Terapia
não- ■
conven
cional
As Técnicas Psiquiátricas
de M ilto n H . E r ic k s o n
JA Y H A L E Y
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Haley, Jay.
Terapia não convencional: as técnicas psiquiátricas de Milton
H. Erickson / por Jay Haley ; tradução de Norma Telles. — São
Paulo : Summus, 1991. — (Novas buscas em psicoterapia ; v. 44)
ISBN 85-323-0075-8
1. Hipnotismo - Uso terapêutico 2. Psicoterapia de família 3.
Erickson, Milton H. I. Título. II. Série.
CDD-615.8512
-616.89156
91-0452
índices para catálogo sistemático:
1. Família : Técnicas da psicoterapia 616.89156
2. Hipnotismo : Uso terapêutico : Medicina 615.812
3. Psicoterapia de família 616.89156
Sistema Alexandria
N .A .
Tombo:
435212
20206
Terapia,
nãoconven
cional
As Técnicas Psiquiátricas
de M ilto n H . E r ic k s o n
JA Y H A L E Y
Do original em língua inglesa U N C O M M O N T H E R A P Y
Copyright © 1986
by Jay Haley.
Tradução de:
N o r m a T elle s
Capa de:
R u t h K to t z e l
Proibida a reprodução total ou parcial
deste livro por qualquer meio e sistema
sem o prévio consentimento da Editora
Direitos para a língua portuguesa
adquiridos por
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que se reserva a propriedade desta tradução
Impresso no Brasil
N O V A S BU SC A S EM
P S IC O T E R A P IA
Esta coleção tem com o intuito colocar ao alcance do público
interessado as novas form as de psicoterapia que vêm se desenvol
vendo mais recentem ente em outros continentes.
Tais desenvolvim entos têm suas origens, por um lado, na
grande fertilidade que caracteriza o trabalho no cam po da psico
terapia nas últimas décadas, e, por outro, na am pliação das soli
citações a que está sujeito o psicólogo, por parte dos clientes que
o procuram .
É cada vez m aior o núm ero de pessoas interessadas em am pliar
suas possibilidades de experiência, em desenvolver novos sentidos
para suas vidas, em aum entar sua capacidade de contato consigo
mesmas, com os outros e com os acontecim entos.
Estas novas solicitações, ao lado das frustrações im postas
pelas limitações do trabalho clínico tradicional, inspiram a busca
de novas formas de atu ar junto ao cliente.
E m bora seja dedicada às novas gerações de psicólogos e
psiquiatras em form ação, e represente enriquecim ento e atualização
para os profissionais filiados a outras orientações em psicoterapia,
esta coleção vem suprir o interesse crescente do público em geral
pelas contribuições que este ram o da Psicologia tem a oferecer à
vida do hom em atual.
PARA
M R S . E L IZ A B E T H E R IC K S O N
S U M Á R IO
P R E F Á C IO Á E D IÇ Ã O B R A S I L E IR A .....................................
9
P R E F Á C I O ............................................................................................
12
I. T E R A P IA E S T R A T É G IC A .................................................
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II. O C IC L O D E V ID A F A M IL IA R .......................................
42
III. O P E R ÍO D O D O N A M O R O : M O D IF IC A N D O O
JO V E M A D U L T O ...................................................................
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IV . R E V IS Ã O D E C A R Á T E R D O JO V E M A D U L T O ...
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V. O C A S A M E N T O E SU A S C O N S E Q Ü Ê N C IA S ...........
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V I. O N A S C IM E N T O D O S F IL H O S E O C U ID A D O
D A P R O L E ................................................................................
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V II. O C A S A M E N T O E O S D IL E M A S D A F A M Í L I A ....
212
V III. D E S E M B A R A Ç A N D O P A IS E F I L H O S .......................
251
IX . A D O R D E E N V E L H E C E R ................................................
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P R E F Á C IO À
E D IÇ Ã O B R A S IL E IR A
As psicoterapias (a exemplo do que acontece em todo o mundo)
vêm, nos últimos anos, se desenvolvendo muito e, paradoxalmente,
quanto mais chegam “ coisas novas” , mais elas se parecem com a
sabedoria oriental, velha e viva!
Desde o enunciado de Breuer: “ Percebo que quando as pes
soas falam daquilo que as aflige elas costumam m elhorar” , as psi
coterapias têm percorrido um caminho sinuoso, passando por várias
premissas (todas, claro, influenciadas pelo paradigma e pela situação
sócio-política da época e pelo “ hum or” do universo). Os paradig
mas (formas de uma ou mais pessoas conceberem a vida) têm m u
dado, e estes “ câm bios” estão intimamente ligados às descobertas
da física. Os enunciados recentes da física quântica têm desestabilizado velhos conceitos, jeitos de ver, pensar e conceber as coisas.
As dicotomias têm sido descartadas (começando pelas idéias de Des
cartes), já a crença de que tudo está interligado, de que tudo é parte
de um sistema (a “ unidade” dos orientais) está promovendo a pro
liferação dos circuitos holísticos/sistêmicos ao redor do planeta. Ge
ralmente, quando concebemos algo na vida, como idéias e juízos
a respeito de nós mesmos, do m undo, de pessoas e de situações, es
tamos circuitando cerebralmente no mesmo caminho de outros: pais,
professores, propaganda de t v , religião, sistema político, currículo
escolar etc... Esta program ação paradigm ática (muito aprendida;
escassa de real experiência) reduz o contexto, e “ setores cerebrais”
permanecem pouco ou nada ativados. Soluções novas, possibilida
des ficam interditadas, e a criação, no mais amplo sentido da pa
lavra, com prom etida. As “ novas” terapias objetivam ativar outras
áreas cerebrais, am pliar contextos, possibilitar a percepção dos pró
prios paradigmas e mudá-los, de acordo com seu caminho na vida
e, principalmente, conectar-se com a saúde e a possibilidade. Ou
seja, o terapeuta não é “ catador de lixo” , o profissional das psico-
terapias não é apontador s ó da doença. Aliás, se ele não “ conhe
cer” a real possibilidade-saúde, como irá se posicionar no tempo?
O tempo atual traz a unidade, o sistema, a relação, a interação har
mônica, e doença é fragmentação, desconexão. E como partir de pre
missas cindidas em trabalhos de resgate da saúde?
O terapeuta que não está centrado na saúde não estará, tam
bém, instrum entalizado para promover com eficácia seu trabalho,
já que essa exigência vem da dem anda, de nós, seres humanos, habi
tantes de um planeta em final de século. E eu penso que cada um
sabe o que acarreta viver este tempo.
A prim eira vez que li M ilton Erickson, m inha reação foi: como
eu queria tê-lo conhecido pessoalmente, como eu queria ter degusta
do sua sabedoria e me beneficiado dela! Achei que estes sentimentos
fossem só meus. Ledo engano! Essa mesma adm iração era com par
tilhada por meus alunos do Curso de Form ação em Terapias Con
temporâneas, amigos e terapeutas conhecidos.
Ao se tom ar contato com M ilton Erickson, tem-se a impressão
de um terapeuta que utiliza e usufrui do seu potencial de form a in
tensa. A sensação é de um a aula de criatividade, de habilidade e de
estratégias para lidar com os impedimentos psíquicos, ativando no
vas possibilidades.
Foi a primeira vez que me deparei com um terapeuta que tinha
uma profunda e precisa percepção do outro (jogos, mecanismos, pre
missas equivocadas, cultura, habilidades, essência, conexão com o
negativo, saúde) e transform ava (numa alquimia brilhante) esta per
cepção em estratégia de m udança, como se captasse o que a própria
essência (saúde!) do cliente faria por si mesma, se os condicionamentos
lhe dessem espaço.
O que M ilton Erickson possuía, para atrair clientes e terapeutas-aprendizes de todas as partes dos EUA e do mundo? Perspicácia!
Que vem de presença, espirituosidade, alerta, vivacidade, qualida
des básicas de quem está realmente vivo e, no caso dele, paradoxal
mente vivo: ele teve poliomielite, estava numa cadeira de rodas, com
seu estado agravado por outras seqüelas.
Ele usava contos e anedotas que, muitas vezes, vistos pelos olhos
do hemisfério cerebral esquerdo, não faziam nenhum sentido, mas
provocavam mudanças substanciais nas pessoas.
Neste seu costume de narrar anedotas e contos, Erickson se
guia, desde muito cedo, uma antiga tradição — a de contar estórias
para transm itir sabedoria. Leitor de G urdjieff e de contos da tradi
ção sufi, parece que foi desta antiga escola de desenvolvimento que
retirou o ensinamento:
“ Nossos condicionamentos não nos deixam enxergar além do
limite do que é óbvio, visível, palpável. E muito menos nos permi
tem perceber que a conduta dos personagens de um conto (homens,
mulheres, crianças, animais) ou situações (horários, lugares e movi
mentos) simbolizam certa área da mente, ou a form a como às vezes
a consciência hum ana se com porta” .
Feliz por prefaciar este trabalho árduo de Jay Haley, que o com' pilou durante dezessete anos, e entusiasmado com a repercussão que
a postura não convencional de M ilton Erickson possa provocar nos
leitores, nas psicoterapias, apresento-lhes .esta edição brasileira.
“ Se você atende um a pessoa que o procura pela ótica da doen
ça, insanidades e mazelas irão aparecer por todos os lados. Mas se
sua referência é a saúde e o equilíbrio, certamente você ‘puxará’ isto
do cliente; daí, o crescer é uma questão de disciplina, técnicas efeti
vas, hum or e um a profunda fé na essência do ser hum ano.”
H É R C O L E S JA C I
Psicólogo clínico
P R E F Á C IO
N o epílogo p ara a publicação original deste livro, escrevi:
“ O próprio Milton H. Erickson está chegando a seu capítulo
final. Muito doente e confinado a uma cadeira de rodas, só ocasio
nalmente recebe um paciente. Durante os últimos anos, sua aborda
gem dos problemas humanos tem uma simplicidade e uma eficiência
que nos recordam o trabalho tardio de muitos artistas. Picasso ad
quiriu mais simplicidade em seus desenhos, Borges voltou-se para
uma maneira mais elementar de contar histórias e Erickson conquis
tou uma economia no estilo terapêutico, talvez compensatória de sua
crescente fraqueza física, que se assemelha aos golpes de um corta
dor de diamantes. Parece que apreende os fundamentos da situação
humana com notável rapidez, e suas intervenções terapêuticas são sim
ples e precisas, sem desperdício de energia. Com a idade, sua sabedo
ria cresceu, no exato momento em que perdia sua força pessoal para
colocá-la em ação, talvez uma das inevitáveis ironias da vida” .
Desde a m orte de Erickson, em 1980, sua abordagem estratégi
ca à terapia cresceu em popularidade e é estudada e ensinada em to
dos os lugares. De figura controversa no cam po da terapia, ele se
torn o u um a figura universalm ente adm irada. T odo mês aparece um
livro sobre ele, e m uitas pessoas estão oferecendo w o r k s h o p s sobre
a terapia ericksoniana. Ele está assum indo a estatura de um a figura
de culto, e centenas de adm iradores com parecem a reuniões da fu n
dação form ada em sua honra.
Penso que Erickson teria prazer em constatar que seus anos de
trab alh o diligente para inovar as m aneiras de influenciar pessoas re
sultaram em tal núm ero de seguidores. C om o era um hom em p ráti
co, teria ficado menos lisonjeado com o culto que se construiu ao
seu redor. N o entanto, ele mesmo gostava de criar um a au ra de
m istério ao redor de seu m odo de trab a lh ar. C erta vez, cogitei de
intitular seu livro “ Feitiçaria e senso com um ” , pois esses dois as
pectos faziam parte de sua vida.
Em janeiro de 1953 foi-m e dada um a ra ra oportunidade: fui
em pregado por G regory Bateson em seu p rojeto de pesquisa de estu
do da com unicação. John W eakland tam bém juntou-se a nós naquela
época, e Bateson nos deu plena liberdade p ara investigar o que qui
séssemos, desde que lidássem os de algum m odo com os paradoxos
que surgem no processo comunicativo. Naquele ano, Milton H. Erick
son passou pelo lugar oferecendo um dos seus sem inários de fim de
sem ana sobre hipnose. Eu disse a Bateson que gostaria de assistir,
e ele arran jo u p ara que isto se desse. Ele conhecera o dr. Erickson
du ran te um período anterior de sua vida, q uando, com M argaret
M ead, o consultara sobre os filmes de transe que am bos haviam fei
to em Bali.
Depois desse sem inário, m inha investigação incluiu os aspec
tos com unicativos da relação hipnótica. Jo h n W eakland juntou-se
a mim neste em preendim ento, e com eçam os a fazer visitas regulares
a Phoenix, onde o dr. Erickson m antinha um a clínica particular. Fi
cávam os horas conversando com ele sobre a natureza da hipnose e
observando-o trabalhar com pacientes. Viajando várias vezes por mês
por to d o o país, p ara ensinar e dar consultas, ele tam bém adm inis
trav a um a m ovim entada clínica particular. A despeito de seus dois
ataques de pólio e da necessidade de andar desajeitadam ente com
muletas, ele era vigoroso e gozava de boa saúde. Seu consultório fun
cionava em sua casa, num pequeno côm odo ao lado da sala de ja n
ta r, e a sala de estar era sua sala de espera. D urante os anos 50, vá
rios de seus oito filhos eram ainda pequenos e ficavam em casa, de
m odo que seus pacientes se m isturavam à fam ília. E ra um a m odesta
casa de tijolos num a rua tran q ü ila e, com freqüência, eu ficava cogi
tan d o no que deveriam pensar os pacientes, de várias partes do país,
que provavelm ente esperavam que um psiquiatra proem inente tives
se um consultório mais pretensioso.
Depois de term os estudado a hipnose do dr. Erickson durante
algum tem po, nosso interesse voltou-se p ara seu estilo de terapia. Em
meados da década de 50, comecei m inha prática psicoterapêutica,
especializando-me em tratam entos breves. M inha tarefa era fazer com
que a pessoa superasse seu problem a tão rapidam ente quanto possí
vel, em geral utilizando a hipnose. Logo me dei conta de que só hip
notizar as pessoas não as curava; de que precisava fazer algum a coi
sa p ara que m udanças ocorressem . P rocurei um consultor de m éto
dos de tratam entos breves e, naqueles dias de psicoterapia de discer
nim ento a longo prazo, r ã o havia ninguém acessível. Don D. Jack-
son, que supervisionara a terapia que conduzíamos com esquizofrê
nicos em nosso projeto de pesquisa, poderia ter sido útil, mas sua
experiência com terapia breve era limitada. Quando procurava ao
meu redor alguém que pudesse me aconselhar, descobri que a única
pessoa que conhecia com experiência especial em terapia breve era
o dr. Erickson. Através de nossas conversas sobre hipnose, sabia que
tinha um estilo especial de terapia que algumas vezes envolvia a hip
nose e outras não. Comecei a visitá-lo para discutir problemas rela
tivos aos casos que estava tratando. Logo se tornou óbvio para mim
que ele possuía um estilo original de terapia que nunca fora adequa
damente apresentado à área. Tentei descrever sua abordagem num
artigo sobre terapia breve, que posteriorm ente foi incorporado co
mo capítulo a S tr a te g ie s o f p s y c h o th e r a p y (Estratégias de psicotera
pia).* Com o decorrer dos anos, várias vezes ocorreu-me a idéia de
apresentar sua abordagem de modo mais amplo em form a de livro.
Hesitava devido ao enorme trabalho da tarefa, e também porque não
tinha um a m oldura teórica apropriada que me permitisse refletir a
respeito do assunto e apresentar seus métodos de terapia. Nosso pro
jeto de pesquisa, naquela época, era investigar uma variedade de for
mas de terapia, e estávamos gravando e filmando diversos profissio
nais. Ainda assim, o dr. Erickson se destacava como uma escola única,
e as premissas comuns da psiquiatria e da psicologia não eram ade
quadas para descrevê-lo.
D urante este período ocorreu uma revolução no campo da tera
pia com a introdução da idéia de orientação familiar. O que um a vez
fora denominado sintoma, ou problema individual, começou a ser re
definido como produto de relações pessoais. À medida que explorá
vamos o desenvolvimento do novo campo da terapia familiar em nos
sa pesquisa, e à medida que comecei a tratar casais e famílias, percebi
que a abordagem do dr. Erickson era especialmente reveladora. Co
meçou a parecer possível colocar sua terapia dentro do arcabouço da
teoria da família. A orientação familiar estava implícita em seu tra
balho, e conversar com ele e examinar seus casos me ajudou a encon
trar um a nova visão da família como centro dos dilemas humanos.
Q uando comecei a considerar os problemas humanos como inevitá
veis devido à maneira como a família se desenvolve no tempo, perce
bi que a terapia do dr. Erickson se baseava amplamente nessa mesma
concepção. Havia encontrado o referencial para descrever seu trabalho.
O leitor de alguns desses casos extraordinários que não conhe
ce o dr. Erickson e que deseje saber mais sobre ele encontrará em
* Jay Haley, S tr a te g ie s o f p s y c h o t h e r a p y (Estratégias de psicoterapia), Nova York, Grune & Stratton, 1963.
A d v a n c e d te c h in iq u e s o f h y p n o s is a n d th e r a p y ,* que reúne toda a
obra do dr. Erickson, um a introdução com informações biográficas,
assim como um apêndice que oferece um a discussão geral de seu
trabalho. P ara aqueles que desejem aprofundar ainda mais seus in
teresses, há também nesse livro uma bibliografia completa do que
escreveu.
Mas algumas palavras sobre a form ação profissional do dr.
Erickson podem ser úteis. Ele cursou a Universidade de Wiscosin e
recebeu seu diploma médico no Colorado General Hospital, onde si
multaneamente diplomou-se como mestre em psicologia. Após com
pletar treinam ento especial no Colorado Psychopathic Hospital, co
meçou como psiquiatra no Rhode Island State Hospital. Em 1930,
juntou-se à equipe do Worcester (Massachussetts) State Hospital e
se tornou psiquiatra-chefe do Serviço de Pesquisa. Q uatro anos mais
tarde, foi para Eloise, M ichigan, como diretor de pesquisa e treina
mento psiquiátrico do Wayne County General Hospital and Infirmary. Era também professor associado de psiquiatria no Wayne State
University College o f Medicine e professor de pós-graduação. Concomitantemente, foi, durante um breve período, professor de psico
logia clínica na Michigan State University, em East Lansing. Em 1948,
estabeleceu-se em Phoenix, Arizona, principalmente por causa de sua
saúde, e iniciou a clínica particular. Foi membro tanto da American
Psychiatric Association quanto da American Psychological Association, assim como da American Psychopathological Association. Além
disso, foi membro honorário de numerosas sociedades de hipnose
médica na Europa, América Latina e Ásia; presidente fundador da
American Society for Clinicai Hypnosis, assim como editor da re
vista profissional dessa sociedade. Depois de 1950, sua vida profis
sional inclui tanto a movimentada clínica particular de Phoenix quanto
viagens constantes para m inistrar seminários e palestras através dos
Estados Unidos e de muitos países estrangeiros.
Não obstante a colaboração de idéias, o ponto de vista genéri
co expresso neste trabalho não é necessariamente o do dr. Erickson.
É m inha própria m aneira de descrever a abordagem dele à terapia.
Ele leu e aprovou o manuscrito, mas seu ponto de vista terapêutico
está expresso naquilo que escreveu. Os relatos de caso que incluí es
tão em suas palavras; muitos, retirados de seus artigos, foram edita
dos para enfatizar os pontos que eu queria ressaltar. Este trabalho
é somente um retrato parcial da terapia de Erickson. Ele escreveu
uns cem artigos científicos, e tenho gravadas mais de cem horas de
* Jay Haley, ed., A d v a n c e d te c h in iq u e s o f h y p n o s i s a n d th e r a p y : T h e s e le c te d p a p e r s o f
M i l t o n R . E r ic k s o n , M .D . (Técnicas avançadas de hipnose e terapia: O bra completa de
Milton R. Erickson, M .D .), Nova York, G rune & Stratton, 1967.
conversação com ele. Esta seleção de seus casos representa somente
parte da grande quantidade de dados sobre seu trabalho. Ele pos
suía uma ampla gama de técnicas hipnóticas que não foram incluí
das aqui, assim como um a variedade de abordagens aos indivíduos
e famílias que não foram exploradas.
Este trabalho também não oferece um a revisão crítica do dr.
Erickson e de seu trabalho. Não dou ênfase a minhas discordâncias
com ele, mas enfatizo o mais claramente que posso suas idéias sobre
o que a terapia deveria ser. Quando concordo com ele, cito meus pró
prios casos, nos quais usei sua abordagem, mas, quando discordo,
apresento suas idéias e não as minhas. Alguns leitores podem se irri
tar com a contínua ênfase que este livro dá aos tratam entos bemsucedidos. Não é que o dr. Erickson não fracassasse em seus casos
ou não tivesse limitações. Ocasionalmente, os fracassos são mencio
nados para ilustrar uma idéia. Mas este é um livro sobre maneiras
bem-sucedidas de resolver os problemas humanos e, por conseguin
te, os casos aqui incluídos são aqueles em que sua abordagem fun
cionou. Temos tido inúmeros livros sobre métodos de psicoterapia
que consistentemente falham , em bora algumas vezes os autores res
saltem a beleza das teorias e não o parco resultado da terapia.
Comumente, nessa nossa era tecnológica, quando se quer des
crever o terapeuta em seu trabalho apresentam-se filmes sobre ele
com seus pacientes, ou ao menos gravações, para docum entar os en
volvimentos intrincados do empreendimento terapêutico. Este livro
é mais antiquado. É um histórico de caso baseado amplamente na
descrição que o terapeuta faz de seu trabalho. P or isso tem o demé
rito de ser um a interpretação subjetiva do que acontece na terapia.
Múltiplas oportunidades de desvio surgem quando um terapeuta des
creve seu próprio trabalho. Mas, não im porta que facilidades técni
cas estejam disponíveis para uma apresentação dos encontros tera
pêuticos, penso que sempre haverá lugar para a descrição do traba
lho pelo próprio terapeuta. Descrevi terapeutas através da utilização
de gravações deles durante o trabalho, usando vídeo e filmes, os co
mentários feitos pelo terapeuta a respeito das gravações e discussões
da teoria com o profissional. O exemplo da situação na qual o tera
peuta conta como encarou um problem a e o que fez a respeito dele
continuará sendo uma maneira valiosa de compreender a abordagem
terapêutica. O tipo de livro de estudo de caso oferecido aqui permite
uma cobertura resumida de um vasto número de técnicas através das
quais se pode enfocar inúmeros problemas humanos. Cada caso é
discutido brevemente para ilustrar algumas idéias, mas qualquer um
deles, se apresentado de modo mais completo, poderia ser um livro
em si mesmo. Devido às simplificações excessivas dessas trocas com
plexas, este trabalho é realmente um livro de historietas de caso; re
sumos destinados a apresentar incidentes cruciais em terapia. Em ge
ral, o dr. Erickson descreveu sua abordagem com notável clareza,
algumas vezes acrescentando um toque de dram a, pois era propenso
a enxergar o mundo dessa maneira. Com freqüência, gostava de apre
sentar o problem a que enfrentava como um a questão impossível e,
a seguir, revelar a solução. O que fazia em terapia parece tão razoá
vel, quando se consegue apreender seu ponto de vista, que se pode
dizer que, se não fizesse as intervenções terapêuticas, outra pessoa
as faria. P or mais de dez anos, experimentei seus métodos, o mesmo
fizeram muitas outras pessoas, e eles são eficazes. Pode-se adaptar
sua abordagem ao nosso próprio estilo. E ra um a característica de
Erickson se envolver intensamente com a pessoa, e o paciente que
recebia sua total atenção experimentava o im pacto de sua personali
dade. Mesmo assim, outros terapeutas, com personalidades diferen
tes e menos envolventes, podem usar muitas de suas técnicas.
Relendo esse livro para sua reedição, alegra-me perceber que
não me arrependo do que disse e que não faria alterações. As idéias
e teorias ainda são básicas, e os casos são eternos: é característico
do trabalho de Erickson o fato de sua terapia ser cristalina em cada
caso. A inda me agrada a m oldura dos estágios do ciclo de vida da
família que criei para descrever o trabalho de Erickson. A idéia é
amplamente utilizada hoje, e tem-se como certo que existem está
gios da vida familiar que são relevantes para a terapia. Na época que
este trabalho foi escrito essa idéia era nova.
D urante os anos 60, quando comecei a escrever este livro, tive
a sorte de por quase um ano poder trabalhar nele em período inte
gral. Pensei que seria suficiente. Na verdade, passaram-se cinco lon
gos anos de esforço antes que o trabalho estivesse completo. Preci
sei escutar e transcrever gravações das conversas com o dr. Erickson
que abrangiam um período de mais de dezessete anos e cobriam uma
grande variedade de tópicos, que iam da terapia à hipnose, a muitos
tipos de experimentações humanas.* Tive também de descrever a abor
dagem de Erickson de m aneira a dar-lhe sentido quando idéias tra
dicionais a respeito de terapia não eram aplicáveis a seu trabalho.
É sempre difícil descrever as idéias e invenções de outra pessoa, pois
nunca se pode estar certo de que os fatos estejam corretos e de que
as idéias expressas serão aprovadas por ela. Isto é particularmente
verdadeiro quando as idéias são novas, ainda obscuras, em processo
de form ação. O que mais me agradou na recepção que o livro obte
* Uma compilação dessas conversas foi publicada. Jay Haley, C o n v e r s a tio n s w ith E r ic k
s o n (Conversações com Erickson), volumes 1, 2 e 3. W ashington, D .C ., Triangle Press,
1985; distribuído por W. W. N orton, 500 Fifth Avenue, Nova York, N.Y. 10110.
ve foi que Erickson ficou satisfeito com ele como expressão de seu
trabalho. Encomendou muitos exemplares e gostava de presenteálos aos colegas e estudantes.
Devo muitas das idéias sobre o trabalho de Erickson a John
W eakland. Partilham os durante anos um interesse comum pela hip
nose e pela terapia. Gregory Bateson contribuiu para esse trabalho
não só fornecendo idéias, como também abrigando a pesquisa em
seu projeto, muito mais am plo, sobre comunicação. Nos estágios fi
nais do manuscrito, as conversas com Braulio M ontalvo foram de
imensa ajuda para esclarecer muitas idéias.
J a y H a le y , 1 9 8 6 .
T E R A P IA E S T R A T É G IC A
A terapia pode ser chamada de estratégica quando o clínico inicia
o que se desenrola durante a terapia e designa um a abordagem par
ticular para cada problema^ Quando um terapeuta e uma pessoa com
um problema se encontram , a ação que ocorre é determinada pelos
dois, mas na terapia estratégica a iniciativa é amplamente tom ada
pelo terapeuta. Ele precisa identificar problemas solucionáveis, es
tabelecer objetivos, planejar intervenções para atingir esses objeti
vos, investigar as respostas que recebe para corrigir sua abordagem,
e, por último, examinar o resultado de sua terapia para verificar se
foi efetiva. O terapeuta precisa ser realmente sensível e receptivo ao
paciente e ao seu campo social, mas a m aneira como age é determi
nada por ele mesmoT^
Durante a primeira metade deste século, os clínicos eram trei
nados para evitar planejar ou iniciar aquilo que aconteceria na tera
pia e para esperar que o paciente dissesse ou fizesse alguma coisa.
Só então o terapeuta podia agir. Sob a influência da psicanálise, da
terapia rogeriana e da terapia psicodinâmica em geral, desenvolveu-se
a idéia de que a pessoa que não sabe o que fazer e procura ajuda
deveria determinar o que ocorre na sessão terapêutica. Esperava-se
que o clínico se sentasse passivamente e só interpretasse ou fizesse
retornar ao paciente aquilo que este estava dizendo ou fazendo. O
terapeuta também só podia oferecer uma abordagem, não im porta
quão diferentes fossem as pessoas ou os problemas que a ele chegas
sem. Considerava-se um comportamento “ manipulativo” enfocar um
problema, estabelecer objetivos, intervir deliberadamente na vida de
uma pessoa ou examinar os resultados de tal terapia. Essa aborda
gem passiva fez com que se perdessem para a profissão clínica mui
tas das estratégias terapêuticas efetivas que estavam se desenvolven
do antes deste século, y
A terapia estratégica não é uma abordagem particular ou uma
teoria, mas um nome para os tipos de terapia nos quais o terapeuta
assume a responsabilidade de influenciar diretamente as pessoasjEm
meados deste século, durante os anos 50, uma variedade de aborda
gens terapêuticas estratégicas começou a proliferar. Muitos tipos de
terapia familiar e as terapias condicionantes se desenvolveram ba
seadas na premissa de que o terapeuta deveria planejar o que fazer.
Durante algum tempo houve controvérsia sobre se era errado o tera
peuta agir para ocasionar uma mudança, mas agora parece claro que
a terapia efetiva requer esta abordagem, e as discordâncias acaba
ram.
Em bora a terapia tenha passado de passiva para ativa, a conti
nuidade com o passado é m antida pelos procedimentos terapêuticos
que utilizam a hipnose. Faz parte da natureza da hipnose o hipnotis
ta iniciar o que vai ocorrer. A influência da hipnose sobre todas as
formas de terapia ainda não fci devidamente apreciada. Pode-se ar
gumentar que a maior parte das abordagens terapêuticas têm sua ori
gem naquela arte. As terapias condicionantes, com seus diferentes
nomes, vêm de Thorndike, através de Skinner, mas suas premissas
básicas derivam de Pavlov, que estava imerso em teorias hipnóticas.
A terapia com portam ental na form a de inibição recíproca foi criada
por Joseph Wolpe e nasceu em parte de sua experiência como hip
notista. A psicoterapia dinâmica, particularmente em sua form a psicanalítica, surgiu no grande período de experimentação hipnótica do
final do século passado. O método de Freud estava enraizado na hip
nose e, em bora ele tenha m udado da indução direta do transe para
um a abordagem mais indireta, seu trabalho provém da orientação
hipnótica. Uma possível exceção à influência da hipnose em todas
as formas de terapia refere-se a certas formas de terapia familiar.
Um terapeuta de família que tente m udar os indivíduos num a famí
lia levou muitas idéias da hipnose para o campo familiar. Outros te
rapeutas de família, no entanto, que enfocam a seqüência, o proces
so ou o com portam ento entre dois ou mais membros da família, pa
recem menos influenciados por ela. Uma exceção dentro deste últi
mo grupo é Milton H. Erickson, que m udará o com portam ento en
tre as pessoas com uma abordagem que foi desenvolvida diretamen
te da orientação hipnótica.
Erickson pode ser considerado o mestre da abordagem estraté
gica à terapia. Há tempos é conhecido como o médico hipnotista mais
proeminente do mundo; passou sua vida fazendo trabalho experi
mental e usou a hipnose em terapia de maneiras infinitamente varia
das. A menos conhecida é a abordagem estratégica que desenvolveu
para indivíduos, casais e famílias sem o uso formal da hipnose. Du
rante muitos anos, ele dirigiu uma intensa prática psiquiátrica, lidou
com todos os tipos de problemas psicológicos e com famílias em to
dos os estágios da vida. Mesmo quando formalmente não utiliza a
hipnose, seu estilo de terapia se baseia tanto na orientação hipnótica
que o que quer que faça parece ter origem nessa arte. Levou para
a terapia um a gam a extraordinária de técnicas hipnóticas e, para a
hipnose, um a expansão de idéias que a am pliaram para muito além
de um ritual de um estilo especial de comunicação.
Uma das maneiras de encarar a terapia estratégica de Milton
Erickson é como uma extensão lógica da técnica hipnótica. Do trei
namento em hipnotismo resulta a habilidade para observar as pes
soas e os modos complexos como se comunicam, para motivar as
pessoas e levá-las a seguir as instruções, e para usar as próprias pa
lavras, entonações e movimentos corporais para influenciar as pes
soas. É também da hipnose que vêm a concepção da pessoa como
mutável, um a apreciação da maleabilidade do espaço e do tempo e
idéias específicas sobre como levar outra pessoa a se tornar mais au
tônoma. Assim como um hipnotista pode pensar em transform ar um
sintoma grave num mais brando, ou de curta duração, ele pode pen
sar em transform ar um problem a interpessoal em uma vantagem. É
mais fácil para um a pessoa hipnoticamente treinada, do que para a
maioria dos terapeutas, apreender a idéia de que os sentimentos sub
jetivos e as percepções se transform am quando há um a m udança na
relação. O modo de pensar estratégico é crucial para a abordagem
hipnótica quando usado adequadamente, e Erickson conduziu-o aos
seus máximos limites. Ele é tanto um hipnotista experimental quan
to um terapeuta experimental que transfere idéias da hipnose para
procedimentos terapêuticos onde não se esperaria encontrá-las. Uma
vez encontradas, elas podem esclarecer e afiar as habilidades de qual
quer terapeuta.
A m aioria das pessoas, incluindo muitos profissionais clinica
mente treinados, pensa que a hipnose é um a situação especial dife
rente de outras situações na vida. As pessoas não treinadas em hip
nose acreditam que ela é um procedimento no qual o hipnotista diz
“ Relaxe” , o sujeito “ dorm e” e então são-lhe dadas sugestões. Ou
que se pede a um a pessoa para olhar para a luz ou para um objeto
e se diz que seus olhos ficarão pesados e que ela adormecerá. A pes
soa ingênua pensa que, a menos que seja seguido este ritual que en
volve o sono, não há hipnose. Devido à idéia de que a hipnose é um
ritual estereotipado que envolve o sono, é difícil ver sua relação com
um tipo de terapia na qual aquelas palavras não são pronunciadas
e onde o terapeuta pode até mesmo estar entrevistando um grupo
familiar.
No sentido em que é empregada neste livro, a palavra “ hipno
se” não se aplica a um ritual, mas a um tipo de comunicação entre
pessoas. M ilton Erickson explorou uma quase infinita variedade de
maneiras de induzir o transe hipnótico. Exam inando seus trabalhos
e o trabalho de outros hipnotistas contemporâneos, percebe-se co
mo é difícil afirm ar com clareza qual é a relação hipnótica e qual
não é. Erickson pode usar um a form a ritual de indução de transe,
mas pode também, sem nunca mencionar a palavra “ hipnose” , sim
plesmente manter uma conversação. Pode hipnotizar uma pessoa en
quanto fala com outra, dar um a palestra e, ao enfatizar certas pala
vras, induzir ao transe alguém da audiência que só mais tarde, ou
talvez nem então, perceberá que foi hipnotizado. A partir deste tipo
de exploração, Erickson redefiniu o transe hipnótico, aplicando-o
não ao estado de uma pessoa, mas a um tipo especial de troca entre
duas pessoas. Uma vez que se tenha apreendido este ponto de vista,
é possível pensar a hipnose em termos mais amplos e ver sua presen
ça num a variedade m aior de situações, particularm ente nos intensos
envolvimentos da terapia.
As preocupações do clínico com a hipnose podem limitar sua
compreensão sobre o uso das habilidades hipnóticas. Deve-se ter em
mente que a hipnose pode variar com o clima ideológico da época.
Quando a terapia era vista como um a experiência religiosa, a hipno
se era um ritual místico. Com o desenvolvimento da teoria psicodinâmica, a hipnose passou a ser considerada um fenômeno de transfe
rência. (Foi até mesmo, como parte das políticas da terapia, descar
tada pelos psicanalistas como terapia frívola ou de apoio, ou distor
cida p ra um a m utação peculiar, a hipnoanálise.) Atualmente, atra
vessai ;os um período onde a hipnose é excessivamente examinada pelos
cientistas. Um número considerável de pesquisas estão sendo desen
volvidas para dem onstrar que a hipnose não existe, ou melhor, que
nada pode ser realizado melhor em transe do que num estado de aler
ta. Numa época científica, a hipnose passa a ser definida como uma
situação sem im portância. Essas pesquisas são muito insignificantes
para os clínicos, porque a hipnose pesquisada e a hipnose em terapia
são duas ordens de fenômenos diferentes. Como um modo de criar
uma relação de trabalho com pessoas com problemas, a hipnose con
tinuará a ser usada, mesmo que as investigações de laboratório ve
nham a constatar que não existe algo como a “ hipnose” . Se ela pôde
sobreviver ao período religioso, também sobreviverá ao período cien
tífico. O próximo passo será provavelmente redefini-la como fenô
meno condicionador, se as terapias condicionantes se desenvolverem
mais e se tornarem mais populares. Será necessário aprender a teo
ria, e o transe será explicado dentro desta moldura.
Neste livro, será enfatizado especialmente um aspecto da hip
nose. Ela será encarada como um tipo especial de interação entre
pessoas, ao invés de ser um fenômeno religioso, uma situação de trans
ferência ou um processo condicionador. Deste ponto de vista, a hip
nose é um processo entre pessoas, um a m aneira pela qual uma pes
soa se comunica com outra. A abordagem de Erickson torna possí
vel enxergar esse mistério dentro de um enquadram ento interpessoal.
Deste ponto de vista, a relevância da hipnose para a terapia pode
ser ilustrada generalizando-se o que ela propõe em comum, acima
e apesar dos rituais específicos dos terapeutas ou hipnotistas. Q uan
do a hipnose é utilizada de maneira eficiente, a abordagem é estraté
gica, e as estratégias são similares àquelas que podem ser encontra
das em diferentes abordagens terapêuticas. Podem-se esboçar para
lelos entre hipnose e terapia em termos de objetivos, procedimentos
e técnicas específicas para se lidar com a resistência.
Num nível mais geral, o objetivo de um hipnotista é modificar
o com portam ento, a resposta sensorial e a consciência de outra pes
soa. Um objetivo subsidiário é ampliar a gama de experiências da
pessoa: provê-la com novos modos de pensar, sentir e se com portar.
Obviamente, esses também são os objetivos da terapia. Tanto o hip
notista quanto o terapeuta procuram, através do relacionamento com
a pessoa, introduzir variedade e estender a série de habilidades.
Observando os vários procedimentos terapêuticos, assim como
a ampla variedade de métodos de indução de Erickson, descobre-se
que há um tem a comum, assim como um a seqüência de passos que
são seguidos, a despeito da diversidade de formas. O hipnotista d ir i
g e a pessoa para que ela e s p o n ta n e a m e n te mude seu com portam en
to. Como um a pessoa não pode responder espontaneamente se esti
ver seguindo um com ando, a abordagem hipnótica é a colocação de
um paradoxo. Dois níveis de mensagem estão simultaneamente sen
do comunicados pelo hipnotista: ele está dizendo: “ Faça o que di
go” e, dentro do mesmo enquadram ento, está afirm ando: “ Não fa
ça o que digo, comporte-se espontaneam ente” . O sujeito tem uma
maneira de se adaptar a esse conjunto de comandos conflitantes: é
sofrer uma mudança e se com portar do m odo que é descrito como
com portam ento de transe.
Os passos nesse procedimento obedecem a dois tipos de coman
do: (a) O hipnotista leva o sujeito a fazer algo que ele pode fazer
v o lu n ta r ia m e n te , assim como olhar para um ponto, concentrar-se nu
ma mão, sentar-se em certa posição, pensar em um a imagem, e as
sim por diante, (b) A seguir, o hipnotista leva o sujeito a responder
in v o lu n ta r ia m e n te , ou com um comportamento espontâneo. Pede que
uma mão se mexa sem que o sujeito a mova, que ele sinta as pálpe
bras pesadas, ou um relaxamento muscular, solicita-lhe que veja al
go que não está ali, que diferentes processos psicológicos sejam
acionados ou estancados, ou outras respostas que não estão sob con
trole voluntário. Os mesmos passos são com freqüência seguidos sem
um ritual hipnótico formal. Pode-se pedir a uma pessoa que fique
confortável e que tenha então um a idéia, note uma nova sensação,
tenha um pensamento diferente ou experimente alguma outra coisa
involuntária. Quando um médico diz ao paciente: “ Tome este com
primido três vezes ao dia e você se sentirá m elhor” , está solicitando
algo que pode ser feito voluntariam ente e, a seguir, um a mudança
involuntária. O hipnotista não deseja somente uma resposta invo
luntária, pois não deseja que o sujeito faça o que lhe pedem como
um robô. Ele quer que ele siga diretivas, mas que também participe,
respondendo autonomamente.
As várias formas de terapia também utilizam esses dois proce
dimentos. O terapeuta dirige o paciente para as coisas que pode fa
zer voluntariam ente, e então pede, ou comunica, um a expectativa
de mudança espontânea. Escolas diferentes de terapia enfatizam um
ou outro aspecto do processo. Algumas minimizam os aspectos de
comando e enfatizam a espontaneidade, enquanto outras minimizam
a espontaneidade e enfatizam a im portância de serem diretivas.
Por exemplo, na psicanálise o terapeuta leva o paciente a fazer
o que pode voluntariam ente, tal como aparecer em horas determi
nadas, pagar uma certa taxa e deitar-se no divã. Então, solicita um
com portam ento “ involuntário” pedindo ao paciente que diga qual
quer coisa que lhe venha à cabeça ou tenha sonhos espontâneos que
podem ser analisados. O analista não quer que o paciente faça me
ramente o que lhe é solicitado. Deseja que o paciente participe, res
pondendo autônom a e independentemente. A ênfase ideológica é co
locada na espontaneidade, e os aspectos diretivos da abordagem são
minimizados e disfarçados no em olduramento da terapia.
Na terapia com portam ental, um procedimento similar é segui
do. O paciente é levado a fazer o que pode voluntariam ente, como
fazer uma lista das situações de ansiedade, colocá-las em ordem hie
rárquica e sentar-se num a determ inada posição. O terapeuta então
o leva a “ relaxar” e “ não ficar ansioso” , o que não pode ser feito
voluntariam ente, mas deve simplesmente ocorrer. O terapeuta tam
bém m anda o paciente para a rua, para “ afirm ar-se” em determina
das situações. Ele não quer que o paciente simplesmente faça o que
lhe dizem para fazer, quer que mude espontaneamente, de modo a
não se sentir mais ansioso e se afirm ar sem esforço.
Os procedimentos de reforço, positivo ou negativo* de um te
rapeuta condicionante também seguem as mesmas fases. Presume-se
que, ao responder ao sujeito com um estímulo correto na situação
terapêutica — o que é essencialmente dirigir seu com portam ento —,
ele generalize “ espontaneam ente” este tipo de comportamento para
outras situações. O condicionador só deseja um a resposta de robô
temporariamente, não pretende que ela se perpetue, pois quer que
o sujeito passe a responder independentemente de modo apropria
do. Os condicionadores tendem a enfatizar os aspectos diretivos de
seus procedimentos e a não mencionar tanto a mudança espontânea
que buscam. Algumas vezes, disfarçam-esta mudança sob a palavra
“ aprendizado” .
H á ainda uma outra similaridade entre a hipnose e a terapia.
Ambas se baseiam comumente em relações voluntárias: os procedi
mentos não são impostos a um a pessoa que não os deseje, mas a al
guém que procurou este tipo de relacionamento. Porém , tanto o su
jeito quanto o terapeuta com freqüência resistirão às diretivas ofere
cidas, mesmo tendo se prontificado voluntariam ente a entrar na si
tuação. Um aspecto essencial, tanto da hipnose quanto da terapia,
é a necessidade de motivar a pessoa a cooperar inteiramente na obe
diência dos comandos e lidar com a resistência quando esta surge.
Em bora a relação seja voluntária, tanto a hipnose quanto a te
rapia requerem persuasão, um trabalho de vendedor, no início do
processo. O sujeito ou paciente precisa ser motivado para cooperar,
o que usualmente se consegue enfatizando-se o que ele tem a ganhar
se cooperar e o que tem a perder se não o fizer. Mas mesmo quando
motivados, sujeitos e pacientes ainda resistirão aos benefícios ofere
cidos pelo patrocinador. Na hipnose, há dois tipos principais de re
sistência: não ser suficientemente cooperativo ou ser cooperativo de
mais.
Quando um sujeito não responde tão bem quanto devia, e por
tanto resiste, o hipnotista tem maneiras rotineiras de lidar com o pro
blema. Milton Erickson, mais do que qualquer outro hipnotista, se
preocupou em desenvolver técnicas capazes de persuadir sujeitos re
sistentes e levá-los a atingir seus objetivos. Enquanto explorava a re
sistência hipnótica, Erickson desenvolvia ao mesmo tempo meios de
lidar com os problemas humanos em terapia. Sua maneira de lidar
com pessoas com problemas quando não está usando formalmente
a hipnose é essencialmente a mesma que utiliza quando há resistên
cia à hipnose. Uma vez que se tenha apreendido esta similaridade,
muitas das técnicas terapêuticas de Erickson seguem-se logicamen
te.
Quando um a pessoa tem um sintoma, por definição está indi
cando que não pode ajudar a si mesma. Seu com portam ento é invo
luntário. O fóbico, o compulsivo, o alcoólico ou a família angustia
da insistem em modos que causam sofrimento, enquanto protestam
que não podem fazer nada, a não ser se com portar como fazem. Da
mesma maneira, o sujeito que voluntariam ente procura a hipnose
com freqüência não obedece a um comando. Ele não o recusa; sim
plesmente dem onstra que não é capaz de obedecê-lo. Ou pode res
ponder de maneira contrária, enquanto dem onstra que não é res
ponsável pelo ocorrido. Por exemplo, pede-se a um sujeito que co
loque a mão no braço da cadeira e, a seguir, se diz que ela ficará
mais leve e subirá. Ele pode fazer com que não suba, ou dizer:
“ Está ficando mais pesada” . A arte da hipnose está em lidar com
este tipo de resistência e ocasionar a mudança, e é nisto que reside
a arte da terapia.
ENCORAJANDO A RESISTÊNCIA
Quando se pede a um sujeito que faça com que sua mão fique
mais leve e ele diz: “ M inha mão está ficando mais pesada” , o hip
notista não retruca: “ Ora, pare com isso!” . Ao contrário, aceita es
sa resposta, e até mesmo a encoraja, afirm ando: “ Está certo, sua
mão pode ficar ainda mais pesada” . Essa abordagem de aceitação
é típica da hipnose, e também é a abordagem fundam ental de Erick
son para os problemas hum anos, quer ele use ou não a hipnose. O
que acontece quando “ aceitamos” a resistência do sujeito e até mes
mo a encorajamos?/jD sujeito é apanhado numa situação onde sua
tentativa de resistir é definida como com portam ento cooperativo. A
analogia usada por Erickson é a de um a pessoa que quer m udar o
curso de um rio. Se ela se opõe ao rio tentando bloqueá-lo, o rio sim
plesmente o engolfa e o circunda. Mas se ela a c e ita a força do rio
e a desvia para uma nova direção, a força do rio cortará um novo
canal. Por exemplo, se uma pessoa procura ajuda porque sofre de
dores de cabeça que não têm causa física, Erickson “ aceita” a dor
de cabeça como aceitaria a resistência hipnótica. Ele se concentrará
na necessidade da dor de cabeça, mas a duração, a freqüência ou
a intensidade podem variar, até a dor chegar a um ponto em que de
sapareça. /
Exemplos da terapia de casais ou familiar de Erickson mostram
como intervenções terapêuticas diferentes podem estar relacionadas
a suas origens hipnóticas e particularmente ao encorajam ento da re
sistência. Em geral, com um casal ou com uma família, Erickson usa
uma seqüência de abordagens na qual pede a eles que façam algo
deliberadamente, em geral o que já estão fazendo, e então ou solici
ta uma modificação espontânea ou a m udança ocorre como conse
qüência do seu encorajam ento do com portam ento usual. Com esta
abordagem de “ aceitação” , se um casal briga com freqüência e re
siste ao bom conselho, é provável que ele os leve a ter um a briga,
mas m udará o lugar, o momento ou algum aspecto dela. A resposta
é um a mudança “ espontânea” do comportamento.
OFERECER UMA ALTERNATIVA PIOR
Um terapeuta prefere que o paciente inicie ele mesmo um novo
com portam ento e escolha seu próprio rumo na vida. Mas, ao mes
mo tempo, quer que o paciente mude dentro do enquadram ento que
considera importante. Um problema, tanto na terapia quanto na hip
nose, é conseguir que o paciente ou sujeito siga as diretivas, mas tam
bém adquira autonom ia para tom ar decisões e novos caminhos.
Um dos procedimentos típicos empregados por Erickson dirige
o paciente numa determinada direção para que ele seja provocado
a procurar outra. Se Erickson deseja que um sujeito hipnótico res
ponda de certa maneira, pode solicitar uma resposta em relação à
qual o paciente é indiferente, e o sujeito então escolherá uma alter
nativa da qual participe plenamente. P or exemplo, se Erickson dese
ja que um sujeito responda com amnésia, pode pedir que esqueça
algo que ele preferiria lembrar. Como alternativa, o sujeito esquece
rá um outro item completa e totalm ente, porque e le assim escolheu.
Ao discutir esta questão, Erickson afirm a: “ Com este tipo de
diretiva, estabelece-se uma classe de coisas que o paciente deve fa
zer, assim como a classe de ‘exercícios’. Então, oferece-se um item
desta classe que ele não ficará muito contente em fazer. O que se
deseja é que ele encontre ‘espontaneam ente’ outro item nesta classe.
É um modo de inspirar alguém a encontrar as coisas que pode fazer,
^que são boas para ele e que pode apreciar e conseguir fazer” .
Em bora tanto o terapeuta quanto o hipnotista sejam motiva
dos pela benevolência, com freqüência tornam as coisas difíceis para
a pessoa que não quer cooperar. Certas vezes isto é feito calculadamente através da oferta de algo que a pessoa não aprecia, de modo
que ela terá que escolher alguma outra. O utras vezes, um desafio ou
procedimento é usado para que a pessoa mude ao tentar evitar algo
pior. Por exemplo, um hipnotista pode dizer: “ Você prefere entrar
em transe agora ou mais tarde?” . Ao colocar as coisas desse modo,
evita discutir se o paciente quer entrar em transe ou não, ao mesmo
tempo que lhe oferece uma saída fácil. O sujeito pode dizer: “ Mais
tarde” , para escapar ao transe imediato. Ou então, um hipnotista di
rá: “ Você pode entrar num transe p r o f u n d o ou num le v e ” . O sujeito
geralmente se agarra ao transe leve para evitar o profundo, quando
poderia não o ter escolhido se algo pior não lhe tivesse sido oferecido.
Erickson tem uma variedade de procedimentos que tornam mais
difícil para a pessoa m anter um problem a do que desistir dele. Al
guns desses procedimentos envolvem uma prova benévola, tal como
mais exercícios do que o paciente deseje fazer, pela m anhã ou em
qualquer dia em que ocorra o sintoma. Noutros momentos, Erick
son com binará “ distrair” , que é uma técnica típica da hipnose, com
um a prova para provocar a mudança.
OCASIONAR MUDANÇA ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO POR
METÁFORAS
Q uando um sujeito resiste às diretivas, uma maneira de lidar
com o problem a é comunicar-se em termos de uma analogia, ou me
táfora. Se o sujeito resiste a A, o hipnotista pode falar sobre B, e
quando A e B estiverem metaforicamente relacionados, o sujeito fa
rá a ligação “ espontaneam ente” e responderá de m aneira apropria
da. Nas complicações da indução hipnótica, a analogia pode ser co
municada por meios verbais ou não-verbais. Tipicamente, quando
um hipnotista sugere que a mão de um sujeito fique mais leve e su
ba, ele levanta a cabeça e a voz, indicando metaforicamente como
a mão deverá se mover. O sujeito responde a esta mudança espacial
e vocal. Se um sujeito foi previamente hipnotizado e o hipnotista de
seja um transe “ espontâneo” , ele pode começar com entando como
e s ta sala, ou situação, é semelhante à outra na qual o sujeito foi pre
viamente hipnotizado. O sujeito responderá à analogia produzindo
o mesmo com portam ento que produziu naquela outra sala ou situa
ção. Do mesmo modo, se uma pessoa está sendo hipnotizada na pre
sença de outra, é possível falar m etaforicamente com a outra pessoa
e induzir um transe no sujeito enquanto ele não está sendo ostensi
vamente enfocado. A abordagem analógica ou m etafórica à hipnose
é particularmente eficaz com sujeitos resistentes, pois torna-se difí
cil resistir a sugestões que não se sabe conscientemente que se está
recebendo.
M ilton Erickson é um mestre no campo da m etáfora. No mo
do como escuta e observa um sujeito, assim como na maneira que
responde, ele lida com mensagens m etafóricas múltiplas que cons
tantem ente estão sendo comunicadas entre as pessoas em suas rela
ções. Ele utiliza tão facilmente a m etáfora como a m aioria das pes
soas usam a comunicação consciente, lógica. Suas diretivas para os
pacientes não são, em geral, simples e diretas, mas incluem um a va
riedade de analogias que se aplicam aos problemas do paciente. A
abordagem metafórica que ele utiliza quando não está formalmente
usando a hipnose está claramente relacionada com seus anos de ex
perimentação com sugestões metafóricas externas à percepção do su
jeito.
Como um exemplo típico, se Erickson está lidando com um ca
sal que tem um conflito de relacionamento sexual e prefere não dis
cuti-lo diretamente, ele abordará o problem a metaforicamente. Es
colherá algum aspecto de suas vidas que seja análogo às relações se
xuais e o utilizará como um a maneira de modificar o com portam en
to sexual. Pode, por exemplo, sugerir que jantem juntos e, através
disso, descobrir suas preferências. Discutirá com eles como a esposa
aprecia aperitivos antes do jantar, e como o marido prefere lançar-se
diretamente à carne e às batatas. Ou a esposa pode preferir um ja n
tar tranqüilo e vagaroso, enquanto o m arido, que é rápido e direto,
quer apenas que a refeição acabe. Se o casal começar a relacionar
o que está sendo dito com as relações sexuais, Erickson “ rapidamente
soprará o vento” para outros tópicos e depois retom ará a analogia.
Poderá encerrar esse tipo de conversa com uma instrução para que
o casal marque um jantar agradável numa noite satisfatória para am
bos. Quando obtém sucesso, esta abordagem desloca o casal de um
jantar agradável para relações sexuais mais agradáveis, sem que eles
percebam que este objetivo foi deliberadamente colocado.
A disposição de trabalhar com m etáforas não se aplica somen
te à comunicação verbal, mas também a pessoas que vivem um a vi
da metafórica. Este estilo de vida é típico dos esquizofrênicos, e Erick
son afirm a que com um esquizofrênico a mensagem im portante é a
m etáfora. Por exemplo, quando Erickson fazia parte do grupo do
Worcester State Hospital, havia um jovem paciente que se autode
nominava Jesus. Ele alardeava ser o Messias, usava um lençol enro
lado no corpo e tentava im por o cristianismo às pessoas. Erickson
se aproximou dele no recinto do hospital e disse: “ Pelo que sei, você
já teve experiência como carpinteiro, é certo?” . O paciente só pôde
responder que sim. Erickson envolveu o jovem num projeto especial
para a construção de um a estante de livros e o deslocou para o tra
balho produtivo.
Num outro caso, no mesmo hospital, Erickson lidou com um
industrial competente que havia perdido um a fortuna e estava de
primido. Ele passava o tempo chorando e repetidamente movia as
mãos para a frente e para trás. Erickson lhe disse: “ Você é um ho
mem que teve seus altos e baixos” , e pediu-lhe que modificasse o
movimento, que mexesse suas mãos para cima e para baixo, ao in
vés de para a frente e para trás. Então levou-o ao terapeuta ocupacional e solicitou sua ajuda. A pontando para os movimentos paracima-para-baixo do homem, disse: “ Coloque um pedaço de lixa em
cada um a de suas mãos e fixe uma prancha tosca perpendicular en
tre elas. Deste modo ele pode aparar e polir a m adeira” . O homem
começou a fazer algo produtivo e parou de chorar. Passou a tra
balhar com m adeira, entalhou jogos de xadrez e os vendeu. M elho
rou tanto, que foi para casa num a estadia experimental e, um ano
após ter tido alta, ganhou dez mil dólares com negócios de verdade.
Em bora Erickson se comunique com os pacientes por m etáfo
ras, o que mais agudamente o distingue dos outros terapeutas é sua
falta de disposição para “ interpretar” os significados. Ele não tra
duz a comunicação “ inconsciente” num a form a consciente. A qual
quer coisa que o paciente diga de form a metafórica, Erickson res
ponde do mesmo jeito. Através de parábolas, de ação interpessoal
e de diretivas, ele trabalha dentro da m etáfora para ocasionar a mu
dança. Parece acreditar que a profundidade e a rapidez da mudança
podem ser impedidas se a pessoa ficar sujeita a um a tradução da co
municação.
Evitar a interpretação não se aplica somente às afirmações ver
bais dos pacientes, mas também a seus movimentos corporais. Erick
son é famoso por sua observação aguda do com portam ento nãoverbal, mas a informação que recebe permanece não-verbal. Por exem
plo, um a paciente certa vez disse a seu terapeuta: “ Eu gosto de meu
m arido” , e colocou a mão sobre a boca enquanto falava. O terapeu
ta interpretou o gesto declarando que, como ela tapara a boca, de
veria ter alguma restrição a respeito do que dissera. Ele a estava aju
dando a se tornar consciente de seu gesto “ inconsciente” . Erickson
jam ais faria um tal comentário; aceitaria o gesto da mulher como
um modo perfeitamente válido de se comunicar. Traduzir sua men
sagem num a linguagem diferente seria disruptivo e descortês. Pior
ainda, simplificaria em demasia uma declaração extraordinariamente
complexa. Tipicamente, as interpretações dos in s ig h ts da comunica
ção inconsciente são absurdamente reducionistas; é como resumir uma
peça shakespeariana num a sentença.
Erickson trabalha com a m etáfora não só em suas manobras
terapêuticas, mas até mesmo no modo como coleta inform ação. Por
exemplo, um dia, na presença de um visitante, conversava com um
paciente que o tinha procurado devido a uma dor fantasma num mem
bro. O paciente, um homem de setenta e um anos, havia caído de
um telhado e machucado tão gravemente o braço que este teve que
ser am putado. Ele sofria, há meses, de dor no membro desapareci
do, e não conseguira alívio com várias form as de tratam ento. Final
mente, viajara até Phoenix para ser tratado por Erickson. Durante
a conversa, na qual o homem discutiu sua recuperação, ele mencio
nou dois irmãos. Mais tarde, falando com o visitante, Erickson co
mentou que só tinha notícia de um irm ão. Talvez o homem tivesse
outros parentes que não mencionara. Erickson afirm ou também que
o homem usara uma frase vaga, que indicava que talvez tivesse se
casado mais de um a vez. O visitante perguntou por que Erickson não
inquiria o homem sobre seus parentes. Erickson replicou: “ Esse ho
mem ganhou a vida durante vinte e sete anos assentando chãos. A
maioria dos homens não agüentaria quinze anos este tipo de traba
lho, mas ele resistiu quase o dobro desse tempo. Se realmente qui
sesse descobrir mais sobre seu b a c k g r o u n d familiar, eu poderia falar
a respeito de guiar no deserto. Eu descreveria como é guiar pela es
trada e ao redor de um a elevação surgida do chão do deserto. Subi
tam ente, ao rodear essa elevação, enxergaria um a solitária árvore de
m adeira dura. Um dos galhos havia sido quebrado, provavelmente
pelo vento, que destroçava tudo ao redor daquela elevação.
“ Eu usaria a imagem da ‘madeira d u ra’ por causa da história
de trabalho do homem. Uma árvore de m adeira dura com um galho
quebrado. Provavelmente devido ao vento que assola o lugar alto.
Então discorreria sobre os arbustos que crescem ao redor da árvore.
Eu ficaria sabendo algo sobre seus parentes, porque a árvore não
está lá sozinha. ‘Se eu for a última folha de uma árvore.’”
Intrigado com esse modo de coletar informação, o visitante per
guntou por que ele simplesmente não indagava sobre os parentes do
homem. Erickson respondeu: “ Porque quando pergunto sobre a ir
mã, o irm ão, os pais, a pessoa os coloca na m oldura social adequa
da à sua educação. Q uando faço isto de m aneira indireta, a infor
mação é diferente. H á aquele galho quebrado na solitária árvore de
m adeira d ura” . Erickson parecia gostar dessa imagem, talvez por
que, com a força hercúlea com que enfrentava suas dificuldades físi
cas, ele mesmo fosse um tanto parecido com a árvore do deserto.
Continuou: “ Q uando menciono olhar em volta à procura de artemísia tridentada, arbustos mais altos, o homem falará sobre netos
e parentes mais altos que os netos” .
E N C O R A JA R A R E C A ÍD A
Algumas vezes, quando um paciente está m elhorando, particu
larm ente quando está m elhorando muito rapidam ente, Erickson o
conduzirá a uma recaída. Isto parece ser um procedimento incomum,
sem relação com a m aior parte das técnicas de terapia. Mas, quando
se examina a resistência à hipnose, essa abordagem tem uma seqüência
lógica.
Um dos problemas típicos da hipnose é o sujeito muito coope
rativo. Algumas vezes, um sujeito seguirá muito prontam ente todas
as diretivas — de fato, ele com freqüência as antecipará — , de m o
do que não fica claro quem está dirigindo o que ocorre. M uitas ve
zes, um sujeito assim deixará de ser cooperativo num certo ponto,
dizendo: “ Não acredito de jeito nenhum neste trabalho” . Graças à
sabedoria desenvolvida na história da hipnose, este tipo de resistên
cia tem sido enfrentado como um “ desafio” . O hipnotista desafia
o sujeito a resistir, o que é um m odo de lhe pedir que tente não coo
perar e fracasse. Por exemplo, o hipnotista diz: “ Quero que tente
abrir seus olhos e descubra que não pode” . De maneiras sutis ou di
retas, o desafio força o sujeito a tentar resistir e reconhecer que não
consegue.
Com o paciente muito cooperativo que melhora muito rapida
mente, os terapeutas psicodinâmicos tendem a interpretar a melhora
como resistência, <pu fuga para a saúde. Algumas vezes, fazem isto
porque a teoria argum enta que não é possível m elhorar rapidam en
te, e por isso eles, erroneamente, tom am uma melhora rápida como
supercooperação. Em outros momentos, a interpretação funciona co
mo um desafio.
Erickson lidou, muitas vezes, com tais situações usando o de
safio, que é uma ordem, e não uma interpretação. Se um paciente é
muito cooperativo e parece estar se recuperando muito rapidam en
te, é provável que ele se torne relapso e expresse desapontamento com
a terapia. P ara evitar isto, Erickson aceita a melhora, mas induz o
paciente a ter uma recaída. O único modo pelo qual o paciente pode
resistir é não se tornar relapso e continuar melhorando. Erickson em
prega explicações diferentes para tornar esta abordagem aceitável para
o paciente. Um de seus procedimentos mais gentis é dizer-lhe: “ Quero
que você volte e se sinta tão mal quanto se sentia quando veio aqui
pela primeira vez, porque quero que veja se há alguma coisa daque
la época que deseja recuperar e salvar do incêndio” . Q uando dada
efetivamente, a ordem para recair impede a recaída, do mesmo mo
do que o desafio compele a um a resposta hipnótica.
ENCORAJAR UMA RESPOSTA ATRAVÉS DE SUA
FRUSTRAÇÃO
O utra técnica para lidar com a resistência e encorajar a pessoa
a iniciar um a resposta, fazendo uma contribuição “ espontânea” , é
típica tanto da hipnose de Erickson quanto de seu trabalho com fa
mílias, em que supostamente a hipnose não está envolvida. Erickson
recomendava que o hipnotista inibisse a resposta. Isto é, ele deveria
levar o sujeito a se com portar de certo modo e, conforme este come
çasse a fazê-lo, o hipnotista deveria cortar a resposta e mudar para
outra área. Quando retornasse àquela diretiva novamente, o sujeito
responderia melhor porque desenvolvera uma presteza para respon
der e fora frustrado.
Erickson levou este mesmo procedimento para o trabalho com
famílias. Algumas vezes, quando entrevista toda a família, um mem
bro do grupo não quer falar, mesmo quando encorajado. Form al
mente, este é o mesmo problem a que o do sujeito hipnótico que res
ponde menos quanto mais é encorajado a responder. Na entrevista
da família, Erickson lida com o problem a inibindo a fala da pessoa.
Erickson utiliza um procedimento semelhante para fazer com
que um marido não-cooperativo decida “ espontaneam ente” parti
cipar do tratam ento da esposa. Se o marido se recusa a comparecer
às sessões, Erickson receberá a mulher sozinha. Em cada encontro,
menciona algo com o que sabe que o m arido não concordaria e diz:
“ Acredito que seu m arido concordaria com isso” , ou “ Não sei bem
como seu marido compreenderia isso” . Ao saber, pela esposa, que
o doutor o está compreendendo mal, o marido exercitará sua livre
vontade e insistirá para que ela marque um a hora para que ele possa
esclarecer o assunto com Erickson, tornando-se, assim, disponível
para a terapia.
O USO DO ESPAÇO E DE POSIÇÕES
A hipnose, num de seus outros aspectos, preocupa-se com a
orientação espacial. A do sujeito em se desorientar em relação ao
espaço e ao tempo m ostra ao hipnotista que espaço e tempo são ex
periências subjetivas. Um sujeito pode se sentar numa sala e acredi
tar que está em outra, pode se sentar num lugar e ver-se do outro
lado da sala. Pode sentir que o tempo é um outro tempo e que o hip
notista é outra pessoa. Com a experiência, o hipnotista percebe que
as pessoas se orientam em termos de sugestões visuais e auditivas e
que mudanças nessas sugestões podem modificar a orientação da pes
soa.
Aparentemente devido a seu b a c k g r o u n d , Erickson, quando en
trevista um a família, percebe como o com portam ento de cada mem
bro em relação aos outros pode m udar se suas orientações espaciais
forem alteradas. Mais do que a m aioria dos terapeutas familiares,
ele tende a m udar os membros da família para diferentes cadeiras,
assim como para diferentes configurações no consultório. Como ele
mesmo diz: “ Q uando vejo uma família, posso lidar com ela em con
junto, mas gosto também de ter a liberdade de m andar as pessoas
entrarem e saírem do escritório. Enquanto estão lá dentro, gosto de
estabelecer um fundam ento, determ inando que o pai se sente numa
determ inada cadeira, e naturalm ente a mãe naquela outra, e a irmã
aqui e o irm ão daquele outro lado. Determinando isto de várias m a
neiras, eu os defino geograficamente. C ada um deles tem um a posi
ção espacial na entrevista. Q uando lhes falo, falo para aquele espa
ço particular e os outros escutam. Quando alguém se dirige a mim
os outros lhe prestam atenção. As compartimentalizações espaciais
comumente impedem que os outros se introm etam na conversa e os
força, impiedosamente, a conseguir um ponto de vista mais objetivo.
“ Se mando alguém para fora da sala — por exemplo, a mãe e
a criança — , eu cuidadosamente mudo o pai de sua cadeira e o coloco
na cadeira da mãe. Ou se m ando a criança para fora, posso colocar
a mãe em sua cadeira, ao menos temporariamente. Algumas vezes,
teço um comentário: ‘Quando você se senta onde seu filho estava sen
tado, você pode pensar mais claramente sobre ele’. Ou: ‘Se você se
sentar onde estava sentado seu m arido, talvez isto lhe dê um relance
de como ele me vê*. Durante um a série de sessões com uma família
inteira, misturo todos eles, de modo que aquela que, originariamente, era a cadeira da mãe, seja agora ocupada pelo pai. O agrupam en
to familiar permanece, mas ao mesmo tempo está sendo rearranjado, que é o que se busca quando se está m udando um a fam ília.”
A orientação espacial não só parece, em geral, reminiscente das
preocupações hipnóticas, como também se relaciona especificamen
te ao procedimento hipnótico de Erickson. Os passos que esboça pa
ra o trabalho com a família devem primeiro definir a pessoa em ter
mos de sua posição, e então alterar sua posição de modo que ela mude
com isso. De m aneira similar, quando lida com sujeitos hipnóticos
resistentes, ele aceita a resistência de vários jeitos e a classifica
localizando-a numa posição geográfica. Por exemplo, ele dirá algo
como: “ Você se percebe muito resistente sentado nessa cadeira” . Pede
então à pessoa que se desloque para outra cadeira, deixando a resis
tência no lugar antigo, onde ela fora estabelecida.
ENFATIZAR O POSITIVO
No final do século XIX, a noção de “ inconsciente” parece ter
se ramificado em duas correntes diferentes. Sigmund Freud enfati
zou que o inconsciente era composto de impulsos reprimidos que ten
tavam penetrar na consciência. Seu método de terapia foi construí
do sobre um a desconfiança das idéias externas à consciência, à per
cepção racional. A outra corrente era composta majoritariamente por
hipnotistas, que enfatizavam que o inconsciente era uma força posi
tiva. O inconsciente daria um jeito de que a pessoa fizesse o que era
melhor para ela. P or isso, os hipnotistas tendiam a recomendar que
se permitisse que o inconsciente se expressasse na vida da pessoa.
Erickson se inclina para essa últim a visão e, tanto em sua hipnose
quanto no trabalho com famílias, tende a enfatizar o que é positivo
no comportamento da pessoa. Este procedimento baseia-se, em par
te, na idéia de que há um desejo natural de crescimento dentro da
pessoa e, em parte, no ponto de vista de que haverá um a maior coo
peração do paciente se se enfatizar o positivo. Ao contrário dos te
rapeutas psicodinamicamente orientados, que interpretam para fa
zer surgir sentimentos negativos e com portam ento hostil, Erickson
reclassifica o comportamento de modo positivo, para encorajar a mu
dança. Ele não miniminiza as dificuldades, mas encontrará nelas al
gum aspecto que possa ser usado para melhorar o funcionamento
da pessoa ou da família. Ao invés de presumir que há algo hostil no
inconsciente que precisa ser trazido à tona, acredita que há forças
positivas nele que precisam ser liberadas para um m aior desenvolvi
mento pessoal. Quando trabalha com casais e famílias, ele não en
foca as maneiras infelizes com que as pessoas se relacionam, mas en
contra um aspecto de seu relacionamento que vale a pena e pode ser
ampliado. Esta ênfase no positivo parece derivar diretamente da sua
experiência com a hipnose.
SEMEAR IDÉIAS
Nas induções hipnóticas, Erickson gosta de “ semear” ou esta
belecer certas idéias e mais tarde trabalhar sobre elas. Enfatizará certas
idéias no início da interação, de modo que mais tarde, se quiser con
seguir um a certa resposta, já tenha um a base estabelecida para ela.
De modo similar, com as famílias Erickson introduzirá, ou enfatiza
rá, certas idéias no estágio de coleta de informações. Mais tarde, po
de trabalhar essas idéias, se a situação for apropriada. Sendo assim,
a hipnose e a terapia que emprega apresentam um a continuidade,
à medida que algo novo é introduzido, mas sempre dentro de um
enquadram ento que o liga com aquilo que foi feito previamente.
AM PLIA R UM DESVIO
Uma das características do trabalho hipnótico de Erickson é a
tentativa de obter um a pequena resposta e então trabalhá-la,
am plificando-a até que tenha atingido o objetivo. Ele sempre aler
tou os hipnotistas sobre a inconveniência de se tentar conseguir algo
depressa demais, ao invés de aceitar o que é oferecido e ampliar is
so. Também é característica do trabalho com família de Erickson a
procura de uma pequena mudança que depois será dilatada. Se ocorrer
numa área crucial, mesmo uma mudança aparentemente pequena pode
alterar todo o sistema. Algumas vezes, ele usa a analogia de um
buraco num açude; não é preciso uma brecha muito grande para al
terar toda a estrutura do açude.
No campo da família, há uma crescente percepção de que o te
rapeuta familiar se concentra em m odificar um sistema no qual os
padrões se repetem, e que portanto é estável. Acredita-se que duas
abordagens gerais são apropriadas: uma é induzir na família uma
crise que desestabilize o sistema, de modo que ela tenha que se reorientar por padrões diferentes; a outra é escolher um aspecto do sis
tema e fazer com que se desvie do conjunto. Este desvio é encoraja
do e amplificado até que o sistema entre em colapso e precise se reor
ganizar num novo conjunto de padrões. Erickson inclina-se a indu
zir uma crise para ocasionar a mudança, mas, ainda mais que a maio
ria dos terapeutas, tende a influenciar pequenos desvios e então
trabalhá-los até que modificações maiores ocorram. Esta abordagem
parece característica da maneira que ele aprendeu a am pliar as res
postas de um sujeito hipnótico.
AMNÉSIA E O CONTROLE DA INFORMAÇÃO
Diferentes escolas de terapia familiar têm diferentes premissas
sobre o que causa a mudança, e procedimentos correlatos. Não é incomum, por exemplo, um terapeuta acreditar que a expressão de afeto
e os discernimentos são causas de mudança. P or conseguinte, ele en
corajará os membros da família a expressarem seus sentimentos uns
aos outros e os ajudará a compreender por que se comportam de acor
do com resíduos do passado. Também é freqüente que os terapeutas
familiares procurem encorajar o fluxo aberto de comunicação entre
os membros da família, de m odo que tudo que está na cabeça de ca
da um seja dito aos outros. A terapia de família de Erickson não
parece seguir esta orientação. Em bora em casos específicos ele pos
sa enfocar o afeto ou a compreensão, ou encorajar a comunicação
aberta, geralmente ele não o faz. Muitas vezes recebe separadam en
te os membros da família e, quando os reúne, gosta de organizar o
que deve ser falado e como deve ser dito, de modo que o que aconte
ce é dirigido para objetivos particulares. Algumas vezes, recebe a es
posa para lhe dar certas instruções, e então entrevista o marido e lhe
dá diretivas diferentes. Ele não encoraja, e pode mesmo impedir, a
discussão a respeito do que está acontecendo. Com freqüência, for
nece instruções separadas, que mais tarde ocasionarão um encontro
entre o m arido e a esposa e um a comunicação aberta entre eles. Em
geral, consegue seguir uma regra fundam ental da terapia familiar —
não tom ar sistematicamente o partido de um dos membros da fam í
lia contra outro ou de um a parte da família contra outra. No en
tanto, quando ele entra num sistema familiar, seu in p u t pode ser di
rigido para várias partes da família, com controle cuidadoso de co
mo a nova inform ação deve ser distribuída entre os membros.
Como essa abordagem é muito diferente das da maioria dos te
rapeutas de família, pode-se cogitar a respeito de suas origens. Pen
so que ela cresceu a partir da técnica hipnótica. Não só sua experiên
cia como um hipnotista lhe dá uma prontidão para ficar no com an
do, dar instruções e controlar o que acontece, mas, como muitos hip
notistas, ele tem sido um especialista no controle da percepção cons
ciente dos sujeitos. Tende a conceitualizar a pessoa em duas partes,
e controla o fluxo de idéias inconscientes para a percepção conscien
te. Um exemplo óbvio é fazer vir à consciência um a experiência trau
mática passada, um tipo de abordagem que Erickson empregou no
início de seu trabalho hipnótico. Ele treina o paciente em amnésia
e então, sistematicamente, influenciará a maneira como o traum a será
lembrado. Tipicamente, a experiência é recordada ou revivida, mas
o sujeito desperta com amnésia em relação a esta recordação. En
tão, pouco a pouco, de maneiras específicas controladas por Erick
son, a informação é alterada de uma percepção inconsciente para uma
consciente. Algumas vezes, o passo incluirá um discernimento sobre
a situação, que então também é tornado amnésico e só mais tarde
será trazido à tona. P ara mim, este procedimento é formalmente se
melhante ao modo como Erickson controla a inform ação entre os
membros da família: ele permite que certa inform ação seja trocada,
mas não outra, e isto passo a passo, até que o objetivo que procura
seja atingido.
DESPERTAR E DESAPRENDER
Tanto quanto outros terapeutas de família, Erickson focaliza
as realizações de autonomia dos membros da família, ao mesmo tempo
que enfatiza o surgimento da vivência em conjunto. Se há um pro
blema infantil, ele tende a observar qual dos pais está mais intensa
mente envolvido com a criança e então intervém para proporcionar
maior separação e espaço. Se o problem a é a esquizofrenia adoles
cente, tende a trabalhar na direção de desembaraçar o jovem adulto
de seu envolvimento patologicamente intenso com a família e o des
loca para fora, para um a vida que lhe seja própria. Esta preocupa
ção com o envolvimento diádico intenso, onde duas pessoas respon
dem tão fortemente um a à outra que impedem que outros se aproxi
mem, me parece muito natural para o hipnotista. Um hipnotista en
foca seus sujeitos e procura fazer com que respondam plenamente
a ele, e não a outros estímulos. Quando um hipnotista observa o modo
como os membros da família se relacionam, ele imediatamente reco
nhece e lida com a díade onde haja um envolvimento demasiado in
tenso. Eu diria, também, que o conhecimento do processo pelo qual
um hipnotista desperta um sujeito é relevante para que a interven
ção terapêutica possa deslocar as pessoas de um envolvimento inten
so para um mais casual. Em geral, pensamos que o despertar de um
transe é um a simples questão de resposta a uma sugestão, tal como
“ Desperte” , ou contar até três. Mas, quando se observa um hipno
tista e seu sujeito juntos, percebe-se que o processo é mais comple
xo. O hipnotista não só fornece a sugestão, mas também altera todo
o seu com portam ento. Seu movimento corporal m uda, sua entona
ção vocal se torna diferente, e com freqüência ele dirige seu interesse
para outro lugar. O sujeito também passa do comportamento de transe
para um a interação mais social. Quando um sujeito reluta em des
pertar, tende a continuar com o com portam ento tipo transe, o hip
notista então, em geral, exagera o seu com portam ento social, não
hipnótico, exigindo assim que o sujeito lhe responda de m odo mais
desprendido, mais social. Parece-me que Erickson se apoiou em sua
vasta experiência em despertar sujeitos e utilizou-a para sustentar ma
neiras de intervenção capazes de alterar o com portam ento dos mem
bros de uma díade familiar superintensa.
EVITAR A AUTO-EXPLORAÇÃO
A disposição de Erickson em propor uma tarefa para m odifi
car uma relação só é igualada por sua determinação de não ajudar
as pessoas a compreenderem como ou por que estiveram lidando
umas com as outras de maneiras desastrosas. O que parece radical
em sua abordagem terapêutica é a ausência de interpretações das
supostas causas do com portam ento. Em bora Erickson possa não
afirm á-la energicamente, em seu trabalho está implícita a idéia de
que o terapeuta que tenta ajudar as pessoas a compreender “ por
que” se com portam como o fazem está impedindo um a mudança
terapêutica real.
Na psiquiatria dinâmica, a idéia mais básica sobre a causa da
m udança é a seguinte: se um a pessoa compreende a si mesma, e suas
motivações, ela se livrará de sintomas aflitivos. Esta idéia parece ter
se originado da noção de homem racional do século XIX. Freud de
cidiu que os homens não eram tão racionais, mas que, se compreen
dessem as forças em seus inconscientes, se tornariam racionais. Na
teoria freudiana, a repressão era considerada a causa básica da psicopatologia, e a supressão das repressões através de üm discernimento
consciente era o enfoque fundam ental da terapia. A técnica se cen
trava na interpretação do que dizia e fazia o paciente e em torná-lo
consciente de suas distorções de transferência.
À medida que a psiquiatria foi se tornando mais interpessoal,
o enfoque alterou-se levemente. Sullivan trouxe a ênfase em ajudar
a pessoa a perceber suas dificuldades interpessoais. Se o paciente pu
desse “ ver” o que estava fazendo, particularmente se pudesse “ fa
zer um a conexão” com seu passado, ele seria transform ado e se re
cuperaria.
Mais tarde, quando os terapeutas começaram a entrevistar fa
mílias inteiras ao invés de indivíduos isolados, muitos deles, impen
sadamente, levaram para seu trabalho esta mesma idéia — que a per
cepção consciente causa a mudança, sendo a percepção experimen
tal ou emocional uma variante ocasional do tema. Se os membros
da família pudessem entender como estavam lidando uns com os ou
tros, e por que, o sistema familiar seria transform ado. Algumas ve
zes, o terapeuta usava interpretações psicodinâmicas para ajudar os
membros da família a descobrir suas introjetadas imagens passadas.
O utras vezes, as interpretações eram mais sullivanianas, na medida
em que se ajudava os membros da família a descobrir suas dificul
dades e provocações interpessoais. Com freqüência, as interpreta
ções referiam-se às provocações ou ao relacionamento de transferência
dos membros da família em relação ao terapeuta.
Nas últimas décadas, os terapeutas condicionantes propuseram
um a teoria alternativa da mudança. Procedimentos de inibição recí
proca e a modificação do com portam ento através de reforços inten
cionais não se baseiam na idéia de que tornar-se consciente de seus
comportamentos é uma mudança causai. Presume-se que, mudandose os reforços do com portam ento, o com portam ento m udará. Do
mesmo modo, alguns tipos de terapia familiar acarretam um a m u
dança, independente da percepção dos participantes. Por conseguinte,
tornou-se mais aceitável sugerir que a m udança terapêutica ocorre
sem que a pessoa compreenda o significado ou a função de seu com
portam ento. A mudança também parece ser mais duradoura do que
aquela que se obtinha quando se ajudava as pessoas a compreen
derem por que se comportavam como o faziam.
Ainda assim, grande parte dos clínicos bem-treinados ainda ten
dem a fazer interpretações, quase como um reflexo. Eles podem fa
lar sobre com portam ento interpessoal, teoria dos sistemas, reforço
ou acontecimentos experimentais, mas sua técnica terapêutica se apóia
am plamente na caracterização do com portam ento das pessoas e em
ajudá-las a compreender as causas desse com portam ento. A maioria
dos clínicos sentiria dificuldades se não enfocasse a compreensão.
O repertório terapêutico seria limitado a alguns condicionamentos não
familiares e procedimentos de alteração de com portam ento. Outra
alternativa é a abordagem geral de Erickson apresentada neste livro.
M ilton Erickson foi adequadamente treinado como psiquiatra
e, ainda assim, seguiu um caminho próprio, original. Na época de
seu treinam ento, as objeções de Freud à hipnose haviam vedado es
ta arte a várias gerações de jovens psiquiatras. Mesmo assim, Erick
son aprendeu hipnose e a utilizou amplamente no tratam ento. Mes
mo os clínicos que usavam hipnose trabalhavam com um a m oldura
freudiana. Praticavam hipnoanálise e traziam à percepção conscien
te traum as passados e idéias inconscientes. Erickson experimentou
esta abordagem e a abandonou, desenvolvendo, em seu lugar, um
uso muito diferente da hipnose. Em vez de ajudar as pessoas a se
tornarem conscientes de por que faziam o que faziam, ele passou a
pensar em como ocasionar um a mudança terapêutica. Com essa al
teração, abandonou o método tradicional da psiquiatria. Não o fez
arbitrariam ente, mas porque examinou os resultados de sua terapia
e delineou novos procedimentos para melhorá-los. Atualmente, seu
método terapêutico é o resultado de trinta anos de experimentação
com modos diferentes de propiciar mudanças.
É mais fácil dizer o que Erickson não faz em terapia do que
dizer o que faz, a não ser oferecendo exemplos de casos. Seu estilo
de terapia não se baseia em discernimento dos processos inconscien
tes, não ajuda a pessoa a compreender suas dificuldades interpes
soais, não faz interpretações da transferência, não explora as m oti
vações da pessoa, nem simplesmente as recondiciona. Sua teoria da
m udança é mais complexa: parece estar baseada no im pacto inter
pessoal do terapeuta fora da percepção do sujeito, fornece instru
ções que causam mudanças de com portam ento e enfatiza a comuni
cação por metáforas.
O C IC L O D E V ID A F A M IL IA R
A estratégia que Erickson delineou para aliviar os problemas
das pessoas fica incompleta se não forem levados em consideração
seus objetivos terapêuticos. Mais do que qualquer outro terapeuta,
ele tem em mente os processos “ norm ais” ou comuns da vida das
pessoas. Ele não trataria de um casal recém-casado como faria com
outro, casado há vinte anos, nem abordaria um a família com crian
ças pequenas do mesmo modo que um a família cujos filhos já têm
idade para sair de casa. Com freqüência, a conclusão de seus relató
rios soa apropriada porque, em geral, seus objetivos são simples. Na
época do nam oro, o sucesso é a realização do casamento. Durante
a prim eira fase deste, o sucesso é o nascimento de filhos. Qualquer
que seja o estágio da vida familiar, a transição para o próximo está
gio é um passo crucial no desenvolvimento da pessoa e de sua fam í
lia. O esquema desse trabalho se baseia no ciclo de vida familiar,
desde o nam oro até a velhice e a morte. As estratégias utilizadas por
Erickson para solucionar os problemas em cada um desses estágios
-estão relacionadas nos casos exemplares que se seguem. Sua terapia
é facilmente compreendida quando se leva em conta os processos de
desenvolvimento da família e os picos de crise que surgem quando
as pessoas passam de um estágio a outro do ciclo de vida familiar.
O C IC LO D E V ID A F A M IL IA R
A vida familiar é a arena da paixão hum ana, mas só recente
mente este contexto passou a ser realmente observado e levado a sé
rio. Torna-Se cada vez mais evidente que com o tempo as famílias
passam por um processo de desenvolvimento, e que a infelicidade
hum ana e os sintomas psiquiátricos surgem quando este processo é
interrompido. No entanto, tem sido difícil para o profissional, tan
to do campo da clínica quanto da ciência social, levar a sério essas
questões comuns da vida. Parece que tanto na psiquiatria quanto na
psicologia houve um enfoque mais profundo das questões da identi
dade, das formações delusórias, das dinâmicas inconscientes ou das
leis da percepção concernentes aos dilemas surgidos quando homens
e mulheres se unem e criam filhos. A gora que começamos a com
preender a enorme influência do contexto social íntimo sobre a na
tureza do indivíduo, estamos diante do fato que os contextos sociais
mudam com a passagem do tempo e que só possuímos informações
m uito limitadas a respeito desse processo.
A firm ar que deveria ser empregada um a abordagem estratégi
ca em terapia é levantar a questão do objetivo para o qual a estraté
gia é planejada. Nos últimos vinte anos, progredimos rum o a uma
visão cada vez mais abrangente do funcionamento dos sintomas e
outros problemas humanos. O utrora, os sintomas eram vistos como
a expressão de um indivíduo, independentemente de sua situação so
cial. A crise de ansiedade, ou de depressão, era a expressão do esta
do de uma pessoa. A seguir, surgiu a idéia de que os sintomas eram a
expressão de uma relação entre pessoas e serviam a um propósito
tático entre íntimos. Numa crise de ansiedade, a questão era desco
brir a função que ela preenchia no casamento, na família, no trab a
lho ou na relação com o terapeuta. Atualmente, há um a visão ainda
mais abrangente, que está implícita na terapia de Milton Erickson.
Os sintomas aparecem quando há um deslocamento, ou um a inter-
rupção, no desabrochar do ciclo de vida de uma família ou outros
grupos naturais. O sintom a é um sinal de que a família tem dificul
dades em ultrapassar um estágio em seu ciclo de vida. Por exemplo,
uma crise de ansiedade na mãe, quando dá à luz, é a expressão da
dificuldade da família em atingir o estágio de educar crianças. A es
tratégia terapêutica de Erickson, em bora enfoque nitidamente os sin
tom as, tem como objetivo m aior a resolução dos problemas da fa
mília, para fazer com que o ciclo familiar se movimente de novo.
A admiração por seu virtuosismo técnico pode nos fazer perder de
vista os pressupostos básicos sobre a vida familiar que guiam sua es
tratégia.
Quando se aceita a importância do processo de desenvolvimento
das famílias no transcurso do tempo, descobre-se, de imediato, co
mo é pouca a inform ação que se tem sobre o ciclo de vida das fam í
lias. Estudos longitudinais, baseados na observação da família, não
foram empreendidos. Existem, unicamente, pesquisas nas quais se
pergunta a cada membro da família sobre sua vida, mas elas se mos
traram altamente indignas de confiança. Toda a inform ação restan
te se baseia em famílias que buscaram a terapia quando estavam com
problemas; sendo assim, temos observado diferentes estágios no ci
clo familiar, sem saber o que vem antes e o que naturalmente se se
gue. O clínico que deseje compreender o desenvolvimento natural das
famílias para direcionar sua estratégia descobre que ignora esse pro
cesso e trabalha sob o fardo de mitos a respeito de como a família
deveria ser, ao invés de saber como ela é.
Um problem a adicional é que, qualquer compreensão que te
nham os sobre o desenvolvimento da família pode ficar rapidam ente
desatualizada, pois a cultura m uda e novas formas de vida familiar
aparecem. A família nuclear, constituída apenas por pais e filhos que
m oram em casas separadas do restante de seus parentes, é um fenô
meno recente. À medida que começamos a entender a família nu
clear, descobrimos que estão aparecendo novas formas de famílias
comunais, e o terapeuta que trabalha com jovens pode ser pego pen
sando em termos de um modelo obsoleto. Um clínico precisa ser to
lerante a respeito dos diversos modos de viver e, ao mesmo tempo,
ter domínio dos processos de desenvolvimento das famílias, que lhe
perm itirão reconhecer estágios críticos.
Um breve resumo de alguns desses estágios de crise nas fam í
lias de classe média americana talvez ofereça um pano de fundo pa
ra a compreensão da abordagem estratégica de Erickson, embora es
teja bem longe de ser inteligível e ignore as diferenças de classe e cul
tura. A extraordinária complexidade da família em qualquer momento
dado, que é m aior ainda durante seu período de vida, torna impos
sível que se tente mais aqui. Esta é uma m oldura rudim entar para
os capítulos posteriores, que apresentam os modos como Erickson
resolve problemas em diferentes estágios da vida familiar.
Mas antes de tentar descrever o ciclo familiar, talvez devêsse
mos abordar uma possível objeção a esta visão terapêutica. A firm ar
que o objetivo da terapia é ajudar as pessoas a ultrapassar uma crise
rum o ao próximo estágio da vida familiar pode levar alguns clínicos
a considerá-la um modo de “ ajustar” as pessoas a suas famílias, ou
à sociedade que modela a família. Um tal ponto de vista é ingênuo,
pois não leva em conta o fato de que a liberdade e o crescimento do
indivíduo são determinados pelo grau de sucesso que ele obtém de sua
participação no grupo natural e em seu desenvolvimento. Pode-se pen
sar que o indivíduo socialmente isolado é mais livre do que a pessoa
que participa do am or e do trabalho, mas isso não é verdade quando
se examina as restrições que sofre aquele que vive isolado da sociedade.
H á duas maneiras de “ ajustar” a pessoa à sua situação sem pro
duzir mudança de crescimento. Uma é estabilizar a pessoa através
do uso de medicamentos. Se um jovem atingiu certa idade e a famí
lia não consegue atingir o estágio de liberá-lo, ele m anifestará sinto
mas. Os medicamentos evitarão problemas, mas não impedirão a mu
dança e tornarão a situação crônica, tanto para o jovem quanto pa
ra a família. O utro modo de ajustam ento é um a longa terapia indi
vidual, centrada em ajudar a pessoa a compreender seu desenvolvi
mento na infância e suas incompreensões, ao invés de tentar abor
dar a situação de sua vida presente. M uitas esposas, por exemplo,
descontentes com o estreito padrão de vida suburbana, foram esta
bilizadas durante anos pela análise intensa. Ao invés de encorajá-las
a começar a agir, o que as conduziria a uma vida mais rica e mais
complexa, a terapia impediu a mudança, im pondo a idéia de que o
problem a estava em sua psique e não em sua situação.
Q uando se pensa na terapia como um meio de introduzir varie
dade e riqueza na vida de um a pessoa, o objetivo é livrá-la das limi
tações e restrições da rede social. Os sintomas comumente surgem
quando uma pessoa está numa situação impossível, tentando livrar-se
dela. Já se pensou que focalizar o sintoma era “ m eram ente” alivi
á-lo à medida que a pessoa se ajustava. Esta noção era sustentada
por clínicos que não sabiam como curar um sintoma e por isso não
percebiam que, com raras exceções, um sintoma não pode ser cura
do sem produzir uma mudança básica na situação social da pessoa,
que a libera para crescer e se desenvolver. Ataques de ansiedade, por
exemplo, que são um produto da situação interpessoal restrita, não
podem ser aliviados a não ser que o terapeuta intervenha para aju
dar o paciente a encontrar outras alternativas na vida.
O PERÍODO DO NAMORO
O estudo sistemático da família humana é muito recente e coin
cidiu com o estudo dos sistemas sociais de outros animais. Desde os
anos 50, os seres hum anos, assim como os animais do campo ou os
pássaros do ar, têm sido observados em seu meio ambiente natural.
Tanto as semelhanças quanto as diferenças cruciais entre os homens
e os outros animais, que ajudam a esclarecer a natureza dos dilemas
hum anos, estão se tornando evidentes. Os homens têm em comum
com outras criaturas o processo de desenvolvimento do nam oro, o
acasalamento, a construção do ninho, a criação dos filhos e seu desalojamento rum o à própria vida, mas, devido à organização social
mais complexa dos seres humanos, os problemas que surgem duran
te o ciclo de vida da família são únicos entre as espécies.
Todo aprendizado animal compreende os rituais de nam oro na
idade apropriada, e a gama de variações possíveis é ampla. Em espé
cies que vivem em rebanhos anônimos, na época propícia um indivíduo
se acasala com qualquer um que esteja passando no mom ento, pre
ferivelmente um membro do sexo oposto. Em outras espécies o aca
salamento é menos anônimo; um a criatura encontrará seu parceiro
durante a estação de acasalamento anual, mas não haverá acasala
mento em outras épocas. Muitas espécies também escolhem parcei
ros por toda a vida e procriam regularmente durante anos. O ganso
selvagem, por exemplo, se associa para a vida toda, e, se um parcei
ro morre, o sobrevivente o pranteia e pode não se acasalar novamente.
A espécie humana, dada a sua complexidade, pode adotar qual
quer dos hábitos de acasalamento dos outros animais. Um homem
pode copular com qualquer mulher que passa, quanto mais anôni
m a melhor. Os homens podem também ter a ffa ir s clandestinos, re
lacionar-se com uma mulher específica somente em ocasiões sexuais
e nunca vê-la em outros momentos. Os seres humanos também ten
taram o arranjo de múltiplos maridos ou esposas característicos de
algumas espécies. Mais comumente, os homens selecionam uma única
parceira para toda a vida e permanecem constantemente com ela; ao
menos, esse é o mito da m onogamia da classe média americana, que
é o centro de nossa discussão.
Um a diferença crucial entre os homens e todos os outros ani
mais é o fato de o homem ser o único animal com parentes. A parentela está envolvida em todos os estágios da vida familiar hum a
na, quando em outras espécies há descontinuidade entre as gerações:
os pais criam seus filhos, que então vão em bora e escolhem parcei
ros sem a assistência dos mais velhos. A mãe ursa não diz à filha
com quem deve se acasalar nem supervisiona o modo como ela cria
seus filhotes, mas os pais humanos selecionam parceiros potenciais
para seus filhos e ajudam a criar os netos. O casamento, então, não
é meramente a junção de duas pessoas, mas uma reunião de duas
famílias que exercem suas influências e criam um a rede complexa de
subsistemas.
Este envolvimento com a parentela extensiva é mais im portan
te para diferenciar a espécie hum ana de outros animais do que o po
legar preênsil, o consistente uso de instrumentos ou o cérebro maior.
De fato, o cérebro m aior do homem pode ter se desenvolvido para
poder lidar com a rede social mais complexa. É também possível que
o envolvimento de múltiplas gerações tenha produzido nos seres hu
manos problemas psiquiátricos que não são encontrados entre os ou
tros animais. (Neurose ou psicose em animais parecem ocorrer so
mente quando os seres hum anos intervém — não naturalm ente.)
Vários dos maiores dilemas da vida hum ana aparecem durante
o período da adolescência, em que o jovem passa por modificações
para se tornar um membro adulto da comunidade. O que ocorre nesta
época pode ter efeitos permanentes sobre o lugar que o indivíduo
ocupará na hierarquia social. Esta é um a das épocas mais im portan
tes da vida, quando a ajuda profissional é solicitada e as conseqüên
cias dessa intervenção podem ser mais duradouras do que em qual
quer outro momento.
Q uando os seres humanos, ou os animais de qualquer espécie,
entram na fase final da adolescência, eles começam a perder a tole
rância de que gozam os adolescentes à medida que se integram à co
munidade adulta. H á um certo período, felizmente relativamente longo
na espécie hum ana, para que o jovem estabeleça seu s ta tu s em rela
ção aos outros e escolha um parceiro. Entre a m aioria dos animais,
aqueles que não conseguem estabelecer um território próprio duran
te este período crucial são relegados ao s ta tu s mais baixo da comuni
dade e não se acasalam. Tornam-se animais periféricos, que vagam
pelas margens do território dos outros, e, se tentam lutar para ganhar
espaço e s ta tu s , se confrontam com a regra de que a criatura que con
trola o espaço quase invariavelmente ganha quando luta em seu pró
prio terreno. Esses párias descobrem que as fêmeas não estão incli
nadas a se acasalar com machos que não adquiriram s ta tu s , e as fê
meas que não são selecionadas como parceiras, por sua vez, tornam-se
criaturas periféricas, ignoradas pelos machos e atorm entadas por to
das as fêmeas que conseguiram machos, e por conseguinte s ta tu s . Os
animais periféricos da m aioria das espécies não são defendidos nem
cuidados. São os descartados da natureza, oferecidos aos predadores
como parte da proteção do grupo. Suas vidas são comparativamente
mais curtas, e eles não procriam ou se reproduzem.
Na espécie hum ana, os descartados periféricos são oferecidos
às profissões assistenciais: caridade, serviço social, psicologia e psi
quiatria se aplicam a eles. As profissões de ajuda são, por natureza,
auxiliares benévolos e tam bém agentes do controle social. Em seu
aspecto benevolente, tentam ajudar aquele que se desviou socialmente
-a obter um emprego e um parceiro e se tornar uma parte atuante da
comunidade. Como controladores, tentam conduzi-lo de volta ao re
banho da instituição, onde ele é impedido de se tornar um transtor
no para aqueles que ganharam espaço e adquiriram s ta tu s . Algumas
vezes, também se acredita que isso é ajuda.
Embora saibamos menos sobre o comportamento de namoro dos
jovens adolescentes americanos do que sabemos sobre outros animais
(a corte do ganso selvagem é estudada há séculos), sabemos que existe
um fator tempo e um fator risco. H á um período em que os jovens
estão todos aprendendo a cortejar e participando desta atividade, e
quanto mais uma criança retardar este processo, mais periférica ela
se torna à rede social. Um jovem que até os vinte anos não tiver tido
nenhum encontro se sentirá marginalizado ao lidar com outros jo
vens da sua idade, que estiveram experimentando procedimentos de
nam oro durante anos. Não é só que o jovem inexperiente não tenha
aprendido a lidar com o sexo oposto, ou que não possa provocar as
respostas físicas adequadas, mas seu com portam ento social não é
apropriado; aqueles que escolhem cortejar já praticaram o com por
tam ento de nam oro avançado, enquanto ele está ainda se inserindo
nos estágios iniciais do processo.
Se o nam oro fosse um processo racional, o problem a seria me
nos complexo, mas claramente ela não é. Os jovens se casam para
fugir de casa, para salvar um ao outro, porque simplesmente se apai
xonaram , porque desejam ter filhos e por muitas outras razões. O
prim eiro encontro entre dois jovens pode conduzir a resultados im
previsíveis. Um problem a específico para o adolescente hum ano é
seu simultâneo envolvimento com a família e seus pares. As manei
ras que precisa apresentar para se adaptar à sua família podem im
pedir seu desenvolvimento normal com as pessoas de sua idade. Es
sencialmente, o problem a é de desaleitamento, e este processo não
se completa até que o filho saia de casa e estabeleça laços íntimos
fora da família. O longo período nutriente, requerido para o desen
volvimento hum ano, pode induzir os mais jovens a nunca deixarem
o lar, ao invés de prepará-los para uma vida separada. A mãe ursa
m andará os filhotes subirem na árvore e os abandonará. Os pais hu
manos podem soltar seus filhos, mas podem também enredá-los per
petuamente na organização familiar.
Muitos adolescentes que se tornam pessoas periféricas não con
seguem nunca se separar suficientemente de suas famílias, ou ori
gens, para percorrer os estágios necessários de escolher um parceiro
e construir seu próprio ninho. Em algumas culturas a seleção do par
ceiro é definida explicitamente como direito dos pais, mas mesmo
em culturas com idéias mais românticas sobre o casamento o jovem
não é suficientemente livre para escolher suas companhias do sexo
oposto. Tão logo um moço se aventura para fora da própria família
e se liga seriamente a um a moça, dois pares de pais se tornam parte
do processo de tom ada de decisões. Mesmo quando os jovens esco
lhem parceiros por despeito, porque os pais se opõem à escolha, ain
da assim eles são apanhados pelo envolvimento parental, porque a
escolha não é independente. O que já foi encarado como uma “ es
colha neurótica de parceiros” evidentemente envolve um processo
de decisão familiar.
P ara muitos adolescentes, a ajuda de um terapeuta profissio
nal se torna uma cerimônia de iniciação, na medida que provê uma
relação com um estranho cujo objetivo é ajudá-lo a adquirir inde
pendência e maturidade. É um a maneira pela qual a cultura ajuda
o jovem a se livrar dos laços da organização familiar, entrar no ca
samento e constituir a própria família.
A terapia, quando obtém sucesso, transfere o jovem para uma
vida na qual ele pode tirar o melhor partido de suas habilidades po
tenciais. Q uando não obtém sucesso, a pessoa se torna uma criatura
periférica; e a terapia pode contribuir para esse malogro. Quanto mais
drástica a intervenção do terapeuta — por exemplo, quando impõe
a hospitalização ou insiste em anos de tratam ento — , mais perm a
nentemente o estigma de ser um a pessoa “ especial” persegue o ado
lescente. A própria relação terapêutica pode diminuir, ao invés de
aum entar, suas chances. Tratam entos a prazo longo podem intro
duzir um viés na vida de um jovem de muitas maneiras; perpetua
o envolvimento financeiro dos pais, cria um a relação de dependên
cia baseada num relacionamento, como substitutivo de relacionamen
tos mais naturais, e cria um a espécie de adolescente particularmente
centrado em se tornar consciente de por que faz o que quer que seja
e com uma restrita ideologia de explanação.
À medida que os terapeutas aperfeiçoam sua destreza, a for
mulação dos objetivos do tratam ento se torna mais precisa e as téc
nicas terapêuticas mais eficientes. Uma alteração im portante decor
reu da percepção de que todos os adolescentes com problemas não
podem se encaixar num único método de terapia; cada indivíduo é
um contexto único, e a terapia precisa ser suficientemente flexível
para se adaptar às necessidades da situação singular. O tratam ento
da maioria dos adolescentes ocorre quando os jovens sentem que não
conseguem participar como gostariam do am or e do trabalho, e en
tão estabelecem os objetivos que o terapeuta deveria ajudá-los a atin
gir. Com freqüência, am bos, o terapeuta e o paciente, form ulam o
objetivo, mas no processo de tratam ento um terceiro tipo de objeti
vo aparece, sem ter sido previsto por nenhum dos participantes. Quan
do um profissional de ajuda intervém na vida de um a pessoa, o re
sultado não é de modo algum previsível.
Um dos problemas para o clínico que lida com jovens é que ele
precisa ter sabedoria suficiente para ser um guia, mas não pode ter
um a visão estereotipada, que o leve a “ aju star” os jovens a idéias
de como eles deveriam viver. É comum, por exemplo, que jovens se
casem e criem filhos, mas muitos que não escolhem este caminho po
dem levar vidas satisfatórias. Se um jovem busca a terapia porque
deseja se casar, ou ter sucesso na carreira, e não consegue, o clínico
deveria saber como ajudá-lo a atingir seu objetivo; se, no entanto,
um jovem não escolhe este caminho de vida, impô-lo, porque é o
com portam ento “ aceitável” , é irreal e pode tolher os esforços tera
pêuticos. Felizmente, nossa cultura americana ainda é suficientemente
diversificada para permitir que as pessoas vivam de maneiras que não
se enquadram na norm a da classe média, da família nuclear do su
búrbio.
Se um clínico acredita que o objetivo da terapia é introduzir
complexidade e riqueza na vida de um a pessoa, ele estará mais ocu
pado em encorajar modos alternativos de viver do que o conformis
mo a um padrão socialmente aceito. O problem a para o clínico é re
conhecer que muitos jovens vivem vidas estreitas porque não conse
guiram se desembaraçar de suas famílias. P or exemplo, alguns jo
vens vivem vidas marginais porque são parte de uma cultura jovem
que busca estilos alternativos de vida. Outros vivem de modos peri
féricos porque é sua função na família serem o fracassado. Não es
tão respondendo a seus pares, mas ao que aconteceria em casa se es
colhessem um caminho mais convencional, e, em bora pareçam ter
feito um a escolha, estão na verdade respondendo impotentemente
à complicação familiar. Falar com eles sobre um modo diferente de
vida é como falar com um prisioneiro a respeito de como poderia
usar sua liberdade. A dificuldade para o clínico é determinar as res
trições que impedem o jovem de conseguir um a vida mais comple
xa e interessante, o que em geral é impossível sem conhecer toda a
família.
Assim como os jovens podem evitar o casamento por razões
familiares internas, eles podem também correr para o casamento pre
m aturam ente, num a tentativa de se desembaraçar de um a infeliz re
de familiar. Com freqüência, a tarefa do clínico é impedir que o jo
vem passe muito rapidamente para o próximo estágio da vida fami
liar, antes que ele tenha reconhecido a possível diversidade de m o
dos de vida.
A abordagem do dr. Erickson para resolver os problemas da
corte é apresentada no Capítulo III.
O CASAMENTO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
A im portância da cerimônia do casamento, não só para o jo
vem casal, mas para a família inteira, está começando a se tornar
mais aparente à medida que os jovens desistem dela. Os rituais que
muitas vezes parecem supérfluos aos jovens podem ser demarcações
im portantes dos estágios, que ajudam as pessoas envolvidas a fazer
a alteração para novas maneiras de se relacionarem. N a m aioria das
culturas, as cerimônias que cercam o nascimento, a puberdade, o ca
samento e a m orte são protegidas como algo crucial para um viver
estável.
Qualquer que seja a relação entre um par de nam orados antes
do casamento, a cerimônia altera a natureza do relacionamento de
maneiras imprevisíveis. P ara muitos casais, o período de lua-de-mel
e a fase anterior ao nascimento dos filhos são deliciosos. P ara ou
tros, ao contrário, uma tensão desnorteante pode ocorrer, rom pen
do o elo matrim onial ou produzindo sintomas no indivíduo mal te
nha começado o casamento.
Alguns casamentos são problemáticos desde o início devido ao
motivo que os originou. P or exemplo, jovens que se casam princi
palmente para fugir de suas famílias podem descobrir, uma vez ca
sados, que a razão para o casamento desapareceu. Eles escaparam,
mas para um casamento que não tem nenhum outro propósito, e,
para que este continue, devem descobrir alguma outra base. A ilu
são sobre o casamento com freqüência está muito distante do que
ele realmente é.
Em bora o ato simbólico do casamento tenha ura significado di
ferente para cada pessoa, ele é, em primeiro lugar, um compromisso
de um para com o outro por toda a vida. Nessa época de divórcios
fáceis, pode-se entrar num casamento com algumas restrições, co
mo se fosse um teste. Mesmo assim, na medida em que é um compro
misso, os jovens se descobrirão respondendo um ao outro de novas
maneiras. Algumas vezes sentem-se enredados e começam a agir com
rebeldia, discutindo a respeito de problemas de autoridade; ou sentemse livres para serem “ eles mesmos” e apresentam com portamentos
inesperados para o outro cônjuge. Pelo ato do casamento, o casal
é absolvido de esconder alguma coisa um do outro; este movimento
para uma intimidade sem reservas pode ser bem-vindo, mas pode tam
bém ser assustador. Muitos jovens conservadores ainda adiam as re
lações sexuais até estarem casados, e diferentes idéias sobre esta aven
tura, assim como expectativas prévias exageradas, podem causar de
sapontam ento e confusão.
Quando o casal inicia uma vida em comum, precisa elaborar
um a série de ajustes necessários a qualquer par que viva em íntima
associação. Deve concordar sobre a m aneira de lidar com as fam í
lias de origem, com seus pares, com os aspectos práticos da vida co
mum e as diferenças sutis e genéricas entre eles enquanto indivíduos.
Implícita ou explicitamente, precisam resolver um extraordinário nú
mero de questões, algumas das quais não poderiam ter sido previs
tas antes do casamento, incluindo quem decidirá onde irão m orar,
quanta influência a esposa terá na carreira do marido, se um deles
deverá julgar os amigos do outro, se a esposa deverá trabalhar ou
permanecer em casa, e centenas de outros assuntos, aparentemente
triviais, tal como quem deverá guardar a roupa de quem. Suas in
formações a respeito do casamento, e suas experiências reais, são duas
ordens diferentes de entendimento.
À medida que soluciona sua relação, o jovem casal precisa tam
bém planejar modos de lidar com as divergências. Com freqüência,
neste período inicial, evitam as controvérsias ou afirmações críticas
devido à aura benevolente do novo casamento e porque não querem
ferir o sentimento um do outro. Com o tem po, as áreas controver
sas que evitaram tornam -se maiores, e eles seguidamente se vêem à
beira de uma briga e se descobrem misteriosamente irritados um com
o outro. Algumas vezes os assuntos que não podem ser discutidos
ficam embutidos no casamento. Com m aior freqüência, um traz à
tona um a questão menor, o outro revida na mesma moeda e os dois
têm um a briga que explicita as questões que até o momento haviam
comunicado só indiretamente. Essas brigas, em sua maioria, são as
sustadoras devido às emoções inesperadas que provocam, e o casal
faz juras e votos de não brigar novamente. Mas, gradualmente, as
suntos não discutidos se imiscuem no casam ento, até que explode
uma nova briga. No processo, eles descobrem modos de resolver as
divergências e ordenar as conseqüências. Algumas vezes, as próprias
soluções são insatisfatórias, levando a um crescente descontentamento,
que emerge posteriormente no casamento. Por exemplo, um casal
pode achar que a controvérsia pode ser resolvida somente se um dos
dois ceder ao outro mais do que ele ou ela acredita ser apropriado.
Neste período inicial, m aridos e esposas aprendem o poder manipulativo da fraqueza e da doença, assim como o poder da força.
A maioria das decisões tomadas pelos recém-casados são influen
ciadas não só pelo que eles aprenderam em suas respectivas fam í
lias, mas também pelas em aranhadas alianças atuais com os pais,
que são um aspecto inevitável do casamento. Individualmente, os jo
vens devem deixar de ser dependentes de seus pais para se relaciona
rem com eles como adultos independentes e se com portarem dife
rentemente em relação a eles.
As decisões que o par recém-casado tom a não podem, facilmen
te, ser separadas da influência parental. Por exemplo, se a mulher
deve ou não trabalhar ou onde o jovem casal irá residir são questões
influenciadas pelos pontos de vista dos pais. Os jovens precisam es
tabelecer um território com alguma independência da influência pa
rental, e os pais, por seu lado, precisam modificar a maneira de li
dar com os filhos depois do casamento. Muita ajuda benevolente pode
ser tão danosa para o jovem casal quanto a censura destrutiva. Quan
do os pais continuam a prover apoio financeiro, há uma barganha
implícita ou explícita sobre o direito que terão de ditar o modo de
vida em troca daquele apoio. Dar dinheiro pode ser uma ajuda ou
algo pernicioso, e surgem questões a respeito do assunto: o dinheiro
deveria ser dado em espécie, em presentes, para um ou para o outro,
ou para os dois como casal? Deve ser dado livremente ou com uma
crítica implícita de que a ajuda não deveria ser necessária? Uma ci
são pode ser criada num casamento recente devido à natureza do en
volvimento dos pais, em geral sem muita percepção do que está cau
sando o mal-estar. Quando o casamento é enredado em conflitos com
os parentes extensivos, sintomas podem se desenvolver. A esposa que
não consegue evitar a intrusão de sua sogra no casamento, por exem
plo, pode desenvolver sintomas como um m odo de lidar com a si
tuação.
Alguns casais tentam tornar seu território totalm ente indepen
dente, separando-se totalm ente da família extensiva. Em geral, isto
não tem sucesso e tende a erodir o casamento, porque a arte do ca
samento exige que o casal consiga independência enquanto, simulta
neamente, permanece emocionalmente envolvido com os próprios pa
rentes. (Casos que ilustram maneiras de resolver problemas no iní
cio do casamento são apresentados no Capítulo IV.)
PARTO E CUIDADO COM O BEBÊ
Parte da aventura do casamento é que, quando os problemas
de um estágio começam a ser resolvidos, o próximo se inicia, trazen
do novas oportunidades problemáticas. Um jovem casal, que tenha
elaborado um modo agradável de convivência durante o período do
início do casamento, descobre que o parto faz surgir novas questões
e desestabiliza as antigas. P ara muitos casais, este é um período deli
cioso de antecipação e acolhimento da criança, mas para outros é
um período de sofrimento que assume formas diversas. A esposa pode
ficar extremamente transtornada durante a gravidez, ter problemas
físicos misteriosos, que impedem que a gravidez chegue a seu term o,
ou começar a se com portar de modo perturbado ou bizarro imedia
tamente após o nascimento da criança. Alternativamente, o marido,
ou algum membro da família extensiva, pode desenvolver uma en
fermidade que coincida com o evento do parto.
Neste período, quando surge um problem a, a “ causa” não po
de ser facilmente determinada, porque são muitos os diferentes ar
ranjos estabelecidos no sistema familiar, que são revisados com a che
gada da criança. Os jovens casais que consideram seu casamento um
teste descobrem que a separação se tornou mais difícil. Outros ca
sais, que pensavam estar comprometidos um com o outro, descobrem
sentimentos relacionados com a chegada da criança e, pela primeira
vez, a fragilidade de seu contrato de casamento original.
O tipo de jogo que um casal elaborou antes do parto é um jogo
íntimo, a dois. Eles aprenderam a lidar um com o outro e descobri
ram modos de resolver muitos assuntos. Com o nascimento de uma
criança, eles automaticamente formam um triângulo. Não é um triân
gulo com alguém de fora ou com um membro da família extensiva;
ciúmes de um novo tipo podem se desenvolver quando um cônjuge
sente que o outro está mais envolvido com a criança do que com ele.
Muitas das questões que o casal enfrenta começam a ser tratadas atra
vés da criança, tornando-se ela o bode expiatório e a desculpa para
os novos problemas e para antigos problemas não resolvidos. M ari
dos e mulheres à beira da separação podem agora concordar que de
vem permanecer juntos pelo bem da criança, quando poderiam não
ter se separado de form a alguma. Esposas descontentes podem deci' dir que seu estado deve-se à criança, ao invés de encarar velhos pro
blemas com o marido. Por exemplo, a mãe de uma jovem psicótica
de dezoito anos certa vez asseverou que a filha sempre estivera entre
ela e o marido. Citou, como prova, uma carta que havia escrito quan
do a filha tinha alguns meses de idade, na qual chamava a atenção
do marido porque ele e a filha estavam sempre do mesmo lado, con
tra ela. Se uma criança se torna parte do triângulo deste modo, quando
tiver idade suficiente para deixar o lar surgirá uma crise, porque o
casal se verá frente a frente, sem a filha como estratagema entre eles;
questões que não foram resolvidas há anos, antes do nascimento da
criança, são reativadas.
Em muitos casos, um casamento é precipitado devido a uma
gravidez, e o jovem casal não vê a vida comum como uma parceria.
O casamento começa e continua como um triângulo até que a crian
ça saia de casa. Com freqüência, um casamento forçado por esse mo
tivo não se torna um problem a. Em outros casos, a criança é a des
culpa para o casamento e será culpada por todas as dificuldades m a
ritais e extramaritais.
O nascimento iminente de uma criança representa a reunião de
duas famílias e cria avós, tias e tios, dos dois lados. Um arranjo tão
simples, tal como os acordos de visita, serão revisados quando os
avós aparecerem. As duas famílias podem discutir sobre questões co
mo o nome a ser dado à criança, como ela deve ser criada e educada,
qual família influenciará seu desenvolvimento, e assim por diante.
Em geral, os parentes consideram o casamento tem porário até que
a chegada da criança força a questão. A possibilidade, ou realidade,
de uma criança defeituosa pode levantar dúvidas potenciais sobre to
dos os ramos da família e ser usada como munição numa luta fami
liar.
Afastado de suas famílias pela chegada da criança, o jovem ca
sal está também mais entrelaçado no sistema familiar. Como pais,
são agora mais individualizados como adultos e menos crianças eles
próprios, mas o filho os aproxim a mais ainda da rede total de pa
rentes, na medida em que velhos elos alteram naturezas e novos elos
se formam .
D urante este período, quando surge sofrimento, em geral ele
assume a form a de sintomas e distúrbios em um dos participantes.
No entanto, a pessoa que exibe o sofrimento não é necessariamente
o foco apropriado de tratam ento. Uma esposa perturbada pode es
tar reagindo a um m arido que se sente enredado porque uma criança
está no caminho, ou respondendo a uma crise na família extensiva.
À medida que o jovem casal sobrevive ao nascimento da crian
ça, ele se torna excessivamente ocupado durante os anos necessários
aos cuidados dos bebês. Cada novo parto modifica a natureza da
situação e levanta novas e antigas questões. O prazer de criar os fi
lhos é, com freqüência, contrabalançado pela tensão gerada pelo con
tínuo envolvimento com problemas complexos, que eles precisam
aprender a resolver por si mesmos, porque, nesta época de m udan
ças, relutam em utilizar os mesmos métodos educacionais de seus pais.
É no estágio de cuidar dos filhos pequenos que um problema
especial surge para as mulheres. Ter filhos é algo que elas almejam
como uma forma de auto-realização. Mas tomar conta dos bebês pode
ser fonte de frustração pessoal. Tendo sido educadas para o dia que
se tornariam adultas e seriam capazes de usar suas habilidades espe
ciais, elas se vêem amputadas da vida adulta e vivendo, de novo, num
mundo de crianças. O m arido, ao contrário, é capaz de participar
do m undo de trabalho dos adultos e desfrutar as crianças como uma
dimensão a mais em sua vida. A esposa que fica confinada à conver
sação com as crianças pode também se sentir denegrida com a eti
queta de dona-de-casa e mãe. Um anseio por uma maior participa
ção no m undo adulto, para o qual estava preparada, pode fazê-la
sentir-se descontente e invejar as atividades do marido. O casamen
to pode começar a se desgastar à medida que a esposa solicita mais
ajuda do m arido para cuidar dos filhos e mais atividades adultas,
enquanto ele se sente oprimido pela esposa e pelos filhos e tolhido
em seu trabalho. Algumas vezes, a mãe tentará exagerar a im por
tância de criar filhos, encorajando a criança a ter um problema emo
cional, ao qual pode então devotar sua atenção. A tarefa do tera
peuta é solucionar o problem a da criança, ajudando a mãe a se se
parar dela e a encontrar uma vida própria mais plena.
Apesar das dificuldades que surgem com as crianças pequenas,
o período mais comum de crise é a fase escolar. No passado, quan
do as crianças começavam a se com portar mal ou relutavam em ir
à escola, o procedimento usual era permitir que permanecessem em
casa enquanto iniciavam uma terapia individual, na esperança de que
se recuperassem e, principalmente, passassem a querer ir à escola.
Entrementes, elas ficavam cada vez mais atrasadas em relação a seus
pares. Com a orientação familiar, tornou-se mais comum levar a crian
ça para a escola e tratar a situação global, reconhecendo que o pro
blema poderia estar em casa, na escola, ou em ambos os lugares. Nesta
idade, a criança com freqüência funciona mal, em parte devido ao que
se passa na complexa organização familiar, mas também porque es
tá se envolvendo mais em atividades fora dela. Conflitos entre os pais
sobre como educar crianças se tornam mais manifestos quando seu
produto é exibido. O início da fase escolar dá também aos pais a pri
meira oportunidade de enfrentar o fato de que os filhos um dia sai
rão de casa e os dois terão de se defrontar.
É neste estágio que a estrutura da família se torna mais visível
para o terapeuta consultado devido a um problem a com um a crian
ça. Os padrões de comunicação na família se tornaram habituais,
e certas estruturas não se adaptam ao envolvimento da criança fora
da família. Vários tipos de estruturas infelizes são comumente en
contradas, e todas elas dizem respeito às brechas nas linhas das ge
rações dentro da família. O problem a mais usual é um dos pais, co
mumente a mãe, se alinhar consistentemente com a criança contra
o outro, em geral o pai, protestando que este é muito duro com a
criança, enquanto ele afirm a que ela é m uito mole. Neste triângulo,
os pais estão tentando salvar a criança do outro, oferecendo-lhe as
sim a oportunidade de jogar um deles contra o outro. Este triângulo
pode ser descrito de vários modos, e um a m aneira adequada é perce
ber um dos pais como “ superenvolvido” com o filho. Em geral, a
mãe, em bora muito prestativa, revela-se exasperada em relação à
criança e frustrada em suas tentativas de lidar com ela. O pai é mais
periférico, e, se intervém para ajudar a mãe, ela o ataca e ele se reti
ra, deixando-a incapaz de lidar efetivamente com o filho. Este pa
drão se repete infindavelmente, impedindo as crianças de am adure
cerem e a mãe de se desembaraçar do cuidado com os filhos e encon
trar uma vida própria mais produtiva. À medida que o padrão con
tinua, a criança se torna o meio através do qual os pais se comuni
cam sobre questões que não conseguem enfrentar diretamente. Por
exemplo, se existe uma questão a respeito da masculinidade do pai
que não pode ser encarada dentro do casamento, a mãe pode inda
gar se o filho é afem inado, enquanto o pai pode insistir que o meni
no é suficiente macho. A criança coopera com portando-se de modo
feminino para fornecer à mãe um argumento e de modo suficiente
mente masculino para apoiar o pai. O filho aparenta não saber bem
a que sexo pertence, enquanto atua como uma m etáfora dentro do
triângulo. Fora de casa, o padrão estabelecido é am eaçado, e sinto
mas na criança podem assinalar a dificuldade da família em ultra
passar este estágio.
Este triângulo pode ocorrer mesmo que os pais estejam divor
ciados, um a vez que o divórcio legal necessariamente não modifica
este tipo de problema. Se um a mulher que está criando seu filho so
zinha o apresenta como um problem a, um terapeuta alerta buscará
um ex-marido que ainda esteja envolvido, e seu objetivo será ajudar
a família a atravessar o processo de realmente desengajar um mem
bro.
Em famílias com um só dos pais, um a estrutura problemática
típica deste estágio é a avó, que consistentemente se alia à criança
contra a mãe. Se a mãe é jovem, a avó geralmente trata a filha e
o neto como se fossem irmãos, e a criança é apanhada numa luta
entre a mãe e a avó através das linhas de geração. Isto é especial
mente típico em famílias que vivem na pobreza.* Na classe média,
a mãe com freqüência se separa do marido após lutar com ele a res
peito do filho, e a avó a substitui para continuar a luta.
As lutas de geração dentro de uma família em geral se tornam
evidentes somente quando a criança atinge a idade de se envolver com
a comunidade fora da família. Neste ponto, os padrões familiares
* Salvador Minuchin e t a l., F a m ilie s o f th e S lu m s . Nova York, Basic Books, 1967.
que haviam funcionado com razoável sucesso se quebram , e pede-se
a um terapeuta que intervenha para ajudar a família a passar ao pró
ximo estágio. (A abordagem de Erickson para tais problemas é apre
sentada nos Capítulos V e VII.)
DIFICULDADES NO MEIO DO CASAMENTO
Entre a maioria das espécies animais, uma unidade familiar com
posta de pais e filhos é de breve duração. Tipicamente, os pais procriam anualmente, e os jovens vão para o mundo reproduzir sua pró
pria espécie, enquanto os pais começam um a nova ninhada. Os pais
humanos são responsáveis pelos filhos durante vários anos e preci
sam continuar ligados a eles mesmo quando deixam de tratá-los co
mo crianças e. passam a tratá-los mais como iguais. Em última ins
tância, quando os pais envelhecem, os filhos começam a tom ar con
ta deles. Este arranjo é único e requer que os membros da família
se adaptem a mudanças extraordinárias de relacionamento mútuo atra
vés dos anos. À medida que um relacionamento muda dentro da fa
mília, a relação marital sofre constantes revisões.
Falar em problem a m arital é criar um a entidade “ casam ento”
que negligencia todas as influências externas que a atingem. O limite
que traçam os ao redor do casal, ao redor da família nuclear, ou ao
redor do sistema de parentesco, é arbitrário e deve-se a propósitos
de discussão. Q uando se examina a influência da saúde na família
pobre, ou a intrusão dé uma corporação na vida privada dos execu
tivos de classe média, torna-se evidente que os problemas do casal
são só parcialmente descritos quando se enfoca o casal. Se um ho
mem não está empregado e sua esposa recebe um seguro social, o
“ problema marital” inclui o modo pelo qual o governo intervém nesse
casamento. Do mesmo m odo, um casamento pode ter como fonte
principal de dificuldade a intrusão de um a sogra, o com portam ento
das crianças ou quaisquer outros fatores. É im portante ter sempre
em mente que a família é um grupo em funcionamento, sujeito a in
fluências externas cambiantes, com uma história, um futuro e está
gios de desenvolvimento, assim como com padrões habituais entre
os membros.
Na família como a conhecemos hoje, o casal que esteja casado
há dez ou quinze anos enfrenta problemas que podem ser descritos
em termos do indivíduo, do par m arital ou de toda a família. Nesta
época, o marido e a mulher estão chegando aos anos intermediários
de seus ciclos de vida. Em geral, esse é um dos melhores períodos
da vida. O marido pode estar desfrutando o sucesso no trabalho e
a esposa pode partilhar este sucesso que ambos se esforçaram por
alcançar. A mulher também está mais livre, pois os filhos a exigem
menos, e pode desenvolver talentos e dar continuidade à sua própria
carreira. As dificuldades iniciais que o casal possa ter experimenta
do se resolveram com o tempo, e sua abordagem da vida se abran
dou. É um período no qual a relação m arital está se aprofundando
e am pliando, e no qual as relações estáveis com a família extensiva
e o círculo de amigos já estão estabelecidas. As dificuldades de cui
dar de crianças pequenas se encerraram e são substituídas pelo pra
zer conjunto de vê-las crescer e se desenvolver de modos surpreen
dentes.
O clínico só recebe famílias neste estágio quando a vida não
está indo bem. P ara muitas famílias, este é um período difícil. Com
freqüência o marido atingiu um ponto de sua carreira em que perce
be que não irá realizar süas ambições da juventude. Seu desaponta
mento pode afetar toda a família, e particularm ente seu s t a tu s com
a esposa. Ou, ao contrário, o m arido pode ter tido mais sucesso do
que imaginara e, enquanto desfruta de grande respeito fora do lar,
a esposa continua a se relacionar com ele como fazia quando ele era
menos importante, com conseqüentes ressentimentos e conflitos. Um
dos inevitáveis dilemas humanos é que o homem, quando atinge a
meia-idade e adquire s ta tu s e posição, se torna mais atraente para
as mulheres jovens, enquanto a esposa, mais dependente da aparên
cia física, se sente menos atraente para os homens.
Q uando todas as crianças tiverem ido para a escola, a esposa
sentirá que precisa fazer alterações em sua vida. O aum ento do lazer
força-a a considerar suas ambições anteriores em termos de carrei
ra, por exemplo, e ela pode se sentir insegura quanto a suas habili
dades. A premissa cultural de que ser dona-de-casa e mãe não é sufi
ciente se torna um problem a cada vez m aior à medida que as crian
ças precisam menos dela. Em certos momentos, ela pode sentir que
sua vida está sendo desperdiçada em casa e que seu s ta tu s está decli
nando no mom ento exato em que o marido está se sentindo mais im
portante.
Nesses anos intermediários, o casal já atravessou muitos confli
tos e elaborou modos muito rígidos e repetitivos de relacionamento.
Eles mantiveram a estabilidade da família através de padrões compli
cados de intercâmbio para resolver problemas e para evitar as solu
ções. À medida que os filhos crescem e a família sofre mudanças, os
padrões podem se m ostrar inadequados e surge uma crise. Algumas
vezes, há um acúmulo de problemas de com portam ento, tais como
bebida ou violência, que ultrapassa o ponto tolerável. Um ou os dois
esposos podem sentir que, para a vida melhorar um pouco, eles preci
sam interrom per a relação agora, antes que fiquem muito velhos.
Os anos intermediários podem forçar um casal a tom ar uma
decisão a respeito de continuarem juntos ou tom arem caminhos se
parados. Este período, quando os filhos permanecem menos em ca
sa, força também os pais a perceberem que no final eles irão mesmo
em bora e os dois terão que se defrontar. Em muitos casos, concor
daram em ficar juntos pelo bem dos filhos e, quando percebem estar
se aproxim ando o mom ento da partida, entram em crise conjugal.
Várias tensões maritais e divórcios podem ocorrer nestes anos
intermediários, em bora o casal tenha sobrevivido a muitas crises an
teriores. Muitos outros períodos de tensão familiar ocorrem quando
alguém entra ou sai da família. Nos anos intermediários, o conjunto
não está m udando; mas num certo sentido está, porque este é o pe
ríodo em que os filhos estão deixando de ser crianças e se tornando
jovens adultos. O que é conhecido como crise de adolescência pode
ser visto como uma luta dentro do sistema familiar para manter o
arranjo hierárquico anterior. Por exemplo, um a mãe pode ter de
senvolvido maneiras de lidar com sua filha enquanto criança e m o
dos de lidar com a competição das mulheres; quando a filha cresce,
ela se torna um a com petidora, e a mãe não consegue se relacionar
com ela de m aneira consistente. O pai, apanhado entre as duas, po
de sentir que a experiência é atordoante. Uma alteração similar ocorre
conforme o filho cresce e se torna rapaz, e o pai deve lidar com ele
como filho, mas também como homem adulto. O filho ou um dos
pais pode apresentar sintomas como um a maneira de estabilizar o
sistema, mas talvez, com mais freqüência do que em outros perío
dos, o surgimento de problemas é reconhecidamente o torm ento fa
miliar.
Resolver um problema conjugal no estágio intermediário do ca
samento é, em geral, mais difícil do que durante os anos iniciais, quan
do o jovem casal ainda vive um estado de instabilidade e elabora no
vos padrões. No estágio intermediário, os padrões estão estabeleci
dos e são costumeiros. Com freqüência, o casal tentou vários modos
de reconciliar as diferenças e retornou aos padrões antigos a despei
to do sofrimento. Como um dos padrões típicos para estabilizar o
casamento é o casal se comunicar através dos filhos, surge um a crise
quando eles saem de casa e o casal novamente fica face a face.
DESEMBARAÇANDO PAIS E FILHOS
Parece que toda a família entra num período de crise quando
os filhos começam a ir em bora, e as conseqüências são várias. Com
freqüência, o casamento é atirado num a turbulência que progressi
vamente se aquieta quando os filhos partem e os pais elaboram o
relacionamento a dois. Eles conseguem resolver seus conflitos e per
mitir que os filhos escolham seus parceiros e carreiras, fazendo a tran
sição para se tornarem avós. Em famílias onde há somente um dos
pais, o afastam ento do filho pode ser sentido como o início de uma
velhice solitária, mas a perda precisa ser vivida e novos interesses en
contrados. Ultrapassar este período, ou não, depende, em alguma me
dida, da gravidade que ele representa para os pais e, em alguma
medida, de como um profissional intervenha no mom ento crucial.
Em muitas culturas, a separação entre filhos e pais é assistida
por uma cerimônia que define a criança como adulto recém-criado.
Esses ritos de iniciação fornecem à criança um novo s ta tu s e exigem
que os pais as tratem de modo diferente a partir de então. Na classe
média americana, não há um a demarcação tão clara; a cultura não
tem uma m aneira de anunciar que o adolescente é agora um adulto
individualizado. A form atura escolar serve parcialmente a este pro
pósito, mas a graduação do segundo grau é em geral somente um
passo rum o à universidade, que exige um suporte parental contínuo.
Mesmo o casamento, em casos onde os pais continuam a financiar
o casal, não define claramente a separação, nem oferece um com
pleto cerimonial de afastam ento.
Algumas vezes a crise entre os pais surge quando o filho mais
velho deixa o lar. Em outras famílias, o distúrbio parece tornar-se
pior progressivamente, à medida que cada filho vai embora, enquanto
em outras isto ocorre na hora em que o mais novo se prepara para
partir. Muitas vezes, pais que observaram seus filhos partir, um a
um, sem dificuldades são repentinamente enredados numa crise, quan
do um deles atinge a idade de sair de casa. Em tais casos, o filho
foi de especial importância para o casamento. Talvez ele seja aquele
através de quem os pais conduziam a m aior parte da comunicação
m útua, ou aquele que mais lhes dava trabalho e que os uniu na preo
cupação comum e no cuidado com ele.
Uma dificuldade m arital que pode emergir neste período é os
pais descobrirem que não têm nada a dizer um ao outro e nada a
partilhar. Eles não conversaram sobre nada a não ser sobre os fi
lhos. Algumas vezes, o casal volta a discutir questões que discutia
antes de ter filhos. Como esses assuntos não foram resolvidos, mas
meramente deixados de lado com a chegada dos filhos, eles agora
surgem de novo. Com freqüência, o conflito conduz à separação ou
ao divórcio — um evento que pode parecer trágico após tantos anos
de casamento. Também não é raro que, se o conflito for grave, haja
ameaças de assassinato e tentativas de suicídio.
Não parece acidental que as pessoas em geral enlouqueçam —
ou se tornem esquizofrênicas — por volta dos vinte anos, idade na
qual se espera que os filhos abandonem a casa e a família. A esqui
zofrenia e outros distúrbios graves podem ser observados como um
m odo extremo de tentar solucionar o que ocorre na família neste es
tágio da vida. Q uando filhos e pais não toleram se separar, a am ea
ça pode ser abortada se algo de errado acontecer ao filho. Ao desen
volver um problem a que o incapacite socialmente, o filho permane
ce dentro do sistema familiar. Os pais podem continuar a partilhá-lo
como fonte de preocupação e desacordo, e sentem não ser necessá
rio lidar um com o outro sem ele. O filho pode continuar a partilhar
da luta triangular com os pais, oferecendo a si mesmo, e a eles, sua
“ doença m ental” como um a desculpa para todas as dificuldades.
Q uando os pais trazem um adolescente ao terapeuta como um
problem a, este pode centrar a terapia nele, submetê-lo a um trata
m ento individual ou hospitalizá-lo. Se isto for feito, os pais parecem
mais normais e preocupados e o filho manifesta um com portam en
to mais extremado. O que o especialista fez foi cristalizar a família
nesse estágio de desenvolvimento, rotulando e tratando o filho co
mo “ paciente” . Os pais não precisam resolver seus conflitos mútuos
e seguem para o próximo estágio marital; e o filho não tem que se
mover rum o a relações mais íntimas fora da família. Uma vez acer
tado este arranjo, a situação fica estável até que ele melhore. Se ele
se torna mais normal e ameaça seriamente se casar, ou consegue se
sustentar, a família mais uma vez entra no estágio dos filhos que dei
xam o lar e o conflito e a dimensão ressurgem. A resposta dos pais
a esta nova crise é suspender o tratam ento do filho ou voltar a
hospitalizá-lo como caso reincidente, e, um a vez mais, a família se
estabiliza. À medida que este processo se repete, o filho se torna um
doente “ crônico” . Com freqüência, o terapeuta encara o problema
como um a questão filho v e r s u s pais e tom a o partido do filho vitimizado, ocasionando mais dificuldades para a família. Com um ponto
de vista semelhante, o médico do hospital algumas vezes aconselha
o jovem a deixar a família e nunca mais tornar a vê-la. Com muita
freqüência esta abordagem fracassa; o filho tem um colapso e conti
nua sua carreira de enfermo crônico.
Em bora não saibamos muito a respeito de como o filho se li
berta dos pais e sai de casa, parece que ele sairia perdendo se fosse
para qualquer um dos dois extremos. Se deixar a família e jurar nunca
mais vê-la, sua vida irá mal. Se, nesta cultura, ficar com os pais e
deixar que eles dirijam sua vida, ela também irá mal. Ele deve se se
parar da família, mas permanecer envolvido com ela. Este equilíbrio
é o que muitas famílias conseguem e o que os terapeutas familiares
contemporâneos buscam.
O terapeuta familiar a quem um adolescente é apresentado co
mo um caso não vê o filho como o problem a, mas sim toda a situa
ção familiar. Seu objetivo não é promover a compreensão e a união
entre o jovem e a família, mas funcionar como um a cerimônia de
iniciação, lidando com o problem a de tal modo que o filho entre no
m undo adulto e os pais aprendam a tratá-lo, assim como um ao ou
tro, de m aneira diferente. Se o terapeuta tira o jovem da família e
resolve os conflitos que surgiram com a separação, o filho se liberta
dos sintomas e fica livre para construir seu próprio caminho.
Quando o jovem deixa o lar e começa a estabelecer um a famí
lia própria, os pais precisam atravessar a m aior mudança em suas
vidas, que é se tornarem avós. Geralmente, eles têm pouca ou ne
nhum a preparação para dar este passo, principalmente se os rituais
de casamento adequados não foram efetuados pelos filhos. Eles pre
cisam aprender a se tornarem bons avós, elaborar as regras de parti
cipação na vida dos filhos e se relacionar somente com o outro em
casa. Com freqüência, neste período precisam também lidar com a
perda de seus próprios pais e a dor que a acom panha.
Um dos aspectos da família a respeito do qual estamos apren
dendo é o processo natural pelo qual as dificuldades se tornam re
médios quando surgem. Um exemplo é a chegada de um neto. Certa
vez, uma mãe afirm ou, como piada, que continuava a ter filhos pa
ra não estragar o caçula. Com freqüência, as mães se envolvem de
mais com o filho mais moço e têm dificuldades em se apartar dele
à medida que ele caminha para uma vida mais independente. Se, nesse
ponto, um filho mais velho produzir um neto, a chegada da nova
criança pode liberar a mãe de seu filho mais moço e envolvê-la no
novo estágio de se tornar avó. Quando se pensa no processo natural
dessa m aneira, percebe-se a importância de m anter o envolvimento
entre as gerações. Se os jovens virarem as costas aos pais, privam
seus filhos dos avós e também tornam mais difícil para os pais ultra
passar um estágio de suas vidas. Cada geração depende de todas as
outras gerações de um a m aneira complexa, que estamos começando
a apreender à medida que observamos a disrupção da família nesta
época de mudanças. (A concepção de Erickson sobre a im portância
da continuidade da vida familiar fica mais evidente na maneira pela
qual ele resolve problemas de engajamento e desengajamento entre
os jovens e seus pais, descritos no Capítulo VIII).
APOSENTADORIA E VELHICE
Q uando um casal foi bem-sucedido na liberação dos filhos, de
modo a se envolver menos com eles, em geral parece entrar num
período de relativa harm onia, que pode continuar com a aposenta
doria do marido. Algumas vezes, no entanto, a aposentadoria pode
complicar o problem a, pois o casal tem de conviver vinte e quatro
horas por dia. Não é incomum uma esposa desenvolver algum sinto
m a incapacitante na época da aposentadoria do marido, e o terapeuta
deve criar condições para que o casal entre num relacionamento ami
gável, ao invés de tratar o problema como se este só envolvesse a
esposa.
Em bora os problemas emocionais individuais das pessoas mais
velhas possam ter causas diversas, uma prim eira possibilidade é a
proteção de alguma outra pessoa. Por exemplo, quando uma esposa
desenvolvia uma inabilidade para abrir os olhos, o problema era diag
nosticado como histeria. O enfoque recaía sobre ela e sobre seu está
gio de vida. De um ponto de vista familiar, sua inabilidade poderia
ser vista como um m odo de apoiar o marido durante uma crise. O
problem a surgiu na época da aposentadoria do m arido, quando ele
foi afastado de uma vida ativa, útil, em direção a uma situação que,
a seu modo de ver, eqüivalia a ser colocado numa concha sem fun
ção útil. Q uando a esposa desenvolveu seu problem a, ele passou a
ter algo im portante para fazer — ajudá-la a se recuperar. Ele a le
vou de médico em médico, organizou a vida diária de modo que ela
pudesse fazer alguma coisa apesar de ser incapaz de enxergar e se
tornou extremamente protetor. Seu envolvimento no problema se tor
nou evidente quando a esposa melhorou e ele começou a ficar depri
mido, alegrando-se somente quando ela teve um a recaída. A função
de ajudar a solucionar problemas, aparente através da vida familiar,
é igualmente im portante quando um casal tem somente um ao outro
em seus anos de declínio.
No devido tempo, sem dúvida, um dos parceiros morre, dei
xando o outro sozinho, tendo que encontrar um modo de se envol
ver com a família. Algumas vezes, um a pessoa mais velha pode en
contrar um a função útil; outras, ela se torna meramente supérflua
à medida que o tempo passa, e os velhos são encarados como irrele
vantes pela geração mais jovem. Neste estágio, a família deve enca
rar um difícil problema: ou cuida dos idosos ou os expulsa para um
lar onde outros cuidarão dele. Este é um ponto de crise, que com
freqüência não é m anejado com facilidade. Ainda assim, o modo co
mo os mais moços cuidam dos mais velhos torna-se o modelo de como
serão tratados quando também ficarem velhos, de acordo com um
ciclo familiar sem fim.
O P E R ÍO D O D O N A M O R O :
M O D IF IC A N D O O
JO V EM A D U L T O
Quando os jovens passam do s ta tu s juvenil para o de adulto,
entram num a rede social complexa que requer um a variedade de ti
pos de com portam ento. Uma tarefa prim ária neste período é se en
gajar e ter sucesso no com portam ento de nam oro. O sucesso nesta
aventura envolve muitos fatores: os jovens devem vencer inadequa
ções pessoais, devem ser capazes de se ligar a pessoas de sua idade,
devem alcançar um s t a t u s adequado em sua rede social, devem se
desengajar de sua família de origem — e esses fatores exigem uma
sociedade suficientemente estável para permitir que os passos do na
m oro cheguem a se completar. Muitos problemas embaraçam os jo
vens neste período da vida, e a terapia pode resolver alguns deles.
As dificuldades tom am muitas formas — uma preocupação ex
cessiva com as imperfeições físicas, comportamento social infeliz, fra
cassos em processos mentais, medos que em baraçam a mobilidade
da pessoa, medo do sexo oposto e assim por diante — e elas podem
ter diferentes funções. Se um jovem é requerido em sua família de
origem, podem surgir problemas que o levem a fracassar no traba
lho ou no nam oro, causando um colapso de retorno à família. Este
aspecto do problem a será discutido no Capítulo VIII. Algumas ve
zes as dificuldades não se relacionam à família de origem, mas aos
amigos. Qualquer que seja a função do problem a, o objetivo da te
rapia é ajudar o jovem a ultrapassar o estágio de nam oro e entrar
no do casamento. Isto não significa que qualquer pessoa deva se ca
sar ou que seja anorm al não fazê-lo, mas muitos jovens que procu
ram a terapia nesta época têm tal finalidade em mente.
Uma série de casos de Milton Erickson será oferecida aqui pa
ra ilustrar os modos de resolver alguns problemas de um jovem nes
te estágio. Geralmente, há dois tipos de jovens problemáticos: aque
les que estão começando a cair fora da corrente normal da vida e
aqueles que já se tornaram periféricos e são, sem dúvida, marginais
sociais. Com ambos os tipos, Erickson enfatiza principalmente a mu
dança em direção ao sucesso no trabalho e no am or. Ele usualmente
não revisa seus passados, nem os ajuda a compreender por que têm
problemas. Sua abordagem geral é aceitar o com portam ento do jo
vem, enquanto simultaneamente introduz idéias e atos que levem à
mudança. Sua atuação com um paciente em particular varia, e por
conseguinte ele aborda cada nova pessoa com a mente aberta em re
lação a possíveis intervenções. Num dado caso, ele pode trabalhar
com hipnose para causar um a elaborada alteração de idéias; em ou
tro, pode reduzir o problem a ao absurdo; e, em outro, pode exigir
atos específicos. Por exemplo, ele foi procurado por um rapaz que
sofria de asma e era completamente dependente da mãe. “ Ele era
o menininho asmático da m am ãe” , disse Erickson, “ e ela era a doce
mãe que lhe traria um copo de água, um sanduíche, um guardana
po. Persuadi o jovem a começar a trabalhar num banco — ele não
tinha o menor interesse nisso. Então, comecei a vê-lo uma vez por
semana, um a vez cada quinze dias, cada três semanas. Em cada ses
são, perguntava-lhe a respeito de algum pequeno detalhe do serviço
bancário que ele conhecia. Ele começou a sentir grande prazer em
me contar coisas sobre seu trabalho. Cada vez que ele cometia um
erro no trabalho, eu mostrava interesse no procedimento que ele usara
para corrigi-lo, nunca nos detalhes de como cometera o erro. Como
ele fora corrigido, e qual fora a atitude de Fulano de Tal que o aju
dara a corrigi-lo? Mais tarde, ele se tornou m uito entusiasta e pas
sou a encarar o sistema bancário como um delicioso emprego tem
porário para ganhar dinheiro para pagar o colégio. Antes ele nem
planejava entrar para o segundo grau. Agora, considera os ataques
de asma um absurdo e seu entusiasmo está nos planos para o colé
gio.”
É típico de Erickson neste trabalho com jovens não apontar,
ou interpretar, que têm medo disto ou daquilo. Ele se dedica a cau
sar mudança e expandir o mundo da pessoa, não a adestrar suas inaptidões. Sua abordagem envolve ação para causar a mudança.
Um requisito essencial para um jovem ser bem-sucedido no na
moro ou no trabalho é a habilidade em ser geograficamente móvel.
Se alguém não pode viajar de um lugar para o outro ou entrar em
algum edifício, está socialmente incapacitado nesta era de mobilida
de. Parece ser único da espécie hum ana que os indivíduos possam
definir o espaço público como fora dos limites. Algumas vezes, o
medo de certas áreas é cham ado de fobia, mas Erickson reluta em
descrever o problem a deste modo. Por exemplo, ao falar sobre um
rapaz que trabalhava num emprego sem im portância, abaixo de sua
capacidade, e que peram bulava por ruas laterais e aléias mas era
incapaz de entrar em muitos edifícios públicos, Erickson disse: “ Por
que tratar isto como medo de ruas e edifícios? Neste caso, o rapaz
está evitando as mulheres de modo elaborado, e, com uma mãe co
mo a sua, tinha razão para estar farto delas. Não conversei com ele
a respeito de seu medo das mulheres. Demonstrei interesse por seu
físico e elaborei com ele o tipo de apartam ento que um homem com
sua m usculatura, sua força e seu cérebro deveria ter. Ele se mudou
para um apartamento próprio, longe de sua mãe. Nós discutimos seus
bíceps e seu quadríceps, e não lhe era possível se orgulhar deles sem
se orgulhar do que estava no meio. À medida que sua imagem cor
poral melhorou, ele modificou seu com portam ento. Por que deveria
dizer-lhe que tinha medo das mulheres? Ele não tem mais. Ele se ca
sou” .
Um exemplo de problem a de mobilidade, e do modo de inter
venção de Erickson para causar modificação, é o caso do rapaz que
não conseguia atravessar certas ruas ou entrar em certos edifícios sem
cair desmaiado. Havia um restaurante em particular — vamos chamálo Loud Rooster — no qual ele era incapaz de entrar. Também evi
tava uma variedade de outras coisas, inclusive as mulheres. Como
relata o dr. Erickson:
Decidi que poderia fazer com que o rapaz superasse seu proble
ma de entrar naquele restaurante particular e, desse modo, ajudá-lo
em relação a seus outros medos, especialmente seu medo das mulhe
res. Perguntei-lhe o que achava de ir jantar no Loud Rooster, e ele
disse que inevitavelmente desmaiaria. Então descrevi-lhe vários tipos
de mulher: a jovem ingênua, a divorciada, a viúva, e a velha senho
ra. Elas podiam ser atraentes ou não. Perguntei-lhe qual era a mais
indesejável das quatro. Ele respondeu que não tinha dúvidas — ele
tinha muito medo de garotas, e a idéia de se ligar a uma divorciada
atraente era a coisa mais indesejável em que ele poderia pensar.
Disse-lhe que queria que ele nos levasse para jantar no Loud Roos
ter, minha esposa e eu, e que haveria alguém mais conosco. Poderia
ser uma jovem, uma divorciada, uma viúva ou uma velha senhora. Ele
deveria chegar às sete horas de terça-feira. Disse-lhe que eu dirigiria
porque não gostaria de estar em seu carro quando desmaiasse. Ele che
gou às sete, e eu o fiz esperar nervosamente na sala de estar até que
a pessoa que iria nos acompanhar chegasse. Naturalmente, havia ar
ranjado uma divorciada extremamente atraente, que deveria chegar
às sete e vinte. Ela era uma dessas pessoas charmosas, que travam ami
zade com facilidade, e quando ela entrou pedi a ele que se apresentas
se. Ele conseguiu fazer isto, e então contei nossos planos à jovem di
vorciada. O rapaz nos levaria para jantar no Loud Rooster.
Fomos até meu carro, e eu dirigi até o restaurante e parei no
estacionamento. Quando saíamos, disse ao rapaz: “ Este é um esta
cionamento recoberto de pedregulhos. Ali está um belo terreno pla
no onde você pode cair e desmaiar. Você gosta do lugar ou quer es
colher outro melhor?” . Ele respondeu: “ Tenho medo de desmaiar
quando chegar à porta” . Assim, andamos até a porta, e eu disse: “ Esta
é uma calçada de boa aparência. Você provavelmente baterá a cabe
ça com força quando cair. Ou será melhor ali na frente?” . A o m a n têlo o c u p a d o , re je ita n d o m e u s p la n o s d e d e sm a io , im p e d i q u e ele e n
c o n tra sse u m lu g a r d e su a e sco lh a. Não desmaiou. Ele disse: “ Pode
mos ficar numa mesa bem perto da porta?” . Eu respondi: “ Vamos
ficar com a mesa que eu escolher” . Atravessamos o recinto e fomos
para uma sessão elevada no canto extremo. A divorciada sentotf-se
ao meu lado, e, enquanto esperávamos para fazer o pedido, ela, mi
nha esposa e eu conversamos sobre assuntos que estavam acima do
nível intelectual do rapaz. Contamos piadas obscuras e particulares
e rimos entusiasticamente delas. A divorciada tinha mestrado, e con
versamos sobre assuntos que ele não conhecia e contamos enigmas
mitológicos.
Nós três nos divertimos, e ele ficou de fora, sentindo-se cada
vez mais miserável. A garçonete aproximou-se da mesa. Iniciei uma
briga com ela. Foi uma briga desagradável e barulhenta; pedi para
falar com o gerente e então briguei com ele também. Enquanto o ra
paz ficava sentado lá, cada vez mais embaraçado, a briga culminou
com minha exigência de ver a cozinha. Quando chegamos lá, disse
à garçonete e ao gerente que estava zombando de meu amigo e eles
entraram na brincadeira. A garçonete começou a bater com raiva os
pratos na mesa. Enquanto o rapaz comia seu jantar, eu o intimava
a limpar o prato. O mesmo fazia a divorciada, acrescentando comen
tários prestimosos, tais como: “ A gordura é boa para você” .
Ele sobreviveu ao jantar e nos levou para casa. Eu havia ins
truído a divorciada, e ela disse: “ Você sabe, sinto vontade de dançar
esta noite” . Ele dançava muito pouco, mal tinha aprendido no giná
sio. Ela o levou para dançar.
Na noite seguinte, o rapaz chamou um amigo e disse: “ Vamos
jantar fora” . Levou o amigo ao Loud Rooster. Após ter passado por
todo aquele jantar nada mais o assustava; o pior havia acontecido,
e qualquer outra coisa seria um alívio. A partir daí, também pôde
entrar em outros edifícios, e isto estabeleceu o terreno para fazê-lo
superar o medo de certas ruas.
Este caso ilustra como Erickson consegue fazer com que uma
pessoa medrosa entre num lugar que teme, enquanto ele bloqueia o
tipo de com portam ento usualmente associado ao medo. Desta feita,
Erickson esteve pessoalmente envolvido e manipulou a situação, le
vando sua terapia para fora do consultório, para a área onde o me
do ocorria. Ele forçou o rapaz a sobreviver a um a situação à qual
ele acreditava não poder sobreviver.
Numa abordagem bem diferente, Erickson resolveu o medo de
viajar de um jovem que insistia que queria solucionar somente este
problema. O rapaz só conseguia dirigir o carro em certas ruas e não
conseguia sair dos limites da cidade. Se chegava até as fronteiras da
cidade, sentia-se nauseado e, depois de vomitar, desmaiava. Guiar
com amigos não ajudava. Se continuasse andando, assim que se re
cobrava, desmaiava de novo. Erickson pediu-lhe que dirigisse até os
limites da cidade às três da m adrugada seguinte, usando suas melho
res roupas. Era uma via expressa pouco utilizada, com largo acosta
mento e um a vala arenosa que corria ao longo de toda a extensão
da estrada. Quando o rapaz atingisse os limites da cidade, deveria
encostar o veículo à beira da estrada, saltar do carro e correr para
a vala pouco profunda ao lado da estrada. Deveria deitar-se ali no
mínimo por quinze minutos. Deveria então voltar para o carro, diri
gir por alguns poucos metros e deitar-se de novo na vala por mais
quinze minutos. Repetindo a seqüência várias vezes, ele deveria con
tinuar até que pudesse dirigir de um poste de telefone a outro, pa
rando ao primeiro sintom a e permanecendo quinze minutos deitado
de costas na vala. Sob protestos, o rapaz seguiu as instruções. Pos
teriormente, relatou: “ Pensei que fosse um a maluquice tola o que
você me fez prometer fazer, e quanto mais repetia as instruções, mais
raivoso ficava. Assim, desisti e comecei a apreciar o passeio de car
ro ” . Treze anos depois, ele continuava não tendo nenhum problem a
para dirigir.
Quer use ou não a hipnose, Erickson tipicamente leva as pes
soas a se com portarem de maneiras específicas. Em bora muitos te
rapeutas relutem em dizer às pessoas o que fazer, parcialmente por
que temem que elas não o façam, Erickson desenvolveu uma varie
dade de maneiras de persuadi-las a fazer o que lhes pede. Certa vez,
com entando o assunto durante uma conversa, Erickson disse: “ Os
pacientes em geral fazem o que lhes peço com freqüência porque es
pero que o façam. Uma paciente me disse: ‘Você nunca faz um ca
valo de batalha a respeito das coisas que quer que eu faça, você só
espera que eu as faça, de modo que tenho que fazê-las. Q uando me
esquivo e tento evitar realizar o que você me pede, sempre quero que
você tente me forçar, mas você sempre se contém. Então tento com
mais insistência fazer com que você me obrigue a fazê-las’. Deste mo
do, ela acaba se aproximando da execução do que deseja que ela faça.
“ Mas, veja você, é assim que os seres humanos são. Toda vez
que se começa a privar alguém de alguma coisa, ele insistirá para
que você a dê. Quando instruo um paciente a fazer alguma coisa,
o paciente sente que estou lhe dando uma ordem. Ele deseja que
eu fique na infeliz posição de fracasso em relação à ordem. Por
conseguinte, ele tem de me manter na tarefa ativa de lhe dar or
dens. Quando paro de fazê-lo, no momento adequado, então ele
me substitui e faz as coisas por si mesmo. Mas não percebe que
está me substituindo.”
Ao encarar o com ando de diretrizes deste m odo, Erickson leva
em conta, mas sem excessiva preocupação, que fornecer direções tor
nará a pessoa dependente do terapeuta. Q uando o enfoque é levar
a pessoa a se envolver com outras, ela se torna independente do te
rapeuta. Um caso ilustra seus usos de diretivas para resolver um pro
blema extremamente difícil num curto espaço de tempo.
Uma moça de vinte anos procurou Erickson em busca de aju
da. Ela gostaria de encontrar um marido e ter um lar e filhos, mas
nunca tivera um nam orado. Sentia-se um caso perdido e destinada
a ficar solteirona. Ela disse: “ Penso que sou muito inferior. Não te
nho amigos, vivo sozinha e sou muito sem graça para me casar. De
cidi consultar um psiquiatra antes de cometer suicídio. Vou tentar
por três meses, e então, se as coisas não se endireitarem, será o fim ” .
A jovem trabalhava como secretária num a firm a de constru
ção e não tinha vida social. Nunca tivera um encontro. Um rapaz
do escritório ia até o bebedouro toda vez que ela para lá se dirigia,
mas, mesmo achando-o atraente e apesar das propostas que ele lhe
fazia, ela o ignorava e nunca lhe falara. Vivia sozinha, pois seus pais
haviam morrido.
Era uma moça bonita, mas dava um jeito de não parecer atraen
te, porque o cabelo era em baralhado e desigual, a blusa e a saia não
combinavam, havia um rasgão em sua saia e seus sapatos pareciam
chinelos e não eram engraxados. Seu principal defeito físico, segun
do ela mesma, era uma abertura entre os dentes da frente, que ela
cobria com as mãos quando falava. Na verdade, a separação entre
os dentes era visível. De modo geral, a moça estava indo ladeira abai
xo; era candidata ao suicídio e sentia-se impotente em relação a si
mesma e resistente a qualquer ato que pudesse ajudá-la a realizar seu
objetivo de se casar e ter filhos.
Erickson abordou o problem a com duas intervenções im por
tantes. Propôs à moça um a última tentativa, já que, de qualquer m o
do, estava descendo a ladeira. Esta última tentativa incluía tirar o
dinheiro que tinha no banco e gastá-lo consigo mesma. Deveria ir
a um a loja determinada, onde um a mulher a ajudaria a escolher um
conjunto de bom gosto, e a um cabeleireiro para cuidar dos cabelos.
A jovem estava ansiosa por aceitar a idéia, pois não acreditava que
ela seria um modo de melhorar,, mas parte da descida e meramente
um a última tentativa.
Então Erickson lhe deu uma tarefa. Ela deveria ir para casa e,
na privacidade de seu banheiro, praticar esguichar água através da
abertura entre os dentes da frente até que conseguisse atingir, com
precisão, um a distância de dois metros. Ela achou isto um a tolice,
mas foi em parte o absurdo que a fez ir para casa e praticar cons
cienciosamente esguichar água pela separação entre os dentes.
Quando a jovem já estava adequadamente vestida, parecendo
atraente e perita em esguichar água através dos dentes, Erickson lhe
fez um a sugestão. Propôs que, quando fosse trabalhar na segundafeira seguinte, pregasse um a peça no rapaz. Q uando ele aparecesse
ao mesmo tempo que ela no bebedouro, ela, com a boca cheia de
água, esguicharia o jato em cima dele. A seguir, deveria virar as cos
tas e correr, mas não só correr; deveria começar a correr em direção
a ele e então dar meia-volta e “ correr feito louca pelo corredor” .
A moça rejeitou a idéia. Depois, pensou que era uma fantasia
grosseira, mas um tanto divertida. Finalmente, decidiu pregar a pe
ça no rapaz. Estava a fim de fazer uma última tentativa.
N a segunda-feira, foi ao escritório vestida com suas melhores
roupas e com o cabelo arrum ado. Dirigiu-se ao bebedouro, e, quan
do o jovem se aproxim ou, encheu a boca de água e esguichou. Ele
disse algo do tipo: “ Sua desgraçada m aldita!” . Isto fez com que ela
risse enquanto corria, e o rapaz saiu em seu encalço e a apanhou.
P ara sua consternação, ele a agarrou e a beijou.
No dia seguinte, a moça se aproxim ou do bebedouro tremendo
um pouco, e o rapaz surgiu de trás de uma cabine telefônica e a respingou com um a pistola de água. No dia seguinte, estavam jantan
do juntos.
Ela foi ver Erickson de novo e contou-lhe o que tinha aconteci
do. A firm ou que estava revendo sua opinião sobre si mesma e que
desejava que ele fizesse um a revisão crítica com ela. Ele assim o fez,
destacando, entre outras coisas, que ela havia cooperado, que antes
se vestia muito mal, mas que havia mudado, e que anteriorm ente ela
pensava ter um defeito dental ao invés de uma vantagem. Depois de
alguns meses, ela enviou a Erickson um recorte de jornal que anun
ciava seu casamento com o rapaz e, um ano mais tarde, o retrato
de seu bebê.
Este caso dem onstra um a abordagem que parece estar fora da
corrente tradicional de terapia. Não é típica de nenhum a escola tera
pêutica, inclusive da hipnoterapia. Mas é típica do trabalho de Erick
son, e penso que se desenvolveu a partir da orientação hipnótica. As
sim como um hipnotista tipicamente aceita a resistência de um sujei
to e até mesmo a encoraja, Erickson aceitou a maneira como aquela
garota lidava com ele e a encorajou — mas de tal m odo que uma
mudança ocorreu. A jovem se definia como alguém que estava es
corregando ladeira abaixo e chegando ao fim da estrada. Erickson
aceitou isto e a encorajou, somente acrescentando que ela deveria
'fazer um a última tentativa. A moça era hostil aos homens e não fa
ria um esforço para ser agradável com eles. Erickson aceitou este com
portam ento e arranjou para que ela cuspisse num homem. Mas as
conseqüências foram , para ela, inesperadas. A m aneira como ele a
motivou para fazer o que sugeria e seu modo de m anipular sua resis
tência são uma abordagem característica da hipnose. No entanto, ele
colocou em jogo o cenário social. Ao invés de fazer com que ela se
guisse deliberadamente as instruções, e então provocasse um acon
tecimento feliz por si mesma, ele fez com que ela seguisse direções
e o evento feliz acontecesse através da resposta de outra pessoa.
Há, naturalmente, outros aspectos deste caso peculiarmente ericksoniano. É típico seu modo de fazer com que um sintoma se torne uma
vàntagem, assim como sua disposição em intervir, ocasionar a m u
dança e desengajar-se, de m odo que o paciente possa se desenvolver
independentemente dele, enquanto ele apenas verifica se a melhora
continua. Ele tam bém usa aquilo que está disponível no contexto so
cial do paciente. Ele não só dispunha de um a consultora de modas
e de um cabeleireiro que pôde utilizar, como o rapaz que estava no
horizonte da moça foi imediatamente incluído em seu futuro.
O utro exemplo ilustra como Erickson usa diretivas para aju
dar um a jovem a ficar independente da família, e dele próprio,
guiando-a na passagem do estágio do nam oro para o do casamento.
Um médico de uma cidade próxima me enviou uma jovem com
a sugestão de que eu provavelmente teria que colocá-la num hospital
psiquiátrico. Ela sofria de uma variedade de medos e era terrivelmente
inibida. Os medos haviam se tornado extremados nos últimos quatro
anos, depois que ficara noiva de um rapaz da Força Aérea. Todo ano
ela adiava o casamento. Concordava em se casar em junho e depois
adiava para dezembro. Em dezembro, adiava para o próximo mês
de junho. Durante esses anos, ela desenvolveu medos quase incapacitantes. Não conseguia entrar num ônibus, trem ou avião. De fato,
não podia nem mesmo passar perto da estação porque lá havia trens,
e nem se aproximava do aeroporto. Odiava entrar num carro, e só
com a ajuda da mãe e da tia conseguira entrar no carro que a trouxe
ra a meu consultório.
A garota pertencia a uma família espanhola muito fina. Contoume que amava o noivo, que agora já saíra da Força Aérea e vivia em
North Dakota. Queria casar-se com ele. Mostrou-me uma carta dele.
Mas tinha medo, medo, medo, medo. Fiz com que o rapaz me escre
vesse para descobrir seus pontos de vista sobre o casamento: ele que
ria se casar com ela.
Eu acreditava que a jovem se sairia bem se seus medos horríveis
fossem corrigidos, mas sabia que isto levaria tempo. A primeira coi
sa que fiz foi tirá-la da casa da mãe e fazer com que tivesse um apar
tamento próprio. Ela poderia voltar para casa nos fins de semana.
A avó ditava as ordens para que ela não deixasse a casa, mas eu ha
via dado as minhas ordens primeiro. De algum modo, fui mais efeti
vo do que a avó.
A seguir, passei a enfocar o problema de suas viagens. Disselhe para fazer uma viagem de ônibus, e que ficasse de olhos fechados
na parte de trás do veículo. Ela fez isto. Não sei o que os outros pas
sageiros pensaram de uma bela moça espanhola, de olhos fechados,
se amparando na parte de trás do ônibus. Ela ficou tão aflita de ter
de entrar se apoiando que não conseguiu perceber que o ônibus era
um meio de transporte para me visitar em Phoenix.
Depois, fiz com que subisse num trem de trás para a frente. O
condutor não gostou, mas seus comentários não a aborreceram, por
que entrar no trem havia sido terrivelmente difícil. Fiz com que pra
ticasse andar de ônibus e trens, sentando-se no banco de trás e olhan
do pela janela.
Quando a questão do sexo surgiu, essa jovem tímida e inibida
desenvolveu uma surdez. Ela ficou lívida e aparentemente não conse
guia ver ou ouvir. E ela queria se casar.
Para a sessão seguinte, eu lhe disse que deveria trazer, em sua
bolsa, os s h o rts menores e mais curtos que se pudesse imaginar. Disse-lhe que devia retirá-los da bolsa e me mostrar. Ela fez isto. Então
lhe dei uma escolha. Em sua próxima sessão, ela poderia entrar usan
do esses s h o rts ou então vesti-los no meu consultório. Ela preferiu
chegar usando-os. Desejava discutir sexo com ela como parte de sua
preparação para o casamento, por isso disse: “ Agora você vai me es
cutar enquanto discorro sobre sexo, ou farei com que dispa estes sh o rts
e os recoloque em minha presença” . Ela me escutou falar sobre o as
sunto e não ficou surda.
Quando se tornou capaz de viajar, tornou-se capaz de usar sh o rts
e de falar sobre sexo, eu lhe disse que, já que desejava se casar, não
deveria adiar mais o casamento. Disse: “ Estamos em 1? de julho. Você
tem até o dia 17 deste mês para se casar com o rapaz. Tem que tomar
um trem até North Dakota para vê-lo e visitar sua família, e não tem
muito tempo, já que o casamento vai se realizar antes do dia 17” .
Ela fez a viagem até North Dakota e, depois disso, ele veio e
se casou com ela. Agora ela tem dois filhos.
Em certas ocasiões, Erickson ataca diretamente os medos da
pessoa e o modo pelo qual ela deveria lidar com eles; em outras
ocasiões, é extremamente protetor e sutil em seus movimentos para
ocasionar mudança. Um exemplo dessa abordagem mais sutil é o caso
que ele enfrentou muitos anos atrás, quando um a moça desenvolveu
um medo que tornava o nam oro impossível.
Segundo seu relato, uma jovem capaz, de vinte e três anos, co
meçou a ficar angustiada e ineficiente em seu trabalho. Gradualmente,
afastou-se de qualquer relação social e permanecia reclusa em seu
quarto. Se a com panheira de quarto im plorava, ela comia, mas a
m aior parte do tempo ela soluçava e expressava o desejo de m orrer.
Q uando lhe perguntavam o que estava errado, ela se tornava blo
queada e inibida. Visitou vários psicanalistas, fez alguma terapia,
mas não demonstrava nenhuma melhora. Continuava incapaz de dis
cutir seu problem a, e a família cogitava em hospitalizá-la. Erickson
decidiu utilizar a hipnose com ela, mas sem seu conhecimento, por
que ela se m ostrara muito resistente aos outros psiquiatras.
Pela família e pelos amigos, ele ficou sabendo que a família dela
era rígida e moralista, e que a mãe m orrera quando ela tinha treze
anos. A jovem tinha uma amiga chegada, e ambas se apaixonaram
pelo mesmo homem. A amiga se casara com ele e, mais tarde, m or
rera de pneumonia. O homem se m udou para longe, mas um ano
depois voltou. Eles se encontraram por acaso e recomeçaram a se
ver. Ela estava “ tão apaixonada que caminhava no a r” , de acordo
com sua com panheira de quarto. Uma noite, ela voltou de um en
contro com ele doente e nauseada, e com o vestido m anchado de vô
mito. Disse que não era capaz de viver e, quando perguntada se o
homem fizera alguma coisa, começou a vom itar e chorar. Quando
ele a procurou, ela teve outro acesso de vômito e se recusou a vê-lo.
O rapaz relatou ao psiquiatra que naquela noite do encontro
eles haviam estacionado o carro para observar o pôr-do-sol. A con
versa havia se tornado séria, e ele disse que a amava e que desejava
se casar com ela. Ele havia hesitado em dizer isto antes devido à ami
zade da jovem com sua esposa m orta. Ela parecia retribuir seus sen
timentos, mas, quando ele se inclinou para beijá-la, ela o repeliu,
vom itando e ficando histérica. Ela soluçava palavras como “ detes
tável” , “ sujo” , “ degradante” . Recusando-se a deixar que ele a acom
panhasse até sua casa, ela lhe disse que não deveriam se encontrar
de novo e fugiu para longe.
Erickson abordou o caso fazendo com que a com panheira de
quarto confidenciasse à jovem que estava fazendo psicoterapia hip
nótica e queria que ela fosse a um a sessão como acom panhante. A
paciente consentiu, mas sem interesse e de uma maneira apática. Erick
son sentou as duas em cadeiras adjacentes e ofereceu uma série de
sugestões prolongadas, tediosas e trabalhosas à com panheira de
quarto, que logo desenvolveu um excelente transe, estabelecendo as
sim um exemplo efetivo para a pretendida paciente. Ele relata:
Durante o transe, as sugestões que dei à companheira de quarto
eram sugestões que, por graus imperceptíveis, seriam aceitas pela pa
ciente como aplicáveis a si mesma. Foi possível sugerir à amiga que
inspirasse e expirasse mais profundamente, de modo que o ritmo de
sua respiração coincidisse com os movimentos respiratórios da pa
ciente. Repetindo o mesmo procedimento cuidadosamente várias ve
zes, pude finalmente observar que qualquer sugestão dada à compa
nheira a respeito de sua respiração era automaticamente realizada tam
bém pela paciente. De modo semelhante, tendo observado que a pa
ciente colocava a mão na coxa, sugeri à companheira que colocasse
a sua no mesmo local e que a sentisse repousar. Essas manobras fize
ram com que, gradual e cumulativamente, a paciente se identificasse
com a companheira, de modo que minhas sugestões também a ela se
aplicavam. Gradualmente, tornou-se possível para mim fazer suges
tões à companheira enquanto olhava diretamente para a paciente,
criando assim nela um impulso para responder, o tipo de impulso que
qualquer pessoa sente quando se olha para ela enquanto se dirige uma
pergunta ou comentário a outra pessoa.
Após uma hora e meia, a paciente caiu em transe profundo. To
mei várias precauções para me assegurar de sua cooperação e ter cer
teza de que poderia usar o tratamento hipnótico no futuro. Disse-lhe,
gentilmente, que estava num transe hipnótico e assegurei-lhe que na
da que não quisesse seria feito. Por conseguinte, não havia necessida
de de uma acompanhante. Disse-lhe que poderia romper o transe se
eu fizesse alguma coisa que a ofendesse. Então, disse-lhe para conti
nuar dormindo profundamente por um tempo indefinido, escutando
e obedecendo somente o comando legítimo que lhe era dado. A s s im ,
d ei-lh e a ilu só ria m a s tra n q ü iliza d o ra sen sa çã o d e q u e tin h a esco lh a .
Tomei cuidado para que se sentisse amigável a meu respeito e, visan
do objetivos futuros, consegui dela a promessa de desenvolver um tran
se profundo a qualquer momento para um propósito legítimo. Essas
preliminares tomaram muito tempo, mas eram vitalmente necessárias
para salvaguardar e facilitar o trabalho a ser realizado.
Do mesmo modo, dei-lhe enfáticas instruções para “ esquecer
absoluta e totalmente muitas coisas” , omitindo cuidadosamente o que
deveria ser esquecido. O processo explanatório que estava diante de
nós seria facilitado pela permissão de reprimir as coisas mais doloro
sas, desde que seria automaticamente aplicado às que causavam mais
ansiedade.
A seguir, progressivamente, eu a desorientei em relação ao tempo
e ao espaço, e então, gradualmente, a reorientei para um vago perío
do na infância, algum lugar entre os dez e os treze anos de idade.
/
Esses anos foram escolhidos porque precediam de pouco a morte
da mãe e deveriam também incluir o surgimento de sua menstruação,
sendo portanto um ponto de alteração crítico em sua vida emocional
e em seu desenvolvimento psicossocial.
Em nenhum momento lhe solicitei que nomeasse e identificasse
especificamente a idade para a qual o transe a havia reorientado. Por
lhe ser permitido evitar este detalhe específico, ela foi compelida a
fazer algo mais importante, ou seja, falar em termos gerais do que
significara para ela a experiência global daqueles anos.
Logo a paciente demonstrou, pelo infantilismo da postura, pe
los modos e respostas a afirmações casuais, que havia regredido a um
nível de comportamento juvenil. Disse-lhe então enfaticamente: “ Você
agora sabe muitas coisas, coisas que nunca vai conseguir esquecer,
não importa o quanto cresça, e você vai contá-las para mim agora,
tão logo eu termine de falar” . Repeti estas instruções várias vezes,
advertindo-a de que deveria obedecê-las, compreendê-las plenamen
te e estar preparada para cumpri-las. Isto continuou até que seu com
portamento geral parecia dizer: “ Bem, estou pronta. O que estamos
esperando?” .
Pedi-lhe que relatasse tudo o que sabia a respeito de sexo, espe
cialmente em relação à menstruação, durante esse período da infân
cia propositalmente indefinido, restabelecido pela hipnose. A paciente
reagiu com alguma apreensão, e então, de uma maneira tensa e in
fantil, prosseguiu obedientemente falando em breves sentenças, fra
ses e palavras desconexas. Seus comentários se relacionavam à ativi
dade sexual, embora nas instruções dadas a ênfase tivesse recaído so
bre a menstruação, e não sobre o acasalamento.
“ Minha mãe me contou tudo sobre isto. É detestável. As meni
nas não devem deixar os meninos fazerem nada com elas. Nunca. Não
correto. Meninas corretas nunca fazem. Só meninas más. Mamãe fi
caria doente. Meninas más são nojentas. Eu não vou fazer. Não se
pode deixar que eles nos toquem. Provoca sensações desagradáveis.
Não se deve tocar em si mesma. Nojento. Mamãe me disse para nun
ca fazer, nunca, e eu não vou fazer. Preciso ter cuidado. Preciso ser
boa. Coisas terríveis acontecem se não tomar cuidado. Daí não se pode
mais fazer qualquer coisa. É tarde demais. Farei como diz mamãe.
Ela não vai me amar se agir de outro jeito.”
Enquanto ela falava, não tentei introduzir nenhuma questão,
mas, quando parou, perguntei-lhe: “ Por que sua mãe lhe diz todas
essas coisas?” . “ Para que eu seja sempre uma boa menina” , foi a
resposta simples, séria e infantil.
Meu estratagema foi adotar um ponto de vista tão idêntico ao
da mãe quanto possível. Primeiro, tive que me identificar inteiramente
com a mãe. Só no final ousei introduzir um traço de reserva qualifi
cativa. Assim, comecei dando à paciente confirmação imediata e en
fática: “ Naturalmente, você sempre será uma boa menina” . Então,
imitando a atitude severa, rígida, moralista e repressora da mãe (in
ferida a partir das palavras e do comportamento da paciente), cuida
dosamente revisei cada idéia atribuída à mãe nos mesmos termos e
seriamente as a p ro v e i. Disse-lhe que deveria ficar contente por sua
mãe ter-lhe dito tanto coisa importante, que toda mãe deveria dizer
para a sua filhinha. Finalmente, instruí-a a “ lembrar-se de me contar
todas aquelas coisas, porque vou fazer com que me conte de novo
tudo isto num outro momento” .
Gradual e sistematicamente, eu a reorientei para sua idade atual
e sua situação na vida, restabelecendo assim o transe hipnótico origi
nal. No entanto, as instruções anteriores para “ esquecer muitas coi
sas” ainda tinham efeito, e uma amnésia foi induzida e mantida para
todos os eventos do estado de regressão hipnoticamente induzido.
Quando acordou, ela não demonstrou ter consciência de ter es
tado em transe, mas queixou-se de cansaço e afirmou espontaneamente
que talvez a hipnose pudesse ajudá-la, pois parecia estar ajudando
sua companheira. Propositalmente, não retorqui. Ao invés disso, disse
abruptamente: “ Conte-me, por favor, qualquer instrução especial so
bre temas sexuais que sua mãe possa ter-lhe dado quando você era
uma garotinha” .
Após demonstrar hesitação e relutância, a paciente começou,
numa voz baixa e num modo afetadamente rígido, a repetir essen
cialmente a mesma história que contara no estado de transe regressi
vo anterior, exceto que desta vez empregava um vocabulário adulto,
pomposo, e frases estruturadas, e mencionava muito a mãe. Dizia:
“ Minha mãe deu-me instruções cuidadosas em muitas ocasiões na épo
ca em que comecei a menstruar. Minha mãe imprimiu em mim mui
tas vezes a importância de toda menina se proteger de ligações e ex
periências indesejáveis. Ela me fez perceber quão nauseante, sujo e
detestável o sexo pode ser. Minha mãe me fez perceber o caráter des
regrado de qualquer que se entregue ao sexo. Aprecio as instruções
cuidadosas que minha mãe me deu quando era menina” .
Ela não fez nenhum esforço para elaborar qualquer dessas afir
mações, e obviamente ansiava por se ver livre do assunto. Quando
concluiu seu relato sobre os ensinamentos da mãe, eu sistematicamente
os repeti para ela sem nenhum comentário ou crítica. Ao contrário,
dei-lhes plena e séria aprovação. Disse-lhe que devia ser muito grata
à mãe por ter aproveitado todas as oportunidades para contar aque
las coisas à sua filhinha, e que todas as crianças deveriam estar ao
par delas e começar a entendê-las desde a infância. Depois de marcar
uma nova sessão na semana seguinte, eu a despedi apressadamente.
Na segunda consulta, a paciente prontamente desenvolveu um
transe profundo, e chamei sua atenção novamente para o fato de sua
mãe tê-la repetidamente instruído. Perguntei: “ Quantos anos você
tinha quando sua mãe morreu?” . Ela replicou: “ Tinha treze” . Ime
diatamente, com uma ênfase calma, eu disse: “ Se sua mãe tivesse vi
vido mais tempo, teria conversado muito mais vezes com você para
lhe dar conselhos. Mas, como morreu quando você só tinha treze anos,
não pôde completar essa tarefa, e você deve terminá-la sem sua aju
da” .
Sem lhe dar a mínima oportunidade de aceitar ou rejeitar este
comentário, ou reagir a ele de qualquer modo, rapidamente eu a dis
traí pedindo que descrevesse os eventos que haviam ocorrido imedia
tamente após ela ter acordado de seu último transe. Quando comple
tou o relato, dirigi sua atenção para o caráter repetitivo das preleções
de sua mãe e fiz o mesmo comentário cuidadoso sobre a natureza ina
cabada do trabalho dela. Em seguida, reorientei-a para o mesmo pe
ríodo da infância. Então, acentuei nitidamente o fato de todos esses
sermões terem sido ministrados e m su a in fâ n c ia . E q u e, à m e d id a q u e
fic a s s e m a is velha, s u a m ã e teria m a is a lh e en sin a r. Sugeri que ela
podia muito bem continuar por si mesma o curso de instrução sexual
que sua mãe começara, mas não pudera terminar devido à sua mor
te. O melhor seria ela começar a especular seriamente a respeito do
conselho que a mãe lhe teria dado durante os anos entre a infância
e a adolescência, e entre a adolescência e a feminilidade adulta. Quan
do ela aceitou esta sugestão, acrescentei outras instruções. Disse-lhe
que levasse em conta todos os aspectos intelectuais e emocionais. Ime
diatamente após esta instrução, disse-lhe que, quando acordasse, ela
repetiria os vários relatos que fizera na sessão hipnótica.
Quando a paciente acordou, sua narrativa foi decididamente bre
ve. Ela lentamente combinou tudo o que dissera numa história única
e concisa. De modo significativo, falou no pretérito passado: “ Mi
nha mãe tentou me fazer entender o sexo. Tentou me ensinar de um
modo que uma criança como eu pudesse entender. Ela fixou em mim
a seriedade a respeito do sexo; e também a importância de não ter
nada a ver com ele. Ela tornou isto muito claro para mim como crian
ça” .
Ela fez esta afirmação com longas pausas entre cada sentença,
como se estivesse pensando profundamente. Interrompeu-se várias ve
zes para comentar sobre a morte da mãe e a incompletude de suas
instruções, e para afirmar que, se a mãe tivesse vivido, lhe teria dito
mais coisas. Repetidamente ela disse, como se falasse para si mesma:
“ Fico pensando como mamãe me teria contado coisas que eu deveria
saber agora” . Agarrei-me a esta afirmação como um ponto para ter
minar a sessão e despedi-a.
Assim que ela chegou para a terceira sessão, hipnotizei-a e
instruí-a a rever rapidamente, e em silêncio, todos os eventos das duas
sessões anteriores, e a recordar as instruções e sugestões que lhe ha
viam sido dadas, e suas respostas. Sua declaração final resume sua
atuação da maneira mais adequada. Ela disse: “ Pode-se dizer que ma
mãe tentou me contar coisas que eu precisava saber, que ela me teria
dito como tomar conta de mim mesma de um modo feliz e como es
perar com confiança a época em que eu poderia fazer as coisas apro
priadas a minha idade — ter um marido, um lar e ser uma mulher
adulta” .
Disse-lhe que, quando acordasse, deveria esquecer completamen
te as três sessões, incluindo até mesmo o fato de ter sido hipnotizada,
exceto que seria capaz de lembrar seu primeiro relato acordada, aquele
empolado e afetado. Esta amnésia deveria incluir qualquer entendi
mento novo e satisfatório que houvesse incorporado. Disse-lhe ainda
que, quando acordasse, eu lhe faria uma recapitulação sistemática de
suas instruções sexuais da forma que eu ouvira dela mesma. Mas que,
devido à sua amnésia total, esta recapitulação lhe iria parecer uma
construção hipotética de probabilidades construídas por mim sobre
seu primeiro relato acordada. Ela deveria estudá-las com grande in
teresse e crescente compreensão. Ela descobriria verdades, significa
dos e aplicações compreensíveis somente para ela em qualquer coisa
que fosse dita. À medida que esses conceitos se desenvolvessem, ela
iria adquirir uma capacidade de interpretá-los, aplicá-los e reconhecêlos como realmente seus, e faria isto com uma capacidade que ultra
passava a minha compreensão.
À primeira vista, pode parecer estranho sugerir a repressão de
discernimentos como um dos passos culminantes no procedimento te
rapêutico. No entanto, esta medida foi empregada por três razões.
Em primeiro lugar, porque boa parte do discernimento afetivo pode
permanecer ou se tornar de novo inconsciente sem por isso perder seu
valor terapêutico. Em segundo lugar, porque protege o sujeito do sen
timento perturbador de saber que outra pessoa sabe sobre ela coisas
que agora ela sabe, mas que deseja manter para si própria; daí a im
portância da sugestão de que ela compreenderia muito mais do que
eu. Em terceiro lugar porque, ao encarar o material como minha cons
trução meramente hipotética de probabilidades, a paciente gradual
mente recobraria os discernimentos de modo lento e progressivo à me
dida que fosse testando a estrutura hipotética.
Eu a despertei e a convidei a especular sobre a natureza e o pro
vável desenvolvimento da instrução sexual que lhe fora dada, e recapitulei todo o material que ela havia fornecido em termos gerais, que
lhe permitissem aplicá-los livremente a suas experiências.
Deste modo, pude dar à paciente um relato geral do desenvolvi
mento das características sexuais primárias e secundárias: o fenôme
no da menstruação, o aparecimento dos pêlos púbicos c axilares, o
desenvolvimento dos seios, o provável interesse no crescimento dos
mamilos, a primeira vez que usou um sutiã, a possibilidade de os me
ninos terem notado sua nova figura e de alguns deles lhe terem dado
tapinhas, e assim por diante. Nomeei cada fenômeno em ordem de
sucessão, sem enfatizar qualquer um individualmente, e em seguida
passei a discutir sobre a modéstia, as primeiras agitações da consciência
sexual, os sentimentos auto-eróticos, as idéias sobre o amor na pu
berdade e na adolescência, e as possíveis idéias sobre de onde vêem
os bebês. Deste modo, sem nenhum dado específico, uma ampla va
riedade de idéias e experiências típicas foram mencionadas pelo no
me. Depois disso, fiz uma afirmação genérica sobre as especulações
que poderiam ter passado alguma vez por sua cabeça. Mais uma vez,
isto foi feito vagarosamente, e sempre em termos vagos gerais, de mo
do que ela pudesse aplicar essas afirmações de forma pessoal e abran
gente.
Logo depois de iniciado esse procedimento, a paciente respon
deu com uma demonstração de interesse e com toda a manifestação
externa de discernimento e compreensão. No final, ela declarou sim
plesmente: “ Sabe, posso entender o que está errado comigo, mas es
tou com pressa agora e lhe conto amanhã” . Foi a primeira vez que
reconheceu ter um problema.
Ao invés de permitir que fosse embora correndo, eu prontamente
a re-hipnotizei e enfaticamente a instruí a recobrar to d a e q u a lq u e r
m e m ó ria de suas experiências de transe que pudessem ser valiosas e
úteis; ela foi levada a ver to d a s elas como possivelmente úteis. Isto
distraiu sua atenção de qualquer sentimento conflituoso sobre essas
lembranças e ajudou sua recuperação plena e livre. Disse-lhe que de
veria se sentir livre para pedir conselhos, sugestões e qualquer instru
ção que desejasse, e para o fazer livre e confortavelmente. Tão logo
estas instruções foram firmemente fixadas, eu a despertei.
Imediatamente, mas com menos urgência, ela disse que queria
ir embora, mas acrescentou que primeiro gostaria de fazer algumas per
guntas. Disse-lhe que poderia fazê-las, e ela me pediu para dar minha
opinião pessoal sobre “ beijar, acariciar e ficar agarrado” . Com muita
cautela e usando as palavras dela, expressei minha aprovação aos três,
com a reserva de que cada um deveria ser feito de tal modo que se adap
tasse as suas próprias idéias, e que uma pessoa só deveria se entregar
a um comportamento amoroso que estivesse de acordo com os ideais
essenciais da sua personalidade individual. A paciente recebeu esta de
claração pensativamente, e então perguntou se eu achava correto sen
tir desejos sexuais. Respondi, cuidadosamente, que o desejo sexual era
um sentimento normal e essencial para toda criatura viva, e que sua
ausência nas situações apropriadas era errado. Acrescentei que ela com
certeza concordaria que sua mãe, se ainda estivesse viva, diria a mes
ma coisa. Depois de refletir sobre isto, ela foi embora apressadamente.
No dia seguinte, a paciente voltou para declarar que passara a
noite anterior em companhia de seu pretendente. Corando muito,
acrescentou: “ Beijar é um ótimo esporte” , e partiu depressa.
Alguns dias mais tarde, eu a vi na hora marcada, e ela estendeu
a mão para exibir o anel de noivado. Explicou que, como resultado
de nossa conversa durante a última sessão terapêutica, ela adquirira
uma compreensão totalmente nova de muitas coisas. Isto tornara pos
sível para ela aceitar a emoção do amor e experimentar desejos se
xuais e sentimentos, de modo que estava agora inteiramente crescida
e pronta para a experiência da feminilidade. Ela não parecia disposta
a discutir mais o assunto, a não ser perguntar se poderia ter outra
entrevista comigo num futuro próximo. Explicou que então gostaria
de receber instruções sobre o coito, pois esperava se casar logo. Disse
ainda, com um leve embaraço: “ Doutor, no outro dia eu queria fu
gir. Não me deixando fazê-lo, o senhor salvou minha virgindade. Eu
queria ir procurá-lo e me oferecer imediatamente” .
Algum tempo depois eu a vi, a seu pedido, e lhe forneci um mí
nimo de informações. Descobri que não tinha ansiedades ou preocu
pações específicas sobre o assunto e encarava francamente seu desejo
de ser instruída. Logo depois disto, ela retornou para contar que iria
se casar dentro de poucos dias e que antecipava com contentamento
a lua-de-mel. Um ano mais tarde, ela voltou para me contar que sua
vida de casada era tudo que poderia desejar, e que esperava feliz a
maternidade. Dois anos depois, eu a vi novamente, e ela estava feliz
com o marido e a filhinha.
Parece claro que, de várias maneiras, Erickson oferece ao jo
vem a permissão de um adulto, e portanto do m undo adulto, para
envolver-se com com portam entos que eram proibidos quando a pes
soa era mais jovem e ele não era apropriado. Esta iniciação a visões
maduras pode ser feita de modo ativo, direta ou indiretamente, através
de um a variedade de sugestões sutis. Erickson consegue fazê-lo em
termos que o jovem pode compreender facilmente.
Éste caso ilustra vários aspectos da abordagem de Erickson. O
mais im portante é sua elaborada proteção da jovem. Ela é suave
mente atraída para a situação de tratam ento, gentilmente induzida
ao transe e cuidadosamente protegida de qualquer idéia que pudesse
causar-lhe perturbação. É também protegida de qualquer ação im
pulsiva quando ele a impede de sair correndo em busca do nam ora
do. Erickson não só dem onstra uma vasta experiência com o con
trole de idéias que surgem na consciência; ele também m ostra uma
percepção acurada da situação social real da jovem.
Assim como a moça deve ser capaz de estabelecer relações ínti
mas, também o rapaz deve ter sucesso nessa tarefa. Q uando um ra
paz procura uma parceira, muitos fatores estão envolvidos, e uma
necessidade prim ária é um a habilidade para conseguir uma resposta
sexual normal.
No final da adolescência, o macho começa a aprender a ficar
sexualmente excitado pela fêmea e a estabelecer ligações com as m u
lheres, em preparação para uma união mais permanente. Neste pe
ríodo, que em geral é uma prova sexual de tentativa e erro, o rapaz
que continuamente vivência a derrota ao ser incapaz de participar
adequadamente de relações sexuais fica em desvantagem no proces
so de seleção de parceiros. Os problemas mais comuns, além da ina
bilidade de se ligar satisfatoriam ente a qualquer mulher, são a eja
culação precoce e a impotência. Em qualquer caso, o contrato se
xual não é realizado, e a frustração se desenvolve no lugar de uma
experiência crescente de intimidades mais sutis.
Um rapaz pediu ao dr. Erickson que o tratasse de ejaculação
precoce através da hipnose. O dr. Erickson relata:
Esse jovem tinha trinta anos e era solteiro quando veio me ver.
Sofrerá de ejaculação precoce em sua primeira tentativa de relação
sexual, quando tinha vinte anos. Teve uma reação muito infeliz à ex
periência e pensou que fosse punição por sua imoralidade. Sentia-se
incompetente. A partir daí, tornou-se obcecado pelo assunto e leu tudo
o que pôde encontrar sobre sexo. Procurava mulheres novas e dife
rentes de todos os estratos da sociedade, de todos os grupos raciais
e tipos físicos, tudo em vão. Ele realmente havia provado a si mesmo
que sofria de ejaculação precoce.
Quando lhe pedi que descrevesse com todos os detalhes seu com
portamento no ato sexual, ele declarou que este era invariavelmente
o mesmo quer sua parceira fosse uma prostituta bêbada e envelheci
da ou uma jovem atraente, charmosa e bem-educada. Ele não tinha
dificuldade alguma em ter e manter uma ereção mesmo após a ejacu
lação. No entanto, a qualquer tentativa de penetração, a ejacula
ção ocorria primeiro. Muitas vezes ele não levava em conta a eja
culação precoce e se engajava no coito ativo, mas isto não lhe dava
nem prazer nem satisfação. Ele encarava isto como um esforço desa
gradável, um desejo desesperado de adquirir competência sexual. Em
geral, ele persistia nesta masturbação intravaginal até que estivesse
pronto para uma segunda ejaculação, depois do que ele se retirava
involuntária mas compulsivamente. Ele se sentia incapaz de nova pe
netração até que ejaculasse por completo externamente. Ele me pro
curou como último recurso.
Durante uma meia dúzia de sessões, permiti que ele se lastimas
se de suas dificuldades. Mas ele entrou em transe, com considerável
quantidade de amnésia pós-hipnótica. Num dos transes, questionei-o
extensamente sobre suas ligações atuais e descobri que ele assidua
mente cortejava uma prostituta que vivia num prédio de apartamen
tos, numa suíte do segundo andar, localizada em cima da entrada de
um pátio. Era necessário subir uma escada e andar por um balcão
para chegar ao apartamento. Sugeri que, quando fosse visitá-la, ele
tivesse uma ereção assim que entrasse no pátio e a mantivesse até sair
dali, sozinho ou na companhia dela. Ele nunca tivera problemas com
a ereção; portanto, que tivesse uma ao entrar no pátio. Então gastei
umas duas horas numa conversação longa e divagante. No entanto,
sistemática e desembaraçadamente, eu misturava ao monólogo toda
uma série de sugestões pós-hipnóticas. Fiz elaborações confusas até
que a lista toda tivesse sido apresentada. Sugeri que idéias neuróticas
servem a um propósito da personalidade. Esta foi uma das sugestões
pós-hipnóticas. As manifestações neuróticas são em geral aparente
mente constantes, mas são fundamentalmente inconstantes, porque
o propósito a que servem muda conforme o tempo passa e as circuns
tâncias e a personalidade se alteram. Muitas variedades de sintomas
neuróticos podem inverter-se, e o fazem. A correção de um problema
neurótico pode ocorrer efetivamente e acidentalmente devido a medi
das coincidentes, assim como por esforço deliberado. Nenhum neu
rótico pode realmente saber o que acontecerá com seu problema num
d e te rm in a d o momento. A repressão de um problema neurótico pode
ocorrer devido ao desenvolvimento de outro, em si mesmo benéfico.
Um sintoma neurótico específico como a ejaculação precoce pode
transformar-se repentinamente num assustador retardamento da eja
culação, um retardamento de meia hora ou mais. Se isto lhe aconte
cesse, ele realmente teria algo com que se preocupar. Ele saberia real
mente como se preocupar, consciente e inconscientemente. Um tal de
senvolvimento sem dúvida resultaria numa ejaculação interna total
mente inesperada. Então ele seria confrontado com o enorme proble
ma da sexualidade realizada, que iria requerer utilização construtiva.
Durante a semana seguinte, ou uns dez dias, ele sentiu um grande
desassossego, pressagiando e impedindo a mudança em sua vida. Neste
ponto, proibi qualquer discussão e disse-lhe que não fizesse nada por
algum tempo, nem mesmo pensar, mas que simplesmente descansas
se confortavelmente. Marquei-lhe uma consulta para o dia seguinte,
que era uma terça-feira, e para a quarta e a sexta-feira. Na terça, eu
o vi brevemente, mas não lhe permiti falar. Disse-lhe que lhe seria
concedido, em troca da brevidade daquela entrevista, um encontro
muito especial no domingo. Eu sabia que sábado à noite era a data
de seu encontro regular com a prostituta. A sessão de quarta-feira
foi conduzida de maneira similar, e enfatizei ainda mais o encontro
de domingo, para que ele realmente tivesse que se preparar para aquela
entrevista. O encontro de sexta-feira também foi propositalmente bre
ve, e voltei a enfatizar o caráter especial daquilo com que ele teria
que lidar no domingo. Três breves entrevistas, cobradas a taxa inte
gral, e uma promessa de suprir a brevidade do tempo com uma entre
vista especial no domingo. No entanto, quando ele chegou, domingo
de manhã, explicou-me que tinha algo muito mais urgente do que qual
quer coisa que eu tivesse em mente para aquele encontro. Devido a
certos acontecimentos que havia vivenciado, o que eu pretendia pro
por tinha que ser adiado.
Contou-me que as três breves entrevistas anteriores, ou “ foras” ,
como ele as denominou, o haviam deixado desassossegado, infeliz,
inseguro. Ele se sentira tão constrangido depois da sessão de sextafeira que procurara uma jovem que costumava ver com freqüência,
mas com quem não tinha tido relações sexuais. Sugerira jantar e tea
tro. No entanto, durante a noite, estivera desatento e preocupado.
Recorrentemente, pipocava-lhe na mente a questão de se seria ou não
capaz de ejacular intravaginalmente. Uma dúvida! Antes ele sabia que
não podia! Mas agora estava na dúvida se conseguiria. Quando ten
tava se lembrar do que estivera pensando, a idéia imediatamente su
mia de sua cabeça. Logo a idéia explodia de novo, para desaparecer
a seguir. Várias vezes isso tinha ocorrido.
Quando foi levar a companheira de volta à sua casa, sentiu
uma ereção assim que entrou no pátio do edifício. Embora ele esti
vesse preocupado com seu pensamentro esquivo e não pensasse em
relações sexuais, a ereção persistia. Não obstante, ao entrar no apar
tamento, a companheira mostrou um comportamento amoroso tão
agressivo que ele prontamente foi para a cama com ela. Como ain
da estivesse preocupado, permitiu que ela desempenhasse o papel
agressivo, e sua reação à penetração foi um medo súbito de n ã o
conseguir ejacular. Tão absorvente era esse medo que “ esqueci com
pletamente toda a pipocação mental. Só conseguia pensar que gos
taria de estourar dentro dela e tinha medo de não conseguir” . Ele
reagiu ao medo com o coito ativo, e, por alguma razão desconheci
da, “ olhando o ponteiro de minutos de meu relógio de pulso, que
nunca levo para a cama” . Depois de quase meia hora, ele estava
cada vez mais excitado e ao mesmo tempo mais ansioso e temeroso.
Então, de repente, mas sem saber o tempo até uns vinte minutos
depois, ele experimentou uma ejaculação intravaginal satisfatória.
Sua ereção continuou, e, após um pequeno repouso dentro dela,
ele voltou ao coito ativo, teve uma ejaculação intravaginal comple
tamente satisfatória e esperou a desintumescência antes de retirar
o pênis. Dormiu confortavelmente e, no dia seguinte, foi viajar de
automóvel. Na noite seguinte, sábado, tivera mais atividade sexual
normal. Depois de completar sua descrição, o paciente perguntou:
“ Há alguma explicação para eu ter ficado tão normal?” . Respondi
que nem ele nem eu precisávamos explicar o normal, que era infini
tamente mais agradável aceitar o normal como algo a que todos
têm direito.
Sua relação com a mulher continuou por uns três meses e de
pois se separaram. Manteve outras relações antes de se interessar
seriamente pelo casamento. Então, ficou noivo.
Algumas vezes, uma dificuldade sexual pode impedir que o jo
vem se engage em relações sociais normais e, outras vezes, um sinto
m a o impedirá de trabalhar ou freqüentar a escola. D urante a Se
gunda Grande Guerra, quando fazer parte do exército era mais po
pular do que é hoje, Erickson era consultor de um a junta de alista
mento e ajudou muitos rapazes a entrarem para o exército quando
eles assim o desejavam mas não conseguiam. Em geral, esses moços
tinham problemas relativamente menores, mas que os impediam de
funcionar no exército como seus companheiros. Um problem a co
mum era m olhar a cama, o que é particularm ente em baraçoso para
um jovem adulto. Certa vez, num a única sessão, Erickson resolveu
o problem a de um jovem que queria se alistar, mas fazia xixi na ca
ma desde que era criança.
Durante o exame psiquiátrico, um convocado contou que mo
lhava a cama desde a puberdade. Nunca ousara dormir fora de casa,
embora com freqüência desejasse visitar os avós e outros parentes que
viviam a uma distância considerável. Ele queria especialmente visitálos por causa de seu iminente serviço militar. Ficou angustiado ao sa
ber que a enurese o excluiria do serviço e perguntou se algo poderia
ser feito para curá-lo. Explicou que tomara tonéis de remédios, havia
sido examinado com cistoscópio, e tinha utilizado vários outros pro
cedimentos sem resultado algum.
Eu lhe disse que provavelmente poderia receber alguma ajuda
efetiva se estivesse disposto a ser hipnotizado. Ele concordou pronta
mente e logo desenvolveu um transe profundo. Neste estado de tran
se, assegurei-lhe enfaticamente que sua enurese tinha origem psicoló
gica e que ele não teria nenhuma dificuldade real em dominá-la se
obedecesse totalmente às instruções.
Na forma de sugestões pós-hipnóticas, eu lhe disse que, após
voltar para casa, fosse até a cidade vizinha e se instalasse num quar
to de hotel. Deveria pedir que as refeições fossem servidas no quarto
e permanecer ali três noites. Quando entrasse no quarto, deveria se
pôr confortável e pensar como ficaria assustado e angustiado quan
do a camareira descobrisse a cama molhada, como sua mãe sempre
fazia, na manhã seguinte. Pedi-lhe que passasse e repassasse esses pen
samentos, especulando tristemente a respeito de suas inevitáveis rea
ções de humilhação, ansiedade e medo. Subitamente, um pensamen
to lhe passaria pela cabeça: e se depois de todas essas horas de agonia
a criada fosse surpreendida por uma cama s e c a i
Essa idéia não teria nenhum sentido para ele, que ficaria confu
so, tonto, e se sentiria incapaz de pôr a mente em ordem. A idéia sur
giria constantemente em sua mente e logo ele se sentiria miserável,
desamparado, especulando confusamente sobre sua vergonha, sua an
siedade e seu embaraço quando a camareira descobrisse a cama seca
ao invés da cama molhada que ele havia planejado. O esquema das
três noites era: se o plano fosse eficaz, a primeira noite seria de dúvida
e incerteza; a segunda, de certeza; e na terceira ele faria uma transição
da ansiedade de molhar a cama para outra situação de ansiedade. Este
pensamento o confundiria tanto que finalmente, em desespero, ele te
ria tanto sono que veria com bons olhos a hora de se deitar, porque,
por mais que tentasse, não seria capaz de pensar claramente.
Na primeira manhã sua reação seria sentir um medo abjeto de
estar no quarto quando a camareira descobrisse a cama seca. Ele pro
curaria desesperadamente em sua mente uma boa desculpa para sair
do quarto, não encontraria e teria que olhar miseravelmente para fo
ra da janela para que ela não percebesse sua angústia.
No dia seguinte, começando à tarde, o mesmo desnorteamento; pensamentos confusos voltariam, com os mesmos resultados. No
terceiro dia, a mesma coisa se repetiria.
Disse-lhe que, na terceira noite, quando fechasse a conta do ho
tel, ele devia se sentir dilacerado pelo conflito de visitar ou não os
avós. A dúvida de não saber que avós deveria visitar primeiro, os ma
ternos ou os paternos, seria um pensamento agonizante e obsessivo.
Este dilema ele finalmente resolveria permanecendo na casa do pri
meiro casal um dia menos do que na do segundo. Uma vez chegado
ao seu destino, ele se sentiria muito bem e anteciparia alegremente
visitar todos os seus parentes. Não obstante, ele ficaria obcecado por
dúvidas a respeito de quem visitar a seguir, mas sempre apreciaria
uma estadia de vários dias.
Todas essas sugestões foram repetidamente reiteradas, num es
forço para assegurar a implantação desses pseudoproblemas, de mo
do a redirigir seus medos e ansiedades enuréticos e transformá-los nu
ma ansiedade a respeito da visita aos parentes, ao invés de uma an
siedade a respeito da cama molhada para sua parenta mais próxima,
sua mãe.
Mandei-o embora após aproximadamente duas horas de traba
lho, depois de uma sugestão pós-hipnótica de uma amnésia abran
gente. Quando despertou, disse-lhe rapidamente que o chamaria de
novo dentro de uns três meses, e que sem dúvida seria então aceito
no serviço militar.
Dez semanas depois, ele foi novamente enviado a mim, que era
consultor da junta de alistamento local. Relatou em detalhes sua “ es
pantosa experiência’’ no hotel, sem aparente consciência do que a ti
nha ocasionado. Explicou que “ quase fiquei louco no hotel, tentan
do molhar aquela cama, sem conseguir. Até mesmo tomei água, mas
não adiantou. Então fiquei tão assustado que caí fora e comecei a
visitar todos os meus parentes. Isto fez com que eu me sentisse bem,
a não ser por estar mortalmente assustado a respeito de qual deles
visitar primeiro, e agora estou aqui” .
Recordei-lhe suas queixas originais. Com um sobressalto de sur
presa, ele replicou: “ Não fiz mais isto desde que fiquei louco no ho
tel. O que houve?” . Respondi que o que havia acontecido era que
ele parara de molhar a cama e agora podia usufruir de uma cama se
ca. Duas semanas mais tarde, ele foi visto de novo no centro de alis
tamento, e, desta vez, foi prontamente aceito para o serviço militar.
Erickson não usa necessariamente a hipnose para tratar de pro
blemas, particularmente o de m olhar a cama. Ele tem muitos proce
dimentos alternativos, e também gosta de destacar que fazer com que
um jovem adulto supere este tipo de dificuldade o libera para se lan
çar ao com portam ento norm al em muitas outras áreas.
Os jovens podem se isolar através de algum comportamento mar
ginal, e podem também se marginalizar através de alguma caracte
rística física que os deixa em desvantagem no nam oro. Algumas ve
zes, há um problem a físico, como a obesidade, que faz com que a
pessoa não seja atraente. Outras vezes, eles evitam se tornar atraen
tes para o sexo oposto. Algumas vezes, o dr. Erickson trabalha aju
dando diretamente os jovens a se remodelarem. Em outros casos,
pode enfocar a concepção que eles têm de si mesmos, particularmente
sua imagem corporal.
Quando trabalha com moças, Erickson usa ao máximo sua pró
pria masculinidade. Ele acredita que, se persuadir a jovem de que
é atraente para ele, ela generalizará essa idéia e se aceitará como uma
mulher atraente para os homens. Dentro da relação resguardada da
terapia, a mulher pode se sentir adm irada por um homem, e então
é desviada para homens apropriados em sua rede social e reage a eles
de modo diferente daquele que teria empregado no passado. Erick
son usa a relação que a paciente mantém com ele como um ritual
que induz na jovem um quadro mental de corte que tem sucesso com
outros homens.
P or exemplo, um a jovem procurou Erickson em busca de aju
da porque se sentia terrivelmente gorda. Ela estava acima do peso,
mas mesmo assim era realmente mais atraente do que insistia ser.
E ra um a jovem que ia muito à igreja, extremamente empertigada e
decente. Seu puritanism o, assim como sua concepção de si mesma
como horrivelmente gorda, fazia com que evitasse o nam oro nor
mal. Erickson relata:
Quando vi a garota esperando para ser recebida, ficou imedia
tamente claro que ela era uma jovem muito decente e empertigada.
Fiz com que entrasse no consultório e se sentasse, e, embora eu fosse
cortês, só olhei para ela de relance. Pedi-lhe que me contasse sua his
tória, e, enquanto ela falava, peguei um peso de papel de cima de
minha escrivaninha e fiquei examinando-o. Enquanto ela me conta
va seu problema, eu apenas a olhava ocasionalmente de soslaio e di
rigia grande parte de minha atenção para o peso de papel.
Quando terminou, ela disse que duvidava que eu a aceitasse co
mo paciente, já que era tão chocantemente sem atrativos. Mesmo se
perdesse peso, ela ainda seria a mais feia dentre todas as criaturas.
Respondi dizendo: “ Espero que me perdoe pelo que fiz. Não
olhei para você enquanto falava, sei que isto é rude. Brinquei com
o peso de papel ao invés de olhar para você. Acho muito difícil olhar
para você, e prefiro não discutir os motivos disto. Mas, como esta
é uma situação terapêutica, realmente preciso lhe contar. Talvez vo
cê encontre a explicação. Bem, deixe-me colocar as coisas assim. Te
nho uma sensação forte de como ficará quando perder peso — ao
menos de tudo que vejo em você; eis por que evitei ficar olhando pa
ra você — tudo indica que ficará ainda mais atraente sexualmente.
Sei que não deveríamos discutir isto. Mas você é, sem dúvida, muito
atraente sexualmente. E o será bem mais depois de perder peso. Mas
não devemos discutir este assunto” .
Conforme eu falava, a jovem corava e se entusiasmava e se con
torcia. O que eu disse não foi muito traumático, mas, segundo o seu
código, era terrivelmente desagradável. Ainda assim, um homem a
quem ela respeitava imensamente havia afirmado que ela era atraen
te, e que notara isso instantaneamente.
Mais tarde, ela emagreceu e, da maneira mais polida, contou-me
que havia se apaixonado por um homem mais velho que não se interes
sava por ela. Disse-lhe que era um grande elogio para o homem ela
ter se apaixonado por ele. Como agora ela havia aprendido a lisonjear
um homem, sem dúvida poderia dirigir sua afeição para alguém de sua
idade. Mas disse-lhe também que deveria continuar lisonjeando o ho
mem mais velho durante algum tempo. Mais tarde, ela perdeu seu in
teresse por mim e ficou noiva de alguém de sua própria idade.
Quando Erickson usa sua masculinidade deste m odo, ele está
particularmente preocupado em que a relação com ele não se torne
um substitutivo para um relacionamento natural com um homem d^
situação social da paciente. Por isso, um a vez tendo feito surgir o
com portam ento de corte, este é dirigido para o cenário social da vi
da da jovem. Ao contrário dos terapeutas que acreditam num a tera
pia a longo prazo e num profundo e contínuo envolvimento emocio
nal com o terapeuta, Erickson procura se desenredar o mais rápido
possível e concentra a paciente em outro homem. Algumas vezes, faz
isto depois de um certo período de tempo; outras vezes consegue muito
rapidamente.
Em bora se pense que o período de corte envolve apenas os jo
vens, um problema neste estágio pode continuar durante anos. À me
dida que a mulher ou o homem envelhece, as dificuldades de ultra
passar este estágio crescem. Menos desejosa de se arriscar a conse
guir um parceiro, um a mulher pode dar um jeito de que sua aparên
cia e seu com portam ento evitem esta possibilidade. Q uanto mais es
tabelecida ela esteja em sua trajetória para se tornar um ser periféri
co, mais dramáticos serão os meios necessários para produzir uma
mudança básica em sua vida. Algumas vezes Erickson faz isto rapi
damente, estabelecendo uma relação intensamente pessoal, em bora
resguardada, com um homem, que lhe dê o ímpeto para se arriscar
a relacionamentos íntimos normais.
Uma mulher procurou Erickson porque seus únicos amigos no
m undo, um casal profissional, eram também amigos dele e o haviam
recomendado a ela. Ela tinha trinta e cinco anos e era algo mais do
que agradavelmente rechonchuda. Em bora tivesse um rosto franco
e decididamente atraente, qualquer um que a visse pela primeira vez
pensaria: “ Bom Deus, por que ela não lava o rosto, penteia o cabelo
e coloca um vestido, ao invés de um saco de farinha?” .
Ela entrou no consultório hesitando e, de maneira afetada e im
pessoal, explicou que se sentia infeliz e frustrada. Ela sempre quisera
se casar e ter filhos, mas nunca conseguira ter nem mesmo um encon
tro. Conseguira term inar o colégio, enquanto ao mesmo tempo m an
tinha e cuidava da mãe inválida. Não tinha vida social. Sabia que es
tava um pouco acima do peso ideal, mas acreditava que alguns ho
mens gostam de moças rechonchudas e que não havia nenhuma ra
zão para seu isolamento. Ela era inteligente, culta, interessante, e es
tava desesperada porque tinha trinta e cinco anos e queria que algo
fosse feito prontam ente. A firm ou que sua terapia teria de ser rápida,
pois havia aceitado um emprego numa cidade distante, onde estava
determinada a ser diferente ou a desistir. Assim sendo, algo drástico
era exigido. E, mais ainda, seus fundos eram limitados.
Essa mulher era uma funcionária conscienciosa, e fora m anti
da pelo empregador somente devido à excelência de seu desempenho.
Era fria, impessoal e retraída em seus hábitos. Seus únicos amigos
eram um casal profissional, e com eles ela era uma conversadora en
cantadora e m ostrava inteligência e uma ampla gama de interesses.
Com exceção das visitas mensais a eles, permanecia em seu aparta
mento sozinha. Usava óculos de aro de metal e nenhuma maquilagem, e suas roupas não lhe caíam bem e eram de cores berrantes.
Seus hábitos pessoais eram desleixados, seu cabelo nunca estava bempenteado, suas orelhas estavam sempre sujas, assim como o pesco
ço. Freqüentemente suas unhas estavam ofensivamente sujas. Se al
guém lhe mencionava essas coisas, ela o congelava com seu com por
tamento frio e impessoal. Nunca tivera um encontro. Erickson conta:
Disse à mulher: “ Você quer uma terapia rápida, porque está
ficando desesperada. Gostaria que eu a fizesse a meu modo? Acha
que pode agüentar? Porque posso fazê-la de maneira rápida, com
pleta, efetiva, mas será uma experiência muito perturbadora” . Ela
afirmou que se sentia suficientemente desesperada para aceitar qual
quer coisa. Pedi-lhe que pensasse no assunto durante três dias e deci
disse se realmente queria terapia, e se a queria suficientemente drásti
ca para beneficiá-la. Assegurei-lhe que podia ser muito beneficiada,
mas que isto iria requerer dela grande força pessoal para agüentar
o assalto terapêutico que seria necessário nas condições de curto pra
zo que ela propusera. Utilizei deliberadamente a palavra “ assalto”
devido às suas múltiplas possibilidades. Disse que teria de prometer
não abandonar, por motivo algum, a terapia e executar plenamente
todas as tarefas que eu lhe atribuísse, não importava o que fosse. Antes
de prometer, ela deveria pensar em todas as possíveis implicações —
especialmente as desagradáveis — do que eu havia dito. Ela voltou
depois de três dias e prometeu acatar completamente todas as exigên
cias feitas.
Tive uma longa sessão com ela, começando pela pergunta:
“ Quanto dinheiro você tem?” . Ela contou que havia economizado
mil dólares e estava disposta a pagar aquela quantia de uma só vez
e naquele instante. Pedi-lhe que colocasse setecentos dólares numa
conta corrente, esperando gastar toda aquela quantia consigo mesma
de um modo inesperado. Então presenteei-a com um espelho, uma
fita métrica e um cartão para marcar o peso.
Durante mais de três horas, fiz uma crítica absolutamente dire
ta de seu peso e de sua aparência, com todas as possíveis provas para
enraivecê-la. Cada unha foi examinada, e a quantidade de sujeira des
crita em detalhes: suas unhas estavam de luto, esta, aquela e aquela
outra. Segurando o espelho, fiz com que me descrevesse a sujeira de
seu rosto, do pescoço, e as marcas de transpiração. Com dois espe
lhos, ela descreveu a sujeira de suas orelhas. Fiz comentários críticos
sobre seu cabelo despenteado, sobre o vestido que lhe caía mal, sobre
as cores berrantes. Tudo isto foi feito como se faz um exame físico.
Disse-lhe que todas aquelas coisas eram tópicos que ela podia corri
gir sem qualquer ajuda de um terapeuta e em relação aos quais ela
própria estava em falta. Eles expressavam uma autonegligência pro
posital.
Entreguei-lhe então uma toalha e mandei que lavasse um lado
do pescoço e percebesse o contraste com o que não fora lavado. Isto
foi extremamente embaraçoso para ela. Concluí a entrevista com uma
declaração sumária: ela era uma mixórdia penosa de se olhar. Con
tudo, avisei-a de que não deveria comprar nada antes de ser instruída
a fazê-lo. Deveria simplesmente continuar trabalhando e refletindo
sobre a verdade de tudo que havia sido visto ou dito. Marquei nossa
próxima consulta para dali a dois dias e disse que seria, possivelmen
te, tão ou mais devastadora do que a presente.
Ela compareceu pontualmente à próxima consulta, embaraçada
e hesitante a respeito do que aconteceria a seguir. Não estava usando
maquilagem, mas, quanto ao resto, estava visivelmente bem-arrumada,
a não ser pelo corte insatisfatório do vestido e pelas cores brilhantes
do tecido. Naturalmente, tinha tomado um banho completo antes da
sessão. Assim como eu tinha aprovado a parte limpa de seu pescoço,
agora elogiei seu corpo limpo. Sua hesitação indicava alguma incerte
za a respeito do que poderia ser examinado desta vez.
Revisei sistematicamente a entrevista anterior e as oportunida
des que ela havia aproveitado; tudo foi discutido de modo frio e im
pessoal. A seguir, avisei-a que se preparasse para um assunto novo
para ela como criatura viva, um assunto da maior importância, em
bora até agora negligenciado e desconsiderado. Ela não poderia con
tinuar negligenciando e desconsiderando aquele assunto — ela jamais
conseguiria tirar da cabeça aquele “ algo” que era visível a todo mundo
com quem ela entrava em contato. Estaria continuamente em sua cons
ciência e a forçaria a se comportar normal e corretamente, com uma
autopercepção agradável e satisfatória. Disse-lhe que o assunto lhe
seria revelado quando fosse partir. Então, quando ela se dirigiu para
a porta para ir embora, no final da entrevista, disse-lhe que havia al
go que desejava que ela fizesse. Ela parou, empertigada e rígida, es
perando para ouvir o que era. Eu disse: “ Você jamais deve esquecer
que possui um belo pedaço de pêlos entre suas pernas. Agora, vá pa
ra casa, tire toda a roupa, ponha-se diante de um espelho e verá os
três belos símbolos da feminilidade. Eles estão sempre com você, aonde
quer que vá, e nunca mais deve se esquecer deles” .
Na próxima sessão, ela chegou pontualmente; estava extraordi
nariamente embaraçada. Sem nenhuma preliminar, eu lhe disse: “ Você
tem um dinheiro economizado para um objetivo especial. Vá a uma
loja de departamentos. Lá encontrará uma conselheira de beleza; digalhe sem rodeios que você é uma terrível mixórdia, que não sabe se
arrumar, que quer que ela lhe ensine tudo o que precisa saber. Verá
que ela é uma mulher charmosa, bondosa, solidária, compreensiva.
Deixe que ela a produza inteiramente. Você gostará de conhecê-la e
achará excitante que ela lhe ensine tudo o que precisa saber.Daqui
a três semanas haverá um baile para todos os empregados de seu es
critório. Você será convidada, como de costume. Deve ir. Como pre
paração, vá a uma aula de dança e aprenda rapidamente a dançar
bem. Faça com que a conselheira de beleza escolha o tecido para o
vestido que você deverá usar nesta ocasião. Leve o tecido para a sra.
----------- , que é uma costureira, e explique que quer que ela a ensine
a fazer o vestido. Você deverá fazer toda a costura. Sua próxima con
sulta será na noite do baile” .
Na noite da festa, ela entrou realmente bem-vestida. Estava em
baraçada, enrubescida e elegante. Havia perdido o excesso de peso
e estava anim ada e consciente de seus atrativos. Três meses mais ta r
de, após assumir seu novo emprego, ela conheceu um professor. Um
ano mais tarde, estavam casados. Ela agora tem quatro filhos.
Em geral, a abordagem de Erickson envolve o uso de procedi
mentos sensíveis, comuns, tal como aprender a se arrum ar ou dan
çar, combinados com um encontro íntimo que força a pessoa a acei
ta r esses procedimentos sensíveis, o que não acontecia antes. Ele uti
liza ao máximo tanto suas facilidades quanto as da comunidade. Neste
caso, usou a si mesmo para fornecer a uma mulher pudica uma rela
ção íntima com um homem, que incluía a discussão de temas não
mencionáveis. Ele também utilizou uma consultora de beleza e uma
costureira.
Um a conversa sobre terapia breve que teve lugar alguns anos
mais tarde oferecerá um quadro mais detalhado dos dilemas de uma
jovem mulher, assim como das maneiras empregadas por Erickson
para lidar com eles. Um rapaz que estava tentando compreender e
usar o método de Erickson apresentou-lhe um a série de casos e perguntou-lhe como abordaria aqueles problemas.
E n t r e v i s t a d o r : Recomendaram-me uma jovem que precisa
va de alívio para fortes dores pré-menstruais. Uma vez por mês, ela
ficava incapacitada, durante umas oito horas, forçada a permanecer
na cama. Sofria dessa dor desde os catorze anos. Fiz duas sessões com
ela e não tenho certeza de poder ajudá-la. Mesmo assim, sinto que
seu problema não é muito complicado. Ela começou a menstruar aos
doze anos — perfeitamente normal. Aos treze, presenciou o bombar
deio da cidade onde vivia. Morava numa colina e viu o bombardeio,
embora não tenha sofrido nenhum tipo de ferimento. Depois disto,
não menstruou durante mais de um ano. Voltou para os Estados Uni
dos com a mãe e, aos catorze anos, recomeçou a menstruar. Foi mui
to doloroso. Tem menstruado em meio a fortes dores desde então.
ERICKSON: E la é b o n it a ?
E n t r e v i s t a d o r : S im .
E r i c k s o n : Ela se acha bonita?
E n t r e v i s t a d o r : Sim. Mas não
tem plena certeza disso. Ela se
esforça um pouco demais para parecer bonita.
E r i c k s o n : O que você acha disso?
E n t r e v i s t a d o r : O que acho? Bem, acho que ela tem vinte e
oito anos e não se casou por razões que não compreende.
E r i c k s o n : E , a in d a a s s im , e la é b o n it a ? E s e e m p e n h a m u it o
e m p a r e c e r b o n i t a . V o c ê s a b e , n a p s ic o t e r a p ia b r e v e , u m a d a s c o n -
siderações é a imagem corporal. Por imagem corporal entendo o mo
do como uma pessoa cuida de si mesma. Que tipo de imagem tem
de si mesma. Ela é uma jovem bonita e se esforça para sê-lo? Então
ela está lhe contando que tem uma imagem corporal deficiente. Uma
boa imagem corporal implica não só um eu físico, mas também um
eu funcional e a personalidade no in te rio r do corpo. Ela sabe que é
certo saber que tem olhos bonitos? Ela sabe que é c e rto perceber que
seu queixo é muito pesado? É c erto ter uma bonita boca mas não la
var direito as orelhas? Ela sabe que a individualidade de seu rosto
é o que lhe dá atração individual?
E n t r e v i s t a d o r : É a s s im q u e c o l o c a r i a a s c o is a s p a r a e la ?
E r i c k s o n : É assim que as coisas deveriam ser colocadas para
ela. Você verá moças bonitas que se depreciam totalmente. Não per
cebem que estão tentando classificar sua aparência com base na de
outras pessoas. E usualmente pensam em algum sintoma que as leve
à conclusão de que não são adequadas. A moça que tem menstrua
ções dolorosas — exatamente o que pensa sobre seu corpo? Seus qua
dris são muitos grandes, ou seus tornozelos? Seus pêlos púbicos são
escassos — muito lisos, muito encaracolados? Ou como são? Talvez
seja uma coisa muito dolorosa para ser reconhecida conscientemen
te. Os seios são muito grandes? Muito pequenos? Os mamilos não
têm a cor certa? Na psicoterapia breve, uma das primeiras coisas a
se fazer, seja com um homem ou uma mulher, é descobrir qual é a
imagem corporal da pessoa.
E n t r e v i s t a d o r : E como se descobre isso?
ERICKSON: Às vezes, depois de alguns minutos com um paciente,
particularmente com uma moça, pergunto quais são seus melhores
traços. E por quê. Faço um questionamento direto. Do mesmo modo
que faria um exame físico. Começa-se examinando o couro cabeludo
e se desce até a sola dos pés. É um exame puramente objetivo. Você
realmente quer saber qual é a imagem corporal, então faz um exame
físico da imagem corporal.
E n t r e v i s t a d o r : Entendo. O que a moça faz é se esforçar em
demasia para se mostrar feminina. Seus cachos estão no lugar exato,
sua maquilagem é adequada, seus brincos também.
E r i c k s o n : Em outras palavras, o que falta à sua imagem cor
poral, que é feminina, para que ela tenha que compensar e enfatizar
os sinais externos de feminilidade? Que deficiência pensa ter em seus
genitais? Em seus seios, em seus quadris, em seu corpo, em seu ros
to?
E n t r e v i s t a d o r : Bem, como é que os pacientes aceitam consi
derações tão objetivas sobre seus genitais? Eles discutem tão objeti
vamente assim?
E r i c k s o n : E le s o f a z e m p o r m im . V o c ê v ê e n tr a r u m a m o ç a
c o m o c a b e l o t o d o e m a r a n h a d o . N a s e s s ã o s e g u in t e , s e u c a b e lo e s t á
penteado de forma um tanto diferente, mas com uma linha divisória
tipo caminho de rato. E você fica cogitando sobre seus genitais.
E n t r e v i s t a d o r : Se o cabelo estiver emaranhado, devemos fi
car pensando sobre isto?
E r i c k s o n : Sim. Tenha em mente que nossa familiaridade co
nosco, nossos eus físicos, é tão grande que nunca a apreciamos —
conscientemente. Como percebe que uma mulher está usando seios
postiços?
E n t r e v i s t a d o r : Não sei como poderia perceber, exceto em ter
mos de proporção com o resto do corpo.
ERICKSON: V o u mostrar-lhe como se percebe. Peço à mulher
que se sente reta e finja que tem um mosquito em seu ombro direito;
então, peço que o mate com um tapa. Primeiro vou mostrar como
faço isto. (Demonstra dando um tapa com o braço que não toca o
peito.) Agora vou exagerar para mostrar-lhe como ela mata o mos
quito. Veja, ela faz uma volta com o braço de acordo com o tama
nho real de seus seios.
E n t r e v i s t a d o r : A h , entendi. Com postiços ela roça os seios.
E r i c k s o n : É. Se ela tem seios muito pequenos, praticamente
chatos, ela tende a dar uma palmada em seu ombro quase como eu
o faria. E se tiver seios maiores fará uma volta maior.
E n t r e v i s t a d o r : É um t e s t e s im p le s .
E r i c k s o n : Um teste muito simples. Quando vejo que uma pa
ciente tem uma imagem corporal deficiente, em geral digo: “ Há uma
série de coisas que você n ã o quer que eu saiba, que você n ã o quer
me contar. Há muita coisa sobre você mesma que não quer discutir,
por isso vamos conversar sobre o que queira. Ela tem a permissão
expressa de esconder qualquer coisa. Mas ela veio para debater uma
porção de coisas. Por isso, começa a discutir isto e aquilo. E é sem
pre assim: “ Bem, posso falar sobre isto” . E antes que ela acabe, men
cionou tudo. E a cada novo item: “ Bem, isto realmente não é tão
importante que eu precise esconder. Posso usar a permissão para as
suntos mais importantes” . Simplesmente, esta é uma técnica hipnó
tica. Para fazer com que respondam à idéia de esconder, e respon
dam à idéia de comunicar.
E n t r e v i s t a d o r : Percebo.
E r i c k s o n : Para eles, esconder é essencialmente uma mera ques
tão de embaralhar a ordem de apresentar os fatos, e isto é esconder
suficientemente.
E n t r e v i s t a d o r : Isto também os força a pensar naquilo que
normalmente esconderiam, aquilo a que nunca antes deram atenção.
E r i c k s o n : Digamos que uma moça teve uma série de casos e
está muito angustiada para falar do assunto. Você lhe dá permissão
para se recusar a contar. Ela sabe que você não tem conhecimento
dos casos. Começa a pensar: “ Bem, posso contar o número 1. O nú-
mero 5 também. Mas não o número 2” . E ela conta o número 4, 6,
3, 7, 2. Ela h a via se recu sa d o a contar somente o número 2. Na reali
dade recusou-se a contar todos, a não ser o número 1, porque não
os contou em ordem — 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7.
E n t r e v i s t a d o r : É u m j o g o c o m a p a la v r a “ r e c u s o u ” .
ERICKSON: O inconsciente f a z isto. E você tem que perceber. Sen
do assim, sugiro que eles recusem, e eles fazem isto. E também sugiro
que contem — e fazem isto. Mas se recusam ou contam de maneira
responsável. E , como vão esconder, d e ve -se e n co ra já -lo s a fazer isto
ao discutir a imagem corporal — o modo como a pessoa se vê, como
aparece aos olhos da própria mente, o modo como pensa sobre o cor
po. Certamente, a pessoa não quer conversar comigo sobre certas partes
do corpo — mas há partes de seu corpo que quer discutir. Por exem
plo, seu queixo e sua boca. Pode até pensar sobre seus tornozelos. Po
de pensar sobre sua barriga, sobre o cabelo em sua cabeça. E ao falar
de “ cabelo em sua cabeça” , quantas jovens têm consciência de seu
hímen? Como se sentem sobre o repartido de seu cabelo?*
E n t r e v i s t a d o r : Isto é um jogo com a palavra “ parte” ?
E r i c k s o n : N ã o , é u m j o g o a r e s p e it o d o f a t o d e e x is tir u m a r a
n h u r a g e n it a l. E e x is t e u m r e p a r t id o n o c a b e l o .
E n t r e v i s t a d o r : Aparentemente, faz isto não só para ter uma
idéia de suas imagens corporais, mas para torná-los cônscios de seus
corpos.
E r i c k s o n : T o r n e - o s c ô n s c i o s d e s e u s c o r p o s . E e n q u a n to f i c a
se n ta d o a í, p o d e r e fle tir s o b r e o q u e q u e r d is c u t ir a r e s p e it o d e s i m e s
m o . “ E n q u a n t o f i c a s e n t a d o a í ” p a r e c e se r u m a f r a s e d e t r a n s iç ã o .
N o q u e e s tá se n ta d o ? E q u e tip o d e c o r p o d e se ja ? U m tip o d e c o r p o
q u e a g r a d a r ia a u m a m u lh e r c o m o u t r o t i p o d e p e r s o n a lid a d e ? O u
o t i p o d e c o r p o q u e a g r a d a r ia a v o c ê c o m s u a p e r s o n a lid a d e ? E o q u e
v o c ê s a b e s o b r e is s o ?
E n tr e v is ta d o r : E
você presume que uma cólica menstruai está
relacionada a este tipo de dificuldade?
E r i c k s o n : S im , p r e s u m o .
E n t r e v i s t a d o r : Naturalmente, com meu b a ck g ro u n d , fico cu
rioso a respeito da história. Interessa-me que ela tenha ficado um ano
sem menstruar, dos treze aos catorze anos.
ERICKSON: C e r t o , m a s u m a d a s p r im e ir a s c o i s a s q u e e u g o s t a
r ia d e s a b e r s e r ia o q u e e la p e n s a s o b r e a im p e r m a n ê n c ia d a v id a e
a i m p e r m a n ê n c ia d o c o r p o , e c o m o u m c o r p o p o d e , d e r e p e n t e , c h e
g a r a u m f im v i o l e n t o . E a a m e a ç a d e m o r t e . O c o r p o d e la e s t á c o n
d e n a d o a ir s ó p a r a o p ó , e c a d a p e r í o d o m e n s t r u a i a a p r o x im a m a is
d a m o r te , e é u m a c o is a d o lo r o s a .
* Aqui, há um jogo de palavras intraduzível entre a frase " t h e h a ir o n y o u r h e a d ” (cabelo
em sua cabeça) e “ m a id e n h e a d ” (hímen). Também com a palavra " p a r i " , que significa
“ parte” e ainda “ repartido do cabelo” . (N. do E.)
E n tr e v is ta d o r :
truação.
Este é um modo diferente de encarar a mens
Mas é real, você sabe.
Ah, sim, eu sei. Mas a menstruação também
lhe diz que ela é uma mulher, mas que não está grávida. Este é o tipo
de coisa em que fico pensando.
E r i c k s o n : Você pensa na menstruação em termos de pensamen
to masculino, em termos de pensamento biológico.
E r ic k s o n :
E n t r e v is t a d o r .-
E n t r e v i s t a d o r : E c o m o u m a m u lh e r p e n s a s o b r e o a s s u n t o
d if e r e n t e m e n t e ? E m t e r m o s d e e n v e lh e c im e n t o ?
E r i c k s o n : O que toda mulher pensa sobre o assunto? Quando
ela tiver determinada idade, ela não irá menstruar. Quando envelhe
cer, não menstruará mais. E, por conseguinte, é algo totalmente di
ferente para ela como pessoa. E m sua privacidade, no isolamento de
sua própria existência, a menstruação é uma coisa viva. Considere,
por um momento, o que uma mulher pensa sobre o seu vigésimoquinto aniversário. Não é um aniversário de vinte e cinco anos — é
um quarto de século. E como se se n te sobre o trigésimo aniversário?
Está deixando para trás os seus vinte anos. E há ainda a terrível apreen
são de passar a casa dos trinta. E o vigésimo-quinto aniversário foi
equivalente a um quarto de século. E a enorme importância que do
Arizona a Massachusetts se confere ao quarto de século. Agora, quan
do foi mesmo que ela parou de menstruar?
E n t r e v i s t a d o r : A os treze anos. Ela havia perdido o pai quan
do tinha três anos. Então, durante um bombardeio, perdeu seu pa
drasto, porque ele imediatamente partiu para a guerra. A mãe se di
vorciou dele enquanto estava longe. A menina não só parou de mens
truar naquela época, mas desenvolveu uma enfermidade de luto que
a deixou tonta e nauseada durante meses. Quase como se estivesse
tentando substituir com uma família própria a família que perdera.
Ao menos, pareceu-me uma idéia de gravidez.
E r i c k s o n : Ela perdeu o pai aos três anos, e o padrasto naque
le momento do bombardeio. Se tivesse três anos, poderia esperar o
retorno do pai. Como poderia reassumir sua condição de menina de
três anos?
E n t r e v i s t a d o r : Você veria o episódio como uma regressão?
E r i c k s o n : Sim, porque aos três anos, com sua memória e com
preensão atual, ela realmente poderia almejar que um padrasto vies
se morar em seu lar. Agora, com o bombardeio, a cidade não funcio
nava, tudo em casa perdera sua função. S u a função também não exis
tia mais. Ela era parte de uma totalidade.
E n t r e v i s t a d o r : É verdade, ela descreveu o ocorrido como se
tudo houvesse parado de funcionar — se não nesses mesmos termos,
em termos muito próximos. Ela foi tirada da escola, separada de seus
amigos, separada de seu padrasto, e assim por diante.
E r i c k s o n : Ela não tinha idade para ir para a escola. Ela foi
tirada da escola. Não tinha idade para estar na escola, não tinha ida
de para menstruar.
E n t r e v i s t a d o r : Por que a menstruação teria recomeçado com
dores?
E r i c k s o n : P o r q u e n ã o a s s u m ir u m a d o r le g ítim a ?
O que quer dizer?
O primeiro início da menstruação poderia ocorrer
fácil e naturalmente — sem associações particulares. Portanto, po
deria ser indolor. Então, interrompe-se uma função — para a qual
todas as sensações foram aprendidas —, e isto ocorre de maneira sú
bita e inesperada. A perda dessa função é algo doloroso. E, de repen
te, a pessoa é lembrada, pelo reaparecimento da dor, de sua perda
de afeto, e mais a congestão normal dos tecidos. Assim, é uma dor
legítima. Você quebra um braço, ele é engessado. Gradualmente, vo
cê se acostuma com o gesso. Ele é retirado e você tenta dobrar o bra
ço — é doloroso.
E n tr e v is ta d o r :
E r ic k s o n :
E n t r e v i s t a d o r : É.
E r i c k s o n : É uma dor legítima, também. A dor do desuso. Ain
da assim, você quer ter um braço móvel. Mas não é doloroso devido
a conflitos. Por que a menstruação interrompida não voltaria com
dor? E isto pode tê-la assustado, e feito surgir em sua mente a per
gunta: “ Será sempre doloroso?” . E então ela ficaria antecipando uma
menstruação dolorosa. Ela teria todo um mês para antecipar a mens
truação dolorosa — e comprová-la.
E n t r e v i s t a d o r : Tenho certeza de que é o que ela faz — pas
sa um mês esperando.
E r i c k s o n : Sim, ela teve uma prova adicional. E eu pergunta
ria a ela: “ Qual é seu ciclo?” “ Quantos absorventes usa por dia?”
“ A menstruação é sempre regular?” “ Vem pela manhã?” “ A tarde
ou à noite?” “ Ou ao acaso?” .
E n t r e v i s t a d o r : Aparentemente, é regular e vem pela manhã.
E r i c k s o n : E eu jogaria a questão: “ Quantos absorventes por
dia?” . Porque esta é realmente uma pergunta íntima embaraçosa.
“ Você encharca todo o absorvente?” “ Ou você os troca lo g o que co
meçam a ficar úmidos?” Ela já disse que é regular e vem de manhã.
“ E como se sentiria se acontecesse um dia antes do esperado? E não
pela manhã, mas à noite? Como se sentiria?” A primeira coisa que
eu faria seria deslocar o momento da dor.
E n t r e v i s t a d o r : Quer dizer que, se deslocar o momento, po
de fazer algo a respeito da dor?
E r i c k s o n : S e d e s l o c o o t e m p o , e n t ã o n ã o o c o r r e r á o p e r ío d o
e sp era d o , e o p e r ío d o e s p e r a d o é u m p e r ío d o d o l o r o s o . O p e r ío d o
in e s p e r a d o n ã o é d o l o r o s o , p o r q u e a c o n t e c e u in e s p e r a d a m e n t e . E e n
t ã o p o d e - s e im p la n t a r is s o e m s u a m e n t e . E la v a i p r e s ta r m u it a a t e n
ção às perguntas do tipo: “ Quantos absorventes?” “ Você os deixa
ficar completamente encharcados?” . E não prestará muita atenção
consciente às sugestões de deslocamento.
E n t r e v i s t a d o r : E elas serão mais eficazes se ela lhes der me
nos atenção consciente?
E r i c k s o n : E la e s t á a u m a d is t â n c ia e m q u e p o d e o u v i - l o , e la
e s c u t a t u d o o q u e d iz , e la v e i o p a r a f a la r c o m v o c ê , e la v a i e s c u ta r
ta n to c o m a m e n te c o n s c ie n te q u a n to c o m a m e n te in c o n s c ie n te . E
v o c ê p e r m a n e c e c ie n t e d e s t e f a t o . “ E c o m o s e s e n t ir ia s e o c o r r e s s e
i n e s p e r a d a m e n t e — d u r a n t e a n o i t e ? ” N o t e q u e u s o a p a la v r a “ s e n
t i r ” . E la t e m u m a c o n o t a ç ã o d iv e r s a d a i d é ia d e d o r .
En t r e v i s t a d o r : A h , e n te n d o .
E r i c k s o n : Deste modo, eu realmente alterei um sentimento a
respeito da menstruação, de dor para um outro tipo de sentimento.
Uma outra coisa é acentuar o manejo da menstruação dolorosa. Mui
tos terapeutas, médicos, não levam em conta os direitos do paciente.
E tentam aliviar a moça da menstruação dolorosa fazendo-a desapa
recer completamente. Quando uma jovem chega a mim pedindo que
eu alivie a dor da menstruação, deixo-lhe muito claro que é isto que
ela quer — tanto quanto saiba. Mas é provável que, em sua vida, ha
ja uma ocasião na qual ela p o s s a q u e re r um período doloroso. Ela
pode querer esca p a r de algum compromisso social queixando-se de
cólicas. Ela pode querer escapulir de um exame na universidade. Ela
pode querer ter mais um dia extra de folga no escritório. Assim, seja
realista sobre o assunto. Ela quer alívio para a menstruação dolorosa
quando lhe for conveniente. O inconsciente é bem mais inteligente
do que o consciente. A jovem vem a você solicitando alívio para a
menstruação dolorosa, e você gentilmente, frustrantemente, lhe su
gere que fique livre da dor. Mas o inconsciente dela sabe que você
não compreende o problema. Você está lhe dizendo agora, como uma
criatura menstruante, para ficar livre da dor, e ela sabe muito bem
que vai se casar e ter um bebê, e que a menstruação será interrompi
da, e que nenhuma das sugestões que lhe deu serão aplicáveis até que
comece uma nova história de menstruação. Ela recusa seu ofereci
mento de alívio porque você não levou em conta o curso natural dos
eventos. E ela na verdade percebe isto em seu inconsciente, e troça
de você, porque você acabou de presumir que ela nunca terá uma in
terrupção. Mas terá. Ela pode ficar doente. Talvez no passado tenha
ficado doente e tenha interrompido a menstruação. E seu inconscien
te, buscando a sua ajuda, q u e r que você a leve em conta como um
indivíduo que vai encontrar esta ou aquela coisa. Quando você lhe
dá o privilégio de ter uma menstruação dolorosa como um modo de
fazer com que seu marido lhe dê um novo casaco de peles, você lhe
deu o privilégio de manter a dor e de não mantê-la. Então a escolha
é dela: você não está lhe tomando à força algo que ela sente que lhe
pertence. Você simplesmente está lhe oferecendo uma oportunidade
de deixar isto de lado ou mantê-lo conforme sua conveniência. As
sim como está deixando o paciente recusar.
E n t r e v i s t a d o r : Bem, o mesmo é válido para a maior parte
dos outros sintomas, não é? É a atitude correta.
E r i c k s o n : É a atitude correta. Uma mulher de trinta anos chu
pava o polegar, arranhava seus mamilos até que eles ficassem em carne
viva e o mesmo fazia com o umbigo. Ela fazia isto desde a infância.
Procurou uma terapia que a curasse e eu disse que não faria terapia
por causa daquilo, que eu simplesmente a curaria — em menos de
trinta segundos. Ela sabia que isto era impossível. Mas queria saber
como eu o faria naquele espaço de tempo. E eu lhe disse: tudo que
teria que fazer era dizer sim. Ela sabia que a q u ilo não iria alterar na
da. “ Dizer sim e querer dizer sim.” “ Da próxima vez que tiver von
tade de arranhar seu mamilo, quero que você o faça. Quero que en
tre neste consultório, exponha os seios e o mamilo, e o faça. Vai fa
zer isto?” Ela respondeu: “ Sim” , e então disse: “ Sabe muito bem
que nunca faria isto. Nunca” . E ela queria dizer: “ E u n u n c a fa r e i
is to ” . Falava sobre não voltar ao consultório.
E n t r e v i s t a d o r : S im .
E r i c k s o n : “ E s t á c e r t o , v o c ê n u n c a fa r á i s t o . ” S e u in c o n s c ie n t e
s a b ia , e s e u i n c o n s c i e n t e a p o s s o u - s e d e t o d a a su a i n t e n s id a d e e
t r a n s f e r iu - a p a r a e la .
E n t r e v i s t a d o r : Voltando à imagem corporal, e pensando de
novo sobre aquela jovem, quando se tem uma idéia dos defeitos da
imagem corporal, o que fazer para revisá-las?
E r i c k s o n : O que fazer? Uma moça veio me ver porque estava
nervosa. Estava receosa, trêmula, insegura. Não gostava das pessoas
e estas não gostavam dela. E ela estava tão abalada que lhe era difícil
caminhar. Tinha medo das pessoas, e, quando ia a um restaurante,
levava um jornal para se esconder atrás dele. Voltava para casa por
aléias para evitar ser vista. Freqüentava sempre os restaurantes mais
baratos — para que as pessoas pudessem olhá-la e desprezá-la. E, além
do mais, não era digna de ser olhada. Fiz com que desenhasse seu
retrato. Ela testou suas habilidades de esboço. E ali está o retrato —
vê?
E n t r e v i s t a d o r : É obscuro. Meramente partes não relaciona
das.
E r i c k s o n : Finalmente, ela desenhou esta figura de calendário
de si mesma nua. Primeiro, uma cabeça sem corpo, e então seu autoretrato final.
E n t r e v i s t a d o r : E o que foi que fez com ela entre o desenho
inicial e o último? Para que superasse a imagem corporal deficiente?
E r i c k s o n : Primeiro, perguntei-lhe se realmente queria fazer te
rapia. Se realmente iria cooperar. Ela afirmou não ter escolha e con
cordei com ela. Ela realmente não tinha escolha, a não ser a escolha
do terapeuta, e como tinha vindo me procurar e dado o primeiro pas
so difícil, seria ainda pior ter de procurar outro — porque teria de
dar novamente o primeiro passo. Isto garantiu que ficaria comigo.
E n t r e v i s t a d o r : Percebo.
E r i c k s o n : Ela não percebeu que coloquei uma barreira que a
impedia de procurar outro. Mas ela e sta v a ali, e eu lhe disse que a
terapia abordaria todas as suas funções como pessoa, o que incluía
não só seu modo de trabalhar, mas também o modo como andava
nas ruas, como se alimentava e dormia e o lazer. Comer implica o
quê? Micção, defecar também. Tente comer sem incluir estas ativi
dades — impossível. Todas as criancinhas aprendem que, se come
rem, mais cedo ou mais tarde o intestino acaba se mexendo. Este é
um ensinamento fundamental, disse-lhe, mantenha-o sempre em men
te. E falei disso enquanto comia. Todas as suas funções enquanto
pessoa. Não enquanto personalidade, mas enquanto pessoa. Uma pes
soa que come, dorme, trabalha e se diverte — de modo que tudo esti
vesse incluído. E eu teria de saber todas as coisas que ela p u d e s s e me
contar. E todas as coisas em que eu pudesse pensar.
E n t r e v i s t a d o r : Este é o tipo de frase astuciosa, não é mes
mo? Você teria de saber to d a s as coisas — que ela p u d e s s e lhe con
tar. É uma afirmação arriscada da qual o perigo subitamente é reti
rado.
E r i c k s o n : E todas as coisas em que eu pudesse pensar — e eu
ousei pensar uma porção de coisas. O que na realidade significou pa
ra ela que nada, absolutamente nada, deixaria de ser incluído. Tudo
seria incluído — tudo que ela pudesse contar, tudo em que eu pudes
se pensar. E como sou um médico, posso realmente pensar — e real
mente tenho conhecimentos. E tudo dito de modo muito gentil. Mas
cada pedacinho de conhecimento que ela pudesse atribuir a seu tera
peuta era colocado à sua frente. Uma das primeiras coisas que quis
saber dela era o que pensava de si mesma como pessoa — ou talvez
a melhor maneira de me contar isto fosse dizer-me o que pensava de
sua aparência. “ Bem” , disse ela, “ sou loira.” “ E tem dois olhos,
e duas orelhas e uma boca, e um nariz, e duas narinas e dois lábios, e
um queixo. O que pensa de todos eles? É loira, você disse. Que tipo
de loira?” “ Uma loira suja como uma máquina de lavar pratos.” Do
que mais você precisa? “ E meus dentes são tortos, minhas orelhas
muito abertas, meu nariz muito pequeno. Tudo que posso dizer é que
sou uma moça muito comum.” Muito comum implica o quê? Quan
do ela passou do seu rosto para “ uma moça muito comum” , ela es
tava se descrevendo. Todo o resto de seu corpo estava implícito na
frase “ moça muito comum” . A seguir, quis saber se ela me diria se
tomava banho de imersão ou de chuveiro. Pedi-lhe que descrevesse,
em detalhes, como entrava no chuveiro, o que fazia e, também em
detalhes, o que acontecia depois que fechava o chuveiro. Ela teria que
se visualizar — eu a mantinha nua bem na minha frente, não é as
sim? Mas ela estava nua, e uma vez que tinha ficado nua para mim:
“ Agora, se pudesse ver seu corpo nu, sem que a cabeça fosse visível,
reconheceria seu corpo?” . Você sabe como é difícil reconhecer a pró
pria voz numa fita. Ela começou a se indagar se reconheceria seu corpo
nu — e lá estava ela, novamente nua. “ Eu posso lhe contar algo so
bre seu corpo que você não sabe, e eu nunca o vi. Você sem dúvida
tem plena certeza de que sabe a cor de seus pêlos púbicos. Eu nunca
os vi, nem espero vê-los. Mas acho que não sabe qual a sua cor.”
Ora, isto era uma coisa a respeito da qual ela tinha certeza.
E n t r e v i s t a d o r : Is s o n ã o s ó a f e z p e n s a r s o b r e o t e m a , m a s
f e z c o m q u e f o s s e p a r a c a s a v e r if ic a r .
E r i c k s o n : Sua primeira resposta foi: “ Naturalmente, eles são
da mesma cor dos meus cabelos, loiro máquina de lavar pratos” . Mas,
pela pigmentação normal do corpo, seus pêlos púbicos têm de ser mais
escuros do que os cabelos da cabeça — isto eu sei. Por isso, pude lhe
dizer: “ Você afirma que seus pêlos púbicos são da mesma cor dos
seus cabelos, e eu digo que não são” . Ela verifica e descobre que eu
e sto u c erto . Eu re a lm e n te lhe demonstrei — dei-lhe uma oportunida
de de ter uma discussão comigo. Para disputar o c o n h e c im e n to do
corpo dela. Mas, e quanto à minha menção descortês a seus pêlos pú
bicos? Esta não é a questão. A questão é que desafiei seu conheci
mento. E ela vai provar para si mesma que sou ignorante — não que
sou intrometido. Então ela está travando uma falsa batalha. Não po
de me dizer se estou certo ou errado sem trazer à tona o assunto dos
pêlos púbicos. “ E de que cor são seus mamilos? Fico pensando se
você realmente sabe.” “ Naturalmente, são da cor da minha pele.”
“ Acho que não. Isto é algo que você vai descobrir, que eles n ã o são
da cor de sua pele.” Eis aí, ela tem uma questão para debater, uma
questão puramente intelectual. Ela vai lutar, mas está lutando em meu
território.
E n t r e v i s t a d o r : É , é v e r d a d e . E o f a t o d e v o c ê te r a c e r t a d o
a c o r d o s p ê lo s p ú b ic o s d e v e to r n a r m a is c la r o p a r a e la o f a t o d e ter
e sta d o n u a c o m v o c ê .
E r i c k s o n : Ah, sim. E o fato de que eu estou certo sobre seus
mamilos. E quando me diz que seus quadris são m u ito s largos, posso
petulantemente dizer-lhe: ‘‘A única utilidade que eles têm para você
é se sentar sobre eles” . Como é possível argumentar sobre isso sem
entrar numa horrível confusão de argumentos? Eles são feitos de mús
culos e gordura, e este é um tópico não mencionável. Mas eles são
úteis para se subir escadas...
E n t r e v i s t a d o r : E ú t e is p a r a a tr a ir o s h o m e n s ?
E r i c k s o n : Is to eu menciono mais tarde. Então posso destacar
como as pessoas vêem as coisas de modo diferente. Quem? Aquela
mulher que na África tem bico de pato? Não consigo me lembrar o
nome. Você sabe, a mulher de bico de pato, com os lábios esticados
para a frente com uma travessa neles. “ E, sabe, os homens da tribo
acham lindo e se espantam porque os homens americanos conside
ram este tipo de lábios que você tem muito bonitos.” O que eu disse?
E n t r e v i s t a d o r : V o c ê d e s liz o u p a r a u m e l o g i o a g r a d á v e l.
E r i c k s o n : Estou lhe apresentando o ponto de vista masculino.
Não é nada pessoal.
E n t r e v i s t a d o r : Sim, e você o tornou tão geral que não po
dia ser simplesmente seu.
E r i c k s o n : Este é o tipo de coisa que se faz na psicoterapia breve.
E n t r e v i s t a d o r : Bem, um dos problemas na psicoterapia bre
ve, parece-me, é fazer com que o paciente sinta que esta não é so
mente sua opinião pessoal, mas que todas as outras pessoas teriam
a mesma opinião, ou ao menos todos os outros homens teriam.
E r i c k s o n : Não que todo homem tenha a mesma opinião, mas
que os homens têm um ponto de vista masculino. Que as mulheres
têm um ponto de vista feminino. Um homem não quer beijar um bi
gode, e com freqüência as mulheres querem.
E n t r e v i s t a d o r : Eis um belo desvio; se você tivesse elogiado
seus lábios atraentes, ela poderia negar o elogio ou, pensando que
estava errado, aceitá-lo, acreditando ser esta a sua opinião, mas não
a dos homens em geral.
E r i c k s o n : Correto. E eu ensino a função ao corpo. “ Você co
me — que tipo de problema de estômago tem?” “ Sofre de que tipo
de prisão de ventre?” “ Come bem?” “ Que respeito tem por seu estô
mago — come boa comida ou o insulta com qualquer coisa que este
ja à mão?” Com este tipo de ataque frontal, ao qual não pode haver
objeção, foi possível perguntar que atitude teria em relação a seus
seios, seus genitais, seus quadris, suas coxas, seus tornozelos, joelhos,
barriga. Seus dentes eram muito tortos? Eram mesmo? Como um ho
mem reagiria a seu sorriso? Sua visão seria tão deficiente que ele só
veria aqueles dois dentes tortos, ou veria também seus lábios? Enxer
garia seu queixo, gostaria de seu sorriso? Tinha ele o d ire ito de ver
o que ele queria ver? O que gostava de olhar? Tinha ela o direito de
dizer: “ Agora estou sorrindo, e veja meu dente torto” ? Ele poderia
preferir notar o formato e a espessura de seus lábios.
E n t r e v i s t a d o r : Você tentou fazê-la se interessar pela possi
bilidade de se sentir atraente, não é isto?
E r i c k s o n : Tentei fazê-la reconhecer que qualquer homem que
queira pode olhar para ela e encontrar alguma coisa bonita. E que
os homens têm preferências variadas.
E n t r e v i s t a d o r : Fico constantemente divagando a respeito de
como consegue montar algo para que os pacientes façam o que quer.
Como consegue que se empenhem.
E r i c k s o n : Em geral oferecendo-lhes uma contenda. Por exem
plo, uma paciente não estava bem no trabalho — todas as queixas
usuais. A primeira vez que veio me ver, observei que seu cabelo esta
va mal, muito mal penteado. Ela notou que olhava para seu cabelo
e disse: “ Não faça o que faz meu patrão; ele vive me dizendo para
pentear o cabelo e eu faço o melhor que posso” . E eu disse: “ Você
quer se dar bem em seu emprego, e penteia o cabelo o melhor que
pode, mas fico pensando que você tem muito medo de ter a melhor
aparência possível” . Disse-lhe que ela poderia descobrir isto indo pa
ra casa, tomando uma ducha e lavando o cabelo. “ E você vai desco
brir inúmeras coisas sobre si mesma.”
E n t r e v i s t a d o r : Deixa as coisas assim, tão em aberto?
E r i c k s o n : Tão em aberto.
E n t r e v i s t a d o r : E o q u e e la d e s c o b r iu ?
Depois ela me contou que tomou a ducha, se enxu
gou cuidadosamente, ficou em frente ao espelho, pegou seu espelho
de mão para poder enxergar atrás, e ficou longo tempo examinando
seu corpo. Examinou-o tendo como pano-de-fundo o fato de o pa
trão achar descuidado o modo como penteava os cabelos. Ressentiase com as críticas do patrão. Quanto mais se examinava, tendo como
pano-de-fundo o ressentimento que sentia do patrão, mais aprovava
o próprio corpo.
E r ic k s o n :
E n t r e v i s t a d o r : É r e a lm e n t e e x tr a o r d in á r io o m o d o c o m o v o
c ê t r a n s f o r m a u m a o p o s i ç ã o n u m a c o n t e n d a p a r a f a z e r a l g o p r o d u t i
v o p a r a a p e s s o a , a o in v é s d e se r a lg o d e s t r u t iv o .
E r ic k s o n :
se nasce.
Tudo que se faz
é
utilizar o narcisismo com o qual
E n t r e v i s t a d o r : Você pode travar um combate com um pa
ciente que adoece somente para provar que está errado, mas peça-lhe
para inverter as coisas e então ele prova que você está errado fazendo
algo benéfico para si mesmo. Para mim, o mais interessante nisto tu
do é o modo que você dispensa toda a etiologia.
E r i c s o n : A etiologia é um assunto complexo, e nem sempre é
relevante para se superar um problema. Após a cerimônia do casa
mento, após terem sido declarados marido e mulher, um homem des
cobre que não consegue desfrutar sua relação sexual. Isto não signi
fica que haja algum fator etiológico específico. Se pensar num meni
no que está crescendo, e algumas vezes descrevo este processo para
pacientes homens, e especialmente para mulheres, há muito o que
aprender ao longo do caminho. Ele tem de aprender as sensações de
seu pênis: as sensações das glândulas do pênis, o canal, a pele, o pre
púcio, a sensação da uretra. O menino aprende isto enquanto cresce
e, quando atinge a puberdade, aprendeu a ter uma ejaculação e tê-la
de maneira satisfatória. Mesmo então, ele ainda tem muito o que
aprender, deve aprender a coisa difícil que é dar e receber prazer se
xual. Com quem pode começar a aprender isto? Com alguém que fa
le sua própria linguagem. Não a linguagem dos vestidos e das bone
cas, mas a de fugir de casa e das jogadas de futebol. Se sabe pescar,
a que distância pula, são coisas que o preocupam, e não saber que
cor combina com qual e como pentear o cabelo. Esta é uma lingua
gem estranha, ofensiva. Por isso, ele procura outros meninos. Ele tem
de aprender a dar e receber prazer sexual com outra pessoa. E, por
isso, no nível mais elementar, ele troca pontos de vista a respeito de
seu pênis ser ou não idêntico ao de outro menino, se o formato é o
mesmo, porque todos nós precisamos nos identificar com outra pes
soa. Os meninos avaliam os músculos uns dos outros. Comparam suas
habilidades recíprocas para pular, jogar bola e avaliam a habilidade
do colega em ter uma ejaculação. A que distância consegue acertar
quando goza? E eles manipulam uns aos outros. Como o fazem? Al
gumas vezes manualmente. Outras, observando. Outras ainda, ou
vindo. Seria este um estágio homossexual, ou é um nível elementar
fundamental do aprendizado de como dar e receber prazer sexual na
relação com outra pessoa? E é melhor começar com alguém que usa
sua linguagem do que com algema criatura estranha, que fala um ti
po de linguagem totalmente diferente. Que tem um corpo estranho,
que não pode jogar bola, assobiar, não pode fazer nada de interes
sante. Nem mesmo tem músculos. Ora, todos esses aprendizados não
se desenvolvem separadamente. O menino precisa aprender a produ
zir uma ejaculação em si mesmo através de estímulo manual, fricção,
e assim por diante. Tem de estar cônscio do fato de que outros meni
nos também o fazem. Mas, para se tornar maduro e homem, ele tem
de estocar valores emocionais. Por isto, tem sonhos molhados. No
início, estes sonhos são muito vagos. Ele adormece silenciosamente,
não se toca, mas tem uma ereção relacionada a idéias, pensamentos
e sentimentos, e tem um sonho molhado, tem uma ejaculação. E de
ve ter suficientes ejaculações, suficientes sonhos molhados, de modo
que em resposta aos sentimentos, pensamentos, imagens oníricas, pos
sa ter uma ejaculação correta. Em geral, a mãe lhe diz que está se
maltratando e seu aprendizado é barrado. Ele não tem esses sonhos
molhados para irritar a mãe; está tendo esses sonhos porque psicolo^
gicamente está aprendendo alguma coisa. Ele está organizando a ex
periência física real com conceitos de sentimentos e experiências, me
mórias e idéias. Vagos, é verdade, mas não obstante muito vitais pa
ra ele. O desenvolvimento sexual não ocorre em unidades ordenadas.
É preciso ter uma experiência variada de reagir aos meninos e então
começar a reagir às meninas. Aprender a andar de s k a te no ringue,
onde aprendem a se envolver numa atividade física prazerosa, rítmi
ca, uns com os outros. Dançando algumas vezes com uma menina,
ele acaba descobrindo que pode ser divertido passear com elas. Ao
mesmo tempo, ele descobre que as garotas têm outras qualidades além
das puramente físicas — algumas são ases da matemática. E assim
o menino deve aprender todas essas coisas no nível elementar, e à me
dida que aprende e observa os rapazes mais velhos, descobre o que
é uma moça. E toda aquela conversa crua, grosseira, é condenada.
Divaga cruamente a respeito das meninas, de seus quadris, seus seios,
sobre seu desejo de beliscar as nádegas de uma jovem, e de acidental
mente roçar seu seio com o braço ou o ombro. Até que tenham loca
lizado realmente os seios, de modo que consigam ajudar uma moça
a vestir o agasalho e então passar a mão sobre eles. Mas antes eles
os cutucam com o cotovelo, ou dão um encontrão. O objetivo da busca
rude é a localização. O encontrão grosseiro nos seios de uma jovem,
o tapinha e a conversa rude. Falta aos meninos a linguagem do refi
namento e da estima emocional. Eles precisam confirmar suas pró
prias observações dos outros, e então acontecem aquelas sessões de
disparates nas quais o sexo é mencionado e seus impulsos instintivos
os forçam a mais e mais expansão. E então acontece o primeiro caso
de amor. A moça é colocada num pedestal, e ali mantida, venerada
de longe, porque eles não têm familiaridade suficiente com o sexo
oposto para ousar deixar que ela se aproxime muito. Ela é uma cria
tura estranha. E eles mantêm a jovem no pedestal até que ela mostre
os pés de barro. E então eles erigem outro pedestal, para uma outra
moça, mas desta vez não tão alto, até que ela mostre os pés de barro.
Até que finalmente a moça e o rapaz se encontram num nível onde
podem realmente olhar um nos olhos do outro. Sem que o rapaz te
nha que esticar o pescoço. Mas, sem dúvida, as meninas também co
locam os meninos em pedestais até que eles mostrem os pés de barro.
E tudo o que o rapaz faz a moça também faz, a seu modo. O rapaz
tem que especular sobre o que é beijar. Meu filho ficou sabendo o
que era beijar aos onze anos. Achou repugnante. Cogitava quando
degeneraria tanto a ponto de chegar a isto. Mas, enquanto pensava,
também reconhecia o fato de que beijaria alguém. E como é que os
meninos e as meninas aprendem sobre o sexo? Quando chega o mo
mento, e eles já têm suficiente compreensão geral, podem procurar
informação em livros, com os mais velhos, com pessoas em que con
fiam, e podem relacionar as informações sem necessariamente terem
de experimentar. Alguns meninos não conseguem correlacionar e sin
tetizar as informações e partem para a experimentação. Ficam de agarração do pescoço para cima, da cintura para cima, da cintura para
baixo, dependendo — se se quer denominar assim — do pano-defundo moral geral. O mesmo fazem algumas meninas que têm que
aprender através da experiência real.
Uma outra consideração que é com muita freqüência relegada
é o desenvolvimento biológico do indivíduo. Um homem pode ter re
lações sexuais com uma mulher, e isto ser uma performance biologi
camente local. As células espermáticas são secretadas e, uma vez
completado o processo — a produção das células espermáticas —,
o corpo do homem não tem mais nenhuma utilidade para elas. Elas
não têm nenhuma utilidade para ele. São úteis somente quando o ho
mem se livra delas depositando-as na vagina. Assim, o desempenho
sexual de um homem, biologicamente, é um fenômeno puramente local
e pode ser realizado muito rapidamente, num espaço de segundos.
É simplesmente local, e, uma vez depositadas as células espermáti
cas, caso encerrado. Biologicamente falando, a mulher tem uma re
lação sexual e, para completar biologicamente este ato simples, ela
fica grávida. O que dura nove meses. E depois há o período de lactação, que dura mais uns seis meses. E então tem o problema de cuidar
da criança, ensiná-la, nutri-la, ficar atrás dela e permitir-lhe crescer.
Assim, para uma mulher, o simples ato do intercurso, em nossa cul
tura, leva uns dezoito anos para se completar. Para um homem —
dezoito segundos é tudo o que é necessário. Como é construído o corpo
da mulher? Muitas pessoas não percebem que o corpo da mulher par
ticipa completamente de uma relação sexual. Quando a mulher co
meça a ter uma vida sexual ativa, totalmente bem-adaptada, o cálcio
de seu esqueleto muda. A contagem de cálcio aumenta. Seu pé au
menta um quarto de tamanho, a sobrancelha fica mais espessa. O ân
gulo do maxilar muda, o queixo fica um pouco mais pesado, o nariz
um tico mais comprido, é provável que ocorra uma mudança em seus
cabelos, seus seios mudam, ou de tamanho ou de consistência, ou am
bos. Seus quadris, o monte de Vênus, se alteram ou em tamanho ou
em consistência, ou ambos. A forma da coluna se altera um pouqui
nho. Assim, fisiológica e fisicamente, a moça se torna diferente num
curto período de tempo, como em duas semanas de amor ardente.
Porque, biologicamente, seu corpo tem de ser preparado para nutrir
outra criatura durante nove longos meses e, depois, durante meses
ou anos, durante os quais todo o seu comportamento corporal está
centrado na prole. A cada filho, o pé da mulher tende a aumentar,
e o ângulo de seu maxilar a se alterar. Cada gravidez provoca enor
mes mudanças físicas e fisiológicas. Um homem não fica com mais
pêlos na barba porque teve uma relação sexual, sua contagem de cál
cio não se altera, seus pés não ficam maiores. Seu centro de gravida
de não se altera. Para ele, é uma questão local. Mas, para a mulher,
a relação sexual e a gravidez são imensas alterações biológicas e fisio
lógicas. Ela tem que participar delas como um ser físico completo.
Ora, em todas essas coisas, onde estaria a etiologia de um problema
sexual particular? Com muita freqüência, presume-se que um sim
ples trauma no passado é a causa da dificuldade. Ou que alguma autodescoberta sobre uma idéia em terapia irá transformar a pessoa.
Encaro o problema mais como uma questão de propiciar uma situa
ção onde a pessoa possa fazer uso do que aprendeu e tenha a oportu
nidade de aprender mais para desfrutar sexualmente.
E n t r e v i s t a d o r : Não lhe parece que explorar o passado é par
ticularmente relevante? Fico sempre tentando tornar claro para mim
mesmo o quanto do passado devo levar em conta na terapia breve.
E r i c k s o n : Sabe, em julho último recebi uma paciente que ha
via feito quatro ou cinco anos de psicanálise e não tinha chegado a
lugar nenhum. E alguém que a conhecia disse: “ Quanta atenção dá
ao passado?” . Eu respondi: “ Sabe, esqueço-me totalmente dele” . Esta
paciente está, acredito, razoavelmente curada. Ela tinha uma grave
compulsão de se lavar, quase umas vinte horas por dia. Não entrei
na causa ou na etiologia; a única pergunta informativa que fiz foi:
“ Quando você entra no chuveiro para se esfregar durante horas, digame, começa pelo cocuruto, pela sola dos pés, ou pelo meio? Você la
va do pescoço para baixo, ou começa dos pés e vai subindo? Ou co
meça pela cabeça e vai descendo?
E n t r e v i s t a d o r : Por que fez esta pergunta?
E r i c k s o n : P a r a q u e e la s o u b e s s e q u e e u e s t a v a r e a lm e n t e i n t e
ressad o.
E n t r e v i s t a d o r : Para poder juntar-se a ela?
E r ic k s o n :
teressa d o.
Não, para que soubesse que eu estava re a lm e n te in
R E V IS Ã O D E C A R Á T E R
D O JO V EM A D U L T O
Quando o problem a de um jovem é tão grave que ele se afasta
de envolvimentos hum anos, Erickson tenta um a revisão im portante
de sua natureza. Seu método assemelha-se bastante ao que utiliza na
terapia breve, mas a intervenção é mais abrangente. Em geral, quando
Erickson fica meses, ou anos, com alguém em terapia, ele não faz
entrevistas diárias ou mensais com a pessoa. Pode recebê-la algumas
vezes, interromper as sessões e novamente tornar a vê-la durante certo
período. Ele gosta de iniciar mudanças que podem continuar sem seu
constante envolvimento. Em tais casos, a duração do tratamento pode
ser de vários anos, mas o número de sessões terapêuticas é relativa
mente pequeno comparado com outros tipos de terapias de longa du
ração.
Q uando um jovem recusa todos os envolvimentos sociais, isto
pode ser causado por um a série de razões. No primeiro caso que se
rá narrado aqui, uma moça recusa o envolvimento com o mundo de
vido ao que considera um defeito físico grave. A preocupação com
a aparência física é típica da adolescência, em bora raram ente seja
tão intensa como neste caso. Comumente, nesta época, os jovens se
comparam a um ideal cultural e se descobrem deficientes. Tipicamente,
superam estas preocupações como parte da atividade de namoro nor
mal. As moças se julgam atraentes quando os rapazes as acham atraen
tes. No entanto, em certas ocasiões, um a jovem pode ficar tão preo
cupada com o que considera uma anorm alidade física que passa a
evitar as situações sociais que poderiam ajudá-la a resolver a dificul
dade. Algumas vezes, há um defeito físico real; outras, o que os ou
tros considerariam um a pequena falha, mas que para ela se torna
extremamente importante. Pode-se iniciar um círculo vicioso, no qual
a jovem se afasta cada vez mais das outras pessoas, e, ao fazê-lo,
fica cada vez mais preocupada com seu defeito físico. Porque, não
tendo muitos outros interesses, se afasta mais ainda das pessoas. Com
freqüência, em tais casos, qualquer renovação de confiança por par
te dos pais é descartada pela jovem como tendo motivações benevo
lentes e, portanto, tendenciosas. Algumas vezes, a jovem desenvol
ve este tipo de preocupação devido a um problema familiar; por exem
plo, ela pode negar seus atrativos físicos como uma maneira de lidar
com um a mãe ciumenta. Outras vezes, uma jovem que está desabrochando estabelece um conflito entre a mãe e o pai, na medida em
que a mãe reage a ela como com petidora ou o pai a usa contra a es
posa. Em outras ocasiões, a preocupação com um defeito físico ima
ginário, ou real, parece simplesmente acontecer, e nenhum argumento
lógico consegue dissuadir a jovem de que ela não tem nenhum atra
tivo para a relação hum ana.
M ilton Erickson, além de ter muitos anos de experiência pro
fissional com jovens, teve também a experiência pessoal de criar oi
to filhos. Certa vez, sua esposa fez um a estimativa e constatou que
eles teriam adolescentes em casa durante trinta anos. Erickson refle
te sobre os problemas dos jovens dentro de um quadro de conheci
mento de suas sensibilidades.
Um a moça de dezessete anos começou a não querer sair de ca
sa na época em que deveria ir para a faculdade. Recusava-se a fazer
contatos com o m undo porque seus seios não tinham se desenvolvi
do, em bora de resto fosse normal fisicamente. Ela havia recebido
vasto tratam ento médico, inclusive terapia endócrina experimental,
sem resultados. No momento, devido à sua crescente perturbação emo
cional, a possibilidade de internação num hospital mental estava sendo
considerada. Erickson foi à sua casa para tratá-la e a encontrou es
condida atrás do sofá. Quando foi descoberta, ela correu para trás
do piano. Só quando ficou sabendo que não receberia mais ajuda
médica, e portanto “ nenhum outro remédio ou injeção” , consentiu
em conversar com Erickson. Ele começou a trabalhar com a jovem
e descobriu que ela era um bom sujeito para a hipnose. Ele relata:
Durante a primeira entrevista, que durou várias horas, conver
sei com ela sobre os componentes ativos de sua personalidade, tanto
em estado de transe quanto fora dele. Descobri que tinha um senso
de humor travesso, um interesse em ser dramática, e então usei isto
em meu lance inicial. Lembrei-lhe uma antiga canção sobre o dedão
do pé estar ligado ao osso do pé, e assim por diante. Ela ficou inte
ressada, e eu lhe ofereci uma paráfrase sobre o sistema endócrino,
dizendo que assim como o osso do pé se ligava ao osso do tornozelo,
assim também o “ osso glândula supra-renal” se ligava ao “ osso tiróide” , cada um “ apoiando e ajudando” o outro.
A seguir, ofereci-lhe sugestões para sentir calor, frio, para sen
tir sua face desconfortavelmente quente, para sentir-se cansada, re-
pousada e confortável. Ela respondeu bem a todas essas sugestões;
então, sugeri-lhe que sentisse uma coceira insuportável em cima do
pé. Disse-lhe para mandar embora esta coceira insuportável, mas não
para as profundezas mais baixas. Deveria mandar a coceira para a
“ nulidade destituída” de seus seios, uma destinação adequada para
uma coceira tão intolerável. Contudo, como punição extra para a co
ceira, esta estaria sempre presente, nem agradável nem desagradável,
perceptível apenas graças a uma sensação indefinida, o que tornaria
a jovem continuamente cônscia da área dos seios. Esta série de suges
tões tinha o propósito múltiplo de ir de encontro a sua ambivalência,
confundi-la e intrigá-la, estimular seu senso de humor, ir de encontro
à sua necessidade de auto-agressão e autodepreciação e, ao mesmo
tempo, fazer tudo isto sem aumentar seu sofrimento. Tudo foi feito
de modo tão indireto que ela nada podia fazer, a não ser aceitar e
responder às sugestões.
Propus que em cada sessão terapêutica ela se visualizasse men
talmente na situação mais embaraçosa que conseguisse imaginar. Es
ta situação, não necessariamente a mesma em todas as entrevistas,
sempre envolveria seus seios, e ela sentiria o embaraço com grande
intensidade, primeiro em seu rosto, e depois, com um sentimento de
alívio, ela sentiria o peso do embaraço mover-se para baixo e vir re
pousar em seus seios. Forneci-lhe ainda uma sugestão pós-hipnótica:
sempre que estivesse sozinha, ela regularmente aproveitaria para pen
sar sobre as sessões terapêuticas, e então, imediatamente, desenvol
veria um intenso sentimento de embaraço, o qual prontamente “ aco
modaria” em seus seios de maneira muito desconcertante, mas ple
namente agradável.
O esquema lógico dessas sugestões era simples e direto. Era me
ramente um esforço para transferir para seus seios, mas de maneira
agradável e construtiva, reações psicossomáticas infelizes e destruti
vas, tal como o “ terrível” e doloroso nó em meu estômago quando
surge a mais leve preocupação.
As instruções hipnóticas finais determinavam que ela se diver
tisse muito no colégio. Ao fazer as sugestões desse modo, efetivamente
eu desviava qualquer discussão sobre sua recusa de ir à faculdade.
Expliquei-lhe que, além de manejar adequadamente o trabalho
acadêmico, ela poderia divertir-se e enganar suas colegas de modo
muito divertido com o uso discreto de malhas justas e de seios posti
ços de tamanhos diferentes, algumas vezes em pares de dois números
diferentes. Ela foi também instruída a carregar pares de vários tam a
nhos em sua bolsa caso decidisse fazer uma inesperada mudança em
sua aparência. Ou, caso um de seus acompanhantes se tornasse mui
to ousado, ela poderia oferecer-lhe uma escolha. Assim, suas ativi
dades travessas não lhe trariam dificuldades.
Eu a entrevistei pela primeira vez em meados de agosto e mar-
quei para ela encontros semanais. Aos primeiros, ela compareceu pes
soalmente, e utilizei-os para reiterar e reforçar as instruções previa
mente dadas e para me assegurar de sua compreensão adequada e de
sua cooperação. Depois disto, ela manteve, com minha permissão,
três ou quatro encontros in a b se ntia. Isto é, ela se isolava pelo menos
durante uma hora, e desenvolvia, em resposta às sugestões póshipnóticas, um estado de transe de médio a profundo. Neste estado,
ela revisava sistemática e extensivamente todas as instruções anterio
res, as discussões e “ qualquer outra coisa” que pudesse surgir em sua
mente. Não fiz nenhum esforço para determinar a natureza dessas
“ outras coisas” , nem ela parecia estar desejosa em fornecer qualquer
informação, a não ser contar que havia pensado numa série de ou
tros tópicos. Às outras entrevistas ela compareceu pessoalmente; al
gumas vezes, pedia informações; outras, que eu a fizesse entrar em
transe; mas quase sempre solicitava instruções para “ continuar in
do” . Ocasionalmente, descrevia com um grande divertimento as rea
ções dos amigos aos seus seios postiços.
Ela entrou para a faculdade em setembro, adaptou-se bem, re
cebeu honras de caloura e se destacou nas atividades extracurricula
res. Durante os dois últimos meses de sua terapia, suas visitas esta
vam ao nível de encontros sociais. Em maio, no entanto, ela en
trou usando um suéter e declarou, com extremo embaraço: “ Não estou
usando postiços. Meus seios cresceram. São tamanho 44. Agora, diga-lhes para pararem de crescer. Eu já estou satisfeita” .
A meu pedido, passou por um completo exame clínico, com es
pecial recomendação quanto aos seios. Um relatório foi-me enviado,
e ela estava fisicamente bem sob todos os aspectos. Sua carreira uni
versitária era um sucesso, e os eventos subseqüentes são inteiramente
satisfatórios.
Não sei se a hipnoterapia teve ou não influência sobre o cresci
mento de seus seios. É bem possível que ele tenha resultado de um
processo de crescimento atrasado. Pode ter ocorrido como resultado
de todos os remédios que tomara. Ou pode ter sido um resultado com
binado de todos esses fatores, favoravelmente influenciados por seu
estado emocional alterado. Mas, em todo caso, ela entrou para a uni
versidade e começou a desfrutar a vida, ao invés de prosseguir com
seus padrões de recusa anteriores.
Uma das características de Erickson é sua disposição para ser
flexível em todos os aspectos de sua terapia. Não só está disposto
a entrevistar pacientes em seu consultório, em suas casas ou locais
de trabalho, mas também se dispõe a fazer sessões curtas ou entre
vistas que duram várias horas. Ele pode usar hipnose ou não. Ele
envolverá todos os membros da família em certos momentos e não
o fará em outros. Como no caso acima, também se dispõe a ter ses
sões na form a de ensejos sociais.
Certa feita, um problema mais grave apresentou-se a Erickson.
Uma mulher de vinte e um anos lhe telefonou pedindo ajuda, dizen
do ter certeza de que ele não a receberia. Q uando chegou ao consul
tório, disse: “ É como eu lhe disse, agora vou embora. Meu pai está
m orto, m inha mãe está m orta, minha irm ã está m orta, e isto é tudo
que me resta” . Erickson abordou o problem a da seguinte maneira:
Eu pedi com insistência que se sentasse, e, após pensar rapida
mente, percebi que a única maneira possível de me comunicar com
ela era através da dureza e da brutalidade. Teria que usar de brutali
dade para convencê-la de minha sinceridade. Ela interpretaria mal
qualquer amabilidade e não conseguiria acreditar na linguagem cor
tês. Teria que convencê-la totalmente de que a compreendia e reco
nhecia seu problema, e que não tinha medo de falar aberta, livremente,
sem nenhuma emoção e com franqueza.
Retomei sua história resumidamente e, a seguir, fiz as duas per
guntas importantes: “ Qual é sua altura e seu peso?” . Com um olhar
de sofrimento extremo, ela respondeu: “ Tenho um metro e sessenta.
Peso entre noventa e noventa e cinco quilos. Sou uma bobalhona gorda
comum. Ninguém olharia para mim, a não ser com repulsa” .
Este comentário me ofereceu uma abertura conveniente, e eu
lhe disse: “ Você realmente não contou a verdade. Vou falar clara
mente de modo que ficará sabendo como é e compreenderá que co
nheço você. Então acreditará, realmente acreditará, no que tenho a
lhe dizer. Você n ã o é uma bobalhona gorda comum repulsiva. Você
é o barril de gordura mais gordo, sem graça, repulsivamente horren
do que já vi, e é aterrador olhar para você. Você já cursou o primeiro
grau. Conhece alguns fatos da vida. Ainda assim, aqui está, com seu
metro e pouco de altura, pesando entre noventa e noventa e cinco
quilos. Você tem o rosto mais sem graça que já vi. Seu nariz foi sim
plesmente amassado em sua cara. Seus dentes são tortos. Seu maxi
lar inferior não se encaixa no superior. Seu rosto é insignificantemente
disperso. Sua testa é chocantemente baixa. Nem mesmo seu cabelo
está penteado decentemente. E este vestido que está usando — boli
nhas, milhões, bilhões delas. Você não tem gosto nem para se vestir.
Seus pés derramam-se pelas beiradas dos sapatos. Para ser curto e
grosso: você é uma confusão medonha. Mas precisa mesmo de aju
da. Estou disposto a lhe dar esta ajuda. Penso que sabe que não hesi
tarei em dizer a verdade. Você precisa saber a verdade a seu respeito
antes mesmo de poder aprender coisas necessárias para se ajudar. Mas
não pense que não pode agüentar. Por que veio me ver?” .
Ela respondeu: “ Pensei que talvez pudesse ser hipnotizada pa
ra conseguir perder peso” . Respondi: “ Talvez consiga aprender a en
trar em transe hipnótico. Você é suficientemente inteligente para ter
se graduado no segundo grau, e talvez seja inteligente o suficiente pa-
ra aprender a entrar no estado hipnótico. Será uma oportunidade para
eu lhe dizer algumas outras coisas descorteses. Coisas que acredito
que não suportaria ouvir se estivesse desperta. Mas no estado de transe
conseguirá escutar. Pode compreender. Fazer algo. Não muito, com
certeza, porque você está numa situação horrivelmente desvantajo
sa. Mas quero que entre em transe. Quero que faça tudo o que eu
lhe ordenar, porque o fato de você ter devorado os alimentos para
ficar parecendo um balde de lixo cheio demais demonstra que preci
sa aprender algo para não ser tão ofensiva aos olhos humanos. Ago
ra que sabe que posso lhe dizer a verdade, feche os olhos e entre em
transe profundo. Não perca tempo, assim como não perde tempo em
fazer de si mesma uma coisa repulsiva de se olhar. Entre completa
mente num profundo transe hipnótico. Não pense em nada, não sin
ta nada, não faça nada, não escute nada a não ser minha voz. Você
entenderá o que digo — e ficará contente por eu me dispor a falar
com você. Há muitas verdades que quero lhe dizer. Você não conse
guiria encará-las em estado desperto. Portanto, durma profundamen
te, num estado hipnótico profundo. Não escute nada exceto minha
voz, não enxergue nada, não pense em nada, exceto naquilo que quero
que pense. Não faça nada, a não ser o que lhe digo para fazer. Seja
apenas um autômato impotente. Está fazendo isto? Balance a cabe
ça e faça exatamente o que lhe ordeno, porque sabe que lhe direi a
verdade. A primeira coisa que farei é fazer com que — ou melhor,
ordenar a você — conte certos fatos a seu respeito. Você pode falar,
embora esteja em transe profundo. Responda a cada pergunta de ma
neira simples, mas informativa. O que há de importante sobre seu
pai?” .
Sua resposta foi: “ Ele me odiava. Era um bêbado. Vivíamos
em guerra. Ele costumava me chutar. Isto é tudo que lembro de meu
pai. Bêbado, batendo em mim, me chutando, me odiando” . “ E sua
mãe?” . “ Era igual, mas morreu primeiro. Ela me odiava ainda mais
do que meu pai. Me tratava ainda pior do que ele. Só me mandaram
ao ginásio porque sabiam que eu odiava a escola. Tudo o que eu po
dia fazer durante o ginásio era estudar. Eles me fizeram morar na
garagem com minha irmã. Ela nasceu deficiente. Era pequena e gor
da. Tinha a bexiga do lado de fora do corpo. Estava sempre doente.
Tinha uma doença dos rins. Nós nos amávamos. Só tínhamos uma
à outra para amar. Quando ela morreu da doença renal, eles disse
ram: ‘Ótimo’. Não me deixaram ir ao enterro. Apenas enterraram
a única coisa que eu amava. Eu era uma caloura no ginásio. No ano
seguinte, minha mãe se matou de tanto beber. E meu pai se casou
com uma mulher pior do que minha mãe. Ela não me deixava entrar
em casa. Trazia um mingau para a garagem e me fazia comer. Dizia
que eu podia me consumir até morrer. Que já iria tarde. Era uma
bêbada como minha mãe. A assistente social também não gostava de
mim, mas me encaminhou para fazer alguns exames médicos. Os mé
dicos não gostavam de me tocar. Agora minha madrasta e minha ir
mã estão mortas. O seguro social me mandou procurar um emprego.
Consegui um, onde tenho que esfregar o chão. Os homens do lugar
caçoam de mim. Eles oferecem dinheiro uns aos outros para ter uma
relação comigo, mas ninguém aceita. Não sirvo para nada. Mas gos
taria de viver. Tenho onde morar. Um barracão velho. Não ganho
muito — como papa de farinha de milho e batatas, ou algo assim.
Pensei que talvez pudesse me hipnotizar e fazer algo por mim. Mas
acho que não vai adiantar nada.”
Da maneira mais insensível e peremptória perguntei: “ Sabe o
que é uma biblioteca? Quero que vá a uma biblioteca e retire livros
de antropologia. Quero que olhe todos os tipos chocantes de mulhe
res com que os homens se casam. Há fotografias delas nos livros da
biblioteca. Selvagens primitivos se casarão com coisas que têm uma
aparência pior do que a sua. Olhe um livro atrás do outro e fique
curiosa. Então leia livros que narrem como mulheres e homens se des
figuram, fazem tatuagens, se mutilam para parecerem ainda mais hor
rorosos. Passe a maior parte do tempo que puder na biblioteca. Faça
isto direito e volte em duas semanas” .
Eu a despertei do transe com essas sugestões pós-hipnóticas, e
ela saiu do consultório da mesma maneira acachapada que tinha en
trado. Voltou duas semanas mais tarde. Eu lhe disse para não perder
tempo — para entrar em transe profundo imediatamente. Perguntei
se havia encontrado alguma fotografia que achasse desagradável. Ela
contou que havia encontrado retratos das mulheres esteatopígicas dos
hotentotes, e das mulheres com lábios tipo bico de pato, de escarificação em algumas tribos africanas, de estranhos rituais de mutilação.
Ordenei a ela que se dirigisse para a área mais movimentada da
cidade (em estado desperto) e observasse as formas peculiares e as
faces das coisas com quem os homens se casam. Ela deveria fazer is
to durante uma semana. Na semana seguinte, deveria olhar formas
e faces peculiares das coisas com que as mulheres se casam, e se as
sombrar com isto.
Obedientemente, ela retornou para a entrevista seguinte, entrou
em transe à simples menção do assombro com que observara mulhe
res quase tão sem graça quanto ela usando alianças. Ela havia visto
homens e mulheres que pareciam marido e mulher, ambos horrivel
mente gordos e desengonçados. Disse-lhe que estava começando a
aprender alguma coisa.
Sua tarefa seguinte era ir à biblioteca e ler todos os livros que
conseguisse sobre a história da cosmetologia — descobrir o que cons
titui a beleza desejável aos olhos humanos. Ela fez uma ampla pes
quisa e, na semana seguinte, entrou no consultório sem timidez, mas
ainda continuava vestida com a roupa de bolinhas. Então disse-lhe
que voltasse à biblioteca e se dedicasse aos livros que tratavam de cos
tumes humanos, vestuário e aparência — para descobrir alguma coi
sa retratada que tivesse, no mínimo, quinhentos anos e ainda fosse
bonita. Ann voltou, desenvolveu um transe assim que entrou no con
sultório, sentou-se e falou longo tempo sobre o que havia visto nos
livros.
Disse-lhe que sua próxima tarefa seria muito difícil. Durante
duas semanas, ela deveria entrar na primeira loja de vestuário femi
nino que encontrasse, depois noutra, usando seu assustador vestido
de bolinhas. Deveria perguntar à vendedora o que deveria usar — per
guntar tão séria e honestamente que obteria uma resposta. Depois des
ta tarefa, ela relatou que várias mulheres mais velhas a haviam cha
mado de “ queridinha” e lhe explicado por que não deveria usar mi
lhões e milhões de bolinhas. Explicaram-lhe por que não deveria usar
vestidos que não lhe caíam bem e acentuavam sua gordura. A próxi
ma tarefa era gastar duas semanas com pensamentos obsessivos: Por
que ela, que deveria ter nascido com menos de três quilos, teria ad
quirido aquela enorme quantidade de gordura? Por que havia se en
rolado em gordura? No relato desta tarefa, ela declarou que não con
seguira chegar a nenhuma conclusão.
De novo em estado de transe, dei-lhe outra tarefa. Desta vez,
descobrir se realmente havia alguma razão para ela pesar o que pesa
va — querer saber como seria sua aparência se pesasse somente ses
senta quilos e se vestisse de modo apropriado. Ela deveria acordar
no meio da noite com esta questão em mente, para em seguida tornar
a adormecer tranqüilamente. Após alguns outros transes, nos quais
reviu todas as suas tarefas, solicitei-lhe que recordasse, uma por uma,
cada tarefa, e percebesse se lhe eram dirigidas especialmente.
Ann tinha consultas a cada quinze dias. Dentro de seis meses,
ela entrou, com grande interesse, para explicar que não conseguira
encontrar nenhuma razão para pesar tanto — ou para se vestir tão
mal. Ela havia lido bastante sobre cosmetologia, penteados e maquilagem. Havia lido livros sobre cirurgia plástica, sobre ortodontia. Per
guntou, tristemente, se não lhe seria permitido saber o que poderia
fazer a seu respeito.
Depois de um ano, estava pesando sessenta e cinco quilos. Seu
gosto para roupas era excelente, e estava num emprego muito me
lhor. Estava se inscrevendo na universidade e, embora ainda pesasse
sessenta e três quilos, estava noiva e ia se casar. Ela extraíra e substi
tuíra dois dentes que haviam crescido fora de alinhamento. Seu sor
riso era realmente atraente. Trabalhava como artista de moda para
catálogos e jornais.
Ann trouxe o noivo para me conhecer. Ela entrou no consultó
rio primeiro e disse: “ Este maldito tolo é tão burro! Ele pensa que
sou bonita. E eu nunca vou desiludi-lo. Seus olhos brilham quando
olha para mim. Mas tanto você quanto eu sabemos a verdade. Tenho
dificuldade em manter o peso — e tenho medo de engordar de novo.
Mas realmente sei que ele me ama como sou” .
Eles estão casados há quinze anos e têm três belos filhos. Ann
fala livremente sobre sua terapia, pois se lembra de tudo que lhe foi
dito. Mais de uma vez, afirmou: “ Quando você falou aquelas coisas
horrorosas a meu respeito, foi tão franco! Sabia que me dizia a ver
dade. Mas, se não tivesse me colocado em transe, não teria feito ne
nhuma das coisas que me fez fazer” .
Um dos aspectos mais interessantes deste caso é o fato de Erick
son ter conseguido que a moça, após seis meses de tratam ento, pe
disse para fazer algo para se tornar mais atraente. Ela não estava
mais resistindo à mudança, mas plangentemente buscando-a. Naquele
mom ento, tinha o conhecimento necessário e estava suficientemente
motivada para tornar a mudança possível. Como faz com freqüên
cia, Erickson utilizou as facilidades da comunidade, como a biblio
teca pública. Ao invés de tentar fazê-la entender por que era obesa
— a abordagem tradicional —, exigiu que ela passasse duas semanas
pensando obsessivamente sobre as razões de ser obesa. Quando não
conseguiu encontrar nenhum a, era razoável permitir que ela perdes
se peso.
Um exemplo mais extremado da terapia a longo prazo de Erick
son foi seu trabalho com um rapaz que era um operário imigrante
com inclinações homossexuais. Em poucos anos, ele se graduou na
faculdade e passou a preferir as mulheres. Este caso é apresentado
em detalhes, porque ilustra muitos aspectos dos procedimentos tera
pêuticos de Erickson que foram apenas esboçados nos casos ante
riores. Erickson relata:
Quando Harold me telefonou, ele, na verdade, não solicitou uma
consulta, mas, numa voz fraca e hesitante, conseguiu expressar a ques
tão de se alguns minutos de meu valioso tempo poderiam ser desper
diçados com ele. Quando chegou ao consultório, sua aparência era
inacreditável. Não havia feito a barba nem tomara banho. Seu cabe
lo, que ele mesmo cortava, estava muito comprido, picado e cheio
de pontas. Suas roupas estavam imundas e seus sapatos de trabalha
dor danificados e furados na parte de cima, e ele os amarrava com
barbante. Ficou parado ali como um otário, retorcendo as mãos en
quanto seus músculos faciais se contorciam. De repente, enfiou a mão
no bolso e tirou um punhado de notas amassadas. Colocou-as em
minha mesa, dizendo: “ Senhor, isto é tudo o que tenho. Não dei à mi
nha irmã tudo que pediu ontem à noite. Eu lhe pagarei mais assim
que ganhe mais dinheiro” .
Encarei-o em silêncio, e ele disse: “ Senhor, não sou muito es
perto ou muito bom. Nunca esperei ser muito bom, mas não sou mau.
Não sou nada além de um maldito débil mental imbecil, mas nunca
fiz nada errado. Trabalho duro — veja —, minhas mãos provam is
to. Tenho que trabalhar pesado, porque, se parar, vou me sentar, cho
rar, me sentir muito infeliz, vou querer me matar, e isto não é certo.
Por isso trabalho rápido e não penso em nada, não consigo dormir,
e não quero comer, e me machuco todo e, senhor, não agüento mais
tudo isto” . Então, começou a chorar.
Quando parou para respirar, perguntei-lhe: “ E o que deseja de
mim?” .
Entre soluços, ele respondeu: “ Senhor, sou só um débil men
tal, um débil mental imbecil. Posso trabalhar. A única coisa que que
ro é ser feliz, ao invés de ficar morrendo de medo, chorando e que
rendo me matar. O senhor é o tipo de médico que eles têm no exérci
to, para pôr na linha rapazes que ficam meio malucos, e quero que
me endireite. Senhor, por favor, me ajude. Trabalharei muito para
pagá-lo, senhor, tem que me ajudar” .
Ele se voltou e caminhou em direção à porta do consultório,
com os ombros curvados e arrastando os pés. Esperei até que segu
rasse a maçaneta da porta e disse: “ Ei, você, escute-me. Você não
passa de um miserável débil mental. Você sabe trabalhar e quer aju
da. Não sabe nada sobre como se clinica. Eu sei. Sente-se naquela
cadeira e deixe-me começar a trabalhar” .
Pontuei deliberadamente a frase, de acordo com o estado de es
pírito dele e, de maneira calculada, para chamar e fixar sua atenção.
Quando ele se sentou, confuso, encontrava-se virtualmente num transe
leve. Continuei: “ Enquanto está sentado nessa cadeira, quero que es
cute. Farei perguntas. Você as responderá e não dirá nem um pou
quinho a mais nem a menos do que devo saber. Isto é tudo o que
você vai fazer — nada mais” .
Em resposta às perguntas, Harold conseguiu contar uma histó
ria de si mesmo. Resumindo, ele tinha vinte e três anos, era o oitavo
filho de uma família de sete irmãs e cinco irmãos. Seus pais eram imi
grantes analfabetos e toda a família crescera na pobreza. Como não
tinha roupas, Harold perdeu boa parte da escolarização. Deixou a
escola para ajudar a manter seus irmãos menores depois de comple
tar dois anos com algumas reprovações. Aos dezessete anos, entrou
para o exército, onde, depois do treinamento básico, passou os dois
anos de serviço como a “ pessoa esquisita do pátio de manobras” .
Quando deu baixa, juntou-se à sua irmã de vinte anos e ao seu mari
do no Arizona e descobriu que ambos haviam se tornado seriamente
alcoólatras. Repartia seus ganhos como trabalhador braçal com eles
e não mantinha nenhum outro contato familiar. Tentou a escola no
turna, mas fracassou. Vivia num nível mínimo de subsistência, alu
gava um barracão deprimente de um quarto e sua dieta alimentar con
sistia nos vegetais jogados fora pelo mercado de produtos agrícolas
e carne barata, cozidos sobre um prato quente secretamente ligado
a uma tomada externa de um barracão vizinho. Tomava banho, com
pouca freqüência, nos canais de irrigação, e quando fazia frio dor
mia vestido, porque não possuía cobertores suficientes. Com algum
encorajamento, conseguiu dizer que abominava as mulheres e que ne
nhuma mulher em sã consciência quereria um homem débil como ele.
Ele era homossexual e não se deveria fazer nada para alterar isto. Seus
esporádicos envolvimentos sexuais eram com jovens p u n k s .
O modo como Erickson abordou este caso é típico de seus mé
todos, e vários aspectos da terapia serão resumidos. No entanto, devese ter em mente que este é um breve esboço de um método de trata
mento extraordinariam ente complexo, em que cada m anobra tera
pêutica está inextrincavelmente ligada a todas as outras, de modo
que uma seleção de tópicos simplifica em extremo o caso.
Quando Harold entrou no consultório, Erickson decidiu aceitá-lo
como paciente quase de imediato. Sentiu que “ havia uma riqueza
de traços fortes de personalidade que justificariam a terapia. Sua apa
rência descuidada, seu desespero, a inconsistência de sua linguagem
e de suas idéias, suas mãos muito calejadas pelo trabalho manual,
davam a impressão de potencial terapêutico” .
No entanto, quando o homem fez sua súplica desesperada, Erick
son não respondeu de pronto com ajuda. Ele o deixou chegar ao fim
de sua corda, permitindo-lhe que se voltasse para deixar o consultó
rio, sentindo-se rejeitado. Só quando estendeu a mão para girar o
trinco da porta e ir em bora Erickson respondeu. Como ele mesmo
coloca: “ Q uando o paciente virou as costas para deixar o consultó
rio, ele estava emocionalmente na maré mais baixa possível. Viera
pedir ajuda e estava indo em bora sem ela. Psicologicamente, estava
vazio. Neste momento, atirei-lhe uma série de sugestões que, por sua
natureza, exigiam que ele respondesse positivamente. Ele foi subita
mente atirado de um profundo desespero para uma posição realmente
prom issora, o que era um contraste incrível” .
Harold se define como um débil mental, um débil mental im
becil, e Erickson aceita seu ponto de vista como, tipicamente, aceita
o de outros pacientes. Como ele mesmo coloca: “ O fato de desde
o início termos um a opinião diferente sobre ele ser um débil era irre
levante, e não era apropriado à situação. Naquela situação, para sua
capacidade de compreensão muito limitada, ele era um estúpido dé
bil mental totalm ente desinteressante e, na verdade, intolerante em
relação a uma opinião contrária” . A extraordinária habilidade de
Erickson em “ aceitar” é dem onstrada pelo fato de ele só ter deixa
do de lado essa concordância a respeito de sua debilidade mental quan
do H arold foi para a faculdade.
A declaração inicial de Erickson confirm ou que a linguagem
do homem era apropriada, identificou os dois participantes e defi
niu suas tarefas — ele clinicaria e o paciente seguiria as instruções
— e forneceu ao paciente um quadro de referência seguro. H arold
não deveria lhe contar “ um nada a mais ou a menos” daquilo que
precisava saber. Além disso, sua frase “ Isto é tudo que deve fazer
— nada m ais” permitiu que H arold se sentisse certo e seguro. Como
Erickson comenta: “ Por mais ilusória que fosse esta segurança, ela
era válida para ele” . E acrescenta: “ Ao responder a perguntas nes
sas condições, ele foi absolvido da necessidade de fazer qualquer ju l
gamento sobre suas respostas. Só eu poderia fazê-los, e mesmo en
tão pareceria ser somente um julgam ento da quantidade de infor
mação, não da qualidade emocional ou do valor” . Mais tarde, na
entrevista que continuou por uma segunda hora, Erickson convenceu-o
de que havia ainda uma ou outra questão concernente à terapia que
ainda não mencionara. Como a terapia era uma partilha de respon
sabilidades, H arold teria que acrescentar outros itens que não consi
derava importantes ou significativos: “ Coisas especiais que ainda não
foram ditas, tudo tem que ser dito de um jeito ou outro. Mas essas
vão ser só as especiais” . Em resposta, H arold declarou que, já que
estavam partilhando a responsabilidade, teria que inform ar Erick
son de que era “ bicha” . Não tolerava as mulheres e preferia uma
felação com homens. Não queria que nenhum esforço fosse feito para
conduzi-lo à heterossexualidade e solicitou um a promessa de que is
to não seria feito. Erickson respondeu de uma maneira típica:
comprometeu-se a deixá-lo livre para atingir seus próprios fins, pro
metendo que todos os esforços seriam feitos de acordo com as ne
cessidades de H arold, “ conforme ele progressivamente as fosse com
preendendo” . Nem ele nem o paciente deveriam definir prem atura
mente um objetivo que ainda não fora determ inado, e nenhum dos
dois poderia dar ordens ao outro. Cada um tinha que desempenhar
sua tarefa com absoluto respeito pelos esforços honestos do outro.
Mais do que muitos terapeutas, Erickson busca no paciente ob
jetivos tão específicos quanto possível nas sessões iniciais. Ele fará
perguntas e indagará de novo, como fez no final da sessão descrita
acima. No segundo questionamento a respeito do que desejava, H a
rold explicou que era burro, um débil mental, que “ não tinha cére
bro ou educação” , e que só era qualificado para o trabalho braçal.
Ele tinha a mente “ toda enrolada e confusa” e queria ser “ endirei
tado” para “ poder viver feliz como outros débeis mentais estúpidos” .
Quando perguntou se estava esperando muito, Erickson lhe assegu
rou, enfaticamente, que “ de maneira alguma lhe seria dado mais do
que seu quinhão correto de felicidade” , e também que ele teria de
aceitar “ toda a felicidade que de direito lhe pertencesse, não im por
ta quão pequena ou grande fosse a sua porção” . Aproximando-se
dele desta m aneira, Erickson o fez comprometer-se a aceitar todos
os benefícios terapêuticos a que estava autorizado, enquanto tam
bém definia uma situação em que ele podia aceitar ou rejeitar de acor
do com suas necessidades. Como o próprio Erickson diz, dessa m a
neira “ não resulta nada alheio à personalidade, a pessoa fica prepa
rada para reações positivas e negativas e tem um senso interior de
obrigação de enorme força m otivacional” .
Posteriorm ente, quando Erickson definiu a tarefa da terapia
como “ contar idéias e endireitá-las, não im porta o que fossem, de
modo que ninguém nunca ficasse com a mente enrolada, nem que
fosse para agradar alguém” , H arold respondeu que não se devia es
perar muito dele. Foi-lhe assegurado que deveria fazer somente o que
pudesse — de fato, “ era melhor mesmo que não fizesse mais do que
podia, porque seria perda de tem po” .
Ao final da entrevista, o relacionamento foi definido por Erick
son: “ Deixe eu ficar com a terapia — isto é da minha conta, e você
fique com não melhorar mais do que pode — isto é da sua conta” .
Como Erickson conta: “ Esta formulação negativa implicava, da m a
neira mais efetiva e aceitável, o objetivo possível de realmente ficar
bem. Assim, tanto os desejos positivos quanto os negativos se unem
para realizar o objetivo comum, ficar bem — um objetivo que ele
provavelmente achava limitado, mas que não era” .
P ara resumir o encontro inicial de Erickson com este paciente,
a postura terapêutica escolhida presume que o paciente se dirige a
duas direções contraditórias ao mesmo tempo. O paciente declara
que é uma pessoa que busca desesperadamente assistência e, ao mes
mo tempo, que resistirá a toda m udança. Erickson responde em dois
níveis, que satisfazem às duas definições do paciente. Ele aceita a
solicitação de ajuda, definindo-se como a pessoa encarregada da te
rapia, e diz que o paciente deve seguir instruções. Dentro desse qua
dro de referência, ele simultaneamente define um relacionamento
apropriado para alguém que resiste à mudança e reluta em seguir ins
truções, o que faz de várias maneiras: (a) m otivando o paciente para
a mudança quando aum enta seu desespero com a demora da respos
ta; (b) comunicando-se na linguagem do paciente e concordando com
sua autodefinição de débil mental; (c) definindo os limites toleráveis
do que o homem deve fazer ou não fazer; (d) tornando mais fácil
outras auto-revelações; (e) limitando o que se espera dele em termos
de objetivos de form a ambígua e reafirm ado ao paciente que não
deve fazer ou conseguir mais do que pode; e (f) definindo um a situa
ção na qual “ nenhum dos dois pode dar ordens ao o u tro ” .
O que parece complexo e contraditório nessas m anobras tera
pêuticas é a maneira contraditória e ambígua como os relacionamentos
são definidos, como ocorre em qualquer terapia. Por definição, os
pacientes psiquiátricos são suplicantes em busca de ajuda, mas, tam
bém por definição, não há nada errado com eles em sentido comum
— seus problemas resultam da maneira infeliz com que lidam com
outras pessoas, particularm ente com pessoas que lhes oferecem as
sistência. Por conseguinte, é preciso que haja um quadro de referên
cia útil de assistência, mas, dentro desse quadro de referência, é pre
ciso evitar exigências diretas de mais com portam ento “ norm al” , is
to é, comportamento apropriado a um relacionamento de ajuda. Em
outras palavras, é preciso que haja um quadro de referência que de
fina um relacionamento capaz de induzir m udança e, dentro deste
quadro, não haja nenhum a solicitação d ir e ta de mudança, mas sim
um a aceitação da pessoa como ela é. Durante todo o caso, quando
Erickson solicita um a mudança, ela é definida para o paciente como
uma extensão, na verdade uma extensão menor, do seu modo de ser.
É por essa razão que Erickson define a terapia, em acordo com o
paciente, como algo onde não haverá tentativas de uma mudança real',
o que ocorre é somente que um débil mental estúpido está sendo aju
dado a continuar como é, mas ser mais feliz e um melhor trabalhador.
O TRABALHO E A REALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO APROPRIADA
No tratam ento de H arold houve dois temas principais: uma me
lhoria na posição de sua carreira na sociedade e um a melhoria de
sua habilidade como ser social, especialmente no comportamento
apropriado com as mulheres. Os dois objetivos são, sob muitos as
pectos, inseparáveis, pois um a certa competência na socialização é
essencial para a carreira, mas aqui os dois serão apresentados sepa
radam ente.
H arold tinha, em geral, sessões de uma hora, ocasionalmente
de duas horas de duração. “ No início, quase sempre era empregado
um transe leve, mas na medida em que a terapia progrediu, utilizei
um transe médio e, de tempos em tempos, um estado de transe pro
fu n d o .” A hipnose foi empregada para garantir que as instruções
seriam seguidas, para prover, em certos momentos, um a amnésia e,
então, ultrapassar alguma resistência; e, nos estágios posteriores, para
fornecer experiência para o sentido subjetivo de tempo distorcido,
de modo que mais coisas pudessem ser realizadas em períodos de tem
po mais curtos.
H arold foi especialmente treinado, tanto no estado de transe
quanto desperto, para falar livremente e para discutir suas idéias com
facilidade. Erickson conseguiu isso fazendo com que fornecesse, em
ritmo tedioso, um relato completo de seu dia de trabalho e outras
atividades. Erickson aparteava esse tipo de relato com perguntas e
sugestões, de modo que H arold estava sendo treinado tanto para ser
comunicativo quanto para ser receptivo a idéias.
Na primeira sessão terapêutica, Erickson disse a H arold auto
ritariamente: “ Não quero argum entar com você. Vou lhe mostrar
algumas idéias e explicá-las. Quero que escute, compreenda e descu
bra se elas lhe dizem respeito e como pode usá-las, a seu próprio modo,
não ao meu, não ao modo de qualquer outra pessoa, simplesmente
do seu modo. Coloque tudo o que você sabe em questão, mas nada
além disso. Você tem que ser você, como realmente é” .
H arold havia dito que suas irmãs e sua mãe eram excessiva
mente religiosas, mas que ele não era. No entanto, a Bíblia era “ a
coisa mais im portante do m undo” , em bora ele “ não tivesse por
ela o mínimo interesse” . Com isto como pano-de-fundo, Erickson
começou a confirm ar os sentimentos de H arold sobre a im portân
cia do trabalho, assim como sobre sua estupidez. Disse: “ Você acre
dita na Bíblia, é a coisa mais im portante do mundo. Isto está certo
e é correto. Bem, agora quero que você saiba de uma coisa e a com
preenda. Em algum lugar da Bíblia é dito que sempre se tem os
pobres consigo. E que os pobres são os abatedores de árvores e
os carregadores de água. Isto significa o trabalho cotidiano, e o
m undo não anda sem ele. É tremendamente importante. Quero ape
nas que compreenda isso” .
A questão conduziu a um a discussão, que ocupou várias ses
sões, sobre a im portância, para todas as sociedades, do trabalho de
sempenhado pelos “ estúpidos” . Entrelaçada a este relato estava a
história do trabalho de H arold e sua significação para ele como pro
dutor e membro legítimo de uma sociedade. Com essas idéias, hou
ve uma acentuação sistemática, mas deliberadamente esparsa, do valor
e da im portância dos atributos físicos. Tam anho dos músculos, for
ça, coordenação e habilidade, assim como a im portância dos senti
dos físicos, foram discutidos.
Por exemplo, para trabalhar em valas de irrigação “ a gente não
precisa só de poder muscular. Temos que ter isto, mas temos que ter
uma pá do tamanho certo cheia de lodo, ou ficamos cansados antes
que o trabalho do dia esteja completo. Mesma coisa é trabalhar com
algodão. Não se pode cortá-lo ou colhê-lo, mesmo tendo músculos,
se não se sabe ver e sentir o trabalho correto” . Com esse tipo de dis
cussão, Harold foi levado, sem perceber, a entender a importância
da coordenação entre os músculos e os sentidos, e a adquirir um res
peito e uma admiração pela realidade ao seu redor, assim como por
seu papel naquela realidade. Como ele se desmerecia, houve uma dis
cussão sobre homens de linha de montagem e atletas, que são consi
derados meramente homens musculosos, sem inteligência. De modo
semelhante, salientei que hav;a cozinheiros que só possuíam um sen
tido apurado de paladar, mas não tinham muita inteligência. Isto foi
feito para estabelecer uma ampla base para a idéia de que até mesmo
a pessoa mais estúpida pode aprender uma grande variedade de coi
sas. Quando ele pareceu apreender isto, ofereci-lhe uma longa e inte
ressante dissertação sobre o sá b io -id io ta , com histórias de casos e cui
dadosa ênfase sobre suas capacidades e deficiências. Em particular,
Railroad Jack excitava intenso interesse e admiração por parte de Ha
rold. Encerrei a discussão, com Harold profundamente hipnotizado,
com a afirmação de que ele não era n e m u m id io ta n e m u m sá b io ,
s im p le sm e n te a lg u ém e n tre o s d o is. Antes que pudesse perceber o sig
nificado da observação, despertei-o com amnésia e mandei-o embo
ra. Parte do valor da hipnose é o uso da amnésia sempre que é ofere
cida uma sugestão crucial ou altamente significativa, que poderia ser
discutida ou questionada. Evita-se a rejeição de uma idéia valiosa,
e o paciente pode desenvolvê-la mais tarde.
Muitas vezes as sugestões terapêuticas podem ter caráter banal;
como tais, são generalizações cujas aplicações pessoais não são per
cebidas imediatamente e mais tarde se tornam indiscutíveis. Alguns
exemplos: “ Não é só o que você diz ou como diz; é o que significa
para você que conta” ; ou: “ Não há ninguém que não possa aprender
alguma coisa boa, interessante, algo incrivelmente agradável e bom
para todo bebê, toda criança, todo homem, to d a m u lh e r ” ; ou: “ Nin
guém sabe o que a criança será quando crescer, e ninguém sabe como
ela será daqui a cinco anos, ou mesmo daqui a um ano” .
Ao enfatizar a gama de possibilidade dos estúpidos, e questio
nar a aptidão potencial de todos, Erickson introduz a incerteza so
bre a questão das potencialidades de H arold. Contudo, isto foi feito
de tal modo que a incerteza não podia ser facilmente discutida ou
rejeitada.
Paralelam ente à ênfase na utilidade do estúpido, Erickson co
meçou a focalizar a questão dos requisitos de um bom trabalhador.
Em geral, ele encontra algum aspecto positivo na vida do paciente
e o utiliza como uma alavanca para modificar seu com portamento.
Nesse caso, H arold se orgulhava de ser um bom trabalhador, e en
tão Erickson organizou suas sugestões ao redor disto. Primeiro, fa
lou da necessidade de um trabalhador ter boas condições físicas e,
mais tarde, enfatizou a im portância de uma dieta adequada, fazen
do com que H arold aprendesse o que é boa cozinha. P ara aprender
a cozinhar bem, H arold teve que conseguir livros de culinária na bi
blioteca. Erickson também o persuadiu a fornecer boas refeições, ao
invés de dinheiro, à irmã e ao cunhado alcoólatras, e neste processo
H arold aprendeu a considerar o casal como exemplo de autonegligência e autodestruição. A motivação para todas essas atividades foi
definida em termos do desejo expresso de H arold de ser um bom tra
balhador. Neste estágio inicial, Harold aceitou a idéia de que um bom
trabalhador geralmente deveria cuidar de seu eu físico, inclusive ter
sapatos adequados para dar-lhe a oportunidade de trabalhar m elhor.
Entretanto, começou a demonstrar resistência quando a idéia foi apli
cada a si mesmo. Por isso, Erickson passou a discorrer sobre o tra
balho nos campos de algodão.
A partir disso, surgiu uma discussão sobre o trator, como uma
peça da maquinaria da fazenda que não se adequava a nada, exceto
ao trabalho manual. Então chamei sua atenção para o fato de o tra
tor exigir o tipo certo de cuidados. Precisava ser mantido engraxado,
limpo, com óleo, e ficar protegido dos elementos. Deveria ser ade
quadamente abastecido com o tipo certo de óleo e combustível, cer
tamente não com a gasolina para aviões, e as válvulas deveriam ser
postas no chão, as velas de ignição limpas, o radiador esvaziado, tu
do isto para que o trator pudesse ser um trabalhador braçal útil. Es
bocei outras analogias parecidas e disse: “ Você sabe que tem que fa
zer algumas coisas certas, mesmo que não queira” . Mas tive o cuida
do de não definir o que seriam essas “ coisas” .
Ele respondeu aparecendo para a entrevista seguinte com rou
pas limpas. Parecia hostil e beligerante enquanto esperava meus co
mentários sobre sua aparência. Eu disse: “ Bem, já era tempo de você
cuidar de suas roupas ao invés de gastar dinheiro com sua carcaça
comprando roupas novas porque elas se gastam muito rápido” . Com
este fraseado, a insistência de Harold sobre sua inferioridade e sua
aceitação da idéia de se cuidar foram confirmadas, comprometendoo a continuar a tomar conta de si mesmo. Ele suspirou aliviado e,
espontaneamente, desenvolveu um estado de transe para evitar qual
quer outra discussão sobre suas roupas. Imediatamente lhe contei,
com um elaborado mas malogrado esforço de ser engraçado, a histó
ria do fazendeiro parcimonioso que sabia que uma mula é exatamen
te um “ cavalo de trabalho” , mas ao invés de alimentá-la com capim,
colocava nela óculos de lente verde e a alimentava de maravalhas. De
pois se queixava que, após ter treinado a mula para viver de marava
lhas, ela morreu antes que ele pudesse fazê-la trabalhar. Antes que
Harold pudesse reagir, li e discuti “ A obra-prima do diácono, ou A
maravilhosa sege de uma roda” . Então mandei-o embora com uma
disposição um tanto incerta e confusa.
Na sessão seguinte, ele apareceu, pela primeira vez, com um
corte de cabelo bem-feito, com roupas novas, e visivelmente saído
do banho. Embaraçado, explicou que a irmã e o cunhado haviam fi
cado sóbrios para celebrar o aniversário de casamento e ele se sentira
obrigado a comparecer. Repliquei que algumas coisas devem ser fei
tas, e, quando o hábito se forma, não é tão difícil continuar. Harold
acrescentou que, como presente para a irmã, a levara a se u dentista
e se u médico para um exame. Exceto por uma menção subseqüente
à mudança de endereço “ há algum tempo” , nada mais foi dito sobre
seu melhor cuidado físico ou a melhoria de seu padrão de vida.
A gora que H arold se vestia melhor e m orava mais confortavel
mente, Erickson começou a encorajá-lo a investigar suas potenciali
dades arranjando-lhe um fracasso.
Encorajei-o a se inscrever numa aula noturna de álgebra. Nós
dois sabíamos que ele não conseguiria dar conta da tarefa, mas senti
que seria conveniente enfatizar isso, e assim resolver as considerações
negativas antes de tentar as positivas. O paciente tem uma necessida
de contínua de sentir que está certo, mesmo quando está errado, e
o terapeuta precisa ser solidário com ele. Então, quando chega o mo
mento de o paciente corrigir seu erro, ele e o terapeuta podem fazer
isto juntos, e assim a terapia torna-se um empreendimento mais coo
perativo. Harold logo anunciou com prazer que era incapaz de domi
nar a álgebra, e, com um prazer similar, anunciei minha satisfação
com seu fracasso. Provei que estivera errado ao se inscrever no curso
com a idéia de descobrir se co nseg uiria seg u i-lo , ao invés de se inscre
ver com a idéia de descobrir q u e n ã o p o d e r ia . Esta afirmação con
fundiu Harold, mas a razão desse comentário era preparar terreno
para posteriores tentativas na escola.
Com o fracasso protegidamente executado, Harold tornou-se
receptivo a outras instruções.
Neste ponto, Erickson começou a ensinar-lhe a ser mais sociá
vel, o que será descrito a seguir, mas um a visita social foi im portan
te para a sua crescente habilidade no trabalho.
Atribuí a Harold a tarefa de travar uma nova amizade. Dei a
ele um endereço e lhe disse que fosse lá e aprendesse muito, e bem,
e meticulosamente; não deixasse que nada lhe escapasse e fizesse visi
tas freqüentes.
Durante as semanas seguintes, enquanto ele executava sua tare
fa, eu o proibi de discuti-la comigo, para que tudo que fizesse fosse
de sua inteira iniciativa e responsabilidade. Uma tal instrução tam
bém o forçou a se empenhar mais devido à eventual discussão do que
houvesse feito.
A pessoa para quem o encaminhei era um homem chamado Joe,
de trinta e oito anos, com qu'em ele desenvolveu quase de imediato
uma calorosa amizade. Joe sofria de asma e artrite. Confinado a uma
cadeira de rodas, cuidava de suas próprias necessidades e se sustenta
va. Prevendo que logo não conseguiria mais andar, havia construído
em sua cabana um monte de engenhos mecânicos que iam ao encon
tro de suas necessidades. Ganhava a vida consertando rádios e apare
lhos elétricos na vizinhança e aceitando serviços extras de cerzimentos, mas, principalmente, como b a b y s itte r profissional. Seu conhe
cimento de histórias, canções e versos e seus poderes de imitação ca
tivavam tanto as crianças quanto os adultos. Joe também preparava
seus alimentos, trocava receitas com os outros e dava conselhos culi
nários às esposas da vizinhança.
Joe não havia completado a sexta série, e seu coeficiente de
inteligência era 90 ou menos, mas tinha uma boa memória, ouvia
bem e possuía um notável arsenal de fatos e idéias filosóficas. Gos
tava das pessoas, e era animado e influente, a despeito de sua defi
ciência física.
Desta amizade, que continuou durante dois anos, até a morte
súbita de Joe por ataque cardíaco, Harold tirou benefícios imensurá
veis. Contou-me muito pouco a respeito de Joe, e a amizade perma
neceu sua, não partilhada, e portanto sua própria realização.
H arold também recebeu instruções para visitar a biblioteca
local e se familiarizar profundam ente com livros infantis, o que
ele fez, em parte devido à influência de Joe. Espontaneamente,
começou a explorar o resto da biblioteca e a com partilhar com
Erickson os livros e as idéias, algumas contribuições de Joe e ou
tras de suas leituras.
Duas áreas que causavam sofrimento emocional a Harold eram
a arte de cozinhar e a arte de escrever. Erickson passou a discutir
a culinária. Considerava-a um a arte que exigia a mais alta perícia
e, ao mesmo tempo, a depreciava como algo que até um débil men
tal conseguia executar, até mesmo um a mulher. O ato de escrever
foi discutido como um a grande realização, mas depreciado como al
go que até as criancinhas conseguiam aprender, assim como os estú
pidos e até mesmo as mulheres. A im portância da escrita foi ainda
mais reduzida, e equiparada às marcas retorcidas e às linhas que as
mulheres faziam na taquigrafia.
_ Como H arold havia procurado a terapia para conseguir uma
quantidade módica de prazer na vida, Erickson reviu com ele possí
veis fontes de lazer.
Harold apreciava a música e possuía um rádio, embora se sen
tisse culpado por isto, uma vez que achava que não merecia possuílo. Incuti nele a idéia de que, somente por enquanto, ele precisava
do rádio e tinha que usá-lo por prescrição médica. Disse “ somente
por enquanto” para capacitá-lo a aceitar que o comando tinha cará
ter limitado e restrito. Qualquer rejeição futura de um comando po
deria então ser vista como cooperação, porque ele seria por prazo
curto.
Ofereci-lhe, além disso, outro raciocínio: assim como um bom
trabalhador deve exercitar seu corpo, deve também exercitar seus
olhos, ouvidos, e todo o ser físico. Tendo estabelecido que o rádio
era parte legítima de sua vida, e graças a seu interesse genuíno pela
música, tornou-se relativamente fácil desenvolver interesses recreacionais porque outras sugestões terapêuticas podiam se encaixar em
seu interesse pela música. Por exemplo, disse-lhe, como uma suges
tão pós-hipnótica, que uma melodia agradável apareceria em sua men
te. Ele iria querer entoá-la bem, mas ela seria lembrada melhor quan
do ele estivesse comendo um hambúrguer. Deste modo, consegui efe
tivar uma alteração em sua dieta sem qualquer oposição.
A cada sessão Harold era encorajado a fazer um relato das mú
sicas e canções que apreciara ultimamente, e eu me esforçava por en
caixar os títulos, ou trechos delas, nas sugestões terapêuticas. Por
exemplo, esbocei sugestões a partir de “ Fazendo o que surge natural
mente” , “ Acentuar o positivo; eliminar o negativo” e “ Ossos resse
quidos” (“ O osso do dedão se liga ao osso do pé” etc.). No entanto,
todas as músicas de cantoras, ou as que louvavam as mulheres, ten
diam a ser rejeitadas por ele até muito mais tarde na terapia.
Eu o encorajava a marcar o compasso da música de vários mo
dos e a cantarolar um acompanhamento. Então, vencendo alguma
resistência, eu o persuadi a acompanhar vocalmente o cantor. Final
mente, eu o induzi a investir num gravador para que pudesse gravar
a música e seu próprio canto, sozinho ou em conjunto com o cantor
do rádio. Harold teve tanto prazer nessas atividades que foi possível
confrontá-lo com uma constelação de idéias mais ameaçadoras. Su
geri que aprendesse a tocar um instrumento, de preferência banjo ou
guitarra, para se acompanhar. Contudo, logo rejeitei a idéia, já que
Harold só estava qualificado para o trabalho braçal que exigisse mús
culos fortes, não para habilidades musculares delicadas. Debati os prós
e os contras da questão, com repetidas expressões de pesar que eram
na realidade sugestões hipnóticas indiretas. Finalmente, encontramos
uma solução. Harold poderia adquirir rapidamente toda a habilida
de muscular refinada e a coordenação que nunca tivera a oportuni
dade de desenvolver se aprendesse taquigrafia e datilografia. Qual
quer débil mental estúpido ou qualquer mulher burra cacarejante po
deria aprender essas habilidades, porque a taquigrafia era simples
mente caprichosos sinais curvos feitos com um lápis, e bater à má
quina era simplesmente socar teclas, como se faz no piano; mas na
datilografia pode-se ver imediatamente os erros e corrigi-los. Talvez
para um paciente no seu estado normal, desperto, este argumento pa
recesse ridículo e fútil, mas no estado de transe o paciente fica atento
e responde a idéias e orientações que possam ajudá-lo ao invés de se
preocupar com relações lógicas e coerências.
Harold ficou angustiado, mas determinado. Seguiu as suges
tões e se sentiu enormemente motivado para aprender taquigrafia e
datilografia, treinando conscienciosa e intensamente. Aprendeu rá
pido, encorajado pela admiração que sentia pela destreza manual e
perícia em movimentos precisos de seu amigo Joe.
O próximo passo foi instigá-lo a tomar aulas semanais de pia
no, “ para apressar o aprendizado da datilografia e o toque da gui
tarra” . Foi encaminhado a uma professora de piano, uma senhora
cujo marido estava enfermo, e conseguiu ter as aulas em troca de cui
dar do quintal. Harold aceitou o arranjo e não percebeu que fora posto
em contato especial com uma mulher, um contato que o colocava na
posição de aluno em relação a uma mulher e também numa posição
em que poderia desempenhar o papel de homem competente. (Esta
circunstância ocorreu sem planejamento prévio, mas foi aproveitada
para atingir esses objetivos.)
Com o aumento de despesas devido ao gravador, à guitarra,
à máquina de escrever, e com a melhoria de suas condições de vida,
Harold começou a procurar um emprego melhor. Um amigo traba
lhador ensinou-o a dirigir carros, o que o levou a conseguir emprego
como carregador numa transportadora, e depois um emprego bemremunerado como motorista de caminhão.
Dediquei uma sessão ao resumo de sua história de trabalho pas
sada, sua melhoria de vida e suas progressivas realizações, mas dimi
nuí a importância de tudo isto como sendo um processo de “ viver
dia após dia no mesmo emprego antigo, sem que nada novo aconte
cesse” . Finalmente, encorajei-o a começar a explorar a sessão de em
pregos dos jornais. Por acaso, apareceu um anúncio pedindo um copista, alguém que não tivesse vínculos e pudesse trabalhar a qualquer
hora do dia ou da noite e viver numa cabana isolada na montanha.
Ele deveria saber datilografia e taquigrafia. Harold solicitou uma en
trevista e foi empregado com o salário de 410 dólares por mês. Seu
empregador era um velho recluso, muito rico e um tanto excêntrico,
cujo h o b b y era mandar fazer cópias de antigos manuscritos e livros,
que depois anotava e discutia. Harold desempenhou os deveres de se
cretário, e, quando o cozinheiro estava de folga durante um ou dois
dias, também cozinhava. Estava bem qualificado para fazê-lo, pois
sua terapia incluíra o estudo de livros de culinária e cozinhar as refei
ções na casa da irmã.
O desempenho de Harold agradou seu empregador, e, além do
salário e da manutenção, ele recebeu um guarda-roupa completo pa
ra suas visitas à cidade para comprar mantimentos. Um terno de tra
balho foi providenciado para suas freqüentes visitas à biblioteca em
busca de livros de referência.
“ Harold trabalhou neste emprego durante dezoito meses, du
rante os quais vinha me ver de tempos em tempos para sessões de duas
horas. Ele amadureceu muito, e seu pensamento, sua orientação aca
dêmica, ampliaram-se tremendamente, e a gama de interesses e per
cepções cresceu como resultado de longas discussões com o emprega
dor erudito. Finalmente, o empregador fechou sua casa no Arizona,
dando a Harold três meses de salário como pagamento final.
Em poucos dias Harold conseguiu outro emprego bem-pago,
uma combinação de secretário e superintendente de escritório. Hesi
tou um pouco em aceitá-lo devido a suas limitações mentais, mas fi
nalmente aceitou-o, esperando ser logo despedido por incompetên
cia. Explicou que havia se candidatado à posição porque “ não sabia
fazer outra coisa” .
Neste ponto, Harold foi hipnotizado e levado a rever toda a sua
experiência de trabalho. Particularmente, ele deveria comparar “ im
piedosamente” o primeiro período de sua vida com o período de de
zoito meses em que trabalhara como secretário. Ele fez esta revisão
com aparente sofrimento emocional. Mandei-o embora com a suges
tão pós-hipnótica de voltar com uma questão bem mais importante,
uma idéia tentadora.
Na sessão seguinte, Harold disse: “ Tenho me sentido uma gran
de porcaria, dilacerado por dentro, como se tivesse que fazer alguma
coisa, mas não sei o quê. Talvez tenha resolvido parte da questão.
É tolo dizer isto, mas sinto que devo ir para a faculdade, mesmo sa
bendo que vou levar pau” . Disse que havia uma porção de coisas que
queria conhecer, como uma vida de aventuras, apreciar um pôr-dosol, e acrescentou: “ Ah, há um mundo de coisas e, homem, estou
indo” .
Informei-o, de modo autoritário: “ Está bem, você irá para a
faculdade. Mas desta vez não cometa o erro que cometeu quando foi
para o curso de álgebra — para verificar se podia passar ao invés de
descobrir que não podia. Em setembro próximo, você se inscreverá
num curso completo na faculdade, e, por volta do meio do semestre,
terá descoberto que não irá conseguir fazer parte dele” . Acrescentei
que até aquela data ele deveria explorar as pequenas, boas e simples
coisas que formam grande parte da vida.
Durante os três meses seguintes Harold teve sessões semanais,
e o caráter das entrevistas foi marcadamente alterado. Em geral ele
passava o tempo todo fazendo perguntas sobre minhas próprias opi
niões a respeito de vários assuntos. Comportava-se como um homem
curioso que procura saber como outro homem, a quem ele respeita,
encara e faz as coisas, procura divertir-se, sente e pensa sobre uma
infinita variedade de tópicos.
Em setembro, Harold se inscreveu num curso regular de dezes
seis horas. Não me pediu opinião ou conselho sobre os cursos ou os
procedimentos de inscrição para quem não possuía diploma de se
gundo grau, e eu não dei nenhum palpite. A certeza de ser estúpido
ainda não se dissipara, de modo que voltei a lhe assegurar que ele
teria que esperar até meados do semestre para saber no que estava
fracassando. Como ele tinha certeza do fracasso, pôde se inscrever
com uma grande sensação de segurança. Não se esperava nada além
de suas capacidades, e nem mesmo que sobrecarregasse essas capaci
dades. No entanto, p a ra c h eg ar à q u e le fr a c a s s o , ele teve que ter su
cesso em se matricular.
À medida que as semanas passavam, Harold não tentava discu
tir seus estudos. Depois dos exames do meio do semestre, ele relatou
com espanto que havia tirado boas notas em tudo. Repliquei que em
meio semestre provavelmente os professores ainda não fossem capa
zes de julgar adequadamente os novos estudantes. Ele teria que espe
rar até o final do semestre para uma determinação correta de suas
habilidades. Deste modo, a não descoberta de suas falhas foi defini
da como culpa de seus instrutores. Todavia, Harold estava sendo obri
gado a aceitar suas notas no semestre seguinte como “ uma avaliação
correta de suas habilidades” .
Pode ser difícil acreditar que um paciente que se submete à te
rapia possa ser tão afavelmente desatento em relação a seu bom de
sempenho na faculdade. No entanto, deve-se lembrar que a hipnose
foi empregada, que a amnésia foi utilizada, e que distrações constan
tes de atenção indubitavelmente ajudaram sua habilidade para escon
der de si mesmo o que estava acontecendo.
No final do semestre, Harold recebeu somente notas A, e, sem
marcar hora, surgiu no consultório. Estava aborrecido, e sentia que
havia feito algo errado. Assegurei-lhe que nada fizera de errado, ape
nas estava enganado em relação a muitas coisas. Ele desenvolveu um
transe profundo e eu lhe dei a seguinte sugestão pós-hipnótica: “ Quan
do despertar, você saberá as notas que recebeu. Você saberá que este
tópico é uma questão já estabelecida. Pode discutir o que quiser, quan
do for conveniente, pois não é mais uma questão discutível, mas um
fato estabelecido” .
H arold continuou a faculdade com sucesso, enquanto encarava
um novo problema: lidar com mulheres em relacionamentos íntimos.
Mas, antes de entrar neste tópico, devemos notar ainda outros pon
tos da abordagem terapêutica.
Em primeiro lugar, deve ser enfatizado que, num período de
dois ou três anos, um trabalhador braçal que se considerava um es
túpido débil m ental, e cuja história confirm ava esta idéia, foi trans
form ado num homem capaz de ganhar a vida com empenho de clas
se média, e de obter sucesso como estudante de faculdade. Ele dei
xou de ser um marginal e adquiriu um s ta tu s razoavelmente alto. Este
objetivo foi atingido sem que houvesse qualquer exploração do que
pudesse estar “ por trás” de seu problema no sentido psiquiátrico co
mum; ele m udou sem discernir seu passado, e sem nenhum a desco
berta da relação entre seu passado e seu presente através de qual
quer interpretação de transferência. Nenhum traum a passado foi-lhe
revelado ou explicado como “ causa” de suas dificuldades. Sua pre
sumível infância miserável não foi oferecida nem como desculpa nem
como explanação para seus fracassos ou sua pobre opinião de si mes
mo. De fato, ao invés de trazer à percepção idéias sobre o passado,
a terapia fez uso extenso da amnésia deliberada para manter as idéias
fora de sua consciência, a não ser as do planejam ento deliberado,
e essas idéias não diziam respeito ao passado, mas a suas próprias
capacidades no presente.
A abordagem terapêutica foi m arcadamente ericksoniana e in
cluiu muitas táticas apropriadas para uma experiência de aprendiza
do; no entanto, H arold não aprendeu por que ele era daquele modo,
mas como ser diferente e ter sucesso. Talvez o aspecto mais notável
deste caso seja o fato de que o paciente não aceitou, ou não chegou
a um acordo com Erickson, sobre o fato de não ser estúpido até que
tivesse completado um a série de realizações, inclusive o sucesso na
faculdade.
Um outro fator im portante deve ser ressaltado: durante a tera
pia Erickson empregou uma intricada combinação entre autoritaris
mo e autonom ia, sendo autoritário com o paciente em certos pontos
e permitindo-lhe quase total autonom ia em outros. Grande parte da
terapia envolveu ações autônom as do paciente, independentes de
Erickson. De certa form a, Erickson trabalha com o paciente como
se deve trabalhar com o trator utilizado em seu exemplo. Ele “ apron
ta ” o paciente para dar a partida e então deixa que funcione a seu
próprio modo.
SOCIALIZAÇÃO E COMPORTAMENTO DE NAMORO
Enquanto integrava H arold numa melhor posição profissional
na sociedade, Erickson também trabalhava sua habilidade para se
envolver nas atividades normais de nam oro. No início da terapia, as
relações de Harold com outras pessoas estavam quase totalmente limi
tadas à irmã e ao cunhado. Ele não tinha amigos e evitava totalm en
te as mulheres. Jantava em casa para evitar garçonetes, fazia com
pras, sempre que possível, com vendedores e freqüentemente anda
va a pé para não entrar num ônibus onde havia passageiras. Achava
difícil tolerar até mesmo a presença física da irmã, e só o fazia poque ela era sua irmã. Suas atividades sexuais se restringiam a conta
tos ocasionais com homens com quem praticava uma felação passi
va e ocasionalmente ativa. Preferia parceiros com os seguintes atri
butos: deviam ser mais moços do que ele, preferivelmente de origem
mexicana, com cabelos compridos, pesando entre sessenta e cinco
e setenta quilos. Deveriam ter rosto redondo, lábios grossos, ombros
estreitos, quadris grandes, um andar bam boleante, usar perfume e
óleo de cabelo e ter um a tendência a rir prontam ente sem motivo.
H arold conhecia uma porção de p u n k s que preenchiam esses requi
sitos, e um a vez ou outra ligava-se a eles.
H arold nunca tivera qualquer ligação com uma mulher, nunca
havia tido um encontro e insistia que não queria nada com as m u
lheres. O problem a terapêutico de integrar H arold num com porta
mento de nam oro norm al era obviamente imenso.
Erickson procedeu de maneira típica; começou oferecendo su
gestões indiretas que tornavam a com panhia de mulheres mais agra
dável e propôs uma série de tarefas que conduziram ao com porta
mento de nam oro. Uma parte necessária desta diligência era tornar
Harold mais atraente aos olhos das mulheres, fazendo-o mais atraente
no vestir, nas condições de vida, na posição profissional dentro da
sociedade.
Logo no início da terapia, Erickson atribuiu a H arold a tarefa
de desenvolver uma amizade com um total estranho e pediu que fi
zesse isto em uma semana. Harold concordou relutantemente, “ pa
recendo inseguro sobre o que era desejado, se o sucesso ou o fracas
so” (talvez por Erickson ter acabado de congratulá-lo pelo fracasso
no curso de álgebra).
Ao estabelecer esta tarefa para ele, propus que caminhasse ao
redor de algum pátio de tra ilers que ele mesmo escolheria. Então ma
nobrei-o para que escolhesse um certo pátio de estacionamento onde
vivia outro paciente meu, cujos hábitos eu conhecia. Harold, muito
tipicamente, esperou até a última noite da semana e então, com mui
to medo e incerteza, começou a caminhar por entre os trailers do pá
tio, especificamente às dezoito horas. Quando passou por um dos veí
culos, foi saudado por um homem e sua esposa, que estavam senta
dos à sombra do trailer. Tinham o hábito de se sentarem ali naquele
horário para convidar os transeuntes para uma visita social. A ami
zade floresceu, e muitas semanas se passaram antes que ambos sou
bessem que eram meus pacientes. No começo, todo o esforço para
travar amizade foi feito pelo casal, mas, com a continuação das visi
tas, Harold se tornou menos passivo e respondeu melhor.
Em bora muitos terapeutas esperem que um paciente solitário
encontre um amigo, Erickson prefere ter certeza de que isto vai acon
tecer. Ele pode arranjar diretamente a amizade, ou pedir que o pa
ciente esteja num lugar onde sabe que provavelmente poderá ocor
rer uma amizade. Quando isso acontece, o paciente em geral pensa
que o encontro ocorreu espontaneamente. Sua próxima tarefa foi uma
exigência mais direta. “ Algum tempo depois, quando a amizade com
o casal estava bem encaminhada, atribuí a H arold a tarefa de travar
mais um novo conhecimento. Forneci a ele um endereço, m andando
que fosse lá, aprendesse tudo bem, não deixasse de observar nada
e fizesse freqüentes visitas àquela pessoa.” Foi dessa maneira que
Harold conheceu Joe, o faz-tudo defeituoso, e desenvolveu uma im
portante amizade que durou dois anos, até a morte de Joe.
A rrum ando relacionamentos desse m odo, Erickson evita que
a relação com o terapeuta tenha um caráter substitutivo e impeça
relacionamentos mais normais. O próprio terapeuta provoca outras
relações.
O próximo passo na socialização de H arold foi ele ter aceito
lições de piano de uma velha professora em troca do trabalho no quin
tal. Deste m odo, ele vivenciou um relacionamento de aprendizado
com uma mulher, e também um a relação na qual era o homem com
petente, fazendo o que seu marido enfermo não podia fazer.
Q uando H arold já era capaz de se associar com um casal, um
amigo e uma mulher mais velha, Erickson exigiu um outro passo.
Sugeriu que H aroldo aprendesse a nadar na A C M e aprendesse dan
ça de salão.
Harold reagiu a ambas as sugestões com violenta repugnância
e angústia emocional. Agitado, explicou que as mulheres podiam usar
a piscina na ACM , uma vez por semana, e ele não conseguia tolerar
o pensamento de imergir seu corpo em água tão poluída. E, quanto
a dançar, isto exigiria que ele voluntariamente tocasse corpos de mu
lheres, idéia intolerável. Com uma insistênc!; elaborada e horroriza
da, explicou de novo que era homossexual. tae as mulheres lhe pare
ciam totalmente repulsivas e que já tini; muita dificuldade com as
mulheres que o mundo forçadamente jogava sobre ele para que eu
ainda piorasse isto através de exigências nada razoáveis.
Erickson lhe dava duas diretivas ao mesmo tempo, uma mais
difícil do que a outra, dc modo que o paciente pudesse rejeitar
um a e ainda assim tivesse de seguir a segunda. Neste caso, a suges
tão da dança de salão era mais abominável do que a de nadar na
A C M , um a organização s ó de homens. No entanto, aconteceu que
H arold, com um pouco de encorajam ento, conseguiu dar conta das
duas atividades.
Quando Harold se negou a nadar e dançar, ofereci-lhe uma ana
logia. Ele estava disposto a colher, à mão, as verduras que cresciam
num campo fertilizado e pulverizado com veneno para insetos. Ele
sabia que podia se lavar e lavar as verduras, e com isso se beneficiar
de seu valor alimentício. Do mesmo modo, afirmei dogmaticamente
que qualquer coisa que acontecesse na natação ou na dança poderia
facilmente ser corrigida com água, um pedaço de um bom sabão for
te e uma toalha. Essencialmente, o que fiz foi descartar sumariamen
te suas objeções. Então comecei a salientar que o melhor lugar para
aprender a dançar era um estúdio de dança profissional, onde todos
os contatos seriam rigidamente impessoais. A razão para essas duas
atividades era que ele, como um trabalhador, aprendesse duas habili
dades físicas diferentes, ambas baseadas em ritmo.
Harold aprendeu rapidamente a nadar e dançar e começou a
usar determinado sabão para sua limpeza ritual depois dessas ativi
dades. Chamei sua atenção para outra marca de sabão, tão boa quanto
a que usava, sem ser realmente melhor — na verdade, ambas eram
totalmente adequadas.
Desta maneira, Erickson m anobrou parcialmente a compulsão
de H arold em se lavar como um modo de encorajá-lo a novas ativi
dades sociais. Começou então a solapá-la, como em geral faz com
tais compulsões, desritualizando-a; tanto fazia uma marca ou outra
de sabão, um mom ento ou outro, uma quantidade de banhos ou ou
tra. Enquanto H arold estava sendo requisitado a participar de ativi
dades sociais que envolviam mulheres, ao menos de modo impessoal,
Erickson dedicou as sessões terapêuticas a modificar um a idéia do
paciente e a reclassificar vários aspectos de sua vida.
Quando me pareceu que Harold estava receptivo a discutir a se
xualidade, introduzi este tópico nas sessões terapêuticas. Eu salientei
que, assim como eu tinha uma diversidade de interesses e conheci
mentos, ele ao menos deveria ter um conhecimento geral dos muitos
aspectos da vivência humana necessários à preservação da espécie.
Por exemplo, afirmei que ele classificava a si mesmo como homosse
xual e a mim como heterossexual, mas que fazia isto às cegas, sem
realmente compreender o que cada um dos termos queria dizer ou
implicava. Então lhe ofereci um relato factual do que constituía o cres-
cimento e o desenvolvimento sexual, juntamente com uma explica
ção sobre a maneira diferenciada como os indivíduos e as culturas
abordam as crenças e práticas sexuais. Salientei que queria que ele
escutasse e compreendesse, mas não fizesse nenhum esforço para mo
dificar seus pontos de vista pessoais sobre si mesmo. Deste modo,
ofereci-lhe a oportunidade de modificar seus pontos de vista espon
taneamente, não como um esforço auto-imposto.
Depois ofereci a Harold um relato simples, factual, um tanto
acadêmico, da fisiologia do sexo e de sua importância biológica. En
trelaçadas nele estavam outras idéias, como o ritmo sexual, a dança
de acasalamento dos pássaros, o período de cio dos animais, práticas
culturais diferentes de comportamento sexual, e música, dança, can
to e literatura sobre o assunto. Isto o conduziu, como mais tarde des
cobri, a leituras sistemáticas na biblioteca.
A seguir, dei a Harold uma série de instruções que ele não deve
ria executar até um dado momento no futuro. Essas instruções ge
rais, aparentemente vagas, enigmáticas, foram-lhe repetidas em esta
do de transe. Eram as seguintes: (a) descobrir que existem jovens muito
infelizes neste mundo, jovens que têm medo de fazer o que querem;
(b) observar essas pessoas e especular por que elas se comportam des
te modo; (c) descobrir que muitos jovens infelizes esperam, mas não
acreditam realmente, que alguém os ajude; (d) dar a u m n ú m e r o li
m ita d o dessas pessoas a ajuda que desejavam de modo imparcial e
impessoal.
Quando julguei que ele poderia executar esta tarefa com segu
rança, instruí-o a visitar vários salões de baile local e observar cuida
dosamente uma quantidade de rapazes que queriam dançar, mas eram
muito envergonhados e medrosos até mesmo para aprender. Depois,
deveria notar as moças, as moças gordas, as sem graça, as magrice
las, as que tomam chá de cadeira e procuram esperançosamente um
parceiro ou dançam desesperadamente umas com as outras enquanto
fitam os rapazes que caminham por ali, muito envergonhados para
dançar.
A reação de Harold não foi de repulsa, mas uma chocante des
crença de que tal situação existisse. No erttanto, na primeira vez que
tentou executar a tarefa, teve uma relutância quase paralisante, e so
mente após um período de quase três horas e vários inícios falsos ele
realmente conseguiu chegar a um salão de dança público. Ali, encon
trou um grupo de rapazes acotovelados e fazendo afirmações do ti
po: “ Ahh, vá primeiro” , “ Se você for, eu vou” , “ Ah, não sei dan
çar” , “ E daí? Talvez alguma das damas possa lhe ensinar” , “ Vá na
frente” , “ Ah, e quem quer dançar?” .
Harold me explicou mais tarde que, depois de ter percebido o
significado desta situação, ficou andando de um lado para outro do
salão, observando meia dúzia de moças, que obviamente tomavam
chá de cadeira. Elas estavam desanimadas, mas o fitavam esperanço
samente, até que ele parou, indeciso. Então, de novo desencoraja
das, elas voltaram sua atenção para a pista de dança, onde várias mo
ças dançavam juntas. Harold relata: “ Tentei me controlar, andei até
lá, dancei uma música com cada uma daquelas garotas, e então sai
do local para poder refletir sobre tudo aquilo” .
Harold fez três visitas aos salões de baile e concluiu: “ Esta ex
periência sem dúvida me ensinou que não sou tão ruim quanto pen
sei. Tenho medo de fazer as coisas” . Repliquei vigorosamente: “ Não,
você não é tão ruim quanto acredita ser. Então por que não vai à Ad
ministração dos Veteranos e pede que lhe apliquem testes psicológi
cos para verificar o quanto é bom?” . Imediatamente mandei-o em
bora, com uma disposição mental um tanto confusa.
Alguns dias depois Harold voltou. Era quase outra pessoa. Re
latou, com júbilo, que o resultado dos testes indicava que ele havia
recebido o equivalente a uma educação de segundo grau e estava qua
lificado para entrar na faculdade. Ele disse: “ Nada mau para um ca
ra estúpido” . E eu respondi: “ Não, nem mesmo para um cara que
tem certeza de que é estúpido” , e abruptamente terminei a entrevis
ta. Depois disso, recusei-me a marcar várias consultas, pois acredita
va que ele tinha muito em que pensar.
Esta tarefa especial é típica da abordagem de Erickson. Ele ge
ralmente dá ao paciente um a série de instruções gerais, um tanto va
gas, e então arranja um a situação onde elas possam ser seguidas, en
quanto o paciente tem a sensação de ter tom ado espontaneamente
a decisão. Neste caso, H arold foi aconselhado a oferecer um a ajuda
lim itada a alguns jovens; mais tarde, foi enviado ao salão de baile
público. Um a vez ali, ele “ espontaneam ente” decidiu tirar algumas
moças para dançar, e experimentou um a sensação de realização. Ao
mesmo tem po, o objetivo das instruções era colocar H arold na si
tuação normal de nam oro, fazer com que se comparasse com outros
homens, e deixá-lo descobrir que era capaz de fazer o que outros ho
mens não conseguiam. O resultado foi um a experiência norm al que
H arold anteriorm ente havia recusado: ir a bailes e dançar com m u
lheres estranhas.
H arold não iniciou um relacionamento mais íntimo com uma
mulher até bem mais tarde, quando já freqüentava a faculdade, e
Erickson só ficou sabendo dessa relação muito tempo depois.
Durante este período, Erickson treinou H arold na distorção do
tempo — o uso da hipnose para afetar o sentido de tempo, de modo
que o que acontece em minutos possa ser subjetivamente sentido co
mo sendo horas. Em parte isto deveria ajudá-lo no trabalho acadê
mico. Nesta época, Erickson deu a H arold seis sessões de hipnose
profunda, nas quais, com o uso da distorção do tempo, fez com que
se sentasse silenciosamente e revisse quem e o que era e quem e o que
gostaria de ser. Além disso, deveria passar em revista seu passado,
com parando-o com o seu futuro, sua realidade como criatura bioló
gica com forças emocionais e físicas e suas potencialidades como uma
personalidade hum ana que funcionava com um razoável grau de ade
quação na relação consigo mesmo e com os outros. D urante estas ses
sões Harold parecia intensamente envolvido na solução de problemas,
alguns agradáveis, a m aioria desagradáveis, mas aparentemente mo
mentâneos. Após estas sessões hipnóticas, ele não apareceu por duas
semanas, e então surgiu no consultório com um “ novo problem a” .
Harold parecia um tanto tenso, e seu comportamento geral pa
recia um tanto mudado e menos familiar. Parecia querer informação,
mas não desejava que eu me inteirasse mais do que o necessário da si
tuação. Por isso, ouvi passivamente seu relato, fui evasivo em relação
às coisas positivas, mas atrevidamente enfático sobre as negativas.
O caso era que há algum tempo — ele não sabia exatamente
quando, “ mas já há algum tempo, talvez um longo tempo” — uma
mulher havia se mudado para o apartamento vizinho ao seu. Mais
tarde, ele notou que ela saía e entrava no h a ll do elevador toda ma
nhã e toda tarde na mesma hora que ele. Tornou-se dolorosamente
cônscio disto quando ela começou a bradar-lhe calorosos “ Oi, como
vai?” ou “ Olá” . Isto o aborreceu, mas ele não sabia enfrentar a si
tuação, a não ser respondendo.
A seguir, a mulher começou a parar o carro para envolvê-lo nu
ma conversa breve e casual. Isto o afligiu “ horrivelmente” , porque ori
ginou gracejos dos outros vizinhos. Por eles, ficou sabendo que ela era
quinze anos mais velha do que ele, separada do marido alcoólatra, que
a espancava, e que estava trabalhando para ter fundos para o divórcio.
“ Nenhuma perturbação real” ocorreu até certa noite em que ela,
“ sem desculpa alguma” , “ invadiu” seu apartamento carregando vá
rios mantimentos e começou a preparar um jantar para os dois. Co
mo desculpa para seu “ comportamento abusivo” , ela declarou que
um homem devia ter uma mulher para fazer-lhe uma refeição de vez
em quando. Depois do jantar, enquanto ela lavava a louça, pediu-lhe
que tocasse alguns discos de música clássica. Ele o fez com um senti
mento de alívio, pois isto tornava desnecessária a conversação. “ Fe
lizmente, depois de arrumar a cozinha” , ela foi embora. O resto da
noite, quase até o dia clarear, ele ficara andando de um lado para o
outro, “ tentando pensar, mas sem conseguir ter nenhum pensamento” .
Algumas noites depois, no momento em que ele começava a pre
parar sua refeição noturna, a mulher “ simplesmente entrou e me dis
se que o jantar estava pronto e esperando em seu apartamento” . Não
havia nada que ele pudesse fazer. “ Não consegui pensar em nada
para dizer, por isso fui, como uma criancinha, e jantei. Depois do
jantar, ela simplesmente empilhou a louça e se convidou para ir ao
meu apartamento escutar música. Foi o que fizemos, e ela foi embo
ra lá pelas dez horas. Não consegui dormir aquela noite. Nem mes
mo conseguia pensar novamente. Só pensava estar enlouquecendo,
e era horrível. Sabia que deveria fazer alguma coisa, e alguma coisa
muito importante, mas não sabia o quê. Não descobri por duas se
manas. Veja, comecei a evitá-la, mas depois de umas semanas resol
vi o que devia fazer. Iria fazer um jantar, convidá-la e isto deveria
satisfazê-la. Foi o que fiz; só que não funcionou como eu desejava.
Foi um bom jantar e tudo o mais, e sou eu mesmo que o digo. Escu
tamos música de novo — ela realmente gosta de música, e entende
do assunto. Ela é uma mulher muito inteligente, embora bem tola
em alguns aspectos. De qualquer modo, foi embora por volta das dez
e meia; e, quando se dirigia para a porta, ela se inclinou e me beijou.
Poderia tê-la matado. Não consegui fechar a porta rápido o suficiente.
Corri para o banheiro, entrei no chuveiro e abri as torneiras. Ensa
boei meu rosto mesmo antes de tirar as roupas; tive um trabalho in
fernal. Ensaboava e esfregava, ensaboava e esfregava mais uma vez.
Aquela noite foi realmente turbulenta. Várias vezes me vesti e me di
rigi ao telefone público para ligar para você, mas sabia que não de
veria telefonar antes que amanhecesse. Assim, voltava para casa, en
trava no chuveiro e me ensaboava e esfregava mais. Meus Deus, es
tava maluco. Sabia que tinha que lutar para tirar aquilo de mim, mas
o que era, ou como iria conseguir, eu não sabia. Finalmente surgiu
a idéia de que eu já resolvera tudo. Isto foi depois de ter aquela meia
dúzia de entrevistas com você, quando ficava incrivelmente cansa
do. Algo na minha cabeça parecia dizer: ‘Esta é a resposta’, mas ela
não fazia sentido antes, agora faz. Mas me ajudou a parar de me
esfregar. “ Não sei por que estou aqui hoje, mas tinha de vir. Não
quero falar nada, mas ao mesmo tempo, quero ouvi-lo falar comigo.
Mas seja muito cuidadoso com o que disser. E me desculpe também
por falar deste modo, mas sinto que preciso ter certeza. Este é o meu
problema.”
Cuidadosamente, passei a uma discussão geral, vaga, delibe
radamente destinada a ser tangencial à comunicação de Harold. À
medida que ele foi relaxando, salientei que não se deveria culpar
ou criticar a mulher pdr ela querer o divórcio; que o casamento
deve oferecer mais do que infelicidade e abuso físico; que todo ser
humano tem direito à felicidade pessoal e física. Como ela estava
disposta a se manter sob todos os aspectos, ela certamente possuía
qualidades merecedoras de respeito, admiração e apreciação. Quan
to à sua afabilidade e intrusão na privacidade dele, era preciso reco
nhecer que as pessoas são especialmente gregárias, e era normal que
ela, ele, ou todo o resto da raça humana, buscassem companhia
e partilhassem experiências comuns. Isto poderia explicar o compor
tamento dela, e mesmo a aceitação dele. Quanto às refeições, desde
o começo da história os dois melhores condimentos alimentares ha
viam sido o tempero da fome e da boa companhia. A música, tam
bém, é mais apreciada em companhia de alguém. Quanto àquele bei
jo que o afligira tanto, só se podia especular sobre o possível signifi
cado de um ato físico tão simples. Há o beijo de amor, de compai
xão, da morte, da mãe, de uma criança, de um dos pais, de um avô,
o beijo de saudação, de despedida, de desejo, de satisfação, para men
cionar apenas alguns. Antes que ele desse algum significado especial
àquele beijo, teria que saber que tipo de beijo fora aquele. Isto ele
só poderia descobrir pensando livre e de bom grado sobre o assunto,
sem medo do terror, só com o desejo de aprender. Ele também deve
ria estar disposto a reconhecer o significado que desejava que o beijo
tivesse. Quanto a qualquer implicação pessoal do comportamento dela
ou dele, nada realmente poderia ser dito, porque nenhum dos dois
havia fornecido uma definição reconhecível de sua conduta. No en
tanto, podia-se dizer que ele não deveria hesitar em rejeitar qualquer
coisa que achasse conveniente rejeitar.
Após esta declaração, houve um silêncio de uns cinco minutos.
Harold despertou e comentou, depois de olhar o relógio: “ Bem, pre
ciso ir andando, seja lá o que isto queira dizer” , e partiu.
Um aspecto deste discurso merece consideração. Erickson não
tenta, de modo algum, ajudar H arold “ a com preender” , no senti
do psiquiátrico usual, o significado que a experiência tem para ele.
Não há interpretações sobre os significados m aternais, sobre a m u
lher ser mais velha, ou outros supostos significados simbólicos da
situação. Por conseguinte, também não há uma sanção negativa con
tra a relação. Ela é tratada como uma experiência real, com uma
mulher real.
Uma semana depois, H arold foi recebido durante uma hora.
Ele disse: “ Eu realmente não deveria lhe perguntar, mas algo dentro
de mim quer saber o que você acha de Jane. P ortanto, discuta ela
comigo, mas faça-o cuidadosamente, o que quer que isto signifique.
Tenho um a espécie de idéia tola, porque você não a conhece — só
sabe as poucas coisas que eu lhe contei. Mas ainda quero saber o
que pensa dela; mas fale com cuidado, seja lá o que isto signifique” .
Erickson respondeu com uma discussão geral e objetiva sobre a
mulher.
Desembaraçadamente, mencionei idéias de significado especial
para Harold. Descrevi Jane como uma criatura biológica que, por
dote natural, possuía uma abundância de traços, qualidades, atribu
tos, aprendizados de vários graus, aos quais reagiria de várias manei
ras e que a tornavam única como indivíduo. Outros membros da hu
manidade responderiam a ela segundo suas próprias capacidades e
necessidades. Por exemplo, sua história do casamento indicava que
ela era uma mulher heterossexual atraente para o homem heterosse
xual; seu emprego indicava sua capacidade de ser produtiva; o fato
de ela querer o divórcio indicava um desejo de felicidade como pes
soa; o fato de ele apreciar as refeições e a companhia dela indicavam
que ela lhe interessava.
Salientei também que qualquer progresso terapêutico amplo que
ele desejasse incluiria mulheres, não necessariamente aquela, como
uma parte da realidade da vida. Encerrei a sessão dizendo, na lingua
gem que Harold usara da primeira vez que viera me ver: “ Pro infer
no se não tiver que descobrir que tipo de criatura é a mulher. Você
não vai deixar ela te fisgar, nem vai atrapalhar ela ou deixar ela atra
palhar você. Tudo que vai fazer é colocar os pingos nos is” . Falei
deste modo para forçá-lo a reconhecer o contraste entre seu sta tu s
original e o atual. Ele foi embora sem fazer comentários, mas me lan
çou um olhar curiosamente especulativo da porta, como se não sou
besse bem o que dizer.
H arold não havia solicitado uma outra sessão, mas retornou
algumas semanas mais tarde e disse:
“ Gostaria de lhe contar do meu modo, mas você é um psiquia
tra. Devo-lhe tudo, e por isso devo contar do seu modo, e talvez isto
seja útil para outra pessoa.
“ Aquela última coisa que você me disse, para colocar os pingos
nos is, quase lhe respondi que iria fazer exatamente isto. Mas percebi
que você não estava nem um pouco interessado no que eu pudesse
dizer. Você só queria que eu descobrisse por mim mesmo quem eu
sou, o que sou e o que posso fazer. Lembra-se de como fiquei parado
à porta, fitando-o durante um minuto? Eis o que estava pensando.
Sabia que as respostas surgiriam uma a uma. Durante o trajeto até
minha casa, eu sabia isso, e me divertia porque não sabia quais eram
essas respostas. Sabia apenas que eu as exporia uma a uma.
“ Quando cheguei em casa, por volta das cinco e meia, fiquei
intrigado porque me descobri indo até a porta e espiando para fora
como se estivesse esperando alguma coisa. Foi só quando Jane colo
cou seu carro na vaga do estacionamento que percebi que a estava
esperando. Fui falar com ela e a convidei para jantar. Naquela ma
nhã, eu ficara intrigado com a quantidade de coisas que eu trouxera
das compras. Ela aceitou e fez o jantar, enquanto eu tocava guitarra
e cantava um dueto com uma fita do gravador. Depois do jantar, co
loquei alguns discos, e nós dançamos até que sentimos vontade de
nos sentar. Q uando nos sentamos no sofá, eu disse que iria beijá-la,
mas que antes iria refletir se gostaria daquilo. Enquanto eu fazia is
to, eu disse, ela podia esgotar as resistências de seu sistema. Ela pare
ceu intrigada e então desatou a rir. Percebi que o que dissera deveria
lhe parecer um tanto estranho, mas realmente queria dizer aquilo.
Q uando ela parou de rir, tomei seu rosto em minhas mãos e a beijei,
prim eiro num a das faces, depois na outra, e então na boca. Gostei,
mas estava sendo tão sistemático que ela pareceu assustada, de modo
que sugeri que dançássemos. Enquanto dançávamos, comecei a beijála novam ente e ela correspondeu.
“ Foi então que outras coisas começaram a me acontecer, e eu
sabia que não estava pronto para aquilo. P or isso parei de dançar,
toquei música clássica para ela, depois cantei algumas canções que
conhecia, e ela cantou junto. Ela tem um a bela voz. Então eu a levei
para casa e dei-lhe um beijo de boa-noite. Naquela noite dormi feito
um bebê.”
Neste p o n to , H aro ld estava se p rep aran d o p ara iniciar um a ati
vidade sexual norm al, e deve-se ter em m ente q u an ta preparação ela
b o ra d a havia sido prevista p ara criar um am biente onde isto fosse
possível. H aro ld pôde com eçar um a atividade de n am o ro mais n o r
m al p o rq u e ag o ra se vestia adequadam ente, vivia num ap artam en to
respeitável, freqüentava a faculdade e tin h a um bom em prego. E ra
tam bém capaz agora de p artilh ar com aquela m ulher um interesse
po r m úsica e culinária. A inda m ais, ele havia tido experiências pré
vias de relações sociais. Podia dançar, pois tinha experiência de dançar
com m ulheres. Finalm ente, sua atitude em relação às m ulheres h a
via sido reo rien tad a, e ele havia desenvolvido a curiosidade e o dese
jo de fazer explorações.
Harold continuou seu relato: “ Quando acordei na m anhã se
guinte, fiquei feliz por ser um domingo. Queria ter um agradável dia
de lazer, só para apreciar a vida. Por volta das três horas da tarde,
fui ver Jane. Ela estava ocupada confeccionando um vestido, e eu
lhe disse que continuasse o trabalho, que eu teria um jantar pronto
às seis horas. Depois do jantar, tocamos música clássica e algumas
coisas populares no gravador. Dançamos até ficarmos cansados, e en
tão nos sentamos no sofá. Eu a beijei e ela correspondeu, e começa
mos a nos acariciar. Eu estava muito circunspecto, porque sabia que
era só um novato e provavelmente desajeitado, de modo que ela me
agarrou e beijou, e aprendi o que é um beijo francês. Primeiro, nós
dançamos, depois nos acariciamos, e então dançamos um pouco mais.
Toda vez que nos acariciávamos eu tinha um a resposta fisiológica,
mas sabia que não estava pronto para expor minha resposta quanto
a este assunto. Finalmente, tocamos alguns discos clássicos e eu a
levei para casa, dei-lhe um beijo de boa-noite, sentindo muito afeto
por ela, e fui para a cama. Dormi bem.
“ Não a vi durante uns dois ou três dias. Foram dias um tanto
peculiares, porque tenho um branco completo a respeito deles.
Segunda-feira, levantei me sentindo bem. Pensei sobre a noite de do
mingo e foi agradável. Então saí para o trabalho, e a próxima coisa
de que me recordo é que o dia estava acabado e eu estava de volta
ao apartam ento. Não conseguia me lembrar de uma só coisa do dia
todo, mas tinha uma forte sensação, e uma boa sensação, de que ti
nha feito tudo adequadamente no trabalho. Terça-feira fui trabalhar,
disposto a perguntar, discretamente, o que havia acontecido na vés
pera, e a próxima coisa de que me dei conta foi de estar voltando pa
ra o apartam ento. Fiquei intrigado, não confuso, e cogitando sobre
o que aconteceria na quarta-feira. Naturalmente, ela também se eva
porou, mas dei por mim trazendo para casa uma grande sacola de
mantimentos. O que me surpreendeu foi que o talão de compras mos
trava que eu havia com prado numa loja em que nunca entrara antes.
Enquanto tentava me lembrar como era a loja, devo ter andado dis
traidam ente até a porta de Jane. Fiquei tão surpreso quando ela me
saudou que lhe disse que não precisava ir se vestir — ela usava so
mente s h o r ts e uma blusa. Disse que estava pronto para ela, que po
deria vir ja n ta r.”
N esta noite, H arold teve sua prim eira experiência sexual, e a
vivenciou com o um a curiosa exploração. Depois relatou:
“ Depois que tomamos café da manhã, Jane foi trabalhar, mas
eu fiquei em casa. Fiquei o dia todo em casa, me sentindo feliz, real
mente feliz, pela primeira vez em minha vida. Não dá para explicar.
H á coisas sobre as quais se pode falar a respeito, mas não se conse
gue colocar em palavras. Quinta-feira foi um dia assim.
“ Havíamos combinado nos encontrar sábado à noite, e sextafeira fui fazer compras. No sábado, limpei o apartamento, e não ti
nha nenhuma lembrança do que havia acontecido nos dois últimos
dias, só a sensação confortável de que tudo havia corrido bem. Sába
do à tarde, preparei um jantar muito requintado, e Jane chegou ves
tindo um belo vestido feminino. Quando a elogiei, ela disse que gos
tava de minha gravata. Foi quando percebi que também havia me ar
rumado. Isso me surpreendeu.
“ Comemos, dançamos, nos acariciamos. Por volta das dez ho
ras fomos para o quarto. Foi diferente desta vez. Eu não estava ten
tando aprender alguma coisa ou me mudar. Éramos apenas duas pes
soas que gostam muito uma da outra quando fazem amor. Em al
gum momento, depois da meia-noite, adormecemos. Na manhã se
guinte ela preparou o desjejum e foi embora, explicando que espera
va um amigo que iria ficar com ela por alguns dias.
“ Segunda de manhã levantei cedo e fui trabalhar, não sabendo
por que estava indo mais cedo. Não demorou muito para descobrir.
Guiava pela rua quando aconteceu. Uma jovem veio em minha dire
ção pela calçada e fiquei tão espantado que tive que frear e observála com o canto dos olhos, até ela passar. Aquela jovem era linda, in
teira e absolutamente, incrivelmente linda — a primeira moça linda
que eu via. Dois quarteirões mais para a frente, a mesma coisa acon
teceu de novo, só que desta vez eram duas moças absolutamente be
las. Foi difícil chegar ao trabalho. Queria parar e olhar as coisas. Tu
do estava tão mudado! A grama estava verde, as árvores eram lin
das, as casas pareciam recém-pintadas, os carros na rua pareciam no
vos, os homens se pareciam comigo, e as ruas de Phoenix estavam
cheias, simplesmente repletas, de moças bonitas. E tem sido assim
desde segunda-feira. O mundo está mudado.
“ Na quarta-feira fiquei me lembrando daqueles p u n k s que cos
tumava conhecer, por isso guiei até o outro lado da cidade e observei
alguns deles. Foi uma experiência surpreendente. Devo ter estado real
mente muito doente para ter algo a ver com essas pobres criaturas.
Senti muita pena deles.
“ Não aconteceu mais nada até sábado, depois que o visitante
de Jane partiu. Nós tivemos um bom jantar e, quando desligamos
o toca-discos, nós dois sentimos que era tempo de ter uma conversa
séria. Tivemos uma conversa sensata sobre como poderíamos ter pra
zer um com o outro, mas isto realmente não fazia nenhum sentido.
Eu deveria encontrar uma moça da minha idade e ela deveria pensar
num homem da sua. Concordamos em romper, mas permanecer ami
gos, e foi assim que tudo se passou.
“ Tenho ido à igreja, aos clubes de gente jovem, tenho feito um
circuito turístico. Homem, como tenho estado vivo e apreciado isto!
Tenho um futuro também. Estou terminando a faculdade e sei que
tipo de carreira desejo. E sei que quero uma esposa, um lar e filhos.”
H arold term inou a faculdade e encontrou um emprego respon
sável que aprecia.
O C A S A M E N T O E SU A S
C O N S E Q Ü Ê N C IA S
Os problemas que surgem como conseqüência do casamento em
geral envolvem dificuldades sexuais, sintomas que embaraçam ou in
capacitam um dos esposos, ou uma ruptura não resolvida do início
do casamento. Do ponto de vista do ciclo familiar, o objetivo do tra
tam ento é ajudar o jovem casal a estabilizar o relacionamento e a
passar ao estágio de gerar e criar filhos.
Q uando uma pessoa recém-casada aparece com um problem a,
a natureza da dificuldade pode ser vista de diferentes posições. Se
se observa somente o indivíduo, o problem a será diferente do do ca
sal, assim como o problem a conjugal é diferente do da família ex
tensiva. Por exemplo, uma jovem me consultou para tratam ento por
que havia desenvolvido um trem or e um a agitação involuntários na
m ão direita. Em anos anteriores, havia se submetido a extensivos e
caros testes neurológicos, com a conclusão final de que o trem or da
m ão era um sintom a histérico. Após seis meses de terapia tradicio
nal, o trem or começou a piorar. Se algo não fosse feito rapidam en
te, ela perderia o emprego. Foi-me solicitada um a terapia breve na
esperança de aliviar o sintoma. Alguns minutos da abordagem de estilo
hipnótico de Erickson revelaram que o trem or podia passar de uma
m ão para a outra, o que confirm ava o diagnóstico de histeria com
bem menos despesas do que as explorações neurológicas. Perm ane
cia o problem a da “ cura” .
O terapeuta com quem ela se tratara acreditava que ela estava
enfrentando um a situação semelhante a de outras jovens mulheres
e, por isso, que havia algo errado com e la . Mas, de um ponto de
vista diferente, a moça era recém-casada, e o sintoma havia se de
senvolvido logo após o casamento.
Fiz um a entrevista com o jovem casal, e ficou evidente que o
m arido era um rapaz um tanto perdido e que a esposa era muito pro
tetora. Eles haviam se casado enquanto ele estava na m arinha, o que
lhe dava uma posição atraente e s ta tu s . No entanto, depois de ter
dado baixa, tornara-se só um civil desempregado. Não conseguia de
cidir se queria voltar para a escola ou arrum ar um emprego, e não
agia em nenhuma das duas direções. A esposa o sustentava. Deste
ponto de vista, o sintoma poderia ter um a função dentro do casa
mento. Isto se tornou mais evidente quando perguntei a ela o que
aconteceria se o sintoma piorasse. Ela respondeu que perderia o em
prego. Quando lhe perguntei o que aconteceria então, respondeu:
“ Acho que meu marido teria que trabalhar” . O sintom a, por conse
guinte, desempenhava a função positiva de mover o casamento ru
mo a um estado mais norm al. Dado este enfoque, o marido e o casa
m ento deveriam ser o foco da terapia.
N um a tal situação, quando só a esposa é colocada em terapia,
há sempre uma conseqüência para o casamento. O marido se defronta
com um a situação na qual a esposa não só está sofrendo, como tam
bém visita outro homem para conversar com ele várias vezes por se
m ana, provavelmente para conversar a seu respeito. Pela própria na
tureza da terapia individual, o marido form a um triângulo com o
terapeuta. Neste caso, o m arido sentia que suas inadequações esta
vam, sem dúvida alguma, sendo discutidas pela esposa com aquele
outro homem de sucesso, e ele se tornou mais inseguro a respeito
da lealdade dela. A esposa, por sua vez, ficava entre um terapeuta
que a encorajava a expressar seus descontentamentos e um marido
que se com portava como se ela estivesse cometendo um a deslealda
de.
Na terapia individual a longo prazo, outros fatores influem no
casamento. À medida que se torna mais ligada ao terapeuta, a espo
sa se afasta do compromisso único para com o m arido, que é parte
do contrato de casamento. Em tais casos, o cônjuge geralmente rece
be as sobras; cada nova reflexão, ou idéia, do parceiro é apresentada
ao terapeuta, e só mais tarde é oferecida ao cônjuge, quando o é.
O tratam ento pode ser tornar uma barreira entre um casal, erodir
o casamento, precipitando o descontentam ento e talvez o divórcio.
Q uando o divórcio acontece, o terapeuta individual pode acreditar
que seu paciente “ superou” o cônjuge e que o divórcio é necessário,
particularmente se não reconhecer que sua intervenção é o principal
fator da separação, independente de qualquer “ crescimento” . Algu
mas vezes, o cônjuge também inicia um tratam ento com outro tera
peuta, e o casamento se torna um quarteto. Qualquer que sejam os
objetivos benéficos de um tal arranjo, quanto mais o tratam ento con
tinua, mais o casamento é “ anorm al” , no sentido que não é como
o casamento comum. Q uando um cônjuge é submetido a um tra ta
mento individual por oito ou dez anos — conheço um que durou de
zoito anos —, os estágios posteriores do casamento prosseguem
com um desvio que impede o desenvolvimento m arital normal. Por
exemplo, a decisão de ter filhos ou a educação dos filhos é algo
que a esposa partilha tanto com o terapeuta quanto com o marido,
e o terapeuta se torna essencialmente um membro pago da família
extensiva.
Outro ponto de vista, diferente, a respeito da jovem que sofre
de trem or na mão pode ser obtido pela ampliação do contexto, in
cluindo-se não só o marido, mas também sua família de origem. Seus
pais se opuseram ao casamento com o rapaz e, de fato, o proibiram.
Ela decidiu casar-se com ele assim mesmo, presumindo que um a vez
consumado o fato, os pais o aceitariam. No entanto, quando o jo
vem casal se estabeleceu em seu apartam ento, a mãe telefonou para
a filha e perguntou se voltaria para casa naquele dia. Quando res
pondeu que agora estava casada e tinha um a casa, a mãe comentou:
“ Bem, isto não vai d urar” . No dia seguinte, a mãe fez a mesma per
gunta e assegurou-lhe que seu quarto continuava à sua espera. Com
um a regularidade persistente, a mãe telefonava para a filha e comen
tava as inadequações do rapaz, cheia de esperanças de que a filha
retornasse à casa. Qualquer dúvida que a jovem tivesse a respeito
do m arido era sempre exacerbada pela mãe, e o marido vivia num
contexto de sogros hostis. Sua indecisão a respeito do trabalho devia-se em parte à preocupação excessiva com o que seria aceitável
pela família da esposa, de modo que suas decisões de vida estavam,
inevitavelmente, sendo influenciadas pela rede familiar mais ampla.
Neste contexto, sua insegurança pode ser explicada por uma origem
social, e não apenas como parte de seu caráter.
Neste contexto mais amplo, os sintomas da esposa são parte
de um conflito entre os membros de um a família, e incluem a difi
culdade de se desembaraçar dos pais e estabelecer um território se
parado e estável com o m arido. O tratam ento anterior também pode
ser visto como parte deste contexto mais amplo. Os caros testes neu
rológicos, assim como a dispendiosa terapia individual, foram pa
gos pela família dela. A moça pôde assim custear com o dinheiro
dos pais as dificuldades que eles estavam causando, e também con
firm ar a idéia deles de que o casamento fora um erro, já que criara
problemas graves que tinham obrigado a moça a consultar um psi
quiatra. O tratam ento se tornou, como ocorre com freqüência, par
te da munição da luta de família, enquanto o terapeuta ignorava,
ou não levava em conta, este aspecto da terapia.
Este caso ilustra como os terapeutas podem receber crédito por
terem resolvido um problem a que, sem dúvida, teria sido resolvido
sem sua assistência. Como disse Montaigne certa vez: “ Quando a na
tureza cura, a medicina fica com os créditos” . A despeito das bri
lhantes manobras terapêuticas, o problema foi solucionado indepen
dentemente da terapia. A jovem esposa ficou grávida, o que trans
formou o contexto global. Ela teve que abandonar o emprego por
causa da chegada próxim a do bebê, e o m arido foi forçado a traba
lhar para sustentá-la. Os pais queriam que a filha voltasse para a ca
sa deles, mas não queriam que voltasse com um bebê. Assim, altera
ram sua posição e começaram a apoiar o casam ento, ao invés de se
opor a ele, agora que um neto estava a caminho. A “ natureza” so
lucionara o problem a ao mover o jovem casal para o próximo está
gio do desenvolvimento familiar: procriação e cuidado dos filhos.
Os sintomas desapareceram, e a moça e seu marido pareciam mais
naturais e confiantes.
Muitos terapeutas estão só começando a compreender que os
sintomas individuais têm um a função para um casal jovem em rela
ção a seus parentes. Um dos problemas típicos de um jovem casal
é a incapacidade de se unir quando estão lidando com suas famílias
de origem. P or exemplo, um a esposa não quer que a família do m a
rido se introm eta em sua vida, mas o m arido não consegue se con
trapor aos pais. Numa tal situação, a esposa com freqüência desen
volve algum tipo de sintoma. No caso narrado a seguir, era esta a
situação, e Erickson arrum ou um sintoma mais produtivo.
Uma mulher veio me ver porque tinha uma úlcera no estôma
go; uma dor que a incapacitara para o trabalho, para o lar e para
todas as suas relações sociais. Sua maior preocupação era o fato de
não conseguir suportar as visitas dos sogros três ou quatro vezes por
semana. Eles chegavam sem avisar, ficavam o tempo que queriam.
Salientei que não precisava agüentar os sogros, mas poderia suportar
ir à igreja, jogar cartas com os vizinhos e seu trabalho. Enfocando
os sogros, disse: “ Você não gosta realmente deles. Eles são como um
soco no estômago toda vez que a visitam. Isto pode ser aproveitado.
Eles certamente não podem esperar que você limpe o chão se vomitar
quando chegam” .
Ela adotou este procedimento e vomitava quando os sogros vi
nham visitá-la. Então, frágil e lamurienta, se desculpava enquanto
eles limpavam o chão. Assim que ela os ouvia chegar, corria para a
geladeira e bebia um copo de leite. Eles entravam, ela os cumprimen
tava e começava a conversar. Então, subitamente, ficava enjoada e
vomitava.
Os sogros começaram a telefonar antes de aparecer, para saber
se ela estava bem para recebê-los. Ela dizia: “ Hoje não” , e, de novo,
“ Hoje não” . Finalmente, disse: “ Creio que hoje estou bem” . Infe
lizmente se enganara, e eles tiveram que fazer a limpeza.
Ela precisava ficar indefesa, e deste modo guardava toda a dor
de estômago para as visitas dos sogros e conseguia alguma satisfa
ção. (Ela desistiu da úlcera e passou a se orgulhar de seu estômago.
Ele era ótimo, já que podia mandar embora os sogros.) Eles deixa
ram de visitá-la durante alguns meses, e então ela os convidou “ para
passar a tarde” . Eles chegaram, desconfiados, dizendo metodicamen
te: “ Talvez fosse melhor irmos embora” . Quando ela quis que eles
partissem, tudo o que teve que fazer foi colocar um olhar de mal-es
tar no rosto e esfregar o estômago. Eles foram rápido embora. Ela
deixara de ser uma pessoa involuntariamente indefesa e se transfor
mara em alguém que podia manter um copo de leite na geladeira pa
ra conseguir um objetivo deliberado. E nunca houve necessidade de
uma briga aberta. Isto me lembra o conviva que sempre aparecia pa
ra o jantar de domingo e sempre lhe serviam pão-de-ló e faziam a
mesma pergunta cortês: “ Você quer um pouco de pão-de-ló?” , até
que, finalmente, ele entendeu.
A terapia tradicional para um a pessoa recém-casada que desen
volve dificuldades é, atualm ente, definida como uma imposição pa
ra produzir um a m udança sem permitir que a intrusão se estabeleça
no sistema. Os problemas sexuais, como impotência ou frigidez, em
geral surgem durante a lua-de-mel, e com freqüência se resolvem na
turalm ente. Em muitos casos, quando o casal busca ajuda, é mais
sensato o especialista evitar rotular a questão como patológica e sim
plesmente sugerir que o problem a não é incomum, e que provavel
mente se resolverá sozinho. Se isto não acontecer, eles poderão reto
m ar o tratam ento. M uitas vezes, um a discussão sobre sexo com uma
autoridade é suficiente para solucionar estes primeiros problemas con
jugais. A solução não acontece necessariamente porque os jovens re
cebem novas informações, mas porque um a autoridade lhes dá per
missão para se desfrutarem sexualmente, quando as autoridades an
teriores sempre haviam proibido este prazer. Isto faz parte da “ ceri
m ônia de iniciação” ao m undo adulto.
Q uando o prazer com o relacionamento sexual não ocorre na
turalm ente, o objetivo da intervenção terapêutica é providenciar es
te prazer, assim como estabilizar o casamento e assistir o jovem ca
sal na passagem para o estágio de criar filhos. Em certas ocasiões,
as relações sexuais simplesmente não acontecem, e assim, além da
falta do prazer, o casamento não tem a possibilidade de atingir o
estágio seguinte. Erickson oferece o exemplo de um caso onde a queixa
era do marido.
Um rapaz que normalmente pesava oitenta quilos se casou com
uma linda jovem voluptuosa. Seus amigos caçoavam de iminente perda
de peso. Nove meses depois, ele me procurou para aconselhamento
psiquiátrico por causa de dois problemas. Primeiro, não tolerava mais
a caçoada dos colegas de trabalho sobre sua perda de mais de dezoito
quilos. O verdadeiro problema era totalmente outro. O casamento
não havia se consumado.
Explicou que todas as noites a esposa prometia manter relações
sexuais, mas, a seu primeiro movimento, ficava tomada de pânico
e, tímida e lamuriosa, o persuadia a esperar até o dia seguinte. E to
da noite ele dormia desassossegadamente, sentindo um intenso dese
jo e desesperadamente frustrado. Recentemente, estava apavorado an
te o fracasso em ter uma ereção, a despeito da crescente ânsia sexual.
Quando me perguntou se podia fazer algo por ele ou pela espo
sa, tranqüilizei-o e marquei uma hora para ela. Pedi-lhe que contasse
a ela a razão da consulta e a avisasse para estar preparada para discu
tir o seu desenvolvimento sexual desde a puberdade.
O casal chegou pontualmente para a entrevista noturna, e o ma
rido foi deixado do lado de fora da sala. Ela contou sua história li
vremente, embora com muito embaraço. Explicou seu comportamento
como o resultado de um terror incontrolável, esmagador, que ela va
gamente relacionava a ensinamentos morais e religiosos. A respeito
de sua história sexual, exibiu um caderno de anotações no qual a da
ta e a hora do início de cada período menstruai haviam sido anotadas
em ordem. Este espantoso registro desvendou que durante dez anos
ela havia menstruado a cada trinta e três dias, e o início ocorria qua
se invariavelmente entre as dez e onze horas da manhã. Havia alguns
períodos fora do prazo. Nenhum deles havia vindo mais cedo, mas
havia períodos ocasionais de atraso, assinalados com nota explicati
va do tipo: “ De cama com resfriado forte” . Notei que o período se
guinte só começou dezessete dias mais tarde.
Quando lhe perguntei se queria ajuda para o problema conju
gal, ela declarou que sim. Imediatamente, no entanto, tornou-se as
sustada, soluçou e implorou-me que a deixasse pensar “ até amanhã’’.
Mandei-a embora, com a repetida afirmação de que teria que tomar
sua própria decisão. Então ofereci-lhe um longo e genérico discurso
sobre as relações conjugais, entremeado com sugestões de fadiga, de
sinteresse e sono, até que um transe muito bom houvesse sido induzido.
Depois do comando enfático para assegurar a continuidade do
transe, ofereci-lhe uma série de sugestões, cada vez mais intensas. Meu
objetivo era fazer com que ela se surpreendesse com a perda definiti
va do seu medo e súbita e inesperadamente conseguisse cumprir mais
cedo aquilo que prometia para “ o dia seguinte” . Durante todo o tra
jeto para casa, ela permaneceu completamente absorta num pensa
mento satisfatório, mas sem significado, de que faria as coisas acon
tecerem muito rapidamente para que chegasse a sentir qualquer sen
sação de medo.
Recebi o marido separadamente e lhe assegurei um desenlace
bem-sucedido aquela noite. Na manhã seguinte, ele relatou pesarosa
mente que a meio caminho de casa, d e ze sse te d ia s m a is c ed o , o perío
do menstruai dela começara. Ficou aliviado e confortado com minha
afirmação enganosa de que aquilo significava a intensidade do dese
jo dela e sua resolução ferrenha de consumar o casamento. Marquei
uma outra hora para ela, para quando sua menstruação tivesse ter
minado.
Na noite do sábado seguinte, eu a recebi novamente, e um tran
se foi induzido. Desta feita, expliquei-lhe que a consumação d ev e ocor
rer, e que pensava que ela deveria ocorrer dentro dos próximos dez
dias. Além disso, deveria ocorrer quando ela decidisse. Disse-lhe que
poderia ser sábado à noite, ou domingo, embora eu preferisse sexta
à noite; ou poderia ser na segunda ou na terça à noite, embora sexta
fosse minha noite preferida; e de novo, poderia ser quinta à noite, mas
eu definitivamente preferia a sexta-feira. Repeti sistematicamente a lista
de todos os dias da semana, enfatizando minha preferência pela sexta-feira, até que ela começou a demonstrar marcante aborrecimento.
Ela foi despertada, e as mesmas afirmações foram repetidas. Sua
expressão facial era de intenso descontentamento a cada menção de
minha preferência. Conversei com o marido separadamente e lhe dis
se para não fazer nenhum avanço, ter um comportamento passivo,
mas para se manter em prontidão para responder, e que certamente
o resultado seria um desenlace bem-sucedido.
Na sexta-feira seguinte ele relatou: “ Ela me pediu para lhe
contar o que aconteceu ontem à noite. Aconteceu tão rápido que
eu nem mesmo tive uma oportunidade. Ela praticamente me violen
tou. E me acordou antes da meia-noite para recomeçar. Esta ma
nhã ela estava rindo, e quando perguntei por quê, ela me disse para
lhe contar que não preferia as sextas-feiras. Disse-lhe que era sexta-feira, e ela continuou rindo e afirmou que você entenderia que
não era sexta-feira” .
Não lhe dei nenhuma explicação. O desenlace subseqüente foi
um contínuo ajustamento marital feliz, a compra de uma casa e o
nascimento de três crianças desejadas, com intervalos de dois anos.
A razão de eu ter proposto um período de dez dias, da enume
ração dos dias da semana e da ênfase em minha preferência foi a se
guinte: dez dias era um período suficientemente longo para ela tomar
a decisão, mas este período era, na realidade, reduzido a sete dias atra
vés da enumeração. A ênfase em minha preferência colocou-lhe um
problema emocional constrangedor, desagradável: como todos os dias
da semana haviam sido enumerados, a passagem de cada um a apro
ximava cada vez mais do dia inaceitável que era o meu preferido. Por
isso, quando a quinta-feira chegou, só havia este dia e a sexta-feira
faltando; sábado, domingo, segunda, terça e quarta haviam sido re-
jeitados. Por conseguinte, a consumação tinha que ocorrer na quinta-feira por escolha própria, ou na sexta, que era minha escolha.
O procedimento empregado na primeira entrevista foi obviamen
te errado. Foi lindamente utilizado pela paciente, que queria me pu
nir e frustrar por incompetência. A segunda entrevista foi mais afor
tunada. Sem ela perceber, criei um dilema com as duas alternativas
— o dia de sua preferência e o dia da minha. A repetida acentuação
de minha escolha evocou uma forte resposta corretiva emoçional: a
necessidade imediata de me punir e frustrar temporariamente trans
cendeu suas outras necessidades emocionais. Efetuada a consumação,
ela podia então zombar de mim com a declaração de que a última
noite não era sexta-feira, alegremente certa de que eu compreende
ria.
Assim como uma moça pode ter dificuldade para consumar um
casamento, um rapaz também pode tê-las. Uma dificuldade comum
é a inabilidade do jovem m arido para conseguir um a ereção. Algu
mas vezes isto pode ser um a surpresa na lua-de-mel. O homem pode
ter tido um a história de relações sexuais bem-sucedidas, mas o casa
mento cria um relacionamento que o torna incapaz de desempenhar
o ato sexual. Algumas vezes este problem a se resolve por si mesmo;
outras, um a intervenção breve pode aliviar a dificuldade e salvar o
casamento.
Um de meus estudantes de medicina se casou com uma jovem
muito bonita e na noite de núpcias não conseguiu uma ereção. Toda
via, ele havia sido uma figura obrigatória na vida social e havia dor
mido com todas as prostitutas da cidade. Durante duas semanas após
o casamento, ele não conseguira ter uma ereção. Tentou de tudo, mas
nem mesmo com masturbação conseguia. Depois de duas semanas
de uma lua-de-mel melancólica, sua esposa consultou um advogado
a respeito de uma anulação.
O jovem veio me ver com esse problema. Disse-lhe para telefo
nar para alguns amigos que conheciam a noiva e pedir a eles que a
persuadissem a vir me ver. Ela veio ao consultório, e fiz com que o
rapaz esperasse do lado de fora enquanto conversávamos. Ela estava
extremamente amarga, e deixei que me contasse toda a história de
seu desapontamento. Ela se achava atraente, e lá estava ela, comple
tamente nua, e ele não conseguia fazer amor. A noite do casamento
pode ser um evento e tanto na vida de uma jovem. É uma ocasião
importante, que representa ser transformada de moça em mulher, e
toda mulher quer ser desejada e ser a única. Era uma situação acabrunhante, e foi assim que a defini para ela.
Perguntei-lhe se pensara a respeito do elogio que o marido lhe
havia feito. Isto a intrigou, pois parecia ser o inverso de tudo que ela
me contara. Eu disse: “ Bem, evidentemente ele achou seu corpo tão
belo que ficou desarmado. Completamente desarmado. E você não
compreendeu isto e acreditou que ele era incompetente. E ele e sta va
impotente, porque percebeu como era pequena sua capacidade de apre
ciar realmente a beleza de seu corpo. Agora, passe para a outra sala
e reflita sobre isto” .
Fiz o marido entrar e deixei que me contasse toda a triste histó
ria da lua-de-mel. Então disse-lhe a mesma coisa. Salientei o enorme
elogio que havia feito à esposa. Ele sentia muita culpa por causa de
seus casos anteriores, mas eis que sua incapacidade lhe provara que
realmente encontrara a garota certa, a desarmante garota certa.
Eles foram para seu apartamento juntos, e quase tiveram que
parar o carro no caminho para ter uma relação, e foram bem-sucedi
dos daí para a frente.
Este tipo de tratam ento é essencialmente um tratam ento de cri
se num casamento, e parte de sua eficácia se deve ao tempo certo
da intervenção. Uma ação rápida no mom ento certo pode em geral
resolver rapidamente conflitos que só serão resolvidos com dificul
dade se se permitir que o problema sexual se torne um problema con
jugal crônico. Ocasionalmente, a intervenção parece ser a permissão
para obter sucesso, fornecida por um a autoridade, com binada com
um a saída elegante para a dificuldade. H á outras variações usadas
por Erickson.
Um noivo de vinte e quatro anos, criado num colégio, retornou
de sua lua-de-mel de duas semanas desanimado porque tinha sido in
capaz de uma ereção. Sua noiva dirigiu-se, imediatamente, ao escri
tório de um advogado em busca da anulação, enquanto ele procura
va ajuda psiquiátrica.
Ele foi persuadido a trazer a esposa ao meu consultório e, sem
dificuldade, ela se deixou convencer a cooperar na hipnoterapia do
marido. Isto foi feito da seguinte maneira. Eu lhe disse para olhar
para a esposa e vivenciar de novo e totalmente sua sensação de abso
luta vergonha, humilhação e desesperado desamparo. Tendo feito is
to, ele faria qualquer coisa, q u a lq u e r coisa m e sm o , para escapar àquele
sentimento de infelicidade completa. Em seguida, ele iria se sentir com
pletamente incapaz de ver qualquer coisa exceto sua esposa, seria in
capaz até mesmo de me ver, embora fosse capaz de ouvir minha voz.
Quando isso acontecesse, ele perceberia que estava entrando num pro
fundo transe hipnótico, n o q u a l n ã o teria c o n tro le so b re to d o o seu
c o rp o . Então começaria a ter alucinações com a noiva nua, e com
ele mesmo nu. Isto o levaria a descobrir que não conseguia mexer o
corpo e que não tinha controle sobre ele, o que, por sua vez, o con
duziria então a uma nova e surpreendente descoberta: estava sentin
do contato físico com sua noiva, este contato ficava cada vez mais
íntimo e excitante e n ã o h a veria n a d a q u e ele p u d e s s e fa z e r p a ra c o n
tro la r su a s re sp o sta s fís ic a s . No entanto, não poderia haver finaliza
ção de suas respostas descontroladas até que a esposa a solicitasse.
O estado de transe se desenvolveu rapidamente e, no final, eu
o instruí: “ Você sabe que pode. De fato, você conseguiu, e não há
nada que possa fazer para não ter sucesso de novo, e de novo” .
A consumação foi rapidamente efetuada naquela noite. Ocasio
nalmente, eu os encontro depois disto como conselheiro familiar, e
não ocorreram outras dificuldades sexuais no casamento.
Em bora a falta de um a ereção possa ser um problema para um
casal recém-casado, a ingenuidade dos seres humanos torna possível
ter dificuldades p o r q u e o homem produz com facilidade um a ere
ção. A insatisfação de um a mulher tom ou esta form a no exemplo
seguinte.
Uma mulher estava casada há um ano e sentia enorme rancor
pelo marido. Explicou-me que eles se davam bem durante a noite,
mas no momento em que entravam no quarto começavam as dificul
dades. Ela disse: “ No instante em que começamos a nos dirigir para
o quarto ele tem uma ereção. Posso tirar a roupa devagar ou rapida
mente, não faz diferença. Ele se deita com uma ereção todas as noi
tes. Ele se levanta de manhã e lá está ele, em pé. Isso me deixa tão
maluca que quando vejo estou brigando o tempo todo” .
Perguntei-lhe: “ O que você quer?” .
Ela respondeu: “ Que ele uma vez, só uma vez, entre na cama
e não tenha uma ereção automática. Se pelo menos uma única vez
ele me deixasse sentir meu poder de mulher!” .
Parecia uma solicitação razoável, pois toda mulher tem o direi
to de provocar uma ereção e desfazê-la. Um homem simplesmente
olhar para a mulher e ter uma ereção, ou tê-la assim que entra no
quarto, sem que ela precise fazer nada, pode ser muito insatisfatório.
Sendo assim, fiz entrar o marido e salientei a enorme importância disto
para sua esposa. Jurei que manteria segredo. Ele se masturbou três
vezes aquela noite e, quando foi para o quarto, realmente tinha o pê
nis flácido. Ela se divertiu muito torcendo-se e retorcendo-se. Ele es
tava cogitando se conseguiria uma ereção. O que mais a encantou foi
que ele conseguiu uma ereção apenas com o movimento que ela fa
zia, sem tocá-lo ou beijá-lo. Ela realmente possuía seu poder de mu
lher. Alguns meses mais tarde, quando visitei a cidade em que mora
vam, eles me convidaram para jantar fora. Durante o jantar, pude
constatar que ela realmente tomou posse de seu poder feminino e es
tá contente com ele.
Algumas mulheres desejam desfrutar o poder feminino, e ou
tras percebem que a lua-de-mel é um período em que simplesmente
não podem se engajar no ato sexual. Erickson relata o caso de uma
noiva que já estava casada há uma semana e não era capaz de m an
ter relações sexuais com o marido, mesmo desejando fazê-lo. Ela de
senvolvia um estado de trem endo pânico e trancava as pernas na po
sição de tesouras a cada tentativa, ou oportunidade de uma tentati
va, de consumar o casamento. Ela foi ver Erickson com o marido;
vacilando, relatou sua história e afirm ou que algo tinha que ser fei
to, pois estava sendo ameaçada com uma anulação. O marido con
firmou a história e acrescentou outros detalhes descritivos.
A técnica que usei foi essencialmente a mesma utilizada para
meia dúzia de situações similares. Perguntei-lhe se estava disposta a
empregar qualquer procedimento razoável para corrigir seu proble
ma. Sua resposta foi: “ Sim, qualquer coisa, a não ser que não devo
ser tocada, porque enlouqueço quando sou tocada” . Essa afirmação
foi corroborada pelo marido.
Informei-a de que iria usar a hipnose, e ela consentiu, hesitan
te; de novo pediu que não fizesse nenhum esforço para tocá-la.
Disse-lhe que o marido ficaria sentado na cadeira, do outro la
do do consultório, o tempo todo, e que eu me sentaria ao lado dele.
Ela, no entanto, deveria pessoalmente levar sua cadeira para o lado
mais afastado da sala, sentar-se ali e olhar continuamente para o ma
rido. Se qualquer um de nós dois, a qualquer momento, se levantasse
da cadeira, ela poderia imediatamente sair da sala, pois estava senta
da próxima à porta.
Pedi-lhe que se acomodasse na cadeira, inclinando-se bem para
trás, com as pernas estendidas, os pés cruzados e todos os músculos
absolutamente tensos. Ela deveria olhar fixamente para o marido até
que enxergasse somente a ele e só me visse pelo canto dos olhos. De
veria cruzar os braços à sua frente e segurar firmemente suas roupas.
Obediente, ela começou a executar a tarefa. Enquanto a execu
tava, eu lhe disse para dormir cada vez mais profundamente, não en
xergando nada além do marido e de mim. Conforme dormisse mais
e mais profundamente, ela deveria ficar assustada e entrar em pâni
co, seria incapaz de se mover ou fazer qualquer coisa, exceto olhar
para nós dois, e dormir mais e mais profundamente, num transe di
retamente proporcional ao seu estado de pânico. Este estado de pâni
co, ela foi informada, iria aprofundar seu transe, e ao mesmo tempo
a manteria rigidamente imóvel na cadeira.
Então, gradualmente, anunciei que ela começaria a sentir o ma
rido tocando-a intimamente, acariciando-a, embora continuasse a vêlo parado do outro lado da sala. Perguntei-lhe se estava disposta a
sentir tais sensações, e lhe disse que sua rigidez corporal atual relaxa
ria só o suficiente para inclinar ou balançar a cabeça em resposta.
Disse-lhe que uma resposta honesta deveria ser dada devagar e refletidamente.
Vagarosamente, ela inclinou a cabeça, afirmativamente.
Solicitei-lhe que notasse que tanto seu marido quanto eu estávamos voltando nossas cabeças para o lado oposto ao que ela estava,
porque ela agora começaria a sentir uma carícia progressivamente mais
íntima em seu corpo, até que finalmente se sentiria totalmente satis
feita, alegre e relaxada. Aproximadamente cinco minutos depois, ela
me disse: “ Por favor, não olhe. Estou tão embaraçada! Podemos ir
agora para casa, porque estou bem” .
Mandei-a embora do consultório e instruí o marido a levá-la para
casa e esperar passivamente os desenvolvimentos.
Duas horas mais tarde, recebi um duplo telefonema, e eles sim
plesmente disseram: “ Está tudo bem” .
Um telefonema de verificação semanal demonstrou que tudo es
tava bem. Aproximadamente uns quinze meses mais tarde, eles, mui
to orgulhosos, vieram me mostrar o primeiro filho.
Às vezes, em bora o casal possa ter um desempenho adequado,
algo fica faltando ao ato sexual. Foi o que aconteceu no exemplo
a seguir.
Um professor universitário veio me ver. Ele nunca tivera um
orgasmo, nunca tivera uma ejaculação. Procurara a palavra “ ejacu
lação” no dicionário. Ele veio me ver e perguntou por que a palavra
“ ejaculação” era usada em relação ao comportamento sexual mas
culino. Eu lhe perguntei: “ Durante quanto tempo você molhou a ca
ma?” . Ele respondeu: “ Até os onze ou doze anos” .
Contou que a esposa estava feliz, que eles mantinham relações
sexuais, tinham dois filhos. Perguntei-lhe: “ O que você faz ao invés
de ejacular?” . Ele respondeu: “ Você tem um intercurso, tem prazer
e depois de um certo tempo, como se estivesse urinando, o sêmen flui
para fora do pênis” .
Ele havia aprendido que a única coisa para que servia um pênis
era para fazer xixi, e por isso usava o seu, maritalmente, para urinar
na vagina da esposa. Ele perguntou: “ Não é isso que todos os ho
mens fazem?” . Eu lhe disse o que deveria fazer. Todos os dias, ou
um dia sim outro não, ele deveria reservar uma hora para si mesmo.
Entrar no banheiro e se masturbar. No processo de masturbação,
disse-lhe, ele deveria identificar todas as partes de seu pênis. Da pon
ta até as glândulas, identificando todas as sensações. Deveria tentar
não urinar nenhum sêmen por mais tempo que conseguisse, para per
ceber até que ponto ele podia se excitar. Que pequenos toques e exci-
tamentos poderia acrescentar. Ele deveria se preocupar com a ten
são, o calor, a fricção, mas não urinar o sêmen. A este respeito, de
veria se refrear. A perda do sêmen significaria uma perda fisiológica
da capacidade de continuar se masturbando.
Ele achou tudo isso infantil e tolo, mas praticou regularmente
durante mais ou menos um mês. Certa noite, às onze horas, telefo
nou e disse: “ Consegui” . Perguntei: “ O que quer dizer?” . “ Bem,
hoje, ao invés de me masturbar, fui para a cama com minha esposa
e fiquei sexualmente excitado. E ejaculei. Pensei que ficaria contente
com meu chamado para contar-lhe o que aconteceu.” Eu respondi:
“ Estou muito feliz que você tenha tido uma ejaculação” . À uma da
madrugada ele telefonou de novo; tinha tido outra. A esposa queria
saber por que ele ligara para mim para contar que tivera relação se
xual com ela. Ele me perguntou se deveria contar-lhe.
Respondi que não era da conta dela. Mas depois conversei com
a esposa e perguntei: “ Você acha seu casamento satisfatório?” . Ela
respondeu que sim. “ Sua vida sexual tem sido boa?” “ Sim.” Então
ela disse: “ Desde aquela noite em que meu marido lhe telefonou no
meio da noite, para lhe contar que estava fazendo amor comigo, mi
nha vida sexual com ele tem sido melhor, mas não sei por quê” .
Um dos problemas mais comuns em casais recém-casados é a
inabilidade de copular com mútuo prazer devido a idéias puritanas.
Em certas ocasiões, um a breve intervenção pode alterar o relaciona
mento para que o casamento se torne um a oportunidade para os jo
vens se desfrutarem. Um exemplo do procedimento de Erickson ilustra
este ponto.
Uma noiva e seu noivo vieram me ver após menos de um mês
de vida de casados. A noiva insistia em me ver. Ele afirmava que es
tava decidido; iria pedir divórcio. Não podia tolerar o comportamento
ultrajante da esposa.
Ele expressou, um tanto enfaticamente, uma opinião desfavo
rável a respeito dos psiquiatras. Finalmente eu disse: “ Bem, você ex
pressou sua opinião e vou falar com igual franqueza. Você está casa
do há menos de um mês e já fala em divórcio. Não sei que tipo
de covarde é, mas você deveria ao menos agüentar um mês in
teiro de casamento até o amargo fim. Por isso, por favor, cale a boca
e escute o que sua esposa tem a me dizer” . Ele fez exatamente isso
— cruzou os braços, endureceu o maxilar e escutou.
A esposa disse: “ Henry não acredita em fazer amor da forma
correta. Ele quer que todas as luzes fiquem apagadas, as cortinas fe
chadas, e quer tirar a roupa na privacidade do banheiro. Ele não en
tra no quarto a menos que as luzes estejam totalmente apagadas. Eu
supostamente devo usar minha camisola e não devo tirá-la. Tudo que
ele quer fazer é ter uma relação sexual da maneira mais simples pos
sível. Ele nem mesmo me beija” .
Eu lhe perguntei: “ É verdade?” , ele respondeu: “ Acredito que
se deva ter a relação sexual da maneira adequada, sem ser piegas” .
Ela continuou: “ Ele evita me tocar. Não beija meus seios ou
brinca com eles. Nem mesmo os toca” .
O marido respondeu: “ Os seios são utilitários; são destinados
aos filhos” .
Disse-lhe que minha inclinação era simpatizar com sua esposa,
e ele provavelmente não gostaria do que tinha a dizer. “ Por isso” ,
disse, “ fique sentado aí, mantenha os braços cruzados e o maxilar
apertado. Fique tão bravo quanto quiser, porque vou dizer à sua es
posa algumas coisinhas que ela deve saber” .
Assim, disse à esposa de que modo eu acreditava que o marido
deveria tê-la beijado nos seios e embalado seus mamilos. Salientei c o
m o ele deveria beijá-la e o n d e , e que ele deveria ter prazer nisso. Co
mo uma mulher saudável, ela podia gostar. Então mostrei que os se
res humanos têm uma tendência antropomórfica. Eles têm uma infi
nidade de apelidos para os tipos mais variados de posses. Afirmei acre
ditar que seu marido, como dizia amá-la, deveria ter dado algum ape
lido para seus gêmeos. Ela ficou um tanto desconcertada, e eu disse:
“ Você sabe o que são os gêmeos” , e indiquei seus seios. Os gêmeos
realmente deveriam ter nomes que rimassem, disse, e, voltando-me
para o rapaz, coloquei-lhe a questão com firmeza. “ Amanhã, em sua
próxima entrevista, você entrará com o nome dos gêmeos para os seios
de sua esposa. Se não os nomear, eu denominarei um deles, e você
ficará engasgado com o nome do outro, que imediatamente surgirá
em sua mente” . Ele saiu a passos largos do consultório.
No dia seguinte, eles entraram e a esposa disse: “ Bem, Henry
tentou fazer amor de uma forma muito melhor. Ele parece ter uma
compreensão muito maior, mas afirma que nunca dará nomes aos
gêmeos” .
Voltei-me para ele e disse: “ Você vai dar nome aos gêmeos?
Lembre-se, se não estiver disposto a fazê-lo, eu chamarei um por um
nome rimado e você ficará engasgado com o nome do outro” .
Sugeri que talvez ele quisesse refletir sobre o assunto durante
meia hora, enquanto conversávamos sobre outras questões. Então dis
cutimos outros aspectos do ajustamento sexual do casal, como a es
posa desejava.
Finalmente, ao fim de meia hora, perguntei a ele: “ Agora, está
pronto para dar nome aos gêmeos? Eu estou, e espero que esteja” .
Ele disse: “ Eu o desafio” . Expliquei de novo que iria dar nome a
um deles, e que o nome rimado surgiria em sua mente imediatamen
te. Quando ele novamente se recusou, eu disse à esposa: “ Bem, você
está pronta?” . Ela respondeu que sim. Eu disse: “ Eu agora batizo o
seu seio esquerdo como Kitty” . Na mente do homem pudico surgiu
a rima, t i tty (teta).
A esposa ficou contente. Eles moravam fora do Estado, e seis
meses depois recebi deles um cartão de Natal. Estava assinado K. e
T. A esposa me escreveu contando que o marido se mostrou um aman
te agradável e tinha muito orgulho e satisfação com os gêmeos. Al
guns anos mais tarde, visitei a cidade onde moravam e jantei com um
amigo comum. Ele comentou: “ Que casal agradável eles formam!
Lembro-me como Henry era quando se casou, mas ele realmente se
tornou humano” . Mais tarde, recebi um cartão deles e, além do K.
e do T., havia outras várias adições à família. Ele realmente aprende
ra para que servia uma titty .
Muitas vezes pode-se usar na terapia uma compulsão de modo
terapêutico, que foi o que ocorreu neste caso. O marido estava compulsivamente evitando os seios da esposa. Fiz uma rima compulsiva
e ele não conseguiu escapar. Toda a compulsão se centrou num nome
afetivo para os seios, ao invés de num evitamento deles, e dessa for
ma a compulsão foi revertida.
Devido à peculiar habilidade dos seres humanos de serem cons
cientes de seus atos, um com portam ento que deveria ocorrer natu
ralmente com freqüência se torna um esforço deliberado, e assim sua
natureza é m odificada. Uma determinação consciente de conseguir
um a ereção, de ter um orgasmo, pode ser colocada nesta categoria.
É um a tentativa de produzir um com portam ento involuntário atra
vés da vontade voluntária, capturando a pessoa num círculo autofrustrante. A educação sexual é tantas vezes oferecida de maneira cien
tífica, se não sinistra, que para as pessoas muito educadas elas po
dem se tornar um esforço técnico. Até mesmo o prazer do sexo pode
ser apresentado como um dever por educadores bem-intencionados.
Forçar um casal a se relacionar sexualmente de um modo mais hu
m ano vale a pena como um esforço terapêutico, e um dos procedi
mentos de Erickson ilustra um a maneira de lidar com o problema.
Um professor universitário de trinta e três anos estava numa festa
universitária e viu uma mulher sozinha de trinta e três anos do outro
lado do salão. Ela o viu, e eles rapidamente gravitaram um em dire
ção ao outro. Dentro de um mês, estavam planejando seu futuro e
estavam casados. Três anos depois, apareceram em meu consultório
e contaram sua história triste. Ao contá-la, eles ficaram extremamente
pudicos e embaraçados, empregando um palavreado muito formal.
Em essência, a queixa que tinham era que antes do casamento tinham
planejado ter uma família, e como ambos estavam na casa dos trin
ta, pensavam que não poderiam postergar a idéia por nada deste mun
do. Mas, após três anos, ainda não tinham filhos, apesar dos exa-
mes e dos conselhos médicos. Os dois estavam presentes no consultó
rio e, ao me contarem seus problemas, o homem disse: “ Na minha
opinião, e na de minha esposa, pensamos que é mais correto eu falar
de nossa dificuldade comum, e relatá-la sucintamente. Nosso proble
ma é muito angustiante e destrutivo para nosso casamento. Como que
remos ter filhos, nos engajamos na união marital, com plena simultaneidade fisiológica, todas as noites e todas as manhãs, com objeti
vos procriativos. Aos domingos e feriados, nos engajamos, para pro
pósitos procriativos, na união conjugal, com plena simultaneidade fi
siológica, até quatro vezes ao dia. Não permitimos que qualquer in
capacidade física interfira. Como resultado da frustração de nossos
desejos filogenéticos, a união marital tem se tornado progressivamente
desagradável para nós, porém isto não tem interferido com nossos
esforços procriativos, embora, realmente, nos angustie descobrir que
estamos cada vez mais impacientes um com o outro. Por essa razão,
viemos pedir sua ajuda, pois os outros auxílios médicos fracassaram” .
Neste ponto eu o interrompi e disse: “ Você colocou um proble
ma. Gostaria que ficasse em silêncio e sua esposa declarasse sua opi
nião com suas próprias palavras” . De maneira pedante quase exata
mente idêntica, e até com maior embaraço do que o demonstrado pe
lo marido, a esposa verbalizou sua queixa. Eu disse: “ Posso corrigir
isto para vocês, mas será uma terapia de choque. Não serão choques
elétricos ou físicos, mas uma questão de choques psicológicos. Vou
deixá-los sozinhos no consultório por quinze minutos para que vocês
possam trocar idéias e opiniões sobre sua disposição de receber um
choque psicológico um tanto forte. Ao fim dos quinze minutos, vol
tarei, ouvirei a decisão de vocês e a acatarei” .
Saí do consultório, voltei quinze minutos mais tarde e disse:
“ Qual a resposta?” . O homem replicou: “ Discutimos o assunto, tanto
objetiva quanto subjetivamente, e chegamos à conclusão de que su
portaremos qualquer coisa que possa oferecer satisfação a nossos de
sejos filoprogenitivos” . Perguntei à esposa: “ Você concorda plena
mente?” . Ela respondeu: “ Sim, senhor” . Expliquei que o choque se
ria psicológico, envolveria suas emoções e seria uma enorme tensão
para eles. “ Será relativamente simples de administrar, mas vocês dois
ficarão extremamente chocados psicologicamente. Sugiro que, enquan
to ficam sentados aí, se agarrem fortemente aos braços da cadeira
e escutem bem o que tenho a dizer. Quando eu acabar de falar, e en
quanto administro o choque, quero que permaneçam em absoluto si
lêncio. Dentro de alguns minutos poderão sair do consultório e vol
tar para casa. Quero que vocês dois mantenham silêncio absoluto du
rante todo o trajeto até sua casa, e durante este silêncio vocês desco
brirão uma multidão de pensamentos ocorrendo em suas mentes.
Quando chegarem em casa, permaneçam em silêncio até depois de
terem entrado e fechado a porta. Vocês estarão livres! Agora agar-
rem-se fortemente aos braços da cadeira porque vou lhes aplicar um
choque psicológico. É isto: durante três longos anos vocês se engaja
ram na união matrimonial, com plena simultaneidade fisiológica, com
finalidades procriativas, no mínimo duas vezes por dia, algumas ve
zes até quatro vezes em vinte e quatro horas, e foram derrotados em
seus desejos filoprogenitivos. Agora, por que cargas d’água vocês não
trepam uma vez por prazer e imploram ao diabo que não se fatiguem
no mínimo por três meses? Agora, por favor, vão embora.”
Soube mais tarde que os dois ficaram em silêncio durante todo
o percurso para casa, pensando “ muitas coisas” . Quando finalmen
te entraram na casa, fecharam a porta e, segundo o marido: “ Desco
brimos que não agüentávamos esperar até chegar ao quarto. Caímos
no chão. Não nos engajamos na união marital; nós nos divertimos.
Agora os três meses estão quase se esgotando e minha esposa está grá
vida” . Nove meses mais tarde, nasceu uma menina. Quando fui visi
tar o bebê, soube que o discurso formal, as palavras polissilábicas
e as frases altamente corretas não eram mais necessários nas conver
sações. Eles conseguiam até mesmo contar histórias picantes. O per
curso de seis quilômetros para casa, em absoluto silêncio, tornou pos
sível, de acordo com as sugestões que lhes foram dadas, que uma gran
de variedade de pensamentos reprimidos corressem soltos em suas ca
beças. Isto resultou na atividade sexual imediatamente após fecha
rem a porta, assim que chegaram em casa. Era isto que eu esperara.
Quando foram questionados sobre o tema, eles afirmaram que acre
ditavam ter havido uma crescente elaboração de pensamento erótico
à medida que se aproximavam de casa, mas que não tinham lembran
ças específicas.
Este caso foi relatado por inteiro para uma audiência de mais
de setenta psiquiatras praticantes na Universidade de Colúmbia. An
tes de narrá-lo, perguntei aos presentes se conseguiriam escutar algu
mas assim chamadas palavras anglo-saxãs em relação a um problema
psiquiátrico. A platéia tinha certeza de que podia, e senti que conse
guiria. No entanto, para minha surpresa, mal pronunciei uma pala
vra, a platéia realmente congelou-se numa imobilidade rígida por al
guns momentos. Notei que meu próprio tom de voz estava bem alte
rado. Isto foi revelador dos efeitos contínuos das inibições
aprendidas na infância e sua permanência na vida adulta.
Embora com algumas pessoas Erickson saia de seu caminho para
usar palavras chocantes, com outras ele é cuidadoso ao dizer algo,
de modo que o paciente somente percebe mais tarde o que foi dito.
E será extremamente cauteloso com alguém que esteja assustado quan
to a discutir algo não mencionável. Ele acredita que seu procedimento
deve ser adequado à pessoa específica de que está tratando, e não
tenta encaixar todos os pacientes num molde terapêutico similar. Ele
pode discutir sexo francam ente e de um m odo chocante, como no
caso anterior, enquanto, em outro caso, pode ser indireto e levar o
paciente a descobrir que o tem a do discurso é o sexo. Por exemplo:
Uma mulher casada veio me ver e relatou vários medos e uma
ansiedade particular a respeito de seu cabelo. Ela não conseguia en
contrar um bom cabeleireiro na cidade. Ela se deitava do lado direi
to, ou do lado esquerdo, de costas, e em todas essas posições tinha
dificuldade de manter o cabelo arrumado. Quando eu tentava con
versar sobre outras coisas, ela voltava ao assunto e falava sobre o pro
blema dos cabelos. Depois de ela ter desperdiçado duas horas, eu lhe
disse: “ Durante a próxima hora você vai me contar tudo sobre o seu
cabelo, e falará sem parar. Quando estiver no fim de sua hora, vou
lhe dizer algo completamente sem sentido. Vou continuar ouvindo
você, e quando disser algo que me dê a oportunidade de dizer esta
coisa sem sentido, eu direi. Logo que eu tiver falado, abrirei a porta
e a mandarei embora” .
Ela discorreu sobre seu cabelo, sobre a onda, os cachos, a onda
mais comprida, as loções, os xampus, e assim por diante. No fim da
hora, ela mencionou sua dificuldade em repartir o cabelo. Eu disse:
“ Veja só, você quer dizer que realmente gostaria de dividir satisfato
riamente o cabelo com um pente de um dente” . Eu a ajudei a sair
do consultório, enquanto ela me fitava sem expressão.
Ela precisou de três dias para refletir sobre o assunto. Contou-me
que durante todo o trajeto para casa, e no dia seguinte, o que eu dis
sera não fazia sentido algum. “ Depois de três dias, comecei a refletir
sobre minha vida sexual. Então fui me convencendo de que o proble
ma estava nela” . Depois disso, iniciamos a terapia.
Em outros casos, Erickson discutirá um problem a sem nunca
concordar, explicitamente, com o assunto discutido. Por exemplo,
ele falará sobre os prazeres da mesa como um modo m etafórico de
falar sobre o sexo: “ Você gosta de carnes raras — ou raram ente?” .
Ele acredita que, com freqüência, os problemas sexuais podem ser
resolvidos sem serem discutidos diretamente. Algumas vezes, tam
bém, se a pessoa for particularm ente tím ida e reticente a respeito de
um problem a, ele falará de outros assuntos, de tal m odo que ela,
finalmente, falará sobre o não mencionável. P or exemplo:
Uma mulher me escreveu contando que tinha um problema que
não podia discutir e perguntado se eu podia fazer alguma coisa para
ajudá-la. Sugeri que poderia ajudá-la melhor se viesse me ver. Ela
disse que precisaria de alguns meses para ter coragem, mas que faria
isto. Finalmente, veio me ver. Mencionou que tinha pouco autocon
trole. Suas relações sexuais com o marido eram muito difíceis devido
ao que poderia vir a acontecer. Sua mãe achara bem desagradável to
mar conta dela devido a um odor. Pela ênfase na palavra “ odor” ,
percebi que sua preocupação era a flatulência. Ela realmente não con
seguiria falar do assunto, de modo que me lancei numa discussão so
bre concursos de atletismo. Discuti como era realmente formidável
ser capaz de jogar uma bola de golfe a trezentas jardas. Ou atingir
uma casa e pular a cerca. Nadar uma longa distância era realmente
fantástico. Então mencionei o levantador de peso que suspende no
venta quilos, soltei um grunhido para ilustrar o esforço de levantar
tal peso. Ela estava bem ao meu lado neste esforço.
Então lhe disse que os músculos do corpo tinham o privilégio
de sentir que haviam se contraído bastante, poderosa e efetivamente.
Do mesmo modo, havia uma satisfação física real em morder um do
ce. Toda criança, salientei, aprendia o prazer supremo de engolir uma
cereja inteira e senti-la descer. Ela podia reconhecer todas aquelas sen
sações, e pensou que eu simplesmente estava lhe oferecendo uma deli
ciosa dissertação. Depois que mencionei engòlir a cereja, ela falou so
bre as coisas que engolira com especial prazer. Então eu discorri sobre
se respeitar os próprios pés usando sapatos adequados, e ela concor
dou que se deveria respeitar os pés, as orelhas, a boca. Eu disse: “ Na
turalmente, conhece aquela enorme satisfação, após uma boa refei
ção, quando nos sentimos abarrotados” . Ela era um tanto roliça, e
gostava de comer, uma única olhada demonstrava isso. Chamei sua
atenção para o estômago, que precisa ser agradado, e pergunteilhe se ela não achava que seria justo e honesto reconhecer que o reto
poderia realmente ficar contente ao ter uma boa evacuação. E qual
deveria ser a consistência da evacuação? Num dia quente de verão,
no deserto, devido à falta de água, a evacuação é muito difícil e firme
devido à desidratação. Depois de um laxante, a evacuação é um tanto
aquosa, porque o intestino sabe o que está fazendo. O estômago olha
para a comida que recebe e seleciona o que digere, e o duodeno olha pa
ra a comida e seleciona o que pode digerir, e assim por diante, atra
vés dos intestinos. E os intestinos poderiam olhar para o laxante e
reconhecer: “ Isto necessita óleo e remoção” . Então ela chegou à
questão: “ Mas o que são os gases?” . Salientei que eram uma coisa
simbiótica; as bactérias presentes no intestino ajudam a digestão, e
fazem isso em virtude de suas próprias digestões. Por isso, pode ha
ver alguma putrefação e, portanto, uma liberação de substâncias ga
sosas. Para romper as proteínas, tem que se fazer alguma mudança
química. E o reto deve ter prazer num amplo e firme movimento
de evacuação, uma evacuação grande e macia, longa e líquida, ou
gasosa. Salientei também que há um tempo e um lugar para cada
coisa. Pode-se comer na mesa, mas — embora não seja contra a lei
— não se escova os dentes à mesa. Não se lava a louça na mesa,
mas numa cozinha campestre, onde não se tem pia, as panelas são
colocadas na mesa para serem lavadas. É totalmente correto. Mas,
quando há uma pia, é lá que elas são lavadas. Do mesmo modo, há
um bom lugar e um bom momento para o funcionamento dos intesti
nos. Mas deve-se reconhecer que as necessidades dos intestinos su
plantam as da pessoa. Pode-se estar dirigindo um carro, precisando
chegar a algum lugar, mas se entrar areia nos olhos, é melhor parar
e atender às necessidades do olho. Não importa você enquanto pes
soa, atenda às necessidades de seus olhos. E também às necessidades
de outras partes do corpo, e deve-se repetir essas atenções até que se
adquira a quantidade de controle necessário.
Ela mesma elaborou a questão. Foi para casa e cozinhou para
si mesma uma refeição de feijões. Mais tarde, me contou: “ Sabe?,
foi divertido. Passei o dia inteiro soltando pequenos, grandes, baru
lhentos, silenciosos” . Ela descobriu que não havia mais interferência
de sua preocupação com a flatulência nas relações sexuais. Hoje tem
um bebê.
Em bora seja “ norm al” casar e ter filhos, muitas pessoas pre
ferem um modo de vida diferente e não se casam, ou se casam com
outros objetivos. Um caso ilustra como Erickson arranjou um casa
mento de conveniência para um casal.
Um psiquiatra residente, que fazia treinamento comigo, estava
tratando de um empregado do hospital e veio me ver, aflito. Disse
que seu paciente era homossexual, mas queria se casar. Queria arran
jar uma moça que pudesse se casar só pelas aparências, de modo que
ele pudesse fazer parte da comunidade e ter uma boa reputação na
vizinhança.
O residente não sabia, mas eu estava atendendo uma jovem lés
bica que trabalhava no hospital. Ela tinha um desejo similar de ter
um marido em nome da boa aparência.
Eu disse ao residente: “ Diga a seu paciente para caminhar pelo
passeio atrás do hospital às quatro horas da tarde. Diga-lhe que em
algum lugar, ao longo do passeio, encontrará o que precisa” .
Então, disse à moça que naquele mesmo dia, às quatro da tar
de, ela deveria caminhar atrás do hospital, na direção oposta. Disse-lhe que saberia o que fazer.
Eles deveriam procurar algo na caminhada, mas não sabiam o
quê. É que não havia mais nada lá, a não ser os dois. Deste modo,
nada foi forçado. Eles estavam livres para passar um pelo outro, se
esta fosse a escolha.
A jovem era mais esperta do que o homem. Ela veio me ver e
disse: “ Você arranjou aquilo, não foi?” . Respondi que sim. Ela me
contou: “ Assim que o vi, soube que era homossexual, e francamente
lhe disse isto. Ele ficou muito animado. Devo lhe contar que você sa
be?” . Eu lhe disse: “ Pode ser bom, caso vocês dois precisem de ou
tros conselhos” .
Eles se casaram e viveram respeitavelmente. Ele com freqüên
cia saía e ia a um clube de pôquer, ela jogava bridge. Depois de mais
ou menos um ano, receberam uma oferta de emprego num hospital
de outro Estado. Vieram me ver, pedindo-me conselhos sobre a acei
tação do convite, e eu achei que seria uma boa idéia. Eu conhecia
um médico de lá e escrevi-lhe, dizendo: “ O sr. Fulano de Tal e sua
esposa estão indo para aí. Você perceberá por que os estou recomen
dando ã sua atenção. Eles precisarão de proteção, direção e cobertu
ra” .
O casal foi visitar meu amigo, e ele lhes disse que havia recebi
do uma carta minha contando que eles estavam chegando, sem dizer
por quê: “ Penso que ele esperava que vocês me dissessem a razão” .
Eles suspiraram, aliviados — tinham a oportunidade de contar-lhe.
Eles possuem uma casa de quatro quartos. Com freqüência re
cebem amigos. Ele dorme em seu quarto e ela no dela, e os outros
quartos, algumas vezes, ficam cheios de amigos.
M uitos problemas psiquiátricos graves ocorrem durante o ca
samento e o psiquiatra do passado tendia a encarar o sintom a como
algo divorciado do contexto conjugal. Um problem a como a ceguei
ra histérica, por exemplo, era visto como um a reação a ansiedades
e medos do indivíduo, sem a percepção do contexto social ao qual
a pessoa estava se adaptando. Este contexto era ignorado ou consi
derado de im portância secundária em relação à causa “ prim ária”
do sintoma, que era a dinâmica da vida intrapsíquica pessoal. A vi
são mais m oderna percebe que o sintom a se desenvolve como um
meio de adaptação a situações intoleráveis. Uma vez resolvida a si
tuação, o sintoma perde sua função e desaparece. Um a situação in
tolerável comum surge num casam ento quando ocorrem situações
entre os parceiros que não são discutidas. Embora a questão não possa
ser discutida, ela precisa ser trabalhada, e um sintom a ajuda o pro
blema. Um caso bem típico de cegueira histérica demonstra tanto a
concepção de Erickson sobre a causa da dificuldade, quanto seu modo
de prover um a saída elegante para ela.
Um empregado de um hospital mental foi-me indicado devido
a uma súbita cegueira aguda que se desenvolvera a caminho do tra
b alh o . Ele foi conduzido ao consultório num estado mental de ter
ro r. Hesitante e amedrontado, ele me contou que tomara o desjejum
fpela manhã e, enquanto ria e brincava com a esposa, ficara, de re
pente, extremamente perturbado por qualquer história picante que
ela relatara. Saíra de casa bravo e decidira caminhar até o emprego,
ao invés de tomar o ônibus, como de hábito. Desenvolveu um pânico
selvagem, e um amigo que passava pela rua de carro o apanhou e o
trouxe até o hospital. O oftalmologista o examinara e, imediatamen
te, o enviara para mim. O homem estava muito aterrorizado para nar
rar adequadamente a história. No entanto, afirmou que ele e a espo
sa estavam brigando muito recentemente; ela começara a beber quando
estava em casa, e ele encontrava garrafas vazias escondidas. Ela ne
gava que estivesse bebendo.
Quando lhe perguntei no que estava pensando quando saiu de
casa, explicou que estava muito absorvido em sua raiva pela esposa,
sentindo que ela não deveria ficar contando histórias inconvenientes.
Tinha uma vaga sensação de apreensão, acreditando que caminhava
para a corte de divórcio.
Solicitei que refizesse mentalmente os passos de sua casa até o
ponto em que subitamente surgira a cegueira. Ele bloqueara mental
mente isto. Pedi que descrevesse uma esquina particular, e ele res
pondeu que, embora tivesse caminhado muitas vezes por lá, não con
seguia se lembrar como era, em sua mente havia um branco total.
Como eu conhecia muito bem aquela esquina, fiz várias per
guntas capciosas, sem arrancar nada importante dele. Então pedi-lhe
que descrevesse exatamente como a cegueira havia se desenvolvido.
Ele afirmou que havia ocorrido um súbito clarão vermelho intenso,
como se ele estivesse fixando diretamente o sol vermelho e quente.
Esta vermelhidão ainda persistia. Ao invés de ver uma escuridão ou
um vazio, ele só via uma cor vermelha brilhante, cegante. Estava opri
mido por uma horrível sensação de que nunca mais seria capaz de
enxergar nada, a não ser o intenso fulgor vermelho, pelo resto de sua
vida. Com esta comunicação, o paciente ficou tão histericamente ex
citado que foi necessário sedá-lo e colocá-lo na cama.
A esposa do paciente foi chamada ao hospital. Depois de algu
ma dificuldade, e muitos protestos de amor eterno pelo marido, ela
finalmente confirmou o relato de seu alcoolismo. Recusou-se a nar
rar a história que precipitara a briga, afirmando simplesmente que
havia sido uma história picante sobre um homem e uma jovem de
cabelo vermelho, e que realmente não significara nada.
Contei-lhe onde 0 marido desenvolvera a súbita cegueira e per
guntei se ela sabia alguma coisa sobre aquela esquina. Depois de es
quivar-se bastante, lembrou que havia um posto de gasolina do lado
oposto da rua. Ela e o marido costumavam parar ali quando necessi
tavam de gasolina para o carro. Depois de mais perguntas insisten
tes, ela se lembrou de um frentista que trabalhava lá e que tinha um
brilhante cabelo vermelho. Então, finalmente, após muitas renova
ções de confiança, confessou ter tido um caso com o frentista, que
era conhecido como “ Vermelho” . Em várias ocasiões, ele a tratara
com familiaridade inconveniente na presença do marido, e ele ficara
intensamente indignado. Depois de refletir seriamente por longo tem
po, ela declarou a intenção de acabar com o caso se eu curasse o ma
rido de sua cegueira, e pediu sigilo profissional em relação a suas con
fidências. Chamei-lhe a atenção para a percepção inconsciente que
o marido tivera da situação e lhe disse que qualquer outra traição de
penderia inteiramente de suas próprias ações.
Quando fui ver o paciente na manhã seguinte, ele ainda conti
nuava incapaz de fornecer qualquer informação adicional. Assegureilhe que sua cegueira era temporária, mas ele relutava em aceitar isso.
Pediu que o enviasse a uma escola de cegos. Com dificuldade, foi per
suadido a aceitar a terapia em base experimental, mas sob a condição
de que nada fosse feito a respeito de sua visão. Quando ele finalmen
te consentiu, a hipnose foi sugerida como a terapia apropriada. Ele
imediatamente perguntou se saberia o que aconteceria quando esti
vesse em transe. Disse-lhe que tal conhecimento poderia permanecer
somente em seu inconsciente, se ele assim desejasse, e portanto não
lhe ocasionaria dificuldades no estado desperto.
Um transe profundo foi rapidamente induzido, mas o paciente,
de início, se recusou a abrir os olhos ou testar sua visão de qualquer
maneira. No entanto, uma explanação sobre o funcionamento da men
te inconsciente, a amnésia e sugestões pós-hipnóticas o induziu a re
cuperar a visão em estado de transe. Mostrei-lhe meu ex-libris e instruío a decorá-lo. Isto feito, ele deveria despertar, novamente cego, e sem
conhecimento consciente de ter visto o ex-libris. Não obstante, a uma
insinuação pós-hipnótica, ele o descreveria adequadamente, para seu
próprio espanto. Eu o acordei e comecei uma conversação descone
xa. Ao final pós-hipnótico, ele forneceu uma completa descrição do
ex-libris. Ficou tremendamente intrigado, pois sabia que nunca o ha
via visto. A confirmação de sua descrição por outras pessoas serviu
para lhe dar uma grande, embora mistificada, confiança na situação
terapêutica.
Na sessão hipnótica seguinte, ele expressou completa satisfação
com o que havia sido feito e total disposição de cooperar. Pergunta
do se isto queria dizer que ele confiaria plenamente em mim, ele hesi
tou e, então, com determinação, declarou que sim.
No dia anterior, eu descobrira, através de seus colegas de tra
balho, que ele tinha um interesse especial numa empregada de cabe
los vermelhos. Através de graus suaves, a questão desse interesse foi
levantada. Após alguma hesitação, ele finalmente fez um relato com
pleto. Quando lhe perguntei o que sua esposa pensaria disso, ele de
fensivamente afirmou que ela não era melhor do que ele, e pediu que
o assunto fosse mantido confidencial.
Imediatamente, o questionamento passou à descrição da esqui
na. Ele a descreveu lenta, mas cuidadosamente, mas deixou a men
ção do posto de gasolina por último. De modo fragmentário, ele o
descreveu, mencionando finalmente sua suspeita sobre a esposa e o
frentista ruivo.
Perguntei-lhe se a suspeita surgira ao mesmo tempo que seu in
teresse pela jovem ruiva, e o que ele queria fazer a respeito de toda
aquela situação. Ele, pensativamente, declarou que, o que quer que
acontecesse, tanto ele quanto a esposa eram igualmente culpados, já
que nenhum dos dois havia se esforçado para estabelecer interesses
comuns.
Inquiri então o que ele queria que fosse feito a respeito de sua
visão. Ele expressou medo de recuperá-la imediatamente. Perguntou
se “ esta horrível luz vermelha” poderia ficar menos fulgurante, com
um ou outro breve clarão de visão, que então, progressivamente, se
tornaria mais freqüente e mais prolongado, até que finalmente hou
vesse uma restauração total. Assegurei-lhe que tudo se passaria co
mo ele desejava e dei-lhe uma série de sugestões apropriadas.
Ele foi mandado para casa com uma licença de saúde, mas re
tornava diariamente ao hospital para a hipnose, acompanhado da es
posa. Essas entrevistas se limitavam a um reforço das sugestões tera
pêuticas de uma melhora visual lenta, progressiva. Mais ou menos
uma semana depois, ele relatou que sua visão havia melhorado o su
ficiente para poder retornar ao trabalho.
Seis meses mais tarde, voltou para contar que ele e a esposa ha
viam concordado em se divorciar amigavelmente. Ela estava partin
do para seu Estado natal e ele não tinha nenhum plano imediato para
o futuro. Seu interesse pela ruiva havia desaparecido. Ele continuou
no trabalho rotineiro por mais dois anos, e então procurou emprego
noutro lugar.
Em algumas situações, como no caso acima, Erickson resolveu
um sintoma que conduziu o casal a resolver o casamento a seu pró
prio modo. Em outras, particularm ente se eles solicitam isto, ele in
tervém e tenta resolver os problemas matrim oniais. Algumas vezes,
um sintoma aparecerá como meio de evitar a constatação de um ca
so extraconjugal, mas, com freqüência, o casal trará o caso como
um problem a explícito. No caso a seguir, Erickson usa um a de suas
maneiras de ajudar um jovem casal a ultrapassar esta dificuldade.
Um jovem me trouxe sua esposa e disse: “ Amo minha esposa;
não quero perdê-la. Ela está tendo um caso com um amigo meu. Des
cobri tudo em uma semana. Eu a amo, apesar do caso. Não quero
perder nossos dois filhos. Tenho certeza de que podemos viver bem,
tenho certeza de que ela percebe a loucura de seu comportamento” .
Levei uma hora para verificar que o marido era sincero em seu
ponto de vista. Ele a havia perdoado e queria ficar com ela. Refletira
sobre seu casamento e sobre os filhos e avaliara a situação.
Então eu lhe disse: “ Está bem, passe para a sala ao lado. Feche
muito bem a porta. Você encontrará alguns livros lá para ler” .
Quando a esposa ficou sozinha comigo, ela disse: “ Quero que
compreenda que meu marido realmente não sabe de tudo. Decorreu
mais tempo do que uma semana antes que ele percebesse” .
Eu disse: “ Você quer dizer que existiram outros homens? Quan
tos mais?” .
Ela respondeu: “ Eu não disse isto” .
“ Você quer que eu entenda mais do que seu marido entende.
Quantos homens mais?”
Ela respondeu: “ Dois, ao menos” .
Não contestei quando disse isto, o que queria dizer que havia
pelo menos três. Perguntei se seu primeiro caso era casado, e ela res
pondeu que sim.
Então eu disse: “ Sejamos francos, honestos e diretos em nossa
discussão. Quando o primeiro caso terminou, como foi que o homem
lhe disse que estava cansado de comer você?” .
E ela: “ Você está falando de um modo muito vulgar!” .
E eu: “ Você quer que eu fale nos termos polidos que ele usou
para evitar os termos em que estava pensando?” .
“ Ele simplesmente disse que achava que era melhor voltar para
a esposa.” E então acrescentou: “ O segundo homem disse que eu era
uma comida fácil depois de dois meses” .
Eu disse: “ Agora que entendi, podemos usar uma linguagem
polida” .
Falei-lhe sobre o marido estar pensando que o caso com o últi
mo homem tinha apenas uma semana. Em verdade, ficou claro que
tinha catorze dias. Eu disse: “ Você quer dizer que decidiu deixar que
seu marido descobrisse este caso, de modo que você é realmente a
pessoa que quer terminar. Você deve estar bem cheia de tudo para
deixar seu marido descobrir tão rápido” .
Quando coloquei as coisas assim, ela ficou com todo o crédito
— mas teve que abrir mão dele. Coloquei o crédito na sua frente e
a empurrei para trás, e ela teve que agüentar. Mas não sabia que eu
estava fazendo isso. Foi uma simples escolha de palavras. Ela deci
diu voltar para o marido.
O utra m aneira de Erickson lidar com um caso amoroso é ilus
trada no caso seguinte.
Um jovem marido, enquanto a esposa visitava outra cidade, se
duziu a empregada doméstica, que tinha uma inteligência curta e uma
história de promiscuidade. Fez isso na cama do casal, e quando a mu
lher retornou, descobriu tudo e veio me ver, soluçando. Ela não per
mitiria, jamais, que o marido voltasse para casa. Estava também encolerizada com a empregada.
Recebi-os em entrevistas separadas; o marido estava totalmen
te arrependido. A empregada desolada e assustada. Depois reuni os
três numa entrevista. Manobrei a conversação de modo que cada um
teve algo a dizer aos outros dois. O marido tinha muito a dizer à es
posa e à empregada, porque as duas estavam contra ele. A esposa
tinha objeções a fazer ao marido e à empregada. A empregada desa
provava o modo como o marido e a esposa a haviam tratado. Era
uma situação um tanto dramática, è, estando todos juntos, eles real
mente podiam exibir seus sentimentos recíprocos. Pedi que o marido
respeitasse o ressentimento e a dor da esposa, e também solicitei que
ela considerasse quão deplorável ele deveria estar se sentindo. E dei
xei que o marido se voltasse contra a empregada e a culpasse, assim
como deixei que ela o culpasse. Era uma situação desagradável para
todos, mas ela salvaguardou o casamento.
Marido e mulher se juntaram e decidiram mandar a empregada
detestável para outro Estado, onde tinha parentes. Dei também um
jeito de que a esposa obrigasse a empregada a arrumar as malas com
toda a roupa do marido e levá-las para o jardim, de modo que ele
pudesse ir embora e viver por si mesmo. Ela o pôs para fora de casa,
e a empregada carregou as malas. Então, fez com que a empregada
as trouxesse de volta, tirasse as roupas de dentro delas, as arrumasse
de novo e as levasse para fora. Dessa maneira, fiz com que a esposa
expressasse o prazer que sentia em ter poder e também que o marido
voltasse para ela cumprindo suas ordens. Com este arranjo, ele po
deria voltar quando ela o permitisse, e ela decidiu deixá-lo voltar. Ela
me disse para notificar o marido de que ele podia voltar. Ao invés
de fazer isso, eu disse: “ É, posso dizer para ele voltar, qualquer um
pode, o carteiro pode dizer-lhe isso” . Ela ficou tremendamente ali
viada. Escreveu uma carta ao marido, e uma terceira pessoa, o car
teiro, a entregou. Eu não queria ser o intermediário, mas sabia que
deveria haver um. Eles voltaram a viver juntos com o problema re
solvido. Alguns anos mais tarde, a empregada voltou e se apresentou
para o trabalho. Os dois ficaram justamente indignados.
Como a maioria dos terapeutas de orientação familiar, Erick
son prefere ajudar um casal a superar uma dificuldade e permanecer
junto. No entanto, se achar que o casamento foi um erro, é possível
que concorde com a ruptura m atrim onial. Se considerar a situação
perigosa, ele intervirá ativamente para encorajar um divórcio tão rá
pido quanto possível.
Um casal veio da Califórnia para me ver. Quando se sentaram
em meu consultório, o homem disse: “ Quero que ponha algum juízo
na cabeça de minha mulher. Não estamos casados nem há um mês,
e já lhe expliquei, muito cuidadosamente, que nosso primeiro filho
tem que ser um menino e que deverá receber meu nome. Quando ela
me perguntou o que aconteceria se fosse uma menina, eu lhe disse.
Expliquei que se nosso primeiro filho não fosse um menino, eu lhe
daria um tiro e então mataria o bebê” .
Olhei para a esposa, que estava assustada, e então me voltei pa
ra aquele homem irado e perguntei-lhe que educação tivera. Ele con
tou: “ Sou um advogado. Tenho uma boa clientela. E meu primeiro
filho será um menino. Agora ponha juízo na cabeça dela” .
Ele fez essa ameaça assim, como uma declaração categórica, em
bora fosse um homem educado, um advogado praticante.
Eu disse: “ Agora vocês dois vão me escutar. Do ponto de vista
médico, não conheço nada que possa determinar o sexo do bebê. Temse que esperar até que nasça. A determinação do sexo ocorre nos pri
meiros três meses de vida. Depois disso, não há nada que se possa
fazer a respeito do sexo. Sua esposa tem uma chance de cinqüenta
por cento de ter um menino. Não acredito que esteja ansiando por
uma gravidez que, em nove meses, pode terminar com uma menina
e uma morte como recompensa. Não acredito que você deva correr
o risco durante nove longos meses de se tornar um assassino. Isto não
faz nenhum sentido. Discutirei o assunto com vocês quanto quise
rem, mas vou aconselhar sua esposa a pedir o divórcio. Penso que
ela deve voltar para a Califórnia, mudar-se para outra cidade e até
mesmo adotar um outro nome. Ela deve pedir o divórcio e manter
secreto seu endereço. Quanto a você, por que não vai para o leste?
A Geórgia seria um lugar agradável. Talvez tenha alguns amigos lá.
(Mencionei aleatoriamente a Geórgia, em parte porque acabara de
perder uma viagem para lá.) Ele respondeu: “ Ah, sim, tenho alguns
amigos na Geórgia. Gostaria de revê-los, também” . Eu disse: “ Bem,
vá então diretamente para a Geórgia quando sair daqui, e tenho cer
teza de que terá uma estadia agradável. Sua esposa ficará contente
em sair do apartamento enquanto você estiver fora” .
Eles voltaram no dia seguinte, um domingo, e me pediram para
retomar, de novo, a discussão. Eu fiz isso e consegui um acordo se
gundo o qual seguiriam meu conselho. Ela voltou para a Califórnia
e mais tarde me telefonou da cidade para a qual se mudara e contou
que estava se divorciando. Ele me telefonou da Geórgia e disse que
estava se divertindo muito com os amigos. Depois do divórcio, ele
me telefonou para me agradecer o conselho inteligente. Disse que re
fletiria sobre tudo aquilo antes de se casar de novo; talvez ele estives
se sendo irracional. Sugeri que no futuro ele discutisse a proposta com
qualquer jovem a n te s de um compromisso formal.
Quando a esposa telefonou para contar que obtivera o divór
cio, disse que ele nem mesmo contestara. Disse também que não ha-
via fornecido seu endereço nem mesmo para sua família. Ela levou
a sério a ameaça, e penso que estava certa.
Com a variedade de problemas que chegam à porta de um tera
peuta, é óbvio que nenhum método particular poderá ser aplicado
a todas as situações. É característico de Erickson ter uma vasta ga
m a de respostas, tão ampla quanto os tipos de problemas que apare
cem. Ele pode ser firme e exigir certo com portam ento de um jovem
casal, ou pode ser amável e influenciá-lo de maneiras indiretas. Mais
tipicamente, ele prefere um a abordagem que “ aceita” o modo da
pessoa se com portar, de m aneira que ela possa m udar. Se um casal
está brigando, não pede que parem , mas os encoraja a brigar. No
entanto, ele dá um jeito de que a briga consiga resolver o problem a.
Por exemplo, para um casal que sempre brigava com a sogra duran
te o jan tar, foi ordenado que a levassem para uma volta no deserto
e ali tivessem um a briga. Brigar num cenário diferente, e porque se
é obrigado a brigar, altera a natureza da querela e torna mais difícil
seu prosseguimento.
Algumas vezes, Erickson arrum ará uma briga de modo que um
sintom a não seja mais usado como parte de uma luta e então desa
pareça. No caso a seguir, um homem tinha medo de morrer de um
ataque cardíaco a qualquer mom ento, e, no entanto, vários médicos
haviam-lhe assegurado de que não havia nada errado com seu cora
ção. Num caso como este, a esposa não sabe como lidar com o m ari
do. Ela fica exasperada com o seu desamparo e medo, mas também
insegura, pois ele pode ter um problem a cardíaco real. Usualmente,
oscila na m aneira de lidar com ele, que, por sua vez, domina tudo
o que ocorre na casa, pois tudo passa a ser determinado pelo seu medo
em relação ao próprio coração. O que é típico dessas situações é que
quando o marido melhora a esposa fica deprimida. Q uando ela co
meça a ficar deprimida, ele novamente aciona o seu medo da doença
cardíaca e ela responde sendo prestimosa, mas também com exaspe
ração. D urante a crise, a mulher se sente útil e tem um objetivo, mas
quando o m arido está bem, ela sente que perdeu a utilidade. Assim,
há um contrato entre eles que requer a perpetuação do medo da doença
cardíaca. T ratar somente o homem pode não ter efeito nenhum du
rante longos anos.
Em um caso assim, minha tendência é introduzir o que se pode
ria denominar de raiva vingativa. Recebo o marido e a esposa, e usual
mente percebo que ela está muito brava. O marido dominou sua vida
com suas ameaças de ter um ataque cardíaco, e ele geme e se lamen
ta, desamparado. A vida da mulher é miserável, e por isso ela fica
motivada quando obtém a certeza de que não há nada errado com
o coração do marido.
Fiz com que a esposa estivesse preparada para cada vez que o
marido se queixasse do medo de morrer de um ataque cardíaco. O
que ela fez foi conseguir o material de propaganda de todos os agen
tes funerários da cidade. Ela mantinha arquivos sobre tipos de fune
rais, anúncios de jazigos perpétuos, e assim por diante. Quando o ma
rido mencionava seu temor de sofrer um ataque cardíaco, ela dizia:
“ Preciso pôr em ordem a sala e arrumá-la cuidadosamente” . Então
distribuía os anúncios dos agentes funerários. O marido, irritado, os
jogava fora, mas ela espalhava outros pela casa. Ele chegou a um pon
to no qual não ousava mais mencionar seu medo do enfarte, e este
acabou desaparecendo. Isto significa introduzir o comportamento vin
gativo — você está me ferindo, e o que é bom para mim é também
bom para você. Às vezes, ela variava o procedimento acrescentando
comentários sobre a apólice do seguro.
Uma abordagem deste tipo força o marido a lidar com a es
posa sem o sintoma. Ela também é forçada a lidar com ele de manei
ra diferente, e então, a questão é trabalhar os problemas reais do ca
samento.
Na abordagem de Erickson, sempre há uma ênfase na apresen
tação do problema que traz a pessoa à terapia. Quando a pessoa quer
sarar de um sintom a, Erickson trabalha diretamente o sintoma e por
meio dele faz todas as alterações necessárias nos relacionamentos.
Ele argum enta que a área sintomática é a mais im portantee intensa
para a pessoa que tem um problem a e, por conseguinte, é úm a área
onde o terapeuta tem a m aior probabilidade de ocasionar m udan
ças. Se um dos membros do casal apresenta um sintom a, trabalhar
com ele pode alterar o casamento.*
Erickson em geral considera que um problem a do início do ca
samento se resolve quando o casal ultrapassa o sintoma e gera um
filho. Neste ponto, um casal entra numa nova fase de desenvolvi
m ento, onde novos problemas exigem novas soluções.
Algumas vezes, a transição para o estágio de ter filhos é retar
dada porque a esposa ou o marido temem não ser pais adequados.
Erickson pode lidar com esta situação dando à pessoa um a história
de infância diferente, como no caso seguinte. Ele relata:
* Ocasionalmente, descobre-se um caso no qual os dois membros do casal têm o mesmo
sintom a. Um caso clássico de Erickson foi o de um m arido e sua mulher que molharam
a cama durante toda a vida, e ele tratou o problema fazendo com que os dois, deliberada
e simultaneamente, molhassem a cama. Ver Haley, C h a n g in g f a m i l i e s , Nova York, Grune & Stratton, 1971, pp. 65-68.
Em 1943, a esposa de um de meus estudantes de medicina se
aproximou de mim e declarou: “ Eu e meu marido estamos diante de
um problema muito difícil. Nós nos amamos muito. Ele faz serviço
militar estudando medicina e vai se formar em 1945. Esperamos que
então a guerra já tenha acabado. Depois que ele completar o serviço,
esperamos constituir família, mas tenho medo. Meu marido tem ir
mãs e vem de uma família muito bem-ajustada. Eu sou filha única.
Meu pai é muito rico e tem escritórios em Chicago, Nova York e Miami. Ele vem para casa me visitar uma vez ou outra.
“ Minha mãe é uma mulher da sociedade. Passa a vida freqüen
tando eventos sociais em Nova York, Londres, Paris ou na Itália. Cres
ci sob os cuidados de várias governantas. Elas tomaram conta de mim
desde a mais tenra infância, porque minha mãe não podia deixar que
a filha interferisse em sua vida social. Além disso, ela insistia que uma
governanta podia cuidar muito melhor de uma criança do que ela,
porque era uma pessoa treinada para isso. Não via minha mãe com
freqüência. Antes de eu ir para a escola, sempre que minha mãe vi
nha para casa ela dava uma grande festa, e eu era exibida. Mostrava
minhas boas maneiras e recitava canções infantis para a aprovação
dos convidados de minha mãe, a seguir era rapidamente retirada de
cena. Mamãe sempre me trazia presentes, às vezes uma linda boneca,
que tinha que ser mantida em exposição em alguma prateleira, mas
nunca me trouxe algo corri o que pudesse realmente brincar. Eu era
simplesmente um objeto de exposição para ela, quando estava em ca
sa. Meu pai era diferente. Quando vinha para casa, ele tentava fazêlo em períodos em que poderia me divertir. Me levava ao circo, às
feiras estaduais e municipais, a festas de natal e, com freqüência, fi
cava em casa o tempo suficiente para me levar para jantar fora em
vários restaurantes, onde me deixava pedir qualquer coisa que me agra
dasse. Eu amava meu pai de verdade, mas sua bondade para comigo
fazia com que eu sentisse sua falta. Logo que tive idade, fui enviada
a internatos e, durante o verão, era mandada para um acampamento
adequado. Tudo era tão adequado! Finalmente, fui enviada a uma
escola de aperfeiçoamento e preparo para a vida social, onde aprendi
a conduzir uma conversação num baile e a dizer todas as coisas cer
tas. A escola de aperfeiçoamento permitiu que minha classe fosse a
um baile de calouros numa faculdade. Foi lá que conheci meu mari
do. Começamos a nos corresponder, e dávamos um jeito de nos ver
cada vez com maior freqüência. Finalmente, meu pai consentiu em
nosso casamento, mas minhas mãe examinou primeiro a árvore ge
nealógica de meu marido antes de consentir. Ela planejou um casa
mento suntuoso e se sentiu ultrajada quando meu marido e eu fugi
mos para casar. Eu sabia que não suportaria o tipo de evento social
que minha mãe iria organizar para o meu casamento. Ela me puniu
por ter fugido partindo para Paris. Meu pai disse: ‘Ótimo pa
ra vocês, crianças’. Ele realmente nunca aprovara a vida mundana
de mamãe. Meu problema agora é que tenho muito medo de ter fi
lhos. Minha infância foi tão infeliz, eu era tão solitária! Minhas go
vernantas não tinham quem supervisionasse seu trabalho, para ver
se estavam desempenhando seus deveres adequadamente. Elas me con
sideravam intragável. Eu não tinha companheiros de brincadeiras, e
tenho muito medo do que possa fazer para meus filhos. Na verdade,
não conheço nada de bom a respeito da infância, mas quero ter fi
lhos, e meu marido também. E nós dois queremos que eles sejam fe
lizes. Meu marido me enviou a você para ver se você pode me hipno
tizar e aquietar meus temores.”
Refleti sobre o problema durante vários dias e então decidi uti
lizar a hipnose de uma maneira que pensei que pudesse ajudar. O pro
cedimento que desenvolvi foi, primeiro, testar a moça em sua com
petência como sujeito hipnótico. Ela provou ser um sujeito sonâm
bulo, que respondia muito bem a todo tipo de sugestões. De acordo
com a descoberta de sua competência como sujeito, ela foi hipnoti
zada e regrediu a uma idade “ mais ou menos ao redor dos quatro
ou cinco anos” . Eu lhe havia dito que, quando regredisse a essa ida
de, deveria “ descer até a sala de estar” , onde veria “ um homem es
tranho” que conversaria com ela.
Ela regrediu de maneira satisfatória, olhou para mim com os
olhos arregalados de espanto de uma criança e perguntou: “ Quem
é você?” . Eu respondi: “ Sou o Homem de Fevereiro. Sou amigo de
seu pai. Estou esperando ele aqui, porque tenho alguns negócios a
tratar. Enquanto espero, você estaria disposta a conversar comigo?” .
Ela aceitou o convite e me contou que seu aniversário era em feverei
ro. Ela disse que o pai provavelmente lhe enviaria alguns bonitos pre
sentes, ou talvez viesse trazê-los. Ela falava livremente, ao nível de
uma menina de quatro ou cinco anos bastante solitária, e demonstra
va gostar realmente do “ Homem de Fevereiro” .
Depois de uma visita de meia hora, disse-lhe que seu pai estava
chegando e que iria vê-lo enquanto ela subia. Ela perguntou se o Ho
mem de Fevereiro retornaria, e assegurei-lhe que sim, acrescentando
que achava que ele não poderia voltar até junho. No entanto, o Ho
mem de Fevereiro apareceu em abril, em junho e um pouco antes do
Dia de Graças e do Natal. Entre cada aparição do Homem de Feve
reiro, a paciente era acordada, e conversações casuais eram mantidas
em estado desperto.
A terapia continuou por um período de vários meses, geralmente
duas vezes por semana. Ela tinha amnésia espontânea em relação aos
eventos do transe, mas nos estados hipnóticos regressivos era-lhe per
mitido lembrar as visitas anteriores do Homem de Fevereiro. Na pri
meira entrevista com a paciente, eu tomara o cuidado de me certifi
car das datas importantes em sua vida, de modo que o Homem de
Fevereiro não se introduzisse nunca acidentalmente numa memória
importante. Conforme a terapia prosseguia, ela regredia ano a ano,
e os intervalos entre as visitas do Homem de Fevereiro foram se tor
nando mais longos, de modo que quando atingisse a idade de catorze
anos fosse possível encontrá-lo “ por acaso” , em lugares reais onde
ela estivera várias vezes em sua vida. Isto era realizado, em geral,
fazendo-o aparecer alguns dias antes de alguma memória real de sua
vida. Quando ela foi se aproximando dos vinte anos, continuou suas
visitas ao Homem de Fevereiro, evidenciando grande prazer em revêlo e conversando sobre os interesses dos adolescentes.
Conforme a fui conhecendo melhor, fui capaz, quando desco
bria alguma nova memória da infância, de fazê-la regredir àquela idade
e fazer o Homem de Fevereiro aparecer alguns dias antes de algo real
mente importante em sua vida. Ou talvez ele se encontrasse com ela
alguns dias depois e recordassem o evento.
Com este método, foi possível interpor em suas memórias um
sentimento de ser aceita e um sentimento de partilhar com uma pes
soa real muitas coisas de sua vida. Ela perguntava ao Homem de Fe
vereiro quando o veria de novo, e, quando pedia presentes, eram-lhe
dadas coisas de caráter muito transitório. Assim, foi-lhe dada a sen
sação de acabar de comer um doce, ou ter estado caminhando com
o Homem de Fevereiro por um jardim florido. Ao empreender todas
essas coisas, sentia que estava extrapolando, com sucesso, para suas
memórias passadas, os sentimentos de uma criança emocionalmente
satisfeita.
Conforme a terapia prosseguia, a paciente, no estado normal
desperto, começou a demonstrar cada vez menos preocupação a res
peito de sua possível inadequação como mãe. Ela repetidamente me
perguntava o que eu estava fazendo com ela em estado de transe para
lhe dar aquela sensação de confiança de que agora podia partilhar
as coisas adequadamente com crianças de qualquer idade. Sempre lhe
disse, em estado desperto e também no estado de transe, para não
se lembrar conscientemente de nada que ocorresse no estado de tran
se no que dizia respeito ao significado verbal. Mas ela deveria con
servar os valores emocionais, para desfrutá-los e, eventualmente, pa
ra partilhá-los com os possíveis filhos que viesse a ter. Muitos anos
mais tarde, eu soube que ela tivera três filhos e estava apreciando o
crescimento e desenvolvimento deles.
O N A S C IM E N T O D O S F IL H O S
E O C U ID A D O D A P R O L E
A chegada de uma criança cria mães, pais, avós, tios e tias e
produz repercussões em todo o sistema fam iliar. A criança pode ser
um a adição bem-vinda ou uma dificuldade, e pode cimentar ou dis
solver um casamento. Usualmente, todas as incertezas sobre a esta
bilidade do casamento vêm à tona com a chegada do bebê. Uma no
va form a de compromisso é exigida com as responsabilidades de criar
um a criança. Os contratos matrim oniais também se alteram. A mu
lher que escolheu um marido que podia facilmente dominar, com fre
qüência se sente vulnerável no momento da maternidade e deseja um
homem que possa tom ar conta dela. Este tipo de marido sempre se
surpreende com as novas exigências da esposa. As sogras que haviam
sido excluídas reaparecem como avós, trazendo novas conseqüências
para o casal. Q uando algum tipo de problem a emocional aparece,
o contexto é a rede familiar mutante.
Com freqüência, com a chegada de um novo bebê, é a mãe que
começa a manifestar sintomas. Fica deprim ida, age de maneira es
tranha, é diagnosticada como psicótica pós-parto, ou se com porta
de algum modo que gera preocupações quanto ao seu estado. Q uan
do a mãe, ao invés da situação familiar total, é enfocada, em geral
ela é enviada para um hospital mental, se a perturbação for grave.
Esta abordagem é um tratam ento conservador, destinado a proteger
a mãe e a criança. Enquanto fica encarcerada, ajudam -na a com
preender o que a está angustiando em relação ao fato de ter se to r
nado mãe. Do ponto de vista da família, a hospitalização é um a in
tervenção radical com conseqüências infelizes.
Esta abordagem passa por cima do efeito da hospitalização no
contexto familiar global. Problemas óbvios são ignorados, como, por
exemplo, o de quem ficará responsável pelo bebê enquanto a mãe
estiver na clínica psiquiátrica. Em geral, o bebê é absorvido por al
gum setor da família; é comum o marido levá-lo para a sua família,
onde será cuidado pela avó. A criança é integrada neste sistema fa
miliar, enquanto a mãe fica isolada da família. Quando retorna de
seu retiro psiquiátrico, ela descobre que o filho faz parte de outra
família. Não é incomum a mãe ter que lutar para ter o filho de vol
ta; ou pode ficar observando, impotente, enquanto outros tom am
conta da criança. Se a mãe volta a ser hospitalizada, isto é conside
rado um agravamento de seus problemas em torno da m aternidade.
Não se percebe que o motivo real é que ela fica brava e insiste em
tom ar conta de seu filho, ou se com porta com impotência exaspera
da em relação à falta de confiança de seus parentes. Em tais casos,
o marido é apanhado entre a esposa, que foi rotulada por especialis
tas como mentalmente enferma, e sua mãe, que se tornou muito li
gada ao novo bebê. Ele se torna inseguro em relação ao que fazer
quando a mãe expressa a queixa, justificável, de que não quer que
uma ex-paciente mental tom e conta de seu neto. O estigma da hospi
talização mental pode colocar o casamento num beco sem saída e
neste caso o tratam ento cria um problem a que supostamente deveria
resolver.
Um caso pode ser citado para ilustrar as dificuldades, assim co
mo o mistério, de uma crise por ocasião do nascimento de um filho.
Uma mulher de vinte e poucos anos deu à luz seu primeiro fi
lho e ficou extremamente perturbada. Chorava e protestava que não
prestava para nada, que não era capaz de tom ar conta do bebê. Quan
do chegou o momento de deixar o hospital, ela ainda estava pertur
bada, apática e chorando constantemente. O marido levou-a, e ao
bebê, para a casa de sua família, ao invés de ir para sua própria ca
sa. Enquanto vivia com a família dele, a esposa começou a se tratar
com o psiquiatra local. Após algumas semanas de entrevistas sem
resultados, foi colocada num hospital mental para um período de
observação. Segundo o relatório médico: “ O internam ento foi pre
cipitado por ela ter tom ado, certa m anhã, dez ou doze comprimidos
de aspirina, o que assustou bastante o m arido e seus parentes, com
quem eles continuavam m orando. Esperava-se que ela e o marido
pudessem voltar para sua casa logo que ela saísse do hospital, mas
isto não era provável” . Depois de duas semanas no hospital, ela de
m onstrou alguma melhora, encarada como “ um tanto artificial, uma
coisa usada para atingir o ponto de deixar o hospital” .
Ela começou a fazer terapia individual várias vezes por sema
na, que incluía várias visitas domiciliares devido à “ sua alegada in
capacidade de vir ao consultório” . Nas entrevistas, ela soluçava e
salientava que era um fracasso. Depois de quatro meses de tratamento
sem resultado, o psiquiatra buscou outros meios de lidar com ela.
M andou-a consultar dois outros psiquiatras. Um diagnosticou seu
caso como uma “ desordem esquizoafetiva num indivíduo um tanto
im aturo” , e pregava que um tratam ento com choques seria apropria
do, porque ela não estava progredindo na terapia. O outro psiquia
tra considerou que ela tinha “ uma estrutura de caráter histérica, com
evidência de elementos compulsivos obsessivos” , acreditando haver
um “ mínimo de fatores psicóticos” . Ela também foi encaminhada
a um psicólogo para fazer um teste de Rorschach, e ele achou que
havia “ ausência de traços psicóticos” . Ela forneceu apenas três res
postas para dez cartões.
Depois dessas consultas, o psiquiatra me encaminhou a paciente.
Eu devia submetê-la à hipnose e verificar se seria possível obter um
alívio dos sintomas, ou ao menos uma clarificação do que estava por
trás de sua enfermidade, enquanto ela continuava a terapia indivi
dual.
Quando entrevistei a mulher, ficou evidente que ela seria um
sujeito hipnótico extremamente difícil. Por isso, o uso da hipnose
foi abandonado. (Mais tarde, fiquei sabendo que antes da sessão ela
havia declarado ao marido: “ Ninguém vai me hipnotizar!” .)
Como não fazia mais nada além de soluçar, trouxe o marido
para a sessão, e entrevistei o casal. Deste m odo, a esposa foi encora
jada a soluçar menos e falar mais — tinha que falar para corrigir
o que o m arido dizia sobre sua condição.
O marido era um rapaz agradável, que trabalhava com o pai
e estava confuso com o estado da esposa. Enfatizou que ela afirm a
va ser incapaz de tom ar conta do bebê, mas na realidade podia dar
banho e alimentar a criança com competência. A esposa interrom
peu-o para declarar que não podia, e por essa razão é que a mãe dele
fazia tudo pela criança. Ela também deu um jeito de dizer que não
sentia que a criança era realmente sua, já que não estava cuidando
dela. Quando o marido voltava do trabalho, não vinha conversar com
ela sobre o filho, dirigia-se à mãe e discutia com ela as atividades
diárias da criança. Tudo porque ela era tão imprestável e inadequa
da, afirm ou, em meio a um novo acesso de soluços.
É possível enxergar esse problem a de diferentes pontos de vis
ta. Quando se considera somente a esposa, percebe-se que, devido
à sua vida passada, a m aternidade teve para ela um significado espe
cial, que precipitou a ansiedade e o sofrimento quando deu' à luz a
criança. O tratam ento deveria então ajudá-la a compreender o signi
ficado da sua infância, relacionado à situação atual, assim como suas
idéias inconscientes.
Se este ponto de vista fosse ampliado, o m arido poderia ser in
cluído no quadro. E ra um jovem amável, que parecia relutante em
abandonar sua família de origem e assumir responsabilidades adul
tas. Trabalhava para o pai e parecia ser incapaz de se opor à mãe
e apoiar a esposa quando alguma questão surgia. Tornando-se inca
paz, a esposa queria forçá-lo a ter mais responsabilidade no casa
mento. Ele respondera jogando a responsabilidade sobre sua própria
família.
No contexto familiar mais am plo, o jovem casal estava viven
do um a situação anorm al. A casa deles estava vazia, e a sogra estava
funcionando como mãe do bebê, e não como avó. A mãe real ficava
cada vez mais isolada do m arido e do círculo familiar, enquanto o
m arido estava retornando ao papel anterior de filho não separado.
Deste ponto de vista mais am plo, o objetivo do tratam ento era
óbvio: o jovem casal deveria estar em seu próprio lar, com a mãe
tom ando conta da criança, como as mães normais fazem. Mesmo
que ela não conseguisse tom ar conta do bebê, um a ajudante paga
seria mais apropriada do que um a parente. Uma empregada poderia
ser despedida quando a mãe melhorasse, mas um a parenta seria mais
difícil desalojar.
P ara resolver a dificuldade, um procedimento simples, basea
do no estilo de terapia de Erickson, foi encetado. Como a esposa
se definia como incapaz, a conversa foi conduzida, em grande par
te, com o m arido, enquanto ela participava com objeções. A con
versação recaiu sobre seus planos futuros, e o m arido disse que o
que mais queriam era retornar ao próprio lar. A esposa, lacrimosa,
concordou. Quando perguntado, o m arido disse que, quando vol
tassem para casa, poderia ficar sem trabalhar algumas semanas, pa
ra ajudar a esposa a se adaptar a tom ar conta do bebê. Desde que
a premissa havia sido estabelecida — iam voltar para casa —, a úni
ca questão era saber quando. Um tanto abruptam ente, perguntei ao
marido: “ Seria muito cedo voltar para casa nesta quarta-feira?” . O
que eqüivalia a dois dias depois. Ele, um tanto indeciso, porém am á
vel, disse que achava que seria possível. A esposa parou de soluçar
e protestou que dois dias não seriam suficientes; a casa ficara fecha
da durante meses, teria que ser limpa. Q uando perguntado, o m ari
do concordou que poderia folgar no dia seguinte, e, em dois dias,
os dois colocariam a casa em ordem para quarta-feira. A esposa fi
cou brava e afirm ou que eles não conseguiriam; o quarto do bebê
precisava ser pintado, e havia m uita coisa a ser feita. Eu disse a ela
que poderiam se m udar quarta-feira. Ela, teimosamente, disse que
não podiam. Voltei a afirm ar que podiam . Ela declarou, brava, que
eles não poderiam, de modo algum, se m udar antes de sábado. Chegou-se a um acordo, e eles concordaram com quinta-feira, com a es
posa feliz por ter argum entado que quarta-feira era muito cedo. Du
rante os três dias seguintes, ela esteve tão ocupada lim pando, fa
zendo compras e arrum ando a casa que não teve tempo para refletir
sobre a mudança. Os sogros se defrontaram com um fato consuma
do, e a única coisa que puderam fazer foi ajudar na mudança.
Ao invés de tirar duas semanas de férias para ficar com a espo
sa, o marido retornou ao trabalho dentro de um a semana. A jovem
mãe passou alguns dias chorando, mas tom ou bem conta da crian
ça. Dentro de duas semanas, não só tinha parado de soluçar, mas
expressava plena confiança em sua habilidade como mãe e se com
portava adequadamente. P arou o tratam ento psiquiátrico.
Um procedimento de tratamento deste tipo levanta dúvidas: em
b ora a mãe pareça norm al, será que o problem a foi mesmo solucio
nado? O que estava por trás do sintoma? E quanto ao futuro? A
mulher continuou norm al e o bebê se desenvolveu bem, tornando-se
um a criança feliz, saudável (o que já era, mesmo no período de an
gústia da mãe). O que estava por trás do sintoma nunca se tornou
conhecido.
Este caso prova que o tratam ento pode cam inhar surpreenden
temente rápido se se adota a premissa de Erickson segundo a qual
um objetivo de tratam ento a longo prazo deve ser um objetivo ime
diato. Se a “ cura” é definida como a mulher tom ar conta de seu fi
lho em sua casa, ao lado de um marido disposto a assumir responsa
bilidades, então o tratam ento deve proceder imediatamente à obten
ção desse fim. O objetivo não pode ser atingido enquanto a situação
de vida for im própria; a questão é fazer surgir um contexto de vida
mais normal. P ara m odificar o contexto social, não se tem, necessa
riamente, de tratar todos os membros da família, como alguns tera
peutas familiares sugeririam. Muitas vezes, a intervenção através de
um indivíduo pode m udar a situação, ou, como neste caso, um casal
pode mudar sua posição e atingir uma situação de norm alidade, que
para este casal estava funcionando bem no estágio de ter filhos; o
que eles precisavam era de assistência para ultrapassar a crise que
os impedia de fazer a transição para este estágio.
Q uando um jovem casal tem filhos com sucesso, passa alguns
anos tom ando conta de crianças pequenas e aprendendo a complexa
tarefa de se tornarem pais. Embora possam ocorrer problemas, a crise
mais comum desse período ocorre quando as crianças chegam à ida
de escolar e se envolvem mais com a comunidade. Neste mom ento,
filhos e pais começam a dar os primeiros passos rum o à autonom ia.
Se um a criança desenvolve um problem a nesta época, em geral
ele se deve ao com portam ento social, que era adaptativo dentro do
lar, mas não era apropriado para este início de atividades externas.
Um problem a comum é a incapacidade de a criança ir à escola.
Quando isso ocorre, o problem a pode estar em casa, na escola ou
no confronto entre o lar e a escola. Usualmente, a dificuldade está
dentro da família, mas isto não quer dizer que em qualquer proble
ma da criança toda a família deva ser tratada; no entanto, quer di
zer que o terapeuta deve estar cônscio do contexto familiar quando
intervém.
Erickson desenvolveu uma variedade de procedimentos para tra
tar os problemas das crianças. Às vezes, coloca os pais em tratam en
to; outras vezes, meramente solicita sua cooperação de uma certa ma
neira; enquanto em muitos casos deixa os pais de fora e estabelece,
essencialmente, uma aliança com a criança contra os pais e o m undo
mais amplo.
A im portância crucial do “ brincar” em toda terapia de Erick
son se torna mais evidente em seu trabalho com crianças, mas ele
não faz ludoterapia, no sentido usual do term o. Como com os adul
tos, seu objetivo não é ajudar a criança a descobrir como se sente
a respeito dos pais ou o que as coisas significam para ela, mas indu
zir a mudança; um a m oldura de “ brincadeiras” é um modo de fazer
a mudança ocorrer. O dr. Erickson utiliza também a hipnose com
crianças, mas deve ficar claro que não é o tipo usual de hipnose. Ele
não emprega uma indução form al de transe, mas responde à criança
em seus próprios termos, considerando isto uma parte da técnica hip
nótica. Um exemplo desta técnica é o m odo como lidou com um aci
dente ocorrido com um de seus filhos. (Ele menciona muitas vezes
incidentes que envolvem seus próprios filhos para ilustrar seus argu
mentos.)
Robert, de três anos de idade, rolou pela escada dos fundos.
Na queda, cortou os lábios e um dos dentes de cima foi empurrado
de volta ao maxilar. Ele estava sangrando profusamente e gritando
muito de dor e de susto. Sua mãe e eu fomos ajudá-lo. Uma rápida
olhada para ele, caído no chão, gritando, a boca sangrando profusa
mente e o sangue respingando no pavimento, revelou que se tratava
de uma emergência que requeria medidas imediatas e adequadas.
Não se fez nenhuma tentativa de levantá-lo. Ao invés disso,
quando ele parou para tomar fôlego antes de recomeçar a gritar, eu
lhe disse rápida, simples, solidária e enfaticamente: “ Isto dói horri
velmente, Robert. Isto dói terrivelmente” .
Naquele exato momento, sem nenhuma dúvida meu filho en
tendia o que eu estava falando. Ele podia concordar comigo, e sabia
que eu concordava plenamente com ele. Por isso, podia me escutar
com respeito, pois eu demonstrava que compreendia totalmente a si
tuação. Na hipnoterapia pediátrica, nada é mais importante do que
falar assim ao paciente, de modo que ele possa concordar com você,
respeitar sua inteligência em apreender a situação de acordo com o
entendimento que ele próprio tem dela.
Então disse a Robert: “ E continuará doendo” . Com esta sim
ples afirmação, nomeei seu próprio medo, confirmei seu julgamento
da situação, demonstrei minha inteligência na apreensão de toda ques
tão e minha inteira concordância com ele, pois naquele momento ele
só podia entrever toda uma vida de angústia e dor para si mesmo.
O passo seguinte para ele, e para mim, foi declarar, quando no
vamente tomou fôlego: “ E você realmente quer que a dor pare” . De
novo, concordávamos plenamente, e ele se sentiu ratificado, até mes
mo encorajado, em seu desejo. E era se u desejo, que nascia inteira
mente dentro dele e constituía sua própria necessidade urgente. Com
a situação assim definida, pude então fornecer uma sugestão com al
guma certeza de que seria aceita. Esta sugestão era: “ Talvez pare de
doer em pouco tempo, num minuto ou dois” . Era uma sugestão que
estava totalmente de acordo com suas próprias necessidades e dese
jos, e, como foi qualificada por um “ talvez” , não estava em contra
dição com a compreensão que ele tinha da situação. Assim, ele con
seguiu aceitar a idéia e iniciar suas respostas.
Quando ele fez isto, iniciou uma mudança rumo a outra ques
tão importante, importante para ele como uma pessoa sofredora, e
importante quanto ao significado psicológico global da situação —
uma alteração que em si mesma era importante como medida preli
minar para modificar e alterar a situação.
Com muita freqüência, na hipnoterapia, ou em qualquer utili
zação da hipnose, há uma tendência a superenfatizar o óbvio e rea
firmar desnecessariamente sugestões já aceitas, a o in v é s d e criar u m a
situ a ç ã o d e e x p e c ta tiv a q u e p e rm itiria o d e s e n v o lv im e n to d a s resp o s
ta s d ese ja d a s. Todo pugilista conhece as desvantagens de treinar de
mais; todo vendedor sabe que é tolo insistir demais. Os mesmos ris
cos humanos existem na aplicação das técnicas terapêuticas.
O procedimento seguinte foi levar Robert a reconhecer o signi
ficado do ferimento para ele — dor, perda de sangue, corpo machu
cado, uma perda da totalidade de sua auto-estima narcisista normal,
de sua sensação de bem-estar físico, algo tão vital na vida humana.
Robert sabia que estava ferido, que era uma pessoa danificada;
podia ver seu sangue no chão, sentir o gosto dele em sua boca, vê-lo
em suas mãos. E, mesmo assim, como todo ser humano, ele também
desejava uma distinção narcisista em sua infelicidade, aliada ao dese
jo, ainda mais narcisista, de conforto. Ninguém deseja uma reles dor
de cabeça; se for preciso suportar uma dor de cabeça, que ela seja
tão colossal que somente o sofredor possa agüentá-la. O orgulho hu
mano é tão curiosamente bom e reconfortante! Por conseguinte, a
atenção de Robert foi duplamente dirigida para duas questões vitais,
cuja importância ele pôde compreender através de declarações simples:
“ Quanto sangue está espalhado pelo chão! É um sangue bom, ver
melho, forte? Observe atentamente, mamãe, e veja! Penso que sim,
mas quero ter certeza” .
Assim, estabeleceu-se um reconhecimento aberto e destemido
dos valores importantes para Robert. Ele precisava saber que aquela
infelicidade era catastrófica aos olhos dos outros, assim como aos seus,
e necessitava provas tangíveis que pudesse apreciar. Quando declarei
que aquilo era “ uma quantidade enorme de sangue” , Robert podia
de novo reconhecer a apreciação inteligente e competente da situa
ção, de acordo com suas necessidades não formuladas, mas nem por
isso menos reais. A questão sobre a qualidade, a vermelhidão e a for
taleza do sangue associou-se a um jogo psicológico ao ir ao encontro
da significação do acidente para Robert. Numa situação onde a pes
soa se sente seriamente machucada, há uma necessidade esmagadora
de um sentimento compensatório, de virtude satisfatória. Assim, sua
mãe e eu examinamos o sangue sobre o pavimento e expressamos a
opinião de que era um sangue bom, forte, vermelho. Deste modo,
nós o reafirmamos, mas não só numa base emocionalmente recon
fortante; nós o fizemos na base de um instrutivo exame da realidade.
No entanto, qualificamos aquela opinião favorável ao afirmar
que seria melhor que examinássemos o sangue contra o fundo bran
co da pia do banheiro. Neste momento, Robert já havia parado de
chorar, e sua dor e medo não eram mais os fatores dominantes. Ao
contrário, ele estava interessado e absorvido no importante proble
ma da qualidade de seu sangue.
A mãe o levantou do chão e o carregou até o banheiro, onde
água foi despejada em seu rosto para verificar se o sangue “ mistura
do adequadamente com a água” adquiria “ a coloração rosa certa” .
Então a vermelhidão foi cuidadosamente verificada e reconfirmada,
a seguir o “ rosado” foi reafirmado, para intensa satisfação de Ro
bert, que verificava que seu sangue era bom, vermelho e forte e fazia
a água tornar-se corretamente rosada.
Surgiu a seguir a questão de saber se sua boca estava ou não
“ sangrando certo” . Uma inspeção atenta, para completa satisfação
e alívio de Robert, novamente demonstrou que todos os resultados
eram bons e corretos e indicavam que ele era saudável sob qualquer
aspecto.
A próxima questão foi a sutura dos lábios. Como isto podia,
facilmente, provocar uma resposta negativa, ela foi mencionada de
maneira negativa para ele, im p e d in d o a ssim u m a re sp o sta n eg a tiva
inicial e, ao mesmo tempo, levantando uma questão nova e impor
tante. Foi mencionada através da afirmação pesarosa de que, embo
ra tivessem que ser dados alguns pontos no seu lábio, era duvidoso
que pudessem ser dados tantos pontos quantos ele pudesse contar.
De fato, o que parecia é que os pontos não chegariam ao número 10,
enquanto ele já sabia contar até 20. Demonstramos nosso pesar por
ele não poder ter dezessete pontos, como sua irmã Betty Alice, ou
doze, como seu irmão Allan; mas o confortamos com a afirmação
de que poderia ter mais pontos do que seus irmãos Bert, Lance ou
Carol. Assim, a situação foi encarada como uma oportunidade de
partilhar com os irmãos mais velhos uma experiência comum, com
o reconfortante sentimento de igualdade e, até mesmo, de superiori
dade. Deste modo, Robert foi capaz de encarar a questão da cirurgia
sem medo ou ansiedade, mas com a esperança de um melhor resulta
do se cooperasse com o cirurgião, e imbuído do desejo de se sair bem
da tarefa que lhe fora atribuída, a saber, “ não esquecer de contar
os pontos” . Desta maneira, não foi preciso renovar a confiança, nem
houve nenhuma necessidade de oferecer outras sugestões em relação
a ele ficar livre da dor.
Foram precisos somente sete pontos, para desapontamento de
Robert, mas o cirurgião salientou que o material de sutura era mais
novo e de um tipo melhor do que o empregado em qualquer um de
seus irmãos, e que a cicatriz seria uma forma incomum de “ W ” ,
como a letra da faculdade do papai. Assim o número m e n o r de pon
tos foi bem compensado.
Pode-se colocar a questão de saber em que ponto foi emprega
da a hipnose. Na verdade, a hipnose começou com a primeira decla
ração feita a ele e se tornou aparente quando ele deu sua atenção com
pleta e indivisa, interessada e satisfeita, a todos os eventos que se su
cederam e que constituíram o tratamento médico de seu problema.
Em nenhum momento foi-lhe oferecida uma afirmação falsa,
nem ele foi tranqüilizado à força, de uma maneira que entrasse em
contradição com seu entendimento. Uma comunhão de entendimen
to foi primeiro estabelecida com ele, e então, um por um, os itens
de interesse vital para ele, naquela situação, foram considerados e de
cididos por completo, ou para sua satisfação ou de modo suficiente
mente agradável para merecer sua aceitação. Seu papel na situação
inteira foi o de um participante interessado, e respostas adequadas
foram fornecidas para cada idéia sugerida.
Este exemplo é tão típico da m aneira de Erickson trabalhar
que pode ser a vinheta para sua abordagem a crianças e adultos.
Ele primeiro aceita inteiramente a posição do paciente, neste caso
dizendo: “ Isto dói horrivelmente, Robert. Isto dói terrivelm ente” .
A seguir, faz uma afirm ação que é o oposto de tranqüilizar. Ele
diz: “ E continuará doendo” . M uitas pessoas podem considerar is
to um reforço negativo, ou um a sugestão para continuar sofrendo.
P ara Erickson, é um modo de se juntar ao paciente num tipo de
relacionamento que torna a mudança possível, o que é seu objeti
vo. Uma vez tendo conseguido isto, ele pode oferecer um movi
mento rum o à mudança, dizendo: “ Talvez pare de doer em pouco
tempo, num m inuto ou dois” .
Aqueles que se preocupam com a “ m anipulação” das pessoas,
ao invés de se com portarem “ franca e honestam ente” , deveriam ler
esta descrição com cuidado. Como Erickson assinala, em nenhum
momento foi fornecida ao menino uma declaração falsa. Seria mui
to menos direto e honesto tranqüilizá-lo dizendo que não estava doendo e tentar minimizar o que acontecera, ou descartar de outros m o
dos a experiência que o menino tinha da situação.
Q uando Erickson denom ina este procedimento uso de hipno
se, é claro que o significado que dá a “ hipnose” não é o que outras
pessoas entendem. P ara Erickson, a hipnose é um modo de duas pes
soas responderem uma a outra. Um transe profundo é um tipo de
relacionamento entre duas pessoas. Visto deste modo, a hipnose não
requer um conjunto de comandos repetitivos, ou a fixação dos olhos
num dispositivo, ou qualquer um dos procedimentos hipnóticos tra
dicionais. De fato, Erickson com freqüência prefere induzir um transe
profundo através da conversação ou de um ato brusco que precipita
a resposta hipnótica. Um exemplo de um a indução rápida de transe,
totalm ente sem ritual, é dada no caso que se segue.
Um menino de oito anos entrou em meu consultório meio car
regado, meio arrastado pelos pais. Seu problema era molhar a cama.
Seus pais haviam procurado ajuda com os vizinhos e rezado publica
mente por ele na igreja. Agora o estavam trazendo a um “ médico
de loucos” como último recurso, com a promessa de um “ jantar num
hotel” após a entrevista.
A raiva e o ressentimento do menino estavam claramente apa
rentes. Eu disse a ele, na presença dos pais: “ Você está louco de rai
va e vai continuar assim. Você pensa que não há nada que possa fa
zer a respeito de seu problema, mas há. Você não gosta de ver um
‘médico de loucos’, mas está aqui, e gostaria de fazer alguma coisa,
mas não sabe o quê. Seus pais o trouxeram, eles fizeram você vir.
Bem, você pode fazer com que saiam do consultório. De fato, nós
dois podemos — vamos, vamos dizer a eles para saírem” . Neste pon
to, fiz aos pais um sinal discreto de despedida e eles saíram, para sa
tisfação imediata e quase espantada do menino.
Então falei: “ Mas você ainda está louco, e eu também, porque
eles me ordenaram que curasse você. Só que eles não podem me dar
ordens como dão a você. Mas, antes de nós os castigarmos por isso” ,
e f i z u m g esto le n to , e la b o ra d o , q u e p r e n d ia a a ten çã o , e n q u a n to sa
lientava: “ Olhe para aqueles bichinhos de pano ali. Eu prefiro o mar
rom, mas suponho que você goste do preto e branco, porque suas
patas são brancas. Se ficar muito atento, pode adivinhar o que prefi
ro também. Gosto de animaizinhos de brinquedo, e você?” .
Tomada completamente de surpresa, a criança rapidamente de
senvolveu um transe sonâmbulo. Ele caminhou em direção (ao chão
vazio) aos animaizinhos e começou a fazer movimentos para acari
ciar dois deles, um mais do que o outro. Quando finalmente olhou
para mim, eu disse: “ Estou contente porque você não está mais lou
co de raiva comigo, e acho que nem eu nem você temos que contar
qualquer coisa a seus pais. De fato, talvez isto seja uma boa lição
para eles, pelo jeito que trouxeram você, podiam esperar até o ano
letivo estar quase acabando. Mas uma coisa é certa: pode ter certeza
de que, se ficar com a cama seca por um mês, ganhará um bichinho
igualzinho a esse pequeno Spotty aqui, mesmo que nunca diga uma
palavra para eles sobre isso. Eles simplesmente têm que lhe dar. Ago
ra feche os olhos, respire profundamente, durma profundamente e
desperte com muita fome” .
A criança seguiu as instruções e deixei-a aos cuidados dos pais,
a quem dera instruções em particular. Duas semanas mais tarde, ele
foi usado como um sujeito de demonstração para um grupo de médi
cos, mas nenhuma terapia foi feita.
Durante o último mês do período letivo, o menino, dramatica
mente, riscava cada dia num calendário. Próximo ao fim do mês, de
clarou, enigmaticamente, à mãe: “ É melhor você começar a ficar
pronta” .
No trigésimo primeiro dia, a mãe lhe disse que tinha uma sur
presa para ele. Ele disse: “ É melhor que seja branco e preto” . Neste
instante, o pai entrou com um bichinho. Na excitação do prazer, o
menino esqueceu de fazer perguntas. Dezoito meses mais tarde, sua
cama continuava seca.
Neste caso, como em muitos outros, a indução de transe em
pregada por Erickson pode parecer um a resposta súbita miraculosa.
No entanto, deve-se ter em mente que a sugestão para imaginar os
animaizinhos não foi uma afirm ação isolada, mas havia sido cuida
dosamente preparada por um intercâmbio anterior. Este intercâm
bio incluíra ficar ao lado do menino contra os pais, deixar de lado
um a série de sugestões e, miraculosamente, banir os pais da sala. O
movimento surpresa de apontar os bichinhos foi o último de vários
intercâmbios que conduziram a ele, mas que pareciam não estar re
lacionados. Como na m aioria de suas m anobras, Erickson elabora
damente estabelece as bases para o que vai fazer mais tarde. Essa
base traz em si um número de possibilidades diferentes, de modo que
ele pode escolher quando surge a oportunidade. Ele se refere a isso
como “ sementeira” , de modo que depois de um período de incerte
za, quando decide se movimentar num a direção particular, a base
para o movimento já foi estabelecida.
Erickson descreve um outro caso como exemplo da técnica hip
nótica. Novamente, não emprega um a indução formal. Uma meni
na de dezesseis anos, que cursava o segundo grau, continuava chu
pando o polegar, para desespero dos pais, professores, colegas, mo
torista do ônibus escolar e todos os que entravam em contato com
ela. Também haviam rezado por ela publicamente na igreja, haviam
solicitado que usasse um sinal declarando-se um a chupadora de de
do, e finalmente, em desespero, ela foi levada a Erickson, em bora
ter que consultar um psiquiatra fosse o último dos recursos
vergonhosos.
Erickson conversou com os pais e ficou sabendo alguma coisa
sobre a situação da família. Também ficou sabendo que o psicólogo
da escola havia interpretado, para a garota, o fato de chupar o dedo
como um ato agressivo. Os pais solicitaram que a terapia da filha
fosse feita essencialmente sobre uma base religiosa. Negando isto,
Erickson os fez prometer que quando a garota se tornasse sua pa
ciente, “ durante um mês inteiro nenhum dos pais interferiria na te
rapia, não im porta o que acontecesse, nem teria um olhar ou diria
um a palavra de admoestação a respeito de chupar o dedo” . Ele des
creve como procedeu:
A menina veio contra a sua vontade ao consultório com os pais.
Ela chupava o dedo fazendo muito barulho. Me despedi dos pais e
encarei a moça. Ela tirou o dedo da boca o suficiente para declarar
que não gostava de “ médicos de loucos” .
Repliquei: “ E eu não gosto do modo como seus pais me man
daram curar você dessa chupação de dedo. Dar-me ordens, huh! O
polegar é seu, e a boca também, e por que diabos você não pode chupálo se assim deseja? Ordenar-me que a cure! A única coisa que me in
teressa é saber por que, quando você quer ser agressiva e chupa o de
do, você realmente não é agressiva ao invés de ficar vadiando por aí
como um bebê que não sabe chupar um dedo agressivamente. Eu que
ria mostrar-lhe como chupar o dedo agressivamente o suficiente para
fazer seu velho e sua velha viverem no inferno. Se estiver interessada,
posso lhe mostrar como fazê-lo. Se não estiver, vou apenas rir de vo
cê” .
O emprego da palavra “ inferno” prendeu totalmente a atenção
dela — sabia perfeitamente que um profissional não deveria usar este
tipo de linguagem ao falar com uma secundarista que freqüentava
a igreja regularmente. Desafiar a inadequação de sua agressividade,
um termo que o psicólogo da escola lhe havia ensinado, prendeu ain
da mais sua atenção.
O oferecimento de ensinar-lhe como incomodar atrozmente os
pais, mencionado de maneira tão desrespeitosa, exigiu ainda uma
maior fixação de sua atenção, de modo que, para todas as intenções
e objetivos, ela estava em transe hipnótico. Então, num tom de voz
intencional, eu disse: “ Todas as noites, depois do jantar, como se fosse
um relógio, seu pai entra na sala de estar e lê o jornal da primeira
à última página. Todas as noites, quando ele fizer isso, entre lá, sentese ao seu lado, realmente acalente seu polegar com empenho e em
alto e bom som, e infernize atrozmente seu pai durante os vinte mi
nutos mais compridos que ele jamais viveu.
‘‘Então, vá até o quarto de costura, onde sua mãe trabalha uma
hora todas as noites antes de lavar os pratos. Sente-se a seu lado e nu
tra o seu polegar com empenho em alto e bom som, e infernize atroz
mente a velha durante os vinte minutos mais longos que jamais sonhou.
“ Faça isto todas as noites, e faça muito bem feito. E, a cami
nho da escola, descubra com cuidado o tolo fedorento que mais de
testa e, cada vez que se encontrar com ele, ponha o polegar na boca
e observe ele virar a cabeça para o outro lado. E esteja pronta para
enfiar o dedo na boca de novo se ele se voltar para olhar para você.
“ Reflita sobre seus professores e escolha aquele de quem real
mente não gosta e trate-o com uma chupada de dedo estalada toda
vez que ele, ou ela, olhar para você. Só espero que consiga ser real
mente agressiva.”
Depois de algumas declarações incoerentes irrelevantes, a me
nina foi mandada embora e seus pais convocados ao consultório. Fo
ram relembrados de sua promessa categórica. Disse-lhes que se a man
tivessem, fielmente, a menina deixaria de chupar o dedo.
No caminho para casa, ela não chupou o dedo e ficou em silên
cio o tempo todo. Os pais ficaram tão contentes que telefonaram pa
ra relatar sua gratidão. Naquela noite, para seu horror, a jovem obe
deceu às instruções. Eles também as obedeceram e não se opuseram
à chupação de dedo. No dia seguinte, pelo telefone, eles me informa
ram, infelizes, o que tinha acontecido. Lembrei-os de sua promessa
e de meu prognóstico em relação à menina.
Todas as noites, durante os próximos dias, a menina se mante
ve fiel à sua performance. A seguir, começou a ficar farta. Diminuiu
o tempo, iniciava mais tarde e desistia mais cedo, e então, finalmen
te, passou a pular um dia ou outro, e daí esqueceu!
Em menos de quatro semanas a jovem havia parado de chupar
o dedo, tanto em casa como em outros lugares. Tornou-se cada vez
mais interessada em atividades adolescentes mais legítimas de seu pró
prio grupo. Seu ajustamento melhorou sob todos os pontos de vista.
Um ano mais tarde, revi a jovem num cenário social. Ela me
reconheceu, olhou-me intensamente durante alguns minutos e então
declarou: “ Não sei se gosto ou não de você, mas sou-lhe grata” .
H á vários aspectos notáveis desse caso se o com pararm os aos
procedimentos anteriores. Um hábito de toda um a vida foi resolvido
numa única sessão terapêutica, o que já é suficientemente notável,
mas é ainda mais notável que Erickson esteja tão seguro de sua abor
dagem que possa afirm ar categoricamente aos pais que a menina fi
cará curada do problem a em um mês. No entanto, ele também for
nece um a saída para si mesmo ao exigir uma atitude deles — a deci
são de não se deixarem provocar e de não adm oestar a jovem a res
peito de chupar seu dedo. Se eles não conduzirem adequadamente
a situação, Erickson não pode garantir o resultado. Assim, tanto a
menina quanto os pais são forçados a se com portarem de maneira
diferente; a jovem é obrigada a criar deliberadamente seu próprio
infortúnio, e os pais, a tolerar suas provocações. Como na maioria
de tais casos, Erickson não interpreta o sintoma; requer que um com
portam ento sintomático seja praticado deliberadamente e faz com
que o que já está sendo praticado seja levado aos limites do absurdo.
Em casos similares de chupar o dedo, Erickson apresenta à crian
ça a idéia de que somente o polegar não é suficiente, e ique ela deve
ria sentar-se ao lado dos pais e chupar não só o dedão, mas também
cada um dos dedos. Em geral, faz com que a criança observe o reló
gio e requer que chupe os dedos durante um período de tempo. Trans
form ado em dever, chupar o dedo perde toda a graça. Um a parte
im portante desse procedimento é o envolvimento dos pais no pro
grama, quer por disposição própria, como no caso acima, quando
fizeram um a promessa, ou contra sua vontade, quando a criança es
tá deliberadamente se exibindo para exasperá-los com seu sintoma.
Em um outro caso, onde o problem a foi resolvido num a única
entrevista, Erickson usou um método um tanto diferente. Não em
pregou a hipnose, mas considera ter utilizado um a técnica hipnóti
ca. O caso problemático era o de uma menina de catorze anos que
acreditava que seus pés eram muito grandes. A mãe veio sozinha ver
Erickson e descreveu a situação. H á três meses, a menina cada vez
se retraía mais, não queria mais ir à escola ou à igreja, nem mesmo
ser vista na rua. Não adm itia que a questão de seus pés fosse discuti
da, e também não queria ir ver um médico e conversar com ele. Ne
nhum a tentativa de tranqüilizá-la, por parte da mãe, tivera qualquer
efeito, e a jovem estava cada vez mais reclusa. Erickson relata:
Combinei com a mãe uma visita domiciliar, no dia seguinte,
sob um falso pretexto. Contaríamos à menina que eu iria examinar a
mãe para verificar se estava com gripe. Era um pretexto, embora a mãe
não estivesse se sentindo bem e eu tivesse sugerido um exame. Quan
do cheguei à casa, a mãe estava de cama. Fiz um exame cuidadoso
nela, escutando o peito, examinando a garganta e assim por diante.
A menina estava presente. Pedi que fosse buscar uma toalha e que
ficasse atrás de mim caso precisasse de alguma coisa. Ela estava mui
to preocupada com a saúde da mãe. Isto me deu a oportunidade de
olhá-la bem. Era um tanto corpulenta, mas os pés não eram grandes.
Estudando a menina, cogitei o que poderia fazer para que ela
superasse seu problema. Finalmente, ocorreu-me um plano. Quando
acabei de examinar a mãe, manobrei para que a menina ficasse numa
posição diretamente atrás de mim. Eu estava sentado na cama, con
versando com a mãe. Levantei devagar e com cuidado e, então, de
sastradamente, dei um passo para trás. Pus o salto de meu sapato
diretamente em cima dos dedos do pé da menina. Ela, naturalmente,
estrilou de dor. Voltei-me para ela e num tom de absoluta fúria disse:
“ Se essas coisas crescessem o suficiente para um homem poder
enxergá-las, eu não estaria neste tipo de situação!” . A jovem olhou
para mim, intrigada, enquanto eu preenchia o receituário e telefona
va para a farmácia. Naquele dia, a menina perguntou à mãe se podia
ir a um sh o w , o que não fazia há meses. E foi para a escola e à igreja,
pondo fim a uma reclusão que perdurara três meses. Verifiquei mais
tarde como iam as coisas, e a menina continuava amigável e agradá
vel. Ela não percebera o que eu fizera, nem a mãe. Tudo que a mãe
percebeu fora que eu havia sido indelicado com a filha quando a visi
tei naquela tarde. Ela não ligou o fato à recuperação da filha.
É evidente que esta técnica está baseada numa orientação hip
nótica. Como Erickson salienta: “ Não havia jeito de a menina rejei
tar o elogio a seus pés, nenhum a maneira de discutir. ‘Se eles cres
cessem o suficiente para um homem poder enxergá-los’. Ela não po
dia me dizer que eu era desajeitado; eu era o médico de sua mãe.
Ela não podia revidar. Não havia nada que pudesse fazer, a não ser
aceitar a prova absoluta de que seus pés eram pequenos” . Não é ra
ro Erickson utilizar a hipnose para fazer com que o sujeito tenha uma
idéia que não pode recusar, e neste caso ele atinge o objetivo sem
a hipnose, numa situação social.
Um aspecto im portante do trabalho de Erickson com crianças
é sua premissa básica de que as crianças são antagonistas naturais dos
pais; pertencem a um a geração diferente, e o conflito entre as gera
ções deve ser levado em conta. Esta premissa não é confortável para
as pessoas que gostam de pensar em pais e filhos como um grupo uni
do. Mas, por estranho que pareça, o que em geral une pais e filhos
é o pressuposto de que representam interesses conflitantes. Como disse
Erickson num a conversa: “ Quando se está conversando com um ca
sal, pode-se perguntar o que gostam um no outro. Q uando se fala
com uma criança, pergunta-se o que ela não gosta nos pais” .
Devido a esse pressuposto, Erickson tipicamente fica ao lado
dos filhos contra os pais. Isto não quer dizer que encare a criança
como vítima; quer dizer que, para um a ação terapêutica, essa é a me
lhor posição a assumir em relação à criança. Ele pode, ao mesmo
tempo, se unir aos pais contra o filho, com ou sem o conhecimento
da criança.
Quando se une à criança, ele pode lidar com o problem a dire
tamente, ou indiretamente, através de m etáforas. No caso a seguir,
ele fala sobre certos aspectos de controle muscular de modo a influen
ciar um tipo diferente de resposta muscular. Isto é típico do modo
de Erickson induzir um a modificação através de analogias ou
metáforas.
Uma mãe me procurou e contou sobre o filho de dez anos que
molhava a cama todas as noites. Eles haviam feito tudo o que era
possível para que parasse. Eles o arrastaram para me ver — literal
mente. O pai o segurava por uma mão, a mãe pela outra, e o menino
arrastava os pés. Eles os deitaram com o rosto para o chão no meu
consultório. Empurrei os pais para fora e fechei a porta. O menino
urrava.
Quando parou para recuperar o fôlego, eu disse: “ Que manei
ra estúpida de trazer você aqui! Não gosto nem um pouco” . Ele fi
cou surpreso de eu ter dito isto. Hesitou, enquanto tomava fôlego,
e eu lhe disse que podia ir em frente e berrar de novo. Ele deixou es
capar um grito e, quando fez uma pausa para respirar, soltei um gri
to. Ele se voltou e me encarou, e eu disse: “ É minha vez” . Então dis
se: “ Agora é a sua vez” , e ele gritou de novo. Eu gritei, e então disse
que era a vez dele. Sugeri: “ Poderíamos continuar fazendo turnos,
mas isso seria extremamente cansativo. Na minha vez, vou simples
mente me sentar naquela cadeira. Há uma outra vaga, do outro la
do” . Quando chegou a minha vez, sentei-me na cadeira, e ele sentouse na outra. A expectativa havia sido estabelecida — eu estabelecera
que nos revezássemos nos gritos, e mudei o jogo ao propor turnos
para sentar. A seguir, disse: “ Sabe, seus pais me mandaram curar
você do hábito de molhar a cama. Quem eles pensam que são para
me dar ordens?” . Ele havia recebido muitos castigos dos pais, de modo
que, ao dizer isto, assinalei de que lado da cerca eu estava. Disse en
tão: “ Prefiro conversar com você sobre várias outras coisas. Vamos
simplesmente deixar de lado a questão de molhar a cama. Agora, co
mo deveria conversar com um menino de dez anos? Você freqüenta
a escola. Você tem um belo pulso compacto; tornozelos compactos.
Sabe, sou um médico, e os médicos sempre têm grande interesse pela
compleição do homem. Você tem um belo tórax redondo, é peitudo.
Você não é uma dessas pessoas de peito afundado e ombros caídos.
Tem um belo peito, que se sobressai. Posso apostar que é bom de
corrida. Com sua compleição, um tanto pequena, sem dúvida algu
ma tem uma boa coordenação motora” . Expliquei-lhe o que era coor
denação, e ele disse que era provavelmente bom em esportes que re
queriam perícia, não só carne e ossos. Não no tipo de esportes que
qualquer cabeça-dura pudesse praticar. Mas jogos que requeriam pe
rícia. Perguntei que esporte praticava e ele respondeu: “ Jogo beise
bol e atiro com arco e flecha” . Perguntei: “ Você é bom com o ar
co?” . Ele respondeu: “ Muito bom” . Eu disse: “ Bem, naturalmente
isto requer olhos, mãos, braços e coordenação corporal” . Veio à to
na que seu irmão mais moço jogava futebol, que era mais robusto
do que ele ou qualquer outro membro da família. “ O futebol é um
belo jogo para quem é só um monte de músculos. Uma porção de
sujeitos grandes, demasiadamente crescidos, gosta dele.”
Assim, continuamos conversando sobre isto ou aquilo e sobre
a coordenação muscular. Eu disse: “ Você sabe, quando recua com
seu arco e mira sua flecha, o que supõe que a pupila dos olhos faça?
Ela se f e c h a ” . Expliquei que havia músculos chatos, músculos cur
tos, músculos longos — e também circulres, “ como aquele no fundo
do estômago; sabe, quando você come, este músculo se fe c h a , a co
mida fica no estômago até ser digerida. Quando o estômago quer se
livrar da comida, o músculo circular se abre, esvazia o estômago, e
se fecha até que a próxima refeição seja ingerida para ele digerir. O
músculo no fundo do seu estômago — onde é o fundo do estômago,
quando se é um menino pequeno? É bem lá embaixo” .
Assim, discutimos o assunto durante uma hora e no sábado se
guinte ele veio me ver sozinho. Conversamos um pouco mais sobre
esportes, sobre isto e aquilo — sem nenhuma menção a molhar a ca
ma. Falamos sobre os escoteiros e sobre acampamentos, tudo o que
pudesse interessar um menino pequeno. Na quarta entrevista ele apa
receu com um amplo sorriso. Disse: “ Sabe, há anos minha mãe tenta
perder se u hábito. Mas não consegue” . A mãe fumava e estava ten
tando parar. Eu disse: “ É, algumas pessoas conseguem romper hábi
tos rapidamente, mas outras falam muito sobre isto e não fazem na
da” . Então mudamos a conversa para outros assuntos.
Uns seis meses depois, ele veio me visitar socialmente e voltou a
aparecer quando entrou para o segundo grau. Agora está na faculdade.
Tudo o que fiz foi conversar sobre os músculos circulares exis
tentes no fundo do estômago, que podiam se fechar e segurar os con
teúdos. Linguagem simbólica, naturalmente, mas toda aquela bela
compleição de olhos, mãos e coordenação corporal deixou de mo
lhar a cama sem nunca ter discutido o assunto.
Em bora Erickson discuta várias maneiras astutas de m anipu
lar problemas difíceis dentro de seu consultório, ocasionalmente en
contra alguém com quem não consegue lidar. Eis um exemplo:
Foi-me enviado um menino de doze anos. Conhecia muitos de
seus parentes, de modo que sabia alguma coisa sobre a família. Sua
madrasta relatou que o menino desceu as escadas, certa manhã, com
uma corrente de bicicleta em suas mãos. Ele disse à madrasta: “ Que
ro vê-la dançar” . Ela respondeu: “ Está brincando?” . E ele: “ Ah,
não” , e apontou para o bebê no caldeirão. “ Vê o bêbe?” , e levantou
a corrente. Ele a fez dançar no chão da cozinha por mais de uma ho
ra. O pai o trouxe para me ver. Nunca conheci uma criança mais ma
nhosa. Finalmente, eu lhe disse: “ Sabe, não gosto de você e você não
gosta de mim, e você está falando com entonações que deliberada
mente me dão nos nervos. De modo que vou pedir para seu pai pegar
você, levá-lo para casa e encaminhá-lo para outro psiquiatra” . Que
ria bater naquela criança. Suas entonações eram perfeitas para irritar
as pessoas. Era um trabalho de arte que estava atirando em cima de
mim. Ele sabia o que estava fazendo. O pai me pediu para vê-lo de
novo. Não quis.
É difícil discernir sobre que base Erickson decide que não pode
tratar um a criança. Mas parece que ele precisa poder permanecer su
ficientemente distanciado das provocações da criança para trabalhar
efetivamente. Sem dúvida, a seleção não se baseia na gravidade do
problem a, ou no grau de sofrimento existente na situação familiar,
como ilustra o caso seguinte, de uma criança difícil.
Uma mãe veio me ver e queria que cuidasse do seu filho. Ela
disse: “ Ele é mentiroso, impostor, governa a casa com seus acessos
de raiva temperamentais. E tem a língua mais ferina que se pode ima
ginar” .
A mãe estava muito amargurada. Ela disse: “ Seu pai é um
pervertido sexual. Não conheço os detalhes de suas perversões. Uma
vez ou outra vai para a cama comigo, mas tem uma porção de per
versões solitárias. Ele usa roupa de mulher, minhas roupas, para
suas perversões. Penso que ejacula em minhas roupas, pois tenho
que levá-las ao tintureiro. De modo que não existe muito relaciona
mento entre o menino e o pai. O pai tem pavio curto e grita com
ele.
Ela afirmou que ele não estava disposto a vir me ver, mas que
ela havia dito que o traria à força, se necessário. Contou que já o
levara a outros médicos e que ele simplesmente ficava tendo seus ata
ques de raiva e os médicos não queriam lidar com ele.
Então ela o fez entrar. Era um menino encantador, com rosto
doce e voz macia. Ele disse: “ Suponho que minha mãe lhe contou
tudo sobre mim” .
Respondi: “ Ela me contou alguma coisa que sabe, mas não tu
do sobre você. Há uma porção de coisas sobre você que só você sa
be e ela não poderia me contar nenhuma dessas coisas solitárias. Fico
pensando se você vai me falar sobre essas coisas” .
Ele declarou: “ É provável que não” .
Eu disse: “ Vamos estabelecer uma coisa imediatamente. Eu pre
feria me sentar aqui e perder meu tempo não fazendo nada com vo
cê, em vez de me sentar aqui e ficar olhando você ter um ataque de
raiva no chão. Então, o que escolhe? Ataque de raiva no chão, va
mos nos sentar e deixar passar o tempo, ou vamos direto ao assun
to?” .
Respondeu: “ Não desse jeito” , e sorriu. “ Podemos desperdi
çar o tempo, podemos tratar do assunto e eu ainda posso ter meu
ataque de raiva” . Ele era um menino perspicaz e arguto.
Mas nunca teve um acesso de raiva comigo. Eu o fiz violentament bravo. Especialmente quando ele jogou bolas de lama e bom
bas de água na casa do vizinho. Pedi-lhe que descrevesse seu orgu
lho, seu contentamento, sua felicidade e seu triunfo quando esma
gou a bomba de água. Isto o enfureceu. Eu disse: “ Você está dispos
to a ter um acesso de raiva aqui; você nunca teve um, mas esta é uma
bela oportunidade. Agora, o que vai fazer, ter um ataque de raiva
ou me contar como se sentiu?” . Ele me contou como estava bravo.
Ele melhorou em casa e fez alguns amigos. Agora comporta-se
bem em casa e na escola e está gostando de ser produtivo. E ri de
seu comportamento anterior.
Erickson não tem um método preestabelecido. Sua abordagem
é orientada para a pessoa particular e sua situação, e ele acredita que
somente com a experiência pode-se saber o que fazer com uma criança
em especial. Uma parte de seu sucesso é determ inada pela tenacida
de com que trabalha com um paciente. Se um procedimento não dá
resultado, ele tenta outros até que um funcione. Ele também está dis
posto a am pliar o âm bito de sua atuação, ir até a casa do paciente
ou fazer qualquer outra coisa necessária para lidar com ele. O caso
seguinte ilustra sua disposição, assim como sua insistência em trab a
lhar com uma criança a seu próprio m odo, ao invés de fazê-lo ao
m odo dos pais.
Uma menina simpática, de nove anos, começou a fracassar nos
trabalhos escolares e a se esquivar dos contatos sociais. Quando ques
tionada, respondia com raiva e em lágrimas: “ Não consigo fazer na
da” .
Ela apresentara boa escolaridade nos anos anteriores, mas no
recreio era inapta, hesitante e desajeitada. Seus pais só se preocupa
vam com as notas e me pediram assistência psiquiátrica. Como a me
nina não viria ao consultório, eu a via todas as tardes em sua casa.
Fiquei sabendo que não gostava de determinadas meninas porque
elas estavam sempre jogando o jogo das pedrinhas ou bola, andando
de s k a te ou pulando corda. “ Elas nunca fazem nada divertido.”
Fiquei sabendo que ela tinha um jogo de pedrinhas e uma bola,
mas que “ jogava horrivelmente” . Baseado no fato de que a paralisia
havia aleijado meu braço direito, eu a desafiei, dizendo que “ podia
jogar horrivelmente pior” do que ela. O desafio foi aceito. Depois
de algumas tardes, uma saudável competitividade e uma ligação se
desenvolveram entre nós e foi relativamente fácil induzir nela um tran
se de leve a médio. Alguns dos jogos eram realizados em estado de
transe, outros em estado desperto. Em três semanas, ela se tornou
uma excelente jogadora, embora os pais estivessem altamente descon
tentes devido a minha aparente falta de interesse por suas dificulda
des escolares.
Depois de três semanas jogando pedrinhas, declarei que pode
ria ser pior com o s k a te do que ela, pois minha perna era aleijada.
O mesmo curso foi seguido; desta feita, ela levou somente duas se
manas para desenvolver uma razoável perícia. A seguir, foi desafia
da a pular corda e verificar se eventualmente poderia me ensinar esta
prática. Numa semana era uma perita.
Então eu a desafiei a andar de bicicleta, salientando que eu, na
verdade, poderia pedalar bem, como ela sabia. Audaciosamente, afir
mei que poderia vencê-la; somente sua convicção de que eu poderia
derrotá-la permitiu que aceitasse o desafio. No entanto, prometeu ten
tar com afinco. Ela ganhara uma bicicleta havia mais de seis meses
e não pedalara nem uma quadra.
Na hora marcada, ela apareceu com sua bicicleta, mas pediu:
“ Você tem que ser honesto e não me deixar ganhar. Tem que tentar
com afinco. Sei que pode pedalar rápido o suficiente para me derro
tar. Vou ficar observando-o para que não possa trapacear” .
Montei em minha bicicleta e ela seguiu na dela. O que ela não
sabia era que o uso das duas pernas para pedalar constitui uma séria
desvantagem para mim ao andar de bicicleta; comumente, só uso mi
nha perna esquerda. A menina me observava com suspeita, mas me
via pedalando laboriosamente com os dois pés, sem desenvolver mui
ta velocidade. Finalmente, convencida, ela me ultrapassou e ganhou
a corrida, para sua completa satisfação.
Foi nossa última entrevista terapêutica. Ela rapidamente se tor
nou apta a ser uma campeã estudantil de pedrinhas e a pular corda.
Seu trabalho escolar melhorou de modo similar.
Anos mais tarde, a menina me procurou para perguntar como
eu conseguira deixá-la brilhar na corrida de bicicleta. Aprender a jo
gar, pular corda e andar de s k a te haviam conseguido alentar imensa
mente seu ego, mas ela não pusera muita fé em todas essas realiza
ções devido a minhas desvantagens físicas. A corrida de bicicleta, no
entanto, era uma outra história. Explicou que sabia que eu era um
bom ciclista, que certamente poderia vencê-la e não tinha a inten
ção de entregar-lhe a corrida. O fato de ter me derrotado, embora
eu tivesse genuinamente tentado com afinco, a convenceu de que
“ podia fazer qualquer coisa” . Animada com esta convicção, passa
ra a encarar a escola, e tudo que esta oferecia, como um desafio
agradável.
Erickson está disposto a usar suas desvantagens físicas como
parte do procedimento terapêutico. M uitas vezes, a extensão dessa
desvantagem é subestimada: após seu primeiro ataque de pólio, quan
do tinha dezessete anos, ele fez sozinho um a viagem de dezesseis qui
lômetros de canoa para desenvolver sua força; e, depois do segundo
ataque, em 1952, realizou um a das mais difíceis caminhadas do A ri
zona com duas muletas.
Este caso da menininha oferece um método único de indução
de transe, denominado a “ indução de jogar pedrinhas” . Oferece tam
bém um retrato da disposição de Erickson para qualquer coisa que
julgue necessária para provocar uma mudança; se uma corrida de
bicicleta pela rua for apropriada, ele participará dela.
Também é típico de Erickson dar um jeito para que todos saiam
ganhando quando pais e filhos estão engajados num a luta em que
todos estão perdendo. Com freqüência, ele ajeita as coisas simples
mente desviando a luta e abordando a questão de modo diferente
com a criança, como no caso a seguir:
Foi-me trazido um menino que deveria estar na sétima série, mas
não conseguia ler. Os pais o forçavam a ler de todas as maneiras pos
síveis. Seus verões eram sempre arruinados por professores particu
lares. Ele reagia não lendo.
Comecei o trabalho com o menino dizendo: “ Penso que seus
pais são um tanto teimosos. Você sabe que não pode ler, eu sei que
não consegue ler. Seus pais o trouxeram aqui e insistem que eu lhe
ensine a ler. Aqui entre nós, vamos esquecer isto. Devo fazer alguma
coisa por você; portanto, vamos fazer alguma coisa de que você gos
te. Agora, do que você mais gosta?” . Ele respondeu: “ Todo verão
desejo ir pescar com meu pai” .
Perguntei-lhe onde seu pai pescava. Ele me disse que o pai, que
era um policial, pescava no Colorado, em Washington, na Califór
nia, e até mesmo planejava ir ao Alasca. Ele havia pescado ao longo
de toda linha da costa. Fiquei cogitando se ele conhecia os nomes das
cidades onde estavam localizados os locais de pesca. Conseguimos um
mapa do oeste e tentamos localizar as cidades. Não estávamos lendo
o mapa, apenas procurávamos os nomes das cidades. Você olha os
mapas, você não lê mapas.
Eu atrapalhava a localização de certas cidades, e ele tinha que
me corrigir. Eu tentava localizar uma cidade chamada Colorado
Springs e a procurava na Califórnia, e ele tinha que me corrigir. Mas
ele não estava lendo, estava me corrigindo. Rapidamente aprendeu
a localizar todas as cidades que nos interessavam. Não percebia que
estava lendo os nomes. Nós nos divertimos tanto olhando o mapa e
descobrindo os bons locais de pesca! Ele gostava de vir e discutir pei
xes e vários tipos de moscas usadas para pescar. Também procuráva
mos diferentes tipos de peixe na enciclopédia.
Perto do final de agosto, propus: “ Vamos pregar uma peça em
seus professores e em seus pais. Disseram-lhe que terá um teste de
leitura quando as aulas começarem. Seus pais vão ficar ansiosos a
respeito de como você vai se sair, e os professores também. Então,
pegue o livro da primeira série e, cuidadosamente, tropece na leitura.
Erre tudo. Melhore um pouquinho no livro de leitura da segunda sé
rie, e um pouco mais ainda no da terceira série. Então faça um belo
trabalho no da o ita v a série” . Ele achou que era uma peça maravilho
sa. Foi exatamente o que fez. Mais tarde, começou a gazetear aulas
e vinha me ver para contar sobre a aparência consternada de seus pais
e de seus professores.
Se ele tivesse lido corretamente o manual da primeira série, isso
seria um reconhecimento de fracasso de sua parte. Mas quando leu
mal e então ultrapassou o da sétima série lendo bem o da oitava, isto
fez dele um vencedor. Conseguiu confundir seu professor, deixar os
pais atônitos e ser reconhecido como vencedor.
Como a maior parte da terapia de Erickson é diretiva, uma parte
importante da arte é persuadir as pessoas a seguirem as diretivas. Uma
das muitas maneiras de levar as pessoas a fazerem o que se quer é
começar algo e então afastar-se. Ele descreve este procedimento des
te modo:
Faço certas coisas quando entrevisto um grupo familiar, um
casal ou uma mãe e um filho. As pessoas vêm em busca de ajuda,
mas também para verem confirmadas suas atitudes e para salvar
suas caras. Presto atenção a tudo isso, e falo de um modo que as
faz pensar que estou do seu lado. Então, desvio por uma tangente
que podem aceitar, mas isto as deixa hesitantes, impacientes, com
expectativas. Têm que admitir que minha digressão foi boa, perfei
tamente correta, mas não esperavam que a fizesse daquel modo.
Ficam numa posição desagradável e desejam alguma solução para
o assunto, que eu propositadamente deixei à beira de um entendi
mento. Como desejam a solução, é mais provável que aceitem o
que digo. Estão muito ansiosas por uma declaração decisiva. Se
eu fornecesse a diretiva imediatamente, eles poderiam levantar a
questão. Mas como faço um desvio, esperam que eu volte, e acolhem
bem uma declaração decisiva.
Erickson ilustra esta estratégia com dois casos, ambos envol
vendo meninos de doze anos.
Johnny foi levado a Erickson pela mãe porque molhava a ca
m a todas as noites. A mãe queria ajudá-lo a resolver o problema,
mas o pai não. O pai era um homem duro e frio, que acusava a es
posa de “ mimar muito o pirralho” . Q uando o filho se aproximava
do pai, era em purrado para um lado. A reação fundamental do me
nino era: “ Quero o am or de meu pai, ele não me dá, mamãe sempre
aparece e torna desnecessário ele dar” . O menino lembrava que, desde
que ele era bem pequeno, o pai dizia que toda criança molha a ca
ma, nada de anorm al, ele mesmo m olhara a cama até o final da ado
lescência. A mãe, naturalm ente, estava cheia das camas molhadas
e queria que algo fosse feito. Erickson relata:
Tive uma entrevista com o pai para avaliá-lo. Era um homem
de voz forte, que andava pelo consultório e falava como se estivesse
a um quilômetro de distância. Perguntou-me se não sabia que todos
os garotos molhavam a cama até por volta dos dezesseis anos. Isto
é o que ele havia feito, o que seu pai havia feito, o que certamente
eu teria feito, e a verdade era que qualquer outro garoto crescia deste
modo. Que absurdo era esse de curar o menino? Deixei que ele me
explicasse tudo. Ele gostou da entrevista e me apertou a mão. Disse
que estava encantado de ter um ouvinte tão inteligente.
Quando a mãe e o menino entraram juntos, a mulher disse:
“ Meu marido me contou que lhe explicou as coisas” . Eu respondi:
“ Sim, está correto, ele explicou longamente” . Sua expressão facial
dizia: “ Sim, eu sei” . O filho tinha uma expressão magoada no rosto.
Eu lhes disse: “ Quanto ao que me diz respeito, vou esquecer o que
ele disse. Vocês não precisam fazê-lo, mas também, sem dúvida, não
estavam presentes, têm apenas algumas idéias do que ele disse. Vou
esquecer porque as idéias que você, sua mãe e eu temos são impor
tantes. São as idéias que eu e você teiAos, e as que Johnny tem, que
são importantes” .
E facil perceber o que isto acarreta. Primeiro me ligo a Johnny,
e então o ligo ao que o cerca, mas de maneira diferente. Primeiro
me alio a Johnny, então tenho a mãe como aliada. Johnny vai ficar
do meu lado porque vou esquecer o que o pai disse, e Johnny gosta
ria de esquecer isto. Então ligo a mãe a mim fazendo com que se tor
ne minha aliada esquecendo o que o pai falou. Isto coloca o pai de
lado, mas sem hostilidade. Eu o escutei, eles sabem. O pai foi para
casa e contou a eles. Estou só esquecendo o que ele disse, sem nenhu
ma raiva específica ou sofrimento. O pai não podia ser incluído no
tratamento por causa de suas opiniões peremptórias, de modo que
precisava ser deixado de lado na questão.
Enquanto avaliava a situação com a mãe e o menino, tornou-se
patente que Johnny antagonizava a mãe na questão de molhar a ca
ma. Ele estava bravo e lutava com ela em torno do assunto. Disse
a Johnny que tinha um remédio para ele, mas que não iria gostar.
Seria um remédio eficiente, totalmente proveitoso, absolutamente ade
quado para superar seu problema, porém ele não iria gostar — mas
a m ã e é que não iria gostar mesmo. Ora, o que podia Johnny fazer?
Se a mãe ia gostar menos ainda do que ele, então estava bem. Ele
podia agüentar qualquer coisa que fizesse a mãe sofrer mais.
Minha proposta para Johnny era bem simples. A mãe deveria
se levantar às quatro ou cinco horas da manhã e, se sua cama estives
se molhada, ela poderia acordá-lo. Ela não teria que acordá-lo se a
cama estivesse seca. No entanto, se a cama estivesse molhada e ela
o acordasse, ele deveria se levantar, se sentar na escrivaninha e co
piar quantas páginas de livro quisesse. Poderia reservar o período das
quatro às sete da manhã, ou das cinco às sete, para copiar suas maté
rias. Sua mãe deveria observá-lo fazer isto, para melhorar sua letra.
A caligrafia do menino era realmente terrível e precisava melhorar.
Para Johnny parecia horrível levantar às quatro ou cinco da ma
nhã — mas a mãe teria que se levantar primeiro. Parecia desagradá
vel ter a mãe sentada olhando enquanto exercitava sua letra, mas ele
só teria que fazer isso nas manhãs em que a cama estivesse molhada.
Nada mais desagradável do que levantar de madrugada — para me
lhorar a caligrafia.
Eles iniciaram o procedimento, e em pouco tempo Johnny não
molhava mais a cama todas as manhãs; começou a pular algumas ma
nhãs. Logo a cama aparecia molhada só duas vezes por semana. A
mãe continuava tendo de levantar cedo e verificar.
Finalmente, a cama passou a ficar molhada uma vez por mês,
então Johnny se reorientou inteiramente. Travou as primeiras ami
zades de sua vida. Era verão, e os garotos vieram brincar com ele,
e ele foi brincar com os garotos. No semestre seguinte, suas notas me
lhoraram muito. Foi sua primeira realização real.
Ora, todo procedimento foi um jogo da mãe contra o filho e
do filho contra a mãe. É uma idéia assim simples: “ Tenho um remé
dio para você, mas não vai gostar” . Então fiz uma digressão sobre
o fato de que a mãe iria odiar o remédio ainda mais. Johnny queria
que eu chegasse a dizer qual era o remédio. Mobilizou-se inteiramen
te para a aceitação. A melhora na caligrafia se tornou o objetivo pri
mordial, a cama seca era acidental, uma coisa mais ou menos aceita.
Não era mais a questão dominante, ameaçadora, à mão.
Percebendo que o filho melhorava sua caligrafia, a mãe podia
se orgulhar das realizações dele. O filho poderia se orgulhar. Quan-
i
do os dois trouxeram o caderno de caligrafia para me mostrar, eram
apenas um menino e uma mãe ansiosos por me mostrar uma bela ca
ligrafia. Eu pude examiná-lo, página após página, e apontar esta le
tra “ n ” , esta letra “ g” , esta letra “ t” , e discutir a beleza do traço.
Como Johnny mantém a cama seca, o pai joga bola com ele
— volta mais cedo do escritório. A resposta do pai quando o menino
parou de molhar a cama foi surpreendentemente complementar. Ele
disse ao menino: “ Você aprendeu a ficar com a cama seca mais rápi
do do que eu; deve ser porque é muito mais esperto do que eu” . Ele
podia se permitir ser muito generoso. Tinha me dito todas as verda
des. Além disso, não fora o psiquiatra que solucionara o problema
do filho, fora o poder mental superior que ele atribuía ao filho. Na
família, o fato se tornou uma realização conjunta, abençoada pelo
pai; e o menino conseguiu o reconhecimento e a aceitação do pai.
Qualquer que seja o sintoma, quer seja molhar a cama ou al
gum outro problem a infantil, há comumente um adulto que está superenvolvido com a criança, e o terapeuta desembaraça um do ou
tro. No caso acima, foi dada uma tarefa à mãe e outra à criança,
e isto os forçou a se desprenderem. No caso seguinte, um problem a
exasperante foi aliviado por tarefas dadas ao menino e ao pai.
Durante dois anos, um menino de doze anos cutucava uma fe
rida, uma espinha, na testa, e ela havia se tornado uma contínua ulceração. O pai e a mãe haviam esgotado todas as maneiras de puni
ção para impedi-lo de coçar a ferida. Os professores e colegas de es
cola haviam tentado reformá-lo. Médicos haviam-lhe falado sobre o
câncer, posto bandagens e tampado a ferida, e feito tudo o que po
diam fazer para que ele não a tocasse. O menino conseguia enfiar o
dedo sob o curativo e cutucar a ferida. Explicava que não conseguia
controlar o impulso.
A mãe e o pai haviam feito o possível para conseguir que o me
nino parasse, mas discordavam quanto ao valor da punição. O pai
chegou ao extremo de privar o menino de todos os brinquedos; havia
vendido sua bicicleta e quebrado seu arco e flecha.
Finalmente, os pais trouxeram o menino para me ver. Ti
ve uma entrevista com a mãe, para descobrir alguma coisa sobre
a situação familiar, de modo a poder escolher alguma coisa sobre a
qual trabalhar. Fiquei conhecendo os valores e os deveres da casa,
incluindo o fato de que o menino era obrigado a prestar pequenos
serviços. Cuidava do amplo gramado e do jardim da casa. Fiquei
sabendo também que a mãe tendia a ficar do lado do menino, e
que ele estava bravo com o pai por vários castigos, em particular
pela quebra do seu arco e flecha. Também descobri que o menino
tinha um problema de grafia; quando escrevia comia letras das pa-
lavras. Gosto de ver o trabalho escolar de uma criança para verificar
o que está lá.
Tive uma entrevista com o menino e com o pai, juntos, e enfo
quei imediatamente a definição de propriedade. Tomei o arco e a fle
cha como tema. De quem eram? O pai admitiu que pertenciam ao
menino; ele os ganhara num aniversário. Então perguntei como uma
úlcera deveria ser tratada. Concordamos que deveria ser tratada com
bandagens e medicamentos de vários tipos. Perguntei como se pode
ria usar um arco e flecha para tratá-la. Como quebrar um arco e uma
flecha tratara a úlcera? O pai ficou muito embaraçado e o filho o
fitava com olhos apertados. Depois dessa discussão em que o pai fi
cou ruborizado e se contorceu um pouco, virei-me para o menino e
perguntei se não achava que devia ao menos creditar ao pai boas in
tenções, a despeito de seu comportamento estúpido. Ambos tiveram
que aceitar aquela declaração. Deste modo, o menino podia chamar
o comportamento do pai de estúpido, mas, ao fazê-lo, estaria tam
bém dando-lhe um crédito por ser bem-intencionado.
Então perguntei quanto tempo deveríamos discutir os medica
mentos que não haviam funcionado. Ou podíamos esquecê-los? Eu
disse: “ Você os tem tomado por dois anos. Todos os remédios, des
de a quebra do arco e da flecha até a venda da bicicleta, não deram
certo. O que devemos fazer?” . O menino sugeriu que eu me encarre
gasse da questão.
Eu lhe disse: “ Certo, eu me encarregarei. Mas você não vai gos
tar do modo como vou conduzi-la. Porque vou fazer algo que vai lim
par a úlcera. Você não vai gostar nem um pouco; só vai gostar de
que a úlcera sare — disso você vai gostar de verdade” . Disse-lhe que
queria que dedicasse todos os fins de semana à cura da ferida em sua
testa — e n q u a n to o p a i fa r ia o s tra b a lh in h o s d e f i m d e se m a n a p a ra
ele. O menino lançou um olhar triunfante para mim e para o pai.
Continuamos conversando sobre a faina doméstica e discutimos
o corte da grama, como varrer o gramado com o ancinho, como lim
par a sujeira do cachorro, semear o jardim e todo o resto. Perguntei
quem inspecionava o gramado quando o menino aparava a grama.
O pai inspecionava o trabalho. Eu disse: “ Bem, sábado, nos interva
los de seu trabalho de curar sua úlcera, porque não pode trabalhar
nela sem parar, você pode sair e inspecionar como seu pai está execu
tando as tarefas” .
Neste ponto, o menino estava muito curioso a respeito do que
faria no fim de semana para curar sua úlcera, e eu comecei o procedi
mento de digressão. De uma maneira um tanto lenta, irritante, pro
longada, emaranhada, ofereci-lhe um plano terapêutico. Quando agi
mos assim, o paciente inclina-se a desejar que cheguemos ao fim de
tudo aquilo — ele quer saber o que, afinal, terá de fazer. Dá valor
ao cuidado deliberado que tomamos em nossa apresentação. Sabe que
V
não vamos empurrar as coisas para cima dele. E fica esperando que
cheguemos ao que importa, e quando, finalmente, o fazemos, ele es
tá motivado para aceitar o plano.
Disse ao menino: “ Descobri que sua ortografia é muito ruim.
Sua ortografia é fraca porque, quando escreve uma palavra, você em
geral deixa letras de fora” .
Então, continuei: “ Penso que deve começar a curar sua úlcera
no sábado de manhã, mais ou menos às seis horas. Você sabe que
levará as coisas muito mais a sério se se levantar cedo para fazê-las,
porque este é um negócio muito sério. Naturalmente, se acordar às
cinco para as seis, pode muito bem começar ao invés de esperar as
seis horas. Ou, se forem seis e cinco, pode começar — que diferença
fazem cinco minutos?” .
E prossegui: “ Agora, você pode escrever com a caneta, ou com
um lápis. Alguns lápis são coloridos, mas o lápis comum serve. Você
pode usar caneta tinteiro, mas uma caneta esferográfica também ser
ve. Acredito que papel comum seria o melhor. Poderia ser deste ta
manho, ou um pouco maior, mais ou menos deste tamanho. Penso
que seu pai pode providenciar papel suficientemente grande” .
Finalmente, disse-lhe o que ele estava curioso por ouvir: “ Esta
é a frase que deve escrever: ‘Não acho uma boa idéia cutucar a ferida
em minha testa” ’. Repeti a frase lentamente e com cuidado, dizen
do: “ Agora, escreva devagar, escreva ordenadamente, cuidadosamen
te. Conte cada linha quando tiver escrito. Então escreva de novo a
frase, vagarosa e cuidadosamente. Sempre verifique cada linha e ca
da palavra, porque você não vai querer deixar nenhuma letra de fo
ra. Você não quer deixar de fora nenhuma pequena parcela da cura
que ocorrerá numa úlcera como essa” .
Disse-lhe que não sabia quanto tempo a úlcera levaria para sa
rar. Acreditava que, como a conservava por dois anos inteiros, real
mente deveria levar um mês. Ele poderia examiná-la ao espelho, a
cada três ou quatro dias. Assim, conseguiria descobrir quando tives
se sarado. Talvez ele quisesse escrever durante mais um fim de semana depois que ela tivesse sarado.
Ele deveria começar às seis da manhã e tomar o desjejum mais
tarde. Disse à mãe, em particular, que levasse um bom tempo para
lhe servir o café da manhã, de modo que ele pudesse descansar um
pouco. A cada duas horas, poderia fazer um intervalo para um lan
che — constituído essencialmente por um suco de frutas — ou para
tomar água.
Então poderia inspecionar o trabalho do pai nas tarefas domés
ticas e voltar a escrever. Expliquei que a mão ficaria dolorida no fi
nal da primeira manhã. E o que ele deveria fazer? Salientei que nos
intervalos deveria abrir e fechar a mão rapidamente, para relaxar os
músculos. Isto aumentaria a fadiga, mas manteria os músculos flexí-
.
veis. Disse que acreditava que, depois do jantar, ele realmente deve
ria ficar livre do trabalho do dia. Na verdade, eu não me importaria
se ele parasse às quatro da tarde. Ao tornar o horário de encerramen
to um tema indiferente para mim, retirei o aspecto punitivo.
O menino escreveu o dia inteiro, no sábado e no domingo; to
dos os fins de semana. Recebi uma imensa pilha de papéis contendo
a frase — tudo escrito com orgulho e contentamento. O pai não pre
cisava instigá-lo, e tanto ele quanto a mãe estavam surpresos com o
orgulho que o menino sentia com sua caligrafia. A sentença, mil ve
zes escrita, foi lindamente executada. Deixei claro aos pais que a ins
peção da caligrafia era de minha competência. Se ele quisesse mos
trar aos pais, tudo bem, mas eu era o inspetor. Eu examinava cada
página. Disse ao menino que deveria dar uma olhada rápida, apres
sada, em cada página, e perguntei se havia alguma à qual eu deveria
prestar mais atenção. Deste modo, ele me absolveu do exame rápido.
Quanto mais escrevia, mais justificativas tinha para inspecio
nar o trabalho do pai. Quanto mais escrevia, mais caprichado ficava
o que escrevia. Todos os dados estavam voltados para o progresso.
Com este método, fiz com ele deixasse de cutucar compulsivamente
a ferida e o obriguei a escrever compulsivamente, com capricho, algo
do que poderia ter um enorme orgulho.
O pai comentou: “ Eu sabia o que tinha que fazer. Fiz um belo
trabalho naquele gramado” . O menino sentia o maior prazer ao des
cobrir uma folha sobre a grama. O pai cuidou de todo o gramado
e do jardim, consertou a cerca, fez todas as tarefas, e o menino escre
veu sua frase.
Num mês a úlcera estava curada. Um ano mais tarde, não ha
via voltado. Daquela úlcera crônica, indolente, horrível, não havia
nem mesmo uma cicatriz.
Coloquei a pilha de papel escrita pelo menino no meu arquivo
e perguntei-lhe por quanto tempo deveria guardá-la. Enchia comple
tamente um arquivo. Ele respondeu que acreditava que eu gostaria
de guardá-la durante alguns meses. Perguntei-lhe o que deveria fazer
depois. Ele respondeu: “ Ah, a esta altura será somente um monte
de papel usado” .
Nestes casos, Erickson não lida diretamente com o conflito en
tre os pais sobre como se conduzir com a criança, como faz algumas
vezes. A respeito da questão de um a criança ser usada num a guerra
entre os pais, ele comenta: “ Q uando você corrige ou cura a criança,
os pais ficam com um filho que não lhes é familiar. Então retornam
à sua guerra privada sem incluir a criança. Ela se tornou um estra
nho agora, e um estranho m uito auto-suficiente” .
Em bora Erickson brinque com as crianças e com freqüência
se junte a elas contra o m undo adulto, ele de m odo algum acre
dita num a educação “ permissiva” . Ele trabalhará com os pais para
ensiná-los a brincar com os filhos e impedirá que eles sejam muito
severos e apliquem punições fúteis. Mas também fará os pais estabe
lecerem limites firmes. Quando uma criança está se comportando mal,
Erickson não a ajuda a entender as razões de seu com portamento;
ele dá um jeito de levá-la a se com portar mais adequadamente. Mui
tas vezes suas idéias parecem antiquadas. Por exemplo, se uma criança
não quer comer seu desjejum e a mãe está aborrecida, Erickson lhe
ensinará um procedimento para resolver o caso. F ará com que ela
prepare um bom desjejum, e, se a criança não comer, então a mãe
deverá colocá-lo na geladeira. Na hora do almoço, ela deve retirar
o desjejum e oferecê-lo. Se a criança não come, ela voltará a lhe ofe
recer a mesma refeição no jan tar, e continuará com isso até que a
criança coma.
Mesmo quando lida com crianças gravemente perturbadas, co
mo uma criança autista, Erickson não as aborda como crianças que
necessitam de am or, mas como crianças que têm mais poder do que
conseguem agüentar. Ele acredita que a insegurança da criança pode
advir de uma incerteza sobre os limites que lhe são impostos, e a téc
nica terapêutica é reforçar os limites. O problem a é conseguir que os
pais estabeleçam os limites, evitando que um estranho, como o tera
peuta infantil, tenha de fazê-lo. Com problem as.infantis, seu enfo
que recai sobre a situação familiar, tanto quanto sobre a criança.
Um dos procedimentos de Erickson usados com crianças que
têm problemas de com portam ento é ilustrado no caso a seguir.
Uma mãe de vinte e sete anos começou a ter sérias dificuldades
com seu filho de oito anos, que, progressivamente, se tornava mais
rebelde e parecia encontrar, diariamente, um novo modo de desafiála. A mãe se divorciara do marido havia dois anos, por razões justas,
reconhecidas por todos os envolvidos. Além daquele filho, tinha duas
filhas, de nove e seis anos. Depois de alguns meses de encontros oca
sionais com homens, na esperança de um casamento, ela descobriu
que o filho se tornara rebelde e um problema inesperado. A filha mais
velha havia, durante um breve período, se juntado a ele na rebelião.
A mãe conseguia corrigir a filha através de medidas costumeiras de
disciplina: ficar brava, gritar, ralhar, ameaçar e, então, uma boa sur
ra seguida de uma discussão inteligente, razoável e objetiva com a
criança. Tudo isto, no passado, havia sido efetivo com as crianças.
No entanto, o filho, Joe, se recusava a reagir a suas medidas usuais,
mesmo quando acrescentou repetidos espancamentos, privações, lá
grimas, e recrutou a ajuda da família. Joe simplesmente declarava,
muito feliz e alegre, que faria o que quisesse, e que nada, nada mes
mo, poderia impedi-lo.
O comportamento do filho se estendeu para a escola e para a
vizinhança, e, literalmente, nada estava a salvo de suas depredações.
A propriedade escolar foi destruída, os professores desafiados, os co
legas assaltados; as vidraças dos vizinhos foram quebradas e os can
teiros de flores destruídos. Os vizinhos e professores que tentaram
encarregar-se do assunto conseguiram intimidar a criança, mas nada
mais. Finalmente, o menino começou a destruir coisas de valor em
casa, especialmente quando a mãe estava dormindo. Na manhã se
guinte, ele a enfurecia negando com a cara mais lavada qualquer culpa.
Esta última má ação fez com que a mãe trouxesse a criança pa
ra um tratamento. Enquanto a mãe relatava a história, Joe a escuta
va com um sorriso amplo e triunfante. Quando ela terminou, ele de
clarou, com bazófia, que eu não poderia fazer nada para detê-lo, que
continuaria a fazer o que quisesse. Assegurei-lhe, grave e seriamen
te, que não precisaria fazer nada para modificar seu comportamen
to, porque ele era um menino bom, grande, forte e muito esperto,
e teria de modificar seu comportamento por si mesmo. Assegurei-lhe
que a mãe faria tudo para dar a ele uma chance de mudar seu com
portamento “ por si mesmo” . Joe recebeu esta declaração com incre
dulidade e zombaria. Informei a ele que ensinaria à mãe pequenas
coisas que poderia fazer para que ele mesmo pudesse mudar seu com
portamento, e o mandei para fora da sala. Também o desafiei, de
maneira delicada, a imaginar o que poderiam ser aquelas pequenas
coisas. Isto serviu para deixá-lo confuso e num comportamento re
flexivo silencioso enquanto esperava a mãe.
Sozinho com a mãe, discuti a necessidade do menino de ter um
mundo no qual pudesse estar certo de que havia alguém mais forte
e poderoso que ele. Até o momento, o filho havia demonstrado, com
crescente desespero, que o mundo era tão inseguro que a única pes
soa forte nele era ele mesmo, um menininho de oito anos. A seguir,
dei a ela instruções cuidadosamente claras para suas atividades nos
dois dias seguintes.
Quando, mais tarde, deixaram o consultório, o menino desafiadoramente perguntou se eu recomendara espancamentos. Assegureilhe que nenhuma medida seria tomada, exceto dar-lhe ampla oportu
nidade de mudar seu próprio comportamento; ninguém mais iria
mudá-lo. Esta resposta o deixou perplexo. No caminho para casa,
a mãe administrou-lhe severas punições corporais para fazer com que
ele a deixasse dirigir com segurança. Esta má conduta havia sido an
tecipada; e ela havia sido aconselhada a lidar sumariamente com a
situação e a não argumentar. A noite transcorreu da maneira usual,
e o menino recebeu permissão para ver televisão como desejava.
Na manhã seguinte, os avós vieram buscar as duas meninas. Joe,
que havia planejado ir nadar, pediu seu desjejum. Ficou muito intri
gado quando viu a mãe levar para a sala alguns sanduíches embru
lhados, fruta, garrafas térmicas com suco de frutas, café e algumas toa
lhas. Ela colocou todas essas coisas seguramente num sofá, ao lado do
telefone e de alguns livros. Joe pediu que preparasse seu desjejum sem
demora, ameaçando destruir a primeira coisa em que pudesse colocar
suas mãos se ela não andasse logo. A mãe simplesmente sorriu para
ele, agarrou-o, jogou-o no chão de barriga para baixo e sentou-se com
todo o seu peso em cima dele. Quando ele começou a berrar que saísse
de cima, ela disse que já tomara café da manhã e não tinha mais nada
a fazer, a não ser ficar pensando a respeito de modos de modificar o
comportamento dele. No entanto, salientou que realmente não conhe
cia nenhuma maneira de fazê-lo. Por isso, tudo ficaria por conta dele.
O menino lutou furiosamente contra o peso, a força e a destre
za atenta da mãe. Ele berrou, gritou, proferiu impropérios e obsceni
dades, soluçou e finalmente prometeu, num queixume, ser sempre um
bom menino. A mãe respondeu que sua promessa não significava na
da, porque ela ainda não tivera nenhuma idéia de como poderia mo
dificar seu comportamento. Isto provocou nele outro acesso de rai
va, que finalmente parou e foi seguido por um pedido urgente de ir
ao banheiro. A mãe lhe explicou, gentilmente, que ainda não encer
rara sua reflexão; ofereceü-lhe uma toalha para se limpar, caso ficas
se muito molhado. Isto provocou mais um pouco de luta selvagem,
que rapidamente o deixou exaurido. A mãe aproveitou o sossego pa
ra dar um telefonema para sua mãe. Enquanto Joe escutava, ela ex
plicou, casualmente, que ainda não chegara a nenhuma conclusão em
sua reflexão, e que realmente acreditava que qualquer mudança no
comportamento do menino teria de partir dele. O filho saudou esta
declaração com o grito mais forte que foi capaz de emitir. A mãe co
mentou ao telefone que Joe estava muito ocupado gritando para pen
sar a respeito da mudança de comportamento e colocou o bocal per
to da boca de Joe, para que pudesse gritar nele.
Joe caiu num silêncio taciturno, alquebrado por repentinas agi
tações de esforço violento, gritos, exigências e soluços interrompidos
por apelos lamurientos. A tudo isto, a mãe dava as mesmas respostas
brandas e oportunas. Enquanto o tempo passava, a mãe se serviu do
café, suco de fruta, comeu os sanduíches e leu um livro. Um pouco
antes do meio-dia, o menino polidamente disse à mãe que ele real
mente precisava ir ao banheiro. Ela confessou uma necessidade simi
lar. E explicou que isto seria possível se ele concordasse em voltar,
reassumir sua posição no chão e deixar que se sentasse confortavel
mente em cima dele. Após algum choro, ele concordou. Cumpriu sua
promessa, mas quase imediatamente se lançou numa renovada ativi
dade violenta para desalojá-la. Cada vez que chegava perto de conse
guir, empreendia um esforço maior, o que o exauria ainda mais. En
quanto descansava, a mãe comia uma fruta e tomava café, dava um
telefonema fortuito e lia um livro.
Após mais de cinco horas, Joe capitulou, afirmando simples e
humildemente que faria qualquer coisa que ela mandasse. A mãe re
plicou, simples e seriamente, que toda a sua reflexão havia sido em
vão; ela não sabia mesmo o que lhe dizer para fazer. Ele explodiu
em lágrimas, mas logo depois, soluçando, declarou que sabia o que
fazer. Ela comentou, com seriedade, que ficava muito contente com
isso, mas que não acreditava que ele tivesse tido tempo suficiente pa
ra pensar bastante sobre o assunto. Talvez mais uma hora ou duas
de reflexão pudessem ajudar. Joe, silenciosamente, esperou a hora
passar, enquanto a mãe continuava sentada e lia calmamente. Quan
do mais de uma hora havia decorrido, ela fez um comentário sobre
a hora, mas expressou o desejo de terminar o capítulo. Joe suspirou
com sobressaltos e soluçou silenciosamente para si mesmo, enquanto
a mãe terminava sua leitura.
Quando finalmente acabou o capítulo, a mãe se levantou, e Joe
fez o mesmo. Ele, timidamente, pediu alguma coisa para comer. A
mãe explicou, com detalhes elaborados, que era muito tarde para al
moçar, que o desjejum era sempre comido antes do almoço, e que
portanto era muito tarde para servir o café da manhã. Sugeriu que
ele tomasse um copo de água gelada e descansasse, confortavelmen
te, em sua cama, pelo resto da tarde.
Joe adormeceu rapidamente e acordou com o odor de alimen
tos de que gostava. As irmãs haviam voltado, e ele tentou juntar-se
a elas na mesa para o jantar.
A mãe lhe explicou, grave, simples, e com detalhes lúcidos, que
era costume primeiro tomar o café da manhã, e então almoçar e de
pois jantar. Infelizmente, ele havia perdido o desjejum, por isso tive
ra que perder o almoço. Agora ele teria que perder o jantar, mas,
felizmente, ele iniciaria um novo dia na manhã seguinte. Joe voltou
para o quarto e chorou até adormecer. Naquela noite, a mãe teve um
sono leve, mas Joe só se levantou quando ela já estava preparando
o café da manhã.
Joe entrou na cozinha com as irmãs para tomar o desjejum
e se sentou alegremente, enquanto a mãe servia panquecas e salsi
chas para as meninas. No lugar de Joe estava uma tigela grande.
A mãe explicou que tinha preparado para ele um desjejum extraespecial de mingau de aveia, alimento de que ele não gostava muito.
Lágrimas surgiram em seus olhos, mas ele agradeceu-lhe o serviço,
como era costume na família, e comeu vorazmente. A mãe explicou
que havia cozido uma quantidade extra, de modo que ele podia se
servir uma segunda vez. E, jovialmente, também expressou sua es
perança de que sobrasse alguma coisa para satisfazer a fome do me
nino na hora do almoço. Joe comeu corajosamente para impedir
aquela possibilidade, mas a mãe havia cozinhado uma quantidade
realmente notável.
Após o desjejum, sem ninguém mandar, Joe começou a arru
mar seu quarto. Feito isto, perguntou à mãe se poderia ir conversar
com os vizinhos. Ela não tinha idéia do que ele queria, mas deu-lhe
permissão. Por detrás das cortinas da janela, ela viu o filho se dirigir
para a casa do vizinho ao lado e tocar a campainha. Quando a porta
foi aberta, ele aparentemente conversou rapidamente com o vizinho
e continuou caminhando rua acima. Mais tarde, ficou sabendo que
aquele menino, que sistematicamente aterrorizava a vizinhança, pe
dira desculpas e prometera que voltaria, o mais rápido que pudesse,
para fazer reparos. Ele explicou que levaria bastante tempo para des
fazer todas as más ações que praticara.
Joe voltou para casa para almoçar, comeu o mingau de aveia
duro e frio, cortado em fatias grossas, ajudou voluntariamente a en
xugar a louça e passou a tarde e a noite com seus livros de escola,
enquanto as irmãs assistiam televisão. A refeição da noite era farta,
mas consistia em restos, que Joe comeu silenciosamente, sem comen
tários. Na hora de dormir, foi sozinho para a cama, enquanto as ir
mãs esperavam que a mãe, como sempre, insistisse.
No dia seguinte, Joe foi para a escola, onde se desculpou e fez
promessas. Desculpas e promessas foram aceitas com desconfiança.
Naquela noite, ele se envolveu numa típica briga de crianças com a
irmã mais velha, que gritou pela mãe. Quando esta entrou na sala,
Joe começou a tremer visivelmente. A mãe mandou que os dois se
sentassem e que a irmã expusesse o caso em primeiro lugar. Quando
foi sua vez de falar, Joe disse que concordava com a irmã. A mãe
então lhe explicou que esperava que ele fosse um menino normal de
oito anos e que se metesse em confusões, como um menino qualquer
de oito anos. Então chamou a atenção dos dois para o fato de que
a briga deles não tinha valor algum, e por isso devia ser posta de la
do. Ambos concordaram.
Educar a mãe de Joe, para capacitá-la a lidar com o problema
do filho seguindo as instruções, não foi uma tarefa fácil. Ela tinha
diploma universitário, era uma mulher muito inteligente, com um pas
sado de interesses e responsabilidades sociais e comunitárias. Na en
trevista, solicitei a ela que descrevesse, o mais completamente possí
vel, o estrago que Joe havia feito na escola e na comunidade. Com
essa descrição, o dano dolorosamente aumentou em sua mente. (As
plantas na verdade crescem de novo, vidraças quebradas e vestidos
rasgados podem ser substituídos, mas este conforto não foi admitido
em sua revisão.)
A seguir, pedi a ela que descrevesse Joe “ como ele era antes”
— uma criança razoavelmente feliz, bem-comportada e, na verdade,
decididamente brilhante. Solicitei-lhe, diversas vezes, que fizesse com
parações entre o comportamento passado e o presente, cada vez mais
sumariamente, mas com um maior relevo dos pontos essenciais. En
tão, pedi a ela que especulasse sobre o provável futuro de Joe, tanto
“ como era antes” quanto “ como era bem possível” agora, à luz de
seu comportamento presente. Ofereci sugestões úteis para ajudá-la
a esboçar “ prováveis retratos do futuro” agudamente contrastantes.
Depois desta discussão, aconselhei-a a pensar em todas as alter
nativas do que poderia fazer no fim de semana e o tipo de papel que
deveria assumir com Joe. Como ela não sabia, ficou numa posição
totalmente passiva, de modo que pude oferecer meus planos. Utilizei
a hostilidade e os ressentimentos reprimidos e culposos em relação
ao filho, e o mau comportamento dele. Cada esforço era feito no sen
tido de redirigir os dois a uma vigilância deliberada, capaz de frus
trar o filho em suas tentativas de reafirmar seu sentido de inseguran
ça e provar que ela era ineficiente.
A aparentemente justificável afirmação da mãe de que seu peso
era muito grande para ser colocado em cima de um menino de oito
anos foi um dos fatores principais para conseguir sua plena coopera
ção. No início, este argumento foi cuidadosamente evitado. A mãe
foi levada a descartar sistematicamente todas as suas objeções a meus
planos através do argumento, aparentemente indiscutível, de que seu
peso era muito grande para o menino. Quando ela se entrincheirou
em sua defesa, uma cuidadosa discussão ajudou-a a querer, cada vez
mais, fazer as várias coisas que eu esboçara como possibilidades para
todo o fim de semana.
Quando me pareceu que a mãe havia atingido o grau adequado
de prontidão emocional, a questão de seu peso foi levantada. Asse
gurei-lhe que não precisava de nenhuma opinião médica, e que apren
deria com o filho, no dia seguinte, que seu peso seria irrelevante para
ele. De fato, ela teria que usar toda a sua força, habilidade e estado
de alerta, além de seu peso, para dominar a situação. Ela poderia até
mesmo perder o embate devido à insuficiência de seu peso. (A mãe
não podia analisar o significado constritivo desse argumento, apre
sentado a ela de modo tão simples. Foi colocada na posição de tentar
provar que seu peso era realmente demasiado. Para provar isto, pre
cisaria da cooperação do filho, e eu tinha certeza de que a agressivi
dade do menino impediria qualquer submissão passiva ao peso da mãe.
Deste modo, a mãe seria ensinada, pelo filho, a não levar em conta
suas objeções às minhas sugestões, e sua aceitação seria confirmada
pela própria violência do comportamento dele.) Como a mãe expli
cou mais tarde: “ O modo como aquele potro chucro escoiceante me
atirava para todos os lados! Eu percebia que tinha que me empenhar
seriamente para conservar meu lugar. Tornou-se simplesmente uma
questão de saber quem era mais esperto, e eu sabia que tinha um ser
viço real a fazer. Então comecei a sentir prazer quando antecipava
ou ia de encontro aos seus movimentos. Era quase como um jogo de
xadrez. Com certeza, aprendi a admirar e respeitar sua determina
ção, e tive uma enorme satisfação ao frustrá-lo tão completamente
quanto ele havia me frustrado.
“ Tive um imenso trabalho. Quando voltou do banheiro e co
meçou a se deitar no chão, ele me olhou de uma tal maneira que tive
vontade de tomá-lo em meus braços. Mas lembrei-me do que você
havia dito, que não devia aceitar sua rendição por piedade, mas so
mente quando a questão estivesse resolvida. Foi quando fiquei sabendo
que havia vencido, de modo que tomei um enorme cuidado para ter
certeza de não deixar a piedade interferir. Isto tornou o resto fácil,
e pude realmente compreender o que estava fazendo, e por quê.”
Nos meses seguintes, até o auge do verão, tudo correu bem. En
tão, sem razão aparente, exceto uma briga comum com a irmã resol
vida injustamente a favor dela, Joe declarou calma, mas firmemen
te, que não tinha “ que agüentar aquele tipo de coisa” . Afirmou que
podia chutar qualquer um, especialmente a mim, e desafiou a mãe
a levá-lo a meu consultório naquela mesma tarde. Sem saber o que
fazer, a mãe o trouxe ao consultório imediatamente. Quando entra
ram, ela declarou, um tanto inacuradamente, que Joe ameaçara sapatear em meu consultório até abrir um buraco no chão. Foi imedia
tamente dito a Joe que ele provavelmente não poderia chutar o chão
com força suficiente para valer a pena. Joe, irado, desceu sua bota
de c o w b o y com força, sobre o assoalho acarpetado. Disse-lhe, com
condescendência, que seu esforço era realmente notável para um me
nino de oito anos, e que provavelmente ele poderia repeti-lo algumas
vezes, mas não muitas. Joe, com raiva, berrou que poderia chutar
o chão com aquela mesma força umas cinqüenta, cem, mil vezes, se
quisesse. Repliquei que ele só tinha oito anos e, não importava o quan
to estivesse bravo, não conseguiria chutar o chão umas mil vezes. De
fato, ele talvez pudesse bater com força somente umas quinhentas ve
zes. Se ele tentasse, logo ficaria cansado, seu chute ficaria mais curto
e mais fraco, e ele teria que passar para a outra perna e descansar.
E, ainda pior, disse-lhe que, enquanto estivesse descansando, ele não
conseguiria nem mesmo ficar parado sem se sacudir ou querer se sen
tar. Se não estava acreditando, podia ir em frente e começar. Quan
do ficasse exausto, como qualquer menino pequeno, poderia descan
sar de pé, e então perceberia que não conseguia nem mesmo ficar pa
rado sem se balançar e querer se sentar. Com a dignidade ultrajada
e furioso, Joe declarou sua solene intenção de abrir um buraco no
chão mesmo que necessitasse de um milhão de batidas fortes com o
pé.
A mãe foi dispensada com instruções para voltar na “ raiz qua
drada de quatro” , que ela traduziu como “ em duas horas” . Deste
modo, Joe não foi informado da hora que ela voltaria, embora tives
se percebido que um adulto estava dizendo a outro um tempo especí
fico. Quando a porta do consultório se fechou atrás da mãe, Joe se
balançou no pé direito e despejou o pé esquerdo contra o chão. As
sumi uma expressão de espanto e comentei que aquele chute era mui
to melhor do que eu esperava, mas duvidava de que ele o mantivesse.
Disse que logo ficaria mais fraco, e ele descobriria que não conseguia
nem mesmo ficar parado. Joe, insolentemente, bateu o pé mais algu
mas vezes, e ainda não era possível dizer que seu chute estava fican
do mais fraco.
Depois de intensificar seus esforços, Joe atingiu a contagem de
trinta, e então começou a perceber que havia superestimado sua ha
bilidade de chutar. Quando esta percepção se tornou evidente na ex
pressão facial de Joe, foi-lhe oferecido, com ares protetores, o privi
légio de simplesmente bater de leve o pé no chão umas mil vezes, já
que ele realmente não conseguia se manter de pé ou repousar sem ba
lançar e querer se sentar. Com dignidade desesperada, ele rejeitou a
batida no chão e declarou sua intenção de manter-se de pé. Pronta
mente, assumiu uma posição rija, reta, os braços soltos ao longo do
corpo, e me encarou. Imediatamente lhe mostrei o relógio sobre a mesa
e comentei como era lento o ponteiro dos minutos, e como era ainda
mais lento o das horas, a despeito da rapidez do tiquetaquear do re
lógio. Voltei-me para minha escrivaninha, comecei a escrever na fi
cha de Joe e, depois disso, me dediquei a outras tarefas na mesa.
Dentro de quinze minutos, Joe estava alternando o peso para
a frente e para trás, de um pé para o outro, torcendo o pescoço, ba
lançando os ombros. Depois de meia hora, ele já tentava alcançar al
go com a mão, repousava o peso no braço da cadeira ao lado da qual
estava em pé. No entanto, logo retirava a mão se pressentia que eu
iria lançar um olhar pensativo ao redor da sala. Depois de mais ou
menos uma hora, eu me desculpei e saí do consultório. Joe tirou o
máximo de vantagem disto, e das diversas repetições do episódio, nun
ca retornando inteiramente à sua posição anterior ao lado da cadei
ra.
Quando a mãe bateu à porta do consultório, eu disse a Joe:
“ Quando sua mãe entrar, faça exatamente o que eu lhe disser” . Ela
foi admitida e se sentou, olhando com curiosidade para Joe, que per
manecia rigidamente encarando a escrivaninha. Fazendo sinal para
que a mãe permanecesse em silêncio, voltei-me para Joe e, peremptoriamente, ordenei: “ Joe, mostre para sua mãe com que força ainda
pode bater no chão” . Joe estava espantado, mas respondeu nobre
mente. “ Agora, Joe, mostre-lhe como pode ficar parado, firme e re
to ” . Um minuto mais tarde, dei duas outras ordens: “ Minha senho
ra, esta entrevista entre Joe e mim é um segredo entre nós dois. Joe,
não conte nada à sua mãe sobre o que aconteceu aqui no consultório.
Eu e você sabemos, e isto é o suficiente. Está bem?” .
Joe e a mãe balançaram a cabeça. Ela parecia um pouco desa
pontada; Joe parecia totalmente satisfeito. Na viagem de volta para
casa, Joe se manteve em silêncio, sentado sossegadamente ao lado
da mãe. Quando estavam a meio caminho de casa, Joe quebrou o
silêncio ao comentar que eu era um “ médico simpático” . Como mais
tarde a mãe contou, esta declaração inexplicavelmente sossegara sua
mente. Ela não perguntou, nem lhe foi dada nenhuma explicação dos
acontecimentos ocorridos no consultório. Sabia unicamente que Joe
me respeitava e confiava em mim, e ficaria contente em me ver de
vez em quando, socialmente. Joe continuou a ser um menino nor
mal, muito inteligente, que uma vez ou outra se comportava mal justificadamente.
Dois anos depois a mãe de Joe ficou noiva. Joe gostou do pa
drasto em perspectiva, mas fez à mãe uma pergunta exigente — que
ria saber se eu aprovava o homem. Diante da minha aprovação, hou
ve então uma aceitação total.
Num mundo indefinido, onde as flutuações intelectuais e emo
cionais criam um estado de incerteza que varia conforme o estado de
espírito de um momento para outro, não pode haver certeza ou segu
rança. Joe procurou descobrir o que realmente era forte e seguro e
aprendeu, da maneira mais eficaz que se pode aprender, a não chutar
uma pedra com o pé descalço ou dar um tapa num cacto com mãos
desguarnecidas.
O C A SA M E N T O E O S D IL E M A S
D A F A M ÍL IA
Quando um casal atinge os anos medianos do casamento, suas
dificuldades em geral já se tornaram padrões habituais. Algumas ve
zes, os filhos são envolvidos em suas brigas, mas freqüentemente a
queixa que trazem é o reconhecimento de um problema matrimonial.
Uma questão típica que ocorre neste período é um a luta de poder
entre marido e mulher a respeito de qual deve ser o parceiro dom i
nante no casamento. Todos os animais aprendem que a organização
hierárquica faz parte de sua natureza, e um a questão contínua no
casamento é saber quem é o primeiro e quem é o segundo na hierar
quia da relação m atrim onial. Alguns casais conseguem ter flexibili
dade em relação a esta questão; em alguns momentos e em algumas
áreas, a esposa é dominante; em outros momentos e outras áreas,
o marido domina, e, em muitas situações, eles funcionam como iguais.
Um casamento em dificuldade é, em geral, aquele onde o casal só
é capaz de funcionar de um a maneira, em relação à qual existe des
contentam ento. Às vezes, um dos esposos faz exigências paradoxais
ao outro. Com freqüência, a esposa quer que o m arido seja dom ina
dor — mas gostaria que ele exercesse esse domínio de acordo com
a sua opinião.
Q uando casais são capturados num a luta de poder deste tipo,
ela pode continuar durante anos, em bora nenhum deles a deseje. Co
mo parte desta luta, utilizarão uma am pla gam a de com portam en
tos, incluindo sintomas, como munição. Erickson desenvolveu uma
variedade de procedimentos para resolver conflitos matrimoniais que
se tornaram hábitos arraigados, com portam entos cíclicos. Dois ca
sos ilustram técnicas bem diferentes para o mesmo dilema. Um casal
proprietário de um restaurante estava num a luta de poder sem solu
ção a respeito de quem dirigiria o restaurante. Neste caso, Erickson
resolveu o problem a entrevistando somente a esposa; o m arido não
foi incluído diretamente.
Este homem, vamos chamá-lo sr. Smith, estava com cerca de cin
qüenta anos e dirigira restaurantes toda a sua vida. Ele começara com
um ponto de cachorros-quente no ginásio. Durante todos os anos em
que fora proprietário de um restaurante, a esposa submetia-o a uma
catequização cotidiana. Isto começara no noivado e continuara durante
todo o casamento. Como ela relatou, sentia-se compelida a checar tu
do, todos os dias, para ver se ele era capaz de dirigir o restaurante cor
retamente. A verificação o deixava furioso; ainda assim, ele a permi
tia. Ela gastava umas duas horas checando tudo e fazendo-o recitar o
relatório do que havia comprado, das decisões que havia tomado.
Ela afirmou que não queria dominar o marido deste modo, que
faria qualquer coisa para ser capaz de parar de agir assim. Como se
sentia impotente a respeito do assunto e compelida à verificação, de
cidi utilizar o sentimento de compulsão fazendo-a aplicá-lo a si mes
ma, desviando-o dele. Atribui-lhe a tarefa de testar o marido, como
sempre fazia, mas através da elaboração de uma lista escrita das per
guntas que costumava fazer. Deveria, também, elaborar uma lista pa
ralela de perguntas similares sobre suas próprias atividades. Depois
que tivesse interrogado o marido, ela deveria sair e interrogar a si mes
ma sobre como haviam transcorrido suas atividades. Deveria colocar
as questões como se fossem para o marido, e então respondê-las. As
sim como ela fazia inquirições a respeito do estoque disto e daquilo
no restaurante, deveria perguntar a si própria como estavam os esto
ques da casa. Deveria responder: “ Encomendei sete litros de leite pa
ra a casa, comprei dois pães” , e assim por diante.
O marido continuava sendo testado, mas em seguida ela era obri
gada a se colocar no papel dele — a não ser pelo fato de que ela res
pondia às suas próprias perguntas, e ele era obrigado a responder às
perguntas dela. Ela mantinha o controle e, contudo, estava num pa
pel meramente recitativo.
Ela reagiu de modo previsível; fartou-se de todo aquele proce
dimento e parou de questionar o marido todos os dias. Eu a vi a últi
ma vez um pouco depois que o tratamento terminou. Ela me contou
que só vai ao restaurante quando está com amigos, para comer. Nunca
faz perguntas a ele, mas também não relata nada sobre as atividades
domésticas. Administra uma casa de cinqüenta mil dólares de manei
ra completamente satisfatória para ele.
O que é típico nesse caso é o modo como Erickson consegue
que alguém que tem um a compulsão realize um ato compulsivo que
sobrepuja a dificuldade. O que não é comum é o modo como o ma
rido é utilizado no tratam ento, sem nunca se envolver. A esposa que
tentava m anipular o marido é m anipulada para empreender a tarefa
de manipular a si mesma enquanto o manipula, e a deixar de lado
um procedimento de tantos anos, que enfurecera o esposo e produ/ii ;i
sofrimento no casamento. Também é típico de Erickson determinar
a competência do marido na direção do restaurante antes de aliviar
a esposa da tarefa de supervisioná-lo.
Em outro caso muito similar, Erickson lida com o marido e
a esposa juntos. Ele resolveu um conflito m atrim onial de longa du
ração através de um a instrução simples, que forçou uma mudança
devido à natureza da situação.
Marido e mulher dirigiam juntos, há muitos anos, um restau
rante, e brigavam constantemente por causa da administração. A es
posa insistia em que o marido devia administrá-lo, e ele protestava
que ela nunca o deixava fazer isto. Como ele colocou: “ É, ela fica
me dizendo que devo dirigir o restaurante. Todo o tempo ela o está
dirigindo e dizendo que eu devia fazê-lo. Eu sou o ajudante de gar
çom, o porteiro, esfrego o chão. Ela me importuna a respeito das com
pras, da contabilidade, me aborrece porque o chão precisa ser limpo.
Eu realmente deveria contratar alguém para limpar o chão, mas mi
nha esposa não pode esperar até alguém aparecer e se oferecer para
o emprego. Então, acabo fazendo o serviço eu mesmo, e aí não há
mais necessidade de se contratar alguém para isto” .
A esposa assumiu uma posição razoável, afirmando que queria
que o marido tomasse conta do restaurante porque preferia ficar em ca
sa. Tinha costuras para fazer. E gostaria de servir ao marido ao menos
uma refeição diária, preparada em casa, com alimentos especiais que
ele apreciava. O marido replicou: “ Isto é o que ela diz. Você está ou
vindo, eu também. Mas ela estará no restaurante amanhã de manhã!” .
Fiquei sabendo que fechavam o restaurante por volta das dez
horas da noite e o abriam às sete da manhã. Comecei a lidar com o
problema perguntando à esposa quem abria o restaurante. Ela disse:
“ Nós dois temos chaves. Eu sempre chego antes e abro, enquanto
ele estaciona o carro” .
Sugeri à esposa que desse um jeito de o marido chegar ao res
taurante meia hora antes dela. Eles só tinham um carro, mas o local
ficava a apenas algumas quadras de casa. Ela poderia caminhar até
lá durante a meia hora. Quando concordou com o arranjo, o confli
to foi solucionado.
Ao discutir esse casal com alguns colegas, Erickson colocou o
assunto simplesmente assim: Fazer com que a mulher chegasse meia
hora mais tarde que o m arido resolveu o problem a. Como esta solu
ção parecia mais óbvia para ele do que para a sua audiência, conti
nuou explicando:
Como o marido chegava meia hora antes da esposa, ele levava
as chaves. E le abria a porta. E le destrancava tudo. E le arrumava o
restaurante para funcionar aquele dia. Quando a esposa chegava, es
tava completamente fora de ritmo e muito atrasada. Muitas coisas
haviam sido colocadas em movimento, e ele estava se saindo bem.
Naturalmente, quando, naquela manhã, ela ficou para trás, em
casa, aquela meia hora, viu-se diante da louça do café da manhã e
de outras tarefas domésticas. E, se podia chegar meia hora mais tar
de, cinco minutos mais não fariam diferença. De fato, o que ela não
havia percebido quando concordara com o arranjo era que podia se
atrasar quarenta minutos, ou mesmo uma hora. Deste modo, desco
briu que o marido podia tomar conta do restaurante sem ela. O mari
do, por seu lado, estava descobrindo que podia administrar o restau
rante.
Uma vez que a esposa se rendeu àquela meia hora pela manhã,
acabou percebendo que podia ir para casa mais cedo à noite e prepa
rar um ceia para ele antes de dormir. E com isso ele passou a se en
carregar da tarefa de deixar o restaurante em ordem para a noite e
do fechamento.
A esposa começou também a aprender a administrar o lar, que
era a atividade mais importante para ela. No arranjo final, ela ficava
em casa, mas estava disponível para assumir o caixa, ou alguma ou
tra posição, se um empregado ficasse doente ou estivesse de folga.
Em outros momentos, não precisava ficar no restaurante, e não ficava.
Ao discutir o caso, um colega cham ou sua atenção para o fato
de que o problem a não era só da esposa; o m arido se em penhara em
convidá-la a tom ar conta do restaurante e, portanto, tratava-se de
um jogo no qual os dois estavam envolvidos. Erickson concordou,
mas disse que ajudar o m arido a descobrir seu envolvimento não era
necessariamente relevante para ocasionar a mudança. Como ele co
loca: “ Não pensei que conseguiria alguma coisa contando ao m ari
do que ele estava convidando a esposa a m andá-lo limpar o chão,
e assim por diante. Ele não teria entendido. Mas começou a enten
der que era o encarregado do lugar durante toda aquela meia hora.
E sentiu-se inteiramente confortável” .
Muitas vezes é difícil conseguir que a esposa faça um a mudança
deste tipo e m antenha sua atitude, particularmente quando ela é uma
mulher que gosta de controlar. Tecendo comentários sobre o assun
to, Erickson salientou que a esposa aceitou a idéia e prosseguiu com
ela devido à maneira como a questão fora colocada. Ele lhe solicitara
que d e s s e u m j e i t o de o m arido chegar meia hora mais cedo. Ela foi
colocada na direção do arranjo e, assim, se dispôs a aceitá-lo.
Q uando um terapeuta está lidando com um casal, ele às vezes
descobre que o contrato estabelece que a mulher é quem deverá de
term inar o que será dito na consulta. Obter o ponto dc vista do
m arido sobre o problem a é difícil, porque a esposa não permite que
ele fale, mas, prestimosamente, responde por ele sempre que algo
lhe é perguntado. Pedir à mulher que fique quieta para que o m ari
do possa ter vez em geral dá bons resultados, mas algumas vezes a
esposa não se refreará com esta solicitação. Erickson tem modos di
ferentes de lidar com uma mulher assim “ dom inadora” .
Quando pergunto ao marido qual é seu ponto de vista e a espo
sa o interrompe, mesmo que eu tenha lhe pedido para não fazer isto,
então geralmente encontro alguma ação que a mantenha quieta. Por
exemplo, digo à esposa: “ Desejo ouvir seu marido e você continua
falando. Sei que isto se deve à sua ânsia de me ajudar a compreen
der. Mas por acaso tem um batom?” . Naturalmente, em geral ela tem
um batom, e peço que o retire da bolsa. Digo então: “ Agora, isto
pode lhe parecer ridículo, mas suponha que fique segurando o batom
deste modo” — e mostro-lhe que quero que o segure com a ponta
apenas tocando seus lábios. “ Agora, mantenha-o exatamente neste
lugar, apenas tocando. Farei algumas perguntas a seu marido, e de
sejo que note como seus lábios querem se mover. Penso que achará
isso bem interessante” . A mulher pode ficar fascinada observando
o tremor de seus lábios no batom. Ao fazer isto, dou-lhe um uso legí
timo para seus lábios. Ela não entende bem, mas acha divertido.
Q uando uma mulher é tão dom inadora que exclui o marido da
criação dos filhos, Erickson se aliará a ela de tal m odo que a persua
dirá a envolver mais o marido.
Quando me vejo diante de um mulher realmente dominadora,
eu a cumprimento por sua competência. Quando isto fica estabeleci
do, levanto uma dúvida questionadora. Expresso minha inabilidade
em compreender como uma mulher com a sua inteligência pode ne
gligenciar o uso da competência do marido. Então saliento que, bio
logicamente, um homem é uma criatura muito diferente da mulher.
Sua filosofia de vida é diferente, e seu funcionamento fisiológico é
diferente em relação às crianças.
Para a mulher, o ato sexual leva dezoito anos para se comple
tar. Ela precisa receber o esperma, carregar e nutrir o bebê durante
nove meses, e tudo isto acarreta transformações em seu corpo. Preci
sa tomar conta do bebê, ensiná-lo, nutri-lo, educá-lo, guiá-lo e protegêlo durante os longos anos da infância. Biologicamente, a mulher é
orientada para esta tarefa. Quando a mulher dominadora escuta is
so, tem uma desculpa legítima para aceitar sua dominação na educa
ção dos filhos. Mas, tão seguramente quanto aceitará a desculpa le
gítima, permanecerá aberta para a responsabilidade de usar toda a
influência favorável do meio ambiente. Entre as influências favo
ráveis está o marido, que representa outra ordem de experiências bio
lógicas, de aprendizado biológico. Seus filhos precisam viver num
mundo de homens e mulheres, e aprender a lidar com os dois sexos.
Por isso, as crianças precisam de uma percepção adequada do cará
ter biológico dos dois sexos. A mulher dominadora é, literalmente,
levada a perceber que precisa utilizar as coisas inerentes à estrutura
biológica do marido pelo bem dos filhos.
Certa vez, contaram a Erickson que um a esposa dominava de
tal modo o marido que, quando atendia um telefonema para ele e
a pessoa não queria se identificar, ela simplesmente desligava. Agia
como se toda comunicação com o m arido devesse ser feita através
dela. Quando lhe perguntaram como se deveria lidar com um ho
mem que permitia que isso ocorresse, Erickson afirm ou que preferia
lidar com a esposa.
Eu receberia a esposa sozinha e abordaria, com muitos rodeios,
a importância da integridade do eu. Há certas coisas que um indiví
duo deve manter em segredo, até mesmo para os íntimos. Eu salien
taria que não há razão para que uma esposa anuncie ao marido que
seu primeiro dia de menstruação chegou. É importante para ele, mas
mesmo assim é uma coisa privada, pessoal. Então, discutiria os con
tatos que uma pessoa pode fazer e que devem permanecer secretos.
Nenhuma mulher deve impedir que o marido mantenha segredo so
bre seu presente de Natal, ou de aniversário. Deve ficar em segredo
que ele pediu à cunhada para comprar o presente. Deveria ser possí
vel para a esposa do vizinho manter segredo absoluto a respeito de
sua eleição como presidente do grupo na assembléia da igreja. Há tan
tos segredos essenciais à integridade do viver. Mantemos segredos até
de nós mesmos. Quantos homens, na verdade, sabem qual das per
nas da calça veste primeiro?
Eu a faria saber que é possível ter pleno conhecimento de tudo,
mas que nem sempre esse conhecimento é confortável. Isto a torna
responsável por conseguir um conhecimento confortável para si mes
ma e prover áreas de privacidade significativa para o marido.
Em bora seja mais comum a figura da mulher dom inadora, às
vezes o conflito surge quando o marido é muito dominador. Sem dú
vida, o problem a não é meramente de como o casamento “ deveria”
ser, mas sim um conflito de um dado casal em torno desta questão.
Os casais geralmente lidam com dois tipos de arranjos simultâneos:
fingem que o m arido está à cabeça do casal, quando na verdade é
a esposa quem dirige a m aior parte das áreas da vida familiar. Todo
casal sofre por causa do mito de que a situação era diferente há duas
gerações. P or exemplo, temos a idéia de que os pais eram fortes e
figuras mais dom inadoras no período vitoriano. No entanto, nossa
inform ação a respeito da estrutura da família naquela época é am
plamente conjectural. Um a anedota pode ilustrar o tipo de mitolo
gia com a qual vivemos. Certa vez, comecei a inquirir algumas pes
soas mais velhas, que haviam crescido em Viena na virada do sécu
lo, sobre como eram suas famílias. Estava interessado no tipo de cli
m a familiar evidente na época de Sigmund Freud, quando ele viu
o pai como uma figura tão poderosa e castradora. U m a vienense me
inform ou que em sua família o pai era um a figura m uito poderosa
quando jovem. E acrescentou: “ Não nos era nem mesmo permitido
sentar na cadeira de papai” . Curioso, perguntei-lhe como o pai con
seguia m anter as crianças longe de sua cadeira. Ela replicou: “ Ah,
ele não fazia nada. M amãe fazia. Ela nos dizia que se sentássemos
na cadeira dele ficaríamos com espinhas no traseiro” . Parece que,
ao menos, se dava ao pai o crédito de ser a autoridade na família.
Algumas vezes, nesses anos intermediários do casamento, uma
esposa inicia a terapia afirm ando que o problema matrimonial é cau
sado pelo fato de o marido ser muito dom inador, de nunca permitir
que ela opine sobre qualquer assunto. Dois casos de Erickson ilus
tram seu modo de lidar com esse problem a, tanto quando se trata
de um a dominação flagrante e explícita quanto quando se trata de
um a form a de domínio mais sutil.
Uma mulher narrou um problema sério com o marido. Eles es
tavam casados há alguns anos e haviam economizado dinheiro para
comprar uma casa, um evento importante na vida dos dois. No en
tanto, agora que podiam escolher uma casa, o marido havia insistido
em que ela não tivesse voz ativa no assunto. A escolha da casa e a
seleção do mobiliário eram assuntos seus. Ela relatou que ele sempre
fora tirânico, mas, nesta questão de casa, ela acreditava que precisa
va fazer alguma coisa, porque era importante para ela opinar sobre
o tipo de casa que escolheriam.
P ara um problem a colocado desta m aneira, há certo número
de intervenções terapêuticas possíveis, desde lidar com a impotência
da mulher diante do m arido até reunir o casal e ajudá-los a esclare
cer a comunicação m útua. Erickson tende a enfocar a maneira espe
cífica como o problem a é apresentado e resolvê-lo da form a mais
eficiente e econômica.
Dou um jeito de receber o marido para uma entrevista sem a
presença da esposa. Discuto com ele quem deve ser o chefe da famí
lia e concordo, plenamente, que é o homem. Também concordamos
que, na compra de uma casa, o homem deve ter a última palavra so
bre o tipo de casa e o mobiliário. Durante a entrevista, passo a uma
discussão sobre o tipo de homem que é re a lm e n te o chefe da família.
Quando desperto sua curiosidade a respeito desse tipo de homem, su
giro que um homem que realmente seja chefe é um homem suficien
temente poderoso para permitir que seus subalternos opinem sobre
assuntos menores. Deste modo, eu o convenço a manter o controle
das coisas mais elevadas, enquanto p e r m ite que a esposa tome conta
dos detalhes. Combinamos que ele selecionaria vinte plantas de casa
e vinte projetos de decoração e permitiria que a esposa escolhesse um
de se u s planos. O resultado agradou à esposa e ao marido, pois ele
estava realmente no comando de todo o arranjo.
A bordando o problem a deste m odo, Erickson expandiu o rela
cionamento entre marido e mulher, de m aneira que cada um deles
passou a ter mais espaço para lidar com o outro amavelmente.
Num outro caso de m arido tirano, o problem a era diferente,
porque o m arido era muito benevolente.
Um casal estava casado há um bom tempo e enfrentava uma
batalha constante que nunca era bem expressa. Ele havia crescido nu
ma família rica da Nova Inglaterra, onde tudo fora feito por ele. Era
um homem extremamente meticuloso, que tinha que fazer tudo cor
retamente, e a esposa era rigidamente governada de acordo com um
código de etiqueta adequado. A esposa havia crescido numa fazenda
e estava acostumada a uma vida mais livre, com piqueniques, acam
pamentos e atividades mais espontâneas.
A benevolência e proteção do marido providenciavam tudo na
vida dos dois, e a esposa desenvolveu um enorme ressentimento que
não podia expressar, porque o que ele fazia era sempre adequado e
benevolente. O ressentimento irrompeu na vida sexual do casal de ma
neira infeliz. Ela era fria em relação a ele, e ele tinha ejaculação pre
coce. Ela ficava excitada e ele tinha uma ejaculação prematura,
deixando-a insatisfeita. Quando ele conseguiu controlar sua ejacula
ção, ela definitivamente perdeu o interesse pelo sexo e se submetia
sem disposição, entre bocejos, à relação sexual.
Tratei o problema lidando com áreas diferentes da vida conju
gal. Escolhi temas diversos, como terem prazer em jantar fora, o ti
po de flores que ele mandava a ela e as celebrações do aniversário
de casamento.
A esposa gostava de jantar fora e o marido satisfazia seu dese
jo, mas a ida ao restaurante sempre acabava de maneira absurda, em
que os dois ficavam descontentes. Aparentemente, ele a levava onde
queria ir, deixava que escolhesse o que queria comer, e assim por dian
te, Mas, de alguma maneira, a coisa não dava certo: ela nunca ia ao
restaurante que queria, nunca se sentava à mesa que preferia e nunca
conseguia comer o que desejava. Mesmo assim, sempre tinha que ad
mitir que era um bom restaurante e um bom jantar, e que tudo era
maravilhoso. Mas ia para casa furiosa e se sentindo desamparada.
O marido sempre lhe oferecia a oportunidade de corrigi-lo, mas de
tal modo que ela não conseguia fazê-lo.
O problema tornou-se evidente numa entrevista conjunta que
tive com eles .'Quando ela insinuou que não conseguia escolher o que
queria num restaurante, ele protestou: “ Acredite-me, eu não faria na
da disso. Certamente eu não desejaria excluir minha esposa de jeito
nenhum” . Ele então explicou à esposa que a situação não era bem
como ela havia descrito, até que finalmente ela concordou, na minha
frente, que ele não havia se comportado daquele modo.
Perguntei-lhe se estaria disposto a levar a esposa para jantar fora,
de tal maneira que ela o surpreenderia com a escolha do restaurante.
Ele concordou, pois naturalmente desejava fazer a coisa certa. As
sim, quando vieram para a próxima sessão, eu já havia estabelecido
uma série de instruções que deveriam seguir. Ele deveria dirigir e a
esposa deveria ler as instruções para ele. Eu havia assinalado num
mapa as ruas que ele deveria tomar. Saindo de sua casa, ele desceria
alguns quarteirões, viraria à esquerda, depois à terceira ou quarta à
direita, depois algumas quadras em frente, e assim por diante. En
tão, ele deveria entrar no primeiro restaurante à direita, que vamos
chamar de Green Laggon. Ela anteriormente mencionara que não estivera naquele restaurante, assim como em vários outros. Na verda
de, o caminho que esbocei os levou a fazer uma volta pela cidade e
voltar para algumas quadras de distância de sua casa, onde o restau
rante estava localizado.
Minhas instruções incluíam não só como dirigir até o restau
rante, mas também o que fazer quando lá entrassem. Deveriam pas
sar a primeira sala, contornar a mesa do lado direito, dirigir-se à
fileira de mesas junto à parede, circundar outra mesa e, finalmente,
sentar-se numa determinada mesa. A garçonete trouxe os menus,
e eu havia dado à esposa instruções cuidadosas. Destaquei que a
garçonete daria primeiro o menu a ela, e então daria outro a ele.
Enquanto ele estivesse examinando o menu, que sempre lia do co
meço ao fim, ela deveria dizer: “ Vamos trocar de menus” . Isto pa
rece uma coisa simples e, ainda assim, mudou toda a orientação de
le. Ela estava escolhendo no menu dele. Quando ele perguntou o
que ela queria, ela lhe respondeu que pedisse filé mignon ao ponto,
salada do chefe com molho Roquefort, e assim por diante. Ele con
tinuava olhando o menu, fechando-o e perguntando o que pediria
para ele. Aquele homem extremamente meticuloso sentiu que seu
menu estava nas mãos dela, e por isso precisou pensar o que pedir
daquele menu através dela.
O jantar foi muito agradável. Ele achou ótimo que as instru
ções os tivessem conduzido ao Green Lagoon. Um homem tão meti
culoso apreciou isto como uma obra de arte. Na próxima vez que saí
ram para jantar, ele tomou conta da situação, dizendo que havia se
divertido muito dirigindo daquela maneira ridícula. “ Vamos dirigir
do mesmo jeito e ver em que restaurante acabamos.” Então, repetiu
o modo de dirigir durante um longo trecho e finalmente disse: “ Va
mos dirigir mais dez quarteirões e parar no primeiro restaurante sim
pático que encontrarmos” . (Eu havia proibido a ida a restaurantes
que conhecessem.) A esposa avistou um e disse que parecia bom, e
ele se dirigiu para lá. Era um lugar grande, que ele não conhecia, e
a esposa imediatamente anunciou seus desejos como fizera no Green
Lagoon. Tiveram outro jantar agradável. Ele não havia entendido co
mo tiranizava a esposa, mas entendera que, pela primeira vez, ela real
mente desfrutara algo com ele, e lhe disse isto. Ele nunca recebera
aquele tipo de gratidão, o que o encorajou a continuar procedendo
do mesmo modo.
Uma das principais mudanças que aconteceu a esse casal ocor
reu por ocasião de seu aniversário de casamento. Anteriormente, o
marido sempre organizara a festa, que a esposa não apreciava, mas
à qual não conseguia se opor. Ela me contou o que ele faria. Com
praria um bolo ornamentado, convidaria as pessoas adequadas, veri
ficaria se os pratos estavam corretos, a safra correta do champanha
e assim por diante.
Recebi o marido sozinho e lhe disse que, com a aproximação deste
aniversário de casamento, seria delicioso se ele pudesse fazer uma sur
presa para a esposa. Ele deveria lhe fazer uma surpresa inesquecível.
Esbocei a surpresa, enquanto ele me fitava com horror. Disse-lhe para
alugar uma caminhonete e comprar sacos de dormir e outros equipa
mentos de acampamento, bacon e ovos, cachorros-quentes, hambúr
gueres e alimentos similares. Ele deveria comprar para a esposa je a n s
e tênis, cujas medidas poderia pedir à cunhada. Disse-lhe para entrar
no pátio, na noite do aniversário de casamento, e dizer à esposa: “ Aqui
estão suas roupas. Coloque-as. Você tem uma surpresa pela frente” .
Ele fez exatamente isto, e eles fizeram o desjejum do aniversário de
casamento diante de uma fogueira, depois de terem passado a noite
na parte de trás da caminhonete, em pleno deserto. Eu também lhe ha
via dito para escalar algumas montanhas no dia seguinte, para cozi
nhar outra refeição e então entrar na caminhonete e se perder.
Ele fez exatamente isto. Disse à esposa que, ao invés de dirigir
de volta à cidade, ele iria pegar uma estrada ao acaso, mesmo não
sabendo onde ela ia dar. Eles fizeram um passeio delicioso. Daí em
diante, eles passaram a acampar nos fins de semana de verão. Ela
adorou aquele aniversário de casamento. Sentira falta de todos os pi
queniques e acampamentos de seu passado.
Agora o marido me procura umas três vezes por ano para rever
os ajustamentos, seus e da esposa. Ela vem umas duas vezes por ano,
somente para fazer uma revisão. Sei que algumas escolas de terapia
recomendariam que um casal com esses ressentimentos sepultados de
veria expressá-los e trabalhar para superá-los. Meu ponto de vista é
que é melhor vencer a questão quando se pode. Se não pode limpar
a casa, não tente limpá-la; mude-se para uma nova.
No caso da luta de poder entre m arido e mulher, Erickson age
rapidam ente se sente que há algum perigo. Ele não acredita que não
se deva intervir na vida das pessoas, ou que se deva meramente dar
conselhos, particularmente quando há risco de sobrevivência. Por
exemplo, quando um a mãe veio vê-lo com o filho e contou sobre o
marido, Erickson a aconselhou a deixar imediatamente a cidade, sem
nem mesmo ir para casa fazer as malas. Ela assim o fez, e o marido
mais tarde veio vê-lo, encolerizado, porque Erickson m andara a es
posa para algum lugar onde ele não a podia encontrar. No entanto,
o marido admitiu que havia comprado um revólver para matá-la. Mais
tarde, Erickson reuniu m arido e mulher em seu consultório para re
solver o problema.
Parte da confiança de Erickson em seu método de tratar os pa
cientes é render-se à sua própria postura m oral. Ele tem idéias preci
sas sobre como as pessoas devem se com portar, e, ao mesmo tempo,
é tolerante em relação aos vários modos de vida existentes na cultu
ra. Sua posição moral não é rígida; mas ele não a questiona conti
nuam ente, como o fazem alguns terapeutas liberais.
A posição moral de Erickson não se baseia numa idéia abstra
ta, mas naquilo que pode tornar a vida mais agradável. Algumas ve
zes, quando um dos cônjuges parece estar se aproveitando do outro,
ele age para provocar uma m udança.
Um de meus pacientes tinha uma esposa que se casara catorze
vezes antes. Ele pensava que ela havia se casado duas vezes. Gostei
do rapaz. Tinha uma personalidade agradável, forte. Ele sentia sua
força, mas não queria exercê-la em sua boa, doce, errada e neurótica
esposa, que não podia ser culpada por ter tido dois casamentos malsucedidos.
Recebi a mulher sozinha; ela não pretendia me contar a respei
to dos catorze casamentos anteriores, mas, de algum modo, “ espon
taneamente” , contou. E me fez prometer que não contaria ao mari
do. Salientei que o marido estava sendo terrivelmente paciente e ge
neroso com ela. Ela falsificara cheques e ele os pagara. Ela se des
controlara, batera o carro, e ele pagara o conserto. Ela repetidamen
te corria atrás de outros homens. Eu lhe disse que o marido estava,
no momento, tentando decidir se deveria ficar com ela. Pergunteilhe: “ Você não acha que deveria lhe contar a respeito dos outros do
ze casamentos que ainda não mencionou?” . Ela respondeu que não,
e eu repliquei: “ Bem, esta é sua resposta; agarre-se a ela” .
Naturalmente, ela contou ao marido. Ela não agüentava rece
ber ordem de homens, e eu lhe dera uma ordem: “ agarre-se à sua
decisão” . Ela me desobedeceu, contando a ele.
Quando ficou sabendo a respeito de todos os casamentos ante
riores, o homem adotou uma atitude diferente. Ele lhe perguntou:
“ Quantas vezes em seus casamentos anteriores você fez falsifica
ções?” . Ela lhe contou. “ Quantas vezes correu atrás de outros ho
mens?” Ela lhe contou. Ele disse: “ Muito bem, eu me casei com vo
cê e estou apaixonado por você, mesmo que seja uma parasita. Mais
uma falsificação, mais uma escapada, e me divorcio. Tenho a exce
lente base legal de que você escondeu de mim informação vital” .
A esposa se endireitou. Teve medo de perder aquele décimoquinto marido.
Q uando lida com um casal, Erickson geralmente evita tom ar
partido de um contra o outro, uma regra geral que considera im por
tante, exceto em casos onde haja violência ou uma total falta de coo
peração. Algumas vezes, recebe os esposos individualmente, e ou
tras, juntos. Com freqüência, decide na sala de espera. Ele conta:
Quando um casal chega, vou vê-los e quase invariavelmente per
gunto: “ Qual dos dois quer me ver primeiro, ou querem entrar jun
tos?” . Então observo seu comportamento facial e postura da cabeça.
Quando vejo que olham um para outro como se estivessem di
zendo: “ Por favor, entre comigo!” , convido os dois a entrar. Se o
marido me olha quase com um choque de horror e aponta para a es
posa com um gesto que indica que é ela que vai entrar, então olho
para ela, para ver se está apontando do mesmo modo para ele. Se
está, convido os dois a entrarem. Se ele aponta para ela e eu observo
sua expectativa, faço-a entrar primeiro.
Uma vez ou outra, um marido diz: “ Antes que receba minha
esposa, quero falar com o senhor primeiro” . Às vezes, a esposa dese
ja me ver antes do marido. Nem sempre me guio por esses desejos.
Algumas vezes digo: “ Muito bem, mas suponha que para minha me
lhor compreensão eu receba os dois juntos durante uns cinco ou seis
minutos. Então, entrevistarei um de vocês” . Faço isto porque, se eles
são muito ditatoriais sobre quem devo ver primeiro, estão tentando
assumir o comando — assim, eu o assumo. Então, quando os recebo
juntos, posso prolongar o tempo para quinze ou vinte minutos, mas
quase sempre fico em cinco ou seis minutos. Peço então que um se
retire, dizendo: “ Agora vou falar com um de vocês durante uns
cinco ou seis minutos” . Sempre limito o tempo, e me dou a oportu
nidade de reconstituir o procedimento.
Algumas vezes, um dos esposos se recusa a vir ao consultório
para lidar com um problem a matrim onial; com freqüência é o m ari
do, e não a esposa. Terapeutas diferentes manipulam este problem a
de modos diferentes. Usualmente, um pedido direto ao esposo relu
tante traz bons resultados, mas, quando isto não acontece, Erickson
tem um a maneira particular de trazer o cônjuge à terapia.
Um marido me trouxe a esposa, dizendo que estava cansado de
pagar consultas para um terapeuta três vezes por semana, sendo que
ela só havia piorado desde que iniciara o tratamento. Declarou que
não falaria comigo, só queria que eu trabalhasse com a esposa e fi
zesse alguma coisa.
Recebi a esposa umas sete vezes antes de conseguir que ele vies
se me ver. Usei um procedimento que com freqüência utilizo em ca
sos assim. Conversei com a esposa, e, em cada sessão, trazia à tona
algo com o que o marido não concordaria, dizendo: “ Não sei como
seu marido se sente a respeito deste assunto específico” . Em geral,
era algo que o marido pensaria que eu não estava entendendo corre
tamente. Após cada entrevista comigo, o marido interrogava a espo
sa sobre o que acontecera, e todas as vezes ela mencionava a questão
que eu levantara sobre algum ponto de menor importância. Depois
dessas sete sessões, ele lhe ordenou que marcasse uma hora para ele.
Veio para me endireitar, e então pude trabalhar com os dois.
H á ocasiões em que Erickson acredita que é essencial receber
o m arido e a mulher juntos, e descreve a situação deste modo:
Quando se tem um marido e uma esposa que estão extremamente
desconfiados e bravos um com o outro, é preciso recebê-los juntos.
E imediatamente defino o meu papel. Se o marido despeja um monte
de desconfianças, o que pode fazer de modo muito sutil, eu me viro
para a esposa e digo: “ E ele realmente acredita nisto e é sincero em
sua afirmação, não é mesmo?” . A esposa pensa: “ Ele está do meu
lado” , e o marido pensa que eu estou do lado dela. Então digo ao
marido: “ Agora, por gentileza, vamos ouvir alguns comentários de
sua esposa” . Ela então retaliará com uma suspeita menos sutil e acu
sações. Porque foi colocada na defensiva. Então eu me volto para
o marido e faço exatamente a mesma afirmação sobre como ela real
mente acredita no que está dizendo e é sincera. A esposa subitamente
percebe que estou do seu lado, mas também do lado do marido, e
ele sente as coisas do mesmo modo. Eu lhes dou só o tempo suficien
te para absorver isto e digo: “ Agora, vocês vieram aqui em busca
de ajuda. Certamente querem que eu examine ambos os lados da ques
tão, sistematicamente, de modo que possamos chegar à verdade. E
estou seguro de que vocês dois não têm medo da verdade real” . Des
te modo, defino a verdade real como m e u ponto de vista a respeito
da questão. Cada um pensa que estou do seu lado, e então descobre
que estou do lado da verdade real com a cooperação total deles.
Geralmente, sinto que devo conseguir estar do lado dos dois
parceiros, mas uma vez ou outra, assumo uma atitude inteiramente
diferente. Se a queixa começa com o mais vociferante dos dois, e
percebo que essa pessoa está sendo irracional, volto-me para o ou
tro e digo: “ Ele sinceramente acredita em tudo isso. Está convenci
do disto. Ora, você sabe que grande parte do que ele diz, ou talvez
tudo, não tem nenhum fundamento. Você quer que ele entenda muito
bem tudo o que tem bases sólidas, e que descarte o que não tem.
Do mesmo modo, ele quer que você descarte tudo que realmente
não se encaixa” .
Deste modo, justifico aquele que‘é vociferante e solicito uma
atitude de objetividade absoluta do outro. Ao mesmo tempo, é dito
ao vociferante que ele vai rejeitar tudo o que não cabe, e que tem
que concordar com o que está sendo proposto. Ora, isto soa como
se eu estivesse deliberadamente dirigindo e controlando a situação.
Na verdade, tudo que faço é tornar possível a uma pessoa alterar seu
próprio pensamento e seus próprios pontos de vista. Estou meramente
salientando: “ Aqui estão algumas dezenas de outros caminhos que
se pode percorrer e que vocês nem notaram no mapa” .
Quando um casal tem dificuldade para conversar sobre algu
ma coisa a respeito da qual se sente culpado, Erickson restringirá
a comunicação entre eles de tal modo que falar sobre a culpa se to r
na apropriado.
Algumas vezes, quando estou recebendo juntos o marido e a
mulher, impeço a esposa de olhar para o marido e vice-versa. Eles
sentem esta restrição como algo muito forte. A tendência é tentarem
dar uma olhadela furtiva para o outro, para verificar como ele está
aceitando a situação. Mas isto é uma travessura, segundo pensam.
E assim, eles apresentam mais material do que jamais pensaram apre
sentar. Veja, eles precisam fazer alguma coisa, não conseguem fazêla inteiramente e, ainda assim, têm que fazer alguma coisa. Como
não conseguem evitar o olhar furtivo, têm que se comunicar verbal
mente. Como se sentem culpados a respeito de, ocasionalmente, te
rem olhado furtivamente, expressam idéias e pensamentos que carre
gam culpa. É uma situação geradora de culpa, e assim eles comuni
cam a culpa. No entanto, nesta situação é preciso estar atento para
que eles não a utilizem como vingança e não comecem a se recri
minar. “ Ele não quer me levar para jantar fora.” Ninguém quer este
tipo de coisa. Ela é simplesmente a mania de criticar.
Erickson está disposto a restringir a comunicação dentro do con
sultório de vários modos, e, tanto dentro como fora dele, ele se sen
te muito à vontade ao requerer um com portam ento estranho e inapropriado para atingir determinado fim. Algumas vezes seu método
pode ser uma terapia do absurdo. Ele pode instruir o paciente a guiar
vinte quilômetros pelo deserto e descobrir a razão de estar lá. Pode
também encorajar o comportamento absurdo dentro de um casamen
to.
Certa vez, apresentei a ele o caso de um jovem casal que ex
pressava um problem a comum de form a extremada. O m arido era
incapaz de iniciar um com portam ento; esperava que a esposa o diri
gisse em tudo o que fazia. Como um a ilustração particular, aos sá
bados, a esposa limpava a casa e o m arido a seguia por todos os cô
modos, observando-a tirar a poeira e passar o aspirador. Isto a irri
tava, mas ela não sabia como parar com aquilo; em todos os lugares
da casa, encontrava o m arido por perto, observando seu trabalho.
O marido afirm ou que gostava de observar o trabalho dela. Erick
son explicou como lidaria com o problem a. Ele receberia a esposa
sozinha e a instruiria a realizar seu trabalho, no sábado seguinte, co
mo de costume. Q uando terminasse de passar o aspirador em cada
cômodo, seguida pelo marido, ela deveria dizer: “ Bem, aqui está pron
to ” , e passar para a sala seguinte. Quando houvesse completado a
limpeza, deveria tirar o saco de pó do aspirador e retornar a todos
os cômodos. Deveria espalhar a poeira por cada cômodo, dizendo:
“ Bem, até o próximo sábado” . E recusar-se-ia a discutir a questão
com o m arido. Segundo Erickson, o m arido seria incapaz de seguila novamente, e eles brigariam , durante a semana, em torno de al
gum tem a m atrim onial im portante.
Quando Erickson deseja provocar um a briga entre um casal que
está sendo m uito afável, ele pode se aproxim ar do problem a gentil
mente ou introduzir algo absurdo. P ara lidar gentilmente com ele,
dirá: “ Se você fosse um a mulher menos tolerante, e se você fosse
um homem menos tolerante, sobre que coisas vocês discordariam ?” .
Deste m odo, o casal é forçado a dar um passo rum o à expressão dos
desacordos.
Ao discutir o modo de produzir um a briga de m aneira mais ex
trem ada, Erickson diz: “ Pode-se começar um a briga introduzindo
qualquer coisa que seja incompreensível. Peça a um a criança que en
graxe seus sapatos, e quando ela acabar, então, deliberadamente, respingue água neles. Então, tolam ente, diga: ‘Isto os deteve, não?’. A
sensação de perplexidade é desagradável e conduz à ação. Ou peça
a alguém que costure um botão e quando ele relutantemente o fizer,
diga: ‘Ele realmente estava apertado, n ão ?’. Se você desfaz algo que
foi feito e faz algo incompreensível, torna-se m uito destrutivo” .
Algumas vezes Erickson não provoca um a briga entre um ca
sal, mas, ao contrário, o encoraja a continuar brigando da maneira
usual. Brigar sob coerção força um a m udança na natureza da briga.
Esta técnica de encorajar as pessoas a se com portarem da m aneira
habitual é típica de Erickson e parece surgir de seu modo de encora
jar um comportamento de resistência quando hipnotiza alguém. Como
um exemplo de como ele encoraja um casal a fazer o que fazem usual
mente, de m odo que a modificação possa ocorrer, temos a maneira
como ele lidou com o problema de alcoolismo de um casal. Ele relata:
Um casal veio me ver, e a mulher era um tanto alcoólatra. Bebia em segredo. Todos os dias, quando o marido voltava do escritó
rio, ela estava bêbada, e eles travavam uma batalha noturna, enquanto
ele, em fúria, procurava uma garrafa pela casa. Ela ficava maluca
porque ele dava busca. Tornou-se um jogo de habilidades encontrar
a garrafa, assim como travar a batalha noturna.
Descobri que a idéia dele de um bom fim de semana era se esti
car numa espreguiçadeira e ler o B u s in e ss W e e k , o W a ll S tre e t J o u r
n a l ou um livro. A idéia que ela tinha de um fim de semana agradável
era ir para o quintal, trabalhar nas flores e, quando ninguém estives
se olhando, deixar escorrer em sua boca parte do conteúdo daquela
garrafa de uísque escondida na terra. Ela gostava realmente de jardi
nagem; e também gostava muito de uísque.
Com os dois em meu consultório, salientei que todas as noites
ele laboriosamente tentava encontrar a garrafa escondida e que ela
tinha um prazer jubiloso em escondê-la. Disse-lhes que continuassem
exatamente com esse procedimento. Ele deveria procurar a garrafa
e ela deveria escondê-la. Mas, se ele não conseguisse encontrá-la, ela
teria o d ire ito d e e sva zia r a g a rra fa n o d ia se g u in te .
Deixei-os jogar este pequeno jogo durante certo tempo. Não era
um bom jogo, mas ele não gostava daquela caçada e ela se deliciava
muito com ela. No entanto, o procedimento r o u b o u d ela o p r iv ilé g io
d e e sc o n d e r a g a rra fa se c re ta m e n te . Ela agora tinha que escondê-la
propositalmente, não era mais aquele ocultamento culposo, envergo
nhado e furtivo. Isto tirou dela parte do prazer. Eles ficaram atôni
tos quando sugeri que ela escondesse a garrafa, que, como recom
pensa, seria dele se ele a encontrasse, e dela se isso não ocorresse.
Mas, de qualquer modo, era o que eles estavam fazendo nos últimos
doze anos.
O próximo passo foi fazer corn que ele comprasse um trailer
e a levasse para Canyon Lake para pescar — sem uísque. Escolhi co
mo recreação um passeio de barco porque descobrira que ela cresce
ra numa região lacustre e que o d ia v a lagos e peixes. Ele também de
testava pescar.
Salientei que o fato de estarem sozinhos na água dentro de um
barco pequeno, sem uísque, a manteria sóbria, o que seria bom para
a sua saúde. Seria bom também para o marido respirar ar fresco, ao
invés de meter o nariz num jornal com indolência e inércia.
Previsivelmente, eles começaram a usar o trailer, mas não fo
ram pescar de barco. Acampavam durante os fins de semana, ativi
dade que agradava aos dois. Ela começou a ficar sóbria, manter-se
sóbria, e começaram a se divertir. Eles acampavam todos os fins de
semana em todas as áreas disponíveis para isso e desistiram de sua
batalha.
Este caso ilustra um a técnica adicional que é típica de Erick
son. Foi solicitado ao casal que comprasse um tr a ile r e fosse pescar
num lago. Erickson queria que eles modificassem o padrão de com
portamento dos fins de semana: ao invés de ficarem em casa, evitandose mutuam ente e bebendo, ele queria que saíssem para um a nova
atividade. No entanto, escolheu a pesca no lago — coisa de que ne
nhum dos dois gostava. Eles escolheram outra alternativa d e n tr o d o
q u a d r o que Erickson estabelecera e começaram a acam par durante
os fins de semana, atividade que agradava aos dois. Deste m odo, o
casal fez um a escolha “ espontânea” a respeito de como passar seu
fim de semana de m odo diferente.
Além de encorajar as pessoas a se com portarem como usual
mente o fazem, Erickson também antecipará alguma mudança ne
les, preparando-as para ela. É mais provável que a modificação ocorra
se as pessoas estiverem fazendo coisas que só fariam se a mudança
tivesse ocorrido.
Outro modo de lidar com o problema da bebida ilustra esta abor
dagem. Como Erickson acredita que um problem a grave, como be
ber, envolve mais do que um a pessoa, comumente trabalha com a
família em tais casos. Ele descobriu, e não foi o único, que a esposa
de um alcoólatra pode reagir negativamente quando ele pára de be
ber, o que com freqüência o obriga a continuar bebendo. Erickson
antecipa esta reação como um m odo de modificá-la. Ele conta:
Quando um alcoólatra desiste de beber, a esposa não tem mais
oportunidade de aborrecê-lo. Com freqüência ela se sente perdida e
sem objetivo na vida. Uma maneira que às vezes emprego para lidar
com isso é receber o alcoólatra e a esposa juntos. Peço ao marido
que me defina a situação problemática. Ele dirá algo como: “ Acho
que eu não teria me tornado alcóolatra se minha mulher não me abor
recesse o tempo todo” . Meu comentário para a esposa é: “ Duvido
que realmente o aborreça; espero que expresse seu ressentimento le
gítimo a respeito do fato de ele beber demais. Isto exigiu muito de
sua energia no passado. À medida que ele melhorar, onde você vai
empregar essa energia?” .
Eu a convenço a pensar sobre o assunto. Mas, ao colocar a coi
sa dessa maneira, dou ao marido a oportunidade de vigiá-la para que
ela utilize a energia em outras áreas. E ele tem de parar de beber para
que ela tenha energia disponível para utilizar em outras áreas. Devese sempre amarrar os dois juntos, mas nunca contar a eles. Quando
obrigo a mulher a usar seu tempo e energia em outro lugar, também
estou obrigando o marido a dar-lhe esta oportunidade.
E chamo a atenção dela para o seguinte: “ Todas as manhãs vo
cê acorda com uma certa quantidade de energia. Durante o dia, você
a utiliza e, na hora de dormir, está cansada. Quer ir para cama e re
fazer o suprimento. Quando ele parar de beber, como vai utilizar a
energia durante o dia?” .
Algumas vezes, adoto o mesmo método com toda a família, pois
sempre há uma reação familiar quando um alcoólatra melhora. Pos
so perguntar à filha, assim como fiz com a esposa: “ Quando seu pai
deixar de ser um alcoólatra, como é que você vai passar o tempo que
gastava no passado desejando que ele não bebesse, ou evitando-o,
ou mesmo magoando-o para que se corrigisse?” . Um estudante me
respondeu: “ Bem, posso gastá-lo na minha geometria.” Uma esposa
replicou: “ Então terei a oportunidade de participar do trabalho da
comissão da igreja” .
Atualmente, não são só os jovens que se envolvem em várias
viagens de drogas; seus pais também ficam presos a seus próprios
tipos de drogas. Um a das mais comuns são os tranqüilizantes. Ao
contrário de muitos psiquiatras, que encaram os medicamentos co
mo um modo de aquietar e estabilizar as pessoas, Erickson os enca
ra como um modo inapropriado de vida. Algumas vezes, é-lhe atri
buída a tarefa de libertar alguém de alguma espécie de droga. Ele
comenta:
Não receito calmantes para as pessoas. Com freqüência, meu
problema é fazer com que alguém abandone os tranqüilizantes. Quan
do uma pessoa me pede uma receita de calmantes, se eu simplesmen
te a recusar, ela irá a outro médico para obtê-la. Por isso, não nego
a receita, mas, de alguma maneira, também não a forneço.
Por exemplo, uma mulher veio me ver e pediu, com certo de
sespero, que eu lhe desse uma receita do calmante que estava toman
do. Eu disse: “ Sim, certamente” , e comecei a procurar alguma coisa
em minha escrivaninha. “ Meu receituário está bem aqui” , disse, c
proeurei-o em cima da mesa. Eu me mexo ativamente nestas ocasiões,
mas não consigo localizar o bloco, e, enquanto isto, começamos a
conversar. De um jeito ou de outro, no final da entrevista ela vai em
bora e nós dois não lembramos da prescrição do calmante. Se ela ti
ver algum em estoque, terá que lançar mão dele, porque continuo me
esquecendo do assunto nas entrevistas seguintes.
Quando esqueço, e ela também esquece, então sua incapacida
de de me lembrar durante as sessões faz com que entre elas fique pen
sando: “ Preciso lembrá-lo” , ao invés de ir a outro médico. Mas, ob
viamente, é um esquecimento inocente de minha parte, e um esqueci
mento não intencional da dela. Deste modo, mantenho as solicita
ções centradas em mim.
Algumas vezes, quando alguém está preso aos calmantes, e te
nho que receitar algum, ofereço a ele a amostra grátis que as compa
nhias me fornecem. Chamo sua atenção para o fato de que assim eco
nomizará muito dinheiro. Com isto, as pessoas adquirem os calman
tes só de mim, e posso controlar a quantidade e a freqüência.
Algumas vezes Erickson usa o que denom ina um a cura normal
com um viciado em calmantes. No caso seguinte, ele relata o uso desta
cura num problem a bem grave.
Um médico descobriu que a esposa tinha uma lesão no fígado
causada por tranqüilizantes, e me telefonou de sua cidade, pergun
tando se eu estaria disposto a tê-la como paciente. Se uma folha caís
se de uma árvore ou um pedaço de papel caísse no chão, ela precisa
va lomar um calmante. Quando veio me ver, com o marido, sua apa
rência sugeria que gostaria de ser encarada como uma pessoa nor
mal. Pude perceber que, se sugerisse que era neurótica, ela se torna
ria hostil e reservada, não importa o quanto cooperasse comigo. Que
ria ser tratada como uma pessoa normal. Ela se submetera a trata
mento psiquiátrico várias vezes por semana, por razões obscuras.
Quando conversei com ela, fiquei sabendo que obtivera um bachare
lado em música, e o marido, que parecia um homem sensato, tinha
um doutorado em ciências. Como o maior interesse dela era pela mú
sica clássica, sugeri que qualquer tranqüilizante para o seu problema
tinha que ter um caráter positivamente clássico. Algo que a susten
tasse através dos anos.
Salientei que, pela sua aparência, o modo como cruzava as per
nas e se apoiava no braço, ela claramente estava tomando muitos cal
mantes e sofrendo os resultados. Disse-lhe que tinha uma variedade
de tranqüilizantes que certamente apreciaria e que seu marido apro
varia. Disse-lhe que eles seriam extremamente benéficos, mas ela te
ria que trabalhar bastante para se preparar para tomá-los. Então,
contei-lhe de que tipo eram. Disse que toda vez que ela sentisse o
desejo compulsivo de engolir um calmante, deveria se sentar e, ver
bal e enfaticamente, proclamar em alto e bom som todas as obsceni
dades e blasfêmias que conhecesse. Achou que era uma boa idéia, e
o marido também. Ela reagiu ao meu conselho passando a acreditar
que não havia nada de errado com ela, e o que quer que fosse desa
pareceria tão logo os tranqüilizantes que estavam em seu interior fos
sem expelidos. Os dois saíram felizes, e eu marquei outra hora para
recebê-los novamente.
Quando sugeri as obscenidades e blasfêmias, expliquei-lhe que
ela havia reprimido uma infinidade delas durante toda a infância e
adolescência, e que a vida deveria ter sido um inferno para ela nesse
período. Ela concordou comigo. Contou-me vários detalhes a respei
to das intromissões da mãe durante seus primeiros anos de casamen
to, narrou suas exigências, suas expectativas e maneiras arbitrárias.
Ressaltei que a blasfêmia clássica era algo que acontecia desde a épo
ca do homem da caverna, e que sempre se mostrara eficiente. Ela gos
tou de conversar comigo e adotou esta solução. Foi uma solução nor
mal para um problema normal.
Quando o casal compareceu à consulta seguinte, perguntei: “ Vo
cês têm outros problemas que acham necessário discutir?” . Eles con
cordaram comigo que o passado estava morto e enterrado, e que se
ria lembrado com inteligência.
ENTREVISTANDO A FAMÍLIA COMO GRUPO
Admite-se em geral que a terapia de família, definida como a
entrevista conjunta de seus membros, teve início nos anos 50. M ui
tos terapeutas escolheram este procedimento naquela época, e Erick
son foi um deles, em bora seu trabalho com a família não seja muito
conhecido, porque ele publicou pouco a respeito de seus métodos de
tratam ento familiar. Em bora sua terapia seja orientada no sentido
de definir a psicopatologia como um problem a da família, ele roti
neiramente não reúne todo o grupo familiar num a entrevista. Q uan
do o faz, trabalha com um estilo particular, bem diferente da abor
dagem de outros terapeutas de família. P or exemplo, quando reúne
toda um a família, pode acontecer de a mãe ser dom inadora e ficar
na defensiva, impedindo os outros familiares de expressarem o que
têm a dizer. Muitos terapeutas familiares lidam com esses proble
mas solicitando que a mulher fique quieta, usualmente sem sucesso;
ou eles a instigam através de instruções ou quebram a família em
subsessões, para que os outros membros tenham um a oportunidade
de serem ouvidos. Erickson aborda este problema de maneira um tanto
diferente.
Um pai veio me ver para perguntar se eu estaria disposto a rece
ber sua família. Veio em sigilo, sem que a esposa ficasse sabendo.
Contou que era incrivelmente infeliz e que seus filhos estavam tendo
problemas com a lei. Mais tarde, quando trouxe a família, ficou cla
ro que a mãe era o tipo de mulher que pensava não ser necessário
que os outros da família falassem; ela se encarregava disto.
Eu disse ã mãe que ela precisava se preparar para uma situa
ção completamente incomum. Fiz com que colocasse as mãos no
colo, que as sentisse atentamente, e continuasse fitando as mãos,
mantendo os polegares somente um quarto de polegada separados
um do outro. Disse-lhe que devia observar com atenção os polega
res, e não permitir que se movessem mais para perto ou para longe.
Afirmei que teria uma luta excessivamente árdua para manter a bo
ca fechada, mas que deveria fazer isto, não importa o que as outras
pessoas da família dissessem. Assegurei-lhe que, mais tarde, ela te
ria a última palavra, mas que no momento queria apenas que focali
zasse seus polegares e não falasse. Então voltei-me para o marido
e pedi a ele para ficar de boca fechada. A mesma coisa solicitei ao
primeiro e ao segundo filho. Então pedi ao menor da família, o me
nos importante de todos, aquele cuja opinião era a menos momentosa, que começasse a verbalizar sua opinião sobre cada um dos mem
bros da família. Eles o escutaram com tolerância, especialmente a
mãe, embora encrespasse os lábios, porque aquilo era simplesmente
conversa de criança. Assim, tendo aceitado escutar o filho menor,
a mãe estava também afirmando o direito de o segundo e o primeiro
filho falarem, e, sem dúvida, o marido também. Ela teve que ouvir
atentamente, porque, para dar a última palavra, teria que responder
ao que fora dito. Uma vez ou outra, eu levantava a questão: “ A
senhora está realmente escutando?” . Ela não conseguia falar sem
mover os polegares, de modo que, cada vez que tentava, eu aponta
va para eles e ela ficava quieta, e escutava de novo. Manter os pole
gares separados era uma coisa sem importância, mas, antes de po
der fazer qualquer coisa, ela teria que desfazer a posição, e não ha
via razão para desfazê-la.
Deste modo, foi possível restringir a comunicação na família
e motivar seus membros a se tornarem mais comunicativos. É só uma
restrição temporária. Porque, se ouvimos o pequeno Johnny, e en
tão Willy, o filho do meio, e depois Tom, o mais velho, cada um mo
tiva o outro a ser mais comunicativo, porque foi autorizado. Quan
do chegou sua vez de falar, a mãe literalmente teve que repassar tu
do, porque a sua seria a última palavra. Numa situação usual, ela
poderia falar durante uma hora inteira sem conseguir dizer nada. Mas,
naquela situação, tinha muito a dizer sobre todos os pontos mencio
nados pelos outros. Uma espantosa quantidade de informação pode
surgir deste arranjo simples.
Este procedimento demonstra a preferência de Erickson em en
gajar a pessoa num a luta em seu próprio terreno, ao invés de colocála no terreno da outra pessoa. A mulher era um a especialista em ta
garelice, mas não na manutenção dos polegares separados a certa dis
tância. Presa ao esforço de provar a Erickson que conseguiria m an
ter os polegares separados, ela se viu cooperando ao deixar que as
outras pessoas da família falassem, o que era o objetivo de Erickson.
Q uando Erickson está trabalhando com todo o grupo familiar,
ele gosta de definir a posição de cada um geograficamente, e então
mudá-los de uma cadeira para outra.
Ele tem outras técnicas para encorajar a família a falar de m a
neiras que considera produtivas.
Quando alguém, num grupo familiar, não está falando e sinto
que deveria falar, começo ressaltando o fato. Volto-me para a pes
soa e digo: “ Não sei quantas coisas foram ditas aqui que você acredi
ta devam ser formuladas diferentemente” . Então, volto-me para os
outros e os deixo falar. Depois, dirigindo-me à pessoa, repito: “ Cer
tamente deve haver alguma coisa que você realmente pensa que deva
ser reformulada” . Na terceira vez, direi: “ Você decidiu qual dentre
as primeiras coisas precisa ser formulada de outro modo?” , e, antes
que a pessoa possa responder, eu a frustro, voltando-lhe as costas e
me dirigindo aos outros.
A frustração da fala é um modo de encorajar alguém a falar.
Algumas vezes, quando uma pessoa tem um problema emocional re
lacionado à sua capacidade de fala, eu pergunto: “ Qual é o seu no
me, quantos anos tem, em que cidade nasceu, para que time de beise
bol você torce?” . Cada vez que o paciente luta para responder, en
saia trejeitos com os lábios para começar a falar, a próxima pergunta
é formulada. Essas pessoas tendem a falar impulsivamente. Com um
paciente que deseja permanecer mudo, você faz uma pergunta, inicia
uma pausa e não lhe dá oportunidade de responder. Na próxima per
gunta, você espera, mas não o suficiente. Você está tão diligente que
o frustra, até que, finalmente, ele diz: “ Quer calar a boca? A respos
ta é...” . Ele tem que abandonar seu comportamento e agarrar algo
novo, e o algo novo é o que você está apresentando.
Algumas vezes, na primeira entrevista é necessário ajudar a pes
soa a falar. Ela vem lhe contar seu problema, mas reluta em discutilo. Uma maneira de lidar com isto é dizer: “ Esta é sua primeira en
trevista comigo. Você me diz que deseja falar a respeito de coisas muito
dolorosas. Em outras palavras, julgo que existem algumas coisas que
preferiria não me contar. Penso que não deveria me contar essas coi
sas que quase não agüenta não contar. Conte-me as coisas que pu
der, com um mínimo de sofrimento. Mas, sem dúvida, refreie as coi
sas que não suporta me contar” . A pessoa começa a falar, c no fim
da hora dirá: “ Bem, eu lhe contei todas as coisas que não suporto
contar” . O que fazem é escolher. Pensam: “ Ouso dizer isto ou não?
Sou livre para retê-la, mas talvez possa contar esta outra coisa” . Eles
sempre votam a favor de contar. Adiam a revelação, mas é isto que
é reter.
Com um casal, pode-se abordar o assunto de maneira similar.
Pode-se dizer: “ Bem, quero ouvir ambas as histórias. Mas certamen
te existem coisas que vão esconder. Você vai retê-las porque prefere
que sua esposa me conte do que fazê-lo você mesmo” . Deste modo,
estamos na verdade dizendo: “ Você prefere me contar ou prefere que
outra pessoa o faça?” . É um enfrentamento da realidade. Algumas
vezes, alguém diz que existe algo que preferiria não contar e que não
devo insistir. Eu digo que, se me contar espontaneamente, não pode
rá me acusar de insistir. Usualmente, a pessoa fala espontaneamente.
O utra variação de como encorajar as pessoas a se comunica
rem pedindo que se contenham é dar instruções simples à família.
Recebo a mãe, o pai e o filho juntos e peço que se assegurem
de não falar nada que não desejem que os outros saibam. Em outras
palavras, torno cada um deles muito vigilante a respeito do que diz.
Mas, enquanto cada um deles está se vigiando, também se torna ex
tremamente vigilante em relação aos outros. A mãe prestará atenção
a suas declarações, mas vai observar como o pai e o filho se traem.
O que vêm à tona são ressentimentos, não meras recriminações. Des
te modo, você assume o encargo do que eles iriam fazer de qualquer
jeito, mas a coisa surge da sua série de atividades. Você os manda
caçar onde deseja que eles cacem. Isto também impede uma aliança
contra você, se não é isso o que quer.
Em bora algumas vezes Erickson entreviste a família toda ju n
ta, ou um casal, ele geralmente prefere m odificar um problem a fa
miliar trabalhando com um indivíduo, enquanto, ocasionalmente,
recebe os outros membros da família. Q uando permite que um pro
blema seja “ trabalhado totalm ente” , faz isso através do cuidadoso
arranjo de como deve ocorrer. Um tal arranjo é descrito no caso se
guinte, que ilustra o ponto de vista de Erickson sobre a relação exis
tente entre compreensão e mudança. Ele não tem nenhum entusias
mo pelo in s ig h t, e o com enta assim: “ A judar um paciente a enten
der a si mesmo, tornar-se mais consciente de si, não tem nada a ver
com modificá-lo. A m aioria dos psiquiatras tornam as pessoas mais
autoconscientes, mas nunca conseguem que o paciente se torne cons
ciente do que pode f a z e r . É irrelevante saber por que uma pessoa
faz o que faz. Se observarmos a vida das pessoas felizes, bem ajus
tadas, perceberemos que elas nunca se preocuparam em analisar sua
infância ou seus relacionamentos parentais. Eles não se preocupa
ram com isso, e não irão se preocupar” .
No entanto, Erickson acredita na utilidade de certo tipo de com
preensão. Como ele coloca: “ Q uando não se pode forçar a pessoa
' a ultrapassar os limites imediatos de um a configuração emocional
e encarar algo objetivamente, eles adquirem um a visão diferente, e
então não há nada que possam fazer a respeito dessa nova compreen
são que desenvolvem. Eles têm que aceitar um a m udança” . O caso
a seguir ilustra este ponto.
Tenho como paciente uma mulher que tem tido uma série de
casos amorosos. O marido evidentemente não sabe de nada. Ela me
disse que quer que ele descubra os casos para que eles possam se se
parar ou restabelecer o casamento em bases mais sérias. Eu lhe disse
que receberia o marido à uma da tarde de sábado, e.queria que ela
saísse da cidade e não voltasse até domingo de manhã.
Quando o marido — vamos chamá-lo Gerald — entrou, come
çou a me dizer, de modo repetitivo, que tinha uma esposa boa e do
ce. Ele simplesmente não conseguia entender por que tinham confli
tos ou qual era o problema.
Falou sobre a vida comum dos dois. Disse que toda vez que ti
nha que sair da cidade em viagem a esposa ficava solitária e por isso
um de seus amigos aparecia para visitá-la. Ele ficava contente que
o amigo aparecesse, porque assim ela não se sentia solitária. Mencio
nou que um dos amigos havía deixado um tubo de pasta de dentes
na pia do banheiro. Outra vez, ele notou no lixo uma lâmina de barbear usada de marca diferente da que usava.
Ele falou a respeito dos amigos visitantes como se eles houves
sem chegado sábado, ido embora na hora do jantar, voltado no do
mingo, e ido embora na hora do jantar. O amigo e a esposa haviam
escutado discos juntos e conversado.
Falou sobre o relacionamento com a esposa e sobre as constan
tes brigas e atritos. Então mencionou que a esposa trabalhava como
assistente social num bairro pobre da cidade. Comentou que, quan
do voltou de uma das viagens, havia em casa um cereal matinal de
tipo diferente do usual e que a louça suja do desjejum dava a impres
são de que a esposa havia tomado dois cafés da manhã.
Ele começou a falar à uma da tarde e, finalmente, às seis, ele
comentou: “ Sabe, se minha esposa fosse qualquer outra mulher, eu
diria que ela estava tendo casos amorosos” .
Eu perguntei: “ De que maneira sua esposa difere de outras mu
lheres?” .
Ele disse: “ Meu Deus, minha esposa é como qualquer outra mu
lher!” . Neste ponto, ele ficou muito perturbado, gritou, abanou os
braços e continuou repassando os mesmos detalhes de novo. O tubo
de pasta de dente no banheiro, a lâmina de barbear, os desjejuns. Ele
identificou cada detalhe no novo contexto.
Durante a tarde inteira, eu esperara que ele dissesse alguma coi
sa que me permitisse fazer aquele tipo de pergunta. Foi por isso que
deixei que repetisse, uma série de vezes, sua história; procurava algu
ma pequena observação que me permitisse arrancá-lo para fora da
quela configuração restritiva. Quando ele reconheceu que a esposa
era “ outra mulher” , não havia nada que pudesse fazer sobre esta no
va compreensão.
Marquei uma entrevista para ele e a esposa no dia seguinte, e
os recebi juntos. Disse à esposa: “ Agora, fique bem quieta. Seu ma
rido tem algo a dizer” . Como ela estivera fora da cidade, eles não
haviam conversado, e eu não queria que o fizessem agora. Queria que
ela simplesmente escutasse.
O marido repassou a história inteira, detalhe por detalhe. Fria
e deliberadamente, identificou o tubo de pasta de dente, a lâmina de
barbear, a louça, os itens da conta da quitanda quando ela havia co
zinhado algo especial para um namorado, e assim por diante. A es
posa ficou sentada lá, muda, obviamente aborrecida e sofrendo. Ela
ficou espantada com a acuidade da percepção inconsciente dele. Gerald cometeu também alguns erros em suas afirmações sobre o que
deveria ter acontecido, e ela teve de aceitar os erros, porque tinha que
permanecer calada. Eu não queria que ela se defendesse, pois isso
transformaria a situação. Ela queria se defender, mas sua emoção se
prendeu à idéia: “ Posso muito bem assumir também essa desgraça” .
Ela estava se punindo com a arma que o marido lhe oferecia.
Quando ele terminou o que tinha a dizer, eu disse à esposa: “ Vá
para a outra sala, porque quero perguntar a seu marido o que deve
ser feito a seguir” . Conversei com ele sozinho. Ele havia recebido uma
confirmação passiva através do silêncio dela e sabia que tudo era ver
dade. Ele disse: “ O que devo fazer?” . Eu respondi: “ Você tem uma
porção de coisas a fazer. Quer continuar o casamento ou quer um
divórcio, ou uma separação?” . Ele disse: “ Eu a amo muito. Gosta
ria de deixar tudo isto no passado” . Eu lhe disse: “ Esta é uma decla
ração muito impulsiva. Volte daqui há uma semana. Enquanto isso,
não veja sua esposa. Reflita sozinho” .
Ele foi para casa, e ela para um hotel, seguindo uma sugestão
minha. Marquei uma consulta para ela para dali há uma semana, e
uma para ele. Aconteceu que marquei as duas consultas no mesmo
horário, mas eles não sabiam; cada um esperava somente me encon
trar. Assim, vieram despreparados.
Quando entraram, fiz a pergunta que o marido teria feito se ti
vesse pensado nela. Disse: “ Antes de começarmos a entrevista que
determinará o futuro de vocês, há uma questão que quero colocar:
Você na semana passada viveu num hotel. Sua cama foi ocupada só
por você?” .
Ela replicou: “ Fiquei tentada várias vezes, mas imaginei que meu
marido poderia me querer de volta. Sabia que queria voltar, e não
quis arriscar isto por alguns momentos de prazer” .
Eles discutiram pouco a respeito dos casos, de modo que tive
que fazer uma pergunta pessoal. Perguntei parte para ele, parte para
ela: “ E quanto ao seu bom amigo Jack?” . Ele respondeu: “ Ele era
um bom amigo, mas receberá um adeus na próxima vez que o encon
trar” . Perguntei à esposa: “ E quanto a Bill?” . Havia uma dúzia de
amigos dele com os quais ela estava tendo um caso. Notei que o ma
rido enfatizava alguns, e era sobre esses que eu lhe perguntava. A ela,
fazia perguntas sobre os outros. Eles estavam se desfazendo de tudo
aquilo.
Eu desejava que a confrontação se desse na minha presença, por
que não queria uma discussão onde pudessem voltar a padrões ante
riores de comportamento. Ele pensaria: “ Se eu tivesse dito aquilo...” ,
e ela pensaria: “ Se tivesse respondido aquilo...” . Então seria uma
reafirmação dos padrões passados. Com a confrontação, a separa
ção e a nova confrontação, não havia possibilidade de uma discussão
até que essa situação abrasiva tivesse esfriado. Não era muito difícil
impedi-los de demorarem-se no passado — eu queria saber sobre o
futuro, não sobre o passado. Tudo isto é o fim da relação de vocês
ou o começo de uma nova? Se é o término — ponto final. Se é uma
nova relação, o que esperam dela?
Os dois foram embora juntos, e o problema dos casos amoro
sos não surgiu novamente. Um ano mais tarde, quando os vi, eles
estavam economizando dinheiro e planejando ter filhos, que mais tarde
tiveram. Durante alguns anos eu os encontrei socialmente. Certa vez,
alguns anos depois, numa conversa que estávamos tendo, ele comen
tou: “ Já estava na hora de eu descobrir que minha esposa era sim
plesmente como qualquer outra mulher” , e disse isso com um tom
divertido na voz.
Em bora alguns problemas matrimoniais sejam claramente parte
de um a luta no casam ento, outros podem surgir como um sintoma
num indivíduo. Muitos sintomas de um indivíduo são obviamente
um produto da situação m atrim onial, e Erickson lida com eles de
tal modo que os sintomas e os problemas matrimoniais são resolvi
dos concomitantemente. O modo como trabalha é, com freqüência,
tão sutil que uma apresentação detalhada de um caso é necessária aqui.
Uma paciente veio me ver devido a acessos de sufocação, de pal
pitação, sensação constante no peito, medo de não sobreviver duran
te a próxima meia hora. Quando esses acessos de sufocação e palpi
tação ocorriam? Ela disse que a qualquer hora do dia ou da noite.
Mas não levei muito tempo para descobrir que eles tendiam a aconte
cer na hora de ir para a cama. Descobri também que eles aconteciam
na hora do almoço, à tardinha, ao meio-dia, quando os amigos vi
nham fazer uma visita, se histórias picantes fossem contadas. E en
tão deixei que minha paciente pensasse que estava separando sua sin
tomatologia do quarto de dormir, relacionando os acessos também
a visitas ocasionais de vizinhos, grupos sociais casuais. Mas eu sem
pre dava um jeito de fazê-la pensar em alguma história picante que
sua vizinha tivesse lhe contado, alguma história picante que havia si
do contada num encontro social. Em geral, não deixava a paciente
me contar a história. Vamos inibir a história. O objetivo era conse
guir arrancar as inibições e trabalhá-las, mas inibindo alguma outra
coisa; inibamos a história, a narrativa dela, ao invés de inibir sua res
piração. Não faz sentido algum tentar privá-la do padrão de inibi
ções. É melhor dar-lhe muitas e muitas oportunidades de usar as ini
bições. E, assim, eu lhe permitia sentir-se inibida quanto a me relatar
as histórias, mas a in struía para se inibir. Ela não as teria mesmo con
tado, de modo algum, mas eu meramente assumi esta direção. Então
insinuei que aquela falta de ar e aquelas palpitações na hora de dor
mir deviam ter tornado a preparação para a cama difícil. Será que
o vapor do chuveiro agravava sua falta de ar e sua palpitação? Ela
teve que pensar a respeito do assunto, mas o que não sabia era que
estava pensando em si mesma nua. Esta pergunta me permitiu fazer
com que ela pensasse sobre si mesma nua sem lhe pedir que passasse
pelo processo de tirar a roupa. Assim, ela estava fazendo isto para
mim enquanto estudava a questão. Então perguntei-lhe se sair do chu
veiro e pisar no chão — a súbita mudança de temperatura do ar quente
e úmido do chuveiro para um ar relativamente mais frio do banheiro
—, será que esta súbita mudança de temperatura em sua pele agrava
va sua respiração de algum modo, acelerava as palpitações ou a falta
de ar? Se agravavam, então, ao secar o corpo com a toalha, ela me
lhorava, os sintomas diminuíam, ou o que acontecia? A mulher está
pensando em si mesma nua, no meio da sala, não atrás de uma corti
na de chuveiro, e está discutindo abertamente comigo.
Então, a próxima coisa que queria que ela fizesse era se pergun
tar o que, p o s siv e lm e n te , existia em seu quarto que poderia causar
aquele acesso, aquelas palpitações e sensação de dor no peito. Isto
porque ela desenvolvia os sintomas talvez uma hora ou uma hora e
meia antes de ir para a cama. Por conseguinte, era a antecipação psi
cológica de algo que havia no quarto. Algo no quarto! Não alguma
coisa que ia para a cama no quarto, mas alguma coisa n o quarto.
Presumo que seu problema está relacionado com o quarto devi
do à maneira extremada e trabalhosa com que alisa o vestido e escon
de os pés cuidadosamente embaixo da cadeira, mantém-se rígida e
empertigada, pela blusa de gola alta que está usando, pelo cabelo pu
xado para trás, de modo muito meticuloso, pelo fato de ter apenas
um filho. Todas as suas maneiras são extremamente rígidas, pudicas.
Todo o seu comportamento sugere isto — não sei se é verdade ou
não. Mas ela é rigida e empertigadamente recatada, e tem falta de
ar e palpitações todas as noites.
Na discussão que lhe ofereci, ela encarou o fato de estar nua
no meio da sala, e um homem estranho estar discutindo sua pele des
pida. Isto foi feito tão rápido e tão facilmente, mas é um fato, e já
aconteceu. Isto vai ensiná-la que ela irá encarar muitas outras ques
tões no quarto. Agora, muito provavelmente, mencionei, em algum
ponto da entrevista, que indubitavelmente ela tem esta sintomatolo
gia quando vai visitar a mãe ou o pai, quando visita amigos — o que
lhe dá a entender que os sintomas necessariamente não se relacionam
somente ao se u quarto e esconde o fato de que estou cônscio de que
isto possa estar relacionado a seu marido. Eu a estou ajudando a es
conder qualquer percepção da possibilidade de que isso tudo esteja
relacionado com o marido. Mas eu a e sto u a ju d a n d o a esco n d e r. En
tão, quais são as coisas do quarto? Bem, sabemos que há janelas com
cortinas, cadeiras, e há o guarda-roupa. A pergunta que lhe fiz, com
grande interesse, foi: “ Você guarda aí o baú de seu enxoval?” . Você
percebe como um baú de enxoval incorpora ou simboliza todas as he
sitações e incertezas que uma jovem nubente tem sobre o casamento
e sobre o sexo, e todas as possíveis incertezas, todas as possíveis ini
bições? Felizmente, ela guardava ali seu baú de noiva. Eu não sabia,
mas queria ter uma confirmação.
Quando ela mencionou o baú de enxoval, perguntei se ele era
totalmente feito de cedro, ou era uma daquelas adoráveis arcas pró
prias para guardar roupa-branca, ou uma combinação de materiais.
Já me esqueci como era. Ela me contou como era lindo o seu baú,
e então perguntei: “ Há quanto tempo está casada?” “ Há uns doze
anos.” Eu disse: “ Houve muitas mudanças em seu baú de enxoval,
especialmente depois que sua filha nasceu” . “ Muitas mudanças em
seu baú de enxoval” — sem nenhuma outra especificação, nenhuma
outra análise. Houve uma longa pausa, uma refletida pausa, que lhe
deu a oportunidade de, ao nível consciente, assim como inconscien
te, poder pensar em todas as mudanças que haviam ocorrido desde
que aquele baú de enxoval se tornara uma realidade para ela; haviam
transcorrido doze anos de casamento.
O que mais havia no quarto? Naturalmente, o carpete. N a tu
ra lm e n te , havia o carpete. Vejamos o que é esta afirmação. É a mais
expressiva ênfase no óbvio. É claro que há um carpete — é óbvio que
exista uma cama. Mas eu mencionara aquela cama enfaticamente ao
dizer que naturalmente havia o carpete. Assim, também aquela cama
é boa para ser mencionada e descrita. E, naturalmente, há todas as
outras coisas — não nos esqueçamos de que eu mencionara o
guarda-roupa, as cortinas e as cadeiras. Minha paciente conhece o resto
da mobília, e eu fiz uma menção incompleta das coisas. É uma tarefa
interrompida, incompleta, e minha paciente sabe disto. Ela, na ver
dade, não se interessará em mencionar a cama. Assim, fui ao encon
tro da necessidade de minha paciente de não mencionar a cama. Mas
há ainda a necessidade de completar a tarefa de mencionar a mobília
do quarto, e eu finalmente consigo isto ao dizer: “ N a tu r a lm e n te , há
um carpete” . Este “ naturalmente” significa: “ Bem, é um quarto, você
não precisa mencionar tudo o que há no quarto” . Agora minha pa
ciente sabe que vou fazer perguntas sobre o comportamento no quar
to. Não é isso que fazem os psiquiatras? Minha paciente é graduada
por uma faculdade. O sexo tem que aparecer. Tenho que perguntar
o que faz no quarto. E eu pergunto: “ Ao pendurar suas roupas à noi
te, você as coloca no espaldar da cadeira, ou em algum lado particu
lar do quarto?” . Estou na verdade indagando de que lado da cama
ela se despe — do lado direito, do lado esquerdo ou aos pés da cama.
Mas não estou na verdade falando sobre isto. Estou falando sobre o
local em que pendura suas roupas. Por exemplo, você coloca sua blu
sa nas costas ou no braço da cadeira? Como se isto fosse uma questão
importante, e é uma questão importante; a palavra “ costas” e a pala
vra “ braço” se insinuaram nas perguntas e ninguém notou, exceto
o inconsciente, devido à susceptibilidade. Como tenho diante de mim
uma mulher, suspeito que tenha conflitos sexuais de medo ou ansie
dade. E então chegamos à pergunta a respeito de onde coloca suas
roupas quando as tira. E então minha pergunta faz uma relação com
o banheiro. Eu realmente não conheço seu metabolismo. Algumas pes
soas gostam de dormir muito aquecidas à noite; precisam de pijamas
e cobertores. Outras gostam de dormir com um mínimo de roupas no
turnas; alguns mulheres realmente apreciam camisolas decotadas, real
mente apreciam. Algumas gostam de pijamas sumários, e outras de
pijamas compridos e camisolas longas. Usualmente, essa escolha está
relacionada ao modo como a pele reage à mudança de temperatura.
Ainda estamos falando em ir para cama em relação à temperatura do
corpo, às sensações da pele, à quantidade de cobertas. Então, pode
mos fazer um comentário de que um dos problemas do casamento é
com freqüência a diferença na reação fisiológica, uma questão de tem
peratura corporal ao dormir. Algumas vezes, o marido quer colocar
uma porção de cobertores, e outras não quer nenhum. Quando marido
e mulher concordam fisiologicamente, não é necessário colocar um co
bertor de um lado da cama e dois do outro. Mas já mencionei o desa
cordo entre marido e mulher e dificuldades em seu ajustamento. Ela re
plicou que Joe gostava de dormir nu e ela gostava de usar camisolas
bem compridas. Consegui minha informação de maneira muito, muito
indolor — através do processo de cultivo de cada uma de suas inibições.
A seguir, falei-lhe sobre os diferentes padrões de sono. Algu
mas pessoas dormem profundamente, outras muito levemente, e al
gumas muito desassossegadamente. Não sei qual o efeito que essa falta
de ar e essas palpitações têm sobre seu padrão de sono. Mas gostaria
que pensasse a respeito do padrão de sono de sua filha e de seu mari
do, e então especulasse a respeito de seu próprio padrão de sono. Ela
me contou que a filha podia continuar dormindo durante um terre
moto. A casa podia pegar fogo e ela continuaria dormindo. Eu sa
lientei: “ Você sabe, se tiver um segundo ou um terceiro filho, sem
dúvida notará que eles têm diferentes padrões de sono. Por falar nis
so, sua filha foi planejada, você queria só um filho, ou na verdade
gostaria de ter uma família maior?” . Quando perguntei se a filha era
uma criança p la n e ja d a , se queria um filho ú n ic o , se na verdade dese
java outros, o que estava realmente perguntando? Eles costumavam
planejar as relações sexuais de modo muito definitivo, eles ainda man
têm relações sexuais planejadas? Ainda assim, as perguntas são as
perguntas casuais que se pode esperar de um amigo. Ela declarou que
a filha era uma criança planejada, que eles queriam desesperadamen
te outros filhos, mas que isto não parecia dar certo — “ parecia não
dar certo” . Assim, ela está mencionando, diretamente, as relações
sexuais. Então mudei a direção da conversa para a questão da cami
sola lo n g a . “ Seus pés ficam frios durante a noite?” . Ora, todos nós
sabemos o que significam pés frios. “ E o que, em particular, parece
intensificar sua falta de ar e sua palpitação? Por exemplo, quando
seu marido lhe dá um beijo de boa-noite. Isto aumenta sua falta de
ar e sua palpitação?” Ela disse: “ Nós não nos beijamos para dar boanoite, porque ele sempre quer me abraçar quando o faz, e não supor
to a pressão ao redor de meu peito” . Ofereci-lhe minha simpatia e
insinuei que isto também deveria interferir no ato de fazer amor, não?
Mas, veja você, isto é uma observação superficial. O que estamos dis
cutindo é o beijo de boa-noite, e eu faço uma observação superficial
a respeito do abraço interferir com o ato sexual. Fazendo o tema vir
à tona deste modo, estou lhe fornecendo uma explanação que salva
as aparências, e ela pode me contar bem depressa e facilmente. Eu
lhe mostro como se defender ao explicar as dificuldades sexuais. Eu
prefiro o m e u método de fazê-la se defender em suas dificuldades se
xuais do que qualquer outra coisa que ela pudesse pensar, porque isto
coloca a situação em minhas mãos. Se o tema tivesse surgido de mo
do diferente, ela poderia ter dito que não tinha nenhuma dificuldade
no ato sexual. Assim, fiz surgir esta questão das dificuldades nas re
lações sexuais. Minha afirmação é essencialmente esta: Você sabe, cedo
ou tarde terei que entrar no assunto do ajustamento sexual com seu
marido; suponho que podemos muito bem fazer isto agora. Não te
nho muita certeza a respeito da quantidade de detalhes de que preci
saremos, mas diria que qualquer coisa que seja particularmente não
usual em sua mente deve ser suficiente para discutirmos. Agora, não
sei se gosta de sexo ou tem dificuldades para atingir o orgasmo. Su
ponho que as suas palpitações interfiram bastante em sua satisfação.
Mas fico cogitando se há alguma coisa em particular que você possa
pensar que eu consideraria não usual ou diferente. Ela falou: “ Bem,
suponho que vai rir de mim quando lhe contar que sempre me dispo
no escuro” .
Primeiro, eu lhe pedi que pensasse em termos de seus próprios
pensamentos; então, pedi que pensasse em termos de seus objetivos
ao vir me ver. Bem, ela usou seus próprios pensamentos, isto é total
e completamente seguro. Assim, ela começa a pensar nestes termos
seguros, e então eu lhe peço para começar a pensar em seus objetivos
ao vir me ver. Foi ela que veio a mim, e isto era uma coisa segura,
porque ela decidiu vir. Então ela me conta tudo isso e então me pede
para não caçoar dela. Perguntei-lhe se achava que alguma coisa que
governara o comportamento de uma pessoa durante doze anos de vi
da matrimonial era alguma coisa risível. Ela respondeu que não. Eu
lhe disse as palavras “ governara seu comportamento durante doze
anos de casamento” . Qual é seu comportamento nestes doze anos de
casamento? É um belo resumo de doze anos de relações sexuais. En
tão perguntei: “ Seu marido é solidário com sua modéstia?” . Não era.
“ Você o culpa por ser impaciente com sua extrema modéstia, ou re
conhece que ele é um homem? E que pensa e se comporta como ho
mem?” .
Eu já tenho algo muito crucial a respeito do comportamento
dela. Uma mulher que se despe no escuro — isto me diz que o marido
gostaria de deixar as luzes acesas, gostaria de vê-la despir-se. Por con
seguinte, acrescento: “ Naturalmente, você age do mesmo modo quan
do está em casa sozinha, não é?” . Por que digo isso? Ela não pode
realmente admitir que tem tanto medo do marido, e não quero que
ela se humilhe confessando que tem tão pouca disposição para entrar
na relação matrimonial. Porque ela irá se condenar, e já o está fazen
do amedrontadoramente. Assim, chamo sua atenção para o fato de
fazer a mesma coisa mesmo quando está sozinha em casa.
Eu mencionara as cortinas anteriormente, e agora sei estas coi
sas sobre o comportamento de tirar a roupa; por isso retorno e per
gunto sobre as cortinas. Fico sabendo que são cortinas muito espe
ciais; estores, persianas e cortinas, tudo nas mesmas janelas, e que
ela tem cortinas à prova d'água muito especiais no box do banheiro,
que é de vidro opaco. Depois que obtenho todas essas informações,
de modo tão seguro, eu lhe peço: “ Pense sobre qual seria a pior coisa
que poderia fazer quando se prepara para ir para a cama. Qual seria
a coisa mais horrível que poderia fazer? Simplesmente especule a res
peito, não me conte, simplesmente especule. Penso que isto vai lhe
dar uma nova visão a respeito de qual é seu problema, mas não tenho
certeza. Não me conte, porque quero que fique livre para especular
sobre a coisa mais horrível que poderia fazer quando se prepara para
ir dormir” . Ela ficou sentada ali, pensando, corou e empalideceu;
e, enquanto ela corava, eu disse: “ Você realmente não quer me con
tar, quer?” . Então ela teve que ter certeza de que realmente não que
ria me contar, o que é, literalmente, uma intrusão — “ Elabore esta
fantasia, qualquer que ela seja. Vista-a, porque realmente não quer
me contar” . Finalmente, ela desatou a rir e disse: “ É tão terrivelmente
ridículo que quase gostaria de lhe contar” . Eu disse: “ Bem, pense
bem se realmente quer me contar, mas, se é tão engraçado assim, eu
gostaria de saber” . Ela disse: “ Joe morreria se eu entrasse no quarto
nua, dançando” . Eu disse: “ Nós não d e v e m o s p r o v o c a r n ele u m a ta
q u e d o c o ra çã o ” . Você percebe minha intenção? Vamos dar a Joe
alguma coisa, mas não um ataque do coração. Eis aí minha base, es
tabelecida rápida e efetivamente. Eu lhe disse que ela irá fazer a lgu
m a coisa. Digo-lhe então que ela sabe que Joe realmente não cairia
fulminado por um ataque cardíaco se entrasse nua no quarto, dan
çando, mas que ela poderia pensar em muitas outras coisas que ele
faria. Ela disse: “ Sim” , com excitação. Eu disse: “ Naturalmente, você
pode fantasiar entrar assim no quarto. Você sabe o que realmente pode
fazer — pode se despir no escuro, ficar nua, e seu marido usualmente
apaga as luzes, não é? Porque ele é um homem que tem considera
ção, não é? Você pode entrar no quarto escuro dançando e ele não
saberá” . Você percebe o que isto vai fazer na atitude dela em relação
ao sexo? Eu estava literalmente dizendo a ela: V ocê p o d e realizar es
ta fantasia ridícula. V ocê p o d e achá-la divertida. Você p o d e experi
mentar uma porção de sentimentos em seu interior, de maneira mui
to, muito segura. Assim, eu a coloquei num processo de lidar com
sua própria realidade, seus próprios sentimentos. E também, sem dú
vida, havia o duplo sentido — eu lhe disse que não achava que ela
deveria fazer isto “ logo” . Eu a adverti para que não fizesse naquela
noite, ou na seguinte, ou mesmo na semana seguinte. Mas na outra
semana — nem mesmo saberia dizer se poderia acontecer na primei
ra ou na segunda metade daquela semana.
Ela me perguntou qual era o real sentido de se engajar numa
coisa tão infantil. Respondi que havia uma maneira de descobrir. En
quanto sua filha estivesse na escola maternal e ela sozinha em casa,
por que não escurecer a casa e tentar, realmente, descobrir por si mes
ma como é agradável a sensação da nudez completa? Continuei dis
cutindo o prazer de nadar nu. As pessoas com freqüência só perce
bem como o maiô é um impedimento quando sentem a água escorre
gando, não sobre a roupa de banho, mas sobre seu corpo nu. Nadar
torna-se muito mais agradável. E, se ela duvidava, deveria tomar um
banho de imersão usando um maiô. Poderia descobrir como a roup;i
é uma desvantagem. Então perguntei-lhe que tipo de dança apreciu
va. Bem, ela gostava de danças de roda — havia dançado quadrilha
— e tivera algumas aulas de balé. E gostara. Por falar nisso, ela con
fecciona muitas malhas de tricô, bordados, crochê. Faz pegadores de
panela e echarpes para dar de presente de Natal. Gosta de costurar.
Quando descobri isto, perguntei-lhe se fazia suas próprias camisolas.
Mostrei-lhe que deveria confeccionar suas roupas para a noite, ao me
nos “ montar rapidamente uma” . Empreguei a mesma frase algum
tempo depois. Este é um termo usado pelas costureiras — montar um
vestido, uma blusa. Numa entrevista posterior, falei sobre deixar seu
hábito noturno montar até o pescoço, depois até a cabeceira da ca
ma. Ela realizou a dança nua, e gostou. Contou-me como foi. Disse
que pela primeira vez em sua vida realmente havia apreciado entrar
no quarto. Contou que foi dormir rindo e que o marido quisera sa
ber por que estava rindo.
Como as crianças se sentem quando fazem algo que conside
ram ridículo e ousado? Ficam rindo sozinhas. Especialmente quando
é algo ridículo e ousado que não podem contar para os outros. Elas
dão risadinhas, e dão risadinhas, e dão risadinhas — e aquela mulher
foi dormir dando risadinhas, não contou nada ao marido, e não sen
tiu falta de ar e palpitações. Ela não poderia, de modo algum, imagi
nar ir para a cama com falta de ar e palpitação sob aquela imensa
sensação de ridículo, de ousado, de ter realizado algo embaraçoso.
Sentia muitas inibições em relação a contar ao marido, sentia muitas
inibições em se exibir para o marido. Tinha muitas inibições, e elas
eram risíveis. Então salientei: “ Você pode imaginar que com todos
aqueles risinhos seu marido deve ter ficado intrigado. Realmente, foi
uma infelicidade não terem feito amor, porque você com certeza es
tava com vontade em meio a todos aqueles risinhos” . Você deveria
ter visto a expressão incrivelmente pensativa em seus olhos. Mas fora
um comentário casual de minha parte. Então perguntei a ela o que
mais deveria fazer. Gostara realmente da sensação de liberdade físi
ca? E o n d e tinha deixado a camisola quando dançara nua no quarto?
Ela respondeu: “ Eu a estava usando como uma echarpe, e, antes de
entrar na cama, coloquei-a” .
Comecei a lidar diretamente com sexo, perguntando: “ Como
se sente a respeito das relações sexuais com ele? Você sabe, realmente
devemos chegar aos fatos duros e frios de seus desajustamentos. Lo
go que se sinta pronta a discutir o assunto, avise-me. Deixe-me saber
direta ou indiretamente. Não me importa como, e se eu for muito
estúpido e não perceber uma menção indireta, chame minha atenção” .
Na consulta seguinte, ela disse: “ Gostaria que me falasse sobre as re
lações sexuais — como um homem deveria se comportar e como uma
mulher deveria se comportar” . Então, me forneceu um relato muito
adequado de sua frigidez, seus medos, suas ansiedades, aquele com
portamento de falta de ar e palpitação. O modo como ficava sem ar
quando pensava em penetração, em defloração. Seu próprio compor
tamento de ficar sem ar e ter palpitações, da inabilidade e falta de
jeito de Joe, das incertezas e dos medos dele. Mais tarde, me contou
a respeito dos ensinamentos tolos e rígidos que sua mãe lhe dera e
sobre seu comportamento inibido na escola e na faculdade; uma ma
neira de evitar qualquer aprendizado sexual incidental. Nunca fora
realmente capaz de pensar no assunto. Queria saber o que era um orgasmo, e que eu o descrevesse — o que se sentia? Disse-lhe que cada
mulher tinha seu orgasmo individual. “ Só posso lhe descrever o que
várias mulheres me contaram — mas isto não significa muito. O or
gasmo tem que ser experimentado e tem que ser desenvolvido. Ago
ra, o que quer que eu faça para assegurar seu comportamento sexual
com seu marido? Você tem usado esta falta de ar, essa apreensão,
por muito tempo, para se garantir contra isto. Agora, suponha que
eu insista que você use este comportamento de falta de ar e palpita
ção para uma outra coisa, algo diferente.”
Muitos pacientes se ressentem se afastamos as dificuldades de
les. Muitos guardam seus apêndices em garrafas entre os tesouros fa
miliares. Não é raro ouvirmos alguém dizer: “ Este é o apêndice que
o médico retirou. Sabe quantas crises de apendicite eu tive?” . As pes
soas entesouram o problema, mas querem entesourá-lo com seguran
ça. O que eu estava dizendo a ela era: “ Vamos colocar sua falta de
ar e sua palpitação num certo tipo de garrafa — e pode guardá-la,
é sua” . Ela me contou por que queria ter aquele tipo de comporta
mento. Contou: “ Há um casal que é nosso amigo há muito tempo,
e não gosto deles. Eles sempre vêm nos visitar, sempre querem tomar
alguma coisa e sempre bebem demais. Sempre fazem críticas se não
temos o melhor uísque. Joe gosta deles. Eu não. Joe sempre ignora
uma particularidade: o homem, sempre que tem uma chance, quan
do a mulher está fora da sala, menciona que, recentemente, viu uma
bela loira. Sei que está enganando a esposa. Quero me livrar deles.
Não quero que sejam nossos amigos” . Toda vez que o casal porven
tura telefonava, ela tinha um acesso de falta de ar e palpitação; ago
ra livrou-se deles.
Ann agora sente-se muito, muito livre, para discutir sexo. Vai
para a cama nua; depois de fazer sexo, veste a camisola. Ela gosta
de dormir com a camisola, e gosta de fazer amor nua. Faz sexo três
vezes por semana, quatro vezes por semana, algumas vezes sábado
à noite e domingo de manhã, domingo à noite. Algumas vezes, quan
do estão sozinhos e a filha foi visitar alguma amiga, também nas tar
des de domingo. Liberdade perfeita. Ela desfilou alguns modelos de
camisolas sumárias para sua mãe na presença do marido. A mãe fi
cou sentada, gélida de horror. Ann disse: “ Sabe, sinto pena de mi
nha mãe, porque sei exatamente como estava se sentindo e gostaria
que não se sentisse assim” .
Este caso ilustra o extremo cuidado de Erickson para, algumas
vezes, proteger seus pacientes que ainda não estão prontos para en
carar determinados assuntos. Cautelosamente, ele manipula a entre
vista de m odo que a pessoa não seja confrontada com uma idéia que
não consegue tolerar. Mas ele é também suficientemente flexível pa
ra confrontar os pacientes e forçá-los a encarar as questões, se sente
que este é o melhor método para aquela pessoa específica. O caso
seguinte ilustra uma abordagem de confronto. Representa também
a economia e a eficiência com que ele lida com os problemas à medi
da que vai ficando mais velho. O caso é o de um a família com vários
membros, cada um com um problem a grave, que havia resistido a
terapias anteriores. Erickson os reforma rapidamente, utilizando uma
técnica direta com cada um deles. Como é típico da terapia familiar,
se o terapeuta puder produzir uma mudança num dos membros da
família, ou no relacionamento familiar, tem chances de obter suces
so com o próximo que abordar.
Um homem entrou e disse: “ Tenho uma dor de cabeça teimo
sa. Ela me persegue desde os sete anos de idade. Consegui cursar a
escola e a faculdade a despeito dela. Construí meu próprio negócio.
Ele vai muito bem, mas sinto dor de cabeça o dia inteiro. Já fui a
centenas de médicos, fiz milhares de raios X; gastei milhões. Tenta
ram me dizer que está tudo em minha cabeça. E sei que é verdade,
mas não queriam dizer isto; queriam dizer que sou louco. Finalmen
te, decidi vir vê-lo porque faz aconselhamento familiar e minha fa
mília tem uma porção de dificuldades. Espero que não me insulte.
Outra razão por que estou aqui é que penso ter ficado viciado em
drogas. Não consigo viver sem cocaína e Perkodan” .
Deixei que ele me contasse toda a história. Então, para sua sur
presa, resumi deste modo: “ Você sente esta dor de cabeça desde os
sete anos de idade. Você a sente todos os dias. Vai para a cama com ela
à noite. Acorda de manhã com ela. Você a sentia no dia em que se
casou, no dia em que cada um de seus seis filhos nasceu, quando cada
um deles aprendeu a andar, no dia em que cada um dos seus seis filhos
foi para o jardim-de-infância. Você é um homem de negócios hones
to? Você realmente se acha um homem de negócios ético e honesto?” .
Ele ficou muito espantado. Eu disse: “ Há várias espécies de ho
nestidade. Ela não se relaciona somente ao dinheiro, a coisas mate
riais. Você me contou que guarda a dor de cabeça de uma criança
de sete anos durante anos a fios. Por que cargas d ’água não deixa
aquela criança de sete anos te r a sua dor de cabeça? O que faz um
homem adulto como você guardar a dor de cabeça de uma crianci
nha durante trinta anos?
Ele tentou explicar, mas eu só conseguia entender que ele havia
conservado a dor de cabeça de um garoto de sete anos, e eu realmen
te o culpei por isso.
Ele era honesto nos negócios. Tinha de se defender num assun
to de negócios. Tinha que concordar comigo. Era terrivelmente difí
cil concordar e discordar ao mesmo tempo.
Tinha que concordar que era honesto nos negócios, o que era
importante para ele. E colocar a afirmação de honestidade nos negó
cios no mesmo nível da acusação de ter roubado a dor de cabeça de
um garotinho — não se pode colocar as duas coisas no mesmo nível.
E não tinha nenhuma maneira de me contestar.
Se eu não o tivesse enquadrado deste modo, começando primeiro
com os negócios, não teria nada de efetivo para dizer sobre a dor de
cabeça. Temos que começar de tal maneira que as pessoas não tenham
como nos contestar.
Ele foi embora muito bravo comigo. Notou, na hora do jantar,
que não sentia dor de cabeça. Mas sabia que a sentiria quando fosse
para a cama. E sabia que iria precisar de sua dose de remédio. Mas
não sentia dor de cabeça e não quis seu Perkodan. Mas sabia que te
ria dor de cabeça ao acordar, e ansiaria pela droga. Ficou muito sur
preso quando isto não aconteceu.
Ele veio me ver pela primeira vez em 26 de fevereiro, e no dia
17 de abril ele entrou em meu consultório e, desculpando-se, emba
raçado, disse: “ Receio que estivesse com a razão. Eu estava agarran
do a dor de cabeça de um garotinho. Esperei, e esperei. Esperei dia
riamente desde aquele primeiro dia, e agora, finalmente, concluí que
não sou viciado em drogas. Não sinto dor de cabeça” .
Comentei: “ Bem, isto tomou-lhe muito tempo — do dia 26 de
fevereiro ao dia 17 de abril. Custou a decidir que não sentia dor de
cabeça. Você é lento para aprender, não? Há algo.mais. Você men
cionou que sua família não era muito feliz. Conte-me que espécie de
sofrimento você infligiu à sua esposa, em que tipo de megera infeliz
você a transformou, e a quantos de seus seis filhos causou danos?” .
Ele respondeu: “ Bem, meu filho mais velho é difícil de lidar.
O seguinte é uma menina obesa. O seguinte é um menino, tem cator
ze anos e ainda está na primeira série. Gastamos milhares de dólares
tentando ensiná-lo a ler. O filho seguinte tem lábio leporino e não
fala com clareza. Os outros dois ainda são muito pequenos para de
monstrarem quanto dano foi feito” .
Eu disse: “ Agora que você sabe todo o dano que causou ao se
agarrar à dor de cabeça de garoto, é melhor que peça à sua esposa
que venha me ver. Você sabe que corrigi sua desonestidade. Agora
me envie sua esposa e deixe-me corrigir os danos que fez a ela. Faça
com que traga a menina gorda e o menino de catorze anos que ainda
está na primeira série” .
Gastei umas quatro horas dizendo à mulher, em termos muito
malcriados, que ela era a suprema megera, que deveria se envergo
nhar de si mesma. Ela ficou consternada. Tentou se defender. Conti
nuei insultando-a. A menina e o garoto de catorze anos tentaram
defendê-la. Eu disse à menina: “ Fique de pé e dê meia-volta. Quan
tos anos você tem, quanto pesa, percebe que parece uma bruxa horri
pilante?” .
A menina ficou tão furiosa que foi embora. Eu disse ao menino
de catorze anos: “ Agora, quando chegar em casa, quero que pegue
o jornal e simplesmente copie umas cem palavras dele. Uma de um
lugar, outra da página seguinte, e assim por diante. Não copie nunca
palavras que estiverem juntas, mas copie palavras de cem lugares di
ferentes” .
Virei-me para a mãe e disse: “ Quanto a você, simplesmente re
flita como se transformou de uma jovem boa e doce numa megera
rabugenta, briguenta e gritona. Realmente, deveria envergonhar-se
de si mesma. Já tem idade suficiente para saber das coisas” . Após
quatro horas desta arenga, a mãe finalmente exclamou: “ Não vou
agüentar mais estes insultos” , e correu para fora do consultório. Ela
morava há uns dez quilômetros de distância. Entrou no carro, e pude
notar a fumaça saindo pelo escapamento quando fez a curva. Após
um espaço de tempo suficiente para percorrer aqueles dez quilôme
tros, o telefone tocou. Era a voz dela, e ela estava ofegante. Disse:
“ Corri da garagem até aqui para telefonar para você. Estava a meio
caminho de casa quando percebi que disse a verdade. Estava me con
sumindo durante o trajeto até perceber que tudo o que você disse era
verdade. Quando posso ter outra consulta?” .
Marquei-lhe uma consulta para o dia seguinte, e disse: “ Traga
seu marido, e seu filho de catorze anos. Providencie para que ele te
nha copiado as cem palavras” .
Quando os pais chegaram, eu disse: “ Vocês já conseguiram cal
cular quantos milhares de dólares gastaram com escola particular, psi
cólogos, professores particulares para a leitura e outras coisas?” . O
pai respondeu: “ Bem, o Estado paga parte de tudo isso, porque a
direção da escola se sente obrigada a fazer com que o menino leia.
Por isso, estão pagando dois terços do custo. Mas está nos custando
uns cem dólares por mês” .
Eu disse: “ Bem, vejamos o que o menino copiou. Não é espan
toso que ele reconheça as letras maiúsculas, as minúsculas, o início
das frases, que até mesmo coloque um ponto numa palavra que é a
última da frase? Sabem, penso que o menino consegue ler e está es
condendo este fato dele mesmo, assim como de vocês. Se me deixa
rem trabalhar com ele, farei com que termine a oitava série. Estamos
em abril, o semestre termina no fim de maio. Darei ao menino o mês
de junho para descobrir sozinho que sabe ler. No dia 1? de julho, se
ele não conseguir ler o manual da oitava série, eu me encarregarei
de sua educação. Cancelem o contrato com a escola especial. E pe
çam ao diretor da escola elementar que dê a ele um diploma da oita
va série. Ficarão contentes em se livrar do menino. Eu o receberei” .
Marquei uma data para recebê-lo sozinho.
Quando veio me ver, eu disse: “ Bill, ande daqui até lá. Agora,
ande de costas de lá até ali. Agora, ande de lado para a direita, e para
a esquerda. Ande em minha direção, de frente, agora ande em minha
direção de costas, ande para longe de mim de frente, e para longe
de mim de costas” . Depois que ele fez tudo isto, eu disse: “ Agora
você pode se formar na oitava série. Você consegue andar. Não pode
negar o fato de que sabe andar. Ora, você vive a uns dez quilômetros
daqui. A partir de amanhã você pegará seu pé direito e o colocará
à frente do esquerdo, e então o esquerdo à frente do direito, durante
os dez quilômetros de sua casa até chegar aqui, às nove horas. Quan
do chegar, pode se sentar numa das salas, pode beber um copo de
água. Traga um sanduíche. E poderá ficar lendo até as quatro horas.
Não me importo com o que vai trazer para passar o tempo. Mas não
traga nada com que possa brincar” .
Um dia ele demonstrou que a batalha havia sido ganha quan
do, às quatro horas, me disse: “ Posso ficar mais uma hora? As fra
ções são muito interessantes” . Havia trazido seus livros escolares. Pas
sou para o segundo grau.
Quando veio me ver pela primeira vez, não conseguia atirar uma
bola; não havia aprendido como fazê-lo. Nunca havia brincado com
outras crianças, simplesmente ficava observando. Ele começou o se
gundo grau naquele setembro, porque eu havia lhe explicado: “ Bill,
você pode continuar andando dez quilômetros até aqui todas as ma
nhãs, chegando às nove horas. E quando voltar andando para casa
estará cansado o suficiente para ir para a cama. Sua mãe lhe dará
um jantar adequado; você terá bastante fome para comer, e cansaço
suficiente para ir direto para a cama. Pode fazer isto durante setem
bro, outubro, novembro, dezembro — quer dizer, no dia de Ação
de Graças, de Natal, todos os domingos — janeiro, fevereiro, mar
ço, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro,
dezembro, e assim por diante. Durante quantos anos quiser. Ou po
de se matricular no segundo grau e rezar para passar em todos os exa
mes” .
Ele se matriculou, passou nos exames com notas C e B e então
se interessou pelo time de tênis e começou a participar dele no pri
meiro semestre. Agora cursa o último ano do segundo grau.
O pai voltou a ter dor de cabeça em maio, quando um negócio
deu errado. A esposa me telefonou e contou que a dor de cabeça do
marido havia voltado. Eu disse: “ Diga para ele me telefonar quando
chegar em casa” . Ele o fez, e eu perguntei: “ A que distância fica seu
r
escritório?” . Ele respondeu: “ A uns cinco quilômetros” . E eu:
“ Assegure-se de conseguir levantar bem cedo para poder caminhar
até ele; o ar fresco curará a dor de cabeça” .
A garota gorda se casou. Fugiu duas vezes do marido nos pri
meiros seis meses. Trancou-o fora do apartamento. Certa feita, ele
teve de arrombar a porta. Então, na sua ausência, ela voltou para
a casa da mãe, que refletiu: “ Seis meses de casamento, duas fugas,
uma porta trancada, uma porta arrombada, uma terceira fuga de volta
à casa dos pais. O casamento não é bom” . Levou a filha de volta
ao apartamento e fez com que empacotasse todas as suas coisas. Es
creveu um bilhete dizendo que não queria ver o marido de novo. A
mãe trouxe a filha para me ver e disse: “ Você endireitou todos nós,
e quanto à minha filha?” .
Eu disse: “ Sente-se na outra sala. Não feche a porta muito
bem” . Voltei-me para a filha e pedi: “ Conte-me a respeito de seu ma
rido” . Durante uns três quartos de hora, fiquei escutando ela me con
tar como o marido era maravilhoso, como ela estava apaixonada, co
mo todas as suas brigas não passavam de ataques momentâneos de
raiva, como tudo era açúcar sobre o mel.
Ao fim de três quartos de hora, a mãe entrou e disse: “ Estava
ouvindo minha filha lhe contar como o marido é maravilhoso” , e,
voltando-se para a filha: “ E você sabe o que m e contou a respeito
dele. Acho que fui a maior tola do mundo. Acho que meti meu nariz
onde não era da minha conta. Vou levar você para casa. Você não
vai discutir seu casamento com seu pai ou comigo. Não vai usar o
telefone para discuti-lo com seu sogro. Pode ficar em nossa casa quan
to tempo quiser, mas vai resolver seu casamento sozinha. Ou você
fica casada ou se divorcia. Mas seu pai e eu não vamos interferir. Va
mos deixar que coma e durma lá em casa, mas não lhe daremos di
nheiro para nenhuma outra coisa” .
A jovem estava tão absorvida em seus pensamentos que nem
notara eu dizer à mãe para “ não fechar muito bem” a porta.
Mas, e quanto àquela minha maneira arbitrária de lidar com
eles? A mãe perguntou: “ Por que cargas d’água sempre engoli o que
você me impingiu?” . Respondi: “ Você estava em dificuldades, sabia
disso, e eu também sabia. Não conseguia encontrar uma desculpa para
suas dificuldades. E não conseguia sair delas. Você toma um remé
dio. Não sabe o que é, mas engole porque o médico receitou. Foi por
isso que você fez o que mandei” .
D ESEM BA R A Ç A N D O
PA IS E F IL H O S
Um dos consolos da vida é sabermos que os problemas hum a
nos permanecem os mesmos através dos séculos, o que nos dá uma
sensação de continuidade. Apesar disto, aprendemos a pensar em ve
lhos problemas de maneiras novas, e então temos a oportunidade de
m udar. Uma idéia nova apareceu no m undo durante o século atual,
e este livro, especialmente este capítulo, é um a tentativa de comuni
car as novas possibilidades de resolução de velhos problemas. Exa
minemos o modo como um problem a foi definido, e a cura tentada,
pelo grande hipnotista A nton Mesmer, há cento e cinqüenta anos,
e façamos um a com paração com a abordagem contem porânea do
hipnotista M ilton Erickson.
Escrevendo, no século XVIII, Mesmer relata:
Assumi o tratamento da srta. Paradis, de dezoito anos... Ela
recebe uma pensão porque é quase cega desde a idade de quatro anos.
Tem uma amaurose perfeita, com convulsões nos olhos. Além disso,
é vítima de melancolia, acompanhada de obstrução do baço e do fí
gado, o que, em geral, provoca um acesso de delírio e raiva de tal
intensidade que ela estava convencida de que estava perdendo a razão.
Mesmer levou a moça, junto com outros pacientes, para sua
casa e tratou dela com a assistência da esposa e de outras pessoas.
O pai e a mãe da srta. Paradis, que testemunharam sua cura
e o progresso que ela estava fazendo no uso de sua visão, se apressa
ram em tornar conhecido o ocorrido e como estavam satisfeitos... O
sr. Paradis começou a temer que a pensão da filha, e várias outras
vantagens de que desfrutava, pudessem cessar. Por isso, pediu que
ela voltasse para sua casa. A moça, apoiada pela mãe, não se mos
trou disposta a retornar, e demonstrou medo de que a cura não esti-
vesse completa. O pai insistiu, e a disputa fez reaparecerem os acessos de
delírio, conduzindo a uma infeliz recaída. No entanto, eles não tiveram
efeitos sobre os olhos e ela continuou vendo melhor. Quando o pai per
cebeu que estava melhor... exigiu calorosamente sua filha e forçou a es
posa a fazer o mesmo. A moça resistia... A mãe arrancou, com raiva,
a filha das mãos daqueles que estavam tomando conta dela, dizendo:
“ Menina desventurada, você se tornou unha e carne com as pessoas
desta casa!” , enquanto arremessava com fúriaam oça contra a parede.
Mais tarde, o pai polidamente pediu para levar a filha para uma
casa no campo para um repouso, e Mesmer relata:
No dia seguinte, fiquei sabendo que a família da moça afirma
va que ela ainda estava cega e continuava sujeita aos ataques. Eles
a exibiram e forçaram a imitar os ataques e a cegueira.*
Mesmer, pensando dentro do contexto de sua época, conside
rou que o problem a era a srta. Paradis. Como sua observação era
individual, Mesmer considerava a família periférica ao problem a da
moça. Ela se tornou um obstáculo ao tratam ento, e um enigma para
ele, visto que o pai e a mãe não acolheram bem seu sucesso em aju
dar a filha a se modificar.
Se caminharmos cem anos no tempo, vamos encontrar Sigmund
Freud refletindo, da mesma m aneira, sobre um problem a similar.
Há muitos anos, aceitei uma moça para tratamento analítico;
durante um período considerável, ela, devido a um terror, não era
capaz nem de sair de casa, nem conseguia ficar sozinha. Após muita
hesitação, a paciente confessou que seus pensamentos haviam estado
muito ocupados com alguns sinais de afeição que havia notado, por
acaso, entre sua mãe e um amigo abastado da família. Muito sem ta
to — ou com bastante esperteza —, deu à mãe uma pista do que esta
va sendo discutido na análise; ela o fez alterando seu comportamen
to em relação à mãe, insistindo que ninguém, a não ser a mãe, pode
ria protegê-la contra o terror de ficar sozinha e colocando o corpo
diante da porta quando ela tentava sair de casa. A mãe anteriormen
te era muito nervosa, mas se curara, anos antes, com uma estada num
estabelecimento hidropático — ou, em outras palavras, podemos di
zer que fora então que conhecera o homem com quem estabelecera
a relação que havia se mostrado satisfatória em mais do que um
aspecto. Desconfiada com as exigências apaixonadas da filha, a mãe
de repente c o m p re e n d e u o que o terror dela significava. A moça
adoecera para fazer da mãe uma prisioneira e roubar-lhe a liberdade
* J. Ehrenwald, F r o m m e d ic in e m a n to F r e u d , Nova York, Dell, 1956, pp. 268-74.
necessária para manter seu relacionamento com o amante. A mãe ime
diatamente tomou uma decisão: colocou um fim no tratamento pre
judicial a seus interesses. A moça foi mandada para uma casa para
pacientes nervosos e, durante muitos anos, era ali apontada como uma
“ infeliz vítima da psicanálise” ; durante este mesmo período, fui per
seguido pelos rumores danosos a respeito dos resultados infelizes do
tratamento. Mantive silêncio porque me sentia preso às regras do si
gilo profissional. Anos mais tarde, fiquei sabendo por um colega que
visitara a casa que a moça sofria de agorafobia, que a intimidade en
tre a mãe e o homem rico era do conhecimento de todos, e que com
toda a probabilidade contava com a conivência do marido e pai. A
cura da moça fora sacrificada a este tipo de “ segredo” .
Como Mesmer, Freud pensou que seu problem a era a moça,
e que a mãe estava interferindo no tratam ento devido a interesses
pessoais, com a colaboração do pai. Falando a respeito de famílias,
na mesma discussão, Freud diz:
No tratamento psicanalítico, a intervenção dos parentes é um
verdadeiro perigo e, mais ainda, um perigo com o qual não sabemos
lidar. Estamos armados contra as resistências do paciente, que reco
nhecemos como necessárias, mas como podemos nos proteger contra
as resistências externas? É impossível contornar os parentes com al
gum tipo de explicação, nem os podemos induzir a ficar fora do as
sunto; nunca se pode ficar íntimo deles, porque se corre o risco de
perder a confiança do paciente em nós, porque este — com acerto,
naturalmente — exige que a pessoa em quem confia tome seu parti
do. Qualquer um que conheça algo a respeito das dissensões que comumente dividem a vida familiar não ficará abalado em sua capaci
dade de analista ao descobrir que as pessoas mais próximas ao pa
ciente freqüentemente demonstram menos interesse em sua recupera
ção do que em mantê-lo como está... os parentes... não deveriam opor
sua hostilidade aos nossos esforços profissionais. Mas como induzir
pessoas que não nos são próximas a tomar esta atitude? Pode-se na
turalmente concluir também que a atmosfera social e o grau de cultu
ra do ambiente imediato ao paciente exercem considerável influência
sobre as perspectivas do tratamento.
Este é um panorama melancólico para a psicanálise como tera
pia, que pode mesmo explicar a maioria esmagadora de nossos fra
cassos levando em conta estes fatores externos perturbadores!*
* Sigmund Freud, l n t r o d u c t o r y le c tu re s o n p s y c h o - a n a ly s is (Nova York, N orton, 1929,
pp. 385-86). A solução pessoal de Freud para sua inabilidade em lidar com a família é
curiosa. Ele afirma: “ Nos anos que precederam a guerra, quando o fluxo de pacientes
de muitos países me tornaram independente da boa vontade ou desfavor de minha cidade
natal, formulei a regra de nunca aceitar para tratam ento alguém que não fosse s u i j u i s ,
Mesmer e Freud pensavam saber o que fazer com um paciente
individual, mas não sabiam o que fazer com os parentes, em bora
Freud reconhecesse que o tratam ento poderia fracassar se não se li
dasse com acerto com a família. Ambos trabalharam com um a m o
ça e descobriram que, quando produziram melhoras, os pais reagi
ram contra eles e tiraram as filhas do tratam ento. Tentando resolver
este comportamento intrigante dos pais, cada terapeuta procurou uma
explicação segundo seus interesses. Mesmer pensou que os pais da
srta. Paradis estavam preocupados com a perda da pensão e suspei
tou também de que poderia haver alguma tram a política contra ele.
Freud buscou um a explicação na tentativa de esconder o com porta
mento sexual imoral da mãe da moça. D efrontados com um proble
ma similar, outros terapeutas explicariam a situação sobre outras ba
ses. Mas o que foi descoberto neste século, em centenas de casos,
é que este tipo de resposta dos pais à melhora de um adolescente que
tem um problem a grave é típica. A explicação não pode sempre se
restringir a questões financeiras ou de moralidade; um fator mais geral
opera aqui. Quando um filho se aproxim a da idade apropriada para
deixar a casa dos pais, o “ problem a” não é o filho, mas o estágio
de crise no qual a família entra. Lidar com os pais é essencial para
o tratam ento, porque e le s são o problem a. Tanto o relato de Mes
mer quanto o de Freud seriam vistos por muitos terapeutas familia
res como problemas típicos do estágio da vida familiar no qual as
crianças cresceram e começam a sair de casa. Nesta época, novos pro
blemas aparecem, os antigos se tornam mais extremados, e o tera
peuta que está intervindo na situação não está lidando com um indi
víduo, mas com um a fase da vida da família onde as dificuldades
podem adquirir uma variedade de formas.
Anteriorm ente, neste trabalho, enfatizamos os dilemas de um
jovem que tentava se separar dos pais e estabelecer sua própria vida.
P ara que isto possa ocorrer, os pais precisam se desembaraçar dos
filhos, e é este aspecto do problem a que será realçado aqui. O ser
hum ano é o único animal que tem parentes por afinidade, e também
é o único que precisa enfrentar a extraordinária m udança que repre
senta deixar de cuidar dos filhos e passar a tratá-los como com pa
nheiros. Q uando os filhos crescem e começam a rum ar para um a vi
da independente, mudanças im portantes devem ocorrer na família.
O que Mesmer e Freud não tinham era a idéia de que os “ sin
tom as” são contratos entre pessoas que desempenham muitas fun
ções, inclusive as protetoras. Não só os pais resistirão à melhora do
independente dos outros em todas as relações essenciais da vida. Todos os psicanalistas
não podem fazer estas estipulações” (p. 386). Um tal tipo de estipulação elimina essen
cialmente todos aqueles envolvidos com outras pessoas por qualquer vínculo de dependência.
adolescente perturbado, mas o filho também resistirá às mudanças
se algo não for feito a respeito de sua família. Q uanto mais extrema
do o com portam ento, mais se torna possível que uma catástrofe sur
ja na família com esta modificação. Uma vez que se tenha apreendi
do este ponto de vista, uma variedade possível de métodos para re
solver a situação se torna evidente. Um terapeuta pode empreender
um tratam ento de crise e reunir toda a família neste momento de ins
tabilidade, ou pode intervir através da mãe, do pai, do filho, dos pa
rentes, ou através de todas essas técnicas simultaneamente. A pro
babilidade de fracasso é m aior se tentar estabilizar a situação atra
vés de um a hospitalização ou da prescrição de remédios para o fi
lho. Ele terá melhor chance de ser bem-sucedido se mantiver o foco
sobre toda a família e mover o filho para fora, rum o a um a situação
vivencial normal, enquanto mantém o seu envolvimento com a fa
mília.
Erickson usa uma variedade de maneiras para lidar com a crise
neste estágio da vida familiar. Seu modo de trabalhar com uma jo
vem e seus pais pode ser com parado com as abordagens de Mesmer
e Freud. Ele descreve a maneira como lidou com o problema:
Uma jovem me foi trazida pelo pai. Sofria de esquizofrenia agu
da. O pai permaneceu na cidade uma semana para evitar que a mãe
viesse buscar a filha e levá-la para casa. Então conheci a mãe. Arru
mei para que a moça ficasse na cidade enquanto os pais voltavam pa
ra a costa.
A jovem tinha excesso de peso; suas coxas e seus quadris eram
horrivelmente gordos. Ela tinha também um estilo especial de se re
colher, um tipo vago de fantasia que a afastava deste mundo. Não
coordenava as sensações táteis com a visual. Podia sentir o braço da
cadeira, mas quase não o percebia visualmente.
Segundo a moça, desde a mais tenra infância a mãe a odiara.
A mãe costumava aproveitar-se das ausências do pai para espancá-la
quando criança. Costumava dizer-lhe que ela era repelente e sem gra
ça, que não tinha futuro, que o pai não prestava para nada, era um
egoísta. A mãe insistia em que havia sido muito bonita, e que ter aque
la criança miserável havia arruinado sua aparência. Meu problema
era ensinar a moça a reconhecer o fato de que era uma jovem bonita.
E que não precisava comer demais. Expressei curiosidade a respeito
das belas coisas que deveriam estar dentro daquele envoltório de gor
dura.
Conversei com a mãe a respeito da filha. Ela não desejara a
criança, e, quando engravidou, nem ela nem o marido ficaram con
tentes. A mãe fixou na menina a idéia de não ser uma criança deseja
da. De fato, ria quando a garotinha estava na banheira, chamando-a
de gorda e repelente. Quando conversei com a filha a respeito da mãe,
chamei a mãe de porca gorda. Perguntei-lhe por que cargas d’água
o pai não torcia o pescoço de uma porca gorda como a esposa, que
berrava, uivava e batia numa criança que era fruto do que deveria
ter sido uma relação sexual feliz. Quando dizia este tipo de coisas,
a filha ficava tensa. Quando a tornava tensa o suficiente, eu a dis
traía. Perguntava: “ Seu cotovelo está confortável no braço da cadei
ra?” . E iniciava uma investigação. Dizia: “ Sim, você quase não con
segue encontrar o braço da cadeira — só o sente com seu cotovelo.
Como pode encontrá-lo com o cotovelo, pode realmente desfrutá-lo.
Seu braço pode achar o braço da cadeira e você pode achar seu bra
ço” . Assim, desenvolvi cada vez mais sua capacidade de sentir.
Eu a distraía quando ela ficava tensa com as críticas feitas à mãe,
que mobilizavam suas emoções. Não queria que suas emoções fos
sem despertadas, e por isso deixava que as dispersasse a seu próprio
modo. Eu podia mobilizá-las, distraí-las e as emoções ficavam exata
mente onde eu queria que ficassem. Então podia oferecer outra críti
ca à mãe, intensificando suas emoções, distraindo-a de novo. Dizia
que se o pai quisesse ter uma amante, quando a esposa lhe negasse
sexo, eu entenderia. Eu mobilizara suas emoções e ela podia ligá-las
às necessidades do pai e a seus direitos. Toda a sua intensidade emo
cional se dirigia para o direito do pai de manter relações sexuais com
qualquer mulher que escolhesse, inclusive sua mãe. Na verdade, sem
dúvida, o pai n u n c a havia dado um passo em falso, mas a mãe fizera
a filha pensar que ele dera. Ao construir as emoções dela, e então
mencionar os direitos do pai, eu a estava dirigindo para tornar-se pro
tetora em relação ao pai e inclinar-se a favor dos direitos que eu que
ria que identificasse com ele. Era difícil para ela identificar-se com
a mãe, exceto na gordura e em todas as coisas erradas. Mas o pai era
um bom homem, e quando ela começou a defender os direitos dele,
passou a se identificar com todas as coisas boas dele. Você começa
a defender meus direitos e então o que acontece? Você se torna meu
aliado, você se torna parte de mim.
De acordo com esta descrição, parece que Erickson está ape
nas enfocando a filha como outros terapeutas, que ignoram o con
texto familiar. Na medida que a filha faz triangulação com os pais,
ela não pode adquirir autonom ia sem ocasionar uma ruptura na vi
da deles. Com a melhora, em tais casos os pais geralmente retiram
a filha do tratam ento, criam problemas entre eles e, com freqüên
cia, se divorciam. Não é um a questão da percepção da filha a respei
to dos pais, mas das reações deles, em suas vidas reais, à mudança
da filha, ao fato de ela deixar de ser um veículo de comunicação en
tre eles. No entanto, Erickson não lida meramente com a filha. En
quanto trabalha com ela, continua a relação com os pais e os ajuda
a sobreviver à melhora da filha. Como ele conta:
Aconselhei o pai a se separar da esposa e viver em um lugar di
ferente. Uma vez ou outra, poderia achar a esposa apetecível, ir para
casa e manter uma relação sexual com ela. Ficaria uma semana, ou
duas, se a situação estivesse agradável. A mãe era uma excelente jo
gadora de golfe e, sob muitos aspectos, uma companheira maravi
lhosa.
Consegui que ela me telefonasse regularmente enquanto estava
tratando a filha. Ela me usava como uma espécie de pai, que podia
falar com ela de modo rude, porém impessoal. Quando ela fazia al
guma coisa errada, me telefonava, me contava, e eu a chicoteava pe
lo telefone. Assim, me mantive em contato com os pais enquanto tra
tava a filha.
Trabalhei bastante com a moça. Ensinei-lhe como seu corpo era
bom debaixo do envoltório de gordura. Podia elogiar seu corpo, dizerlhe como era atraente; mas, ainda assim, ele permanecia coberto, não
só por suas roupas, como por uma camada de gordura. Ela não ha
via enxergado a beleza de seu corpo, e eu estava falando a respeito
dela — de modo que era um tema remoto, sobre o qual eu discorria
livremente. Dei-lhe uma boa apreciação narcisista a respeito de seus
seios, seu ventre, suas coxas, seu monte de Vênus, os grandes lábios,
a pele macia da parte interna da coxa, por baixo da camada de gor
dura. Eu estava muito interessado em descobrir o que era aquela mo
ça bonita por baixo do envoltório de gordura. Ela agora está casada
e feliz e vai ter um bebê neste verão. Casou-se com um bom rapaz,
que eu aprovei. Ela me perguntou: “ Devo convidar minha mãe para
o casamento?” . Temia que a mãe pudesse aparecer e fazer uma cena
lacrimosa, histérica. Temia que ela censurasse os dois, os parentes
do noivo e seu pai. Ainda assim, sentia que deveria convidar a mãe.
Eu disse: “ Ponha sua mãe na linha. Diga-lhe para se sentar, fechar
a matraca e escutar o que tem a dizer. Então, com absoluta firmeza,
explique-lhe que é bem-vinda ao casamento e forneça su a definição
de uma boa mãe — uma pessoa bem-comportada, bem-equilibrada
e cortês” . A moça realmente estabeleceu os limites e a mãe ficou ater
rorizada. E se comportou de maneira excelente.
O método de Erickson, neste caso, é claramente fazer a família
ultrapassar um a fase de seu desenvolvimento. Ao invés de enfocar
a moça e fazer com que os pais a retirassem do tratam ento quando
ela melhorasse, ele abordou tam bém a situação dos pais. Simulta
neamente, lidou com as deficiências da moça, estabeleceu um a rela
ção contínua com a mãe e o pai, deu-lhes seu apoio e reconheceu
seu casamento ao fazer o pai se m udar e então voltar em seus pró
prios termos. Ao invés de deixar os dois se separarem espontanea
mente à medida que a filha melhorasse, o que acontece em muitos
casos, Erickson arranjou a separação, retirou a moça de casa e a es
tabeleceu num casamento; então, juntou os pais de novo sob novas
bases.
Ao contrário de muitos terapeutas de família, Erickson não tra
balhou com a família reunindo-a regularmente como um grupo. Al
gumas vezes ele faz isto, outras não. Nos prim órdios da terapia fa
miliar, os terapeutas em geral pensavam que pais e filhos deveriam
continuar a viver juntos enquanto a terapia os ajudava a clarear suas
comunicações mútuas e a chegar a um entendimento. Q uando esta
abordagem fracassou, muitos terapeutas de família passaram a usar
um a estratégia de m udar o filho para um cenário normal (ao invés
de transferi-lo para o hospital mental), como um apartam ento ou
pensão, enquanto continuavam as sessões de terapia familiar. M era
mente fazer com que a família converse reunida enquanto o filho
permanece em casa nunca resolve a crise da saída dele. Erickson apren
deu a preferir um método que não visava fazer surgir um a aproxi
m ação nesta situação. Numa conversa, em 1958, ele objetava contra
a idéia de m anter o filho dentro da família, “ para que aprendesse
a m anejar os pais de modo diferente” . Ele disse: “ Pode um jovem
viver neste tipo de família e realmente aprender a m anejar seus pais
diferentemente? Ele teve toda uma vida para aprender como n ã o li
dar com eles com sucesso. Aprendeu uma enorme quantidade de m a
neiras, muitas pequenas habilidades de como não lidar bem com os
pais. Usualmente, arranjo para que o jovem fique separado enquan
to continuo lidando com os pais” .
Algumas vezes Erickson recebe toda a família e modifica o re
lacionamento entre filhos e pais, em bora com m aior freqüência pre
fira recebê-los separadamente, e só ocasionalmente juntos. Um exem
plo de como lida com um problem a relativamente brando recebendo
a família toda junta ilustra como ele rapidamente força os pais e o
jovem adulto a se relacionarem de modo mais m aduro e com respei
to.
Uma família composta de pai, mãe e filha veio me ver, e eu os
recebi juntos em meu consultório. Os outros filhos da família eram
adultos e moravam fora de casa. Esta última era adolescente, e mui
to turbulenta. Os pais também eram turbulentos, e os três eram incapazes de se ouvir reciprocamente.
Quando percebi a situação, mandei-os sentar e disse-lhes que
queria que falassem, um de cada vez. Declarei que, enquanto uma
pessoa estivesse falando, as outras duas deveriam manter suas bocas
fechadas. Encorajei um relato completo e tendencioso do pai, da
mãe e da filha. Não me lembro da ordem em que os fiz falar — algu
mas vezes eu a vario. Mas, neste caso particular, deixei que a filha
fosse a última.
Cada um deles expressou seus sentimentos, enquanto os outros
dois escutavam. Então eu falei: “ Muito bem, deixem-me pensar” .
Depois de alguns minutos, voltei-me para a filha e disse: “ Quero que
você, durante cinco ou dez minutos — pode olhar o ponteiro de se
gundos do relógio em frente —, pense bem, em sua mente, tudo o
que quer dizer a seus pais — coisas agradáveis, desagradáveis, indife
rentes — e estabeleça a ordem na qual quer dizê-las. Faça isto fran
ca, categórica e honestamente. Agora, eu também ficarei olhando para
o relógio. Isto deve durar uns dez minutos. Então você saberá exata
mente como usar os dez minutos seguintes” .
Ora, presumivelmente eu a estava fazendo refletir sobre o que
tinha a dizer, mas, na verdade, eu estava alterando a situação. Eu
disse: “ Ao fim de dez minutos você saberá o que vai fazer e o que
fará nos dez minutos seguintes” . E com isto a menina mudou.
Ao fim de dez minutos, ela afirmou: “ Eu disse tudo o que gos
taria de dizer a eles, que simplesmente não escutaram. Mas eles sa
bem o que eu falei, assim como eu também sei. Não faz sentido repe
tir” . Eu disse à menina: “ Você se importa de esperar na sala de espe
ra?” . Quando ela saiu, voltei-me para os pais: “ O que pensam sobre
a afirmação de sua filha? Ela afirma que já disse tudo o que havia
para dizer, que vocês não escutaram e não há sentido em repetir” .
Então, disse-lhes: “ Agora, fiquem quietos e reflitam sobre o assun
to. Ao fim de cinco minutos, saberão como lidar com os cinco minu
tos seguintes” . Eu dera dez minutos à garota, mas dei aos pais so
mente cinco, como uma especial concessão por serem adultos.
Depois de cinco minutos, eles afirmaram, em essência: “ Quan
do você realmente pára para pensar sobre todas as coisas estúpidas
que costuma falar, todas as emoções fúteis que pode sentir, percebe
que ninguém tem respeito por ninguém. Com certeza, nenhum de nós
demonstrou respeito pelo outro aqui no consultório. Você parecia ser
o único que demonstrava algum respeito” .
Eu perguntei: “ Precisamos contar à sua filha o que pensam?” .
Eles responderam que achavam que ela sabia tanto quanto eles.
Chamei a filha de volta à sala e disse: “ Seus pais pensam que
você pode voltar para casa. Afirmam que sabem o que devem fazer
e que você também sabe. Eles disseram que acham que você é tão
inteligente quanto eles” .
Recebi a família esta única vez. Mas sei, por outras fontes, que
a menina se saiu muito bem.
Um dos problemas que enfrentam os ao desligar pais e filhos
é a preocupação, a benevolência e a superproteção, que impedem fi
lhos e pais de se situarem num relacionamento mais igual. Os pais
mais destrutivos não são aqueles que m altratam os filhos, mas aque
les que se m ostram tão indulgentes e protetores que os impedem de
caminharem rum o à própria independência. Q uanto mais benevo
lentes e pressurosos forem os pais neste estágio da vida, mais difícil
se torna a tarefa terapêutica de desembaraçá-los. Um caso que não
teve um desfecho satisfatório pode ilustrar um problem a típico.
Um médico me telefonou perguntando se poderia atender seu
filho, um jovem ginasiano que se tornara um problema cada vez
maior. Eles haviam lhe dado um carro, um aparelho de som, uma
tevê colorida; haviam lhe dado uma mesada muito generosa, e o ra
paz cada vez se tornava mais exigente, egoísta e destrutivo com toda
a família.
Respondi que entrevistaria o menino na presença da mãe e do
pai. Eles o trouxeram. Pedi ao jovem que se sentasse e ficasse de bo
ca fechada; queria ouvir todas as coisas ruins a respeito dele que o
pai e a mãe pudessem contar. Relutando, eles narraram todos os maus
comportamentos do filho. Enquanto falavam, o menino os olhava
com expressão gratificada no rosto. Eu lhe perguntei: “ Essa história
está razoavelmente bem contada?” .
O menino respondeu: “ Diabos, não, eles deixaram de fora um
mundo de coisas porque têm vergonha de contar. Eu rasguei as calci
nhas de minha mãe, me gabei de todas as minhas façanhas na frente
deles, proferi todos os palavrões em que pude pensar, urinei sobre
o jantar. Sabe o que meu velho sempre fazia? Ele me dava uma nota
de cinco ou dez dólares e minha mãe chorava” .
Eu disse: “ Bem, seus pais querem que eu o aceite como pa
ciente. Não sou seu pai e nem sua mãe. Também não sou igual
a você fisicamente. Mas uma coisa você irá descobrir sobre mim:
meu cérebro é muito mais forte e rápido do que o seu. Agora, se
quer ser meu paciente, tem que concordar com certas coisas. Não
vou ser nem um pouco amável como seu pai e sua mãe. Eles que
rem sair numa viagem de férias. Ficarão duas semanas fora e, en
quanto isto, você pode ficar aqui e ser meu paciente. Vai morar
num bom motel próximo daqui. O preço será de cento e quarenta
e cinco dólares por mês, e você pode pedir a refeição que quiser.
Pode viver a vida como Riley. Mas todos os dias terá que vir me
ver durante uma hora ou duas. Vamos descobrir se você pode agüen
tar várias e numerosas coisas que vou lhe dizer com calma e objeti
vidade. Penso que não vai gostar do que tenho a dizer. Agora, acha
que consegue me aturar durante as duas semanas em que seus pais
estarão de férias?” .
Ele respondeu: “ Posso tentar com afinco. Mas, além do motel
e das refeições, o que me diz sobre dinheiro para gastar?” .
Respondi: “ Sejamos razoáveis. Eu lhe direi quanto dinheiro po
de ter no bolso, e isso será tudo o que terá. Seu pai não vai gostar,
talvez você não goste. Mas pode ter vinte dólares por semana, nem
um centavo a mais, nenhum cartão de crédito, e não pode contrair
nenhuma dívida” .
E ele: “ Bem, será divertido verificar o que você pode fazer” .
Voltei-me para os pais: “ Ele concordou. Agora podem iniciar
sua viagem de férias e, quando voltarem, apareçam para ver como
ele está indo” . Assim, eles partiram.
O rapaz leu bastante durante os primeiros dias, boas leituras. Ele
conversava comigo a respeito dos livros e discutíamos a respeito do que
queria da vida. Ele podia se divertir fazendo os pais infelizes, mas po
deria continuar depois que eles morressem? Para o que estava prepara
do? Quanto dinheiro o pai deixaria para ele, se é que deixaria algum?
Depois de alguns dias, ele disse: “ Sabe, pagar um dinheirão
por um quarto com uma cama não faz sentido nenhum. Vou procurar
um apartamento e conseguir um emprego” . Assim, encontrou um
apartamento — que dividiria com outros dois jovens. Ambos estavam com quase vinte anos, empregados, trabalhavam duro para pa
gar a faculdade. Não bebiam nem usavam drogas. Ele mudou-se de
cidido a conseguir um emprego; e conseguiu.
Uns três dias antes da data marcada para a volta dos pais, ele
me disse: “ Pro inferno com tudo isto. Depois de todos os danos que
causei a meus pais, não quero mais ser um peso para eles. Não vou
mais vir aqui” .
Nos dois dias seguintes, tive dificuldade em fazer com que o ra
paz viesse para a consulta, mas ele compareceu sob coerção. Então
arrumei para que viesse no dia seguinte, quando os pais estariam de
volta. Os pais entraram e eu disse a ele: “ Agora, faça uma saudação
adequada a seus pais” . Ele usou um palavrão. Eu disse: “ Tire os sa
patos e as meias, vá para a outra sala, sente-se no chão e reflita sobre
esta situação” .
Conversei rapidamente com os pais e lhes disse: “ Vocês lida
ram com o rapaz de tal modo que isto se tornou uma disputa’’. Rela
tei todas as coisas boas que ele fizera, citei os livros que lera, contei
que havia realmente obtido um emprego e o mantivera por alguns dias.
Então percebera que os pais estavam para voltar, e que seria confron
tado com a mesma antiga vida tola. Ele se rebelara, e eu tivera que
fazer com que o trouxessem para as sessões. Declarei que desejava
lavar as mãos em relação ao rapaz.
Os pais tentaram me dizer que no fundo ele era um bom meni
no. Talvez tivessem sido muito generosos, muito magnânimos. Eu afir
mei: “ Bem, não há nada que possa fazer com ele agora. Vou deixar
que descubram da pior maneira possível a maneira estúpida como li
daram com ele” .
Fiz com que o rapaz se sentasse do outro lado da sala em que
estavam seus sapatos e meias e disse: “ Você vai para casa com seus
pais. Agora vá até ali e pegue seus sapatos e meias. Volte para sua
cadeira e os calce” . O rapaz sentou-se com ar desafiador.
A sala estava em silêncio absoluto. Eu esperei e esperei e espe
rei e esperei. Finalmente, o pai atravessou a sala, pegou os sapatos
e as meias e entregou-os ao filho. A esposa disse: “ Ah, não, não faça
isto!” . Quando ele perguntou o que queria dizer, ela respondeu: “ Não
importa o que esteja acontecendo, você sempre entrega os pontos,
você amolece, você faz coisas” .
Eu disse ao jovem: “ Agora, o que gostaria de fazer? Eu não
quero um sabichão esperto, intencionalmente malcomportado, em mi
nhas mãos. Se quiser cooperar, eu coopero com você. Senão, pode
ir para casa com seus pais e ficar refletindo sobre o vazio de seu futu
ro. Penso que seu futuro é a escola correcional, ou um hospital men
tal, e isto não está muito longe” .
Ele respondeu: “ Bem, volto para casa com meus pais e serei
mais independente. Não usarei o carro da família, andarei a pé. Con
seguirei um emprego e vou vender várias coisas minhas para conse
guir meu próprio dinheiro” .
Eu falei: “ Muito bem, por que não vai até o motel, fazer as
malas? Vou conversar um pouco com seus pais” . Depois que ele saiu,
eu disse: “ Vocês ouviram as declarações de seu filho” . O pai disse:
“ Achei maravilhoso” . E a mãe: “ Tem certeza de que ele está decidi
do?” . Eu lhes respondi: “ Ele promete a vocês o mundo numa salva
de prata e repetirá essas promessas, muitas vezes, com palavras in
candescentes. Mas não cumprirá nenhuma. Ele tem amigos que usam
drogas e que são ladrões; pode se juntar a eles” . A mãe afirmou: “ Não
acredito que as coisas estejam tão ruins. Ele manterá sua palavra” .
O rapaz não cumpriu nenhuma de suas promessas. Tornou-se
um problema cada vez maior para os pais que, finalmente, o inter
naram num hospital mental estadual. O rapaz me telefonou do hos
pital e perguntou se estaria disposto a aceitá-lo como paciente. Res
pondi que estaria disposto, mas ele teria de encarar o tratamento
com a mesma seriedade com que eu o faria. Declarou que após al
gumas semanas naquele lugar miserável, com aquela gente nojenta,
comendo aquela comida fedorenta, ele realmente estava pronto pa
ra a terapia.
Seus pais vieram me ver e afirmaram ter estragado o rapaz. Sa
lientei que tinham dois outros filhos e que esperava que não fossem
tão indulgentes com eles. Responderam que não eram.
Mais tarde, recebi um telefonema do pai dizendo que ele e a es
posa queriam me agradecer por tudo o que fizera e tentara fazer pelo
rapaz. Afirmaram que iriam tratar corretamente os outros dois fi
lhos. O pai me recomendou a outros pacientes.
O rapaz voltou a me telefonar, algumas semanas depois, e eu
lhe disse que ele sairia do hospital em poucos dias e que o aceitaria
como paciente. Afirmei que o aceitaria, e ele conhecia as condições.
Ele teve a satisfação de me dar a esperança de vê-lo e nunca mais ou
vi falar dele.
Não tinha esperança em relação ao rapaz, mas tinha, de certa
maneira, em relação aos pais. Se eles sacrificassem completamente
aquele rapaz, então seriam forçados a tratar os remanescentes da ma
neira certa. Ouvi dizer, por pessoas que os conhecem, que foi exata
mente isto o que aconteceu.
Neste caso, Erickson enfocou mais o rapaz e menos os proble
mas dos pais, como faz usualmente. Tentou desembaraçar diretamente
o rapaz, colocá-lo num a vida normal produtiva, e fracassou. Em ou
tros casos, Erickson trabalha com um ou os dois pais para tirar o
filho daquela situação; neste caso, ele não o fez. Qualquer que fosse
a função do mau com portam ento do rapaz na situação matrim onial
e familiar, ela não foi abordada, e Erickson se viu num a situação
similar àquela de Freud e Mesmer, onde a família era vista como um
impedimento ao tratam ento do filho, ao invés de ser encarada como
o problem a a ser tratado.
Um aspecto especial deste caso era o em aranham ento entre o
rapaz e o pai. Usualmente, quando um filho é perturbado, um dos
pais fica preso a ele de uma maneira indulgente. O outro é mais peri
férico. O tratam ento usualmente traz o mais periférico para um a po
sição mais central, para quebrar o relacionamento excessivamente
intenso do outro pai. Na m aioria dos casos, é a mãe que é superprotetora com o filho e o pai é periférico. Neste caso, era ó pai médico
que estava intensamente envolvido com o filho. Pode-se dizer que
a superproteção que o pai dava ao rapaz era equivalente à proteção
que o filho dava ao pai, que não aceitava se separar dele. Erickson
não interveio de maneira a alterar o relacionamento.
Com freqüência, Erickson trabalha diretamente com o filho e
o desembaraça da família com sucesso. Algumas vezes, faz com que
o jovem adulto enxergue criticamente os pais e pense por si mesmo
a respeito de onde quer chegar na vida. Os pais não são ignorados,
mas são tratados como periféricos aos interesses reais do filho. Foi
esse o método utilizado no caso a seguir:
Uma jovem de uma família da Nova Inglaterra foi trazida à
Phoenix pela mãe para me ver. Ela havia passado por uma experiên
cia infeliz. Tivera um acidente de carro em companhia de uma ami
ga. Ela sofrerá ferimentos leves, mas quatro famílias diferentes se en
volveram em processos mútuos. A menina passou também por duas
operações, que, como eu lhe disse, não eram necessárias, e ficou me
ses conversando com um psiquiatra a respeito de sua infância, o que
eu também não achava necessário. O psiquiatra a enviara a mim por
que achava que não estava fazendo nenhum progresso e porque ela
tinha dores sem causa orgânica, que ele não conseguira eliminar nem
mesmo através da hipnose.
Ela chegou ao consultório acabrunhada, desanimada, com o bra
ço esquerdo numa tipóia, obviamente aleijada para sempre. Estava
vivendo como uma pessoa incapacitada, que não podia se afastar dos
pais, contudo, não havia realmente nada errado com ela fisicamente.
A terapia desenvolveu-se essencialmente na forma de visitas so
ciais casuais. Consegui que ela pensasse criticamente sobre os pais,
a irmã menor, sobre se realmente havia aprendido alguma coisa na
dispendiosa escola particular que freqüentara antes de iniciar a fa
culdade. Ela, na verdade, não havia pensado criticamente a respeito
de sua vida anterior, ou o que queria fazer com ela. Chamei sua aten
ção para o fato de o acidente de carro a haver deixado com algumas
equimoses e algumas operações sem objetivo, mas o que ela realmen
te queria? Relembrar o passado ou pensar a respeito dos próximos
cinqüenta anos e o que desejava deles? Disse-lhe que o futuro deveria
lhe dar várias coisas; nenhuma briga com os pais, nenhum processo
legal. Ela deveria pensar sobre o que gostaria de fazer. Ela começou
a falar a respeito de casamento, e contou que sua irmã se casara com
um rapaz contra a vontade dos pais e agora esperava um bebê. Con
tou que os pais estavam começando a aceitar o casamento. Pergun
tei-lhe por que um pai e uma mãe não aceitavam a idéia de uma filha
crescer e se casar.
No fim das sessões — era época da Páscoa —, perguntei-lhe se
ela já ouvira dizer que os moradores da Nova Inglaterra gostam de
nadar no inverno. Sugeri que tentasse a piscina quando voltasse para
o motel.
A mãe da jovem entrou e disse: “ Não sei o que fez com minha
filha. Ela está nadando, mergulhando e se divertindo. Esta não é a
menina que eduquei” . Concordei com a mãe.
Depois de dezenove horas de tratamento, incluindo algumas ses
sões de duas horas, a moça e a mãe voltaram para casa. Antes de par
tirem, eu disse à mãe para conversar com o marido e esquecer a tolice
daqueles processos legais referentes ao acidente de automóvel. As coi
sas deveriam ser acertadas fora da corte, ou deixadas de iado.
A moça retornou à faculdade, e a mãe me escreveu perguntan
do se estaria disposto a receber o resto da família para tratamento.
Respondi a ela que, se eles se mostrassem do calibre da filha, teria
muito prazer nisso.
Mais tarde, a mãe fez seis sessões comigo, e discutimos a outra
filha, com cujo casamento ela estava se reconciliando. Perguntei-lhe
se h a via se c o m p o r ta d o m a l o su fic ie n te na situação para ter se recu
perado, ela concordou que tinha. Pedi-lhe que escrevesse todas as to
lices que tinha feito em sua vida. Ela o fez, e rimos das coisas, princi
palmente de todas as vezes em que deveria ter-se divertido, mas não
se divertira. Ela partiu para visitar a filha casada e apreciou a visita.
Este caso ilustra o ponto de vista de Erickson sobre a atitude
que os pais deveriam ter para permitir que seus filhos conduzam suas
próprias vidas, e também seu modo de abordar um problem a quan
do a situação social o torna necessário. A moça estava se deixando
usar na luta dos pais entre si e com outros parentes, a ponto de ficar
fisicamente incapacitada, ao invés de enxergar criticamente a situa
ção e sair dela rum o a um a vida própria. A terapia a encorajou a
assumir a vida que desejava, enquanto também desembaraçava os
pais de seu envolvimento com ela.
Em outros casos, quando um jovem está se desembaraçando
dos pais, Erickson pode trabalhar com eles e lidar muito pouco com
o filho. Uma situação na qual os pais eram superprotetores e indul
gentes foi abordada por Erickson de m aneira marcadamente dife
rente. Ele relata:
Uma moça veio me ver muito alarmada com seus pais. Os dois
eram muito possessivos, excessivamente solícitos. Quando ela inicia
ra a faculdade, a mãe cuidava de todas as suas roupas, costurava-as
e supervisionava seus fins de semana. No entanto, o que mais abor
recia a moça era que, como parte dos presentes por sua graduação
no segundo grau, os pais haviam construído mais cômodos na casa,
de modo que pudesse morar com eles quando ela se casasse. A moça
disse que não sabia o que fazer a respeito desses anexos, porque os
pais esperavam que fosse morar com eles e ela não queria isto. Con
tudo, eles haviam investido todo o seu dinheiro nisso, e eram tão gen
tis! Ela estava enredada pelos pais, e sentia que nunca conseguiria
ser independente, mesmo se se casasse.
O terapeuta pode encarar de maneiras diferentes este problem a
e escolher se intervém ou não. Pode intervir através da moça e aju
dá-la a se rebelar contra os pais, com a possível ruptura da família.
Os anexos da casa permaneceriam então como símbolo do sentimento
desagradável entre pais e filha. Ou poderia intervir através dos pais,
inform ando-os de que estavam tratando a filha como um apêndice
incapaz, sem direitos ou privilégios, e ditando todo o seu futuro. Ele
poderia, ou não, libertar a moça, mas o anexo da casa seria um m o
numento em memória de seu comportamento errado como pais. Erick
son abordou o problem a através dos pais, mas de um m odo espe-
ciai. Em primeiro lugar, aconselhou a moça a seguir em frente e dei
xar seus pais com ele, o que é típico de sua disposição de assumir
a responsabilidade de fazer algo a respeito de um problema.
Recebi os pais juntos, e tivemos uma série agradável de conver
sas. Eu os congratulei por sua preocupação com o bem-estar da filha.
Eles haviam antecipado seu futuro, de modo que eu imaginava que
ela se apaixonaria, ficaria noiva, se casaria, ficaria grávida e daria à
luz um filho. Nesta discussão, enfatizei como eles, muito mais do que
outros pais, estavam dispostos a assumir as conseqüências desses even
tos futuros. A maioria dos pais, quando cria uma filha, sente que seu
trabalho acabou, mas eles podiam olhar para a frente, para uma conti
nuação de seus labores. Com a filha morando em sua casa, no anexo,
eles podiam antecipar os serviços que poderiam lhe oferecer quando
ela tivesse o filho. Eles estariam à disposição para tomar conta da criança
a qualquer momento, ao contrário da maioria dos pais, que não apre
ciam esta imposição. Podiam aguardar, ansiosamente, um choro de
bebê durante a noite — mas, sem dúvida, haviam construído paredes
à prova de som no anexo. Acontece que não tinham. Assim, congratulei-os por estarem dispostos a agüentar os problemas de um bebê pe
queno como os que haviam tido quando eram moços e a filha era pe
quena. Então conversamos a respeito do futuro neto. Quando come
çasse a andar, e, naturalmente, morando com eles, ficaria o tempo to
do entrando e saindo da casa. Recordamos o que era ter uma criança
que começa a andar perambulando pela casa toda, como os objetos
quebráveis tinham que ser colocados num local bem alto, e a casa sem
pre desarrumada. Outros avós não estariam tão desejosos em sacrifi
car seu modo de vida.
Os pais começaram a expressar algumas dúvidas a respeito de es
tarem ou não desejosos de que a filha vivesse tão próxima deles.
Para dar um empurrão nesse processo, disse à mãe que ela teria
que lidar com a falta de compreensão do marido em relação ao futuro
neto. Com o marido, previ a falta de compreensão da esposa em rela
ção à criança quando se tornasse avó. Suas divergências a respeito da
filha foram deslocadas, de modo que eles podiam imaginar as divergên
cias a respeito do neto. Era um problema que teriam de enfrentar conti
nuamente com a filha morando com eles. Ambos concordaram comigo
que o outro provavelmente não seria um avô tão bom.
Após esta discussão, decidiram que realmente não queriam ter a
filha e sua família vivendo com eles, e, ainda assim, enfrentavam um
dilema. Aquele anexo custara tanto dinheiro que talvez tive sse m que ter
a filha morando lá. Da discussão, nós “ espontaneamente” saímos com
uma boa idéia. O anexo poderia ser alugado para uma pessoa madura
e silenciosa e o aluguel poderia ser depositado num banco, visando à
educação dos futuros netos.
Mais tarde, a filha se casou e foi viver numa cidade a alguma
distância, com a plena concordância dos pais. Quando teve um filho,
os pais vieram me consultar a respeito de quantas vezes cada um de
les tinha direito a visitar o neto. Eu disse ao avô que uma avó não
deveria fazer visitas mais freqüentes do que uma tarde a cada seis se
manas ou dois meses. Por uma curiosa coincidência, acreditava que
o mesmo espaçamento de visitas era adequado ao avô. Q uando perguntado se os pais haviam se beneficiado com al
gum in s ig h t sobre como haviam lidado com a filha, Erickson salien
tou o problem a dos anexos da casa. Ele disse: “ Você e eu podemos
olhar os anexos e pensar que coisa terrível era aqueles pais quererem
ditar o futuro da filha daquele modo. Os anexos são um a evidência
terrível desse controle. Mas os pais não vêem as coisas desse modo.
Eles pensam nisto como um a boa fonte de renda para o neto. O que
é melhor? É essencial sentir-se culpado? Eu não acredito na salva
ção somente através da dor e do sofrim ento” .
Como Erickson encara as famílias em termos de diferentes es
tágios de desenvolvimento, acredita que a alteração principal para
os pais é darem o passo seguinte e se tornarem avós. Com freqüên
cia, utiliza essa alteração para liberar um filho no momento em que
este deve deixar a casa dos pais.
Algumas vezes, quando lido com pais superprotetores, introduzo
um desafio: “ Quando seu filho chegar à sua idade, terá os mesmos
problemas com os filhos dele?” . Eu realmente os estou acusando de
terem um futuro de se tornarem avós. Quando isto é feito de modo
correto, eles têm que resolver as dificuldades do filho ao longo de
toda a linha, até o ponto de se tornarem avós.
Quando você os faz pensar a respeito de se tornarem avós, o
marido pode pensar: “ Que tipo de avó ela dará?” . Ela começa a pen
sar a mesma coisa a respeito dele. Eles não haviam percebido que es
se momento estava se aproximando, e você pode fazê-los aceitar a
idéia de uma modificação neles mesmos, encarar um ao outro criti
camente. Para lidar com a competição e o conflito entre eles ao nível
de avós, eles têm que deixar Sonny produzir um neto. A mãe então
pode lidar com as deficiências do marido como um avô, e ele pode
lidar com as dela. Na antecipação desta luta, eles podem prosseguir
durante um período de anos, enquanto o filho está fora e s e desen
volve.
Como Erickson não acredita na utilidade de simplesmente mos
trar às pessoas por que não deveriam se com portar como o fazem,
ele usualmente não aconselha os pais a se com portarem de maneira
diferente, mas arranja para que o façam. Algumas vezes, faz isto
alterando o terreno no qual a batalha tem lugar. Ocasionalmente,
quando hipnotiza um sujeito, ele pode dizer: “ Você prefere entrar
num transe agora ou mais tarde?” . O que é um a m aneira de apre
sentar o tem a de q u a n d o entrar em transe, ao invés do tema do e n
tr a r o u n ã o . Esse procedimento é similar à m aneira como ele altera
o conflito dos pais, fazendo-os substituir a questão de se foram bons
pais pela questão de se serão bons avós. No caso seguinte, ele enfoca
um a mulher e o problem a de como se tornar um a boa avó.
Numa família de que estou tratando, há três rapazes com a ida
de de vinte e três, dezenove e dezessete anos. A terapia tem se centra
do em tirar o mais velho de casa, fazer o segundo viver por si mesmo
e o terceiro ir morar com o irmão mais velho, enquanto freqüenta
a escola. Na família, há uma luta das mais infelizes entre os pais, e
a mãe sempre dirigiu todo o espetáculo. O pai é um artista que nunca
conseguiu escolher nem mesmo o tipo de arte que desejava executar
porque a esposa assumia a direção de tudo o que ele fazia.
Quando consegui fazer os filhos irem embora e freqüentarem
escolas longe de casa, o pai começou a ficar preocupado com a mãe.
Eu me concentrei nela e chamei sua atenção para o fato de estar dan
do um dos passos de transição mais importantes da vida — estava
deixando de ser uma boa esposa e mãe para se tornar uma boa avó
no futuro. Enfatizei que agora ocupava uma posição de esp era r se
tornar avó; não uma esposa ou mãe, mas alguém que estava se pre
parando para o dia em que os filhos se casassem e gerassem filhos,
tentando dar o melhor de si, pois ela é uma mulher que gosta de fazer
bem as coisas. Mas, embora tudo isto fosse vagamente definido, era
ao mesmo tempo plausível e real. Ela foi deixando de ser uma supermãe para os filhos, porque não era mais mãe, mas uma avó em po
tencial, e brigava menos com o marido, pois tinha aquela importante
tarefa para sustentá-la.
Q uando um a mãe está envolvida demais com um filho e não
consegue soltá-lo, Erickson não vê nisto um a questão racional, que
ela pode enfrentar racionalmente. Seu método para resolver a ques
tão varia, mas, quando lida diretamente com a mãe, ao invés de en
volver toda a família, é provável que ele o faça de modo característi
co. Certa vez, foi-lhe colocado o problem a de um a mãe que estava
prendendo a filha perto dela, mas não enxergava as coisas dessa m a
neira. A mãe se queixava de que a filha era um perpétuo fardo, mas,
ao mesmo tempo, se com portava de m aneira a mantê-la ligada a si.
Q uando a moça fez um movimento real rum o à independência, indo
para um a faculdade longe de casa, aos dezoito anos, a mãe decidiu
também fazer faculdade, e foi juntar-se a ela, com o encorajamento
da filha. A moça teve um surto esquizofrênico e foi hospitalizada.
Com o passar dos anos, durante os quais a moça entrou e saiu do
hospital várias vezes, a mãe descobriu que não conseguia se enten
der com a filha nem se afastar dela, mas parecia não perceber que
era incapaz de se separar da filha, em bora vários psiquiatras a hou
vessem aconselhado a fazê-lo. Comentando o problem a, Erickson
disse que nunca tentaria tornar a mãe consciente das dificuldades que
tinha para deixar a filha ir embora. Ele ofereceu alternativas.
Um procedimento que emprego é questionar a mãe superprotetora a respeito do crescimento e do desenvolvimento da filha. Digo
a ela: “ Você quer ver sua filha estabelecida como uma criatura inde
pendente. Está muito certa em querer isto. Mas há várias coisas que
precisará me ajudar a compreender a respeito do que está errado com
a moça para que ela pareça não ter vontade de partir. Quando sua
filha cresceu, deixou de ser uma menininha e entrou na puberdade,
qual foi a primeira mudança da adolescência que lhe chamou a aten
ção? Ela modificou a maneira de mover o tórax quando estava de
senvolvendo os seios? Os seus quadris chamaram sua atenção? Ela
deu um jeito de tomar um banho e pediu para você trazer a toalha,
de modo que ficasse sabendo que seus pêlos púbicos estavam cres
cendo? Exatamente qual era a atitude dela em relação ao batom? Que
ria aprender com você como utilizar pincel de lábios?” .
Desta maneira, faço a mãe percorrer sistematicamente todos os
passos do crescimento e desenvolvimento pubescente da filha, enfati
zando sempre como a moça é uma pessoa diferente dela. Assim, a
mãe acaba percebendo que não pertence à geração da filha ou à sua
classe na faculdade. Ao enfatizar o crescimento da filha, a mãe vai
se percebendo como adulta, como mulher madura. Fica pensando no
desenvolvimento dos pêlos púbicos da filha, no crescimento dos seios,
que serão significativos para outro homem que não o pai.
Para uma mãe possessiva, a entrada da filha na puberdade é
uma experiência chocante. Eu ajudaria a mãe a se tornar cônscia das
dificuldades que tem em deixar a filha se afastar à medida que vai
crescendo. Eu enfatizaria como a filha primeiro atraíra um jovem de
quinze anos, depois um de dezesseis, de dezessete e de dezoito anos.
A filha seria definida como alguém que realmente não é atraente pa
ra os homens maduros, o pai por exemplo, como a mãe é. A moça
é atraente para jovens imaturos. Isto enfatiza a superior maturidade
da mãe, e assim ela própria está se diferenciando. Está sendo forçada
a chegar à conclusão de que a filha é uma coisa e ela é outra. Quem
quer ser uma coisa quando realmente pode ser outra melhor?
Algumas vezes, com uma mãe superprotetora, dou um jeito de
fazer com que o rapaz se mude para outro local. Quando a mãe
descobre que isto aconteceu, eu a impeço de fazer qualquer coisa a
esse respeito. Ela realmente quer seu filho de volta. Eu a frustro, por
que continuo a recebê-la, mas me recuso positiva e absolutamente a
discutir a situação de vida de seu filho. Ela não pode fazer nada para
trazer Sonny de volta para casa antes de ter discutido o assunto co
migo e me feito admitir que eu estava errado.
Na verdade, um filho começa a deixar a mãe quando ultrapassa
os dez anos. Até então, ele é seu bebê, um ser humano indiferenciado, mas na puberdade ele se torna um homem — destinado a outra
mulher.
P ara encorajar uma mãe a soltar seu filho, Erickson utiliza uma
outra técnica:
Às vezes, a pessoa acha que um filho atingiu a idade de sair de
casa, mas ele não consegue. Não consegue se afastar dos pais nem
se entender com eles. Quando se aproxima deles, eles o empurram
para longe, e quando está indo embora, eles o puxam de volta. O que
faço em alguns desses casos é desorientar os pais de tal modo que,
quando o filho tenta se afastar, eles o empurram para mais longe ain
da.
Numa família, eu estava tentando fazer o filho sair do lar fami
liar e ir viver com o irmão mais velho. Conversei com a mãe, uma
superpossessiva muito especial. Repetidamente ela afirmava que eu
não a compreendia. Quando dizia: “ Mas você não compreende” , eu
imediatamente mencionava que, enquanto seu filho permanecesse em
casa, ela teria a oportunidade de compreendê-lo. Fiz isto várias e vá
rias vezes. Quando ela dizia que eu n ã o a e n te n d ia , eu mencionava
alguma coisa a respeito de seu filho ir embora de casa. Quando afir
mava que eu a c o m p re e n d ia em algum aspecto, eu dizia: “ A respeito
de seu filho ir morar com o irmão, ainda não tenho uma idéia forma
da sobre o assunto” . Assim, quando eu a c o m p r e e n d ia , estava falan
do a respeito de seu filho ir embora. Finalmente, foi a mãe quem in
sistiu para que o filho fosse morar com o irmão. E ficou contente
por ter encontrado esta solução.
Tanto a mãe quanto o pai tem um a ligação com o filho, mas
este, por sua vez, desempenha também uma função no relacionamento
m atrim onial. P or isso, o relacionamento precisa ser m udado para
que o filho possa viver um a vida independente. Os pais geralmente
apresentam o problem a como se ele não tivesse nada a ver com eles
ou com seu casamento. Tudo vai muito bem, exceto o filho, que es
tá se com portando de modo estranho. “ Seriamos tão felizes se Sam
não estivesse doente!” Com freqüência o filho é apresentado como
a ú n ic a aresta de disputa no casamento, assim como a única frus-
j
tração na vida do casal. Ao apresentarem um a frente unida sobre
a questão, os pais têm uma desculpa para todas as suas dificuldades.
Erickson em geral desloca a questão para o casamento. M uitas vezes
faz isto alterando a pseudo-aliança dos pais.
Quando um casal tem problemas óbvios, mas só enfatiza o pro
blema do filho, é preciso lidar com a frente unida que eles estão ofe
recendo. É preciso romper esta aliança sem que eles percebam o que
se está fazendo. Um dos modos como lido com a questão é dizer à
esposa, enquanto o marido sorri presunçosamente para si mesmo:
“ Você sabe, para me explicar as coisas é preciso fazê-lo de modo sim
ples. Porque, sendo um homem, realmente não consigo entender as
sutilezas do que você diz” . O que faz a mulher? Ela imediatamente
se coloca do outro lado da cerca. Ela se diferencia do marido e de
mim, é uma mulher, muito diferente de nós dois, pobres machos in
felizes. O marido perceberá que sou um homem inteligente e que real
mente compreendo o lado masculino. Ele dá um passo à frente e se
junta a mim. Consegui desfazer a união do casal.
Para trazer a esposa para o meu lado, num dado momento faço-a
perceber que não sou mais o pobre macho estúpido. Torno-me o ter
ceiro, parceiro interessante que não está envolvido na briga dos dois.
Fico então dos dois lados da cerca. Estou do lado dele, mas também
do dela. Como terceiro parceiro, interessado e objetivo, posso real
mente entender o lado da mulher. Isto lhe dá a oportunidade de se
sentir de duas maneiras a meu respeito. Se quiser me ver como um
macho estúpido, ela terá que compensar isso creditando-me inteligên
cia. Porque simplesmente não iria perder seu tempo com um homem
completamente estúpido. Ela veio me ver porque sou inteligente, ob
jetivo. Minha estupidez lhe fornece a oportunidade de me rejeitar e,
como compensação, ela se vê obrigada a me aceitar.
Quando uma situação familiar deteriora, um membro da fa
mília é com freqüência expulso para o hospital mental. Algumas
vezes isto é temporário; com freqüência há uma hospitalização bre
ve, depois uma mais prolongada, e este processo se repete até que
a pessoa esteja estabelecida na carreira de paciente crônico. Como
a maioria dos psiquiatras, Erickson recebeu seu treinamento num
hospital mental. Ao contrário da maioria dos psiquiatras, desenvol
veu maneiras efetivas de lidar com pacientes crônicos. Em sua expe
riência no Rhode Island State Hospital, no Worcester State Hospi
tal, e quando foi diretor de pesquisa e treinamento psiquiátrico no
Wayne County General Hospital e Infirmary, Erickson inovou su
gerindo numerosos métodos para tratar os “ pacientes mentais” . Al
gumas vezes, seu objetivo era tornar o paciente uma pessoa mais
produtiva dentro do hospital; outras, o objetivo era conduzi-lo de
volta ao mundo.
Com freqüência, num hospital mental, os pacientes e a equipe
de assistentes se envolvem num a luta de poder que pode acabar le
vando o paciente a se aviltar ou se destruir como pessoa. Erickson
em geral entra na luta de poder, mas usa-a de tal modo que o pa
ciente é forçado a se tornar um a pessoa produtiva. Como ele coloca:
“ Você sempre cuida do caso na form a de um a empresa conjunta,
indo ao encontro do que a pessoa deseja” . Antes de descrever o pró
ximo caso, em que Erickson se engalfinha com o paciente e vence
o que é essencialmente um a luta de m orte, cabe aqui um comentário
que ele fez a respeito do abuso da benevolência. Certa vez ele afir
mou:
Os psiquiatras e os médicos em geral pensam que sabem o que
é bom para o paciente. Lembro-me de um milionário de Los Angeles
que me disse: “ Esperei muito tempo para conhecê-lo e levá-lo para
jantar fora. Quero lhe pagar o tipo de jantar que aprecia. O céu é
o limite” . Quando nos sentamos no restaurante e examinamos o car
dápio, percebi que, por acaso, havia carne de sol e repolho. O prato
custava somente um dólar e sessenta e cinco centavos, e foi o que pe
di. O homem ficou chocado e disse: “ Você não quer comer isto” .
Mandou o garçom cancelar o pedido e trazer dois bifes de doze dóla
res. Quando o garçom os trouxe, eu disse: “ Eles são para aquele se
nhor; ele os pediu. Agora, traga-me a carne de sol com repolho” .
Meu companheiro se recostou na cadeira e exclamou: “ Nunca, em
minha vida, alguém me fez voltar atrás assim” . Eu comentei: “ Mas
você me disse para pedir o que quisesse, e eu gosto de carne de sol
com repolho. Penso que vou apreciar mais meu prato do que você
os dois bifes” .
A preocupação de Erickson de que a pessoa possa escolher seu
próprio caminho — seu próprio alimento — é dem onstrada num ca
so que revela o que pode ser feito se um a pessoa está se destruindo
por inanição.
Um rapaz — vamos chamá-lo Herbert — ficou profundamente
deprimido e foi hospitalizado. Pesava uns cem quilos, mas, como se
recusava a comer, em seis meses no hospital ficou com cinqüenta qui
los. Passava o tempo de pé, num canto, sem se mover. Embora pu
desse falar, falava de modo sardônico, negativista, sobre qualquer
coisa.
Tornou-se necessário alimentar Herbert através de um tubo, e
ele fez um comentário sardônico sobre a entubação. Insistia que não
tinha entranhas, não tinha estômago, e que por isso, quando era ali
mentado pelo tubo, não sabia até onde este penetrava, uma vez que
não tinha estômago. Achava que o tubo desaparecia por um passe
de mágica. Não estava mais no quarto, mas também não estava den
tro dele, porque ele não tinha estômago.
Durante uma semana, cada vez que Herbert se alimentava pelo
tubo, eu lhe explicava que permitiria que ele m e provasse que tinha
estômago. Disse-lhe que também iria provar a si mesmo que percebia
o tubo de alimentação; todas as provas viriam dele. Cada vez que o
alimentava, eu repetia estas frases. Afirmei que ele provaria a si mes
mo que tinha um estômago e então me daria a conhecer esta prova.
A prova viria inteiramente dele. Herbert fazia declarações muito sar
cásticas a respeito disto. Um cara que dizia as coisas que eu dizia não
fazia sentido algum.
No fim de uma semana, coloquei uma mistura especial no equi
pamento tubular de alimentação: uma gema de ovo, óleo de fígado
cru, bicarbonato de sódio e vinagre. Comumente, retira-se o ar quando
se administra alimentação pelo tubo, de modo que a primeira coluna
de ar é forçada para baixo. Mas eu despejei a mistura em pequenas
xícaras, o que empurrou, à força, mais e mais ar em seu estômago.
Retirei o tubo e “ Ahegh” ! Pude sentir o cheiro, o atendente
pôde sentir o cheiro. Herbert dera uma prova de que o tubo de ali
mentação entrara em seu estômago, e a dera primeiro para si mesmo.
No entanto, ele não se alimentava porque dizia que não tinha como
engolir.
Começou a engordar, e eu enfoquei o problema de engolir. Du
rante uma semana, cada vez que o alimentava pelo tubo, eu lhe dizia
que iria engolir algum líquido na segunda-feira seguinte. Contei que
na próxima segunda-feira haveria um copo de água e um copo de lei
te na mesa do refeitório. Ele seria o primeiro a entrar quando a porta
fosse aberta, de modo que poderia beber os copos de líquido. Ele de
clarou que eu não regulava bem. Afirmou que não podia engolir. No
entanto, eu lhe dera aquela primeira prova experimental do interior
de si mesmo, e estava providenciando uma outra.
Domingo à noite, eu lhe dei, pelo tubo, uma alimentação gros
sa e pesada, com muito sal. Tranquei-o num quarto durante a noite.
Às cinco da manhã, tendo sentido sede durante toda a noite, ele ten
tou correr ao banheiro para conseguir água, mas eu havia providen
ciado para que todos os banheiros estivessem trancados. Ele se lem
brou dos dois copos com líquido no refeitório e tomou o primeiro
lugar na fila à porta dele. Quando a porta se abriu, foi o primeiro
a entrar e bebeu tudo. Ele me disse: “ Você se acha esperto, não é
mesmo?” .
Respondi a Herbert: “ Você tem um estômago, pode engolir, por
tanto, pode comer à mesa” . Ele protestou: “ Não consigo ingerir ali
mentos sólidos” . Eu retruquei: “ Ao menos pode tomar a sopa. Qual
quer sólido dentro dela descerá com o líquido” .
Sentei Herbert à mesa e não o deixei levantar até que seu prato
de sopa estivesse vazio. Ele não gostava de ficar sentado ali, de modo
que tomou a sopa. Acrescentei algo para ajudá-lo a comer mais de
pressa. A seu lado, sentei um paciente que não comia do próprio pra
to, mas sempre roubava comida das pessoas a seu lado. Assim, es
tendia seus dedos sujos para a sopa que Herbert tinha que tomar. Her
bert tinha que comer rápido para impedir que o paciente colocasse
os dedos sujos na sopa. Quanto mais rápido engolisse, menor seria
a sujeira. E continuei aumentando a quantidade de sólidos na sopa.
Em seguida, mandei Herbert trabalhar numa fazenda ligada ao
hospital. Mandei-o serrar grandes toras de madeira dura. Disse-lhe
que era uma pena que as toras fossem tão malditamente enfadonhas.
Ele trabalhava com um companheiro, mas o homem somente condu
zia a tora e deixava o trabalho para Herbert. O clima era frio. Qual
quer um fica com uma fome terrível se permanece no frio tentando
cortar uma tora de madeira dura, quando o outro sujeito não faz a
sua parte. Expliquei a Herbert que haveria uma refeição especial na
hora do almoço. Ele indagou: “ Que espécie de tortura infernal você
está preparando agora para mim?” . Afirmei que não era uma tortu
ra, a cozinheira estava celebrando um aniversário, e ele poderia se
sentar com ela.
Pedi que a cozinheira preparasse todos os seus pratos favori
tos, e em copiosa quantidade. Essa cozinheira pesava uns cento e trinta
quilos e gostava de comer. Pedi a ela que arrumasse uma mesa pe
quena com dois lugares e fiz com que Herbert se sentasse, observandoa comer. Faminto devido ao trabalho ao ar livre, e defrontado com
todos aqueles alimentos, ele disse: “ Esta é uma tortura diabólica” .
A cozinheira comia despreocupadamente, com grande prazer. Final
mente, Herbert lhe disse: “ Você se importa se eu comer alguma coi
sa?” . Ela respondeu: “ Sirva-se, sirva-se de quanto quiser” . Herbert
comeu aqueles alimentos sólidos. Carne, molho, batatas. Ela era uma
excelente cozinheira. Istò acabou com os problemas alimentares de
Herbert. Este método baseou-se na idéia simples de que todos aque
les que já passaram pela experiência de observar alguém comendo pen
saram: “ Uau, isto parece bom, gostaria de provar um pouco” .
Como Herbert havia se declarado incapaz de se mover, eu po
dia colocá-lo onde queria e ele ficava. Tive o cuidado de não modifi
car esta situação até mais tarde. Utilizei-a para fazê-lo observar um
jogo de cartas.
Herbert era um jogador inveterado antes de vir para o hospital.
Não particularmente pelo dinheiro, mas porque gostava de jogar ba
ralho. Ele conhecia todos os tipos de jogos de cartas e se considerava
um especialista. Como Herbert não se movia, eu o coloquei num canto
e arrumei uma mesa de jogo à sua frente. Na mesa, coloquei quatro
pacientes muito afetados pela paralisia. Eles não sabiam bem o que
era o quê. Um jogava pôquer, outro bridge, outro paciência. Um
dizia: “ Qual a aposta?” , e o outro respondia: “ Venço seus dois
trunfos” . Eles colocavam uma carta em cima da outra sem relação
nenhuma. Eu disse a Herbert: “ Sabe, você realmente deveria se di
vertir um pouco. É uma pena que tenha que ficar parado, não pos
sa se mexer, não possa jogar cartas. Mas fique observando este jo
go” . Ele declarou: “ Você sempre imagina uma forma diabólica de
tortura” . Eu o coloquei em pé, atrás de cada um dos jogadores,
dizendo: “ Sabe, existem diferentes pontos de vista a respeito do
jogo de cartas” .
Herbert agüentou aquele jogo caótico durante várias noites e
então capitulou: “ Se você conseguir três bons jogadores, que saibam
o que estão fazendo, eu jogarei” . Ele não conseguiu tolerar o insulto
a um bom jogador — ter que ficar observando as pessoas jogarem
estupidamente.
Herbert e eu tivemos inúmeras batalhas como estas, e cada vez
que ele perdia uma, se fortalecia nele a noção de que eu .sabia o que
estava fazendo. Perdeu batalhas suficientes para ir embora do hospi
tal e viver por si mesmo.
Q uando, por volta do final da década de 40, Erickson deixou
seu cargo no hospital, iniciou sua clínica particular e lidava com as
pessoas psicóticas no consultório da mesma maneira. Em bora tenha
começado a envolver mais a família, sua abordagem peculiar conti
nuou a ser um a aceitação, de tal modo que o com portam ento se al
terava. Num a conversa recente, perguntaram -lhe sobre seu método
geral.
E n t r e v i s t a d o r : Voltando à esquizofrenia em adolescentes. Su
ponha que alguém o chame e diga que há um rapaz, de dezenove ou
vinte anos, que foi um menino muito bom, mas que de repente, esta se
mana, começou a andar pela vizinhança carregando uma grande cruz.
Os vizinhos estão aborrecidos e a família também, e pedem que faça al
guma coisa. Como encararia um problema como esse? Um comporta
mento bizarro como esse?
E r i c k s o n : Bem, se o rapaz viesse me ver, a primeira coisa que fa
ria seria pedir para examinar a cruz. E iria querer melhorá-la em algum
aspecto menor. Quando conseguisse a mínima alteração, o caminho es
taria aberto para uma modificação maior. E logo eu poderia lidar com
as vantagens de uma cruz diferente — ele precisaria ter no mínimo duas.
No mínimo três, para que pudesse escolher uma por dia. É muito difícil
revelar um padrão psicótico de comportamento a respeito de um núme
ro crescente de cruzes.
E n t r e v i s t a d o r : Você acredita que esse comportamento indica a
existência de uma família maluca?
E r i c k s o n : E u o tomaria como uma declaração desesperada, do
tipo: “ Minha família está me deixando maluco; é uma cruz que não
agüento” .
E n t r e v i s t a d o r : Mas, mesmo partindo dessa premissa, você
se dirigiria direto à cruz — não trataria primeiro da família?
E r i c k s o n : Não, porque a família iria defender o seu rapaz e
atacá-lo duramente. E ele já está suficientemente solitário. Tem uma
cruz insuportável para carregar. Ele está só com sua cruz, e está anun
ciando isto publicamente. E toda a vizinhança o está rejeitando. Ele
está muito solitário. O que ele precisa é de uma melhoria na cruz.
E n t r e v i s t a d o r : V o c ê c o m e ç a r ia r e c e b e n d o o r a p a z e n ã o o s
pais.
E r i c k s o n : Talvez bem mais tarde eu recebesse os pais.
E n t r e v i s t a d o r : M a s o s p a is r e a g ir ia m à p r o l i f e r a ç ã o d e c r u
zes, não?
E r i c k s o n : Ah, sim, certamente. Mas, sabe, meu consultório
é um lugar muito bom para guardar cruzes.
E n t r e v i s t a d o r : A maioria das pessoas que julgassem que o
rapaz está indicando com isso a existência de uma família maluca se
dirigiria em primeiro lugar à família e presumiria que o rapaz muda
ria logo que o que quer que estivesse acontecendo na família mudas
se.
E r i c k s o n : Talvez eu possa dar um exemplo. Alguém lhe pede
ajuda e você descobre que há uma porção de pedras grandes na estra
da. Você enxerga um desvio onde há só uma pedra. Você toma o des
vio, porque foi convocado pela sociedade e precisa fazer algo ime
diatamente. A pilha de pedras grandes é a família: o desvio com uma
só pedra é o rapaz psicótico. Dê-lhe uma área na qual possa se sentir
livre, uma área onde suas anormalidades não sejam rejeitadas, mas
tratadas com respeito. Elas merecem atenção cuidadosa, não uma
atenção destrutiva; dê-lhe isto e depois lide com a família.
Se um jovem não consegue se desembaraçar da família, pode
continuar envolvido com os pais até envelhecer. Homens e mulheres
de quarenta e cinqüenta anos podem continuar tão enredados com
os pais quanto os adolescentes, se o processo de desengajamento não
obtiver bons resultados. Algumas vezes, eles intermitentemente evi
tam suas famílias e agem como marginais sociais com idéias bizar
ras. O utras, ficam literalmente enredados com os pais, que também
não conseguem se libertar.
Uma vez que se encare o processo de desembaraçam ento como
recíproco, é claro que não são só os pais que, através da benevolên
cia e da ajuda, seguram os filhos, mas estes também se agarram aos
pais. O sistema funciona como se a separação pudesse ser desastro
sa. Esses relacionamentos patéticos podem prosseguir até um a idade
avançada para todos os participantes. Um exemplo ilustra um modo
de intervenção de Erickson para provocar no mínimo um desemba
raço parcial entre um a mãe e um filho eternamente problemático.
I
Tenho trabalhado com uma mãe de setenta anos e seu filho, um
esquizofrênico de cinqüenta. Ela é uma mulher enérgica e, literalmen
te, o arrastou para o consultório. Ela e o filho não conseguiam ter
atividades independentes e estavam constantemente juntos. A mãe me
contou que gostaria de passar um dia lendo na biblioteca, mas não
conseguia porque precisava ficar com o filho. Ele gemia e se lamen
tava se ela o deixasse por um curto espaço de tempo.
Na presença do filho, eu disse à mãe que retirasse um livro da
biblioteca e então fizesse um passeio de carro com o filho até o deser
to. Ela deveria despejá-lo para fora do carro e continuar guiando uns
dois quilômetros pela estrada. Ali, deveria se sentar e apreciar a lei
tura até que ele, caminhando, se juntasse a ela. A mãe não acatou
a idéia. Pensava que seria muito duro para o filho andar no deserto
sob sol quente. Persuadi-a a tentar. Eu lhe disse: “ Agora escute: seu
filho vai cair, vai engatinhar, vai ficar parado, desamparado, tentan
do provocar sua compaixão. Mas, na estrada, não haverá ninguém
mais, e o único jeito de chegar até você é andando. Ele poderá tentar
puni-la fazendo com que fique sentada, esperando, durante cinco ho
ras. Mas lembre-se: você tem um bom livro, e ele estará por perto
o tempo todo. E sentirá fome” .
A mãe obedeceu as minhas instruções. O filho tentou de tudo,
mas acabou tendo de fazer o percurso a pé. Ela comentou: “ Sabe,
estou começando a gostar de ficar lendo ao ar livre” . O filho passou
a andar mais e mais rapidamente, de modo que ela não tinha mais
tanto tempo para ler. Sugeri que quando ele se propusesse a cami
nhar, ela deveria encurtar a distância para meio quilômetro. Ele quis
andar, voluntariamente, e então percorria um percurso bem menor.
A mãe estava surpresa com a melhora dele. Havia pensado em
interná-lo num hospital, e viera me ver para verificar se isto podia
ser evitado. Agora começava a ter alguma esperança. A seguir, co
meçou a pensar se ele poderia jogar boliche. Começou a pensar em
ajudá-lo, mas não do modo antigo, doce e maternal.
Eu sabia que o filho precisava fazer exercícios. Logo que con
segui que começasse a andar, sabia que irià encontrar algum outro
exercício que preferiria. Ele gostou da idéia de jogar boliche e come
çou a praticar. Eu não me importava que ele caminhasse ou se arras
tasse, pois o estava levando a fazer coisas de que gostava. Com este
tipo de diretiva, você estabelece um tipo de coisas para alguém fazer,
assim como a classe “ fazer exercícios” . Então, fornece um item nes
ta classe, como, por exemplo, um passeio pelo deserto escaldante, o
que é algo que a pessoa não ficará muito feliz em realizar. O que
você quer é que ela “ espontaneamente” encontre outro item naquela
classe. Os pacientes geralmente não são pessoas que fazem coisas boas
para si mesmas, coisas com as quais possam ter prazer e sucesso. Elas
lutam contra isto. Por conseguinte, você os inspira.
Quando se examina as técnicas de Erickson para lidar com o
problem a de desembaraçar pais e filhos, fica evidente que ele encara
a terapia, neste estágio, como uma “ cerimônia de iniciação” . A maio
ria das culturas possui tais cerimônias, e elas funcionam não só co
mo permissão para o jovem m udar de s ta tu s e entrar na vida adulta,
mas também para exigir que seus pais o tratem como adulto. A cul
tura provê maneiras de ajudar as famílias a atravessarem este está
gio. Se esta cerimônia está ausente num a cultura — como parece ser
o caso da americana —, então a intervenção de um terapeuta se to r
na o ritual que desembaraça o filho dos pais. O modelo de Erickson
para lidar com este estágio da vida da família não é simples. Ele en
cara o processo de desembaraçar os filhos dos pais não só como um
desengajamento, mas também como um reengajamento sob novas
bases. Os pais não estão desistindo do filho, mas ganhando um ne
to, e o filho não está perdendo os pais, mas permanece envolvido
com eles de modo diferente daquele do passado. Não é um a simples
questão de dependência v e rsu s independência, mas de ultrapassar um
estágio necessário na vida da família. Ao considerar tanto o dilema
do filho quanto o dos pais, Erickson evita os erros de Mesmer, Freud
e outros, que enxergaram o problem a como um campo dividido, on
de o terapeuta precisava escolher de que lado ficar na tentativa de
ajudar o filho a conseguir sua “ independência” . Ficar ao lado dos
jovens contra os pais, neste estágio, pode produzir jovens bizarros
e estranhos, que perdem o vínculo com a família. Os pais também
perdem o vínculo, através do filho, com sua im ortalidade.
P ara ilustrar a im portância de ajudar um jovem e seus pais a
se desengajarem e reengajarem com sucesso, podemos dar o exem
plo de um procedimento empregado na índia, onde o problema é en
carado com tanta seriedade que envolve muitos anos de preparação.
Embora natural e sincero, o poderoso elo entre mãe e filho, num
país onde a existência da mãe é construída, com uma exclusividade
religiosa, sobre esta ligação, e muito pouco além dela, contém o peri
go de uma crise profunda e quase insolúvel para a mãe, assim como
para o filho. A ameaça da crise pode envenenar o relacionamento en
tre mãe e filho, e toda a vida do filho. Mas a liberação natural, dolo
rosa e necessária do filho, fazer a mãe abrir mão de seu fruto (p h a la )
como um dom (da n a ) ao mundo, é conseguida pela observação (vratá) da doação do fruto (p h a la -d a n a v ra ta ).
Aquela, que deve perpetrar um tão grande sacrifício, deve co
meçar por coisas pequenas e, através delas, se preparar para o gran
de sacrifício. A época para o início deste processo é indefinida; ocor
re em algum momento ao redor do quinto ano do filho, mas pode
ser mais tarde. O processo continua durante um número indetermi
nado de anos e tem lugar durante um mês por ano. O b ra h a m a n da
casa, diretor espiritual da família (g u ru ), supervisiona e determina seu
curso; é ele que decide quando a mãe está pronta para encerrá-lo; is
to é, em que ponto, após quais sacrifícios preliminares, ela está pre
parada para o real sacrifício de seu filho. A mulher começa com o
sacrifício de pequenas frutas às quais muito aprecia... Em cada uma
de suas visitas, o guru lhe relata um conto mítico a respeito de uma
mulher que sacrifica tudo, tirando disto a força necessária para reali
zar todas as coisas; silenciosa e atenta, segurando ervas sagradas em
suas mãos cingidas, a mulher escuta, absorve as palavras e pondera
sobre elas em seu coração.
A cada ano, um fruto novo e mais precioso serve de símbolo
central de sua observação. O sacrifício avança das frutas para os me
tais, do ferro para o cobre, para o bronze e finalmente para o ouro.
Estes são os metais com os quais são confeccionados os ornamentos
femininos... O último e extremo sacrifício é um jejum total... Os brah a m a n s , os parentes e os empregados da casa comparecem a esta ce
rimônia representando o mundo ao qual o filho precisa ser entregue...
Um parente da linhagem masculina precisa também comparecer para
representar o aspecto do mundo mais envolvido com o sacrifício que
a mãe fará do filho... Nesta observância, o mito e o rito se combi
nam para efetuar a transformação necessária na mãe: liberá-la de seu
filho bem-amado, uma ligação da qual tem plena consciência e que
gostaria de manter para sempre.*
Em bora as mães e os filhos americanos possam não ser tão en
volvidos uns com os outros como neste exemplo da índia, o elo é
profundo e o desengajamento nunca é um processo simples. Por mui
tos anos Erickson experimentou uma variedade de procedimentos para
ajudar as famílias a passarem por este estágio de desenvolvimento.
Tipicamente, ele lida com o filho e os pais. Usando a si mesmo co
mo ponte entre as gerações, faz com que os pais aceitem o inevitável
crescimento do jovem e ajuda o filho a form ar envolvimentos fora
da família.
De acordo com Erickson, só tirar o filho do lar parental e re
solver as dificuldades dos pais pode, em alguns casos, não ser sufi
* Henrich Zimmer, “ On the significance of the Indian tantric yoga” , in S p ir it u a lD is c i p li
n e s , ed. por Joseph Campbell, vol. IV, Bollingen series. New Brunswick, N .J., Princenton University Press, 1960, pp. 4-5.
ciente. O filho, durante algum tempo, pode ter dificuldades para se
integrar à rede externa, particularm ente se em sua família houver re
gras contra a intimidade com pessoas de fora. Em tais casos, o jo
vem pode estar vivendo por si mesmo, mas, subjetivamente, ainda
não estar funcionando como pessoa autônom a: “ Estou fora de casa
há setenta e dois dias e vinte e três horas” . Usualmente, um proces
so de corte o envolve com seus pares. Algumas vezes, é um a fase de
pré-corte, na qual o filho começa a responder a alguém que não seus
pais. Erickson fornece um procedimento para iniciar o filho numa
vida diferente.
Quando se ajuda um filho a se afastar dos pais, inicia-se tam
bém o processo de fazê-lo identificar pessoas em seu novo ambiente.
Por exemplo, eu finalmente consegui fazer com que a filha de uma
família de que estava tratando se mudasse para seu próprio aparta
mento. Mesmo assim, ela dorme no apartamento com o sentimento
de ainda estar dormindo ao lado de papai e mamãe. Afirma que tudo
é tão irreal e ao mesmo tempo tão real. Ela quase ouve seus pais res
soando e se virando na cama. Ela realmente não deixou os pais.
Coloquei para a moça a questão de descobrir de quantas ma
neiras a sua senhoria e seu senhorio eram diferentes de seu pai e sua
mãe. Ela começou a relatar que a senhoria e o senhorio eram pessoas
rudes, falavam um inglês capenga. Eram gananciosos, nada genero
sos. “ Eles não são atenciosos.” E logo incluiu o conceito: “ Mas eles
realmente me a m a m ” . Neste ponto, eu havia conseguido inserir a cu
nha de abertura, e a jovem estava começando a identificar outras pes
soas. É um simples problema de identificação de dois espécimes da
raça humana. A senhoria era alta e gorda, e o senhorio tinha um bi
gode. Com o tempo a moça começou a encará-los não como objetos
físicos, mas como seres humanos. Quando descobrem a primeira coi
sa, já construíram um certo relacionamento com outras pessoas. Quan
to mais relações um jovem construir com outras pessoas, mais seu
relacionamento com o pai e a mãe se altera. Se, ao mesmo tempo,
o pai e a mãe estiverem ocupados com seus próprios interesses, o jo
vem ficará menos envolvido com eles.
i%
A DO R DE ENVELHECER
M uitas pessoas enfrentam o envelhecimento com encanto e en
contram a morte com dignidade, mas nem sempre as coisas se pas
sam assim. Os problemas que surgem neste estágio podem ser os mais
difíceis para o terapeuta. Não se pode utilizar a esperança no futuro
como alavanca para um a mudança, e é preciso trabalhar para que
o inevitável seja aceito. Quando a cultura valoriza muito a juventu
de e pouco a velhice, os problemas dos mais velhos aum entam . Ao
invés de serem valorizados porque sua longa vida lhes conferiu sabe
doria, os idosos podem sentir que nesta época de mudanças rápidas
estão desatualizados e são supérfluos. Com freqüência, também, pro
blemas e sintomas da família que eram toleráveis se tornam mais in
suportáveis com a idade.
Antes de prosseguir e descrever algumas das maneiras de Erick
son lidar com os problemas implacáveis do sofrimento e da morte,
examinemos um caso mais divertido, que m ostra a cura de um pro
blema que, em bora presente a vida inteira, se tornou mais grave com
a idade. Um senhor idoso veio ver Erickson para se curar do medo
de elevadores que o acom panhara durante a vida toda. H á muitos
anos ele trabalhava no último andar de um certo edifício e sempre
subira pelas escadas. A gora que estava ficando velho, a subida esta
va ficando muito difícil, e ele queria se livrar do medo.
Erickson, tipicamente, utiliza a hipnose quando trabalha com
um tal sintom a. Se uma pessoa puder experimentar um passeio de
elevador sem medo, ela em geral se recuperará e será capaz de andar
nele daí em diante. Um procedimento rotineiro de Erickson quando
utiliza a hipnose é dar sugestões pós-hipnóticas para distrair o pa
ciente de seu medo de elevadores. P or exemplo, ele fornecerá ao pa
ciente a sugestão de que ele ficará extremamente preocupado com
as solas de seus pés no trajeto para um determ inado endereço. O en
dereço será de um escritório no topo de um edifício, e o homem pre-
cisará tomar o elevador para chegar até lá. Devido a suas preocupa
ções com a sensação nos pés enquanto o elevador sobe, a pessoa fica
rá distraída, não sentirá medo e, uma vez que tenha experimentado
com sucesso a subida do elevador, poderá andar nele no futuro.
Com este senhor idoso, Erickson não utilizou a hipnose. Apro
veitou uma situação social para distrair o homem, assim como pode
ria ter usado uma situação pós-hipnótica. O senhor era um homem
muito decente, puritano, casado com uma mulher decente e purita
na. Foi a sua excessiva preocupação com a decência que determinou
a estratégia de Erickson. Ele relata:
Quando o velho senhor me perguntou se podia ajudá-lo a mu
dar o medo de andar em elevadores, eu lhe disse que provavelmente
poderia mandar seu medo em o u tra direção. Ele me disse que nada
poderia ser.pior que seu medo de um elevador.
O elevador daquele edifício em particular era operado por mo
ças, e combinei previamente com uma delas o que deveria ser feito.
Ela concordou em cooperar e achou que iria ser divertido. Entrei, com
o senhor, no elevador. Ele não tinha medo de entrar no elevador, mas,
quando este começava a se mover, a experiência tornava-se insupor
tável. Por isso, escolhi uma hora não muito movimentada e o fiz en
trar e sair, entrar e sair, do elevador. Então, numa das vezes em que
entramos, eu disse à moça que fechasse as portas e “ Vamos subir” . Ela
subiu um andar e parou entre dois andares. O senhor começou a gri
tar: “ O que aconteceu?” . Eu disse: “ A ascensorista quer beijá-lo” .
Chocado, ele respondeu: “ Mas sou um homem casado!” . A moça
disse: “ Não me importo” . E caminhou em direção a ele, que deu um
passo atrás, dizendo: “ Ligue este elevador” . Foi o que ela fez. Foi
até o quarto andar e parou novamente entre dois andares. Disse: “ Es
tou ansiando por um beijo” . Ele respondeu: “ Cuide do seu serviço” .
Ele queria o elevador subindo, não parado. Ela replicou: “ Bem, va
mos descer e começar tudo de novo” , e começou a descer. Ele disse:
“ Não vá para baixo, vá para cima!” , porque não queria passar por
tudo a q u ilo de novo. Ela começou a subir e parou o elevador entre
dois andares. Disse: “ Você promete descer pelo meu elevador, e co
migo, quando parar de trabalhar?” . Ele respondeu: “ Prometo qual
quer coisa se prometer não me beijar” . Subiu o resto do trajeto ali
viado e sem medo do elevador — e pôde usá-lo daí em diante.
Uma das especialidades de Erickson é a utilização da hipnose
em seu trabalho com a dor. Com freqüência, é cham ado para pro
ver alívio a alguém nos últimos estágios de um a dolorosa doença ter
minal. Em tais casos, a pessoa pode m orrer entre terríveis dores ou,
quando está m uito dopada por medicamentos, ficar fora de contato
com a vida m uito antes de morrer. Um método rotineiro que Eri-
ckson emprega em sua abordagem a este problem a difícil é descrito
no caso a seguir.
Uma mulher estava morrendo de câncer no útero e era m anti
da num semi-estupor narcótico como uma maneira de controlar a
dor, o que lhe perm itia dorm ir e comer sem muito enjôo e vômito.
Ela se ressentia de não poder passar as semanas restantes de sua vida
em contato com a família; o médico da família decidiu tentar a hip
nose. Erickson foi cham ado e pediu para que não fossem ministra
dos narcóticos no dia em que deveria vê-la. Fez isso para que as dro
gas não interferissem em seu trabalho e a paciente pudesse estar al
tam ente motivada para responder a ele.
Eu trabalhei com a paciente durante horas, sistematicamente ensi
nando-a, a despeito de seus ataques de dor, a entrar em transe, a desen
volver uma surdez em relação a seu corpo, a absorver-se num estado
de fadiga profunda, de modo que pudesse ter um sono fisiológico a des
peito da dor e apreciar a comida sem sofrimento gástrico. Sua situação
desesperadora a motivou a uma aceitação rápida das sugestões, sem dú
vidas ou questões. Eu também a treinei para responder hipnoticamente
ao marido, à filha mais velha e ao médico da família, de modo que a
hipnose pudesse ser reforçada no caso de algum acontecimento novo du
rante minha ausência. Esta única sessão hipnótica longa foi o bastante.
Ela pôde deixar de lado a medicação, a não ser uma forte injeção admi
nistrada nas quintas-feiras à noite, que lhe dava alívio adicional e lhe
permitia permanecer em pleno contato com a família, num estado des
cansado, durante os fins de semana. Ela também participava das ativi
dades noturnas da família durante a semana. Seis semanas após o tran
se, enquanto conversava com a filha, ela subitamente entrou em coma.
Morreu dois dias depois sem recuperar a consciência.
Este método é várias vezes relatado por Erickson, algumas com
variações. Ele pode ensinar o sujeito a desenvolver uma insensibili
dade corporal, ou acrescentar também um a sugestão para que o pa
ciente se sinta desligado e dissociado de seu corpo. Algumas vezes,
incluirá uma alteração da noção de tempo da pessoa. Por exemplo,
com um homem bem mais velho, em seus estágios terminais de uma
enfermidade carcinom atosa, ele procedeu deste modo:
O paciente se queixava de uma dor constante, pesada, entorpe
cida, latejante, assim como de dores lancinantes de dez em dez minu
tos. Sugeri que seu corpo se sentisse tremendamente pesado, como
um peso de chumbo insensível. Devia senti-lo chumbado de sono e
incapaz de outra coisa, exceto o cansaço pesado. Quando ele experi
mentasse este cansaço insensível e pesado, o corpo adormeceria en
quanto a mente permaneceria desperta. Para lidar com as dores agu
das recorrentes, eu o fiz fixar os olhos no relógio à espera da próxi
ma dor aguda. Os minutos de espera em pânico pareceram horas ao
paciente, e aliviaram o terror da espera. Deste modo, a antecipação
e a dor foram diferenciadas para ele em duas experiências separadas.
Fui então capaz de ensinar-lhe a distorção de tempo hipnótica, para
que ele pudesse aprender a estender o tempo sentido subjetivamente
para que este tempo fosse mais longo do que o que realmente marca
ra o relógio. Ele podia estender o tempo entre as dores e assim passar
períodos mais longos sem dor, o que diminuía o tempo que realmen
te sentia a dor. Ensinei-lhe, também, a ter amnésia da dor, para que
não olhasse para a dor anterior com sofrimento, ou para a próxima
com pânico ou medo. Esquecia imediatamente cada dor, de modo
que a seguinte ocorria como uma experiência inesperada. Como a dor
não era nem antecipada nem lembrada, tornou-se uma experiência
passageira, um lampejo de sensação. O paciente relatou que a hipno
se o havia livrado quase completamente das dores, que ele se sentia
pesado, fraco e insensível fisicamente, e que não mais do que umas
duas vezes ao dia alguma dor “ irrompia” . Algumas semanas mais
tarde, ele entrou em coma e morreu.
Um a abordagem única, para um problem a similar, foi o caso
de um homem cham ado Joe. Ele era florista; cultivava flores e as
vendia. E ra tido como um comerciante entusiasta, respeitado pela
família e amigos. Desenvolveu um tum or num dos lados do rosto,
e quando o cirurgião o removeu, descobriu que era maligno. Joe foi
inform ado de que teria um mês de vida. Ficou infeliz e deprimido
e desenvolveu dores extremamente agudas. Foram-lhe dados narcó
ticos para aliviá-lo, e um parente pediu a Erickson que tentasse a hip
nose. Erickson concordou em vê-lo com relutância, duvidando de
que pudesse fazer m uita coisa naquela situação. Joe tinha reações
tóxicas decorrentes do excesso de medicação, e não apreciava nem
mesmo a menção da palavra “ hipnose” . Além disso, um de seus fi
lhos era um residente de psiquiatria, que havia sido ensinado que a
hipnose não tem valor algum.
Fui apresentado a Joe, que me cumprimentou de modo cortês
e amigável. Duvido que soubesse por que eu estava lá. Quando o exa
minei, notei que boa parte de seu rosto e pescoço havia desaparecido
por causa da cirurgia, da ulceração, da maceração e da necrose.
Haviam-lhe feito uma traqueotomia, e ele não podia falar. Comunicava-se através de lápis e papel. Dormia pouco e tinha enfermeiras
especiais constantemente à sua disposição; mesmo assim, constante
mente pulava para fora da cama, escrevia inúmeras notas a respeito
de seu trabalho e de sua família. Dores fortes causavam-lhe sofrimento
contínuo, e ele não conseguia entender por que os médicos não de
sempenhavam suas funções de modo tão eficiente e completo como
ele administrara seu negócio de flores.
Depois da apresentação, Joe escreveu: “ O que quer?” . A des
peito de minhas dúvidas quanto a poder ajudá-lo, pensei que, se esti
vesse genuinamente interessado nele e desejasse ajudá-lo, poderia dar
algum conforto a ele e aos membros de sua família, que estavam no
quarto, a uma distância da qual podiam me ouvir. Iniciei uma abor
dagem à hipnose que denomino técnica interspersal. É uma maneira
de falar que parece uma conversa casual, mas na qual é dada especial
ênfase a certas palavras e frases, para que se tornem sugestões efeti
vas. (Elas estão em itálico no trecho que se segue.) Disse: “ Joe, gos
taria de falar com você. Sei que é um florista, que cultiva flores e
que cresceu numa fazenda em Wiscosin; gostaria de ter cultivado flo
res. Ainda gostaria. Vou lhe dizer uma porção de coisas, mas não
sobre flores, porque você conhece o assunto melhor do que eu. N ã o
é isto q u e vo cê quer. Agora, enquanto eu falar, e posso fazer isto c o n
fo r ta v e lm e n te , quero que você m e e sc u te c o n fo r ta v e lm e n te enquanto
discorro sobre o tomateiro. Isto é uma coisa estranha a respeito da
qual falar. Faz a gente ficar curiosa. P o r q u e d isco rrer so b re u m to
m a te ir o ? Coloca-se uma semente de tomate no solo. Pode-se te r es
p e ra n ç a de que ela cresça e se torne um tomateiro que d a rá sa tisfa ç ã o
pelo fruto que fornece. A semente chupa água, se m m u ita d ific u ld a
d e devido às chuvas que tra ze m p a z e c o n fo r to , e à alegria de se tor
nar flor e tomate. Aquela pequena semente, Joe, lentamente se dilata
e põe para fora uma raizinha com cílios. Ora, você pode não saber
o que são estes cílios, mas são co isa s q u e tra b a lh a m para ajudar a
semente de tomate a crescer, a elevar-se acima do solo como uma plan
ta que se desenvolve rapidamente, e v o c ê p o d e m e o u v ir, J o e , por
isso continuarei falando e vo cê p o d e c o n tin u a r o u v in d o , c o g ita n d o ,
s o m e n te c o g ita n d o a re sp eito d o q u e p o d e a p re nd er, e aqui está seu
lápis e seu bloco; mas, falando sobre o tomateiro, veja como ele cres
ce lentamente. V o cê n ã o p o d e vê-lo crescer, n ã o p o d e o u v i-lo cres
cer, mas ele cresce — a primeira coisa que surge é uma folhinha na
haste, são os finos cabelinhos no caule. Esses cabelos também apare
cem nas folhas, como os cílios nas raízes; eles precisam fazer com
que o tomateiro se s in ta m u ito b e m , m u ito c o n fo rtá v e l. Se você con
seguir imaginar uma planta sentindo, então p o d e n ã o vê-lo crescer,
p o d e n ã o s e n tir q u e e stá c rescen do , mas aparece outra folha na haste
do tomateiro, e outra mais. Talvez — e isto é falar como criança —,
talvez o tomateiro se s in ta c o n fo r tá v e l e e m p a z à medida que cresce.
Cáda dia ele cresce, e cresce, e cresce, é tã o c o n fo rtá v e l, J o e , obser
var a planta crescer e n ã o ver seu crescimento, n ã o se n ti-lo , mas sim
plesmente saber que tu d o e stá m e lh o r a n d o para aquele pequeno to
mateiro, que está incorporando mais uma folha, e mais outra, e um
galho, e e stá crescendo c o n fo rta v e lm e n te em todas as direções” . (Mui
to do que está transcrito acima foi repetido várias vezes; em algumas,
só frases; em outras, todo o período. Tive o cuidado de variar as pa
lavras, e também de repetir as sugestões hipnóticas. Algum tempo de
pois, a esposa de Joe entrou no quarto na ponta dos pés, trazendo
um bloco de papel no qual havia escrito esta pergunta: “ Quando vai
começar a hipnose?” . Não cooperei com ela, não olhei para a folha
de papel, e foi preciso que ela colocasse a folha à minha frente, e por
conseguinte em frente de Joe. Eu continuava a descrever o tomateiro
ininterruptamente, e a esposa de Joe, quando olhou para ele, perce
beu que ele não a estava enxergando, não sabia que ela estava ali,
percebeu que ele estava num transe sonambulístico. E foi embora ime
diatamente.) “ E logo o tomateiro terá um broto em algum lugar, num
galho ou outro, mas isto não faz diferença, porque todos os galhos,
todo o tomateiro, logo terão estes belos brotos. Fico pensando se o
tomateiro pode, J o e , se n tir, re a lm e n te se n tir, u m a espécie d e c o n fo r
to . Você sabe, Joe, uma planta é uma coisa maravilhosa, e é tã o b o m ,
tã o a gra d á ve l somente ser capaz de pensar a respeito de uma planta
como se fosse um homem. Teria ela b o n s s e n tim e n to s , u m a sen saçã o
d e c o n fo r to , à medida que os pequenos tomates começassem a se for
mar, tão pequenos, ainda assim tão c h e io s d e p r o m e ss a s d e lh e d a r
o d e se jo d e c o m e r um tomate suculento, amadurecido ao sol? É tã o
b o m ter a lim e n to s n o e stô m a g o , aquela sensação maravilhosa que uma
criança, uma criança sedenta, tem e então q u e r b eb er. J o e , é deste
modo que um tomateiro se sente quando a chuva cai e lava tudo, de
modo que há u m a b o a se n sa ç ã o ?” (Pausa.) “ Você sabe, J o e , um to
mateiro floresce só um dia, s ó u m d ia p o r v e z. Gosto de pensar que
o tomateiro co n h ec e a p le n itu d e d o c o n fo rto cada dia. Você sabe, Joe,
s ó u m d ia p o r v ez, para o tomateiro. E é a mesma coisa com todos
os tomateiros.” (Joe subitamente saiu do transe, pareceu desorienta
do, pulou da cama e sacudiu os braços; seu comportamento era alta
mente indicativo das ondas repentinas de toxinas que se observa em
pacientes que reagem desfavoravelmente aos barbitúricos. Joe não pa
recia me ouvir ou ver antes de pular da cama e andar na minha dire
ção. Segurei com firmeza seu braço, e Joe imediatamente o relaxou.
A enfermeira foi convocada. Ela limpou o suor da testa dele, mudou
sua veste hospitalar e lhe deu, pelo tubo, água gelada. Joe então me
deixou conduzi-lo à sua cadeira. Pretextei ter curiosidade a respeito
do antebraço de Joe, e então ele pegou o lápis e o papel e escreveu:
“ Fale, fale” .) “ Ah, sim, Joe, eu cresci numa fazenda, e acho que
uma semente de tomate é algo maravilhoso; p e n s e , Joe, p e n s e , na
quela sementinha que d o rm e , tã o so sseg a d a m e n te , tã o c o n fo rta v e l
m e n te , uma linda planta que ainda deverá crescer e que terá galhos
e folhas tão interessantes. As folhas, os galhos, são tão bonitos,
aquela linda cor, v o c ê re a lm e n te c o n seg u e se se n tir f e l i z olhando uma
semente de tomate, pensando a respeito da maravilhosa planta que
ela contém, d o r m e n te , re p o u sa n d o , c o n fo rtá v e l, J o e . Logo eu vou
sair para ir almoçar, mas voltarei e falarei mais.”
A despeito de seu estado tóxico, espasmodicamente evidente,
Joe definitivamente era acessível. E, mais ainda, ele aprendia rapida
mente, a despeito de minha absurdamente amadorística rapsódia so
bre a semente e a planta do tomate. Joe não tinha verdadeiro interes
se em afirmações sem sentido a respeito do tomateiro. Ele queria livrarse da dor, queria conforto, queria dormir. Era isto que estava em pri
meiro lugar na mente de Joe, em seus desejos emocionais, e ele tinha
uma necessidade compulsiva de encontrar alguma coisa que pudesse
ter valor para ele em minha arenga. Aquele valor desejado estava lá,
apresentado de modo tal que Joe podia literalmente aceitá-lo sem
reconhecê-lo. Joe despertou do transe após eu ter lhe dito algo tão
aparentemente inócuo como: “ Quer água, Joe?” . A reindução do
transe também não foi difícil; foi conseguida com duas frases curtas:
“ Pense, Joe, pense” e “ Durma muito sossegadamente, muito con
fortavelmente” , embebidas em duas seqüências de idéias um tanto
sem significado. Mas o que Joe queria estava naquela narrativa, sob
outros aspectos sem significado, e ele prontamente a aceitou.
Durante o período de almoço, Joe primeiro ficou tranqüilo e
depois levemente agitado; outro episódio tóxico ocorreu, segundo o
relato da enfermeira. Quando voltei, Joe estava esperando impacien
temente por mim. Queria se comunicar escrevendo notas. Algumas
eram ilegíveis devido à sua extrema impaciência ao escrevê-las. Ele
as escrevia com irritação. Um parente ajudou-me a ler essas notas.
Elas diziam respeito a coisas da história passada de Joe, seus negó
cios, sua família, “ a terrível semana que passou” , e “ ontem foi hor
rível” . Não havia queixas, nem exigências, mas algumas solicitações
de informação a meu respeito. Até certo ponto, tivemos uma conver
sação satisfatória, o que pude perceber pela crescente diminuição de
sua agitação. Quando sugeri que parasse de andar pelo quarto e se
sentasse na cadeira em que sentara de manhã, ele o fez rapidamente
e ficou me olhando com expectativa.
“ S ab e, J o e , eu p o d e r ia lh e fa la r m a is so b re o to m a te ir o , e se
e u o fiz e s s e você p ro v a v e lm e n te a d o rm e ceria — d e fa t o , teria u m b o m
s o n o p r o f u n d o .” (Esta declaração inicial tinha todas as característi
cas de uma elocução casual, um lugar-comum. Se o paciente respon
de hipnoticamente, como Joe fez prontamente, tudo está bem. Se o
paciente não responde, tudo o que você disse não passou da afirma
ção de um lugar-comum, nem um pouco digna de nota. Se Joe não
tivesse entrado imediatamente em transe, poderia ter havido uma va
riação, tal como: “ Mas, ao invés disso, vamos falar sobre a flor do
tomate. Você já viu filmes que mostram as flores le nta, le n ta m e n te ,
se abrindo, dando-nos uma sensação d e p a z , d e c o n fo rto quando con
templamos o desabrochar. Tão bonito, tã o re p o u s a n te de se olhar.
Pode-se se sentir um c o n fo r to in fin ito vendo um tal filme.” )
A resposta de Joe, naquela tarde, foi excelente, apesar da inter
venção de vários episódios de comportamento tóxico e vários perío
do em que eu, deliberadamente, interrompia meu trabalho para jul
gar mais adequadamente o grau e a quantidade do aprendizado de Joe.
Quando fui embora, no fim da tarde, Joe cordialmente apertou
minha mão. Seu estado tóxico havia diminuído bastante; ele não ti
nha queixas, não parecia sofrer dores lancinantes, e parecia estar fe
liz e contente.
Os parentes ficaram preocupados com as sugestões póshipnóticas, mas assegurei-lhes que elas haviam sido dadas. Elas ha
viam sido dadas do modo mais gentil, quando descrevi o crescimento
do tomateiro em tantos detalhes e repetições, e depois, com cuidado
sa ênfase, disse: “ Sabe, Joe, como a plenitude do conforto a cada
dia” , e “ Sabe, Joe, só um dia por vez” .
Mais ou menos um mês depois disso, em meados de novembro,
pedi para ver Joe novamente. Ao chegar à sua casa, contaram-me uma
história muito desagradável, mas não desditosa. Joe havia mantido
a excelente reação que demonstrara desde que eu fora embora na pri
meira visita, mas os boateiros do hospital haviam espalhado a histó
ria da hipnose de Joe, e os internos, os residentes e o corpo de fun
cionários começaram a se aproveitar da capacidade hipnótica de Joe.
Cometeram todos os erros possíveis, já que eram amadores mal in
formados, cheios de concepções errôneas e supersticiosas a respeito
da hipnose. O comportamento deles enfureceu Joe, que sabia que eu
não havia feito nenhuma das coisas ofensivas que eles estavam fa
zendo. Esta foi uma percepção afortunada, pois permitiu a Joe con
servar todos os benefícios adquiridos sem deixar que as hostilidades
dele contra a hipnose interferissem. Depois de vários dias de aborre
cimento, Joe deixou o hospital e foi para a casa, mantendo uma en
fermeira em período integral, com relativamente poucos deveres.
Durante aquele mês em casa, ele engordara e ficara mais forte.
Raramente sofria um ataque de dor, e, quando isto acontecia, podia
ser controlado ou com aspirina ou com 25 miligramas de Demerol.
Joe estava muito feliz por estar com a família.
A saudação que Joe me deu nesta segunda visita foi de patente
prazer. No entanto, notei que mantinha um olhar desconfiado sobre
mim, e por isso tomei todo o cuidado para ser totalmente casual e
para evitar qualquer movimento de mão que pudesse ser remotamen
te mal entendido como um “ passe hipnótico” , do tipo empregado
pelo pessoal do hospital.
Cheio de orgulho, ele me mostrou os quadros pintados por um
membro muito talentoso de sua família. Conversamos casualmente
sobre sua melhora, sobre o peso que ganhara, e eu me via repetida
mente obrigado a encontrar respostas simples para encobrir suges
tões pertinentes. Joe se ofereceu para se sentar e me deixar falar com
ele. Embora eu fosse completamente casual em minhas maneiras, era
muito difícil manejar a situação sem despertar a desconfiança de Joe.
Talvez minha preocupação fosse infundada, mas eu queria ser o mais
cuidadoso possível. Finalmente, eu recordei “ nossa visita em outu
bro último” . Joe não percebeu como aquela visita podia ser fácil e
prazerosamente recordada para ele por uma declaração simples co
mo: “ Discorri então sobre o tomateiro, e é quase como se pudesse
estar fa la n d o so b re o to m a te iro agora. É tã o a g rad ável fa l a r so b re
u m a sem en te, u m a p la n ta ” . Assim ocorreu, clinicamente falando, uma
recriação de todos os aspectos favoráveis da entrevista original.
Joe insistiu bastante em supervisionar meu almoço naquele dia,
que consistiu num bife grelhado, sob seu olhar atento, na churras
queira do quintal ao lado da piscina. Foi uma reunião feliz entre quatro
pessoas que gostavam de estar juntas; Joe, obviamente, era o mais
feliz.
Depois do almoço, Joe orgulhosamente exibiu suas inumeráveis
plantas, muitas delas raras, todas plantadas pessoalmente por ele no
amplo quintal. A esposa de Joe fornecia os nomes latinos das plantas,
e ele ficava especialmente feliz, quando eu reconhecia alguma planta ra
ra. Não era um pretexto falso, pois até hoje me interesso pelo cresci
mento das plantas. Joe encarou esse interesse comum como um elo
de amizade.
Durante a tarde, Joe sentou-se voluntariamente, tornando evi
dente que eu poderia fazer o que quisesse. Iniciei um longo monólo
go no qual incluí sugestões psicoterapêuticas de bem-estar, conforto,
ficar livre da dor, desfrutar a família, o bom apetite e um contínuo
interesse em tudo o que o circundava. Essas e outras sugestões simi
lares eram entremeadas, sem serem notadas, entre muitas afirmações.
Abrangiam uma multidão de tópicos, para impedir que Joe analisas
se ou reconhecesse as sugestões entremeadas. Também como disfar
ce adequado, eu precisava de uma variedade de tópicos. Se tanto cui
dado era necessário ou não, em vista da boa relação, é uma questão
discutível, mas preferi não correr nenhum risco.
Do ponto de vista médico, a doença era irreversível, mas, ape
sar disso, Joe estava numa condição física muito melhor do que um
mês atrás. Quando me dispus a partir, Joe me convidou a voltar.
Joe sabia que eu faria uma viagem para dar palestras no fim
de novembro e começo de dezembro. Inesperadamente, recebi um in
terurbano antes de partir para esta viagem. O chamado era da esposa
dele: “ Joe está na extensão e quer dizer ‘olá’; por isso, escute” . Ouvi
dois breves sopros de ar. Joe segurara a boca do telefone em-cima
do tubo da traqueotomia e exalara duas vezes com força para simu
lar um “ olá” . A esposa disse que tanto ela quanto Joe me desejavam
uma ótima viagem, e tivemos uma conversa amigável através da es
posa, que lia as notas dele.
Recebi um cartão de Natal de Joe e sua família. Numa carta
separada, a esposa dizia: “ A hipnose está indo bem, mas o estado
geral de Joe está piorando” . No começo de janeiro, Joe estava fra
co, mas se sentia bem. Finalmente, nas palavras de sua esposa, “ Joe
morreu tranqüilamente a 21 de janeiro” , quatro meses após a desco
berta de sua enfermidade.
Esta “ indução do tom ateiro” de Erickson é característica de
seu modo de trabalhar indiretamente com pessoas que podem resis
tir a sugestões mais diretas.
Um método indireto muito mais ativo é ilustrado no caso a se
guir. Em bora a m aior parte da hipnose seja conduzida numa díade,
esta era um a situação na qual havia um a indução triádica.
Uma mulher foi-me recomendada por um médico da cidade de
Mesa. Era uma mulher inteligente, com um mestrado em inglês, e ha
via publicado vários livros de poesia. Desenvolvera um câncer no úte
ro, com metástases tão graves nos ossos que se tornou inoperável,
e a terapia de cobalto não poderia ajudá-la. Sofria muitas dores, e
os narcóticos não a aliviavam. Ela também não acreditava que a hip
nose pudesse aliviar a dor, mas seu médico me pediu para verificar
o que poderia ser feito.
Fui até a casa dela e me apresentei. A mulher estava de cama,
e a filha estava com ela. Era uma jovem muito bonita e doce, de de
zoito anos, que estava muito preocupada com o bem-estar da mãe.
Estávamos em outubro, e haviam dito à mulher que ela só teria al
guns meses de vida. Ela me contou que tinha dois desejos verdadei
ros: gostaria de ver a filha se casar e o filho se graduar na faculdade,
em junho. Ela disse: “ Não sei como posso cooperar com você para
ser hipnotizada. Para ser sincera, não acredito que uma coisa como
a hipnose possa amainar a dor que sinto” .
Eu lhe disse: “ Você não acredita que possa ser hipnotizada, e
os resultados dolorosos do câncer não lhe dão uma base para pensar
que possa ser aliviada desse tipo de dor. Mas você sabe que muita
gente fala em ver para crer. Assim, suponha que fique observando
sua filha sentada na cadeira, e não perca nada, porque quero que vo
cê observe e note tudo. Você não vai gostar nem um pouco do que
vai ver, e, porque não vai gostar, vai acreditar. Vai acreditar que é
muito real se não gostar muito. Ver para crer, e enxergar esta situa
ção definitivamente, será acreditar” .
Voltando-me para a filha, eu disse: “ Você quer ajudar sua mãe.
Agora, suponho que nunca tenha sido hipnotizada antes. Estou per
feitamente disposto a permitir que leve o tempo de que precisar. Mas
espero que queira que sua mãe veja você entrar em transe o mais rápi
do possível. Fique certa de responder a minhas sugestões com cuida
do e completamente, e se descobrir que não está conseguindo, vá mais
devagar, não tenha pressa. Agora, olhe direto para alguma mancha
naquele retrato do outro lado do quarto. Simplesmente fique olhan
do, e perceberá, enquanto está olhando, sem desviar seu olhar, que
alterou seu ritmo respiratório e que suas pálpebras estão piscando nu
ma velocidade diferente da comum. Posso notar pela pulsação em seu
tornozelo que o ritmo cardíaco ficou mais lento. Suas pálpebras estão
se fechando lentamente, logo permanecerão fechadas. Como sabe, elas
se fecharam e vão permanecer fechadas; você sente uma necessidade
compulsiva de respirar fundo e dormir profundamente. Então respi
rará fundo de novo, para desfrutar estar profundamente adormeci
da. Respire fundo de novo e desfrute saber que está aqui, sozinha co
migo, que se sente confortável e bem, embora tudo indique que não
consegue se mexer, exceto quanto às respirações cuidadosas e lentas,
e talvez uma percepção de seus batimentos cardíacos e de que não es
tá mais engolindo. Agora começa a perder toda e qualquer sensação
de seu corpo. Todo ele está perdendo qualquer sensação, e você não
perceberá mais nenhum estímulo — estímulo físico — de seu corpo,
do mesmo modo que não percebe o das roupas de cama à noite, ou
os de seus vestidos durante o dia. Então todas as sensações irão desa
parecer completamente, e você não terá mais sensações, como se fos
se uma escultura de mármore. Embora eu tenha lhe dito que estamos
sozinhos neste quarto, se por acaso eu virar minha cabeça em outra
direção e dirigir minha fala a uma outra área, você não ouvirá” . E
então me dirigi à mãe: “ Quero que observe isto com muito cuidado” .
Levantei a saia da moça até metade de suas coxas. A mãe subitamente
pensou que eu estava tomando liberdades com a moça e n ã o g o sto u
d o q u e viu. Eu havia lhe dito que ela enxergaria e acreditaria, mas
não gostaria. Então levantei minha mão e dei um tapa forte na coxa
da moça. A mãe observou o rosto da moça; não havia nele a menor
evidência de qualquer reação. Disse à mãe: “ Isto é incrível, não? Va
mos tentar no braço” . Dei um tapa no braço. A mãe disse: “ Você
sentiu?” . A moça não respondeu. Eu disse à mãe: “ Quando estou fa
lando com você, ela não pode nem mesmo m e ouvir” . Voltei-me para
a moça e perguntei: “ Estamos sozinhos neste quarto? Balance a ca
beça para dar sua resposta” . Ela balançou a cabeça, e eu me voltei
de novo para a mãe: “ Podemos repetir isto até que tenha realmente
certeza de que acredita no que vê. Você sabe que é assim, e percebe
que é ver para acreditar” . Novamente, bati com força nas coxas da
filha. A mãe observava o rosto dela. O som daquele tapa foi detestá
vel. Fora forte. Eu disse à moça: “ Quando você abre os olhos, o que
vê?” . Ela os abriu e disse: “ Você” . “ Estamos sozinhos aqui?” “ Sim.”
“ Agora, pode olhar suas mãos?” “ Sim.” “ Muito bem, olhe suas
mãos agora. Olhe até o fim delas, e, enquanto seus olhos se movem
para baixo, diga o que vê.” “ Minha blusa, minha saia, minhas co
xas, meus joelhos e meus pés” .
Eu disse: “ Gostaria de ver algo que a agradaria?” . Dei-lhe um
outro tapa forte na coxa, e ela disse: “ Eu não senti nada, há algo
errado?” . Eu respondi: “ Não, mas você viu o que fiz. Você acredi
ta? Sabe que não sentiu nada. Assim, após despertar, quero que ex
plique à sua mãe que se sente bem, que está pronta a entrar em tran
se. Então quero que observe seu colo. Você notará alguma coisa que
lhe causará dor, mas não será capaz de fazer nada. Descobrirá que
terá que me pedir para fazer por você” .
Despertei a moça, e ela contou à mãe que estava pronta para
entrar em transe, e então disse: “ Minha saia está levantada, não con
sigo abaixá-la, não sei como fazê-lo. Você pode abaixá-la para mim?
Não quero ficar com as pernas de fora” .
Eu disse: “ Sua mãe presenciou uma coisa surpreendente, por
que ver é acreditar. Sabe, acredito que não sinta nenhuma sensação
em suas coxas” . Ela disse: “ Como foi que minha saia subiu? Você
deve ter me hipnotizado e anestesiado minhas pernas. Não consigo
mover minhas mãos, simplesmente não entendo” . Eu disse: “ Você
não sentiu nada quando bati em suas coxas; conte para sua mãe” .
E ela disse: “ Não sei como fez isso, mas você realmente bateu forte
em minhas coxas e eu não senti nada, e, mamãe, quero realmente que
me diga que acredita, porque gostaria de abaixar minha saia” . A mãe
disse: “ Mas eu acredito!” . Então abaixei a saia e disse: “ Feche os
olhos por um momento. Quando abri-los, você não vai se lembrar
do que aconteceu. Sua mãe vai tentar lhe contar alguma coisa, mas
você não vai acreditar nela. Respire fundo algumas vezes e desper
te” . A mãe disse: “ Como é que não sentiu aqueles tapas em suas co
xas nuas quando ele bateu daquele jeito em você?” . E a moça res
pondeu: “ Ele não bateu em minhas coxas nuas” . A mãe percebeu
como ela enrubescera e notou o tom de sua voz. Escutar também é
acreditar, assim como sentir é acreditar.
A primeira visita durou menos de quatro horas. O próximo passo
era fazer com que a moça se visse na cadeira do outro lado do quar
to, e então fazê-la vivenciar a si mesma estando lá. Assim, eu daria
as costas a ela e conversaria com ela encarando a outra direção. En
tão ela poderia me ouvir. Mas não conseguiria me ouvir quando eu
olhasse na direção em que estava realmente sentada, e a mãe veria
tudo. Então eu a faria ver o tapa na sua coxa nua. Eu lhe disse que
ela poderia me questionar a respeito de coisas que lhe haviam aconte
cido. Ela disse: “ Eu ouvi você falando comigo. Ouvi o som do tapa
em minha coxa. Mas não senti dor alguma” . Eu disse: “ Certo. Toda
vez que eu quiser tirar a dor de seu corpo e colocá-la do outro lado
do quarto, posso fazê-lo? Será que pode ensinar sua mãe? Muito
bem, vou tirar a sensação de suas costas agora mesmo e colocá-la
do outro lado do quarto” . Ela tentou pressionar as costas contra
a cadeira, mas não conseguia localizá-las somaticamente. “ Devo fi
car atrás de você e testá-la, ou devo simplesmente dizer a suas jun
tas que relaxem de modo que possa se recostar na cadeira?” Uma
jovem inocente, inteligente, ingênua. Assim, retirei a sensação de suas
costas. Disse: “ Suponha que traga a sensação de volta a seu corpo
e você pense que está totalmente acordada, de modo que possa com
preender a experiência quando está desperta e quando está em tran
se também. Você a entende melhor em transe. Então pode se lem
brar quando estiver desperta, conversar comigo e fazer perguntas.
Agora suponha que eu pegue todo o seu corpo, exceto a cabeça, o
pescoço e os ombros e braços, e coloque toda a parte de baixo de
seu corpo do outro lado, na cama. Agora suponha que ponha sua
cabeça e ombros numa cadeira de rodas, de modo que você possa
dirigir a cadeira para a sala de estar” . Assim, pusemos seus ombros
e braços na cadeira de rodas, e o resto do corpo na cama. “ Sua mãe
tem observado tudo, ela entende. Pergunte-lhe se entende.” A mãe
respondeu: “ Eu entendo” .
A mãe aprendeu que todas as sensações de dor poderiam ficar
com o corpo quando o colocava na cama. Ela podia ficar em sua ca
deira de rodas com a cabeça, o pescoço e o ombros, e ir até a sala
de estar ver um programa de televisão.
Fui ver a paciente na manhã seguinte, e a nova enfermeira da
noite me contou que ela dormira bem a noite inteira. “ Mas ela está
indo assistir programas na tevê, e toda vez que digo alguma coisa,
ela me manda calar a boca” , ela disse.
Disse à mulher: “ Você se importaria em contar para a enfer
meira que deixa o corpo na cama obedecendo ordenS médicas e vai
até a sala de estar para ver televisão? Diga-lhe que faz isto obedecen
do ordens médicas” . A mulher o fez, e a enfermeira olhou para mim
e disse: “ O que isto quer dizer?” . Respondi: “ Quer dizer que ela está
em profundo transe hipnótico, está sentindo alívio da dor e aprecian
do o programa de televisão — sem nenhum comercial” .
Em julho ela estava recebendo visitas na sala de estar e apre
ciando a conversa. Era o que ela pensava, porque na verdade esta
vam todos ao redor de sua cama. Ela subitamente entrou em coma
e morreu duas horas depois. Ela realizara seus dois desejos em ju
nho. Vira o filho se formar — imaginando a cena da formatura. A
filha se casara no quarto, em sua presença.
Além de ajudar a pessoa a morrer com dignidade, Erickson con
sidera que esta tarefa também ajuda alguém a viver seus últimos anos
tão plenamente quanto possível. Algumas vezes, atinge este objetivo
através de esforços hipnóticos delicados: outras, ataca o problema
energicamente. Erickson considera o método do caso a seguir não-ortodoxo, e parece apropriado encerrar este trabalho com a descrição
de uma estratégia terapêutica não-usual. Erickson relata:
Uma mulher da Califórnia me escreveu contando que o marido
estava totalmente paralisado depois de um ataque e não conseguia
falar. Ela perguntava se podia trazê-lo para me ver. Era uma carta
tão pungente que concordei, pensando que talvez pudesse confortar
a mulher o bastante para ela aceitar sua difícil situação.
Ela trouxe o marido a Phoenix, instalou-se num motel e veio
com ele me ver. Fiz com que meus dois filhos carregassem o homem
para a casa e levei a mulher para o consultório; conversei com ela
a sós. Ela contou que o marido, um homem na casa dos cinqüenta,
havia tido um ataque um ano antes, e desde então ficava deitado, in
defeso, numa cama de enfermaria do hospital da universidade. Os
membros do hospital o mostravam aos estudantes, e, na sua presen
ça, comentavam que era um caso terminal, que estava completamen
te paralisado, que não conseguia falar e que tudo que podiam fazer
era mantê-lo saudável até que ele morresse.
A mulher me disse: “ Ora, meu marido é um alemão prussiano,
um homem muito orgulhoso. Ele construiu seu negócio sozinho. Foi
sempre um homem ativo e um leitor voraz. Foi sempre um homem
extremamente dominador. E agora, sou obrigada a vê-lo lá, deitado,
indefeso, sendo alimentado, lavado, comentado como uma criança.
Cada vez que vou visitá-lo no hospital vejo dor e fúria em seu olhar.
Eles me disseram que ele é um caso terminal e eu perguntei a meu
marido se haviam lhe contado isto; ele piscou os olhos afirmativa
mente. Este é o único meio de comunicação que tem” .
À medida que ela ia me contando, percebi que não seria apenas
preciso confortar a mulher; algo precisava ser feito pelo homem. Pon
derei: eis aqui um prussiano, irritadiço, dominador, muito inteligen
te, muito competente. Ele se mantivera vivo um ano com uma raiva
furiosa. A esposa conseguira, com imenso trabalho, colocá-lo num
carro, guiar desde a Califórnia, içá-lo do carro e colocá-lo num mo
tel; então o havia retirado de novo, colocado no carro e guiado até
minha casa. Meus dois filhos tiveram dificuldade em carregar o ho
mem para dentro de casa, e ainda assim aquela mulher o havia movi
do, sozinha, através do país.
Disse pois a ela: “ Você trouxe seu marido até mim em busca
de ajuda. Farei o máximo que puder para ajudá-lo. Quero falar com
ele, e quero que esteja presente, mas não posso permitir que interfi
ra. Você não vai compreender o q u e ou p o r q u e estarei fazendo aqui
lo. Mas pode compreender minha afirmação de que deve se sentar
e ficar quieta, com o rosto composto, e não deve dizer nada, fazer
nada, não importa o que aconteça” . Ela conseguiu aceitar as condi
ções; mais tarde, quando quis interferir, um olhar imperativo a dete
ve.
Sentei-me diante do homem, que estava indefeso na cadeira, in
capaz de se mexer, a não ser pelas pálpebras. Comecei a falar com
ele aproximadamente da seguinte maneira: “ Então é um alemão prus
siano. Os estúpidos, malditos nazistas! Como os alemães-prussianos
são incrivelmente estúpidos, preconceituosos, ignorantes e bestiais!
Pensaram que eram donos do mundo, destruíram seu próprio país!
Que tipo de epíteto pode-se aplicar a estes terríveis animais? Eles real
mente não parecem viver. O mundo ficaria melhor se eles fossem usa
dos como fertilizante” .
A raiva em seus olhos era impressionante. Eu continuei: “ Você
tem ficado por aí, jogado numa cama de caridade, tem sido alimen
tado, vestido, cuidado, banhado, suas unhas cortadas. Quem é você
para merecer alguma coisa? Você nem mesmo se iguala a um crimi
noso judeu mentalmente retardado!” .
Continuei deste modo, dizendo todo o tipo de coisas desagra
dáveis que conseguia, acrescentando algumas, como: “ Você é um mal
dito tão preguiçoso que se contenta em ficar deitado numa cama de
caridade” . Depois de algum tempo, eu disse: “ Bem, não tive muita
oportunidade, ou tempo, para pensar em todos os insultos que você
merece. Você vai voltar amanhã. Eu terei bastante tempo, durante
o restante do dia, para pensar nas coisas todas que quero lhe dizer.
E você vai voltar, não?” . Ele voltou! Com um explosivo: “ Não” .
Eu disse: “ Então! Durante um ano você não falou. Agora tudo
que tive de fazer foi chamá-lo de porco nazista sujo, e você começa
a falar. Você vai voltar aqui amanhã.e receber uma real descrição de
si mesmo!” .
Ele disse: “ Não, não, não!” .
Não sei como conseguiu, mas ficou de pé. Empurrou a esposa
para o lado e cambaleou para fora do consultório. Ela ameaçou cor
rer atrás dele, mas eu a impedi, e disse: “ Sente-se, o pior que pode
acontecer com ele é esborrachar-se no chão. Se ele conseguir camba
lear até o carro, isto é exatamente o que você quer” .
Ele cambaleou para fora de casa, até mesmo desceu os degraus,
e conseguiu entrar, se arrastando, dentro do carro. Meus filhos fica
ram observando, prontos para correr em seu socorro.
Não há realmente nada igual a um prussiano; eles são domina
dores, ditatoriais e incrivelmente sensíveis ao que consideram insul
tos. Eu já trabalhei com prussianos. É muito grande o respeito que
exigem, suas auto-imagens são muito inchadas de auto-satisfação. Ali
estava um homem que pensava ter sido insultado além do que podia
tolerar por mais de um ano no hospital — então eu lhe fiz uma de
monstração do que era verdadeiramente um insulto, e ele reagiu.
Disse à esposa: “ Traga-o de volta amanhã, às onze da manhã.
Leve-o agora para o motel e arraste-o para o quarto. Coloque-o na
cama, siga a sua rotina anterior para cuidar dele. Quando estiver na
hora de ele dormir, quando estiver saindo do quarto dele e indo para
o seu, diga-lhe que tem uma hora marcada comigo amanhã, às onze.
Então continue andando para fora do quarto.
“ Amanhã de manhã, dê a ele o café da manhã e vista-o. Então,
às dez e meia, diga: ‘Temos que sair agora para ir ao consultório do
dr. Erickson’. Saia e vá buscar o carro, leve-o até a porta da frente
e acelere o motor. Espere até ver a maçaneta da porta girar. Então
pode ajudá-lo a entrar no carro.”
Na manhã seguinte, eles chegaram. Ele, andando, só com a aju
da dela. Entrou no consultório e nós o ajudamos a se sentar na cadei
ra. Eu disse simplesmente: “ Sabe, valeu a pena passar ontem por to
do aquele inferno para ser capaz de andar até o consultório. Para ser
capaz de pronunciar ao menos uma palavra. Agora o problema é: co
mo faço você falar, andar, desfrutar a vida e ler livros? Prefiro não
ser tão drástico quanto fui ontem. Mas você não estava acreditando
nem um pouco em si mesmo. O que fiz foi suficientemente desagra
dável para não lhe deixar outra alternativa a não ser protestar. Espe
ro que agora possamos ser amigos. Comecemos a trabalhar em sua
reintegração ao menos em alguma atividade normal” .
A expressão facial dele demonstrava muita preocupação. Eu
disse: “ Você percebe que posso fazê-lo falar insultando-o, mas pen
so que conseguirá dizer ‘sim’ para uma pergunta agradável. À luz
do que já realizamos, depois de seu ano de terrível impotência, acre
dito que queira que eu continue ajudando-o. Você pode responder
‘sim’, ou pode responder ‘não’” . Ele lutou e conseguiu fazer sair
um “ sim” .
Depois de uns dois meses ele estava pronto para voltar para a
Califórnia. Claudicava muito, tinha um uso restrito do braço e a fala
afásica, e conseguia ler livros somente se os mantivesse longe e late
ralmente. Perguntei-lhe o que o havia ajudado. Ele disse: “ Minha
esposa me trouxe até o senhor para fazer hipnose. Sempre senti, de
pois daquele dia em que me enfureceu, que estava me hipnotizando
e me levando a fazer cada coisa que consegui fazer. Mas também me
dou crédito por andar dez quilômetros, certo dia, para chegar ao zoo
lógico Tucson. Fiquei muito cansado, mas consegui” .
Ele queria saber se poderia voltar a trabalhar, ao menos meio
período. Disse-lhe que precisaria fazer uma lista das coisas mais sim
ples que pudesse executar e se contentar com elas. Ele concordou.
Recebi, periodicamente, cartas deles durante uns sete anos. Fo
ram anos felizes. A correspondência chegava com intervalos cada vez
maiores e finalmente cessou. Então, uns dez anos depois daquela vi
sita, a esposa me escreveu contando que o marido tivera um novo
a t a q u e . E s t a r ia e u d i s p o s t o a r e c e b ê - lo d e n o v o e r e s ta u r a r s u a s a ú d e
f ís ic a ?
C o n s id e r a n d o a id a d e d e le , p e r c e b i q u e n ã o s e r ia p o s s í v e l a c e i
t á - l o c o m o p a c ie n t e . R e s p o n d i à e s p o s a s a l i e n t a n d o q u e e le j á p a s s a
r a d o s s e s s e n ta a n o s e h a v ia s id o m u it o p r e j u d ic a d o p e lo p r im e ir o a c e s
s o . O s e g u n d o o h a v ia d e ix a d o i n c o n s c i e n t e d u r a n t e v á r io s d ia s . E le
f ic a r a p io r d o q u e a n t e s . D i s s e - l h e q u e n ã o h a v ia m a is n a d a q u e p u
d e s s e fa z e r .
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NOVAS BUSCAS EM PS IC O T E R A PIA
V O L U M E S P U B L IC A D O S
1 — T o rn a r -s e P r e s e n te — John O. Stevens. Mais de um a centena de experimentos
de crescimento pessoal; baseados em Gestalt-terapia, a serem realizados individualmente
ou em grupos com a participação de um coordenador.
2 — G e s ta lt- T e r a p ia E x p lic a d a — Frederick S. Perls. Palestras e.sessões de Gestaltterapia, dirigidas por Perls, constituem.a melhor maneira de entrar em contato com a for
ça e a originalidade de sua criação. Transcrições literais de uma linguagem falada, cheia
de vigor e de expressões coloquiais.
3 — I s to é G e s ta lt — Coletânea de artigos que representam a expressão mais autênti
ca do desenvolvimento presente da Gestalt-terapia. “ Cada um de nós tem áreas de expe
riência hum ana, onde vemos claramente e movimentamo-nos mais facilmente, e outras
onde ainda estamos confusos.” (...)
4 — O C o r p o e m T e r a p ia — Alexander Lowen. O autor expõe os fundamentos da
bioenergética. Discípulo de Reich, retom a e expande as formas pelas quais o desenvolvi
m ento do homem é tolhido pela estruturação errônea de hábitos mentais e motores. P on
tilhado de exemplos clínicos, esclarece a teoria form ulada pela abordagem bioenergética.
5 — C o n sciên c ia p e lo M o v im e n to — Moshe Feldenkrais. Feldenkrais com pouca teoria,
fundam enta como se form a, como se desenvolve e como se pode melhorar a percepção
de si e a estrutura m otora da imagem corporal.
6 — N ã o A p r e s s e o R i o (E le c o rr e s o z in h o ) — Barry Stevens. Um relato a respeito
do uso que a autora faz da G estalt-terapia e dos caminhos do Zen, Krishnamurti e índios
americanos para aprofundar e expandir a experiência pessoal e o trabalho através das di
ficuldades.
7 — E s c a r a fu n c h a n d o F r it z — D e n tr o e F o r a d a L a ta d e L i x o — Frederick S. Perls.
Parte em form a poética, muitas vezes divertido, às vezes teórico, o livro é um mosaico
multifacetado de memórias e reflexões sobre a sua vida e sobre as origens e evolução da
G estalt-terapia.
8 — Caso Nora — Moshe Feldenkrais. Relato de como o autor conseguiu a recupera
ção de N ora, paciente com mais de 60 anos, e que devido a um derrame, ficou incapacita
da de ler, de escrever etc. A teoria da consciência corporal aqui se manifesta em sua pleni
tude, com seus êxitos e tropeços.
9 — N a N o i t e P a ss a d a E u S o n h e i... — Medard Boss. Após o estudo de inúmeros
sonhos, Boss m ostra que não existe ruptura entre o modo de ser no sonhar e o modo de
ser na vigília. Boss aponta em que medida a compreensão dos sonhos pode trazer benefí
cios terapêuticos.
10 — E x p a n s ã o e R e c o lh i m e n t o — Al Chung-liang H uang. A essência do t ’ai chi,
entendido como o princípio mais sutil do taoísmo, isto é, wu-wei, a “ não ação” . É a apren
dizagem do mover-se com o vento e a água, sem violência, não só nos exercícios, mas
tam bém no cotidiano.
11 — O C o r p o T ra íd o — Alexander Lowen. Através de um a minuciosa análise, o
consagrado autor aborda o complexo problema da esquizofrenia, das realidades e neces
sidades de nosso próprio corpo, m ostrando como chegamos a uma plena e gratificante
união corpo-mente.
12 — D e s c o b r in d o C r ia n ç a s — Violet Oaklander. A abordagem gestáltica com crian
ças e adolescentes. A autora desenvolve um estudo sério sobre o crescimento infantil, em
pregando métodos altamente originais e flexíveis.
13 — O L a b ir in t o H u m a n o — Elsworth F. Baker. O livro apresenta a teoria reichiana segundo a qual o caráter hum ano está baseado no movimento e na interrupção do mo
vimento da energia sexual. Discípulo de Reich, o autor analisa profundam ente as causas
e os efeitos de tais bloqueios emocionais.
14 — O P s ic o d r a m a — Dalmiro M. Bustos. Livro que permite aprender aspectos téc
nicos de grande utilidade para o psicodram atista, além de dar uma visão global das dife
rentes aplicações das técnicas dramáticas.
15 — B io e n e rg é tic a — Alexander Lowen — Através de estudos baseados nas teorias
de Reich sobre os variados processos de formação da couraça muscular, o autor analisa
diversos tipos de com portam ento e propõe exercícios que buscam alcançar a harm onia
com o Universo através de movimentos corporais.
16 — O s S o n h o s e o D e s e n v o lv i m e n t o d a P e r s o n a lid a d e — Ernest Lawrence Rossi.
Este livro apresenta os sonhos e a imaginação como processos criativos que conduzem
a novas dimensões de consciência, personalidade e com portam ento. Através da análise
dos sonhos, o autor mostra como podemos ascender a níveis superiores de consciência,
am or e individualidade.
17 — S a p o s e m P r ín c ip e s — p r o g r a m a ç ã o n e u r o lin g ü ís tic a — Richard Bandler e John
Grinder. A program ação neurolingüística é um novo modelo de comunicação hum ana e
com portam ento. Trata-se de um a técnica minuciosa, que torna possíveis mudanças muito
rápidas e suaves de com portam ento e sentimentos, em qualquer contexto.
18 — A s P s ic o te r a p ia s H o j e — Org. leda Porchat. Um grupo de autores nacionais
aborda com clareza e atualidade algumas das técnicas psicoterapêuticas empregadas cor
rentemente, situando-as no contexto geral das terapias.
19 — O C o r p o e m D e p r e s s ã o — Alexander Lowen. A perda da fé, a dissociação en
tre o corpo e o espírito, entre o homem e a natureza, a agitação da vida m oderna, estão
entre as principais razões para a depressão que tantas vezes nos oprime. Neste livro Lo
wen aponta o caminho para a redescoberta de nosso equilíbrio.
20 — F u n d a m e n t o s d o P s ic o d r a m a — J. Moreno. Mediante um amplo debate com
famosos psicoterapeutas, Moreno expõe sua teoria e aborda a transferência, tele, psicoterapia de grupo, espontaneidade e outros temas vitais.
21 — A tr a v e s s a n d o — P a ss a g e n s e m P sic o te r a p ia — Richard Bandler e John Grin
der. Neste livro de program ação neurolingüística, enfatiza-se principalmente a formação
dos estados de transe e a rica fenomenologia da hipnose. Livro rico em técnicas fortemen
te ativas e utilizáveis por terapeutas de linhas diversas.
22 — G e sta lt e G ru p o s — Therese A. Tellegen — Esta é a primeira exposição históricocrítica, entre nós, da Gestalt-terapia. O livro, além dos gestalt-terapeutas, é útil para tera
peutas de outras abordagens e demais interessados em grupos, desejosos de confrontar
sua experiência com uma reflexão a nível teórico-prático.
23 — A F o r m a ç ã o P r o fis s io n a l d o P s ic o te r a p e u ta — Elenir Rosa Golin Cardoso. Es
te livro m ostra como se form a o psicoterapeuta, enfocando em especial sua figura ideali
zada. Através do S c e n o T e s t, apresenta uma nova técnica de supervisão.
24 — G e s ta lt- T e r a p ia : R e f a z e n d o u m C a m i n h o — Jorge Ponciano Ribeiro. Uma ten
tativa teórica de explicar a Gestalt-terapia a partir das teorias que a fundam entam . De modo
diferente e original, o autor une teoria e técnicas à prática da vivência em Gestalt-terapia.
25 — J u n g — Elie G. H um bert. Livro de grande im portância como análise da traje
tória intelectual e hum ana do grande psicanalista, enriquecido por uma detalhada crono
logia e bibliografia.
26 — S e r T e ra p e u ta — D e p o im e n to s — Org. leda Porchat e Paulo Barros — Mediante
entrevistas com psicoterapeutas, os organizadores trazem para os profissionais e estudan
tes um depoimento vivo e rico sobre a atividade do terapeuta.
27 — R e s ig n ific a n d o — Richard Bandler e John Grinder. M udando o significado de
um evento, de um com portam ento, mudamos as respostas e o com portam ento das pes
soas. Este livro completa a proposta da Program ação Neurolingüística.
28 — i d a R o l f f a l a s o b r e R o l f i n g e a R e a lid a d e F ísic a — Org. Rosemary Feitis. Um
instigante e esclarecedor encontro com a teoria do Rolfing e os pensamentos da Dra. Ida
R olf, sua fundadora.
29 — T e r a p ia F a m ilia r B r e v e — Steve de Shazer. O autor descreve a teoria e a prática
de um modo de atuar que desafia pressupostos básicos na terapia fam iliar, enfatizando
a teoria da mudança.
30 — C o r p o V ir tu a l — R e fl e x õ e s s o b r e a c lín ic a p s ic o te r á p ic a — Carlos R. Briganti.
Este texto possibilita o despertar de novos conhecimentos e novas questões a respeito da
complexidade hum ana associada ao corpo, com toda a sua potencialidade de transform a
ção e de mudança.
31 — T e ra p ia F a m ilia r e d e C a s a l — I n t r o d u ç ã o à s a b o r d a g e n s sis tê m ic a e p s ic a n a lític a — Vera L. Lamanno Calil. A riqueza de conceitos e de conhecimentos teóricos e prá
ticos associados à terapia fam iliar e de casal, levou a autora a sistematizar nesta obra con
ceitos fundamentais.
32 — U s a n d o s u a M e n t e — A s c o isa s q u e v o c ê n ã o s a b e q u e n ã o s a b e — Richard Bandler. Este livro amplia o conhecimento sobre a Program ação Neurolingüística, mos
trando-nos como funciona esse método.
3 3 _ W ilh e lm R e ic h e a O r g o n o m ia — Ola Raknes. Neste livro, Ola Raknes trata do
envolvimento gradual de Reich com a Orgonomia através do desenvolvimento lógico de
suas descobertas.
3 4 _ T o c a r — O S ig n ific a d o H u m a n o d a P e le — Ashley M ontagu. Este livro diz res
peito à pele como órgão tátil, extensamente envolvido no crescimento e no desenvolvimento
do organismo.
35 — V id a e M o v i m e n t o — Moshe Feldenkrais. Indispensável para aqueles que dese
jam aprofundar seu conhecimento com o trabalho de Feldenkrais, este livro propõe uma
série de exercícios para ampliar a consciência pelo movimento.
36 — O C o r p o R e v e la — U m g u ia p a r a a le itu ra c o r p o r a l — Ron Kurtz e Hector Prestera. Renomados terapeutas corporais, os autores escreveram um livro que possibilita a
leitura da estrutura de nosso corpo, postura e psique. Um texto im portante para nosso autoconhecimento e desenvolvimento.
37 — C o r p o S o f r i d o e M a l - A m a d o — A s e x p e riê n c ia s d a m u lh e r c o m o p r ó p r io c o r
p o — Lucy Penna. Uma reflexão sobre o corpo feminino na atualidade, em termos histó
ricos e físico-psíquicos, sociais e terapêuticos, tom ando como modelo de pesquisa diver
sos grupos de estudantes universitárias.
38 _ S o l d a T e rr a — Álvaro de Pinheiro Gouvêa. Um livro pioneiro sobre o uso do
barro em psicoterapia. O autor expõe os fundamentos teóricos e relata sua experiência com
pacientes.
39 — O C o r p o O n ír ic o — O p a p e ! d o c o r p o n o re v e la r d o s i- m e s m o — A rnold Mindell. O autor expõe o significado oculto nas sensações físicas e experiências corporais, pois
o inconsciente nos fala, nos sonhos, por meio de imagens e símbolos.
40 — A te r a p ia m a is b r e v e p o s s ív e l — A v a n ç o s e m p r á tic a s p s ic a n a lític a s — Sophia
Rozzanna Caracushansky. Um verdadeiro manual para os psicoterapeutas, uma visão global
das mais im portantes contribuições teóricas da psicologia: Freud, Jung, M.Klein, Winnicolt, M ahler, Spit.
41 — T r a b a lh a n d o c o m o c o r p o o n ír ic o — Arnold Mindell. A aplicação da teoria já
elaborada em O c o r p o onírico. Relatos de casos clínicos onde os fenômenos físicos estão
relacionados às imagens e símbolos dos sonhos.
42 — T e ra p ia d e v id a p a s s a d a — Livio Tulio Pincherle (org.). Prim eiro resultado de
uma produção nacional desta terapia regressiva com bases espiritualistas. O que está em
discussão são as teorias cartesianas e a necessidade de abrirem-se perspectivas para um uni
verso polidimensional.
43 — O C a m in h o d o R i o — a ciência do processo do corpo onírico — A rnold Min
dell. A partir de conceitos da física m oderna e da teoria da comunicação, Mindell expõe
os princípios filosóficos de suas obras sobre o corpo onírico.
44 — T e ra p ia N ã o C o n v e n c io n a l — as técnicas psiquiátricas de M ilton H. Erickson
— Jay Haley. Um clássico da denom inada terapia estratégica. O primeiro livro a introdu
zir a genialidade de Erickson entre o público em geral e o m undo profissional.