DESPACHO 3
Dezembro de 2019
NESTA
EDIÇÃO:
Entrevista com
Eduardo Sterzi
E mais!
Carlos Orfeu
Chantal Castelli
Clarisse Lyra
Fabiano Calixto
Fabio Maciel
Frank Lima
Jack Spicer
Marosa di Giorgio
Pedro Fernandes Galé
Rodrigo Lobo Damasceno
Rubens Akira Kuana
Tiago Guilherme Pinheiro
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Editorial
Estamos no tempo das rebeliões planetárias. No baile do fim do mundo. O planeta
Terra o ambiente-vida por excelência (quiçá, único modelo de todo o universo – se
liguem na dimensão disso), quem diria, foi transformado num lugar antivida. Terra
da peste neoliberal de coachs, empreendedores, ricaços e outros parasitas da nossa
sociedade apodrecida.
O vaticínio do camaleão se fez:
Planet Earth is blue
And there’s nothing I can do
Porque, afinal, o I é o elemento que movimenta o we, que faz as coisas.
Aqui estamos com nosso Despacho terceiro destilando energia e resistência. E humor.
E amor. Poesia de sabor forte contra um tempo bestial.
Bestial Devastation é o primeiro disco da grande banda mineira Sepultura. Foi lançado
em 1985 e, já lá, nos alertava com relação ao fanatismo religioso (terrorismo
pentecostal) que vai derretendo as bases sociais do país, através do evangelho da
grana e da dilapidação, ao mesmo tempo que pauta, de dentro dos espaços eletivos,
as políticas todas da nação, o que nos levará, fatalmente à ruína completa. Desde que
a corriola neopentecostal pegou Jesus pra Cristo nem capim-desgraça nasce mais
nestas praias de peste.
Entretanto, resistimos.
A poesia é foda!
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1 POEMA DE CARLOS ORFEU
rútilo
I
untar o canto com saliva de sol
nos caninos dos caminhos
rútilo uivo do tambor
na ramagem da carne
II
tambor com garras
levá-lo na magma-língua
na cor negra dessa carne
casa de ser e caminhar
com patas de leopardo
mãos de vento e seiva
III
negras mãos
se desencontram
regressam
ainda vivas
na morada
de outro rosto
repousam
os ninhos de sangue
3
ENTREVISTA COM EDUARDO STERZI
Eduardo Sterzi é poeta e professor do Instituto de Estudos Literários da Unicamp. Publicou os poemários
Prosa (2001), Aleijão (2009) e Maus poemas (2016), além de importantes estudos sobre Carlos Drummond
de Andrade, Augusto de Campos, Murilo Mendes, Dante e outros. É conhecido por seus estudos sobre o
tema da “terra devasta” na literatura e nas artes plásticas, medievais, modernas e contemporâneas. Em 2015,
foi curador, junto com Veronica Stigger, da exposição Variações do Corpo Selvagem, que reuniu as fotos
do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Contribuiu com o primeiro número da revista Meteöro, com a
série de aforismos “Hipóteses”.
Entrevista coletiva realizada por e-mail com perguntas de Fabiano Calixto, Jhenifer Silva, Marcos
Siscar, Natália Agra, Nícollas Ranieri, Renan Nuernberger, Tarso de Melo e Tiago Guilherme
Pinheiro.
1. Pensando num livro recente de Agamben, que tipo de imagem você estabelece
como fronteira do seu lugar de trabalho? Há alguma figura que você mantém a sua
frente como uma espécie de recordatório desse esforço de “adentrar o exterior”,
de atravessar os muros, que o filósofo italiano define como o próprio pensamento
crítico?
Suponho que o livro de Agamben de que a pergunta parte seja Autoritratto nello studio,
ensaio autobiográfico que o filósofo publicou há poucos anos. É um livro de que
gosto muito – não só pelo que nele vai dito, pelo modo como Agamben sublinha,
naquela margem de pensamento e poesia tão sua, os nexos entre obra e vida (ou obra
e vidas, já que é muito também um autorretrato em comunidade, com frequentes
participações especiais de amigos e autores que foram determinantes para o modo
agambeniano de ver o mundo e pensá-lo), mas principalmente por sua composição
heteróclita e, sobretudo, heterogênea, que deixa sempre evidente o caráter de
montagem da escrita, montagem que tira proveito também da conexão entre textos
e imagens – o livro é atravessado por fotografias dos studi, ou escritórios (palavra que
me é etimologicamente cara, sublinho), em que o filósofo trabalhou ao longo de sua
vida. Como se sabe, há toda uma tradição iconográfica de figuração dos espaços de
trabalho de filósofos e outros escritores – o exemplo mais conhecido é o das
representações de São Jerônimo, padroeiro dos tradutores, cercado de suas
ferramentas, mas também com um leão aos pés, o leão de cuja pata extraiu um
espinho. Podemos lembrar também a Melencolia I de Dürer, em que o leão é
substituído por um cão – e os objetos ao redor do escritor se multiplicam, não se
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restringindo mais a ferramentas de trabalho (embora estas também apareçam; mas,
aqui, o que talvez esteja em questão seja justamente o intervalo intransponível – e
que por isso mesmo nos sentimos impelidos a transpor – entre pensamento e escrita).
Esses objetos são, pelo menos na minha maneira inevitavelmente anacrônica de
interpretar tais representações, imagens cifradas da própria heterogeneidade do
mundo e, pois, do pensamento que se esforça para não trair essa heterogeneidade.
Friso essa tradição iconográfica porque Agamben está obviamente a invocando ao
escrever e, sobretudo, ao montar, com textos e imagens, o seu Autorretrato no escritório.
O que mais me chama a atenção, nas fotografias incluídas no livro e nas descrições
dos ambientes que há nos parágrafos adjacentes, é o jogo, fundamental para
Agamben, entre a escrita, o pensamento, o espaço e, não menos, os objetos
discordantes que, como criaturas apenas supostamente inanimadas, animam toda
aquela concatenação. Sim, a filosofia é um animismo, não menos que a poesia, e por
isso dependemos tanto de amuletos, talismãs e mesmo fetiches cuja presença, em
nossos ambientes de trabalho, muitas vezes não sabemos explicar direito, apenas
intuímos, se tanto. Mas, diante desta pergunta, não tenho como não me auto-analisar
e salientar que, não contente em trabalhar sobre uma mesa de vidro, também
mantenho sobre esta mesa – junto com o notebook (que é o mesmo que levo para
todos os lugares, que são outros lugares de trabalho-e-não-trabalho), com as pilhas de
livros, com os amontoados de papéis com anotações, com as canetas e outras
ferramentas de escrita – um frágil saquinho, na verdade uma pequena rede, uma
retícula, cheio de bolas de gude, feitas, como se sabe, também de vidro. Não
transparente, como o da mesa, pelo qual vejo constantemente meus pés (e um dia,
no primeiro apartamento em que morei em São Paulo, vi não um leão ou um cão,
mas uma caranguejeira se aproximar), mas vidro opaco, ou mais exatamente leitoso,
e sobretudo frágil e fugidio, miniaturas talvez de um mundo que ao mesmo tempo
exige ser visto (e pensado) e se recusa ao olhar (e ao pensamento). Não posso, porém,
terminar essa resposta, que já vai longa, sem assinalar que, quando falamos de nosso
“lugar de trabalho”, costumamos fazer sempre um recorte num continuum de
atividades que, a meu ver, não devem ser examinadas de forma separada. E o mais
importante para mim talvez seja, hoje, perceber – porque nada disso é evidente por
si mesmo, sobretudo para quem está imerso nessa concatenação de fazeres – os
vínculos entre as mais diferentes tarefas a que me dedico ao longo dos dias: da escrita
às aulas, das andanças pelas ruas às visitas frequentes a galerias e museus, das horas
perdidas na internet às horas ganhas detrás de uma câmera fotográfica ou diante de
uma tela ou de uma folha de papel de desenho. Tudo isso é e não é trabalho, e
somente o mundo, a grande bola de gude fugidia, talvez seja, num sentido rigoroso
da palavra, seu lugar, que são lugares.
2. No poema “Retratos” (Aleijão, 2009), você retoma algumas referências da
poesia brasileira do século XX (especialmente Drummond) e radicaliza os impasses
do “país bloqueado”, ao mesmo tempo em que parece dar a eles um sentido mais
amplo, que extrapola a dimensão propriamente nacional. Gostaria de saber como
você articula esses elementos em sua escrita literária e como enxerga a questão
política da perspectiva da poesia.
“Retratos” nasceu de um poema feito em parceria com o Tarso de Melo, com o título
de “3 x 4 (Drummond em retrato)”, que já tinha sido publicado autonomamente, na
forma de um livreto desdobrável, ou sanfonado, em edição não comercial, e depois
republicado na íntegra, com pequenas alterações, num livro do Tarso saído na
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coleção Ás de Colete, Planos de fuga e outros poemas. Quando montei o Aleijão, resolvi
republicar mais uma vez o poema, agora numa outra versão, deixando apenas as
estrofes que eu mesmo tinha escrito, e dedicando-o agora ao Tarso. Gosto da ideia
de que os textos tenham várias encarnações, sobretudo quando pequenas (ou grandes)
diferenças são introduzidas. Não porque eu acredite na busca da última versão, do
“texto definitivo” (noção que, como disse Borges, pertence à religião ou ao cansaço)
– mas, sim, pelo contrário, porque acredito nas muitas versões, na dialética estrutural
e temporal entre as diferentes configurações de um pensamento. Seria interessante
ver o que mudou no poema quando ele saiu da forma de diálogo explícito entre dois
poetas sobre um outro poeta, aliás, o poeta por excelência do século XX brasileiro,
para a forma não exatamente de um monólogo, mas de um diálogo em falésia, sem
interlocutor à vista, numa espécie de proliferação dos fantasmas falantes e calantes –
que são, como se sabe, uma presença constante na poesia de Drummond, seu coro
implícito. Deixo a tarefa para os eventuais leitores. Apenas assinalo, aqui, que a
reflexão sobre Drummond, que resultou neste poema em suas várias versões, é uma
constante ao longo do meu percurso de poeta, crítico e professor – não sei nem dizer
quantas coisas já escrevi sobre ele, quantas vezes comentei seus poemas em aulas,
palestras e debates, quantas horas de conversas com amigos ocupei discutindo
Drummond. Tudo isso não porque eu acredite que saiba algo sobre Drummond que
outros não saibam, mas precisamente porque sua obra soa para mim, desde quando
comecei a lê-la (e é algo que não chega nunca ao fim), como um enigma, e um enigma
é justamente uma formulação diante da qual não podemos não arriscar tentativas de
resposta ou elucidação, por mais que saibamos que essas tentativas permanecerão,
até o fim, isso mesmo: tentativas. E daí vamos elaborando hipóteses de leitura, que,
por mais que queiram dar conta da maior parte da obra, ou mesmo da obra como
um todo (como se o todo existisse), acabam por ser apenas aproximações parciais a
ela – foi o que me levou a escrever um ensaio sobre a poética da interrupção na sua
poesia, ou que me levou a falar, nos “Retratos”, muitas vezes apenas destacando ou
glosando expressões drummondianas, em mundo ou país bloqueado, em anulação da
paisagem, em estado de emergência, em valsa de mortos, em curto-circuito etc. Como,
suponho, se pode perceber a partir dessa simples enumeração, Drummond, pelo
menos como o leio, é, no Brasil, quem melhor articulou as questões do país com as
questões da poesia, e isso, a meu ver, só foi possível porque ele soube ir sempre além
do país, em direção ao mundo, e além da poesia, em direção à linguagem (ou palavra,
como ele prefere). Daí que a melhor poesia política de Drummond seja, a meu ver,
aquela que, de um lado, melhor soube aprender não apenas com Maiakóvski ou
Neruda, mas também com Mallarmé e Valéry (dois poetas que não costumamos
considerar como “políticos”), e que, por outro lado, projetou o Brasil num plano
cosmopolita – pensemos nos seus poemas sobre a Segunda Guerra Mundial. É um
poeta em que mesmo o gesto de retirada da esfera pública, encenado exemplarmente
em Claro enigma, acaba por ser um gesto político decisivo. Num momento em que a
ideia de poesia política, ou de literatura política, ou mesmo, mais amplamente, de
arte política tende a se dissolver numa discurseira autocomplacente e absolutamente
comercializável, que passa longe do questionamento da própria linguagem e do lugar
a partir do qual se fala, como se um lugar fixo assinalado para um sujeito fosse
garantia de alguma coisa (o poeta, pelo menos como o concebo, é o contrário de uma
identidade: é uma perspectiva em movimento, e inevitavelmente erodida), voltar a
Drummond e às suas lições me parece algo não só importante, mas urgente. Claro:
se considerarmos que a poesia é ainda algo necessário na incessante redefinição do
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que somos a que damos o nome de cultura, e não apenas um enfeite na festa da
palavra útil.
3. Quem acompanha seu perfil no Facebook percebe que, em meio aos debates
culturais e combates políticos, você se dedica também a “experiências” com
fotografia, desenho e pintura. De vez em quando, aparece ali algum trabalho
nessas linguagens. Há uma pesquisa aí que vem desaguar no seu processo criativo
de poesia? Ou é um outro lance?
Como disse numa das respostas anteriores, tenho tentado perceber – e compreender
– como se articulam essas várias atividades no meu percurso. São coisas obviamente
diferentes, no que diz respeito à técnica, mas que talvez nasçam de impulsos que são
informes e que, por isso, podem vazar para um lado ou para outro. Mais do que
complementar meu trabalho com poesia, vejo mais claramente nas experiências com
fotografia, pintura e desenho uma componente terapêutica, digamos assim, que, na
poesia, talvez tenha se perdido um pouco, justamente porque a mediação da
linguagem como que nos obriga ao sentido. Terapia não somente no sentido
psíquico, que também é (minha saúde mental sempre dependeu da arte, praticada ou
consumida), mas também num sentido mais, digamos também, filosófico: terapia da
linguagem, terapia do significado, terapia deste pantanoso eu que acaba por ser o
centro de tudo que se diz. Numa foto, num quadro, numa figura ou mancha que se
desenha, pelo menos como as pratico, há sempre uma margem de acaso e de nãosaber que, na poesia e nas outras formas de escrita que pratico, acaba por ser menor.
E esse deslizamento em direção ao não-eu, em direção ao que não sou, ao mundo,
me interessa, hoje, mais que tudo. É até curioso que eu admire tão profundamente
artistas, como Cy Twombly, que continuamente introduziram palavras nas suas
obras plásticas, ao mesmo tempo que eu mesmo, na origem, um poeta, sinta grande
dificuldade ao escrever alguma coisa num desenho ou numa pintura – o meu impulso
quase automático, depois que ponho uma palavra ou frase numa obra plástica, é
rasurá-la em seguida, cobrindo-a de tinta, raspando-a, garatujando em cima dela.
4. Em suas recentes “Hipóteses”, você assinala que a pintura, assim como a
poesia, é uma “arte de percussão”. Como ouvir bem o tambor da pintura? Mais
que isso, de que modo seu trabalho com desenhos (como artista, como espectador)
repercute em seu trabalho com poemas (como leitor, como escritor)?
Se me permitem, gostaria de citar esse fragmento das Hipóteses na íntegra: “No
poema, mais do que a palavra, escutar o tambor. Não o coração: o tambor. É preciso
que a mão – a mão que escreve, a mão que agarra, a mão que larga – se projete para
fora do corpo e encontre uma superfície que ofereça resistência; é preciso que tente
penetrá-la – e, sobretudo, que não consiga penetrá-la. É nessa resistência que o
poema aparece. Uma arte de percussão, como também, a seu modo, a pintura”.
Como materialista que sou (ou quero ser), acho fundamental, em qualquer atividade
dita intelectual ou cultural, acentuar o papel da mão – assim como também,
complementarmente (mas sobretudo dialeticamente), o papel dos pés, nossos órgãos
de ligação com a terra – como figuras antitéticas do poder da cabeça. Mas fiquemos
agora com as mãos: o que chamo de percussão, com base no léxico da música, é
justamente a atividade rítmica que nasce quando uma mão – ou uma ferramenta por
ela manejada – encontra uma superfície contra a qual se choca, por mais tênue que
seja esse choque. Não há escrita, como não há desenho ou pintura, sem esse choque
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que se faz ritmo, ou esse ritmo que transfigura o choque em outra coisa. Precisamos,
em suma, estar atentos não apenas ao que se diz num poema, nem tampouco apenas
aos expedientes técnicos pelos quais se diz o que é dito, mas especialmente ao ruído
que se produz nessa fabricação do poema – mas também da pintura, ou do desenho.
Lembremos que, há alguns anos, a máquina de escrever e a câmera fotográfica
analógica, com seus mecanismos mais “primitivos”, deixavam explícito o caráter
percussivo dos processos em que tomavam parte. Ouvia-se, ali, mais claramente o
tambor da escrita, ou da imagem. Eu mesmo, agora, enquanto escrevo, percebo que
costumo digitar mais forte do que o necessário, e quase sempre – pelo menos quando
me empolga a escrita, o que nem sempre é o caso – de forma rítmica. Eis o tambor,
mais uma vez: o contracoração, o coração maquinal, que quer bater junto com o
coração do mundo, consciente porém de uma incoincidência radical entre arte e
mundo. Mas respondendo mais explicitamente à última parte da pergunta: poemas
são, muitas vezes, fotografias que não fiz. E digo isso pensando em casos específicos:
por exemplo, há alguns anos, vi em Atenas uma menina passar com uma camiseta
na qual se lia, em inglês, a palavra futuro; eu tinha a câmera comigo, seria uma boa
foto, acho, mas um pudor, que por vezes acomete qualquer um que se exercite na
fotografia, me impediu de mirar a câmera para a menina e clicar. Contudo, isso
provavelmente será um poema num dos meus próximos livros, junto com lembranças
de outros episódios semelhantes envolvendo camisetas com palavras ou frases
escritas.
5. Ainda existe alguma esperança para o jornalismo cultural (pensando aqui
principalmente em relação à grande imprensa) ou tudo, em matéria de análise/
leitura dos fenômenos culturais contemporâneos, continuará sendo tratado na
base da metralhadora de clichês da contemporaneidade (não dizendo absolutamente
nada, fazendo, assim, com que as resenhas críticas se tornem genéricas e sirvam,
muitas vezes, para qualquer livro/obra ou resumindo tudo em volta da obra como
referência pop)?
Li em algum lugar que, na última FLIP, perguntaram a um historiador – acho que o
José Murilo de Carvalho, que, aliás, é monarquista – se, diante do Brasil
contemporâneo, ele tinha alguma palavra de esperança para deixar como desfecho
da conversa. Ele teria se calado, e assim se encerrou a mesa. Acho que minha
resposta, diante da pergunta sobre o jornalismo cultural que se pratica hoje, seria
semelhante – apesar das exceções (penso sobretudo na revista Quatro cinco um, que
tenta ir na contramão do obscurantista dominante – mas sintomática e ironicamente
adotando como título a temperatura de combustão do papel que todos aprendemos
com o livro de Ray Bradbury, como se encenasse ela mesma, a cada edição, a
resistência ao fim dos livros e da imprensa cultural). Mas a questão é sempre mais
funda e costuma passar ao largo dos esforços heroicos de uns e outros; podemos nos
perguntar: como sonhar com um jornalismo cultural que não esteja rendido ao
mercado e à barbárie política quando o país inteiro se tornou uma mistura de campo
de extermínio com circo de horrores? E o mundo lá fora, aliás, não está muito
diferente, já que Bolsonaro, Moro, Dória, Witzel, Crivella etc. são apenas prepostos
locais de uma ordem que muito os ultrapassa e nos ultrapassa – e que mal
conseguimos descrever ou compreender: leio em outro lugar que bilionários norteamericanos estão financiando campanhas contra a vacinação. No entanto, como
disse há pouco, li em algum lugar sobre essas coisas, o que quer dizer que seguimos,
apesar de tudo, escrevendo e lendo, furando, de algum modo, os bloqueios. Talvez
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precisemos, diante de toda essa sequência de horrores que culmina na grande
catástrofe ambiental em curso (e que será o fim de um mundo, do nosso mundo como
este existia até aqui, se não o fim do mundo), aprender a viver – e viver em sentido
pleno, não apenas sobreviver – sem esperança. Não é fácil, mas meu motto, de qualquer
modo, mesmo antes disso tudo, se é que um dia existiu mesmo este antes, sempre foi
nec spe nec metu, sem esperança nem medo.
6. Um dos seus interesses se concentra na ideia de um retorno à filologia e, nesse
sentido, você faz menções a nomes como Ernst Curtius e Gianfranco Contini.
Considerando o estado atual das humanidades e da crítica literária propriamente
dita, o que poderia significar esse retorno à disciplina filológica?
Podemos conceber a filologia de uma forma conservadora ou de uma forma mais, a
meu ver, interessante. Versão conservadora: a filologia é aquela disciplina que
permite nos aproximarmos da forma mais perfeita da palavra, da forma “originária”,
e portanto do sentido “original” do texto e da voz do seu autor. Não é isso, porém,
que mais me interessa na filologia como método e como metáfora – e sempre uso
essa disjunção para explicar meu interesse pela filologia: como método, que ela é
(uma prática que se pode aprender em cursos ou manuais), mas também como
metáfora decisiva, a meu ver, para a redefinição presente dos estudos de literatura,
artes e cultura. E aí vem a face não conservadora da filologia: pensar a literatura, os
textos em geral, a cultura, filologicamente é pensar tudo isso, desde o início, como
campo de ruínas, sem origens facilmente delimitáveis (há sempre uma origem antes
da origem, e outra ainda antes), mas também sem fins definitivos. A partir dessa
perspectiva que reconheço como filológica, tudo isso que chamamos de cultura – mas
antes cada texto particular – nos aparece como a montagem possível num
determinado momento de uma série de fragmentos que, em outro lugar e situação,
poderiam tomar outra forma. Contini ressalta sempre o caráter conjetural, isto é,
hipotético, dos textos que resultam da práxis filológica. Que ela é uma reconstrução
depois da destruição – mas que essa reconstrução jamais é uma restituição exata do
“original”. Um exemplo concreto de pensador filológico é Giorgio Agamben, citado
na primeira pergunta – e, pois, na primeira resposta – desta entrevista. É alguém cuja
aproximação à filosofia se deu por meio da filologia – como Nietzsche, como
também, em alguma medida, Walter Benjamin – e que permanece filólogo-filósofo
até hoje. Isso não apenas determina a forma como ele lê os textos alheios que
reinterpreta em suas obras – e é um leitor excepcional, que consegue, como diziam
Hofmannsthal e Benjamin, ler mesmo o que nunca foi escrito –, como também
determina a configuração dos seus próprios textos, muitos deles remontagens de
excertos de textos anteriores seus (procedimento que também encontramos em
Benjamin). Mas podemos pensar também em escritores-filólogos, cuja escrita
extremamente “original” nasce de uma reinterpretação de textos anteriores que lhes
aparecem, concreta ou idealmente, em estado de ruína: um Mário de Andrade, um
Jorge Luis Borges, um W. G. Sebald etc. E filologia talvez seja outro nome para
poesia, suspeito.
7. Complementando a pergunta anterior: seria necessário ou possível fazer uma
arqueologia do ódio às artes e humanidades no Brasil para explicar os ataques às
universidades e às instituições culturais hoje? Há uma filologia dos afetos que
ainda estaria para ser feita neste país?
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Durante alguns anos, desde o início dos 2000, ou mais exatamente desde as reações
de direita à primeira eleição de Lula para a presidência, propus, informalmente mas
a sério, a ideia de um laboratório de observação do fascismo contemporâneo, que
teria como sua matéria de estudo principal o discurso da chamada “grande imprensa”
(que não é mais grande nem segundo critérios quantitativos) e o discurso
complementar – que era então novidade, hoje rotina – das caixas de comentários.
Teria sido, digamos, uma investigação a quente do que hoje toma a forma de uma
arqueologia. Para qualquer um que tenha acompanhado com alguma atenção o
modo como a revista Veja criou gradativamente todo um discurso farsesco para
tentar destruir o governo Lula e justificar tudo o que viria depois, não é surpresa nada
do que aconteceu de 2014 em diante: a reação violenta de Aécio e do PSDB à
reeleição de Dilma, o impeachment criminoso conduzido por Cunha, a ascensão de
Temer, a prisão de Lula, a eleição de Bolsonaro. E, em meio a isso, torna-se
compreensível a escolha das universidades e das instituições culturais como inimigas
preferenciais dessa onda farsescamente conservadora – e que, de conservadora
mesmo, aliás, tem muito pouco, pelo menos no sentido clássico do conservadorismo
político. Uma pessoa que trabalhava na Veja me contou um dia que os donos da
editora Abril e os diretores e editores da revista, depois de algum tempo, ficaram
muito felizes com a eleição de Lula: afinal, a ascensão econômica da chamada classe
C representou, por alguns anos, uma interrupção na queda contínua nas vendas da
revista. E os responsáveis perceberam logo, por meio de pesquisas, que os novos
leitores da revista a viam como uma espécie de manual de como se tornar classe
média: como agir, como pensar, contra quem se posicionar. Foi nesse caldo que se
consolidaram pistoleiros a soldo da direita, em veste de colunistas, como Reinaldo
Azevedo (que pelo menos tem alguma verve), Diogo Mainardi, Augusto Nunes e
outros ainda menos cotados – os quais tiveram papel decisivo na produção e
consolidação do discurso de criminalização de Lula e do PT. Ao mesmo tempo,
outros mercenários eram pagos para encher as caixas de comentários de todas as
notícias, não só da Veja, mas da imprensa em geral, de fórmulas anti-esquerda,
insistindo em fantasmas que antes pareceriam ridículos, como o de um suposto
“comunismo” hegemônico na América Latina, o “Foro de São Paulo”, mas também
as universidades que eram “madraças” (a Veja sempre misturou anticomunismo com
anti-islamismo), os museus que eram antros de perversão etc. Fantasias risíveis, mas
que aos poucos se tornaram temores concretos para grande parte da população.
Como se todos tivessem muito a perder se viesse, de fato, o comunismo... Mas bem
sabemos que os discursos podem ser mais fortes que a concretude do mundo, e que
as pessoas podem ser bem treinadas para agir contra seus próprios interesses. Se
acrescentamos a tudo isso o pesadelo representado pelo Whatsapp – a primeira rede
social sem dimensão pública, em que os discursos não podem mais ser postos em
questão e verificados –, temos as linhas gerais dessa arqueologia do ódio. A uma
filologia (não sei se dos afetos, embora a dimensão afetiva seja importante), caberia,
sim, parte importante da reconstrução que terá de vir depois de tanta destruição.
8. Você já apontou para o fato de que as interpretações da antropofagia
oswaldiana realizada por Antonio Candido, pelos concretos e pelo tropicalismo
são equivocadas e não encontram lastro na letra do texto de Oswald. Nesse
sentido, como poderíamos entender a antropofagia? Uma interpretação mais
precisa do texto poderia incluir termos como centro e periferia? Estaríamos ainda
no terreno da assimilação cultural?
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A Antropofagia oswaldiana, nunca esqueçamos, toma por base a antropofagia ritual
indígena, sobretudo tupinambá, e portanto é mais um repensamento do que somente
um pensamento (como aliás a maioria das formas interessantes de pensamento). A
meu ver, ela é, antes de tudo, a proposta de ontologia política, de ambições
amplíssimas, planetárias ou mesmo cósmicas, que jamais se restringe ao campo da
“cultura” ou da “arte”. “Lei do homem. Lei do antropófago”, lê-se na página inicial
do Manifesto de 1928, texto fundador dessa aventura intelectual que só se encerra com
a morte de Oswald, em 1954 – e que continuou e continua a produzir efeitos
importantes no pensamento brasileiro e não só, da Tropicália ao perspectivismo
ameríndio de Eduardo Viveiros de Castro (também este um repensamento do
pensamento indígena). Essa ontologia política começa por deitar por terra a noção
mesma de propriedade, confundindo propositalmente, num gesto arqueofilológico
decisivo, a propriedade em sentido econômico-jurídico (o bem que define um
proprietário) com a propriedade em sentido existencial (o que é próprio de cada um,
o que define cada um como “sujeito” ou “indivíduo” – noções que também vão
sendo abaladas, aliás, quando se põe por terra a propriedade). Se a propriedade é
abalada – e não abstratamente, mas em nome da posse – não faz mais sentido pensar
as dinâmicas da cultura em termos de nacional e estrangeiro, ou mesmo centro e
periferia. O grande erro na interpretação da Antropofagia oswaldiana, a meu ver,
consiste em traduzi-la em termos de balança comercial, o que talvez fizesse sentido
na época do Pau-Brasil. A Antropofagia não é Pau-Brasil – embora, a meu ver, o
próprio Pau-Brasil ganhe em ser lido à luz da Antropofagia, contanto que saibamos
que essa é uma leitura anacrônica e que junta concepções essencialmente diversas,
ainda que enunciadas pelo mesmo autor (o gesto contrário, ler a Antropofagia à luz
de Pau-Brasil, é redutor e põe a perder justamente a novidade da Antropofagia). A
genialidade da visão de Oswald, à época da Antropofagia, não está em reivindicar a
assimilação local das grandes ideias supostamente “universais”, mas, pelo contrário,
está em notar que, por trás dessas ideias que pulsavam no presumível centro do
mundo, já estavam a atuar as forças de pensamento
que provinham do Novo
Mundo. “Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. [...] Sem nós
a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.” Os índios
Tupinambá, como sabe qualquer um que leu os Essais, é que ensinaram a Montaigne,
não o contrário. Sequer a Renascença teria tido o alcance que teve sem o exemplo
concreto, e não apenas mítico (como acontecia com a Grécia ou com Roma), de uma
outra possibilidade da humanidade – uma humanidade nua e, por assim dizer,
naturalmente heroica (mas sabemos como essa natureza é desde sempre cultura, e de
uma sofisticação ímpar). Não faz sentido, portanto, a meu ver, falar a propósito de
Oswald – na verdade, a propósito de qualquer coisa – em termos de “assimilação
cultural”, se não compreendermos que esse processo nunca é de mão única, por mais
que o mercado, ou a suposta resistência ao mercado, queira assim pintá-lo. E nem é
propriamente assimilação, se assimilação significa tornar(-se) símil: é antes a margem
de variação que interessa em qualquer processo de contato cultural, isto é, como
mesmo um esforço mimético acaba inevitavelmente por produzir diferenças, e são
essas diferenças que importam. De resto, todos os processos de formação de objetos
culturais são processos que envolvem continuidade e descontinuidade. Oswald talvez
nos permita compreender melhor como a potência política pode emergir exatamente
quando uma continuidade se faz descontinuidade, mas também, suspeito, no
movimento contrário – quando um Tupinambá pode entender e descrever melhor a
sociedade francesa do que um filósofo francês, e dos maiores, revelando uma
continuidade imprevista entre pensamentos radicalmente estrangeiros.
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9. Quando olho para os escritos de Viveiros de Castro sobre, digamos, o modo de
ser indígena, ou mesmo para Montaigne, na ocasião em que manifesta seu espanto
e fascínio à lógica tupinambá (me refiro ao ensaio “Dos canibais”), imediatamente
tenho a impressão de que a base do conhecimento indígena seria ideal para
meditarmos em torno do sentido do ser contemporâneo de Nietzsche, muito bem
desenvolvido por Giorgio Agamben. Por meio desse raciocínio, o pensamento
indígena (ou seja, o pensamento “não civilizado”) não só configuraria a
habilidade de “descolar-se” do tempo, como precisamente expressaria a
capacidade de não estar submetido e de não se permitir submeter às ideias e aos
ideais (morais, éticos, políticos, filosóficos etc.) impostos pelo tempo histórico.
Tendo isso em conta, você acha possível entender a produção de poesia
contemporânea que tem buscado construir-se como espécie de inteligência selvagem
– no sentido de não domesticada e, por isso mesmo, consciente de que a arte é
mesmo o único lugar possível onde o homem pode (re)encontrar sua natureza
perdida, partindo da perspectiva de Nietzsche –, seja por meio do reino vegetal,
seja por meio dos desdobramentos do corpo (humano e animal, ambos corpos
poéticos e, portanto, corpos artificiais), como forma de manter a tensão do
instante (sem que isso signifique sua polarização) e também sua subversão? Em
outras palavras: você acha possível falar na busca por uma inteligência selvagem em
certa poesia brasileira da atualidade, construindo-se como entendimento e
enfrentamento da organização/funcionamento do atual desarranjo desse outro
organismo que é o histórico-social? E, quiçá, como saída possível?
Sim, penso que possamos falar em formas de inteligência selvagem, nos termos da
pergunta, em alguns poemas e autores da poesia contemporânea brasileira – mas
sobretudo na medida em que essa saiba se fazer, também, ainda nos termos da
pergunta, poesia extemporânea, e esteja disposta a se desfazer da unidade políticoanímica pressuposta no adjetivo brasileira, ainda que aconteça de ser escrita no Brasil
(o que, aliás, não era o caso de muita poesia contemporânea-extemporânea
“brasileira”, de Oswald – que olhou o seu país “do alto de um atelier da Place
Clichy”, em Paris, para escrever o Pau-Brasil – até João Cabral e Murilo Mendes, que
passaram boa parte de suas vidas no exterior e lá produziram a maior parte de suas
obras). Mas temos de ir além, sempre lembrando que um indígena, por exemplo, não
é exatamente um brasileiro, por mais que tenha nascido no Brasil. Ou lembrando
ainda que muitos artistas sobrepõem ao vínculo nacional, que fomos treinados por
anos de ideologia nacionalista de esquerda e de direita a tomar como natural, por
vínculos mais imediatos, “regionais”, digamos (e não por acaso o regionalismo é a
grande bête noire da crítica cultural brasileira, inimigo a ser combatido e do qual
devem ser resgatados os autores que, apesar dos seus vínculos regionais,
conquistaram um lugar no cânone nacional, sendo o exemplo mais explícito o de
João Guimarães Rosa). Ora, num mundo em que a nação se revela cada vez mais
um espectro facilmente mobilizado pela mais medonha direita, acho que devemos
estar atentos ao que, na poesia, nas artes em geral, na ação política, não cabe bem no
esquema nacional. Assim como devemos estar atentos, ainda no espírito da pergunta,
ao que não cabe bem no esquema do humano: daí a virada animal e mais
recentemente vegetal e mesmo fúngica das artes contemporâneas. Outras
possibilidades de ser: ainda ontologia política. Como interpretar o desejo de forma de
12
um líquen que se espraia sobre uma pedra perdida no meio da Mata Atlântica? Que
tipo de poema escreveria o mofo do teto do banheiro?
10. O que você acha do momento atual da tradução de poesia no Brasil? Podemos
dizer que estamos, enfim, saindo de um momento de tradução à moda concreta (de
alto nível, mas restrita em quantidade, a meu ver, porque vinculada à ideia de que
os poemas e autores traduzidos vinham fazer parte de um corpus autoral do poetatradutor) para um momento de expansão mais profissional (menos autoral, por
assim dizer) da tradução de poesia?
Não vejo esses dois momentos da tradução de poesia no Brasil como
necessariamente contrapostos, pelo menos não com essa nitidez, autores de um lado,
profissionais de outro. A começar porque também os tradutores que eram poetas
concretos nos deram – e ainda dão, no caso de Augusto de Campos – vastos corpora,
se não integrais, completos, num sentido talvez não quantitativo de completude, mas
às vezes também sim: pensemos na Ilíada de Haroldo de Campos, no Retrato do artista
quando jovem de Décio Pignatari (com versões integrais de quatro textos cruciais,
incluindo Romeu e Julieta de Shakespeare e a Vida nova de Dante Alighieri), na versões
proliferantes de Augusto para Cummings, Rilke ou Emily Dickinson (e não
esqueçamos que ele também traduziu todos os poemas de Arnaut Daniel), ou ainda
nos Cantos de Pound traduzidos por José Lino Grünewald. Louvo o trabalho
fundamental que alguns tradutores mais jovens têm feito ao recriar em português
brasileiro textos gregos e romanos que ainda não tínhamos aqui, ou textos
ameríndios (duas versões do Popol Vuh em poucos anos!), ou ainda a poesia
contemporânea de língua inglesa, francesa e alemã – acompanho com imensa
admiração este esforço incomum. Mas não perco de vista, jamais, que este momento
resulta de uma trajetória que não começa aqui, com raízes na profissionalização
crescente da universidade brasileira (pelo menos até a treva fascista do presente), mas
também na experiência pioneira e potencializadora dos concretos. E não esqueçamos
poetas-tradutores em que podemos identificar explícitos traços pós-concretos, como
José Paulo Paes e Nelson Ascher (Poesia alheia é um dos grandes livros de poesia
publicados no Brasil).
11. Ecoando dois motivos centrais em suas reflexões, recoloco a pergunta: onde
há alegria nesta terra devastada?
Não renunciar à alegria é a única coisa que realmente interessa – e isso vale tanto na
terra devastada quanto na terra prometida. Até porque, muitas vezes, são uma só: a
Terra. (De resto, jamais esqueço que a alegria também pode ser uma alegria trágica
– aquela alegria a que Yeats e Nietzsche se referiram, alegria capaz de encarar o terror
e transfigurar o terror.)
13
4 POEMAS DE EDUARDO STERZI
ESTE CADÁVER é nosso
almoço
Qual será a
sobremesa?
CASA DE DETENÇÃO
Há tempos que eu já desisti
dos planos daquele assalto.
NEI LISBOA, Telhados de Paris
Porto Alegre acabou:
no abraço compulsório; no sonegado. No ponto morto dos dias, das festas de família.
Na tosse compartida, na asfixia. No óxido das grades. No copo azul, solitário, de
boca larga (conforme à sede herdada). No piano de teclas áfonas (atraente a cupins).
Na enciclopédia de fomes vermelhas (agora canceladas). No embate adiado. No
revólver sufocado. No inexprimido (embora exprimível). No guardado.
Como escapar ao cárcere
do nome?
Todo retrato é autorretrato, e toda tatuagem. Todo escrito é registro de gasto, e é
desgaste. Crime é silêncio. Fuga é sintaxe. Fogo fluente de uma cela a outra (de resto,
incomunicáveis). Persiste a memória do desastre. A noite desova cadáveres neste
quarto de outra cidade. Acolhe a ratazana, em véspera de crias. Presume clareza do
espaço abandonado. Acabou. No abraço encardido, acanhado.
Nasço velho deste abraço.
14
A dança
A bailarina amputada
divide a página de abertura
do portal de notícias
com a maior estrela de nêutrons
já encontrada
cemitério ou
semeadura
insinuam-se
dúbios
a cada
ranhura
§
na letra, na
unha
persevera a
secura
viva do cadáver, sua
astúcia
§
na rota de
cruzes
a pedra do
escrúpulo
dita o
rumo
§
jato
interrupto
fruta ou
furto
tâmara ou
túmulo
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NOVOS DEUSES DE FABIO MACIEL
“Gravura 1”
Primeiro semestre de 2018
16
“Gravura 2”
Primeiro semestre de 2018
17
“Gravura 3”
Primeiro semestre de 2018
18
“Gravura 4”
Primeiro semestre de 2018
19
3 POEMAS DE JACK SPICER
TRADUZIDOS POR RUBENS AKIRA
KUANA
Este oceano, humilhante em seus disfarces
Este oceano, humilhante em seus disfarces
Mais duro do que qualquer coisa.
Ninguém ouve poesia. O oceano
Não é para ser ouvido. Uma gota
Ou queda d’água. Não significa
Nada.
Isto
É pão e manteiga
Pimenta e sal. A morte
que homens jovens esperam. Sem rumo
isso atinge a praia. Sinais brancos e sem rumo. Ninguém
ouve poesia.
This ocean, humiliating in its disguises
This ocean, humiliating in its disguises
Tougher than anything.
No one listens to poetry. The ocean
Does not mean to be listened to. A drop
Or crash of water. It means
Nothing.
It
Is bread and butter
Pepper and salt. The death
That young men hope for. Aimlessly
It pounds the shore. White and aimless signals. No
One listens to poetry.
20
Um poema sem um único pássaro nele
O que eu posso dizer para você, querido
Quando você me pede ajuda?
Eu não conheço o futuro
Ou mesmo qual poesia
Nós vamos escrever.
Cometer suicídio. Ficar louco. Pessoas melhores
que qualquer um de nós já tentaram.
Eu já te amei uma vez mas
Eu não conheço o futuro.
Eu só sei que amo a força em meus amigos
E a nobreza
E odeio a maneira com que seus corpos quebram quando morrem
E são devorados por imagens.
A diversão acabou. O piquenique acabou.
Fique louco. Cometa suicídio. Não restará nada
Depois que você morrer ou enlouquecer,
Apenas a calma da poesia.
A Poem Without a Single Bird in It
What can I say to you, darling,
When you ask me for help?
I do not even know the future
Or even what poetry
We are going to write.
Commit suicide. Go mad. Better people
Than either of us have tried it.
I loved you once but
I do not know the future.
I only know that I love strength in my friends
And greatness
And hate the way their bodies crack when they die
And are eaten by images.
The fun’s over. The picnic’s over.
Go mad. Commit suicide. There will be nothing left
After you die or go mad,
But the calmness of poetry.
21
Um poema para o dia Dada no The Place em 1 de abril
I
O garçom
Tem olhos da cor de damascos maduros
Fácil de agradar como uma caixa registradora ele
Gosta de arte e boas piadas.
Espirro
Faz a pintura
Esguicho
Faz o poema
Ele
Nós
Rimos.
II
Não é fácil lembrar que outras pessoas morreram
além de Dylan Thomas e Charlie Parker
Morreram procurando pela beleza no mundo do
garçom
Esta pessoa, aquela pessoa, esta pessoa, aquela pessoa
morreram procurando pela beleza
Até mesmo o garçom morreu.
III
Dante assoou o nariz
E seu nariz descolou em sua mão
Rimbaud quebrou a garganta
Tentando tossir
Dada não é engraçado
É uma grave agressão
À arte
Porque a arte
Pode ser apreciada pelo garçom.
IV
O garçom não é os Estados Unidos
Ou o intelectual
Ou o garçom
Ele é cada miserável que não chora
Quando lê este poema.
22
A Poem For Dada Day At The Place April 1, 1958
I
The bartender
Has eyes the color of ripe apricots
Easy to please as a cash register he
Enjoys art and good jokes.
Squish
Goes the painting
Squirt
Goes the poem
He
We
Laugh.
II
It is not easy to remember that other people died
besides Dylan Thomas and Charlie Parker
Died looking for beauty in the world of the
bartender
This person, that person, this person, that person
died looking for beauty
Even the bartender died.
III
Dante blew his nose
And his nose came off in his hand
Rimbaud broke his throat
Trying to cough
Dada is not funny
It is a serious assault
On art
Because art
Can be enjoyed by the bartender.
IV
The bartender is not the United States
Or the intellectual
Or the bartender
He is every bastard that does not cry
When he reads this poem.
23
2 POEMAS DE CLARISSE LYRA
então, quem sabe
a imaginação, dizia, coloca mais
problemas que a memória
mirta rosenberg
rezo todos os dias à noite
para que o ressentimento em mim, a inveja
e o desdém
sejam transmutados em palavras bonitas.
ah, que livro lindo eu escreveria
se por uma linha de poesia
fosse trocado cada sentimento vil.
me concentraria, então, quem sabe
com a força da imaginação desimpedida
em viagens, a curiosidade
de países estrangeiros
detalhes de suas línguas iridescentes;
esqueceria a falta de água gelada
me acomodaria num fictício sofá
bolaria a reinterpretação de uma antiga
lenda do pacífico sul.
foi virginia woolf quem disse
o cavalo da escrita
da mulher
tropeça quando em direção
ao salto rumo ao sublime
esbarra no lodo do melindre, lugar
onde toda literatura
perde a graça.
24
talvez, quando
minha mãe confecciona panos de prato e outras coisas que às vezes
chegam muito perto do que a gente chama de arte. meu pai se
embebedava e cantava canções sofridas ao microfone, sempre no
mesmo bar. em que momento uma ideia de cultura e a prepotência terá
me afastado deles é uma pergunta que me faço.
me espicho para fora da janela e aparo todo o sol que posso, soprando
longe a fumaça, vendo onde vai parar. são paulo tem esse tempo
maluco, é volúvel e eu gosto. hoje li poemas numa revista e um texto
longo sobre teatro, esse universo. a cultura parece um ambiente muito
confortável quando você lê revistas. alguém tem uma conversa
sugestiva num restaurante italiano. os poemas têm sempre uma ou
duas poltronas, elas são muito familiares e significam a casa. talvez,
quando se é jovem e se lê muitas revistas, se tenha a fantasia de que o
trabalho com a cultura traz para perto todas essas coisas, uma vista da
janela, calma doméstica, a grande oportunidade.
25
1 POEMA DE FABIANO CALIXTO
República Federativa dos Morféticos
este é Espinheira
Espinheira é, além de uma garrafa pet imprestável,
ministro chefe da casa civil
servil recém-nomeado
grande Espinheira! – diria seu pai, Espinheirão,
deputado federal pela puta-que-o-pariu e
larápio inveterado limpador dos cofres públicos
Espinheira, filho de Espinheirão,
neto de Espinheiraço e bisneto de Espinheiração,
é o orgulho da nação
esta porta aí se chama Wilssa
foi designada ao cargo de ministra
da justiça pelo governo fascista
muito culta, a Wilssa, sabe falar
inglês, grego e alemão rústico
adquiriu alguns MBAs e mestrados
muito dos falsos mundo afora
dona de uma multitrilhordária
cadeia de lojas de inutilidades gerais,
Wilssa quer batizar, agora,
com dinheiro e petróleo,
toda a fauna e flora
Wilssa, mente policialesca,
cristã da capela cretina, diz que o diabo
(marxista cultural da mamadeira de piroca)
vai vazar do país – e é agora!
Jessandira, esse CD da america online 5.0 with 250 free hour,
é uma grande admiradora das ideias de Adolf, o Hitler,
jamais escondeu que votaria no homem-de-bem Trump
caso tivesse tido a bênção de ter nascido em Miami
nossa atual ministra da cultura
ficção de si mesma, cova da própria sepultura,
fã incondicional de sertanejo universotário
e de patetas instapoetas colaboracionistas
diz que o brito fará o quadro do novo grito
do país fascista (bomba de devir cafona)
Jessandira é um amor! – diz sua madre matrona
já Comodoro, o palito de fósforo usado,
é agora presidente do banco central
26
típico cargo técnico-boçal, Comodoro
vive a pregar para sua imunda plateia
(que reza pelos salmos da economia de mercado)
as mentiras mais cretinas
as lorotas mais calhordas
nunca faltou, ao Comodoro, dinheiro
(grana bufunfa money tutu cobre)
sabe tudo de numismática
para o bem do bolso avaro
de sua família parasítica
e de sua particular matemática
assim, ao assovio murcho de ventos poluídos,
nos quatro cantos de uma nação apodrecida,
onde desaba a tempestade da globalienação do capitaclismo,
sob as ordens de frenéticos apopléticos
escalafobéticos caquéticos
caminha a república federativa dos morféticos
27
FOLHA-SECA
de Rodrigo Lobo Damasceno
bolaño escrevia com a mão direita e chutava com a perna esquerda. atribuía a isso o
seu fracasso como jogador de futebol - - - e a sua original visão do jogo: segundo o
poeta chileno, mexicano, latino-americano, fazer um gol é uma vulgaridade, uma
indelicadeza com o goleiro adversário (a não ser nos casos de vavá, didi e pelé - - o
por quê? não diz); bolaño apreciava mesmo era o gol contra, que seria um gesto de
independência, algo que deixava claro que o seu jogo era outro - - - e que jogo seria
esse? “minha experiência como jogador nunca foi totalmente compreendida nem
pelos espectadores e nem pelos meus companheiros de time” – esse orgulho torto do
perna de pau, que não atrapalha o jogo dos bons de bola, que não enterra o baba,
mas busca fundar outro jogo e outro baba cujo princípio é a independência, ou o gol
contra, ou a dislexia, ou a derrota, esse orgulho parece uma releitura nunca feita da
manchete de leminski segundo a qual chutes de poeta não levam perigo à meta (à
qual?). fica aberto um outro espaço para refletir (e jogar) o futebol de poesia, o futebol
contra o futebol, o campo de várzea da anarquia.
28
1 POEMA DE CHANTAL CASTELLI
Quites
I.
olho por olho
dente por dente:
tira a perna,
mãe,
tira também
a outra,
ficamos assim
II.
ó, mãe,
por onde andam
tuas pernas
que mal acabaste
de pagar?
III.
quando enfim emperraram
pudemos retirá-las
em definitivo
(alguma vez a isto
chamou-se paz)
– segundo a perícia
não há justificativa
para novas
IV.
jaz o cão
partido
no meio fio
(aqui habitei)
jazem susto, irmãos
calhas
jaz a casa
(aqui habitei, habitamos)
o que não se conta
e seus ramos
trepando, açoite
29
V.
faz as contas,
mãezinha,
pratica teus números;
toma conta,
deixa estar;
vê como tudo
regenera ou procria
de dentro da falta.
VI.
é possível fazer um
número infinito
de cortes e substituições
e tudo funcionará
como se nada
tivesse acontecido
30
2 POEMAS DE FRANK LIMA
TRADUZIDOS POR PEDRO FERNANDES
GALÉ
Mama eu estou todo ferrado
Olhos da mariposa
pousam na luz do neon
eu espio
os pequenos e tensos vermes
se contorcendo em sua cabeça
caranguejos-aranha
rastejaram em meus ouvidos
Com a antena anelídea a projetar-se
parecida
com um louva-deus em oração
nata e turbante frios
fulgor de ficção científica
tão reais
quanto o câncer
espargindo
tetas-estofadas e vísceras-de-retalho
bocejando
a pélvis cabeluda
que fede
por sobre mim
brincando
de upa-upa-cavalinho
em mim
pela casa
O colchão gemeu
eu me queixei
Mama
Não sou um cavalo
você tem espinhas na sua bunda
o pé da sua barriga pende ao fundo
seu papai-menino deixou
31
a rosa de suas ganas
não
não
Com lábios arreganhados de pirulito
na minha peça solitária
você não tem dentes
e eu ainda escamo crostas
de alho quente
beijos lodosos
coração da mamacita não vai dar
o beijo de boa
noite na mama
não
não
não.
32
Mom I’m All Screwed Up
Moth-eyed
by the neon sign
I peeped
at the stiff little worms
screwing in your head
spider crabs
crawled in my ear
With popping antennae ringlets
you looked like
a praying mantis
cold cream & turban
science fiction gleam
as real
as cancer
spreading
stuffed-tits-and-rag-guts
yawning
brillo-crotch
that stunk
all over me
playing
Johnny-on-the-pony
on me
indoors
The mattress groaned
I moaned
Mom
I’m no horse
you have pimples on your butt
your bellybutton droops
your boy-pop left
the rose of your hopes
no
no
With lollipop-grin lips
on my solitaire piece
you had no teeth
I’m still scaling scabs of
hot garlic
slob-kisses
isn’t mamacita’s heart going to
kiss mom
good night
no
33
no
no.
34
Primavera
Um múmia
esfacelando
no bar
meus olhos
espelhos vazios
meus rins
flores bêbadas
então o alvorecer
uma pálpebra
venho até você
como sempre
verde
cansado
precisado de barbear
de um banho
cheiro mal
destrave as noites
na prisão
é primavera nas janelas
meu coração
em um saco
e alguma cerveja
Olá Sapeca
estou em casa
35
Primavera
A mummy
crumbling
in the bar
my eyes
empty mirrors
my kidneys
drunken flowers
Then dawn
an eyelid
I come to you
as always
green
tired
need a shave
a bath
I stink
unlock the nights
in jail
it’s spring on the windows
my heart
in a bag
and some beer
Hi Monkey
I’m home
36
COMÉDIA MAGNÉTICA
de Tiago Guilherme Pinheiro
Três excertos de A Guerra das Hortas, de Marosa di Giorgio
Agora, estamos outra vez, dentro de casa; observo a mobília suculenta. Papai
diz que, por alguns meses, a guerra não ser mais que uma suave guerrilha; ouvem-se
rumores no horizonte; dia a dia, choques, que não produzem nem produzirão
nenhum morto. Meu pavor diminui. Além disso, aqueles prometeram ajudar-lhe. A
subgente irá guarnecê-lo com caçarolas de ferro, de cerâmica, e a grande carroça
guerreira, na qual, um dia, o do encontro final, ele desfilará como o grande duque
das relvas. E assim me intero que o que está em jogo, também, é a guirlanda das
hortas.
Recorro, outra vez, à mobília, às compotas, tão belas, cheias e vazias, cor de
ouro, cor de rosa.
Quase nunca há visitas em casa. Hoje, uns amigos do norte, da zona de
aliança. Estão no jardim, com a avó, mamãe e o firme avô; fala-se de guerra, falseiase um pouco. Oferecemos mel. Somos apicultores. Este mel parece figo, parece flor
de laranjeira, e tem um fulgor incrível. Porém, as mariposas e os pássaros se iludem,
creem que a mesa está posta para ele, e intervêm nas conversas, interrompem-nas,
pousam na borda dos copos, é preciso deixá-los; logo, se enjoam e alguns não podem
partir, bêbados e radiantes, rodopiam ali, fossilizam-se, brilham, criam órbitas
próprias, anéis. Temos algumas constelações no jardim.
37
Ouve-se um tum tum das batatas sob a terra; ao escavá-las, todas tem
dentições, rabo-de-cavalo, mostram a cara guerreira. É noite, e ando pelo charco, o
prado, que bem podem ser o pretexto para guerra, essa terra desolada, por onde
vagueiam umas vacas com chifres de pau; por onde passa uma lua com cara de
cavalo. O norte luta contra o leste, o sul com o oeste; agora são inimigos aqueles que
até ontem eram amigos. Também vi passar pastores com capotes militares carregadas
de rosas.
Os animais de guerra são estranhos; meu pai remexeu seus próprios cavalos;
um, sobretudo, parece altíssimo, parece a Noite, parece de bronze; passeia pelo
jardim como um homem; às vezes, dão-lhe vinho, delicados bons-bocados.
38
De súbito, estourou a guerra. Começou com uma bomba de açúcar sobre as
casas. Primeiro, acreditamos que era brincadeira; depois, vimos que a coisa era
sinistra. O ar permaneceu ligeiramente envenenado. Desprendiam-se morcegos de
seus esconderijos, suas covas ocultas caiam sobre as louças, como rosas, como
ratazanas que voltaram do infinito, porém, com asas.
39
Para protegê-los de algum modo, enumerávamos os seres e as coisas: “As
alfaces, os répteis comestíveis, xicrinhas...”. Porém, já os arados haviam se tornado
aviões; cada um tinha caveira e asas, e ronronava próximo às nuvens, ao alcance da
mão passaram batalhões a galope, rapidamente. Prolongou-se a aurora inquieta, e ao
meio-dia, o sol se partiu; um foi para o leste, e o outro para oeste. Como se avô e avó
se divorciassem. Isso faz muito tempo, aquela vez, quando estourou a guerra, sobre
as enseadas.
40
Despacho é um zine de poesia editado por Fabiano Calixto, Natália Agra, Rodrigo
Lobo Damasceno e Tiago Guilherme Pinheiro – também editores da revista de
poesia Meteöro. Sem periodicidade fixa. Esta edição foi desenhada por Calixto. Na
redação da Corsário-Satã os discos mais ouvidos durante a produção desta
macumbaria foram:
Bestial Devastation (1985) – Sepultura
Damaged (1981) – Black Flag
In the Flat Field (1980) – Bauhaus
Jesus não tem dentes no país dos banguelas (1987) – Titãs
Pegaram Jesus pra Cristo! (1991) – Não Religião
Recipe for Hate – Bad Religion
Reign in Blood (1986) – Slayer
The Litanies of Satan (1982) – Diamanda Galás
Transilvanian Hunger (1994) – Darkthrone
Welcome to Hell (1981) – Venom
Quer mais Despacho? Aí vai.
Baixe aqui o n.1 de Despacho >>>>
https://drive.google.com/file/d/1DAS9AOSwYJOhD5tKDazGETAYV5QS6T0
U/view?fbclid=IwAR2Hte-eHk5onYTtsvGwBl01slJ97cbKr9Aowvz-qz8BfifhnJvQeiZFtQ
Baixe aqui o n.2 de Despacho >>>>
https://drive.google.com/file/d/1AFB3R1im7C3rVMOH3xfozlublMmJw34q/vie
w?fbclid=IwAR0hoUrkru1P8UGcmZSWDcHSpKflRMmgbvh6LSAZTXJxQ_8Xj
dds66WE_g8
Baixe aqui o n.2.1 de Despacho >>>>
https://drive.google.com/file/d/1ZBxXESlTMn5gjbWtLhlr0gCYqgEB0QZY/vie
w?fbclid=IwAR3rMqQhE8LwPSBWO3hisKl7Qjr92wwy8Xg7hoB9T6uUINM7p
HoCWoF_jA4
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Catálogo de poesia
Corsário-Satã
PONTO-SOMBRA
Autora: Inês Dias
Editora: Corsário-Satã
Número de páginas: 64
Ano: 2018
Formato: 12x18 cm
Preço: R$ 35,00
PUMA
Autor: Sergio Mello
Editora: Corsário-Satã
Número de páginas: 48
Ano: 2018
Formato: 14x20 cm
Preço: R$ 25,00
BOTÕES
Autora: Jeanne Callegari
Editora: Corsário-Satã
Número de páginas: 36
Ano: 2018
Formato: 14x20 cm
Preço: R$ 25,00
METEÖRO, revista de poesia
Autor: Vários
Editora: Corsário-Satã
Número de páginas: 320
Formato: 16x23 cm
Preço: R$ 60,00
SAFÁRI
Autora: Cláudia Sehbe
Editora: Corsário-Satã
Número de páginas: 80
Formato: 12x18cm
Preço: R$ 35,00
SPEECHLESS TRIBES
TRÊS SÉRIES DE POEMAS INCOMPREENSÍVEIS
Autor: Dirceu Villa
Editora: Corsário-Satã
Número de páginas: 40
Ano: 2018
Formato: 14x20 cm
Preço: R$ 25,00
Corsário-Satã
[email protected]
https://www.facebook.com/corsariosata/
@satacorsario
Despacho 3. Dezembro de 2019
42