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Cadernos de Pós-graduação

Cadernos de pós-graduação é uma publicação acadêmica, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE), da Universidade Nove de Julho (Uninove), de acesso aberto e gratuito. Cadernos se propõe a divulgar estudos e resultados de pesquisas pertinentes às questões educacionais de forma ampla e em diálogo com as demais áreas humanas e sociais, realizadas por alunos e professores, desenvolvidos nos programas de pós-graduação stricto sensu nacionais, estrangeiros e de outras organizações preocupadas com a produção do conhecimento científico. REPRODUÇÃO AUTORIZADA, DESDE QUE CITADA A FONTE A instituição ou qualquer dos organismos editoriais desta publicação não se responsabilizam pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos textos, de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).

Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 www.uninove.br/revistacadernoseduc [email protected] www.uninove.br ISSN eletrônico: 2525-3514 Cadernos de Pós-Graduação São Paulo nº 13 p. I - 173 jan./dez. 2014 1 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 © 2014 – Universidade Nove de Julho (Uninove) [email protected] wwww.uninove.br/revistacadernoseduc Reitoria www.uninove.br Eduardo Storópoli Expediente Pró-reitoria Acadêmica Revista Cadernos de PósGraduação Avenida Francisco Matarazzo, 612 - 1º andar - Prédio A Água Branca - São Paulo/SP Brasil CEP:05001-100 E-mail: [email protected] ISSN da versão online: 25253514 Contato Principal Prof. Dr. Carlos Bauer Editor Científico Universidade Nove de Julho Uninove, São Paulo Avenida Francisco Matarazzo nº 612 – 1º andar Prédio A Água Branca - São Paulo/SP Brasil CEP: 05001-100 Telefone: +55 (11) 3665-9366 Email: [email protected] E-mail alternativo: Maria Cristina B. Storópoli Diretoria do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) José Eustáquio Romão Diretoria do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE) Jason Mafra Diretoria de Pesquisa João Carlos Ferrari Corrêa [email protected] 2 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Conselho editorial: Adrián Ascolani – IRICE-CONICET [Argentina] Álvaro Acevedo Tarazona – UDES [Colômbia] Amarílio Ferreira Junior – UFSCar [Brasil] André Paulo Castanha – UNIOESTE [Brasil] Andre Robert – Université Lyon2 [França] Antonio Ozaí da Silva – UEM [Brasil] Cristian Fernando Gajardo Díaz – PIIE [Chile] Danilo Streck – UNISINOS [Brasil] Dante Castillo – PIIE [Chile] Danusa Mendes Alimeida – UECE [Brasil] Deise Mancebo – UERJ [Brasil] Edgar Pereira Coelho – UFV [Brasil] Evaldo Amaro Vieira – USP [Brasil] Eveline Algebaile – UERJ [Brasil] Everaldo Andrade – USP [Brasil] Heidi Soraia Berg – UFAC [Brasil] João do Prado – Unifesp [Brasil] José Rubens Lima Jardilino – UFOP [Brasil] Julián Gindin – UFF [Brasil] Kate Rousmaniere – Miami University [EUA] Luciana Pacheco Marques – UFJF [Brasil] Marcos Francisco Martins – UFSCar/Sorocaba [Brasil] Maria Beatriz Moreira Luce – UFRGS [Brasil] Marisa Bittar – UFSCar [Brasil] Nima I. Spigolon – Unicamp [Brasil] Oscar Espinoza – [Chile] Raymond Morrow – UAlberta [Canadá] Silvia Maria Manfredi – IPF [Brasil] Silvio Gallo – Unicamp [Brasil] 3 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Equipe Editorial Diretor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) José Eustáquio Romão, Universidade Nove de Julho, Brasil Diretor do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE) Jason Ferreira Mafra, Universidade Nove de Julho, Brasil Editores Carlos Bauer, Universidade Nove de Julho, Brasil Ligia de Carvalho Abões Vercelli, Universidade Nove de Julho, Brasil Analista Editorial Juliana Aparecida Cezario, Universidade Nove de Julho, Brasil Projeto Gráfico e Composição João Ricardo Magalhães Oliveira, Universidade Nove de Julho, Brasil Cássio Diniz Hiro, Universidade Nove de Julho, Brasil Revisão Carlos Coelho Cadernos de pós-graduação é uma publicação acadêmica, do Programa de PósGraduação em Educação (PPGE) e do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE), da Universidade Nove de Julho (Uninove), de acesso aberto e gratuito. Cadernos se propõe a divulgar estudos e resultados de pesquisas pertinentes às questões educacionais de forma ampla e em diálogo com as demais áreas humanas e sociais, realizadas por alunos e professores, desenvolvidos nos programas de pós-graduação stricto sensu nacionais, estrangeiros e de outras organizações preocupadas com a produção do conhecimento científico. REPRODUÇÃO AUTORIZADA, DESDE QUE CITADA A FONTE A instituição ou qualquer dos organismos editoriais desta publicação não se responsabilizam pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos textos, de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es). 4 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Sumário / Contents: Editorial / Editor’s note Ligia de Carvalho Abões Vercelli, Carlos Bauer Dossiê temático – Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Themátic dossier – Manifest of the Pioneers of the New School Ciência, técnica e filosofia: refletindo sobre o ideário filosófico do Manifesto dos Pioneiros Science, Technique and Philosophy: reflecting on the philosophical ideas of Pioneers Manifest Antonio Joaquim Severino Fernando de Azevedo: “História de minha vida” – apontamentos do processo civilizador de Norbert Elias Fernando de Azevedo: "of my life story" / notes process civilizing of Norbert Elias Roberto Marin Viestel Supervisão no ensino de psicologia: aspectos históricos Supervision in the teaching of psichology: historical aspects Elaine T. Dal Mas Dias Ideário da Escola Nova e nacionalismo: elementos para a escrita da história de instituições escolares primárias de Santa Catarina Ideal of New School and nationalism: elements for writing a history of the primary educational institutions of Santa Catarina 9 11 13 23 33 47 Ademir Valdir dos Santos, Ana Paula da Silva Freire, Elcio Cechetti 5 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A presença da interculturalidade no Manifesto dos Pioneiros da Educação The interculturality presence in Education Pioneers Manifest. Francisca Eleodora S. Severino A história de um instituto público na formação de professores (1946-1979) History of a teachers education public institution (1946-1979) Lúcia Tavares Nascimento, Jaqueline Castilho Moreira Movimentos sociais: relação com a luta pela instituição do cargo de coordenador pedagógico nas EMEIS paulistanas – 1983-1989 Social movements: related to the strugle for the institution of pedagogical coordinator as a legal profession in public schools called EMEIS in São Paulo between 1983-1989 Marie Rose Dabul O currículo de língua portuguesa da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo para ciclo I do ensino fundamental The curriculum of portuguese language the Secretary of Education of the São Paulo state for the cycle I of the elementary school Sheila Moreschi Campos de Souza Pareceristas Ad hoc – 2014 Instruções para os autores / Instructions for authours 67 81 99 121 139 140 6 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Editorial Editor’s note 7 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 8 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Manifest of the Pioneers of the New School H istória e atualidade do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi a temática escolhida para esse número dos Cadernos de pós-graduação. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, tornado público em 1932, é por muitos considerado um dos principais alicerces da organização da educação pública, preconizando sua reconstrução, com a conformação de dispositivos políticos e institucionais que haveriam de assegurar sua democratização e transformação num direito inalienável da população brasileira no itinerário de sua modernização. Os Pioneiros trouxeram à tona os problemas sociais postos para todos aqueles que procuravam compreendê-los, estavam comprometidos com a sua superação e entendiam que a consagração da escola pública, laica e gratuita para todos era uma tarefa histórica que não poderia ser mais adiada como fator decisivo para a consolidação da democracia no Brasil. Desde então, o interesse pelo Manifesto não cessou. Seus aspectos históricos, políticos, legislativos, institucionais, suas preocupações com a formação dos professores e a importância da defesa da educação pública e gratuita presentes nesses escritos permanecem suscitando um sem número de 9 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 produções acadêmicas. Com essa compreensão e a disposição de retomá-lo criticamente, organizamos o presente volume dos Cadernos, versando sobre a História e atualidade do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, cientes de que muitos dos seus desafios e contradições sociais continuam na ordem do dia, como apresentam os artigos dos autores que acolheram ao nosso chamado. São eles: Ciência, técnica e filosofia: refletindo sobre o ideário filosófico do Manifesto dos Pioneiros, de Antonio Joaquim Severino; Fernando de Azevedo: “História de minha vida” – apontamentos do processo civilizador de Norbert Elias, de Roberto Marin Viestel; Supervisão no ensino de Psicologia: aspectos históricos, de Elaine T. Dal Mas Dias; Ideário da Escola Nova e nacionalismo: elementos para a escrita da história de instituições escolares primárias de Santa Catarina, de Ademir Valdir dos Santos, Ana Paula da Silva Freire e Elcio Cechetti; A presença da interculturalidade no Manifesto dos Pioneiros da Educação, de Francisca Eleodora S. Severino; A história de um instituto público na formação de professores (1946-1979), de Lúcia Tavares Nascimento e Jaqueline Castilho Moreira; Movimentos sociais: relação com a luta pela instituição do cargo de coordenador pedagógico nas EMEIs paulistanas (1983-1989), de Marie Rose Dabul e O currículo de língua portuguesa da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo para ciclo I do ensino fundamental, de Sheila Moreschi Campos de Souza. Boa leitura a todos. Ligia de Carvalho Abões Vercelli Carlos Bauer 10 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 DOSSIÊ TEMÁTICO – Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Thematic dossier – Manifest of the Pioneers of the New School 11 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 12 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 CIÊNCIA, TÉCNICA E FILOSOFIA: REFLETINDO SOBRE O IDEÁRIO FILOSÓFICO DO MANIFESTO DOS PIONEIROS SCIENCE, TECHNIQUE AND PHILOSOPHY: REFLECTING ON THE PHILOSOPHICAL IDEAS OF PIONEERS MANIFEST Antonio Joaquim Severino Uninove/Feusp E-mail: [email protected] Resumo: O Manifesto dos Pioneiros, cujos 80 anos estamos a comemorar, tornou-se uma significativa referência na configuração da trajetória da educação brasileira, não só como bom registro de um de seus momentos históricos mais marcantes mas também como embate de posicionamentos filosóficos que expressaram o ideário da educação nacional. Nesse duplo movimento, ele retrata a transição da sociedade brasileira que estava passando de uma etapa de sociedade tradicional, ensaiando seu ingresso na modernidade, ao mesmo tempo que se apresentava como um novo discurso teórico a enunciar e legitimar a fase moderna. O presente ensaio, tomando emprestadas as categorias de ideologia e de utopia, de Mannheim, propõe-se fazer uma retomada sintética do ideário filosófico dessa obra, com o objetivo de explicitar, a partir de seu discurso, os elementos que foram revolucionários no momento histórico de sua publicação, a sua mutação em ideologias e suas forças transformadoras, ou seja, sua utopia. Palavras-chave: Manifesto dos Pioneiros. Ideologia. Utopia. Educação Nova. Abstract: The Pioneers Manifest, whose 80 years we are celebrating, became a significant reference in setting the trajectory of Brazilian education, not only as a good record of one of its most important historical moments but also as a clash of philosophical positions that expressed ideas of national education. In this double movement, it portrays the transition of Brazilian society that was changing from a traditional society stage, rehearsing his entry into modernity, while presented itself as a new theoretical discourse to articulate and legitimize the modern stage. This essay, borrowing the Mannheim‟s categories of ideology and utopia, proposes to make a 13 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 synthetic resumption of philosophical ideas that work, in order to explain, from his speech, the elements that were revolutionary in the historic moment of its publication, its changing ideologies and their transformative forces, ie their utopia. Keywords: Pioneers Manifest. Ideology. Utopia. New Education. Introdução E m que pesem as dificuldades em se articular um consenso entre 26 intelectuais diferentes entre si, bem como de assegurar a um documento escrito a representatividade de todo um momento histórico, o Manifesto traduz um espírito comum, o que lhe possibilita se apresentar como um discurso à nação inteira, a seu governo e a seu povo. Se, de um lado, é sempre difícil e inseguro pretender que um documento elaborado por um pequeno grupo represente todo um momento histórico de uma sociedade extremamente complexa – qualquer grupo interno é sempre pequeno frente ao todo social –, de outro, é igualmente difícil conseguir um consenso entre os membros de um grupo, certamente ciosos de sua autonomia de pensamento. Nesta apresentação, pretendo tão somente fazer uma retomada do ideário filosófico do Manifesto, tal qual se encontra expresso no texto, com a finalidade de explicitar aqueles aspectos que avalio como posições datadas, marcadas pelo momento em que foram assumidas e o que considero mensagens que não perderam sua força inspiradora. Para tanto, vou tomar emprestadas duas categorias trabalhadas por Mannheim (1976) em sua sociologia do conhecimento: as categorias de ideologia e de utopia. Sirvo-me da categoria de ideologia total, tal como esse autor a trabalha em sua teoria da ideologia, cuja tarefa, segundo ele, é “[...] a de desvendar os enganos e disfarces mais ou menos conscientes dos grupos de interesses humanos” (MANNHEIM, 1976, p. 287). Trata-se daquela estruturação mental em sua totalidade “[...] tal como se dá nas diferentes correntes do pensamento e grupos históricos” (MANNHEIM, 1976, p. 288), ou o conjunto das características e a composição da estrutura total da mente de um época ou de um grupo histórico-social. Uma concepção mais inclusiva, uma cosmovisão total, incluindo um aparato conceitual e valorativo, decorrente da vida coletiva. É o todo do modo de ver de um grupo social enquanto tal. Trata-se de ideias, 14 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 conceitos e valores determinados pelas condições situacionais dos sujeitos que os pensam. Por outro lado, a esse modo de pensar ideológico, Mannheim contrapõe o modo do pensar utópico: embora ideologia e utopia estejam igualmente em descompasso com a realidade, elas diferem no fato de que a utopia tem força de transformação social, na medida em que na sua apreensão do real ocorre um desacordo em relação a ele, enquanto que a ideologia só tende a ocultar, sobretudo para conservá-lo, para reproduzir o sistema de organização social. A utopia pretende fecundar uma práxis política projetada num futuro, ainda não existente (SEVERINO, 1986, p. 14). Proponho-me então a fazer um exercício de leitura, a partir do lugar da filosofia da educação, do texto do Manifesto, destacando e distinguindo aqueles posicionamentos que considero marcados pelas dimensões ideológica e utópica; ou seja, aqueles elementos que refletem imediatamente as condições histórico-sociais da época em que foi escrito, condições que se expressam no seu conteúdo explícito e implícito e aqueles que traduzem um potencial revolucionário aspirando uma vontade de transformação da realidade existente e que, como tal, podem manter um potencial de atualidade. Cabe alertar que, quando se fala de ideologia e de utopia, não se está falando de um novo tipo ou categoria de ideias, análogas ou distintas das ideias filosóficas ou científicas. Ideologia e utopia são modos como as ideias, sejam elas filosóficas, científicas, teológicas, estéticas etc. são usadas pela nossa subjetividade. Por isso, o mais adequado seria falarmos dos usos ideológicos e utópicos do pensamento. Por outro lado, cabe ainda ressaltar que, em ambos os casos, o discurso direto está acenando para mudanças, o apelo é sempre na direção de uma transformação de uma suposta ordem, considerada inadequada, carente de mudança. Veja-se como o Manifesto insiste na reconstrução educacional, reportando-se sempre a uma situação real concreta considerada insuficiente para atender as exigências sociais e culturais daquela determinada época histórica. Ideologias e utopias atuam como forças mobilizadoras, têm forte apelo para a ação, para a intervenção no social. Isso nos leva ainda a ter de esclarecer que um determinado pensamento pode ser, num primeiro momento, prenhe de representação e de força utópicas, transformando-se, em seguida, em pensamento puramente 15 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 ideológico, tornando-se força de conservação do status quo, tudo dependendo das condições históricas concretas. Como bem nos lembra Ozai da Silva (2009, p. 1): Numa época em que predominava a sociedade feudal e a ideologia da nobreza e do clero era seu sustentáculo, as ideias liberais diziam respeito ao “não-existente”, à transformação da ordem social tradicional e sua superação pelo liberalismo, pela ordem social do Capital. O liberalismo foi revolucionário e, portanto, utópico. Mas tão logo derrotou o feudalismo e conquistou seu espaço, tornou-se uma ideologia conservadora e perdeu seus traços utópicos. É sob esta perspectiva que revisito o Manifesto, procurando explicitar, a partir de seu discurso, os elementos que foram revolucionários naquele momento histórico, a sua mutação em ideologias e suas forças transformadoras, sua utopia. Uma nova sociedade com uma nova educação: a proposta Feito o balanço da precária condição cultural e educacional do país, ao longo da Primeira República, os Pioneiros – como serão reconhecidos e designados pela historiografia posterior – reclamam uma reconstrução da educação nacional ao mesmo tempo que apresentam seus fundamentos filosóficos, seus métodos e estratégias políticas e administrativas. Os Pioneiros partem reafirmando uma premissa forte, a da relevância fundamental da educação, da qual a sociedade brasileira ainda não teria se dado a devida conta. Era por isso que não lograra “[...] criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades do país” (p. 1). Tudo está fragmentário e desarticulado. Trata-se até mesmo de uma inorganização e não propriamente de desorganização. Afinal, para que algo possa estar desorganizado, era preciso que existisse algo antes... O motivo que salta aos olhos é a falta de espírito científico e filosófico, pois tudo é conduzido por um empirismo grosseiro. Ressente-se então a ausência de uma cultura universitária sólida e consistente. Mas é chegada a hora para um grupo representativo de lideranças intelectuais assumir o lançamento de um movimento de reconstrução 16 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 educacional que terá por fundamentos uma nova visão da relação do homem com a sociedade e o trabalho como centralidade da vida social. O primeiro momento é, pois, de diagnóstico da situação da educação brasileira após os 43 anos da primeira República. A educação é considerada o mais relevante dos problemas nacionais, dada sua implicação reciprocamente condicionante dos problemas econômicos e sociais. Na base da inorganização que impera, está a falta da determinação dos fins da educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos ao tratamento dos problemas administrativos da educação. Impõe-se uma cultura, particularmente universitária, que não fosse apenas literária, leia-se, retórica, bacharelesca, metafísica. Pois quando se trata de educação, é preciso não perder de vista sua intervenção na vida real. Precisa então recorrer “[...] a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolvem sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares”. Estas são as verdades e esses os novos ideais da educação que fecundam o movimento de reconstrução educacional que se propõe. Espera-se então recuperar o tempo perdido, alcançar as metas já atingidas pelos países hispano-americanos, nossos vizinhos, e acompanhar o desenvolvimento tecnológico e industrial já ocorrido. O axioma de base: pode-se ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas educativos, como no caso dos problemas da engenharia e das finanças, como já o comprovam algumas reformas realizadas com espírito científico. Seus méritos históricos Formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento de reconstrução educacional da nação, fundado num diagnóstico crítico da precária condição da educação nacional e lançando referências epistemológicas, políticas, administrativas e pedagógicas para essa reconstrução, é uma iniciativa de grande mérito histórico. Procede a crítica à fragmentação e à falta de organicidade das reformas, reivindicando a constituição do sistema nacional de educação, acenando para a 17 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 necessidade do planejamento, de uma administração mais consistente para a educação. Sem dúvida, representou significativamente um grande avanço, político e pedagógico. Político, ao reivindicar um papel preponderante para a educação na construção da civilização nacional, mostrando sua importância para colocar a cultura brasileira à altura da modernização e da democratização que vinham ocorrendo no mundo ocidental. Pedagógico, por explicitar bem os equívocos da educação tradicional, superando as marcas metafísicas que presidiam a filosofia da educação hegemônica até então, decorrência da impregnação da religião, via o jesuitismo imperante. O Manifesto, quanto a sua perspectiva pedagógica, foi o porta-voz e mediação importante dos paradigmas da Escola Nova, com tudo que ela representou para o avanço da educação no século XX. Suas ilusões ideológicas Mas todos esses propósitos estão envoltos num véu de ideias e valores que perdem sua objetividade e universalidade, na medida em que se vinculam a interesses das classes sociais que tecem a sociedade naquele momento histórico. Passam a ter então um peso ideológico. Por isso mesmo, implicam uma segunda leitura, implícita no discurso explícito. Assim, a ênfase dada à exigência da filosofia, que é muito valorizada, mas ela é concebida de uma forma reducionista. Ela é identificada com a perspectiva do cientificismo, no lastro da tradição positivista. Até por entenderem seus autores que a filosofia de cada época é o saber possível para cada sociedade histórica, endossam a convicção comtiana e assumem que só então a cultura brasileira estava chegando ao estágio do espírito positivo. Não sem razão os pensadores que são chamados a referendar as posições assumidas situam-se todos, à óbvia exceção de Fichte, no universo do ideário positivista, seguidores de Durkheim, tais como Gustave Belot (1859-1929), Georges David (1883-1976), Céléstin Bouglé (1870-1940), John Merle Coulter (1853-1943), Paulsen e Alberto Torres (1865-1917). O que se crê e se apregoa é que tanto a sociedade como a escola é um organismo vivo, composto de grupos e indivíduos que devem viver uma comunidade onde pulsa a vida. Essa incorporação do ideário positivista vem reforçada pelo pragmatismo deweyano, sobretudo graças a Anísio Teixeira, cujo espírito 18 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 perpassa toda a cultura pedagógica brasileira daquele momento. Essa fundamentação, embora represente uma força transformadora naquele período, acaba levando a uma cosmovisão ideológica da educação e da escola, vistas então como potências de adaptação, de incorporação dos indivíduos às estruturas sociais, no nosso caso, às novas configurações que o capitalismo industrial estava introduzindo no país, desde as primeiras décadas do século XX. Também Decroly, Kilpatrick e Kerschensteiner são inspiradores dos signatários do Manifesto (CURY, 1978, p. 21). O discurso do Manifesto também valoriza o trabalho, atribuindo-lhe grande relevância na vida social e cobrando da educação um compromisso sistemático com a preparação dos indivíduos para ele. Como bem o mostra Cury (1978, p. 25), em seu estudo seminal, [...] a versão ideológica dos Pioneiros representa a adaptação da política educacional ao processo econômico gerado pelas novas forças produtivas, bem como a adaptação do capitalismo dependente periférico pela reforma educacional dentro do processo de urbanização. [Para tanto], ela abria, de alguma forma, às camadas médias e às classes populares maiores oportunidades de acesso à escola. Estamos diante do delineamento de um projeto civilizatório para a sociedade brasileira, com um ideal republicano de organização social e da educação, concebida como laica, universalizante e democrática, de uma perspectiva liberal. Mas na verdade o que realmente se tem em vista é a criação de dois modelos educacionais que atendam os interesses socioeconômicos do capitalismo industrialista emergente da sociedade brasileira, uma para a elite, outra para a classe trabalhadora. Do mesmo modo, o discurso do Manifesto confunde organicidade com totalidade. A primeira ideia arrasta consigo a mecanicidade da trama social, dando uma visão organicista da sociedade, arrastando uma visão muito vitalista da educação, para não dizer biologista. Seu modo de ver a trama social implica uma hierarquia das capacidades que fica bem longe de uma hierarquia democrática. As sementes da utopia 19 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Mas o reconhecimento desses comprometimentos ideológicos não diminui o valor do Manifesto para a sociedade e para a educação do país. Ele tem ainda uma dimensão utópica, na medida em que tocou em pontos vitais do processo civilizatório desta nossa sociedade concreta. São aquelas referências que transcendem as peculiaridades específicas de cada contexto históricosocial concreto, acenando para as demandas que transcendem a temporalidade imediata. São ideais que podem ainda mobilizar essa mesma sociedade na construção de seu destino histórico. Ideais que não são datados e que demandam outras configurações nas mudadas condições da atualidade. Assim, a afirmação da importância do conhecimento, ferramenta fundamental para a busca dos sentidos que vão nortear os rumos da história. Mas agora, sem reduzi-lo a uma forma tecnicizada, sem reduzi-lo à sua formatação científica, sem se perder nas ilusões de um racionalismo experimentalista, naturalista e formalista. Um conhecimento capaz de incorporar em seu processo o espectro amplo das sensibilidades humanas. A afirmação da centralidade do trabalho é outro direcionamento utópico de extrema validade para as concepções e as práticas que devem desenhar nossa existência atual. Trabalho a ser repensado e não mais reduzido à pragmática habilitação para um mercado de trabalho, que, na verdade, estava a serviço de uma ordem social nada democrática e extremamente injusta. A defesa inconteste da solidariedade social, a ser vivenciada e praticada não como mera organicidade mecânica dos indivíduos para uma pseudo ordem social, mas como decorrência da comunidade dos nossos destinos históricos. Por isso mesmo, é inspiradora e fecundante a concepção republicana de governança política, com as implicações de laicidade, universalidade e gratuidade da educação pública de qualidade e consistência. A coerente visão de que toda educação deve estar compromissada radicalmente com o cultivo do conhecimento competente, crítico e criativo; com a construção da solidariedade social, universalizada e planetária e com o estabelecimento de uma relação menos depredadora com a natureza, com a revisão da própria condução do trabalho, tratando a natureza como oikos e como placenta de todos os homens. Estes ideais utópicos desenham metas que ainda precisam ser estipuladas e conquistadas pela sociedade brasileira. Ao terem delineado seu 20 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 projeto de reconstrução educacional, há oitenta anos atrás, os Pioneiros nos deixam um precioso legado, sementes fecundas à espera de terra fértil. Referências CURY, Carlos R. J. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978. (Educação Contemporânea). MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. MELO, Simone P. de. Manifesto dos pioneiros da educação nova: perspectivas da Pedagogia social no Brasil? Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/ arquivos/File/2010/artigos_teses/Pedagogia/manifesto_artigo.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2015. SEVERINO, Antonio J. Educação, ideologia e contra-ideologia. São Paulo: EPU, 1986. SILVA, Antonio O. da. Ideologia e utopia. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n. 96, maio 2009. 21 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 22 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 FERNANDO DE AZEVEDO: “HISTÓRIA DE MINHA VIDA” APONTAMENTOS DO PROCESSO CIVILIZADOR DE NORBERT ELIAS FERNANDO DE AZEVEDO: "OF MY LIFE STORY" NOTES PROCESS civilizing OF NORBERT ELIAS Roberto Marin Viestel Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Campus Inconfidentes, MG E-mail: [email protected] Resumo: O presente trabalho é uma leitura da obra “História de Minha Vida”, de Fernando de Azevedo, sob a perspectiva do processo civilizador de Norbert Elias. Trata-se de uma análise que parte da percepção de que os acontecimentos – além das questões econômicas – têm implicações políticas e emocionais. Fernando de Azevedo, homem político por natureza e de percepção jesuítica apurada, envolve-se emocionalmente com cada questão que discorre ao longo de sua autobiografia, de riquíssima contribuição para a história da educação brasileira e leitura obrigatória para todos aqueles que se dedicam às questões educacionais. Palavras-chave: Educação. Processo civilizador. Fernando Azevedo. Abstract: This work is a reading of the work "History of My Life " by Fernando de Azevedo , from the perspective of Norbert Elias Civilizing Process. This is an analysis of the perception that the events - beyond economic issues - have political and emotional implications . Fernando de Azevedo, a politician by nature and Jesuitical perception accurate, it is emotionally involved with each question that runs throughout his autobiography, the rich contribution to the history of Brazilian education and required reading for all those who are dedicated to educational issues . Keywords: Education. Civilizing process. Fernando Azevedo. Das Memórias provenientes de homens públicos ou de escritores (que são raras, as de cientistas) e de sua confrontação, ressalta sempre um pouco mais de luz sôbre a história de que participaram como espectadores atentos ou atôres de maior ou menor projeção. (AZEVEDO, 1971, p. XVI). 23 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A dquiri a primeira edição de “Fernando de Azevedo: História de Minha Vida” (AZEVEDO, 1971) em um site que reúne sebos de todo o Brasil, por nove reais e noventa e nove centavos, frete a cinco reais. Como amante dos livros, primeiro fiquei feliz pelo valor da compra para, em seguida, sentir uma pontada de remorso de que a cultura do país – denunciada tantas vezes ao longo da obra de um dos maiores educadores brasileiros – ainda anda capenga, sobretudo em plena era informacional. Para minha surpresa maior, vários títulos publicados por Azevedo, mais de vinte, encontram-se vendidos a “preço de bananas”, o que revela, no mínimo, uma “desatenção” de pedagogos e estudiosos da educação do país, mas, por outro lado, é uma oportunidade de ouro para aqueles que desejam ler e ter vários títulos da obra de um dos maiores reformadores da educação do Brasil. O latim era um dos idiomas que Fernando de Azevedo dominava e usava com frequência em seus escritos; então, oratio vultus animi est (o discurso é o rosto da alma) pode ser uma forma de entendermos que a sua autobiografia revela mais do que uma reflexão pessoal sobre tudo o que acorreu à sua volta e a educação do Brasil. Trata-se de uma descrição que revela o homem de seu tempo, de uma retidão político-moral, daqueles que podemos classificar como um “grande brasileiro”, educador reformador, sociólogo, político, pai de família, jornalista, escritor, professor – no que há de mais de sentido pleno da palavra – enfim, alguém que pensava, em primeiro lugar, pro Brasilia fiant eximia (pelo Brasil seja feito o melhor). Norbert Elias (2001, p. 16), em A Solidão dos Moribundos, refletindo sobre a morte, enfrentada por nós humanos, diz que “[...] uma maneira familiar de tornar suportáveis as angústias infantis sem ter que enfrentá-las é imaginar-se imortal. Isso assume muitas formas”. Entendo que a obra em questão, de Fernando de Azevedo, está entre estas angústias, tal a maneira como o autor descreve sua vida, tendo a devida consciência de sua importância para a história da educação do Brasil e a imortalidade de uma autobiografia, enfrentada na altura de seus 77 anos. Autobiografia que foi indicada para o prêmio Juca Pato, como “intelectual do ano”, em 1971, promovido pela União Brasileira de Escritores, perdendo para o escritor José Montello, causando grande agitação nos meios intelectuais. História da Minha Vida é dividida em nove partes, sendo as primeiras uma lembrança de seu tempo alegre de aventuras a cavalo na infância e 24 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 adolescência, ainda nas Minas Gerais, já que é natural de São Gonçalo do Sapucaí, nascido a 02 de abril de 1894 (faleceu em 17/09/1974). Logo no início da obra, Azevedo (1971, p. XV) reflete sobre a memória, dizendo: “Tanto mais vivos quanto mais distantes os tempos que recordamos, porque na memória, fugaz e traiçoeira, o que costuma apagar-se mais depressa, são os fatos mais recentes”. Talvez pelo fato de Fernando ter perdido dois filhos em um intervalo de dois anos, em 1969, com a morte de Fábio e, em 1971, com a morte de sua filha Lívia, revele que o fato mais recente o faça jogar-se na lembrança como fuga do presente. Quanto a este fato, Norbert Elias (2001, p. 41) nos diz que “[...] a única maneira pela qual uma pessoa morta vive é na memória dos vivos”. A decisão de publicar sua autobiografia passa pela questão da imortalidade através da escrita. Norbert Elias (2001, p. 73) diz que “As pessoas experimentam os eventos que lhes acontecem como sendo significativos ou não, como tendo ou não sentido”. A vida de Fernando de Azevedo é marcada de grandes personagens brasileiros, a começar pelo seu avô, carioca, vizinho e amigo de D. Pedro II na Quinta da Boa Vista e um dos acionistas da Companhia de Bondes, a tração animal, no Jardim Botânico. Seu pai, em uma viagem de caça ao Sul de Minas, conhece sua mãe e casa-se logo em seguida. Interessante que, ao longo a sua autobiografia, Fernando utiliza-se do artifício de valorizar sua vida com personagens e intelectuais que conviveram de uma maneira ou outra com ele. Aqui ele inicia sua narrativa citando D. Pedro II, acolá descreverá estes personagens dando juízos de valor a estes; assim, quando fala de pessoas importantes, as cita como amigo de um Almeida Júnior, de um Armando Sales de Oliveira, de um Júlio de Mesquita, ao passo que, quando quer atacar os inimigos e desavenças em geral, não utiliza do mesmo recurso e procura colocar o objeto do enfrentamento em palavras duras, porém cordiais, de denúncia e depreciação. Neste sentido, Elias (1997, p. 39) nos diz que Eles (os cientistas sociais) não podem deixar de participar nas questões políticas e sociais da sua época e dos grupos em que estão inseridos, assim como não conseguem evitar ser afectados por elas. Fernando de Azevedo, antes de estudar com os jesuítas e ter – certamente – sua melhor formação intelectual promovida por uma ordem 25 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 tradicional e famosa pela dedicação aos estudos, estudou no Colégio Francisco Lentz, em São Gonçalo do Sapucaí. Ali, descreve o inspetor de alunos apelidado pela meninada de “Chico Burro”, que freqüentemente apelava para a força física. Não descreve nenhuma palavra de ataque a este tipo de ensino em sua autobiografia, porém, encerra o capítulo dizendo que os servidores eram pouco compreensivos, reconhecendo, ao nosso entendimento, que a ignorância do castigo físico só pode ser interpretada como um desvio de quem não entende, não pode e nem poderia ser um educador. Entretanto, foi esta a realidade do país durante muitos anos, lembrado ainda, pelos nossos pais e avós. Aqui, Fernando agradece à própria senhora D. Belmira Francisco Lentz e à sua prima Marita como salvadoras do menino “arteiro” que vivia fugindo dos castigos físicos pelas travessuras aprontadas. Interessante que o distanciamento dos fatos leva Fernando de Azevedo a apresentar-se com ar nostálgico, revelando que envolvimento e distanciamento são faces da mesma moeda. Segundo Elias (1997, p. 17-18), [...] a possibilidade de uma vida colectiva organizada baseia-se na combinação do impulso de distanciamento com o impulso de envolvimento no comportamento e pensamentos humanos; impulsos esses, que se controlam mutuamente. Na terceira parte de História da Minha Vida, Fernando de Azevedo descreve sua passagem pelo jornalismo, iniciando sua carreira no jornal Correio Paulistano (representante das ideias do Partido Republicano Paulista), como “escrevinhador de notícias” (falecimentos, aniversários, etc.), até ocupar funções mais nobres no mesmo e ir, finalmente, para O Estado de São Paulo. Segundo ele “[...] o que me ficou do Correio Paulistano, foi, sobretudo, a lembrança de um convívio em que todos, tão diferentes uns dos outros, nos tratávamos como iguais” (AZEVEDO, 1971, p. 64). Mas, o que mais nos chamou atenção nesta fase de sua vida é a sua paixão pelos livros, quando percorria as livrarias da cidade de São Paulo nos anos vinte, precisamente entre 1917 e 1922. Aqui o autor descreve a Livraria Freitas Bastos e a Livraria Garraux, ambas na Rua Quinze, assim como a Livraria Lealdade, na Rua Boa Vista. Na Garraux, José Olympio era o gerente, quando, ao sair desta, fundou sua própria livraria que levaria seu nome. Fernando de Azevedo descreve mais do que sua vida através dos livros, descreve o habitus de uma geração de 26 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 jovens burgueses e aristocratas estudantes de famílias tradicionais de São Paulo em busca de conhecimento para alguns e de status social para muitos. Lembramos que o idioma preferido pelos jovens intelectuais era o francês. Assim, ler em francês era sinônimo de status. No entanto, o que nos chama mais a atenção, ainda, é o fato de a biblioteca da Escola Normal da Praça da República, conhecida como Escola da Praça, ter sido visitada por Azevedo já na maturidade de sua carreira. Nela, quando atuou como professor de Sociologia, Fernando consultava livros e levava-os, com certa frequência, para empréstimo. Quando descreve uma visita ao então Instituto de Educação (antiga Escola Normal), denuncia o descaso do Estado, no geral, e, das pessoas, em particular, quanto ao abandono da biblioteca, infelizmente ainda presentes em nossas escolas, sejam estas municipais, estaduais e, em alguns casos, federais. “Não sei o que foi feito dessa biblioteca [referindo-se à Escola Normal], uma das melhores do Estado, e constantemente desfalcada pela falta de fiscalização na consulta de livros” (AZEVEDO, 1971, p. 68). Não há como não lembrar Norbert Elias, uma vez que, em outras palavras, só haverá menor tensão na vida social se todos gozarem das mesmas condições. Ora, nossas bibliotecas escolares ainda funcionam como “depósito de livros velhos”, “depósito de vídeos” e sabe-se lá mais o quê! O esforço do Estado neste sentido tem sido grande, disponibilizando obras, realizando campanhas etc., porém, o que Fernando de Azevedo descreve, por volta dos anos sessenta, ainda é uma triste realidade de muitas de nossas escolas. A quarta, quinta e sexta parte da autobiografia de Azevedo descreve suas lutas pela reforma da educação no Brasil nos anos trinta, relativamente conhecidas por pesquisadores e estudantes da história da educação. O que poucos conhecem é a descrição que Fernando faz das condições da vida política no país, descrevendo o episódio, por exemplo, de quando quis sair candidato a deputado estadual pelo Sul de Minas, indo procurar o então deputado federal Francisco Bressane, que lhe informou que a indicação a deputado estadual, pelo Partido Republicano Mineiro, só era possível com a anuência dos coronéis Manuel Alves de Lemos, Pedro Machado ou um Vilela, os três fazendeiros em São Gonçalo do Sapucaí (MG). Interessante porque – no geral – temos o coronelismo como a pior prática política possível para a democracia. Ao mesmo tempo, perdemos de referência que, embora o coronelismo fosse uma prática usual de nossa história política, presente em 27 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 muitos casos nos dias de hoje, não concebemos que eram possíveis homens que serviram aos coronéis e que, após a vida política, saíssem sem obter enriquecimento exorbitante, como, infelizmente, é comum em nossa república nos dias de hoje. Assim, Fernando descreve o deputado federal Francisco Bressane: “Tendo tido tamanho prestígio durante anos a fio – quando me procurou, já destituído de sua posição política, era um homem pobre que morava em modesto quarto de uma pensão do subúrbio. Um exemplo de dignidade de vida pública” (AZEVEDO, 1971, p. 83). Norbert Elias nos ensina que os antagonismos são filhos de sua própria época e que a sociedade é um conjunto de indivíduos. Sendo humanos, nada seria estranho de suas atitudes! A sexta parte de sua autobiografia é particularmente interessante para o Estado de São Paulo, mais precisamente para a cidade, uma vez que descreve suas relações – enquanto Secretário da Educação e Saúde do Estado – com o interventor Ademar de Barros, figura folclórica e que inaugurou a prática, descrita por Azevedo, do “rouba, mas faz”, posteriormente incorporado no imaginário popular paulistano e intencionalmente ou não, capitaneado, como é sabido, por Paulo Maluf. A prática revela as relações de poder que se davam na alta cúpula. Assim, Ademar, interpelando Fernando de Azevedo, diz a este: O senhor aparece ou se apresenta como vítima de meu govêrno, mas, na verdade, é o meu carrasco”, acrescentava; “se tem sofrido em consequência de atos e decretos de meu govêrno, não são menores as contrariedades que temos passado com suas reações e represálias (AZEVEDO, 1971, p. 146). Na sequência, Fernando descreve todos os embates que teve com o governador, para concluir esta fase de sua vida com uma avaliação do político: “[...] num longo período de dezoito anos, ou seja, de 1947 a 1965 [...], foi-se revelando como um dos políticos mais nocivos que registra a história de São Paulo se não a do país” (AZEVEDO, 1971, p. 152). O professor Gebara, refletindo sobre as interdependências, e que se encaixa perfeitamente no contexto aqui citado, assim conclui as relações entre os indivíduos: As interdependências construídas nas relações de indivíduos plurais, definem-se tanto pela importância dos fatores econômicos, quanto pela não menor importância dos fatores políticos e emocionais. As figurações, portanto, são unidades 28 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 sociais produzidas e reproduzidas por indivíduos, tendo em seu desenvolvimento um forte componente não planejado, dada a natureza processual e de longa duração. (GEBARA, 2001, p. 103). As permanências são evidências de um processo, que estão à nossa frente, porém, geralmente, ignoradas pelos indivíduos. “Roubar, mas fazer” é – tristemente – uma evidência que há muito tempo faz parte da nossa prática política enquanto povo. Triste é constatar que os entreveros que Azevedo teve com o poder permanecem os mesmos nas interdependências construídas entre os indivíduos. Fernando de Azevedo descreve várias impressões que teve sobre os políticos com os quais conviveu em suas relações de poder, bem como suas intenções. Quando da tentativa de mais uma “conspiração tramada nas sombras da ignorância e do preconceito, para destruir” (AZEVEDO, 1971, p. 171) a Faculdade de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo), criada por ele e por Júlio de Mesquita Filho e Armando Sales Oliveira, Azevedo assim se refere à crise desencadeada sobre Jânio Quadros no Governo de São Paulo e sua desconfiança de como seria um futuro governo deste, caso tivesse obtido êxito em sua administração na presidência do Brasil: Essa, uma das maiores crises que sofreu Jânio Quadros, no Governo do Estado, antes de sua eleição para a Presidência da República, sua renúncia e sua presumível tentativa de implantar a ditadura no país (AZEVEDO, 1971, p. 172). As descrições dos vários políticos brasileiros que Fernando de Azevedo faz é nota de estudos para pesquisadores, bem como a deliciosa comparação da balança de poder (Norbert Elias) que ele, mineiro do Sul de Minas, descreve na relação Minas e São Paulo e no jeito de governar entre os políticos destes dois estados da federação, que geraram por um bom tempo a “política-docafé-com-leite”. Nesta parte da obra, Azevedo descreverá – após a descrição abaixo da macro-política – suas impressões sobre Washington Luís. A política de Minas e de São Paulo, e que dominou, por tanto tempo, a do Brasil. Uma, a mineira, de dar tempo ao tempo, a outra, a paulista, a de antecipar-se ao tempo. A prudência, se não a capacidade de esperar, dos mineiros, e o avanço se não 29 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 uma certa tendência a “dominar” os acontecimentos, mais próprios dos paulistas. (AZEVEDO, 1971, p. 172). Mais à frente, referindo-se a Washington Luís (o paulista de Macaé, RJ), desfaz a imagem que a história dos bancos escolares imprimiu ao nosso expresidente, de um homem sem expressão e que não ofereceu resistência à Revolução de 30: Washington Luís, que eu conheci [...], era um dêsses esteios, – e dos mais fortes, – da política paulista. Um homem, de estatura e de qualidades varonis, que sabia o que queria e para onde devia orientar-se. Um tipo de homem e líder político forte que não esperava dos outros indicações do que devia fazer. (AZEVEDO, 1971, p. 172). Vivemos uma época em que ser um homem público, honesto, cumpridor dos seus deveres, é cada vez mais raro. Se as reformas dos pioneiros da educação aconteceram nos anos trinta, certamente é porque foram geradas antes da Revolução de 30, sob a administração de Washington Luís. A historiografia apresenta o ex-presidente como um homem arbitrário, teimoso e obstinado. Fernando de Azevedo (1971, p. 180), que trabalhou por quatro anos com ele, apresenta-o como [...] um homem enérgico, firme e corajoso. Mas tão compreensivo que dispunha a apoiar (como no meu caso) contra tudo e contra todos aquêles que se lançavam as reformas, que julgava justas e necessárias. Ainda como Ministro da Fazenda de Washington Luís, Azevedo teve contato com Getúlio Vargas. Segundo ele [...] os políticos gaúchos traziam, em suas personalidades, em seu comportamento, e em suas técnicas políticas, marcas de suas origens e de sua formação (AZEVEDO, 1971, p. 181). Nas impressões do reformador, Vargas dominava pela astúcia e tinha um temperamento frio, calculista e contemporizador; era pouco acessível às 30 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 paixões e “[...] dizia não ter inimigos de que não pudesse fazer amigos” (AZEVEDO, 1971, p. 183). Seguindo as impressões de políticos, propiciadas pelas relações de balança de poder de que participou ao longo de sua vida política como homem público, uma, em particular, chama atenção e coloca lenha na fogueira futebolística brasileira: o Estádio do Pacaembu, “Paulo Machado de Carvalho”, que leva o nome deste como o grande idealizador do projeto. Azevedo (1971, p. 213) chama para si o projeto do estádio e ataca Paulo Machado de Carvalho, então prefeito de São Paulo: Quem, por exemplo, teve a idéia de se construir, no Pacaembu, o Stadium Municipal, aproveitando-se, para isso, os flancos das duas colinas, que serviriam para as arquibancadas, fui eu mesmo, conforme cópia do projeto que sugeri à City Improvements, e que essa emprêsa aceitou por ser tão interessante para a população, e os clubes de esportes, quanto para a própria City. No entanto, apesar de ter sido eu quem sugeriu e propôs à City Improvements tal projeto, foi êle depois aceito e executado pela Prefeitura, como se fôra de sua iniciativa, tomando mais tarde o nome de quem nada tinha a ver com a questão. A partir das partes sete, oito e nove, Fernando de Azevedo vai se tornando mais sentimental e, ao mesmo tempo, repetitivo em suas lembranças, não sem perder o ritmo do texto e de suas histórias e estórias engraçadas; de certa maneira, sem perder a mineiridade que caracteriza os bons contadores de causos. Fernando, refletindo sobre a vida intelectual, se aproxima de Norbert Elias, muito provavelmente leitor de Weber e Freud. Tinha consciência de que a vida dos indivíduos é um conjunto de redes onde todos os nós se interligam; assim, a vida intelectual e a vida amorosa caminham juntas para a produção do conhecimento. Diz Azevedo (1971, p. 152): Mas, a vida amorosa, sentimental, incitada e nutrida pelo instinto, no que tem de mais próximo da vida animal, não só se opõe, mas frequentemente se associa, estimulando-a, às criações intelectuais. Tudo, no homem, se liga e se comunica, e de tal modo que se podem imaginar impulsos criadores, sem a participação de tôda sua natureza. 31 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Referências AZEVEDO, Fernando. Fernando de Azevedo: História de Minha Vida. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1971. ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. ______. A Solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. ______. Envolvimento e Distanciamento: Estudos sobre sociologia do conhecimento. Lisboa: Dom Quixote, 1997. GEBARA, Ademir. As Fontes de Longa Duração. Trabalho apresentado no VI Simpósio Internacional Processo civilizador: “História, Educação e Cultura”, UNESP, Assis, novembro de 2001. 32 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 SUPERVISÃO NO ENSINO DE PSICOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS SUPERVISION IN THE TEACHING OF PSICHOLOGY: HISTORICAL ASPECTS Elaine T. Dal Mas Dias Psicóloga, professora e pesquisadora do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Integrante do Grupo de Pesquisa Educação e Complexidade - GRUPEC. Email: [email protected] Resumo: Este ensaio apresenta parte do percurso da ciência psicológica desenvolvida no Brasil pautado em estudos e pesquisas desenvolvidos por estudiosos da área e órgãos de classe. Expõe parte do trabalho desenvolvido por Lourenço Filho, signatário de o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e criador dos Testes ABC empregados para determinação da maturação necessária à aprendizagem da leitura e da escrita, além de outras obras expressivas na área da psicologia. Trata, em seguida, da expansão do ensino universitário de cursos de psicologia, dos atos regulatórios que oficializaram a profissão, da criação do Conselho Federal de Psicologia e dos Conselhos Regionais e descreve o novo formato dado aos cursos com as atuais Diretrizes Curriculares. Palavras-chave: História da psicologia. Ensino. Supervisão. Abstract: This paper presents part of the journey of psychological science developed in Brazil guided by studies and research carried out by scholars in the field and class organs. It exposes part of the work developed by Lourenço Filho, a signatory of the Manifesto of New Education Pioneers and creator of ABC Tests used to determine the maturity necessary for reading and writing learning, and other expressive works in the field of psychology. Treats, then, the expansion of the university education of psychology courses, regulatory acts that officiated the profession, the creation of the Federal Council of Psychology and the Regional Councils and describes the current format given to courses with the current Curriculum Guidelines. Keywords: History of psychology. Teaching. supervision. 33 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Um pouco de história A s ideias e as conceituações relativas aos processos psicológicos básicos estiveram dispersos na filosofia, na política, na teologia, na pedagogia e na medicina até a estruturação e sistematização desses conhecimentos nos laboratórios de fisiologia experimental de Wilhelm Wundt, em 1879, na Alemanha. Um retrato fiel dessa trajetória é apresentado em uma pesquisa realizada por Marcos E. Pereira (2001), intitulada A História da Psicologia: Linha de tempo das idéias psicológicas, que trata do processo de construção da psicologia como campo de estudo e de saberes, e descreve a historiografia cronológica dos principais acontecimentos, eventos e produções identificados por épocas. Outra importante peça é o material coletado pelo Conselho Regional de Psicologia 06ª Região – CRP/SP, denominado Linha do Tempo - Projeto Memória da Psicologia Brasileira, que tem como matéria-prima o trabalho desenvolvido por Gomes (2003), onde estão pontuadas as origens na Educação e na Medicina. A cena inicial trata de episódios determinantes do incremento da ciência psicológica e da vida e carreira de alguns dos protagonistas da área educacional, que primeiramente contribuíram para o desenvolvimento científico do saber psicológico, a saber: – Plínio Olinto (1886-1956), que traçou um panorama abrangente no volume A Psicologia Experimental no Brasil e foi chefe do serviço de profilaxia das doenças mentais e nervosas da Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro (RJ); – Annita de Castilho Marcondes Cabral (1911-1991), formada pela Escola Normal Caetano de Campos, fundou em 1945, com outros interessados como Otto Klineberg – professor visitante da Columbia University –, a Sociedade de Psicologia de São Paulo, uma das mais antigas e produtivas. Regeu, entre 1947 e 1968, a Cadeira de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), substituindo Jean Magué, e foi membro da Academia Brasileira de Psicologia ocupando a cadeira nº 17. – Lourenço Filho (1897-1970), professor formado pela Escola Normal Primária de Pirassununga, em 1914, e pela Escola Normal Secundária da 34 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Capital, em 1917. Foi professor da cadeira de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de Piracicaba, em 1921, e fundou a Revista de Educação, na qual publicou Estudo da atenção escolar, no ano de 1922. Realizou “[...] a reforma geral do ensino, de grande repercussão na época, e que é registrado como um dos grandes movimentos pioneiros da Escola Nova no País” (INEP/MEC, 2001, p. 28). Figura expressiva para a psicologia, regeu a disciplina Psicologia Educacional na USP (1934) e na Universidade do Distrito Federal (1935), posteriormente Universidade do Brasil, e criou os Testes ABC para a verificação da maturação necessária à aprendizagem da leitura e da escrita, em 1928. Durante muito tempo esse instrumento foi empregado pelas escolas para demarcar as idades cronológica e mental dos alunos ingressantes no ensino fundamental e indicar a correspondência cognitiva desses índices, com o intuito de homogeneização das turmas. A meta era de o ensino ser “[...] mais racional, mais tecnicamente fundado, com economia de tempo e esforço, tanto da parte dos alunos quanto dos mestres” (LOURENÇO FILHO, 2008, p. 15). Além disto, favoreceria a observação de três aspectos: [...] ao diagnóstico das condições de maturidade para aprender; ao prognóstico do comportamento das crianças nas situações sucessivas do ensino; e à necessidade de maior estudo de certos alunos, geralmente tidos como de comportamento difícil, ou “crianças-problemas” (LOURENÇO FILHO, 2008, p. 16). Nota-se que o cerne da proposta de Lourenço Filho ultrapassava os processos de ensino e de aprendizagem, já que envolvia também, e de alguma maneira, a identificação e os controles das singularidades e dos comportamentos. Na contemporaneidade esse instrumento caiu em desuso, particularmente pelos caminhos delineados pela psicologia escolar e educacional nas últimas décadas, que descentralizam os focos problemáticos escolares localizados sempre nos alunos, entre outras questões. Ainda na área psicológica desenvolveu um Laboratório de Psicologia, no estado do Ceará (1920), e criou o Serviço de Psicologia Aplicada de São Paulo (1931). Foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros, levando-o a escrever o livro Introdução ao Estudo da Escola Nova (1930) e fundar a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (1944), em atividade até hoje, publicado em 2016 o número 245. Administrou a vinda de Mira y López, que 35 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 colaborou na criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), e dirigiu durante vários anos os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica. Finalmente, lutou ativamente para a regulamentação da profissão de psicólogo, uma de suas mais significativas realizações. Sem desmerecer Plinio Olinto e Annita Cabral, fundamentais para o desenvolvimento da psicologia, realce-se Lourenço Filho pelo fato de ser um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, que alterou o pensamento e o panorama educacional brasileiro. O entrelaçamento entre a medicina e a psicologia despontou também nas últimas décadas do século XIX, anunciando o interesse despertado pelo funcionamento do psiquismo. Como descreveu Lourenço Filho (1955, citado por GOMES, 2003, p. 268-269): É, de fato, sob a forma de teses de doutoramento, oferecidas à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e à Faculdade de Bahia, que os estudos pioneiros apareceram. Já em 1836, à primeira dessas escolas, Manuel Inácio de Figueiredo Jaime apresentava a memória "Paixões e Afetos da Alma" [...]. Sete anos depois, de modo quase similar, José Augusto César de Meneses defendia "Proposições a Respeito da Inteligência". [...] em Psicofisiologia da Percepção e das Representações", tese de José Estelita Tapajós, e em "Das Emoções", de Veríssimo Dias de Castro, ambas defendidas, no Rio de Janeiro, em 1890. No início do século XX evidencia-se a ativação desta relação pela apresentação, na década de 1930, de teses focalizando temas psicológicos como parte dos requisitos exigidos para conclusão do curso de medicina e obtenção do título de doutor. A disseminação dos conhecimentos psicológicos revela “[...] um interesse legítimo, pelo universo da subjetividade e da intersubjetividade humana” (SCHMIDT, 1984, p. 100), motivadora de grande número de investigações psicológicas e de escolha profissional, tópico que tem levado muitos estudiosos a se dedicarem aos motivos desta eleição. Como concluiu Lehman (1998, p. 157), aparentemente, a “Psicologia é uma área de fácil acesso, podendo ser procurada por pessoas que estejam em momento de reorganização de vida”, que buscam novos caminhos, objetivos e/ou resoluções de conflitos, fazendo do próprio curso um lugar terapêutico. E 36 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 mais, segundo Castro e Yamamoto (1998), Ferretti (1976) e Lewin (1980), a ideia de cuidado e ajuda conduz um grande contingente de jovens do sexo feminino a esta graduação. A procura pelo estudo dos processos psicológicos se deve, ainda, como demonstrou Mello (1975, p. 76), à transmissão de uma “[...] imagem razoavelmente adequada do psicólogo como um homem de ciência”, ao reconhecimento da importância dos componentes psíquicos em todos os segmentos da vida, a abertura de espaços de trabalhos e de práticas inovadoras. É importante assinalar que, desde os passos encetais da ciência psicológica, testemunha-se a implicação de profissionais e de órgãos representativos com a formação do psicólogo evidenciada por intermédio de sistemáticas análises, avaliações, grupos de trabalho e da adequação das Diretrizes Curriculares. Um panorama dos cursos de psicologia O crescimento do setor educacional superior privado brasileiro na década de 1970 ampliou o número de vagas nos mais variados campos do conhecimento, preenchendo 70% do espaço deixado pelas instituições educacionais públicas (HORTA, 1975). O passar dos anos intensificou esse percentual, sendo que no [...] período de 1997 a 2006 o número de Instituições de Ensino Superior (IES) privadas cresceu 193% (de 689 estabelecimentos para 2022), enquanto as IES públicas cresceram apenas 17% (de 211 para 248 estabelecimentos). (MONFREDINI, 2009, p. 44). A criação de novas universidades públicas na última década não superou a defasagem histórica. Nesse tempo expansionista, privilegiaram-se os cursos nas áreas das ciências humanas, em decorrência dos custos pretensamente inferiores, do funcionamento no período noturno e como resposta aos anseios da própria sociedade. Na visão de Freitag (1980, p. 114), [...] a expansão da rede particular nas áreas que, pela legislação e pelo planejamento oficiais foram consideradas não prioritárias 37 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 ou até supérfluas, como Comunicação, Pedagogia, Administração, Psicologia, Sociologia, Filosofia, Letras, etc., se deve a esse novo tipo de demanda. Os cursos de psicologia, como parte desse panorama, solidificaram-se depois da oficialização profissional em 27 de agosto de 1962, pela Lei n.º 4.119, sancionada pelo Decreto n.º 53.464, de 21 de janeiro de 1964, com a posterior criação do Conselho Federal (CFP) pela Lei 5.766/71, de 20 de dezembro de 1971, e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), pelo Decreto 79.822, de 17 de junho de 1977. Em 1974, são promulgadas as Atribuições Profissionais do Psicólogo. Dados recentes atestam a hegemonia do setor privado, e a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) registrou, em 2010, o impressionante número de 372 cursos espalhados pelo território nacional, dos quais 328 são em instituições particulares, perfazendo 89% do total, e 44 são públicas, compreendendo 11%. A descrição desta conjuntura é valiosa por tratar da evolução indiscriminada dos cursos, em geral desvinculada das necessidades regionais de absorção do profissional e da inquietação provocada pela situação junto à coletividade e aos órgãos representativos. As conclusões do II Congresso Nacional de Psicologia, realizado no ano de 1996 em Belo Horizonte, retratam tal preocupação que resultou na construção de comissões de estudo na perspectiva de reduzir os efeitos do crescimento desordenado e garantir a qualidade do ensino. Ressalva-se que as decisões não foram encaminhadas de imediato aos organismos competentes com vistas a ampliar os debates e amadurecer a compreensão do conjunto de fatores que compõem o universo formativo do psicólogo. Destarte, as novas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Psicologia homologadas em 2004, contemplam, em parte, as alterações pleiteadas pela comunidade. Contrariamente ao planejado e desejado, a ampliação do ensino superior privado é uma realidade e, de algum modo, uma resposta às explorações do psiquismo humano. Importa então, nesse contexto, que os psicólogos professores universitários e as mantenedoras institucionais se responsabilizem e garantam um ensino de qualidade e uma formação crítica à luz dos preceitos 38 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 vigentes, como indicado pela Comissão de Especialistas de Ensino em Psicologia (Portaria 151, 22/8/1996, SESu-MEC). Atos regulatórios O primeiro projeto de curso de psicologia foi instalado pelo Decreto n.º 21.173, de 19 de março de 1932, convertendo o Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas para o denominado Instituto de Psicologia do Ministério da Educação e Saúde, até então ligado à Assistência de Psicopatas e sob a jurisdição do Ministério de Justiça, no estado do Rio de Janeiro. Isto ocorreu porque se aguardava a inauguração da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, com a finalidade de coordenar estudos e pesquisas em psicologia geral e aplicada, auxiliar os serviços de orientação e seleção profissionais, contribuir para a aplicabilidade dos conhecimentos psicológicos à pedagogia, medicina, judiciário e indústria e, finalmente, formar psicólogos. Um aspecto interessante do curso era a existência de internato nos serviços de aplicações especializadas, para alunos suficientemente preparados em nível teórico (CENTOFANTI, 1982). O funcionamento do Instituto, entretanto, durou um semestre, sendo interditado por pressões externas, decorrentes de corporações médicas e católicas, e internas que acusavam falta de recursos. Em julho de 1937, o Instituto de Psicologia passa a fazer parte da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano de 1949, o Instituto propõe o currículo do curso elaborado por Eliezer Schneider, um dos primeiros brasileiros com formação acadêmica em Psicologia (JACÓ-VILELA, 1999), contando com as disciplinas de história da psicologia, psicologia experimental, do desenvolvimento, da personalidade, diferencial, psicometria, clínica, sistemática, psicotécnica, patológica e educacional. O direcionamento exclusivo à ciência psicológica provocou a sugestão de nova currículo, em 1953. O conjunto disciplinar é, então, dividido em básicas e optativas, retirando o caráter técnico e conferindo um arcabouço biológico e filosófico ao curso. Esta avaliação foi realizada por Annita e Marcondes Cabral e publicada no Boletim de Psicologia de 1953 (BERNARDES, 2004). 39 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 As preocupações quanto à formação do psicólogo, ao ensino e à construção do conhecimento psicológico se revelaram cedo, como sugerem as indicações do 1° Simpósio das Faculdades de Filosofia, em novembro de 1953 e o anteprojeto de lei relativo à formação de “psicologistas”, encaminhado ao ministro da educação e cultura. Na década de 1980, energizaram-se as reflexões e as críticas devido à criação de cursos privados. A partir de 1958, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que objetivavam a regulamentação da formação de psicólogos. As habilitações – clínica, educacional e organizacional – foram referendadas em 3 de junho de 1976 e aprovadas em plenário no dia 25 de janeiro de 1977, processo n.º 5.052/76-CFE. E a Resolução do CFP cria o Código de Ética, sob n.º 0291/79, de 30 de agosto de 1979. Os avanços obtidos encaminharam avaliações dos programas curriculares, especialmente no tocante ao cunho político, [...] que não eram priorizada[o]s nos discursos e práticas dos psicólogos. A Psicologia era valorizada em seus aspectos técnicos e científicos, alienada do processo histórico e político no qual estava inserida. Tratava-se de um produto técnico a ser oferecido à população e, para que esta oferta fosse bem-sucedida, o psicólogo deveria ignorar os possíveis desafios e críticas à sua atuação e compactuar com os poderes instituídos a fim de garantir a reprodução do sistema social. Este era o perfil da psicologia oficial dominante, transmitida nas academias. (ANDRADE; MORATO, 2004, p. 345). Sob essa ótica, no ano de 1992, o CFP e os CRPs investiram na discussão acerca da formação e das atribuições profissionais, em resposta às demandas da área. A Carta de Serra Negra é fruto dos esforços desenvolvidos pelas entidades e pelos representantes das IES de Psicologia públicas e privadas, que delinearam os princípios organizadores da formação. Ativam-se, então, as críticas e as apreciações das resoluções visando à ruptura com o modelo tecnicista de estrutura curricular, em favor de uma formação generalista e mais abrangente voltadas ao trabalho multiprofissional. Procurou-se, nesse momento, um distanciamento da prática individualizada e o descolamento da imagem de profissional que, apenas e tão somente, identifica problemas, desvios e distúrbios. As justificativas para essa 40 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 modificação estão presentes na operacionalização das novas contribuições para reestruturação curricular e avaliação dos cursos, apresentadas pela Comissão de Especialistas de Ensino de Psicologia (MEC/SESU). Em 1995, conforme expresso no documento, o “[...] caráter generalista deve ser preservado na formação básica indispensável à inserção do psicólogo no mercado de trabalho [...]” (abepsi.org.br/web/linhadotempo.aspx). O argumento empregado retrata a direção dos cursos em âmbito nacional, o privilégio de algumas áreas do saber em detrimento de outras e a tendência em desvalorizar o compromisso político-social esperado do profissional. Depreende-se do documento que o psicólogo, em várias ocasiões, exercia funções sem a formação mínima necessária para desempenhá-las, subvertendo práticas e referenciais teóricos e submetendo-se ao mercado de trabalho. Nesse contexto, a referida comissão justificou a necessidade de uma formação pluralista por permitir ao estudante uma [...] análise comparativa dos diferentes sistemas psicológicos em termos da concepção de homem que lhes são subjacentes e da qual decorram seus principais conceitos, instrumentos de análise, investigação e intervenção. (abepsi.org.br/web/linhadotempo.aspx). Nos anos seguintes, acumularam-se os empenhos que levaram à conclusão e à instituição das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), para os Cursos de Graduação em Psicologia, por intermédio da Resolução n.º 8, de 7 de maio de 2004, e disponibilizados pela ABEP. O exame dos efeitos das DCN sobre a formação e a prática profissional ainda estão em tempo de maturação, pois a aplicabilidade das propostas se configura como campo inovador. Isto significa dizer que, mesmo seguindo-se as indicações e orientações para elaboração do Projeto Pedagógico de Curso (PPC), as dúvidas e as dificuldades de implantação têm, algumas vezes, conduzido à manutenção do mesmo. Em função disto, a preocupação com a direção dada aos cursos originou o Seminário intitulado "Os processos avaliativos do MEC, o ensino e formação nos cursos de psicologia", em dezembro de 2007, sob a coordenação do Instituto Nacional de Estudos e 41 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), da ABEP e do CFP. O propósito principal era o de [...] informar, divulgar e debater a importância dos processos avaliativos para o aprimoramento do ensino superior, considerando as orientações do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – SINAES e das Diretrizes Nacionais Curriculares da graduação em Psicologia. (http://www.abepsi.org.br). A prudência para com a formação do psicólogo tem como pano de fundo a qualidade do profissional, como assinalado, mostrando-se fundamental oferecimento de cursos em condições adequadas de ensino, de aprendizagem e de experiências práticas. Isso equivale a dizer também da necessidade de serviços de psicologia aparelhados e de docentes especializados e capacitados. O acento nos serviços tem um significado primordial, pois neles os estudantes entram em contato com a prática profissional desde os primeiros semestres letivos. Até o ano de 2004, a atuação era vivenciada nos últimos semestres – 9º e 10º –, fato desencadeador de dúvidas quanto à continuidade dos cursos pela intensa carga teórica e pela distância da aplicabilidade (DIAS, 1997). Ao se iniciar o fazer profissional mais cedo, com uma carga global não inferior a 15% do curso, permite-se que o estudante vivencie a profissão gradualmente e adense os conhecimentos. Os estágios curriculares supervisionados Define-se estágio supervisionado ao conjunto de práticas programadas que procuram consolidar as competências e habilidades esperadas de um psicólogo. Estruturadas em dois momentos – estágio básico e estágio específico –, são sempre supervisionadas por docentes especialistas com experiência específica comprovada e que projetam o contato com organizações, condições e contextos que favoreçam a aquisição de aptidões e posturas aconselháveis aos profissionais. Os estágios básicos preveem o desenvolvimento de exercícios que integrem as competências e as habilidades estabelecidas no núcleo comum, que, por sua vez, prioriza uma configuração homogênea para a formação e 42 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 uma capacitação que permita a utilização dos saberes psicológicos vinculados à formação básica e não à específica. Uma das marcas das diretrizes atuais está, justamente, no adiantamento dos estágios, nos quais são realizadas experiências delimitadas e de baixa complexidade que se intensificam conforme a progressão dos semestres. Os procedimentos, ao serem desenvolvidos passo a passo, possibilitam a reflexão das ações realizadas e favorecem a vivência ativa do alunado, abrindo opções de trabalho para além das tradicionalmente tecnicistas. Os estágios profissionalizantes incluem as ênfases dos PPC e caracterizam-se pelo atendimento direto à população e às instituições e organizações que procuram os serviços de psicologia das instituições universitárias. Nesta nova perspectiva, as práticas põem o estudante mais cedo em contato com os atos psicológicos, com a aplicação dos referenciais teóricos e com as áreas que acolhem a profissão. Oportuno realçar que as ênfases curriculares são um conjunto delimitado e articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de concentração de estudos e estágios em algum domínio da psicologia. Consistem [...] em um recorte de um conjunto de fazeres (competências) já presentes no núcleo comum, concentradas em determinado conjunto de atividades. Cada curso tem a possibilidade de definir seus encadeamentos prioritários, independentemente das abordagens utilizadas (as quais devem ser explicitadas, mas não se constituem em ênfases). (http://abep.nucleoead.net/moodle/). As supervisões semanais seguem o formato anterior e são procedidas por docentes com aderência acadêmica específica que norteiam e auxiliam os direcionamentos das práticas psicológicas. Os apontamentos de acertos e de incorreções, das formulações teóricas cabíveis e dos encaminhamentos adequados a cada caso são sistematicamente analisados, estudados e debatidos, diminuindo eventuais riscos aos indivíduos que procuram os serviços. A estrutura das supervisões foi mantida e os atendimentos diretos à população continuam sob atenção permanente e rigorosa da ética e do respeito à pessoa humana. 43 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Considerações bioéticas contemporâneas ressaltam a inadequação em se obter conhecimentos por intermédio de animais sadios ou de pessoas em sofrimento, seja ele psíquico ou não. Assim, tecnologias são empregadas sempre que possível na aprendizagem de técnicas de modificação e controle do comportamento, como acontece pela recente substituição de animais por aparelhagens digitais. Foram ainda abandonadas outras observações, como as aulas de psicopatologia realizadas em hospitais psiquiátricos, quando os doentes eram colocados diante dos alunos e apontadas e descritas suas patologias e síndromes, aos moldes do século XIX. Em muitas ocasiões era visível o constrangimento causado pelo descuido na exposição dos pacientes e pelo desrespeito de estudantes e funcionários hospitalares. A ideia de uma aprendizagem que contamine pouco e cause um dano mínimo ao atendido foi propugnado pelos psicólogos-formadores, já na década de 1930, e mantida como questão pontual desde então. Oportuno ressaltar ainda que os aperfeiçoamentos são contínuos e recentemente foi validada a residência multiprofissional em psicologia, de certo modo, resgatando o antigo internato. Concluindo Os cursos de psicologia, mesmo sofrendo com a ampliação excessiva, têm recebido disposição diferenciada de alguns estabelecimentos de ensino ao privilegiar espaços e aparelhagem de última geração aos futuros psicólogos. Com isto, ganham os estudantes que podem treinar sem ferir normas éticas, os docentes que têm disponível instrumentos que permitem intensificar a formação, a categoria que contará com profissionais gabaritados e a própria educação que cumpre seus objetivos de emancipação e cidadania. 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Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1984. 46 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 IDEÁRIO DA ESCOLA NOVA E NACIONALISMO: ELEMENTOS PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA DE INSTITUIÇÕES ESCOLARES PRIMÁRIAS DE SANTA CATARINA IDEAL OF NEW SCHOOL AND NATIONALISM: ELEMENTS FOR WRITING A HISTORY OF THE PRIMARY EDUCATIONAL INSTITUTIONS OF SANTA CATARINA Ademir Valdir dos Santos, UFSC Email: [email protected] Ana Paula da Silva Freire, UFSC E-mail: [email protected] Elcio Cechetti, UFSC E-mail: [email protected] Resumo: O estudo parte da premissa de que, nas primeiras décadas do século XX, o movimento histórico de instituição da escola primária de Santa Catarina é marcado pela perspectiva do embate entre a chamada escola “tradicional” e a Escola Nova e pelo nacionalismo, intimamente associados. O objetivo é identificar e caracterizar tais manifestações em seus matizes políticos e pedagógicos, discutindo a presença e o alcance da penetração do movimento reformador escolanovista em suas expressões locais. Ao mesmo tempo, analisa-se o desenvolvimento da campanha de nacionalização até o final do Estado Novo (1945) e se discute o seu impacto. A metodologia está embasada no uso de fontes como: legislação, relatórios de inspeção escolar, ofícios da Diretoria de Instrução Pública, livros didáticos, cadernos e jornais escolares. Os resultados indicam que, quanto à legislação, boa parte das leis exaradas no período em tela apresentou e buscou inocular aspectos das propostas de renovação alinhadas com a Escola Nova, o que caracterizou um embate entre a “educação nova” e a “educação tradicional”. Do mesmo modo, amalgamados ao ideário de renovação, os propósitos da campanha de nacionalização impactaram sobre a natureza da escola primária, gerando submissão mas também reações conflituosas aos ditames governistas. Estes aspectos compõem numa conclusão de que o processo histórico de institucionalização da escola primária de Santa Catarina é profundamente marcado pelo embate entre os pressupostos políticos e pedagógicos da Escola Nova e da escola tradicional e pelo processo de nacionalização. Palavras-chave: Escola Nova. Nacionalismo. Escola primária. Santa Catarina. Abstract: The study assumes that in the first decades of the twentieth century, the historical movement of the primary school institution in Santa Catarina is marked by 47 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 the clash between the school called "traditional" and the New School and by nationalism, closely associated. The goal is to identify and characterize such events in their political and pedagogical nuances, discussing the presence and extent of penetration of the New School reform movement in its local expressions. At the same time, it analyzes the development of the nationalization campaign by the end of the Estado Novo (1945) and discusses its impact. The methodology is grounded in the use of sources such as: law, school inspection reports, Public Instruction Department reports, textbooks, school exercise books and school newspapers. The results indicate that, as to the law, most of the laws which have been entered in period presented aimed to inoculate aspects of renewal proposals aligned with the New School, which featured a clash between the "new education" and "traditional education". Similarly, amalgamated to the ideas of renewal, the purpose of the nationalization campaign has impacted on the nature of primary school, generating submission but also conflicting reactions to government dictates. These aspects make a conclusion that the historical process of institutionalization of primary school Santa Catarina is deeply marked by the clash between political and pedagogical assumptions of the New School and the traditional school and the nationalization process. Keywords: New School. Nationalism. Primary school. Santa Catarina. E ste estudo indaga o teor da historiografia sobre a educação escolar em Santa Catarina. Alavancam nossos questionamentos as pesquisas que temos empreendido partindo da premissa de que, nas primeiras décadas do século XX, o movimento histórico de instituição da escola primária de Santa Catarina foi marcado pelo confronto entre a chamada Educação Tradicional e a Educação Nova (ou Escola Nova) e pelo nacionalismo, este um fator associado ao movimento renovador. Nosso objetivo é identificar e caracterizar tais manifestações em seus matizes políticos e pedagógicos, discutindo a presença e o potencial do movimento remodelador escolanovista em seu confronto com a permanência do tradicionalismo. A metodologia está embasada no uso de fontes, como legislação, relatórios de inspeção escolar, ofícios da Diretoria de Instrução Pública, livro didático, caderno e jornal escolar. No sentido de estabelecer relações entre nosso objeto e aspectos da história da educação brasileira, recorremos ao diálogo com Nagle (1997) que trata d‟A Educação na Primeira República. A análise que este estudioso realizou é frutífera, com base na qual julgamos que ainda podem ser realizados novos 48 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 estudos sobre a história da educação brasileira, uma vez que Nagle traz para o debate fatores de cunho político, econômico, social e cultural que auxiliam efetivamente na construção de conhecimento quanto às permanências e transformações nas políticas e práticas escolares naquele âmbito cronológico. Destacamos suas teses sobre a penetração das ideias da Escola Nova, dadas pela abordagem do que foi cunhado como “entusiasmo pela educação” e como “otimismo pedagógico”, e, ainda, por sua análise do nacionalismo – fenômenos entendidos como expressão de um caráter regenerador da educação. Resumidamente, para fins do tratamento da problemática a que nos dedicamos, explicamos que o chamado entusiasmo pela educação foi considerado como uma primeira fase de penetração do escolanovismo no Brasil, caracterizada por esforços de cariz político em difundir a escola para todos, aumentando sua quantidade; já o otimismo pedagógico centrou seu foco na questão pedagógica, pregando a modificação técnica do ensino, ou seja, a troca de um modelo existente por outro (remodelação), sendo historicamente localizado a partir da década de 1920, uma segunda fase do processo (NAGLE, 1997, p. 262, 264, 282-283). Dada esta especificação, buscamos ratificar que o “entusiasmo” foi expresso principalmente por ideias, pelo planejamento e busca de soluções que se pretendeu engendrar; por sua vez, o “otimismo” foi marcado por reformas educacionais no âmbito dos estados. Além disso, tomamos como basilar outro aspecto vinculado às teses de Nagle (1997, p. 271, grifos nossos): “Duas tendências precisam ser ainda mencionadas a respeito da escola primária e da escola normal: a da nacionalização e a da regionalização e ruralização”. Um dos parâmetros que levamos em conta é o indicativo de pesquisas que focalizaram a história da educação de outros estados brasileiros. Tomamos como exemplo o estudo de Carvalho (2012) sobre a reforma em Minas Gerais, ocorrida em 1927-1928, cujos argumentos se referem à renovação escolar. Carvalho (2012, p. 187-188) indica que foi um círculo de intelectuais e políticos que impulsionou o empreendimento de renovação e modernização: [...] viram a escola como vetor de democratização com cidadania [...] mas essa intenção, muitas vezes, esbarrou na vontade política e se mostrou em doses controladas, na medida das necessidades e dos interesses da classe dominante. 49 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Deste modo, ao estabelecer críticas à escola tradicional, os intelectuais mineiros projetaram na educação a alavanca para a mudança social. Assim, [...] houve tensão entre os objetivos da reforma propalados em discursos, leis e decretos e as novas experiências de formação vinculadas complexamente com as experiências consolidadas e evidenciáveis mediante interpretações inversas dessa teoria feita por políticos e educadores da época (CARVALHO, 2012, p. 197, grifos nossos). Segundo Saviani (1986, p. 52-53), mesmo que propalando seus avanços em relação ao tradicionalismo, os projetos de escola pública, coeducação, escola gratuita, laica e obrigatória, justamente devido à ausência de recursos, não puderam ser efetivados integralmente: [...] a escola tradicional, na medida em que se compromete com a transmissão de conteúdo, mesmo de forma autoritária, revelase mais democrática, de fato, do que a proclamada liberdade da “escola nova”, com mais atividades e menos conteúdo. Dizia-se que se almejava erradicar a escola tradicional, revelando um posicionamento de total desprezo por ela, como se esta fosse a única responsável pelo fracasso escolar. Nesta condição, indica-se que a Escola Nova, utilizando-se do discurso do novo, “envelhece” o que a antecedeu, dando-lhe o caráter de atraso. Aqui plantamos um questionamento: como considerar especificidades do processo histórico de instituição da escola primária em Santa Catarina, visto que nas colônias de imigrantes existia, desde a metade do século XIX, um sistema bastante sólido de oferta de instrução elementar? Particularmente quanto ao cenário catarinense, cabe interrogar a ausência de escolas e o fracasso escolar anunciados pelos discursos dos “pioneiros” e por seus portavozes locais! Pois pesquisas mostram que havia projetos bem sucedidos de organização escolar, pautados no funcionamento de instituições “estrangeiras”, particulares e comunitárias espalhadas pelo território de Santa Catarina: No movimento de colonização, a escola pode ser entendida como instituição necessária ao progresso [...] ao mesmo tempo, também vinha atender a necessidade de escolas para os filhos de 50 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 imigrantes alemães, que tinha raízes culturais no continente europeu e que foi transplantada. [...] A escola era uma instituição necessária à vida comunitária porque a população infantil crescia com o passar dos anos, uma vez que o aumento do número de crianças significava incremento no potencial de trabalho familiar nas propriedades rurais. A esse dado pode associar-se a questão da religião luterana, pois em algumas áreas o percentual de imigrantes protestantes era maior do que o de católicos. E para os luteranos, havia a necessidade de ensinar desde cedo a leitura e a escrita para as crianças, pois elas precisavam sozinhas conhecer o conteúdo da Bíblia e participar dos ritos comunitários. [...] Prédios próprios para abrigar as escolas foram sendo gradativamente construídos com a conjugação dos esforços da própria comunidade. (SANTOS, 2009, p. 472-474). Segundo Fiori (1991), as transformações educacionais em Santa Catarina podem ser focalizadas tomando como referência o período que iniciou com Vidal Ramos, que assumiu como governador em 1910 e tinha como meta de ação política a reforma da instrução pública. Para tanto foi tomado o “modelo paulista”, sendo que ao professor Orestes Guimarães foi delegada a tarefa de liderar a mudança. O ideário adotado sugeria que os problemas da educação seriam solucionados à luz das sistemáticas modernas e com o emprego de métodos de ensino inovadores, ou seja, da Escola Nova. Devido à formação de Orestes Guimarães, que foi orientada pelas tendências escolanovistas que agiam em São Paulo, este se apresentou como porta-voz do novo propondo a erradicação e substituição da escola tradicional. Como fator dessa reorganização educacional foi atrelado, ainda, um projeto nacionalizador, considerado como um dos princípios da proposta de modernização. O plano de mudanças para Santa Catarina previu alterações nos estabelecimentos de ensino – Escola Normal, Escola Isolada, Escolas Complementares, Escolas Reunidas e Grupos Escolares – e nas suas práticas pedagógicas, quer dizer, quanto a métodos de ensino, espaço físico, materiais didáticos, tempos escolares e aspectos curriculares. E se buscou implementar complexa estrutura administrativa apoiada em controle centrado nos serviços de inspeção escolar. No plano institucional, a Escola Normal sofreu as primeiras ações reformadoras. Foi regulamentada pelo Decreto n.º 572, de 25 de fevereiro de 1911, e Decreto n.º 593, de 30 de maio de 1911, reorganizando seu programa de admissão, com vistas a formar professoras “modernas e patrióticas” para as 51 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 escolas primárias. E, de acordo com Fiori (1991), foi nesse ano que se criou o Grupo Escolar. A criação dos grupos escolares significou a tentativa de rompimento com o modelo tradicional, acusado por não ter seriação e um único professor ensinando numa mesma classe. Para compreender o embate que então se configurou, julgamos necessário lembrar que até os primórdios do século XX o território catarinense era pontilhado por um considerável número de escolas primárias “multisseriadas”, presentes notadamente nas regiões. E a maior parte daquelas teve sua origem em associações escolares lideradas por imigrantes europeus que abriram suas próprias escolas uma vez que praticamente inexistiam instituições públicas (Cf. SANTOS, 2012, 2010). Assim, a remodelação significaria avanços na estruturação do ensino catarinense relacionados à divisão do trabalho pedagógico, à seriação e à economia de instalações escolares. Chamamos atenção para o fato da necessidade de considerar que as escolas isoladas anteriormente existentes foram, de fato, as primeiras escolas de ensino primário em território catarinense. Mas para alguns estudiosos, a reforma empreendida pouco teria modificado a estrutura das escolas isoladas. Segundo Teive e Dallabrida (2011, p. 73), Nos três tipos de escola isolada os benefícios da reforma foram demorados. Elas continuaram a funcionar em casas alugadas, tal como nos tempos do império, com programa reduzido, sem mobiliário adequado, com exíguo material didático, multisseriadas e unidocentes. Fazemos ressalvas quanto à afirmação acima. A genérica caracterização das escolas isoladas desconsidera instituições que já tinham prédios próprios construídos pelas comunidades, contavam com mobiliário suficiente, com material didático (por vezes importado) e dispunham de professores que gradativamente haviam incorporado à sua formação conhecimento didáticopedagógico aplicado à prática. Muitos prédios contavam com boa estrutura arquitetônica e foram construídos em parceria com a igreja local (católica ou protestante). Os currículos davam conta, mesmo que de modo “tradicional”, de ensinar a ler, escrever e contar. Mais que isso, foi formada uma população bilíngue, com letramento básico, alfabetizada. Isto é significativo em meio a um país de analfabetos que, como se sabe, era o Brasil da época! E embora 52 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 alguns professores fossem recrutados entre os habitantes locais e eventualmente não dispunham de preparo pedagógico formal, conforme argumenta Willems (1980), houve a utilização de padres e pastores protestantes na docência, o que certamente trouxe qualidade à atividade escolar. E na virada do século já havia professores atuantes formados em cursos normais e em instituições instaladas no sul do país (Cf. SANTOS, 2012, 2010, 2009, 2007; RAMBO, 1996). Parece-nos que o discurso sobre a precariedade das escolas primárias isoladas até então existentes pretendia reforçar o potencial de “reforma” do governo catarinense, usando da velha estratégia política de desprestigiar aquilo que anteriormente se havia construído. Além disso, o funcionamento das escolas comunitárias dos imigrantes insistia em denunciar a inatividade histórica do Estado quanto a investimentos na educação. Aliás, essas instituições comunitárias, consideradas “estrangeiras” e privadas, foram as responsáveis pela quase erradicação do analfabetismo, sobretudo nas áreas rurais, com contingentes populacionais descendentes de imigrantes europeus, notadamente de alemães. Para ratificar esse argumento há estatísticas quanto aos índices de analfabetismo na região de Joinville (paradoxalmente, região de Santa Catarina onde o reformador Orestes Guimarães iniciou sua “cruzada”!). Segundo edição do Jornal de Joinville, datada de 1926, o poder público municipal havia recentemente feito um recenseamento. E de acordo com os dados de março de 1926, quando Joinville comemorou 75 anos de fundação, 10.320 pessoas habitavam o perímetro urbano, sendo que os analfabetos que tinham 7 ou mais anos de idade eram 993, ou seja 9,6% da população. Este é um dos aspectos que certamente diferencia o alcance efetivo do projeto modernizador no período da Primeira República em Santa Catarina. Não se tratava de combater o “analfabetismo”, pelo menos não o analfabetismo como buscava dar a entender o discurso do governo de então, pois significativa parcela dos catarinenses já lia e escrevia. E como forma de controlar o “prescrito” na lei e o “praticado” para efetivação dos ditames legais, institui-se o serviço de inspeção escolar. Enquanto inspetor geral do ensino, Orestes Guimarães era responsável pela fiscalização e orientação da instrução pública. Para tanto, contou com a colaboração dos inspetores escolares que eram auxiliados pelos chefes escolares. Os inspetores, além de fiscalizar o trabalho docente, atuavam 53 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 também como orientadores pedagógicos dando ênfase na frequência escolar e no ensino da língua nacional – esse aspecto já reflexo dos escopos de nacionalização. Tinham o poder de fechar escolas, recomendar novos estabelecimentos e penalizar os professores. Segundo Fiori, dentro deste espírito, tanto o próprio Orestes Guimarães como sua esposa Cacilda divulgavam os “novos e modernos” métodos de ensino; a ênfase se deu no chamado “método analítico de alfabetização” e no “método intuitivo” (FIORI, 1991, p. 81, 94). Ou seja, do ponto de vista didático-pedagógico, a reforma buscou se contrapor às escolas e práticas “tradicionais”, entendidas como vinculadas a condições em que os alunos eram atendidos em prédios acanhados, com pouca iluminação e arejamento, mobiliário inadequado, submetidos a atividades de repetição, memorização e à leitura extenuante. Ainda no contexto das mudanças do cenário educacional catarinense, cabe citar a “Reforma Trindade”, de 1935. Esta também alterou a estrutura administrativa (mantida desde as transformações realizadas por Orestes Guimarães), mas com menor impacto em questões curriculares e didáticas. Centralizou-se mais na reestruturação dos cursos de formação de professores e nos princípios nacionalistas do Estado Novo. Para Fiori (1991, p. 118-119), a Reforma Trindade deve ser também reconhecida, pois, “[...] foi fruto do contexto político e educacional gerado pela revolução de 1930, endossando nova política de assimilação cultural mediante a ação da escola”. Tal projeto, instaurado pelo Decreto n.º 713, de 1935, foi liderado por Luiz Sanchez Bezerra da Trindade, indicado pelo então governador Nereu Ramos para dirigir o Departamento de Educação, subordinado à Secretaria de Interior e Justiça. Teve vigência até 1945. Esta reforma significou certa reestruturação do ensino, embora tenha seu caráter mais efetivo a partir de 1937 com a implantação do Estado Novo. Segundo Carvalho (2002), com a abrangência do Estado Novo, agentes educacionais que ocupavam órgãos governamentais e de viés escolanovista, impulsionaram ideias sobre a educação do “novo homem” para o “novo Estado”. Durante a Era Vargas (1930-1945), mais especificamente durante o Estado Novo (1937-1945), em Santa Catarina, os estrangeiros e seus descendentes foram tratados como ameaças à nacionalidade brasileira, à “brasilidade”: “[...] localidades oriundas da imigração europeia, como as de raízes alemãs, italianas, polonesas, japonesas – entre outras compostas por 54 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 grupos étnicos estrangeiros –, foram alvo das prescrições de um projeto de nacionalização” (SANTOS, 2010, p. 85, 91). As escolas, principalmente as de origem alemã, foram vistas como empecilho para a concretização do projeto nacionalizador. Assim, é necessário atentar para as propostas de nacionalização indicadas por Orestes Guimarães e intensificadas na reforma de 1935, chegando ao período do Estado Novo (1937-1945), liderado nacionalmente por Getúlio Vargas e, em Santa Catarina, sob o interventor Nereu Ramos. No projeto que interessava ao governo se pretendia o ajustamento dos cidadãos brasileiros à nação, que coadunava com a ideia de que era preciso civilizar para o progresso e modernização do Brasil. Sobretudo o processo de escolarização seria estratégico, representando uma base para os intuitos de renovação. Os programas de ensino para o Estado de Santa Catarina, embutidos nas reformas, sugeriam a tecnificação e modernização pedagógica. O Regulamento de 1914, por exemplo, dizia que aos professores cabia a “missão” de “[...] educar physica, moral, e intellectualmente, de acordo com os respectivos programmas, os alumnos que se matricularem nas escolas do Estado” (SANTA CATARINA, 1914, p. 28). Percebe-se aí a valorização do aspecto moral do ensino bem como uma recomendação quanto a um processo de inculcação através do trabalho docente. Porém, isto é passível de questionamentos, uma vez que nem sempre o determinado nos regulamentos é aplicado mecanicamente e determina a mudança social. Corroboramos aqui um argumento apresentado por Cury (2010) quando trata do termo “reforma” e das “Reformas” no ordenamento jurídico, fazendo referência a “situações múltiplas em que a reforma venha a ser postulada”; embasado pela teoria sociológica do direito de Commaille, traz quatro formas de conceber a reforma: a) b) c) d) mudança da lei e mudança social; mudança da lei sem mudança social; mudança social sem mudança da lei; manutenção social e manutenção da lei. (CURY, 2010, p. 344). Diante disto, cabe buscar compreender o quanto e de que modo uma polaridade entre “mudança da lei” e “mudança social” esteve correlacionada naquele momento histórico de pretensas mudanças no cenário catarinense 55 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 ditadas pela legislação. Interrogamos se os intuitos reformadores da educação escolar apresentados por seus postulantes e, algumas vezes, ratificados pela historiografia, conseguiram efetivamente penetrar e transformar a realidade do aparelho escolar de Santa Catarina. Teria a “Reforma” preconizada pelas decisões políticas no cenário catarinense da época atingido, em maior ou menor grau, seu escopo de “dar outra forma ou, então, dar uma outra e nova forma”, pois ao se utilizar o estatuto legal de uma reforma, se [...] tem diante de si uma situação existente que o sujeito da reforma pretende substituir por uma outra que tanto pode ser uma regressão a uma forma já havida, quanto uma outra cujo teor inove a forma presente. Esse termo, predominantemente, expressa a substituição de uma forma por outra, na medida em que a existente não atende mais aos parâmetros estabelecidos e vigentes, seja por desgaste, seja por insuficiência, seja por fracasso ou, então, seja por uma crise profunda. (CURY, 2010, p. 343, grifos nossos). Também nos termos de visita de inspeção escolar podem ser observadas prescrições quanto à prática educativa. O relato do inspetor geralmente trazia a identificação da escola, a qualificação do professor, a frequência dos alunos, a descrição do mobiliário, da sala de aula e do material didático e a escrituração (preenchimento dos livros de chamada, de matrícula e de registros de exames). Verificava-se também a aprendizagem, através da leitura e da linguagem oral, do domínio dos conteúdos de língua portuguesa, geografia, história, aritmética e educação moral e cívica. Tais relatórios finalizavam com recomendações ao professor quanto à atividade docente, aprovando-a ou sugerindo inovações. Assim, a função do inspetor era sobretudo fiscalizar a docência, verificando o tipo de aula, aspectos metodológicos e de conteúdo (SANTOS, 2008, p. 241). No propósito de discutir o alcance do que foi estabelecido enquanto diretriz do fazer pedagógico, buscamos nas recomendações dos inspetores supostas ambiguidades quanto ao embate entre a pedagogia tradicional e a renovação escolar. Em Relatório de Inspeção datado de 1916, referente à visitação das escolas isoladas da Caieira e Ganchos, situadas no município de Biguaçu, o inspetor relatou que não foi possível examinar a escola mista de Caieira, pois o professor responsável havia se ausentado e deixado como 56 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 substituta sua filha que [...] ignorava o lugar onde se achavam os livros de matricula e chamada e o arquivo da escola, sendo-me portanto impossivel tomar qualquer informação. [...] peço a V. E. se digne a bem do serviço publico mandar suspender o referido professor por 8 dias (TERMO DE INSPEÇÃO, 1916, p. 2). Quanto à escola masculina de Ganchos, registrou que havia 60 alunos matriculados e naquele dia frequentaram 42 deles; quanto ao mobiliário existente: “[...] bancos simples quase totalmente estragados [...] 2 mappas, um do Estado e outro do Brazil, 1 quadro de Parker e um relogio” (TERMO DE INSPEÇÃO, 1916, p. 3). Nota-se que, cinco anos após a reforma de 1911, o mobiliário escolar se encontrava em péssimo estado, o que demonstra que o governo ainda não teria contemplado as escolas com novos materiais e mobiliário. Continuando o termo, o inspetor descreveu o que observou das aulas de “Noções de hygiene rural”, denunciando o despreparo do professor ao ministrar essa matéria: [...] sem clareza, sem ordem e principalmente sem méthodo devido a falta de preparo do professor que não organiza e methodiza em casa o ensino desta tão uteis e importantes noções para áquelles, que mais tarde, se hão de dedicar á agricultura; [e para o conhecimento e aprendizado do professor, o inspetor fez uma aula modelo] orientando o senhor professor, e sobretudo apontando-lhe o methodo a seguir, sem o que, o ensino será fatalmente defeituoso (TERMO DE INSPEÇÃO, 1916, p. 3, grifos nossos). Tais expressões pretendiam evidenciar a falta de preparo docente e refletem, ao mesmo tempo, a difícil tarefa de controlar a renovação educacional conferida aos inspetores. Chamamos atenção agora ao que rezava o Decreto n.º 596, de 1911, quanto ao fazer do professor e aos materiais didáticos: O Coronel Vidal José de Oliveira Ramos Governador do Estado de Santa Catarina no uso das suas attribuições: Considerando que o exito da reforma da Instrucção Publica decretada, em muito depende dos methodos de ensino e adopção de material escolar aconselhado pela moderna pedagogia para 57 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 que uniformes sejam os processos usados pelo professorado e cujo arbítrio não deve ficar a escolha de obras didacticas; Considerando que a fiscalisação do ensino deve ser exercida tambem sobre o uso de taes obras; E tendo em vista o que propoz no seu Parecer o Inspetor Geral do Ensino, decreta: Art. 1º. Ficam adoptadas para serem exclusivamente usadas em todas as escolas publicas estadoaes as obras didacticas constantes da relação que a este acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos Negócios do Estado. (SANTA CATARINA, 1911, p. 88, grifos nossos). Com relação às obras didáticas que deviam ser usadas nos grupos escolares e escolas isoladas, considerava: 1 – Cartilha – Arnaldo Barreto. 2 – Leitura Preparatoria – Francisco Vianna. 3 – Primeiro Livro - Francisco Vianna. 4 – Segundo Livro - Francisco Vianna. 5 – Terceiro Livro - Francisco Vianna. 6 – Minha Pátria – Pinto e Silva. 7 – Caderno de Calligraphia vertical – por Francisco Vianna. (SANTA CATARINA, 1911, p. 89). Tais recomendações deixam transparecer força e controle ao determinar exclusivamente certas obras didáticas consideradas como mostras de uma “moderna pedagogia”. Permitem visualizar rigor nas prescrições, o que estabelece relação com um sistema de ensino ainda envolto por posturas tradicionais. Notadamente com relação à determinação do uso de cartilhas, assevera o direcionamento do ensino para um meio tradicional, o que não se relacionaria aos princípios de escola ativa defendidos. Percebemos o conflito entre o “novo” e o “velho” e a inexistência de clareza sobre os diversos modelos e ideias pedagógicas. Por exemplo, um Ofício da Diretoria de Instrução Pública descreve material em uso que indica traços da pedagogia tradicional, apontando a centralidade da função docente: Satisfazendo o pedido de vosso offício nº 136, de 20 de fevereiro p.p. remetto-vos 10 exemplares de Nossa Patria, 10 Geographias, 10 Grammaticas, 10 Arithmeticas, 10 Lousas, 3 duzias de lapis de pau, 3 duzias de lapis de pedra, 1 resma de papel, 30 Taboadas e 58 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 30 Cartilhas (SANTA CATARINA, 1923, p. 71, grifos nossos). É comum encontrar documentação que solicita tabuadas e cartilhas, produtos da escola tradicional, criticados por oferecer uma educação dita ultrapassada, fora do contexto do aluno, com foco no conteúdo. Tal procedimento metodológico culminava no exercício de decorar e em atividades mecânicas predeterminadas. O educando, nesse caso, seria agente passivo no processo de ensino-aprendizagem. Especulamos se, na medida em que práticas da educação tradicional permaneciam cristalizadas, o quanto as ideias de Escola Nova abalaram sua ação na escola. A renovação que surgia tentava ganhar vida num contexto até então dominado pelas forças tradicionais. Atentos ao nacionalismo como componente do projeto renovador em tela, encontramos ofícios relatando que Orestes Guimarães submeteu professores a exames para verificar se tinham competência linguística para a docência, respeitando as exigências legais de uso exclusivo do português nas atividades escolares. A presença destes preceitos nas reformas de ensino em Santa Catarina revela aderência à campanha de nacionalização atrelada ao ideário escolanovista. O caminho era reformar as antigas e tradicionais escolas, reconfigurar as práticas no seu interno e forjar uma nova nacionalidade. Exemplo emblemático é o ofício dirigido em setembro de 1924 ao professor Walter Sparing, de Blumenau, área de influência imigratória alemã: Para os devidos fins, communico-vos que, em virtude de terdes disso approvado em exame prestado perante o inspector escolar sr. Orestes Guimarães, vos concedo licença para leccionardes no lugar Itoupavazinha, nesse municipio. Cumpre-se, porém, esclarecer-vos que, se vossa escola leccionar alguma materia em lingua estrangeira, será, na forma do § 1º., arto. 24 da lei no. 1283, de 15 de setembro de 1919, considerada estrangeira; e, nesse caso, deveis requerer ao sr. dr. Secretário do Interior e Justiça licença para o devido funccionamento (SANTA CATARINA, 1924, [n.p.], grifos nossos). Fazemos agora breve abordagem quanto aos materiais didáticos como elementos da prática docente, pois sabemos que podem ser vistos como expressão de uma dada filiação teórica e metodológica. Recorremos à análise 59 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 de dois tipos de fontes que podem auxiliar na identificação e caracterização da atividade educativa levada a efeito no contexto escolar, além de nos falar sobre elementos da organização política, econômica, social e cultural em um específico âmbito cronológico. Inicialmente tratamos do livro escolar e, a seguir, do caderno, ambas fontes consideradas complexas. Encontramos a confirmação do uso do Segundo livro de leituras infantis, no Decreto n.º 1.944, de 27 de fevereiro de 1926, que aprovou um programa determinando o uso de materiais didáticos para as escolas das zonas rurais coloniais, localidades em que existiam instituições oriundas das antigas escolas de imigrantes onde estudavam várias crianças bilingues ou falantes de idiomas estrangeiros: 2.º ANNO LEITURA 1.º- Leitura diária do livro usado Segundo Livro, observando-se a pontuação. 2.º- Estudo diário dos Synonymos, antonymos e homonymos dos termos mais communs do capítulo lido. Traducção dos termos, dos synonymos, antonymos e homonymos correspondentes. 3.º- Depois do estudo do capítulo, conforme os paragraphos anteriores, isto é, da leitura corrente e do estudo dos principaes termos, o professor fará a recapitulação do capítulo, exigindo a traducção geral do mesmo (SANTA CATARINA, 1926, p. 3, grifos nossos). Para promover a aplicação do moderno, havia a indicação de que as exigências e recomendações fossem equivalentes à intenção de alfabetizar nos moldes nacionalistas, com vistas à interferência na fala dos alunos, explícita na preocupação com a tradução. Tal função social e política de aculturação representa o embate que se configurou no período entre os aspectos modernizantes e aqueles tradicionais marcados pelo nacionalismo. Notamos que, paradoxalmente, o discurso renovador é embasado por práticas criticadas por serem tradicionais! Observamos no livro didático então adotado um dos exercícios propostos solicitando que o aluno completasse frases: “O esporte torna as crianças fortes e sadias. Luiz gosta de.........; Luiz gosta de.........; Luiz gosta de..........” (VIANNA, 1922, p. 76). Demonstra a metodologia do trabalho tradicional apoiada num recurso pouco atrativo, uma vez que se embasa na repetição. E tal prática era veementemente condenada 60 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 pela Escola Nova. Analisamos também um caderno de caligrafia do 1º ano, usado pela aluna Adelaide Scharf na Escola Mista Isolada da Estrada de Rio Novo, do município de Jaraguá do Sul. Indica que o exercício da caligrafia era constante nas atividades da escola primária. Cadernos de caligrafia são geralmente compostos por atividades de preenchimento de linhas de forma controlada e repetitiva, através da cópia, ditado e o treino do “correto” traçado da letra. Tal concepção tradicional foi herdada e mantida pela escola, com o intuito de homogeneizar a escrita escolar, tornando-a padrão. No referido caderno, intitulado Novo Methodo de Calligraphia Vertical, são estipuladas na contracapa algumas recomendações: 1º na uniformidade, pois que há uma única posição vertical, enquanto que as obliquas compatíveis com a escripta são muito numerosas; 2º na clareza, pois que as letras inclinadas, sobretudo as de haste, tendem a ficar umas sobre as outras; 3º na facilidade, pois fica tudo reportado a uma direção mais constatável a – perpendicular à pauta (SCHARF, 1941). Além dessas recomendações, há também indicativos de como deveria se portar a criança, devendo posicionar corretamente corpo, cabeça, braços, a mão e o lápis. Cabia ao professor [...] ir apontando os defeitos, emquanto os alumnos estão à escrever. Nesse momento qualquer pequena indicação vale mais que uma correcção posterior muito bem feita, a qual o alumno raramente recorre. (SCHARF, 1941). A presença e utilização deste tipo de fonte evidencia uma tradição enraizada. Trazemos agora para análise um jornal escolar construído por alunos da segunda e terceira séries da Escola Isolada Municipal Luiz Delfino, situada no nordeste catarinense. Este tabloide era mensal e localizamos exemplares elaborados entre agosto de 1941 e fevereiro de 1944. Seu título é “Tudo pelo Brasil” e sua produção foi supervisionada pela professora primária Juliana Coutinho. 61 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Apresentamos alguns de seus elementos, como o constante no exemplar de novembro de 1941, que traz textos sobre a bandeira nacional, a data de 10 de novembro de 1937 (promulgação do Estado Novo) e a atuação de Vargas e do Interventor Nereu Ramos. Como é percebido, nutria-se a conveniente imagem do governo: atos oficiais e seus protagonistas eram exaltados. E ingredientes básicos do nacionalismo ficam evidentes. O mesmo podemos dizer do exemplar de abril de 1942. O jornal escolar fala sobre a data de 19 de abril, aniversário de Vargas! O presidente foi festejado: O aniversário do Presidente Vargas nesta escola. Aos desenove dias do mês de abril de mil novecentos quarenta e dois (1942) associando-se aos festejos do natalicio do Presidente Vargas, foi organizado uma festa interna nesta escola, regida pela professora regente, Juliana K.V. Coutinho. Tendo comparecido os alunos matriculados nesta escola, cantaram aclamaram recitaram saudações e cantaram hinos. (sic) (ESCOLA ISOLADA MUNICIPAL LUIZ DELFINO, 1942). Este tipo de material foi utilizado para produzir e exaltar a brasilidade, mediante linguagem contundente e dirigida à infância: Sou brasileiro. Tenho orgulho de dizer que nasci neste grande pais, que é o meu Brasil. Todos os que nascem no Brasil, mesmo que sejam filhos de estrangeiros são brasileiros. Nós todos devemos amar a nossa pátria, a terra onde nascemos. Quem não ama sua pátria é um monstro. (ESCOLA ISOLADA MUNICIPAL LUIZ DELFINO, 1942). A expressão final é forte. Buscava suscitar nas crianças sentimentos de um patriotismo forjado. Ao mesmo tempo, contribuía na criação de hostilidade para com outras formas de pensar. Nesse caso, consideramos a função ideológica da educação naquele momento, que contribuía para a moldagem da mentalidade e formação de valores em acordo com a campanha de nacionalização. Por fim, como resultados suportados pela análise das fontes – legislação, relatório de inspeção escolar, ofícios da Diretoria de Instrução Pública, livro didático, caderno e jornal escolar – afirmamos a convivência simultânea entre 62 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 a Educação Tradicional e a Educação Nova na escola primária de Santa Catarina durante as primeiras décadas do século XX, expressa através de políticas educacionais e práticas educativas. As leis exaradas apresentaram e buscaram inocular aspectos das propostas de renovação alinhadas com a Escola Nova, caracterizando um embate com práticas tradicionais historicamente engendradas. O olhar que dedicamos às reformas, à legislação e à inspeção escolar permitiu questionar o hiato entre o prescrito e o realizado, entre políticas e práticas, entre a “mudança na lei” e a “mudança social” (CURY, 2010). De modo geral, a escola primária catarinense foi marcada pelo eventual sucesso de ditames das reformas, ao mesmo tempo em que não houve condições objetivas e totais de eliminar do aparelho escolar as cristalizadas práticas educativas tradicionais, o que verificamos quando observamos elementos da docência e materiais didáticos então em uso como o livro didático e o caderno. Apontamos ainda que, do mesmo modo e amalgamados ao ideário de renovação, os propósitos da campanha de nacionalização impactaram sobre a natureza da escola primária, gerando submissão mas também reações conflituosas aos ditames governistas. Estes aspectos compõem numa conclusão de que o processo histórico de institucionalização da escola primária de Santa Catarina foi marcado pelo embate entre os pressupostos políticos e pedagógicos da Escola Nova e da Educação Tradicional, bem como pelo processo de nacionalização. Lembrando das afirmações de Nagle, tivemos um cenário em que conviveram tanto aspectos do “entusiasmo pela educação” como do “otimismo pedagógico”. Referências CARVALHO, C. H. Escola nova, educação e democracia: o projeto Francisco campos para a escola em Minas Gerais. Acta Scientiarum, Maringá, v. 34, n. 2, p. 187-198, jul./dez. 2012. CARVALHO, M. M. C. de. Pedagogia da Escola Nova, produção da natureza infantil e controle doutrinário da escola. In: FREITAS, M. C.; KUHLMANN JÚNIOR, M. (Org.). Os intelectuais na história da infância. São Paulo: Cortez, 2002. p. 373-408. CURY, C. R. J. Reformas educacionais no Brasil. In: SAVIANI, D. 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Embora a questão da interculturalidade emerja como uma das mais importantes problemáticas contemporâneas, ela já estava contemplada, com toda sua complexidade, nas reflexões e ações políticas dos Pioneiros da Educação Nova. Aprendemos com Sérgio Miceli (1979) que o legado dos Pioneiros, particularmente de Lourenço Filho e Anísio Teixeira, deveu-se muito às origens familiares que os dirigiram, desde muito cedo, para o acesso aos bens culturais disponíveis apenas para as classes dominantes, fato que certamente contribuiu para sensibilizá-los na busca de pedagogias alternativas com ênfase nas diferenças socioculturais. Assim, a reflexão destaca que não bastam intervenções didáticas puramente técnicas para garantir fecundidade e eficácia formativa ao currículo quando se trata de sociedades caracterizadas por grandes diversidades e diferenças culturais. O trabalho discute a necessidade de se adotar, em espaços escolares, práticas e metodologias de ensino de cunho pedagógico mais inovador e envolvidas num contexto de políticas educacionais sensíveis à questão da diferença e da interculturalidade. Palavras-chave: Escola Nova. Manifesto dos Pioneiros. Interculturalidade. Educação Popular. Cultura. Abstract: Based on the sociological perspective of understanding reality, communication discusses the pedagogical principles woven into the legacy of the New Education Pioneers, principles that still guide the interculturality practice in schools. Although the issue of interculturality emerged as one of the most important contemporary issues, it was already covered in all its complexity, in the reflections and political actions of the Pioneers of the New Education. We learn with Sergio Miceli (1979) that the legacy of the pioneers, particularly Lourenço Filho and Teixeira was due much to family sources that drove them from an early age for access to cultural 67 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 goods available only to the ruling classes, fact which certainly contributed to sensitize them in the search for alternative pedagogies with emphasis on socio-cultural differences. Thus, the reflection points out that not enough purely technical educational interventions to ensure fertility and formative effectiveness to the curriculum when it comes to societies characterized by great diversity and cultural differences. The paper discusses the need to adopt in school spaces, practices and educational profile of teaching methods more innovative and involved in a contextsensitive educational policies to the question of difference and interculturality. Keywords: New School. Education Pioneers Manifest. Interculturality. Popular Education. Culture. Introdução L ançado em 1932, o documento redigido por Fernando de Azevedo, cujo título completo é A Reconstrução Nacional do Brasil: Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, contou com a adesão de 26 intelectuais de grande envergadura, entre os quais destacamos Anísio Teixeira, cuja obra ocupa papel nuclear e seminal e vem sendo, ainda hoje, fonte de instigantes pesquisas por indicar a importância que tem o sistema de educação pública no Brasil. Saviani (2000) destaca o momento histórico da divulgação do Manifesto e nele a contribuição da obra de Anísio Teixeira, considerando-o um clássico da educação brasileira: O que é a fase clássica? É a fase em que ocorreu uma depuração, superando-se os elementos próprios da conjuntura polêmica e recuperando-se aquilo que tem caráter permanente, isto é, que resistiu aos embates do tempo. Clássico, em verdade, é o que resistiu ao tempo. Abrindo a reflexão sobre o tema da presença da interculturalidade no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, somos forçados a estabelecer uma ponte com o passado. A forma de balanço sociológico passado/presente sobre a questão nacional, a educação popular e a interculturalidade nos pareceu válida. Tomamos como referência os anos de 1920 e 1930, quando um grupo de intelectuais liderados por Fernando de Azevedo interferiu na política cultural brasileira conferindo visibilidade à questão educacional articulada à questão do desenvolvimento nacional. 68 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Em que pese um certo romantismo e apologia do modernismo burguês, o que é compreensível, dado o contexto social da época, o Manifesto da Educação Nova é de fato um documento emblemático por constituir-se como objeto fundante de discussões sobre a inserção da cultura popular e o conhecimento comum no campo do sistema de educação pública no Brasil. Portador de grande teor simbólico, este documento ainda hoje é o locus de discussão e reflexão sobre o ambiente político e social da primeira metade do século XX, e ainda mantém, paradoxalmente, grande atualidade quando se trata da inserção dos saberes populares no processo de construção cidadã, concomitante com a inserção do Brasil na nova ordem mundial, processo no qual espera-se que a escola desempenhe papel seminal. Para Micelli, de acordo com Lourenço Filho, “[...] a escola pública deveria ser um orgão de adaptação e coordenação para implementar os ideais nacionais de renovação”. (apud CATANI, [s.d.], p. 42). Embora se discutisse naquele momento os valores e os signos cindidos entre as classes subalternas e as elites econômicas e culturais, o Manifesto não postulou um modelo político e econômico explícito para o Brasil. O que se constituía no país era a consolidação de uma sociedade de classes segundo o código hegemônico da elite dominante, mesmo que o documento refletisse a possibilidade de um saber popular que pudesse compartilhar da construção dos valores nacionais pela mediação de uma educação de qualidade. Como se sabe, Getúlio Vargas utilizou o documento como meio e não como fim político. Em termos históricos e epistemológicos, existe incongruência entre Escola Nova (experiência, pesquisa, invenção, criatividade, descoberta) e o modelo político, isto é, a organização social autoritária do Estado, que inibe a iniciativa baseada na escola nova, no plano da educação e no plano social (MENDES, 1987, p. 494). Mendes aponta para o fato de que a proposta da Escola Nova encontra sua justificativa e fundamento na ideologia liberal. Esta ideologia permitiu ao Estado manipular as propostas de pesquisa, descoberta e criatividade, mantendo-as num plano abstrato, sem a devida articulação eficaz com os campos político, econômico e pedagógico e mais profundamente a articulação da subjetividade e objetividade na sua incorporação ao trabalho e à práxis. O fato é que naquele momento categorias e métodos se transformaram em 69 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 estereótipos motivados talvez pelo mimetismo cultural. O liberalismo pragmático de Dewey, que muito influenciou o trabalho dos intelectuais que subscreveram o Manifesto, não ofereceu respaldo para a condução das ações voltadas para a conjuntura histórica e social da época. De fato, os conflitos de classe foram contornados e estabelecidos ajustes e reajustes também no âmbito da educação em prol da economia capitalista. Mesmo assim, as contribuições criativas do legado dos Pioneiros permaneceu latente e hoje é possível refletir sobre a possibilidade de recuperá-las quando se trata de pensar as questões não resolvidas no campo cultural e nas relações complexas da interculturalidade brasileira. Embora permeada de um entusiasmo funcionalista e desenvolvimentista, a Educação Nova não era um sonho efêmero para os Pioneiros. Ela constituía-se como um plano de ação educativa rumo à modernização nacional em que a escola estava destinada a desempenhar relevante papel na elaboração do conceito de nação, nacionalidade e nacionalismo, valores e conceitos que deveriam, pela mediação da educação escolar, pública e gratuita, circunscrever as metamorfoses de homens comuns em cidadãos. Em que pese o funcionalismo positivista que impregnava a reflexão dos intelectuais defensores da Escola Nova não se pode esquecer que eles revelaram com clareza um potencial de produção cultural que emanava do segmento popular não alfabetizado. Viram na população um contingente de pessoas, de diferentes nacionalidades, desenraizadas que lutavam pelo seu reenraizamento, interferindo com a produção de novos valores no campo da produção cultural. No âmbito da difusão cultural, Beisiegel aponta para a contribuição teórica de Lourenço Filho, ao referir-se à educação popular no país, [...] essa educação deveria, ainda, em suas palavras, ter como fim a difusão cultural, “de extensão, a todos os benefícios da cultura, envolvendo agora, os recursos da educação extraescolar”. Para ele, o ensino de jovens e adultos analfabetos era uma atividade de redenção do homem brasileiro ou de redenção nacional. (apud CATANI, [s.d.], p. 45). De modo geral, todos os Pioneiros mostraram em suas reflexões um apaixonado envolvimento com a questão educacional, articulada com o ideário 70 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 de uma nação moderna e qualificada para a produção de vida urbanoindustrial. Assim, pensaram não apenas a educação, mas também um ideal de sociedade que deveria modernizar-se e construir uma nova identidade nacional modelada pela cultura popular, sem esquecer, todavia, de um saber erudito que encontrava na escola nova americana e em Dewey as referências conceituais. Para o bem e para o mal, aglutinaram conteúdos, métodos e técnicas tangenciando as modificações sociais que ocorriam naquele momento sob a batuta de Getúlio Vargas. Sem aprofundar sua problematização, seguiam como os demais países europeus a escola nova americana, “[...] lubrificados pelos métodos e técnicas destinados, sobretudo, à industrialização e à modernização” (MENDES, 1987, p. 493). A sociedade por eles pensada seria articulada ao urbanismo industrial pela mediação da educação do povo que naquele momento acompanhava as metamorfoses da sociedade em devir, ele mesmo em processo de mudança geográfica, vindo do campo para a cidade em busca de novas formas de produção da sua vida. De fato, o Manifesto reivindicava uma renovação nacional mediada pela educação, que seria sim o modus operandi da reconstrução nacional, funcionando como alavanca de todo o processo de transformação social. Todavia, como afirma Mendes (1987, p. 493) “[...] esses pensadores difundem o saber (cultura e educação) para o povo, de cima para baixo, segundo o código hegemônico das classes dominantes”. Inspirados por Dewey e pelo modelo americano, denotavam alienação com respeito aos conteúdos embutidos nos métodos e técnicas vindos do exterior para o Brasil, motivo pelo qual o Estado não tinha projeto político, “[...] precisamente por ser país dependente, condicionado pelos centros hegemônicos no plano político e econômico” (MENDES, 1987, p. 494). Em que pese a falta de uma reflexão crítica ou a não percepção de que a Escola Tradicional e a Escola Nova, mesmo que com pontos de vista diferentes, confluíam em alienação, eles não encaravam de forma romântica “[...] os princípios da educação renovada disseminadas pelo movimento conhecido por „escolanovismo‟”. (SAVIANI, 2000). A seu favor, pode-se argumentar que, estando situados no paradigma da modernidade, os Pioneiros opunham-se ao paradigma da tradição jesuítica, projetado no Brasil colônia e imperial. Combatendo abertamente dogmas e preconceitos alienantes da vontade popular, cerceadores de seus saberes e de 71 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 suas manifestações culturais, marcavam, acima de tudo, de forma contundente, uma reação às pretensões de Getúlio Vargas, definindo claramente o campo educacional brasileiro. Muitos deles, discípulos de Dewey e admiradores da educação e cultura americanas, estavam atentos às condições brasileiras de estagnação e analfabetismo. Assim, não transplantavam o sistema americano, mas buscavam trazer à tona as sobrevivências das “[...] antigas questões que se acumularam na colonização e se agravaram depois no drama da escravidão combinando com a consolidação dos latifúndios” (FREITAS, 2011). Tangidos pela urgência das mudanças no plano político-social, deixavam transparecer, em sua qualificada escrita, a necessária elaboração de uma nova sensibilidade sobre a infância, sobre a juventude, considerando também o adulto analfabeto. Contribuíram de forma criativa para a mudança de mentalidade na condução dos destinos da educação brasileira e peculiar construção de uma nova cultura escolar, contemplando aqueles que viviam ao largo do sistema educativo. Exemplo disso está em toda obra de Cecília Meirelles. Como educadora ou como jornalista, ela contribuiu com sua sensibilidade e inquietude para a elaboração de um novo olhar sobre a infância. Com apaixonado envolvimento, desvelou nova sensibilidade para com a produção cultural do conhecimento escolar, conferindo visibilidade à educação de crianças e difundindo uma nova maneira de pensar seus principais problemas. Como jornalista, contribuiu para uma qualificada mudança de mentalidade deixando ver em suas crônicas e poemas os fatos corriqueiros que pudessem persuadir e legitimar um novo trato não apenas com as crianças, mas fundamentalmente com o outro, com o diferente, com o estrangeiro que pudesse de algum modo contribuir para a vivência e percepção de novas realidades. Nessa direção, seu projeto jornalístico denotava o propósito de intervenção no campo cultural mobilizando seus leitores para o reconhecimento e reciprocidade com estrangeiros que pudessem compartilhar dessa construção multirreferencial em termos de uma prática humanista mais universal. Em 1930, ela festeja a chegada ao Brasil do reconhecido pedagogo Edouard Claparède, médico e psicólogo suíço, vendo nele a excepcional oportunidade de compartilhar, no plano cultural e científico, da construção de uma nova sensibilidade. Mignot (s/d) comenta seu entusiasmo que emana da crônica A visita de um educador notável, publicada 72 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 pelo Diário de Notícias em 05 setembro de 1930 (p. 6). Segundo Mignot (2011, p. 65), ela [...] ressaltou a importância de acolher aquele em cuja figura se concentrava “uma expressão personalíssima da psicologia; aplicada em toda sua transcendência, ao conhecimento da criança”. Por isso argumentava “vamos receber a um estrangeiro como se o não fosse, não pelo nosso proverbial espírito de hospitalidade, mas porque os que se unificam nesta confraternização ideológica de tornar o mundo melhor por um respeito elevado e consciente da criança, orientando-a para uma visão total e superior da vida, perdem os contornos nacionais; integram-se na aspiração conjunta da humanidade; passam a ser, efetivamente, cidadãos do mundo. No empenho para desenvolver uma nova sensibilidade para a infância e uma visão mais totalizante de compartilhamento de bens culturais, Cecília Meirelles talvez não tenha visto alguns riscos com relação a assumir de forma acrítica a visão funcionalista de Claparède; todavia, ao lhe fazer o elogio, ela antecipou alguns valores humanistas que circunscrevem hoje as questões relativas à necessária discussão sobre a interculturalidade, que ainda está por ser feita dada à sua complexidade. Sem desqualificar a contribuição dos demais Pioneiros, Anísio Teixeira e Lourenço Filho se destacam como clássicos do pensamento educacional brasileiro por não compactuarem com o romantismo burguês da época e manifestarem com clareza a percepção dessa problemática. Dizer que Anísio Teixeira é um clássico da educação brasileira significa dizer que sua obra, embora resultante dos problemas postos pela época compreendida entre os anos vinte e os anos sessenta do século XX, ultrapassa essa época adquirindo validade universal e se tornado referência para outros períodos históricos. Nessa condição, o estudo de sua produção teórica e prática se torna uma exigência para a formação de novas gerações de educadores, assim como para a compreensão e equacionamento dos problemas educativos que a sociedade brasileira vem enfrentando. (SAVIANI, 2000). Anísio Teixeira acreditava que para construir a esfera pública e um Estado democrático era preciso antes avaliar os erros históricos cometidos a 73 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 partir de um lugar marcado pela transposição de ideias, pelo privatismo e imobilismo, este último resultado perverso da colonização portuguesa antimoderna, cujo resultado era a produção de uma história retrógrada em que havia o predomínio do interesse privado sobre o público. Educador por opção, entre promissoras carreiras que se lhe descortinavam na política e na atividade empresarial, decidiu-se pela educação numa época que a atividade educativa não tinha status de profissão. [...] empenhou-se em dar bases científicas para a teoria pedagógica e estatuto profissional à prática pedagógica. Para tanto organizou instituições de pesquisa e deu especial atenção à questão da formação de professores. (SAVIANI, 2000). Tal como Anísio Teixeira, também Lourenço Filho dedicou sua vida à educação. Entre as muitas contribuições de sua obra pedagógica merece destaque o momento em que desenvolveu ações ligadas à Campanha Nacional de Educação de Adultos, atuando na Comissão de elaboração do anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Comentando Celso Beisiegel (1999) quanto ao destaque à contribuição de Lourenço Filho nos anos de 1940, Denise Catani (2011) aborda atividades de Lourenço ligadas à Campanha de Educação de Adultos, junto ao INEP e ao próprio Ministério da Educação. Ela diz: [...] em seus escritos e pronunciamentos, desenvolve amplamente seus ideais relativos à formação de jovens e adultos para além da mera aquisição de leitura e da escrita, deveria também promover a formação profissional que integrasse as pessoas às novas condições de trabalho. Essa educação deveria, ainda, em suas palavras, ter como fim a difusão cultural, de extensão, a todos os benefícios da cultura, envolvendo, agora, os recursos da denominada educação extraescolar. (CATANI, [s.d.], p. 45). Tal como Anísio Teixeira, ele é um clássico da educação brasileira e sua presença foi primordial na atuação em espaços institucionais de destaque bem como na produção de intervenções mediante pesquisas no âmbito da pedagogia. Marcos significativos para a educação brasileira, seus livros e artigos tiveram reconhecimento internacional. 74 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Educação Nova, Paulo Freire e a problemática da interculturalidade O legado de Lourenço Filho impregna a obra de Paulo Freire no Brasil dos anos de 1950. Tal como Lourenço Filho nos anos de 1940, Paulo Freire (1971) expressava, com o seu trabalho, a preocupação com as diferenças culturais que marcavam a pobreza do povo brasileiro. Se, para Lourenço Filho, o ensino de jovens e adultos analfabetos era de fato uma atividade de redenção nacional, para Freire esse legado expressava também a redenção do homem brasileiro, na sua especificidade de produção sociocultural. A herança dos princípios e ideais educativos explicitavam também as características dos materiais didáticos que Freire passou então a pesquisar, destinados a essas faixas etárias, a exemplo de Lourenço Filho. O trabalho que desenvolve é de fato “[...] resultado da coincidência entre a boa vontade cultural que permeia suas disposições e os interesses do poder público em contar com o corpo de especialistas voltados para a gestão do sistema de ensino” (MICELI, 1979, p. 171). Paulo Freire, a exemplo de Lourenço Filho, manifestou com seu trabalho a necessidade de renovação educacional, contemplando a situação real das classes populares. Em Freire, a pesquisa sobre as condições existenciais e de pobreza serviria para a proposição de caminhos e melhorias do ensino. Nessa busca esclareceu-se o embate sobre o moderno e o arcaico intrinsecamente imbricados, o que por conseguinte causava a impressão de estagnação e imobilidade. Assim, era preciso “[...] defender a necessidade de elevar-se o nível de instrução de toda população como condição necessária ao desenvolvimento da nação” (CATANI, [s.d.], p. 45). O método de Freire surge no contexto da problematização de situações colonialistas que precisavam ser superadas. Situações que tanto Lourenço Filho quanto Anísio Teixeira já antecipavam como legado da colonização portuguesa e jesuítica que nos imobilizava no tempo. Assim, a modernização revelava um caráter tradicional percebido claramente na separação em que a educação ficava de um lado e a economia e política, do outro. A educação, no momento freireano, ainda não havia realizado a proposta dos Pioneiros e debalde todos os esforços, ainda não estava suficientemente problematizada. Estando quase imóvel frente às modificações sociais, a educação mantinha seu caráter estanque. Ainda que Anísio Teixeira tivesse apontado para o século XVI como 75 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 um momento chave para entender a pobreza brasileira, o país não havia conseguido romper com a “imobilidade medieval”, legado de uma história portuguesa antimoderna, com “[...] raízes de uma cultura por ele descrita como „truncada numa imobilidade granítica‟, [...] como se nela o tempo não andasse” (FREITAS, 2010, p. 54). Também Freire, como Teixeira, concluía que estávamos parados no tempo, com a nossa modernidade; estávamos construindo uma estratificação social perversa em que uma minoria ocupava o topo da pirâmide desfrutando de uma educação de qualidade. Paulo Freire, seguindo os passos trilhados por Lourenço Filho e Anísio Teixeira, preocupava-se com a realidade do povo brasileiro que tinha, naquele momento, uma produção cultural muito rica, mas que não encontrava reconhecimento e reciprocidade, necessárias para a afirmação de uma identidade multicultural. As chaves que possibilitariam o diálogo entre as referências culturais e a interculturalidade foram encontradas por ele nas manifestações culturais, nas práticas cotidianas e no universo simbólico dos sujeitos inseridos no processo de múltiplas metamorfoses rumo à modernização do Estado brasileiro, na década de 1960, sofrendo determinações de uma situação ditatorial. Ele expressou, em sua reflexão e método, a preocupação com a triste realidade dos sujeitos em construção humana em condições degradantes de vida. Afirmava ser válido para os seres humanos receber uma educação que respeitasse as sutilezas da vida e seus surpreendentes caminhos. Ensinava como isso deveria ser incorporado e trabalhado por uma educação humanista, recuperando de Lourenço Filho as lições que propunham a pesquisa pedagógica que serviria então para o conhecimento não apenas da realidade escolar como também aquela da cultura popular. Superada a subordinação imposta pelo período ditatorial, o reaquecimento desse debate nos anos de 1970, se agregou à preocupação crescente com a questão da cultura, questão disseminada inicialmente no trabalho dos Pioneiros Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Cecília Meireles, Fernando de Azevedo e, posteriormente, no seio de uma intelectualidade marxista, que cada vez mais se interrogava sobre as práticas culturais e interculturais como constitutivas da sociedade e não somente como produtos das relações socioeconômicas. 76 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A problemática espraiava-se pelos vários campos de conhecimento, sensibilizando linguistas, filósofos, historiadores e sociólogos, abarcando diferentes perspectivas teóricas e metodológicas. Entretanto, foi apropriada pelo campo educacional também de maneira variada, reconhecendo-se de forma fragmentária o legado dos Pioneiros e posteriormente freireano, ressaltando-se a necessidade de prudência no que tange às especificidades dos nossos desafios. De fato, com honrosas exceções, entre as quais Freire, o legado, a apropriação de conteúdo e método e germinação das contribuições de Fernando de Azevedo e Lourenço Filho não aconteceram nem em termos históricos e tampouco sociológicos. No mais das vezes, suas categorias e métodos se transformaram em estereótipos, esgarçados em todo território nacional, a despeito dos esforços de seus principais representantes em situarem a Escola Única como instrumento de justiça social. Na luta para mudar o perfil da escola autoritária, perderam-se as referências daquilo que era de fato positivo do legado dos Pioneiros para a educação de qualidade. Em que pese o pragmatismo funcionalista primordialmente norte-americano que ancorava o trabalho de Anísio Teixeira, sua obra deu grande impulso sobretudo no que tange ao reconhecimento da heterogeneidade da cultura nacional e de reconstrução da experiência individual na sua realização social. Como os Pioneiros, também Freire se interrogava sobre a educação autoritária destinada a poucos e propunha um inventário das práticas escolares, de maneira a realizar um mapeamento cultural da escola, atento à sua constituição histórico-social impregnada por culturas de diferentes partes do mundo num matiz étnico-cultural. As descontinuidades e desvãos de uma história estagnada comprometeram a busca por metodologias inovadoras. Com relação às adequações didáticas e curriculares para uma educação intercultural, há muito por ser feito à vista de que o tratamento desta questão, no mais das vezes, se faz a partir de modismos extemporâneos à nossa realidade. Ao contrário disto, no legado de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, depreendemos que o currículo deve estabelecer a articulação e coerência dos conteúdos, antigos e novos na perspectiva de continuidade e da transformação. Com Anísio Teixeira e Lourenço Filho, com a Escola Nova e seus protagonistas, aprendemos que existem diferentes abordagens e maneiras de compreender as questões relativas à diversidade, à interculturalidade na 77 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 educação brasileira contemporânea. Aprendemos que é necessário considerar o processo de colonização portuguesa estagnada e imobilista, a escola mecânica jesuítica, bem como os resquícios da escravidão e posteriormente a imigração de diferentes povos desenraizados em processo de reconstrução identitária. À luz da contribuição de Lourenço Filho e Anísio Teixeira, a análise das múltiplas desigualdades deve transformar o olhar do educador porque a maioria delas não se reduz à origem e nem à posição de classe social, mas é de fato resultado de um conjunto complexo de fatores, aparecendo como produto perverso de políticas sociais que têm como fim limitá-las. Todavia é preciso lembrar que é fundamental considerar os processos contraditórios e recuperar a contribuição da Escola nova e seus protagonistas, quando destacam o duplo caráter da escola. Sem romantismos, eles reconheceram e explicitaram o poder que a escola exerce, individualizando e hierarquizando os indivíduos, mas também veem na escola um grande potencial que vai além de fornecer capacitação profissional ou qualidade de racionalidade técnica. Para eles, a escola é parte integrante de um processo mais amplo que transcende as relações puramente escolares. Conclusão Os trabalhos que tomam a cultura escolar como categoria de interpretação da realidade no caminho aberto pelos Pioneiros se situam nas diversas áreas disciplinares que compõem a pedagogia, ou seja, a psicologia da educação, a sociologia da educação, a filosofia da educação e a didática, entre outras. Apesar de partilharem referências comuns, espelham as múltiplas especialidades do saber pedagógico e seu diálogo com campos de conhecimento afins. Todavia, grande parte da investigação pedagógica e didática dos últimos cinquenta anos foi uma investigação descontextualizada, contrariando o projeto político-pedagógico de Anísio Teixeira que se baseava numa premissa oposta àquilo que as elites brasileiras afirmavam. A exemplo de Anísio Teixeira e de Lourenço Filho, Paulo Freire (1971) destaca que os procedimentos de estudos e investigação devem ser de tal natureza que possam indagar sobre a produção e a troca de significados, sejam quais forem os veículos de transmissão e intercâmbio em sala de aula, ou fora dela. O próprio processo de investigação deve ser transformado em 78 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 processo de aprendizagem dos modos, dos conteúdos, resistências e possibilidades da renovação da prática na aula, conforme os valores que considera educativos, formando e transformando o conhecimento em ação dos que participam da relação educar e aprender. Paulo Freire (1971, 1983) explicou que a investigação na educação está na particularidade do objeto de conhecimento, fenômeno educativo imbricado nos fenômenos sociais. Portanto, o conhecimento pedagógico não será relevante a menos que se incorpore ao pensamento e à ação dos agentes sociais. Para ele, o conhecimento que se pretende elaborar neste modelo de investigação incorpora-se ao pensamento e à ação dos que intervêm na prática, o que determina a origem dos problemas, a forma de estudá-los e a maneira de oferecer a informação para solucioná-los. Os fatos sociais são redes complexas de elementos subjetivos e objetivos. Qualquer fenômeno que acontece na aula tem uma dimensão objetiva (conjunto de manifestações observadas), bem como uma dimensão subjetiva (significado que tem para os que o vivem). A complexidade da interculturalidade reside na necessidade de ter acesso aos significados e estes só podem ser capturados no contexto dos indivíduos que os produzem e os trocam no âmbito das relações entre as nações. Assim, a educação intercultural, no sentido freireano, parte de nossas experiências de vida, de nossos referenciais culturais, de nosso entendimento teórico, num diálogo entre concepções e práticas sociais baseado em relações solidárias, no convívio dialógico numa cultura de paz e de responsabilidade para com o outro e o mundo. Referências AZANHA, J. M. P. Cultura escolar brasileira: um programa de pesquisas. Revista de Educação, São Paulo, FEUSP, n. 8, p. 65-69, dez./fev. 19901991. AZEVEDO, F. Transmissão da Cultura. São Paulo: Melhoramentos, 1976. BEISIEGEL, C. de R. Lourenço Filho e a Educação Popular no Brasil. In: PILETTI, N. Educação Brasileira: A Atualidade de Lourenço Filho. São Paulo: Feusp, 1999. 79 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 CANDAU, V. M.; ANHORN, C. T. G. A questão didática e a perspectiva multicultural: uma articulação necessária. Trabalho apresentado na 23ª Reunião da ANPED, Caxambu, MG, 2000. Disponível em: <http://23reuniao.anped.org.br/textos/0413t.PDF>. 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Realça a presença feminina nessas instituições de ensino, permanecendo após a criação dos cursos universitários para formação de docentes dos outros níveis educacionais. A metodologia utilizada foi histórica-documental dos acervos da EE Canadá de Santos, entrevistas e a legislação da época. A pesquisa objetivou o estudo da formação de docentes em uma instituição pública, até a extinção dos cursos normais. Palavras-chave: Formação de professores. Canadá. Santos. Abstract: Research studies the teachers‟ formation in the city of Santos (SP) between 1946 and 1979, describing the several stages that the teachers training had after the establishment of a public teachers school in 1953 named “Instituto Educacional Canadá”, its creation was a milestone in the teacher‟s education due to the fact that it was only previously provided by private institutions. The study emphasizes the female presence in these institutions, which remained after the establishment of university courses for the formation of other education levels teachers. The methodology applied 81 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 was the historical and documentary study of the “EE Canadá de Santos” archives, interviews and the legislation of the epoch. The research aimed the study of teachers formation in a public institution until the end of the educational courses. Keywords: Teachers formation. Canadá. Santos. I. Em princípio São penas e verdades que sobejo... Vicente de Carvalho D urante todo o século XX, a educação em Santos foi marcada pela atuação de instituições particulares laicas e notoriamente religiosas católicas, como o “Liceu Feminino Santista”; o “Colégio Coração de Maria”, fundado pelas Irmãs do Imaculado Coração de Maria; o “Colégio São José” e o “Colégio Stella Maris”. Todas essas instituições cuidavam da formação de moças santistas ou provenientes de outras cidades da região, que sonhavam transformarem-se em futuras professoras ou prendadas donas de casa. Para a formação dos meninos havia o “Colégio Santista”, mantido pelos irmãos Maristas e a “Associação Instrutiva José Bonifácio”, entidade particular laica, com primário e ginasial, vários cursos técnicos e um curso normal voltado para formação de professores. Embora Santos contasse com grupos escolares estaduais como o “Barnabé” e o “Cesário Bastos”, algumas escolas municipais e o “Ginásio Estadual Canadá”, fundado em 1934, o ensino secundário local era predominantemente de iniciativa privada, destoando de outras cidades de mesmo porte do estado. Justificou-se a realização desta investigação na cidade portuária de Santos, SP, por ser a educação formal local predominantemente marcada pela atuação de instituições particulares. A cidade, assim como o país, passou por transformações políticas, sociais e educacionais; a redemocratização após a ditadura Vargas; a euforia econômica de Juscelino com o intenso desenvolvimento da industrialização; e a intervenção federal sofrida com a ditadura militar, a partir de 1964. A periodização escolhida delimitou-se entre 1946-1979, com a intenção de revelar as várias fases pelas quais a formação docente passou, após a implantação de um curso público para a formação de normalistas. 82 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Vale acrescentar o que se considerou neste estudo, como via formal de formação docente. Sugeriu-se, como educação via formal, o desenvolvimento de atividades educacionais organizadas, sistemáticas, com objetivos claros e específicos, a serem realizados dentro de uma limitação temporal, representada principalmente pela formalidade de um espaço que lhe é próprio: as escolas e as universidades ou, no caso da formação docente do período estudado, os institutos e as faculdades de filosofia. Para Gadotti (2005, p. 2), a educação formal [...] depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos ministérios da educação. Toda educação é, de certa forma, educação formal, no sentido de ser intencional, mas o cenário pode ser diferente: o espaço da escola é marcado pela formalidade, pela regularidade, pela seqüencialidade. Nesse sentido, investigar uma instituição pública de formação de professores, envolta num cenário predominantemente privado pode trazer à tona novas questões sobre a temática. Assim, a metodologia de pesquisa requereu que o estudo fosse desenvolvido em quatro etapas, com instrumentações variadas. Inicialmente houve um levantamento sobre a bibliografia existente, as legislações e a documentação local referente ao tema, em arquivos da cidade e online. Num segundo momento, foram coletados materiais do acervo do ”Instituto de Educação Canadá”, escola selecionada, por sua simbologia na educação santista. A instituição foi a primeira de ensino secundário público, formadora de professores, e que gozava, durante a periodização estudada, de grande prestígio em toda a região da Baixada Santista. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com duas docentes, de faixa etária acima de oitenta anos, cujos nomes foram protegidos pelo anonimato, e que foram escolhidas, por trabalharem nesta instituição, dentro da periodização apontada. E, por fim, foi feita uma revisão bibliográfica sobre a “Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras” de Santos, entidade particular também formadora de professores, para a realização de um contraponto com a formação feita pela 83 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 instituição pública acima mencionada, embora não tenha sido o objetivo deste trabalho levantar os arquivos da faculdade. Dessa forma, o presente estudo objetivou desvelar a história da formação docente pública pelas vias formais de ensino. Figura 1 – “Ginásio Estadual Canadá” em 1936 Fonte: Acervo FAMS. II. Transformações na formação pública de professores Clamo, e não gemo; Avanço e não rastejo,,, Vicente de Carvalho1 Até se chegar à consolidação do “Instituto Educacional Canadá”, foi preciso um longo período de disputas políticas em âmbito nacional, estadual e 1 Os subtítulos deste estudo reverenciaram os versos do santista Vicente de Carvalho (18661924), advogado, jornalista, político, também conhecido na região, como o “poeta do mar”. 84 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 municipal, com perdas e ganhos públicos e privados, mas que efetivamente resultaram em várias alterações na política educacional local, especialmente relacionada ao objeto do estudo. A fala da “Professora A” do “Canadá” corroborou com a apresentação deste panorama crítico da educação na cidade: Olha, a grande maioria eram formados; mas davam aulas em disciplinas que não tinham nada a ver com sua área de formação. Por exemplo, era médico e dava aula de história, dava aula de matemática, então dava de biologia; Engenheiro dava aula de matemática, geralmente, como vocês já devem ter visto, só vai começar a ter Faculdade de Filosofia em 1930(?). Então, nos primeiros anos eram professores que só tinham o ensino primário completo [...] por exemplo, a minha mãe, ela tinha o diploma de curso primário com uma complementação para ser professora. Não tinha cursos específicos para magistério. Embora o depoimento expressasse uma situação local, fontes como o Primeiro Censo Escolar do Brasil alertavam sobre a falta de preparo dos professores através de seus desalentadores dados; deu uma amplitude maior à fala da professora, já que esta refletia também a situação educacional brasileira. Abarcando esta problemática, que envolvia toda a educação nacional, as mudanças que almejavam uma melhoria do ensino numa perspectiva macro, deu-se início às reformas educacionais, realizadas por Gustavo Capanema a partir de 1934. Essas mudanças foram intensificadas no ano de 1946, momento em que houve um desdobramento dos níveis de ensino. Para Saviani (2009, p. 31), O Ensino Primário foi desdobrado em Ensino primário fundamental, de quatro anos, destinado a crianças entre sete e doze anos, e Ensino Primário Supletivo, de dois anos, destinado a adolescentes e adultos que não haviam tido oportunidade de frequentar a escola na idade adequada. O Ensino Médio ficou organizado verticalmente em dois ciclos, o ginasial, com duração de quatro anos, e o colegial, com duração de três anos e, horizontalmente, nos ramos secundário e técnico-profissional se subdividiu em industrial, comercial e agrícola, além do normal que mantinha interface com o secundário. 85 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Com a expansão do ensino público no Brasil, e o consequente aumento no oferecimento de vagas e no número de escolas, ampliou-se também o número de instituições dedicadas à preparação do magistério, basicamente constituído de moças de classe média, as normalistas. Para dar conta dessa política educacional, havia necessidade de implementação de uma série de medidas que não vingaram a contento. A formação de professores primários, pelo menos em Santos, foi parcialmente atendida, embora com uma defasagem considerável em relação aos níveis de ensino seguintes. Espelhou tal situação, novamente, a locução da “Professora A”: [...] não tinham cursos específicos, eram profissionais de outras áreas que davam aulas. Por isso é que foram criadas as Faculdades de Filosofia. Eles se consolidam na década de trinta e continuam até hoje. A fala da professora referenciava, na legislação, a promulgação do Decreto n.º 19.851 (BRASIL, 1931), que dispunha sobre o ensino universitário no Brasil e a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Sua principal intencionalidade era a formação de professores para atuarem no ensino normal e no ensino secundário, já que as atenções das políticas educacionais públicas se voltavam para a priorização na formação do professor para esse nível de ensino. Saviani (2009) asseverou que nova alteração na formação docente ocorreu em 1939. Neste ano, adotou-se como modelo padrão nacional a estrutura da Faculdade Nacional de Filosofia, organizada em: filosofia, ciências e letras e pedagogia. Sendo que foi acrescida a elas, uma seção especial, denominada didática, prevendo-se duas modalidades de cursos: o bacharelado com duração de três anos, e a licenciatura, modelo que se mantém fundamentalmente em vigor. A consolidação na prática, das mudanças prescritas na formação docente, decorreu de um longo processo de negociações e mediações, e que muitas vezes sofreram envolvimento de outras dinâmicas políticas, econômicas e sociais. 86 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Com o término da Segunda Guerra Mundial, mudanças significativas aconteceram em vários campos, como a promulgação da Constituição Brasileira de 1946 (BRASIL, 1946c), feita após o período ditatorial de Getúlio Vargas, que definiu como privativa da União a competência para fixar as diretrizes básicas da Educação Nacional. No âmbito da formação de professores, duas leis orgânicas tornaram-se relevantes de serem mencionadas. O Decreto-lei n.º 8.529 (BRASIL, 1946a), conhecido como lei orgânica do ensino primário que organizava este nível de ensino e que, do ponto de vista do professor, ampliava seu mercado de trabalho. E a outra, o Decreto-lei n.º 8.530 do mesmo ano, que regulamentava o ensino normal organizado em dois ciclos, sendo o primeiro para a formação de regentes de ensino primário, com duração de quatro anos; e o segundo ciclo, para a formação de professores primários, feito em três anos (BRASIL, 1946b). O curso de regentes de ensino articulava-se com o ginásio; no entanto, o de formação de professores primários assegurava ao aluno o direito de ingressar no curso da Faculdade de Filosofia, desde que atendidas às necessidades prescritas para a matrícula. O curso normal contava, ainda, com cursos de especialização para professores primários e curso de habilitação para administradores escolares do grau primário. Os estabelecimentos de ensino que mantinham o curso normal deviam manter escolas primárias anexas, e os institutos de educação deveriam dispor de um ginásio e um jardim de infância, para demonstração das práticas de ensino. Voltando o foco a nível micro, em relação à formação docente santista, durante a década de 1940, importantes avanços aconteceram. Um deles, por meio do Decreto n.º 15.183, de 1945, que equiparou o “Ginásio Canadá” a “Colégio Estadual Canadá”, com as repercussões administrativas, estruturais, organizacionais e pedagógicas que envolviam esta transição. Em 1947, a escola passou a oferecer, junto com o curso normal, o curso primário, possibilitados pela promulgação do Decreto n.º 17.084. Por esta legislação ficava estabelecido que, em anexo, funcionaria o ensino primário, para que as normalistas pudessem realizar suas práticas docentes2. 2 O que atualmente está sendo discutido e legislado como “residência docente”. 87 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 De volta ao cenário estadual, a equivalência entre curso secundário e o ensino técnico teve início a partir de 1950, por meio do Decreto n.º 1.076 (PILETTI, 1995). Seu primeiro parágrafo assegurava a matrícula aos alunos do primeiro ciclo do ensino comercial, industrial e agrícola; no curso clássico ou científico, estabelecidos através do Decreto-lei n.º 4.244 (BRASIL, 1942), desde que prestassem e fossem aprovados nos exames das disciplinas não estudadas no primeiro ciclo do curso secundário. O Decreto-lei n.º 6.141 (BRASIL, 1943) asseverava que os diplomados nos cursos técnicos comerciais, de acordo com a legislação federal, poderiam frequentar curso superior, desde que comprovassem, através de vestibular, que estavam capacitados. Essa legislação foi alterada dez anos depois, pela Lei n.º 1.821 (BRASIL, 1953). Segundo seu artigo 2º, teria direito à matrícula na primeira série de qualquer curso superior o candidato que, além de atender à exigência comum do exame vestibular e às peculiares a cada caso, houvesse concluído o curso secundário, o clássico ou científico, os cursos técnicos do ensino comercial, industrial ou agrícola, o 2º ciclo do ensino normal e o curso de seminário de nível equivalente ao curso secundário, ministrado por estabelecimento idôneo (BRASIL, 1953, p. 1). O processo que agregou todas essas reformas educacionais à unidade pública “Canadá” demorou oito anos. A culminância destas mudanças na escola aconteceu apenas em 1953, ao receber a maior titulação que uma unidade escolar podia almejar na época, ou seja, tornar-se um “Instituto Educacional”. Neste ano, além de ser a primeira instituição pública santista, que oferecia todos os níveis de ensino básico, o “Instituto Educacional Canadá” dispunha de duas especializações, uma em Educação Infantil e a outra, em Administração Escolar. III. Esforços para formação docente Eu cantarei de amor tão fortemente Com tal celeuma e com tamanhos brados... Vicente de Carvalho 88 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 O Brasil ganhou sua primeira legislação de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira em 1961, com a promulgação da Lei n.º 4.024 (BRASIL, 1961). Seu capítulo IV tratava especificamente da formação do professor do magistério primário e da formação do professor do ensino médio. Essa última deveria ser feita nas Faculdades de Ciências e Letras e, para professores de disciplinas específicas e técnicas, a formação deveria ser realizada em cursos especiais de educação técnica. Vale ressaltar ainda que, no artigo 67, ficava estabelecido que esses cursos eram ministrados em estabelecimentos, agrupados ou não em universidades, e que os diplomas seriam válidos em todo território nacional. Esses aspectos da legislação foram ilustrados na locução da “Professora A”: Os primeiros cursos surgiram nas capitais, em São Paulo; e aqui em Santos a Faculdade de Filosofia era de 1955. Criada em 1954, mas só começou a funcionar em 1955. Sendo o magistério uma profissão marcadamente pelo sexo feminino, e a nossa região apresentar dificuldades naturais como a serra do mar [as curvas da estrada de Santos são reais], e não dispúnhamos de rodovias como as atuais, havia grande dificuldade e necessidade de cursos para que os professores pudessem prosseguir seus estudos em Santos. Novamente observou-se um cenário de educação pública na cidade, que selecionava e excluía aqueles estudantes que não tinham condições de locomoverem-se ou residirem em outras cidades para completarem sua formação. Novamente aparecia um espaço educacional a ser preenchido, não pelo poder público, mas pelas entidades particulares e pagas. Neste período, a “Sociedade Visconde de São Leopoldo” teve sua segunda faculdade autorizada no ano de 1954 e seus cursos reconhecidos no ano de 1957. História também revelada no relato da “Professora A”: [...] tinha o casarão, que era a Faculdade de Direito que foi demolido; e juntamente com a casa apegada, que era menor, e aí nós tínhamos a Faculdade de Filosofia, nesta casa menor e algumas aulas a gente tinha na Faculdade de Direito, no espaço da faculdade de Direito. Em 1958, o Jânio Quadros doou a casa 247 da Rua Euclides da Cunha, para a Sociedade São Leopoldo e 89 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 a Faculdade de Filosofia foi para lá. Nesta época, os cursos eram de Letras: anglo-germânicas e latinas, Pedagogia e o curso de Jornalismo, junto com a faculdade de Filosofia. Não tinha uma faculdade à parte. Por toda a década de 1950, ocorreu a proliferação de estabelecimentos de ensino privado e pago, que contrariava o espírito republicano de manter o ensino público e gratuito, de acordo com os ideais explicitados pelo liberalismo e pela Constituição de 1942. A iniciativa de abrir escolas particulares teve o apoio de vários setores, inclusive do próprio governo, numa forma de restringir gastos com educação, como asseverou Almeida (2004). A proliferação de faculdades em Santos foi notória, pois até a década de 1950 a cidade só contava com o Curso de Direito e Economia mantido pela “Associação Instrutiva José Bonifácio”. A partir deste período, várias outras faculdades foram criadas, todas particulares, e atualmente são universidades ou centros universitários. IV. O feminino na formação docente Só a leve esperança em toda vida, Disfarça a pena de viver mais... Vicente de Carvalho Havia o ideário de que formar-se professor para os filhos dos trabalhadores era também um meio de ascensão social, através principalmente do emprego público. Em 1942, segundo Santoro (2010, p. 24), “[...] os vencimentos dos professores de escola pública eram respeitáveis, equivalentes aos de juiz, promotor de justiça”. Nesse sentido, as professoras concursadas do Estado representavam bons partidos para o casamento. Já nos anos de 1960, a ideologia predominante era voltada para a evolução da economia, com uma participação da mulher no mercado de trabalho. Essa ideologia, oriunda da classe dominante, objetivava manter seus privilégios e estender sua visão de mundo aos vários segmentos sociais. A ideologia burguesa moderna laicizada, que dominava o panorama social do 90 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 período, veiculava uma concepção liberal de mundo tecnicista, no campo educacional. Para Almeida (2004), havia uma distinção de ser professora no imaginário republicano daquele que ocorria na década de 1960. A inserção feminina no magistério era uma destinação natural, em vista das qualidades das quais as mulheres eram e são possuidoras, capazes de promover uma educação integral às crianças, desde a mais tenra idade. Seguindo por este caminho, na década de 1960, a classe média passou a considerar o trabalho feminino, como uma forma de a família alcançar maior bem-estar social, embora esta ocupação não devesse transpor os limites socialmente adequados. Assim, a profissão de professora acabou por se alicerçar como “um trabalho feminino”. Esse ideário foi corroborado na entrevista com a “Professora A”: [...] as faculdades de Filosofia ficaram restritas quase que só às mulheres. Da década de 1990 para cá, a gente tem percebido, o aumento considerável do número de homens. Tem aumentado muito. Tem mais homem do que mulher. A não ser pedagogia, que tem poucos homens, nos outros cursos, mesmo em Letras, em história, a maioria é masculina. Seu depoimento reforçou o fato da presença feminina ser grande nas faculdades de filosofia, seguindo com esta predominância até os dias atuais, na pedagogia. A participação feminina era comum, inclusive ocupando cargos mais altos dentro da hierarquia educacional pública, mesmo no período do regime autoritário que se instalou no Brasil, após 1964. Conforme observou-se no relato da “Professora B”: Uma diretora, que até dava curso de aperfeiçoamento de professores. Ela era muito burocrática. Não queria muito envolvimento com os alunos. Enquanto o outro diretor deixava a porta aberta. Para esta diretora, os alunos fizeram uma manifestação colocando uma faixa “Queremos ver a diretora”. Como resposta ela promoveu três reuniões, uma em cada turno com os alunos. 91 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 “Sabiamente”, esta diretora contornou a situação dos alunos no “Instituto Educacional Canadá”, já que a repressão da ditadura militar, que se estendeu aos anos de 1980, atingindo escolas, professores e estudantes, proibia quaisquer tipo de manifestações, em particular aquelas de caráter político; respaldadas pelo Decreto n.º 477 (BRASIL, 1969), que tratava especificamente da educação, e que entrou em vigor após o Ato Institucional n.º 5, de 1968. Seu artigo primeiro proibia a prática de atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas ou qualquer outra manifestação. Certamente esta diretora tinha conhecimento desse decreto e tomou a atitude mais adequada que poderia ter, naquele momento de tantas sanções e delações. Neste período, a consciência cívica e patriótica era estimulada na população, por meio de celebrações, sendo que a escola servia como uma das vias preferidas e como espaço para se pregar o ufanismo nacional e o amor à pátria. A “Professora B” relembrou que: “A conotação das festas era social. Tinha ainda concursos [...] de culinária, comemorações do dia da pátria, sete de setembro mas não tinha nada de política”. Em outra fala, a “Professora B” destacou também a participação de alunos do “Instituto Canadá” em apresentações de ginástica e de corais, para angariar fundos para entidades beneficentes. Nestes eventos, era demonstrado, além do civismo, o ufanismo imposto pelo momento político pelo qual passava a população brasileira e em particular a santista. Segundo seu relato sobre a atuação de um professor de educação física do Instituto, O “Guaraná” fazia espetáculos para ajudar a Santa Casa. Ele pediu minha colaboração escrever algo relacionado ao Brasil. Três ou quatro linhas elogiando as características de cada para estado brasileiro. Um aluno, o “Nórdico” (apelido), entrou sozinho, correu toda à pista com a bandeira nacional [...] um negócio olímpico. Vinte e seis alunos, um de cada vez, foram lendo no microfone os dizeres que eu fiz. Todo este espetáculo em função de levantar recursos para a Santa Casa. Os alunos se sentiram úteis. Além desses fora da escola, tinham outros espetáculos dentro do próprio Canadá. 92 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A partir da década de 1970, com a promulgação da Lei n.º 5.692 (BRASIL,1971), conhecida como Reforma de 1º e 2º graus, houve a extinção do curso normal. A escolaridade de oito anos passou a exigir mudanças correlatas na formação dos professores e a “Habilitação Específica para o Magistério” (HEM), que deveria oferecer, além da profissionalização, oportunidade ao aluno para cursar o nível superior. Vale relembrar que, pela Reforma de 1971, o 2º grau tornou-se profissionalizante, e sua conclusão só ocorreria mediante a obtenção de um diploma de auxiliar técnico (três anos) ou técnico (quatro anos); esse fato possibilitou o surgimento de mais de duzentas habilitações. A formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e demais especialistas de educação, antes feitas nos institutos, passou a ser realizada em curso de graduação, com duração plena ou curta, ou de pós-graduação. A transformação da escola normal em mais uma habilitação profissional fez com que o curso perdesse sua identidade e especificidade. Essa descaracterização aparecia na ausência de bibliografias especializadas e de qualidade, para as disciplinas pedagógicas que foram introduzidas por força da lei, no empobrecimento dos programas de formação geral e sua desarticulação com a parte específica do curso, na inadequação de métodos e conteúdos às necessidades de uma formação plena (ALMEIDA, 2004). Segundo Palma (2003), a consequência foi o desmantelamento das escolas normais, transformadas em escolas de segundo grau, que passaram a oferecer diversas habilitações profissionais e inclusive o magistério. Esse desmantelamento do curso normal foi mencionado em uma das entrevistas. Quando perguntada se havia distinção dos alunos do Instituto Canadá, ficou claro na fala da “Professora B”, que havia identidade das normalistas com a escola, conforme o relato: O uniforme era um abrigo vermelho. Isso os distinguia na rua. Eles tinham orgulho. Um caso para ilustrar, foi do curso normal. A Isabel, orientadora educacional foi atrás para saber. Se fez um pequeno inquérito. Uma aluna era de família pobre, ela envergonhada não tinha dinheiro para comprar o abrigo. E aí ela sumiu da escola. A orientadora foi atrás e a mãe da aluna explicou. A APM soube do caso e deu o dinheiro para a aluna 93 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 comprar o abrigo. A função da APM não é esta, mas... Ao deixar de ser Instituto de Educação, mudou. O objetivo era democratizar. Depois é que o governo tirou isso. Era perceptível no discurso da “Professora B”, o sentido de pertencimento que os alunos do “Canadá” tinham com a instituição. O uniforme da escola era mais do que uma vestimenta obrigatória, representava um fator de distinção e orgulho para os estudantes, uma identidade social. Considerações finais A partir desse levantamento foi possível perceber como as transformações políticas, econômicas e sociais permearam não somente as políticas educacionais, mas um modo de “formar” docentes. Assim como seu porto, suas praias, seu time de futebol, seus poetas e escritores que aqui nasceram e viveram, o “Instituto Educacional Canadá” foi um marco educacional na cidade de Santos. Uma cidade que vivenciou momentos de resistência frente aos períodos ditatoriais pelos quais passou o Brasil; através dos seus estudantes, dos seus trabalhadores e de toda população, resistência esta que acabou acarretando prejuízos em vários setores, especialmente na educação. Uma região que, apesar de comportar o maior porto da América Latina e um grande parque industrial, não desperta os meios para implantação de uma universidade pública, com os benefícios que ela traz. Mesmo em cenário adverso, com todos os obstáculos que uma instituição pública teve e tem para formar professores, o “Instituto Educacional Canadá” destacou-se. A flexibilidade, o sentido de pertencimento, a identidade com a instituição educacional e o valor agregado à profissão, observados nos depoimentos e em seu acervo, podem ser considerados indícios da existência de uma especificidade no “formar” docente dessa instituição. Construção compartilhada com os educandos, que nada mais tem sido do que a maneira como cada professor-formador tem projetado seu olhar, suas ideias, seus saberes e competências, enfim sua interpretação da realidade e suas vivências. O formador de professores historicamente tem sido alguém 94 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 muito especial, aquele que, do ensino de formação, extrai motivação. Faz poesia. Referências e fontes ALMEIDA, J. S. Mulheres na educação: Missão, vocação e destino? A feminização do magistério ao longo do século XX. In: SAVIANI, D. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 61-107. BRASIL. 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Foi pesquisada entre as décadas de 1960-1970. discente da unidade escolar discente da unidade escolar 97 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 98 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 MOVIMENTOS SOCIAIS: RELAÇÃO COM A LUTA PELA INSTITUIÇÃO DO CARGO DE COORDENADOR PEDAGÓGICO NAS EMEIS PAULISTANAS – 1983-1989 SOCIAL MOVEMENTS: RELATED TO THE STRUGLE FOR THE INSTITUTION OF PEDAGOGICAL COORDINATOR AS A LEGAL PROFESSION IN PUBLIC SCHOOLS CALLED EMEIS IN SÃO PAULO BETWEEN 1983-1989 Marie Rose Dabul Mestre em educação – PPGE Universidade Nove de Julho- São Paulo –SP [email protected] Resumo: O presente trabalho versa sobre os movimentos sociais ocorridos entre 1983-1989, período em que as coordenadoras pedagógicas das Emeis paulistanas lutaram pela consolidação do cargo. O estudo é parte integrante da dissertação de mestrado intitulada Pioneiros da coordenação pedagógica paulistana: histórias de lutas e desafios, que teve por objetivo aprofundar o conhecimento e a compreensão sobre o papel profissional, consolidação e atuação dos pioneiros da coordenação pedagógica nas escolas municipais de educação infantil do município de São Paulo. A metodologia delineou-se por meio do levantamento bibliográfico e documental e da história oral de vida de cinco professoras. As leituras centrais: Aranha (1996, 2006), Thompson (1992), Sader (1995) e materiais recolhidos do Museu do Ensino Municipal nortearam a pesquisa. Verificou-se que a conquista para a realização do concurso de acesso ao cargo de coordenador pedagógico, e a consolidação deste, acompanhou um momento político brasileiro de contradições e perspectivas de mudanças, após tantos anos de autoritarismo, injustiça e desigualdade social. Nesse momento histórico, por volta dos anos de 1980, se intensificaram os movimentos populares, sociais, sindicais e políticos com a proposição de mudanças políticas, sociais e econômicas almejadas e reclamadas por grande parte da nação, bem como se multiplicaram os discursos defendendo uma sociedade democrática. Palavras-chave: Coordenador pedagógico. História oral. Movimentos sociais. Democratização. Abstract: The present work delas about the social movement ocurred between19831989, time that the coordinator strugled for the consolidation of the profession. The study is integrated part f the Master Degree text called: Pioneers of Pedagogical 99 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Coordinator in São Paulo. Historis about challenges, that had the aim to keep deep the knowledge and understanding about the role of the profession, as well as the lives of five teachers. The central readings: Aranha (1996, 2006), Thompson (1992), Sader (1995) and materials from Ensino Municipal Museum had given the path for this research. We also could verify the success through the selection process as well its consolidation that has followed a political moment in Brazil, after years of lack of justice and social equality. During the 80‟s, a loto political movements had intensified and the changes that the population asked for, were accepted, defending a democratic society. Keywords: Pedagogical coordinator. Oral history. Social movements. Democratization. O presente trabalho versa sobre os movimentos sociais ocorridos entre 1983-1989, período em que as coordenadoras pedagógicas das Emeis paulistanas lutaram pela consolidação do cargo. O estudo é parte integrante da dissertação de mestrado intitulada Pioneiros da coordenação pedagógica paulistana: histórias de lutas e desafios, que teve por objetivo aprofundar o conhecimento e a compreensão sobre o papel profissional, consolidação e atuação dos pioneiros da coordenação pedagógica nas escolas municipais de educação infantil do município de São Paulo. A busca de um melhor entendimento do processo histórico e das transformações que envolveram o desenvolvimento, desde o início, da função de auxiliar pedagógico até a consolidação do cargo, assim como a análise dos documentos oficiais que foram produzidos e veiculados para orientar e direcionar essa categoria de servidores, possibilitou verificar a importância do Memorial do Ensino Municipal (MEM), em São Paulo, onde se encontram depositados e organizados esses dados documentais, constituindo acervo de grande significado para a preservação da história institucionalizada da educação paulistana. Para este estudo, as fontes pertinentes ao tema estão disponibilizadas no setor de Memória Técnica Documental e foi possível verificar que as escolas municipais de educação infantil (Emeis) contaram, durante muitos anos, apenas com o diretor escolar, que dividia suas práticas cotidianas com questões burocráticas, administrativas e pedagógicas. 100 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Essa realidade modificou-se quando, em 18 de outubro de 1983, através do Decreto n.º 19.143, foi instituída a função de auxiliar pedagógico nas Emeis. Ao se instituir essa função, fez-se necessário também criar os critérios para escolha dos proponentes ao cargo. E foi por meio do Comunicado nº 67, de 9 de dezembro de 1983, que foram divulgados os critérios de seleção de candidatos para preencherem a função, a saber: a. Ser titular do cargo efetivo de Professor de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino; b. Possuir 3 anos de efetivo exercício em regência de classe de Educação Infantil; c. Ter disponibilidade de alternância de horário semanal, de forma a atender os três turnos de funcionamento da escola; d. Diploma de licenciatura plena em Pedagogia. Após as inscrições, os candidatos participaram do processo seletivo, que ocorreu em dezembro de 1983. Realizada a divulgação dos resultados e da lista com os nomes dos aprovados, a Secretaria Municipal de Educação, por meio de sua equipe técnica, ofereceu treinamento aos coordenadores pedagógicos para assumirem as escolas por eles escolhidas. Sua jornada de trabalho compreendia 20 horas semanais, com alternância de horário, de forma a atender os três turnos de funcionamento da escola. Somente após a divulgação da Lei n.º 9.874, de 18 de janeiro de 1985, a carreira do magistério foi reestruturada. Entretanto, constatou-se a inexistência de documentos que determinassem com clareza as atribuições dos coordenadores pedagógicos de Emei, mesmo o cargo tendo sido criado por meio de lei. Cabe enfatizar que toda legislação tem um caráter pedagógico ou didático: ensina como agir, como fazer, como se comportar, para o bem ou para o mal, mas, por isso, não é neutra. Desta forma, enquanto instituição social, a lei se faz necessária, pois traça caminhos, orienta e organiza. No entanto, a sua falta ou deficiência não justifica a ineficiência do trabalho de um profissional. Assim, é pertinente dizer que, embora legalmente houvesse falta de orientações quanto às atribuições desses profissionais, essa ausência não poderia ser motivo para que os recém-concursados não realizassem um trabalho pedagógico eficiente. A inexistência de documentos que 101 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 determinassem as atribuições dos coordenadores pedagógicos não deveria impossibilitar a elaboração de um trabalho pedagógico competente e, consequentemente, não deveria comprometer seu desempenho. Uma vez que são pessoas formadas em pedagogia, que estudaram para ser coordenadores, que fizeram habilitação, enfim, que se prepararam para assumir o cargo, presume-se que soubessem o seu fazer e que tivessem claro qual era o trabalho de coordenar. Trabalho este que deveria consistir em ordenar o exercício pedagógico junto com os outros, mas assumindo postura de liderança, auxiliando de fato os professores em suas atividades e no enfrentamento dos problemas surgidos no cotidiano da escola. Em 1985, no governo Mário Covas, prefeito de São Paulo, tendo Guiomar Namo de Mello na gestão da Secretaria Municipal de Educação, as orientações desse período enfatizavam as questões de função e jornada de trabalho. Nessas orientações, a função de auxiliar pedagógico passou a cargo, com a denominação de coordenador pedagógico, cumprindo jornada de trabalho de 8 horas diárias, perfazendo 40 horas semanais. Esta jornada objetivava que o coordenador pedagógico atendesse os três turnos, alternando sua escala de trabalho de maneira a assegurar orientação pedagógica nos três períodos de funcionamento das Emeis. Naquele momento, a seleção da maioria dos coordenadores pedagógicos dava-se por meio de uma lista tríplice com os nomes dos candidatos, escolhidos pelo Conselho de Escola, sendo pré-requisito: experiência mínima de três anos na carreira do magistério municipal e habilitação em orientação educacional ou supervisão escolar, correspondente à licenciatura plena em pedagogia ou complementação pedagógica. Ainda que nesse período a função de coordenador tenha passado a cargo, também não estavam claramente definidas as atribuições do coordenador pedagógico. Todavia, pressupunha-se que o candidato dominasse os conhecimentos específicos para o cargo e que, ao mesmo tempo, tivesse experiência na área, articulando esses dois elementos de forma a apoiar, assessorar e auxiliar os professores para o melhor encaminhamento do trabalho docente. Somente em 1987, na gestão Jânio Quadros, tendo Paulo Zingg como secretário municipal de educação, foi solicitado ao Departamento de Planejamento e Orientação (Deplan) um estudo descritivo sobre o perfil do 102 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 coordenador pedagógico de Emei enquanto função e atribuição. A finalidade era que a secretaria pudesse avaliar a necessidade de provimento dos cargos de coordenador por meio de concurso público, para que fossem tomadas as decisões pedagógico-administrativas para a realização de concurso. A equipe do Deplan incumbida dessa tarefa passou a estudar o perfil, as funções e atribuições dos coordenadores pedagógicos de Emei, analisando os resultados obtidos por meio de entrevistas e do preenchimento dos instrumentos de coleta de dados, objetivando saber quem exercia a função, onde e como a exercia. Esse estudo descritivo do perfil do coordenador pedagógico foi feito por meio da amostragem de 43% do universo de 218 coordenadores de Escolas Municipais de Educação Infantil. Desses coordenadores, a maioria (59%) estava há menos de um ano na função e 62% chegaram a ela pelo Conselho de Escola, segundo foi possível apurar no documento “Estudo descritivo do perfil do coordenador pedagógico de Emei”, elaborado, em 1987, pela equipe do Deplan. O desempenho da função do coordenador pedagógico, naquele momento, estava, como qualquer outra função, permeado de facilidades e dificuldades. Sua experiência como docente, sua visão e seu conhecimento sobre as funções do diretor, sobre o conteúdo e o trabalho pedagógico, constituíam aspectos positivos para o desempenho de sua função. Quanto às dificuldades do coordenador pedagógico, constataram-se também, por meio do estudo, sucessivas solicitações de realização de tarefas pelos diretores (43%); e 38% dos coordenadores atribuíam suas dificuldades à resistência dos professores mais antigos, uma vez que viam o coordenador pedagógico como fiscalizador. A análise aqui apresentada sobre a criação da função de coordenador pedagógico, sem atribuições definidas, levou-os a enfrentar impasses profissionais relativos a quais papéis deveriam compor seu cotidiano. Essas indefinições de atribuições e de quais ações deveriam ser realizadas pelos coordenadores pedagógicos deixou lacunas sobre o que fazer no cotidiano escolar. Questões pontuais passaram a entravar o processo, como: Quem deveria atender o professor? Quem deveria atender as solicitações do diretor? Os coordenadores pedagógicos deveriam ater-se somente às suas funções pedagógicas ou atender as solicitações do diretor? 103 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Deveriam fazer seu planejamento ou ir à cozinha preparar a merenda quando faltava funcionários naquele setor? A maior prioridade era a questão administrativa ou a questão pedagógica? Ou, após resolver as questões administrativas deveriam dedicar-se às pedagógicas? Quais os modos de proceder com relação ao professor resistente? Em que horário poderiam dedicar-se à pesquisa e ao estudo? Como usar as reuniões pedagógicas, já que as questões administrativas ocupavam mais espaço do que as pedagógicas? Diante de todo esse detalhado levantamento, a equipe do Departamento de Planejamento e Orientação, embasada na análise dos resultados, concluiu que era urgente a criação de atribuições para o desempenho do coordenador pedagógico, uma vez que a falta dessas atribuições estava desvirtuando o que compunha as funções desse profissional. Perante isso, fazia-se necessário que os horários da jornada de trabalho desses profissionais fossem ampliados, de modo a contemplar tempo maior para a pesquisa, o estudo de literatura e metodologia pertinentes ao cargo, a participação em congressos, as visitas a escolas que tivessem experiências pedagógicas inovadoras, a proposição de alternativas de mudanças nas reuniões da coordenação, assim como maior “espaço” para planejar e organizar seu próprio trabalho pedagógico. A equipe do Deplan expôs ao então secretário municipal de educação e do bem-estar social, Paulo Zingg, em 1987, com base nos dados emanados do estudo descritivo do perfil do coordenador pedagógico de Emei, a necessidade da ampliação do horário de trabalho dos auxiliares de direção e auxiliares administrativos para oito horas diárias, para que o trabalho administrativo não interferisse na ação pedagógica desenvolvida pelo coordenador pedagógico, bem como de uma conscientização, por parte dos órgãos com poder de decisão, para a tomada de atitudes que beneficiassem e amparassem legalmente esses profissionais, que tinham em suas mãos a responsabilidade de orientar e subsidiar o trabalho pedagógico do professor. Finalmente, foi publicado o edital de abertura de inscrições para o concurso de acesso para o provimento efetivo de cargos vagos de coordenador pedagógico de educação infantil, às páginas 85 e 86, do Diário Oficial do Município de 13 de agosto de 1988: 104 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 […] nos termos da Lei nº 9874, de 18 de janeiro de 1985 e do Decreto nº 20247, de 18 de outubro de 1984, que regulamentou o Título III, Capítulo III, Artigos 82 e seguintes da Lei nº 8989, de 29 de outubro de 1979, e Decreto nº 26469, de 20 de julho de 1988, que alterou o Artigo 4º do Decreto nº 20247/84, conforme autorização do Secretário Municipal de Administração, no processo nº 06-012.240-88 *07. O concurso de acesso destinava-se “[...] ao provimento de 350 cargos vagos de Coordenador Pedagógico de Educação Infantil, bem como dos demais cargos desta classe que se vagassem ou fossem criados dentro do prazo de validade do concurso” (D.O.M., 13/08/1988, p. 85). As condições para realizar as inscrições e concorrer ao cargo eram: a. Ser titular efetivo do cargo de Professor de Ensino de Educação Infantil; b. Completar o interstício mínimo de 3 (três) anos na classe e 3 (três) anos de carreira do Magistério Municipal, na área de ensino de Educação Infantil até 22/08/1988; c. Possuir diploma de licenciatura plena em Pedagogia ou complementação pedagógica com habilitação em orientação educacional ou supervisão escolar, registrado em órgão competente do MEC até 22/08/1988, ou diploma de licenciatura plena em Pedagogia, obtido anteriormente ao regime de habilitações de acordo com o Parecer nº 410/76, do Conselho Estadual de Educação. O concurso foi realizado em dois estágios. No primeiro, os candidatos inscritos realizaram provas e foi feita a análise de seus títulos. As provas continham questões de múltipla escolha sobre conteúdo discriminado no programa constante no Edital, avaliadas numa escala de zero a 100 pontos. Foram considerados habilitados os candidatos classificados até o 700º lugar. Após a publicação dos aprovados, ocorreu a contagem de pontos por títulos, cujo valor máximo foi de 100 pontos. Deste modo, a classificação final dos candidatos era obtida pela somatória dos pontos alcançados, nos dois estágios, provas e análise dos títulos. Em São Paulo, os educadores municipais de educação infantil, compromissados e empenhados com a educação pública, consideraram que a conquista do concurso para o cargo de coordenador pedagógico representou o reconhecimento e a valorização do ensino pré-escolar no processo da educação municipal. 105 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A abertura dos cargos de carreira, principalmente do coordenador pedagógico, fez cair por terra à estratificação da carreira, que refletia, até então, rígidos princípios hierárquicos implantados na rede. Isto dificultava aos grandes contingentes de profissionais a oportunidade de ascender aos cargos de especialistas, em função das necessidades reais do ensino, e a busca de uma proposta integrada das atividades técnico-pedagógicas. Pode-se dizer que a conquista dos professores para a efetiva realização do concurso de acesso ao cargo de coordenador pedagógico acompanhou um momento político brasileiro de muitas contradições e perspectivas de mudanças, após tantos anos de autoritarismo, injustiça e desigualdade social. Foi nesse momento histórico, por volta dos anos de 1980, que se intensificaram os movimentos populares, sociais, sindicais e políticos, com a proposição de mudanças políticas, sociais e econômicas tão almejadas e reclamadas por grande parte da nação, assim como se multiplicaram os discursos defendendo uma escola democrática. Esses movimentos procuraram trazer à tona discussões e reivindicações, no sentido de democratizar não apenas o ensino e o acesso à escola, mas o conjunto das instituições nacionais. Os movimentos para destituir os militares do poder começaram timidamente em 1983, com alguns movimentos sociais e políticos partidários que reivindicavam nas ruas o restabelecimento do ordenamento democrático no país. Podemos ainda encontrar historicamente as raízes para toda esta ebulição política no país, nos movimentos sociais anteriores que, segundo Sader (1995), aconteceram entre as décadas de 1970 e 1980 e trouxeram novas modalidades de elaboração das condições de vida das classes populares e de expressão social. Estes movimentos apoiaram-se na luta pela justiça social contra as desigualdades, a solidariedade entre os dominados e pobres, a luta por reconhecerem o seu valor; tudo isto marcou os acontecimentos históricos e ficou a ideia de que só com luta os cidadãos conquistam seus direitos. A diversidade é a característica desses movimentos sociais que se articularam em torno de quatro organizações: a dos Clubes de Mães da zona sul (a Coordenação do clube de mães; a do Movimento Custo de Vida); a do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo; a da Oposição Metalúrgica de São Paulo e a das Comissões de Saúde da zona leste. 106 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Estes movimentos das classes populares se constituíram em diferenciadas formas de expressão, com histórias e experiências próprias. Os Clubes de Mães têm início na igreja de Vila Remo, periferia da zona sul, entre a represa de Guarapiranga e estrada de M‟Boi Mirim. Eram associações de mães previamente capacitadas que ensinavam pobres a bordar, costurar, trabalhos manuais, além de transmitir instruções de higiene e saúde. Estes clubes foram se alastrando nos bairros Santa Margarida, Conceição, Figueira Grande, Cidade Ademar e outros. Tinham como objetivo desenvolver a pessoa, estimular a solidariedade, discutir o Evangelho, refletir problemas do cotidiano doméstico, buscar alternativas de uma rotina opressiva. Eles constituíam-se em espaços sociais tornando-se ponto de partida para redimensionamento tanto de aspectos de vida doméstica quanto de aspectos da vida política. Já a Coordenação do clube de mães surgiu por iniciativa de mulheres ligadas à Pastoral, com o objetivo de expandir o clube de mães. Desenvolviam práticas de avaliações, relatos, discussões, troca de experiências, programavam atividades, campanhas, cursos, bazares. No início, a preocupação era que “mais mulheres despertassem para a luta”. Discutiam o valor da mulher, sua participação como cidadã, como lutar pelos seus direitos. Envolviam a família nas programações de lazer. Assim elas lutavam pela população, pela coleta de lixo, escolas, cursos de enfermagem, cursos com noções de saúde, mas começaram a entender e conhecer os labirintos da administração pública e a lutar por conseguir melhorias. O Movimento do Custo de Vida se articulava com os clubes e visava medidas do governo sobre o aumento do custo de vida. Elas se mobilizaram e se organizaram pesquisando sobre a alta dos preços dos artigos básicos, colheram assinaturas, abaixo-assinados e estes movimentos cresceram até mesmo com a participação dos maridos que colheram assinaturas nas fábricas onde trabalhavam. As autoridades na época pouca importância deram ao MCV, pois eram necessárias alterações econômicas e isto envolveria os mandantes máximos do país. O segundo movimento foi o do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que lutaram pela valorização e recuperação do sindicato como espaço público operário, sendo as greves e assembleias de massa uma forma de afirmação política. Este movimento alterou e influenciou as relações de 107 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 trabalho em todo o país, mobilizou os trabalhadores na defesa de seus direitos, moldando assim uma linha de resistência coletiva. No início, várias foram as interpretações dadas aos sindicatos: alguns identificavam apenas a existência do prédio, outros viam sindicato como “comunismo”, outros achavam que sindicato “não resolve nada”, outros viam como um órgão que faz acordos visando aumento salarial. Na verdade, ao longo dos anos, o empenho foi para que o sindicato adotasse uma infraestrutura que atraísse os trabalhadores pelos serviços prestados pela defesa nas relações de trabalho. Deste modo, o sindicato apelou cada vez mais para a mobilização ativa da categoria, unificando-a, vencendo as distâncias que separavam os trabalhadores segundo um leque salarial extremamente amplificado, diminuindo as disparidades salariais, propondo reajustes iguais para todos num trabalho de solidariedade de classe. Logicamente, esta luta perdurou por anos e teve a resistência por parte dos que recebiam salários altos e foi-se construindo uma mentalidade diferente onde viam o sindicato como meio eficaz para a defesa dos trabalhadores. Nos anos de 1970, surge Lula neste cenário, participando no conselho fiscal do sindicato, que vê o órgão como luta permanente e não como local de serviços sociais. Nos anos posteriores, muita luta, muitas reivindicações, greves, debates se sucederam, e com as greves ocorridas entre 1978 e 1980, o sindicato tornou-se um “espaço público operário” em que os metalúrgicos da região constituíram-se como um sujeito coletivo. Isto tornou-se possível pela presença ativa de ampla camada de operários no interior das empresas ligados ao sindicato. Foram inúmeros os debates, encontros, greves, campanhas salariais, luta por melhores condições de trabalho, passeatas, mobilizações destes movimentos sociais na região do ABC, sendo eles elementos da transição política entre 1978 e 1985. Eles expressaram tendências profundas na sociedade, que assinalavam a perda da sustentação do sistema político instituído. Marcaram a enorme distância entre os mecanismos políticos instituídos e as formas da vida social. Estes fatores é que apontaram para a transformação social, com a promessa de uma renovação da vida política, sendo esta constituída a partir das questões da vida cotidiana. 108 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 O Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM–SP) se constituiu por duas referências exteriores: a) grupos que deram origem aos espaços de elaboração política e de continuidade de ação; b) sindicato cujo objetivo de espaço a ocupar definia seu calendário e suas atividades. Assim, a Oposição torna-se um movimento de massas capaz de incidir concretamente nas relações de poder tanto nas empresas quanto no sindicato. Com o desenrolar dos acontecimentos, os membros do OSM tornamse centros de movimentos, e as greves se mesclam com a campanha eleitoral no sindicato; não contando com a repressão policial como antes e não viabilizando os “cabeças”, as chefias ficam desorientadas, chegando a apoiar a formação de comissões operárias para poderem negociar e finalmente os resultados são animadores para os operários (SADER, 1995, p. 253). Quando a OSM se consolidava enquanto expressão política dos metalúrgicos em luta, o desafio central que ela enfrentaria era o da vinculação entre organização autônoma nas fábricas e a intervenção unificadora no sindicato. A marca deste movimento era a crítica à estrutura sindical, mas uma parte de suas atividades tinha o sindicato como referência: as campanhas salariais, as eleições sindicais, as assembleias, os cursos de formação organizados ali, os encontros com a categoria. Na oposição sindical vimos a presença da valorização da organização e da luta na fábrica. Quanto às Comissões de Saúde da Zona Leste, vimos a luta pela conquista de uma carência de um determinado local, um bairro pobre da periferia leste da capital, com a interferência e intervenção da igreja católica e um grupo de médicos sanitaristas. O movimento teve início na igreja de São Mateus, onde mulheres começaram a debater a falta de hospitais e centros de saúde na região e, depois de várias reuniões na igreja, elas foram em comissão até a Secretaria da Saúde levar a reivindicação de um centro de saúde para o bairro. Com a chegada de médicos na região, transmitindo a todos conhecimentos sobre enfermidades e suas causas, condições sanitárias, cuidados com a saúde, eles começam a apoiar as atividades da pastoral da saúde, visitam favelas, promovem cursos de primeiros socorros, orientam gestantes, convocam assembleias para discutir carências nos serviços de saúde. Foi fundamental a atuação de estudantes de medicina e seus professores nestes locais; devido à precariedade do atendimento, iniciam as discussões pela luta por melhores serviços de saúde, com respeito e dignidade 109 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 em prol das comunidades carentes. As comissões de saúde surgem do encontro dos sanitaristas com as mulheres da comunidade. A reivindicação por postos de saúde e melhorias no atendimento se intensificaram e os médicos aceleraram o processo de aprendizagem das modalidades de enfrentamento da burocracia estatal. Houve uma mobilização, pesquisa nos bairros sobre as reais necessidades, orientações, encontros na igreja, discussão, explicações pelos médicos das diferenças entre posto de saúde, pronto-socorro e hospital; discussão sobre o que seria melhor e possível de se conquistar, elaboração de um jornalzinho elucidativo e discussão na reunião sobre os temas nele contidos. A partir daí, foram para os labirintos burocráticos, lutando pela instalação do posto de saúde no bairro. Estas conquistas envolveram os bairros do Jardim Nordeste, São Miguel Paulista, São Mateus, Guaianazes, IV Centenário, Cangaíba. Assim, os movimentos sociais marcaram a transição política ocorrida entre 1978 e 1985, apontaram para as transformações sociais, para a renovação e alargamento da política, para a reivindicação da democracia tão almejada pela população brasileira, que aspirava pela justiça social. Em 1985, São Paulo vivia o ápice da explosão demográfica. O governo municipal, especialmente o liderado por Mário Covas, era levado a trabalhar com todo o rescaldo desse movimento imigratório que acontecia na capital e que gerava grande pressão por serviços de transporte, saúde, educação, saneamento básico, etc., principalmente nas periferias da cidade. A administração de Covas na prefeitura, nesse período histórico, representou uma das primeiras experiências de desconstrução da autocracia, tanto no que se refere ao acesso quanto à gestão interna dos sistemas, ainda sob o regime ditatorial. Era uma fase de turbulência política e transição; já havia eleição direta para governador, mas não para presidente. Do ponto de vista institucional, o deputado Dante de Oliveira redigiu uma emenda que deveria restabelecer as eleições diretas para presidente da República. O documento tinha como princípio discutir e propor mudanças nas eleições. Essa emenda ficou conhecida como emenda das Diretas-Já e suscitou a formação do maior movimento cívico da história do país, liderado pelos principais dirigentes do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Democrático Trabalhista (PDT), etc. Os governadores e vices, como Franco Montoro, Leonel Brizola, Miguel 110 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Arraes, liderados por parlamentares como deputado Ulysses Guimarães e o senador Teotônio Vilela, lideranças políticas como Luiz Carlos Prestes, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso e, ainda, contando com o apoio dos demais partidos de oposição, organizaram uma das maiores campanhas pelo restabelecimento da democracia em todo o país. Entre janeiro e abril de 1984, mais de 150 comícios foram realizados em grandes e pequenas cidades brasileiras, culminando com gigantescas manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo, com mais de um milhão de pessoas na rua pedindo as Diretas-Já. A emenda Dante de Oliveira foi derrotada em 25 de abril no Congresso Nacional. Entretanto, surgiram novas articulações propondo a derrubada do regime militar, indicando candidato às eleições indiretas no Colégio Eleitoral. O candidato escolhido para concorrer à presidência da República foi Tancredo Neves, eleito para o cargo em outubro de 1984, por 480 votos contra 180 do oponente Paulo Maluf. Foi o primeiro presidente da República civil eleito após 1964. Tancredo realizou uma campanha típica da democracia, com grandes comícios nos quais o povo o aplaudia como novo líder. Para alguns analistas, não obstante o boicote patrocinado pelos parlamentares do PT ao Colégio Eleitoral, foi a única eleição indireta de presidente da República aprovada pela população. Logo depois, porém, Tancredo foi internado no Hospital de Base, em Brasília, um dia antes da sua posse, e José Sarney, o até então obscuro candidato à vice-presidente, assumiu a presidência da República em 15 de março de 1985. Tancredo morreu em 21 de abril, sendo homenageado pelas multidões. O início do governo Sarney foi marcado pelos debates em torno da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Havia consenso quanto à necessidade de que o novo período democrático exigia um texto constitucional não ditatorial; entretanto, divergências quanto à composição e à natureza da Constituinte ainda precisavam ser resolvidas. Assim sendo, venceu a proposta de um Congresso Constituinte, em que deputados federais e senadores eleitos em novembro de 1986 acumulariam as funções parlamentares e constituintes. 111 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Em fevereiro de 1987, o deputado Ulysses Guimarães presidiu as sessões da Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 congressistas. Um grupo de constituintes do PMDB, do PFL, do PDS e do PTB se uniu e formou o Centro Democrático ou “Centrão”, que agrupou a maioria parlamentar de apoio às causas mais conservadoras. A Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi a síntese e o auge de todo o processo de redemocratização do país. Apesar de longa e detalhista, representou os anseios de parte da população brasileira à época; procurou introduzir inovações e compromissos, com destaque para a universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo. À guisa de conclusão Quanto aos movimentos sindicais, é possível afirmar que São Paulo, com a greve dos professores da rede pública estadual, vivenciou, ao final dos anos de 1970, o fortalecimento do sindicalismo no funcionalismo público, inaugurando uma nova fase no setor. Eclodindo em outros estados, como Paraná e Brasília, o movimento lembrava muito a ação dos operários da região que compreendia as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do SUL (ABC) e da oposição metalúrgica de São Paulo, ao menos no que se refere ao conjunto do movimento operário e sindical. Pode-se dizer que o ano de 1978 foi um marco no processo de organização dos servidores públicos, pois aparecem os primeiros indícios de novas formas de associação de caráter sindical e de oposição ao Estado militar. Entre 1978 e 1983, as greves mostravam a expansão do movimento de assalariados da classe média. Médicos e funcionários da saúde pública promoveram paralisações, professores universitários, principalmente das universidades públicas, bem como outras categorias, como as de atores, fotógrafos, jornalistas, participaram de movimentos grevistas que não pararam de crescer. Nos anos de 1987, 1988 e 1989 há uma ascensão de greves dos servidores públicos federais, estaduais e municipais. É nesse contexto de lutas que se insere também o professor da rede municipal de ensino paulistana. Na década de 1980, representados pela Associação dos Professores e Especialistas em Educação no Ensino Municipal 112 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 (Apeeem), sucedida em 1988 pelo Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), a categoria lutava, junto às demais, por melhores condições de trabalho e por salários dignos. O Sinpeem, entidade filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), por sua estrutura de organização, tem instâncias de bases democráticas que buscam enraizar-se nas bases e nos locais de trabalho. A entidade foi crescendo paulatinamente no decorrer dos anos, transformando o sindicato na organização responsável pelas conquistas e defesas dos direitos dos profissionais públicos do ensino municipal. Foi também significativa a sua participação na elaboração da Constituição Federal (1988), como na campanha pelo Estatuto do Magistério (1992), assegurando, por meio dele: plano de carreira no magistério; jornada especial integral; investimento em concursos; concurso de acesso; evolução funcional; gestão democrática; reuniões; participação em congressos. Ações que pretendiam a melhoria da qualidade de ensino. Desde 1988, o Sinpeem tem intensificado a sua luta para manter os direitos dos profissionais de educação, instando a administração a aplicar mais recursos no setor e a Câmara Municipal a fiscalizar a destinação de verbas, para que os direitos da categoria sejam mantidos e garantidos. Por várias vezes, o sindicato participou de mobilizações por reposição salarial e integrou os movimentos em defesa da escola pública independente e de qualidade. Em 1992, especialistas da Rede Municipal de Educação, em defesa da carreira, fundaram o Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp). Na ocasião, quando da discussão sobre o Estatuto do Magistério, o governo (Erundina, PT) propôs a eleição para os cargos de diretor de escola e coordenador pedagógico, com o argumento de tornar a escola mais democrática. Não considerou que o concurso poderia se constituir em garantia de democracia, fruto de avanço político contra o clientelismo e o apadrinhamento, uma vez que o governo de uma época pode espelhar, mesmo que por meio de um concurso público, a ideologia e os interesses da política administrativa vigente. Diante desses acontecimentos, surge o Sinesp, entidade corporativa, respeitada, não filiada à CUT, que se mobiliza mais exclusivamente em defesa 113 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 dos interesses econômicos e sociais das categorias, participando das lutas salariais, procurando zelar pela vida com qualidade de seus filiados. Desde 1992, o Sinesp encampa lutas permanentes por ensino de qualidade; respeito e valorização do especialista; revalorização dos salários; melhores condições de trabalho; capacitação para os especialistas em educação; concursos públicos em todos os níveis da rede; participação nas tomadas de decisão que afetam os especialistas de educação. Cabe considerar que, embora as lutas sindicais sejam importantes para as categorias, a dinâmica e a efetividade dos sindicatos estão sujeitas ao fator político. Governo autocrático, prática autocrática, o que pode obstaculizar as ações sindicais, gerando empecilhos e, inclusive, não reconhecendo o direito à associação sindical estabelecido na Constituição Federal. Governo considerado democrático, prática supostamente democrática, que legitima e reconhece as entidades sindicais, fator provavelmente contributivo para a atuação efetiva dos sindicatos em níveis institucionais. Os governos municipais de Covas (1983-1985), Erundina (1989-1992) e Jânio (1986-1988) ilustram os dois casos, sendo os primeiros, exemplos de tendências democráticas e o último, autocrático. A implantação de um regime democrático mudou muita coisa no país, pois a defesa da democracia tinha como princípio a construção de uma sociedade justa, com vistas à promoção da cooperação entre as esferas do governo, articulando a rede de ensino do país e fortalecendo os laços da escola com a comunidade. Dessa forma, muitos movimentos sociais e sindicais propuseram o debate e a reflexão sobre propostas educacionais que favorecessem o desenvolvimento do setor educacional, uma vez que representavam um espaço de formulação de ações, de críticas e de propostas fundamentais para o avanço do direito à educação no país. Em busca de contribuir para a desconstrução da autocracia, a Secretaria Municipal de Educação do período tinha como meta uma política educacional macro desse novo modelo educacional, a valorização do ensino público gratuito e de qualidade em todos os níveis. Essa postura se inspirava numa filosofia de educação democrática, cujos princípios poderiam ser assim explicitados: é obrigação do poder público garantir ao maior número de crianças e jovens dos setores majoritários da 114 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 nossa sociedade a melhor escolarização possível, sendo esta a forma pela qual o governo participa na construção de uma educação popular e democrática, constituindo-se a escolarização em um dos processos fundamentais pelo qual o indivíduo supera as limitações socioculturais para tornar-se cidadão informado e participante do mundo em que vive, capaz de conviver com a diversidade e a divergência, consciente de seus direitos e responsabilidades diante de seus deveres. Com base nessa concepção do papel da escola na formação do ser humano, entendemos que a escola básica deveria garantir, nas séries iniciais, a capacidade de ler, escrever, calcular e operar, oferecendo noções de ciências em geral, e, nas mais avançadas, o aprimoramento dos conhecimentos científicos, a reflexão crítica sobre a realidade física e social, a integração da reflexão e do trabalho. Portanto, os conhecimentos e habilidades que a escola pública pode e deve transmitir aos seus alunos constituem pré-condição para a participação de todos numa sociedade moderna pluralista e democrática, assim como para a formação de uma consciência crítica que favoreça a prática social transformadora. Em função dessa intencionalidade posta pelo governo, a partir da década de 1980, as administrações educacionais passaram a ter como intuito estabelecer a necessidade de rever a organização curricular, os procedimentos técnicos e o funcionamento administrativo da escola. O propósito era adequálos às condições de vida e às necessidades da população, dando atenção específica às séries em que a repetência e a evasão incidiam mais intensamente, à revisão curricular, ao núcleo comum obrigatório e à função da escola na socialização do conhecimento. Também era intenção buscar melhores condições materiais de trabalho às unidades escolares, enfatizando a função de ensino e aprendizagem – o professor e o aluno, tendo-os como prioridade máxima –, a garantia da implantação da gestão na perspectiva democrática, por meio da descentralização e coordenação política das decisões. É oportuno destacar que, durante a década de 1980, a preocupação da Secretaria Municipal de Educação, ao menos em seu plano de governo, era com a escola de qualidade para o maior número possível de crianças, como 115 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 também implementar projetos especiais que garantissem a qualidade do ensino disponibilizado à comunidade. 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Edital de abertura das inscrições para o concurso de acesso para o provimento efetivo de cargos vagos de coordenador pedagógico de Educação Infantil, Ref. EM-06. D.O.M., São Paulo, 13 ago. 1988. p. 85-86. 119 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 120 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 O CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA DA SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PARA CICLO I DO ENSINO FUNDAMENTAL THE CURRICULUM OF PORTUGUESE LANGUAGE THE SECRETARY OF EDUCATION OF THE SÃO PAULO STATE FOR THE CYCLE I OF THE ELEMENTARY SCHOOL Sheila Moreschi Campos de Souza Mestra em Educação E-mail: [email protected] Resumo: Este texto promove elementos para uma articulação entre as características e peculiaridades da proposta curricular de língua portuguesa para o ciclo I do ensino fundamental da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo com algumas das concepções teórico-ideológicas curriculares presentes no debate atual. Da reflexão, a partir de um determinado recorte e com uma abordagem sob uma perspectiva diferenciada, cria-se condições para a construção do conhecimento que pode ajudar no desenvolvimento do pensamento crítico sobre as políticas educacionais. Palavras-chave: Políticas educacionais. Currículo. Ensino fundamental. Ciclo I. Língua portuguesa. Abstract: This text promotes elements of a link between the chacacteristics and peculiarities of curriculum proposal of Portuguese Language for the Cycle I of the Elementary School by Secretary of Education of the São Paulo State with some of conceptions theoretical-ideological curricular present in the current debate. Reflection, starting on one particular point and with an approach in diferente perspective, it creates conditions for the construction of knowledge that can help in the development of critical thinking on educational policies. Keywords: Educational policies. Curriculum. Elementary education. Cycle I. Portuguese language. O currículo, dentro da prática educativa, possui um conjunto de características e peculiaridades que variam dependendo de quem o produziu, como e em que condições foi produzido, observando-se as instâncias política, histórica, filosófica, social, etc. Assim, o conceito de currículo modifica-se 121 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 historicamente e por isso só pode ser compreendido no contexto ao qual está inserido. A definição de currículo se particulariza a partir do foco desentranhado das conexões que se estabelece no multifacetado campo de estudo que se apresenta. O currículo assim, [...] é o resultado de uma série de influências convergentes e sucessivas, coerentes ou contraditórias, adquirindo, dessa forma, a característica de ser um objeto preparado num processo complexo, que se transforma e constrói no mesmo. (SACRISTÁN, 1998, p. 102). A concepção, portanto, depende do enfoque dado pelo autor em condições particulares e num contexto histórico, cultural e político singular que é expresso na valorização da forma de abordar o tema. Sacristán (1998, p. 38) assim conclui que, se uma teoria [...] é uma forma ordenada de estruturar um discurso sobre algo, existem tantas teorias como formas de abordar esse discurso, e, através delas, o próprio entendimento do que é o objeto abordado. Em alguns estudos publicados sobre concepção curricular, aparecem enfoques sob perspectivas diversas, como os com raiz psicológica centrada nas experiências dos indivíduos, em outros no desenvolvimento de metodologias que implicam numa forma sistematizada de currículo autodenominada racionais, científica e lógica, e ainda há aquelas com destaque na contribuição pessoal dos indivíduos em busca de mudança social. Para citar como exemplo significativo no campo de estudo de concepções curriculares, Eisner, em 1974, conforme citado por Sacristán (1998, p. 38), [...] propõe uma série de concepções curriculares centradas no desenvolvimento cognitivo, no currículo como auto-realização, como tecnologia, como instrumento de reconstrução social e como expressão do racionalismo acadêmico. Sem a pretensão de se esgotar todas as formas possíveis de abordagem, a escolha pela cronológica histórica nesse estudo, por exemplo, se dá em meio a outras possibilidades, o que não implica no abandono total dessas outras 122 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 formas. Estas aparecem de forma secundária ou indireta, mas com sua devida parcela de contribuição. O contato com algumas dessas formas tem como propósito subsidiar um encaminhamento para a compreensão da questão geral do tema que será apresentada a seguir. Na apresentação do documento “Orientações curriculares” encontramos a citação de Maria Helena G. de Castro: “Não saímos do zero” (SÃO PAULO, 2008, p. 3), com referência à articulação da atual proposta com anteriores. A trajetória em direção à construção do atual currículo reflete influências das sucessivas teorias e concepções de tempos passados. Nas premissas de João Amós Comenius em Didactica Magna, editada pela primeira vez na Opera Didactica Omnia, em Amsterdã, 1657, observa-se algumas bases que revolucionaram o ensino na época e que estão presentes na forma de organização da educação até hoje.  A democratização e universalização: Didactica Magna que mostra a arte universal de ensinar tudo a todos, ou seja, o modo certo e excelente para criar em todas as comunidades, cidades ou vilarejos de qualquer reino cristão escolas tais que a juventude dos dois sexos, sem excluir ninguém, [...].  A citação da divisão de conteúdos específicos formando uma grade curricular, a idade em que deveria começar os estudos e a importância do método: [...] possa receber uma formação em letras, ser aprimorada nos costumes, educada para a piedade e, assim, nos anos da primeira juventude, receba a instrução sobre tudo o que é da vida presente e futura, de maneira sintética, agradável e sólida. Os princípios de tudo o que se aconselha aqui são extraídos da própria natureza das coisas; a verdade é demonstrada através de exemplos paralelos das artes mecânicas [...].  A divisão dos estudos dispostos em seriação: [...] a ordem dos estudos é disposta segundo anos, meses, dias, horas; o caminho, enfim, fácil e seguro, é mostrado para pôr essas coisas em prática com bom êxito. (COMENIUS, 1997, p. 1112) (transcritos da edição italiana de Marta Fattori, Didactica 123 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 magna. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 390). A partir de um nível maior de organização escolar, o currículo passa a ter maior visibilidade no processo educacional. Também por envolver questões de poder (nas relações professor/aluno), de classes sociais (dominantes/dominados), políticas, étnicas, de gênero e influência direta nos sujeitos, este ganha importância no campo de estudo e pesquisa. Para tentar explicar e abordar, ainda que de maneira indireta, os problemas práticos em educação, surgem as teorias curriculares como expressões de mediação entre o pensamento e a ação em educação. As teorias curriculares podem apresentar-se como tradicionais e outras como críticas e pós-críticas. As tradicionais pretendem ser neutras, científicas, desinteressadas enquanto as teorias críticas e pós-críticas argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica e desinteressada mas que está, inevitavelmente, implicada em relações de poder. Teorias tradicionais A teoria do currículo tradicional foi a sucessora do currículo clássico, humanista, das chamadas “artes liberais”, que vindo da Antiguidade Clássica se estabeleceu na Idade Média e no Renascimento na forma dos chamados trivium (gramática, retórica, dialética) e quadrivium (astronomia, geometria, música, aritmética). Com acesso restrito a uma classe dominante, seu objetivo era a escolarização num repertório das grandes obras literárias e artísticas das heranças clássicas grega e latina para formação nos mais altos ideais do espírito humano (TADEU, 2011, p. 26). Na visão tradicional, o conhecimento, fixo e imutável, é extraído de valores universais, absolutos, incondicionais e incontestáveis por serem identificados com a natureza. Como não se pode modificar a natureza, estes valores tendem a ser naturalizados e não propensos a questionamentos. A teoria tradicional visa aceitação, ajuste e adaptação ao mundo do trabalho. “Provavelmente”, para Tadeu (2011, p. 12), [...] o currículo aparece pela primeira vez como objeto específico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos vinte. Em 124 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 conexão com o processo de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação da escolarização, houve um impulso, por parte de pessoas ligadas à administração, para racionalizar o processo de construção, desenvolvimento e testagem de currículos. Nesse contexto, em 1918, Frankin Bobbitt escreveu o livro The curriculum, que se tornou um marco no campo especializado de estudos do currículo. O escritor descreve o currículo como um processo industrial inspirado na administração científica de Taylor: “[...] a especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente mensurados” (TADEU, 2011, p. 12). Teoria tradicional tecnicista Mais tarde, Ralph Tyler consolidou o modelo de currículo apresentado por Bobbitt em seu livro publicado em 1949, Princípios básicos de currículo e ensino (TYLER, 1974 apud TADEU, 2011, p. 25). Com preocupação em questões técnicas, para Tyler, o currículo devia buscar responder a que objetivos educacionais a escola procura atingir em termos claramente definidos e estabelecidos. Formulados em termos de comportamento explícito, [...] essa orientação comportamentalista iria se radicalizar, aliás, nos anos 60, com o revigoramento de uma tendência fortemente tecnicista na educação estadunidense, sobretudo, por um livro de Robert Mager, Análise de objetivos, também influente no Brasil na mesma época (TYLER apud TADEU, 2011, p. 25). De acordo com Saviani (2008, p. 12), A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico. O foco do trabalho pedagógico não é mais o professor como na tradicional, mas se torna a organização racional, a mecanização do processo 125 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 na busca da eficiência. A fragmentação e o detalhamento do processo a cargo de especialistas aos professores que agiam como executores do planejamento destes gerou a burocratização do ensino e os resultados negativos convalidaram mais uma vez o espectro de exclusão e evasão de uma grande parcela de alunos na escola, marcadamente presente nas concepções teóricas anteriores. Teorias curriculares críticas Já em 1937, as ideias principais da teoria crítica foram discutidas no livro Teoria tradicional e teoria crítica, no qual Horkheimer questiona o conceito de objetividade e de neutralidade científica no processo de conhecimento. Nos anos de 1960, surgiram muitos movimentos sociais e culturais em todo o mundo e também questionamentos da estrutura educacional tradicional bem como as concepções de currículo. As teorias críticas aparecem nesse contexto com uma maior preocupação em apontar o papel da escola e do currículo na reprodução da estrutura social marcada pelas injustiças e desigualdades. Boaventura Santos (1999, p. 9) identifica algumas características da teoria crítica: [...] uma preocupação epistemológica com a natureza e validade do conhecimento científico, uma vocação interdisciplinar, uma recusa da instrumentalização do conhecimento científico ao serviço do poder político e econômico [...] uma concepção de sociedade que privilegia a identificação dos conflitos e dos interesses [...] um compromisso ético que liga valores universais aos processos de transformação social. Na visão crítica, o currículo é concebido por meio de alguma operação de correspondência, representação do conhecimento sob uma outra forma, algo que o precede. Essa concepção representacionista do currículo e do conhecimento tem sua versão crítica: na visão marxista, por exemplo, inspirada pelo conceito de ideologia, o currículo e conhecimento existentes só não correspondem à verdade porque estão indevidamente distorcidos pelos interesses da classe dominante. (TADEU, 2011, p. 11). 126 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Duas correntes mais conhecidas das teorias críticas podem ser citadas: A Sociologia do Currículo, com origem nos Estados Unidos, que tem como representantes mais conhecidos Michael Apple e Henry Giroux, e a Nova Sociologia do Currículo, com origem na Inglaterra e que tem em Michael Young um dos principais representantes. Apple, em seu primeiro livro, Ideologia e currículo, de 1979, mostrou preocupação em evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos entre produção e educação. Para entender as formas complexas em que as tensões e contradições sociais, econômicas e políticas são mediadas nas práticas concretas dos educadores, este se apoia numa orientação cultural e ideológica. Henry Giroux, a partir dos anos de 1980, aproxima-se das ideias da chamada Escola de Frankfurt formada por um grupo de intelectuais alemães, que se propunha, entre outros aspectos, revitalizar o materialismo dialético, denunciar o caráter de exploração do capitalismo e questionar a instrumentalização da razão. Sacristán (1998), seguindo na linha de estudo do currículo no contexto sociocultural, estabelece relação entre o projeto cultural e de socialização na escola por meio do currículo em seu livro publicado em 1991, O currículo uma reflexão sobre a prática. Segundo ele, [...] o projeto cultural e de socialização que a escola tem para seus alunos não é neutro. De alguma forma, o currículo reflete o conflito de interesses dentro de uma sociedade e os valores dominantes que regem os processos educativos. (SACRISTÁN, 1998, p. 17). Para Sacristán (1998, p. 19), os procedimentos de seleção e organização são mecanismos através dos quais o conhecimento é distribuído socialmente no currículo: A Nova Sociologia da Educação contribui de forma decisiva para atualidade do tema, que centrou seu interesse em analisar como as funções de seleção e de organização social da escola, que subjazem nos currículos, se realizam através das condições nas quais seu desenvolvimento ocorre. 127 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A escola, na teoria crítica, vista como espaço de luta e resistência e não apenas de reprodução da sociedade, dá visibilidade à discussão da existência, além do currículo prescrito, ao currículo oculto. O currículo prescrito por meio de legislação e projetos educativos indicam os conteúdos mínimos obrigatórios apresentados pelos docentes aos alunos. Para Sacristán (1998), o currículo prescrito tem função intervencionista pelo sistema administrativo estatal na sociedade. Segundo ele, A ordenação do currículo faz parte da intervenção do Estado na organização da vida social. Ordenar a distribuição do conhecimento através do sistema educativo é um modo não só de influir na cultura, mas também em toda a ordenação social e econômica da sociedade. (SACRISTÁN, 1998, p. 108). Já o currículo oculto está relacionado aos conhecimentos, habilidades, valores e atitudes subjacentes ao currículo prescrito que os alunos adquirem no cotidiano do processo de ensino e aprendizagem. É nas relações sociais dentro da sala de aula e nas situações que envolvem a vida escolar que o currículo oculto implicitamente se apresenta e se estabelece na formação e transformação de valores socioeconômicos e políticos. Para Santomé (1995, p. 201), Analisar o sistema educativo e, por conseguinte, o que os cidadãos e cidadãs aprendem com a sua passagem pelas instituições escolares implica prestar atenção não só ao que denominamos currículo explícito, mas também ao currículo oculto. Dentro da teoria crítica, o currículo oculto se mostra como espaço de manifestação, de resistência, de mudança, de rejeição a todas as formas de expressão presentes nas relações sociais institucionalizadas. Longe de ser neutro como na teoria tradicional, o currículo oculto, tanto quanto o prescrito, serve aos interesses de segmentos dentro do contexto social, político e econômico no qual estão inseridos. Teorias pós-críticas 128 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A partir da década de 1990, a linha de pesquisa em currículo tem dado ênfase na análise da relação entre currículo e construção de identidades e subjetividades. Também estão presentes os estudos sobre a cultura escolar e as diferenças culturais dos grupos sociais nela presentes, os estudos multiculturais, que exploram a necessidade do currículo “dar voz” às culturas excluídas. Falando sobre os diferentes tipos de alunos com diferentes origens sociais presentes nas modalidades da educação, a multiculturalidade na escola, Sacristán (1998) levanta o questionamento sobre o uso do currículo como forma de segregação. Segundo ele, A formação profissional paralela ao ensino secundário segrega a coletividade de alunos de diferentes capacidades e procedência social e também com diferente destino social, e tais determinações podem ser vistas nos currículos que se distribuem num e noutro tipo de educação. (SACRISTÁN, 1998, p. 17). A discussão do papel formativo do currículo na construção de identidades está presente também na produção de Tadeu (2011, p. 150) ao dizer: O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade. O currículo atual reflete influências dos anos de 1990 que, em meio a questões postas por um mundo em transformação pelos desígnios da globalização, passa a impor a necessidade de ajustes do sistema educacional à nova ordem do capital e a democratização do ensino. A pressão de organismos internacionais para estes ajustes nas políticas públicas de educação foi marcante em forma de oferta de financiamentos, conferências, assessorias técnicas e grandes eventos ao custo da redução dos gastos públicos e diminuição do tamanho do Estado. Os ajustes se materializaram em projetos, leis, programas, e outras denominações para as reformas educativas, 129 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 elaborados por “especialistas”, conforme identificado por Gaudêncio (2003, p. 107): Na sua maioria, intelectuais altamente preparados em universidades do exterior com passagem, alguns muito longa, outros mais breves, nos organismos internacionais que estão na base das reformas educativas: Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Organização Internacional do Comércio (OIT), etc. O atual currículo da rede estadual de educação básica do estado de São Paulo tem sua origem na Proposta Curricular Unificada, implantada no início do ano letivo de 2008 e é parte integrante dos objetivos do Programa São Paulo Faz Escola que foi criado em 2007 e tem como foco a instituição de um currículo pedagógico único para todas as escolas da rede pública estadual. Com mesmo currículo pedagógico, acredita-se que haverá melhora na qualidade de ensino da rede pública, uma vez que coloca todos os alunos da rede estadual no mesmo nível de aprendizado. A Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB) disponibilizou o conteúdo do currículo proposto através de uma publicação denominada “Orientações Curriculares do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa e Matemática – Ciclo I”, em 2008, a fim de consolidar a articulação com o currículo em ação nas salas de aula de todo o Estado. Objetivos das Orientações Curriculares A Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), na introdução sob o título “O ensino de Língua Portuguesa nas séries iniciais” da proposta curricular de Língua Portuguesa nas séries iniciais, informa que esta se organiza em torno de um objetivo central: [...] subsidiar todos os envolvidos no processo de ensino da Língua Portuguesa (Leitura, Escrita e Comunicação Oral) para sistematizar os conteúdos de ensino mais relevantes a serem garantidos ao longo das quatro séries (atualmente cinco) do Ciclo I do Ensino Fundamental. (SÃO PAULO, 2008, p. 7). 130 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 A formação de leitores e escritores também é priorizada, pois, conforme citada na carta de apresentação do documento por Maria Helena Guimarães de Castro (secretária da educação do estado de São Paulo), [...] saber ler e escrever não só é condição indispensável para que os estudantes adquiram os conhecimentos de todas as áreas – e principalmente – para terem acesso à cultura letrada e à plena participação social (SÃO PAULO, 2008, p. 4,3). Origem das “Orientações Curriculares” “Orientações Curriculares” é a nomenclatura dada pela rede estadual de São Paulo para currículo a partir de 2007. No Estado do Paraná ele é chamado de “Expectativas de Aprendizagem”, “Reorientação Curricular do 1º ao 9º ano” em Goiás, “Currículo da Educação Básica” no Distrito Federal, variando assim em outros Estados da federação. Anterior a essa nomenclatura, de 1986 a 2001, o currículo no Estado de São Paulo era chamado de “Proposta Curricular”. O currículo de Língua Portuguesa, conforme está proposto atualmente, teve seus fundamentos previstos na forma da lei já há algum tempo. O inciso IV do art. 9º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei n.º 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996) diz ser incumbência da União [...] estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e os seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum. Os currículos e seus conteúdos mínimos (art. 210 da CF/88), propostos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) (art. 9º da LDB), serão estabelecidos através de diretrizes. Cabe à Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE) (art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei n.º 9.131, de 24 de novembro de 1995) as funções normativas, de supervisão (Lei 9131/95) e definição das Diretrizes Curriculares Nacionais que deverão se dar de forma articulada com Estados e Municípios, respeitando os princípios da igualdade, da liberdade, do reconhecimento do pluralismo de ideias e 131 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 concepções pedagógicas conforme exposto no art. 3º da LDB e Parecer n.º CEB 04/98. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são as diretrizes concebidas pelo Governo Federal sem caráter obrigatório e que servem como referência para os Estados e munícipios elaborarem seus currículos. A elaboração dos PCN teve como base a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBA), assinada pelos países participantes da Conferência sobre Educação, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990 (SAMPAIO, 2010, p. 8). Nas Orientações Curriculares do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa e Matemática – Ciclo I estão presentes referências aos PCN de Língua Portuguesa. A divisão por disciplinas e por ciclo, as especificidades nos conteúdos, recursos didáticos, critérios de avaliação são algumas das características presentes nos dois documentos. Para elaborarem suas Propostas Pedagógicas, as escolas devem examinar os PCN e as Propostas Pedagógicas dos Estados e Munícipios respeitando características regionais e locais da sociedade integrando a Parte Diversificada e Base Nacional Comum. Segue abaixo um esquema gráfico da ordem hierárquica na elaboração do Currículo: 132 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Orientações Curriculares do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa e Matemática – Ciclo I Na Apresentação da Proposta Curricular EF Ciclo I, disponível no site “São Paulo faz Escola” da Secretaria Estadual de Educação, o texto diz, no primeiro parágrafo: O presente documento foi elaborado, como já colocado, a partir das Orientações Gerais para o Ensino de Língua Portuguesa e de Matemática publicadas pela S.M.E. São Paulo, com a intenção de subsidiar o ensino dos conteúdos mais relevantes a serem garantidos ao longo das quatro séries do Ciclo I do Ensino Fundamental. Parte dessa informação é repetida no segundo parágrafo da Apresentação das Orientações Curriculares do Estado de São Paulo Língua Portuguesa e Matemática Ciclo I, feita pela secretária da educação Maria Helena Guimarães de Castro, no Governo de José Serra, e distribuídas nas escolas da rede estadual, conforme segue: 133 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Não saímos do zero. Nosso ponto de partida, fruto de uma relação de colaboração mútua, foram as Orientações Gerais para o Ensino de Língua Portuguesa no Ciclo I, publicadas em agosto de 2005 pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME) no Diário Oficial da Cidade. (SÃO PAULO, 2008, p. 3). Tanto a Apresentação da Proposta Curricular como a Apresentação das Orientações Curriculares do Estado de São Paulo informam que o texto foi elaborado “a partir” e em “relação de colaboração mútua” com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, respeitando a organização dos conteúdos do paradigma curricular da Base Nacional Comum. O Comunicado SME n.º 816, de 3 de agosto de 2005 (DOC 04.08.05), que também serviu de referência para “Orientações Curriculares do Estado de São Paulo” em 2008, instituiu na rede municipal de ensino de São Paulo o Programa Ler e Escrever a partir do ano de 2006, com objetivos bem parecidos ao da rede estadual em 2007. No Comunicado SME n.º 816, citado acima, o objetivo de desenvolver projetos visava [...] reverter o quadro de fracasso escolar ocasionado pelo analfabetismo e pela alfabetização precária dos alunos do Ensino Fundamental e Médio da Rede Municipal de Ensino. Programa “Ler e Escrever” faz parte do conjunto de ações previstas nas “Orientações Curriculares” A apresentação do documento “Orientações Curriculares do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa e Matemática – Ciclo I”i aponta que este “não deve ser analisado isoladamente”, pois “faz parte de um conjunto de ações desencadeadas em 2007 pela Secretaria Estadual de Educação (SEE)”. Na sequência do texto, a implantação do “Programa Ler e Escrever Prioridade na Escola” é citado como a primeira dessas ações. A supervisora pedagógica do “Programa Ler e Escrever”, Telma Weisz, que também é coordenadora juntamente com Neide Nogueira da publicação “Orientações curriculares”, relata que o “Programa Ler e Escrever” faz parte de um trabalho criado progressivamente ao longo dos últimos 25 anos na história dos avanços na melhoria da qualidade do ensino nas séries iniciais em São Paulo. Para citar na linha do tempo estes programas, temos em: 1984 – Ciclo 134 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Básico; 1988 – Por uma alfabetização sem fracasso; 1993 – Alfabetização: teoria e prática; 2003 – Letra e Vida SARESP; 2007 – Ler e Escrever. Este Programa (Ler e Escrever) abrange um conjunto articulado de quatro programas: 1) Formação de formadores e gestores com acompanhamento institucional; 2) Produção e distribuição de material impresso (tanto para os professores quanto para os alunos); 3) Bolsa alfabetização; 4) Avaliação do desempenho das 2ªs séries (SARESP). O Programa Ler e Escrever “[...] foi pensado como um conjunto de ações cujo objetivo é fazer avançar a qualidade do ensino oferecido em cada escola.” (WEISZ, 2010, p. 21). Tem como meta alfabetizar plenamente todas as crianças com até oito anos de idade e desenvolver as competências necessárias “[...] para terem acesso à cultura letrada e à plena participação social” (SÃO PAULO, 2008, p. 4). A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo organizou, em janeiro de 2008, um encontro de dirigentes regionais, supervisores de ensino e diretores de escola onde foi feita a apresentação dos principais projetos e ações do planejamento para o ano. A partir dos resultados do SAEB (hoje, Prova Brasil) e do resultado de outras avaliações, o governo do Estado de São Paulo elaborou um Plano de Metas e Planejamento. Na apresentação do Plano, em janeiro de 2008, a então secretária da educação, professora Maria Helena Guimarães de Castro, destacou 10 metas para serem alcançadas até o ano de 2010. As metas contemplavam ações visando melhorar o desempenho dos alunos do ensino médio e fundamental do ciclo I e II e a primeira delas era “Todos os alunos de 8 anos plenamente alfabetizados”. A implantação do “Projeto Ler e Escrever” foi tratado dentro do tema “Qualidade da educação: dez ações para uma escola melhor” como uma destas ações e seria subsidiada pela distribuição de material de apoio didático-pedagógico para alunos e professores e divulgação dos conteúdos básicos de aprendizagem para todas as séries do ensino fundamental e médio em 2008. (cf. Portal Rede do Saber). Dispondo sobre a implementação da Proposta Curricular, a Resolução SE76, de 7 de novembro de 2008, destaca, conforme citado abaixo na íntegra nos Artigos 1º e 3º, que se constituiria num “referencial básico obrigatório para a formulação da proposta pedagógica das escolas” e a sua implementação se daria “com o apoio de materiais impressos” entre outros recursos e ações. 135 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Artigo 1º - A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, elaborada por esta Pasta, a ser implantada no ano em curso, passa a constituir o referencial básico obrigatório para a formulação da proposta pedagógica das escolas da rede estadual. Artigo 3º - A implantação da Proposta Curricular ocorrerá com o apoio de materiais impressos, recursos tecnológicos e com ações de capacitação e monitoramento que, mediante a participação direta e contínua dos educadores da rede de ensino, possibilitarão seu aperfeiçoamento. O Programa Ler e Escrever, introduzido em 2007 na rede estadual de educação de São Paulo, foi oficialmente assumido desde seu início como política pública. A publicação posterior de legislação e normas que garantiram as condições de implementação e funcionamento vieram, assim, subsidiar as Orientações Curriculares no trabalho pedagógico. Considerações As relações de poder estão postas nas citadas “reformas educacionais” em consonância com as teorias críticas e pós-críticas. Conceitos pedagógicos de ensino e aprendizagem são perpassados por conceitos de ideologia e poder e, mais do que nunca, as teorias presentes nos currículos oficiais não se apresentam de forma neutra, puramente científica ou desinteressada. Além do “currículo oficial”, ganha espaço nas discussões o papel do “currículo oculto” na prática escolar, e a desconfiança tem gerado a construção e a desconstrução de modelos pedagógicos curriculares instituídos. Referências GAUDÊNCIO, F. Educ. 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Textos já veiculados em eventos científicos realizados fora do país não poderão ultrapassar um ano de sua divulgação e devem ter essa data explicitada. A Comissão Editorial não aceitará artigos ou resenhas submetidas simultaneamente a outras publicações, nacionais ou estrangeiras; • Os textos deverão vir acompanhados, em arquivo separado, de carta que autorize a publicação (impressa e eletrônica) e a cessão de direitos autorais à Revista Cadernos de Pós-Graduação, bem como autorização expressa para indexação em bases de dados nacionais e internacionais, diretórios, bibliotecas digitais e bases bibliométricas. 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Em caso de 140 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 um parecer positivo, caberá à Comissão Editorial a avaliação dos três pareceres e a decisão sobre a publicação ou não do artigo; • As sínteses dos pareceres, em caso de aceite condicionado ou recusa, são encaminhadas ao(s) autor(es); • Os trabalhos devem ser submetidos exclusivamente por meio da plataforma eletrônica da revista Cadernos de Pós-Graduação. In: http://www4.uninove.br/ojs/index.php/cadernosdepos/login Formatação Os textos devem ser elaborados conforme as seguintes instruções: • Digitados no WordPad (.DOC) ou programa compatível de editoração; fonte Times New Roman, tamanho 12, alinhamento à esquerda, sem recuo de parágrafo, e espaçamento (entrelinha) duplo; • Artigos devem ter entre 18 mil e 45 mil toques (caracteres + espaços), e resenhas, entre 3,5 mil e 7 mil toques (caracteres + espaços); • Artigos devem apresentar seu título; nome(s) completo(s) do(s) autor(es), seus créditos profissionais e acadêmicos e endereços (físico e eletrônico) completos; resumo (entre cem e 150 palavras) e palavras-chave (máximo cinco) na língua de origem do texto. Devem conter, ainda, title, abstract. Ao final, obrigatoriamente, a lista de referências utilizadas no corpo do texto; • Notas servem para explicações ou esclarecimentos e não se confundem com referência à fonte; devem vir ao final do texto, com numeração sequencial em algarismos arábicos; • Unidades de medida devem seguir os padrões do Sistema Internacional de Unidades (SI), elaborados pelo Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) [www.bipm.org]; em casos excepcionais, a unidade adotada deve ser seguida da unidade expressa no SI, entre parênteses; • Palavras estrangeiras devem ser grafadas em itálico; • Neologismos ou acepções incomuns, grafe entre “aspas”; 141 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 • Trabalhos que exijam publicação de gráficos, quadros, tabelas ou qualquer tipo de ilustração devem apresentar as respectivas legendas, citando a fonte completa e sua posição no texto. Os arquivos devem ser encaminhados separadamente e, sempre que possível, no formato original do programa de elaboração (por exemplo: CAD, CDR, EPS, JPG, TIF, XLS) e as imagens, com alta definição (mínimo de 300 dots per inchs [DPIs]); para mapas ou micrografias, devem estar explícitas as marcas de escala. Para citar Há duas maneiras de citar uma fonte: direta (respeitando redação, ortografia e pontuação originais) ou indireta, na qual se usa apenas o conceito da fonte, que não aparece de forma literal ou textual. Observe: A ironia seria assim uma forma implícita de heterogenia, mostrada conforme a classificação proposta por Authier-Reiriz (1982). Oliveira e Leonardos (1943, p. 146) dizem que a “[...] relação da série São Roque com os granitos porfiróides pequenos é muito clara.” Outro autor nos informa que “[...] apesar das aparências, a desconstrução do logocentrismo não é uma psicanálise da filosofia [...]” (DERRIDA, 1967, p. 293). No caso de o trecho citado ultrapassar 210 toques (caracteres + espaços), deve-se adotar recuo e justificação do parágrafo, sem o uso de aspas e em tamanho 10. Observe: A teleconferência permite ao indivíduo participar de um encontro nacional ou regional sem a necessidade de deixar seu local de origem. Tipos comuns de teleconferência incluem o uso da televisão, telefone, e computador. Através de áudio-conferência, utilizando a companhia local de telefone, um sinal de áudio pode ser emitido em um salão de qualquer dimensão [...](NICHOLS, 1993, p. 181). Para referenciar Ao referenciar uma fonte, atente à ordem dos elementos, à pontuação e, principalmente, às informações essenciais que devem ser fornecidas e, sempre 142 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 que possível, informe se a fonte está disponível eletronicamente (on-line). Observe: Livro Os elementos essenciais são: autor(es) do livro, título do livro, edição, local, editora e data da publicação. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 29 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. Livro (parte) Os elementos essenciais são: autor(es) da parte, título da parte, autor(es) do livro, título do livro, edição, local, editora, data da publicação e intervalo de páginas da parte. DERENGOSKI, P. R. Imprensa na Serra. In: BALDESSAR, M. J.; CHRISTOFOLETTI, R. (Org.). Jornalismo em perspectiva. 1. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2005. p. 13-20. Livro (meio eletrônico) Os elementos essenciais são os mesmos do livro ou da parte do livro, porém acrescidos do endereço eletrônico e data de acesso (se o meio for on-line). ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1. ed. São Paulo: Virtual Books, 2000. Disponível em <http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/download/Memorias_Postuma s_de_Bras_Cubas.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2004. FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário Aurélio. 3. ed. São Paulo: Positivo, 2004. 1 CD-ROM. Periódico (parte) Os elementos essenciais são: autor(es) da parte, título da parte, título do periódico, local, fascículo (número, tomo, volume etc.), intervalo de páginas da parte e data da publicação. BIARNÈS, J. O significado da escola nas sociedades do século XXI (o exemplo da escola francesa). EccoS – Revista Científica, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 107-128, jul./dez. 2004. 143 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Periódico (meio eletrônico) Os elementos essenciais são os mesmos da parte do periódico, porém acrescidos do endereço eletrônico e data de acesso (se o meio for on-line). BIARNÈS, J. O significado da escola nas sociedades do século XXI (o exemplo da escola francesa). EccoS – Revista Científica, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 107128, jul./dez. 2004. Disponível em: <http://portal.uninove.br/marketing/cope/pdfs_revistas/eccos/eccos_v6n2/ecc osv6n2_jeanbianes_traddesire.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2004. Trabalho acadêmico Os elementos essenciais são: autor(es) do trabalho acadêmico, título do trabalho acadêmico, data da apresentação, definição do trabalho (dissertação, monografia, tese etc.), titulação visada, instituição acadêmica (incluindo escola, faculdade, fundação etc.), local e data da publicação. DE NIL, L. F.; BOSSHARDT, H-G. Studying stuttering from a neurological and cognitive information processing perspective. In: WORLD CONGRESS ON FLUENCY DISORDERS, 3., 2001, Nyborg. Annals... Nyborg: IFA, 2001. p. 5358. HARIMA, H. A. Influência da glucana na evolução do lúpus murino. 1990. Tese (Doutorado)-Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 1990. XAVIER, E. F. T. Qualidade nos serviços ao cliente: um estudo de caso em bibliotecas universitárias da área odontológica. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação)-Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. Observação: Na elaboração destas normas editoriais, foram consultados os seguintes documentos da ABNT: NBR 6023, NBR 6024, NBR 6027, NBR 6028, NBR 6034, NBR 10520, NBR 10522, NBR 10525, NBR 12256. Ao submeter o artigo, utilize os campos: 144 Cadernos de pós-graduação ISSN 2525-3514 Política de Privacidade Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou à terceiros. 145