataques não contra o meio material de produção mas contra o seu modo de exploração social»50, e reconhecendo aquele dirigente da Internacional o estatuto de verdadeiro teórico (e não só de doutrinário) da economia, designadamente quando notava que: «Karl Marx, o homem cujas ideias são da cor do sangue e do fogo arrefece de quando em quando e faz- se análise»51 , ou que: «foi este papel das máquinas que Karl Marx compreendeu muito bem»52. Para alem disso, foi Laranjo quem pela primeira vez citou directamente O Capital, em particular o capítulo XV do Livro I, «O maquinismo e a grande indústria», que aliás usava como apoio na sua crítica às posições de Proudhon, de Bastiat, de Rodrigues de Freitas, e de tal modo que acabaria por concluir nessa sequência, algo surpreendentemente — posto que não era socialista — que: «o socialismo [...] é necessário, fatal, legítimo».53 De qualquer modo, é preciso notar que, apesar destes acontecimentos teóricos, o marxismo não havia ainda imposto entre nós o reconhecimento da sua cientificidade, designadamente nos meios académicos e não só a influência de Proudhon continuaria viva, como a generalidade dos manuais de Economia Política continuaria a não dar relevo às posições teóricas do marxismo.54 3. Na transição do século Os anos terminais do século XIX, e de modo geral todo o período que se situa entre a dissolução da Primeira Internacional e o início da Primeira Guerra Mundial, constituiram para o movimento socialista um tempo relativamente calmo, sem os combates dramáticos que haviam marcado os anos 70, mas, em contrapartida, um tempo de grandes progressos organizativos, doutrinários e teóricos. As organizações operárias de cariz sindical conhecerão então um surto quantitativo e qualitativo, generalizando-se o sindicalismo de indústria em substituição do de ofício, e os partidos socialistas, construídos todos um pouco à semelhança do já então pujante Partido Social-Democrata Alemão afirmar-se-iam praticamente em toda a Europa, num processo que culminaria em 1889 na constituição da Segunda Internacional. No plano doutrinário, e sem que de alguma forma se desenhasse uma uniformidade, era já então visível um claro ascendente das concepções marxistas no seio do movimento operário e da esquerda socialista — ascendente a que não era estranha a contínua acção militante dos próprios Marx e Engels — num processo que era também naquele plano simbolizado pela adopção do Programa de Erfurt por banda dos socialistas alemães. Também no âmbito da teoria ocorreriam então importantes acontecimentos. O Livro I de O Capital conheceria uma multiplicidade de traduções um pouco por toda a Europa e em 1885 e 1894 Engels promoveria finalmente a edição dos Livros II e III daquela obra de Marx, a par de outros textos seus e do próprio Marx, como era o caso do Anti-Duhring e da Crítica do Programa de Gotha, numa acção que se revelaria fundamental na definição e na difusão de uma ortodoxia marxista. Esse processo não seria contudo isento de contradições e, em meados dos anos 90 e logo após a morte de Engels, declarar-se-ia no interior do movimento socialista o que ficou conhecido como a primeira crise do marxismo, ou seja, a emergência do pensamento revisionista, cujo centro mais importante se situava de novo na Alemanha (conotado fundamentalmente com a figura de Bernstein), mas que envolvia uma nova forma de fraccionamento do campo socialista à escala internacional. A polémica então desencadeada centrava-se em três grandes questões: o conteúdo da concepção materialista da história, a relação entre o parlamentarismo e a revolução e — e esse era o aspecto mais relevante em termos de teoria económica — a interpretação a dar ao Livro III de O Capital, designadamente quanto a uma eventual e alegada contradição entre este e o Livro I, de que resultaria a invalidação da teoria marxista do valor e da mais-valia. Por esta época, o capitalismo português conhecia um certo progresso, situando-se a conflitualidade social em níveis relativamente baixos, enquanto o movimento socialista, e em particular a instituição que o encarnava — o Partido Socialista — vivia um relativo apagamento. No plano organizativo, a vida deste partido era então marcada por sucessivos fraccionamentos e reconstituições; politicamente, pela hesitação entre abstencionismo e eleitoralismo; doutrinariamente, pela divisão entre o possibilismo e uma aproximação ao marxismo, denotando em geral uma fraca eficácia, designadamente a partir do momento em que o republicanismo lhe passou a disputar directamente a base de apoio operária e popular. No plano teórico, não obstante as ligações que foi mantendo com o marxismo internacional55 — reflectidas, por exemplo, em referências avulsas a Marx e Engels nos textos que difundia na imprensa que animava e que de alguma forma se reclamava do socialismo científico 56 — a acção deste partido denotava uma clara incapacidade de assimilar as posições marxistas em matéria de teoria política 57 , de produzir uma análise teoricamente fundamentada do concreto português, e, menos ainda, de estimular a criação teórica abstracta, quase não participando, a não ser indirectamente pela via dos alinhamentos políticos internacionais, nos debates que se iam travando na cena internacional em torno da interpretação e da aplicação dos pontos de vista marxistas. 58 A volatilização da geração de 70, que de alguma forma havia lançado as bases desta fase do socialismo português, e o carácter obreirista e a quase total ausência de intelectuais entre os seus militantes e dirigentes, não terão por certo sido factores estranhos às apontadas debilidades, e assim, quando a partir de meados dos anos 80 se declara entre nós um novo surto de interesse pelo marxismo — nomeadamente no que respeita à sua vertente económica — serão de novo os académicos não-socialistas, então acompanhados por algum propagandista anarquista e sobretudo pelos publicistas republicanos (em processo de crescente afirmação), quem tomará lugar nos debates e quem polemizará em torno desta temática. Com efeito, e reportando-nos ao grupo que havia estado na base da introdução da Primeira Internacional em Portugal, há que notar que Fontana se havia suicidado, que Batalha Reis e Nobre França haviam deslizado progressivamente para posições próximas do republicanismo, que Quental, apesar de se ter ainda apresentado como candidato pelo Partido Socialista, se havia afastado da prática militante e dos esforços teorizantes da década anterior, e que Oliveira Martins, o mais sério caso de versatilidade política deste grupo, se havia passado para o campo monárquico. Ainda assim, seria este economista — que no decurso dos anos 80 acentuaria a sua expressa demarcação do que então designava de «socialismo anarquizado das plebes desvairadas» 59 — quem desta geração retomaria o tema «Marx». Se Martins havia nos anos 70 desvalorizado o significado prático e teórico da obra deste autor, ignorandoa, já ao aproximar do final do século abandonaria essa estratégia discursiva, passando então a referir--se-lhe expressamente. As posições críticas que manifesta são superficiais e sumárias, e, apesar de Martins considerar então O Capital o «evangelho operário»60 , quase não entra no terreno da discussão teórico-económica. Consideraria, erradamente, a propósito do modo como Marx concebia as condições económicas de superação do capitalismo, que: «o capital não passa de um furúnculo, vício mantido pelos erros e cegueira da história, e absurdo perante a crítica económica. Daí, portanto, a sanção da guerra social. As greves, universalizadas e tornadas possíveis pelo estabelecimento da solidariedade cosmopolita dos operários, irão reduzindo, cerceando, até anularem, o como que tributo lançado pelo capital à produção, e atribuindo ao trabalho o produto íntegro»61 , como se, segundo Marx, o colapso do capitalismo fosse uma consequência automática da luta económica e da asfixia do lucro gerada pelas greves económicas. Para além da formulação avulsa deste tipo de posições críticas, a estratégia discursiva martiniana visava empurrar a obra de Marx para um passado irremediavelmente sepultado pela emergência do chamado socialismo catedrático. Assim, a pretexto de comentário a uma obra de Laveleye, notaria ainda Martins: «O livro do professor Laveleye não é um tratado, não expõe didacticamente os princípios de uma doutrina: é uma história da formação de sociedades e escolas, principalmente alemãs, desde Fichte a Marlo, os precursores, até aos catedráticos que são por fim os definidores da novíssima escola económica. Entre estes pontos extremos desenrolam-se os quadros animados e instrutivos da vida dos apóstolos, como Marx [...]»62 A força da presença de Marx na cena teórica e política nacional e internacional obrigaria também os publicistas anarquistas a prestarem-lhe alguma atenção, numa atitude mista de recusa e de colagem. O exemplo mais representativo dessa postura era Silva Mendes que, ao procurar fazer uma história do movimento operário e socialista na Europa63 , abordava as ideias de Marx, designadamente a teoria do valor e da mais-valia. A postura de Mendes relativamente ao marxismo era, como já sugerimos, ambígua, não se confundindo com uma rejeição absoluta e liminar. Por um lado, afastava-se da discussão dos aspectos teóricos, evocando e procurando abater a figura de Marx, afirmando expressamente que este «leva vida de burguês [...], dedica-se a si e aos seus, guarda, acautela os seus haveres»64 ; por outro lado, e referindo-se então ao significado da sua contribuição teórica, consideraria ter aquele sido «um economista de primeira grandeza»65 , chegando a interrogar-se se «no fim de todas as investigações não se reconhecerá que o socialismo marxista, ou antes, o socialismo científico, é fundamentalmente anarquista»66 e mesmo a afirmar que: «a concepção histórica de Karl Marx é perfilhada fundamentalmente pelo anarquismo».67 De qualquer modo, quando ultrapassava a referência genérica à teoria marxista da história — da qual daria, aliás, uma visão menos marcada pelo economicismo que as de muitos proclamados socialistas marxistas do seu tempo — e se dedicava à teoria económica que com ela se articulava, procurava, de modo relativamente extenso e razoavelmente correcto, fornecer aos seus leitores uma panorâmica da problemática do valor--trabalho e da mais-valia elaborada a partir da leitura do resumo publicado por Deville do Livro I de O Capital68 , não obstante não conseguir evitar alguns equívocos, designadamente quando, ignorando a rotura fundamental operada por Marx relativamente à tradição ideológico-teórica burguesa, sustentava que «ele [Marx] é o continuador do movimento iniciado por [...] Bastiat».69 O sentido de intervenção de Mendes nesta matéria era no entanto essencialmente polémico, visando demonstrar que teria sido «a teoria marxista do valor que originou a principal discordância entre o colectivismo e o anarquismo».70 O ponto de vista que explicitava era o de que a teoria marxista era falsa — «pensando maduramente sobre o valor da teoria, principalmente depois dos certeiros e profundos golpes que nela fizeram os economistas ortodoxos, os quais demonstraram que era falsa logo na primeira proposição de que partia, golpes que os próprios anarquistas renovaram e agravaram»71 — mas a demonstração avançada não se revelava consistente, nem tão-pouco tão organizada, quanto a exposição antes produzida da própria teoria recusada. Assim, após inventariação das posições de diversos críticos burgueses — Leroy-Beaulieu, Schaeffle, Pareto e outros — Silva Mendes esboçava os seus próprios argumentos. Estes eram no entanto, na sua maior parte, de natureza puramente ideológica, não visando propriamente a teoria, mas antes procurando impugná-la mediante uma recusa expressa das consequências práticas a que a mesma, em seu entender, fatalmente conduziria. Notava assim Mendes: «A ser verdadeira a teoria do valor, cada indivíduo, em sociedade comunista, deve receber o produto integral do seu trabalho. Mas, para esse efeito, é necessário uma entidade repartidora; por isso, na concepção colectivista, admite-se o Estado, a Autoridade. [...] Ora o anarquismo nem admite a possibilidade de determinação do valor que cada indivíduo acrescenta à matéria-prima ou ao objecto transformado, nem a possibilidade de determinação da proporcionalidade entre o trabalho-produto e o trabalho-esforço, nem, enfim, a propriedade particular para o produto do trabalho.»72 E prosseguia em outro momento: «A aplicação rigorosa da teoria marxista do valor, ainda que possível fosse, seria causa de muitas desigualdades e perverteria o fim da economia; porque o operário, que por motivos de qualquer ordem [...] trabalhasse menos intensa ou menos extensamente do que a média, seria muito desigualmente retribuído; e aquele que trabalhasse, por quaisquer motivos, mais intensa ou mais extensamente, receberia mais do que a maioria e mais do que aquilo que lhe era necessário — excesso que se converteria fatalmente em capital. [...] Ora não será mais justo, mais conforme com as leis de todos os organismos pôr as necessidades acima das obras?»73 Noutras passagens, porém, já visava invalidar a teoria, afirmando, de modo pouco consistente, como se verá de imediato, que a mesma não seria realista: «A teoria que atribui o produto ao produtor é refutável; porque, em rigor, não há produtores mas simples co-autores; no produto não pode ver-se uma criação, mas unicamente uma transformação, uma reunião, uma composição, simples modalidades, enfim.»74 Por fim, a teoria seria ainda contestada por Mendes por a considerar inaplicável: «A distinção que estabelece entre trabalho simples e trabalho superior, qualificado ou complicado, é puramente arbitrária. [...] Estabelecer uma gradação, parece à primeira vista uma ideia justa, todavia, quando se procura um critério em que se baseie, é impossível descobri--lo. [...] Estimar o dispêndio de força de um em mais que o outro, diz Kropotkine, é desconhecer a complexidade da indústria, da agricultura, da vida inteira da sociedade actual [...]. Eis porque os anarquistas repelem o simplismo da teoria do valor; nem pensam que seja possível achar uma noção de valor universalmente reconhecida, nem admitem a possibilidade de calcular o quantum de trabalho que o indivíduo junta à mercadoria. Os pequenos, como os grandes factos sociais são sempre de uma complexidade tal que a sua análise se torna completamente impossível.»75 Também por banda do republicanismo, se verificou um relativamente vasto movimento de ideias visando a demarcação doutrinária e teórica relativamente ao marxismo. Para além do já antes referido Rodrigues de Freitas cuja recusa deste corpo teórico era total, outros publicistas republicanos tomaram posição sobre a matéria, nem sempre o fazendo de modo concordante entre si. Teófilo Braga, por exemplo, procuraria retirar-lhe relevância, afirmando que «o conflito do capital com o trabalho é um preconceito da escola clássica da economia política que desconhece a coordenação dos factores sociais»76 , mas já Teixeira Bastos procuraria tingir demagogicamente o programa republicano com tintas socializantes77, enquanto João de Meneses, o mais informado destes autores em matéria do marxismo, procurava, ainda no plano da estratégia política, demonstrar que o socialismo marxista entrado numa nova fase — que expressamente identificava com o revisionismo bernsteiniano — deveria ocupar-se prioritariamente da luta pela instauração de um regime republicano, o qual abriria então a porta à edificação da república social. 78 Outros republicanos envolver-se--iam contudo mais directamente na discussão das concepções teóricoeconómicas de Marx. Um deles, Sampaio Bruno, que atacava o marxismo pelo lado do que considerava serem as falhas das suas predições — «espera-se pela guerra depois de se haver esperado pelas profecias de súbita paralização dos negócios mercê do atravancamento dos mercados pelo excedente de produção»79 — que não terá chegado a ler O Capital a não ser no resumo de Deville, mas que seria surpreendentemente certeiro a indicar certas características basilares do pensamento marxista, como o anti-humanismo — «entrou-se na fatalidade histórica e o humanitarismo apaixonado cedeu o lugar às frias previsões sociológicas»80 —, a identificação da teoria da mais--valia enquanto contribuição teórica original e fundamental — «toda esta parte da obra de Karl Marx é que é a nova e realmente imprevista» 81 − e uma certa ideia da complexidade do social — «compreende a humanidade de fora a fora, na política, na religião, no amor, nos costumes, tudo depende [...] do peculiarismo das leis da economia social e estas (é uma das ideias originais e próprias de Marx) condicionadas pelas formas técnicas de produção» 82 − não deixaria, não obstante declarar que «não me prendo com o lado restritamente económico da polémica»83, de procurar impugnar aspectos relevantes da teoria. Sustentaria relativamente à problemática da mais--valia: «O abusivo excesso de trabalho sobre o salário representa, no mesquinho condicionamento moral da actual normalidade social, o serviço prestado pelo capital ao trabalho em o tornar efectivo. [...] Bem sei que Karl Marx considera o capital como matéria inerte, susceptível de amortização mas não de lucro. Inerte é contudo também o trabalho sem o capital. Coagulação de trabalho, trabalhotrabalho e trabalho-capital são interdependentes. Simplista, em absoluto, aquela é porém uma proposição que não se demonstrou. Inteiramente errónea por isso que ela representaria o não aumento da riqueza social (...]. O mesmo Karl Marx se apercebeu [...] desta fragilidade inquestionável da sua teoria.»84 Se Bruno deixava aqui claro que não entendia que a citada interdependência entre capital e trabalho não implicava que capital e força de trabalho fossem realidades da mesma natureza e com o mesmo valor de uso, a posição crítica de Basilio Teles, não obstante alguns autores a terem estranhamente considerado «grande tentativa de análise teórica»85, «perspicaz»86 e «aprofundada»87, não era menos incorrecta, embora, em alguns aspectos, menos imediatizante que a de Bruno. De qualquer modo, a sua linha principal de ataque situava-se numa referência a um alegado desconhecimento, por parte de Marx, da moeda enquanto instância depositária de valor — «a ideia de Marx não é vaga somente; é sobretudo inexacta aplicada à mercadoria monetária, pela razão iniludível de que a moeda [...] é em sentido estrito um sinal reconhecido que credite socialmente o produtor por um certo quantitativo da vida integral, dispendida num certo lapso de tempo. E este o seu carácter de título creditório ao portador e à vista, convertível em qualquer artigo de consumo que torna compreensíveis pelo povo rude a normalidade e a comodidade da moeda de papel e é ele também, por singular contradição, que incandesce e transforma as cabeças de pensadores eminentes, incluindo as de revolucionários resolutos»88 — mas visava também uma alegada insuficiência da teoria do valor-trabalho, considerando Teles que Marx ignorava a distinção entre valor absoluto (auto-retribuição) e valor relativo (retribuição social), visto que este apenas consideraria, ainda segundo Teles, o produto do trabalho enquanto mercadoria89 , além de que desprezaria os elementos espirituais igualmente constitutivos do valor: «Na materialidade da mercadoria a economia clássica esqueceu a espiritualidade do agente; na equação grosseira dos produtos não viu e teima ainda em não ver a equivalência delicada da vida.» 90 Também Afonso Costa, professor de Economia além de publicista e político, se debruçava pela mesma época sobre a teoria da história e sobre a economia de Marx, da qual produziu um resumo breve, pouco crítico, e cujos erros se podem avaliar facilmente através de frases como: «Isto conduz à rejeição do valor como objecto de consumo, para só aceitar nas sociedades modernas, o valor como objecto de troca. Cada mercadoria tem, na verdade, esses dois valores: o de consumo, que é correspondente à utilidade que presta ao próprio indivíduo, e o de troca, que corresponde à facilidade que esse indivíduo tem de receber outra mercadoria em troca daquela.» 91,92 Tal como havia acontecido no período imediatamente anterior, mais do que os publicistas republicanos e que os socialistas militantes, seriam de novo alguns académicos e ex-aca-démicos coimbrões a interessar-se pela economia de Marx, como sucedia, designadamente, com Augusto Nunes, com Roberto Ferreira, com Guilherme Moreira, com Martins de Carvalho, com Pires de Lima e com Abúndio da Silva. De comum entre as suas abordagens havia uma invariável recusa das consequências doutrinárias do marxismo e o desconhecimento das problemáticas constantes dos Livros II e III de O Capital. Já no que respeita ao âmbito e profundidade de análise, ao tipo de críticas que dirigiam à economia de Marx e às posições ideológicas que permeavam essas mesmas críticas, as diversas abordagens revelar-se-iam distintas. Nunes, por exemplo, cronologicamente o primeiro dos autores acima citados a «entrar em cena», arrancava de uma posição anti-socialista em geral, considerando expressamente que o socialismo «não é somente uma aberração dos espíritos e uma preversão dos corações, é uma paixão odienta, uma implacável conspiração, uma cruenta luta anti-social incarnada e concretizada em uma organização poderosa».93 Propunha-se combatê-lo em nome da religião, mas não deixava, de passagem, de apresentar alguns dos pontos de vista marxistas relativos à economia, para em seguida procurar demonstrar os seus erros. Essa apresentação, assaz incompleta, não deixava ainda assim de conter múltiplas incorrecções e ligeirezas, como aquela em que, esquecendo a distinção entre trabalho simples e complexo, afirmava que «a única fonte do valor é o trabalho e a duração do trabalho é o único critério de valor»94, mas a sua preocupação fundamental era de natureza polémica, visando contestar a lei da pauperização e a teoria do valor-trabalho. Àquela lei económica responderia expeditamente com argumento puramente ideológico, de que «seria preciso ser mentecapto para não ver na constituição física e moral do indivíduo, da família, da sociedade, e ainda das leis de ordem material, causas permanentes (atenuáveis, sim, mas indestrutíveis) da pobreza» 95, mas já à contestação da lei do valor dedicaria um pouco mais de atenção, sem que tudo o fizesse em nome de concepção económica minimamente consistente. Declararia assim que «o valor de um objecto não é estritamente determinado pelo trabalho materializado nesse objecto, o direito de propriedade dá ao proprietário do objecto um certo monopólio que inclui sobre o valor dele» 96, embora não explicasse nunca como, e, ignorando totalmente a distinção marxista entre trabalho vivo e trabalho morto, esforçava-se por provar uma suposta contradição insuperável da visão marxista (legitimando no mesmo passo o lucro capitalista): «se o capital representa trabalho, e se o trabalho é a fonte do valor, o capital também o é». 97 Também Abúndio da Silva, autor que teve papel destacado na formação da corrente democrata-cristã em Portugal, abordaria a economia de Marx; não num âmbito geral, mas no contexto da discussão das teorias do salário e do lucro. Tal como acontecia com Nunes, também este autor atacava o marxismo em nome de uma ideologia religiosa (embora não esquecendo em absoluto os dados de ordem económica), mas, se cotejado com aquele professor da Faculdade de Teologia, não deixaria de evidenciar um maior conhecimento da temática em discussão. É de assinalar que distinguia correctamente a teoria do salário de Marx da de Lassalle 98, o que nem sempre acontecia mesmo entre os socialistas, que sublinhava que a teoria marxista do valor-trabalho supunha necessariamente a noção de trabalho abstracto99 , muito embora, como era usual, já não alcançasse a destrinça entre valor e preço e entre mais-valia e lucro — «o trabalho efectivo cria um sobre-valor que é o lucro»100 — acabando por sustentar, numa clara injunção de ideologia religiosa no seio da problemática económica, e depois de citar Pareto e a teoria subjectiva já então há muito dominante, que: «em nossa opinião a verdadeira teoria do valor pertence a S. Antonino de Florença».101 No que respeita a Martins de Carvalho, e sendo certo que se ocupou das teorias de Marx ao menos em uma conferência, não nos é possível indicar os termos exactos em que o terá feito 102, mas, a avaliar por um texto que publicou pouco antes, terá certamente também procurado afastar ou minimizar aquelas teorias, pois, não obstante referir lisonjeiramente os «exercícios de cabeçuda dialéctica demolidora do incontestavelmente grande Karl Marx», não deixaria logo de acrescentar que: «um socialismo que tenha feito uma ciência económica subordinada à síntese sociológica não apareceu ainda».103 Também Pires de Lima, que de O Capital apenas havia lido o resumo de Lafargue e que ainda assim se propunha pretensiosamente conferir «um cunho mais científico a essa obra informe e desorganizada, generalizando, deduzindo e simplificando»104, se dedicou por um momento à exposição e à crítica da economia de Marx. A memória académica em que o fez contém também ela uma relativamente longa exposição de parte das matérias referentes ao Livro I, na qual não estariam de novo ausentes substanciais incompreensões. Se este autor, contrariamente a outros aqui citados, ultrapassava já simples referências genéricas ou muito parcelares, estendendo-se, por exemplo, pela teoria da moeda, não deixaria de atribuir a Marx algumas infantilidades teóricas, que efectivamente lhe não pertencem, designadamente quando lhe citava a ideia de que «a soma da moeda é determinada pela soma total dos preços de todas as mercadorias».105,106 É ainda interessante notar que Pires de Lima era o único destes autores que tentava desenvolver uma aplicação imediata da teoria, pelo que se propunha determinar concretamente a taxa de mais-valia correspondente a uma empresa do sector têxtil107. Os dados de que partia eram, sem que adiantasse qualquer prevenção, os preços de mercado quer das mercadorias consumidas no processo produtivo quer das que constituíam o produto final, o que desde logo revelava que não distinguia valor e preço de mercado. Para além disso, é ainda visível que não entendia a teoria do salário em Marx — «a lei de bronze de Lassalle [...] que viria a completar a teoria de Karl Marx» 108 — como não entendia também a hipótese teórica que assenta na consideração da determinação do valor a partir do trabalho médio socialmente necessário à produção das mercadorias, do trabalho abstracto, afirmando, ao procurar impugnar aquela hipótese, que «não existe um dinamómetro capaz de medir a força dispendida por um indivíduo em determinada produção [e por isso] Marx cedeu muito da pureza da sua teoria»109 , e acabando por contestar globalmente a teoria do valor-trabalho em nome de uma estranha concepção, segundo a qual, «todo o valor vem realmente do trabalho, mas não do trabalho do produtor: do trabalho do consumidor».110 Importa também referir a intervenção de Alves Moreira, lente coimbrão que em dissertação relativa à teoria do lucro retomava a discussão e a crítica da teoria marxista do valor. A leitura que este autor fazia daquela teoria não era significativamente diversa das dos outros académicos, aí se encontrando a mesma confusão entre valor e preço, a relativamente vulgar incompreensão da relação entre trabalho simples e complexo, e até o desconhecimento da própria perequação da taxa do lucro: «Analisemos as consequências que derivam da teoria de Karl Marx e dos meios que têm sido cogitados pelos seus sequazes para mostrarem o motivo porque elas se não realizam. Como vimos, este economista sustenta que o aumento do valor é devido ao capital variável, isto é, ao capital transformado em força de trabalho e não ao capital constante. Ora desta teoria deriva necessariamente [...] que os produtores cujas mercadorias exigem um processo técnico mais demorado, embora sejam obtidos com igual quantidade de trabalho, seriam prejudicados, porque receberiam menor lucro.» 111 Do conjunto de autores a que nos temos vindo a referir, deixámos propositadamente para o fim Roberto Ferreira, pois foi ele quem nestes anos produziu a mais minuciosa e correcta exposição do sistema económico marxista, circunstância a que não deverá ter sido estranho o facto de ele ter sido, para além do já antes citado Laranjo, o único a ler o Livro I de O Capital na sua versão integral. Embora Ferreira, à semelhança de muitos outros autores do seu tempo, denotasse uma influência positivista e um modo imediatizante de entender a realidade económica, que lhe provocavam alguma dificuldade em distinguir os diversos níveis de abstracção presentes na obra de Marx — o que o levaria, por exemplo, a considerar que «a grandeza dos valores mede-se pela quantidade de tempo gasto em executar o trabalho que os criou»112 e a esquecer o trabalho abstracto — ele entra, mais acertadamente que qualquer outro crítico da sua geração, em minúcias teóricas, como o revela, designadamente, o enunciar da demarcação entre economia clássica e economia vulgar 113 e a distinção entre a mais--valia absoluta e a relativa. 114 Tal como os restantes economistas e críticos académicos da sua geração, revelar-se-ia não marxista, secundando as críticas de Laveleye à teoria do valor-trabalho ou afirmando-se expressamente partidário da utilidade enquanto fundamento e critério de definição do valor das mercadorias115 , mas esse facto não o impediria de ver em Marx aquele personagem cujo «trabalho sereno, trabalho lento, mas paciente e obstinado demoliu lanço a lanço, pedra a pedra, desde os alicerces, o edifício social».116 4. Algumas conclusões Inventariadas as mais significativas leituras de Marx economista ocorridas em Portugal no decurso do século XIX, é desde já possível — mesmo tendo presente que este estudo não vai além de uma exploração preliminar das fontes disponíveis — destacar alguns traços marcantes dessas leituras e das condições que as envolveram e, bem ainda, formular algumas conclusões provisórias. Em primeiro lugar, há que sublinhar que o interesse minimamente consequente pela discussão em torno da obra económica de Marx se situava quase exclusivamente no espaço universitário. Os autores recenseados eram na sua maioria estudantes ou professores da Universidade de Coimbra, assumindo nesse quadro uma postura académica inteiramente estranha a uma eventual prática política socialista. Alves Moreira parece ainda assim, ter sido o único deste; autores a perfilhar concepções socializantes — Marnoco e Sousa apresenta-o como um adepto de Loria117 — embora num plano puramente intelectual, abstracto, não militante. Não existiu entre nós a figura do professor que uma vez em contacto com marxismo se empenha na luta política socialista, que procura difundir a teoria base da doutrinação revolucionária — Portugal não teve o seu Labriola —, e da parte do movimento socialista organizado não houve igualmente, neste período, uma aproximação séria à teoria, nem capacidade de atracção da intelectualidade académica, nem, tão-pouco, capacidade de forjar os seus próprios intelectuais aptos a dar expressão à dimensão teórica da luta que se procurava dirigir e potenciar. Neste quadro, é de sublinhar que nenhum dos autores citados se assumia como marxista118 nem, consequentemente, procurava aplicar a economia, e em geral todo o saber marxista, à leitura do concreto português. Ao contrário, eles revelar-se--iam, sem excepção, não ou antimarxistas, embora, como se viu, as suas posições críticas fossem diferenciadas. Enquanto uns abordavam o marxismo a partir de referências transcendentais, outros evidenciavam uma mais ou menos clara influência da mundivisão positivista, que estaria, aliás, na raiz dos muitos e repetidos erros interpretativos. Não era por acaso que encalhavam frequentemente em conceitos como trabalho abstracto ou valor (que frequentemente não distinguiam de preço de mercado), interpretando-os deficientemente numa postura reveladora de uma aproximação imediatizante aos factos, invocando directamente a realidade histórica a partir da qual procuravam invalidar a lógica e/ou o realismo da teoria, conforme, aliás, Armando Castro já demonstrou119 . Na sua generalidade, as críticas produzidas não primavam pela originalidade, antes se apoiando na relativamente vasta literatura internacional da época, não deixando contudo de ser curioso que os autores portugueses da terceira das fases comentadas, e não obstante a presumível dificuldade de acesso aos textos e a própria decalage cronológica, quase se não referissem à crítica de Bernstein (note-se que a publicação original de Os pressupostos do socialismo e as tarefas da socialdemocracia é apenas imediatamente posterior à morte de Engels em 1895), precisamente aquela que no plano da luta política e ideológica internacional alcançaria maior impacto, ao mesmo tempo que as contracríticas marxistas não encontrariam praticamente eco em Portugal, e o próprio Anti-Duhring, peça fundamental da definição da ortodoxia marxista, seria apenas episodicamente referido por um autor que, por sinal, não era nenhum destes académicos.120 Em qualquer caso, das notas que aqui se deixam, é certamente possível concluir que o marxismo se foi impondo de forma crescente, embora sincopada e sem progresso linear, à cena cultural portuguesa. Num plano formal poderá até observar-se que foi no contexto da primeira geração dos autores comentados, a dos anos 50, que se terá verificado uma maior aproximação às posições marxistas — ao tempo ainda as da Miséria da Filosofia — talvez porque esse Marx era ainda relativamente pouco conhecido e não se havia ainda assumido como o mais destacado teórico e doutrinário do socialismo revolucionário. Valerá ainda porventura a pena notar que apesar da fraqueza quantitativa dos textos que constituíam as leituras portuguesas de Marx, da fraqueza qualitativa — não só o precário conhecimento do Livro I como também o total desconhecimento dos Livros II e III de O Capital — da fraqueza social, isto é, da ausência de um proletariado moderno, combativo, possuidor de sólidas tradições revolucionárias, da ausência de um verdadeiro partido político marxista e de um aparelho editorial que desse publicidade aos principais textos do marxismo internacional, foi ainda assim relevante a presença desta corrente na cena portuguesa, sobretudo no decurso dos anos 90, período em que começava a ser patente a sua institucionalização nos meios académicos. Não era por acaso que os cultores da economia política e que os manuais da especialidade de âmbito universitário começavam então a incluir referências a Marx. Se os publicados por Albuquerque 121 e por Rodrigues de Freitas122 o ignoravam, já o de Laranjo123, e sobretudo o de Marnoco e Sousa124 , o consideravam, e não já só no âmbito das então habituais introduções à história das doutrinas, mas também no âmbito da apresentação de diversas temáticas particulares, considerando-o pois, implicita ou explicitamente, corrente científica relevante. João da Silva FERRÃO de Carvalho Martens, Proudhon, as leis económicas e a propriedade, Coimbra, 1854 Pedro da Amorim VIANA, Análise das «Contradições Económicas» de Proudhon, in A Península, 1852-1853. Por comodidade de consulta utilizámos a reprodução deste texto constante de PETRUS, Proudhon e a cultura portuguesa, vol. 1, s/l, 1961, pp. 1-96, pelo que todas as citações e referências que se seguem se reportam a este último livro. 1 2 Victor de SÁ, Perspectivas do século XIX, Porto, 1976.Aí se nota a pp.119 que: «em 1865 Amorim Viana apoia a candidatura socialista de Custódio José Vieira». Noutro local, o mesmo SÁ dá conta da ligação de Viana aos partidos Progressista e Reformista e aos republicanos. (Vd. Victor de SÁ, Amorim Viana — ensaio biobibliográfico, Figueira da Foz, 1960, pp. 12 e 32). 4 Pedro de Amorim VIANA, Análise das «Contradições Económicas» de Proudhon, in PETRUS, Proudhon e a cultura portuguesa ,S.l., 1961, p.14. 5 Ob. cit. p. 89. 6 José Júlio de Oliveira PINTO, Proudhon e a economia política, in PETRUS, Proudhon e a cultura portuguesa, vol. 1, s.l., 1961, p. 112. O texto de PINTO foi originalmente publicado em O Instituto, vol. 7-21, 1853. 7 Ob. cit. pp. 124-125. 8 Ob. cit. pp. 124-125. 9 Cremos pois que SÁ se terá equivocado quando a este respeito afirma:«Oliveira Pinto [...] bom conhecedor da filosofia alemã, cujo desenvolvimento desde Kant até Hegel sintetiza, [...]demorando-se na explicação de método dialéctico, cujo conhecimento considera necessário no seu trabalho, visto que Proudhon o adoptou.» (Victor de SÁ, Perspectivas do século XIX, Porto, 1976, p.223). 10 José Júlio de Oliveira PINTO, Proudhon e a economia política, in PETRUS,Proudhon e a cultura portuguesa, vol. 1, s.l., 1961, p.127-128. 11 Ob. cit. pp. 128-129. 12 Ob. cit. p. 113. 13 Ob. cit. pp. 125-126. 14 Ob. cit. pp. 126-127. 15 Ob. cit. p. 130. 16 Ob. cit. p. 130. 17 Ob. cit. pp. 130-131. 18 Ob. cit. p. 133. 19 Ob. cit. p.131. 20 Cit. Nikolai IVANOV, Karl Marx, Moscovo, 1983, p. 146. 21 Ob. cit. p. 143. 22 Vd. Carlos da FONSECA, A origem da 1ª Internacional em Lisboa, Lisboa, 1973, pp. 51 e ss. 23 Vd. João MEDINA, As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal, Lisboa, 1984. 24 Vd.Carlos da FONSECA, A origem da 1ª Internacional em Lisboa, Lisboa, 1973; César OLIVEIRA, O Socialismo emPortugal (1850-1900), Porto, 1973. 25 Vd. César OLIVEIRA (org.), 13 Cartas de Portugal para Engels e Marx, Lisboa,1978. 26 Vd. José J. Rodrigues de FREITAS, A revolução social — análise das doutrinas da Associação Internacional dos Trabalhadores, Porto, 1872, p. 25. 27 Vd. Vasco de Magalhães VILHENA, «Nota acerca da primeira tradução portuguesa do Manifesto do Partido Comunista», in Karl MARX e Friedrich ENGELS, Manifesto do Partido Comunista, Lisboa, 1975, pp. 19-24; Alberto PEDROSO, «Em volta de uma edição ignorada do Manifesto», in Diário de Lisboa de 14/3/1983, p.2. 28 Fernando Piteira SANTOS,«Notas sobre a difusão em Portugal de O Capital de Marx», in Economia e Socialismo, n.°35, Fev.de1979, pp. 15-18; «Marx e o movimento operário português», in Vértice, n.°453, Mar/Ab. de 1983, pp. 28-40. 29 Fernando Piteira SANTOS, «Antero de Quental e o socialismo», in Seara Nova, n° 978, Maio de 1946, p. 27. 30 Antero de QUENTAL, O que é a Internacional, Lisboa, 1980 (ed.original de1871), p.12. 31 Não obstante nos parecer exagerada a opinião expressa por um historiador, segundo a qual: «vivendo sob o capitalismo, Martins estuda-o e critica-o como ninguém». (Augusto Santos SILVA, Oliveira Martins e o socialismo, Porto, 1979, p. 99.) 32 J. P. Oliveira MARTINS, Portugal e o Socialismo, Lisboa, 1953 (ed. orig. de 1873), p. 24. 33 J. P. Oliveira MARTINS, Teoria do Socialismo, Lisboa, 1974 (ed. orig. de 1872). 34 Ob. cit. p. 272. 35 «Célebre já pelo terror que lança com o seu exército de milhões de operários europeus [...] a organização Internacional é conhecida.» (Ob. cit. pp. 274-275). 36 Alfredo MARGARIDO, A introdução do marxismo em Portugal (1850-1930), Lisboa, 1975, p. 47. 37 In Diário de Notícias de 6/6/1921, p. 1. 38 Carta de J. C. Nobre FRANÇA a Engels de 24/6/1872, in César OLIVEIRA (org.), 13 cartas de Portugal para Engels e Marx, Lisboa, 1978, p. 25. 39 José J. Rodrigues de FREITAS, A revolução social — análise das doutrinas da Associação Internacional dos Trabalhadores, Porto, 1872. 40 José J. Rodrigues de FREITAS, «Crises comerciais», in Revista Ocidental, vol. 1, t. 2, 1875, p. 19. 41 José J. Rodrigues de FREITAS, A revolução social — análise das doutrinas da Associação Internacional dos Trabalhadores, Porto, 1872, pp. 30-31. 42 Ob. cit. p. 25. 43 Ob. cit. p. 8. 44 Ob. cit. p. 37. 45 Ob. cit. p. 38. 46 Ob. cit. p. 93. 47 Ob. cit. p.134. 48 Ob. cit. p. 131. 3 José Frederico LARANJO, «Origens do socialismo», in O Instituto, vol. 20, 1874-1875, pp. 57-74. Art. cit. p. 60. 51 Art. cit. p. 65. 52 Art. cit. p. 72. 53 Art. cit. p. 74. 54 Vd. Por exemplo, Adrião Forjaz de SAMPAIO, Elementos de Economia Política, Coimbra, 1874, então a sebenta ainda usada no ensino de Economia na universidade de Coimbra, que não contém qualquer referência a Marx apesar de se reportar às escolas socialistas. 55 Note-se, por exemplo, que os próprios Marx e Engels, para além de Lafargue, enviaram saudações ao 2º Congresso Nacional do Partido Socialista, realizado em 1878. Registe-se ainda que Gneco mantinha contactos epistolares com Engels, participando também em diversas conferências operárias internacionais promovidas pela corrente marxista. 56 Era o caso de jornais como O Revolucionário e A República Social, ambos animados pela fracção marxizante dos socialistas portugueses. 57 São particularmente significativas as notícias publicadas na imprensa quando da morte de Marx em 1883. Há notas biográficas, há elogios e há, sobretudo, a invocação de Marx enquanto figura carismática, como se tais referências constituíssem só por si caução bastante da demarcação dos socialistas relativamente aos outros posicionamentos políticos e doutrinários presentes na sociedade, ou como se elas fossem suficientes para conferir um cunho marxista a uma prática que era essencialmente reformista. Note--se contudo que tais debilidades não terão passado inteiramente despercebidas aos mais lúcidos dirigentes socialistas, conforme observou, aliás, César de OLIVEIRA: «Nesse congresso [de Londres em 1896] os anarquistas são definitivamente expulsos e Gneco, ao assistir aos trabalhos do congresso, ter-se-ia dado conta da necessidade de um maior rigor teórico no seio do PS. Era porém tarde para recuperar o terreno perdido a favor dos republicanos e para travar a marcha aos anarquistas.» [in O socialismo em Portugal (1850-1900), Porto, 1973, p. 245]. 58 Note-se que pela transição do século se publicaram em Portugal alguns textos de vulgarização marxista, da autoria de Lafargue (O comunismo e a evolução económica, Lisboa, s/d, ou O catecismo do trabalhador, Lisboa, 1904, por exemplo), mas a influência directa mais poderosa parece ter sido a de Benoit Malon, um veterano da Comuna convertido ao possibilismo, que passava em Portugal por «eminente chefe do socialismo científico em França» (S. Magalhães LIMA, O socialismo na Europa, Lisboa, 1892, p. 1), que retribuiu a amabilidade considerando o programa adoptado pelo Partido Socialista em 1882 de «notório pela sua precisão científica que mais faz sobressair ainda a perfeita ortodoxia marxista» [cit. César NOGUEIRA, Notas para a história do socialismo em Portugal (1871-1910), Lisboa, 1964, p. 132] e que para além disso veria traduzido e largamente publicitado o seu livro O socialismo integral. É também de registar que existiram por essa época contactos directos com o próprio Bernstein, designadamente da parte de Oliveira Martins e de César Nogueira, mas sem que tais contactos tenham deixado marcas expressas em termos de estímulo à polémica teórica. [Cf. Alfredo DINIS, «Evolução do marxismo em Portugal (1850-1930)», in Revista Portuguesa de Filosofia, t. 35 (1-2), Jan. de 1979, pp. 159160.] 59 J. P. Oliveira MARTINS, O regime das riquezas, Porto, 1883, p. XX. 60 J. P. Oliveira MARTINS, A Inglaterra de hoje, Lisboa, 1893, p. 169. 61 Ob. cit. p. 170. 62 J. P. Oliveira MARTINS, Política e economia nacional, Porto, 1885, pp.72-73. 63 Silva MENDES, Socialismo literário ou anarquismo, s.l., 1896. 64 Ob. cit. p. 67. 65 Ob. cit. p. 67. 66 Ob. cit. p. 208. 67 Ob. cit. p. 275. 68 Vd. ob. cit. pp. 279 e ss. 69 Ob. cit. p. 221 70 Ob. cit. pp. 279-280. 71 Ob. cit. p. 306. 72 Ob. cit. p. 294. 73 Ob. cit. p. 311. 74 Ob. cit. p. 312. 75 Ob. cit. pp. 313-315. 76 Teófilo BRAGA, As modernas ideias na literatura portuguesa, vol. 2, Porto, 1892, p. 408. 77 Francisco José Teixeira BASTOS, Projecto de um programa federalista radical para o Partido Republicano Português, Lisboa, 1886,pp. 26—29 em especial. 78 João de MENESES, A nova fase do socialismo, Lisboa, 1902. 79 Sampaio BRUNO, Notas do exílio, Porto, 1893, p. 163. 80 Ob. cit. p. 155. 81 Ob. cit. p. 153. 82 Ob. cit. p. 144. 83 Ob. cit. p. 154. 84 Ob. cit. p. 154. 85 Alfredo MARGARIDO, A Introdução do Marxismo em Portugal (1850-1930), Lisboa, 1975, p. 75. 49 50 Carlos da FONSECA, Prefácio à reedição de João de MENESES, A Nova Fase do Socialismo, Lisboa, 1975, p. 13. 87 Amadeu de Carvalho HOMEM, A Ideia Republicana em Portugal, Coimbra, 1989, p. 304. 88 Basílio TELES, Estudos históricos e económicos, Porto, 1901, p. 164. 89 Vd. Basílio TELES, Introdução ao problema do trabalho nacional, Porto, 1901, pp. 13, 34 e 143 em especial. 90 Basílio TELES, Estudos históricos e económicos, Porto, 1901, p. 157. 91 Afonso COSTA, A Igreja e a questão social, Coimbra, 1895, p. 69. 92 Refira-se que este texto de Afonso Costa provocou uma resposta do historiador e publicista reaccionário Fortunato de Almeida. Nessa resposta, este autor interessar-se-ia igualmente pela discussão do marxismo, designadamente pela teoria do valor-trabalho e para a contestar em nome de um afirmado realismo da teoria subjectiva do valor: «O erro fundamental: com efeito não só os factos provam que entre o valor e o tempo de trabalho há muitas vezes grande desproporção, mas também é evidente que o valor depende de muitas outras circunstâncias. [...] A raridade e a utilidade são condições essenciais do valor.» (Fortunato de ALMEIDA, A questão social, Coimbra, 1895, p. 65.) 93 Augusto Eduardo NUNES, Socialismo e catolicismo, Coimbra, 1881, p. 26. 94 Ob. cit. p. 43. 95 Ob. cit. p. 80. 96 Ob. cit. p. 44. 97 Ob. cit. p. 78. 98 Manuel Abúndio da SILVA, O capital-salários. Porto, 1907, p. 83. 99 Ob. cit. p. 107. 100 Ob. cit. p. 106. 101 Ob. cit. p. 107. 102 Há notícia de que o texto dessa conferência efectuada em Coimbra em 1894 foi publicado, mas, apesar dos esforços realizados, não nos foi possível localizar qualquer exemplar. Trata-se de, Fernando Martins de CARVALHO, O socialismo científico, Lisboa, 1894. 103 Fernando Martins de CARVALHO, A questão social, Coimbra, 1892, p. 6. 104 António Augusto Pires de LIMA, «As doutrinas económicas de Karl Marx», in O Instituto, vol. 45 (10), Out. de 1899, p. 774. 105 Art. cit. p. 836. 106 Cf. Com Marx: «a quantidade de moeda em circulação [...] não é só determinada pela soma total dos preços das mercadorias a realizar: é-o simultaneamente pela velocidade a que circula o dinheiro», (in Karl MARX, Contribuição para a crítica da Economia Política, Lisboa, 1971, p. 110). 107 António Augusto Pires de LIMA, «As doutrinas económicas de Karl Marx», in O Instituto, vol. 46 (12), Dez. de 1899, pp. 1029-1031. 108 Art. cit. p. 1094. 109 Art. cit. in O Instituto, Vol. 47(1), p. 4. 110 Art. cit. pp. 5-6. 111 Guilherme Alves MOREIRA, O lucro e a questão económica, Coimbra, 1891, p. 96. 112 Roberto Alves de Sousa FERREIRA, A retribuição dos operários, Porto, 1889, p. 58. 113 Vd. ob. cit. p. 74. 114 Vd. ob. cit. p. 70. 115 Vd. ob. cit. p. 289. 116 Ob. cit. p. 80. 117 José F. Marnoco e SOUSA, Ciência económica, Coimbra, 1905, p. 251. 118 Note-se que um autor bem informado como Marnoco e Sousa, ao historiar, no início do século XX, as diversas correntes do pensamento económico em Portugal, dedica algumas páginas às «ideias socialistas em Portugal», mas não refere nenhum autor que a seu ver desse corpo a tais ideias. (Vd. José F. Marnoco e SOUSA, A economia nacional, Coimbra, 1909, pp. 137-142.). 119 Armando CASTRO, «Os primeiros críticos de Marx em Portugal», in Vértice, n.° 453, Mar/Ab. de 1983, pp. 16-17. 120 Vd. o texto de Azedo Gneco in O Protesto Operário de 4/2/1883. 121 Luís Almeida e ALBUQUERQUE, Noções elementares de economia política, Porto, 1885. 122 José J. Rodrigues de FREITAS, Princípios de economia política. Porto, 1883. 123 José Frederico LARANJO, Princípios de economia política, Porto, 1891. 124 José F. Marnoco e SOUSA, Ciência económica, Coimbra, 1902. 86 Quadro Cronológico Anos Obras de Marx e Engels 1841 A filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro Crítica da filosofia do Direito de Hegel 1843 1844 1845 1847 1852 Edições portuguesas de textos de Marx e Engels Principais Leituras de Marx economista Miséria da Filosofia (e) A. Viana - Análise das contradições económicas de Proudhon J. J. O. Pinto - Proudhon e a Economia Política M. Ferrão - Proudhon, as leis económicas e a propriedade A Sagrada Família Manuscritos económico-filosóficos A ideologia alemã (a) Teses sobre Feuerbach (b) A situação da classe trabalhadora na Inglaterra Trabalho assalariado e capital (c) Miséria de Filosofia Princípios do comunismo Manifesto do Partido Comunista A contra-revolução na Alemanha O 18 Brumário de Luís Bonaparte 1853 1854 1857 1859 1864 1867 1871 1872 «Grundrisse» (d) Contribuição para a crítica da Economia Política Manifesto Inaugural da AIT O Capital — I A luta de classes em França Estatutos Gerais da AIT A nacionalização da terra 1873 Manifesto do Partido Comunista (i) Manifesto do Partido Comunista (j) 1874 A questão da habitação 1875 Crítica do Programa de Gotha (f) As guerras camponesas na Alemanha 1877 1878 Anti-Duhring 1880 Notas sobre Wagner 1881 1883 1884 1885 Estatutos Gerais da AIT (g) Manifesto do Partido Comunista (h) J. F. Laranjo - Origens do Socialismo Manifesto Inaugural da AIT (k) Manifesto do Partido Comunista (l) Anti-Duhring Origens da família, da propriedade privada e do Estado O Capital — II 1889 Socialismo utópico e socialismo científico 1891 1892 Manifesto do Partido Comunista (n) Manifesto do Partido Comunista (n) 1893 1894 1895 O Capital — III J. J. Rodrigues de Freitas - A Revolução Social J. Batalha Reis - Conferên cia sobre sistemas de Proudhon, Marx e Engels Oliveira Martins - O socialismo em Portugal E. A. Nunes - Socialismo e catolicismo Ol. Martins - A Inglaterra de hoje R.. A. S. Ferreira - A retribuição dos operários G. A. Moreira - O lucro e a questão económica S. Bruno - Notas do exilio F. M. Carvalho - O socialismo científico A. Costa - A Igreja e a questão social F. Almeida - A questão social S. Mendes — Socialismo libertario e anarquismo A. A. P. Lima — As doutrinas económicas de Karl Marx 1896 1899 1901 B. Teles - Estudos Históricos Económicos B. Teles - Introdução ao problema do trabalho nacional J. Meneses - A nova fase do socialismo J. F. Marnoco e Sousa Ciencia Económica 1902 1905 O Capital — IV 1907 M. Abundio Silva - O capitalsalarios J. F. Marnoco e Sousa Economia Nacional 1909 1912 O Capital (res. Deville) (p) O Capital (res. Deville) (q) Observações: (a) Só publicado em 1924. (b) Só publicado em 1888. (c) Só publicado em 1849. (d) Só publicado em 1939. (e) Apenas breve citação, a primeira directa de uma obra de Marx, em J. J. Oliveira Pinto, Proudhon e a Economia Política. (f) Só publicado parcialmente em 1891 e na íntegra em 1921. (g) in O Pensamento Social. (h) Apenas breve excerto in J. J. Rodrigues de Freitas, A Revolução Social. (i) in O Pensamento Social. (j) Edição apenas referenciada in O Protesto, n.° 92, Maio de 1877, p. 2. (k) in O Pensamento Social. (l) in O Protesto Operário. (m) Apenas breve citação de A. Gneco, in O Protesto Operário, de 4 de Fev. (n) In O Eco Socialista. (o) Brochura editada no Porto. (p) Tradução de Albano de Morais. Lisboa. (q) Tradução de Maria Emília de Araújo Pereira. Lisboa.