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Formacão e Problema Da Cultura Brasileira Corbisier Roland

1959, ISEB: MEC

Roland Corbisier foi um filósofo e político brasileiro. O intelectual do ISEB publica neste livro conferências intituiladas "introdução aos problemas do Brasil" e "Filosofia no Brasil". CORBISIER, R. Formação e problema da cultura brasileira.pdf

Conferência pronunciada no Auditó,..io do Ministério da Edu• cação e Cultura. em dezembro de 1955. no C urso de '"Introdução aos Problemas do Brasil". pro• movido pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros. •• • •• •• •• •: ••,. ,.,. ,. •• •• • •• •• •• •• •,. • • l SITUAÇÃO E ALTERNATIVAS DA CULTURA BRASILEIRA SIGNIFICAÇAO DA CULTURA Parece-nos oportuno. antes de enfrentar o tema desta confe(êncfa. esclarecer o que entendemos pelo tê.rmo cultura. do qua] fazemos uso tão freqüente. embora nem sempre tenhamos idéias "claras e distintas" a respeito de sua significação. Não subestimamos essa cautela. essa precaução socrãtica. pois sabemos que "so.rnos diálogo". como diz Holde.rlin, e sabe.mos também que é por meio de palavras que o diálogo humano se instaura e se desenrola. E se é importante. quando se faz ou procura (ater obra de dénda. elucidar previamente o sentido dos têrmos que se vai empregar. mais importante se torna essa cautela quando a ciência em questão não lida com objetos ideais, consistentes e nítidos. no entanto. como as ciências eidêticas. ou reais e sens1veis . e por isso mesmo tangíveis e manipuláveis. coroo as ciências da natureza. mas com símbolos. valores e significações. como ococ-re com as ciências da cultura ou do espírito . Nas ciêndas mate.mãticas e lógicas. por exemplo. é possivel soconer-se de figuras. de esquemas e de fórmulas. que prendem o espírito aos objetos - 10 - a que as palavras se referem. facilitando a inteligência dos raciocínios e· das demonstrações. Nas ciências da natureza. a expe.riéncia e a prova mantêm o espírito em contato permanente com o real, impedindo...o de extraviar-se e petder-se nas construçõe!-; puramente Jõgicas. no jôgo das idéias e armações conceituais. Nas ciências da cultura. porém, êsse: confronto, essa acare:a.Ção com o real nem sempre é possível. sendo, às vêzes, totalmente Impra .. ticâvel Privados dos cOr(elatos objetivos. cuja presença. no campo da consciência. permitiria a aferição de nossos conceitos e construções ideais, ficamos condenados a elucidar o sentido das palavrns por me:·o de outras palavras, que nos remetem sucessivamente a objetos ou experiências que nos são mais familiares e cuja si9nHicação jã se tornou clara para nôs. incorporando-se ao patrimônio das coisas que julgamos conhecer. Não partiremos de uma defin!ção abstrata. dogmãtica. mas procuraremos chegar ao conceito da cu ltura adotando o método que nos parece cai:acteri:ar a filosofia d.a existência, Ao contrário das filosofias abstratas ou idealistas. a filosofia que cha .. mariamos de concreta procura partir do real. e ao real manter-se dõcil e fiel. emptnhando..se. a fim de garantir a autenticidade do pensamento. em caucionar as suas operações como um lastro de experiência viv:da. A ciência é. sem düvida. uma co.nstrução do espírito e. como observa Ortega. "'não significa jamais cmpiria. observação. dado á posteriori, mas exatamente o contrário: construção n - r 1 li priori". ( 1 ) pois supõe um núcleo de categorias qu~ lhe permite recortar. na massa indiferenciada dos fatos. os que converte: em objeto de estudo e de pesquisa. Êsse núcleo de categorias a priori, que independe da experiência e não pode d eJa provir. por isso mesmo que ê a condição de possibilidade. da p.rópria experiência se articula com os fatos por 1neio das hipóteses. as quais, por sua vez. adentam a generaHzação da experiência de que resultam as leis. Os fatos. os fe.nôn1enos. se acham pois na periferia e não no centro dessa construção que é a ciência. As ciências do espirito ou da cultura não podem manipula.r os seus objetos. no sentido em que os manipulam as ciê.nóas naturais. nem tampouco. como a inda observa Ortega. ( 2) substantivar os seus métodos. à maneira da física. por exemplo. mas apenas servil'~se dêles. A medida que não consistem na roanipo.lação mas no descobl"imento e na inte rpretação de realidades significativas não podem dispensar. as dências da cultura. o contato com essas realidades. nem tampouco substituí-las por simples operações mecânicas ou lógicas. A consciência de que impJi .. cam. para se poderem é0nstituir e organizar como ciências, um repet:'tór:o de categorias B priori. nào nos leva. portanto, a ignorar o seu carâter empírico. e a exigência metódica de se aterem. sempre que possivel. ao que nos é dado nn experjência imediata. Embora a nossa anãlise pressuponha essas <:.atego.. IV, l l) OrC<G-' Ci Cn.u,tt. - H i',tori1Jl.o9lo", ln "01.m•s Complc-w". como S21. p~q. f2) Jckm, ;,~g. sn . 3 • J J • ' r, r, r, .... rt •• ft •• •,. íl •• •• •• •• • ...... .... .. ;,e - 12• - rias a priori. que lhe pennltem configurar o seu objeto e dirigir a sua · pesquisa. não partiremos de uma definição abstrata dêsse objeto, que é a cultu• ra. mas. como observamos. procuraremos chegar ao seu co11ceito pelo método que caracteriza a filosofia concreta. "Atualmente .. , escreve Gabriel M arcel. "não pode mais haver filosofia- sem uma anâJise. de es... s-ência fenomenológica. dn situação fundamental do homem". ( 3) O que Marcel chama de situação fundamentaJ. nós chamaríamos de situação original. querendo com êsse adjetjvo qualificar a situação que se acha na .. odgem". na raiz. de tôdas as demais situações em que se pode achar ou encontrar o ser humano. "E; fora de dúvida". diz ainda Marcel. "que o próprio do homem. enquanto vive simplesmente. sua vida. sem procurar pensá-la. é de ser ou estar em situação e q ue a essência do filósofo. que pretende refletir sõbre a vida e a sua vido. c::onsiste em reconhecer essa s it uação e explo rá-la . tanto quanto isso é possível .. .'· ( 4) A s ituação origínal na qual nos encontramos sem refletir e sôbre a qual passamos a refletir quando nos dispomos a fiJosofa r. consiste essendalmente em nossa presença no mundo. Ao toroar consciência de nós mesmos. verificamos que estamos postos ou jogados no mundo, que ocupamos certo lugar no espaço e vivemos em determinado momento do tempo. Verificamos que pertencemos a uma cultura, a tuna época e a mna comunidade: q ue. nas0 ► Cabrid M:,rc.~I. -~., Nommc, co11trc rHo;,u/n.., páQ, 92, (i> ld(m. pág. 9'2. - IJ - cemos neste pais e não em outro. nesta classe social: que temos êste sexo. êste corpo e esta atroa etc. Verificamos que a realidade humana. a condição humana. é sempre situada e datada . Ao refletir sõbre o mundo que nos cerca, ou sôbre a "circunstância" que nos envolve, pa.r a usar a expressão de Ortega. não ê difícil verificar que. entre os elementos ou ingredientes que a constituem, há alg uns que já encontramos prontos, cujo se.r não foi produzido ou transformado pelo hol)le.m, mas pre,e:dste ao seu s urgimento no mundo. O conjunto dêsses sêres ou obje:tos. mlnerais. plantas e animais. constitu i o que chamamos de natureza. Ao mundo natural o homem confere. $C111 dúvida . mna signi ficação que varia ao longo da história. mas não confere a existência. Os entes naturais são produzidos pela natureza. pelo que os g regos chamavam de "physis ", natu r eza ess.a que constitui a pdme.i.ra dimensão na estrutura do mundo ou da circunstância . A lê..m dê.sses. encontramos outros. que constjtue.m a categoria dos objetos culturais. Em sentido amplo, a dimensão cultural da circunstância se compõe de todos os objetos que resultam da atividade ou do trabalho buoiano. como diria Hegel. A religião, a filosofia . a ciência. a. arte. os utensílios. os usos e costumes. as instituições socfais e politicas . a linguagem e a _própria atividade humana consti• tuem o domínio da cultura que se distingue. com perfeita nitidez. da esfera da natureza. U m bloco de mármore. antes de ser trabalhado pelo escultor . é natureza: depois d e ter recebido a forma de está- - 14 - tua. torna..-se cultura. Nesse sentido, não importa .o requinte ou a qualidade da forma impressa na ma .. téria preexistente. Uma flecha ou um tacape é tão .. cultural" quanto um quadro de Portinari ou um poerna de Vinícius de Moraes. A ci.rcunstãncia. o mundo. parece esgotar-se nessas duas dimensões. nessas duas categorias de objetos. Além dos objetos naturais e culturais. ~ têm. encontramos os próprios sêres humanos. que pertencem simu ltâneamente a êsses dois dominios. que participam. ao mt!:Smo tempo. da natureza e da cultura. Todavia. embora pertença a êsses dois domínios. o homem não é nem natureza. à medjda que não ê apenas um ser biológico. ne.Jll tampouco cultura. no sentido acima indicado. pois não é um objeto, mas o próprio criador dos objetos culturais. Se o mundo da cultura é aquêJe que .te• suita da atividade ou do trabalho humano, coroo observamos. se.rã licito dizer que os objetos culturais são projeções ou encarnações do espídto humano. A He.ge.l de.vemos a distinção entre espirita subjetivo e espírito objetivo. distinção de tão g.rande importância na fundamentação das ciências culturais. Pot espírito não entendemos aqui nenhuma entidade mística ou sobre.natural. mas apenas a atividade. a capacidade criadora do ser humano. bem como os objetos por ê.le criados. Não é difícil compreender o fundamento dessa distinção. Ão examinar qualquer objeto produzido ou criado pelo ho-, mem ê possivel discernir pelo menos t.rês elementos ou aspectos. Em prime.iro lugar, a matéria d e ique o objeto ê feito: em segundo. a forma significat.iva - 15 - que é. impressa nessa ro~téria. O que importa, porém. nos objetos culturais. não ê o suporte mater ial. mas o sentido. a signHicaç.ão de que são po,;tadores. Para um analfabeto. por exemplo. um texto escrito nada significa, como nada significa para nós um texto escrito em língua que desconhece.roos. Com-preender um objeto cultural não e. pottanto, verificar ou reconhecer a matéria de que se constitui, mas desentranhar e inte.('pretar a significação i.mp,essa ou contida nesse suporte material. Para que essa interpretação seja possivel. no entanto, é preciso que haja algo e..m comum entre o sentido da obra e a conscíê,nda daquele que pretende interpretá-la. J;: indispensável que. desligando-se do seu criador. a obra adquira vida própria. se converta em "espirita objetivo" e se integre no mundo dos valores culturais. Encontramos aqui o terceiro elemento ou aspecto que caracteriza os objetos culturais: os valores. em função dos quais êsses objetos são concebidos e criados. A objetivação do espírito não se processa arbitràriamence mas de acõrdo com certos critérios e normas impostos pelos valores vigeotes. Enquanto portadores de significaç.õ es. os objetos culturais constituem o que Hegel chama de espírito objefiuo ou objetivado. O repertório dê.sses objetos em que está encarnado o espí~ rito subjetivo. individual ou coletivo. de um homem . de uma comunidade ou de uma época . constitui o mundo da cultura. ( nota a) "Empregamos habitua lmente a palavra cultura sem distinguir as suas signiHcações. utilizando-a para designar determinada cultura histórica, enquan- •• •• •• •• •• •• ~ •: •• •• •• •• •• .. ..,. ,.,. ;.e ;,. - 16 - to patrimônio objetivo .de bens e d e valores, e tambê.m para indicar êsse mesmo patrimônio espiritual. enquanto assimilado por u.m sujeito e incorporado à sua personaHdade. ·· ( 5) Quando aludimos à cultura de Machado de Assis. por exemplo. não nos referimos ao "espírito objetivo". ao repertõr:o de criações e de valores espirituais, mas a essas criações e a êsses valores ~nquanto apropriados por um sujeito e por êle assimilados. Nesse sentido. a cultura de Machado de Assis se confunde com a s ua educação. com a sua formação. Não nos parece outro. aliãs. o s!gntficado da educação. que pode.. .ríamos definir como a formação do individuo pela hiscõria. pela tradição hu.m;;ma. O indivíduo culto. cultivado. é o indivíduo modelado. conligu..:ado pelo processo cultural e histórico. "A cultura grega. por e xemplo. ê um conjunto de valores e de significações que. revelando umà visão do mundo, uma con• cepc;ão da vida. se encarna nas obras que a constituem: na poesia de Homero. na filosofia de Platão e de Aristóteles. na geometria de Euclides. na escultura de Fídias. nas instituições politicas e nos costumes da Polis. na legislação de Esparta e na morte de Sócrates. Nesse sentido, a cultura se confunde. de certo modo. com a história, e constitui algo de prévio. de anterior ao sujeito que a pode assimilar." (6) Da cultura objetiva. portanto. caberia distinguir a subjetiva. que compreende a capa(S) R:oland CorbJaJ.:r, ..S itu(l'f&CI e Probfer,urJ da Po:d~gitJ··. p-.\• gln.a• 18 e 19. (6) Idem. - l 17 - cidade de cria r, d<?'. comprc~dCC' e de assimilar os objetos cu1t~cais . A propósito da cultura. entendida no sentido objetivo. devemos observar- sem com isso aceitar a concepção naturalista ou biologista de Speng ler e Frobenius. por exemplo-que a primeira nota a discernir no conceito de <:ultU1:·a é a de unidade. Por que razão falamos na cultura grega e não na.,,ç culturas gregas? Porque supomos que nesse complexo. nesse mundo h istórico. algo existe que o unifica. tornando-o realmente wn mundo, quer dizer um todo ordenado e coerente. um .. kosmos". Não seria pos ... síve1 sequeC' conceber a idéia de cultura sem atribuir, implicjtamente. ao objeto que a idêia desig-na. um mínimo de unidade ou coerência inte(na. Exa minando as culturas a postetiori. depois de cerem desenhado sua parâbola no tempo. somos obrigados a reconhecer que tudo se passa c:omo se o processo de criação da cultura consistisse na. explicitação. ao longo da história, do i:epertório de virt.u alidades cootidas na "Weltanschauung". na concepção do mundo que caracteriza essa cultura. Não partimos de uma hipõtese metafisica. nem da gratuita atribuição de uma ··enteléquia" às culturas. mas do reconhecimento de que as culturas crescem e se desenvolvem como se obedecessem a insp·ra .. ção ünica, a uma lógica interior. a um princípio que articula. unifica e torna coerentes as suas rnanifo.s ... tações. Essa intuição original. que é a crença básica. a visão ou .sentimento do mundo. deve: penetrar e embeber a atmosfera cu ltural. marcando todos os seus elementos com um sinal comum. "A unidade - , 18 - da cultura", escteve Eduard Spranger. "não consiste 1tos mero$ sujeitos acidentais, nem nos bens. nem na comunidade cultural mas na concepção do mundo. que implica uma norma ê:tica e cuJ..mjna em um ideal concreto da cultura." {7) A palavr, cultura significa. portanto. em primefro lugar. o mundo das coisas feitas e criadas pelo homem, o repertório das realizações objetivas. as objetivações do espírito huma no. Em segundo, tomando o têrmo no sentido subjetivo. a apropria-ção da cultura objetiva pelo sujeito. Devemos observar. porém. e. assim esclareceremos o terceiro se.ntido da palavra. que o homem não estã situado no contexto cultural como um objeto imóvel entre outros objetos também imóveis e justapostos no espaço. O mundo da cultura é um mundo em trânsito, afetado em suas entranhas pelo tempo, peJa historicidade.. que tambêm afeta. em sua estrutura. o ser do homem. Nesse sentido. a palavra não significa a cultura produzida. feita. mas a cultura em produção, o processo histó.ric:o de criação da cultura, a construção das centrais elétricas. das estradas. dos monumentos públicos. a redação dos "Sertões" de Euclydes da Cunha ou da " Rosa do Povo", de Carlos Di:umond e também o simultâneo processo de formação do se.r humano por essa mesma cultura. "Tratandose da cultura. tampouco pode.mos presc;odir de sua evolução e. realizando. por assim dizer-. um c:orte transversal nela, nos atermos aos e lementos estáticos que êsse momento nos apresenta. Uma cultura ) r 1' • í - 19 - viva é sempre uma formação dinâmica e tõda cultura extinta rambém o foi." ( 8') Entende-mos a cultura. como totalidade dinãmlca. como complexo em movimento. cujo desenroJa.r. ao longo do tempo. se processa dialêtica.me.nte. Não aceitamos nem a concepção materialista nem a concepção idealista do processo cultural. porque o mate.riaHsmo é um mito e o idealismo ouu-o. O materialismo nos convida. em nome da ciência, como diz Sartre. a negar a existência de Deus e de uma finalidade transcendente para o homem e a história: a explicar os movimentos do que supomos ser o espi . . rito pela matéria e a cancelar a subjeti\lidade, "reduzindo o mundo. e o homem inclusive. a um sistema de objetos ligados uns aos outros por relações un.iversais." ( 9) Ora, se o que chamamos de c.iên-cia é o que observamos ou pode.mos obse.rvar. o que demonstramos ou pode.mos demonstrar, as teses f undamentais do materialismo não nos podem ser apresentadas em nome da ciência. pois, como diz Sartre. representam uma "nítida tomada de posição. e a priori. sõbre problemas que ultrapassam infinitamente a nossa experiência.'' ( 10 ) Se o materialismo é inaceitável como filosofia ou ciência. não menos inaceitãvel nos parece o idealismo. que a nõs se totnou suspeito. à medida que. coincidindo com os interesses de certas classes sociais. escamo-teia ou subestima a importância . na configuração (3. Idem. p:19. 15. (9J fean Pnul S..rtn:. - MMl,r{allm:c Ili. i>á9. U8,. flO) ldf'm, ~g. 139. C't JUvolutio11 ... tn "Situ.iUons-. •• •• • .. !' •• • ": -~ E •• Ili ,. :• ie • ,. ~ ~ j,4J - 20 do processo histôrico. dos fatõccs renis. tais como o modo ou sistema de produção econômica. · Por isso mesmo que temos da cultura e da história uma concepção dialética. recusamo•nos a aceittir a antítese materialismo•idealisi:no. na qual nos procuram aprisionar. Também não podemos aceitar as teorias ou concepções da cultura que pretendem <:ompreende.r a sua esuutura C! o seu processo de formação mediante o predomínio e xclusivo de certo tipO de causas ou fatôres. como o geográfico. o ra .. ciaJ. o econômico ou o ideolõgico. Inclinamo-nos pela tese histórico-fi1osófica de Max Weber, segundo a q1..1al. em cada cultura. ou melhor. em cada época da cultura ptepondera-preponderânciri essa que c;:aracteriza a é:p0ca. constituindo o seu traço e.'ipecifico-u.m aspecto da totaJidade cultura l. No repertório de possibilidades preestabelecidas pelas crenças fundãrnenta 1s. pela concepção do mundo. as ideologias atuam como efi<:ácia diretame.iue proporcional às fôrças reais. quer dizer aos interêsses que. representam. defendem e. p(Ocurarn justiíicar. Coníigol."ando-se de acõrdo com o projeto orjginal. o pi:ocesso econômico desencadeia urn determinismo especWco. q ue. considerado na perspectiva faseológica e em escala não macroscópica. suscita. por sua vez. as ideologias ou superestruturas que lbe são correspondentes. Nessa interação dos íatõres reais e dos fatõres ideais. o processo cultural se conserva poroso. aber.. to. à interferência da liberdade humana. Sem resvalaL para ur:na concepção carJyleana ou niet=schea.na da história, somos obrigados a reconhecer que. a - 21 - liberdade humana. a lém de. interferir na história e.in grandes movimentos ·coletivos. como a Revolução Francesa. também se manifesta na ação dos homens excepcionais. dos gênios e dos heróis. A liberdade humana. acrescentarJamos ainda. ele acõrdo com o esquema proposto por Hélio Jaguaribe. o acaso. o elemento tota]mente imprevisivel. e. por fim. pois não p0demos fechar arbitràriamente as portas di:ste mundo. nem determinar com exatidão os seus limites. a presença da t.ranscedéncia e do que poderíamos chamar de misté.rio. ESTRUTURA DA S!TUAÇ/\O COLONIAL Se: as épocas de crise são particularmente favorãve.is à tomada de consciéncia dos problemas internos da cultura. o e.ocontro ou o conflito das culturas diferentes. no qual consiste. em grande parte, o que chamamos de "história universal ... nos propicia a oportunidade. de verificar. por assim dizer. exped.me.ntalmente-pela exacerbação dos traços que lhe são caracteristicos. mobilizados para o ataque e a resistência -- . e:rn que consiste: a estrutura. a morfo.. logia. das culturas que entram em contato ou e.m choque:. O problema não apresenta interêsse apenas teórico ou acadêcnico. pois as questões ligadas ao que chamaremos de. "situação colonial", interessam não só aos povos colonizados. vitimas ou beneficiários do imperialismo. mas também aos coloni .. ::adores, cujos impérios. cm sua periferia. se acham constantemente perturbado.,; pelos movimentos insurrecionais de ca.ráter nadonal:srn. Poderíamos supor, - 22 - à pnmeira vista, que o problema não nos diz respei- to, porque. não sendo nem impêrío nem colónia, escapamos ao enquadramento no qua.1 o problema se apresenta. Sem dúvida, a nossa situação não é semelhante à das possessões francesas ou inglêsas na Africa. nem tampouco à das ilhas norte..amerícanas no Oceano P acífico. Somos um país que ptoclamou sua independênda há mais de um sêculo. embora essa independência. a nosso ver. se tenha c.ircunsc.rito ao aspecto meramente politico. Não somos. pois. a rigor. uma colônia. no sentido em que o Congo é: colônia da Bélgica ou Madagascar da F rança. Todavia. ainda não dispomos da auto-suficiência que caracteriza as nações p lenamente independentes. quer dizer as nações cuja existência não entraria em colapso na hipótese de se verem privadas do contato com o exterior. Sabemos que a noção de independência é relativa, q ue comporta tõda uma sé..rie de gradações e que, e.m princípio. tomando a palavra com rigor absoluto. nenhuma nação. em todos os planos ou aspectos da existência. se pode bastar pie-namente a si mesma. O que chamamos de auto-suficiência é apenas um grau superior de autonomia. e o que <:hamamos de situação colonial um grau mais acentuado de dependência. Ames. porém, de caracterizar o que chamaremos de situação ou complexo <:olonial, procuraremos indicai". se~uindo um ~que.ma de Eduard Spranger. ( 1 l ) as principais formas que podem apresentar o e.n<:ontro e o choque das culturas. ( 11 ) Edu.a.rd Sprting~r. obra Cit.,da. p,,á,g. 9 e se,guinte.,_ - 23 - l .") O contato entre as cuJturas se verifica no mesmo território. mediante o deslocamento de contingentes de _população. originãrios de outras regiões. A essa forma de contato correspondem a imjgração. no q ue se refere ao pais de origem. e a emigração, no que diz respeito ao país de de.stino. A rigor. não se trata de c:oncatos tntre as culturas que. radicadas em seu habitat. como as plantas ao solo originário. não são. tomadas em sua totalidade. suscetíveis de transplantação, mas de contatos entr e uma cultura, a que recebe os imigrantes, e os representantes de outra cultura, a que. envia os emigrados. A im!graç.ã o se pode fazer v iolentamente, quando acompanha ou sucede. às guerras de conquista: ou pacificamente. quando resulta de acordos entre as nações. A invasão e a conquista da América do Sul pelos povos da Peninsula }bê.rica. são exemplos históricos de violento contato entre culturas. que se realiza mediante a ocupação e o domínio dos territó rios conquistados. Em suas formas padfiais. êsse contato continua a marcar a nossa história. sobretudo a dê.ste século, caracterizada pela cresc::enu: absorção de imigrantes europeus. 2.°) A coJoni:ação. segunda forma de contato entre as culturas. embora também se verifique no mesmo território. distingue-se. todavia. por resultar, como diz Spranger. de ··um propósito consciente de uansplantar a c uJtura. conquistar o poder e realizar a e.xp!orâção econômica: neste processo se revela um principio imperialista. que assume as formas mais diversas do direito pUbHco." ( 12) A colonização. - 24 - como veremos melhor mais 0:diame. implica in icialmente um. confronto das culturas em piese.nça. ao qual se segue: ou uma te.ncativa de: cornpi:omisso, de que p<>deda resultar uma nova forma de cultu ra, ou a destruição da cultura dominada pela imposição unilateral da cultura mais poderosa. A transplantação da cultur:a doi:ninante, embora imponha e faça prevalecer os seus valores. instituições e formas de vida. sofre. sem dúvida. o impacto das novas condjçõe:s mesológicas. que a forçam a um processo de adaptação. Mesmo quando o processo não é o da convivência pacifica. mas o da imposição unilateral da cultura. a transplantação jamais reproduz em sua totalidade. simplesmente porque a cultura ê insepa• rável de seu engaste ou contexto natural. a estrutura e os traços da cultura transplantada. J.• ) O contato não ocorre no mesmo terr:tôrio mas se exerce à distância. Consideremos. ern primeii:o lugar, os contacos que se estabelecem entre culturas distantes no espaço. O intercâmbio normal entre os povos. econômico e político. implica sempre exportação e importação não só de mercadorias, mas também de valores. categorias. hâb;tos e formas de vida. Para ilustrar essa forma de contato. poderíamos lembrar a influência que: exerceu sôbre a Alemanha a França de Lui: XIV... quando os alemães <:ultos chegaram a adotar a língua francesa", ou e.ntâo, a influência da Alemanha na cultura francesa do (im do sêculo XIX: ·· ...a<::redito", escreve Nietzsche. "que nessa França ü>.teligente. que é também uma França pessimista. Schopenhauer está ma:s em casa do oue 1 ja.cnais e.stê.ve na Alemanha: não falo de Henri Heine que. hã muito tempo, já está na carne e no sangue dos líricos parisienses mais delicados e mais precio~ sos. ou de Hegel que, na figura de Taine. quer dizer do primefro entre os hfatoriadores vivos. exerce uma ação soberana, quase tirânica. No que se refere a Wagner, quanto mais a música francesa se adaptar às exigências reais da alma moderna, mais. podemos prevê--lo. tornar-se-á wagneriana," ( 13) I:! óbvio, como observa Spra.nge.r , que êsses contatos jamais podem ser tão decisivos quanto os que se realizam com a prese.nç.a dos represe.ntantes das dive.rsas culturas no mesmo território. Todavia, os seus efeitos. a prazo longo. podem ser tão radicais quanto os da colonização. O que atualmente. ocorre. e que justifica a observação de um jornalista francês, C. Bourdet. se9 undo a qual ·· poderia.mos descrever o período presente da histó.ria da humanidade como um período de colonialismo generalizado". (11) ê o imperialismo da cultura europê.ia e ocidental. dent.ífica e técn:ca. em tôdas as regiões da terra. Arrastando consigo a concepção do mundo. de que são o resultado e a expressão. as técnicas e as máquinas fabricadas pela tê:c.nica. desencadeiam. nos contextos culturais em que são instaladas. o que Nietzsche chamaria de "transmutação total de valores". fazendo explodir a armadura das velhas e tradicionais culturas que se - 26 - mantinham estagnadas. à margem do P;l'OCesso ~istõrico. A universalização da ciência e da técnica euro• pêias tornará <::ada vez mais intensa essa forma de contato. à distância. entre as diversas culturas. O intercâmbio cultural entre povos arcaicos e subdesenvolvidos e a moderna técnica ocidental. ten• de:rá a estabelecer uma forma de contato em que os povos da periferia. que são objeto e não sujeito da história. assumirão. cada vez mais. ao menos no pri• me.iro momento. uma atitude passiva e receptiva . pois a incorporação da técnica européia. como veremos. é: a condição básica da sua emanc.ipaç.ã o. A contrapartida d~sse processo é a tendência crescente à unifornti:ação. à destruição da origJnalidade regional e ao desaparecimento das culturas, como "ko,smos .. autônomos e peculiares. Não se trata de progresso mas do preço que se vai pagar. no mundo todo. pela expansão da revolução tecno-lógjca. O paletó saco usado por nós não representa um progresso em relação ao quimono japonês. por exemplo. mas é apenas uma indumentária dife.rente. O quimono. no entanto. não pode ser sacrificado isoladamente. porque implica um repertório de. objetos e. valores que lhe são correspondentes e afins. e que constjtuem. integrados em um todo orgânico. a "cultura" japonêsa. ou o ··mundo" japonês. As nações portadoras de tradição milenar. de herança cultural que se perde nos séculos. como as nações do oriente. enfrentam. hoje. a alternativa dramática de ou permanecerem fechadas em si mesmas. refratá.rias à evolução tecnológica. e incapa.zes. port.anto, - 27 - de resolverem seus problemas de sobrevivência e resistir ao imperialismo dos pmtos ocidentajs ou ocidentalizados. ou então de ocidentaliz.ac--se. pela assimHação da dênda e da técnica européias. sacrificando. assim. a sua tradição e a sua originalidade cultural. Pata sobrevive,- e resistir ao imperialismo e defender. portanto, a sua autonomia. devem. tec• nificar-se. mas. o preço que pagam por essa tecnificação que. em tese. as tomaria capazes de defender-se e de preservar a sua autonomia. é. a própria independência. A fim de não europeizar-se pelo co~ loniaJismo. são obrigados a europeizar-se ou a american.izar--se pela tecnifjcação. Porque é evidente que os batismos no Ganges e o ascetismo gratuito dos iogues se revelarão. a curto prazo. incompatíveis com os aviões a jato e as pilhas atômicas. 4.•) A qua,ta modalidade de ação das cultu• ras umas sõbre as out.ras é a que se realiza também à distância, não no espaço mas no tempo. não entre culturas contemporâneas. mas entre culturas atuais e culturas extintas. A e-SSâ for-ma de contato e de influência corresponde o que costumamos cham.a.r de Renascimento. A época que os bjstoriadores qualificam de Renascença teria consistido. precisamente. em um redescob.rimento da cuJtura antiga. TodaviA, como observa Spranger. o exemplo ma:s significati .. vo da influência de culturas separadas no tempo é ·• o da repercussão ainda não coneluida da cultura greco-romana nos povos romano-germânicos. cultura que renasce e é assimilada com renovado impulso em contatos sempre repetidos:· { 15) Tal modalif 15) Edwud SprtuaQ~r. ot>. dt.. p.lg. 22. •• •• •• •• •• •• •• •• ~ ~ 4 4 ~ 4 14 14 :: 14 14 14 14 ~ ;,. ~ - zs dade de contato também se ve.l'ifica no interior de. uma mesma cultura. que p0de restabelecer, movida por uma exigência de: recuperação ou de: restaur:ação, for-mas originais e primitivas da prõpc'ia hi$t6ria. As restaurações se apresentam. então. como "reformas". Inútil observar que. na história, essas modali .. dades de contato e coUlpenetração cultural não se apresentam na pureza de sua configuração esquemãtica. mas confundidas umas com as outras. o que se ve.rifica especialmente em re..lação às duas primeiras. isto é. à im.ig i;-ac;ão e à colonização. Dessas formas. as que nos interessam de modo especial. porque nos dizem respeito mais de perto. são as que acabs:mos de referir. e também a influência à distância entre culturas contemporâneas. Vejamos. pois. quais as ca.racteristicas do que poderíamos chamar de situação ou complexo colonial. Devemos esclarecer. desde 1090. que para com.. preender devidamente a situação colonial. é neces.sário considerá-la como totalidade. corno situação global. que afeta e tinge de ,1cn colorido específico todos os ingredientes que a constituem. O colonialismo impregna. coo10 atmosfera. todo o complexo de rehu;ões. instituições. valores e formas de conduta que coropõe.m essa forma especifica de contato e de choque entre as culturas. .. A sociedade colonj .. :.ada". escreve Georges Balandier. "pode ser considerada uma soc!edade 9lobalmcnte alienada. que é atingida, em sua organização s6cio•cultural (em um grau que varia de acõrdo com sua capaddade de resistência) e tanto mais submetida à pressão da - 2? - sociedade dominante e estranha quanto ciais degc~dada estiver." ( 16) Queremos salientar. nêsse texto. a expressão "globalmente alíe.nada" que. a nosso ver. caracteriza a essência do complexo colonial. A histõria nos tevela. e a nossa história também o faz. que a colôriia é organizada patn funcio- nar como "insttumento" da nação colonizadorâ. Desde o inicio. desde a instauração das relações entre conquistados e conquistadores. domioados e dominadores. se estabelc.ce um tipo de relação correspondente ao do senhor e do escravo. tal como Hegel o descreve na "Fenomenologia do Espírito" . Além da fôrça material. da superioridade técnica. que lhe permite a imposição unilateral da cultura de que é portado,:-, o colon izador traz também a "boa cons .. ciência". a consciência de que é representante de uma cultura superior. cuja imposiçc'ío. mesmo por processos violentos. ê legítima. à medida que ê sintoma da vocação ecuménica ou do dinamismo expan .. sionista de sua cultura. O binómio senhor e escravo. que marca as rel..1çõe.s entre o colonizado e o colonizador. nos pare<:e caracterizar todo o complexo colonial. O colonizador é sujeito. ao passo que o colonizado é objeto: o primeico é titular de direitos e privilêgios. o se-gundo só tem obr:gações e devtre:s. e. quanto aos direitos. aper1as aquêle.s que o senhor lhe concede. O escravo não é sujeito e não tem direüos. porque, como diria Hegel. não é "reconhec~do" pelo senhor. não é visto por êle como se fõsse tambén1. sujeito. O - .30 - escravo não te.m ser próprio. nada é em si mesmo pois o seu ser se fu.nda.me.nta no ser do senhor. de cuja vontade é apenas reflexo. Podemos entender agora o que dissemos a respeito da "al:enaç~o.. como característica global das sociedades coloniais. O colonizado não tem ser própi:io. uma vez que o seu ser é o ser do "outro... parâ o qual foi transfe.rJda ou alie.nada a sua liberdade. Quem detenni.na a sua vida. que.ru fixa a tábua de valores. quem estabelece as regras e normas de conduta. quem impõe os padrões culturais. que.rn <:onfigu..ra o seu ser não é êle mesmo. mas o senhor. Compreendemos tambê.m porque. raz.ã o compatamos a situação da colõnia à situação de instrumento nas mãos do colonizador. O ser do instrumento ou do utensílio não está nêle mas fora dêle.. poi$ o instrumento. como mostrou Heidegger, não tem seu fim e.r.n si mesmo. mas fora de si. .na função que. torna possivel. quer dizer. na execução do projeto do que dêle se ut.iliz.a. A partir dêsse projeto origina]. de. conquista. domi.n.io e exploração. cuja mola propulsora. no que diz respeito aos fatôres reajs, ê o imperialismo eco-nõmico. a partir dêsse projeto. e em função dêle. a estrutura <:olonial se conf 19ura na base da "aJjena.ção". que faz da colônia .. instrumento·· a serviço da metrópole. Essa alienação explica. também. a fun• da.mental inautenticidade do complexo colonial Na consciência do senhor. a ideologia que se procura impor ao colonizado. e que. por hipôtese. deveria justificar a empresa colonizadora. não ade.re totalmente às motjvações reais que. como vimos. se pren- - 1 JI - dem ao impe.ria1ismo econômico. A superioridade dl? raça e de cu ltura. a superioridade técnica e militar estão presentes na consciência do senhor como va. fores que. a seus olhos. justificam o domínio que exerce. Ocorre. no encanto. que entre êsses valores. como um dos ingredientes da ideologia do colonizador. se encontra a tese de.rnoerâtica da igualdade fundamental dos homens. Na ideolog :a que, em prin• cipio, d.e veria justificar a emprêsa de domínio e ex.. ploração. se acha o ge.rme que irá provocar e justifi.. ca.r a revolta do escravo contra o senhor. Quanto aos fatõres reais. o coloniz:adot instaura. na região dominada. novos processos de tra-balho e novas tée:nic.a.s de produção. Para entrar em contato com essas técnjcas os colonizados aprendem a língua dos colonizadores. veiculo de. sua cultura. tomando assim consciência de outros padrões e njveis de vida. e criando oovas expe.ctaHvas e exigências de consumo. Por uma reviravolta díalét:ca. o proce.s so de colonização se. converte. senão a curto pelo menos a longo prazo. em um processo de Ji ... bertação econõmica e cultural dos povos coJonizados. Na vigência do processo. porém. e antes das culturas submetidas começarem a tomar consciência d e sua situação no complexo colonial. o que as caracteriza é a rad·cal inautenticidade.. quer dizer a carê.ncia de originalidade ou de "ser" próprio. A duplicidade. a transplantação, o amorfismo. a. hete.ronomia. todos os cacacter:!s apontados como típicos da situação. do complexo colonial. decorrem. a nosso ver. dessa .radical alienação que é: constitutiva do próprio compfexo. A dependência em rela- •• •• •• •• • ie •• •• • ~ = • •• •• •• •• • : ~ ~ 32 - ção ao colonizador. ao ouu-o", não caracteriza e determina apenas alguns aspectos ou eJe.me.1uos do complexo colonial. mas o afeta e determina em sua totalidade, impregnando-se como a atmosfera. Na colônia. embora o senhor seja fim e o escravo meio . o senhor só é senhor em Cace do escravo e à medida que o escraviza. e o escravo só é escravo dittntc do senhor e à medida que é por ê)e escravizado. E como todo o complexo estâ determinado por essas relações. em que se baseia o processo de exploração econômica. a alienação não é um "defeito". um .. mal". das culturas coloniais. mas a pró.. pria condição dessas culturas. Não há. pois, simplesmente porque não pode haver. um colonialismo econômico independente do colonJaJismo c1.iltutal ou. vke-ver-sa. um colonialismo cultural independente do econômico. Cool isso queremos dizer que: um povo económicamente colonial ou dependente fembém será dependente e colonhil do ponto de vista da cultura . tomando a palavra cultura no se.ntldo de mundo ob .. jetivo em que. se exterioriza o espírito si1bjetivo dêsse povo . O colonialismo econômico. implicando o coJo.. nialismo cu)tural. não pode permitir. Por parte dos· povos colonizados. a tomada de consciência de .suél situação de colonizados. Essa tomada de consciência não se pode fa=cr conc:re.tamente, sem â implí-. ci~a formulação de um juízo de valor a respeito da ação colonizadora. e a for;mulação dêsse juízo de valor. no qual a tomada de cotlsciência consiste. implica um recuo. ou .melhor. uma rutura do complexo colonial. rutura essa que ser;1a impossível. na - 33 - vigêpcia do processo. porque contraditória com a sua estrutura e. lógica interior. A prazo longo. portm. nenhum império se pode mance.r pela violêncüa apenas, contra o protesto e a insurreição permanentes dos povos oprimidos e explorados. AS ALTERNATIVAS 00 PRESENTE Não pretendemos. na terceira e itlt.ima parte desta conferência. fazer u.m resumo da nossa his• · t6tia. mas apenas indicar. ou melhor, lembrar o sentido de acôrdo com o q uaJ se processou o desenvolvimento da cultura brasiJe.ica. Esquece.mo-nos. freqüente.mente. de que. ao descobrir e colonizar o Brasil. não pretenderam os portuguêses lançar. nas regiões do novo mundo. as bases. os Eundame.ntos de uma nação jndepe:ndente. Ao encontrar a te.rra de Santa Cruz. o propósito que animava os descobridores era o de dilatar o Reino. incorporando novos dominios ao Império de Portugal. Não se tratava. pi!ra os contemporâneos de D. Manuel. o V enturoso. de plantar. no continente virgem e quase deserto do que mais tarde vida a ser a América Lusitana, a se.n1e.nce de paises autônomos. de povos independentes. criando uma estrutura política e administrativa que propiciasse. uJ ... teriormente, a sua emancipação. O propósito. ao contrário. era predatório. e a preocupação exclusiva. a de explorar as riquezas da terra conquistada. remetendo para a metrópole o fruto dessa exploração. Foi em função dêsse projeto. perfeitamente definido. que se assentaram as bases e se esboçou - 3·1 - a estrutura do que: se. tornaria, alguns séculos depois, a nacionalidade brasileira. Ao · longo dos ciclos de exploração do pau-brasil, da cana de açúca r, do ouro. do gado, o que interessava à tllet.r~ pole era manter e consolidar a situação colonial do Brasil. A função princ:ipal.do apareJho do Estãdo. dos Governadores-Gerais às Capitanias e aos V ice•Reis, consistia em assegura r a exploração da colônia. euja produção. e.m regime de monocultura servil o u es• cravocrata. não era consumida por um inexistente me.reado interno. mas remetida para o mercado eu-ropeu. Se confrontássemos a infra-estrutura eco nômica do Bras:I colonial com a sua eStt:'utura politica e administrativa, verificaríamos que. atê. o comêço dêste século, quer dizer. até os p rimórdios da industrialização, o BrasiJ não foi configurado e.to função dêle mesmo. mas do exterio r. co mo emprêsa extrativa. destinada a explorar o trabalho serviJ e a exportar maté.rias ..primas para os países do Ve.Jho M undo. "A eeonomia da America hispano..Jusa, incontestàvelmente colon ial". escreve um ensaista argentino. "nasceu e viveu em função do me.reado do centro ocidente europeu. .. ( 17) O problema dn coloruzação do B rasil. porém. aprese.,Ha aspectos pc?culiares. cuja importância não deve ser menosprezada sob pe.na de não nos pe.r1 mitir compreender o processo de nossa formação. Consideram. freqüente.mente, os ensaístas. sociólo(17} Sérgio Ba~u. ··&Jnrtu,a Sodltl de la ColonUf', páv:i, il•tt. - 1 1 1 ' 35 - gos e historiadores brasileiros. os traços que ju_lgam característicos da nossa cultura, como defeitos. males ou vícios da nossa formação. como se a duplicidade. a hete.ronom.ia. a transplantação. a inautenticidade fõssem pecados o u erros. oriundos da mal.icia ou da ignorância do homem brasileiro. Não levam ém conta. êsses diagnõsticos, que a alienação. como vimos na segunda parte desta confer ên cia. não é urn "addente" na estrutura do processo co lonial. mas constitu i a p rópria essência dêsse processo. U m povo colonial é um povo essencial e globalmente alienado. Ern relação ao Brasil. no entanto. convém observar que o p roblema não foi o do choque ou do conflito de c ulturas. prôpriamente. pois. ao descobrir a Terra de Santa Cruz, os portuguê.ses não encontraram uma cultura complexa e di.. ferenciada. mas tribos errantes e primitivas. que ainda se achavam na idade da pedra lascada. Nada encontraram q ue se pudesse comparar às pirâmides de Teotihuacán. ao Templo do Sol. na Cidade de Cuzco, o u à estrut ura aristocrática e sagrada do fa .. b uloso império dos Jncas. que os espanhóis desco• britam no M éxico e no Pe.tu. Nesses pai ses houve choque violento entre a cultura a utóctone. em alto g rau de desenvolvimento. e a cu ltura dos conquistadores. Tanto os aztecas quanto os incas possuíam religião. arquitetura, organização política e administrativa, técnicas agricolas. usos e costumes soei.ais. O império Tupi. que se estendia pela oda IJ.. torânea do Atlã.ntico. era. ao contrário, formado de tribos nômades. primitivas e bárbaras. No descobrimento e na éOnquista da Amúica 3 :J. 36 - - Portuguêsa não houve intercâmbio cultural: mas imposição unilaceraJ da cultura ibérica e destruição ou conversão das tribos autóctones. No cenádo vazio, que era a~as geografia. não ocorreu, porque não poderia te.r ocorrido. o conflito da cultura local com a cultura dos conquistadores. como aco11.teceu no México e no Peru. Não havia uma cultura local que pudesse resistir ao impacto dos invasores e defender.-se. a fim de preservar a sua originalidade e a sua autonomia. A culturn das tribos autóctones era a ruais rudimentar e primitiva. e a sua desproporção com a dos coloni=adores de ta.l ordem que não permitia nenhuma veleidade de resistência. ·· As observações deixadas por viajantes e missionários que surpreenderam a vida dos caboclos ainda virgens do contato europeu". escreve Gilberto Freyre. "nos au .. cori:.am a generali:::ação de ter sido a cultura indigcna. mesmo a menos rasteira. encontrada na Amédca pe.Jos portuguêses-e da qual restam ainda pedaços em estado bruto-. inferior à da maior parte das áreas de cultura africana. de onde mais tarde se importariam negros puros ou jã mestiços. para as plantações coloniais do açúcar." ( 18) Para o conquistador lusitano do século XVI. os índios tapuias ou tupiniquins deveriam apresentar-se eorno elementos da paisagem. coroo i:epresentantes da fauna brasileira. que as exigências da emprêsa colonizadora obrigava a "converter", isto é. a domestic.ar ou então a destruir. ( nota b} O elemento até: então estranho transplantou a ( 18) Gllbuto Fr.-yn:. ·•c1isa Ctand.t ~ s-::it!o ... 1.• ed., pà9$- 9i-9S. 37 - sua cultura para• um contexto que não era história roas geografia, que não era cultura mas natureza. Nesse contexto geográfico e natural. não organizou uma instituição filantrópica, mas uma coJônia. uma emprêsa extratjva e comercial. destinada. como vimos. a abastecer os mercados europeus. O que po.. deriâ ter influído na estrutura cultural dos colonü:adores não e.ra. pois. â inexistente cultur3 autóctone. mas as novas circunstâncias mesológicas, o solo, o clima. a flora, a fauna. a que se via obrigada a adaptar--se a cultu.ra do Império. Os problemas da transplantação, da duplicidade. da hetc.ronomia, só poderiam surgir a p.a.rtir do momento em que um projeto de emancipação ou de independência viesse a incidir nas instituiçõ.?.$ coloniafa. À índependênda politica proclamada em J 822. por um príncipe. aliás. português. não libei:tou realmente o pais. mas revelou a inadequação ent.re as instituições vigentes. estrutu.radas em fun... ção do projeto de colonização e o novo projeto de emancipação. Como observt. Guerreiro Ramos. ·· a transplantação foi wn acidente inevitãvel da formação brasileira. um acidente normal e não patológíco em todos os contextos coloniais ... Graças a ela. saltamos várias etapas de. desenvolvimento e um território no qual se distribuíam tribos na idade da pedra lascada. passou de repente. para o plano da história e uropéia. Não seria por meio d e mero cresci.me.nto vegetativo que jsso poderia ocorrer. A transplanta• ção foi um expediente histôrica mente necessário para que se tornasse possíveJ. a seu tempo. a nação brasileira.·· E adiante. no mesmo trabalho, observa ain- 3S - da o sociólogo brasileiro... hâ. no entanto, um motne.o to em que a transplantação se torna. entre nós. algo de que se toma lúcida e dramática conSciência. Foi a Independência que inaugurou a fase em que aos nossos quad.cos dirigentes deveria caber o mister ciclópico de criar instituições para o país. E:sse momento só o tiveram os países descobertos ou colonizados. Foi nesse momento que se apresentou aos nossos quadros dirigentes o problema da formação nacional... ( 19) Talvez Guerreiro Ramos exagere ao dizer que com a lndependênc.ia se torna lúcida e dramãtica a consciência do problema da transplantação. Não nos esqueçamos de que. nessa épOCa. o Brasil já não era a sede da metrópole e que o gesto de Pedro I em nada a lterou a estrutura econômica e social do pais. Conservou ...se intacta a dicotomia entre "casa graode e senza]a" tão be.m estudada p0r Gilberto Freyre. em seu livro dãssico sõbre a nossa formação colonial. Durante o !,egundo Império. até a proclamação da RepUbJica. o eixo da nossa economia tende a deslocar-se do nordeste para o sul. dos engenhos de açú• car para as lavouras de café:. Mas. "se o ponto de apoío econômico da ;;uístocxada colonial se deslocou da c;;ana•de-açúcar para o ouro e mais tarde para o cafê ··. escreve Gilberto Freyre... manteve o instrumento de exploração: o braço escravo:· (20) A f;. sionomia geral do País. portanto, nem por isso se altera. Manté.n\•se a discriminação entre a aristocraqul& t 191 11• CuotrN'll'O Rl\mos, "O T,:m,t, de Trtin-1,>lant~JQ e tu Ent<.16• htt(tfH~ltflrO $Qc,016gtc,t, rio &aail". ln "~rviço Socit\r. ano XIV, n.• 7-f. 19>'4, p,t,g. 15. (ZO) C!ll>oerto Fnyrr, ldtm, c.opttuk, 1. - • 1 3 39 - eia rural. a bu.rguesia latifundiãria. senhora absoluta do poder econõmko e político, e a escravaria anõ-nima. conde.nada ao trabalho servil. Conse.rva.-se a estrutura econômica na base da monocultura lati.fundiária e escravocrata, exportadora de matérias• primas e importadora de produtos acabados. Nem mesmo a Abolição, que deveria provocar a queda do trono e a proclamação da República. alteraria essa estrutura. O poder continua nas mãos dos senhores das terras, dos fazendeiros. da aristo... cracia rural. que ainda conserva os preconceitos e os privilégios da nobreza do Império. Exportamos principalmente café. que repre.senta 70% das nossas vendas pa1;-a o e...xterior. e com o café importamos desde sapatos e tecidos. máquinas e veículos. trigo e perfumes. até as idéias que também recebe.mos prontas e acabadas. com os produtos industriais. Não temos indüstria. nem mercado interno e embora tenhamos proclamado nossa independência há mais de um século. ainda somos econômica e culturalmente uma colônia. O complexo coJoniaJ. no qual se configurou o homem brasile:ro durante mais de quatro séculos. implicava. como vimos. a impossibilidade de tomar... mos consciência critica de nós mesmos. Se temontarmos a nossa própria biografia e c::onsuharmos o nosso estado de esp'irito. antes dos anos 30. verificaremos que o colonialismo se manifestava e.m nós não sõ pela total dependência. mas também pelo complexo de inferioridade em relação à Europa. Se eram íng lêses os sapatos e as fazendas das roupas que vestíamos. fr~mceses eram os livros que liamo.s e - 3 • as idéias de: que oos utilizâvamos. A falta de consciência nacional. a falta de consciê.ricia critica em re• lação a nós mesmos, se explica pela "alie.nação", pois o conteúdo da colônia não é a própria colônia mas a metrópole. A colônia não ê: um ser. com forma própria. mas apenas um poder ser. uma matériaprima. na qual a metrópole imprime: a forma que caracteriza a sua cultura. (nota e) Não nos podiamos ver poi:que os insu:umentos de que dispúnhamos para realizar essa operação não eram nossos. mas faziam parte da ideologia dos colonizadores. "Pais importador de manufaturas e exportador de ptodutos primários". escreve San Thia .. 90 Dantas. "subordinado à liderança econômica e cuhura l de outros países. que se haviam de impor às nossas elites como mede.los. não podjamos fugir à regra de nos tornarmos consumidores de ideologias alheias. isto é. de adotarmos os esquemas ra6ona..is, os artifícios jurídicos. as tãbuas de valo.res. com que os países cu lturalmente livres revestem. dignificam e universáliza.m os seus impera tivos vitais." " ... Incapazes de discernir o que é realme.nte universal e absoluto". observa ainda San Thiago. "isto ê. transcendente às condições espedais de vida de uma coletividade ou de uma época. do que é ideológico e relativo. isto é. cricido para assegurar aceitação e viabilidade a impulsos vitais. a cultura dos países liderados faz. involuntàriarnente. o jôgo dos seus competidores. aplica à própria realidade uma tábua de valores que não lhe convém. e entra na crise da objetividade. que tanto nos desespera quando te.mos de obter dos nossos intelectuais ou dos nossos ho- • • • ' - 41 - mens públicos um pronunciamento sôbre um problema." (21) Tínhamos de nós mesmos a idé:ia que convinha aos colonizadores· que tivéssemos. a idéia que coin ... cidia com os interêsses da exploração e os justificava. Do livro do Conde Afonso Celso ao de Paulo Prado. se excetuarmos algumas figuras isoladas que não chegaram a fundar escola e a influi.t na vida do País. como José Veríssimo. Sílvio Romero. Alberto Tõrres. Euclides da Cunha e. posterionne.nte. Oliveira V iana. a inteligência brasileira transita de uma visão ufonista e otimista do Brasil para uma visão pessimista e quase desesperada. com.o se. o problema. ou melhor, a missão da nossa inteligência não fõsse a de conhecer e de compreender o País, mas a de exaltá-lo nos panegiricos ou denegri-lo nos re .. quisitórios. Compreende.mos hoje que a tomada de consciência de um pais pot é/e próprio não ocorre arbitràriamente. 11em resulta do capricho de indivíduos ou de grupos isOl(ldos. ma.s é um fenômeno histórico que implica e â$$inn/a a rutura do complexo colo11ial. Vârios fatõres. e não apenas os de o rdem ide.ai. contribuem para provocar o advento dessa consciência crítica: t .•) As guerras. por cxe.mpJo, que acemuam e tornam patente a dependéncia em relação ao exte• dor. A súbita carência daquilo de que habitualmente dfapomos. e se incorpora ao ritmo normal de nossa vida, nos obriga a vedficar que os produtos. rner<:.a(21) S.w Th!ago O:aotti.s. ..Edu<"rAo ~ra o d<ttrrw,lvimt-llto... ln "Alov.,u Prol.:Mmll.$ Bms.iklro.s". págs. 6 t 7, - iZ - dotias e utensílios de que nos servimos não são produzidos mas apenas comprados j,or nós. em mercados com os qua!s a guerra nos impede de permanecer em conrnto. Essa falta repentina rompe o que Heidegger chamaria de "complexo utensiUar". obrigando-nos a tomar consciência do pro<::e.sso econômico em sua totalidade e da função de instrumento que nêle desempenhamos. Para reconstituir o circuito dos bens. das mercadorias. somos levados a fabricá-los ou a procu1:ar fabricá-los por conta própria. a fim de substituir a sua importação interrompida pela guerra. Lembremo-nos de que os dois sur:tos indust,:iais ao Brasil coincidem com as duas guerr as mundiais. ( nota d) O isolamento q ue ~sses con flitos provocam propicia também. no plano ideal, às nações que se encontram à margem das contendas. D oportunidade de se recolherem em si mesmas. imp~did.as que: se. ach am de se. alime nta rem das idéias e dos produtos culturais estranhos. "A crise mundiaJ da cultura-e princ.ipalmente a desconcertante queda da França" - escreve um ensaísta uruguaio, Alberto Zum FeJde. "'significa para nós. sol-americanos, um momento muito peri9oso. porque nos deixa sós e desvalidos. O eclipse da França nos deixou ent.tegues a nõs m esmos: é talvez o momento de tentarmos andar com os próprios pés... ( 22) 2.º ) As crises resultantes de perturbações internas ou das repercussões. na vida do país, das crises jntemacionais-que. como as guerras. também p.'\gs ( 22) Al~rto Zum Ftldc, "El Probfon• 4;: ht C11llu·u Amcr!c~1til-, Sl -52. - 43 - podem acentuar a situação de dependência. A crise de 1929. repe..tcutindo diretamente em nossas e;-<portações. deveria determinar. aliada a fatô res internos de natureza Política. a revolução d e 1930. As e.rises salientam. também, a g ravidade dos p roblemas internos, revelando o mau funcionamento das instituições ou à sua inadequação às novas exigências do processo econômico e sociaJ em curso. O coJapso dos serviços públicos. a crise da energia. dos transportes. o agravamento da espiral inflacionista. a esc:assez e a carestia dos gêneros e. das utilidades. a alta continua do custo de vida. a fermentação política. os pronunciamentos miJítares, as greves anunciam desequilíbrios. desajustamentos de estrutura e de conjuntura que se apresentam com o carâter de proble.inas ou desafios urgentes. a exígir imediata solução. 3.º) A desagregação das instituições locais. Sob a pressão das condições originais e peculiares do meio. da "'realidade oadonal", pode ocorrer .a desintegração das instintições. assinalando o que jã se chamou de " limite de tolerância à alienação"". Assim, por exemplo. é possive.J que e.m um país como o Brasil, no q ual coexistem tôdas as épocas da cu ltura e que não é uno porque é ao me.nos triplice-primitivo. com índios seminus. às margens do Araguaia: arcaico. e.m quase. todo o interior e sobretudo nas regiões do norte e do nordeste: moderno. urbano e industriaJ. nas regiões do centro-sul.- . é possível que em um país assim ... museu de soci0Jo9ia retrospectiva e. de história comparada". como diria O liveira Viana. instituições políticas como o 3. :• •• •• • que nos referimos . [lt 4 .11 ) A tomada de collsciência se opera a partir das novas C'elaçôes econômicas e culturais. das exlgê.ndas do desenvolvimento que denunciam. no qua ... dro da dependência. um obstâcuto aos movimentos de emancipação. Segundo um técnico dos problemas coloniais. { 23) essa tot)lada de coosciéncia condiciona e determina os movimentos nacionajs, Os re- •• • •= ~: • ~ - - ·H - presidencialismo. os partidos nacionais e o sufrágio universal. instituições importadas. anexadas à 'nossa realidade. talvez: sejam inadequadas à estrutura do Pais tevelando, pelas crises que pe.riódic.amente provocam, os .. Jimite.s de tolerância à alie.nação", a sultados e os sintomas dêsse processo são os seguintes: a) adve.nto de uma "inteligentzia" nacional. aberta aos problemas do país e e mpenhada em sua solução. capaz de converter-se em órgão da consciência nacional; b) advento de uma consciênda nacional popu~ lar. esclarecida em relação aos problemas de base do País: c) formação de um movimento operário. enquadtado em ideologias trabalhistas e nacionalistas; d) organj:ação de um movimento de Hbertação nacional. Ocioso seria imaginar que êsse movimento se processa por motlvos de ordem ideal. sem conexão coro os interêsses dos diversos grupos que <:ompõem a sociedade colonial ou se.micolonial. "A reação .. , 15.- escreve. Balandier. "vem das categorias sociais que supo.rtam a situação cblonial como um entrave ao seu desenvolvimento. ou daquelas que. em virtude dessa situação. se acham particularmente prejudi... cadas." ( 24) No caso brasileiro. a reação <:ontra o sernicolonialisrno e o subdesenvolvimento sõ se poderá fazer com apoio das c:Jasses que o suportam como um entrave à própria expansão-expãrlsâO da indústria nacional e do mercado interno-. quer dizer. a burguesia industrial. o comércio ligado a essa burguesia. os setores escla.recidos da classe média e o ptoletariado industrial. 1:: com apoio nes... sas classes. nos seus interêsse.s e nas suas reivindicações. que coincidem. aliãs. com os inter~sse.s do desenvolvimento do Pais, que a .. inteligentzia" brasileira poderá forjar a ideologia de libertação na ... cional. • Até 1922. queremos dizer. até a. "semana de arte moderna". não há prõpriamente história. mas pré-história do Brasil. Não tinhar:nos. at~ então. uma filosofia própria. uma ciência nossa. uma arte. urna literatura e uma poesia autênticas. Não tínhamos consciência de nós mesmos. não sabiamos o que éra: mos. não noi; conhecíamos. é.ramos um subproduto. um ,eflexo da cultura européia. Não nos c,,iamos com os próprios olhos. mas com os olhos dos eu.ro.. peus. Tínhamos vergonha de nós mesroos. de nossa pobreza. de nossa incultura. de nossa inferioridade. ( 2 ➔) Idem, p,Ag.s. S6-Si. - i6 - Encharcados. até os ossos, de cultura européia. êraroos cegos e surdos em relação ao Brasil. Alimentávamos. aliás, em relação a nôs mesmos. todos os preconceitos que caracterizam a psicologia dos povos coloniais. Inútil salientar. ainda uma vez:, a coincidência entre essa visão pessimista do país e os interêsses do imperialismo. da e.mprêsa colonizadora. Os preconceitos em relação ã inferioridade do negro. à nossa incapacidade de trabalho regular. de esfôrço construtivo. de apropriação das técnicas m~ de.mas. de industrialização. à inaptidão para o exercido da democracia. à incapacidade de organização política. de criação artistica origina1. os preconceitos e.m relação ao solo e ao e.lima. desfavoráveis, em tese. ao advento de uma civiHzação superior e propícios apenas à exploração das matêrias-prbnas e à plantação de gêneros alimentidos. todos êsses preconceitos. como observou Nelson W e.meck Sodré. contribuíam par<1 "manter as relações antigas. herdadas dos tempos coloniais··. ( 25) Enclausurados nessa óptica. vendo-nos através da ideologia dos países colonizadores. não nos poderíamos descobrir e encontrar. A imagem que fo:iamos do Bcasil também era ir:nportada e se interpunha como um "éc.ran" c.ntre a nossa consciência e a. realidade do Pais. A inserção no complexo colonial nos tornava incapazes de nos '"'desc:obrírmos". impedindo que tivéssemos uma visão "objetiva" do Bi:asiJ. Liames Eça de Queiroz. Anatole France. Oscat Wilde. jã havíamos ldo várias vêze.s ao Velho Mun(25) Ndwn W . Sodrd, "&ti:do lfí$1.~ •·t:"' S0t:i<,ldgt«1 d:, Cal. 00$ Probl~ do 8ra,u ... 1SEB-J9S6. '"'" Bra.Jifolra"-il'I ··rnirodu.;.:k> - 47 - do. ç:ias não conheciamos São luiz do Maranhão. Recife:. as igrejas da Bahia. o sertão do Crato, as veJhas cidades de Minas. Nada, ou quase nada sabiar:nos a nosso respeito. Éramos estranhos em nossa terra. O Brasil e.ra um pais sem importância e sem destino-que: produ=iamos nós de valor universal. quer na economia quer na cultura?- e porque éramos brasileiros. porque é.ramos nós mesmos e o Brasil. também não tinhamas nem importância nem destino. Permanecemos assim até 22. nessa posição subalterna. de coJonos. de meros consumidores dos produtos industriais e culturais esti:angeiros. na condição de "proletariado externo ... para usar a exprí$são de Toynbee. A partir de 22. porém. e especialmente a partir de 30. que também foi um prolongamento de 22 no plano político, o Brasil começou a despertar e a tomai: consciência dêle próprio. Ao processo de indust.riaJi:z:ac;ão e de criação do merca .. do interno, que se deve.ria intensificar especialmente durante a última g uerra mundial. ac.rescentou.-se. paralela e simultâneamente. todo um trabalho de pesquisa e de conhecimento da realidade e dos pro.ble.mas b rasileiros. E também o que te.mos de autên.tico. em arquitetura. em pintura, em romance. e.m poesia. data de 30. da crise e da revolução de 30. Na situação em que nos encontramos de País subdesenvolvido. semicolonial. que alternativas. que opções se apresentam à cultura brasileira? Inútil salientar a urgência. o dramatismo dessas a lternativas. que nos envolvem e nos comprometem a todos, à medjda que o nosso destino é inseparável do destino do Brasil. - Em face do imperialisroo. ao qual . interessa manter-nos· em estado de próspero subdesenvolvimento. pode.mos assumir as seguintes atitudes: a) A aceitação. que pode ser passiva ou ativa. A aceitação passiva caracteriza a situação coloníaJ típica, da qual se beneficiam todos aquêles que direta ou indiretamente participam da emprêsa colonial. A$ classes camponesas e as comerciárias ligadas aos interé:sses do subdesenvolvimento e do se.micolonialismo tendem a adotar essa posição. a aceitar inconsciente.mente o paternalismo imperialista.: também os setores pouco esclarecidos da classe média. cujos interêsses imediatos se acham acidentalmente !;gados a êsse paternalismo. b) A aceitação ativa implica o propósito consciente e deJibe.rado de servir aos interêsses do imperiaJismo. Adotam essa atitude as classes interessadas em manter a situação de próspero subdesenvolvimento. que convém às nações colonizadoras. Essas classes são a burguesia latifundiária. produtora de matérias-primas. a burguesia mercanti1. (i .. gada à exportação dêsses produtos. o comércio icnportador de produtos acabados e os setores parasitãrios da classe média. A aceitação ativa. que. chega ao "colaboracionismo". caracter-iza certos grupos reacionãrios da "inteligentzia ... certas formações po-líticas e a imprensa sub\re.ncionada pelo capital estrangeiro e pelas classes colaboracionistas. c) A oposição passiva supõe um mínimo de cons .. ciência da contradição existente entre os próprio~ interêsses e os interêsses do imperialismo. Pode re.. velar-se peJa resistência. pela recusa em consumir o • ·19 - produto estrangeiro, por exemplo, a fim de valori=ar e prestigiar o produto nacional. Pode manifes• tar-se. também. pefa repulsa às formas de vida impostas pela nação colonizadora. e pela sabotagetn dos 9r:up0s políticos que. representam êsse.s interêsses. d) À oposição ativa. finalmente. requer p lena consciência do problema. Denuncia a situação de dependência. a Situação semicolonial. Jutando aber• tamente contra cJa. No plano cultural. essa oposi~ ção atjva se revela na ação da .. inteli9e.nrz1a··. que: se converte. como dissemos. em órgão da consc.!ênci.a nacional: 1\0 plano poHtico. na luta dos partidos ou movimentos de sentido nacionalista. que repte• sentam os interêsses do desenvolvimento nacional: no plc'lnO econômico. pela ação rea!izadora dos produtores. dos iodustriais autóctones. do proletariado industria l e da lavoura de base tecnológica. Poderia parecer estranho que em uma confe... rência consagrada ao exame da Situação e das alternativas da cultura brasileira. tanta ênfase se tenha dado ao aspecto econõmko e às implicações sociais e políticas do problema. Ocorre que o problemil nacional é um só. e que a emancipação do País não se poderá íazer no p lano cultural. se não se. fizer tarobém no plano econômico. Brasil se defronta com uma opção fatal". escreve H é Jio Jaguaribe: "ou completa se-u deseswolvimento económico. ultimando a sua industrialiiação. reformando o seu sistema agricola. comercial e financeiro. e adotando as medidas políticas e administrativas correspondentes. ou retrocede à condição de país colonial. Essa própria alternativa. aliás. já está de certo modo superada ··o 1 - 'iO - pelo crescimento da população. diversifi~ação de seus hâbitos e: capacidade. e incremento da renda nacional. resta11do ao Brasil. no fundo. apenas a aJternativa entre o desenvoJvimento e: o caos econõmicosodal e político. uma vez qu~ o pais não poderia mais, sem conseqüências catasttôficas. retrog r:adar a wna estrutura colonial." ( 26) Se as atitudes cons.e.rvado.r:as e reacionárias nos parecem absurdas-indusive na Europa. herdeh'a de milênios de tradição e d e cultura-. porque contradar:n a essência do processo histórico que é a mudança e a irreversibilidade. com mais rãzão se.... riam absu.rdas em um Pais como o Brasil. que: não tem passado e. por isso mesmo. só pode ter futuro. Compreende.mos. finalmente, que somos nós mesmos e o Brasil. que o Brasil não é exterior a nôs, mas está em nós. faz parte do nosso corpo e da nossa alma. Compreendemos que o problema da cultura brasí.le.irá é um problema nosso. um problema pessoal. e que a nossa existência serã dependente e inautêntic.a enquanto fõr dependente e inautêntka a existência do País. Não nos parece ser outra a missão das novas ge.rações brasile!ras. DescobrJr o Pais, tomar consciência de sua realidade. de seus problemas. e forjar a ideologia capaz de configurar o seu futuro. promovendo o seu desenvolvimento e a sua emancipação. Não temos outra coisa .n fazer. senão inventar o nosso destino. construindo uma cultura que sejã a expressão, a forma adequada do novo Brasil que devemos criar. 1 ,• t ' Conferéncia.s prottuncia.dtts no Auditório do Ministério da Educação e Cultura. ,u1 Cadeira de ·· Filosofia no Brasil", do Curso R.egular de 1956, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros. 1 I• 1 f • ,,. •• • f • ••,. ,.,. ,.,. ,. ••,. ,.,. ,.,. •ie •• •• •• •,. •;,e ;,e = FORMAÇÃO E PROBLEMA DA CULTURA BRASILEIRA A NAÇÃO COMO PROCESSO HISTôRICO Ao empregar a expressão "cultura brasileira" . de cuja formação nos vamos ocupar, não nos queremos referir apenas aos aspectos intelectual e artistico. reJigioso. lite.rádo ou cientifico de nossa cultura. mas à totalidade das manifestações vitais. que, em seu conjunto, caracterizam e deíinem o povo brasiieiro. A pa lavra ê por nós empregada no mesmo sentido em que os franceses costumam usar a pal&vra civilização, com a qual designam o objeto próprio da história. seja a de tôda a humanidade. seja a de cada povo e.m particular. Poderíamos. assim . desde que nos entendêssemos prêviame.nte sõbre o sentido dos têrmos, dar a uma história de nosso País o título de História da Civilização ou da Cultu.ra Brasileira . Preferi.mos empregar a palavra cultu.ra por vár ias razões. Em primeiro lugar. porque corresponde à d istinção entre natureza e c.ultura. distinção essa que nos parece fundamental para a determinação do objeto próprio das dêndas do espírito. Em segundo. porque a palavra civilização. principalmente: depois de SpengJer. P';'Ssou a te.r sentido mais re,s.. - - ss - .54 - r.rito. significando ou a esclerose. o "cadáver" d a cultura. ou então. o· conjunto dos ingredientes de uma c-ultura-especiatmente as categorias e os métodos da ciência, bem como os utensílios produzidos pela técnica-. suscetíveis de serem transferidos para o contexto de outras cuJtu.ras e por elas assimilados. A palavra teria assim um sentido mais amplo. significando a totalidade do processo cultural, de que a civilização não passaria de um mo-mento o u aspecto. Ao falar na for.mação da cultura brasileira, portanto. que.remos aludir â formação histórica do povo brasileiro. no mesmo sentido em que Jacob Bu.rckardt se refere à "História da Cultura Grega·· ou Alfred Weber à .. História da Cultura ". A moderna filosofia crítica da história deixou claro que o objeto próprio. o objeto especifico da ciência histórica. não se deixa esgotar pela crônica das instituições poUticas e sociais, das ··idéias", das reformas. das guerras ou das revoluções. O objeto específico da história é a totalidade da vida humana em movimento. na qual as instituições. as idéias, as formas de produção. as obras de arte. as revo.luções e as guerras não passam de mome,n tos ou ingredientes. A histõria é a biogra fia da cultura hu -mana em geral ou das diferentes culturas. em par.. ticular. Compreender o homem. a partir de sua situa ... ção original. da sua presença na "drcunstâncía ·• ou "mundo", equivale a éOmpreendê-lo a partir de sua inserção em determinado momento da história. a historicizá.-Jo. Analõgkamente. um.a nação, um povo. • 1 não é aJgo de comparãv~J a uma coi:sa. ou a um objeto. dado de uma vez por tôdas, que permanecesse igual a êle mesmo e invariâvel ao longo do tempo. Uma nação ê um processo que t.rans<::orre no cempo, um processo histórico. Par:a compreendê- lo. é indispensável rem.mdar à razão fisico-matemãtica. que imobiliza e solidifica tudo o que toca . como víu Bergson com tanta agudeza. e apelar pa.ra a razão narrativa. concar uma história. Insistiremos nesse ponto que nos parece de. im ... p0rtâi1cia fundamenta l. Ao analisar as divetsas ~entativas de "interpretação" do Brasil. desde. o livro famoso do Conde Afonso Celso até ensaios mais recentes. como "Retrato do Btasil" de Paulo Prado. '"Psicologia da Revolução'" de Plínio Salgado. ··~ai'•es do Brasil'" de Sérgio Buarque de Holanda. l n;-..odução ao Estudo da Realidade Brasileira·· e "Conceito da Civilização Brasileira" de Afonso Arinos e "Interpretação do Brasil" de GiJberco Frey.re. é: fáciJ verifi<::ar que os er-ros .mais graves dessas interpretações decorrem da falta d e consciência his• t6rica, ou melhor, da falta de consciên<;ia critica da história. Nesses ensaios. os djagnósticos a tespeito do "caráter nacional" são formulados em têrmos eleiJ .. ticos. na suposição de que e.xiste: um "ser .. do Brasil. uma "substância" naciona) , dada de uma vez por tô .. das, substância essa que se.ria possivel descobrir e caracterizar medíante a enumeração de seus atributos o u qualidades. A "substância" do brasileiro. suporte. dos seus atributos, tem sido carac:te.rizada pela hospitalidade. pela luxúria. pela preguiça. ou então. pela cordialidade, peJo verbalismo jactanc.ioso, pela su- •• •• • •• • • .• •,. •• • •• :• •• •• • -• ~ •• •• • • cilc..:o do:. instintos. etc. De tal .. substância.. . arbitrârlamcme definida. de acõrdo corit o temperamento e as vidssirudes biogrãíicas dos autores, são excraldos, dedutivamente. os defeitos • as qualidades do povo brasíle.iro. Em relnção ao País. os diagnós.. ricos e os jui::os de valor também são formulados de acõrdo com o que Bei:gson cham:a de .. lógica dos sólidos". como se o pals nào fõsse. uma realidade '"in íiecf', um processo em curso no tempo. uma realidade imersa no fluxo heraditiano. e.m constante mudança. mas um objeto sólido. pronto e aCllbado. que é possivtl descrever como se descreve um mineral ou uma planto. (nota e) A moderna ciêncln. da h.istõria nos leva n reconhecer que uma noção. como todas as coisa$ huma- • 1 f nas, não é uma "substàncía.. mas umn "função". Dessa nova ~rspcctiva, perdem qualquer sentido os diagnósticos e as apreciações como os que adma referímoS. pois a história de um povo não pode mais ser concebida como um prcx:esso puramente Jógico . à semelhança de um racioclnio dedurivo em que as conclusões se limitam n explicitar o conteúdo latente das premissas. Um país. a rigor. não é coisa alguma. mas o.stá $Crtdo. e o que est.â sendo. no momento em que o consideramos. em suo realidade presente. atual. só se pode compreender à lu; do seu passa.do e do seu futuro. " Tõda consciência, ensina Be.rgson. é memória. conservação e acúmulo do pas!'iado no prc.:sente. M .:-is tôda consclEndn é ontedpação do futuro... Reter o que jâ deixou de ser, nntccipar o que ainda não é. eJs a primeira função da consciê:nc;a ... Não haveria presente para a cons- • - Si - ci4!ncio se o presente se reduzisse ao instante ma ttmático. ~sse mstante é apenas o limite. puramente teórico. que separa o passado do futuro: pode. a rigor. sei: concebido mas nunca percebido: quando pensamos surprttndê-lo, jã está longe de nós. O que percebemos, de fato. é certa espessu ra de dura .. ç.ão que se compõe de dua5 partts: nos50 passado imediato e nosso futuro imine.nte. Sôbre ê.sse passado estamos apoi3dos e sõbi:e fsse futuro estamos de• bruçados: apoiar-se e debruc;.:-ir-sc assim ~ o próprio de um ser consciente."' ( 1 ) O trecho que acaba.mos de transcrever. no qual o filósofo írancês descreve a estrutura formnf da consc.iênda em suas relações com o tempo. nos ajuda a compreender a estrutura dêsse processo temporal que é a vída de uma nação. Para sabermos. por exemplo. o que é o Brasil de hoje. o Brasil atual. não seria sufic:cnte. como se poderia supor. conht• ccr o passDdo do nos.so País, a suo história pretérita. O conhecimento dessa histódo ê. sem dúvida. indispensâve:J, embora não seja suHcie.nce. porque a configuração atual do Brasil não resulta npem1s do que ê:lc foi. mas também. e prindpaJmente, do que pttce.nde ser. Jâ não teria .sentido. poi:tanto. pelo fato de não mais corresponder à r~lidade cm formação, dizer que o Brasil é um país essenciaJmente agrícola. e.ue juí:o nJo mais se ajusta à nossa realidade. porque o Brasil está deixando de ser um país agri-colo e se rornando um pais industrfa1. à medida mesma que. empenho.do em sua emancipação eco. - 58 - noJllJca e cultural. adota e procura realiz~.r o projeto de: industri.a:Hz.ação como o único capaz de pro.. mover essa emancipação. Fomos. sem dúvida. e de ce.rto modo ainda continua.mos a ser, um país cuja estrutura econômica assentava na exploração agrícola. Todavia. em (unção do jdeal de independência. coneebemos outro projeto, de acôrdo com o qual es... tamos procurando transformar a nossa realidade. a estrutura da nossa vida. fazendo-a evoluir das formas rurais e agrícolas para as formas industriais e urbanas. O Brasil não é. portanto. uma coisa. um objeto. wnn "substância". Ê uma " função". um processo que transcorre no tempo. uma re.alidade '"in Heri" . uma totaüdade. em mo vimen to, c uja estrutura dialética sõ p0de se.r compreendida e explicada em função da h..istót"ia . Salientemos. o que ê muito importante. que:, do presente. não faz parte apenas o passado próxuno ou remoto. mas o futuro. considerado a curto e a longo prazo. O que somos. ou melhor. o que estamos sendo. como nação. não é. apenas. uma resultante do q ue fomos. mas do q ue pretendemos e queremos ser. SENTIDO DE NOSSA fORMAÇ/10 Por ocasião d a descoberta e mais tarde. d u.rante os quauo séculos de colonização. a politica do Império Português. em relação à nova terra conquistada. não consistiu em criar as condições. em assen.tar os fundamentos que pennitissc.m à nova colônia tomar-se mais tarde uma nação independente. O - 59 - propõsito que animava os conquistadores não nos parece ter sido prôpriamente o de "dilatar a [é". mas o de dilatar o lmpério. anexando novos domlnios â Coroa de Portugal. A preocupação de sa... quear a terra. extraindo dela as suas riquezas. com a menor soma possível de trabalho. foi observada por Frei V icente do Sa lvador. ao dizer. dos colonizadores portuguêses. que que.riam servir-se da terra "só para a desfrutarem e a deixarem destruida ... Inscrevendo... se na h istória do <:apitalismo mercantH • europeu. do qual não passaram de episódio. a conquista e a colonização da América Portuguêsa re-velam. por parte: dos protagonistas da aventura ultra.ma.rina. a intenção predatória e o propósito exclusivo de explorar as r iquezas dos novos domínios, remetendo para os mercados e ur o peus o fruto dessa explorac;.ã o. D o longo período que se estende desde o des.cobrimento até a proclamação da independência. emerge. ern linhas bastante claras. o sentido de acôrdo com o qual se processou a colonização do Brasil. Os ciclos de exploração do pau.brasil, da cana,..de• açúcar e do ouro. revelam o interêsse exclusivo da metrópole em manter a situação de dependi!.nda na qual se achava a colônia. O aparelho institucional e administrativo destinava-se ape.nas a assegurar tal situação de dependência. mantendo a "compJementaridade" de nossa. economia voltada para a produção de matérias-primas e gêneros alimenticios e a importação de produtos acabado.$. O exame de nosso aparelho de produção. de sua estruturo e de seu funcioname.nto. e o seu con- •• •• •• • •• •• •• t't •• •• •• •• •• •• •• •• = = - 60 -- fronto com as instituições politicas e adm.ii1istrati- vas que herdamos da CoJônia. nos mostram que o Brasil. até o comêço dêste. século. quer dizer. até os primórdios da industrialização, não foi configurado em função dêle mesmo. mas do extedor. como área descentralizada do capicalismo europeu. como emprêsa extrativa, destinada a explorar a mão... de-obra escrava ou servil é a abastecer de produtos primá- rios os centros econômicos dominantes. "Nossa economia. escreve Inácio Rangel. nasceu e se desenvolveu como complemento de uma economia hete ... rogênea e sempre estêve sujeita às suas vicissitu- des." (2) Há u.cn traço da nossa fisionomia que nos pacece. a êsse respeito, extremamente significativo. Queremos aludir à desproporção existente enti:e o Htora l e o interior, não sô no que se refere ao nível de civiJização e de cultura. mas também ao povo.a-, mento. ao que os técnicos costumam chamar de· densidade demogrãfica. Jâ os primeiros cronistas se haviam impressionado com êsse desequilibrio, assinalando o aspecto litorâneo de nossa civilização. con.-. centrada, quase tôda. na orla marítima do Pais. Des.c.obertos e colonizados pO.( um império marítimo . herdamos. dos quatro séculos de regime c:ofonia1. essa feição catacteristica que ainda conservam.os, apesar dos vigorosos esforços que vimos empreen• dendo no sentido de conquistar o interior do país. ainda quase vazio. Sobrevoando a carta geográfica do BrasiJ. é realC2) lnà<:io R.angcl, .. D,ullidade IJA#u d11 Economl11 8ro.J1"lcir11... p.1g. 29, ~d. do ISES. Rio, 1957, - 61 - mente chocante o contraste e.nt.re o litoca l e o inte• ·rior, que se desdobra aos nossos olhos em irilensas extensões desertas. A medida que avançamos da periferia para o centro, e penetramos no "hinte:rland". o que encontramos é a terC'a primitiva. é a geográfia l'tão dominada pelo homem. não transfigu(ada pelo seu trabalho. não incorporada pelo seu esfôrço à cultura e à história. Perdidas como ilhas na imensi .. dade do oceano. as nossas cidadezinhas. as nossas aldeias arrastam uma e.xistêncic1 sonolenta e morna. isoladas umas das outras pela falta de mefos de comunicação e transporte. Não somos. não formamos ainda um continente. porque continuamos a ser, <:orno no tempo <::Olonial. um arquipélago. Vivemos em compartimentos estanques. isolados uns dos outros. como se residíssemos em países diferentes. O lito.ral em contato com o exterior. de costas voltadas para 0 centro. e o interior perdido nêJe mesmo, no abandono. na pobreza, no torpor de sua existência primitiva e arcaica. Em seu excelente ensaio sõbre o BrasiJ. o p.rofessor Jacques Lambert acentuou essa caracteristica de ºC::58ª formação. observando. com muita agudez.a. que. em quase todo o Brasil. os meios de ti:ansporte. quando e,xiste.m. trazem ainda a marc~~ da sua estrutura colonial. na qual as vias de comunicação dirigidas. voltadas na direção das metrópoles tran ~ Satlãnticas. levam para o mar. Nem as estradas de ferro, nem as de rodagem. constituem uma réde destinada a ligar as diversas regiões do País umas i:'1s outras. ou os paíse.s vizin!1<>s uns aos outros." (3 ) - 62 Construída em íunção dos interesses da metrõpole,. conservou a nossa rêde interna de comunicações essa estrutura colonial. que põe o País em contato com o exterior mas não o põe em contato com éle mesmo. Nenhum dado da nossa realidade poderia ser mais sign.iíicativo do que ~sse. poís todos os outros aspectos da nossa vida refletem , por assim dize.r, a configuração de nosso sistema de comunicações. Isolados e.ro relação uns aos outros. ignorando a nossa própria existênda, estivemos sempre vo.ltados para fora. para o exterior. etn função de cujos inte.rêsses e v.alores sempre vivemos. A distribuição d.a população brttsileira pelo territôrio de dimensões continentais coincide também com a estrutura dos meios de comunicação, o q ue pe.cmite a Lambert observar que "de. sua estru- tura colonial. o povoamento do BtasiJ guardou um caráter maritimo muito acentuado e o interior do país é vazio." ( 4) Lambert quer referir--se.. ao dizer que o interior do Brasil é vazio. ao aspecto demográfico de nossa tealidade. embora o seu diagnóstico nos pareça ultrapassar o plano da demografia e aplr<:ar-se aos demais aspectos da existência nacional. A. experiência de que o Brasil ê um país interiormente vazio. õco. não apenas no sentido demográfico, como acabamos de salientar. mas em um sentido muito mais radical e profundo. é uma experiência que não se esgota no plano da sociologia ou da psicologia. porque põe em questão o que pode( i ) ld( m, vAO, i 9. - 63 - ríamos chamar de estrutui:a ontolôgica do homem brasileiro. Incidiríamos numa contradição se pretendêssemos fazer dessa estrutura ontolõgica uma "substância", dogmàticamente definida , cujos atributos pu• dessem ser explidtados dedutivamente. à maneira das propriedades das figuras geométricas. Queremos dizer que uma "fenomenologia" do home.m brasileiro. que pretendesse desentranhar de nossa exJstênc.ia a ·· essênda ... o que há de prõprio, de. característico em nosso modo de ser. chegaria. provàvelmente. à conclusão. análoga à de Ortega em re:lação aos argentinos. de que o homem b.rasifeiro e ôco. interiormente vazio. ( nota /) Fruto de uma "situação colonial", que estudaremos melhor no próximo parágrafo. o homem bré'tsileiro não foi configurado por uma histõria e uma cultura próprias. mas por uma história e uma cultura estranhas. Paradoxalmente-e essa contradiçãc é constitutiva da situação colonial-o que havia de "próprio" no brasiJeiro era o .. alheio", o seu con.teúdo era o estranho, a sua interioridade estava ocupada pelo exterior. Carecíamos de ser próprio. de densidade ontolõgica. ã medida mesma que não éramos u.ma nação autônoma mas um pais coJoniaJ. Essa carência, essa escassez me:tafisic.;1, característica da situação de dependência, se refletia tan• to na ausência de histõria quanto na ausência de destino. Não tínhamos destino porque não é.ramos suje:to mas apenas objeto da histõria e não éramos suje.iro da história porque não tínhamos destino. O "colonialismo" nos afetava na totalidade do nossc ser e nos reduzia à condição de. receptáculo de um - 64 - conteúdo estranho. ~ história do Brasil era a bis .. tõria de PortugaJ na América. COLONIALISMO ECONOMICO E COLONIALISMO CULTURAL A situação coJoniaL de que nos ocuparemos neste parâg.cafo. pode ser: analisada de vãrios ângulos. que correspondem às diversas ciências da cultura ou do homem. Podemos estudã.. la do ponto de vista ec.onômico. s0<:iaf. psicológico. político. histórico etc. Nenhum dêsses pontos de vista. que, para efeitos metodológ:cos e didáticos. abstrai e salienta determinados aspecto$ do fenômeno considerado. pode esgotá-lo em tôda a s ua riquc:za e complexidade. Mas. se a visão justa e global do fenômeno não se pode lograr mediante o estudo de alguns de seus ângulos, tambêm não é possíve.J akançá-la por meio da justaposição ou da soma dêsses aspectos particulares. O fe.n ôme.no social em sua totalidade não se pode configur:ar diante de nôs como se fôsse um mosaico. cujo desenho. a priori ignorado. se reconstituisse pelo paciente ajustamento de suas peças. Não ocorreria a nin9uêm. é claro. contestar a utilidade désses estudos. que: se revelam indispensáveis a qual• quer tentativa de compreensão globa.J do fenômeno. O que queremos dizer é que essa compreensão global só se pode ating:r partindo de outr:as categorias e empregando outros métodos. Assim. por exemplo. o estudo das re..lações entre colonizador e colonizado. em têrmos de <::ontatos entre raças superiores e povos primitivos ( corno se - 6S - a superio1·idade e o primitivismo fõssem dados abstratos e não ·qualificações da condição humana, "em situação") toma impossível a compreensão dessas relações, pois o comportttmc1tto do "primitivo" se altera em face do "civiJizado" e a precensa objetividade do civilizado em face do primitivo não passa. na realidade. de uma interpretação, que reflete suas ar:nbigüidades psicológicas. seus preconceitos de raça e cultura e seus projetos de dominação econômica e política . Essas celações. consideradas do ponto de vista psicológico. sô poderão ser devidamente interpretadas em função de uroa categoria mais ampla que as envolve e condic.iona. O c.omportame:nto do colonizador em relação ao colonizado bem como a reação dêste em face daquele s.6 se pode explicar per roeio da idéia de "situação colonial" que a ambos transcende e determina. A compteensão não se pode alcançar pat'tindo da parte para o todo. nem tampouco adicionando ou justapondo as diversas partes que. por: hipótese. o compõem. A idéia de totalidade é prévia. pois só em função dela ê possível .. situar" os diversos ingredientes ou aspectos que a cot'lstituem. Além da categoria de totaJidade. não menos importante nos parece a idéia de movimento ou de pr0<:esso dialético. A "situação colonial"' se nos apresenta. assí.m. na expressão de Georges Gurvitch (5). como um "fe, nõmeno social total". cuja estrutura e cujo funcionamento só poderão >,ser compreendidos à luz da idéia de totalidade e de dialética. ptltM. <5) Vr:, Gr:«Q<cs Curvflch, "Phttt0mtm,:s aocl"u,,: tOl~u.~.. in "Bs• mllr(o dr: 1956. - 66 - Embora a situação colonial se nos apresente como um "fenômeno socia l total'"'. quer dizer. como uma situação que afeta e determina, na totalidade de sua estrutura e de seu comportamento. todos aquêles que nela se acham inseridos. hã certos aspectos dessa situação que parecem menos ostensivos e visíveis do que outros. Os povos que não têm auron9mia política, por exeô:iplo. nos parecem mais dependentes ou "coloniais" do que os povos que possuem essa independência. embora ainda não tenham logrado sua emancipação econômica e cultural. A autonomia polWca, no entanto. enquanto direito de autodeterminação, será puramente formal e ilusória se não Hve..r como pressuposto a independência eco ... oômica e cultural. Pode ocorrer. se.m dúvida. que um povo económicamente independente não consiga produzir uma cultura original. O que queremos djze..r é que a independên<:ia econômica é condição necc.s-.sária. embora não seja condição suficiente. da eman,. cipaçii.o cultural. Se guisêsse.mos definir uma nação e não uma colônfa, deveríamos incluir entre os seus traços ou ingredientes constitutivos-além do território. da língua e da psicologia comum-a infra•estrutura pró,. pria e a coesão da s ua econor:oia. Sem êsse arcabouço. sem essa ossatura econômica não há nação. A dependência econômica se apresenta, assim, c;:omo o principal ingrediente da situação colonial. Esgotando sua atividade na produção e na exportação de matérias-primas e de gêneros alimentícios e na importaç.ã o de produtos acabados. a colônia. c;:omo Ja vimos. não existe em função deJa mesma mas do - 67 - exterior. T ôda a vida da colônia está referida ao estrangéiro. à metrópole. pois e pela venda aos mercados metropolita.nos de seus produtos primàrios que: pode obter os meios de pagamento que lhe pe.rmjte.tn adquirir as manufaturas de que carece. O colonialismo ê, assim. um "sistema" , como diz Sartre. Os grandes impérios. ou os impêrios e m expansão. não são organizaç~s filantrópicas. cujo propósito seja levar a todos os povos da te:rra os "be ... nefíc:ios da civilização··. Em recente artigo sõbre o colonialismo. considerado do ponto de vista ,francês e a propósito da insurreição argelina. Sartre pergunta-: "De que se trata? De criar indústrias nos países conquistados? De modo algum: os capitais de que a França regorgita não se irão investir nos países subdesenvolvidos: a rentabilidade seria incerta . os luc:ros a prazo longo; seria preciso tudo consw trui.r. tudo equipar. E mesmo que isso fõsse. pos..,;ível, que vantagem haveria em criar. de alto a baixo. wna concorrência ã produção metropolitana? Os capitais não sairão da França mas serão investidos em novas indústrias que venderão seus produtos manufatura-dos aos países colonizados ... M as, a quem essa nova indústria conta vender seus produtos? Aos argelinos? Impossível! Onde tornariam dinheiro para pagar? A contrapartida dêsse impei:ialismo colonial é a necessidade de cria.r um poder de compra nas coJôn ias. E. sem dúvida, são os colonizadores que se vão beneficiar de tõdas as vantagens e que se vão transformar em compradores eventuais. O colono é. antes de mais nada. um comprador artificial, cria.do dos pés à cabeça. no a lé.m.-ma.r, por um capita lismo - - 68 - que procura novos mercados" ... Mas. "para ser compéador. o colono precisa ser vendedor? A quem Venderá? Aos franceses da Metrópole. Que venderá. sem indústrias? Produtos alimentícios e matérfasprimas?" ( 6) A "situação colonjaf'. por isso mesmo que é um .. fenômeno social total". não caracteriza apenas á es trutura econômica do povo coJonizado. mas também a sua superestrutura ideológica e cultural. Sem estabelecer relação de causa e efeito entre os dois planos. mas registrando apenas a sua concomitância. verificamos que sem independência econômica não há independência cultural. embora. como já observamos. a conquista daquela nâo acarrete. necessàciamente a criação de uma cultura original. A anãlise do complexo colonial. à luz da categ oria de totalidade. nos revela um rigoroso paralelismo. urna rigorosa simetria. entre o que acontece no plano económico e o que oc:orre: no plano da cul ... tura. Funcionando corno um ''instrumento" da metrópole. o complexo colonial é globalmente alienado. como observa Balandiei:. ( 7.) e nessa alie.nação reside. a nosso ve.r. o que. hã de essencial nesse complexo. A alienação implica a dependência econômica. mas não consiste apertas. nem se esgota nessa d ependência. Repercute. por assim dize.r. no plano do espirito ou da consciência. em que é p0ssível encontra.r estruturas e comportamentos .análogos. Uma filosofia do colonialismo-emprêsa ainda (6} Jtao P,· ml S a,rttt, ..!e Colotti1tll,n1c t # M od~rnts---n.• ll). r>AI»· 1373-IJ7i. Í'ot1PJ 1.1tt Svt.t~- ln "l.,c~ (7) Gto rv:ts S.Jand!tr. "Socio#o(jic de la ~pct1d.anc<--. ln 11/er, lnu.rnl'ttloruJUx de Sodologie-, vol. XII. 195'2. p! gJ. S2-S3. ··e• 69 - não tentada-nos .revelaria. por exemplo. que. a colônia não é cultui:a roas natureza. não é hist6tia mas geografia. não é tempo mas espaço, não é vigília mas torpor. não é sujeico mas objeto. não é: destino mas inscrumento. não e forma porém matéria, não e consciêncja mas automatismo etc. O desdobramen-to dessas antinomias pode.ria esclarecer todos os aspectos do complexo colonial. iluminando a sua estrutura e o seu processo. Para concluir êsse ponto. ilustraremos a tese indicando o paralelismo entre o plano econômico e o plano cultural, em função das categoi:ias de maté.ria e de forma. Assim como, no plano econômico, a colônia exporta matêria•prima e importa produto acabado. assim tarobém. no plano cultural. a colônia é material etno.gráfico que vive da impor,c ação do produto cultural fabricado no exterioi:. Ora, produzir matéria-prima é produzir o não ser, a mera virtualidade. a mera possibHida.de de ser, aquilo que só virâ a se.t· quando fôr transformado pelos outros. quando receber a forroa que os outros lhe iJ:nprimire.m. Importar o produto acabado é importar o ser. a forma. que encarna e reflete a cosmovisão daqueles que a produziram. Ao importar. por exemplo. o cadillac. o chideces. a coca.-cola e o cinema não importamos apenas objetos ou mercadorias. mas também todo um complexo de va.lores e de condutas que se acham implicados nesses produtos. No plano cultural importamos ldéias prontas e acabadas. que não conseguimos transformar e assimilar simplesmente porque nos fa lta o órgão que pe.rmitiria essa transformaç.ào. o instrumento que. no - 70 - plano do espipjto, se.ria o correlato e o equivalente da indústria, Não possuimos o instrumento que nos tornaria capazes de triturar o produto cuJtural estranw gei.ro a H.m de utHizã-lo como simples maté.ria-príma . como suporte de uma forma nossa, originaJ. Expor... tamos o não ser e importamos o ser. Somos o invólucro vazio de um conteúdo que não é n05so porque é alheio. Enquanto colônia não temos forma própria porque não temos destino. ERUDIÇÃO E TORPOR O que sabemos sóbre as refações do homem com a sua "circunstância··. no sentido orteguiano da palavra . ou com o "mundo··. na acepção heide99eriana do têrmo. nos permite compreender a formulação do problema da cultura brasiJeira. em função dessas categorias da filosofia da existência. Se é verdade que o eu concreto implica. como ingrediente construtivo de sua entidade. a circunstância ou o mundo em que se acha inserido. e que a dimensão própriamente humana do mundo é a dimensão cultural. podemos desde já concluir que o problema da .. cultura .. brasileira não nos ê .. exterior". mas. ao contrário. é um problema própr'io, pessoal. de cada um de nós. Queremos com isso dizer que a "vivência .. dêsse problema não depende do nosso arbitrjo ou da nossa vontade. pois não nos podemos comportar como se a nossa vida trans..corresse à sua revelia e não fôsse por ele afetada. como se a nossa existência pudesse isola.r--se dê.le. em compartimento estanque e incomunicável. - 71 - O fato de nos acharmos imersos no <::ontexto colonial. que é a itossa cfrcunstância. o nosso mun ... do, nos afeta e qualifica na totalidade de nosso ser. configur:ando a nossa estrutura e condicionando o nosso modo de ser. isto é:. o nosso comportamento. O que nos parece importante compreender ê que estamos mergulhados no contexto ou na situação coJonial como os peixes na âgua. no sentido de que o contexto nos envoJve, nos impregna, nos determina . como uma almosfera que nos penetrasse por todos os poros. Nenhuma imagem. metáfora alguma. poderá ti:adu::ir o grau de implicação redproca. a profundeza do vínculo metafísico que existe entre o homem e o mundo em que vive. Em artigo sõbre os Estados Unidos. publicado em. 1932. pergunta O.rtega : "Por que não se estudou êsse gigantesco fenômeno- vida colonial-em tôda sua amplitude? Não se uata da .. colon ização". que é o menos interessante e preâmbulo do re.sto: tratase da "exístência colonial" depois da estrita colonização. Para penet.rar a fundo no tema. se.tia preciso investigar tõdas as áreas do g lobo e tôdas as grandes etapas históricas ... A va.riedade dessas manlfes.tações nos permitiria extrair a figura tlpica da vida colonial. Notaríamos. então. que atrás dessa palavra se oculta uma forma especifica da existência humana que possui sua fisiologia e sua patologia próprias." ( 8) Não p oderíamos desenvolver aqui. e.m tõdas as suas impJicaçõe.s. o tema do colonialismo. Reserva( 8 ) 0 rtf'Q3 y . Ct\$.<W-t, " Sóbrc I<» Compl~tn , - Tomo IV, p,t,9. IJ9, &u,do, Unidos ··. ln Obras ,, 3 ~ t • le •ie •• •• •• •• •• •• i•• • ie •• ~ ~ = ~ • - - 72 - mos para outro ensaio o tratamento dêsse assunto, de vital importância para nós. Neste parágrafo precendemo.s apenas chamar a atenção para certos aspectos do colontalismo que mais intimamente se relacionam com o pr:oblema do pensame.nto e da Cl!ltura. Não poderemos ir além de simples indicações. porque. a compreensão global dé:sse te.ma implica o ac1arame.nro prévio da "situação colonial"". entendida como fenômeno social iotal. Deploram os ensaistas brasileiros. mesmo os mais recentes. e inc.lusive alguns que. por dever de oficio. dever:iarn estar em condições de explicar aquilo que se Bmitam a verificar. nossa te.ndé.ncia à imitação. ao mimetismo. ã cópia dos modelos estrangeiros etc. Não <>Corre, porém, a êsses ensaístas indagar porque razão apresentamos essa tendência e temos sido levados. ao longo de nossa história. a im.portat e reproduzir o pensamento estrangeiro. Limitam-se. os mais IUddos. a verificar que a .. cuJtu.. ra" brasileira está marcada pela alienação . .,.eJa falta de autentkidade. Na "situação" em que. nos encontramos já podemos compreendei:' porque os soció!ogos. pensadores e ensaistas que nos antecederar.1. não puderam ir alé:m da simples verificação daquilo que consideravam ser caraeteristico da vida culturaJ no Brasil. Não foram aUm. não compreenderam. ~im... plesmente porque não pod:am co.mpreender. Imersos no ·· contexto colonial". entendendo. ou meJhor. vivendo a vida da cultura na forma da "le.itur~". e não da solução efetiva de problemas. não podiam os "intelectuais" brasileiros distinguir. por exe.mp!o. a erudição da cultura. e muito menos compreender que, l 73 - n.o complexo colonial não há, não pode haver çultura. mas apena$ essa forma alieriada da c;ultura que é a erudiçiio. Se admitirmos que a cultura é o que resulta da cc-ansformação da natureza peJo trabalho humano. verificaremos que a modificação do dado natural ou do rnundo enquanto natureza. pressupõe um projeto. 'll.m modêlo ide.ai. que 11ega o dado natural e serve de norma ã sua transformação. Ê um engano supor que o homem se defronta com problemas e que o mundo o desafia, como imagina Toynbee. J:: o homem que se desafia a si prõprio. problematizando o mundo. à medida que o interpreta à luz de seus projetos ou ideais. 1::: a iuddê.ncia dêsses projetos sôbre o dado natural que suscita os problemas . conve.rte.ndo o mundo e.m repertório de obstãculos e dificuldades . Ocorre que essa "forma especifica de e.xistén ... eia humana", que. é. a existência c:oloni:;1I. não consiste na realização de um projeto próprio, mas na realização de um projeto alheio. No contexto. no espaço colonial. os problemas são suscitados pelo projeto da metr:ópole. E assim como. no plano ecooômico. a metl'ópole dispõe o sistema de comunicações e de transportes da colônia em função de seus incerês... ses. colocando a colônia e.m contato com o exterior e não em contato com ela mesma. assim também o .. complexo de infecioridade", problema típico da psicologia dos povos colonizados. é suscitado nesses povos pelo projeto de dominação dos povos imperialistas. cuja ideologia implica a tese de sua superioridade racial e cultural. - - 74 - Não tendo problemas próprios. por .não ter projeto ou destino original. a colônia não pode te.r uma cultura original. isto é. uma cuhura que- se criaria a partir da pr6pti.l origem. A êsse respeito de.vcm0$ observar a1go que nos pa['ece da mài0r importância. Essa origem, a partit da qual se. tomaria possive.1 a crmção de uma cultura própria. não é um repertório de mitos, dt: lenda.s ou de tradjç6es que se perca no remoto passado. mas. oo contrádo, um ideal que se desenha no futuro. um projeto de existfncia coletiva. a c:on.s.ciência de um destino comum. de umo tarefa a empreender e reali::ar na história. A cultura implico vigílin, consciência desperta. te.nsão espiritual. esfôrço con.stante para re.solver 0$ probleams que a realização do projeto ou do destino susdta. Só vive.mos em estado de vigília quando a nossa vida consiste no realização de um destino. no esfôrço dra.t nàtico para reaU::ar. no mundo em que nos encoouamos. o projeto que elegemos e assumimos como nosso. Na ausência de desdno. de tarefa. nossa vida se re.Jaxa. se distende. e o falta do que fa:cr tende a apagar o consciência e a inscalar•nos na sonolfncia. no torpor. ( nota g) No tempo vazio. porque prívndo de protagonismo. o homem colonial não tem o que fazer. e a única forma da cultura que lhe é possível é o conhecimento da cultura alheia. Metafisicamente ôco. enche o seu va::.io Interior com os produtos culturais estrangeiros. que nêle se. depositam. arbitrária e caprichosa-mente, sõbre um fundo de torpor e sonolê.ncía vegetal. como a.s f61hos mortas na superfície das águas escagnadas. Desvfnculodo da realidade do pai,:, o l! intelectual brasileiro careoa de tarefa própria e podia fazer o que quises.se. pOrquc tudo o que fazia era igualmente arbiuârio e indiferente. Subproduto da cultura estrangeira. emergindo do torpor e.m e-spaJmos periódicos de lucidez. o "homem real da América, escreve Zum Felde-, anda como sonãinbu• lo: e sua consc.iêndo intelectual de vigiJia é algo postiço, alheio. Jntelectualmente estrangeiro no país de sua própria realidade. vf tudo auavês das lunetas de sua cultura livresca. O homem culto arnerkanoe. o intelectual em grau mâximo-é um colono. não um nativo:· (9) 1 l 75 - ALIENAÇÃO E INAUTENTICIDADE Já tivemos ocasião de observar. em 1r~balho :anterior, ( JO) que a "alie.noção constitui a essê.ncia do complexo colonial". Salientamos. a lsse respeito, que a colónia. organizada como um "inst.rumento" a ser• viço da metrópole. não cem sua razão de ser em si mesma. mas nos interêsses do pais coloni.::ador. E as.sim como um instrumento é algo de que um sujeito se utilizo paro realizar. por me..io dêle. decerminado proje,o. assim tambtm a colônia. carttendo de autonomia. e não tendo sua razão de ser e.m si mesma. se comporta como instrumento a serviço das nações que são protagonjstas e sujeito da história. A colónia. .se configura e exisre em função do "outro"'. As relações do pais colonial com a metrópole (9) Alb,rno Zwia P,1d,, "l!l Pr,:,blnn~ d, I• Cult111• AnN'tí<'.tl'I.,-, P.,19•· JG,)1. ( 10) Vr,r -s.,11.-rlo ,, A11tttrtMil?a, 4- Ca/lur• &-ldr••• l'M:t(' vol ..,_ .,a, 21 , ~ - ~ •• ie •• •• •• •• •• • •• •,. ..,. .. ~ ;,e • 76 - são se.mclhantes à.s do esc.ravo com o senhor. O escravo e uma "cojsa", ·um "objeto", em face do se-nhor que é .. sujeito" e '"liberdade". Vendo-se não com os próprios olhos mas com os olhos do sen.hoC'. que "mediatiza.. as suas relações com êle próprio. o escravo está aJie.nado na essência do prõprlo ser. Não se pode e ncontrar. não se pode "reconhecer" porque entre a sua conSc.ié.nda e o seu ser se inte.rpõe a libe.rdade do senho(. cujo o lhar o converte em objeto. Privado de líberdade. alienado pela mediação do senhor. o escravo não pode "descobrir .. a própria condição de escravo. pois não se vê diretamente a sj mesmo. uma vez que contempla a pró- pria imagem na liberdade do senhor. O "complexo de inferioridade" que. como jã observamos. é tipico dos povos coloniais. implica uma .. coisificação .. da idéia do povo colonizado na consciência do elemento colonizador. supõe a for.. mação de um estereõtipo através do qual o povo dominado se vê a si próprio com a óptica do povo colonizador. Devendo efetuar-se shnultâneamente em dois planos. no pia.no material e econômico. e.m que se afirma a supe.r-ioddade militar. técnica e cientifica dos cor\quistadore.s. e no plano ideológico. em que se devem elaborar as justificações e as racionali=a-ções dos impulsos vitais. da vontade do poder e de domínio. a emprêsa colonizadora não pode prescindir dessa .. cobertura" ideológica com a qua1 procura sancionar. no plano das consciências. o fato bruto do con(isc::o e da espoliação. Observamos. e.m parágrafo anterior. que a co-lõnia. exportando maté..l·ias•primas e produtos natu- - i7 - raís. expol't.a o não ser. e. importando produt.os a<;abados. importa o ser. Ora. se ê verdade. como ensina Hegel. que só nos "reconhecemos" por intermé... dto das "objetivações" do nosso espírito. êsse: reconhecimento se torna impossivel na colõnia. à medida mesma que tal objetivação é frustrada pela mediação do senhor. Procuremos exemplificar. Ao fabricar um objeco. um utensilio. o homem imprime uma forma determinada em matéria preexistente, ou . c:oxn outras palavras. objeüva. quer di:er. transfere para o mundo dos objetos uma imagem que. até então. pe,;manecia na íntimidade do seu espírito . Assim. o homem se encontra e se. "reconhece" nas suas obras. que lhe devolvem. como os espelhos. a própria imagem. Oi%er isto é dizer que o homem se devolve a si mesmo e se reconhece ~Jo uabaJho . pois é: pelo trabalho que transforma a natureza e imprime na matéria a forma que revela e exprime a sua subjetividade . O "ser" do home.n'I se ·· l'evela" nas obras que produz. no que realiza ao longo da sua exjstência. Devemos. porém. observa l' que o tc-abalho pelo qual o homem se revela a si mesmo ê o trabalho livre e não o trabalho escravo. porque neste. embora transforme o dado natural. o home..m se comporta como simples instrumento a serviço de projetos e interesses alheios. No trabalho e-scravo, o que se revela não é o ser do escravo. reduzido à 01e.ra cond.:'ção de jnstrumento. mas o ser do senhor. Que é a pirâmide egípcia senão o tUinulo do Faraó? Trabalhando para "outro" e não "para si ". o escravo "objetiva" o espirito do senhor. e não o - 7S - próprio espírito, A imagem que as coisas que produ:: ou ajuda a produzir· Jhe devolvem. não é a sua. mas a do senhor. Impedindo-o de enu-ar em contato consigo mesmo. frustrando o seu .. reconhecimento... a vontade do senhor o obriga a produzir coisas e a pensar com ideias que não fazem se.não objetivar a sua alie.nação. O senhor se vê a si próprio atri'lvés do escravo. refJetido na sua humilhação. no seu temor, na sua docilidade. O esc.ravo, porém, não se encontra. porque o espaço da sua consciência e da sua existência está ocupado pelas "objeHvações" ( produtos manufaturados e ide.ias) do espírito do senhor. A colônia, portanto. está para a metrópole como o instrumento par:a o sujeito que dêJe se utiliza. como o esc.{avo para o senhor. A sua essência é a alienação. Ora. em um contexto .social globalmer1te alienado~ a cultura está ineuitàuelmente condenada à inautenticidade. Se uma cultura autêntica é a que se elabora a partir e em função da rea.Hdade própria. do ··ser·· do país que. como vjmos. consiste no projeto ou no destino que procura realizar. a colónia não pode produzir: uma cultura autêntka por jsso mesmo que não tem "ser" ou destino próprio. A sua cultura só poderá ser um reflexo. um subproduto da cultura metropolita.na. e a inautenticidade que a caracteriza é uma conseqüência inevitável da sua "alienação". Os te.mas com que se tem entretido o pensamento brasileiro não são suscitados por um projeto próprio e original. p rojeto êsse que, incidindo em nosso contexto natural ou. se quiserem. na dimensão natural de nossa .. circunstância" . fada surgir os "pro- - 79 - ble.mas ·· de que nos deVeríamos ocupar. mas. ao contrário. na ausência dêsse projeto próprio. o pensamento brasileii:o. não tem podido fazer outra coisa senão "diverur...se", no sentido etimológico e pascaJiano do tênno e afastar-se de si mesmo com o t.ra• tamento de problemas alheios. Atê hã bem pouco tempo os intelectuais brasileiros nada sabiam a res-peito do Brasil. mas escreviam. muitos dêles sem nunca terem ido à Europa. sõbre Goethe e Schiller. Cervantes e Shakespeare. Mallarmé e Proust. Imer~ sos no contexto colonial e incapazes. por isso mesmo. de tomar consciência da própria aHenação. es-tavam condenados à inautenticidade. a imaginar que a atividade intelectual. a vida do espírito. consjstja em ler. tradu::ir. comentar e citar os autores estrangeiros. em importar idéias e problemas alheios. Explica-se. assim. o carãter livresco e palavroso da nossa cultura. Vazio de sentído pr:óprio. privado de tarefa especifica. o intelectual brasi.le.iro estava condenado a importar e conswnir idéias prontas e acabadas. que permaneciam como .. coisas .. na sua consciência. como produtos finais. objetos opacos. que lhe ocultavam não só a realidade do p:aís. impedindo--o de descobri-la, mas a s ua própria rea .. lídade. A função normal da idéia. quando resulta de UJll pi:ocesso endógeno de formação. é a de me• diadora transparente do i:eal. e. através das idêfas que descobrimos o real, é através do discurso lógico. do "Jogos". que o "ser" se revela à nossa consciência. A palavra surge. então. como o corpo transpai:ente da idéia. como instrumento capaz de propiciar o desvelamento do mundo. - •• •• • •• •• •• •• •• •• •• •• • •.. 19 AO - Coloni:ado mentalmente, o intelectual brasileiro assim como utilizava. sem transformá-los. os produtos acabados da jnd\istria estrangeira. assim também pensava. sem transformá-las. com as idéias prontas que lhe vinham de fora. Como se engoJisse pedras em lugar de alimentos. não digeria o produto cultu(al estrangeiro, não o incorporava à .sua substãn.-. 6a. não o fazia circular ern seu sangue. Não via o reaJ através dessas idéias. mas se detinha na visão das próprias idéias. que, por serem opacas. lhe ocultavam. em vez de lhe revela(. o mundo em que realmente vivia . Perdido nos .. outros ... sua cultura se reduzia à erudição. quer dizer. ao conhecimento livresco das culturas alheias. Seu conhecimento da ciência era comparável à posse de um ü1strume.nto do quaJ nunca fizesse. uso. do qual não se soubesse utilizar. Conhecia. por exemplo. tôda a sociologia e.strangefra. era capaz de escrever tratados e dar cursos sôbre essa ciência. mas era incapaz de utilizá-la como instrumento que lhe permitisse fazer uma interpretação sociolõgíca da vida. da realidade do próprio país. Poderia escrever ensaios e te.ses repletas de citações e de referências sõbre Durkheim. Levy-Bruh) ou Franz Boas. te.ses nas quais se perde.ria em consi• derações intermináveis sõbre o objeto e o método da sociologia segundo êsses autores, mas serid incapaz de fazer a sociologia do carnaval. do futebol. das eleições ou dos partidos políticos brasileiros. O conhecimento livresco e erudito dessa ciência não lhe permitia ter uma visão. uma interpretação sociológica da sua cfrcunstãncia. do seu próprio mundo. A - a, c1encia nada lhe re.veJava. permanecendo em sua consciência coino um biombo que lhe vedavã o des~ cobrimento da realidade. A ciência era algo que se esgotava nas tarefas do ensino, a lgo que se ensinaVã aos a lunos para que êstes. depois de formados . a ensinassem a ootros alunos que. por sua vez. a en.. sinariam a outros alunos e. assim, inde finidamente . Não se chegava jamais à aplicação prática das categorias e dos métodos da ciência. na interpretação e na solução dos nossos problemas. Não sabiamos que a ciência não ê uma ··coisa". mas o processo pelo qual nos procura.mos cientificar a respeito das coi.sãs. Ignorávamos. tambê.m. que a verdade de.sem_penha, na estrutura da existência humana. uma função "vital". e: que. se ··pensamos" e procuramos. por meio do pensamento. "descobrir:" o " ser" das coisas. não é po.r prazer. por simples curiosidade ou desejo "natural" de saber. mas porque êsse conhecimento do "ser" das coisas condiciona nosso com ... portamente CJll relação a elas. Precisamos. para poder viver-viver é. Hdar com as coisas-saber o que as coisas são. A cu ltura brasile.ii:a se reduzia a uma cultura. de palavras. ~ uma construção verbal. cujo valor e eficácia jamais poderiam ser comprovados, pois jamais eram postos em confronto com o real. Nossa cultura não era uma resposta ao ··desafio.. da circunstância brasileira. rnas urna exegese. erudita das respostas que os outros povos souber~m dar ao de• safio que receberam das suas circunstâncias. Apri.sionados na alienação. os intelectuais btasileii:os não pensav.;am" mas "Ham", e sua vida de espírito se - $2 - - reduzia à leitura e ao comentário da leitura. Atolavam-se nos livros, que pa.ra êJes eram u.m fim e não um meio. e que por isso mesmo não os remetiam a nada que estivesse além dos livros. Liam para le r. para ter IJdo e poder conversar sôbre livros. Não liam pa.ra ver melhor. como se come para sobreviver. Incultos e eruditos. expatriados e marginais. vivendo em país sem destino próprio. não fotam inautê.nticos por malícia ou pecado do espírito. mas simplesmente porque se achavam "e.m s ituação". imersos em um contexto histórico. em uma ·· forma especifica da existência humana" que se c::aracteri:ava pela dependência e pela alienação. ( nota h) SJ - vi.mente que denunciam, no quadro da dependência. um obstãcuJo aos movimentos de emancipação." ( 12) Não pretendemos. ao salientar essa implicação reciproca. adotar a tese marxista, seg undo a quaJ as criações cuJturais não passam de epifenõmenos do processo de produção econômica. Todavia, embora rejei temos a tese marxjst.a, não p cetendemos aceítar a tese idealista. de acôrdo com a qual os produtos da cultura, as criações do "espírito", nada têm a ver com a infra--est.rutura econômica da sociedade. A tese de que as idéias se ge.ram a si mesmas. sem conexão com os fatõres reais do processo social. coincide geralmente com os interêsses das e.lasses dominantes, não passando de uma "ideologia" que os p.r:ocura mascarar e justHicar. Do ponto de vista em que nos situamos. a sociedade se nos aprese.nta como um fenômeno totaJ, em que a infra .. estrutura económica e as superestruturas culturais não passam de aspectos ou ingre.. clientes. Dessa perspectiva globalista, não tem senR tido estabelecer relações mecânicas de causa e efeito e ntre o econ ômico e o cultural. como se um deter-minasse necessàr ia.me.nte. o outro ou vice-versa. O que nos pa.re:ce existir. entre os dois p Janos é uma "impJicação dialética". de tal sorte que as modificações q ue se operam em um provocam ou tendem a p rovocar transfo rmações análogas no outro. Ora é o fenômeno culturaJ. a " idéia .. -já configurado dentro de uma estrutura que, em suas linhas gerais. reflete o modo ou sistema de produção- que. à rna• neira de um estimulante. incide no processo e:conô-- DESENVOLVI MENTO E AUTOCONSCteNCIA NACIONAL No ensaio a que jâ fizemos referência. observamos que "a tomada de consci~neia de um país por êle. próprio não ocorre arbitràriame.nte. nem resulta do capricho de indivíduos ou de grupos isolados, mas é um fenômeno histórico que impJica e assinala a ruptura do complexo colonial." ( J l ) Salientamos, também. que a tomada de cons.. ciência se ope.ra não só em conseqüência das gue.c~ ras. das revoluções e das crises.-que fazem o pais refluir sõbre si mesmo e o obrigam a inventar soluções próprias para os problemas q ue a conjuntura lhe apresenta-. mas "a partir d.as novas relações económicas e culturais. das exigências do desenvoJÍ ~ i 1 1 ( 12) fdtm, 96g, ii. - 6i - roic:o, provocando a sua aceleração; ora é o fenõ-meno econõmico. que pela m.agnftude e: urgência dos problemas que apresenta. desafia o homem. forçan .. do..o a tomar consdênda désses problemas e inven .. tar suas soluções. A categoria de .. totalidade" nos leva a c::onslderar os dois p lanos o u as duas ordens de fe.nõme.. nos com ingred;entes <!e uma só realidade que à ambos transcende. e que é o fenômeno sodal g lo bal. A idé-ia de implicação dialética nos permite compreender que a ação que os dois p lanos exercem urn sõbre o outro não é un{voca, mas. ao contrârio, pJu .. rívoca. var:ando no tempo e no espaço de acôrdo com a estrutura do complexo social. No que se refere à situação ou complexo colo .. niaJ. cuja esti·utura é pouco diferenciada, as relações entre as d uas ordens de fenômenos são mais simples. pois ambas traduzem a situaç.ão de depe.n .. dência ou de alienação em que a colô nia se encon• tra. Compreende-se. assim. que a ruptura e a superação do eom.plexo colonial só se possa fazer mc:dian .. te: mua transformação qualitativa e gJobal da sociedade colonizada. Não se trata de mudança quanti.. tativa-que se poderia exprimir no crescimento deruogrãfico ou no aumento da produção e das exportações. por exemplo. ou na multiplicação das esco .. las. bibliotecas e hospitais-mas de uma transformação estrutu.raJ que modiLca a própria i!ssCncia. o próprio ser da sociedade até então dependente. A transformação das estruturas cle base. que implica a substituição das importações. a criação cla indústria nacional e clo mercado interno. embora - s; - corresponda a necessidades reais ~ não fictícias do processo sociaJ. não se realiza mecâtlicamente. por meio de gestos sonambtílicos e inconscientes. mas. ao contrário, por meio de comportamencos livres, racionalmente planejados e executados. Essa trans• formação das estruturas de base-que jã implica mudança de " mentalidade··. e a incidêoc.ia. no ptÔJ cesso económico e social. de um projeto conscien .. te de tE"ansformação.-acaueta e provoca. por sua vet. transformações paralelas e simétricas no pia.no da educação e da cultura. À industr ialização do pais requer a formação de técnicos capazes de projetá .. la e dirigi-la. Requer, portanto. a transformação do apârelho pedagógico e a criação de escoJas técnicas e profissionais. de institutos de: pesquisa. cuj3 organi~ ;ação. cujos p.rograroas e mê:todos de ensino esce.jaru adequados às novas exigências dêsse projeto de transformação. Exige ainda. a lém da formação de téentcos. de economistas. de engenheiros e médicos. a for:maçã9 de politicos. de homens dotados de visão global e panorâmica dos problemas nacionais. capazes de planejat. em conjunto. o desenvolvimento do País. A transformação do aparelho pedagógico e cuJ ... torai reopera sõbre as estrut~ s de base. ac2lerando e orientando o pE"Ocesso de desenvolvimento económico. A criação da fábrica repercute em todo o complexo da vida nacional, ex igindo a formação de técnicos e de mã<>--de:-obra especiali:ada. e a for.. mação dêsses técnicos e dessa rnão..de--obra suscita. por sua vez, a criação de novas indU:suias. onde possam exercer sua atividade. Resultando de um - 86 - projeto. ou da íntegração de inúmeros projetos conscientes e racionais. o dese.nvolVime.nto nacional requer. para que se possa realizar ordenada e não caôtkamente. com o máximo aproveitamento dos recursos disponíveis. um planejamento g lobal. cuja elaboração irop1ica a formulação prévia de uma ideologia. Realizando---se simultãnea.rnente nos dois planos. o desenvolvimento do Pais implica e requisita o esEôrço de autoconsciê.n<:Ja, pois a transformação .racional da nossa circunstância exige o seu prévio co-nhedme.nto, conhecimento ê-sse que. por sua. vez. só se toma possível em conseqüência dêsse projeto anterior de transformação. Dialéticamente implicados. os fatõres reais e ideais reoperam continuamente. uns sôbre os outros. o processo econômico, exigindo o esfôrço de autoconsciência e êste. por seu turno, contribuindo para intensificar e dirigir aquele. S6 agora. portanto, nessa transição de fase em que nos encont(amos. começam a surgir as condições reais que nos permitirão lançar as base-s de um pensamento nacional autêntico. Voltados. abertos para a realída.de do Pais. que precisamos conhecer para saber como nos comportar em relação a êle e poder modificá-Jo, sentimos. finalroente. a imperiosa necessidade de nos vermos com os próprios o lhos. de forjar as categorias que nos permitam elaborar u.ma interpretação objetiva do nosso próprio ser. À luz do projeto ou da ideologia do desenvolvime.nto nadona l tomamos consciência de nós mesmos. do que somos e do que que.remos ~er. tomamos consciência da nação como de uma ttJrefa. de uma e:mpresn comum a realizar no te.mpo. - 87 - Entendida como a u tocoosdêncfa da cultura. U.."!la filosofia brasileira implicará o prévio reconhecimento, o diagnóstico da situação coloniàl. Entendida como tarefa histórica de libe.rtac;ão e não como exerdcio acadêmico. não será uma reflexão desinteressada sôbre o mundo e sôbre nós mesmos. mas. ao contrário, uma arma que nos per mitirá traoscender o colonialismo e edi ficar a nossa própria cultu.ra. Libertando-nos do complexo colo.ItiaJ. à medida que toma consciência dêle e o converte e.m objeto, uma filoso fía brasileira nos trará a revelação de nossa própria entidade. de nosso ser como destino. Convertendo-nos ao Brasil e nos reconciJiando com nossa ci.rcunstãncia. nos reconciliará com nós mesmos. tom.ando a u têntica a nossa existêncJa. Engajados no processo histórico da nação. como vanguarda consciente de seu desenvoJvimento. não seremos mais os gratuitos comentadores do pensa .. mento estrangeiro, mas os intérpretes lúcidos do destino nacional. Se é verdade, como já se di.sse. que "não há movimento revolucionário sem teoda do movimento revolucionário" • .não haverá desen.. volvime.nto sem a fo rmulação prévja de u.ma ideologia do desenvolvimento nacional. Não nos parece: ser outro o problema da cuJtura brasileira. o p.roblema. quer dizer, a dificuldade. o desafio que se apresenta a cada um de nós, a todos aquêles que representam a jnteligéncia do País. Pensando "em situação.. estamos convocados a efaborar a jdeologia que nos permita d ecifrar o Brasil. transpondo o obstáculo histórico q ue a sua crise atual representa. Não pensaremos mais pelo praze.r 3 t _..,... • ••• •• •• • - ~ ·...__.:..(, -~ , 88 - de pensar. mas para resolver um problema urgente de sobrevjvêncfa. para dai forma e estrutura a um Pajs que despertou e não mais pode prescindir de uma ideologia em que se possa encontrar e reconhecer. -~ J. ... • • i J._._ / -.- ~-· li ,.. •, r [,...,:,,._,;. ..,_/t--. ,......_ , ·( ., - ••• -V~ f 1 í • - - w-" V , (Nou,, a) .. O espirito ogc por cssência, (ele) $t. la: o que (tle) é em si, seu ato, sua obra, {éle) se: torna assim seu objeto: êlc próprio se: achn pl>sto diante de si c:omo uma existê.nc:.i3. Tal é o gênio de um povo; é um gf:nio determinado que se constrói cm um muudo cxistfflte. que t {).gora e pe.rmancçc_. qua.nto à Sll t\ religião, seu culto, seus usos, sua c;:onstitulção e suas Je:Js politkas, tõda a gama de S\litS Instituições, .«:us acontecimentos e seus ato.s. isto é sua obr.1, istó to povo. Os J)OVOS são o q ue sio suas oções. Todo inglês dirlt:: nó$ somos aquêlcs cujos navio's percor.. tem o oce.'lnO, que detêm O comércio mundial, aos qu.it:s pertencem as lndill.S e suas riqucz.as, que posis-ucm um par.. lamento, juriS, etc. Nc.ss.c $enddo, a condição do individuo e. de npoderar-s.e déS$C ser subst.incit'll, de fa:.e:r dele seu pensamento e sua aptidão t'l fim de que: se:jo. 3 J9uma coi.s.:i. Pois encontra O ser do povo como um mundo jâ concluído e sólido ao qu{ll deve fncorpor~r~se. Nessa obr.i. suo obra. em seu mundo próprio, o 9tnio do povo frui 3 si me.roto e se encontra s.:itisft.ito. Produ.::indo o que: quer, o povo é: moral, virtuoso, enérgico e de:fe:nde sua obn'I contra a violê.ncia do uterior trobalhando na sua objetivação {em obje... tJvar-sc). A oposição entre o que. (ê:le) é cm si, subjetivomente em seu Hm e; s-ua essêncl.i í nt.im:'.l e o que {éle) é: de: fato. Sé acha re:solvid~. éle é fJe., e.stb em pres'e:nça de si n:,e:s mo, objctiYt'llltnte". H,gd, ..úçons ffi! Phlbl,(lpltie de rHtstolrc". tr:ldu(ãO franco$ dt Glbtltn, Tocno 1. p6g. 78. {Nota b) '"A sorte mísera dos silv'íc:Qlas, já quanto ao corpo, já reJativamcntt- à ;.1lm;:a. afnda piorou com 3 cbe~ g<1do do..1 colonos. ., •• •• "•• • "• " - 92 .. Poucos ."!nos depois do docobdmcnto da América, propagou•$C, com íadlidadc e r~plde,:; espantosa, a opinião de que os naturais dcst{l n::g!ão não uam homens, .. ·· As conscqõênc:ias de scme.lhontc i:rro foram horroro,. sas: era o meio de afugentar todos os t.$<:rüpulos dos avcnturdros. que bàrbaramentc cscravi,:;avam os degrnd.idos ome- ric:onos. .. Qualquer pc:s:soo podia tomà-los e ScrVÍr•Sc dlles da mesma manch:.i que de um cavalo o u de um boi. íeri-los. mahratta-los, ,matA-Jos... sem responsabilidade alguma. restituição ou pecado... .. O bispo de Chrapas. diocese do Méxrco Meridional, frei 8arcoloro.cu de Las C.a-Si\S, varão de grande autoridade, afirmo que os conquist:adores chegaram a sustentor os seu$ des com carne dos pobru lndios, qvc p,3t~ tal fim matavam e faziam cm pos1as como a qu:ilquer bruto do mato . .. Foi tal a barbarid3dc com que os colooo3 tnuaram os infelizes indigcm'I$, que, dentro em poucos a nos, a Ame.rica Centrlll ficou reduzida a um dcser10: porque, de um mi.lhlío e meio de indios.. não restaram sequer cinqüenta mll ... "Hort<>ri:ado pelo procedimento de seus componhciros e compadecido das infeliz-e..--. vítimas, Fr, Domingos de ~ tonços, provin<:i~I dos Dominic3nos na América Central, tomou o tcsolução de c nvi4r ti Roma um seu comptmhciro, n fim 'de upor ao papa Paulo III o que se passava nessas regiões e pedir uma pr<>vidêndo que valesse aos io!cli;:;cs indios conrr.i:, a sanha fcro::o: dos seus de.sumanos conquista• doru. "O P.i,po1 não se demorou cm d.or a providência pedido e c,1epcdiu a bula Vcrit.t$ i'ps4 ( 1537) que Simão de Vas• concc.los assim trodu:: .. P3ulo.. Papa rerccJro n todo$ o.s (iéis cristãos que as presento letras virem, saúde e benção apostólica. .. A mesma verdade, que ne.m pode cngàn.1r nem ser - 93 - . engan.id3, q';Jando 01$ndava os Prcg:adote.s de sua Fé a c:cc.rdtar éstc ofício, s3b<:mos . que disse: Ide e ensinai a 1ôda.s ;)S gentes. Â t6da.s d!.s.se indiferentemente, porque tõdos são capa:cs de: tece.ber;) doutrina de noss:i Fé. Vendo isto e invcj:rndo-o o comurn Inimigo d{t geração hum;.rn.t. que nurlca se opõe à.$ boas obrils p::1ra que pcrc:,ç:tm. invc:ntou um modo nuoc.::i dantes ouvido para estorv~r que a pafovra de Deus não se preg.1S$C à3 gentes nem elas se salv:tsse:m . P:tr:i isso moveu .olguns mini:stros sc:us, que desejosos de satisfa::u as s uas cobiças presumem afi.rmn. a cada passo q ue os indios das partes ocidentais e os do Meío-dia e as mais 9cn1es que nestes nossos tempos têm c hcg.ido à no.s.sa notída, h5o-de set tcati\dos e re.du:.idos a nosso serviço como .>nimai.s brutos, .a titulo de qvc são lnâbeis pora 3 Fê CatôHca: e so<:.-pl'I de que s.4o incapazes de rec:.e:W:-la os põe1n em dura ,servidão e os afligem e oprimem tanto que ainda a servidão. cm que têm :su (lS b(stas. apcnl\:s é tão grande como ~que la com que afligtm esta 9en1t. Nós outros, pois, que arndn que indignos te.mo:s à.S vêze$ de Deus na te.rra e procuramos com tôdit.S -1s fõrça.s ach ar suas ovcJhas que and.)m perdidas for{' do seu rebanho. para reduzJ.las :a tJe. pois éste t o nOS$0 ofk.to, conhecendo que aquêlts mesmos indlos como vf:rdadciros homens, oão :sôrocn1e s.ão copa:cs da Pê de Cristo, .scnlo acodem a d;.,, correndo com grandl$sima prontidão, segundo consta : e querendo prover ne:s• tas coisa.s de remédio ct.mveniente, coin Autoridade Ap<>s• tólica, pelo teor da presente determioamos e dtcl:tramos que os ditos índios e t6d3S as mais gcnic:s que daqui er:n di(lntc vierem à noticia dos Cri.$1ãu. ainda que es,tcjam fora da Fé de Cristo n5o estão privados nem devem sê-lo de su~ liberdade, nem do dominio dos seus ben:s e n1\o de..,em ser rcdu:idos à suvid5o. declarando (J\lt os ditos indio.s e M demais gente$ hão-de ser atc-nid.as e convíd;:,d..s à dit~ Fé. de Ccis10 com a pregoçAo da palavra divina e com o exemplo d;e boa vid.t. E rndo o q~1e cm c:oncrário de.sta dctcrrninação se fi:er, sejn em .si . de nem um valor. ntr.n firmeza: n5o obstante quaisquer C:Oi$3$ em contrário, nem as sobrcditAS, nem out.rils cm qualquer mane.iro. -Dada cm Roma, ano de JS37 aos 9 de junho (quarto nonas }unil) 1 no nno terceiro do no.!ISo Pontifkado".-(C. )" 95 - fe:ssor da m~trôpolc n.âo s.5o naturais de pais .,19um: não ~ao n;.\tur3iS de modo aJgum. O oprirnido, ao contrário. scn, ,e..se um natural: C-3dll aconte:c.ímento de suo vido vem repetir-lhe- que não te-m o direito de c.xis.tir", Jcali Paul Sartre - Si1nl0 de VtM<ori«los. Notiri:u 1V1t«edt'ntt-1, <iiril>Ja, e n««Qlfrt~, ~ Cóisas do &llSII. llvl(I 2, 7.•. Em 1562, Anc:hiekl, referindo-se ao levante de» Tupi.niqujns em carta ao geral da Companhia, padre L:tme:, di:ia: -Parec:e.. nos ilgor;'J que estão às portas abertas nestas capitanias para conversão dos gentios, se Deus Nosso Senhor quiser dtir manciras com que sejam poscos abaixo do jugo, porque para bte gloero de gente não hã meJhor pregoç.iio do que cspttda e vara de ferro, na qual m.iis do que em nenhuma outra t nec:css6rio que se cumpra o-<:ompcJJe e os intrave" . Cartas Jesuíticas 111-p.ég. 186 Coleção Aca .. de.mia Br1.1.siJci.tO de Letra:i. As Orde.neçõtt Manuelina.& no Livro i, tJt. 16, esta .. belecJ:,m : "Coroo se: podem enjeitar o, escr.o.vo.i e bêsta&: por se acharem doe:nte.$ e mancos ... A!S Ordenações Filipinas, Lfvro i, lit. 17, dispunham: "Quando os que compram C$Çr-.tvos ou bêstas os pode.rSo enjeit-3r por doenças ou manque-iras". Urbaoo VIII por bula de: 22/ i / 1629. ante os nbu.$0$ do.s portuguhes, ~tendeu a proibição .tos conquistadort'-S btasileiros. "Todo mundo sentiu o que há de mcnosprêzo no têrm.o "noturõ.ll.. que se: e:mpre93 para designar os indigenas de uw pais coloni:ado. O banqueiro, o industrial, o prói>rio pro- "$/tu.nt;oii,.., vot. 1(), pág. 186. (Not,1 e) "A êssc: tempo, fsto ê, hti sessenta anos. o 8r.1sil não produzia um metro de sê:da, um sapato, um no.vllo de linha: tudo vinha do estrangeiro. Nos c.1ixões nomes indecifráveis para mirn. C:.Jç..ido só ln9lês, farcnda de senhora, merinó. gorgorão: chinelos. de trança, c.ara-de--gato: xalc:s de- lã, a sêdll 1>cs~da; a roupa dos homens, no dfnn• tropieol. feHa de tecido in.gJb, pnra a vida nas ca.sas não aquecidas d:i Ingli\tcrra invunosa. Pe-rgunto•mc: como ngüentavam o calor? As senhor:ns. quando tlravam as $11• patlnas. usavam em <:Ma pantufos de- IA tufud;.\ <0mo !e e:~t:ivcncm na Slbéda. Anos depois ainda vi. no Rio, Quintino BocaiúvJ) à porta do Watson, à esquina da rua do Ouvidor. de sobrecasaca de fo:.enda.. pe.sada e luvas. Ou.ando olho un,,n íotogr.iíia de José do Patrc:>einio, noto a gola do croisé e me pergunto como podia o tribuno suportar nos dilk::ur$0S do Recreio Dramàtico. na C:.;)mponha aboUdontsta. aquêlc abafamento no corpo? Imagino os rios de suor correndo: ~uo com tlc. Em Pernambuco, nós, estudontu da Faculdade:, e..nvC1'9'âvamos fraque-s. re.díngote-.s. N-3 l?os.,, dot Alpe$, Joja de Costro SIiva, vejo à porta um médico conhe-. cido. Artur Costa, de cartola lustrosa como 3S que ví depois na Europ~•. no inverno. O senador Rosa e Silva s6 .aodava de e.artola. A redação do Oiliri() de Pernambuc(), A.nilxal Freire não chegava se-não de fraque e: de: cartola. Como suportàvamos isto? Tudo vinho do e.strangei.ro. os hábitos priricipalmentc. Salvo gente- do povo, nunca vi, cm Pernam .. buco, no meu tempo, ningué.m de roupa leve. Os nomes estrange-I.ros tornavam-se-nos famJl!ares de tanto os vermos em f:)rdos e embalage.ns. A. Rumânia foi um dos paisc:s que mais cedo conheci por causa da.s <:ilixas l - - 96 de quctoscnc, Nomes parecidos corn O$ nossos mas diítren• tcs t10 mesmo H:mpo e s~m sentido. A m~ntciga era franccS,a. Btétcl~ ..Frête.s, Lc Pclletier, Dema9ny (n.a F inlAndi-', meu colega ministro de França, tinha êsse nome de manteiga-não podio êlc imaglnilr como $utt pi:cscnça me t.r.ios• portava, daquele frio e distância, ao Sergipe da minha me.ninice) ; magné:si.:J de Murroy. purgante de Lcroy, Uma familia abastoda distinguia•se pela c~pl)Ssur{t do tecido que usava. Quanto mars hirto, grosso e cnspo o gorgorão. melhor n fomili<l, E todo O mundo sentia frio! lmpott.&v3-se da Rumãnia petróleo para candeeiros como hoje: dos Esta .. dos Unidos para automóvel", Gllbc-rto Amado. Hist&in J,. minha ln/A.nda. pàgin.u 10 e 11. ( Nota d) Em 1913 encontrava-se ainda o Brnsil em estreita dependência dos suprimentos estrangeJros quanto às priocipais m;)nufoturas que consumio. l mport~v;)mos, então, cm mld!a, drca de .30% dos tecidos de: afgodão--que con.sumi,1mos: 60% dos tecidos de lã: 10% do.s couros prepar:1dos e $013.S: 65~h dos tceido.s de s~<l:t: 35$·& d<'!.$ ,;crl\micas, louças e vidros: 30% do charque: 25% do vinagre: 51'('.I dO.$ queijos e mnntei9;.1; 65% dl.l:s J)érfumOriõ,'1$; etc:, A guerr-a de 191-t/ JS obrigou~nos a reaU::ar um grande esfôrço, pois do dia p.1r.1 o noite o p.1is viu fechadas as suas fontes habituais de suprimentos de manufaturas. Houve necessidade de acelerar a produç5o e de proc:urar obter dentro do pai:s o que o esuon9ei!"() jâ não nos podi~ vender. Ao ter1ninar a gueto de 1911/ 18 a lndUstría nadonaJ Jâ se hovi;;i firm{'do definilivamcnte. Se em t906 os mercados estrangeiros supriam numa proporção de S2% as necessidades do consumo nacional no tocante a 26 artigos manufatur~dos. doi quais já havia 1>tod,u;ào no P3i$, cm 1919, essa participação diminuiu para 21 %. No sttor siderúrgico. por exemplo. cm J9l5 possui.,rnos i,penas um e~1abdecime1no <:om i78 operâriO:i e em 1920 97 - jâ tinhtlmos l est..1bele<:ime.nt<>S com 1.524 o-perAri-os: o. pro.-. dução industrial de fer ro gusa. em 1915. era de 3.259 tone:~ fad;i.s; em 19L6, de: 1 .267: e.m 1917. de 7.6-18: em 1918, de 11.718: e:m 1919, de 10.808 e, em 1920, d e Ji.056 tone~ )adas, Â indústria de fi.)çào e: tc<.cfogem de jut.i., por e.xem. pio, dependi., dt'l motério.. prlma estrangeira, que.r quanto ao fio, que r quanto às fíbras, mas devido às diEiculditdcs de imp<>ttação, as fãbrk.1.:s de jut.l p/.lS.S.MOm ;,. empregar quantidades cad.i vez. maiores de fibras nadonaJs.. pagando preços bem elevados, o q1.1c e.stirm,11:wo il produç5o. O Gov~r.. no, por sev lado, npós a guerra, a fJm de dar consumo i\ produção nacional obrigoo a mistur., de fibr4$ b rasilefras com sími.k1res intportadas. A produção industrial de t«:idos de algodão no Brasil durante a gucrrti cresceu tanto que, no apôs guerra, provocou 1.uno crise de supe:.rproduc;ão, como nos. ioform{t o volume "BrasiJ", 19•12, do Minll$tér-io da.s Relações Exteriores, 6 pCtgin1' 356. PROOUÇAO INDUSTRIAL OE TECIDOS N .• 4~ A- lt~~ - Tnldo• J., •loodlo 1 1.000 • • 7 t.4l<u 1·ccldoo ,.., ~ d'c '""' l114ku 100 W..9S9 191i 210 221 31i.li5 37.1t1 2-t.SIZ 1915 315 i70.783 i6.66S 302 i3.076 60.090 ➔ 6. 922 266 60 1913 1917 1918 . i7-t.J,02 ,1s.120 912 191.422 1.010 1 S31.i02 1 152 3J8 &J-0 1916 1919 100 ' Si.863 ,., . T ccldo- 4c •~ ,..,. 1 - -«• - 1 116 330 Pontu; J. F, Nol'M~oo,: Euoluçllo Econ6mkn do Duuil Cl..-a.. Êdllón'I N11donol, 19J9. /Jr:,.,11, MJnbttrio cb.s Rl'III(&-!' ExtC"rloru.. J932/19SS, - 1 l 1 ~ ~ iC ~ ij ~ ~ $ ----~- a~ ~~ ~~ ia : ~ s:..-1:~S!;~: ~~~ 99 - ( Not..t e) Muit<> signific.ativa, a tue rcspe:.ito, nos Pt'I• re<:e a po lêtnit"a, aliA:$ bastantt cordiol. q,1c se travou ern São Paulo, nas pi'tgin<>s da rr.vi:sta Colégio, no ano de 1948. entre o s srs. Ca$sinno Rícar,to e Strgio Buarque de Holan• da. a propósito da ~ordialidade do homem bras,l6r<,. No I.• cdícão de 'Rai:ets do 8r,1.sil, livro que Cassiano Ricardo quaUíica de magnifico, o Sr. Sirgio Buarque dt Hofond;:, d t:ia que .. .'.l c:ontribuição braslldra para a dvíli:.ot.!io .serA de rordlalld3de.. , e qut; '"daremos .tio mundo o homem cordior. E explicava. " lbanua no uato, gcncro.sid.ade, hospit:t• lidadc, virtudes tão gabadai; por estrangeiros qut: nos visitam. rcpresc:ot;,1m. com eleito. um tr~ço definitivo do CtJráter brtuikiro (o grifo é no.ssoL /\ proDÕtsito de-~s 3firmnt-õcs de Sêrgio 8u.i..rquc. C.as• .siano Ricardo escreveu um longo artigo, em que discute todos os sentidoo d-, pal;,1vra cordial. cita inúmeros autores. para concluir que não teve a Intenção de '"propor /tomem bom para substituir homr:m cordial". roas que ptt:tendeu ";1pcna:s de.mons~rar que o conteúdo especifico d~ expre.S• $.ão homem cordial calhava meJhor em homem bom. ou bom liomem, denomi1:1~ç.5o mais r.node.st.i, ... Is.to é roais expressivo da bortdade tipics do brasileiro" ... Co grifo é nosso) Ao artigo de- Csl.s.sfono. Sl:rgio r1:tr,1c:ou coro distmçóes sutis entre e.i:celtnte. ilu$tre, cord,",ú, cordialme:rite etc. Na petspectiva cm que hoje nos: situt,,wos, 3Cmclh:intc debate nos J)tli:ece de uma O<'iosidadc exemplar. Quucmos menclonâ...lo apenas para Uustrar, como um cxc.rnplo. o que disscmo$ a respeito da falt.- de: consci~rtcla critica da hlst6• r-ia, que comprometeu tão gravemente «1 obra de nostios hiS• toriadorcs e socióle>gos. As txprusôcs, "traço definitiCJo do caráter br3sileiro", c.mpre9ad.as po.r Sérgio Buarque. e •·bo11dade tipica do bra• sileiro", por C.,:;$inno Ricardo rcvcl.t'Jm :i preocup;\ÇJo de encontrar um ..ca.ráter'' bra:sUcfro, que, à m.i.ne:lra de uma. " .imb.sti'ínci:.'-, seda dado de uma v~:: por tódas e: poderia sc:r descrito ou definido pela cordi.1lid.:1de, pela bondade, etc... •• •: • • ••• •• 9 •• •• I - 100 - Não ocorria a êsses ensaf:sta:s que .s.e estavam pe.rdc.ndo n~ discuss5o de um falso pr<>bJe:ma, pois o homem brasileiro que tentavam descrever, se. c.s~vl'l modJficando cootinu~me:nte, não $Ô porque: ao S1.1Po5to brasileiro tradicional -fruto da mistura do portu9uh com o iodio e O préto-se: esi-,varn incorpowndo inúmeras outr::;'1$ raças-italinnos. sírios. armênios. aie:mãe:s, judeu$, japonêse:s-, 01~ também porque: esse "me:king pot" emigrava dos campos para ~,s cid~du. da agricultura para a indú,stria . Tanto do ponto de vistt\ da composiçtio ltnlca quanto do pon:o de vísta do condidonamento ccon6mko-So<::i~J. o homem brasileiro jfs se achava, ao tempo dessa di..s<.ussão, em plena mct-0111orfose, assumindo aspecto de qucreJa puramente bi::~ntina o de:b.,tc $6bre a. sua bood._1de ou cordit:.ljdade. ~ verdade que Sé.rgio Buorque.. no final de sua .resposta ;'l Cassiano. seott: a ociosidade do tema, ao escrever que "I) própria eordinUdade ntío me pa.rece virtude defini~ tiva e c-,bttl que tenha de preva.lecer independentemente das circunsrãnclas mutltveis de nos:s-.1 existêttda". (Nota /) Estâ cla.ro q1.1c ao nos referirmos à ..estrutur.n ontológica.. do homem brasileiro. que.remos nludfr a umll estrutura ''fâsica" ou "fascolôgica", quer ditu, cond1cionad.J por um repertório de fatõres económicos. so<i11is. cultur.:ti3.. etc. que C.'\r-actuizam determinada fase de nosso procuso histórico. Alteradas usas condic;-Ocs, o homem brasileiro tenderá a apresentar outras c.aracteristicas, fsto é. oul(~ "estrutura ontológica ... Parece---nos que o texto da conferéndo deixou bastnote claro que. por ··essê:nc.i:1"· do homem b r,1 1Jileiro-.:i ser descoberto por uma fcnomeno109ia da sua "e;dsténcia" -, entende.mos umil cristalJzaçâo pi;o... vís6ria de atributos ou qualidades cuj(I permanénc;fa estâ e1:i. func;.ão das condições que n determinam. Só a poste• riori. quando o vida de vm povo se encerra, e se convette err. "obr.:,, c:omplct-, ··, é possível di:::er qual foi o seu caráter ou seu gênio. Julgarnos inadequado dizer que os povos s.:io isto ou aquilo. O presente do indic"'tivo exprime a tc.ndên• - 101 - citt ou o hábito eleâtko de lmobtll:at o . rc~I J){lra melhor dom.i.ót\.lo. A rigor, deveríamos stmprc dizer que os povo$ têm sido, c$t4o sendo ou forem Isto ou .iquilo. O brasileiro, espec.iolmcnte o de ce.rcas. regiões mal$ atrasado.$ do pais. t~m sido poi.aco ativo niio porque a lndolênGil\ seja um atrí~ buto do seu .. carâtcr··. mas porque ~ subnutrido e doente. o que se explica pel(IS condiçõü cco116mkas e sociais em que se acha, O 1nesmo homero, em outras col\diçO,es ( de ttabalho. moradia, alimentação, higiene etc. ). teria um com• p◊rtame.no intei.romtnle divct$o. O bomem ôco t O homem da fosc colonial da nossa hist6rta, da fase em que a vida do ptiiS não passava dt mero reflexo d.:i. vid3 da metrópole . O tnsaio de Ortega, oo quaJ faze.mos implid1a referência. $e Jnti1ula .. Intimidades-La ,Pa-,npa ... Promc.s:ios-EI hombrc e lo Defcnsiv.i-··• e .$e acha public{ldo a.a 2.• ed. das "Obras Comp1et.M'·, vol. 11, pbg. 635 t segs. (Nota g) S-5.o numerosas, na obra de Bergson. i1S su• gestõe.$ a tcspc.ito do problc.rnt1 a que noo n:krimos. Se o grou de Intensid.ade da consciência V$ritl propordont1lmtn• te à :su.i c.apacidade de cscolh~. e se essa capacidade de escolha. por sua vc:::, implica a form1.1foc;5o de projetos entre os quais o opção se poss., t"trcct. segue-se que só 1:. real. mente livre o se.r capa.% de escolher o próprio destino, .11,,,. colõni.i não pode ser consciente de si me-6ma porque não tendo destino pr6prio, carece da cap3C.idadc de autodetcr• mina_r..$t. "Se, com efeito, coru.clêncio significa escolha. e se a sua (u11c;âo é dccidír-sc. não é. prováv~I que cln se encontre. cm organis-mo.s que não se movem espontâneamente e não têm dcCi.$ê>(:s a tomar, A b<-:m diz:e.r, não hil sc.r vive) que porcc;a totalmente incapaz de movimente) espontâneo. Mesmo no mllndo vegetal, cm que o organismo e.stfa geri\lmentc fixado ao $010, a foculdãde de move.r-se cstfl antes ~dorme~ - - 102 - dda do que: tiuscnte; dupertil qu::1ndo se: pode tornar ótlL Acredito que todos os ~rcs vivos, p lantas e animois, a po$- sue:m e:m tese: muitos délcs, no en t.:tnto, renunciam de fa to a cSS3 fac uld:ide-inidaJmenu: muitos animais, sobretudo os que vivem como para.sitas cin outros or9t1nismos e não pre.. cisam deslocar-se par~ ~chõ'.lr seu alimento, cm st:gulda a m.-.ior parte dos vegetais: êstu não s5o, coi.no jâ se disse. parasitas da terr.o 7 Pnrc:ce,mt provável, portanto, que a consc1o;nci3, originádame:nte imanente a tudo o q ue: vive, 3dormece onde não hit m3i5 roovimtnl(I espont4neo e se exalta t;\l~ndo a vida se inclina pcJa atividade livre. A liá.s. cada um de nós j6 pôde verificar esta lei e m si mc.smo. Que aconu:c:e:, quando uma de nossas .ições deix:t de ser espon~ tãnca p.,n1 tocn~t-.$C o.utomâtka? A consdênci.i retirn-sc dela. Na .tprendl:agcm de um c.xtrc:içio, por exemplo. CO• mcç:imos tendo consdfnda de cada movimento que cxecut:t • mos. porque i:Jc vem de nós, rtsulttt de decisão e implica CS· colhi!: dep0is. à medida que i!sses movimtnto.s mais Se en .. caddam entre si e m;.li$ se determinam mc:cAnicamcnte UllS ~os ou1rcs, dispensando-nos, assim, d: decidir e d e esco• lhu, a consciência que temos d~les dimJnui e desaparece, Qu.tis stío. J)()r outro )ado, os momentos tm q ue o. no.$sa consciênda alcanca o mft;<imo de v ivac:idade? Não são os de crise interior, cm que bc.Sit.tm0$ tr'llrC dois ou mais par• tidos a tomar, e sentimos que C? no~so íuturo sertt o que ti• vermos ícito dele? As variaçõu de intensidade de nossa consci~neia patec::m, port.into, corresponder à soma mais ou menos con:sidcrável de escolha ou, :se quiserdes, de criação que distribuímos cm nossa conduta. T udo le va a c.rc.r que o mesmo acontece com n c:onsdênda em ger:,1. Con sciência significa me.m6ria f! ante<:ip{lç..;o, porq ue consciência f: :sinó• nimo de c:scolha". Hl"nti 1Hrg110ri. L'E,rie,git: Sptliri:cllc. p.'\g,- 10. 11 ~ IZ. • ' . 103 - (Nota h) "No Brasil-dizia eu em 192 1- cultura sl9nlflca e:xpatrhiçiio intdéC:tu:tJ, O brasileiro, enquanto ê tm31fabcto. r.teiocina corretamente: e-, mesmo in1et19e1ntment-e:, utilizando o mateti.'11 de obscrv{lçõcS e expc.riências fe.it~ $6bcc: as coisas que e$tão ao derredor dlle e 30 nlcancc d0$ seus sentidos, e sempre revela cm tudo êste inaJtcrãvcJ fu ndo de sens.ite.:, que lhe vem da raça superior otíginâda. Deen:i• lhe:. porém, instrução: façam-no ;;iprende.r o fraflcês: levemno a ler a Histdril} do.s Girond ino$, de Lamartine, 1'10 orl,.. gin.)1-c. cni-âo jâ não t o mt':.smo. Fica .. homt':m de idf:ias .-di.intadas·. cai numa espécie de: h tase e pa.s.'la a peregrinar -em lm.igin:,,çâo- por ··1odos O$ grandes centros da CI ... vih:açào e do Progresso", Se, acordando-o da hipnose, da• mos-lhe u.m s.,fon5o e:: de:síech:imos-lhe.s. à queJm{l•roupa, uma pergunta concreta e precisa sóbr~ as possibilidades da .. sidc.rurgia no Srasff·, o u e ntão $6bl'e ··o vaJQr seletivo dQ :ebu na pecuârla do T riàngulo .., êle nos olha atónito, num c:stado de imbccili:...,çti<, SOn3mbúlic3: 0 1.1 e nt5o entro u di• :er coisas disparatadas s6bre rebanhos lnglê:S<!S e austra .. li.-inos; ou desenvolve. u m pcuco confu:s~me.ntc:, os primei• ros cap!tulos de uma Filosofia das aplicações do furo na economi,'l contemporAnea. S6bre o no.s.~ pr-oblcm3 .sideriir• gico ou sõbre o nO.!f.SO problema pecuârio, êle nada d irà. porque nada sa~. nem mesmo poderá sa~r. dado hte estado p.1rtic11lt'r do seu espirito... ( · ) Justamente por Jsto é que eu chegucí à convicção de que os homens d.l elite inreleetuol do 8ro.sil, n5o só os que possuem preparação juridic,a. como OIS que- possuem p.repa• raçSo literária e c-icntifica - os chamados "home-n" de pen. samento'' ( doutr-in:idoru. propo.gandisu,.s, idc.)liSt.as, publiei.stu e:tc,) - podem ser enquadrados, mui legltimatnente. dentro d.l g~andc categoria dos ..homens margio3i$.. ( mor• gtnal mera), da cla.s.siíicac;ão d e Park. ( • • ) Porque..-como o tipo de Park-vfvem todos éles e nrre du.)$ ··cuhur.'.!.s.. : uma-,1 do .seu povo. q 1,1 c lhes forma o s ubconsciente cole:.- 1 - 104 - tlvo: ( • • .. ) outra-.:t eur0péia ou norte-americana, que. lhes dâ as id~ias, M ,diretrizes do pens~mcrttO, os p.3t'.'.l.digma.s constitueionAi$, os cdttrios dô j\llgamento politko. ( • ·"' · ) Ollvdr~ V1.;u1na, -1nstituiç&.s Politfc.i.t 8t•$ildtt»... INDICE Tom. U. p4ia. 15 e 16. ( • ) V, Pc~cno., ~tudos, 3.• cd. pág, 19i, S ITUAÇA.O E ALTER.~ATIVAS DA CULTURA BRASILEIRA ( '" ) Park (R,) .- Hu,l'ltlri migt~tion a11d thc ma.rqin1t.l man CA,J.S, 1821~2& ): Sto1u•qui.$t (E.) - Tire mMgilW man, Chk.\iO, 1937. cap. IV. V e VI. Cfr, WiJlcm4 (E.) - .fülllm.il"',00 e- p0pol•• ç&.t mMginaú no Brit1il, 19-tO, c.ip. VII e VIH: 8aldus e Wlllcau - Dlcicnário J,e_ c1n0lot/l-4 e #f,J,dot<,gla, pág. 109. ( • • • ) V, Pu.,,,Jo,ncnlc» ~11111. c-.1p. : t • 9 E.$t('Ututa da situação colonial . , ..•••.....••.. .... 21 As .,Jtcrn:uiva.$ do presente .. ..... •• , ••••••••.. , • 33 VIII. tX. X. XJ. XU c XIII. V. Fut;C/Jkmen:01 $0Cíols, cap. IV. MtickO; dr, Medlct.i y Nutl,r,.s - dco. 19+1. Signíficação da cu1tvra ....•......... •.... ....•. . PORMAÇAO E PR06LEMA OA CULTI.IRA BRASILEIRA e o que ocorre tU.lll'lbtrn M> Los partido& po(itieo.s. Mi· 1 A N;:attio <:orno processo histórico , •••. . , . , •••• .. . 53 Sentido de: nossn form:ição . . .. . ...... .. . . ...• .• . 58 ColoniaUsmo econômico e coloni{'Jismo c:uhursl ... .. 64 Erudição e torpor .. . .....• , • . , . , , ..• , , .....• . .. 70 Alien~ção e lnautentkldade: ........... • . , , , . •.•• Desenvolvimento e ~uroconsdlnc.ia nadonaJ 75 82 Notas •. . , , ...•.............. . .. .. ... . ... .. •.• 91