Academia.eduAcademia.edu

Entrevista com Eduardo Sterzi

"Entrevista com Eduardo Sterzi", com perguntas de Fabiano Calixto, Jhenifer Silva, Marcos Siscar, Natália Agra, Nícollas Ranieri, Renan Nuernberger, Tarso de Melo e Tiago Guilherme Pinheiro, Despacho, 3 (dez. 2019, pp. 4-13. [Reproduzo aqui o zine completo.]

DESPACHO 3 Dezembro de 2019 NESTA EDIÇÃO: Entrevista com Eduardo Sterzi E mais! Carlos Orfeu Chantal Castelli Clarisse Lyra Fabiano Calixto Fabio Maciel Frank Lima Jack Spicer Marosa di Giorgio Pedro Fernandes Galé Rodrigo Lobo Damasceno Rubens Akira Kuana Tiago Guilherme Pinheiro 1 Editorial Estamos no tempo das rebeliões planetárias. No baile do fim do mundo. O planeta Terra o ambiente-vida por excelência (quiçá, único modelo de todo o universo – se liguem na dimensão disso), quem diria, foi transformado num lugar antivida. Terra da peste neoliberal de coachs, empreendedores, ricaços e outros parasitas da nossa sociedade apodrecida. O vaticínio do camaleão se fez: Planet Earth is blue And there’s nothing I can do Porque, afinal, o I é o elemento que movimenta o we, que faz as coisas. Aqui estamos com nosso Despacho terceiro destilando energia e resistência. E humor. E amor. Poesia de sabor forte contra um tempo bestial. Bestial Devastation é o primeiro disco da grande banda mineira Sepultura. Foi lançado em 1985 e, já lá, nos alertava com relação ao fanatismo religioso (terrorismo pentecostal) que vai derretendo as bases sociais do país, através do evangelho da grana e da dilapidação, ao mesmo tempo que pauta, de dentro dos espaços eletivos, as políticas todas da nação, o que nos levará, fatalmente à ruína completa. Desde que a corriola neopentecostal pegou Jesus pra Cristo nem capim-desgraça nasce mais nestas praias de peste. Entretanto, resistimos. A poesia é foda! 2 1 POEMA DE CARLOS ORFEU rútilo I untar o canto com saliva de sol nos caninos dos caminhos rútilo uivo do tambor na ramagem da carne II tambor com garras levá-lo na magma-língua na cor negra dessa carne casa de ser e caminhar com patas de leopardo mãos de vento e seiva III negras mãos se desencontram regressam ainda vivas na morada de outro rosto repousam os ninhos de sangue 3 ENTREVISTA COM EDUARDO STERZI Eduardo Sterzi é poeta e professor do Instituto de Estudos Literários da Unicamp. Publicou os poemários Prosa (2001), Aleijão (2009) e Maus poemas (2016), além de importantes estudos sobre Carlos Drummond de Andrade, Augusto de Campos, Murilo Mendes, Dante e outros. É conhecido por seus estudos sobre o tema da “terra devasta” na literatura e nas artes plásticas, medievais, modernas e contemporâneas. Em 2015, foi curador, junto com Veronica Stigger, da exposição Variações do Corpo Selvagem, que reuniu as fotos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Contribuiu com o primeiro número da revista Meteöro, com a série de aforismos “Hipóteses”. Entrevista coletiva realizada por e-mail com perguntas de Fabiano Calixto, Jhenifer Silva, Marcos Siscar, Natália Agra, Nícollas Ranieri, Renan Nuernberger, Tarso de Melo e Tiago Guilherme Pinheiro. 1. Pensando num livro recente de Agamben, que tipo de imagem você estabelece como fronteira do seu lugar de trabalho? Há alguma figura que você mantém a sua frente como uma espécie de recordatório desse esforço de “adentrar o exterior”, de atravessar os muros, que o filósofo italiano define como o próprio pensamento crítico? Suponho que o livro de Agamben de que a pergunta parte seja Autoritratto nello studio, ensaio autobiográfico que o filósofo publicou há poucos anos. É um livro de que gosto muito – não só pelo que nele vai dito, pelo modo como Agamben sublinha, naquela margem de pensamento e poesia tão sua, os nexos entre obra e vida (ou obra e vidas, já que é muito também um autorretrato em comunidade, com frequentes participações especiais de amigos e autores que foram determinantes para o modo agambeniano de ver o mundo e pensá-lo), mas principalmente por sua composição heteróclita e, sobretudo, heterogênea, que deixa sempre evidente o caráter de montagem da escrita, montagem que tira proveito também da conexão entre textos e imagens – o livro é atravessado por fotografias dos studi, ou escritórios (palavra que me é etimologicamente cara, sublinho), em que o filósofo trabalhou ao longo de sua vida. Como se sabe, há toda uma tradição iconográfica de figuração dos espaços de trabalho de filósofos e outros escritores – o exemplo mais conhecido é o das representações de São Jerônimo, padroeiro dos tradutores, cercado de suas ferramentas, mas também com um leão aos pés, o leão de cuja pata extraiu um espinho. Podemos lembrar também a Melencolia I de Dürer, em que o leão é substituído por um cão – e os objetos ao redor do escritor se multiplicam, não se 4 restringindo mais a ferramentas de trabalho (embora estas também apareçam; mas, aqui, o que talvez esteja em questão seja justamente o intervalo intransponível – e que por isso mesmo nos sentimos impelidos a transpor – entre pensamento e escrita). Esses objetos são, pelo menos na minha maneira inevitavelmente anacrônica de interpretar tais representações, imagens cifradas da própria heterogeneidade do mundo e, pois, do pensamento que se esforça para não trair essa heterogeneidade. Friso essa tradição iconográfica porque Agamben está obviamente a invocando ao escrever e, sobretudo, ao montar, com textos e imagens, o seu Autorretrato no escritório. O que mais me chama a atenção, nas fotografias incluídas no livro e nas descrições dos ambientes que há nos parágrafos adjacentes, é o jogo, fundamental para Agamben, entre a escrita, o pensamento, o espaço e, não menos, os objetos discordantes que, como criaturas apenas supostamente inanimadas, animam toda aquela concatenação. Sim, a filosofia é um animismo, não menos que a poesia, e por isso dependemos tanto de amuletos, talismãs e mesmo fetiches cuja presença, em nossos ambientes de trabalho, muitas vezes não sabemos explicar direito, apenas intuímos, se tanto. Mas, diante desta pergunta, não tenho como não me auto-analisar e salientar que, não contente em trabalhar sobre uma mesa de vidro, também mantenho sobre esta mesa – junto com o notebook (que é o mesmo que levo para todos os lugares, que são outros lugares de trabalho-e-não-trabalho), com as pilhas de livros, com os amontoados de papéis com anotações, com as canetas e outras ferramentas de escrita – um frágil saquinho, na verdade uma pequena rede, uma retícula, cheio de bolas de gude, feitas, como se sabe, também de vidro. Não transparente, como o da mesa, pelo qual vejo constantemente meus pés (e um dia, no primeiro apartamento em que morei em São Paulo, vi não um leão ou um cão, mas uma caranguejeira se aproximar), mas vidro opaco, ou mais exatamente leitoso, e sobretudo frágil e fugidio, miniaturas talvez de um mundo que ao mesmo tempo exige ser visto (e pensado) e se recusa ao olhar (e ao pensamento). Não posso, porém, terminar essa resposta, que já vai longa, sem assinalar que, quando falamos de nosso “lugar de trabalho”, costumamos fazer sempre um recorte num continuum de atividades que, a meu ver, não devem ser examinadas de forma separada. E o mais importante para mim talvez seja, hoje, perceber – porque nada disso é evidente por si mesmo, sobretudo para quem está imerso nessa concatenação de fazeres – os vínculos entre as mais diferentes tarefas a que me dedico ao longo dos dias: da escrita às aulas, das andanças pelas ruas às visitas frequentes a galerias e museus, das horas perdidas na internet às horas ganhas detrás de uma câmera fotográfica ou diante de uma tela ou de uma folha de papel de desenho. Tudo isso é e não é trabalho, e somente o mundo, a grande bola de gude fugidia, talvez seja, num sentido rigoroso da palavra, seu lugar, que são lugares. 2. No poema “Retratos” (Aleijão, 2009), você retoma algumas referências da poesia brasileira do século XX (especialmente Drummond) e radicaliza os impasses do “país bloqueado”, ao mesmo tempo em que parece dar a eles um sentido mais amplo, que extrapola a dimensão propriamente nacional. Gostaria de saber como você articula esses elementos em sua escrita literária e como enxerga a questão política da perspectiva da poesia. “Retratos” nasceu de um poema feito em parceria com o Tarso de Melo, com o título de “3 x 4 (Drummond em retrato)”, que já tinha sido publicado autonomamente, na forma de um livreto desdobrável, ou sanfonado, em edição não comercial, e depois republicado na íntegra, com pequenas alterações, num livro do Tarso saído na 5 coleção Ás de Colete, Planos de fuga e outros poemas. Quando montei o Aleijão, resolvi republicar mais uma vez o poema, agora numa outra versão, deixando apenas as estrofes que eu mesmo tinha escrito, e dedicando-o agora ao Tarso. Gosto da ideia de que os textos tenham várias encarnações, sobretudo quando pequenas (ou grandes) diferenças são introduzidas. Não porque eu acredite na busca da última versão, do “texto definitivo” (noção que, como disse Borges, pertence à religião ou ao cansaço) – mas, sim, pelo contrário, porque acredito nas muitas versões, na dialética estrutural e temporal entre as diferentes configurações de um pensamento. Seria interessante ver o que mudou no poema quando ele saiu da forma de diálogo explícito entre dois poetas sobre um outro poeta, aliás, o poeta por excelência do século XX brasileiro, para a forma não exatamente de um monólogo, mas de um diálogo em falésia, sem interlocutor à vista, numa espécie de proliferação dos fantasmas falantes e calantes – que são, como se sabe, uma presença constante na poesia de Drummond, seu coro implícito. Deixo a tarefa para os eventuais leitores. Apenas assinalo, aqui, que a reflexão sobre Drummond, que resultou neste poema em suas várias versões, é uma constante ao longo do meu percurso de poeta, crítico e professor – não sei nem dizer quantas coisas já escrevi sobre ele, quantas vezes comentei seus poemas em aulas, palestras e debates, quantas horas de conversas com amigos ocupei discutindo Drummond. Tudo isso não porque eu acredite que saiba algo sobre Drummond que outros não saibam, mas precisamente porque sua obra soa para mim, desde quando comecei a lê-la (e é algo que não chega nunca ao fim), como um enigma, e um enigma é justamente uma formulação diante da qual não podemos não arriscar tentativas de resposta ou elucidação, por mais que saibamos que essas tentativas permanecerão, até o fim, isso mesmo: tentativas. E daí vamos elaborando hipóteses de leitura, que, por mais que queiram dar conta da maior parte da obra, ou mesmo da obra como um todo (como se o todo existisse), acabam por ser apenas aproximações parciais a ela – foi o que me levou a escrever um ensaio sobre a poética da interrupção na sua poesia, ou que me levou a falar, nos “Retratos”, muitas vezes apenas destacando ou glosando expressões drummondianas, em mundo ou país bloqueado, em anulação da paisagem, em estado de emergência, em valsa de mortos, em curto-circuito etc. Como, suponho, se pode perceber a partir dessa simples enumeração, Drummond, pelo menos como o leio, é, no Brasil, quem melhor articulou as questões do país com as questões da poesia, e isso, a meu ver, só foi possível porque ele soube ir sempre além do país, em direção ao mundo, e além da poesia, em direção à linguagem (ou palavra, como ele prefere). Daí que a melhor poesia política de Drummond seja, a meu ver, aquela que, de um lado, melhor soube aprender não apenas com Maiakóvski ou Neruda, mas também com Mallarmé e Valéry (dois poetas que não costumamos considerar como “políticos”), e que, por outro lado, projetou o Brasil num plano cosmopolita – pensemos nos seus poemas sobre a Segunda Guerra Mundial. É um poeta em que mesmo o gesto de retirada da esfera pública, encenado exemplarmente em Claro enigma, acaba por ser um gesto político decisivo. Num momento em que a ideia de poesia política, ou de literatura política, ou mesmo, mais amplamente, de arte política tende a se dissolver numa discurseira autocomplacente e absolutamente comercializável, que passa longe do questionamento da própria linguagem e do lugar a partir do qual se fala, como se um lugar fixo assinalado para um sujeito fosse garantia de alguma coisa (o poeta, pelo menos como o concebo, é o contrário de uma identidade: é uma perspectiva em movimento, e inevitavelmente erodida), voltar a Drummond e às suas lições me parece algo não só importante, mas urgente. Claro: se considerarmos que a poesia é ainda algo necessário na incessante redefinição do 6 que somos a que damos o nome de cultura, e não apenas um enfeite na festa da palavra útil. 3. Quem acompanha seu perfil no Facebook percebe que, em meio aos debates culturais e combates políticos, você se dedica também a “experiências” com fotografia, desenho e pintura. De vez em quando, aparece ali algum trabalho nessas linguagens. Há uma pesquisa aí que vem desaguar no seu processo criativo de poesia? Ou é um outro lance? Como disse numa das respostas anteriores, tenho tentado perceber – e compreender – como se articulam essas várias atividades no meu percurso. São coisas obviamente diferentes, no que diz respeito à técnica, mas que talvez nasçam de impulsos que são informes e que, por isso, podem vazar para um lado ou para outro. Mais do que complementar meu trabalho com poesia, vejo mais claramente nas experiências com fotografia, pintura e desenho uma componente terapêutica, digamos assim, que, na poesia, talvez tenha se perdido um pouco, justamente porque a mediação da linguagem como que nos obriga ao sentido. Terapia não somente no sentido psíquico, que também é (minha saúde mental sempre dependeu da arte, praticada ou consumida), mas também num sentido mais, digamos também, filosófico: terapia da linguagem, terapia do significado, terapia deste pantanoso eu que acaba por ser o centro de tudo que se diz. Numa foto, num quadro, numa figura ou mancha que se desenha, pelo menos como as pratico, há sempre uma margem de acaso e de nãosaber que, na poesia e nas outras formas de escrita que pratico, acaba por ser menor. E esse deslizamento em direção ao não-eu, em direção ao que não sou, ao mundo, me interessa, hoje, mais que tudo. É até curioso que eu admire tão profundamente artistas, como Cy Twombly, que continuamente introduziram palavras nas suas obras plásticas, ao mesmo tempo que eu mesmo, na origem, um poeta, sinta grande dificuldade ao escrever alguma coisa num desenho ou numa pintura – o meu impulso quase automático, depois que ponho uma palavra ou frase numa obra plástica, é rasurá-la em seguida, cobrindo-a de tinta, raspando-a, garatujando em cima dela. 4. Em suas recentes “Hipóteses”, você assinala que a pintura, assim como a poesia, é uma “arte de percussão”. Como ouvir bem o tambor da pintura? Mais que isso, de que modo seu trabalho com desenhos (como artista, como espectador) repercute em seu trabalho com poemas (como leitor, como escritor)? Se me permitem, gostaria de citar esse fragmento das Hipóteses na íntegra: “No poema, mais do que a palavra, escutar o tambor. Não o coração: o tambor. É preciso que a mão – a mão que escreve, a mão que agarra, a mão que larga – se projete para fora do corpo e encontre uma superfície que ofereça resistência; é preciso que tente penetrá-la – e, sobretudo, que não consiga penetrá-la. É nessa resistência que o poema aparece. Uma arte de percussão, como também, a seu modo, a pintura”. Como materialista que sou (ou quero ser), acho fundamental, em qualquer atividade dita intelectual ou cultural, acentuar o papel da mão – assim como também, complementarmente (mas sobretudo dialeticamente), o papel dos pés, nossos órgãos de ligação com a terra – como figuras antitéticas do poder da cabeça. Mas fiquemos agora com as mãos: o que chamo de percussão, com base no léxico da música, é justamente a atividade rítmica que nasce quando uma mão – ou uma ferramenta por ela manejada – encontra uma superfície contra a qual se choca, por mais tênue que seja esse choque. Não há escrita, como não há desenho ou pintura, sem esse choque 7 que se faz ritmo, ou esse ritmo que transfigura o choque em outra coisa. Precisamos, em suma, estar atentos não apenas ao que se diz num poema, nem tampouco apenas aos expedientes técnicos pelos quais se diz o que é dito, mas especialmente ao ruído que se produz nessa fabricação do poema – mas também da pintura, ou do desenho. Lembremos que, há alguns anos, a máquina de escrever e a câmera fotográfica analógica, com seus mecanismos mais “primitivos”, deixavam explícito o caráter percussivo dos processos em que tomavam parte. Ouvia-se, ali, mais claramente o tambor da escrita, ou da imagem. Eu mesmo, agora, enquanto escrevo, percebo que costumo digitar mais forte do que o necessário, e quase sempre – pelo menos quando me empolga a escrita, o que nem sempre é o caso – de forma rítmica. Eis o tambor, mais uma vez: o contracoração, o coração maquinal, que quer bater junto com o coração do mundo, consciente porém de uma incoincidência radical entre arte e mundo. Mas respondendo mais explicitamente à última parte da pergunta: poemas são, muitas vezes, fotografias que não fiz. E digo isso pensando em casos específicos: por exemplo, há alguns anos, vi em Atenas uma menina passar com uma camiseta na qual se lia, em inglês, a palavra futuro; eu tinha a câmera comigo, seria uma boa foto, acho, mas um pudor, que por vezes acomete qualquer um que se exercite na fotografia, me impediu de mirar a câmera para a menina e clicar. Contudo, isso provavelmente será um poema num dos meus próximos livros, junto com lembranças de outros episódios semelhantes envolvendo camisetas com palavras ou frases escritas. 5. Ainda existe alguma esperança para o jornalismo cultural (pensando aqui principalmente em relação à grande imprensa) ou tudo, em matéria de análise/ leitura dos fenômenos culturais contemporâneos, continuará sendo tratado na base da metralhadora de clichês da contemporaneidade (não dizendo absolutamente nada, fazendo, assim, com que as resenhas críticas se tornem genéricas e sirvam, muitas vezes, para qualquer livro/obra ou resumindo tudo em volta da obra como referência pop)? Li em algum lugar que, na última FLIP, perguntaram a um historiador – acho que o José Murilo de Carvalho, que, aliás, é monarquista – se, diante do Brasil contemporâneo, ele tinha alguma palavra de esperança para deixar como desfecho da conversa. Ele teria se calado, e assim se encerrou a mesa. Acho que minha resposta, diante da pergunta sobre o jornalismo cultural que se pratica hoje, seria semelhante – apesar das exceções (penso sobretudo na revista Quatro cinco um, que tenta ir na contramão do obscurantista dominante – mas sintomática e ironicamente adotando como título a temperatura de combustão do papel que todos aprendemos com o livro de Ray Bradbury, como se encenasse ela mesma, a cada edição, a resistência ao fim dos livros e da imprensa cultural). Mas a questão é sempre mais funda e costuma passar ao largo dos esforços heroicos de uns e outros; podemos nos perguntar: como sonhar com um jornalismo cultural que não esteja rendido ao mercado e à barbárie política quando o país inteiro se tornou uma mistura de campo de extermínio com circo de horrores? E o mundo lá fora, aliás, não está muito diferente, já que Bolsonaro, Moro, Dória, Witzel, Crivella etc. são apenas prepostos locais de uma ordem que muito os ultrapassa e nos ultrapassa – e que mal conseguimos descrever ou compreender: leio em outro lugar que bilionários norteamericanos estão financiando campanhas contra a vacinação. No entanto, como disse há pouco, li em algum lugar sobre essas coisas, o que quer dizer que seguimos, apesar de tudo, escrevendo e lendo, furando, de algum modo, os bloqueios. Talvez 8 precisemos, diante de toda essa sequência de horrores que culmina na grande catástrofe ambiental em curso (e que será o fim de um mundo, do nosso mundo como este existia até aqui, se não o fim do mundo), aprender a viver – e viver em sentido pleno, não apenas sobreviver – sem esperança. Não é fácil, mas meu motto, de qualquer modo, mesmo antes disso tudo, se é que um dia existiu mesmo este antes, sempre foi nec spe nec metu, sem esperança nem medo. 6. Um dos seus interesses se concentra na ideia de um retorno à filologia e, nesse sentido, você faz menções a nomes como Ernst Curtius e Gianfranco Contini. Considerando o estado atual das humanidades e da crítica literária propriamente dita, o que poderia significar esse retorno à disciplina filológica? Podemos conceber a filologia de uma forma conservadora ou de uma forma mais, a meu ver, interessante. Versão conservadora: a filologia é aquela disciplina que permite nos aproximarmos da forma mais perfeita da palavra, da forma “originária”, e portanto do sentido “original” do texto e da voz do seu autor. Não é isso, porém, que mais me interessa na filologia como método e como metáfora – e sempre uso essa disjunção para explicar meu interesse pela filologia: como método, que ela é (uma prática que se pode aprender em cursos ou manuais), mas também como metáfora decisiva, a meu ver, para a redefinição presente dos estudos de literatura, artes e cultura. E aí vem a face não conservadora da filologia: pensar a literatura, os textos em geral, a cultura, filologicamente é pensar tudo isso, desde o início, como campo de ruínas, sem origens facilmente delimitáveis (há sempre uma origem antes da origem, e outra ainda antes), mas também sem fins definitivos. A partir dessa perspectiva que reconheço como filológica, tudo isso que chamamos de cultura – mas antes cada texto particular – nos aparece como a montagem possível num determinado momento de uma série de fragmentos que, em outro lugar e situação, poderiam tomar outra forma. Contini ressalta sempre o caráter conjetural, isto é, hipotético, dos textos que resultam da práxis filológica. Que ela é uma reconstrução depois da destruição – mas que essa reconstrução jamais é uma restituição exata do “original”. Um exemplo concreto de pensador filológico é Giorgio Agamben, citado na primeira pergunta – e, pois, na primeira resposta – desta entrevista. É alguém cuja aproximação à filosofia se deu por meio da filologia – como Nietzsche, como também, em alguma medida, Walter Benjamin – e que permanece filólogo-filósofo até hoje. Isso não apenas determina a forma como ele lê os textos alheios que reinterpreta em suas obras – e é um leitor excepcional, que consegue, como diziam Hofmannsthal e Benjamin, ler mesmo o que nunca foi escrito –, como também determina a configuração dos seus próprios textos, muitos deles remontagens de excertos de textos anteriores seus (procedimento que também encontramos em Benjamin). Mas podemos pensar também em escritores-filólogos, cuja escrita extremamente “original” nasce de uma reinterpretação de textos anteriores que lhes aparecem, concreta ou idealmente, em estado de ruína: um Mário de Andrade, um Jorge Luis Borges, um W. G. Sebald etc. E filologia talvez seja outro nome para poesia, suspeito. 7. Complementando a pergunta anterior: seria necessário ou possível fazer uma arqueologia do ódio às artes e humanidades no Brasil para explicar os ataques às universidades e às instituições culturais hoje? Há uma filologia dos afetos que ainda estaria para ser feita neste país? 9 Durante alguns anos, desde o início dos 2000, ou mais exatamente desde as reações de direita à primeira eleição de Lula para a presidência, propus, informalmente mas a sério, a ideia de um laboratório de observação do fascismo contemporâneo, que teria como sua matéria de estudo principal o discurso da chamada “grande imprensa” (que não é mais grande nem segundo critérios quantitativos) e o discurso complementar – que era então novidade, hoje rotina – das caixas de comentários. Teria sido, digamos, uma investigação a quente do que hoje toma a forma de uma arqueologia. Para qualquer um que tenha acompanhado com alguma atenção o modo como a revista Veja criou gradativamente todo um discurso farsesco para tentar destruir o governo Lula e justificar tudo o que viria depois, não é surpresa nada do que aconteceu de 2014 em diante: a reação violenta de Aécio e do PSDB à reeleição de Dilma, o impeachment criminoso conduzido por Cunha, a ascensão de Temer, a prisão de Lula, a eleição de Bolsonaro. E, em meio a isso, torna-se compreensível a escolha das universidades e das instituições culturais como inimigas preferenciais dessa onda farsescamente conservadora – e que, de conservadora mesmo, aliás, tem muito pouco, pelo menos no sentido clássico do conservadorismo político. Uma pessoa que trabalhava na Veja me contou um dia que os donos da editora Abril e os diretores e editores da revista, depois de algum tempo, ficaram muito felizes com a eleição de Lula: afinal, a ascensão econômica da chamada classe C representou, por alguns anos, uma interrupção na queda contínua nas vendas da revista. E os responsáveis perceberam logo, por meio de pesquisas, que os novos leitores da revista a viam como uma espécie de manual de como se tornar classe média: como agir, como pensar, contra quem se posicionar. Foi nesse caldo que se consolidaram pistoleiros a soldo da direita, em veste de colunistas, como Reinaldo Azevedo (que pelo menos tem alguma verve), Diogo Mainardi, Augusto Nunes e outros ainda menos cotados – os quais tiveram papel decisivo na produção e consolidação do discurso de criminalização de Lula e do PT. Ao mesmo tempo, outros mercenários eram pagos para encher as caixas de comentários de todas as notícias, não só da Veja, mas da imprensa em geral, de fórmulas anti-esquerda, insistindo em fantasmas que antes pareceriam ridículos, como o de um suposto “comunismo” hegemônico na América Latina, o “Foro de São Paulo”, mas também as universidades que eram “madraças” (a Veja sempre misturou anticomunismo com anti-islamismo), os museus que eram antros de perversão etc. Fantasias risíveis, mas que aos poucos se tornaram temores concretos para grande parte da população. Como se todos tivessem muito a perder se viesse, de fato, o comunismo... Mas bem sabemos que os discursos podem ser mais fortes que a concretude do mundo, e que as pessoas podem ser bem treinadas para agir contra seus próprios interesses. Se acrescentamos a tudo isso o pesadelo representado pelo Whatsapp – a primeira rede social sem dimensão pública, em que os discursos não podem mais ser postos em questão e verificados –, temos as linhas gerais dessa arqueologia do ódio. A uma filologia (não sei se dos afetos, embora a dimensão afetiva seja importante), caberia, sim, parte importante da reconstrução que terá de vir depois de tanta destruição. 8. Você já apontou para o fato de que as interpretações da antropofagia oswaldiana realizada por Antonio Candido, pelos concretos e pelo tropicalismo são equivocadas e não encontram lastro na letra do texto de Oswald. Nesse sentido, como poderíamos entender a antropofagia? Uma interpretação mais precisa do texto poderia incluir termos como centro e periferia? Estaríamos ainda no terreno da assimilação cultural? 10 A Antropofagia oswaldiana, nunca esqueçamos, toma por base a antropofagia ritual indígena, sobretudo tupinambá, e portanto é mais um repensamento do que somente um pensamento (como aliás a maioria das formas interessantes de pensamento). A meu ver, ela é, antes de tudo, a proposta de ontologia política, de ambições amplíssimas, planetárias ou mesmo cósmicas, que jamais se restringe ao campo da “cultura” ou da “arte”. “Lei do homem. Lei do antropófago”, lê-se na página inicial do Manifesto de 1928, texto fundador dessa aventura intelectual que só se encerra com a morte de Oswald, em 1954 – e que continuou e continua a produzir efeitos importantes no pensamento brasileiro e não só, da Tropicália ao perspectivismo ameríndio de Eduardo Viveiros de Castro (também este um repensamento do pensamento indígena). Essa ontologia política começa por deitar por terra a noção mesma de propriedade, confundindo propositalmente, num gesto arqueofilológico decisivo, a propriedade em sentido econômico-jurídico (o bem que define um proprietário) com a propriedade em sentido existencial (o que é próprio de cada um, o que define cada um como “sujeito” ou “indivíduo” – noções que também vão sendo abaladas, aliás, quando se põe por terra a propriedade). Se a propriedade é abalada – e não abstratamente, mas em nome da posse – não faz mais sentido pensar as dinâmicas da cultura em termos de nacional e estrangeiro, ou mesmo centro e periferia. O grande erro na interpretação da Antropofagia oswaldiana, a meu ver, consiste em traduzi-la em termos de balança comercial, o que talvez fizesse sentido na época do Pau-Brasil. A Antropofagia não é Pau-Brasil – embora, a meu ver, o próprio Pau-Brasil ganhe em ser lido à luz da Antropofagia, contanto que saibamos que essa é uma leitura anacrônica e que junta concepções essencialmente diversas, ainda que enunciadas pelo mesmo autor (o gesto contrário, ler a Antropofagia à luz de Pau-Brasil, é redutor e põe a perder justamente a novidade da Antropofagia). A genialidade da visão de Oswald, à época da Antropofagia, não está em reivindicar a assimilação local das grandes ideias supostamente “universais”, mas, pelo contrário, está em notar que, por trás dessas ideias que pulsavam no presumível centro do mundo, já estavam a atuar as forças de pensamento que provinham do Novo Mundo. “Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. [...] Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.” Os índios Tupinambá, como sabe qualquer um que leu os Essais, é que ensinaram a Montaigne, não o contrário. Sequer a Renascença teria tido o alcance que teve sem o exemplo concreto, e não apenas mítico (como acontecia com a Grécia ou com Roma), de uma outra possibilidade da humanidade – uma humanidade nua e, por assim dizer, naturalmente heroica (mas sabemos como essa natureza é desde sempre cultura, e de uma sofisticação ímpar). Não faz sentido, portanto, a meu ver, falar a propósito de Oswald – na verdade, a propósito de qualquer coisa – em termos de “assimilação cultural”, se não compreendermos que esse processo nunca é de mão única, por mais que o mercado, ou a suposta resistência ao mercado, queira assim pintá-lo. E nem é propriamente assimilação, se assimilação significa tornar(-se) símil: é antes a margem de variação que interessa em qualquer processo de contato cultural, isto é, como mesmo um esforço mimético acaba inevitavelmente por produzir diferenças, e são essas diferenças que importam. De resto, todos os processos de formação de objetos culturais são processos que envolvem continuidade e descontinuidade. Oswald talvez nos permita compreender melhor como a potência política pode emergir exatamente quando uma continuidade se faz descontinuidade, mas também, suspeito, no movimento contrário – quando um Tupinambá pode entender e descrever melhor a sociedade francesa do que um filósofo francês, e dos maiores, revelando uma continuidade imprevista entre pensamentos radicalmente estrangeiros. 11 9. Quando olho para os escritos de Viveiros de Castro sobre, digamos, o modo de ser indígena, ou mesmo para Montaigne, na ocasião em que manifesta seu espanto e fascínio à lógica tupinambá (me refiro ao ensaio “Dos canibais”), imediatamente tenho a impressão de que a base do conhecimento indígena seria ideal para meditarmos em torno do sentido do ser contemporâneo de Nietzsche, muito bem desenvolvido por Giorgio Agamben. Por meio desse raciocínio, o pensamento indígena (ou seja, o pensamento “não civilizado”) não só configuraria a habilidade de “descolar-se” do tempo, como precisamente expressaria a capacidade de não estar submetido e de não se permitir submeter às ideias e aos ideais (morais, éticos, políticos, filosóficos etc.) impostos pelo tempo histórico. Tendo isso em conta, você acha possível entender a produção de poesia contemporânea que tem buscado construir-se como espécie de inteligência selvagem – no sentido de não domesticada e, por isso mesmo, consciente de que a arte é mesmo o único lugar possível onde o homem pode (re)encontrar sua natureza perdida, partindo da perspectiva de Nietzsche –, seja por meio do reino vegetal, seja por meio dos desdobramentos do corpo (humano e animal, ambos corpos poéticos e, portanto, corpos artificiais), como forma de manter a tensão do instante (sem que isso signifique sua polarização) e também sua subversão? Em outras palavras: você acha possível falar na busca por uma inteligência selvagem em certa poesia brasileira da atualidade, construindo-se como entendimento e enfrentamento da organização/funcionamento do atual desarranjo desse outro organismo que é o histórico-social? E, quiçá, como saída possível? Sim, penso que possamos falar em formas de inteligência selvagem, nos termos da pergunta, em alguns poemas e autores da poesia contemporânea brasileira – mas sobretudo na medida em que essa saiba se fazer, também, ainda nos termos da pergunta, poesia extemporânea, e esteja disposta a se desfazer da unidade políticoanímica pressuposta no adjetivo brasileira, ainda que aconteça de ser escrita no Brasil (o que, aliás, não era o caso de muita poesia contemporânea-extemporânea “brasileira”, de Oswald – que olhou o seu país “do alto de um atelier da Place Clichy”, em Paris, para escrever o Pau-Brasil – até João Cabral e Murilo Mendes, que passaram boa parte de suas vidas no exterior e lá produziram a maior parte de suas obras). Mas temos de ir além, sempre lembrando que um indígena, por exemplo, não é exatamente um brasileiro, por mais que tenha nascido no Brasil. Ou lembrando ainda que muitos artistas sobrepõem ao vínculo nacional, que fomos treinados por anos de ideologia nacionalista de esquerda e de direita a tomar como natural, por vínculos mais imediatos, “regionais”, digamos (e não por acaso o regionalismo é a grande bête noire da crítica cultural brasileira, inimigo a ser combatido e do qual devem ser resgatados os autores que, apesar dos seus vínculos regionais, conquistaram um lugar no cânone nacional, sendo o exemplo mais explícito o de João Guimarães Rosa). Ora, num mundo em que a nação se revela cada vez mais um espectro facilmente mobilizado pela mais medonha direita, acho que devemos estar atentos ao que, na poesia, nas artes em geral, na ação política, não cabe bem no esquema nacional. Assim como devemos estar atentos, ainda no espírito da pergunta, ao que não cabe bem no esquema do humano: daí a virada animal e mais recentemente vegetal e mesmo fúngica das artes contemporâneas. Outras possibilidades de ser: ainda ontologia política. Como interpretar o desejo de forma de 12 um líquen que se espraia sobre uma pedra perdida no meio da Mata Atlântica? Que tipo de poema escreveria o mofo do teto do banheiro? 10. O que você acha do momento atual da tradução de poesia no Brasil? Podemos dizer que estamos, enfim, saindo de um momento de tradução à moda concreta (de alto nível, mas restrita em quantidade, a meu ver, porque vinculada à ideia de que os poemas e autores traduzidos vinham fazer parte de um corpus autoral do poetatradutor) para um momento de expansão mais profissional (menos autoral, por assim dizer) da tradução de poesia? Não vejo esses dois momentos da tradução de poesia no Brasil como necessariamente contrapostos, pelo menos não com essa nitidez, autores de um lado, profissionais de outro. A começar porque também os tradutores que eram poetas concretos nos deram – e ainda dão, no caso de Augusto de Campos – vastos corpora, se não integrais, completos, num sentido talvez não quantitativo de completude, mas às vezes também sim: pensemos na Ilíada de Haroldo de Campos, no Retrato do artista quando jovem de Décio Pignatari (com versões integrais de quatro textos cruciais, incluindo Romeu e Julieta de Shakespeare e a Vida nova de Dante Alighieri), na versões proliferantes de Augusto para Cummings, Rilke ou Emily Dickinson (e não esqueçamos que ele também traduziu todos os poemas de Arnaut Daniel), ou ainda nos Cantos de Pound traduzidos por José Lino Grünewald. Louvo o trabalho fundamental que alguns tradutores mais jovens têm feito ao recriar em português brasileiro textos gregos e romanos que ainda não tínhamos aqui, ou textos ameríndios (duas versões do Popol Vuh em poucos anos!), ou ainda a poesia contemporânea de língua inglesa, francesa e alemã – acompanho com imensa admiração este esforço incomum. Mas não perco de vista, jamais, que este momento resulta de uma trajetória que não começa aqui, com raízes na profissionalização crescente da universidade brasileira (pelo menos até a treva fascista do presente), mas também na experiência pioneira e potencializadora dos concretos. E não esqueçamos poetas-tradutores em que podemos identificar explícitos traços pós-concretos, como José Paulo Paes e Nelson Ascher (Poesia alheia é um dos grandes livros de poesia publicados no Brasil). 11. Ecoando dois motivos centrais em suas reflexões, recoloco a pergunta: onde há alegria nesta terra devastada? Não renunciar à alegria é a única coisa que realmente interessa – e isso vale tanto na terra devastada quanto na terra prometida. Até porque, muitas vezes, são uma só: a Terra. (De resto, jamais esqueço que a alegria também pode ser uma alegria trágica – aquela alegria a que Yeats e Nietzsche se referiram, alegria capaz de encarar o terror e transfigurar o terror.) 13 4 POEMAS DE EDUARDO STERZI ESTE CADÁVER é nosso almoço Qual será a sobremesa? CASA DE DETENÇÃO Há tempos que eu já desisti dos planos daquele assalto. NEI LISBOA, Telhados de Paris Porto Alegre acabou: no abraço compulsório; no sonegado. No ponto morto dos dias, das festas de família. Na tosse compartida, na asfixia. No óxido das grades. No copo azul, solitário, de boca larga (conforme à sede herdada). No piano de teclas áfonas (atraente a cupins). Na enciclopédia de fomes vermelhas (agora canceladas). No embate adiado. No revólver sufocado. No inexprimido (embora exprimível). No guardado. Como escapar ao cárcere do nome? Todo retrato é autorretrato, e toda tatuagem. Todo escrito é registro de gasto, e é desgaste. Crime é silêncio. Fuga é sintaxe. Fogo fluente de uma cela a outra (de resto, incomunicáveis). Persiste a memória do desastre. A noite desova cadáveres neste quarto de outra cidade. Acolhe a ratazana, em véspera de crias. Presume clareza do espaço abandonado. Acabou. No abraço encardido, acanhado. Nasço velho deste abraço. 14 A dança A bailarina amputada divide a página de abertura do portal de notícias com a maior estrela de nêutrons já encontrada cemitério ou semeadura insinuam-se dúbios a cada ranhura § na letra, na unha persevera a secura viva do cadáver, sua astúcia § na rota de cruzes a pedra do escrúpulo dita o rumo § jato interrupto fruta ou furto tâmara ou túmulo 15 NOVOS DEUSES DE FABIO MACIEL “Gravura 1” Primeiro semestre de 2018 16 “Gravura 2” Primeiro semestre de 2018 17 “Gravura 3” Primeiro semestre de 2018 18 “Gravura 4” Primeiro semestre de 2018 19 3 POEMAS DE JACK SPICER TRADUZIDOS POR RUBENS AKIRA KUANA Este oceano, humilhante em seus disfarces Este oceano, humilhante em seus disfarces Mais duro do que qualquer coisa. Ninguém ouve poesia. O oceano Não é para ser ouvido. Uma gota Ou queda d’água. Não significa Nada. Isto É pão e manteiga Pimenta e sal. A morte que homens jovens esperam. Sem rumo isso atinge a praia. Sinais brancos e sem rumo. Ninguém ouve poesia. This ocean, humiliating in its disguises This ocean, humiliating in its disguises Tougher than anything. No one listens to poetry. The ocean Does not mean to be listened to. A drop Or crash of water. It means Nothing. It Is bread and butter Pepper and salt. The death That young men hope for. Aimlessly It pounds the shore. White and aimless signals. No One listens to poetry. 20 Um poema sem um único pássaro nele O que eu posso dizer para você, querido Quando você me pede ajuda? Eu não conheço o futuro Ou mesmo qual poesia Nós vamos escrever. Cometer suicídio. Ficar louco. Pessoas melhores que qualquer um de nós já tentaram. Eu já te amei uma vez mas Eu não conheço o futuro. Eu só sei que amo a força em meus amigos E a nobreza E odeio a maneira com que seus corpos quebram quando morrem E são devorados por imagens. A diversão acabou. O piquenique acabou. Fique louco. Cometa suicídio. Não restará nada Depois que você morrer ou enlouquecer, Apenas a calma da poesia. A Poem Without a Single Bird in It What can I say to you, darling, When you ask me for help? I do not even know the future Or even what poetry We are going to write. Commit suicide. Go mad. Better people Than either of us have tried it. I loved you once but I do not know the future. I only know that I love strength in my friends And greatness And hate the way their bodies crack when they die And are eaten by images. The fun’s over. The picnic’s over. Go mad. Commit suicide. There will be nothing left After you die or go mad, But the calmness of poetry. 21 Um poema para o dia Dada no The Place em 1 de abril I O garçom Tem olhos da cor de damascos maduros Fácil de agradar como uma caixa registradora ele Gosta de arte e boas piadas. Espirro Faz a pintura Esguicho Faz o poema Ele Nós Rimos. II Não é fácil lembrar que outras pessoas morreram além de Dylan Thomas e Charlie Parker Morreram procurando pela beleza no mundo do garçom Esta pessoa, aquela pessoa, esta pessoa, aquela pessoa morreram procurando pela beleza Até mesmo o garçom morreu. III Dante assoou o nariz E seu nariz descolou em sua mão Rimbaud quebrou a garganta Tentando tossir Dada não é engraçado É uma grave agressão À arte Porque a arte Pode ser apreciada pelo garçom. IV O garçom não é os Estados Unidos Ou o intelectual Ou o garçom Ele é cada miserável que não chora Quando lê este poema. 22 A Poem For Dada Day At The Place April 1, 1958 I The bartender Has eyes the color of ripe apricots Easy to please as a cash register he Enjoys art and good jokes. Squish Goes the painting Squirt Goes the poem He We Laugh. II It is not easy to remember that other people died besides Dylan Thomas and Charlie Parker Died looking for beauty in the world of the bartender This person, that person, this person, that person died looking for beauty Even the bartender died. III Dante blew his nose And his nose came off in his hand Rimbaud broke his throat Trying to cough Dada is not funny It is a serious assault On art Because art Can be enjoyed by the bartender. IV The bartender is not the United States Or the intellectual Or the bartender He is every bastard that does not cry When he reads this poem. 23 2 POEMAS DE CLARISSE LYRA então, quem sabe a imaginação, dizia, coloca mais problemas que a memória mirta rosenberg rezo todos os dias à noite para que o ressentimento em mim, a inveja e o desdém sejam transmutados em palavras bonitas. ah, que livro lindo eu escreveria se por uma linha de poesia fosse trocado cada sentimento vil. me concentraria, então, quem sabe com a força da imaginação desimpedida em viagens, a curiosidade de países estrangeiros detalhes de suas línguas iridescentes; esqueceria a falta de água gelada me acomodaria num fictício sofá bolaria a reinterpretação de uma antiga lenda do pacífico sul. foi virginia woolf quem disse o cavalo da escrita da mulher tropeça quando em direção ao salto rumo ao sublime esbarra no lodo do melindre, lugar onde toda literatura perde a graça. 24 talvez, quando minha mãe confecciona panos de prato e outras coisas que às vezes chegam muito perto do que a gente chama de arte. meu pai se embebedava e cantava canções sofridas ao microfone, sempre no mesmo bar. em que momento uma ideia de cultura e a prepotência terá me afastado deles é uma pergunta que me faço. me espicho para fora da janela e aparo todo o sol que posso, soprando longe a fumaça, vendo onde vai parar. são paulo tem esse tempo maluco, é volúvel e eu gosto. hoje li poemas numa revista e um texto longo sobre teatro, esse universo. a cultura parece um ambiente muito confortável quando você lê revistas. alguém tem uma conversa sugestiva num restaurante italiano. os poemas têm sempre uma ou duas poltronas, elas são muito familiares e significam a casa. talvez, quando se é jovem e se lê muitas revistas, se tenha a fantasia de que o trabalho com a cultura traz para perto todas essas coisas, uma vista da janela, calma doméstica, a grande oportunidade. 25 1 POEMA DE FABIANO CALIXTO República Federativa dos Morféticos este é Espinheira Espinheira é, além de uma garrafa pet imprestável, ministro chefe da casa civil servil recém-nomeado grande Espinheira! – diria seu pai, Espinheirão, deputado federal pela puta-que-o-pariu e larápio inveterado limpador dos cofres públicos Espinheira, filho de Espinheirão, neto de Espinheiraço e bisneto de Espinheiração, é o orgulho da nação esta porta aí se chama Wilssa foi designada ao cargo de ministra da justiça pelo governo fascista muito culta, a Wilssa, sabe falar inglês, grego e alemão rústico adquiriu alguns MBAs e mestrados muito dos falsos mundo afora dona de uma multitrilhordária cadeia de lojas de inutilidades gerais, Wilssa quer batizar, agora, com dinheiro e petróleo, toda a fauna e flora Wilssa, mente policialesca, cristã da capela cretina, diz que o diabo (marxista cultural da mamadeira de piroca) vai vazar do país – e é agora! Jessandira, esse CD da america online 5.0 with 250 free hour, é uma grande admiradora das ideias de Adolf, o Hitler, jamais escondeu que votaria no homem-de-bem Trump caso tivesse tido a bênção de ter nascido em Miami nossa atual ministra da cultura ficção de si mesma, cova da própria sepultura, fã incondicional de sertanejo universotário e de patetas instapoetas colaboracionistas diz que o brito fará o quadro do novo grito do país fascista (bomba de devir cafona) Jessandira é um amor! – diz sua madre matrona já Comodoro, o palito de fósforo usado, é agora presidente do banco central 26 típico cargo técnico-boçal, Comodoro vive a pregar para sua imunda plateia (que reza pelos salmos da economia de mercado) as mentiras mais cretinas as lorotas mais calhordas nunca faltou, ao Comodoro, dinheiro (grana bufunfa money tutu cobre) sabe tudo de numismática para o bem do bolso avaro de sua família parasítica e de sua particular matemática assim, ao assovio murcho de ventos poluídos, nos quatro cantos de uma nação apodrecida, onde desaba a tempestade da globalienação do capitaclismo, sob as ordens de frenéticos apopléticos escalafobéticos caquéticos caminha a república federativa dos morféticos 27 FOLHA-SECA de Rodrigo Lobo Damasceno bolaño escrevia com a mão direita e chutava com a perna esquerda. atribuía a isso o seu fracasso como jogador de futebol - - - e a sua original visão do jogo: segundo o poeta chileno, mexicano, latino-americano, fazer um gol é uma vulgaridade, uma indelicadeza com o goleiro adversário (a não ser nos casos de vavá, didi e pelé - - o por quê? não diz); bolaño apreciava mesmo era o gol contra, que seria um gesto de independência, algo que deixava claro que o seu jogo era outro - - - e que jogo seria esse? “minha experiência como jogador nunca foi totalmente compreendida nem pelos espectadores e nem pelos meus companheiros de time” – esse orgulho torto do perna de pau, que não atrapalha o jogo dos bons de bola, que não enterra o baba, mas busca fundar outro jogo e outro baba cujo princípio é a independência, ou o gol contra, ou a dislexia, ou a derrota, esse orgulho parece uma releitura nunca feita da manchete de leminski segundo a qual chutes de poeta não levam perigo à meta (à qual?). fica aberto um outro espaço para refletir (e jogar) o futebol de poesia, o futebol contra o futebol, o campo de várzea da anarquia. 28 1 POEMA DE CHANTAL CASTELLI Quites I. olho por olho dente por dente: tira a perna, mãe, tira também a outra, ficamos assim II. ó, mãe, por onde andam tuas pernas que mal acabaste de pagar? III. quando enfim emperraram pudemos retirá-las em definitivo (alguma vez a isto chamou-se paz) – segundo a perícia não há justificativa para novas IV. jaz o cão partido no meio fio (aqui habitei) jazem susto, irmãos calhas jaz a casa (aqui habitei, habitamos) o que não se conta e seus ramos trepando, açoite 29 V. faz as contas, mãezinha, pratica teus números; toma conta, deixa estar; vê como tudo regenera ou procria de dentro da falta. VI. é possível fazer um número infinito de cortes e substituições e tudo funcionará como se nada tivesse acontecido 30 2 POEMAS DE FRANK LIMA TRADUZIDOS POR PEDRO FERNANDES GALÉ Mama eu estou todo ferrado Olhos da mariposa pousam na luz do neon eu espio os pequenos e tensos vermes se contorcendo em sua cabeça caranguejos-aranha rastejaram em meus ouvidos Com a antena anelídea a projetar-se parecida com um louva-deus em oração nata e turbante frios fulgor de ficção científica tão reais quanto o câncer espargindo tetas-estofadas e vísceras-de-retalho bocejando a pélvis cabeluda que fede por sobre mim brincando de upa-upa-cavalinho em mim pela casa O colchão gemeu eu me queixei Mama Não sou um cavalo você tem espinhas na sua bunda o pé da sua barriga pende ao fundo seu papai-menino deixou 31 a rosa de suas ganas não não Com lábios arreganhados de pirulito na minha peça solitária você não tem dentes e eu ainda escamo crostas de alho quente beijos lodosos coração da mamacita não vai dar o beijo de boa noite na mama não não não. 32 Mom I’m All Screwed Up Moth-eyed by the neon sign I peeped at the stiff little worms screwing in your head spider crabs crawled in my ear With popping antennae ringlets you looked like a praying mantis cold cream & turban science fiction gleam as real as cancer spreading stuffed-tits-and-rag-guts yawning brillo-crotch that stunk all over me playing Johnny-on-the-pony on me indoors The mattress groaned I moaned Mom I’m no horse you have pimples on your butt your bellybutton droops your boy-pop left the rose of your hopes no no With lollipop-grin lips on my solitaire piece you had no teeth I’m still scaling scabs of hot garlic slob-kisses isn’t mamacita’s heart going to kiss mom good night no 33 no no. 34 Primavera Um múmia esfacelando no bar meus olhos espelhos vazios meus rins flores bêbadas então o alvorecer uma pálpebra venho até você como sempre verde cansado precisado de barbear de um banho cheiro mal destrave as noites na prisão é primavera nas janelas meu coração em um saco e alguma cerveja Olá Sapeca estou em casa 35 Primavera A mummy crumbling in the bar my eyes empty mirrors my kidneys drunken flowers Then dawn an eyelid I come to you as always green tired need a shave a bath I stink unlock the nights in jail it’s spring on the windows my heart in a bag and some beer Hi Monkey I’m home 36 COMÉDIA MAGNÉTICA de Tiago Guilherme Pinheiro Três excertos de A Guerra das Hortas, de Marosa di Giorgio Agora, estamos outra vez, dentro de casa; observo a mobília suculenta. Papai diz que, por alguns meses, a guerra não ser mais que uma suave guerrilha; ouvem-se rumores no horizonte; dia a dia, choques, que não produzem nem produzirão nenhum morto. Meu pavor diminui. Além disso, aqueles prometeram ajudar-lhe. A subgente irá guarnecê-lo com caçarolas de ferro, de cerâmica, e a grande carroça guerreira, na qual, um dia, o do encontro final, ele desfilará como o grande duque das relvas. E assim me intero que o que está em jogo, também, é a guirlanda das hortas. Recorro, outra vez, à mobília, às compotas, tão belas, cheias e vazias, cor de ouro, cor de rosa. Quase nunca há visitas em casa. Hoje, uns amigos do norte, da zona de aliança. Estão no jardim, com a avó, mamãe e o firme avô; fala-se de guerra, falseiase um pouco. Oferecemos mel. Somos apicultores. Este mel parece figo, parece flor de laranjeira, e tem um fulgor incrível. Porém, as mariposas e os pássaros se iludem, creem que a mesa está posta para ele, e intervêm nas conversas, interrompem-nas, pousam na borda dos copos, é preciso deixá-los; logo, se enjoam e alguns não podem partir, bêbados e radiantes, rodopiam ali, fossilizam-se, brilham, criam órbitas próprias, anéis. Temos algumas constelações no jardim. 37 Ouve-se um tum tum das batatas sob a terra; ao escavá-las, todas tem dentições, rabo-de-cavalo, mostram a cara guerreira. É noite, e ando pelo charco, o prado, que bem podem ser o pretexto para guerra, essa terra desolada, por onde vagueiam umas vacas com chifres de pau; por onde passa uma lua com cara de cavalo. O norte luta contra o leste, o sul com o oeste; agora são inimigos aqueles que até ontem eram amigos. Também vi passar pastores com capotes militares carregadas de rosas. Os animais de guerra são estranhos; meu pai remexeu seus próprios cavalos; um, sobretudo, parece altíssimo, parece a Noite, parece de bronze; passeia pelo jardim como um homem; às vezes, dão-lhe vinho, delicados bons-bocados. 38 De súbito, estourou a guerra. Começou com uma bomba de açúcar sobre as casas. Primeiro, acreditamos que era brincadeira; depois, vimos que a coisa era sinistra. O ar permaneceu ligeiramente envenenado. Desprendiam-se morcegos de seus esconderijos, suas covas ocultas caiam sobre as louças, como rosas, como ratazanas que voltaram do infinito, porém, com asas. 39 Para protegê-los de algum modo, enumerávamos os seres e as coisas: “As alfaces, os répteis comestíveis, xicrinhas...”. Porém, já os arados haviam se tornado aviões; cada um tinha caveira e asas, e ronronava próximo às nuvens, ao alcance da mão passaram batalhões a galope, rapidamente. Prolongou-se a aurora inquieta, e ao meio-dia, o sol se partiu; um foi para o leste, e o outro para oeste. Como se avô e avó se divorciassem. Isso faz muito tempo, aquela vez, quando estourou a guerra, sobre as enseadas. 40 Despacho é um zine de poesia editado por Fabiano Calixto, Natália Agra, Rodrigo Lobo Damasceno e Tiago Guilherme Pinheiro – também editores da revista de poesia Meteöro. Sem periodicidade fixa. Esta edição foi desenhada por Calixto. Na redação da Corsário-Satã os discos mais ouvidos durante a produção desta macumbaria foram: Bestial Devastation (1985) – Sepultura Damaged (1981) – Black Flag In the Flat Field (1980) – Bauhaus Jesus não tem dentes no país dos banguelas (1987) – Titãs Pegaram Jesus pra Cristo! (1991) – Não Religião Recipe for Hate – Bad Religion Reign in Blood (1986) – Slayer The Litanies of Satan (1982) – Diamanda Galás Transilvanian Hunger (1994) – Darkthrone Welcome to Hell (1981) – Venom Quer mais Despacho? Aí vai. Baixe aqui o n.1 de Despacho >>>> https://drive.google.com/file/d/1DAS9AOSwYJOhD5tKDazGETAYV5QS6T0 U/view?fbclid=IwAR2Hte-eHk5onYTtsvGwBl01slJ97cbKr9Aowvz-qz8BfifhnJvQeiZFtQ Baixe aqui o n.2 de Despacho >>>> https://drive.google.com/file/d/1AFB3R1im7C3rVMOH3xfozlublMmJw34q/vie w?fbclid=IwAR0hoUrkru1P8UGcmZSWDcHSpKflRMmgbvh6LSAZTXJxQ_8Xj dds66WE_g8 Baixe aqui o n.2.1 de Despacho >>>> https://drive.google.com/file/d/1ZBxXESlTMn5gjbWtLhlr0gCYqgEB0QZY/vie w?fbclid=IwAR3rMqQhE8LwPSBWO3hisKl7Qjr92wwy8Xg7hoB9T6uUINM7p HoCWoF_jA4 41 Catálogo de poesia Corsário-Satã PONTO-SOMBRA Autora: Inês Dias Editora: Corsário-Satã Número de páginas: 64 Ano: 2018 Formato: 12x18 cm Preço: R$ 35,00 PUMA Autor: Sergio Mello Editora: Corsário-Satã Número de páginas: 48 Ano: 2018 Formato: 14x20 cm Preço: R$ 25,00 BOTÕES Autora: Jeanne Callegari Editora: Corsário-Satã Número de páginas: 36 Ano: 2018 Formato: 14x20 cm Preço: R$ 25,00 METEÖRO, revista de poesia Autor: Vários Editora: Corsário-Satã Número de páginas: 320 Formato: 16x23 cm Preço: R$ 60,00 SAFÁRI Autora: Cláudia Sehbe Editora: Corsário-Satã Número de páginas: 80 Formato: 12x18cm Preço: R$ 35,00 SPEECHLESS TRIBES TRÊS SÉRIES DE POEMAS INCOMPREENSÍVEIS Autor: Dirceu Villa Editora: Corsário-Satã Número de páginas: 40 Ano: 2018 Formato: 14x20 cm Preço: R$ 25,00 Corsário-Satã  [email protected] https://www.facebook.com/corsariosata/ @satacorsario Despacho 3. Dezembro de 2019 42