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Coleção Cadernos De Pesquisa

centrocultural.sp.gov.br

Cinema :: Coleção Cadernos de Pesquisa embrafilme eocinemabrasileiro André Piero Gatti São Paulo, 2008 1 :: Acervo - IDART 30 Anos copyright ccsp @ 2008 Fotografia de Capa / João Mussolin Centro Cultural São Paulo - Rua Vergueiro, 1.000 01504-000 - Paraíso - São Paulo - SP Tel: 11 33833438 http://www.centrocultural.sp.gov.br Todos os direitos reservados. É proibido qualquer reprodução para fins comerciais. É obrigatório a citação dos créditos no uso para fins culturais. 2 Prefeitura do Município de São Paulo Secretaria Municipal de Cultura Centro Cultural São Paulo Divisão de Informação e Comunicação Gerência de Projetos Idealização Revisão Diagramação Capa Publicação site Autor G263e Gilberto Kassab Carlos Augusto Calil Martin Grossmann Durval Lara Alessandra Meleiro Divisão de Pesquisas/IDART Luzia Bonifácio Lica Keunecke Solange Azevedo Marcia Marani André Piero Gatti Gatti, André Piero Embrafilme e o cinema brasileiro [recurso eletrônico] / André Piero Gatti - São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 2007. 113 p. em PDF - (cadernos de pesquisa; v. 6) ISBN 978-85-86196-12-6 Material disponível na Divisão de Acervos: Documentação e Conservação do Centro Cultural São Paulo. 1. Embrafilme (Brasil) 2 Cinema - Indústria - Brasil 3. CinemaBrasil - Século 20 I. Título. II Série. CDD 791.430981 Cinema :: :: AGRADECIMENTOS Agnes Zuliani Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira Vera Achatkin Walter Tadeu Hardt de Siqueira 3 :: Acervo - IDART 30 Anos :: PREFÁCIO 4 A “Coleção cadernos de pesquisa” é composta por fascículos produzidos pelos pesquisadores da Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo, que sucedeu o Centro de Pesquisas sobre Arte Brasileira Contemporânea do antigo Idart (Departamento de Informação e Documentação Artística). Como parte das comemorações dos 30 anos do Idart, as Equipes Técnicas de Pesquisa e o Arquivo Multimeios elaboraram vinte fascículos, que agora são publicados no site do CCSP. A Coleção apresenta uma rica diversidade temática, de acordo com a especificidade de cada Equipe em sua área de pesquisa – cinema, desenho industrial/artes gráficas, teatro, televisão, fotografia, música – e acaba por refletir a heterogeneidade das fontes documentais armazenadas no Arquivo Multimeios do Idart. É importante destacar que a atual gestão prioriza a manutenção da tradição de pesquisa que caracteriza o Centro Cultural desde sua criação, ao estimular o espírito de pesquisa nas atividades de todas as divisões. Programação, ação, mediação e acesso cultural, conservação e documentação, tornam-se, assim, vetores indissociáveis. Alguns fascículos trazem depoimentos de profissionais referenciais nas áreas em que estão inseridos, seguindo um roteiro em que a trajetória pessoal insere-se no contexto histórico. Outros fascículos são estruturados a partir da transcrição de debates que ocorreram no CCSP. Esta forma de registro - que cria uma memória documental a partir de depoimentos pessoais - compunha uma prática do antigo Idart. Os pesquisadores tiveram a preocupação de registrar e refletir sobre certas vertentes da produção artística brasileira. Tomemos alguns exemplos: o pesquisador André Gatti mapeia e identifica as principais tendências que caracterizaram o desenvolvimento da exibição comercial na cidade de São Paulo em “A exibição cinematográfica: ontem, hoje e amanhã”. Mostra o novo painel da exibição brasileira contemporânea enfocando o surgimento de alguns novos circuitos e as perspectivas futuras Cinema :: das salas de exibição. Já “A criação gráfica 70/90: um olhar sobre três décadas”, de Márcia Denser e Márcia Marani traz ênfase na criação gráfica como o setor que realiza a identidade corporativa e o projeto editorial. Há transcrição de depoimentos de 10 significativos designers brasileiros, em que a experiência pessoal é inserida no universo da criação gráfica. “A evolução do design de mobília no Brasil (mobília brasileira contemporânea)”, de Cláudia Bianchi, Marcos Cartum e Maria Lydia Fiammingui trata da trajetória do desenho industrial brasileiro a partir da década de 1950, enfocando as particularidades da evolução do design de móvel no Brasil. A evolução de novos materiais, linguagens e tecnologias também encontra-se em “Novas linguagens, novas tecnologias”, organizado por Andréa Andira Leite, que traça um panorama das tendências do design brasileiro das últimas duas décadas. “Caderno Seminário Dramaturgia”, de Ana Rebouças traz a transcrição do “Seminário interações, interferências e transformações: a prática da dramaturgia” realizado no CCSP, enfocando questões relacionadas ao desenvolvimento da dramaturgia brasileira contemporânea. Procurando suprir a carência de divulgação do trabalho de grupos de teatro infantil e jovem da década de 80, “Um pouquinho do teatro infantil”, organizado por Maria José de Almeida Battaglia, traz o resultado de uma pesquisa documental realizada no Arquivo Multimeios. A documentação fotográfica, que constituiu uma prática sistemática das equipes de pesquisa do Idart durante os anos de sua existência, é evidenciada no fascículo organizado por Marta Regina Paolicchi, “Fotografia: Fredi Kleemann”, que registrou importantes momentos da cena teatral brasileira. Na área de música, um panorama da composição contemporânea e da música nova brasileira é revelado em “Música Contemporânea I” e “Música Contemporânea II” – que traz depoimentos dos compositores Flô 5 :: Acervo - IDART 30 Anos Menezes, Edson Zampronha, Sílvio Ferrraz, Mário Ficarelli e Marcos Câmara. Já “Tributos Música Brasileira” presta homenagem a personalidades que contribuíram para a música paulistana, trazendo transcrições de entrevistas com a folclorista Oneyda Alvarenga, com o compositor Camargo Guarnieri e com a compositora Lina Pires de Campos. Esperamos com a publicação dos e-books “Coleção cadernos de pesquisa”, no site do CCSP, democratizar o acesso a parte de seu rico acervo, utilizando a mídia digital como um poderoso canal de extroversão, e caminhando no sentido de estruturar um centro virtual de referência cultural e artística. Dessa forma, a iniciativa está em consonância com a atual concepção do CCSP, que prioriza a interdisciplinaridade, a comunicação entre as divisões e equipes, a integração de pesquisa na esfera do trabalho curatorial e a difusão de nosso acervo de forma ampla. 6 Martin Grossmann Diretor Cinema :: :: ÍNDICE Introdução 09 PARTE 1 André Gatti - Embrafilme: cinema brasileiro em ritmo de indústria 11 Embrafilme: um plano geral da empresa 11 1969: nasce a Empresa Brasileira de Filmes S/A 12 Gênese da estatal do cinema brasileiro 16 Embrafilme: as práticas para conquistar o mercado 18 Roberto Farias, cinema brasileiro em ritmo de aventura industrial 24 Organização e reorganização da distribuidora: mercado em ebulição 28 7 A consolidação da distribuidora: os primeiros blockbusters 38 Vendas externas de filmes brasileiros: a busca do mercado internacional 46 Embrafilme e o mercado: balanço do período 1971-1979 48 O desempenho da distribuidora de filmes (1980-1983) 60 Atuação da distribuidora Embrafilme em São Paulo 62 Atuação não comercial da Embrafilme: padronização de informações do mercado 64 Collor executa a reformulação do aparelho cultural estatal brasileiro 66 Filmografia Embrafilme 69 Notas 80 :: Acervo - IDART 30 Anos PARTE II Tunico Amâncio – Pacto Cinema e Estado: os anos Embrafilme 88 Luiz Gonzaga Assis De Luca – A estatal do cinema brasileiro (as 5 Embrafilmes) 8 102 Cinema :: :: INTRODUÇÃO A história da distribuição comercial é assunto novo na historiografia cinematográfica brasileira. A nossa tradição neste campo de estudo ainda engatinha em relação aos seus congêneres, como por exemplo a história da produção de filmes nacionais, onde temos estudos críticos, sociológicos, históricos etc. Entretanto, no aspecto da comercialização de produtos audiovisuais, apesar de já haver alguns esforços neste sentido, ainda se trata de um conhecimento a ser sistematizado com a finalidade de contribuir para uma reflexão sobre o assunto. Neste sentido caminha a idéia desta presente publicação, que pela primeira vez reúne pesquisadores que apresentam textos que enfocam o tema da Embrafilme. Existe uma clara tentativa de mostrar um olhar isento sobre um tema relativamente delicado que são as relações : Estado e cinema, isto em última instância. Nos estudos aqui apresentados, pode-se dizer que existe, um certo, privilégio em relação ao aspecto da comercialização, entretanto, sem que esqueçamos dos outros aspectos inerentes ao assunto. Mas é justamente o enfoque na comercialização que une os ensaios aqui constantes. Embrafilme e o cinema brasileiro vem a enfocar as várias e principais faces de uma empresa que se tornou a maior companhia distribuidora do cinema brasileiro de toda a sua história. Além de ter sido financiadora de substantiva parcela da produção do período da sua relativamente longa existência (1969 -1990). Neste presente trabalho existe uma tentativa de qualificar os períodos que marcaram o desenvolvimento da estatal do cinema pátrio no mercado cinematográfico nacional e internacional. Os três textos aqui apresentados são relativamente curiosos pelo fato de que dois foram escritos por pessoas que estiveram lá. Pois, tanto Luiz Gonzaga de Lucca quanto Tunico Amâncio foram funcionários da Embrafilme. Amâncio teve a oportunidade de trabalhar junto à poderosa Superintendência de Produção no seu momento mais rico, quando o cinema brasileiro deu um 9 :: Acervo - IDART 30 Anos grande salto de mercado. Depois desta experiência, Amâncio seguiu produtiva vida acadêmica junto ao Departamento de Cinema da Universidade Federal Fluminense. De Luca, por sua vez, também desenvolveu carreira acadêmica, entretanto sem deixar de atuar no mercado cinematográfico junto a importantes empresas como os grupos Sul e Severiano Ribeiro. Trata-se de um dos poucos executivos brasileiros, em atividade na área de comercialização com estas características. Estes dois olhares que são, ao mesmo tempo, interno e externo, cremos que se complementam com a visão do texto Embrafilme. André Piero Gatti Pesquisador e organizador 10 Cinema :: :: PARTE I :: EMBRAFILME: CINEMA BRASILEIRO EM RITMO DE INDÚSTRIA Nenhuma outra empresa do mundo, estatal ou privada, financiaria A idade da terra. Glauber Rocha :: EMBRAFILME: UM PLANO GERAL DA EMPRESA Entendemos que a trajetória da Empresa Brasileira de Filmes S/A (Embrafilme) pode ser dividida por fases bem caracterizadas pela sucessão de pessoas que ocuparam o cargo de diretor-geral ao longo da história da empresa. Destaca-se o fato de que essas personalidades, em grande parte, são responsáveis pela execução de uma política de atuação que estava baseada nos produtores de filmes brasileiros, que por sua vez encontravamse empenhados e articulados, politicamente, em dar um rumo industrial para a cinematografia brasileira. A Embrafilme, empresa de economia mista, em que a União aparecia como o maior acionista, se deparava com uma situação de vulnerabilidade maior do que qualquer outra companhia cinematográfica, apesar de seu porte e poder de intervenção no mercado. A Embrafilme estava sujeita às intempéries econômicas, o que aconteceria com qualquer outra empresa no mercado, e, também, às articulações e interesses políticos oriundos de setores da corporação do cinema nacional. Afinal, pelas dimensões que a empresa alcançaria, a mesma se tornou alvo da cobiça de vários grupos ou correntes de pensamento, fator que desestabilizava com freqüência o desenrolar normal da sua atividade fim, marcando-a por uma trajetória irregular num mercado controlado por interesses alheios ao cinema local. Tal situação é a principal marca histórica do período estudado. 11 :: Acervo - IDART 30 Anos :: 1969: NASCE A EMPRESA BRASILEIRA DE FILMES S/A Em sua primeira fase, a Embrafilme surgiu como um mero apêndice do Instituto Nacional de Cinema (INC), criada através do Decreto nº 862, de 12 de dezembro de 1969. O capital inicial foi integralizado através de uma dotação de NCr$ 6.000.000,00 (seis milhões de cruzeiros novos) que correspondiam a 600.000 ações, ao valor unitário de NCr$ 10,00. Sua composição acionária1era a União, representada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), com 70% das ações; os 30% restantes foram diluídos entre outras representações estatais. Seu primeiro diretor-geral, Durval Gomes Garcia, considerava a Embrafilme o instrumento que faltava para o grande desenvolvimento que o cinema nacional havia alcançado naqueles últimos anos não fosse estrangulado por carências de canais de escoamento2. 12 A criação da empresa, originalmente uma distribuidora de filmes brasileiros no mercado externo, embutia a idéia de desenvolvimentismo para a produção cinematográfica nacional, o que aconteceu ao atacar um dos seus pontos mais frágeis: o escoamento da produção. O artigo 20 do Decreto nº 862/69 dizia que: A Embrafilme tem por objetivo a distribuição de filmes no exterior, sua promoção, realização de mostras e apresentações em festivais visando à difusão do filme brasileiro em seus aspectos culturais, artísticos e científicos, como órgão de cooperação com o INC, podendo exercer atividades comerciais ou industriais relacionadas com o objeto principal de sua atividade3. Durval Gomes Garcia tinha um projeto que criaria: [...] um mecanismo para a exportação de filmes nacionais, a fim de recuperar um atraso de 20 anos em relação a outros países possuidores de indústria cinematográfica [...] não haverá qualquer espécie de limitação à liberdade dos produtores porque os serviços da empresa serão opcionais4. Cinema :: O Estado se esforçava para romper o anacronismo em que se encontrava a indústria cinematográfica brasileira em relação às indústrias estabelecidas nos países centrais, o que hoje pode parecer uma utopia, no entanto, naquele momento, era um fato bastante crível. Chama a atenção, na fala de Durval Garcia, a afirmação de que não haveria limitação à liberdade dos produtores. O motivo dessa colocação se deve ao fato de a Embrafilme ter sido criada através de decreto-lei pela Junta Militar5 sucessora do general Costa e Silva, numa clara tentativa de acalmar as expectativas negativas que tal fato poderia exercer sobre a classe dos produtores brasileiros. Afora o capital inicial, a empresa poderia contar com outras fontes de renda para integralizar seu orçamento e aumentar sua reserva econômica através das receitas próprias derivadas das atividades comerciais e industriais, explicitadas nos artigos 50, 60 e 70. Destaca-se o artigo 60, com a seguinte redação: As empresas titulares ou beneficiárias dos depósitos feitos na forma do art. 28 do Decreto-Lei nº 43, de 18 de novembro de 1966, terão o prazo de 60 dias, a partir da vigência deste decreto-lei, para apresentar ao INC o projeto destinado à realização de filmes, acompanhado da documentação indispensável ao exame do mesmo. Findo esse prazo, o valor registrado no Banco do Brasil S/A passará a crédito à Empresa Brasileira de Filmes S/A para a constituição de seu capital e sua receitavi. O artigo, um dos mais importantes na composição orçamentária da Embrafilme, obteve uma pertinente análise do jurista Teixeira de Mello: De acordo com a sistemática da liberação de recursos, disciplinados pela Res. INC nº 1/67, revogada pela Res. INC nº 22/68, para a produção de filmes nacionais de longa metragem na conformidade do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 43/66, eram exigidos do produtor nacional 50% do orçamento do filme a ser produzido, enquanto do produtor beneficiário do favor fiscal – importador ou distribuidor de filmes estrangeiros no Brasil – nada se exigia, já que a integralização do capital era feita com recursos pertinentes ao Erário, 13 :: Acervo - IDART 30 Anos 14 pois se tratava de imposto de renda retido na fonte e não recolhido aos cofres da União, mas nem por isso passível de ser utilizado a bel-prazer do seu depositante. O então conselho deliberativo daquela autarquia, ao regulamentar a aplicação do referido, ao invés de levar em conta os interesses do produtor brasileiro, baixou a Res. INC nº 22/68, que é um instrumento voltado exclusivamente para a defesa da economia dos importadores e distribuidores de filmes estrangeiros no Brasil. Ao contrário de mandar dividir igualmente os lucros obtidos com o empreendimento, podia aquele conselho optar por fórmula mais consentânea com os interesses brasileiros, distribuindo, por exemplo, a arrecadação da seguinte maneira: a) 30% para a firma representante no Brasil, de interesses estrangeiros; b) 20% para o Instituto Nacional do Cinema destinados a formar um fundo de financiamento de filmes nacionais; e c) 50% para a firma brasileira associada. Outra fórmula poderia ser a seguinte: a) 50% para o INC; b) 50% para a firma brasileira; e c) direito da firma, representante de interesses estrangeiros no Brasil, explorar livremente o filme no exterior. Adotada que fosse esta última fórmula, evitar-seia o que ocorreu com quase todos os filmes distribuídos no exterior e produzidos à época sob esse regime: o produtor nacional raramente se beneficiou com as arrecadações decorrentes da exibição do filme fora do país7. A legislação do cinema brasileiro girou, quase sempre, em torno da regulamentação da indústria e do comércio cinematográficos com a finalidade de financiar a produção de filmes. Uma prática comum era a renúncia, por parte do Estado, de impostos derivados da comercialização de filmes estrangeiros como principal instrumento dinamizador da indústria brasileira de filmes. Nesse período, houve uma clara tendência ao acirramento, cuja conseqüência maior foi a exacerbação do antagonismo entre os produtores de filmes brasileiros e os importadores e distribuidores de filmes estrangeiros. Havia uma contradição básica de que o cinema brasileiro para crescer deveria obter mais recursos para sua indústria, e, para tanto, o mesmo dependia umbilicalmente do bom desempenho do filme estrangeiro no mercado para alimentar a produção de filmes locais8. Cinema :: A respeito do decreto de criação da Embrafilme, o produtor-realizador Roberto Farias afirma que: [...] finalidade principal não expressa no decreto de criação da empresa era capitalizar o produtor nacional, aumentando-lhe os ganhos com uma nova fonte de receita, a do mercado externo – complementar –, e possibilitar à obra cinematográfica nacional, no mercado interno, maior competitividade com o produto estrangeiro9. Como sabemos, entre as principais atividades da Embrafilme estavam as de distribuir e divulgar o filme brasileiro, promovendo a realização de mostras e apresentações no exterior. Através desses expedientes, pretendiase que o cinema brasileiro alcançasse uma expressiva repercussão comercial internacional, pois, em termos artísticos e culturais, a produção nacional já obtivera um status diferenciado das cinematografias latino-americanas, como a mexicana e a argentina, que, ao contrário da cinematografia brasileira, eram ou foram bem-sucedidas no que se refere à comercialização internacional dos seus filmes. De acordo, com o editorial da revista Filme cultura: A Embrafilme, além de exportar filmes brasileiros, trabalhará por sua promoção no exterior, financiará a produção de filmes de alto valor cultural, artístico e científico e elaborará programas de desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional a serem executados em sintonia com as diretrizes do Instituto Nacional do Cinemax. Assim, desde seu nascimento, a empresa tinha o objetivo de alimentar a indústria de filmes no Brasil, apoiando a distribuição e a produção nacional. Essas tarefas também faziam parte do ideário do INC, e, naquele momento, o Estado acabava intervindo em duas entidades cujos objetivos se confundiam. Outras atividades cabiam à Embrafilme, por exemplo: difundir o filme brasileiro em seus aspectos culturais, artísticos e científicos em cooperação com o INC. A empresa deveria apenas colaborar com o seu preceptor, pois sua ligação com o INC era apenas formal e não orgânica, tanto que a extinção do INC seria apenas uma questão de tempo, já que a 15 :: Acervo - IDART 30 Anos tecnocracia cultural tinha outros projetos para a área cinematográfica. Durval Gomes Garcia, diretor-geral da empresa e ex-presidente do INC, considerado por muitos o principal articulador de bastidores para a criação da Embrafilme, contaria com expressivo apoio de Jarbas Passarinho, ministro da educação e cultura do governo Emílio Garrastazu Médici. Curiosamente, era nesse momento que se delineava, de maneira articulada, uma política cultural para o país, fato inédito entre nós. Existe um consenso de que a atuação do ministro Jarbas Passarinho na esfera cultural foi um apoio político muito importante, não somente para a criação da Embrafilme, segundo atesta o sociólogo Sérgio Miceli: 16 Na gestão de Jarbas Passarinho (1969-1973), foi criado o Plano de Ação Cultural (PAC), cujo objetivo ia além da abertura de crédito financeiro e político às áreas desassistidas pelos órgãos oficiais [...] tratava-se de uma tentativa de degelo em relação aos meios artísticos e intelectuais11. O projeto de implantação foi totalmente desenvolvido e estruturado sem a participação – ou a consulta – de vários segmentos da indústria envolvidos, como produtores, distribuidores e exibidores. Apesar de que se tratava de uma reivindicação relativamente antiga, basta lembrar que, na década de 50, o crítico Alex Vianny, no II Congresso do Cinema Brasileiro, inscreveu nos seus anais uma proposta para que o Estado brasileiro criasse uma empresa nos moldes da Unifrance12. Causou estranheza à “classe” cinematográfica a maneira como a empresa foi implantada, com a finalidade principal de divulgar e promover o filme brasileiro no mercado externo. Tratava-se de uma agência que apoiaria a inserção da produção brasileira no mercado internacional de maneira mais orgânica do que tinha sido feito até então. :: GÊNESE DA ESTATAL DO CINEMA BRASILEIRO A gênese de gabinete dessa primeira fase da Embrafilme foi alvo de críticas oriundas da classe cinematográfica e da imprensa brasileiras. Cinema :: Curiosamente, houve resistências de setores da direita e da esquerda sob alegação de que alguns não concordavam, ideologicamente, com o procedimento ou com a justificativa da sua criação por ferir os mais diversos interesses ainda que, no momento, a empresa não atuasse diretamente no mercado brasileiro. No entanto, no ano seguinte, poucos meses após a sua criação, passaria a ter sob sua tutela o programa de financiamento de filmes brasileiros de longa metragem anteriormente pertencente, sob todos os aspectos, ao INC13, fato que promoveu, direta e indiretamente, o fortalecimento do poder de atuação e intervenção da Embrafilme, que, assim, ampliava suas atividades. A partir de então, passaria a deter o poder de direcionar significativa parcela da produção cinematográfica brasileira de acordo com os seus interesses ou dos seus dirigentes, iniciando assim sua polêmica história de empresa produtora. A conseqüência direta da concentração de capital resultou no enfraquecimento político e econômico do INC, iniciando-se um processo de esvaziamento da autarquia, o que o tornou um mero órgão burocrático da indústria cinematográfica no Brasil. A partir desse momento, o eixo central da política cinematográfica se deslocaria para a Embrafilmexiv. Para se ter uma idéia da importância dessa linha de financiamento, somente na gestão de Ricardo Cravo Albin, 1970-1971, foram financiados 30 projetos de filmes de longa metragem apresentados por 22 empresas produtoras. Em meados de 1971, assume a direção-geral da empresa o embaixador Oswaldo Meira Pena, que interrompe o programa entre os anos de 1971 e 1972. Fatores externos também tiveram influência direta no futuro da empresa. Em 1972, entre 23 e 27 de novembro, na cidade do Rio de Janeiro, aconteceu o I Congresso da Indústria Cinematográfica Brasileira (ICICB) patrocinado pelo INC e preparado na gestão do brigadeiro Armando Tróia quando ainda dirigia a autarquia. Foram discutidos assuntos pertinentes à cinematografia brasileira de um modo geral, com temários específicos. O ICICB foi conduzido por Carlos Guimarães Mota Júnior, presidente em exercício do INC. No entanto, o resultado mais importante do congresso foi ter funcionado como uma espécie de plataforma política para o grupo de cineastas e produtores que almejavam deter o poder da Embrafilme, entre eles Luís Carlos Barreto e Roberto Farias. A plataforma dessa política está contida no documento Projeto Brasileiro do Cinema (PBC) endossado 17 :: Acervo - IDART 30 Anos pelos principais representantes dos produtores e dos realizadores de São Paulo e do Rio de Janeiro do período, como Alfredo Palácios, Walter Hugo Khoury, Luís Carlos Barreto, Roberto Farias, entre outros. O governo brasileiro apontava novas mudanças para o setor cinematográfico, tanto que, em fevereiro de 1973, o ministro Jarbas Passarinho nomeia comissão integrada pelo presidente do INC e pelo diretorgeral da Embrafilme, além de altos funcionários do MEC, para promover a reformulação administrativa do cinema brasileiro, com a criação do Conselho Nacional de Cinema (Concine)15 e a fusão do INC com a Embrafilme. Em 03 de outubro de 1973, assume a direção-geral da Embrafilme o ex-presidente do extinto Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Walter Graciosa, cuja tarefa principal era promover uma reestruturação técnica e administrativa na empresa, uma vez que não se encontrava material e humanamente16 preparada para realizar as novas tarefas atribuídas. Começa-se a sentir aqui a necessidade de uma agilidade maior no trato da gestão da empresa. 18 :: EMBRAFILME: AS PRÁTICAS PARA CONQUISTAR O MERCADO Ao longo da gestão de Walter Graciosa estará em pauta a discussão interna para a criação de um serviço profissional de distribuição de filmes brasileiros. Pouco antes de sua posse, em reunião de diretoria realizada no dia 06 de agosto, segundo o pesquisador Amâncio da Silva17, o assunto foi discutido: [...] tratam da criação da distribuidora, considerada conveniente ao desenvolvimento da cinematografia brasileira e cujo âmbito inicial seria junto aos exibidores da Guanabara e da capital de São Paulo, e que haveria seleção dos filmes, dentro dos critérios comerciais peculiares à distribuição em geral, buscando concorrer para o melhoramento das relações entre produtores, distribuidores e exibidores. Afirma-se que não deverá haver por parte da empresa qualquer compromisso em distribuir filmes só pelo fato de serem nacionais, mesmo os financiados18. Avizinhava-se a criação da distribuidora, já que havia unanimidade Cinema :: interna sobre o assunto, tanto que, em 27 de setembro de 1973, foi realizada uma assembléia geral que contou com a participação de acionistas, escalões superiores da Embrafilme e representantes do MEC, quando foi dada autorização para a empresa atuar na distribuição cinematográfica brasileira. A assembléia geral da Embrafilme, que optou pela criação da distribuidora, também definiu formalmente o perfil da empresa enquanto distribuidora comercial: Sugeria-se o máximo de desburocratização e plasticidade e reforçava-se seu papel não competitivo, mas essencialmente de apoio ao produtor nacionalxix. Os problemas burocráticos que a distribuidora enfrentaria não seriam poucos, pois o modelo gestor autárquico do INC era, em sua essência, burocratizado em todas as instâncias, enquanto a distribuidora precisaria de agilidade para desempenhar profissionalmente seu papel. Outro item que destacamos refere-se ao papel não competitivo que a distribuidora deveria assumir, que nos parece apenas uma formalidade para não assustar os distribuidores de filmes brasileiros, tanto que alguns se colocaram contra a criação da distribuidora, como veremos mais adiante. A característica não competitiva para uma distribuidora que pretende disputar espaço no mercado é algo impensável em sã consciência. O importante é que ela apoiaria o produtor brasileiro, certamente não todos, o que gerou descontentamento no seio da classe, um dos maiores pontos de fustigamentos públicos que a empresa sofrerá ao longo de sua trajetória. O pesquisador Amâncio da Silva afirma que nas atas de diretoria da Embrafilme constam: Novos esclarecimentos e a declaração de que a empresa só pensou em lançar-se na nova atividade no momento em que encontrou o Sr. Roberto Lupovich para implantar a distribuidora, pela sua respeitabilidade moral e experiência técnica. Colocada em votação, foi aprovada pelos acionistas presentesxx. 19 :: Acervo - IDART 30 Anos A tarefa de instalar o departamento de distribuição ficou a cargo de Roberto Lupovich, irmão do cineasta-ator Ronaldo Lupoxxi. 20 A indicação de seu nome para a direção do novo departamento se deu por ser considerado uma pessoa que conjugava duas qualidades básicas e necessárias ao desenvolvimento do trabalho: idoneidade moral e competência técnica. Além disso, havia uma clara articulação entre os setores organizados da cinematografia brasileira para a escolha de seu nome. A criação da distribuidora provocou distintas reações entre formadores de opinião e lideranças da classe cinematográfica. Um dos primeiros a se manifestar publicamente foi o produtor e distribuidor Oswaldo Massaini, que enviara um telegrama se opondo à criação do novo departamento. No fundo, o que o experiente Massaini temia era a criação de uma empresa que viesse a monopolizar a distribuição de filmes brasileiros, o que o atingiria diretamente22. Se, por um lado, produtores e realizadores, como William Khoury e Jece Valadão, se posicionaram a favor da nova atividade que a empresa passaria a desempenhar; por outro, um importante produtor-realizador da época, Pedro Rovai, num primeiro momento, posicionou-se contra por temer que a distribuição atrapalhasse ou prejudicasse as outras atividades mantidas pela empresa. Em reunião da diretoria executiva, em 28 de setembro de 1973, a distribuidora foi autorizada a operar com dois tipos distintos de contrato: um para filmes já produzidos e outro para filmes em produção, forma essa que passaria a ser mais um ponto de apoio econômico para os produtores cinematográficos, com a consagração de algumas práticas comerciais utilizadas internacionalmente23. Em 25 de outubro de 1973, foram decididas novas normas internas que afetavam diretamente a distribuidora, entre elas as que garantiam a distribuição nacional e internacional, com teto de Cr$ 250.000,00 por filme a título de avanço de bilheteria e aquisição de no mínimo 30% dos direitos relativos a cada obra. A partir desse momento, a distribuidora tinha claro o seu modus operandi, ou seja, a definição da operação comercial que manteria com os produtores cinematográficos. No final de 1973, no dia 19 de novembro, a diretoria executiva da Embrafilme propôs uma reformulação do orçamento da empresa, ”sobretudo em face do ingresso na atividade de distribuição de filmes”24. Cinema :: Na fase de implantação, a distribuidora será, inquestionavelmente, um elemento de custo extra para a Embrafilme, já que é necessária uma série de investimentos de porte, como aquisição de mobílias, telefones, automóveis, locação ou compra de imóvel, contratação de pessoal, entre outros. Contudo, os investimentos trouxeram uma recompensa para a empresa e para o cinema brasileiro como um todo. A criação da distribuidora foi responsável, em parte, por algumas mudanças na área de produção da Embrafilme. Em reunião da diretoria executiva, realizada no dia 28 de dezembro, aconteceu o seguinte: [...] a extinção do financiamento para acabamento de filme, uma vez que a Embrafilme, por sua distribuidora, possui melhores condições operativas para avaliar essa situação e proporcionar, quando for o caso, determinadas vantagens relacionadas com a ultimação do filme se lhe couber a distribuição respectivaxxv. Esse tipo de financiamento é bastante importante para uma produção pulverizada, como a brasileira, cujos produtores são descapitalizados e encontram sérias barreiras financeiras para finalizar suas obras cinematográficas. O primeiro filme comercializado pela Embrafilme foi um clássico do Cinema Novo, São Bernardo, de Leon Hirszman, que, de acordo com a revista Guia de filmes: Laureado com os prêmios de melhor atriz (Isabel Ribeiro) e melhor música no Festival de Santos de 73, foi o primeiro filme distribuído pela Embrafilme, tendo permanecido seis semanas em cartaz numa sala carioca, passando depois para circuitoxxvi. A distribuidora começou de forma bastante tímida, lançando a maioria dos seus filmes numa única sala. São Bernardo é um filme que podemos chamar de “difícil” comercialização, todavia, obteve um razoável resultado para a distribuidora no seu batismo de fogo, na primeira intervenção no mercado de distribuição e exibição de filmes em território brasileiro. Não se deve esquecer que a criação da distribuidora atendia aos pedidos da classe cinematográfica, manifestados no ICICB. Essa mesma classe homenageou aquele que foi considerado o “benfeitor” do cinema nacional, o ministro Jarbas Passarinho, dando seu nome 21 :: Acervo - IDART 30 Anos ao Prêmio Embrafilme. Segundo afirma o professor Amâncio da Silva: Roberto Farias (então Presidente do Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica) e Luís Carlos Barreto (pela Associação dos Produtores Cinematográficos), em memorial datado de 14 de fevereiro, propõem a mudança do nome do Prêmio Embrafilme para Prêmio Ministro Jarbas Passarinho. Tal atribuição honorífica se deve à especial atenção dedicada ao cinema brasileiro pelo senador, através do apoio ao I Congresso da Indústria Cinematográfica Brasileira, da viabilização do Projeto Brasileiro do Cinema atendendo à classe cinematográfica, tais como a redução dos juros de financiamento, criação da co-produção, da distribuidora, da realização de estudos que permitirão a criação de um órgão único do governo que centralizará as diretrizes da indústria, evitando distorções e pulverização de recursos financeiros e humanos. Por isso, sugere a adoção de seu nome ao prêmio oferecido pela Embrafilme aos filmes baseados em obras da literatura brasileira27. 22 A partir desse momento, nota-se uma clara aproximação entre os segmentos militares mais sensíveis à questão cultural, como afirma Amâncio da Silva: Tanto o coronel Jarbas Passarinho quanto o coronel Ney Braga, que o sucedeu no Ministério da Educação e Cultura, lideravam grupos de pressão bastante influentes junto aos órgãos encarregados do planejamento de recursos da União. E ambos foram os autores de inúmeras iniciativas na área cultural28. Dessa maneira, encontrava-se aplainado o terreno entre os militares e os setores mais influentes da classe cinematográfica brasileira, continua afirmando o pesquisador: O reconhecimento desse empenho por parte de alguns representantes da área cinematográfica fez selar simbolicamente um pacto firmado entre o cinema e o Estado, deixando entrever um canal sólido para a manutenção das conversações e a possibilidade de concretização de um horizonte histórico para o cinema brasileiro29. Cinema :: A partir do estreitamento das relações políticas entre os setores militares preocupados com a questão cultural e a direção da classe cinematográfica, as coisas caminhariam para um período em que tudo, ou pelo menos quase tudo, que os dirigentes desejassem, era passível de ser concretizado. Sem o apoio explícito do governo à atuação da Embrafilme, ela não teria o peso que teve sobre a formação da indústria cinematográfica brasileira. No período que vai de 1970 1973, a Embrafilme financiou 80 produções cinematográficas: 38 produtoras aparecem apenas com 1 filme, 11 com 2 filmes, 4 com 3 filmes e 2 com 4 filmes. Entre as produtoras que mais realizaram negócios estavam: RF Farias e LCB com 4 filmes cada, Magnus Filmes, Mapa Filmes, Cinedistri e Ventania com 3 filmes cada. O sistema vigente de financiamento à produção previa que os financiamentos dos filmes deveriam ser reembolsados à empresa após um período máximo de três anos com juros de 4% ao ano. Para realizar um trabalho com as condições mínimas de gerenciamento dos financiamentos e os devidos acompanhamentos jurídico-burocráticos era necessária uma estrutura que, realmente, a empresa não possuía. Daí generalizou-se um estado de inadimplência entre os produtores e a Embrafilme. Nesse período, através de sugestão do ministro Jarbas Passarinho, foi reformulado o Prêmio Embrafilme, que passaria a incentivar filmes baseados em obras literárias. Foi verdadeiramente um fato histórico, pois, pela primeira vez, o Estado brasileiro direcionava a produção temática de filmes. Os primeiros prêmios foram entregues em 26 de março de 1974 por Ney Braga, ministro da educação e cultura, grande incentivador da política da intervenção estatal no cinema e no mercado brasileiros. O sociólogo Sérgio Miceli tem uma posição bastante esclarecedora sobre o período e sobre o que iria acontecer: A gestão Ney Braga (1974-1978) foi um período de construção institucional, quando foram implantados o CNDA, o Concine, ampliação e reformulação da Embrafilme e da Funartexxx. Assim, pode-se afirmar com segurança que, de modo geral, a classe cinematográfica brasileira já encontrava algumas de suas reivindicações básicas atendidas, entre elas: obrigatoriedade de exibição, implantação da reserva de mercado, abundância de recursos financeiros destinados à produção etc. 23 :: Acervo - IDART 30 Anos :: ROBERTO FARIAS, CINEMA BRASILEIRO EM RITMO DE AVENTURA INDUSTRIAL A segunda fase da Embrafilme (1974-1985) iniciou-se com a indicação do diretor e produtor Roberto Farias, que: Na transição para o governo Geisel, os vínculos entre o cinema e o Estado se estreitam com a indicação do produtor-cineasta Roberto Farias para a direção geral da Embrafilme, em 07 de agosto de 1974, com o apoio explícito da classe cinematográfica31. 24 Há um certo exagero quando o autor afirma que Farias contava com apoio explícito da classe cinematográfica; alguns cineastas importantes e formadores de opinião, como Glauber Rocha, não concordavam totalmente com a indicação32. O certo é que Farias contava com o apoio explícito de importantes personalidades da cinematografia brasileira, como: Jarbas Barbosa, Herbert Richers, Jece Valadão etc. No dia 19 de agosto de 1974, o realizador, produtor e distribuidor cinematográfico Roberto Farias tomava posse no cargo de diretor-geral da Embrafilme. Ainda no mesmo ano, prepara o terreno para a distribuidora intervir no mercado de modo mais contundente, e realiza aquela que pode ser considerada uma das suas mais importantes e controversas ações, segundo o próprio: Em 1974, nós gastamos 14 milhões de dólares na compra de cópias de cerca de 850 filmes apenas para exibição no circuito normal, ou seja, sem considerar aqueles comprados para a TV33. Sob todos os pontos de vista, a operação é bastante suspeita, aparentemente feita a esmo, um dos pontos mais vulneráveis de sua administração. Primeiro, chama a atenção o número exagerado de títulos, talvez já exibidos comercialmente nas principais praças cinematográficas do Brasil34. Na prática, é claro que existe necessidade de a distribuidora Cinema :: manter uma reserva técnica de filmes, dado necessário para uma inserção mais ampla no mercado; o que nos causa estranheza é a quantidade. O segundo motivo é o valor, muito alto para um acervo praticamente improdutivo. As principais propostas da gestão de Roberto Farias estavam contidas no citado PBC (Projeto Brasileiro do Cinema), que previa uma reestruturação do aparelho cinematográfico estatal. O pesquisador Tunico Amâncio afirma que a política cinematográfica de Roberto Farias “seria uma gestão de transição de modelos gerenciais levados por seus respectivos grupos à risca [...]”xxxv As novas normas de co-produção de filmes são introduzidas e mudam, consideravelmente, o perfil da agência de fomento à produção porque a Embrafilme trocaria o antigo sistema do INC por uma avaliação que se embasava na chamada “qualidade global do projeto”. Fica evidente que o sistema utilizado pelo INC era, pelo menos, um pouco mais claro e objetivo porque diminuía as chances das muitas interpretações subjetivas de projetos cinematográficos que se encontravam em curso ou os que iriam se candidatar aos benefícios do sistema. Nessa nova fase da empresa, as normas obedeciam ao critério de se financiar até 30% do valor total de um orçamento que não poderia exceder o valor total de 2.200 salários mínimos vigentes. Também foram instituídas outras formas de apoio financeiro aos produtores, como a concessão de avanços de bilheteria sobre filmes brasileiros em distribuição para cinema e televisão no Brasil e no exterior. Assim, a Embrafilme passaria a contar com uma gestão mais profissional, inclusive apresentando um marketing muito mais agressivo. Entre 1970 e 1975, a empresa chegou a aprovar o financiamento de 106 filmes de longa metragem. No entanto, a grande ação política de Roberto Farias foi a aprovação da Lei nº 6.281, de 09 de dezembro de 1975, que ampliava os poderes da Embrafilme e extinguia o INC. Além disso, a lei previa a criação do Concine, órgão normatizador e regulador da atividade. Nesses novos tempos, a Embrafilme também obteve significativo aumento de capital, elevado para CR$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de cruzeiros). O orçamento da empresa 25 :: Acervo - IDART 30 Anos era composto de recursos, como dotações da União, contribuição advinda de taxa sobre título de filme para exibição, empréstimos, subvenções, produtos de multas, venda de ingressos e borderôs padronizados, juros e taxas de financiamento e parte do imposto de renda devido pelas empresas estrangeiras e pelos importadores de filmes impressos. Os principais foros deliberativos da empresa eram os seguintes: a assembléia geral e a diretoria executiva. Esta composta por três membros: diretor-geral, nomeado pelo presidente da República, diretor de operações não comerciais e diretor administrativo. No momento da implantação de novos rumos para a política cinematográfica brasileira, foi essencial o apoio dos ministros Ney Braga (educação e cultura) e João Paulo dos Reis Velloso (planejamento), este o responsável direto pela liberação de recursos necessários para o aumento de capital da Embrafilme, de suma importância para a realização das atividades de modo mais satisfatório. 26 Na nova conjuntura, a Embrafilme assumiria funções, patrimônio e pessoal do extinto INC, que, por sua vez, havia incorporado o antigo Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE). Por força de lei, a empresa abrigava no seu seio atividades culturais, industriais e comerciais. A multifacetação de atividades tornou o organograma complexo, e a máquina cara e pesada. A empresa deveria atuar nos seguintes setores do campo cinematográfico: a) co-produção, b) aquisição e importação de filmes, c) comercialização (distribuição e exibição de filmes no Brasil e no exterior), d) financiamento à indústria cinematográfica, e) promoção de filmes em festivais nacionais e estrangeiros, f) criação de subsidiárias, g) pesquisa, h) recuperação e conservação de filmes, Cinema :: i) produção, co-produção e difusão de filmes educativos, científicos, técnicos, e culturais, j) formação profissional, l) documentação e publicação, m) manifestações culturais. Havia uma dupla política no interior da empresa. De um lado, o setor industrial e toda sua complexidade; de outro, o setor cultural com as diferentes demandas que as distintas atividades exigem. A Lei nº 6.281/75 viria a sofrer duros ataques públicos através de campanha orquestrada, principalmente, pelos defensores da economia de mercado – distribuidores e exibidores de filmes importados. Outros segmentos cinematográficos não necessariamente alinhados à economia de mercado chegaram a ficar, por um breve período, contra a nova lei organizadora do cinema e do mercado brasileiros. Na nova conjuntura criada pela Lei nº 6.281/75, todos os setores da estrutura da estatal cinematográfica passariam por transformações e ampliações departamentais consolidadas apenas em 1978. Com isso, a Embrafilme teria na Superintendência Comercial (Sucom) e na Superintendência de Produção (Suprod) seus braços mais ativos, enquanto a Diretoria de Operações Não Comerciais (Donac)xxxvi responderia pela área cultural, com orçamento menor que o de outros setores. Na ocasião, a política de incentivo à produção cinematográfica brasileira sofreu profundas e radicais mudanças. A Embrafilme passou a agir como uma produtora de fato e a enfrentar o risco do negócio, deixando de lado a política de financiamentos. O slogan “cinema é risco”, cunhado por Farias, sintetiza os novos rumos da política econômica da Embrafilme, que se agregava à teoria da qualidade total do projeto. Sob o ponto de vista governamental, a ação desenvolvida por Farias era muito bem vista; para alguns administradores, a empresa era exemplo para outras ações na esfera cultural-federal: A Radiobrás, plano do governo formulado pelo ministro Portella, de economia mista. A primeira global para as estações de rádio Geisel, e a Embralivro, projeto foram concebidas como empresas deveria estabelecer uma política e televisão educativa em todo o 27 :: Acervo - IDART 30 Anos país, enquanto a segunda tencionava criar dois mil pontos de vendas de livros em todo o território, agilizando a distribuição, desde então diagnosticada como o principal gargalo industrial editorial. Ambas as empresas se inspiravam no bem-sucedido modelo organizacional da Embrafilmexxxvii. :: ORGANIZAÇÃO E REORGANIZAÇÃO DA DISTRIBUIDORA: MERCADO EM EBULIÇÃO 28 No que se refere ao organograma da empresa, a distribuição comercial de filmes ficaria subordinada à Sucom, comandada pelo cineasta e crítico Gustavo Dahl, apoiado pelos integrantes do grupo do Cinema Novo. Sua gestão na distribuidora representaria um avanço significativo para a distribuição do filme brasileiro, rompendo definitivamente o empirismo na comercialização de nossas obras cinematográficas. Nesse novo estágio, o primeiro filme comercializado foi a adaptação para o cinema da obra de Guimarães Rosa, Sagarana, com direção de Paulo Thiago. A distribuidora apresentará, por um bom período, um crescimento contínuo de seu faturamento, conforme atesta o diretor-geral, Roberto Farias: Meu antecessor, Walter Graciosa, começou a distribuidora [...] Como distribuidora, ela faturou em agosto do ano passado (1974), por exemplo, Cr$ 1.421.438,74. Este ano (1975), no mesmo mês de agosto, ela faturou Cr$ 7.331.321,48. Neste ano, através do Plano de Ação Imediata, nós tivemos recursos extras para a produção e estudo do mercado38. O início da distribuidora indicava um futuro bastante promissor para a comercialização dos filmes brasileiros que seriam acolhidos pela Embrafilme. Por outro lado, os produtores cinematográficos encontravam, pela primeira vez na história, uma empresa que inspirava mais confiança no trato do lançamento de seus filmes no mercado. Além disso, os produtores podiam confiar nos números apresentados, ao contrário do que acontecia antes, quando quase todos se sentiam lesados pelos distribuidores de filmes brasileiros. Por não se tratar de um órgão totalmente autônomo, a distribuidora deveria se sujeitar a outras normas internas da Embrafilme: Cinema :: Simultâneas à normatização da operação de co-produção, e tendo em vista a necessidade de conquista do mercado brasileiro para o filme brasileiro, e de atendimento à diversidade de interesses inerentes à atividade de produção cinematográfica, são instituídas normas para concessão de avanços sobre a renda de filmes brasileiros na distribuição, também com investimentos de até 30% de um orçamento aprovado. Dessa modalidade poderão se beneficiar os filmes co-produzidos pela Embrafilme ou projetos de filmes de longa metragem, ou filmes já com o copião montado ou cópia final, com as seguintes exigências para habilitação: para os filmes co-produzidos, aquelas iguais às da co-produção; para projetos, empresas com escritórios, empregados, equipamentos de produção, conceito firmado no meio e a média de produção de 2 ou 3 filmes anuais nos últimos dois anos. Para filmes em copião, se faz necessária a associação com outras empresas, dispensado o equipamento, mas com produção de, pelo menos, 2 filmes nos últimos 4 anos. Para cópias finais são exigidas apenas empresa do ramo com registro no INCxxxix. Nesse emaranhado de algumas das exigências burocráticas, percebese que a Embrafilme, através da sua direção, tinha como objetivo amparar um tipo específico de produtor, aquele já estabelecido, pois as restrições explicitadas eram medidas que, na prática, limitavam o acesso de jovens realizadores e produtores cinematográficos brasileiros, além de circunscrever a ação industrial da empresa. Outro fato que chama a atenção é que a Embrafilme poderia coproduzir um filme e depois pagar um adiantamento de receita para o mesmo produtorxl. Os dois tipos de apoios conjugados, co-produção e avanço de bilheteria, parecem, no mínimo, irracionais sob o ponto de vista do negócio, desde que praticados como regra geral. Essa metodologia de trabalho criaria um dos piores vícios do cinema brasileiro: o produtor poderia ter o orçamento total do seu filme bancado pela empresa, o que significava dizer que a Embrafilme, na prática, entraria com todo o risco do negócio. O produtor também poderia levar um bom naco do orçamento para o seu próprio bolso através do esquema de super- 29 :: Acervo - IDART 30 Anos faturamento de prestação de serviços e contratação de terceiros, como é sabido informalmente por quem se encontrava no circuito. A visão do então diretor-geral, Roberto Farias, sobre a distribuição de filmes brasileiros naquele momento obedecia à seguinte ótica: [...] havia uma série de distorções na distribuição, e as pessoas que assumiam um compromisso que não podiam pagar transferiam para o próprio Estado a culpa da inadimplência, já que não havia o cumprimento da lei de obrigatoriedade, ao lado de uma incompetência geral das distribuidoras – Difilm, Massaini, Ipanema – o sistema sendo acusado de monopolista [...]41 30 As distorções na distribuição devem-se ao primarismo com que a atividade até então tinha sido tratada, enquanto o estado de inadimplência referido por Farias devia-se ao fato de que inúmeros produtores não haviam efetuado os pagamentos relativos aos financiamentos de filmes obtidos junto ao INC e à própria Embrafilme. A distribuidora encontrava-se num período de plena ebulição, principalmente no que se refere ao estudo do mercado. A partir daquele momento, os produtores brasileiros poderiam aprofundar o conhecimento do mercado cinematográfico com bastante propriedade em função do que fora feito nesse sentido ao longo da trajetória da empresa. Até então, os únicos distribuidores que conheciam nosso mercado com profundidade eram os norte-americanos, que tinham uma memória crítica e estatística sobre a atividade desde 1915. De acordo com Amâncio da Silva: A adoção da co-produção com adiantamento de distribuição (CODIS)42 traz à tona, assim, duas idéias que vão ser características daquela gestão: o investimento, quando em bases societárias, passa a ser prioritariamente em filmes (por extensão, em seus realizadores e produtores); e a necessidade de agilizar a estrutura da distribuidora. A primeira providência foi criar no seio da empresa um departamento de mercadologia para proceder à análise de projetos e subsidiar a produção, seguida da dispensa do Sr. Ronaldo Lupovich, que manteve uma visão unilateral para a problemática do cinema contemporâneo, adotando critérios radicais para avaliação de filmes, não hesitando em Cinema :: depreciar o mérito das produções de renda duvidosa em detrimento do seu valor cultural. Dessa forma, a apreciação da distribuidora ficava reduzida ao aspecto mercantilista, em flagrante oposição às metas da Embrafilme. Essa posição intolerante, que acabou por se tornar intolerável, obrigava o diretor- geral a buscar equilíbrio no paradoxo: enquanto nos escalões superiores cabia-lhe explicar que só é possível conquistar o mercado interno dispondo-se de filmes de todos os gêneros, sem discriminações, por outro lado tinha que lembrar a seus subordinados, como o Sr. Ronaldo Lupovich, dentro da própria distribuidora, a responsabilidade cultural da Embrafilmexliii. No trecho, estão colocadas questões fundamentais para se compreender a real situação em que se encontrava a distribuidora. O conhecimento do mercado cinematográfico ou uma tentativa mais sistêmica de dominá-lo é premissa básica para qualquer política industrial e comercial com perfil competitivo. No entanto, o que mais chama a atenção é a necessidade expressa de agilizar a estrutura da distribuidora. Isto porque a partir do momento em que a Embrafilme passou a ser uma agência de co-produção, ou seja, uma produtora de fato e não apenas uma mera agência de financiamento de filmes, fazia-se necessário que a empresa prestasse mais atenção à comercialização dos seus filmes. Afinal, ao entrar no “risco do negócio”, a Embrafilme precisava supervisionar seus produtos com mais carinho e atenção, não podia se comportar como uma entidade fria, esperando ao final do mês os depósitos dos produtores na parte que lhe cabia. Mais seguro seria a empresa controlar a comercialização de seus próprios filmes, o que resolveu fazer através da sua própria distribuidora. A criação de um departamento de mercadologia seria necessária para que a distribuidora tivesse um embasamento mais crítico e científico a fim de avaliar a real possibilidade comercial de um filme no mercado cinematográfico brasileiro. Na prática, porém, os critérios de seleção de filmes para receberem apoio do sistema de CO-DIS eram, normalmente, mais de ordem política do que outra qualquer. Quanto à dispensa de Lupovich e suas atitudes antes relatadas, independentemente de competência ou não, presume-se que o posto era 31 :: Acervo - IDART 30 Anos cobiçado por setores não contemplados na divisão do bolo cinematográfico, só esperando uma oportunidade para voltar à carga. No relato da ata de reunião de diretoria há uma série de incongruências. Por exemplo, ao se criticar o rigor por parte de Lupovich na avaliação dos projetos que pretendiam apoio da distribuidora, como se tratava de dinheiro de impostos do contribuinte, pecar por excesso de zelo não seria nenhum crime, ao contrário, era preferível uma atitude rigorosa ao desleixo na utilização do dinheiro. Outro fato que chama a atenção refere-se à depreciação do mérito dos filmes de renda duvidosa. Um falso argumento, pois quase todos os filmes da Embrafilme eram de renda duvidosa, como o são quase todos os filmes produzidos pela indústria cinematográfica de um modo geralxliv. No tocante à “responsabilidade cultural da Embrafilme”, defronta-se aqui com um dilema permanente na trajetória da empresa, e que não dependeria de uma única pessoa. A razão mais plausível era que, para se conquistar o mercado, seria necessária uma grande oferta de filmes e de gêneros diferentes. 32 Sobre a organização da distribuidora, após a criação do departamento de mercadologia, autorizado a funcionar a partir de novembro de 1974, foram constituídas também uma gerência geral de administração e distribuição e uma gerência geral de operações e distribuição. Inicia-se, assim, uma integração da distribuidora com o corpo da empresa, aperfeiçoando o processo administrativo, modificando sistemas de relacionamento com as filiais e as representações, que já se estendiam por boa parte do território nacional. Antônio César, diretor administrativo, outro personagem histórico desse período, afirma que na distribuidora: Lá se faziam pareceres mercadológicos, estimativa de público e do custo do filme. Era complexo, um negócio meio empírico, mas foi o primeiro tom de que é preciso cuidar para que o custo tenha uma relação com o mercado. Gustavo era a parte intelectual da distribuidora, decidia o filme, o material de publicidade, tipo de propaganda etc. E daí que a coisa começou a se expandir. A Embrafilme produzia muito, co-produção, distribuição, ela fazia os filmes para a distribuidora que passou a ganhar uma feição mais moderna, mais de mercado, mais sofisticada. Entrava com peças promocionais mais ousadas, mais Cinema :: buriladas, mais caras. E com isso começou a ameaçar seriamente as distribuidoras privadas que não tinham capital para bancar a publicidade que ela bancavaxlv. Com o capital disponível, seria razoavelmente possível que uma distribuidora brasileira utilizasse os mesmos instrumentos e procedimentos mercadológicos das companhias norte-americanas, colocando a Embrafilme na vanguarda da distribuição comercial do filme brasileiro; no entanto, não era só isso. Continua César: Naquela época, já se usava o computador do INC, que por sua vez servia à Embrafilme. E que com a fusão passou a ser dela. Ela comandava os programas, queria saber freqüência de espectadores regionais, sazonalidade dos filmes, numa aferição de mercado [...] A distribuidora cresce e sofre uma reformulação: a gerência passa para Superintendência de Comercialização (Sucom) e o setor de produção, que analisava os projetos, entre aspas, de produção anexou-se a elaxlvi. Utilizando novas tecnologias, como a informática, e de posse de uma massa crítica de dados, a Embrafilme passaria a realizar estudos geodemográficos da indústria cinematográfica brasileira, que são a principal plataforma de pesquisa para a compreensão da indústria no período. Como já foi dito, o principal mentor da grande distribuidora foi Gustavo Dahl, de quem extraímos a seguinte reflexão sobre o período em que esteve à frente da distribuidora e sobre os problemas que a mesma enfrentaria durante sua trajetória: A idéia de se mudar a escala da distribuição no Brasil, de se fazer uma distribuidora nacional, coisa que até então só os americanos tinham, era uma idéia que deslocava o eixo das grandes distribuidoras tradicionais, como Jarbas Barbosa, Riva Farias. Todas as distribuidoras brasileiras em geral faliam por causa da necessidade de fazerem cópias, cartazes e fotografias para os filmes, o que era um investimento arriscado porque freqüentemente isso não se paga. Um órgão do governo poderia fazer 33 :: Acervo - IDART 30 Anos 34 isso [...] Os conflitos começaram quando a distribuidora, pelo próprio porte que atingiu, de um lado teve a necessidade de se tecnocratizar, de instalar controles de contabilidade, de produtividade de capital, de identificar quanto era repassado ao produtor, quanto era investido dentro dela mesma e tal. Havia a idéia que sempre houve, latente, de que o cinema brasileiro não agüenta os números. Por outro lado, chegou o momento no qual eu coloquei o fato de que o investimento maciço que estava sendo feito em produção não encontrava equivalente em comercialização[...] Não havia uma política de mercado, havia uma política de produção, independente de uma política de mercado [...] os filmes iam sendo produzidos dentro de uma perspectiva de aumento da produção, dentro de uma ideologia de que a quantidade geraria a qualidade, e iam se empilhando nas prateleiras, com pressão dos diretores para vê-los lançados. Quanto mais havia produção, como o mercado era finito, mais a produção fazia concorrência com ela mesma [...] ou você produz o que o mercado absorve ou cria condições no mercado para absorver a sua produção. Esse tipo de discurso foi muito mal entendido, na época; foi entendido como uma defesa do cinemão [...] Rio e São Paulo representam 70% do mercado brasileiro. Agora, o que é oneroso é a filial de Botucatu (SP) e a de Recife. Acontece que você não poderia manter uma estrutura nacional exatamente como ela é menos econômica e guardar para a atividade privada a parte econômica do mercado. [...] Houve uma deformação da ideologia, de um lado dentro da própria Embrafilme, e do lado de fora houve uma deformação da ideologia que é o negócio de não perceber com o mercado exibidor se restringindo como está e inserindo isso na tendência mundial, que o mercado se dirigia para grandes lançamentos de poucos filmes. Então, havia uma política de produção, uma reivindicação de produção independente, atomizada, que daria em liberdade de criação e emprego à mão-de-obra, mas que não se viabilizaria minimamente dentro das leis de mercado. Aí não há distribuidora que consiga reverter issoxlvii. Ao aplicar uma soma considerável de recursos na distribuição dos filmes da Embrafilme e estabelecendo-se em termos nacionais, o Estado passaria a concorrer diretamente com os distribuidores e seus representantes estabelecidos, fazendo com que a maioria deles desistisse Cinema :: de atuar no mercado de exibição, pelo menos com o filme brasileiro de longa metragem. Ao equiparar a distribuição do filme brasileiro à do filme norte-americano, a Embrafilme acabava se defrontando com uma armadilha: a escala econômica em que é trabalhada a comercialização pelos distribuidores norte-americanos. Eles sabiam que se perdessem o controle do mercado cinematográfico brasileiro a curto prazo, poderiam recuperá-lo a médio e longo prazo. Experiências similares enfrentaram os distribuidores norte-americanos na Europa, principalmente no período posterior à II Grande Guerra Mundialxlviii. Todavia, o que mais chama a atenção é uma certa irracionalidade interna predominante nas relações entre as próprias divisões da Embrafilme, notadamente a distribuidora e a produtora, que, às vezes, apontavam suas políticas de investimentos para campos opostos e conflitantes. Estimular em demasia a produção de filmes criava problemas intrínsecos à distribuição, que deveria fazer uma opção clara: separar o joio do trigo. Não deveria ser tarefa das mais fáceis, já que a Embrafilme, como um todo, não funcionava exatamente como uma empresa, sujeitando-se a pressões externas e internas, exercidas pelos grupos descontentes com as posições mercadológicas e de políticas culturais. Além dos problemas expostos, a Sucom ficou visada por suas atividades não exatamente de distribuição. Segundo Amâncio da Silva: O fato de a Superintendência de Comercialização (Sucom) vir acumulando atividades de produção e vendas ao mercado externo com aquelas específicas de distribuição, em alegada inadequação organizacional, faz com que se adote um plano diretor para a distribuidora, elaborado pelos Consultores Associados BrasConsult, em junho de 1977. O esquema de organização atribui ao superintendente da Sucom um papel mais político (envolvendo negociações, orientações gerais e supervisão das operações) do que propriamente operacionalxlix. É de fácil percepção que a distribuidora se agigantou demais para a própria Embrafilme, além de ocultar uma operação política, de maior envergadura por parte de Gustavo Dahl e de seu grupo político de apoio, 35 :: Acervo - IDART 30 Anos setores identificados com o Cinema Novo. Nesse mesmo plano diretor sugeria-se: 36 [...]maior flexibilidade e competitividade em termos de preço (por exemplo, distribuindo velhos filmes a custos baixos para, além de obter lucros marginais, ocupar mais o lugar dos outros e aumentar a própria presença no mercado), maior agressividade no enfoque mercadológico, atenção à qualidade competitiva, sem descuidar do aumento da produção, ativação do circuito de 2a linha (não lançador de filmes), autonomia operacional, necessidade de estruturação das 8 filiais (Rio, Belo Horizonte, Botucatu (SP), Curitiba, Porto Alegre, Recife, São Paulo, Salvador) etc. O plano diretor aponta ainda a necessidade de influência direta da distribuidora para que se tomem as decisões corretas em termos de produto (filmes) e mercado, pois é ela quem está diretamente em contato com o mesmo. Reconhece-se a capacidade do setor de produção para julgar o orçamento de um filme, com base na sua experiência acumulada, e reivindica-se à Sucom idêntico papel na decisão a partir do seu conhecimento do mercado e do desempenho comercial de filmes comparáveis [...] É claro que, por se tratar de produção de filmes sujeitos a apreciações de ordem artística e cultural, os critérios de natureza puramente comercial ou econômica serão fatalmente contrabalançados por análises essencialmente subjetivas. Por isso mesmo, a distribuidora deve estar aparelhada para contribuir nas decisões com dados de mercado confiáveis e aceitáveis em matérias artísticas quanto indesejáveis e prejudiciais no campo do conhecimento do mercadol. Como se observa no texto, quando os consultores da Brasconsult elaboraram o plano diretor, os mesmos fizeram algumas considerações pertinentes, mas bastante óbvias, caindo em lugares-comuns, por exemplo, as recomendações para que a Embrafilme explorasse os filmes velhos e o circuito de segunda linha. Além disso, a apreciação mercadológica assegurava à distribuidora, e principalmente à Sucom, uma grande parte do poder político da Embrafilme. O plano diretor ainda recomendava que: Cinema :: [...]as duas atividades (distribuição e produção) devem ser claramente definidas e separadas em linhas funcionais das outras atividades da Embrafilme, e que a atividade de distribuição deve ser estruturalmente guiada, filosófica e sistematicamente, para objetivos lucrativos, em vez de operar resignadamente (e até, em muitos casos, injustamente pressionada por produtores, para gastar muito em filmes de pouca qualidade), como um mero apêndice, forçado a distribuir filmes em cuja decisão de financiamento e co-produção não teve voz nem votoli. Depois que a direção do plano diretor tomou conhecimento das recomendações, Amâncio da Silva afirma que: A partir daí, algumas alterações se darão dentro da Superintendência de Comercialização, que será reformulada e instalada convenientemente em outro prédio. Dela se separam o mercado externo e de produção. Absorvese um departamento de curta-metragem (distinto do departamento de filme cultural, no âmbito da Diretoria de Operações Não Comerciais) e criam-se as supervisões regionais. E é principalmente a partir daí que a combinação produção-distribuição, até então indisciplinada ao adquirir contornos políticos definidos, vai promover internamente o estabelecimento de linhas de choque muito claras, que vão se explicitar publicamente quando da sucessão de Farias, em 1979lii. Em função de tantos choques e incompatibilidades entre as duas áreas mais importantes da empresa, talvez fosse mais lógica a criação de uma empresa subsidiária voltada exclusivamente para a distribuição comercial de filmes, com maior independência em relação às políticas praticadas pela produtora. No entanto, segundo Antônio César, a situação política era a seguinte: Gustavo achou que a produção e a distribuição deveriam ser coisas independentes. Achou porque na cabeça dele a empresa se viabilizaria pela distribuidora, e que toda a campanha dele ao cargo de diretorgeral estaria dentro da distribuidora e não dentro da produtora – muito inteligentemente. Com a produção é muito mais difícil você lidar do 37 :: Acervo - IDART 30 Anos que fazer o brilho da distribuição – botar o cartaz na rua, botar o filme com luzes na fachada, era muito mais fácil do que dizer não a um filme de um amigo dele. Ou não amigo, não importa [...] A posição da distribuidora nesse ponto era mais cômoda, porque tinha muito dinheiro; tendo muito dinheiro era só botar o brilho. Vestia bem, dentro da sua proporção, todos de uma forma digna – todos eram muito bem apresentados, desde os filmes de Julinho Bressane até o Dona Flor. Cada um com boa roupagem, boa publicidade, então a política era essa – a Embrafilme era a distribuidora, nitidamente uma distribuidoraliii. 38 O entrevistado relata uma série de questões políticas importantes naquele momento, porém o que mais interessa é a situação privilegiada da distribuição em relação à produção. O privilégio é próprio da atividade do distribuidor porque, se colocar um filme em cartaz e o mesmo não render o esperado, basta que ele troque o filme em exibição por outro título disponível. Normalmente, o produtor explora seu filme ad nauseum. Mesmo que o filme não se saia bem, para ele é muito melhor que nada, melhor do que vê-lo nas prateleiras da distribuidora aguardando novas locações. :: A CONSOLIDAÇÃO DA DISTRIBUIDORA: OS PRIMEIROS BLOCKBUSTERSliv O biênio 1975-1976 pode ser considerado o período em que a distribuidora se estabeleceu de forma definitiva no mercado cinematográfico brasileiro, pois a Embrafilme encontrava-se operando em escala nacional, lançando seus filmes nas principais cidades e capitais brasileiras. Nessa fase, o Rio de Janeiro foi a cidade mais aquinhoada com lançamentos de filmes nacionais. No entanto, percebe-se uma tendência à interiorização dos lançamentos nacionais em cidades discrepantes como Juiz de Fora (MG), Salvador, São Vicente (SP) ou Guaratinguetá (SP), com uma média de 4 cópias por filme lançado. A maturidade empresarial e comercial da distribuidora começaria a ser sentida com o lançamento do filme Dona Flor e seus dois maridos, produção de Luís Carlos Barreto. O filme se transformou no maior sucesso de bilheteria da cinematografia brasileira Cinema :: ao alcançar mais de 11 milhões de espectadores durante sua carreira comercial, também responsável pela ampliação da rede de fiscalizaçãolv das salas de cinema e pela criação da chamada Lei da Dobralvi. 1976 pode ser chamado: [...] o ano delimitador de uma posição considerada vantajosa com relação ao mercado. É naquele ano que se verificam, entre outros, os lançamentos de O rei da noite, Lição de amor, O casamento, O desejo, Aleluia Gretchen e principalmente Xica da Silva e Dona Flor e seus dois maridoslvii. A partir daquele momento, considerado um ano excepcional, a Embrafilme passava a integrar o rol das grandes distribuidoras no mercado brasileiro. Xica da Silva e Dona Flor perfizeram, ao longo de suas carreiras comerciais, mais de 15 milhões de espectadores, caracterizando-se como os primeiros blockbusters da história da distribuidora. Os outros filmes também ajudaram a habilitá-la como o principal instrumento de comercialização no período áureo do cinema brasileiro. Com esses filmes, a Embrafilme superou todos os recordes estabelecidos pelas empresas brasileiras, como a UCB, a Ipanema ou a Cinedistri. Inicia-se a implantação de um sistema de fiscalização das salas de exibição a fim de controlar a receita dos filmes em circulação; sistema responsável por um retrato mais apurado do desempenho dos filmes brasileiros no mercado exibidor. O pesquisador Amâncio da Silva conta como foi a institucionalização da atividadelviii: Embora fosse uma atribuição do Concine, a Embrafilme, através de convênio com o conselho (publicado no Diário Oficial de 10 de setembro de 1976), assumiu a atividade em função da sua agilidade administrativa para contratar fiscais, pagar diárias etclix. A fiscalização consumia um aporte de recursos com que nem todas as distribuidoras brasileiras tinham condições de arcar. O ex-diretor-geral da Embrafilme, Roberto Farias, expõe sobre a atuação da distribuidora nesse momento: Os filmes davam dinheiro, pagavam a publicidade, as cópias, os investimentos 39 :: Acervo - IDART 30 Anos e davam lucro enquanto distribuidora. E isso fazia um giro de capital para a Embrafilme [...] Isso ocorria por causa do mercado controladolx. Conclui-se que algumas ações conjuntas, como a cota de tela, a Lei da Dobra e as ações de fiscalização foram as responsáveis pelo extraordinário desempenho que o cinema brasileiro obteve nesse período. O que Roberto Farias não afirmaria ou não admitiria é que, ainda no âmbito da distribuidora, seu perfil econômico-financeiro fosse bastante complexo, sem personalidades jurídicas distintas para a produtora e para a distribuidora, tornando a tarefa bastante espinhosa. Talvez fosse preciso ter acesso aos balanços da Embrafilme para afirmar taxativamente, como faz o ex-diretor-geral. 40 A dúvida surge do fato de a distribuidora, nos lançamentos de filmes nesse período, ser bastante perdulária com publicidade, contratação de assessorias de imprensa, confecção de grande número de material dos filmes (cartazes, fotos, press-kits etc.), fatores que, aliados ao baixo faturamento por filme distribuído, produziam, na média, resultados financeiros negativos. Talvez o maior ganho da distribuidora residisse nos casos em que a produção brasileira tenha chegado a ocupar 30% do mercado cinematográfico, percentual que a Embrafilme ajudou a gerar. Os casos de sucesso do cinema brasileiro e da Embrafilme não passariam incólumes pelos agentes do mercado, principalmente por distribuidores e exibidores. A concorrência começava a sentir-se incomodada. As ações regulamentadoras e fiscalizadoras desenvolvidas conjuntamente pelo Concine e pela Embrafilme passariam a enfrentar a fúria dos exibidores contrários a qualquer tipo de controle de sua atividade, como uso de ingressos e de borderôs padronizados, catracas e informatização das bilheterias das salaslxi, chegando ao ponto de gerar um stress interno e externo. Enquanto isso, os produtores-distribuidores americanos não perdiam tempo, operando no campo diplomático através do seu porta-voz, Jack Valenti, que se posicionou radicalmente contra as novas resoluções legais graças ao ideário do cartel MPA-MPEA, bastante conhecido por sua atuação na defesa dos interesses do cinema norte-americano. Ao que tudo indica, a gota d’água do estremecimento das relações com as produtoras-distribuidoras norte-americanas foi a regulamentação do recolhimento compulsório de 5% sobre a renda de filmes Cinema :: estrangeiros a título de pagamento do filme de curta metragem brasileiro, intervenção feita através da Resolução nº 18lxii, de 24 de agosto de 1977. Vejamos a posição de uma testemunha da história, Dario Correia, assessor jurídico da Embrafilme: Isso era tão importante que, na ocasião em que o Concine regulou a disposição que criava a resolução do curta-metragem, veio ao Brasil o presidente da Motion Pictures na tentativa de obter uma audiência com o presidente da república e o ministro da educação. Os produtores nacionais foram a Brasília e conseguiram, com o apoio de Ney Braga, vetar o êxito de Jack Valenti, que então se reuniu no Hotel Nacional com Roberto Farias, Luís Carlos Barreto, Jabor. [...] O problema dele não era o longa, era o curta, uma cunha, numa de identidade cultural [...] Então, o Concine e a Embrafilme passaram a atuar na distribuição e na co-produção, que, por uma política sempre de desenvolvimento, exigiam recursos bem mais substanciaislxiii. Jack Valenti chegou a reunir-se com o ministro da educação e cultura, Ney Braga, pedindo a revogação da obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais, sem sucesso. Sobre as conseqüências da “visita” de Jack Valenti ao Brasil, as palavras de Glauber Rocha foram esclarecedoras sobre a situação em que se encontrava a comercialização de filmes no país: Paulo Emílio libertou o véu de uma sutil contradição no processo colonizatório do século XX, surpreendente variante até hoje ignorada pelos economistas “literários”, aqueles que vão descobrindo a dialética do Produto Áudyo Vizual (sic) e ignoram a superestrutura da colonização cultural veiculada pela lavagem cerebral publicitária e filozofika (sic) do consumidor ocupadolxiv. Para sanar o problema, várias e infrutíferas tentativas diplomáticas foram feitas, inclusive cartas às mais altas autoridades do país. O conteúdo de uma das últimas, do presidente da MPA-MPEA, Jack Valenti, 41 :: Acervo - IDART 30 Anos ameaçava o Brasil com sanções econômicas no campo do comércio exterior, principalmente no setor dos calçados, item dos mais importantes na pauta das exportações locais. O curta-metragem também se mostrou outro ponto de atrito no comércio cinematográfico, segundo Carlos Calil, por: 42 [...] dois motivos: era operacionalmente complexa a distribuição dos curtas conforme determinava a resolução do Concine principalmente porque a distribuição estimulava o conflito da distribuidora com os exibidores, prejudicando o mútuo relacionamento, com reflexo nos lançamentos dos longas-metragens da empresa. Mas a questão era, antes de tudo, econômica. A política do curta-metragem tinha se valido do artigo 13 da Lei nº 6.281/75, que determinava que todo longa-metragem estrangeiro deveria ser acompanhado por um filme de curta metragem brasileiro. A resolução do Concine que a regulamentou, numa atitude temerária, fixou a remuneração do curta-metragem em 5% da renda bruta do cinema! Era uma medida impensada, que gerou um enorme conflito entre produtores de curta, exibidores e distribuidores de filmes estrangeiros, com fortes componentes políticoslxv. Em função da legislação, a Embrafilme tinha por obrigação amparar o filme curto, problema que só viria a ser sanado na gestão de Celso Amorim, continua Carlos Calil: A política do curta-metragem não estava inicialmente entre as atribuições da Donac, mas vinculada à Superintendência de Comercialização, a distribuidora da Embrafilme, mas, diante dos conflitos suscitados pela aplicação prática da resolução do Concine, o diretor-geral repassou à Donac o problema do curta-metragemlxvi. Carlos Calil desenvolve seu raciocínio sobre o assunto da seguinte maneira: Os documentaristas imaginaram um dispositivo por meio do qual retirariam 5% da renda bruta do borderô para financiar sua atividade de caráter cultural. Mas 5% da renda bruta é muito dinheiro! A primeira Cinema :: reação veio do cinema estrangeiro e dos seus aliados, inclusive alguns exibidores procuraram desacreditar a produção exibindo, propositadamente, filmes de curta-metragem verdadeiramente ruins. Com isso, indispunham o público e a imprensa contra a medida. Por outro lado, o exibidor fingia contrariedade porque o seqüestro era da renda bruta. E assim, sem as despesas de manutenção das salas, que ele normalmente abatia antes de dividir com o distribuidor, a renda líquida ficava de sua exclusiva responsabilidade. Por isso, ele fingia estar contrariado, mas, na verdade, como comprava os curtas-metragens a preço irrisório, de fato, ganhava muito dinheiro em cima da renda dos distribuidores estrangeiros. A grande ironia é que os cineastas brasileiros não ganhavam nada. Na medida em que os exibidores perceberam que a resolução poderia beneficiá-los, pois lhes oferecia uma mina de ouro, passaram a adotar um comportamento ambíguo. Para efeito externo, apoiavam a luta dos distribuidores estrangeiros contra a resolução do Concine, mas, na prática, dela se beneficiavam. Produziam filmes de baixo custo ou compravam curtas prontos por valor irrisório e lançavam-nos em seus próprios circuitoslxvii. Fica claro que a categoria dos exibidores dizia-se a favor das leis de mercado, portanto, contra qualquer tipo de protecionismo ao produto cinematográfico brasileiro, mas esses mesmos comerciantes foram os que maior proveito tiraram de todas as brechas legais. A categoria atuou de forma bastante oportunista, comprando ou produzindo filmes de curta metragem que lhes garantiam 5% da arrecadação bruta de suas próprias salas, avançando sobre uma parcela significativa da receita de filmes estrangeiros, notadamente os americanos. Carlos Calil prossegue afirmando: Na prática, tinham transformado o curta-metragem numa indústria. Para decepção dos documentaristas, quem se beneficiava dessa medida era o exibidor, que, amparado pela resolução, seqüestrava 5% da receita bruta do seu sócio, o distribuidor estrangeirolxviii. A lição foi que a intervenção estatal e legal no mercado cinematográfico deveria obedecer a uma racionalidade eqüidistante, fato impossível de se 43 :: Acervo - IDART 30 Anos impor na prática. Os agentes do mercado encontrariam muita dificuldade em assimilar compulsoriamente tais intervenções. Dario Correia, ex-dirigente da Embrafilme, tem a seguinte e correta visão: 44 [...] a briga em geral era contra os exibidores que se insurgiram porque não queriam ter suas rendas descobertas nem pagar aos produtores o percentual de filmes. Mais do que isso, eu descobri, o medo deles era contra as multinacionais porque elas situavam, localizavam e classificavam os cinemas pela performance das rendas. Então, vários cinemas com renda muito grande frente às distribuidoras estrangeiras tinham uma classificação inferior. Com a fiscalização da Embrafilme, eles passaram a ter uma renda aparente revelada e com isso subiam de classificação frente aos distribuidores estrangeiros que cobravam mais deles, [...] você ia ter a renda dos estrangeiros, a quem não interessava tê-la revelada não só para efeito de remessa como também para efeito de... não sei, eles não tinham interesse em que a renda fosse revelada. Enquanto a gente estava fiscalizando só o longa nacional, tudo bem. Mas quando começamos a fiscalizar a renda do filme estrangeiro para ter a participação do curta nacional, detonou toda essa retaliação judicial. Foi um número enorme de mandados de segurançalxix. O curioso é que os distribuidores de filmes importados acabaram se beneficiando dessas medidas, pois tiveram acesso à real receita das salas de exibição, principalmente as mais distantes dos grandes centros urbanos, que dificultavam às distribuidoras o exercício de fiscalização. Por sua vez, esses exibidores foram obrigados a pagar mais caro para obter filmes dessas mesmas distribuidoras. Apesar do bom desempenho comercial de distribuição da Embrafilme, entre 1976 e 1977, alguns filmes co-produzidos por ela enfrentaram sérios problemas com a censura federal, entre eles Crônica de um industrial,lxx de Luiz Rosemberg Filho; Loucuras de um sedutor, de Alcino Diniz, com exibição suspensa nos cinemas brasileiros, e Morte e vida severina, de Zelito Viana, cujo certificado de exportação foi vetado. Esse tipo de problema era comum e aumentaria as contradições com o regime militar. A distribuidora era a parte mais afetada; alguns investimentos, necessários ao lançamento dos filmes em Cinema :: território brasileiro, eram prejudicados por adiamentos imponderáveis. Com a publicação, em 24 de maio de 1978, do Decreto nº 6.533, foi realizada uma ampla reforma estatutária, responsável pela redefinição de cargos, funções e atribuições departamentais, com diferentes instâncias de decisão, transformando a Embrafilme numa entidade mais complexa do que já era em termos administrativos. O decreto inchou a máquina, aumentou os custos de manutenção e de pessoal da empresa. Nesse período, foram contratados para distribuição velhos filmes de baixo custo, como Brasil, ano 2000, de Walter Lima Júnior; A opinião pública, de Arnaldo Jabor; O anjo nasceu, de Júlio Bressane e O padre e a moça, de Joaquim Pedro de Andrade, que receberam pequenos adiantamentos em função de uma receita futura incerta. Inquestionavelmente, o núcleo de cineastas e produtores privilegiados, dentro da empresa, era ligado ao cinema carioca, já que se tratava de filmes que poderiam ser exibidos somente em mostras específicas, em salas de caráter cultural ou em salas comerciais como filmes em reprise. A gestão de Roberto Farias se encontrava, no seu período final, coroada de êxitos, segundo o veterano produtor-distribuidor Jarbas Barbosa, em um balanço bastante positivo: Aqui começa o momento de glória do cinema brasileiro. Quando Farias assume a direção, descobre que a Embrafilme tem dinheiro, muito dinheiro [...] A partir desse momento, começam a recuperação e o crescimento da Embrafilme [...] Roberto Farias, sua gestão, estou dizendo, se ocupa em fortalecer o mercado interno como meta principal, não apenas com a fiscalização dos cinemas, que era fundamental e estava bem desenvolvida, mas também se apoiando no tripé: distribuição/divulgação/exibição. Herbert Richers vende a distribuidora Ipanema, que nós tínhamos desenvolvido anos atrás. Com administração perfeita, o esquema começa a render lucros extraordinários como jamais se viram no cinema nacional. Aumentou o espaço físico, contratou-se pessoal especializado para cada setor e desenvolveu-se marketing nacional e internacionallxxi. 45 :: Acervo - IDART 30 Anos Ainda em 1978, a Embrafilme lança o filme Dama do lotação, de Neville D’Almeida, o segundo maior sucesso de bilheteria e também o segundo de toda a história do cinema brasileiro. A exemplo de Dona Flor..., Dama... foi estrelado por Sônia Braga e tinha argumento adaptado de crônica de Nélson Rodrigues. O filme foi lançado simultaneamente em 40 cidades brasileiras e acabou vendendo mais de 7 milhões de ingressos no transcorrer de sua carreira comercial. Ao que tudo indica, Dama do lotação comportou um dos lançamentos mais caros da história da Embrafilme. Apesar do enorme sucesso de bilheteria, revelou-se um filme deficitário para a empresa ao se computarem os investimentos integralizados na produção e no lançamento. Idiossincrasias do gênero foram responsáveis pela má reputação que a Embrafilme angariou entre os setores formadores de opinião daquele tempo. A fama de perdulária acompanharia a empresa pelo restante de sua trajetória. :: VENDAS EXTERNAS DE FILMES BRASILEIROS: A BUSCA DO MERCADO INTERNACIONAL 46 Na gestão Roberto Farias, a Embrafilme estabeleceu uma campanha agressiva de venda de filmes brasileiros para o exterior. Na verdade, somente naquele momento a Embrafilme se encontrava plenamente madura para realizar sua primeira atribuição legal: distribuir e divulgar o filme brasileiro no exterior; alcançando mercados de países periféricos e de países centrais. O mais importante foi que se estabeleceu um sistema dinâmico agressivo de venda, tanto para a televisão quanto para a exibição em salas de cinema. Várias estratégias foram utilizadas no intuito de estabelecer o filme brasileiro no mercado externo, desde a instalação de duas representações da Embrafilme em Paris e Nova York até uma política para inserção do filme brasileiro em festivais internacionais. Nosso cinema nunca vira tantos prêmios internacionais na sua história, o que ajudava a divulgação do produto brasileiro internacionalmente. Ao final da década de 1970, a Embrafilme já era a mais importante empresa distribuidora brasileira e uma das maiores em faturamento no país. Sua inserção no mercado aconteceu de forma programada e apoiada em fortes esquemas promocionais, investindo em massa no lançamento dos filmes. Entretanto, também se tornaria ponto de atrito em relação à direção-geral Cinema :: e à Suprod (Superintendência de Produção), gerando um problema de ordem política, já que a visibilidade da distribuidora eclipsava as outras atividades da empresa e, ao mesmo tempo, fortalecia a figura de Gustavo Dahl, que sonhava dirigir a estatal do cinema. Com a Suprod, a raiz do problema residia no fato de a distribuidora simplesmente não se propor a distribuir todos os filmes produzidos pela empresa, criando atritos entre as áreas de produção e distribuição. Nesse momento, a Embrafilme alcançara uma média de filmes lançados por ano que ela não repetiria pelo resto de sua trajetória comercial; mesmo assim, manteve alguns títulos considerados improdutivos em suas prateleiraslxxii. Na nova etapa da empresa, a “classe” havia se dividido basicamente entre três candidatos: Gustavo Dahl, Jece Valadão e Roberto Farias para suceder este último, que chegou a ser reconduzido ao cargo entre agosto de 1978 a abril de 1979. Mas o escolhido foi o diplomata Celso Amorim, empossado em abril de 1979, que não era cineasta nem produtor cinematográfico. A escolha foi fruto de problemas políticos gerados no seio da própria “classe cinematográfica”. Na época, o curta-metragem transformar-se-ia em um grave ponto de atrito da distribuidora com os segmentos internos do comércio, problema que se arrastava fazia alguns anos. O então diretor de operações não comerciais Carlos Calil afirma que: Os cineastas de curta-metragem estavam muito envolvidos nesse processo que consideravam uma vitória exclusiva deles e não tiveram suficiente maturidade para perceber sua real posição no jogo político, no qual, evidentemente, eram a parte mais frágil. Havia muito sectarismo; sendo o governo autoritário, tudo de mal lhe era atribuído, mesmo que as evidências apontassem em sentido contrário: nesse episódio, por exemplo, a participação do governo Geisel foi inequivocamente solidária com os interesses dos produtores de curta. Mas sua radicalização, exigindo da Embrafilme uma ação além de seus poderes, pois contrariava procedimentos tradicionais no comércio do cinema, fez com que se estabelecesse um conflito entre a empresa 47 :: Acervo - IDART 30 Anos e os documentaristas. A Embrafilme, com bom senso, sugeria uma redução na percentagem, tirando dela esse caráter de “indústria” e afastando desse modo a ganância do exibidor; defendia ainda que a percentagem incidisse sobre a renda líquida e, principalmente, que se estabelecesse uma seleção dos filmes que poderiam se beneficiar desse mecanismo. Isso foi considerado pela ABD uma censura de estado, e as relações se azedaramlxxiii. :: EMBRAFILME E O MERCADO: BALANÇO DO PERÍODO 1971-1979 As gestões que passaram pela empresa, inclusive a de Roberto Farias, podem ser melhor avaliadas através do quadro abaixo, no qual identificamos elementos significativos: Tabela Público de Filmes Brasileiros 48 Ano Público Total Público Embrafilme %(*) 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 28.082.358 30.967.603 39.815.445 30.665.515 48.859.308 52.046.653 50.937.897 61.854.842 55.836.885 2.837.093 4.641.502 2.673.724 6.803.153 6.324.268 13.944.515 14.778.952 21.790.564 13.375.724 12,28 16,12 10,95 27,80 14,69 29,71 33,03 37,99 25,02 Total 399.066.506 87.169.495 28,67 (*) O percentual refere-se ao total da arrecadação de filmes brasileiros produzidos e/ou distribuídos pela Embrafilme. Fonte: A produção cinematográfica na vertente estatal, p. 69. Ao se considerar que a distribuidora realmente se estabeleceu a partir de 1975, já que antes, entre 1973-1974, ela funcionava de maneira precária, nota-se um avanço da participação das produções da Embrafilme no mercado, o qual manteve uma média histórica de produção. Portanto, Cinema :: o avanço dos filmes no bolo da receita pode ser compreendido como o esforço bem-sucedido na distribuição de seus próprios filmes. Ainda nesse período, houve um crescimento real da receita do filme brasileiro, como se observa na tabela de arrecadação de bilheteria no Brasil no período 1974-1979. Tabela Receitas de bilheteria (1974-1979) Ano Filme brasileiro(*) Filme estrangeiro(*) 1974 1975 1976 1977 1978 1979 13.223.446 19.452.224 20.815.073 28.609.977 36.939.602 23.903.071 67.530.200 87.953.777 76.109.170 89.629.522 87.396.517 61.904.288 Total 142.943.393 470.523.474 (*) Receita em dólares convertidos com base na cotação de dezembro do respectivo ano. A evolução do desempenho do filme brasileiro é fruto direto de uma situação bastante singular na história da nossa cinematografia, cujos fatores responsáveis foram o aumento da legislação protecionista, a fiscalização mais rigorosa do comércio (distribuição-exibição) e os altos investimentos realizados pelo Estado. Alguns filmes co-produzidos e distribuídos pela Embrafilme alcançaram cifras consideráveis e ajudaram a aumentar o desempenho da produção brasileira como um todo. No entanto, esses fatores demoraram a se refletir no item mais importante da política cinematográfica: a substituição da importação de filmes que estava sob o manto dessas ações. Com os dados obtidos, vê-se que a média de filmes importados na década de 70 era muito alta, chegando a 865 longas-metragens de várias procedências em 1974. Por outro lado, a produção brasileira atingiu a marca 49 :: Acervo - IDART 30 Anos de 77 filmes no ano; na década, atingiria a marca de 808 filmes. Comparativamente, mesmo no período áureo, o cinema brasileiro não conseguiu ultrapassar a barreira de 35% de público pagante no mercado nacional. Em contradição, os limites mercadológicos eram impostos pela própria legislação protecionista em vigor, sobretudo a obrigatoriedade de exibição do filme de longa metragem, mas também pela insuficiência de produção, sem escala quantitativa e qualitativa para alcançar maiores patamares no mercado total. Quanto à importação, no final da década de 70 e início da década de 80 houve uma queda devido à conjuntura macroeconômica adversa e também em função de uma baixa na produção internacional de filmes, principalmente a norte-americana. A produção brasileira continuaria em patamares mais ou menos estáveis, mas com acentuada queda de público e na receita de bilheteria. 50 Tal situação foi responsável pelo início da decadência do sistema de apoio financeiro ao funcionamento da Embrafilme. Certamente, um dos maiores equívocos da legislação protecionista e de apoio estatal à produção foi ter se baseado na taxação da indústria cinematográfica e, depois, a videográfica, esquecendo-se de outros ramos, o audiovisual, como a televisão, por exemplo. Não se deve esquecer que o cinema depende de outros tantos fatores para se consolidar como indústria autônoma, não bastando as vontades legislativas do momento. As palavras sábias de Paulo Emílio confirmariam essa idéia, ao pensar na indústria brasileira de filmes: O cinema é incapaz de encontrar dentro de si próprio energias que lhe permitam escapar à condenação de subdesenvolvimento, mesmo quando uma conjuntura particularmente favorável suscite uma expansão na fabricação de filmeslxxiv. No entanto, o desempenho inédito que o cinema brasileiro alcançou encontra uma de suas raízes no investimento em recursos humanos e no aparelhamento da Embrafilme, entre 1974 e 1979, momento de grande motivação pela conquista do mercado cinematográfico. No final de 1979, é realizado na câmara dos deputados o Simpósio Cinema :: sobre censura. Neste o diretor-geral Celso Amorim faz uma defesa da política e dos métodos de comercialização da Embrafilme, que chegou a co-produzir e distribuir também filmes eróticos no mercado brasileiro, posição liberal demais para os valores políticos dos donos do poder, o que lhe valeu um enorme desgaste, culminando com sua saída. O quadro a seguir exibe a evolução da empresa desde seu surgimento até o primeiro ano da gestão do diplomata Amorim. Tabela Financiamentos à Produção e Distribuição (1973-979) Ano Co-produção Aditamento Distribuição Aditamento 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 02 18 10 31 08 18 20 – – 03 06 09 03 02 19 12 33 07 18 15 – 05 11 12 18 16 Total 107 23 104 62 Sobre o desenvolvimento da distribuidora, afirma-se que: Em seus primórdios, a distribuidora visava a reproduzir os mecanismos existentes no mercado, fornecendo credibilidade e garantia do controle dos investimentos pela intermediação estatal, considerada necessária e legítima. À medida que seu raio de ação se expande, basicamente a partir da prospecção do mercado efetuada pelos significativos sucessos de Dona Flor e Xica da Silva e à custa de grande volume de recursos investidos na comercialização, sua atuação passa a inibir ou desestimular as congêneres do setor privado. À exceção daqueles grupos localizados em São Paulo, já com eficiente relacionamento estabelecido com os exibidores e responsáveis pelo desenvolvimento do gênero erótico, a distribuidora da Embrafilme vai capitalizar em termos nacionais o 51 :: Acervo - IDART 30 Anos reavivamento dos intermitentes embates nacionalistas a respeito da submissão do mercado à dominação estrangeira no setor exibidorlxxv. A atuação da distribuidora provocou descontentamento entre os proprietários de distribuidoras privadas, principalmente no que se refere à concessão de maiores vantagens dadas aos produtores, o que inviabilizava a contratação de títulos mais viáveis sob o ponto de vista da bilheteria. No entanto, quando a Embrafilme tornou-se uma empresa co-produtora, entrando no risco do negócio cinematográfico, não lhe restava outra alternativa a não ser entrar diretamente no mercado devido à sua memória crítica em relação ao passado. A afirmação taxativa é de Antônio César ao referir-se à primeira fase da Embrafilme e do INC: “[...] as distribuidoras escolhidas livremente pelos produtores apresentavam relatórios negativoslxxvi”. 52 Ora, se os relatórios fornecidos pelas distribuidoras escolhidas pelos produtores eram normalmente negativos, defronta-se aqui com um fator que tanto pode ser psicológico quanto econômico; talvez os relatórios fossem subfaturados ou, realmente, o desempenho econômico dos filmes fosse deficitário, isto de maneira geral, dúvida que só se esclareceria com a inserção da Embrafilme no mercado de distribuição, já que pouco se conhecia de concreto sobre o mesmo. Enquanto isso, o setor exibidor também ficaria tremendamente incomodado com a ação fiscalizadora da Embrafilme, que iniciou um processo de refreamento da ação do Estado através de ações legais das mais diversas. A classe dos produtores entrou em atrito interno, exigindo equivalência no tratamento de seus filmes, avaliados de forma diferente pela distribuidora sob os critérios estético e comercial. Situação paradoxal, pois, exigir que a distribuidora tratasse todos os filmes com o mesmo empenho distributivo mostra quão despreparada a categoria de produtores estava para conquistar o mercado e sedimentar a indústria definitivamente. Para o cineasta Nélson Pereira dos Santos, a distribuidora: [...] entrou em plena área da liberalidade com o dinheiro. Aquela obrigatoriedade de dar a todo e qualquer filme não sei quantas cópias, Cinema :: mídia na TV Globo, mesmo sem o filme ter cinemas capazes de responder a essa mídia, ela era obrigada a dar porque virou o INPS (atual INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social) da distribuição. Ao mesmo tempo, o Gustavo e sua assessoria tentavam privilegiar os filmes que eles consideravam de mercado, então foram dois ou três que deram dinheiro, outros também não, e gastaram fortunas e aí ficou aquela competição porque a área da distribuidora queria interferir na decisão de financiamento no seguinte sentido: só faz filme cultural. [...] Ela foi feita pelo Ronaldo Lupo e quem mais brigou por ela fui eu, o Cacá; Gustavo nem tinha entrado na jogada. A luta contra o Barreto e o Roberto, que tinham distribuidora, foi muito grande. Tinha que ir lá, falar com o ministro, voltar. E a distribuidora deu certolxxvii. Além da luta exacerbada pelo poder, percebe-se uma falta de experiência em ações verticalizadas para atuar com certa competência no mercado cinematográfico. O Estado brasileiro – seus dirigentes e tecnocratas – não estava preparado política e tecnicamente para exercer a função de produção e distribuição de modo harmônico. A solução para o problema deveria ter sido compartilhada entre todos os setores interessados da empresa. Nesse momento, Roberto Farias, até pouco tempo ferrenho defensor da intervenção estatal no mercado cinematográfico, talvez em função de sua situação política e de seus interesses, passou a defender uma posição contrastante: Depois de quatro anos na Embrafilme e também por conhecer que distribuição é uma coisa ágil, de venda, eu cheguei à conclusão de que o Estado, além de não dever ser produtor, não deveria ser distribuidor. Ele poderia até ser distribuidor, onde a iniciativa privada não tivesse condições de operar, em Botucatu, no Amazonas etc. Mas concorrer com a iniciativa privada... Eu, inclusive, vi que todas as distribuidoras importantes tinham desaparecido, a Ipanema Filmes, Oswaldo Massaini, o Herbert Richers, e eu via todo o controle que a máquina estatal arma para evitar corrupção, evitar gastos equivocados, todo esse sistema de controle burocrático que o Estado arma para se proteger acabava inviabilizando, cedo ou tarde, a distribuidora. E eu percebi isso no momento em que ela estava no auge, eu achava que ela devia 53 :: Acervo - IDART 30 Anos 54 ser privatizada e fui acusado de querer privatizar os lucros e estatizar os prejuízos. A Embrafilme não poderia contratar de fora os melhores profissionais de venda, não poderia dar comissão de venda, as pessoas tendiam a trabalhar como funcionários públicos, sair às 5 da tarde e chegar às 10 horas. Distribuição é uma coisa que demanda uma rapidez enorme, precisa que os displays e as fotografias estejam a tempo e à hora nos cinemas, as cópias, o sujeito precisa trabalhar no domingo, no feriado, e eu comecei a perceber que o Estado não tinha mobilidade para isso [...] A Embrafilme poderia continuar, no auge como estava, a financiar as distribuidoras privadas porque antes, na época do financiamento, a Embrafilme financiava e era preciso que o produtor apresentasse uma distribuidora como fiel depositária. Se a Embrafilme voltasse a fazer isso, mesmo como produtora, ela abriria mão da distribuição, perderia 20%, mas diminuiria uma parte de seu contingente e apoiaria núcleos de distribuição. Uma distribuidora, por exemplo, no Rio Grande do Sul, em que a iniciativa privada poderia participar até de sociedade com a Embrafilme, era mais viável do que uma Embrafilme gigante, controlando todas essas filiais [...] O distribuidor privado, aquele que tem 3, 4 ou 5 filmes por ano para trabalhar, luta por qualquer centavo que esse filme pode dar, e a Embrafilme se desincumbia dos filmes, fazia o lançamento, a coisa mais gostosa de fazer, gastava uma enormidade em publicidade e não ia buscar, de cada filme, até o último centavo dele, programado até a última praça do país [...] Porque os lançamentos pagam o custo da cópia, cartaz, fotografia etc., dão algum dinheiro, mas lucro, quando o filme dá, ele ia dando dali pra frente, no pinga-pinga. Então, havia uma predisposição dos funcionários da Embrafilme, mesmo durante a sua fase áurea, de pegar o filme novo e lançar. Era um tiro no mercado, páginas de jornal, grande publicidade etc., depois esses filmes caíam na prateleira da Embrafilme e não saíam mais dali. [...] Nós começamos a ver que a Empresa tinha uma capacidade muito grande de lançar sucesso e uma dificuldade muito grande de lançar os filmes que não tinham grande potencial de mercado. Um filme que não fosse um tremendo estouro não era rentável porque não havia ninguém trabalhando por ele. As pessoas que trabalhavam eram funcionários e, como tal, não tinham qualquer interesse a maislxxviii. Cinema :: Ainda que Farias faça uma mea-culpa da atividade da Embrafilme, cabe a pergunta: Por que ele tanto lutou para permanecer no cargo? Para fazer algumas alterações que estão na proposta citada ou simplesmente para se manter no poder? Em 1980, a Embrafilme produz A idade da terra, de Glauber Rocha, a maior produção cinematográfica do período, com um custo de um milhão de dólares, um filme caríssimo para os padrões da época, com repercussão de público muito pequena em relação ao investimento, criando uma zona de fustigamento e desgaste para a política cinematográfica da empresa. Entre 1971 e 1981, após mais de uma década atuando no mercado brasileiro, a Embrafilme apresentaria o seguinte desempenho quanto aos filmes por ela produzidos: Tabela Evolução percentual da arrecadação dos filmes contratados pela Embrafilme sobre a receita dos filmes brasileiros do mercado. Ano % 1971 12,38 1972 16,15 1973 10,97 1974 27,94 1975 14,69 1976 29,69 1977 33,02 1978 37,98 1979 (*) 1980 27,94 1981 32,18 (*) não disponível A partir do momento em que começa a atuar na distribuição, a participação da produção da Embrafilme passa a ocupar um lugar de destaque no comércio de filmes brasileiros, sem grande variação na quantidade produzida. Tais dados confirmam as vantagens da verticalização 55 :: Acervo - IDART 30 Anos promovida pela empresa e o crescimento da distribuidora como um todo. Esses resultados econômicos guindaram a Embrafilme a manter, a partir de 1974, um monopólio virtual sobre a produção e a distribuição da renda do filme brasileiro em território nacional. Esse aparente monopólio foi responsável por inúmeras críticas de tradicionais distribuidoras que se afastaram da atividade e cujos acervos foram incorporados ao da Embrafilme. Outras feneceram por exaustão econômica, caso da Cinedistri, que, nesse período, estava desativando seu serviço de distribuição para novos filmes. O quadro a seguir mostra a evolução da participação da Embrafilme na produção cinematográfica nacional e o faturamento da empresa com valores atualizados em dólar. Os números são bastante interessantes, pois mostram claramente a evolução do investimento do Estado na produção e o aumento do faturamento dos produtores e distribuidores brasileiros: Tabela Faturamento Filmes Lançados e Filmes Apoiados (1971-1983) 56 Ano Filmes Nacionais Filmes com participação da Embrafilme %*(1) 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 10.090.000,00 12.544.000,00 13.076.000,00 13.076.000,00 21.192.000,00 23.789.000,00 34.162.000,00 44.176.000,00 32.115.000,00 34.745.000,00 35.934.361,00 43.370.000,00 24.210.000,00 1.250.000,00 2.027.000,00 1.435.000,00 3.676.000,00 3.115.000,00 7.065.000,00 11.271.000,00 16.782.000,00 (*)7.580.000,00 9.709.000,00 11.565.000,00 (**) (**) 12,38 16,15 10,97 27,94 14,79 29,79 33,02 37,98 23,42 27,94 32,18 - (*) Estimativa com base no faturamento. Cinema :: (**) Não foi possível obter os dados referentes aos anos de 1982 e 1983. *(1) Percentagem de participação dos filmes co-produzidos pela Embrafilme na arrecadação total do cinema brasileiro. Fonte: Embrafilme.(CR$ convertidos em US$ pela variação) A presença da Embrafilme na distribuição de filmes brasileiros pode ser melhor percebida pelos dados contidos na tabela a seguir: Tabela Filmes Lançados (1970 – 1983) Ano 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 Filmes lançados no Brasil 83 94 70 54 80 89 84 73 100 93 103 80 85 84 Contratados Embrafilme (*) 17 12 30 25 38 25 29 12 22 19 13 21 23 17 (*) O número de filmes contratados pela Embrafilme envolve co-produções e financiamentos somente para distribuição. Fonte: Departamento de Documentação e Divulgação da Embrafilme. A presença de filmes com contratos com a Embrafilme permanece mais ou menos estável durante o período exposto. Existe um aumento da produção de filmes brasileiros, de produtores não apoiados pela Embrafilme, mostrando a eficácia da lei de obrigatoriedade de exibição do filme 57 :: Acervo - IDART 30 Anos nacional. A partir do momento em que se inicia uma tímida fiscalização da lei de obrigatoriedade até o surgimento do Concine, período de dez anos, a presença do filme brasileiro nas telas não seria uma coisa tão esporádica, passando a um ritmo bastante acelerado de produção e lançamento, evitando que ficassem encalhados nas prateleiras das distribuidoras. 58 No início da década de 80, outros filmes co-produzidos e distribuídos pela Embrafilme confirmam a boa fase da empresa e do cinema brasileiro: Pixote, a lei do mais fraco, de Hector Babenco; Eu te amo, de Arnaldo Jabor; Gaijin, caminhos da liberdade, de Tizuka Yamasaki e O homem que virou sucolxxix, de João Batista de Andrade, todos com boas carreiras comerciais e premiações importantes em festivais internacionais. Entretanto, iniciavase uma recessão econômica atingindo a Embrafilme, cujas conseqüências seriam sentidas em todos os níveis do mercado cinematográfico brasileiro. A crise aportava através da diminuição do número de salas de exibição e da queda do público, afetando diretamente a arrecadação da Embrafilme. Para Amorim, a crise econômica agregar-se-ia à crise institucional gerada por Pra frente Brasil, de Roberto Farias, uma co-produção da empresa que desagradou profundamente os setores militares mais conservadores: com isso, o diretor-geral Amorim sentiu insustentável sua presença num cargo tão visível, e sua saída foi inevitável. Para o posto de Amorim, a indicação recaiu sobre o nome de Roberto Parreira, que, entre outros cargos na esfera federal, já tinha ocupado a presidência da Funarte, em abril de 1982. Parreira era homem de confiança do regime, com excelente trânsito político entre os militares e alguns setores da cultura; sua gestão completou o serviço de descrédito da Embrafilme, já que, em praticamente dois anos e meio, deixou como legado ao seu sucessor um superendividamento que comprometeria o orçamento da empresa por vários anos. Do ponto de vista comercial, a nova safra de filmes produzidos e/ou distribuídos pela Embrafilme não foi das mais promissoras, com rendas muito abaixo das expectativas. Ao se restabelecer a ordem democrática, Parreira deixou a direção da Embrafilme, no final de 1984, indo para a direção da Funtevê. Após sua saída, criou-se um vácuo no poder, e a direção-geral ficou interinamente nas mãos de Carlos Augusto Calil, ex-diretor de operações técnicas, que se encontrava desde 1979 ocupando cargos de direção na Cinema :: Embrafilme. Em função da crise institucional que campeou pelo país em 1985, Calil só assumiu o cargo de forma definitiva no início de 1986. Com a edição do Plano Cruzado, em 28 de fevereiro de 1986, houve um favorecimento, ainda que momentâneo, ao mercado cinematográfico, que presenciaria o retorno do público às salas de cinema com ingressos a preços congelados. Algumas co-produções da Embrafilme funcionaram razoavelmente bem, mas sem o mesmo brilho da segunda fase (19741979): A marvada carne, de André Klotzel; Eu sei que vou te amar, de Arnaldo Jabor, Avaeté, semente da vingança, de Zelito Viana. Durante 1985, Calil permaneceu interinamente na direção-geral da Embrafilme, e sua indicação teria sido uma ação articulada entre setores da cinematografia, como afirma Saraceni: Eu ainda tentei, e consegui, apoio do grupo para Gustavo Dahl, no Concine. Eleição vitoriosa, emplacamos Calil e Gustavo na Embrafilme e Concine, mudamos o panorama político, tornando a Embrafilme mais plural e democrática.lxxx Calil elaborou um enxugamento nos quadros da empresa e foi obrigado a desacelerar suas atividades de distribuição e co-produção devido a problemas de caixa, justamente suas principais atividades; por determinação do MinC (Ministério da Cultura), foi elaborado, por uma comissão de alto nível, o Plano Nacional do Cinema (PNC), que propunha os novos rumos da intervenção estatal no cinema brasileiro, como narra o cinemanovista Paulo César Saraceni: Calil e Escorel, servindo aos derrotados e escolhendo a política do filme de mercado, se enfraquecem e são fulminados por um golpe do ministro Celso Furtado, que confundiu tudo e colocou um livreiro na presidência de uma estatal de cineastas. No lugar de Eduardo Escorel, Ivan Isola, que, com sua arrogância e ignorância, fez muito mal ao cinema brasileirolxxxi. Ao pedir demissão do cargo de diretor-geral, Carlos Calil abriu uma 59 :: Acervo - IDART 30 Anos porta para que o ministro da cultura Celso Furtado estabelecesse a direção que o governo da Nova República planejava para o setor cinematográfico, esvaziando-o cada vez mais. Em 1987, acontecia uma nova reestruturação da Embrafilme, então dividida em duas partes: apenas uma empresa distribuidora de filmes brasileiros, enquanto o setor cultural seria gerenciado pela Fundação do Cinema Brasileiro, criada exclusivamente com essa finalidade. Ao final do governo Sarney, encontrava-se no comando da Embrafilme Moacir de Oliveira e o cineasta Marcos Altberg, que, conjuntamente, assinaram uma série de contratos comprometendo o orçamento da estatal por alguns anoslxxxii, na tentativa desesperada de evitar o fechamento da empresa, mas o tempo mostrou que não daria certo. :: O DESEMPENHO DA DISTRIBUIDORA DE FILMES (1980-1983) 60 Entre 1980 e 1983, a distribuidora Embrafilme realizou um levantamento do desempenho de cada filme lançado no referido período, uma amostragem significativa do mercado por ela abrangido através de informações básicas como título, data de lançamento, renda e público total da carreira comercial do filme até a data de confecção do relatório anexo. A leitura acurada das informações possibilitou criar algumas categorias de filmes de acordo com o desempenho da bilheteria. Para facilitar, a tabelalxxxiii sintetiza os principais itens: Tabela Desempenho Filmes Embrafilme Ano 1980 1981 1982 1983 1984 Filmes lançados pela Embrafilme 41 16 19 28 04 Total de ingressos vendidos 12.267.053 14.752.691 11.124.060 6.634.167 721.930 Receita total 782.705.620,00 1.755.732.194,00 3.712.626.491,00 4.514.863.520,00 (*)706.648.230,00 Cinema :: (*) Até março de 1984. Observação: valores em cruzados. Com as informações da tabela, dois dados se sobressaem: nos anos 1981 e 1982, o filme Saltimbancos Trapalhões atraiu um público de 5.197.936 espectadores, ou seja, cerca de 35% dos ingressos totais; Trapalhões na Serra Pelada foi responsável por 5.005.434 espectadores, correspondendo a mais de 45% dos ingressos totais vendidos. Além disso, a soma dos dois filmes quase equivale, por exemplo, ao total de ingressos vendidos em 1982. Os dados expõem a fragilidade da empresa, que tornouse dependente, praticamente, de um único produto. Na tabela seguinte, foram criadas categorias para encaixar os filmes de acordo com o seu desempenho de público: Tabela Categorias de Produção da Embrafilme Categoria 1980 1981 1982 1983 1984* A** B C D Total 05 05 07 00 17 05 05 05 02 17 02 08 15 03 28 00 01 01 02 04 04 11 23 01 39 Faixas ou categorias de filmes da tabela: A - filmes de grande público, mais de um milhão de espectadores. B - filmes de público médio, entre 200 mil e um milhão de espectadores. C - filmes de público pequeno, entre 50 e 200 mil espectadores. D - filmes de público reduzido, até 50 mil espectadores. *Até março de 1984 **Rentabilidade para o distribuidor. No caso do produtor, varia de acordo com o investimento feito na produção do filme. 61 :: Acervo - IDART 30 Anos :: ATUAÇÃO DA DISTRIBUIDORA EMBRAFILME EM SÃO PAULO NO PERÍODO Com a finalidade de afinar a pesquisa sobre o desempenho da distribuição da Embrafilme, aperfeiçoou-se a pesquisa aos lançamentos da distribuidora na cidade de São Paulo. Assim, foi indicada uma série de pequenos dados que enriquecem o nível de informação de algumas práticas que a Embrafilme adotava no mercado cinematográfico paulistano. O quadro abaixo é um demonstrativo da importância do mercado de filmes do estado de São Paulo: Tabela Desempenho da Exibição Cinematográfica por Estado(1977-1980) Estado 62 São Paulo Rio de Janeiro Minas Gerais Rio Grande do Sul Paraná Pernambuco Bahia Ceará Goiás Santa Catarina Salas Público/ Ano Público/ Ano Público/ Ano Público/ Ano 1977 1978 1979 1980 577 213 341 218 64.609.000 36.520.000 24.427.000 15.388.000 65.874.000 38.257.000 25.059.000 14.981.000 57.455.000 35.207.000 22.851.000 13.257.000 48.713.000 30.529.000 19.246.000 11.616.000 184 104 96 46 67 82 11.836.000 9.656.000 7.407.000 4.155.000 4.010.000 3.958.000 11.072.000 9.765.000 7.503.000 4.045.000 3.876.000 3.915.000 9.433.000 8.567.000 6.951.000 3.033.000 3.563.000 4.252.000 7.787.000 7.112.000 6.282.000 3.604.000 3.227.000 3.488.000 Fonte: Jo Takahashi. Cinema Brasileiro Evolução e Desempenho. Como se pode aferir, o estado de São Paulo é o líder no ranking do mercado brasileiro cinematográfico, tanto em número de salas quanto em público pagante. A capital paulistana sempre foi muito atraente para o cinema, com uma representatividade de mais de 50% do mercado total paulista, o que, de certa maneira, explica o empenho da Embrafilme em lançar o maior número possível de filmes aqui. Através da coleção de filmografias anuais, do período 1975-1990, é possível se aquilatar com Cinema :: mais acuidade a real situação da distribuição de filmes brasileiros feita pela Embrafilme neste grande mercado. De maneira geral, o número de filmes lançados pelo escritório da Embrafilme na cidade de São Paulo chega a equivaler ao número lançado pela distribuidora em termos nacionais. As discrepâncias referem-se mais aos títulos dos filmes, ou seja, um filme distribuído e lançado em Porto Alegre ou Rio de Janeiro tinha grande chance de não chegar à cidade. O descompasso dos lançamentos de filmes brasileiros deveu-se, em boa parte, aos filmes distribuídos pela Embrafilme, normalmente com um desempenho comercial que variava entre regular e fraco, como já se observou. Esse fator, de certa maneira, inviabilizava os investimentos em lançamentos abrangendo todo o mercado nacional ou supra-regional, como fazia a concorrência com os filmes estrangeiros. Tabela Filmes lançados pela Embrafilme na cidade de São Paulo 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 05 17 21 17 30 36 22 22 18 23 11 16 16 15 20 05 Total 294 63 :: Acervo - IDART 30 Anos :: ATUAÇÃO NÃO COMERCIAL DA EMBRAFILME: PADRONIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES DO MERCADO Por força de lei, a Embrafilme era também o órgão responsável pela emissão de ingresso e borderôs padronizados desde 1974lxxxiv. O borderô cinematográfico é uma peça de estudo bastante interessante, pois, a partir dele, tem-se idéia de como era manipulada a receita de um filme. O borderô das salas de exibição foi a fonte mais importante de informações sobre o mercado, já que continha uma série de dados, a destacar: a) nome da sala, b) localização, c) código da sala, do programa e do filme, d) título do filme, e) numeração de ingressos por sessão e por dia, f) músicas executadas no intervalo, g) capacidade da sala etc. 64 Na realidade, o borderô padronizado continha dezenas de campos que deveriam ser preenchidos diariamente e depois remetidos para a Embrafilme. Observando atentamente o impresso padronizado, pode-se decompor o valor do ingresso no período, pois a receita bruta era passível das seguintes deduções: a) filme nacional de curta metragem, b) publicidade, c) custo do ingresso padronizado, d) direito autoral, e) imposto municipal. Esses itens somados é a despesa total, abatidos da receita bruta de bilheteria, cujo resultado era chamado receita líquida de bilheteria, a ser repartida entre o exibidor e o distribuidor e, posteriormente, entre o distribuidor e o produtor do filme. A participação do filme de curta metragem tem variado bastante Cinema :: ao longo da história na receita das salas de exibição, ponto de atrito entre os produtores e os exibidores, contrários à exibição obrigatória e ao pagamento da exibição desse tipo de filme. No período de atuação da Embrafilme, houve uma variação de 5% a 2% deduzidos da renda bruta para efeito de pagamento da exibição do filme curto. A publicidade, antes de qualquer coisa, deveria ser tratada entre o exibidor e o distribuidor para não gerar discordância entre as partes; a publicidade que consta no borderô normalmente se refere aos anúncios de jornal, aos painéis de fachada etc., e pode corresponder no máximo a 6% da receita bruta. A utilização do ingresso padronizado era disciplinada pela Resolução Concine nº 82, de 29 de janeiro de 1982. O sistema de arrecadação utilizavase do ingresso com base na meia-entrada, e o exibidor era obrigado a comprar os padronizados na base de 1000 unidades de meia-entrada. Portanto, o bilhete inteiro deveria constar de duas meias-entradas. O custo do ingresso padronizado era tabelado pela Embrafilme, e o seu preço ficou anos inalterado, entre 1971 e 1984, quando foram mudados os valores. O preço do ingresso ao consumidor era tabelado, de acordo com a Resolução Concine nº 93, de 24 de junho de 1983. O direito autoral refere-se ao pagamento pela execução das músicas dos filmes e aquelas executadas pelo exibidor. Seu índice girava em torno de 2% da receita, e deveria ser pago ao Ecad, órgão responsável pelo recolhimento desses direitos e repassador dos recursos para editores e compositores musicais. O imposto municipal varia de cidade para cidade. Historicamente, em São Paulo, oscila na faixa de 5 a 10%. Os custos, em geral, variam de acordo com o filme em função da publicidade e da cidade, mas nunca é inferior a 10% ou superior a 20% da receita total. Trata-se, de qualquer modo, de um avanço considerável sobre a receita. 65 :: Acervo - IDART 30 Anos :: COLLOR EXECUTA A REFORMULAÇÃO DO APARELHO CULTURAL ESTATAL BRASILEIRO Entre 15 de março de 1990 e 29 de setembro de 1992, o Brasil viveu um dos períodos mais conturbados da história de sua cultura. Ao assumir, o presidente Fernando Collor de Melo editou um pacote com uma série de medidas provisórias que, entre outras coisas, extinguiam leis de incentivos culturais e órgãos culturais da União. A Medida Provisória nº 151 ocupava-se da extinção e dissolução de entidades da administração pública federal (autarquias, fundações e empresas públicas). Em texto publicado no primeiro semestre de 1993, o pesquisador Melo Souza afirma que o meio cinematográfico, após cinco anos de crise (1985-1990): 66 Aceitou sem maiores discussões a extinção da Embrafilme, a reserva de mercado e o fim do nacionalismo protecionista. Collor não inventou nada [...] só atendeu àquilo que Hector Babenco, Sílvio Back, Carlos Reichenbach, Chico Botelho, Carlos Augusto Calil, Roberto Farias, Nélson Pereira dos Santos e a crítica na imprensa liberal pediramlxxxv. Para executar o trabalho de fechamento desses órgãos, foram nomeados inventariantes, normalmente funcionários de carreira do alto escalão governamental, entre eles, funcionários do Banco Central. Nesse momento, o MinC é rebaixado à condição de Secretaria da Cultura, ligado diretamente ao gabinete do presidente da república. O primeiro secretário de cultura foi o jornalista e cineasta Ipojuca Pontes, demissionário do cargo em março de 1991. Durante um ano, Ipojuca prestou uma série de serviços com a finalidade de desobrigar o Estado dos negócios do cinema, sob alegação de que o cinema brasileiro poderia competir em regime das leis de mercado com o produtor estrangeiro. Para tanto, Ipojuca revogou a legislação cinematográfica em vigor, reduziu a exibição obrigatória de filmes brasileiros para setenta dias, a presença do filme brasileiro nas videolocadoras de 25% para 10% e operou técnica e politicamente o fechamento dos órgãos cinematográficos em atividade (Concine, Embrafilme e FCB). Boa parte da opinião pública e setores orgânicos da cinematografia apoiaram publicamente a ação empreendida pelo poder Cinema :: central porque, na sua fase final, a Embrafilme era acusada, entre outras coisas, de inoperância, má gestão administrativa, favoritismo e também de não cumprir compromissos assumidos. Em função da política estabelecida pelo governo central, muitos projetos de filmes foram interrompidos, mesmo com contratos assinados e com outros em andamento, sofrendo sérios problemas de produção. Os contratos e compromissos assumidos pela Embrafilme e pela Lei Sarney não foram respeitados pelo governo brasileiro de então. No ano de 1990, na cidade de São Paulo, a Embrafilme ainda chegou a distribuir alguns filmes: Os sermões, de Júlio Bressane e O grande mentecapto, de Hugo Carvana, entre outros, mas a repercussão do lançamento ficou bastante aquém da média que a distribuidora chegara a manter ao longo da sua trajetória. Além de Ipojuca Pontes, outros cineastas participariam da operação desmonte, entre eles, Miguel Borges, que atuou como secretário-adjunto e, mais tarde, Adnor Pitanga, o último administrador da massa falida da Embrafilme. Tecnicamente, a dissolução, desde o pessoal até o patrimônio, passaria por um tortuoso caminho legal. Após a publicação da MP nº 151, em 12 de abril de 1990, foi publicada a Lei nº.029, que autorizava a dissolução ou a privatização da Embrafilme - Empresa Brasileira Distribuidora de Filmes S/A. Quinze dias depois, em 27 de abril, é publicado o Decreto nº 99.226, dissolvendo a distribuidora definitivamente. Um ano após o início da operação desmonte, a Embrafilme teimava em existir porque continuava a receber a percentagem da remessa de lucros devida por importadores de filmes e por distribuidoras estrangeiras. Com a saída de Ipojuca Pontes, assumiu a direção da Secretaria de Cultura o acadêmico-embaixador Sérgio Paulo Rouanet, que propôs para o cinema brasileiro a extinção gradual da lei de obrigatoriedade do filme brasileiro. Sob sua gestão, tomou-se a decisão de impedir o leilão dos filmes brasileiros no processo de extinção da Embrafilme, medida vista como um gesto de boa vontade entre o governo federal e a categoria de produtores, artistas e técnicos de cinema. Em 27 de abril de 1992, o presidente Collor assinou o decreto que transferia à Secretaria Nacional de Cultura os recursos da antiga Embrafilme, dois bilhões de cruzeiros mensais, 67 :: Acervo - IDART 30 Anos além do valor acumulado em dois anos, que remontava a 25 bilhões de cruzeiros. Nesse período, segundo o pesquisador Afrânio Catani: Havia dois grupos em conflito quanto ao decreto: 1) o produtor Luís Carlos Barreto, o cineasta Cacá Diegues e outros defendiam a privatização geral do cinema com a transferência dos recursos da Embrafilme para as distribuidoras estrangeiras. Sentiram que o decreto impediu essa viabilização do “cinema industrial” e privilegiou filmes alternativos; 2) os cineastas Nélson Pereira dos Santos e Júlio Bressane defendiam a transferência dos recursos da Embrafilme para a secretaria, o que acabou sendo determinado pelo decreto. Bressane temia que nas distribuidoras estrangeiras o dinheiro parasse na mão dos mesmos produtores e cineastas de semprelxxxvi. 68 Após a renúncia de Collor, o vice Itamar Franco tomou posse e logo recriaria o MinC. Entre as prioridades do novo MinC estava o incentivo à produção de filmes brasileiros, tendo como parâmetro a verba da antiga Embrafilme, sendo destinados 13 milhões de dólares a título de crédito especial, pois tramitava no congresso a Lei do Audiovisual, que ainda necessitava de uma regulamentação. O MinC destinaria parte da verba, cerca de cinco milhões e meio de dólares, à produção cinematográfica através do concurso Resgate do Cinema Brasileiro, que dividiria o valor citado para a produção de 13 filmes de longa metragem. Em 23 de junho, era publicado o Decreto nº 575, que dispunha sobre a transferência de bens e haveres e contencioso judicial da Embrafilme Distribuidora de Filmes S/A, em liquidação, e dava outras providências. Cinema :: :: FILMOGRAFIA DA DISTRIBUIÇÃO DA EMPRESA BRASILEIRA DE FILMES S/A. Ano 1975 Título Produção O amuleto de Ogum Nós os canalhas A lenda de Ubirajara Lucíola, o anjo pecador Nordeste, cordel, repente, canção Regina/Embrafilme Miragem/Embrafilme ALO/Makro/Thor Servicine/Embrafilme Filmcenter/Vasp Ano 1976 Título Produção Confissões de uma viúva moça O desejo Di Mello/ Embrafilme Embrafilme/V.C/WHK/ Servicine Zoom/Embrafilme Embrafilme/Corisco J.B.Tanko/Embrafilme R.M.P.C L.C.B Cipal Embrafilme/Fund.Cul. Paraíba Rosário / Kiko F.M, etc M.B/Comander Mapa/Embrafilme Embrafilme/Sani/ Desenbanco Alpha Paulo Thiago P.C. L.P.P.C Um homem célebre Lição de amor Simbad, o marujo Trapalhão Uma tarde, outra tarde Dona Flor e seus dois maridos O esquadrão da morte Fogo morto Marcados para viver A noite das fêmeas Pecado na sacristia Perdida O pistoleiro Ritmo alucinante Soledade A última bala 69 :: Acervo - IDART 30 Anos Ano 1977 Título Produção As alegres vigarists Aleluia Gretchen O forte As granfinas e o camelô O Ibrahim do subúrbio O leão do norte Na ponta de faca A noite dos assassinos O seminarista Ajuricaba C.A.S.B.P.C S.Back P.C/Embrafilme Júlio Romitti P.C Vidya Sincro/Embrafilme/Linyx Boa Vista/Makro Seta Magnus Filmes Embrafilme/Vila Rica Oswaldo Caldeira P.C/FCA/ Embrafilme Magnus Filmes Biáfora/Renoldi/etc. DiMelloP.C./Embrafilme/ Telemil Document/Embrafilme Lente /Embrafilme Carlos .H.Christensen.PC Vydia Walter Hugo KhouryP;C Vila Rica /Embrafilme Regina Filmes/Embrafilme Os amores da pantera A casa das tentações Fruto proibido 70 O jogo da vida Ladrões de cinema A mulher do desejo Ódio Paixão e sombras Quem matou Pacífico? Tenda dos milagres Ano 1978 Título Produção O cortiço Chuvas de verão A dama do lotação Diamante bruto Doramundo Gordos e magros Argos Alter Terra/Embrafilme Regina/Embrafilme Pilar/Embrafilme Raiz/Embrafilme Jodaf Cinema :: Lúcio Flávio, o passageiro da ... Mar de rosas Morte e vida Severina Nas ondas do surf A queda Amor bandido Uma aventura na floresta... Um brasileiro chamado Rosa Flor. Cordão de ouro Cristais de sangue O desconhecido A lira do delírio Um marido contagiante O monstro de Santa Tereza Parada 88, o limite de alerta Se segura, malandro! Tudo bem H.B/Ipanema Area/Volcof/RFFarias/ Embrafilme Zelito Vianna P.C. R.M.Filho/W.Monteiro Nei Sroulevich LCB/Walter Clark Latini´s Studios P.F/Embrafilme/Prodarte LanternaMágica/Embrafilme Atalante Scorpius/RuySantos/ Embrafilme Walter Lima Júnior. P.C Carlos A. de S. Barros P.C. WilliamCobett/Roberto Machado/ Embrafilme TOP/NAB/Embrafilme Zoom/Embra/Corisco,etc Sagitarius/Embrafilme Ano 1979 Título Produção O amante de minha mulher Os amantes da chuva Anchieta, José do Brasil Cabeças cortadas Canudos Coronel Delmiro Gouveia O coronel e o lobisomen Diário da província Co-produção Paraguai-Brasil OCA/Roberto/Embrafilme Santana/Embrafilme Mapa e outros intern. Vários Saruê/Embrafilme Alcino Diniz P.C/Embrafilme Roberto Palmari P.C/Lyns/ Topázio Linxfilm Embra/Ventania Cine-Tv As filhas do fogo Fim de festa A força de Xangô 71 :: Acervo - IDART 30 Anos A gargalhada final O guarani Inquietações de uma mulher casada A intrusa Iracema, a virgem dos lábios de mel Os Mucker Na boca do mundo Os noivos Paraíso no inferno Pontal da solidão O princípio do prazer Raoni Revólver de brinquedo O segredo da Rosa Sinfonia brasileira Sinfonia sertaneja O sol dos amantes 72 Lestepe/Palmares Mansur/Embrafilme Thor/Blow-Up/Embrafilme Carlos H.Christensen P.C. CSC/Embrafilme Stopfilm/Tv Alemã Lente/Embrafilme Aleph/Scorpius Rosário P.C Cinegráfica Sul Filmes de Paraty Valisa/NSD Battaglin/Embrafilme Vanja Orico P.C. Jaimes Prades P.C Dail P.C. Lynxfilm Ano 1980 Título Produção O Abismu A Agonia Anos JK Aventuras amorosas de um padeiro Bye-bye Brasil Contos eróticos O convite ao razer O cordão de ouro A deusa negra Rogério Sganzerla P.C Júlio BressaneP.C Terra Filme Regina/Embrafilme LCB Linxfilme Galante P.C Lanterna Mágica/Embrafilme Magnus Filmes/Afrocult Foudantion A.F.Sampaio/Embrafilme CPC/Vários Filmes do Serro/Embrafilme Raiz/Embrafilme/Secretaria Estado da Cultura Ele, ela, quem ? Gaijin, os caminhos da liberdade Gordos e magros* O homem que virou suco Cinema :: Os homens que eu tive Idade da terra Maneco super-tio A morte transparente Muito prazer Música para sempre Os namorados A noiva da cidade Os noivos O país de São Saruê Parceiros da aventura Paula, história de uma subversiva Pixote A revolução de 30 Os sete gatinhos Terra dos índios Terror e extâse Os trombadinhas Viagem ao mundo da língua ... A volta do filho pródigo Cinedistri Glauber/Vários/Embrafilme R.F.Farias/F.M/Embrafilme Carlos Hugo Christensesn Morena D.Guper P.C Scorpius Filmes Catavento / Embrafilme Aleph/Scorpio Vladmir Carvalho José Medeiros/Embrafilme OCA/Secretaria de Estado da Cultura/Embrafilme HB/Embrafilme Sílvio Back Terra/Cineville/Embrafilme Mapa/Embrafilme Artenova R.F.Farias/vários Jaraguá Filmes Ipojuca Pontes P.C Ano 1981 Título Produção Até a ultima gota Ato de iolência O beijo no asfalto Bububu no bobobó Cabaré mineiro Cinefor Lynx/Embra LCB/Triangulo/Embra Marco Farias Monteclarense/Zoom/ Corisco Scorpius Embra/Leon Hirszman Encontro Produções EnzoBarone/Santa Madalena/WHK P.C O desconhecido Eles não usam black-tie Engraçadinha Eros, o deus do amor 73 :: Acervo - IDART 30 Anos Estrada da vida Eu te amo A filha de Iemanjá Flamengo paixão Iracema uma transa amazônica Limite Maldita coincidência Os saltimbancos Trapalhões O santo sudário Teu, tua Villafilmes Walter Clark/Flávia F. Teixeirinha Morena Stopfilm Mário Peixoto Sérgio Bianchi Renato Aragão P.C B2 Promoções JR/Embrafilme Ano 1982 74 Título Produção A caminho das Índias Álbum da família Alguém Amor e traição Amor, estranho amor Asa Branca, um sonho brasileiro As aventuras da turma da Mônica Gira Filmes/Embrafilme/SEC B.C.P.C/Atlântida/W.V.Filmes Lynxfilms Embrafilme Cinearte Cinema do Séc.XXI/SEC Black & White & Color/ Embrafilme Encontro P.C.L/SIincrocine/ Embrafilme Crystal Cinematográfica/ Embrafilme Magnus Filmes W.C.P/Embrafilme Filmes do Serro/Lynxfilm/ Embrafilme L.C.B./Filmes do Triângulo Thomas Farkas/LAP Filmes/ Embrafilme Morena/Skylight/Embrafilme Embrafilme/SEC LCB/Filmes do Triângulo/ Beijo na boca Das tripas coração O fruto do amor O grande palhaço O homem do pau brasil Índia, a filha do sol Jânio a 24 quadros Luz del Fuego Manelão, o cortador de orelhas Menino do Rio Cinema :: República Guarany Samba da criação do mundo O segredo da múmia O sonho não acabou Os Trapalhões na Serra Pelada Embrafilme S.B.P.C/Embrafilme Circo Filmes/GRES Beija-Flor Super 8/Mapa/Embrafilme Morena Filmes RAPA/Embrafilme Ano 1983 Título Produção Ao sul do meu corpo As aventuras de um paraíba O bandido Antonio Dó Bar esperança O Bom burguês Sant’Anna / Embrafilme LCB/Embrafilme Filmes do Vale/Embrafilme CPC/Embrafilmefilme Paulo Thiago/O.C/ Embrafilme WEA GRM/Vários/Embrafilme Labirinto P.C/Embrafilme Sec.Paraiba/Embrafilme LCB Tatu R.S.P.C/Haway CPC/Sky/Embrafilme R.F.Farias/Embrafilme Raiz/Taba/Alain Fresnot Cineville/CPC/Heitor Ferraz Hermano Penna/Embrafilme Beca/Embrafilme Corações a mil A díficil viagem Dora Doralina O homem de areia Inocência Janete Nasce uma mulher Parayba mulher macho Prá frente Brasil A próxima vítima Rio Babilônia Sargento Getúlio Sete dias de agonia Ano 1984 Título Produção Abrasasas Aguenta coração Águia na cabeça Gira-Embrafilme Ipanema Morena-Embrafilme-Sky 75 :: Acervo - IDART 30 Anos O baiano fantasma Beth Balanço O cavalinho azul Cabra marcado O evangelho segundo Teotônio. A filha dos Trapalhões O filho adotivo Garota dourada Jango Lerfa mu O mágico e o delegado Memórias do cárcere Noites do sertão Nunca fomos tão felizes 76 Para viver um grande amor Prata Palomares A princesa e o robo Prova de fogo Quilombo Os Trapalhões e o mágico Palmares CPC Cinefilmes-Sky Gaumont-Embrafilme Taba Renato Aragão PC Madial-Embrafilme LCB/Embrafilme Calibani Som Estúdios Sani-Embrafilme LCB Grupo Novo de Cinema Marina Filmes/LCB/ Embrafilme Skylight/V.F.P.C Vega B e W/Embrafilme LCB/Embrafilme CDK Renato Aragão P.C. Ano 1985 Título Produção Além da paixão Avaeté Os bons tempos voltaram Espelho de carne Estrela nua Idolatrada Jeitosa Muda Brasil Patriamada Tensão do Rio Tropclip L.C.B-Rio Mapa Cinearte Enigma Olympus Grupo Novo de Cinema N.D.R Encontro P.C CPC Embrafilme/L.C.B Studios Films Cinema :: Ano 1986 Título Produção O Beijo da mulher aranha Brás Cubas Cidade oculta Cinerma falado Com licença eu vou à luta Eu sei que vou te amar O homem da capa preta A hora da estrela A marvada carne Nem tudo é verdade Ópera do malandro O rei do Rio Sonho sem fim Os Trapalhões e o rei do futebol Os Trapalhões no Rabo do cometa Vento Sul HB e Island Film J.B.P.C Orion Cinema e Vídeo Guilherme Araújo P.C.R.Farias/Time de Cinema Arnaldo Jabor P.C Morena Filmes Raiz/Émbra Tatu Filmes R.S.P.C/Embrafilme Austra(RJ) e França L.C.B. P.C Cinefilmes Renato Aragão P.C e Pelé Renato Aragão P.C Morena/Yan Art e Com Ano base 1987 Título Produção Anjos da noite Anjos do arrabalde Besame mucho Brasa adormecida Chico rei A cor do seu destino A dança dos bonecos Embrafilme A.P.Galante HB e FR Filmes Raiz/SEC PC Ferreira e outros Nativa/Skylight Grupo Novo de Cine Skylight/Embrafilme LCB/Embrafime Cinearte A.Massaini/Embrafilme/ outros LCB/Skylight/Embrafilme Ele, o boto Eu Filme demencia Fonte da saudade 77 :: Acervo - IDART 30 Anos Fulaninha Guerra do Brasil Jubiabá Leila Diniz Encontro/Ypê/Skylight/ Embrafilme Sílvio Back/FNDE Antenne 2/Regina/ Embrafilme Ponto Filmes/DWD/ Embrafilme Ano 1988 78 Título Produção Banana split Robert Bakker/BS/ Embrafilme Star Filmes/ Raiz Embrafilme Tatu Filmes/Embrafilme H.Filmes/Embrafilme LCB Ronaldo Pelaquin,etc Ipojuca Pontes P.C R.S.P.C/Embrafilme/SEC C.P.C S.B P.C/Embrafilme LCB Crystal Cinema/Embrafilme J.N Filmes Grupo Novo de Cinema/ Embrafilme A dama do cine Shangai Eternamente Pagu Feliz ano velho Imagens do inconsciente Luzia homem O milagre das águas Pedro Mico Quincas Borba Rádio Pirata Romance Romance da empregada Sonho de valsa Tanga Tigipió Ano 1989 Título Produção Abolição As Belas da bilings Doida demais Faca de dois gumes Z.B.P.C/Embrafilme Candeias P.C/Embrafilme MorenaFilmes/Embrafilme D.W.D Cinema :: Festa Fronteira das almas Jorge um brasileiro Kuarup Lili, a estrela do crime Lua cheia O mentiroso O mistério do colégio Brasil Ori Primeiro de Abril Que bom te ver viva Sonhei com você Sonhei de menina moça Terra para Rose Os Trapalhões na serra dos monstros Um Filme 100% Brasileiro Nello de Rossi Cine-documento/Embrafilme Encontro P.C Grapho Produções Cinvest e Multiplic Acauã P.A Um.Prod./Embrafilme Yan Arte e Comunic. Angra Filmes/FCB Estúdio Pesquisas e Criações Taiga Produções Regina Filmes TerezaTrautman/Herbert Richers FCB R.A. P.C/Embrafilme Grupo Novo de Cinema 79 Ano 1990 Título Produção O Grande mentecapto Oswaldo Caldeira PC/Filmes Geraes J.B.P.C/Embrafilme Dreamvision R.A. Produções J.N. Filmes Os sermões Sonhos de verão Uma escola atrapalhada Boca de ouro :: Acervo - IDART 30 Anos :: NOTAS i De acordo com o parágrafo único, a Embrafilme era regida pelo seu estatuto e pelas disposições da Lei de Sociedade por Ações. ii Filme Cultura, n. 13, p. 43. Depoimento iii MELLO, A.T. de. Legislação do cinema brasileiro, p.54. iv Filme Cultura, n. 13, p. 43. v O Decreto nº 862 de 12 de setembro de 1969 foi assinado pelos membros integrantes da Junta Militar composta por: Augusto Hamann Hademaker Grünewald, Aurélio da Lyra Tavares, Márcio de Souza Melo e Tarso Dutra. vi MELLO, A.T. de, op. cit., p. 55. 80 vii Idem, op. cit., p. 56. viii Num regime de economia capitalista, esse tipo de contradição tende a gerar muitos conflitos e alguns deles praticamente insolúveis devido à irreconciliável antagonização de interesses. Nesse sentido, temos conhecimento de pelo menos uma cinematografia importante, a indústria soviética de filmes, que floresceu à sombra do filme importado. No entanto, o florescimento só foi possível com o decreto de 1919, com o qual Lênin nacionalizou e estatizou toda a indústria cinematográfica, inclusive a distribuição de filmes importados. ix FARIAS, R. Cine Pompéia. Embrafilme, p. 42. x Filme Cultura, n. 13, p. 45. xi MICELI, S. Estado e cultura no Brasil: o processo de construção institucional na área cultural federal (Anos 70), p. 56. xii A Unifrance é uma agência estatal que cuida dos interesses do cinema francês no mercado externo. Cinema :: xiii Com a instituição do INC, ficou estabelecido o primeiro programa federal de fomento à produção cinematográfica. O programa era mantido com recursos oriundos do imposto de renda devido – das distribuidoras e importadores de filmes estrangeiros – da remessa de lucro. Os depósitos eram feitos compulsoriamente, e as distribuidoras de filmes estrangeiros, caso desejassem, poderiam empregar até 40% do valor do imposto devido em produções locais. xiv Período histórico em que a política cinematográfica estatal brasileira encontravase formalmente sob duplo comando, o que, de certa maneira, diluía bastante a força da ação política e econômica que o Estado brasileiro direcionava para o setor. A absorção do INC pela Embrafilme é o ponto culminante desse processo, como veremos mais à frente. xv No entanto, o Concine será criado somente em 16 de março de 1976 através do Decreto nº 77.299, responsável pela função reguladora e fiscalizadora, formulação de política de preços e de cotas de obrigatoriedade. O sistema de preenchimento de cargos seria feito através de nomeação do presidente da república, que indicava o presidente do Concine; este contava com representantes da secretaria de planejamento, do ministério da educação e cultura, do ministério da indústria e comércio, do diretor-geral da Embrafilme e da DAC. Havia também o conselho deliberativo, indicado pelo MEC, que contava com representantes dos exibidores, produtores, realizadores e exibidores. xvi As necessidades materiais da distribuidora se referem fundamentalmente à confecção de material: cópias, cartazes etc., além de contratação de pessoal para exercer as mais diversas funções administrativas que uma empresa complexa como a Embrafilme exigia. xvii A pesquisa intitulada Produção cinematográfica na vertente estatal (Embrafilme – gestão Roberto Farias), realizada pelo professor Antônio C. Amâncio da Silva, possibilitou o acesso aos documentos da empresa. Foi a partir desse trabalho que retiramos os elementos mais relevantes sobre a instituição da distribuidora na Embrafilme. xviii SILVA, A.C.A. da. Produção cinematográfica na vertente estatal. Embrafilme – gestão Roberto Farias, p. 30-31. xix Idem, op. cit.,. p. 31. Idem, op. cit., p. 31-32. xx 81 :: Acervo - IDART 30 Anos xxi Em reunião de 09 de agosto, Amâncio afirma que: Ronaldo Lupo fora convidado para falar sobre a exeqüibilidade do projeto de ingresso da Embrafilme no campo da distribuição nacional e, ao fim da reunião, concluiu-se por sua presença nessa atividade mediadora entre a produção e a exibição. Op.cit., p. 31. A experiência da família Lupovich no trato das questões da distribuição cinematográfica vem desde a fase áurea da chanchada, quando os irmãos apresentavam filmes pelo interior do Brasil. xxii Apesar de não termos tido acesso a essa correspondência de Oswaldo Massaini, conhecemos seu conteúdo através de entrevista concedida pelo próprio Massaini ao pesquisador Inimá Simões. Ao ser questionado sobre o assunto da influência direta da distribuição da Embrafilme no mercado cinematográfico, o decano da distribuição colocou a seguinte situação: mesmo ele, um distribuidor de porte, não era capaz de suportar a concorrência que a distribuidora da Embrafilme exercia nesse campo, tanto que a sua, a Cinedistri, praticamente encerraria suas atividades por volta de 1981. xxiii 82 Até o momento da nossa pesquisa, só encontramos como sistemática do avanço de bilheteria a produção distribuída principalmente pela Columbia (Maristela e Vera Cruz). Nesse sistema, encontram-se também os filmes produzidos com base na lei da remessa de lucros no INC e na Boca do Lixo, onde tornou-se uma das práticas mais recorrentes. xxiv SILVA, A.C.A. da. op. cit., p. 33. xxv Idem, op. cit, p.33. xxvi Guia de Filmes, n. 47, p. 15. xxvii SILVA, A.C.A. da, op. cit., p. 36-37. xxviii Idem, op. cit., p xxix Idem, op. cit., p.38. xxx MICELI, S, op. cit., p. 56. xxxi Idem, op. cit., p.43. Na realidade, ao que tudo indica, o diretor-geral da Embrafilme deveria ter sido o produtor Luís Carlos Barreto, mas seu nome foi, aparentemente, vetado pelo Serviço xxxii Cinema :: Nacional de Inteligência (SNI) dias antes de sua posse. Barreto chegou a conceder entrevista ao jornal Correio Braziliense já como diretor-geral da empresa. xxxiii Anuário em Close-Up, 1977, p. 130. xxxiv Devido à precariedade da distribuição do filme brasileiro, era fato bastante comum o filme ficar inédito em praças mais afastadas, mesmo depois de estrear no eixo Rio–São Paulo. xxxv SILVA, A.C.A. da, op. cit., p. 50. xxxvi Essa nova diretoria herdou as atividades do antigo INCE. Segundo o professor e ex-dirigente da Embrafilme Carlos Augusto Calil, o que aconteceu foi o seguinte: “Era exatamente a herança do INCE, do Instituto Nacional do Cinema Educativo, de Roquette Pinto e Humberto Mauro, que havia sobrevivido à estrutura do INC - Instituto Nacional do Cinema - que viria a ser extinto. O que tentamos nesse período foi recuperar uma certa vocação crítica da área cultural, reformulando a linha de publicações para que refletisse a produção brasileira contemporânea, reconhecendo e apoiando o trabalho até então oficialmente ignorado das cinematecas, dos cineclubes e, ainda, procurando estabelecer novas parcerias nos diversos estados, com a implantação de centros culturais cinematográficos, espaços dotados de projeção, filmoteca e biblioteca de cinema. O objetivo final era restituir e renovar a importância que tivera o INCE. Com a perda de representatividade do chamado filme educativo, entendido como filme instrucional, era necessário encontrar uma nova referência para a atividade cultural de cinema. Assim, surgiu a idéia de desenvolver cursos de formação profissional nas áreas técnicas visando a suprir as deficiências dos profissionais. Ao mesmo tempo, era preciso investigar o alcance das novas tecnologias, do vídeo e dos processos digitais, que acabariam por revolucionar o cinema. No final do meu trabalho na Embrafilme, o que restara do INCE se transformara no CTAv -Centro Técnico Audiovisual, hoje vinculado à Funarte. Entrevista concedida ao autor, publicada na revista D’Art, n. 1, 1997, p. 10. xxxvii MICELI, S., op. cit., p.63. xxxviii Anuário em Close-up. Idem, Idem. MELLO, A.T., de. op. cit., p.49. xxxix xl Uma produtora-distribuidora, ao co-produzir um filme determinado, via de regra, 83 :: Acervo - IDART 30 Anos garante de antemão os direitos de distribuição da obra. xli SILVA, A.C.A da, op. cit., p. 51-52. xlii O sistema de apoio à produção cinematográfica era da ordem de 60% do valor do orçamento total do filme. Iriam para a Embrafilme 50% da receita do produtor, 30% correspondiam ao investimento patrimonial do filme e os outros 20% viriam da comissão de distribuição, pelos quais se cobravam os serviços da distribuidora. xliii SILVA, A.C.A. da, op. cit.,. p. 55. Com trechos da ata de reunião da diretoria, de 19 de agosto de 1975. xliv Mesmo na indústria cinematográfica de países mais desenvolvidos, a maioria dos filmes é contraproducente, porém, trabalhando em escala, os grandes estúdios conseguem recuperar os seus investimentos. O mesmo não acontece sempre com o produtor brasileiro, que raramente consegue ultrapassar a barreira de três ou quatro filmes produzidos por ano. xlv SILVA, A.C.A. da, op. cit., p. 87. 84 xlvi Idem, op. cit., p. 87. xlvii ALTBERG, J.A. Política cultural no cinema, p. 65-76. xlviii Sobre o assunto, recomendamos a leitura do texto de Thomas Guback: The international film industry: Western Europe and America since 1944. xlix SILVA, A.C.A da, op. cit, p. 94. l Idem, op. cit, p. 94-95. li SILVA, A.C.A da, op. cit, p. 95-96. Idem, op. cit., p. 96. lii liii Idem, op. cit., p. 98. Entrevista de Antônio César. liv Expressão inglesa que significa literalmente “arrasa quarteirão”, utilizada para filmes de grande lançamento e bilheteria. lv Nesse caso, o pagamento dos fiscais era despesa do produtor através de adiantamento pelo distribuidor. A fiscalização obedecia a uma estrutura em que novos fiscais foram contratados, mas não estavam acostumados a fiscalizar; os gerentes da distribuidora e Cinema :: das filiais instruíam as pessoas sobre os procedimentos a serem adotados, e elas faziam rodízio de salas, ficando apenas um dia em cada casa de exibição. Trata-se de um sistema dinâmico e caro, neste caso até justificável. lvi A Lei da Dobra é na realidade a Resolução nº 10 do Concine, de 15 de março de 1977, que permite a manutenção do filme brasileiro em cartaz na sua segunda semana de exibição desde que ele tenha superado o índice de freqüência semanal do cinema em questão no semestre anterior. lvii SILVA, A.C.A. da, op. cit., p.90. lviii A necessidade de se estabelecer um sistema eficiente de fiscalização tem como objetivo principal inibir a evasão de renda das salas de exibição, fato bastante disseminado no mercado brasileiro. lix SILVA, A.C.A. da, op. cit, p.90. lx Idem, op. cit., p.91. lxi A informatização das bilheterias das salas de exibição cinematográfica até os dias de hoje não foi totalmente implementada. lxii Diante da possibilidade de consolidação de um mercado para o filme de curta metragem, a Embrafilme optou pela criação de uma distribuidora específica para filmes curtos. A direção da distribuidora seria uma indicação da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD). O novo órgão se desenvolveu a partir das facilidades existentes quanto ao sistema de tráfego das cópias para as filiais e representações da empresa. lxiii SILVA, A.C.A. da, op. cit., p. 67. lxiv ROCHA, G. Paulo Emílio e Jack Valenti, Jornal do Brasil, Caderno B, p.1. lxv GATTI, A.P. Entrevista publicada na Revista D’Art, n. 1, 1977, p. 10. lxvi GATTI, A.P., op. cit., p.10. lxvii GATTI, A.P. , op. cit., p.10. lxviii GATTI, A.P. op. cit., p.10. lxix SILVA, A.C.A. da. op. cit., p. 68. 85 :: Acervo - IDART 30 Anos lxx O crítico de cinema Jean-Claude Bernardet, no jornal Última Hora, publicou uma série de artigos defendendo a liberação do filme e criticando o imobilismo da distribuidora, que parecia pouco empenhada no filme, apesar de ter entrado na produção. lxxi OROZ, S. Copacabana Filmes apresenta 30 anos de Cinema Novo, p. 51. lxxii Alguns desses filmes improdutivos poderiam até ter um lançamento, digamos, “regional” que muito pouco representava em termos econômicos já que a distribuidora não desenvolvia muitos esforços para comercializá-los nacionalmente. lxxiii Revista D’Art, n° 1, p. 10. lxxiv GOMES, P.E.S. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, p. 75. lxxv SILVA, A.C.A. da. op. cit., p. 128. lxxvi SILVA, A.C.A. da. op. cit., p.48. 86 lxxvii SILVA, A.C.A. da. op. cit., p. 131-132. lxxviii SILVA, A.C.A. da. op. cit., p. 130-131. lxxix O filme não teve o que se pode chamar de um grande desempenho durante seu lançamento comercial, quando atingiu uma modesta marca de bilheteria, pouco mais de cem mil pagantes. No entanto, foi depois lançado com grande sucesso de público no chamado circuito alternativo – cineclubes, sindicatos, etc. Ainda que não dispondo de dados sobre o desempenho de público do circuito, podemos afirmar com absoluta convicção que o filme obteve um desempenho muito acima do normal para filmes exibidos em cineclubes, fábricas, etc. Em São Paulo, foi relançado no teatro Lira Paulistana, alcançando um enorme retorno de público. lxxx SARACENI, P.C. Cinema Novo: minha viagem por dentro, p. 354. lxxxi Idem, cit., 354. lxxxii Apesar de não sabermos o número exato de contratos assinados, temos informações de que pode ter chegado a 49, quando a média histórica de contratos girava em torno de 16 filmes por ano. Cinema :: lxxxiii Fonte: Embrafilme, mimeo, (abr.1984). lxxxiv O uso de borderôs e ingressos padronizados é da década de 60, quando o INC iniciou uma campanha para sua adoção com a finalidade de obter um controle maior da indústria através do conhecimento da realidade do mercado. lxxxv SOUZA, J.I. de M. A morte do cinema brasileiro e outras mortes. Revista da USP, nº 9, s/p. lxxxvi CATANI, A.M. Política cinematográfica nos anos Collor (1990-1992): um arremedo neoliberal. Revista Imagens, Campinas, nº 3, p.111. 87 :: Acervo - IDART 30 Anos :: PARTE II :: PACTO CINEMA E ESTADO: OS ANOS EMBRAFILME 88 A produção cinematográfica brasileira foi intensificada durante os anos 70 e 80 graças à intensa e direta ação do Estado. Antes de tudo, porque o regime militar, dentro de seus princípios de centralização político-administrativa, instaurou um projeto de institucionalização cultural de extensão nacional de modo autoritário, evidentemente, mas configurando um sistema articulado de funcionamento. Por outro lado, a ação decisiva de um grupo motivado politicamente à esquerda, composto na sua maioria por integrantes do cinema novo, serviu para que a ação governamental fosse dirigida por diretrizes políticas com visada maior do que as orientações oficiais no interior da agência estatal destinada ao cinema, a Embrafilme. Tal ação instaurou uma nova plataforma nas relações do Estado com o cinema e permitiu várias conquistas no mercado. Os anos Embrafilme passam a caracterizar um dos ciclos do cinema brasileiro, que ensaiará ultrapassar os princípios do cinema artesanal propostos pelo cinema novo, e, a sazonalidade histórica da produção brasileira de longas metragens. Isto pela adesão a um projeto de cinema financiado essencialmente pelo Estado, de cunho nacional e popular, distante de uma independência estética e majoritariamente voltado para a busca de uma eficiência mercadológica. A produção estatal existia desde o Estado Novo de Getúlio Vargas (193745), numa prática de atenção ao cinema através do Departamento do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE/1937) e também do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), mas era uma estrutura que atendia apenas ao filme cultural de curta metragem e ao filme institucional. Até então, o Estado respondia a poucas demandas do setor cinematográfico, criando alguns mecanismos de proteção; sua interferência maior se dava no terreno da obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais. As grandes novidades do período 1970-1980 serão as parcerias estabelecidas pelo Estado com os produtores no campo espinhoso do longa-metragem e a prospecção de mercado para o filme nacional num território cinematográfico minado pela concorrência estrangeira. Cinema :: Desde a década de 1950, grupos e comissões oficiais se voltavam para a ordenação da atividade cinematográfica tentando disciplinar a evasão para o exterior das consideráveis receitas geradas pela atividade por meio da retenção de parte do imposto de renda das distribuidoras estrangeiras, a ser optativamente aplicada na produção de filmes nacionais. Essas e outras posições nacionalistas eram informadas pela ampla militância, sistematizada a partir de congressos realizados pela classe cinematográfica no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1952-53, voltados à reivindicação do Estado como instância reguladora e protecionista. Essas bandeiras possibilitavam uma união nacional contra o cinema estrangeiro, inimigo comum e manifestação do imperialismo econômico e cultural. Somente em 1966 é que a atividade de produção foi contemplada com um olhar planificador a partir da criação do Instituto Nacional de Cinema (INC), que já tratava a questão da aplicação dos recursos sob a forma de financiamentos a filmes de longa metragem. Entre 1966 e 1969, estabeleceuse o primeiro programa de fomento à produção cinematográfica, mantido com recursos oriundos dos depósitos compulsórios das empresas distribuidoras estrangeiras. A produção de filmes importantes, como Os herdeiros (Carlos Diegues, 1968), Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1968) e Como era gostoso o meu francês (Nélson Pereira dos Santos, 1969), contou, em sua composição orçamentária, com recursos da Condor Filmes associada a empresas brasileiras. O INC era uma autarquia com função legislativa, de fomento, incentivo e fiscalização, responsável pelo mercado externo e pelas atividades culturais. Ele incorporou o INCE (do MEC) e o Geicine (Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica, do Ministério da Indústria e Comércio, de 1961), ao mesmo tempo em que foi dotado de alguns instrumentos de intervenção no mercado: a obrigatoriedade de registro de produtores, exibidores e distribuidores, permitindo a prospecção e o controle da atividade, a determinação da obrigatoriedade de exibição do filme nacional e também da aplicação em filmes brasileiros de 40% do imposto devido sobre a remessa de lucros das companhias estrangeiras, o que até então era optativo. Se os distribuidores estrangeiros não quisessem co-produzir filmes no Brasil, os recursos passariam a fazer parte do orçamento do INC ao invés de retornar aos cofres da União, 89 :: Acervo - IDART 30 Anos como vinha sendo feito. Foram produzidos 38 filmes por esse sistema. As normas para a liberação de recursos valorizavam a capacidade instalada dos produtores, os aspectos técnicos e financeiros da produção, enfim, toda uma volumosa organização burocrática que viria a ser o embrião do modo de operação da Embrafilme, empresa que sucederá o instituto. 90 Sob a vigência do Ato Institucional n0 5, de 13 de dezembro de 1968, marco do período mais repressivo da ditadura no Brasil, foi instaurada uma sólida agência estatal para desenvolvimento da atividade cinematográfica. Em 1969, a junta de ministros militares no poder criou a Empresa Brasileira de Filmes S/A, a Embrafilme, de economia mista, cujos principais objetivos eram a promoção e a distribuição de filmes no exterior em cooperação com o INC. Do capital social da empresa, 70% eram subscritos pela União, representada pelo MEC, e os restantes por outras entidades de direito público e privado. No plano econômico-financeiro, foi agraciada com o montante do imposto retido sobre o lucro das companhias internacionais. Na esfera político-administrativa, pretendia-se a promoção do filme brasileiro no exterior. Cabe lembrar que naquele momento o cinema brasileiro mais engajado, formal e politicamente, gozava ainda de grande prestígio internacional, tornando evidente o interesse do regime militar em manter um controle efetivo sobre a atividade. A reação da classe cinematográfica foi de absoluta indignação, denunciando a inconseqüência e o autoritarismo da criação de um órgão voltado ao mercado externo sem que se considerasse a necessidade de expansão do mercado nacional, por medida efetivada sem uma detalhada discussão com os diversos setores da indústria cinematográfica. Nas primeiras gestões da Embrafilme, vamos encontrar, direta ou indiretamente, ligações com o regime através de uma sucessão de membros da diretoria aparentados a militares, mas a subordinação à instância militar vai se dissolver gradativamentei. Em 1970, na gestão de Ricardo Cravo Albin, a Embrafilme concede os primeiros financiamentos à moda do empréstimo bancárioii, considerando sua clientela empresas e produtores, a quem de fato a empresa financiava, Cinema :: numa prioridade de atendimento mediante contagem de pontos de acordo com sua experiência industrial e profissional. Os julgamentos qualitativos ou ideológicos sobre os projetos apresentados eram minimizados, ao mesmo tempo em que se enfatizava o aspecto comercial dos filmes. A liberação dos primeiros financiamentos atenua as críticas constantes à empresa, mas já se enseja uma reformulação e ampliação das suas funções. Em 1972, são feitas modificações no modo operacional da empresa, e logo surge a co-produção: a empresa se associa financeiramente ao risco do empreendimento comprando parte do direito patrimonial do filme. A relação com a classe cinematográfica se estreita no I Congresso da Indústria Cinematográfica, e a comissão dos produtores apresenta também o Projeto Brasileiro de Cinema, já propondo a reestruturação da Embrafilme, que passaria a empresa pública, regida pelo direito público, com autonomia financeira e administrativaiii. Logo foram feitas as reformulações administrativas, uma vitória dos produtores através do seu sindicato. O Estado cria um prêmio para filmes voltados às platéias infantis e para filmes históricos e literários em 1973, significativos estímulos para a “dignificação” da atividade cinematográfica, sinalizando um projeto de indução ideológica de caráter nacionalista e didático, política que entra em choque com a produção comercial reinante, à base de comédias ligeiras associadas ao modelo italiano. Em 1973, aprova-se a criação de uma distribuidora para atuar no eixo Rio–São Paulo. O amuleto de Ogum, de Nélson Pereira dos Santos, foi um dos primeiros filmes co-produzidos e distribuídos pela empresa enquanto vigorava o financiamento. A pedra de toque será o estrondoso sucesso de Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto, cuja distribuição foi efetuada pela Embrafilme com um inovador sistema de controle de bilheteria. Naquele período, o “apadrinhamento” por parte de segmentos militares mais sensíveis à questão cultural foi fundamental para o estreitamento das relações entre os setores da atividade cinematográfica e o Estadoiv. No início de 1974, algumas conquistas já tinham sido consolidadas, e a reserva de mercado para o produto nacional atendia aos interesses de um projeto nacionalista do governo militar, complementados por recursos financeiros destinados diretamente à produção pelo sistema de financiamento. 91 :: Acervo - IDART 30 Anos Na transição para o governo Geisel, os vínculos entre o cinema e o Estado se estreitam com a indicação do produtor-cineasta Roberto Farias para a direçãogeral da Embrafilme, com o apoio explícito da classe cinematográfica. Glauber Rocha e Nélson Pereira dos Santos, a nata do Cinema Novo, estiveram nas articulações para a indicaçãov. Roberto Farias seria o elemento de união entre as correntes nacionalista, articulada com o desenvolvimentismo, e a industrialista, absorvendo as formas de produção e os moldes artísticos estrangeiros, correntes conflitantes desde os anos 50 e 60vi. A “nova” Embrafilme será prioritariamente uma área de poder do grupo nacionalista, associado ao cinema novo. Entre as mudanças encaminhadas em 1974 se encontra a extinção do INC, a criação do Conselho Nacional de Cinema (Concine), a ampliação da Embrafilme e a criação do Centrocine (Fundação Centro Modelo de Cinema), ligado à cultura cinematográfica (pesquisa, memória, filmes técnicos, científicos e culturais etc.). A Embrafilme acrescentaria a suas atribuições a co-produção, a exibição e distribuição de filmes em território nacional, a criação de subsidiárias em todo o campo da atividade e o financiamento da indústria cinematográfica (filmes e equipamentos). 92 A partir de então, a Embrafilme, introduzindo de fato o sistema de coprodução, pelo qual assume o risco do investimento em projetos, e ampliando o volume das operações de distribuição, modelará sua mais ousada configuração enquanto intervenção estatal na atividade cinematográfica. A cumplicidade estabelecida na associação financeira a um projeto e a responsabilidade requerida para sua comercialização levarão para o interior da empresa a absoluta gerência administrativa do produto fílmico, até ali delegada aos setores privados. Paralelamente, vê-se diminuir, no âmbito da empresa, o papel dos produtores enquanto aumenta a importância dos diretores, a nova clientela da casa. A Embrafilme investirá até 30% de um orçamento-teto e terá os direitos de distribuição para cinema e televisão no Brasil e no exterior. Acoplado a essa operação, entra em cena o adiantamento de até 30% do orçamento sobre a renda de filmes. O produtor passa a receber 60% do orçamento do filme, e a Embrafilme garante para si uma participação societária em todas as receitas auferidas durante a vida comercial do filmevii. A co-produção com adiantamento de distribuição (CO-DIS) traz à tona duas idéias características do modo de Cinema :: operação da empresa: o investimento passa a ser prioritariamente em filmes e a necessidade de se montar uma estrutura de distribuidora. Enquanto se regularizava o novo sistema, continuavam os financiamentos. Foram 106 filmes entre 1970 e 1975, obras da importância de São Bernardo (Leon Hirszman, 1970), Toda nudez será castigada (Arnaldo Jabor, 1972), Guerra conjugal (Joaquim Pedro de Andrade, 1974), ao lado de comédias picantes e produções baratas de gênero variado. O Instituto Nacional de Cinema é extinto em 1975, e os bens e as atribuições da Embrafilme são ampliados. Ela vai produzir, financiar, promover, distribuir e premiar o filme brasileiro, além de cuidar de seu lado cultural, com orçamento ampliado por dotações, taxas e receitas diversas, todas advindas da própria atividade cinematográfica. Em função da necessidade de uma instância reguladora, foi criado o Concine, em 1976, subordinado diretamente ao MEC, com muitos representantes oficiais. Um clima de otimismo apontava para uma definitiva consolidação industrial do cinema brasileiro e para a obtenção de sua independência econômica. A atividade do cinema se impunha enquanto esfera de negociação que busca sua legitimidade junto ao governo e à opinião pública. E as demandas foram acolhidas e abonadas por fartos recursos oficiais. Os primeiros anos da década de 1970 serão a fase áurea da relação préindustrial do cinema intermediada pelo Estado, que só sofrerá os primeiros reveses no início dos anos 80, quando vai se consolidar um mercado de amplas proporções, ainda que majoritariamente ocupado pelo produto estrangeiro. Paralelamente ao equacionamento do problema da produção, a ação deflagrada pela classe cinematográfica junto à Embrafilme e ao Concine visava a atingir o cerne mesmo da economia cinematográfica, voltando-se para a distribuição e a exibição dos filmes. Tradicionalmente favorável ao cinema estrangeiro, cuja elasticidade de comercialização é bem mais ampla, minimizando os riscos financeiros e se beneficiando de favorável recepção ditada por uma política constante de dominação cultural, o setor exibidor rechaçava com veemência a intervenção estatal como instância reguladora do mercado e o arbítrio da exibição compulsória. Já o produtor, determinado a viabilizar seu filme no mercado e defrontando-se com adversário histórico do porte do cinema americano, recorria à interferência do Estado como exigência para a continuidade de sua produção. Sabe-se que, quando os setores produtor 93 :: Acervo - IDART 30 Anos e exibidor se aliam, as possibilidades de sucesso econômico se multiplicam. Politicamente estabelecida ao lado do grupo produtor, a Embrafilme visava também a escoar com garantia sua produção, que se avolumava a cada ano, encampando através do Concine a luta pelo aumento da reserva de mercado, elevada então a seus mais altos patamares. Entre 1974 e 1979, a reserva de mercado evoluiu de 84 para 140 diasviii. Em 1977, a Lei da Dobraix e o recolhimento compulsório de 5% da renda dos filmes estrangeiros para pagamento do filme de curta metragem, cuja exibição era obrigatória por resolução do Concine, causam sobressaltos no cinema estrangeiro, desencadeando a vinda ao Brasil do todo-poderoso Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association, para entabular negociações que terminaram em ameaças de recurso à justiçax. Armava-se um cerco à evasão de divisas com o controle de bilheteria (através da venda do ingresso padronizado) e a obrigação de investimento no curtametragem, detonando uma retaliação judicial e um número enorme de mandados de segurançaxi. 94 Todavia, a arrecadação aumentava, o mercado se desvendava, os filmes brasileiros começaram a ter um desempenho que demonstrava as potencialidades do mercado. Atuando no campo jurídico-administrativo, os produtoresrealizadores conseguem, através da Embrafilme, retomar um pouco do território ocupado pelo cinema estrangeiro. Entre 1974 e 1979, a venda de ingressos para filmes nacionais teve incremento de 16%, e a de filme estrangeiro, diminuição de 1,6%xii. A Embrafilme conduzia o processo, distribuindo nacionalmente curtas e longas-metragens. Em determinado momento, sua distribuidora foi considerada a maior da América Latina. Enquanto produtora, ela valorizava o filme de orçamento médio, no pressuposto de que a quantidade geraria a qualidade. Alguns dos filmes co-produzidos: Lição de amor (Eduardo Escorel, 1974), A noiva da cidade (Alex Vianny, 1974), Xica da Silva (Carlos Diegues, 1974), Aleluia Gretchen (Sílvio Back, 1975), Mar de rosas (Ana Carolina, 1975), Anchieta José do Brasil (Paulo César Saraceni, 1976), Dama do lotação (Neville d’Almeida, 1976), Doramundo (João Batista de Andrade, 1976), A idade da terra (Glauber Rocha, 1977), Gaijin (Tizuka Yamazaki, 1978), O gigante de América (Júlio Bressane, 1978), Muito prazer (David Neves, 1978), Pixote, a lei do mais forte (Hector Babenco, 1978), Eles não usam black-tie (Leon Hirszman, 1979), Beijo no asfalto (Bruno Barreto, 1980), Cabra marcado para morrer Cinema :: (Eduardo Coutinho, 1980), entre muitos outros, um espectro amplo de filmes, com alguns notáveis resultados de bilheteria. O conjunto de medidas adotadas significou o inusitado enfrentamento direto com o capital internacional, numa perspectiva ainda ausente na prática de outras atividades econômicas mais estratégicas. Durante os anos 70, estavam em articulação vários sindicatos patronais, associações profissionais, associações de produtores e de diretores, bem como de curta-metragistas através da Associação Brasileira de Documentaristas-ABD, voltados para a construção de um projeto que atendesse ao maior volume de interesses em jogo. Esta última vai encabeçar a luta pela exibição obrigatória do curta nacional antes do longa estrangeiro, uma briga que, quanto mais se tornava eficiente, mais provocava a reação dos exibidores, que passaram também a produzir filmes de baixa qualidade enquanto recorriam a mandados de segurança contra a aplicação da lei. O choque provocou a interrupção dos recursos (que realimentavam o sistema produtivo) e o estrangulamento do circuito produção-distribuição-exibição, que se esboçava benéfico para a atividade cinematográfica, uma vez que diretamente vinculado ao mercado. Outras medidas demonstram o clima de ebulição da época: a profissão de artista e técnico em espetáculos de diversões é regulamentada em 1978, atendendo a uma velha reivindicação da categoria; são criados ou ampliados alguns pólos regionais de produção - Minas Gerais e Rio Grande do Norte em 1976, Pernambuco, Bahia e São Paulo em 1977 etc.; o Conselho Nacional de Cineclubes é reorganizado em 1973 e possibilita a criação da Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes em 1976; a prática do cinema independente enseja a criação da Cooperativa dos Realizadores Cinematográficos AutônomosCorcina, em 1978, reunindo 45 realizadores e centenas de filmes, enquanto quarenta profissionais de cinema vencem a timidez frente à exibição e fundam a Cooperativa Brasileira de Cinema, também em 1978, arrendando dez salas do circuito Pelmex, com o aval da Embrafilme, para exibir suas películas. Dois programas especiais de produção vão demonstrar o alcance das políticas preconizadas pela Embrafilme: no fim da década, a empresa resolveu produzir, incentivada pelo Ministério da Educação e Cultura, uma pesquisa 95 :: Acervo - IDART 30 Anos de tema para filmes históricos, de grande alarde e fartos recursos, que nunca chegaram a se concretizar. O outro foi o programa especial de pilotos para séries de televisão, numa atitude arrojada de se associar ao campo eletrônico do audiovisual que se consolidava naquele momento, definindo o que seria, no futuro, o imaginário brasileiro para exportação. A iniciativa também não colheu o resultado previsto, mas serviu para estimular a competição da Rede Globo, que pôs no ar, imediatamente em seguida, seus seriados (Malu Mulher, Carga Pesada, Plantão de Polícia e Aplauso), de estrondoso sucesso. O Estado encampou de modo direto as principais lutas do cinema brasileiro deflagradas nos anos 70, período de experimentação das políticas propostas pela classe cinematográfica, através da construção de um canal legítimo de representação no interior das agências governamentais. Paralelamente, no circuito não dependente da Embrafilme, as películas de conteúdo erótico vão radicalizar seu discurso chegando ao sexo explícito. São Paulo conhecera sua Boca do Lixo, mais que uma produtora, uma associação lucrativa entre produtores e exibidores, principalmente no interior. 96 A crise econômica instalada no país no fim da década será o elemento diluidor do crescimento da atividade, e os anos 80 vão revelar a outra face da moeda: desmobilizado o projeto cultural do Estado, imerso principalmente nas dificuldades econômicas que se abatem sobre as sociedades periféricas ao grande capital, a atividade cinematográfica retroage sensivelmente, adequando-se a uma escala menor. O esfacelamento da identidade da classe cinematográfica no acompanhamento daquele processo demonstrou a falência de uma utopia de independência e apontou para diferentes opções de atuação. Durante os anos 80, a Embrafilme enfrentou a crise econômica, a reorganização e a redemocratização da sociedade civil (com a anistia e as diretas-já), reduzindo o número de filmes produzidos sob argumento de uma qualidade mais competitiva e uma campanha de difamação na imprensa, baseada em supostos favorecimentos e corrupção. A essa altura, devido a uma crise interna de representação, o diretor-geral indicado não pertencia aos quadros da classe cinematográfica, invertendo a tendência de continuidadexiii. A idéia de um cinema comercial, voltado diretamente para o mercado e associado ao aparelho de Estado, apontava para um modelo concentracionista de pequenos Cinema :: grupos e grandes investimentos, ameaçando os produtores independentes e atuando numa faixa de menor disponibilidade de recursos, abertos a um maior número de tendências e disputando no terreno de exibição de segunda linha sua legitimação comercial. O aumento galopante da inflação fez com que os orçamentos se tornassem problemáticos, exigindo reajustes constantesxiv. As complementações de verbas oficiais escasseavam, e a atividade como um todo sofreu um refreamento. A força da intervenção governamental no aparato institucional do cinema se fez notar no episódio da demissão do diretor-geral Celso Amorim por conta do escândalo político nos meios militares representado pela produção e exibição do filme Pra frente Brasil, de Roberto Farias, que tratava da ditadura e da tortura. Internamente, a estrutura administrativa da Embrafilme sofre novas modificações, as modalidades operacionais voltaram a exigir garantias sólidas, e a diretoria se envolveu diretamente na negociação das operações. Alguns filmes vão marcar essa derradeira fase da empresa: Memórias do cárcere (Nélson Pereira dos Santos, 1983), O beijo da mulher aranha (Hector Babenco, 1984), A marvada carne (André Klotzel, 1985), O homem da capa preta (Sérgio Rezende, 1985), A hora da estrela (Suzana Amaral, 1985), com passagens importantes por festivais internacionais. Em julho de 1986, é criada a Lei Sarney, dispondo sobre a renúncia fiscal para a produção de projetos culturais. Os filmes da Embrafilme precisam ter seus orçamentos completados com verba externa, dos benefícios fiscais concedidos a operações de caráter cultural ou artístico, disputando com as outras artes as verbas para patrocínio. Em 1988, é criada a Fundação do Cinema Brasileiro-FCB, com a finalidade de operacionalizar o lado cultural da atividade cinematográfica, voltado ao filme curto e ao documentário. Em 1990, na coroação do pleno retorno à sociedade civil, o presidente Fernando Collor de Melo, em sua ânsia privatista, extingue sumariamente a Embrafilme e órgãos afins. A operação de desmonte da atividade cinematográfica 97 :: Acervo - IDART 30 Anos atingiu a capacidade de produção e competição do cinema brasileiro no seu próprio mercado. Nem mesmo os mecanismos de controle estatístico foram preservados pelo Estado. Da situação confortável frente ao mercado, o cinema reduziu-se novamente a uma atividade periférica, recomeçando do zero. A produção nacional, que atingira na década de 70 mais de 100 filmes por ano, com ocupação de um terço do mercado, volta a níveis insignificantes, permitindo a reconquista desse terreno pelo cinema americano. O cinema brasileiro perdeu suas agências financiadoras, sua capacidade de produção e de distribuição e seu público, em conseqüência também da modernização tecnológica (TV em cores e homevideo), que mudou radicalmente o panorama do mercado de cinema. 98 Foi a partir da criação da Embrafilme que a atividade cinematográfica teve assegurada sua mais eficiente expressão dentro do aparato do Estado. Até então, as medidas legislativas implantadas e a criação do INC, indefinido enquanto órgão voltado à ampla atuação na economia do cinema, foram a preparação do terreno no qual, na década de 70, se deu a definitiva aproximação entre cineastas e agências estatais. Fruto de uma política oficial de convivência com as oposições e integrada numa forma de capitalismo de Estado que não excluía os setores da indústria cultural, a Embrafilme consolidou seu processo de modernização, embora ainda sob a égide do regime militar e da censura, e abrigou, como afirmação ideológica, a necessidade de conquista do mercado interno. O ato revelador desse programa foi a indicação de cineastas para o encaminhamento da política cinematográfica dentro da mais abrangente autonomia administrativa. A aceitação, assim, respondeu à pressão dos setores organizados, delegando-lhes a competência para gerir o próprio destino com relação à sua inserção no mercado. Os anos 1974-1979 caracterizaram o período de experimentação, no qual foram desenvolvidas em sincronia duas das mais importantes ramificações da atividade: a produção e a distribuição. À medida que se acelerou o desenvolvimento dessas duas forças dinâmicas, vieram à tona as contradições fomentadas por elas no interior do próprio mercado, expondo a fragilidade da política oficial para o cinema. No estabelecimento de interesses específicos dos diferentes grupos na área de produção, ficou configurada, por parte do Estado, a opção revelada por duas atitudes: a diversificação da produção, numa Cinema :: abrangência temática de absoluta liberalidade; e o fortalecimento da figura do realizador-produtor, facilitando seu acesso aos recursos governamentais enquanto clientelas privilegiadas. A expansão do setor de produção não se deu pela capitalização de suas categorias empresariais ou pela sedimentação de seu parque industrial, mas pela opção definitiva pelo produto fílmico, principalmente após a adoção da co-produção. Se o financiamento pressupunha uma relação de compromisso financeiro individual ou privado compatível com as possibilidades de empresas produtoras estabelecidas, a nova modalidade operacional levou à responsabilidade do Estado todo o risco do empreendimento fílmico. Pelo descomprometimento com as leis do mercado de exibição, essa distorção, em que o Estado subsidia e promove diretamente o processo produtivo, caracterizou também o aparecimento de um cinema híbrido que, embora sem chancelas dirigistas, se localizou entre as perspectivas do mais arrojado cinema autoral e do mais inconsistente cinema comercial. Tal ambigüidade, que, por outro lado não pode deixar de ser considerada benéfica, dimensionada em função dos recursos disponíveis, fez imobilizar o sistema de produção de filmes por desconsiderar para o jogo de mercado as expectativas e as viabilidades concretas de sua comercialização. No conjunto de fragilidades do projeto de Estado para a atividade cinematográfica, a produção e a distribuição foram também os fatores que propiciaram o surgimento das principais fraturas da unidade estabelecida em torno das gestões administrativas da empresa, no fim da qual se cancelou a relação direta mantida com os setores da classe, substituindo-a por nova forma de intermediação. A originalidade e a abrangência das questões colocadas no período, determinadas por uma consistente investida contra a ocupação do mercado pelo filme estrangeiro, se diluíram entre as novas condições que iriam se estabelecer na década seguinte, como se o cinema brasileiro recomeçasse do zero. 99 :: Acervo - IDART 30 Anos :: NOTAS i Já em setembro de 1970, o diretor-geral era Carlos Guimarães de Mattos Jr., filho de um brigadeiro da Aeronáutica, assim como o diretor administrativo era o vice-almirante Boris Markenson. Em 1972, o brigadeiro Armando Tróia foi o diretor-geral, sucedido por Walter Borges Graciosa (1972), amigo do ministro Jarbas Passarinho. AMÂNCIO, T. Artes e manhas da Embrafilme. Niterói: EDUFF, 2000. ii 10% de juros pela Tabela Price, carência de 12 meses e pagamento em 24 meses, através de promissórias avalizadas. iii Filme Cultura, nº 22, nov-/dez, 1972. iv 100 Tanto o coronel Jarbas Passarinho quanto o coronel Ney Braga, que o sucedeu no Ministério da Educação e Cultura, lideravam grupos de pressão bastante influentes junto aos órgãos encarregados do planejamento dos recursos da União. Ambos foram os autores de inúmeras iniciativas na área cultural. v ROCHA, G. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1981; SANTOS, N. P. dos. Entrevista ao autor, Niterói, 1989. vi RAMOS, J. M. O. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. vii 5 anos, prazo de vigência do certificado de censura. viii ALTBERG, J. Política cultural no cinema. IUPERJ / FUNARTE, maio 1983. ix Mecanismo que permite a manutenção do filme brasileiro em cartaz na segunda semana caso ele supere ou iguale o índice de freqüência semanal do mesmo cinema no semestre anterior. x Dario Correa, assessor jurídico da Embrafilme, em entrevista concedida ao autor em novembro de 1985. xi Idem Cinema :: xii Embrafilme/Departamento de Ingresso Padronizado (DIP). Mercado Cinematográfico Brasileiro. 1980. xiii O indicado será o embaixador Celso Amorim, dos quadros do Itamarati. Os próximos diretores-gerais serão Roberto Parreira (1982-1985), Carlos Augusto Calil (1985-1986), Fernando Ghignone (1987-1988) e Moacir de Oliveira (1988-1990), na maioria das vezes, da administração pública. xiv Os reajustes vigoravam desde a década anterior e se transformaram num pesadelo para a administração, que via crescer de maneira espantosa o número de aditamentos aos contratos originais. O controle financeiro das produções, com os níveis altos de inflação, chegou a ser quase impossível. 101 :: Acervo - IDART 30 Anos :: EMBRAFILME: A ESTATAL DO CINEMA BRASILEIRO (AS 5 EMBRAFILMES) A Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S/A foi criada pelo Decreto-lei nº 862, de 12 de setembro de 1969, como complemento ao INC – Instituto Nacional do Cinema, autarquia criada em 1966 que detinha as funções normativas, financiadoras e de incentivo à cultura. A intenção dos criadores de uma “sociedade de economia mista”, subordinada ao MEC – Ministério da Educação e Cultura, baseava-se, subjetivamente, em exportar filmes que destacassem a nacionalidade brasileira, produzidos por diretores simpáticos ao ideário dos governantes. Alguns autores até sugerem que sua concepção tenha como nascedouro a ESG – Escola Superior de Guerra, o núcleo ideológico do regime militar. 102 A não sobreposição às atividades do INC mostrar-se-ia retórica, pois desde a fundação da empresa avançou-se sobre as atividades de produção de filmes através de incentivos a produtos que se caracterizassem como de “alta qualidade”, baseados em fatos históricos ou em reconhecidas obras da literatura nacional. Nesse período, o cinema brasileiro obtinha excelentes resultados de bilheteria através da exibição das estigmatizadas comédias, as famosas pornochanchadas, que recebiam apoio financeiro do INC, seja através de financiamentos, seja por premiações proporcionais aos números de arrecadação dos filmes, através do mecanismo conhecido como adicional de rendas. Nos primeiros anos da década de 70, a participação de filmes brasileiros no cômputo total das bilheterias atingia índice médio de 16%. Os idealizadores da Embrafilme tinham em mente não só exportar ideologia (e, de forma imediata, combater os filmes de oposição ao regime que obtinham boa repercussão nos principais festivais internacionais), mas também gerar uma cinematografia que se sobrepusesse à produção dos filmes populares. A expansão das atividades da Embrafilme seria rápida, tornandose a principal fonte da política de produção de filmes nacionais, sustentada pela transferência para seus cofres da arrecadação dos recursos advindos da remessa de lucros sobre a exploração de filmes estrangeiros exibidos no país, que, anteriormente, eram depositados no INC. Propunha-se a restrição da atuação do INC no campo institucional da legislação protecionista e, Cinema :: para a “sociedade de economia mista”, reservava-se o papel de fomento à produção de produtos audiovisuais. A aproximação dos integrantes do cinema novo com a diretoria da empresa, ou de forma mais concreta, com o governo, far-se-ia nas proximidades da ascensão de Ernesto Geisel à presidência da república. Derrotada a linha dura do golpe militar e iniciado o processo de distensão, os cinemanovistas representavam, se não uma possibilidade de cooptação política, ao menos a possibilidade de redução dos conflitos e uma alternativa à produção de filmes com fins eminentemente comerciais dos produtores das pornochanchadas. Glauber Rocha, ao se referir a esse processo de aproximação, chamava a atenção que os diálogos com o ministro da educação Jarbas Passarinho resultaram não só nas grandes medidas legislativas de proteção do mercado quanto na constituição da Embrafilme, antes apenas um departamento de exportação do INC, criada pelos fracassados aventureiros da Vera Cruz2. Muito além do oportunismo comercial, encontramos nessa nova aliança uma forte identificação, se não no plano ideológico, ao menos nos instrumentos do nacionalismo terceiro-mundista tão fortemente impregnado tanto no movimento cinematográfico quanto no pensamento da teoria geopolítica do governo. O desenvolvimento da indústria nacional e a defesa da cultura brasileira eram temas que vigoravam nas pautas do cinema novo e que coincidiam com as idéias do general Golbery do Couto e Silva, a quem, em 1974, um Glauber Rocha ainda exilado chamara “o gênio da raça” numa entrevista à revista Visão. O cinema novo que conquistara a crítica internacional não possuía mais o mesmo vigor contestatório, tampouco a visão focada na abordagem dos problemas da miséria e do domínio econômico como apresentara durante a década de 1960. Experiências em busca do grande público haviam sido tentadas, resultando em alguns sucessos como Roberto Carlos em ritmo de aventura, A 300 quilômetros por hora, Macunaíma e Toda nudez será castigada. Se a realização de filmes destinados ao grande público não provocara uma ruptura dentro do movimento, ao menos possibilitara diferentes visões sobre o processo criativo e sobre o mercado. Os cinemanovistas identificavam a dificuldade em atingir o mercado pelas mãos de pequenas distribuidoras, como 103 :: Acervo - IDART 30 Anos aquelas que haviam constituído, a Ipanema Filmes, a Mapa Filmes e a Difilm. Faltavam recursos para a confecção de cópias, publicidade, promoção e para o tráfego necessário para uma boa performance comercial. 104 No cenário da sucessão presidencial que ascendeu o general Ernesto Geisel ao poder, iremos encontrar a aproximação entre cineastas e governo, numa interlocução direta e oficiosa com o cinema novo, que de coadjuvante passa a um papel principal.3 É exatamente nesse momento que começa, efetivamente, a história da Embrafilme enquanto instituição capaz de intervir na indústria cinematográfica nacional. O marco inicial, embora a empresa já tivesse quase cinco anos de vida, encontra-se na nomeação do cineasta Roberto Farias como seu diretor-geral. Cineasta bem-sucedido, com sucessos como Assalto ao trem pagador e os três filmes interpretados pelo cantor Roberto Carlos, Farias representava a linha mais pragmática na relação com o mercado. Defensor intransigente das reservas de mercado e das restrições de atuação do capital estrangeiro no cinema, montara uma profícua produtora, a RFFarias e uma atuante distribuidora, a Ipanema Filmes. Não se oferecia apenas o cargo supremo da empresa ao cineasta, mas também um vigoroso pacote de medidas, estabelecidas no Decreto-Lei n.º6281/75, que visavam a fortalecê-las: a extinção do INC, com o repasse de suas atividades fomentadoras e incentivadoras, assim como de seus recursos para a Embrafilme e a criação do Concine – Conselho Nacional de Cinema, que assumia as funções normativas e reguladoras. Nesse momento, observam-se duas premissas que serão o arcabouço do funcionamento da intervenção do Estado na indústria cinematográfica. A primeira referese à formulação de uma caixa de recursos destinados ao financiamento da estatal obtida através da vinculação de recursos advindos da própria economia cinematográfica, sejam eles: a já citada participação no imposto de renda incidente sobre as remessas de lucros de empresas distribuidoras estrangeiras instaladas no país, a cobrança de um percentual sobre a venda de ingressos dos cinemas (ingresso padronizado), o recolhimento de taxas incidentes sobre as cópias de filmes destinados à exibição nos cinemas (metro linear) e contribuições sobre os filmes de televisão e publicidade. A segunda premissa refere-se à adoção de um modelo dualista para o Cinema :: funcionamento setorial da indústria cinematográfica, com a formação de um conselho normativo e de seu par, uma empresa operacional destinada a atuar no mercado. Estabelecia-se para o cinema o mesmo formato que se estabelecera para os correios, a telefonia e, mesmo, o petróleo, em que o CNP – Conselho Nacional do Petróleo regulamentava e a Petrobrás fazia a política de mercado. O novo presidente da Embrafilme formulou políticas características de financiamento e incentivo à produção de filmes através da adoção de mecanismos de classificação de riscos na avaliação dos roteiros e de seus produtores e constituiu um departamento de distribuição que pretendia colocar no mercado os filmes de difícil distribuição. Acrescentou, ao arsenal de recursos reembolsáveis, a prática de co-produção, em que a estatal adquiria cotas patrimoniais dos filmes. Introduziu avanços financeiros sobre futuras receitas da distribuição dos filmes, aumentando as possibilidades de captação de recursos pelos produtores. Jarbas Barbosa e Luís Carlos Barreto (este, associado a Walter Clark, o então todo-poderoso diretor-geral da TV Globo), experimentados produtores e distribuidores, utilizaram a insípida gerência de distribuição da estatal nos lançamentos de Xica da Silva e Dona Flor e seus dois maridos (ambos lançados em 1976), reforçada por recursos econômicos destinados à confecção de cópias, publicidade e fiscalização das rendas, em montantes até então inéditos nos lançamentos de filmes brasileiros. Os resultados espetaculares dos dois filmes indicaram a viabilidade do fortalecimento da distribuidora, estabelecendo, assim, um confronto com a diretoria-geral da empresa, que projetava a essa gerência apenas um papel complementar às distribuidoras privadas nacionais. Farias entendia que a constituição de uma distribuidora estatal com capitais incentivados não possibilitaria a sobrevivência das demais existentes, e que deveria caber à estatal apenas a circulação de filmes de baixa possibilidade comercial e um papel secundário na atuação conjunta com os outros distribuidores em territórios geográficos de difícil retorno financeiro. A gerência de comercialização seria transformada numa superintendência, o que em termos práticos significava que se dava um relevo de primeira 105 :: Acervo - IDART 30 Anos grandeza, mas ao mesmo tempo, subordinava-a diretamente aos interesses da diretoria-geral. Deu-se a Gustavo Dahl o comando da distribuidora, respaldado pelos chamados “cardeais” do cinema novo. Ele, por sua vez, montou uma equipe organizada por diferentes perfis profissionais, contratando desde atuantes cineclubistas, estagiários universitários até executivos de escalão médio importados das grandes empresas distribuidoras de filmes estrangeiras. Em menos de dois anos, a distribuidora da Embrafilme representava um novo padrão comercial, introduzindo sofisticadas técnicas mercadológicas. A distribuidora seria, sem dúvida alguma, o mais eficaz instrumento de intervenção de mercado oferecido pelo governo, propiciando investimentos que igualavam o filme nacional aos estrangeiros, em termos comerciais, através do financiamento das campanhas de divulgação e publicidade, além de ofertar as cópias necessárias para atingir o número adequado de filmes. 106 A distribuição era, nesse período, o gargalo do mercado. Existia uma ampla rede de exibição, com mais de 3200 salas de exibição instaladas em praticamente todos os municípios significativos do território nacional. Portanto, o problema de circulação do produto nacional era disputar com as dezenas de distribuidores existentes a colocação do filme nos cinemas, os quais, por sua vez, eram receptivos à oferta de produtos, visto que raramente os lançamentos superavam um total de mais de 50 salas e, quase sempre, de forma escalonada e regional. Um filme, para atender a todo o mercado, demorava cerca de dois anos, com suas cópias pulando de um cinema para outro e, mesmo nas grandes capitais como São Paulo ou Rio de Janeiro, não se tinha mais do que uma cópia por região geográfica; no caso da Grande São Paulo, por exemplo, lançava-se um filme de grande impacto com no máximo quinze cópias. Enfim, a distribuidora da Embrafime ingressaria num mercado formado, sólido e estabelecido, que absorveu a entrada de mais um distribuidor com produtos diferenciados e com estratégias e investimentos nos lançamentos que apenas as grandes distribuidoras internacionais ofereciam. Nesse sentido, a Embrafilme apresentava-se como uma distribuidora forte, exatamente num período em que os grandes distribuidores internacionais Cinema :: fundiam-se, criando grandes corporações como a CIC (Cinema International Corporation), que distribuía a Universal, a Paramount, a United e a Disney. A distribuidora estatal utilizaria os mesmos mecanismos dos outros distribuidores, como as vinculações de exclusividade com cadeias regionais, provocando, muitas vezes, reclamações de empresas exibidoras de porte menor que viam seus interesses postergados para os maiores circuitos. Com sua ascensão, a distribuidora passou a ser identificada como o principal foco da empresa, enfatizando a diferença de visões entre os dois níveis de comando: a diretoria-geral e a superintendência de comercialização. Cogitou-se a cisão da empresa, como já se previra na constituição inicial da sociedade de economia mista, uma subsidiária voltada à comercialização, a exemplo do que já ocorrera com a Petrobrás, que criara a BR Distribuidora. Assim, chegamos ao final do governo Geisel com os dois executivos se propondo ao cargo da diretoria-geral da nova gestão. O novo Ministro da Educação Eduardo Portella (aquele que disse “estar ministro” e não “ser ministro”) indicou um terceiro candidato, extraído dos meios não cinematográficos: Celso Amorim. Diplomata com uma das mais bem-sucedidas carreiras do Itamarati, possuía relações de amizade de longa data com alguns diretores do Cinema Novo. O novo diretor-geral representava uma nova forma de atuação. Nesse sentido, é fundamental destacar que, embora, a atuação do anterior pudesse parecer independente do governo, de um cineasta fazendo políticas próprias em benefício de sua categoria. O que se tem é a aplicação de políticas típicas da gestão de Geisel, em que proliferaram as empresas estatais ou sociedades de economia mista que atuavam com forte independência do governo central, reforçada pela formulação peculiar de seus orçamentos e pela forma autônoma de obtenção dos recursos. Celso Amorim manteve as estruturas existentes, criando novas superintendências e dando maior ênfase à comercialização e à distribuição de filmes, inclusive no mercado externo. Entendeu que uma empresa forte representaria um cinema forte. Enfocou o processo de fortalecimento da empresa dentro do governo, criando mecanismos que defendessem a instituição, em especial modernizando a contabilidade dos financiamentos, 107 :: Acervo - IDART 30 Anos aplicando-lhes correção monetária, visto que a economia nacional já apresentava altos índices inflacionários. Além de corrigir monetariamente os investimentos em despesas de comercialização e aqueles aplicados em “avanços sobre futuras distribuições”, unificou as contas-correntes de filmes de uma mesma produtora de forma tal que, caso um produtor tivesse dívidas por um filme já lançado, não poderia usufruir os rendimentos de outro filme co-produzido ou em distribuição pela empresa enquanto não quitasse o anterior. Com isso, criou uma situação de choque com diversos produtores, ao mesmo tempo em que se confrontava com campanhas moralistas desenvolvidas no Congresso Nacional, em especial pelo obscuro senador Dirceu Cardoso (PMDB-ES) que, apoiado por produtores vinculados ao extinto INC, denunciava a estatal como uma usina de financiamento de filmes pornográficos. 108 A insatisfação dos produtores e dos cineastas não contemplados na gestão Amorim e mesmo daqueles que haviam sido beneficiados mas que se indignavam com a implantação dos novos regimes contábeis já expostos disseminava crises consecutivas. Acusava-se a diretoria da empresa de criar uma situação de penúria no cinema nacional em detrimento de uma empresa estatal rica. Exemplos desse clima podem ser localizados em incidentes extra-empresariais, como o suicídio do maquiador Gilberto Marques, em 1981, ou, mais veladamente, por ocasião da morte de Glauber Rocha, quando ocorreram protestos e artigos em jornais contra o gerenciamento da estatal. O grande problema do diplomata não adviria das discussões sexuais que tanto afligiam o senador Cardoso, tampouco da acidez dos produtores e realizadores, mas com aspectos mais intestinos ao governo militar. A Embrafilme, nesse período, produziu e distribuiu filmes de teor político ou de crítica social, destacando-se Pixote, Eles não usam black-tie, O bom burguês e Os anos JK, provocando mal-estar junto às áreas militares mais conservadoras. No caso de Pra frente Brasil, dirigido e produzido por Roberto Farias, o diretor-geral da empresa ignorou restrições, não só coproduzindo o filme como tratando-o como se as arestas ideológicas não mais existissem, fazendo ressurgir dos porões do regime os mais intensos protestos e pedidos de interdição, levando à sua demissão. Ficava claro que, acima da política cinematográfica, existia uma política Cinema :: de governo e, para garantir tal prioridade, foi indicado um novo diretorgeral, desta vez extraído dos quadros do governo militar: Roberto Parreira, ex-presidente da Funarte e da TVE, executivo intimamente ligado ao grupo do presidente Ernesto Geisel. Trouxe executivos de sua confiança para trabalhar nas gerências mais próximas, mantendo, contudo, profissionais de algumas das superintendências, as quais colocou sob vigilância. A administração de Roberto Parreira representaria um novo ciclo dentro da Embrafilme, no qual a estatal não deveria operar como componente do Estado mas sim, como um elemento do governo, oferecendo alternativas ao uso político de seu poder estratégico e financeiro. Aos poucos, surgiriam conflitos com alguns produtores, principalmente quando evitava produzir filmes de teor político ou erótico. Porém, sua habilidade política era capaz de administrar as relações com as lideranças dos cineastas, anulando as lideranças corporativistas. Ao mesmo tempo, esvaziava a força da distribuidora, que, a essa época, já se encontrava em declínio diante das dificuldades que o mercado cinematográfico apresentava, principalmente com o surgimento dos primeiros filmes pornográficos que esvaziavam o filão de filmes eróticos de sexo não explícito. A distribuidora, que já se sustentava, nos últimos anos, pela comercialização dos filmes dos Trapalhões e de filmes eróticos adquiridos no mercado paulista, como Convite ao prazer, Eros, o deus do amor, Iracema, a virgem dos lábios de mel e Amor estranho amor, perderia diversos profissionais, que foram se transferindo para outras empresas. A próxima gestão da Embrafilme viria junto à tempestuosa posse de José Sarney. O escolhido foi Carlos Augusto Calil, ex-diretor de operações não comerciais das gestões Celso Amorim e Roberto Parreira. Diretor de curtas-metragens e ex-curador da Cinemateca Brasileira, Calil retomou as discussões da cisão da Embrafilme em ao menos três órgãos: uma empresa pública, de administração direta, voltada ao financiamento e o incentivo da produção; uma fundação com fins culturais e uma empresa de economia mista destinada à distribuição de filmes. Retornava às diretrizes discutidas antes do estabelecimento da “sociedade de economia mista”, porém em um clima extremamente desfavorável, visto que o mercado declinava com o fechamento acelerado de salas. As distribuidoras estrangeiras diminuíam 109 :: Acervo - IDART 30 Anos a importação de filmes, as ações judiciais contra a legislação e as fontes de recursos da Embrafilme atingiam todos os segmentos da indústria. A mecânica de se obterem os recursos de orçamento advindos da própria atividade estava seriamente abalada. Se a atividade não era economicamente saudável, a Embrafilme não tinha como ser. Mesmo diante de tantas dificuldades, Calil tentou seguir adiante e, ao mesmo tempo, discutir a reformulação da empresa. Trouxe de volta alguns dos profissionais da distribuidora e assim teve sucesso comercial no ano de 1985, com filmes como A marvada carne e Eu sei que vou te amar. No plano político, diante de um clima instável provocado pela escassez de recursos, logo se veria em choque com o novo ministério da cultura criado pelo governo Sarney. Entraria em conflito com o ministro, Celso Furtado, que cunharia, nessa data, a célebre frase que, anos mais tarde, seria adotada como argumento insofismável por Ipojuca Pontes para extinguir as instituições voltadas ao cinema: O cinema brasileiro é uma indústria inviável.4 110 Identificamos na demissão do diretor-geral da empresa o momento em que se selou o fim da Embrafilme e, de forma indireta, a indecisão sobre o futuro do cinema brasileiro. Nos próximos anos, espelho de um mercado moribundo, a estatal do cinema rastejaria no oportunismo e na falta de direção dos dirigentes de momento. Enquadrando-se perfeitamente no retrato que, anos antes, o crítico Sérgio Augusto traçara como “a mais boliviana das estatais brasileiras”, tanto no que se refere ao clima conspiratório, na rápida sucessão dos dirigentes, como no seu caos administrativo. Do histórico da empresa estatal depreende-se que teve um percurso bastante parecido com o de outras instituições contemporâneas e, mais, representou uma atuação característica do governo militar nos diversos setores da economia nacional. Num primeiro estágio, a formulação do cinema nacional foi repartida com as elites identificadas ideologicamente com o golpe militar. O segundo estágio configurou-se como uma tentativa de se ter uma instituição com fartos recursos, capaz de subsidiar e financiar projetos nacionais de industrialização setorial com atuação Cinema :: executiva de conhecidos empresários do setor em sintonia com o Estado. No terceiro, identificamos uma reversão de expectativas do governo que opta por fortalecer os instrumentos de intervenção no mercado através de seus agentes, trabalhando para a condução dos negócios pelo próprio Estado. No quarto estágio, utiliza-se a estatal para o atendimento das necessidades do governo, tendo para tanto a inserção de agentes dispostos a barganhar e oferecer vantagens a produtores e diretores como ação política. Identifica-se no período da passagem para o Estado democrático, quando ocorre uma ampla discussão na sociedade civil sobre os caminhos da atividade cinematográfica. Neste estágio, o presidente da estatal será derrotado em sua proposição, e a empresa submetida às mazelas típicas da decadência, como o nepotismo, o oportunismo e o uso da máquina de governo. Tem-se citado a época de atuação da Embrafilme como os momentos mais felizes de nosso cinema. O auge da estatal foi em 1978, quando teve 37,98% do mercado interno de filmes brasileiros. Entre 1980 e 1984, o cinema brasileiro obteve participações de 30% a 35% do total do mercado, tendo a Embrafilme, em média, um terço dessas freqüências. Tais resultados foram alcançados com a mescla de linhas de financiamento de co-produção e adiantamento sobre futuras receitas com políticas de incentivo ao mercado, como a aplicação do adicional de rendas. Co-existiam, à época, dois distintos pólos de produção e distribuição: aquele vinculado à estatal e outro, ligado aos circuitos exibidores, que propiciavam uma ampla carteira de produção, pois o prêmio de freqüência de público constituía uma forte motivação para produzir filmes destinados ao mercado popular. É impossível dissociar a história de nossa “estatal do cinema” dos momentos políticos do país. Assim como é referência de um momento com grande nível de produção de filmes e de uma distribuição eficiente, constatamos que em diversos setores industriais. Ouvem-se os mesmos elogios às antigas estatais e ao que elas significaram às atividades, principalmente nos setores sem tradição, em que essas empresas representaram o desenvolvimento de conhecimento técnico e operacional, além de gerar um corpo de técnicos e dirigentes que, mais tarde, seriam absorvidos pelo mercado. Não se trata de movimento que distinga a Embrafilme de outras estatais, como a Cobra, o 111 :: Acervo - IDART 30 Anos Serpro, a Cobec, a Petrobrás, a Embraer, a Embrapa ou outras empresas que formaram e que foram os grandes fornecedores de mão-de-obra especializada para os setores industriais pioneiros no país. As empresas públicas e as de economia mista representaram a base de implantação de uma série de atividades de avançada tecnologia e de importância estratégica no Brasil. Dessa forma, sem querer desqualificar a atuação da Embrafilme e de seus dirigentes, entendemos que qualquer análise sobre sua atuação deve, antes de mais nada, observar os elementos que a qualificam dentro do ambiente político e histórico em que operou. :: NOTAS 112 1 Cinema brasileiro: evolução e desempenho. Pesquisa 5. Fundação Japão, 1985, p. 5. Coordenada por Jô Takahashi. 2 ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Alhambra-Embrafilme, 1981, p. 336. 3 AMÂNCIO, Tunico. Artes e manhas da Embrafilme. Eduff, 2000, p. 42. 4 PONTES, Ipojuca. Cinema cativo. EMW Editores, 1987, p. 113. Cinema :: 113 São Paulo, 2008 Composto em Myriad no título e ITC Officina Sans, corpo 12 pt. Adobe InDesign CS3 http://www.centrocultural.sp.gov.br