Cadernos de pós-graduação
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ISSN eletrônico: 2525-3514
Cadernos de Pós-Graduação
São Paulo
nº 13
p. I - 173
jan./dez. 2014
1
Cadernos de pós-graduação
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© 2014 – Universidade Nove de Julho (Uninove)
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Eduardo Storópoli
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Revista Cadernos de PósGraduação
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Conselho editorial:
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Álvaro Acevedo Tarazona – UDES [Colômbia]
Amarílio Ferreira Junior – UFSCar [Brasil]
André Paulo Castanha – UNIOESTE [Brasil]
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Silvio Gallo – Unicamp [Brasil]
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Equipe Editorial
Diretor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
José Eustáquio Romão, Universidade Nove de Julho, Brasil
Diretor do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais
(PROGEPE)
Jason Ferreira Mafra, Universidade Nove de Julho, Brasil
Editores
Carlos Bauer, Universidade Nove de Julho, Brasil
Ligia de Carvalho Abões Vercelli, Universidade Nove de Julho, Brasil
Analista Editorial
Juliana Aparecida Cezario, Universidade Nove de Julho, Brasil
Projeto Gráfico e Composição
João Ricardo Magalhães Oliveira, Universidade Nove de Julho, Brasil
Cássio Diniz Hiro, Universidade Nove de Julho, Brasil
Revisão
Carlos Coelho
Cadernos de pós-graduação é uma publicação acadêmica, do Programa de PósGraduação em Educação (PPGE) e do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas
Educacionais (PROGEPE), da Universidade Nove de Julho (Uninove), de acesso aberto
e gratuito. Cadernos se propõe a divulgar estudos e resultados de pesquisas
pertinentes às questões educacionais de forma ampla e em diálogo com as demais
áreas humanas e sociais, realizadas por alunos e professores, desenvolvidos nos
programas de pós-graduação stricto sensu nacionais, estrangeiros e de outras
organizações preocupadas com a produção do conhecimento científico.
REPRODUÇÃO AUTORIZADA, DESDE QUE CITADA A FONTE
A instituição ou qualquer dos organismos editoriais desta publicação não se
responsabilizam pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos textos, de inteira
responsabilidade de seu(s) autor(es).
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Sumário / Contents:
Editorial / Editor’s note
Ligia de Carvalho Abões Vercelli, Carlos Bauer
Dossiê temático – Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
Themátic dossier – Manifest of the Pioneers of the New School
Ciência, técnica e filosofia: refletindo sobre o ideário filosófico
do Manifesto dos Pioneiros
Science, Technique and Philosophy: reflecting on the philosophical
ideas of Pioneers Manifest
Antonio Joaquim Severino
Fernando
de
Azevedo:
“História
de
minha
vida”
–
apontamentos do processo civilizador de Norbert Elias
Fernando de Azevedo: "of my life story" / notes process civilizing of
Norbert Elias
Roberto Marin Viestel
Supervisão no ensino de psicologia: aspectos históricos
Supervision in the teaching of psichology: historical aspects
Elaine T. Dal Mas Dias
Ideário da Escola Nova e nacionalismo: elementos para a
escrita da história de instituições escolares primárias de Santa
Catarina
Ideal of New School and nationalism: elements for writing a history of
the primary educational institutions of Santa Catarina
9
11
13
23
33
47
Ademir Valdir dos Santos, Ana Paula da Silva Freire, Elcio Cechetti
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A presença da interculturalidade no Manifesto dos Pioneiros da
Educação
The interculturality presence in Education Pioneers Manifest.
Francisca Eleodora S. Severino
A história de um instituto público na formação de professores
(1946-1979)
History of a teachers education public institution (1946-1979)
Lúcia Tavares Nascimento, Jaqueline Castilho Moreira
Movimentos sociais: relação com a luta pela instituição do
cargo de coordenador pedagógico nas EMEIS paulistanas –
1983-1989
Social movements: related to the strugle for the institution of
pedagogical coordinator as a legal profession in public schools called
EMEIS in São Paulo between 1983-1989
Marie Rose Dabul
O currículo de língua portuguesa da Secretaria Estadual de
Educação de São Paulo para ciclo I do ensino fundamental
The curriculum of portuguese language the Secretary of Education of
the São Paulo state for the cycle I of the elementary school
Sheila Moreschi Campos de Souza
Pareceristas Ad hoc – 2014
Instruções para os autores / Instructions for authours
67
81
99
121
139
140
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Editorial
Editor’s note
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Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova
Manifest of the Pioneers of the New School
H
istória e atualidade do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi a
temática escolhida para esse número dos Cadernos de pós-graduação.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, tornado público em 1932,
é por muitos considerado um dos principais alicerces da organização da
educação pública, preconizando sua reconstrução, com a conformação de
dispositivos políticos e institucionais que haveriam de assegurar sua
democratização e transformação num direito inalienável da população
brasileira no itinerário de sua modernização.
Os Pioneiros trouxeram à tona os problemas sociais postos para todos
aqueles que procuravam compreendê-los, estavam comprometidos com a sua
superação e entendiam que a consagração da escola pública, laica e gratuita
para todos era uma tarefa histórica que não poderia ser mais adiada como
fator decisivo para a consolidação da democracia no Brasil.
Desde então, o interesse pelo Manifesto não cessou. Seus aspectos
históricos, políticos, legislativos, institucionais, suas preocupações com a
formação dos professores e a importância da defesa da educação pública e
gratuita presentes nesses escritos permanecem suscitando um sem número de
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Cadernos de pós-graduação
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produções acadêmicas. Com essa compreensão e a disposição de retomá-lo
criticamente, organizamos o presente volume dos Cadernos, versando sobre a
História e atualidade do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, cientes de
que muitos dos seus desafios e contradições sociais continuam na ordem do
dia, como apresentam os artigos dos autores que acolheram ao nosso
chamado. São eles: Ciência, técnica e filosofia: refletindo sobre o ideário
filosófico do Manifesto dos Pioneiros, de Antonio Joaquim Severino;
Fernando de Azevedo: “História de minha vida” – apontamentos do
processo civilizador de Norbert Elias, de Roberto Marin Viestel;
Supervisão no ensino de Psicologia: aspectos históricos, de Elaine T. Dal
Mas Dias; Ideário da Escola Nova e nacionalismo: elementos para a
escrita da história de instituições escolares primárias de Santa
Catarina, de Ademir Valdir dos Santos, Ana Paula da Silva Freire e Elcio
Cechetti; A presença da interculturalidade no Manifesto dos Pioneiros
da Educação, de Francisca Eleodora S. Severino; A história de um instituto
público na formação de professores (1946-1979), de Lúcia Tavares
Nascimento e Jaqueline Castilho Moreira; Movimentos sociais: relação com
a luta pela instituição do cargo de coordenador pedagógico nas EMEIs
paulistanas (1983-1989), de Marie Rose Dabul e O currículo de língua
portuguesa da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo para ciclo
I do ensino fundamental, de Sheila Moreschi Campos de Souza.
Boa leitura a todos.
Ligia de Carvalho Abões Vercelli
Carlos Bauer
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DOSSIÊ TEMÁTICO –
Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova
Thematic dossier –
Manifest of the Pioneers of the New School
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CIÊNCIA, TÉCNICA E FILOSOFIA: REFLETINDO SOBRE O IDEÁRIO
FILOSÓFICO DO MANIFESTO DOS PIONEIROS
SCIENCE, TECHNIQUE AND PHILOSOPHY: REFLECTING ON THE
PHILOSOPHICAL IDEAS OF PIONEERS MANIFEST
Antonio Joaquim Severino
Uninove/Feusp
E-mail:
[email protected]
Resumo: O Manifesto dos Pioneiros, cujos 80 anos estamos a comemorar, tornou-se
uma significativa referência na configuração da trajetória da educação brasileira, não
só como bom registro de um de seus momentos históricos mais marcantes mas
também como embate de posicionamentos filosóficos que expressaram o ideário da
educação nacional. Nesse duplo movimento, ele retrata a transição da sociedade
brasileira que estava passando de uma etapa de sociedade tradicional, ensaiando seu
ingresso na modernidade, ao mesmo tempo que se apresentava como um novo
discurso teórico a enunciar e legitimar a fase moderna. O presente ensaio, tomando
emprestadas as categorias de ideologia e de utopia, de Mannheim, propõe-se fazer
uma retomada sintética do ideário filosófico dessa obra, com o objetivo de explicitar, a
partir de seu discurso, os elementos que foram revolucionários no momento histórico
de sua publicação, a sua mutação em ideologias e suas forças transformadoras, ou
seja, sua utopia.
Palavras-chave: Manifesto dos Pioneiros. Ideologia. Utopia. Educação Nova.
Abstract: The Pioneers Manifest, whose 80 years we are celebrating, became a
significant reference in setting the trajectory of Brazilian education, not only as a good
record of one of its most important historical moments but also as a clash of
philosophical positions that expressed ideas of national education. In this double
movement, it portrays the transition of Brazilian society that was changing from a
traditional society stage, rehearsing his entry into modernity, while presented itself as
a new theoretical discourse to articulate and legitimize the modern stage. This essay,
borrowing the Mannheim‟s categories of ideology and utopia, proposes to make a
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synthetic resumption of philosophical ideas that work, in order to explain, from his
speech, the elements that were revolutionary in the historic moment of its publication,
its changing ideologies and their transformative forces, ie their utopia.
Keywords: Pioneers Manifest. Ideology. Utopia. New Education.
Introdução
E
m que pesem as dificuldades em se articular um consenso entre 26
intelectuais diferentes entre si, bem como de assegurar a um documento
escrito a representatividade de todo um momento histórico, o Manifesto
traduz um espírito comum, o que lhe possibilita se apresentar como um
discurso à nação inteira, a seu governo e a seu povo. Se, de um lado, é
sempre difícil e inseguro pretender que um documento elaborado por um
pequeno grupo represente todo um momento histórico de uma sociedade
extremamente complexa – qualquer grupo interno é sempre pequeno frente ao
todo social –, de outro, é igualmente difícil conseguir um consenso entre os
membros de um grupo, certamente ciosos de sua autonomia de pensamento.
Nesta apresentação, pretendo tão somente fazer uma retomada do
ideário filosófico do Manifesto, tal qual se encontra expresso no texto, com a
finalidade de explicitar aqueles aspectos que avalio como posições datadas,
marcadas pelo momento em que foram assumidas e o que considero
mensagens que não perderam sua força inspiradora. Para tanto, vou tomar
emprestadas duas categorias trabalhadas por Mannheim (1976) em sua
sociologia do conhecimento: as categorias de ideologia e de utopia. Sirvo-me
da categoria de ideologia total, tal como esse autor a trabalha em sua teoria
da ideologia, cuja tarefa, segundo ele, é “[...] a de desvendar os enganos e
disfarces mais ou menos conscientes dos grupos de interesses humanos”
(MANNHEIM, 1976, p. 287). Trata-se daquela estruturação mental em sua
totalidade “[...] tal como se dá nas diferentes correntes do pensamento e
grupos históricos” (MANNHEIM, 1976, p. 288), ou o conjunto das
características e a composição da estrutura total da mente de um época ou de
um grupo histórico-social. Uma concepção mais inclusiva, uma cosmovisão
total, incluindo um aparato conceitual e valorativo, decorrente da vida coletiva.
É o todo do modo de ver de um grupo social enquanto tal. Trata-se de ideias,
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conceitos e valores determinados pelas condições situacionais dos sujeitos que
os pensam.
Por outro lado, a esse modo de pensar ideológico, Mannheim contrapõe o
modo do pensar utópico: embora ideologia e utopia estejam igualmente em
descompasso com a realidade, elas diferem no fato de que a utopia tem força
de transformação social, na medida em que na sua apreensão do real ocorre
um desacordo em relação a ele, enquanto que a ideologia só tende a ocultar,
sobretudo para conservá-lo, para reproduzir o sistema de organização social. A
utopia pretende fecundar uma práxis política projetada num futuro, ainda não
existente (SEVERINO, 1986, p. 14). Proponho-me então a fazer um exercício
de leitura, a partir do lugar da filosofia da educação, do texto do Manifesto,
destacando e distinguindo aqueles posicionamentos que considero marcados
pelas dimensões ideológica e utópica; ou seja, aqueles elementos que refletem
imediatamente as condições histórico-sociais da época em que foi escrito,
condições que se expressam no seu conteúdo explícito e implícito e aqueles
que traduzem um potencial revolucionário aspirando uma vontade de
transformação da realidade existente e que, como tal, podem manter um
potencial de atualidade.
Cabe alertar que, quando se fala de ideologia e de utopia, não se está
falando de um novo tipo ou categoria de ideias, análogas ou distintas das
ideias filosóficas ou científicas. Ideologia e utopia são modos como as ideias,
sejam elas filosóficas, científicas, teológicas, estéticas etc. são usadas pela
nossa subjetividade. Por isso, o mais adequado seria falarmos dos usos
ideológicos e utópicos do pensamento.
Por outro lado, cabe ainda ressaltar que, em ambos os casos, o discurso
direto está acenando para mudanças, o apelo é sempre na direção de uma
transformação de uma suposta ordem, considerada inadequada, carente de
mudança. Veja-se como o Manifesto insiste na reconstrução educacional,
reportando-se sempre a uma situação real concreta considerada insuficiente
para atender as exigências sociais e culturais daquela determinada época
histórica. Ideologias e utopias atuam como forças mobilizadoras, têm forte
apelo para a ação, para a intervenção no social.
Isso nos leva ainda a ter de esclarecer que um determinado pensamento
pode ser, num primeiro momento, prenhe de representação e de força
utópicas, transformando-se, em seguida, em pensamento puramente
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ideológico, tornando-se força de conservação do status quo, tudo dependendo
das condições históricas concretas. Como bem nos lembra Ozai da Silva (2009,
p. 1):
Numa época em que predominava a sociedade feudal e a
ideologia da nobreza e do clero era seu sustentáculo, as ideias
liberais diziam respeito ao “não-existente”, à transformação da
ordem social tradicional e sua superação pelo liberalismo, pela
ordem social do Capital. O liberalismo foi revolucionário e,
portanto, utópico. Mas tão logo derrotou o feudalismo e
conquistou seu espaço, tornou-se uma ideologia conservadora e
perdeu seus traços utópicos.
É sob esta perspectiva que revisito o Manifesto, procurando explicitar, a
partir de seu discurso, os elementos que foram revolucionários naquele
momento histórico, a sua mutação em ideologias e suas forças
transformadoras, sua utopia.
Uma nova sociedade com uma nova educação: a proposta
Feito o balanço da precária condição cultural e educacional do país, ao
longo da Primeira República, os Pioneiros – como serão reconhecidos e
designados pela historiografia posterior – reclamam uma reconstrução da
educação nacional ao mesmo tempo que apresentam seus fundamentos
filosóficos, seus métodos e estratégias políticas e administrativas. Os Pioneiros
partem reafirmando uma premissa forte, a da relevância fundamental da
educação, da qual a sociedade brasileira ainda não teria se dado a devida
conta. Era por isso que não lograra “[...] criar um sistema de organização
escolar, à altura das necessidades do país” (p. 1). Tudo está fragmentário e
desarticulado. Trata-se até mesmo de uma inorganização e não propriamente
de desorganização. Afinal, para que algo possa estar desorganizado, era
preciso que existisse algo antes... O motivo que salta aos olhos é a falta de
espírito científico e filosófico, pois tudo é conduzido por um empirismo
grosseiro. Ressente-se então a ausência de uma cultura universitária sólida e
consistente. Mas é chegada a hora para um grupo representativo de lideranças
intelectuais assumir o lançamento de um movimento de reconstrução
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Cadernos de pós-graduação
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educacional que terá por fundamentos uma nova visão da relação do homem
com a sociedade e o trabalho como centralidade da vida social.
O primeiro momento é, pois, de diagnóstico da situação da educação
brasileira após os 43 anos da primeira República. A educação é considerada o
mais relevante dos problemas nacionais, dada sua implicação reciprocamente
condicionante dos problemas econômicos e sociais. Na base da inorganização
que impera, está a falta da determinação dos fins da educação (aspecto
filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos ao
tratamento dos problemas administrativos da educação. Impõe-se uma
cultura, particularmente universitária, que não fosse apenas literária, leia-se,
retórica, bacharelesca, metafísica. Pois quando se trata de educação, é preciso
não perder de vista sua intervenção na vida real. Precisa então recorrer “[...] a
técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando
experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos
processos e nas técnicas, que se desenvolvem sob o impulso dos trabalhos
científicos na administração dos serviços escolares”.
Estas são as verdades e esses os novos ideais da educação que
fecundam o movimento de reconstrução educacional que se propõe. Espera-se
então recuperar o tempo perdido, alcançar as metas já atingidas pelos países
hispano-americanos, nossos vizinhos, e acompanhar o desenvolvimento
tecnológico e industrial já ocorrido.
O axioma de base: pode-se ser tão científico no estudo e na resolução
dos problemas educativos, como no caso dos problemas da engenharia e das
finanças, como já o comprovam algumas reformas realizadas com espírito
científico.
Seus méritos históricos
Formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento de
reconstrução educacional da nação, fundado num diagnóstico crítico da
precária
condição
da
educação
nacional
e
lançando
referências
epistemológicas, políticas, administrativas e pedagógicas para essa
reconstrução, é uma iniciativa de grande mérito histórico.
Procede a crítica à fragmentação e à falta de organicidade das reformas,
reivindicando a constituição do sistema nacional de educação, acenando para a
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necessidade do planejamento, de uma administração mais consistente para a
educação.
Sem dúvida, representou significativamente um grande avanço, político e
pedagógico. Político, ao reivindicar um papel preponderante para a educação
na construção da civilização nacional, mostrando sua importância para colocar
a cultura brasileira à altura da modernização e da democratização que vinham
ocorrendo no mundo ocidental. Pedagógico, por explicitar bem os equívocos da
educação tradicional, superando as marcas metafísicas que presidiam a
filosofia da educação hegemônica até então, decorrência da impregnação da
religião, via o jesuitismo imperante. O Manifesto, quanto a sua perspectiva
pedagógica, foi o porta-voz e mediação importante dos paradigmas da Escola
Nova, com tudo que ela representou para o avanço da educação no século XX.
Suas ilusões ideológicas
Mas todos esses propósitos estão envoltos num véu de ideias e valores
que perdem sua objetividade e universalidade, na medida em que se vinculam
a interesses das classes sociais que tecem a sociedade naquele momento
histórico. Passam a ter então um peso ideológico. Por isso mesmo, implicam
uma segunda leitura, implícita no discurso explícito.
Assim, a ênfase dada à exigência da filosofia, que é muito valorizada,
mas ela é concebida de uma forma reducionista. Ela é identificada com a
perspectiva do cientificismo, no lastro da tradição positivista. Até por
entenderem seus autores que a filosofia de cada época é o saber possível para
cada sociedade histórica, endossam a convicção comtiana e assumem que só
então a cultura brasileira estava chegando ao estágio do espírito positivo. Não
sem razão os pensadores que são chamados a referendar as posições
assumidas situam-se todos, à óbvia exceção de Fichte, no universo do ideário
positivista, seguidores de Durkheim, tais como Gustave Belot (1859-1929),
Georges David (1883-1976), Céléstin Bouglé (1870-1940), John Merle Coulter
(1853-1943), Paulsen e Alberto Torres (1865-1917). O que se crê e se
apregoa é que tanto a sociedade como a escola é um organismo vivo,
composto de grupos e indivíduos que devem viver uma comunidade onde pulsa
a vida. Essa incorporação do ideário positivista vem reforçada pelo
pragmatismo deweyano, sobretudo graças a Anísio Teixeira, cujo espírito
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perpassa toda a cultura pedagógica brasileira daquele momento. Essa
fundamentação, embora represente uma força transformadora naquele
período, acaba levando a uma cosmovisão ideológica da educação e da escola,
vistas então como potências de adaptação, de incorporação dos indivíduos às
estruturas sociais, no nosso caso, às novas configurações que o capitalismo
industrial estava introduzindo no país, desde as primeiras décadas do século
XX. Também Decroly, Kilpatrick e Kerschensteiner são inspiradores dos
signatários do Manifesto (CURY, 1978, p. 21).
O discurso do Manifesto também valoriza o trabalho, atribuindo-lhe
grande relevância na vida social e cobrando da educação um compromisso
sistemático com a preparação dos indivíduos para ele.
Como bem o mostra Cury (1978, p. 25), em seu estudo seminal,
[...] a versão ideológica dos Pioneiros representa a adaptação da
política educacional ao processo econômico gerado pelas novas
forças produtivas, bem como a adaptação do capitalismo
dependente periférico pela reforma educacional dentro do
processo de urbanização. [Para tanto], ela abria, de alguma
forma, às camadas médias e às classes populares maiores
oportunidades de acesso à escola.
Estamos diante do delineamento de um projeto civilizatório para a
sociedade brasileira, com um ideal republicano de organização social e da
educação, concebida como laica, universalizante e democrática, de uma
perspectiva liberal. Mas na verdade o que realmente se tem em vista é a
criação de dois modelos educacionais que atendam os interesses
socioeconômicos do capitalismo industrialista emergente da sociedade
brasileira, uma para a elite, outra para a classe trabalhadora.
Do mesmo modo, o discurso do Manifesto confunde organicidade com
totalidade. A primeira ideia arrasta consigo a mecanicidade da trama social,
dando uma visão organicista da sociedade, arrastando uma visão muito
vitalista da educação, para não dizer biologista.
Seu modo de ver a trama social implica uma hierarquia das capacidades
que fica bem longe de uma hierarquia democrática.
As sementes da utopia
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Mas o reconhecimento desses comprometimentos ideológicos não diminui
o valor do Manifesto para a sociedade e para a educação do país. Ele tem
ainda uma dimensão utópica, na medida em que tocou em pontos vitais do
processo civilizatório desta nossa sociedade concreta. São aquelas referências
que transcendem as peculiaridades específicas de cada contexto históricosocial concreto, acenando para as demandas que transcendem a
temporalidade imediata. São ideais que podem ainda mobilizar essa mesma
sociedade na construção de seu destino histórico. Ideais que não são datados e
que demandam outras configurações nas mudadas condições da atualidade.
Assim, a afirmação da importância do conhecimento,
ferramenta
fundamental para a busca dos sentidos que vão nortear os rumos da história.
Mas agora, sem reduzi-lo a uma forma tecnicizada, sem reduzi-lo à sua
formatação científica, sem se perder nas ilusões de um racionalismo
experimentalista, naturalista e formalista. Um conhecimento capaz de
incorporar em seu processo o espectro amplo das sensibilidades humanas.
A afirmação da centralidade do trabalho é outro direcionamento utópico
de extrema validade para as concepções e as práticas que devem desenhar
nossa existência atual. Trabalho a ser repensado e não mais reduzido à
pragmática habilitação para um mercado de trabalho, que, na verdade, estava
a serviço de uma ordem social nada democrática e extremamente injusta.
A defesa inconteste da solidariedade social, a ser vivenciada e praticada
não como mera organicidade mecânica dos indivíduos para uma pseudo ordem
social, mas como decorrência da comunidade dos nossos destinos históricos.
Por isso mesmo, é inspiradora e fecundante a concepção republicana de
governança política, com as implicações de laicidade, universalidade e
gratuidade da educação pública de qualidade e consistência.
A coerente visão de que toda educação deve estar compromissada
radicalmente com o cultivo do conhecimento competente, crítico e criativo;
com a construção da solidariedade social, universalizada e planetária e com o
estabelecimento de uma relação menos depredadora com a natureza, com a
revisão da própria condução do trabalho, tratando a natureza como oikos e
como placenta de todos os homens.
Estes ideais utópicos desenham metas que ainda precisam ser
estipuladas e conquistadas pela sociedade brasileira. Ao terem delineado seu
20
Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
projeto de reconstrução educacional, há oitenta anos atrás, os Pioneiros nos
deixam um precioso legado, sementes fecundas à espera de terra fértil.
Referências
CURY, Carlos R. J. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São
Paulo: Cortez & Moraes, 1978. (Educação Contemporânea).
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
MELO, Simone P. de. Manifesto dos pioneiros da educação nova:
perspectivas
da
Pedagogia
social
no
Brasil?
Disponível
em:
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/
arquivos/File/2010/artigos_teses/Pedagogia/manifesto_artigo.pdf>.
Acesso em: 16 ago. 2015.
SEVERINO, Antonio J. Educação, ideologia e contra-ideologia. São Paulo:
EPU, 1986.
SILVA, Antonio O. da. Ideologia e utopia. Revista Espaço Acadêmico,
Maringá, n. 96, maio 2009.
21
Cadernos de pós-graduação
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FERNANDO DE AZEVEDO: “HISTÓRIA DE MINHA VIDA”
APONTAMENTOS DO PROCESSO CIVILIZADOR DE NORBERT ELIAS
FERNANDO DE AZEVEDO: "OF MY LIFE STORY"
NOTES PROCESS civilizing OF NORBERT ELIAS
Roberto Marin Viestel
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de
Minas, Campus Inconfidentes, MG
E-mail:
[email protected]
Resumo: O presente trabalho é uma leitura da obra “História de Minha Vida”, de
Fernando de Azevedo, sob a perspectiva do processo civilizador de Norbert Elias.
Trata-se de uma análise que parte da percepção de que os acontecimentos – além das
questões econômicas – têm implicações políticas e emocionais. Fernando de Azevedo,
homem político por natureza e de percepção jesuítica apurada, envolve-se
emocionalmente com cada questão que discorre ao longo de sua autobiografia, de
riquíssima contribuição para a história da educação brasileira e leitura obrigatória para
todos aqueles que se dedicam às questões educacionais.
Palavras-chave: Educação. Processo civilizador. Fernando Azevedo.
Abstract: This work is a reading of the work "History of My Life " by Fernando de
Azevedo , from the perspective of Norbert Elias Civilizing Process. This is an analysis
of the perception that the events - beyond economic issues - have political and
emotional implications . Fernando de Azevedo, a politician by nature and Jesuitical
perception accurate, it is emotionally involved with each question that runs
throughout his autobiography, the rich contribution to the history of Brazilian
education and required reading for all those who are dedicated to educational issues .
Keywords: Education. Civilizing process. Fernando Azevedo.
Das Memórias provenientes de homens públicos ou de escritores
(que são raras, as de cientistas) e de sua confrontação, ressalta
sempre um pouco mais de luz sôbre a história de que
participaram como espectadores atentos ou atôres de maior ou
menor projeção. (AZEVEDO, 1971, p. XVI).
23
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A
dquiri a primeira edição de “Fernando de Azevedo: História de Minha
Vida” (AZEVEDO, 1971) em um site que reúne sebos de todo o Brasil,
por nove reais e noventa e nove centavos, frete a cinco reais. Como
amante dos livros, primeiro fiquei feliz pelo valor da compra para, em seguida,
sentir uma pontada de remorso de que a cultura do país – denunciada tantas
vezes ao longo da obra de um dos maiores educadores brasileiros – ainda anda
capenga, sobretudo em plena era informacional. Para minha surpresa maior,
vários títulos publicados por Azevedo, mais de vinte, encontram-se vendidos a
“preço de bananas”, o que revela, no mínimo, uma “desatenção” de pedagogos
e estudiosos da educação do país, mas, por outro lado, é uma oportunidade de
ouro para aqueles que desejam ler e ter vários títulos da obra de um dos
maiores reformadores da educação do Brasil.
O latim era um dos idiomas que Fernando de Azevedo dominava e usava
com frequência em seus escritos; então, oratio vultus animi est (o discurso é o
rosto da alma) pode ser uma forma de entendermos que a sua autobiografia
revela mais do que uma reflexão pessoal sobre tudo o que acorreu à sua volta
e a educação do Brasil. Trata-se de uma descrição que revela o homem de seu
tempo, de uma retidão político-moral, daqueles que podemos classificar como
um “grande brasileiro”, educador reformador, sociólogo, político, pai de
família, jornalista, escritor, professor – no que há de mais de sentido pleno da
palavra – enfim, alguém que pensava, em primeiro lugar, pro Brasilia fiant
eximia (pelo Brasil seja feito o melhor).
Norbert Elias (2001, p. 16), em A Solidão dos Moribundos, refletindo
sobre a morte, enfrentada por nós humanos, diz que “[...] uma maneira
familiar de tornar suportáveis as angústias infantis sem ter que enfrentá-las é
imaginar-se imortal. Isso assume muitas formas”. Entendo que a obra em
questão, de Fernando de Azevedo, está entre estas angústias, tal a maneira
como o autor descreve sua vida, tendo a devida consciência de sua
importância para a história da educação do Brasil e a imortalidade de uma
autobiografia, enfrentada na altura de seus 77 anos. Autobiografia que foi
indicada para o prêmio Juca Pato, como “intelectual do ano”, em 1971,
promovido pela União Brasileira de Escritores, perdendo para o escritor José
Montello, causando grande agitação nos meios intelectuais.
História da Minha Vida é dividida em nove partes, sendo as primeiras
uma lembrança de seu tempo alegre de aventuras a cavalo na infância e
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adolescência, ainda nas Minas Gerais, já que é natural de São Gonçalo do
Sapucaí, nascido a 02 de abril de 1894 (faleceu em 17/09/1974). Logo no
início da obra, Azevedo (1971, p. XV) reflete sobre a memória, dizendo: “Tanto
mais vivos quanto mais distantes os tempos que recordamos, porque na
memória, fugaz e traiçoeira, o que costuma apagar-se mais depressa, são os
fatos mais recentes”. Talvez pelo fato de Fernando ter perdido dois filhos em
um intervalo de dois anos, em 1969, com a morte de Fábio e, em 1971, com a
morte de sua filha Lívia, revele que o fato mais recente o faça jogar-se na
lembrança como fuga do presente. Quanto a este fato, Norbert Elias (2001, p.
41) nos diz que “[...] a única maneira pela qual uma pessoa morta vive é na
memória dos vivos”. A decisão de publicar sua autobiografia passa pela
questão da imortalidade através da escrita. Norbert Elias (2001, p. 73) diz que
“As pessoas experimentam os eventos que lhes acontecem como sendo
significativos ou não, como tendo ou não sentido”.
A vida de Fernando de Azevedo é marcada de grandes personagens
brasileiros, a começar pelo seu avô, carioca, vizinho e amigo de D. Pedro II na
Quinta da Boa Vista e um dos acionistas da Companhia de Bondes, a tração
animal, no Jardim Botânico. Seu pai, em uma viagem de caça ao Sul de Minas,
conhece sua mãe e casa-se logo em seguida. Interessante que, ao longo a sua
autobiografia, Fernando utiliza-se do artifício de valorizar sua vida com
personagens e intelectuais que conviveram de uma maneira ou outra com ele.
Aqui ele inicia sua narrativa citando D. Pedro II, acolá descreverá estes
personagens dando juízos de valor a estes; assim, quando fala de pessoas
importantes, as cita como amigo de um Almeida Júnior, de um Armando Sales
de Oliveira, de um Júlio de Mesquita, ao passo que, quando quer atacar os
inimigos e desavenças em geral, não utiliza do mesmo recurso e procura
colocar o objeto do enfrentamento em palavras duras, porém cordiais, de
denúncia e depreciação. Neste sentido, Elias (1997, p. 39) nos diz que
Eles (os cientistas sociais) não podem deixar de participar nas
questões políticas e sociais da sua época e dos grupos em que
estão inseridos, assim como não conseguem evitar ser afectados
por elas.
Fernando de Azevedo, antes de estudar com os jesuítas e ter –
certamente – sua melhor formação intelectual promovida por uma ordem
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tradicional e famosa pela dedicação aos estudos, estudou no Colégio Francisco
Lentz, em São Gonçalo do Sapucaí. Ali, descreve o inspetor de alunos
apelidado pela meninada de “Chico Burro”, que freqüentemente apelava para a
força física. Não descreve nenhuma palavra de ataque a este tipo de ensino em
sua autobiografia, porém, encerra o capítulo dizendo que os servidores eram
pouco compreensivos, reconhecendo, ao nosso entendimento, que a ignorância
do castigo físico só pode ser interpretada como um desvio de quem não
entende, não pode e nem poderia ser um educador. Entretanto, foi esta a
realidade do país durante muitos anos, lembrado ainda, pelos nossos pais e
avós. Aqui, Fernando agradece à própria senhora D. Belmira Francisco Lentz e
à sua prima Marita como salvadoras do menino “arteiro” que vivia fugindo dos
castigos físicos pelas travessuras aprontadas. Interessante que o
distanciamento dos fatos leva Fernando de Azevedo a apresentar-se com ar
nostálgico, revelando que envolvimento e distanciamento são faces da mesma
moeda. Segundo Elias (1997, p. 17-18),
[...] a possibilidade de uma vida colectiva organizada baseia-se
na combinação do impulso de distanciamento com o impulso de
envolvimento no comportamento e pensamentos humanos;
impulsos esses, que se controlam mutuamente.
Na terceira parte de História da Minha Vida, Fernando de Azevedo
descreve sua passagem pelo jornalismo, iniciando sua carreira no jornal
Correio Paulistano (representante das ideias do Partido Republicano Paulista),
como “escrevinhador de notícias” (falecimentos, aniversários, etc.), até ocupar
funções mais nobres no mesmo e ir, finalmente, para O Estado de São Paulo.
Segundo ele “[...] o que me ficou do Correio Paulistano, foi, sobretudo, a
lembrança de um convívio em que todos, tão diferentes uns dos outros, nos
tratávamos como iguais” (AZEVEDO, 1971, p. 64). Mas, o que mais nos
chamou atenção nesta fase de sua vida é a sua paixão pelos livros, quando
percorria as livrarias da cidade de São Paulo nos anos vinte, precisamente
entre 1917 e 1922. Aqui o autor descreve a Livraria Freitas Bastos e a Livraria
Garraux, ambas na Rua Quinze, assim como a Livraria Lealdade, na Rua Boa
Vista. Na Garraux, José Olympio era o gerente, quando, ao sair desta, fundou
sua própria livraria que levaria seu nome. Fernando de Azevedo descreve mais
do que sua vida através dos livros, descreve o habitus de uma geração de
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jovens burgueses e aristocratas estudantes de famílias tradicionais de São
Paulo em busca de conhecimento para alguns e de status social para muitos.
Lembramos que o idioma preferido pelos jovens intelectuais era o francês.
Assim, ler em francês era sinônimo de status. No entanto, o que nos chama
mais a atenção, ainda, é o fato de a biblioteca da Escola Normal da Praça da
República, conhecida como Escola da Praça, ter sido visitada por Azevedo já na
maturidade de sua carreira. Nela, quando atuou como professor de Sociologia,
Fernando consultava livros e levava-os, com certa frequência, para
empréstimo. Quando descreve uma visita ao então Instituto de Educação
(antiga Escola Normal), denuncia o descaso do Estado, no geral, e, das
pessoas, em particular, quanto ao abandono da biblioteca, infelizmente ainda
presentes em nossas escolas, sejam estas municipais, estaduais e, em alguns
casos, federais. “Não sei o que foi feito dessa biblioteca [referindo-se à Escola
Normal], uma das melhores do Estado, e constantemente desfalcada pela falta
de fiscalização na consulta de livros” (AZEVEDO, 1971, p. 68). Não há como
não lembrar Norbert Elias, uma vez que, em outras palavras, só haverá menor
tensão na vida social se todos gozarem das mesmas condições. Ora, nossas
bibliotecas escolares ainda funcionam como “depósito de livros velhos”,
“depósito de vídeos” e sabe-se lá mais o quê! O esforço do Estado neste
sentido tem sido grande, disponibilizando obras, realizando campanhas etc.,
porém, o que Fernando de Azevedo descreve, por volta dos anos sessenta,
ainda é uma triste realidade de muitas de nossas escolas.
A quarta, quinta e sexta parte da autobiografia de Azevedo descreve
suas lutas pela reforma da educação no Brasil nos anos trinta, relativamente
conhecidas por pesquisadores e estudantes da história da educação. O que
poucos conhecem é a descrição que Fernando faz das condições da vida
política no país, descrevendo o episódio, por exemplo, de quando quis sair
candidato a deputado estadual pelo Sul de Minas, indo procurar o então
deputado federal Francisco Bressane, que lhe informou que a indicação a
deputado estadual, pelo Partido Republicano Mineiro, só era possível com a
anuência dos coronéis Manuel Alves de Lemos, Pedro Machado ou um Vilela, os
três fazendeiros em São Gonçalo do Sapucaí (MG). Interessante porque – no
geral – temos o coronelismo como a pior prática política possível para a
democracia. Ao mesmo tempo, perdemos de referência que, embora o
coronelismo fosse uma prática usual de nossa história política, presente em
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Cadernos de pós-graduação
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muitos casos nos dias de hoje, não concebemos que eram possíveis homens
que serviram aos coronéis e que, após a vida política, saíssem sem obter
enriquecimento exorbitante, como, infelizmente, é comum em nossa república
nos dias de hoje. Assim, Fernando descreve o deputado federal Francisco
Bressane: “Tendo tido tamanho prestígio durante anos a fio – quando me
procurou, já destituído de sua posição política, era um homem pobre que
morava em modesto quarto de uma pensão do subúrbio. Um exemplo de
dignidade de vida pública” (AZEVEDO, 1971, p. 83). Norbert Elias nos ensina
que os antagonismos são filhos de sua própria época e que a sociedade é um
conjunto de indivíduos. Sendo humanos, nada seria estranho de suas atitudes!
A sexta parte de sua autobiografia é particularmente interessante para o
Estado de São Paulo, mais precisamente para a cidade, uma vez que descreve
suas relações – enquanto Secretário da Educação e Saúde do Estado – com o
interventor Ademar de Barros, figura folclórica e que inaugurou a prática,
descrita por Azevedo, do “rouba, mas faz”, posteriormente incorporado no
imaginário popular paulistano e intencionalmente ou não, capitaneado, como é
sabido, por Paulo Maluf. A prática revela as relações de poder que se davam na
alta cúpula. Assim, Ademar, interpelando Fernando de Azevedo, diz a este:
O senhor aparece ou se apresenta como vítima de meu govêrno,
mas, na verdade, é o meu carrasco”, acrescentava; “se tem
sofrido em consequência de atos e decretos de meu govêrno, não
são menores as contrariedades que temos passado com suas
reações e represálias (AZEVEDO, 1971, p. 146).
Na sequência, Fernando descreve todos os embates que teve com o
governador, para concluir esta fase de sua vida com uma avaliação do político:
“[...] num longo período de dezoito anos, ou seja, de 1947 a 1965 [...], foi-se
revelando como um dos políticos mais nocivos que registra a história de São
Paulo se não a do país” (AZEVEDO, 1971, p. 152). O professor Gebara,
refletindo sobre as interdependências, e que se encaixa perfeitamente no
contexto aqui citado, assim conclui as relações entre os indivíduos:
As interdependências construídas nas relações de indivíduos
plurais, definem-se tanto pela importância dos fatores
econômicos, quanto pela não menor importância dos fatores
políticos e emocionais. As figurações, portanto, são unidades
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sociais produzidas e reproduzidas por indivíduos, tendo em seu
desenvolvimento um forte componente não planejado, dada a
natureza processual e de longa duração. (GEBARA, 2001, p. 103).
As permanências são evidências de um processo, que estão à nossa
frente, porém, geralmente, ignoradas pelos indivíduos. “Roubar, mas fazer” é
– tristemente – uma evidência que há muito tempo faz parte da nossa prática
política enquanto povo. Triste é constatar que os entreveros que Azevedo teve
com o poder permanecem os mesmos nas interdependências construídas entre
os indivíduos.
Fernando de Azevedo descreve várias impressões que teve sobre os
políticos com os quais conviveu em suas relações de poder, bem como suas
intenções. Quando da tentativa de mais uma “conspiração tramada nas
sombras da ignorância e do preconceito, para destruir” (AZEVEDO, 1971, p.
171) a Faculdade de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo), criada por
ele e por Júlio de Mesquita Filho e Armando Sales Oliveira, Azevedo assim se
refere à crise desencadeada sobre Jânio Quadros no Governo de São Paulo e
sua desconfiança de como seria um futuro governo deste, caso tivesse obtido
êxito em sua administração na presidência do Brasil:
Essa, uma das maiores crises que sofreu Jânio Quadros, no
Governo do Estado, antes de sua eleição para a Presidência da
República, sua renúncia e sua presumível tentativa de implantar a
ditadura no país (AZEVEDO, 1971, p. 172).
As descrições dos vários políticos brasileiros que Fernando de Azevedo
faz é nota de estudos para pesquisadores, bem como a deliciosa comparação
da balança de poder (Norbert Elias) que ele, mineiro do Sul de Minas, descreve
na relação Minas e São Paulo e no jeito de governar entre os políticos destes
dois estados da federação, que geraram por um bom tempo a “política-docafé-com-leite”. Nesta parte da obra, Azevedo descreverá – após a descrição
abaixo da macro-política – suas impressões sobre Washington Luís.
A política de Minas e de São Paulo, e que dominou, por tanto
tempo, a do Brasil. Uma, a mineira, de dar tempo ao tempo, a
outra, a paulista, a de antecipar-se ao tempo. A prudência, se
não a capacidade de esperar, dos mineiros, e o avanço se não
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uma certa tendência a “dominar” os acontecimentos, mais
próprios dos paulistas. (AZEVEDO, 1971, p. 172).
Mais à frente, referindo-se a Washington Luís (o paulista de Macaé, RJ),
desfaz a imagem que a história dos bancos escolares imprimiu ao nosso expresidente, de um homem sem expressão e que não ofereceu resistência à
Revolução de 30:
Washington Luís, que eu conheci [...], era um dêsses esteios, – e
dos mais fortes, – da política paulista. Um homem, de estatura e
de qualidades varonis, que sabia o que queria e para onde devia
orientar-se. Um tipo de homem e líder político forte que não
esperava dos outros indicações do que devia fazer. (AZEVEDO,
1971, p. 172).
Vivemos uma época em que ser um homem público, honesto, cumpridor
dos seus deveres, é cada vez mais raro. Se as reformas dos pioneiros da
educação aconteceram nos anos trinta, certamente é porque foram geradas
antes da Revolução de 30, sob a administração de Washington Luís. A
historiografia apresenta o ex-presidente como um homem arbitrário, teimoso e
obstinado. Fernando de Azevedo (1971, p. 180), que trabalhou por quatro
anos com ele, apresenta-o como
[...] um homem enérgico, firme e corajoso. Mas tão
compreensivo que dispunha a apoiar (como no meu caso) contra
tudo e contra todos aquêles que se lançavam as reformas, que
julgava justas e necessárias.
Ainda como Ministro da Fazenda de Washington Luís, Azevedo teve
contato com Getúlio Vargas. Segundo ele
[...] os políticos gaúchos traziam, em suas personalidades, em
seu comportamento, e em suas técnicas políticas, marcas de suas
origens e de sua formação (AZEVEDO, 1971, p. 181).
Nas impressões do reformador, Vargas dominava pela astúcia e tinha um
temperamento frio, calculista e contemporizador; era pouco acessível às
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paixões e “[...] dizia não ter inimigos de que não pudesse fazer amigos”
(AZEVEDO, 1971, p. 183).
Seguindo as impressões de políticos, propiciadas pelas relações de
balança de poder de que participou ao longo de sua vida política como homem
público, uma, em particular, chama atenção e coloca lenha na fogueira
futebolística brasileira: o Estádio do Pacaembu, “Paulo Machado de Carvalho”,
que leva o nome deste como o grande idealizador do projeto. Azevedo (1971,
p. 213) chama para si o projeto do estádio e ataca Paulo Machado de
Carvalho, então prefeito de São Paulo:
Quem, por exemplo, teve a idéia de se construir, no Pacaembu, o
Stadium Municipal, aproveitando-se, para isso, os flancos das
duas colinas, que serviriam para as arquibancadas, fui eu mesmo,
conforme cópia do projeto que sugeri à City Improvements, e que
essa emprêsa aceitou por ser tão interessante para a população,
e os clubes de esportes, quanto para a própria City. No entanto,
apesar de ter sido eu quem sugeriu e propôs à City
Improvements tal projeto, foi êle depois aceito e executado pela
Prefeitura, como se fôra de sua iniciativa, tomando mais tarde o
nome de quem nada tinha a ver com a questão.
A partir das partes sete, oito e nove, Fernando de Azevedo vai se
tornando mais sentimental e, ao mesmo tempo, repetitivo em suas
lembranças, não sem perder o ritmo do texto e de suas histórias e estórias
engraçadas; de certa maneira, sem perder a mineiridade que caracteriza os
bons contadores de causos. Fernando, refletindo sobre a vida intelectual, se
aproxima de Norbert Elias, muito provavelmente leitor de Weber e Freud.
Tinha consciência de que a vida dos indivíduos é um conjunto de redes onde
todos os nós se interligam; assim, a vida intelectual e a vida amorosa
caminham juntas para a produção do conhecimento. Diz Azevedo (1971, p.
152):
Mas, a vida amorosa, sentimental, incitada e nutrida pelo instinto,
no que tem de mais próximo da vida animal, não só se opõe, mas
frequentemente
se
associa,
estimulando-a,
às
criações
intelectuais. Tudo, no homem, se liga e se comunica, e de tal
modo que se podem imaginar impulsos criadores, sem a
participação de tôda sua natureza.
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Referências
AZEVEDO, Fernando. Fernando de Azevedo: História de Minha Vida. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio, 1971.
ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
______. A Solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
______. Envolvimento e Distanciamento: Estudos sobre sociologia do
conhecimento. Lisboa: Dom Quixote, 1997.
GEBARA, Ademir. As Fontes de Longa Duração. Trabalho apresentado no VI
Simpósio Internacional Processo civilizador: “História, Educação e Cultura”,
UNESP, Assis, novembro de 2001.
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SUPERVISÃO NO ENSINO DE PSICOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS
SUPERVISION IN THE TEACHING OF PSICHOLOGY: HISTORICAL ASPECTS
Elaine T. Dal Mas Dias
Psicóloga, professora e pesquisadora do curso de Psicologia e do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
Integrante do Grupo de Pesquisa Educação e Complexidade - GRUPEC.
Email:
[email protected]
Resumo: Este ensaio apresenta parte do percurso da ciência psicológica desenvolvida
no Brasil pautado em estudos e pesquisas desenvolvidos por estudiosos da área e
órgãos de classe. Expõe parte do trabalho desenvolvido por Lourenço Filho, signatário
de o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e criador dos Testes ABC empregados
para determinação da maturação necessária à aprendizagem da leitura e da escrita,
além de outras obras expressivas na área da psicologia. Trata, em seguida, da
expansão do ensino universitário de cursos de psicologia, dos atos regulatórios que
oficializaram a profissão, da criação do Conselho Federal de Psicologia e dos
Conselhos Regionais e descreve o novo formato dado aos cursos com as atuais
Diretrizes Curriculares.
Palavras-chave: História da psicologia. Ensino. Supervisão.
Abstract: This paper presents part of the journey of psychological science developed
in Brazil guided by studies and research carried out by scholars in the field and class
organs. It exposes part of the work developed by Lourenço Filho, a signatory of the
Manifesto of New Education Pioneers and creator of ABC Tests used to determine the
maturity necessary for reading and writing learning, and other expressive works in the
field of psychology. Treats, then, the expansion of the university education of
psychology courses, regulatory acts that officiated the profession, the creation of the
Federal Council of Psychology and the Regional Councils and describes the current
format given to courses with the current Curriculum Guidelines.
Keywords: History of psychology. Teaching. supervision.
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Um pouco de história
A
s ideias e as conceituações relativas aos processos psicológicos básicos
estiveram dispersos na filosofia, na política, na teologia, na pedagogia e
na medicina até a estruturação e sistematização desses conhecimentos
nos laboratórios de fisiologia experimental de Wilhelm Wundt, em 1879, na
Alemanha.
Um retrato fiel dessa trajetória é apresentado em uma pesquisa realizada
por Marcos E. Pereira (2001), intitulada A História da Psicologia: Linha de
tempo das idéias psicológicas, que trata do processo de construção da
psicologia como campo de estudo e de saberes, e descreve a historiografia
cronológica dos principais acontecimentos, eventos e produções identificados
por épocas.
Outra importante peça é o material coletado pelo Conselho Regional de
Psicologia 06ª Região – CRP/SP, denominado Linha do Tempo - Projeto
Memória da Psicologia Brasileira, que tem como matéria-prima o trabalho
desenvolvido por Gomes (2003), onde estão pontuadas as origens na
Educação e na Medicina. A cena inicial trata de episódios determinantes do
incremento da ciência psicológica e da vida e carreira de alguns dos
protagonistas da área educacional, que primeiramente contribuíram para o
desenvolvimento científico do saber psicológico, a saber:
– Plínio Olinto (1886-1956), que traçou um panorama abrangente no
volume A Psicologia Experimental no Brasil e foi chefe do serviço de profilaxia
das doenças mentais e nervosas da Colônia de Alienadas do Engenho de
Dentro (RJ);
– Annita de Castilho Marcondes Cabral (1911-1991), formada pela Escola
Normal Caetano de Campos, fundou em 1945, com outros interessados como
Otto Klineberg – professor visitante da Columbia University –, a Sociedade de
Psicologia de São Paulo, uma das mais antigas e produtivas. Regeu, entre
1947 e 1968, a Cadeira de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo (USP), substituindo Jean Magué, e foi
membro da Academia Brasileira de Psicologia ocupando a cadeira nº 17.
– Lourenço Filho (1897-1970), professor formado pela Escola Normal
Primária de Pirassununga, em 1914, e pela Escola Normal Secundária da
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Capital, em 1917. Foi professor da cadeira de Psicologia e Pedagogia da Escola
Normal de Piracicaba, em 1921, e fundou a Revista de Educação, na qual
publicou Estudo da atenção escolar, no ano de 1922. Realizou “[...] a reforma
geral do ensino, de grande repercussão na época, e que é registrado como um
dos grandes movimentos pioneiros da Escola Nova no País” (INEP/MEC, 2001,
p. 28). Figura expressiva para a psicologia, regeu a disciplina Psicologia
Educacional na USP (1934) e na Universidade do Distrito Federal (1935),
posteriormente Universidade do Brasil, e criou os Testes ABC para a verificação
da maturação necessária à aprendizagem da leitura e da escrita, em 1928.
Durante muito tempo esse instrumento foi empregado pelas escolas para
demarcar as idades cronológica e mental dos alunos ingressantes no ensino
fundamental e indicar a correspondência cognitiva desses índices, com o
intuito de homogeneização das turmas. A meta era de o ensino ser “[...] mais
racional, mais tecnicamente fundado, com economia de tempo e esforço, tanto
da parte dos alunos quanto dos mestres” (LOURENÇO FILHO, 2008, p. 15).
Além disto, favoreceria a observação de três aspectos:
[...] ao diagnóstico das condições de maturidade para aprender;
ao prognóstico do comportamento das crianças nas situações
sucessivas do ensino; e à necessidade de maior estudo de certos
alunos, geralmente tidos como de comportamento difícil, ou
“crianças-problemas” (LOURENÇO FILHO, 2008, p. 16).
Nota-se que o cerne da proposta de Lourenço Filho ultrapassava os
processos de ensino e de aprendizagem, já que envolvia também, e de alguma
maneira, a identificação e os controles das singularidades e dos
comportamentos. Na contemporaneidade esse instrumento caiu em desuso,
particularmente pelos caminhos delineados pela psicologia escolar e
educacional nas últimas décadas, que descentralizam os focos problemáticos
escolares localizados sempre nos alunos, entre outras questões.
Ainda na área psicológica desenvolveu um Laboratório de Psicologia, no
estado do Ceará (1920), e criou o Serviço de Psicologia Aplicada de São Paulo
(1931). Foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros, levando-o a
escrever o livro Introdução ao Estudo da Escola Nova (1930) e fundar a
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (1944), em atividade até hoje,
publicado em 2016 o número 245. Administrou a vinda de Mira y López, que
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colaborou na criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP),
e dirigiu durante vários anos os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica.
Finalmente, lutou ativamente para a regulamentação da profissão de
psicólogo, uma de suas mais significativas realizações.
Sem desmerecer Plinio Olinto e Annita Cabral, fundamentais para o
desenvolvimento da psicologia, realce-se Lourenço Filho pelo fato de ser um
dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, que
alterou o pensamento e o panorama educacional brasileiro.
O entrelaçamento entre a medicina e a psicologia despontou também nas
últimas décadas do século XIX, anunciando o interesse despertado pelo
funcionamento do psiquismo. Como descreveu Lourenço Filho (1955, citado
por GOMES, 2003, p. 268-269):
É, de fato, sob a forma de teses de doutoramento, oferecidas à
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e à Faculdade de Bahia,
que os estudos pioneiros apareceram. Já em 1836, à primeira
dessas escolas, Manuel Inácio de Figueiredo Jaime apresentava a
memória "Paixões e Afetos da Alma" [...]. Sete anos depois, de
modo quase similar, José Augusto César de Meneses defendia
"Proposições a Respeito da Inteligência". [...] em Psicofisiologia
da Percepção e das Representações", tese de José Estelita
Tapajós, e em "Das Emoções", de Veríssimo Dias de Castro,
ambas defendidas, no Rio de Janeiro, em 1890.
No início do século XX evidencia-se a ativação desta relação pela
apresentação, na década de 1930, de teses focalizando temas psicológicos
como parte dos requisitos exigidos para conclusão do curso de medicina e
obtenção do título de doutor.
A disseminação dos conhecimentos psicológicos revela “[...] um interesse
legítimo, pelo universo da subjetividade e da intersubjetividade humana”
(SCHMIDT, 1984, p. 100), motivadora de grande número de investigações
psicológicas e de escolha profissional, tópico que tem levado muitos estudiosos
a se dedicarem aos motivos desta eleição.
Como concluiu Lehman (1998, p. 157), aparentemente, a “Psicologia é
uma área de fácil acesso, podendo ser procurada por pessoas que estejam em
momento de reorganização de vida”, que buscam novos caminhos, objetivos
e/ou resoluções de conflitos, fazendo do próprio curso um lugar terapêutico. E
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mais, segundo Castro e Yamamoto (1998), Ferretti (1976) e Lewin (1980), a
ideia de cuidado e ajuda conduz um grande contingente de jovens do sexo
feminino a esta graduação.
A procura pelo estudo dos processos psicológicos se deve, ainda, como
demonstrou Mello (1975, p. 76), à transmissão de uma “[...] imagem
razoavelmente adequada do psicólogo como um homem de ciência”, ao
reconhecimento da importância dos componentes psíquicos em todos os
segmentos da vida, a abertura de espaços de trabalhos e de práticas
inovadoras.
É importante assinalar que, desde os passos encetais da ciência
psicológica, testemunha-se a implicação de profissionais e de órgãos
representativos com a formação do psicólogo evidenciada por intermédio de
sistemáticas análises, avaliações, grupos de trabalho e da adequação das
Diretrizes Curriculares.
Um panorama dos cursos de psicologia
O crescimento do setor educacional superior privado brasileiro na década
de 1970 ampliou o número de vagas nos mais variados campos do
conhecimento, preenchendo 70% do espaço deixado pelas instituições
educacionais públicas (HORTA, 1975).
O passar dos anos intensificou esse percentual, sendo que no
[...] período de 1997 a 2006 o número de Instituições de Ensino
Superior (IES) privadas cresceu 193% (de 689 estabelecimentos
para 2022), enquanto as IES públicas cresceram apenas 17% (de
211 para 248 estabelecimentos). (MONFREDINI, 2009, p. 44).
A criação de novas universidades públicas na última década não superou
a defasagem histórica.
Nesse tempo expansionista, privilegiaram-se os cursos nas áreas das
ciências humanas, em decorrência dos custos pretensamente inferiores, do
funcionamento no período noturno e como resposta aos anseios da própria
sociedade. Na visão de Freitag (1980, p. 114),
[...] a expansão da rede particular nas áreas que, pela legislação
e pelo planejamento oficiais foram consideradas não prioritárias
37
Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
ou até supérfluas, como Comunicação, Pedagogia, Administração,
Psicologia, Sociologia, Filosofia, Letras, etc., se deve a esse novo
tipo de demanda.
Os cursos de psicologia, como parte desse panorama, solidificaram-se
depois da oficialização profissional em 27 de agosto de 1962, pela Lei n.º
4.119, sancionada pelo Decreto n.º 53.464, de 21 de janeiro de 1964,
com a posterior criação do Conselho Federal (CFP) pela Lei 5.766/71, de
20 de dezembro de 1971, e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), pelo
Decreto 79.822, de 17 de junho de 1977. Em 1974, são promulgadas as
Atribuições Profissionais do Psicólogo.
Dados recentes atestam a hegemonia do setor privado, e a Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) registrou, em 2010, o impressionante
número de 372 cursos espalhados pelo território nacional, dos quais 328 são
em instituições particulares, perfazendo 89% do total, e 44 são públicas,
compreendendo 11%.
A descrição desta conjuntura é valiosa por tratar da evolução
indiscriminada dos cursos, em geral desvinculada das necessidades regionais
de absorção do profissional e da inquietação provocada pela situação junto à
coletividade e aos órgãos representativos. As conclusões do II Congresso
Nacional de Psicologia, realizado no ano de 1996 em Belo Horizonte, retratam
tal preocupação que resultou na construção de comissões de estudo na
perspectiva de reduzir os efeitos do crescimento desordenado e garantir a
qualidade do ensino.
Ressalva-se que as decisões não foram encaminhadas de imediato aos
organismos competentes com vistas a ampliar os debates e amadurecer a
compreensão do conjunto de fatores que compõem o universo formativo do
psicólogo. Destarte, as novas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Psicologia
homologadas em 2004, contemplam, em parte, as alterações pleiteadas pela
comunidade.
Contrariamente ao planejado e desejado, a ampliação do ensino superior
privado é uma realidade e, de algum modo, uma resposta às explorações do
psiquismo humano. Importa então, nesse contexto, que os psicólogos
professores universitários e as mantenedoras institucionais se responsabilizem
e garantam um ensino de qualidade e uma formação crítica à luz dos preceitos
38
Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
vigentes, como indicado pela Comissão de Especialistas de Ensino em
Psicologia (Portaria 151, 22/8/1996, SESu-MEC).
Atos regulatórios
O primeiro projeto de curso de psicologia foi instalado pelo Decreto n.º
21.173, de 19 de março de 1932, convertendo o Laboratório de Psicologia da
Colônia de Psicopatas para o denominado Instituto de Psicologia do Ministério
da Educação e Saúde, até então ligado à Assistência de Psicopatas e sob a
jurisdição do Ministério de Justiça, no estado do Rio de Janeiro.
Isto ocorreu porque se aguardava a inauguração da Faculdade de
Educação, Ciências e Letras, com a finalidade de coordenar estudos e
pesquisas em psicologia geral e aplicada, auxiliar os serviços de orientação e
seleção profissionais, contribuir para a aplicabilidade dos conhecimentos
psicológicos à pedagogia, medicina, judiciário e indústria e, finalmente, formar
psicólogos. Um aspecto interessante do curso era a existência de internato nos
serviços de aplicações especializadas, para alunos suficientemente preparados
em nível teórico (CENTOFANTI, 1982).
O funcionamento do Instituto, entretanto, durou um semestre, sendo
interditado por pressões externas, decorrentes de corporações médicas e
católicas, e internas que acusavam falta de recursos. Em julho de 1937, o
Instituto de Psicologia passa a fazer parte da Universidade do Brasil, atual
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No ano de 1949, o Instituto propõe o currículo do curso elaborado por
Eliezer Schneider, um dos primeiros brasileiros com formação acadêmica em
Psicologia (JACÓ-VILELA, 1999), contando com as disciplinas de história da
psicologia, psicologia experimental, do desenvolvimento, da personalidade,
diferencial, psicometria, clínica, sistemática, psicotécnica, patológica e
educacional. O direcionamento exclusivo à ciência psicológica provocou a
sugestão de nova currículo, em 1953. O conjunto disciplinar é, então, dividido
em básicas e optativas, retirando o caráter técnico e conferindo um arcabouço
biológico e filosófico ao curso. Esta avaliação foi realizada por Annita e
Marcondes Cabral e publicada no Boletim de Psicologia de 1953 (BERNARDES,
2004).
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Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
As preocupações quanto à formação do psicólogo, ao ensino e à
construção do conhecimento psicológico se revelaram cedo, como sugerem as
indicações do 1° Simpósio das Faculdades de Filosofia, em novembro de 1953
e o anteprojeto de lei relativo à formação de “psicologistas”, encaminhado ao
ministro da educação e cultura. Na década de 1980, energizaram-se as
reflexões e as críticas devido à criação de cursos privados.
A partir de 1958, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que
objetivavam a regulamentação da formação de psicólogos. As habilitações –
clínica, educacional e organizacional – foram referendadas em 3 de junho de
1976 e aprovadas em plenário no dia 25 de janeiro de 1977, processo n.º
5.052/76-CFE. E a Resolução do CFP cria o Código de Ética, sob n.º 0291/79,
de 30 de agosto de 1979.
Os avanços obtidos encaminharam avaliações dos programas
curriculares, especialmente no tocante ao cunho político,
[...] que não eram priorizada[o]s nos discursos e práticas dos
psicólogos. A Psicologia era valorizada em seus aspectos técnicos
e científicos, alienada do processo histórico e político no qual
estava inserida. Tratava-se de um produto técnico a ser oferecido
à população e, para que esta oferta fosse bem-sucedida, o
psicólogo deveria ignorar os possíveis desafios e críticas à sua
atuação e compactuar com os poderes instituídos a fim de
garantir a reprodução do sistema social. Este era o perfil da
psicologia oficial dominante, transmitida nas academias.
(ANDRADE; MORATO, 2004, p. 345).
Sob essa ótica, no ano de 1992, o CFP e os CRPs investiram na discussão
acerca da formação e das atribuições profissionais, em resposta às demandas
da área. A Carta de Serra Negra é fruto dos esforços desenvolvidos pelas
entidades e pelos representantes das IES de Psicologia públicas e privadas,
que delinearam os princípios organizadores da formação.
Ativam-se, então, as críticas e as apreciações das resoluções visando à
ruptura com o modelo tecnicista de estrutura curricular, em favor de uma
formação generalista e mais abrangente voltadas ao trabalho multiprofissional.
Procurou-se, nesse momento, um distanciamento da prática
individualizada e o descolamento da imagem de profissional que, apenas e tão
somente, identifica problemas, desvios e distúrbios. As justificativas para essa
40
Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
modificação estão presentes na operacionalização das novas contribuições para
reestruturação curricular e avaliação dos cursos, apresentadas pela Comissão
de Especialistas de Ensino de Psicologia (MEC/SESU).
Em 1995, conforme expresso no documento, o “[...] caráter generalista
deve ser preservado na formação básica indispensável à inserção do psicólogo
no mercado de trabalho [...]” (abepsi.org.br/web/linhadotempo.aspx).
O argumento empregado retrata a direção dos cursos em âmbito
nacional, o privilégio de algumas áreas do saber em detrimento de outras e a
tendência em desvalorizar o compromisso político-social esperado do
profissional. Depreende-se do documento que o psicólogo, em várias ocasiões,
exercia funções sem a formação mínima necessária para desempenhá-las,
subvertendo práticas e referenciais teóricos e submetendo-se ao mercado de
trabalho.
Nesse contexto, a referida comissão justificou a necessidade de uma
formação pluralista por permitir ao estudante uma
[...] análise comparativa dos diferentes sistemas psicológicos em
termos da concepção de homem que lhes são subjacentes e da
qual decorram seus principais conceitos, instrumentos de análise,
investigação
e
intervenção.
(abepsi.org.br/web/linhadotempo.aspx).
Nos anos seguintes, acumularam-se os empenhos que levaram à
conclusão e à instituição das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN),
para os Cursos de Graduação em Psicologia, por intermédio da Resolução n.º
8, de 7 de maio de 2004, e disponibilizados pela ABEP.
O exame dos efeitos das DCN sobre a formação e a prática profissional
ainda estão em tempo de maturação, pois a aplicabilidade das propostas se
configura como campo inovador. Isto significa dizer que, mesmo seguindo-se
as indicações e orientações para elaboração do Projeto Pedagógico de Curso
(PPC), as dúvidas e as dificuldades de implantação têm, algumas vezes,
conduzido à manutenção do mesmo. Em função disto, a preocupação com a
direção dada aos cursos originou o Seminário intitulado "Os processos
avaliativos do MEC, o ensino e formação nos cursos de psicologia", em
dezembro de 2007, sob a coordenação do Instituto Nacional de Estudos e
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Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), da ABEP e do CFP. O
propósito principal era o de
[...] informar, divulgar e debater a importância dos processos
avaliativos para o aprimoramento do ensino superior,
considerando as orientações do Sistema Nacional de Avaliação do
Ensino Superior – SINAES e das Diretrizes Nacionais Curriculares
da graduação em Psicologia. (http://www.abepsi.org.br).
A prudência para com a formação do psicólogo tem como pano de fundo
a qualidade do profissional, como assinalado, mostrando-se fundamental
oferecimento de cursos em condições adequadas de ensino, de aprendizagem
e de experiências práticas. Isso equivale a dizer também da necessidade de
serviços de psicologia aparelhados e de docentes especializados e capacitados.
O acento nos serviços tem um significado primordial, pois neles os
estudantes entram em contato com a prática profissional desde os primeiros
semestres letivos. Até o ano de 2004, a atuação era vivenciada nos últimos
semestres – 9º e 10º –, fato desencadeador de dúvidas quanto à continuidade
dos cursos pela intensa carga teórica e pela distância da aplicabilidade (DIAS,
1997). Ao se iniciar o fazer profissional mais cedo, com uma carga global não
inferior a 15% do curso, permite-se que o estudante vivencie a profissão
gradualmente e adense os conhecimentos.
Os estágios curriculares supervisionados
Define-se estágio supervisionado ao conjunto de práticas programadas
que procuram consolidar as competências e habilidades esperadas de um
psicólogo. Estruturadas em dois momentos – estágio básico e estágio
específico –, são sempre supervisionadas por docentes especialistas com
experiência específica comprovada e que projetam o contato com
organizações, condições e contextos que favoreçam a aquisição de aptidões e
posturas aconselháveis aos profissionais.
Os estágios básicos preveem o desenvolvimento de exercícios que
integrem as competências e as habilidades estabelecidas no núcleo comum,
que, por sua vez, prioriza uma configuração homogênea para a formação e
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Cadernos de pós-graduação
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uma capacitação que permita a utilização dos saberes psicológicos vinculados à
formação básica e não à específica.
Uma das marcas das diretrizes atuais está, justamente, no adiantamento
dos estágios, nos quais são realizadas experiências delimitadas e de baixa
complexidade que se intensificam conforme a progressão dos semestres. Os
procedimentos, ao serem desenvolvidos passo a passo, possibilitam a reflexão
das ações realizadas e favorecem a vivência ativa do alunado, abrindo opções
de trabalho para além das tradicionalmente tecnicistas.
Os estágios profissionalizantes incluem as ênfases dos PPC e
caracterizam-se pelo atendimento direto à população e às instituições e
organizações que procuram os serviços de psicologia das instituições
universitárias. Nesta nova perspectiva, as práticas põem o estudante mais
cedo em contato com os atos psicológicos, com a aplicação dos referenciais
teóricos e com as áreas que acolhem a profissão.
Oportuno realçar que as ênfases curriculares são um conjunto delimitado
e articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de
concentração de estudos e estágios em algum domínio da psicologia.
Consistem
[...] em um recorte de um conjunto de fazeres (competências) já
presentes no núcleo comum, concentradas em determinado
conjunto de atividades. Cada curso tem a possibilidade de definir
seus encadeamentos prioritários, independentemente das
abordagens utilizadas (as quais devem ser explicitadas, mas não
se
constituem
em
ênfases).
(http://abep.nucleoead.net/moodle/).
As supervisões semanais seguem o formato anterior e são procedidas
por docentes com aderência acadêmica específica que norteiam e auxiliam os
direcionamentos das práticas psicológicas. Os apontamentos de acertos e de
incorreções, das formulações teóricas cabíveis e dos encaminhamentos
adequados a cada caso são sistematicamente analisados, estudados e
debatidos, diminuindo eventuais riscos aos indivíduos que procuram os
serviços. A estrutura das supervisões foi mantida e os atendimentos diretos à
população continuam sob atenção permanente e rigorosa da ética e do respeito
à pessoa humana.
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Cadernos de pós-graduação
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Considerações bioéticas contemporâneas ressaltam a inadequação em se
obter conhecimentos por intermédio de animais sadios ou de pessoas em
sofrimento, seja ele psíquico ou não. Assim, tecnologias são empregadas
sempre que possível na aprendizagem de técnicas de modificação e controle do
comportamento, como acontece pela recente substituição de animais por
aparelhagens digitais. Foram ainda abandonadas outras observações, como as
aulas de psicopatologia realizadas em hospitais psiquiátricos, quando os
doentes eram colocados diante dos alunos e apontadas e descritas suas
patologias e síndromes, aos moldes do século XIX. Em muitas ocasiões era
visível o constrangimento causado pelo descuido na exposição dos pacientes e
pelo desrespeito de estudantes e funcionários hospitalares.
A ideia de uma aprendizagem que contamine pouco e cause um dano
mínimo ao atendido foi propugnado pelos psicólogos-formadores, já na década
de 1930, e mantida como questão pontual desde então.
Oportuno ressaltar ainda que os aperfeiçoamentos são contínuos e
recentemente foi validada a residência multiprofissional em psicologia, de certo
modo, resgatando o antigo internato.
Concluindo
Os cursos de psicologia, mesmo sofrendo com a ampliação excessiva,
têm recebido disposição diferenciada de alguns estabelecimentos de ensino ao
privilegiar espaços e aparelhagem de última geração aos futuros psicólogos.
Com isto, ganham os estudantes que podem treinar sem ferir normas éticas,
os docentes que têm disponível instrumentos que permitem intensificar a
formação, a categoria que contará com profissionais gabaritados e a própria
educação que cumpre seus objetivos de emancipação e cidadania.
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46
Cadernos de pós-graduação
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IDEÁRIO DA ESCOLA NOVA E NACIONALISMO: ELEMENTOS PARA A
ESCRITA DA HISTÓRIA DE INSTITUIÇÕES ESCOLARES PRIMÁRIAS DE
SANTA CATARINA
IDEAL OF NEW SCHOOL AND NATIONALISM: ELEMENTS FOR WRITING A
HISTORY OF THE PRIMARY EDUCATIONAL INSTITUTIONS OF SANTA CATARINA
Ademir Valdir dos Santos, UFSC
Email:
[email protected]
Ana Paula da Silva Freire, UFSC
E-mail:
[email protected]
Elcio Cechetti, UFSC
E-mail:
[email protected]
Resumo: O estudo parte da premissa de que, nas primeiras décadas do século XX, o
movimento histórico de instituição da escola primária de Santa Catarina é marcado
pela perspectiva do embate entre a chamada escola “tradicional” e a Escola Nova e
pelo nacionalismo, intimamente associados. O objetivo é identificar e caracterizar tais
manifestações em seus matizes políticos e pedagógicos, discutindo a presença e o
alcance da penetração do movimento reformador escolanovista em suas expressões
locais. Ao mesmo tempo, analisa-se o desenvolvimento da campanha de
nacionalização até o final do Estado Novo (1945) e se discute o seu impacto. A
metodologia está embasada no uso de fontes como: legislação, relatórios de inspeção
escolar, ofícios da Diretoria de Instrução Pública, livros didáticos, cadernos e jornais
escolares. Os resultados indicam que, quanto à legislação, boa parte das leis exaradas
no período em tela apresentou e buscou inocular aspectos das propostas de
renovação alinhadas com a Escola Nova, o que caracterizou um embate entre a
“educação nova” e a “educação tradicional”. Do mesmo modo, amalgamados ao
ideário de renovação, os propósitos da campanha de nacionalização impactaram sobre
a natureza da escola primária, gerando submissão mas também reações conflituosas
aos ditames governistas. Estes aspectos compõem numa conclusão de que o processo
histórico de institucionalização da escola primária de Santa Catarina é profundamente
marcado pelo embate entre os pressupostos políticos e pedagógicos da Escola Nova e
da escola tradicional e pelo processo de nacionalização.
Palavras-chave: Escola Nova. Nacionalismo. Escola primária. Santa Catarina.
Abstract: The study assumes that in the first decades of the twentieth century, the
historical movement of the primary school institution in Santa Catarina is marked by
47
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the clash between the school called "traditional" and the New School and by
nationalism, closely associated. The goal is to identify and characterize such events in
their political and pedagogical nuances, discussing the presence and extent of
penetration of the New School reform movement in its local expressions. At the same
time, it analyzes the development of the nationalization campaign by the end of the
Estado Novo (1945) and discusses its impact. The methodology is grounded in the use
of sources such as: law, school inspection reports, Public Instruction Department
reports, textbooks, school exercise books and school newspapers. The results indicate
that, as to the law, most of the laws which have been entered in period presented
aimed to inoculate aspects of renewal proposals aligned with the New School, which
featured a clash between the "new education" and "traditional education". Similarly,
amalgamated to the ideas of renewal, the purpose of the nationalization campaign has
impacted on the nature of primary school, generating submission but also conflicting
reactions to government dictates. These aspects make a conclusion that the historical
process of institutionalization of primary school Santa Catarina is deeply marked by
the clash between political and pedagogical assumptions of the New School and the
traditional school and the nationalization process.
Keywords: New School. Nationalism. Primary school. Santa Catarina.
E
ste estudo indaga o teor da historiografia sobre a educação escolar em
Santa Catarina. Alavancam nossos questionamentos as pesquisas que
temos empreendido partindo da premissa de que, nas primeiras décadas
do século XX, o movimento histórico de instituição da escola primária de Santa
Catarina foi marcado pelo confronto entre a chamada Educação Tradicional e a
Educação Nova (ou Escola Nova) e pelo nacionalismo, este um fator associado
ao movimento renovador.
Nosso objetivo é identificar e caracterizar tais manifestações em seus
matizes políticos e pedagógicos, discutindo a presença e o potencial do
movimento remodelador escolanovista em seu confronto com a permanência
do tradicionalismo.
A metodologia está embasada no uso de fontes, como legislação,
relatórios de inspeção escolar, ofícios da Diretoria de Instrução Pública, livro
didático, caderno e jornal escolar.
No sentido de estabelecer relações entre nosso objeto e aspectos da
história da educação brasileira, recorremos ao diálogo com Nagle (1997) que
trata d‟A Educação na Primeira República. A análise que este estudioso realizou
é frutífera, com base na qual julgamos que ainda podem ser realizados novos
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estudos sobre a história da educação brasileira, uma vez que Nagle traz para o
debate fatores de cunho político, econômico, social e cultural que auxiliam
efetivamente na construção de conhecimento quanto às permanências e
transformações nas políticas e práticas escolares naquele âmbito cronológico.
Destacamos suas teses sobre a penetração das ideias da Escola Nova, dadas
pela abordagem do que foi cunhado como “entusiasmo pela educação” e como
“otimismo pedagógico”, e, ainda, por sua análise do nacionalismo – fenômenos
entendidos como expressão de um caráter regenerador da educação.
Resumidamente, para fins do tratamento da problemática a que nos
dedicamos, explicamos que o chamado entusiasmo pela educação foi
considerado como uma primeira fase de penetração do escolanovismo no
Brasil, caracterizada por esforços de cariz político em difundir a escola para
todos, aumentando sua quantidade; já o otimismo pedagógico centrou seu
foco na questão pedagógica, pregando a modificação técnica do ensino, ou
seja, a troca de um modelo existente por outro (remodelação), sendo
historicamente localizado a partir da década de 1920, uma segunda fase do
processo (NAGLE, 1997, p. 262, 264, 282-283). Dada esta especificação,
buscamos ratificar que o “entusiasmo” foi expresso principalmente por ideias,
pelo planejamento e busca de soluções que se pretendeu engendrar; por sua
vez, o “otimismo” foi marcado por reformas educacionais no âmbito dos
estados. Além disso, tomamos como basilar outro aspecto vinculado às teses
de Nagle (1997, p. 271, grifos nossos): “Duas tendências precisam ser ainda
mencionadas a respeito da escola primária e da escola normal: a da
nacionalização e a da regionalização e ruralização”.
Um dos parâmetros que levamos em conta é o indicativo de pesquisas
que focalizaram a história da educação de outros estados brasileiros. Tomamos
como exemplo o estudo de Carvalho (2012) sobre a reforma em Minas Gerais,
ocorrida em 1927-1928, cujos argumentos se referem à renovação escolar.
Carvalho (2012, p. 187-188) indica que foi um círculo de intelectuais e
políticos que impulsionou o empreendimento de renovação e modernização:
[...] viram a escola como vetor de democratização com cidadania
[...] mas essa intenção, muitas vezes, esbarrou na vontade
política e se mostrou em doses controladas, na medida das
necessidades e dos interesses da classe dominante.
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Deste modo, ao estabelecer críticas à escola tradicional, os intelectuais
mineiros projetaram na educação a alavanca para a mudança social. Assim,
[...] houve tensão entre os objetivos da reforma propalados em
discursos, leis e decretos e as novas experiências de formação
vinculadas complexamente com as experiências consolidadas e
evidenciáveis mediante interpretações inversas dessa teoria feita
por políticos e educadores da época (CARVALHO, 2012, p. 197,
grifos nossos).
Segundo Saviani (1986, p. 52-53), mesmo que propalando seus avanços
em relação ao tradicionalismo, os projetos de escola pública, coeducação,
escola gratuita, laica e obrigatória, justamente devido à ausência de recursos,
não puderam ser efetivados integralmente:
[...] a escola tradicional, na medida em que se compromete com
a transmissão de conteúdo, mesmo de forma autoritária, revelase mais democrática, de fato, do que a proclamada liberdade da
“escola nova”, com mais atividades e menos conteúdo.
Dizia-se que se almejava erradicar a escola tradicional, revelando um
posicionamento de total desprezo por ela, como se esta fosse a única
responsável pelo fracasso escolar. Nesta condição, indica-se que a Escola
Nova, utilizando-se do discurso do novo, “envelhece” o que a antecedeu,
dando-lhe o caráter de atraso.
Aqui plantamos um questionamento: como considerar especificidades do
processo histórico de instituição da escola primária em Santa Catarina, visto
que nas colônias de imigrantes existia, desde a metade do século XIX, um
sistema bastante sólido de oferta de instrução elementar? Particularmente
quanto ao cenário catarinense, cabe interrogar a ausência de escolas e o
fracasso escolar anunciados pelos discursos dos “pioneiros” e por seus portavozes locais! Pois pesquisas mostram que havia projetos bem sucedidos de
organização escolar, pautados no funcionamento de instituições “estrangeiras”,
particulares e comunitárias espalhadas pelo território de Santa Catarina:
No movimento de colonização, a escola pode ser entendida como
instituição necessária ao progresso [...] ao mesmo tempo,
também vinha atender a necessidade de escolas para os filhos de
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Cadernos de pós-graduação
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imigrantes alemães, que tinha raízes culturais no continente
europeu e que foi transplantada. [...] A escola era uma instituição
necessária à vida comunitária porque a população infantil crescia
com o passar dos anos, uma vez que o aumento do número de
crianças significava incremento no potencial de trabalho familiar
nas propriedades rurais. A esse dado pode associar-se a questão
da religião luterana, pois em algumas áreas o percentual de
imigrantes protestantes era maior do que o de católicos. E para
os luteranos, havia a necessidade de ensinar desde cedo a leitura
e a escrita para as crianças, pois elas precisavam sozinhas
conhecer o conteúdo da Bíblia e participar dos ritos comunitários.
[...] Prédios próprios para abrigar as escolas foram sendo
gradativamente construídos com a conjugação dos esforços da
própria comunidade. (SANTOS, 2009, p. 472-474).
Segundo Fiori (1991), as transformações educacionais em Santa Catarina
podem ser focalizadas tomando como referência o período que iniciou com
Vidal Ramos, que assumiu como governador em 1910 e tinha como meta de
ação política a reforma da instrução pública. Para tanto foi tomado o “modelo
paulista”, sendo que ao professor Orestes Guimarães foi delegada a tarefa de
liderar a mudança. O ideário adotado sugeria que os problemas da educação
seriam solucionados à luz das sistemáticas modernas e com o emprego de
métodos de ensino inovadores, ou seja, da Escola Nova. Devido à formação de
Orestes Guimarães, que foi orientada pelas tendências escolanovistas que
agiam em São Paulo, este se apresentou como porta-voz do novo propondo a
erradicação e substituição da escola tradicional. Como fator dessa
reorganização educacional foi atrelado, ainda, um projeto nacionalizador,
considerado como um dos princípios da proposta de modernização. O plano de
mudanças para Santa Catarina previu alterações nos estabelecimentos de
ensino – Escola Normal, Escola Isolada, Escolas Complementares, Escolas
Reunidas e Grupos Escolares – e nas suas práticas pedagógicas, quer dizer,
quanto a métodos de ensino, espaço físico, materiais didáticos, tempos
escolares e aspectos curriculares. E se buscou implementar complexa estrutura
administrativa apoiada em controle centrado nos serviços de inspeção escolar.
No plano institucional, a Escola Normal sofreu as primeiras ações
reformadoras. Foi regulamentada pelo Decreto n.º 572, de 25 de fevereiro de
1911, e Decreto n.º 593, de 30 de maio de 1911, reorganizando seu programa
de admissão, com vistas a formar professoras “modernas e patrióticas” para as
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escolas primárias. E, de acordo com Fiori (1991), foi nesse ano que se criou o
Grupo Escolar. A criação dos grupos escolares significou a tentativa de
rompimento com o modelo tradicional, acusado por não ter seriação e um
único professor ensinando numa mesma classe. Para compreender o embate
que então se configurou, julgamos necessário lembrar que até os primórdios
do século XX o território catarinense era pontilhado por um considerável
número de escolas primárias “multisseriadas”, presentes notadamente nas
regiões. E a maior parte daquelas teve sua origem em associações escolares
lideradas por imigrantes europeus que abriram suas próprias escolas uma vez
que praticamente inexistiam instituições públicas (Cf. SANTOS, 2012, 2010).
Assim, a remodelação significaria avanços na estruturação do ensino
catarinense relacionados à divisão do trabalho pedagógico, à seriação e à
economia de instalações escolares.
Chamamos atenção para o fato da necessidade de considerar que as
escolas isoladas anteriormente existentes foram, de fato, as primeiras escolas
de ensino primário em território catarinense. Mas para alguns estudiosos, a
reforma empreendida pouco teria modificado a estrutura das escolas isoladas.
Segundo Teive e Dallabrida (2011, p. 73),
Nos três tipos de escola isolada os benefícios da reforma foram
demorados. Elas continuaram a funcionar em casas alugadas, tal
como nos tempos do império, com programa reduzido, sem
mobiliário adequado, com exíguo material didático, multisseriadas
e unidocentes.
Fazemos ressalvas quanto à afirmação acima. A genérica caracterização
das escolas isoladas desconsidera instituições que já tinham prédios próprios
construídos pelas comunidades, contavam com mobiliário suficiente, com
material didático (por vezes importado) e dispunham de professores que
gradativamente haviam incorporado à sua formação conhecimento didáticopedagógico aplicado à prática. Muitos prédios contavam com boa estrutura
arquitetônica e foram construídos em parceria com a igreja local (católica ou
protestante). Os currículos davam conta, mesmo que de modo “tradicional”, de
ensinar a ler, escrever e contar. Mais que isso, foi formada uma população
bilíngue, com letramento básico, alfabetizada. Isto é significativo em meio a
um país de analfabetos que, como se sabe, era o Brasil da época! E embora
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alguns professores fossem recrutados entre os habitantes locais e
eventualmente não dispunham de preparo pedagógico formal, conforme
argumenta Willems (1980), houve a utilização de padres e pastores
protestantes na docência, o que certamente trouxe qualidade à atividade
escolar. E na virada do século já havia professores atuantes formados em
cursos normais e em instituições instaladas no sul do país (Cf. SANTOS, 2012,
2010, 2009, 2007; RAMBO, 1996).
Parece-nos que o discurso sobre a precariedade das escolas primárias
isoladas até então existentes pretendia reforçar o potencial de “reforma” do
governo catarinense, usando da velha estratégia política de desprestigiar
aquilo que anteriormente se havia construído. Além disso, o funcionamento
das escolas comunitárias dos imigrantes insistia em denunciar a inatividade
histórica do Estado quanto a investimentos na educação. Aliás, essas
instituições comunitárias, consideradas “estrangeiras” e privadas, foram as
responsáveis pela quase erradicação do analfabetismo, sobretudo nas áreas
rurais, com contingentes populacionais descendentes de imigrantes europeus,
notadamente de alemães. Para ratificar esse argumento há estatísticas quanto
aos índices de analfabetismo na região de Joinville (paradoxalmente, região de
Santa Catarina onde o reformador Orestes Guimarães iniciou sua “cruzada”!).
Segundo edição do Jornal de Joinville, datada de 1926, o poder público
municipal havia recentemente feito um recenseamento. E de acordo com os
dados de março de 1926, quando Joinville comemorou 75 anos de fundação,
10.320 pessoas habitavam o perímetro urbano, sendo que os analfabetos que
tinham 7 ou mais anos de idade eram 993, ou seja 9,6% da população.
Este é um dos aspectos que certamente diferencia o alcance efetivo do
projeto modernizador no período da Primeira República em Santa Catarina.
Não se tratava de combater o “analfabetismo”, pelo menos não o
analfabetismo como buscava dar a entender o discurso do governo de então,
pois significativa parcela dos catarinenses já lia e escrevia.
E como forma de controlar o “prescrito” na lei e o “praticado” para
efetivação dos ditames legais, institui-se o serviço de inspeção escolar.
Enquanto inspetor geral do ensino, Orestes Guimarães era responsável pela
fiscalização e orientação da instrução pública. Para tanto, contou com a
colaboração dos inspetores escolares que eram auxiliados pelos chefes
escolares. Os inspetores, além de fiscalizar o trabalho docente, atuavam
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também como orientadores pedagógicos dando ênfase na frequência escolar e
no ensino da língua nacional – esse aspecto já reflexo dos escopos de
nacionalização. Tinham o poder de fechar escolas, recomendar novos
estabelecimentos e penalizar os professores. Segundo Fiori, dentro deste
espírito, tanto o próprio Orestes Guimarães como sua esposa Cacilda
divulgavam os “novos e modernos” métodos de ensino; a ênfase se deu no
chamado “método analítico de alfabetização” e no “método intuitivo” (FIORI,
1991, p. 81, 94). Ou seja, do ponto de vista didático-pedagógico, a reforma
buscou se contrapor às escolas e práticas “tradicionais”, entendidas como
vinculadas a condições em que os alunos eram atendidos em prédios
acanhados, com pouca iluminação e arejamento, mobiliário inadequado,
submetidos a atividades de repetição, memorização e à leitura extenuante.
Ainda no contexto das mudanças do cenário educacional catarinense,
cabe citar a “Reforma Trindade”, de 1935. Esta também alterou a estrutura
administrativa (mantida desde as transformações realizadas por Orestes
Guimarães), mas com menor impacto em questões curriculares e didáticas.
Centralizou-se mais na reestruturação dos cursos de formação de professores
e nos princípios nacionalistas do Estado Novo. Para Fiori (1991, p. 118-119), a
Reforma Trindade deve ser também reconhecida, pois, “[...] foi fruto do
contexto político e educacional gerado pela revolução de 1930, endossando
nova política de assimilação cultural mediante a ação da escola”. Tal projeto,
instaurado pelo Decreto n.º 713, de 1935, foi liderado por Luiz Sanchez
Bezerra da Trindade, indicado pelo então governador Nereu Ramos para dirigir
o Departamento de Educação, subordinado à Secretaria de Interior e Justiça.
Teve vigência até 1945.
Esta reforma significou certa reestruturação do ensino, embora tenha seu
caráter mais efetivo a partir de 1937 com a implantação do Estado Novo.
Segundo Carvalho (2002), com a abrangência do Estado Novo, agentes
educacionais que ocupavam órgãos governamentais e de viés escolanovista,
impulsionaram ideias sobre a educação do “novo homem” para o “novo
Estado”. Durante a Era Vargas (1930-1945), mais especificamente durante o
Estado Novo (1937-1945), em Santa Catarina, os estrangeiros e seus
descendentes foram tratados como ameaças à nacionalidade brasileira, à
“brasilidade”: “[...] localidades oriundas da imigração europeia, como as de
raízes alemãs, italianas, polonesas, japonesas – entre outras compostas por
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grupos étnicos estrangeiros –, foram alvo das prescrições de um projeto de
nacionalização” (SANTOS, 2010, p. 85, 91). As escolas, principalmente as de
origem alemã, foram vistas como empecilho para a concretização do projeto
nacionalizador.
Assim, é necessário atentar para as propostas de nacionalização
indicadas por Orestes Guimarães e intensificadas na reforma de 1935,
chegando ao período do Estado Novo (1937-1945), liderado nacionalmente por
Getúlio Vargas e, em Santa Catarina, sob o interventor Nereu Ramos. No
projeto que interessava ao governo se pretendia o ajustamento dos cidadãos
brasileiros à nação, que coadunava com a ideia de que era preciso civilizar
para o progresso e modernização do Brasil. Sobretudo o processo de
escolarização seria estratégico, representando uma base para os intuitos de
renovação.
Os programas de ensino para o Estado de Santa Catarina, embutidos nas
reformas, sugeriam a tecnificação e modernização pedagógica. O Regulamento
de 1914, por exemplo, dizia que aos professores cabia a “missão” de “[...]
educar physica, moral, e intellectualmente, de acordo com os respectivos
programmas, os alumnos que se matricularem nas escolas do Estado” (SANTA
CATARINA, 1914, p. 28). Percebe-se aí a valorização do aspecto moral do
ensino bem como uma recomendação quanto a um processo de inculcação
através do trabalho docente. Porém, isto é passível de questionamentos, uma
vez que nem sempre o determinado nos regulamentos é aplicado
mecanicamente e determina a mudança social. Corroboramos aqui um
argumento apresentado por Cury (2010) quando trata do termo “reforma” e
das “Reformas” no ordenamento jurídico, fazendo referência a “situações
múltiplas em que a reforma venha a ser postulada”; embasado pela teoria
sociológica do direito de Commaille, traz quatro formas de conceber a reforma:
a)
b)
c)
d)
mudança da lei e mudança social;
mudança da lei sem mudança social;
mudança social sem mudança da lei;
manutenção social e manutenção da lei. (CURY, 2010, p. 344).
Diante disto, cabe buscar compreender o quanto e de que modo uma
polaridade entre “mudança da lei” e “mudança social” esteve correlacionada
naquele momento histórico de pretensas mudanças no cenário catarinense
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ditadas pela legislação. Interrogamos se os intuitos reformadores da educação
escolar apresentados por seus postulantes e, algumas vezes, ratificados pela
historiografia, conseguiram efetivamente penetrar e transformar a realidade do
aparelho escolar de Santa Catarina. Teria a “Reforma” preconizada pelas
decisões políticas no cenário catarinense da época atingido, em maior ou
menor grau, seu escopo de “dar outra forma ou, então, dar uma outra e nova
forma”, pois ao se utilizar o estatuto legal de uma reforma, se
[...] tem diante de si uma situação existente que o sujeito da
reforma pretende substituir por uma outra que tanto pode ser
uma regressão a uma forma já havida, quanto uma outra cujo
teor inove a forma presente. Esse termo, predominantemente,
expressa a substituição de uma forma por outra, na medida em
que a existente não atende mais aos parâmetros estabelecidos e
vigentes, seja por desgaste, seja por insuficiência, seja por
fracasso ou, então, seja por uma crise profunda. (CURY, 2010, p.
343, grifos nossos).
Também nos termos de visita de inspeção escolar podem ser observadas
prescrições quanto à prática educativa. O relato do inspetor geralmente trazia
a identificação da escola, a qualificação do professor, a frequência dos alunos,
a descrição do mobiliário, da sala de aula e do material didático e a
escrituração (preenchimento dos livros de chamada, de matrícula e de
registros de exames). Verificava-se também a aprendizagem, através da
leitura e da linguagem oral, do domínio dos conteúdos de língua portuguesa,
geografia, história, aritmética e educação moral e cívica. Tais relatórios
finalizavam com recomendações ao professor quanto à atividade docente,
aprovando-a ou sugerindo inovações. Assim, a função do inspetor era
sobretudo fiscalizar a docência, verificando o tipo de aula, aspectos
metodológicos e de conteúdo (SANTOS, 2008, p. 241).
No propósito de discutir o alcance do que foi estabelecido enquanto
diretriz do fazer pedagógico, buscamos nas recomendações dos inspetores
supostas ambiguidades quanto ao embate entre a pedagogia tradicional e a
renovação escolar. Em Relatório de Inspeção datado de 1916, referente à
visitação das escolas isoladas da Caieira e Ganchos, situadas no município de
Biguaçu, o inspetor relatou que não foi possível examinar a escola mista de
Caieira, pois o professor responsável havia se ausentado e deixado como
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substituta sua filha que
[...] ignorava o lugar onde se achavam os livros de matricula e
chamada e o arquivo da escola, sendo-me portanto impossivel
tomar qualquer informação. [...] peço a V. E. se digne a bem do
serviço publico mandar suspender o referido professor por 8 dias
(TERMO DE INSPEÇÃO, 1916, p. 2).
Quanto à escola masculina de Ganchos, registrou que havia 60 alunos
matriculados e naquele dia frequentaram 42 deles; quanto ao mobiliário
existente: “[...] bancos simples quase totalmente estragados [...] 2 mappas,
um do Estado e outro do Brazil, 1 quadro de Parker e um relogio” (TERMO DE
INSPEÇÃO, 1916, p. 3). Nota-se que, cinco anos após a reforma de 1911, o
mobiliário escolar se encontrava em péssimo estado, o que demonstra que o
governo ainda não teria contemplado as escolas com novos materiais e
mobiliário. Continuando o termo, o inspetor descreveu o que observou das
aulas de “Noções de hygiene rural”, denunciando o despreparo do professor ao
ministrar essa matéria:
[...] sem clareza, sem ordem e principalmente sem méthodo
devido a falta de preparo do professor que não organiza e
methodiza em casa o ensino desta tão uteis e importantes noções
para áquelles, que mais tarde, se hão de dedicar á agricultura; [e
para o conhecimento e aprendizado do professor, o inspetor fez
uma aula modelo] orientando o senhor professor, e sobretudo
apontando-lhe o methodo a seguir, sem o que, o ensino será
fatalmente defeituoso (TERMO DE INSPEÇÃO, 1916, p. 3, grifos
nossos).
Tais expressões pretendiam evidenciar a falta de preparo docente e
refletem, ao mesmo tempo, a difícil tarefa de controlar a renovação
educacional conferida aos inspetores.
Chamamos atenção agora ao que rezava o Decreto n.º 596, de 1911,
quanto ao fazer do professor e aos materiais didáticos:
O Coronel Vidal José de Oliveira Ramos Governador do Estado de
Santa Catarina no uso das suas attribuições:
Considerando que o exito da reforma da Instrucção Publica
decretada, em muito depende dos methodos de ensino e adopção
de material escolar aconselhado pela moderna pedagogia para
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que uniformes sejam os processos usados pelo professorado e
cujo arbítrio não deve ficar a escolha de obras didacticas;
Considerando que a fiscalisação do ensino deve ser exercida
tambem sobre o uso de taes obras;
E tendo em vista o que propoz no seu Parecer o Inspetor Geral do
Ensino, decreta:
Art. 1º. Ficam adoptadas para serem exclusivamente usadas em
todas as escolas publicas estadoaes as obras didacticas
constantes da relação que a este acompanha, assignada pelo
Secretario Geral dos Negócios do Estado. (SANTA CATARINA,
1911, p. 88, grifos nossos).
Com relação às obras didáticas que deviam ser usadas nos grupos
escolares e escolas isoladas, considerava:
1 – Cartilha – Arnaldo Barreto.
2 – Leitura Preparatoria – Francisco Vianna.
3 – Primeiro Livro - Francisco Vianna.
4 – Segundo Livro - Francisco Vianna.
5 – Terceiro Livro - Francisco Vianna.
6 – Minha Pátria – Pinto e Silva.
7 – Caderno de Calligraphia vertical – por Francisco Vianna.
(SANTA CATARINA, 1911, p. 89).
Tais recomendações deixam transparecer força e controle ao determinar
exclusivamente certas obras didáticas consideradas como mostras de uma
“moderna pedagogia”. Permitem visualizar rigor nas prescrições, o que
estabelece relação com um sistema de ensino ainda envolto por posturas
tradicionais. Notadamente com relação à determinação do uso de cartilhas,
assevera o direcionamento do ensino para um meio tradicional, o que não se
relacionaria aos princípios de escola ativa defendidos. Percebemos o conflito
entre o “novo” e o “velho” e a inexistência de clareza sobre os diversos
modelos e ideias pedagógicas. Por exemplo, um Ofício da Diretoria de
Instrução Pública descreve material em uso que indica traços da pedagogia
tradicional, apontando a centralidade da função docente:
Satisfazendo o pedido de vosso offício nº 136, de 20 de fevereiro
p.p. remetto-vos 10 exemplares de Nossa Patria, 10 Geographias,
10 Grammaticas, 10 Arithmeticas, 10 Lousas, 3 duzias de lapis de
pau, 3 duzias de lapis de pedra, 1 resma de papel, 30 Taboadas e
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30 Cartilhas (SANTA CATARINA, 1923, p. 71, grifos nossos).
É comum encontrar documentação que solicita tabuadas e cartilhas,
produtos da escola tradicional, criticados por oferecer uma educação dita
ultrapassada, fora do contexto do aluno, com foco no conteúdo. Tal
procedimento metodológico culminava no exercício de decorar e em atividades
mecânicas predeterminadas. O educando, nesse caso, seria agente passivo no
processo de ensino-aprendizagem. Especulamos se, na medida em que
práticas da educação tradicional permaneciam cristalizadas, o quanto as ideias
de Escola Nova abalaram sua ação na escola. A renovação que surgia tentava
ganhar vida num contexto até então dominado pelas forças tradicionais.
Atentos ao nacionalismo como componente do projeto renovador em
tela, encontramos ofícios relatando que Orestes Guimarães submeteu
professores a exames para verificar se tinham competência linguística para a
docência, respeitando as exigências legais de uso exclusivo do português nas
atividades escolares. A presença destes preceitos nas reformas de ensino em
Santa Catarina revela aderência à campanha de nacionalização atrelada ao
ideário escolanovista. O caminho era reformar as antigas e tradicionais
escolas, reconfigurar as práticas no seu interno e forjar uma nova
nacionalidade. Exemplo emblemático é o ofício dirigido em setembro de 1924
ao professor Walter Sparing, de Blumenau, área de influência imigratória
alemã:
Para os devidos fins, communico-vos que, em virtude de terdes
disso approvado em exame prestado perante o inspector escolar
sr. Orestes Guimarães, vos concedo licença para leccionardes no
lugar Itoupavazinha, nesse municipio.
Cumpre-se, porém, esclarecer-vos que, se vossa escola leccionar
alguma materia em lingua estrangeira, será, na forma do § 1º.,
arto. 24 da lei no. 1283, de 15 de setembro de 1919, considerada
estrangeira; e, nesse caso, deveis requerer ao sr. dr. Secretário
do Interior e Justiça licença para o devido funccionamento
(SANTA CATARINA, 1924, [n.p.], grifos nossos).
Fazemos agora breve abordagem quanto aos materiais didáticos como
elementos da prática docente, pois sabemos que podem ser vistos como
expressão de uma dada filiação teórica e metodológica. Recorremos à análise
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de dois tipos de fontes que podem auxiliar na identificação e caracterização da
atividade educativa levada a efeito no contexto escolar, além de nos falar
sobre elementos da organização política, econômica, social e cultural em um
específico âmbito cronológico. Inicialmente tratamos do livro escolar e, a
seguir, do caderno, ambas fontes consideradas complexas.
Encontramos a confirmação do uso do Segundo livro de leituras infantis,
no Decreto n.º 1.944, de 27 de fevereiro de 1926, que aprovou um programa
determinando o uso de materiais didáticos para as escolas das zonas rurais
coloniais, localidades em que existiam instituições oriundas das antigas escolas
de imigrantes onde estudavam várias crianças bilingues ou falantes de idiomas
estrangeiros:
2.º ANNO
LEITURA
1.º- Leitura diária do livro usado Segundo Livro, observando-se a
pontuação.
2.º- Estudo diário dos Synonymos, antonymos e homonymos dos
termos mais communs do capítulo lido. Traducção dos termos,
dos synonymos, antonymos e homonymos correspondentes.
3.º- Depois do estudo do capítulo, conforme os paragraphos
anteriores, isto é, da leitura corrente e do estudo dos principaes
termos, o professor fará a recapitulação do capítulo, exigindo a
traducção geral do mesmo (SANTA CATARINA, 1926, p. 3, grifos
nossos).
Para promover a aplicação do moderno, havia a indicação de que as
exigências e recomendações fossem equivalentes à intenção de alfabetizar nos
moldes nacionalistas, com vistas à interferência na fala dos alunos, explícita na
preocupação com a tradução. Tal função social e política de aculturação
representa o embate que se configurou no período entre os aspectos
modernizantes e aqueles tradicionais marcados pelo nacionalismo.
Notamos que, paradoxalmente, o discurso renovador é embasado por
práticas criticadas por serem tradicionais! Observamos no livro didático então
adotado um dos exercícios propostos solicitando que o aluno completasse
frases: “O esporte torna as crianças fortes e sadias. Luiz gosta de.........; Luiz
gosta de.........; Luiz gosta de..........” (VIANNA, 1922, p. 76). Demonstra a
metodologia do trabalho tradicional apoiada num recurso pouco atrativo, uma
vez que se embasa na repetição. E tal prática era veementemente condenada
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pela Escola Nova.
Analisamos também um caderno de caligrafia do 1º ano, usado pela
aluna Adelaide Scharf na Escola Mista Isolada da Estrada de Rio Novo, do
município de Jaraguá do Sul. Indica que o exercício da caligrafia era constante
nas atividades da escola primária. Cadernos de caligrafia são geralmente
compostos por atividades de preenchimento de linhas de forma controlada e
repetitiva, através da cópia, ditado e o treino do “correto” traçado da letra. Tal
concepção tradicional foi herdada e mantida pela escola, com o intuito de
homogeneizar a escrita escolar, tornando-a padrão. No referido caderno,
intitulado Novo Methodo de Calligraphia Vertical, são estipuladas na contracapa
algumas recomendações:
1º na uniformidade, pois que há uma única posição vertical,
enquanto que as obliquas compatíveis com a escripta são muito
numerosas; 2º na clareza, pois que as letras inclinadas,
sobretudo as de haste, tendem a ficar umas sobre as outras; 3º
na facilidade, pois fica tudo reportado a uma direção mais
constatável a – perpendicular à pauta (SCHARF, 1941).
Além dessas recomendações, há também indicativos de como deveria se
portar a criança, devendo posicionar corretamente corpo, cabeça, braços, a
mão e o lápis. Cabia ao professor
[...] ir apontando os defeitos, emquanto os alumnos estão à
escrever. Nesse momento qualquer pequena indicação vale mais
que uma correcção posterior muito bem feita, a qual o alumno
raramente recorre. (SCHARF, 1941).
A presença e utilização deste tipo de fonte evidencia uma tradição
enraizada.
Trazemos agora para análise um jornal escolar construído por alunos da
segunda e terceira séries da Escola Isolada Municipal Luiz Delfino, situada no
nordeste catarinense. Este tabloide era mensal e localizamos exemplares
elaborados entre agosto de 1941 e fevereiro de 1944. Seu título é “Tudo pelo
Brasil” e sua produção foi supervisionada pela professora primária Juliana
Coutinho.
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Apresentamos alguns de seus elementos, como o constante no exemplar
de novembro de 1941, que traz textos sobre a bandeira nacional, a data de 10
de novembro de 1937 (promulgação do Estado Novo) e a atuação de Vargas e
do Interventor Nereu Ramos. Como é percebido, nutria-se a conveniente
imagem do governo: atos oficiais e seus protagonistas eram exaltados. E
ingredientes básicos do nacionalismo ficam evidentes.
O mesmo podemos dizer do exemplar de abril de 1942. O jornal escolar
fala sobre a data de 19 de abril, aniversário de Vargas! O presidente foi
festejado:
O aniversário do Presidente Vargas nesta escola. Aos desenove
dias do mês de abril de mil novecentos quarenta e dois (1942)
associando-se aos festejos do natalicio do Presidente Vargas, foi
organizado uma festa interna nesta escola, regida pela professora
regente, Juliana K.V. Coutinho.
Tendo comparecido os alunos matriculados nesta escola,
cantaram aclamaram recitaram saudações e cantaram hinos. (sic)
(ESCOLA ISOLADA MUNICIPAL LUIZ DELFINO, 1942).
Este tipo de material foi utilizado para produzir e exaltar a brasilidade,
mediante linguagem contundente e dirigida à infância:
Sou brasileiro. Tenho orgulho de dizer que nasci neste grande
pais, que é o meu Brasil. Todos os que nascem no Brasil, mesmo
que sejam filhos de estrangeiros são brasileiros. Nós todos
devemos amar a nossa pátria, a terra onde nascemos. Quem não
ama sua pátria é um monstro. (ESCOLA ISOLADA MUNICIPAL
LUIZ DELFINO, 1942).
A expressão final é forte. Buscava suscitar nas crianças sentimentos de
um patriotismo forjado. Ao mesmo tempo, contribuía na criação de hostilidade
para com outras formas de pensar. Nesse caso, consideramos a função
ideológica da educação naquele momento, que contribuía para a moldagem da
mentalidade e formação de valores em acordo com a campanha de
nacionalização.
Por fim, como resultados suportados pela análise das fontes – legislação,
relatório de inspeção escolar, ofícios da Diretoria de Instrução Pública, livro
didático, caderno e jornal escolar – afirmamos a convivência simultânea entre
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a Educação Tradicional e a Educação Nova na escola primária de Santa
Catarina durante as primeiras décadas do século XX, expressa através de
políticas educacionais e práticas educativas. As leis exaradas apresentaram e
buscaram inocular aspectos das propostas de renovação alinhadas com a
Escola Nova, caracterizando um embate com práticas tradicionais
historicamente engendradas. O olhar que dedicamos às reformas, à legislação
e à inspeção escolar permitiu questionar o hiato entre o prescrito e o realizado,
entre políticas e práticas, entre a “mudança na lei” e a “mudança social”
(CURY, 2010). De modo geral, a escola primária catarinense foi marcada pelo
eventual sucesso de ditames das reformas, ao mesmo tempo em que não
houve condições objetivas e totais de eliminar do aparelho escolar as
cristalizadas práticas educativas tradicionais, o que verificamos quando
observamos elementos da docência e materiais didáticos então em uso como o
livro didático e o caderno.
Apontamos ainda que, do mesmo modo e amalgamados ao ideário de
renovação, os propósitos da campanha de nacionalização impactaram sobre a
natureza da escola primária, gerando submissão mas também reações
conflituosas aos ditames governistas. Estes aspectos compõem numa
conclusão de que o processo histórico de institucionalização da escola primária
de Santa Catarina foi marcado pelo embate entre os pressupostos políticos e
pedagógicos da Escola Nova e da Educação Tradicional, bem como pelo
processo de nacionalização. Lembrando das afirmações de Nagle, tivemos um
cenário em que conviveram tanto aspectos do “entusiasmo pela educação”
como do “otimismo pedagógico”.
Referências
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A PRESENÇA DA INTERCULTURALIDADE NO MANIFESTO DOS
PIONEIROS DA EDUCAÇÃO
THE INTERCULTURALITY PRESENCE IN EDUCATION PIONEERS MANIFEST
Francisca Eleodora S. Severino
Programa de Pós Graduação em Gestão e Práticas Educacionais
PROGEPE-UNINOVE – São Paulo-SP
E-mail:
[email protected]
Resumo: Com base na perspectiva sociológica de compreensão da realidade, a
comunicação discute os princípios pedagógicos entremeados ao legado dos Pioneiros
da Educação Nova, princípios que ainda hoje norteiam a prática da interculturalidade
nas escolas. Embora a questão da interculturalidade emerja como uma das mais
importantes problemáticas contemporâneas, ela já estava contemplada, com toda sua
complexidade, nas reflexões e ações políticas dos Pioneiros da Educação Nova.
Aprendemos com Sérgio Miceli (1979) que o legado dos Pioneiros, particularmente de
Lourenço Filho e Anísio Teixeira, deveu-se muito às origens familiares que os
dirigiram, desde muito cedo, para o acesso aos bens culturais disponíveis apenas para
as classes dominantes, fato que certamente contribuiu para sensibilizá-los na busca
de pedagogias alternativas com ênfase nas diferenças socioculturais. Assim, a reflexão
destaca que não bastam intervenções didáticas puramente técnicas para garantir
fecundidade e eficácia formativa ao currículo quando se trata de sociedades
caracterizadas por grandes diversidades e diferenças culturais. O trabalho discute a
necessidade de se adotar, em espaços escolares, práticas e metodologias de ensino
de cunho pedagógico mais inovador e envolvidas num contexto de políticas
educacionais sensíveis à questão da diferença e da interculturalidade.
Palavras-chave: Escola Nova. Manifesto dos Pioneiros. Interculturalidade. Educação
Popular. Cultura.
Abstract: Based on the sociological perspective of understanding reality,
communication discusses the pedagogical principles woven into the legacy of the New
Education Pioneers, principles that still guide the interculturality practice in schools.
Although the issue of interculturality emerged as one of the most important
contemporary issues, it was already covered in all its complexity, in the reflections
and political actions of the Pioneers of the New Education. We learn with Sergio Miceli
(1979) that the legacy of the pioneers, particularly Lourenço Filho and Teixeira was
due much to family sources that drove them from an early age for access to cultural
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goods available only to the ruling classes, fact which certainly contributed to sensitize
them in the search for alternative pedagogies with emphasis on socio-cultural
differences. Thus, the reflection points out that not enough purely technical
educational interventions to ensure fertility and formative effectiveness to the
curriculum when it comes to societies characterized by great diversity and cultural
differences. The paper discusses the need to adopt in school spaces, practices and
educational profile of teaching methods more innovative and involved in a contextsensitive educational policies to the question of difference and interculturality.
Keywords: New School. Education Pioneers Manifest. Interculturality. Popular
Education. Culture.
Introdução
L
ançado em 1932, o documento redigido por Fernando de Azevedo, cujo
título completo é A Reconstrução Nacional do Brasil: Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, contou com a adesão de 26 intelectuais de
grande envergadura, entre os quais destacamos Anísio Teixeira, cuja obra
ocupa papel nuclear e seminal e vem sendo, ainda hoje, fonte de instigantes
pesquisas por indicar a importância que tem o sistema de educação pública no
Brasil.
Saviani (2000) destaca o momento histórico da divulgação do Manifesto
e nele a contribuição da obra de Anísio Teixeira, considerando-o um clássico
da educação brasileira:
O que é a fase clássica? É a fase em que ocorreu uma depuração,
superando-se os elementos próprios da conjuntura polêmica e
recuperando-se aquilo que tem caráter permanente, isto é, que
resistiu aos embates do tempo. Clássico, em verdade, é o que
resistiu ao tempo.
Abrindo a reflexão sobre o tema da presença da interculturalidade no
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, somos forçados a estabelecer uma
ponte com o passado. A forma de balanço sociológico passado/presente sobre
a questão nacional, a educação popular e a interculturalidade nos pareceu
válida. Tomamos como referência os anos de 1920 e 1930, quando um grupo
de intelectuais liderados por Fernando de Azevedo interferiu na política cultural
brasileira conferindo visibilidade à questão educacional articulada à questão do
desenvolvimento nacional.
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Em que pese um certo romantismo e apologia do modernismo burguês, o
que é compreensível, dado o contexto social da época, o Manifesto da
Educação Nova é de fato um documento emblemático por constituir-se como
objeto fundante de discussões sobre a inserção da cultura popular e o
conhecimento comum no campo do sistema de educação pública no Brasil.
Portador de grande teor simbólico, este documento ainda hoje é o locus de
discussão e reflexão sobre o ambiente político e social da primeira metade do
século XX, e ainda mantém, paradoxalmente, grande atualidade quando se
trata da inserção dos saberes populares no processo de construção cidadã,
concomitante com a inserção do Brasil na nova ordem mundial, processo no
qual espera-se que a escola desempenhe papel seminal. Para Micelli, de acordo
com Lourenço Filho, “[...] a escola pública deveria ser um orgão de adaptação
e coordenação para implementar os ideais nacionais de renovação”. (apud
CATANI, [s.d.], p. 42). Embora se discutisse naquele momento os valores e os
signos cindidos entre as classes subalternas e as elites econômicas e culturais,
o Manifesto não postulou um modelo político e econômico explícito para o
Brasil. O que se constituía no país era a consolidação de uma sociedade de
classes segundo o código hegemônico da elite dominante, mesmo que o
documento refletisse a possibilidade de um saber popular que pudesse
compartilhar da construção dos valores nacionais pela mediação de uma
educação de qualidade. Como se sabe, Getúlio Vargas utilizou o documento
como meio e não como fim político.
Em termos históricos e epistemológicos, existe incongruência
entre Escola Nova (experiência, pesquisa, invenção, criatividade,
descoberta) e o modelo político, isto é, a organização social
autoritária do Estado, que inibe a iniciativa baseada na escola
nova, no plano da educação e no plano social (MENDES, 1987, p.
494).
Mendes aponta para o fato de que a proposta da Escola Nova encontra
sua justificativa e fundamento na ideologia liberal. Esta ideologia permitiu ao
Estado manipular as propostas de pesquisa, descoberta e criatividade,
mantendo-as num plano abstrato, sem a devida articulação eficaz com os
campos político, econômico e pedagógico e mais profundamente a articulação
da subjetividade e objetividade na sua incorporação ao trabalho e à práxis. O
fato é que naquele momento categorias e métodos se transformaram em
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estereótipos motivados talvez pelo mimetismo cultural. O liberalismo
pragmático de Dewey, que muito influenciou o trabalho dos intelectuais que
subscreveram o Manifesto, não ofereceu respaldo para a condução das ações
voltadas para a conjuntura histórica e social da época. De fato, os conflitos de
classe foram contornados e estabelecidos ajustes e reajustes também no
âmbito da educação em prol da economia capitalista. Mesmo assim, as
contribuições criativas do legado dos Pioneiros permaneceu latente e hoje é
possível refletir sobre a possibilidade de recuperá-las quando se trata de
pensar as questões não resolvidas no campo cultural e nas relações complexas
da interculturalidade brasileira.
Embora
permeada
de
um
entusiasmo
funcionalista
e
desenvolvimentista, a Educação Nova não era um sonho efêmero para os
Pioneiros. Ela constituía-se como um plano de ação educativa rumo à
modernização nacional em que a escola estava destinada a desempenhar
relevante papel na elaboração do conceito de nação, nacionalidade e
nacionalismo, valores e conceitos que deveriam, pela mediação da educação
escolar, pública e gratuita, circunscrever as metamorfoses de homens comuns
em cidadãos. Em que pese o funcionalismo positivista que impregnava a
reflexão dos intelectuais defensores da Escola Nova não se pode esquecer que
eles revelaram com clareza um potencial de produção cultural que emanava
do segmento popular não alfabetizado. Viram na população um contingente de
pessoas, de diferentes nacionalidades, desenraizadas que lutavam pelo seu
reenraizamento, interferindo com a produção de novos valores no campo da
produção cultural. No âmbito da difusão cultural, Beisiegel aponta para a
contribuição teórica de Lourenço Filho, ao referir-se à educação popular no
país,
[...] essa educação deveria, ainda, em suas palavras, ter como
fim a difusão cultural, “de extensão, a todos os benefícios da
cultura,
envolvendo
agora,
os
recursos
da
educação
extraescolar”. Para ele, o ensino de jovens e adultos analfabetos
era uma atividade de redenção do homem brasileiro ou de
redenção nacional. (apud CATANI, [s.d.], p. 45).
De modo geral, todos os Pioneiros mostraram em suas reflexões um
apaixonado envolvimento com a questão educacional, articulada com o ideário
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de uma nação moderna e qualificada para a produção de vida urbanoindustrial. Assim, pensaram não apenas a educação, mas também um ideal de
sociedade que deveria modernizar-se e construir uma nova identidade nacional
modelada pela cultura popular, sem esquecer, todavia, de um saber erudito
que encontrava na escola nova americana e em Dewey as referências
conceituais. Para o bem e para o mal, aglutinaram conteúdos, métodos e
técnicas tangenciando as modificações sociais que ocorriam naquele momento
sob a batuta de Getúlio Vargas. Sem aprofundar sua problematização, seguiam
como os demais países europeus a escola nova americana, “[...] lubrificados
pelos métodos e técnicas destinados, sobretudo, à industrialização e à
modernização” (MENDES, 1987, p. 493).
A sociedade por eles pensada seria articulada ao urbanismo industrial
pela mediação da educação do povo que naquele momento acompanhava as
metamorfoses da sociedade em devir, ele mesmo em processo de mudança
geográfica, vindo do campo para a cidade em busca de novas formas de
produção da sua vida. De fato, o Manifesto reivindicava uma renovação
nacional mediada pela educação, que seria sim o modus operandi da
reconstrução nacional, funcionando como alavanca de todo o processo de
transformação social. Todavia, como afirma Mendes (1987, p. 493) “[...] esses
pensadores difundem o saber (cultura e educação) para o povo, de cima para
baixo, segundo o código hegemônico das classes dominantes”. Inspirados por
Dewey e pelo modelo americano, denotavam alienação com respeito aos
conteúdos embutidos nos métodos e técnicas vindos do exterior para o Brasil,
motivo pelo qual o Estado não tinha projeto político, “[...] precisamente por
ser país dependente, condicionado pelos centros hegemônicos no plano político
e econômico” (MENDES, 1987, p. 494). Em que pese a falta de uma reflexão
crítica ou a não percepção de que a Escola Tradicional e a Escola Nova, mesmo
que com pontos de vista diferentes, confluíam em alienação, eles
não
encaravam de forma romântica “[...] os princípios da educação renovada
disseminadas pelo movimento conhecido por „escolanovismo‟”. (SAVIANI,
2000).
A seu favor, pode-se argumentar que, estando situados no paradigma
da modernidade, os Pioneiros opunham-se ao paradigma da tradição jesuítica,
projetado no Brasil colônia e imperial. Combatendo abertamente dogmas e
preconceitos alienantes da vontade popular, cerceadores de seus saberes e de
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suas manifestações culturais, marcavam, acima de tudo, de forma
contundente, uma reação às pretensões de Getúlio Vargas, definindo
claramente o campo educacional brasileiro. Muitos deles, discípulos de Dewey
e admiradores da educação e cultura americanas, estavam atentos às
condições brasileiras de estagnação e analfabetismo. Assim, não
transplantavam o sistema americano, mas buscavam trazer à tona as
sobrevivências das “[...] antigas questões que se acumularam na colonização e
se agravaram depois no drama da escravidão combinando com a consolidação
dos latifúndios” (FREITAS, 2011).
Tangidos pela urgência das mudanças no plano político-social, deixavam
transparecer, em sua qualificada escrita, a necessária elaboração de uma
nova sensibilidade sobre a infância, sobre a juventude, considerando também
o adulto analfabeto. Contribuíram de forma criativa para a mudança de
mentalidade na condução dos destinos da educação brasileira e peculiar
construção de uma nova cultura escolar, contemplando aqueles que viviam ao
largo do sistema educativo.
Exemplo disso está em toda obra de Cecília Meirelles. Como educadora
ou como jornalista, ela contribuiu com sua sensibilidade e inquietude para a
elaboração de um novo olhar sobre a infância. Com apaixonado envolvimento,
desvelou nova sensibilidade para com a produção cultural do conhecimento
escolar, conferindo visibilidade à educação de crianças e difundindo uma nova
maneira de pensar seus principais problemas. Como jornalista, contribuiu para
uma qualificada mudança de mentalidade deixando ver em suas crônicas e
poemas os fatos corriqueiros que pudessem persuadir e legitimar um novo
trato não apenas com as crianças, mas fundamentalmente com o outro, com o
diferente, com o estrangeiro que pudesse de algum modo contribuir para a
vivência e percepção de novas realidades. Nessa direção, seu projeto
jornalístico denotava o propósito de intervenção no campo cultural mobilizando
seus leitores para o reconhecimento e reciprocidade com estrangeiros que
pudessem compartilhar dessa construção multirreferencial em termos de uma
prática humanista mais universal. Em 1930, ela festeja a chegada ao Brasil do
reconhecido pedagogo Edouard Claparède, médico e psicólogo suíço, vendo
nele a excepcional oportunidade de compartilhar, no plano cultural e científico,
da construção de uma nova sensibilidade. Mignot (s/d) comenta seu
entusiasmo que emana da crônica A visita de um educador notável, publicada
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pelo Diário de Notícias em 05 setembro de 1930 (p. 6). Segundo Mignot (2011,
p. 65), ela
[...] ressaltou a importância de acolher aquele em cuja figura se
concentrava “uma expressão personalíssima da psicologia;
aplicada em toda sua transcendência, ao conhecimento da
criança”. Por isso argumentava “vamos receber a um estrangeiro
como se o não fosse, não pelo nosso proverbial espírito de
hospitalidade, mas porque os que se unificam nesta
confraternização ideológica de tornar o mundo melhor por um
respeito elevado e consciente da criança, orientando-a para uma
visão total e superior da vida, perdem os contornos nacionais;
integram-se na aspiração conjunta da humanidade; passam a ser,
efetivamente, cidadãos do mundo.
No empenho para desenvolver uma nova sensibilidade para a infância e
uma visão mais totalizante de compartilhamento de bens culturais, Cecília
Meirelles talvez não tenha visto alguns riscos com relação a assumir de forma
acrítica a visão funcionalista de Claparède; todavia, ao lhe fazer o elogio, ela
antecipou alguns valores humanistas que circunscrevem hoje as questões
relativas à necessária discussão sobre a interculturalidade, que ainda está por
ser feita dada à sua complexidade.
Sem desqualificar a contribuição dos demais Pioneiros, Anísio Teixeira e
Lourenço Filho se destacam como clássicos do pensamento educacional
brasileiro por não compactuarem com o romantismo burguês da época e
manifestarem com clareza a percepção dessa problemática.
Dizer que Anísio Teixeira é um clássico da educação brasileira
significa dizer que sua obra, embora resultante dos problemas
postos pela época compreendida entre os anos vinte e os anos
sessenta do século XX, ultrapassa essa época adquirindo validade
universal e se tornado referência para outros períodos históricos.
Nessa condição, o estudo de sua produção teórica e prática se
torna uma exigência para a formação de novas gerações de
educadores, assim como para a compreensão e equacionamento
dos problemas educativos que a sociedade brasileira vem
enfrentando. (SAVIANI, 2000).
Anísio Teixeira acreditava que para construir a esfera pública e um
Estado democrático era preciso antes avaliar os erros históricos cometidos a
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partir de um lugar marcado pela transposição de ideias, pelo privatismo e
imobilismo, este último resultado perverso da colonização portuguesa
antimoderna, cujo resultado era a produção de uma história retrógrada em que
havia o predomínio do interesse privado sobre o público.
Educador por opção, entre promissoras carreiras que se lhe
descortinavam na política e na atividade empresarial, decidiu-se
pela educação numa época que a atividade educativa não tinha
status de profissão. [...] empenhou-se em dar bases científicas
para a teoria pedagógica e estatuto profissional à prática
pedagógica. Para tanto organizou instituições de pesquisa e deu
especial atenção à questão da formação de professores.
(SAVIANI, 2000).
Tal como Anísio Teixeira, também Lourenço Filho dedicou sua vida à
educação. Entre as muitas contribuições de sua obra pedagógica merece
destaque o momento em que desenvolveu ações ligadas à Campanha Nacional
de Educação de Adultos, atuando na Comissão de elaboração do anteprojeto
de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Comentando Celso Beisiegel
(1999) quanto ao destaque à contribuição de Lourenço Filho nos anos de 1940,
Denise Catani (2011) aborda atividades de Lourenço ligadas à Campanha de
Educação de Adultos, junto ao INEP e ao próprio Ministério da Educação. Ela
diz:
[...] em seus escritos e pronunciamentos, desenvolve
amplamente seus ideais relativos à formação de jovens e adultos
para além da mera aquisição de leitura e da escrita, deveria
também promover a formação profissional que integrasse as
pessoas às novas condições de trabalho. Essa educação deveria,
ainda, em suas palavras, ter como fim a difusão cultural, de
extensão, a todos os benefícios da cultura, envolvendo, agora, os
recursos da denominada educação extraescolar. (CATANI, [s.d.],
p. 45).
Tal como Anísio Teixeira, ele é um clássico da educação brasileira e sua
presença foi primordial na atuação em espaços institucionais de destaque bem
como na produção de intervenções mediante pesquisas no âmbito da
pedagogia. Marcos significativos para a educação brasileira, seus livros e
artigos tiveram reconhecimento internacional.
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Educação Nova, Paulo Freire e a problemática da interculturalidade
O legado de Lourenço Filho impregna a obra de Paulo Freire no Brasil dos
anos de 1950. Tal como Lourenço Filho nos anos de 1940, Paulo Freire (1971)
expressava, com o seu trabalho, a preocupação com as diferenças culturais
que marcavam a pobreza do povo brasileiro. Se, para Lourenço Filho, o ensino
de jovens e adultos analfabetos era de fato uma atividade de redenção
nacional, para Freire esse legado expressava também a redenção do homem
brasileiro, na sua especificidade de produção sociocultural. A herança dos
princípios e ideais educativos explicitavam também as características dos
materiais didáticos que Freire passou então a pesquisar, destinados a essas
faixas etárias, a exemplo de Lourenço Filho. O trabalho que desenvolve é de
fato “[...] resultado da coincidência entre a boa vontade cultural que permeia
suas disposições e os interesses do poder público em contar com o corpo de
especialistas voltados para a gestão do sistema de ensino” (MICELI, 1979, p.
171). Paulo Freire, a exemplo de Lourenço Filho, manifestou com seu trabalho
a necessidade de renovação educacional, contemplando a situação real das
classes populares. Em Freire, a pesquisa sobre as condições existenciais e de
pobreza serviria para a proposição de caminhos e melhorias do ensino. Nessa
busca esclareceu-se o embate sobre o moderno e o arcaico intrinsecamente
imbricados, o que por conseguinte causava a impressão de estagnação e
imobilidade. Assim, era preciso “[...] defender a necessidade de elevar-se o
nível de instrução de toda população como condição necessária ao
desenvolvimento da nação” (CATANI, [s.d.], p. 45).
O método de Freire surge no contexto da problematização de situações
colonialistas que precisavam ser superadas. Situações que tanto Lourenço Filho
quanto Anísio Teixeira já antecipavam como legado da colonização portuguesa
e jesuítica que nos imobilizava no tempo. Assim, a modernização revelava um
caráter tradicional percebido claramente na separação em que a educação
ficava de um lado e a economia e política, do outro. A educação, no momento
freireano, ainda não havia realizado a proposta dos Pioneiros e debalde todos
os esforços, ainda não estava suficientemente problematizada. Estando quase
imóvel frente às modificações sociais, a educação mantinha seu caráter
estanque. Ainda que Anísio Teixeira tivesse apontado para o século XVI como
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um momento chave para entender a pobreza brasileira, o país não havia
conseguido romper com a “imobilidade medieval”, legado de uma história
portuguesa antimoderna, com “[...] raízes de uma cultura por ele descrita
como „truncada numa imobilidade granítica‟, [...] como se nela o tempo não
andasse” (FREITAS, 2010, p. 54). Também Freire, como Teixeira, concluía que
estávamos parados no tempo, com a nossa modernidade; estávamos
construindo uma estratificação social perversa em que uma minoria ocupava o
topo da pirâmide desfrutando de uma educação de qualidade.
Paulo Freire, seguindo os passos trilhados por Lourenço Filho e Anísio
Teixeira, preocupava-se com a realidade do povo brasileiro que tinha, naquele
momento, uma produção cultural muito rica, mas que não encontrava
reconhecimento e reciprocidade, necessárias para a afirmação de uma
identidade multicultural. As chaves que possibilitariam o diálogo entre as
referências culturais e a interculturalidade foram encontradas por ele nas
manifestações culturais, nas práticas cotidianas e no universo simbólico dos
sujeitos inseridos no processo de múltiplas metamorfoses rumo à
modernização do Estado brasileiro, na década de 1960, sofrendo
determinações de uma situação ditatorial. Ele expressou, em sua reflexão e
método, a preocupação com a triste realidade dos sujeitos em construção
humana em condições degradantes de vida. Afirmava ser válido para os seres
humanos receber uma educação que respeitasse as sutilezas da vida e seus
surpreendentes caminhos. Ensinava como isso deveria ser incorporado e
trabalhado por uma educação humanista, recuperando de Lourenço Filho as
lições que propunham a pesquisa pedagógica que serviria então para o
conhecimento não apenas da realidade escolar como também aquela da
cultura popular.
Superada a subordinação imposta pelo período ditatorial, o
reaquecimento desse debate nos anos de 1970, se agregou à preocupação
crescente com a questão da cultura, questão disseminada inicialmente no
trabalho dos Pioneiros
Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Cecília Meireles,
Fernando de Azevedo e, posteriormente, no seio de uma intelectualidade
marxista, que cada vez mais se interrogava sobre as práticas culturais e
interculturais como constitutivas da sociedade e não somente como produtos
das relações socioeconômicas.
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A problemática espraiava-se pelos vários campos de conhecimento,
sensibilizando linguistas, filósofos, historiadores e sociólogos, abarcando
diferentes perspectivas teóricas e metodológicas. Entretanto, foi apropriada
pelo campo educacional também de maneira variada, reconhecendo-se de
forma fragmentária o legado dos Pioneiros e posteriormente freireano,
ressaltando-se a necessidade de prudência no que tange às especificidades dos
nossos desafios. De fato, com honrosas exceções, entre as quais Freire, o
legado, a apropriação de conteúdo e método e germinação das contribuições
de Fernando de Azevedo e Lourenço Filho não aconteceram nem em termos
históricos e tampouco sociológicos. No mais das vezes, suas categorias e
métodos se transformaram em estereótipos, esgarçados em todo território
nacional, a despeito dos esforços de seus principais representantes em
situarem a Escola Única como instrumento de justiça social. Na luta para
mudar o perfil da escola autoritária, perderam-se as referências daquilo que
era de fato positivo do legado dos Pioneiros para a educação de qualidade. Em
que pese o pragmatismo funcionalista primordialmente norte-americano que
ancorava o trabalho de Anísio Teixeira, sua obra deu grande impulso sobretudo
no que tange ao reconhecimento da heterogeneidade da cultura nacional e de
reconstrução da experiência individual na sua realização social.
Como os Pioneiros, também Freire se interrogava sobre a educação
autoritária destinada a poucos e propunha um inventário das práticas
escolares, de maneira a realizar um mapeamento cultural da escola, atento à
sua constituição histórico-social impregnada por culturas de diferentes partes
do mundo num matiz étnico-cultural. As descontinuidades e desvãos de uma
história estagnada comprometeram a busca por metodologias inovadoras.
Com relação às adequações didáticas e curriculares para uma educação
intercultural, há muito por ser feito à vista de que o tratamento desta questão,
no mais das vezes, se faz a partir de modismos extemporâneos à nossa
realidade. Ao contrário disto, no legado de Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo e Lourenço Filho, depreendemos que o currículo deve estabelecer a
articulação e coerência dos conteúdos, antigos e novos na perspectiva de
continuidade e da transformação.
Com Anísio Teixeira e Lourenço Filho, com a Escola Nova e seus
protagonistas, aprendemos que existem diferentes abordagens e maneiras de
compreender as questões relativas à diversidade, à interculturalidade na
77
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educação brasileira contemporânea. Aprendemos que é necessário considerar
o processo de colonização portuguesa estagnada e imobilista, a escola
mecânica jesuítica, bem como os resquícios da escravidão e posteriormente a
imigração de diferentes povos desenraizados em processo de reconstrução
identitária. À luz da contribuição de Lourenço Filho e Anísio Teixeira, a análise
das múltiplas desigualdades deve transformar o olhar do educador porque a
maioria delas não se reduz à origem e nem à posição de classe social, mas é
de fato resultado de um conjunto complexo de fatores, aparecendo como
produto perverso de políticas sociais que têm como fim limitá-las.
Todavia é preciso lembrar que é fundamental considerar os processos
contraditórios e recuperar a contribuição da Escola nova e seus protagonistas,
quando destacam o duplo caráter da escola.
Sem romantismos, eles
reconheceram e explicitaram o poder que a escola exerce, individualizando e
hierarquizando os indivíduos, mas também veem na escola um grande
potencial que vai além de fornecer capacitação profissional ou qualidade de
racionalidade técnica. Para eles, a escola é parte integrante de um processo
mais amplo que transcende as relações puramente escolares.
Conclusão
Os trabalhos que tomam a cultura escolar como categoria de
interpretação da realidade no caminho aberto pelos Pioneiros se situam nas
diversas áreas disciplinares que compõem a pedagogia, ou seja, a psicologia
da educação, a sociologia da educação, a filosofia da educação e a didática,
entre outras. Apesar de partilharem referências comuns, espelham as múltiplas
especialidades do saber pedagógico e seu diálogo com campos de
conhecimento afins. Todavia, grande parte da investigação pedagógica e
didática dos últimos cinquenta anos foi uma investigação descontextualizada,
contrariando o projeto político-pedagógico de Anísio Teixeira que se baseava
numa premissa oposta àquilo que as elites brasileiras afirmavam.
A exemplo de Anísio Teixeira e de Lourenço Filho, Paulo Freire (1971)
destaca que os procedimentos de estudos e investigação devem ser de tal
natureza que possam indagar sobre a produção e a troca de significados,
sejam quais forem os veículos de transmissão e intercâmbio em sala de aula,
ou fora dela. O próprio processo de investigação deve ser transformado em
78
Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
processo de aprendizagem dos modos, dos conteúdos, resistências e
possibilidades da renovação da prática na aula, conforme os valores que
considera educativos, formando e transformando o conhecimento em ação dos
que participam da relação educar e aprender.
Paulo Freire (1971, 1983) explicou que a investigação na educação está
na particularidade do objeto de conhecimento, fenômeno educativo imbricado
nos fenômenos sociais. Portanto, o conhecimento pedagógico não será
relevante a menos que se incorpore ao pensamento e à ação dos agentes
sociais. Para ele, o conhecimento que se pretende elaborar neste modelo de
investigação incorpora-se ao pensamento e à ação dos que intervêm na
prática, o que determina a origem dos problemas, a forma de estudá-los e a
maneira de oferecer a informação para solucioná-los.
Os fatos sociais são redes complexas de elementos subjetivos e
objetivos. Qualquer fenômeno que acontece na aula tem uma dimensão
objetiva (conjunto de manifestações observadas), bem como uma dimensão
subjetiva (significado que tem para os que o vivem). A complexidade da
interculturalidade reside na necessidade de ter acesso aos significados e estes
só podem ser capturados no contexto dos indivíduos que os produzem e os
trocam no âmbito das relações entre as nações.
Assim, a educação intercultural, no sentido freireano, parte de nossas
experiências de vida, de nossos referenciais culturais, de nosso entendimento
teórico, num diálogo entre concepções e práticas sociais baseado em relações
solidárias, no convívio dialógico numa cultura de paz e de responsabilidade
para com o outro e o mundo.
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79
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Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
A HISTÓRIA DE UM INSTITUTO PÚBLICO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES (1946-1979)
HISTORY OF A TEACHERS EDUCATION PUBLIC INSTITUTION (1946-1979)
Lúcia Tavares Nascimento
Mestre em História da Educação
Universidade Católica de Santos - UNISANTOS
E-mail:
[email protected]
Jaqueline Castilho Moreira
Doutora em Educação Escolar
Professora UNESP - Presidente Prudente
Departamento de Educação Física
E-mail:
[email protected]
Resumo: Essa pesquisa estuda a formação de professores na cidade de Santos (SP),
entre os anos de 1946-1979, revelando as várias fases pelas quais a formação
docente passou após a implantação de um Curso Normal público, e nomeado, em
1953, “Instituto Educacional Canadá”, um marco na formação de professores, visto
que anteriormente apenas instituições particulares disponibilizavam esse nível de
ensino. Realça a presença feminina nessas instituições de ensino, permanecendo após
a criação dos cursos universitários para formação de docentes dos outros níveis
educacionais. A metodologia utilizada foi histórica-documental dos acervos da EE
Canadá de Santos, entrevistas e a legislação da época. A pesquisa objetivou o estudo
da formação de docentes em uma instituição pública, até a extinção dos cursos
normais.
Palavras-chave: Formação de professores. Canadá. Santos.
Abstract: Research studies the teachers‟ formation in the city of Santos (SP) between
1946 and 1979, describing the several stages that the teachers training had after the
establishment of a public teachers school in 1953 named “Instituto Educacional
Canadá”, its creation was a milestone in the teacher‟s education due to the fact that it
was only previously provided by private institutions. The study emphasizes the female
presence in these institutions, which remained after the establishment of university
courses for the formation of other education levels teachers. The methodology applied
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was the historical and documentary study of the “EE Canadá de Santos” archives,
interviews and the legislation of the epoch. The research aimed the study of teachers
formation in a public institution until the end of the educational courses.
Keywords: Teachers formation. Canadá. Santos.
I. Em princípio
São penas e verdades que sobejo...
Vicente de Carvalho
D
urante todo o século XX, a educação em Santos foi marcada pela
atuação de instituições particulares laicas e notoriamente religiosas
católicas, como o “Liceu Feminino Santista”; o “Colégio Coração de
Maria”, fundado pelas Irmãs do Imaculado Coração de Maria; o “Colégio São
José” e o “Colégio Stella Maris”. Todas essas instituições cuidavam da
formação de moças santistas ou provenientes de outras cidades da região, que
sonhavam transformarem-se em futuras professoras ou prendadas donas de
casa. Para a formação dos meninos havia o “Colégio Santista”, mantido pelos
irmãos Maristas e a “Associação Instrutiva José Bonifácio”, entidade particular
laica, com primário e ginasial, vários cursos técnicos e um curso normal
voltado para formação de professores. Embora Santos contasse com grupos
escolares estaduais como o “Barnabé” e o “Cesário Bastos”, algumas escolas
municipais e o “Ginásio Estadual Canadá”, fundado em 1934, o ensino
secundário local era predominantemente de iniciativa privada, destoando de
outras cidades de mesmo porte do estado.
Justificou-se a realização desta investigação na cidade portuária de
Santos, SP, por ser a educação formal local predominantemente marcada pela
atuação de instituições particulares. A cidade, assim como o país, passou por
transformações políticas, sociais e educacionais; a redemocratização após a
ditadura Vargas; a euforia econômica de Juscelino com o intenso
desenvolvimento da industrialização; e a intervenção federal sofrida com a
ditadura militar, a partir de 1964.
A periodização escolhida delimitou-se entre 1946-1979, com a intenção
de revelar as várias fases pelas quais a formação docente passou, após a
implantação de um curso público para a formação de normalistas.
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Vale acrescentar o que se considerou neste estudo, como via formal de
formação docente. Sugeriu-se, como educação via formal, o desenvolvimento
de atividades educacionais organizadas, sistemáticas, com objetivos claros e
específicos, a serem realizados dentro de uma limitação temporal,
representada principalmente pela formalidade de um espaço que lhe é próprio:
as escolas e as universidades ou, no caso da formação docente do período
estudado, os institutos e as faculdades de filosofia.
Para Gadotti (2005, p. 2), a educação formal
[...] depende de uma diretriz educacional centralizada como o
currículo,
com
estruturas
hierárquicas
e
burocráticas,
determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos
ministérios da educação. Toda educação é, de certa forma,
educação formal, no sentido de ser intencional, mas o cenário
pode ser diferente: o espaço da escola é marcado pela
formalidade, pela regularidade, pela seqüencialidade.
Nesse sentido, investigar uma instituição pública de formação de
professores, envolta num cenário predominantemente privado pode trazer à
tona novas questões sobre a temática.
Assim, a metodologia de pesquisa requereu que o estudo fosse
desenvolvido em quatro etapas, com instrumentações variadas. Inicialmente
houve um levantamento sobre a bibliografia existente, as legislações e a
documentação local referente ao tema, em arquivos da cidade e online.
Num segundo momento, foram coletados materiais do acervo do
”Instituto de Educação Canadá”, escola selecionada, por sua simbologia na
educação santista. A instituição foi a primeira de ensino secundário público,
formadora de professores, e que gozava, durante a periodização estudada, de
grande prestígio em toda a região da Baixada Santista.
Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com duas
docentes, de faixa etária acima de oitenta anos, cujos nomes foram protegidos
pelo anonimato, e que foram escolhidas, por trabalharem nesta instituição,
dentro da periodização apontada.
E, por fim, foi feita uma revisão bibliográfica sobre a “Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras” de Santos, entidade particular também formadora
de professores, para a realização de um contraponto com a formação feita pela
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instituição pública acima mencionada, embora não tenha sido o objetivo deste
trabalho levantar os arquivos da faculdade.
Dessa forma, o presente estudo objetivou desvelar a história da
formação docente pública pelas vias formais de ensino.
Figura 1 – “Ginásio Estadual Canadá” em 1936
Fonte: Acervo FAMS.
II. Transformações na formação pública de professores
Clamo, e não gemo;
Avanço e não rastejo,,,
Vicente de Carvalho1
Até se chegar à consolidação do “Instituto Educacional Canadá”, foi
preciso um longo período de disputas políticas em âmbito nacional, estadual e
1
Os subtítulos deste estudo reverenciaram os versos do santista Vicente de Carvalho (18661924), advogado, jornalista, político, também conhecido na região, como o “poeta do mar”.
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municipal, com perdas e ganhos públicos e privados, mas que efetivamente
resultaram em várias alterações na política educacional local, especialmente
relacionada ao objeto do estudo.
A fala da “Professora A” do “Canadá” corroborou com a apresentação
deste panorama crítico da educação na cidade:
Olha, a grande maioria eram formados; mas davam aulas em
disciplinas que não tinham nada a ver com sua área de formação.
Por exemplo, era médico e dava aula de história, dava aula de
matemática, então dava de biologia; Engenheiro dava aula de
matemática, geralmente, como vocês já devem ter visto, só vai
começar a ter Faculdade de Filosofia em 1930(?). Então, nos
primeiros anos eram professores que só tinham o ensino primário
completo [...] por exemplo, a minha mãe, ela tinha o diploma de
curso primário com uma complementação para ser professora.
Não tinha cursos específicos para magistério.
Embora o depoimento expressasse uma situação local, fontes como o
Primeiro Censo Escolar do Brasil alertavam sobre a falta de preparo dos
professores através de seus desalentadores dados; deu uma amplitude maior à
fala da professora, já que esta refletia também a situação educacional
brasileira.
Abarcando esta problemática, que envolvia toda a educação nacional, as
mudanças que almejavam uma melhoria do ensino numa perspectiva macro,
deu-se início às reformas educacionais, realizadas por Gustavo Capanema a
partir de 1934. Essas mudanças foram intensificadas no ano de 1946,
momento em que houve um desdobramento dos níveis de ensino.
Para Saviani (2009, p. 31),
O Ensino Primário foi desdobrado em Ensino primário
fundamental, de quatro anos, destinado a crianças entre sete e
doze anos, e Ensino Primário Supletivo, de dois anos, destinado a
adolescentes e adultos que não haviam tido oportunidade de
frequentar a escola na idade adequada. O Ensino Médio ficou
organizado verticalmente em dois ciclos, o ginasial, com duração
de quatro anos, e o colegial, com duração de três anos e,
horizontalmente, nos ramos secundário e técnico-profissional se
subdividiu em industrial, comercial e agrícola, além do normal
que mantinha interface com o secundário.
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Com a expansão do ensino público no Brasil, e o consequente aumento
no oferecimento de vagas e no número de escolas, ampliou-se também o
número de instituições dedicadas à preparação do magistério, basicamente
constituído de moças de classe média, as normalistas.
Para dar conta dessa política educacional, havia necessidade de
implementação de uma série de medidas que não vingaram a contento. A
formação de professores primários, pelo menos em Santos, foi parcialmente
atendida, embora com uma defasagem considerável em relação aos níveis de
ensino seguintes. Espelhou tal situação, novamente, a locução da “Professora
A”:
[...] não tinham cursos específicos, eram profissionais de outras
áreas que davam aulas. Por isso é que foram criadas as
Faculdades de Filosofia. Eles se consolidam na década de trinta e
continuam até hoje.
A fala da professora referenciava, na legislação, a promulgação do
Decreto n.º 19.851 (BRASIL, 1931), que dispunha sobre o ensino universitário
no Brasil e a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Sua
principal intencionalidade era a formação de professores para atuarem no
ensino normal e no ensino secundário, já que as atenções das políticas
educacionais públicas se voltavam para a priorização na formação do professor
para esse nível de ensino.
Saviani (2009) asseverou que nova alteração na formação docente
ocorreu em 1939. Neste ano, adotou-se como modelo padrão nacional a
estrutura da Faculdade Nacional de Filosofia, organizada em: filosofia, ciências
e letras e pedagogia. Sendo que foi acrescida a elas, uma seção especial,
denominada didática, prevendo-se duas modalidades de cursos: o bacharelado
com duração de três anos, e a licenciatura, modelo que se mantém
fundamentalmente em vigor.
A consolidação na prática, das mudanças prescritas na formação
docente, decorreu de um longo processo de negociações e mediações, e que
muitas vezes sofreram envolvimento de outras dinâmicas políticas, econômicas
e sociais.
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Com o término da Segunda Guerra Mundial, mudanças significativas
aconteceram em vários campos, como a promulgação da Constituição
Brasileira de 1946 (BRASIL, 1946c), feita após o período ditatorial de Getúlio
Vargas, que definiu como privativa da União a competência para fixar as
diretrizes básicas da Educação Nacional. No âmbito da formação de
professores, duas leis orgânicas tornaram-se relevantes de serem
mencionadas. O Decreto-lei n.º 8.529 (BRASIL, 1946a), conhecido como lei
orgânica do ensino primário que organizava este nível de ensino e que, do
ponto de vista do professor, ampliava seu mercado de trabalho. E a outra, o
Decreto-lei n.º 8.530 do mesmo ano, que regulamentava o ensino normal
organizado em dois ciclos, sendo o primeiro para a formação de regentes de
ensino primário, com duração de quatro anos; e o segundo ciclo, para a
formação de professores primários, feito em três anos (BRASIL, 1946b). O
curso de regentes de ensino articulava-se com o ginásio; no entanto, o de
formação de professores primários assegurava ao aluno o direito de ingressar
no curso da Faculdade de Filosofia, desde que atendidas às necessidades
prescritas para a matrícula.
O curso normal contava, ainda, com cursos de especialização para
professores primários e curso de habilitação para administradores escolares do
grau primário. Os estabelecimentos de ensino que mantinham o curso normal
deviam manter escolas primárias anexas, e os institutos de educação deveriam
dispor de um ginásio e um jardim de infância, para demonstração das práticas
de ensino.
Voltando o foco a nível micro, em relação à formação docente santista,
durante a década de 1940, importantes avanços aconteceram. Um deles, por
meio do Decreto n.º 15.183, de 1945, que equiparou o “Ginásio Canadá” a
“Colégio Estadual Canadá”, com as repercussões administrativas, estruturais,
organizacionais e pedagógicas que envolviam esta transição. Em 1947, a
escola passou a oferecer, junto com o curso normal, o curso primário,
possibilitados pela promulgação do Decreto n.º 17.084. Por esta legislação
ficava estabelecido que, em anexo, funcionaria o ensino primário, para que as
normalistas pudessem realizar suas práticas docentes2.
2
O que atualmente está sendo discutido e legislado como “residência docente”.
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De volta ao cenário estadual, a equivalência entre curso secundário e o
ensino técnico teve início a partir de 1950, por meio do Decreto n.º 1.076
(PILETTI, 1995). Seu primeiro parágrafo assegurava a matrícula aos alunos do
primeiro ciclo do ensino comercial, industrial e agrícola; no curso clássico ou
científico, estabelecidos através do Decreto-lei n.º 4.244 (BRASIL, 1942),
desde que prestassem e fossem aprovados nos exames das disciplinas não
estudadas no primeiro ciclo do curso secundário.
O Decreto-lei n.º 6.141 (BRASIL, 1943) asseverava que os diplomados
nos cursos técnicos comerciais, de acordo com a legislação federal, poderiam
frequentar curso superior, desde que comprovassem, através de vestibular,
que estavam capacitados.
Essa legislação foi alterada dez anos depois, pela Lei n.º 1.821 (BRASIL,
1953). Segundo seu artigo 2º, teria direito à matrícula na primeira série de
qualquer curso superior o candidato que, além de atender à exigência comum
do exame vestibular e às peculiares a cada caso, houvesse concluído o curso
secundário, o clássico ou científico, os cursos técnicos do ensino comercial,
industrial ou agrícola, o 2º ciclo do ensino normal e o curso de seminário de
nível equivalente ao curso secundário, ministrado por estabelecimento idôneo
(BRASIL, 1953, p. 1).
O processo que agregou todas essas reformas educacionais à unidade
pública “Canadá” demorou oito anos. A culminância destas mudanças na escola
aconteceu apenas em 1953, ao receber a maior titulação que uma unidade
escolar podia almejar na época, ou seja, tornar-se um “Instituto Educacional”.
Neste ano, além de ser a primeira instituição pública santista, que
oferecia todos os níveis de ensino básico, o “Instituto Educacional Canadá”
dispunha de duas especializações, uma em Educação Infantil e a outra, em
Administração Escolar.
III. Esforços para formação docente
Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados...
Vicente de Carvalho
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O Brasil ganhou sua primeira legislação de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira em 1961, com a promulgação da Lei n.º 4.024 (BRASIL,
1961). Seu capítulo IV tratava especificamente da formação do professor do
magistério primário e da formação do professor do ensino médio. Essa última
deveria ser feita nas Faculdades de Ciências e Letras e, para professores de
disciplinas específicas e técnicas, a formação deveria ser realizada em cursos
especiais de educação técnica. Vale ressaltar ainda que, no artigo 67, ficava
estabelecido que esses cursos eram ministrados em estabelecimentos,
agrupados ou não em universidades, e que os diplomas seriam válidos em todo
território nacional.
Esses aspectos da legislação foram ilustrados na locução da “Professora
A”:
Os primeiros cursos surgiram nas capitais, em São Paulo; e aqui
em Santos a Faculdade de Filosofia era de 1955. Criada em 1954,
mas só começou a funcionar em 1955. Sendo o magistério uma
profissão marcadamente pelo sexo feminino, e a nossa região
apresentar dificuldades naturais como a serra do mar [as curvas
da estrada de Santos são reais], e não dispúnhamos de rodovias
como as atuais, havia grande dificuldade e necessidade de cursos
para que os professores pudessem prosseguir seus estudos em
Santos.
Novamente observou-se um cenário de educação pública na cidade, que
selecionava e excluía aqueles estudantes que não tinham condições de
locomoverem-se ou residirem em outras cidades para completarem sua
formação. Novamente aparecia um espaço educacional a ser preenchido, não
pelo poder público, mas pelas entidades particulares e pagas.
Neste período, a “Sociedade Visconde de São Leopoldo” teve sua
segunda faculdade autorizada no ano de 1954 e seus cursos reconhecidos no
ano de 1957. História também revelada no relato da “Professora A”:
[...] tinha o casarão, que era a Faculdade de Direito que foi
demolido; e juntamente com a casa apegada, que era menor, e aí
nós tínhamos a Faculdade de Filosofia, nesta casa menor e
algumas aulas a gente tinha na Faculdade de Direito, no espaço
da faculdade de Direito. Em 1958, o Jânio Quadros doou a casa
247 da Rua Euclides da Cunha, para a Sociedade São Leopoldo e
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a Faculdade de Filosofia foi para lá. Nesta época, os cursos eram
de Letras: anglo-germânicas e latinas, Pedagogia e o curso de
Jornalismo, junto com a faculdade de Filosofia. Não tinha uma
faculdade à parte.
Por toda a década de 1950, ocorreu a proliferação de estabelecimentos
de ensino privado e pago, que contrariava o espírito republicano de manter o
ensino público e gratuito, de acordo com os ideais explicitados pelo liberalismo
e pela Constituição de 1942. A iniciativa de abrir escolas particulares teve o
apoio de vários setores, inclusive do próprio governo, numa forma de restringir
gastos com educação, como asseverou Almeida (2004). A proliferação de
faculdades em Santos foi notória, pois até a década de 1950 a cidade só
contava com o Curso de Direito e Economia mantido pela “Associação
Instrutiva José Bonifácio”. A partir deste período, várias outras faculdades
foram criadas, todas particulares, e atualmente são universidades ou centros
universitários.
IV. O feminino na formação docente
Só a leve esperança em toda vida,
Disfarça a pena de viver mais...
Vicente de Carvalho
Havia o ideário de que formar-se professor para os filhos dos
trabalhadores era também um meio de ascensão social, através principalmente
do emprego público.
Em 1942, segundo Santoro (2010, p. 24), “[...] os vencimentos dos
professores de escola pública eram respeitáveis, equivalentes aos de juiz,
promotor de justiça”. Nesse sentido, as professoras concursadas do Estado
representavam bons partidos para o casamento.
Já nos anos de 1960, a ideologia predominante era voltada para a
evolução da economia, com uma participação da mulher no mercado de
trabalho. Essa ideologia, oriunda da classe dominante, objetivava manter seus
privilégios e estender sua visão de mundo aos vários segmentos sociais. A
ideologia burguesa moderna laicizada, que dominava o panorama social do
90
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período, veiculava uma concepção liberal de mundo tecnicista, no campo
educacional.
Para Almeida (2004), havia uma distinção de ser professora no
imaginário republicano daquele que ocorria na década de 1960. A inserção
feminina no magistério era uma destinação natural, em vista das qualidades
das quais as mulheres eram e são possuidoras, capazes de promover uma
educação integral às crianças, desde a mais tenra idade.
Seguindo por este caminho, na década de 1960, a classe média passou a
considerar o trabalho feminino, como uma forma de a família alcançar maior
bem-estar social, embora esta ocupação não devesse transpor os limites
socialmente adequados. Assim, a profissão de professora acabou por se
alicerçar como “um trabalho feminino”.
Esse ideário foi corroborado na entrevista com a “Professora A”:
[...] as faculdades de Filosofia ficaram restritas quase que só às
mulheres. Da década de 1990 para cá, a gente tem percebido, o
aumento considerável do número de homens. Tem aumentado
muito. Tem mais homem do que mulher. A não ser pedagogia,
que tem poucos homens, nos outros cursos, mesmo em Letras,
em história, a maioria é masculina.
Seu depoimento reforçou o fato da presença feminina ser grande nas
faculdades de filosofia, seguindo com esta predominância até os dias atuais, na
pedagogia.
A participação feminina era comum, inclusive ocupando cargos mais altos
dentro da hierarquia educacional pública, mesmo no período do regime
autoritário que se instalou no Brasil, após 1964. Conforme observou-se no
relato da “Professora B”:
Uma diretora, que até dava curso de aperfeiçoamento de
professores. Ela era muito burocrática. Não queria muito
envolvimento com os alunos. Enquanto o outro diretor deixava a
porta aberta. Para esta diretora, os alunos fizeram uma
manifestação colocando uma faixa “Queremos ver a diretora”.
Como resposta ela promoveu três reuniões, uma em cada turno
com os alunos.
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“Sabiamente”, esta diretora contornou a situação dos alunos no
“Instituto Educacional Canadá”, já que a repressão da ditadura militar, que se
estendeu aos anos de 1980, atingindo escolas, professores e estudantes,
proibia quaisquer tipo de manifestações, em particular aquelas de caráter
político; respaldadas pelo Decreto n.º 477 (BRASIL, 1969), que tratava
especificamente da educação, e que entrou em vigor após o Ato Institucional
n.º 5, de 1968. Seu artigo primeiro proibia a prática de atos destinados à
organização de movimentos subversivos, passeatas ou qualquer outra
manifestação. Certamente esta diretora tinha conhecimento desse decreto e
tomou a atitude mais adequada que poderia ter, naquele momento de tantas
sanções e delações.
Neste período, a consciência cívica e patriótica era estimulada na
população, por meio de celebrações, sendo que a escola servia como uma das
vias preferidas e como espaço para se pregar o ufanismo nacional e o amor à
pátria.
A “Professora B” relembrou que: “A conotação das festas era social.
Tinha ainda concursos [...] de culinária, comemorações do dia da pátria, sete
de setembro mas não tinha nada de política”.
Em outra fala, a “Professora B” destacou também a participação de
alunos do “Instituto Canadá” em apresentações de ginástica e de corais, para
angariar fundos para entidades beneficentes. Nestes eventos, era
demonstrado, além do civismo, o ufanismo imposto pelo momento político pelo
qual passava a população brasileira e em particular a santista. Segundo seu
relato sobre a atuação de um professor de educação física do Instituto,
O “Guaraná” fazia espetáculos para ajudar a Santa Casa. Ele
pediu minha colaboração escrever algo relacionado ao Brasil. Três
ou quatro linhas elogiando as características de cada para estado
brasileiro. Um aluno, o “Nórdico” (apelido), entrou sozinho, correu
toda à pista com a bandeira nacional [...] um negócio olímpico.
Vinte e seis alunos, um de cada vez, foram lendo no microfone os
dizeres que eu fiz. Todo este espetáculo em função de levantar
recursos para a Santa Casa. Os alunos se sentiram úteis. Além
desses fora da escola, tinham outros espetáculos dentro do
próprio Canadá.
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A partir da década de 1970, com a promulgação da Lei n.º 5.692
(BRASIL,1971), conhecida como Reforma de 1º e 2º graus, houve a extinção
do curso normal. A escolaridade de oito anos passou a exigir mudanças
correlatas na formação dos professores e a “Habilitação Específica para o
Magistério” (HEM), que deveria oferecer, além da profissionalização,
oportunidade ao aluno para cursar o nível superior.
Vale relembrar que, pela Reforma de 1971, o 2º grau tornou-se
profissionalizante, e sua conclusão só ocorreria mediante a obtenção de um
diploma de auxiliar técnico (três anos) ou técnico (quatro anos); esse fato
possibilitou o surgimento de mais de duzentas habilitações.
A formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores,
supervisores e demais especialistas de educação, antes feitas nos institutos,
passou a ser realizada em curso de graduação, com duração plena ou curta, ou
de pós-graduação.
A transformação da escola normal em mais uma habilitação profissional
fez com que o curso perdesse sua identidade e especificidade. Essa
descaracterização aparecia na ausência de bibliografias especializadas e de
qualidade, para as disciplinas pedagógicas que foram introduzidas por força da
lei, no empobrecimento dos programas de formação geral e sua desarticulação
com a parte específica do curso, na inadequação de métodos e conteúdos às
necessidades de uma formação plena (ALMEIDA, 2004).
Segundo Palma (2003), a consequência foi o desmantelamento das
escolas normais, transformadas em escolas de segundo grau, que passaram a
oferecer diversas habilitações profissionais e inclusive o magistério. Esse
desmantelamento do curso normal foi mencionado em uma das entrevistas.
Quando perguntada se havia distinção dos alunos do Instituto Canadá, ficou
claro na fala da “Professora B”, que havia identidade das normalistas com a
escola, conforme o relato:
O uniforme era um abrigo vermelho. Isso os distinguia na rua.
Eles tinham orgulho. Um caso para ilustrar, foi do curso normal. A
Isabel, orientadora educacional foi atrás para saber. Se fez um
pequeno inquérito. Uma aluna era de família pobre, ela
envergonhada não tinha dinheiro para comprar o abrigo. E aí ela
sumiu da escola. A orientadora foi atrás e a mãe da aluna
explicou. A APM soube do caso e deu o dinheiro para a aluna
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comprar o abrigo. A função da APM não é esta, mas... Ao deixar
de ser Instituto de Educação, mudou. O objetivo era
democratizar. Depois é que o governo tirou isso.
Era perceptível no discurso da “Professora B”, o sentido de
pertencimento que os alunos do “Canadá” tinham com a instituição. O
uniforme da escola era mais do que uma vestimenta obrigatória, representava
um fator de distinção e orgulho para os estudantes, uma identidade social.
Considerações finais
A partir desse levantamento foi possível perceber como as
transformações políticas, econômicas e sociais permearam não somente as
políticas educacionais, mas um modo de “formar” docentes.
Assim como seu porto, suas praias, seu time de futebol, seus poetas e
escritores que aqui nasceram e viveram, o “Instituto Educacional Canadá” foi
um marco educacional na cidade de Santos.
Uma cidade que vivenciou momentos de resistência frente aos períodos
ditatoriais pelos quais passou o Brasil; através dos seus estudantes, dos seus
trabalhadores e de toda população, resistência esta que acabou acarretando
prejuízos em vários setores, especialmente na educação. Uma região que,
apesar de comportar o maior porto da América Latina e um grande parque
industrial, não desperta os meios para implantação de uma universidade
pública, com os benefícios que ela traz. Mesmo em cenário adverso, com todos
os obstáculos que uma instituição pública teve e tem para formar professores,
o “Instituto Educacional Canadá” destacou-se.
A flexibilidade, o sentido de pertencimento, a identidade com a
instituição educacional e o valor agregado à profissão, observados nos
depoimentos e em seu acervo, podem ser considerados indícios da existência
de uma especificidade no “formar” docente dessa instituição.
Construção compartilhada com os educandos, que nada mais tem sido do
que a maneira como cada professor-formador tem projetado seu olhar, suas
ideias, seus saberes e competências, enfim sua interpretação da realidade e
suas vivências. O formador de professores historicamente tem sido alguém
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muito especial, aquele que, do ensino de formação, extrai motivação. Faz
poesia.
Referências e fontes
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feminização do magistério ao longo do século XX. In: SAVIANI, D. O Legado
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Acervos pesquisados
Escola Estadual Canadá
Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS)
Depoimentos
Professora A: Docente universitária. Foi
pesquisada na década de 1970.
Professora B: Docente universitária. Foi
pesquisada entre as décadas de 1960-1970.
discente
da
unidade
escolar
discente
da
unidade
escolar
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MOVIMENTOS SOCIAIS: RELAÇÃO COM A LUTA PELA INSTITUIÇÃO DO
CARGO DE COORDENADOR PEDAGÓGICO NAS EMEIS PAULISTANAS –
1983-1989
SOCIAL MOVEMENTS: RELATED TO THE STRUGLE FOR THE INSTITUTION OF
PEDAGOGICAL COORDINATOR AS A LEGAL PROFESSION IN PUBLIC SCHOOLS
CALLED EMEIS IN SÃO PAULO BETWEEN 1983-1989
Marie Rose Dabul
Mestre em educação – PPGE
Universidade Nove de Julho- São Paulo –SP
[email protected]
Resumo: O presente trabalho versa sobre os movimentos sociais ocorridos entre
1983-1989, período em que as coordenadoras pedagógicas das Emeis paulistanas
lutaram pela consolidação do cargo. O estudo é parte integrante da dissertação de
mestrado intitulada Pioneiros da coordenação pedagógica paulistana: histórias de
lutas e desafios, que teve por objetivo aprofundar o conhecimento e a compreensão
sobre o papel profissional, consolidação e atuação dos pioneiros da coordenação
pedagógica nas escolas municipais de educação infantil do município de São Paulo. A
metodologia delineou-se por meio do levantamento bibliográfico e documental e da
história oral de vida de cinco professoras. As leituras centrais: Aranha (1996, 2006),
Thompson (1992), Sader (1995) e materiais recolhidos do Museu do Ensino Municipal
nortearam a pesquisa. Verificou-se que a conquista para a realização do concurso de
acesso ao cargo de coordenador pedagógico, e a consolidação deste, acompanhou um
momento político brasileiro de contradições e perspectivas de mudanças, após tantos
anos de autoritarismo, injustiça e desigualdade social. Nesse momento histórico, por
volta dos anos de 1980, se intensificaram os movimentos populares, sociais, sindicais
e políticos com a proposição de mudanças políticas, sociais e econômicas almejadas e
reclamadas por grande parte da nação, bem como se multiplicaram os discursos
defendendo uma sociedade democrática.
Palavras-chave: Coordenador pedagógico. História oral. Movimentos sociais.
Democratização.
Abstract: The present work delas about the social movement ocurred between19831989, time that the coordinator strugled for the consolidation of the profession. The
study is integrated part f the Master Degree text called: Pioneers of Pedagogical
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Coordinator in São Paulo. Historis about challenges, that had the aim to keep deep
the knowledge and understanding about the role of the profession, as well as the lives
of five teachers. The central readings: Aranha (1996, 2006), Thompson (1992),
Sader (1995) and materials from Ensino Municipal Museum had given the path for
this research. We also could verify the success through the selection process as well
its consolidation that has followed a political moment in Brazil, after years of lack of
justice
and social equality. During the 80‟s, a loto political movements had
intensified and the changes that the population asked for, were accepted, defending a
democratic society.
Keywords:
Pedagogical
coordinator.
Oral
history.
Social
movements.
Democratization.
O
presente trabalho versa sobre os movimentos sociais ocorridos entre
1983-1989, período em que as coordenadoras pedagógicas das Emeis
paulistanas lutaram pela consolidação do cargo. O estudo é parte
integrante da dissertação de mestrado intitulada Pioneiros da coordenação
pedagógica paulistana: histórias de lutas e desafios, que teve por objetivo
aprofundar o conhecimento e a compreensão sobre o papel profissional,
consolidação e atuação dos pioneiros da coordenação pedagógica nas escolas
municipais de educação infantil do município de São Paulo.
A busca de um melhor entendimento do processo histórico e das
transformações que envolveram o desenvolvimento, desde o início, da função
de auxiliar pedagógico até a consolidação do cargo, assim como a análise dos
documentos oficiais que foram produzidos e veiculados para orientar e
direcionar essa categoria de servidores, possibilitou verificar a importância do
Memorial do Ensino Municipal (MEM), em São Paulo, onde se encontram
depositados e organizados esses dados documentais, constituindo acervo de
grande significado para a preservação da história institucionalizada da
educação paulistana.
Para este estudo, as fontes pertinentes ao tema estão disponibilizadas no
setor de Memória Técnica Documental e foi possível verificar que as escolas
municipais de educação infantil (Emeis) contaram, durante muitos anos,
apenas com o diretor escolar, que dividia suas práticas cotidianas com
questões burocráticas, administrativas e pedagógicas.
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Essa realidade modificou-se quando, em 18 de outubro de 1983, através
do Decreto n.º 19.143, foi instituída a função de auxiliar pedagógico nas
Emeis. Ao se instituir essa função, fez-se necessário também criar os critérios
para escolha dos proponentes ao cargo.
E foi por meio do Comunicado nº 67, de 9 de dezembro de 1983, que
foram divulgados os critérios de seleção de candidatos para preencherem a
função, a saber:
a. Ser titular do cargo efetivo de Professor de Educação Infantil
na Rede Municipal de Ensino; b. Possuir 3 anos de efetivo
exercício em regência de classe de Educação Infantil; c. Ter
disponibilidade de alternância de horário semanal, de forma a
atender os três turnos de funcionamento da escola; d. Diploma
de licenciatura plena em Pedagogia.
Após as inscrições, os candidatos participaram do processo seletivo, que
ocorreu em dezembro de 1983. Realizada a divulgação dos resultados e da
lista com os nomes dos aprovados, a Secretaria Municipal de Educação, por
meio de sua equipe técnica, ofereceu treinamento aos coordenadores
pedagógicos para assumirem as escolas por eles escolhidas. Sua jornada de
trabalho compreendia 20 horas semanais, com alternância de horário, de
forma a atender os três turnos de funcionamento da escola.
Somente após a divulgação da Lei n.º 9.874, de 18 de janeiro de 1985, a
carreira do magistério foi reestruturada. Entretanto, constatou-se a
inexistência de documentos que determinassem com clareza as atribuições dos
coordenadores pedagógicos de Emei, mesmo o cargo tendo sido criado por
meio de lei.
Cabe enfatizar que toda legislação tem um caráter pedagógico ou
didático: ensina como agir, como fazer, como se comportar, para o bem ou
para o mal, mas, por isso, não é neutra. Desta forma, enquanto instituição
social, a lei se faz necessária, pois traça caminhos, orienta e organiza. No
entanto, a sua falta ou deficiência não justifica a ineficiência do trabalho de um
profissional.
Assim, é pertinente dizer que, embora legalmente houvesse falta de
orientações quanto às atribuições desses profissionais, essa ausência não
poderia ser motivo para que os recém-concursados não realizassem um
trabalho pedagógico eficiente. A inexistência de documentos que
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determinassem as atribuições dos coordenadores pedagógicos não deveria
impossibilitar a elaboração de um trabalho pedagógico competente e,
consequentemente, não deveria comprometer seu desempenho. Uma vez que
são pessoas formadas em pedagogia, que estudaram para ser coordenadores,
que fizeram habilitação, enfim, que se prepararam para assumir o cargo,
presume-se que soubessem o seu fazer e que tivessem claro qual era o
trabalho de coordenar. Trabalho este que deveria consistir em ordenar o
exercício pedagógico junto com os outros, mas assumindo postura de
liderança, auxiliando de fato os professores em suas atividades e no
enfrentamento dos problemas surgidos no cotidiano da escola.
Em 1985, no governo Mário Covas, prefeito de São Paulo, tendo Guiomar
Namo de Mello na gestão da Secretaria Municipal de Educação, as orientações
desse período enfatizavam as questões de função e jornada de trabalho.
Nessas orientações, a função de auxiliar pedagógico passou a cargo, com a
denominação de coordenador pedagógico, cumprindo jornada de trabalho de 8
horas diárias, perfazendo 40 horas semanais. Esta jornada objetivava que o
coordenador pedagógico atendesse os três turnos, alternando sua escala de
trabalho de maneira a assegurar orientação pedagógica nos três períodos de
funcionamento das Emeis.
Naquele momento, a seleção da maioria dos coordenadores pedagógicos
dava-se por meio de uma lista tríplice com os nomes dos candidatos,
escolhidos pelo Conselho de Escola, sendo pré-requisito: experiência mínima
de três anos na carreira do magistério municipal e habilitação em orientação
educacional ou supervisão escolar, correspondente à licenciatura plena em
pedagogia ou complementação pedagógica.
Ainda que nesse período a função de coordenador tenha passado a
cargo, também não estavam claramente definidas as atribuições do
coordenador pedagógico. Todavia, pressupunha-se que o candidato dominasse
os conhecimentos específicos para o cargo e que, ao mesmo tempo, tivesse
experiência na área, articulando esses dois elementos de forma a apoiar,
assessorar e auxiliar os professores para o melhor encaminhamento do
trabalho docente.
Somente em 1987, na gestão Jânio Quadros, tendo Paulo Zingg como
secretário municipal de educação, foi solicitado ao Departamento de
Planejamento e Orientação (Deplan) um estudo descritivo sobre o perfil do
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coordenador pedagógico de Emei enquanto função e atribuição. A finalidade
era que a secretaria pudesse avaliar a necessidade de provimento dos cargos
de coordenador por meio de concurso público, para que fossem tomadas as
decisões pedagógico-administrativas para a realização de concurso.
A equipe do Deplan incumbida dessa tarefa passou a estudar o perfil, as
funções e atribuições dos coordenadores pedagógicos de Emei, analisando os
resultados obtidos por meio de entrevistas e do preenchimento dos
instrumentos de coleta de dados, objetivando saber quem exercia a função,
onde e como a exercia.
Esse estudo descritivo do perfil do coordenador pedagógico foi feito por
meio da amostragem de 43% do universo de 218 coordenadores de Escolas
Municipais de Educação Infantil. Desses coordenadores, a maioria (59%)
estava há menos de um ano na função e 62% chegaram a ela pelo Conselho
de Escola, segundo foi possível apurar no documento “Estudo descritivo do
perfil do coordenador pedagógico de Emei”, elaborado, em 1987, pela equipe
do Deplan.
O desempenho da função do coordenador pedagógico, naquele
momento, estava, como qualquer outra função, permeado de facilidades e
dificuldades. Sua experiência como docente, sua visão e seu conhecimento
sobre as funções do diretor, sobre o conteúdo e o trabalho pedagógico,
constituíam aspectos positivos para o desempenho de sua função.
Quanto às dificuldades do coordenador pedagógico, constataram-se
também, por meio do estudo, sucessivas solicitações de realização de tarefas
pelos diretores (43%); e 38% dos coordenadores atribuíam suas dificuldades à
resistência dos professores mais antigos, uma vez que viam o coordenador
pedagógico como fiscalizador.
A análise aqui apresentada sobre a criação da função de coordenador
pedagógico, sem atribuições definidas, levou-os a enfrentar impasses
profissionais relativos a quais papéis deveriam compor seu cotidiano.
Essas indefinições de atribuições e de quais ações deveriam ser
realizadas pelos coordenadores pedagógicos deixou lacunas sobre o que fazer
no cotidiano escolar. Questões pontuais passaram a entravar o processo,
como: Quem deveria atender o professor? Quem deveria atender as
solicitações do diretor? Os coordenadores pedagógicos deveriam ater-se
somente às suas funções pedagógicas ou atender as solicitações do diretor?
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Deveriam fazer seu planejamento ou ir à cozinha preparar a merenda quando
faltava funcionários naquele setor? A maior prioridade era a questão
administrativa ou a questão pedagógica? Ou, após resolver as questões
administrativas deveriam dedicar-se às pedagógicas? Quais os modos de
proceder com relação ao professor resistente? Em que horário poderiam
dedicar-se à pesquisa e ao estudo? Como usar as reuniões pedagógicas, já que
as questões administrativas ocupavam mais espaço do que as pedagógicas?
Diante de todo esse detalhado levantamento, a equipe do Departamento
de Planejamento e Orientação, embasada na análise dos resultados, concluiu
que era urgente a criação de atribuições para o desempenho do coordenador
pedagógico, uma vez que a falta dessas atribuições estava desvirtuando o que
compunha as funções desse profissional.
Perante isso, fazia-se necessário que os horários da jornada de trabalho
desses profissionais fossem ampliados, de modo a contemplar tempo maior
para a pesquisa, o estudo de literatura e metodologia pertinentes ao cargo, a
participação em congressos, as visitas a escolas que tivessem experiências
pedagógicas inovadoras, a proposição de alternativas de mudanças nas
reuniões da coordenação, assim como maior “espaço” para planejar e
organizar seu próprio trabalho pedagógico.
A equipe do Deplan expôs ao então secretário municipal de educação e
do bem-estar social, Paulo Zingg, em 1987, com base nos dados emanados do
estudo descritivo do perfil do coordenador pedagógico de Emei, a necessidade
da ampliação do horário de trabalho dos auxiliares de direção e auxiliares
administrativos para oito horas diárias, para que o trabalho administrativo não
interferisse na ação pedagógica desenvolvida pelo coordenador pedagógico,
bem como de uma conscientização, por parte dos órgãos com poder de
decisão, para a tomada de atitudes que beneficiassem e amparassem
legalmente esses profissionais, que tinham em suas mãos a responsabilidade
de orientar e subsidiar o trabalho pedagógico do professor.
Finalmente, foi publicado o edital de abertura de inscrições para o
concurso de acesso para o provimento efetivo de cargos vagos de coordenador
pedagógico de educação infantil, às páginas 85 e 86, do Diário Oficial do
Município de 13 de agosto de 1988:
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[…] nos termos da Lei nº 9874, de 18 de janeiro de 1985 e do
Decreto nº 20247, de 18 de outubro de 1984, que regulamentou
o Título III, Capítulo III, Artigos 82 e seguintes da Lei nº 8989, de
29 de outubro de 1979, e Decreto nº 26469, de 20 de julho de
1988, que alterou o Artigo 4º do Decreto nº 20247/84, conforme
autorização do Secretário Municipal de Administração, no
processo nº 06-012.240-88 *07.
O concurso de acesso destinava-se “[...] ao provimento de 350 cargos
vagos de Coordenador Pedagógico de Educação Infantil, bem como dos demais
cargos desta classe que se vagassem ou fossem criados dentro do prazo de
validade do concurso” (D.O.M., 13/08/1988, p. 85).
As condições para realizar as inscrições e concorrer ao cargo eram:
a. Ser titular efetivo do cargo de Professor de Ensino de Educação
Infantil; b. Completar o interstício mínimo de 3 (três) anos na
classe e 3 (três) anos de carreira do Magistério Municipal, na área
de ensino de Educação Infantil até 22/08/1988; c. Possuir
diploma de licenciatura plena em Pedagogia ou complementação
pedagógica com habilitação em orientação educacional ou
supervisão escolar, registrado em órgão competente do MEC até
22/08/1988, ou diploma de licenciatura plena em Pedagogia,
obtido anteriormente ao regime de habilitações de acordo com o
Parecer nº 410/76, do Conselho Estadual de Educação.
O concurso foi realizado em dois estágios. No primeiro, os candidatos
inscritos realizaram provas e foi feita a análise de seus títulos. As provas
continham questões de múltipla escolha sobre conteúdo discriminado no
programa constante no Edital, avaliadas numa escala de zero a 100 pontos.
Foram considerados habilitados os candidatos classificados até o 700º lugar.
Após a publicação dos aprovados, ocorreu a contagem de pontos por
títulos, cujo valor máximo foi de 100 pontos. Deste modo, a classificação final
dos candidatos era obtida pela somatória dos pontos alcançados, nos dois
estágios, provas e análise dos títulos.
Em São Paulo, os educadores municipais de educação infantil,
compromissados e empenhados com a educação pública, consideraram que a
conquista do concurso para o cargo de coordenador pedagógico representou o
reconhecimento e a valorização do ensino pré-escolar no processo da educação
municipal.
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A abertura dos cargos de carreira, principalmente do coordenador
pedagógico, fez cair por terra à estratificação da carreira, que refletia, até
então, rígidos princípios hierárquicos implantados na rede. Isto dificultava aos
grandes contingentes de profissionais a oportunidade de ascender aos cargos
de especialistas, em função das necessidades reais do ensino, e a busca de
uma proposta integrada das atividades técnico-pedagógicas.
Pode-se dizer que a conquista dos professores para a efetiva realização
do concurso de acesso ao cargo de coordenador pedagógico acompanhou um
momento político brasileiro de muitas contradições e perspectivas de
mudanças, após tantos anos de autoritarismo, injustiça e desigualdade social.
Foi nesse momento histórico, por volta dos anos de 1980, que se
intensificaram os movimentos populares, sociais, sindicais e políticos, com a
proposição de mudanças políticas, sociais e econômicas tão almejadas e
reclamadas por grande parte da nação, assim como se multiplicaram os
discursos defendendo uma escola democrática.
Esses movimentos procuraram trazer à tona discussões e reivindicações,
no sentido de democratizar não apenas o ensino e o acesso à escola, mas o
conjunto das instituições nacionais. Os movimentos para destituir os militares
do poder começaram timidamente em 1983, com alguns movimentos sociais e
políticos partidários que reivindicavam nas ruas o restabelecimento do
ordenamento democrático no país.
Podemos ainda encontrar historicamente as raízes para toda esta
ebulição política no país, nos movimentos sociais anteriores que, segundo
Sader (1995), aconteceram entre as décadas de 1970 e 1980 e trouxeram
novas modalidades de elaboração das condições de vida das classes populares
e de expressão social.
Estes movimentos apoiaram-se na luta pela justiça social contra as
desigualdades, a solidariedade entre os dominados e pobres, a luta por
reconhecerem o seu valor; tudo isto marcou os acontecimentos históricos e
ficou a ideia de que só com luta os cidadãos conquistam seus direitos.
A diversidade é a característica desses movimentos sociais que se
articularam em torno de quatro organizações: a dos Clubes de Mães da zona
sul (a Coordenação do clube de mães; a do Movimento Custo de Vida); a do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo; a da Oposição Metalúrgica de São
Paulo e a das Comissões de Saúde da zona leste.
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Estes movimentos das classes populares se constituíram em
diferenciadas formas de expressão, com histórias e experiências próprias.
Os Clubes de Mães têm início na igreja de Vila Remo, periferia da zona
sul, entre a represa de Guarapiranga e estrada de M‟Boi Mirim. Eram
associações de mães previamente capacitadas que ensinavam pobres a bordar,
costurar, trabalhos manuais, além de transmitir instruções de higiene e saúde.
Estes clubes foram se alastrando nos bairros Santa Margarida, Conceição,
Figueira Grande, Cidade Ademar e outros. Tinham como objetivo desenvolver a
pessoa, estimular a solidariedade, discutir o Evangelho, refletir problemas do
cotidiano doméstico, buscar
alternativas de uma rotina opressiva. Eles
constituíam-se em espaços sociais tornando-se ponto de partida para
redimensionamento tanto de aspectos de vida doméstica quanto de aspectos
da vida política.
Já a Coordenação do clube de mães surgiu por iniciativa de mulheres
ligadas à Pastoral, com o objetivo de expandir o clube de mães. Desenvolviam
práticas de avaliações, relatos, discussões, troca de experiências,
programavam atividades, campanhas, cursos, bazares. No início, a
preocupação era que “mais mulheres despertassem para a luta”. Discutiam o
valor da mulher, sua participação como cidadã, como lutar pelos seus direitos.
Envolviam a família nas programações de lazer. Assim elas lutavam pela
população, pela coleta de lixo, escolas, cursos de enfermagem, cursos com
noções de saúde, mas começaram a entender e conhecer os labirintos da
administração pública e a lutar por conseguir melhorias.
O Movimento do Custo de Vida se articulava com os clubes e visava
medidas do governo sobre o aumento do custo de vida. Elas se mobilizaram e
se organizaram pesquisando sobre a alta dos preços dos artigos básicos,
colheram assinaturas, abaixo-assinados e estes movimentos cresceram até
mesmo com a participação dos maridos que colheram assinaturas nas fábricas
onde trabalhavam. As autoridades na época pouca importância deram ao MCV,
pois eram necessárias alterações econômicas e isto envolveria os mandantes
máximos do país.
O segundo movimento foi o do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo que lutaram pela valorização e recuperação do sindicato como
espaço público operário, sendo as greves e assembleias de massa uma forma
de afirmação política. Este movimento alterou e influenciou as relações de
107
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ISSN 2525-3514
trabalho em todo o país, mobilizou os trabalhadores na defesa de seus direitos,
moldando assim uma linha de resistência coletiva. No início, várias foram as
interpretações dadas aos sindicatos: alguns identificavam apenas a existência
do prédio, outros viam sindicato como “comunismo”, outros achavam que
sindicato “não resolve nada”, outros viam como um órgão que faz acordos
visando aumento salarial.
Na verdade, ao longo dos anos, o empenho foi para que o sindicato
adotasse uma infraestrutura que atraísse os trabalhadores pelos serviços
prestados pela defesa nas relações de trabalho. Deste modo, o sindicato
apelou cada vez mais para a mobilização ativa da categoria, unificando-a,
vencendo as distâncias que separavam os trabalhadores segundo um leque
salarial extremamente amplificado, diminuindo as disparidades salariais,
propondo reajustes iguais para todos num trabalho de solidariedade de classe.
Logicamente, esta luta perdurou por anos e teve a resistência por parte dos
que recebiam salários altos e foi-se construindo uma mentalidade diferente
onde viam o sindicato como meio eficaz para a defesa dos trabalhadores. Nos
anos de 1970, surge Lula neste cenário, participando no conselho fiscal do
sindicato, que vê o órgão como luta permanente e não como local de serviços
sociais. Nos anos posteriores, muita luta, muitas reivindicações, greves,
debates se sucederam, e com as greves ocorridas entre 1978 e 1980, o
sindicato tornou-se um “espaço público operário” em que os metalúrgicos da
região constituíram-se como um sujeito coletivo. Isto tornou-se possível pela
presença ativa de ampla camada de operários no interior das empresas ligados
ao sindicato.
Foram inúmeros os debates, encontros, greves, campanhas salariais, luta
por melhores condições de trabalho, passeatas, mobilizações destes
movimentos sociais na região do ABC, sendo eles elementos da transição
política entre 1978 e 1985. Eles expressaram tendências profundas na
sociedade, que assinalavam a perda da sustentação do sistema político
instituído.
Marcaram a enorme distância entre os mecanismos políticos instituídos e
as formas da vida social. Estes fatores é que apontaram para a transformação
social, com a promessa de uma renovação da vida política, sendo esta
constituída a partir das questões da vida cotidiana.
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ISSN 2525-3514
O Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo
(OSM–SP) se constituiu por duas referências exteriores: a) grupos que deram
origem aos espaços de elaboração política e de continuidade de ação; b)
sindicato cujo objetivo de espaço a ocupar definia seu calendário e suas
atividades. Assim, a Oposição torna-se um movimento de massas capaz de
incidir concretamente nas relações de poder tanto nas empresas quanto no
sindicato. Com o desenrolar dos acontecimentos, os membros do OSM tornamse centros de movimentos, e as greves se mesclam com a campanha eleitoral
no sindicato; não contando com a repressão policial como antes e não
viabilizando os “cabeças”, as chefias ficam desorientadas, chegando a apoiar a
formação de comissões operárias para poderem negociar e finalmente os
resultados são animadores para os operários (SADER, 1995, p. 253).
Quando a OSM se consolidava enquanto expressão política dos
metalúrgicos em luta, o desafio central que ela enfrentaria era o da vinculação
entre organização autônoma nas fábricas e a intervenção unificadora no
sindicato. A marca deste movimento era a crítica à estrutura sindical, mas uma
parte de suas atividades tinha o sindicato como referência: as campanhas
salariais, as eleições sindicais, as assembleias, os cursos de formação
organizados ali, os encontros com a categoria. Na oposição sindical vimos a
presença da valorização da organização e da luta na fábrica.
Quanto às Comissões de Saúde da Zona Leste, vimos a luta pela
conquista de uma carência de um determinado local, um bairro pobre da
periferia leste da capital, com a interferência e intervenção da igreja católica e
um grupo de médicos sanitaristas. O movimento teve início na igreja de São
Mateus, onde mulheres começaram a debater a falta de hospitais e centros de
saúde na região e, depois de várias reuniões na igreja, elas foram em
comissão até a Secretaria da Saúde levar a reivindicação de um centro de
saúde para o bairro. Com a chegada de médicos na região, transmitindo a
todos conhecimentos sobre enfermidades e suas causas, condições sanitárias,
cuidados com a saúde, eles começam a apoiar as atividades da pastoral da
saúde, visitam favelas, promovem cursos de primeiros socorros, orientam
gestantes, convocam assembleias para discutir carências nos serviços de
saúde. Foi fundamental a atuação de estudantes de medicina e seus
professores nestes locais; devido à precariedade do atendimento, iniciam as
discussões pela luta por melhores serviços de saúde, com respeito e dignidade
109
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em prol das comunidades carentes. As comissões de saúde surgem do
encontro dos sanitaristas com as mulheres da comunidade. A reivindicação por
postos de saúde e melhorias no atendimento se intensificaram e os médicos
aceleraram o processo de aprendizagem das modalidades de enfrentamento da
burocracia estatal. Houve uma mobilização, pesquisa nos bairros sobre as reais
necessidades, orientações, encontros na igreja, discussão, explicações pelos
médicos das diferenças entre posto de saúde, pronto-socorro e hospital;
discussão sobre o que seria melhor e possível de se conquistar, elaboração de
um jornalzinho elucidativo e discussão na reunião sobre os temas nele
contidos. A partir daí, foram para os labirintos burocráticos, lutando pela
instalação do posto de saúde no bairro. Estas conquistas envolveram os bairros
do Jardim Nordeste, São Miguel Paulista, São Mateus, Guaianazes, IV
Centenário, Cangaíba.
Assim, os movimentos sociais marcaram a transição política ocorrida
entre 1978 e 1985, apontaram para as transformações sociais, para a
renovação e alargamento da política, para a reivindicação da democracia tão
almejada pela população brasileira, que aspirava pela justiça social.
Em 1985, São Paulo vivia o ápice da explosão demográfica. O governo
municipal, especialmente o liderado por Mário Covas, era levado a trabalhar
com todo o rescaldo desse movimento imigratório que acontecia na capital e
que gerava grande pressão por serviços de transporte, saúde, educação,
saneamento básico, etc., principalmente nas periferias da cidade. A
administração de Covas na prefeitura, nesse período histórico, representou
uma das primeiras experiências de desconstrução da autocracia, tanto no que
se refere ao acesso quanto à gestão interna dos sistemas, ainda sob o regime
ditatorial. Era uma fase de turbulência política e transição; já havia eleição
direta para governador, mas não para presidente.
Do ponto de vista institucional, o deputado Dante de Oliveira redigiu uma
emenda que deveria restabelecer as eleições diretas para presidente da
República. O documento tinha como princípio discutir e propor mudanças nas
eleições. Essa emenda ficou conhecida como emenda das Diretas-Já e suscitou
a formação do maior movimento cívico da história do país, liderado pelos
principais dirigentes do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),
do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Democrático Trabalhista (PDT),
etc. Os governadores e vices, como Franco Montoro, Leonel Brizola, Miguel
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Arraes, liderados por parlamentares como deputado Ulysses Guimarães e o
senador Teotônio Vilela, lideranças políticas como Luiz Carlos Prestes, Luiz
Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso e, ainda, contando com o
apoio dos demais partidos de oposição, organizaram uma das maiores
campanhas pelo restabelecimento da democracia em todo o país.
Entre janeiro e abril de 1984, mais de 150 comícios foram realizados em
grandes e pequenas cidades brasileiras, culminando com gigantescas
manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo, com mais de um milhão de
pessoas na rua pedindo as Diretas-Já.
A emenda Dante de Oliveira foi derrotada em 25 de abril no Congresso
Nacional. Entretanto, surgiram novas articulações propondo a derrubada do
regime militar, indicando candidato às eleições indiretas no Colégio Eleitoral.
O candidato escolhido para concorrer à presidência da República foi
Tancredo Neves, eleito para o cargo em outubro de 1984, por 480 votos contra
180 do oponente Paulo Maluf. Foi o primeiro presidente da República civil eleito
após 1964.
Tancredo realizou uma campanha típica da democracia, com grandes
comícios nos quais o povo o aplaudia como novo líder. Para alguns analistas,
não obstante o boicote patrocinado pelos parlamentares do PT ao Colégio
Eleitoral, foi a única eleição indireta de presidente da República aprovada pela
população.
Logo depois, porém, Tancredo foi internado no Hospital de Base, em
Brasília, um dia antes da sua posse, e José Sarney, o até então obscuro
candidato à vice-presidente, assumiu a presidência da República em 15 de
março de 1985. Tancredo morreu em 21 de abril, sendo homenageado pelas
multidões.
O início do governo Sarney foi marcado pelos debates em torno da
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Havia consenso quanto
à necessidade de que o novo período democrático exigia um texto
constitucional não ditatorial; entretanto, divergências quanto à composição e à
natureza da Constituinte ainda precisavam ser resolvidas. Assim sendo, venceu
a proposta de um Congresso Constituinte, em que deputados federais e
senadores eleitos em novembro de 1986 acumulariam as funções
parlamentares e constituintes.
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Em fevereiro de 1987, o deputado Ulysses Guimarães presidiu as sessões
da Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 congressistas. Um
grupo de constituintes do PMDB, do PFL, do PDS e do PTB se uniu e formou o
Centro Democrático ou “Centrão”, que agrupou a maioria parlamentar de apoio
às causas mais conservadoras.
A Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi a síntese e o
auge de todo o processo de redemocratização do país. Apesar de longa e
detalhista, representou os anseios de parte da população brasileira à época;
procurou introduzir inovações e compromissos, com destaque para a
universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo.
À guisa de conclusão
Quanto aos movimentos sindicais, é possível afirmar que São Paulo, com
a greve dos professores da rede pública estadual, vivenciou, ao final dos anos
de 1970, o fortalecimento do sindicalismo no funcionalismo público,
inaugurando uma nova fase no setor. Eclodindo em outros estados, como
Paraná e Brasília, o movimento lembrava muito a ação dos operários da região
que compreendia as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São
Caetano do SUL (ABC) e da oposição metalúrgica de São Paulo, ao menos no
que se refere ao conjunto do movimento operário e sindical. Pode-se dizer que
o ano de 1978 foi um marco no processo de organização dos servidores
públicos, pois aparecem os primeiros indícios de novas formas de associação
de caráter sindical e de oposição ao Estado militar.
Entre 1978 e 1983, as greves mostravam a expansão do movimento de
assalariados da classe média. Médicos e funcionários da saúde pública
promoveram paralisações, professores universitários, principalmente das
universidades públicas, bem como outras categorias, como as de atores,
fotógrafos, jornalistas, participaram de movimentos grevistas que não pararam
de crescer. Nos anos de 1987, 1988 e 1989 há uma ascensão de greves dos
servidores públicos federais, estaduais e municipais.
É nesse contexto de lutas que se insere também o professor da rede
municipal de ensino paulistana. Na década de 1980, representados pela
Associação dos Professores e Especialistas em Educação no Ensino Municipal
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ISSN 2525-3514
(Apeeem), sucedida em 1988 pelo Sindicato dos Profissionais em Educação no
Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), a categoria lutava, junto às demais,
por melhores condições de trabalho e por salários dignos. O Sinpeem, entidade
filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), por sua estrutura de
organização, tem instâncias de bases democráticas que buscam enraizar-se
nas bases e nos locais de trabalho. A entidade foi crescendo paulatinamente no
decorrer dos anos, transformando o sindicato na organização responsável
pelas conquistas e defesas dos direitos dos profissionais públicos do ensino
municipal.
Foi também significativa a sua participação na elaboração da Constituição
Federal (1988), como na campanha pelo Estatuto do Magistério (1992),
assegurando, por meio dele: plano de carreira no magistério; jornada especial
integral; investimento em concursos; concurso de acesso; evolução funcional;
gestão democrática; reuniões; participação em congressos. Ações que
pretendiam a melhoria da qualidade de ensino.
Desde 1988, o Sinpeem tem intensificado a sua luta para manter os
direitos dos profissionais de educação, instando a administração a aplicar mais
recursos no setor e a Câmara Municipal a fiscalizar a destinação de verbas,
para que os direitos da categoria sejam mantidos e garantidos. Por várias
vezes, o sindicato participou de mobilizações por reposição salarial e integrou
os movimentos em defesa da escola pública independente e de qualidade.
Em 1992, especialistas da Rede Municipal de Educação, em defesa da
carreira, fundaram o Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público
Municipal de São Paulo (Sinesp).
Na ocasião, quando da discussão sobre o Estatuto do Magistério, o
governo (Erundina, PT) propôs a eleição para os cargos de diretor de escola e
coordenador pedagógico, com o argumento de tornar a escola mais
democrática. Não considerou que o concurso poderia se constituir em garantia
de democracia, fruto de avanço político contra o clientelismo e o
apadrinhamento, uma vez que o governo de uma época pode espelhar, mesmo
que por meio de um concurso público, a ideologia e os interesses da política
administrativa vigente.
Diante desses acontecimentos, surge o Sinesp, entidade corporativa,
respeitada, não filiada à CUT, que se mobiliza mais exclusivamente em defesa
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ISSN 2525-3514
dos interesses econômicos e sociais das categorias, participando das lutas
salariais, procurando zelar pela vida com qualidade de seus filiados.
Desde 1992, o Sinesp encampa lutas permanentes por ensino de
qualidade; respeito e valorização do especialista; revalorização dos salários;
melhores condições de trabalho; capacitação para os especialistas em
educação; concursos públicos em todos os níveis da rede; participação nas
tomadas de decisão que afetam os especialistas de educação. Cabe considerar
que, embora as lutas sindicais sejam importantes para as categorias, a
dinâmica e a efetividade dos sindicatos estão sujeitas ao fator político.
Governo autocrático, prática autocrática, o que pode obstaculizar as ações
sindicais, gerando empecilhos e, inclusive, não reconhecendo o direito à
associação sindical estabelecido na Constituição Federal. Governo considerado
democrático, prática supostamente democrática, que legitima e reconhece as
entidades sindicais, fator provavelmente contributivo para a atuação efetiva
dos sindicatos em níveis institucionais. Os governos municipais de Covas
(1983-1985), Erundina (1989-1992) e Jânio (1986-1988) ilustram os dois
casos, sendo os primeiros, exemplos de tendências democráticas e o último,
autocrático.
A implantação de um regime democrático mudou muita coisa no país,
pois a defesa da democracia tinha como princípio a construção de uma
sociedade justa, com vistas à promoção da cooperação entre as esferas do
governo, articulando a rede de ensino do país e fortalecendo os laços da escola
com a comunidade.
Dessa forma, muitos movimentos sociais e sindicais propuseram o
debate e a reflexão sobre propostas educacionais que favorecessem o
desenvolvimento do setor educacional, uma vez que representavam um espaço
de formulação de ações, de críticas e de propostas fundamentais para o
avanço do direito à educação no país.
Em busca de contribuir para a desconstrução da autocracia, a Secretaria
Municipal de Educação do período tinha como meta uma política educacional
macro desse novo modelo educacional, a valorização do ensino público gratuito
e de qualidade em todos os níveis.
Essa postura se inspirava numa filosofia de educação democrática, cujos
princípios poderiam ser assim explicitados: é obrigação do poder público
garantir ao maior número de crianças e jovens dos setores majoritários da
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nossa sociedade a melhor escolarização possível, sendo esta a forma pela qual
o governo participa na construção de uma educação popular e democrática,
constituindo-se a escolarização em um dos processos fundamentais pelo qual o
indivíduo supera as limitações socioculturais para tornar-se cidadão informado
e participante do mundo em que vive, capaz de conviver com a diversidade e a
divergência, consciente de seus direitos e responsabilidades diante de seus
deveres.
Com base nessa concepção do papel da escola na formação do ser
humano, entendemos que a escola básica deveria garantir, nas séries iniciais,
a capacidade de ler, escrever, calcular e operar, oferecendo noções de ciências
em geral, e, nas mais avançadas, o aprimoramento dos conhecimentos
científicos, a reflexão crítica sobre a realidade física e social, a integração da
reflexão e do trabalho.
Portanto, os conhecimentos e habilidades que a escola pública pode e
deve transmitir aos seus alunos constituem pré-condição para a participação
de todos numa sociedade moderna pluralista e democrática, assim como para
a formação de uma consciência crítica que favoreça a prática social
transformadora.
Em função dessa intencionalidade posta pelo governo, a partir da década
de 1980, as administrações educacionais passaram a ter como intuito
estabelecer a necessidade de rever a organização curricular, os procedimentos
técnicos e o funcionamento administrativo da escola. O propósito era adequálos às condições de vida e às necessidades da população, dando atenção
específica às séries em que a repetência e a evasão incidiam mais
intensamente, à revisão curricular, ao núcleo comum obrigatório e à função da
escola na socialização do conhecimento.
Também era intenção buscar melhores condições materiais de trabalho
às unidades escolares, enfatizando a função de ensino e aprendizagem – o
professor e o aluno, tendo-os como prioridade máxima –, a garantia da
implantação da gestão na perspectiva democrática, por meio da
descentralização e coordenação política das decisões.
É oportuno destacar que, durante a década de 1980, a preocupação da
Secretaria Municipal de Educação, ao menos em seu plano de governo, era
com a escola de qualidade para o maior número possível de crianças, como
115
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também implementar projetos especiais que garantissem a qualidade do
ensino disponibilizado à comunidade.
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O CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA DA SECRETARIA
ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PARA CICLO I DO ENSINO
FUNDAMENTAL
THE CURRICULUM OF PORTUGUESE LANGUAGE THE SECRETARY OF
EDUCATION OF THE SÃO PAULO STATE FOR THE CYCLE I OF THE
ELEMENTARY SCHOOL
Sheila Moreschi Campos de Souza
Mestra em Educação
E-mail:
[email protected]
Resumo: Este texto promove elementos para uma articulação entre as características
e peculiaridades da proposta curricular de língua portuguesa para o ciclo I do ensino
fundamental da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo com algumas das
concepções teórico-ideológicas curriculares presentes no debate atual. Da reflexão, a
partir de um determinado recorte e com uma abordagem sob uma perspectiva
diferenciada, cria-se condições para a construção do conhecimento que pode ajudar
no desenvolvimento do pensamento crítico sobre as políticas educacionais.
Palavras-chave: Políticas educacionais. Currículo. Ensino fundamental. Ciclo I.
Língua portuguesa.
Abstract: This text promotes elements of a link between the chacacteristics and
peculiarities of curriculum proposal of Portuguese Language for the Cycle I of the
Elementary School by Secretary of Education of the São Paulo State with some of
conceptions theoretical-ideological curricular present in the current debate. Reflection,
starting on one particular point and with an approach in diferente perspective, it
creates conditions for the construction of knowledge that can help in the development
of critical thinking on educational policies.
Keywords: Educational policies. Curriculum. Elementary education. Cycle I.
Portuguese language.
O currículo, dentro da prática educativa, possui um conjunto de
características e peculiaridades que variam dependendo de quem o produziu,
como e em que condições foi produzido, observando-se as instâncias política,
histórica, filosófica, social, etc. Assim, o conceito de currículo modifica-se
121
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historicamente e por isso só pode ser compreendido no contexto ao qual está
inserido.
A definição de currículo se particulariza a partir do foco desentranhado
das conexões que se estabelece no multifacetado campo de estudo que se
apresenta. O currículo assim,
[...] é o resultado de uma série de influências convergentes e
sucessivas, coerentes ou contraditórias, adquirindo, dessa forma,
a característica de ser um objeto preparado num processo
complexo, que se transforma e constrói no mesmo. (SACRISTÁN,
1998, p. 102).
A concepção, portanto, depende do enfoque dado pelo autor em
condições particulares e num contexto histórico, cultural e político singular que
é expresso na valorização da forma de abordar o tema. Sacristán (1998, p. 38)
assim conclui que, se uma teoria
[...] é uma forma ordenada de estruturar um discurso sobre algo,
existem tantas teorias como formas de abordar esse discurso, e,
através delas, o próprio entendimento do que é o objeto
abordado.
Em alguns estudos publicados sobre concepção curricular, aparecem
enfoques sob perspectivas diversas, como os com raiz psicológica centrada nas
experiências dos indivíduos, em outros no desenvolvimento de metodologias
que implicam numa forma sistematizada de currículo autodenominada
racionais, científica e lógica, e ainda há aquelas com destaque na contribuição
pessoal dos indivíduos em busca de mudança social. Para citar como exemplo
significativo no campo de estudo de concepções curriculares, Eisner, em 1974,
conforme citado por Sacristán (1998, p. 38),
[...] propõe uma série de concepções curriculares centradas no
desenvolvimento cognitivo, no currículo como auto-realização,
como tecnologia, como instrumento de reconstrução social e
como expressão do racionalismo acadêmico.
Sem a pretensão de se esgotar todas as formas possíveis de abordagem,
a escolha pela cronológica histórica nesse estudo, por exemplo, se dá em meio
a outras possibilidades, o que não implica no abandono total dessas outras
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formas. Estas aparecem de forma secundária ou indireta, mas com sua devida
parcela de contribuição. O contato com algumas dessas formas tem como
propósito subsidiar um encaminhamento para a compreensão da questão geral
do tema que será apresentada a seguir.
Na apresentação do documento “Orientações curriculares” encontramos a
citação de Maria Helena G. de Castro: “Não saímos do zero” (SÃO PAULO,
2008, p. 3), com referência à articulação da atual proposta com anteriores. A
trajetória em direção à construção do atual currículo reflete influências das
sucessivas teorias e concepções de tempos passados.
Nas premissas de João Amós Comenius em Didactica Magna, editada
pela primeira vez na Opera Didactica Omnia, em Amsterdã, 1657, observa-se
algumas bases que revolucionaram o ensino na época e que estão presentes
na forma de organização da educação até hoje.
A democratização e universalização:
Didactica Magna que mostra a arte universal de ensinar tudo a
todos, ou seja, o modo certo e excelente para criar em todas as
comunidades, cidades ou vilarejos de qualquer reino cristão
escolas tais que a juventude dos dois sexos, sem excluir
ninguém, [...].
A citação da divisão de conteúdos específicos formando uma grade
curricular, a idade em que deveria começar os estudos e a
importância do método:
[...] possa receber uma formação em letras, ser aprimorada nos
costumes, educada para a piedade e, assim, nos anos da primeira
juventude, receba a instrução sobre tudo o que é da vida
presente e futura, de maneira sintética, agradável e sólida. Os
princípios de tudo o que se aconselha aqui são extraídos da
própria natureza das coisas; a verdade é demonstrada através de
exemplos paralelos das artes mecânicas [...].
A divisão dos estudos dispostos em seriação:
[...] a ordem dos estudos é disposta segundo anos, meses, dias,
horas; o caminho, enfim, fácil e seguro, é mostrado para pôr
essas coisas em prática com bom êxito. (COMENIUS, 1997, p. 1112) (transcritos da edição italiana de Marta Fattori, Didactica
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magna. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins
Fontes, 1997. p. 390).
A partir de um nível maior de organização escolar, o currículo passa a ter
maior visibilidade no processo educacional. Também por envolver questões de
poder
(nas
relações
professor/aluno),
de
classes
sociais
(dominantes/dominados), políticas, étnicas, de gênero e influência direta nos
sujeitos, este ganha importância no campo de estudo e pesquisa. Para tentar
explicar e abordar, ainda que de maneira indireta, os problemas práticos em
educação, surgem as teorias curriculares como expressões de mediação entre
o pensamento e a ação em educação.
As teorias curriculares podem apresentar-se como tradicionais e outras
como críticas e pós-críticas. As tradicionais pretendem ser neutras, científicas,
desinteressadas enquanto as teorias críticas e pós-críticas argumentam que
nenhuma teoria é neutra, científica e desinteressada mas que está,
inevitavelmente, implicada em relações de poder.
Teorias tradicionais
A teoria do currículo tradicional foi a sucessora do currículo clássico,
humanista, das chamadas “artes liberais”, que vindo da Antiguidade Clássica
se estabeleceu na Idade Média e no Renascimento na forma dos chamados
trivium (gramática, retórica, dialética) e quadrivium (astronomia, geometria,
música, aritmética). Com acesso restrito a uma classe dominante, seu objetivo
era a escolarização num repertório das grandes obras literárias e artísticas das
heranças clássicas grega e latina para formação nos mais altos ideais do
espírito humano (TADEU, 2011, p. 26).
Na visão tradicional, o conhecimento, fixo e imutável, é extraído de
valores universais, absolutos, incondicionais e incontestáveis por serem
identificados com a natureza. Como não se pode modificar a natureza, estes
valores tendem a ser naturalizados e não propensos a questionamentos. A
teoria tradicional visa aceitação, ajuste e adaptação ao mundo do trabalho.
“Provavelmente”, para Tadeu (2011, p. 12),
[...] o currículo aparece pela primeira vez como objeto específico
de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos vinte. Em
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conexão com o processo de industrialização e os movimentos
imigratórios, que intensificavam a massificação da escolarização,
houve um impulso, por parte de pessoas ligadas à administração,
para racionalizar o processo de construção, desenvolvimento e
testagem de currículos.
Nesse contexto, em 1918, Frankin Bobbitt escreveu o livro The
curriculum, que se tornou um marco no campo especializado de estudos do
currículo. O escritor descreve o currículo como um processo industrial inspirado
na administração científica de Taylor: “[...] a especificação precisa de
objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que
possam ser precisamente mensurados” (TADEU, 2011, p. 12).
Teoria tradicional tecnicista
Mais tarde, Ralph Tyler consolidou o modelo de currículo apresentado por
Bobbitt em seu livro publicado em 1949, Princípios básicos de currículo e
ensino (TYLER, 1974 apud TADEU, 2011, p. 25). Com preocupação em
questões técnicas, para Tyler, o currículo devia buscar responder a que
objetivos educacionais a escola procura atingir em termos claramente definidos
e estabelecidos. Formulados em termos de comportamento explícito,
[...] essa orientação comportamentalista iria se radicalizar, aliás,
nos anos 60, com o revigoramento de uma tendência fortemente
tecnicista na educação estadunidense, sobretudo, por um livro de
Robert Mager, Análise de objetivos, também influente no Brasil na
mesma época (TYLER apud TADEU, 2011, p. 25).
De acordo com Saviani (2008, p. 12),
A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos
princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa
pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de
maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante
ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do
trabalho pedagógico.
O foco do trabalho pedagógico não é mais o professor como na
tradicional, mas se torna a organização racional, a mecanização do processo
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na busca da eficiência. A fragmentação e o detalhamento do processo a cargo
de especialistas aos professores que agiam como executores do planejamento
destes gerou a burocratização do ensino e os resultados negativos
convalidaram mais uma vez o espectro de exclusão e evasão de uma grande
parcela de alunos na escola, marcadamente presente nas concepções teóricas
anteriores.
Teorias curriculares críticas
Já em 1937, as ideias principais da teoria crítica foram discutidas no livro
Teoria tradicional e teoria crítica, no qual Horkheimer questiona o conceito de
objetividade e de neutralidade científica no processo de conhecimento.
Nos anos de 1960, surgiram muitos movimentos sociais e culturais em
todo o mundo e também questionamentos da estrutura educacional tradicional
bem como as concepções de currículo. As teorias críticas aparecem nesse
contexto com uma maior preocupação em apontar o papel da escola e do
currículo na reprodução da estrutura social marcada pelas injustiças e
desigualdades. Boaventura Santos (1999, p. 9) identifica algumas
características da teoria crítica:
[...] uma preocupação epistemológica com a natureza e validade
do conhecimento científico, uma vocação interdisciplinar, uma
recusa da instrumentalização do conhecimento científico ao
serviço do poder político e econômico [...] uma concepção de
sociedade que privilegia a identificação dos conflitos e dos
interesses [...] um compromisso ético que liga valores universais
aos processos de transformação social.
Na visão crítica, o currículo é concebido por meio de alguma operação de
correspondência, representação do conhecimento sob uma outra forma, algo
que o precede.
Essa
concepção
representacionista
do
currículo
e
do
conhecimento tem sua versão crítica: na visão marxista, por
exemplo, inspirada pelo conceito de ideologia, o currículo e
conhecimento existentes só não correspondem à verdade porque
estão indevidamente distorcidos pelos interesses da classe
dominante. (TADEU, 2011, p. 11).
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Duas correntes mais conhecidas das teorias críticas podem ser citadas: A
Sociologia do Currículo, com origem nos Estados Unidos, que tem como
representantes mais conhecidos Michael Apple e Henry Giroux, e a Nova
Sociologia do Currículo, com origem na Inglaterra e que tem em Michael Young
um dos principais representantes.
Apple, em seu primeiro livro, Ideologia e currículo, de 1979, mostrou
preocupação em evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos
entre produção e educação. Para entender as formas complexas em que as
tensões e contradições sociais, econômicas e políticas são mediadas nas
práticas concretas dos educadores, este se apoia numa orientação cultural e
ideológica. Henry Giroux, a partir dos anos de 1980, aproxima-se das ideias da
chamada Escola de Frankfurt formada por um grupo de intelectuais alemães,
que se propunha, entre outros aspectos, revitalizar o materialismo dialético,
denunciar o caráter de exploração do capitalismo e questionar a
instrumentalização da razão.
Sacristán (1998), seguindo na linha de estudo do currículo no contexto
sociocultural, estabelece relação entre o projeto cultural e de socialização na
escola por meio do currículo em seu livro publicado em 1991, O currículo uma
reflexão sobre a prática. Segundo ele,
[...] o projeto cultural e de socialização que a escola tem para
seus alunos não é neutro. De alguma forma, o currículo reflete o
conflito de interesses dentro de uma sociedade e os valores
dominantes que regem os processos educativos. (SACRISTÁN,
1998, p. 17).
Para Sacristán (1998, p. 19), os procedimentos de seleção e organização
são mecanismos através dos quais o conhecimento é distribuído socialmente
no currículo:
A Nova Sociologia da Educação contribui de forma decisiva para
atualidade do tema, que centrou seu interesse em analisar como
as funções de seleção e de organização social da escola, que
subjazem nos currículos, se realizam através das condições nas
quais seu desenvolvimento ocorre.
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A escola, na teoria crítica, vista como espaço de luta e resistência e não
apenas de reprodução da sociedade, dá visibilidade à discussão da existência,
além do currículo prescrito, ao currículo oculto. O currículo prescrito por meio
de legislação e projetos educativos indicam os conteúdos mínimos obrigatórios
apresentados pelos docentes aos alunos. Para Sacristán (1998), o currículo
prescrito tem função intervencionista pelo sistema administrativo estatal na
sociedade. Segundo ele,
A ordenação do currículo faz parte da intervenção do Estado na
organização da vida social. Ordenar a distribuição do
conhecimento através do sistema educativo é um modo não só de
influir na cultura, mas também em toda a ordenação social e
econômica da sociedade. (SACRISTÁN, 1998, p. 108).
Já o currículo oculto está relacionado aos conhecimentos, habilidades,
valores e atitudes subjacentes ao currículo prescrito que os alunos adquirem
no cotidiano do processo de ensino e aprendizagem. É nas relações sociais
dentro da sala de aula e nas situações que envolvem a vida escolar que o
currículo oculto implicitamente se apresenta e se estabelece na formação e
transformação de valores socioeconômicos e políticos.
Para Santomé (1995, p. 201),
Analisar o sistema educativo e, por conseguinte, o que os
cidadãos e cidadãs aprendem com a sua passagem pelas
instituições escolares implica prestar atenção não só ao que
denominamos currículo explícito, mas também ao currículo
oculto.
Dentro da teoria crítica, o currículo oculto se mostra como espaço de
manifestação, de resistência, de mudança, de rejeição a todas as formas de
expressão presentes nas relações sociais institucionalizadas. Longe de ser
neutro como na teoria tradicional, o currículo oculto, tanto quanto o prescrito,
serve aos interesses de segmentos dentro do contexto social, político e
econômico no qual estão inseridos.
Teorias pós-críticas
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A partir da década de 1990, a linha de pesquisa em currículo tem dado
ênfase na análise da relação entre currículo e construção de identidades e
subjetividades. Também estão presentes os estudos sobre a cultura escolar e
as diferenças culturais dos grupos sociais nela presentes, os estudos
multiculturais, que exploram a necessidade do currículo “dar voz” às culturas
excluídas.
Falando sobre os diferentes tipos de alunos com diferentes origens
sociais presentes nas modalidades da educação, a multiculturalidade na escola,
Sacristán (1998) levanta o questionamento sobre o uso do currículo como
forma de segregação. Segundo ele,
A formação profissional paralela ao ensino secundário segrega a
coletividade de alunos de diferentes capacidades e procedência
social e também com diferente destino social, e tais
determinações podem ser vistas nos currículos que se distribuem
num e noutro tipo de educação. (SACRISTÁN, 1998, p. 17).
A discussão do papel formativo do currículo na construção de identidades
está presente também na produção de Tadeu (2011, p. 150) ao dizer:
O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos
quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar,
espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é
trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa
vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O
currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento
de identidade.
O currículo atual reflete influências dos anos de 1990 que, em meio a
questões postas por um mundo em transformação pelos desígnios da
globalização, passa a impor a necessidade de ajustes do sistema educacional à
nova ordem do capital e a democratização do ensino. A pressão de organismos
internacionais para estes ajustes nas políticas públicas de educação foi
marcante em forma de oferta de financiamentos, conferências, assessorias
técnicas e grandes eventos ao custo da redução dos gastos públicos e
diminuição do tamanho do Estado. Os ajustes se materializaram em projetos,
leis, programas, e outras denominações para as reformas educativas,
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elaborados por “especialistas”, conforme identificado por Gaudêncio (2003, p.
107):
Na sua maioria, intelectuais altamente preparados em
universidades do exterior com passagem, alguns muito longa,
outros mais breves, nos organismos internacionais que estão na
base das reformas educativas: Banco Mundial, Banco
Interamericano de Desenvolvimento, Organização Internacional
do Comércio (OIT), etc.
O atual currículo da rede estadual de educação básica do estado de São
Paulo tem sua origem na Proposta Curricular Unificada, implantada no início do
ano letivo de 2008 e é parte integrante dos objetivos do Programa São Paulo
Faz Escola que foi criado em 2007 e tem como foco a instituição de um
currículo pedagógico único para todas as escolas da rede pública estadual.
Com mesmo currículo pedagógico, acredita-se que haverá melhora na
qualidade de ensino da rede pública, uma vez que coloca todos os alunos da
rede estadual no mesmo nível de aprendizado. A Coordenadoria de Gestão da
Educação Básica (CGEB) disponibilizou o conteúdo do currículo proposto
através de uma publicação denominada “Orientações Curriculares do Estado de
São Paulo – Língua Portuguesa e Matemática – Ciclo I”, em 2008, a fim de
consolidar a articulação com o currículo em ação nas salas de aula de todo o
Estado.
Objetivos das Orientações Curriculares
A Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SÃO PAULO,
2008), na introdução sob o título “O ensino de Língua Portuguesa nas séries
iniciais” da proposta curricular de Língua Portuguesa nas séries iniciais,
informa que esta se organiza em torno de um objetivo central:
[...] subsidiar todos os envolvidos no processo de ensino da
Língua Portuguesa (Leitura, Escrita e Comunicação Oral) para
sistematizar os conteúdos de ensino mais relevantes a serem
garantidos ao longo das quatro séries (atualmente cinco) do Ciclo
I do Ensino Fundamental. (SÃO PAULO, 2008, p. 7).
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A formação de leitores e escritores também é priorizada, pois, conforme
citada na carta de apresentação do documento por Maria Helena Guimarães de
Castro (secretária da educação do estado de São Paulo),
[...] saber ler e escrever não só é condição indispensável para
que os estudantes adquiram os conhecimentos de todas as áreas
– e principalmente – para terem acesso à cultura letrada e à
plena participação social (SÃO PAULO, 2008, p. 4,3).
Origem das “Orientações Curriculares”
“Orientações Curriculares” é a nomenclatura dada pela rede estadual de
São Paulo para currículo a partir de 2007. No Estado do Paraná ele é chamado
de “Expectativas de Aprendizagem”, “Reorientação Curricular do 1º ao 9º ano”
em Goiás, “Currículo da Educação Básica” no Distrito Federal, variando assim
em outros Estados da federação.
Anterior a essa nomenclatura, de 1986 a 2001, o currículo no Estado de
São Paulo era chamado de “Proposta Curricular”.
O currículo de Língua Portuguesa, conforme está proposto atualmente,
teve seus fundamentos previstos na forma da lei já há algum tempo. O inciso
IV do art. 9º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei n.º 9.394/96, de 20 de
dezembro de 1996) diz ser incumbência da União
[...] estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal
e os Municípios, competências e diretrizes para a educação
infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os
currículos e os seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a
formação básica comum.
Os currículos e seus conteúdos mínimos (art. 210 da CF/88), propostos
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) (art. 9º da LDB), serão
estabelecidos através de diretrizes. Cabe à Câmara de Educação Básica (CEB)
do Conselho Nacional de Educação (CNE) (art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei n.º
9.131, de 24 de novembro de 1995) as funções normativas, de supervisão (Lei
9131/95) e definição das Diretrizes Curriculares Nacionais que deverão se dar
de forma articulada com Estados e Municípios, respeitando os princípios da
igualdade, da liberdade, do reconhecimento do pluralismo de ideias e
131
Cadernos de pós-graduação
ISSN 2525-3514
concepções pedagógicas conforme exposto no art. 3º da LDB e Parecer n.º
CEB 04/98.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são as diretrizes concebidas
pelo Governo Federal sem caráter obrigatório e que servem como referência
para os Estados e munícipios elaborarem seus currículos. A elaboração dos
PCN teve como base a Declaração Mundial sobre Educação para Todos:
Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBA), assinada pelos
países participantes da Conferência sobre Educação, realizada em Jomtien, na
Tailândia, em 1990 (SAMPAIO, 2010, p. 8).
Nas Orientações Curriculares do Estado de São Paulo – Língua
Portuguesa e Matemática – Ciclo I estão presentes referências aos PCN de
Língua Portuguesa. A divisão por disciplinas e por ciclo, as especificidades nos
conteúdos, recursos didáticos, critérios de avaliação são algumas das
características presentes nos dois documentos.
Para elaborarem suas Propostas Pedagógicas, as escolas devem
examinar os PCN e as Propostas Pedagógicas dos Estados e Munícipios
respeitando características regionais e locais da sociedade integrando a Parte
Diversificada e Base Nacional Comum.
Segue abaixo um esquema gráfico da ordem hierárquica na elaboração
do Currículo:
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Orientações Curriculares do Estado de São Paulo –
Língua Portuguesa e Matemática –
Ciclo I
Na Apresentação da Proposta Curricular EF Ciclo I, disponível no site
“São Paulo faz Escola” da Secretaria Estadual de Educação, o texto diz, no
primeiro parágrafo:
O presente documento foi elaborado, como já colocado, a partir
das Orientações Gerais para o Ensino de Língua Portuguesa e de
Matemática publicadas pela S.M.E. São Paulo, com a intenção de
subsidiar o ensino dos conteúdos mais relevantes a serem
garantidos ao longo das quatro séries do Ciclo I do Ensino
Fundamental.
Parte dessa informação é repetida no segundo parágrafo da
Apresentação das Orientações Curriculares do Estado de São Paulo Língua
Portuguesa e Matemática Ciclo I, feita pela secretária da educação Maria
Helena Guimarães de Castro, no Governo de José Serra, e distribuídas nas
escolas da rede estadual, conforme segue:
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ISSN 2525-3514
Não saímos do zero. Nosso ponto de partida, fruto de uma
relação de colaboração mútua, foram as Orientações Gerais para
o Ensino de Língua Portuguesa no Ciclo I, publicadas em agosto
de 2005 pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
(SME) no Diário Oficial da Cidade. (SÃO PAULO, 2008, p. 3).
Tanto a Apresentação da Proposta Curricular como a Apresentação das
Orientações Curriculares do Estado de São Paulo informam que o texto foi
elaborado “a partir” e em “relação de colaboração mútua” com a Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo, respeitando a organização dos conteúdos
do paradigma curricular da Base Nacional Comum.
O Comunicado SME n.º 816, de 3 de agosto de 2005 (DOC 04.08.05),
que também serviu de referência para “Orientações Curriculares do Estado de
São Paulo” em 2008, instituiu na rede municipal de ensino de São Paulo o
Programa Ler e Escrever a partir do ano de 2006, com objetivos bem parecidos
ao da rede estadual em 2007. No Comunicado SME n.º 816, citado acima, o
objetivo de desenvolver projetos visava
[...] reverter o quadro de fracasso escolar ocasionado pelo
analfabetismo e pela alfabetização precária dos alunos do Ensino
Fundamental e Médio da Rede Municipal de Ensino.
Programa “Ler e Escrever” faz parte do conjunto de ações previstas
nas “Orientações Curriculares”
A apresentação do documento “Orientações Curriculares do Estado de
São Paulo – Língua Portuguesa e Matemática – Ciclo I”i aponta que este “não
deve ser analisado isoladamente”, pois “faz parte de um conjunto de ações
desencadeadas em 2007 pela Secretaria Estadual de Educação (SEE)”. Na
sequência do texto, a implantação do “Programa Ler e Escrever Prioridade na
Escola” é citado como a primeira dessas ações.
A supervisora pedagógica do “Programa Ler e Escrever”, Telma Weisz,
que também é coordenadora juntamente com Neide Nogueira da publicação
“Orientações curriculares”, relata que o “Programa Ler e Escrever” faz parte de
um trabalho criado progressivamente ao longo dos últimos 25 anos na história
dos avanços na melhoria da qualidade do ensino nas séries iniciais em São
Paulo. Para citar na linha do tempo estes programas, temos em: 1984 – Ciclo
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Básico; 1988 – Por uma alfabetização sem fracasso; 1993 – Alfabetização:
teoria e prática; 2003 – Letra e Vida SARESP; 2007 – Ler e Escrever. Este
Programa (Ler e Escrever) abrange um conjunto articulado de quatro
programas: 1) Formação de formadores e gestores com acompanhamento
institucional; 2) Produção e distribuição de material impresso (tanto para os
professores quanto para os alunos); 3) Bolsa alfabetização; 4) Avaliação do
desempenho das 2ªs séries (SARESP). O Programa Ler e Escrever “[...] foi
pensado como um conjunto de ações cujo objetivo é fazer avançar a qualidade
do ensino oferecido em cada escola.” (WEISZ, 2010, p. 21). Tem como meta
alfabetizar plenamente todas as crianças com até oito anos de idade e
desenvolver as competências necessárias “[...] para terem acesso à cultura
letrada e à plena participação social” (SÃO PAULO, 2008, p. 4).
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo organizou, em janeiro
de 2008, um encontro de dirigentes regionais, supervisores de ensino e
diretores de escola onde foi feita a apresentação dos principais projetos e
ações do planejamento para o ano.
A partir dos resultados do SAEB (hoje, Prova Brasil) e do resultado de
outras avaliações, o governo do Estado de São Paulo elaborou um Plano de
Metas e Planejamento. Na apresentação do Plano, em janeiro de 2008, a então
secretária da educação, professora Maria Helena Guimarães de Castro,
destacou 10 metas para serem alcançadas até o ano de 2010. As metas
contemplavam ações visando melhorar o desempenho dos alunos do ensino
médio e fundamental do ciclo I e II e a primeira delas era “Todos os alunos de
8 anos plenamente alfabetizados”. A implantação do “Projeto Ler e Escrever”
foi tratado dentro do tema “Qualidade da educação: dez ações para uma
escola melhor” como uma destas ações e seria subsidiada pela distribuição de
material de apoio didático-pedagógico para alunos e professores e divulgação
dos conteúdos básicos de aprendizagem para todas as séries do ensino
fundamental e médio em 2008. (cf. Portal Rede do Saber).
Dispondo sobre a implementação da Proposta Curricular, a Resolução SE76, de 7 de novembro de 2008, destaca, conforme citado abaixo na íntegra
nos Artigos 1º e 3º, que se constituiria num “referencial básico obrigatório
para a formulação da proposta pedagógica das escolas” e a sua implementação
se daria “com o apoio de materiais impressos” entre outros recursos e ações.
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Artigo 1º - A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o
Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, elaborada por esta
Pasta, a ser implantada no ano em curso, passa a constituir o
referencial básico obrigatório para a formulação da proposta
pedagógica das escolas da rede estadual.
Artigo 3º - A implantação da Proposta Curricular ocorrerá com o
apoio de materiais impressos, recursos tecnológicos e com ações
de capacitação e monitoramento que, mediante a participação
direta e contínua dos educadores da rede de ensino, possibilitarão
seu aperfeiçoamento.
O Programa Ler e Escrever, introduzido em 2007 na rede estadual de
educação de São Paulo, foi oficialmente assumido desde seu início como
política pública. A publicação posterior de legislação e normas que garantiram
as condições de implementação e funcionamento vieram, assim, subsidiar as
Orientações Curriculares no trabalho pedagógico.
Considerações
As relações de poder estão postas nas citadas “reformas educacionais”
em consonância com as teorias críticas e pós-críticas. Conceitos pedagógicos
de ensino e aprendizagem são perpassados por conceitos de ideologia e poder
e, mais do que nunca, as teorias presentes nos currículos oficiais não se
apresentam de forma neutra, puramente científica ou desinteressada. Além do
“currículo oficial”, ganha espaço nas discussões o papel do “currículo oculto” na
prática escolar, e a desconfiança tem gerado a construção e a desconstrução
de modelos pedagógicos curriculares instituídos.
Referências
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SACRISTÁN, J. G. O currículo Uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto
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SAMPAIO, M. das M. F. (Org.). Relatório de análise de propostas
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currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
WEISZ, Telma. Formação, avaliação e políticas públicas. Lectura y vida –
Revista Latino Americana de Lectura, Buenos Aires, ano 31, n. 4, p. 19-26,
Dic. 2010.
Sites
http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadle
m/integra.asp?alt=27092005P%20063282005SME
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1998/pceb004_98.pdf
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=129
92:diretrizes-para-a-educacao-basica&catid=323
http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/MATERIALDAESCOLA/PROPOSTACU
RRICULAR/ENSINOFUNDAMENTALCICLOI/tabid/1251/Default.asp
http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Portals/18/arquivos/Apres_PropCur
ricular_SupDiretores_230108_COGSPCEI_Completa2.pdf
http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/pdf/saopaulorelacaodegovernadores.pdf
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ISSN 2525-3514
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ISSN 2525-3514
Pareceristas Ad hoc – 2014
Ana Maria Haddad Baptista
Andrey Jorge Serra
Antonio Joaquim Severino
Carlos Bauer
Cátia Heloisa Rosignolli Saueia
Celso Carvalho
Doralice Inocêncio
Francisca Severino
Jason Mafra
João do Prado
José Rubens Lima Jardilino
Ligia de Carvalho Abões Vercelli
Manoel Edson de Oliveira
Marcos Lorieri
Patrícia Aparecida Bioto-Cavalcanti
Rose Roggero
Sandra da Costa Lacerda,
Sofia Lerche Vieira
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Instruções para os autores / Instructions for authours
Podem ser apresentados à análise da Comissão Editorial artigos e resenhas
(de, no máximo, três anos entre o lançamento da obra e a data desta
publicação) em português, inglês, francês ou espanhol.
• Os trabalhos submetidos à Comissão Editorial são avaliados quanto a seu
mérito científico, sua adequação aos requisitos da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) [www.abnt.org.br] e a estas instruções editoriais;
• Os trabalhos submetidos aos Cadernos de Pós-Graduação deverão ser
originais e inéditos no Brasil. Textos já veiculados em eventos científicos
realizados fora do país não poderão ultrapassar um ano de sua divulgação e
devem ter essa data explicitada. A Comissão Editorial não aceitará artigos ou
resenhas submetidas simultaneamente a outras publicações, nacionais ou
estrangeiras;
• Os textos deverão vir acompanhados, em arquivo separado, de carta que
autorize a publicação (impressa e eletrônica) e a cessão de direitos autorais à
Revista Cadernos de Pós-Graduação, bem como autorização expressa para
indexação em bases de dados nacionais e internacionais, diretórios, bibliotecas
digitais e bases bibliométricas. O modelo de Formulário de Autorização está
disponível em: http://www4.uninove.br/ojs/index.php/cadernosdepos/login
• A instituição e/ou qualquer dos organismos editoriais desta publicação não se
responsabilizam pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos textos, por
serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es);
• Todos os trabalhos serão submetidos a avaliação cega de pares acadêmicos
especialistas na área (peer review and double blind), garantidos sigilo e
anonimato tanto do(s) autor(es) quanto dos pareceristas;
• No caso de contradição entre pareceres, o artigo será enviado a um terceiro
parecerista que tomará conhecimento das avaliações conflitantes. Em caso de
140
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ISSN 2525-3514
um parecer positivo, caberá à Comissão Editorial a avaliação dos três
pareceres e a decisão sobre a publicação ou não do artigo;
• As sínteses dos pareceres, em caso de aceite condicionado ou recusa, são
encaminhadas ao(s) autor(es);
• Os trabalhos devem ser submetidos exclusivamente por meio da plataforma
eletrônica
da
revista
Cadernos
de
Pós-Graduação.
In:
http://www4.uninove.br/ojs/index.php/cadernosdepos/login
Formatação
Os textos devem ser elaborados conforme as seguintes instruções:
• Digitados no WordPad (.DOC) ou programa compatível de editoração; fonte
Times New Roman, tamanho 12, alinhamento à esquerda, sem recuo de
parágrafo, e espaçamento (entrelinha) duplo;
• Artigos devem ter entre 18 mil e 45 mil toques (caracteres + espaços), e
resenhas, entre 3,5 mil e 7 mil toques (caracteres + espaços);
• Artigos devem apresentar seu título; nome(s) completo(s) do(s) autor(es),
seus créditos profissionais e acadêmicos e endereços (físico e eletrônico)
completos; resumo (entre cem e 150 palavras) e palavras-chave (máximo
cinco) na língua de origem do texto. Devem conter, ainda, title, abstract. Ao
final, obrigatoriamente, a lista de referências utilizadas no corpo do texto;
• Notas servem para explicações ou esclarecimentos e não se confundem com
referência à fonte; devem vir ao final do texto, com numeração sequencial em
algarismos arábicos;
• Unidades de medida devem seguir os padrões do Sistema Internacional de
Unidades (SI), elaborados pelo Bureau Internacional de Pesos e Medidas
(BIPM) [www.bipm.org]; em casos excepcionais, a unidade adotada deve ser
seguida da unidade expressa no SI, entre parênteses;
• Palavras estrangeiras devem ser grafadas em itálico;
• Neologismos ou acepções incomuns, grafe entre “aspas”;
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• Trabalhos que exijam publicação de gráficos, quadros, tabelas ou qualquer
tipo de ilustração devem apresentar as respectivas legendas, citando a fonte
completa e sua posição no texto. Os arquivos devem ser encaminhados
separadamente e, sempre que possível, no formato original do programa de
elaboração (por exemplo: CAD, CDR, EPS, JPG, TIF, XLS) e as imagens, com
alta definição (mínimo de 300 dots per inchs [DPIs]); para mapas ou
micrografias, devem estar explícitas as marcas de escala.
Para citar
Há duas maneiras de citar uma fonte: direta (respeitando redação, ortografia e
pontuação originais) ou indireta, na qual se usa apenas o conceito da fonte,
que não aparece de forma literal ou textual. Observe:
A ironia seria assim uma forma implícita de heterogenia, mostrada conforme a
classificação proposta por Authier-Reiriz (1982).
Oliveira e Leonardos (1943, p. 146) dizem que a “[...] relação da série São
Roque com os granitos porfiróides pequenos é muito clara.”
Outro autor nos informa que “[...] apesar das aparências, a desconstrução do
logocentrismo não é uma psicanálise da filosofia [...]” (DERRIDA, 1967, p.
293).
No caso de o trecho citado ultrapassar 210 toques (caracteres + espaços),
deve-se adotar recuo e justificação do parágrafo, sem o uso de aspas e em
tamanho 10. Observe:
A teleconferência permite ao indivíduo participar de um encontro nacional ou
regional sem a necessidade de deixar seu local de origem. Tipos comuns de
teleconferência incluem o uso da televisão, telefone, e computador. Através de
áudio-conferência, utilizando a companhia local de telefone, um sinal de áudio
pode ser emitido em um salão de qualquer dimensão [...](NICHOLS, 1993, p.
181).
Para referenciar
Ao referenciar uma fonte, atente à ordem dos elementos, à pontuação e,
principalmente, às informações essenciais que devem ser fornecidas e, sempre
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que possível, informe se a fonte está disponível eletronicamente (on-line).
Observe:
Livro
Os elementos essenciais são: autor(es) do livro, título do livro, edição, local,
editora e data da publicação.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 29 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
Livro (parte)
Os elementos essenciais são: autor(es) da parte, título da parte, autor(es) do
livro, título do livro, edição, local, editora, data da publicação e intervalo de
páginas da parte.
DERENGOSKI, P. R. Imprensa na Serra. In: BALDESSAR, M. J.;
CHRISTOFOLETTI, R. (Org.). Jornalismo em perspectiva. 1. ed. Florianópolis:
Ed. da UFSC, 2005. p. 13-20.
Livro (meio eletrônico)
Os elementos essenciais são os mesmos do livro ou da parte do livro, porém
acrescidos do endereço eletrônico e data de acesso (se o meio for on-line).
ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1. ed. São Paulo: Virtual
Books,
2000.
Disponível
em
<http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/download/Memorias_Postuma
s_de_Bras_Cubas.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2004. FERREIRA, A. B. de H. Novo
dicionário Aurélio. 3. ed. São Paulo: Positivo, 2004. 1 CD-ROM.
Periódico (parte)
Os elementos essenciais são: autor(es) da parte, título da parte, título do
periódico, local, fascículo (número, tomo, volume etc.), intervalo de páginas da
parte e data da publicação. BIARNÈS, J. O significado da escola nas sociedades
do século XXI (o exemplo da escola francesa). EccoS – Revista Científica, São
Paulo, v. 6, n. 2, p. 107-128, jul./dez. 2004.
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Periódico (meio eletrônico)
Os elementos essenciais são os mesmos da parte do periódico, porém
acrescidos do endereço eletrônico e data de acesso (se o meio for on-line).
BIARNÈS, J. O significado da escola nas sociedades do século XXI (o exemplo
da escola francesa). EccoS – Revista Científica, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 107128,
jul./dez.
2004.
Disponível
em:
<http://portal.uninove.br/marketing/cope/pdfs_revistas/eccos/eccos_v6n2/ecc
osv6n2_jeanbianes_traddesire.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2004.
Trabalho acadêmico
Os elementos essenciais são: autor(es) do trabalho acadêmico, título do
trabalho acadêmico, data da apresentação, definição do trabalho (dissertação,
monografia, tese etc.), titulação visada, instituição acadêmica (incluindo
escola, faculdade, fundação etc.), local e data da publicação.
DE NIL, L. F.; BOSSHARDT, H-G. Studying stuttering from a neurological and
cognitive information processing perspective. In: WORLD CONGRESS ON
FLUENCY DISORDERS, 3., 2001, Nyborg. Annals... Nyborg: IFA, 2001. p. 5358.
HARIMA, H. A. Influência da glucana na evolução do lúpus murino. 1990. Tese
(Doutorado)-Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo,
São Paulo, 1990.
XAVIER, E. F. T. Qualidade nos serviços ao cliente: um estudo de caso em
bibliotecas universitárias da área odontológica. 2001. Dissertação (Mestrado
em Ciências da Comunicação)-Escola de Comunicações e Artes, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2001.
Observação:
Na elaboração destas normas editoriais, foram consultados os seguintes
documentos da ABNT: NBR 6023, NBR 6024, NBR 6027, NBR 6028, NBR 6034,
NBR 10520, NBR 10522, NBR 10525, NBR 12256. Ao submeter o artigo, utilize
os campos:
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