FESTI VAL INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA
INTERNA TIONAL FESTI VAL OF PHO TOGRAPH Y
Este livro foi realizado com recursos da Lei Municipal
de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte
Fundação Municipal de Cultura
Projeto: IF 1140/2015
MUNDO,
IMAGEM, WORLD,
IMAGE,
MUNDO WORLD
Caderno de reflexões críticas sobre a fotografia
Notebook of critical reflections on photography
BRUNO VILELA
(ORGANIZAÇÃO - ORGANIZATION)
1º EDIÇÃO
MALAGUETA PRODUÇÕES
BELO HORIZONTE
2018
SUMÁRIO
CONTENTS
09
Apresentação
OBRAS
ART WORKS
13
Bruno Vilela
17
A imagem zonarde ou a liberdade clandestina
A política das imagens em relações
internacionais
30
“Desnaturalizando o visual”: o filme de ensaio
como pensamento político em imagens
64
A influência das imagens na trajetória das
comunidades tradicionais
98
119
Antônio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo)
129
Nada a dizer, só a mostrar: imagens, política e
escrita da história
140
Heloisa Murgel Starling
153
A imagem nas mitologias políticas: heróis
sagrados e vilões demoníacos na disputa pelo
seu coração
André Azevedo da Fonseca
Ivar Veermäe
188
Alban Lécuyer
284
Joanna Bonder
194
Amy Elkins
288
Katerina Mistal
200
Andrea Grützner
294
Katherine Longly
206
Arnau Blanch Vilageliu
300
Leo Delafontaine
212
Beto Shwafaty
306
Luisa Puterman
“Denaturalising the visual”: the essay film as
political thinking in images
218
Boris Eldagsen
310
Marcela Magno
Phillipp Jeandrée
222
Camila Maissune de Sousa
316
Michael Lundgren
The influence of images on the path of
traditional communities
228
Cássio Campos Vasconcellos
322
Michel Le Belhomme
Antônio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo)
234
Chang Kyun Kim
330
Nicola Lo Calzo
238
Claude Rouyer
338
Paul Thulin
244
Cristina Nuñez
344
Ricardo Alves Jr.
248
Cynthia Greig
348
Ricardo Burgarelli
252
Daesung Lee
352
Ricardo Muñoz Izquierdo
258
Ellen Jacob
356
Simon Menner
264
Gili Lavy
360
The Cool Couple
268
Hrvoje Slovenc
364
Ulf Lundin
274
Hua Weicheng
The zonarde image or the clandestine freedom
The politics of images in international
relations
Roland Bleiker
Phillipp Jeandrée
111
280
Marie-José Mondzain
Roland Bleiker
85
Akintunde Akinleye
Bruno Vilela
Marie-José Mondzain
43
174
Editor’s Forewords
I needn’t say anything. Merely show: images,
politics and the writing of history
Heloisa Murgel Starling
163
The image in political mythologies: sacred
heroes and demonic villains in dispute over
your heart
André Azevedo da Fonseca
9
APRESENTAÇÃO
MUNDO, IMAGEM, MUNDO
por Bruno Vilela
A proposta do Festival Internacional de Fotografia de Belo Horizonte – FIF-BH é provocar a
reflexão e o diálogo entre a fotografia e os diferentes campos do conhecimento e meios de
expressão criativa. O festival é uma ação cultural bienal, que transforma a cidade de Belo
Horizonte em um espaço de discussão sobre a produção da imagem fotográfica no Brasil e
no mundo por meio de palestras, debates, exposições, workshops, apresentações de artigos
acadêmicos, projeções em espaços públicos, publicações, pela realização de uma maratona
fotográfica, entre outras ações.
O livro Mundo, Image, Mundo: cadernos de reflexões críticas sobre a fotografia é um dos
resultados do processo de pesquisa empreendido pelo FIF-BH. Em sua trajetória de três
edições bienais (2013, 2015 e 2017), o FIF-BH vem se dedicando à pesquisa, investigação e
aprofundamento nos vários campos do conhecimento que contribuem para compreensões
críticas sobre o universo das imagens.
Na edição do FIF-BH 2015, o eixo curatorial norteador das pesquisas e debates foi Mundo
Imagem Mundo, edição em que abordamos as formas de criação de imagens e suas utilizações
como meio para construir, compreender e propagar ideias. As imagens influenciam de
maneira incisiva percepções e produções de realidades, portanto atuam consideravelmente
nos movimentos de transformação das realidades. Isso ocorre devido às constantes trocas
entre o mundo e as imagens, gerando um intenso fluxo que impacta sobremaneira as relações
humanas no mundo. Assim, a imagem, muitas vezes, torna-se uma ferramenta de poder,
contribuindo tanto para organizar quanto para desestabilizar realidades.
10
11
Como desdobramento das pesquisas de 2015, associado ao contexto político contemporâneo
no Brasil, na edição do FIF-BH 2017 as pesquisas e reflexões foram pautadas sob o prisma da
Política das Imagens. Assumindo que toda arte é política, as suas formas de representação,
estando ou não conectadas a uma agenda social, trazem implicações que impactam nas
formas individuais e coletivas de percepção do mundo. E muito dos conteúdos presentes nas
produções culturais reflete as ideias que as imagens trazem à tona, descortinando a dimensão
política inerente a elas.
Este livro abarca as pesquisas desenvolvidas para a realização dos festivais de 2015
e 2017 como desdobramento do processo reflexivo sobre a produção das imagens no
mundo contemporâneo em suas dimensões poéticas e políticas. Sendo composto por duas
partes: caderno de textos e caderno de imagens. O caderno de textos apresenta 6 ensaios,
escritos por teóricos, pensadores, professores e um mestre quilombola, sob os dois eixos
investigativos descritos acima: Mundo, Imagem, Mundo e Política das Imagens. Cada um
desses eixos representa pontos de interesse específicos e convergentes que fundamentaram
a pesquisa conceitual do FIF-BH. Os autores convidados para o caderno foram: André Azevedo
da Fonseca, Antonio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo), Heloísa Murgel Starling, Marie-José
Mondzain, Phillipp Jeandrée e Roland Bleiker.
“A imagem zonarde ou a liberdade clandestina”, de Marie-José Mondzain, aborda as relações
complexas entre imagem, crença, capitalismo neoliberal, relações de poder, o possível e o
impossível, controle e liberdade. Na articulação desses conceitos, a autora atenta sobre a
importância das imagens e do imaginal para uma revolução libertária da humanidade. Outros
pontos relevantes para pensarmos as relações de poder e forças políticas das imagens
podem ser encontrados no texto de Roland Bleiker: “A política das imagens em relações
internacionais” permite-nos refletir sobre como as imagens podem nos afetar e influenciam
direta e indiretamente a forma como as decisões políticas são tomadas. As imagens contam
histórias e desvendam muito sobre a maneira como a sociedade se organiza politicamente.
Heloísa Murgel Starling aborda em seu texto “Nada a dizer, só a mostrar: imagens, política e
escrita da história”, as relações políticas das imagens na escrita da história, pensando como
elas podem ler e revelar, tornar concreta uma ideia, subverter um acontecimento ou denunciar
determinada ordem política. André Azevedo da Fonseca discute em seu texto, “A imagem nas
mitologias políticas”, como o pensamento mítico está presente incisivamente na produção
das imagens no contexto político, como os mitos são fabulados e reatualizados em sintonia
com o imaginário de seu tempo.
Em “Desnaturalizando o visual”, Philipp Jeandrée traz uma reflexão, a partir do trabalho do
artista Harun Farocki, sobre como o cinema experimental se articula com o pensamento
político, explorando a potência das imagens em movimento, constituindo uma forma de
pensar em e sobre imagens, construindo uma forma distinta de teoria política audiovisual.
Antônio Bispo, ou Nêgo Bispo, como é mais conhecido, é um mestre quilombola do Piauí, Brasil,
e nos convida a refletir sobre os impactos que as imagens provocam na trajetória dos povos
e comunidades tradicionais. Na transcrição da palestra ocorrida em 28 de julho de 2017, no
FIF-BH, Bispo, por meio de imagens narradas e poesias, apresenta-nos seu ponto de vista que
olha para o mundo com uma lógica circular – começo-meio-começo. A circularidade amplia a
possibilidade de interpretação e de convivência com a diferença.
O caderno de imagens traz trabalhos de 35 artistas de cerca de 20 países que participaram
da edição do FIF de 2015. As pesquisas fotográficas foram selecionadas entre mais de 1400
inscrições vindas de 73 países. As obras aqui apresentadas, em sua maioria, são compostas
por um conjunto amplo de imagens. Para este caderno, selecionamos um recorte dos trabalhos
dos artistas utilizando como critério imagens representativas do conjunto das pesquisas.
Apresentando um pensamento visual, elas colaboram na compreensão de como as imagens
participam e ou interferem no nosso sistema de crenças, na produção da nossa história, nas
relações políticas e de poder.
No mundo em que vivemos, é fundamental criar espaços para o pensamento e crítica sobre o
universo das imagens e seus impactos nas relações humanas. Compreender a força política
das imagens é de suma importância para uma produção com mais potência, a qual poderá
construir modos de vida mais justos, diversos e libertários.
13
EDITOR’S fOREWORDS
by Bruno Vilela
The purpose of the International Festival of Photography of Belo Horizonte – FIF-BH is to
stimulate thinking and dialogue between photography, on the one hand, and the different
areas of knowledge and means of creative expression, on the other. The festival is a biennial
cultural action that transforms the city of Belo Horizonte into a sphere for discussion about
the production of the photographic image in Brazil and in the world through lectures, debates,
exhibitions, workshops, presentations of academic papers, projections in public spaces,
publications, through the accomplishment of photographic marathons, among other actions.
The book World Image World: notebooks of critical reflections on photography is one of the
results of the research process undertaken by FIF-BH. In its three biennial editions (2013,
2015 and 2017), FIF-BH has been dedicated to study, research and deepening in the various
areas of knowledge that contribute to critical understandings about the universe of images.
In the edition of FIF-BH 2015, the curatorial axis that guided the researches and debates was
World Image World. In this edition, we intend to address the ways of creating images and their
uses as a mean to construct, understand and propagate ideas. Considering that the images
influence incisively in the perceptions and productions of realities, they act considerably
in the movements of transformation of the realities. This is due to the constant exchanges
between the world and the images, generating an intense flow that deeply impacts the human
relations in the world. Therefore, the image often becomes a tool of power, contributing both
to organizing and to destabilizing realities. As a result of the research of 2015, associated
to the contemporary political context in Brazil, in the edition of FIF-BH 2017 the researches
and reflections were based on the prism of the Politics of Images. Assuming that all art is
14
15
political, its forms of representation, whether or not they are connected to a social agenda,
have implications that impact on the individual and collective forms of perception of the world.
And much of the content present in cultural productions reflects the ideas that the images
unveil, revealing the political dimension inherent to them.
This book covers the researches developed for the realization of the festivals of 2015
and 2017 as an unfolding of the reflexive process on the production of the images in the
contemporary world in its poetic and political dimensions. It consists of two parts: a textbook
and a photobook. The textbook presents 6 essays written by theorists, thinkers, teachers and a
quilombola master under the two investigative axes described above: World, Image, World and
Politics of Images. Each of these axes represents specific and convergent points of interest
that grounded the conceptual research of the FIF-BH. The authors invited to the book were:
André Azevedo da Fonseca, Antonio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo), Heloísa Starling, MarieJosé Mondzain, Phillipp Jeandrée and Roland Bleiker.
“The zonarde image or the clandestine freedom”, written by Marie-José Mondzain, addresses
the complex relations between image, belief, neoliberal capitalism, power relations, the
possible and the impossible, control and freedom. In the articulation of these concepts, the
author looks at the importance of images and the imaginal for a libertarian revolution of
humanity. Other relevant points to think about the relations of power and political forces of
the images can be found in Roland Bleiker´s essay: “The politics of images in international
relations” allows us to reflect on how images can affect us and influence directly and indirectly
the way political decisions are taken. The images tell stories and reveal much about the way
society organizes itself politically. Heloísa Starling discusses, in “I needn’t say anything.
Merely show. images, politics and writing of history”, the political relations of images in the
writing of history, thinking about how they can read and reveal, make concrete an idea, subvert
an event or denounce a particular political order. André Azevedo da Fonseca discusses, in
“The image in political mythologies: sacred heroes and demonic villains in dispute over your
heart” how mythical thinking becomes incisively present in the production of images in the
political context and the myths are fabled and updated in tune with the imaginary of his time.
In “Denaturalising the visual”: The essay film as political thinking in images”, Philipp Jeandrée
considers, based on the work of the artist Harun Farocki, how experimental cinema articulates
itself to political thought, exploring the power of moving images, constituting a way of thinking
in and on images, developing a unique form of audiovisual political theory. Antônio Bispo, or
Nêgo Bispo, as he is best known, is a quilombola master from Piauí, a state of Brazil, and
invites us to think about the impacts that the images cause on the path of traditional peoples
and communities. In his lecture, which took place on July 28, 2017, during the FIF-BH, Bispo,
through narrated images and poetry, presents us with his point of view, looking at the world
with a circular logic – beginning-middle-beginning. The circularity extends the possibility of
interpretation and coexistence with the difference.
The photobook features works by 35 artists from around 20 countries who took part in the
FIF-BH 2015 edition. Photographic surveys were selected from more than 1,400 entries from
73 countries. The works presented here are mostly composed of a large set of images. For this
book, we selected an extract from the artists’ works using as a criteria representative images
of the totality of the researches. Presenting a visual thought, they collaborate in understanding
how the images participate and/or interfere in our belief system, in the production of our
history, in political relations and power.
In the world we live in, it is fundamental to create spaces for thought and criticism about the
universe of images and their impact on human relations. Understanding the political power
of images is extremely important for a more powerful production, which can build fairer, more
diverse and more libertarian ways of life.
17
A IMAGEM zonarde
OU A LIBERDADE
CLANDESTINA
por Marie-José Mondzain
Tradução: Pedro Corgozinho
Num mundo onde os atentados mais violentos à liberdade passam pelas indústrias da
informação e da comunicação, que usam e abusam das imagens – ou daquilo que, por
comodidade, assim chamamos –, afirmo, contra tudo e todos, que aquilo que merece o nome
de imagens diz respeito ao fundamento da nossa liberdade. Quando o que se apresenta aos
nossos olhos deixa de nos construir como sujeitos livres e como cidadãos, questiono a própria
noção de imagem no campo das indústrias audiovisuais. De fato, a questão que se coloca é
a do reconhecimento, em cada um de nós, de um poder de produzir não apenas as formas de
uma realidade compartilhada, mas também as figuras daquilo que não é mais, daquilo que
nunca foi, mas sobretudo de tudo aquilo que ainda não é. Em outras palavras, o que chamarei
de operações imaginais1 são as fontes de energia abertas a todas as formas do possível e além
dele, já que essas operações ignoram o impossível. As indústrias audiovisuais se encarregam
não apenas de dar sua forma ao possível, mas também ao impossível.
O capitalismo do século XXI tende a transformar o povo em público de consumidores do
visível, público de espectadores que, por sua vez, são consumidos pelo Moloch a que se
submetem. Pasolini, em Petróleo, chama esse estado de coisas de “hedonismo do consumo”
1
Nota do tradutor: O termo imageantes, particípio presente do verbo imager, usado de forma adjetiva, não
encontra correspondência exata no português, e traduz a ideia de algo que cria representações para além
das imagens empíricas, isto é, algo que ilustra. Optamos por traduzi-lo como imaginais, buscando
preservar a intenção da autora com o termo original, isto é, a de falar sobre uma operação que é
produtora de imagens, mas que não é idêntica à imaginação, pois, segundo Mondzain, é distinta das
operações cognitivas e articulada com a crença.
18
19
do neofascismo. Esforcei-me para reservar o termo imagem apenas para as produções que
suscitam nos sujeitos de palavra e de desejo um poder de indeterminação radical e, portanto,
de liberdade. Por isso, proponho que chamemos de “zona” este lugar ilocalizável da imagem no
coração do próprio visível. Imagem é o nome da energia de todos os possíveis. Também chamei
a imagem de zonarde.
A IMAGEM ZONARDE
Chamar a imagem de zonarde pode surpreender: a palavra é um tipo de neologismo em francês,
que designa uma forma de habitar o mundo por um sujeito nômade, clandestino, indetectável,
cuja identidade fugitiva escapa de qualquer controle, de qualquer prisão domiciliar ou de
qualquer identidade. Em nossas cidades, a zona costuma ser o subúrbio, o no man’s land ou o
terreno vago. O zonard é o habitante furtivo do inabitável. Mas, ao escolher essa palavra para
falar da imagem, dou um passo à frente, ou, antes, um passo ao lado, pois desejo interpelar
as imagens não para fazer delas um mundo à parte, mas para descobrir, nas operações
imaginais, operações intersticiais e clandestinas no próprio âmago de nossa intimidade e
no subsolo ativo dos dispositivos sóciopolíticos do poder. Quero dizer que o lugar de nossos
gestos criativos e imaginais é apenas um lugar fictício e que se desloca numa temporalidade
furtiva, inserindo um lapso invisível no coração do próprio visível. Imagem clandestina que
apaga os rastros para nunca ser a presa da ordem dominante. Imagem fraca e frágil que pode
propagar a alegria e o terror ao mesmo tempo. Mas, vão me dizer que as imagens estão em
todos os lugares como uma evidente presença superabundante e inseparável dos regimes da
dominação e do consumo neoliberal.
Para evitar qualquer mal-entendido, escolhi, como anunciei, falar antes de operações
imaginais do que de imagens. E devo me explicar, claro. Chamo de operações imaginais
aquelas que nos fazem produzir imagens e que nos permitem reconhecê-las como tais e lhes
dar esse nome. Eu as distingo das operações discursivas por serem distintas das operações
cognitivas, já que estão radicalmente articuladas com os gestos da crença. Porém, isso não
reduz as imagens às produções visuais, pois a língua, os sons, a poesia, assim como todas as
artes vivas e a música são produtores de imagens do mesmo modo que os gestos fabricadores
de visibilidades propriamente ditas. Contudo, romper qualquer ligação das imagens com os
fenômenos cognitivos tampouco significa que as imagens não nos façam saber de nada, mas
que, no coração dos efeitos cognitivos, as imagens nos solicitam apenas a crença. Só sabemos
do que vemos se acreditarmos. É preciso acreditar para saber o que vemos. Essa situação
fundante da crença está na raiz dos abusos de confiança, da qual todo poder de informar pode
usar e abusar. Lembro das palavras assustadoras de Raymond Aron, a quem contaram, em
plena guerra, da existência dos campos de extermínio que não havia visto e dos quais os nazistas
haviam composto a invisibilidade: “Disseram pra mim, e como não acreditei, eu não soube”.
É conhecida a anedota evangélica que diz que Tomé não acredita no que lhe contam sem que
tenha visto. Para nós, o importante na fábula que retrata o encontro de um homem, Tomé,
com uma imagem, Jesus, é a resposta da imagem: “Toca minhas feridas”, que reflete o noli me
tangere. Em outras palavras, crer no que vemos supõe que nos privemos do tocar. Se é preciso
crer para saber, o tema da informação é, então, uma questão de confiança e de credulidade,
mas também de contato singular do olhar com uma zona imaterial, invisível, lacunar como
uma ferida aberta. A imagem ressuscitada é a do zonard por excelência, imagem que se deixa
ver sem pertencer a nenhum espaço nem lugar atribuível, e que excede toda temporalidade. A
imagem não é imortal, mas é eterna na indeterminação de sua presença. É preciso compreender
que essa presença é o sinal de uma ausência. Voltarei a isso, pois os teólogos do cristianismo
primitivo foram os primeiros pensadores da zona de todos os possíveis, antes de se tornarem
os Padres fundadores de um império da credulidade e de instituírem uma polícia do olhar
e da imposição institucional. Por isso, o registro da imagem remete diretamente à questão
de todas as formas de crédito, inclusive a do contrato e a da promessa. Quem seria, então,
digno de fé no registro necessariamente temporal de qualquer contrato ou promessa, sem os
quais não há laço social possível, nem vida política? Não há nada de surpreendente no fato
dos criadores deste império terem sido os inventores tanto magistrais quanto desastrosos do
crédito e da dívida. Hoje, sabemos algo sobre isso no mundo ocidental cristão.
Se falei dos gestos da crença, foi para explicar que nossa relação com as imagens não se deve
a uma faculdade psíquica específica que seria distinta, por exemplo, daquela da memória,
do julgamento ou da razão, tal como chegamos a pensar e a ensinar nas diversas teorias
psicologizantes ou na divisão hierárquica das faculdades da alma. Por muito tempo, essas
teorias supuseram que éramos dotados, em diversos graus, de uma faculdade chamada de
imaginação, aberta tanto para a arte e a poesia quanto para a fantasia e a mentira. Numa
concepção das faculdades, os filósofos suspeitaram da imaginação, e na maioria das vezes,
até a condenaram por traição da verdade ou da realidade. A ficção, isto é, as operações da
Phantasia dos gregos, na verdade designa todas as artes de forjar. Ora, a humanidade é
uma questão de forjadores, cujos gestos fazem surgir as figuras da nossa realidade. Freud,
ao abandonar a psicologia e, assim, o vocabulário da imaginação mencionada, reconheceu
nas operações imaginais o campo energético do desejo inconsciente. O sujeito da palavra
é reconhecido, pois, primeiro como sujeito do desejo, que, desde o nascimento, compõe
sua própria imagem na relação com as primeiras simulações sensitivas que lhe chegam do
mundo. Françoise Dolto chega a falar de imagem inconsciente do corpo desde a via intrauterina. Fantasias, sonhos e representações são as obras de nossa potência ficcional e
assim permanecerão até nos gestos da razão. O inconsciente é uma zona inalcançável onde
o sujeito que se constrói ignora as leis da não contradição e da irreversibilidade do tempo.
No reino das imagens, o impossível não existe. Não há outro regime do inconsciente que não
seja o da crença. Portanto, precisamos falar de gestos imaginais como gestos da crença, a
fim de compreender o poder operatório das imagens, seja no registro subjetivo ou no político.
20
21
É sob o signo da crença e do crédito que pode ser abordada a questão do que constitui o
sujeito da palavra antes mesmo que tenha podido fazer o uso dessa palavra, de tal forma
que podemos considerar, de um ponto de vista clínico, que a construção do sujeito da palavra
depende inteiramente daquilo que está em jogo para cada um de nós na nossa relação com
as operações imaginais. Os sofrimentos psíquicos infantis e as patologias precoces, mesmo
que sejam da ordem psicótica e autística, são sempre patologias da imagem. Gozamos e
sofremos no local interno da imagem que é sem dúvida a camada de sedimentação mais
arcaica sobre a qual se constrói o vivo. É certamente por essa razão que Fernand Deligny,
que consagrou sua vida às relações com as crianças autistas, pôde escrever que a imagem
“talvez seja de origem animal”, ou, ainda, que é um “registro fóssil da humanidade”. Hoje, este
sofrimento se tornou social e político, justamente porque os poderes dominantes nos atingem
diretamente invadem o local íntimo de nossas operações imaginais e, portanto, prejudicam a
gênese da nossa construção subjetiva. Não é um acaso que seja no mundo mais submisso à
produção industrial das imagens que surgem as queixas mais agudas daquelas e daqueles
que experimentam fenômenos viciantes ou delirantes de dessubjetivação.
O império neoliberal tomou conta do local das imagens para fazer dele o local de uma
produção imaginária massificada. O império da ficção capitalista impõe a todos as figuras da
felicidade e da infelicidade formatadas como produtos em série prontos para o consumo dos
consumidores de imagem. Por sua vez, esses próprios consumidores são consumidos pela
indústria da comunicação planetária. Lembrem-se do filme No mundo de 2020 (Soylent Green,
1973), de Richard Fleischer, que descreve um mundo onde já vivemos em estado de cadáver,
onde organizamos os funerais daquele que se tornará comida sacrificial e consumível: ele terá
que se deitar diante de uma tela vibrante e transbordante de imagens e de sons que prestam
uma homenagem jubilatória e primaveril às imagens eletrônicas e digitalizadas da natureza.
Os mestres de nossas crenças nos informam sobre o que devemos saber, decidem o que é
preciso ignorar ou esquecer e, sobretudo, organizam o que deve necessariamente nos fazer
gozar ou chorar. Nunca o estado em que estamos havia sido tão homonímico de um tornarse imagem enquanto coisa. Digo homonímico porque as imagens que nos submergem são
coextensivas ao espaço da produção capitalista e, assim, produzem um império de imagens
que não tem mais nada de comum com o que eu chamava de operações imaginais. Chamo
de iconocracia essa ditadura visual que nos priva da livre indeterminação da zona em que
se constituem as figuras do nosso desejo e a liberdade das nossas ficções. Tornar-se coisa
no mundo onde a imagem das coisas transforma todo lugar imaginal em mercadoria ou em
cliente consumidor de imagens de coisas. Cabe a nós denunciar tanto quanto possível essa
homonímia perversa que assume o poder sobre os gestos e as operações, os quais deveriam nos
construir como sujeitos imaginais e como cidadãos, e não nos destruir ao nos consumir e nos
reciclar.
É porque a imagem não conhece o regime do impossível, e porque a crença ignora as fronteiras
do necessário e do possível, que ela traz consigo a energia da indeterminação absoluta que
nos autoriza a criar e a transformar o mundo. Dizer que a relação das imagens com a crença
só se formula em termos de energia, e não em termos de representação, é reconhecer que
as operações imaginais só se tornam operatórias a partir de um lugar de indeterminação
invisível. A famosa ferida lacunar proposta às mãos de São Tomé! Foi assim que forjei a noção
de ficção constituinte. Entendo por ficção constituinte, por oposição às ficções destituintes ou
destrutivas, o lugar a partir do qual os gestos imaginais dão forma e figura a nossa capacidade
de agir e de mudar o mundo. Essa energia invisível diz respeito a todas as nossas criações,
não apenas as produções visuais. As operações imaginais são gestos energéticos que podem
tomar conta de todos os materiais e de todos os signos. Pintar, cantar, filmar, dançar… Todos
os jogos são possíveis, suas regras podem mudar a qualquer instante, até o “desregramento
de todos os sentidos” e, sobretudo, do sentido.
Nunca nas nossas culturas o termo crise foi tão usado, a ponto de desgastar seu significado.
A crise do capitalismo neoliberal se tornou, para quem se sente como sua vítima, uma crise da
própria subjetivação. O “tudo vai mal” designa, juntos, a doença de um sistema e o sofrimento
dos viventes. Tanto que alguns pensam que a boa saúde do sistema bastaria para garantir
o bem-estar e a felicidade dos viventes. Há quem pense que é preciso tratar o capitalismo
para curar o sofrimento subjetivo. Transformar o PIB em medida de felicidade me parece
ser a pior das respostas próprias à crítica neoliberal do próprio liberalismo. Caímos, na
verdade, no impasse que Guy Debord denunciava com uma lucidez perfeita em Sociedade do
espetáculo: a forma de uma luta contra um sistema deve ser antes uma luta crítica contra as
formas usadas pelo sistema para sua autocrítica. A tal ponto que Guy Debord preconizava
a abstenção radical de qualquer produção de imagem, produzindo filmes sobre tela preta.
Não opto pelo aniconismo nem pela iconofobia, menos ainda pelo iconoclasma. Ao contrário,
digo que é preciso defender e salvar nossas operações imaginais. Mas, nunca sairemos dos
impasses do neoliberalismo nos debatendo por um plus de felicidade, um plus de qualidade
de vida, um plus de moralidade e de humanismo social, numa palavra, um plus de amor em
tudo. Vemos os efeitos disso nas populações excluídas da felicidade geral, a quem propomos
o êxito espetacular no próprio espetáculo. Sua violência repete e amplifica a violência do
sistema que os aliena.
Um outro mundo é possível? A resposta exige que nos separemos do universo da necessidade
e que todos os possíveis nos sejam abertos a partir do momento em que os forjadores do
impossível são destronados. Surpreendentemente, o primeiro que compreendeu isso foi São
Paulo, que, na Epístola aos Coríntios, declara que, já que vivemos sob o signo da imagem, a
letra e a lei estão abolidas. É ele quem escreve: “a partir de agora, tudo é permitido” (panta
exesti), mas acrescenta que “tudo não me constrói” (alla mè panta me oikodomei). A tese é
22
23
colocada, então, com tanta violência quanto clareza. Mas, de que construção se trata? Paulo
quer construir a liberdade de um mundo onde tudo é possível, ou quer construir a Igreja
onde a imagem tomará o poder e fará a lei? O dilema o colocou em crise, e sua palavra oscila
entre a escolha pelo transe livre ou pela instituição e o controle. Paulo acreditava que o fim
dos tempos estava próximo e não considerava outro reino diferente do triunfo iminente da
imagem salvadora e ressuscitada. Mas, os Padres da Igreja viram o tempo passar e tomaram
nas mãos as rédeas da história política e o poder temporal da instituição. A partir de então, o
transe é esquecido e as visibilidades são questão de gestão para um poder que instala uma
polícia do olhar e um regime emocional da informação planetária e unívoca. A máxima passa
a ser a seguinte: fazer ver é fazer crer; fazer crer é fazer obedecer. A fórmula é implacável e
não envelheceu. Eis nossa herança em sua duplicidade oximórica: como fazer viver a energia
xamânica do possível típico de nossas operações imaginais? Como resistir à propriedade
monopolística do visível? O idioma da posse contém essa ambivalência, já que o termo designa
ao mesmo tempo o poder do proprietário e o estado de expropriação. É preciso escolher entre
o estado de possuidor ou aquele de possuído? Será que o possuído ainda escapa do domínio
do possuidor?
Antes de responder no meu idioma à questão de saber se e como podemos construir uma
resposta resistente e ativa à dominação iconocrática, quero evocar dois registros atuais da
crítica do sistema neoliberal que denunciam a exploração específica das operações imaginais
e a manipulação tecnológica da crença. Quero falar dessas recentes alusões feitas à feitiçaria
e ao xamanismo, cujo transe se torna pharmakon, quero dizer veneno e remédio ao mesmo
tempo, nesses tempos de crise. Dois movimentos críticos distintos e complementares
quiseram apelar à antropologia para indicar as vias de uma resistência à ditadura do
impossível. As forças de resistência contra a extinção da energia do possível agora querem
apelar a outras fontes energéticas tiradas de uma reflexão antropológica. A crítica da razão
capitalista tem que passar por uma crítica da própria razão. O reino da razão apoiado sobre
as forças duas vezes milenares da instituição eclesial combinou habilmente uma dominação
da crença e do crédito, do abuso de confiança e da credulidade que nem precisa mais das
adesões religiosas para manter o sistema da sua pseudo necessidade. Foi nessa paisagem
que se formaram esses dois movimentos críticos: de um lado, faz-se ouvir a denúncia da
feitiçaria neoliberal, do outro, a retomada de uma feitiçaria resistente a essa magia negra
do capital. Parece-me que o que está em jogo nos dois processos é algo que partilha um
denominador comum: o desejo de escapar da suspeita da regressão naturalista e arcaizante
e o de não cair no consumo neo-espiritualista de servos do capital. Esses movimentos se
inscrevem numa história do século XX: no momento mesmo em que a psicanálise estabelecia
um reconhecimento do sujeito da palavra enquanto sujeito do desejo, os antropólogos que
descobriam e apresentavam sociedades em que a circulação dos bens e dos serviços, das
pessoas, dos signos e das coisas respondia e ainda responde a uma lógica completamente
diferente daquela que o mundo ocidental cristão considerava como natural e universal.
O ataque salutar trazido pela antropologia ao antropocentrismo cristão ocidental permitiu uma
nova leitura da nossa própria história. Reconhecemos, no coração do ocidente racionalista e
dominador, a existência subterrânea, tenaz e rebelde de uma outra história: a das populações
colonizadas e escravizadas, aquelas das mulheres e das feiticeiras, dos loucos e dos
reprovados… Numa palavra, a imensa zona cultural e cultual, onde operavam e ainda operam
energias indetermináveis, desordens fecundas, caos inventivos, interferências criativas, e,
então, de repente, uma história dos contrapoderes que não deixaram de existir, ainda que ao
preço de persecuções, de escravizações e de exclusões as mais ferozes. Assim começou um
movimento que decidiu descolonizar o pensamento, feminizar o poder, na crise de redescobrir
o transe. Numa palavra, trata-se de fazer agir as forças da desordem, de lhes arrancar do
silêncio, de reconhecer a potência dos fracos. É através delas que deveriam se mobilizar
as figuras do possível. Alcançar as barreiras do impossível e do permitido, tal é o programa
daqueles e principalmente daquelas que querem promover um mundo diferente e novo. Isso
não é tão simples, pois, dizem Stengers e Pignarre, os possuidores também são feiticeiros,
em sua obra A feitiçaria capitalista (La sorcellerie capitaliste, publicada pelas Edições de La
Découverte, em 2007). Eles fazem surgir, no fundamento do sistema, um dispositivo simbólico
e material de crenças e de credulidade, de manipulação do crédito, que nos enfeitiça,
privando-nos de toda energia ficcional. A realidade, o próprio real, é aquilo em que nos pedem
para crer. Vivemos, então, um paradoxo devastador, um tipo de paródia do hegelianismo: tudo
aquilo em que acreditamos é real, e tudo que é real é coextensivo a tudo possível. Portanto,
impossível acreditarmos em outro mundo além do mundo real no qual devemos acreditar.
Hoje, a crise do desencantamento é ideologicamente sustentada pela retórica da fatalidade
mantida por encantadores que nos enfeitiçam. Prisioneiros dos sortilégios, somos reféns da
feitiçaria econômica e financeira que institui o espaço de um destino inelutável, de uma ordem
sobre a qual não temos nenhum poder. Um tipo de magia negra nos condena e nos aliena
para o melhor lucro daqueles que, crentes ou não, instituíram sobretudo uma maquinaria
persuasiva que retira toda esperança de transformação. Metropolis, de Fritz Land, foi, já em
1927, uma das primeiras ficções cinematográficas, que pôs em cena a ficção destituinte da
grande maquinaria industrial e financeira que mantemos tanto por nossos gestos quantos
por nossa credulidade. Evoquei, acima, Soylent Green, que, um pouco mais tarde, retomou de
assalto o tema da nossa devoração pela máquina que alimentamos com nossa substância.
Isabelle Stengers e Philippe Pignarre, inspirando-se justamente dos dispositivos de feitiço,
cujas operações reconhecem nos dispositivos de crença e de neoliberalismo, propõem
procedimentos microssísmicos de desenfeitiçamento. Os cientistas, os homens políticos, os
jornalistas, todos estão submetidos ao mesmo tratamento: “É uma ‘iniciação negra’, a adesão
a um saber que separa as pessoas daquilo que elas continuam a sentir com frequência, e
que, a partir daí, remetem para o lado dos sonhos ou da sentimentalidade de que é preciso
se defender.” Ao nos tornarmos inconscientemente uma “pequena mão” a serviço do sistema,
renunciamos a pensar, e reivindicamos orgulhosamente essa renúncia (os outros, os ingênuos,
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aqueles que “ainda estão aí”, terão direito a uma zombaria desprezível), para se submeter à
ditadura “do que é preciso”. “O que faziam com as pessoas em nome do progresso, quando este
conceito ainda era válido, agora se lhes faz em nome do realismo”, observa Isabelle Stengers.
Partindo de seu conhecimento de etnopsiquiatria, Pignarre e Stengers descrevem o capitalismo
como um “‘sistema feiticeiro sem feiticeiros’: um sistema que nos atinge com a paralisia e a
impotência, confrontando-nos sem trégua com o que chamam de ‘alternativas infernais’ – por
exemplo: se você quer manter ou reforçar a proteção social dos assalariados, você acelera as
transferências e provoca o aumento do desemprego”... Philippe Pignarre: “Um dispositivo que
suas vítimas ativam sem querer: esta é a definição de um sistema feiticeiro! O discurso dos
homens políticos, há duas boas décadas, poderia se resumir a essa frase, escrevem: Vou lhes
explicar as limitações inexoráveis às quais nossa ação está submetida”.
Esse processo quer operar no extra-campo imanente às análises econômicas e sociológicas
que gostariam de compor a nova máscara filantrópica das novas ditaduras. Stengers e Pignarre
queriam fazer surgir o corpo da recusa, ser a voz que contesta, recorrer às energias subterrâneas
para organizar um desenfeitiçamento profilático. Se o discurso do mestre é um encantamento
que nutre o transe capitalista, então, é preciso fazer surgir o regime de consciência de que
necessita a construção de um mundo outro. Pensamos no trabalho antropológico de Jeanne
Favret na Mayenne, nas tomadas à força dos feitiços locais, descobrindo a complexidade
paradoxal do desenfeitiçamento no círculo de uma outra feitiçaria que opera no extracampo imanente à primeira. Qual a natureza do poder daqueles que lutam contra a feitiçaria
dos mestres? Uma pura emancipação rumo ao indeterminado ou a composição de uma
contrafeitiçaria? Foi na América que vimos nascer uma contrafeitiçaria feminina que quer
armar o povo das mulheres, do qual esperaríamos a potência revolucionária que faria surgir o
povo inteiro. Trata-se do movimento criado e guiado por Starhawk. Inspirando-se na feitiçaria
e na magia primitiva das mulheres férteis e furiosas, essas mulheres querem ou parecem
querer restabelecer uma ligação natural e política com as energias transformadoras da terra,
da noite, com as forças elementares que produzem elo, amor, solidariedade, tolerância, enfim,
essas novas feiticeiras querem instaurar e dar vida a um tipo de sabbat político do qual as
mulheres seriam o fermento oprimido e, a partir de então, emancipado e emancipador ao
nível da sociedade inteira. “Nós estamos, diz Starhawk, sobre um terreno que ainda não foi
cartografado, criamos uma política que ainda não foi definida. E, para isso, talvez seja hora
de deixar Martin e Malcolm debaterem-se juntos em torno da mesa do jantar, na companhia
de Emma, Karl, Léon e de todos os outros e de sair no ar fresco da noite” (Starhawk, “Percurso
de uma altermundialista”, desenvolvido em Mulher, magia e política, cujo título original é
Dreaming the dark: magic, sex and politics, 1982). As feiticeiras altermundialistas defendem o
obscuro, referindo-se tanto aos cultos lunares quando ao subsolo tenebroso do underground.
Que seja, mas é realmente preciso alimentar a força de um movimento assim, crítico a um
idioma arcaizante, neo-humanista. Starhawk, que teve o posfácio de sua tradução francesa
feito por Isabelle Stengers, parece consciente dos obstáculos e age de forma a evitá-los. Mas,
há verdadeiramente um risco de moralizar o mundo no lugar de politiza-lo? De reencanta-lo
pela fantasia em vez de o fazer pela realidade. É uma armadilha que se impõe a inúmeros
movimentos feministas que resistem nos EUA, dentre os quais outra figura importante foi a
política do care, iniciada em torno de Joan Tronto. Tronto publicou, em 1993, Moral Boundaries.
A political argument for an ethic of care, que foi traduzido na França como Un monde vulnérable.
Pour une politique du care [Um mundo vulnerável. Por uma política do cuidado]. Diante da
crítica do neoliberalismo em termos de manipulações alienantes da crença, os contrapoderes
são pensados por um conjunto composto de militantes meio-Erínias, meio-Eumênides, que
instauram um novo regime de relação intrasubjetiva e intersubjetiva. A preocupação do outro
e a energia amorosa tomam o lugar do contrato político e do acolhimento incondicional que
devemos a qualquer outro, quem quer que seja. A dificuldade vem do fato de que é complicado
e quase contraditório exercer juntas a clandestinidade e a hospitalidade, a solidão e o elo.
E, porém, está aí a verdadeira atadura portadora da mudança. As operações imaginais são
habitadas por uma energia oximórica, um poder de interferência que põe e que deve pôr o
sujeito do olhar em situação de crise, isto é, de violência interna e de força simbólica.
Gostaria, aqui, de voltar atrás, este atrás sendo o fundo histórico grego sobre o qual devemos
compreender o que é uma crise. Todo o interesse deste retorno aos gregos consiste em ouvir
e entender juntos todos os estratos semânticos da palavra crisis, que, para um ouvido grego,
permitia ouvir e entender no fenômeno da crise todos os harmônicos da própria palavra. Crisis
é o transe, é a convulsão, é a sequência epiléptica inseparável da mântica. Entre o louco e
o adivinho, entre o adivinho e o sábio, há apenas uma diferença, que Duchamp chamaria de
inframince. Essa diferença imperceptível que separa o demente do visionário é uma zona
inabitável, um no man’s land, um terreno de indeterminação onde o vago divaga, mas onde a
divagação inscreve um terreno de luta. Crisis, portanto, mas como não lembrar também que,
para a orelha grega, crisis significa julgamento, Krinô, eu discerno e eu julgo, krités é o juiz que
se senta num tribunal. Assim, as operações críticas, longe de serem movimentos convulsivos,
patológicos e fora de qualquer controle, são, ao contrário, operações de discernimento e
de julgamento que não deixam de desembocar em decisões claras e esclarecedoras. Esse
espectro semântico é uma indicação fundante para quem quer compreender que aquele que
passa pelas etapas de experiência de irrealidade, e até mesmo de alucinação, é também
o sujeito do julgamento e da escolha esclarecida. Como compreender essa figura quase
oximórica da crise a não ser considerando-na politicamente? É exatamente assim que é
preciso considerar os Mestres loucos de Jean Rouch: a sequência ritual e carnavalesca faz
do transe um operador de análise política espetacular. A questão fica aberta: como fazer
operar no real a energia revolucionária das imagens? Como transformar o real a partir dos
contrapoderes que se expressam livremente no extra-campo da ordem dominante?
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Quanto a mim, proporei uma outra via, fundada num retorno ao léxico da “zona”, a fim de
devolver às operações imaginais sua energia resolutamente revolucionária. Minha hipótese
é, pois, a seguinte: somente as operações imaginais ocupam esse lugar do possível, fazem-no
existir e distribuem a todas e a todos sem distinção o poder de criar outros mundos, mundos
por vir, mundos possíveis. Então, para me fazer entender, passarei por três pontos: a chôra
platônica, o xamanismo das imagens e, por fim, o inframince de Marcel Duchamp. Fora de
qualquer círculo feiticeiro, trata-se de pensar o lugar ilocalizável da imagem: o que eu chamo
de uma zona e que Platão, no Timeu, chama de chôra. Como compreender o não pertencimento
da imagem a um regime disjuntivo de um espaço controlável e mensurável? Com ela, a lógica
do terceiro excluído se torna então uma lógica do terceiro incluído. Isto é, entre dois elementos
contraditórios, e até conflituais e irredutíveis um ao outro, não se deve escolher ou excluir um
dos dois termos e ficar só com um, em nome da univocidade da verdade. Muito ao contrário,
na presença de dois elementos que não tenham relação possível, somente a imagem põe em
contato o que não tem contato. As operações imaginais surgem numa zona sem lugar que põe
em contato o que não tem contato. Platão faz a hipótese constituinte de um gênero do ser
que estranhamente não vem nem do ser nem do gênero, sobre o qual diz ser difícil de pensar,
obscuro, aporético, mas alcançável em sonho (oneiropoloumen). Escreve que esse lugar que
chama de chôra é a mãe, a matriz, a alimentadora do visível. Escolho traduzir chôra como
zona, inspirando-me na nossa língua no que soa e ressoa politicamente nessa palavra, como
expliquei no início. Quando os cristãos inscreveram no ícone o que era do corpo da Virgem,
fizeram-no para nomeá-lo chôra tôn achôrètôn, que poderíamos traduzir como o lugar de
todos os insituados ou insituáveis, portanto, zona atópica. Em outras palavras, chôra é o
contrário de topos, do lugar natural ou legítimo ocupado pelos corpos e pelas coisas. Nada do
que existe seria visível sem a invisível chôra. A zona não pertence nem ao ser, nem ao não ser,
como diz o Estrangeiro no Sofista. A imagem eikôn, mais exatamente o semblante, deixa-se
ver aparecendo e desaparecendo num modo sensível a partir de uma zona de indeterminação
absoluta, impensável. Platão o considera como o seio virginal e fértil do visível. Nada melhor
para preparar o terreno da incarnação do infinito do que uma matriz indestrutível e fecunda.
Poderíamos ter ficado nisso se a feitiçaria das fábulas cristãs tivessem se contentado em
nos libertar da pura necessidade que nos impõe a experiência do espaço e a prova do tempo.
Mas os feiticeiros sempre querem o poder, e, ainda que a imagem tenha tentado dizer que
“meu reino não é deste mundo”, os teólogos e o imperador não a entenderam dessa forma.
É que as operações imaginais rompem com a evidência do visível, não para pôr em dúvida a
experiência efetiva da manifestação do mundo e dos efeitos dessa manifestação sobre nosso
corpo e nossa afetividade, mas para não fazer dessa experiência uma experimentação muda
e passiva num tempo homogêneo e irreversível que nos priva de qualquer iniciativa e, assim,
de qualquer liberdade. As operações imaginais conhecem todas as permutações, inversões,
reversibilidades, quer se trate do sexo, do gênero do lugar social ou da divisão de poderes e da
força. As imagens são transgêneros, às vezes queer, transgenéricas sempre. Ao lado do que
se persegue inexoravelmente e, nessa perseguição inexorável, ao lado do que nos persegue
ou que nós perseguimos, há lugar para todas as irrupções do que acontece contra qualquer
expectativa e a favor de todos os jogos do desejo. Nesse sentido, os filmes de Weerasethakul, e
particularmente Tropical Malady, são a resposta mais operante que podemos dar a No mundo
de 2020. A relação entre os viventes e os mortos é uma relação irredutível que leva cada um a
percorrer a trajetória mais implacável, e, no mesmo movimento, esta relação é aquela que é
totalmente estimulada pelo desejo. Os viventes e os mortos que não estão relacionados são
os sujeitos dessexualizados de um erotismo iniciático que os relaciona sobre o modo imaginal
da aparição e da desaparição. Suas energias circulam em todos os sentidos, e, na natureza
inteira, a corrida de um para o outro, de um contra o outro, se desenrola num tempo reversível,
na permutação dos lugares, nas margens suburbanas de uma zona onde a gente se perde para
se encontrar e onde a gente se encontra para se perder. A floresta virgem, como a chamamos,
ao passo que os cristãos teriam muita dificuldade para reconhecer na Virgem o espírito da
floresta. E, ainda assim!, Weerasethakul é sem dúvidas um mestre da zona, um mestre-louco
da ficção cinematográfica.
Penso não ser necessário construir um aparelho teórico de resistência ao pior que nos foi
reservado, mas, ao contrário, precisamos imperativamente confiar à cotidianidade dos gestos
imaginais o peso de fazer viver as energias revolucionárias de todos os contrapoderes. Em
que consiste isto? Trata-se, ao que me parece, de fazer viver uma chôra em todos os lugares
onde estamos, isto é, criar em toda parte em que agimos um local de acolhimento e de
recolhimento, de hospitalidade incondicional a qualquer outro, numa igualdade ficcional e
constituinte, numa palavra, fazer surgir a todo instante uma zona para os zonards. Sejamos
zonards, operemos pela força das energias ficcionais. Os artistas são nossos guias no
caminho de nosso processo de “vir a ser zonards”. Os gestos de arte são por excelência aqueles
que trazem ao mundo este local de liberdade sem entrave e sem prisão domiciliar nem de
identidade. A zona não está em outro lugar, não é um lugar de exclusão, nem um deserto
privilegiado que escaparia ao espaço dos dispositivos de poder. No próprio coração desses
dispositivos, a zona é o local da fragilidade, da energia sísmica e fraturante que, como as
Erínias, mora no coração da cidade. É o tema de Teorema, de Pasolini. Um desconhecido vindo
não se sabe de onde, indo não se sabe para onde, faz surgir no coração íntimo de uma família
modelo uma zona revolucionária. A sexualidade se torna, então, o modo irruptivo e eruptivo
da entrada em crise das relações. É porque o infinito e o incontrolável são imanentes a nosso
mundo que cabe a nós fazê-los operar. A clandestinidade não está livre de riscos e perigos.
Essa potência constituinte é exercida tanto no plano subjetivo quanto no campo político,
isto é, aquele da comunidade que tende a se constituir como povo. A confusão dos gêneros, a
indiferença dos sexos, a permutação dos lugares designados pela ordem e a hierarquia social,
mas também pela distribuição biológica das funções, tudo isso pode se apagar em benefício
de um nascimento que não é outra coisa senão aquele da imagem em estado de nascimento. A
imagem é e deve ser um estado de nossa relação no mundo, desde que seja fiel a esse estado
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de nascimento. Hannah Arendt conseguiu explicar, em seu próprio vocabulário político, que a
humanidade detém sozinha o lugar notável que lhe confere o dom dos começos. O nascimento
é, pois, o paradigma de toda liberdade.
Darei um último passo no caminho que deveria nos levar a reconhecer o local da imagem
como zona rebelde a qualquer prisão domiciliar e de identidade fixa, seja ela nominal, sexual,
gramatical, local ou temporal. O hímen virginal não era outra coisa senão o pensamento da
fina película indestrutível que continha o infinito sem reduzi-lo ou encerrá-lo. Membrana que
separa o irredutivelmente separado, relaciona, sem fusão nem confusão, o que por natureza
e por definição não se relaciona. Na zona, a imagem está neste lugar pelicular e membranoso
onde não há nem relação sexual, nem mistura no coração da união. É aqui, para concluir,
que devemos saudar a invenção magistral do grande zonard que fora Marcel Duchamp,
quando criou o termo inframince. Ao renunciar a fazer imagens “retinianas e com cheiro de
terebintina” num mundo em que seu talento teria sido reduzido à produção de objetos de
deleite e de consumo, Duchamp fica na retaguarda, na abstinência icônica para estabelecer
unicamente uma zona imaginária e sonhada, metaforizada pelo gás, a fumaça, o cheiro, os
fluxos, as poeiras e as evaporações. Inframince será a membrana sobre a qual o visível deixará
sua marca ilocalizável e furtiva. A Mariée e os Celibatários são os órgãos de uma maquinaria
desejante e virginal, gerando a transparência sísmica e listrada do Grande Vidro. Não há
proposição mais fracturante da ordem estabelecida nas artes plásticas. O artista é um zonard,
vagabundo inventivo sem domicílio fixo que polícia nenhuma pode inspecionar. Desde então,
a transformação do mundo só pode ser uma transformação do olhar sobre ele, um transe
insolente dos gestos produtivos, uma transfiguração elétrica e gazoza de toda consistência
própria à mercadoria.
Quando Paulo, levado pela histeria revolucionária e universalista de sua eloquência
entusiasta, declara que já não há mais nem homem, nem mulher, nem cidadão, nem escravo,
nem judeus, nem pagãos, quando diz que o que é impuro não é o que entra na boca, mas o que
sai dela, ele sinaliza os desafios, mas foi ouvido como o soar do alarme do retorno à ordem.
Todos os sem-voz e os sem poder estavam prontos a se reconhecer naquele rei de carnaval
crucificado e escarnecido que designava a si próprio como o extra-campo de todos os reinos
dominantes. O zonard por excelência que sem dúvidas este judeu errante era, imagem do pai
incriado, órfão sem sexo e pai de sua mãe, ela própria esposa de seu filho e criada por ele…
Imagem não designável, não encontrável, hermafrodita ou andrógina, como os Padres às vezes
ousaram sugerir. As operações imaginais são criadoras de permutação, de reversibilidade, de
deslocamento das identidades, um jogo de aparições e de desaparições em que o essencial se
desempenha no olhar a que está dirigido. Na zona não há lugar para ninguém. Esta soberania
do endereço, quando o artista renuncia a qualquer poder, declara-se como o novo xamanismo
que abala de forma oracular todas as identidades.
Esses poucos passos rápidos, demasiado rápidos, mas, espero, indicadores da pista,
deveriam nos permitir concluir que a imagem produz esta ficção constituinte que chamamos
de humanidade e que não é um gênero, que ignora a diferença, todas as diferenças, e que se
torna, assim, a matriz de uma relação igualitária que também chamo de ficção constituinte
capaz de produzir o povo. Noutras palavras, a imagem é carnavalesca ou ela não é. Entendo
por carnavalesca qualquer sequência temporal em que o evento redistribui com tanta
sedução quanto violência as funções e as identidades, misturando-os todos. O mundo é uma
maquinaria lúdica, cujas regras podemos mudar não apenas na medida da liberdade que
concedemo-nos a nós mesmos, mas, sobretudo, na medida da liberdade que damos e que
concedemos aos outros, a qualquer outro sem condições. A imagem deve ser revolucionária
ou a humanidade não será.
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THE ZONARDE IMAGE
To say of the image that it is zonarde may cause a surprise: the word is a type of French neologism
which designates a way of inhabiting the world by a nomadic, clandestine, undetectable
subject, whose fugitive identity escapes any control, any house arrest or identity. In our cities,
the zone is usually the suburb, the no man’s land or the vacant lot. The zonard is the sneaky
inhabitant of the uninhabitable. But when I choose this word to speak about the image, I take
a step further, or rather a step aside, because I wish to interrogate the images not to make
them a world apart but rather to discover, in imaging operations, interstitial and clandestine
operations at the very heart of our intimacy and in the active subsoil of the sociopolitical
devices of power.
ThE zonarde
IMAGE OR ThE
CLANDESTINE
fREEDOM
by Marie-José Mondzain
Tradução: Silvia P. Barbosa
In a world where the most violent attacks on freedom pass through the information and
communication industries that use and abuse of images - or what is so called for convenience
– I claim, against everything and everyone, that what deserves the name of images concerns
the foundation of our freedom. When what we are given to see ceases to build us as a free
subject and as a citizen I question the very notion of image in the field of audiovisual industries.
In fact, the question is that of the recognition in each of us of a power to produce not only the
forms of a shared reality but also the figures of what is no longer, of what has never been,
but above all of all that is not yet. In other words, what I will call imaging operations are the
energy sources open to all possible forms and even more so, since these operations ignore the
impossible. The audiovisual industries are charged not only with giving shape to the possible,
but also to the impossible.
21st century capitalism tends to turn the people into an audience of consumers of the
visible, an audience of spectators who, in turn, are consumed by the Moloch to which they
submit themselves. Pasolini, in Petrolio, calls this state of affairs “consumption hedonism”
of neofascism. I strove to reserve the term image only for the productions that arouse in the
subjects of speech and of desire a power of radical indetermination and, therefore, of freedom.
This is why I propose to call “zone” this unlocalizable place of the image in the heart of the
visible itself. It is the off-field immanent to the visible. Image is the name of the energy of all
possible. I also called the image zonarde.
I mean that the place of our creative and imaging gestures is just a fictitious place that
moves in a furtive temporality, inserting an invisible lapse into the heart of the visible itself.
Clandestine image that erases the traces to never be the prey of the dominant order. A weak
and fragile image that can spread both joy and terror at the same time. But I will be told that
the images are everywhere as an evident superabundant and inseparable presence of the
regimes of neoliberal domination and consumption.
To avoid any misunderstanding I chose, as I said, to talk about imaging operations rather
than images. And I must, of course, explain myself. I call imaging operations those that make
us produce images and that allow us to recognize them as such and give them that name. I
distinguish them from discursive operations in that they are distinct from cognitive operations,
because they are radically articulated to the gestures of belief. This, however, does not reduce
images to visual productions, for language, sounds, poetry, as well as all living arts and music
produce images as well as the gestures that produce visibility themselves. However, breaking
any linkage between images and cognitive phenomena does not mean that images make us
aware of anything, but that means that, at the heart of cognitive effects, images ask only for
belief. We only know what we see if we believe. We must believe to know what we see. This
underlying belief situation is at the root of abuses of trust, from which all power to inform can
use and abuse. I remember the frightful words of Raymond Aron, who had been informed, in
the middle of the war, about the existence of the extermination camps he had not seen and
whose invisibility the nazis had composed: “They told me, and as I did not believe, I did not
know”.
We know the evangelical anecdote according to which Thomas does not believe in what they
tell him without having seen it. The important thing for us in the fable that relates the meeting
of a man, Thomas, with an image, Jesus, is the response of the image: “Touch my wounds”, which
echoes the noli me tangere. In other words, believing in what we see implies that we deprive
ourselves of touching. If, in order to know, we must believe, the subject of information is then
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a question of trust and credulity but also of singular contact of the gaze with an immaterial
zone, invisible, lacunar as an open wound. The resurrected image is that of the zonard par
excellence, an image that lets itself be seen without belonging to any space or assignable place
and exceeds all temporality. The image is not immortal but it is eternal in the indeterminacy
of its presence. It must be understood that this presence is the sign of an absence. I will
return to this, for the theologians of the primitive Christianity were the first thinkers of the
zone of all possible, before they became the founding Fathers of an empire of credulity and
instituting surveillance of the sight and institutional imposition. Therefore, the registration of
the image refers directly to the question of all forms of credit, including that of the contract
and of the promise. Who, then, would be worthy of faith in the necessarily temporal register of
every contract and promise, without which there is no possible social tie nor political life? No
wonder that the creators of this empire were both masterful and disastrous inventors of credit
and debt. Today, we know something about it in the Western Christian world.
If I spoke of the gestures of belief, it was to explain that our relation to the images is not due
to a specific psychic faculty that would be different, for example, from that of the memory,
judgment or reason, as we came to think and teach in the various psychologizing theories or
in the hierarchical division of the faculties of the soul. These theories have long supposed that
we were endowed to varying degrees with a faculty called imagination open to art and poetry
as well as fantasy and lies. In a conception of faculties, the imagination has been placed under
suspicion and more often condemned by philosophers for betrayal of truth or reality. Fiction,
that is, the operations of Phantasia of the Greeks, actually designates all the arts of forging. But
humanity is a matter of forgers whose gestures make the figures of our reality come into being.
Freud, abandoning psychology and thus the vocabulary of the aforementioned imagination,
recognized in the imaging operations the energy field of unconscious desire. The subject of
speech is then recognized first as the subject of desire, which, from birth, composes its own
image in relation to the first sensory stimulations that reach it from the world. Françoise
Dolto even speaks of an unconscious image of the body from the intrauterine life. Fantasies,
dreams and representations are the works of our fictional power and will remain so even in the
gestures of reason. The unconscious is an unassignable zone where the subject that is being
built ignores the laws of non-contradiction and irreversibility of time. In the realm of images,
the impossible does not exist. There is no other regime of the unconscious than that of belief,
and we must therefore speak of imaging gestures as gestures of belief in order to understand
the operative power of images, whether in the subjective register or in the political register.
It is under the sign of belief and credit that the question of what constitutes the subject of
speech can be addressed, even before he has been able to make use of that speech, to such
an extent that one can consider, from a clinical point of view, that the construction of the
subject of speech depends entirely on what is at stake for each of us in our relation to imaging
operations. The infantile psychic sufferings and the early pathologies, even if they concern
psychotic and autistic order, are always pathologies of the image. We enjoy and suffer on the
inside of the image, which is undoubtedly the most archaic layer of sedimentation on which
the living is built. It is certainly for this reason that Fernand Deligny, who devoted his life to
relations with autistic children, was able to write that the image is “perhaps of animal origin”,
or else that it is “a fossil record of humanity”. Today, this suffering has become social and
political precisely because the dominant powers strike us directly by invading the intimate
site of our imaging operations and thus undermine the genesis of our subjective construction.
It is no coincidence that in the world most submissive to the industrial production of images
arises the most acute complaints of those who experience addictive or delusional phenomena
of desubjectivation.
The neoliberal empire took over the location of the images to make it the site of a mass
imaginary production. The empire of capitalist fiction imposes on everyone figures of happiness
and misfortune shaped like ready-made series for the consumption of image consumers.
These same consumers are themselves consumed by the global communications industry.
Remember Richard Fleischer’s film Soylent Green (1973), which describes a world where one
already lives like a corpse and where one organizes the funeral of what will become sacrificial
and consumable food: he will have to lie down in front of a vibrant screen full of images and
sounds that pay a jubilant and spring homage to the electronic and digitized images of nature.
The masters of our beliefs inform us of what we must know, decide what we must ignore or
forget and, above all, organize what must necessarily make us enjoy or cry. Never has the
actual state of affairs been so homonymic of a way of becoming an image as a thing. I say
homonymic because the images that overwhelm us are coextensive with the space of capitalist
production and therefore produce an empire of images that has nothing in common with what I
called imaging operations. I call iconocracy this visual dictatorship that deprives us of the free
indetermination of the zone where the figures of our desire and the freedom of our fictions
are constituted. To become a thing in the world where the image of things transforms every
imaging place into a commodity or into consumer of images of things. It is up to us to report
as much as possible this perverse homonymy that takes on the power over the gestures and
operations which should construct us as imaging subjects and as citizens, and not destroy us
by consuming and recycling us.
It is because the image does not know the regime of the impossible, and because the belief
ignores the borders of the necessary and of the possible, that it carries within itself the energy
of absolute indetermination that authorizes us to create and to transform the world. To say
that the relation of images to belief is formulated only in terms of energy, and not in terms of
representation, is to recognize that imaging operations only become operative from a place of
invisible indetermination. The famous wounds proposed to the hands of Saint Thomas! That’s
how I forged the notion of constituent fiction. I mean by constituent fiction, as opposed to
destructive fictions, the place from which imaging gestures shape and figure our capacity to
act and change the world. This invisible energy concerns all of our creations, not only the visual
34
35
productions. Imaging operations are energetic gestures that can take hold of all materials and
signs. To paint, to sing, to film, to dance... All the games are possible, its rules can change at
any moment, until the “disturbance of all the senses” and, mainly, of the direction.
Never in our cultures has the term crisis been so used to the point of deplete its meaning.
The crisis of neoliberal capitalism has become, for those who feel like its victims, a crisis of
subjectivation itself. The “all goes wrong” designates, together, the illness of a system and the
suffering of the living. So much so that some think that the good health of the system would be
enough to guarantee the well-being and happiness of the living. There are those who think that
capitalism must be treated in order to cure subjective suffering. Turning GDP1 into a measure of
happiness seems to me to be the worst response to the neoliberal critique of liberalism itself.
We have indeed fallen into the impasse that Guy Debord denounced with a perfect lucidity in
The Society of the spectacle: the form of a fight against a system must first be a critical struggle
against the forms used by the system for its self-criticism. To such an extent that Guy Debord
advocated the radical abstention from any image production and produced films on a black
screen. I do not choose aniconism or iconophobia, let alone iconoclasm. On the contrary, I say
that we must defend and save our imaging operations. But we will never break the impasses
of neoliberalism by fighting for more happiness, more quality of life, more morality and social
humanism, in a word, for more love everywhere. We see the effects in populations excluded
from general happiness, to whom we propose spectacular success in the spectacle itself. Their
violence repeats and amplifies the violence of the system that alienates them.
Is another world possible? The answer requires that we tear ourselves away from the universe
of necessity and that all possible paths are opened to us from the moment when the forgers
of the impossible are dethroned. Surprisingly, the first who understood this was Saint Paul
who states, in the Epistle to the Corinthians, that since we live under the sign of the image,
the letter and the law are abolished. It is he who writes: “from now on everything is permitted”
(panta exesti), but adds that “everything does not build me up” (alla mè panta me oikodomei).
The thesis is then placed with as much violence as clarity. But, what construction is it about?
Does Paul want to build the freedom of a world where everything is possible, or does he want to
build the Church where the image will take power and make the law? The dilemma has rightly
put him in crisis, and his inspired word oscillates between choosing for free trance or for
institution and control. Paul, for his part, believed that the end of time was near and considered
no other kingdom different from the imminent triumph of the rescuing and resurrected image.
But the Fathers of the Church have seen time pass and have taken over the reins of political
history and the temporal power of the institution.
1
Translator's note: Gross Domestic Product, equivalent to Produit Intérieur Brut (PIB).
From then on, the trance is forgotten and the visibilities are a matter of management for
a power that installs a surveillance of the sight and an emotional regime of the planetary
and unequivocal information. The maxim becomes this: to see is to make believe; to make
believe is to make obey. The formula is relentless and has not aged. Here is our inheritance
in its oxymoronic duplicity: how to make the shamanic energy of the possible typical of our
imaging operations live? How to resist the monopolistic property of the visible? The language
of possession contains, this ambivalence since the term designates both the power of the
owner and the state of expropriation. Should we choose between being a possessor and being
possessed? Does the possessed still escape the possessor’s domain?
Before responding in my idiom to the question of whether and how we can build a resilient
and active response to iconocratic domination, I would like to evoke two current registers of
neoliberal system criticism that denounce the specific exploitation of imaging operations and
the technological manipulation of belief. I want to speak of these recent allusions made to
sorcery and shamanism, whose trance becomes pharmakon, I mean poison and medicine at
the same time, in these times of crisis. Two distinct and complementary critical movements
wanted to appeal to anthropology to indicate the ways of resistance to the dictatorship of the
impossible. The forces of resistance against the extinction of the energy of the possible now
want to appeal to other sources of energy from an anthropological reflection. The critique of
capitalist reason has to go through a critique of reason itself. The reign of reason based on the
two thousand years old forces of the ecclesial institution, has cleverly combined a domination
of belief and credit, of breach of trust and credulity that no longer even needs religious
adhesions for to maintain the system of its pseudo necessity. It was in this landscape that
these two critical movements were formed: on the one hand, the denunciation of neoliberal
sorcery is heard, and on the other, the revival of a sorcery resistant to this black magic of
capital. It seems to me that what is at stake in both processes is something that shares a
common denominator: the desire to escape the suspicion of the naturalistic and archaic
regression and the desire not to fall into the neo-spiritualist consumption of the servants of
capital. These movements are part of a twentieth-century history: at the very moment when
psychoanalysis established a recognition of the subject of speech as the subject of desire, it
was anthropologists who discovered and made known societies where the circulation of goods
and services, people, signs and things responded, and still responds, to a logic completely
different from that which the West ern Christian world considered natural and universal. The
salutary attack brought by anthropology to Western Christian anthropocentrism allowed a
new reading of our own history. We recognize, in the heart of the rationalist and dominating
West, the subterranean, tenacious and rebellious existence of another story: that of colonized
and enslaved populations, those of women and witches, of fools and reprobates... In a word,
the huge cultural and cultic zone where operated and still operate indeterminable energies,
fertile disorders, inventive chaos, creative interferences, and finally a history of counterpowers
that never ceased to exist at the price of persecutions, enslavements and the most ferocious
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37
exclusions. Thus, began a movement that decided to decolonize thought, feminize power, in
the crisis of rediscovering trance. It is through them that the figures of the possible should
be mobilized. To reach the barriers of the impossible and the granted, such is the program of
those who want to promote a different and new world. This is not so simple, for, say Stengers
and Pignarre in their work Capitalist sorcery (La sorcellerie capitaliste, published by Éditions
La Découverte, in 2007), the possessors are also sorcerers. They make appear, on the basis
of the system, a symbolic and material device of beliefs and credulity, of manipulation of
the credit, that bewitches us, depriving us of all fictional energy. Reality itself is what we are
asked to believe. We live therefore a devastating paradox, a kind of parody of hegelianism:
everything we believe in is real, and everything that is real is coextensive with everything
possible. So, it is impossible for us to believe in another world than the real world to which we
must believe. Today, the crisis of disenchantment is ideologically supported by the rhetoric
of fate perpetuated by enchanters who bewitch us. Prisoners of sorcery, we are hostages of
economic and financial sorcery that establishes the space of an ineluctable destiny, of an
order over which we have no power. A kind of black magic condemns us and alienates us for
the greater benefit of those who, believers or not, had above all put in place a persuasive
machinery that removes any hope of transformation. In 1927, Fritz Lang’s Metropolis was one
of the first cinematographic fictions that put on the scene the fiction of the great industrial
and financial machinery that we maintain both by our gestures and by our credulity. I evoked
previously Soylent Green, a movie that, a little later, has taken up the theme of our devouring
by the machine we feed with our substance. Isabelle Stengers and Philippe Pignarre, inspired
by the devices of enchantment, whose operations they recognize in the belief systems of
neoliberalism, propose micro-seismic procedures of disenchantment. Scientists, politicians,
journalists are all subject to the same treatment: “It is a ‘black initiation’, the adhesion to a
knowledge that separates people from what they often continue to feel, and that, from then
on, they refer to the dream side or to the sentimentality of which one has to defend oneself”.
By unconsciously becoming a “little hand” in the service of the system, we give up thinking,
and proudly claim this renunciation (the others, the naive, those who “are still there”, will have
the right to a despicable mockery), to submit to the dictatorship of “what is necessary”. “What
they did to people in the name of progress, when this concept was still valid, is now done in the
name of realism”, says Isabelle Stengers.
Based on their knowledge of ethnopsychiatry, Pignarre and Stengers describe capitalism as a
“‘sorcerer system without sorcerers’: a system that strikes us with paralysis and impotence by
constantly confronting us with what they call ‘hellish alternatives’ – for example: if you want
to maintain or strengthen the social protection of employees, you accelerate relocation and
lead to increased unemployment”... Philippe Pignarre: “A device that its victims unintentionally
activate: this is the definition of a sorcerer system! The speech of politicians, for two decades,
could be summed up in this sentence, they write: I will explain to you the inexorable constraints
to which our action is submitted”.
This approach wants to operate as the immanent off-field economic and sociological analysis
that would like to compose the new philanthropic mask of the new dictatorships. Stengers
and Pignarre would like to bring up the body of refusal, to be the voice that contests, to call
upon underground energies to organize a prophylactic disenchantment. If the discourse
of the master is an enchantment that nourishes the capitalist trance, then the regime of
consciousness that is required by the construction of a different world must be brought out.
One thinks of Jeanne Favret’s anthropological work in the Mayenne, the forcible taking of
local enchantment, discovering the paradoxical complexity of disenchantment in the circle of
another sorcery that operates in the immanent off-field to the first. What is the nature of the
power of those who fight against the sorcery of the masters? A pure emancipation towards the
indeterminate or the composition of a counter-sorcery? It was in America that we saw the birth
of a female counter-sorcery that wants to arm the women, from which we would expect the
revolutionary power that would bring up the whole people. This is the movement created and
guided by Starhawk. Inspired by the sorcery and the primitive magic of the fertile and furious
women, these women want or seem to want to restore a natural and political connection with
the transforming energies of the earth, of the night, with the elementary forces that produce
bond, love, solidarity, tolerance, these new witches want to establish and give life to a kind
of political sabbath of which the women would be the oppressed ferment and henceforward
emancipated and emancipating the whole society. “We are”, Starhawk says, “on a land that
has not been mapped yet, we are creating a policy that has not yet been defined. And to
do this it may be time to let Martin and Malcolm debate together around the dinner table
with Emma, Karl, Leon and all the others and go out in the fresh air of the night” (Starhawk,
“Parcours d’une altermondialiste développé”, in Femme, magie & politique, whose original
title is Dreaming the dark: magic, sex and politics, 1982). The alterglobalist witches defend
the obscure by referring to the lunar cults as well as to the dark subterranean underground.
Whatsoever, but it is necessary to feed the force of such a movement, critic of an archaic,
neo-humanist language. Starhawk, who had the afterword of his French translation done by
Isabelle Stengers, seems aware of the pitfalls and makes sure to avoid them. But is there
really a risk of moralizing the world rather than politicizing it? Of re-enchant it fantastically
rather than actually. It is a stumbling block for many resistant feminist movements in the US,
another important figure was the one who initiated the care policy around Joan Tronto. Tronto
published, in 1993, “Moral Boundaries: a political argument for an ethic of care”, which was
translated in France as Un monde vulnerable. Faced with the critique of neoliberalism in terms
of alienating manipulations of belief, the counter-powers are thought by a group composed
of half-Erinians, half-Eumenides militants, who set up a new regime of inter-subjective and
intersubjective relations. The concern with the other and the love energy take the place of
the political contract and the unconditional acceptance that we owe to any other, whoever it
may be. The difficulty comes from the fact that it is complicated and almost contradictory to
38
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practice together clandestinely and hospitality, loneliness and bond. And yet this is the true
knot that brings change. The imaging operations are inhabited by an oxymoric energy, a power
of interference that puts and that should put the subject of the eye in a situation of crisis, that
is, of internal violence and symbolic strength.
I would like to go back here, this being the Greek historical background on which we must
understand what a crisis is. The whole interest of this return to the Greeks is to listen and to
understand together all the semantic strata of the word crisis, which, to a Greek ear, allowed
to hear and to understand in the phenomenon of the crisis all the harmonics of the word itself.
Crisis is the trance, it is the convulsion, it is the epileptic sequence inseparable from the ability
to predict the future. Between the madman and the diviner, between the fortuneteller and the
wise, there is only one difference, which Duchamp would call inframince. This imperceptible
difference separating the demented from the visionary is an uninhabitable zone, a no-man’s
land, a terrain of indetermination where the vagabond wanders, but where the wanderer
writes a field of struggle. Crisis, therefore, but how can I not also remember that, for the Greek
ear, crisis means judgment, Krinô, I discern and I judge, krités is the judge who sits in court.
Therefore, critical operations, far from being convulsive, pathological and out of control, are,
on the contrary, operations of discernment and judgment that do not fail to produce clear
and clarifying decisions. This semantic spectrum is a founding indication for anyone who
wants to understand that one who goes through the stages of experience of unreality, or even
hallucination, is also the subject of judgment and enlightened choice. How can we understand
this quasi-oxymoronic figure of the crisis if not considering it politically? This is exactly how
one must consider The Mad Masters of Jean Rouch: the ritual and carnivalesque sequence
makes the trance an operator of spectacular political analysis. The question remains open:
how to make the revolutionary energy of images work in reality? How to transform the real
from the counter-powers that freely express themselves in the off-field of the dominant order?
As for me, I will propose another path based on a return to the lexicon of the “zone” in order to
restore to the imaging operations its resolutely revolutionary energy. My hypothesis, then, is
that only imaging operations occupy this place of the possible, make it exist and distribute to
all without any distinction the power to create other worlds, worlds to come, possible worlds.
So, to make myself clear, I will go through three points: the platonic chôra, the shamanism of the
images and, finally, the inframince of Marcel Duchamp. Out of any wizard circle it is necessary
to think of the unlocalizable place of the image: what I call zone, and that Plato in the Timaeus
calls chôra. How to understand the non-belonging of the image to a disjunctive regime of a
controllable and measurable space? With it, the logic of the excluded third then becomes a logic
of the third included. That is, between two contradictory and even conflicting and irreducible
elements, one should not choose or exclude, we must not choose or exclude one of the two terms
and remain with only one in the name of the univocity of truth. On the contrary, in the presence
of two unrelated elements, the image relates what is unrelated. Imaging operations arise in a
zone without place that relates unrelated things. Plato assumes the constitutive hypothesis
of a kind of being that strangely comes neither from being nor from the genre, and of which he
says that it is difficult to think, obscure, aporetic, but attainable in dream (oneiropoloumen).
He writes that this place that he calls chôra is the mother, the matrix, the feeder of the visible.
I choose to translate chôra by zone, inspiring in what sounds and resonates politically in this
word in our language, as I explained in the beginning. When the Christians inscribed on the icon
what was of the body of the Virgin, they did so to name it chôra tôn achôrètôn, that one could
translate as the place of all the unsituated or unlocalizable, therefore, atopic zone. In other
words, chôra is the opposite of topos, of the natural or legitimate place occupied by bodies
and things. Nothing that exists would be visible without the invisible chôra. The zone belongs
neither to the being nor to the non-being, as The Stranger in The Sophist says. The eikon image,
more precisely the semblant, is seen to appear and disappear in a sensitive way from a zone
of absolute indetermination, unthinkable. Plato designates it as a virginal and fertile bosom
of the visible. Nothing better to prepare the ground of the incarnation of the infinite than an
indestructible and fruitful matrix. It would have been possible to stop there if the sorcery of
Christian fables had been content to free us from the pure necessity imposed on us by the
experience of space and the test of time. But the wizards still want the power and although the
image has tried to say that “my kingdom is not of this world,” the theologians and the emperor
did not understand it that way. It is that the imaging operations break with the evidence of the
visible, not to question the actual experience of the manifestation of the world and the effects
of that manifestation upon our body and our affectivity, but not to make of this experience a
silent and passive test in a homogeneous and irreversible time depriving us of all initiative and
therefore of all freedom. Imaging operations know all the permutations, inversions, reversals,
whether it is about sex, gender, social place or division of powers and strength. The images are
transgender, sometimes queer, always transgeneric. Beside that which is pursued inexorably,
and in this inexorable pursuit, beside that which pursues us or which we pursue, there is room
for all outbursts of what happens against any expectation and in favor of all games of desire. In
this sense, the films of Weerasethakul, and especially Tropical Malady are the most effective
response we can give to Soylent Green. The relationship between the living and the dead is
an irreducible relationship that leads each one to travel the most implacable trajectory and,
in the same movement, this relationship is one that is totally innervated by desire. The living
and the dead who are unrelated are the desexualized subjects of an erotic initiation that
relates them to the imaging mode of appearance and disappearance. Their energies circulate
in all directions and in the whole of nature the race from one to the other, from one against
the other, unfolds in a reversible time, in the permutation of places, in the suburban margins
of a zone where we get lost to find ourselves and where we find ourselves to get lost. The
virgin forest, as we call it, while Christians would find it very difficult to recognize the spirit of
the forest in the Virgin. And yet! Weerasethakul is undoubtedly a master of the zone, a crazy
master of cinematographic fiction. I think it is not necessary to build a theoretical device of
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resistance to the worst that has been reserved for us, but on the contrary, it is imperative for us
to confide to the everydayness of imaging gestures the task of bringing to life the revolutionary
energies of all counter-powers. What is it? It is, as it seems to me, a matter of living a chôra
wherever we are, that is to say to create wherever we act a place of hosting and gathering, of
unconditional hospitality to any other, in a fictitious and constitutive equality, in a word, to
bring up at any moment a zone for the zonards. Let’s be zonards, let’s operate by the force of
fictional energies. Artists are our guides on the way to our “becoming zonards”. The gestures
of art are par excellence those who give birth to this place of freedom without hindrance and
without house arrest or identity. The zone is not elsewhere, is not a place of exclusion, nor a
privileged desert that would escape the space of devices of power. At the very heart of these
devices, the zone is the place of fragility, seismic and fracturing energy that, like the Erinians,
lives in the heart of the city. This is the subject of Pasolini’s Theorem. A stranger, whose
place of origin and destination is not known, brings in the intimate heart of a model family a
revolutionary zone. Sexuality then becomes the irruptive and eruptive way relationships get
into crisis. It is because the infinite and the uncontrollable are immanent to our world, that
it is our responsibility to make them operate. Clandestinity is not without risk or danger. This
constituent power is exercised both on the subjective level and in the political field, that is
to say, that of the community which tends to constitute itself as people. The confusion of the
genders, the indifference of the sexes, the permutation of the places assigned by the order and
the social hierarchy as well as by the biological distribution of the functions, can all be erased
in favor of a birth that is nothing other than that of the image in state of birth. The image is
and must be a state of our relationship in the world, since it is faithful to this state of birth.
Hannah Arendt has made it clear, in her own political vocabulary, that humanity alone holds
the remarkable place which gives it the gift of beginnings. Birth is, therefore, the paradigm of
all freedom.
I will take a final step on the path that should make us recognize the place of the image as a
rebel zone to any house arrest and any fixed identity that is nominal, sexual, grammatical, local
or temporal. The virginal hymen was nothing more than the thought of the thin indestructible
skin that contained the infinite without reducing or enclosing it. A membrane separating the
irreducibly separated, it brings into connection without fusion or confusion which by nature
and by definition is not related. The image is, in the zone, on this pellicular and membranous
place where there is neither sexual intercourse nor a mixture at the heart of the union. It is
here, to conclude, that we must salute the masterful invention of the great zonard, Marcel
Duchamp, when he created the term inframince. By refusing to make “retinal and turpentinescented” in a world where his talent would have been reduced to the production of objects
of delectation and consumption, Duchamp assumes a reserved and an iconic abstinence
stance, to establish only an imagined and dreamed zone, metaphorized by gas, smoke, smell,
flows, dust and evaporation. Inframince will be the membrane on which the visible will leave
its unlocalizable and furtive trace. The bride stripped bare by her bachelors are the organs
of a virginal and desiring machinery, generating the seismic and striped transparency of the
Large Glass. There is no more fractious proposition of the established order in the plastic arts
than that. The artist is a zonard, inventive homeless vagabond that no police can inspect.
Since then, the transformation of the world can only be a transformation of the gaze upon
it, an insolent trance of productive gestures, an electric and gaseous transfiguration of all
consistency peculiar to the commodity.
When Paul, carried away by the revolutionary and universalistic hysteria of his enthusiastic
eloquence, declares that henceforth there is neither man nor woman, nor citizen nor slave,
neither Jews nor pagans, when he says that what is impure is not what comes in in the mouth,
but what comes out of it, it gives the signal of the stakes, it signals the challenges, but was
heard as the ringing of the alarm of return to order. All the voiceless and powerless were
ready to recognize themselves in that crucified and mocked carnival king who designated
himself as the off-field of all the ruling kingdoms. The zonard par excellence that undoubtedly
this wandering Jew was, image of the uncreated father, sexless orphan and father of his
mother, herself the wife of her son and created by him... Unassignable image, not findable,
hermaphrodite or androgynous, as the priests have sometimes dared to suggest. The imaging
operations are creators of permutation, of reversibility, of displacement of identities, a game
of apparitions and disappearances in which the essential is played in the gaze to which it is
addressed. In the zone there is no place for anyone. This sovereignty of the address, when the
artist renounces all power, is declares itself as the new shamanism which oracularly shakes
up all identities.
These few quick steps, too fast, but, I hope, runway indicators, should allow us to conclude
that the image produces this constituent fiction which we call humanity and which is not a
genre, which ignores the differences, all the differences, and thus becomes the matrix of an
egalitarian relationship that I also call the constituent fiction capable of producing the people.
In other words, the image is carnivalesque or it is not. By carnivalesque I mean any temporal
sequence in which the event redistributes functions and identities with as much seduction as
violence by blurring all of them. The world is a playful machinery whose rules can be changed
not only in the measure of the freedom we give ourselves, but above all in the measure of
the freedom we give and grant to others, to any other without conditions. The image must be
revolutionary or humanity will not be.
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A POLíTICA
DAS IMAGENS
EM RELAÇõES
INTERNACIONAIS
por Roland Bleiker
Tradução: Pedro Vieira
Vivemos em uma era visual. As imagens moldam eventos internacionais e a nossa
compreensão dos mesmos. A fotografia, o cinema e a televisão influenciam como vemos e
abordamos fenômenos tão diversos quanto a guerra, desastres humanitários, movimentos
de protesto, crises financeiras e campanhas eleitorais. Os políticos estão bastante cientes
disso desde que as imagens chocantes da Guerra do Vietnã influenciaram o apoio doméstico
e internacional à política externa dos EUA (Kennedy, 2008)1. O secretário-geral das Nações
Unidas regularmente encoraja fotojornalistas a produzir mais imagens, especialmente de
atrocidades que parecem existir em silêncio e exigem ações urgentes (Pronk, 2005; Devereux,
2010, p. 124-134)2.
A dinâmica da política visual alcança todas as direções, e vai muito além dos meios de
comunicação tradicionais. Os exemplos são numerosos. As mídias digitais, tais como o Twitter,
YouTube, Facebook e Instagram, cumprem um papel cada vez mais importante por todo o
quadrante político, que vão de iniciativas de recrutamento de grupos terroristas a campanhas
de justiça social. Artistas visuais de perfil destacado, tais como Anselm Kiefer e Ai Weiwei,
tornaram-se vozes influentes de dissidência política. Muitos jogos eletrônicos e a moda são
1
KENNEDY, Liam. Securing vision: photography and US foreign policy. Media, Culture & Society, SAGE
Publications, v. 30, n. 3, p. 279-284, 2008.
2
PRONK, Jan. We Need More Stories and More Pictures. Jan Pronk, 8 out. 2005. Disponível em:
<www.janpronk.nl/speeches/english/we-need-more-stories-and-more-pictures.html>.
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frequentemente uma derivação ou simulação do mundo militarizado em que vivemos. Drones,
satélites e câmeras de vigilância identificam suspeitos de terrorismo e alvos militares.
De fato, vivemos em uma era visual. As imagens cercam tudo o que fazemos. Essa onipresença
de imagens possui um caráter político e alterou de maneira fundamental a forma como vivemos
e interagimos no mundo de hoje. Campos acadêmicos, como os da história da arte e estudos
em comunicação, mídia e cultura há muito tempo examinam as representações visuais, mas
ainda sabemos muito pouco a respeito da função precisa realizada pela visualidade no campo
da política e das relações internacionais. E sabemos ainda menos sobre as implicações
práticas concretas. Abordar essa lacuna de informação tornou-se especialmente pertinente,
uma vez que as tecnologias mais modernas permitem que imagens imóveis e em movimento
sejam rápida e facilmente distribuídas, desimpedidas por fronteiras nacionais.
Este capítulo tem o propósito de destacar algumas das questões fundamentais em jogo na
compreensão do papel político das imagens em relações internacionais. Para isso, utilizarei
alguns dos meus trabalhos anteriores referentes ao tema, especialmente Bleiker (2018)3,
mas também Bleiker (2001, 2012, 2014, 2015)4; Bleiker, Campbell, e Hutchison (2014)5; Bleiker,
Campbell, Hutchison e Nicholson (2013)6; Bleiker e Kay (2007)7; Hutchison e Bleiker (2014, 2016)8;
Bleiker e Butler (2016)9.
3
BLEIKER, Roland. Visual Global Politics. Londres: Routledge, 2018.
4
Idem. The Aesthetic Turn in International Political Theory. Millennium: Journal of International Studies, v.
30, n. 3, p. 509-533, 2001.
Idem. Visual Assemblages: From Causality to Conditions of Possibility. In: ACUTO, Michele; CURTIS, Simon
(orgs.). Reassembling International Theory: Assemblage Thinking and International Relations. Nova York:
Palgrave Macmillan, 2014.
Idem. Pluralist Methods for Visual Global Politics. Millennium: Journal of International Studies, v. 43, n. 3,
p. 872-890, 2015.
5
BLEIKER, Roland; CAMPBELL, David; HUTCHISON, Emma. Visual Cultures of Inhospitality. Peace Review, v.
26, n. 2, p. 192-200, 2014.
6
BLEIKER, Roland; CAMPBELL, David; HUTCHISON, Emma; NICHOLSON, Xzarina. The Visual
Dehumanization of Refugees. Australian Journal of Political Science, v. 48, n. 3, p. 398-416, 2013.
7
BLEIKER, Roland; KAY, Amy. Representing HIV/AIDS in Africa: Pluralist Photography and Local
Empowerment, International Studies Quarterly, v. 51, n. 1, p. 139-163, 2007.
8
HUTCHISON, Emma. Affective Communities in World Politics: Collective Emotions After Trauma.
Cambridge: Cambridge University Press, 2016.
HUTCHISON, Emma; BLEIKER, Roland. Art, Aesthetics and Emotionality. In: SHEPHERD, Laura J. (ed.).
Gender Matters in Global Politics. Londres: Routledge, 2014.
9
BLEIKER, Roland; BUTLER, Sally. Radical Dreaming: Indigenous Art and Cultural Diplomacy. International
Political Sociology, v. 10, n. 1, p. 56-74, 2016.
O PAPEL POLÍTICO DAS IMAGENS E ARTEFATOS VISUAIS
Para entender as questões em jogo, é importante considerar não só imagens bidimensionais,
como ilustradas nos exemplos, mas também performances e artefatos visuais tridimensionais.
Performances incluem fenômenos de influência, como instalações de fronteiras, igrejas,
monumentos nacionais e paradas. As imagens visuais e artefatos visuais são diferenciados
por sua natureza e função. Por exemplo, as imagens têm o potencial de serem circuladas
rapidamente, enquanto alguns artefatos são limitados por seu local e natureza física. Mas
os dois meios estão ligados de numerosas formas e possuem pelo menos três dimensões
comuns que serão exploradas pelo livro.
Primeiro: neste período de globalização e comunicação global, as fronteiras entre imagens
e artefatos visuais estão se tornando cada vez menos nítidas. Considere o memorial aos
veteranos da Guerra do Vietnã em Washington D.C., projetado por Maya Lin; ele é um dos
artefatos visuais de maior influência, um monumento visitado por milhões de pessoas que
costumam deixar o local com fortes impressões emocionais. Mas a maioria das pessoas pelo
mundo “viram” o monumento não por meio de uma visita pessoal, mas através de imagens
que circulam online, em jornais, na TV e em filmes. O mesmo ocorre com quase qualquer
performance ou artefato visual de influência, de bandeiras a paradas militares e debates de
eleições presidenciais televisionados: eles são sempre mais do que fenômenos ou objetos
tridimensionais localizados. Eles são constelações de artefatos performáticos que circulam a
caráter político através de imagens estáticas e em movimento.
Segundo: imagens e artefatos visuais nos informam algo sobre o mundo e, talvez acima de
tudo, sobre como vemos o mundo. São testemunhas do presente e do passado. Uma imagem
de satélite proporciona informações sobre a superfície do planeta. Fotografias documentam
guerras, encontros diplomáticos e manifestações de protesto. Monumentos nos lembram de
eventos anteriores e de seu significado para as atuais comunidades políticas. Ocasionalmente,
imagens e artefatos consolidam práticas políticas. Por exemplo: uma variedade de
performances visuais aparentemente comuns, de penteados a movimentos corporais, sinaliza
e normaliza sistemas de exclusão ligados ao gênero. Mas também há ocasiões em que as
imagens podem também desenraizar práticas políticas. Fotografias indígenas – usada na
capa do livro Visual Global Politics, tirada por Michael Cook – podem desafiar estereótipos e a
perspectiva colonialista da história associada a eles.
Alguns atribuem a esta criatividade artística o potencial de reorientar o nosso mundo
político de maneira fundamental. Uma obra de arte pode nos levar a contemplar o mundo
de uma nova forma, e pode nos ajudar a repensar pressupostos que consideramos óbvios,
>>> Imagem a seguir:
Veteranos americanos indicam um nome conhecido no memorial à Guerra do Vietnã após uma cerimônia do
Dia dos Veteranos, 11 de novembro de 2006
46
47
48
49
incluindo aqueles referentes à política. Ou assim acredita Alex Danchev (2016, p. 91)10, que
está convencido de que “contrário à crença popular, são os artistas, e não os políticos, que
podem criar uma nova ordem mundial.” Observe como exemplo o famoso quadro Guernica, de
Pablo Picasso, que se tornou uma das declarações mais icônicas e influentes contra a guerra.
Ela busca captar não os aspectos factuais das guerras, mas as suas traumáticas dimensões
humanas e emocionais. Isso faz de Guernica um constante lembrete público e político dos
perigos morais da guerra. Considere como, em fevereiro de 2003, o então secretário de estado
americano Colin Powel defendeu a guerra contra o Iraque para as Nações Unidas em Nova
York. Ele precisou fazer isso fora da câmara do Conselho de Segurança, que possui uma
grande reprodução em tapeçaria de Guernica. Na ocasião do discurso de Powell, Guernica foi
infamemente encoberta por uma cortina azul: sua mensagem visual, ética e emocional era
poderosa e subversiva demais para ser vista. Como comentado por Maureen Dowd (2003):
“O Sr. Powell teria dificuldades para seduzir o mundo a bombardear o Iraque se a câmera o
mostrasse cercado pela agonia de mulheres, homens, crianças, bois e cavalos mutilados”.
Terceiro, e já ilustrado por Guernica: imagens e artefatos visuais têm influência concreta. Por
si mesmos são forças políticas, frequentemente moldando a política tanto quanto a retratam.
As primeiras técnicas cartográficas modernas tiveram um papel fundamental na legitimização
do surgimento de estados territoriais. Filmes de Hollywood nos oferecem modelos bem
ensaiados e profundamente consolidados de heróis e vilões, ao ponto de moldarem os valores
da sociedade. Um ataque de homem-bomba é projetado para matar múltiplas pessoas com
o máximo de impacto visual: as imagens do evento são criadas com a meta de circular pelo
mundo e disseminar medo. Dessa maneira, as imagens se tornam armas em uma variedade de
formas: não apenas para projetar horror, mas também recrutar combatentes; para influenciar
a opinião pública; para guiar drones e mísseis; em resumo, para travar uma guerra visual.
A CURVA VISUAL
Caracterizando a natureza do nosso mundo atual, Mitchell (1986, 1994)11 fala sobre uma curva
“visual” ou “pictórica”, enfatizando que as pessoas costumam notar e se lembrar de eventos
importantes por meio de imagens com maior frequência do que por meio de relatos verbais.
Ele escreve sobre uma “nova percepção elevada” do papel da visualidade, e inclusive sobre
como o problema do nosso tempo é o “problema da imagem.”
10
DANCHEV, Alex. On Good and Evil and the Grey Zone. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2016.
11
MITCHELL, Willian John Thomas. Iconology: Image, Text, Ideology. Chicago: The University of Chicago Press, 1986.
Idem. Picture Theory: Essays on Verbal and Visual Representation. Chicago: The University of Chicago
Press, 1994.
No mundo da política, as implicações subsequentes são especialmente acentuadas. Nossa
compreensão do terrorismo, por exemplo, está inevitavelmente ligada à forma como as
imagens retratam os eventos em questão de maneira dramática, como essas imagens
circulam por todo o mundo, e como os políticos e o público reagem a essas impressões visuais.
Vamos tomar como exemplo os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Não há como
entender a origem, a natureza e o impacto do evento sem entender o papel das imagens. O
ataque foi projetado para gerar um impacto visual. As imagens circularam de imediato por
todo o globo, dando às audiências uma noção de como aquele evento foi traumático e terrível.
Muitas dessas imagens emocionais não só moldaram os debates públicos e reações políticas
subsequentes, incluindo a guerra ao terror, como também permanecem enraizadas na nossa
consciência coletiva.
É claro, as imagens não são algo inédito, e também não chegam a substituir as palavras como
o principal meio de comunicação. Imagens e artefatos visuais são coisas que existem desde
o princípio dos tempos. O visual sempre fez parte da vida. As imagens foram produzidas não
só para captar aspectos essenciais da existência humana, mas também para comunicar
esses aspectos aos outros. Os exemplos variam de pinturas em cavernas pré-históricas que
documentam práticas de caça a obras de arte da Renascença. Mesmo hoje, podemos ver
algumas dessas imagens e artefatos culturais que continuam a influenciar nossa percepção
e entendimento do mundo.
Mas a política das imagens foi alterada de duas formas fundamentais.
A primeira é a velocidade com que as imagens circulam e o seu alcance. A relativamente pouco
tempo atrás, no período da Guerra do Vietnã, poderiam levar dias ou mesmo semanas para
uma fotografia tirada na zona de guerra chegar à primeira página de um jornal, como o New
York Times. No mundo digital de hoje, uma fotografia ou vídeo pode alcançar audiências de
todo o mundo imediatamente após sua produção. As redes midiáticas podem agora fazer um
evento local se tornar global de forma quase instantânea, seja um ataque terrorista, uma
marcha de manifestação, um comício eleitoral ou qualquer outro fenômeno político. Mas isso
não ocorre apenas porque as redes midiáticas globais modernas cobrem eventos e notícias
24 horas por dia. A questão vai muito além do influente “efeito CNN” (Robinson, 2002)12. A
circulação de notícias mudou de maneira fundamental. Os próprios jornais tradicionais – como
o Le Monde, o Der Spiegel e o The Guardian – tornaram-se organizações multimidiáticas com
uma presença substancial na internet. Eles atendem aos interesses de uma audiência que cada
vez mais consome notícias por meio de smartphones, tablets e outros dispositivos móveis.
12
ROBINSON, Piers. The CNN Effect: The Myth of News Foreign Policy and Intervention. Nova York:
Routledge, 2002.
50
51
A segunda é o que podemos chamar de “democratização” da política visual. Antigamente,
era muito pequeno o número de atores – estados ou redes de mídias globais – com acesso a
imagens e o poder de distribuí-las a uma audiência mundial. Hoje, qualquer pessoa pode tirar
uma foto com um smartphone, carregá-la em uma rede social e circulá-la imediatamente com
o potencial de alcançar todo o mundo.
O resultado disso tudo é uma visualização sem precedentes da vida privada e do cenário
político: uma dinâmica de comunicação global que é fundamentalmente nova e enraizada em
várias redes de relações (Favero, 2014, p. 66)13. Vamos observar o exemplo das manifestações
da Primavera Árabe, iniciadas em 2011 no Egito. Um dos episódios mais marcantes ocorreu
quando uma jovem blogueira, Aliaa Elmahdy, publicou uma fotografia nua de si mesma em seu
blog. Ela fez isso para protestar contra a discriminação de gênero no Egito e reivindicou uma
maior liberdade pessoal, incluindo a autonomia sexual. Suas fotos público-privadas tiveram
circulação ampla e imediata por todo o mundo. Elas geraram grandes manifestações públicas
pelo país e uma onda de solidariedade feminista no exterior. Ou considere como a organização
terrorista Estado Islâmico utiliza vídeos de decaptações como parte de uma estratégia de
mídia cuidadosamente orquestrada e bem organizada, visando atingir numerosas audiências
simultaneamente (Molin Friis, 2016)14.
Qualquer indivíduo ou grupo pequeno, não importa o seu local ou propósito político, tem o
potencial de produzir e circular imagens que, na linguagem moderna das novas mídias,
caem na rede. Porém, historiadores irão nos lembrar que imagens já “caíram na rede” antes
da era da internet; gravuras retratando o traumático terremoto que atingiu Lisboa em 1755
se espalharam rapidamente pela Europa, proporcionando evidências visuais do desastre
a um público ansioso por notícias (Sliwinski, 2011, p. 37-8)15. Similarmente, alguns meses
após Eugène Delacroix testemunhar e pintar O Massacre de Quios na Grécia em 1823, o
quadro foi exibido em Paris, atraindo muitas pessoas que queriam vê-lo. Ele, nesse sentido,
“caiu na rede” e pode ter sido parcialmente responsável por convencer a elite e legisladores
franceses a mudarem de posição e oferecer apoio à guerra de independência da Grécia contra
o Império Otomano (Rodogno, 2012, p. 72-73; ver também o Museu de Arte do Condado de
Mulheres na revolução em grafite. Observa-se que esta não é a fotografia real publicada por Aliaa Elmahdy em seu
blog. É uma representação em grafite da fotografia e um retrato de Samira Ibrahim, que iniciou uma ação judicial
contra o exército egípcio por efetuarem “verificações de virgindade” em manifestantes
Los Angeles [LACMA], 2015; Bellamy, 2012)16. Dito isso, a diferença entre aquele período e os
dias modernos não deixa de ser dramática: atualmente, cada vez mais pessoas são capazes
de produzir e distribuir imagens, e a velocidade com que elas podem cair na rede não tem
precedentes, podendo levar a consequências igualmente sem precedentes.
O que temos aqui é nada menos do que uma revolução da comunicação visual que abalou as
fundações e hierarquias de redes midiáticas estabelecidas. Podemos observar um desmanche
da divisão entre transmissor e espectador, entre produtor e consumidor.
13
FAVERO, Paolo. Learning to look beyond the frame: reflections on the changing meaning of images in the
age of digital media practices. Visual Studies, v. 29, n. 2, p. 166-179, 2014.
14
FRIIS, Simone Molin. Behead, Burn, Crucify, Crush: Theorizing the Islamic State’s Public Display of
Violence. Esboço apresentado no Programa de Política Visual da Universidade de Queensland, 30 set.
2016. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=sBi5CGoz6mE>.
15
SLIWINSKI, Sharon. Human Rights in Camera. Chicago: University of Chicago Press, 2011. p. 37-38.
16
RODOGNO, Davide. Against Massacre: Humanitarian Interventions in the Ottoman Empire, 1815-1914.
Princeton: Princeton University Press, 2012.
BELLAMY, Alex J. Massacres and Morality: Mass Atrocities in the Age of Civilian Immunity, Oxford: Oxford
University Press, 2012.
52
53
O PODER DOS ÍCONES VISUAIS
O PODER EMOCIONAL DAS IMAGENS
São poucos os campos em que o poder das imagens é tão óbvio quanto o campo dos ícones.
Robert Hariman e John Lucaites (2007)17 definiram os ícones como imagens amplamente
conhecidas e distribuídas que representam “eventos de significado histórico, que ativam uma
forte resposta ou identificação emocional, e são reproduzidos por toda uma variedade de mídias,
gêneros ou tópicos”. Alguns estudiosos chegam a enfatizar que as imagens icônicas são tão
eficazes na evocação de eventos políticos que por si próprias costumam se tornar “sinalizações
primárias” (Zelizer, 2002, p. 699)18. Isso significa que, com o passar do tempo, um evento passa
a ter reconhecimento público não só pelo seu conteúdo político, mas principalmente por sua
representação fotográfica. A representação então se torna por si só um conteúdo.
Há algo claramente único sobre as imagens. Elas possuem um status especial, geram
entusiasmo e ansiedades. Mitchell (2005, p. 7)21 levanta a questão: por que as pessoas têm
reações tão estranhas em relação às imagens?
Considere dois exemplos bem conhecidos de fotografias icônicas que passaram a representar
as crises que retratam. A primeira é a foto da Guerra do Vietnã tirada por Nick Ut em 1972,
ganhadora do Prêmio Pulitzer. Ela retrata Kim Phuc, de nove anos, nua, com queimaduras e
fugindo de sua aldeia no Vietnã do Sul após um bombardeio de napalm. Na época, a fotografia
direcionou o olhar público às atrocidades cometidas contra civis inocentes. Ela transformou
as percepções públicas e políticas da guerra, tanto que contribuiu para minar ainda mais a
legitimidade do conflito (ver Hariman; Lucaites, 2007, p. 35-66)19. De fato, meio século depois,
a imagem ainda se posiciona como uma representação metafórica da Guerra do Vietnã e do
sofrimento que ela trouxe. O segundo exemplo famoso é outra fotografia ganhadora do Prêmio
Pulitzer, tirada por Kevin Carter no Sudão, assolado pela fome, em 1993. A foto de Carter
retrata uma criança faminta em condições deploráveis: ajoelhada indefesa no chão, com a
cabeça nas mãos, enquanto um abutre a observa. Essa foi uma imagem que “fez o mundo
chorar”, e se posicionou – e continua a se posicionar – como uma sinalização poderosa da
questão da miséria no mundo em desenvolvimento.
Em uma época em que vivemos saturados com informações que chegam de múltiplas fontes
midiáticas, fotografias icônicas continuam sendo influentes por sua habilidade em captar
questões sociais e políticas de forma concisa e impressionante. Elas servem como “citações
visuais” (Sontag, 2003, p 22)20. Ícones, nesse sentido, moldam a opinião pública por fazerem
parte do tecido coletivo pelo o qual o povo e as comunidades se entendem.
Por que as audiências recebem uma advertência rigorosa antes de serem expostas a imagens
chocantes da guerra ao terror, de mutilações, ou como mencionado acima, da morte iminente?
Por que, levanta Lene Hansen (2014)22, não recebemos a mesma advertência com descrições
verbais? Considere como os veículos de notícias que publicaram imagens do atentado à
bomba na maratona de Boston de 2013 se sentiram obrigados a adicionar anotações que
informavam “Atenção: esta imagem pode conter conteúdo explícito ou questionável” (Haugney,
2013)23. Nenhum aviso foi dado para artigos por escrito sobre o mesmo evento, embora eles
descrevessem o horror do ataque com o mesmo nível de detalhe. O que faz com que as imagens
sejam aparentemente mais perigosas e poderosas do que as palavras?
Parte do que torna as imagens únicas é o fato de que elas costumam evocar, convocar e
gerar emoções. Imagens de eventos traumáticos, tais como ataques terroristas, catástrofes
naturais ou acidentes de avião parecem ser capazes de captar o inimaginável. É por isso que a
cobertura de notícias de situações traumáticas como essas é frequentemente acompanhada
por imagens, como se pudessem proporcionar às audiências um tipo de perspectiva emocional
que palavras não podem comunicar. As imagens parecem expressar a dor e o desespero das
vítimas de maneira muito mais eficaz. Elas são assim cruciais para a forma como audiências
de todo o mundo enxergam, interpretam e reagem a crises (Hutchison, 2016)24.
O cinema e a televisão são mídias visuais que recorrem aos sentimentos e emoções de uma
forma especialmente poderosa. As representações cinematográficas de questões políticas
oferecem ao espectador uma experiência bastante visceral, em parte porque combinam
narrativas, imagens visuais e som. Mas tais representações também são poderosas por serem
baseadas em personagens individuais e nas decisões morais que eles tomam, oferecendo
aos espectadores não apenas um retrato abstrato da política, mas uma forma de narração
21
MITCHELL, Willian John Thomas. What do Pictures Want? The Lives and Loves of Images. Chicago:
University of Chicago Press, 2005.
17
HARIMAN, Robert; LUCAITES, John Louis. No Caption Needed: Iconic Photographs, Public Culture, and
Liberal Democracy. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
22
HANSEN, Lene. Annual Michael Hintze Lecture in International Security. Palestra apresentada na
Universidade de Sydney, 20 fev. 2014.
18
ZELIZER, Barbie. Finding aids to the past: bearing personal witness to traumatic public events. Media,
Culture & Society, SAGE Publications, v. 24, n. 5, p. 697-714, 2002.
23
HAUGNEY, Christine. News Media Weigh Use of Photos of Carnage. The New York Times, 17 abr. 2013.
Disponível em:<www.nytimes.com/2013/04/18/business/media/news-media-weigh-use-of-photos-of-carnage.html>.
19
HARIMAN, Robert; LUCAITES, John Louis. No Caption Needed: Iconic Photographs, Public Culture, and
Liberal Democracy. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
24
HUTCHISON, Emma. Affective Communities in World Politics: Collective Emotions After Trauma.
Cambridge: Cambridge University Press, 2016.
20
SONTAG, Susan. Regarding the Pain of Others. Nova York: Farrar, Straus, and Giroux, 2003.
54
55
cinemática que permite a eles se identificar com indivíduos específicos e suas situações.
Isso faz com que tópicos políticos complexos e distantes se tornem acessíveis por meio de
histórias pessoais (Plantinga; Smith, 1999)25. Os efeitos políticos do desenvolvimento visual
e emocional de personagens podem ser diversos. Eles podem inserir os espectadores em
uma experiência histórica ou contemporânea que nunca poderiam vivenciar. As imagens –
tanto estáticas quanto em movimento – claramente podem ter efeitos políticos e emocionais
bastante potentes. Elas podem comunicar o significado de eventos políticos de qualquer
tempo ou para audiências distantes. Como afirmado por John Berger (1991, p. 42)26, elas nos
lembram de forma chocante “da realidade, a realidade vivida, por trás das abstrações da
teoria política, estatísticas de causalidade e boletins de notícias.” Elas servem como “um olho
que não podemos fechar.”
COMPREENDENDO O IMPACTO DAS IMAGENS E ARTEFATOS VISUAIS
Até o momento, uma coisa está clara: imagens são importantes. Eu apresentei dois exemplos
breves – de ícones e emoções – para ilustrar o poder das imagens e a complexidade da
dinâmica política associada a elas.
Mas como podemos realmente saber se o que sabemos é correto? Por exemplo, qual é o impacto
político exato de uma imagem – digamos, a fotografia de uma vítima de tsunami na primeira
página do New York Times? Pessoas de todo o mundo são inevitavelmente influenciadas
quando testemunham uma tragédia humanitária retratada por meio da fotografia de um
indivíduo em sofrimento. Mas qual é o impacto exato dessa imagem, e como sabemos disso?
Compreender o impacto preciso de imagens não é uma tarefa fácil. As imagens operam de forma
complexa, cruzando uma variedade de fronteiras geográficas e temporais – especialmente
quando as tecnologias mais modernas, de redes midiáticas globais a fontes de novas mídias,
permitem que imagens sejam circuladas de maneira cada vez mais veloz e simples.
Irei apresentar dois exemplos em que imagens tiveram uma importância clara e um impacto
político direto.
O primeiro é o debate em torno do uso de tortura na guerra contra o terror. Desde o verão de
2003, já era de conhecimento público – em parte por meio de relatórios da Anistia Internacional
– que tropas americanas estavam usando técnicas de tortura ao interrogar prisioneiros
25
PLANTINGA, Carl; SMITH, Greg M. (ed.). Passionate Views: Film, Cognition, and Emotion. Baltimore: Johns
Hopkins University Press, 1999.
26
BERGER, John. About Looking. Nova York: Vintage Books, 1991.
no Iraque. Porém, haviam poucas discussões ou interesse público em relação à questão.
Ninguém parecia se importar. A indignação doméstica e internacional apenas teve início na
primavera de 2004, em resposta direta a fotografias explícitas de torturas conduzidas por
americanos nas instalações prisionais de Abu Ghraib. De uma hora para a outra, começaram
enormes protestos e discussões públicas a respeito da legitimidade da tortura no combate
ao terrorismo. Essa alteração no rumo não esteve vinculada ao conhecimento de que
torturas eram realizadas, que já existia, mas à exposição de audiências em todo o mundo
à natureza degradante da tortura por meio de imagens explícitas e emotivas. Embora esses
deslocamentos visuais não tenham alterado de forma fundamental a política externa do país,
essas imagens persistem até hoje como símbolos do abuso de poder e perda de legitimidade
e prestígio dos Estados Unidos (Hansen, 2015, p. 264-265)27.
O segundo é a crise dos refugiados na Europa de 2015. O foco aqui é a fotografia de um
refugiado sírio de três anos de idade, Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia na Turquia
em 2 de setembro de 2015. A imagem circulou por todo o mundo imediatamente, chegando
a 20 milhões de telas em 12 horas (Vis; Goriunova, 2015)28. Muitos reagiram com um nível
incomum de empatia. De repente, a posição do público em relação aos refugiados mudou por
toda a Europa, especialmente na Alemanha, onde foi testemunhado o surgimento do que foi
chamado de Willkommenskultur, uma cultura de acolhimento a refugiados. Houve imagens
de rugiados chegando a Munique e sendo recebidos com aplausos por alemães. Por toda
parte, o povo alemão estava ajudando. Esse deslocamento correspondeu diretamente à
forma como a imagem de Aylan Kurdi se espalhou pela rede. Um estudo empírico mostra que
houve não apenas um pico significativo em discussões em mídias sociais a respeito da crise,
mas também – e ainda mais importante – que a palavra de tendência positiva “refugiado”
estava sendo muito mais usada do que “imigrante”, um termo mais pejorativo (Vis; Goriunova,
2015)29. A única imagem de um menino morto teve um claro papel fundamental nessa
mudança de perspectiva. Óbvio, todos temos empatia por um menino de três anos. Crianças
são inocentes, e ver uma vítima inocente é algo que move as pessoas. No caso de Aylan
Kurdi, a imagem influenciou tanto a opinião pública quanto as políticas: a chanceler alemã
Angela Merkel adaptou uma política muito mais progressiva em relação a refugiados. Em uma
ocasião notável, ela declarou “wir schaffen das” – “iremos cuidar disso”. Mas a disposição do
público mudou após os ataques terroristas em Paris em novembro de 2015, que mataram
130 pessoas, e após o ataque por um grande grupo de homens – sendo a maioria imigrantes
27
HANSEN, Lene. How images make world politics: International icons and the case of Abu Ghraib. Review of
International Studies, v. 41, n. 2, p. 264-265, 2015.
28
VIS, Farida; GORIUNOVA, Olga. The Iconic Image on Social Media: A Rapid Research Response to the
Death of Aylan Kurdi. Sheffield: The University of Sheffield, 2015. In: Visual Social Media Lab. Disponível
em:<http://visualsocialmedialab.org/blog/the-iconic-image-on-social-media-a-rapid-response-to-the-death-of-aylan-kurdi>
29
Op. cit.
56
57
– a mais de mil mulheres durante as celebrações de Ano Novo em Colônia. Nesse período,
a Willkommenskultur foi substituída por uma Abschiebekultur, uma cultura que favorece o
afastamento de refugiados. Mas, apesar dessa reação, a imagem de Aylan Kurdi, pelo menos
a curto prazo, teve um impacto político e na opinião do público.
Aylan Kurdi e o debate sobre a tortura ilustram como as imagens têm o poder de moldar
diretamente fenômenos e discussões de caráter político. Entretanto, na maioria dos casos, é
muito mais difícil determinar se as imagens possuem um impacto direto.
Apenas em raras ocasiões as imagens causam eventos políticos diretamente. Frequentemente,
o impacto das imagens é mais disperso. Por exemplo, há ligações claras entre as imagens
dramáticas dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a retórica altamente emotiva
do bem contra o mal que surgiu como reação, e a consequente guerra ao terror. Mas seria
muito difícil – se não impossível – avaliar essas ligações com modelos de causa e efeito. Como
comentado por Jacques Rancière (2004, p. 63)30: “A política tem sua estética, e a estética tem
sua política. Mas não existe uma fórmula para uma correlação apropriada”.
A causalidade não é o conceito certo para compreender o impacto das imagens, pelo menos
não se abordado de uma forma científico-social convencional. Mas é possível considerar
a “causalidade discursiva” ou “ação discursiva” (Hansen, 2006, p. 26; Hansen, 2015, p. 274275; Bleiker, 2000, p. 208)31. Isso preservaria uma noção de impacto, mas reconhecendo que
as imagens operam de forma gradual e pelo tempo-espaço. Elas transgridem numerosas
fronteiras – espaciais, linguísticas e psicológicas, entre outras. Elas agem de forma inaudível,
mas poderosa: lentamente reforçando – ou desafiando – a forma como observamos, pensamos
a respeito e, consequentemente, conduzimos a política. As imagens, nesse sentido, são
políticas, porque elas enquadram o que William Connolly (1991)32 denominou as “condições
da possibilidade” nas quais a política é realizada. A questão delicada referente à abordagem
ao impacto é crucial e exige uma maior elaboração.
A POLÍTICA DA VISIBILIDADE E INVISIBILIDADE
O defensor mais proeminente desse tipo de abordagem em relação às imagens é Rancière.
Ele fala sobre a “distribuição do sensato,” isto é, sobre como em cada sociedade e em cada
momento há fronteiras entre o que pode ou não ser visto, o que pode ou não ser sentido, e
o que pode ou não ser pensado e, por causa disso, há fronteiras entre o que é politicamente
possível e o que não é. Essas fronteiras são arbitrárias, mas costumam ser aceitas de forma
autoevidente como o senso comum (Rancière, 2004, p. 13; Rockhill, 2009, p. 199-200)33.
As imagens influenciam a distribuição do sensato. Elas estruturam ou reestruturam a política,
seja reforçando configurações já existentes de visão, sensação e pensamento, ou desafiando-as.
30
RANCIÈRE, Jacques. The Politics of Aesthetics: The Distribution of the Sensible. Londres: Continuum, 2004.
31
HANSEN, Lene. Security as Practice: Discourse Analysis and the Bosnian War. Nova York: Routledge, 2006.
Idem. How images make world politics: International icons and the case of Abu Ghraib. Review of
International Studies, v. 41, n. 2, p. 274-275, 2015.
BLEIKER, Roland. Popular Dissent, Human Agency and Global Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
Um detento não identificado em Abu Ghraib, visto em uma fotografia de 2003
32
CONNOLLY, William E. Identity/Difference: Democratic Negotiations of the Political Paradox. Ithaca: Cornell
University Press, 1991.
33
RANCIÈRE, Jacques. The Politics of Aesthetics: The Distribution of the Sensible. Londres: Continuum, 2004. p. 13
ROCKHILL, Gabriel. The Politics of Aesthetics: Political History and the Hermeneutics of Art. Jacques
Rancière. Duke University Press, 2009. p. 199-200.
58
59
As fronteiras entre o que é e não é sensato ocasionalmente mudam de maneira rápida, como
no caso do debate sobre a tortura, mas na maioria das vezes elas evoluem de forma gradual,
à medida que o mundo visual ao nosso redor se altera e evolui. As imagens revelam e ocultam.
Uma reação imediata e normal a um conceito de política como uma luta por visibilidade seria:
o que acontece com as pessoas, questões e fenômenos que não testemunhamos? O que ocorre
quando não observamos atos de violência, violações de direitos humanos, estupros em massa
durante a guerra? Considere quantos dos conflitos mais letais do mundo, especialmente na
África, não recebem cobertura por parte dos meios de comunicação globais por não envolverem
interesses geopolíticos ocidentais (Kirkpatrick, 2016, p. 91; p. 97)34.
Um problema relacionado: o que ocorre com os fenômenos políticos mais difíceis de serem
visualizados? Por exemplo, como “enxergar” transações financeiras? Podemos ver comprovantes,
cheques ou extratos, mas a maior parte das finanças ocorre de maneira invisível. E quanto à paz?
Temos numerosos ícones visuais que representam a guerra, mas não há sequer um conceito de
“fotografia de paz”. Se a paz é interpretada como a ausência de violência, então há literalmente um
número ilimitado e insignificante de imagens que podem retratar isso (Möller, 2017)35.
Embora o relacionamento entre a visibilidade e a política seja complexo, é possível retratar
uma variedade de evoluções históricas como lutas pelo o que passa a ser visto ou não. Nicholas
Mirzoeff (2011, p. 2)36 nos lembra que o termo “visualidade” data do século XIX e significa “a
visualização da história”. Ele enfatiza que técnicas visualizadas, desenvolvidas durante o uso
de escravos em plantações, abriram caminho para o tipo de liderança centralizada que se
localiza no núcleo das ordens políticas contemporâneas (Mirzoeff, 2011, p. 10; p. 22-23)37.
Inevitavelmente, a divisão entre o que é e não é visto leva a abrangentes consequências políticas.
Mas as fronteiras respectivas não são nítidas. Algo se tornar visível não é necessariamente
uma ocorrência positiva. A visibilidade também pode reforçar padrões políticos em operação.
O exemplo acima com metáforas visuais para finanças e crises financeiras pode ser difundida
e reconhecível, mas não nos proporcionam necessariamente uma perspectiva financeira
adequada. De fato, essas metáforas visuais apresentam o fator financeiro como uma
questão técnica relacionada aos preços de ações e movimentos do mercado. Elas ignoram
34
KIRKPATRICK, Marie. Photography, the State and War: Mapping the Contemporary War Photography
Landscape. Tese de doutorado, Universidade de Ottawa, 2016.
35
MÖLLER,Frank.From Aftermath to Peace:Reflections on the Photography of Violence.Global Society, v.31,n.3,p.323,2017.
36
MIRZOEFF, Nicholas. The Right to Look: A Counterhistory of Visuality. Durham: Duke University Press, 2011.
37
Op. cit.
Homem em um mercado de ursos – perdendo dinheiro nos mercados, Jack Moreth
complexidades e encobrem os fatores políticos que o orientam. Por exemplo, elas normalizam
e legitimizam valores neoliberais e removem de vista o custo humano associado a crises
econômicas ou à economia regular de mercado.
Do mesmo modo, a invisibilidade nem sempre é um fator negativo. De fato, Rune Andersen
e Frank Möller (2013, p. 206)38 enfatizam que o invisível pode ser tão importante quanto
aquilo que vemos, se não tiver maior importância. Observe como a supressão da evidência
fotográfica da morte de Osama Bin Laden apenas incitou a imaginação do público e gerou
desconfiança e teorias de conspiração (Mitchell, 2011)39. Andersen e Möller (2013, p. 207)40
chegam a argumentar que a invisibilidade tem o potencial de “ativar a imaginação”, uma vez
38
ANDERSEN, Rune S.; MÖLLER, Frank. Engaging the Limits of Visibility. Security Dialogue, v. 44, n. 3, p. 206, 2013.
39
MITCHELL, Willian John Thomas. Cloning Terror: The War of Images, 9/11 to the Present. Chicago:
University of Chicago Press, 2011.
40
ANDERSEN, Rune S.; MÖLLER, Frank. Engaging the Limits of Visibility. Security Dialogue, v. 44, n. 3, p. 207, 2013.
60
61
Profecia de ossos secos – noite vermelha, David Rankin, 1997
Como visualizar a paz? Zona neutra das Nações Unidas em Nicósia, Chipre, julho de 2014
que o processo de insinuar – ao invés de mostrar claramente – estilhaça a ilusão de que as
imagens são de alguma forma representações autênticas da realidade.
A arte cumpre um papel tão poderoso, precisamente porque ela não tenta representar o
mundo visualmente da forma como é, ou não depende de padrões visuais reconhecíveis.
O próprio poder da arte está na estimulação da nossa imaginação por meio da criação de
uma distância entre si mesma e o mundo. O significado político da arte se encontra em
seu engajamento autoconsciente com a representação – uma questão que é ignorada
pela maioria das abordagens à política. Muitos cientistas sociais, por exemplo, tendem a
presumir que podemos ter um conhecimento autêntico do mundo contanto que os métodos
corretos de questionamento sejam empregados. Em contraste, abordagens estéticas fazem
referência à fragilidade da realidade política, ao fato de que sempre haverá uma divisão entre
uma representação específica e aquilo que ela representa (Ankersmit, 1996; Bleiker, 2009;
Gadamer, 1986, p. 88)41. A invisibilidade é aqui não uma ausência, mas uma maneira de permitir
que o leitor compreenda as complexas dimensões políticas e emocionais da realidade e suas
aparências visuais. A forma mais extrema de legitimizar a invisibilidade é a arte abstrata, que
desafia qualquer forma de representação.
Considere o artista australiano David Rankin. Grande parte de sua arte é simultaneamente
abstrata e diretamente voltada a questões políticas. Seu engajamento com o legado do
Holocausto, por exemplo, consiste em uma série de pinturas abstratas que atraem os sentidos
daqueles que as observam, convidando-os a imaginar, contemplar e refletir a respeito do
sentido mais profundo da dor, do trauma e da perda. Como representações reconhecíveis
das atrocidades dos nazistas são ausentes, ao mesmo tempo em que são conhecidas por
todos, a abstração é uma forma de usar a invisibilidade para retratar o impossível e suas
consequências políticas.
41
ANKERSMIT, Franklin R. Aesthetic Politics: Political Philosophy Beyond Fact and Value, CA: Stanford
University Press, 1996.
BLEIKER, Roland. Aesthetics and World Politics. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2009.
62
63
Mesmo hoje, depois do governo chinês ter deixado para trás o espírito revolucionário radical
e violento de Mao, milhares de pessoas ainda formam filas e esperam por horas para prestar
homenagem ao corpo preservado do presidente.
Estamos totalmente cercados por imagens e artefatos visuais. Eles influenciam o que vemos
e não vemos e, nesse sentido, moldam nossa visão e práticas políticas. Também leve em conta
que as imagens são forças políticas. Elas desempenham o que é político e, de certo modo,
influenciam a política direta ou indiretamente e com o passar do tempo. Por isso, é essencial
valorizarmos ainda mais as dimensões visuais da política se quisermos compreender e
enfrentar os desafios fundamentais das relações internacionais de hoje.
Mausoléu de Mao Tsé-Tung, Pequim
CONCLUSÃO
As imagens e artefatos visuais não são fatores progressivos ou regressivos. Da mesma forma
que podem reforçar relações de poder em operação também podem confrontá-las. Mas esses
fatores estão inevitavelmente ligados ao poder, e este poder está no centro definitivo da
política internacional.
As imagens não são apenas usadas e exploradas para propósitos políticos. Elas causam
efeitos políticos diretamente. E esses efeitos são numerosos. Permita-me focar em uma
dimensão de forma a ilustrar a questão. É uma dimensão importante: a forma como as
imagens e artefatos retratam e desempenham de maneira visual, enquadrando politicamente,
um senso de identidade e comunidade. Bandeiras, paradas, símbolos religiosos, monumentos
e mausoléus são apenas os exemplos mais óbvios. Observe o mausoléu de Mao, localizado
na Praça da Paz Celestial em Pequim. É um monumento nacional projetado para celebrar
o espírito revolucionário da China e promover um senso de identidade, união e propósito.
64
65
ThE POLITICS
Of IMAGES IN
INTERNATIONAL
RELATIONS
by Roland Bleiker
We live in a visual age. Images shape international events and our understanding of them.
Photographs, cinema and television influence how we view and approach phenomena as
diverse as war, humanitarian disasters, protest movements, financial crises and election
campaigns. Politicians have been acutely aware of this ever since shocking images of the
Vietnam War influenced domestic and international support for US foreign policy (Kennedy,
2008)1. The UN Secretary General regularly urges photojournalists to produce more images,
particularly of atrocities that seem to exist in silence and demand urgent action (Pronk 2005;
Devereux, 2010: 124-134)2.
The dynamics of visual politics reach in all directions and go well beyond traditional media
outlets. The examples are numerous. Digital media, such as Twitter, YouTube, Facebook and
Instagram, play an increasingly important role across the political spectrum, from terrorist
recruitment drives to social justice campaigns. High profile visual artists, such as Anselm
Kiefer and Ai Weiwei, have become influential voices of political dissent. Fashion and
videogames are frequently derived from and enact the militarised world we live in. Drones,
satellites, and surveillance cameras profile terrorist suspects and identify military targets.
1
KENNEDY, Liam. Securing vision: photography and US foreign policy. Media, Culture & Society, SAGE
Publications, v. 30, n. 3, p. 279-284, 2008.
2
PRONK, Jan. We Need More Stories and More Pictures. Jan Pronk, October 8, available at:
<www.janpronk.nl/speeches/english/we-need-more-stories-and-more-pictures.html>.
We live in a visual age indeed. Images surround everything we do. This omnipresence of
images is political and has changed fundamentally how we live and interact in today’s world.
Scholarly fields such as art history and media, cultural and communication studies have for
long examined visual representations. But we still know far too little about the precise role
visuality plays in the realm of politics and international relations. And we know even less
about the concrete practical implications. Addressing this gap is particularly pertinent since
new technologies now allow for the speedy and easy distribution of still and moving images
across national boundaries.
The purpose of this chapter is to highlight some of the key issues at stake in understanding
the political role of images in international relations. In doing so I draw on some of my previous
work on the issue, most notably Bleiker (2018)3, but also Bleiker (2001, 2012, 2014, 2015)4;
Bleiker, Campbell, and Hutchison (2014)5; Bleiker, Campbell, Hutchison and Nicholson (2013)6;
Bleiker and Kay (2007)7; Hutchison and Bleiker (2014, 2016)8; Bleiker and Butler (2016)9.
3
BLEIKER, Roland. Visual Global Politics. Londres: Routledge, 2018.
4
Idem. The Aesthetic Turn in International Political Theory. Millennium: Journal of International Studies,
v. 30, n. 3, p. 509-533, 2001.
Idem. Visual Assemblages: From Causality to Conditions of Possibility. In: ACUTO, Michele; CURTIS, Simon
(orgs.). Reassembling International Theory: Assemblage Thinking and International Relations. Nova York:
Palgrave Macmillan, 2014.
Idem. Pluralist Methods for Visual Global Politics. Millennium: Journal of International Studies, v. 43, n. 3,
p. 872-890, 2015.
5
BLEIKER, Roland; CAMPBELL, David; HUTCHISON, Emma. Visual Cultures of Inhospitality. Peace Review,
v. 26, n. 2, p. 192-200, 2014.
6
BLEIKER, Roland; CAMPBELL, David; HUTCHISON, Emma; NICHOLSON, Xzarina. The Visual
Dehumanization of Refugees. Australian Journal of Political Science, v. 48, n. 3, p. 398-416, 2013.
7
BLEIKER, Roland; KAY, Amy. Representing HIV/AIDS in Africa: Pluralist Photography and Local
Empowerment, International Studies Quarterly, v. 51, n. 1, p. 139-163, 2007.
8
HUTCHISON, Emma. Affective Communities in World Politics: Collective Emotions After Trauma.
Cambridge: Cambridge University Press, 2016.
HUTCHISON, Emma; BLEIKER, Roland. Art, Aesthetics and Emotionality. In: SHEPHERD, Laura J. (ed.).
Gender Matters in Global Politics. Londres: Routledge, 2014.
9
BLEIKER, Roland; BUTLER, Sally. Radical Dreaming: Indigenous Art and Cultural Diplomacy. International
Political Sociology, v. 10, n. 1, p. 56-74, 2016.
66
67
THE POLITICAL ROLE OF IMAGES AND VISUAL ARTEFACTS
To appreciate the issues at stake it is important to look not only at two-dimensional images,
as illustrated in the examples above, but also at three-dimensional visual artefacts and
performances. The latter include influential phenomena, such as border installations,
churches, national monuments and parades. Visual images and visual artefacts differ in
their nature and function. For one, images have the potential to circulate rapidly while some
artefacts are limited by their physical nature and location. But they are also linked in numerous
ways and have at least three common dimensions, which will be explored through the book.
First: at a time of globalization and global communication the boundaries between images
and visual artefacts become more and more blurred. Consider the Vietnam Veterans Memorial
in Washington DC, designed by Maya Lin. It is one of the most influential visual artefacts, a
monument visited by millions of people who often leave with deeply emotional impressions.
But most people around the world have “seen” the monument not as a result of a personal
visit, but through images that circulate online, in newspapers, on TV and in movies. The same
is the case with almost any influential visual artefact or performance, from flags to military
parades and televised presidential election debates: they are always more than localized
three-dimensional objects or phenomena. They are artefact-performance-constellations that
circulate politically through still and moving images.
seeks to capture not the factual aspects of wars but their traumatic human and emotional
dimensions. In so doing Guernica has become a constant public and political reminder of
the moral dangers of war. Consider how, in February 2003, the U.S. Secretary of State, Colin
Powel, made a case for war with Iraq to the United Nations in New York. He had to do so outside
the Security Council chamber, which features a large tapestry reproduction Guernica. For the
occasion of Powell’s speech Guernica was (in-)famously hidden behind a blue cover: its visualemotional-ethical message was too powerful and subversive to be seen. As Maureen Dowd
(2003) put it: “Mr Powell can’t very well seduce the world into bombing Iraq surrounded on
camera by shrieking and mutilated women, men, children, bulls and horses.”
Third, and already illustrated by Guernica: images and visual artefacts do things. They are
political forces in themselves. They often shape politics as much as they depict it. Early modern
cartographic techniques played a key role in legitimising the emergence of territorial states.
Hollywood films provide us with well-rehearsed and deeply entrenched models of heroes and
villains to the point that they shape societal values. A terrorist suicide bombing is designed
Second: images and visual artefacts tell us something about the world and, perhaps more
importantly, about how we see the world. They are witnesses of our time and of times past. A
satellite image provides information about the world’s surface. Photographs document wars
or diplomatic summits or protest movements. Monuments remind us of past events and their
significance for today’s political communities. Sometimes images and artefacts entrench
political practices. For instance: a variety of seemingly mundane visual performances, from
hairstyles to body movements, signal and normalise gendered systems of exclusion. But
sometimes images can also uproot political practices. Indigenous photographs – as the
one on the cover of this book by Michael Cook – can challenge stereotypes and the colonial
understanding of history associated with them.
Some credit this artistic creativity with the potential to fundamentally reorient our political
world. A work of art can lead us to see the world in a new light and help us rethink assumptions
we have taken for granted, including those about politics. Or so believes Alex Danchev (2016:
91)10, who was convinced that “contrary to popular belief, it is given to artists, not politicians,
to create a new world order.” Look, as an example, at Pablo Picasso’s famous painting
Guernica, which has become one of the most iconic and influential anti-war statements. It
10
DANCHEV, Alex. On Good and Evil and the Grey Zone. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2016.
U.S. veterans point out a familiar name at the Vietnam War memorial following a Veterans Day ceremony, Nov. 11, 2006
68
69
to kill people with a maximum visual impact: images of the event are meant to go around the
world and spread fear. In this way images become weapons themselves in in a myriad of ways:
not just to project fear but to recruit combatants; to sway public option; to guide drones and
missiles; in short, to wage visual war.
THE VISUAL TURN
When characterising the nature of our world today, W.J.T. Mitchell (1986, 1994)11 speaks of a
“visual” or “pictorial” turn, stressing that people often perceive and remember key events more
through images than through verbal accounts. He writes of a “new heightened awareness” of
the role of visuality, even of how the problem of our time is the “problem of the image.”
In the world of politics, the ensuing implications are particularly pronounced. Our understanding
of terrorism, for instance, is inevitably intertwined with how images dramatically depict the
events in question, how these images circulate world-wide, and how politicians and the public
respond to these visual impressions. Take the terrorist attacks of 11 September 2001. There
is no way to understand the origin, nature and impact of the event without understanding
the role of images. The attack was designed for visual impact. Images circulated immediately
world-wide, giving audiences a sense of how traumatic and how terrible the event was. Many
of these emotional images not only shaped subsequent public debates and policy responses,
including the war on terror, but also remain engrained in our collective consciousness.
Images are, of course, not new, nor have they necessarily replaced words as the main means
of communication. Images and visual artefacts have been around from the beginning of time.
The visual has always been part of life. Images were produced not only to capture key aspects
of human existence, but also to communicate these aspects to others. Examples range from
prehistoric cave paintings that document hunting practices to Renaissance works of art.
Some of these images and cultural artefacts we still see today and they continue to influence
our perception and understanding of the world.
But there are two ways in which the politics of images has changed fundamentally.
First is the speed at which images circulate and the reach they have. Not that long ago, during
the time of the Vietnam War, it would have taken days if not weeks for a photograph taken in
the war zone to reach the front-page of, say, the New York Times. In today’s digital world, a
photograph or a video can reach audiences world-wide immediately after it has been taken.
11
MITCHELL, Willian John Thomas. Iconology: Image, Text, Ideology. Chicago: The University of Chicago Press,
1986. Idem. Picture Theory: Essays on Verbal and Visual Representation. Chicago: The University of
Chicago Press, 1994.
Media networks can now make a local event almost instantaneously global, whether it is a
terrorist attack, a protest march, an election campaign rally or any other political phenomena.
But it is not just that global media networks now cover news events 24 hours a day. The issue
goes well beyond the influential CNN-effect (Robinson, 2002)12. The circulation of news has
changed fundamentally. Even traditional newspapers – from Le Monde and Der Spiegel to The
Guardian – are meanwhile multi-media organisations with a substantial internet-presence.
They cater to an audience that consumes news increasingly through smartphones, tablets and
other mobile devices.
Second is what one could call the democratisation of visual politics. It used to be that very few
actors – states or global media networks – had access to images and the power to distribute
them to a global audience. Today, everyone can take a photograph with a smartphone, upload
it on social media and circulate it immediately with a potential world-wide reach.
The result is an unprecedented visualisation of both our private lives and our political
landscape: a global communication dynamic that is fundamentally new and rooted in
various networks and webs of relations (Favero, 2014: 66)13. Look at the Arab Spring uprising
that started in Egypt in 2011. One of the most remarkable episodes occurred when a young
woman blogger, Aliaa Elmahdy, posted a nude photograph of herself on her blog. She did so to
protest gender discrimination in Egypt and called for more personal freedom, including sexual
autonomy. Her private-cum-public photographs circulated immediately and widely around
the world. They generated extensive public protests in Egypt and a wave of feminist solidarity
abroad. Or consider how the terrorist organisation Islamic State is using beheading videos as
part of a carefully orchestrated and well organised social media strategy, aiming at numerous
audiences simultaneously (Molin Friis, 2016)14.
Any small group or individual, no matter what their location or political intent, can potentially
produce and circulate images that, in today’s new media language, go viral. Historians would
remind us, though, that images have gone viral before the internet era. Engravings of the
traumatic earthquake in Lisbon in 1755 rapidly spread across Europe, providing publics eager
for news with visual evidence about the disaster (Sliwinski, 2011: 37-8)15. Likewise, a few
months after Eugène Delacroix witnessed and painted Les Massacres de Chios in Greece in
12
ROBINSON, Piers. The CNN Effect: The Myth of News Foreign Policy and Intervention. Nova York:
Routledge, 2002.
13
FAVERO, Paolo. Learning to look beyond the frame: reflections on the changing meaning of images in the
age of digital media practices. Visual Studies, v. 29, n. 2, p. 166-179, 2014.
14
FRIIS, Simone Molin. Behead, Burn, Crucify, Crush: Theorizing the Islamic State’s Public Display of
Violence. Esboço apresentado no Programa de Política Visual da Universidade de Queensland, 30 set.
2016. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=sBi5CGoz6mE>.
15
SLIWINSKI, Sharon. Human Rights in Camera. Chicago: University of Chicago Press, 2011. p. 37-38.
70
71
What we have here is nothing less than a visual communication revolution that has shaken
the foundations and hierarchies of established media networks. We see a dismantling of the
division between broadcaster and viewer, producer and consumer.
THE POWER OF VISUAL ICONS
There are few realms where the power of images is more obvious than with icons. Robert
Harriman and John Lucaites (2007)17 defined icons as widely known and distributed images
that represent “historically significant events, activate strong emotional identification or
response, and are reproduced across a range of media, genres, or topics.” Some scholars go
as far as stressing that iconic images are so effective in recalling political events that they
often become “primary markers” themselves (Zelizer, 2002: 699)18. This is to say that over time,
an event is recognised publicly not primarily by its political content but by its photographic
representation. The representation then becomes content itself.
Women in the Revolution Graffiti. Note, this is not the actual photograph that Aliaa Elmahdy posted on her blog. It
is a graffiti representation of the photograph and a portrayal of Samira Ibrahim, who launched a lawsuit against the
Egyptian Army for conducting “virginity checks” on protesters
1823, it was exhibited in Paris and people flocked to view the artwork. It did, in this sense, go
viral and might have played a role in persuading French elites and policy-makers to change
their position and support the Greek war of Independence against the Ottoman Empire
(Rodogno, 2012: 72-73; see also Los Angeles County Museum of Art 2015; Bellamy, 2012)16.
The difference between then and today is nevertheless dramatic: more and more people now
have the ability produce and distribute images and the speed at which they can go viral today
is unprecedented and has unprecedented consequences.
16
Consider two well-known examples of iconic photographs that have come to stand for the crises
they depict. First is Nick Ut’s Pulitzer Prize winning Vietnam War image of 1972. It depicts nine
year old Kim Phuc, naked, badly burned and fleeing from her South-Vietnam village after it was
napalmed. At the time this photograph directed public gaze to the atrocities committed against
innocent civilians. It transformed public and political perceptions of the war, so much so that
it contributed to further eroding the war’s legitimacy (see Harriman and Lucaites 2003: 35-66,
2007)19. In fact, half a century later the image still stands as a metaphorical representation
of the Vietnam War and the suffering it brought. The second well known example is another
Pulitzer Prize winning photograph, taken in 1993 in the famine-stricken Sudan, by Kevin Carter.
Carter’s photograph depicts a starving child in an unfathomable manner: kneeling helplessly
on the ground, her head in her heads, while a vulture watches over. It was an image that “made
the world weep” and stood – as it continues to do – as a powerful marker of the problem of
poverty in the developing world.
At a time when we are saturated with information stemming from multiple media sources,
iconic photographs remain influential for their ability to capture social and political issues in
17
HARIMAN, Robert; LUCAITES, John Louis. No Caption Needed: Iconic Photographs, Public Culture, and
Liberal Democracy. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
RODOGNO, Davide. Against Massacre: Humanitarian Interventions in the Ottoman Empire, 1815-1914.
Princeton: Princeton University Press, 2012.
18
ZELIZER, Barbie. Finding aids to the past: bearing personal witness to traumatic public events. Media,
Culture & Society, SAGE Publications, v. 24, n. 5, p. 697-714, 2002.
BELLAMY, Alex J. Massacres and Morality: Mass Atrocities in the Age of Civilian Immunity, Oxford: Oxford
University Press, 2012.
19
HARIMAN, Robert; LUCAITES, John Louis. No Caption Needed: Iconic Photographs, Public Culture, and
Liberal Democracy. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
72
73
succinct and mesmerising ways. They serve as “visual quotations” (Sontag, 2003: 22)20. Icons,
in this sense, shape public opinion because they are part of the collective fabric through which
people and communities make sense of themselves.
THE EMOTIONAL POWER OF IMAGES
There is clearly something unique about images. They have a special status. They generate
excitement and anxieties. “Why is it,” Mitchell (2005: 7)21 asks, “that people have such strange
attitudes towards images?”
Why is it that audiences are given a stern warning before they see shocking images of, say,
war or terror or bodily mutilation or, as above, impending death? Why, Lene Hansen (2014)22
asks, do we not get the same warning with verbal depictions? Consider how news outlets
that published images of the bombing of the Boston marathon in 2013 felt compelled to add
notes that read “Warning: This image may contain graphic or objectionable content” (Haugney,
2013)23. No such warning was given with language-based articles of the same event, even
though they described the horror of the attack in equally great detail. What makes images
seemingly more dangerous and powerful than words?
Part of what makes images unique is that they often evoke, appeal to, and generate emotions.
Pictures of traumatic events, such as terrorist attacks, natural catastrophes or airplane
crashes, seem able to capture the unimaginable. This is why news coverage of such traumas is
frequently accompanied by images, as if they could provide audiences with a type of emotional
insight that words cannot convey. Images seem to convey the pain and distress of victims
better than words do. They are thus central to how audiences world-wide perceive and thus
also understand and respond to crises (Hutchison, 2016)24.
Film and television are visual media that appeal to feelings and emotions in a particularly
powerful way. Cinematic depictions of political issues offer the viewer a very visceral experience,
in part because they combine narratives, visual images and sound. But such depictions are also
powerful because they are based on individual characters and the moral choices they make,
offering the viewer not just an abstract depiction of politics but a form of cinematic storytelling
that allows them to identify with particular individuals and their situations. As a result, distant
and complex political topics become accessible through personal stories (see Plantinga and
Smith, 1999)25. The political effects of these visual-emotional character developments can be
diverse. They can put viewers into historical or contemporary experience that they otherwise
would never be able to have. Images – in moving and still form – can clearly have very powerful
emotional and political effects. They can convey the meaning of political events across time
or to audiences far away. They shockingly remind us, as John Berger (1991: 42)26 puts it, “of the
reality, the lived reality, behind the abstractions of political theory, causality statistics or news
bulletins.” They serve as “an eye we cannot shut.”
UNDERSTANDING THE IMPACT OF IMAGES AND VISUAL ARTEFACTS
So far one thing is clear: images matter. I have provided two brief examples – on icons and
on emotions – to illustrate the power of images and the complexity of the political dynamics
associated with them.
But how do we actually know that what we know is accurate? For instance, what is the exact
political impact of an image – say a photograph of a tsunami victim on the front page of the
New York Times? People around the world are inevitably influenced by seeing a humanitarian
tragedy depicted through the photograph of a suffering individual. But what is the exact impact
of this image and how do we know?
The task of understanding the precise impact of images is not easy. Images work in complex
ways, crisscrossing a range of geographical and temporal boundaries – all the more since new
technologies, from global media networks to new media sources, now allow for an ever faster
and easier circulation of images.
Let me start with two examples where images clearly mattered and had a direct political
impact.
First is the debate on the use of torture in the war against terror. As early as the summer
of 2003, it was publicly known – in part through reports from Amnesty International – that
US troops were using torture techniques when interrogating prisoners in Iraq. There was,
20
SONTAG, Susan. Regarding the Pain of Others. Nova York: Farrar, Straus, and Giroux, 2003.
21
MITCHELL, Willian John Thomas. What do Pictures Want? The Lives and Loves of Images. Chicago:
University of Chicago Press, 2005.
22
HANSEN, Lene. Annual Michael Hintze Lecture in International Security. Palestra apresentada na
Universidade de Sydney, 20 fev. 2014.
23
HAUGNEY, Christine. News Media Weigh Use of Photos of Carnage. The New York Times, 17 abr. 2013.
Disponível em:<www.nytimes.com/2013/04/18/business/media/news-media-weigh-use-of-photos-of-carnage.html>.
25
24
HUTCHISON, Emma. Affective Communities in World Politics: Collective Emotions After Trauma.
Cambridge: Cambridge University Press, 2016.
PLANTINGA, Carl; SMITH, Greg M. (ed.). Passionate Views: Film, Cognition, and Emotion. Baltimore: Johns
Hopkins University Press, 1999.
26
BERGER, John. About Looking. Nova York: Vintage Books, 1991.
74
75
Goriunova, 2015)28. People reacted with a level of empathy that was unusual. All of a sudden,
public attitudes toward refugees changed across Europe but particularly in Germany, where
one witnessed the emergence of what was called a Willkommenskultur, a culture of welcoming
refugees. There were images of refugees arriving in Munich and being welcomed to cheers by
German people. Everywhere, Germans were helping out. This shift directly correlated with the
image of Alan Kurdi going viral. An empirical study shows that there was not only a massive
spike in social media discussion of the crisis but also, and more importantly, that he positive
word “refugee” increased far more than the more pejorative term “migrant” (Vis and Goriunova,
2015)29 This one image of a dead boy clearly played a key role in this shift. Of course, we all
empathise with a three year old boy. Children are innocent and to see an innocent victim is
something that rallies people. In the case of Alan Kurdi, the image changed both public aptitudes
and policies: the German Chancellor, Angela Merkel, adapted a much more progressive policy
toward refugees. She famously declared “wir schaffen das” (“we’ll manage that”). But the
public mood changed after the terrorist attacks in Paris in November 2015, which killed 130
people, and after a large group of mostly immigrant men assaulted over a thousand women
during a New Year’s eve celebrations in Cologne. By then, the Willkommenskultur had been
replaced by an “Abschiebekultur,” a culture that favours sending refugees back. But despite
this backlash, the image of Alan Kurdi did, at least in the short run, have an impact on public
attitudes and policies.
An unidentified Abu Ghraib detainee, seen in a 2003 photo
however, little public interest or discussion about the issue. Nobody seemed to care. Domestic
and international outrage only emerged in the spring of 2004, in direct response to graphic
photographs of US torture at the Abu Ghraib prison facilities. All of a sudden there was
a massive public outcry and discussion about whether or not torture is a legitimate way of
waging the war on terror. This shift was not linked to the knowledge of torture, which was
always there, but to audiences world-wide witnessing the demeaning nature of torture though
graphic and emotional images. While these visual shifts may not have fundamentally altered
US foreign policy, they stand for years to come as symbols of America’s abuse of power and
loss of legitimacy and prestige (Hansen, this volume, 2015: 264-265)27.
Alan Kurdi and the debate on torture illustrate the power of images to shape political debates
and phenomena directly. But in most cases it is much more difficult to ascertain if images have
a direct impact.
Only in rare instances do images directly cause political events. In most cases the impact of
images is more diffuse. There are, for instance, clear links between the dramatic images of the
terrorist attacks on 11 September 2001, the highly emotional rhetoric of good versus evil that
emerged in response, and the ensuing war on terror. But these links would be very difficult – if
not impossible – to assess with cause-effect models. As Jacques Rancière (2004: 63)30 put
it: “Politics has its aesthetics, and aesthetics has its politics. But there is no formula for an
appropriate correlation.”
Causality is not the right concept to understand the impact of images, at least not if approached
Second is the European refugee crisis of 2015. Key here is a photograph of a three year old
Syrian refugee, Alan Kurdi, found dead on a beach in Turkey on 2 September 2015. That image
circulated immediately around the world, reaching 20 million screens in 12 hours (Vis and
27
HANSEN, Lene. How images make world politics: International icons and the case of Abu Ghraib. Review of
International Studies, v. 41, n. 2, p. 264-265, 2015.
28
VIS, Farida; GORIUNOVA, Olga. The Iconic Image on Social Media: A Rapid Research Response to the
Death of Aylan Kurdi. Sheffield: The University of Sheffield, 2015. In: Visual Social Media Lab. October 8,
available at: <http://visualsocialmedialab.org/blog/the-iconic-image-on-social-media-a-rapid-responseto-the-death-of-aylan-kurdi> (accessed January 2017)
29
Op. cit.
30
RANCIÉRE, Jacques. The Politics of Aesthetics: The Distribution of the Sensible. Londres: Continuum, 2004.
76
77
in a conventional social scientific manner. But one could perhaps speak of “discursive
causality” or “discursive agency” (Hansen 2006: 26, see also 2015: 274-5; Bleiker 2000: 208)31.
This would retain a notion of impact but acknowledge that images work gradually and across
time and space. They transgress numerous borders – spatial, linguistic, psychological, and
other ones. They work inaudibly but powerfully: by slowly entrenching – or challenging – how
we view, think of and thus also how we conduct politics. Images, in this sense, are political
because they frame what William Connolly (1991)32 called “conditions of possibility” within
which politics takes place. The thorny issue of how to approach impact is crucial and thus
needs further elaboration.
THE POLITICS OF VISIBILITY AND INVISIBILITY
The most prominent advocate of such an approach to images is Rancière. He speaks of the
“distribution of the sensible,” that is, of how in any given society and at any given time, there
are boundaries between what can be seen and not, felt and not, thought and not and, as a
result, between what is politically possible and not. These boundaries are arbitrarily but often
accepted self-evidently as common sense (Rancière, 2004: 13; see also Rockhill, 2009: 199200)33.
Images influence the distribution of the sensible. They frame or reframe the political, either by
entrenching existing configurations of seeing, sensing, and thinking, or by challenging them.
The boundaries between what is sensible and not sometimes shift rapidly, as in the case of
torture debates, but mostly they evolve gradually as the visual world around us shifts and
evolves. Images reveal and conceal.
Man in a Bear Market – Losing Money in the Market, Jack Moreth
An immediate and normal reaction to a concept of politics as a struggle over visibility is: what
happens to people, issues and phenomena that we do not see? What happens when we do
not see violence, human rights violations, mass rape during war? Consider how many of the
world’s most deadly conflicts, particularly in Africa, are not covered by global media because
there are no Western geopolitical interests at stake (Kirkpatrick, 2016: 91, 97)34.
31
HANSEN, Lene. Security as Practice: Discourse Analysis and the Bosnian War. Nova York: Routledge, 2006.
Idem. How images make world politics: International icons and the case of Abu Ghraib. Review of
International Studies, v. 41, n. 2, p. 274-275, 2015.
BLEIKER, Roland. Popular Dissent, Human Agency and Global Politics. Cambridge: Cambridge University
Press, 2000.
32
CONNOLLY, William E. Identity/Difference: Democratic Negotiations of the Political Paradox. Ithaca:
Cornell University Press, 1991.
33
RANCIÈRE, Jacques. The Politics of Aesthetics: The Distribution of the Sensible. Londres: Continuum, 2004. p. 13
ROCKHILL, Gabriel. The Politics of Aesthetics: Political History and the Hermeneutics of Art. Jacques
Rancière. Duke University Press, 2009. p. 199-200.
A related problem is about what happens to political phenomena that are hard to visualise?
How can we “see” financial transactions, for instance. We can see banknotes or checks or bank
statements but mostly finance occurs invisible. And what about peace? We have numerous
visual icons that signify war but is there is not even a concept like peace photography. If peace
is seen as the absence of violence, then there is literally an unlimited and meaningless number
of images that can depict this (Möller, 2017)35.
34
KIRKPATRICK, Marie. Photography, the State and War: Mapping the Contemporary War Photography Land
scape. Tese de doutorado, Universidade de Ottawa, 2016.
35
MÖLLER, Frank. From Aftermath to Peace: Reflections on the Photography of Violence. Global Society,
v. 31, n. 3, p. 323, 2017.
78
79
80
81
>>> previous image: How to visualize peace? United Nations Buffer Zone in Nicosia, Cyprus, July 2014
While the relationship between visibility and politics is complex, one can depict a range of
historical evolutions as struggles over what is seen and not. Nicholas Mirzoeff (2011: 2)36
reminds us that the very term “visuality” goes back to the 19 th century and signifies “the
visualisation of history.” He goes on to stress that visualised techniques, developed during
plantation slavery paved the way for the type of centralised leadership that lies at the core of
contemporary political orders (Mirzoeff, 2011: 10, 22-23)37.
The division between what is seen or not inevitably has far-reaching political consequences.
But the respective boundaries are not clear-cut. Making something visible is not necessarily
positive. Visibility can also entrench existing political patterns. The above example of visual
metaphors for finance and financial crises might be widespread and recognizable, but they do
not necessarily provide us with adequate insight into finance. Indeed, these visual metaphors
present finance as a technical affair related to stock prices and market movements. They gloss
over complexities and masks the politics that underlie them. For instance, they normalize and
legitimize neo-liberal values and vide from view the human cost associated with economic
crises or simply with regular market economics.
Likewise, invisibility is not inevitably always a negative. Indeed, Rune Andersen and Frank
Möller (2013: 206)38 stress that the invisible can be just as important if not more than what we
actually see. Look at how suppressing photographic evidence of the killing of Osama Bin Laden
only spurred the public’s imagination and generated suspicion and conspiracy theories (see
also Mitchell, 2011)39. Andersen and Möller (2013: 207)40 go as far as arguing that invisibility
can actually “activate the imagination” because the process of alluding, rather than showing
in full, shatters the illusion that images somehow are an authentic representations of reality.
Art plays such a powerful role precisely because it does neither try to visually represent the
world as it is nor relies on familiar visual patterns. The very power of art lies in stimulating our
imagination by creating a distance between itself and the world. The political significance of
art is located in its self-conscious engagement with representation – an issue that is ignored
by most approaches to politics. Many social scientists, for instance, tend to assume that we
36
MIRZOEFF, Nicholas. The Right to Look: A Counterhistory of Visuality. Durham: Duke University Press, 2011.
37
Op. cit.
38
ANDERSEN, Rune S.; MÖLLER, Frank. Engaging the Limits of Visibility. Security Dialogue, v. 44, n. 3, p. 206, 2013.
39
MITCHELL, Willian John Thomas. Cloning Terror: The War of Images, 9/11 to the Present. Chicago:
University of Chicago Press, 2011.
40
ANDERSEN, Rune S.; MÖLLER, Frank. Engaging the Limits of Visibility. Security Dialogue, v. 44, n. 3, p. 207, 2013.
Prophecy of Dry Bones – Red Night, David Rankin, 1997
can have authentic knowledge of the world as long as we employ the correct methods of inquiry.
By contrast, aesthetic approaches speak of the brokenness of political reality, of the fact that
there will always be a gap between a particular representation and what it represents (see
Ankersmit, 1996; Bleiker, 2009; Gadamer 1986; 1999: 88)41. Invisibility here is not a lack, but
a way of allowing a reader to understand the complex emotional and political dimensions of
reality and its visual appearances. The most extreme form of legitimizing invisibility is abstract
art, which defies all forms of representability.
Consider the Australian artist David Rankin. Much of his work is both abstract and, at the same time,
directly concerned with political issues. His engagement with the Holocaust legacy, for instance,
consists of a series of abstract paintings that appeal to the viewers senses and invite her or him to
imagine, reflect and contemplate the deeper meaning of pain, trauma and loss. Because familiar
depictions of Nazi atrocities are absent and yet known to everyone at the same time, abstraction is
a way of using invisibility to depict the impossible and its political consequences.
41
ANKERSMIT, Franklin R. Aesthetic Politics: Political Philosophy Beyond Fact and Value, CA: Stanford
University Press, 1996.
BLEIKER, Roland. Aesthetics and World Politics. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2009.
82
83
Images and visual artefacts are all around us. They influence what we see and don’t and, in
this sense, frame our political vision as well as our political practices. Add to this that images
are themselves political forces. They perform the political and, in this sense, influence
politics either directly or indirectly and over time. This is why a greater appreciation of the
visual dimensions of politics is essential if we are to both understand and grapple with the key
challenges in international relations today.
Mausoleum of Mao Zedong, Beijing
CONCLUSION
Images and visual artefacts are neither progressive or regressive. They can entrench existing
power relations or they can uproot them. But they are inevitably linked to power and this power
is at the very centre of international politics.
Images are not just used and abused for political purposes. They do political things themselves.
And they do a lot of things. So let me just focus on one realm as an illustration. It is an important
realm: how images and artefacts visually depict and perform and thus politically frame a sense
of identity and community. Flags, parades, religious symbols, monuments and mausoleums
are just the most obvious examples. Look at the Mao Mausoleum, located at the Tiananmen
Square in Beijing. It is a national monument designed to celebrate China’s revolutionary sprit
and foster a sense of identity, unity and purpose. Even today, when the Chinese government
has moved on from the radical and violent revolutionary spirit of Mao, thousands of people still
line up and wait for hours to pay their respect to the preserved body of the Chairman.
85
“DESNATURALIZANDO
O VISUAL”: O fILME DE
ENSAIO COMO PENSAMENTO
POLíTICO EM IMAGENS
por Philipp Jeandrée
Tradução: Pedro Vieira
Como o cinema experimental se articula com o pensamento político? O que a criação de filmes
pode nos ensinar sobre os mundos de imagens em que vivemos? O presente capítulo sugere
que imagens em movimento refletem um modo de pensamento político crítico e criativo que
enfatiza a natureza parcial, incorporada, condicionada e especulativa da percepção visual.
Usando o exemplo dos filmes ensaísticos do cineasta alemão Harun Farocki (1944-2014), eu
exploro a potência política de imagens em movimento como uma forma distinta de pensar
em e sobre imagens. Os filmes e instalações de Farocki dão continuidade a uma tradição de
“modernismo político”, desafiando os meios dominantes de representação visual, mas ao
mesmo tempo separando-os de qualquer visão em grande escala de profunda transformação
social. Portanto, a potência política dos filmes de Farocki não é um espaço estético-visual
educativo em que posições “contra-hegemônicas” são apresentadas. Ao invés disso, a sua
obra contribui para uma micropolítica incerta de reflexão cognitiva, afetiva e personificada,
criando assim um potencial ponto de partida para ideias e ações posteriores. Ao fazer isso, os
filmes de Farocki não apenas abrangem um modo de pensamento, mas também constituem
uma forma distinta de teoria política audiovisual.
O FILME DE ENSAIO COMO UM MODO DE PESQUISA E INVESTIGAÇÃO TEÓRICA
A teoria no antigo sentido de theōria, que significa “visualizar”, “contemplar” ou “olhar para”,
corresponde a um entendimento do cinema que não apenas proporciona uma perspectiva ou
visão de mundo, mas que já contém uma interpretação contemplativa e especulativa de suas
86
87
próprias condições de possibilidade. A prática cinematográfica que está plenamente ciente de
sua forma autorreflexiva de pensamento em imagens é conhecida como o filme de ensaio1, um
modo de filme experimental e descontraído que utiliza sua forma cinematográfica como um
método deliberado de exploração para as nossas relações afetivas e cognitivas com o mundo.
A origem da forma literária do ensaio pode ser retraçada a partir da França no século XVI.
O termo “ensaio” se refere à tradição de investigação e reflexão pessoal, proeminentemente
representada na obra de Michel de Montaigne. Na tradição francesa, essayer significa
“examinar”, “pesar” e inclusive “tentar”, sugerindo uma exploração vigilante, avaliativa e
especulativa. No sentido montaigniano, o termo “ensaio” significa testar ideias e compreender
a própria subjetividade diante do plano de fundo de observações sociais. O filme de ensaio,
como prática cinematográfica distinta, surgiu no início da década de 80 e deu sequência à
tradição literária através de meios audiovisuais. A ênfase ensaística na experiência subjetiva,
ou mais precisamente em sua problematização, é um elemento fundamental tanto no ensaio
literário quanto em seu equivalente visual. A natureza subjetiva, versátil e espontânea do
pensamento ensaístico constitui uma relação curiosa e investigativa entre o cineasta, o
espectador e o mundo, cujo potencial político não se restringe a resultados pré-concebidos
ou a divergências pré-estruturadas.
Porém, ainda é possível identificar duas dimensões políticas fundamentais dos filmes de
ensaio, suficientemente discerníveis para serem descritas, mas indeterminadas o bastante
para permitirem efeitos imprevisíveis: a primeira dimensão é a desestabilização do sentido
baseada em imagens por meio do autoquestionamento do processo de criação de imagens
e suas condições de possibilidade; a segunda dimensão política dos filmes de ensaio é a
negociação ininterrupta entre o indivíduo e o campo público, suas percepções e reações.
A potência política de imagens ensaísticas em movimento não é definida por uma análise
clara e orientada, mas pelo desdobramento de uma arena para experiências intelectuais,
congnitivas e afetivas. A criação de um espaço cinematográfico criativo como esse transmite
ao espectador o senso de que qualquer ordem social não se trata de um conjunto concedido de
fatos, mas de uma rede cognitiva e afetiva, cujos pontos centrais estão sujeitos a negociações
constantes. Como vimos nos filmes de Harun Farocki, este processo de negociação altera a
aparência de um mundo comum ao expor a natureza subordinada da nossa percepção sensual
e nossos planos sociais.
1
Para uma análise recente dos controversos debates cinemáticos em torno da noção de “filme de ensaio”,
ver: TRACY, Andrew. The Essay Film. Sight & Sound, v. 23, n. 8, 2013, p. 44-52. Para uma discussão crítica a
respeito do caráter híbrido dos “filmes de ensaio”, leia: RASCAROLI, Laura. The Personal Camera:
Subjective Cinema and the Essay Film. Londres: Wallflower Press, 2009.
HARUN FAROCKI E A DESNATURALIZAÇÃO DO MUNDO VISUAL
“A coisa mais simples e verdadeira que se pode dizer sobre a obra de Harun Farocki é que
ela é o produto de uma vida engajada na crítica de imagens com imagens”2, escreveu D. N.
Rodowick, professor de cinema e estudos visuais da Universidade de Chicago – e há pouco a
adicionar. O “cubismo cinematográfico”3 de Farocki problematiza tecnologias de representação
visual e produção de imagens da sociedade contemporânea. Seus filmes nos mostram
que o desenvolvimento tecnológico e o uso em constante alteração de imagens exigem um
engajamento contínuo com o mundo visual. Farocki escreveu: “muitas coisas são novas, e a
maioria delas está em fluxo. Não pode haver um conhecimento indiscutível. Portanto é melhor
(re)organizar o que já existe ao invés de tentar explicar. É necessário inserir elementos ou
fragmentos de percepção em relações em alteração.”4
A obra de Farocki deve ser observada como um modo de exploração visual e questionamento
teórico que se assemelha a uma “pesquisa militante”5. A pesquisa militante descreve um ponto
de encontro entre o meio acadêmico e o ativismo, que combina a investigação teórica com
ações práticas, ponto pelo qual o termo “militante” se refere não à violência, mas à persistência
e ao engajamento crítico. Nesse cenário, os filmes de Farocki oferecem um método para
explorar a agência e papéis políticos das imagens na sociedade contemporânea com base
em três pilares: primeiro, o interesse em formas alternativas de produção de conhecimento
visual, que é expressado com um ceticismo em relação à aparente autoevidência das imagens.
As posições políticas que Farocki desenvolve em seus filmes não apenas emergem de uma
descentralização e desestabilização do sentido, mas também de um uso subversivo de
imagens. Essa noção de subversão torna-se eficaz na forma como Farocki utiliza materiais
de arquivo, gravações perdidas e sequências de filmes e documentários tecnológicos que
ele decontextualiza e recontextualiza de forma a explorar as condições sociais e materiais
que as viabilizaram. Segundo, os filmes de Farocki são uma fusão estética de teoria e prática.
Essa fusão é proeminente na obra de Farocki, pois oferece uma visão simultânea do objeto
examinado e dos procedimentos da examinação. Portanto, a dimensão teórica de sua criação
2
RODOWICK, D. N. Eye Machines. Artforum, v. 53, n. 6, 2015, p. 191.
3
JOHNSON, Ken. Unfiltered Images, Turning Perceptions Upside Down. The New York Times, 26 de agosto
de 2011, C24.
4
“Vieles ist neu, das meiste in Bewegung. Sicheres Wissen kann es nicht geben. Besser also Vorhandenes
montieren, als eine Deutung zu versuchen. Es gilt, Elemente oder Fragmente der Wahrnehmung in
wechselnde Beziehung zu setzen”. EHMANN, Antje; FAROCKI, Harun. Ernste Spiele: Eine Einführung.
Serious Games: Krieg | Medien | Kunst / War | Media | Art. Ed. Ralf Beil e Antje Ehmann. Ostfildern: Hatje
Cantz, 2011. p. 24. Tradução baseada na tradução para o inglês feita pelo autor.
5
Ver Militant Research Handbook, Universidade de Nova Iorque, 2013: disponível em <www.
visualculturenow.org/wp-content/uploads/2013/09/MRH_Web.pdf>
88
89
cinematográfica ensaísta não é algo aplicado de forma externa, mas desenvolvido por meio de
imagens que demonstram como o pensamento teórico é articulado no meio cinematográfico.
O terceiro pilar é uma reflexão crítica da metodologia originada da fusão entre teoria e prática.
O foco não está apenas no resultado de uma investigação crítica, mas também em seus
processos teóricos e métodos estéticos. A autorreflexão crítica e metodológica da obra de
Farocki é caracterizada pela incessante desestabilização e subversão do sentido baseado em
imagens, conduzidas pelo impulso de “evitar naturalizar a imagem”6. A desnaturalização da
imagem por Farocki é primariamente alcançada por meio da colagem de imagens novas e
antigas, pela montagem de gravações de diferentes contextos e pela multiperspectividade
criada pelo uso de diferentes monitores ou telas divididas. No centro dessa prática
cinematográfica, somos confrontados por uma série de questões radicais: o que são imagens?
O que imagens mostram? Qual é o nosso relacionamento histórico entre ver e compreender?
A FORÇA PRODUTIVA E DESTRUTIVA DA VISÃO
Tomemos como exemplo Imagens do Mundo e Inscrições da Guerra (Bilder der Welt und
Inschrift des Krieges), dirigido por Harun Farocki em 19887: este filme afirma eloquentemente
a declaração de Allan Sekula de que o cinema oferece um “metacomentário crítico” a
respeito da “facticidade ilusória dos meios fotográficos”8. Como um cineasta independente,
Farocki produzia seus filmes geralmente sem patrocínio público, “reciclando” assim imagens
de documentário pré-produzidas, materiais de arquivo e materiais comerciais que havia
produzido em contextos diferentes. No caso de Imagens do Mundo, o resultado foi uma
montagem em múltiplas camadas de imagens em movimento e estáticas, antigas e novas,
e encontradas e produzidas, tratando do papel da criação de imagens em conflitos bélicos
modernos (especialmente a fotografia) e sua função ambígua entre ocultação e revelação,
documentação e destruição, exposição e falsificação9.
6
FOSTER, Hal. Vision Quest: The Cinema of Harun Farocki. Artforum 43, n. 3, 2004, p. 158.
7
Todas as referências a este filme são baseadas na seguinte versão: Imagens do Mundo e Inscrições da
Guerra (Bilder der Welt und Inschrift des Krieges), dirigida por Harun Farocki, 1988 (Berlim: Harun Farocki
Filmproduktion, 2001, DVD).
8
SEKULA, Allen. Dismantling Modernism, Reinventing Documentary (1976/78). Dismal Science: Photo
Works 1972-1966. Normal/IL: University Galleries, Universidade Estadual de Illinois, 1999. p. 126.
9
Ver: ALTER, Nora. The Political Im/perceptible: Farocki’s Images of the World and the Inscription of War .
Harun Farocki: Working on the Sight-Lines. Ed. Thomas Elsaesser. Amsterdã: Amsterdam University Press,
2004. p. 218
Imagens do Mundo e Inscrições da Guerra © Harun Farocki GbR. 1988
Farocki mostra que as imagens dão visibilidade e ocultam ao mesmo tempo, e que ver algo não
significa o mesmo que saber algo – como costuma ser sugerido pelas convenções indexicais
da fotografia. Essa discrepância entre ver e compreender é ilustrada pela justaposição de
diferentes tipos de materiais visuais que, à primeira vista, parecem estar desconectados, mas,
eventualmente, se juntam para construir uma mensagem política discernível. Ao combinar
filmagens de simulações de voo, lições de desenho, desenhistas arquitetônicos e comerciais
militares, Farocki mostra as primeiras fotografias aéreas tiradas do campo de extermínio
de Auschwitz pela força aérea americana em 4 de abril de 1944. Durante a Segunda Guerra
Mundial, aviões de reconhecimento aliados tiraram imagens do precinto industrial da IG
Farben próximo à cidade polonesa de Auschwitz, mas não conseguiram identificar o campo de
concentração situado próximo a ele. Foi apenas em 1977, mais de três décadas após as fotos
aéreas serem tiradas, que funcionários da CIA começaram a reavaliar o conteúdo das imagens.
Em outra sequência, vemos fotos de mulheres argelinas, tiradas por soldados franceses nos
anos 60. As mulheres estavam sob suspeita de participar de “atividades terroristas”, e seus
rostos sem véu foram fotografados pela primeira vez. Adicionalmente, é contada a história
90
91
de Alfred Meydenbauer, o “pai da técnica da medição de escala”, que se tornou um pioneiro
nos procedimentos de pesquisa fotográfica para conseguir documentar e preservar a
elevação frontal de edifícios na segunda metade do século XIX. Posteriormente, a técnica de
Meydenbauer cumpriu um papel fundamental na destruição e reconstrução de residências
em Berlim, que haviam sido demolidas em 1937 para liberar espaço para a nova chancelaria
do Reich. Essa montagem visual altamente complexa oferece duas dimensões semânticas
centrais ao espectador.
A primeira é que Imagens do Mundo precisa ser interpretado como uma investigação visual
da dimensão ontológica da imagem e seu papel político em conflitos contemporâneos. Sua
função oscilante entre a revelação e o ocultamento, bem como o seu potencial ideológico,
emerge entre dois polos de visão (“o ponto de vista como operação física”) e a visualidade (“o
ponto de vista como fato social”)10. Farocki mostra, porém, que não há nenhuma distinção
óbvia entre os dois e que, no fim das contas, é o espectador quem deve reconhecer as
dimensões visíveis e invisíveis da política. A experiência de contingência que é induzida pela
ambiguidade visual entre conhecimento e ofuscação, bem como as circunstâncias históricas
inconstantes que tornam as coisas visíveis e invisíveis fazem com que as investigações de
Farocki acerca dos regimes visuais de produção industrial, vigilância ótica e guerra aérea
sejam altamente relevantes para a política contemporânea: em um tempo de visibilidade
excessiva, que inclui o monitoramento público onipresente, vigilância aérea, detecção remota,
visão via máquina, processamento digital de imagens e ambientes simulados por computador,
a obra de Farocki oferece uma forma de ver com cetismo que sensibiliza o espectador para as
práticas oscilantes da revelação e do ocultamento em sociedades contemporâneas.
A segunda dimensão é o aspecto em que, ao chamar a nossa atenção para o fato de que um
regime específico de visibilidade esconde algo ao mesmo tempo em que torna outra coisa
visível, torna-se óbvio que Farocki segue essa lógica pessoalmente. A forma como ele utiliza
imagens demonstra um modo de pensamento político visual que oferece uma crítica de
imagens que vai além da busca por quaisquer “intenções reais” nas mesmas. Portanto, é
importante compreender que identificar a imagem política como a imagem que reflete seu
próprio material e condições sociais não significa o mesmo que ressuscitar uma ideia de origem
transparente. Ao invés disso, a dimensão política se encontra no reconhecimento de que não
há uma “imagem real”, de que a natureza política da imagem emerge de sua ambiguidade
semântica e contextualização contingente. Farocki mostra que essa ambiguidade pode ser
usada de maneira subversiva com base na suposição de que imagens revelam e ocultam
a visão ao mesmo tempo, e que o pensamento em imagens sempre inclui o invisível. A
plataforma intelectual criada pelos filmes de Farocki incentiva o espectador a refletir sobre
Foto de instalação, Olho/Máquina I, II, III © Harun Farocki GbR 2001, 2002, 2003 no Museu de Arte Moderna Kunst
Stiftung Ludwig Wien © Lena Deinhardstein 2007
suas próprias respostas a imagens e sobre as expectativas reveladoras e esclarecedoras que
são investidas nelas. Mas, da mesma forma, a potência política que emerge da experiência
visual da contingência sempre envolve suas próprias limitações. A contingência assim se
apresenta como um momento de risco estimulante e produtivo que está além de uma posição
política claramente articulada. Ao invés de apresentar uma crítica unidimensional das formas
dominantes de (re)apresentação do mundo, a experiência da contingência nos filmes de
Farocki provoca modos de visão inéditos.
Similarmente a Imagens do Mundo (1988), a instalação Olho/Máquina I-III (2001-2003) também
investiga a relação entre ver e compreender, entre visão e conhecimento11. Na instalação de
vídeo em três partes Olho/Máquina, Farocki explora a cumplicidade entre tecnologia visual,
processos de produção industrial e conflitos bélicos modernos. Olho/Máquina foca-se nas
chamadas “imagens operacionais”, que são o produto de máquinas “inteligentes”, capazes de
11
10
Ver: FOSTER, Hal. Introduction. Vision and Visuality. Seattle: Bay Press, 1988. p. X.
Todas as referências a este filme são baseadas na seguinte versão: Olho/Máquina I-III (Eye/Machine I-III),
versão de canal único, dirigida por Harun Farocki, 2001-2003, (Berlim: Harun Farocki Filmproduktion, 2003, DVD).
92
93
94
95
>>> Imagem da página anterior: Imagem de Olho/Máquina II © Harun Farocki GbR. 2002
realizar tarefas de maneira automática e relativamente independente do controle humano. As
imagens operacionais fazem parte de uma operação técnica. São originárias de tecnologias de
rastreamento visual projetadas para serem operadas sem intervenção humana, criando assim
novos espaços visuais para a visão sem envolvimento humano. A experiência da contingência
surge aqui através da incerteza da perspectiva humana quando seres humanos encontram
imagens designadas para serem processadas por máquinas. A instalação combina filmagens
de processos de produção, imagens de vigilância aérea, vídeos instrutivos do exército e filmes
de propaganda históricos. O material é apresentado em duas telas com exibição de comentário.
Aqui, a abordagem conceitual e forma estética de Farocki passaram de uma filmagem
cinematográfica linear para uma instalação audiovisual multidimensional. Um elemento
crucial de sua análise em Olho/Máquina é o uso de imagens em conflitos contemporâneos.
Farocki mostra o uso de máquinas guiadas por visão em processos de produção industrial e
na aviação militar. Enquanto o primeiro exemplo aumenta a eficácia de processos de produção
industrial inteiramente automatizados, o segundo sugere uma maior precisão na detecção e
destruição de alvos militares.
A dialética de Farocki entre a força produtiva e destrutiva da visão gira em torno do conceito
alemão de Aufklärung, que significa tanto “esclarecimento” quanto “reconhecimento” – um
tópico que já havia sido abordado em Imagens do Mundo. Diante de um novo regime de visão
com base tecnológica, os dois termos ganharam um novo sentido, como ilustrado pelo uso
de câmeras combinadas com mísseis, que não apenas localizam o seu próprio alvo, mas
também documentam a sua destruição. As imagens operacionais posicionadas nas pontas
de supostas “armas inteligentes” na primeira Guerra do Golfo indicam não apenas um novo
estágio na história da visão e da representação visual, mas também um regime de imagens
capaz de existir sem influência humana. Georges Didi-Huberman observa aqui, inclusive, uma
crítica visual dos princípios iluministas do método científico, do individualismo autoassertivo
e da razão instrumental na tradição de Max Horkheimer e Theodor Adorno12.
Embora a natureza cética da instalação de Farocki certamente compartilhe muitas das
preocupações descritas por Didi-Huberman, sua crítica visual não tenta desvalorizar
totalmente a imagem como um instrumento de visão e conhecimento. Ao contrário, Olho/
Máquina mostra que agentes não humanos nunca poderão alcançar o pensamento em
imagens por conta própria, sendo que o envolvimento humano, por mais marginal que possa
ser, é totalmente indispensável. Esse novo regime de visão com base em máquinas é refletido
em uma cinematografia distinta, que contempla constantemente as condições de sua própria
12
Ver: DIDI-HUBERMAN, Georges. How to Open Your Eyes.In: Harun Farocki: Against What? Against Whom?, ed.
Antje Ehmann e Kodwo Eshun. Londres: Koenig Books, 2009. p. 45.
possibilidade sob o presságio do uso automático de imagens. Novamente, a disposição de
materiais visuais de Farocki gira em torno da questão referente ao que imagens são capazes
de exibir e o que exibem. Claro, Olho/Máquina não oferece nenhuma resposta definitiva, mas
cria um espaço visual onde essas questões podem ser abordadas. Mais uma vez, o conceito
de Aufklärung é fundamental. Qual é o papel da imagem em um período de tecnologias óticas
avançadas? As imagens ainda possuem uma função esclarecedora na tradição humanista, em
que o homem é o ponto de partida para todas as iniciativas epistemológicas? Mais importante
do que qualquer tentativa de responder a essas perguntas é o fato de que a instalação de
Farocki, exibida em uma estrutura de tela dividida, cria um tipo diferente de visão via máquina
e uma nova infraestrutura para uma prática cinematográfica que apresenta e desestabiliza
simultaneamente a informação baseada em imagens. Dessa maneira, o engajamento crítico
de Farocki com o papel político contemporâneo da imagem problematiza o uso e a função de
imagens, sem demonizá-las. Ao fazer isso, a reflexão crítica em relação às condições materiais
contemporâneas da criação de imagens se conforma à exigência de W. J. T. Mitchell por uma
“crítica da cultura visual que esteja alerta ao poder benigno e nocivo das imagens”13 e que
fosse feita “sem os confortos da iconoclastia”14. Uma crítica como essa utiliza práticas visuais
estéticas não apenas como ilustrações, analogias ou metáforas para o pensamento político,
mas também reconhece as imagens como agentes políticos materiais por mérito próprio, que
apesar de serem ambíguas e falíveis, são, ainda, produtivas.
O fotógrafo, ativista e geógrafo americano Trevor Paglen, que possui o mesmo interesse de
Farocki nas condições e limitações do visível, é pertinente em ressaltar que a “exploração
dramática do mundo emergente de imagens operacionais” feita por Farocki “tornou-se
anacrônica”, uma vez que durante os dez anos desde que a instalação Olho/Máquina foi
completada, presenciamos um uso ainda mais sofisticado, onipresente e sigiloso de imagens
operacionais, que já vai muito além das gravações utilizadas por Farocki em seus filmes15.
Porém, sendo um dos primeiros artistas a ter chamado a atenção para a importância cada vez
maior do uso operacional das imagens, Farocki também foca em sua materialidade e em sua
função como agente político. Paglen, además, argumenta que a ação política das imagens em
tempos de vigilância militar abrangente e conflitos com drones tornou-se ainda mais letal,
uma vez que as imagens “estão com os dedos no gatilho”16. Com isso, a instalação de Farocki
visualiza a potência das imagens como agentes políticos não humanos, demonstrando
13
MITCHELL, W. J. T. Picture Theory: Essays on Visual and Verbal Representation. Chicago: University of
Chicago Press, 1994. p. 2.
14
MITCHELL, W. J. T. What do Pictures want? The Lives and Loves of Images. Chicago: University of Chicago
Press, 2005. p. 344.
15
Ver: PAGLEN, Trevor. Operational Images. E-Flux Journal 59, novembro, 2014.
16
Ibidem.
96
97
esteticamente o que Jane Bennett chamaria de “poder de coisa”17. O “poder de coisa” político e
a ação das imagens operacionais que Farocki aborda em sua obra não se limitam às imagens
que ele explora, mas são pertinentes na nova visão relacional que ele cria pessoalmente.
O caráter multimidiático dos filmes de ensaio abre um espaço em que elementos visuais,
sonoros e textuais oferecem uma descrição do mundo social que não se baseia apenas na
experiência subjetiva, mas também reconhece trocas afetivas, criativas e especulativas em
uma “arena pública” como dimensões essenciais do conhecimento político18.
MODIFICANDO NOSSOS HÁBITOS DE PERCEPÇÃO
Pantenburg descreve como “visão relacional ou comparativa”21. A experiência da contingência
é apresentada como uma forma de cetismo político diante do uso das imagens e práticas
visuais na sociedade contemporânea e os interesses políticos com os quais elas estão
indissociavelmente relacionadas. Consequentemente, os filmes de Farocki correspondem ao
apelo político de Connolly por “mais experimentos midiáticos sutis que exponham e abordem
a complexidade da experiência em uma sociedade saturada pela mídia”22. A experiência
da contingência indica tanto o caráter processual das rápidas mudanças tecnológicas do
nosso tempo quanto a incerteza a respeito de suas consequências. Em uma época em que
a produção, consumo e circulação de imagens visuais é onipresente e encarada como algo
natural, uma modificação cética das nossas sensibilidades visuais e hábitos de percepção
parece se tornar mais relevante do que nunca.
As instalações de vídeo e filmes ensaísticos de Farocki oferecem uma forma complexa e
multifacetada de pensamento político por meio de imagens que o teórico político William
Connolly descreveria como “micropolítica da percepção”19. A micropolítica leva em conta o
papel geralmente disperso e volátil, mas ainda poderoso, das sensações perceptivas para a
formação e a expressão de desejos e interesses políticos. No contexto da lógica de Connolly,
precisamos assim perguntar: que papel as práticas estéticas visuais podem desempenhar
para a modificação de sensibilidades individuais e coletivas que permitam o surgimento de
novas formas de ver e pensar?
O “trabalho com a infraestrutura da percepção” de Farocki responde a essa pergunta
com uma estratégia em dois níveis: ela constitui simultaneamente um modo de pensar
em imagens e sobre imagens. Os filmes dele não só enfatizam a parcialidade da nossa
percepção, como também a integração profunda dos nossos hábitos perceptivos em práticas
disciplinares, além de enfatizarem o papel contemporâneo desempenhado pelas imagens na
capacitação e sustentação dessas práticas. Quando Farocki mostra a função das imagens
nos contextos da vigilância, reconhecimento ou simulação militar, o espectador pode “ver”
o quão profundamente o “poder está codificado na percepção”20. Em seu filme Imagens do
Mundo (1988) ou na instalação de vídeo Olho/Máquina (2001-2003), Farocki não procura
respostas políticas ou explicações analíticas, mas cria um fórum estético em que o papel
contemporâneo das imagens é explorado pelo uso de imagens, assim oferecendo o que Volker
17
Ver: BENNETT, Jane. The Force of Things: Steps Toward an Ecology of Matter. Political Theory v. 32, n. 3, 2004.
18
Ver: CORRIGAN, Timothy. The Essay Film: From Montaigne, After Marker. Oxford: Oxford University Press,
2011. p. 30.
19
Ver: CONNOLLY, William. Materialities of Experience. New Materialisms: Ontology, Agency, Politics. Ed.
Diana Coole e Samantha Frost. Durham: Duke University Press, 2010. p. 198.
20
Ibidem.
21
Ver: PANTENBURG, Volker. Film als Theorie: Bildforschung bei Harun Farocki und Jean-Luc Godard.
Bielefeld: Transcript Verlag, 2006. p. 72.
22
CONNOLLY, William. Materialities of Experience. New Materialisms: Ontology, Agency, Politics. Ed. Diana
Coole e Samantha Frost. Durham: Duke University Press, 2010. p. 192.
98
99
“DENATURALISING ThE
VISUAL”: ThE ESSAY fILM
AS POLITICAL ThINKING IN
IMAGES
by Philipp Jeandrée
How does experimental filmmaking speak to political thinking? What can filmmaking teach us
about the image worlds we live in? The present chapter suggests that moving images reflect
a mode of creative and critical political thinking that emphasises the embodied, contingent,
speculative and partial nature of visual perception. By example of the essayistic films of
German filmmaker Harun Farocki (1944-2014) I explore the political potency of moving images
as a distinct mode of thinking in and about images. Farocki’s films and installations continue a
tradition of “political modernism” by challenging dominant modes of visual representation but
at the same time detach from it any large-scale vision of profound social transformation. The
political potency of Farocki’s films is therefore not an educative visual-aesthetic space where
“counter-hegemonic” positions are presented. Rather, his work contributes to an uncertain
micropolitics of cognitive, affective and embodied reflection thus constructing a potential
starting point for further thought and action. In so doing, Farocki’s films not only comprise a
mode of thinking but constitute a distinct form of audio-visual political theory.
THE ESSAY FILM AS A MODE OF RESEARCH AND THEORETICAL ENQUIRY
Theory in the ancient sense of theōria, meaning “viewing”, “beholding” or “looking at”,
corresponds to an understanding of film that not only provides a perspective or worldview
but already contains a contemplative and speculative interpretation of its own conditions of
possibility. A cinematic practice that is fully aware of its self-reflexive form of thinking in images
is the so called essay film1. The “essay film” is an experimental and playful mode of film that
uses its cinematic form as a deliberate method in order to explore our affective and cognitive
relations to the world. The origin of the literary form of the essay can be traced back to 16th
century France. The term “essay” refers to a tradition of personal reflection and investigation
prominently represented in the work of Michel de Montaigne. In the French tradition essayer
means “to assay’”, “to weigh”, as well as “to attempt”, suggesting a surveilling, evaluative, and
speculative exploration. In a Montaignian sense the term “essay” means a testing of ideas and
to fathom one’s own subjectivity against the backdrop of social observations. The essay film as
distinct cinematographic practice emerged at the beginning of the 1980s and continued the
literary tradition with audio-visual means. The essayistic emphasis on subjective experience,
or rather the problematisation of it, is a key element of both the literary essay and its
visual counterpart. The subjective, versatile and spontaneous nature of essayistic thinking
constitutes a curious and investigative relation between filmmaker, viewer and world whose
political potentiality is not restricted by preconceived outcomes or pre-structured fault lines.
However, one can still identify two key political dimensions of essayistic films that are
sufficiently discernible to describe, yet indeterminate enough to allow for unpredictable
effects: The first dimension is the destabilisation of image-based meaning through the selfquestioning of the image-making process and its conditions of possibility. The second political
dimension of essayistic filmmaking is the ongoing negotiation between the individual and the
public realm, its perceptions and reactions. The political potency of essayistic moving images
does not lie in a clear, target-oriented analysis but in unfolding an arena for intellectual,
cognitive and affective experiences. The creation of such a speculative cinematic space
conveys a sense to the viewer that any social order is not a given set of facts but rather a
cognitive and affective web whose nodal points are subject to constant negotiation. As we
see in the films by Harun Farocki, this process of negotiation changes the appearance of a
common world by laying bare the contingent nature of both our sensual perception and our
social arrangements.
HARUN FAROCKI AND THE DENATURALISATION OF THE VISUAL WORLD
“The simplest and truest thing one can say about Harun Farocki’s work is that it is the product
of a life engaged in the critique of images by images”2, writes D. N. Rodowick, professor of
1
For a recent overview of the controversial cinematic debates around the notion of the ‘essay film’ see
Andrew Tracy, “The Essay Film,” Sight & Sound 23, no.8 (2013): 44-52. For a critical discussion of the
hybrid character of ‘essay films’ see Laura Rascaroli, The Personal Camera: Subjective Cinema and the
Essay Film (London: Wallflower Press, 2009), 21f.
2
D. N. Rodowick, “Eye Machines,” Artforum 53, no.6 (2015): 191.
100
101
cinema and visual studies at the University of Chicago – and there is little to add. Farocki’s
“cinematic Cubism”3 problematises technologies of visual representation and image
production in contemporary society. His films show us that the technological developments
and ever changing use of images require continuous engagement with the visual world. Farocki
writes: “Many things are new, and most of it is in flux. There can be no certain knowledge.
It is therefore better to (re-)assemble what exists rather than attempt an explanation. It is
necessary to put elements or fragments of perception into changing relations.”4
denaturalisation of the image is primarily achieved through the collage of old and new images,
the montage of footage from different contexts, and multi-perspectivity through the use of
different monitors or split-screens. At the centre of this cinematic practice we are confronted
with a set of radical questions: What are images? What do images show? What is our historical
relationship between seeing and understanding?
Farocki’s work should be regarded as a mode of visual exploration and theoretical enquiry
that resembles “militant research”5. Militant research describes a meeting point between
academia and activism that combines theoretical investigation with practical actions,
whereby the term “militant” refers to persistence and critical engagement rather than
violence. Agains this backdrop, Farocki’s films offer a method for exploring the political roles
and agency of images in contemporary society based on three pillars: First, an interest in
alternative forms of visual knowledge production that is expressed in a scepticism towards the
seeming self-evidence of images. The political positions Farocki develops in his films not only
emerge from a decentralisation and destabilisation of meaning but also from a subversive use
of images. This notion of subversion becomes effective in Farocki’s use of archive material,
found-footage and sequences from technological films and documentaries, which he de- and
re-contextualises in order to explore the social and material conditions that enabled them.
Second, Farocki’s films are an aesthetic conflation of theory and practice. This conflation is
prominent in Farocki’s work for it offers a view on the examined object and simultaneously
on the procedures of examination. The theoretical dimension of his essayistic filmmaking is
therefore not something that is externally applied but rather something that is developed
through images demonstrating how theoretical thinking is articulated in the medium of
film. The third pillar is a critical reflection of methodology that results from the conflation of
theory and practice. The focus is not only on the outcome of a critical investigation but just as
much on its theoretical processes and aesthetic methods. The critical methodological selfreflection of Farocki’s work is characterised by the unremitting destabilisation and subversion
of image-based meaning driven by the impulse “to avoid naturalizing the image”6. Farocki’s
THE PRODUCTIVE AND DESTRUCTIVE FORCE OF VISION
3
Ken Johnson, “Unfiltered Images, Turning Perceptions Upside Down,” The New York Times, August 26, 2011, C24.
4
“Vieles ist neu, das meiste in Bewegung. Sicheres Wissen kann es nicht geben. Besser also Vorhandenes
montieren, als eine Deutung zu versuchen. Es gilt, Elemente oder Fragmente der Wahrnehmung in
wechselnde Beziehung zu setzen.” Antje Ehmann and Harun Farocki, “Ernste Spiele: Eine Einführung,” in
Serious Games: Krieg | Medien | Kunst / War | Media | Art, ed. Ralf Beil and Antje Ehmann (Ostfildern: Hatje
Cantz, 2011), 24. My translation.
5
See Militant Research Handbook, New York University 2013: <www.visualculturenow.org/wpcontent/uploads/2013/09/MRH_Web.pdf>
6
Hal Foster, “Vision Quest: The Cinema of Harun Farocki,” Artforum 43, no.3 (2004): 158.
Take as an example Harun Farocki’s Images of the World and the Inscription of War (Bilder der
Welt und Inschrift des Krieges) from 19887: This film eloquently affirms Allan Sekula’s claim
that cinema offers a “critical meta-commentary” on the “illusory facticity of photographic
media”8. As an independent filmmaker, Farocki produces his films mostly without public
sponsorship, thus “recycling” ready-made and documentary images, archive material as well
as commercial material that he had produced in different contexts. In the case of Images of
the World the result is a multi-layered montage of moving and static, old and new, found and
produced images addressing the role of image-making in modern warfare (photography in
particular) and its ambiguous function between concealing and revealing, documentation and
destruction, showing and deceiving9.
Farocki shows that images make visible and conceal at the same time and that to see something
does not mean to know something – as the indexical conventions of photography often
suggest. This discrepancy between seeing and understanding is illustrated by a juxtaposition
of different types of visual material that, at first sight, seems disconnected but eventually
joins to construct a discernible political message. Among footage of flight simulations, drawing
lessons, architectural draughtsmen and military commercials, Farocki shows the first aerial
photographs taken of the Auschwitz death camp by the American airforce on the 4th of April,
1944. During World War II, allied reconnaissance planes took images of the IG Farben industrial
precinct near the Polish town of Auschwitz but failed to identify the concentration camp
situated close by. It was only in 1977, more than three decades after the aerial photographs
were originally taken, that CIA employees started to reassess the content of the pictures.
7
All references to this film are taken from the following version: Images of the World and the Inscriptions of
War (Bilder der Welt und Inschrift des Krieges), directed by Harun Farocki, 1988 (Berlin: Harun Farocki
Filmproduktion, 2001), DVD.
8
Allen Sekula, “Dismantling Modernism, Reinventing Documentary (1976/78),” in Dismal Science: Photo
Works 1972-1966 (Normal/IL: University Galleries, Illinois State University, 1999), 126.
9
See Nora Alter, “The Political Im/perceptible: Farocki’s Images of the World and the Inscription of War,” in
Harun Farocki: Working on the Sight-Lines, ed. Thomas Elsaesser (Amsterdam: Amsterdam University
Press, 2004), 218.
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105
>>> Previous image: Images of the World and the Inscription of War © Harun Farocki GbR. 1988
In another sequence we see pictures of Algerian women taken by French soldiers in the 1960s.
The women are suspected of “terrorist activities” and their unveiled faces photographed for
the first time. Additionally, the viewer is told the story of Alfred Meydenbauer, the “father of
the technique of scale measurement”, who pioneered procedures of photographic survey in
order to document and preserve the front elevation of buildings in the second half of the 19th
century. Later on, Meydenbauer’s technique was to play a crucial role for the destruction and
reconstruction of Berlin townhouses that were demolished in 1937 in order to clear space for
the new Reich Chancellery. This highly complex visual montage offers the viewer two central
semantic dimensions.
First, Images of the World has to be regarded as a visual investigation into the ontological
dimension of the image and its political role in modern warfare. Its oscillating function between
revealing and concealing as well as its ideological potential emerges between the two poles of
vision (“sight as a physical operation”) and visuality (sight as a social fact”)10. Farocki shows,
however, that there is no clear-cut distinction between the two and that it is ultimately up
to the viewer to recognise the visible and invisible dimensions of politics. The experience of
contingency that is induced by the visual ambiguity between knowledge and obfuscation as
well as the changing historical circumstances that make things visible and invisible, make
Farocki’s investigations into the visual regimes of industrial production, optical surveillance
and aerial warfare highly relevant for contemporary politics: At a time of excessive visibilities
including ubiquitous public monitoring, aerial surveillance, remote sensing, machine vision,
digital image processing, or computer simulated environments, Farocki’s work offers a form
of sceptical seeing that sensitises the viewer to the oscillating practices of revealing and
concealing in contemporary societies.
Second, by drawing our attention to the fact that a given regime of visibility hides something
at the same time it makes something visible, it becomes obvious that Farocki himself follows
this logic. Farocki’s use of images shows a mode of visual political thinking that offers critique
in images beyond the search for any “true intentions” of images. It is therefore important to
understand that identifying the political image as the image that reflects its own material
and social conditions does not mean resurrecting an idea of transparent origins. Rather, the
political dimension lies in the recognition that there is no true image, that the political nature
of the image emerges from its semantic ambiguity and contingent contextualisation. Farocki
shows that this ambiguity can be used in a subversive way based on the assumption that
images reveal and conceal vision at the same time, and that thinking in images always includes
Installation shot, Eye/Machine I, II, III © Harun Farocki GbR 2001, 2002, 2003 in Museum Moderner Kunst Stiftung
Ludwig Wien © Lena Deinhardstein 2007
the invisible. The intellectual platform created by Farocki’s films encourages the viewer to
reflect on her own responses to images and the revelatory and enlightening expectations that
are invested in them. By the same token, however, the political potency, which emerges from
the visual experience of contingency, always entails its own limitations. Contingency thus
presents itself as a moment of stimulating and productive risk beyond a clearly articulated
political position. The experience of contingency in Farocki’s films provokes novel modes of
seeing rather than presenting a one-dimensional critique of dominant forms of (re-)presenting
the world.
Similar to Images of the World (1988), Farocki’s installation Eye/Machine I-III (2001-2003)
also investigates the relation between seeing and understanding, vision and knowledge11.
In the three part video installation Eye/Machine Farocki explores the complicity between
visual technology, industrial production processes and modern warfare. Eye/Machine focuses
11
10
See Hal Foster, “Introduction,” in Vision and Visuality, (Seattle: Bay Press, 1988), X.
All references to this film are taken from the following version: Eye/Machine I-III, single channel version,
directed by Harun Farocki, 2001-2003, (Berlin: Harun Farocki Filmproduktion, 2003), DVD.
106
107
on so called “operational images” that are the product of “intelligent” machines, capable of
performing tasks automatically and relatively independently of human control. Operational
images are images that are part of a technical operation. They are products of visual tracking
technologies designed to operate without human intervention and thus creating new
visual spaces for non-human vision. The experience of contingency results here from the
uncertainty of the human gaze when human beings encounter images that are designed to be
processed by machines. The installation combines footage from production processes, aerial
surveillance images, army instruction videos and historical propaganda films. The material is
presented on two screens with on-screen commentary. Here, Farocki’s conceptual approach
and aesthetic form have changed from linear cinematic film to multidimensional audio-visual
installation. Crucial for his analysis in Eye/Machine is the use of images in modern warfare.
Farocki shows the use of vision-guided machines in both industrial production processes
and military aviation. Whereas the former increases the effectiveness of fully-automatised
industrial production processes, the latter suggests an increased precision in the detection
and destruction of military targets.
Farocki’s dialectic between the productive and destructive force of vision revolves around the
German notion of Aufklärung that means “enlightenment’ as well as “reconnaissance” – a topic
that was already addressed in Images of the World. In the light of a new technology-based
regime of vision both terms have gained new meaning as illustrated by the use of missilecombined cameras, which not only find their own target but also document its destruction.
The operational images placed on the heads of so called “intelligent weapons” in the first Gulf
War indicate not only a new stage in the history of vision and visual representation but also
an image regime capable of existing without human agency. Georges Didi-Huberman sees
here even a visual critique of the Enlightenment principles of scientific method, self-assertive
individualism and instrumental reason in the tradition of Max Horkheimer and Theodor
Adorno12.
Even though the sceptical nature of Farocki’s installation certainly shares many of the
concerns described by Didi-Huberman, Farocki’s visual critique does not attempt to dismiss
the image as an instrument of insight and knowledge altogether. Instead, Eye/Machine shows
that thinking in images can never be accomplished by non-human agents alone but ultimately
requires human involvement, however marginal it might be. This new regime of machinebased vision is reflected in a distinct cinematography that constantly reflects the conditions
of its own possibility under the omen of the automatic use of images. Again, Farocki’s
arrangement of visual material revolves around the question regarding what images can
and do show. Of course, Eye/Machine does not provide ultimate answers but creates a visual
12
See Georges Didi-Huberman, “How to Open Your Eyes,” in Harun Farocki: Against What? Against Whom?,
ed. Antje Ehmann and Kodwo Eshun (London: Koenig Books, 2009), 45.
Still from Eye/Machine II © Harun Farocki GbR. 2002
space where these questions can be addressed. Again, the notion of Aufklärung is key. What
is the role of the image in times of advanced optical technologies? Do images still have an
enlightening function in a humanist tradition, which takes man as the departing point for all
epistemological endeavours? More importantly than any attempt to answer those questions,
Farocki’s installation, displayed as a split screen structure, creates a different kind of machinevision and a new infrastructure for a cinematic practice that simultaneously presents and
destabilises image-based information. Farocki’s critical engagement with the contemporary
political role of images thus problematises the use and function of images without demonising
them. In so doing, the critical reflection on the contemporary material conditions of imagemaking complies with W. J. T. Mitchell’s demand for a “critique of visual culture that is alert
to the power of images for good and evil”13 and that is performed “without the comforts of
13
W. J. T. Mitchell, Picture Theory: Essays on Visual and Verbal Representation (Chicago: University of
Chicago Press, 1994), 2.
108
109
iconoclasm”14. Such a critique uses visual aesthetic practices not merely as illustrations,
analogies or metaphors for political thinking but recognises images as ambiguous, unreliable
but productive material political agents in their own right.
political interests and desires. In the context of Connolly’s thinking, we have to ask accordingly
what role can visual aesthetic practices play for the modification of individual and collective
sensibilities that allow for new ways of seeing and thinking?
American photographer, activist and geographer Trevor Paglen, who shares Farocki’s interests in
the conditions and limitations of the visible, aptly points out that Farocki’s “dramatic exploration
of the emerging world of operational images is now anachronistic” since the past ten years after
the completion of Eye/Machine have seen an ever more sophisticated, ubiquitous and secretive
use of operational images that already goes far beyond the footage Farocki uses in his films15.
However, being one of the first artists to have drawn attention to the increasing importance of the
operational use of images, Farocki also focuses on their materiality and their function as political
agents. As Paglen argues further, the political agency of images in times of comprehensive military
surveillance and drone warfare has become an increasingly lethal one since images “have their
fingers on the trigger.”16 Farocki’s installation thus visualises the potency of images as nonhuman political agents, aesthetically demonstrating what Jane Bennett would call their “thing
power”17. The political “thing power” and agency of operational images Farocki addresses in
his work, is not limited to the images he explores but is also pertinent in the new relational
vision he creates himself. The multi-medial character of essayistic films opens up a space
where visual, aural and textual elements offer a description of the social world that is not only
based on subjective experience but also recognises affective, imaginative and speculative
exchanges in a “public arena” as essential dimensions of political knowledge18.
Farocki’s “work on the infrastructure of perception” responds to this question with a twopronged strategy: It constitutes simultaneously a mode of thinking in images, as well as about
images. His films not only emphasise the partiality of our perception as well as the deep
embeddedness of our perceptual habits in disciplinary practices, but also the contemporary
role images play in enabling and maintaing those practices. When Farocki shows the function
of images in the contexts of surveillance, reconnaissance, or military simulation, the viewer
can “see” how deeply “power is encoded into perception”20. In his film Images of the World (1988)
or the video installation Eye/Machine (2001-2003), Farocki does not seek political answers
or analytical explanations, but creates an aesthetic forum where the contemporary role of
images is explored through the use of images, thus offering what Volker Pantenburg describes
as “relational or comparative seeing”21. The experience of contingency is presented as a
form of political scepticism against the use of images and visual practices in contemporary
society and the political interests with which they are inextricably intertwined. Farocki’s
films therefore correspond to Connolly’s political appeal for “more subtle media experiments
that expose and address the complexity of experience in a media-saturated society.”22 The
experience of contingency indicates both the processual character of the rapid technological
changes of our time as well as the uncertainty of their outcome. In a time when the production,
consumption and circulation of visual images are omnipresent and taken for granted, a
sceptical modification of our visual sensibilities and habits of perception seems more relevant
than ever.
MODIFYING OUR HABITS OF PERCEPTION
Farocki’s essay films and video installations offer a complex and multilayered form of political
thinking in and through images that political theorist William Connolly would describe as
“micropolitics of perception”19. Micropolitics takes into account the often diffuse and volatile,
but nevertheless powerful, role of perceptual sensations for the formation and expression of
14
W. J. T. Mitchell, What do Pictures want? The Lives and Loves of Images (Chicago: University of Chicago
Press, 2005), 344.
15
See Trevor Paglen, “Operational Images,” E-Flux Journal 59, November (2014). n.p.
16
Ibidem.
17
See Jane Bennett, “The Force of Things: Steps Toward an Ecology of Matter,” Political Theory 32, no.3 (2004): 348f.
20
Connolly, “Materialities of Experience”, 190.
18
See Timothy Corrigan, The Essay Film: From Montaigne, After Marker (Oxford: Oxford University Press, 2011), 30.
21
19
See William Connolly, “Materialities of Experience,” in New Materialisms: Ontology, Agency, Politics, ed.
Diana Coole and Samantha Frost (Durham: Duke University Press, 2010), 198.
See Volker Pantenburg, Film als Theorie: Bildforschung bei Harun Farocki und Jean-Luc Godard (Bielefeld:
Transcript Verlag, 2006), 72.
22
Connolly, “Materialities of Experience”, 192.
111
A INfLUêNCIA DAS
iMageNs Na tRaJetóRia
DAS COMUNIDADES
TRADICIONAIS1
por antônio Bispo dos santos (Nêgo Bispo)
Então, um salve para nós e para esse ambiente. Meu nome é Antônio Bispo dos Santos e eu
nasci em 1959, na comunidade do Pequizeiro, em um povoado chamado Papagaio. Ficava no
município de Valência, no Piauí, e que logo no ano seguinte se emancipou, se tornando um
município também.
Eu fui para a escola pela linguagem escrita com 9 anos, mas desde quando eu comecei a
falar passei a ser informado por mestres de ofícios sobre as atividades da nossa comunidade,
esse conhecimento trazia tudo o que se precisava fazer para viver. Não era só agricultura, nós
vivíamos em uma comunidade quilombola e no quilombo, primeiro, somos é gente, primeiro, a
gente é um ser, e depois se faz o que for preciso para continuar sendo.
Nesse período, já no final da década de 60, início da década de 70, os contratos orais estavam
sendo quebrados nas nossas comunidades, estavam sendo substituídos pelos contratos
escritos. A sociedade branca colonialista estava impondo os contratos escritos, o que nós
não dominávamos, e dessa forma eles conseguiam dominar nossas terras, porque esses
territórios eram demarcados por meio de contratos orais, por imagens, símbolos e coisas que
nos conectavam diretamente com aqueles lugares.
Diante dessa situação, fui enviado à escola não só para aprender a traduzir a linguagem escrita
para a oralidade, mas também para o contrário, traduzir a oralidade para a escrita. Assim eu
estudei até a oitava série, quando a comunidade avaliou que eu já dava conta de fazer essas
traduções. Essa é, na verdade, a minha formação. Estou colocando isso porque em algumas
1
Transcrição da Palestra de Nêgo Bispo, realizada em 28 de julho de 2017 no FIF-BH.
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partes da nossa fala, talvez, vocês não compreendam por conta do tom, muitas vezes, ríspido.
Essa fala ríspida e até áspera faz parte do processo. Faz parte da minha formação. Eu sou
uma pessoa que viveu sempre nas fronteiras, e quem vive em fronteira é fronteira.
Bom, quero trazer aqui uma discussão para refletir com vocês sobre os impactos que as
imagens provocam na trajetória dos povos e comunidades tradicionais. Posso dizer para
vocês, com toda tranquilidade, que eu não tenho nenhuma fotografia de quando eu era criança
nem de quando eu era adolescente. Eu acho que uma das fotografias que tenho é de quando
fui para a escola. Naquele tempo a quinta série fazia parte do ginasial e aí, sim, eu tive que
fazer uma fotografia para cumprir as formalidades do colégio. Acho que tenho uma fotografia,
talvez com 14 ou 15 anos. Não tenho fotografia de antes disso.
As imagens para nós eram mais imagens panorâmicas, imagens do nosso ambiente, das
nossas vidas, e elas apareciam para nós das mais diversas formas, mas a gente sempre
narrava as imagens. E tem algumas narrativas dessas imagens que são muito interessantes,
porque as imagens para nós tanto atuam em nossa defesa, como atuam nos atacando. Elas
atuam levantando a nossa autoestima, mas atuam também tentando nos anular, nos negar.
Então, a gente vive sempre uma relação. Agora, vocês imaginam eu, que nasci em um quilombo
lá no Piauí, um Piauí que, às vezes, não está no mapa. Talvez, se eu perguntar para um de vocês
onde está o Piauí vão dizer que é no Norte, não vão conseguir dizer que está no Nordeste. E
aí, além de eu ser do Piauí, eu sou de uma região que parece mais o Vale do Jequitinhonha,
do semiárido, da caatinga, onde tem várias paisagens lindas e maravilhosas para nós, mas
são tidas pelo Sul e pelo Sudeste como a paisagem da morte. As plantas que não têm folhas,
aquelas áreas cinzentas o tempo todo, os rios que não têm água.
As nossas paisagens na caatinga, vistas e apresentadas pelo povo do Sul, são imagens
relacionadas com a morte. E outras imagens também, que foram e são muito usadas de forma
muito violenta, vamos dizer assim, para tentar nos anular. Um exemplo dessa violência são
as imagens referentes aos nossos cabelos. Essas são muito fortes. Desde a infância ouvia
que meus cabelos pareciam com pimenta do reino, bosta-de-rolinha ou mesmo com arame
farpado, e por aí vai. Tudo quanto era coisa enrolada e rústica foi usado para fazer referência
a meus cabelos. Isso tudo para dizer que meus cabelos eram feios. Esse tipo de ataque é algo
muito forte quando atua na autoestima de um povo.
Mas a gente também tem uma capacidade muito grande, e de onde vem essa capacidade?
Para nós, povos e comunidades tradicionais, as imagens são construídas e são vistas das
mais diversas formas possíveis. Nós temos sempre um olhar circular. Os povos e comunidades
tradicionais têm várias matrizes cosmovisivas que são politeístas e nos permitem conviver
com diversidade. Os africanos e os povos das Américas foram tidos historicamente como
pagãos, por sua visão ser politeísta. Nos relacionamos com nossos deuses e deusas olhando
para cima, para baixo, de lado, de todas as maneiras, em 360 graus. Sempre olhamos para os
nossos deuses em 360 graus e, por isso, na maioria das vezes, nossas imagens são circulares.
Dessa mesma forma, não trato a imagem das comunidades tradicionais pelas categorias
marxistas, como trabalhadores, desempregados, pessoas em luta de classes ou como
revolucionário. Essa linguagem não é nossa. É uma linguagem mono, ou melhor, “euro-cristã
monoteísta”. E para ficar bonito mesmo é uma linguagem “euro-cristã colonialista”.
O euro-cristão colonialista tem uma cosmovisão monoteísta, baseada no cristianismo.
Enxerga na verticalidade, na linearidade, tudo para ele tem que ser nivelado. O euro-cristão
monoteísta só vê Deus quando olha para cima. Ou melhor, ele tenta ver Deus olhando para
cima; não conseguem ver olhando para baixo. Está olhando para frente ou para cima, não
faz o movimento circular. E isso produz imagens de uma forma fantástica; em todo processo
colonialista as imagens sempre foram usadas como uma linguagem poderosa, até porque elas
são o que mais se aproxima de uma linguagem universal. Além do mais, esse povo colonialista
usa a imagem para negar, subjugar ou para punir. Nós, ao contrário, usamos as imagens ou
para elevar, engrandecer, enaltecer ou, no mínimo, que também é o máximo, para resolver.
Usamos as imagens de maneira resolutiva.
Tem duas cenas que eu gosto muito e quem teve contato com a geração dos avós já deve
ter ouvido. São passagens sobre o povo sabido, da cidade, povo mais letrado, e nós, de
comunidades mais tradicionais, tidos e havidos como analfabetos, que não sabem de nada,
povo atrasado lá dos confins.
A cena é: de repente, em uma das casas do nosso povo, chega uma pessoa dessas letradas,
dessas pessoas sabidas e tem um quadro na parede com a fotografia de um burro. A pessoa
chega para o nosso povo e pergunta: “isso é uma fotografia de um burro?” E o povo diz: “não,
isso é um espelho”. Essa é uma das cenas que a gente gosta, porque usa a imagem de forma
educativa, sem precisar de agredir.
Tem uma outra cena que aconteceu comigo, muito forte, mas acho maravilhosa. Entre 2005
e 2006, fui contribuir com a criação de uma coordenação de articulação das comunidades
quilombolas no estado de Sergipe. Cheguei numa sala cheia de meninas adolescentes, todas
com os cabelos bem alisados, e quando olhei para aquela imagem, das meninas negras
de cabelos alisados, falei: “Olha pessoal, essas meninas que alisaram cabelo...” Aí eu vi os
semblantes se fecharem na minha direção e pensei que se terminasse a frase como elas
possivelmente estavam esperando ia provavelmente apanhar. Então, completei: “Olha, essas
meninas que alisaram o cabelo, enganam-se elas que alisaram os cabelos para parecer com
as brancas, elas vieram hoje homenageando as indígenas”. Todas festejaram e eu festejei
junto, porque me safei de uma surra. Saí de boa, mas isso me incomodou.
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Como eu falei, a gente lida com tudo de forma resolutiva, principalmente, com as imagens,
e essa cena foi uma muito forte na minha vida porque, na verdade, o que eu ia dizer era o
que elas esperavam que eu dissesse. Eu não disse por conta da segunda imagem que foi o
semblante delas. Então, eu fiz uma curva, por viver na circularidade, e disse o que precisava
ser dito. Naquele momento, tive que transferir a primeira imagem por uma outra: uma imagem
poética. Porque na linguagem poética me senti mais confortável, como se tivesse me curado
do sentimento complicado que vivenciei naquele momento. Eu fui buscar o remédio na poesia.
O remédio é esse:
“O cabelo da branca é liso, o cabelo da branca balança, o cabelo da branca escova, o cabelo da
branca emprancha. O cabo da branca é bonito, mas não enrola e nem segura trança. O cabelo da
negra é liso, o cabelo da negra balança, o cabelo da negra escova, o cabelo da negra emprancha.
Porque a negra é farsola, porque o seu cabelo entrança e enrola. A branca sambando rebola, a
negra sambando faz jinga. A branca rezando é devota, a negra rezando faz mandinga. A branca
escrevendo explica, a negra falando ensina. Eu vi essa branca no shopping, eu vi essa negra na
feira. A branca me olhava charmosa, a negra me olhava faceira. Da branca eu sinto saudade, da
negra eu sinto banzeira.”
Esse foi o remédio que eu tomei, na forma poética e usando a imagem resolutiva. Eu não
preciso dizer que o cabelo da branca é feio para dizer que o meu é bonito. Mas as brancas e os
brancos que vejo tomando desse mesmo remédio pararam de dizer que meu cabelo é bostade-rolinha. Assim vamos usando a imagem resolutiva e nossa vida vai andando.
Voltando para a questão das nossas trajetórias e as imagens. A maioria das pessoas aqui
já ouviu falar em Palmares. Palmares foi atacada brutalmente pelo Estado colonialista. As
pessoas de Palmares foram mortas, assassinadas. O fato de terem assassinado todo mundo
não foi o bastante para eles. Aqueles mortos iriam fazer algum mal contra as pessoas que as
mataram? Além de matarem todo mundo eles queimaram Palmares. Eu escrevi um livro em
2007 intitulado Quilombos: modos e significados. Na verdade, não é um livro, é um relatório.
Eu, como tradutor da oralidade para a escrita e também como o contrário, fui aprendendo
e compreendendo com meus mestres e, aí, fiz um relatório contando essas histórias. O livro
chegou na UnB, onde ia ser publicado, sem nenhuma imagem. Era um livrinho de capa amarela,
só com páginas escritas sem desenho, sem nada. As pessoas não conseguiam acreditar
que era um livro, porque tinha que ter uma imagem, uma coisa mais sofisticada, um brilho
qualquer. Que tivesse um fetiche. Fui convidado a reeditar o livro com imagens. Fizemos isso e
foi uma coisa enorme, muita gente quando vê gosta, acha maravilhoso.
Para escrever esse livro, eu tive muitas dúvidas. Todos os meus amigos diziam que deveria
escrever, mas ia escrever um livro contando o quê? Fazer um romance? Não dou conta. Um
livro de poesia? Até que eu faço alguns versos, mas um livro de poesia? É muito. Queria, então,
relembrar um fato que foi determinante para tomar essa decisão e tem muita relação com
essa fala sobre as imagens.
Pensamos muito a partir das imagens, porque esse é o ambiente onde a gente vive e realiza
nossa vida. Não pensamos a partir das teorias; existe até uma dúvida muito grande sobre se
é a forma que determina o conteúdo ou o conteúdo que define a forma. Eu digo que são as
duas coisas. Se eu sair com uma sandália que serve no meu pé e caçar outro pé que vai servir
nela, eu vou achar. Essa sandália é uma forma que vai determinar um conteúdo. E se eu sair
caçando uma sandália para servir no meu, também vou achar.
Em 2006, teve o Encontro Nacional da Asa da Articulação do Semiárido, em Crato, Juazeiro.
Fomos para esse encontro também para visitar as comunidades, para intercambiar. Na lista
de comunidades a se visitar estava Caldeirão. Até onde eu sabia, Caldeirão era uma cidade
messiânica, assim como Canudos. Fui preparado para ver uma comunidade messiânica, na
verdade, para ver o lugar onde houve uma comunidade messiânica. Quando cheguei, tinha
ruínas, casinhas velhas, o Caldeirão e uma capela. Perguntei: “É do tempo de José Lourenço?” e
responderam: “Não, foi construída depois que ele morreu. Depois que o mataram, construíram
a capela”. Entrei na igrejinha e tinha umas fotografias. Inclusive a fotografia de Zé Lourenço.
E ele era negro. Então, eu disse, “Zé Lourenço e todo o povo mais velho daqui eram pessoas
negras. Se essas pessoas são negras, além de serem beatos, devem ser mais alguma coisa”.
Fui perguntar para as pessoas dos arredores e me falaram que Zé Lourenco veio da Paraíba
em 1889, depois da Lei Áurea. Chegou aqui e fez conversa com Padre Cícero; contaram a
história mais ou menos. Perguntei a elas “e essa igreja?” e responderam “essa igreja fizeram
depois que o Caldeirão desapareceu”.
Quando a gente pensa na circularidade, é começo-meio-começo, nós nunca chegamos ao fim.
Para nós, tanto faz o feio e o bonito, tudo anda junto, depende é do olhar de cada um. Eu, por
exemplo, cada vez que me olho penso: “Como que minha mãe e meu pai conseguiram fazer
uma pessoa tão maravilhosa, cheio de contornos, de curvas, nada de velado”, porque é assim
a nossa mente.
Foi aí que pensei comigo: “Agora, eu tenho material para um livro”. O que era que tinha agora?
A imagem que construíram de Canudos, foi a de uma comunidade de fanáticos que viviam
em adoração. Por conta desse fanatismo e da ameaça à República, mataram todo mundo de
Canudos. Além de matarem, queimaram. Pois, em Caldeirões, a história é a mesma. Foi por
isso que pensar sobre fotografia me remeteu à Canudos, que me remeteu à Palmares.
O pensamento circular dos povos e das comunidades tradicionais permite que a gente use
as imagens como defesa quando somos atacados. Nosso pensamento permite dimensionar
melhor as coisas, os movimentos e os espaços. Os espaços circulares recebem melhor a
diversidade do que os espaços retangulares. A gente compreende a necessidade de existir
das outras pessoas e dos outros viventes; percebemos a importância de cada um.
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Em Caldeirões também mataram todo mundo e depois queimaram. Caldeirões é uma réplica
de Canudos. Era uma comunidade na caatinga em que, de 1905 até 1932, se construiu uma
das mais importantes comunidades no sertão. Na seca do Nordeste, em 1915, tinha mais de
20 mil pessoas em Caldeirões. Padre Cícero mandou mais 5 mil pra lá e é o único lugar no
Nordeste em que ninguém sofreu fome.
Caldeirões importava da Alemanha, todo mundo era alfabetizado e ninguém tinha armas. Ao
contrário de Canudos, existem inventários. Caldeirões era como se fosse Canudos. Em 1937,
enquanto soldados do Brasil iam para a Europa combater o nazismo de Hitler, Getúlio Vargas
mandou os aviões do exército (porque naquele tempo não tinha aeronáutica) bombardear
Caldeirões com mais de 20 mil pessoas morando na comunidade. Isso é genocídio. Getúlio
Vargas foi um governo etnocida, assim como o Estado colonialista do Brasil é um Estado
etnocida. Ou pelo menos é um Estado que pratica ações etnocidas, não quero generalizar.
Como Palmares, nem todo mundo morreu em Canudos e em Caldeirões. Parte dos sobreviventes
de Caldeirões veio para a divisa do Piauí com a Bahia, no município de Casanova. Sabe que ano
era esse? 1942. Ficava na divisa do Piauí com a Bahia, perto da Serra da Capivara, em São
Raimundo Nonato, um município com comarca e delegacia de polícia, onde as instituições
estavam colocadas. Isso foi ontem, 1942. As polícias da Bahia, do Piauí e de Pernambuco
também massacraram e queimaram todo o povo de Pau de Colher. Por que se queima? Por que
precisa queimar?
Não vou entrar nessa onda da vítima, porque o povo quilombola não perdeu. Nós não somos
perdedores. Eu não trabalho com essa lógica da vitimologia, nós não temos o direito de ser
vítima e eu nem quero. Eu sou vencedor, meu povo venceu. Meu bisavô tinha três engenhos
de rapadura, eu não sei quem foi escravo no meu povo. Eu fui criado na fartura. Eu não tenho
cicatrizes da escravidão na minha memória, mas isso porque meu povo fugiu por pouco. Não
discordo de quem trabalha com a imagem da cicatriz da escravidão, porém eu não trabalho.
Fico com a imagem de quem venceu. E para trabalhar com essa imagem, vou de novo usar o
remédio poético. Para Palmares, Caldeirões e Canudos eu também tomei um remédio poético.
Que diz o seguinte:
“Queimaram Palmares, surgiu Canudos. Queimaram Canudos, surgiu Caldeirões. Queimaram
Caldeirões, surgiu Pau de Colher. Queimaram Pau de Colher e queimaram e vão continuar
queimando tantas outras, mas vão queimar até se cansarem. Porque mesmo que queimem a
escrita, não queimam a oralidade. Mesmo que queimem o símbolo, não queimam o significado.
E mesmo que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade. Porque as nossas imagens
também são ancestrais.”
Nesse exato momento, no qual estamos aqui, várias outras comunidades em todos os cantos
desse lugar chamado Brasil, estão sendo atacadas da mesma forma que foi Palmares,
Canudos e Caldeirões. Estão sendo atacadas por esse Estado em que uns que se intitulam
de “esquerda” estão vivendo um momento de consenso absurdo com alguns outros que eles
dizem de “direita”. Por exemplo, desde quando começaram a gritar “olha a crise, olha a crise” eu
comecei a dizer “estou fora”. Eu não estou nessa crise, não ajudei a construir essa crise e nem
adoto crise. Não entro em crise por adoção, então essa crise não é minha. Não sou empregado
de ninguém nem quero ser. Como todo dia e como até umas coisinhas saudáveis, algumas que
nem têm veneno. Então, a crise não é minha. Quais são as imagens de consenso que a mídia
está nos trazendo e por que elas existem? A dita direita está dizendo que estamos em uma
crise. E a dita esquerda também está nos dizendo que estamos em crise. Ora, se a direita diz
que é crise e a esquerda também diz que é crise, logo existe um consenso. Então, seriam os
projetos deles os mesmos? Se a crise é a mesma, o projeto deve ser o mesmo, e a metodologia
deve ser a mesma. Cadê as contradições? Até porque a esquerda só é esquerda se você não
mexer na imagem. Por exemplo, esse meu braço é o esquerdo, mas se eu virar, ele passa para
o outro lado.
Quem lida com a imagem de forma circular não tem esquerda nem direita. Quem se orienta
assim é quem lida com o espaço de forma vertical. A esquerda está pensando igualzinho a
quem chamam de direita. Querem outro consenso? A dita esquerda está dizendo nesse
momento que as instituições estão funcionando. As instituições sempre funcionaram. Eu
acabei de dizer que o Getúlio Vargas mandou o exército bombardear Caldeirões. E o exército
bombardeou Caldeirões. As instituições funcionaram. Nesse exato momento, o Temer acabou
de dizer que o exército deve ir para o Rio de Janeiro e o povo está dizendo que o exército deve ir
para o Rio de Janeiro. Que cena é essa? É cena de guerra. Se há um consenso entre a esquerda
e a direita, é que o exército deve ir para a guerra no Rio de Janeiro para matar favelado em
nome da segurança pública. A esquerda que está concordando com isso está do lado da
direita, estão apoiando o exército matar o povo. Exército é para guerra, não é para fazer a
segurança de gente na cidade. Que onda é essa? Que consenso absurdo é esse que a esquerda
está fazendo com a direita?
Existe outro consenso: a direita está dizendo que tudo vai se resolver com novas eleições.
Passa esse problema todinho, vem a normalidade e se faz a eleição. E a esquerda também
está dizendo da mesma forma que o instrumento que vai resolver é a eleição. De novo, essa é
uma imagem única. O que está na mente desse povo que se chama de esquerda? Que conflito
é esse? Isso é para dizer que a nossa relação com as imagens é da lógica da emancipação.
Dos povos e comunidades tradicionais através da contracolonização. Não é através da luta de
classe, essa luta é europeia cristã monoteísta.
Quem inventou o trabalho foi Deus lá em Gênesis. Quando Deus disse “a terra está amaldiçoada
por tua causa, tu comerás com fadiga do suor do teu rosto. As ervas são daninhas. Esse castigo
se estende para sempre, para todas as suas gerações”. Nesse momento Deus criou o trabalho,
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nesse momento Ele desterritorializou o povo, porque ele amaldiçoou a terra. A terra onde
Adão e Eva estavam não servia mais, porque era amaldiçoada. Ao mesmo tempo que se faz a
desterritorialização do povo, criou-se uma coisa chamada “cosmofobia”, o medo do Cosmos,
o medo de Deus. Então, esse povo euro-cristão monoteísta se desesperou. Até Jesus, que
nasceu na África, teve que mudar para a Europa. Ele também foi desterritorializado. Se ferrou.
Então, nesse momento, a nossa luta é para usar nossa capacidade de interpretar as imagens
como instrumento de poder; compreendo esse poder como a pressão que uma imagem exerce
contra a outra. A partir disso, quero dizer que vim aqui trazer uma perspectiva contracolonialista
e fazer um diálogo entre pessoas que queiram, através das imagens, de todas as formas de
linguagem, avançar no poder da participação para humanidade.
ThE INfLUENCE Of
IMAGES ON ThE PATh Of
TRADITIONAL COMMUNITIES1
by antônio Bispo dos santos (Nêgo Bispo)
Tradução: Silvia P. Barbosa
First of all, a shout out for us and for this place.1My name is Antônio Bispo dos Santos and I
was born in 1959, in the community of Pequizeiro, in a village called Papagaio. It was in the city
of Valência, in the state of Piauí, that soon the following year was emancipated, becoming a
municipality as well.
I went to school to learn written language at the age of 9, but from the time I started talking,
I started being taught by masters of crafts2 about the activities of our community, and
this knowledge presented everything that needed to be done to live. It was not only about
agriculture, we lived in a community quilombola and in the quilombo3 we are first people, first
we are a being, and then we do whatever it takes to continue being.
By that time, in the late 1960s, early 1970s, oral contracts were being broken in our communities,
they were being replaced by written contracts. The colonial white society was imposing written
1
Transcript of the lecture by Nêgo Bispo at the FIF-BH, July 28, 2017
2
Translator´s note: The masters of crafts (in brazilian portuguese, “mestres de ofícios”) are masters of
popular and traditional culture, holders of knowledge and responsible for perpetuating the tradition of its
people, and oral culture is the basis of the transmission of this knowledge.
3
Translator´s note: Quilombos were places of refuge for african and afro-descendant slaves throughout the
American continent. In Brazil, they also housed indigenous and white minorities. The anthropological
definition of the Brazilian Association of Anthropology for this group is: “every rural black community that
groups descendants of slaves, living in a subsistence culture and where cultural manifestations have a
strong link with the past”.
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contracts, which we did not mastered, and by that way they managed to dominate our lands,
because those territories were demarcated by means of oral contracts, by images, symbols
and things that connected us directly with those places.
bosta-de-rolinha5 or even barbed wire, and so on. Everything that was coiled and rustic was
used to refer to my hair. All to say that my hair was ugly. This type of attack is very strong when
it acts on the self-esteem of a people.
Faced with this situation, I was sent to the school not only to learn to translate written language
into orality, but also to the contrary, to translate orality into writing. So, I studied until the 8th
grade, when the community evaluated that I was already able to do these translations. This
is, in fact, my background. I’m telling you this because some parts of my lecture you may not
understand because of the often harsh tone. This harsh and even rough tone is part of the
process. It’s part of my background. I am a person who has always lived on the frontiers, and
those who live on the frontier are frontiers.
But we also have a very large capacity, and where does that capacity come from? For us,
traditional peoples and communities, the images are constructed and are seen in the most
diverse possible forms. We always have a circular look. Traditional peoples and communities
have several worldview matrices that are polytheistic and allow us to live with diversity.
Africans and peoples of the Americas were historically regarded as pagans, because of their
polytheistic worldview. We relate to our gods and goddesses looking up, down, sideways, in all
ways, in 360 degrees. We always look at our gods 360 degrees and so, most of the time, our
images are circular.
Well, I want to propose a discussion here to reflect with you on the impacts that the images
have on the path of traditional peoples and communities. I can tell you with confidence that I
do not have any pictures of when I was a child or when I was a teenager. I think one of the few
pictures I have was taken when I went to school. At that time the 5th grade was part of the
junior high school and then I had to make a photograph to fulfill school formalities. I think I
have a picture of when I was maybe 14 or 15 years old. I do not have a photo from before that.
The images for us were more panoramic images, images of the open space, of our lives, and
they appeared to us in many different ways, but we always narrated the images. And there
are some narratives of these images that are very interesting because the images for us both
act in our defense as they act in attacking us. They act by raising our self-esteem, but they
also act by trying to nullify us, to deny us. So we always live a relationship [with the image].
Now you imagine me, that was born in a quilombo in Piauí, a Piauí that sometimes is not on
the map. Maybe if I ask one of you where Piauí is, you are going to say it is in the North region,
you will not be able to say that it is in the Northeast region. And besides, I’m from Piauí, I’m
from a region that looks more like Jequitinhonha Valley, like the semiarid, like the caatinga
forest4, where there are many beautiful and wonderful landscapes for us, but they are seen in
the South region and Southeast region as the landscape of death. Plants that have no leaves,
those gray areas all the time, rivers that have no water.
In the same way, I do not treat the image of traditional communities by the marxist categories
as workers, unemployed, people in class struggle or as a revolutionary. This language is not
ours. It is a mono language, or rather, monotheistic Euro-Christian. And, to beautifully speak,
it’s even a Euro-Christian colonialist language.
The Euro-Christian colonialist has a monotheistic worldview, based on Christianity. It sees in
verticality, in linearity, everything has to be leveled. The monotheistic Euro-Christian only sees
God when looking up. Or rather, tries to see God looking up; they cannot see looking down.
It is looking forward or upward, they do not make the circular movement. And this produces
images in a fantastic way; in every colonial process images have always been used as a
powerful language, even because they are the closest to a universal language. Furthermore,
these colonial people use the image to deny, subjugate or punish. We, on the other hand, use
the images or to elevate, to magnify, to exalt or, at least, that is also the maximum, to solve it.
We use the images in a resolutive way.
There are two scenes that I really like and those who have had contact with the grandparents’
generation may have heard it. They are passages about educated people, people from the city,
most erudite people, and we of more traditional communities, taken as illiterates, as people
who do not know anything, as far-land people.
Our landscapes of the caatinga forest, seen and presented by the people of the South region,
are images related to death. And other images that have been and still are used very violently,
let’s put it like this, to try to cancel us out. An example of such violence is the images relating
to our hair. These are very strong images. From childhood I had heard that my hair looked like
5
4
Translator´s note: The caatinga is a type of desert vegetation of the interior of brazilian Northeast region
formed by cactus, thick-stemmed plants, thorny bushes and small trees that lose their leaves seasonally.
Translator´s note: Rolinha, a very common bird in brazilian cities, is a genus of bird of the family Columbidae,
subfamily Columbinae, the same subfamily of the typical pigeons. The South American Classification
Committee of the American Ornithological Society classifies it as Columbina passerina, or “common ground
dove”. “Bosta” is the brazilian portuguese word for “shit”. Then, literally, bosta-de-rolinha means “pigeon
shit”, or “dove shit”. Metaphorically, is a pejorative expression used to describe very curly hair, specifically
the hair of the afro-descendants.
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The scene is: suddenly, in one of our people’s homes, comes in a well educated person, of these
erudite people, and at the wall there was a picture with the photograph of a donkey. The person
comes to our people and asks: “Is this a photograph of a donkey?”. And our people say: “No, this
is a mirror”. This is one of the scenes that we like because it uses the image in an educational
way, without needing to attack.
There’s another scene that happened to me, very strong, but I think it’s wonderful. Between
2005 and 2006, I contributed to the creation of articulation coordination of the quilombola
communities in the state of Sergipe. I arrived in a room full of teenage girls, all with their
straightened hair, and when I looked at that image of the black girls with straightened hair
I said: “Look, these girls who had straighten their hair...” So I saw the faces get angry in my
direction and I thought that if I finished the sentence as they possibly were expecting, they
would probably beat me up Then I completed: “Look, these girls who had straightened their
hair, they are mistaken if they think that they did it in order to look like white women, they
came today to pay homage to brazilian indigenous women”. They all celebrated and I partied
together, because I got away from a spanking. I came out good, but it bothered me.
As I said, we handle everything with resolution mainly with the images and this scene was
very strong in my life because, in fact, what I was going to say was what they expected me to
say. I did not say it because of the second image, that was their countenance. Then I made a
curve, for I am living in the circularity, and said what needed to be said. At that moment, I had
to transfer the first image for another: a poetic image. Because in poetic language I felt more
comfortable, as if I had healed myself of the complicated feeling I experienced at that moment.
I went to get the medicine in poetry. The remedy is this:
“The white woman’s hair is soft, the white woman’s hair sways, the white woman’s hair is brushed,
the white woman’s hair is smoothed. The white woman’s hair is beautiful, but it does not curl or
even hold the braid. The black woman´s hair is soft, the black woman´s hair sways, the black
woman´s hair is brushed, the black woman´s hair is smoothed. Because the black woman is
burlesque, because her hair weaves and winds. When the white woman dances samba, she
shivers, the black woman dancing samba, she waddles. The white woman praying is devout, the
black woman praying makes mandinga6. When the white woman writes, she explains, when the
black woman speaks, she teaches. I saw this white woman at the mall, I saw this black woman
at the fair. The white woman looked at me charmingly, the black woman looked at me gallantly.
Of the white woman I miss, of the black woman I feel nostalgia.”
6
Translator´s note: Mandinga is a term of african origin, which means some sort of spell or magic.
This was the remedy I took, in poetic form and using the resolutive image. I do not need to say
that white hair is ugly to say mine is beautiful. But the white women and white men I see taking
from that same remedy have stopped saying that my hair looks like bosta-de-rolinha. So we
are using the resolutive image and our life is going.
The circular thinking of traditional peoples and communities allows us to use images as a
defense when we are attacked. Our thinking allows us to better size things, movements and
spaces. Circular spaces receive diversity better than rectangular spaces. We understand the
need to exist for other people and for living others; we realize the importance of each one.
We think a lot from the images because this is the environment where we live and fulfill our
life. We do not think from theories; there is even a very great doubt as to whether it is the form
that determines the content or the content that defines the form. I say it´s both. If I leave with a
sandal that serves on my foot and look for another foot that will fit in it, I will find it. This sandal
is a form that will determine a content. And if I look for a sandal to fit in mine, I’ll find it too.
When you think from the circular point of view, it’s beginning-middle-beginning, we never
come to an end. For us, both the ugly and the beautiful, everything goes together, depends on
the look of each one. I, for example, every time I look at myself I think: “how is it possible that
my mother and father have managed to make a person so wonderful, full of contours, curves,
nothing veiled”, because that is how our mind works.
Going back to the question of our paths and the images. Most people here have heard of
Palmares7. Palmares was brutally attacked by the colonialist State. The people of Palmares
were killed, murdered. The fact that they murdered everyone was not enough for them. Did
the dead do any harm to the people who killed them? Besides killing everyone, they burned
Palmares. I wrote a book in 2007 titled “Quilombos: modos e significados”8. Actually, it’s not
a book, it’s a report. I, as a translator of orality for writing and also the opposite, learned and
7
Translator´s note: Quilombo dos Palmares was a quilombo of the brazilian colonial era. It was located in
the region where the state of Alagoas is today, occupying an area close to the size of Portugal and inhabited
by almost 30,000 black slaves who escaped from farms, prisons and slave quarters. In the second half
of the 17th century, Quilombo dos Palmares was the most emblematic of brazilian quilombos, having
resisted for more than a century and having become a modern symbol of african resistance to slavery. Its
leader was Zumbi dos Palmares, an important warrior figure in brazilian history.
8
Translator´s note: SANTOS, Antônio Bispo. Quilombos, modos e significados. Teresina/PI: COMEPI, 2007. In
english, the title means “Quilombos: manners and meanings”.
124
125
understood with my masters and made a report telling these stories. The book arrived at UnB 9,
where it was to be published, without any image. It was a little yellow book, with only pages
written, without a drawing, with nothing. People could not believe it was a book because it had
to have an image, a more sophisticated thing, a shine. It had to have a fetish. I was invited to
reprint the book with pictures. We did this and it was a huge thing, a lot of people, when they
see it, they like it, they think it’s wonderful.
To write this book, I had many doubts. All my friends said I should write, but I was going to write
a book telling about what? Write a romance? I could not figure it out. A book of poetry? Is it true
that I write some verses, but write a poetry book? It´s too much. I wanted to recall a fact that
was decisive determinant for making this decision and has a lot to do with this lecture about
images.
In 2006, the National Meeting of ASA10, of the Semiarid Articulation, took place in the city of
Crato, near Juazeiro11. We went to this meeting also to visit the communities, to exchange. In
the list of communities to visit was Caldeirão12. As far as I knew, Caldeirão was a messianic
city just like Canudos13. I was prepared to see a messianic community, in fact, to see the place
9
Translator´note: The University of Brasília (Universidade de Brasília – UnB) is a public university located in
the capital of the country, Brasília. UnB is one of the twenty best universities in South America according
to the Times Higher Education. Its programs in Economics, International Affairs and Political Science make
UnB one of the five most respected universities in Brazil. Among the alumni are scientists, politicians,
ministers and judges and among its founders is the world-renowned anthropologist Darcy Ribeiro, whose
work “The brazilian people: the formation and meaning of Brazil” was published by the Center for Latin
American Studies at the University of Florida.
10
Translator´s note: The Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) – or, in english, Brazilian Semiarid Articulation
– is a network of more than three thousand civil society organizations (rural unions, farmers' associations,
cooperatives, NGOs) that connect people who work throughout the semiarid region defending the rights
of the peoples and communities. The entities that integrate the ASA are organized in forums and networks
in the 10 states that compose the brazilian semiarid region. According to the ASA, the semiarid region
occupies about one-fifth of the brazilian territory and most of it is located in the Northeast of the country and
also extends through the state of Minas Gerais (including the Jequitinhonha Valley). The semiarid region
is characterized by the scarcity of rainfall and the occurrence of long periods of drought, and in which land
and water historically have always been in the hands of a small elite, generating very high levels of poverty,
social exclusion and environmental degradation, which caused the socio-environmental and economic crisis
of the region.
11
Translator´s note: Crato and Juazeiro do Norte are two cities in the state of Ceará, in the Northeast region.
12
Translator´s note: The Caldeirão was a messianic movements that took place in the city of Crato. The
community was led by religious leader José Lourenço, a man who, despite being illiterate, had great
knowledge about agriculture and popular medicine. The community of Caldeirão gave shelter to several
murderers, thieves and miserable ones and there was produced great amount of food, that was divided
equally among its members. In 1937 the community was invaded and destroyed by the government forces
of Getúlio Vargas, who accused the Caldeirão of being a communist community.
13
Translator´s note: Canudos was a community located in the interior of the state of Bahia where, in the last
years of the 19th century, the Canudos War took place, a confrontation between the Brazilian Army and
members of a socio-religious movement led by Antônio Conselheiro.
where there was a messianic community. When I arrived, there were ruins, old houses, the
Caldeirão and a chapel. I asked: “Is it from the time of José Lourenço?”. And they answered:
“No, it was built after he died. After they killed him, they built the chapel”. I went into the little
church and there were some photos. Including the photograph of Zé Lourenço. And he was
black. Then I said: “Zé Lourenco and all the older people here were black people. If these people
are black, besides being blessed, they must be something else”. I went to ask the people in the
neighborhood and they told me that Zé Lourenco came from the state of Paraíba in 1889, after
the Lei Áurea14. He arrived here and made contact with Father Cícero15; they told me more or
less the story. I asked them: “What about this church?”; and they responded: “This church was
built after the Caldeirão disappeared”.
That’s when I thought to myself: “Now I have material for a book”. What was it I had now? The
image that was made of Canudos, was that of a community of fanatics who lived in adoration.
Because of this fanaticism and the threat to the Republic, they killed everyone in Canudos.
Besides killing them, they burned it. Well, in Caldeirão, the story is the same. That’s why
thinking about photography sent me to Canudos, who referred me to Palmares.
In Caldeirão they also killed everyone and then burned it. Caldeirão is a replica of Canudos.
It was a community in the caatinga where, from 1905 to 1932, one of the most important
communities in the sertão16 was built. In the drought of the Northeast in 1915, it had more
than 20,000 people in Caldeirão. Father Cicero sent 5,000 more and is the only place in the
Northeast where nobody was hungry.
Caldeirão imported products from Germany, everyone was literate and no one had weapons.
Unlike Canudos, there are inventories. Caldeirão was like Canudos. In 1937, while brazilian
soldiers were going to Europe to fight Hitler’s Nazism, Getúlio Vargas sent the army planes
(because there was no air force at that time) to bomb Caldeirão with more than 20,000 people
living in the community. This is genocide. Getúlio Vargas was an ethnocide government, just
as the colonialist State of Brazil is an ethnocidal State. Or at least it is a State that practices
ethnocidal actions, I do not want to generalize.
14
Translator´s note: Lei Áurea, sanctioned on May 13, 1888, was the legal diploma that extinguished slavery
in Brazil.
15
Translator´s note: Father Cícero was a brazilian catholic priest who obtained great prestige and influence
over the social, political and religious life of Ceará as well as of the entire Northeast. He was anticommunist and affiliated to the Conservative Republican Party and was the first mayor of Juazeiro do
Norte in 1911.
16
Translator´s note: The sertão is a semiarid region of Northeast, extending through parts of the states of
Bahia, Ceará and Minas Gerais, among other states, and is covered by a vegetation characteristic of the
caatinga forest.
126
127
As in Palmares, not everyone died in Canudos and Caldeirão. Part of the Caldeirão survivors
came to the Piauí border with Bahia, to the city of Casanova. Do you know what year it was?
1942. It was on the border of Piauí and Bahia, near Serra da Capivara, in São Raimundo Nonato,
a city with a county and a police station, where the institutions were established. That was
practically “yesterday”, in 1942. The police in Bahia, Piauí and Pernambuco also massacred
and burned the entire town of Pau de Colher. Why burn it? Why do they need to burn it?
I will not adopt the victim’s speech, because the quilombola people did not lose. We are
not losers. I do not work with this logic of victimology, we have no right to be a victim and I
do not even want to be one. I am a winner, my people have won. My great-grandfather had
three sugarcane mills, and I do not know who was a slave among my people. I was raised in
abundance. I have no scars from slavery in my memory, but this is because my people narrowly
escaped. I do not disagree with anyone who works with the image of the slavery scar, but I do
not work with it. I take the image of those who won. And to work with that image, I’m going to
use the poetic remedy again. For Palmares, Caldeirão and Canudos I also took a poetic remedy.
That says the following:
“Palmares was burned, Canudos emerged. Canudos was burned, Caldeirão came forth.
Caldeirão was burned, Pau de Colher appeared. They burned Pau de Colher and they burned
and will continue burning so many others, but they will burn until they get tired. Because even
if they burn the writing, they do not burn the orality. Even if they burn the symbol, they do not
burn the meaning. And even if they burn bodies, they do not burn ancestry. Because our images
are also ancestral images.”
Right now, while we are here, several other communities in every corner of this place called
Brazil are being attacked in the same way as Palmares, Canudos and Caldeirão. They are being
attacked by this State in which some who call themselves “left-wing” are living a moment of
absurd consensus with some others who they say are “right-wing.” For example, since when
they started shouting “look at the crisis, look at the crisis” I started saying “I’m out”. I am not in
this crisis, I did not help to build this crisis and I do not adopt the crisis. I do not go into crisis
by adoption, so this crisis is not mine. I’m not anyone’s employee nor do I want to be. I eat every
day and I even eat healthy things, foods that do not even have poison. So the crisis is not mine.
What are the consensus images that the media are bringing us and why do they exist? The socalled right-wing is saying we’re in a crisis. And the left-wing is also telling us that we are in
crisis. Well, if the right-wing says that it is crisis and the left-wing also says that it is crisis, so
there is a consensus. So could their projects be the same? If the crisis is the same, the project
should be the same, and the methodology should be the same. Where are the contradictions?
Even because the left-wing is only left-wing if you do not mess with the image. For example,
my arm is the left one, but if I turn, it goes to the other side.
Whoever deals with the image in a circular way has neither left nor right. Those who orient
themselves are those who deal with space in a vertical way. The left-wing is thinking just like
who they call the right-wing. Do you want another consensus? The so-called left-wing is now
saying that the institutions are working. Institutions have always worked. I just said Getúlio
Vargas sent the army to bomb Caldeirão. And the army bombed Cauldron. Institutions worked.
At this very moment President Temer has just said that the army must go to Rio de Janeiro and
the people are saying that the army should go to Rio de Janeiro. What is this scene? It’s a war
scene. If there is a consensus between the left-wing and the right-wing, the army must go to
war in Rio de Janeiro to kill people in the slums in the name of public safety. The left-wing who
is agreeing with this is on the right-wing side, they are supporting the army killing the people.
Army is for war, not for security of people in the city. What is everyone talking about? What
absurd consensus is this that the left-wing is doing with the right-wing?
There is another consensus: the right-wing is saying that everything will be resolved with new
elections. The whole problem ceases, normality comes and elections are made. And the leftwing is also saying in the same way that the instrument that will solve is the election. Again,
this is a single image. What is in the mind of this people called the left-wing? What conflict
is that? This is to say that our relation to the images is that of the logic of emancipation. It is
that of the logic of traditional peoples and communities through counter-colonization. It is not
through class struggle, this struggle is European monotheistic Christian.
Who invented the work was God in the book of Genesis. When God said, “The earth is cursed
because of you, you will eat with fatigue from the sweat of your face. Herbs are weedy. This
punishment extends forever, to all its generations”. At that moment God created the work,
at that time He deterritorialized the people because he cursed the earth. The land where
Adam and Eve were was no longer useful because it was cursed. At the same time as the
deterritorialization of the people is done, a thing called “cosmophobia” was created, the fear
of the Cosmos, the fear of God. So these monotheistic Euro-Christian people despaired. Even
Jesus, who was born in Africa, had to move to Europe. He was also deterritorialized. He got
screwed up.
So, at this point, our struggle is to use our ability to interpret images as an instrument of power;
I understand this power as the pressure that one image exerts against the other. From this,
I have come here to bring a contracolonialist perspective and establish a dialogue between
people who want through the images, through all forms of language, to advance in the power
of participation for humanity.
129
Nada a dizeR, só a
MOSTRAR: IMAGENS,
POLíTICA E ESCRITA DA
históRia
por Heloisa Murgel Starling
Para Rafael da Cruz Alves
“Não tenho nada a dizer. Somente a mostrar”1. O fragmento que já ocupou um lugar de
destaque na estética barroca e foi consagrado pelos primeiros românticos alemães como um
gênero estilístico constitui, igualmente, uma forma própria de escrita da história – e, como
imaginou Walter Benjamin, essa é uma escrita de natureza visual e espacial. Mostrar por meio
de imagens permite intensificar a presença daquilo que Paul Veyne chamou o “específico
histórico” – o dado do passado que entra na narrativa, não para provocar uma expansão
descritiva do enredo, mas com a pretensão de enunciar algo inteligível para compreensão do
acontecimento2. Além disso, se é correto supor que do passado só nos restam fragmentos que
nos vêm aos pedaços, mostrar cumpre mais uma função: a de produzir a visualização de uma
escrita da história de leitura transversal e múltipla: não sequencial, não linear, incapaz de
hierarquizar os fatos ocorridos.
Benjamin não parou por aí. A imagem é uma categoria central da sua teoria da história, porque
permite reordenar os enunciados dessa escrita em novas relações e integrá-los em um novo
texto, inteiriço, dotado de significação própria e reinventado em seu entendimento inicial das
1
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte; São Paulo: Editora UFMG; Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2006. p. 502. Ver também: OTTE, Geog. “Mostrar e dizer: o fragmento em Passagens, de Walter
Benjamin”. In: SOUZA, Eneida Maria de; MARQUES, Reinaldo. Modernidades alternativas na América
Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
2
VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Brasília: Editora UnB, 1998.
130
131
coisas. E, é claro, mostrar – ele dizia – significa revelar algo que, em determinado momento,
as diferentes forças políticas no interior de uma sociedade colaboraram ou conspiraram
para esconder. Afinal, os fatos não necessariamente coincidem com aquilo que o poder está
disposto a assumir em público e existem histórias que não se quer divulgar – ou que se deseja
esquecer.
Independentemente de sua qualidade estética, uma só imagem pode ser suficiente para se ler
e revelar um conceito, tornar concreta uma ideia, subverter um acontecimento ou denunciar
uma determinada ordem política. A arte de escrever a história com imagens, um procedimento
característico da teoria benjaminiana da cultura, fornece acesso a uma forma específica de
narrativa repleta de perigos, é certo, mas capaz de reter do passado algo de perturbador:
a repetição do que propriamente falando nunca aconteceu, o retorno das possibilidades
perdidas3. Essa repetição é virtualmente inseparável de um contexto político – toda imagem
conta uma história e nos revela muito a respeito da maneira como os homens se veem na cena
pública e organizam suas alternativas de convivência política.
Entre os inúmeros perigos que cercam a tentativa de ler uma imagem, talvez o maior não seja
o de trazer à tona aquilo que os personagens podem contar, mas o de querer a todo custo
escutar o enredo de uma história que parece ter se desvanecido para sempre no passado.
Imagens permitem acessar o poder de representação visual de uma narrativa, registram algo
que só pôde ser visto de um determinado lugar e em um momento específico, fornecem a cada
um de nós a chance de imaginar o passado de forma mais nítida – conseguem, eventualmente
e de alguma maneira, provocar uma espécie de ressonância acústica no nosso presente4. Pode
acontecer, de repente, e com qualquer um. Por exemplo: com quem entra, por algum motivo, no
vestíbulo do Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, sede do governo de Minas Gerais, sobe
pela esplendida escadaria nobre inteiramente trabalhada em estilo art-nouveau e se depara,
no topo da escada, com as pinturas alegóricas no teto arredondado.
Belo Horizonte é a grande aventura urbanística da República brasileira. Inaugurada em 12 de
dezembro de 1897, apenas oito anos após o golpe republicano de 1889, a cidade foi planejada
para afirmar simbolicamente o regime recém-instalado e as alegorias no teto do vestíbulo
3
4
Para a escrita da história – a teoria da câmara obscura como a de uma máquina fotográfica flagrando a
imagem –, ver: BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo; Obras escolhidas.
São Paulo: Brasiliense, 1989. Vol. III; BENJAMIN, Walter. “A obra da arte na era da reprodutibilidade
técnica”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987. Vol. I. Para a imagem como categoria central da
teoria da cultura em Benjamin, ver: BÖLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna. São Paulo: Edusp, 1994.
Para imagens, ver: MANGUEL, Alberto. Lendo imagens; uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001; BURKE, Peter. Testemunha ocular; história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
Autor desconhecido. Alegoria da Liberdade. Data: 1897. Palácio da Liberdade. Belo Horizonte. Fotógrafo: Manoel
Marques
do Palácio da Liberdade trazem uma mensagem explícita a esse respeito5. Cercado de
águias, conchas, camafeus e motivos florais, os painéis são dominados pela figura feminina
da República, de inspiração romana, que interage, em cada um deles, com motivos caros
ao ideário positivista: ordem, fraternidade, progresso. Tudo muito previsível. Mas, se você
5
Para Palácio da Liberdade, ver: PILÓ, Conceição. Palácio da Liberdade: dos Campos Gerais dos Goitacases
ao Belo Horizonte das Minas Gerais de nossos dias. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987; BARRETO,
Abílio. Belo Horizonte; memória histórica e descritiva. História média. Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro, 1996. Para Belo Horizonte, positivismo e república, ver: MAGALHÃES, Beatriz de Almeida;
ANDRADE, Rodrigo Ferreira. Belo Horizonte: um espaço para a República. Belo Horizonte: UFMG/Imprensa
Universitária, 1989.
132
133
olhar com atenção, vai perceber que existe algo dissonante em um dos painéis6. Coroando a
escadaria, plantada entre as três portas almofadadas de acesso aos salões de espera e de
banquetes, vê-se a única alegoria que faz referência direta a um evento histórico concreto e
celebra o fim da escravidão no país. Traz um detalhe que destoa ainda mais do conjunto: a lei
oficial que aboliu a escravidão foi produto da monarquia, mas nessa imagem não há nenhuma
alusão nem à figura de Isabel, nem ao imperador, nem à Coroa – é a deusa da liberdade, em
pessoa, quem desce à terra e rompe as correntes que prendem os negros escravizados no
Brasil.
A representação da liberdade no teto do vestíbulo é também a única alegoria que não traz a
marca da moderação. Ela está de pé, veste à moda romana um drapeado escarlate – enquanto
nos outros painéis as imagens femininas usam uma túnica branca, símbolo da paz –, e o barrete
frígio, que identificava os libertos na antiga Roma e a Revolução Francesa se encarregou de
transmutar no gorro da própria deusa, cobre-lhe os cabelos partidos ao meio7. A liberdade
é bela, esguia, confiante. O gesto é enérgico, a postura combativa, mas não agressiva; um
querubim sustenta sobre a sua cabeça a coroa de louros, atributo da imortalidade e da glória.
Não sabemos exatamente quem é o autor desse painel – as obras ornamentais do Palácio da
Liberdade foram realizadas por uma equipe de artistas nacionais e estrangeiros, chefiados
pelo alemão Frederico Steckel. Tampouco é possível conhecer o que andava pela cabeça do
pintor, e quais motivos o levaram a representar o fim da escravidão dessa maneira. Uma coisa,
porém, é certa: a imagem parece mentir, mas sua interpretação sobre a abolição remete a uma
história verdadeira8.
A população negra nunca foi homogênea no Brasil e nem todos os ex-escravos e libertos
estavam de acordo com o argumento de que o fim da escravidão era obra da elite imperial
que transfigurou a princesa Isabel em “Redentora” – aliás, muitos estavam dispostos a
refutar isso, em alto e bom som. No dia 13 de janeiro de 1889, cerca de 300 pessoas que
se autoidentificavam como “homens de cor” se reuniram em assembleia, no complexo de
quilombos do Jabaquara, em São Paulo, o maior refúgio de escravizados do país durante o
século XIX, e deram a senha para construir sua própria narrativa acerca dos acontecimentos
que lhes diziam respeito: a abolição da escravatura no Brasil foi feita pelos esforços populares
que se impuseram energicamente à Coroa – a liberdade era uma conquista emanada do povo,
6
Devo agradecimento a Lilia Schwarcz, quem primeiro identificou e me apontou para a dissonância
existente nesse painel.
7
Para elementos da simbologia republicana, ver: AGULHON, Maurice. Marianne au combat: L’imagerie et la
symbolique républicaine de 1789 à 1880. Paris: Flammarion, 1992; HUNT, Lynn. Política, Cultura e Classe
na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. (especialmente parte I).
8
Para a rede de relações políticas que cercam uma imagem e suas implicações para interpretação da obra
ver: GINZBURG, Carlo. Indagações sobre Piero. São Paulo: Paz e Terra, 1989. Ver também: GINZBURG,
Carlo. Medo, reverência, terror; Quatro ensaios de iconografia política. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
dos escravos e dos abolicionistas brancos e negros9. “À Coroa nós devemos a conservação
da escravidão por três séculos”, reiterou Quintino de Lacerda, negro, carregador de café do
porto de Santos e o lendário fundador do Jabaquara. E prosseguiu: “[À Monarquia] devemos
as balas com que ela mandou espingardear alguns aqui presentes (...). Nós nos fizemos livres,
auxiliados pelo povo que nos sustentava contra as forças do governo”10.
A assembleia no Jabaquara teve consequências. Em meados de 1889, um grupo de libertos se
reuniu no centro de São Paulo para debater raça e cidadania. O passo seguinte foi a criação
do jornal A Pátria, que trazia o subtítulo “Órgão dos homens de cor”, e uma declaração de
princípios: “nós [homens de cor] somos republicanos de convicção e coração, acreditamos
mais na realidade da República do que na realeza dos Bragantinos porque a liberdade e a
igualdade é natural aos homens (...)”11. Ainda mais surpreendente: o movimento dos “homens
de cor” se expandiu pelo país. No Rio Grande do Sul surgiu uma forma associativa de matiz
republicano, a “Mocidade Preta”. Em 6 de junho de 1889 foi fundado, na capital do Império, o
“Club Republicano dos Homens de Cor”, com uma pauta decididamente subversiva: defendia
uma República fundada na soberania popular e os direitos de cidadania. Tudo isso aconteceu
apenas oito anos antes, talvez tenha imaginado o artista enquanto pintava sua alegoria no
teto do vestíbulo do Palácio da Liberdade.
“Nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”, costumava
dizer Walter Benjamin12, e esse pode ser o ponto de apoio para uma reflexão sobre a maneira
como as imagens ampliam ou alteram nosso conhecimento sobre o passado. É certo que a
experiência dos “homens de cor” foi deliberadamente esquecida por uma República que
se revelou uma forma de governo oligárquica, excludente e sem nenhuma sensibilidade
para a questão social. Mas as alegorias do Palácio da Liberdade são imagens de ideias –
estão carregadas de inúmeros significados essenciais e isso lhes confere uma necessária
ambiguidade.13 Elas tanto podem provocar à lembrança eventos há muito esquecidos, como
transmitir insinuações de sugestões históricas ou salientar um conjunto de valores do mundo
9
Para os “homens de cor” republicanos, ver: DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os
republicanos de cor no Brasil”. In: GOMES, Flávio & DOMINGUES, Petrônio (org.). Políticas da raça;
experiências e legados da abolição e da pós-emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2014.
Para o complexo do Jabaquara, ver: MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico;
movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo: EDUSP, 2010. Ver também: SCHWARCZ, Lilia M.;
STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. (especialmente
capítulo 12).
10
Citado em: DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de cor no Brasil”. Op. cit. p. 130.
11
Citado em: DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de cor no Brasil”. Op. cit. p. 136.
12
BENJAMIN, Walter.“Sobre o conceito de História”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987. Vol. I. Tese 3, p. 223.
13
Para “imagens de ideias”, ver: SKINNER, Quentin. Ambrogio Lorenzetti: the artist as political philosopher.
Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
134
135
público. Imagens de ideias são objetos intencionais, falam uma linguagem característica, e
compreendê-las inclui tentar descobrir ou entender seus propósitos, isto é, as intervenções
de seus autores no debate intelectual e político de sua própria época.
A pintura ou o desenho trazem declaradamente uma interpretação sobre o que estava
acontecendo em um determinado momento; as fotografias, por sua vez, fornecem um
testemunho do passado. A foto está do lado daquilo que não se viu ou não se pode ver: entre
aquilo de que foi testemunha e os outros, não há senão ela. Uma fotografia naturalmente pode
distorcer ou interferir, idealizar, retocar e mentir; mas alguma coisa do que está ali existiu de
fato e era semelhante ao que está na imagem. Contudo, a fotografia não tem nada de passivo,
imparcial ou neutro – e, por essa razão, ela também é capaz de realizar uma interpretação
daquilo que a câmara captura14. A partir dos anos 1960, no Brasil, ocorreu a disseminação de
um tipo de fotojornalismo engajado, feito de dentro dos acontecimentos como expressão de
um ponto de vista pessoal e motivado pelo desejo de provar que havia um contexto polêmico
pronto para ser imediatamente explorado. O resultado foi expressivo e contribuiu muitíssimo
para a interpretação histórica do período – e indiretamente também foi por vezes desastroso
para os ocupantes do poder15.
Em 7 de setembro de 1976, o fotojornalista Orlando Brito ainda trabalhava no jornal O Globo
e estava em Brasília entre o pessoal de imprensa encarregado de cobrir o desfile que ocorre
anualmente, no Eixo Monumental Sul, em comemoração à Independência do país. Foi nesse
dia que Brito executou uma foto memorável16. Sua câmera registrou Ernesto Geisel, o terceiro
general a assumir o governo desde o golpe militar de 1964, de pé, com a bandeira nacional ao
fundo. Mas o fotógrafo tinha talento e uma estratégia: organizou a imagem de modo a inverter
a clássica iconografia do governante em uma situação de triunfo e, com isso, reduziu o mais
imperial dos generais que ocuparam a presidência da República a um detalhe minúsculo e
desimportante diante da imensa bandeira brasileira.
A bandeira da foto é, de fato, gigantesca. Continua, ainda hoje, sendo hasteada no Mastro
Nacional do Brasil, um obelisco metálico de 100 metros de altura, plantado na Praça dos
Três Poderes pelo antecessor de Geisel, general Emílio Garrastazu Médici, como parte de
uma extensa campanha política para potencializar na sociedade brasileira uma imagem
14
15
16
ufanista do país17. Ela tem 286 metros quadrados e Brito produziu sua foto de baixo para
cima e contra o céu, tornando-a ainda mais alta e majestosa. O efeito é eloquente, mas algo
mais aconteceu, para sorte do fotógrafo: a luz da manhã interferiu na cena e projetou uma
sombra fugaz no avesso do tecido. Foi então que a faixa que atravessa a esfera tarjou de
luto a bandeira nacional e esse luto abriu uma janela de interpretação para a realidade do
país. No Brasil governado pelos militares, o uso da máquina de repressão sem limites judiciais
contra opositores políticos ocorria regularmente em pelo menos três circunstâncias. Primeiro,
nos casos de desaparecimentos forçados praticados, na maior parte das vezes, para encobrir
homicídios de prisioneiros. Segundo, na instalação de centros clandestinos de violação de
direitos que funcionaram espalhados pelo país e serviram para executar os procedimentos de
desaparecimento de corpos de opositores mortos sob a guarda do Estado – como a retirada
de digitais e de arcadas dentárias, o esquartejamento ou a queima de corpos em fogueiras
de pneus. Terceiro, no uso sistemático da tortura como técnica de interrogatório inclusive em
quartéis e instalações das Forças Armadas18. A bandeira enlutada relembrava a violência da
repressão política praticada no país.
“Escrever a história,” defendia Walter Benjamin, significa “dar às datas a sua fisionomia”19, e
embora ele tenha sido, em muitos aspectos, um crítico da fotografia, provavelmente estaria
de acordo com a ideia de que também a foto cumpre um papel nessa escrita. Mas, ela faz isso
ao seu modo. A fotografia suspende uma fina fatia do tempo em um ponto de sua trajetória, e
a força com que ela interrompe algo contraria o fluxo temporal onde se constrói a tripartição
cronológica com a qual nos habituamos – a fotografia atesta apenas o momento, sem antes
nem depois20. Isso quer dizer que uma foto, quando associada a um acontecimento histórico
enterrado nas profundezas do passado ou às experiências políticas que lhe ofereceram
sentido, traz à tona seu próprio índice temporal: na imagem fotográfica, tudo é novo, mas já
aconteceu. Fotografias capturam a desordem da história e a urgência do momento em que
uma ação acontece.
É o caso da imagem dos posseiros rebelados, em 1957, no sudoeste do Paraná. O alvo da
rebelião eram as companhias de colonização privada que o governo estadual instalou na
região: Clevelândia Industrial e Territorial (CITLA), Companhia Comercial e Agrícola do Paraná
17
Para propaganda política do governo Médici, ver: FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura,
propaganda e imaginário social. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
18
Para fotojornalismo no Brasil, ver: ESPADA, Heloisa. “As políticas do olhar”. In: ESPADA, Heloisa & ALONSO,
Angela (org.) Conflitos; fotografia e violência política no Brasil, 1889-1964. São Paulo: IMS, 2017.
Para repressão pela ditadura militar ver: SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia.
Op. cit. (especialmente capítulos 17 e 18).
19
BENJAMIN, Walter. Passagens. Op. cit. p. 518.
Para fotojornalismo de Orlando Brito, ver: BRITO, Orlando. Poder; glória e solidão. São Paulo: Editora Terra Virgem, 2002.
20
Para a interrupção do tempo, ver: SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Op. cit.
Para fotografia, ver: BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia”. In: Obras escolhidas. São Paulo:
Brasiliense, 1987. Vol. I; SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004;
LISSOVSKY, Mauricio. Pausas do destino: teoria, arte e história da fotografia. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017.
136
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139
>>> Imagem anterior: Geisel. Data: 07/09/1976. Brasília. Fotógrafo: Orlando Brito Acervo: OBritoNews
(COMERCIAL), Companhia Imobiliária Apucarana (APUCARANA)21. As companhias perceberam
onde poderiam ganhar dinheiro fácil e reivindicaram a posse das terras nas quais estavam
assentadas em torno de 15 mil famílias de trabalhadores rurais que começaram a se deslocar
para a região a partir de 1943. Munidos de escrituras falsas, os corretores procuravam os
posseiros cobrando o lote onde estavam assentados e exigindo a assinatura de um contrato
de dívida – quem se recusasse, recebia a visita dos jagunços. As empresas tinham pressa,
contavam com a conivência do governo estadual e partiram para ações de intimidação
aberta: fecharam estradas, pontes, portos fluviais e picadas no meio da mata para impedir a
circulação da produção local e o abastecimento dos colonos.
Não sabemos quem é o autor da foto, mas conhecemos a data em que a imagem foi feita.
Em 10 de outubro de 1957, dois mil posseiros marcharam para a localidade de Francisco
Beltrão, onde estavam localizadas as sedes de duas companhias – CITLA e COMERCIAL. Um
grupo de trabalhadores rurais enfurecidos invadiu os escritórios das empresas e recolheu a
documentação referente aos lotes de terras, como notas promissórias, contratos de dívidas
e escrituras de propriedades. Despejou tudo no meio da rua – a foto captura o momento
absolutamente anterior ao gesto definitivo dos posseiros de rasgar e queimar a papelada.
É um flagrante repleto de ação: a luz natural acentua a dramaticidade da cena e o disparo
do fotógrafo garante a afirmação visual da vitória fulminante dos posseiros. A mensagem é
clara, quem fez a foto era aliado dos colonos e o grupo de rebeldes posa sorridente enquanto
a câmara passa os personagens um a um em revista. Convenhamos: existe algo de icônico
nessa imagem. Afinal, ela não é propriamente o registro histórico da revolta dos posseiros
no sudoeste do Paraná – é, antes, o seu monumento. A foto paralisou o devir abstrato do
tempo no exato momento em que a ação política aconteceu e fez isso com o claro propósito
de sublinhar simbolicamente o sentido heróico daquele acontecimento – como se, antes de
tudo, o fotógrafo desconhecido desejasse com essa imagem proclamar a vitória da sua gente.
Walter Benjamin tinha razão: imagens dão o que pensar. De muitas maneiras, elas apontam
para a composição de uma escrita da história que seja capaz de oferecer flexibilidade ao
campo da análise, transbordar os limites estreitos da especialização e convidar o historiador
a travar diálogos improváveis. Uma escrita, ele dizia, disposta a operar passagens – no
espaço, no tempo, no campo do conhecimento, no mundo das ideias. Passagem é brecha em
um terreno repleto de embaraços. No Brasil, um poeta, Jorge de Lima, assim como Benjamin,
21
Para a revolta dos posseiros, ver: STARLING, Heloisa Murgel. “As ruas da República”. In: ESPADA, Heloisa;
ALONSO, Angela (org.). Conflitos; fotografia e violência política no Brasil, 1889-1964. Op. cit. p. 321 e
seguintes.
Fotógrafo desconhecido. Levante dos Colonos do Paraná: Destruição dos documentos e escritórios da CITLA
[Clevelândia Industrial e Territorial Ltda.]. Francisco Beltrão, PR. 15.10.1957. Acervo Correio da Manhã/Arquivo Nacional
gostava de semear brechas em campo de obstáculos – vasto, labiríntico, difícil, fragmentário
e inacabado. Ele também escreveu sobre isso no primeiro verso de seus XIV Alexandrinos:
“Vede: a Química conta as moléculas
Dita a Mecânica as leis tendo por base a inércia
Outros mundos além, a Astronomia habita.
Se mesmo o positivo é sonho e controvérsia
Nem porvir, nem ninguém, coisa alguma desliga
A ciência que sonha e o verso que investiga”.
Talvez seja esse o ponto que Benjamin queria efetivamente demonstrar quando insistia em
dizer que a história é objeto de uma construção. Não deixa de ser um recado para o historiador
que não se conforma em mostrar aquilo que já foi descrito e parte à procura das fontes onde
sobrevive um traço do passado. Se Benjamin estiver certo, um historiador precisa se lembrar
de utilizar três ferramentas no momento em dá início à sua planta de construção: a ciência
que sonha, o verso que investiga, a imagem que revela.
140
141
Benjamin did not stop there. The image is a central category in his theory of history because
it allows the utterances of that writing to be rearranged in new relations and integrated in a
new, whole text, imbued with its own signification and reinvented in its initial understanding
of things. And, obviously, to show – so he argued – means to reveal something that, at a given
moment, the different political forces from within society collaborate or conspire to hide.
After all, the facts do not necessarily coincide with that which power instances are willing to
assume in public and there are histories that they do not want to publicize – or that they desire
to forget.
I NEEDN’T SAY ANYThING.
MERELY ShOW: IMAGES,
POLITICS AND ThE WRITING
Of hISTORY
by Heloisa Murgel Starling
Tradução: Geraldo Cáffaro
to Rafael da Cruz Alves
“I needn’t say anything. Merely show”1. The fragment that has occupied an eminent place in
baroque aesthetics and was consecrated by the first German romantics as a stylistic genre
constituted likewise a form of history writing in its own right – and, as Walter Benjamin has
imagined, this is a writing of a visual and spatial nature. To show by means of images intensifies
the presence of what Paul Veyne has called “the historical specific” – the datum from the past
that enters the narrative, not to provoke a descriptive expansion of the plot, but with the aim
to enunciate something intelligible for the comprehension of the event2. Furthermore, if it is
correct to assume that we are only left with fragments from the past, to show fulfills one more
function: that of producing the visualization of a writing of history of transversal and multiple
readings: non-sequential, non-linear, incapable of hierarchizing the events that have occurred.
1
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte; São Paulo: Editora UFMG; Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2006. p. 502. See also: OTTE, Geog. “Mostrar e dizer: o fragmento em Passagens, de Walter
Benjamin”. In: SOUZA, Eneida Maria de; MARQUES, Reinaldo. Modernidades alternativas na América
Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
2
VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Brasília: Editora UnB, 1998.
Regardless of its aesthetic quality, a single image can be enough to read and reveal a concept,
materialize an idea, subvert an event or denounce a given political order. The art of writing
history with images, a typical procedure of Benjamin’s cultural theory, allows access to a
narrative fraught with dangers, one must acknowledge, but capable of retaining something
disturbing from the past: the repetition of what, properly speaking, never happened, the return
of lost possibilities3. This repetition is virtually inseparable from a political context – every
image tells a history and reveals much about the way individuals see themselves in the public
sphere and organize their alternatives of political coexistence.
Among the several risks implicated in the attempt to read an image, perhaps the greatest one
is not that of unearthing that which the characters can tell, but that of willing, at all costs,
to hear the plot of a history that seems to have waned to the past for good. Images allow one
to access the power of a visual representation of a narrative, they register something that
can only be seen from a given place and at a specific moment, they provide to each one of us
with the chance to imagine the past in a more vivid way – they can, eventually and somehow,
provoke a kind of acoustic resonance in our present4. This could happen, suddenly, and to
anyone. For instance: someone who enters, for some reason, the hall of Palácio da Liberdade
in Belo Horizonte, former headquarters of Minas Gerais government, climbs up the majestic
stairs entirely wrought in the art-nouveau style and finds, at the top of the stairs, the allegorical
paintings in the round ceiling.
Belo Horizonte is the great urbanistic adventure of the Brazilian Republic. Inaugurated on
December 12th, 1897, only eight years after the Republican coup of 1889, the city was planned
to symbolically affirm the recently-installed regime and the allegories in the ceiling of the hall
3
For the writing of history – the theory of the camera obscura as a camera capturing the image –, see:
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo; Obras escolhidas. São Paulo:
Brasiliense, 1989. Vol. III; BENJAMIN, Walter. “A obra da arte na era da reprodutibilidade técnica”. In: Obras
escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987. Vol. I. For the image as a central category in Benjamin’s cultural
theory, see: BÖLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna. São Paulo: Edusp, 1994.
4
For images, see: MANGUEL, Alberto. Lendo imagens; uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001; BURKE, Peter. Testemunha ocular; história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
142
143
of Palácio da Liberdade convey an explicit message in this respect5. Surrounded by eagles,
shells, cameos and floral motifs, the panels are dominated by the feminine figure of the
Republic, of Roman inspiration, which interacts, in each one, with motifs of great value to the
positivistic imaginary: order, fraternity, progress. All quite predicable. But if you look attentively,
you will notice that there is something dissonant in one of the panels6. Crowning the stairs,
situated among the three cushioned doors that give access to the waiting and banquet rooms,
one may see the only allegory that makes direct reference to a concrete historical event and
that celebrates the end of slavery in the country. It brings a detail that is even more at odds
with the set: the official law that abolished slavery was a product of the monarchy, but in this
image there is no allusion be it to the figure of Isabel, to the emperor, or to the Crown – it is the
goddess of liberty, in person, who descends to the earth and breaks the chains that bind the
enslaved blacks in Brazil.
The representation of liberty in the ceiling of the hall is also the only allegory that does not bring
the mark of temperance. It is standing, dressed in the roman fashion in scarlet drapery – while
in the other panels the feminine images wear a white tunic, symbol of peace –, The Phrygian cap,
which identified the freed individuals in ancient Rome; and the French Revolution managed to
transmute the cap of the goddess herself, it covers the parted hair7. Liberty is beautiful, slim,
and confident. The gesture is energetic, the posture combative, but not aggressive; a cherub
holds, over her head, a wreath of laurels, a tribute to immortality and glory. We do not know
for sure who the author of this panel is – the ornamental works of Palácio da Liberdade were
performed by a team of national and international artists, conducted by the German Frederico
Steckel. Nor is it possible to know what the painter had in mind, and what motives led him to
represent the end of slavery in this manner. One thing, however, is certain: the image seems to
lie, but its interpretation of the abolition alludes to a true history8.
The black population has never been homogenous in Brazil and not all former slaves and
Unknown author. Allegory of liberty. Date: 1897. Palácio da Liberdade. Belo Horizonte. Photo by Manoel Marques
5
For Palácio da Liberdade, see: PILÓ, Conceição. Palácio da Liberdade: dos Campos Gerais dos Goitacases
ao Belo Horizonte das Minas Gerais de nossos dias. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987; BARRETO,
Abílio. Belo Horizonte; memória histórica e descritiva. História média. Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro, 1996. Para Belo Horizonte, positivismo e República, see: MAGALHÃES, Beatriz de Almeida;
ANDRADE, Rodrigo Ferreira. Belo Horizonte: um espaço para a República. Belo Horizonte: UFMG/Imprensa
Universitária, 1989.
6
I’m grateful to Lilia Schwarcz who first identified and pointed e to the dissonnance in this panel.
7
For elements of the Republican symbology, see: AGULHON, Maurice. Marianne au combat: L’imagerie et la
symbolique républicaine de 1789 à 1880. Paris: Flammarion, 1992; HUNT, Lynn. Política, Cultura e Classe
na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. (especially in part I).
8
For the political relations that surround the image and its implications for the interpretation of the work,
see: GINZBURG, Carlo. Indagações sobre Piero. São Paulo: Paz e Terra, 1989. Ver também: GINZBURG,
Carlo. Medo, reverência, terror; Quatro ensaios de iconografia política. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
freed slaves would agree with the argument that the end of slavery was due to the imperial
elite, which rendered Princess Isabel the title of “Redeemer” – in fact, many were willing to
refute this, loud and clear. On the 13th of January of 1889, around 300 people who identified
themselves as “people of color” gathered in an assembly, in the complex of quilombos
Jabaquara, in São Paulo, the largest refuge for the enslaved in the country over the nineteenth
century, and communicated the password to build their own narrative about the events that
concerned them: the abolition of slavery in Brazil was carried out by the popular efforts that
fiercely opposed the Crown – freedom was a conquest that emanated from the people, from
144
145
the slaves and the white and black abolitionists9. “To the Crown we owe the conservation of
slavery for three centuries”, reiterated Quentino de Lacerda, a black man, who transported
coffee from the Port of Santos and the legendary founder of Jabaquara. And he proceeds to
affirm: “[To the Monarchy] we owe the bullets with which they came to assault some of the
ones who are present here. We made ourselves free, aided by the people who supported us
against the government forces”10.
The assembly at Jabaquara produced consequences. Around 1889, a group of freed slaves
gathered together at the center of São Paulo in order to debate race and citizenship. The next
step was the creation of the journal The nation, which brought the subtitle “Organ of Men of
colour”, and a declaration of principles: “we (men of color) are republican of conviction and at
heart, and we believe more in the reality of the Republic than in the royalty of the Bragantinos
because freedom is humankind’s natural equality(...)”11. And more surprising yet: the “men
of color’s” movement has spread through the country. In Rio Grande do Sul there emerged a
collaborative form of republican hue, the “Black Youth”. On June 6th, 1889, was founded, in
the capital of the Empire, the “Republican Club of Men of Color”, with a decisively subversive
agenda: it defended a Republic founded on popular sovereignty and citizenship rights. It all
happened only eight years before, perhaps the artist had envisioned it while he painted his
allegory in the ceiling of the Palacio da Liberdade’s hall.
“Nothing that has once happened can be considered lost to history”, Walter Benjamin used
to say12, and this can be the point of departure for a reflection about the way in which images
amplify or alter our knowledge about the past. Certainly, the experience of the “men of color”
was deliberately forgotten by a Republic that turned out to be a form of oligarchic, exclusive
government, without any sensitivity to the social question. But the allegories of Palácio da
Liberdade are ideal images – they are imbued with countless essential meanings and this
adds a necessary ambiguity to them13. They can both trigger the memory of events long
forgotten, convey hints of historical suggestions or call attention to a set of values of the public
9
For the republican “men of color”, see: DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de
cor no Brasil”. In: GOMES, Flávio & DOMINGUES, Petrônio (org.). Políticas da raça; experiências e legados
da abolição e da pós-emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2014. For the Jabaquara
complex, see: MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico; movimentos sociais na década
da Abolição. São Paulo: EDUSP, 2010. See also: SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma
biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. (especially chapter 12).
world. Images of ideas are intentional objects, they speak a characteristic language, and
comprehending them involves trying to understand their purposes, that is, the interventions
of their authors in the intellectual and political debate of their own time.
The painting or drawing explicitly elicit an interpretation about what was happening at a given
moment; the photographs, in turn, provide us with a testimony of the past. The photo is beside
what has not been seen or what cannot be seen: between what was testimony and the others,
there is nothing but itself. A photograph can naturally distort or interfere, idealize, retouch
or lie; but something that is there has in fact existed and was similar to what is in the image.
Nevertheless, the photograph is not passive, impartial or neutral at all – and that is why it is
also capable of attaining an interpretation of what the camera captures14. From the 1960s on,
in Brazil, there occurred a dissemination of a kind of engaged photojournalism, performed
from inside events as an expression of a personal point of view and motivated by the desire to
prove that there was a controversial context ready to be immediately explored. The result was
expressive and contributed significantly to the historical interpretation of the period – and
indirectly was also at times disastrous to power representatives15.
On September 7th, 1976, the photojournalist Orlando Brito was still working for the journal
The Globe and was in Brasilia among the press personnel commissioned to cover the parade
that takes place annually, at the South Monumental Axis, in commemoration of the country’s
independence. It was on this day that Brito executed a memorable photo16. His camera
registered Ernesto Geisel, the third general to assume government after the military coup of
1964, standing, with the national flag in the background. But the photographer had talent and
a strategy: he organized the image so as to invert the classic iconography of the president in
a situation of triumph and thus reduced the most imperial of the generals that occupied the
Republic presidency to a tiny and unimportant detail in front of the immense Brazilian flag.
The flag is indeed enormous. It remains, until this day, being raised in the National Pole of
Brazil, a metallic obelisk 100 m tall, situated at Praça dos Três Poderes by the antecessor
Geisel, General Emílio Garrastazu Médici, as part of an extensive political campaign to
inculcate in the Brazilian society a patriotic image of Brazil17. It is 286 square meters tall and
14
For photography, see: BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia”. In: Obras escolhidas. São
Paulo: Brasiliense, 1987. Vol. I; SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004;
LISSOVSKY, Mauricio. Pausas do destino: teoria, arte e história da fotografia. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017.
15
For photojournalism in Brazil, see: ESPADA, Heloisa. “As políticas do olhar”. In: ESPADA, Heloisa & ALONSO,
Angela (org.) Conflitos; fotografia e violência política no Brasil, 1889-1964. São Paulo: IMS, 2017.
10
Quoted in: DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de cor no Brasil”. Op. cit. p. 130.
11
Quoted in: DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de cor no Brasil”. Op. cit. p. 136.
12
BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987. Vol. I.
Tese 3, p. 223.
16
For Orlando Brito’s photojournalism, see: BRITO, Orlando. Poder; glória e solidão. São Paulo: Editora Terra
Virgem, 2002.
13
For “images of ideas”, see: SKINNER, Quentin. Ambrogio Lorenzetti: the artist as political philosopher.
Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
17
For the political propaganda of the government of, see: FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura,
propaganda e imaginário social. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
146
147
examination, even in headquarters and installations of the Army18. The grieving flag is an
allusion to the political violence and repression practiced in the county.
“To write history”, claimed Walter Benjmain, means “giving dates their physiognomy”19 and
although he might have been, in many respects, a critic of photography, he would probably
agree with the idea that the photo also fulfills a role in this writing. Nevertheless, it does that in
its own way. Photography suspends a fine slice of time in a point of its trajectory and the force
with which it interrupts something goes counter to the temporal flow in which the chronological
tripartition which we are used to is built – photography attest merely the moment, without
before and after20. This means that a photo, when associated with a historical event buried in
the deeps of the past or in the political experiences that confer meaning to it, brings to the fore
its own temporal index: in the photographic image everything is new, but it is something that
has already happened. Photography captures the disorder of history and the urgency of the
moment in which the action occurs.
Geisel. Date: 09/07/1976. Brasília. Photo by Orlando Brito Archive: OBritoNews
Brito produced its photo from the bottom to the top against the sky, making it even taller and
more majestic. The effect is eloquent, but something else happened, to the photographer’s
luck: the morning light interfered in the scene and projected a subtle light on the reverse
side of the fabric. It was then that the band that crosses the sphere covered the national flag
with grief and this grief opened a window of interpretation for the reality of the country. In
the Brazil governed by the military the use of the repressive apparatus without any judicial
regard with the political dissidents occurred regularly in at least three circumstances. Firstly,
in the case of the forced disappearances perpetrated by the militaries, mostly in order to
cover the homicides of prisoners. Secondly, in the installation of clandestine centers of human
rights violation which functioned all over the county and served to execute the procedures
of disappearance of dead dissidents’ bodies murdered under the rule of the State – such as
the removal of digitals and dental arches, the dismemberment or the technique of burning
bodies in tire bonfires. Thirdly, in the use of systematic torture with the technique of cross-
This is the case of the image of the rebellious claimants in 1957, in the southwest of Paraná.
The target of the rebellion was the private colonial companies which the state government had
installed in the region: Clevelândia Industrial and Territorial (CITLA), Companhia Comercial e
Agrícola do Paraná (COMERCIAL), and Companhia Imboliária Apucarana (APUCARANA)21. The
companies identified where they could make easy money and claimed the possession of the
land in which were settled more than 15 thousand families of rural laborers that started to
move to the region from 1943 on. Carrying false deeds, the real estate agents approached the
claimants charging for the lot in which they were settled and demanding the signature on a
debt contract – whoever refused to sign, received the visit of a jagunço (guard). The companies
were aggressive and hasty, they counted on the state government’s support and went on to
implement intimidation actions: they closed down roads, bridges, river ports and paths in the
middle of the woods in order to prevent the circulation of the local production and the supply
to the settlers.
We do not know who the author of the photo is, but we know the date in which it was taken. On
October 10th, 1957, two thousand claimants marched to the locality Francisco Beltrão, where
the headquarters of the two companies were located – CITLA AND COMERCIAL. One group of
18
For the repression by the military dictatorship, see: SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma
biografia. Op. cit. (especially chapters 17 and 18).
19
BENJAMIN, Walter. Passagens. Op. cit. p. 518.
20
For the interruption of time, see: SONTAG, Susan. Sobre a fotografia. Op. cit.
21
For the claimants’ rebellion, see: STARLING, Heloisa Murgel. “As ruas da República”. In: ESPADA, Heloisa;
ALONSO, Angela (org.). Conflitos; fotografia e violência política no Brasil, 1889-1964. Op. cit. p. 321 and the
following.
148
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150
151
>>> Previous image: Unknown photographer. Settler rebellion Paraná: Destruction of the documents of the offices of CITLA
[Clevelândia Industrial e Territorial Ltda.]. Francisco Beltrão, PR. 15.10.1957. Archive: Correio da Manhã/Arquivo Nacional
enraged rural laborers invaded the offices of the companies and seized the deeds referring to
the land lots, with promissory bills, debt contracts and property deeds. They threw it all in the
middle of the street – a photo captures the moment right before the definitive gesture of the
claimants who tore them down and set fire to the papers.
This is an image full of light: the natural light accentuates the dramaticity of the scene and the
photographer’s click guarantees the visual affirmation of blazing victory of the claimants. The
message is clear, whoever took the photo was allied to the settlers and the group of rebels pose
smilingly while the camera rolls over the characters as if in review. We have to concede: there
is something iconic in this image. After all, it is not, properly speaking, the historical register
of the claimants’ rebellion in the southwest of Paraná – it is, above all, its monument. The
photo that stilled the abstract tocomeness of time in the exact moment in which the political
action of that event happened and did that with the clear purpose to symbolically underline
the heroic meaning of that event – as if, above all, the unknown photographer wished the
political action of that event – as if, above all, the unknown photographer wished to proclaim
the victory of its people with its image.
Walter Benjmin was right: images give food for thought. In many ways, they point to the
composition of a writing of history that is capable to foster flexibility to the field of analysis,
transgressing the rigid limits of specialization and inviting the historian to establish
improbable dialogues. A writing, so he said, wiling to operate passages – in space, time, in the
field of knowledge, in the world of ideas. A passage is a breach in a space full of entanglement.
In Brazil, Jorge de Lima, a poet, just like Benjamin, liked to sow breaches in fields of obstacles
– vast, labyrinthine, difficult, fragmentary, and unfinished. He also wrote about this in the first
verse of its XIV Alexandrines:
“See: chemistry counts molecules
Dictates Mechanics the laws having as base inertia
Other worlds beyond, Astronomy inhabits.
If even positivity is dream and controversy
Not the tocomeness, nor nobody, nothing invalidates
The Science that dreams and the verse that investigates.”
Perhaps this is the point that Benjamin wanted to demonstrate effectively when he insisted that
history is an object of a construction. It is a message to the historian that cannot conform to show
that which has already been described and sets out to look for the sources where a trace of the
past lives. If Benjamin is right, a historian needs to remember to utilize three tools at the moment in
which he conceives his plan of construction: the science that dreams, the verse that investigates,
and the image that reveals.
153
A IMAGEM NAS MITOLOGIAS
PolítiCas: heRóis
SAGRADOS E VILõES
DEMONíACOS NA DISPUTA
PELO SEU CORAÇÃO
por andré azevedo da Fonseca
Muitos analistas partem do princípio de que a política é uma atividade eminentemente
moderna, lógica e racional. Nessa perspectiva, mesmo a mais acirrada das paixões partidárias
– sobretudo aquelas que se manifestam em períodos eleitorais – tende a ser interpretada
como uma mera expressão das disputas de interesses entre partidários e antagonistas em
busca do poder. Consequentemente, enquanto os jornais garantem registrar aquilo que
chamam de as notícias mais importantes do dia, as colunas de opinião, nos seus mais diversos
vieses, prometem revelar os cálculos partidários, identificar as incoerências, apontar as
contradições e desvendar as estratégias eleitorais que motivam os discursos, as ações e as
encenações dos agentes políticos. De todo modo, o ponto de partida dessa perspectiva é a
noção de que os atores sociais são plenamente conscientes de suas intenções; ainda que, por
conveniência e astúcia, neguem as evidências.
No entanto, essas análises parecem ignorar que grande parte das estruturas narrativas
que mobilizam a imaginação política dos eleitores, longe de estarem fundamentadas em
raciocínios pragmáticos e utilitaristas, na verdade correspondem a uma série de emoções
subjetivas, incluindo aquelas oferecidas pelas experiências míticas e religiosas. Por mais
dessacralizadas e desencantadas que se definam, as sociedades contemporâneas não
foram capazes de abolir completamente o pensamento mítico da qual são herdeiras. Por isso,
traços de narrativas arcaicas, ainda que de forma corrompida e fragmentada, permanecem
influenciando a visão de mundo dos indivíduos e, em última instância, mobilizando a ação
política nas coletividades. Percebemos essa dinâmica, por exemplo, ao observar a naturalidade
com que eleitores substituem a representação política pela idolatria, assim como o exercício
da cidadania pela cruzada contra o mal.
154
155
Filósofos e historiadores da religião, como Gaston Bachelard1 e Mircea Eliade2, perceberam
que a civilização contemporânea não demoliu a estrutura do pensamento arcaico, mas
apenas acrescentou elementos novos às velhas narrativas. Crenças antigas atravessam os
tempos e se encaixam nas mais diversas instâncias da vida imaginativa – incluindo aquelas
aparentemente não religiosas. Sob a armadura da política, portanto, o debate cívico na esfera
pública frequentemente se torna apenas uma fantasia para que os cidadãos desencantados
evoquem a oportunidade de vivenciar um simulacro daquelas batalhas primordiais dos deuses
antigos, repletas de conspirações demoníacas, de guerreiros sagrados conduzindo o povo à
Terra Prometida e de profetas anunciando o retorno à Era de Ouro.
Nem sempre essa dinâmica é evidente. Mesmo quando o mais fabuloso dos termos sagrados
é deliberadamente associado aos representantes políticos nas propagandas ideológicas – do
inimigo satânico ao herói salvador – muitos supõem, com alguma razão, que se tratam apenas
de paródias mais ou menos inofensivas na disputa retórica. Contudo, como ensina Barthes3,
existem mitos muito simpáticos que, apesar disso, não são inocentes. Quando um adversário
político é sistematicamente associado à imagem de um monstro desumano, de um animal
repulsivo, ou mesmo do próprio diabo; e por outro lado, quando o partidário é representado
como um guerreiro, um messias ou um mártir capaz de unir o seu povo, nossa imaginação é
abalada nas suas próprias estruturas arquetípicas.
Por tudo isso, ao lado da história política tradicional, que tem contribuído no esforço de
compreensão da sociedade a partir do estudo das tensões sociais, das dinâmicas de poder e
das configurações do Estado; outras vertentes historiográficas, inspiradas pela antropologia,
têm se interessado pela investigação dos símbolos manipulados para atribuir sentido às
práticas sociais, mobilizar a imaginação social e, enfim, estimular a ação4. Esse é o caso
da História Cultural5, que estuda os discursos, as práticas e as representações pelas quais
as pessoas criam sentido para o mundo; da História das Ideias6, que estuda a criação e o
desenvolvimento dos conceitos numa dimensão intelectual; e da História das Mentalidades7,
que analisa as relações entre a imaginação das pessoas e a realidade social.
1
BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
2
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1994.
3
BARTHES, R. Mitologias. 4 ed. Rio de Janeiro: Difel, 2009.
4
FONSECA, André Azevedo da. A imaginação no poder: o teatro da política na encenação da
legitimidade. Contracampo, Niterói, v. 1, n. 16, p. 167-182, jan. 2007.
5
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel/Bertrand
Brasil, 1985.
6
RÉMOND, René (org.). Por uma história política. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
7
ARIÈS, Philippe. A história das mentalidades. In: GOFF, Jacques Le. A história nova. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. p. 153-176.
Esses estudos levam em consideração o fato de que a história e a cultura material também
são constituídas pela nossa dimensão imaginativa. Ou seja, não é só a razão e a consciência
que criam e movem a realidade. Na verdade, muitos fenômenos sociais – de tumultos de rua
a genocídios em massa – só podem ser compreendidos de forma ampla se considerarmos
também os ressentimentos, as superstições e as neuroses que convulsionam o espírito social.
Como notou James Hillman8 “quando as ideias se movimentam, quando a mente se movimenta,
quando as imagens se movem, as outras coisas também se movem”. Além disso, o empenho
obsessivo do senso comum por explicações causais também induz à fabulação. “O mundo faz
muito menos sentido do que você pensa. A coerência deriva principalmente do modo como
sua mente funciona”, observa Daniel Kahneman9. Em busca de conforto psicológico diante
a complexidade do mundo, nossa imaginação – uma máquina de conclusões precipitadas –
inventa histórias meticulosamente verossímeis, a partir dos pontos insuficientes que tem à
disposição, para desenhar uma linha de causas e consequências em uma ficção tão plausível
que se confunde com uma explicação lógica.
O historiador Raoul Girardet10 observa que é precisamente em momentos de crise, seja ela
política, econômica ou social, que as sociedades se tornam particularmente suscetíveis a essa
“efervescência mitológica”. Girardet observa quatro grandes temas que costumam animar as
mitologias políticas. 1) Denúncia de uma conspiração maléfica que teria o objetivo a submeter
os povos à dominação de forças obscuras; 2) Apelo ao grande líder salvador, restaurador da
ordem ou conquistador de uma nova grandeza coletiva; 3) Imagens de uma Idade de Ouro, ou
de uma Revolução Redentora, que conduziria a humanidade ao reino da justiça; 4) Um sonho
de união e fraternidade, capaz de abolir as diferenças e promover a comunhão universal dos
seres humanos. Girardet demonstra que essas narrativas se mantêm presentes no segundo
plano das principais doutrinas políticas da história. E para ele, analisar essas mitologias
ajuda a explicar a atração irresistível que essas ideias exercem sobre os partidários.
Qual teria sido, por exemplo, o destino do marxismo se ele tivesse ficado apenas com o seu
sistema conceitual e o seu método de análise histórica e deixasse de lado o apelo profético e
aquela visão messiânica que o caracteriza? Do mesmo modo, o que seria do liberalismo sem o
mito da essência única do homem livre e o pensamento mágico da “mão invisível” do mercado?
Cruzadas e guerras santas (incluindo o terrorismo), revoluções, golpes de Estado com
discurso salvacionista, nostalgias de um passado idealizado, culto de líderes carismáticos,
todos esses fenômenos também revelam a presença de componentes míticos e religiosos em
circunstâncias aparentemente dessacralizadas.
8
HILLMAN, James. Entre Vistas. São Paulo: Summus, 1989.
9
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva, 2012.
10
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
156
157
E este é o ponto em que as mitologias políticas, fechadas em si mesmas, conquistam
autonomia e se dedicam à autoafirmação. Em outras palavras, quando a disputa política é
substituída pela idealização de um combate entre o bem e o mal, as diferenças ideológicas
acabam importando menos do que a sensação de participar de uma guerra santa. E, assim,
testemunhamos o fervor entre antagonistas que juram se odiar por motivos políticos, mas
que, na prática, são incitados por uma experiência mítica muito próxima à religião.
MAS O QUE É MITO?
Para analisar as relações entre mitologia e política, é preciso, antes de tudo, compreender o
próprio conceito de mito. No senso comum, mito costuma significar basicamente uma mentira,
uma ilusão ou uma crença que não corresponde à realidade. Nesse sentido, é corriqueiro
nos depararmos com tais sentenças: “Verdades e mitos sobre a vacina da febre amarela”; “A
cordialidade no Brasil é um mito”; “Saci Pererê é um mito do folclore brasileiro”.
Mas com a invenção da Psicanálise, sobretudo com os trabalhos pioneiros de Freud11 e
Jung12; com o desenvolvimento da Antropologia, com destaque para o estruturalismo de LéviStrauss13; e também devido às novas concepções da História das Religiões, disseminadas
pela erudição de Mircea Eliade14; as mitologias passaram a ser investigadas e interpretadas a
partir de perspectivas mais abrangentes. E, com isso, começaram a ser levadas mais à sério
pela História, pela Sociologia e pelas Ciências Políticas.
Em primeiro lugar, ao efetuar análises sistemáticas de sonhos, a psicanálise identificou
vínculos profundos entre os símbolos naturais produzidos pelo inconsciente e as narrativas
que circulam nas superstições, lendas, fábulas e mitologias que se propagam na história –
primeiro na tradição oral e depois na cultura das mídias. Com a teoria dos arquétipos e do
inconsciente coletivo, Jung15 sugeriu que indivíduos e coletividades projetam sua imaginação
na cultura de modo a inspirar a produção de toda uma iconografia que por sua vez traduz
essas intuições universais. Nesse sentido, a variedade de imagens de deuses, demônios,
heróis, monstros e outras criaturas fabulosas são interpretadas como representações dessas
dinâmicas inconscientes. Por isso, mitos são verdadeiros no sentido em que expressam
movimentos autênticos de camadas profundas da consciência humana.
11
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Porto Alegre: L&PM, 2012.
12
JUNG, C. Arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011.
A partir daí, antropólogos e historiadores da religião perceberam que, mais do que meras
ilusões, os mitos carregam “realidades vivas” e funcionam, nas palavras de Malinowski16, como
um “código legal da comunidade”. Os mitos cosmogônicos em particular – sejam aqueles das
comunidades primitivas, que narram a criação do mundo em tempos primordiais; sejam as
narrativas modernas dos “pais fundadores da nação” –, ao serem recorrentemente atualizados
através de efemérides, celebrações, cultos e rituais, continuam não apenas presentes, mas
indispensáveis na organização da sociedade. Graças à cooperação – induzida ou involuntária
– entre inúmeras gerações, cujos imaginários se conectam espiritualmente pela transmissão
e atualização dessas histórias, as mitologias se tornaram verdadeiras fontes culturais a
partir das quais as comunidades buscam respostas para suas inquietações, contradições e
perplexidades. Por isso, o pesquisador que pretende compreender a lógica do pensamento de
uma sociedade não pode deixar de analisar esses símbolos enredados para tecer sentidos ao
mundo.
Contudo, devido ao seu caráter ambivalente, é preciso muita cautela para interpretar mitos,
exige-se ainda mais rigor na análise dos mitos políticos. Em primeiro lugar, como adverte
Luis Felipe Miguel17, o próprio conceito de mito não pode ser meramente “deslocado” para o
campo da política: a começar pelo fato de que, ao contrário das mitologias vivenciadas por
comunidades inteiras nas sociedades primitivas, os discursos políticos contemporâneos são
reverenciados ou abominados por grupos que se mantém em choque entre si: “dificilmente
eles serão vistos como tendo alguma relação com a esfera do sagrado, a não ser que a palavra
seja tomada como uma metáfora bastante frouxa”.
Além disso, mitos políticos podem ser interpretados a partir de perspectivas teóricas distintas
e, às vezes, antagônicas – ainda que igualmente válidas. Na verdade, como observou Raoul
Girardet, cada uma das diferentes formulações conceituais parece corresponder a uma das
dimensões possíveis que constituem essa natureza de narrativa: às vezes, o mito político pode
servir à fabulação ou à deformação da realidade, enquanto que, em outras circunstâncias,
pode também oferecer uma narrativa explicativa para a compreensão de mundo ou para a
mobilização política.
A noção do mito político como uma “ideia falsa” costuma se fundamentar na análise de Barthes
sobre os mitos modernos nas mídias. Em sua crítica ideológica direcionada à linguagem da
“cultura dita de massa”, Barthes efetuou uma “desmontagem semiológica” de um conjunto
de mitologias que, para ele, mascaram a realidade ao disfarçar dinâmicas históricas de
fenômenos naturais. Ou seja, com a mistificação, a imprensa, a arte e o senso comum tendem
13
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 2000.
14
ELIADE, Mircea. História das crenças e das ideias religiosas. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
16
MALINOWKI, Bronislav. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições, v. 70, 1984.
15
JUNG, C. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
17
MIGUEL, Luis Felipe. Em Torno do Conceito de Mito Político. Dados, Rio de Janeiro , v. 41, n. 3, 1998.
158
159
a simbolizar a realidade como se os movimentos da história fossem eventos naturais e,
portanto, inevitáveis. “O mito extrai sua força da característica de não se apresentar como
símbolo, mas como fato”.
Um exemplo seria o mito da igualdade racial no Brasil, que se expressa em uma infinidade de
discursos, produtos culturais e monumentos cívicos edificados com o propósito de celebrar a
beleza, a originalidade e a riqueza da mistura tipicamente brasileira entre negros, brancos e
índios. No entanto, a celebração dessa mitologia implica também na ocultação das tensões,
das violências e do estado real de discriminação, de desigualdade e de exclusão social,
resultado de estigmas raciais profundamente enraizados em nossa cultura. Ao suprimir a
história, portanto, o mito faz com que se aceite como evidência natural aquilo que é construção
ideológica e, consequentemente, despolitiza o seu objeto. Nessa perspectiva, a mitologia
seria uma linguagem a ser desvendada – ou desmascarada em uma “semioclastia”. É assim
que podemos verificar, por exemplo, violências simbólicas ocultas sob a máscara da cortesia
em cidades interioranas18. Outra perspectiva possível é a investigação dos aspectos teatrais
da política, tal como propõe Balandier19.
Contudo, devido às suas próprias características, símbolos não são capturáveis em explicações
definitivas. No sentido antropológico, como vimos, mitos também acumulam a função –
frequentemente positiva – de legitimar práticas sociais e fortalecer tradições ao associá-las
magicamente à crença em uma verdade superior que teria origem nos tempos primordiais. Em
outras palavras, mitos possuem um papel importante não só no controle social, mas também
nas próprias condições fundamentais que possibilitam o convívio em sociedade. Yuval
Harari20 presume que a humanidade foi capaz de desenvolver redes amplas de cooperação
com indivíduos distantes do contato íntimo diário precisamente devido à capacidade de criar
ficções e partilhar mitos. “Ao contrário da mentira, uma realidade imaginada é algo em que todo
mundo acredita e, enquanto essa crença partilhada persiste, a realidade imaginada exerce
influência no mundo”. Nesse sentido, o que singulariza a linguagem humana é precisamente
a habilidade em inventar histórias para ancorar a vida social. “Não há deuses no universo,
nem nações, nem dinheiro, nem direitos humanos, nem leis, nem justiça fora da imaginação
coletiva dos seres humanos”.
Contudo, mais uma vez, nem a mera importação do conceito de mito da História das Religiões,
nem a ideia de que tudo é mistificação são suficientes para conceituar o mito político. Primeiro
porque, por definição, ainda que tenham força para se tornarem instrumentos de mobilização
18
FONSECA, André Azevedo da. O teatro da civilização: elegância e violência na imprensa do interior
brasileiro. Conexão, Caxias do Sul, v. 13, n. 25, p. 185-207, 2014.
19
BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: UnB, 1982.
20
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
e luta ideológica, mitos políticos não são suscetíveis de serem apreendidos pela razão: na
verdade, quando o mecanismo do mito é revelado, ele acaba por perder a sua eficácia. Além
disso, outra característica importante dessas estruturas narrativas é a sua reversibilidade:
dependendo dos vieses, os mitos podem não apenas se transformar, mas até mesmo inverter
seus significados.
O mito da conspiração, por exemplo, não é sempre e necessariamente acompanhado de
conotações negativas. Ao lado do temível complô demoníaco, é comum a imagem de uma
aliança de guerreiros sagrados articulando clandestinamente as forças de resistência: o
segredo, a máscara, o juramento, os cúmplices... Tudo aquilo que é denunciado e temido no
outro de repente se torna louvável no grupo que se define em nome da defesa do bem. É por
isso que o conceito de mito político contempla diversas possibilidades de interpretação do
mesmo fenômeno: mentira, fabulação, dinâmicas do inconsciente e narrativa explicativa da
realidade.
OS MITOS POLÍTICOS
A despeito dessa ambivalência conceitual, as narrativas míticas não deixam de se articular
em torno de sua própria lógica: assim como os sonhos possuem os seus padrões, o imaginário
social também depende de um número finito de regras, fórmulas e combinações. Na verdade,
a quantidade limitada de mitos é precisamente o fator que provoca as constantes e repetidas
atualizações, redescobertas e reencarnações de temas ancestrais em novas roupagens
históricas. O sujeito contemporâneo, orgulhoso de sua racionalidade, tende a supor que a
imaginação e a inteligência são livres e potencialmente infinitas. Mas, quando examinamos os
símbolos e as estruturas dos discursos utilizados para conferir sentido ao mundo, é possível
observar um conjunto mais ou menos restrito de modelos.
A imagem do líder salvador nas mitologias políticas, por exemplo, é sempre associada ao
imaginário de libertação e purificação: acompanhado de símbolos de luz, tal como o ouro, o
sol e a claridade, o herói é aquele que destrói as correntes, elimina os monstros e expurga o
mal. As conspirações malignas, por sua vez, também são fabuladas a partir de uma estrutura
padrão de símbolos arquetípicos: a escuridão, o submundo, a sujeira e todo um bestiário
de animais peçonhentos que rastejam, que são viscosos ou tentaculares e que se mantêm
ocultos nas sombras espalhando secretamente o veneno e a infecção.
No imaginário dos séculos XIX e XX, as teorias da conspiração em torno dos judeus, dos
jesuítas ou dos maçons foram mitos políticos amplamente manipulados para canalizar
temores difusos, mobilizar energias e legitimar violências. Mas, apesar das particularidades
históricas, não é difícil perceber a mesma estrutura narrativa sustentando histórias distintas.
O mito do complô costuma começar sempre a partir da imaginação a respeito de uma fantasia
160
161
que provoca temor e desconfiança: a organização secreta. As narrativas seguem um roteiro
clássico: os membros da organização se reúnem às escondidas para articular a trama que
teria como objetivo a dominação da sociedade. Caracterizados por astúcia incomum, os
conspiradores manipulam as massas utilizando os meios de comunicação e embaralham os
rumores de sua existência de modo que ninguém sabe ao certo o que eles estão tramando.
Por isso, é quase impossível denunciá-los. Na verdade, investigar as suas atividades é
extremamente perigoso.
Para ingressar na organização é preciso passar por cerimônias e rituais em lugares secretos e
clandestinos. Os membros se comunicam por códigos, senhas e sinais que só eles entendem. E
os cúmplices estão ligados por pactos de silêncio e juramentos de morte. Para cumprir os seus
objetivos, todos os meios são legítimos: da delação à traição, da espionagem ao assassinato
misterioso por meio de envenenamentos, desaparecimentos ou acidentes. E é claro, o objetivo
final do domínio político é a instauração do império das trevas em todo o planeta.
Capitalistas contra comunistas; antissemitas contra judeus; liberais contra socialistas;
nazistas contra comunistas, e vice-versa: todas as doutrinas ideológicas se empenharam para
utilizar esses tipos de imagens para carregar o inimigo de um espectro sombrio e diabólico. A
partir de imagens arquetípicas que evocam temores profundos, os mitos da conspiração são
eficazes porque conduzem a imaginação a um mundo incompreensível e amedrontador.
As mitologias políticas fomentadas para atribuir características odiosas ao adversário podem
evoluir muito rapidamente da imagem do vagabundo, do impostor, do lunático ou simplesmente
do “outro” – o “estranho” ou o “estrangeiro”, do outro lado da linha abissal – até a sua progressiva
desumanização: seja como um animal repulsivo, tal como a víbora, o rato ou o verme; seja
como um monstro ou uma aberração; até alcançar o mais baixo nível de degradação, quando o
antagonista é representado, afinal, como o diabo em pessoa. Neste ponto, o outro deixa de ser
um adversário político para assumir a representação de um inimigo a ser não apenas vencido,
mas liquidado. Essa efervescência mitológica costuma ser deliberadamente estimulada por
aqueles que, em seu turno, se empenham para forjar o mito que vai se anunciar como aquele
capaz de combater o mal em nome de seu povo: o herói salvador.
Em períodos de crise, quando uma sociedade se vê ameaçada por inimigos reais ou imaginários,
os tempos se tornam particularmente suscetíveis para a fabulação de heróis salvadores. Às
vezes, essa dinâmica ocorre espontaneamente: a própria sociedade acorda o mito de seus
sonhos coletivos e os projeta em personalidades que possuem as qualidades necessárias
para encarnar esse espírito. No entanto, como vimos no caso da campanha eleitoral do
escritor mineiro Mário Palmério21, muitas vezes os heróis são forjados a partir de uma série
de manipulações conscientes de agentes históricos que aprenderam a decifrar os sinais do
seu tempo. Esses candidatos a mitos políticos se emaranham no código das angústias sociais
e se dispõem a encenar o papel que a comunidade espera do herói. Daí a importância das
representações majestosas da imagem do herói em monumentos, afrescos e sinfonias.
Contudo, para se criar um herói político, são necessários alguns pré-requisitos. Primeiro, ao
lado daquele temor difuso diante das ameaças da conspiração, é preciso cultivar uma certa
disponibilidade social: aquilo que Girardet chama de “o tempo da espera e do apelo”. Trata-se
daquela fissura no tempo em que começam a brotar expectativas ardentes por um salvador
que expresse um conjunto ainda não nominado de sonhos, nostalgias e esperanças.
Em seguida, há o “tempo da presença”, quando o herói finalmente se anuncia. Esse é o tempo
em que o curso da história parece prestes a se realizar. E não por acaso, é o período mais
suscetível à manipulação da propaganda ideológica. E, por fim, há o “tempo da lembrança”,
quando a figura do salvador do passado vai se modificando de acordo com os movimentos
da memória coletiva – e também em decorrência das lutas dos grupos que têm interesse em
perpetuar determinada versão da história.
Dependendo do contexto, uma sociedade busca um herói com esta ou aquela característica.
As fórmulas são diversas, mas Giradet procura sistematizá-las em quatro narrativas básicas.
A primeira imagem legendária é a do velho homem que conquistou fama nas batalhas do
passado: ele comandou grandes contingentes, exerceu com honra diversos cargos, mas depois
decidiu se retirar da vida pública. Contudo, em um momento crucial, este homem abandona o
projeto de uma velhice tranquila e responde ao chamado de seu povo. E sob o discurso de ter
feito uma “doação de sua pessoa” para a sua pátria, ele conquista um poder supremo.
Outro tipo de herói é aquele que se caracteriza pelo ímpeto e pela audácia conquistadora dos
jovens em busca da glória. O seu poder não depende da nostalgia, mas jorra do entusiasmo
da ação. Esse herói não oferece proteção: o que ele propõe é uma aventura. Tal como o jovem
Napoleão, este é o guerreiro que, nas palavras de Girardet22, atravessa a história como um
raio fulgurante. “Herói da juventude e do movimento, sua impetuosidade chega ao ponto de
domar a natureza; transpõe as montanhas, atravessa os desertos, salta por cima dos rios...” e
acumula uma série de histórias fabulosas.
21
FONSECA, André Azevedo da. A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão
social e política do autor de Vila dos Confins. São Paulo: Unesp, 2012.
22
GIRARDET, Op. cit, p. 75.
162
163
Se durante aquele momento revolucionário o herói parece deixar a ordem humana para
ingressar em uma esfera sagrada, ele pode também, no cotidiano do poder, se tornar o
fundador de uma nova ordem institucional. E é aí que entra em cena o terceiro tipo de herói: o
homem providencial. São os pais fundadores da nação; aqueles que se apresentam como os
pilares capazes de sustentar as instituições, pois são os fiéis guardiões dos fundamentos da
pátria.
Finalmente, há o mito do profeta, aquele que conseguiu ler na história os sinais que os outros
ainda não puderam perceber e, assim, anuncia um novo tempo. O profeta se apresenta como
se fosse inspirado por uma força divina para conduzir o seu povo pelos caminhos do futuro.
Nas propagandas ideológicas ele é apresentado com aquele olhar inspirado que atravessa a
neblina do presente. Com seu carisma, ele vincula o seu destino pessoal ao destino coletivo.
O chefe profético, portanto, não é apenas um simples representante, mas ele simboliza
a presença de todo o povo conduzindo a pátria. “Ele é a sua encarnação no sentido mais
profundamente religioso do termo”, argumenta Raoul Girardet, pois representa a nação “na
totalidade de seu destino histórico, em seu passado, em seu presente e em seu futuro”.
Ainda que seja uma fabulação, todo processo de criação do herói depende da relação entre a
personalidade do agente político e as necessidades de sua sociedade em um certo momento
histórico. Ou seja, mesmo com muita propaganda, não é tão fácil forjar um salvador. A alquimia
social é muito delicada. O candidato a herói tem que possuir, nas suas próprias características
pessoais, um conjunto de elementos que correspondem às expectativas da sociedade naquele
momento. Napoleão, como vimos, é um bom exemplo dessa dinâmica: em cada fase de sua
vida ele soube representar o tipo de herói necessário para a sua época. Do jovem audacioso,
guerreiro e aventureiro ao homem providencial, fundamento da pátria.
Como vimos, a análise da construção da imagem do vilão demoníaco e do herói sagrado nas
mitologias políticas contemporâneas é um exercício indispensável em tempos de crise. Como
esses mitos são fabulados em sintonia com o imaginário de seu tempo, o estudo dessas
narrativas ajuda na interpretação das ideologias, das mentalidades e mesmo dos modelos de
autoridade que são aceitos em uma sociedade, em uma determinada época. Enfim, a superação
da crise passa também pela compreensão dos discursos que atribuem sentidos a ela.
ThE IMAGE IN POLITICAL
MYThOLOGIES: SACRED
hEROES AND DEMONIC
VILLAINS IN DISPUTE OVER
YOUR hEART
by andré azevedo da Fonseca
Tradução: Geraldo Cáffaro
Many analysts assume that politics is a highly modern, logical, and rational activity. In this
perspective, even the most fervent of partisan passions – especially those that manifest in
electoral periods - tend to be interpreted as a mere expression of the disputes of interests
between partisans and their antagonists in pursuit of power. Consequently, while newspapers
claim to register what they call the most important news of the day, opinion columns, in their
most diverse biases, promise to reveal partisan calculations, identify inconsistencies, point
out contradictions, and uncover the electoral strategies that motivate speeches, actions
and the performance of political agents. In any case, the starting point of this perspective is
the notion that social actors are fully aware of their intentions; even if, for convenience and
cunning, they deny the evidences.
Nonetheless, these analyses seem to ignore that a large part of the narrative structures that
mobilize the voters’ political imaginary, far from being founded on pragmatic and utilitarian
reasoning, actually correspond to a series of subjective emotions, including those seen in
mythical and religious experiences. However desecrated and disenchanted contemporary
societies might define themselves, they have not been able to completely abolish the mythical
thought of which they are heirs. Thus, traces of archaic narratives, albeit in a corrupted and
fragmented way, continue to influence the world view of individuals and, ultimately, to mobilize
political action in collectivities. One can notice this dynamic, for instance, when observing how
naturally voters take political representation for idolatry, as well as the exercise of citizenship
as the crusade against evil.
164
165
Philosophers and historians of religion, such as Gaston Bachelard and Mircea Eliade, realized
that contemporary civilization did not demolish the structure of archaic thought; instead, it
only added new elements to the old narratives. Ancient beliefs cross time and fit into the
most diverse domains of imaginary life – including those seemingly non-religious. Under
the disguise of politics, therefore, the civic debate in the public sphere often becomes only a
fantasy for the disenchanted citizens to evoke the opportunity to experience a simulacrum of
those primordial battles of the ancient gods, full of demonic conspiracies, of sacred warriors
leading the people to the Promised Land and prophets announcing the return to the Golden
Age.
the superstitions and the neurosis that convulse the social spirit. As James Hillman4
noted, “when ideas move, when the mind moves, when the images move, the other
things also move”5. Moreover, the obsessive commitment of common sense to causal
explanations also induces fabrication. “The world makes a lot less sense than you think.
Consistency derives mainly from the way your mind works, “says Daniel Kahneman6.
In search of psychological comfort in face of the complexity of the world, our imagination – a
machine of hasty conclusions – invents meticulously credible stories, from the insufficient
points it has available, to draw a line of causes and consequences in such a plausible fiction
that it is mistaken for logical explanation.
This dynamic is not always evident. Even when the most far-fetched of sacred terms is
deliberately associated with political representatives in ideological propaganda – from the
satanic enemy to the savior hero – many assume, with some extent of reason, that they
are merely more or less inoffensive parodies in the rhetorical dispute. However, as Barthes
teaches, there are friendly myths which, nevertheless, are not innocent. When a political
adversary is systematically associated with the image of an inhuman monster, a repulsive
animal, or even the devil himself; and on the other hand, when the partisan is represented as
a warrior, a messiah or a martyr capable of uniting his people, our imagination is shaken in its
own archetypal structures.
Historian Raoul Girardet7 observes that it is precisely in times of crisis, whether it be political,
economic or social, that societies become particularly susceptible to this “mythological
effervescence”. Girardet notices four major themes that often animate political mythology.
1) Denunciation of an evil conspiracy with aims at subjecting the peoples to the domination
of obscure forces; 2) Appeal to the great savior leader, restorer of the order or conqueror of
a new collective greatness; 3) Images of a golden age, or of a redeeming revolution, which
would lead humanity to the kingdom of justice; 4) A dream of union and brotherhood, capable
of abolishing differences and promoting the universal fellowship of human beings. Girardet
demonstrates that these narratives remain present in the background of the main political
doctrines of history. And for him, analyzing these mythologies helps explain the irresistible
attraction that these ideas exert on the partisans.
For all these reasons, alongside traditional political history, which has contributed in the effort
of understanding society through the study of social tensions, power dynamics and State
configurations, other historiographical perspectives, inspired by anthropology, have shed light
on the studies of symbolic manipulation aiming at attributing meaning to social practices,
mobilizing the social imaginary and, finally, stimulating action1. That is the case of Cultural
History 2. which studies the discourses, practices and representations by which people create
meaning for the world; the History of Ideas that studies the creation and development of
concepts in an intellectual dimension; and the History of Mentalities3. which analyzes the
relationships between people’s imaginary and social reality.
These studies take into account the fact that history and material culture are also
constituted by our imaginary domain. That is, it is not only reason and consciousness
that create and move reality. In fact, many social phenomena – from street riots to mass
genocides – can only be understood in a broader way if we also consider the resentment,
1
FONSECA, André Azevedo da. A imaginação no poder: o teatro da política na encenação da
legitimidade. Contracampo, Niterói, v. 1, n. 16, p. 167-182, jan. 2007.
2
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel/Bertrand
Brasil, 1985.
3
RÉMOND, René (org.). Por uma história política. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
What would have been, for example, the fate of Marxism if it had just kept its conceptual
system and its method of historical analysis and left aside the prophetic appeal and that
messianic vision that characterizes it? Likewise, what would liberalism be without the myth
of the unique essence of the free man and the magical thought of the “invisible hand” of the
market? Crusades and holy wars (including terrorism), revolutions, coups with salvationist
discourse, nostalgia for an idealized past, the cult of charismatic leaders, all these phenomena
also reveal the presence of mythical and religious components in seemingly desacralized
circumstances.
And this is the point where political mythologies, closed in themselves, gain autonomy and
devote themselves to self-affirmation. In other words, when political dispute is replaced by
the idealization of a fight between good and evil, ideological differences end up being less
4
HILLMAN, James. Entre Vistas. São Paulo: Summus, 1989.
5
All citations are our translations from the original versions in Portuguese.
6
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva, 2012.
7
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
166
167
important than the feeling of participating in a holy war. And thus, we witness the fervor
among antagonists who swear to hate themselves for political reasons, but who, in practice,
are incited by a mythical experience very close to religion.
WHAT’S A MYTH AFTER ALL?
To analyze the relations between mythology and politics, it is necessary, first of all, to
understand the very concept of myth. In common sense, myth usually means a lie, an illusion
or a belief that does not correspond to reality. In this sense, it is commonplace to meet such
sentences: “Truths and myths about the yellow fever vaccine”; “Cordiality in Brazil is a myth”;
“Saci Pererê is a myth of Brazilian folklore”.
Nonetheless, with the invention of psychoanalysis, especially with the pioneering works of
Freud8 and Jung;9 with the development of anthropology, with emphasis on the structuralism
of Levi-Strauss10; and also due to the new conceptions of the History of Religions, disseminated
by the erudition of Mircea Eliase11, mythologies began to be investigated and interpreted
from more comprehensive perspectives. Therewith, they began to be taken more seriously by
history, sociology and the political sciences.
Firstly, by conducting systematic analyses of dreams, psychoanalysis identified deep links
between the natural symbols produced by the unconscious and the narratives circulating in
superstitions, legends, fables and mythologies that disseminate in History – fists in the oral
tradition and then in the media culture. With the theory of the archetypes and the collective
unconscious, Jung12 suggested that individuals and collectivities project their imagination onto
culture in order to inspire the production of a whole iconography that in turn translates these
universal intuitions. In this sense, the variety of images of gods, demons, heroes, monsters and
other fabulous creatures are interpreted as representations of these unconscious dynamics.
Thus, myths are true in the sense that they express authentic movements of deep layers of
human consciousness.
From then on, anthropologists and historians of religion realized that, more than mere illusions,
myths carry “vivid realities” and function, in the words of Malinowski 13, as a “legal code of the
community”. The cosmogonic myths in particular – be those of primitive communities, which
8
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Porto Alegre: L&PM, 2012.
9
JUNG, C. Arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011.
10
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 2000.
11
ELIADE, Mircea. História das crenças e das ideias religiosas. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
12
JUNG, C. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
13
MALINOWKI, Bronislav. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições, v. 70, 1984.
narrate the creation of the world in primordial times; or the modern narratives of the “founding
fathers of the nation” – as they are recurrently updated through ephemerides, celebrations,
cults, and rituals, they remain not only present but indispensable in the organization of
society. Thanks to cooperation – induced or involuntary – among countless generations whose
imaginary is connected spiritually by the transmission and updating of these stories, the
mythologies have become true cultural sources from which communities seek answers to their
concerns, contradictions and perplexities. Therefore, the researcher who wants to understand
the logic of the thought of a society cannot fail to analyze these entangled symbols aimed at
weaving meanings into the world.
However, due to its ambivalent character, it takes a lot of caution to interpret myths, it requires
even more rigor in the analysis of political myths. Firstly, as Luis Felipe Miguel14 warns, the
very concept of myth cannot be merely “transposed” to the field of politics: starting with the
fact that, unlike the mythologies experienced by entire communities in primitive societies,
contemporary political speeches are revered or abhorred by groups that remain in conflict
among themselves: “They will hardly be seen as having any relation to the sphere of the sacred,
unless the word is taken as a rather loose metaphor.”
Moreover, political myths can be interpreted from distinct and sometimes antagonistic
theoretical perspectives – even if equally valid. In fact, as Raoul Girardet noted, each of the
different conceptual formulations seems to correspond to one of the possible dimensions that
constitute this nature of narrative: sometimes the political myth can serve the fabrications
or the distortions of reality, whereas, in other circumstances, it may also offer an explanatory
narrative for the understanding of the world or for political mobilization.
The notion of political myth as a “false idea” is usually based on the analysis of Barthes on
modern myths in the media. In his ideological critique directed to the language of the “so-called
mass-culture’’, Barthes performed a “semiological deconstruction” of a set of mythologies
that, for him, mask reality by disguising the historical dynamics of natural phenomena. That
is, with the mystification, the press, the arts and common sense tend to symbolize reality as
if the movements of history were natural events and therefore inevitable. “The myth draws its
strength from the characteristic of not presenting itself as a symbol, but as a fact.”
An example would be the myth of racial equality in Brazil, which is expressed in a multitude
of speeches, cultural products and civic monuments built up for the purpose of celebrating
the beauty, originality and richness of the typically Brazilian mix among blacks, whites and
native Brazilians. However, the celebration of this mythology also implies the concealment
of tensions, violence and the real state of discrimination, inequality and social exclusion, the
14
MIGUEL, Luis Felipe. Em Torno do Conceito de Mito Político. Dados, Rio de Janeiro , v. 41, n. 3, 1998.
168
169
result of racial stigmas deeply rooted in our culture. By suppressing history, therefore, the myth
makes it accepted as natural evidence what is an ideological construction and, consequently,
depoliticize its object. In this perspective, mythology would be a language to be unveiled – or
unmasked in a “semioclasty”. This is how we can verify, for example, hidden symbolic violence
under the mask of courtesy in provincial cities15. Another possible perspective is the study of
the theatrical aspects of politics, as Balandier16 proposes.
However, due to their own characteristics, symbols are not aprehensible in definitive
explanations. In the anthropological sense, as we have seen, myths also accumulate the
function – often positive – of legitimizing social practices and strengthening traditions by
associating them magically with the belief in a higher truth that has its origins in primordial
times. In other words, myths have an important role not only in social control, but also in the
fundamental conditions that makes living together possible. Yuval Harari17 assumes that
humanity has been able to develop broad networks of cooperation with individuals far from
intimate daily contact precisely due to the ability to create fictions and share myths. “Unlike
lies, an imagined reality is something that everyone believes in, and while this shared belief
persists, the imagined reality exerts influence on the world.’’ In this sense, what singularizes
human language is precisely the ability to invent stories to anchor social life. “There are no
gods in the universe, no nations, no money, no human rights, no laws, no justice outside the
collective imagination of human beings.”
Yet, once again, neither the mere importation of the concept of myth from the History of
Religions, nor the idea that everything is mystification are sufficient to conceptualize the
political myth. First because, by definition, even though they have the strength to become
instruments of mobilization and ideological struggle, political myths are not susceptible
to being seized by reason: in fact, when the myth mechanism is revealed, it ends up losing
its effectiveness. Moreover, another important feature of these narrative structures is their
reversibility: depending on their biases, myths cannot only transform, but even reverse their
meanings.
The myth of conspiracy, for example, is not always and necessarily accompanied by negative
connotations. Beside the fearsome demonic plot, it is common to find the image of an alliance
of sacred warriors clandestinely articulating the forces of resistance: the secret, the mask,
the oath, the accomplices... everything that is denounced and feared in the other suddenly
becomes commendable in the group that is defined in the name of the defense of good. This
15
FONSECA, André Azevedo da. O teatro da civilização: elegância e violência na imprensa do interior
brasileiro. Conexão, Caxias do Sul, v. 13, n. 25, p. 185-207, 2014.
16
BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: UnB, 1982.
17
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
is why the concept of political myth contemplates several possibilities of interpretation of
the same phenomenon: lie, fabrication, the dynamics of the unconscious and the explanatory
narrative of reality.
THE POLITICAL MYTH
In spite of this conceptual ambivalence, mythic narratives do not fail to articulate themselves
around their own logic: just as dreams have their patterns, the social imaginary also depends
on a finite number of rules, formulas and combinations. In fact, the limited amount of
myths is precisely the factor that triggers the constant and repeated updates, rediscoveries
and reincarnations of ancestral themes in new historical revisitations. The contemporary
individual, proud of his rationality, tends to assume that imagination and intelligence are free
and potentially infinite. But when we look at the symbols and the structures of the speeches
used to confer meaning on the world, it is possible to observe a more or less restricted set of
models.
The image of the savior leader in political mythologies, for example, is always associated
with the imaginary of liberation and purification: accompanied by symbols of light, such as
gold, sun and clarity, the hero is the one who destroys the chains, eliminates the monsters
and expunge evil. The malignant conspiracies, in turn, are also fabricated from a standard
structure of archetypal symbols: darkness, the underworld, dirt and a whole bestiary of
venomous crawling animals, which are viscous or tentacular and that remain hidden in the
shadows secretly spreading poison and infection.
In the imaginary of the nineteenth and twentieth centuries, conspiracy theories concerning
Jews, the Jesuits or the Freemasons were widely manipulated political myths to channel
diffuse fears, mobilize energies and legitimize violence. But despite the historical peculiarities,
it is not difficult to perceive the same narrative structure sustaining separate histories. The
myth of the conspiracy usually starts from the imagination about a fantasy that causes fear
and distrust: the secret organization. The narratives follow a classic script: the members of the
organization gather in secret to articulate the plot that would have the domination of society
as a goal. Characterized by unusual cunning, the conspirators manipulate the masses using
the media and shuffle the rumors of their existence so that no one knows for sure what they
are plotting. So it’s almost impossible to denounce them. In fact, investigating their activities
is extremely dangerous.
To join the organization, you have to go through ceremonies and rituals in secret and clandestine
places. The members communicate by codes, passwords and signals that only they can
understand. And the accomplices are linked by pacts of silence and oaths of death. To fulfill
their goals, all means are legitimate: from deception to treason, from espionage to mysterious
murder by means of poisoning, disappearance or accident. And of course, the ultimate goal of
political domination is the establishment of the dark empire throughout the planet.
170
171
Capitalists against communists; anti-Semites against Jews, liberals against socialists; Nazis
against communists, and vice versa: all ideological doctrines have striven to use these types
of images to carry the enemy of a dark and diabolical shape. From archetypal images that
evoke deep fears, myths of conspiracy are effective because they lead the imagination to an
incomprehensible and frightening world.
The political mythologies geared to attribute odious characteristics to the adversary can
evolve very quickly from the image of the tramp, the impostor, the lunatic or simply the “other”
– the “stranger” or “foreigner”, on the other side of the abyssal line – up to its progressive
dehumanization: be it like a repulsive animal, such as the viper, the rat or the worm; be it
like a monster or a freak. His/her image may reach the lowest level of degradation, when the
antagonist is represented, in turn, as the devil himself. At this point, the other ceases to be
a political adversary to assume the representation of an enemy to be not only defeated but
liquidated. This mythological effervescence is often deliberately stimulated by those who, in
return, strive to forge the myth that will announce itself as the one capable of fighting evil on
behalf of its people: the savior hero.
In periods of crisis, when a society finds itself threatened by real or imaginary enemies, times
become particularly susceptible to the fabrication of saving heroes. Sometimes this dynamic
occurs spontaneously: society itself awakens the myth of its collective dreams and projects
them onto personalities that possess the qualities necessary to embody that spirit. However,
as we have seen in the case of the electoral campaign of writer Mário Palmério18 from the
State of Minas Gerais, heroes are often forged from a series of conscious manipulations of
historical agents who have learned to decipher the signs of their time. These candidates for
political myths are entangled in the code of social distress and are willing to enact the role
that the community expects from the hero. Hence the importance of the majestic depictions
of the hero’s image in monuments, frescoes and symphonies.
However, some prerequisites are required to create a political hero. First, alongside that diffuse
fear in the face of the threats of conspiracy, one must cultivate a certain social availability:
what Girardet calls “the time of waiting and appeal”. It is about that rift in time when ardent
expectations for a savior who expresses a not yet nominated set of dreams, nostalgia and
hopes begin to sprout.
Then there’s the “time of presence”, when the hero finally announces himself/herself. This is
the time when the course of history seems about to come true. And not by chance, it is the
period most susceptible to the manipulation of ideological propaganda. And finally, there is
18
FONSECA, André Azevedo da. A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão
social e política do autor de Vila dos Confins. São Paulo: Unesp, 2012.
the “time of remembrance”, when the figure of the savior of the past changes according to the
movements of collective memory – and also due to the struggles of the groups that have an
interest in perpetuating a certain version of history.
Depending on the context, a society seeks a hero with particular characteristics. The formulas
are diverse, but Giradet seeks to systemize them in four basic narratives. The first legendary
image is that of the old man who gained fame in the battles of the past: he commanded large
contingents, exercised with honor several positions, but then decided to withdraw from public
life. However, at a crucial time, this man abandons the project of a quiet old age and responds
to the call of his people. And under the discourse of having made a “donation of his person” to
his homeland, he conquers supreme power.
Another type of hero is the one characterized by the impetus and the daring of the conquering
youth in search of glory. Its power does not depend on nostalgia, but gushes from the enthusiasm
of the action. This hero does not offer protection: what he proposes is an adventure. Like the
young Napoleon, this is the warrior who, in Girardet’s words, crosses history like a lightning
bolt. “He is the hero of the youth and of the movement, his impetus reaches the point of taming
nature; it transposes mountains, crosses deserts, jumps over rivers...” and accumulates a
series of fabulous stories.
If during that revolutionary moment the hero seems to leave the human order to enter a sacred
sphere, he may also, in the daily life of power, become the founder of a new institutional order.
And that’s where the third kind of hero comes in: the providential man. They are the founding
fathers of the nation; those who present themselves as the cornerstones capable of supporting
the institutions, for they are the faithful guardians of the foundations of the fatherland.
Finally, there is the myth of the prophet, the one who managed to read in history the signs that
others still could not perceive and thus heralds a new time. Prophets presents themselves
as if they were inspired by a divine force to lead their people through the ways of the future.
In the ideological propaganda they are presented with that inspired look that breaks through
the mist of the present. With his charisma, he binds his personal destiny to the collective
destiny. The prophetic chief, therefore, is not only a mere representative, but he symbolizes the
presence of all the people leading the fatherland. “He is his incarnation in the most profoundly
religious sense of the term,” argues Raoul Girardet, for he represents the nation “in the entirety
of his historical destiny, in his past, in his present and in his future.”
Even as a fabrication, the whole process of creating the hero depends on the relationship
between the personality of the political agent and the needs of his society at a given historical
moment. That is, even with a lot of propaganda, it’s not so easy to forge a savior. Social alchemy
is very delicate. The would-be hero has to possess, in his own personal characteristics, a set
172
of elements that correspond to the expectations of society at that time. Napoleon, as we have
seen, is a good example of this dynamics: at every stage of his life he knew how to represent
the kind of hero needed for his time. From the young audacious warrior and adventurer to the
providential man, the foundation of the Fatherland.
As we have seen, the analysis of the image construction of the demonic villain and the sacred
hero in contemporary political mythologies is an indispensable exercise in times of crisis.
As these myths are fabricated in tune with the imaginary of their time, the study of these
narratives helps the interpretation of ideologies, mentalities and even the models of authority
that are accepted in a society, at a certain time. In the end, the overcoming of the crisis is also
linked with the understanding of the speeches that attribute meanings to it.
caderno de imagens
notebook of images
174
akintunde akinleye
Nigéria /// Nigeria
Bunkerers de petróleo /// Oil Bunkerers
A Nigéria é um país de 170 milhões de habitantes e possui uma enorme quantidade de
recursos naturais em seu território, como o petróleo. Essa riqueza atraiu muitas nações
estrangeiras, incluindo a Grã-Bretanha, que colonizou o país. Em 1960, a Nigéria tornouse independente do Reino Unido, mas companhias estrangeiras continuam a explorar
os seus recursos naturais. A elite nigeriana concentra o poder e a riqueza, enquanto a
maioria do povo ainda sofre para ter acesso a direitos e necessidades básicas. Nesse
contexto, uma parcela da população decidiu que era necessário se reapropriar desses
recursos por meio de um processo chamado pelos locais de “reabastecimento”. A partir de
invasões e destruição de oleodutos, o petróleo bruto é “roubado” e vendido aos mercados
internacionais ou é refinado localmente. Essa disputa torna o ecossistema da região um
dos mais poluídos do mundo.
Nigeria is a country of 170 million inhabitants and has in its territory enormous natural
resources such as oil. This wealth attracted many foreigners including Great Britain who
colonized the country. In 1960 the country became independent from the United Kingdom,
but the exploitation of natural resources continues to be made by foreign companies.
Nigerian´s elite concentrate power and wealth while the majority of the country’s
population remains under struggle to access basic needs and rights. In this context part
of the population, called “bunkering”, decide that it is necessary to reappropriate this
resource and take it back by invading or blowing up oil pipelines to “steal” crude oil. The oil
is then sold to the international markets or refined locally. This dispute makes this region
one of the most polluted ecosystems in the world.
180
182
akintunde akinleye
Nigéria /// Nigeria
Por dentro de Nollywood /// Inside Nollywood
A indústria cinematográfica da Nigéria, popularmente conhecida como Nollywood, é
uma das maiores do mundo. Akintunde Akinleye, fotógrafo da Reuters, documentou os
bastidores desse negócio prolífico, que produz um número enorme de filmes, geralmente,
com orçamentos muito limitados. As produções de Nollywood não são populares apenas
em seu país de origem, mas também possuem uma audiência crescente de africanos que
vivem no exterior, que utilizam os filmes como forma de manterem os laços com sua terra
natal. Grande parte desses filmes é produzida em idiomas locais – iorubá, hauçá e igbo,
entre outros – enquanto muitos outros são lançados em inglês.
Nigeria’s movie business, popularly known as Nollywood, is one of the biggest in the world.
Reuters photographer Akintunde Akinleye documented life behind the scenes in the
prolific business, which churns out huge numbers of films often on shoestring budgets.
Nollywood productions are not only popular in the country where they are made. They also
have a growing audience among Africans living abroad, keen for a taste of home.Large
numbers of the films are produced in local languages – Yoruba, Hausa and Igbo among
them – while many others are made in English.
186
188
alban lécuyer
França /// France
Em breve: Sarajevo /// Coming shortly: Sarajevo
Vinte anos após o fim da Guerra da Bósnia (1992-1995), Sarajevo materializa as
dificuldades de cidades contemporâneas com notável intensidade: como se adequar a uma
sociedade profundamente marcada pela fragmentação (não só em vizinhanças distintas,
mas em grupos étnicos, religiosos e sociais)? Como se voltar para o futuro em um lugar
que passa por mudanças significativas? Ao extrapolar o vocabulário visual da arquitetura
(modelagem em 3D, imagens de arquivo, visões projetadas etc.), a série proposta por Alban
Lécuyer explora a fenda entre a realidade da cidade e suas representações imaginárias,
mostrando o papel da história nos ideais estampados em painéis publicitários nas áreas
de construçāo.
Twenty years after the end of the Bosnian War (1992-1995), Sarajevo embodies the issues
of contemporary cities with a remarkable intensity: How does one fit into a society deeply
marked by fragmentation (into distinct neighborhoods, into ethnic, religious and social
groups)? How does one look to the future in a place that is undergoing profound changes?
By extrapolating on the visual vocabulary of architecture (3D modeling, stock images,
projected views, etc.), the series proposed by Alban Lécuyer explores the gap between the
reality of the city and its imaginary depictions, showing the role of history in the ideal
plastered on construction site hoardings.
190
194
amy elkins
EUA /// USA
Escuro é o Dia, Escura é a Noite /// Black is the day, Black is the night
“Escuro é o Dia, Escura é a Noite” é uma investigaçāo conceitual das muitas facetas da
identidade humana, utilizando noções de tempo, acumulação, memória e distância por
meio de correspondências pessoais com homens que cumprem penas perpétuas ou
que estão no corredor da morte em algumas das prisões de segurança máxima mais
vigiadas dos Estados Unidos, sendo que todos já estavam presos há 13-26 anos quando
foram contatados. Em média, esses homens passaram 22 horas e meia por dia em celas
solitárias com dimensões de aproximadamente 6x9 pés; não apenas diante de sua própria
mortalidade, mas também em total isolamento. Com as cartas da artista, desdobrou-se
uma colaboração que levou à criação destas imagens.
“Black is the Day, Black is the Night” is a conceptual exploration into the many facets
of human identity using notions of time, accumulation, memory and distance through
personal correspondence with men serving life and death row sentences in some of the
most maximum security prisons in the U.S., all of which had served between 13-26 years
at point of contact. On average these men spent 22-1/2 hrs a day in solitary cells roughly
6’x9’; not only facing their own mortality, but doing so in total isolation. Out of our letters a
collaboration unfolded that resulted in these images.
198
200
andrea grützner
Alemanha /// Germany
Tanztee
As imagens de “Tanztee”, a série de Andrea Grützner, captam as interações de uma
comunidade rural na Alemanha Oriental durante uma “dança do chá”, realizada nas tardes
de domingo em uma pousada tradicional da regiāo. A inspiração para essa série veio da
natureza tátil trazida pela dança e do amor à música demonstrado por essas pessoas. O
encontro de desenhos coloridos, rugas e a repetição de joias são uma amplificação visual
de suas emoções. Enquanto tirava as fotos, Andrea sentiu uma ternura autêntica entre as
mulheres retratadas.
Andrea Grützner’s images from her series, “Tanztee” are capturing the interactions of a
rural Eastern German community while a, “tea dance“ in a long-established guesthouse
on a Sunday afternoon. The inspiration stems from the tactile nature the dancing conjures
and the love to music these people have. The clash of colorful patterns, wrinkles and
the repetition of jewellery is a visual amplification of their emotions. Andrea felt a real
tenderness between the women while she was taking the pictures.
204
206
arnau blanch Vilageliu
Espanha /// Spain
Todos precisam ter bons vizinhos /// Everybody needs good neighbours
“Todos precisam ter bons vizinhos” é um projeto fotográfico ambientado especificamente
no território da cidade natal de Vilageliu, Vilobí d’Onyar – um local de aproximadamente
3.000 habitantes, definido por estar localizado em uma área de cruzamento entre
infraestruturas de transporte. O aeroporto de Costa Brava, a L’Eix Transversal, a rodovia
Mediterráneo e a linha de trem AVE há muito tempo fazem parte dessa cidade. Embora
Vilobí d’Onyar pareça ser uma cidade comum da região da Catalunha, sua condição como
uma “terra de ninguém”, cercada por infraestruturas, a torna um território dissociado.
Túneis, muros de contenção, pontes e cercas conformam uma paisagem que influenciou
seus habitantes e a maneira como se adaptam ao ambiente. Nesta série o artista
está determinado a se aproximar de um território pessoalmente definido, buscando
originalidade e surpresas em paisagens familiares, explorando um terreno que ele
conhece e as pessoas que o habitam.
“Everybody needs good neighbours” is a photographic project that takes place in a specific
territory, the artist’s hometown, Vilobi d’Onyar. Town of approximately 3000 inhabitants,
defined by being located in a junction area of transport infrastructures. The Costa Brava
airport, L’Eix Transversal, the Mediterráneo Highway and the AVE train line have been part
of this town for a long time. Even though Vilobi D’onyar seems to be an ordinary town in the
catalan region, its “no mans land” condition, surrounded by infrastructures, turns it into
a dismember territory. Tunnels, retaining walls, bridges and fences conform a landscape
that influenced their inhabitants and their adaptation to their environment. In this serie
the artist is determined to approach a definite own territory, searching in the well known
landscapes for the novelty and the surprise, exploring the familiar terrain and the people
that inhabit it.
212
beto shwafaty
Brasil /// Brazil
A Vida dos Centros /// The Life of the Centers
Este projeto fotográfico explora três regiões da cidade de São Paulo consideradas centrais
em períodos distintos e por diferentes motivos: o centro histórico, a Avenida Paulista e a
Avenida Berrini. Guiado por testemunhos de pessoas que passaram grande parte de suas
vidas nessas áreas, e pesquisando material iconográfico em arquivos diversos, o projeto
reúne observações sobre os ciclos históricos e os fluxos de progresso e decadência
dessas áreas ao longo de um período de quase 40 anos. Desses encontros resulta um
trabalho “docu-ficcional”, uma reflexão sobre a vida na cidade, costurando narrativas e
interpretações sobre mudanças urbanas, arquitetônicas e políticas.
This photographic project explores three regions in the city of São Paulo considered central
in diferent periods and for diferent reasons: the historic center, Paulista Avenue and Berrini
Avenue. Following the testimonials of people who spent a large part of their lives in these
areas, and investigating iconographic material in several archives, the Project assembles
observations about the historical cycles and the flows of progress and decline in these
areas over a period of almost 40 years. From this assembly results a “docu-fictional” work,
a reflection upon life in the city, which weaves narratives and interpretations about urban,
architectural and political changes.
218
boris eldagsen
Alemanha /// Germany
Poem # 67 /// Poema # 67
Apesar de mais de duzentos anos de psicologia, o inconsciente continua a ser tão vago e
poderoso quanto os deuses dos quais se emancipou. Como um reservatório das nossas
experiências passadas, ele armazena vontades e sentimentos aos quais racionalmente
não temos acesso. Porém, algumas imagens podem abrir essas portas, desencadear
emoções e desbloquear memórias. Usando arquétipos e atos simbólicos, Boris utiliza
a linguagem do inconsciente para se comunicar em um nível onírico. A poesia visual
do artista transporta o observador para uma zona de interseçāo entre o sublime e o
extraordinário – onde os atributos da fotografia, pintura, teatro e filmagem se unem.
Despite over two thousand years of psychology, the unconscious remains as vague and
powerful as the gods it emancipated itself from. As a reservoir of our past experiences, it
stores urges and feelings that rationally we have no access to. However some images can
open these doors, trigger emotions and unlock memories. Using archetypes and symbolic
acts, Boris speaks the language of the unconscious and communicates on a dreamlike
level. The visual poetry transports the viewer between the sublime and the uncanny –
where the attributes of photography, painting, theatre and film unite.
220
222
camila maissune de sousa
Moçambique /// Mozambique
3×4 – Série III /// 3×4 – Serie III
As imagens apresentadas compõem o projeto 3×4, resultado de uma imersão em duas
prisões femininas de Moçambique: a Cadeia Civil de Maputo e o Centro de Reclusão
Feminino de Ndlhavela. Ao longo de um ano convivendo com mulheres de nacionalidades,
idades e classes sociais diversas, mas cujas histórias se interconectam por episódios
violentos, de separação, expiação e reconciliação, Maissune as retrata dando a ver como,
no corpo, acontecem as resistências cotidianas à violência e ao cárcere.
The images presented here compose the 3x4 project, a result of an immersion in two
female penitentiaries in Moçambique: The Civil Penitentiary of Maputo and the Center
for Female Reclusion of Ndlhavela. Maissume spent over a year with women of diverse
nationalities, age groups and social classes, but whose stories are interconnected by
violent episodes of separation, expiation and reconciliation, and she portrays them so as
to show how the body resists everyday situations of violence and incarceration.
226
228
cássio campos Vasconcellos
Brasil /// Brazil
Viagem pitoresca pelo Brasil
As fotografias apresentadas por Cássio Vasconcellos se inspiram nos pintores europeus
que retrataram o Brasil no início do século XIX, como Johann Moritz Rugendas, JeanBaptiste Debret, Hercules Florence, Conde de Clarac, Aimé-Adrien Taunay, Carl von
Martius, entre outros, que a partir de 1816 aportaram no Brasil com a Missão Artística
Francesa, a Missão Austro-Alemã e a Expedição Langsdorff. O objetivo era estudar e
retratar o Brasil, mostrá-lo ao Velho Mundo, que até então não tinha nenhuma referência
visual do que havia por aqui. Assim, uma figura de Brasil começa a habitar um conjunto
de representações, uma “imagem” revisitada que atualiza o fascinante, o temeroso e o
desconhecido.
The photographs presented by Cássio Vasconcellos draw inspiration from the European
painters who portrayed Brazil at the beginning of the nineteenth century, such as Johann
Moritz Rugendas, Jean-Baptiste Debret, Hercules Florence, Conde de Clarac, AiméAdrien Taunay, Carl von Martius, among others that from 1816 on arrived in Brazil with the
French Artistic Mission, The Austro-German Mission and the Langsdorff Expedition. The
purpose was to portray Brazil, to show it to the Old World, which before then had no visual
reference of the country. Thus, an image of Brazil starts to occupy a place among a series
of representations, a revisited “image” which reenacts the senses of fascination, wonder
and the unknown.
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232
234
chang kyun kim
Coreia do Sul /// South Korea
Grito Silencioso /// Silent Scream
Nesta série, Kim transforma os anúncios gigantes nas cidades de Nova York e Las
Vegas, em formas abstratas desfocadas – de maneira a ressaltar nossa exaltação dos
impulsos visuais e da complexidade de anúncios comerciais. A concentração de anúncios
em distritos comerciais é uma concentração de mensagens intrusivas que expressam
informações conclusivas. Ela pouco a pouco nos familiariza com sua referência de valor
– o que é bom e o que é ruim – e, inconscientemente, as pessoas costumam absorver
essas mensagens com confiança, tornando-se, em ocasiões, seguidores fanáticos de
determinadas marcas. Essas mensagens penetram memórias, operando como indutoras
subconscientes do consumo, deturpando o bom senso de indivíduos. As imagens de Kim
mostram uma visão sem foco dos enormes símbolos; como formas e cores ambíguas, eles
representam as memórias de pessoas quando um sistema de transmissão de informações
é observado como um espetáculo visual.
In his series Kim transforms the giant ad signs in New York City and Las Vegas, into
blurred abstract forms to underscore our exaltation of visual impulses and complexity
of commercial advertisements. The concentration of ad signs in commercial district is a
concentration of forceful messages that are telling definitive information. It slowly makes
us become familiar with its standard of value – what is good and what is bad – and people
often unconsciously absorb the messages with trust and sometimes become fanatical
followers of certain brands. These messages penetrate people’s memories, working as
subconscious inducers for consumption, clouding one´s judgment. The artist’s images show
the blurred vision of the giant signs. As ambiguous forms and colors it represents people’s
memories when a system that conveys information, is perceived as visual spectacle.
238
claude rouyer
França /// France
Caminhos Magrelos /// Skinny Paths
Na série “Caminhos Magrelos”, Rouyer cria imagens incomuns influenciadas pelo que
se chama comumente de crenças populares; reflete sobre o nosso relacionamento com
a natureza e sua influência sobre nós. A obra possui intensas aproximações visuais e
simbólicas com o imaginário encontrado nas fábulas, contos de fadas e as mitologias
ligadas ao universo do mundo natural. Os personagens nas imagens buscam algum tipo
de intimidade com a natureza e uns com os outros. O artista reúne objetos, posturas,
lugares e ambientes, criando cenas que poderiam ser interpretadas como referências às
origens dos estados emocionais e memórias afetivas.
In the series, “Skinny Paths”, Rouyer, creates unusual images, influenced by the so-called
popular beliefs; reflecting about our relationship with nature and its influence on us.
The work has an intense visual and symbolic approximations with the imagery found in
fables, fairy tales and the mythologies connected with the universe of the natural world.
The characters in the images seek some kind of intimacy with nature and each other. The
artist puts together objects, postures, places, environments, creating scenes, which could
be interpreted as references to the origins of emotional states and affective memories.
242
244
cristina nuñez
Espanha /// Spain
Alguém para Amar /// Someone to Love
“Alguém para Amar” reúne pela primeira vez os melhores autorretratos fotográficos feitos
pela artista espanhola Cristina Nuñez durante a sua vida. Em 1988, tentando superar
problemas pessoais, Cristina começou a fazer autorretratos particulares. Ao dar forma
às suas emoções e revelar sua presença ao mundo, se projeta como sempre desejou ao
voltar um olhar descomprometido para si mesma. Essas imagens se tornaram um tipo de
autoterapia pela qual ela aprendeu a se identificar. Neste diaporama de 24 minutos, a voz
da autora acompanha o observador pelo histórico de sua família e sua infância, pelo período
conturbado de vício em heroína de sua adolescência e a evolução de sua autoimagem,
relacionamentos e a descoberta do autorretrato. A última sequência exibe um projeto
baseado na vida de sua mãe, que incluem autorretratos colaborativos e fotos de família,
feitos até seu último suspiro.
“Someone To Love” brings together for the first time the best photo self portraits taken by
Spanish artist Cristina Nuñez during her life. In 1988, in an attempt to overcome personal
problems, Cristina Nuñez began to take self-portraits in private. Giving shape to her
emotions and revealing her presence to the world, enabling her to turn an uncompromising
gaze upon herself, but also to project herself as she wanted to be, these images became a
form of self-therapy through which she learned who she is. In this 24’ diaporama, the voice
of the author accompanies the viewer through her family history and childhood, her troubled
adolescence as a heroin addict and the evolution of her self-image, her relationships and
the discovery of the self-portrait. The last sequence shows the project on her mother’s life,
including collaborative self-portraits and family pictures, until her last breath.
248
cynthia greig
EUA /// USA
Breathscape
A artista Cynthia Greig está interessada na busca pela beleza e mistério daquilo que
costuma ser ignorado ou despercebido. Seu vídeo “Breathscape” proporciona uma forma
tangível e luminosidade à substância normalmente invisível do sopro. O trabalho se atém
ao sopro como um tipo de marca humana, que forma e é testemunha da temporalidade
da nossa existência. A sequência em vídeo apresenta cada sopro exalado dentro do
vidro como uma etérea aurora de luz e forma em constante mudança, transformando a
galeria num possível universo paralelo ou paisagem cósmica. As sombras da audiência
se cruzam com o ciclo em repetição de sopros exalados e dão movimento ao espaço da
galeria, estático e escuro, como um organismo vivo que respira. A instalação serve como
uma meditação sobre os ritmos ancestrais da vida, nos lembrando de que é pelos nossos
corpos que o fluxo constante do tempo infinito passa e continua a viver.
The artist Cynthia Greig is interested in finding beauty and mystery in the otherwise
overlooked or unseen. Her video, “Breathscape,” gives palpable form and luminance
to the otherwise invisible substance of breath. The work focus on breath as a kind of
human mark making, bearing witness to the temporality of our existence. The video loop
renders each breath exhaled onto glass as an ethereal, shifting aurora of light and form,
transforming the gallery into an alternate universe and cosmic landscape. The shadows
of the audience intersect with the repeated cycle of exhaled breaths and animate the
stillness of the darkened gallery space as a living, breathing organism. The installation
serves as a meditation on the ancient rhythms of life, reminding us that we are the bodies
through which the constant flow of infinite time passes and continues to live.
252
daesung lee
Coreia do Sul /// South Korea
Na costa de uma ilha em desaparecimento /// On the shore of a vanishing island
Esta série desencadeia sentidos delicados que estão ligados à noção de indivíduo e de
estar no mundo, ao desamparo, à solidão inerente e à coragem contra o desaparecimento
inevitável. As imagens revelam o que é “humano demais” e, sem qualquer dramaticidade,
fazem um relato sobre o despovoamento da ilha de Ghoramara, localizada no delta do
golfo de Bengala, na Índia. Devido à ascensão significativa do nível do mar, causada
por abruptas mudanças climáticas, as margens da ilha estão sendo constantemente
submergidas desde os anos 60. Nos anos 80, mais de 50% do território desapareceu por
causa da erosão, o que levou dois terços da população a deixar a ilha.
Pictures by Lee triggers delicate senses of the notion of person and of being in the
world, the helplessness, the inherent loneliness and courage against the inevitable
disappearance. They reveal what is “too human” and without any drama, they report the
depopulation the Ghoramara Island, located in the delta of the Bengal Bay, India. Due to
the significant rise in sea level resulting from abrupt climate changes, the banks of the
island have been constantly covered since the 1960s. In the 1980s more than 50% of the
territory had disappeared due to erosion, which led two-thirds of the population to leave
the island.
256
258
ellen Jacob
EUA /// USA
Substitutas /// Substitutes
No bairro Upper West Side de Manhattan, as mulheres que empurram os carrinhos de
bebê são quase sempre negras ou imigrantes pardas, e as crianças quase sempre
brancas. Questões diante daquela situação levaram a artista a desenvolver um projeto ao
longo de anos sobre mães e pais substitutos. As mulheres nessas fotografias são babás,
um serviço de baixa remuneração, em que dar amor ao filho de outra pessoa se torna
um pré-requisito obrigatório, mas ao mesmo tempo é algo que se coloca implícito na
profissão. Essas imagens investigam os relacionamentos sociais, raciais e econômicos
que causam um efeito poderoso sobre essas vidas, e que costumam nem ser percebidos.
“Substitutas” trata das impressões inesquecíveis deixadas por essas mulheres, e as
questões persistentes que essa dinâmica social levanta.
On Manhattan’s Upper West Side, the women pushing the strollers are almost always
black or brown immigrants and the children are white. Jacob wondered why and her
wondering became this multi-year project about substitute parents. The women in
these photographs are nannies, a low-paying job where loving another’s child is one of
the anticipated but universally unspoken duties. These images explore social, racial and
economic relationships that powerfully affect life and largely go unnoticed. “Substitutes”
is about the indelible impressions these women leave, and the persistent questions they
raise.
262
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gili laVy
Israel /// Israel
Nuvens de outono /// Autumn Clouds
As obras de Gili Lavy focam na investigação das consequências imediatas causadas por
desastres que impactaram histórias coletivas. Amostras e frações de tempo, relíquias e
recordações que surgem e desaparecem, sugerindo um evento que já passou ou logo irá
passar. Inspirada pelas estruturas sociais existentes, em que locais geográficos e histórias
revelam ou se opõem ao presente, a obra de Lavy questiona as atuais circunstâncias
sociais em suas realidades inconstantes e transições temporais. Ambientadas em terras
ricas com antiguidades e cheias de memórias, a obra de Lavy evoca um sentimento de
vazio, de forma a revelar aquilo que não pode ser visto, mas apenas sentido. Pairando
por diferentes estados de espírito, as realidades encenadas envolvem essa sensação em
momentos tênues após ou mesmo antes do trauma.
Gili Lavy’s works focuses on investigation of collective histories at the moment of the
aftermath, following an event such as a disaster. Glimpses and fractions of time, relics
and recollections appear and pass by, hinting for an event since passed, or soon to
become. Inspired by existing social structures which its geographical sites and histories
reveal or oppose the present, Lavy’s work questions existing social settings within its
shifting realities and transitions in time. Taking place in lands rich of antiquities and
full of memoire, lavy’s work evokes a feel of the void, in order to unfold what can only be
ultimately sensed rather than seen. Floating through different states of mind, the staged
realities embrace that feel within tenuous moments of a post, or possibly, pre-trauma.
268
hrVoJe sloVenc
Croácia /// Croatia
Parceiros no crime /// Partners in crime
O projeto de Slovenc é focado em casais do mesmo sexo que já vivem juntos há períodos
prolongados de tempo, dezoito anos em média. A ideia foi inspirada por retratos de
casamento do final do século XIX e pelas técnicas profissionais empregadas para
produzi-los. Embora a maioria das obras anteriores tenha sido produzida no formato
“carte cabinet”, em estúdios com um plano de fundo artificial, as imagens do artista foram
feitas nos lares dos casais. O propósito da série é demonstrar a qualidade mundana de
algo que pode apenas ser visto como o ambiente de um casal. As fotografias tentam
captar a face pública que a sociedade impõe a casais do mesmo sexo. Esses casais
aparentam estar física e emocionalmente dissociados. E é assim, associando imagens
de poses matrimoniais rígidas e tradicionais com espaços domésticos contemporâneos,
que Hrvoje Slovenc busca normalizar o que ainda é, no melhor dos casos, um conceito de
relacionamento considerado bastante controverso na sociedade estadunidense.
Slovenc’s project focuses on same-sex couples that have been living together for an extended
period of time, eighteen years on average. The idea was inspired by late nineteenth-century
wedding portraits and the professional techniques employed in them. While most of the
earlier works were produced as cabinet cards, shot in studios with artificial backgrounds, the
reconstructions are taken in the couples’ homes. The purpose is to demonstrate the mundane
quality of what can only be seen as a marriage setting. In these photos, though the artist is
trying to capture the public face that society mandates for same-sex couples. These couples
appear to be both physically and emotionally disconnected. Thus in conflating images of stiff,
traditional marriage poses and contemporary domestic spaces, Hrvoje Slovenc has sought to
normalize what is still, at best, a hotly contested relationship in American society.
272
274
hua weicheng
China /// China
Cinzas às cinzas /// Ashes to ashes
Desde a reforma e a abertura, apesar do rápido desenvolvimento econômico, a China
pagou um preço doloroso pelos danos severos causados ao ecossistema. A veneração à
natureza e o sincretismo humano-celestial enfatizados na cultura chinesa tradicional
foram substituídos pelo conceito utilitarista “desenvolver é o princípio absoluto”.
Elementos de beleza ligados à tradicional visão humanista chinesa se tornam cada
vez mais escassos. Essa é não só uma questão estética, mas também relacionada à
cultura tradicional chinesa que não pode ser esquecida. A série “Cinzas às cinzas” é uma
amostra de paisagens reais da China sob um ponto de vista pessoal. Esses cenários são
consideravelmente remotos e silvestres. Como um “paradoxo” desta era, a maioria das
pessoas não lhes dá muita importância. Mas, da perspectiva do artista, elas são como
“relíquias do tempo” que merecem a atenção do povo.
Since reform and opening-up, despite the rapid economic development, China has paid
a painful price for severe damages on natural ecosystem. The “warship for nature” and
“heaven-human syncretism” emphasized in traditional Chinese culture have been replaced
by the utilitarian concept of “Development is the absolute principle”. Beautiful things with
traditional Chinese humanistic conception have become more and more scarce. Not only
is this an aesthetic issue, but it also contains the traditional Chinese cultural spirit we
cannot forsake. The set of photos “Ashes to ashes” is a sampling of Chinese real landscape
under personal observation. They are fairly remote and wild scenes. As a “paradox” of this
age, they are not much minded by most people. But from from Weicheng’s perspective,
they seem as if “relics of time” that deserve people’s vigilance.
278
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iVar Veermäe
Alemanha /// Germany
Computação Cristalina /// Crystal Computing
“Computação Cristalina” é uma investigação em vídeo a respeito do centro de
processamento de dados da Google na cidade de Saint-Ghislain, na Bélgica. Esse é o maior
data center da Google na Europa, e o segundo maior do mundo. Segundo informações
oficiais recentes da Google Inc., ele aloja atualmente 296.960 servidores. Após ter uma
visita oficial ao data center rejeitada, Veermäe fez uma viagem de pesquisa em segredo
para a Bélgica. A obra trata da importância da materialidade e localidade de infraestrutura
no que se refere a grandes companhias de redes, algo que costuma estar oculto sob uma
“nebulosa” retórica publicitária. O nome “Computação Cristalina” representa por um lado
as políticas secretas da corporação, e, por outro, o uso de subsidiárias como um método
de evasão fiscal.
“Crystal Computing (Google Inc., St. Ghislain)” is a video-based investigation about Google’s
data centre in St. Ghislain, Belgium. It is the largest Google data centre in Europe and the
second largest in the world. According to the latest official information from Google Inc.,
it currently houses 296,960 servers. After being rejected to visit the data centre officially,
Veermäe made a secret research trip to Belgium. The work refers to the importance of
the materiality and locality of the infrastructure of big network companies, which is often
hidden under ‘cloudy’ advertising rhetoric. On the one hand the name Crystal Computing
represents the secret policies of the corporation and on the other hand, the use of
subsidiaries as a method for tax avoidance.
284
Joanna bonder
Polônia /// Poland
The Rope
A obra de Bonder é a transcrição de um fragmento de “Festim Diabólico” (Rope, 1948), o
primeiro filme feito em Technicolor de Alfred Hitchcock. O vídeo é produzido através de
uma técnica original de processamento de imagens desenvolvida pela artista, chamada
Camera Linea. Bonder utiliza pixels verticais, ou a linha horizontal da imagem da câmera,
e o tempo como um elemento adicional e transformador em seu trabalho. Ao invés de 24
quadros por segundo sua imagens nos mostram 24 camadas de “listras” por segundo e
mais de 1.440 listras por minuto, ou seja, 1.440 pixels de materialidade visual.
The work of Bonder is the transcreation of a fragment of “Rope” (1948), the first Technicolor
film by Alfred Hitchcock. The video is performed in an original image processing technique
developed by the artist and called Camera Linea. Bonder uses vertical pixel or horizontal
line of the camera image and time as additional and transforming element, so that the
sampling rate of 24 frames per second shows us 24 “stripes” layers per second and over
1440 stripes per minute – thus, 1440 pixels of visual materiality.
288
katerina mistal
Suécia /// Sweden
Mapeando a Europa /// Mapping Europe
Em uma série de fotografias tiradas nas imediações da Europa, a artista tenta encontrar
uma perspectiva que possa refletir sua própria interpretação a respeito da atual
situação do continente diante de grandes fluxos migratórios e fronteiras inconstantes.
As imagens com filas de crianças na escola possuem um ponto de fixação natural na
paisagem, refletindo as identidades dos locais. Ou será que a fronteira na paisagem se
impõe sobre o relacionamento dessas crianças com a sua terra natal? Essas questões
apresentam muitas perspectivas em potencial, e a perspectiva de Mistal tem sido aplicar
a metodologia da arte para refletir de forma pictórica sobre uma imagem estabelecida da
Europa. Os litorais sem fim tanto separam quanto unem as fronteiras do continente.
In a series of photographs from the outskirts of Europe, the artist tries to find a perspective
that reflects her own interpretation of where this continent stands today; facing major
migration flows and changing boundaries. The images of lines of schoolchildren find a
natural anchorage in the landscape, reflecting the site’s identity. Or is it the landscape’s
border which imposes itself upon the children’s relation to their homeland? There are many
possible perspectives on these questions and mine has been to apply the methodology
of art to pictorially reflect an established image of Europe. The limitless coastlines both
separate and unite the borders of Europe.
292
294
katherine longly
Bélgica /// Belgium
No exterior é longe demais /// Abroad is too far
O desenvolvimento econômico da China está afetando diretamente muitos aspectos
da vida diária da população do país. O setor recreativo passa por um período de grande
crescimento, conduzido pelo poder aquisitivo da classe média e pelo desejo de descobrir
o mundo. Promotores imobiliários e as autoridades chinesas encontraram uma forma de
satisfazer a vontade dos novos ricos em querer visitar outros lugares. “Por que ir para
Paris, quando a Torre Eiffel pode ser vista na China?”. A reprodução de monumentos
globalmente conhecidos é um gesto simbólico, que opera na construção de processos
complexos de identidade na China contemporânea. Eles expressam, com isso, a dimensão
econômica, política e ideológica de uma sociedade consumidora global que menospreza
as tradições locais.
The economic development in China is directly affecting many aspects of the country’s
populations daily life . The leisure industry is seeing a large growth driven by the purchasing
power of the middle class and by the desire to discover the world. With the help of real
estate developers, Chinese authorities found a way to satisfy the desire of the nouveau
riches to visits other places. “Why visit Paris, when you can see the Eiffel Tower in China?”
The reproduction of globally known monuments is a symbolic gesture that operates in
the construction of complex identity processes in contemporary China. They express,
therefore, the economic, political and ideological dimension of a global consumer society
that despises local traditions.
300
leo delafontaine
França /// France
Micro nações /// Micronations
Explorar e descobrir novos territórios e lugares no mundo contemporâneo – globalizado,
controlado e altamente vigiado – parece se tornar cada vez mais difícil. Porém, as
imagens de Delafontaine nos mostram o oposto, apresentando outros mundos possíveis.
Fragmentos de territórios, velhas plataformas esquecidas e pequenos vilarejos podem
se tornar repúblicas e monarquias, com todos os recursos sociais e políticos que criam
o relacionamento peculiar entre indivíduo, nação e território. Ao mesmo tempo irônicas e
desconcertantes, as micro nações de Delafontaine, ao combinar várias forças utópicas,
nos fazem pensar sobre disputas simbólicas por territórios e questões de identidade.
Exploring and discovering new territories and places in the contemporary, globalized,
highly guarded and controlled world seems increasingly difficult. However, Delafontaine’s
images show us the opposite and present us other possible worlds. Fragments of territory,
old forgotten platforms or small villages can become republics and monarchies with all
social and political devices that create the peculiar relationship between the individual,
the nation and the territory. Ironic and disconcerting at the same time, Delafontaine’s
micronations, combining various utopian forces, make us think of symbolic disputes over
territory and identity issues.
302
306
luisa puterman
Brasil /// Brazil
Trem /// Train
“Trem” é fruto de pesquisas sobre modos de notação e composição sonora. O trabalho
é parte de uma série de vídeos e performances que investigam novos processos e
procedimentos de sequenciamento sonoro. É a partir da estrutura tempo-espacial,
nas quais os eventos visuais estão organizados, que alguns critérios e equações são
estabelecidos para que informações visuais sejam transformadas em eventos audíveis.
Intercaladas por momentos silenciosos, as imagens revelam uma dinâmica particular e,
às vezes, hipnótica.
“Train” is the product of research into modes of musical notation and composition. The
work is part of a series of videos and performances that investigate new processes
and procedures of sound sequence. It is from the temporal-spatial structure, according
to which the visual events are organized, that some criteria and equations are set so
visual transformations can be transformed into audible events. Interspersed with silent
moments, the images reveal a particular, and sometimes hypnotic, dynamics.
310
marcela magno
Argentina /// Argentina
Território /// Land
“Território” é um projeto fotográfico que visa mostrar mapas contemporâneos, revelando
a evolução histórica da paisagem, a divisão política do território e o desenvolvimento
geopolítico. As imagens que compõem o projeto foram organizadas com mapas obtidos
pelo programa Google Earth, que foram então impressos em grandes dimensões e em
alta definição. Esses são mapas feitos via satélite, que revelam a topografia de campos
de extração e o desenvolvimento de recursos naturais. O interesse da artista é ver
como utopias da modernidade se convertem em resultados distópicos. Esses mapas
parecem nos confrontar com esta alteridade: distorções econômicas e sociais, desastres
ambientais, fronteiras territoriais deslocadas e o futuro incerto do nosso mundo.
“Land” is a photographic project which aims to show contemporary maps, revealing the
historical evolution of the landscape, the political division of territory and the geopolitical
development. The images that make up the project were put together with maps taken from
Google Earth which were printed in large scale and high definition. They are satellite maps that
reveal the topography of extraction fields and development of natural resources. The artist
is interested in seeing how utopias of modernity convert into a dystopian outcome. These
maps seem to confront us with this otherness: social and economic distortion, environmental
disaster, misplaced territorial boundaries and the uncertain future of our world.
312
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316
michael lundgren
EUA /// USA
Matéria /// Matter
A matéria é composta por uma sequência de substâncias firmemente conectadas,
baseada na evolução das formas primárias. Invocando elementos sobrenaturais em
múltiplos terrenos, as imagens se distanciam das limitações da paisagem descritiva.
A série apresenta imagens que investigam o relacionamento entre natureza e cultura,
formando uma visão elegíaca do Antropoceno (nossa atual era geológica, em que os
seres humanos são a influência primária dos impactos gerados sobre funcionamento da
Terra). Os interesses visuais do artista são focados na linguagem do artefato, na fotografia
como iconografia e na tensão entre os dois polos da produção imagética: o registro e a
transformação.
Matter is a tightly woven sequence based on the evolution of a primary form. Conjuring
elements of the supernatural across multiple terrains, the images depart from the
confines of the descriptive landscape. Following the trajectory of the images rather than
a predetermined project, the artist’s intention was a sequence of images that probe the
relationship between nature and culture, forming an elegiac view of the Anthropocene (our
current geological age where humans are the primary influence on the Earth.) Ludgren’s
visual interests are focused on the language of the artifact, the photograph as iconography
and the ultimate tension between photography’s two poles: record and transformation.
322
michel le belhomme
França /// France
Os dois labirintos /// The two labyrinths
Michel Le Belhomme nos mostra como uma representação se torna mais evocativa à medida
que se distancia mais de sua suposta referência. Aqui, uma imagem pode ser criada a partir
de paisagens reais, que são de fato imagens refotografadas, e os verdadeiros contornos
não são nada mais que rachaduras e dobras que criam um volume. Em outra parte, o que
achamos ser uma imagem gerada por computador é na realidade uma foto de um volume real,
construído à base de papel. Esses são então labirintos para os quais Michel Le Belhomme
nos atrai: o labirinto da imagem – poderoso não em razão de sua aderência à realidade, mas
apesar da mesma – e o labirinto do espaço real – por si só, um espaço de representação
contínua. Nesta série, as imagens ressoam com ecos sucessivos, que tornam-se por sua vez
imagens de um objeto, imagens de uma imagem e, finalmente apenas imagens, retornando
de suas peregrinações espaciais com um novo poder de encantamento”. (Comentário editado
de Christian Maccotta, diretor artístico do Festival Boutographies)
Michel Le Belhomme shows us how a representation becomes more evocative the
further it departs from its supposed reference. Here, an image might be created from real
landscapes, which are in fact images re-photographed, and the “real” contours are no
more than creases and folds that create a volume. Elsewhere, we think we are looking at a
computer-generated image when in fact it is a photo of a real volume, constructed in paper.
These then are the labyrinths into which Michel Le Belhomme draws us: that of the image
– powerful not because of, but despite its adherence to reality – and that of the real space
– which is itself a space of continuous representation. In this series the images resonate
with successive echoes, becoming by turn images of an object, images of an image, and
finally just images, returning from their spatial peregrinations with a newfound power to
enchant”. (Edited statement of Christian Maccotta, Artistic director of Boutographies Festival)
328
330
nicola lo calzo
Itália /// Italy
Obia
“Obia” é uma palavra de origem Akan, especificamente atribuída aos Fantes e/ou Axantes.
Ela sublinha um sistema de crenças desenvolvido pelos maroons do Suriname e da Guiana
Francesa, desde o tempo das fugas até os dias atuais. Apesar do seu papel fundamental na
luta contra a escravidão e na construção da identidade da diáspora africana nas Américas,
ainda são poucos os que sabem a seu respeito. Eles criaram comunidades que se libertaram
da escravidão e proclamaram sua própria soberania no Novo Mundo. Essas comunidades
de escravos fugitivos se localizaram por todo o continente, em Luisiana, Jamaica, Cuba,
Haiti, Colômbia, Brasil e Guiana, entre outros territórios. Seus descendentes existem até
hoje, guardiões de uma narrativa de auto-emancipação pouco conhecida. Esta é a história
dos maroons, dos bushinengues das Guianas. Este projeto fotográfico visa examinar o
relacionamento entre o legado mágico-religioso excepcional dos maroons e os novos
desafios decorrentes da modernidade: a aculturação em andamento pelas novas gerações.
“Obia” is originally an Akan word, specifically attributed to the Fanti and/or Ashanti. It points
to a belief system developed by the Maroon peoples of Suriname and French Guiana since
the time of Marronage, until today. Despite their fundamental role in the anti-slavery struggle
and identity construction of the African Diaspora in the Americas, they are still poorly
understood. Marronnage created communities that wrested themselves free of slavery
and proclaimed their sovereignty in the New World. These communities of runaway slaves
were found throughout the Americas, Louisiana, Jamaica, Cuba, Haiti, Colombia, Brazil, and
Guiana among others. Their descendants continue to exist today. They are the gatekeepers of
a little known self-emancipation narrative. This is the story of the Maroons people, Businenge
or Bushinengue, of the Guianas. This photographic project aims to examine the relationship
between the exceptional magical-religious legacy of the maroon people and new challenges
arising from modernity: the ongoing acculturation among the new generations.
338
paul thulin
EUA /// USA
As Baladas do Pinheiro /// Pine Tree Ballads
No início do século XX, o bisavô de Thulin se estabeleceu em uma ilha na costa do estado
do Maine por se assemelhar à Suécia, sua terra natal. A cada verão, por mais de um
século, sua família sempre voltou para Gray’s Point. Por toda a sua vida, ele compartilhou
histórias minuciosamente detalhadas sobre os primeiros colonos da fazenda de pomares
de maçã da Nova Inglaterra. Os contos são uma mistura de fatos e narrativas populares
que encheram a imaginação do artista. Essas histórias transformam o litoral, escadas,
pinheiros, botas, granito, fogões, estrelas e os ventos na essência simbólica da família
de Thulin. Sua obra fotográfica “Baladas dos Pinheiros”, com mais de 200 imagens
organizadas ao longo de uma década, é um livro de memórias poéticas que acolhe este
espírito de realismo mágico. Esta sequência fotográfica profundamente pessoal é o seu
conto popular; uma narrativa infundida com imaginação e realidade, o que na maioria das
ocasiões são os verdadeiros ingredientes da história.
In the early 1900s, Thulin’s great-grandfather settled on an island off the coast of Maine because
it resembled his homeland of Sweden. His family has returned to Gray’s Point each summer for
over a century. Throughout his life, he shared exquisitely detailed accounts of the early settlers
of the New England. The tales were an intricate mix of facts and lore that fueled the artist’s
imagination. The tales transform the shore, ladders, pine trees, boots, granite, stoves, stars, and
gusting winds into the symbolic essence of Thulin’s family. His decade-long, 200 image plus,
photographic opus “Pine Tree Ballads” is a poetic memoir that embraces this spirit of magic
realism. This deeply personal photographic sequence is his folktale; a story infused with both
imagination and reality, which in most instances are the true ingredients of history.
344
ricardo alVes Jr.
Brasil /// Brazil
Convite para jantar com Stalin /// Invitation to dine with Stalin
Ricardo Alves propõe em seus filmes uma experiência de contemplação, em contraposição
a um mundo mediado pela ágil produção e recepção múltipla de imagens. Mas essa não
é uma proposta aleatória, como uma intenção exclusiva da realização. Ao trabalhar com
elementos mínimos, o artista busca nas “personagens” e nos espaços o tempo que emana
das imagens. Seus filmes proporcionam um lugar de criação para o próprio espectador,
de forma que possa também habitar cada cena. A obra “Convite para jantar com Stalin”
pode ser resumida como: entre o sonho e a morte, Olga e Marilu esperam um convidado
para jantar.
Ricardo Alves proposes, in his films, an experience of contemplation, as a reaction against
a world mediated by the frantic production and reception of multiple images. But this
is not a random proposal, as the exlusive intention of the work. As the artist works with
minimal elements, he seeks in the “characters” and spaces the time that emanates from
the images. His films open an avenue for the spectator to create, and thus he/she can
also inhabit each scene. The work “Invitation to dine with Stalin” can be summarized as:
between the dream and death, Olga and Marilu wait for a guest to dine.
348
ricardo burgarelli
Brasil /// Brazil
Democracia contra o Kapital /// Democracy against kapital
“Democracia contra o kapital” é uma narração por imagens das manifestações de junho
de 2013 na cidade de Belo Horizonte (Brasil). Ocorridos que foram filmados em super-8
mm e mapeados segundo uma orientação alegórica das imagens. Os vídeos contidos
nos mapeamentos são filmagens em mídia digital da projeção do rolo de filme super-8
positivo. E as animações, que também figuram nos mapeamentos, foram feitas a partir do
escaneamento dos frames (quadros) de cada pequena cena filmada. Uma animação de
três segundos corresponde a cerca de 72 quadros digitalizados e animados em sequência.
“Democracia contra o kapital” é um chamado que aparece escrito em uma das bandeiras
filmadas na ocasião.
“Democracy against kapital” is a narration through images of the July 2013 demonstrations
in the city of Belo Horizonte (Brazil). These were events shot with a super-8 mm film and
mapped according to an allegorical arrangement of the images. The videos contained in
the mappings are footage in digital media of the projection of the positive super-8 film
reel. And the animations, which also figure in the mappings, are done through the scanning
of the frames of each little scene shot. An animation of three seconds corresponds, on
average, to 72 digitalized frames, which are then animated in sequence. “Democracy
against kapital” is a motto that appears written in one of the flags shot in the occasion.
352
ricardo muñoz izquierdo
Colômbia /// Colombia
As moscas também dormem /// The flies also sleep
No vídeo “As moscas também dormem” (Las Moscas También Duermen) encontram-se
conversas torpes, situações estranhamente instáveis, espaços e realidades recriados.
Alguns códigos estéticos, como o terror, o sinistro, o irônico são tratados com uma certa
graça, um tom sinistro, infantil, precário e psicodélico. O trabalho fala sobre a perversão
do olhar e da imaginação. O corpo ficcional é apresentado por meio de uma forte essência
animal, que sublinha comportamentos e impulsos humanos ligados ao comportamento
primitivo, selvagem e instintivo.
In the video “The flies also sleep” (Las Moscas También Duermen) one may find dirty talk,
strangely unstable situations, spaces and recreated realities. Some aesthetic codes
such as terror, the macabre, and the ironic are treated with a certain humor, in a sinister,
childish, precarious and psychodelic tone. The work approaches the perversion of the
eye and of the imagination. The fictional body is presented in a distinctively animalistic
way, which underlines human behavior and impulses associated with primtive, wild and
instintictive atitudes.
356
simon menner
Alemanha /// Germany
Caixa Postal /// Postbox
A questão da vigilância tem sido um tópico amplamente discutido por muitos anos. Apesar
disso, durante uma profunda pesquisa sobre o assunto, foi percebido que o público possui
um acesso muito limitado a materiais visuais que mostram o ato de vigilância da perspectiva
do vigilante. Naturalmente, nós todos nos familiarizamos com as imagens desfocadas
tiradas de câmeras de vigilância, que são ocasionalmente liberadas para a mídia, por
exemplo, em conjunto com investigações policiais. Mas ainda há uma zona muito nebulosa,
da qual muito se fala, mas pouco se sabe de concreto. É óbvio que deve existir um volume
ainda maior de material relacionado à vigilância; o que não é tão claro, porém, é o que o “Big
Brother” de Orwell consegue ver de fato quando está nos vigiando. Ao longo de dois anos,
o artista foi capaz de fazer uma análise das memórias visuais da Stasi, a notória polícia
secreta da Alemanha Oriental, e de encontrar uma resposta para parte dessa questão.
Surveillance has been a widely discussed topic for many years. During his detailed research
into the subject, however, Menner has come to realize that the public has only very limited
access to picture material showing the act of surveillance from the perspective of the
surveillant. We are naturally all familiar with the blurred images taken by surveillance
cameras and occasionally released to the media, for example in conjunction with police
investigations. Yet there is still a large gray area, which is often spoken about but of which
little is tangible. It is obvious that much more surveillance material must exist; what is not
obvious, however, is what the Orwellian “Big Brother” in fact gets to see when he is watching
us. Over the course of two years the artist has been able to sift through the visual memories
of East Germany’s notorious secret police “STASI” to answer part of this question.
360
the cool couple
Itália /// Italy
O Terceiro Chimpanzé, Treviso 2012 /// The Third Chimpanzee, Treviso 2012
“O Terceiro Chimpanzé” é uma série de vídeos que explora o relacionamento entre o
espaço urbano e seus habitantes. O primeiro episódio é focado na relação entre as
crises econômicas de 2008 e a cidade de Treviso, uma das áreas mais importantes para o
surgimento do conceito de produção em rede nos anos 80. Como a fotografia costuma ser
o meio com privilégios para a realização de investigações que exploram as complexidades
da paisagem cultural, os artistas decidiram combiná-la ao conceito de instabilidade
que caracterizou esses anos, e o resultado é uma série fotográfica com elementos em
movimento e transformação. A estrutura final do projeto é um vídeo que exibe filmagens
noturnas do centro e dos subúrbios de Treviso. Os muros históricos da cidade se tornam
uma membrana civil em uma escuridão sem fim.
The Third Chimpanzee is a series of videos exploring the relationship between the urban
space and its inhabitants. The first episode focuses on the relationship between the
economic crisis of 2008 and in the city of Treviso, one of the key areas where the idea
of networked production arose in the 1980s. Since photography is often the privileged
medium to conduct investigations exploring the complexities of cultural landscape, we
decided to combine it with the idea of instability that characterized those years and the
result is a photographic series of moving and shifting subjects. The final structure of
the project is a video showing night views of the center and the suburbs of Treviso. The
historical walls of the city become a civil membrane in an endless darkness.
364
ulf lundin
Suécia /// Sweden
05 – 09
O vídeo do artista segue as atividades do dia a dia de um edifício comercial na cidade
de Estocolmo. A filmagem foi feita em segredo e à distância, durante a madrugada. O
material reunido por Lundin ao longo de semanas foi editado digitalmente para criar um
plano sequência de oito minutos com movimento de travelling. As situações que ocorrem
simultaneamente no vídeo podem ser momentos inteiramente distintos, separadas umas
das outras por questão de meses. O resultado é uma realidade condensada em que o
tempo e o espaço foram manipulados. Lundin não tem nenhum interesse específico nos
funcionários retratados em 5–9, essas imagens representam todos nós, voltando o olhar
para uma potencial autocrítica. Como decidimos viver as nossas vidas?
In the video we follow the everyday activities in an office building in the Stockholm area.
It is shot in secret from a distance during dark hours. Lundin has gathered material for
several weeks and it has later been edited digitally so that the result is an 8 minutes long
continuous dolly shot. Things that happen simultaneously in the video could actually be
moments of entirely separate occasions with months apart. The result is a condensed
reality where time and space has been manipulated. Lundin is not particularly interested
in the office workers that are portrayed in 5–9, they rather represent all of us and our gaze
is turned towards ourselves. How do we choose to live our lives?
eXpediente fif
fif credits
eXpediente book
book credits
agradecimentos
Agradecemos a todos que nos ajudam a realizar o FIF e a concretizar esta publicação.
As ações propostas pelo FIF, como esta publicação, só são possíveis com a ajuda
Idealização e Coordenação do FIF
Directors
Bruno Vilela
Guilherme Cunha
Curadoria da Exposição
Exhibition Curators
Eduardo de Jesus
Patrícia Azevedo
Bruno Vilela
Guilherme Cunha
Assessoria de Comunicação
Assessorship of Communication
Canal C
Carol Macedo
Jessica Soares
Júlia Moyses
Design
Brígida Campbell
Gestão Administrativa
Administration
Sinergia Gestão de Projetos
Alcione Rezende
Organização
Organization
Bruno Vilela
Seleção dos textos
Text selection
Bruno Vilela
Curadoria dos artistas/imagens
Artists/Images curators
Bruno Vilela e Guilherme Cunha
Projeto Gráfico
Design
Rafael Maia
Diagramação
Layout
Brígida Campbell
e a colaboração de parceiros, amigos e amigas. A essas pessoas nossos sinceros
agradecimentos. Para a realização desta publicação eu gostaria de agradecer em
especial, André Azevedo da Fonseca, Artmosphere, Breno Silva, Brígida Campbell, Carlos
Falci, Harun Farocki Institut, Heloisa Murgel Starling, Manoel Marques, Maria Clara Xavier
Leandro, Marie-José Mondzain, MGS, Nêgo Bispo, Orlando Brito, Pedro Corgozinho, Pedro
Vieira, Philipp Jeandrée, Renan Camilo, Roland Bleiker, Samantha Burton, Silvia P. Barbosa,
Letras e Normas, Tadeu Capistrano, a todos os artistas e fotógrafos que participam desta
publicação.
acknowledgment
We thank all those who helped us carry out the festival and contributed to this publication.
The actions proposed by the International Festival of Photography of Belo Horizonte,
Tradução
Translation
Geraldo Cáffaro
Pedro Vieira
Letras e Normas - Revisão, tradução e normalização
de textos: Silvia P. Barbosa e Pedro Corgozinho
such as this project, are only possible with the help and collaboration of friends and
Revisão do inglês
English Revision
Leonardo Neves Corrêa
Letras e Normas - Revisão, tradução e normalização
de textos
Murgel Starling, Manoel Marques, Maria Clara Xavier Leandro, Marie-José Mondzain,
Revisão Português
Portuguese Revision
Maria Clara Xavier
Revisão Geral
General Revision
Renan Camilo
Produtora
Producer
Multiart
Estagiária
Intern
Samantha Burton
Impressão
Printing
Gráfica Formato
partners. To them we would like to express our sincere gratitude and appreciation. For the
completion of this publication I would like to specially thank André Azevedo da Fonseca,
Artmosphere, Breno Silva, Brígida Campbell, Carlos Falci, Harun Farocki Institut, Heloisa
MGS, Nêgo Bispo, Orlando Brito, Pedro Corgozinho, Pedro Vieira, Philipp Jeandrée, Renan
Camilo, Roland Bleiker, Samantha Burton, Silvia P. Barbosa, Letras and Normas, Tadeu
Capistrano and all the artists and photographers who participate in it.
VILELA, Bruno (org)
Mundo, imagem, mundo: Caderno de reflexões crÍticas sobre a
fotografia / World, image, world - Critical Reflections on Photography
Book/ Bruno Vilela (org) - Tradução: Geraldo Cáffaro, Pedro Corgozinho, Pedro Vieira e
Silvia P. Barbosa: Belo Horizonte, Editora Malagueta Produções, 2018.
372 p.
ISBN: 9 78-85-93581-01-4
1. Artes 2. Arte Contemporânea 3.Fotografia I.Título.
CDD - 700
PATROCIONIO:
IF 1140/2015
APOIO:
PRODUÇÃO:
REALIZAÇÃO
FESTIVAL INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA
INTERNATIONAL FESTIVAL OF PHOTOGRAPHY