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O que é ser professxr?

2020, (in)Ventar a docência: brotos de autonomia

Que formas de vida estamos permitindo existir nos espaços educativos? Como esses espaços estão existindo nas narrativas e práticas cotidianas? Quais têm sido nossas apostas em defesa da vida (bio)diversa que atravessa o campo educacional? Quais as posturas que temos assumido para expandir o pensamento e emancipá-lo? Esta é uma escrita que aflora em meio às fagulhas de cólera e alegria no universo acadêmico no decorrer do ano de 2019. Potências capazes de ativar outros modos de pensar, existir e perceber as práticas cotidianas, incluindo o cenário educativo, e que podem abrir possibilidades de escuta, de escrita e de fala como garantias de existência. Esta é também uma defesa ética da pedagogia da libertação, de Paulo Freire e, sobretudo, uma tentativa de adubar nossa indignação para escapar do fatalismo que nos paralisa.

Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados. Copyright do texto © 2020 os autores e as autoras. Copyright da edição © 2020 Pimenta Cultural. Esta obra é licenciada por uma Licença Creative Commons: Atribuição-NãoComercialSemDerivações 4.0 Internacional - CC BY-NC (CC BY-NC-ND). Os termos desta licença estão disponíveis em: <https://creativecommons.org/licenses/>. Direitos para esta edição cedidos à Pimenta Cultural pela autora para esta obra. O conteúdo publicado é de inteira responsabilidade da autora, não representando a posição oficial da Pimenta Cultural. CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO Doutores e Doutoras Airton Carlos Batistela Breno de Oliveira Ferreira Alaim Souza Neto Carla Wanessa Caffagni Alessandra Regina Müller Germani Carlos Adriano Martins Alexandre Antonio Timbane Caroline Chioquetta Lorenset Alexandre Silva Santos Filho Cláudia Samuel Kessler Aline Daiane Nunes Mascarenhas Daniel Nascimento e Silva Aline Pires de Morais Daniela Susana Segre Guertzenstein Aline Wendpap Nunes de Siqueira Danielle Aparecida Nascimento dos Santos Ana Carolina Machado Ferrari Delton Aparecido Felipe Andre Luiz Alvarenga de Souza Dorama de Miranda Carvalho Andreza Regina Lopes da Silva Doris Roncareli Antonio Henrique Coutelo de Moraes Elena Maria Mallmann Arthur Vianna Ferreira Emanoel Cesar Pires Assis Bárbara Amaral da Silva Erika Viviane Costa Vieira Beatriz Braga Bezerra Everly Pegoraro Bernadétte Beber Fábio Santos de Andrade Universidade Católica do Paraná, Brasil Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Estadual da Bahia, Brasil Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Emill Brunner World University, Estados Unidos Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Católica de Pernambuco, Brasil Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Amazonas, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Universidade Estadual de Maringá, Brasil Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Fauston Negreiros Laionel Vieira da Silva Felipe Henrique Monteiro Oliveira Leandro Fabricio Campelo Fernando Barcellos Razuck Leonardo Jose Leite da Rocha Vaz Francisca de Assiz Carvalho Leonardo Pinhairo Mozdzenski Gabriela da Cunha Barbosa Saldanha Lidia Oliveira Gabrielle da Silva Forster Luan Gomes dos Santos de Oliveira Guilherme do Val Toledo Prado Luciano Carlos Mendes Freitas Filho Hebert Elias Lobo Sosa Lucila Romano Tragtenberg Helciclever Barros da Silva Vitoriano Lucimara Rett Universidade Federal do Ceará, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade de Brasília, Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil Universidad de Los Andes, Venezuela Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Brasil Helen de Oliveira Faria Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Heloisa Candello IBM e University of Brighton, Inglaterra Heloisa Juncklaus Preis Moraes Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Ismael Montero Fernández, Universidade Federal de Roraima, Brasil Jeronimo Becker Flores Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Jorge Eschriqui Vieira Pinto Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Jorge Luís de Oliveira Pinto Filho Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade de Aveiro, Portugal Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Metodista de São Paulo, Brasil Marceli Cherchiglia Aquino Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Marcia Raika Silva Lima Universidade Federal do Piauí, Brasil Marcos Uzel Pereira da Silva Universidade Federal da Bahia, Brasil Marcus Fernando da Silva Praxedes Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil Margareth de Souza Freitas Thomopoulos Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Maria Angelica Penatti Pipitone Universidade Estadual de Campinas, Brasil Maria Cristina Giorgi Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Brasil José Luís Giovanoni Fornos Pontifícia Maria de Fátima Scaffo Josué Antunes de Macêdo Maria Isabel Imbronito Júlia Carolina da Costa Santos Maria Luzia da Silva Santana Julia Lourenço Costa Maria Sandra Montenegro Silva Leão Juliana de Oliveira Vicentini Michele Marcelo Silva Bortolai Juliana Tiburcio Silveira-Fossaluzza Miguel Rodrigues Netto Julierme Sebastião Morais Souza Nara Oliveira Salles Karlla Christine Araújo Souza Neli Maria Mengalli Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Patricia Bieging Rosane de Fatima Antunes Obregon Patrícia Helena dos Santos Carneiro Sebastião Silva Soares Patrícia Oliveira Simone Alves de Carvalho Patricia Mara de Carvalho Costa Leite Stela Maris Vaucher Farias Paulo Augusto Tamanini Tadeu João Ribeiro Baptista Priscilla Stuart da Silva Tania Micheline Miorando Radamés Mesquita Rogério Tarcísio Vanzin Ramofly Bicalho Dos Santos Thiago Barbosa Soares Ramon Taniguchi Piretti Brandao Thiago Camargo Iwamoto Rarielle Rodrigues Lima Thyana Farias Galvão Raul Inácio Busarello Valdir Lamim Guedes Junior Renatto Cesar Marcondes Valeska Maria Fortes de Oliveira Ricardo Luiz de Bittencourt Vanessa Elisabete Raue Rodrigues Rita Oliveira Vania Ribas Ulbricht Robson Teles Gomes Wagner Corsino Enedino Rodiney Marcelo Braga dos Santos Wanderson Souza Rabello Rodrigo Amancio de Assis Washington Sales do Monte Rodrigo Sarruge Molina Wellington Furtado Ramos Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de Aveiro, Portugal Universidade Federal do Tocantins, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de São João del-Rei, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Ceará, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade de Campinas, Brasil Universidade Federal de São Carlos, Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade de Brasília, Brasil Universidade Federal do Maranhão, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade de Aveiro, Portugal Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil Universidade Federal de Roraima, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Federal de Sergipe, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil PARECERISTAS E REVISORES(AS) POR PARES Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos Aguimario Pimentel Silva Adilson Cristiano Habowski Alessandra Dale Giacomin Terra Adriana Flavia Neu Alessandra Figueiró Thornton Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade La Salle - Canoas, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Instituto Federal de Alagoas, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil Universidade Luterana do Brasil, Brasil Alessandro Pinto Ribeiro Camila Amaral Pereira Alexandre João Appio Carlos Eduardo Damian Leite Aline Corso Carlos Jordan Lapa Alves Aline Marques Marino Carolina Fontana da Silva Aline Patricia Campos de Tolentino Lima Carolina Fragoso Gonçalves Ana Emidia Sousa Rocha Cássio Michel dos Santos Camargo Ana Iara Silva Deus Cecília Machado Henriques Ana Julia Bonzanini Bernardi Cíntia Moralles Camillo Ana Rosa Gonçalves De Paula Guimarães Claudia Dourado de Salces André Gobbo Cleonice de Fátima Martins Andressa Antonio de Oliveira Cristiane Silva Fontes Andressa Wiebusch Cristiano das Neves Vilela Angela Maria Farah Daniele Cristine Rodrigues Anísio Batista Pereira Daniella de Jesus Lima Anne Karynne da Silva Barbosa Dayara Rosa Silva Vieira Antônia de Jesus Alves dos Santos Dayse Rodrigues dos Santos Antonio Edson Alves da Silva Dayse Sampaio Lopes Borges Ariane Maria Peronio Maria Fortes Deborah Susane Sampaio Sousa Lima Ary Albuquerque Cavalcanti Junior Diego Pizarro Bianca Gabriely Ferreira Silva Diogo Luiz Lima Augusto Bianka de Abreu Severo Ederson Silveira Bruna Carolina de Lima Siqueira dos Santos Elaine Santana de Souza Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Brasil Centro Universitário Moura Lacerda, Brasil Universidade do Estado da Bahia, Brasil Universidade de Passo Fundo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal do Maranhão, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil Universidade de Passo Fundo, Brasil Universidade do Estado da Bahia, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade do Vale do Itajaí, Brasil Bruna Donato Reche Universidade Estadual de Londrina, Brasil Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faced, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Federal de Sergipe, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Tiradentes, Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Instituto Federal de Brasília, Brasil Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Eleonora das Neves Simões Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Elias Theodoro Mateus Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Elisiene Borges Leal Inara Antunes Vieira Willerding Elizabete de Paula Pacheco Ivan Farias Barreto Elizânia Sousa do Nascimento Jacqueline de Castro Rimá Elton Simomukay Jeane Carla Oliveira de Melo Elvira Rodrigues de Santana João Eudes Portela de Sousa Emanuella Silveira Vasconcelos João Henriques de Sousa Junior Érika Catarina de Melo Alves Joelson Alves Onofre Everton Boff Juliana da Silva Paiva Fabiana Aparecida Vilaça Junior César Ferreira de Castro Fabiano Antonio Melo Lais Braga Costa Fabrícia Lopes Pinheiro Leia Mayer Eyng Fabrício Nascimento da Cruz Manoel Augusto Polastreli Barbosa Francisco Geová Goveia Silva Júnior Marcio Bernardino Sirino Francisco Isaac Dantas de Oliveira Marcos dos Reis Batista Francisco Jeimes de Oliveira Paiva Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira Gabriella Eldereti Machado Michele de Oliveira Sampaio Gean Breda Queiros Miriam Leite Farias Germano Ehlert Pollnow Natália de Borba Pugens Glaucio Martins da Silva Bandeira Patricia Flavia Mota Graciele Martins Lourenço Raick de Jesus Souza Handherson Leyltton Costa Damasceno Railson Pereira Souza Helena Azevedo Paulo de Almeida Rogério Rauber Heliton Diego Lau Samuel André Pompeo Hendy Barbosa Santos Simoni Urnau Bonfiglio Universidade Federal do Piauí, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal do Piauí, Brasil Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Estadual de Roraima, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Nova de Lisboa, Portugal Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Potiguar, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Federal de Pelotas, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Faculdade de Artes do Paraná, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal do Maranhão, Brasil Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade de Cruz Alta, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal do Pará, Brasil Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade La Salle, Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Fundação Oswaldo Cruz, Brasil Universidade Federal do Piauí, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil Tayson Ribeiro Teles Wellton da Silva de Fátima Valdemar Valente Júnior Weyber Rodrigues de Souza Wallace da Silva Mello Wilder Kleber Fernandes de Santana Universidade Federal do Acre, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil PARECER E REVISÃO POR PARES Os textos que compõem esta obra foram submetidos para avaliação do Conselho Editorial da Pimenta Cultural, bem como revisados por pares, sendo indicados para a publicação. Direção editorial Diretor de sistemas Diretor de criação Patricia Bieging Raul Inácio Busarello Marcelo Eyng Raul Inácio Busarello Assitente de arte Elson Morais Editoração eletrônica Imagens da capa Ligia Andrade Machado Freepik Editora executiva Patricia Bieging Assistente editorial Revisão Organizadores Peter Valmorbida Os autores e as autoras Alaim Souza Neto Patricia Bieging Raul Inácio Busarello Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) ___________________________________________________________________________ O114 O que é ser professxr? Alaim Souza Neto, Patricia Bieging, Raul Inácio Busarello - organizadores. São Paulo: Pimenta Cultural, 2020. 266p.. Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-88285-50-3 (eBook) 978-65-88285-51-0 (brochura) 1. Professor. 2. Docente. 3. Pedagogia. 4. Ensino. 5. Aprendizagem. I. Souza Neto, Alaim. II. Bieging, Patricia. III. Busarello, Raul Inácio. IV. Título. CDU: 37 CDD: 370 DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503 ___________________________________________________________________________ PIMENTA CULTURAL São Paulo - SP Telefone: +55 (11) 96766 2200 [email protected] www.pimentacultural.com 2 0 2 0 SUMÁRIO Prefácio........................................................................................... 13 Alaim Souza Neto Capítulo 1 Da EaD à quarentena: reflexões sobre intelectualidade, conhecimento e espaços virtuais............................................................................ 16 Helena Azevedo Paulo de Almeida Capítulo 2 Tecnologias digitais e a atuação docente: possibilidades a partir da formação continuada............................... 30 Rackel Peralva Menezes Vasconcellos Cristiana Barcelos da Silva Poliana Campos Côrtes Carlos Henrique Medeiros de Souza Capítulo 3 UNILAB é uma universidade brasileira? Experiências de ensino em contexto de integração internacional.............................................................. 45 Alexandre António Timbane Capítulo 4 Professor sabe ser professor......................................................... 63 Valdene Moura Lopes Capítulo 5 Princípios e ensino-aprendizagem da técnica vocal espanhola no Brasil............................................ 75 Lucila Tragtenberg Capítulo 6 O processo de construção de competências avaliativas: uma experiência docente................................................................. 90 Ligia Silva Leite Sandra Maria Martins Redovalio Ferreira Sonia Regina Natal de Freitas Capítulo 7 Modelo por um dia: a fotografia como ferramenta para o resgate da autoestima....................................... 106 Bianca Antonio Gomes Vania Ribas Ulbricht Capítulo 8 Professar e inspirar...................................................................... 120 Charlene França Capítulo 9 Reflexões cientificas sobre a interface da agroecologia e da promoção da saúde................................. 127 Alessandra Regina Müller Germani Ana Paula Schervinski Villwock Capítulo 10 Sobre a pedagogia do fracasso e do erro: metamorfoses............................................................... 142 Maria Cristina Morais de Carvalho Capítulo 11 (in)Ventar a docência: brotos de autonomia................................. 152 Sheila Hempkemeyer Capítulo 12 “É eu! Eu que fiz!”: um sensível relato de experiência com cinema na EJA................................................ 167 Ally Collaço Capítulo 13 O ensino híbrido (blended learning) como metodologia de ensino adaptável a momentos de crise.................................................................... 182 Leila Regina Techio Ana Elisa Pillon Márcio Vieira de Souza Vania Ribas Ulbricht Aires José Rover Capítulo 14 Paixão pelo ensino e aprendizagem de língua inglesa: um relato de uma amante da língua............................................................... 199 Vanessa Veiga de Souza Capítulo 15 Quem ensina o professor universitário?..................................... 205 Simone Alves de Carvalho Capítulo 16 Normalistas e a formAÇÃO para a docência: imagens e experiências.................................................................. 210 Marcélia Amorim Cardoso Capítulo 17 Subjetividades de um professor-pesquisador............................ 229 Alaim Souza Neto Capítulo 18 Relato de experiências: desafios dos educadores na implantação do Programa Projovem Campo-Saberes da Terra - no bairro da Tapera, em Campos dos Goytacazes......................................................... 236 Carolina Fragoso Gonçalves Sobre os organizadores............................................................... 253 Sobre os autores e autoras.......................................................... 255 Índice remissivo............................................................................ 262 PREFÁCIO Alaim Souza Neto Esta obra não poderia ter vindo em outra hora. Ela se materializa em uma conjuntura bastante consternadora e calamitosa, não apenas para o campo educacional, mas para a nação brasileira, quando são postos à margem vários dos avanços que havíamos alcançado até aqui e que apontavam na direção de um projeto cultural de educação democrático, emancipatório e transformador. sumár i o Para aquelxs que comungam dos pressupostos freirianos de que o papel fundamental da educação se volta para a comunhão entre humanos mediados por diferentes objetos de conhecimento, sendo a mediação um ato pedagógico que permite ao sujeito entender e transformar o mundo a sua volta, podemos afirmar que vivenciamos um momento caótico e perturbador. Caótico pelo estado de emergência e provisoriedade, perturbador porque a Educação e Docência, e com elas, a criatividade, o diálogo, a comunicação, os direitos humanos, a tolerância, a autonomia e a humanidade sustentável são colocados em xeque e por isso tornam-se temáticas a serem, mais que nunca, discutidas, em tempos tão difíceis em que imperam o obscurantismo, o fundamentalismo e o conservadorismo ultraliberal. No campo educacional, como exemplos desse cenário, tem-se o projeto Escola Sem Partido, o projeto Homeschooling, a elaboração antidemocrática e aligeirada da BNCC - Base Nacional Comum Curricular, a reforma do novo ensino médio, as discussões em torno do FUNDEB, as profundas alterações nas diretrizes da formação docente e dos cursos de Licenciatura, os ataques às Universidades Públicas, o desmantelamento da Ciência brasileira, sobretudo, as Humanas, 13 e tantos outras ações que fragilizam ainda mais a democracia e a liberdade de expressão, bem como aumentam ainda mais as injustiças e desigualdades sociais. Estes são alguns dos movimentos de perigosa desconstrução dos pressupostos conquistados em vários momentos históricos, com grandes impactos significativos para os processos de subjetivação da Educação e, sobretudo, da Docência. Em síntese, são movimentos que tentam instrumentalizar, nos termos do mercado, a Educação do nosso país desmobilizando as mais diversas frentes possíveis. A Educação e Docência, ao serem atacadas estão entrincheiradas. No que tange à Docência, as novas práticas sociais da contemporaneidade têm nos exigido outras sociabilidades e subjetividades em meio à mediatização cultural que estamos inseridos, seja pela pressão do mercado, do consumo ou novas relações, necessidades e demandas que os humanos têm neste tempo, desde as mais simples atividades sociais. sumár i o Na escola, obviamente, a Docência precisa ser ressignificada em movimentos diferentes daqueles concebidos no paradigma tradicional em que pese a transmissão de conteúdos e concebe o professor apenas como sujeito expositor. Com a integração de diferentes tecnologias, com a emergência da cultura e convergência digital, ora por inovação ou renovação de pedagogias, didáticas, métodos, metodologias, técnicas, saberes e subjetividades, tem-se novos modos de ensinaraprender. É a partir desse cenário que emerge este livro, contando com professorxs de diferentes formações e áreas do conhecimento, mas que se disponham a dialogar de forma relacional, inovadora, interdisciplinar e sem preconceitos, tendo algo em comum: a autoria, a autonomia, a curiosidade, o respeito à democracia, como princípios pedagógicos, ao aprendente e ao ensinante. A partir desses pressupostos, a dinâmica de ensinar e aprender assume novos contornos: da reprodução e ocupação do tempo para a construção 14 significativa e contextualizada dos conhecimentos/saberes, em que o mais importante não é decorar, repetir ou memorizar, mas ao contrário, pensar e atuar de forma crítica na sociedade. Estabelecer a proposição para novas relações educativas de ensinar e aprender precisa fazer parte do processo pedagógico, pois é muito importante tomarmos consciência de não perceber as novas subjetividades e sociabilidades como inimigos e resistir à sua incorporação nos processos educativos, mas percebê-las como dispositivos que têm, também, entre outras, a função de contribuir com o processo de aprendizagem, seja por parte dos ensinantes ou dos aprendentes. Essa consciência emerge na prática da integração entre os diferentes procedimentos e processos pedagógicos, que de maneira intra e inter-relacionada se complementam, fortalecendo a viabilização do currículo de forma dinâmica, integrada, atual e contextualizada sumár i o Assim, este livro reúne um coletivo de narrativas e histórias de professorxs, que de forma contemporânea, corajosa e instigadora, traz um conjunto de reflexões para o debate sobre a Docência no contexto atual. Será, com certeza, mais uma referência na construção do diferentes paradigmas de educação crítica e emancipadora, em direção a um país mais justo, diverso, inclusivo e democrático para todxs. Fica o convite para a sua leitura. 15 Capítulo 1 1 DA EAD À QUARENTENA: REFLEXÕES SOBRE INTELECTUALIDADE, CONHECIMENTO E ESPAÇOS VIRTUAIS. Helena Azevedo Paulo de Almeida Helena Azevedo Paulo de Almeida DaEAD àquarentena: reflexõessobre intelectualidade, conhecimento eespaçosvirtuais DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.16-29 Esta é, com toda certeza, a experiência mais difícil que tive em escrever um texto. Falar sobre minha experiência enquanto professora é algo tão complexo e plural, que quase me impediu de colocar em palavras. É como estar desnuda, de qualquer roupa ou maquiagem que poderia impedir a demonstração do quão visceral é a experiência docente. Ser professor ou professora é, ao menos para mim, uma entrega. E ela pode ser recíproca ou não. sumár i o Mas isto soa um tanto quanto idealista, distante, o que pode ser perigoso. Creio que o “ideal” é uma orientação, mas que tende a se distanciar da realidade prática. Ao idealizar uma aula, um ideal de aula, podemos perder a organicidade que a transforma a cada segundo, e o que a modifica: a diversidade presente em cada um dos estudantes. Quando esperamos pelo inesperado e abrimos espaço para os questionamentos dos alunos e nosso próprio, enaltecemos a ação de diferentes sujeitos, de diferentes experiências, de diferentes perspectivas. E isto é tudo o que acontece na sala de aula: a conexão da pluralidade, das realidades diversas que existem no mundo. Talvez, ao escrever dessa forma, eu esteja sendo um pouco idealista... Mas comecemos do princípio, já que nem sempre pensei dessa forma. Venho de uma família de número expressivo de professores. Meus pais, tios, primos, todos eles “estiveram” pela sala de aula enquanto professores ou viveram a sala de aula como tais. E creio que parto dessa experiência para refletir como é “ser”, e o que significa “estar” professor(a). Ser professor parte de uma tentativa de transformação da sociedade, uma melhoria de sua constituição. Estar professor é um “bico”, algo que o dito profissional faz por ter surgido a oportunidade ou ainda para “aumentar a renda”, como diria uma antiga propaganda de certa faculdade particular. Claro, também há uma diferença crucial no que tange à área de ensino, pois existem os cursos com licenciatura, voltados para a formação docente e todos os demais cursos que tendem a terem o oposto: a negligência e o 17 desprezo intenso com o ensino. O que me faz pensar naqueles cursos das ciências exatas, da saúde que apesar de passarem longe dos bancos escolares, formam e preparam profissionais nas salas de aulas do ensino superior. Meus pais foram professores atuantes em instituição pública de ensino; hoje aposentados. Em casa, tive acesso direto ao que é ser professor, em toda sua glória, dedicação e percalços. Acompanhei minha mãe chegando em casa tarde, pois estava atendendo alunos (fora de seu “horário de trabalho”, obviamente), e meu pai se afogando em pilhas de exercício, provas e trabalho extra de alunos. Uma ilustração “tátil” do que significa ser professor. O “ser” está atrelado a uma vivência constante, a um pensar eterno da forma e método de atuação em sala de aula, mas também fora dela. Ambos trabalhavam desde antes de se graduarem no ensino superior, ou para utilizar uma frase usada por eles, “dando aulas”. Esta é uma expressão curiosa. sumár i o Nós, enquanto professores, sempre ouvimos esta frase. Mas acredito que seja uma frase não só curiosa, mas perigosa! Não damos aulas. Nós oferecemos nosso trabalho, pouco regularizado e valorizado perante a sociedade, em troca de salário, que muitas vezes beira apenas a sobrevivência. Parece exagero? Bom, se pensarmos que a figura do professor é constantemente atrelada à ideia de “talento”, “dedicação”, “trabalho por amor”, não é exagero voltarmos nossa reflexão de docência para “figura do lacaio diferenciado na antiguidade (em termos objetivos, o lacaio era um escravo com boas habilidades intelectuais)”, como aponta Felipe Figueira. O autor demonstra que: O lacaio, sendo ele no mais das vezes um escravo, trazia em si a figura de alguém simples e desprovido de bens materiais. Nesse sentido, tal professor não raro flertava com a fome, pois, vindo de uma classe extremamente baixa, dificilmente conseguia lugar de destaque na sociedade, bem como a sua remuneração ou era inexistente ou ínfima. É possível polemizar e comparar sem vitimismos a imagem do lacaio com a do professor brasileiro 18 do século XXI: os concursos para docente, em especial os destinados à educação infantil, trazem uma remuneração muito baixa diante da qualificação exigida (magistério, no mínimo) (FIGUEIRA, 2020, s/p). Claro, isto considerando os professores concursados nas redes públicas de ensino. Uma situação almejada por muitos colegas e que, no entanto, não é a realidade de boa parte dos docentes. A vida do professor concursado, mesmo que precária, é consideravelmente mais estável do que a vida do professor em redes privadas de educação, especialmente, considerando a nossa realidade política atual. Em um tempo que vivenciamos ao mesmo tempo uma caça aos professores, por meio da demonização direcionada à humanização da educação (como o projeto “Escola sem Partido”); e leis que tentam criar mecanismos para se evitar a constante violência contra o docente (como o caso da lei 2.457, sancionada no Amapá1), é necessário pensar na figura do professor e em sua atuação na sociedade. sumár i o É a partir do papel dos professores na sociedade que gostaria de tecer algumas reflexões iniciais. Escrevo este texto durante a quarentena proposta no Brasil com o objetivo de evitar a propagação de COVID-19, em uma ação urgente, necessária e sem precedentes no mundo. Na segurança da minha casa (um privilégio que muitos não têm), tive acesso a inúmeros comentários de colegas professores, alguns conhecidos, outros não, sobre a atuação do professor a longa distância. Ouvi em algumas lives o quão indispostos estavam em realizar aulas em ambiente virtual. Outros, e tendo a concordar com estes, encaravam o novo desafio com mais energia. Por isso, relato aqui uma parte pequena, mas significante, da minha experiência docente: a Educação a Distância (EaD). 1 Como pode-se ler na reportagem “Lei prevê mecanismos para evitar violência contra professores e servidores em escolas no AP”, de Taemã Oliveira e Jorge Júnior. Disponível em: https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2019/12/18/lei-preve-mecanismos-para-evitarviolencia-contra-professores-e-servidores-em-escolas-no-ap.ghtml . 19 Minhas experiências na EaD foram maravilhosas e espero que tenha outras oportunidades de continuar atuando nesse ambiente. Participei de dois cursos de pós-graduação: um em aperfeiçoamento e o outro em especialização2, ambos oferecidos pela Universidade Federal de Ouro Preto. Uma instituição pública e de qualidade, com a preocupação social de retornar para a sociedade os investimentos realizados em prol da construção de conhecimento e pesquisa. Preocupação compartilhada por todas as instituições públicas do país e que vem sendo atacadas por uma parcela da população, que muitas vezes não entendem o trabalho realizado pelas Universidades. No que tange à educação, o retorno é educar! Parece óbvio, mas é algo necessário de ser dito, afinal “a liberdade de ensinar é componente essencial de uma educação de qualidade, pública, laica, de corte republicano, em conexão com a ampliação da densidade demográfica e com os processos de inclusão social” (SEFFNER, 2017, p. 209). sumár i o Minha atuação na EaD foi como tutora e orientadora dos trabalhos de TCC. Ao orientar alunos, que são também professores, conheci colegas, de diferentes áreas, mas com o mesmo objetivo: se aperfeiçoar para que pudessem oferecer aos seus próprios alunos o melhor. E para o professor, oferecer seu melhor não é apenas uma questão de conteúdo, mas também de tempo. Tempo de trabalho ou de vida, porquê seus alunos valem isso. Esta, para mim, é a principal diferença de ser professor, do que para aqueles que “estão” professores. No que tange ao ensino a distância, os que “são” professores, apesar dos limites que um ambiente virtual impõe à prática docente, tentam transpor a falta da presença física por meio da aproximação emocional. Uma conexão difícil, seja virtual ou presencial. A Educação a Distância, responsável e de qualidade, tem como um dos principais objetivos uma ideia muito básica e que deveria unir 2 Para leitura detida, consultar PAULO DE ALMEIDA, Helena A. e FERREIRA, Clayton J., “O Ensino de História Indígena via EaD: o papel da tutoria no curso de aperfeiçoamento do professor na Universidade Federal de Ouro Preto”. 20 mais aqueles envolvidos na profissão docente: o acesso democrático à educação. Percebam, a pós-graduação em curso presencial é, ainda, um privilégio. Em um país de proporções continentais, nem todos têm abertura ou financiamento para a continuidade na formação docente. E este é um problema estrutural: o incentivo e investimento para a formação continuada do professor. Assim, a EaD pode tentar transpor esses limites de qualquer formação e do próprio acesso à educação, surgindo como um ambiente específico e poderoso para o ensino e acesso à informação. Como destacou Paulo Freire, “a educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo” (FREIRE, 1987, p. 87). sumár i o O ensino de humanidades tem ao menos uma particularidade que me parece urgente abordar: o acesso a diferentes narrativas, produzidas ou não por profissionais das mais diversas áreas. Vejam bem, o acesso à internet nos conecta a inúmeras perspectivas de visão de mundo, porém, ao menos algumas, mostram-se intensamente excludentes. O acesso ao ambiente virtual por diversos aplicativos e plataformas, como Facebook, Whatsapp, Instagram e Youtube, podem ser vistos como janelas para a divulgação de movimentos sociais importantes, como os Movimentos Negro, Feministas, Indígenas e do Orgulho LGBTQ+. Esses movimentos, tão necessários em nossa contemporaneidade, se colocam em oposição ao conservadorismo que se vê ameaçado por estes mesmos movimentos. É o conservadorismo que desencadeia uma reação extremista mundial e intensifica a antiintelectualidade, o negacionismo e a autoverdade. Bom, mas como isso se conecta com a EaD? Devido à pandemia que vivenciamos, muitas pessoas confundem o Ensino a Distância com a educação remota, sendo a segunda uma tática emergencial para as tentativas de continuidade das atividades letivas, algo que não é acessível a um grande número de estudantes. Em contrapartida, o ensino a distância ocorre em ambiente virtual, através de plataformas e 21 metodologias próprias para tal, como é o caso da plataforma Moodle. Mas nós, enquanto professores, estamos preparados para lidar com esses tipos de situações? A resposta é não, e não porque os professores não tenham empenho ou interesse, muito pelo contrário. São as estruturas de ensino e acesso público à internet que dificultam, e muitas vezes impedem, o preparo do professor. Enquanto os governos de estados, como Minas Gerais, salientam a continuidade das atividades dos estudantes de ensino básico através da educação remota, muitos alunos de instituições públicas não têm acesso à internet. Se torna evidente, então, o despreparo do Estado em oferecer condições tanto para os estudantes, quanto para os professores atuarem. sumár i o Aqui nos encontramos no cruzamento de dois caminhos, a saber: 1) a educação remota e 2) a EaD. Encarar o ambiente virtual como necessariamente distante do ambiente físico da sala de aula é um equívoco, pois a verdade é que os alunos que participam do ensino presencial têm acesso às redes sociais que mencionei anteriormente. O ponto conflitante é que isso não pode ser confundido com EaD. A realidade é que o ambiente virtual, em sua forma ampla, também faz parte do ambiente presencial da educação. Por outro lado, a resistência de muitos professores em utilizar tais ferramentas pode afastar as atividades das salas de aulas do cotidiano desses alunos, o que promove a eterna pergunta na disciplina de história: “para que estamos estudando isso?”. Uma possível resposta, dentre tantas outras, é mais prática do que poderíamos imaginar: estudamos para entender o presente, e a formação e constituição das diversas sociedades que sustentam o mundo. O estudo do passado é, assim, o estudo do presente. No entanto, é importante ressaltar que, em nossa contemporaneidade, a mercantilização da educação faz parte da realidade docente. Sendo assim, 22 a noção do uso das tecnologias na educação e da modalidade a distância se confundiu com o contexto social, histórico e econômico que predomina na formulação das políticas em que a ênfase está no caráter utilitarista e tecnicista das tecnologias e que a modalidade a distância sirva para ampliar o acesso promovendo a massificação do processo educacional (PIMENTEL, 2012, p. 71-72). sumár i o O preconceito com a EaD existe, e ele é quase tátil. Ouvi muitas vezes, pessoas dizendo que o ambiente em EaD “jamais substituiria a sala de aula” e é verdade. Não há substituição do ensino presencial. O sentido produzido nas salas de aula (também considerando a sala de aula virtual) não pode ser reduzido a conceitos isolados e desatados da sociedade e do presente. É por isso que a presença, o aspecto físico que constitui o indivíduo é tão importante. Mas a desconfiança que muitos professores têm da EaD é bem fundamentada, como mencionado acima, na massificação do processo educacional. O filósofo Noam Chomsky faz uma maravilhosa reflexão sobre mercado, enquanto doutrina e realidade, em O Lucro ou as Pessoas? (2018), e nos relembra a privatização especificamente realizada na Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale no Brasil. Trago à tona aqui a privatização da Vale para ressaltar a lucratividade que o mercado via em sua instituição, a mesma que vê na educação enquanto mercadoria, tornando a EaD alvo. Assim, a mesma “mão invisível” que supostamente regularia a economia, investiria na EaD privada e colheria o lucro do pagamento de milhares de matrículas ao redor do território nacional, não se retendo mais a uma localidade específica. E o mais perigoso, a meu ver, é ainda um debate pouco amplo: em uma perspectiva neoliberal “o parâmetro de funcionamento da sociedade é a própria ‘organização empresarial’, tomada como modelo racional de organização, apagando a historicidade das ‘instituições’ e transformando-as em miniorganizações empresarias de prestação de serviços” (FREITAS, 2018, p. 31), incluindo aí a educação e a EaD. 23 Então, sim, eu não só compreendo, mas me solidarizo e concordo com o receio de muitos colegas em relação ao ambiente virtual de educação. Mas este receio não pode nos impedir de perceber que, nesta era digital, o ambiente virtual de educação pode também ser a ferramenta para a reestruturação de mundos. Não é uma situação de ciberespaço versus espaço físico, mas sim da produção em conjunto de conhecimentos, valorização da diversidade e continuidade na formação docente e das realidades diversas que se encontram os sujeitos enquanto discentes. Trata-se da valorização das potencialidades de ambos, simultaneamente. E isto, tendo em mente sempre as críticas necessárias aos abusos mercantilistas, muitas vezes impostos a EaD. sumár i o Assim, pensar a EaD é também pensar o momento de contingência que estamos vivendo, de afastamento social em favor da vida. É também pensar que em muitas localidades do país, as pessoas vivem em situações mais ou menos extremas 365 dias ao ano, com dificuldade de acesso não só à educação, mas também ao sistema de saúde, de transporte, com dificuldade de acesso a alimentação e saneamento. O retorno que as Universidades públicas fazem ao redor do país, em âmbito educativo, é a contribuição à continuidade de formação para estudantes e professores dos cantos mais remotos do país, onde a fisicalidade das instituições públicas de ensino ainda não conseguiu alcançar. Ao conectar o ensino superior público aos alunos e professores de todo o país, demonstramos o que as Universidades Federais e Estaduais produzem de melhor: conhecimento e acesso. Um dos maiores desafios da minha experiência na EaD foi conseguir estabelecer uma comunicação viável, não no sentido de acesso à internet, mas na clareza que o conteúdo a ser oferecido fosse entendido. Nas salas de aula físicas, um simples “não entendi, professora” seria suficiente. Mas na EaD, encontrei-me de frente com algo desafiador: a clareza na escrita. Marc Bloch inicia seu livro, nunca 24 finalizado, o “Apologia da História”, com a seguinte passagem: “(...) não imagino, para um escritor, elogio mais belo do que saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos escolares” (BLOCH, 2001, p. 41). E a meu ver, essa tem que ser uma das principais preocupações dos profissionais das Ciências Humanas, em nossa contemporaneidade. sumár i o Com a ampliação do ambiente virtual, multiplicando infinitamente as narrativas (principalmente considerando as narrativas históricas), também se multiplicam as narrativas negacionistas e de autoverdade, tornando cada vez mais urgente a atuação dos cientistas nesse espaço tão novo na nossa modalidade de profissão. Faz parte do papel do professor, e este enquanto intelectual, responder às demandas da sociedade e, mais especificamente, dos seus alunos. A escola nunca foi detentora exclusiva da produção de conhecimento (ressaltando que a construção de conhecimento pode ser informal, formal e não-formal), mas presenciamos nos últimos 20 anos, uma tensão mais enérgica e vigorosa do que é produzido na escola com demais fontes, como as digitais, ressaltando “a aprendizagem [como] um processo interativo em que os sujeitos constroem seus conhecimentos através da suas interações com o meio, numa interrelação constante entre fatores internos e externos.” (LIBÂNEO, 2010, p.77). O Ciberespaço é uma ambientação nova e, como novo, pode nos causar um pouco de estranhamento. Quando se trata do ensino de História, um desafio sempre é presente: fazer com que aquele passado importe para a atualidade; fazer com que ele mobilize e emocione; fazer com que haja esta conexão necessária ao ensino. Ao menos nas humanidades, talvez seja um dos desafios principais: demonstrar que o objeto de estudo, seja no presente ou no passado, é um ser vivo, uma pessoa, como eu e os leitores. E o ambiente virtual pode auxiliar na valorização do sensível para o tratamento de temáticas caras não só às humanidades, mas, principalmente, à Humanidade. O ciberespaço pode conectar a diferença do Outro ao Eu, e vice-versa. 25 Nesse momento de isolamento social, conseguimos perceber a falta que faz este aspecto tátil, e que muitas vezes nos passa despercebido. E talvez passe desprevenido, justamente porque pensamos que sua presença sempre estará lá. Utilizo, então, deste momento, que é histórico, para reforçar algo que para outros professores talvez não seja tão claro quanto é para um professor de história: as consequências da intangibilidade e indiferença em relação ao Outro. Quando não há uma conexão de um ser humano com o outro, o conhecimento pode perder seu valor, seja de qual área for ou em qual tempo estiver, pois é a própria construção do conhecimento uma ponte para com o diferente. sumár i o Agora vivenciamos diariamente a reciprocidade do conhecimento das ciências médicas e biológicas na atuação contra a COVID-19. Ao mesmo tempo que vivenciamos uma outra experiência dupla: a de humanidade na união solidária com quem não tem o privilégio da quarentena, junto à desumanidade dos que pregam a volta das atividades não essenciais, em um escancaramento da eterna balança econômica: a vida ou o lucro? Mas Marc Bloch já havia tentado nos avisar: a experiência não apenas nos ensinou que é impossível decidir precisamente se as especulações aparentemente as mais desinteressadas não se revelarão, um dia, espantosamente úteis à prática. Seria infligir à humanidade uma estranha mutilação recusar-lhe o direito de buscar, fora de qualquer preocupação de bem-estar, o apaziguamento de suas fomes intelectuais (BLOCH. 2001, p. 45). É a busca pelo conhecimento, pela “fome intelectual” que impera na EaD das Universidades públicas, e que não cobram de seus alunos taxa alguma. Mas veja, uma das críticas que ouvi nesses últimos dias à EaD, é que ela abriria um precedente para que não houvesse mais aulas 26 presenciais, seja qual for o nível de ensino. Esta é uma crítica válida, pois vivenciamos também, o aumento da porcentagem aceitável de aulas em ambiente virtual das faculdades. A portaria 2.117/19, assinada por Abraham Weintraub, aumenta de 20% para 40% as aulas a distância3. Este aumento foi comemorado na mídia como um avanço, em favor dos “grandes grupos de educação brasileiros”4. Mas então, onde está a crítica? A crítica provém da mercantilização da educação, como apenas uma nova forma de empresários fazerem um lucro exorbitante, às custas de inúmeros alunos que procuram por formação, ao mesmo tempo que inúmeros professores são explorados em suas profissões, com um número massacrante de aulas, mas que não têm o devido tempo para prepara-las e não são remunerados adequadamente. Não só o tempo, fator essencial à dedicação da profissão docente, mas a desestruturação inclusive financeira do profissional. Uma desestabilização da experiência docente, constantemente ameaçada pela vida moderna, almejando lucros5. sumár i o A estabilidade do professor, principalmente considerando os professores das áreas de humanidades, é algo que tange o ideal, pois somos nós, cientistas das humanidades que fazemos constantemente a crítica à sociedade, às políticas, às estruturas que tentam sistematicamente nos amordaçar. Os professores, esses cientistas ativos na sociedade são, por definição, intelectuais. E é considerando o papel do intelectual na sociedade que gostaria de me encaminhar para a finalização deste ensaio. 3 PORTARIA Nº 2.117, DE 6 DE DEZEMBRO DE 2019. Diário oficial da união. Edição: 239, Seção: 1, Página: 131. Órgão: Ministério da Educação/Gabinete do Ministro. Publicado em: 11/12/2019. 4 Como percebe-se em reportagem da revista “EXAME”, feita por Carolina Riveira. Disponível em: https://exame.abril.com.br/negocios/menos-professores-mais-margem-a-portaria-quemuda-as-faculdades-privadas/ 5 Na reportagem “Menos professores, mais margem”, da revista EXAME já mencionada, percebe-se que a celebração pela EaD privada remete-se à diminuição do corpo docente, o que significa, menos “gastos” para a empresa/faculdade. 27 Edward Said já destacava que “os verdadeiros intelectuais nunca são tão eles mesmos como quando, movidos pela paixão metafísica e princípios desinteressados de justiça e verdade, denunciam a corrupção, defendem os fracos, desafiam a autoridade imperfeita ou opressora” (SAID, 2017, p. 21), sendo eles os responsáveis pelas reflexões do tangível e intangível na sociedade, independentemente de sua área de formação. É papel do professor desafiar os problemas que partem do que a sociedade quer esquecer ou, como agora presenciamos, quer “passar um pano”, construindo um distanciamento emocional abissal entre o que é considerado “bom” e “ruim”; esquerda e direita; entre Eu e o Outro; ou mais precisamente, entre tudo o que for diferente dessas dualidades empobrecedoras. Segundo esta perspectiva, o que é vergonhoso no passado, como as ditaduras, os genocídios, o trauma, teria que ser distanciado e desumanizado. É esse distanciamento que nos cega ou faz esquecer o fundamental: o mundo é feito de gente, de sujeitos, seja um de frente para o outro, seja pela mediação de uma tela digital. sumár i o REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do historiador. Rio de Janeiro RJ, Jorge Zahar Editor, 2001. CAMPOS, Fernanda C. A.; SANTORO, Flávia Maria; BORGES, Marcos R. S.; SANTOS, Neide. Cooperação e aprendizagem on-line. Rio de Janeiro – RJ, DP&A Editora, 2003 CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as Pessoas?. Rio de Janeiro – RJ, Editora Bertrand Brasil, 2002. DANOWSLKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis – SC, Cultura e Barbárie Editora, 2014. GUMBRECHT, Ulrich. Produção de Presença. Rio de Janeiro – RJ, Editora PUC- RIO, 2010. 28 FIGUEIRA, Felipe. Você dá aula?. Jornal do Noroeste, 13/03/2020. Disponível em: http://www.jornalnoroeste.com/pagina/colunas/voce-da-aula . FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. FREITAS, Luiz Carlos de. A Reforma Empresarial da Educação: nova direita, velhas ideias. São Paulo – SP, Editora Expressão Popular, 2018. LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo - SP, Editora Cortez, 2010. PAULO DE ALMEIDA, Helena A. e FERREIRA, Clayton J., O Ensino de História Indígena via EaD: o papel da tutoria no curso de aperfeiçoamento do professor na Universidade Federal de Ouro Preto. In.: BIENGING, Patrícia; BUSCARELLO, Raul; ULBRICHT, Vania. Educação no Plural: da sala de aula às tecnologias digitais. São Paulo - SP, Editora Pimenta Cultural, 2016. PIMENTEL, Nara Maria. As políticas públicas para as tecnologias educacionais e a educação a distância no Brasil: uma reflexão histórica. In.: DAMIANO, Gilberto; REYES, José; SANTOS, Larissa. EAD, Cultura e produção de subjetividade. Juiz de Fora - MG, Editora UFJF, 2012. SAID, Edward. Representações do Intelectual: as conferências de Reith de 1993. São Paulo – SP, Companhia das Letras, 2017. sumár i o SEFFNER, Fernando. Escola pública e função docente: pluralismo democrático, história e liberdade de ensinar. In.: MACHADO, André e TOLEDO, Maria Rita. Golpes na História e na Escola: o Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo – SP, Cortez Editora, 2017. 29 Capítulo 2 2 TECNOLOGIAS DIGITAIS E A ATUAÇÃO DOCENTE: POSSIBILIDADES A PARTIR DA FORMAÇÃO CONTINUADA Rackel Peralva Menezes Vasconcellos Cristiana Barcelos da Silva Poliana Campos Côrtes Carlos Henrique Medeiros de Souza Rackel Peralva Menezes Vasconcellos Cristiana Barcelos da Silva Poliana Campos Côrtes Carlos Henrique Medeiros de Souza Tecnologias digitais eaatuação docente: possibilidades apartirdaformação continuada DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.30-44 INTRODUÇÃO Contextualização As Tecnologias Digitais (TD) em suas mais variadas formas assumem com intensidade quase todos os espaços e perpassam quaisquer relações na sociedade vigente, o que suscita novos olhares e posturas, principalmente, no âmbito educacional. Por essa razão, nos dias de hoje, muito se tem discutido sobre uma aprendizagem significativa, que tipo de ensino e planos devem ser adotados para se alcançar o alunado dessa geração. Entretanto, esbarramos no fato de termos um corpo docente composto, em sua maioria, de imigrantes digitais - e não nativos - cujo desafio é fazer uso, em suas aulas, de ferramentas que, muitas vezes, o discente já domina com propriedade. sumár i o Diante de todos os atrativos que absorvem a atenção dos educandos, o desejo de estar alheio ao ambiente educacional, só cresce, considerando ainda todas as adversidades que podem ocorrer nesse ambiente, como o bullying ou agressões, fatos que somatizam a prerrogativa de ser competitivo e estressante o ambiente escolar. A discrepância no desenvolvimento tecnológico e a abordagem de sala de aula faz parecer que a educação ficou parada no tempo. É nesse cenário de rápidas transformações que se situa o pensamento contemporâneo, possuidor de uma pluralidade de perfis e tendências que correspondem aos tipos de racionalidade atualmente vigentes em nossa sociedade. Essa pluralidade de perfis e tendências e o contexto socioeconômico global redefinem a finalidade e relevância da escola, da educação. 31 Junto ao processo de reorganização do mundo nos parâmetros globais, surge a urgente necessidade de se trabalhar acerca de um processo de localismo que neutralize o poder da globalização, muitas vezes, apresentando-nos como devastador. Para tanto, o papel das instituições de ensino deve ser o de contribuir na formação de um novo profissional voltado para o exercício da cidadania, tendo como principal referência à comunidade em que a escola se insere, ou seja, o seu “entorno”. Nesse sentido, reconhece-se a importância e necessidade da formação continuada para a capacitação docente, estreitando os caminhos entre educação e as tecnologias digitais, possibilitando ao professor que atua em sala de aula inovar, tornando assim, a aprendizagem e o espaço escolar não só mais atrativo para o aluno como também um ambiente que proporciona múltiplas descobertas significativas. sumár i o Assim, o projeto de pesquisa intitulado “Professores da rede pública de ensino frente ao desafio: O uso das Novas Tecnologias de Comunicação e Informação em Sala de aula” surgiu da inquietude do professor Doutor Carlos Henrique Medeiros de Souza ao vivenciar a necessidade de se considerar o avanço científico e tecnológico, a rapidez das mudanças nos processos de comunicação e sua influência no desenvolvimento educacional. Partindo dessa leitura social, uma formação continuada e tecnológica foi oferecida aos professores de Educação Básica em Campos dos Goytacazes (município do Estado do Rio de Janeiro), a partir do uso das TD, no processo de formação continuada desses profissionais. Oficinas e atividades foram realizadas com o propósito de promover o uso pedagógico de recursos tecnológicos, potencializando a capacidade de compreensão e utilização das mais variadas mídias digitais e sociais e ambientes tecnológicos. 32 OBJETIVOS Esse presente trabalho apresenta objetivos claros e definidos que coadunam com a proposta de um modelo de formação continuada conforme apresentado abaixo: Objetivo Geral O projeto proposto apresentou como objetivo geral oferecer aos docentes atuantes na educação básica do município de Campos dos Goytacazes, formação continuada e incorporação das tecnologias digitais nos processos, destacando a importância da tecnologia no contexto de sala de aula e a reflexão do papel do educador frente a realidade aluno, cada vez mais tecnológico. sumár i o Objetivos Específicos • Preparar os professores para promover inovações pedagógicas instrumentalizadas pelos recursos tecnológicos que já estão sendo disponibilizados nas escolas; • Por meio das relações entre os docentes participantes da capacitação, promover troca de saberes e experiências; • Melhorar sua capacidade de compreensão do mundo por meio das redes sociais e dos ambientes tecnológicos disponíveis; • Implantar a rotina de criação de material didático de apoio em consonância com as necessidades da escola e com a visão cultural e de mundo dos alunos e de professores; 33 sumár i o • Municiar os professores com instrumentos teóricos que possibilitem a autorreflexão de sua ação pedagógica; • Permitir a formação de docentes que possam compreender os novos cenários no qual a escola e alunos estão inseridos; • Conhecer e/ ou atualizar seus conhecimentos quanto à existência e uso das Novas Tecnologias que permeiam nossa sociedade; • Compreender o mundo (conceito virtual) na qual os alunos estão sendo educados e coabitando; • Permitir uma reflexão quanto ao papel da escola / professor no processo educativo dos alunos; • Potencializar o uso de recursos tecnológicos no cotidiano da escola a fim de motivar os alunos para o processo de aprendizagem; • Apresentar as técnicas e aplicativos mais recentes a serem usados no âmbito educacional, bem como capacitá-los para o uso de tais ferramentas. METODOLOGIA Para o desenvolvimento do projeto em questão, foram utilizadas as abordagens qualitativa e quantitativa de pesquisa, sendo desenvolvida por etapas sequenciais. A partir de um cronograma definido previamente com os temas mais atuais, no que diz respeito a Tecnologias Digitais, módulos quinzenais foram aplicados por alunos Mestrandos e Doutorandos do curso de Cognição e Linguagem da Universidade. 34 Em uma sala multimídia preparada para esse modelo de curso, com computadores individuais, lousa, Datashow e som ambiente, o momento da aula era dividido em duas etapas: em um primeiro momento apresentavam-se os conceitos e teorias coerentes com o tema do módulo. A partir de então, uma prática era proposta para ser construída durante o curso e aplicada na Unidade Escolar a qual o cursista trabalhava. Nesses moldes, todas as aulas foram realizadas ao longo do segundo semestre e culminou na apresentação dos trabalhos de cada cursista. A avaliação aconteceu de modo a contabilizar a frequência e participação dos alunos (professores da rede pública). CONTEÚDO PROGRAMÁTICO sumár i o O projeto de extensão foi organizado em 11 módulos presenciais, além das atividades propostas a serem colocadas em prática nas instituições de ensino nas quais os professores selecionados trabalhavam. Cada módulo trouxe um subtema relacionado acerca das Tecnologias Digitais. Dentre os instrutores selecionados a trabalhar com o grupo de professores inscritos, estavam a Professora Doutora Cristiana Barcelos, a Professora Mestranda Rackel Peralva, a Professora Mestranda Aline Peixoto e a Professora Mestranda Poliana Côrtes. Quanto aos temas, os abordados em cada módulo foram: • Módulo 1. As habilidades no século XXI / introdução às Tecnologias Digitais • Módulo 2. Uma reflexão sobre o uso da internet • Módulo 3. Redes sociais no contexto escolar 35 • Módulo 4. O google e seus recursos na aplicação em sala de aula • Módulo 5. A utilização das mídias como recurso pedagógico • Módulo 6. Competências digitais para professores do século XXI • Módulo 7. Utilizando aplicativos como recurso educacional • Módulo 8. Os principais aspectos jurídicos no ambiente digital • Módulo 9. Escola digital: novos paradigmas da educação • Módulo 10. Metodologias ativas na prática em sala de aula • Módulo 11. Apresentação dos trabalhos realizados pelos participantes do curso PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO sumár i o Em um primeiro momento, palestras foram ministradas nas instituições de ensino envolvidas, com o intuito de refletir e debater sobre a importância do uso das tecnologias digitais no processo de ensino aprendizagem, bem como divulgar o curso de extensão. Em seguida, as inscrições para professores interessados da rede municipal foram disponibilizadas para as escolas. Como planejamento do curso, foi elaborado um cronograma, além da organização dos módulos, temas a serem abordados e contato com os professores instrutores. O coordenador do projeto, professor Dr. Carlos Henrique Medeiros, coordenador também do programa de Pós-graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro-UENF, recrutou alunos matriculados no Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado do programa para ministrarem as aulas 36 do curso. Dentre os selecionados, estavam Cristiana Barcelos, Rackel Peralva, Aline Peixoto e Poliana Côrtes. Os instrutores foram escolhidos levando em consideração sua área de atuação em consonância com os módulos do curso. Como próximo passo, os monitores realizaram uma seleção de materiais bibliográficos que embasassem as atividades buscando estabelecer o confronto entre teoria e prática. Desenvolvimento Das Práticas Educativas No segundo semestre de 2019, 20 professores da rede municipal de ensino iniciaram um processo coletivo de aperfeiçoamento. A formação continuada foi desenvolvida em 11 módulos presenciais realizados quinzenalmente no prédio da Reitoria na UENF no laborátorio de tecnologias. sumár i o No primeiro encontro, a instrutora Rackel Peralva realizou uma roda de conversa com os professores, na qual foi possível entender suas angústias e entender o nível de conhecimento tecnológico de cada educador. A partir de então, a cada módulo, os instrutores após a parte teórica, desenvolviam oficinas práticas, usando o laboratório de informática. Em seguida, os professores participantes tiveram que elaborar atividades pedagógicas utilizando as tecnologias digitais para que fossem aplicadas em suas aulas, confirmando um efetivo aproveitamento dos recursos tecnológicos disponíveis nas escolas. Ao trabalhar o tema de redes sociais, por exemplo, Poliana Côrtes identificou que todos os professores presentes faziam uso de redes sociais, porém, grande parte não as utilizava como ferramenta de ensino e viam tais instrumentos como “inimigos da sala de aula”. Ao final do módulo a instrutora relatou a respeito da satisfação dos professores e o turbilhão de ideias que surgiram para se usar as redes sociais como instrumento no processo ensino-aprendizagem dos estudantes. 37 MARCO TEÓRICO Sabe-se que ensinar, demanda uma nova postura do educador, o que também se traduz em desafios, uma vez que os cursos de formação docente nem sempre contemplam a implementação das tecnologias no âmbito escolar. Todavia, há de se considerar que o amplo acesso da informação está ao alcance de todos, porém, o conhecimento, se restringe a poucos. O educador do novo século reconhece que não basta ter acesso à informação, é preciso saber o que fazer com ela. (MEIRA; ARENA; BEZERRA, 2016). sumár i o Entretanto, existe uma lacuna entre saber da constante mudança e desenvolvimento do modelo educacional e tecnológico e conhecer, estar motivado a coloca-lo em prática. Convivemos com elementos multimídia, há muito tempo, mesmo sem nos darmos conta disso. Portanto, precisamos de atualização e constante aprendizado. Tais necessidades nos levam a grandes mudanças que nos permitem perceber a ocorrência de um reordenamento de espaços, bem como alterações nos modelos explicativos de mundo que atingem profundamente a consciência e a ação do sujeito na tensão entre o individual e o comunitário, o global e o particular (SOUZA, 2003). Especialmente, depois do surgimento e avanço da internet, computadores raramente são vistos como máquinas isoladas, sendo sempre imaginados em rede. Vivemos em uma sociedade da informação que só se converte em uma verdadeira sociedade do conhecimento para alguns, aqueles que puderam ter acesso às capacidades que permitem desentranhar e ordenar essa informação (MUNICIO; POZO, 2003). 38 No nosso sistema educacional, uma significativa parcela dos educadores são imigrantes1 digitais, cujas salas de aula ainda têm a mesma estrutura e utilizam os mesmos métodos usados na educação do século XIX: as atividades ainda são planejadas para quadro e papel, e o professor continua ocupando a posição de protagonista, detentor e transmissor da informação. A evolução tecnológica é algo em constante mutação. Tais professores não tiveram esse aprendizado tecnológico, muitos não entendem e percebem a necessidade de uma atualização constante o que leva todo esse diálogo exposto a um círculo vicioso. Segundo Oliveira (2018), apesar de muitas instituições escolares possuírem tecnologias, elas não são utilizadas como deveriam, ficando muitas vezes trancadas em salas isoladas e longe do manuseio de alunos e professores. sumár i o A conscientização dos profissionais de educação quanto ao fato de que as Tecnologias Digitais pode ser uma aliada e não um fator de distanciamento entre professor-aluno se faz urgente e as propostas e possiblidades de aperfeiçoamento e formações cada vez mais constantes e acessíveis. RESULTADOS O intuito do projeto de extensão é levar o educador a outras condições que permitam sua participação ativa nos processos de definição de novos modos de ensino, dando direções mais comprometidas com a qualidade da educação pública em Campos dos Goytacazes, bem como a proposição de soluções específicas 1 Segundo Prensky (2001) os estudantes de hoje são todos “falantes nativos” da linguagem digital dos computadores, vídeo games e internet. Isto posto, a denominação mais utilizada para eles é Nativos Digitais. Aqueles que não nasceram no mundo digital, mas em alguma época de nossas vidas, ficou fascinado e adotou muitos ou a maioria dos aspectos da nova tecnologia são, e sempre serão comparados a eles, sendo chamados de Imigrantes Digitais. 39 e alternativas de inserção das novas tecnologias na sala de aula, modelos, programas e avaliações a serem planejadas. A avaliação foi discutida em conjunto no momento do planejamento e antes de se iniciar o trabalho. Ao final de cada módulo, uma avaliação coletiva do projeto foi realizada, na qual os professores (alunos do projeto) e monitores discutiam a relevância do tema trabalhado, bem como a evolução do trabalho, assim como uma auto avaliação, abordando aspectos positivos e negativos das próprias atuações. O instrumento avaliativo é um instrumento para orientar a ação e detectar como melhorar a abordagem. Sendo assim, consideramos o desempenho do professor não só na aquisição de conceitos, mas, principalmente, nos procedimentos e atitudes que envolvam a sua prática docente. sumár i o Quinzenalmente, foram realizadas reuniões entre instrutores e o coordenador tendo sempre em mente o objetivo de avaliar e adequar às necessidades do público-alvo do projeto e discutir a respeito das etapas desenvolvidas com os docentes. A evolução dos professores participantes no que tange à sua autoconfiança e ao desenvolvimento da criatividade no planejamento das aulas foi crescente. Ao final do curso, no último módulo, os educadores fizeram uma breve apresentação em slides com as atividades que colocaram em prática nas suas unidades escolares. O resultado do processo foi surpreendente até para os próprios participantes que pediram que o curso tivesse continuidade no próximo ano. Trabalhamos com uma equipe de docentes de diversas escolas públicas de Campos dos Goytacazes que necessitam de estímulo e orientação com relação à utilização das tecnologias em sala de 40 aula, preparando-os para uma nova realidade e a criação de uma nova escola onde sejam capazes de lidar e solucionar problemas relacionados ao uso de computadores e novas mídias digitais como prática pedagógica, incorporando temas e situações vivenciadas pela comunidade escolar. DISCUSSÃO A partir das necessidades já observadas nos primeiros encontros do projeto foi possível perceber o quanto os professores são/estão sedentos de conhecimento e vontade de se aperfeiçoar, mas muitas das vezes ficam engessados em seus moldes de atuação. A cada aula, foram sendo verificadas necessidades e novas diretrizes puderam ser estruturadas para delinear o trabalho a ser desenvolvido com os docentes. sumár i o No que tange a participação dos docentes, muitos desafios foram enfrentados. O primeiro deles era a disponibilidade do participante devido sua carga horária na escola e por depender da liberação da direção para que pudesse se ausentar a cada quinze dias para estar presente no curso. Entretanto, com o passar das semanas, foi interessante perceber que a motivação dos participantes mudou, assim como sua confiança em opinar, discutir, debater. Ao passo que todo o grupo percebeu ter os mesmos questionamentos e barreiras a enfrentar, a turma ficou mais coesa e as aulas mais dinâmicas. Um ponto interessante a ser destacado foi apontado no último encontro, pelos próprios cursistas. Os alunos-professores perceberam a necessidade da constante atualização na profissão de educador e o quão prazeroso foi retornar a um ambiente de Universidade – visto 41 que, como explicitado anteriormente, a formação é realizada dentro da Universidade Estadual Norte Fluminense (UENF). De acordo com o feedback apresentado pelos participantes, o projeto visou e de certa forma conseguiu minimizar as dificuldades existentes em algumas escolas para utilização dos recursos tecnológicos no processo ensino aprendizagem. Faz-se necessário completar, lembrando o pedido da turma, a possibilidade de acontecer um segundo módulo visto que, de acordo com eles, as Tecnologias Digitais, o mundo, a sociedade estão em constante mudança, e a educação precisa acompanhar. CONCLUSÃO sumár i o Nos tempos atuais, um grande desafio enfrentado pelos educadores está no que diz respeito ao uso de tecnologias digitais nas práticas educacionais. O planejamento educacional elaborado à luz dos recursos digitais exige competências diferentes das tradicionais frente a uma nova cultura de aprendizagem que surge com a integração das TD no processo de ensino e aprendizagem. Kenski (1998) anuncia que o estilo digital coloca em cena no contexto educacional não apenas a questão do uso de novos equipamentos para a apreensão do conhecimento, mas também novos comportamentos de aprendizagem. Nesse novo modelo de aprendizagem, de acordo com Mauri e Onrubia (2010), pode ser caracterizada por três traços básicos: a necessidade da educação em capacitar os estudantes para a atribuição de significado e sentido à informação, de fomentar nos alunos a capacidade de gestão do aprendizado e de ajuda-los a conviver com a relatividade das teorias e com a incerteza do conhecimento. O pesquisador Prensky (2001) aponta para um decréscimo na educação e que tal ponto se dá pelo fato que os jovens mudaram 42 radicalmente os seus hábitos e comportamentos, já o sistema educacional ainda segue o modelo do século passado, sem uma concreta adaptação à mudança social. Os “nativos digitais” assim nomeados pelo autor, nascidos após 1980, nunca conheceram um mundo sem internet, jogos e computadores. O uso das mídias na educação configura uma fronteira para muitos profissionais da educação, uma vez que a apropriação da linguagem digital e o uso do computador e outras mídias digitais são quase universalmente utilizados pelos alunos. Nesse momento, é fundamental levantar o questionamento do papel da escola quando estamos lidando com uma geração influenciada pela internet e redes sociais visto que as mudanças comportamentais aparecem significativamente nessa geração. Para tanto, faz-se necessário repensar o formato do ensino, adaptar as aulas a realidade do educando. sumár i o O Projeto de Extensão se caracteriza por uma proposta que visa utilizar a formação tecnológica junto aos docentes de escolas da rede pública de ensino em Campos dos Goytacazes, objetivando a produção de conhecimento efetivo na atividade pedagógica de vivência com as novas tecnologias em sala de aula e da mídia digital nos processos educacionais. Dessa forma, tendo em vista a boa aceitação do público alvo, o interesse dos gestores das escolas participantes em proporcionar essa formação aos seus docentes e a necessidade urgente de introduzir a apropriação de novas metodologias de ensino em todo processo educativo, é que se pretende dar continuidade ao respectivo projeto inovando com ações que tragam o professor para dentro da universidade e também, que leve o conhecimento produzido nela, para a realidade das instituições escolares. Um trabalho de troca e parceria, uma via de mão dupla, com profissionais da educação para que possam contribuir com o processo de ensino e aprendizagem em um novo modelo de sociedade que se constrói. 43 REFERÊNCIAS KENSKI, V. M. Novas Tecnologias: o redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no trabalho docente. In: Revista Brasileira de Educação, n. 8, p. 58-71, 1998. MAURI, Teresa; ONRUBIA, Javier. O professor em ambientes virtuais: perfil, condições e competências. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, p. 118-135, 2010. MEIRA, S. L B; ARENA, C; BEZERRA, C. Formação de professores e o uso de novas tecnologias na Sala de Aula: o trabalho do Grupo de Educadores Google de Brasília. Physicae Organum: Revista dos Estudantes de Física da Universidade de Brasília, v. 2, n. 1, 2016. MUNICIO, J.I. ; POZO. Humana mente: El mundo, La conciencia y La carne. Madrid: Mor, ata, 2003. POZO, J. I. O processamento de informação como programa de pesquisa. In: MOREIRA, M. A. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998 sumár i o PRENSKY, M. Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. On the Horizon, NCB University Press, v.9, n. 5, out., 2001. OLIVEIRA, Maria da Conceição Santos; DOS SANTOS, Gilmária Oliveira. O uso das tecnologias no espaço escolar: transformação das TICs em recursos educativos. O coordenador pedagógico em uma Educação a Distância sem distância, 2018. SOUZA, C H. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias. Rio de Janeiro. Ed. FAFIC, 2003. SOUZA, C.H. A Informática na Educação – Um caso de Emergência. Rio de Janeiro. Ed. DAMADÁ, 1999. SOUZA, C.H. A mídia digital e processos educacionais. Anais do Congresso Internacional -Pedagogia 2003. CUBA, 2003. 44 Capítulo 3 3 UNILAB É UMA UNIVERSIDADE BRASILEIRA? EXPERIÊNCIAS DE ENSINO EM CONTEXTO DE INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL Alexandre António Timbane Alexandre António Timbane UNILABéuma universidade brasileira? Experiências deensino emcontexto deintegração internacional DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.45-62 INTRODUÇÃO A Universidade de Integração Internacional da Lusofonia AfroBrasileira (doravante Unilab) foi criada pela Lei Federal nº 12.289/2010, de 20 de julho (BRASIL, 2010) homologada pelo Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É uma universidade nova que coloca no mesmo espaço estudantes brasileiros, africanos e timorenses visando a troca de conhecimentos e experiências de cunho cultural e científico. É uma universidade federal que foi num primeiro momento instalada no Estado de Ceará (Redenção e Acarapé) em 2011 e só mais tarde é que a Unilab foi expandida para a Bahia, no Campus dos Malês, na Cidade de São Francisco do Conde (DIÓGENES & AGUIAR, 2013). sumár i o A Unilab desenvolve atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. A universidade resulta de parcerias entre o Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e a República Democrática de Timor Leste com intuito de estabelecer intercâmbio acadêmico e solidário, “contribuindo para que o conhecimento produzido no contexto da integração acadêmica seja capaz de se transformar em políticas públicas de superação das desigualdades” (UNILAB, 2010). Segundo a Lei Federal nº 12.289/2010, a Unilab visa promover, por meio de ensino, pesquisa e extensão de alto nível e em diálogo com uma perspectiva intercultural, interdisciplinar e crítica, a formação técnica, científica e cultural de cidadãos aptos a contribuir para a integração entre Brasil e membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e outros países africanos visando ao desenvolvimento econômico e social (BRASIL, 2010). A Unilab recebe anualmente mais de duas centenas de estudantes estrangeiros que buscam na instituição e nos brasileiros conhecimentos que poderão transformar e contribuir para o desenvolvimento dos seus respectivos países. Por outro lado, os estudantes brasileiros se 46 redescobrem dentro da cultura dos estudantes brasileiros, firmando a irmandade e o espírito de paz sem preconceito entre povos e culturas. É uma experiência única no Brasil (quiça no mundo) em que alunos africanos, timorenses e brasileiros compartilham o saber científico, trocando experiências culturais cotidianamente. Para além de cursos presenciais da graduação e pós-graduação, a Unilab possui cursos à distância Lato e Stricto Sensu. Para além de docentes brasileiros, a Unilab tem docentes provenientes de diferentes países da Europa, da África e da América do Sul. A Unilab possui um quadro docente qualificado com experiência no ensino nacional e internacionalmente. O presente relato de experiência docente visa apresentar práticas de ensino em contexto de turmas internacionais olhando para a metodologia e os conteúdos a ensinar. Especificamente, o texto visa analisar a situação de ensino em contexto da Unilab; debater as metodologias de ensino nesse contexto; contribuir para a melhoria da qualidade e na preparação dos professores para o ensino nesse contexto. sumár i o Na primeira seção questionei a complexidade de ensinar num contexto multicultural1 como é o caso da Unilab, refletindo sobre quais os possíveis caminhos para um ensino na integração internacional. Na segunda, abordei a formação do professor de ensino superior no Brasil e as metodologias de ensino que em muitos momentos não estão preparadas para lidar com uma realidade semelhante com a da Unilab. Na terceira e última seção, debati a problemática da língua portuguesa e das questões da ortografia que constituem grandes impasses na produção do texto acadêmico e na comunicação oral. Apontei caminhos metodológicos possíveis para um ensino inovador. 1 É uma palavra formada por junção de “multi” que significa ‘várias’ e “cultura” que significa ‘hábitos, costumes’. Quando se fala de multiculturalismo na educação “surge como um conceito que permite questionar no interior do currículo escolar e das práticas pedagógicas desenvolvidas, a “superioridade” dos saberes gerais e universais sobre os saberes particulares e locais.” (PANSINI; NENEVÉ, 2008, p.32). 47 Utilizarei o termo ‘turma internacional’ para me referir à turma composta por alunos de diferentes nacionalidades, heterogêneos socioculturalmente que por circunstâncias acadêmicas se encontram no mesmo espaço de aprendizagem. Na Unilab, essas turmas são normais em que brasileiros, angolanos, são tomenses, moçambicanos, guineenses, cabo verdianos e timorenses. São turmas interessantes porque para além de exigir uma metodologia diferenciada há riqueza de exemplos para os diferentes temas trazidos/sugeridos pelos professores. ENSINAR BRASILEIROS, AFRICANOS E TIMORENSES NA MESMA TURMA? QUE METODOLOGIA? sumár i o Tal como falei na introdução, numa turma da Unilab é possível encontrar alunos de pelo menos três ou mais nacionalidades. Cada nacionalidade teve um ensino médio próprio, situação que torna esses estudantes como especiais em contexto brasileiro a depender da formação ou da nacionalidade do professor. É sabido que Leis Diretrizes e Bases (LDB) do Brasil, dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e de Timor Leste não são iguais. Cada país tem seus anseios com relação ao sistema educativo. Para além disso, o português é para a maioria dos alunos africanos e timorenses, a segunda ou terceira língua. No espaço lusófono circulam mais de 40 línguas não europeias por isso, as turmas são heterogêneas em termos de conhecimentos científicos básicos (fundamental e médio) daí que exigem do professor uma atenção redobrada, tanto na quantidade quanto na qualidade dos textos sugeridos. Ensinar sempre foi uma tarefa complexa em todas as sociedades a depender da cultura e dos interesses do povo. Numa 48 turma composta por alunos da mesma nacionalidade e mesmas experiências socioculturais, haverá obviamente uma metodologia específica para atender essa realidade, da mesma forma que numa turma com várias nacionalidades a realidade metodológica será diferente. Por essa razão, é necessário debater qual metodologia a usar para cada uma das situações de ensino-aprendizagem tendo em conta as especificidades. sumár i o Os estudantes vindos de África e Timor Leste têm experiências socioculturais diferentes e por sua vez, ambos têm experiências diferentes com brasileiros. Isso torna a Unilab um espaço rico em cultura, em experiências, o que é positivo. A diversidade cultural faz com que o espírito de tolerância tenha espaço para além da riqueza linguística que se observa em cursos de extensão. As variedades do português estão presentes em sala de aula, o léxico de cada nacionalidade se manifesta em textos, na fala o que exige do professor uma tolerância linguística, quer dizem, valorizar a variedade do estudante sem julgála como feia, pobre, mas sim tratá-la como diferente, tal como a Sociolinguística sugere. Por outro lado, o estudante poucas vezes negocia sobre quais conteúdos a aprender. O aluno se matricula enquanto o Projeto Pedagógico do Curso já está pronto e cabe ao aluno cumprir na integra as orientações dadas. Significa que crescemos todos num ambiente em que a escola tem todo o poder de ditar as regras do jogo (regulamentos) desde o que o aluno deve vestir até a forma como o aluno devem se comportar na sala e no recinto escolar. A escola dita qual linguagem o aluno deve usar quando fala com o professor (TIMBANE; FERREIRA, 2019, p.206). Muitos alunos africanos chegam na Unilab com um conjunto de preceitos que são desmontados gradualmente. Esse desmonte surge porque os alunos querem se integrar na cultura brasileira mesmo 49 sabendo que a sua estadia é temporária. O primeiro é o sotaque do português brasileiro, segundo a forma de se vestir à moda brasileira e terceiro, hábitos e costumes. Não vou entrar em detalhes para não fugir do principal, mas os alunos africanos e timorenses precisarão se readaptar às realidades locais quando voltar às origens. Ensinar numa turma internacional precisa da coragem do professor para atender não apenas características comportamentais diferentes, mas também o tipo de linguagem a usar porque nem sempre as palavras da língua portuguesa têm o mesmo sentido semântico em toda lusofonia. Por exemplo, em contexto africano, o professor tem recebido um respeito perante os alunos e a sociedade. Por isso, a sua postura deve ser exemplar do modo como se deve comportar perante a sociedade. sumár i o Dessa forma, é importante diversificar as atividades em sala de aula para atingir os diversos estilos de aprendizagem dos alunos. Os alunos não aprendem da mesma forma. E a escrita não pode ser a única forma de avaliar os alunos. A oralidade deve servir de instrumento de avaliação de conhecimentos. Entendo que há alunos que não dominam a produção escrita, mas conseguem explicar tudo na oralidade. Membros de povos de tradição oral, normalmente produzem discursos orais mais elaborados do que os que dominam a escrita. Oferecer a opção de avaliar oralmente seria interessante para valorizar aqueles que não têm o domínio da escrita. Que fique claro que a escrita é uma Lei, é artificial e segue normas previstas pelo Acordo Ortográfico, diferentemente da fala que procura ser autentica. A escrita camufla erros, hesitações e outras marcas que caracterizam o ser humano. Por isso, quem fala pode carregar mais autenticidade e sinceridade do que quem escreve. Numa turma internacional é necessário que a postura do professor seja de facilitador, de intermediário, de incentivador, de motivador da aprendizagem (MAZETTO, 2010), de psicólogo, de conselheiro em 50 muitos momentos. A realidade da Unilab é assim. Os professores sentem essa pressão cotidianamente. Numa universidade de interior, como é o caso da Unilab, muitos alunos chegam à sala de aula com problemas pessoais e coletivos, com fraqueza no conhecimento acadêmico porque estudaram em condições precárias e com uma formação deficiente tanto do ensino médio como o fundamental. Muitos erros na escrita, no uso do português refletem essa realidade e o professor universitário tem que procurar ajudar, orientar, acompanhar para que não terminem o ensino superior com os mesmos problemas. sumár i o Muitos alunos ficam felizes quando o professor explica aquela dúvida do ensino médio. Ficam maravilhados quando ultrapassam aquela dificuldade que vem persistindo desde o ensino médio. A minha tarefa como professor é de explicar, orientar leituras que possam melhorar esse estudante até ao fim do curso. Cada docente tem a espinha tarefa de completar o que não ficou claro no ensino médio ou fundamental. A missão do professor numa turma internacional não é de concluir os conteúdos programados no PPC, mas sim é de fazer com que os alunos tenham compreendido os conteúdos e ser capazes de construir as suas próprias opiniões sobre o que foi aprendido. Tenho dito que o aluno não deve ser um simples consumista, mas sim critico daquilo que lê ou ouve. Numa turma internacional é frequente observar problemas do domínio da gramática, da ortografia e da produção textual. Um bom professor jamais remeterá seus alunos à gramática ou ao dicionário antes mesmo de explicar. Já que as provas são por escrito, na maioria dos casos, seria interessante que cada professor desse a sua contribuição para que os alunos melhorem as lacunas do ensino médio e fundamental. 51 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E AS METODOLOGIAS DE ENSINO sumár i o Os cursos de pós-graduação no Brasil formam professores que alimentam o ensino superior (Lei nº 12.863/2013 de 24 de setembro). A maioria esmagadora desses cursos de pós-graduação não possui na sua grade a disciplina de Metodologia de ensino superior. Muitos doutores/engenheiros saem da pós-graduação (Mestrado e doutorado) e entram em sala de aula sem sequer saber elaborar um plano de aula e nem conhecer quais os passos da estruturação de uma aula. Eles têm conhecimento científico, mas não estão preparados psico-pedagogicamente, isto é, nas suas formações não foram preparados para ensinar. Muitos Programas de Pós-Graduação formam pesquisadores, cientistas e não professores. Isso é uma verdade. Ensinar é uma arte. A ‘Metodologia de ensino’ não se advinha. É preciso aprender, quer dizer, a disciplina ‘Metodologia de ensino’ deveria aparecer na grade dos Programas de Pós-Graduação. Uma vez que não aparece temos a certeza de que os egressos da pósgraduação caminham às escuras numa primeira fase e só depois é que se adaptam nas técnicas de ensino-aprendizagem. Não é por acaso que a Unilab, por meio da Coordenação de Projetos e Acompanhamento Curricular, vinculada a Pró-reitoria de Graduação promove anualmente um Curso de Formação Básica no Magistério Superior. O ensino superior tem especificidades que devem ser observados e que quando não são respeitados tornam o ensino superior mais complexo. Não basta ter conhecimentos científicos sem saber como ensinar porque aprender é diferente de ensinar. Seria por falta desse leque de conhecimentos que muitos docentes passam o semestre todo fazendo seminários apenas. Às 52 vezes, mesmo depois das apresentações não há consolidação por parte do professor. Talvez seja por essa lacuna que alguns professores não aceitam dúvidas dos alunos e logo recomendam visita à biblioteca. Falando sobre “docência no ensino superior voltada para a aprendizagem faz a diferença”, Masetto (2010,) mostra como um professor despreparado pode criar problemas sem querer ou ainda pode avaliar erradamente por falta de conhecimentos psicopedagógicos. Candidatos ao magistério superior são verdadeiros testemunhos do sofrimento que passam na prova didática porque é por ela que o candidato precisa mostrar o conhecimento não apenas científico, mas também psicopedagógico. Por essa razão, “a formação docente é um processo importante para a construção do ser professor, na medida em que possibilita o desenvolvimento profissional e pessoal” (RODRIGUES; MOURA, 2019, p.10). sumár i o É importante ressaltar que o professor constrói e reconstrói suas trajetórias a partir de suas narrativas e expe­riências, atribuindo, constantemente, novos significados e sentidos a seu labor (BENEVIDES; PINHEIRO, 2018). Numa turma internacional, como é a Unilab, a situação se torna mais complexa porque não adianta imaginar, adivinhar metodologias. É preciso aprender como ensinar em contexto multilíngue, em contexto multicultural. Desta forma, a valorização da experiência do estudante é importante. Não se pode impor ao estudante, mas sim negociar. Um docente em contexto internacional precisa observar e aprender do seu aluno. Alguns comportamentos em sala de aula não são indisciplina nem falta de motivação. Apenas podem ser comportamentos ligados à cultura de onde o estudante é proveniente. As primeiras semanas de aulas numa turma internacional são para pesquisar, para descobrir o que motiva os estudantes, descobrir a forma como eles gostam de aprender, da forma como eles gostam de ser abordados e ainda, a forma como eles interagem entre si e com o diferente. 53 Os erros de português2 que os alunos africanos comentem não ocorrem por acaso. Aliás, nem são erros. Trata-se de uma variedade do português que precisa ser respeitado. Timbane e Quiraque (2019) ilustram essa questão que é primordial numa turma internacional, como é o caso da Unilab. Ninguém fala mal português, mas sim diferente e nas correções das provas é necessário que o professor valorize a variedade do português do aluno para evitar situações de preconceito e discriminação linguística. O que não está coeso para você, pode estar coerente na variedade do aluno. O uso do léxico do português africano ou timorense deve ser tolerado até porque esse aluno será professor em seu país. O esquema de Magalhães (2019) ilustra esse debate que estamos levantando nesta parte: sumár i o Fonte: Magalhães (2019, p.77). Não se pode falar de educação sem incluir a cultura do estudante porque ele não está desligado da sociedade. É membro da sociedade, faz parte e vive nela. Numa turma internacional, é necessário valorizar a cultura do aluno sem criar nenhum juízo de valor. Não existe uma cultura atrasada nem pobre. Toda a cultura é importante e atual para os seus praticantes, por isso evite trazer juízo de valor ou fazer comparações infelizes diante dos alunos. Essa atitude consolida um clima positivo e harmonioso em sala de aula. Numa turma internacional, é necessário ligara teoria da prática porque muitos alunos preferem a pratica a teoria. Não optam por 54 acaso. É que nas tradições africanas, a aprendizagem cotidiana não está distante da prática. O esquema de Magalhães (2019) procura ilustrar isso. É interessante que o professor faça uma crítica sobre as políticas públicas, mas não para apontar aspectos positivos/negativos para incentivar o espírito crítico nos alunos da turma internacional. Segundo Rodrigues e Moura (2019, p.100), a formação necessita indubitavelmente estar ancorada na reflexibilidade, na colegialidade e cientes de que somos sujeitos produtos e produtores de conhecimentos. Que devemos romper com a dicotomia teoria/prática, ultrapassar os muros invisíveis, proporcionando ao professorado e alunado experiências que permitam se perceber enquanto construtores da sociedade, capazes de intervir de forma expressiva nos percursos ditados socialmente. sumár i o Os alunos das turmas internacionais têm uma história, uma identidade e uma cultura individual que precisa ser respeitada pelo professor. Ouvir as dificuldades no decorrer da aula é importante para que não haja quem fique atrás. O professor deve perguntar se todo mundo está entendendo, se todos estão acompanhando a explicação e se precisam de repetição. Outra forma de verificar a aprendizagem é a avaliação feita por meio de perguntas ou exercício ou atividades. Eu tenho o cuidado de verificar a quantidade e a extensão dos textos que ofereço para a leitura. Um texto que é de fácil leitura para os alunos brasileiros pode ser de difícil leitura e compreensão para os estudantes africanos. Então, é necessário que o professor seja vigilante com relação as leituras prévias. É possível questionar quantas horas levaram para ler o texto e quantas vezes leram? Esse tipo de controle é importante para reduzir ou aumentar gradualmente a quantidade e a extensão dos textos oferecidos aos alunos. A formação (do ensino fundamental e médio) dos alunos de uma turma internacional não é homogênea e isso faz diferença numa turma internacional. Marques e Ramos (2019) defendem uma 55 prática educativa libertadora intercultural que valoriza a arte, a cultura popular, as brincadeiras e outras manifestações culturais ligando-as com os conteúdos. Isso exige que o professor se recrie e seja criativo para que possa adaptar novas formas de ensinar tendo em conta a realidade da turma. A formação do professor e a criatividade são importantes para lidar com uma turma internacional. É necessário que o professor estude um pouco da realidade do aluno. Ao conhecer essa realidade, poderá guiá-lo para transformar teorias baseadas em contexto brasileiro para adaptá-las a prática do contexto africano ou timorense. Esse exercício deve ser constante, porque a prática desses alunos se realizará em outro país, em outro continente. É importante que os alunos reflitam sobre as teorias tendo em conta as realidades africanas e timorenses, pois se assim procederem poderão se libertar do eurocentrismo. sumár i o Terminamos esta parte chamando atenção aos cursos de pósgraduação no Brasil para que seja inserida dentro dos cursos uma disciplina opcional sobre a ‘Metodologia de Ensino’ daquele curso que poderá ser frequentada por mestrandos e doutorandos que desejam ser professores no futuro. Sabemos que nem todos os pósgraduandos se tornam professores, mas a grande maioria será/foi e é professor universitário. A PROBLEMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA E DA ESCRITA: CONSIDERAÇÕES FINAIS Os alunos que compõem a Unilab provem de diversas realidades socioculturais e sobretudo, sociolinguísticas. Segundo Timbane e Quiraque (2019) na lusofonia não se fala português da mesma forma. Há variantes, variedades e dialetos que tornam a língua portuguesa 56 mais diversificada. Essa variação do português deve ser reconhecida em sala de aula fazendo com que o preconceito linguístico não iniba o desenvolvimento na educação. A educação colonial trouxe consequências drásticas para a cultura africana porque as práticas educacionais tradicionais foram imediatamente desvalorizadas, incluindo as línguas e substituídas pela educação moderna de modelo europeu. Em mais de 40 anos de independência, África e os africanos ainda precisam alcançar outras independências que realmente são importantes para África. A independência na educação é a que deveria ser a mais prioritária, pois é com ela que se garante um futuro mais próspero (TIMBANE, 2019). O professor da Unilab deve potencializar isso criando oportunidades para que os egressos sejam independentes cientificamente em seus países de origem. sumár i o Para os alunos guineenses, o crioulo é a língua do pensamento, da reflexão e da construção de ideias. Em muitos momentos, alunos que têm o crioulo como língua materna, primeiro pensam em crioulo e depois traduzem para português. Nesse processo surgem interferências de L1 (crioulo/o guineense) na L2 (português) fazendo com que as frases de L2 sejam erradas. Não é um erro proposital, mas sim, das interferências da(s) língua(s) aprendidas anteriormente. O multilinguismo nos povos africanos e timorenses é normal. O anormal é encontrar alguém que fale apenas uma língua. Na CPLP, todas as crianças chegam à escola sem conhecer a “norma-padrão” e cabe a escola ensinar essa gramática aceite. Mas essa gramática não pode ser ensinada com intuito de desvalorizar as “normas populares”. Isso significa que “A escola deve mostrar as outras variedades formais que ajudarão o aluno na superação das dificuldades no processo de aprendizagem formal durante a formação acadêmica” (TIMBANE; QUIRAQUE, 2019, p. 242). Ao invés de castigar 57 verbalmente o aluno que fala uma variedade diferente, a escola deve mostrar as possibilidades que a língua tem. A escrita não deve servir de instrumento de repressão do professor. Sabe-se que vivemos num mundo em que a escrita tem o seu valor. Mas esse não pode ser argumento de excluir estudantes que não tenham domínio pleno da escrita, de humilhá-los, porque ela não é o único instrumento de comunicação. Para além da escrita, as pessoas podem se comunicar oralmente ou por sinais. Precisamos nos libertar da ideia de que a escrita é a única forma de expressar a ciência. Cuidado: o que é considerado conhecimento popular pode ser científico sim, desde que se saiba como enquadrar ou defender a ideia. Uma tese não se torna tese porque foi escrita no papel. Se desejarmos, podemos valorizar apenas a apresentação oral como tese desde que sejam respeitados os parâmetros por nós estabelecidos. Tudo depende da forma como enxergamos o mundo e os fenômenos. Segundo Machado e Lopes (2019, p.50), sumár i o na avaliação de 2018, o INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), que quantifica as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre 15 e 64 anos, apontou que somente 25% da população brasileira apresenta um nível intermediário de alfabetismo, isto é, consegue interpretar textos, estabelecendo relações entre suas partes, realizar sínteses e inferências. Esse estudo mostra como os parâmetros da escrita e leitura são mais valorizados, mas na verdade nenhuma pessoa adulta está desprovida de conhecimento. Nas tradições africanas, existe uma educação permanente. Não tem canudo, não tem certificado e nem diploma escrito em papel. Mas a sociedade e os anciões atribuem oralmente e reconhecem/respeitam aquele individuo como qualificado e com autoridade. A existência de um papel para afirmar que é doutor é realmente uma ideia da cultura europeia porque as tradições as 58 culturas africanas ensinam, graduam e atribuem qualificações aos membros da sociedade sem nenhum papel na mão. Dessa forma, seria interessante valorizar os conhecimentos prévios dos alunos e iniciar a partir delas para o conhecimento que se pretende discutir em sala de aula. Uma educação pensada na perspectiva decolonial3 deve diversificar as atividades na sala para atingir diversos estilos de aprendizagem, tendo em conta as características linguísticas e socioculturais dos alunos. Nem todo mundo aprende da mesma forma. Há quem aprende mais pela oralidade do que pela escrita. Por isso, algumas provas poderiam ser feitas oralmente para que, quem não domina a escrita, tenha a oportunidade de demonstrar o seu potencial ou grau de compreensão por meio da prova oral. sumár i o O português é obstáculo para o progresso da educação nos PALOP, Timor Leste e no Brasil, mesmo depois de 12 anos de escolaridade em que a disciplina de língua portuguesa é obrigatória, os alunos ainda enfrentam dificuldades no uso. O que estaria falhando, porque para o brasileiro, apesar de falar português como L1 ainda comete erros gramaticais? É porque a língua, especificamente a norma, de casa é diferente da norma da escola (TIMBANE; QUIRAQUE, 2019). O português da escola é artificial e não corresponde a língua materna de ninguém. Por isso ninguém consegue saber tudo o que está naquele livro grande chamado de Gramática. Como professor da Unilab, estou nesse dilema de questionamentos: quem é o aluno que escreveu? Por qual razão 3 Uma educação na perspectiva decolonial é aquela que abandona a ideologia colonial de ensino, adotando uma educação que valoriza a realidade e os contextos socioculturais do espaço em que o estudante está inserido. Segundo Oliveira e Candau, “decolonialidade é visibilizar as lutas contra a colonialidade a partir das pessoas, das suas práticas sociais, epistêmicas e políticas. A decolonialidade representa uma estratégia que vai além da transformação da descolonização, ou seja, supõe também construção e criação. Sua meta é a reconstrução radical do ser, do poder e do saber.”(OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p.24). 59 escreveu assim? Como devo avaliá-lo sem prejudicá-lo nem puni-lo? É que não posso tratar os alunos da mesma forma porque cada um vem de experiências distintas e jamais devo tentar uniformizar o pensamento e a variedade a usar. Não existe acordo da fala. Mas o ortográfico existe. Esse sim deve ser respeitado como Lei. Cada palavra se escreve de uma forma num Acordo. A palavra “casa” escreve-se com C-A-S-A. Não existe uma outra forma de escrever essa palavra. sumár i o Terminamos este relato, chamando atenção para a necessidade da formação docente. A sala de aula não é um espaço fácil. Ensinar exige doação, esforço, tempo de preparação das aulas e busca de materiais que auxiliam a compreensão dos conteúdos. O professor está sempre estudando para atender as realidades atuais da ciência. A turma internacional é complexa porque carrega identidades internacionais que em muitos momentos exigem atenção do professor. O ensino médio no Brasil não apresenta os mesmos conteúdos do ensino médio de Angola. Os professores angolanos do ensino médio não têm a mesma preparação psicopedagógica como os do Brasil. Os contextos socioculturais de Moçambique são diferentes de São Tomé e Príncipe. Como se pode ver, a sala de aula é multidimensional e precisa da atenção do professor para que haja sucesso. Os professores da Unilab têm feito esforços para lidar com estas realidades. Muitos alunos africanos tratam os professores como pais. Mas não tomam essa decisão por acaso. É reflexo da cultura de onde provem e da interação. Os resultados são visíveis: a cada semestre vários alunos concluem, graduam e voltam para os seus países de origem. Vale apenas trabalhar na Unilab. REFERÊNCIAS 60 BENEVIDES, Mario Henrique Castro; PINHEIRO, Carlos Henrique Lopes. Narrativas e trajetórias: abordagens metodológicas a partir da UNILAB. Caderno CRH, Salvador, v.31, n.82, p.169-186, jan./abr.2018. BRASIL. Lei Federal nº 12.863/2013 de 24 de setembro. Dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal e dá outras providências. BRASIL. Lei Federal nº 12.289/2010, de 20 de julho. Dispõe sobre a criação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-BrasileiraUNILAB e dá outras providências. DIÓGENES, Camila Gomes; AGUIAR, José Reginaldo. 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Não trago informações sobre experiências exitosas, embora como muitos outros professores e professoras, as tenha “escritas” em minha longa jornada profissional. Quero dividir a minha experiência e propor uma reflexão sobre alguns cursos de formação continuada oferecidos aos professores e professoras da Educação Básica, mas especificamente das séries iniciais do Ensino Fundamental, visando promover a alfabetização dos estudantes matriculados neste ciclo. sumár i o Não é raro, nos estudos que realizamos (por conta própria) encontrarmos autores/autoras que citam a quantidade reduzida de alunos/alunas na sala de aula como fator essencial para um bom desenvolvimento e consequente aprendizagem. “É impossível desenvolver um trabalho adequado com uma classe que tem um número exagerado de alunos.” (CAGLIARI, 1998, p. 112). “Para tanto cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos, sem o que a relação interpessoal, essência da atividade educativa, ficaria dificultada; [...]” (SAVIANI, 2003, p. 9). Dois estudiosos de áreas distintas da educação e o mesmo chamamento: número excessivo de estudantes prejudica definitivamente a realização de um bom trabalho em sala de aula, isso é fato. O problema é que boa parte dos cursos de formação destinados a profissionais desse segmento da educação desconsideram solenemente essas “recomendações” e a realidade vivida pela maioria dos professores e professoras do ensino público. Seguem demonstrando como é fácil alfabetizar, evidenciando isso por meio da exibição de vídeos em que um professor ou professora realiza um 64 trabalho maravilhoso, minucioso, demonstrando sua prática com uma turma reduzida de aprendizes, num espaço amplo, numa sala arejada, bastante iluminada, com móveis novos, paredes ilustradas, alunos e alunas impecavelmente fardados(as) e incrivelmente comportados(as). Ou ainda, com um único estudante, para que nós repliquemos as maravilhosas técnicas demonstradas, só que no nosso caso, em condições totalmente contrárias ao que foi demonstrado: salas lotadas, escuras, quentes, quase sem espaço entre as carteiras e, devido a essas condições, com alunos e alunas totalmente inquietos(as), apelando para o nosso amor pela profissão e a nossa capacidade de adaptação como excelentes profissionais que somos. sumár i o Geralmente os ministrantes desses cursos iniciam sua fala com a frase “Eu AAAmo sala de aula” (com bastante ênfase no Amo). E assim o nosso “amor ao próximo” é evocado durante todo o tempo, na expectativa de criar um ambiente onde o profissional da educação se veja impossibilitado de discordar, dizer não, apontar falhas. De convencer o professor e a professora de que está tudo muito bem e o que for demonstrado no curso e não estiver de acordo com a nossa realidade escolar o nosso “amor” pela profissão superará. Quando questionamos sobre o que é demonstrado nesses cursos e sobre não ser essa a nossa realidade, na maioria das vezes, somos rechaçados. Acusam-nos de não querer “trabalhar duro”, de só olhar o lado negativo das situações e nos expõem ao famoso jargão educacional: “Educação não se faz sem amor!” Alguns de nós, professores e professoras, convencemo-nos de que a razão deve estar mesmo com o ministrante. Por vezes nos calamos sentindonos realmente culpados ou culpadas e outras vezes nos atrevemos a pensar: “Queria observar esse ministrante/essa ministrante em minha sala de aula!” Sentimos vontade de gritar ao mundo que nós sabemos ser professores, sabemos ser professoras! E que, aquilo demonstrado não cabe a nossa sala de aula porque nós, melhor que ninguém, 65 conhecemos nosso público. Mas, seguimos frequentando o curso porque, ao contrário do rótulo que nos é dado, ansiamos aprender mais para melhor auxiliar nossos alunos e alunas. sumár i o O ministrante do “pacote pronto de alfabetização” segue seu passo a passo do curso passando uma tarefa para o professorcursista aplicar na sua aula. Pouco importa a ele(a) a quantidade de estudantes, a falta de recursos, pois, “o professor, a professora de qualidade precisa saber adaptar...e por amor dará sempre um jeitinho.” Nós, professores e professoras saímos de lá cientes que aquela atividade não cabe à nossa sala de aula pois conhecemos nossa turma. Nós, professores e professoras “chão de sala” sabemos bem o que precisamos fazer para nossos alunos/alunas aprenderem, mas por tantos momentos ouvimos que não, que as vezes nos deixamos entrar no jogo do “faz de conta” e tentamos avidamente dar vida ao que nos foi “ensinado” no curso, porém, sem sucesso em boa parte do tempo, isso porque, um jogo educativo para aplicar a quatro alunos enquanto os outros 25, 28 (ou mais) de acordo com a orientação do ministrante do curso, podem brincar sem supervisão aguardando pacientemente sua vez em outro canto da sala, não pode mesmo dar certo. Feito isso, voltamos ao curso cheios de indagações e novamente o vídeo do “sucesso” da prática nos é demonstrado (alunos/alunas extremamente comportados, excepcionalmente atenciosos, em uma sala de aula com número reduzido de estudantes) e assim é finalizado com louvor o curso, segundo seus organizadores, mas não segundo nós, professores e professoras, que seguimos com nossas angústias e incertezas enquanto o nosso aluno/aluna continua lá, com todas as suas dificuldades e nós, com todas as nossas dúvidas sendo imperiosamente caladas e tentando buscar sozinhos/sozinhas material de estudo realmente relevantes, no curto espaço de tempo em que a nossa carga horária nos permite, a fim de oferecer o melhor que conseguimos para aqueles pequenos aos quais, de fato, amamos. 66 O que trago aqui é uma verdade silenciada a todo o tempo: Professor/Professora não precisa ter amor necessariamente, precisa sim ter competência, capacidade profissional. Não devemos sentirnos envergonhados ou envergonhadas. Afinal ser professor ou professora não nos furta as características inerentes aos seres humanos e a mais natural delas é: nos apegamos a pessoas a partir de certas características e dos sentimentos que essas características despertam em nós! Nós professores/professoras só não estamos autorizados e autorizadas a deixar o nosso sentimento pessoal interferir na qualidade do serviço que prestamos a todos os nossos alunos e alunas, pois todos têm igualmente direito a aprendizagem. Dito isto, partimos para dois pontos essenciais: O direito a aprendizagem e a vontade de aprender. O DIREITO A APRENDIZAGEM sumár i o Os alunos têm direito a aprendizagem, de serem respeitados em suas individualidades, de que nós professores e professoras estejamos cientes da variedade dialetal de cada um deles para podermos, por exemplo, analisar adequadamente a sua produção escrita e efetivamente ajudá-los a resolverem suas dúvidas ortográficas ou estabelecermos uma comunicação eficaz e fazer com que se sintam acolhidos e respeitados em suas diferenças. Como conhecer o dialeto e estabelecer uma comunicação apurada com cada indivíduo em uma sala com uma quantidade excessiva de estudantes? Abrimos aqui um pequeno parêntese para discutir sobre as questões legais que regem a quantidade de alunos na sala de aula. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (1996) em seu artigo 25, o número de estudantes deve ser estipulado pela respectiva esfera responsável pela manutenção da oferta, conforme podemos observar abaixo: 67 “Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento. Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo.” (BRASIL, 1996). O que acontece na maioria das vezes, porém, é que, mesmo que seja atingida a quantidade máxima de alunos/alunas por sala, as matriculas não param. O amor pela profissão é evocado na esperança de levar o professor/professora a aceitar, sem questionar, o amontoado de estudantes em sala de aula. Um leitor desavisado poderia acreditar que este é o posicionamento correto. Seria, se desconsiderássemos que aqui não se trata da escolha do professor/professora, mas do direito de aprender do aluno. Alocá-lo em uma sala superlotada constitui furto a esse direito, garantido constitucionalmente: sumár i o “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1988). Garantir apenas a matrícula não é o que reza a Constituição, é necessário o pleno desenvolvimento e este desenvolvimento pleno restará consideravelmente prejudicado caso o professor/professora não consiga direcionar ao seu aluno/aluna um olhar individualizado, o que é dificultado sobremaneira pela superlotação. Portanto, é fato incontestável que todos os alunos devem ter a sua matrícula nas instituições de ensino garantida, assim como também o é, que lhes seja garantido o direito a aprendizagem e isso não tem correlação apenas com questões emocionais, mas com questões legais. Ampliar a oferta de ensino, entenda-se, estender a capacidade de matrícula por estabelecimento em condições dignas, não é atribuição do docente e 68 muito menos do seu “amor pela profissão”, mas o engajamento na luta para garantir que estas condições sejam efetivamente atendidas, sim. Ademais, como afirma Cagliari (2003): “Se nossa sociedade estivesse de fato interessada em melhorar a vida de seus membros, nossa escola seria muito diferente.” (CAGLIARI, 2003, p.11). sumár i o Voltando a nossa discussão inicial, Luiz Carlos Cagliari, escritor de obras conceituadas na área da Alfabetização, em seu livro Alfabetização e Linguística (2003) traz informações sobre como o professor/professora pode classificar o que ele chama de “erros ortográficos” [aspas do autor] para poder examinar adequadamente a produção textual do aprendiz e ajudá-lo a superar suas dificuldades ortográficas. No capítulo intitulado Análise dos “erros ortográficos” dos textos, entre as classificações do autor temos a Forma Morfológica Diferente, que segundo Cagliari, nada mais é do que a escrita que o aluno/aluna produz baseada na reprodução do seu dialeto, por exemplo, escreve “adepois”(CAGLIARI, 2003) porque é assim que pronuncia a palavra. Camacho (2012) explica que “O ensino da norma padrão não necessita ser substitutivo e, por isso, não implica a erradicação das variedades populares” (CAMACHO, 2012, p.80). Se nós professores e professoras não conhecermos de maneira individualizada o nosso aluno/aluna não poderemos identificar essa pronuncia como uma variedade dialetal e identificaremos nessa escrita simplesmente um erro e, a depender da postura que tomarmos, poderemos afastá-lo mais ainda da vontade de aprender, que é nosso segundo tema. A VONTADE DE APRENDER É comum ouvirmos em alguns cursos de formação continuada destinado aos docentes a repetição exaustiva que “o professor deve despertar no aluno a vontade de aprender”. A vontade de aprender 69 precisa existir, é óbvio, pois o indivíduo que não sente vontade de aprender determinada coisa estará definitivamente fechado a aprendizagem desta coisa. Sacristán (2000), discutindo sobre a importância de um currículo adequado, afirma que “Quando os interesses dos alunos não encontram algum reflexo na cultura escolar, se mostram refratários a esta sob múltiplas reações possíveis: recusa, confronto, desmotivação, fuga etc. (SACRISTÁN, 2000, p. 30). Sem querer entrar na discussão sobre a organização curricular, atentemo-nos a expressão: “os interesses dos alunos”. Quais são estes interesses? De fato, nós professores e professoras temos conhecimento destes interesses? (mais uma vez chamo atenção para a quantidade desproporcional na relação aluno/ sala/professor). sumár i o Precisamos entender, para além da romantização do ensino, que na sociedade plural e pluralizada em que vivemos atualmente é possível sim que os interesses de aprendizagem de alguns estudantes não sejam atendidos por determinadas disciplinas e que isso pode não ter relação com a estratégia de ensino que o professor ou professora utiliza. Não cabe a nós professores/professoras a reponsabilidade determinante sobre o que o aluno/aluna terá vontade de aprender. É nossa responsabilidade realizar um trabalho com competência e sensibilidade (sensibilidade esta que será melhorada por uma turma com número razoável de estudantes ); é nossa responsabilidade buscar sempre meios de trabalhar os assuntos da disciplina de maneira dedicada e contextualizada, conforme os recursos que temos ou que nos seja possível conseguir (muitas das vezes adquiridos até mesmo através de recursos próprios). Para além disso precisamos entender que existe sim a chance de que algum ou alguns de nossos alunos/alunos permaneçam sem demonstrar interesse em determinadas aulas e que esse não deverá ser entendido por nós professores e professoras como o nosso 70 pecado mortal. É importante não nos recobrirmos dessa culpa. Precisamos aceitar a realidade de que nosso aluno/aluna é um ser histórico no tempo e no espaço e que dificilmente conseguiremos conhecê-lo ou conhece-la melhor se tivermos que fazê-lo igualmente com 28, 30,35 (ou mais) alunos em um único espaço. Desta maneira poderá ocorrer que a nossa estratégia de ensino seja mudada infinitas vezes e ainda assim não encontremos o ponto que desperte o interesse dos estudantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS sumár i o Boa parte dos referidos cursos aos quais nos professores e professoras somos submetidos apregoam métodos. Métodos estes que se prestam a nos “ensinar” e, geralmente, pretendem ensinar condutas milagrosas. Já passamos por cursos de aceleração de aprendizagem, de regularização de fluxo de aprendizagem, de alfabetização matemática, já fizemos pactos pela alfabetização, todos pela alfabetização. Há aproximadamente dez anos observamos o surgimento de receitas milagrosas para alfabetizar, algumas delas vazias de autoria, que nada ou muito pouco fazem por nós professores que confusos, caminhamos de um lado para outro, buscando aperfeiçoarnos nessas técnicas, dicas, ou seja lá do que chamam esses meios oferecidos, ou desconfiando delas, buscamos nos concentrar no nosso foco principal: nosso aluno/aluna! Ele(a) está bem ali e nós não precisamos de receitas prontas para alcançá-los. Soares (2018) afirma que: “Uma questão que atravessou o século XX e ainda persiste recebendo, ao longo do tempo, sucessivas pretensas soluções”, em um movimento, analisado por Mortatti (2000), de contínua alternância entre “inovadores” e “tradicionais”: um “novo” 71 método é proposto, em seguida é criticado e negado, substituído por um outro “novo” que qualifica o anterior como “tradicional”; este outro “novo” é por sua vez negado e substituído por mais um “novo” que, algumas vezes, é apenas o retorno de um método que se tornara “tradicional” e renasce como “novo”, e assim sucessivamente.” (SOARES, 2018, p. 16-17). sumár i o É claro que devemos procurar nos atualizar enquanto profissionais competentes que somos, mas por outro lado, precisamos acreditar em nossa capacidade profissional e questionar, não sempre, mas sempre que se fizer necessário. Cagliari (1998) afirmou: “Um bom trabalho de alfabetização não pode ser desenvolvido sem as condições materiais adequadas” (CAGLIARI, 1998, p.112). E nós professores sabemos disso. O fato não é que queiramos aqui desmerecer o processo de formação continuada; o que se segue é que nos apropriemos da máxima de que Professor sabe ser professor e se um curso é apresentado considerando-nos tábula rasa e desconsiderando toda a nossa vivência profissional, ou com demonstrações mirabolantes sobre a “mais nova” panaceia educacional, há algo de errado com este curso e não conosco. Ainda de acordo com Cagliari observamos que: “[...] quando se pensa em qualidade de ensino, sempre se apela para a atuação dos professores, para sua incompetência e para a má vontade dos alunos de hoje em dia. Mas como alguém pode desempenhar seu trabalho corretamente sem os recursos mínimos indispensáveis?” (CAGLIARI, 2003, p. 12) Assim podemos afirmar que curso algum surgirá efeito se no momento de colocar em prática a teoria pretendida, professores/ professoras e alunos/alunas não dispuserem dos recursos mínimos para efetivação dessa prática. E quando citamos “recursos” nos referimos a tudo que envolve o amplo processo educativo. Urge ouvir o professor/professora. Para elaborar um curso de formação continuada destinado a docentes é preciso ouvir o professor “chão de sala” e não 72 apenas aquele acadêmico distante e que se distância da sala de aula. Uma bibliografia adequada também se faz necessária. Soares (2018) afirma que se método é caminho então alfabetizar com método é “[...] alfabetizar conhecendo e orientado com segurança o processo de alfabetização, o que se diferencia fundamentalmente de alfabetizar trilhando caminhos predeterminados por convencionais métodos de alfabetização” (SOARES, 2018, p. 352). Desta maneira podemos entender que a instituição de “receitas prontas” no meio educacional, principalmente se elaboradas por agentes externos a prática da docência, poderão não ser tão efetivas o quanto pretendem. sumár i o Para finalizar essa breve discussão, afirmo que a esmagadora maioria dos professores e professoras que conheci ao longo da minha carreira profissional e da minha vida pessoal enquanto discente, quer nas séries iniciais ou nas finais do Ensino Fundamental, foram profissionais comprometidos que se interessavam primordialmente em desenvolver um bom trabalho com os seus alunos e alunas. Não faltam a estes, leituras, estudos, projetos, pesquisas. Não faltam também empecilhos inúmeros promovidos por motivos diversos para os colocar em prática. Mas o que quero deixar claro nessa rápida explanação é que Professor sabe ser professor, e com maestria. No entanto, para o bom desenvolvimento do seu trabalho é preciso sim (e não podemos sentir-nos constrangidos por afirmar isto) que haja condições adequadas, pois, a educação não se faz só com amor. Dênos os recursos, as condições necessárias e vejam o mundo brilhar através dos alunos e alunas. O grande x da questão é saber se o atual sistema de ensino do nosso país realmente espera que nossas crianças da escola pública brilhem. 73 REFERÊNCIAS CAGLIARI. Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Bá-bé-bi-bó-bú. São Paulo: Scipione, 1998. SAVIANI, Derrneval. Escola e democracia. 32. ed.- Campinas, SP: Autores Associados, 1999. SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2016. CAMACHO in BENTES, Ana Christina; MUSSALIM, Fernanda (org). 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Acesso em 02/06/2020. sumár i o 74 Capítulo 5 5 PRINCÍPIOS E ENSINOAPRENDIZAGEM DA TÉCNICA VOCAL ESPANHOLA NO BRASIL Lucila Tragtenberg Lucila Tragtenberg Princípios eensinoaprendizagem datécnicavocal espanhola noBrasil DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.75-89 Neste capítulo, realizaremos reflexões sobre princípios e a nossa docência em Canto, a qual vem sendo realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e com alunos particulares há mais de vinte e cinco anos, utilizando a técnica vocal espanhola aprendida por nós ao longo de vinte e dois anos de estudo com o professor Victor Olivares, no Rio de Janeiro. Abordaremos o período de nosso aprendizado para explicitar melhor aspectos fundantes dessa técnica na experiência de docência e aprendizado da mesma. Aspectos ligados à prática da docência contemporânea do Canto também serão trazidos para contribuir na discussão acerca da metodologia que estamos empregando em nossas aulas de Canto, a qual tem como objetivo oportunizar a interrelação entre aspectos científicos da produção vocal e a terminologia tradicional que se utiliza de imagens. sumár i o As técnicas vocais costumam ser conhecidas e nomeadas segundo as nacionalidades. Assim, há a técnica italiana, francesa, alemã, inglesa, título inclusive de um livro do conhecido pedagogo Richard Miller: National Schools of Singing: English, French, German, and Italian Techniques of Singing Revisited. E existe também a técnica espanhola. Existem preceitos gerais internos que constituem as técnicas de diversas nacionalidades, como modos de respiração, apoio, utilização de vogais. Por exemplo, na técnica vocal alemã a respiração abdominal inferior é incentivada,. jJá na francesa, a respiração deve ser deixada ao natural, sem um trabalho específico para ela. Mas há também algumas variações internas nas mesmas, segundo seus diferentes docentes e regiões em que habitam. Assim, a técnica vocal espanhola que abordaremos neste trabalho é a que foi ministrada pelo Prof. Victor Olivares no Brasil. Ela é originária do Mosteiro de Montsserrat na Espanha, de onde foi para o Chile em 1936, quando um monge fugindo da Revolução Espanhola (1936/1939) saiu do Mosteiro de Montserrat e se mudou para Santiago 76 do Chile. Lá ele ensinou o professor Macaya, que formou Victor Olivares nesta técnica. O Prof. Olivares veio para o Brasil em meados dos anos 60 e se fixou no Rio de Janeiro, onde criou o Studio Musical Tito Olivares, formando vários cantores líricos, populares, atores. Doravante quando citarmos a técnica vocal espanhola ministrada pelo Prof. Olivares no Brasil, escreveremos apenas a técnica espanhola, nos referindo àa do Prof. Olivares e não àa técnica espanhola em geral, devido a possível diversidade da mesma em locais diferentes. Quem se interessar em conhecer os diversos tratados de canto espanhóis, pode recorrer à tese de doutorado de María del Coral Morales Villar: Los Tratados de Canto en España durante el siglo XIX: técnica vocal e interpretación de la música lírica. Nosso foco aqui será a nossa docência e aprendizado da técnica espanhola. sumár i o APRENDIZADO FUNDANTE DA DOCÊNCIA Durante os anos em que estudamos com o Prof. Olivares, fazendo aulas de técnica vocal todos os dias úteis da semana vivenciamos uma metodologia de ensino e no período de nossa docência (concomitante à parte deste tempo de aprendizado), adicionamos recursos que consideramos importante para o aumento da produtividade do trabalho, como a explicitação da imbricação do caminho Zen e a técnica espanhola, tendo sempre como bússola o que foi por nós aprendido nas aulas. A metodologia de ensino que utilizamos em nossa prática docente é, em parte, a mesma que vivenciamos com o professor Victor Olivares, e a abordaremos a seguir. Desse modo, nossas 77 aulas como aluna e como docente foram guiadas por dois fatores fundamentais desta técnica: a. Fluxo contínuo - fluxo contínuo dos vocalises, que se estabelece levando o aluno a ir de um som ao outro, em sequência, no vocalise. As indicações de onde ir colocando o som (mais acima por exemplo) são feitas durante o acorde que é tocado para a mudança de tom. Assim, o fluxo da construção da voz em direção aos agudos não é quebrado, segue então, contínuo. As paradas ocasionais para que se trabalhe a melhoria de determinado som não chegam a interromper o élan do fluxo contínuo na construção da voz, que vai em direção acima. Diferentemente, em aulas que fizemos com a técnica italiana, a professora chegava a ficar quase a aula inteira centralizada na emissão de uma nota. A diferença que queremos apontar é que o aprendizado das notas que o aluno precisa melhorar possui vantagens ao ser feito mantendo o movimento de subida aos tons agudos, ao invés de se paralisar o fluxo em uma nota por muito tempo, perdendo a unidade do fluxo contínuo. Istso porque existe a questão da espontaneidade aí imbricada, que se quebra e se perde ao se paralisar a emissão vocal por muito tempo em um som. Falaremos dela a seguir. b. Espontaneidade - cumpre explicitar o contexto em que é compreendida e utilizada aqui a palavra espontaneidade. O fato de seguir fazendo as notas de um vocalise em sequência, mantém no aluno a espontaneidade que é trazida pela própria técnica. Esta o faz, ao solicitar do aluno de modo contundente, o foco na emissão sonora de uma determinada forma, específica. Assim, o aluno se concentra no que vai fazer e apenas faz, sem indicar o que faz no mesmo momento em que o realiza. Ele, assim, indica e na seqüuência, faz. Ao proceder deste modo, ele faz o som vocal com um lugar reservado à espontaneidade, sumár i o 78 que por sua vez trará leveza a linha vocal, evitará a colocação de energia demais na produção sonora. Este é um dos passos em direção aà aquisição da excelência vocal e pode ser bem compreendido e explicitado no próximo tópico, que trata da imbricação de recursos do Zen e o modo de docência na técnica espanhola, que no caso da concentração específica acima explicitada, no Zen tem a denominação de Mushin. DOCÊNCIA DA TÉCNICA VOCAL ESPANHOLA E IMBRICAÇÕES COM O CAMINHO NO ZEN Os dois fatores básicos da técnica espanhola, que apontamos acima, foram e vem sendo observados por nós ao longo de nossos anos de docência. Eles são fundantes no modo como realizamos nosso trabalho. sumár i o Entretanto, houve por nós a descoberta da imbricação de aspectos desta técnica espanhola com os caminhos no Zen, e isto se deu de forma inusitada. Estávamos ministrando uma aula de voz para o Professor Antonio Guerreiro da UNIRIO/RJ, um grande nome da área de Harmonia Musical no Brasil, infelizmente recentemente falecido. Após realizar alguns vocalises ele nos disse: “mas você está utilizando a prática do arqueiro Zen”, e nos presenteou com o livro A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen de Eugen Herrigel. Lemos o livro e constatamos que o professor Guerreiro tinha razão. Após algum tempo, localizamos também o livro O Arqueiro Zen e a Arte de Viver de Kenneth Kushner. Estse autor é psicólogo e Herrigel era um filósofo. Realizamos sempre com os alunos primeiro a leitura e discussão do livro de Kushner e depois o de Herrigel, uma vez que por ser psicólogo, Kushner explicita de modo mais direto o trabalho que realizou no Kyudô, facilitando o acesso do leitor à compreensão dos princípios 79 e prática Zen e Herrigel, como filósofo, aborda sua vivência do Kyudô com abordagens filosóficas, um modo um pouco mais intrincado de introduzir o leitor aos recursos Zen. Mas os dois livros são igualmente importantes para adentrar o universo das práticas de caminhos Zen. Como prática pedagógica, nós os discutimos sempre com os alunos no início do período de aulas para que obtenham maior clareza sobre o que irão vivenciar na técnica espanhola, e para otimizar o tempo de trabalho pois, conscientes do que estão estudando, podem penetrar mais rápido e facilmente no estudo, acessando inclusive, imagens que contribuirão para a qualidade do trabalho de emissão e interpretação vocal a ser desenvolvido. Ri, Ji, Mushin e a Técnica Espanhola no Corpo Vocal sumár i o Explicitaremos agora alguns princípios do Zen e como eles são aplicados em nossa prática de docência da técnica vocal espanhola. No início do livro O Arqueiro Zen e a Arte de Viver, Kushner nos fala sobre o Ri e o Ji, apontando uma dimensão macro no Zen. Por Ri se compreende os princípios subjacentes ao universo e por Ji, se compreende as técnicas de qualquer habilidade que venha a ser estudada. Nas palavras do autor: Há uma palavra japonesa – ji- que se refere aos aspectos técnicos das artes. No kyudô, ji diz respeito às técnicas do hassetsu, os oito estágios do kyudô. Para ele, como para todas as artes Zen, o mero domínio do ji ou das técnicas não é considerado o objetivo final. Para entender esse fato, é preciso atentar para outra palavra japonesa estreitamente ligada com o ji. É o ri, para o qual não existe equivalente em nosso idioma. Ri pode ser entendido como as verdades universais ou princípios subjacentes ao Universo. (KUSHNER, 1988, p. 23). 80 Portanto, nos caberá a nós explicitar como na estrutura da técnica espanhola, o Ji está imbricado no Ri. Ou seja, como as verdades universais do universo estão ali subjacentes, para ficar claro o porquê de realizarmos com os alunos, no início do estudo da técnica espanhola, a leitura detalhada e interrelacionada dos dois livros citados acima sobre os caminhos e o Zen e a técnica que irão vivenciar e aprender. Mas antes vejamos uma explicação que nos orienta ainda mais sobre a relação entre Ji e Ri: Manifestações específicas do ri também são chamadas de ji. Assim, nos Caminhos, as técnicas são vistas como manifestações específicas dos princípios subjacentes. O ji é uma materialização do ri em situações específicas, mas não é o próprio ri, assim como uma determinada receita não é por si só os princípios subjacentes à arte culinária. (KUSHNER, 1988, p. 23) sumár i o Tal como explicita a citação, as técnicas no Zen devem estar estruturadas sendo materializações do Ri, dos princípios subjacentes ao Universo. Veremos agora como isto se dá na técnica vocal com a qual trabalhamos. A voz faz parte do corpo, apesar de comumente haver no senso comum, referências àa ela como se fosse algo independente dele. Em nosso plano de docência, buscamos implementar e desenvolver no aluno o que denominamos de Corpo Vocal. Este deverá ser um corpo preparado e desenvolvido para a emissão vocal, o corpo como um todo será trabalhado para a excelência da função vocal. Chegamos àa esta denominação, inspirados pela condição do Ri e Ji que percebemos manifestos na técnica vocal espanhola. O desenvolvimento do Corpo Vocal na técnica espanhola tem sido por nós conduzido com os alunos, se iniciando-se com a implementação e desenvolvimento dos quatro passos da estruturação de energia muscular abdominal imbricada com o diafragma e com as cavidades de ressonância superiores, na face, mais especificamente as 81 cavidades nasais e os seios paranasais: nos seios maxilares que estão na face, abaixo dos olhos e de cada lado do nariz, especificamente a concha nasal média; os seios etmoidais acima do nariz e entre os olhos e os seios frontais, acima das sombrancelhas e na linha entre os dois globos oculares (nesta técnica esta cavidade de ressonância é utilizada para as notas super agudas, de do5 para cima), que são utilizados nos vocalises a serem feitos pelos alunos. Os quatros passos vivenciados são: sumár i o 1. Exercício de diafragma lento 2. Exercício de diafragma rápido 3. Exercício de respiração 4. Exercício de retenção de ar para aumento da capacidade respiratória Faz parte ainda do desenvolvimento do Corpo Vocal, o trabalho que aplicamos de relaxamento específico quanto ao pescoço e ombros e o de postura. Nos quatro passos descritos acima, o número de repetições vai aumentando, iniciando-se geralmente com 5 vezes e chegando até, pelo menos, 40 vezes para alunos de Música Popular e de Voz Falada e 70 vezes para alunos de Canto Erudito. O modo como orientamos esse desenvolvimento é gradual, as repetições aumentam aos poucos, em geral de duas em duas vezes, mas depende de cada aluno e como o corpo dele reage às repetições. Não há, portanto, em nossa prática, um número fixo de repetições a ser aplicado igualmente a todos os alunos. Nós os acompanhamos por meioatravés de uma tabela onde os alunos anotam as repetições dos quatro passos, a qual reviso com 82 vistas a decidir em conjunto com eles, como vai se dando o aumento das repetições. Estse desenvolvimento sistematizado é fundamental para o desenvolvimento do Corpo Vocal. Em técnicas outras que vivenciamos, como a francesa, a italiana e a alemã, a musculatura do diafragma e a quantidade respiratória não eram desenvolvidas. Havia apenas a indicação de realizar um modo de respiração, mas não havia a de praticá-lo diariamente e nem aumentar gradualmente suas repetições. É preciso salientar aqui, que as repetições realizadas no trabalho físico de diafragma e respiração na técnica espanhola, nunca são iguais. Sempre que os alunos realizam os movimentos de diafragma e de respiração há uma otimização dos mesmos, eles vão trazendo força à musculatura envolvida, o aumento de ar gradual, melhorando e se modificando assim, àa cada vez que são realizados. No Kyudô, a repetição dos oito estágios do Hassetsu (a preparação para o tiro do arco) sãoé também repetidosa infinitas vezes, como indica o provérbio Zen trazido por Kushner: sumár i o Milhares de repetições e a perfeição emerge a partir do nosso verdadeiro ser. (KUSHNER, 1988, p. 17) Mas esta repetição contínua no Kyudô, assim como nos outros caminhos Zen (aikidô, judô, etc), visam ainda, o desenvolvimento e conhecimento do nosso ser verdadeiro, como indica Kushner: No kyudô, assim como nos outros Caminhos, a compreensão Zen – a descoberta do nosso verdadeiro ser - surge apenas a partir da prática repetitiva e disciplinada. (KUSHNER, 1988, p.26) Um dos objetivos dos caminhos Zen é, sem dúvida, o autoconhecimento que vai sendo aperfeiçoado a partir da técnica do caminho que está sendo praticado. Por este motivo, o Makiwara (um alvo próximo) é colocado para que o iniciante de Kyudô atire nele em seu período de treinamento e o Matô (o alvo distante), só é colocado em um período muito avançado do treinamento. Destse modo, nas 83 repetições, o praticante não tenderá a se envolver com o desejo de acertar o alvo e sim, se envolverá com o processo que resultará no tiro. O processo, que envolve tudo o que diz respeito ao seu ser, é o mais importante, e istso inclui o auto-conhecimento que vai se perpetrando ao longo do treinamento. Do mesmo modo, em nossa docência na técnica vocal espanhola, o aluno não é incentivado a querer realizar sons bonitos, a ter uma voz que soe bonita logo no início de seus estudos. Este objetivo equivaleria a atirar no período inicial de aprendizado, no Matô. Iniciamos o aluno primeiro no desenvolvimento dos quatro passos e o trabalho de relaxamento específico e de postura, reconhecendo nos mesmos e os explicitando ao aluno, os princípios subjacentes do universo ligados à eles, a saber: 1. Exercício de diafragma lento e rápido – imbricação das vísceras e músculos abdominais com o centro tendíneo do diafragma. Isto proporcionará o controle de sua subida e descida. Os alunos estão também trabalhando aí a tonicidade e a agilidade da porção muscular do diafragma. Segundo Ph-E. Souchard, criador da Reeducação Postural Global/RPG na França (1998, apud TRAGTENBERG, p. 15) “O centro tendíneo não pode em momento algum perder contato com a massa visceral.” 2. Exercício de respiração – continuando, vem o trabalho de respiração e diafragma sob a égide de princípios universais da anatomia e fisiologia vocais, onde os alunos realizam a junção do trabalho de diafragma realizado no exercício anterior, com a respiração: suas fases de inspiração e expiração juntamente com a descida e subida do diafragma imbricadas aos músculos abdominais inferiores. 3. Exercício de retenção de ar – Este é o mesmo trabalho de respiração realizado no item 2, mas com uma parada de sumár i o 84 retenção de ar por alguns segundos, entre a inspiração e a expiração. Como o pulmão e as paredes torácicas são elásticos, sua expansão, e consequente aumento da capacidade de ar, pode ser desenvolvida, observamos assim com esta prática, um princípio do Ri ligado à respiração humana. Solta-se então o ar com a boca em formato de assovio, pois assim o ar já se direciona facilmente para fora. Com relação ao Mushin, um estado de grande concentração específica desenvolvido nos caminhos Zen, ele pode ser correlacionado ao estado de concentração que o aluno experimenta na realização da técnica vocal espanhola. Vamos compreender melhor o Mushin, Kushner descreve aspectos deste estado de concentração e atenção: sumár i o Susuki descreve o mushin como um estado em que se está inconsci-entemente ou conscientemente inconsciente... Podese entender melhor o mushin considerando-se o fluxo da consciência humana. A maioria de nós mantém um constante diálogo interior que se perpetua através de uma ininterrupta corrente de associações. Este diálogo nos distrai, impedindonos de nos concentrarmos completamente no que estamos fazendo... No mushin, a mente não é distraída por pensamentos ilusórios... Ao disparar uma flecha, no entanto, o mais difícil é evitar que sigamos os pensamentos relacionados com o nosso próprio desempenho no Kyudô. Cada flecha deve ser disparada sem que levemos em consideração nos-sos desempenhos passados ou futuros. (KUSNHER, 1987, p. 53, 56). Por meio da realização do trabalho físico de diafragma e respiração da técnica espanhola, aliado ao seu modo de realização dos vocalises (em fluxo contínuo, como explicitado no tópico 1), um específico estado de concentração é obtido pelo aluno. Se no Mushin circunscrito ao Kyudô, a atenção mental não se distrai com eventos externos e os realizados pelo próprio atirador, assim também em nossa docência da técnica espanhola, o aluno é orientado a se concentrar apenas nos passos que precisa realizar para a emissão 85 sonora e não nos resultados vocais da mesma. A concentração no processo é total. Ele não é guiado pelo resultado sonoro de sua voz, mas sim pelas imbricações fisiológicas que realiza e nelas é incentivado por nós a se concentrar. AULAS DE CANTO E TERMINOLOGIA PEDAGÓGICA sumár i o A questão da docência do Canto e da Técnica Vocal viabilizada em uma terminologia de indicações de imagens para direcionamento dos alunos em aula (voz para o alto, voz para baixo, voz mais clara, mais escura, etc) tem sido a prática tradicional há alguns séculos. Com o advento de informações científicas acerca da produção vocal, pelo menos desde a segunda metade do século XIX oriundas da criação por parte de Manuel Garcia (professor de canto e barítono) de um laringoscópico, ou seja, um espelho colocado sobre a orofaringe para visualização da laringe, e seguindo-se o pós segunda guerra mundial, com o avanço tecnológico e crescente interesse da comunidade científica na investigação da produção vocal, há um movimento de valorização do ensino de canto através de informações objetivas frente às imagens tradicionais utilizadas pelos professores. Joana Mariz situa estse movimento, ainda em uma condição de embate, em queonde um tipo de terminologia superaria o outro, sem interrelação dos comandos de cada um: Com a emergência de técnicas de investigação capazes de apontar explicações concretas para os fenômenos fisiológicos e acústicos da voz cantada, até então inacessíveis à visualização, surge o impulso de substituir o conhecimento intuitivo pelo objetivo e os termos tradicionais por definições exatas e pontuais. (MARIZ, 2014, s/n). 86 Mas existe, ainda, uma certa dificuldade de utilização de terminologias científicas na produção da voz, com uma real produtividade por parte dos alunos: Embora munida de uma ancoragem científica definida, a pedagogia vocal moderna se depara com a dificuldade de encontrar termos objetivos e universais que sejam também adequados para o cotidiano do ensino do canto... No entanto, o universo científico parece ser muitas vezes por demais árido e distante da realidade prática cotidiana para ser facilmente incorporado a ela. Sua terminologia envolve conceitos complexos, que demandam um conhecimento específico anterior em outras áreas que não a música... Ao mesmo tempo, a tentativa científica de reduzir os termos a significados simples levantam uma questão pertinente à discussão sobre a linguagem verbal dos professores: os termos pedagógicos devem, obrigatoriamente, encontrar uma correspondência fisioacústica precisa? (MARIZ, 2014, s/n). sumár i o Como professora na contemporaneidade, não é possível nos furtarmos na busca de soluções produtivas neste embate. Em nossa prática docente (tanto nas universidades como para alunos particulares) seguimos uma junção da utilização de terminologias científicas com as de imagens sugeridas aos alunos. Para tanto, desde o início de desenvolvimento do Corpo Vocal, utilizamo-nos de vídeos na internet para mostrar aos alunos a musculatura abdominal e o diafragma e seus termos específicos, que eles irão trabalhar no desenvolvimento do diafragma e da respiração. Deste modo os alunos teêm contato com informações e terminologia científicas relacionadas diretamente ao trabalho físico que estarão realizando. No caso de interrelação entre terminologia científica e de imagens para a colocação vocal, orientamos os alunos para realizarem pesquisas de informações anatômicas e fisiológicas acerca do trato vocal (em livros, vídeos e na nossa apostila de fisiologia da voz) e 87 correlacionamos as terminologias de imagens com as informações científicas por eles pesquisadas anteriormente. Estse modo de atuação entre as terminologias tem sido bastante produtivo para nossos alunos. Eles demonstram ao longo e ao final de seus processos, conhecer aspectos fisiológicos e anatômicos envolvidos nas suas práticas vocais, o necessário para desenvolvê-las com consciência e alta capacidade de concentração, assim como a consciência de aspectos mais sutis ligados à estética vocal. CONSIDERAÇÕES FINAIS sumár i o Se nos anos 40 se oportunizava um acesso separado entre informações científicas e prática vocal, tal como em livros de canto como o de Madelaine Mansion (1947), em queonde se tem muitas fotos com informações anatômicas sem correlações com a prática vocal a ser realizada, a tendência ainda hoje é uma correlação que funcione abarcando aspectos técnicos e estéticos da emissão vocal juntamente com o conhecimento científico acerca dela. Estamos em nossa prática docente realizando estsa correlação na terminologia que utilizamos e no modo como conduzimos o acesso às informações científicas e às imagens no trabalho vocal que inegavelmente, ao longo de tantos séculos, produziram vozes para apresentações musicais de excelência. Esperamos ter contribuído com informações para a área da pedagogia vocal explicitando aqui aspectos de princípios ligados ao universo e terminologias científicas junto à prática de preparação e desenvolvimento do Corpo Vocal na técnica espanhola por nós utilizada. 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KUSHNER, Kenneth. O arqueiro zen e a arte de viver. São Paulo, Pensamento, 1988. MARIZ, Joana. A terminologia do professor de canto e a evolução da pedagogia vocal. In: XXIV CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA EM MÚSICA, 2014, São Paulo. Anais do XXIV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa em Música, s/n. Disponível em: https:// anppom.com.br/congressos/index.php/24anppom/SaoPaulo2014/paper/ view/3290/655 Acesso em: 05/04/20. MILLER, Richard. National Schools of Singing: English, French, German, and Italian Techniques of Singing Revisited. New Jersey: Scarecrow Press, 1997. TRAGTENBERG, Lucila. Apostila de fisiologia da voz. 1998, 29 f. VILLAR, María del Coral Morales. Los Tratados de Canto en España durante el siglo XIX: técnica vocal e interpretación de la música lírica. Granada, 2008. 1.132 f. Tese de doutorado. Departamento de História da Arte e Música, Universidade de Granada, Granada, 2008. Disponível em https://hera.ugr.es/ tesisugr/17657477.pdf Acesso em: 10/03/2020. sumár i o 89 Capítulo 6 6 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS AVALIATIVAS: UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE Ligia Silva Leite Sandra Maria Martins Redovalio Ferreira Ligia Silva Leite Sandra Maria Martins Redovalio Ferreira Sonia Regina Natal de Freitas Sonia Regina Natal de Freitas Oprocesso deconstrução decompetências avaliativas: umaexperiênciadocente DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.503.90-105 INTRODUÇÃO Já em 1911, no prefácio do livro A Arte de Ensinar, White (1911, p. 7) afirmava: “Ensinar é uma das funções escolares mais importantes, e do seu desempenho depende o adiantamento dos alunos”. Traduzindo este pensamento para o momento atual podese afirmar que a responsabilidade do professor diante da sua tarefa de ensinar é decisiva para o desenvolvimento das competências e habilidades dos seus alunos. Independentemente da área e/ou nível de atuação do professor, seu trabalho pedagógico é de fundamental importância para o crescimento pessoal, profissional e formação do aluno como cidadão. sumár i o Os desafios mais significantes dessa tarefa de ensinar são descritos como resultado da docência no Curso de Mestrado em Avaliação da Faculdade Cesgranrio, mediante o oferecimento da disciplina Prática de Avaliação: O Estado da Arte da Avaliação. Esta disciplina é oferecida por dois professores doutores e duas assistentes de pesquisa (mestras e ex-alunas do curso de Mestrado em Avaliação). Inicialmente, é preciso destacar que a Avaliação é uma área de estudo que tem assumido importância nos dias atuais, por estar presente em quase todos os momentos da vida cotidiana. Scriven (2007) ressalta que: [...] a avaliação abrange um território extremamente extenso, pois inclui uma parcela substancial do discurso cotidiano, dedicado a propor, atacar e defender afirmações avaliativas sobre produtos alimentícios, times de futebol, comportamento humano, aquecimento global e quase tudo mais (SCRIVEN, 2007, p. 20). Com o passar dos anos, essa área vem se estruturando mediante o desenvolvimento de novos estudos teóricos e práticos, 91 adicionando complexidade a ela, à medida que se percebe hoje sua característica multi, inter e transdisciplinar, dificultando a delimitação do seu campo de atuação e definição de conteúdo específico. Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004, p. 78) consideram que “a avaliação é empreitada técnica e política multidimensional que requer tanto novas conceituações, quanto novos olhares de quando e como as metodologias existentes em outros campos podem ser usadas com propriedade”. Ao mesmo tempo, a área da Avaliação se caracteriza por ser inovadora, por estar em processo de construção, utilizando saberes de vários campos do conhecimento e por apresentar a necessidade de que sua produção teórica e prática seja registrada de maneira estruturada. sumár i o Diante desta realidade, as docentes perceberam a presença de um desafio, o de criar oportunidades de ensino-aprendizagem que permitissem aos alunos desenvolver competências avaliativas, tendo em vista o grande volume de informações disponíveis neste campo de estudo. Então, em 2014, o primeiro grupo de alunos se inscreveu na disciplina Prática de Avaliação: o Estado da Arte da Avaliação, cujo objetivo era construir o Estado da Arte da Avaliação e, assim, dar oportunidade para que esses desenvolvessem competências metodológicas nessa área do conhecimento. O ESTADO DA ARTE Para Ribeiro e Castro (2016) o Estado da Arte é um tipo de pesquisa utilizado no Brasil a partir da década de 1980; é importante por permitir que os pesquisadores analisem “a produção teórica acumulada de determinada área do conhecimento, constituindo-se assim, como rica fonte de consulta” (p. 1) e passível de ser utilizada em todas as áreas do conhecimento. Apesar da sua presença ser ainda tímida na área da Educação, encontra-se em ascensão. 92 Pretendia-se, inicialmente, neste projeto de pesquisa, compilar o que tem sido pesquisado e publicado sobre Avaliação no período de 2001 a 2014 no Brasil e assim começar a construir um Estado da Arte da Avaliação no Brasil. A proposta de trabalho parecia fácil de ser concretizada. O primeiro grupo de sete alunos era formado por profissionais de diferentes áreas e interessados no campo da Avaliação. Uma vez iniciado o processo de busca de informações sobre a maneira de coletá-las, o grupo percebeu, na prática, a complexidade da área e decidiu delimitar o campo de busca para a interseção das áreas da Avaliação e da Educação. Percebeu-se também a necessidade de definir o tipo de fonte primária a ser pesquisada, uma vez que informações científicas sobre avaliação podem ser encontradas em artigos, livros, dissertações, teses, anais de conferências, etc. Decidiuse, então, pela busca de artigos científicos na base da dados SciELO, por reunir, a partir dos seus títulos e palavras-chave, artigos científicos produzidos e publicados no Brasil. sumár i o O processo de construção de competências avaliativas estava desencadeado. A quantidade de informações coletada foi grande, constituindo-se o primeiro desafio: como registrar e armazenar as informações coletadas? Em um processo colaborativo de tomada de decisões, optou-se pela construção de uma base eletrônica de dados que pudesse reunir os artigos científicos coletados; e assim, surgiu o e-Aval (http://mestrado.fge2.com.br/aval/). O e-Aval vem sendo alimentado a cada ano pelos alunos da disciplina Prática em Avaliação – O Estado da Arte da Avaliação, sob a supervisão das professoras pesquisadoras responsáveis pela disciplina e das assistentes de pesquisa, e hoje conta com 999 registros. Assim, as competências de busca, identificação e registro dos artigos científicos vêm sendo desenvolvidas por todos os alunos, mas não era suficiente para a construção de um Estado da Arte da Avaliação. Uma primeira análise desses artigos revelou que havia 93 uma grande variedade de temas tratados pelos mesmos e que era necessário buscar alguma forma de organização para que pudessem ser analisados e permitir a construção do Estado da Arte. CONSTRUINDO CATEGORIAS Junto com os alunos foram levantadas maneiras de se classificar esses artigos, mas o desafio não foi vencido sem o auxílio da literatura da área que ofereceu no trabalho de King (apud MATHISON, 2005) categorias construídas a partir da identificação dos objetos avaliativos presentes nos artigos. Foram adotadas as seguintes categorias, denominadas, em nosso processo de construção de conhecimento avaliativo, de eixos temáticos, que refletem o domínio da avaliação no campo educacional, são eles: sumár i o 1. Avaliação de professores – um tipo de avaliação de pessoal focalizado nos instrutores. 2. Avaliação de currículo (envolve aspectos amplos da prática pedagógica) - examina os efeitos e a efetividade de práticas pedagógicas específicas. 3. Avaliação de programas educacionais e de treinamentos na área de educação - um aspecto do campo geral da avaliação de programas. 4. Avaliação de contexto educacional - estuda aspectos diferentes de ambientes educacionais relacionados à aquisição de conhecimentos. 5. Avaliação de alunos – está relacionada a questões de aprendizagem e outros resultados instrucionais. 94 6. Avaliação institucional/acreditação – mede o funcionamento de uma instituição educacional em relação a um grupo de padrões predeterminados. A categorização proposta por King (apud MATHISON, 2005) atendeu inicialmente as necessidades do projeto, mas não foi suficiente; assim, durante o processo de identificação dos eixos temáticos, durante os anos de 2016 e 2017, verificou-se a necessidade da criação de mais dois eixos temáticos, devido ao grande número de artigos identificados nestes domínios, Avaliação de políticas públicas e Avaliação da produção acadêmica, ficando estabelecidos, desta maneira, oito eixos temáticos. sumár i o 7. Avaliação de políticas públicas - relacionada a aspectos de formulação, implementação e avaliação de políticas educacionais. 8. Avaliação da produção acadêmica - relacionada à produção científica de pesquisadores, professores e alunos. Em 2018, após revisão da categorização inicial, percebeu-se a necessidade da criação de mais um eixo: 9. Avaliação de gestão educacional – relacionada aos aspectos gerenciais da educação. Ficaram estabelecidos nove eixos temáticos para categorização dos artigos incluídos na base e-Aval sobre Avaliação em Educação. Esse processo de categorização foi