Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.
Copyright do texto © 2020 os autores e as autoras.
Copyright da edição © 2020 Pimenta Cultural.
Esta obra é licenciada por uma Licença Creative Commons: Atribuição-NãoComercialSemDerivações 4.0 Internacional - CC BY-NC (CC BY-NC-ND). Os termos desta licença
estão disponíveis em: <https://creativecommons.org/licenses/>. Direitos para esta edição
cedidos à Pimenta Cultural pela autora para esta obra. O conteúdo publicado é de inteira
responsabilidade da autora, não representando a posição oficial da Pimenta Cultural.
CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO
Doutores e Doutoras
Airton Carlos Batistela
Breno de Oliveira Ferreira
Alaim Souza Neto
Carla Wanessa Caffagni
Alessandra Regina Müller Germani
Carlos Adriano Martins
Alexandre Antonio Timbane
Caroline Chioquetta Lorenset
Alexandre Silva Santos Filho
Cláudia Samuel Kessler
Aline Daiane Nunes Mascarenhas
Daniel Nascimento e Silva
Aline Pires de Morais
Daniela Susana Segre Guertzenstein
Aline Wendpap Nunes de Siqueira
Danielle Aparecida Nascimento dos Santos
Ana Carolina Machado Ferrari
Delton Aparecido Felipe
Andre Luiz Alvarenga de Souza
Dorama de Miranda Carvalho
Andreza Regina Lopes da Silva
Doris Roncareli
Antonio Henrique Coutelo de Moraes
Elena Maria Mallmann
Arthur Vianna Ferreira
Emanoel Cesar Pires Assis
Bárbara Amaral da Silva
Erika Viviane Costa Vieira
Beatriz Braga Bezerra
Everly Pegoraro
Bernadétte Beber
Fábio Santos de Andrade
Universidade Católica do Paraná, Brasil
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,Brasil
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade Estadual da Bahia, Brasil
Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Emill Brunner World University, Estados Unidos
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Católica de Pernambuco, Brasil
Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
Fauston Negreiros
Laionel Vieira da Silva
Felipe Henrique Monteiro Oliveira
Leandro Fabricio Campelo
Fernando Barcellos Razuck
Leonardo Jose Leite da Rocha Vaz
Francisca de Assiz Carvalho
Leonardo Pinhairo Mozdzenski
Gabriela da Cunha Barbosa Saldanha
Lidia Oliveira
Gabrielle da Silva Forster
Luan Gomes dos Santos de Oliveira
Guilherme do Val Toledo Prado
Luciano Carlos Mendes Freitas Filho
Hebert Elias Lobo Sosa
Lucila Romano Tragtenberg
Helciclever Barros da Silva Vitoriano
Lucimara Rett
Universidade Federal do Ceará, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade de Brasília, Brasil
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Universidad de Los Andes, Venezuela
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, Brasil
Helen de Oliveira Faria
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Heloisa Candello
IBM e University of Brighton, Inglaterra
Heloisa Juncklaus Preis Moraes
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
Ismael Montero Fernández,
Universidade Federal de Roraima, Brasil
Jeronimo Becker Flores
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
Jorge Eschriqui Vieira Pinto
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Jorge Luís de Oliveira Pinto Filho
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Universidade de Aveiro, Portugal
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Marceli Cherchiglia Aquino
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Marcia Raika Silva Lima
Universidade Federal do Piauí, Brasil
Marcos Uzel Pereira da Silva
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Marcus Fernando da Silva Praxedes
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil
Margareth de Souza Freitas Thomopoulos
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Maria Angelica Penatti Pipitone
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Maria Cristina Giorgi
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Centro Federal de Educação Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca, Brasil
José Luís Giovanoni Fornos Pontifícia
Maria de Fátima Scaffo
Josué Antunes de Macêdo
Maria Isabel Imbronito
Júlia Carolina da Costa Santos
Maria Luzia da Silva Santana
Julia Lourenço Costa
Maria Sandra Montenegro Silva Leão
Juliana de Oliveira Vicentini
Michele Marcelo Silva Bortolai
Juliana Tiburcio Silveira-Fossaluzza
Miguel Rodrigues Netto
Julierme Sebastião Morais Souza
Nara Oliveira Salles
Karlla Christine Araújo Souza
Neli Maria Mengalli
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Patricia Bieging
Rosane de Fatima Antunes Obregon
Patrícia Helena dos Santos Carneiro
Sebastião Silva Soares
Patrícia Oliveira
Simone Alves de Carvalho
Patricia Mara de Carvalho Costa Leite
Stela Maris Vaucher Farias
Paulo Augusto Tamanini
Tadeu João Ribeiro Baptista
Priscilla Stuart da Silva
Tania Micheline Miorando
Radamés Mesquita Rogério
Tarcísio Vanzin
Ramofly Bicalho Dos Santos
Thiago Barbosa Soares
Ramon Taniguchi Piretti Brandao
Thiago Camargo Iwamoto
Rarielle Rodrigues Lima
Thyana Farias Galvão
Raul Inácio Busarello
Valdir Lamim Guedes Junior
Renatto Cesar Marcondes
Valeska Maria Fortes de Oliveira
Ricardo Luiz de Bittencourt
Vanessa Elisabete Raue Rodrigues
Rita Oliveira
Vania Ribas Ulbricht
Robson Teles Gomes
Wagner Corsino Enedino
Rodiney Marcelo Braga dos Santos
Wanderson Souza Rabello
Rodrigo Amancio de Assis
Washington Sales do Monte
Rodrigo Sarruge Molina
Wellington Furtado Ramos
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Universidade de Aveiro, Portugal
Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal de São João del-Rei, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Ceará, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade de Campinas, Brasil
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade de Brasília, Brasil
Universidade Federal do Maranhão, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade de Aveiro, Portugal
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Universidade Federal de Roraima, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
PARECERISTAS E REVISORES(AS) POR PARES
Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc
Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos
Aguimario Pimentel Silva
Adilson Cristiano Habowski
Alessandra Dale Giacomin Terra
Adriana Flavia Neu
Alessandra Figueiró Thornton
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade La Salle - Canoas, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Instituto Federal de Alagoas, Brasil
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Universidade Luterana do Brasil, Brasil
Alessandro Pinto Ribeiro
Camila Amaral Pereira
Alexandre João Appio
Carlos Eduardo Damian Leite
Aline Corso
Carlos Jordan Lapa Alves
Aline Marques Marino
Carolina Fontana da Silva
Aline Patricia Campos de Tolentino Lima
Carolina Fragoso Gonçalves
Ana Emidia Sousa Rocha
Cássio Michel dos Santos Camargo
Ana Iara Silva Deus
Cecília Machado Henriques
Ana Julia Bonzanini Bernardi
Cíntia Moralles Camillo
Ana Rosa Gonçalves De Paula Guimarães
Claudia Dourado de Salces
André Gobbo
Cleonice de Fátima Martins
Andressa Antonio de Oliveira
Cristiane Silva Fontes
Andressa Wiebusch
Cristiano das Neves Vilela
Angela Maria Farah
Daniele Cristine Rodrigues
Anísio Batista Pereira
Daniella de Jesus Lima
Anne Karynne da Silva Barbosa
Dayara Rosa Silva Vieira
Antônia de Jesus Alves dos Santos
Dayse Rodrigues dos Santos
Antonio Edson Alves da Silva
Dayse Sampaio Lopes Borges
Ariane Maria Peronio Maria Fortes
Deborah Susane Sampaio Sousa Lima
Ary Albuquerque Cavalcanti Junior
Diego Pizarro
Bianca Gabriely Ferreira Silva
Diogo Luiz Lima Augusto
Bianka de Abreu Severo
Ederson Silveira
Bruna Carolina de Lima Siqueira dos Santos
Elaine Santana de Souza
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Brasil
Centro Universitário Moura Lacerda, Brasil
Universidade do Estado da Bahia, Brasil
Universidade de Passo Fundo, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Universidade Federal do Maranhão, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Universidade de Passo Fundo, Brasil
Universidade do Estado da Bahia, Brasil
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade do Vale do Itajaí, Brasil
Bruna Donato Reche
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faced, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Tiradentes, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil
Instituto Federal de Brasília, Brasil
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro, Brasil
Eleonora das Neves Simões
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Elias Theodoro Mateus
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
Elisiene Borges Leal
Inara Antunes Vieira Willerding
Elizabete de Paula Pacheco
Ivan Farias Barreto
Elizânia Sousa do Nascimento
Jacqueline de Castro Rimá
Elton Simomukay
Jeane Carla Oliveira de Melo
Elvira Rodrigues de Santana
João Eudes Portela de Sousa
Emanuella Silveira Vasconcelos
João Henriques de Sousa Junior
Érika Catarina de Melo Alves
Joelson Alves Onofre
Everton Boff
Juliana da Silva Paiva
Fabiana Aparecida Vilaça
Junior César Ferreira de Castro
Fabiano Antonio Melo
Lais Braga Costa
Fabrícia Lopes Pinheiro
Leia Mayer Eyng
Fabrício Nascimento da Cruz
Manoel Augusto Polastreli Barbosa
Francisco Geová Goveia Silva Júnior
Marcio Bernardino Sirino
Francisco Isaac Dantas de Oliveira
Marcos dos Reis Batista
Francisco Jeimes de Oliveira Paiva
Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira
Gabriella Eldereti Machado
Michele de Oliveira Sampaio
Gean Breda Queiros
Miriam Leite Farias
Germano Ehlert Pollnow
Natália de Borba Pugens
Glaucio Martins da Silva Bandeira
Patricia Flavia Mota
Graciele Martins Lourenço
Raick de Jesus Souza
Handherson Leyltton Costa Damasceno
Railson Pereira Souza
Helena Azevedo Paulo de Almeida
Rogério Rauber
Heliton Diego Lau
Samuel André Pompeo
Hendy Barbosa Santos
Simoni Urnau Bonfiglio
Universidade Federal do Piauí, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Universidade Federal do Piauí, Brasil
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Estadual de Roraima, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Potiguar, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Faculdade de Artes do Paraná, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal do Maranhão, Brasil
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade de Cruz Alta, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal do Pará, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Universidade La Salle, Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Universidade Federal do Piauí, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Tayson Ribeiro Teles
Wellton da Silva de Fátima
Valdemar Valente Júnior
Weyber Rodrigues de Souza
Wallace da Silva Mello
Wilder Kleber Fernandes de Santana
Universidade Federal do Acre, Brasil
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
PARECER E REVISÃO POR PARES
Os textos que compõem esta obra foram submetidos
para avaliação do Conselho Editorial da Pimenta
Cultural, bem como revisados por pares, sendo
indicados para a publicação.
Direção editorial
Diretor de sistemas
Diretor de criação
Patricia Bieging
Raul Inácio Busarello
Marcelo Eyng
Raul Inácio Busarello
Assitente de arte Elson Morais
Editoração eletrônica
Imagens da capa
Ligia Andrade Machado
Freepik
Editora executiva Patricia Bieging
Assistente editorial
Revisão
Organizadores
Peter Valmorbida
Os autores e as autoras
Alaim Souza Neto
Patricia Bieging
Raul Inácio Busarello
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
___________________________________________________________________________
O114 O que é ser professxr? Alaim Souza Neto, Patricia Bieging,
Raul Inácio Busarello - organizadores. São Paulo: Pimenta
Cultural, 2020. 266p..
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-88285-50-3 (eBook)
978-65-88285-51-0 (brochura)
1. Professor. 2. Docente. 3. Pedagogia. 4. Ensino.
5. Aprendizagem. I. Souza Neto, Alaim. II. Bieging, Patricia.
III. Busarello, Raul Inácio. IV. Título.
CDU: 37
CDD: 370
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503
___________________________________________________________________________
PIMENTA CULTURAL
São Paulo - SP
Telefone: +55 (11) 96766 2200
[email protected]
www.pimentacultural.com
2
0
2
0
SUMÁRIO
Prefácio........................................................................................... 13
Alaim Souza Neto
Capítulo 1
Da EaD à quarentena: reflexões
sobre intelectualidade, conhecimento
e espaços virtuais............................................................................ 16
Helena Azevedo Paulo de Almeida
Capítulo 2
Tecnologias digitais e a atuação docente:
possibilidades a partir da formação continuada............................... 30
Rackel Peralva Menezes Vasconcellos
Cristiana Barcelos da Silva
Poliana Campos Côrtes
Carlos Henrique Medeiros de Souza
Capítulo 3
UNILAB é uma universidade brasileira?
Experiências de ensino em contexto
de integração internacional.............................................................. 45
Alexandre António Timbane
Capítulo 4
Professor sabe ser professor......................................................... 63
Valdene Moura Lopes
Capítulo 5
Princípios e ensino-aprendizagem
da técnica vocal espanhola no Brasil............................................ 75
Lucila Tragtenberg
Capítulo 6
O processo de construção
de competências avaliativas:
uma experiência docente................................................................. 90
Ligia Silva Leite
Sandra Maria Martins Redovalio Ferreira
Sonia Regina Natal de Freitas
Capítulo 7
Modelo por um dia: a fotografia como
ferramenta para o resgate da autoestima....................................... 106
Bianca Antonio Gomes
Vania Ribas Ulbricht
Capítulo 8
Professar e inspirar...................................................................... 120
Charlene França
Capítulo 9
Reflexões cientificas sobre a interface
da agroecologia e da promoção da saúde................................. 127
Alessandra Regina Müller Germani
Ana Paula Schervinski Villwock
Capítulo 10
Sobre a pedagogia do fracasso
e do erro: metamorfoses............................................................... 142
Maria Cristina Morais de Carvalho
Capítulo 11
(in)Ventar a docência: brotos de autonomia................................. 152
Sheila Hempkemeyer
Capítulo 12
“É eu! Eu que fiz!”: um sensível relato
de experiência com cinema na EJA................................................ 167
Ally Collaço
Capítulo 13
O ensino híbrido (blended learning)
como metodologia de ensino adaptável
a momentos de crise.................................................................... 182
Leila Regina Techio
Ana Elisa Pillon
Márcio Vieira de Souza
Vania Ribas Ulbricht
Aires José Rover
Capítulo 14
Paixão pelo ensino e aprendizagem
de língua inglesa: um relato
de uma amante da língua............................................................... 199
Vanessa Veiga de Souza
Capítulo 15
Quem ensina o professor universitário?..................................... 205
Simone Alves de Carvalho
Capítulo 16
Normalistas e a formAÇÃO para a docência:
imagens e experiências.................................................................. 210
Marcélia Amorim Cardoso
Capítulo 17
Subjetividades de um professor-pesquisador............................ 229
Alaim Souza Neto
Capítulo 18
Relato de experiências: desafios dos educadores
na implantação do Programa Projovem
Campo-Saberes da Terra - no bairro da Tapera,
em Campos dos Goytacazes......................................................... 236
Carolina Fragoso Gonçalves
Sobre os organizadores............................................................... 253
Sobre os autores e autoras.......................................................... 255
Índice remissivo............................................................................ 262
PREFÁCIO
Alaim Souza Neto
Esta obra não poderia ter vindo em outra hora. Ela se materializa
em uma conjuntura bastante consternadora e calamitosa, não apenas
para o campo educacional, mas para a nação brasileira, quando são
postos à margem vários dos avanços que havíamos alcançado até
aqui e que apontavam na direção de um projeto cultural de educação
democrático, emancipatório e transformador.
sumár i o
Para aquelxs que comungam dos pressupostos freirianos de
que o papel fundamental da educação se volta para a comunhão entre
humanos mediados por diferentes objetos de conhecimento, sendo
a mediação um ato pedagógico que permite ao sujeito entender e
transformar o mundo a sua volta, podemos afirmar que vivenciamos um
momento caótico e perturbador. Caótico pelo estado de emergência e
provisoriedade, perturbador porque a Educação e Docência, e com
elas, a criatividade, o diálogo, a comunicação, os direitos humanos,
a tolerância, a autonomia e a humanidade sustentável são colocados
em xeque e por isso tornam-se temáticas a serem, mais que nunca,
discutidas, em tempos tão difíceis em que imperam o obscurantismo,
o fundamentalismo e o conservadorismo ultraliberal.
No campo educacional, como exemplos desse cenário, tem-se
o projeto Escola Sem Partido, o projeto Homeschooling, a elaboração
antidemocrática e aligeirada da BNCC - Base Nacional Comum
Curricular, a reforma do novo ensino médio, as discussões em torno do
FUNDEB, as profundas alterações nas diretrizes da formação docente
e dos cursos de Licenciatura, os ataques às Universidades Públicas,
o desmantelamento da Ciência brasileira, sobretudo, as Humanas,
13
e tantos outras ações que fragilizam ainda mais a democracia e a
liberdade de expressão, bem como aumentam ainda mais as injustiças
e desigualdades sociais. Estes são alguns dos movimentos de perigosa
desconstrução dos pressupostos conquistados em vários momentos
históricos, com grandes impactos significativos para os processos de
subjetivação da Educação e, sobretudo, da Docência.
Em síntese, são movimentos que tentam instrumentalizar, nos
termos do mercado, a Educação do nosso país desmobilizando as
mais diversas frentes possíveis. A Educação e Docência, ao serem
atacadas estão entrincheiradas. No que tange à Docência, as novas
práticas sociais da contemporaneidade têm nos exigido outras
sociabilidades e subjetividades em meio à mediatização cultural que
estamos inseridos, seja pela pressão do mercado, do consumo ou
novas relações, necessidades e demandas que os humanos têm neste
tempo, desde as mais simples atividades sociais.
sumár i o
Na escola, obviamente, a Docência precisa ser ressignificada
em movimentos diferentes daqueles concebidos no paradigma
tradicional em que pese a transmissão de conteúdos e concebe
o professor apenas como sujeito expositor. Com a integração de
diferentes tecnologias, com a emergência da cultura e convergência
digital, ora por inovação ou renovação de pedagogias, didáticas,
métodos, metodologias, técnicas, saberes e subjetividades, tem-se
novos modos de ensinaraprender.
É a partir desse cenário que emerge este livro, contando com
professorxs de diferentes formações e áreas do conhecimento,
mas que se disponham a dialogar de forma relacional, inovadora,
interdisciplinar e sem preconceitos, tendo algo em comum: a autoria,
a autonomia, a curiosidade, o respeito à democracia, como princípios
pedagógicos, ao aprendente e ao ensinante. A partir desses
pressupostos, a dinâmica de ensinar e aprender assume novos
contornos: da reprodução e ocupação do tempo para a construção
14
significativa e contextualizada dos conhecimentos/saberes, em
que o mais importante não é decorar, repetir ou memorizar, mas ao
contrário, pensar e atuar de forma crítica na sociedade.
Estabelecer a proposição para novas relações educativas de
ensinar e aprender precisa fazer parte do processo pedagógico,
pois é muito importante tomarmos consciência de não perceber as
novas subjetividades e sociabilidades como inimigos e resistir à sua
incorporação nos processos educativos, mas percebê-las como
dispositivos que têm, também, entre outras, a função de contribuir com
o processo de aprendizagem, seja por parte dos ensinantes ou dos
aprendentes. Essa consciência emerge na prática da integração entre
os diferentes procedimentos e processos pedagógicos, que de maneira
intra e inter-relacionada se complementam, fortalecendo a viabilização
do currículo de forma dinâmica, integrada, atual e contextualizada
sumár i o
Assim, este livro reúne um coletivo de narrativas e histórias de
professorxs, que de forma contemporânea, corajosa e instigadora,
traz um conjunto de reflexões para o debate sobre a Docência no
contexto atual. Será, com certeza, mais uma referência na construção
do diferentes paradigmas de educação crítica e emancipadora, em
direção a um país mais justo, diverso, inclusivo e democrático para
todxs. Fica o convite para a sua leitura.
15
Capítulo 1
1
DA EAD À QUARENTENA: REFLEXÕES
SOBRE INTELECTUALIDADE,
CONHECIMENTO E
ESPAÇOS VIRTUAIS.
Helena Azevedo Paulo de Almeida
Helena Azevedo Paulo de Almeida
DaEAD
àquarentena:
reflexõessobre
intelectualidade,
conhecimento
eespaçosvirtuais
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.16-29
Esta é, com toda certeza, a experiência mais difícil que tive em
escrever um texto. Falar sobre minha experiência enquanto professora
é algo tão complexo e plural, que quase me impediu de colocar em
palavras. É como estar desnuda, de qualquer roupa ou maquiagem
que poderia impedir a demonstração do quão visceral é a experiência
docente. Ser professor ou professora é, ao menos para mim, uma
entrega. E ela pode ser recíproca ou não.
sumár i o
Mas isto soa um tanto quanto idealista, distante, o que pode
ser perigoso. Creio que o “ideal” é uma orientação, mas que tende
a se distanciar da realidade prática. Ao idealizar uma aula, um ideal
de aula, podemos perder a organicidade que a transforma a cada
segundo, e o que a modifica: a diversidade presente em cada um dos
estudantes. Quando esperamos pelo inesperado e abrimos espaço
para os questionamentos dos alunos e nosso próprio, enaltecemos a
ação de diferentes sujeitos, de diferentes experiências, de diferentes
perspectivas. E isto é tudo o que acontece na sala de aula: a conexão
da pluralidade, das realidades diversas que existem no mundo. Talvez,
ao escrever dessa forma, eu esteja sendo um pouco idealista...
Mas comecemos do princípio, já que nem sempre pensei dessa
forma. Venho de uma família de número expressivo de professores.
Meus pais, tios, primos, todos eles “estiveram” pela sala de aula
enquanto professores ou viveram a sala de aula como tais. E creio
que parto dessa experiência para refletir como é “ser”, e o que
significa “estar” professor(a). Ser professor parte de uma tentativa de
transformação da sociedade, uma melhoria de sua constituição. Estar
professor é um “bico”, algo que o dito profissional faz por ter surgido
a oportunidade ou ainda para “aumentar a renda”, como diria uma
antiga propaganda de certa faculdade particular. Claro, também há
uma diferença crucial no que tange à área de ensino, pois existem os
cursos com licenciatura, voltados para a formação docente e todos
os demais cursos que tendem a terem o oposto: a negligência e o
17
desprezo intenso com o ensino. O que me faz pensar naqueles cursos
das ciências exatas, da saúde que apesar de passarem longe dos
bancos escolares, formam e preparam profissionais nas salas de aulas
do ensino superior.
Meus pais foram professores atuantes em instituição pública
de ensino; hoje aposentados. Em casa, tive acesso direto ao que é
ser professor, em toda sua glória, dedicação e percalços. Acompanhei
minha mãe chegando em casa tarde, pois estava atendendo alunos
(fora de seu “horário de trabalho”, obviamente), e meu pai se afogando
em pilhas de exercício, provas e trabalho extra de alunos. Uma
ilustração “tátil” do que significa ser professor. O “ser” está atrelado
a uma vivência constante, a um pensar eterno da forma e método de
atuação em sala de aula, mas também fora dela. Ambos trabalhavam
desde antes de se graduarem no ensino superior, ou para utilizar uma
frase usada por eles, “dando aulas”. Esta é uma expressão curiosa.
sumár i o
Nós, enquanto professores, sempre ouvimos esta frase. Mas
acredito que seja uma frase não só curiosa, mas perigosa! Não damos
aulas. Nós oferecemos nosso trabalho, pouco regularizado e valorizado
perante a sociedade, em troca de salário, que muitas vezes beira
apenas a sobrevivência. Parece exagero? Bom, se pensarmos que
a figura do professor é constantemente atrelada à ideia de “talento”,
“dedicação”, “trabalho por amor”, não é exagero voltarmos nossa
reflexão de docência para “figura do lacaio diferenciado na antiguidade
(em termos objetivos, o lacaio era um escravo com boas habilidades
intelectuais)”, como aponta Felipe Figueira. O autor demonstra que:
O lacaio, sendo ele no mais das vezes um escravo, trazia em si a
figura de alguém simples e desprovido de bens materiais. Nesse
sentido, tal professor não raro flertava com a fome, pois, vindo
de uma classe extremamente baixa, dificilmente conseguia lugar
de destaque na sociedade, bem como a sua remuneração ou
era inexistente ou ínfima. É possível polemizar e comparar sem
vitimismos a imagem do lacaio com a do professor brasileiro
18
do século XXI: os concursos para docente, em especial os
destinados à educação infantil, trazem uma remuneração muito
baixa diante da qualificação exigida (magistério, no mínimo)
(FIGUEIRA, 2020, s/p).
Claro, isto considerando os professores concursados nas redes
públicas de ensino. Uma situação almejada por muitos colegas e que,
no entanto, não é a realidade de boa parte dos docentes. A vida do
professor concursado, mesmo que precária, é consideravelmente
mais estável do que a vida do professor em redes privadas de
educação, especialmente, considerando a nossa realidade política
atual. Em um tempo que vivenciamos ao mesmo tempo uma caça aos
professores, por meio da demonização direcionada à humanização
da educação (como o projeto “Escola sem Partido”); e leis que tentam
criar mecanismos para se evitar a constante violência contra o docente
(como o caso da lei 2.457, sancionada no Amapá1), é necessário
pensar na figura do professor e em sua atuação na sociedade.
sumár i o
É a partir do papel dos professores na sociedade que gostaria
de tecer algumas reflexões iniciais. Escrevo este texto durante a
quarentena proposta no Brasil com o objetivo de evitar a propagação
de COVID-19, em uma ação urgente, necessária e sem precedentes
no mundo. Na segurança da minha casa (um privilégio que muitos
não têm), tive acesso a inúmeros comentários de colegas professores,
alguns conhecidos, outros não, sobre a atuação do professor a longa
distância. Ouvi em algumas lives o quão indispostos estavam em
realizar aulas em ambiente virtual. Outros, e tendo a concordar com
estes, encaravam o novo desafio com mais energia. Por isso, relato
aqui uma parte pequena, mas significante, da minha experiência
docente: a Educação a Distância (EaD).
1 Como pode-se ler na reportagem “Lei prevê mecanismos para evitar violência contra
professores e servidores em escolas no AP”, de Taemã Oliveira e Jorge Júnior. Disponível
em: https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2019/12/18/lei-preve-mecanismos-para-evitarviolencia-contra-professores-e-servidores-em-escolas-no-ap.ghtml .
19
Minhas experiências na EaD foram maravilhosas e espero que
tenha outras oportunidades de continuar atuando nesse ambiente.
Participei de dois cursos de pós-graduação: um em aperfeiçoamento
e o outro em especialização2, ambos oferecidos pela Universidade
Federal de Ouro Preto. Uma instituição pública e de qualidade, com
a preocupação social de retornar para a sociedade os investimentos
realizados em prol da construção de conhecimento e pesquisa.
Preocupação compartilhada por todas as instituições públicas do país
e que vem sendo atacadas por uma parcela da população, que muitas
vezes não entendem o trabalho realizado pelas Universidades. No
que tange à educação, o retorno é educar! Parece óbvio, mas é algo
necessário de ser dito, afinal “a liberdade de ensinar é componente
essencial de uma educação de qualidade, pública, laica, de corte
republicano, em conexão com a ampliação da densidade demográfica
e com os processos de inclusão social” (SEFFNER, 2017, p. 209).
sumár i o
Minha atuação na EaD foi como tutora e orientadora dos
trabalhos de TCC. Ao orientar alunos, que são também professores,
conheci colegas, de diferentes áreas, mas com o mesmo objetivo: se
aperfeiçoar para que pudessem oferecer aos seus próprios alunos o
melhor. E para o professor, oferecer seu melhor não é apenas uma
questão de conteúdo, mas também de tempo. Tempo de trabalho ou
de vida, porquê seus alunos valem isso. Esta, para mim, é a principal
diferença de ser professor, do que para aqueles que “estão” professores.
No que tange ao ensino a distância, os que “são” professores, apesar
dos limites que um ambiente virtual impõe à prática docente, tentam
transpor a falta da presença física por meio da aproximação emocional.
Uma conexão difícil, seja virtual ou presencial.
A Educação a Distância, responsável e de qualidade, tem como
um dos principais objetivos uma ideia muito básica e que deveria unir
2 Para leitura detida, consultar PAULO DE ALMEIDA, Helena A. e FERREIRA, Clayton J., “O
Ensino de História Indígena via EaD: o papel da tutoria no curso de aperfeiçoamento do
professor na Universidade Federal de Ouro Preto”.
20
mais aqueles envolvidos na profissão docente: o acesso democrático à
educação. Percebam, a pós-graduação em curso presencial é, ainda,
um privilégio. Em um país de proporções continentais, nem todos têm
abertura ou financiamento para a continuidade na formação docente.
E este é um problema estrutural: o incentivo e investimento para a
formação continuada do professor. Assim, a EaD pode tentar transpor
esses limites de qualquer formação e do próprio acesso à educação,
surgindo como um ambiente específico e poderoso para o ensino e
acesso à informação. Como destacou Paulo Freire, “a educação não
transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam
o mundo” (FREIRE, 1987, p. 87).
sumár i o
O ensino de humanidades tem ao menos uma particularidade
que me parece urgente abordar: o acesso a diferentes narrativas,
produzidas ou não por profissionais das mais diversas áreas. Vejam
bem, o acesso à internet nos conecta a inúmeras perspectivas de visão
de mundo, porém, ao menos algumas, mostram-se intensamente
excludentes. O acesso ao ambiente virtual por diversos aplicativos e
plataformas, como Facebook, Whatsapp, Instagram e Youtube, podem
ser vistos como janelas para a divulgação de movimentos sociais
importantes, como os Movimentos Negro, Feministas, Indígenas e
do Orgulho LGBTQ+. Esses movimentos, tão necessários em nossa
contemporaneidade, se colocam em oposição ao conservadorismo que
se vê ameaçado por estes mesmos movimentos. É o conservadorismo
que desencadeia uma reação extremista mundial e intensifica a antiintelectualidade, o negacionismo e a autoverdade.
Bom, mas como isso se conecta com a EaD? Devido à pandemia
que vivenciamos, muitas pessoas confundem o Ensino a Distância
com a educação remota, sendo a segunda uma tática emergencial
para as tentativas de continuidade das atividades letivas, algo que não
é acessível a um grande número de estudantes. Em contrapartida, o
ensino a distância ocorre em ambiente virtual, através de plataformas e
21
metodologias próprias para tal, como é o caso da plataforma Moodle.
Mas nós, enquanto professores, estamos preparados para lidar com
esses tipos de situações? A resposta é não, e não porque os professores
não tenham empenho ou interesse, muito pelo contrário. São as
estruturas de ensino e acesso público à internet que dificultam, e muitas
vezes impedem, o preparo do professor. Enquanto os governos de
estados, como Minas Gerais, salientam a continuidade das atividades
dos estudantes de ensino básico através da educação remota, muitos
alunos de instituições públicas não têm acesso à internet. Se torna
evidente, então, o despreparo do Estado em oferecer condições tanto
para os estudantes, quanto para os professores atuarem.
sumár i o
Aqui nos encontramos no cruzamento de dois caminhos, a
saber: 1) a educação remota e 2) a EaD. Encarar o ambiente virtual
como necessariamente distante do ambiente físico da sala de aula é
um equívoco, pois a verdade é que os alunos que participam do ensino
presencial têm acesso às redes sociais que mencionei anteriormente.
O ponto conflitante é que isso não pode ser confundido com EaD. A
realidade é que o ambiente virtual, em sua forma ampla, também faz
parte do ambiente presencial da educação.
Por outro lado, a resistência de muitos professores em utilizar tais
ferramentas pode afastar as atividades das salas de aulas do cotidiano
desses alunos, o que promove a eterna pergunta na disciplina de
história: “para que estamos estudando isso?”. Uma possível resposta,
dentre tantas outras, é mais prática do que poderíamos imaginar:
estudamos para entender o presente, e a formação e constituição das
diversas sociedades que sustentam o mundo. O estudo do passado é,
assim, o estudo do presente.
No entanto, é importante ressaltar que, em nossa
contemporaneidade, a mercantilização da educação faz parte da
realidade docente. Sendo assim,
22
a noção do uso das tecnologias na educação e da modalidade
a distância se confundiu com o contexto social, histórico
e econômico que predomina na formulação das políticas
em que a ênfase está no caráter utilitarista e tecnicista das
tecnologias e que a modalidade a distância sirva para ampliar o
acesso promovendo a massificação do processo educacional
(PIMENTEL, 2012, p. 71-72).
sumár i o
O preconceito com a EaD existe, e ele é quase tátil. Ouvi muitas
vezes, pessoas dizendo que o ambiente em EaD “jamais substituiria a
sala de aula” e é verdade. Não há substituição do ensino presencial. O
sentido produzido nas salas de aula (também considerando a sala de
aula virtual) não pode ser reduzido a conceitos isolados e desatados
da sociedade e do presente. É por isso que a presença, o aspecto
físico que constitui o indivíduo é tão importante. Mas a desconfiança
que muitos professores têm da EaD é bem fundamentada, como
mencionado acima, na massificação do processo educacional. O
filósofo Noam Chomsky faz uma maravilhosa reflexão sobre mercado,
enquanto doutrina e realidade, em O Lucro ou as Pessoas? (2018), e
nos relembra a privatização especificamente realizada na Companhia
Vale do Rio Doce, atual Vale no Brasil. Trago à tona aqui a privatização
da Vale para ressaltar a lucratividade que o mercado via em sua
instituição, a mesma que vê na educação enquanto mercadoria,
tornando a EaD alvo.
Assim, a mesma “mão invisível” que supostamente regularia a
economia, investiria na EaD privada e colheria o lucro do pagamento
de milhares de matrículas ao redor do território nacional, não se
retendo mais a uma localidade específica. E o mais perigoso, a meu
ver, é ainda um debate pouco amplo: em uma perspectiva neoliberal
“o parâmetro de funcionamento da sociedade é a própria ‘organização
empresarial’, tomada como modelo racional de organização,
apagando a historicidade das ‘instituições’ e transformando-as em
miniorganizações empresarias de prestação de serviços” (FREITAS,
2018, p. 31), incluindo aí a educação e a EaD.
23
Então, sim, eu não só compreendo, mas me solidarizo e
concordo com o receio de muitos colegas em relação ao ambiente
virtual de educação. Mas este receio não pode nos impedir de
perceber que, nesta era digital, o ambiente virtual de educação pode
também ser a ferramenta para a reestruturação de mundos. Não é
uma situação de ciberespaço versus espaço físico, mas sim da
produção em conjunto de conhecimentos, valorização da diversidade
e continuidade na formação docente e das realidades diversas que se
encontram os sujeitos enquanto discentes. Trata-se da valorização das
potencialidades de ambos, simultaneamente. E isto, tendo em mente
sempre as críticas necessárias aos abusos mercantilistas, muitas
vezes impostos a EaD.
sumár i o
Assim, pensar a EaD é também pensar o momento de
contingência que estamos vivendo, de afastamento social em favor da
vida. É também pensar que em muitas localidades do país, as pessoas
vivem em situações mais ou menos extremas 365 dias ao ano, com
dificuldade de acesso não só à educação, mas também ao sistema
de saúde, de transporte, com dificuldade de acesso a alimentação e
saneamento. O retorno que as Universidades públicas fazem ao redor
do país, em âmbito educativo, é a contribuição à continuidade de
formação para estudantes e professores dos cantos mais remotos do
país, onde a fisicalidade das instituições públicas de ensino ainda não
conseguiu alcançar. Ao conectar o ensino superior público aos alunos
e professores de todo o país, demonstramos o que as Universidades
Federais e Estaduais produzem de melhor: conhecimento e acesso.
Um dos maiores desafios da minha experiência na EaD foi
conseguir estabelecer uma comunicação viável, não no sentido de
acesso à internet, mas na clareza que o conteúdo a ser oferecido
fosse entendido. Nas salas de aula físicas, um simples “não entendi,
professora” seria suficiente. Mas na EaD, encontrei-me de frente com
algo desafiador: a clareza na escrita. Marc Bloch inicia seu livro, nunca
24
finalizado, o “Apologia da História”, com a seguinte passagem: “(...)
não imagino, para um escritor, elogio mais belo do que saber falar,
no mesmo tom, aos doutos e aos escolares” (BLOCH, 2001, p. 41).
E a meu ver, essa tem que ser uma das principais preocupações dos
profissionais das Ciências Humanas, em nossa contemporaneidade.
sumár i o
Com a ampliação do ambiente virtual, multiplicando
infinitamente as narrativas (principalmente considerando as narrativas
históricas), também se multiplicam as narrativas negacionistas e de
autoverdade, tornando cada vez mais urgente a atuação dos cientistas
nesse espaço tão novo na nossa modalidade de profissão. Faz parte
do papel do professor, e este enquanto intelectual, responder às
demandas da sociedade e, mais especificamente, dos seus alunos.
A escola nunca foi detentora exclusiva da produção de conhecimento
(ressaltando que a construção de conhecimento pode ser informal,
formal e não-formal), mas presenciamos nos últimos 20 anos, uma
tensão mais enérgica e vigorosa do que é produzido na escola
com demais fontes, como as digitais, ressaltando “a aprendizagem
[como] um processo interativo em que os sujeitos constroem seus
conhecimentos através da suas interações com o meio, numa interrelação constante entre fatores internos e externos.” (LIBÂNEO, 2010,
p.77). O Ciberespaço é uma ambientação nova e, como novo, pode
nos causar um pouco de estranhamento.
Quando se trata do ensino de História, um desafio sempre é
presente: fazer com que aquele passado importe para a atualidade;
fazer com que ele mobilize e emocione; fazer com que haja esta
conexão necessária ao ensino. Ao menos nas humanidades, talvez
seja um dos desafios principais: demonstrar que o objeto de estudo,
seja no presente ou no passado, é um ser vivo, uma pessoa, como
eu e os leitores. E o ambiente virtual pode auxiliar na valorização do
sensível para o tratamento de temáticas caras não só às humanidades,
mas, principalmente, à Humanidade. O ciberespaço pode conectar a
diferença do Outro ao Eu, e vice-versa.
25
Nesse momento de isolamento social, conseguimos perceber
a falta que faz este aspecto tátil, e que muitas vezes nos passa
despercebido. E talvez passe desprevenido, justamente porque
pensamos que sua presença sempre estará lá. Utilizo, então,
deste momento, que é histórico, para reforçar algo que para outros
professores talvez não seja tão claro quanto é para um professor de
história: as consequências da intangibilidade e indiferença em relação
ao Outro. Quando não há uma conexão de um ser humano com o
outro, o conhecimento pode perder seu valor, seja de qual área for ou
em qual tempo estiver, pois é a própria construção do conhecimento
uma ponte para com o diferente.
sumár i o
Agora vivenciamos diariamente a reciprocidade do
conhecimento das ciências médicas e biológicas na atuação contra a
COVID-19. Ao mesmo tempo que vivenciamos uma outra experiência
dupla: a de humanidade na união solidária com quem não tem o
privilégio da quarentena, junto à desumanidade dos que pregam
a volta das atividades não essenciais, em um escancaramento da
eterna balança econômica: a vida ou o lucro? Mas Marc Bloch já
havia tentado nos avisar:
a experiência não apenas nos ensinou que é impossível decidir
precisamente se as especulações aparentemente as mais
desinteressadas não se revelarão, um dia, espantosamente úteis
à prática. Seria infligir à humanidade uma estranha mutilação
recusar-lhe o direito de buscar, fora de qualquer preocupação
de bem-estar, o apaziguamento de suas fomes intelectuais
(BLOCH. 2001, p. 45).
É a busca pelo conhecimento, pela “fome intelectual” que impera
na EaD das Universidades públicas, e que não cobram de seus alunos
taxa alguma.
Mas veja, uma das críticas que ouvi nesses últimos dias à EaD,
é que ela abriria um precedente para que não houvesse mais aulas
26
presenciais, seja qual for o nível de ensino. Esta é uma crítica válida, pois
vivenciamos também, o aumento da porcentagem aceitável de aulas
em ambiente virtual das faculdades. A portaria 2.117/19, assinada por
Abraham Weintraub, aumenta de 20% para 40% as aulas a distância3.
Este aumento foi comemorado na mídia como um avanço, em favor
dos “grandes grupos de educação brasileiros”4. Mas então, onde está
a crítica? A crítica provém da mercantilização da educação, como
apenas uma nova forma de empresários fazerem um lucro exorbitante,
às custas de inúmeros alunos que procuram por formação, ao mesmo
tempo que inúmeros professores são explorados em suas profissões,
com um número massacrante de aulas, mas que não têm o devido
tempo para prepara-las e não são remunerados adequadamente.
Não só o tempo, fator essencial à dedicação da profissão docente,
mas a desestruturação inclusive financeira do profissional. Uma
desestabilização da experiência docente, constantemente ameaçada
pela vida moderna, almejando lucros5.
sumár i o
A estabilidade do professor, principalmente considerando os
professores das áreas de humanidades, é algo que tange o ideal, pois
somos nós, cientistas das humanidades que fazemos constantemente
a crítica à sociedade, às políticas, às estruturas que tentam
sistematicamente nos amordaçar. Os professores, esses cientistas
ativos na sociedade são, por definição, intelectuais. E é considerando
o papel do intelectual na sociedade que gostaria de me encaminhar
para a finalização deste ensaio.
3 PORTARIA Nº 2.117, DE 6 DE DEZEMBRO DE 2019. Diário oficial da união. Edição: 239,
Seção: 1, Página: 131. Órgão: Ministério da Educação/Gabinete do Ministro. Publicado
em: 11/12/2019.
4 Como percebe-se em reportagem da revista “EXAME”, feita por Carolina Riveira. Disponível
em: https://exame.abril.com.br/negocios/menos-professores-mais-margem-a-portaria-quemuda-as-faculdades-privadas/
5 Na reportagem “Menos professores, mais margem”, da revista EXAME já mencionada,
percebe-se que a celebração pela EaD privada remete-se à diminuição do corpo docente,
o que significa, menos “gastos” para a empresa/faculdade.
27
Edward Said já destacava que “os verdadeiros intelectuais
nunca são tão eles mesmos como quando, movidos pela paixão
metafísica e princípios desinteressados de justiça e verdade,
denunciam a corrupção, defendem os fracos, desafiam a autoridade
imperfeita ou opressora” (SAID, 2017, p. 21), sendo eles os
responsáveis pelas reflexões do tangível e intangível na sociedade,
independentemente de sua área de formação. É papel do professor
desafiar os problemas que partem do que a sociedade quer esquecer
ou, como agora presenciamos, quer “passar um pano”, construindo
um distanciamento emocional abissal entre o que é considerado
“bom” e “ruim”; esquerda e direita; entre Eu e o Outro; ou mais
precisamente, entre tudo o que for diferente dessas dualidades
empobrecedoras. Segundo esta perspectiva, o que é vergonhoso no
passado, como as ditaduras, os genocídios, o trauma, teria que ser
distanciado e desumanizado. É esse distanciamento que nos cega
ou faz esquecer o fundamental: o mundo é feito de gente, de sujeitos,
seja um de frente para o outro, seja pela mediação de uma tela digital.
sumár i o
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do historiador. Rio de Janeiro RJ, Jorge Zahar Editor, 2001.
CAMPOS, Fernanda C. A.; SANTORO, Flávia Maria; BORGES, Marcos R. S.;
SANTOS, Neide. Cooperação e aprendizagem on-line. Rio de Janeiro – RJ,
DP&A Editora, 2003
CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as Pessoas?. Rio de Janeiro – RJ, Editora
Bertrand Brasil, 2002.
DANOWSLKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por
vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis – SC, Cultura e Barbárie
Editora, 2014.
GUMBRECHT, Ulrich. Produção de Presença. Rio de Janeiro – RJ, Editora
PUC- RIO, 2010.
28
FIGUEIRA, Felipe. Você dá aula?. Jornal do Noroeste, 13/03/2020. Disponível
em: http://www.jornalnoroeste.com/pagina/colunas/voce-da-aula .
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREITAS, Luiz Carlos de. A Reforma Empresarial da Educação: nova direita,
velhas ideias. São Paulo – SP, Editora Expressão Popular, 2018.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo - SP,
Editora Cortez, 2010.
PAULO DE ALMEIDA, Helena A. e FERREIRA, Clayton J., O Ensino de
História Indígena via EaD: o papel da tutoria no curso de aperfeiçoamento
do professor na Universidade Federal de Ouro Preto. In.: BIENGING, Patrícia;
BUSCARELLO, Raul; ULBRICHT, Vania. Educação no Plural: da sala de aula
às tecnologias digitais. São Paulo - SP, Editora Pimenta Cultural, 2016.
PIMENTEL, Nara Maria. As políticas públicas para as tecnologias
educacionais e a educação a distância no Brasil: uma reflexão histórica. In.:
DAMIANO, Gilberto; REYES, José; SANTOS, Larissa. EAD, Cultura e produção
de subjetividade. Juiz de Fora - MG, Editora UFJF, 2012.
SAID, Edward. Representações do Intelectual: as conferências de Reith de
1993. São Paulo – SP, Companhia das Letras, 2017.
sumár i o
SEFFNER, Fernando. Escola pública e função docente: pluralismo
democrático, história e liberdade de ensinar. In.: MACHADO, André e
TOLEDO, Maria Rita. Golpes na História e na Escola: o Brasil e a América
Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo – SP, Cortez Editora, 2017.
29
Capítulo 2
2
TECNOLOGIAS DIGITAIS
E A ATUAÇÃO DOCENTE:
POSSIBILIDADES A PARTIR DA
FORMAÇÃO CONTINUADA
Rackel Peralva Menezes Vasconcellos
Cristiana Barcelos da Silva
Poliana Campos Côrtes
Carlos Henrique Medeiros de Souza
Rackel Peralva Menezes Vasconcellos
Cristiana Barcelos da Silva
Poliana Campos Côrtes
Carlos Henrique Medeiros de Souza
Tecnologias
digitais
eaatuação
docente:
possibilidades
apartirdaformação
continuada
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.30-44
INTRODUÇÃO
Contextualização
As Tecnologias Digitais (TD) em suas mais variadas formas
assumem com intensidade quase todos os espaços e perpassam
quaisquer relações na sociedade vigente, o que suscita novos olhares
e posturas, principalmente, no âmbito educacional. Por essa razão,
nos dias de hoje, muito se tem discutido sobre uma aprendizagem
significativa, que tipo de ensino e planos devem ser adotados para se
alcançar o alunado dessa geração. Entretanto, esbarramos no fato de
termos um corpo docente composto, em sua maioria, de imigrantes
digitais - e não nativos - cujo desafio é fazer uso, em suas aulas, de
ferramentas que, muitas vezes, o discente já domina com propriedade.
sumár i o
Diante de todos os atrativos que absorvem a atenção dos
educandos, o desejo de estar alheio ao ambiente educacional, só
cresce, considerando ainda todas as adversidades que podem ocorrer
nesse ambiente, como o bullying ou agressões, fatos que somatizam
a prerrogativa de ser competitivo e estressante o ambiente escolar. A
discrepância no desenvolvimento tecnológico e a abordagem de sala
de aula faz parecer que a educação ficou parada no tempo.
É nesse cenário de rápidas transformações que se situa o
pensamento contemporâneo, possuidor de uma pluralidade de perfis
e tendências que correspondem aos tipos de racionalidade atualmente
vigentes em nossa sociedade. Essa pluralidade de perfis e tendências
e o contexto socioeconômico global redefinem a finalidade e relevância
da escola, da educação.
31
Junto ao processo de reorganização do mundo nos parâmetros
globais, surge a urgente necessidade de se trabalhar acerca de um
processo de localismo que neutralize o poder da globalização, muitas
vezes, apresentando-nos como devastador. Para tanto, o papel das
instituições de ensino deve ser o de contribuir na formação de um
novo profissional voltado para o exercício da cidadania, tendo como
principal referência à comunidade em que a escola se insere, ou seja,
o seu “entorno”.
Nesse sentido, reconhece-se a importância e necessidade da
formação continuada para a capacitação docente, estreitando os
caminhos entre educação e as tecnologias digitais, possibilitando
ao professor que atua em sala de aula inovar, tornando assim,
a aprendizagem e o espaço escolar não só mais atrativo para
o aluno como também um ambiente que proporciona múltiplas
descobertas significativas.
sumár i o
Assim, o projeto de pesquisa intitulado “Professores da rede
pública de ensino frente ao desafio: O uso das Novas Tecnologias de
Comunicação e Informação em Sala de aula” surgiu da inquietude
do professor Doutor Carlos Henrique Medeiros de Souza ao vivenciar
a necessidade de se considerar o avanço científico e tecnológico, a
rapidez das mudanças nos processos de comunicação e sua influência
no desenvolvimento educacional.
Partindo dessa leitura social, uma formação continuada e
tecnológica foi oferecida aos professores de Educação Básica em
Campos dos Goytacazes (município do Estado do Rio de Janeiro),
a partir do uso das TD, no processo de formação continuada desses
profissionais. Oficinas e atividades foram realizadas com o propósito de
promover o uso pedagógico de recursos tecnológicos, potencializando
a capacidade de compreensão e utilização das mais variadas mídias
digitais e sociais e ambientes tecnológicos.
32
OBJETIVOS
Esse presente trabalho apresenta objetivos claros e definidos
que coadunam com a proposta de um modelo de formação continuada
conforme apresentado abaixo:
Objetivo Geral
O projeto proposto apresentou como objetivo geral oferecer
aos docentes atuantes na educação básica do município de Campos
dos Goytacazes, formação continuada e incorporação das tecnologias
digitais nos processos, destacando a importância da tecnologia no
contexto de sala de aula e a reflexão do papel do educador frente a
realidade aluno, cada vez mais tecnológico.
sumár i o
Objetivos Específicos
•
Preparar os professores para promover inovações pedagógicas
instrumentalizadas pelos recursos tecnológicos que já estão
sendo disponibilizados nas escolas;
•
Por meio das relações entre os docentes participantes da
capacitação, promover troca de saberes e experiências;
•
Melhorar sua capacidade de compreensão do mundo por meio
das redes sociais e dos ambientes tecnológicos disponíveis;
•
Implantar a rotina de criação de material didático de apoio em
consonância com as necessidades da escola e com a visão
cultural e de mundo dos alunos e de professores;
33
sumár i o
•
Municiar os professores com instrumentos teóricos que
possibilitem a autorreflexão de sua ação pedagógica;
•
Permitir a formação de docentes que possam compreender os
novos cenários no qual a escola e alunos estão inseridos;
•
Conhecer e/ ou atualizar seus conhecimentos quanto à existência
e uso das Novas Tecnologias que permeiam nossa sociedade;
•
Compreender o mundo (conceito virtual) na qual os alunos estão
sendo educados e coabitando;
•
Permitir uma reflexão quanto ao papel da escola / professor no
processo educativo dos alunos;
•
Potencializar o uso de recursos tecnológicos no cotidiano da escola
a fim de motivar os alunos para o processo de aprendizagem;
•
Apresentar as técnicas e aplicativos mais recentes a serem
usados no âmbito educacional, bem como capacitá-los para o
uso de tais ferramentas.
METODOLOGIA
Para o desenvolvimento do projeto em questão, foram
utilizadas as abordagens qualitativa e quantitativa de pesquisa, sendo
desenvolvida por etapas sequenciais.
A partir de um cronograma definido previamente com os temas
mais atuais, no que diz respeito a Tecnologias Digitais, módulos
quinzenais foram aplicados por alunos Mestrandos e Doutorandos do
curso de Cognição e Linguagem da Universidade.
34
Em uma sala multimídia preparada para esse modelo de curso,
com computadores individuais, lousa, Datashow e som ambiente,
o momento da aula era dividido em duas etapas: em um primeiro
momento apresentavam-se os conceitos e teorias coerentes com o
tema do módulo. A partir de então, uma prática era proposta para ser
construída durante o curso e aplicada na Unidade Escolar a qual o
cursista trabalhava.
Nesses moldes, todas as aulas foram realizadas ao longo do
segundo semestre e culminou na apresentação dos trabalhos de cada
cursista. A avaliação aconteceu de modo a contabilizar a frequência e
participação dos alunos (professores da rede pública).
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
sumár i o
O projeto de extensão foi organizado em 11 módulos
presenciais, além das atividades propostas a serem colocadas
em prática nas instituições de ensino nas quais os professores
selecionados trabalhavam.
Cada módulo trouxe um subtema relacionado acerca das
Tecnologias Digitais. Dentre os instrutores selecionados a trabalhar
com o grupo de professores inscritos, estavam a Professora Doutora
Cristiana Barcelos, a Professora Mestranda Rackel Peralva, a Professora
Mestranda Aline Peixoto e a Professora Mestranda Poliana Côrtes.
Quanto aos temas, os abordados em cada módulo foram:
•
Módulo 1. As habilidades no século XXI / introdução às
Tecnologias Digitais
•
Módulo 2. Uma reflexão sobre o uso da internet
•
Módulo 3. Redes sociais no contexto escolar
35
•
Módulo 4. O google e seus recursos na aplicação em sala
de aula
•
Módulo 5. A utilização das mídias como recurso pedagógico
•
Módulo 6. Competências digitais para professores do século XXI
•
Módulo 7. Utilizando aplicativos como recurso educacional
•
Módulo 8. Os principais aspectos jurídicos no ambiente digital
•
Módulo 9. Escola digital: novos paradigmas da educação
•
Módulo 10. Metodologias ativas na prática em sala de aula
•
Módulo 11. Apresentação dos trabalhos realizados pelos
participantes do curso
PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO
sumár i o
Em um primeiro momento, palestras foram ministradas nas
instituições de ensino envolvidas, com o intuito de refletir e debater
sobre a importância do uso das tecnologias digitais no processo de
ensino aprendizagem, bem como divulgar o curso de extensão. Em
seguida, as inscrições para professores interessados da rede municipal
foram disponibilizadas para as escolas. Como planejamento do curso,
foi elaborado um cronograma, além da organização dos módulos,
temas a serem abordados e contato com os professores instrutores.
O coordenador do projeto, professor Dr. Carlos Henrique
Medeiros, coordenador também do programa de Pós-graduação em
Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro-UENF, recrutou alunos matriculados no Mestrado,
Doutorado e Pós-Doutorado do programa para ministrarem as aulas
36
do curso. Dentre os selecionados, estavam Cristiana Barcelos, Rackel
Peralva, Aline Peixoto e Poliana Côrtes. Os instrutores foram escolhidos
levando em consideração sua área de atuação em consonância com
os módulos do curso. Como próximo passo, os monitores realizaram
uma seleção de materiais bibliográficos que embasassem as atividades
buscando estabelecer o confronto entre teoria e prática.
Desenvolvimento Das Práticas Educativas
No segundo semestre de 2019, 20 professores da rede municipal
de ensino iniciaram um processo coletivo de aperfeiçoamento. A
formação continuada foi desenvolvida em 11 módulos presenciais
realizados quinzenalmente no prédio da Reitoria na UENF no
laborátorio de tecnologias.
sumár i o
No primeiro encontro, a instrutora Rackel Peralva realizou uma
roda de conversa com os professores, na qual foi possível entender
suas angústias e entender o nível de conhecimento tecnológico de
cada educador. A partir de então, a cada módulo, os instrutores após
a parte teórica, desenvolviam oficinas práticas, usando o laboratório
de informática. Em seguida, os professores participantes tiveram que
elaborar atividades pedagógicas utilizando as tecnologias digitais
para que fossem aplicadas em suas aulas, confirmando um efetivo
aproveitamento dos recursos tecnológicos disponíveis nas escolas.
Ao trabalhar o tema de redes sociais, por exemplo, Poliana Côrtes
identificou que todos os professores presentes faziam uso de redes
sociais, porém, grande parte não as utilizava como ferramenta de ensino
e viam tais instrumentos como “inimigos da sala de aula”. Ao final do
módulo a instrutora relatou a respeito da satisfação dos professores e
o turbilhão de ideias que surgiram para se usar as redes sociais como
instrumento no processo ensino-aprendizagem dos estudantes.
37
MARCO TEÓRICO
Sabe-se que ensinar, demanda uma nova postura do educador,
o que também se traduz em desafios, uma vez que os cursos de
formação docente nem sempre contemplam a implementação das
tecnologias no âmbito escolar. Todavia, há de se considerar que
o amplo acesso da informação está ao alcance de todos, porém, o
conhecimento, se restringe a poucos. O educador do novo século
reconhece que não basta ter acesso à informação, é preciso saber o
que fazer com ela. (MEIRA; ARENA; BEZERRA, 2016).
sumár i o
Entretanto, existe uma lacuna entre saber da constante mudança
e desenvolvimento do modelo educacional e tecnológico e conhecer,
estar motivado a coloca-lo em prática. Convivemos com elementos
multimídia, há muito tempo, mesmo sem nos darmos conta disso.
Portanto, precisamos de atualização e constante aprendizado. Tais
necessidades nos levam a grandes mudanças que nos permitem
perceber a ocorrência de um reordenamento de espaços, bem
como alterações nos modelos explicativos de mundo que atingem
profundamente a consciência e a ação do sujeito na tensão entre o
individual e o comunitário, o global e o particular (SOUZA, 2003).
Especialmente, depois do surgimento e avanço da internet,
computadores raramente são vistos como máquinas isoladas,
sendo sempre imaginados em rede. Vivemos em uma sociedade
da informação que só se converte em uma verdadeira sociedade
do conhecimento para alguns, aqueles que puderam ter acesso às
capacidades que permitem desentranhar e ordenar essa informação
(MUNICIO; POZO, 2003).
38
No nosso sistema educacional, uma significativa parcela dos
educadores são imigrantes1 digitais, cujas salas de aula ainda têm a
mesma estrutura e utilizam os mesmos métodos usados na educação
do século XIX: as atividades ainda são planejadas para quadro e
papel, e o professor continua ocupando a posição de protagonista,
detentor e transmissor da informação. A evolução tecnológica é algo
em constante mutação. Tais professores não tiveram esse aprendizado
tecnológico, muitos não entendem e percebem a necessidade de uma
atualização constante o que leva todo esse diálogo exposto a um
círculo vicioso. Segundo Oliveira (2018), apesar de muitas instituições
escolares possuírem tecnologias, elas não são utilizadas como
deveriam, ficando muitas vezes trancadas em salas isoladas e longe
do manuseio de alunos e professores.
sumár i o
A conscientização dos profissionais de educação quanto ao fato
de que as Tecnologias Digitais pode ser uma aliada e não um fator de
distanciamento entre professor-aluno se faz urgente e as propostas
e possiblidades de aperfeiçoamento e formações cada vez mais
constantes e acessíveis.
RESULTADOS
O intuito do projeto de extensão é levar o educador a outras
condições que permitam sua participação ativa nos processos
de definição de novos modos de ensino, dando direções mais
comprometidas com a qualidade da educação pública em Campos
dos Goytacazes, bem como a proposição de soluções específicas
1 Segundo Prensky (2001) os estudantes de hoje são todos “falantes nativos” da linguagem
digital dos computadores, vídeo games e internet. Isto posto, a denominação mais
utilizada para eles é Nativos Digitais. Aqueles que não nasceram no mundo digital, mas
em alguma época de nossas vidas, ficou fascinado e adotou muitos ou a maioria dos
aspectos da nova tecnologia são, e sempre serão comparados a eles, sendo chamados
de Imigrantes Digitais.
39
e alternativas de inserção das novas tecnologias na sala de aula,
modelos, programas e avaliações a serem planejadas.
A avaliação foi discutida em conjunto no momento do
planejamento e antes de se iniciar o trabalho. Ao final de cada
módulo, uma avaliação coletiva do projeto foi realizada, na qual os
professores (alunos do projeto) e monitores discutiam a relevância
do tema trabalhado, bem como a evolução do trabalho, assim como
uma auto avaliação, abordando aspectos positivos e negativos das
próprias atuações.
O instrumento avaliativo é um instrumento para orientar a ação
e detectar como melhorar a abordagem. Sendo assim, consideramos
o desempenho do professor não só na aquisição de conceitos, mas,
principalmente, nos procedimentos e atitudes que envolvam a sua
prática docente.
sumár i o
Quinzenalmente, foram realizadas reuniões entre instrutores e o
coordenador tendo sempre em mente o objetivo de avaliar e adequar
às necessidades do público-alvo do projeto e discutir a respeito das
etapas desenvolvidas com os docentes.
A evolução dos professores participantes no que tange à sua
autoconfiança e ao desenvolvimento da criatividade no planejamento
das aulas foi crescente. Ao final do curso, no último módulo, os
educadores fizeram uma breve apresentação em slides com as
atividades que colocaram em prática nas suas unidades escolares.
O resultado do processo foi surpreendente até para os próprios
participantes que pediram que o curso tivesse continuidade no
próximo ano.
Trabalhamos com uma equipe de docentes de diversas escolas
públicas de Campos dos Goytacazes que necessitam de estímulo
e orientação com relação à utilização das tecnologias em sala de
40
aula, preparando-os para uma nova realidade e a criação de uma
nova escola onde sejam capazes de lidar e solucionar problemas
relacionados ao uso de computadores e novas mídias digitais como
prática pedagógica, incorporando temas e situações vivenciadas pela
comunidade escolar.
DISCUSSÃO
A partir das necessidades já observadas nos primeiros
encontros do projeto foi possível perceber o quanto os professores
são/estão sedentos de conhecimento e vontade de se aperfeiçoar,
mas muitas das vezes ficam engessados em seus moldes de atuação.
A cada aula, foram sendo verificadas necessidades e novas diretrizes
puderam ser estruturadas para delinear o trabalho a ser desenvolvido
com os docentes.
sumár i o
No que tange a participação dos docentes, muitos desafios foram
enfrentados. O primeiro deles era a disponibilidade do participante
devido sua carga horária na escola e por depender da liberação da
direção para que pudesse se ausentar a cada quinze dias para estar
presente no curso.
Entretanto, com o passar das semanas, foi interessante perceber
que a motivação dos participantes mudou, assim como sua confiança
em opinar, discutir, debater. Ao passo que todo o grupo percebeu ter
os mesmos questionamentos e barreiras a enfrentar, a turma ficou mais
coesa e as aulas mais dinâmicas.
Um ponto interessante a ser destacado foi apontado no último
encontro, pelos próprios cursistas. Os alunos-professores perceberam
a necessidade da constante atualização na profissão de educador e
o quão prazeroso foi retornar a um ambiente de Universidade – visto
41
que, como explicitado anteriormente, a formação é realizada dentro da
Universidade Estadual Norte Fluminense (UENF).
De acordo com o feedback apresentado pelos participantes,
o projeto visou e de certa forma conseguiu minimizar as dificuldades
existentes em algumas escolas para utilização dos recursos
tecnológicos no processo ensino aprendizagem. Faz-se necessário
completar, lembrando o pedido da turma, a possibilidade de acontecer
um segundo módulo visto que, de acordo com eles, as Tecnologias
Digitais, o mundo, a sociedade estão em constante mudança, e a
educação precisa acompanhar.
CONCLUSÃO
sumár i o
Nos tempos atuais, um grande desafio enfrentado pelos
educadores está no que diz respeito ao uso de tecnologias digitais nas
práticas educacionais. O planejamento educacional elaborado à luz dos
recursos digitais exige competências diferentes das tradicionais frente
a uma nova cultura de aprendizagem que surge com a integração das
TD no processo de ensino e aprendizagem. Kenski (1998) anuncia que
o estilo digital coloca em cena no contexto educacional não apenas
a questão do uso de novos equipamentos para a apreensão do
conhecimento, mas também novos comportamentos de aprendizagem.
Nesse novo modelo de aprendizagem, de acordo com Mauri e Onrubia
(2010), pode ser caracterizada por três traços básicos: a necessidade da
educação em capacitar os estudantes para a atribuição de significado
e sentido à informação, de fomentar nos alunos a capacidade de
gestão do aprendizado e de ajuda-los a conviver com a relatividade
das teorias e com a incerteza do conhecimento.
O pesquisador Prensky (2001) aponta para um decréscimo na
educação e que tal ponto se dá pelo fato que os jovens mudaram
42
radicalmente os seus hábitos e comportamentos, já o sistema
educacional ainda segue o modelo do século passado, sem uma
concreta adaptação à mudança social. Os “nativos digitais” assim
nomeados pelo autor, nascidos após 1980, nunca conheceram um
mundo sem internet, jogos e computadores.
O uso das mídias na educação configura uma fronteira para
muitos profissionais da educação, uma vez que a apropriação da
linguagem digital e o uso do computador e outras mídias digitais são quase
universalmente utilizados pelos alunos. Nesse momento, é fundamental
levantar o questionamento do papel da escola quando estamos lidando
com uma geração influenciada pela internet e redes sociais visto que
as mudanças comportamentais aparecem significativamente nessa
geração. Para tanto, faz-se necessário repensar o formato do ensino,
adaptar as aulas a realidade do educando.
sumár i o
O Projeto de Extensão se caracteriza por uma proposta que
visa utilizar a formação tecnológica junto aos docentes de escolas
da rede pública de ensino em Campos dos Goytacazes, objetivando
a produção de conhecimento efetivo na atividade pedagógica de
vivência com as novas tecnologias em sala de aula e da mídia digital
nos processos educacionais.
Dessa forma, tendo em vista a boa aceitação do público alvo,
o interesse dos gestores das escolas participantes em proporcionar
essa formação aos seus docentes e a necessidade urgente de
introduzir a apropriação de novas metodologias de ensino em todo
processo educativo, é que se pretende dar continuidade ao respectivo
projeto inovando com ações que tragam o professor para dentro da
universidade e também, que leve o conhecimento produzido nela, para
a realidade das instituições escolares. Um trabalho de troca e parceria,
uma via de mão dupla, com profissionais da educação para que
possam contribuir com o processo de ensino e aprendizagem em um
novo modelo de sociedade que se constrói.
43
REFERÊNCIAS
KENSKI, V. M. Novas Tecnologias: o redimensionamento do espaço e do
tempo e os impactos no trabalho docente. In: Revista Brasileira de Educação,
n. 8, p. 58-71, 1998.
MAURI, Teresa; ONRUBIA, Javier. O professor em ambientes virtuais: perfil,
condições e competências. Psicologia da educação virtual: aprender e
ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre:
Artmed, p. 118-135, 2010.
MEIRA, S. L B; ARENA, C; BEZERRA, C. Formação de professores e o uso
de novas tecnologias na Sala de Aula: o trabalho do Grupo de Educadores
Google de Brasília. Physicae Organum: Revista dos Estudantes de Física da
Universidade de Brasília, v. 2, n. 1, 2016.
MUNICIO, J.I. ; POZO. Humana mente: El mundo, La conciencia y La carne.
Madrid: Mor, ata, 2003.
POZO, J. I. O processamento de informação como programa de pesquisa.
In: MOREIRA, M. A. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998
sumár i o
PRENSKY, M. Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. On the Horizon, NCB
University Press, v.9, n. 5, out., 2001.
OLIVEIRA, Maria da Conceição Santos; DOS SANTOS, Gilmária Oliveira. O
uso das tecnologias no espaço escolar: transformação das TICs em recursos
educativos. O coordenador pedagógico em uma Educação a Distância sem
distância, 2018.
SOUZA, C H. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias. Rio de Janeiro.
Ed. FAFIC, 2003.
SOUZA, C.H. A Informática na Educação – Um caso de Emergência. Rio de
Janeiro. Ed. DAMADÁ, 1999.
SOUZA, C.H. A mídia digital e processos educacionais. Anais do Congresso
Internacional -Pedagogia 2003. CUBA, 2003.
44
Capítulo 3
3
UNILAB É UMA UNIVERSIDADE
BRASILEIRA? EXPERIÊNCIAS
DE ENSINO EM CONTEXTO DE
INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL
Alexandre António Timbane
Alexandre António Timbane
UNILABéuma
universidade
brasileira?
Experiências
deensino
emcontexto
deintegração
internacional
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.45-62
INTRODUÇÃO
A Universidade de Integração Internacional da Lusofonia AfroBrasileira (doravante Unilab) foi criada pela Lei Federal nº 12.289/2010,
de 20 de julho (BRASIL, 2010) homologada pelo Ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. É uma universidade nova que coloca no mesmo
espaço estudantes brasileiros, africanos e timorenses visando a troca
de conhecimentos e experiências de cunho cultural e científico. É
uma universidade federal que foi num primeiro momento instalada no
Estado de Ceará (Redenção e Acarapé) em 2011 e só mais tarde é que
a Unilab foi expandida para a Bahia, no Campus dos Malês, na Cidade
de São Francisco do Conde (DIÓGENES & AGUIAR, 2013).
sumár i o
A Unilab desenvolve atividades de ensino, de pesquisa e
de extensão. A universidade resulta de parcerias entre o Brasil e os
países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e a República
Democrática de Timor Leste com intuito de estabelecer intercâmbio
acadêmico e solidário, “contribuindo para que o conhecimento
produzido no contexto da integração acadêmica seja capaz de se
transformar em políticas públicas de superação das desigualdades”
(UNILAB, 2010). Segundo a Lei Federal nº 12.289/2010, a Unilab visa
promover, por meio de ensino, pesquisa e extensão de alto nível
e em diálogo com uma perspectiva intercultural, interdisciplinar
e crítica, a formação técnica, científica e cultural de cidadãos
aptos a contribuir para a integração entre Brasil e membros da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e outros
países africanos visando ao desenvolvimento econômico e
social (BRASIL, 2010).
A Unilab recebe anualmente mais de duas centenas de estudantes
estrangeiros que buscam na instituição e nos brasileiros conhecimentos
que poderão transformar e contribuir para o desenvolvimento dos
seus respectivos países. Por outro lado, os estudantes brasileiros se
46
redescobrem dentro da cultura dos estudantes brasileiros, firmando a
irmandade e o espírito de paz sem preconceito entre povos e culturas.
É uma experiência única no Brasil (quiça no mundo) em que alunos
africanos, timorenses e brasileiros compartilham o saber científico,
trocando experiências culturais cotidianamente. Para além de cursos
presenciais da graduação e pós-graduação, a Unilab possui cursos
à distância Lato e Stricto Sensu. Para além de docentes brasileiros,
a Unilab tem docentes provenientes de diferentes países da Europa,
da África e da América do Sul. A Unilab possui um quadro docente
qualificado com experiência no ensino nacional e internacionalmente.
O presente relato de experiência docente visa apresentar
práticas de ensino em contexto de turmas internacionais olhando
para a metodologia e os conteúdos a ensinar. Especificamente,
o texto visa analisar a situação de ensino em contexto da Unilab;
debater as metodologias de ensino nesse contexto; contribuir para
a melhoria da qualidade e na preparação dos professores para o
ensino nesse contexto.
sumár i o
Na primeira seção questionei a complexidade de ensinar num
contexto multicultural1 como é o caso da Unilab, refletindo sobre quais
os possíveis caminhos para um ensino na integração internacional.
Na segunda, abordei a formação do professor de ensino superior no
Brasil e as metodologias de ensino que em muitos momentos não
estão preparadas para lidar com uma realidade semelhante com a da
Unilab. Na terceira e última seção, debati a problemática da língua
portuguesa e das questões da ortografia que constituem grandes
impasses na produção do texto acadêmico e na comunicação oral.
Apontei caminhos metodológicos possíveis para um ensino inovador.
1 É uma palavra formada por junção de “multi” que significa ‘várias’ e “cultura” que significa
‘hábitos, costumes’. Quando se fala de multiculturalismo na educação “surge como um
conceito que permite questionar no interior do currículo escolar e das práticas pedagógicas
desenvolvidas, a “superioridade” dos saberes gerais e universais sobre os saberes
particulares e locais.” (PANSINI; NENEVÉ, 2008, p.32).
47
Utilizarei o termo ‘turma internacional’ para me referir à turma
composta por alunos de diferentes nacionalidades, heterogêneos
socioculturalmente que por circunstâncias acadêmicas se
encontram no mesmo espaço de aprendizagem. Na Unilab, essas
turmas são normais em que brasileiros, angolanos, são tomenses,
moçambicanos, guineenses, cabo verdianos e timorenses. São
turmas interessantes porque para além de exigir uma metodologia
diferenciada há riqueza de exemplos para os diferentes temas
trazidos/sugeridos pelos professores.
ENSINAR BRASILEIROS, AFRICANOS
E TIMORENSES NA MESMA TURMA?
QUE METODOLOGIA?
sumár i o
Tal como falei na introdução, numa turma da Unilab é possível
encontrar alunos de pelo menos três ou mais nacionalidades. Cada
nacionalidade teve um ensino médio próprio, situação que torna
esses estudantes como especiais em contexto brasileiro a depender
da formação ou da nacionalidade do professor. É sabido que Leis
Diretrizes e Bases (LDB) do Brasil, dos Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa e de Timor Leste não são iguais. Cada país tem
seus anseios com relação ao sistema educativo. Para além disso,
o português é para a maioria dos alunos africanos e timorenses, a
segunda ou terceira língua. No espaço lusófono circulam mais de 40
línguas não europeias por isso, as turmas são heterogêneas em termos
de conhecimentos científicos básicos (fundamental e médio) daí que
exigem do professor uma atenção redobrada, tanto na quantidade
quanto na qualidade dos textos sugeridos.
Ensinar sempre foi uma tarefa complexa em todas as
sociedades a depender da cultura e dos interesses do povo. Numa
48
turma composta por alunos da mesma nacionalidade e mesmas
experiências socioculturais, haverá obviamente uma metodologia
específica para atender essa realidade, da mesma forma que numa
turma com várias nacionalidades a realidade metodológica será
diferente. Por essa razão, é necessário debater qual metodologia a
usar para cada uma das situações de ensino-aprendizagem tendo em
conta as especificidades.
sumár i o
Os estudantes vindos de África e Timor Leste têm experiências
socioculturais diferentes e por sua vez, ambos têm experiências
diferentes com brasileiros. Isso torna a Unilab um espaço rico em cultura,
em experiências, o que é positivo. A diversidade cultural faz com que
o espírito de tolerância tenha espaço para além da riqueza linguística
que se observa em cursos de extensão. As variedades do português
estão presentes em sala de aula, o léxico de cada nacionalidade se
manifesta em textos, na fala o que exige do professor uma tolerância
linguística, quer dizem, valorizar a variedade do estudante sem julgála como feia, pobre, mas sim tratá-la como diferente, tal como a
Sociolinguística sugere.
Por outro lado, o estudante poucas vezes negocia sobre quais
conteúdos a aprender. O aluno se matricula enquanto o Projeto
Pedagógico do Curso já está pronto e cabe ao aluno cumprir na integra
as orientações dadas. Significa que
crescemos todos num ambiente em que a escola tem todo
o poder de ditar as regras do jogo (regulamentos) desde o
que o aluno deve vestir até a forma como o aluno devem se
comportar na sala e no recinto escolar. A escola dita qual
linguagem o aluno deve usar quando fala com o professor
(TIMBANE; FERREIRA, 2019, p.206).
Muitos alunos africanos chegam na Unilab com um conjunto
de preceitos que são desmontados gradualmente. Esse desmonte
surge porque os alunos querem se integrar na cultura brasileira mesmo
49
sabendo que a sua estadia é temporária. O primeiro é o sotaque do
português brasileiro, segundo a forma de se vestir à moda brasileira
e terceiro, hábitos e costumes. Não vou entrar em detalhes para não
fugir do principal, mas os alunos africanos e timorenses precisarão se
readaptar às realidades locais quando voltar às origens.
Ensinar numa turma internacional precisa da coragem do
professor para atender não apenas características comportamentais
diferentes, mas também o tipo de linguagem a usar porque nem
sempre as palavras da língua portuguesa têm o mesmo sentido
semântico em toda lusofonia. Por exemplo, em contexto africano, o
professor tem recebido um respeito perante os alunos e a sociedade.
Por isso, a sua postura deve ser exemplar do modo como se deve
comportar perante a sociedade.
sumár i o
Dessa forma, é importante diversificar as atividades em sala
de aula para atingir os diversos estilos de aprendizagem dos alunos.
Os alunos não aprendem da mesma forma. E a escrita não pode
ser a única forma de avaliar os alunos. A oralidade deve servir de
instrumento de avaliação de conhecimentos. Entendo que há alunos
que não dominam a produção escrita, mas conseguem explicar
tudo na oralidade. Membros de povos de tradição oral, normalmente
produzem discursos orais mais elaborados do que os que dominam
a escrita. Oferecer a opção de avaliar oralmente seria interessante
para valorizar aqueles que não têm o domínio da escrita. Que fique
claro que a escrita é uma Lei, é artificial e segue normas previstas pelo
Acordo Ortográfico, diferentemente da fala que procura ser autentica.
A escrita camufla erros, hesitações e outras marcas que caracterizam
o ser humano. Por isso, quem fala pode carregar mais autenticidade e
sinceridade do que quem escreve.
Numa turma internacional é necessário que a postura do professor
seja de facilitador, de intermediário, de incentivador, de motivador da
aprendizagem (MAZETTO, 2010), de psicólogo, de conselheiro em
50
muitos momentos. A realidade da Unilab é assim. Os professores
sentem essa pressão cotidianamente. Numa universidade de interior,
como é o caso da Unilab, muitos alunos chegam à sala de aula com
problemas pessoais e coletivos, com fraqueza no conhecimento
acadêmico porque estudaram em condições precárias e com uma
formação deficiente tanto do ensino médio como o fundamental.
Muitos erros na escrita, no uso do português refletem essa realidade e
o professor universitário tem que procurar ajudar, orientar, acompanhar
para que não terminem o ensino superior com os mesmos problemas.
sumár i o
Muitos alunos ficam felizes quando o professor explica aquela
dúvida do ensino médio. Ficam maravilhados quando ultrapassam
aquela dificuldade que vem persistindo desde o ensino médio. A
minha tarefa como professor é de explicar, orientar leituras que possam
melhorar esse estudante até ao fim do curso. Cada docente tem a
espinha tarefa de completar o que não ficou claro no ensino médio ou
fundamental. A missão do professor numa turma internacional não é de
concluir os conteúdos programados no PPC, mas sim é de fazer com
que os alunos tenham compreendido os conteúdos e ser capazes de
construir as suas próprias opiniões sobre o que foi aprendido. Tenho
dito que o aluno não deve ser um simples consumista, mas sim critico
daquilo que lê ou ouve.
Numa turma internacional é frequente observar problemas do
domínio da gramática, da ortografia e da produção textual. Um bom
professor jamais remeterá seus alunos à gramática ou ao dicionário
antes mesmo de explicar. Já que as provas são por escrito, na
maioria dos casos, seria interessante que cada professor desse a
sua contribuição para que os alunos melhorem as lacunas do ensino
médio e fundamental.
51
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE
ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E AS
METODOLOGIAS DE ENSINO
sumár i o
Os cursos de pós-graduação no Brasil formam professores que
alimentam o ensino superior (Lei nº 12.863/2013 de 24 de setembro).
A maioria esmagadora desses cursos de pós-graduação não
possui na sua grade a disciplina de Metodologia de ensino superior.
Muitos doutores/engenheiros saem da pós-graduação (Mestrado
e doutorado) e entram em sala de aula sem sequer saber elaborar
um plano de aula e nem conhecer quais os passos da estruturação
de uma aula. Eles têm conhecimento científico, mas não estão
preparados psico-pedagogicamente, isto é, nas suas formações não
foram preparados para ensinar. Muitos Programas de Pós-Graduação
formam pesquisadores, cientistas e não professores. Isso é uma
verdade. Ensinar é uma arte. A ‘Metodologia de ensino’ não se advinha.
É preciso aprender, quer dizer, a disciplina ‘Metodologia de ensino’
deveria aparecer na grade dos Programas de Pós-Graduação. Uma
vez que não aparece temos a certeza de que os egressos da pósgraduação caminham às escuras numa primeira fase e só depois é
que se adaptam nas técnicas de ensino-aprendizagem.
Não é por acaso que a Unilab, por meio da Coordenação de
Projetos e Acompanhamento Curricular, vinculada a Pró-reitoria de
Graduação promove anualmente um Curso de Formação Básica no
Magistério Superior. O ensino superior tem especificidades que devem
ser observados e que quando não são respeitados tornam o ensino
superior mais complexo. Não basta ter conhecimentos científicos sem
saber como ensinar porque aprender é diferente de ensinar.
Seria por falta desse leque de conhecimentos que muitos
docentes passam o semestre todo fazendo seminários apenas. Às
52
vezes, mesmo depois das apresentações não há consolidação por
parte do professor. Talvez seja por essa lacuna que alguns professores
não aceitam dúvidas dos alunos e logo recomendam visita à
biblioteca. Falando sobre “docência no ensino superior voltada para
a aprendizagem faz a diferença”, Masetto (2010,) mostra como um
professor despreparado pode criar problemas sem querer ou ainda pode
avaliar erradamente por falta de conhecimentos psicopedagógicos.
Candidatos ao magistério superior são verdadeiros testemunhos
do sofrimento que passam na prova didática porque é por ela que
o candidato precisa mostrar o conhecimento não apenas científico,
mas também psicopedagógico. Por essa razão, “a formação docente
é um processo importante para a construção do ser professor, na
medida em que possibilita o desenvolvimento profissional e pessoal”
(RODRIGUES; MOURA, 2019, p.10).
sumár i o
É importante ressaltar que o professor constrói e reconstrói
suas trajetórias a partir de suas narrativas e experiências, atribuindo,
constantemente, novos significados e sentidos a seu labor
(BENEVIDES; PINHEIRO, 2018). Numa turma internacional, como é a
Unilab, a situação se torna mais complexa porque não adianta imaginar,
adivinhar metodologias. É preciso aprender como ensinar em contexto
multilíngue, em contexto multicultural. Desta forma, a valorização
da experiência do estudante é importante. Não se pode impor ao
estudante, mas sim negociar. Um docente em contexto internacional
precisa observar e aprender do seu aluno. Alguns comportamentos
em sala de aula não são indisciplina nem falta de motivação. Apenas
podem ser comportamentos ligados à cultura de onde o estudante é
proveniente. As primeiras semanas de aulas numa turma internacional
são para pesquisar, para descobrir o que motiva os estudantes,
descobrir a forma como eles gostam de aprender, da forma como eles
gostam de ser abordados e ainda, a forma como eles interagem entre
si e com o diferente.
53
Os erros de português2 que os alunos africanos comentem não
ocorrem por acaso. Aliás, nem são erros. Trata-se de uma variedade
do português que precisa ser respeitado. Timbane e Quiraque (2019)
ilustram essa questão que é primordial numa turma internacional, como
é o caso da Unilab. Ninguém fala mal português, mas sim diferente
e nas correções das provas é necessário que o professor valorize a
variedade do português do aluno para evitar situações de preconceito
e discriminação linguística. O que não está coeso para você, pode
estar coerente na variedade do aluno. O uso do léxico do português
africano ou timorense deve ser tolerado até porque esse aluno será
professor em seu país. O esquema de Magalhães (2019) ilustra esse
debate que estamos levantando nesta parte:
sumár i o
Fonte: Magalhães (2019, p.77).
Não se pode falar de educação sem incluir a cultura do estudante
porque ele não está desligado da sociedade. É membro da sociedade,
faz parte e vive nela. Numa turma internacional, é necessário valorizar a
cultura do aluno sem criar nenhum juízo de valor. Não existe uma cultura
atrasada nem pobre. Toda a cultura é importante e atual para os seus
praticantes, por isso evite trazer juízo de valor ou fazer comparações
infelizes diante dos alunos. Essa atitude consolida um clima positivo e
harmonioso em sala de aula.
Numa turma internacional, é necessário ligara teoria da prática
porque muitos alunos preferem a pratica a teoria. Não optam por
54
acaso. É que nas tradições africanas, a aprendizagem cotidiana não
está distante da prática. O esquema de Magalhães (2019) procura
ilustrar isso. É interessante que o professor faça uma crítica sobre as
políticas públicas, mas não para apontar aspectos positivos/negativos
para incentivar o espírito crítico nos alunos da turma internacional.
Segundo Rodrigues e Moura (2019, p.100),
a formação necessita indubitavelmente estar ancorada na
reflexibilidade, na colegialidade e cientes de que somos
sujeitos produtos e produtores de conhecimentos. Que
devemos romper com a dicotomia teoria/prática, ultrapassar os
muros invisíveis, proporcionando ao professorado e alunado
experiências que permitam se perceber enquanto construtores
da sociedade, capazes de intervir de forma expressiva nos
percursos ditados socialmente.
sumár i o
Os alunos das turmas internacionais têm uma história, uma
identidade e uma cultura individual que precisa ser respeitada pelo
professor. Ouvir as dificuldades no decorrer da aula é importante para
que não haja quem fique atrás. O professor deve perguntar se todo
mundo está entendendo, se todos estão acompanhando a explicação
e se precisam de repetição. Outra forma de verificar a aprendizagem é
a avaliação feita por meio de perguntas ou exercício ou atividades. Eu
tenho o cuidado de verificar a quantidade e a extensão dos textos que
ofereço para a leitura. Um texto que é de fácil leitura para os alunos
brasileiros pode ser de difícil leitura e compreensão para os estudantes
africanos. Então, é necessário que o professor seja vigilante com relação
as leituras prévias. É possível questionar quantas horas levaram para
ler o texto e quantas vezes leram?
Esse tipo de controle é importante para reduzir ou aumentar
gradualmente a quantidade e a extensão dos textos oferecidos aos
alunos. A formação (do ensino fundamental e médio) dos alunos
de uma turma internacional não é homogênea e isso faz diferença
numa turma internacional. Marques e Ramos (2019) defendem uma
55
prática educativa libertadora intercultural que valoriza a arte, a cultura
popular, as brincadeiras e outras manifestações culturais ligando-as
com os conteúdos. Isso exige que o professor se recrie e seja criativo
para que possa adaptar novas formas de ensinar tendo em conta a
realidade da turma.
A formação do professor e a criatividade são importantes para
lidar com uma turma internacional. É necessário que o professor estude
um pouco da realidade do aluno. Ao conhecer essa realidade, poderá
guiá-lo para transformar teorias baseadas em contexto brasileiro para
adaptá-las a prática do contexto africano ou timorense. Esse exercício
deve ser constante, porque a prática desses alunos se realizará em
outro país, em outro continente. É importante que os alunos reflitam
sobre as teorias tendo em conta as realidades africanas e timorenses,
pois se assim procederem poderão se libertar do eurocentrismo.
sumár i o
Terminamos esta parte chamando atenção aos cursos de pósgraduação no Brasil para que seja inserida dentro dos cursos uma
disciplina opcional sobre a ‘Metodologia de Ensino’ daquele curso
que poderá ser frequentada por mestrandos e doutorandos que
desejam ser professores no futuro. Sabemos que nem todos os pósgraduandos se tornam professores, mas a grande maioria será/foi e
é professor universitário.
A PROBLEMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
E DA ESCRITA: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os alunos que compõem a Unilab provem de diversas realidades
socioculturais e sobretudo, sociolinguísticas. Segundo Timbane e
Quiraque (2019) na lusofonia não se fala português da mesma forma.
Há variantes, variedades e dialetos que tornam a língua portuguesa
56
mais diversificada. Essa variação do português deve ser reconhecida
em sala de aula fazendo com que o preconceito linguístico não iniba o
desenvolvimento na educação.
A educação colonial trouxe consequências drásticas para a
cultura africana porque as práticas educacionais tradicionais foram
imediatamente desvalorizadas, incluindo as línguas e substituídas
pela educação moderna de modelo europeu. Em mais de 40 anos
de independência, África e os africanos ainda precisam alcançar
outras independências que realmente são importantes para África. A
independência na educação é a que deveria ser a mais prioritária, pois
é com ela que se garante um futuro mais próspero (TIMBANE, 2019).
O professor da Unilab deve potencializar isso criando oportunidades
para que os egressos sejam independentes cientificamente em seus
países de origem.
sumár i o
Para os alunos guineenses, o crioulo é a língua do pensamento,
da reflexão e da construção de ideias. Em muitos momentos,
alunos que têm o crioulo como língua materna, primeiro pensam em
crioulo e depois traduzem para português. Nesse processo surgem
interferências de L1 (crioulo/o guineense) na L2 (português) fazendo
com que as frases de L2 sejam erradas. Não é um erro proposital, mas
sim, das interferências da(s) língua(s) aprendidas anteriormente. O
multilinguismo nos povos africanos e timorenses é normal. O anormal
é encontrar alguém que fale apenas uma língua.
Na CPLP, todas as crianças chegam à escola sem conhecer a
“norma-padrão” e cabe a escola ensinar essa gramática aceite. Mas
essa gramática não pode ser ensinada com intuito de desvalorizar
as “normas populares”. Isso significa que “A escola deve mostrar as
outras variedades formais que ajudarão o aluno na superação das
dificuldades no processo de aprendizagem formal durante a formação
acadêmica” (TIMBANE; QUIRAQUE, 2019, p. 242). Ao invés de castigar
57
verbalmente o aluno que fala uma variedade diferente, a escola deve
mostrar as possibilidades que a língua tem.
A escrita não deve servir de instrumento de repressão do
professor. Sabe-se que vivemos num mundo em que a escrita tem o
seu valor. Mas esse não pode ser argumento de excluir estudantes que
não tenham domínio pleno da escrita, de humilhá-los, porque ela não é
o único instrumento de comunicação. Para além da escrita, as pessoas
podem se comunicar oralmente ou por sinais. Precisamos nos libertar
da ideia de que a escrita é a única forma de expressar a ciência.
Cuidado: o que é considerado conhecimento popular pode
ser científico sim, desde que se saiba como enquadrar ou defender
a ideia. Uma tese não se torna tese porque foi escrita no papel. Se
desejarmos, podemos valorizar apenas a apresentação oral como tese
desde que sejam respeitados os parâmetros por nós estabelecidos.
Tudo depende da forma como enxergamos o mundo e os fenômenos.
Segundo Machado e Lopes (2019, p.50),
sumár i o
na avaliação de 2018, o INAF (Indicador Nacional de
Alfabetismo Funcional), que quantifica as habilidades e
práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre
15 e 64 anos, apontou que somente 25% da população
brasileira apresenta um nível intermediário de alfabetismo, isto
é, consegue interpretar textos, estabelecendo relações entre
suas partes, realizar sínteses e inferências.
Esse estudo mostra como os parâmetros da escrita e leitura
são mais valorizados, mas na verdade nenhuma pessoa adulta está
desprovida de conhecimento. Nas tradições africanas, existe uma
educação permanente. Não tem canudo, não tem certificado e nem
diploma escrito em papel. Mas a sociedade e os anciões atribuem
oralmente e reconhecem/respeitam aquele individuo como qualificado
e com autoridade. A existência de um papel para afirmar que é doutor
é realmente uma ideia da cultura europeia porque as tradições as
58
culturas africanas ensinam, graduam e atribuem qualificações aos
membros da sociedade sem nenhum papel na mão.
Dessa forma, seria interessante valorizar os conhecimentos
prévios dos alunos e iniciar a partir delas para o conhecimento
que se pretende discutir em sala de aula. Uma educação pensada
na perspectiva decolonial3 deve diversificar as atividades na sala
para atingir diversos estilos de aprendizagem, tendo em conta as
características linguísticas e socioculturais dos alunos. Nem todo
mundo aprende da mesma forma. Há quem aprende mais pela
oralidade do que pela escrita. Por isso, algumas provas poderiam
ser feitas oralmente para que, quem não domina a escrita, tenha a
oportunidade de demonstrar o seu potencial ou grau de compreensão
por meio da prova oral.
sumár i o
O português é obstáculo para o progresso da educação
nos PALOP, Timor Leste e no Brasil, mesmo depois de 12 anos de
escolaridade em que a disciplina de língua portuguesa é obrigatória,
os alunos ainda enfrentam dificuldades no uso. O que estaria falhando,
porque para o brasileiro, apesar de falar português como L1 ainda
comete erros gramaticais? É porque a língua, especificamente a norma,
de casa é diferente da norma da escola (TIMBANE; QUIRAQUE, 2019).
O português da escola é artificial e não corresponde a língua materna
de ninguém. Por isso ninguém consegue saber tudo o que está naquele
livro grande chamado de Gramática.
Como professor da Unilab, estou nesse dilema de
questionamentos: quem é o aluno que escreveu? Por qual razão
3 Uma educação na perspectiva decolonial é aquela que abandona a ideologia colonial de
ensino, adotando uma educação que valoriza a realidade e os contextos socioculturais do
espaço em que o estudante está inserido. Segundo Oliveira e Candau, “decolonialidade
é visibilizar as lutas contra a colonialidade a partir das pessoas, das suas práticas sociais,
epistêmicas e políticas. A decolonialidade representa uma estratégia que vai além da
transformação da descolonização, ou seja, supõe também construção e criação. Sua meta
é a reconstrução radical do ser, do poder e do saber.”(OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p.24).
59
escreveu assim? Como devo avaliá-lo sem prejudicá-lo nem puni-lo? É
que não posso tratar os alunos da mesma forma porque cada um vem
de experiências distintas e jamais devo tentar uniformizar o pensamento
e a variedade a usar. Não existe acordo da fala. Mas o ortográfico existe.
Esse sim deve ser respeitado como Lei. Cada palavra se escreve de
uma forma num Acordo. A palavra “casa” escreve-se com C-A-S-A.
Não existe uma outra forma de escrever essa palavra.
sumár i o
Terminamos este relato, chamando atenção para a necessidade
da formação docente. A sala de aula não é um espaço fácil. Ensinar
exige doação, esforço, tempo de preparação das aulas e busca de
materiais que auxiliam a compreensão dos conteúdos. O professor
está sempre estudando para atender as realidades atuais da ciência.
A turma internacional é complexa porque carrega identidades
internacionais que em muitos momentos exigem atenção do professor.
O ensino médio no Brasil não apresenta os mesmos conteúdos do
ensino médio de Angola. Os professores angolanos do ensino médio
não têm a mesma preparação psicopedagógica como os do Brasil. Os
contextos socioculturais de Moçambique são diferentes de São Tomé e
Príncipe. Como se pode ver, a sala de aula é multidimensional e precisa
da atenção do professor para que haja sucesso.
Os professores da Unilab têm feito esforços para lidar com estas
realidades. Muitos alunos africanos tratam os professores como pais.
Mas não tomam essa decisão por acaso. É reflexo da cultura de onde
provem e da interação. Os resultados são visíveis: a cada semestre
vários alunos concluem, graduam e voltam para os seus países de
origem. Vale apenas trabalhar na Unilab.
REFERÊNCIAS
60
BENEVIDES, Mario Henrique Castro; PINHEIRO, Carlos Henrique Lopes.
Narrativas e trajetórias: abordagens metodológicas a partir da UNILAB.
Caderno CRH, Salvador, v.31, n.82, p.169-186, jan./abr.2018.
BRASIL. Lei Federal nº 12.863/2013 de 24 de setembro. Dispõe sobre a
estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal e dá
outras providências.
BRASIL. Lei Federal nº 12.289/2010, de 20 de julho. Dispõe sobre a criação
da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-BrasileiraUNILAB e dá outras providências.
DIÓGENES, Camila Gomes; AGUIAR, José Reginaldo. Caminhos e desafios
acadêmicos da Cooperação Sul-Sul. Redenção: UNILAB, 2013.
MACHADO, Maria Letícia Cautela de Almeida; LOPES, Paula da Silva Vidal
Cid. Alfabetização, letramento e formação de professores. In: MONTEIRO,
Solange Aparecida de Souza.(Org.). Filosofia, política, educação, direito e
sociedade 6. Ponta Grossa (PR): Atena Editora, 2019. p.49-63.
MAGALHAES, Nadja Regina Sousa. A prática didática e pedagógica diante
das políticas públicas de educação em tempo integral. In: MONTEIRO,
Solange Aparecida de Souza (Org.). Filosofia, Política, Educação, Direito e
Sociedade 6. Ponta Grossa (PR): Atena Editora, 2019, p.74-79.
sumár i o
MARQUES, Edite Colares Oliveira; RAMOS, Jeannette Filomeno Pouchain.
O ensino de arte na UECE E UNILAB: cultura popular e lúdica na formação
de educadores (2013-2017). Revista Educação, Artes e Inclusão. Vol.15, nº4,
p.77-104, out./dez.2019.
MASETTO, Marcos T. Docência no ensino superior voltada para a
aprendizagem faz a diferença. São Paulo: PUC, 2010.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia
decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em
Revista, Belo Horizonte, v.26, n.01, p.15-40, abr. 2010.
PANSINI, Flávia; NENEVÉ, Miguel. Educação multicultural e formação
docente. Currículo sem Fronteiras, v.8, n.1, p.31-48, jan./jun. 2008.
RODRIGUES, Daniela Fernandes; MOURA, Farbênia Kátia Santos de.
Formação docente: saberes e dilemas. In: MONTEIRO, Solange Aparecida
de Souza. (Org.). Filosofia, Política, Educação, Direito e Sociedade 6. Ponta
Grossa (PR): Atena Editora, 2019, p.92-101.
TIMBANE, Alexandre António. Política linguística na África lusófona e a
revitalização das línguas autóctones: 40 anos após as independências.
61
SILVA, Alessandro Rezende da. & ARAÚJO, Gilberto Paulino de. (Org.).
As novas rotas da globalização: debates e mudanças em pauta. Curitiba:
CRV, 2019, p. 57-78.
TIMBANE, Alexandre António; QUIRAQUE, Zacarias Alberto Sozinho. Língua ou
línguas portuguesas? a variação linguística e ensino nos países lusófonos. In:
MONTEIRO, Solange Aparecida de Souza (Org.). Filosofia, Política, Educação,
Direito e Sociedade 6. Ponta Grossa (PR): Atena Editora, 2019, p.230-250.
TIMBANE, Alexandre António. FERREIRA, Liliana Bispo. A família, a escola e
o aluno: quem ensina o que e para quê? in: JORGE, Welington Junior. (Org.).
Abordagens teóricas e reflexões sobre a educação presencial a distância e
corporativa. Maringá: Uniedusul Editora, 2019, p.198-214.
UNILAB. Diretrizes gerais. Documentos oficiais. Julho de 2010.(documento
não publicado).
sumár i o
62
Capítulo 4
4
PROFESSOR SABE SER PROFESSOR
Valdene Moura Lopes
Valdene Moura Lopes
Professor
sabeser
professor
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.63-74
INTRODUÇÃO
Neste texto, intitulado “Professor sabe ser professor”, venho
compartilhar a minha experiência de 20 anos de profissão de
uma maneira diferente. Não trago informações sobre experiências
exitosas, embora como muitos outros professores e professoras, as
tenha “escritas” em minha longa jornada profissional. Quero dividir
a minha experiência e propor uma reflexão sobre alguns cursos de
formação continuada oferecidos aos professores e professoras da
Educação Básica, mas especificamente das séries iniciais do Ensino
Fundamental, visando promover a alfabetização dos estudantes
matriculados neste ciclo.
sumár i o
Não é raro, nos estudos que realizamos (por conta própria)
encontrarmos autores/autoras que citam a quantidade reduzida
de alunos/alunas na sala de aula como fator essencial para um
bom desenvolvimento e consequente aprendizagem. “É impossível
desenvolver um trabalho adequado com uma classe que tem um
número exagerado de alunos.” (CAGLIARI, 1998, p. 112). “Para tanto
cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos,
sem o que a relação interpessoal, essência da atividade educativa,
ficaria dificultada; [...]” (SAVIANI, 2003, p. 9). Dois estudiosos de áreas
distintas da educação e o mesmo chamamento: número excessivo de
estudantes prejudica definitivamente a realização de um bom trabalho
em sala de aula, isso é fato.
O problema é que boa parte dos cursos de formação destinados
a profissionais desse segmento da educação desconsideram
solenemente essas “recomendações” e a realidade vivida pela
maioria dos professores e professoras do ensino público. Seguem
demonstrando como é fácil alfabetizar, evidenciando isso por meio
da exibição de vídeos em que um professor ou professora realiza um
64
trabalho maravilhoso, minucioso, demonstrando sua prática com uma
turma reduzida de aprendizes, num espaço amplo, numa sala arejada,
bastante iluminada, com móveis novos, paredes ilustradas, alunos e
alunas impecavelmente fardados(as) e incrivelmente comportados(as).
Ou ainda, com um único estudante, para que nós repliquemos as
maravilhosas técnicas demonstradas, só que no nosso caso, em
condições totalmente contrárias ao que foi demonstrado: salas lotadas,
escuras, quentes, quase sem espaço entre as carteiras e, devido a
essas condições, com alunos e alunas totalmente inquietos(as),
apelando para o nosso amor pela profissão e a nossa capacidade de
adaptação como excelentes profissionais que somos.
sumár i o
Geralmente os ministrantes desses cursos iniciam sua fala com
a frase “Eu AAAmo sala de aula” (com bastante ênfase no Amo). E
assim o nosso “amor ao próximo” é evocado durante todo o tempo,
na expectativa de criar um ambiente onde o profissional da educação
se veja impossibilitado de discordar, dizer não, apontar falhas. De
convencer o professor e a professora de que está tudo muito bem e o
que for demonstrado no curso e não estiver de acordo com a nossa
realidade escolar o nosso “amor” pela profissão superará.
Quando questionamos sobre o que é demonstrado nesses
cursos e sobre não ser essa a nossa realidade, na maioria das vezes,
somos rechaçados. Acusam-nos de não querer “trabalhar duro”, de
só olhar o lado negativo das situações e nos expõem ao famoso
jargão educacional: “Educação não se faz sem amor!” Alguns de nós,
professores e professoras, convencemo-nos de que a razão deve
estar mesmo com o ministrante. Por vezes nos calamos sentindonos realmente culpados ou culpadas e outras vezes nos atrevemos a
pensar: “Queria observar esse ministrante/essa ministrante em minha
sala de aula!” Sentimos vontade de gritar ao mundo que nós sabemos
ser professores, sabemos ser professoras! E que, aquilo demonstrado
não cabe a nossa sala de aula porque nós, melhor que ninguém,
65
conhecemos nosso público. Mas, seguimos frequentando o curso
porque, ao contrário do rótulo que nos é dado, ansiamos aprender
mais para melhor auxiliar nossos alunos e alunas.
sumár i o
O ministrante do “pacote pronto de alfabetização” segue seu
passo a passo do curso passando uma tarefa para o professorcursista aplicar na sua aula. Pouco importa a ele(a) a quantidade de
estudantes, a falta de recursos, pois, “o professor, a professora de
qualidade precisa saber adaptar...e por amor dará sempre um jeitinho.”
Nós, professores e professoras saímos de lá cientes que aquela
atividade não cabe à nossa sala de aula pois conhecemos nossa
turma. Nós, professores e professoras “chão de sala” sabemos bem
o que precisamos fazer para nossos alunos/alunas aprenderem, mas
por tantos momentos ouvimos que não, que as vezes nos deixamos
entrar no jogo do “faz de conta” e tentamos avidamente dar vida ao
que nos foi “ensinado” no curso, porém, sem sucesso em boa parte
do tempo, isso porque, um jogo educativo para aplicar a quatro alunos
enquanto os outros 25, 28 (ou mais) de acordo com a orientação do
ministrante do curso, podem brincar sem supervisão aguardando
pacientemente sua vez em outro canto da sala, não pode mesmo dar
certo. Feito isso, voltamos ao curso cheios de indagações e novamente
o vídeo do “sucesso” da prática nos é demonstrado (alunos/alunas
extremamente comportados, excepcionalmente atenciosos, em
uma sala de aula com número reduzido de estudantes) e assim é
finalizado com louvor o curso, segundo seus organizadores, mas não
segundo nós, professores e professoras, que seguimos com nossas
angústias e incertezas enquanto o nosso aluno/aluna continua lá,
com todas as suas dificuldades e nós, com todas as nossas dúvidas
sendo imperiosamente caladas e tentando buscar sozinhos/sozinhas
material de estudo realmente relevantes, no curto espaço de tempo
em que a nossa carga horária nos permite, a fim de oferecer o melhor
que conseguimos para aqueles pequenos aos quais, de fato, amamos.
66
O que trago aqui é uma verdade silenciada a todo o tempo:
Professor/Professora não precisa ter amor necessariamente, precisa
sim ter competência, capacidade profissional. Não devemos sentirnos envergonhados ou envergonhadas. Afinal ser professor ou
professora não nos furta as características inerentes aos seres
humanos e a mais natural delas é: nos apegamos a pessoas a partir
de certas características e dos sentimentos que essas características
despertam em nós! Nós professores/professoras só não estamos
autorizados e autorizadas a deixar o nosso sentimento pessoal interferir
na qualidade do serviço que prestamos a todos os nossos alunos e
alunas, pois todos têm igualmente direito a aprendizagem. Dito isto,
partimos para dois pontos essenciais: O direito a aprendizagem e a
vontade de aprender.
O DIREITO A APRENDIZAGEM
sumár i o
Os alunos têm direito a aprendizagem, de serem respeitados em
suas individualidades, de que nós professores e professoras estejamos
cientes da variedade dialetal de cada um deles para podermos,
por exemplo, analisar adequadamente a sua produção escrita e
efetivamente ajudá-los a resolverem suas dúvidas ortográficas ou
estabelecermos uma comunicação eficaz e fazer com que se sintam
acolhidos e respeitados em suas diferenças. Como conhecer o dialeto
e estabelecer uma comunicação apurada com cada indivíduo em uma
sala com uma quantidade excessiva de estudantes?
Abrimos aqui um pequeno parêntese para discutir sobre as
questões legais que regem a quantidade de alunos na sala de aula.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (1996) em seu artigo 25, o número
de estudantes deve ser estipulado pela respectiva esfera responsável
pela manutenção da oferta, conforme podemos observar abaixo:
67
“Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades
responsáveis alcançar relação adequada entre o número de
alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais
do estabelecimento.
Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista
das condições disponíveis e das características regionais e
locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto
neste artigo.” (BRASIL, 1996).
O que acontece na maioria das vezes, porém, é que, mesmo
que seja atingida a quantidade máxima de alunos/alunas por sala, as
matriculas não param. O amor pela profissão é evocado na esperança
de levar o professor/professora a aceitar, sem questionar, o amontoado
de estudantes em sala de aula. Um leitor desavisado poderia acreditar
que este é o posicionamento correto. Seria, se desconsiderássemos
que aqui não se trata da escolha do professor/professora, mas do
direito de aprender do aluno. Alocá-lo em uma sala superlotada
constitui furto a esse direito, garantido constitucionalmente:
sumár i o
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.” (BRASIL, 1988).
Garantir apenas a matrícula não é o que reza a Constituição,
é necessário o pleno desenvolvimento e este desenvolvimento pleno
restará consideravelmente prejudicado caso o professor/professora
não consiga direcionar ao seu aluno/aluna um olhar individualizado,
o que é dificultado sobremaneira pela superlotação. Portanto, é fato
incontestável que todos os alunos devem ter a sua matrícula nas
instituições de ensino garantida, assim como também o é, que lhes
seja garantido o direito a aprendizagem e isso não tem correlação
apenas com questões emocionais, mas com questões legais. Ampliar
a oferta de ensino, entenda-se, estender a capacidade de matrícula por
estabelecimento em condições dignas, não é atribuição do docente e
68
muito menos do seu “amor pela profissão”, mas o engajamento na luta
para garantir que estas condições sejam efetivamente atendidas, sim.
Ademais, como afirma Cagliari (2003): “Se nossa sociedade estivesse
de fato interessada em melhorar a vida de seus membros, nossa escola
seria muito diferente.” (CAGLIARI, 2003, p.11).
sumár i o
Voltando a nossa discussão inicial, Luiz Carlos Cagliari,
escritor de obras conceituadas na área da Alfabetização, em seu
livro Alfabetização e Linguística (2003) traz informações sobre como
o professor/professora pode classificar o que ele chama de “erros
ortográficos” [aspas do autor] para poder examinar adequadamente
a produção textual do aprendiz e ajudá-lo a superar suas dificuldades
ortográficas. No capítulo intitulado Análise dos “erros ortográficos” dos
textos, entre as classificações do autor temos a Forma Morfológica
Diferente, que segundo Cagliari, nada mais é do que a escrita que o
aluno/aluna produz baseada na reprodução do seu dialeto, por exemplo,
escreve “adepois”(CAGLIARI, 2003) porque é assim que pronuncia a
palavra. Camacho (2012) explica que “O ensino da norma padrão não
necessita ser substitutivo e, por isso, não implica a erradicação das
variedades populares” (CAMACHO, 2012, p.80). Se nós professores
e professoras não conhecermos de maneira individualizada o nosso
aluno/aluna não poderemos identificar essa pronuncia como uma
variedade dialetal e identificaremos nessa escrita simplesmente um
erro e, a depender da postura que tomarmos, poderemos afastá-lo
mais ainda da vontade de aprender, que é nosso segundo tema.
A VONTADE DE APRENDER
É comum ouvirmos em alguns cursos de formação continuada
destinado aos docentes a repetição exaustiva que “o professor deve
despertar no aluno a vontade de aprender”. A vontade de aprender
69
precisa existir, é óbvio, pois o indivíduo que não sente vontade
de aprender determinada coisa estará definitivamente fechado a
aprendizagem desta coisa.
Sacristán (2000), discutindo sobre a importância de um currículo
adequado, afirma que “Quando os interesses dos alunos não encontram
algum reflexo na cultura escolar, se mostram refratários a esta sob
múltiplas reações possíveis: recusa, confronto, desmotivação, fuga
etc. (SACRISTÁN, 2000, p. 30). Sem querer entrar na discussão sobre
a organização curricular, atentemo-nos a expressão: “os interesses
dos alunos”. Quais são estes interesses? De fato, nós professores e
professoras temos conhecimento destes interesses? (mais uma vez
chamo atenção para a quantidade desproporcional na relação aluno/
sala/professor).
sumár i o
Precisamos entender, para além da romantização do ensino,
que na sociedade plural e pluralizada em que vivemos atualmente é
possível sim que os interesses de aprendizagem de alguns estudantes
não sejam atendidos por determinadas disciplinas e que isso pode não
ter relação com a estratégia de ensino que o professor ou professora
utiliza. Não cabe a nós professores/professoras a reponsabilidade
determinante sobre o que o aluno/aluna terá vontade de aprender.
É nossa responsabilidade realizar um trabalho com competência e
sensibilidade (sensibilidade esta que será melhorada por uma turma
com número razoável de estudantes ); é nossa responsabilidade
buscar sempre meios de trabalhar os assuntos da disciplina de maneira
dedicada e contextualizada, conforme os recursos que temos ou que
nos seja possível conseguir (muitas das vezes adquiridos até mesmo
através de recursos próprios).
Para além disso precisamos entender que existe sim a chance
de que algum ou alguns de nossos alunos/alunos permaneçam sem
demonstrar interesse em determinadas aulas e que esse não deverá
ser entendido por nós professores e professoras como o nosso
70
pecado mortal. É importante não nos recobrirmos dessa culpa.
Precisamos aceitar a realidade de que nosso aluno/aluna é um ser
histórico no tempo e no espaço e que dificilmente conseguiremos
conhecê-lo ou conhece-la melhor se tivermos que fazê-lo igualmente
com 28, 30,35 (ou mais) alunos em um único espaço. Desta maneira
poderá ocorrer que a nossa estratégia de ensino seja mudada
infinitas vezes e ainda assim não encontremos o ponto que desperte
o interesse dos estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sumár i o
Boa parte dos referidos cursos aos quais nos professores e
professoras somos submetidos apregoam métodos. Métodos estes
que se prestam a nos “ensinar” e, geralmente, pretendem ensinar
condutas milagrosas. Já passamos por cursos de aceleração de
aprendizagem, de regularização de fluxo de aprendizagem, de
alfabetização matemática, já fizemos pactos pela alfabetização, todos
pela alfabetização. Há aproximadamente dez anos observamos o
surgimento de receitas milagrosas para alfabetizar, algumas delas vazias
de autoria, que nada ou muito pouco fazem por nós professores que
confusos, caminhamos de um lado para outro, buscando aperfeiçoarnos nessas técnicas, dicas, ou seja lá do que chamam esses meios
oferecidos, ou desconfiando delas, buscamos nos concentrar no
nosso foco principal: nosso aluno/aluna! Ele(a) está bem ali e nós não
precisamos de receitas prontas para alcançá-los.
Soares (2018) afirma que:
“Uma questão que atravessou o século XX e ainda persiste
recebendo, ao longo do tempo, sucessivas pretensas soluções”,
em um movimento, analisado por Mortatti (2000), de contínua
alternância entre “inovadores” e “tradicionais”: um “novo”
71
método é proposto, em seguida é criticado e negado, substituído
por um outro “novo” que qualifica o anterior como “tradicional”;
este outro “novo” é por sua vez negado e substituído por mais
um “novo” que, algumas vezes, é apenas o retorno de um
método que se tornara “tradicional” e renasce como “novo”, e
assim sucessivamente.” (SOARES, 2018, p. 16-17).
sumár i o
É claro que devemos procurar nos atualizar enquanto
profissionais competentes que somos, mas por outro lado,
precisamos acreditar em nossa capacidade profissional e questionar,
não sempre, mas sempre que se fizer necessário. Cagliari (1998)
afirmou: “Um bom trabalho de alfabetização não pode ser
desenvolvido sem as condições materiais adequadas” (CAGLIARI,
1998, p.112). E nós professores sabemos disso. O fato não é que
queiramos aqui desmerecer o processo de formação continuada; o
que se segue é que nos apropriemos da máxima de que Professor
sabe ser professor e se um curso é apresentado considerando-nos
tábula rasa e desconsiderando toda a nossa vivência profissional,
ou com demonstrações mirabolantes sobre a “mais nova” panaceia
educacional, há algo de errado com este curso e não conosco.
Ainda de acordo com Cagliari observamos que:
“[...] quando se pensa em qualidade de ensino, sempre se apela
para a atuação dos professores, para sua incompetência e para
a má vontade dos alunos de hoje em dia. Mas como alguém
pode desempenhar seu trabalho corretamente sem os recursos
mínimos indispensáveis?” (CAGLIARI, 2003, p. 12)
Assim podemos afirmar que curso algum surgirá efeito se no
momento de colocar em prática a teoria pretendida, professores/
professoras e alunos/alunas não dispuserem dos recursos mínimos
para efetivação dessa prática. E quando citamos “recursos” nos
referimos a tudo que envolve o amplo processo educativo. Urge ouvir o
professor/professora. Para elaborar um curso de formação continuada
destinado a docentes é preciso ouvir o professor “chão de sala” e não
72
apenas aquele acadêmico distante e que se distância da sala de aula.
Uma bibliografia adequada também se faz necessária.
Soares (2018) afirma que se método é caminho então alfabetizar
com método é “[...] alfabetizar conhecendo e orientado com segurança
o processo de alfabetização, o que se diferencia fundamentalmente
de alfabetizar trilhando caminhos predeterminados por convencionais
métodos de alfabetização” (SOARES, 2018, p. 352). Desta maneira
podemos entender que a instituição de “receitas prontas” no meio
educacional, principalmente se elaboradas por agentes externos a
prática da docência, poderão não ser tão efetivas o quanto pretendem.
sumár i o
Para finalizar essa breve discussão, afirmo que a esmagadora
maioria dos professores e professoras que conheci ao longo da minha
carreira profissional e da minha vida pessoal enquanto discente,
quer nas séries iniciais ou nas finais do Ensino Fundamental, foram
profissionais comprometidos que se interessavam primordialmente
em desenvolver um bom trabalho com os seus alunos e alunas. Não
faltam a estes, leituras, estudos, projetos, pesquisas. Não faltam
também empecilhos inúmeros promovidos por motivos diversos para
os colocar em prática. Mas o que quero deixar claro nessa rápida
explanação é que Professor sabe ser professor, e com maestria. No
entanto, para o bom desenvolvimento do seu trabalho é preciso sim
(e não podemos sentir-nos constrangidos por afirmar isto) que haja
condições adequadas, pois, a educação não se faz só com amor. Dênos os recursos, as condições necessárias e vejam o mundo brilhar
através dos alunos e alunas. O grande x da questão é saber se o
atual sistema de ensino do nosso país realmente espera que nossas
crianças da escola pública brilhem.
73
REFERÊNCIAS
CAGLIARI. Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Bá-bé-bi-bó-bú. São Paulo:
Scipione, 1998.
SAVIANI, Derrneval. Escola e democracia. 32. ed.- Campinas, SP: Autores
Associados, 1999.
SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. 1. ed. São Paulo:
Contexto, 2016.
CAMACHO in BENTES, Ana Christina; MUSSALIM, Fernanda (org). Introdução
a Linguística: domínios e fronteiras. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2012.
SACRISTÁN. Gimeno J. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3 ed. Porto
Alegre: Artmed,2000.
BRASIL. Constituição Federal. 1988 Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 02/06/2020.
BRASIL. Lei de Diretrizes e bases. 1996. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 02/06/2020.
sumár i o
74
Capítulo 5
5
PRINCÍPIOS E ENSINOAPRENDIZAGEM DA TÉCNICA
VOCAL ESPANHOLA NO BRASIL
Lucila Tragtenberg
Lucila Tragtenberg
Princípios
eensinoaprendizagem
datécnicavocal
espanhola
noBrasil
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.75-89
Neste capítulo, realizaremos reflexões sobre princípios e a
nossa docência em Canto, a qual vem sendo realizada na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Universidade Estadual
de Santa Catarina (UDESC) e com alunos particulares há mais de
vinte e cinco anos, utilizando a técnica vocal espanhola aprendida
por nós ao longo de vinte e dois anos de estudo com o professor
Victor Olivares, no Rio de Janeiro. Abordaremos o período de nosso
aprendizado para explicitar melhor aspectos fundantes dessa técnica
na experiência de docência e aprendizado da mesma. Aspectos
ligados à prática da docência contemporânea do Canto também
serão trazidos para contribuir na discussão acerca da metodologia
que estamos empregando em nossas aulas de Canto, a qual tem
como objetivo oportunizar a interrelação entre aspectos científicos da
produção vocal e a terminologia tradicional que se utiliza de imagens.
sumár i o
As técnicas vocais costumam ser conhecidas e nomeadas
segundo as nacionalidades. Assim, há a técnica italiana, francesa,
alemã, inglesa, título inclusive de um livro do conhecido pedagogo
Richard Miller: National Schools of Singing: English, French, German,
and Italian Techniques of Singing Revisited. E existe também a técnica
espanhola. Existem preceitos gerais internos que constituem as
técnicas de diversas nacionalidades, como modos de respiração,
apoio, utilização de vogais. Por exemplo, na técnica vocal alemã
a respiração abdominal inferior é incentivada,. jJá na francesa, a
respiração deve ser deixada ao natural, sem um trabalho específico
para ela. Mas há também algumas variações internas nas mesmas,
segundo seus diferentes docentes e regiões em que habitam.
Assim, a técnica vocal espanhola que abordaremos neste
trabalho é a que foi ministrada pelo Prof. Victor Olivares no Brasil. Ela
é originária do Mosteiro de Montsserrat na Espanha, de onde foi para
o Chile em 1936, quando um monge fugindo da Revolução Espanhola
(1936/1939) saiu do Mosteiro de Montserrat e se mudou para Santiago
76
do Chile. Lá ele ensinou o professor Macaya, que formou Victor
Olivares nesta técnica. O Prof. Olivares veio para o Brasil em meados
dos anos 60 e se fixou no Rio de Janeiro, onde criou o Studio Musical
Tito Olivares, formando vários cantores líricos, populares, atores.
Doravante quando citarmos a técnica vocal espanhola ministrada
pelo Prof. Olivares no Brasil, escreveremos apenas a técnica espanhola,
nos referindo àa do Prof. Olivares e não àa técnica espanhola em geral,
devido a possível diversidade da mesma em locais diferentes.
Quem se interessar em conhecer os diversos tratados de canto
espanhóis, pode recorrer à tese de doutorado de María del Coral
Morales Villar: Los Tratados de Canto en España durante el siglo XIX:
técnica vocal e interpretación de la música lírica.
Nosso foco aqui será a nossa docência e aprendizado da
técnica espanhola.
sumár i o
APRENDIZADO FUNDANTE DA DOCÊNCIA
Durante os anos em que estudamos com o Prof. Olivares,
fazendo aulas de técnica vocal todos os dias úteis da semana
vivenciamos uma metodologia de ensino e no período de nossa
docência (concomitante à parte deste tempo de aprendizado),
adicionamos recursos que consideramos importante para o aumento
da produtividade do trabalho, como a explicitação da imbricação do
caminho Zen e a técnica espanhola, tendo sempre como bússola o
que foi por nós aprendido nas aulas.
A metodologia de ensino que utilizamos em nossa prática
docente é, em parte, a mesma que vivenciamos com o professor
Victor Olivares, e a abordaremos a seguir. Desse modo, nossas
77
aulas como aluna e como docente foram guiadas por dois fatores
fundamentais desta técnica:
a.
Fluxo contínuo - fluxo contínuo dos vocalises, que se estabelece
levando o aluno a ir de um som ao outro, em sequência, no
vocalise. As indicações de onde ir colocando o som (mais acima
por exemplo) são feitas durante o acorde que é tocado para
a mudança de tom. Assim, o fluxo da construção da voz em
direção aos agudos não é quebrado, segue então, contínuo.
As paradas ocasionais para que se trabalhe a melhoria de
determinado som não chegam a interromper o élan do fluxo
contínuo na construção da voz, que vai em direção acima.
Diferentemente, em aulas que fizemos com a técnica italiana,
a professora chegava a ficar quase a aula inteira centralizada
na emissão de uma nota. A diferença que queremos apontar
é que o aprendizado das notas que o aluno precisa melhorar
possui vantagens ao ser feito mantendo o movimento de subida
aos tons agudos, ao invés de se paralisar o fluxo em uma nota
por muito tempo, perdendo a unidade do fluxo contínuo. Istso
porque existe a questão da espontaneidade aí imbricada, que
se quebra e se perde ao se paralisar a emissão vocal por muito
tempo em um som. Falaremos dela a seguir.
b.
Espontaneidade - cumpre explicitar o contexto em que é
compreendida e utilizada aqui a palavra espontaneidade. O
fato de seguir fazendo as notas de um vocalise em sequência,
mantém no aluno a espontaneidade que é trazida pela própria
técnica. Esta o faz, ao solicitar do aluno de modo contundente, o
foco na emissão sonora de uma determinada forma, específica.
Assim, o aluno se concentra no que vai fazer e apenas faz, sem
indicar o que faz no mesmo momento em que o realiza. Ele,
assim, indica e na seqüuência, faz. Ao proceder deste modo,
ele faz o som vocal com um lugar reservado à espontaneidade,
sumár i o
78
que por sua vez trará leveza a linha vocal, evitará a colocação
de energia demais na produção sonora. Este é um dos passos
em direção aà aquisição da excelência vocal e pode ser bem
compreendido e explicitado no próximo tópico, que trata da
imbricação de recursos do Zen e o modo de docência na
técnica espanhola, que no caso da concentração específica
acima explicitada, no Zen tem a denominação de Mushin.
DOCÊNCIA DA TÉCNICA VOCAL ESPANHOLA
E IMBRICAÇÕES COM O CAMINHO NO ZEN
Os dois fatores básicos da técnica espanhola, que apontamos
acima, foram e vem sendo observados por nós ao longo de nossos
anos de docência. Eles são fundantes no modo como realizamos
nosso trabalho.
sumár i o
Entretanto, houve por nós a descoberta da imbricação de
aspectos desta técnica espanhola com os caminhos no Zen, e isto
se deu de forma inusitada. Estávamos ministrando uma aula de voz
para o Professor Antonio Guerreiro da UNIRIO/RJ, um grande nome
da área de Harmonia Musical no Brasil, infelizmente recentemente
falecido. Após realizar alguns vocalises ele nos disse: “mas você está
utilizando a prática do arqueiro Zen”, e nos presenteou com o livro A
Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen de Eugen Herrigel. Lemos o livro
e constatamos que o professor Guerreiro tinha razão. Após algum
tempo, localizamos também o livro O Arqueiro Zen e a Arte de Viver de
Kenneth Kushner. Estse autor é psicólogo e Herrigel era um filósofo.
Realizamos sempre com os alunos primeiro a leitura e discussão do
livro de Kushner e depois o de Herrigel, uma vez que por ser psicólogo,
Kushner explicita de modo mais direto o trabalho que realizou no
Kyudô, facilitando o acesso do leitor à compreensão dos princípios
79
e prática Zen e Herrigel, como filósofo, aborda sua vivência do Kyudô
com abordagens filosóficas, um modo um pouco mais intrincado de
introduzir o leitor aos recursos Zen. Mas os dois livros são igualmente
importantes para adentrar o universo das práticas de caminhos Zen.
Como prática pedagógica, nós os discutimos sempre com os
alunos no início do período de aulas para que obtenham maior clareza
sobre o que irão vivenciar na técnica espanhola, e para otimizar o
tempo de trabalho pois, conscientes do que estão estudando, podem
penetrar mais rápido e facilmente no estudo, acessando inclusive,
imagens que contribuirão para a qualidade do trabalho de emissão e
interpretação vocal a ser desenvolvido.
Ri, Ji, Mushin e a Técnica Espanhola no Corpo Vocal
sumár i o
Explicitaremos agora alguns princípios do Zen e como eles são
aplicados em nossa prática de docência da técnica vocal espanhola.
No início do livro O Arqueiro Zen e a Arte de Viver, Kushner nos
fala sobre o Ri e o Ji, apontando uma dimensão macro no Zen. Por
Ri se compreende os princípios subjacentes ao universo e por Ji,
se compreende as técnicas de qualquer habilidade que venha a ser
estudada. Nas palavras do autor:
Há uma palavra japonesa – ji- que se refere aos aspectos
técnicos das artes. No kyudô, ji diz respeito às técnicas do
hassetsu, os oito estágios do kyudô. Para ele, como para
todas as artes Zen, o mero domínio do ji ou das técnicas não é
considerado o objetivo final. Para entender esse fato, é preciso
atentar para outra palavra japonesa estreitamente ligada com o
ji. É o ri, para o qual não existe equivalente em nosso idioma. Ri
pode ser entendido como as verdades universais ou princípios
subjacentes ao Universo. (KUSHNER, 1988, p. 23).
80
Portanto, nos caberá a nós explicitar como na estrutura da
técnica espanhola, o Ji está imbricado no Ri. Ou seja, como as
verdades universais do universo estão ali subjacentes, para ficar claro
o porquê de realizarmos com os alunos, no início do estudo da técnica
espanhola, a leitura detalhada e interrelacionada dos dois livros citados
acima sobre os caminhos e o Zen e a técnica que irão vivenciar e
aprender. Mas antes vejamos uma explicação que nos orienta ainda
mais sobre a relação entre Ji e Ri:
Manifestações específicas do ri também são chamadas de
ji. Assim, nos Caminhos, as técnicas são vistas como manifestações específicas dos princípios subjacentes. O ji é uma
materialização do ri em situações específicas, mas não é o próprio ri, assim como uma determinada receita não é por si só os
princípios subjacentes à arte culinária. (KUSHNER, 1988, p. 23)
sumár i o
Tal como explicita a citação, as técnicas no Zen devem estar
estruturadas sendo materializações do Ri, dos princípios subjacentes
ao Universo. Veremos agora como isto se dá na técnica vocal com a
qual trabalhamos.
A voz faz parte do corpo, apesar de comumente haver no senso
comum, referências àa ela como se fosse algo independente dele. Em
nosso plano de docência, buscamos implementar e desenvolver no
aluno o que denominamos de Corpo Vocal. Este deverá ser um corpo
preparado e desenvolvido para a emissão vocal, o corpo como um todo
será trabalhado para a excelência da função vocal. Chegamos àa esta
denominação, inspirados pela condição do Ri e Ji que percebemos
manifestos na técnica vocal espanhola.
O desenvolvimento do Corpo Vocal na técnica espanhola
tem sido por nós conduzido com os alunos, se iniciando-se com a
implementação e desenvolvimento dos quatro passos da estruturação
de energia muscular abdominal imbricada com o diafragma e com as
cavidades de ressonância superiores, na face, mais especificamente as
81
cavidades nasais e os seios paranasais: nos seios maxilares que estão
na face, abaixo dos olhos e de cada lado do nariz, especificamente
a concha nasal média; os seios etmoidais acima do nariz e entre os
olhos e os seios frontais, acima das sombrancelhas e na linha entre
os dois globos oculares (nesta técnica esta cavidade de ressonância
é utilizada para as notas super agudas, de do5 para cima), que são
utilizados nos vocalises a serem feitos pelos alunos.
Os quatros passos vivenciados são:
sumár i o
1.
Exercício de diafragma lento
2.
Exercício de diafragma rápido
3.
Exercício de respiração
4.
Exercício de retenção de ar para aumento da capacidade
respiratória
Faz parte ainda do desenvolvimento do Corpo Vocal, o trabalho
que aplicamos de relaxamento específico quanto ao pescoço e ombros
e o de postura.
Nos quatro passos descritos acima, o número de repetições
vai aumentando, iniciando-se geralmente com 5 vezes e chegando
até, pelo menos, 40 vezes para alunos de Música Popular e de Voz
Falada e 70 vezes para alunos de Canto Erudito. O modo como
orientamos esse desenvolvimento é gradual, as repetições aumentam
aos poucos, em geral de duas em duas vezes, mas depende de cada
aluno e como o corpo dele reage às repetições. Não há, portanto,
em nossa prática, um número fixo de repetições a ser aplicado
igualmente a todos os alunos.
Nós os acompanhamos por meioatravés de uma tabela onde
os alunos anotam as repetições dos quatro passos, a qual reviso com
82
vistas a decidir em conjunto com eles, como vai se dando o aumento das
repetições. Estse desenvolvimento sistematizado é fundamental para o
desenvolvimento do Corpo Vocal. Em técnicas outras que vivenciamos,
como a francesa, a italiana e a alemã, a musculatura do diafragma
e a quantidade respiratória não eram desenvolvidas. Havia apenas
a indicação de realizar um modo de respiração, mas não havia a de
praticá-lo diariamente e nem aumentar gradualmente suas repetições.
É preciso salientar aqui, que as repetições realizadas no trabalho
físico de diafragma e respiração na técnica espanhola, nunca são
iguais. Sempre que os alunos realizam os movimentos de diafragma
e de respiração há uma otimização dos mesmos, eles vão trazendo
força à musculatura envolvida, o aumento de ar gradual, melhorando
e se modificando assim, àa cada vez que são realizados. No Kyudô, a
repetição dos oito estágios do Hassetsu (a preparação para o tiro do
arco) sãoé também repetidosa infinitas vezes, como indica o provérbio
Zen trazido por Kushner:
sumár i o
Milhares de repetições e a perfeição emerge a partir do nosso
verdadeiro ser. (KUSHNER, 1988, p. 17)
Mas esta repetição contínua no Kyudô, assim como nos outros
caminhos Zen (aikidô, judô, etc), visam ainda, o desenvolvimento e
conhecimento do nosso ser verdadeiro, como indica Kushner:
No kyudô, assim como nos outros Caminhos, a
compreensão Zen – a descoberta do nosso verdadeiro ser
- surge apenas a partir da prática repetitiva e disciplinada.
(KUSHNER, 1988, p.26)
Um dos objetivos dos caminhos Zen é, sem dúvida, o
autoconhecimento que vai sendo aperfeiçoado a partir da técnica do
caminho que está sendo praticado. Por este motivo, o Makiwara (um
alvo próximo) é colocado para que o iniciante de Kyudô atire nele em
seu período de treinamento e o Matô (o alvo distante), só é colocado
em um período muito avançado do treinamento. Destse modo, nas
83
repetições, o praticante não tenderá a se envolver com o desejo de
acertar o alvo e sim, se envolverá com o processo que resultará no tiro.
O processo, que envolve tudo o que diz respeito ao seu ser, é o mais
importante, e istso inclui o auto-conhecimento que vai se perpetrando
ao longo do treinamento.
Do mesmo modo, em nossa docência na técnica vocal
espanhola, o aluno não é incentivado a querer realizar sons bonitos,
a ter uma voz que soe bonita logo no início de seus estudos. Este
objetivo equivaleria a atirar no período inicial de aprendizado, no Matô.
Iniciamos o aluno primeiro no desenvolvimento dos quatro passos
e o trabalho de relaxamento específico e de postura, reconhecendo
nos mesmos e os explicitando ao aluno, os princípios subjacentes do
universo ligados à eles, a saber:
1.
Exercício de diafragma lento e rápido – imbricação das vísceras
e músculos abdominais com o centro tendíneo do diafragma.
Isto proporcionará o controle de sua subida e descida. Os
alunos estão também trabalhando aí a tonicidade e a agilidade
da porção muscular do diafragma. Segundo Ph-E. Souchard,
criador da Reeducação Postural Global/RPG na França (1998,
apud TRAGTENBERG, p. 15) “O centro tendíneo não pode em
momento algum perder contato com a massa visceral.”
2.
Exercício de respiração – continuando, vem o trabalho de
respiração e diafragma sob a égide de princípios universais da
anatomia e fisiologia vocais, onde os alunos realizam a junção
do trabalho de diafragma realizado no exercício anterior, com
a respiração: suas fases de inspiração e expiração juntamente
com a descida e subida do diafragma imbricadas aos músculos
abdominais inferiores.
3.
Exercício de retenção de ar – Este é o mesmo trabalho de
respiração realizado no item 2, mas com uma parada de
sumár i o
84
retenção de ar por alguns segundos, entre a inspiração e a
expiração. Como o pulmão e as paredes torácicas são elásticos,
sua expansão, e consequente aumento da capacidade de ar,
pode ser desenvolvida, observamos assim com esta prática,
um princípio do Ri ligado à respiração humana. Solta-se então
o ar com a boca em formato de assovio, pois assim o ar já se
direciona facilmente para fora.
Com relação ao Mushin, um estado de grande concentração
específica desenvolvido nos caminhos Zen, ele pode ser correlacionado
ao estado de concentração que o aluno experimenta na realização
da técnica vocal espanhola. Vamos compreender melhor o Mushin,
Kushner descreve aspectos deste estado de concentração e atenção:
sumár i o
Susuki descreve o mushin como um estado em que se está
inconsci-entemente ou conscientemente inconsciente... Podese entender melhor o mushin considerando-se o fluxo da
consciência humana. A maioria de nós mantém um constante
diálogo interior que se perpetua através de uma ininterrupta
corrente de associações. Este diálogo nos distrai, impedindonos de nos concentrarmos completamente no que estamos
fazendo... No mushin, a mente não é distraída por pensamentos
ilusórios... Ao disparar uma flecha, no entanto, o mais difícil é
evitar que sigamos os pensamentos relacionados com o nosso
próprio desempenho no Kyudô. Cada flecha deve ser disparada
sem que levemos em consideração nos-sos desempenhos
passados ou futuros. (KUSNHER, 1987, p. 53, 56).
Por meio da realização do trabalho físico de diafragma e
respiração da técnica espanhola, aliado ao seu modo de realização
dos vocalises (em fluxo contínuo, como explicitado no tópico 1),
um específico estado de concentração é obtido pelo aluno. Se no
Mushin circunscrito ao Kyudô, a atenção mental não se distrai com
eventos externos e os realizados pelo próprio atirador, assim também
em nossa docência da técnica espanhola, o aluno é orientado a se
concentrar apenas nos passos que precisa realizar para a emissão
85
sonora e não nos resultados vocais da mesma. A concentração no
processo é total. Ele não é guiado pelo resultado sonoro de sua
voz, mas sim pelas imbricações fisiológicas que realiza e nelas é
incentivado por nós a se concentrar.
AULAS DE CANTO E TERMINOLOGIA
PEDAGÓGICA
sumár i o
A questão da docência do Canto e da Técnica Vocal viabilizada
em uma terminologia de indicações de imagens para direcionamento
dos alunos em aula (voz para o alto, voz para baixo, voz mais clara,
mais escura, etc) tem sido a prática tradicional há alguns séculos. Com
o advento de informações científicas acerca da produção vocal, pelo
menos desde a segunda metade do século XIX oriundas da criação
por parte de Manuel Garcia (professor de canto e barítono) de um
laringoscópico, ou seja, um espelho colocado sobre a orofaringe para
visualização da laringe, e seguindo-se o pós segunda guerra mundial,
com o avanço tecnológico e crescente interesse da comunidade
científica na investigação da produção vocal, há um movimento de
valorização do ensino de canto através de informações objetivas frente
às imagens tradicionais utilizadas pelos professores.
Joana Mariz situa estse movimento, ainda em uma condição de
embate, em queonde um tipo de terminologia superaria o outro, sem
interrelação dos comandos de cada um:
Com a emergência de técnicas de investigação capazes de
apontar explicações concretas para os fenômenos fisiológicos e
acústicos da voz cantada, até então inacessíveis à visualização,
surge o impulso de substituir o conhecimento intuitivo pelo
objetivo e os termos tradicionais por definições exatas e
pontuais. (MARIZ, 2014, s/n).
86
Mas existe, ainda, uma certa dificuldade de utilização
de terminologias científicas na produção da voz, com uma real
produtividade por parte dos alunos:
Embora munida de uma ancoragem científica definida, a
pedagogia vocal moderna se depara com a dificuldade de
encontrar termos objetivos e universais que sejam também
adequados para o cotidiano do ensino do canto... No entanto,
o universo científico parece ser muitas vezes por demais árido
e distante da realidade prática cotidiana para ser facilmente
incorporado a ela. Sua terminologia envolve conceitos
complexos, que demandam um conhecimento específico
anterior em outras áreas que não a música... Ao mesmo
tempo, a tentativa científica de reduzir os termos a significados
simples levantam uma questão pertinente à discussão sobre
a linguagem verbal dos professores: os termos pedagógicos
devem, obrigatoriamente, encontrar uma correspondência fisioacústica precisa? (MARIZ, 2014, s/n).
sumár i o
Como professora na contemporaneidade, não é possível nos
furtarmos na busca de soluções produtivas neste embate. Em nossa
prática docente (tanto nas universidades como para alunos particulares)
seguimos uma junção da utilização de terminologias científicas com as
de imagens sugeridas aos alunos.
Para tanto, desde o início de desenvolvimento do Corpo
Vocal, utilizamo-nos de vídeos na internet para mostrar aos alunos
a musculatura abdominal e o diafragma e seus termos específicos,
que eles irão trabalhar no desenvolvimento do diafragma e da
respiração. Deste modo os alunos teêm contato com informações e
terminologia científicas relacionadas diretamente ao trabalho físico
que estarão realizando.
No caso de interrelação entre terminologia científica e de
imagens para a colocação vocal, orientamos os alunos para realizarem
pesquisas de informações anatômicas e fisiológicas acerca do trato
vocal (em livros, vídeos e na nossa apostila de fisiologia da voz) e
87
correlacionamos as terminologias de imagens com as informações
científicas por eles pesquisadas anteriormente.
Estse modo de atuação entre as terminologias tem sido bastante
produtivo para nossos alunos. Eles demonstram ao longo e ao final
de seus processos, conhecer aspectos fisiológicos e anatômicos
envolvidos nas suas práticas vocais, o necessário para desenvolvê-las
com consciência e alta capacidade de concentração, assim como a
consciência de aspectos mais sutis ligados à estética vocal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sumár i o
Se nos anos 40 se oportunizava um acesso separado entre
informações científicas e prática vocal, tal como em livros de canto
como o de Madelaine Mansion (1947), em queonde se tem muitas
fotos com informações anatômicas sem correlações com a prática
vocal a ser realizada, a tendência ainda hoje é uma correlação que
funcione abarcando aspectos técnicos e estéticos da emissão vocal
juntamente com o conhecimento científico acerca dela.
Estamos em nossa prática docente realizando estsa correlação
na terminologia que utilizamos e no modo como conduzimos o
acesso às informações científicas e às imagens no trabalho vocal que
inegavelmente, ao longo de tantos séculos, produziram vozes para
apresentações musicais de excelência. Esperamos ter contribuído
com informações para a área da pedagogia vocal explicitando aqui
aspectos de princípios ligados ao universo e terminologias científicas
junto à prática de preparação e desenvolvimento do Corpo Vocal na
técnica espanhola por nós utilizada.
88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KUSHNER, Kenneth. O arqueiro zen e a arte de viver. São Paulo,
Pensamento, 1988.
MARIZ, Joana. A terminologia do professor de canto e a evolução da
pedagogia vocal. In: XXIV CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISA EM MÚSICA, 2014, São Paulo. Anais do XXIV Congresso da
Associação Nacional de Pesquisa em Música, s/n. Disponível em: https://
anppom.com.br/congressos/index.php/24anppom/SaoPaulo2014/paper/
view/3290/655 Acesso em: 05/04/20.
MILLER, Richard. National Schools of Singing: English, French, German, and
Italian Techniques of Singing Revisited. New Jersey: Scarecrow Press, 1997.
TRAGTENBERG, Lucila. Apostila de fisiologia da voz. 1998, 29 f.
VILLAR, María del Coral Morales. Los Tratados de Canto en España durante
el siglo XIX: técnica vocal e interpretación de la música lírica. Granada, 2008.
1.132 f. Tese de doutorado. Departamento de História da Arte e Música,
Universidade de Granada, Granada, 2008. Disponível em https://hera.ugr.es/
tesisugr/17657477.pdf Acesso em: 10/03/2020.
sumár i o
89
Capítulo 6
6
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DE COMPETÊNCIAS AVALIATIVAS:
UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE
Ligia Silva Leite
Sandra Maria Martins Redovalio Ferreira
Ligia Silva Leite
Sandra Maria Martins Redovalio Ferreira
Sonia Regina Natal de Freitas
Sonia Regina Natal de Freitas
Oprocesso
deconstrução
decompetências
avaliativas:
umaexperiênciadocente
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.90-105
INTRODUÇÃO
Já em 1911, no prefácio do livro A Arte de Ensinar, White
(1911, p. 7) afirmava: “Ensinar é uma das funções escolares mais
importantes, e do seu desempenho depende o adiantamento dos
alunos”. Traduzindo este pensamento para o momento atual podese afirmar que a responsabilidade do professor diante da sua tarefa
de ensinar é decisiva para o desenvolvimento das competências e
habilidades dos seus alunos. Independentemente da área e/ou nível
de atuação do professor, seu trabalho pedagógico é de fundamental
importância para o crescimento pessoal, profissional e formação do
aluno como cidadão.
sumár i o
Os desafios mais significantes dessa tarefa de ensinar são
descritos como resultado da docência no Curso de Mestrado em
Avaliação da Faculdade Cesgranrio, mediante o oferecimento da
disciplina Prática de Avaliação: O Estado da Arte da Avaliação. Esta
disciplina é oferecida por dois professores doutores e duas assistentes
de pesquisa (mestras e ex-alunas do curso de Mestrado em Avaliação).
Inicialmente, é preciso destacar que a Avaliação é uma área
de estudo que tem assumido importância nos dias atuais, por estar
presente em quase todos os momentos da vida cotidiana. Scriven
(2007) ressalta que:
[...] a avaliação abrange um território extremamente
extenso, pois inclui uma parcela substancial do discurso
cotidiano, dedicado a propor, atacar e defender afirmações
avaliativas sobre produtos alimentícios, times de futebol,
comportamento humano, aquecimento global e quase tudo
mais (SCRIVEN, 2007, p. 20).
Com o passar dos anos, essa área vem se estruturando
mediante o desenvolvimento de novos estudos teóricos e práticos,
91
adicionando complexidade a ela, à medida que se percebe hoje sua
característica multi, inter e transdisciplinar, dificultando a delimitação do
seu campo de atuação e definição de conteúdo específico. Worthen,
Sanders e Fitzpatrick (2004, p. 78) consideram que “a avaliação
é empreitada técnica e política multidimensional que requer tanto
novas conceituações, quanto novos olhares de quando e como as
metodologias existentes em outros campos podem ser usadas com
propriedade”. Ao mesmo tempo, a área da Avaliação se caracteriza
por ser inovadora, por estar em processo de construção, utilizando
saberes de vários campos do conhecimento e por apresentar a
necessidade de que sua produção teórica e prática seja registrada de
maneira estruturada.
sumár i o
Diante desta realidade, as docentes perceberam a presença
de um desafio, o de criar oportunidades de ensino-aprendizagem que
permitissem aos alunos desenvolver competências avaliativas, tendo
em vista o grande volume de informações disponíveis neste campo
de estudo. Então, em 2014, o primeiro grupo de alunos se inscreveu
na disciplina Prática de Avaliação: o Estado da Arte da Avaliação,
cujo objetivo era construir o Estado da Arte da Avaliação e, assim,
dar oportunidade para que esses desenvolvessem competências
metodológicas nessa área do conhecimento.
O ESTADO DA ARTE
Para Ribeiro e Castro (2016) o Estado da Arte é um tipo de
pesquisa utilizado no Brasil a partir da década de 1980; é importante
por permitir que os pesquisadores analisem “a produção teórica
acumulada de determinada área do conhecimento, constituindo-se
assim, como rica fonte de consulta” (p. 1) e passível de ser utilizada em
todas as áreas do conhecimento. Apesar da sua presença ser ainda
tímida na área da Educação, encontra-se em ascensão.
92
Pretendia-se, inicialmente, neste projeto de pesquisa, compilar
o que tem sido pesquisado e publicado sobre Avaliação no período
de 2001 a 2014 no Brasil e assim começar a construir um Estado da
Arte da Avaliação no Brasil. A proposta de trabalho parecia fácil de
ser concretizada. O primeiro grupo de sete alunos era formado por
profissionais de diferentes áreas e interessados no campo da Avaliação.
Uma vez iniciado o processo de busca de informações sobre a maneira
de coletá-las, o grupo percebeu, na prática, a complexidade da área
e decidiu delimitar o campo de busca para a interseção das áreas
da Avaliação e da Educação. Percebeu-se também a necessidade
de definir o tipo de fonte primária a ser pesquisada, uma vez que
informações científicas sobre avaliação podem ser encontradas em
artigos, livros, dissertações, teses, anais de conferências, etc. Decidiuse, então, pela busca de artigos científicos na base da dados SciELO,
por reunir, a partir dos seus títulos e palavras-chave, artigos científicos
produzidos e publicados no Brasil.
sumár i o
O processo de construção de competências avaliativas estava
desencadeado. A quantidade de informações coletada foi grande,
constituindo-se o primeiro desafio: como registrar e armazenar as
informações coletadas? Em um processo colaborativo de tomada de
decisões, optou-se pela construção de uma base eletrônica de dados
que pudesse reunir os artigos científicos coletados; e assim, surgiu o
e-Aval (http://mestrado.fge2.com.br/aval/).
O e-Aval vem sendo alimentado a cada ano pelos alunos da
disciplina Prática em Avaliação – O Estado da Arte da Avaliação, sob a
supervisão das professoras pesquisadoras responsáveis pela disciplina
e das assistentes de pesquisa, e hoje conta com 999 registros.
Assim, as competências de busca, identificação e registro dos
artigos científicos vêm sendo desenvolvidas por todos os alunos,
mas não era suficiente para a construção de um Estado da Arte da
Avaliação. Uma primeira análise desses artigos revelou que havia
93
uma grande variedade de temas tratados pelos mesmos e que era
necessário buscar alguma forma de organização para que pudessem
ser analisados e permitir a construção do Estado da Arte.
CONSTRUINDO CATEGORIAS
Junto com os alunos foram levantadas maneiras de se classificar
esses artigos, mas o desafio não foi vencido sem o auxílio da literatura
da área que ofereceu no trabalho de King (apud MATHISON, 2005)
categorias construídas a partir da identificação dos objetos avaliativos
presentes nos artigos. Foram adotadas as seguintes categorias,
denominadas, em nosso processo de construção de conhecimento
avaliativo, de eixos temáticos, que refletem o domínio da avaliação no
campo educacional, são eles:
sumár i o
1.
Avaliação de professores – um tipo de avaliação de pessoal
focalizado nos instrutores.
2.
Avaliação de currículo (envolve aspectos amplos da prática
pedagógica) - examina os efeitos e a efetividade de práticas
pedagógicas específicas.
3.
Avaliação de programas educacionais e de treinamentos na
área de educação - um aspecto do campo geral da avaliação
de programas.
4.
Avaliação de contexto educacional - estuda aspectos diferentes
de ambientes educacionais relacionados à aquisição de
conhecimentos.
5.
Avaliação de alunos – está relacionada a questões de
aprendizagem e outros resultados instrucionais.
94
6.
Avaliação institucional/acreditação – mede o funcionamento
de uma instituição educacional em relação a um grupo de
padrões predeterminados.
A categorização proposta por King (apud MATHISON, 2005)
atendeu inicialmente as necessidades do projeto, mas não foi
suficiente; assim, durante o processo de identificação dos eixos
temáticos, durante os anos de 2016 e 2017, verificou-se a necessidade
da criação de mais dois eixos temáticos, devido ao grande número de
artigos identificados nestes domínios, Avaliação de políticas públicas
e Avaliação da produção acadêmica, ficando estabelecidos, desta
maneira, oito eixos temáticos.
sumár i o
7.
Avaliação de políticas públicas - relacionada a aspectos
de formulação, implementação e avaliação de políticas
educacionais.
8.
Avaliação da produção acadêmica - relacionada à produção
científica de pesquisadores, professores e alunos.
Em 2018, após revisão da categorização inicial, percebeu-se a
necessidade da criação de mais um eixo:
9.
Avaliação de gestão educacional – relacionada aos aspectos
gerenciais da educação.
Ficaram estabelecidos nove eixos temáticos para categorização
dos artigos incluídos na base e-Aval sobre Avaliação em Educação.
Esse processo de categorização foi