PRESIDENCIALISMO
DE COALIZÃO
EM MOVIMENTO
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PRESIDENCIALISMO
DE COALIZÃO
EM MOVIMENTO
Câmara dos Deputados
56ª Legislatura | 2019-2023
Presidente
Rodrigo Maia
1º Vice-Presidente
Marcos Pereira
2º Vice-Presidente
Luciano Bivar
1ª Secretária
Soraya Santos
2º Secretário
Mário Heringer
3º Secretário
Fábio Faria
4º Secretário
André Fufuca
Suplentes de secretários
1º Suplente
Rafael Motta
2ª Suplente
Geovania de Sá
3º Suplente
Isnaldo Bulhões Jr.
4º Suplente
Assis Carvalho
Secretário-Geral da Mesa
Leonardo Augusto de Andrade Barbosa
Diretor-Geral
Sergio Sampaio Contreiras de Almeida
Câmara dos
Deputados
PRESIDENCIALISMO
DE COALIZÃO EM
MOVIMENTO
Giovana Perlin
Manoel Leonardo Santos
(Organizadores)
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Presidencialismo de coalizão em movimento [recurso eletrônico] / Giovana Perlin, Manoel Leonardo Santos
(organizadores). – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2019.
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Disponível, também, em formato impresso.
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ISBN 978-85-402-0776-9
1. Brasil. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. 2. Presidencialismo, Brasil. 3. Política e governo,
Brasil. 4. Relação legislativo-executivo, Brasil. 5. Comissão parlamentar, Brasil. 6. Liderança política, Brasil. I.
Perlin, Giovana. II. Santos, Manoel Leonardo.
CDU 342.38(81)
ISBN 978-85-402-0775-2 (papel)
ISBN 978-85-402-0776-9 (e-book)
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Sumário
Apresentação
....................................................................
7
por Juliana Werneck de Souza
Apresentação
....................................................................
9
por Ricardo Fabrino
Prefácio
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
por André Rehbein Sathler Guimarães e Ricardo de João Braga
Introdução
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Parte I – O presidencialismo de coalizão em movimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise
das relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff . . . . . . 25
Fortalecimento das comissões mistas: poder de barganha e desgaste na
coalizão a partir de 2012 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações
do Supremo Tribunal Federal aos mandados de segurança originários
impetrados contra atos legislativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia
brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo e na
representação de interesses organizados (1983/2016). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
Parte II – Os partidos em movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem? Considerações sobre
a fragmentação partidária no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
. . . . . . . . 229
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina parlamentar
na Câmara dos Deputados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das lideranças da
Câmara dos Deputados no Facebook . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 315
Mudança institucional e financiamento político: o papel dos partidos nas
eleições de 2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353
Parte III – O poder das comissões em movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 401
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos
Deputados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 403
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções de grupos
de interesse e assessores parlamentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares: um
indicador da exclusão das mulheres do jogo político . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 459
Considerações finais
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 481
Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 491
7
Apresentação
Este livro surge como o coroamento de uma iniciativa digna de celebração:
a parceria técnico-científica entre os programas de pós-graduação do Centro
de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados
(Cefor/CD) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Resulta do
esforço coletivo, institucional e acadêmico e da inquietação epistemológica própria de pesquisadores e profissionais comprometidos não somente com a busca
rigorosa de explicações para questões relevantes do ponto de vista científico,
social e político, mas também com a disseminação de valores democráticos
e com a reflexão crítica que contribua para o aprimoramento do desempenho
institucional do Legislativo.
É publicado em um momento particularmente especial, quando são celebrados
os vinte anos de criação do Cefor, os dez anos de inauguração da nova sede –
projetada para acolher alunos e docentes e múltiplas atividades de modo mais
integrado e inspirador – e, ainda, os cinco anos do credenciamento junto ao MEC
para a oferta do mestrado profissional em Poder Legislativo, na área de ciência
política e relações internacionais.
O propósito da obra é analisar as recentes mudanças no sistema político brasileiro sob a ótica da Câmara dos Deputados. Diversas perspectivas teórico-metodológicas são aqui representadas com unidade e coerência, de modo a
propiciar aos interessados uma leitura aprazível, abrangente e bem articulada,
que pode ser sequencial ou intercalada, a critério do leitor.
A partir de três eixos ou dimensões estruturadoras do conteúdo – as relações
entre o Legislativo e outros Poderes, os partidos políticos e as comissões parlamentares – o leitor sente-se enveredar por um percurso de perguntas instigantes
e respostas eventualmente desconcertantes, que levam necessariamente a novas
problematizações. Cada capítulo deixa ao final um gosto do porvir.
Trata-se de publicação oportuna que, longe de pretender exaurir o complexo
tema da evolução do presidencialismo de coalizão, lança novos olhares, oferece
perspectivas de análise importantes, revisita modelos, abre espaço para novas
questões e, finalmente, convida à continuidade do diálogo sobre o tema.
8
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Redigida a várias mãos e com precioso zelo, esta obra é mais uma evidência
inequívoca da relevância institucional da atividade de pesquisa viabilizada
pelo programa de pós-graduação, particularmente pelo mestrado profissional e
pelas ações de cooperação científica, como a principiada com o Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG. O Cefor acredita nas potenciais
implicações positivas desta publicação, do ponto de vista teórico, prático e sociopolítico, e no seu propósito mais elevado de contribuir para o fortalecimento
do Poder Legislativo e, em certa medida, para o amadurecimento da democracia
brasileira.
Juliana Werneck de Souza
Diretora do Centro de Formação, Treinamento e
Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados
9
Apresentação
Não se faz ciência sozinho. O trabalho contínuo de construir e testar hipóteses, de
compreender fenômenos e seus significados e de avaliar o funcionamento de mecanismos causais e suas implicações depende da estruturação de uma comunidade
de pesquisadores. Essa comunidade opera por meio da crítica sistemática e do escrutínio mútuo, os quais permitem verificar a validade das explicações elaboradas
e dos achados encontrados. A comunidade também opera por meio da cooperação
entre pesquisadores para a estruturação de investigações coletivas de maior monta. Enfrentar problemas significativos requer uma diversidade de enfoques, procedimentos, ângulos e questões, demandando a organização de equipes complexas
com investigadores que detêm competências diversas.
O problema enfrentado por esta obra é, claramente, desta natureza. Entender as
mudanças no nosso presidencialismo de coalizão e, mais especificamente, as
transformações no Poder Legislativo é uma empreitada necessariamente coletiva.
Empreitada esta que se mostra particularmente relevante em um momento de
grandes incertezas políticas, no qual as próprias instituições buscam repensar
suas características e práticas. Nesse contexto, a compreensão do funcionamento
das instituições políticas e das relações entre elas é fundamental não apenas para
a revisão de formas canônicas de interpretar a política brasileira, mas também
para a sobrevivência dessas mesmas instituições e da democracia no país. Essa
tarefa demanda um conjunto de estudos voltados a flancos distintos do fenômeno,
envolvendo pesquisadores dispostos a coopera, de forma crítica e constante, para
o avanço do conhecimento em um terreno movediço.
A parceria que alicerça este livro se estrutura nessa direção. Pesquisadores vinculados ao Programa da Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG e ao
Mestrado Profissional em Poder Legislativo do Cefor reuniram-se para pensar,
de modo articulado, as transformações do processo legislativo, as relações entre
Poderes e as formas por meio das quais grupos de interesse afetam decisões
políticas. Fazem-no por meio de estudos voltados a diferentes facetas do fenômeno e de encontros de discussão crítica sobre os trabalhos produzidos. Desta
forma, reúnem-se em um esforço conjunto para pensar um problema relevante
do ponto de vista teórico e social.
10
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Esse esforço conjunto envolvendo Cefor e PPGCP/UFMG é extremamente rico
e não se reduz a esta obra. Mais do que o fim de uma colaboração, o livro surge
como um indício das possibilidades do trabalho em parceria. Pesquisadores das
duas instituições têm interesse em uma agenda perene que articula pesquisa acadêmica de fronteira com conhecimentos práticos e dados sobre o Poder Legislativo brasileiro. Interessa-lhes viabilizar uma agenda ampla e multifacetada de
investigações, capaz de compreender os desafios e as tendências que se colocam
às Casas legislativas, contribuindo, assim, para repensá-las. O PPGCP/UFMG
sente-se honrado em participar dessa cooperação, que parte da premissa de que
o fortalecimento do Poder Legislativo é fundamental ao fortalecimento da própria democracia brasileira.
Prof. Dr. Ricardo Fabrino
Coordenador do Programa de Pós-graduação
em Ciência Política da UFMG
11
Prefácio
O presente livro surge em um momento de exasperação após vários anos de crise econômica e política. Em um momento assim, por que falar de Parlamento?
A desesperança, prima gêmea da desconfiança, grassa. Segundo pesquisas com
diferentes abordagens e metodologias, a percepção do Congresso Nacional perante a população afunda. Por que, afinal, falar de Parlamento?
Para o bem ou para o mal, o Parlamento foi ator-chave ao longo da crise. Para
citar dois episódios de maior grandeza, foi o Parlamento que afastou a chefe
do Poder Executivo ao aprovar o impeachment da presidenta Dilma Rousseff
e que decidiu manter o chefe do Poder Executivo em seu cargo ao rejeitar o
prosseguimento das denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República ao
presidente Michel Temer.
Insista-se: duas decisões da maior gravidade e em um regime presidencialista,
por vezes chamado de hiperpresidencialista, dada a alta concentração de poderes nas mãos do chefe do Poder Executivo. Essas decisões apontam para um
Congresso forte ou fraco? A pergunta parece ser tola. Infelizmente, porém, não
há resposta simples ou direta, que não implique várias reflexões e sob diversos
ângulos, como as que são aqui tratadas.
O Brasil deu uma contribuição muito rica ao debate sobre multipartidarismo em
sistemas presidencialistas, ocasionando uma revisão no mainstream da ciência
política internacional: já não é possível tratar do assunto sem fazer referência
ao “presidencialismo de coalizão”, conceito autenticamente nacional. Em que
pese o crédito a Sérgio Abranches, seu formulador original, pode-se dizer que
é um conceito da academia brasileira, tal a quantidade de leituras, releituras e
aperfeiçoamentos que sofreu ao longo das duas últimas décadas.
A crise atual colocou em xeque também a academia. Será que, como afirmou um
partido político em propaganda durante as eleições de 2018, o presidencialismo de coalizão é na verdade presidencialismo de cooptação? Será que a dinâmica entre multipartidarismo e presidencialismo só funcionou à base de transações
espúrias? E, se assim for, por que as transações espúrias deixaram de funcionar?
12
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Bravamente, contudo, a academia segue buscando respostas. Entre elas, o presente livro, que assume o desafio de analisar justamente o presidencialismo de
coalizão em movimento: a mudança institucional que estamos vivendo. Com
todos os percalços de analisar o presente, o livro ultrapassa o campo da mera
opinião e traz como fundamento de sua possibilidade científica a solidez das
pesquisas anteriores e do que foi acumulado em termos de conhecimento sobre
o funcionamento do sistema.
Dilma Rousseff operou precariamente o sistema, por seu apego à tecnocracia e
repúdio ao político. Michel Temer saturou o sistema, levando-o para seu outro
limite. Seja na baixa intensidade dilmista, seja na altíssima intensidade temerista, subjaz o sistema. As instituições importam, afinal. Essa é apenas uma das
hipóteses de leitura para o fenômeno. Mas as instituições também mudam,
afinal. Essa é a proposta subjacente ao presente livro.
Em artigos organizados em três partes, dedicadas ao presidencialismo de coalizão em si, aos partidos e às comissões, diversos autores exploram tendências,
regências e imanências, virando e revirando do avesso o conceito de presidencialismo de coalizão e buscando mostrar o que mudou – permanência e impermanência em diálogo e tensão permanente.
Vale ainda destacar que o presente livro é o primeiro produto da parceria de
pesquisa entre a Universidade Federal de Minas Gerais e o Centro de Formação,
Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Câmara dos Deputados e, como
todo primeiro fruto de uma colaboração, merece ser celebrado. Parabéns a todos
os ouvintes e parabéns a você, leitor, pela escolha!
André Rehbein Sathler Guimarães
Ricardo de João Braga
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Introdução
A promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) selou o processo
de abertura política iniciado em princípios dos anos 1980, década que teve as
eleições de 1985 como marco histórico do retorno à democracia no Brasil. Desde
então, o país vive o mais longo período democrático de sua história. Mas, ao
longo desse período, ainda que pesem a estabilidade e a ausência de eventos
críticos capazes de causar rupturas radicais, mudanças institucionais significativas aconteceram. As instituições políticas no Brasil passaram por alterações
incrementais e, especialmente nos últimos anos, uma aguda crise política impôs
novas reflexões sobre papel do Poder Legislativo no funcionamento do presidencialismo de coalizão no país. Este livro discute as instituições políticas ao
longo deste período, propondo interpretações plurais sobre suas continuidades
e mudanças.
Apesar dos turbulentos anos iniciais do período democrático, a sequência ininterrupta de eleições e a estabilização fiscal e econômica do país criaram as
condições para a estabilidade política. À exceção de Fernando Collor de Melo,
até 2014 todos os presidentes eleitos diretamente concluíram seus mandatos.
O país experimentou uma significativa alternância de poder com a vitória de
um partido de esquerda, o PT, contando com processo de transição estável e
democrático. Especialmente Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio “Lula”
da Silva, que somaram dezesseis anos de Presidência de República, tiveram
significativa capacidade política e apoio parlamentar para implementar boa
parte de suas agendas de políticas públicas.
Nos últimos anos, contudo, durante o primeiro mandato da presidenta Dilma
Rousseff, uma forte crise econômica e política afetou duramente essa estabilidade e, pelo menos desde junho de 2013, o sistema político brasileiro começou a dar demonstrações de fragilidade. Movimentos sociais se mobilizaram
intensamente, levando milhões de pessoas às ruas em junho de 2013. A partir
dali a polarização política se intensificou e se radicalizou. Ao mesmo tempo,
as dificuldades de governabilidade e das relações entre os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário começavam a assumir novos contornos e um conjunto
de fatores econômicos e políticos culminaram, em 2016, com a interrupção do
14
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, eleita diretamente em 2014
para seu segundo mandato. Em seu lugar, assume a presidência o então vice-presidente Michel Temer.
Especialmente este último evento, o mais polêmico e radical dos acontecimentos de todo o período pós-1988, impõe uma reflexão crítica acerca do funcionamento das nossas instituições políticas.
A substituição de Dilma Rousseff por Michel Temer não colocou termo à crise,
ao contrário, a aprofundou. Sob o impacto da crise econômica, de um forte
deficit fiscal e das consequências da Operação Lava Jato, que afetou as principais lideranças políticas de quase todos os partidos, Michel Temer governou de
forma precária. Refém do Congresso Nacional e, ele mesmo, alvo de graves denúncias de envolvimento com os atores centrais dos escândalos de corrupção,
Temer concluiu seu mandato de forma inexpressiva, com a menor taxa de popularidade que um presidente já teve na história do país e com desempenho medíocre do candidato do seu partido à sua sucessão.
Na eleição de 2018, as urnas interromperam um longo período de estabilidade
na disputa presidencial, que, desde 1994, organizou a disputa entre as duas principais forças políticas do país, o PT e o PSDB. A ruptura deste padrão de competição leva ao Palácio do Planalto Jair Bolsonaro, candidato outsider, eleito por
partido até então inexpressivo e com discurso de extrema direita. Desde Collor
de Melo, o eleitor brasileiro não fazia opção por um candidato a presidente com
essas características. Ademais, o quadro partidário foi profundamente alterado,
inaugurando uma nova fase da correlação de forças políticas no país.
Este livro parte da hipótese de que essas mudanças não são eventos contingenciais, ou seja, não foram resultado só da crise política recente, mas de um
conjunto mais amplo de mudanças que vinham, gradativamente, modificando
as bases institucionais do presidencialismo de coalizão no Brasil.
Muito embora as crises política e econômica, iniciadas em 2013 e aprofundadas
nos últimos anos, justifiquem, per se, um dedicado esforço analítico, a proposta
desta obra é olhar para esses eventos em segundo plano. A crise aqui é vista
tanto como consequência dessas mudanças de longo prazo, quanto como um
evento crítico que impulsionou novas mudanças. A mudança institucional nos
fundamentos do presidencialismo de coalizão, portanto, é o objeto de estudo das
análises contidas nesta publicação. Os trabalhos aqui empreendidos têm como
Introdução
15
objetivo principal descrever e explicar a mudança institucional no presidencialismo de coalizão brasileiro, com ênfase no Poder Legislativo.
Para cumprir essa tarefa, três dimensões foram selecionadas: as relações entre o
legislativo e outros Poderes, os partidos políticos e as comissões parlamentares.
A escolha dessas três dimensões foi fortemente influenciada por pesquisas recentes que sugerem uma reinterpretação das explicações institucionalistas até
aqui disponíveis sobre como funciona o sistema político brasileiro.
Assume-se que teorias sobre instituições políticas devem oferecer causas, ou
mecanismos causais, que permitam compreender as mudanças. Nesse sentido,
os autores foram convidados a investigar a mudança para além da constatação
da mudança. Eles foram instados a oferecer explicações causais sobre a mudança institucional.
Encorajamos nossos autores a incluir causas para explicar a mudança institucional em quatro dimensões: a agência (ação dos atores), os elementos subjetivos e informais, as tensões dinâmicas e os efeitos não intencionais. Adicionalmente, recomendamos um enfoque da mudança institucional baseado mais em
processos endógenos que em variáveis exógenas, procurando assim diminuir “o
grau de exogeneidade das teorias da mudança institucional” (REZENDE, 2012).
Dada a heterogeneidade das análises aqui disponíveis, o leitor encontrará
diferentes caminhos escolhidos para explicar mudança. A depender do recorte escolhido, alguns autores consideraram as instituições como contexto
que ajuda a moldar as ações e as interações políticas, outros consideraram
as instituições como objeto da ação e da disputa política. Os múltiplos enfoques, assim, mostram uma visão multifacetada e nem sempre convergente do
fenômeno, mas as análises aqui constantes guardam em comum pelo menos
duas características: as instituições em movimento e a centralidade do Poder
Legislativo em suas análises.
Também compõem o livro novos olhares sobre o processo legislativo. Esses
novos olhares exploram aspectos pouco conhecidos e sugerem revisões sobre
algumas ideias, algumas delas bem consolidadas na literatura corrente. Em
alguns capítulos, embora não apresentem necessariamente explicações sobre
a mudança institucional em si, autores identificam importantes transformações
e levantam novas hipóteses sobre o funcionamento do presidencialismo de
16
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
coalizão no Brasil. Seguramente essas contribuições ajudarão a compor um
quadro explicativo mais robusto sobre o sistema político brasileiro.
O presidencialismo de coalizão em movimento
Na primeira parte do livro, denominada “O presidencialismo de coalizão em
movimento”, são abordadas questões que remetem às relações entre os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como da relação do Legislativo com
os interesses organizados da sociedade. No primeiro capítulo, Guimarães e
coautores interrogam sobre os motivos pelos quais as “ferramentas” tradicionais do presidencialismo de coalizão deixaram de ser eficientes na gestão do
consórcio governativo. Mudanças graduais, observadas em diferentes momentos
anteriores e durante o processo de impeachment da presidenta Dilma, ajudam
a entender a deterioração das estratégias de gerenciamento da coalizão. Nesse
período, mudanças no processo orçamentário, na distribuição de cargos, no poder de agenda do presidente e na centralização decisória no Parlamento tornaram o ambiente hostil à chefe do Executivo, culminando com seu afastamento.
No capítulo seguinte, Bedritichuk e Araújo focam num essencial instrumento
utilizado por presidentes na aprovação da sua agenda legislativa: a medida provisória. A mudança institucional, iniciada em 2001 e aprofundada em 2012, alterou o rito de tramitação das MPs, e, com isso, a dinâmica decisória desse importante instituto. Notadamente aqui se pode identificar a participação ativa do
Poder Judiciário, que em 2012, seguindo a CF/1988, determinou que as medidas
provisórias deveriam passar obrigatoriamente por comissão mista antes de serem avaliadas pelos Plenários da Câmara e Senado. Os impactos dessa mudança a partir de análise do primeiro mandado da presidenta Dilma Rousseff foram
fortes. Entre eles, o aumento dos custos de aprovação das medidas provisórias e
o aumento do poder de barganha dos parlamentares.
O capítulo 3, contribuição de Barbosa e coautores, aborda mais um ponto relevante: a atuação decisiva que o STF teve no processo legislativo nos últimos
anos. O Supremo Tribunal Federal vem tornando-se ator cada dia mais relevante politicamente, visto que a Corte passou a ser sistematicamente acionada
pelos próprios parlamentares, através do instrumento do mandado de segurança.
Devido à crise, surge um incômodo paradoxo: os próprios parlamentares con-
Introdução
17
vidam a Corte a deliberar sobre como devem agir. Decidindo de forma estratégica sobre esses mandados de segurança, o tribunal passou a afetar diretamente
a execução da agenda do Legislativo. A esse fenômeno os autores chamam
judicialização da agenda legislativa.
O capítulo 4 traz uma importante reinterpretação sobre a dinâmica orçamentária
a partir da comparação entre os períodos 1946-1964 e o pós-1988. Bittencourt e
Braga enfatizam que a instabilidade das relações orçamentárias entre os Poderes
gera incerteza e, assim, deteriora as possíveis ações de coordenação das forças
políticas – pensamento contrário ao da literatura, de que maiores poderes legislativos no período 1946-1964 ensejaram um Legislativo mais independente. Os
autores defendem que a incerteza sobre o orçamento é que impacta as relações
políticas entre Executivo e Legislativo e o próprio comportamento legislativo.
No capítulo 5, que encerra a primeira parte do livro, Santos e Baird chamam
atenção para a ação dos grupos de interesse na Câmara dos Deputados.
Argumentam os autores que as relações entre Estado e sociedade vêm mudando, especialmente no que diz respeito ao padrão de atuação dos interesses
organizados junto ao Parlamento. A conclusão é que as mudanças institucionais recentes no âmbito do Parlamento brasileiro têm efeitos que vão além da
imbricação entre Executivo e Legislativo, afetando também as relações entre o
Parlamento e a representação de interesses organizados da sociedade. O revigoramento do Poder Legislativo impactou a atividade dos grupos de interesse e
dos lobbies, que passaram a agir cada vez mais intensamente na esfera legislativa, especialmente no âmbito das comissões parlamentares.
Os partidos em movimento
Sobre os partidos no Parlamento, as mudanças não são menos relevantes. A alta
fragmentação partidária aponta para um problema de difícil superação. O capítulo 6 conclui que, no que diz respeito à fragmentação, o grande problema não
se encontra no elevado número de pequenos partidos, mas no fato de a Câmara
passar a ser progressivamente composta por expressivo número de partidos de
porte médio. Como resultado, surge a necessidade de coalizões mais amplas
e compostas por expressivo número de parceiros dotados de força legislativa
18
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
semelhante – o que potencializa o poder de chantagem de cada um deles e
fragiliza o partido formador.
No que diz respeito ao comportamento dos parlamentares, achados relevantes
reforçam a conclusão sobre a dificuldade de lidar com um Parlamento tão
fragmentado. Explorando as relações entre ideologia e comportamento dos
parlamentares, Câmara, no capítulo 7, sustenta que o posicionamento ideológico funciona como um bom preditor para as opiniões dos parlamentares,
já que os maiores partidos nacionais agiram de forma coerente com a ideologia que defendem no período estudado. Entretanto, o comportamento dos
deputados não pode ser previsto com acurácia apenas a partir de sua ideologia,
o que indica tensão entre aquilo que desejam e aquilo que podem efetivamente
fazer, dadas as características do presidencialismo de coalizão. No capítulo 8,
por sua vez, Ferreira Jr. e Schwartz contestam a ideia de alteração do padrão
de voto dos parlamentares em Plenário nos ciclos eleitorais, como sugere a
literatura mais relevante sobre o tema, e também o índice de 80% de adesão de
parlamentares e partidos à orientação do Governo.
A dificuldade de lidar com a fragmentação e a baixa previsibilidade no comportamento dos parlamentares e partidos afeta também as estratégias das lideranças partidárias. No capítulo 9, os autores demonstram como o desenho das
assessorias legislativas das lideranças partidárias guarda correlação com as estratégias adotadas pelos partidos nas arenas eleitoral e legislativa. A conclusão
apresentada por Ferreira Jr. e Rocha é que as estruturas de assessoramento são
ferramentas à disposição dos líderes partidários e do presidente da República
para induzir a disciplina partidária e a governabilidade. Em prol do pragmatismo político, afirmam que lideranças de partidos da base governista colocam em
segundo plano a produção de informação para orientar seus parlamentares e optam por estruturas de assessoramento de cunho procedimentalista.
Além da fragmentação, do comportamento e das estratégias das lideranças, identifica-se outro aspecto relevante e novo nos partidos políticos no Parlamento: o
modo como as lideranças partidárias usam a internet, especialmente os seus perfis no Facebook. A análise do conteúdo e do potencial interativo das redes sociais
mostra que em todos os perfis há predomínio da lógica da política de visibilidade, com o propósito de usar o perfil do Facebook para divulgar informações seletivas de acordo com os interesses do partido. Segundo Sathler e coautores, o foco
Introdução
19
da política de visibilidade são os próprios partidos e os demais atores político-governamentais que fazem interlocução com a arena partidário-parlamentar.
Por fim, nessa segunda parte, um olhar sobre o financiamento dos partidos alerta sobre uma variável pouco considerada nos estudos sobre o Parlamento no
Brasil. No capítulo 11, Mancuso e coautores mostram que partidos se tornaram
cada vez mais alvo do financiamento de empresas e interesses econômicos. Os
autores constatam que as receitas dos partidos eram formadas, pelo menos até
2014, predominantemente por recursos procedentes de três fontes: empresas,
fundo partidário e pessoas físicas. O financiamento por empresas, contudo, reinava soberano e representou, em 2014, nada menos que 73% do total de recursos mobilizados por partidos e candidatos. Em 2015 o STF proibiu doações de
campanhas por empresas. O efeito dessa mudança ainda não pode ser avaliado
plenamente, mas os autores fazem conjecturas muito bem informadas sobre o
impacto dessa decisão no comportamento dos partidos. Entre as possibilidades
estão a ampliação do financiamento público, o incremento da sustentação militante e um papel de destaque para os candidatos mais ricos nas eleições, seja
como apoiadores seja como candidatos.
O poder das comissões em movimento
Sobre as mudanças no sistema de comissões parlamentares, importante e recente achado encontra-se no capítulo 12. Almeida registra que, de 1991 até
2014, é possível identificar dois períodos distintos: nas duas legislaturas, compreendidas entre 1995 e 2002, o Plenário foi o protagonista das deliberações,
enquanto nas três seguintes (2003 a 2014) esse papel coube às comissões.
O autor constata aumento substancial do protagonismo das comissões nas
deliberações sobre iniciativas presidenciais e oferece uma interpretação para
o fenômeno. Segundo Almeida, esse protagonismo reflete a descentralização
do processo legislativo que ocorreu em razão de a maioria parlamentar ter
transferido poderes de agenda da sua liderança para o sistema de comissões.
Essa explicação supera até mesmo alternativas oferecidas pela literatura.
Outro ponto relevante diz respeito ao tema abordado no capítulo 13, que investiga a participação dos grupos de interesses nas comissões parlamentares. Analisando dados de dois surveys realizados com grupos de interesse e
20
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
assessores parlamentares, Resende retrata onde e como atuam representantes
de interesses organizados, considerando o complexo processo decisório que envolve múltiplas instituições políticas. Entre os principais achados: a existência
de uma percepção de maior produtividade dos lobbies em múltiplas arenas, com
destaque para a arena legislativa; a indicação das comissões parlamentares
como um importante espaço de atuação dos interesses organizados e a ênfase
atribuída ao elemento informacional nas atividades de lobbying.
Por fim, no último capítulo, Perlin investiga a representação feminina no sistema de comissões parlamentares. Desenvolvendo um indicador da exclusão
das mulheres na formação da agenda política, constata, ao contrário dos demais
autores desse livro, que nesse campo nada mudou. A sub-representação feminina no Parlamento é perene e não se observa apenas no número reduzido de
mulheres nas cadeiras do Legislativo, mas, também, na rara participação delas
nos espaços estratégicos de formação de capital político e na influência no jogo
de poder. É uma raridade mulheres na presidência de comissões, e a isso se soma
a maior participação delas em comissões do tipo soft politics. Segundo a autora,
esse quadro contribui para a manutenção de agendas com menor visibilidade,
para a atuação concentrada na política social e para a exclusão das mulheres do
processo de construção das agendas políticas consideradas mais importantes
pelo governo.
Embora este livro seja sobre a mudança institucional de longo prazo, procurando dar conta de todo o período pós-1988, as análises aqui disponíveis também
foram fortemente influenciadas pela radicalidade do momento. O leitor verá que
nem sempre é fácil separar claramente o efeito do tempo (mudanças incrementais) do efeito da própria crise e de seus protagonistas sobre as mudanças (conjuntura crítica). Nesse volume, as análises levam em consideração essas duas
dimensões e variam, umas privilegiando a primeira, outras, a segunda, e muitas
procurando articulá-las. Mas, ao final, é possível identificar uma visão amplamente compartilhada, segundo a qual houve sim mudanças relevantes nas bases
institucionais do presidencialismo de coalizão brasileiro. Da mesma forma, a
maioria dos atores concorda que essas mudanças já vinham sendo observadas
de forma incremental ao longo do período, mas que a crise atual certamente as
potencializou.
Por fim, todos os resultados computados e cotejados sugerem que o sistema
político brasileiro do pós-1988 se tornou mais complexo no que diz respeito
Introdução
21
aos processos de tomada de decisão, apresentando hoje maior número de atores
de veto e de arenas, nas quais minorias organizadas podem exercer influência.
Governar o Brasil, segundo os resultados aqui contidos, vem ficando cada dia
mais difícil.
O debate continua
Este livro apresenta novos achados e novas interpretações sobre o funcionamento do Parlamento e, por consequência, do próprio presidencialismo de coalizão no Brasil. Como o leitor constatará, o olhar sobre a mudança institucional
permitiu identificar alterações significativas no nosso sistema político. Nem de
longe o volume oferece uma explicação completa e totalmente alternativa sobre
as bases institucionais do presidencialismo de coalizão no Brasil. Os fatos recentes sugerem um puzzle muito mais complexo do que aqui apresentado. Mas
acreditamos que as contribuições que os autores dão nesta obra vão além dela
mesma e certamente servirão para animar o debate sobre as instituições políticas
no Brasil nos próximos anos.
Nós esperamos sinceramente que esse debate seja intenso, inovador e que ajude
a melhorar nossa compreensão sobre o sistema político brasileiro. Se isso nos
ajudar também a aperfeiçoar nossas instituições políticas e a nossa democracia,
ainda melhor.
Desejamos a todos uma boa leitura.
Os organizadores
Parte I
O presidencialismo de coalizão em movimento
25
Do presidencialismo de coalizão ao
parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo
no governo Dilma Rousseff
André Rehbein Sathler Guimarães
Giovana Dal Bianco Perlin
Lincon Macário Maia
Introdução
Os dezesseis anos dos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio
Lula da Silva, marcados por relações majoritariamente estáveis e relativamente colaborativas entre Executivo e Legislativo, serviram para contradizer
os prognósticos pessimistas que abundavam na literatura acadêmica sobre o
desenho institucional do sistema de governo brasileiro. Essas análises da terceira onda de democratização alertavam, por exemplo, sobre “os perigos do
presidencialismo” (LINZ, 1990) e a “difícil combinação” de presidencialismo
e multipartidarismo (MAINWARING, 1993). Mas a forma eficaz como FHC
e Lula geriram suas coalizões (FIGUEIREDO; LIMONGI, 2007; CHEIBUB;
LIMONGI, 2010) parecia enterrar as perspectivas negativas do nosso “dilema
institucional” (ABRANCHES, 1988) associadas ao desenho brasileiro e de tantas
jovens democracias ao redor do mundo. Mesmo os momentos de instabilidade,
observados na segunda metade do governo Sarney e no desastroso e inacabado
governo Collor, pareciam esquecidos diante das evidências do “surpreendente
sucesso” do presidencialismo multipartidário (PEREIRA; MELO, 2012).
Veio então o governo Dilma Rousseff, quando o comportamento da Câmara
dos Deputados, particularmente, mudou de maneira muito visível a partir de
fevereiro de 2015. No segundo mandato, no prazo de apenas alguns meses, a
presidente viu seu candidato à Presidência da Câmara ser derrotado em primeiro
26
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
turno; viu o nome de embaixador por ela indicado ser rejeitado para cargo na
OEA de maneira inédita; passou a ser obrigada a executar parte das emendas
parlamentares; assistiu a um ministro se demitir (para não ser demitido), após
duro confronto com a Câmara dos Deputados; perdeu importantes votações
como a regulamentação da terceirização, redução da maioridade penal, elevado
reajuste (de até 78%) para servidores do Judiciário e correção do indexador das
dívidas dos estados. Além de derrotas mais ostensivas, houve, também, derrotas
veladas, como em itens da reforma política dos quais o Palácio do Planalto
discordava. O governo ainda teve que desertar da promessa de propor uma
regulação para a mídia, com a qual havia se comprometido com movimentos
sociais durante sua campanha eleitoral.
Ressalte-se que esses são apenas aspectos visíveis das relações conturbadas
entre Executivo e Legislativo. É possível que muitas outras pautas – estruturais ou pontuais – tenham sofrido vetos semelhantes e sequer entrado na
agenda pública de discussão, ficando ainda mais longe do debate e da deliberação na arena congressual. Ademais, o Executivo, cuja imagem histórica
é de principal agente de definição da agenda, precisou lançar mão de instrumentos de obstrução para não ver temas de seu interesse derrotados por uma
maioria suprapartidária no Congresso Nacional. Um dos exemplos foi a obstrução reiterada das sessões do Congresso Nacional, impedindo a formação
de quórum, diante da iminência de derrota na apreciação do veto ao reajuste salarial do Poder Judiciário. Mas a maior demonstração de completo rompimento entre Legislativo e Executivo ainda estaria por vir. Menos de 16 meses
após a posse da presidente da República para um novo mandato, a Câmara dos
Deputados autorizava o prosseguimento para o Senado Federal de um processo de impeachment por crime de responsabilidade, com 367 votos favoráveis,
137 contrários, 7 abstenções e 2 ausências.
A partir desse evento único – o impeachment de Dilma Rousseff – o objetivo
geral deste capítulo é analisar as mudanças de caráter mais estruturante acontecidas no modelo do presidencialismo de coalizão brasileiro. Bates et al. (2000)
afirmam a importância dos eventos únicos nas pesquisas em ciência política,
devido a, entre outros motivos, possibilitarem uma avaliação da força de mecanismos causais difusos. Parte-se da interrogação sobre os motivos pelos quais
as “ferramentas” tradicionais do presidencialismo de coalizão não foram suficientes ou eficientes na gestão do consórcio governativo. Ainda, cabe discutir a
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
27
influência de mecanismos de mudança institucional como elementos causais do
processo de desmonte da caixa de ferramentas. Seria a mudança institucional
gradual necessária para a mudança ocorrida nas transações entre Executivo-Legislativo?
Problemas complexos demandam delineamentos de pesquisa complexos. Para
a compreensão do quadro que se conformou e se traduziu nas mudanças observadas nas relações Executivo-Legislativo, é necessário descrever o fenômeno
em toda a sua complexidade. O foco central, no caso, é descrever a variável
ou o fenômeno e as relações entre elementos e variáveis (VOLPATO, 2010).
Um desafio é alcançar uma dosagem correta entre amplificação de detalhes e
análise modelar, de modo a se buscar a descrição mais aproximada possível da
estrutura causal.
A partir dessa visão, o método adotado foi o de estudo de caso, com fontes diversificadas de coleta de dados, que incluem: pesquisa bibliográfica e documental, observação em campo e entrevista com informantes-chave. Ressalte-se que
o recurso das entrevistas com informantes-chave, associado à observação direta
dos autores, facilitou a reunião da riqueza factual à estrutura causal do argumento. Por essa razão, a forma redacional em que foi vertido o capítulo aproxima-se
das técnicas de narrativa analítica.
Referenciais teóricos para análise das mudanças
institucionais
Quando Sérgio Abranches cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão”, em 1988, sua principal preocupação era o deficit de institucionalização
da gestão de maiorias políticas e os reflexos disso nas relações do Executivo
com o Legislativo. Essa falta de institucionalidade sempre foi vista como negativa pelo lado do poder excessivo do Executivo, especialmente sua capacidade de dominar a agenda de deliberações. Mas, a instabilidade política que
marcou o início do segundo governo Dilma Rousseff, com uma incomum
preponderância do Legislativo na definição de temas e imposição de derrotas
ao governo, parece revelar que a carência de previsibilidade na ação política
é bem mais complexa. O presidencialismo de coalizão é, portanto, um marco teórico basilar para a análise que se pretende. Além do artigo seminal de
28
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Abranches (1988), a pesquisa dialoga com as obras de Amorim Neto (2006b),
Rennó (2006), Bertholini e Pereira (2015), Carreirão (2014) e Power (2015).
O presidencialismo de coalizão brasileiro operacionaliza-se com suas “ferramentas”: práticas de gestão da governabilidade. Com base em Mayhew (1974),
Pereira e Mueller (2003), Samuels (2000), Amorim Neto, Cox, McCubbins
(2003), Figueiredo e Limongi (2007) e Ames (2001), identificam-se e analisam-se os constrangimentos supervenientes a essas práticas no evento único em estudo, os quais, por sua vez, estão conectados a mudanças institucionais.
Trabalha-se com perspectiva microscópica sobre as efetivações verificadas de
cada prática e com perspectiva macroscópica quanto aos efeitos de suas mudanças sobre o modelo, buscando explorar ao máximo as possibilidades interpretativas da teoria. Sobre esse tópico, buscaram-se contribuições nas obras
de Raile, Pereira e Power (2006), Amorim Neto (2000, 2002), Power (2015),
Cardoso (2015), Bittencourt (2012), Figueiredo e Limongi (2007), Mainwaring
e Pérez Liñan (1998), Machado (2012), Neiva (2011), Zucco Jr. e Melo-Filho
(2010), Schröder (2009), Moutinho (2012), Bertholini e Pereira (2015).
Quanto aos poderes legislativos do presidente da República no Brasil, que são
uma explicação recorrente e convincente para o funcionamento da democracia
brasileira, dialoga-se com as obras de Pereira e Mueller (2000), Amorim Neto,
Cortez e Pessoa (2011), Mainwaring e Shugart (1997).
Em síntese, as ferramentas do presidente, como visto, têm sido analisadas e
medidas separadamente. Mas há tentativas válidas de construir índices sintéticos para verificação estatística conjunta de como a governabilidade reage às
características da coalizão e do contexto. Uma dessas tentativas é o Índice de
Custo de Governabilidade (ICG), experimentado por Bertholini e Pereira (2015).
A partir dos dados de distribuição de ministérios, alocação de recursos nesses
ministérios e liberação de emendas parlamentares, eles constroem o ICG e o
submetem a um modelo de correlação linear – como variável dependente –,
com elementos endógenos da coalizão (coalescência, tamanho e heterogeneidade) e elementos exógenos (popularidade) – como variáveis independentes.
Segundo o modelo, os três primeiros fatores afetaram de maneira efetiva o índice
sintético, e o teste estatístico aplicado revela uma capacidade explicativa (R²
ajustado) de 83,4%. A popularidade não demonstrou nenhuma significância estatística, mas ressaltamos que não há, no período analisado (até 2013), qualquer
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
29
mudança significativa nesse índice que poderia ensejar uma correlação. Seria
necessário que o modelo fosse experimentado em condições mais diversas de
popularidade presidencial. Os autores inferem, a partir dos números:
Quanto maior o número de partidos, quanto maior a heterogeneidade ideológica entre eles e quanto menor o compartilhamento de poder com os parceiros, maior o custo de governabilidade. [...] Ou seja, se o presidente não faz
o seu “dever-de-casa” ao montar coalizões com menor número de parceiros,
ideologicamente homogêneas e não compartilha poder de forma proporcional
com os seus aliados, não importa o quanto o presidente gaste, este não consegue mais apoio do Legislativo. (BERTHOLINI; PEREIRA, 2015, p. 22)
O gráfico abaixo mostra a evolução do ICG desde o governo FHC até o terceiro
ano do governo Dilma. O início e o final do primeiro mandato Lula são pontos
fora da curva ascendente dos custos de governabilidade, explicáveis em razão
da coalizão minoritária que Lula montou ao chegar ao poder e pelas defecções
após o escândalo do Mensalão.
Gráfico 1
Índice de Custo de Governabilidade
Fonte: Bertholini e Pereira (2015).
Outro marco teórico a dialogar com o presente capítulo é o da Teoria
da Mudança Institucional Gradual, de Mahoney e Thelen (2010), que
também usam a perspectiva temporal alargada para analisar mudanças de
padrão comportamental dos atores, bem como os resultados das relações
30
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
interinstitucionais. Essas formulações ressaltam que não apenas mudanças
abruptas e guinadas de trajetórias precisam ser objeto de atenção dos pesquisadores das relações sociais e políticas, mas, também, aquelas que pela forma
lenta e parcimoniosa nem sempre são efetivamente perceptíveis aos atores e
observadores.
Uma grande contribuição dessa nova geração de estudos do institucionalismo
histórico é um foco nas interações entre fatores endógenos e exógenos. Como
precursores da abordagem gradualista, Greif e Laitin (2004) consideram que
os parâmetros de atuação dos atores e instituições não são tão estáveis como se
convencionou esperar. Lieberman (2002) descreveu que os atores não têm as
mesmas leituras sobre a realidade, as regras e seus efeitos; enquanto Mahoney e
Thelen (2010) chamam essa característica de ambiguidade. As mudanças institucionais ocorreriam em razão da maior ou menor discricionariedade dos atores
na interpretação das regras. “We see ambiguity as more permanent feature, even
where rules are formalized.” (MAHONEY; THELEN, 2010, p. 11)
Na tipologia que propõem, Mahoney e Thelen criam quatro grandes grupos de
mudanças. O enxerto (layering) é inclusão de novas regras no topo das regras já
existentes. A derivação (drift) é uma forma de mudança tendencial, a partir da
interpretação das regras existentes. O deslocamento (displacement) corresponde
à substituição de regras antigas por regras novas, mas sem alteração substancial
do quadro normativo. Por fim, a conversão (conversion) é a mudança efetiva de
rumo da instituição. Cada uma dessas formas de mudança é associada a agentes-chave de mudança, respectivamente: insurgentes, simbiontes, subversivos e
oportunistas. Insurgentes desprezam as normas vigentes. Simbiontes podem ter
compromissos com as regras, na medida em que elas lhes garantem sobrevida.
Subversivos querem a mudança, mas jogam de acordo com as regras, para não
serem alvo dos que resistem à mudança. Oportunistas adotam a estratégia do
“ver para agir”. Há de se considerar a existência de coalizões entre agentes de
diferentes tipos que, embora não necessariamente partilhem objetivos comuns,
encontram afinidades táticas. Como identifica Rezende (2012), interação passa
a ser uma palavra-chave desse conjunto de estudos que busca explicar as mudanças institucionais.
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
31
Do presidencialismo de coalizão para o de colisão
Compreendemos que a derrocada do presidencialismo de coalizão e a superveniência do parlamentarismo de ocasião é um fenômeno multicausal, com a
conjunção de vários fatores. Por isso, a compreensão contextual é importante
para a captura dos constrangimentos institucionais.
Consagrou-se na literatura que, em regimes presidenciais multipartidários, o
chefe do Executivo precisa formar coalizões para governar. Para isso, utiliza
ferramentas para atrair potenciais aliados e manejar não apenas a coalizão, mas
praticamente toda a relação do Executivo com o Legislativo. A literatura aponta
como principais ferramentas o orçamento (RAILE; PEREIRA; POWER, 2006);
os cargos (AMORIM NETO, 2002); o compartilhamento das políticas públicas,
por meio de concessões ou cooperação (BERTHOLINI; PEREIRA, 2015); e os
poderes legislativos do presidente – de agenda, negociais e de veto (PEREIRA;
MUELLER, 2003; SANTOS, 1997).
Essas ferramentas serão analisadas de forma iterativa, confrontando-se dinamicamente fatos e teoria, ressaltando como comportamentos fora do padrão passaram a ancorar o equilíbrio – as opções não exercidas determinando aquelas
que viriam efetivamente a acontecer.
Cargos
Os cargos são o mais estereotipado dos “bens de coalizão” (AMORIM NETO,
2000; ARAÚJO; PEREIRA; RAILE, 2010). Elencam-se aqui três mudanças
no que diz respeito às instrumentalizações dos cargos. A primeira foi uma redução da discricionariedade dos partidos na indicação de ocupantes dos cargos,
em razão de uma centralização da palavra final sobre nomeações na Casa Civil.
Trata-se de uma mudança institucional formal, mas também associada a elementos de agência presidencial e de atores-chave.
Outra mudança foi a redução do número de cargos de direção e assessoramento
superior disponíveis para indicações partidárias em razão do aumento dos cargos
ocupados por servidores efetivos. Trata-se de uma mudança tendencial (drift) e
formal, em razão de normas que preveem ocupação de parte importante desses
cargos por concursados. O gráfico 2 demonstra essa tendência. O Decreto
32
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
nº 5.497/2005, por exemplo, limita a 25% os cargos DAS 1 a 3 que podem ser
ocupados por não concursados e a 50% os cargos de DAS 4 (BRASIL, 2005).
Como terceira mudança houve a queda de discricionariedade na indicação de
ocupantes aos cargos, em alguns casos devido ao fortalecimento de carreiras estatais (BORGES; COELHO, 2015, p. 96-97), em outros, em razão do engessamento orçamentário (constitucional e legal) e da fragmentação dos ministérios
(LOPEZ; BUGARIN; BUGARIN, 2015). Essas últimas são mudanças institucionais graduais, endógenas, do tipo enxertia (layering).
Gráfico 2
Fonte: Lopez, Bugarin e Bugarin (2015).
O informante-chave 1 ilustra a fragmentação dos ministérios em termos de
ocupação dos cargos:
Você sai de 2010 para 2011, com um novo governo, mas os mesmos partidos.
Quem está do PMDB sentando numa cadeira não quer liberar. Tem mudança de
parlamentares, governadores, e ninguém quer ceder. Tem um governo de continuidade, mas tem 40% de parlamentares diferentes querendo cargo. Se tem
um cargo, na Codevasf, que tem um cara do PMDB querendo, vou ter que tirar
alguém do PP, mas aí liga o governador. Você tem um problema. E ninguém
mais tinha esse controle, esse mapa de quem era quem.
Portanto, diante das mudanças apresentadas no tocante à possibilidade de utilização de cargos públicos como ferramenta de gestão do presidencialismo de
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
33
coalizão, a crença de que uma patronagem difusa, supervisionada, seria suficiente para compensar a distância ideológica do PT com seus novos parceiros
se mostrou equivocada.
Compartilhamento das políticas públicas
O movimento do PT na direção de centralizar decisões sobre políticas públicas
foi outra mudança. Um equívoco, na visão do informante-chave 3, que teve
visão privilegiada dos eventos políticos das últimas três décadas, acentuado
nos mandatos de Dilma Rousseff. Ele explica que os parlamentares querem,
efetivamente, participar da formulação política, contrariando o senso comum
de que apenas cargos e emendas os contemplariam:
Não significa necessariamente que o Executivo tem que concordar. Só de ser
recebido, colocar seus pontos, suas propostas, o parlamentar já se sente muito
satisfeito, por ter sido ouvido [...] vou lhe dar um testemunho: ouvi muitos
parlamentares reclamando dessa falta de interlocução. A mim me parece que
interlocução não foi boa, e até o início do segundo mandato também não
estava legal. Quando a crise econômica eclodiu, aí houve uma aproximação
com o Congresso.
Outra atitude polêmica do governo foi negligenciar o potencial dos parlamentares – muitos deles experientes gestores públicos – para a formulação de políticas públicas. O informante-chave 3 relata que Itamar Franco e FHC, antes de
apresentarem projetos de seu interesse, verificavam se não existiriam, em uma
das Casas legislativas, proposições que servissem ao menos para iniciar o debate sobre o assunto, fenômeno conhecido como apropriação de agenda (SILVA;
ARAÚJO, 2010). No governo Dilma, o problema ganha força. O informante-chave 5 analisa:
Das grandes falhas que já vi acontecer várias vezes: existe esse projeto na
Câmara, de um deputado. Aí o governo manda um projeto praticamente idêntico. O governo perde esse cara para sempre. Ele pode ser da base. O governo
é mal assessorado. Porque não trabalha esse projeto aqui [do deputado]. Você
faz isso, você ganha o cara.
Silva e Araújo (2010) analisaram vinte casos de projetos de lei ou medidas
provisórias enviadas pelo Executivo ao Congresso com textos semelhantes
ou próximos de iniciativas parlamentares que já tramitavam nas duas Casas
34
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
legislativas. O estudo demonstrou a elevada relação entre as propostas parlamentares e as leis decorrentes das propostas do Executivo. Isso enfraqueceu a possibilidade de credit claiming dos parlamentares e gerou uma duradoura insatisfação com o governo.
Orçamento
As emendas individuais são o principal instrumento para uma relação clientelista dos parlamentares com suas bases (pork barrel), e do Executivo com
os parlamentares (AMES, 2001). Elas são a “pedra de toque” da abordagem
distributivista na análise da política brasileira.
No que concerne a essa ferramenta, houve duas mudanças fundamentais: primeiro uma crescente frustração parlamentar com a capacidade de execução das
emendas pelo Executivo, por motivações de duas naturezas – burocrática e financeira. A segunda foi uma reação do Congresso à primeira: a aprovação do
orçamento impositivo. Essa nova regra, estabelecida por emenda constitucional,
tirou do governo a capacidade de manejar discricionariamente parte relevante
do orçamento, nivelando por baixo a execução e tirando capacidade gerencial e
política dessa ferramenta. Além disso, o líder partidário, como negociador importante da liberação de emendas, perdeu capacidade de disciplinar sua bancada. Em resumo: a ferramenta perde muito de suas duas utilidades – tanto governabilidade quanto execução de políticas públicas no nível local.
A importância que os governos petistas deram inicialmente às emendas individuais pode ser vista no gráfico 3. Ele mostra o significativo crescimento das
dotações orçamentárias destinadas a essas emendas a partir do orçamento de
2004 (elaborado em 2003). Isso ocorre em números absolutos e também valores
deflacionados. Entre 2009 e 2010, por exemplo, o crescimento é de quase 50%.
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
35
Gráfico 3
Valor das emendas individuais por parlamentar na LOA (em milhões de reais)
20
15
10
5
0
Valor absoluto das emendas
Valor deflacionado (dez./2015)
Fonte: Siga Brasil (www.senado.gov.br/orcamento).
Elaboração dos autores.
Entretanto, o crescimento expressivo das dotações legais para as emendas individuais não se converte em capacidade de execução orçamentária, como ilustra
o gráfico 4. Ao contrário: há uma brusca elevação entre 2006 e 2007, mas que
não se consolida, pois é seguida de queda. Há outro crescimento de 2008 para
2009, quando se atinge o pico, mas a execução cai fortemente em 2010.
Gráfico 4
Comportamento das emendas individuais (em milhões de reais)
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
LOA
Dotação
Empenhado
Pago
Restos inscritos
Restos pagos
Fonte: Siga Brasil (www.senado.gov.br/orcamento).
Elaboração dos autores.
2012
36
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Ambas as ações orçamentárias – empenho e pagamento – são moedas de troca
importantes no mercado de apoio parlamentar. O informante-chave 1 corrobora
a situação ilustrada pelos dados acima:
A disponibilidade de orçamento para emendas e programas cresceu acima do
crescimento da receita. Uma peça de ficção científica, inexecutável [...] essa
diferença vai para os restos a pagar [...] em 2009, 2010, os caras aumentaram
muito o empenho, houve muito acréscimo, estava na crise, vamos consumir,
então chama o prefeito, libera. Perderam o controle. Você tinha um orçamento inteiro de restos a pagar. Você tinha três orçamentos. O de ficção, que
é o da lei, o real, e mais um que é a dívida. E a partir de 2011, não tinha mais
dinheiro. [...] uma herança muito maldita.
A disponibilidade de orçamento para emendas e programas cresceu acima do
crescimento da receita. Uma peça de ficção científica, inexecutável [...] essa
diferença vai para os restos a pagar [...] em 2009, 2010, os caras aumentaram
muito o empenho, houve muito acréscimo, estava na crise, vamos consumir,
então chama o prefeito, libera. Perderam o controle. Você tinha um orçamento
inteiro de restos a pagar. Você tinha três orçamentos. O de ficção, que é o da
lei, o real, e mais um que é a dívida. E a partir de 2011, não tinha mais dinheiro. [...] uma herança muito maldita.
No início de 2011, a capacidade orçamentária do governo federal foi bastante reduzida, em razão da política anticíclica de combate à crise econômica de 20082009 e do tradicional incremento das transferências e gastos públicos em ano
eleitoral – 2010. O resultado foi um contingenciamento recorde (MARTELLO,
2011), já no primeiro semestre daquele ano, que atingiu todas as áreas, especialmente as emendas parlamentares. A situação foi tão extrema que, em novembro
daquele ano, deputados da base aliada chegaram a promover uma “greve branca”, esvaziando as sessões, para pressionar o governo a regularizar os pagamentos de emendas parlamentares do corrente ano e também os valores já empenhados – os restos a pagar. Os restos geravam mais desconforto aos parlamentares,
pois se destinavam à quitação de obras ou ações já contratadas e em geral paralisadas por falta de pagamentos. Diante do quadro, o governo cedeu e destinou
5 dos 7 bilhões de reais programados para cumprir tais compromissos (CRUZ;
CABRAL, 2011). Tal mudança é considerada endo-exógena, porque a dificuldade de caixa e os obstáculos para pagamentos foram criados pelo próprio governo, mas havia também os efeitos externos da crise financeira de 2008-2009.
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
37
Com a deterioração da capacidade financeira do governo vieram mais obstáculos para a execução de emendas e as discussões para evitar o contingenciamento de emendas parlamentares, dispositivo colocado no projeto da LDO
de 2012, que tramitou no ano de 2011. O dispositivo foi substituído por outro
que reservava 10% do orçamento de cada ministério para a quitação de restos
a pagar, artigo vetado pela presidente. Daí em diante, mecanismos semelhantes
seriam colocados em todos os projetos de LDO, mas sempre vetados. Em paralelo a isso, uma proposta de emenda à constituição ganhou força – a PEC
nº 358/2013, que tratava do orçamento impositivo.
O assunto se tornou a principal bandeira de campanha do deputado Henrique
Eduardo Alves à Presidência da Câmara, para o biênio 2013-2014. Vitorioso,
o deputado impulsionou a votação da matéria na casa, que só não resultou
em emenda constitucional mais rapidamente em razão da demora do Senado.
Quando a matéria retornou do Senado aprovada, Henrique Eduardo Alves já não
era mais presidente. Mas seu sucessor, Eduardo Cunha, colocou o assunto para
votação em menos de 20 dias após sua posse. E, em 17 de março de 2015, foi
promulgada a EC nº 86.
Como as emendas individuais se tornaram obrigatórias, restou ao governo
cortar outros gastos discricionários. O orçamento impositivo teve ainda outro
efeito negativo, ao enfraquecer um poderoso instrumento de barganha do
Executivo perante o Legislativo.
A tendência, demonstrada por Jesus (2007), de aproximação das curvas de
execução orçamentária de governistas e oposicionistas (gráfico 5) mantém-se
no levantamento com dados disponíveis no sistema Siga Brasil, do Senado
Federal, apresentados no gráfico 4. Esses dados mostram que o fenômeno ainda
se acentua fortemente em 2009. Em 2012 a execução de emendas de partidos de
oposição e independentes ultrapassou a execução de emendas individuais dos
partidos com representação ministerial no governo de Dilma Rousseff.
38
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Gráfico 5
Execução de emendas individuais (em milhões de reais e % total)
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
600
500
400
300
200
100
0
1999
2000
2001
2002
2003
2004
FHC 2
GOVERNO
2005
2006
Lula 1
OPOSIÇÃO
GOVERNO
OPOSIÇÃO
Fonte: Jesus (2007) e Prodasen.
Elaboração dos autores.
O informante-chave 2, do Ministério da Fazenda, ressalta:
[...] antes do governo Lula, não havia possibilidade de execução de emenda
da oposição. Era do jogo e era entendido pelo lado da oposição. O instrumental foi piorando no jogo da governabilidade. E a gente não tinha percebido como reagir.
Os relatos confirmam os dados e ainda explicam: o ano de 2012 foi marcado
pela discussão e deliberação do novo Código Florestal, um tema sensível e prioritário para o governo, porém, fortemente influenciado pelas bancadas suprapartidárias, como a da Frente Parlamentar Agropecuária e a Frente Parlamentar
Ambientalista. Com o elevado risco de defecções na base aliada, mas também a
possibilidade de defecções nas oposições, a ferramenta do pork foi um elemento
importante no processo de convencimento. Faz-se necessário esclarecer que a
liberação de emendas mostrada no gráfico ultrapassa a marca dos 100% porque
o montante de recursos pagos contabiliza também restos a pagar, ou seja, empenhos de leis orçamentárias anteriores.
Mahoney e Thelen (2010) subsidiam a classificação das mudanças institucionais havidas. A primeira, a frustração na execução de emendas orçamentárias,
é uma conversão, e tem dois aspectos. O primeiro, seu caráter de aprimoramento da burocracia, é uma mudança endógena, tendencial (drift). A segunda,
o caráter de escassez financeira, é endógena e exógena. Inicialmente endógena
pela priorização de recursos pelo Executivo para outras áreas em detrimento
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
39
das emendas. Na sequência, exógena, por efetivamente faltarem recursos. Já a
segunda mudança, o caráter impositivo das emendas, é totalmente endógena e
surge gradualmente como uma enxertia (layering) na LDO, mas se torna desalojamento (displacement) pela EC nº 86/2015.
Poderes legislativos do presidente
Quanto às mudanças nos poderes legislativos do presidente da República, cabe
uma segmentação: poder de agenda, poderes negociais (ou de barganha) e poder
de veto. O primeiro segmento é onde teria ocorrido o maior número de mudanças
relevantes. Destaca-se, antes, uma mudança seminal que marca o início de um
processo ascendente de retomada de prerrogativas pelo Congresso. Trata-se da
EC nº 32/2001, que estabeleceu novas regras para edição de MPs, restringindo
sua reedição ilimitada e os temas de sua abrangência. É em razão desse último
item específico que ocorre uma mudança fundamental no ciclo mais recente:
em 2009, uma interpretação do então presidente da Câmara, Michel Temer,
permitiu às duas casas do Congresso contornar o trancamento da pauta pelas
medidas provisórias.
Outra mudança ocorreu no próprio rito das MPs por imposição do Supremo
Tribunal Federal (ADI 4.029/2012). Essa mudança fragmentou a negociação das
MPs, antes extremamente concentrada na figura do relator na Câmara. A partir
da decisão do STF, a negociação passou a contar com a participação mais efetiva
dos membros das comissões especiais mistas – deputados e senadores.
A quarta mudança, também imposta pelo STF, deu enorme poder ao presidente
da Câmara ao determinar que ele, de ofício, define o que é ou não matéria
estranha às medidas provisórias em apreciação (ADI 5.127, julgada em outubro
de 2015). A mudança desestabilizou um instrumento negocial do Executivo,
que permitia a entrada de matérias estranhas no texto da MP para facilitar a sua
aprovação. E não foi fácil perceber a magnitude dessa mudança até o Executivo
perder a colaboração da Presidência da Câmara.
Poder de agenda
Ao limitar as reedições, a EC nº 32/2001 buscou criar um mecanismo para que
as MPs fossem efetivamente votadas e determinou o trancamento da pauta da
Casa onde a matéria se encontrasse, 45 dias após a edição da medida provisória.
40
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Ao longo do tempo, tal mecanismo foi operacionalizado pelo Executivo como
forma de monopolizar a pauta (PEREIRA; POWER; RENNÓ, 2005). Isso se intensificou num período em que aumentou o risco de entrarem na pauta aumentos
de gastos. O informante-chave 3 relata:
Em 2007, na gestão do presidente Chinaglia, o ano quase todo foi a pauta
trancada. O que aconteceu? O Executivo ficou com poder de agenda sobre o
Congresso. [O governo pensava:] “O atual cenário da Câmara nós não temos
segurança que vamos conseguir. Vamos tentar segurar as pautas bombas”.
Como é que se fazia? Organizava a edição das MPs de acordo com o tempo
para trancar a pauta. Quase 2007, todo a pauta trancada [...]. Aí o Michel Temer
[quando assume a Presidência da Câmara] me chamou na residência oficial e
me falou: edição de MP pra trancar a pauta é um exagero, é uma coisa errada.
E me mostrou um texto que ele tinha escrito no fim de semana. Qual era a tese?
Não faz sentido a pauta ficar trancada para PEC. PEC não pode nunca vir por
MP. A MP deve trancar outras matérias que possam vir por MP.
O instrumento da mudança foi apenas uma reinterpretação. O episódio reforça o
peso da ambiguidade das regras, conforme defendem Mahoney e Thelen (2010),
reação que se encaixa na classificação dos autores como uma conversão, protagonizada por atores “oportunistas”.
Acir Almeida (2015) detecta que, mesmo antes da mudança, o Congresso
Nacional passou a assumir preponderância numérica na autoria de leis. Porém,
o pico do fenômeno é justamente o ano de 2009 – ano da questão de ordem –
demonstrando que havia um represamento do desejo de legislar do Congresso,
resultante do trancamento de pauta por MPs.
Poderes negociais – comissões mistas e “jabutis”1
Em março de 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu (ADI 4029) que as MPs
sem parecer de comissão mista não poderiam ser votadas nos Plenários, ou se-
1
Jabuti é a como se denomina, informalmente, no Congresso Nacional, a matéria estranha incluída
em uma medida provisória. A expressão faz referência ao provérbio português “Jabuti não sobe
em árvore”, ilustrando que a matéria estaria “fora de lugar”. Outra expressão comumente usada
para se referir à matéria estranha é “contrabando legislativo”. A Lei Complementar nº 95/1998, que
disciplina a elaboração das leis, determina no art. 7º que cada lei tratará de um único objeto e que
não conterá matéria estranha a este, não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão. “Essa
carona na medida provisória recebe até hoje vários apelidos no Congresso Nacional, tais como
‘contrabando’, ‘jabutis’, ‘submarinos’, ‘cavalo de troia’ e ‘barriga de aluguel’. Tal procedimento
é vedado pelo § 4º do art. 4º da Resolução n. 1/2002.” (AGUIAR, 2015, p. 46-47)
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
41
riam consideradas inconstitucionais. O principal argumento do ministro-relator,
Luiz Fux, era o de que a não apreciação das MPs pelas comissões resultava no
“Império do relator”. Sobre isso diz o informante-chave 2:
Esse cara [o relator] tinha que se legitimar como o cara que faria o filtro e
a construção do consenso. Com a possibilidade de mudar o texto em cima
da perna. O que você tem agora de ruim? Complexificou muito a discussão,
porque o modelo de comissão mista não funciona na prática, pela dificuldade
maior que é quórum. E você conferiu um poder enorme às emendas formais.
Outro informante-chave 1 ressalta outro aspecto:
Para onde que foi a negociação? Para dentro da comissão. O que antes se dava
no plenário. E o Senado passou a ter um protagonismo enorme. [...] Depois
da primeira MP os caras da Câmara estavam enlouquecidos e o Senado feliz.
Em decorrência da mudança anterior ocorre outra importante alteração, também
por imposição do STF. A ADI 5.127/2015 determinou que parecer de MP que
contivesse matéria estranha ao assunto original deveria ser devolvido à comissão.
A Confederação Nacional dos Profissionais Liberais acionou o Supremo em
razão de emenda que extinguia a profissão de técnico de contabilidade.
Se os custos negociais das MPs já haviam aumentado muito com obrigatoriedade
de apreciação pelas comissões, o empoderamento dos presidentes da Câmara
e Senado quanto ao acolhimento de emendas elevou ainda mais esses custos,
alerta o informante-chave 2:
A discricionariedade absoluta e total do presidente da Câmara de decidir qual
matéria é ou não pertinente num PLV, sem nenhum critério objetivo, você
decidir e considerar não escrito um artigo votado pela comissão mista [...] ou
não ver aquilo que não tem realmente conexão [...] é uma mudança institucional total.
Tais matérias estranhas, conhecidas internamente como “jabutis”, constituíam
moeda de troca na construção do consenso necessário para aprovação das MPs.
Na tipologia aqui adotada, apesar das mudanças nascerem exógenas, pela ação
do STF, sua efetivação no Congresso se dá pela atuação de atores insurgentes,
que geram, portanto, uma mudança do tipo desalojamento. O governo não só
perdeu em parte esse instrumento de barganha, como viu esse instrumento
42
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
migrar para a mão de um ator-chave que veio a se tornar o principal adversário
do governo: Eduardo Cunha.
Vetos – novo rito de apreciação
Durante mais de uma década, o poder de veto presidencial foi, na prática, a
última palavra no processo legislativo, apesar de a Constituição assegurá-la ao
Congresso Nacional. O acúmulo de vetos não apreciados chegou a 3.210, dos
quais 38 diziam respeito às leis já revogadas.
A mudança veio a partir de discordância acerca da distribuição de royalties do
petróleo do pré-sal, tradicionalmente pagos apenas a municípios e estados próximos às áreas de exploração no mar. Apesar da aprovação pelo Congresso de
lei que previa distribuição de royalties a todos os municípios, a Presidência da
República optou pelo veto à matéria após acordo com os “estados produtores”.
Seguiu-se então uma enorme mobilização peara derrubada do veto.
Provocado, o STF determinou que o veto a essa lei específica não poderia ser
apreciado pelo Congresso antes dos demais vetos presidenciais nunca analisados.
Assim, a apreciação dos vetos ocorreu por ordem cronológica e, na votação, o
conjunto de cédulas para cada parlamentar totalizava quantidade próxima à de
uma resma de papel. Por fim, o veto à lei do pré-sal foi derrubado, e todos os
demais, mantidos.
O episódio motivou o Congresso a construir um novo rito de apreciação dos
vetos, institucionalizado pela Resolução nº 1/2015. A regra prevê data mensal
fixa para as sessões de apreciação – a terceira terça-feira de cada mês – e o
trancamento da pauta para apreciação de qualquer outra matéria, inclusive orçamentária. Essa alteração deixou o Executivo atento ao maior risco de derrubada
dos vetos, como diagnosticou o informante-chave 4:
[...] gerou um novo foco de tensionamento [...]. Tem sido bem frequente o governo negociar algo que vai entrar numa Medida Provisória [...] pra não se ver
derrotado é obrigado a fazer concessões. Algo que não acontecia no passado.
Do ponto de vista da dificuldade de manutenção de vetos, a situação só não se
deteriorou mais porque, em novembro de 2013, o Congresso Nacional acabou
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
43
com o voto secreto2 para muitas modalidades de votações, incluindo para a
análise de vetos. Assim, o Executivo passou a estar mais protegido contra eventuais traições de membros da base. Os informantes-chave foram unânimes em
dizer que, sem o voto aberto, momentos de interlocução ruim entre Executivo e
Legislativo se converteriam num festival de derrubada de vetos. “O Executivo
pode exercer mais força, no sentido de preservar a vontade dele na questão dos
vetos presidenciais”, avalia o informante-chave 6.
Empregando a classificação de Mahoney e Thelen (2010), a mudança institucional na apreciação de vetos foi uma conversão pela aplicação inovadora das
regras vigentes, tipo de mudança, em geral, protagonizado por agentes oportunistas em conjunto com simbiontes mutualistas (parte da base de apoio ao
governo).
Fragmentação partidária
A fragmentação partidária no Parlamento brasileiro é sabidamente a mais elevada
do mundo, resultado de uma trajetória ascendente de duas décadas (POWER,
2015) que resulta em dificuldade para a formação de maiorias e em aumento
dos atores como poder de veto. Reforçou o fenômeno mais uma mudança institucional: decisão do Tribunal Superior Eleitoral que considerou a criação de
partido como justa exceção para a infidelidade partidária.
Bertholini e Pereira (2015) advogam a necessidade de coalizões menores. A
pergunta que se faz é: o presidente tem escolha? Não é compelido a formar coalizões com os partidos dispostos a isso? E a crescente fragmentação não acaba
por impor um número cada vez mais elevado de parceiros?
Nossos informantes-chave consideram o fenômeno da fragmentação uma chave
fundamental para compreender as dificuldades de interlocução do Executivo
com o Legislativo. O informante-chave 3 resume:
2
A absolvição do deputado Natan Donadon (S.Part.-RO) do processo de cassação do seu mandato
em agosto de 2013, mesmo condenado pelo STF e preso, gerou uma comoção pelo fim do voto
secreto. A mudança acabou se concretizando três meses depois. Donadon foi condenado por desvios
na Assembleia Legislativa de Rondônia, quando foi diretor financeiro da casa. Com o fim do voto
secreto nos processos de cassação de mandato Donadon foi enfim cassado, em fevereiro de 2014.
44
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Uma coisa é você conversar, ajustar, trocar ideias, propor medidas, discutir
medidas num universo de quatro partidos, outra coisa é você trabalhar com
oito ou dez partidos.
O informante-chave 5 descreve como a interlocução, mesmo entre os partidos,
fica muito comprometida:
Absurdo a quantidade de representantes. [...] O regimento [da Câmara] manda
privilegiar o consenso. Quase não existe consenso. [...] O presidente vai passando a palavra para os partidos do maior para o menor. Quando chega nos
pequenininhos os grandes já foram embora.
O informante-chave 5 traz um outro elemento: a indisciplina partidária. A proliferação de legendas está intimamente ligada a uma instrumentalização eleitoral
dos partidos. Não há coesão qualquer e, consequentemente, previsibilidade na
maioria.
A gente está vendo cada vez com mais frequência a liderança do governo liberar a bancada porque não consegue um mínimo de coesão [...] se a gente
for chegar a um elemento caracterizador do presente, quando a gente falar de
negociação parlamentar, é esse: como você se legitima como líder, como um
intermediário, seja de um interesse partidário? [...] eu vejo isso no trato cotidiano, um esfacelamento do poder do líder. E quem dá a legitimidade do líder
é o liderado.
Em resumo, a fragmentação partidária ocasiona a elevação dos custos de negociação e seus resultados de duas formas: quantitativa e qualitativa. Não é
apenas o problema de ter que negociar, monitorar ou reacomodar um número
muito maior de atores e instituições; tais atores já não têm a mesma capacidade
de cumprir acordos e entregar resultados, como fruto de uma concorrência crescente entre partidos e dentro dos partidos.
Mudanças por agência
O presente capítulo não tem a pretensão de atribuir valor a um determinado fenômeno ou conjunto de fenômenos, definindo-o como fator explicativo preponderante na crise de governabilidade que marca o segundo governo Dilma.
A motivação primeira é descrever da melhor maneira possível esse conjunto
de elementos. Alguns informantes asseguram que duas mudanças nos padrões
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
45
pré-existentes foram fundamentais para o resultado observado: 1) a excessiva
centralização da formulação de políticas ocorrida no âmbito da Presidência da
República – contrariando o desenho institucional que prevê descentralização
por meio dos ministérios; 2) o processo de confrontação entre Executivo e
Legislativo, no âmbito da Presidência da Câmara dos Deputados, cuja regra
geral vinha sendo o alinhamento ou, ao menos, a colaboração.
Centralização
Nos governos de Fernando Henrique Cardoso, descrevem os observadores,
havia total centralização apenas da “agenda econômica”. Os ministérios tinham
razoável independência na formulação de outras políticas, salvo quando essas
afetassem de alguma maneira o núcleo da política econômica de então. Nos
governos Lula, a centralização da agenda econômica permanece, mas começa
a haver interferência direta da cúpula do Executivo e seu principal partido – o
PT – na concepção e execução de outras políticas públicas.
Esse fenômeno, porém, foi totalmente exacerbado na gestão Dilma Rousseff:
a presidente da República, e não mais na cúpula do governo, é que passou a
interferir diretamente na agenda econômica. Em entrevista ao jornal Folha de
S.Paulo em 2016, o ex-ministro e ex-deputado Delfim Neto, que atuou como
conselheiro da presidente até 2012, relata seu estilo de gestão:
Acho que a presidente sempre foi a chefe da Casa Civil, a ministra da Justiça,
da Fazenda, do Planejamento, dos Transportes, do Bem-estar Social. Para o governo Dilma funcionar, o dia teria que ter 240 horas. Ela é compulsivamente
detalhista e tem pouca confiança em seus auxiliares [...] torna tudo muito mais
difícil, porque você está num sistema presidencialista de coalizão. O presidente
tem que “presidencializar” e “coalizar”.
Se Dilma Rousseff avocou para si tantas tarefas, não seria diferente na gestão
da relação Executivo-Legislativo. O informante-chave 4 confirma a mudança
ocorrida na agência presidencial:
Principalmente a mudança do perfil da própria pessoa que é responsável pelo
exercício do Poder Executivo, e em virtude disso o tipo de diálogo que ela se
dispôs a manter com o Congresso Nacional e a forma como ela centralizou, nas
suas mãos, papéis que antes eram desempenhados com maior liberdade pelos
46
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
ministros que eram responsáveis tanto pela coordenação política quanto pela
coordenação administrativa. Se no âmbito do governo Lula o presidente dava
uma certa dose de liberdade e reconhecia o papel dos seus ministros, e realizava um papel de diálogo em nível mais elevado, ela não deu o mesmo nível
de autoridade aos seus ministros e passou a ser muito mais concentradora em
relação a um grande número de decisões que em outros momentos poderiam
ser adotadas pelos ministros.
Ele prossegue esclarecendo que, mesmo na formação da coalizão, a escolha dos
ministros não seguia os critérios mais eficientes:
Tem um aspecto nessa questão que mostra um pouco de falta de habilidade
por parte do Executivo, mas também o caráter da composição partidária do
PMDB. Quando o presidente compõe seu ministério – e essa é uma forma de
pacificação das bancadas, de articular a correlação de forças no Congresso
– ele tem que escolher pessoas que tenham representatividade partidária.
Sucessivamente, no entanto, o que vem acontecendo, especialmente a partir
de 2011 pra cá, é o governo nomear ministros que no dia seguinte são apontados pelos seus partidos como não representantes de suas bancadas.
Dado interessante sobre esse aspecto pode ser encontrado na série histórica
do índice de coalescência de Amorim Neto (2012) e completado para o período Dilma Rousseff com a mesma fórmula. Se em valores o índice de Dilma
Rousseff não é muito pior que o de Fernando Henrique Cardoso, o mesmo não
pode ser dito sobre a longevidade dos gabinetes. Os melhores desempenhos de
FHC são 0,70 e 0,68, contra 0,66 e 0,65 de Dilma. Porém, os gabinetes mais
coalescentes de FHC foram também os mais duradouros, indo de abril de 1996 a
janeiro de 1999 e de março de 1999 a outubro de 2001. Já os gabinetes de Dilma
tiveram, todos, vida mais curta. Os mais coalescentes duraram, respectivamente,
apenas o mês de março de 2014 e de janeiro a outubro de 2015. São 8 mudanças
de gabinete em 5 anos sob Dilma, contra 5 mudanças em 8 anos de FHC. E parte
disso pode estar relacionada a nomeações que não são efetivamente representativas da correlação de forças dentro do Congresso.
A centralização resultou em efeitos diversos – a insatisfação dos aliados foi um
deles. Outro foi a redução da capacidade de atuação do Estado, que passou a
demorar mais tempo para a tomada de decisões. Segundo a avaliação de dois
dos informantes-chave, o governo parou. Houve um represamento de ações
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
47
do governo e de novas políticas públicas, mesmo daquelas que não envolviam
elevação de gastos.
Segundo Martin e Vanberg (2011, p. 33), manter o controle da discricionariedade é muito difícil: “Cabinet-level institutions – at least taken on their own – are
likely to be insufficient for effective policing”. Os autores advogam que o Legislativo tem um papel importante no controle dos ministros e, consequentemente,
de suas políticas: “Given these constraints, institutions at the Legislative level
can provide an important substitute for, and complement to, cabinet-level institutions” (MARTIN; VANBERG, 2011, p. 33).
O informante-chave 1 ainda acrescenta que um dos motivos para a relação do
Executivo com o Legislativo ter se desgastado a níveis muito ruins foi a leitura
equivocada de que o isolamento do Congresso Nacional era positivo para o
governo.
Em 2010, o que estava na cabeça de todo mundo: oito anos de Lula, oito anos
de Dilma, depois mais oito anos de Lula. Acabou! Temos um vitorioso! Havia
um imenso, enorme, gigantesco capital político [busca o computador, mostra um gráfico, com os recordes de avaliação positiva do governo Dilma, acima de 90%]. Aqui [mostra o auge] é a Dilma faxineira, que vai fazer a limpa,
a valentona. Quanto mais ela batia no parlamento, mais ela brigava, mais ela
crescia. “Bater no parlamento é bom! Eu sou o máximo”. Olha o parlamento
aqui [mostra o gráfico]. Único momento na história de 20 anos em que avaliação positiva do parlamento está um pouquinho acima do negativo é dezembro
de 2003 – na aprovação das reformas. Mas depois de junho de 2013, desabou.
Aí ela vai precisar do Congresso e o Congresso lhe falta. Vamos fazer reforma
política, vamos fazer um referendo.
Em nossos referenciais teóricos, já classificamos a presidente Dilma Rousseff
como uma agente do tipo subversiva, na nomenclatura de Mahoney e Thelen
(2010), ou seja, alguém que quer a mudanças das regras da ação política – via
centralização decisória, no caso –, mas ainda busca manter a aparência de que
joga conforme as regras do jogo. Neste caso, os resultados da tentativa de subversão parecem ter sido totalmente frustrados.
48
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Confronto
Apesar do presidente da República no Brasil concentrar muitos poderes, especialmente legislativos (FIGUEIREDO; LIMONGI; VALENTE, 1999), o poder
de agenda que tradicionalmente é associado a ele depende efetivamente da colaboração do presidente da Câmara dos Deputados, Casa por onde deve iniciar
a tramitação de todas as propostas de iniciativa do Executivo. O fato de quase
a totalidade dos presidentes da Câmara desde a redemocratização terem sido
aliados do presidente da República pode ter resultado numa impressão generalizada de mais poder do que o chefe do Executivo realmente dispõe. À exceção
de Eduardo Cunha, nenhum outro presidente da Câmara dos Deputados na
Nova República se declarou oposicionista ao governo vigente. Ibsen Pinheiro –
responsável pela abertura do processo de impeachment de Collor – e Severino
Cavalcanti – eleito contra a vontade do presidente Lula – não adotaram abertamente o confronto com o governo. A necessidade de o presidente da República
ter uma relação de lealdade com o presidente da Câmara só ficou realmente
clara quando este optou pelo confronto.
O informante-chave 4 faz a seguinte avaliação sobre a relevância desse agente
de mudança na deterioração da relação do Legislativo com o Executivo:
Tem um problema que eu vejo como crítico, que foi o fato de coincidir esse
período [de redução dos instrumentos de governabilidade] com a emergência
no âmbito do PMDB de uma liderança que teve um papel extremamente desagregador, que é o atual presidente da Câmara dos Deputados. Ele já vinha desde o segundo mandato do presidente Lula atuando de forma destacada em alguns temas como membro da bancada do PMDB. Mas na medida em que ele
passou a ser o líder da bancada e constitui em torno dele um grupo de parlamentares, que instrumentalizava propostas e demandas que ele tinha, [...] que
atuavam como teleguiados dele – isso todo mundo sabia – e ele passou a tensionar progressivamente a relação com o governo e essa bancada, digamos que
ele articulou em torno dele acabou também caminhando na mesma direção.
O informante-chave 3, que conviveu de perto com o agente analisado, atribui ao
estilo pessoal de trabalho de Eduardo Cunha um peso importante no fenômeno
avaliado. O informante-chave 6, vivenciou de perto os dois anos que Eduardo
Cunha esteve à frente da liderança do PMDB na Câmara (2013-2014). Ele revela:
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
49
Ele tem uma agenda própria, dele e de quem o elegeu, tanto para o parlamento,
como para presidir a casa, como para a liderança do PMDB. Você sabe que
o PMDB é um partido de diversos, que congrega vários estilos político-ideológicos – e ele pegou uma parte desse grupo, que deseja alcançar essa
bandeira dele e foi se posicionando.
Foram inúmeros os embates entre Cunha e o governo tanto da liderança do
PMDB quanto na presidência da Câmara, mas um merece ser citado, porque
expôs de maneira clara esse enfrentamento: o relacionado à MP dos Portos. A
medida provisória abria a exploração portuária para a iniciativa privada, porém, com muitas condicionantes. Cunha se empenhou por retirar muitas delas. As votações bateram recordes históricos de duração e duraram duas madrugadas seguidas, totalizando quase 24 horas. O resultado foi avaliado pelo
informante-chave 1:
Ali ela [Dilma Rousseff] já tinha perdido governabilidade dentro do
Congresso. [...] Ali acabaram todas as fichas. O Eduardo Cunha claramente
se posicionou contra o governo. Ele perdeu no conteúdo, mas ganhou na política. A derrota mesmo veio no Orçamento Impositivo. Depois vem a
eleição do Cunha e aí acabou. [...] E fica claro que quem comanda a Câmara
é a coalizão do Eduardo Cunha.
Eduardo Cunha valeu-se da discricionariedade e ambiguidade das regras para
ampliar seu poder de agenda e negociação. Em seu primeiro ano na Presidência
da Câmara, instalou 70 comissões especiais, aumentando consideravelmente a
média anual de 23 comissões da 53ª legislatura (2007-2011). Há maior influência
política do presidente da Câmara na definição da relatoria das comissões especiais, diferentemente do que ocorre nas comissões permanentes, compostas por
todos os partidos a partir do critério da proporcionalidade partidária. Ainda mais
importante, comissões especiais de projetos de lei têm o prazo de 40 sessões para
trabalhar. Findo o período, o presidente tem poder de avocar para o Plenário a
matéria em discussão e designar novo relator, possivelmente afinado com suas
posições. Cunha usou do poder de avocar proposições para o Plenário em três
temas importantíssimos: na reforma política – gerando consternação na comissão
especial –, no projeto que regulamentava a terceirização (PL nº 4.330/2004) e
na votação do Código de Mineração (PL nº 37/2011).
50
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Já havíamos adiantado a classificação do agente de mudança Eduardo Cunha
como oportunista, na nomenclatura criada por Mahoney e Thelen (2010). Isso
se dá em razão da elevada capacidade de exploração da ambiguidade das regras,
do desejo de preservação e controle da instituição, e pelo aproveitamento dos
instrumentos a sua disposição. Isso leva a um quadro de conversão institucional,
inflacionando custos negociais e reduzindo a previsibilidade, tão necessária para
a estabilidade do sistema.
Um panorama geral
A quantidade de mudanças, suas interações e inter-relações demonstram a complexidade do quadro sob análise. Não apenas o gradualismo com que ocorreram,
mas o largo espectro de regras e atores que envolveram, tecem um emaranhado
de fenômenos. Some-se a isso a adoção da tipologia proposta por Mahoney e
Thelen (2010) e temos um quadro de difícil compreensão. Para facilitar a visualização desse quadro, buscamos sintetizar em poucas linhas um modelo analítico
das mudanças havidas.
Como toda simplificação, o quadro a seguir não dá conta das nuances de comportamento dos atores políticos, mas sublinha os elementos que cremos preponderar
nos eventos estudados.
Quadro 1
Mudanças e Agentes de mudança da relação Executivo-Legislativo no governo Dilma
Rousseff segundo a tipologia de Mahoney e Thelen (2010)
Mudança
Cargos
Descrição
Redução da
discricionariedade
nas nomeações
Tipo de mudança
Enxertia
Derivação
Agente
Dilma Rousseff
+ cúpula do PT
Burocracia
Tipo de agente
Subversiva
Simbiontes
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
Mudança
Descrição
Tipo de mudança
Agente
Tipo de agente
Frustração da
execução de
emendas
Derivação →
Conversão
Burocracia
Simbiontes →
Oportunistas
Obrigatoriedade
da execução
de emendas
parlamentares
Enxertia →
Desalojamento
Parlamentares
Subversivos →
Insurgentes
Flexibilização do
trancamento da
pauta por MPs
Conversão
Parlamentares
Oportunistas
Orçamento
Poder de agenda
Poderes negociais
Obrigatoriedade
das comissões
mistas de MPs
Restrição à
matéria estranha
(“jabutis”)
STF (exógeno)
Desalojamento
+
Insurgentes
Parlamentares
Poderes de veto
Retomada da
apreciação dos
vetos presidenciais
Conversão
Parlamentares
Fragmentação
partidária
Ampliação da
fragmentação
Derivação
STF (exógeno)
Parlamentares +
atores partidários
Simbiontes
Centralização
Concentração
decisória e baixo
compartilhamento
da formulação
política
Enxertia
Dilma Rousseff
Subversiva
Confronto
Rompimento da
cooperação com
o Executivo;
agenda própria,
por vezes oposta
Conversão
Eduardo Cunha
Oportunista
Elaboração dos autores.
Oportunistas
+ Simbiontes
51
52
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Apesar de serem observadas praticamente todos os tipos de mudanças listadas
por Mahoney e Thelen, as conversões se destacam. Isso por que, ressaltam os autores, elas são capitaneadas por agentes oportunistas, que, além da ousadia que
lhes deve ser característica para que alcancem seus objetivos, precisam encontrar a sua frente instituições com elevado grau de discricionariedade na interpretação das regras e baixo grau de poder de veto sobre suas ações. Foi exatamente o que encontrou o agente Eduardo Cunha e o grupo por ele liderado, que o
alça a condição de presidente depois de passar a se confundir com a maioria da
Câmara dos Deputados. Os poderes deste cargo até então não haviam sido experimentados em todo o seu potencial, algo que Cunha fez. Do outro lado, encontrou uma presidente da República com poderes de barganha e veto minados
e que, pelas pretensões subversivas – na tipologia dos autores, ressalte-se –, guardava dificuldades pessoais de jogar na arena legislativa.
Conclusão
Segundo Power (2015, p. 31), em abrangente compilação da literatura sobre
o tema, “o principal insight do presidencialismo de coalizão é simples: os
presidentes brasileiros precisam se comportar como primeiros-ministros europeus”. Esse insight se consolidou não apenas na literatura, mas também na
prática política.
O conjunto de informações reunidas nestas páginas são, a nosso ver, confirmações das teorias referenciadas sobre o presidencialismo de coalizão, mas por
uma perspectiva diferente: se em geral as pesquisas vinham confirmando que
essa instituição funcionava a partir da reunião de determinados instrumentos
e comportamentos, o quadro descrito comprova que ela não funciona quando
esses elementos são negligenciados ou aplicados apenas de maneira aparente.
Não bastam coalizões meramente formais. Para Carlos Pereira (EVELIN, 2014)
a “regra de ouro da gestão de coalizão” é dividir poder, levando em consideração o peso de cada um. A forma mais óbvia e também mais republicana
de dividir poder é compartilhar a formulação e execução das políticas públicas.
Cargos e verbas são ferramentas para isso, apesar da histórica instrumentalização desses elementos, gerando um desvio de finalidade – como a patronagem
–, um descolamento entre meios e fins. Batizados de Caixa de Ferramentas
Do presidencialismo de coalizão ao parlamentarismo de ocasião: análise das
relações entre Executivo e Legislativo no governo Dilma Rousseff
53
do Executivo (Executive Toolbox) por Raille, Pereira e Power (2010), esses
instrumentos também tiveram um uso crescentemente pró-forma na gestão
Dilma Rousseff, quando o crescimento nominal das dotações orçamentárias
para emendas parlamentares não foi acompanhado de um crescimento da capacidade de execução desses valores. Isso resultou primeiro em frustração e,
depois, em reação, consignada numa das principais derrotas do governo Dilma
Rousseff, a promulgação da Emenda Constitucional do Orçamento Impositivo
(EC nº 86/2015).
Uma afirmação frequentemente ouvida por quem acompanha o Congresso
Nacional de perto é a de que o Executivo abusa dos seus poderes de agenda
e veto. Essa leitura pode estar na raiz de mudanças institucionais importantes,
como a definição de um novo rito de apreciação de vetos e o uso de prerrogativas asseguradas pelo Supremo Tribunal Federal na tramitação de MPs.
Neste caso, a mudança é inicialmente exógena, mas foi a decisão (endógena)
dos congressistas de lançar mão dessas prerrogativas que elevou tanto os custos
negociais do Executivo na arena legislativa. Os informantes-chave reconheceram que o Congresso não necessariamente precisaria utilizar tais poderes se
não houvesse discordâncias entre Legislativo e Executivo sobre o conteúdo das
políticas. As discordâncias de conteúdo foram potencializadas também pelas
discordâncias na forma como o Executivo conduzia suas negociações – excessivamente centralizadora sob a perspectiva de um Poder que tem o dever de
participar da formulação das políticas públicas.
As evidências reunidas também confirmam uma nova perspectiva da teoria
da mudança institucional, que substitui a antiga preponderância das causas
exógenas, dos choques e das mudanças bruscas pelo reconhecimento da importância de causas endógenas e de mudanças graduais. Os dois tipos de fenômenos
passam a conviver de maneira mais harmoniosa na literatura, especialmente
após a contribuição de Mahoney e Thelen (2010), entre outros tantos autores. As
mudanças graduais, como necessárias para viabilizar mudanças institucionais,
são indicadores da importância do investimento em estudos com viés histórico.
Não há possibilidade ainda de saber se esse quadro de intensa dificuldade na
relação Executivo-Legislativo é de fato definitivo. Foram inúmeros os elementos complicadores dessa relação trazidos pelos eventos de natureza política,
jurídica e econômica. Se outros presidentes passarão pelo mesmo problema,
só o tempo dirá. E só a partir dessas novas experiências será possível dizer o
54
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
que realmente preponderou na deterioração do quadro – agência, mudanças
institucionais exógenas ou a conjuntura. Parece-nos, porém, pouco provável que,
no curto prazo, outro presidente vivencie essa “tempestade perfeita”, essa conjunção de tantos elementos complicadores da gestão política, capazes de jogar
ao rés do chão a governabilidade do nosso outrora poderosíssimo e festejado
presidencialismo de coalizão.
Destaque, no entanto, deve ser dado ao fenômeno da mudança gradual, que se
apresentou em diferentes momentos anteriores ao processo de impeachment e
deteriorou, assim, as ferramentas de gerenciamento da coalizão. Mensalão
e todos os outros casos de corrupção não seriam novas ferramentas acrescentadas à caixa, empobrecida por mudanças institucionais graduais? Uma intensa
agenda de pesquisa se impõe a partir dessa pergunta.
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61
Fortalecimento das comissões mistas:
poder de barganha e desgaste na
coalizão a partir de 2012
Rodrigo Ribeiro Bedritichuk
Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo
Introdução
Não há como observar o terremoto político que sacudiu o Brasil a partir de 2015
sem perquirir sobre a solidez ou fragilidade do nosso sistema político. A crise
convida e até impele à rediscussão dos diversos institutos que compõem o presidencialismo brasileiro.
Do ponto de vista acadêmico, uma lição importante da crise, segundo Pereira
(2015), é que os analistas parecem ter superestimado os poderes constitucionais do presidente, já que a eleição de um ator não alinhado totalmente com
o Executivo para a presidência da Câmara colocou em xeque a capacidade da
presidente da República em fazer avançar sua agenda legislativa e garantir governabilidade.
Partindo dessa provocação, pode-se entrar mais a fundo no terreno dos poderes
constitucionais do presidente para empreender investigação atualizada sobre os
instrumentos à sua disposição. Nessa seara, constata-se relevante mudança no
instituto da medida provisória (MP), ferramenta legislativa crucial no sistema
político brasileiro.
Em 2012, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) alterou o rito de tramitação das MPs consolidado há mais de dez anos no Congresso, estabelecendo
a obrigatoriedade de avaliação por comissão mista antes da apreciação em
Plenário. Ao alterar o trâmite legislativo das MPs, a mudança institucional repercutiu na dinâmica decisória de um dos principais instrumentos do presidente.
62
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O presente artigo pretende investigar os impactos dessa mudança. O objetivo
central é entender melhor o poder de agenda do presidente no contexto recente,
especialmente no que concerne à edição de medidas provisórias. Além de descrever o que mudou com o novo rito, cabe apontar possível relação entre a
mudança institucional e a relação Executivo-Legislativo.
A análise centra-se no primeiro governo Dilma (2011-2014), por permitir a comparação entre a sistemática antiga de tramitação das MPs e o novo rito a partir
da decisão do STF. Procedeu-se ao rastreamento das tramitações de diversas
MPs com o objetivo de analisar o funcionamento de mecanismos causais relacionados às MPs, investigando como esses mecanismos mudaram a partir de
2012 e afetaram o gerenciamento da coalizão governamental.
Os resultados apontam para o fortalecimento do sistema de comissões no
Congresso e sugerem o aumento do poder de barganha dos parlamentares, o que
dificultou a aprovação da agenda legislativa do Executivo no período analisado.
Medidas provisórias
Um dos principais recursos do presidencialismo é o poder de editar decretos
com força de lei. No Brasil, o poder de decreto expressa-se na possibilidade de
edição de medidas provisórias, instrumentos legislativos com imediata força de
lei e prazo de vigência de 120 dias. Presente no texto original da Constituição
de 1988, a MP tem sido usada à exaustão por todos os presidentes desde então.
Uma vez que altera imediatamente o status quo, a medida provisória confere
vantagem estratégica ao presidente na barganha de seu programa de governo.
Como a MP já entra em vigor no ato de sua edição, a escolha que cabe ao
Congresso é entre o status quo alterado por ela e uma situação em que a MP é
rejeitada após ter vigorado por certo tempo (LIMONGI; FIGUEIREDO, 1998).
A vigência imediata altera a estrutura de escolhas disponíveis aos parlamentares
antes mesmo de o jogo político começar, já que as políticas não são discutidas
em tese, mas avaliadas a posteriori, aferindo-se o seu efeito prático no mundo
real (MACHIAVELI, 2009). A rápida organização dos grupos beneficiados pelas
MPs e a pressão exercida nos parlamentares são fatores consideráveis na decisão
de atores políticos. Mesmo com o pouco tempo de vigência da MP, é razoável
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
63
supor a existência de efeitos lock-in e feedbacks positivos (REZENDE, 2012),
mecanismos que favorecem a continuidade das alterações promovidas pela MP.
Essa característica tende a elevar o custo de rejeição das MPs pelo Congresso,
fator que pode forçar os parlamentares a cooperarem com a agenda do governo.
Além disso, a MP interfere na agenda de votações do Congresso, posto que
“tranca” a pauta de votações da Casa em que estiver tramitando se não for
apreciada até o 45º dia de vigência. O recurso do trancamento de pauta, instituído
em 2001, foi, segundo Pereira (2008), um incentivo institucional para maior
uso do instrumento, uma vez que aumentou o poder de agenda do presidente e
a capacidade de interferir na pauta do Congresso.
Por essa natureza especial, a medida provisória é importante instrumento na
caixa de ferramentas do Executivo. A estratégia presidencial no tocante à relação com o Legislativo levará em conta a utilização de MPs, de forma que as
medidas provisórias podem reforçar uma situação de conflito ou funcionar como
instrumentos de coordenação dos partidos da base.
Sobre o assunto, a literatura se divide em duas visões (RENNÓ, 2006). A primeira
visão, intuitiva, é a de que o decreto executivo é uma imposição legiferante do
Executivo, sendo, geralmente, recurso unilateral de presidentes minoritários,
que recorrem aos decretos pela impossibilidade de governar pela via ordinária.
O pressuposto é que os decretos são instrumentos mais precários e polêmicos e
que, se tivessem maioria, os presidentes teriam preferência em utilizar a legislação ordinária (COX; MORGENSTERN, 2001).
Conhecida como teoria da ação unilateral, essa abordagem acentua a relação
de conflito entre presidente e Congresso. Uma vez que a edição de decretos
executivos é vista como tentativa de impor a agenda legislativa do Executivo
à maioria parlamentar, tem-se um reforço da dicotomia entre esses dois atores.
A segunda linha de pesquisa no tocante aos decretos é a teoria da delegação.
Baseando-se no modelo principal-agente, a abordagem enxerga haver delegação
parcial da função legislativa do Congresso ao presidente. Essa delegação é vantajosa aos parlamentares por resolver problemas de ação coletiva, especialmente
em parlamentos fragmentados (SHUGART; CAREY, 2009), além de evitar a
responsabilização por matérias impopulares (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1997).
A partir dessa ótica, o Executivo não impõe unilateralmente seus interesses ao
Legislativo. Pelo contrário, a delegação pressupõe cooperação entre ambos, de
64
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
modo que quanto maior o apoio do presidente no Parlamento, mais frequente a
edição de MPs.
Em investigação sobre o processo constituinte brasileiro, Power (1998) mostra
evidências de que a Assembleia Constituinte delegou ao Executivo a prerrogativa de editar MPs por entender que o processo legislativo ordinário no
Congresso era lento e custoso. Diversos autores encampam a teoria da delegação em suas várias vertentes: Figueiredo e Limongi (1997; 1999) enxergam
a MP como um instrumento de governabilidade que atenua os efeitos descentralizadores do sistema eleitoral e permite a agregação de uma maioria de governo; para Figueiredo, Canello e Vieira (2012), as MPs seriam instrumento de
“solução de barganhas horizontais”; Amorim Neto e Tafner (2002) ressaltam os
mecanismos de controle dos parlamentares para evitar as perdas da delegação;
e Almeida (2014) enxerga a delegação sob a ótica informacional.
Não obstante, os estudos de Pereira, Power e Rennó (2005) e Power (1998)
concluem que não há base definitiva nem para a teoria da ação unilateral, nem
para a teoria da delegação. A incidência de uma ou outra teoria parece ser contingente, e não uma regra geral aplicável ao sistema brasileiro. Em face dessa
ambiguidade, é recomendável volver a análise para a dinâmica decisória interna
de apreciação das MPs no Congresso, buscando clarear mecanismos causais
relacionados às medidas provisórias.
Desde a Constituição de 1988, apenas uma reforma constitucional alterou a
estrutura do instituto das MPs. Aprovada em 2001, a Emenda Constitucional
(EC) nº 32 mudou o rito de tramitação, estabelecendo, entre outros pontos:
apreciação prévia por comissão mista; apreciação separada em cada uma das
Casas; proibição de reedição; e previsão de trancamento da pauta da Casa em
que a MP estiver, caso a matéria não tenha sido votada após 45 dias de sua
promulgação.
De acordo com a Resolução nº 1/2002-CN, que regulamentou a tramitação
das MPs após a EC nº 32/2001, depois de editada a MP, deve ser constituída
comissão mista com o objetivo de aprovar parecer sobre a matéria no prazo de
14 dias. Decorrido o prazo, com ou sem o parecer da comissão, a MP deve ser
enviada ao Plenário da Câmara e, em seguida, ao Plenário do Senado. Caso a
comissão não tenha aprovado parecer, esse deve ser oferecido diretamente no
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
65
Plenário de cada Casa, por relator designado na ocasião pelo presidente da respectiva Casa legislativa.
Por mais de dez anos em que vigorou essa sistemática (2001-2012), nenhuma
comissão aprovou o parecer antes do envio da MP ao Plenário da Câmara.
A prática consolidada era de concentrar a tramitação das MPs nos Plenários.
Sem as comissões, a negociação do texto deixava de ocorrer no Parlamento, às
claras, para ser feita nos gabinetes ministeriais, entre o relator, os líderes partidários e a burocracia do governo (CLÈVE, 2010; AMARAL JÚNIOR, 2004;
FIGUEIREDO; LIMONGI, 1997).
Apesar de ter havido apenas uma reforma constitucional das MPs, operou-se
mudança institucional relevante pela via judicial. Em março de 2012, o STF,
no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4029,3 declarou
inconstitucional4 essa sistemática de tramitação que dispensa o parecer da
comissão mista, porquanto a instrução por colegiado misto é determinação
expressa da Constituição (art. 60, § 9º).
A decisão determinou que todas as MPs deveriam passar primeiramente – e obrigatoriamente – por comissão mista antes de serem apreciadas pelos Plenários
da Câmara e do Senado.5 A mudança ocorreu no primeiro mandato de Dilma
Rousseff, alterando, de imediato, a dinâmica decisória do instituto.
Abordagem metodológica
Ao investigar o impacto de uma mudança institucional na dinâmica decisória
do Congresso, colocou-se o foco na análise de mecanismos causais, geralmente
definidos como conexões entre causas e efeitos. Para McAdam, Tarrow e Tilly
(2004), mecanismos são classes delimitadas de eventos que alteram as relações entre elementos de maneira similar em uma variedade de situações. Assim,
3
Referida ação foi movida pela Associação Nacional dos Servidores do Ibama contra a Lei
nº 11.516/2007 (proveniente da MP nº 366/2007), que criou o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
4
ADI nº 4029, Relator: ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 8/3/2012, Acórdão Eletrônico
DJe-125; publicado em 27/6/2012.
5
O STF conferiu efeitos prospectivos à decisão, para não declarar a inconstitucionalidade de uma
infinidade de leis provenientes de MPs, que, no trâmite congressual, dispensaram a etapa das
comissões.
66
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
aplicada ao presente contexto, a pesquisa buscou encontrar padrões e mapear
mecanismos causais, a partir da análise da tramitação de diversas MPs, relacionando medidas provisórias, mudança do rito de tramitação e relação Executivo-Legislativo.
A estratégia de pesquisa focada em mecanismos pode contribuir para alargar
o entendimento do processo decisório envolvendo as medidas provisórias. Ao
contrário de pesquisas mais amplas, que englobam várias presidências e incluem
diversas variáveis, trabalhar com período limitado permite fazer análise mais
detalhada do processo de tramitação de MPs, clareando mecanismos causais.
O sacrifício da parcimônia e da abrangência pode ser compensado pela riqueza
descritiva (FLYVBJERG, 2011) e pelo maior poder explicativo para lidar com
mecanismos causais (GEORGE; BENNET, 2005). Por exemplo, os partidários da teoria da delegação falam que as MPs podem servir para a solução de
barganhas horizontais, mas não deixam claro como isso ocorre nem apresentam
muitos casos concretos. O foco em mecanismos pode preencher essas lacunas.
A abordagem metodológica utilizada foi o estudo de caso, escolha natural diante
do foco em mecanismos, da necessidade de se incorporar o contexto à análise,
além da brevidade da mudança institucional estudada. Trabalhou-se com o caso
do primeiro governo Dilma (2011-2014), em que é possível fazer a comparação
entre os dois ritos de tramitação de MPs. Além do rastreamento de tramitações
de MPs dentro desse caso maior, foram utilizados alguns indicadores para
avaliar os impactos da mudança institucional.
No período analisado, Dilma editou 145 MPs; além disso, 21 medidas provisórias
editadas por Lula foram apreciadas somente no governo Dilma. Descontando-se
as MPs orçamentárias,6 tem-se um total de 52 MPs que tramitaram sob o rito
antigo, com apreciação direta em Plenário; e 83 MPs que foram apreciadas
previamente pelas comissões.
Grande parte dos dados foi obtida a partir de análises documentais, como históricos de tramitação das MPs e notas taquigráficas de reuniões. Além do mais,
foram realizadas entrevistas com cinco atores importantes no processo político,
6
Jurisprudência do STF indica que, em se tratando de norma que exaure seus efeitos na aplicação
dos recursos financeiros, mesmo a perda de vigência ou eventual inconstitucionalidade não podem
desfazer essa situação fática (ADI 1.979/SC-MC, Tribunal Pleno, Relator: ministro Marco Aurélio,
DJ de 29/9/2006). Por isso, são de pouca relevância para a análise as MPs orçamentárias.
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
67
de modo a aprofundar o entendimento sobre o trâmite interno das MPs.7 Análise
detalhada da tramitação de cada proposição permitiu enxergar o funcionamento
de mecanismos antes e após a mudança do rito com a decisão do STF em 2012.
Mecanismos de coordenação
Analisando a tramitação das MPs sob o rito que dispensava a apreciação das
comissões, observa-se o funcionamento de mecanismos causais que fizeram da
MP, precipuamente, instrumento de coordenação horizontal das preferências
da base. A edição de MPs beneficiou tanto o Executivo, pela vantagem estratégica na negociação da agenda legislativa, quanto a base parlamentar, contemplada com a participação no processo decisório. Dois mecanismos operaram
nesse sentido: a concentração da tramitação em Plenário, sobretudo na Câmara,
e o controle de relatorias.
Além do prazo exíguo para a análise das comissões, há evidências de que o governo atuou para esvaziar as reuniões dos colegiados e concentrar a análise das
MPs diretamente em Plenário (LIMA, 2011). Esse mecanismo de concentração
da tramitação em Plenário facilitou a aprovação das MPs pelos seguintes motivos: i) sem a etapa das comissões, o custo de aprovação foi menor, já que as
MPs tramitaram em apenas duas instâncias decisórias – os Plenários da Câmara
e do Senado; ii) por serem arenas decisórias amplas, os Plenários favorecem a
aprovação da pauta da maioria, tanto pela concentração de recursos legislativos
nos líderes partidários quanto pela ineficácia da atuação individualizada por
parte dos parlamentares (LIMONGI ; FIGUEIREDO, 1998; 1999); iii) ainda que
não consiga o apoio efetivo dos líderes, o Executivo dispõe de enorme arsenal
para conquistar votos no “varejo”, utilizando recursos como nomeação de cargos
ou liberação de verbas (RAILE; PEREIRA; POWER, 2011).
Nesse contexto de decisões centralizadas nos Plenários, houve menor custo de
negociação e de aprovação das MPs, o que favoreceu sua aprovação conforme
as preferências do Executivo. No biênio 2011-2012, Câmara e Senado foram
comandados por aliados do governo, com Marco Maia (PT-RS) na presidência
7
Uma assessora da liderança do Governo no Congresso Nacional, um assessor do PMDB, um assessor
do PTB, um assessor do DEM, e um assessor técnico das comissões de medidas provisórias.
68
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
da Câmara e José Sarney (PMDB-AP) à frente do Senado, o que também ajudou
no encaminhamento das votações em Plenário.
Além disso, as tramitações concentraram-se quase que na totalidade no Plenário
da Câmara,8 o que significa que o governo teve mais “moeda” para conquistar
o apoio dos deputados, fato importante ao se considerar que a Câmara foi o
grande foco da instabilidade política no primeiro governo Dilma.
Sem o funcionamento das comissões, os relatores de MPs eram designados diretamente em Plenário pelos presidentes de cada Casa legislativa. Isso conferia
liberdade aos presidentes da Câmara e Senado para escolher os relatores de acordo
com a conveniência política. Esse segundo mecanismo, de controle de relatorias,
fortalecia o papel da MP como instrumento de coordenação, já que a relatoria
poderia ser usada como ferramenta de coordenação da base.
Os dados demonstram a discricionariedade dos presidentes das Casas legislativas no processo de distribuição de relatorias. Chama atenção o domínio
da coalizão governista e a exclusão da oposição do processo, além de casos
evidentes de sobrerrepresentação, mostrando que o critério da proporcionalidade partidária foi utilizado de forma maleável, conforme a conveniência política do momento (ver anexo).
A liberdade na divisão dos relatores permitiu ao governo usar as relatorias de
MPs como recursos de coordenação da coalizão por pelo menos três motivos.
Primeiro, a relatoria permite que o parlamentar participe do processo de tomada
de decisões e ganhe projeção política pela relevância da matéria. Segundo, a relatoria pode ser dada como forma de compensação para os membros da coalizão.
Um exemplo é a sobrerrepresentação do PCdoB na Câmara: no final de 2011,
o índice de governismo9 do partido foi de 95%, atrás apenas do PT. A distribuição das relatorias de MPs ao partido, em número superior ao de outras bancadas mais expressivas da base, pode ser interpretada como recompensa à fidelidade do partido.
8
Das 45 MPs aprovadas pela Câmara, o Senado deixou de votar 2 e promoveu alterações apenas
em 3. Todas as outras 40 foram aprovadas conforme o texto proveniente da Câmara.
9
Indicador que calcula a porcentagem de deputados do partido que votam de acordo com o governo
em votações nominais. Dados obtidos pelo banco de dados do Basômetro (disponível em: <http://
estadaodados.com/basometro/>; acesso em: 20 ago. 2016).
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
69
Terceiro, a relatoria pode servir na reconquista de um partido descontente com
o governo. A distribuição de relatorias ao PR no Senado exemplifica tal possibilidade. Em julho de 2011, após a divulgação de escândalos de corrupção, foi
exonerado o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, senador pelo PR.
Nascimento voltou ao Senado e anunciou em agosto a saída da sigla da base do
governo, assumindo postura de independência (SEM..., 2011).
Até então, o PR no Senado ainda não tinha sido contemplado com nenhuma
relatoria de MP. Foi nesse contexto que o presidente Sarney designou, em 1º de
setembro, o senador Alfredo Nascimento para relatar a MP nº 533/2011, menos
de quinze dias depois do anúncio da saída do PR da base. Ao envolver o senador
em um projeto do Executivo, de tema social (ampliação da oferta de creches) e
com apelo eleitoral, o governo pôde utilizar as MPs como forma de recomposição da base. A partir daí mais três senadores do PR foram designados relatores
de MPs, sugerindo esforço contínuo do governo para acalmar os ânimos da
bancada do partido.
O controle de relatorias das MPs no rito pré-2012 foi mecanismo que permitiu
ao governo Dilma privilegiar sua coalizão partidária, resolvendo problemas de
coordenação horizontal. Aliado ao mecanismo de concentração da tramitação
em Plenário, o governo pôde usar as MPs como instrumentos eficientes para
avançar sua pauta legislativa e também buscar o alinhamento de preferências
na sua base de apoio.
Impactos da mudança institucional
Com a decisão do STF em 2012 e a mudança no instituto das medidas provisórias, observa-se o desmonte dos dois principais mecanismos causais que
tornavam a MP instrumento de coordenação, a concentração em Plenário e o
controle de relatorias.
Concentração nas comissões
O funcionamento efetivo das comissões mistas representou o desmonte do
mecanismo de concentração da tramitação em Plenário, o que teve impactos
consideráveis. As comissões tornaram-se não apenas nova arena no rito de
tramitação das MPs; antes, afiguraram-se como as arenas mais importantes,
70
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
concentrando a maior parte do tempo de tramitação das medidas provisórias.
A tabela 1 compara o tempo médio de tramitação em cada órgão antes e depois
da decisão do STF. A diferença entre os períodos é clara, demonstrando a perda
de protagonismo do Plenário da Câmara no processo de avaliação das MPs e a
consequente primazia das comissões no processo.
Tabela 1
Média do tempo de tramitação das MPs
jan./2011 a mar./2012
abr./2012 a dez./2014
Comissões
12,5%
Câmara
77,6%
77,3%
11,2%
Senado
9,9%
11,5%
Fonte: Senado Federal e Câmara dos Deputados.
Elaboração dos autores.
Por serem arenas decisórias menores, há nas comissões maior espaço para
o debate especializado e também para o confronto político. O debate entre
governo, oposição e grupos de pressão passou a ser travado no âmbito das
comissões, com a realização de diversas audiências públicas e reuniões conflitivas, conferindo importância aos colegiados e maior abertura ao processo
legislativo.
Característica especial das comissões de MPs é que elas são obrigadas por força
judicial a aprovarem parecer instrutivo, mas sem prazo definido para tanto, além
de apreciarem matérias com força de lei e tempo limitado de vigência. Por isso
as comissões podem, por exemplo, exercer o poder negativo, ou gatekeeping,
barrando a tramitação de determinada MP e evitando que ela siga seu curso
em Plenário (DEERING; SMITH, 1997). A agenda legislativa do Executivo,
composta em grande parte por MPs, fica dependente da manifestação das
comissões.
O novo rito representa um desafio à visão corrente que se tem sobre o sistema
de comissões no Congresso. Em geral, as comissões são vistas como órgãos
pouco relevantes, dada a prerrogativa de líderes e do presidente da República
em solicitar urgência para determinados projetos e levá-los diretamente à apreciação em Plenário (DINIZ, 1999; PEREIRA; MUELLER, 2003). No caso das
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
71
comissões de MPs não existe essa possibilidade – a manifestação dos colegiados
é obrigatória.
Uma vez que para cada MP é criada comissão específica, o processo decisório
se tornou disperso, com a existência de diversos colegiados que funcionam
concomitantemente. Do ponto de vista do governo, essa nova configuração
exigiu imenso trabalho de coordenação, mobilização dos parlamentares para
efeitos de quórum e monitoramento.
Tal dispersão do processo decisório significou também maior especialização
dos debates e maior participação dos parlamentares, diminuindo a assimetria de
informações. Ora, na sistemática anterior, a MP ficava a maior parte do tempo
na Câmara, nas mãos do relator de Plenário. A obscuridade na instrução – envolvendo geralmente o relator e os órgãos governamentais em reuniões privadas –
fazia com que o texto a ser votado pelo Plenário fosse desconhecido da maioria.
Nesse cenário de incerteza, na hora da votação tinha bastante força o encaminhamento do governo, que tinha autoridade sobre as informações prestadas.
O quadro muda com a alteração do rito. Com mais uma etapa na tramitação, o
trabalho do relator passa a ser analisado mais a fundo. A comissão, por ser uma
instância decisória menor, favorece a análise mais cuidadosa do relatório. Além
disso, a frequência considerável de audiências públicas,10 com a participação de
diversos membros do governo, reduz sobremaneira a assimetria de informações,
já que há compartilhamento público de dados e informações relevantes sobre a
MP. Por fim, a maior participação dos parlamentares nas comissões tende a flexibilizar a força da orientação dos líderes ou do governo nas votações em Plenário.
Se antes a incerteza sobre a matéria favorecia a fidelidade nas votações, agora,
com informações disponíveis, o parlamentar tem maior embasamento para justificar um voto independente da orientação de liderança.
A diminuição da assimetria de informações em Plenário e a dispersão do processo decisório, com maior dificuldade de mobilização e controle nas diversas
comissões, tiveram como efeito a elevação do custo de aprovação das MPs para
o governo.
Efeito mais considerável da concentração da tramitação nas comissões foi o
aumento do poder de barganha dos parlamentares. Isso porque a configuração
10
De 2012 a 2014, foram realizadas 57 audiências públicas no âmbito das comissões de MPs.
72
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
regimental da nova tramitação das MPs deu aos parlamentares maior acesso a
recursos legislativos, de modo que se observou multiplicação dos pontos de veto.
Com as comissões, passou a ser possível que atores agissem individualmente de
modo a interromper o processo decisório.11
A inclusão da instância das comissões deu poder de veto a quatro grupos de
atores, cada qual com a possibilidade de travar o processo: o presidente da comissão (que define o momento de pautar a matéria e pode procrastinar as reuniões), o relator (que pode apresentar um relatório inaceitável do ponto de vista
do governo), a maioria da comissão (apenas oito parlamentares, que formam a
maioria da comissão e têm o poder de barrar qualquer decisão) e os líderes partidários12 (que dispõem de uma série de prerrogativas regimentais, muitas de
obstrução).
Como reflexo do aumento dos pontos de veto nas comissões de MPs, começou-se
a observar o fenômeno da obstrução cruzada, quando um partido obstruía a tramitação de uma ou mais MPs com objetivos externos, como a aprovação de uma
determinada matéria no Plenário da Câmara, por exemplo. Tal recurso, segundo
as entrevistas, é expediente comum na Câmara, mas utilizar a obstrução cruzada
nas comissões de MPs é tática de maior potencial, porquanto as MPs são matérias com eficácia imediata e prazo temporário de vigência, o que torna a ameaça
efetiva, consubstanciando-se na perda de eficácia de uma ou mais medidas.
Análise da tramitação da MP nº 617/2013 exemplifica o fenômeno da obstrução
cruzada decorrente do aumento dos pontos de veto, bem como o aumento do
poder de barganha dos parlamentares com o novo rito de tramitação.
A MP nº 617, editada em maio de 2013, reduziu tributos incidentes sobre a receita de transporte coletivo municipal. Menos de quinze dias após a edição da
MP nº 617/2013, as ruas do país foram tomadas pelas manifestações de junho de
2013, cujo protesto inicial havia sido justamente contra o aumento das passagens
de ônibus. Em face do teor popular, a MP era consensual, e seria difícil imaginar
que ela não fosse aprovada.
11
Ver, por exemplo, as atuações obstrutivas por parte do deputado Manoel Junior na MP nº 612/2013;
do deputado Mendonça Filho na MP nº 617/2013; do deputado Eduardo Cunha na MP nº 652/2014;
e do deputado Ivan Valente na MP nº 653/2014.
12
Recursos como requerimento de destaque e pedido de verificação de votação podem ser exercidos
por quaisquer líderes, ainda que não sejam membros dos colegiados (conforme decisão de questão
de ordem publicada no Diário do Congresso Nacional de 13/12/2016, p. 2464).
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
73
Ocorre que a medida provisória continha teor quase idêntico ao PL nº 2.729/2011,
de autoria do deputado Mendonça Filho (DEM-PE), apresentado em 2011.
Nessa disputa pela paternidade dos projetos, a vantagem sempre pesou para
o Executivo. Com efeito, a apropriação feita pelo governo em relação a projetos apresentados por parlamentares é fenômeno corrente da atividade política brasileira, no qual o Executivo atua, entre outros motivos, para manter seu
domínio legislativo e gozar do credit claiming da política pública aprovada
(SILVA, 2013).
No rito anterior, não é difícil imaginar como se daria essa disputa em análise contrafactual: o PL nº 2.729/2011, ainda que aprovado pela Câmara, ficaria parado
em alguma comissão do Senado; a MP nº 617/2013 seria votada diretamente no
Plenário da Câmara por volta do centésimo dia de vigência, isto é, em meados de
setembro de 2013; até lá, o governo já poderia anunciar a paternidade do projeto;
provavelmente o deputado Mendonça Filho apresentaria requerimentos para
obstruir a votação da matéria, os quais seriam rejeitados em Plenário; aprovada
a MP nº 617/2013 nos Plenários da Câmara e do Senado, o governo poderia
reivindicar o crédito da aprovação da matéria, enquanto o projeto do deputado
seria prejudicado.
Todavia, a inclusão das comissões acarretou aumento dos pontos de veto e deu
aos deputados maior poder de barganha. Em entendimento com o presidente
Henrique Eduardo Alves, Mendonça Filho conseguiu aprovar requerimento de
urgência para o PL nº 2.729/2011.13 Um dia após a aprovação da urgência, em
12 de junho, o deputado conseguiu obstruir a reunião de instalação da comissão
da MP nº 617/2013 com ameaça de obstrução de outras MPs. Nova reunião
para instalar a MP nº 617/2013 foi marcada para o dia 7 de agosto, também
sem sucesso.
Nesse interim, o PL nº 2.729/2011 já havia sido aprovado na Câmara e estava
em apreciação no Senado. O deputado Mendonça Filho continuou a obstaculizar
a instalação da MP nº 617/2013 enquanto o governo não se comprometesse a
aprovar seu projeto no Senado.14
13
Cf. no Diário da Câmara dos Deputados de 12/6/2013, p. 23516.
14
Cf. no Diário do Senado Federal de 20/9/2013, p. 65091.
74
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Em 13 de agosto, agendou-se nova reunião para instalar a MP nº 617/2013.
Dessa vez, o deputado Mendonça Filho aquiesceu com a instalação, após receber do senador José Pimentel, líder do governo, o compromisso de que o
PL nº 2.729/2011 seria aprovado no Senado:15
Eu estou dizendo aqui ao Senador Pimentel que nós não vamos obstruir a instalação dessa Comissão Mista, com o compromisso de que o texto da Medida
Provisória nº 617 não venha a suplantar o texto do projeto de lei de minha autoria de 2011 e que o nobre Senador vai obter do Governo o compromisso de
sanção de um projeto que mostra e que demonstra a autonomia do Legislativo
em legislar matéria dessa ordem. Então, eu peço o compromisso de V. Exa e
digo que, se porventura o governo não cumprir com o acordo, nós vamos, e eu
pessoalmente, adotar todas as medidas para obstruir não só essa medida provisória, mas qualquer outra medida provisória que tramita aqui no Senado e
na Câmara. (grifo nosso)
De fato, o PL nº 2.729/2011 foi aprovado no Senado na semana seguinte,
transformando-se na Lei nº 12.860/2013. Já a MP nº 617/2013 perdeu eficácia
por decurso de prazo em 27 de setembro de 2013, sem ter sido votada por
Câmara e Senado.
O projeto de um deputado da oposição foi aprovado e transformado em lei em
detrimento de uma MP do governo. O caso revela como as novas possibilidades
de obstrução nas arenas das comissões deram aos parlamentares maior força
para lidar com o Executivo.
Rodízio de relatorias
O outro mecanismo desarranjado com o novo rito foi o controle de relatorias
pelo governo. A seleção das relatorias antes de 2012 funcionou como mecanismo
útil ao governo para resolver problemas na coordenação da base.
Com a inclusão das comissões, a designação dos relatores deixou de ser escolha
discricionária dos presidentes das Casas Legislativas e passou a ocorrer no âmbito de um colegiado. Não tardou para que os partidos reclamassem por critério
proporcional na distribuição. No ano de 2012, observa-se um período de adaptação dos partidos. As relatorias continuaram dominadas por partidos da coalizão
governista, especialmente PT e PMDB.
15
Cf. no Diário do Senado Federal de 20/9/2013, p. 65087.
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
75
Em 2013, após a eleição das Mesas diretoras de ambas as Casas, os líderes
partidários fizeram acordo para que fosse feito rodízio das relatorias de MPs
segundo critério fixo, que respeitasse a proporcionalidade. Assim, de 2013 até
o final da legislatura, vigorou acordo informal entre as lideranças no tocante à
distribuição proporcional das relatorias. Em ambas as Casas as relatorias passaram a ser distribuídas segundo critério fixo.
Efeito notável do rodízio de relatorias foi a maior amplitude de partidos beneficiados, inclusive com maior participação da oposição nas duas Casas. Se antes
do acordo entre as lideranças apenas 4% dos relatores designados eram da oposição, essa proporção sobe para 19% após o acordo – quase 1/5 das principais
matérias legislativas do governo foram relatadas por membros da oposição.
Diante da redução do controle do processo decisório das MPs com a maior
participação da oposição, o governo teve de adotar outras formas de controle.
Uma tática utilizada foi abandonar e boicotar as MPs relatadas pela oposição
– seja porque os textos propostos pelos relatores se afastavam demais de suas
preferências, seja porque não era de seu interesse dar crédito aos parlamentares
oposicionistas –, incorporando os respectivos textos em outras MPs relatadas
pela base parlamentar de apoio.16
Além disso, com cada partido sabendo de antemão qual a MP que irá relatar, a
relatoria deixa de ser vista como favor concedido pelo governo, pelas mãos do
presidente da Casa Legislativa respectiva, para ser encarada como um direito que
o partido tem de exercer. Ao perder sua vinculação como uma concessão do governo e se tornar um direito do partido, a relatoria pode, em tese, ser exercida de
forma mais autônoma. O aumento do número de dispositivos vetados nas MPs
alteradas pelo Congresso é indicativo que reforça essa ideia de maior liberdade
dos relatores, conforme se verá na seção seguinte na tabela 2.
Ademais, com a alternância entre Senado e Câmara nas relatorias, que consta
de disposição regimental, os deputados perderam a primazia no processo de
conversão em lei das MPs. Esse também é um efeito considerável ao se levar
em conta que o grande foco de instabilidade política do governo foi na Câmara,
especialmente dentro da coalizão governista. Considerando que as relatorias de
16
As MPs 612, 623 e 652, todas relatadas por parlamentares de oposição, perderam eficácia por
decurso de prazo (com clara obstrução do próprio governo), mas seus textos foram incorporados
no corpo das MPs 618, 610 e 656, respectivamente, essas relatadas por parlamentares da base.
76
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
MPs podiam ser vistas como recursos do governo para beneficiar deputados,
com a alternância entre Senado e Câmara a disponibilidade desses recursos caiu
pela metade.
De forma sintética, podem-se elencar três principais efeitos do novo mecanismo
de rodízio de relatorias: i) perda da discricionariedade do governo em usar a
relatoria como forma de coordenação de conflitos na base; ii) diminuição da
capacidade de controlar o perfil dos relatores, já que há participação mais ativa
da oposição nas relatorias e, além disso, a relatoria passa a ser vista como direito
do partido, e não concessão do governo; e iii) utilização menos frequente das
relatorias de MPs como instrumentos de coordenação de deputados da base, em
face da alternância das relatorias entre Câmara e Senado.
Desgaste da coalizão
O desarranjo dos mecanismos anteriores que faziam da MP importante instrumento de coordenação da coalizão e o surgimento de novos mecanismos a partir
da decisão do STF, notadamente a concentração da tramitação nas comissões e
o rodízio de relatorias, repercutiram na relação Executivo-Legislativo, potencializando conflitos internos da coalizão.
Análises detalhadas da tramitação de algumas MPs, como a MP nº 595/2012 (a
MP dos portos), as MPs nos 579/2012 e 605/2013 (redução na conta de luz) e a
MP nº 623/2013 (créditos agrícolas), mostram o imenso desgaste sofrido pelo
governo com o novo rito, o que é reforçado pelo depoimento dos entrevistados.
Além disso, dois indicadores gerais mostram como a inclusão das comissões
resultou em maior desgaste para a coalizão governista.
O primeiro deles é a média dos dispositivos vetados. Ora, quando o governo
tem o controle do processo decisório, consegue evitar que itens contrários à sua
vontade sejam aprovados no Congresso como emendas às MPs. À medida que
vai perdendo esse controle, o governo tem de recorrer ao veto presidencial como
última instância de controle de texto. O aumento do número de dispositivos
vetados sugere a perda de controle do processo decisório pelo governo. Além
disso, o veto tem um grande potencial para criar um mal-estar entre o presidente
e os parlamentares, reforçando o desgaste na coalizão.
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
77
A tabela 2 apresenta a média dos dispositivos vetados por MPs aprovadas, desconsiderando as MPs orçamentárias. O governo Dilma foi dividido entre antes
e depois da decisão do STF em março de 2012.
Tabela 2
Média de dispositivos vetados por MPs aprovadas
Lula I
Dilma I
Período
MPs aprovadas
2003-2004
2005-2006
Jan./2011 a
fev./2012
Mar./2012 a
dez./2014
108
51
28
56
Dispositivos vetados
71
62
38
380
Média
0,657
1,216
1,357
6,786
Fonte: Presidência da República.
Elaboração dos autores.
A diferença entre os períodos é nítida, observando-se verdadeira explosão do
número de dispositivos vetados no segundo período. A cada MP convertida em
lei pelo Congresso, Dilma vetou ao menos seis dispositivos, o que evidencia a
perda de controle do texto pelo governo, mormente se comparado ao período
anterior.
Esse aumento pode ser atribuído a pelo menos duas hipóteses alternativas.
A primeira delas é o desgaste natural do governo nos últimos dois anos de
mandato, quando o ciclo eleitoral normalmente enfraquece os laços da coalizão
(PEREIRA; POWER; RENNÓ, 2005). Como forma de dimensionar esse efeito,
a tabela 2 também mostra a média de vetos no primeiro governo Lula. Tanto
Lula quanto Dilma disputaram a reeleição, tinham coalizões semelhantes e viveram crises políticas na segunda metade do mandato (uma desencadeada pelo
Mensalão em 2005 e outra pelas manifestações populares de 2013).
Observa-se diminuição significativa do número de MPs aprovadas na segunda
metade do primeiro governo Lula, mas com número ainda elevado. A média
de dispositivos vetados sofre pequena variação positiva, chegando-se, porém,
a uma média muito baixa – nada comparável à explosão de vetos observada no
governo Dilma. Embora tanto Lula quanto Dilma tenham sofrido desgaste na
metade final de seus mandatos, os dados sugerem que Lula conseguiu manter
o controle dos textos das MPs aprovadas pelo Congresso, enquanto Dilma teve
78
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
de recorrer fortemente aos vetos pela ineficácia de sua articulação política em
barrar alterações indesejadas.
A segunda hipótese alternativa é que os vetos possuem correlação positiva com
as alterações promovidas pelos parlamentares no texto original das MPs. No entanto, os dados mostram que o nível de alteração promovido pelo Congresso, medido pela diferença entre a quantidade de artigos da MP original e do projeto de
lei de conversão aprovado, é semelhante nos dois períodos do governo Dilma,
e que, além disso, não existe correlação entre alteração da MP e quantidade de
vetos (ver anexo).
O salto expressivo do número de dispositivos vetados, portanto, mostra a redução do controle do governo no processo decisório das MPs, e também maior
ativismo e poder de barganha dos parlamentares.
Outro indicador que mostra a influência do novo rito capta a estratégia legislativa
do governo, a qual mudou drasticamente após o desgaste sofrido na votação da
MP dos Portos (maio de 2013). A expectativa no Congresso era que, aprovada
a MP dos Portos, o governo enviasse MP propondo novo Código de Mineração.
A perda de capital político e o desgaste sofrido na votação da MP dos Portos,17
no entanto, fizeram o governo alterar sua estratégia, enviando ao Congresso
um projeto de lei (PL nº 5.807/2013) em vez de uma MP para o novo Código
de Mineração (NERY; CRUZ; FALCÃO, 2013). Referido PL foi enviado em
junho de 2013 e, até o fim do governo Dilma, sequer chegou a ser votado nas
comissões da Câmara.
Após a edição da MP nº 623, em julho de 2013, pouco tempo depois da votação da MP dos Portos, Dilma ficou por 116 dias sem editar outra MP não
orçamentária. Foi o maior período sem edição de MPs desde a aprovação da
EC nº 32/2001. Esses dois casos mostram que o governo mudou sua estratégia
legislativa no tocante às MPs após a MP dos Portos.
Para analisar melhor a estratégia legislativa do presidente, pode-se analisar a
taxa de dependência em decretos. Esse indicador, utilizado por Pereira et al.
(2005), mede, mensalmente, a proporção de MPs editadas em comparação com
17
Segundo as entrevistas, a votação da MP dos Portos foi verdadeiro ponto de inflexão na análise
das MPs, já que tornou evidentes a elevação dos custos de aprovação e o aumento do poder de
barganha dos parlamentares.
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
79
toda a iniciativa legislativa presidencial, incluindo projetos de lei ordinária,
projetos de lei complementar e também MPs. No presente caso, foram desconsiderados no cômputo da iniciativa legislativa os projetos de lei complementar
e os projetos de lei vedados de serem tratados por MP, limitações materiais ao
poder de decreto presidencial instituídas pela EC nº 32/2001. Além disso, foram
desconsideradas as matérias de natureza orçamentária, excluindo-se, portanto,
as MPs de crédito extraordinário e os projetos de lei de crédito adicional ou
suplementar.
Para efeitos de análise, os dados foram divididos em quatro períodos: i) de janeiro de 2011 a março de 2012, captando o rito antigo das MPs; ii) de abril de
2012 a maio de 2013, mostrando o momento inicial do novo rito; iii) de junho
de 2013 a dezembro de 2013, mostrando o desgaste político após a MP dos
Portos; e iv) o ano de 2014, quando o ciclo eleitoral esvaziou as atividades do
Congresso. A tabela 3 mostra a média da taxa de dependência em decretos para
cada um desses períodos.
Tabela 3
Média da Taxa de Dependência em Decretos por período
jan./2011 a fev./2012
mar./2012 a maio/2013
jun./2013 a dez./2013
jan./2014 a dez./2014
0,55
0,67
0,37
0,88
Fonte: Presidência da República e Câmara dos Deputados.
Elaboração dos autores.
O valor do indicador no período inicial do governo não significa que Dilma fez
pouco uso das MPs. Há que se considerar que o ano já começou tendo na pauta
21 MPs editadas por Lula, o que congestionou a atividade congressual e fez o
Executivo dosar o uso de MPs no primeiro ano de governo.
No segundo período, observa-se o aumento do índice, a despeito da mudança do
rito das MPs. O período coincide com o momento de intensificação da agenda
legislativa do governo, com mudanças significativas no setor de infraestrutura (MPs nos 575/2012, 576/2012, 577/2012, 579/2012, 591/2012, 595/2012,
605/2013), expansão do crédito (MPs nos 564/2012, 565/2012, 581/2012,
600/2012, 606/2013) e desonerações tributárias (MPs nos 563/2012, 578/2012,
582/2012, 601/2012, 609/2013). Pode-se interpretar a continuidade da estratégia
80
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
legislativa como fruto do desconhecimento dos efeitos da reforma no rito de tramitação – simplesmente o Executivo agiu por inércia, utilizando o instrumento
das MPs para veicular itens cruciais de sua agenda.
Já no terceiro período, observa-se nítida mudança na estratégia do governo,
com forte queda do índice de dependência em decretos em relação ao período
anterior. Repara-se que, no período, as iniciativas legislativas do Executivo continuaram elevadas, já que, de junho a dezembro de 2013, Dilma editou apenas
15 MPs enquanto apresentou 26 projetos pela via ordinária.
Em 2014, ano eleitoral, tem-se um aumento considerável da taxa de dependência
em decretos, movimento comum diante do esvaziamento do Congresso, o que
torna o envio de projetos pela via ordinária tarefa inócua pela improbabilidade
de análise parlamentar.
O que chama atenção, portanto, é a mudança na estratégia legislativa do governo
no segundo semestre de 2013. Em face das manifestações populares de junho de
2013, era de se esperar que o governo reagisse com uma pauta positiva e célere,
no que as medidas provisórias se afiguravam como os instrumentos adequados.
Além disso, diante da desagregação da base parlamentar18 desencadeada pelas
manifestações, as MPs ainda poderiam servir para coordenar horizontalmente
as preferências e alinhar os interesses da coalizão. Em vez disso, preferiu-se a
utilização da via ordinária.
Ora, a mudança da estratégia legislativa do governo em momento de fragilidade
política parece dar razão à teoria da delegação, indicando que o instrumento
das MPs é usado em consonância com os interesses da base, e não em conflito.
Mas a mudança da estratégia legislativa também mostra os efeitos do novo rito
das MPs: o custo de aprovação tornou-se mais elevado, e a inclusão de nova
arena decisória potencializou conflitos na base parlamentar. Essa alteração institucional parece ter colocado freio na edição de MPs, sobretudo após o desgaste
da MP dos Portos, levando o Executivo a preferir a via ordinária e a passar o
mais longo tempo sem editar MPs não orçamentárias desde 2001.
Ao administrar a maior parte de sua agenda legislativa por MPs, o governo tinha
garantia de votação da matéria e vantagem na barganha. Com a mudança de
18
Segundo dados do Basômetro, o índice de governismo da base caiu gradativamente durante o período.
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
81
estratégia, o Executivo perdeu capacidade de promover cooperação dentro da
base, vide o caso do novo Código de Mineração, apresentado pela via ordinária
e sequer votado nas comissões da Câmara.
Conclusão
A medida provisória é vista pela ótica popular como o instrumento por excelência a representar a dominância do Executivo, o qual legisla unilateralmente
e se impõe sobre o Parlamento. Tal visão encontra eco em uma percepção mais
geral sobre o sistema político brasileiro, que também enxerga uma Presidência
forte em comparação com um Congresso fraco.
Diversas mudanças institucionais nos últimos anos, no entanto, alteraram
as relações entre os Poderes, conferindo maior protagonismo ao Congresso.
A mudança no rito de tramitação das MPs é uma delas. Quando o STF determinou o cumprimento estrito da Constituição em março de 2012, estipulando
a obrigatoriedade do funcionamento das comissões mistas de análise de MPs,
alterou a dinâmica decisória há muito consolidada, o que impactou na relação
Executivo-Legislativo.
O presente capítulo investigou os impactos dessa alteração no rito de tramitação
das MPs, analisando o caso do primeiro governo Dilma com foco no mapeamento de mecanismos causais. Uma das conclusões mais importantes do estudo
aponta para o protagonismo das comissões mistas no processo decisório. Ao
contrário das demais comissões do Parlamento, as comissões de MPs têm a
obrigação constitucional de emitir parecer, não podendo outros atores interferirem no processo interno. Essa constatação desafia a visão de que as comissões
teriam pouca importância no processo decisório do Congresso. Ao concentrar
a maior parte do tempo de tramitação das MPs, as comissões centralizam os
debates, conferem maior transparência ao processo e ampliam a participação
dos parlamentares.
A pesquisa também mostrou mecanismos que faziam da MP importante instrumento de governabilidade no rito antigo: a concentração da tramitação em
Plenário e o controle das relatorias. Ambos davam ao governo maior controle do
processo decisório e instrumental para coordenar os interesses dos membros da
82
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
coalizão. Com a mudança institucional de 2012, observa-se a descontinuidade
desses mecanismos.
A distribuição de relatorias deixou de ser tarefa discricionária, não funcionando
mais como mecanismo de resolução de conflitos dentro da base. Inversamente,
estabeleceu-se acordo partidário para o rodízio das relatorias, o que deu maior
participação à oposição e mais liberdade aos parlamentares da base. Com a
concentração de tramitação nas comissões, o processo tornou-se mais disperso,
dificultando o controle do governo, ampliando os instrumentos legislativos dos
parlamentares e aumentando os pontos de veto.
Essa nova configuração do processo decisório potencializou conflitos no interior da coalizão. A média de dispositivos vetados e a taxa de dependência em
decretos são indicadores que apontam nesse sentido. Quanto ao primeiro, o
aumento expressivo do número de dispositivos vetados sinalizou que o governo
teve diminuído seu controle sobre o processo de conversão em lei das MPs, barrando as alterações indesejadas pelo recurso do veto e, assim, desgastando ainda
mais a relação entre Executivo e Legislativo. Em relação ao segundo indicador,
a alteração da estratégia legislativa do governo evidenciou a elevação dos custos
de aprovação das MPs com o novo rito.
Portanto, o aumento considerável dos dispositivos vetados e a alteração da estratégia legislativa no meio do mandato são evidências gerais que se somam aos
indícios encontrados nos rastreamentos das tramitações das MPs. Todos apontam
para a elevação do custo de aprovação das medidas provisórias e para o aumento
do poder de barganha dos parlamentares da base, elementos que contribuíram
para o desgaste da coalizão governamental no primeiro governo Dilma.
Observa-se, assim, processo paulatino de perda de força do Executivo no tocante
à edição de MPs, a começar pela proibição da reedição com a EC nº 32/2001
até se chegar à instrução obrigatória por comissão mista a partir de 2012. A
inclusão de nova instância decisória, a dispersão do processo, a especialização
dos debates e, principalmente, a multiplicação dos pontos de veto aumentaram
a participação e o poder de barganha dos parlamentares.
Se esse rito continuará sendo fonte de embates ainda é questão que deve ser
avaliada. Tanto no segundo governo Dilma quanto no início do governo Temer
observa-se a renovação dos acordos partidários para o rodízio nas relatorias, o
que indica que o mecanismo já está se consolidando. Certamente, com a inclusão
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
83
das comissões, há maior custo de aprovação das MPs. A incorporação desses
custos pelo governo e o processo de aprendizado institucional devem ser objeto
de análise futura.
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Anexo
Distribuição de relatorias no rito antigo (jan./2011 a fev./2012)
Câmara
Partido
Quantidade de
relatorias
Percentual de
relatorias
Percentual do
Plenário
PT
14
29%
17%
PMDB
8
17%
15%
PR
5
10%
8%
PCdoB
4
8%
3%
PP
4
8%
8%
PSB
3
6%
6%
PRB
2
4%
2%
PDT
2
4%
5%
PSC
2
4%
4%
PTB
1
2%
4%
PPS
2
4%
2%
PSDB
1
2%
10%
Fonte: Câmara dos Deputados.
Elaboração dos autores.
Senado
Partido
Quantidade de
relatorias
Percentual de
relatorias
Percentual do
Plenário
PMDB
15
33%
23%
Fortalecimento das comissões mistas: poder de
barganha e desgaste na coalizão a partir de 2012
87
Senado
Partido
Quantidade de
relatorias
Percentual de
relatorias
Percentual do
Plenário
PT
10
22%
19%
PTB
8
18%
7%
PCdoB
4
9%
2%
PR
4
9%
6%
PP
2
4%
6%
PSDB
2
4%
12%
Fonte: Senado Federal.
Elaboração dos autores.
Nota: A composição dos partidos foi considerada no dia 15/3/2011.
Média de dispositivos vetados por MPs aprovadas
(Teste da hipótese alternativa)
O coeficiente de correlação de Pearson foi empregado com vistas a verificar o
grau de relacionamento linear entre as variáveis “quantidade de vetos” e “percentual de alteração das MPs”.
Para tanto, testou-se a hipótese de correlação nula entre a quantidade de vetos e
o percentual de alteração das MPs durante todo o período.
As estatísticas de teste foram ρ = – 0,1, e o p – valor 0,392, o qual sugere fortemente a aceitação da hipótese de correlação nula a um nível de significância
de 5%. Ou seja, há evidências de que o coeficiente de correlação de Pearson
para as duas variáveis seja nulo e, portanto, inexistente o relacionamento linear
entre elas.
89
Tempo, estratégia e judicialização
da agenda legislativa: as reações
do Supremo Tribunal Federal aos
mandados de segurança originários
impetrados contra atos legislativos
Luis Felipe Andrade Barbosa
Ernani Carvalho
José Mário Wanderley Gomes Neto
Introdução
Parte significativa da doutrina política vem tecendo uma preocupação latente
sobre o tema do constitucionalismo e sua relação com os checks and balances19,
principalmente no que diz respeito à questão da judicialização da política . Nas
últimas duas décadas, vários trabalhos debruçam-se a respeito desta temática,
trazendo importantes contribuições sobre o protagonismo político do Poder
Judiciário nas democracias contemporâneas. (SWEET, 2000; HIRSCHL, 2008;
TAYLOR, 2008; CARVALHO, 2009; NEUBAUER et al., 2010).
Verifica-se que a literatura política brasileira tem explorado diversos aspectos
desse processo (TAYLOR, 2008; ARANTES, 2009; CARVALHO et al., 2016).
Contudo, esses trabalhos versam exclusivamente sobre as chamadas ações
constitucionais, principalmente sobre as ações diretas de inconstitucionalidade
19
Baseada na teoria da tripartição dos poderes do Barão de Montesquieu, os checks and balances –
ou sistema de freios e contrapesos – caracteriza-se como um mecanismo democrático criado para
impedir o abuso de poder, em que os ramos do governo tornam-se responsáveis pela vigilância da
atuação dos demais ramos, possuindo ferramentas formais de atuação.
90
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
(ADIs), consideradas como o principal mecanismo de atuação jurídica no contexto do controle de constitucionalidade20 (MENDES; BRANCO, 2015).
Ocorre que o desenho institucional brasileiro possui um mecanismo específico de interferência judicial na pauta do Congresso Nacional. O art. 102, I, d,
da Constituição Federal possibilita a impetração de mandado de segurança
perante o Supremo Tribunal Federal (STF) contra atos das Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal. Por seu turno, o art. 5º, LXX, a, da Carta
Magna prevê a legitimidade de propositura do mandado de segurança coletivo
para os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e para a
organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída
e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados. Tal previsão constitucional é reproduzida na sua regulamentação, de acordo com a regra prevista no art. 21 da Lei nº 12.016/2009.
O conceito de mandado de segurança está formalmente previsto no art. 5º, LIX
e LXX, da Constituição Federal, sendo entendido pelos constitucionalistas
como uma “especialização do direito de proteção judicial efetiva” (MENDES;
BRANCO, 2015, p. 440).
Relativamente aos partidos políticos, é pacífico o entendimento da literatura
constitucional, assim como do próprio Supremo Tribunal Federal,21 de que o
parlamentar pode propor adiamentos de discussões e/ou exclusões de projetos
por questões formais ou alegações de vícios de constitucionalidade – a exemplo
da inobservância de direitos fundamentais –, ficando a decisão a cargo do STF.
Contudo, resta latente uma discussão na Corte Constitucional acerca da possibilidade de controle sobre o procedimento utilizado pelo Poder Legislativo federal,
tendo como parâmetro o Regimento Interno das Casas do Congresso Nacional,
e o controle sobre o conteúdo dos atos – mais restrito e, na maioria das vezes,
20
As ações constitucionais são o principal mecanismo de defesa da Constituição no desenho constitucional brasileiro. A partir delas, é possível discutir a compatibilidade de uma lei ou ato normativo
frente aos dispositivos constitucionais. Por outro lado, os remédios constitucionais – gênero do
qual é espécie o mandado de segurança –, visam a assegurar direitos e garantias expressos na
Constituição Federal brasileira.
21
Para Gilmar Mendes e Paulo Branco (2015, p. 445), a hipótese corresponde a uma utilização especial do mandado de segurança, não sendo direcionada para assegurar direito líquido e certo de
parlamentar, mas para “resolver peculiar conflito de atribuições ou ‘conflito entre órgãos’”. Para
o STF, o remédio constitucional é utilizado pelo parlamentar para “coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo
legislativo constitucional”. (MS 24.642/2004).
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
91
negado pelos ministros, por se entender que tal apreciação trata a respeito de
matéria interna corporis.22
Mesmo diante da ampla utilização pelos atores deste instrumental na arena
judicial, denotando-se sua relevância para a ciência política por versar sobre a
interferência direta do Poder Judiciário sobre a formação/discussão da agenda
legislativa federal, observa-se que há poucos trabalhos que versam sobre o tema
no cenário nacional.
No Brasil, há alguns anos, houve grande discussão no cenário político a respeito
da interferência do Poder Judiciário na formação e execução da agenda do
Poder Legislativo federal, em face da proposição de novas regras de partilha de
royalties e participações especiais devidos em virtude da exploração de petróleo,
gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
Diante do Projeto de Lei (PL) nº 2.565/2011, que tratava sobre a temática exposta
acima, foi impetrado o Mandado de Segurança (MS) nº 31.816 pelo deputado
federal Alessandro Molon (PT/RJ), objetivando que o STF determinasse que
a Mesa da Câmara dos Deputados se abstivesse de examinar o veto parcial da
presidente da República, Dilma Rousseff, ao PL supramencionado. Salientou,
na oportunidade, que os procedimentos adotados pela deputada Rose de Freitas
(PMDB/ES), que presidiu a sessão do dia 12 de dezembro de 2012, aprovando o
regime de urgência do exame do veto presidencial, ignoraram o devido processo
legislativo ao descumprir dispositivos constitucionais e regras do Regimento
Comum do Congresso Nacional sobre a análise de vetos pelos Parlamentos.
Não obstante a mencionada utilização do remédio constitucional como mecanismo de controle da agenda legislativa federal, houve também a utilização
maciça deste instrumental em um dos momentos políticos mais sensíveis da
história recente do país: o processo de impedimento (impeachment) da presidente Dilma Roussef, com linhas delineadas em meados de 2015. Durante a
discussão da admissibilidade da instauração do processo, foram impetrados por
parlamentares governistas e da oposição uma série de mandados de segurança
que questionavam o rito processual do impedimento na Câmara dos Deputados.
22
Diferencia-se no caso um típico controle de legalidade, baseado nas normas existentes nos
Regimentos Internos das Casas Legislativas, de um controle do mérito dos atos, que versa sobre
a interpretação e a aplicação dos respectivos Regimentos, conforme precedentes do próprio STF
(MS 23.388, MS 24.356 e MS 26.074).
92
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Um dos mais significativos mandados de segurança ocorreu, porém, após a
votação pela admissibilidade da instauração do processo de impedimento. No
MS nº 34.193, parlamentares governistas questionaram a atuação viciada e
o interesse pessoal do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha (PMDB/RJ), na admissibilidade do processo, ressaltando-se uma série
de atos que denotavam possível desvio de poder e que não se adequavam ao
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que regulamenta o rito formal a
ser observado.
Diante de uma gama significativa de mandados de segurança impetrados,
observou-se, durante este período, posicionamentos diversos e divergentes entre
os próprios ministros do STF, destacando-se momentos de possível ativismo
judicial e de inegável autorrestrição (autocontenção) da Corte sobre a apreciação da agenda legislativa.
O tempo de resposta para os mandados de segurança seguiu a média – em decisões liminares, a Corte costuma se manifestar em 48 dias, independentemente
do autor e da matéria discutida (FALCÃO; HARTMAN; CHAVES, 2014,
p. 33). Considerando-se a urgência, a importância do tema e o clima de conflito
político do país, questiona-se a efetividade de decisões extemporâneas acerca
do debate legislativo travado.
Tais exemplos ilustram a importância da utilização do instrumento pelos
parlamentares, que preferem a participação do Poder Judiciário na condução
dos seus trabalhos internos, reforçando-se o relevante papel político exercido
pelo Supremo Tribunal Federal no controle da agenda do Poder Legislativo
Federal e das escolhas sobre o momento para se discutir as demandas que
versam sobre a pauta legislativa, o que delineia um possível comportamento
estratégico dos ministros.
Para os propósitos deste trabalho, é importante destacar o tempo de resposta
aos mandados de segurança impetrados por partidos e parlamentares sobre a
pauta legislativa, ou seja, em que momentos o STF responde a tais demandas,
em sede liminar, de forma a interferir ou não na construção e/ou execução da
agenda legislativa federal.
Dessa forma, procura-se observar o tempo de resposta do Supremo Tribunal
Federal nos casos que versam sobre possíveis intervenções na agenda do
Congresso Nacional, através da análise dos dados referentes aos mandados de
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
93
segurança impetrados contra a agenda legislativa, que contemplam desde atos
dos presidentes e das Mesas diretoras das duas Casas do Congresso Nacional,
que tenham por objeto a tramitação de projetos de lei (Projeto de Emenda
Constitucional – PEC, Projeto de Lei Complementar – PLC, Projeto de Lei
Ordinária – PLO etc.), bem como atos das Comissões Especiais e discussões
sobre a manutenção de direitos e garantias constitucionais dos parlamentares.
Entende-se como relevante compreender o comportamento e o momento escolhido pelo Supremo ao decidir sobre os mandados de segurança impetrados por
partidos e parlamentares contra tais atos legislativos, interferindo na execução
e na formação da agenda (pauta) do Legislativo federal, a partir de variáveis
categóricas colhidas nas respectivas decisões, submetidas à análise por estatística descritiva e regressão logística binária. Para tanto, valendo-se de um
recorte temporal dos mandados de segurança impetrados de 1987 a julho de
2017, testam-se as hipóteses de que a identidade partidária dos Requerentes
não exerce influência sobre o tempo de resposta das decisões liminares (H0),
assim como de que os juízes decidem pensando nos resultados dos mandados
de segurança, refletindo-se um comportamento estratégico dos mesmos (H1).
Trata-se, por fim, de uma abordagem inovadora, pois trabalha com a relação
entre os Poderes Legislativo e Judiciário, abordando temas clássicos da ciência
política: formação da agenda e modelos decisórios.
O panorama da judicialização da política e a inclusão dos
mandados de segurança na análise
Um dos mais recentes artigos sobre o tema da judicialização da política concebe o mesmo mediante uma abordagem mais ampla, versando sobre decisões
judiciais que possuem grande impacto na vida política de um país.23 Neste trabalho, Hirschl (2008) analisa a natureza e o alcance do novo nível da política
judicializada, bem como apresenta estudos recentes que avançam no sentido
de fornecer uma explicação realista sobre o fenômeno em tela. Aponta, assim,
para uma construção baseada em três níveis de judicialização, iniciando pela
expansão no que concerne à determinação das políticas públicas, passando
23
A respeito do processo em tela, Hirschl (2008, p. 94) denomina de judicialização da megapolítica.
94
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
pela ampliação do alcance da fiscalização administrativa do Judiciário, através da proliferação de agências administrativas no Estado social moderno, e
chegando à atribuição de confiança a juízes e tribunais para lidar com as questões atinentes à mega-política.
O Judiciário passa a atuar em diversas questões antes alheias às funções primárias da jurisdição, desde questões atinentes ao processo democrático, às questões
sobre as competências administrativas e legislativas dos outros Poderes. Há,
nesta transposição institucional de atividades, a estratégia do blame deflection,
onde os políticos transferem a decisão ao Judiciário se avaliam que esta delegação pode aumentar seu crédito ou reduzir os custos políticos e eleitorais
(principalmente) advindos daquela decisão.
Ao provocar decisões do Poder Judiciário em favor de suas preferências políticas individuais e coletivas, os atores buscam conter as mudanças de trajetória
ou restaurar o equilíbrio de forças, naquilo que Dahl (1956) compreende como
a instrumentalização da revisão judicial para a partilha institucional de poder
entre os grupos e atores.
Neste cenário, a Constituição Federal brasileira proporcionou um forte instrumental institucional para proteção judicial dos interesses políticos dos atores
legitimados (CARVALHO, 2010; BARBOSA, 2012; VIANNA et al., 2007),
a exemplo daqueles atores políticos autorizados a impetrar mandados de segurança no ambiente do STF, os partidos políticos.
Os grupos políticos, dentre os quais os partidos políticos, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil e outros grupos institucionalizados, são atores
que buscam ampliar a sua influência no processo decisório, pela via excepcional
da revisão judicial (CARVALHO; BARBOSA; GOMES NETO, 2014) – neste
caso, via revisão difusa, pelos mandados de segurança.
Outros trabalhos ainda apontam que o instrumental das ações constitucionais
viabiliza que alguns atores, a exemplo dos partidos políticos minoritários, busquem a proteção de sua agenda contra a atividade de maiorias parlamentares, provocando decisões do Poder Judiciário para proteger suas preferências
das maiorias legislativas (MCCUBBINS et al., 1987; 1989; MCNOLLGAST,
1992).
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
95
Ainda neste cenário, destacam-se algumas situações de atuação contra majoritária, na qual o objetivo da participação dos atores essencialmente políticos na
revisão judicial abstrata é de postergação, ou seja, de conflito político. Ou seja,
há uma propensão e incentivos institucionais para uma ampla judicialização do
debate político (CARVALHO, 2006).
Neste sentido, mesmo perdendo na seara legislativa, a oposição utiliza-se
da prerrogativa dada pelo artigo 103 da Constituição Federal para provocar
decisões judiciais sobre a constitucionalidade das políticas aprovadas no Poder
Legislativo, gerando custos políticos para os partidos da base governamental
(TAYLOR; DA ROS, 2008). Este processo é conhecido pela doutrina política
como police-seeking approach, significando a expansão da jurisdição constitucional sobre o policy-making governamental.
Mas qual seria o panorama a respeito da instrumentalização dos mandados de
segurança impetrados contra atos legislativos do Congresso Nacional?
Neste particular, em relação à atuação e ao comportamento decisório do Poder
Judiciário, é relevante destacar o estado da arte acerca teoria sobre o comportamento judicial, notadamente a respeito dos três principais modelos formais
explicativos das decisões judiciais, tal como disseminados na literatura sobre
o tema.
Inicialmente, o modelo legalista é relacionado a uma abordagem normativa e
argumenta em linhas gerais que o comportamento judicial se restringe pela lei
e pelo Direito, baseando-se sua análise em méritos exclusivamente jurídicos
(BAUM, 1997).
Já para o modelo atitudinal, os juízes decidem de acordo com as suas preferências políticas individuais, sendo identificáveis através de preferências quantificáveis, a partir de valores e ideologias categorizadas e arranjadas matematicamente ao longo de uma escala convencional (GILLMAN;
CLAYTON, 1999).
Baum (1997) argumenta que, para um modelo atitudinal puro, em termos de
escolha racional, juízes atuam sinceramente (ou ingenuamente), ao invés
de estrategicamente: eles atuariam diretamente em favor da realização das
políticas públicas que melhor refletem suas preferências originais, sem qualquer cálculo referente às consequências de suas escolhas.
96
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Para este modelo,
[...] as decisões judiciais são melhor explicadas pelas preferências políticas
trazidas para cada caso. A maioria dos estudos tentam testar a teoria inferindo
as preferências políticas dos juízes a partir do partido político do presidente
que os indicou, embora reconheçam se tratar de um proxy ainda em estado
bruto (POSNER, 2008, p. 20).
Portanto, a variável partidária é uma proxy usual para a identificação da influência
ideológica sobre o julgamento a ser realizado pelos Tribunais, especialmente em
se tratando de Tribunais Superiores e de Cortes Constitucionais. As respostas
que os juízes e as Cortes oferecem diante dos conflitos politicamente relevantes
que lhes são apresentados, notadamente naqueles em que há identidade com a
pauta de certos interesses e ideologias, podem trazer interessantes explicações
para o comportamento judicial e para a relação interativa entre os Poderes constituídos, especialmente entre o Legislativo e o Judiciário.
Tais variáveis são utilizadas para classificar os julgadores segundo tendências
ideológicas e tentar prever a probabilidade individual do conteúdo de cada voto
dos integrantes de um órgão judicial, em casos de relevância política, estar, ou
não, alinhado com as preferências do partido político responsável por sua indicação (GOMES NETO, 2012, p. 109).
Por outro lado, para o modelo estratégico, o juiz adota estratégias para chegar
aos seus objetivos, uma vez que considera a existência de várias restrições
externas ao seu comportamento. Neste sentido, como clara decorrência da
Teoria da Escolha Racional, os magistrados levam em consideração a reação de
todos os agentes no processo jurídico-político, seja no âmbito interno ou externo
dos Tribunais, adotando uma conduta estratégica para atingir seus objetivos
(POSNER, 2010).
No que tange especificamente ao mandado de segurança, espécie de remédio
constitucional, trata-se basicamente de uma forma de tutela jurisdicional dos direitos subjetivos ameaçados ou violados por uma autoridade pública ou no exercício de uma função pública (NOVELINO, 2015), que em sede liminar demanda
um raciocínio de urgência da medida. A Constituição Federal define o seu campo
de abrangência, sendo sua instrumentalização disciplinada pela Lei nº 1.533, de
31 de dezembro de 1951, com as alterações promovidas pela Lei nº 12.016, de 7
de agosto de 2009.
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
97
Entretanto, na literatura política nacional não há trabalhos que versem sobre a
articulação de interesses dos atores políticos e os tempos de resposta (variável
de natureza estratégica), em termos de interferência política na agenda legislativa federal, a partir da utilização de mandados de segurança coletivos impetrados por partidos e parlamentares no Supremo Tribunal Federal contra atos
legislativos. Considera-se, sobretudo, este instrumental como um efetivo mecanismo de controle político da atividade legislativa, a nível federal.
Mandados de segurança originários do STF impetrados
contra atos legislativos: metodologia de análise
Diante do panorama apresentado, verifica-se a importância da compreensão de
como se processa a excepcional intervenção do STF na agenda do Congresso
Nacional, a partir da instrumentalização dos mandados de segurança contra a
agenda legislativa.
Com este propósito, a base de dados utilizada nesta pesquisa trata da população
de mandados de segurança visando à rediscussão de questões próprias da arena
legislativa, inicialmente em sede liminar, sendo definido (0) para os casos onde
a liminar do mandado de segurança fora negada e (1) quando a liminar do
mandado de segurança fora concedida, tendo como recorte temporal o período
compreendido entre janeiro de 1987 a julho de 2017 e considerando-se aqueles
remédios constitucionais em que os requerentes são partidos e parlamentares
no Congresso Nacional no momento de sua propositura ou o(a) presidente da
República, em relação à questões envolvendo o processo de impedimento.
As duas categorias citadas compõem a variável dependente (resultado) onde se
busca mensurar a interferência da Suprema Corte na agenda legislativa federal,
visto que depende do valor de outra medida variável. Por seu turno, como variáveis independentes são considerados a quantidade de dias sem decisão liminar,
o período presidencial, o ano de impetração do MS, o tipo de decisão – monocrática ou colegiada, o requerente – deputado ou senador, o partido político do
requerente, o alinhamento partidário do requerente com o Governo, o presidente
da Casa legislativa e o ministro-relator do MS.
98
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
É importante ressaltar que o presente trabalho optou por não testar o modelo
legalista, tendo em vista que a eleição de variáveis se restringe à interferência
das variáveis independentes “procedimento” e “direitos e garantias fundamentais” para uma tomada de decisão pelo STF em sede de mandado de segurança.
Ou seja, há apenas a possibilidade de identificação dos chamados “motivos
técnicos” pelos quais o parlamentar impetrou o mandado de segurança, sem
repercussão para os fins do trabalho.
Ademais, como a eleição da variável tempo de resposta é ponto fundamental
na lógica de urgência do mandado de segurança, procura-se identificar empiricamente quais seriam os incentivos estratégicos que estão associados a uma
decisão liminar favorável pelos ministros do STF, em sede de mandado de segurança contra atos legislativos.
Todos os dados necessários para a construção da base de dados do trabalho estão
disponíveis no sítio do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br), através de
consulta à aba “Processos → Acompanhamento Processual”, valendo-se dos
critérios de pesquisa “presidente da Câmara dos Deputados”, presidente da
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados”, “presidente do Senado Federal”,
“presidente da Mesa Diretora do Senado Federal”. A partir destes critérios, foi
possível ter acesso ao universo dos mandados de segurança impetrados contra
atos das Mesas das Casas Legislativas e das diversas Comissões, que visam a
interferir na agenda legislativa, totalizando-se, até a última análise, 161 casos.
Não obstante o levantamento dos dados especificados, o trabalho destaca sua
atenção para uma questão central no que se refere à melhoria da qualidade dos
dados: podem ocorrer questões futuras que despertem o interesse da pesquisa.
(KING et al., 1994).
Por fim, é importante destacar que trabalhos relevantes sobre o comportamento
judicial sinalizam para a importância da utilização da regressão logística e da
estatística descritiva para a compreensão de dados categóricos. (EPSTEIN et al.,
2013; EPSTEIN; MARTIN, 2014).
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
99
Judicializando a agenda legislativa: o que o tempo
de resposta (nos pedidos liminares em MS contra
atos legislativos) nos diz sobre o comportamento
dos ministros do STF?
“O Supremo seria um tribunal político não apenas porque concorda ou discorda do Executivo ou do Congresso. Mas antes porque controla o tempo de
concordar ou discordar” (FALCÃO, 2015, p. 93).
Nas questões atinentes à interpretação e à aplicação dos Regimentos Internos
das Casas legislativas, bem como naquelas relativas aos atos legislativos em
sentido estrito, o Supremo Tribunal Federal, via de regra, considera os litígios a
elas relacionados como matéria interna corporis, da alçada exclusiva da respectiva Casa e insuscetível de revisão judicial (v.g., MS nº 23.388; MS nº 24.356;
MS nº 22.494; MS nº 26.074). Trata-se de uma delimitação temática, portanto,
que inibe a possibilidade de intervenção do Tribunal nas deliberações tomadas
pelos órgãos diretivos das Casas do Congresso Nacional.
Se, de um lado, encontramos no STF vários pontos de ativismo judicial das mais
variadas intensidades, indicando um comportamento dos Ministros que, baseado
ou não em preferências ideológicas do juiz, vai além dos limites das suas atribuições primárias; noutro lado, vê-se também pontos de autorrestrição judicial
(também chamada autocontenção), em que os órgãos judiciais apresentam os
mais diversos argumentos para não invalidar os atos a eles submetidos via judicialização, recusando-se, ao exercício do poder que lhe foi institucionalmente
atribuído, de forma a inviabilizar tentativas de interferências diretas deste poder
em relação ao Executivo e ao Legislativo.
Em matéria interna corporis, a Corte, de modo geral, tem “[…] em perspectiva
a regra de autocontenção que lhe impede de invadir a esfera reservada à decisão
política dos dois outros Poderes, […]” (STF, MS n. 25.579, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJe de 23/8/2007). Tal postura prestigia o Poder Legislativo como
instituição e sinaliza no sentido de resgatar a legitimidade de suas deliberações,
equalizando a distribuição de poderes institucionais, a afetar a dinâmica interativa entre os órgãos da União, que caracteriza o sistema de freios e contrapesos
presente no desenho constitucional brasileiro.
100
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Em trabalho recente sobre o tema, Flávia Danielle Santiago Lima (2016, p. 323)
adverte para a prática de verdadeiro controle preventivo de constitucionalidade
pelo STF, pontuando-se os contornos de ativismo judicial mediante a utilização
do instrumento processual do mandado de segurança, porém cujo resultado prático é de autocontenção, diante de aparente entendimento consolidado de que
não é possível a interferência da Corte “em questões interna corporis das Casas
Legislativas” (LIMA, 2016, p. 134).
Entretanto, diante deste entendimento, o que levaria os ministros do STF a
emitir decisões liminares favoráveis, em curtos períodos de tempo? De uma
análise inicial dos mandados de segurança identificados que foram impetrados por partidos políticos e parlamentares em face de atos do Legislativo,
verificam-se alguns casos com decisão liminar favorável, em curtos espaços de tempo.
Em um cenário em que o Judiciário brasileiro assumiu um papel de protagonista
na arena política (TAYLOR, 2008; VIANNA et al., 2007; CARVALHO, 2006
e 2010), seja em virtude de seu empoderamento institucional, seja pelo enfraquecimento de outras instituições, ou seja, em virtude do seu natural papel de
árbitro nos conflitos de natureza pública, verifica-se duas trajetórias relevantes,
que demandam análises institucionais aprofundadas dos fatores que influenciam
a Corte, num dado momento histórico, ora a não decidir, ora a decidir, acerca da
agenda legislativa do Congresso Nacional.
Inicialmente, verifica-se uma relevante característica acerca do objeto de análise: na série temporal, há um crescente no número de mandados de segurança
impetrados pelos atores políticos considerados.
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
101
Figura 1
Quantidade de MS impetrados contra atos legislativos entre jan./1987 e jul./2017
Fonte: elaboração dos autores com base em dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Em linhas gerais, os números apontam um acréscimo na utilização da classe
processual mandado de segurança contra atos legislativos, neste século, principalmente em momentos reconhecidamente de instabilidade política, onde o
conflito político é mais intenso, como se identifica, na série temporal, a partir
do ano de 2003.
Os números identificados nos anos de 2016 e 2017 (parciais) são extremamente significativos, denotando-se a importância da discussão da instrumentalização do mecanismo em termos de judicialização da política. Aparentemente,
observa-se que há recentes incentivos institucionais para o debate sobre a
agenda legislativa no Supremo Tribunal Federal.
Especificamente a respeito do ano de 2016, tem-se claro o debate travado especialmente em relação ao rito do processo de impedimento da então presidente Dilma Rousseff (PT), a partir do recebimento do pedido de impedimento,
realizado pelo presidente da Câmara dos Deputados à época, Eduardo Cunha
(PMDB/RJ). Neste sentido, o debate na arena judicial sobre atos legislativos
é favorecido pelos atos perpetrados pelo presidente da Casa legislativa em
102
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
questão, o que gerou uma série de questionamentos dos principais líderes da coalizão governamental, na tentativa de inviabilizar judicialmente o impedimento.
Em relação ao ano de 2017, aponta-se para a utilização maciça do instrumental como estratégia de enfrentamento político da oposição contra a maioria
conquistada pelo Governo Temer, que passa a ter importantes vitórias em
termos de propostas legislativas apresentadas no Congresso Nacional. Contudo,
este cenário ainda será confirmado ao longo do ano de 2017.
Mas estes dados isolados não dialogam com a realidade que se apresenta, de
contornos mais profundos. Para o debate, é importante perceber qual o grau
de responsividade do Supremo Tribunal Federal em relação aos mandados de
segurança impetrados contra a agenda legislativa federal. Em termos universais, verifica-se que a posição da Corte se mantém na perspectiva autocontida,
apreciando-se em sede liminar apenas 11% dos MS impetrados, o que aponta
para a manutenção do entendimento da não interferência sobre questões tipicamente interna corporis do Congresso Nacional, conforme gráfico abaixo:
Figura 2
Descrição das decisões liminares em sede de MS impetrados em
face de atos legislativos
Fonte: elaboração dos autores com base em dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Identifica-se que o número de MS contra a agenda legislativa, cujos pedidos
foram deferidos em sede liminar, é ínfimo se comparado ao universo de remé-
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
103
dios impetrados pelos parlamentares, partidos políticos ou pelo presidente da
República, representando-se um percentual de apenas 11%.
Mesmo diante de tal cenário, partindo-se da premissa que a regra geral é a consideração de que as matérias interna corporis das Casas legislativas não podem ser
enfrentadas pelo STF, resta uma consideração importante: o que levou a Corte
a conceder a liminar em determinados casos, indo de encontro à sua posição
aparentemente consolidada em termos de autocontenção a respeito da agenda
legislativa?
Figura 3
Descrição dos MS impetrados e deferidos em face de atos legislativos
Comparativo entre MS impetrados e deferidos
30
25
20
15
10
5
0
1985
1990
1995
2000
Quatidade MS impetrados
2005
2010
2015
2020
MS Deferidos
Fonte: elaboração dos autores com base em dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Observa-se na figura 3 a concessão pontual de mandados de segurança, com
acréscimo interessante no panorama durante os momentos considerados de
instabilidade político-institucional, onde há diálogos intensos entre os Poderes
constituídos. Neste panorama, fica evidente a importância da análise sobre o que
levou a uma decisão judicial favorável acerca da agenda legislativa.
Ademais, um dado chama a atenção na análise: em que pese haver a média
de 185,63 dias para uma decisão da Corte nos referidos processos contra atos
104
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
legislativos, há, por outro lado, um número significativo de decisões proferidas
no intervalo de 24 horas após a distribuição do MS, representando-se um percentual de 26,7% do total dos casos analisados, de acordo com as informações
abaixo:
Figura 4
Tempo das decisões liminares em sede de MS impetrados em face de atos legislativos
Fonte: elaboração dos autores com base em dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
O tempo médio para concessão de uma decisão nos MS impetrados em face de
atos legislativos é significativamente superior ao encontrado no III Relatório
Supremo em Números (FALCÃO; HARTMAN; CHAVES, 2014, p. 33), que
aponta para uma média geral até a decisão liminar no STF (1988-2013) correspondente a 48 dias para a classe processual mandado de segurança. Contudo, os
aspectos mais relevantes sobre este panorama temporal e a ausência de decisão
podem ser expressos a seguir:
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
105
Figura 5
Tempo sem decisão em sede de MS impetrados em face de atos legislativos
Fonte: elaboração dos autores com base em dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Na figura 5, as três colunas apresentam tempos distintos de resposta do STF.
A primeira coluna apresenta as decisões proferidas em um intervalo de 24 horas,
totalizando o número de 43 mandados de segurança (26,7%); por sua vez, a
segunda coluna apresenta as decisões proferidas em um intervalo de 12 dias,
totalizando 81 casos (50,30%); por fim, a terceira coluna demonstra que em
72% dos casos analisados, a decisão é proferida em um intervalo de até 49 dias.
Ao se realizar uma comparação com os dados levantados pelo III Relatório
Supremo em Números (FALCÃO; HARTMAN; CHAVES, 2014, p. 33), observa-se que parte significativa das decisões liminares sobre mandados de segurança
que versam sobre a agenda legislativa se encontram no intervalo da média geral
apresentada no referido relatório.
Entretanto, partindo-se da premissa de que os mandados de segurança são
instrumentalizados segundo um regime de urgência, os resultados apontados,
levando-se em consideração a variável tempo, mostram a sua baixa efetividade
como regra geral. Visualizou-se na figura 1 que, dos números totais analisados,
apenas 17 casos foram concedidos em sede liminar, em um intervalo de até
49 dias. Tal panorama é extremamente relevante, tendo em vista que:
106
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
[...] no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o tempo aparece como uma
variável explicativa relevante das decisões judiciais (variável dependente),
que muito nos mostra sobre o comportamento estratégico dos Juízes membros daquele órgão: mudanças de trajetória, acelerando ou retardando a apreciação de questões, bem como pontos fora da curva (outliers) processos cujas
decisões ocorreram em prazos de tempo notadamente mais lentos ou muito
mais rápidos em comparação com a média dos processos de mesma natureza,
podem esclarecer sobre as estratégias que são consideradas no momento do
julgamento (LIMA; GOMES, 2017, p. 14).
Registre-se que o natural é a alegação de plano de que a questão é de natureza
interna corporis, como se percebe no número significativo de liminares indeferidas sobre atos legislativos, julgamento em momento futuro ou decisão por
não conhecimento do MS – em um total de 143 casos.
Não obstante, há a necessidade de destaque para alguns casos que fugiram à lógica da autocontenção supostamente propagada pela Corte, a respeito de atos legislativos, ao se verificar a concessão de medida liminar em um curto intervalo
de tempo,24 totalizando 13 casos (MS nº 21.564, MS nº 21.793, MS nº 22.503,
MS nº 25.004, MS nº 25.539, MS nº 25.906, MS nº 26.307, MS nº 26.900,
MS nº 31.816, MS nº 32.033, MS nº 33.952, MS nº 34.562, MS nº 34.907). Os
resultados observados contemplam, inclusive, períodos distintos em termos de
composição do STF, variando entre os anos de 1992 a 2017.
Mas sobre o que versam tais mandados de segurança, a ponto de alterar uma
lógica maciçamente propensa à autocontenção, seja expressamente alegando
a questão interna corporis, não conhecendo do remédio constitucional ou
deixando a decisão para outro momento, em que o debate não se encontra mais
na agenda das discussões políticas?
Um dos exemplos observados de instrumentalização do remédio constitucional
versa sobre a suspensão da impossibilidade de registro de filiações a deputados
do PSD por ato da Mesa da Câmara dos Deputados (MS nº 21.793), que afetaria
o direito líquido e certo do parlamentar exercer sua atividade; neste contexto, o
STF concedeu, no prazo de 24 horas, liminar ao impetrante para que exercesse
24
Para os propósitos da análise, partindo-se da lógica de urgência do mandado de segurança,
considera-se curto intervalo de tempo o primeiro período considerado na Figura 4, correspondente
a até 12 dias para resposta do STF. Neste sentido, assume-se que o intervalo é apropriado para que
a medida liminar tenha efeitos de ordem prática no contexto dos atos legislativos.
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
107
suas atividades parlamentares, através da apresentação de emendas, interferindo
substancialmente nas nuances internas da produção legislativa.
Como ponto de convergência a este fato, verifica-se também decisão do STF
sobre atos legislativos em procedimentos adotados no seio de Conselhos e
Comissões das Casas Legislativas, julgando-se favoravelmente à supressão de
documentos, tendo em vista a necessidade de se resguardar o direito de defesa
do parlamentar, constitucionalmente assegurado (MS nº 25.647; MS nº 25.539;
MS nº 26.441; MS nº 26.900; MS nº 32.033; MS nº 33.952; MS nº 34.588).
Outro exemplo deste panorama versa sobre liminar deferida acerca de tramitação de emenda constitucional (MS nº 22.503), em que o STF possui entendimento interessante da linha que separa atos tipicamente interna corporis, afetos
exclusivamente às Casas legislativas, de atos que possuem “verdadeira natureza
constitucional”, passíveis de análise da Corte, conforme trecho da decisão do
ministro Marco Aurélio:
Inicialmente, consigno que a hipótese está distanciada do campo relativo aos
atos interna corporis. Em discussão não se fazem assuntos ligados à economia interna da Câmara dos Deputados, nem procedimento circunscrito ao
âmbito da conveniência política, da discricionariedade. Evoca-se, na inicial
deste mandado de segurança, o desprezo ao processo legislativo, que possui
regência de estatura constitucional, sendo marcante os preceitos insculpidos
nos artigos 59 a 69 da Carta Política da República. A expressão “processo
legislativo” é conducente a presumir-se a organicidade e esta é balizada pelas
normas em vigor.
Percebe-se, assim, que se define uma diferenciação entre “atos internos” das
Casas legislativas, regulamentados objetivamente nos seus Regimentos Internos,
do chamado “processo legislativo”, viabilizando-se a interferência da Corte
nestes casos, dada a sua magnitude e repercussão constitucional. Esta argumentação em termos da magnitude constitucional do processo legislativo, que
deve ser preservada pelo STF, também é observada em liminar deferida contra
a análise de veto presidencial sobre a distribuição dos royalties de petróleo e
hidrocarbonetos fluidos, em regime de urgência, diante da necessidade de observância do regular processo legislativo (MS nº 31.816).
Sobre a agenda legislativa, ainda é interessante pontuar decisões céleres em
sede liminar que têm o condão de suspender a tramitação de projetos de lei,
108
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
ordenando-se as casas legislativas a observar os trâmites previstos nos preceitos
constitucionais (MS nº 34.562; MS nº 34.697).
Em síntese, as liminares concedidas em curto período de tempo versam substancialmente sobre dois pontos focais: a) preservação de “direitos e garantias
fundamentais dos parlamentares”; b) observância do “devido processo legislativo constitucional”. Portanto, destaca-se que ambos os pontos possuem um
pilar claramente alçado a nível constitucional, passível de leitura interpretativa
dos ministros do STF.
Figura 6
Temas das decisões liminares em MS impetrados em face de atos legislativos
Temas das decisões liminares concedidas
Direitos e garantias fundamentais
Devido processo legislativo constitucional
Fonte: dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Elaboração dos autores.
Em relação ao denominado “processo legislativo constitucional”, há entendimento consolidado da Corte sobre a sua conceituação, formalizada nos autos do
MS nº 24.642/DF, de relatoria do ministro Carlos Velloso:
CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO: CONTROLE JUDICIAL.
MANDADO DE SEGURANÇA.
I – O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação
de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo
legislativo constitucional. Legitimidade ativa do parlamentar, apenas.
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
109
II – Precedentes do STF: MS 20.257/DF, ministro Moreira Alves (leading
case), RTJ 99/1031; MS 21.642/DF, ministro Celso de Mello, RDA 191/200;
MS 21.303-AgR/DF, ministro Octavio Gallotti, RTJ 139/783; MS 24.356/DF,
ministro Carlos Velloso, ‘DJ’ de 12.09.2003.
III – Inocorrência, no caso, de ofensa ao processo legislativo, C.F., art. 60,
§ 2º, por isso que, no texto aprovado em 1º turno, houve, simplesmente,
pela Comissão Especial, correção da redação aprovada, com a supressão
da expressão ‘se inferior’, expressão dispensável, dada a impossibilidade
de a remuneração dos Prefeitos ser superior à dos Ministros do Supremo
Tribunal Federal.
IV – Mandado de Segurança indeferido. (grifos nossos)
Entretanto, a justificativa, por si só, é incipiente se for levado em consideração
o universo de mandados de segurança impetrados contra atos legislativos.
Verificam-se vários mandados em que o cerne da questão versa formalmente
sobre pontos abordados em liminares concedidas, anteriormente mencionadas,
mas que simplesmente são negadas mediante a roupagem jurídica de atos
interna corporis, ou seja, de interpretação exclusiva de normas regimentais (MS
nº 34.764; MS nº 34.802) ou que o cerne da discussão acaba se propagando no
tempo sem decisão, restando prejudicada (MS nº 27.858).
Neste panorama, que fatores influenciam para uma decisão célere dos ministros
do STF? Um dos testes possíveis versa sobre a possibilidade do resultado favorável em termos de alinhamento partidário. Contudo, os dados apontam que não
há resultados estatisticamente relevantes em termos de tal alinhamento:
110
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Figura 7
Alinhamento partidário do impetrante em MS impetrados em face de atos legislativos
Fonte: dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Elaboração dos autores.
Ou seja, observa-se que o fato de o impetrante integrar bancada da situação
ou oposição em termos de alinhamento partidário ao presidente da Casa legislativa não interfere estatisticamente no deferimento da medida liminar.
Analisando-se os casos, identifica-se a argumentação baseada na sinalização da
dicotomia existente entre “matéria interna corporis” e “devido processo legislativo constitucional”.
Contudo, depreende-se que tais institutos são corporificados através de um viés
nitidamente subjetivo, dado que os casos concretos demonstram linhas tênues
na consideração do que seriam os seus contornos principais. Esta situação parece favorecer uma lógica de “11 ilhas”, na qual cada ministro possui margem
de discricionariedade para identificar determinado panorama no caso concreto,
como corolário de uma verdadeira sensibilidade constitucional para cada questão
posta à apreciação da Corte (vide MS nº 31.816; MS nº 34.562; MS nº 34.907).
Diante da realidade consideravelmente pouco efetiva, por que persistir na instrumentalização do MS em face de atos legislativos, se o nível de aproveitamento
é baixo e o tempo de resposta do STF não está adequado à urgência da medida?
Por outro lado, o que o tempo decisório nestas hipóteses nos mostra acerca do
comportamento judicial estratégico?
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
111
Aparentemente, a identificação da interpretação do viés subjetivo dos ministros
quanto às questões apreciadas pode mover deputados e senadores a provocar
decisões do Supremo Tribunal Federal sobre atos legislativos, em que pese a
inegável oportunidade oferecida de transferência do poder decisório ao Poder
Judiciário. Por outro lado, o motivo pode residir, especificamente para os partidos políticos, na necessidade de manutenção da agenda política das bancadas
em evidência, dados os baixos índices de aproveitamento decisório de temas
levados à apreciação do STF, mas de repercussões midiáticas efetivas.
Em linhas gerais, para os atores partidários, confirma-se a estratégia política da
manutenção da agenda no debate nacional, com os partidos minoritários mantendo viva a discussão da questão, marcando, publicamente, através de todos
os meios possíveis, o seu posicionamento político. (TAYLOR; DA ROS, 2008).
Para o STF, a instrumentalização é importante em termos de ganhos políticos
da Corte, dado que os próprios atores partidários demandam decisões dos ministros sobre assuntos íntimos da seara legislativa federal. Não obstante um
posicionamento formal autocontido, em situações específicas o Supremo “decide por interferir” nos atos legislativos. Contudo, os critérios de eleição para
tal interferência assumem feições nitidamente interpretativas sobre a essência
constitucional da questão, submetida via mandado de segurança.
Considerações Finais
Os estudos da Ciência Política contemporânea têm demonstrado um nível de
judicialização significativo no mundo, especialmente nos países que passaram
recentemente por um processo de redemocratização, considerando-se o relevante
protagonismo político do Poder Judiciário, especialmente na América Latina.
No Brasil, os estudos versam quase que exclusivamente sobre as chamadas
“ações constitucionais”, tendo em vista o seu importante papel no controle de
constitucionalidade, conforme observado na Constituição Federal. Contudo, há
outros mecanismos plenamente relevantes, que apontam para graus significativos de judicialização do debate político.
Neste panorama, encontra-se o mandado de segurança, remédio constitucional
previsto na Constituição e na Lei nº 12.016/2009, que sistematicamente tem sido
112
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
utilizado por parlamentares e partidos políticos na esfera federal para submeter
questões a respeito de atos legislativos ao Supremo Tribunal Federal.
Na série temporal analisada (1987-2017), observam-se pontos de ebulição em
termos de utilização do instrumental e uma mudança clara de comportamento
parlamentar aparentemente associados a momentos de instabilidade política, ou
seja, clivagens críticas que precisam ser melhor compreendidas. Este cenário é
visível a partir do ano de 2003. Ademais, são identificados números cada vez
mais expressivos nos anos de 2016 e 2017 (parcial), que reforçam a necessidade
de estudos aprofundados sobre este novo panorama.
Ocorre que, no cenário dos mandados de segurança, a lógica é nitidamente diferente daquela observada nas ações constitucionais do judicial review: a urgência
da medida é ponto determinante para a discussão na Corte Constitucional.
Ademais, o mecanismo é empregado para a discussão de decisões adotadas no
interior das Casas Legislativas, o que depreende uma análise da possibilidade
jurídica da questão, frente aos preceitos constitucionais.
Dessa forma, verifica-se a centralidade da discussão a respeito dos tempos
de resposta dados pelos Ministros do STF sobre as questões submetidas via
mandado de segurança contra atos legislativos, valendo-se especialmente das
decisões emitidas em sede liminar – mais adequada à própria lógica do raciocínio da urgência. Ou seja, o tempo é absolutamente relevante para identificar
um possível comportamento estratégico dos ministros do STF.
A partir da identificação do universo de mandados de segurança impetrados por
parlamentares e partidos políticos contra atos legislativos, é interessante apontar
que as decisões liminares concedidas representam um percentual de 11% dos
casos, de um total de 50,3% dos casos analisados em um curto intervalo de
tempo, considerado para fins deste trabalho o período de até 12 dias para emissão
da decisão liminar.
Em meio a este panorama, observam-se dois pontos centrais que viabilizam
a tomada de decisão do STF sobre decisão já adotada pela Casa Legislativa:
questões envolvendo (a) direitos e garantias fundamentais dos parlamentares; e
(b) devido processo legislativo constitucional.
Entretanto, ao analisar o panorama do universo dos mandados de segurança
impetrados contra atos legislativos, resta fortalecido o entendimento que a in-
Tempo, estratégia e judicialização da agenda legislativa: as reações do Supremo Tribunal Federal
aos mandados de segurança originários impetrados contra atos legislativos
113
terferência perpassa por uma lógica interpretativa dos ministros sobre o nível
de nuance constitucional envolvida na questão, dadas as linhas tênues sobre o
que seria matéria interna corporis das Casas Legislativas e efetivamente uma
discussão sobre o “devido processo legislativo constitucional”. Este aspecto
aparenta viabilizar a análise estratégica do ministro sobre a questão legislativa
submetida à sua apreciação.
Não obstante tal cenário, identificado inicialmente, novas estratégias metodológicas podem contribuir para um aprofundamento teórico do debate sobre os
mandados de segurança impetrados no STF contra atos das Casas legislativas
do Congresso Nacional.
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117
Mutações orçamentárias e
comportamentos políticos na
democracia brasileira
Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt
Ricardo de João Braga
Introdução
O estudo sobre o Legislativo brasileiro beneficia-se de uma comparação temporal bastante produtiva entre a República de 1946 e a Nova República. Trata-se
em boa medida de um experimento natural, pois muitas das variáveis institucionais mantêm-se nos dois períodos, o que permite analisar da forma mais controlada possível importantes variáveis de interesse.25 A interpretação predominante na perspectiva comparada (SANTOS, 2003; FIGUEIREDO; LIMONGI,
1999) pode ser assim sintetizada: o Legislativo pós-1988 apresenta níveis
maiores de fidelidade e de coesão partidária derivados do controle do presidente da República sobre o orçamento e também do seu poder de agenda superior, além da centralização de decisões intralegislativas nas mãos dos líderes
partidários (o que compõe também o poder de agenda desses líderes). As relações Executivo-Legislativo, assim, seriam mais estáveis e coordenadas no período atual.
Este artigo, a partir do levantamento e da análise de dados orçamentários ainda
não explorados para o período da República de 1946 (levantados e sistematizados
em BITTENCOURT, 2016; 2017a; 2017b) e sua comparação com o período
25 Como já ressaltado pela literatura desde Abranches (1998), ambos os períodos democráticos brasileiros conviveram com presidencialismo, federalismo, pluripartidarismo, Legislativo bicameral, Câmara dos Deputados composta por sistema proporcional de lista aberta (FIGUEIREDO;
LIMONGI, 1999; SANTOS, 2003). Assim, ao se comparar variáveis institucionais político-orçamentárias e seu consequente desdobramento no Poder Legislativo entre as duas épocas, está-se diante de um cenário relativamente controlado no que se refere a essas macrovariáveis. Para
uma breve revisão dos estudos comparativos que exploram essa oportunidade, cf. Bittencourt
(2017).
118
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
pós-1988, qualifica um importante elemento teórico interpretativo da análise
longitudinal. Para a literatura (SANTOS, 1994; 1997; 2003; 2007), a menor
fidelidade dos partidos políticos na República de 1946, assim como as maiores
dificuldades do Poder Executivo em formar e gerir uma coalizão, devem-se
(além da falta de poder de agenda do presidente) aos maiores poderes orçamentários dos legisladores, o que os torna mais independentes das ações do Poder
Executivo para a distribuição de benefícios orçamentários (pork barrel). A partir
do estudo aqui empreendido, constata-se que maiores poderes institucionais
dos legisladores quanto ao orçamento não redundam necessariamente em maior
independência. Mostra-se mais adequado enfatizar a instabilidade das relações
orçamentárias entre os Poderes, que gera incerteza e assim deteriora as possíveis ações de coordenação das forças políticas. A causa desta incerteza seria de
fato uma maior fragilidade institucional do orçamento,26 vista principalmente na
não observância da universalidade orçamentária e na instabilidade das rubricas
nas suas várias fases (elaboração, deliberação e implementação orçamentária).
O comportamento legislativo conforme aqui interpretado radica numa constatação estrutural de economia política: o projeto político predominante na República de 46 privilegiou o crescimento econômico por intermédio de forte intervenção estatal, o que, diante de fragilidades institucionais da política econômica
do período, acabava por redundar numa consequência econômica negativa, a inflação, a qual consistia, acima de tudo, em um mecanismo de ajuste da dinâmica
política (LAFER, 2002; FURTADO, 1962; BRAGA, 2011; SARETTA, 1995).27
A partir de 1994, dentro da nova ordem institucional disposta pela Constituição
Federal de 1988 e sob um compromisso crível de combate à inflação, a dinâmica política perdeu a possibilidade de resolver seus conflitos distributivos via
inflação, circunscrevendo os momentos de definição de gastos, e sobretudo a
magnitude dos ajustes, a fases e dimensões pré-controladas.
A fragilidade das instituições orçamentárias é vista, em primeiro lugar, na universalidade orçamentária. Hoje as despesas e receitas públicas são abarcadas
26
Não se ignora o papel central do poder de agenda na coordenação das relações Executivo-Legislativo,
mas neste artigo avança-se apenas na análise dos elementos orçamentários.
27
Para um aprofundamento do papel da inflação segundo a perspectiva aqui delineada, cf. Bittencourt
(2016, p. 193-202).
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
119
pelo orçamento em proporção materialmente relevante,28 o que não era realidade
na República de 46. Muitas despesas fluíam por canais não influenciados pelo
Congresso, não estavam inseridas na lei orçamentária e chegavam a ser vultosas
(mais de 50% dos gastos públicos em alguns exercícios). Sendo, como eram,
despesas politicamente relevantes, recebiam atenção política por outras formas
que não a definição do orçamento pelo Congresso.29
Da mesma forma, a compreensão da dinâmica orçamentária segmentada em
previsão e realização ajuda a compreender a estabilidade/instabilidade das relações Executivo-Legislativo. Em ambos os períodos, os Poderes Legislativo
e Executivo bailaram uma coreografia variada, em que determinadas rubricas
eram aumentadas ou diminuídas na autorização e depois podiam ser revertidas
na realização. Em vários momentos despesas não comprimíveis, mas politicamente sem apelo, eram fantasiosamente diminuídas para dar espaço a outras politicamente sensíveis. A necessidade prática, contudo, fazia o governo
deparar-se com os indigestos cortes ou então, fundamentalmente no período de
1946, aceitar a silenciosa e pervasiva praga inflacionária.
Deriva deste achado a crítica a uma ideia quase de senso comum que tomou
conta de discussões sobre orçamento, o mito do Legislativo gastador versus
Executivo guardião. Principalmente na República de 46 não se viu um Executivo
guardião do equilíbrio fiscal, mas sim um agente envolvido numa dinâmica política própria de incentivo ao gasto. Já na Nova República, de forma concorde à
mudança institucional, assistiu-se após 1994 a um crescente controle do Poder
Executivo sobre o orçamento com vistas a garantir algum equilíbrio fiscal e o
controle da inflação. Ao Legislativo pós-1988 não foi concedida a possibilidade
28
Para um breve apontamento sobre as ressalvas feitas na literatura à premissa de uma universalidade
absoluta (100% das receitas e despesas públicas transitando pelo orçamento), bem como sobre a
natureza relativa dessa observação, cf. Bittencourt (2016, p. 225).
29
A patronagem ganha destaque neste ponto, embora não seja aqui tratada no artigo. Para uma discussão sobre esse ponto específico, ver Bittencourt (2016, p. 226-250).
120
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
de ser gastador.30 Como decorrência, a dinâmica orçamentária do período atual
gera mais estabilidade nas relações Executivo-Legislativo não apenas porque o
Executivo tem mais controle na distribuição de benefícios, mas também porque
as relações político-orçamentárias estabelecidas entre os Poderes são mais
estáveis e previsíveis.
É possível assim, a partir da economia política, apresentar uma hipótese de
comportamento legislativo e relações Executivo-Legislativo: o papel da incerteza quanto ao controle sobre o orçamento altera a dinâmica das relações e dos
comportamentos políticos. Na República de 1946 havia maior poder formal
de influência dos parlamentares sobre o orçamento, o que está em linha com a
literatura, como por exemplo em Santos (1994; 2003). Contudo, a não universalidade orçamentária e também o permanente jogo de inflação e remanejamento
de rubricas, tanto na proposta tramitando no Legislativo quanto na execução do
orçamento aprovado, faziam com que a probabilidade de se conseguir a realização de objetivos políticos dentro do orçamento fosse baixa. Maiores prerrogativas contrastavam com menor certeza de benefícios. Tal incerteza, em primeiro
lugar, ressaltava a importância da patronagem – no sentido do controle de postos
que efetivamente concretizassem decisões de gastos –, mas, em segundo lugar,
aumentava a volatilidade da relação Executivo-Legislativo – um alto custo de
transação nos acordos, aderente aos achados de menor fidelidade e coesão no
Legislativo (SANTOS, 2003; AMES, 1986; 1987). Por fim, gerava também incentivos para uma inflação das demandas pelo fundo público formuladas pelos
atores (dado que boa parte delas não seria efetivada), o que também aumentava
sistemicamente a incerteza. Como coloca a literatura, o Legislativo podia ser
mais independente do Executivo, mas acrescenta-se aqui que era também o
Legislativo um ator que atuava dentro de um cenário mais incerto. Pode-se
sintetizar o quadro da seguinte forma: perspectivas orçamentárias instáveis e
30
É certo que a deterioração fiscal realizada nos últimos anos de Dilma Rousseff põe à prova o
argumento, pois com ela o próprio Poder Executivo decidiu quebrar o pacto das áreas e momentos
de disputa por recursos estabelecidos posteriormente a 1994. Esta mutação no padrão de comportamento do Executivo requer, indubitavelmente, uma avaliação profunda de suas consequências
(especialmente se for adotada a premissa de que a postura fiscal contencionista do Executivo
pós-1988 represente um fator importante na institucionalidade pelo seu efeito anti-inflacionário,
o que faria do seu abandono uma ameaça à produção do bem público representado pela estabilidade monetária). No entanto, o exame empírico realizado neste artigo somente alcança dados
financeiros até 2013, quando tal tendência não havia atingido o auge. Assim, a afirmação de um
“Executivo não gastador” no pós-1988 deve ser relativizada em modelos que abranjam o período
final da experiência petista.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
121
acordos Executivo-Legislativo pouco críveis levam a uma situação de instabilidade governativa.
No pós-1988, a maior previsibilidade orçamentária estabeleceu uma relação
mais crível entre Executivo e Legislativo, diminuindo os custos para realização
de acordos. É certo que a maior previsibilidade não extinguiu o conflito distributivo básico, pois atores políticos buscam todo o tempo amealhar recursos
para seus projetos; contudo, os momentos de definição são mais claros quando
se estabelece o orçamento por ministério, o volume de emendas parlamentares
e os contingenciamentos orçamentários. Acresça-se ao quadro atual o fato de
haver cada vez mais despesas obrigatórias dentro do orçamento, o que diminui
a probabilidade de frustração de gastos. O conflito distributivo atual, com suas
fases bem definidas, preserva assim mais facilmente o equilíbrio fiscal e seus
efeitos sobre o controle da inflação, pois as concessões são bem definidas dentro
do processo. Usando uma figura usual no ramo, a classe política decide em quais
esferas ela ata as próprias mãos e em que momento a disputa por recursos é
franqueada, e isso traz mais estabilidade para as relações Executivo-Legislativo.
O artigo prossegue em duas seções de caráter empírico, baseadas em Bittencourt
(2016), e uma conclusão. A primeira seção analisa as instituições políticas do
processo orçamentário e a segunda, os números do orçamento. Na primeira, discutem-se o quadro de regras que distribui prerrogativas e a influência sobre o orçamento federal nos dois períodos democráticos, comparando Poderes Executivo
e Legislativo. Quanto aos números, também em perspectiva longitudinal, compreendeu-se como se dava a dinâmica política em torno da definição de gastos
e receitas enfeixadas pelo orçamento formal. Constatou-se que o quadro atual, pós CF/1988, aumentou as prerrogativas do Poder Executivo sobre o orçamento, o que está em linha com a literatura (SANTOS, 2003; FIGUEIREDO;
LIMONGI, 1999), além de corroborar a constatação usual de que, após 1994,
o governo passou a submeter-se mais incisivamente à restrição orçamentária.
122
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
As regras institucionais do orçamento: as inovações
da Constituição de 1988 frente ao regime democrático
anterior31
Esta seção traz uma sistematização das regras institucionais relativas ao papel
dos Poderes Executivo e Legislativo na elaboração do orçamento, comparando
as duas últimas ordens constitucionais democráticas32 (inclusive por meio de
quantificação preliminar sob a forma de indicadores).
Os poderes examinados não são apenas prerrogativas formais de autoridade,
mas também incorporam variáveis de capacidade organizacional, como tempo
para processamento da informação e especialização técnica. Os custos de
transação necessários à superação dos problemas de ação coletiva envolvidos
na decisão legislativa e de agência relativos à assimetria de informação vis-à-vis
o Executivo fazem com que os poderes formais de decisão não sejam suficientes
para assegurar a influência legislativa no processo orçamentário (WEHNER,
2010). Outro aspecto a considerar é que esta interpretação só faz sentido se
considerado o contexto procedimental do orçamento como proposição legislativa específica, com caráter periódico e único (ou seja, deve haver um orçamento por exercício fiscal, e apenas um) e prazo determinado para a sua sanção.
Assim, algumas medidas de avaliação de poder de agenda que fazem sentido no
contexto legislativo geral33 deixam de ser aplicáveis para este exame específico.
O apêndice traz a lógica da construção e atribuição de valores a cada critério
de avaliação dentro do cenário teórico, e a tabela 1 contempla os resultados.34
31
O desenvolvimento completo dos dados desta seção está em Bittencourt (2016, p. 87-126; 2017a).
32
A análise não abrange exercícios posteriores a 2013, quando novos textos legais trouxeram uma
suposta “impositividade” da parcela do orçamento relativa a emendas parlamentares, o que significa uma mudança substantiva – ao menos do ponto de vista formal – das regras de intervenção
dos Poderes sobre a decisão orçamentária, cf. Bittencourt (2016, p. 313-314; 2107b, p. 32-33).
33
Tais como o controle do calendário de discussão e votação por parte das comissões, o poder de
gatekeeping das comissões ao reter ou obstruir o acesso de matérias ao Plenário e o direito de
iniciativa legislativa irrestrita de membros e comissões (DÖRING, 2001, p. 150-152).
34
Uma descrição completa dos aspectos fáticos e metodológicos dessas regras pode ser consultada
em Bittencourt (2016, p. 110-117; 2017a, p. 14-29).
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
123
Tabela 1
Poderes institucionais orçamentários do presidente
Fator
1946
1988
Iniciativa da proposta orçamentária
0,66
1,00
Consequências da não apresentação de proposta orçamentária
0,00
0,50
Escolha dos membros das comissões que votam os pareceres ao orçamento
0,33
0,66
Tramitação bicameral ou não
0,00
0,50
Participação de comissões especializadas na matéria
0,00
0,00
Poder das comissões para deliberar sobre projetos
1,00
0,00
Simetria entre os Poderes das duas Casas legislativas
0,50
0,00
Consequências da não aprovação da lei orçamentária
0,33
0,66
Poder de legislar unilateralmente (“poder de decreto”)
sobre orçamento – abrangência
0,66
0,66
Poder de legislar unilateralmente (“poder de decreto”)
sobre orçamento – intervenção legislativa
1,00
0,66
Caráter meramente autorizativo do orçamento
1,00
1,00
Tempo disponível para exame da proposta orçamentária pelo Legislativo
0,00
0,66
Capacidade de o Legislativo emendar materialmente a proposta orçamentária
0,00
0,25
Poder de veto
1,00
0,66
Maioria necessária para derrubar o veto
0,33
0,66
Média
0,454
0,525
Fonte: Bittencourt (2016, p. 118; 2017a, p. 41).
Os indicadores de poderes formais de natureza orçamentária permitem corroborar, com moderação, as afirmações da literatura no sentido de uma maior
concentração desse poder nas mãos do Executivo no regime de 1988 (SANTOS,
2003; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999; NOBREGA JR., 2008). Em termos
individuais, dos 15 indicadores, 8 registram aumento, 4 são reduzidos e 3 não
apresentam alteração quando se compara o novo regime com o anterior. A diferença relativa da média dos indicadores aponta um aumento de 15,56% entre
124
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
1946 e 1988, sintetizando a ideia de um aumento desses poderes do primeiro
para o segundo período.35
Os recursos de veto do presidente tiveram modificações em ambos os sentidos:
de um lado, sua capacidade de vetar parcialmente foi limitada a dispositivos
específicos (e não mais a qualquer palavra ou expressão); de outro, as maiorias
exigidas para derrubar o veto foram elevadas. Tendo em vista o formato específico da lei orçamentária, o efeito da limitação ao veto fragmentado parece
menor que o efeito contrário do aumento do custo, em votos, da derrubada do
veto pelo Legislativo, indicando um resultado líquido de uma maior capacidade presidencial como ator de veto. Já o tratamento da não decisão (o status
quo quando o orçamento não é aprovado) inclinou-se fortemente em relação ao
Executivo, pois a rejeição do orçamento não mais enseja o retorno automático a
uma lei orçamentária já aprovada e conhecida, como em 1946, mas sim gera uma
situação de vácuo normativo para o qual o ordenamento institucional não prevê
solução permanente (elevando fortemente o custo da rejeição pura e simples,
ou da demora do Legislativo em decidir).36 Um elemento, porém, é decisivo: o
Parlamento tem, em 1988, restrições formais muito mais fortes para aumentar
as despesas, uma vez que existe vedação formal à alteração dos montantes totais
de receita e despesa no texto constitucional. Esse poder de elevar as despesas de
moto próprio é o ponto fulcral do argumento teórico de Santos (2003) em relação
aos efeitos do orçamento na relação entre os Poderes na República de 46 e é
apontado na literatura técnica orçamentária do período como algo que era efetivamente exercido em grau elevado, a ponto de trazer transtornos alocativos para
a administração pública (COELHO, 1952, 1958). A resultante dessas diferentes
alterações parciais sugere que, em síntese, a anuência legislativa continua sendo
35
Naturalmente, uma média de indicadores dessa natureza há de ser vista cuidadosamente como
apenas de uma ilustração, pois trata-se de uma média de valores de dimensões distintas e que, portanto, não são comensuráveis (NÓBREGA JR., 2008, p. 27). Por outro lado, uma média representa
a consideração de vários fatores institucionais que ocorrem de forma simultânea sobre uma mesma
polity e, por conseguinte, podem reduzir ou neutralizar entre si os efeitos individuais (WEHNER,
2010, p. 18; SCARTASCINI; STEIN, 2009, p. 5). Com tais ressalvas, o uso de médias de indicadores dessa natureza como recurso analítico é observado, com os cuidados acima referidos, na
literatura sobre os presidencialismos (SHUGART; CAREY, 1992, p. 148-151) e, especificamente,
sobre poderes orçamentários presidenciais formais (NOBREGA JR., 2008, p. 52; CHEIBUB, 2007,
p. 176-177).
36
Mesmo se considerarmos a solução provisória adotada pelos agentes envolvidos (a execução
de parcelas da proposta do Executivo em duodécimos até a aprovação final do orçamento),
decisão esta que tem de renovar-se a cada ano na lei de diretrizes orçamentárias (FIGUEIREDO;
LIMONGI, 1999, p. 45), trata-se de movimento favorável ao Executivo, pois o que se vai executar
é aquilo que foi por ele demandado na proposta orçamentária, ou seja, a sua preferência.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
125
necessária para a decisão orçamentária; no entanto, a capacidade de influência
do Parlamento no exercício desse poder de veto foi fortemente erodida.
Já no controle positivo da agenda, fica claro que o Legislativo perdeu capacidade: ele não pode mais suprir o eventual silêncio de iniciativa na apresentação
da proposta orçamentária com uma iniciativa de sua escolha – deve ater-se a
um conjunto de valores já existente (o orçamento em vigor).37 Já o Executivo
ganhou, por um lado, poder de agenda positivo na medida em que o seu “poder
de decreto” ganhou em extensão (o Executivo pode abrir unilateralmente créditos orçamentários não mais apenas em casos de “guerra, calamidade pública
ou comoção interna”, mas em qualquer situação de “urgência, relevância e imprevisibilidade”, o que amplia bastante a latitude de interpretação do poder
de decreto); por outro, deixou de existir a autorização formal de execução de
despesas a descoberto dos créditos orçamentários em determinadas situações, o
que reduz as suas possibilidades de decisão unilateral sobre o gasto.
Quanto ao tempo disponível para a deliberação legislativa, dois fatores influenciam em sentidos opostos. De um lado, a tramitação unicameral em 1988 faz
com que o tempo que a comissão mista e o Plenário do Congresso tenham para
o exame da matéria seja, em tese, o dobro daquele de que, na situação anterior, a comissão e o Plenário de cada Casa dispunham (uma vez que seria preciso tramitar por comissão e Plenário no Senado e na Câmara, sequencialmente, a mesma proposição que agora somente precisa passar por uma comissão
mista e uma sessão plenária conjunta do Congresso). Por outro lado, o prazo de
exame pelo Congresso foi diminuído de sete meses e meio para quatro meses,
o que significa uma redução praticamente à metade. Desta forma, não há como
apontar um sentido final resultante em relação ao efeito combinado das duas
mudanças.38
Em outro quesito, a comissão bicameral em vigor atualmente para o exame
do orçamento tem competências especializadas exatamente na matéria de
37
Na realidade, há relatos de que o poder de iniciativa do Congresso em 1946 era ainda maior do que
o simples suprimento de omissões, envolvendo a completa reformulação do projeto do Executivo
antes mesmo de iniciar-se o processo de emendamento (BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 1954, p. 170-171; SARETTA, 1995, p. 119; CAMARGO et al., 1986, p. 303-304).
38
Sendo válido, no entanto, lembrar que o Congresso de 1988 opera em um contexto histórico
incomparavelmente mais bem-dotado de recursos tecnológicos e de informação, o que milita em
favor do fortalecimento da posição do Legislativo.
126
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
orçamento e política fiscal, enquanto as comissões de cada uma das Casas39
que examinavam a proposta no regime anterior tinham um vasto leque de outras atribuições relativas a economia, comércio exterior, sistema financeiro e
temas correlatos. Dentro da visão informacional do Parlamento, a uma maior
especialização da jurisdição de uma comissão devem corresponder maiores
capacidades para tratamento da informação e redução das incertezas associadas à política pública correspondente (KREHBIEL, 1992, p. 68), o que sugere que foram reduzidas as limitações informacionais com que se defronta o
Legislativo, fortalecendo sua posição na interação estudada.
Em termos comparados, a realidade brasileira atual é considerada como tendo
elevados poderes de agenda orçamentários presidenciais quando comparados com outros países latino-americanos (PNUD, 2004; SANTISO, 2004).
Quando comparamos os poderes presidenciais nos dois períodos constitucionais brasileiros com um survey de 30 países membros da OCDE, englobando
tanto regimes parlamentaristas quanto presidencialistas (WEHNER, 2010),40
temos que o Brasil de 1988 posiciona-se entre os países com mais poderes presidenciais de agenda orçamentária do mundo, e o primeiro entre os presidencialistas, à exceção da Coréia do Sul; por outra parte, o presidente no Brasil de
1946-1964 localizava-se no extremo inferior da comparação, somente superando
os poderes dos presidentes húngaro e norte-americano de 2003.41Assim, é plausível a impressão de que a diferença encontrada na comparação direta entre as
duas Constituições brasileiras não é apenas de natureza relativa: a divergência
é grande também em termos absolutos, avaliados pela projeção dos respectivos
poderes sobre um conjunto significativo de países contemporâneos.
A existência formal dos poderes, porém, é apenas um dos aspectos pelos quais
o poder de agenda deve ser examinado, uma vez que é condição necessária, mas
não suficiente, para que ele seja exercido. Assim, é preciso tentar identificar
nos registros históricos a ocorrência concreta do exercício dos maiores poderes
orçamentários facultados ao Executivo pela nova ordem constitucional.
39
A Comissão de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados até 1955, e especialmente a Comissão de Finanças do Senado Federal durante todo o período.
40
As adaptações metodológicas para plena compatibilidade das duas escalas e uma comparação
desagregada por fatores e indicadores específicos consta em Bittencourt (2016, p. 294-310; 2017a,
p. 51-67).
41
Os valores e gráficos correspondentes constam em Bittencourt (2016, p. 125-127; 2017a, p. 39-40).
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
127
O orçamento na prática: presidente e Congresso Nacional
na determinação efetiva dos grandes números do orçamento
Esta seção traz estudo quantitativo do conteúdo do orçamento federal nos períodos democráticos entre 1947 e 1963 e entre 1996 e 201342 ao longo de suas
fases a cada exercício (proposta, deliberação orçamentária, modificações no
correr do exercício e execução final), enfatizando as diferenças entre os valores
decorrentes das decisões de Executivo e Legislativo ao longo dessas fases de
vida do orçamento. O que se pretende é explicitar as decisões de cada poder na
definição do orçamento. As diferentes fases do orçamento deixam isso claro, pois
cada fase é determinada por um ator: a apresentação da proposta, a alteração da
proposta e a execução do que foi aprovado.
Apresentam-se tanto métricas voltadas à comparação de valores totais quanto
aquelas relativas à distribuição interna dos números orçamentários, em qualquer caso abrangendo a visão restrita de deliberação sobre a despesa autorizada (examinando as propostas do Executivo e a lei orçamentária aprovada e
suas modificações) e a visão mais ampla da realização efetiva43 dessa despesa
(discutindo os valores efetivamente aplicados). Comparam-se quocientes de valores globais de receita e despesa em cada etapa e, para tratar a distribuição interna,
utiliza-se a generalização do conceito de “distância orçamentária” (TSEBELIS;
CHANG, 2004, p. 454). Esta métrica representa o grau em que dois orçamentos
42
As razões metodológicas para a definição desse marco temporal para os dois períodos (excluindo
alguns anos como 1946, 1964, 1988-1995 e 2014-2016) estão apresentadas em Bittencourt (2016,
p. 311-314; 2017b, p. 30-36). Para o pós-1988, trata-se basicamente das distorções que a hiperinflação causava na própria possibilidade de interpretação de dados monetários antes de 1994, bem
como da presença, a partir de 2014, de novos textos legais que alegavam uma suposta “impositividade” da parcela do orçamento relativa a emendas parlamentares, o que significa uma mudança
substantiva – ao menos do ponto de vista formal – das regras de intervenção dos Poderes sobre a
decisão orçamentária.
43
Para medir a execução efetiva do orçamento, qualquer estudo baseado em registros contábeis
somente pode alcançar aquelas parcelas de despesa que são contabilizadas formalmente como
compromisso estatal a esse título, “despesa liquidada”, não sendo possível individualizar estágios
posteriores do processamento do gasto como a comprovação final da entrega dos bens e serviços,
o fluxo de caixa associado ao pagamento e a fiscalização da regularidade formal e material do
gasto. Nos termos de modelos mais gerais de um “processo orçamentário” (BITTENCOURT,
2015, p. 8-9; MARTNER, 1972, p. 348-369), está-se falando das fases de “elaboração da proposta pelo Executivo” e “apreciação, alteração e aprovação pelo Legislativo”, e, parcialmente, de
“execução do orçamento aprovado”, não sendo abrangida a fase de “controle e responsabilização
pela execução”. Dentro da fase de execução, no modelo de Tommasi (2007, p. 280-288), abrangem-se os estágios de "authorization and apportionment of appropriations to spending units" e
"commitment", não sendo possível captar com precisão os três estágios seguintes de "acquisition
and verification ([..]liabilities are recognized), issuance of a payment order" e "payment".
128
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
diferem entre si em termos da sua distribuição proporcional entre categorias de
uma mesma dimensão.44 Portanto, a distância orçamentária independe do valor
absoluto dos orçamentos e não tem interpretação própria para o seu valor absoluto.45 As dimensões utilizadas para a distribuição dos orçamentos são: i) na despesa, a classificação institucional (distribuição do orçamento por Ministérios e órgãos) e a natureza da despesa (representando as características gerais do objeto
do gasto, como gastos de pessoal ou gastos com obras e equipamentos); e ii) na
receita, a natureza ou a origem (se provém de impostos, de venda de patrimônio,
etc.).46 A discussão completa dos parâmetros de mensuração e sua interpretação,
bem como das fontes dos dados, é apresentada em Bittencourt (2016, p. 127-138;
311-345; 2017b, p. 19-37; 39-228).
Dados os elevados níveis de inflação em determinados anos de cada período e a
defasagem no tempo entre a apresentação da proposta orçamentária, a sua deliberação e a sua execução, um componente não desprezível das alterações entre
cada uma dessas configurações orçamentárias será a simples desvalorização
da moeda, que conduz a elevações nominais tanto das receitas/despesas projetadas quanto da sua efetiva realização (GUARDIA, 1992; LIMA JR., 1977). Os
indicadores de “distância orçamentária” baseiam-se nas proporções dos itens
orçamentários relativas ao total do mesmo orçamento, portanto, não são diretamente afetados por uma eventual desvalorização nominal da moeda; porém,
as alocações globais são obviamente afetadas por ela: uma elevação da receita
prevista em função de simples desvalorização nominal da moeda no período
intercorrente não é uma decisão equivalente a uma elevação de valores de receita
previstos em função de cálculos diferentes sobre a capacidade arrecadatória.
Neste sentido, a opção do estudo é a de apresentar os indicadores (exceto as dis44
Um exemplo facilita a compreensão: se o orçamento de um governo com apenas dois ministérios
chega ao Parlamento autorizando metade da despesa total para cada um, e é emendado para que
um deles passe a ter 10% da despesa e o outro 90%, houve uma mudança na distribuição interna
desse orçamento no que se refere à dimensão “ministérios” (e, intuitivamente, essa mudança foi
maior do que se um ministério saísse do legislativo com 49% e o outro com 51%). A “distância
orçamentária” é uma medida numérica do tamanho dessa diferença (matematicamente, a distância
orçamentária representa a distância entre os pontos que representam a distribuição de cada orçamento dentro de um espaço bidimensional euclidiano, no qual as coordenadas são a proporção de
cada valor categórico da dimensão escolhida sobre o total dos dois orçamentos comparados).
45
O valor numérico de uma “distância orçamentária” entre dois orçamentos, portanto, não tem sentido em si mesmo; somente passa a ter sentido quando é usado comparativamente, ou seja, quando
se compara um ou mais pares de distâncias (em outras palavras, o conceito é capaz apenas de medir
se um certo par de orçamentos é mais distinto entre si do que outro par).
46
Para tratamento das mudanças de classificação ao longo do tempo e demonstração de sua adequação
para os fins comparativos, cf. Bittencourt (2016, p. 132-134; 2017b, p. 23-25).
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
129
tâncias orçamentárias, como já discutido) não apenas em valores nominais, mas
também em valores deflacionados, usando o único índice de preços disponível
consistentemente para todo o período (o IGP-DI mensal da FGV).47
As tabelas 2 e 3 abaixo permitem visualizar a síntese dos resultados, resumindo
o quadro geral de indicadores por meio da média e do desvio-padrão dessas
métricas em cada um dos dois períodos estudados. Todos os indicadores da
tabela 2 estão definidos em valores percentuais, apresentados sob os enfoques
de comparação entre os valores nominais e entre os valores deflacionados,48
enquanto os indicadores de distância orçamentária (tabela 3) não são afetados
pelo deflacionamento e, portanto, têm tão somente um valor por cada período.
Tabela 2
Síntese dos indicadores orçamentários agregados
Em valores deflacionados a
janeiro de cada ano
Em valores nominais
1947-1963
1996-2013
1947-1963
1996-2013
Indicador
Média
Desviopadrão
Média
Desviopadrão
Média
Desviopadrão
Média
Desviopadrão
Despesa total na
LOA / Despesa total
no PLOA (%)
114,62
8,49
101,76
1,49
96,79
9,18
98,04
3,00
Despesa total
executada / Despesa
total autorizada (%)
100,80
12,72
85,99
5,45
93,83
9,47
83,11
5,22
Receita total estimada
na LOA / Receita
total estimada
no PLOA (%)
111,67
8,75
101,67
1,62
94,42
10,67
97,95
3,26
47
Série “IGP-DI - geral - índice (ago. 1994 = 100) – Mensal”, disponível em: <http://ipeadata.gov.br>.
Para discussão da metodologia de aplicação dos valores a cada tipo de dado orçamentário, cf.
Bittencourt (2006, p. 136-139; 2017-b, p. 26-29).
48
Alguns indicadores têm o mesmo valor nos dois casos, nas situações em que os totais originais
que compõem o quociente têm o mesmo fator de deflacionamento (ou seja, quando são grandezas
monetárias que são medidas no mesmo período de tempo).
130
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Em valores deflacionados a
janeiro de cada ano
Em valores nominais
1947-1963
1996-2013
1947-1963
1996-2013
Indicador
Média
Desviopadrão
Média
Desviopadrão
Média
Desviopadrão
Média
Desviopadrão
Receita total
arrecadada / Receita
total estimada
na LOA (%)
110,87
13,86
98,86
10,07
101,93
12,11
95,24
10,40
Créditos adicionais
votados pelo
Legislativo / Despesa
total na LOA (%)
19,37
15,47
15,29
15,42
17,59
13,60
14,80
15,13
Créditos
extraordinários
abertos / Despesa
total na LOA (%)
0,32
0,84
3,23
6,19
0,30
0,77
3,16
6,18
Despesas executadas
sem crédito ou além
do crédito / Despesa
total executada (%)
8,72
5,04
n/a
n/a
8,72
5,04
n/a
n/a
Fonte: Bittencourt (2016, p. 141; 2017b, p. 38-39).
Tabela 3
Síntese dos indicadores de distância orçamentária
Desvio-padrão
Média
Desvio-padrão
1996-2013
Média
1947-1963
Distância orçamentária entre o PLOA e a LOA,
relativa à classificação institucional (por órgão)
0,010327
0,004676
0,002156
0,001018
Distância orçamentária entre o PLOA e a
LOA, relativa à classificação por natureza
0,024801
0,007050
0,006860
0,003614
Indicador
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
Desvio-padrão
Média
Desvio-padrão
1996-2013
Média
1947-1963
131
Distância orçamentária entre a despesa constante
da LOA e a despesa total autorizada, relativa
à classificação institucional (por órgão)
0,014670
0,011350
0,007691
0,006814
Distância orçamentária entre a despesa
constante da LOA e a despesa total autorizada,
relativa à classificação por natureza
0,027748
0,017939
0,027727
0,029206
Distância orçamentária entre a despesa total
autorizada e a execução orçamentária, relativa
à classificação institucional (por órgão)
0,010547
0,007824
0,007163
0,003746
Distância orçamentária entre a despesa
total autorizada e a execução orçamentária,
relativa à classificação por natureza
0,019483
0,011886
0,024083
0,009474
Distância orçamentária entre a receita
estimada pelo Executivo no PLOA e
aquela estimada pelo Congresso na LOA,
relativa à classificação por natureza
0,010237
0,008578
0,004133
0,003547
Distância orçamentária entre a receita
estimada pelo Congresso na LOA e aquela
efetivamente arrecadada pelo Executivo,
relativa à classificação por natureza
0,017044
0,010868
0,026108
0,016811
Indicador
Fonte: Bittencourt (2016, p. 141; 2017b, p. 39).
Em primeiro lugar, vemos que o Congresso modifica a proposta do Executivo
quando a recebe, em muito menor proporção no período pós-1988 que no período anterior, mas essa diferença deve ser relativizada quando se desconta o efeito inflacionário. Em termos nominais, a variação entre a despesa no PLOA e a
despesa final da lei aprovada é significativamente superior no primeiro período,
assim como a receita. No entanto, quando se tomam os valores corrigidos, essa
diferença nas médias desaparece: as médias do primeiro período chegam a ser
inferiores, na receita e na despesa, às do período atual, com desvios-padrão bastante elevados para sugerir qualquer diferença. Isso fica mais claro na visualização da figura 1 abaixo.
132
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Figura 1
Modificações feitas ao projeto de lei orçamentária
Despesa total na LOA / Despesa total no PLOA
Valores nominais
Despesa total na LOA / Despesa total no PLOA
Valores deflacionados a janeiro
160%
120%
140%
100%
120%
80%
100%
60%
80%
1947/63
1996/2013
60%
40%
40%
1947/63
1996/20...
20%
20%
0%
0%
Receita estimada – LOA/ Receita total estimada – PLOA
Valores nominais
Receita estimada – LOA/ Receita total estimada – PLOA
Valores deflacionados a janeiro
140%
120%
120%
100%
100%
80%
80%
60%
60%
40%
1947/63
1996/2013
40%
20%
20%
0%
0%
1947/63
1996/2013
Fonte: Bittencourt (2016, p. 143).
Quanto às modificações49 do orçamento ao longo do exercício, a proporção em
que ele é modificado é, em média, pequena nos dois períodos, mas com um elevado desvio-padrão que descaracteriza qualquer tendência. Da figura 2 abaixo,
vê-se que, na maioria dos dois períodos, Executivo e Legislativo puseram-se
de acordo para aprovar mudanças relativamente moderadas (inferiores a 20%)
do orçamento original – em alguns poucos exercícios, porém, houve valores
outliers (como em 1956, 1997 e 1998, quando os aumentos líquidos de despesa
autorizada excederam a metade do orçamento original). Dentro desse comportamento heterogêneo (uma maioria de vezes com modificação moderada,
com alguns poucos momentos de “pico”), não se pode afirmar que os Poderes
dos dois períodos tiveram resultado decisório sistematicamente distinto – portanto, tampouco se pode afirmar que o diferencial de criação de autorização de
despesa que não se enxerga nas leis orçamentárias sob a Constituição de 1946
aparece quando da deliberação legislativa dos créditos adicionais.
49
As modificações representam o valor líquido dos créditos adicionais (ou seja, se ocorreu eventual
cancelamento de uma despesa para dar lugar ao aumento de outra, esse cancelamento está sendo
descontado do valor total da modificação). Portanto, um valor positivo significa, nesta análise, um
aumento líquido no valor da despesa.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
133
Figura 2
Alterações ao orçamento (créditos adicionais)
Créditos adicionais votados / Despesa total na LOA
Valores nominais
Créditos adicionais votados / Despesa total na LOA
Valores deflacionados a janeiro
80%
80%
70%
70%
60%
60%
50%
50%
40%
40%
1947/63
1996/2013
1947/63
1996/2013
30%
30%
20%
20%
10%
10%
0%
0%
Fonte: Bittencourt (2016, p. 145).
Passamos à análise da despesa efetivamente executada e da receita efetivamente
arrecadada. Em relação ao total da receita, vemos que em média não há super
ou subavaliação da receita no orçamento (especialmente quando se deflaciona a
receita arrecadada, pois seu valor real é praticamente o mesmo do total estimado
no período 1947-1963 e 95,24% no período atual). A figura 3 mostra uma aparente volatilidade maior do período 1947-1963, com erros de previsão (para mais
e para menos) um pouco maiores que os do período 1996-2013, com alguns
“picos” no início e no fim do período. O que não se vê é um diferencial de
sub ou sobre-estimação da receita em relação aos dois períodos, ou seja, não
se observa do gráfico e da série de dados um viés indicando que em 1946 a
arrecadação sistematicamente superava uma receita subavaliada em grau maior
do que em 1988, ou o viés contrário (uma arrecadação frustrada em proporção
sempre superior que em 1988). Assim, pelo lado da receita não se vislumbra no
orçamento de qualquer dos dois períodos nenhuma tendência sistemática a estimativas de receita irrealistas (para cima ou para baixo), nem qualquer viés de
diferença significativa e sistemática entre os dois períodos (embora o primeiro
período aparente uma menor precisão das estimativas).
134
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Figura 3
Receita prevista e arrecadada
Receita total arrecadada / Receita total estimada – LOA
Valores deflacionados a janeiro
Receita total arrecadada / Receita total estimada – LOA
Valores nominais
160%
160%
140%
140%
120%
120%
100%
100%
80%
80%
1947/63
1996/2013
60%
60%
40%
40%
20%
1947/63
1996/2...
20%
0%
0%
Fonte: Bittencourt (2016, p. 146).
Passando à despesa, verifica-se aí a primeira diferença nítida entre o comportamento fiscal nos dois períodos: a despesa executada (portanto, transformada
em gasto efetivo pelo Executivo)50 em relação àquela autorizada formalmente
pelo Congresso é sistematicamente maior no período da Constituição de 1946
que em 1988 (chegando sua média, em valores nominais, a ser superior a 100%
em vários exercícios entre 1947 e 1963, o que indica a corriqueira realização
de despesas não contempladas na lei orçamentária nem em créditos adicionais,
como se verá logo adiante). As médias do primeiro período são muito superiores
(quase 100% em termos nominais e 94% quando deflacionados, contra não mais
que 85% do segundo período nas duas métricas), e o desvio-padrão, mais alto.
Em suma, o Executivo de 1946 gasta parcela muito maior do que lhe é autorizado
no orçamento, próxima ou superior a 100% (chegando a situações extremas como
quase 140% de despesas em relação ao valor autorizado em 1961), enquanto o
Executivo de 1988 pratica uma clara contenção fiscal, mantendo-se de forma
sistemática entre 80% e 90% do valor autorizado.
50
Dizemos “pelo Executivo” porque é a esse agente que cabe ordenar a quase totalidade da despesa
federal, sendo residual a parcela que Legislativo, Judiciário, Tribunal de Contas ou Ministério
Público podem gastar de forma autônoma.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
135
Figura 4
Diferenças entre a despesa autorizada e a realizada
Receita total executada / Despesa total autorizada
Valores nominais
Despesa total executada / Despesa total autorizada
Valores deflacionados a janeiro
160%
160%
140%
140%
120%
120%
100%
100%
80%
80%
60%
60%
40%
20%
0%
1947/63
1996/2013
40%
1947/63
1996/2013
20%
0%
Fonte: Bittencourt (2016, p. 147).
A despesa executada pelo governo sob a direção do chefe do Executivo, acima
examinada, inclui tanto aquela autorizada pelo Legislativo quanto aquela que
é decidida de forma unilateral pelo próprio Executivo, sem interferência prévia
do Legislativo. Esta parcela é composta dos créditos extraordinários51 e, para o
período 1947-1963, também das chamadas “despesas sem crédito ou além dos
créditos” permitidas pela legislação então vigente.52 Vemos que, em conjunto,
os dois fenômenos são relevantes. Na simples média, os créditos extraordinários (embora praticamente desprezíveis em 1947-1963) representam 3% da despesa da LOA em 1996-2013 (mas com um elevado desvio-padrão, que denota
alta volatilidade); já as despesas sem crédito alcançam a alta média de 8,72%
da despesa executada na República de 46, com desvio-padrão menor, de 5%. A
figura 5, alinhando essa execução de ambos os períodos com a mesma escala gráfica no eixo vertical, mostra mais claramente o quadro das despesas unilaterais.
51
Os créditos extraordinários sob a Constituição de 1988 são, do ponto de vista formal, suscetíveis
de revisão a posteriori pelo Legislativo. No entanto, pela sua eficácia imediata permitindo realização igualmente imediata das despesas por ele autorizadas (imediatez essa que é, aliás, a própria
razão de ser do instituto, destinado a despesas urgentes e imprevisíveis), representam na prática
um instrumento de criação pelo Executivo de fatos consumados (não apenas o status quo legal,
mas também uma efetiva assunção de compromissos e transferências de fundos) antes mesmo
da possibilidade material de reação do Legislativo. Além disso, extensa literatura que relata o
abuso desse mecanismo em volumes e condições inteiramente desvinculados dos pressupostos
constitucionais de imprevisibilidade e urgência da despesa, exatamente para viabilizar a adoção
unilateral da decisão de despesas por parte do Executivo (ROCHA; MARCELINO; SANTANA,
2013; MARSHALL, 2008; GOMES, 2008). Por essas razões, incluímos integralmente o montante
dos créditos extraordinários nesta apresentação das decisões unilaterais de despesas por parte do
Executivo.
52
Para detalhamento dessa figura jurídica, que permitia ao Executivo realizar despesas a descoberto
de autorização orçamentária em praticamente qualquer situação, cf. Bittencourt (2016, p. 153-156).
136
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O valor elevado da média dos créditos extraordinários está muito influenciado
por um outlier em 1998 (27,16%), ainda que também tenham ocorrido montantes próximos a 5% da despesa da LOA em 2001, 2007 e 2012. Eliminando
esse valor, a média cai para 1,82% com um bem-comportado desvio-padrão de
1,68%. Já a ocorrência de despesas sem crédito ou além do crédito no primeiro
período democrático apresenta com regularidade valores entre 5% e 15%, com
muito raras exceções inferiores (1948 e 1958), indicando uma prática habitual e
não desprezível desse tipo de despesa. Acresce a isso o fato de que, por variadas
razões,53 os demonstrativos não captam a totalidade desse padrão de despesa.
Figura 5
Despesas decididas unilateralmente pelo Executivo (crédito extraordinário e despesa
sem crédito/além do crédito)
Créditos extraordinários abertos / Despesa total na LOA
Valores deflacionados a janeiro
30%
Despesas executadas sem crédito ou além do crédito /
Despesa total executada
Valores nominais
30%
25%
25%
20%
20%
1947/63
1996/2013
15%
15%
10%
10%
5%
5%
1947/63
0%
0%
Fonte: Bittencourt (2016, p. 156).54
O resultado bastante moderado dos créditos extraordinários no período atual em
relação à despesa orçamentária, no total agregado, choca-se aparentemente com
a percepção encontrada na literatura de que tal prática representaria, mesmo no
período atual, um verdadeiro “orçamento paralelo” a distorcer toda a arquitetura
53
Detalhadas em Bittencourt (2016, p. 148-151).
54
É conveniente relembrar que a comparação da esquerda, entre créditos extraordinários e despesa
total na LOA, envolve grandezas monetárias em tempos diferentes (a primeira, aberta ao longo de
todo o exercício, e a segunda, fixada para janeiro, no seu início), portanto, é necessário deflacionar.
A comparação da direita (despesas sem crédito versus despesa executada) refere-se a dois fluxos
que se realizam durante o ano, sendo possível, portanto, comparar-lhes em valores nominais, pois
transcorrem durante o mesmo período de tempo.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
137
orçamentária, (ROCHA; MARCELINO; SANTANA, 2013; MARSHALL,
2008; GOMES, 2008). Porém, desagregando-se tais valores por categorias de
gasto, verifica-se que esses créditos tendem a representar parcela minoritária
do orçamento, porém de grande relevância para a negociação política com os
parlamentares individuais – portanto, o baixo volume agregado não pode ser
tomado isoladamente como demonstração da irrelevância da criação unilateral
de despesa por parte do Executivo no jogo do período atual. Quanto à unilateralidade da criação de despesa no primeiro período democrático, a sua relevância
não passou despercebida, sendo o seu impacto denunciado por várias manifestações de observadores das finanças públicas, na época, como um grave problema
político e financeiro (BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 1957a,
p. 127-128; 1958, p. 63-64; 1957, p. 12; 1962a, p. 15; 1961, p. 40; BRASIL.
CONTADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, 1964, p. 31-32).
Dos totais fiscais agregados, passa-se então à análise do resultado das “distâncias
orçamentárias”, as modificações nas proporções em que o orçamento é dividido.
Quanto às distâncias entre a proposta do Executivo e a lei aprovada, as modificações introduzidas pelo Congresso são muito superiores no primeiro período,
tanto na receita quanto na despesa. Esse padrão fica claro na visualização dos
gráficos respectivos na figura 6 abaixo.
Figura 6
Distâncias orçamentárias entre PLOA e LOA
Distância orçamentária entre PLOA e LOA
Classificação institucional (por órgão)
0,0250
1947/63
1996/2013
0,0200
0,0150
0,0100
0,0050
0,0000
138
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Distância orçamentária entre PLOA e LOA
Classificação por natureza
0,0400
0,0350
0,0300
0,0250
0,0200
0,0150
0,0100
1947/63
1996/2013
0,0050
0,0000
Distância orçamentária entre a receita estimada no PLOA e estimada na LOA
Classificação por natureza da receita
0,0350
1947/63
1996/2013
0,0300
0,0250
0,0200
0,0150
0,0100
0,0050
0,0000
Fonte: Bittencourt (2016, p. 156).
Tais valores indicam que, sistematicamente, o Congresso modificou mais a peça
orçamentária em 1946 que em 1988 – em que pese não aumentar o montante
total de receita e despesa nessas proporções, como vimos acima. As mudanças
pelo Legislativo alteram mais a composição da despesa dentro do orçamento,
ou as proporções entre os seus diferentes componentes, e alteram em maior extensão a composição da despesa por natureza/verba (pessoal, material, dívida,
etc.) do que a composição por órgão. A diferença em relação à receita é mais
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
139
volátil.55 Está-se diante de um aparente paradoxo: não há diferencial significativo, entre os períodos, da intervenção legislativa no volume da receita ou da
despesa (quando considerados os valores reais ou deflacionados); todavia, a
modificação no que respeita à composição desse volume é significativamente
maior na democracia de 1946.
Na comparação da despesa entre a lei orçamentária e a despesa total autorizada
(orçamento mais créditos adicionais) e a execução orçamentária, existe aparentemente uma similaridade nas curvas da figura 7, especialmente se desconsiderados os outliers relativos a 1997 (por natureza) e 1956 (por órgão).56 A média
da modificação por órgão é maior em 1946, com desvio-padrão alto; mas, se
retirarmos esse ano excepcional (1956), ficaremos com uma média de 0,013
e um desvio-padrão de 0,008 para esse período, indicando uma tendência sistemática de distâncias superiores (embora não muito maiores). No gráfico da
distância por natureza, as curvas se confundem em grande medida, com proximidade de médias (e, se excluído o outlier de 1997, com média de 0,022 e
desvio-padrão de 0,018 para 1996-2013, fica mais forte uma tendência também
um pouco menor no segundo período). Portanto, as diferenças entre os dois períodos na fase da aprovação da lei orçamentária (maiores mudanças na composição do orçamento em 1946) são sucedidas também por diferenças entre a lei
aprovada e o quadro final de autorização orçamentária por força dos créditos
adicionais (também maiores mudanças em 1946, embora a diferença entre os
períodos seja menor nesta etapa).
55
Na despesa, ocorre um outlier (exercício de 1957) que decorre de simples adaptação da LOA a mudanças de legislação tributária ocorridas depois do envio da proposta orçamentária ao Congresso
(BITTENCOURT, 2016, p. 317-318; 2017b, p. 37).
56
Explicados por fatores exógenos de política econômica (BITTENCOURT, 2016, p. 317-318;
2017b, p. 37-38).
140
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Figura 7
Distância orçamentária entre LOA e despesa total autorizada
(LOA mais créditos adicionais)
Distância orçamentária entre LOA e total autorizado
Classificação institucional (por órgão)
0,0500
0,0450
1947/63
1996/2013
0,0400
0,0350
0,0300
0,0250
0,0200
0,0150
0,0100
0,0050
0,0000
Distância orçamentária entre LOA e total autorizado
Classificação por natureza
0,1400
1947/63
1996/2013
0,1200
0,1000
0,0800
0,0600
0,0400
0,0200
0,0000
Fonte: Bittencourt (2016, p. 158).
E o que ocorreria quando da execução, pelo governo, dessa despesa autorizada? Conforme a figura 8, embora exista maior diferença entre autorização e
execução em favor do primeiro período no que se refere à execução por órgão
(concentrada nos anos finais), a distância orçamentária por natureza de despesa é
claramente maior em 1996-2013, indicando que o grau em que o Executivo modifica a intenção legislativa quando da sua execução é maior no período atual.
Se combinada essa informação com a constatação de que o grau de execução no
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
141
período 1996-2013 é significativamente menor (figura 4 acima), vemos que a
ação do Executivo difere na medida em que realiza no pós-1988 uma contenção
de despesa57 bem maior do que aquela realizada pelo Executivo de 1946. Deve-se notar que o valor da despesa executada em 1946 utilizado para esse cálculo
de distâncias inclui as despesas sem crédito ou além do crédito, o que revela que
mesmo as mudanças introduzidas de moto próprio pelo presidente não são capazes de tornar as mudanças na execução maiores nessa etapa.
Figura 8
Distâncias orçamentárias entre despesa autorizada e executada
Distância orçamentária entre despesa autorizada e executada
Classificação institucional (por órgão)
0,0600
1947/63
1996/2013
0,0500
0,0400
0,0300
0,0200
0,0100
0,0000
Distância orçamentária entre despesa autorizada e executada
Classificação por natureza
0,0600
1947/63
1996/2013
0,0500
0,0400
0,0300
0,0200
0,0100
0,0000
Fonte: Bittencourt (2016, p. 160).
57
Contenção maior em algumas naturezas do que em outras, o que resulta em proporções significativamente distintas medidas pela maior distância orçamentária.
142
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Quanto às receitas, a mudança na composição da previsão feita pelo Legislativo
no orçamento é inequivocamente maior no pós-1988 (mesmo se desconsiderado o já mencionado outlier de 1997), o que se verifica tanto na maior média
(com desvio-padrão semelhante) quanto no formato da curva na figura 9. Esta
circunstância pode ter origem na dependência quase absoluta do orçamento de
1988 em relação às receitas nele constantes, em decorrência da supressão do
financiamento por emissão monetária e da adoção, no âmbito da receita, de práticas próximas à universalidade orçamentária. Isso faz com que a possibilidade
de ação financeira governamental dependa crucialmente do comportamento das
receitas orçadas, que passam a refletir quase todos os fenômenos econômicos e
sua variabilidade.
Figura 9
Distância orçamentária entre receita estimada na LOA e receita
efetivamente arrecadada
Distância orçamentária entre a receita estimada na LOA e a arrecadada
Classificação por natureza da receita
0,0800
1947/63
1996/2013
0,0700
0,0600
0,0500
0,0400
0,0300
0,0200
0,0100
0,0000
Fonte: Bittencourt (2016, p. 162).
O fenômeno, para o período de 1946, de uma despesa que não cresce em termos
reais entre o PLOA e a LOA, mas que é modificada fortemente pelo Legislativo
em sua composição, obriga a uma análise mais fina dos dados. Evidentemente,
não há como ecoar banalidades de um Congresso “perdulário” baseado apenas
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
143
em algumas platitudes sobre o aumento nominal do gasto.58 Por outro lado,
os poucos relatos que localizamos sobre o processo interno legislativo são
realmente no sentido de que a iniciativa dos parlamentares individuais é a
de apresentação massiva de emendas de despesa, com pequena ou nenhuma
intervenção de contenção por quaisquer atores (BRASIL. CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 1953, p. 4; 1959, p. 2409-2413). Como conciliar esse quadro
de suposta demanda por aumento indiscriminado da despesa com os números
levantados sobre um aumento nominal e real bastante controlado?
Uma possibilidade, compatível com as hipóteses mais gerais da literatura e abrigada nos relatos contemporâneos sobre as finanças públicas do período, contempla uma abordagem estratégica de ambos os poderes: subdimensionar despesas obrigatórias por lei (bem como as previsões de aumento dessas despesas
ao longo do exercício e despesas que, não executadas, ensejariam algum tipo de
situação de emergência) de forma que o montante total apresentado na proposta
(e na lei aprovada) pudesse contemplar mais autorizações para despesas de outro
tipo,59 na expectativa de que no decorrer do exercício as insuficiências da cobertura de despesas obrigatórias fossem sanadas mediante créditos adicionais60 ou
mesmo por meio da realização de despesas sem crédito (BRASIL. TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO, 1962a, p. 128-129; 1960, p. 43-44), tudo isso em
grandes proporções relativamente ao total da despesa (FURTADO, 1989).
Não se trata de idiossincrasia: ao contrário, é uma estratégia clássica na teoria orçamentária, sempre suscetível de frutificar em processos incrementalistas de elaboração orçamentária (FÖLSCHER, 2007). Participam do jogo tanto o Executivo,
que já formula a proposta com esse viés (BRASIL. CONTADORIA-GERAL
DA REPÚBLICA, 1955, p. 25), quanto o Legislativo, que não o corrige. Aliás,
o Legislativo tenderia a agravá-lo, elevando as despesas não obrigatórias de seu
interesse e até mesmo reduzindo mais as que já vinham subavaliadas (BRASIL.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 1964, p. 39-40). Os mencionados relatos
58
Baaklini (1993), por exemplo, crê demonstrar que o Congresso é a fonte do desequilíbrio fiscal
pelo simples fato de que, entre 1960 e 1964, apresentou milhares de emendas ao orçamento a cada
ano, aprovou outras tantas, elevou o valor nominal da autorização da despesa e viu o valor nominal
da despesa e do deficit elevar-se ainda mais na fase de execução.
59
Um exemplo concreto é dado pelo exame do TCU à proposta de orçamento de 1961, indicando
gritante subavaliação das despesas de pessoal, inativos e juros da dívida (BRASIL. TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO, 1962a, p. 11).
60
Para os quais não havia a obrigatoriedade legal de indicar fontes específicas de receita (BRASIL.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 1962, p. 23; 1957a, p. 111–114; 1949, p. 85-88).
144
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
sugerem, ainda, a existência de objetos “favoritos”, como auxílios e subvenções,
obras e, a título de “dispositivos constitucionais”, os fundos de aplicação no
desenvolvimento regional (Nordeste e Amazônia) previstos na Constituição
(BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 1961a, p. 132-133; 1962a,
p. 126), contrapostos àquelas categorias como gastos de pessoal e com o serviço da dívida nos quais a rigidez contratual ou legal restringe as deliberações
discricionárias da despesa pública (e que, por isso mesmo, despertariam menos
interesse político).
Esse cenário permite um entendimento preliminar plausível para o aparente paradoxo: o crescimento moderado dos orçamentos do período de
1946 (especialmente em termos reais), associado a uma intervenção legislativa intensa, decorreria do fato de os aumentos nominais da despesa não serem lineares em todas as categorias de despesa, mas sim concentrados todos
em algumas de maior interesse tanto legislativo quanto presidencial, e que não
estariam abrigadas pela rigidez de compromissos obrigatórios. Esse fenômeno ocorreria tanto na relação entre a proposta apresentada pelo Executivo e a
lei aprovada (na qual sobressai o interesse dos parlamentares) quanto na relação entre a lei de orçamento e os créditos adicionais (na qual se pode verificar se a suposta subavaliação original da proposta do Executivo de fato é
“corrigida”).61 Para verificação preliminar dessa interpretação, realizamos o
exercício de apuração da diferença entre os percentuais de cada categoria de
despesa no valor total da despesa: i) entre a proposta do Executivo (PLOA) e
a lei de orçamento (LOA); ii) entre o valor do orçamento (LOA) e a despesa
total autorizada (LOA mais créditos adicionais); e iii) entre a despesa total autorizada e a execução da despesa.
Os resultados desse exercício constam da tabela 4 abaixo, que traz a média,
por período, da variação da participação relativa de cada categoria de despesa,
em cada exercício, nos três momentos comparativos definidos no parágrafo
61
Esse raciocínio guarda alguma similaridade com os achados de Lima Jr. (1977) no sentido de
que: “[...] o Executivo, na expectativa de cortes nas dotações por parte do Congresso, propõe níveis elevados de dotações que, efetivamente, são reduzidas pelo Congresso para, no momento de
execução, serem ligeiramente ampliadas pelo Executivo” (LIMA JR., 1977, p. 154). Naturalmente,
essa convergência é apenas indicativa, uma vez que metodologia e foco do mencionado artigo são
distintos.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
145
anterior.62 Esta primeira aproximação vai no sentido da explicação acima delineada. Comparando primeiro a LOA com a proposta recebida, no período de
1946, as categorias de despesas mais nitidamente vinculadas a despesas obrigatórias sofreram decréscimo de sua participação relativa. Entre 1947 e 1955, a
categoria “Pessoal” decresceu 2,62%, e “Dívida Pública”, 0,61%; já entre 1956 e
1963, é ainda mais nítido: as verbas de “Custeio” decresceram em média 4,25%,
ficando quase estável a parcela relativa à amortização de dívidas. Ao mesmo
tempo, ganharam participação as categorias “interessantes” em termos políticos: entre 1947 e 1955, “Outros Serviços e Encargos” (que inclui os auxílios
e subvenções) cresceu 1,17% e “Obras” aumentou 2,85%; já no período posterior, entre 1956 e 1963, cresceram as “Transferências” em 1,38%, os gastos
com “Desenvolvimento Econômico e Social” (que constituem basicamente subvenção a empresas estatais) em 2,32% e “Investimentos” em 0,83%. Essas diferenças, ainda que existam, são mais modestas no período constitucional atual:63
despesas com pessoal e juros decresceram 0,23% e 0,38% apenas, enquanto os
investimentos ascenderam 1,05%.
Já entre a lei de orçamento e o valor final autorizado (orçamento mais créditos adicionais), o quadro é mais matizado: entre 1947 e 1955, a despesa
com pessoal decaiu 1,46% de participação e a de dívida teve queda de 0,53%,
contra um aumento de 2,3% em outros serviços e encargos (com uma queda
de 0,89% nas obras). Entre 1956 e 1963, ocorreu o que se previa inicialmente:
o “Custeio” (que inclui pessoal) retomou 3,47% de participação, a expensas
basicamente de “Transferências” (menos 2,98%) e “Desenvolvimento Econômico e Social” (menos 1,13%) – embora os investimentos fossem preservados
com um acréscimo de 0,64%. Para esses mesmos momentos orçamentários, a
variação entre 1996 e 2013 é menos clara: dentre as categorias obrigatórias,
decresceram “Pessoal” (1,01%) e “Juros” (0,89%), assumindo grande elevação
a “Amortização de dívida” (2,74 %), mas também as “Inversões financeiras”
(1,97%). Esta volatilidade das rubricas mostra, desde já, o alto grau de incerteza associado ao processo orçamentário: determinadas despesas de especial
interesse político para os parlamentares saíam do Parlamento superestimadas,
62
Não constam do cálculo das médias aqueles exercícios para os quais não havia informações sobre
um determinado momento (1948 a 1951 e 1958, para o PLOA), e todos os valores do exercício
de 1997, pela existência de distorção associada a uma decisão específica de política econômica
(BITTENCOURT, 2016, p. 317-318; 2017b, p. 37-38).
63
Até como reflexo da proibição constitucional de emendamento mediante redução dos valores atribuídos a pessoal, serviço da dívida e transferências constitucionais (art. 166, § 3º, II, da CF/1988).
146
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
com uma expectativa implícita de corte posterior (a qual confirmar-se-ia ou não
em razão de circunstâncias do próprio embate político ao longo do exercício).
Por fim, na hora de executar a despesa autorizada, fica mais clara a reversão
das tentativas iniciais: no período de 1946, cresceu substancialmente a fração
correspondente às despesas obrigatórias (1947-1955: 1,80% com pessoal e
0,64% com dívida; 1956-1963: 1,95% com pessoal) a expensas daquelas que
foram privilegiadas nos momentos anteriores na metade inicial (1947-1955);
a participação de “Outros Serviços” e “Encargos” caiu 0,61% e a de “Obras”,
0,61%; no final do período, a partir de 1956, as diminuições se concentraram
em “Desenvolvimento Econômico e Social” com 0,69% e “Investimentos”
com 1,98%, havendo uma ligeira ampliação do volume de “Transferências”
em 0,25%. No pós-1988, a execução tornou a elevar a parcela de “Pessoal”
(1,71%) e de “Outras despesas correntes”64 (3,82%), penalizando a “Participação
de investimentos” (1,09%) e “Inversões financeiras” (0,35%) – ainda que os
montantes da dívida assumam também uma queda significativa (juros em 1,79%
e amortização em 0,96%).
Tabela 4
Variação entre os momentos orçamentários na participação relativa
de cada categoria na despesa total
LOA/PLOA
Média
Autorizado/ LOA
DesvioPadrão
Executado/
Autorizado
Média
DesvioPadrão
Média
DesvioPadrão
Período 1947-1955
64
Pessoal
-2,62%
1,75%
-1,46%
2,87%
1,80%
1,65%
Material
-0,79%
0,22%
0,45%
1,86%
0,00%
1,24%
Outros Serviços e Encargos
1,17%
1,82%
2,30%
2,59%
-0,61%
1,80%
Obras, Equipamentos e
Aquisição de Imóveis
2,85%
1,87%
-0,89%
0,94%
-1,70%
0,89%
Eventuais
0,00%
0,00%
0,12%
0,36%
-0,12%
0,35%
No período atual, ainda que continue contemplando as transferências assistenciais tradicionais,
essa categoria assume características muito mais rígidas quanto à exigibilidade legal, porque passa
a registrar as transferências constitucionais relativas à repartição de impostos com estados e municípios e as despesas com o regime geral de previdência social, que juntos representam de longe
a maior parte desse tipo de despesa.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
LOA/PLOA
Dívida Pública
Autorizado/ LOA
147
Executado/
Autorizado
Média
DesvioPadrão
Média
DesvioPadrão
Média
DesvioPadrão
-0,61%
0,59%
-0,53%
0,36%
0,64%
0,25%
Período 1956-1963
Custeio
-4,25%
2,94%
3,47%
7,58%
1,95%
5,23%
Transferências
1,38%
2,44%
-2,98%
3,82%
0,25%
2,92%
Desenvolvimento Econômico e Social
2,32%
1,74%
-1,13%
2,89%
-0,69%
2,78%
Investimentos
0,83%
2,92%
0,64%
1,76%
-1,98%
2,40%
Participações Financeiras
-0,04%
0,03%
0,02%
0,16%
0,45%
0,99%
Amortização da Dívida Pública
-0,05%
0,03%
-0,02%
0,06%
0,00%
0,10%
Despesas de exercícios anteriores
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,03%
0,06%
Disponibilidade para suplementações
-0,19%
0,51%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
Período 1996-2013
Pessoal e Encargos Sociais
-0,23%
0,29%
-1,01%
1,37%
1,71%
0,60%
Juros e Encargos da Dívida
-0,38%
0,36%
-0,89%
1,37%
-1,79%
1,98%
Outras Despesas Correntes
-0,30%
1,04%
-2,42%
2,97%
3,82%
2,26%
Investimentos
1,05%
0,38%
0,20%
0,52%
-1,09%
1,12%
Inversões Financeiras
-0,15%
0,31%
1,97%
4,01%
-0,35%
0,96%
Amortização da Dívida
0,06%
1,05%
2,74%
2,99%
-0,96%
2,66%
Outras Despesas de Capital
0,00%
0,01%
0,00%
0,00%
0,00%
0,02%
Reserva de Contingência
-0,03%
0,54%
-0,60%
0,29%
-1,34%
0,92%
Fonte: Bittencourt (2016, p. 171).
Uma apresentação gráfica, por sua vez, reforça a sugestão inicial de pertinência
dessa explicação. A Figura 10 abaixo plota a evolução, ao longo dos exercícios
da participação de dois tipos de despesas distintas (as linhas horizontais de
gráficos apresentam os períodos, respectivamente 1947-1955, 1956-1963 e
1996-2013). Na coluna da esquerda, as despesas mais típicas do perfil obrigatório e determinado por lei e contratos, menos suscetíveis a uso como pork ou
instrumento de barganha política; na coluna da direita, aquelas que, ao contrário, mostram-se mais típicas desse interesse político.
148
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Figura 10
Variação da participação na despesa total de categorias de despesas selecionadas
Pessoal + Dívida – 1947-1955
6,00%
Outros Serviços e Encargos + Obras – 1947-1955
8,00%
4,00%
6,00%
LOA – PLOA
Autorizado – LOA
Executado – Autorizado
2,00%
4,00%
0,00%
2,00%
- 2,00%
0,00%
- 4,00%
- 2,00%
- 6,00%
LOA – PLOA
- 4,00%
Autorizado – LOA
- 8,00%
Executado – Autorizado
Custeio + Amortização da Dívida – 1956-1963
20,00%
- 6,00%
Transferências + Desenvolvimento Econômico e
Social + Investimentos – 1956-1963
15,00%
15,00%
10,00%
10,00%
5,00%
5,00%
0,00%
0,00%
- 5,00%
- 5,00%
- 10,00%
- 10,00%
- 15,00%
- 15,00%
LOA – PLOA
Autorizado – LOA
- 20,00%
LOA – PLOA
Autorizado – LOA
Executado – Autorizado
Executado – Autorizado
Pessoal + Outras Despesas de
Custeio – 1996-2013
Investimentos – 1996-2013
15,00%
2,00%
10,00%
1,50%
1,00%
5,00%
0,50%
0,00%
0,00%
- 5,00%
- 10,00%
- 15,00%
- 0,50%
LOA – PLOA
Autorizado – LOA
- 1,00%
LOA – PLOA
Executado – Autorizado
- 1,50%
Autorizado – LOA
Executado – Autorizado
Fonte: Bittencourt (2016, p. 173).65
65
Para o período 1988, as obrigatórias incluem “Pessoal” e “Outras despesas de custeio”, e as discricionárias são amostradas por meio dos “Investimentos” (obras físicas). A consideração de “Outras
despesas de custeio” como obrigatórias decorre do fato de que essa categoria (não obstante registrar o valor dos auxílios e subvenções tradicionais) tem sua parcela amplamente majoritária
correspondente a transferências constitucionais de receitas a estados e municípios e a benefícios
previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, dois gastos que estão entre os mais rigidamente predeterminados por lei. Não foram incluídas as despesas com a dívida pública nas
obrigatórias pelo fato de que a dimensão macroeconômica que a dívida pública assumiu no período
recente (como substituição à emissão monetária na condição de variável de ajuste do desequilíbrio
fiscal), somado à sua sensibilidade a movimentos exógenos de juros e câmbio, torna o seu processo
decisório também exógeno, em grande medida, à barganha orçamentária típica.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
149
Os gráficos tornam mais visível o argumento, e em todas as comparações o
perfil é o mesmo. Vistas nos gráficos da coluna à esquerda, as despesas obrigatórias perdem espaço na elaboração da LOA (decisão parlamentar) e – com muito
menos força – nas modificações feitas pelos créditos adicionais, recuperando em
seguida sua proporção quando da execução real.66 Essa tendência é até maior no
período de 1988, mas está presente em todos. Enquanto isso, as despesas que
supostamente despertam interesses de barganha política (gráficos da coluna à
direita) têm o perfil exatamente inverso: aumentam muito de participação na
elaboração do orçamento, aumentam menos sua cota com os créditos adicionais
e são devolvidas a participações inferiores quando da execução.
Outra forma de testar a força desse argumento é avaliar também a distribuição por órgãos. Tomando uma amostra de ministérios que, em cada período, pudessem representar o perfil de despesas mais concentrado em despesas
obrigatórias tradicionais (como pessoal e custeio administrativo, aqui cognominados “ministérios tradicionais”) e uma amostra daqueles cujo orçamento
contempla em proporção maior as modalidades de gasto mais suscetíveis de
interesse transacional político (como obras, auxílios e subvenções, apelidados “ministérios políticos”),67 vemos, na tabela 5 abaixo,68 que são ainda mais
66
No período 1996-2013, tendo em vista a virtual inexistência de despesas executadas sem crédito,
essa recuperação significa uma contenção muito maior da execução das outras categorias de despesa que das obrigatórias. No período anterior, no qual já se observou que inexiste, quase, execução
inferior aos valores autorizados, essa reversão em favor das obrigatórias combina uma (eventual)
contenção da execução das demais categorias com uma significativa execução das despesas obrigatórias em valores superiores aos autorizados, na modalidade “sem crédito ou além do crédito”.
67
O grupo dos ministérios “tradicionais” representa a soma dos Ministérios militares (a partir de
1999, substituídos pelo Ministério da Defesa) e do Ministério das Relações Exteriores (perfil de
despesa concentrada na folha de pagamento e no custeio tradicional). O grupo dos “políticos”,
com ministérios cuja carteira de ações envolve a maior parcela de destinações discricionárias
de recursos a terceiros por meio de subvenções e auxílios ou de obras e intervenções locais,
contempla em 1946 os Ministérios da Justiça e Negócios Interiores, da Agricultura e da Viação
e Obras Públicas, e em 1988 os Ministérios dos Transportes, de Esporte e Turismo (sucedido
pelo de Turismo), de Integração Nacional, das Cidades, e pelo antecessor desses dois últimos, o
então Ministério do Planejamento e Orçamento (quando incorporava as secretarias de execução
de projetos de desenvolvimento urbano e regional antes da criação dos ministérios respectivos).
Trata-se de uma seleção reconhecidamente ad hoc, baseada na experiência do autor em relação
aos focos de interesse de emendas parlamentares – e, para 1946, na descrição de Hippólito (1985,
p. 76-77), dos focos de interesse do PSD no acesso aos cargos ministeriais –, mas qualquer outra
seleção nesses termos seria judgmental (portanto, arbitrária) em algum grau. Em se tratando de
uma ilustração que busca exatamente apontar casos extremos de um ou de outro perfil de órgão,
entende-se que a seleção é admissível para os propósitos da análise.
68
Aqui também não foram considerados para as médias os exercícios para os quais não havia informações sobre um determinado momento (1948 a 1951 e 1958, para o PLOA), e todos os valores
do exercício de 1997, conforme já apontado na Tabela 4.
150
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
fortes que os decorrentes da análise por categoria de despesa, sendo os respectivos desvios-padrão menores em relação às médias. A média da participação
dos ministérios tradicionais (despesa obrigatória) cai inequivocamente quando
da aprovação do PLOA no Congresso, e sobe também de forma cabal quando da
execução comparada com o total autorizado. O movimento dos ministérios “políticos” é exatamente o inverso. Por fim, todas essas variações são maiores em
1946 do que em 1988.
Tabela 5
Variação entre os momentos orçamentários na participação relativa de grupos de
ministérios selecionados na despesa total
LOA/PLOA
Autorizado/ LOA
Executado/Autoriz.
Média
Desviopadrão
Média
Desviopadrão
Média
Min. “tradicionais”
-2,25%
1,45%
-2,27%
1,39%
1,26%
1,73%
Min. “políticos”
2,73%
2,55%
-1,86%
3,50%
-2,22%
2,79%
Min. “tradicionais”
-0,09%
0,12%
0,22%
1,07%
0,35%
0,27%
Min. “políticos”
0,67%
0,31%
-0,09%
0,49%
-0,83%
0,96%
Desvio-padrão
1947-1963
1996-2013
Fonte: Bittencourt (2016, p. 176).
Na Figura 11 abaixo, fica clara a distribuição das variações: a participação dos
ministérios “tradicionais” é sistematicamente reduzida entre o PLOA e a LOA,
e sistematicamente elevada entre a autorização total (LOA mais créditos) e a
execução – o inverso, exatamente, ocorre com os ministérios políticos (tudo em
proporções bem mais elevadas em 1946) –; o impacto dos créditos adicionais
fica menos claro, situando-se a curva majoritariamente entre as duas outras.
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
151
Figura 11
Variação da participação na despesa total de ministérios selecionados
1947/1963 – Ministérios “políticos”
1947/1963 – Ministérios “tradicionais”
6,00%
PLOA/LOA
10,00%
Autorizado/LOA
4,00%
Executado/Autorizado
5,00%
2,00%
0,00%
0,00%
- 5,00%
- 2,00%
- 4,00%
- 10,00%
PLOA/LOA
Autorizado/LOA
- 6,00%
Executado/Autorizado
- 15,00%
1996/2013 – Ministérios “políticos”
1996/2013 – Ministérios “tradicionais”
2,00%
3,00%
2,50%
2,00%
PLOA/LOA
Autorizado/LOA
1,50%
1,00%
1,00%
0,00%
Executado/Autorizado
- 1,00%
0,50%
0,00%
- 0,50%
- 2,00%
- 3,00%
- 1,00%
- 1,50%
- 2,00%
PLOA/LOA
Autorizado/LOA
- 4,00%
Executado/Autorizado
- 5,00%
Fonte: Bittencourt (2016, p. 177).
Conclusão
Este artigo analisou as regras do processo político-orçamentário, assim como
seus grandes números nos dois períodos democráticos brasileiros. Trata-se, principalmente para o período da República de 46, da apresentação de dados inéditos
e necessários ao aprofundamento de hipóteses de comportamento político, formando um quadro mais robusto de dados para uma comparação profícua com o
período pós-1988.
Teoricamente, é importante demarcar claramente as fases em que cada um dos
Poderes, Executivo e Legislativo, detém controle sobre o orçamento. Para a
literatura de comportamento legislativo, assim como de Relações Executivo-Legislativo, a maior ou menor latitude de ação que os parlamentares possuam
sobre o orçamento influem fortemente em seu alinhamento ao Poder Executivo,
que vem a ser, no Brasil, o centro de gravidade dos governos e de sua estabilidade.
152
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O experimento natural, que é a comparação entre os dois períodos democráticos
brasileiros, tem neste problema sua pedra de toque.
A avaliação das prerrogativas e a influência do Executivo e do Legislativo sobre
o orçamento denotam que o primeiro tornou-se mais influente após a CF/1988
e que tem poder significativo quando mensurado em perspectiva internacional.
Quanto aos números, entre a apresentação da proposta por um poder, sua análise
pelo outro e posterior implementação pelo primeiro, nos dois períodos houve
uma coreografia de inflações e remanejamento de rubricas. A volatilidade dos
grandes números, de forma até contrária ao que se esperava, foi similar nos dois
períodos. Contudo, quando se desce ao detalhamento dessas mudanças, fica
claro que o período da República de 1946 foi mais intenso em modificar rubricas
entre as diferenças fases orçamentárias, buscando um gasto politicamente mais
vantajoso, o que redundava, em momento posterior, em cortes por um lado e
emissões inflacionárias por outro. No geral, há um quadro de maior instabilidade
nas relações político-orçamentárias no primeiro período, o que corrobora a constatação de que a República de 1946 assistiu a relações Executivo-Legislativo
mais instáveis (o que pôde refletir-se em menor fidelidade e coesão legislativa).
Retomando a hipótese apresentada no início, os dados apresentados pelo artigo
permitem aferir que houve uma maior instabilidade no processo político-orçamentário na República de 1946 em comparação ao período pós-CF/1988.
Ao contrário do que diz a literatura, que maiores poderes legislativos no primeiro
período ensejaram um legislativo mais independente, aqui se avança a explicação que o processo orçamentário é de fato uma peça-chave para a coordenação política; contudo, o que avulta na experiência brasileira é a natureza mais
ou menos incerta deste processo. Tal incerteza impacta as relações políticas
entre Executivo e Legislativo e o próprio comportamento legislativo.
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Apêndice
Critérios de avaliação de poderes de agenda orçamentário
Este apêndice traz a lógica da construção de cada critério de avaliação utilizado
para parametrizar os poderes de agenda presidenciais. Para a operacionalização
dos indicadores, utilizou-se uma coleção ampliada das variáveis de poderes presidenciais desenvolvidas inicialmente por Shugart e Carey (1992, p. 133-146).
Mensurando cada critério, foi construído um indicador de poderes presidenciais
que varia de zero a um (quanto mais próximo de um, maior o poder do presidente
vis-à-vis o Legislativo). Para a definição dos valores, foram distribuídas entre
zero e um todas as possíveis variações desse critério, sempre ordenadas de forma crescente de modo que a um maior valor do indicador corresponda uma situação de maior poder institucional do Executivo frente ao Legislativo. A título
de exemplo, se a um determinado critério correspondam três situações institucionais possíveis, estas assumirão os valores de 0, 0,5 e 1, sendo 0 o de menor poder institucional do presidente e 1, o maior. Se forem quatro situações,
os valores ordenados serão de 0, 0,33, 0,66 e 1, e assim sucessivamente. Esta
avaliação é inspirada na metodologia de construção de indicadores comparativos de potencialidade institucional legislativa apresentada por Montero (2009,
esp. p. 182-189) e na tabela de avaliação de poderes presidenciais de Shugart e
Carey (1992, p. 155), baseando-se amplamente na tipologia de Wehner (2010).
INDICADOR
OBSERVAÇÕES
INICIATIVA
DA PROPOSTA
ORÇAMENTÁRIA
A iniciativa é a competência que um ou mais poderes têm de submeter
formalmente uma proposta para que seja deliberada. Quando a
competência é privativa de um determinado agente, apenas ele pode
apresentar projeto de lei sobre o assunto (não se confunde com a
prerrogativa mais ampla de iniciar money bills, ou seja, legislação
substantiva que implica elevação de impostos ou determina obrigações
de política pública que, indiretamente, implicam aumento de despesa).
160
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
INDICADOR
OBSERVAÇÕES
CONSEQUÊNCIAS DA
NÃO APRESENTAÇÃO
DA PROPOSTA
ORÇAMENTÁRIA
As regras para não apresentação da proposta orçamentária definem
o status quo, ou default, com que se defronta o Executivo na
decisão de iniciar ou não a tramitação formal do orçamento, ou
seja, o que acontecerá se não for proposto ao Legislativo.
ESCOLHA DOS
MEMBROS DAS
COMISSÕES QUE
VOTAM OS PARECERES
AO ORÇAMENTO
Trata-se da escolha dos parlamentares individuais dentro da
fração que corresponde a cada partido dentro da comissão (que é
fixa em função de normas constitucionais nos dois períodos). O
quesito espelha poder presidencial porque um processo decisório
centralizado permitirá maior predominância do Executivo (será
mais fácil à coalizão majoritária eventualmente formada pelo
presidente influenciar e controlar os parlamentares individuais).
TRAMITAÇÃO
BICAMERAL
A necessidade de aprovação por cada uma das casas (mesmo em
sessão conjunta) acrescenta mais um ponto de veto, elevando
o custo de aprovação da agenda proposta pelo presidente,
o que reduziria o seu poder frente ao Legislativo.
PARTICIPAÇÃO
DAS COMISSÕES
ESPECIALIZADAS
As comissões especializadas são um elemento central à capacidade
institucional do Parlamento, elevando a produtividade pela
divisão do trabalho e reduzindo as assimetrias de informação pela
especialização de seus membros (SANTISO, 2004; WEHNER,
2010; PRAÇA, 2013). Quando não existem no âmbito do exame e
votação do orçamento, fica enfraquecida a atuação parlamentar.
PODER DAS
COMISSÕES
Pelas mesmas razões do critério anterior, sendo a comissão especializada
um ator importante no empowerment do Legislativo, a dominância
decisória do posicionamento da comissão (isto é, se o seu parecer é
apenas opinativo e pode ser desconsiderado pelo Plenário, ou se há
um leque de restrições que dificultem que a posição da comissão seja
modificada) significará também uma posição mais forte do Parlamento.
SIMETRIA DE PODERES
ENTRE AS CASAS
Quanto mais simétricos forem os poderes das duas Casas de
um legislativo bicameral (como é o caso brasileiro nos dois
períodos), mais poderão ambas as Casas atuarem plenamente em
seu papel como atores decisórios (diminuindo proporcionalmente
a discricionariedade do Executivo sobre a decisão final).
CONSEQUÊNCIAS DA
NÃO APROVAÇÃO DA
LEI ORÇAMENTÁRIA
(default)
Sem orçamento ou alguma autorização provisória que o substitua, não
é possível executar a ação pública, pois esta depende da realização
de despesas. A ausência de uma alternativa quando o orçamento não
é aprovado eleva os custos políticos da rejeição do orçamento (VON
HAGEN, 2007). De outro lado, caso o Executivo possa gastar livremente
os fundos públicos sem que o orçamento esteja aprovado, não terá
qualquer incentivo para atingir, no processo, os acordos legítimos que
representem decisões efetivas sobre o gasto. (WEHNER, 2010).
Mutações orçamentárias e comportamentos políticos na democracia brasileira
69
161
INDICADOR
OBSERVAÇÕES
PODER DE LEGISLAR
UNILATERALMENTE
(“PODER DE
DECRETO”) SOBRE
ORÇAMENTO –
ABRANGÊNCIA69
Trata-se de a prerrogativa do Executivo modificar unilateralmente
o orçamento durante a execução orçamentária. (WEHNER,
2010). Este critério trata do rol de assuntos ou objetos de gasto
que pode ser abrangido pelo poder de decreto (sobre todo o
orçamento, sobre casos específicos definidos com maior ou
menor grau, ou sobre nenhuma parcela do orçamento).
PODER DE LEGISLAR
UNILATERALMENTE
(“PODER DE
DECRETO”) SOBRE
ORÇAMENTO –
INTERVENÇÃO
LEGISLATIVA
Este critério trata da capacidade dada ao Legislativo, pelo rito
procedimental, para influir ou interferir na modificação unilateral
promovida pelo presidente. Pode não haver nenhuma (o Congresso
não interfere na decisão presidencial), ou a exigência de aprovação
a posteriori pelo Legislativo, com ou sem possibilidade emendar
o ato modificativo (situação na qual há que ponderar o caso
em que o presidente pode criar a autorização para a despesa e
comprometer os recursos antes da deliberação final do Legislativo,
criando um fato consumado que retira qualquer efeito concreto
da prerrogativa parlamentar da aprovação última da despesa).
CARÁTER
MERAMENTE
AUTORIZATIVO
DO ORÇAMENTO
Trata-se da prerrogativa do Executivo de recusar-se a gastar parte da
despesa especificada na lei do orçamento (caso em que o Executivo
passa a ter na prática a capacidade de modificar as proporções
e a composição do orçamento ao executar alguns programas e
não executar outros, a seu critério). O efeito de uma prerrogativa
presidencial dessa natureza é o fortalecimento relativo do Executivo
no controle do orçamento (WEHNER, 2010; SANTISO, 2004).
TEMPO DISPONÍVEL
PARA EXAME PELO
LEGISLATIVO
Tempo é um recurso escasso no Parlamento (DÖRING, 2001), e as
matérias orçamentárias têm de disputá-lo com todas as demais, além
de cumprir um deadline estrito. Um prazo excessivamente curto para
o Parlamento examinar a massa de informações recebida (limitação
informacional) e alcançar acordos decisórios (limitação de ação
coletiva) implicariam em uma séria limitação de sua capacidade de
decisão própria em termos orçamentários (WEHNER, 2010).
CAPACIDADE DE
O LEGISLATIVO
EMENDAR
MATERIALMENTE
A PROPOSTA
ORÇAMENTÁRIA
Quanto mais liberdade tem o colegiado legislativo para modificar
a proposta recebida, menor o poder de agenda centralizado
nas mãos do Executivo, uma vez que mais alternativas à
sua preferência original podem ser colocadas sobre a mesa
(WEHNER, 2010; NOBREGA JR., 2008; PRAÇA, 2013).
PODER DE VETO
Situações em que o presidente não tem poder de veto, ou pode apenas
vetar a totalidade da lei orçamentária, elevam os custos de rejeição
do orçamento e fragiliza o presidente no exercício do poder de veto
(VON HAGEN, 2007; MORAES, 2011; SHUGART; CAREY, 1992).
A situação mais favorável ao presidente é a possibilidade de veto parcial
incidindo sobre objetos de despesa específicos (WEHNER; 2010).
Trata-se do poder de decreto no sentido estrito, que não inclui os casos de delegação expressa de
poderes legislativos pelo Congresso em casos específicos, nem de decretos de caráter regulamentar
ou administrativo (SHUGART; CAREY, 1992, p. 143-146).
162
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
INDICADOR
OBSERVAÇÕES
MAIORIA PARA
DERRUBAR O VETO
Assumindo a existência da possibilidade do veto e da respectiva
derrubada em um legislativo bicameral (o caso brasileiro nos
dois períodos), a escala de valores contempla de forma ordenada
o diferente custo, em porcentagem dos membros do Congresso,
exigido para a derrubada de vetos sob as diferentes regras de maioria
possíveis (SHUGART; CAREY, 1992; GROHMAN, 2003).
163
O Parlamento sob influência:
transformações no Legislativo
e na representação de interesses
organizados (1983/2016)70
Manoel Leonardo Santos
Marcello Fragano Baird
Introdução
As decisões políticas em regimes democráticos resultam de complexos processos nos quais muitos atores interagem. Entre esses atores, os grupos que
representam interesses organizados não devem ser desconsiderados, dada sua
potencial capacidade de influência no processo decisório. Nesse sentido, grupos
de pressão, movimentos sociais, interesses organizados, dentre outros precisam
ser levados em conta, principalmente se forem vistos como um conjunto de
organizações que oferece grande quantidade de inputs ao sistema político.
No Brasil, as teorias sobre o funcionamento do presidencialismo de coalizão se
desenvolveram substantivamente nos últimos 25 anos. Em que pese esse desenvolvimento, a maioria dos estudos negligenciou o papel dos grupos de interesse
em pelo menos duas importantes dimensões: a primeira é a ação de lobby dos
múltiplos interesses organizados no processo decisório; a segunda diz respeito
às amplas transformações ocorridas no sistema de representação de interesses
nos últimos anos.
70
Este capítulo é uma versão revisada e atualizada do texto para discussão do Ipea (TD 1975), intitulado Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos
Deputados (1983-2012). O TD 1975 foi publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) em 2014. Os autores agradecem a Acir Almeida (Ipea), pelas contribuições na ocasião da
pesquisa, e a André Rehbein Sathler Guimarães e Elaine Gontijo, pelos valiosos comentários à
nova versão.
164
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Visando superar essa lacuna, assim como considerar as mudanças institucionais ocorridas pós-1988, este capítulo faz uma análise dos grupos de interesses
que atuam no Parlamento brasileiro. Duas premissas gerais norteiam a argumentação apresentada. A primeira é que o Legislativo voltou a ser uma arena
decisória relevante no período pós-1988. A segunda diz respeito às mudanças
nos padrões de relação entre Estado e sociedade nos últimos 30 anos, transformando o sistema de representação de interesses no Brasil de um modelo corporativista para um modelo híbrido, que combina representação sindical com
um pluralismo cada vez mais acentuado (DINIZ; BOSCHI, 1999; GOZETTO;
THOMAS, 2014). Explicar a mudança institucional ocorrida no período recente
é, portanto, a contribuição deste capítulo.
Os resultados aqui apresentados apontam para o fortalecimento dessas duas
premissas e ajudam a entender a relevância de incorporar à análise a ação dos
interesses organizados no Parlamento. Os dados mostram que a arena legislativa tem atraído número crescente de organizações representativas de diferentes
interesses econômicos e segmentos sociais, assim como um crescente número
de assessores parlamentares dos diversos órgãos do próprio Estado. Da mesma
forma, os dados aqui analisados apontam para a corroboração da tese do crescimento do pluralismo, ao mesmo tempo em que se mantém a representação de
interesses pelas entidades da estrutura corporativista.
O trabalho apresenta uma descrição dos grupos de interesse que atuam na
Câmara dos Deputados, contando com evidências recolhidas de duas fontes:
i) o cadastro de grupos de interesse e assessores parlamentares no período
de 1983 a 2016; e ii) o registro de participação de interesses organizados em
audiências públicas nas comissões permanentes no período de 2003 a 2015.
Este capítulo está organizado de forma a refletir as duas discussões mencionadas. Além desta introdução, há duas seções, sendo que a primeira trata da
revalorização do Legislativo como lócus central de atuação dos interesses organizados. A seção retoma as principais teses sobre o presidencialismo de
coalizão, com especial foco nas relações Executivo-Legislativo, para discutir
e mostrar dados que apontam para o fortalecimento do Parlamento como alvo
da ação política dos grupos de interesse. Conclui-se que a presença crescente
de grupos de pressão e de assessores parlamentares na Câmara dos Deputados
sugere que o Parlamento está longe de ser um campo de atuação política menos
relevante que o Poder Executivo.
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
165
Na segunda seção, debatem-se as mudanças no sistema de representação dos interesses organizados. Para tanto, observa-se a evolução do padrão de participação
da sociedade no Parlamento, revelando o aumento do pluralismo e da representação corporativista, indicando que a tese da migração do sistema de representação
de interesses para um modelo híbrido, marcado pela competição por influência,
mostra-se factível. Por fim, nas conclusões estão sumarizados os resultados e algumas indicações sobre a agenda de pesquisa na área.
Relações Executivo-Legislativo no presidencialismo de
coalizão
Estudos recentes têm apresentado explicações alternativas para a força do
Parlamento e o efetivo papel que partidos e comissões desempenham no sistema político brasileiro na atualidade. A mudança institucional no pós-1988 é
altamente significativa, na medida em que devolve prerrogativas ao Congresso
– quanto a esse aspecto há pouca discordância. Mas essas diferentes visões
marcam o debate em torno da proclamada delegação de poderes do Parlamento
para o Executivo.
Mudança institucional
Embora a ampla literatura especializada encerre visões muito mais complexas
do que as elencadas aqui, é possível, ainda que de forma estilizada, apontar
pelo menos três perspectivas que se contrapõem. A primeira está fundamentada por autores como Ames (1995; 2000), Geddes (1994), Lamounier (1991) e
Mainwaring (1997), que sugerem que o Legislativo estaria fortemente marcado
por interesses particularistas e paroquiais, que prevaleceriam em detrimento
das questões de caráter nacional. O presidente, nesta perspectiva, seria refém
permanente de um legislativo com parlamentares autointeressados, o que se
constituiria num óbice à aprovação de sua agenda com consequências negativas
para a governabilidade. Resumidamente, dados a fragmentação partidária, os
interesses localistas e as características dos partidos, o custo de governar no
Brasil seria muito alto.
Uma segunda visão, fundamentada nos trabalhos de Figueiredo e Limongi
(2001), Meneguello (1998), Pereira e Mueller (2000), entre outros, sugere o
166
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
contrário e se apoia em dois argumentos centrais. O primeiro é que o presidente
conta, desde 1988, com importantes prerrogativas constitucionais que permitem
que ele tenha um controle sobre a agenda legislativa. Essas prerrogativas são,
basicamente, o poder de decreto (medidas provisórias – MPV), a iniciativa exclusiva em áreas estratégicas (orçamentária, financeira, administração pública,
entre outras) e o pedido de urgência constitucional. O segundo argumento, complementar ao primeiro, postula que a centralização do processo decisório no
Legislativo (mais especificamente na Mesa Diretora e no Colégio de Líderes)
permite ao Executivo um controle sobre sua coalizão de apoio no Parlamento.
Nesse contexto, os líderes partidários da base e a elite parlamentar seriam accountables ao chefe do Executivo, possibilitando que o presidente governe com
o apoio uma coalizão partidária.
Mais recentemente, uma terceira interpretação se apresenta, matizando as
demais perspectivas. Dois trabalhos podem ser citados como fundamentais.
O primeiro, de Santos e Almeida (2011), explora o problema informacional no
Parlamento e aponta para novas interpretacões sobre a organização legislativa.
O resultado mais substantivo sugere que a lógica da delegação do Legislativo
para o Executivo passa pela demanda de produção e disseminação no interior
do Parlamento, mostrando que essa delegação não é assim tão flagrante e determinante quanto sugerem, por exemplo, Figueiredo e Limongi (2001). Sob certas
circunstâncias, o Parlamento prefere aceitar passivamente as proposições do
Poder Executivo; sob outras, alternativamente, opta por submetê-las ao exame
crítico das suas comissões técnicas. Ao analisar aspectos fundamentais do processo legislativo, como o uso de medidas provisórias, da urgência regimental
e da seleção de relatores nas comissões técnicas, os autores relativizam fortemente as explicações correntes, lançando luz sobre a lógica da delegacão e,
consequentemente, sobre a própria dinâmica de funcionamento do presidencialismo de coalizão no Brasil. O trabalho de Freitas (2013) também traz aportes
relevantes nesse sentido, ao mostrar que, mesmo quando a tramitação legislativa é acelerada por meio de pedidos de urgência, de tal forma que, muitas
vezes, uma proposição legislativa vai direto ao Plenário, prescindindo do crivo
das comissões, os congressistas ainda assim influem no texto por meio de seu
emendamento.
O segundo trabalho, de autoria de Almeida (2015), apresenta uma revisão
extensa dos indicadores de governabilidade utilizados correntemente pela
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
167
literatura. Fortemente ancorado em dados empíricos, documenta o declínio do
poder de agenda e do controle do Executivo sobre o processo legislativo. Entre
os achados mais relevantes, o autor aponta que
Nos últimos dez anos ocorreram importantes mudanças no processo legislativo federal, especialmente no que diz respeito às iniciativas de lei do
Executivo. Diminuíram-se a edição de medidas provisórias e o uso do regime de urgência na tramitação de projetos de lei, permitindo, assim, que o
sistema de comissões permanentes do Congresso passasse a exercer papel
mais ativo. Ademais, a agenda legislativa, antes dominada por iniciativas
do Executivo, passou a incluir quantidade muito maior de proposições de
origem parlamentar. (ALMEIDA, 2015, p. 45)
Embora o autor ainda não apresente propriamente uma nova teoria explicativa
mais ampla, seus resultados preliminares são, no mínimo, desconcertantes para
as teorias mais aceitas sobre as relações Executivo-Legislativo no Brasil. As
consequências para a análise do processo decisório desses achados não são nada
triviais. Segundo o autor, nos últimos dez anos, a agenda legislativa tornou-se
mais aberta e descentralizada e pelo menos dois aspectos merecem atenção:
i) o seu conteúdo passou a incluir quantidade substancial de proposições dos
congressistas, deixando de ser dominado pelas do Executivo; e ii) o timing de
quantidade crescente de decisões legislativas passou a ser definido pelas várias comissões permanentes, e não mais pelo Executivo (via uso de MPV e urgência constitucional) e pelas lideranças partidárias (via urgência regimental
e o controle da pauta do plenário). (ALMEIDA, 2015, p. 48)
Sobre os partidos
Se observarmos essas teorias, especialmente no que concerne ao papel dos
partidos políticos no Congresso Nacional, “pode-se dizer que existe um
cisma básico entre duas perspectivas principais” (SANTOS, 2002). A primeira delas
[...] afirma que os partidos no Brasil são indisciplinados e por isso o comportamento da Câmara é imprevisível. Além disto, afirma que os deputados
estão sempre buscando transferir benefícios para seus redutos eleitorais e
constituencies, o que converte o executivo em uma espécie de prisioneiro
168
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
dos interesses dos parlamentares (AMES, 1995; 2000; AMORIM NETO,
1998; GEDDES, 1994; LAMOUNIER, 1991; MAINWARING, 1997; 1999).
(SANTOS, 2002)
Num sentido contrário, a segunda interpretação sugere que
[...] o comportamento dos partidos é disciplinado, as decisões da Câmara são
previsíveis e seus membros não são capazes de fazer valer suas prodigalidades particularistas (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999; MENEGUELLO,
1998; PEREIRA, 2000; SANTOS, 1997). (SANTOS, 2002)
É importante lembrar, contudo, que esta última perspectiva não descarta que
a manutenção da base aliada gera custos ao governo, exigindo negociações
permanentes com o Parlamento. Mas embora se considerem os custos de manutenção da coalizão, esta perspectiva difere fortemente da primeira na medida em que sugere que o sistema político brasileiro não é o caos indicado
pelos analistas nos anos 1990. Estes vaticinavam, inclusive, as dificuldades de
se erigir e manter uma democracia estável calcada nestas bases institucionais
(MAINWARING, 2001).
A análise do período mais recente, especialmente o primeiro governo e parte do
segundo da ex-presidente Dilma Rousseff, serve para intensificar a polêmica.
As sérias dificuldades enfrentadas pela coalizão de governo, em especial no
início do segundo mandato, são indicativos de que as relações entre Executivo
e Legislativo mudaram, afastando-se substancialmente da ideia de delegação e
de controle da agenda e do processo legislativo por parte do Executivo.
Sobre o sistema de comissões
Como já mencionado, estudos recentes mostram que as comissões desempenham funções importantes no Legislativo, seja cumprindo um papel informacional (SANTOS; ALMEIDA, 2011), seja como trincheira dos grupos de pressão
usada parra barrar proposições que contrariem seus interesses (MANCUSO,
2005; SANTOS, 2011). Ademais, o controle dos partidos sobre as comissões
(MÜLLER, 2005) sugere que o Executivo tem que negociar com esses partidos
se quiser controlar o sistema de comissões no Parlamento.
Particularmente relevante para a interpretação do papel das comissões, os recentes achados corroboram a ideia de que as comissões são de fato relevantes.
Como acima referido, “o timing de quantidade crescente de decisões legisla-
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
169
tivas passou a ser definido pelas várias comissões permanentes, e não mais pelo
Executivo” (ALMEIDA, 2015).
Especialmente nesse aspecto, os achados do autor matizam uma visão, até bem
pouco tempo muito difundida, de que o sistema de comissões seria governado
por agentes do Executivo, e sua função principal seria fortalecer e contribuir com
a aprovação da agenda legislativa do presidente. Comissões, nessa perspectiva,
agiriam como “agentes do Executivo”, o que parece, pelo menos no período
recente, menos provável.
Implicações para a ação dos grupos de interesses no Parlamento
Mas quais seriam as implicações dessas diferentes visões sobre o Parlamento,
seus partidos e seu sistema de comissões, que poderiam ajudar a entender a
questão central deste capítulo, que é descrever os grupos de interesse no
Congresso Nacional?
Infelizmente, a literatura brasileira ainda não responde de maneira robusta a este
questionamento. Como já considerado, esta variável tem ficado sistematicamente de fora das análises.71 O que não impede, claro, que se faça um exercício
especulativo.
Ao se pensar em um Congresso partidariamente fragmentado e com parlamentares autointeressados, poder-se-ia inferir que esse Parlamento estaria mais permeável a múltiplos interesses. Sendo assim, essa seria uma arena política privilegiada para a ação dos interesses organizados, tal como sugere a primeira visão.
Se, por outro lado, leva-se ao extremo a visão que sugere um Congresso disciplinado e accountable ao Executivo, a tendência é pensar exatamente o contrário,
ou seja, pouco ou nada valeria para os grupos de interesse atuar nas Casas
legislativas, já que o processo decisório estaria marcado pela preponderância
do Executivo. Nesse caso, faria muito mais sentido percorrer os corredores dos
ministérios e da burocracia do que investir tempo e dinheiro no monitoramento
e nas ações de lobby junto aos congressistas.
71
Importantes trabalhos no campo de estudos sobre lobby e grupos de interesses têm sido desenvolvidos mais recentemente, mas não se pode negar que são quase exceções. Os trabalhos mais relevantes são os de Baird e Fernandes (2014); Baird (2016), Baird (2017), Diniz e Boschi (1999);
Diniz, Boschi e Santos (1993a; 1993b), Mancuso (2003; 2007a; 2007b; 2010), Santos (2014a;
2014b) e Santos et al. (2015).
170
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Os dados aqui recolhidos, se contrastados com a literatura, sugerem que a interpretação pode estar numa visão atenuada entre os dois extremos, e provavelmente muito mais próxima das interpretações mais recentes. Ou seja, se é
verdade que o Executivo não “domina” com facilidade a agenda legislativa e
que não tem mais o controle sobre o sistema de comissões (ALMEIDA, 2015),
é também verdade que os interesses organizados têm atuado cada vez mais
intensamente no Legislativo, como veremos a seguir. E é plausível supor que
estas organizações não deslocariam seus recursos para a arena legislativa se não
houvesse espaço para defender no Parlamento uma agenda favorável aos seus
interesses. Ou, noutro sentido, na intenção de evitar a aprovação de uma agenda
contrária a seus interesses.
Outra especulação possível, e complementar, vem do recente esforço de aplicação da teoria informacional para o caso brasileiro por Santos e Almeida (2011).
Os autores, como já mencionado, sugerem que boa parte do esforço realizado
pelas comissões é no sentido de produzir e disseminar, dadas certas circunstâncias, informação para o Legislativo tomar decisões. Se pensados como “agentes
informacionais”, os grupos de interesses passariam a interessar aos parlamentares que arcam com os custos informacionais, especialmente aos presidentes
das comissões temáticas e aos relatores mais assíduos dessas comissões. É dizer
que, esses grupos, pela sua expertise, passariam a ser mais importantes como interlocutores de parlamentares e partidos nas suas funções de legislar.
Nas próximas seções estão relacionados alguns dados que apontam favoravelmente em defesa da tese da retomada do Legislativo como arena política
relevante no processo decisório e como espaço privilegiado para a ação de interesses organizados. As evidências mostram que a representação de grupos de
interesse no âmbito da Câmara dos Deputados vem cumprindo uma trajetória
ascendente desde 1983 e que o sistema de comissões, cada vez mais ativo, é
espaço altamente relevante para a ação desses interesses. Este dado pode ser
interpretado, sem maiores dificuldades, como um indicador de que os interesses
organizados têm deslocado para o Parlamento parte de seus recursos e de sua
energia na expectativa de ver suas demandas consideradas pelo sistema político.
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
171
O cadastro da Primeira-Secretaria
Levantamento no âmbito desta pesquisa identificou todos os cadastramentos de
grupos de interesses e de assessores parlamentares na Câmara dos Deputados
no período de 1983 a 2016, conforme o art. 259 do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados, que determina que a Primeira-Secretaria deve manter o
cadastro dos grupos de pressão e da imprensa que atuam na Casa. O Regimento
prevê, também, o cadastramento dos assessores parlamentares dos órgãos do
Estado, representados pela burocracia estatal. Nesse período, foram catalogadas nada menos que 544 diferentes organizações da sociedade civil (73,1%),
165 órgãos de Estado (22,1%) e mais 37 organizações (4,9%) que foram classificadas como “Outros”.72 Ou seja, nos últimos 33 anos, 746 diferentes organizações e órgãos de Estado se registraram nesse cadastro. A observação mais detida
da evolução desse cadastro, representada no gráfico 1, mostra um crescimento significativo da atuação dos interesses organizados no Parlamento no período em foco. O crescimento vai de 47 grupos cadastrados no biênio 1983-1984
a 436 no biênio 2015-2016. Para que se tenha uma ideia da magnitude do incremento por biênio, foi realizada uma regressão linear bivariada (reta de regressão no gráfico 1). O resultado mostra que o incremento de uma unidade
na escala do tempo (expressa em biênios) impacta o crescimento de 17,703 registros, em média, no cadastramento (com significância estatística de 99,9% e
R2 = 0,813). Os dados ajudam a sustentar, portanto, aquilo que a literatura já
registrou: a revalorização do Legislativo como arena política relevante a partir da Constituição de 1988, dada a crescente atuação de grupos de interesse
no parlamento.
72
A categoria “Outros” é formada por sociedades de economia mista, pelas instituições financeiras e
pelas empresas públicas que, por motivos conceituais, não se encaixam nem como órgão de Estado
nem como grupos de interesse da sociedade civil.
172
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Gráfico 1
Evolução do cadastro da Primeira-Secretaria da
Câmara dos Deputados 1983-2016
500
450
436
y = 17,226x
R² = 0,8122
400
350
300
257
250
200
150
100
47
50
0
Total
Linear (Total)
Fonte: dados da Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados (2017).
Elaboração dos autores.
O que se vê, portanto, é uma forte atuação dos grupos de interesse, que pautam
suas ações basicamente com três objetivos: buscar influir no processo decisório, tentar abrir canais de comunicação com o Poder Legislativo e obter
informações relevantes para o planejamento estratégico dos seus setores de
interesse. Ou seja, o que se vê ao longo do tempo é o aumento do pluralismo
de interesses representados, o que vem acompanhado, como revelam outras
pesquisas (SANTOS et al., 2017), da profissionalização do lobby. Esta última,
consequência da competição cada vez mais acentuada por influência e pela
ocupação de um “novo” (novo, pois agora mais relevante e promissor) espaço
político, o Congresso Nacional.
Apesar de a trajetória crescente ser contínua no tempo, especial atenção deve
ser dedicada à interpretação da variação atípica registrada no último biênio. Em
2013-2014, foram realizados 257 cadastramentos de entidades. No biênio seguinte, 2015-2016, o crescimento é exponencial, passando para 436 entidades
cadastradas. A que se deve esse crescimento tão significativo e sem precedentes na série histórica?
A hipótese mais plausível para tal crescimento, embora não seja única, é que
nesses dois anos tivemos uma atividade parlamentar também atípica. Neste
período de crise política, o acesso às dependências do Poder Legislativo
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
173
tornou-se significativamente mais restrito, o que, no nosso ponto de vista, pode
ter induzido uma maior procura por credenciais de acesso via cadastramento na
Primeira-Secretaria.
De fato, o biênio 2015-2016 foi marcado por fatos muito relevantes. O mais
importante foi o longo processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Nesse contexto, facções pró e contra o processo ocuparam com vigor a Casa,
que passou a ser palco de inúmeras manifestações. No mesmo sentido, é importante lembrar que esse processo de impeachment foi precedido de uma atividade parlamentar atípica. Aqui nos referimos àquilo que a imprensa batizou de
“pautas-bomba”. Essas pautas marcaram um período no qual o Executivo perdeu
significativamente o seu poder de agenda nos trabalhos parlamentares, tendo a
Mesa Diretora, os parlamentares, os partidos e as comissões assumido um protagonismo pouco comum da agenda. Esse período, como se sabe, foi resultado de
duas causas básicas: i) as dificuldades do Executivo em administrar sua coalizão
de governo; e ii) o conflito da coordenação política do Palácio do Planalto com
o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que se declarou desde o início de seu
mandato como de oposição.
Por esses motivos, no período pré-impeachment não foram raras as manifestações no interior do Parlamento, que passou a receber muitos grupos de interesse e manifestantes que, afetados direta ou indiretamente por essa pauta, procuravam participar e influir no processo decisório que envolvia proposições
cujo conteúdo alterava significativamente o status quo.
Assim, o que se observa é que esses dois anos foram bastante tumultuados na
Câmara. O biênio foi marcado por muitas manifestações, que alteraram inclusive os procedimentos de segurança e de acesso ao Plenário, por exemplo. Todo
o aparato para garantir a ordem nas atividades do Parlamento acabou dificultando o acesso às dependências da Casa e, à primeira vista, gerou maior demanda por credenciais.
Cumpre registar que os dados do cadastro da Primeira-Secretaria inspiram cuidado. Embora úteis, não há razão para acreditar que eles retratam com precisão a magnitude dos múltiplos grupos de interesse que atuam na Câmara dos
Deputados. Certamente este número está fortemente subestimado e é factível inferir que muitos outros interesses atuam ali, inclusive de maneira informal. Sobre
esta atuação informal, infelizmente, não há informações precisas e seguras. De
174
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
todo modo, o uso dos dados se justifica porque a frequência bianual estabelecida
para o recadastramento permite uma visão da evolução do cadastro numa longa
série histórica. Além disso, ainda que o cadastro não seja obrigatório e, portanto,
não impeça a atuação de assessores parlamentares e lobistas, o que gera indicadores apenas parciais, as vantagens do cadastramento (a emissão de um crachá de
identificação que dá ao cadastrado credibilidade na abordagem ao parlamentar; o
acesso facilitado às dependências fechadas do Congresso Nacional; o acesso privilegiado ao estacionamento e ao prédio do Congresso Nacional, por exemplo,
em dias nos quais está fechado ao público; evitar passar pela revista e enfrentar
filas) tendem a revelar os grupos de interesse que mantêm atividades permanentes e mais sistemáticas no Congresso Nacional.
Estado e sociedade civil no Parlamento
Considerando agora de forma mais criteriosa toda a série histórica dos dados da
Primeira-Secretaria, ou seja, vendo separadamente a representação dos órgãos
do próprio Estado e da sociedade civil, surgem outros padrões bastante interessantes. O mais significativo é o que mostra que a evolução da representação da
sociedade civil cresce de forma um pouco mais acentuada em relação à representação dos órgãos de Estado (gráfico 2).
Gráfico 2
Estado e sociedade civil na evolução do cadastro da Primeira-Secretaria
da Câmara dos Deputados (1983-2016)
320
300
250
y = 12,311x - 18,037
R² = 0,7234
200
150
y = 4,428x + 9,845
R² = 0,90333
100
95
50
y = 0,9632x + 2,625
R² = 0,7548
0
Estado
Soc. Civil
outros
Linear (Estado)
Linear (Soc. Civil)
Linear (outros)
Fonte: dados da Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados (2017).
Elaboração dos autores.
21
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
175
A comparação da evolução do cadastramento dos três diferentes tipos de representação está demonstrada por três regressões lineares bivariadas (retas de
regressão plotadas no gráfico 2). Da mesma forma que o modelo anterior, as
regressões têm como variável independente o tempo (série histórica em biênios) e como variáveis dependentes a evolução do cadastro de entidades da sociedade civil, do Estado e de uma categoria residual denominada “outros”. Os
resultados mostram que o incremento de um biênio na escala do tempo tem um
efeito maior sobre o cadastramento da sociedade civil. No caso da representação dos órgãos e instituições de Estado, o incremento de um biênio na série
histórica implica um aumento de 4,428, em média, de instituições cadastradas.
Já no caso das entidades privadas e outras organizações da sociedade civil, o
incremento de um biênio na série histórica implica um aumento, em média, de
12,311 organizações cadastradas. Por fim, na categoria “outros”, o incremento
de um biênio na série histórica tem um impacto pouco relevante, representando
um incremento de 0,963 novos cadastros em média. Todas as regressões apresentam um R2 ajustado bastante convincente, como se pode ver no gráfico 2, e
os testes apresentam significância estatística satisfatória (99,9%).
De fato, a interpretação do gráfico 2 sugere o resultado esperado, ou seja, um
aumento significativo na representação de interesses no Congresso Nacional.
No caso da sociedade civil, como a representação não tem limites, parece bastante coerente que seu incremento seja maior do que o incremento da representação dos órgãos do Estado, que está condicionado a limites institucionais. Mas
efetivamente, o que se vê é que o crescimento deste último também é bastante
acentuado.
Mais uma vez aqui é possível identificar um crescimento exponencial no último
biênio. Agora com os cadastros desagregados em três categorias, é possível
ver mais claramente que esse crescimento está fortemente localizado nas organizações da sociedade civil. Esse dado ajuda a fortalecer a hipótese de que
as atividades políticas induziram um aumento no número de cadastros, especialmente dos interesses organizados da sociedade civil.
Esses dados, vistos em conjunto, ajudam a entender o ambiente político no qual
os interesses organizados entram em ação no Parlamento. Resumidamente, os
dados autorizam a afirmar que esse ambiente é cada vez mais competitivo, com
diferentes grupos da sociedade civil em disputa por influência, inclusive com a
176
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
representação dos órgãos da burocracia estatal. Em suma, o Parlamento tem sido
espaço de decisão e atuação política cada vez mais disputado.
Considerando que o lobby e a representação sistemática de interesses têm custos
elevados e exigem a mobilização de recursos por parte dos grupos de pressão,
a mobilização cada vez maior desses grupos visando atuar no Parlamento parece um indicador relevante para confirmar, como já dito, as duas proposições
que a literatura vem sugerindo. A primeira é que o Legislativo foi revalorizado
pelos grupos de interesse e pelos representantes de órgão de Estado como espaço decisório, convertendo-se em uma arena política cada vez mais relevante.
A segunda é que essa representação é cada vez mais plural.
Contudo, o incremento no cadastro, visto de forma agregada, não mostra
aspectos importantes. Outros achados interessantes podem ser registrados
quando se verifica mais detidamente que existem diferenças relevantes na evolução da representação do Estado e da sociedade no Parlamento. A tabela 1 traz
os valores desagregados por subtipos, referentes a três biênios – o primeiro da
série (1983-1984) e os dois últimos. Ela traz, ainda, mais três indicadores que
nos ajudam a pensar a evolução do cadastro de forma desagregada.
O primeiro indicador é o incremento do cadastro considerando o primeiro
biênio da série (1983-1984) e o último (2015-2016). Pode-se verificar que o
incremento é realmente relevante, como já restou demostrado nos gráficos anteriores. O segundo é o incremento dos cadastros comparando apenas os dois últimos biênios (2013-2014 e 2015-2016). Apresenta-se essa comparação devido
ao crescimento exponencial verificado entre os dois últimos biênios. Aqui, especificamente, pode-se verificar que o crescimento foi bem mais acentuado entre
as organizações da sociedade civil, especialmente entre as associações livres.
O mesmo pode ser observado na última coluna da tabela, que traz o maior valor
encontrado em toda a série. Note-se que a maioria dos valores dessa coluna são
os mesmos da coluna do último biênio, como, aliás, era de se esperar, dada a
magnitude dos valores na última apuração dos dados.
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
177
Tabela 1
Órgãos do Estado e entidades da sociedade civil na evolução do cadastro da
Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados (1983-2016)
Incremento Incremento
Biênios
1983-
dois
1984 e
últimos
2015-2016
biênios
(c-a)
(c-b)
Maior
valor da
série
Órgãos e entidades
Estado
Sociedade
19831984(a)
2013-
2015-
2014(b)
2016(c)
Instituições financeiras
1
1
1
0
0
1
Agências reguladoras
0
7
9
9
2
9
Ministérios
12
27
28
16
1
28
Tribunais
0
6
8
8
2
16
Órgãos de controle
0
5
9
9
4
9
Conselhos
1
2
2
1
0
2
Secretarias ministeriais
0
7
13
13
6
13
Superintendências
2
0
1
-1
1
2
Fundações e institutos
1
9
8
7
-1
5
Departamentos
0
3
3
3
0
3
Governos subnacionais
0
0
0
0
0
1
Procuradorias
0
2
2
2
0
3
Outros
0
8
10
10
2
10
Total órg. de Estado
17
66
95
78
29
-
Representação sindical
11
61
93
82
32
93
Associações livres
5
88
155
150
67
155
Movimentos sociais
0
0
1
1
1
1
Representação
profissional
6
8
15
9
7
15
ONGs
0
0
18
18
18
18
Centrais sindicais
0
3
5
5
2
5
Conselhos
0
0
4
4
4
4
Fundações e
institutos privados
0
0
10
10
10
10
Outros
4
8
19
15
11
19
Total sociedade civil
26
99
320
294
221
-
178
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Incremento Incremento
Biênios
1983-
dois
1984 e
últimos
2015-2016
biênios
(c-a)
(c-b)
Maior
valor da
série
Órgãos e entidades
Outros
19831984(a)
2013-
2015-
2014(b)
2016(c)
Instituições financeiras
2
4
5
3
1
5
Grandes corporações
1
7
9
8
2
10
Fundações e institutos
0
1
0
0
-1
1
Outros
1
2
7
6
5
7
Total outros
4
14
21
17
7
-
Fonte: dados da Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados (2017).
Elaboração dos autores.
Os números que mostram o incremento na representação de órgãos do Estado
sugerem duas especulações sobre seus fatos geradores: a fragmentação do
Executivo e a especialização da burocracia. Como se vê, o incremento do cadastramento entre o primeiro e o último biênio está concentrado no aumento do número de ministérios representados (incremento de 16 ministérios cadastrados)
e das secretarias ministeriais (incremento de 13), assim como dos órgãos de
controle (incremento de 9) e das agências reguladoras (incremento de 9). Outro
aspecto que parece relevante é a participação do Judiciário, que entre o primeiro
e o último biênio foi de 8 órgãos cadastrados.
No que diz respeito à sociedade civil, a representação sindical e as associações
livres representam a parte mais significativa do cadastro, acompanhadas das
organizações profissionais e das ONGs – estas últimas, com representação bastante tímida.
O aspecto interessante a observar é que as associações livres tiveram um incremento significativo em relação à representação sindical. Se observarmos a
comparação entre o primeiro biênio (1983-1984) em relação ao último biênio
da série (2015-2016), nota-se que apenas 5 associações livres estavam cadastradas no primeiro, e no último elas já somavam 155 cadastros. Um incremento,
portanto, de nada menos que 150 cadastros entre o primeiro e o último biênio.
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
179
O que está denominado aqui como associações livres são organizações privadas
(que reúnem nacionalmente associações locais e regionais) que se constituem
para representar setores específicos e que se organizam “por fora” da representação sindical, seja patronal (setor produtivo), seja de trabalhadores ou servidores públicos. Elas poderiam ser chamadas também de entidades “extracorporativas”, pois não estão submetidas à legislação que regula a representação
sindical. Mas, independentemente da nomenclatura, o mais importante a registrar é que essas associações representam interesses de segmentos que na maioria
das vezes já têm representação sindical formal (via estrutura sindical regulada
por lei). Portanto, o animus que leva a esta expressão associativa pode ser entendido como uma forma de organizar, paralelamente, interesses específicos na
intenção de ver suas demandas consideradas. Elas são, portanto, a expressão do
aumento do pluralismo.
Se comparado o incremento deste tipo de representação com as entidades do
sistema corporativista (entidades do sistema sindical nos três níveis, tais como
sindicatos, federações e confederações), vê-se que a diferença é significativa,
pois a representação sindical tem um incremento de 82 cadastramentos. Se tomados em conjunto, esses dados confirmam o aumento significativo do pluralismo, tal como sugere a literatura.
Por fim, a tabela 1 mostra que a categoria residual diz pouco sobre o cadastro,
mas ainda assim não deve ser desconsiderada. Embora o incremento seja
muito mais discreto, ele existe e pode ser visto como um dado confirmatório
da tese mais geral.
A competição por influência e a representação dos órgãos
de Estado
Ao se verificar a tabela 1, observa-se que os números assinalam uma representação cada vez maior de órgãos do Estado no Parlamento. Os assessores
parlamentares dos ministérios e dos órgãos de controle preponderam dentre os
representantes estatais e sugerem um ambiente político no qual os interesses
organizados atuam sob forte escrutínio e acompanhamento de diferentes setores do governo. É difícil, portanto, desconsiderar os impactos da presença da
180
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
burocracia estatal na competição por influência entre interesses, assim como nos
resultados políticos que emergem do Legislativo.
A presença cada vez maior de assessores dos ministérios no processo legislativo
pode ter duas explicações que se complementam. A primeira diz respeito à fragmentação do Executivo e a segunda diz respeito à própria tese da revalorização
do Legislativo como arena decisória relevante.
No primeiro caso, pode-se sustentar que o incremento do cadastramento de
assessores parlamentares dos ministérios reflete a fragmentação do Executivo.
Esta fragmentação pode ser vista como consequência de dois fatores principais:
um político e outro administrativo. Do ponto de vista político, a fragmentação
que gera a ampliação do número de ministérios (e de secretarias com status de
ministério) pode ser entendida como uma necessidade de acomodar as forças
político-partidárias que compõem a base de apoio ao governo no Parlamento.
Desta forma, o governo atende às necessidades políticas alocando ministérios
segundo o critério partidário. Vários estudos já mostraram que a taxa de coalescência no presidencialismo de coalizão indica que, para tornar possível sua tarefa
de governar, o Executivo tem que compartilhar o gabinete com os partidos que
lhes dão sustentação no Parlamento (AMORIM NETO, 2000). A hipótese aqui
parece tanto plausível quanto simples: a fragmentação partidária leva à fragmentação do Executivo, e isso por si já explicaria a presença de um número cada vez
maior de assessores dos ministérios no processo legislativo.
No que diz respeito à segunda explicação, a revalorização do Legislativo, a
explicação é também autoevidente. Ela segue a mesma lógica argumentativa
usada para os grupos de interesse, ou seja, os ministérios e demais órgãos de
Estado (assim como os grupos de interesse) não mobilizariam recursos humanos
e não canalizariam energia para o Parlamento se aquela arena não tivesse alguma
relevância no processo decisório. Mesmo que o governo tenha um controle
significativo sobre a agenda legislativa, como boa parte da literatura afirma, ele
não pode contar somente com os líderes partidários da sua base para impedir
que suas proposições sejam alvo de modificações significativas. Aliás, estudos
recentes mostram que o Parlamento brasileiro tem uma atividade de emendamento nada desprezível. Essa atividade de emendamento pode, inclusive, ser
pensada como proxy para medir a intensidade da ação dos grupos de interesses
com relação a um determinado issue (SANTOS, 2011; FREITAS, 2013).
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
181
O mecanismo aqui sugerido pode ser descrito de duas formas. Uma proposição do governo afeta determinado grupo, que, alertado sobre as consequências da proposta sobre seus interesses, atua junto aos parlamentares para evitar
ou minimizar os impactos negativos (emendando ou obstaculizando sua tramitação) ou potencializar os positivos (emendando ou agindo para acelerar o processo legislativo) (AMORIM NETO, 2002). Num segundo cenário possível,
os grupos de pressão podem não contar com o apoio do governo para incluir
na agenda política propostas de seu interesse. Nesse caso, uma alternativa é recorrer ao Legislativo para tentar introduzir na agenda suas demandas. A estratégia mais plausível aqui seria induzir um parlamentar ou comissão a iniciar
proposições legislativas que contemplem essas demandas. O fato é que, em
qualquer das duas formas sugeridas, o processo legislativo precisa ser monitorado de perto pelos assessores dos ministérios. Nesse sentido é que os órgãos
de Estado devem ser vistos como elementos importantes na permanente disputa
por influência no Legislativo.
Mas os assessores parlamentares dos ministérios não são os únicos a acompanhar
o processo legislativo. A tabela 1 mostra que além deles tem-se também o aumento no cadastro de órgãos de controle (incremento de 5) e das agências reguladoras (incremento de 7). Contudo, a presença desses órgãos precisa ser explicada
de outra forma. No que diz respeito às agências reguladoras, o argumento é
simples. Elas passam a aparecer no cadastro porque simplesmente não existiam
antes de 1995. Portanto, os dados sugerem que aspectos gerenciais (e não políticos) relativos à reforma do Estado são os fatores explicativos. De maneira
complementar, pode-se afirmar também que os órgãos de controle passaram a ter
recentemente um protagonismo cada vez maior no processo político brasileiro.
Polícia Federal, ABIN, Controladoria-Geral da União, entre outros são exemplos de entidades que recentemente se cadastraram na Câmara dos Deputados.
Mas, qualquer que seja o motivo e a explicação para o incremento do cadastro,
o ponto principal é que a afirmação de que o Legislativo é um espaço de disputa
política relevante está mantido.
As audiências públicas na Câmara dos Deputados
Observamos, até o momento, que a representação dos grupos de interesse
foi intensificada na Câmara dos Deputados, o que sinaliza a importância do
182
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Parlamento brasileiro na arquitetura político-institucional do país. Com vistas a
reforçar esse argumento, trazemos a lume dados das audiências públicas realizadas na Câmara dos Deputados.
As audiências públicas, previstas na Constituição Federal, são realizadas no
âmbito das comissões temáticas e envolvem o convite a pessoas e organizações para que exponham suas opiniões e debatam sobre determinado tema.
As comissões são um espaço extremamente importante para a participação e
atuação dos grupos de interesse. De fato, conforme aponta Santos (2014a), com
o controle maior exercido pelo Executivo no Plenário, no tocante à pauta de
votações, a capacidade de influência dos grupos de interesse é potencializada
nas comissões.
Nesse sentido, a realização e a participação em audiências públicas emergem
como relevantes estratégias de atuação dos grupos de interesse. E é justamente
isso que os dados revelam. Analisando todas as audiências públicas em 20
comissões nas 52a, 53a e 54a legislaturas (2003 a 2015),73 conforme o gráfico
abaixo, observa-se que há uma tendência de aumento contínuo desse tipo de instrumento de participação social – o incremento médio do número de audiências
públicas por ano é de 9,660.
Gráfico 3
Número de audiências públicas realizadas por ano (2003-2014)
550
y = 9,6084x + 250,05
R² = 0,0822
450
350
250
150
50
-50
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Fonte: base de dados UFMG e Ipea.
Elaboração dos autores.
73
Dados coletados pelo Centro de Estudos Legislativos-UFMG em parceria com o Ipea (2017).
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
183
De forma correspondente, como seria de se esperar, o número de participantes
dessas audiências públicas apresenta aumento significativo, de 71,71 por ano.
Importante chamar a atenção para o fato de que existe uma sazonalidade na
séria histórica. Ela é marcada pela queda substantiva de audiências públicas e
de participantes em anos eleitorais, como era de se esperar, dado que a atividade
parlamentar diminui nos anos nos quais os parlamentares precisam estar mais
envolvidos com as eleições do que com os trabalhos parlamentares. Note-se,
ainda, que a diminuição é ainda mais acentuada nos anos eleitorais nos quais
os parlamentares estão envolvidos diretamente com sua reeleição. Os anos das
eleições gerais (2006, 2010 e 2014).
Gráfico 4
Número de participações em audiências públicas por ano (2003-2014)
2500
y = 71,71x + 950,3
R² = 0,2029
2000
1500
1000
500
0
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Fonte: base de dados UFMG e Ipea.
Elaboração dos autores.
O próximo gráfico ajuda a interpretar, com outro indicador, o crescimento da
participação. Esse indicador é a razão entre o número de participantes e o número de audiências. Nele se pode ver mais claramente que o acesso dos grupos
de interesse apresenta uma tendência de crescimento. No início da série, a razão
era de 3,9 grupos por audiência; ao final, já passa para 4,7. Em média, o incremento é de 0,08 por ano, totalizando 0,8 ao longo de 10 anos.
184
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Gráfico 5
Razão entre número de participações e número de audiências (2003-2014)
5,5
y = 0,0858x + 3,9747
R² = 0,504
5
4,724
4,5
4
3,918539326
3,5
3
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Fonte: base de dados UFMG e Ipea.
Elaboração dos autores.
É plausível supor que o aumento no número de audiências públicas, participações
e acesso ocorra, dentre outros fatores, por pressão dos próprios grupos sociais,
interessados em ter maior participação no processo legislativo. Novamente, tal
movimento não ocorreria se não houvesse a percepção, por parte desses grupos,
de que a influência pode, de fato, ser exercida nesses espaços. Tal argumentação
torna-se mais clara quando se tem em mente que as comissões, órgãos que
realizam essas audiências, têm sido a expressão maior do fortalecimento do
Legislativo vis-à-vis o Poder Executivo. Nesse sentido, o incremento desse mecanismo participativo soma como mais um fator a demonstrar o revigoramento
do Parlamento brasileiro.
Se identificamos, por um lado, a revalorização do Legislativo brasileiro, que
passa a ser objeto de intensa atuação dos grupos de interesse, por outro, a observação mais atenta do tipo de representação existente no Parlamento sugere
mudanças importantes no próprio modelo de interação entre Estado e sociedade
no país. A essa discussão nos dedicamos doravante.
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
185
Transformações no sistema de representação de interesses
no Brasil e o Parlamento
As mudanças nos padrões de relação entre Estado e sociedade nos últimos 30
anos no país foram significativas. Estudos recentes mostram que o sistema de
representação de interesses no Brasil migrou de um modelo corporativista para
um modelo híbrido, que combina representação sindical com um pluralismo
cada vez mais acentuado. Assim, o fortalecimento das organizações sociais e
a migração de um modelo corporativista (assentado na representação sindical)
para um modelo híbrido (que combina tradicionais instituições corporativistas
com um pluralismo cada vez mais acentuado) sugerem novas interpretações
sobre o papel dos grupos de interesse no processo decisório.
Como há bastante tempo já afirmaram Diniz, Boschi e Santos (1993b), as transformações ocorridas nos últimos anos sugerem uma sociedade civil cada vez
mais robusta, assim como uma mudança em direção à consolidação de um sistema híbrido de representação de interesses, no qual as lógicas pluralista e corporativista convivem em permanente combinação.
Nesse contexto, a representação de interesses da sociedade junto ao Estado,
que tem nas ações de lobby uma de suas expressões mais significativas, assume diferentes formas. Significa dizer que particularmente o aumento do pluralismo, que promove a competição por influência entre interesses múltiplos,
acaba dando novos contornos ao contexto político. O aumento e a diversificação
das organizações sociais acabam por gerar competição por influência, levando
ao aprofundamento e à intensificação das ações de lobby. Ações que se caracterizam, diferentemente do modelo corporativista de negociações centralizadas e
tripartites, pela preponderância de estratégias mais atomizadas de representação
de interesses. Dado este pluralismo crescente, o Parlamento passa a ser também
um espaço de atuação relevante.
Evidências sugerem que esta forma atomizada não se apresenta como única,
nem mesmo predominante. O pluralismo, na verdade, convive lado a lado com
formas corporativistas, como as negociações centralizadas no Executivo (do tipo
tripartite). De forma resumida, o sistema de representação de interesse que hoje
se observa pode ser interpretado como “resultado da persistência de velhas práticas políticas corporativistas, de um legado de executivos fortes e da expansão
186
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
de um pluralismo particularmente incrementado com o empoderamento do
Congresso Nacional no pós-88” (GOZETTO; THOMAS, 2014).
Esse quadro, portanto, sugere um complexo processo decisório que precisa
pensar a arena legislativa de pelo menos duas formas interligadas: como uma
extensão da disputa no Executivo e como caminho alternativo (o lobby) para
a inclusão de temas de interesses específicos na agenda política. Este cenário
exige dos interesses organizados estratégias de dois tipos: a primeira é maximizar as vantagens da representação corporativista aliada às oportunidades da
representação plural; a segunda é ampliar a mobilização de recursos no sentido
de profissionalizar as atividades de lobby. A seguir serão mobilizados dados que
oferecem evidências nos dois sentidos.
A representação da sociedade: corporativismo, pluralismo
e interesses difusos
A tabela 1 mostra que a representação de interesses da sociedade se dá predominantemente por duas formas mais frequentes: associações livres (extracorporativas) e sindicatos. Este será, portanto, o foco priorizado nesta seção. Mas
como estas não são as únicas formas de representação de interesses da sociedade
no Parlamento, adicionalmente serão sugeridas possíveis hipóteses explicativas
para a tímida representação das organizações não governamentais e demais
formas de organização.
Corporativismo vs pluralismo
O padrão de evolução do cadastro mostra uma dinâmica bastante compatível com
as recentes transformações do sistema de representação de interesses apontadas
pela literatura. Seguindo os números da tabela 1, seguramente o ponto que merece mais destaque nesta análise é a evolução da representação plural vis-à-vis
a representação sindical.
A literatura, embora reduzida, aponta que este fenômeno é resultado das transformações que impuseram mudanças significativas no sistema de representação
de interesses no Brasil. A partir de uma dupla chave analítica, alguns autores
propõem duas teses complementares. A primeira diz respeito às mudanças
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
187
institucionais no processo decisório, antes marcado por negociações nos moldes
corporativistas (ou neocorporativistas, se preferir). Neste modelo, as decisões
sobre as políticas macroeconômicas e de desenvolvimento tinham como espaço
privilegiado o Executivo. O modelo de negociação era centralizado e envolvia
geralmente negociações tripartites (governo, trabalhadores e empresários). A
segunda considera a variável econômica, isso é, as transformações no modelo de
desenvolvimento econômico, marcado pela abertura de mercado em contraposição ao modelo de industrialização por substituição de importação. A modernização da economia gera especialização e fragmentação no setor produtivo e,
consequentemente, uma representação de interesses cada vez mais setoriais. Por
outro lado, as mudanças no marco legal que regula o mercado e as condições
econômicas e infraestruturais de vários setores ocorridas a partir dos anos 90
ajudam a entender por que setor produtivo e trabalhadores mudaram de estratégia na forma de fazer política. Basicamente, diante do novo ambiente, os empresários buscavam sobrevivência e os trabalhadores, a manutenção dos postos
de trabalho e a efetivação dos direitos adquiridos.
As implicações desses fatos para a representação de interesses e sua relação com
o Estado podem ser resumidas no termo cunhado por Diniz e Boschi que sugere
a “desconstrução da ordem corporativa”, gerando novos padrões de relacionamento entre Estado e sociedade. A consequência mais evidente disto, segundo
os autores, foi o aumento do pluralismo como expressão da diferenciação social. Segundo Diniz e Boschi (2004), o momento decisivo na desconstrução do
modelo corporativista de negociação foi a mudança empreendida pelo governo
Collor, “quando foram eliminados os espaços de negociação corporativa no interior do aparelho executivo do Estado” (DINIZ; BOSCHI, 2004). Nas palavras
dos autores,
[...] na medida em que tal entrecruzamento resulta de características ligadas
ao padrão preexistente de diferenciação da estrutura de representação de interesses e de sua articulação com o estado, observa-se a emergência de um
sistema híbrido. Antigos interesses organizados sob o modelo corporativo,
bem como novos grupos de interesse assumindo formatos mais pluralistas se
combinam em uma estrutura fragmentada, que busca formas de se articular
com o estado. (DINIZ; BOSCHI, 2004)
O gráfico 3 mostra a evolução do cadastro das entidades da sociedade civil,
contrastando a presença da representação sindical (corporativista) com as
188
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
associações livres (pluralista). A mesma metodologia dos gráficos anteriores foi
aqui replicada. As regressões bivariadas mostram uma tendência de crescimento
constante entre a representação das associações livres em contraste com a representação sindical, sendo significativamente mais acentuado entre as primeiras.
Este dado sugere uma tendência que confirma o aprofundamento da conformação de um modelo híbrido de representação, tanto plural quanto corporativa.
O incremento de um biênio na série histórica implica o crescimento de 6,220
cadastramentos, em média, de associações livres (R2=0,723; significância estatística de 99,9%). Para a representação sindical, o incremento da mesma unidade
representa em média o crescimento de 4,056 cadastros (R2=0,837; significância
estatística de 99,9%).
Gráfico 6
Evolução da representação sindical e das associações livres (1983-2016)
180
160
155
140
120
100
y = 6,2206x - 14,397
R² = 0,7231
93
80
60
40
y = 4,0564x - 2,8603
R² = 0,8377
20
0
-20
Rep. Sindical
Associações livres
Linear (Rep. Sindical)
Linear (Associações livres)
Fonte: dados da Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados. (2017).
Elaboração dos autores.
Quanto à tese da efetiva desconstrução da ordem corporativista, o fato é que o
gráfico mostra uma diferença pequena na evolução do cadastro das associações
em relação aos sindicatos. Assim, se o pluralismo é de fato inevitável e tão
forte, a expectativa seria que a representação plural (associações livres) fosse
incrementada de forma mais significativa, visto que os sindicatos têm limitações
impostas por lei para a sua constituição (tais como as regras da unicidade e da
territorialidade sindicais), ao passo que as associações são de livre constituição.
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
189
Nesse sentido, a tese da efetiva “desconstrução da ordem corporativista” fica
à espera de maiores evidências, cabendo dar melhor interpretação aos dados.
Provavelmente, a frustrada expectativa com relação aos dados sugere outra intepretação. Esta interpretação se fundamenta na legislação brasileira que regula
a representação sindical. Ela foi marcada, desde os anos 1930, por um modelo
hierárquico e centralizado, permitindo inclusive o controle do Estado sobre a
organização sindical. De fato, a Constituição de 1988 traz muitas mudanças,
como o direito de livre organização (art. 5º) e a liberdade sindical (garantida
pela CLT), mas não elimina por completo as estruturas corporativistas antigas.
Assim, embora atenuada, a organização do sistema sindical continua regida pelo
princípio da unicidade sindical. Esse princípio determina que um único sindicato
representará uma categoria profissional (para o caso dos trabalhadores) e uma
categoria econômica (para o caso das empresas). Desta forma, embora a filiação
de uma empresa ou de um trabalhador a um determinado sindicato não seja obrigatória desde 1988, as categorias se agrupam por força de lei, tanto no caso dos
trabalhadores como dos empresários, atando-as a um modelo com fortes traços
herdados do corporativismo.
Por outro lado, embora o imposto e a filiação sindical não sejam compulsórios
desde 1988, a manutenção da contribuição sindical compulsória constitui-se
como mais um ponto de amarração deste sistema, uma vez que garante os recursos para a organização e mobilização de interesses, contribuindo para que os
sindicatos superem os típicos problemas de ação coletiva que, em regra, afetam
os grupos de pressão.
A interpretação aqui defendida sugere que, ao invés de uma contradição, essa
é justamente a chave para entender a configuração do sistema híbrido. Ou seja,
de um lado a manutenção das estruturas corporativistas oferece os elementos
necessários para dotar os sindicatos, federações e confederações com lideranças
de verdadeiros empreendedores políticos capazes de superar os dilemas de ação
coletiva. Segundo Geddes (1994),
Political entrepreneurs are individuals who, because of their connection with
a government or some other organization, such as a party or a union, can
further their own individual interests by “selling” public goods to some group
of individuals in exchange for their support. (GEDDES, 1994)
190
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
A referência ao empreendedorismo político aqui é retirada de Mancuso (2007b).
Na percepção do autor, diante da mudança de contexto e dispondo dos recursos
procedentes dos pilares tradicionais do sistema, a estrutura corporativista [a CNI]
mostrou-se capaz de assumir o papel do “empreendedor político” – ou seja, o
ator que decide, por conta própria, assumir o custo necessário para deflagrar e
organizar a ação coletiva, com vistas à provisão do benefício desejado por todos.
De outro lado, a liberdade de associação e os aspectos econômicos levaram a
uma diferenciação social cada vez maior, induzindo a representação de interesses setoriais e acentuando o pluralismo. Sindicatos e associações livres devem
ser vistos, portanto, como dois lados de uma mesma moeda, que tem em uma de
suas faces o corporativismo e na outra, o pluralismo.
Como conclusão, confirma-se a tese do hibridismo no sistema de representação
de interesses no Brasil, acentuado depois de 1988, sugerindo a atenuação do
termo colocado pela literatura, que anuncia “a desconstrução da ordem corporativista”, uma vez que seus elementos continuam presentes.
Organizações não governamentais e interesses difusos
A tabela 1 revela que praticamente não houve aumento da presença de organizações não governamentais e de representação profissional no cadastro da
Primeira-Secretaria – pelo menos não no mesmo padrão e intensidade incremental encontrados entre sindicatos e associações. Nesse sentido, os dados aqui
também causam certa frustração, porque se esperava uma presença mais significativa dos movimentos sociais,74 já que a sociedade civil é a cada dia mais
robusta no Brasil.
74
Até agora, todas as organizações cadastradas foram tratadas como grupos de interesse, interesses organizados ou grupos de pressão, indistintamente. Contudo, é importante qualificar
o termo “movimentos sociais”, porque aqui ele tem significado relevante para nossa análise.
Assume-se a diferenciação sugerida por Thomas (2004): i) grupos de pressão “são grupos
organizados em torno de uma issue, ou um conjunto delas, visando interesses particulares
ou para a sociedade como um todo, mas que não tem interesse em chegar ao poder a ponto
de assumir o controle da máquina governamental”; ii) já os movimentos socais “tentam emplacar visões mais amplas e gerar mudanças sociais mais profundas (usualmente em favor de
grandes segmentos desfavorecidos da população) e/ou, defende questões específicas (como
o movimento negro, os ambientalistas e as feministas); e iii) por último, os partidos políticos
devem ser vistos como “uma coleção de grupos de interesses que se alimenta da energia
desses grupos e movimentos, com o objetivo de ganhar as eleições e assumir o controle do
Governo” (THOMAS, 2004 apud SANTOS, 2011, p. 17).
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
191
De fato, pesquisa recente denominada O Perfil das Fundações Privadas e
Associações, realizada em 2010 pelo IBGE, mostra números inequívocos da
robustez e do crescimento das Fundações Privadas e Associações sem Fins
Lucrativos (Fasfil). A pesquisa indica que, em 2010, as 290,7 mil Fasfil representavam 5,2% do total de entidades públicas e privadas existentes em todo o
país. Segundo essa publicação,
[...] uma análise geral mostra que as atividades desenvolvidas por essas instituições revelam sua enorme diversidade, entre as quais se destacam as entidades voltadas para a defesa de direitos e interesses dos cidadãos (30,1%) e
as religiosas (28,5%). Atuando nas áreas tradicionais de políticas públicas de
Saúde, Educação e pesquisa e Assistência social encontram-se apenas 18,6%
dessas entidades. (IBGE, 2012)
Porém, mesmo diante desse quadro, a série mostra uma presença mínima dos
movimentos sociais cadastrados na Câmara dos Deputados, sugerindo que não
vem evoluindo a participação sistemática desses grupos, pelo menos no que
diz respeito à sua atuação registrada no Congresso Nacional. Quatro hipóteses,
não mutuamente excludentes, são sugeridas como possíveis interpretações para
esses dados. A primeira diz respeito ao fato de que os interesses desses grupos
são em geral difusos, o que os levaria a concluir que se cadastrar não representa
uma vantagem, visto que eles atuam esporadicamente, apenas em momentos nos
quais os grandes temas estão mais fortemente considerados na agenda política.
A segunda diz respeito à sua baixa capacidade de influência e seus escassos
recursos para a atuação sistemática e permanente. Sabe-se que estratégias de
atuação que contemplem um lobby mais estruturado e sistemático custam caro,
e esses grupos menos influentes e detentores de menos recursos talvez não tenham as condições objetivas para manter um acompanhamento permanente das
atividades políticas. Em suma, para essas organizações, os custos de mobilização
estão além de suas capacidades.
A terceira hipótese refere-se à organização de movimentos e organizações da
sociedade civil face aos requisitos burocráticos exigidos para o cadastramento na
Primeira-Secretaria. Frequentemente, a atuação desses grupos ocorre de maneira
concertada, em coalizão, de forma a reduzir os custos de mobilização e potencializar a influência exercida. Uma frente de ONGs ou movimentos sociais, por
exemplo, poderia ter dificuldades para se registrar na Câmara dos Deputados
por diversas razões: i) apenas entidades plenamente constituídas e detentoras
192
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
de um CNPJ podem se cadastrar; ii) somente entidades de âmbito nacional têm
direito a esse benefício; e iii) apenas um representante por organização faz jus
ao credenciamento.
Por fim, a quarta hipótese aposta numa explicação baseada na escolha de uma
estratégia diferenciada por parte dos movimentos sociais. A ideia é que esses
movimentos não desenvolvem exatamente ações de lobby, mas sobretudo
apostam na mobilização coletiva como estratégia dominante. Portanto, a forma
de participar, para esses grupos, seria o engajamento frequente em atividades de
mobilização política que não podem ser desconsideradas – diversas entidades
vêm denominando essa atuação de advocacy. De fato, as ONGs e as associações
profissionais (juntamente com sindicatos e outras formas de organização social)
estão frequentemente presentes em mobilizações e atos políticos que de alguma
maneira podem representar, pelo menos para elas, a estratégia de participação
e de influência política mais eficiente. Obviamente essas atividades não podem
ser consideradas como lobby propriamente dito, mas não resta dúvida de que
têm relevância no processo decisório. De toda forma, as estratégias de atuação
desses grupos no Parlamento carecem de melhores explicações e devem ser foco
de estudos mais aprofundados.
Outros interesses representados
Por fim, cabe analisar a categoria remanescente de grupos de interesses, as
grandes corporações e empresas (incremento de 10 entre o primeiro e o último biênio, conforme a tabela 1). Na verdade, essas organizações privadas não
podem – num sentido estrito – ser tratadas como grupos de interesses propriamente ditos. Elas são sobretudo corporações e empresas de grande porte, e pelo
menos em termos hipotéticos, trabalham em “faixa própria”, atuando cada vez
mais no âmbito do Legislativo.
No cadastro aparecem organizações como a Companhia de Desenvolvimento
dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, a Companhia Hidrelétrica do
São Francisco, a Companhia Vale do Rio Doce, a Eletronuclear (Eletrobrás
Termonuclear), a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a Empresa
Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, Furnas Centrais Elétricas S.A., Itaipu
Binacional, Petrobrás, Telecomunicações Brasileiras S.A, entre outras.
O Parlamento sob influência: transformações no Legislativo
e na representação de interesses organizados (1983/2016)
193
Como se pode observar, trata-se, majoritariamente, de empresas públicas, o que
ajuda a explicar a estratégia não associativa, comum e cada vez mais relevante
para as empresas privadas. Assim, pode-se afirmar que esses casos são residuais
e confirmam a tendência geral de as empresas privadas servirem-se de sindicatos ou associações livres para sua representação junto ao Poder Legislativo.
Este é o quadro descritivo sugerido pelos dados sobre o ambiente no qual se
dá a disputa por interesses na arena legislativa. Um ambiente marcado pela
competição por influência política cada vez mais acirrada e por um pluralismo
de interesses cada vez mais acentuado.
Conclusões
Este capítulo mostrou que as mudanças institucionais recentes no âmbito do
Parlamento brasileiro têm efeitos que vão além da imbricação entre Executivo e
Legislativo, tratada em diversos textos desta obra, afetando também as relações
entre Congresso e sociedade.
O revigoramento recente do Poder Legislativo no país impactou a atuação dos
grupos de interesse, que passaram a valorizar crescentemente a esfera legislativa.
Com todas as limitações existentes no cadastro da Câmara dos Deputados, os
dados são inequívocos ao revelar que o Legislativo tem se consolidado como
uma arena decisória cada vez mais relevante, de tal forma que múltiplos interesses têm ocupado esse espaço político. Se antes, no período ditatorial, ao
se tratar de interesses organizados, falava-se recorrentemente em anéis burocráticos (CARDOSO, 1975), cujo eixo gravitacional era o Poder Executivo, é
preciso que nossos olhares, cada vez mais, tenham um foco duplo, observando
e investigando o papel e a atuação dos interesses organizados também no Poder
Legislativo.
Do ponto de vista normativo, é fundamental que se pense, nesse cenário, em
como potencializar essa participação social, fruto e conquista da redemocratização, ao mesmo tempo em que se busca incentivar e resguardar o maior equilíbrio possível na atuação dos grupos de interesse junto ao Poder Legislativo.
Buscamos mostrar também que, paralelamente ao fortalecimento do Parlamento,
as mudanças na sociedade e economia brasileiras nas últimas décadas alteraram
194
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
o padrão de relação entre Estado e sociedade, com um crescente pluralismo na
representação de interesses. Conjugado à histórica estrutura corporativa do país,
vislumbra-se um modelo de representação de interesses complexo e multifacetado, permeado por um número cada vez maior de organizações que oferecem,
na mesma proporção, uma grande quantidade de inputs ao sistema político.
O significado desse modelo híbrido de representação e as possíveis diferenças
na atuação das organizações dos distintos modelos são temas de alto interesse e
merecem ser aprofundados em novos estudos.
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______; MANCUSO, Wagner; BAIRD, Marcello; RESENDE, Ciro (2017).
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(Textos para Discussão; n. 2334).
THOMAS, Clive S. (Ed.) (2004). Research guide to US and international
interest groups. Westpost, CT: Praeger Publ.
Parte II
Os partidos em movimento
201
Por que chegamos a tanto e que
importância isso tem? Considerações
sobre a fragmentação partidária no Brasil
Carlos Ranulfo Melo
Introdução
Desde 2010, o Número Efetivo de Partidos (NEP) na Câmara dos Deputados
mantém-se acima dos dois dígitos. Este capítulo aborda o problema tendo em
vista dois objetivos. O primeiro é o de reconstituir a trajetória ascendente do
NEP. O segundo, discutir o impacto de seu crescimento sobre o sistema político brasileiro. São dois os argumentos desenvolvidos. Em primeiro lugar,
sustenta-se que o crescimento da fragmentação no Brasil não pode ser explicado com base em uma única variável independente, exigindo, pelo contrário,
a mobilização de outros fatores intervenientes. Em um segundo momento, o
capítulo mostra que o principal problema enfrentado pela democracia brasileira, no que se refere à composição do sistema partidário, não se encontra no
elevado número de pequenos partidos, mas no fato de que progressivamente as
maiores legendas deixaram de ser “grandes” e a Câmara passou a ser composta
por expressivo número de partidos de porte médio. A consequência seria a necessidade de coalizões não apenas mais ampliadas, mas compostas por elevado
número de parceiros dotados de força legislativa semelhante – o que potencializa
o poder de chantagem de cada um deles e fragiliza o partido formador, dificultando a coordenação da base governista.
O tema da fragmentação partidária há muito faz parte das discussões sobre o
sistema político e partidário brasileiro. No Congresso, medidas como a adoção
de uma cláusula de barreira e a proibição de coligação para as eleições proporcionais estiveram por diversas vezes na pauta. Em 1995, uma cláusula de 5%
chegou a ser aprovada, mas foi declarada inconstitucional pelo STF em 2006.
Pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos Legislativos do Departamento de
202
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Ciência Política da UFMG mostraram que a partir de então cresceu o apoio a
medidas que pudessem conter a fragmentação. No período 2007-2011, 72%
dos deputados entrevistados posicionaram-se favoravelmente a uma cláusula
de 2%. Na legislatura 2011-2015, o percentual subiu para 86%. Nos mesmos
períodos, o apoio às coligações proporcionais, tais como realizadas no país, caiu
de 49,1% para 21,3%.
Não obstante, em 2015, quando os deputados voltaram a debater o tema, as coligações sobreviveram e a cláusula de desempenho aprovada mantinha o acesso
ao Fundo Partidário e ao Horário Gratuito Político Eleitoral a todos os partidos
que tivessem conseguido eleger ao menos um representante para uma das casas
do Congresso. A proposta não tinha qualquer efeito prático e sequer chegou a
ser discutida no Senado.
Somente em 2017 o Congresso Nacional conseguiu alterar o status quo legal
e aprovou: i) a proibição de coligações nas eleições proporcionais a partir de
2022; ii) a introdução de uma cláusula de desempenho como condição para
acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao Horário Gratuito no rádio e na
TV; e iii) o fim do quociente eleitoral como cláusula de barreira nos estados.
Ficou estabelecido que o percentual de votos exigido aumentaria com o tempo:
1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados em 2018; 2,0% em 2022;
2,5% em 2026; e, finalmente, 3,0% em 2030. A votação recebida terá que estar
distribuída pelo território nacional de modo a alcançar pelo menos 1,0% em
nove estados em 2018 e em onze em 2022. Caso a cláusula não seja atingida, o
partido deverá eleger 9 e 11 deputados, respectivamente, no mesmo número de
estados. Em 2026 e 2030, a votação deverá estar distribuída em nove estados
com um mínimo de 1,5% e 2,0%, respectivamente, em cada. Novamente, a
alternativa será a eleição de 13 deputados e 15 deputados, a depender do ano,
sempre em nove estados.
Este capítulo retoma a discussão sobre a fragmentação partidária analisando
o período entre 1986 e 2018. Na próxima seção, se tratará de explicar porque
chegamos a tamanha fragmentação ou, em outras palavras, serão discutidas as
relações causais existentes no processo. Para tanto, será descrita a trajetória
do NEP – apontando os seus momentos-chave – e analisada sua interação com
fatores como o sistema eleitoral, o grau de estruturação do sistema partidário,
a legislação eleitoral e partidária e a movimentação da elite política no interior
do quadro partidário. A seguir o texto se voltará para as implicações de tal pro-
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
203
cesso, buscando responder se, e em que medida, a elevação no Número Efetivo
de Partidos representa um problema para a democracia brasileira. A conclusão
retoma os pontos levantados no texto.
Uma democracia com muitos partidos
Pontos-chave em uma longa trajetória
Para entender porque chegamos ao país com o maior Número Efetivo de
Partidos entre as democracias consolidadas (NICOLAU, 2017), será preciso
examinar como o índice evoluiu, quais foram os momentos-chave nessa trajetória e que variáveis – políticas ou institucionais – podem tê-la influenciado.
A discussão pode ter início por meio de um contraste entre os pontos iniciais e
finais do percurso. Como as eleições de 1982 se realizaram ainda sob a ditadura
militar e, portanto, não apenas sob a influência da clivagem ditadura/democracia, mas também da legislação imposta pelo regime, é melhor tomar o pleito de
1986 como o ponto de partida. Com base nas eleições daquele ano, dois partidos (PMDB e PFL) passaram a controlar 77,6% da Câmara dos Deputados. Tão
importante quanto, os dois partidos permitiam a conformação de uma coalizão
governista ideologicamente contígua. O quadro resultante da eleição de 2018 é
completamente diverso: as duas maiores legendas (PSL e PT) somam apenas
21% das cadeiras na Câmara. Um cenário semelhante, diga-se de passagem, ao
encontrado por Dilma Rousseff em 2014 – a presidente precisou somar 10 partidos (PT, PMDB, PP, PSD, PR, PRB, PTB, PDT, PCdoB e PROS) para, em tese,
alcançar 63,9% dos votos. Tivesse Aécio Neves vencido aquela eleição, o quadro seria numericamente semelhante, ainda que os partidos coligados fossem
ideologicamente mais próximos. Após o impeachment, Michel Temer montou
uma coalizão de doze partidos (PMDB, PSDB, PP, PSD, PR, PSB, PTB, DEM,
PPS, SD, PRB E PV) para chegar a pouco mais de 70% dos votos na Câmara.
Por qualquer ângulo que se observe, e por mais que se possa argumentar que
a eleição de 1986 foi conjunturalmente influenciada pelo sucesso do Plano
Cruzado, a diferença é muito expressiva. A tabela 1, a seguir, mostra a evolução
do quadro na Câmara e ajuda a conduzir a análise. Embora o ponto de partida
204
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
escolhido para a análise tenha sido 1986, optou-se por incluir a eleição de
1982 por razões que ficarão claras a seguir.
O primeiro ponto a ser destacado na trajetória aqui analisada encontra-se
entre as eleições de 1986 e 1990. A bem da verdade, o resultado eleitoral
de 1986 começou a se desenhar no ano anterior, quando o fim de uma ditadura militar que não deixaria defensores deu vazão a um rearranjo das forças
no Congresso. A volta a um ambiente democrático, logo sacramentado pela
Emenda Constitucional nº 25, de maio de 1985, que, entre outras providências,
tornava livre a criação de partidos políticos, ajuda a entender o surgimento de
seis novos partidos na Câmara: PDC, PSC, PL, PCdoB, PCB e PSB. Mas a
mudança mais expressiva seria decorrência do esvaziamento do PDS, iniciado
ainda em 1984, com o surgimento da dissidente Frente Liberal, e sacramentado
com a fundação do PFL após a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral,
em janeiro de 1985. Ao final da legislatura, o PDS havia perdido 141 dos
deputados eleitos em 1982; a imensa maioria filiou-se ao PFL, não obstante 22
deles tenham se dirigido ao PMDB.
Tabela 1 – Câmara dos Deputados: bancadas partidárias após as eleições (%),
número absoluto (N) e efetivo de partidos (NEP) (1982-2018)
Partido
1982
1986
1990
1994
1998
2002
2006
2010
2014
2018
PDS/PP*
49,1
6,8
8,3
9,9
11,7
9,6
8,0
8,6
7,4
7,2
PMDB
41,8
53,4
21,5
20,9
16,2
14,6
17,4
15,2
12,9
6,6
PDT
4,8
4,9
9,1
6,6
4,9
4,1
4,7
5,3
3,9
5,5
PTB
2,7
3,5
7,6
6,0
6,0
5,1
4,3
4,3
4,9
2,0
PT
1,7
3,3
7,0
9,8
11,5
17,7
16,2
16,8
13,3
10,9
PFL/DEM
24,2
16,5
17,3
20,7
16,4
12,7
8,4
4,1
5,7
PL/PR
1,2
3,2
2,5
2,3
5,1
4,5
8,0
6,6
6,4
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
Partido
1982
205
1986
1990
1994
1998
2002
2006
2010
2014
2018
PCB/PPS
0,6
0,6
0,4
0,6
2,9
4,3
2,3
1,9
1,6
PCdoB
0,6
1,0
1,9
1,4
2,3
2,5
2,9
1,9
1,8
PSB
0,2
2,2
2,9
3,5
4,3
5,3
6,8
6,6
6,2
7,6
12,3
19,3
13,7
12,9
10,5
10,5
5,7
1,2
0,6
0,4
0,2
1,8
3,3
2,5
1,6
0,2
0,2
1,0
2,5
2,5
1,6
0,8
0,2
1,6
4,1
5,9
PSD
7,0
6,6
SD
2,9
2,5
PROS
2,1
1,6
PSL
0,2
10,1
PSDB
PSC
0,2
PV
PRB
Outros
0,0
1,1
14,2** 8,7***
N
5
12
19
NEP
2,4
2,8
8,7
1,3
3,0
2,7
3,5
5,6
11,3
18
18
19
21
22
28
30
8,2
7,1
8,5
9,3
10,5
13,3
16,7
Fonte: Nicolau (1998), Melo (2007, 2015), Gomes (2016), sites do TSE e da Câmara dos Deputados.
Elaboração do autor.
Nota: * Em 1993, o PDS fundiu-se ao PDC e deu origem ao PPR. Este, por sua vez, se fundiu ao PP em 1995
dando origem ao PPB. Em 2003, o partido assumiu sua designação atual: Partido Progressista (PP).
** Em 1990, PRN (41 deputados) e PDC (22 deputados) respondiam por 87% deste total.
*** Em 1994, o antigo PP (35 deputados) respondia por 78% deste total.
Ainda que o resultado das eleições de 1986 tenha referendado a então denominada “Aliança Democrática”, algo deu errado logo depois. Na eleição
presidencial de 1989, Ulisses Guimarães (PMDB) ficou com 4,7% dos votos
206
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
válidos, enquanto Aureliano Chaves (PFL) não passou de 0,9%. Na sequência,
como resultado da eleição de 1990, o NEP na Câmara dos Deputados saltou
para 8,7: um presidente que desejasse constituir uma coalizão ideologicamente
coerente e capaz de aprovar emendas constitucionais teria que contar com a
adesão de cinco partidos, PMDB, PFL, PDS, PRN e PTB, o que lhe conferiria
61,9% dos votos na Casa.
O ano em que Fernando Henrique Cardoso se reelegeu (1998) marcou o segundo ponto a ser analisado na trajetória do NEP. De 1990 a 1994, o Número Efetivo de Partidos havia apresentado ligeira queda, mas mantivera-se no
mesmo patamar. Após 1998, no entanto, a comparação com o início da década
mostrou uma redução de quase 20%, com o NEP recuando para 7,1. Neste contexto, PMDB, PSDB, PFL e PPB podiam compor uma coalizão ideologicamente
coerente e controlar 67,7% dos votos no início da legislatura na Câmara dos
Deputados. O ponto é importante porque, como veremos, permite supor que a
trajetória ascendente do Número Efetivo de Partidos não era a única possível.
Após a eleição de 2002, no entanto, o NEP voltou ao patamar de 1990 e a partir de então não parou de crescer. Os quatro “grandes” de 1998 saíram da primeira eleição do século XXI somando apenas 54,2% das cadeiras na Câmara,
percentual que na posse ainda seria reduzido a 48,7%. Ademais, o recuo dos
quatro não seria compensado pelo crescimento do bloco de esquerda liderado pelo PT. Em 2003, na posse dos deputados, podia se constatar que, enquanto os quatro partidos anteriormente mencionados haviam recuado 19,1 pontos
percentuais, a esquerda – basicamente o PT – havia aumentado seu poder de
fogo em apenas 7,6%.75 Tal como em 1998, após 2002 seria possível agregar
os quatro maiores partidos para se alcançar os 60% de votos na Câmara, mas
agora isso implicava em colocar PT, PMDB, PSDB e PFL na mesma coalizão.
Como se sabe, a primeira coalizão de Lula era composta por oito partidos (PT,
PDT, PPS, PCdoB, PSB, PL, PTB e PV) e controlava apenas 42,9% dos votos
na Câmara. Somente no segundo ano de governo, com o ingresso do PMDB e
não obstante a saída do PDT, a coalizão governista atingiu 62,4% dos votos na
Casa (FIGUEIREDO, 2007).
75
Os dados sobre a composição das bancadas por ocasião da posse estão disponíveis no site da
Câmara dos Deputados.
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
207
Por fim, após a eleição de 2010, o crescimento do NEP foi acelerado. Em
2011, recém-criado no interior do Congresso, o PSD conseguiu a adesão de
48 deputados federais, tornando-se a quarta bancada da Casa. Em 2013 foi a vez
de PROS e SD, que atraíram 22 e 19 legisladores, respectivamente (NICOLAU,
2017). No final de 2013, o site da Câmara dos Deputados informou que os
três partidos controlavam 15,4% das cadeiras. O impacto sobre as eleições de
2014 foi imediato e o NEP teve seu maior crescimento relativo (26,7%) desde
o “grande salto” entre 1986 e 1990. A curva manteria a inclinação na eleição
seguinte. A razão desta vez não estaria na criação de novos partidos, ainda que
alguns tivessem mudado de nome, mas na crise política na qual o país se viu
mergulhado e cujos desdobramentos tornaram atípica a eleição de 2018. Uma
eventual coalizão de centro-direita, na Casa, a partir de 2019, necessitaria somar
doze partidos para ultrapassar 60% dos votos.
Em busca de relações causais
O que poderia explicar a trajetória apresentada pela variável dependente em
questão, ou seja, o Número Efetivo de Partidos na Câmara dos Deputados?
O argumento a ser desenvolvido é o de que um conjunto de fatores deve ser
levado em conta, mas nenhum deles é suficiente para explicar o que aconteceu.
Nesta seção será discutido o impacto de duas variáveis independentes, a saber,
o sistema eleitoral e o grau de estruturação nacional do sistema partidário – nos
termos colocados por Sartori (1996) – e de duas outras variáveis, aqui tratadas
como intervenientes: as modificações realizadas na legislação eleitoral e partidária e a movimentação dos legisladores no interior do Congresso. Essa última
inclui a fusão de legendas, a criação de novos partidos e a migração partidária,
e na grande maioria dos casos tem a ver com cálculos relativos à sobrevivência
política, sendo menos expressivas as situações onde a motivação é de ordem
programática ou ideológica. Enquanto o impacto da fusão ou criação de legendas
teve um sentido claro – uma contribuindo para diminuir e outra para aumentar
a fragmentação –, a variável migração partidária, como se perceberá adiante,
apresentou impacto variado.
A primeira hipótese a ser analisada é a de que o sistema eleitoral adotado no país
seja o principal fator responsável pela evolução da variável dependente. A hipótese não necessita maior fundamentação: é consensual que, nas democracias,
sistemas de representação proporcional, por colocarem menores barreiras à
208
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
obtenção de cadeiras legislativas, tendem a favorecer uma maior fragmentação
partidária. No caso do Brasil, tal tendência seria acentuada pela magnitude dos
distritos – sabidamente o fator de maior impacto sobre o número de partidos
no Legislativo (BARTOLINI; MAIR, 1990; PAPPALARDO, 2007) – e pelo
mecanismo de distribuição de cadeiras no interior das coligações realizadas
para o Legislativo – as legendas coligadas, no período aqui analisado, sempre
foram contadas como um só partido, o que resultava na eleição dos candidatos
mais votados independente do partido ao qual pertencessem.
Mas, ainda que o sistema eleitoral brasileiro, de fato, favoreça o ingresso de
pequenos partidos na Câmara, tratá-lo como fator suficiente, ou mesmo necessário, na explicação da trajetória aqui examinada esbarra em dois problemas.
Em primeiro lugar, seria preciso explicar por que, na República de 1946, sob
um arranjo institucional semelhante ao atual em seus lineamentos gerais, o
Número Efetivo de Partidos na Câmara dos Deputados manteve-se praticamente constante a partir de 1950 e em valores muito inferiores aos atuais, não
ultrapassando a marca de 4,5.76 O segundo problema vem do Senado Federal,
constituído por meio de um sistema majoritário, ora por maioria simples, ora
pela variante do “voto em bloco”77 – quando são eleitos dois senadores por estado. E não obstante o sistema eleitoral, a Câmara Alta brasileira também apresentou uma trajetória de crescimento no Número Efetivo de Partidos, chegando
a 7,8 como resultado das eleições de 2010, 8,3 após 2014 e a espetaculares 13,6
como resultado da eleição de 2018.
Resposta aos dois problemas pode ser dada com o auxílio da segunda variável
independente: a estruturação do sistema partidário. Segundo Sartori (1996), sistemas eleitorais, por si só, não geram nada. Para que seus efeitos potenciais se
materializem, é necessário saber se existem ou não partidos enraizados em todo
o país e com capacidade para constranger as opções do eleitor, canalizando o seu
voto e mantendo-o em uma relação de relativa fidelidade. Isso significa que um
76
Ainda que existam diferenças entre os dois períodos, como a ocorrência de eleições solteiras para
a Presidência de República, os traços gerais do arranjo institucional foram mantidos: presidencialismo, federalismo, bicameralismo, representação proporcional com distritos de grande magnitude, sistema de votação em lista aberta e possibilidade de coligação nas eleições proporcionais.
Segundo Nicolau (2004), para o período democrático anterior, os valores do NEP para a Câmara
dos Deputados foram os seguintes: 2,7 (1945); 4,1 (1950); 4,3 (1954); 4,4 (1958) e 4,5 (1962).
77
No voto em bloco, o eleitor pode votar em tantos candidatos quantas forem as cadeiras em disputa
no distrito sem a necessidade de se manter “fiel” a um só partido. São eleitos os mais votados. O
sistema é utilizado em poucos países.
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
209
sistema eleitoral “fraco” (no que diz respeito ao grau de constrangimento imposto ao eleitor), como o de representação proporcional, pode ser contrabalanceado por um sistema partidário “forte”, no qual duas ou três grandes máquinas
eleitorais nacionalmente enraizadas canalizem o voto da maioria do eleitorado
– o que se torna condição suficiente para inibir um processo de fragmentação.
É o que acontece, por exemplo, no Uruguai.
No caso brasileiro, uma explicação para a estabilidade do NEP na Câmara
dos Deputados durante a República de 46 reside no fato de que a competição
partidária se manteve estruturada em torno de três partidos razoavelmente implantados em todo o território nacional. O resultado foi um multipartidarismo
moderado, no qual o surgimento de pequenos partidos, a maioria deles dotados
de inserção em apenas alguns estados, não impediu que o sistema partidário mantivesse o mesmo formato do princípio ao fim. O mesmo não pode ser dito para
o atual período. Se, em 1986, PMDB, em especial, e PFL eram os maiores partidos em quase todos os estados,78 já em 1990, como visto, o sistema partidário
estava povoado por novas legendas de porte médio e teria início um processo de
diferenciação regional da força dos partidos. Por essa razão, o sistema eleitoral
“forte” para o Senado não foi capaz de inibir a fragmentação.79
Ao que se pode perceber, faz sentido apontar a baixa estruturação do sistema
partidário brasileiro como condição necessária para que o NEP na Câmara dos
Deputados chegasse a um nível muito mais elevado do que o verificado na experiência democrática anterior. No entanto, restaria explicar por que o Número
Efetivo de Partidos: i) recuou entre 1990 e 1998; e ii) cresceu 9,6 pontos percentuais a partir daquele último ano. A variável, sozinha, não dá conta do recado.
Sendo assim, a alternativa será voltar ao exame dos momentos apontados na
seção anterior como pontos-chave na trajetória do NEP e analisar o impacto das
variáveis intervenientes, a saber, as mudanças na legislação eleitoral e partidária e a movimentação dos legisladores no interior da Câmara dos Deputados.
78
Em 1986, o PMDB foi o partido que elegeu mais deputados em 19 dos 26 estados. Em outros três
(Alagoas, Amazonas e Maranhão), a primeira posição foi dividida com o PFL. O Partido da Frente
Liberal ocupou, ainda, a primeira posição no Piauí, em Roraima e Sergipe, chegando em segundo
lugar em outros 14 estados. De forma significativa, o PFL foi suplantado apenas no Rio de Janeiro,
pelo PDT, no Rio Grande do Sul, por PDS e PDT, e em São Paulo, por PT e PTB.
79
De forma complementar, pode-se argumentar que a fragmentação encontrada para o Senado guarda
relação também com as coligações realizadas para os governos estaduais, ocasião em que os partidos que encabeçam a chapa para o Poder Executivo estadual podem abrir espaço para legendas
aliadas na chapa para o Senado.
210
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
A partir desse ponto, portanto, a narrativa assume uma ordem cronológica e as
variáveis são mobilizadas quando entendidas como necessárias à configuração
de relações causais.
O crescimento do NEP entre 1986 e 1990 foi fortemente influenciado pela movimentação dos deputados no curso da legislatura. O fracasso do Plano Cruzado
precipitou o governo Sarney numa crise de projeto e atingiu em cheio o PMDB,
que rapidamente viu volatilizar o capital político acumulado nas eleições de
1986. A crise não apenas fragilizou o partido, que se dividiria ao meio nas
votações mais importantes da Assembleia Constituinte (KINZO, 1990), como
se estendeu ao sistema partidário. A consequência imediata foi a deflagração,
entre 1987 e 1989, de um processo de reacomodação parlamentar no interior da
Câmara, com intensa migração entre as siglas existentes e a criação de novas.
Ao final da legislatura, 154 deputados haviam trocado de partido, vários deles
mais de uma vez. O PMDB perdeu 108 membros de sua bancada. No PFL, 15
deputados decidiram buscar outra legenda. O processo deu origem a sete novos
partidos na Câmara (PSDB, PSD, PRS, PMN, PTR, PJ/PRN e PST) e provocou
sensíveis alterações no tamanho das bancadas existentes: o PTB ganhou 13
novos deputados; PDT e PDC, dez cada um, enquanto PSB e PL receberam
sete e seis, respectivamente. Dos novos partidos, o PSDB foi o destino de 53
deputados, enquanto o PRN abrigou outros dezessete (MELO, 2004).
A frenética movimentação dos deputados foi ainda facilitada pela legislação eleitoral e partidária à época. Além da já mencionada Emenda Constitucional nº 25,
que aboliu a exigência de fidelidade às decisões partidárias e liberou a mudança
de partido por parte do legislador, caberia destacar: i) a reintrodução da permissão para as coligações eleitorais nas eleições proporcionais, por meio da Lei nº
7.454, de setembro de 1985 (NICOLAU, 1996); e ii) a determinação, por meio
da Lei nº 7.773, de que, para a distribuição do tempo de propaganda no rádio e
na TV, seria considerada a representação do partido no Congresso Nacional em
abril de 1989, “acrescidas as adesões ou coligações realizadas posteriormente a
esta data, até o encerramento do prazo de registro das candidaturas” (NOBLAT,
1990); e iii) a não observação da distinção entre registro provisório e definitivo para os partidos, estabelecida pela Lei nº 6.767, de dezembro de 1979 (e não
formalmente modificada), sinalizando que qualquer grupo de pelo menos 101
pessoas capazes de se entenderem – a ponto de eleger uma Comissão Diretora
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
211
Nacional Provisória e encaminhar o pedido de registro ao TSE – estaria apto a
lançar candidatos às eleições proporcionais e majoritárias (MELO, 2004).
Partidos são criados de forma endógena ao jogo político, através das opções feitas
por atores racionais. Como mostrou Aldrich (1995), tais escolhas dependem da
estrutura de oportunidades à disposição dos políticos, e partidos poderão ser
criados se: i) existirem incentivos para tanto; ii) sua criação for exequível; e iii)
não existir solução melhor. Num quadro que em linhas gerais mantém-se até
os dias de hoje, no Brasil pós-redemocratização a resposta a tais questões era
claramente positiva: o custo de entrada no sistema político mostrava-se baixo
e os benefícios auferidos a partir dos postos alcançados poderiam ser muito
vantajosos. Um cenário estimulante para novos “empresários” políticos e que
faz com que seja sempre extensa a fila de pedidos de registro de novos partidos
junto ao TSE.
Contudo, a movimentação dos legisladores entre os partidos nem sempre implicou em um aumento da fragmentação. Foi o que ocorreu entre 1994 e 1998,
quando o NEP sofreu expressiva diminuição. Naquele período, a migração partidária, ao contrário do que ocorrera na década anterior, foi impulsionada pelas
perspectivas abertas pelo bom desempenho e popularidade do primeiro governo
de Fernando Henrique Cardoso e, em consequência, contribuiu para fortalecer
os dois principais partidos da base governista e reduzir a fragmentação.
O movimento no sentido do governo se fez sentir desde os primeiros meses de
1995, favorecendo PSDB e PFL e provocando um imediato recuo no NEP. Ao final da legislatura, 58 deputados haviam se dirigido ao primeiro e 50, ao segundo (MELO, 2004). E ainda que nem todos tenham permanecido em suas novas
legendas, nos dois casos o saldo foi extremamente positivo: segundo registros
obtidos por Gomes (2016), no início da sessão legislativa de 1998, os pefelistas
contavam com uma bancada de 109 membros, 20 a mais do que os eleitos em
1994, enquanto os tucanos contabilizavam 96 membros, ao invés dos 63 eleitos.
Também contribuiu para a redução do NEP a fusão entre PP e PPR, dando
origem ao PPB em setembro de 1995.80 Já no início de 1996, o PPB contava com
88 deputados (GOMES, 2016). A estratégia já havia sido executada com relativo
sucesso pela liderança do antigo PDS ao dar origem ao PPR, em 1993, depois
80
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-progressista-brasileiro-ppb>.
212
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
de se fundir com o PDC – o resultado, naquela ocasião, foi o crescimento da
bancada na eleição de 1994, resultado que se repetiria em 1998 (tabela 1). Além
disso, a movimentação se realizou em um momento em que as dificuldades do
governo FHC, no encaminhamento da Reforma da Previdência, já apontavam
para a necessidade de uma ampliação da base aliada: em abril de 1996, o PPB
seria incorporado ao Ministério (FIGUEIREDO, 2007).
A fusão estava, ainda, em consonância com a Lei nº 9.096, também de setembro de 1995. A lei representou a mais notável iniciativa do Congresso no
sentido de conter a fragmentação partidária na medida em que determinava, em
seu art. 13, que somente os partidos capazes de alcançar 5% dos votos válidos
para a Câmara dos Deputados, distribuídos em 1/3 dos estados, teriam direito
a funcionamento parlamentar. De maneira complementar, estabelecia as condições para que o montante de recursos disponível no Fundo Partidário crescesse
de forma significativa, ao mesmo tempo em que determinava que 99% de tais
recursos fossem distribuídos entre as legendas que cumprissem a cláusula. O recado era claro: cresçam, mas sem se multiplicar. Sob este ângulo, a fusão interessava às lideranças do antigo PP, partido que havia perdido metade de sua
bancada de 17 deputados no ano de 1995 em função do movimento migratório
na Câmara (MELO, 2004). De mais a mais, a estratégia era compatível com a
letra da lei, que estabelecia que, no caso de fusões, o cálculo do tamanho das
bancadas, para efeito de distribuição dos recursos do Fundo e do tempo no horário gratuito no Rádio e TV, deveria levar em conta a soma das bancadas originais no início da legislatura.81
De acordo com os legisladores à época, a cláusula não teria aplicação imediata,
entrando em vigor apenas para a legislatura iniciada em 2007. Mas, antes disso,
o NEP voltou a subir, chegando a 8,3 como resultado das eleições de 2002
(tabela 1) e iniciando uma curva ascendente que não mais se interrompeu – o
que remete a outro ponto de nossa trajetória e demanda explicação.
Em 2003, tal como ocorrera logo após a primeira eleição de Fernando Henrique,
as trocas de partido realizadas na Câmara apresentavam um claro sentido gover81
Efeito não esperado da nova lei, a referência ao “início da legislatura” como critério para a definição
do tamanho das bancadas esteve entre os fatores que terminaram estimulando o movimento migratório entre a eleição e a posse dos deputados (DINIZ, 2000; FREITAS, 2012; GOMES, 2016).
Somente na legislatura 2003-2007 a situação foi modificada e a aferição do tamanho das bancadas
para efeito da distribuição de recursos passaria a levar em conta apenas e tão somente o resultado
das eleições (GOMES, 2016).
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
213
nista. Mas agora o governo era outro e, apenas no primeiro ano da legislatura,
PSDB e PFL perderam 16 deputados cada (MELO; MIRANDA, 2006). No final
do período, em 2006, o NEP alcançaria 9,41 (GOMES, 2016) – valor praticamente igual ao constatado na abertura da legislatura seguinte.
O crescimento do NEP poderia ter sido amenizado ou neutralizado caso as migrações houvessem fortalecido o partido formador da coalizão governista, no
caso, o PT. Mas o crescimento dos petistas limitou-se àquele derivado do resultado eleitoral (tabela 1), descontadas dez defecções causadas pelo dissenso
relativo à proposta de Reforma da Previdência e pelo episódio do mensalão –
7 deputados dirigiram-se ao PSOL, criado naquela legislatura, 2 foram para o
PDT e 1 para o PV. Para os deputados que buscavam a base do novo governo,
destinos mais atraentes seriam o PL e o PTB. As escolhas foram consistentes
com a origem dos migrantes. Dentre os 26 deputados que, apenas em 2003,
buscaram o PL, 20 provinham de partidos situados à direita do espectro ideológico, com destaque para o PFL (9) e o PPB (4), enquanto outros 6 vinham do
PSDB e do PMDB. Dos 30 legisladores que inicialmente aportaram no PTB,
10 provinham do PSDB, 5 do PMDB e outros 11 de partidos situados à direita,
com destaque para o PFL, que “cedeu” 5 (MELO; MIRANDA, 2006). No início
de 2005, PL e PTB chegaram a contar com 46 e 51 deputados, respectivamente,
recuando para 37 e 42 um ano depois (GOMEZ, 2016) – de toda maneira, um
crescimento expressivo para partidos que haviam elegido 26 deputados cada.
Por outro lado, um balanço da situação dos cinco maiores partidos mostrava, ao
final da legislatura, um “deficit” de 36 deputados.
Ao contrário do que ocorrera no primeiro governo FHC, mas à semelhança do
verificado com Sarney, a movimentação dos deputados no interior da Câmara
contribuiu para aumentar o Número Efetivo de Partidos. Por outro lado, a eminência da entrada em vigor, na legislatura seguinte, da cláusula de barreira não
foi capaz de neutralizar o forte impacto da mudança de governo sobre a força
dos partidos na Câmara. Em 2003, chegaram a se realizar duas incorporações
na Casa: o antigo PSD diluiu-se no PTB, enquanto PSL e PGT foram atraídos
para o PL. Posteriormente, em 2005, o Prona e os liberais fundiram-se, dando
origem ao Partido da República (PR). Mas em todos os casos, as legendas absorvidas possuíam bancadas muito reduzidas para gerar impacto significativo. Um
último movimento, como lembra Gomes (2016), seria aventado por PPS, PMN
214
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
e PHS, mas a pretendida fusão foi abortada após o STF, em setembro de 2006,
considerar inconstitucional a aplicação da cláusula.
A decisão do STF freou o esforço dos legisladores no sentido de conter a fragmentação e pode ser apontada como o fator institucional de mais duradouro
impacto sobre a trajetória do NEP no período analisado. Houvesse a cláusula de
desempenho entrado em vigor, e mantido constantes os demais fatores, a legislatura iniciada em 2007 teria apenas sete partidos: PMDB, PT, PSDB, PFL, PP,
PSB e PDT. Mas o recado agora era diferente daquele emitido pela Lei nº 9.096
de 1995: por suposto ainda valia a pena crescer, dada a distribuição proporcional
dos recursos disponíveis, mas a multiplicação deixava de ser proibitiva. Pelo
contrário, com o vigoroso aumento do Fundo Partidário, pequenas legendas
poderiam perfeitamente se adequar à sustentação de pequenas ambições.
Lula reeleito, e afastada a ameaça da cláusula, o NEP cresceria novamente como
resultado das eleições de 2006. O que precisa ser explicado, no entanto, são as
mudanças mais substantivas, verificadas após 2010. No caso do NEP de 2014, a
movimentação da elite política aparece como o fator explicativo mais imediato;
a diferença é que, no lugar das migrações partidárias – inibidas pela resolução de
2007 do TSE, por meio da qual se definia que os mandatos eletivos pertenciam
aos partidos –, aparecem novos partidos dotados de bancadas expressivas.
A criação do PSD, em 2011, encontra-se nitidamente relacionada ao fato de que
a eleição de Dilma Rousseff abria a possibilidade de que o ciclo de governos petistas, a depender do que ocorresse em 2014, se estendesse por 16 anos. Pesquisa
CNI/Ibope, realizada em abril de 2011, mostrava que o percentual dos que consideravam o governo Dilma ótimo/bom era superior aos obtidos por FHC e Lula
para períodos semelhantes.82 O ritmo de crescimento do PIB em 2011 recuara
para 2,7%, mas, ainda no embalo dos 7,5% de 2010, o país ultrapassou o Reino
Unido, tornando-se a “sexta economia do mundo”.83 Nesse contexto, o custo de
manter-se na oposição começou a tornar-se muito elevado. Apresentado como
partido que não seria “nem esquerda, direita ou centro”, o PSD serviu de estuário
para aqueles que pretendiam aderir ao governo. Dentre os 51 deputados que ao
82
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2011/04/01/dilma-supera-lula-e-fhc-em-aprovacao-de-inicio-de-governo-diz-cniibope>. Dilma manteria avaliações positivas
até março de 2013, quando chegou a 79% segundo o Ibope.
83
Disponível em: <http://economia.ig.com.br/economia-brasileira-cresce-27-em-2011 n1597665838398.
html>.
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
215
longo da legislatura migraram para o partido, 36 tinham como partido de origem
uma legenda situada fora da base governista, com destaque para o DEM, que
“contribuiria” com 22 adesões.84
Paradoxalmente, a decisão de 2007 tomada pelo TSE, abrindo a possibilidade
de perda de mandato em decorrência da troca de partidos, daria sua contribuição
para a aceleração do ritmo de crescimento do NEP. Afinal, a tentativa de “congelamento” do quadro partidário entre uma eleição e outra também indicava
os caminhos pelos quais seria possível contornar o novo obstáculo à livre
movimentação dos congressistas: as fusões, incorporações ou criação de novos
partidos, além, é claro, da comprovação de desvios programáticos por parte do
partido em questão ou de grave discriminação pessoal sofrida pelo legislador.
Para piorar o quadro, em uma decisão que contrariava o próprio “espírito” da resolução de 2007, o TSE firmou entendimento, em 2012, que, no caso da criação
de novos partidos, estes teriam direito ao tempo de rádio e TV correspondente
aos deputados que aderissem à sigla, driblando a regra que determinava que a
aferição do tamanho das bancadas fosse feita por ocasião da proclamação do resultado eleitoral. Em outras palavras, o mandato era do partido, mas o tempo no
HGPE, bem como as parcelas do Fundo Partidário, pertenciam aos deputados!
Definidas as coisas desse modo, ficou facilitada a criação do Partido Republicano de Ordem Social (PROS) e do Partido Social Democrático (PSD), ainda
a tempo de disputar a eleição de 2014. No início deste último ano, as bancadas
dos dois partidos registravam 19 e 22 deputados, respectivamente, enquanto o
PSD controlava 42 cadeiras na Casa (GOMES, 2016).
Por fim, o último salto do NEP, alcançando 16,7 como resultado da eleição de
2018, foge ao padrão de explicação aqui apresentado, uma vez que sua principal
força motriz deve ser localizada na crise política que terminou por alterar de
forma expressiva a feição do sistema partidário nacional. Sem pretender qualquer análise mais detalhada do ponto – algo não compatível com os objetivos
deste capítulo –, o fato é que a renovação conservadora que emergiu das urnas
em 2018: i) alterou a “estrutura da competição” pela Presidência da República,
ao deslocar o PSDB; ii) fez emergir novos atores nas disputas pelos governos
estaduais (NOVO e PSL); e iii) deu origem aos maiores níveis de renovação
84
Dados obtidos no Histórico de Movimentação Parlamentar do site da Câmara dos Deputados.
Consulta feita em 11 de novembro de 2014. Além do DEM, perderiam deputados: PPS e PMN
(3, cada); PSDB, PV e PSC (2, cada) e PSL e PHS (1, cada).
216
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
parlamentar do período da Nova República. No que aqui interessa mais de perto,
a correlação de forças na Câmara dos Deputados foi profundamente alterada.
Enquanto MDB, PSDB, PTB e PT perderam 32, 25, 15 e 13 cadeiras, respectivamente, PSL ficou com 51 cadeiras a mais, PDT e PRB, com 9, NOVO, com
8, DEM e PODEMOS (ex-PTN), com 7 e AVANTE (ex-PTdoB), com 6, registrando os maiores crescimentos.
Qual o problema?
Trata-se agora de procurar responder se o crescimento do número efetivo
de partidos chega a se constituir em um problema. Não há consenso quanto
ao ponto e uma boa maneira de iniciar a discussão é com base em texto de
Figueiredo e Limongi (2007). Segundo os autores, as evidências disponíveis
na literatura mostram que os maiores riscos à democracia surgem quando três
partidos controlam mais ou menos o mesmo número de cadeiras – o que poderia
levar à radicalização. Já a tese de que um grande número de partidos representa
um obstáculo à governabilidade não passaria de um mito, uma suposição teoricamente infundada:
[...] pequenos partidos não podem alimentar esperanças de virem a governar
sozinhos e podem, então, facilmente ser atraídos para a área de influência do
governo. Quanto maior o número de pequenos partidos nesta situação, mais
baixo o custo de formar uma coalizão. O governo sempre terá alternativas caso
um pequeno partido faça exigências muito altas para apoiá-lo. Logo, reformas
políticas para reduzir o número de partidos com representação na Câmara
dos Deputados são desnecessárias. Não há como sustentar que pequenos partidos tenham poder de chantagem que ameacem o bom funcionamento da
democracia. (FIGUEIREDO; LIMONGI, 2007, p. 151)
De fato, seria ingenuidade responsabilizar os pequenos partidos pelos problemas
da democracia brasileira. Para tocar em pontos que não correspondem ao núcleo
de preocupações deste capítulo, basta lembrar quais são as legendas implicadas
na Operação Lava Jato. Ou discutir a questão da (falta de) representatividade:
o problema aí se torna espinhoso e tentar resolvê-lo apenas pela quantidade de
votos recebidos obrigaria a acreditar que o PSD, que obteve 7,2% dos votos
válidos para a Câmara em 2014, seria uma legenda mais representativa do que
o PCdoB, por exemplo. Pode-se, é claro, destacar o caráter cartorial de vários
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
217
dos partidos “nanicos”, controlados por seu fundador ou um preposto. Mas o
que dizer de partidos como o PR, que funciona à base de comissões provisórias
em todos os estados, ou como o PTB, que, possuindo diretórios estaduais nos
estados mais fortes, não registra nenhum diretório municipal em Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul ou Pernambuco e é “dirigido” por comissões
provisórias em 90% dos municípios paulistas, inclusive a capital?85
Em todos os casos, trata-se de organizações totalmente à mercê do que determine
o presidente da legenda e, quando muito, seu reduzidíssimo círculo de apoiadores. Chega a ser constrangedor, é verdade, assistir aos programas veiculados
por vários dos “nanicos”, mas o comentário vale também para as peças produzidas por legendas como o PSD ou o PP. Basta assistir e comparar. Os pequenos
partidos, ressalva feita aos de contorno ideológico, apenas aproveitam regras
não criadas por eles. Entrando em cena, aumentam a cacofonia. Contribuindo
para elevar a patamares absurdos o número de candidatos a deputado e vereador,
ajudam a conformar uma oferta que não tem como ser processada pelos cidadãos e a tornar patética a parcela do HGPE dedicada às eleições proporcionais.
Mas, em todos os casos, apenas somam-se aos que vieram antes.
Retomando o ponto que aqui mais interessa – a questão da governabilidade –, o
argumento é de que o problema exposto pelo crescimento do NEP não se resume
aos “pequenos”, mas à evidente perda de força dos “grandes”. As duas situações não são necessariamente complementares. É possível haver um número
expressivo de pequenos partidos e, do outro lado, algumas poucas legendas que
concentrem a maioria dos votos. Como resultado da eleição de 1998, cinco partidos possuíam mais de 10% das cadeiras da Câmara e juntos somavam 79,4%
dos votos. Do outro lado, outras 12 legendas chegavam a 14,7% dos deputados
na Casa. A partir de 2019, apenas PT e PSL ocuparão mais de 10% das cadeiras,
de modo que, se atuassem juntos, somariam 21% dos votos. Do outro lado,
19 legendas – possuindo menos que 5% das vagas cada uma – chegariam, se
somadas, a 22,2% dos parlamentares.
O gráfico 1 organiza os dados da tabela 1 de modo a facilitar a visualização do
problema que aqui se pretende evidenciar. Seguindo a sugestão de Tafner (1996)
e com a dose de arbitrariedade comum a tentativas como essa, a composição
partidária da Câmara dos Deputados será apresentada tendo como referência
85
Cf. o sítio do TSE. Consulta feita no dia 30 de abril de 2017.
218
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
quatro “categorias” de partido. Partidos tipo A serão aqueles com o controle de
pelo menos 10% das cadeiras. Serão considerados de tipo B os que se situarem
entre 5,0% e 9,9%. Entre 1,0% e 4,9% estarão os de tipo C. A quarta categoria,
D, será composta pelas legendas que não chegam a 1,0%. Uma tabela com todos
os dados encontra-se anexa a este capítulo.
Gráfico 1
Percentual de cadeiras por tamanho do partido na Câmara (1986-2018)
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1986
1990
A (mais de 10%)
1994
1998
B (entre 5% e 10%)
2002
2006
2010
C (entre 1,0% e 5%)
2014
2018
D (menos de 1,0%)
Elaboração do autor.
Os dados mostram de forma clara a alteração na força relativa dos partidos.
Depois do recuo em 1990, o peso das maiores legendas (aquelas de tipo A) volta
a crescer até 1998 para depois cair de forma sistemática até 2014. Tal como em
1990, em 2018 o mais forte dos blocos será aquele composto pelos partidos
“médios” (os de tipo B, que possuem entre 5,0 e 9,9% das cadeiras), enquanto o
peso dos “grandes” assemelha-se ao dos “pequenos”. Uma situação em que não
existem grandes partidos – entre o primeiro de tipo A (PT) e o último de tipo C
(PHS), a diferença é de apenas 9,8% das cadeiras.
Uma das variáveis apontadas pela literatura (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999;
dentre outros) para o bom desempenho do presidencialismo de coalizão está no
poder regimental dos líderes partidários na Câmara. A partir de 1989, o poder
formal de determinado partido seria tanto maior quanto maior a bancada, seja
em relação às demais legendas, seja no que se refere aos seus liderados. Isso
permite supor que, em um partido com 105 deputados, a chance de que um deles tenha sucesso ao iniciar uma articulação contrária aos desejos do líder seja
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
219
menor do que em uma bancada composta por 21 legisladores. Da mesma forma, o poder do maior partido na Casa, relativamente aos demais, varia a depender de ele eleger 108 membros, como o PMDB em 1990, ou apenas 56, como
o PT em 2018.
Do ponto de vista da relação entre os partidos, uma situação em que a distinção
entre grandes, médias e pequenas legendas deixe de ser significativa pode ter
pelo menos dois tipos de consequência. Por um lado, tende a elevar o grau de
incerteza na definição da Mesa Diretora e das presidências das comissões permanentes, aumentando a importância da formação dos blocos. Por outro, além
de apontar para um quadro em que não apenas qualquer coalizão governativa
que se produza terá que contar com elevado número de parceiros, diminui a relevância do partido formador sobre os demais – supondo, é claro, que ele possua a maior bancada. No que se refere ao apoio legislativo ao governo, o formador deixa de ser o primeiro entre os pares, para se tornar mais um. Em um
cenário de partidos “médios”, todos passam a ser importantes e o poder de chantagem de cada um começa a se assemelhar, tornando mais custosa uma coordenação eficiente da base governista.
Ao fim e ao cabo, chegou-se ao ponto em que os partidos, enquanto tais,
perderam o controle sobre a Casa, como ocorreu por ocasião da eleição de
Eduardo Cunha para a Presidência da Câmara em 2015. Cunha se elegeu
apoiado por bancada própria, muito maior do que seu partido e constituída a
partir de generosas doações nas campanhas de 2014, “segredo” relatado pelo
doleiro e operador do PMDB, Lucio Funaro, em delação premiada no âmbito
da Operação Lava Jato. Pesquisadores do Departamento de Computação da
UFCG, com base nas votações realizadas no primeiro semestre de 2015, estimaram essa bancada em cerca de 140 deputados pertencentes, pelo menos,
a dez partidos: PMDB, PR, PSD, PP, PTB, PRB, PEN, PHS, PTdoB e PRP.86
Na Mesa Diretora eleita à época, mais um “instantâneo” de uma Casa na qual
o peso dos partidos e suas lideranças encontravam-se relativizados: enquanto
PR e PRB ocupavam a terceira e quarta posições (Segunda-Vice-Presidência
e Primeira-Secretaria), apenas dois dentre os seus dez novos membros (sem
86
Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/house-of-cunha-os-homens-do-presidente-da-camara/>.
220
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
contar o presidente) figuravam entre os deputados mais influentes da Câmara:
Alex Canziani (Quarto-Secretário) e Luiza Erundina (Suplente).87
Conclusão
Este capítulo buscou cumprir dois objetivos: apresentar a trajetória do NEP na
Câmara dos Deputados, analisando as relações entre o fenômeno e variáveis
selecionadas, e discutir sua importância para a democracia brasileira.
A análise da trajetória permitiu que se chegasse a algumas conclusões. Em primeiro lugar, ficou claro que a continuidade do sistema de representação proporcional com distritos de elevada magnitude, coligações e lista aberta não pode ser
apontada como condição suficiente para o crescimento do NEP e consequente
grau de atomização alcançado pelo sistema partidário em 2014. O resultado
poderia ter sido um multipartidarismo de feição moderada, como na República
de 1946. Na verdade, mantidos constantes outros fatores, pode-se dizer que a
representação proporcional sequer seria condição necessária à existência de um
multipartidarismo moderado no Brasil. Mesmo sob um sistema majoritário para
a Câmara dos Deputados, o número de partidos guardaria relação com a distribuição da força eleitoral dos mesmos pelos estados. A existência de subsistemas
estaduais diferenciados ou, para dizer de modo mais claro, a prevalência de
uma situação em que a força relativa das legendas mostrasse variação regional
expressiva fariam, por si só, com que a composição da Casa refletisse o somatório de diferentes configurações estaduais (TAVARES, 1994).
Mas o acontecido entre 1990 e 1998 permitiu supor que, mesmo em um contexto
de precária estruturação do sistema partidário, a explosão do número de partidos
relevantes não seria a única alternativa. Se isso ocorreu, foi porque duas outras
variáveis continuaram presentes no cenário.
Por um lado, parte expressiva da elite política manteve uma movimentação
essencialmente pragmática, aderindo ou abandonando governos com a ligeireza
recomendada pelos cálculos eleitorais. A migração partidária fornece a mais
clara evidência neste sentido. O abandono do governo Sarney e a adesão ao
87
Disponível em: <http://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/25490-diap-divulga-lista-dos-cabecas-do-congresso>.
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
221
governo FHC e depois ao governo Lula obedeceram à mesma lógica, mas como
visto tiveram impactos diferenciados sobre a trajetória do NEP. Digno de nota
foi o fato de que, mesmo quando a migração mostrou forte sentido governista,
seu impacto foi diferenciado: sob FHC fortaleceu os dois principais partidos
da base governista, mas sob Lula, ao invés de fortalecer o partido formador da
coalizão, o movimento migratório fez crescer a força de partidos “periféricos”,
como o PTB e o PL. Já a criação de novos partidos, um movimento de forte
impacto entre os anos 1986 e 1990, voltaria a se manifestar após 2010, diante da
percepção, que acabou não confirmada, de que o ciclo petista poderia se estender
por mais oito longos anos.
Por outro lado, pelo menos até 2015, o resultado das modificações na legislação
eleitoral e partidária manteve as portas abertas às estratégias de sobrevivência
desenvolvidas pela elite política. O esforço feito pelo Congresso com a Lei nº
9.096, de 1995, foi fulminado pela decisão do STF em 2006: se crescer continuava sendo bom, multiplicar já não seria proibitivo, de modo que, ao invés de
crescerem as fusões, aumentou o número de partidos. A restrição imposta pelos
tribunais superiores à migração partidária em 2007 gerou efeitos não esperados:
atentas à estrutura de oportunidades, lideranças políticas trataram de explorar a
via da criação de novos partidos com o objetivo de manter sua movimentação.
O quadro tornou-se ainda pior quando em 2012 o TSE decidiu que se os partidos eram os donos dos mandatos, estranhamente os deputados deveriam ser
considerados os proprietários legítimos de suas parcelas no HGPE e no Fundo
Partidário, podendo, portanto, levá-los consigo para onde fossem.
A discussão deixou claro, ainda, que o foco não deve ser posto nos pequenos partidos. Não reside aí o problema, mas sim no fato de que a Câmara dos Deputados
chegou a uma situação em que se tornou pouco perceptível a diferença entre
pequenas, médias e grandes legendas, com evidentes desdobramentos para o
processo decisório no circuito Legislativo-Executivo. Desnecessário dizer que,
dado o desenrolar dos acontecimentos após a eleição de 2014, o crescimento
do número efetivo de partidos aqui discutido não se constitui como o principal
problema enfrentado pela democracia brasileira. Para dizê-lo em poucas palavras, o período de estabilidade vivenciado entre 1994 e 2014 chegou ao fim e
a busca de saídas para a crise política terá que ir muito além de pontos como a
adoção de uma cláusula de desempenho a ou a proibição de coligações para as
eleições proporcionais. Não obstante, é preciso dar a César o que é de César, e
222
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
a prevalência de uma Câmara de Deputados onde todos se parecem e os atores
com capacidade de veto se multiplicam em nada ajudará a melhorar a situação.
Pelo contrário. Hiperfragmentação e crise política convergem e tendem a se
retroalimentar. Um contexto como o atual, de crise dos e nos maiores partidos
e também de criminalização da política,88 tende a rebaixar ainda mais o alcance
dos primeiros e abrir espaço para personagens bastante conhecidos – os que
afirmam vir de um mundo onde não existe política. Por sua vez, quanto mais
fragmentado o sistema partidário, mais difícil se torna a busca de soluções para
os problemas enfrentados pela democracia brasileira.
Nesse sentido, as mudanças aprovadas pelo Congresso em 2017 devem ser saudadas como positivas. O que possibilitou que tais medidas fossem aprovadas
apenas dois anos após a fracassada tentativa de 2015? O agravamento da crise
política e a decisão das lideranças partidárias de desvinculá-las de medidas mais
polêmicas, como a mudança no sistema eleitoral e a criação de um fundo público para o financiamento das campanhas em resposta à decisão do STF de
tornar inconstitucional a doação de pessoas jurídicas aos partidos e às campanhas. Em 2015, por imposição de Eduardo Cunha, a criação da cláusula e a proibição das coligações haviam se tornado moedas de troca na tentativa de aprovar
o distritão89 e de constitucionalizar a doação de empresas às campanhas eleitorais (MELO; SANTOS, 2015). Mas, em 2017, o agravamento da crise fez com
elas fossem percebidas como parte de uma necessária linha de defesa a ser traçada pelas grandes e médias legendas. Na negociação levada a cabo, optou-se
pela cláusula de 1,5% ao invés da aprovada um ano antes pelo Senado, de 2%.
A alteração aumentou a segurança de partidos como o PV, PROS, PPS, PCdoB
e PSOL, cuja votação em 2014 havia ficado entre 2,06% e 1,79% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados.
88
Não é possível entrar aqui em maiores considerações a respeito da Operação Lava Jato e seus
desdobramentos. Apenas ressalto que a cruzada moralizadora que assola o país faz com que o que
deve ser punido – a corrupção pura e simples – inclua o comportamento estimulado pelas regras
vigentes até a pouco. Dessa maneira, o fato de que um deputado ou um partido, após encaminhar
demandas advindas do setor empresarial, crie a expectativa, como afirmou Marcelo Odebrecht,
de uma doação de campanha, tornou-se evidência de um crime. Ora, para dizer o óbvio, vivemos
em uma sociedade em que a imensa maioria vota de maneira convencional, ou seja, nas urnas,
enquanto uns poucos o fazem também por outra via: a doação. O político que busca a retribuição
do eleitor em função de uma melhoria para sua comunidade, ao se dirigir ao empresário deseja
mais do que o voto – e a legislação, com todas as letras, o incentivava a fazê-lo.
89
Pelo formato “distritão” seriam eleitos os candidatos mais votados, independentemente da votação
agregada do partido ou da coligação a que pertençam.
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
223
No entanto, como evidenciam os dados aqui mostrados, a introdução da cláusula não teve qualquer efeito imediato. Pelo contrário, o NEP subiu ainda mais.
Por um lado, isso pode ser explicado pelo fato de que o patamar inicialmente
estabelecido foi baixo. Por outro, é preciso levar em conta que o Brasil não
atravessa um período “normal”. Conforme Papalardo (2007), avaliar o impacto
de reformas eleitorais é um exercício mais fácil quando se está diante de sistemas
partidários estruturados. No caso brasileiro, o período entre 1994 e 2014 parecia
apontar nesse sentido. Hoje o quadro mudou e, como se afirmou anteriormente,
a crise aberta após 2014 alterou de forma significativa a feição do sistema partidário nacional, rompendo o padrão observado nas disputas presidenciais dos
últimos 20 anos, fazendo emergir novos partidos nas disputas para os governos
estaduais, renovando fortemente as bancadas no Congresso e diminuindo a força
do PT, MDB e PSDB na Câmara, ao mesmo tempo que partidos nanicos, pequenos e médios viram suas bancadas crescerem.
Por outro lado, é preciso levar em conta que: i) nove partidos (DC, PATRIOTAS,
PCdoB, PHS, PMN, PPL, REDE, PRP e PTC) elegeram deputados, mas não
alcançaram a cláusula; e ii) outros sete não atingiram os 2% que serão exigidos
em 2022 (SD, PTB, PROS, PPS, PSC, AVANTE e PV). Isso permite supor que,
mantidas as regras atuais, a Câmara deverá ser palco nos próximos anos de uma
movimentação no sentido da fusão de siglas, sob pena de perda de recursos do
Fundo e de tempo no HGPE.
Há que se considerar ainda que, a partir da próxima eleição, as coligações para
as eleições proporcionais não serão mais permitidas. Em publicação recente,
Nicolau (2017) mostrou o que ocorreria se na eleição de 2014 tal proibição
já estivesse em vigor. O resultado teria sido o aumento das bancadas do PT,
MDB e PSDB, que ganhariam 43 deputados. Do outro lado, a nova regra teria
impacto negativo sobre 19 bancadas, propiciando a redistribuição de 54 vagas
na Câmara: 8 dos 10 partidos nanicos sobreviveriam, com bancadas ainda mais
reduzidas, o mesmo acontecendo com alguns dos partidos pequenos e médios
(aqueles classificados como B e C na seção anterior) – o SD perderia 33% de
seus deputados; PCdoB e PPS ficariam sem 30% de suas cadeiras; PSC e PTB
veriam seu tamanho reduzido em 24%, enquanto PRB e PR ficariam, respectivamente, 19% e 15% menores.
Isso posto, é razoável supor que a fragmentação partidária deve diminuir no
Congresso brasileiro. A médio prazo, com a cláusula de 3% em vigor a partir de
224
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
2030 e a proibição de coligações nas proporcionais, dificilmente o Congresso
terá mais do que dez partidos. Resta saber que sistema partidário teremos. As
urnas de 2018 literalmente desidrataram os partidos situados ao centro do espectro ideológico e sinalizaram para um processo de radicalização, com a emergência de um polo à direita, ao passo que a esquerda manteve suas posições.
A partir daí emergem duas possibilidades: i) uma recomposição das forças ao
centro, de modo a forçar o retorno a uma dinâmica moderada de competição; e
ii) a consolidação de um campo assumidamente da direita em torno do PSL, ou
do que surgir como resultado das negociações nesse campo. Mas por enquanto
ainda estamos no meio da tormenta.
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Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
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p. 1-54.
Anexo
Tabela 2
Tipo e número de partidos por percentual de cadeiras na Câmara (1986-2018)
Eleição
Categoria
Número de
partidos
Mínimo e máximo
% de cadeiras
A
2
24,2 – 53,4
77,6
B
1
6,8
6,8
C
5
1,0 – 4,9
13,9
D
4
0,2 – 06
1,6
A
2
16,5 – 21,5
38,0
B
6
7,0 – 9,1
47,6
C
5
1,0 – 4,3
12,0
D
6
0,2 – 0,8
2,5
1986
1990
Por que chegamos a tanto e que importância isso tem?
Considerações sobre a fragmentação partidária no Brasil
Eleição
Categoria
Número de
partidos
Mínimo e máximo
% de cadeiras
A
3
12,3 – 20,9
50,5
B
5
6,0 – 9,9
39,1
C
3
1,9 – 2,9
7,4
D
7
0,2 – 0,8
2,9
A
5
11,5 – 20,7
79,4
B
1
6,0
6,0
C
4
1,4 – 4,9
12,0
D
8
0,2 – 0,6
2,7
A
4
13,7 – 17,7
62,4
B
3
5,1 – 9,6
19,8
C
6
1,0 – 4,3
15,8
D
6
0,2 – 0,8
2,1
A
4
12,7 – 17,4
59,2
B
2
5,3 – 8,0
13,3
C
7
1,8 – 4,7
24,5
D
8
0,2 – 0,6
3,1
A
3
10,5 – 16,8
42,5
B
5
5,3 – 8,6
37,1
C
6
1,6 – 4,3
16,9
D
8
0,2 – 0,8
3,6
A
3
10,5 – 13,3
36,7
B
4
6,6 – 7,4
27,6
C
12
1,0 – 4,9
31,9
D
9
0,2 – 0,8
3,9
A
2
10,1 – 10,9
21,0
B
9
5,7 – 7,8
48,5
C
13
1,2 – 3,1
23,9
D
6
0,32 – 0,84
6,6
1994
1998
2002
2006
2010
2014
2018
Fonte: Nicolau (1998), Melo (2007, 2015), Gomes (2016), sites do TSE e da Câmara dos Deputados.
Elaboração do autor.
227
229
Ideologia e comportamento na Câmara
dos Deputados (2003-2015)
Rafael Câmara
Introdução
É de conhecimento dos cientistas políticos que as crenças, atitudes e opiniões dos
representantes do Parlamento são um fator determinante para a qualidade de uma
democracia (DAHL, 1971; 1989). Parlamentares são atores políticos relevantes,
os quais recebem da sociedade a tarefa de participar diretamente dos processos políticos. Segundo Robert Dahl, o bom desempenho das democracias guarda íntima
relação com as atitudes e opiniões dessa elite de indivíduos, uma vez que esses
possuem uma maior capacidade de interferir nos processos políticos.
Nos últimos anos, principalmente a partir da implantação do projeto Elite
Parlamentares na América Latina (PELA), vários estudiosos têm se debruçado
sobre as visões e percepções dos parlamentares (ALCÁNTARA; LUNA, 2004;
RODRIGUEZ, 2006; DIAS, 2006; LUNA; ALTMAN, 2011; MELO; CÂMARA
2012; PUIGI; CUÉ, 2006). Esses estudos têm sido cruciais para captar e analisar
a percepção dos deputados a respeito de seu papel legislativo, bem como suas
crenças e atitudes. Ademais, esses estudos mostram-se importantes para mapear as preferências parlamentares sobre diversos temas dentro de um mesmo país
(RODRIGUEZ, 2006; MELO; CÂMARA 2012), ou para comparar diversos países em relação a apenas uma questão específica, por exemplo, autoposicionamento ideológico dos deputados (PUIGI; CUÉ, 2006; DIAS, 2006).
Todavia, ainda são raros os estudos que buscam estabelecer ligações diretas entre
os achados sobre as percepções políticas dos deputados e seu comportamento
dentro da arena legislativa. Isto é, há poucos estudos sobre as relações entre o
que pensam e o que fazem os deputados. O capítulo se propõe a analisar essa
relação para o caso dos deputados brasileiros através da observação do papel da
ideologia na estruturação das preferências e na determinação do comportamento
230
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
dos deputados do país. Para tanto, procura-se investigar (1) se, e em que medida, os deputados e partidos estudados mantêm um posicionamento ideológico
coerente ao longo de diferentes legislaturas, (2) se o autoposicionamento dos
deputados na escala ideológica funciona como um bom preditor de suas respectivas opiniões sobre questões políticas substantivas e (3) se o comportamento
dos deputados nas votações em plenário pode ser tomado como reflexo de suas
posições ideológicas. Cada um desses pontos é discutido em uma seção específica deste capítulo.
Para que se possa avançar em direção a esse objetivo, uma discussão fundamental trata das questões da coesão e da disciplina dos principais partidos do país.
O capítulo busca demonstrar como esses dois fenômenos são claramente distinguíveis, tanto do ponto de vista conceitual quanto empírico, e salientar como
a incorreta compreensão dessa distinção prejudica a compreensão da dinâmica
de funcionamento do presidencialismo de coalizão. Do ponto de vista conceitual, é preciso estabelecer, primeiramente, que coesão diz respeito à similaridade
de preferências (ou proximidade ideológica) entre os membros de um determinado partido ou coalizão, enquanto disciplina é definida como a capacidade
que o partido tem para controlar os votos de seus membros em um parlamento
(TSEBELIS, 1995). Já do ponto de vista empírico, a estratégia de análise será
contrastar a distribuição de preferências (distribuição ideológica) dos partidos,
medida através de pesquisas de surveys, com o posicionamento dos partidos nas
votações nominais em plenário em cada uma das legislaturas estudadas.
Nesse sentido, coesão é um fenômeno ligado à ideologia dos partidos, enquanto
a disciplina diz respeito ao comportamento dos mesmos nas votações nominais
em plenário. Entretanto, essa distinção nem sempre é observada pelos estudiosos
do tema. Um exemplo disso são os trabalhos de Figueiredo e Limongi (1999;
2007) sobre o presidencialismo no Brasil, os quais insistem no ponto de que os
partidos brasileiros não são apenas disciplinados como também coesos, tendo
como evidência disso apenas os resultados de votações nominais na Câmara
dos Deputados. Como consequência, o argumento desses autores não é capaz
de incorporar o papel que a dispersão ideológica dos partidos e da coalizão
exerce sobre o comportamento dos parlamentares, e consequentemente, sobre
as relações entre Executivo e Legislativo no país.
Além disso, a correta compreensão da coesão e disciplina como dois fenômenos
distintos foi, e continua sendo, prejudicada pela aplicação dos chamados mo-
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
231
delos espaciais para análise de dados de escolha binária, largamente utilizados
para a mensuração ideológica dos partidos a partir de dados sobre votações
nominais. Os defensores desse método para mensuração do posicionamento
ideológico dos partidos partem do pressuposto de que os legisladores possuem
pontos ideais em uma dimensão política latente e votam pela alternativa política
mais próxima a esse ponto. Nesse cenário, o voto do legislador refletiria a distância entre seu ponto ideal e uma proposta política sobre a qual ele deve decidir
(POOLE, 2005; MCCARTY; POOLE; ROSENTHAL, 2006). Dessa forma, seria
possível utilizar os dados sobre votações nominais para obter os pontos ideais
de cada legislador em uma ou mais dimensões latentes. Um exemplo desse tipo
de trabalho é o estudo de Bernabel (2015), o qual avalia as votações nominais
realizadas na Câmara e no Senado entre 1994 e 2010 e conclui que a ideologia é
a dimensão latente mais importante para predizer os resultados dessas votações.
Todavia, alguns autores apresentam ressalvas ao uso das votações nominais
para a identificação das preferências políticas pelos parlamentares (COX;
MCCUBBINS, 2005; ARMSTRONG et al., 2014). Segundo esses autores, o
voto dos deputados poderia ser influenciado por diversos fatores externos à sua
preferência pessoal, tais como influência do líder partidário, barganhas e ameaças por parte do Executivo. Nesse sentido, o deputado poderia ser constrangido a votar de maneira distinta de seu ponto ideal. Na pesquisa aqui proposta,
os resultados das análises das votações nominais não serão tomados como sendo
relativos às “posições ideais” dos parlamentares, mas sim como o produto de
um conjunto de fatores os quais podem influenciar as decisões dos deputados.
Nesse sentido, o voto do parlamentar poderá ser compreendido como um comportamento estratégico no qual são levadas em consideração não apenas as preferências pessoais do próprio parlamentar, mas também os eventuais constrangimentos políticos e institucionais que o deputado possa enfrentar. A correta
compreensão da distinção entre ideologia e comportamento, ou coesão e disciplina, é um requisito necessário para o bom entendimento do perfil ideológico de uma legislatura e do grau de correlação que este guarda com o comportamento efetivo dos deputados que a integram.
232
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O posicionamento ideológico de partidos e deputados na
Câmara dos Deputados
Nos últimos anos, vários são os autores que têm se debruçado sobre a questão
da distribuição de preferências políticas na Câmara dos Deputados (POWER;
ZUCCO 2011; ZUCCO, 2012; LUCAS; SAMUELS, 2011; MELO; CÂMARA,
2012).
Timothy Power e Cesar Zucco (2011) afirmam ser possível distinguir de forma
clara os principais partidos brasileiros e mostram que este ordenamento se manteve constante a despeito das mudanças que o país passou em duas décadas. Os
autores sustentam suas conclusões com base nos dados do Brazilian Legislative
Surveys entre 1990 e 2009. A partir dessa base de dados, Power e Zucco constroem as estimativas sobre o posicionamento ideológico dos partidos com base
em perguntas diretas sobre ideologia feitas ao deputado. Isto é, pede-se ao
parlamentar para que posicione a si mesmo, ao seu partido e aos demais partidos
na escala ideológica, e a partir daí se obtém o indicador do posicionamento dos
partidos e dos deputados.
Embora os resultados sejam muito interessantes e até certo ponto impressionantes, um possível problema desse tipo de análise é que pode não haver grande
correspondência entre a forma pela qual os deputados classificam os partidos na
escala ideológica e o posicionamento dos parlamentares com relação a issues
específicos, ponto que já foi apontado por Luna e Altman (2011) e será levado
em consideração no presente capítulo. Vale ressaltar que Power e Zucco (2011)
até buscam estabelecer relações entre o posicionamento dos deputados e suas
opiniões sobre outros temas políticos, porém os autores esbarram nas limitações
do próprio survey que utilizam, o qual tem como foco principal as questões
procedimentais relativas à organização legislativa da Câmara dos Deputados,
em detrimento de um maior número de questões sobre políticas substantivas.
Outro trabalho importante sobre o tema é o de Lucas e Samuels (2011), que utiliza também os dados do projeto Brazilian Legislative Surveys com intuito de desvendar o posicionamento ideológico dos partidos brasileiros entre 1990 e 2009.
Esses autores buscam utilizar perguntas sobre questões substantivas (entre outras) para obter o posicionamento ideológico dos partidos, todavia, há uma boa
razão para não se utilizar os dados obtidos pelos autores no presente capítulo.
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
233
Para escolher as questões usadas para a geração de seu indicador de posicionamento ideológico dos partidos, os autores fizeram uso de todas as perguntas
que haviam sido realizadas em todas as ondas do survey até a data do estudo.
Ocorre, porém, que os surveys utilizados têm um enfoque grande sobre questões procedimentais relativas à organização legislativa, bem como sobre o partidarismo dos deputados.90 Com tantas questões sobre o mesmo tema, é muito
provável que a medida de ideologia criada pelos autores acabe sendo influenciada por um tema específico, enquanto as opiniões sobre outros temas relevantes (como intervenção do Estado na economia, para a qual só há uma pergunta),
acabem tendo uma importância muito reduzida.
Dessa forma, optou-se neste capítulo pela utilização dos dados dos questionários
aplicados pela pesquisa Elites Parlamentares da América Latina (PELA), os
quais possuem uma grande diversidade de perguntas sobre os diferentes temas
que tocam a atuação parlamentar. Serão utilizados os dados das três ondas de
survey realizadas no Brasil, aplicadas em 2005, 2010 e 2014.
Retomando o plano do capítulo, a primeira questão a ser respondida é se, e em
que medida, os deputados e partidos estudados mantêm um posicionamento
ideológico coerente ao longo de diferentes legislaturas. Para respondê-la será
utilizado o método conhecido como Aldrich-Mckelvey Scaling (ARMSTRONG
et al., 2014) para posicionar adequadamente os deputados na escala esquerda-direita. O método é adequado para lidar com o problema da incomparabilidade
interpessoal das respostas dos entrevistados (KING et al., 2004), o qual deriva
do fato de que os respondentes podem interpretar o significado de uma mesma
escala de maneira distinta. A técnica permite estimar a distorção de percepção
de cada respondente e, a partir disso, reescalonar a locação estimada dos respondentes ao longo do assunto analisado.
De acordo com Armstrong et al. (2014), há três causas principais de
distorção das percepções dos entrevistados. Em primeiro lugar, as preferências e orientações afetivas dos respondentes podem enviesar sua
percepção do cenário político. É o caso de um membro de um partido
90
Por exemplo, há perguntas sobre: (1) se um deputado deve perder o mandato se mudar de partido,
(2) se um deputado deve perder o mandato se não votar com o partido, (3) se um deputado deve
votar de acordo com sua crença pessoal ou com o partido, (4) se o partido deve fechar questões
em votação ou não, (5) se o deputado deve votar de acordo com seu partido ou com os eleitores
de sua região.
234
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
localizado no extremo esquerdo do espectro ideológico e que considera
todos os demais partidos como partidos de direita, ou de um político que despreza um partido rival e tende a posicioná-lo o mais distante possível de si
próprio na escala ideológica. Uma segunda fonte de distorção tende a ocorrer
mesmo que os respondentes não sejam enviesados, uma vez que o significado
dos pontos em uma escala pode ser ambíguo, especialmente quando o número
de categorias de resposta cresce. Por fim, uma terceira causa de distorção pode
ocorrer se os respondentes forem mal informados sobre o assunto perguntado.
No caso de deputados posicionando partidos sobre o espectro ideológico, isso
poderia ocorrer tanto por “culpa” do deputado, quando ele não conhece bem o
sistema partidário, quanto por “culpa” do partido a ser posicionado, no caso de
o partido não possuir uma posição ideológica muito clara.
O gráfico 1 apresenta as curvas de densidade de PT, PSDB, PMDB e DEM, obtidas pelo método de Aldrich-Mckelvey para o período entre 2003 e 2007. Para
tanto, foi utilizado o pacote basic space (POOLE et al., 2016) no software R. O
método adotado incorpora informações sobre como os deputados posicionam
a si próprios e aos partidos na escala ideológica, mais especificamente, foram
utilizadas as respostas dos deputados a três perguntas sobre posicionamento
ideológico.
f
Quando se fala de política, se utiliza frequentemente as expressões esquerda e direita. Numa escala em que 1 indica “esquerda” e 10, “direita”,
em que lugar o(a) Sr.(a) posicionaria os seguintes partidos:
f
Como já foi dito anteriormente, quando se fala de política se utiliza normalmente as expressões esquerda e direita. Levando em conta as suas ideias
políticas, onde o(a) Sr.(a) se posicionaria na escala seguinte, sendo que 1
indica a “esquerda” e 10, a “direita”.
f
E, nesta mesma escala, onde o(a) Sr.(a) situaria seu próprio partido?
Para a correta utilização do método, através do basic space, os dados da primeira
e da terceira perguntas foram agrupados em apenas uma variável, contendo as
respostas de cada entrevistado para o posicionamento de seu próprio partido e
dos demais partidos sobre o qual ele foi perguntado.
De um total de 134 deputados entrevistados, 12 foram excluídos por não terem
respondido a uma ou mais questões sobre o posicionamento ideológico. Dos 122
respondentes restantes, 5 receberam pesos negativos, isto é, não foram capazes de
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
235
interpretar de maneira minimamente coerente a escala ideológica. Comparando os
resultados dos deputados brasileiros com outros exemplos obtidos em Armstrong
et al. (2014), pode-se dizer que a compreensão da escala esquerda-direita não
apresenta uma grande dificuldade para os parlamentares brasileiros.
O gráfico 1 apresenta os pontos ideais, estimados pelo método de Aldrich-Mckelvey, para os deputados dos quatro maiores partidos brasileiros91 na escala ideológica (esquerda-direita). As curvas de densidade são formadas a partir
das respostas de cada deputado em relação ao seu próprio posicionamento na
escala. É possível perceber que os deputados tenderam a se posicionar mais à
esquerda do espectro ideológico do que seria esperado caso houvesse uma distribuição mais homogênea entre os lados direito e esquerdo do espectro. Há de
se chamar atenção para como os parlamentares do PT foram aqueles que mais se
distanciaram dos demais, ocupando o canto esquerdo do espectro, enquanto os
deputados do PMDB e do PSDB se mantiveram bastante próximos, mais perto
do centro do espectro, ao passo que os deputados do DEM92 se posicionaram
mais à direita.
Gráfico 1
Pontos ideais dos deputados brasileiros (2003-2007)
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
91
Os dados da PELA não contêm as variáveis necessárias para a estimação do posicionamento de
todos os partidos do Congresso pelo método de Aldrich-Mckelvey, razão pela qual optou-se por
selecionar um grupo de partidos para os quais havia os dados necessários. Considerando todo o
período entre 2003 e 2015, PT, PSDB, PMDB e PFL/DEM foram os partidos com maior número
de cadeiras na Câmara Baixa.
92
Tecnicamente, o antigo PFL só adotaria a sigla DEM em 2007. Todavia, para facilitar a comparação
entre o período de 2003 a 2015, optou-se por chamar o PFL/DEM sempre de DEM.
236
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
É importante destacar que as medidas geradas pelo método de Aldrich-Mckelvey não possuem um valor intrínseco, sendo mais importante analisar
as posições relativas dos partidos e deputados e não os valores absolutos de seus
pontos ideais. O método permite a comparação numérica entre o autoposicionamento dos deputados e o posicionamento dos partidos para a mesma legislatura,
uma vez que esses posicionamentos são gerados em uma mesma escala, mas o
mesmo não vale para comparações entre legislaturas. Neste último caso, o que
importa observar são as posições relativas dos partidos.
Um resultado interessante surge quando comparamos os resultados obtidos no
gráfico 1, os quais refletem o autoposicionamento dos deputados na escala ideológica, com os dados sobre o posicionamento dos partidos, também obtidos pelo
método de Aldrich-Mckelvey. O gráfico 2 apresenta os valores médios do posicionamento dos partidos e dos deputados na escala ideológica entre 2003 e 2007.
Gráfico 2
Posicionamento médio dos partidos e dos deputados na escala ideológica (2003-2007)
DEM
-0,1
PMDB
-0,18
-0,58
0,38
PSDB
-0,06
-0,59
PT
-0,77
-1,35
-1,5
-1
Posicionamento dos Partidos
-0,5
0
0,5
Autoposicionamento dos Deputados
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
É importante observar que os dados de “posicionamento dos partidos” referem-se
à visão geral que o total de entrevistados teve sobre o posicionamento ideológico
de determinado partido. Já os dados de “autoposicionamento dos deputados”
referem-se à média dos valores de autoposicionamento dos deputados de cada
partido. O gráfico 2 mostra que os deputados tendem a posicionar a si próprios
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
237
mais à esquerda do espectro ideológico em relação à percepção geral que tanto
eles como os demais parlamentares têm sobre seu partido.
Em seu conjunto, esses dados podem estar relacionados com o fenômeno
da “direita envergonhada”, ou da direita que não se assume como tal, o qual
teve origem na transição do regime militar para o período democrático atual
(SOUSA, 1988). Power e Zucco (2009) já identificaram esse fenômeno em
pesquisa anterior e ofereceram a explicação de que os deputados pertencentes
aos partidos de direita se assumem como parlamentares de centro para desvincular sua imagem do antigo regime ditatorial.
Todavia, se essa hipótese é capaz de explicar por que os parlamentares PFL/DEM
se posicionam mais ao centro do espectro ideológico do que se poderia esperar e seria condizente com a maneira que os demais membros da Câmara
dos Deputados classificam o partido, ela é incapaz de explicar por que os
parlamentares de todos os partidos pesquisados apresentam o mesmo
comportamento. O que o gráfico 2 mostra é que todos os parlamentares
se posicionam mais à esquerda do que seria esperado de acordo com a percepção dos próprios parlamentares sobre os partidos. Um deputado do PT que
se posiciona mais à esquerda do que o esperado não o faz por ter vergonha em se
assumir de direita, pois mesmo que ele se posicionasse no exato local médio
em que os demais parlamentares posicionam o PT, esse deputado ainda estaria
localizado entre o centro e a esquerda do espectro.
Dessa forma, não são especificamente os deputados da direita que se mostram
envergonhados de assumir sua posição, não sendo a expressão “direita envergonhada” aquela que melhor descreve o fenômeno em questão. Uma vez que
os deputados de todas as partes do espectro ideológico não querem se aproximar do lado direito do mesmo, caracterizando uma aversão generalizada ao
posicionamento mais à leste da escala, o fenômeno seria melhor caracterizado
como um caso de “direita repulsiva”. Não no sentido de se tratar de uma direita
sórdida, suja ou desagradável, mas no sentido do polo direito do espectro ideológico exercer uma força de repulsão sobre os deputados de todos os partidos,
os quais buscam se distanciar desse ponto. Cria-se, assim, um viés à esquerda
no autoposicionamento dos deputados, quando comparado à visão geral que a
casa legislativa tem sobre os partidos.
238
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Dando prosseguimento à análise, a diferença mais importante entre o posicionamento dos partidos e dos deputados, apresentada no gráfico 2, se dá em relação
aos deputados do PSDB e PMDB. Isto porque na visão geral dos parlamentares,
o PMDB encontra-se mais à esquerda do que o PSDB, mas levando-se em consideração a maneira como os deputados posicionam a si próprios, os dois partidos
encontram-se praticamente no mesmo ponto da escala. Esse fato provavelmente
está ligado à origem do PSDB, partido que surge como dissidência à esquerda
do PMDB em sua criação: é possível que alguns parlamentares do PSDB busquem se manter fiéis a essa imagem de fundação do partido. Para além disso,
o ordenamento dos partidos se mantém coerente nos dois gráficos, com o PT
e o PFL/DEM ocupando cantos opostos do espectro, e o PSDB e o PMDB se
mantendo mais ao centro.
O gráfico 3 apresenta os pontos ideais dos deputados brasileiros para a legislatura que vai de 2007 a 2011. Do total de 129 deputados entrevistados, 6 foram
excluídos devido a não terem respondido todas as questões sobre posicionamento ideológico. Dos 123 deputados restantes, 116 receberam pesos positivos
e 7, negativos, indicando mais uma vez que a maioria dos deputados consegue
ordenar os partidos na escala esquerda-direita de maneira coerente.
Gráfico 3
Pontos ideais dos deputados brasileiros (2007-2011)
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
239
A análise dos pontos ideais dos quatro partidos revela mais uma vez PT e DEM
nos cantos opostos do espectro, enquanto PMDB e PSDB se posicionam mais ao
centro. Cabe observar que desta vez os parlamentares do PSDB posicionaram-se
ligeiramente mais à direita do que os deputados do PMDB. Ademais, conforme
se pode observar no gráfico 4, que apresenta o posicionamento médio dos partidos e dos deputados na escala ideológica para essa legislatura, os parlamentares
de todos os partidos posicionaram-se mais à esquerda do espectro em relação à
percepção geral do posicionamento dos partidos.
Gráfico 4
Posicionamento médio dos partidos e dos deputados na escala ideológica (2007-2011)
DEM
0,52
0,14
PMDB
-0,01
-0,53
PSDB
0,14
-0,26
-0,79
-1
PT
-0,49
-0,8
-0,6
-0,4
Posicionamento dos Partidos
-0,2
0
0,2
0,4
0,6
Autoposicionamento dos Deputados
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
A principal diferença entre os dados apresentados no gráfico 4, em relação aos
dados do gráfico 2 que trataram da legislatura anterior, é que desta vez o ordenamento dos partidos no espectro ideológico permanece igual tanto quando se leva
em consideração o autoposicionamento dos deputados, como também quando se
olha como os deputados classificaram os partidos. Isso mostra como a tendência
dos parlamentares se posicionarem mais à esquerda do que o esperado atingiu
os quatro partidos pesquisados de maneira similar.
Passando a legislatura que se iniciou em 2011 e terminou em 2015, o gráfico 5
apresenta os pontos ideais dos deputados e mais uma vez revela uma distribuição
ideológica que tem o PT destacadamente à esquerda, e o DEM destacadamente
à direita. Por sua vez, PMDB e PSDB encontram-se mais ao centro da escala,
sendo que o PSDB se encontra, na média, ligeiramente mais à direita do que o
240
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
PMDB. Do total de 123 deputados entrevistados, 9 foram excluídos devido a
não terem respondido todas as questões sobre posicionamento ideológico. Dos
114 deputados restantes, 109 receberam pesos positivos e 5 negativos.
Gráfico 5
Pontos ideais dos deputados brasileiros (2011-2015)
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
Já em relação ao posicionamento médio dos partidos e dos deputados na escala
ideológica, a análise dos dados do gráfico 6 apresenta uma novidade em relação
aos períodos anteriores. Pela primeira vez os deputados de um partido não se
posicionaram mais à esquerda do que seria esperado de acordo com a visão geral
que os deputados da Câmara têm sobre esse partido. Os deputados do DEM se
posicionaram exatamente no mesmo ponto que o conjunto dos deputados da casa
legislativa classificou o partido.
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
241
Gráfico 6
Posicionamento médio dos partidos e dos deputados na escala ideológica (2011-2015)
DEM
0,57
0,57
-0,02
-0,3
PMDB
PSDB
0,16
-0,045
PT
-0,51
-0,99
-1,2
-1
-0,8
-0,6
-0,4
Posicionamento dos Partidos
-0,2
0
0,2
0,4
0,6
0,8
Auto-posicionamento dos deputados
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
Verificar o que causou essa mudança está além do alcance deste capítulo, não
obstante, é possível levantar hipóteses para pesquisas posteriores. Uma dessas
hipóteses é a de que essa mudança de comportamento esteja ligada ao desgaste
enfrentado pela então presidente Dilma Rousseff, integrante de um partido e de
um governo de esquerda, no ano de realização da pesquisa (2014). Outra possível explicação seria a de que, com o passar do tempo, a associação entre os
partidos de direita e o regime ditatorial esteja se enfraquecendo no imaginário
popular e das elites, de maneira a tornar mais fácil que um parlamentar se posicione mais à direita do espectro. Por último, uma terceira hipótese seria a de que
com a migração de vários parlamentares do DEM para o PSD, teriam restado no
DEM apenas os deputados mais claramente situados à direita do espectro. Tais
deputados não teriam sido seduzidos pela estratégia de mudar para um novo
partido mais próximo ao governo petista.
O gráfico revela ainda que, assim como ocorreu na legislatura anterior, o ordenamento dos partidos no espectro ideológico permanece igual tanto quando se leva
em consideração o autoposicionamento dos deputados, como também quando
se olha como os deputados classificaram os partidos.
242
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
A ideologia como variável preditora
Esta seção busca investigar se o posicionamento dos deputados na escala ideológica funciona como um bom preditor de suas respectivas opiniões sobre questões políticas substantivas. Conforme afirmado anteriormente, pode não haver
correspondência entre a forma pela qual os deputados se posicionam na escala
ideológica e o posicionamento dos parlamentares com relação a issues específicos. Para testar se existe ou não essa correspondência no caso dos deputados
brasileiros, foram realizados testes de correlação entre a medida de autoposicionamento ideológico dos deputados gerada na seção anterior e as opiniões dos
deputados relativas a diversos temas de sua atuação parlamentar.
Para a escolha de quais questões deveriam ser submetidas aos testes de correlação, foram seguidos os passos de Melo e Câmara (2012), que investigaram
as diferenças de opiniões entre os diferentes blocos partidários da Câmara dos
Deputados entre 2003 e 2010. Dessa forma, os testes envolvem a relação da
ideologia com as opiniões dos deputados sobre: i) o papel do Estado na economia; ii) política externa e iii) valores.
Ideologia e papel do Estado na economia
O primeiro tema a ser analisado diz respeito às opiniões dos deputados
com relação ao papel que o Estado deve ocupar na economia. Para examinar essa
questão, foram utilizadas cinco perguntas, sendo as duas primeiras do survey
realizado em 2005 e as outras três de 2010 e 2014. A formulação das questões “ECON1” e “ECON3” é a mesma; apenas a escala foi alterada entre um
survey e outro. Como os resultados serão discriminados por survey, optou-se por
mantê-las como questões distintas.
f
ECON1. O (a) senhor (a) poderia me dizer se é mais favorável a uma economia regulada pelo Estado ou pelo mercado? Utilize a seguinte escala,
em que 1 indica “máxima presença do Estado na economia” e 5, “máxima
liberdade para o mercado”.
f
ECON2. Qual dos critérios a seguir sintetiza sua atitude pessoal em relação ao tema das privatizações dos serviços públicos? 1. Privatizaria todos
os serviços públicos. 2. Privatizaria todos os serviços públicos com exceção dos que tivessem maiores consequências para a maior parcela da
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
243
população. 3. Só privatizaria aqueles serviços públicos de pouca rentabilidade. 4. Não privatizaria nenhum serviço público.
f
ECON3. O (a) Sr. (a) poderia me dizer se é mais favorável a uma economia
regulada pelo Estado ou pelo mercado? Utilize a seguinte escala, em que 1
indica “máxima presença do Estado na economia” e 10, “máxima liberdade
para o mercado”.
f
ECON4. Qual é, na opinião do (a) Sr. (a), o nível de controle que o Estado
deve ter sobre a gestão de serviços públicos como água, eletricidade ou
transporte, entre outros. Utilize a seguinte escala, em que 1 significa que
“os serviços públicos devem ser prestados e gerenciados pelo Estado”,
e 10, que “os serviços públicos devem ser prestados e gerenciados por
empresas privadas”.
f
ECON5. Que nível de controle o Estado deve ter sobre os recursos naturais
como gás, petróleo ou minerais? Utilize a seguinte escala, em que 1 significa que “os recursos naturais devem ser explorados e gerenciados pelo
Estado” e 10, que “os recursos naturais devem ser explorados e gerenciados
por empresas privadas”.
A tabela 1 apresenta as correlações entre o posicionamento ideológico dos
deputados e suas atitudes em relação ao papel do Estado na economia. Em primeiro lugar, salta aos olhos o fato de que todas as correlações encontradas apresentaram significância estatística (para valor abaixo de 0,05), mesmo se tratando
de uma amostra relativamente pequena de deputados. Além disso, quase todas
as correlações apresentaram valores altos para os padrões das ciências sociais,
indicando que existe uma associação forte entre o posicionamento dos deputados
na escala ideológica e suas opiniões sobre temas econômicos.93
Tabela 1 – Correlações entre ideologia e o papel do Estado na economia
Ano
Variável
Correlação
Coeficiente
Significância
ECON1
Pearson
0,483
0,000
ECON2
Spearman
-0,382
0,000
2005
93
Com relação ao tipo de correlação utilizado em cada cruzamento, optou-se por realizar a de Pearson
para as correlações entre a variável de autoposicionamento e outra variável intervalar, e a de
Spearman para as correlações entre a variável de autoposicionamento e uma variável ordinal.
244
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Ano
2010
2014
Variável
Correlação
Coeficiente
Significância
ECON3
Pearson
0,412
0,000
ECON4
Pearson
0,219
0,019
ECON5
Pearson
0,350
0,000
ECON3
Pearson
0,516
0,000
ECON4
Pearson
0,302
0,002
ECON5
Pearson
0,327
0,001
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
Além disso, todas as correlações apresentaram o sentido esperado de acordo
com o que se espera de partidos de esquerda e direita, isto é, os parlamentares
mais à direita foram mais favoráveis a uma maior liberdade para o mercado e
menos favoráveis à presença do Estado na economia. As correlações entre a
ideologia do deputado e as variáveis ECON1 e ECON2, do survey de 2005, mostram que os deputados mais à direita do espectro tendem a preferir a liberdade
para o mercado em detrimento de uma maior presença do Estado na economia,
assim como esses deputados são mais favoráveis às privatizações em relação aos
congressistas mais à esquerda do espectro. Já as correlações entre a ideologia e
as variáveis ECON3, ECON4, ECON5, dos surveys de 2010 e 2014, mostram
que existe uma forte relação entre estar à direita do espectro ideológico e preferir
que: (1) o mercado tenha mais liberdade em relação ao estado, (2) os serviços
públicos sejam gerenciados por empresas privadas e (3) os recursos naturais
sejam gerenciados por empresas privadas.
Ideologia e política externa
Outro tema por meio do qual se pode distinguir as opiniões dos parlamentares
é a política externa. Com base nos dados dos surveys procurou-se distinguir o
posicionamento dos deputados em relação às questões internacionais com base
em três questões: (1) o interesse a ser demonstrado pelo Brasil nas relações com
determinados países ou regiões, (2) a importância do Tratado de Livre Comércio
com os Estados Unidos para a América Latina (ALCA), e (3) a avaliação da
Aliança Bolivariana para a América Latina e Caribe (ALBA). A primeira questão
está elaborada da seguinte maneira no questionário de 2005:
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
f
245
EXT. Em sua opinião, com relação às áreas e países enumerados em seguida, quanto interesse o governo brasileiro deveria ter ao formular sua
política externa: muito interesse, interesse médio, pouco interesse ou nenhum interesse?
f
EXT1. Países vizinhos
f
EXT2. América Latina
f
EXT3. Estados Unidos
As questões referentes à ALCA e à ALBA foram retiradas do questionário
aplicado em 2010 e continham o seguinte enunciado:
f
EXT4. Qual é, na opinião do (a) Sr. (a), o grau de interesse do Brasil em
pertencer à ALCA: muito interesse, interesse médio, pouco interesse ou
nenhum interesse?
f
EXT5. Na seguinte escala, em que 1 significa “muito negativo” e
10, “muito positivo”, como o (a) Sr. (a) avalia o papel da Alternativa
Bolivariana para América Latina e Caribe (ALBA)?
No survey de 2010, a questão sobre o interesse do Brasil nas relações com determinados países ou regiões foi reelaborada e passou a ter o seguinte formato:
f
EXT6. Com referência às relações internacionais das áreas e países listados, qual é, na opinião do (a) Sr. (a), a área prioritária na qual o governo
brasileiro deveria formular sua política externa? 1. Os países vizinhos; 2.
Os países da América Latina em geral; 3. Os Estados Unidos; 4. O Japão;
5. A China; 6. A União Europeia.
Para poder realizar uma análise de correlação, optou-se por agregar tanto as
alternativas 1 e 2 como as de número 3, 4, 5 e 6. Dessa forma, passou-se a
trabalhar com duas alternativas: 1. Países vizinhos e América Latina; 2. Outros
países/regiões.
No survey de 2014, a questão sobre o interesse do Brasil nas relações com determinados países ou regiões foi reelaborada novamente e passou a ter o seguinte
formato:
f
EXT7. Na opinião do (a) Sr. (a), a orientação da política externa brasileira
deveria ser predominantemente: 1. De estreitamento da cooperação Sul-Sul;
2. Depende da situação; 3. De estreitamento da cooperação Norte-Sul.
246
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
A tabela 2 evidencia a existência de correlações entre o posicionamento ideológico dos deputados e suas opiniões sobre temas ligados à política externa
brasileira. Em cinco das sete perguntas utilizadas as correlações se mostraram
significativas.
Tabela 2 – Correlações entre ideologia e política externa
Ano
2005
2010
2014
Variável
Correlação
Coeficiente
Significância
EXT1
Spearman
-0,127
0,174
EXT2
Spearman
-0,178
0,055
EXT3
Spearman
0,322
0,000
EXT4
Spearman
0,518
0,000
EXT5
Spearman
-0,259
0,007
EXT6
Pearson
0,227
0,015
EXT7
Spearman
0,498
0,000
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
As correlações entre a ideologia e as variáveis Ext1 e Ext2 indicam que os
parlamentares posicionados mais à direita do espectro ideológico acreditam que
o Brasil não deveria ter muito interesse nos países vizinhos e na América Latina,
entretanto, essas correlações não apresentaram significância do ponto de vista
estatístico. Ainda no survey de 2005, aferiu-se que existe uma forte correlação
entre estar mais à direita do espectro ideológico e acreditar que o Brasil deveria
ter grande interesse nos Estados Unidos ao formular sua política externa. Já
as correlações entre a variável ideologia e as variáveis Ext4, Ext5 e Ext6, da
pesquisa de 2010, mostram que os parlamentares que se encontram mais à direita
do espectro ideológico acreditam que o Brasil tem mais interesse em pertencer à
ALCA, avaliam menos positivamente a ALBA e tendem a preferir que o Brasil
não eleja os países vizinhos e da América latina como prioritários para formular
sua política externa. Por fim, a correlação com a variável Ext7, do survey de
2014, indica que os parlamentares de direita tendem a preferir que se priorize a
cooperação Norte-Sul em detrimento da cooperação com outros países do Sul.
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
247
Ideologia e valores
Em todos os surveys analisados os deputados foram questionados a respeito
de temas considerados polêmicos. Em 2005, os assuntos foram o divórcio e o
aborto. As perguntas utilizadas possuíam as seguintes formulações:
f
VAL1. Como o (a) Sr. (a) se posicionaria em relação ao divórcio na escala
seguinte, sendo que 1 significa “discordar totalmente” e 10, “concordar
totalmente”?
f
VAL2. Por favor, indique na escala seguinte sua opinião pessoal a respeito
do aborto. 1. A mulher grávida é a única que tem direito a decidir sobre a
moralidade do aborto e sua prática e 10. O Estado deve declarar ilegal o
aborto e penalizá-lo como qualquer outro delito.
Em 2010 não foi utilizada a questão sobre o divórcio. Em seu lugar se procurou
verificar a opinião dos deputados sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo.
As formulações utilizadas foram as seguintes.
f
VAL3. Indique na seguinte escala sua opinião sobre a descriminalização
do aborto. 1. A favor. 10. Contra.
f
VAL4. Mudando de tema, com que firmeza o (a) Sr. (a) aprova ou desaprova que casais do mesmo sexo possam ter direito a casar-se? Por favor,
utilize esta escala que vai de 1 a 10, na qual 1 significa que “desaprova
firmemente” e 10 que “aprova firmemente”.
Em 2014 as questões sobre descriminalização do aborto e casamento de pessoas
do mesmo sexo foram reformuladas e passaram a ter o seguinte formato:
f
VAL5. Agora vou enumerar uma série de temas debatidos na sociedade
brasileira. Utilize a escala a seguir sobre a legalização do aborto, em que
1 significa a favor e 10 significa contra.
f
VAL6. Agora vou enumerar uma série de temas debatidos na sociedade
brasileira. Utilize a escala a seguir sobre a união civil de pessoas do mesmo
sexo, em que 1 significa a favor e 10 significa contra.
Os resultados apresentados na tabela 3 evidenciam a existência de correlações
entre o posicionamento ideológico dos deputados e suas opiniões sobre temas
polêmicos, cujas respostas se relacionam aos valores dos deputados. Em cinco
248
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
das seis perguntas utilizadas, verificou-se a presença de uma correlação estatisticamente significativa.
Tabela 3 – Correlações entre a ideologia e as opiniões dos deputados sobre
temas polêmicos
Ano
Variável
Teste
Coeficiente
Significância
VAL1
Pearson
-0,092
0,324
VAL2
Pearson
0,265
0,005
VAL3
Pearson
0,233
0,015
VAL4
Pearson
0,367
0,000
VAL5
Pearson
0,317
0,001
VAL6
Pearson
0,446
0,000
2005
2010
2014
Fonte: dados da PELA.
Elaboração do autor.
Os resultados da onda de 2005 da pesquisa mostraram que não há correlação estatisticamente significativa no tocante ao apoio ao divórcio e o posicionamento ideológico. E que os parlamentares mais à direita do espectro ideológico tendem a ser mais favoráveis a que o aborto seja considerado um crime. Embora
as perguntas sobre o aborto estejam formuladas de maneira diferente em 2010 e
2014 (Val3 e Val5), os resultados de todas as ondas apontam na mesma direção.
Em todos os casos existe uma correlação estatisticamente significativa entre estar mais à direita do espectro ideológico e ser contrário à descriminalização do
aborto. O survey de 2010 e 2014 perguntava ainda se os deputados consideravam que pessoas do mesmo sexo deveriam ter direito a casar-se. Os dados evidenciam que os parlamentares de direita tendem a ser menos favoráveis à união
civil de pessoas do mesmo sexo. De maneira geral, esses resultados sinalizam
que os parlamentares posicionados mais à direita do espectro ideológico possuem valores mais tradicionais, tendendo a adotar posições mais conservadoras
quando perguntados sobre temas polêmicos.
Para concluir esta seção, pode-se dizer que existe sim uma correspondência
entre a maneira como os deputados se posicionam no espectro ideológico e as
opiniões dos mesmos em relação a diversos temas de sua atuação parlamentar.
Isso significa que não apenas os parlamentares sabem se posicionar na escala
ideológica, como também que esse posicionamento diz muito sobre as opiniões
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
249
do deputado sobre questões substantivas. A próxima seção irá investigar se a
ideologia é também o fator determinante para a compreensão do comportamento
dos deputados em plenário.
O comportamento dos deputados na Câmara
No presente capítulo, os resultados das análises das votações nominais não são
tomados como sendo relativos às “posições ideais” dos parlamentares, mas sim
como o produto de um conjunto de fatores os quais podem influenciar as decisões
dos deputados. Nesse sentido, o voto do parlamentar pode ser compreendido
como um comportamento estratégico no qual são levadas em consideração
não apenas as preferências pessoais do próprio parlamentar, mas também os
eventuais constrangimentos políticos e institucionais que o deputado possa
enfrentar. A partir desse entendimento, foi utilizado o método conhecido
como W-Nominate, desenvolvido por Keith Poole e Howard Rosenthal (1997)
para estimar o posicionamento dos deputados brasileiros em torno de duas
dimensões latentes.
O gráfico 7 revela os scores obtidos através do W-Nominate para os quatro
maiores partidos presentes na Câmara dos Deputados durante o primeiro governo
do presidente Lula (2003-2007). De acordo com os dados, com base apenas na
primeira dimensão (horizontal), é possível prever com sucesso 90,7% das votações dos deputados no período. Para além do fato de que o modelo apresenta
um bom nível de ajuste, esse resultado significa também que esse conjunto de
dados expõe uma dimensão altamente dominante a partir da qual se estruturam
as votações dos deputados.
250
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Gráfico 7
W-Nominate Scores para PT, PMDB, PFL, PSDB na Câmara dos Deputados (2003- 2007)
0.5
0.0
-1.0
-0.5
Second Dimension
1.0
W-Nominate Scores
RO
R
R
O
O O
O
O
O
O
OO
OO O
O
O
OOO
B B B
OO
O
O O
B
O
O
B
O
G
OO O O O
O
B BBB
R
O
O
BOO OOO O O
BB
OO
O
OO
O
O
BBBBB
O
BB
O
O
B
O
O O
O
O
O
O
B
G O O O
B
R
BB
O
O
B
O OO
OR O
B
G
O
O
O
O
R R
G
O
O
B
B
O
G B BB BO
O
G
O
B
O
B
O
O
G
O
G G GGBB BB
B OO
O O
B
G GB
OOO
BB
G O O RR R
B
GG BB
G
B
B
G
O
O
B
G GG
RRR R O
G
G
G
RR
RR
O
RR
RR
R
GGG
G
G OO O O
G G
R
RR
G
B
B
G
G
R RR
R
R
O
GB
R
GB
G BB
R
B
R
OO
G
R RR
GGG G B GBB
RR
R
G
R
R
R RR
G
R RR
G G GG
RRR
O
GB
G
B
R
RR R R
GR
G BOO O
G
RR
RR RR
G GG
G
R
GG
G
G
R
R
G
G
R R
GG
R
GGG
R
R
R
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R
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G
R
B G
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RR
G
R
O
B R
R
B
RR
R
B
R
BG
BG BG RR R R R
B
B
BB
-1.0
-0.5
0.0
0.5
PT
PMDB
PFL
PSDB
R
1.0
First Dimension: Oposiçao - Governo
Fonte: dados do Banco de Dados Legislativos do Cebrap.
Elaboração do autor.
O gráfico 7 mostra uma distribuição espacial distinta daquela observada nos
surveys da primeira seção. Enquanto o período entre 2003 e 2007 foi marcado
por uma proximidade ideológica entre PSDB e PMDB, conforme os dados do
gráfico 1, o posicionamento dos deputados desses partidos foi bastante distinto
nas votações do Congresso. Enquanto o PSDB se manteve alinhado ao PFL na
maioria das votações, o PMDB esteve mais próximo ao PT.94 A interpretação
aqui é que é o eixo governo e oposição que delimita o posicionamento dos parlamentares de PT, PMDB, DEM e PSDB nas votações da Câmara dos Deputados.
94
É importante lembrar que é a dimensão horizontal a responsável por explicar mais de 90% da
variação desses dados e é essa dimensão que deve ter prioridade na interpretação dos resultados.
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
251
Esse ponto fica ainda mais claro quando se analisa os dados do gráfico 8, que
apresenta os scores obtidos através do W-Nominate para os quatro partidos durante o segundo termo do presidente Lula, entre 2007 e 2011.
Gráfico 8
W-Nominate Scores para PT, PMDB, PFL, PSDB na Câmara dos Deputados (2007- 2011)
1.0
W-Nominate Scores
0.5
0.0
B
BB
B
B
G BBBBB
B
BBBB
B
B
B
B
B BBB
BB B
BB BB
B
BBB
B
B BBB
BB
B
B
BB
B
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B
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RR
RR
G
R R R
R
B
G
G
G
G
G
RRR
R
R
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R
GG GG
RR
R
R
R
GG
OG
R
R
B
R
R
O
R
R
R
G GG
R
R
R
R
G G
R
GG
G
R R
G
GG
G
G
G
G
G
G
G
GGG
G
G
R
GG
G
G
G
G
G
GGG
R
G
R
G
-1.0
-0.5
Second Dimension
O
PT
PMDB
DEM
PSDB
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
First Dimension: Oposiçao - Governo
Fonte: dados do Banco de Dados Legislativos do Cebrap.
Elaboração do autor.
Os dados desse período revelam uma distinção ainda mais clara entre os partidos pertencentes ao governo e à oposição. A diferença em relação ao período
anterior pode ser explicada pelo fato de o primeiro mandato do governo Lula
(2003-2007) ter sido marcado por diversas mudanças nas coalizões de governo
e pelo PMDB só ter se tornado membro oficial da coalizão de governo durante
o decorrer do mandato, enquanto no segundo mandato do presidente Lula, o
PMDB fez parte da coalizão de governo do início ao fim.
Voltando à interpretação dos scores do W-Nominate para o período entre 2007
a 2011, os dados mostram que a dimensão estruturante dos dados é certamente
252
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
a dimensão governo e oposição, e não a dimensão ideológica. Esses dados vão
de encontro aos achados de Bernabel (2015), segundo o qual seria a ideologia
a principal dimensão estruturante das votações nominais no Congresso. Essa
divergência pode ser explicada pelas diferenças metodológicas entre o estudo
do autor e o presente trabalho. Para identificar quais as dimensões latentes sobre
as quais se estruturam as votações nominais, Bernabel, ao invés de investigar
separadamente cada legislatura, utiliza o W-Nominate para analisar conjuntamente as votações na Câmara dos Deputados para o período entre 1989 a 2010.
Ao fazer isso, o autor passa a comparar conjuntos de deputados diferentes (pois
há muitas mudanças na composição de uma legislatura para outra), votando
proposições legislativas diferentes (os projetos de lei votados em cada legislatura
são diferentes), de maneira a produzir scores não comparáveis entre si.
Dito de outra maneira, a lógica do método W-Nominate consiste em analisar
as escolhas de um conjunto de deputados (votos), e procurar por dimensões latentes que se correlacionem com essas escolhas. Para isso, é fundamental que o
mesmo conjunto de deputados decida sobre as mesmas questões, para que então
se possa realizar uma análise das coordenadas espaciais desses deputados. Essas
coordenadas, ou os scores do W-Nominate, não possuem um valor intrínseco,
sendo mais importante analisar as posições relativas dos partidos e não os valores absolutos de seus scores. O problema é que em legislaturas diferentes os
deputados votam questões diferentes, produzindo scores distintos e, em última
análise, não diretamente comparáveis.95
Por fim, o gráfico 9 apresenta os scores do W-Nominate para o período entre
2011 e 2015. Os dados mostram que a distribuição espacial das votações do
primeiro governo da presidente Dilma Rousseff seguiu um padrão semelhante
ao perfil das votações dos dois mandatos do presidente Lula. Entre 2011 e 2015,
foi possível prever corretamente 87% das votações dos deputados a partir da
primeira dimensão latente.
95
Uma analogia possível seria com as pesquisas de survey, neste caso, o procedimento do Bernabel
equivaleria a aplicar dois questionários compostos por perguntas diferentes, para duas populações distintas e, posteriormente, comparar os resultados dessas pesquisas como se os scores
obtidos pudessem dizer respeito a uma dimensão comum, quando na verdade não são diretamente
incomparáveis.
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
253
Gráfico 9
W-Nominate Scores para PT, PMDB, PFL, PSDB na Câmara dos Deputados (2011- 2015)
1.0
W-Nominate Scores
R
R
R
0.5
0.0
-0.5
Second Dimension
B
B
G
-1.0
G
O
-1.0
RR
R
R
R
R
RR
R
R RR
RR
R
RR
R
R
R
R
R
RR
RRR
R
R
RR
R
RR
R
R
RR
R
R
R
R
R
R RR
R
RR
R
RRRRR
R
R
R
R
R
R R RRR R
R RRR
R R RR
RR
R RRR
RR
R
R
B BBBB B
BB
BBBBBB
BB
B B
B BG
B
BB B G B
BBB
B BB
B
BBBB
BB
B
BBBB
G
B
BGB
BG G
B
B
O
B
B
B B GG
G BG G
G B
G
GGGGBG
GB
G
G
B
G
GG G G G
G GG
G
G G GG
G
G
G
B
G
G
O
G
R
O
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G
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O
O
O
O
O
O O
O
O
O
OO OO
O O
OOO
O
O
O
O OO
O
O
OO
O
OOO
O
O
O O
O
O OO ROOO
-0.5
0.0
PT
PMDB
DEM
PSDB
O
O
0.5
1.0
First Dimension: Oposiçao - Governo
Fonte: dados do Banco de Dados Legislativos do Cebrap.
Elaboração do autor.
O gráfico 9 mostra mais uma vez como PSDB e DEM se mantêm muito alinhados na condição de partidos de oposição ao governo, enquanto os deputados
do PT e do PMDB permanecem do meio para a direita do espaço. Os dados evidenciam também que o PMDB se mostrou menos alinhado ao governo Dilma
em comparação com o segundo governo do presidente Lula, prova da dificuldade de coordenação da coalizão enfrentada pela presidente Dilma Rousseff
em seu primeiro termo (MELO; SANTOS, 2013). Todavia, ainda é possível
concluir que é o pertencimento ao governo e não a ideologia a variável principal para a explicação do comportamento dos deputados nas votações em plenário. Evidência disso está no posicionamento dos parlamentares do PSDB e
do PMDB, dois partidos que se mostraram ideologicamente próximos na análise realizada na primeira seção deste capítulo, mas que se comportam de maneira bastante diferente nas votações em plenário.
254
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Conclusão
A análise do posicionamento ideológico dos partidos e dos deputados nas três
legislaturas permitiu a observação de como os deputados mantiveram um posicionamento ideológico coerente ao longo de diferentes legislaturas. Das seis medidas de posicionamento criadas, três relacionadas ao posicionamento dos partidos e três relacionadas ao posicionamento dos deputados, cinco apresentaram
o mesmo ordenamento dos partidos no espectro ideológico. A única exceção
foi a medida de autoposicionamento dos deputados na legislatura que ocorreu
entre 2003 e 2007, na qual os deputados do PSDB se posicionaram de forma
praticamente idêntica aos deputados do PMDB. Já em todas as outras medidas,
o posicionamento dos partidos e dos deputados na escala seguiu a sequência (da
esquerda para a direita) PT, PMDB, PSDB, DEM.
Outro ponto importante a ser destacado é que poucos deputados distorceram
tanto a escala ideológica a ponto de serem descartados da análise. Isso mostra
que os deputados conseguem compreender razoavelmente bem a escala e que
suas respostas sobre o posicionamento ideológico tendem a manter um certo
nível de coerência.
Ademais, foi possível observar que os parlamentares de todos os partidos apresentaram uma tendência de posicionar a si próprios mais à esquerda do que o
esperado, levando em consideração a percepção geral dos parlamentares da
Câmara sobre seu partido. Esse fenômeno não pode ser explicado apenas pela
tese da direita envergonhada, uma vez que diz respeito a partidos de centro e de
esquerda também. Um dado interessante é que na última legislatura analisada,
o DEM não se posicionou mais à esquerda do que seria esperado, fato que pode
sinalizar uma mudança desse padrão entre os partidos de direita, algo que pesquisas futuras podem investigar.
Na segunda seção do capítulo, verificou-se a existência de uma correspondência
entre a maneira como os deputados se posicionam no espectro ideológico e as
opiniões dos mesmos em relação a diversos temas de sua atuação parlamentar.
Isso significa que não apenas os parlamentares sabem se posicionar na escala
ideológica, como também que esse posicionamento diz muito sobre as opiniões
do deputado referentes a questões substantivas. As análises das relações entre
a ideologia dos deputados e suas opiniões relativas ao papel do estado na economia, à política externa e aos valores revelaram que os deputados mais à direita
Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
255
do espectro ideológico tendem a preferir que: 1) o estado intervenha menos na
economia, (2) o país formule uma política externa privilegiando as relações com
os EUA e/ou países do Norte, e (3) o aborto e a união civil de pessoas do mesmo
sexo não sejam permitidos pelo estado.
Em comparação com a análise realizada na segunda seção, a análise das votações
deixa evidente como o comportamento dos parlamentares em plenário possui
um padrão distinto da lógica do posicionamento ideológico dos deputados. Os
parlamentares se mostraram consistentes ao longo tempo ao se posicionarem
sobre o eixo esquerda-direita e ainda mostraram opiniões políticas firmes com
esse posicionamento. Todavia, a análise dos dados deste capítulo mostrou que
o parlamentar brasileiro, na maioria dos casos, exerce sua atividade em meio
à tensão existente entre seguir suas preferências políticas ou cooperar com o
governo. Em outras palavras, existe uma tensão entre o que o deputado deseja e
aquilo que ele efetivamente pode fazer dentro do presidencialismo de coalizão.
Por fim, cabe a ressalva de que os resultados das análises sobre as votações nominais representam um padrão descoberto a partir de todas as votações do período entre 2003 e 2015, marcado por coalizões de governo ideologicamente heterogêneas. Não é prudente afirmar que os resultados encontrados aqui devem
ser estendidos também para os governos formados por coalizões ideologicamente homogêneas. Nesses casos, o mais provável é que exista uma coincidência
entre as preferências ideológicas dos parlamentares e seu comportamento em
plenário. Além disso, o fato de o padrão geral das votações indicar que a ideologia é a principal variável para explicar o comportamento dos deputados não
significa que em votações específicas (e excepcionais) a ideologia não possa ter
sido o fator decisivo. Essas são ainda questões que podem ser investigadas por
futuros estudos.
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Ideologia e comportamento na Câmara dos Deputados (2003-2015)
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259
Inexistência de impacto dos
ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
Nivaldo Adão Ferreira Júnior
Fabiano Peruzzo Schwartz
Introdução
Segundo William Keech (1995), uma das maneiras de se medir o custo de dada
democracia é verificar o quanto os membros do governo se preocupam em perseguir interesses pessoais (aumento do capital eleitoral ou financeiro, busca por
reeleição, satisfação dos interesses partidários) em detrimento de interesses coletivos gerais. A busca por interesses coletivos gerais tende a produzir resultados
econômicos mais satisfatórios do que a perseguição dos interesses pessoais dos
governantes. Dentro dos estudos de qualidade da democracia, ganha relevo a
teoria de ciclos econômicos ou ciclos eleitorais, consistente na alternância na
atuação dos incumbentes em buscar políticas que ora geram melhor desempenho
econômico e ora geram maior retorno eleitoral. Os defensores da vertente racional dessa teoria apontam que em períodos pré-eleitorais, os incumbentes
tendem a mudar de comportamento e a optar por políticas econômicas de efeitos
benéficos a curto prazo, potencialmente ineficazes ou mesmo prejudiciais a
médio e longo prazo, com vistas a ludibriar o eleitor em relação aos resultados
econômicos do governo e conseguir para o partido no poder a reeleição de seus
membros (ALESINA, 1987; PREUSSLER, 2001).
Se o eleitor fosse capaz de analisar retrospectivamente todo o mandato do incumbente e de compreender que ações eleitoreiras podem reverter em degradação
dos índices socioeconômicos após as eleições, as ações oportunistas dos incumbentes não seriam recompensadas. Contudo, Nordhaus (1975) aponta para o fato
de que os cidadãos têm visão míope acerca da política econômica, enxergando
apenas os últimos resultados na hora da avaliação retrospectiva do mandato
260
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
do incumbente (o que se dá na eleição). Além do mais, há enorme desnível de
informação entre governantes e governados, o que permite àqueles simular bons
resultados de seu governo (ALESINA, 1987; PREUSSLER, 2001).
Dessa forma, o mandatário teria incentivos suficientes para causar ciclos recessivos ou de desempenho inferior na economia (mas de retorno positivo, ainda
que provisório, para os eleitores) durante o período pré-eleitoral, na expectativa
de manter a si mesmo (reeleição) ou ao próprio partido no poder, revertendo a
tendência ineficaz do ciclo no período imediatamente subsequente às eleições.
A teoria dos ciclos eleitorais é geralmente utilizada para explicar mudanças
de estratégias e comportamentos do chefe do Executivo representadas, por
exemplo, pelo aumento acentuado de inaugurações de obras públicas, concessão
de benesses, redução de impostos (como as reduções/isenções de IPI para automóveis de baixa cilindrada ou para eletrodomésticos da “linha branca”, recentemente concedidas no Brasil às vésperas do início de períodos de campanha
eleitoral), que geram “resultados satisfatórios visíveis a curto prazo, mesmo
que economicamente ineficientes a médio ou longo prazo” (BORSANI, 2003).
Muito pouco tem sido estudado acerca da existência (ou não) desse fenômeno no
Legislativo. Uma das razões é que o chefe do Executivo, para muitas situações
de governo, dispõe do poder de decidir unilateralmente, sem a necessidade de
submeter sua vontade à aprovação do Legislativo. A exemplo, citam-se o poder
de alterar alíquotas de vários impostos federais, dentro dos limites da lei, o
poder de editar decretos regulamentares ou mesmo o poder de emitir Medidas
Provisórias, que apesar de terem de ser submetidas à avaliação do Congresso
Nacional, vigoram com força de lei desde a sua edição.
O Legislativo, ao contrário, como corpo coletivo, toma decisões necessariamente por meio da busca de consensos ou pela regra da maioria. Além do mais,
suas tomadas de decisões são feitas em etapas, em longo e complexo processo
de tramitação das proposições legislativas. De um lado, isso exige a manifestação por maioria dos membros em várias arenas com poder de filtro e veto
umas sobre as outras, e de outro lado, as ações do membro do Legislativo não se
transformam em uma política que se possa aplicar e vincular a sua realização ao
voto parlamentar de forma tão imediata quanto às ações do chefe do Executivo.
Dessa forma, as decisões tomadas individualmente por um deputado ou senador,
como a decisão de votar contra ou a favor de determinada medida, têm, compa-
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
261
rativamente às decisões do chefe do Executivo, menor possibilidade de alterar
resultados econômicos no curto prazo e de proporcionar retorno eleitoral.
Além disso, como afirmam estudos para o legislativo brasileiro, baseados na
Teoria Partidária, os deputados da base do governo costumam votar de acordo
com a orientação do líder do governo em uma média de 85% das votações nominais do Plenário da Câmara dos Deputados, o que nos leva a inferir que essa
base desconsidera eventuais demandas locais em prol das demandas do Poder
Executivo (AMORIM NETO, 2000; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999; 2007;
SANTOS, 2003).
Isso não significa dizer que parlamentares não consigam sinalizar às bases e
demonstrar suas ações em prol do eleitorado e nem que ajam sempre da mesma
forma durante toda a legislatura. Primeiro, porque mesmo que a decisão de um
parlamentar individual não tenha grande impacto econômico, isso não impede
que o próprio parlamentar divulgue essas decisões para seu eleitorado, produzindo resultados eleitorais importantes. Essa realidade pode ser verificada por
meio de análise de seus discursos em plenário, por meio de análise de conteúdo
de suas publicações em redes sociais, etc., questões que fogem, contudo, ao
escopo do presente capítulo.
Segundo, porque também é bem razoável supor que parlamentares às vésperas
da eleição procurem por políticas de cunho mais distributivistas e, ao fazê-lo,
atuem de forma mais independente em relação às orientações ou demandas do
Executivo, votando de acordo com a base eleitoral e, não, (tão) de acordo com
a base do governo.
Terceiro, a afirmação de que no Brasil há preponderância do Executivo e que este
obtém apoio médio de 80 a 85% dos membros da base governista no Congresso
Nacional para suas políticas públicas carece, ainda, de análises mais qualitativas, como afirma Acir Almeida (2014). Considere-se que, embora o governo
FHC tenha implementado algumas de suas reformas pretendidas, os presidentes
que o sucederam (Lula, Dilma e, atualmente, Temer) encontraram dificuldades
significativas para qualquer aprovação que necessitasse de quóruns qualificados
diferentes do quórum mínimo de aprovação de leis ordinárias (cf. no art. 37 da
Constituição Federal, o quórum para aprovação de matérias ordinárias é uma
maioria mínima de votos, presente na votação a maioria absoluta dos membros).
262
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O presente capítulo não se preocupa, como dito, com a sinalização do parlamentar
por meio de discursos, aparições midiáticas ou em redes sociais, ou seja, não
se avalia o que Mayhew denominou de tomada de posições e reivindicação de
créditos (MAYHEW, 1974). Busca-se (dentre as várias possibilidades de atuação
parlamentar) verificar tão somente se o deputado apresenta padrão de voto diferente entre períodos eleitorais e períodos não eleitorais.
Para tanto, desafia-se os limites dos estudos baseados na teoria partidária e
propõe-se que, se verdadeira a premissa de que o comportamento parlamentar
segue, ainda que só em momentos específicos da legislatura, as previsões da
teoria dos ciclos econômicos, então essa taxa de fidelidade parlamentar da base
ao Executivo não deve ser constante e tenderá a apresentar percentuais médios
mais baixos nos períodos pré-eleitorais. Para os partidos de oposição, a previsão
é de que haja sempre oposição sistemática durante toda a legislatura, uma vez
que os ganhos em votar com o governo não se mostram razoáveis em nenhum
período. Mais uma vez, contudo, apresentamos hipótese para parlamentar de
oposição só para ilustrar, pois iremos, neste capítulo, avaliar o comportamento
do parlamentar da base governista.
Dessas observações, decorre a pergunta de pesquisa, traduzida pela hipótese
de que os parlamentares da base governista apresentam índice médio de fidelidade ao Executivo menor em períodos imediatamente anteriores à eleição. Se
verdadeira a hipótese, o índice médio de votos favoráveis ao governo diminui
nesses períodos. A hipótese negativa, portanto, traduz-se na assertiva de que não
há diferença nas médias do posicionamento parlamentar quando comparados
períodos normais e períodos pré-eleitorais.
Para o teste da hipótese, a metodologia empregada consiste em recalcular o índice de apoio médio da base governista ao Executivo (apontado por Figueiredo
e Limongi – 1999; 2002; 2006 – como sendo de 80 a 85%), utilizando-se os
dados das votações nominais da Câmara dos Deputados do período pós-redemocratização, disponíveis na base de dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), para os anos de 1989 a 2012, ou seja, a mesma base utilizada
pelos autores citados. A partir dos primeiros achados, realiza-se comparação das
médias do resultado das votações para períodos pré-eleitorais e para períodos
não eleitorais.
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
263
Para o alcance do intento, nos tópicos seguintes, define-se o que será considerado neste capítulo como período eleitoral, resume-se a literatura com a qual
dialogamos, descreve-se a base de dados utilizada e a metodologia adotada para
testar a hipótese de que deputados devem mudar seu padrão de voto em períodos
pré-eleitorais.
Definição de período pré-eleitoral
Para a presente pesquisa, é essencial apontar o que se delimita, aqui, como período pré-eleitoral. Chama-se de período pré-eleitoral aquele tempo em que o
deputado federal, paralelamente ao cumprimento de suas obrigações parlamentares e da agenda legislativa, dedica-se com maior energia do que no resto do
mandato à construção de sua candidatura ao mesmo cargo ou a outros postos.
A delimitação tem por inspiração artigo de Emerson Cervi, que definiu o tempo
da política para o cidadão mediano como sendo o momento em que o Horário
Gratuito do Programa Eleitoral é iniciado no rádio e na Televisão (CERVI,
2010). Para o político, esse tempo começa, contudo, bem antes, e exige do observador que tenta delimitá-lo, um diálogo com as várias instâncias que influenciam
o discurso político.
Primeiro, analisando-se a arena eleitoral e seus contornos normativos, tem-se
que as regras eleitorais vigentes à época dos anos analisados nesse trabalho
definiam o início do período oficial de campanha em 5 de julho de cada ano eleitoral,96 segundo se extrai das normas do art. 36, da Lei nº 9.504/1997 (BRASIL,
1997). No entanto, o próprio art. 36 da mesma lei, em seu parágrafo primeiro,
informava que o pré-candidato poderia iniciar as campanhas intrapartidárias
(ou seja, para a base de filiados) quinze dias antes da indicação de seu nome à
candidatura partidária.
O período de escolha partidária dos candidatos, por sua vez e segundo o art. 8º
da citada lei, se estendia do dia 10 ao dia 30 de junho dos anos eleitorais, logo,
oficialmente, a campanha de cada futuro candidato poderia ser iniciada na última semana de maio. Dessa forma, olhando para as regras eleitorais vigentes à
96
Os prazos para campanha eleitoral aqui referidos foram alterados pela Lei nº 13.165/2015, com
vigência para eleições a partir de 2016 (BRASIL, 2015).
264
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
época da pesquisa, poderia afirmar-se que o período pré-eleitoral se estenderia
da última semana de maio até as eleições de outubro de cada ano eleitoral.
Esse seria o período a ser considerado ao olhar apenas a arena eleitoral. Na arena
parlamentar há outras condicionantes para a definição desse tempo em março
de cada ano, e não em maio. Primeiro, tem-se que o ano legislativo começa em
fevereiro (começava em 15 de fevereiro de cada ano até 2006 e em 2 de fevereiro
a partir de 2007, por força da Emenda Constitucional nº 26/2006). No início
dos trabalhos de cada ano, na Câmara dos Deputados, boa parte das atenções
políticas está voltada para as eleições das mesas que irão presidir as Comissões
Permanentes, o que coloca em disputa cargos importantes para a construção/
mantença do capital político em quantidade correspondente a mais de 10% do
número total de deputados. Nesse período, como esses cargos eletivos sofrem
influência da força do líder partidário para sua ocupação, assume-se que, ainda
que o parlamentar esteja preocupado com as eleições de outubro, a força centrípeta do partido é mais forte, fazendo com que o parlamentar seja fiel ao líder ou
à base pelo menos até o final da escolha para as mesas das comissões e, assim,
os ciclos eleitorais não seriam sentidos.
Explica-se: hoje, há 25 comissões permanentes na estrutura da Câmara. No período estudado, esse número variou crescentemente de 16 a 22 comissões. Cada
uma dessas comissões conta com quatro cargos, que são distribuídos proporcionalmente a cada partido ou bloco partidário, de acordo com o tamanho relativo
da bancada (presidência e três vice-presidências), totalizando para o período um
total variável de 64 a 88 cargos em disputa (sempre maior, portanto, que 10%
do total de membros da Casa, 513 deputados). O líder partidário é quem indica
os candidatos preferenciais a elas e as vagas destinadas a cada partido devem
ser referendadas em eleição pelos membros da comissão, prevalecendo-se quase
sempre a indicação do líder.
Ocupar qualquer desses postos de poder, segundo estudo clássico de Jacobson
(1978), significa aumentar o capital político e, consequentemente, as chances
de eleições. Como esses postos são uma função da indicação do líder partidário,
é razoável supor que os parlamentares, até a eleição das mesas das comissões,
são mais fiéis ao partido e à orientação da liderança nas votações e hipótese
de ocorrência de ciclos eleitorais, se verdadeira, ocorreria somente após essas
eleições internas do Congresso.
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
265
Necessário se faz apontar quando as mesas das comissões são eleitas, portanto. Muito embora o Congresso Nacional, constitucionalmente, comece seus trabalhos no mês de fevereiro, as eleições para as comissões costumam ocorrer somente após o extenso feriado de carnaval, como se observa no quadro abaixo. Isso
significa dizer que somente em março os deputados da base que vão concorrer às
eleições de outubro de cada ano eleitoral teriam incentivos para considerar mais
fortemente as bases constituintes do que a base governamental.
Quadro 1
Quarta-Feira de Cinzas e eleição das comissões
ANO
4ª Feira de Cinzas
ELEIÇÃO DA MESA
2004
25/2/2004
Penúltima semana de março
2006
1º/3/2006
Última semana de março
2008
6/2/2008
Primeira semana de março
2010
17/2/2010
Primeira semana de março
2012
22/2/2012
Segunda semana de março
2014
5/3/2014
Última semana de fevereiro
Fonte: Diário da Câmara dos Deputados.
Elaboração dos autores.
Um segundo ponto acerca do tempo na arena legislativa guarda relação direta com a ocorrência de eleições federais e municipais e se traduz no fato de
que, em todo ano eleitoral, há certa paralisia decisória no processo legislativo,
com poucas deliberações ocorrendo até que aconteçam as citadas eleições. Os
esforços parlamentares nesse ano ficam todos voltados para as campanhas eleitorais, no que se convencionou informalmente denominar de recesso branco. Em
2006, por exemplo, ano em que o ex-presidente Lula disputou a reeleição presidencial e em que concomitantemente 491 deputados disputavam algum cargo
eletivo, o Congresso Nacional ficou em recesso branco durante todo o período
que antecedeu às eleições, ao ponto do Senador Jefferson Peres reclamar do fato
em pronunciamento no plenário do Senado (PERES, 2006).
O recesso branco, que é mais intenso nos anos de eleições federais, mas que
ocorre também nos anos de eleições municipais, denota que bem cedo no ano
eleitoral, todo o campo político volta as atenções para as campanhas políticas e
as eleições de outubro. Juntando-se os dois fenômenos, recesso branco e eleições
266
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
para as comissões permanentes, decidiu-se por adotar como início do período
pré-eleitoral o mês de março e como fim desse período o mês de outubro de
todo ano eleitoral.
Comportamento parlamentar no presidencialismo de
coalizão
Apresentada a delimitação de período eleitoral, a tarefa agora é apontar os
estudos para as relações entre Executivo e Legislativo e entre representantes e
representados nos quais se baseia este capítulo. As relações entre os poderes,
especialmente entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, é um dos temas
mais estudados na Ciência Política brasileira contemporânea. Após 1988, com
a redemocratização e a retomada pelo Congresso Nacional do papel de ator central na formatação das políticas públicas, ao lado do Executivo, esse campo de
pesquisa ganhou enorme impulso e ao menos duas vertentes estão distintamente
traçadas: a primeira defende que a conjugação de regras com caráter centrífugo
em relação ao poder (federalismo, presidencialismo, regras eleitorais que favorecem a fragmentação partidária) tendem a gerar baixa institucionalização
partidária, personalismo das campanhas eleitorais, preferências por políticas
fiscalmente irresponsáveis e de cunho distributivista, tudo a convergir para um
ambiente de difícil governabilidade (ABRANCHES, 1988; 2016; ABRÚCIO,
1998; AMES, 2001).
A partir desses estudos, defende-se que a relação entre Executivo e Legislativo
tende à instabilidade, pois ao presidente, eleito em circunscrição nacional, cabe
realizar a aplicação das políticas públicas, sendo o Executivo o ramo do poder
mais visível aos olhos do eleitorado. O presidente teria, portanto, incentivo para
realizar políticas de cunho nacional. Os parlamentares, por seu turno, são eleitos em circunscrições estaduais, sendo que os deputados passam por disputas
em eleições proporcionais. Para estes, vigoraria a tendência de buscar políticas
localistas, direcionadas à sua base, e políticas populares, que garantissem melhor posicionamento nas eleições subsequentes, uma vez que a eleição proporcional, no modelo de lista aberta adotado no Brasil, resulta, ao final, em disputas internas às legendas por votos dos eleitores do partido (MAINWARING,
1999; SAMUELS, 2001).
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
267
A diferença entre a forma de eleição dos membros do Executivo e do Legislativo
federais, portanto, causaria dissonância na preferência por tipos de políticas
públicas. Em relação ao deputado federal, a eleição em circunscrições estaduais
e o personalismo vigente nas campanhas gerariam políticos irresponsáveis, no
que tange às políticas nacionais. Enfim, Legislativo e Executivo apontariam para
rumos distintos no que tange a preferências políticas.
Uma segunda visão acerca do funcionamento das instituições políticas, hoje predominante e baseada fortemente nos estudos de Figueiredo e Limongi (1999;
2000; 2002; 2006; 2007), desenha cenário menos caótico, demonstrando que a
racionalidade dos atores e as ferramentas disponíveis ao chefe do Executivo geram ambiente propício à coexistência de graus elevados de governabilidade e
de representatividade no sistema. Esses estudos apontam que o processo legislativo federal brasileiro é controlado pelo chefe do Poder Executivo, que dispõe
de prerrogativas constitucionais como medidas provisórias; ampla iniciativa legislativa, muitas delas exclusivas a exemplo de matérias tributárias e orçamentárias (AMORIM NETO, 2000); e possibilidade de pedido de urgências constitucionais para essas iniciativas. O presidente da República dispõe, ainda, de
recursos como controle da execução orçamentária e de nomeações em cargos na
Administração Pública, entre eles cargos de ministros de Estado, que possibilitam arregimentar partidos para a base do governo e formar coalizões (LIMONGI;
FIGUEIREDO, 2002).
Dentro do parlamento, a organização do processo decisório leva à concentração
de poderes nas mãos de atores específicos: os presidentes das mesas diretoras
e das comissões têm poder de agenda sobre as proposições, designando momento e forma de apreciação das matérias. Cabe a eles ainda designar relatores,
evitando indicar atores com opiniões extremadas para essas funções. Líderes
partidários possuem poder de indicar e retirar membros das comissões a qualquer momento, forçando-os a atuarem de acordo com as diretrizes da bancada;
dispõem também da prerrogativa de apresentar proposições (emendas, destaques) e instrumentos procedimentais (requerimentos vários) em nome de todos
os membros de seu partido. Relatores são responsáveis por indicar o âmbito e a
temática da discussão de cada matéria em tramitação nas casas legislativas, aumentando ou diminuindo a amplitude de informações que carreiam ao processo
(LIMONGI, 1999; SANTOS, 2003).
268
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Juntando-se esse cenário de regras regimentais que concentram o processo legislativo em alguns atores do Parlamento (líderes partidários, presidentes das
casas legislativas e das comissões e relatores) às regras constitucionais favoráveis ao Executivo que atraem grande parte dos atores centrais do Legislativo
para a coalizão governista, a literatura aponta, por um lado, que o Executivo
controla a agenda do Congresso Nacional e exerce preponderância na atividade
legislativa (LIMONGI, 2006; SANTOS, 2003; AMORIM NETO, 2000). Por
outro lado, afirma que o Legislativo é composto por partidos altamente disciplinados, conduzidos por líderes que falam e atuam em nome da bancada, o que
faz do Legislativo arena de atuação colaborativa ou complementar em relação
às propostas de políticas públicas do Executivo (LIMONGI; FIGUEIREDO,
1999; 2002; 2007).
Os resultados apresentados por essa segunda linha de pensamento acerca do
funcionamento político brasileiro consistem em asseverar que o Executivo brasileiro tem o controle da agenda legislativa e apresenta índices de sucesso na aprovação de suas propostas de políticas públicas muito assemelhados aos índices
de sistemas parlamentaristas, em que Executivo e Legislativo são praticamente
corpos fundidos. Tal fato desafia as expectativas negativas, construídas para o
funcionamento de presidencialismos multipartidários e desenhadas por autores
como Barry Ames (2001) e Juan Linz (1990).
Apesar de suas divergências, o interessante é perceber que as duas visões propõem a atuação racional dos membros do Congresso Nacional. A primeira
defende que os parlamentares se movem pelo desejo de aumentar seu capital
eleitoral por meio de adoção de políticas distributivistas às suas bases eleitorais.
A segunda prevê políticos que enxergam os benefícios da atuação coordenada
como superação das dificuldades da ação pulverizada dentro do Congresso
Nacional. Hipoteticamente, defende-se que embora os modelos explicativos
construídos para ambas as alternativas sejam coerentes (até por ambos serem
possíveis de ocorrer), o parlamentar, ao longo de sua vida política, pode agir
ora de uma maneira ora de outra, sendo essa a explicação por trás da hipótese
inicial da pesquisa.
Um desses momentos de inversão da forma de atuar dos parlamentares da
base governista, migrando da ação em prol do Executivo para ações de cunho
distributivista ou em prol dos partidos, pode ocorrer às vésperas das eleições.
Segundo a teoria dos ciclos econômicos (ALESINA, 1987; BORSANI, 2003),
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
269
os motivos que fazem com que o chefe do Executivo atue gerando subótimos
de desempenho econômico é o desejo de angariar votos em eleições próximas,
uma vez que, por pressuposto teórico, o voto do eleitor é dado, em boa medida,
em contrapartida a políticas populistas de expansão creditícia e de benesses
com dinheiro público (principalmente em nações desiguais, de rincões carentes,
como o Brasil).
O mesmo mote – maximização de votos – deve orientar o parlamentar, que
também aufere seu poder a partir das urnas. O fato de o membro do Legislativo
não dispor de meios tão imediatos quanto os do Executivo para disponibilização
imediata de recursos à base eleitoral não significa dizer que ele não aja buscando
convencer a sua base de que atua em benefício desta. Segundo Mayhew (1974),
parlamentares sinalizam às suas constituencies por meio da tomada de posição
política, reivindicação de créditos por suas ações e divulgação de seus atos junto
à base eleitoral (advertising, credit claiming e position taking, nas palavras de
Mayhew). Em todas essas situações, o parlamentar – ainda que participante da
coalizão governista – pode estar de acordo com a política governamental do
Executivo ou contra ela, a depender de vários fatores (regionalismos, bandeiras
individuais ou partidárias, compromissos com a base ou com classes sociais
específicas, ideologias, realização de chantagens ao Executivo e, por que não,
ocorrência de ciclos eleitorais). Ciente dessa dificuldade, governos buscam construir suas coalizões com número de parlamentares superior ao necessário para
formar maiorias e aprovar proposições no Legislativo (PEREIRA; POWER;
RENNÓ, 2005; GAYLORD; RENNÓ, 2015).
Em abordagem assemelhada à deste trabalho, Fernando Limongi e Argelina
Cheibub (2000) apresentaram artigo que buscava “a congruência de deputados
individualmente em relação ao governo, tendo por variável de controle o fato
de o governador de seu estado ser ou não da base governista”. A hipótese de
pesquisa defendia que deputados sofrem tanto atração do Executivo federal
quanto do Executivo estadual. Por essa razão, deputados de estados membros
em que os governadores fossem de oposição tenderiam a ser menos fiéis ao presidente da República do que deputados de estados em que o governador fosse da
base de apoio do Executivo federal. A hipótese, contudo, foi rejeitada:
Os resultados, é evidente, contam exatamente a mesma história: entre os
deputados que pertencem aos partidos governistas, ser eleito em um estado
270
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
“oposicionista” aumenta a probabilidade de o legislador votar com o governo
em aproximadamente 2,3%. Os resultados, portanto, são contrários à expectativa de que, em face de pressões antagônicas entre as esferas nacional e
estadual, deputados atenderiam às pressões da última, seguindo a posição
do governador, e não a das forças nacionais. (CHEIBUB; FIGUEIREDO;
LIMONGI, 2009)
Contradizendo esses achados, que negam a possibilidade de mudança de comportamento do parlamentar, em recente tese de doutorado, Adriano Silva (2015)
afirma que na votação de medidas provisórias podem ocorrer situações em que
o Executivo não tenha condições de controlar a sua base e alcançar os resultados
desejados, por maior que seja a coalizão, e os deputados ou atropelam o governo
ou o abandonam, tudo dependendo da taxa de coalescência da coalizão.
Aceitando, com Silva (2015), que deputados podem abandonar ou atropelar
o Executivo, espera-se encontrar situações em que deputados da base se
comportem como deputados de oposição. Figueiredo e Limongi demonstraram
que não é o confronto entre interesses estaduais e nacionais a explicação (nem
mesmo parcial) para esse fenômeno. Talvez ciclos eleitorais o sejam. Dada essa
assertiva, formulou-se a hipótese central de pesquisa na qual, partindo do pressuposto de que parlamentares se preocupam com a reeleição e buscam sinalizar
para seu eleitorado suas ações na tentativa de demonstrar que os representa no
Congresso, eles agem de forma distributivista em períodos pré-eleitorais, ainda
que à custa de sua disciplina ao partido ou à coalizão.
Noutras palavras, o parlamentar, às vésperas das eleições, estaria por um lado
muito pouco afeito a votar em proposições impopulares defendidas ou propostas
pelo Executivo. Por outro lado, tenderia a defender políticas distributivistas, não
desejadas pelo Executivo, ainda que isso representasse irresponsabilidade fiscal.
Frise-se que, ainda que o Executivo controle a agenda do Legislativo, ele por
vezes necessita submeter ao Congresso medidas de ajuste fiscal ou de redução
de benefícios de determinados nichos sociais, mesmo em períodos próximos
a eleições. Da mesma sorte, ainda que tente evitar a apresentação de medidas
impopulares em períodos eleitorais, o Executivo não consegue, com precisão,
determinar o tempo e a forma em que as propostas legislativas serão votadas.
Assim, em determinadas situações, não consegue evitar que proposições legislativas populistas e irresponsáveis do ponto de vista fiscal sejam propostas (ou
pautadas) em períodos eleitorais e cheguem às diversas arenas de deliberação
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
271
do Congresso Nacional, correndo o risco, portanto, de gerar conflitos entre sua
agenda e a agenda da coalizão formada no Congresso Nacional.
A premissa foi testada utilizando-se os dados para votações nominais ocorridas
no plenário da Câmara dos Deputados, disponíveis na Base de Dados do Cebrap,
conforme descrito abaixo.
Metodologia e análise de dados
Reitera-se que o objetivo principal do presente capítulo é verificar se o
parlamentar muda de estratégia e atitude no decorrer da legislatura (mais especificamente, durante o período de campanha eleitoral), desafiando o centralismo
decisório ao buscar políticas mais distributivistas. Das possibilidades de atuação
parlamentar em prol das bases nesse período (discursos, tomadas de posição,
assunção de bandeiras, votos), analisa-se a tomada de posição nas votações
nominais ocorridas no plenário da Câmara dos Deputados nos períodos de campanha eleitoral.
Dessa forma, separam-se todas as votações ocorridas até outubro do segundo
ano de cada legislatura (eleições municipais) e o quarto ano de cada legislatura
(eleições gerais). A opção por se analisar o comportamento parlamentar também
nos períodos de eleições municipais se deve ao fato observado, entre outros, por
Campos (2009), de uma expressiva massa de parlamentares disputarem a eleição
para prefeito (em raras vezes visando inclusive às eleições para vereador). Além
disso, é verdade que mesmo quando não participam como candidatos das eleições municipais, os deputados federais se envolvem profundamente nas campanhas dos prefeitos e dos vereadores, que apoiam para emprestar-lhes a sua
imagem na tentativa de angariar-lhes votos.
Por fim, observa-se que as eleições de meio de mandato servem ainda aos
deputados federais como oportunidade para diminuir o ciclo de duração da
accountability vertical, possibilitando um reencontro prematuro entre representante e eleitor. O deputado federal candidato a eleições municipais, durante
o período eleitoral, volta ao corpo a corpo com o eleitor, retorna às mídias e
participa de programas eleitorais e debates, tudo isso, segundo Graça e Souza
(2014), possibilitando-lhe o aumento do capital político e dando-lhe vantagem
272
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
competitiva nas eleições federais seguintes, quando comparado àqueles candidatos que não concorreram ao pleito municipal.
A importância das eleições municipais para o sistema político, por fim, é ressaltada pelo fato de que o Congresso Nacional praticamente para no semestre que
a antecede, ocorrendo o que, no jargão do Legislativo, convencionou-se denominar de recesso branco. Conforme aponta reportagem jornalística de setembro
de 2016, vésperas da última eleição municipal, mesmo os deputados que não
são candidatos nas eleições municipais se empenham na eleição de prefeitos e
vereadores (GARCIA, 2016). Estes, eleitos ou não, por sua vez, irão compor
a base de apoio dos candidatos a deputados, senadores, governadores e presidentes da República das eleições federais subsequentes, revelando orquestração
para crescimento e mantença do capital político para as campanhas eleitorais e
também a forma com que as políticas das esferas municipais, estaduais e federal
se entrelaçam.
Estatística descritiva
Como passo inicial da metodologia aplicada, fez-se necessário definir o que se
compreende como sendo período eleitoral e período não eleitoral. Conforme
explicação já apresentada, nesta pesquisa o período eleitoral considerado se
inicia em 1º de março e se estende até 31 de outubro de cada ano par. Períodos
não eleitorais são aceitos como sendo: 1) os meses de novembro e dezembro
dos anos pares e 2) os anos ímpares, em sua totalidade.
Definido o que será considerado período eleitoral (variável independente) e justificado o porquê da escolha de se analisar o comportamento do deputado federal
também nos anos de eleições municipais, passa-se a descrever os dados que foram objeto de análise. Na pesquisa, é comparado o apoio médio dado por parlamentares da base governista ao Executivo nos períodos eleitorais com esse apoio
médio durante períodos não eleitorais. O apoio médio é obtido pela porcentagem
de vezes em que o deputado vota de acordo com as orientações do Executivo.
Como dito, espera-se que o apoio médio seja menor em períodos pré-eleitorais.
Os dados analisados, portanto, são as votações nominais em plenário, que se
traduzem na nossa variável dependente. Os registros completos dessas votações são encontrados no Banco de Dados Legislativos do Cebrap, disponível no sítio eletrônico do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
273
(http://neci.fflch.usp.br). Os dados nesse banco são organizados por legislatura
em dois tipos de tabelas. O primeiro tipo apresenta votações nominais ocorridas
no plenário da Câmara dos Deputados no período analisado, organizadas pelo
nome da proposição, data e resultado da votação. O segundo tipo de tabela individualiza cada votação a partir da orientação do líder do governo (que indica
a posição do Executivo para a matéria em votação), da orientação dos líderes
partidários, do voto e do partido de cada parlamentar, o que permite a verificação do alinhamento de cada parlamentar e da base governista ao Executivo,
por período e por votação.
Para a presente pesquisa, fundimos esses dois bancos, obtendo um universo
de mais de 836 mil votos parlamentares, que albergavam os dados desde 1989
até o ano de 2014, e tratamos os dados. Na tabela resultante, a variável voto
parlamentar recebe as ocorrências sim, não, abstenção, obstrução e falta. A variável indicação do líder do governo (que corresponde à orientação que o líder
faz em plenário a cada votação) pode receber as ocorrências sim, não, libera,
ausente. Por fim, a variável indicação do líder partidário pode receber as ocorrências sim, não, libera, ausente e obstrução.
Tratamento inicial dos dados se fez necessário para sua posterior análise. Foram
excluídas, inicialmente, todas as votações em que os líderes indicaram “obstrução” (25.774). Essa decisão deu-se porque 1) a obstrução nem sempre é discordância com o Executivo e 2) porque não raro o líder em plenário orienta a sua
bancada a votar sim ou não, só depois mudando a orientação para obstrução (e
vice-versa), impedindo de se verificar se a discordância entre o parlamentar e o
líder do partido se dá por uma indisciplina partidária ou pelo fato de ter o parlamentar acatado a primeira das orientações e não ter tido a oportunidade de
mudar o voto.
Também foram excluídas as votações em que o líder do governo ou o líder do partido liberou a bancada para votar livremente e as hipóteses em que esses líderes
não encaminharam a votação, pelas mesmas razões de nesses momentos não ser
possível verificar divergências entre líder e liderados. Igualmente, foram excluídos
os deputados que, no momento do voto, estavam sem partido, porque para esses
não há como verificar se eram ou não membros da coalizão (1.331 ocorrências).
Desconsideram-se para a análise as ocorrências em que a variável nome do
parlamentar apresentava-se em branco (por não ser possível no mundo real)
274
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
assim como todas as ocorrências para os anos de 2013 e 2014. Para esses dois
anos, a base de dados Cebrap apresentou inconsistência ao não computar o percentual de faltas dos parlamentares, sendo que no dia a dia da Câmara, raramente
há uma votação com a presença de todos os 513 parlamentares. Decidiu-se por
retirar da base esses anos devido ao receio de que outras incoerências estivessem
presentes. Portanto, o corpus da pesquisa (que incialmente contemplaria os anos
de 1989 a 2014) abarcou as votações nominais de plenário ocorridas dos anos
de 1989 a 2012.
Por fim, diferentemente da metodologia que Figueiredo e Limongi (1998, 2002)
adotam para calcular o índice de apoio dos parlamentares ao Executivo, na presente pesquisa, esse índice foi calculado não a partir de percentuais dos votos
válidos dados em plenário; mas a partir do percentual de deputados, dentre o
total dos membros da Câmara dos Deputados, que votaram em dada deliberação.
Adotando-se essa postura, o índice aqui calculado será ligeiramente menor do
que o encontrado pelos autores citados, uma vez que foi encontrado percentual
médio de 25,28% de deputados faltosos nas votações analisadas.
Após esse tratamento dos dados, construiu-se script para extrair do banco de
dados os votos de parlamentares não membros da coalizão governista. O quantitativo para a perseguição da hipótese equivalia, após esses passos, a 615.310
votos de deputados federais, distribuídos por 1.450 votações em 7 legislaturas
e 24 anos. Sobre esses dados é que se calculou e avaliou o comportamento da
variável de interesse da pesquisa (variável dependente), qual seja, a média de
votos da base governista consoante a orientação do líder do governo para períodos eleitorais e períodos não eleitorais.
Análise dos dados
A análise realizada consistiu basicamente em 1) calcular o percentual de acompanhamento dos deputados (de situação e de oposição) em relação às orientações
da liderança do governo; 2) comparar as médias de fidelidade dos deputados da
base ao líder do governo em dois períodos: o período eleitoral (aqui determinado
como as votações ocorridas de março a outubro dos anos pares) e o período não
eleitoral (os demais períodos).
A primeira parte da análise trouxe que, dos 615.310 votos analisados (dados por
deputados da base e deputados de oposição), 344.803 acompanharam a orien-
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
275
tação do líder do governo e 270.507 foram contrários a essa orientação, o que se
traduz em uma taxa de sucesso governamental histórica de apenas 56,04%. Além
disso, o percentual de acompanhamento em relação ao Executivo por parte dos
governistas para todo o período analisado (mesmo não se considerando a opção
“obstrução” como um voto contrário ao governo) foi de apenas 61,11%, bem
inferior ao índice de pelo menos 80% defendido pela literatura hoje dominante
para o presidencialismo de coalizão brasileiro. Ressalte-se que essa diferença
nos índices foi obtida simplesmente considerando-se, votação a votação, a quantidade de ausentes às deliberações como fuga de votos da base.
A segunda parte da análise buscou verificar se há diferenças entre os votos dados
em plenário para períodos eleitorais e períodos não eleitorais. Observe-se que os
anos pares se constituem de um período eleitoral (1º de março a 31 de outubro) e
de um período não eleitoral (ou pós-eleitoral, 1º de novembro a 31 de dezembro),
enquanto que os anos ímpares têm somente períodos não eleitorais. Para estes,
consideraram-se votações ocorridas entre 1º de janeiro a 31 de dezembro, pois
se hoje não ocorrem mais votações nos meses de janeiro e fevereiro, até 2005
era costume se convocar o Congresso Nacional para sessões extraordinárias e
esses meses também eram de produtividade legislativa.
O cálculo das médias, para os dois períodos dos anos pares (período eleitoral e
período não eleitoral) retornou os seguintes resultados:
Quadro 2
Médias de fidelidade do parlamentar à orientação do governo nos anos pares
Ano par
Média período
eleitoral
Nº Votações
Período
Média período
não eleitoral
Nº votações
Período
1990
0.5054648
27
–
0
1992
0.2707629
28
–
1
1994
0.4555329
6
–
0
1996
0.5145350
89
0.4062728
13
1998
0.6107945
63
0.5938865
17
2000
0.2822488
46
0.5267401
11
2002
0.6366015
16
0.5525876
4
2004
0.5530909
26
0.7281307
8
2006
0.3151822
23
0.7116921
4
276
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Ano par
Média período
eleitoral
Nº Votações
Período
Média período
não eleitoral
Nº votações
Período
2008
0.6842072
45
0.5514242
20
2010
0.2772940
22
0.4595530
10
2012
0.4405520
21
0.3532299
15
Média
0,462
34,33
0,488
DP
0,141
0,198
Fonte: banco de dados Cebrap.
Elaboração dos autores.
O cálculo das médias dos anos ímpares (anos em que não ocorrem eleições)
apresentou os seguintes resultados:
Quadro 3
Médias de fidelidade do parlamentar à orientação do governo nos anos ímpares
ANO ÍMPAR
Nº VOTAÇÕES
PERÍODO
MÉDIA PERÍODO
NÃO ELEITORAL
1989
26
0.1833414
1991
75
0.3252661
1993
53
0.5149520
1995
119
0.5122823
1997
108
0.6056696
1999
105
0.5979019
2001
57
0.5636328
2003
87
0.7130045
2005
38
0.6349597
2007
126
0.6165672
2009
85
0.5762861
2011
56
0.6728169
Média
0,543
DP
0,14
Fonte: banco de dados Cebrap.
Elaboração dos autores.
A partir desses resultados procedeu-se à análise com o objetivo de se negar a hipótese nula: não há diferença nas médias do posicionamento parlamentar quando
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
277
comparados períodos normais e períodos pré-eleitorais. Para tanto, comparou-se
as médias de acompanhamento da base dos períodos de votação para períodos
pré-eleitorais dos anos pares com os períodos de votação para períodos não
eleitorais dos anos pares e dos anos ímpares.
Antes, contudo, os dados para períodos eleitorais e períodos não eleitorais foram
submetidos ao teste de normalidade de Shapiro-Wilk (script em anexo). Para esse
teste, só as médias de votações dos anos ímpares (ou seja, votações em períodos
não eleitorais) são distribuições normais. A razão para esse resultado decorre
do fato de que há uma redução drástica do número de votações efetivamente
realizadas nos períodos pré-eleições. Esse fato pode significar a ausência de vontade política do Parlamento em deliberar nesse período, seja pela dedicação dos
parlamentares aos seus redutos eleitorais, seja pela ação estratégica do governo
e sua base em não submeter as casas legislativas a desgastes nesses períodos. No
Congresso Nacional, esse período de poucas deliberações, como já salientado,
é informalmente denominado de recesso branco.
O resultado negativo do teste de normalidade para os anos eleitorais impediu o
uso de testes paramétricos para essas amostras. Dessa sorte, optou-se por analisar
se as distribuições dos índices de acompanhamento do governo, correspondentes
aos anos pares e ímpares, são idênticas ou não, utilizando o teste de Wilcoxon
Signed-Rank. O nível de significância utilizado foi de 0.05, sem assumir que as
distribuições são normais e os resultados obtidos apontam para a impossibilidade
de se afirmar que as médias entre as duas amostras são diferentes.
Mais uma vez, a sintaxe aplicada às médias amostrais segue no Anexo A. Além
disso, os resultados de todas as análises, o banco de dados compilado, os scripts
para linguagem R, estão disponíveis para acesso e download no link https://
github.com/Cefor/fidelidadedabase, o que representa a busca de se garantir a
reprodutibilidade da pesquisa ora apresentada.
Discussão dos resultados e conclusões
O presente capítulo dialogou com as pressuposições de preponderância do
Executivo e da prevalência da influência do Executivo sobre os parlamentares
da base de apoio ao governo no Congresso. Pressuposições essas construídas
278
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
para o presidencialismo de coalizão brasileiro a partir de estudos baseados na
teoria partidária.
Para tanto, trouxe como hipótese de pesquisa a possibilidade de o deputado
federal mudar seu padrão de votação – e ser menos fiel ao Executivo – nas
proximidades de períodos eleitorais. A metodologia empregada consistiu no
comparativo da coincidência média dos votos dos deputados da base governista
com a orientação do líder do governo na Câmara dos Deputados para períodos
eleitorais e períodos não eleitorais.
O comparativo dessas médias apontou que, com um intervalo de confiança de
95%, não há diferença significativa, entre períodos eleitorais e períodos não
eleitorais, para a distribuição de votos da base governista em prol do Executivo.
Tal fato não permitiu comprovar a hipótese de que deputados dão menos apoio
ao Executivo perto das eleições, ou que votam mais favoravelmente à base de
eleitores no mesmo período.
Noutras palavras, ao nível de significância de 0,05, refuta-se, de acordo com o
método adotado, o princípio da teoria dos ciclos eleitorais para o caso da Câmara
dos Deputados. Isso não significa dizer que deputados não se preocupam com
suas bases (ou que não se preocupam mais com suas bases às vésperas das
eleições).
Igualmente, buscou-se comprovar, pelo método estatístico descritivo de cálculo
da média de votos dados em prol do governo, a afirmação da literatura dominante
de que o Executivo, no período pós-democratização, goza de índices de sucesso
e apoio parlamentar assemelhados ao de governos parlamentaristas. Para os
estudos do presidencialismo de coalizão brasileiro (em especial os vários textos
de Figueiredo e Limongi exaustivamente citados nesta pesquisa), parlamentares
membros da coalizão votam de acordo com a orientação do líder partidário
e do líder do governo em índices próximos a 85% das vezes. No entanto, ao
analisar-se a base de dados Cebrap, esses índices só são comprovados se a porcentagem for calculada se considerando apenas os deputados votantes. Para a
presente pesquisa, a metodologia adotada incluiu nos cálculos os deputados da
base governista faltantes em cada votação e os considera como indisciplinados.
Ao proceder assim, o Executivo continua preponderante, apresentando historicamente índice de sucesso superior a 50% (considerando votos da base e da
oposição). Para os deputados da base, a média de apoio se reduz a meros 61,11%
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
279
(contra os 85% apontados pela literatura dominante), raramente superando os
70% em votações pontuais. Isso explica a histórica dificuldade de se aprovar
reformas mais profundas no Congresso Nacional.
Outras hipóteses de pesquisa
Apesar de as análises deste capítulo não poderem afirmar a existência de ciclos eleitorais, o tema ainda não pode ser desconsiderado para o Legislativo e
pesquisas com cunho mais qualitativo se fazem necessárias. Em duas recentes
monografias apresentadas no âmbito do Programa de Pós-Graduação da Câmara
dos Deputados, discutiu-se a questão do centralismo decisório no plenário da
Câmara dos Deputados e a existência (ou não) de ciclos eleitorais no parlamento brasileiro. A primeira pesquisa trouxe a informação de que o Plenário da
Câmara dos Deputados, em um período de dez anos (de 2007 a 2016), rejeitou
apenas um projeto de lei (LIRA, 2017). Em outras palavras, a pesquisa nos diz
que há um forte filtro realizado pelas reuniões do presidente da Câmara com o
Colégio de Líderes, pelo qual só é colocado na pauta de deliberações aquelas
proposições com acordos previamente consertados.
É de se supor, portanto, que em períodos pré-eleitorais, temas sensíveis aos
deputados e às suas bases não passam do filtro do colégio de líderes e não são
pautados, o que justificaria não se ter encontrado, nesta pesquisa, fuga de votos
de parlamentares da base às vésperas das eleições. Essa hipótese, contudo, precisa ser comprovada em nova pesquisa.
Uma segunda monografia, que objetivou verificar qualitativamente quais características comuns determinado grupo de deputados reeleitos apresentavam,
dialogou (igualmente a esta pesquisa) com a teoria dos ciclos eleitorais. Nos
resultados apresentados, fruto de entrevistas com parlamentares, realçou-se a
impossibilidade de se comprovar a existência de ciclos eleitorais na Câmara
dos Deputados porque embora o parlamentar aja ora distributivamente, ora
partidariamente, a mudança de estratégia ocorre durante todo o mandato, de
acordo com as nuances do jogo político e não apenas às vésperas das eleições
(CUNHA, 2017)
Juntando-se esse achado com o índice de faltas significativo encontrado
nos dados desta pesquisa (25,38%), é possível supor que o parlamentar prefira não contrariar a nenhum de seus dois senhores (o eleitor e o Executivo)
280
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
e simplesmente se abstenha nas votações em que os desejos de um e de outro
estejam em conflito. Igualmente, essa é uma nova hipótese, não respondida
nesta pesquisa que fica, contudo, como sugestão para novos mergulhos nesse
imbricado tema.
Por fim, o achado de que a base não é tão disciplinada como afirmam os estudos
do presidencialismo de coalizão citados neste capítulo merece discussão mais
aprofundada para se apontar quando o deputado decide por abandonar a base,
negando votos ao Executivo, mas esquivando-se de deixar isso registrado por
meio de votos contrários, e para se verificar as variáveis que podem explicar
esse seu comportamento fugidio (temas, contextos, bancada do parlamentar,
momentos da legislatura, etc.).
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Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
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Anexos
Scripts e sintaxes dos principais cálculos realizados. Utilizou-se a
linguagem R.
Quadro A1
Teste de normalidade para as médias das amostras
# Teste de normalidade para o índice de acompanhamento do governo,
# excluindo-se os faltosos, para os parlamentares da coalizão
shapiro.test(par1$indAcompanhaGovCxF)
## Shapiro-Wilk normality test
## data: par1$indAcompanhaGovCxF
## W = 0.92766, p-value = 0.3559
shapiro.test(par2$indAcompanhaGovCxF)
## Shapiro-Wilk normality test
## data: par2$indAcompanhaGovCxF
## W = 0.84766, p-value = 0.05448
## Shapiro-Wilk normality test
## data: impar$indAcompanhaGovCxF
## W = 0.8293, p-value = 0.02058
Conclusões: O teste de Shapiro-Wilk revela que apenas o índice para anos
ímpares possui distribuição normal, o que inviabilizou a utilização de testes
paramétricos.
Inexistência de impacto dos ciclos eleitorais sobre a disciplina
parlamentar na Câmara dos Deputados
285
Quadro A2
Teste Wilcox para comparação de médias entre períodos não eleitorais e períodos
pós-eleitorais
wilcox.test(par1$indAcompanhaGovCxF,par2$indAcompanhaGovCxF,paired=TRUE)
indAcompanhaLiderCxF.1 periodo.2 indAcompanhaLiderCxF.2
Wilcoxon signed rank test
data: par1$indAcompanhaGovCxF and par2$indAcompanhaGovCxF
V = 26, p-value = 0.9219
alternative hypothesis: true location shift is not equal to 0
Quadro A3
Teste Wilcox para comparação de médias entre períodos não eleitorais e períodos
eleitorais
wilcox.test(par1$indAcompanhaGovCxF,impar$indAcompanhaGovCxF,paired=TRUE)
Wilcoxon signed rank test
data: par1$indAcompanhaGovCxF and impar$indAcompanhaGovCxF
V = 24, p-value = 0.2661
alternative hypothesis: true location shift is not equal to 0
Quadro A4
Testes de hipótese
Foram testadas as seguintes hipóteses, considerando-se os parlamentares da
coalizão:
f
Ano par – período 1/Mar a 31/Out pertence à mesma distribuição de Ano
par – período 1/Nov a 31/Dez
f
Ano par – período 1/Mar a 31/Out pertence à mesma distribuição de Ano
ímpar – período 1/Jan a 31/Dez
286
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
# Ano par - período 1/Mar a 31/Out
par1 <- estimaPeriodo[(estimaPeriodo$ano %% 2) == 0 & estimaPeriodo$periodo == 1, ]
# Ano par - período 1/Nov a 31/Dez
par2 <- estimaPeriodo[(estimaPeriodo$ano %% 2) == 0 & estimaPeriodo$periodo == 2, ]
# Ano ímpar - período 1/Jan a 31/Dez
impar <- estimaPeriodo[(estimaPeriodo$ano %% 2) == 1 & estimaPeriodo$periodo == 3, ]
df <- data.frame(impar[,c(“ano”,”qtdVotacoes”,”indAcompanhaGovGxF”)],
par1[,c(“ano”,”qtdVotacoes”,”indAcompanhaGovGxF”)],
par2[,c(“qtdVotacoes”,”indAcompanhaGovGxF”)])
rownames(df) <- NULL
names(df) <- c(“Ano Ímpar”, “Qtd Votações período 3”, “Período não eleitoral”, “Ano Par”, “Qtd
Votações período 1”, “Período Eleitoral”, “Qtd Votações período 2”, “Período pós eleições”)
library(knitr)
## Warning: package 'knitr' was built under R version 3.2.4
kable(df, caption=“Médias de fidelidade do parlamentar à orientação do governo: período
1 - 1/Mar a 31/Out; período 2 - 1/Nov a 31/Dez; período 3 - 1/Jan a 31/Dez”)
287
A relação entre as estratégias eleitorais e
a organização das lideranças partidárias
na Câmara dos Deputados
Nivaldo Adão Ferreira Júnior
Aldenir Brandão da Rocha
Introdução
O presente capítulo retrata pesquisa desenvolvida no âmbito de Grupo de Pesquisa
e Extensão da Câmara dos Deputados97 e busca mensurar a influência de pressupostos da teoria partidária na composição das lideranças partidárias e, de certa
forma, suscitar a parca aplicação de preceitos da teoria informacional na produção legislativa na Câmara dos Deputados. Seu objetivo é o de analisar o papel
dos gabinetes das lideranças partidárias na Câmara dos Deputados (mais especificamente, de suas assessorias técnicas) no processo de tomada de decisões, não
se olvidando da influência que a arena eleitoral possa exercer na arena legislativa. Espera-se que o papel desempenhado na arena legislativa guarde correlação
com a imagem e com as promessas realizadas pelos partidos na arena eleitoral.
Como informam alguns estudos para o campo, na arena eleitoral federal, os
partidos brasileiros podem ser divididos em dois tipos básicos: os que desejam ocupar o posto principal do sistema de governo adotado (a presidência
da República) e os que desejam apoiar o ocupante desse posto em troca de
cargos e de posições políticas, atuando, portanto, como partidos coadjuvantes
(MENEGUELLO, 1998; FERRARI, 2011). No que tange à arena legislativa,
é demonstrado pelos estudos do presidencialismo de coalizão no Brasil, por
meio da abordagem do modelo partidário, que o líder partidário na Câmara
dos Deputados é espécie de atalho cognitivo para a compreensão do comportamento parlamentar durante as votações importantes em plenário. Dessa sorte,
97
GPE.5.13 – PROCESSOS DECISÓRIOS DO PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO: decisões,
não decisões, obstrução parlamentar
288
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
a observância da orientação de bancada desses atores permite ao observador
presumir que o comportamento médio dos parlamentares da bancada, ao votar
em plenário, converge para a posição externada pelo líder.
Esse fenômeno ocorre porque os regimentos das casas legislativas deferem aos
líderes partidários prerrogativas para fazer valer suas vontades sobre as de seus
liderados, o que tem sido denominado na literatura como uma das ferramentas
para se realizar a delegação do poder decisório aos líderes partidários e destes
ao Executivo. Conforme Miranda (2010), é possível constatar “a centralidade
dos líderes partidários na coordenação do processo legislativo e na distribuição
dos cargos, especialmente na Câmara dos Deputados, ou seja, sua importância
para a superação dos imperativos práticos da ação coletiva legislativa”.
Ao se observar, contudo, a reiteração das orientações em plenário para os
diversos líderes partidários, assim como a divisão histórica do Parlamento em
partidos da base e partidos de oposição (sendo poucos os partidos que se mantêm
como independentes), percebe-se que também as orientações de liderança são
igualmente previsíveis, com os partidos da base acompanhando de forma sistemática a orientação da liderança do governo e sendo deste coadjuvantes. Os
partidos de oposição historicamente colocam-se contrários a essa orientação, o
que demonstra, tanto no posicionamento desses partidos quanto no dos partidos
da base um forte pragmatismo.
A reiterada consonância entre a orientação dos diversos líderes da base e a
orientação do líder do governo indica ser provável a sincronização entre esses
atores para a construção de políticas públicas, disso decorrendo a necessidade
de as assessorias técnicas das lideranças partidárias atuarem de acordo com
esse concerto prévio. Como realça Acir Almeida (2014), esse alinhamento no
momento da indicação da posição dos partidos pelo líder nas votações nominais
em plenário é possível porque, durante o processo político de construção das
posições partidárias, pontos sensíveis a cada deputado são negociados com o
corpo legislativo e também com o Executivo. Já a reiterada divergência entre
líderes de partidos de oposição e o líder do governo indica pragmatismo político
e oposição sistemática desses partidos.
Ora, se a posição dos partidos da base coincide majoritariamente com a posição
do governo, que por seu turno é na maioria das vezes contrária à posição dos
partidos de oposição (não sendo relevante o conteúdo em discussão), é de se
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
289
imaginar, primeiro, que a produção de informação dos partidos da base seja
preterida por esse pragmatismo (ou que seja utilizada como justificante dessas
posições adotadas), e que as estruturas dessas lideranças desempenhem papel
proeminentemente estratégico, no sentido de se construir e defender saídas regimentais para o alcance dos objetivos partidários. Segundo, que talvez partidos de oposição precisem produzir informações em conteúdo mais abundante,
para poderem confrontar as informações trazidas ao Congresso Nacional pelo
Executivo, muito embora também se note pragmatismo na adoção da estratégia
de oposição sistemática.
A partir dessas premissas iniciais e partindo-se do entendimento de que (embora
o processo de decisão política envolva análise e política) a análise é elemento
parcial que serve na maioria das vezes tão somente ao propósito de se justificar
as opções políticas adotadas (LINDBLOM, 1981). As questões de pesquisa propostas partem do pressuposto de que é plausível imaginar que as estruturas das
lideranças partidárias sejam organizadas de acordo com o papel de cada partido
dentro do presidencialismo de coalizão, ou seja, espera-se que partidos que
optem por adotar estratégias coadjuvantes nas arenas eleitorais e legislativas
(partidos coligados e partidos da coalizão, respectivamente) e que tenham estratégias de office seeking (MÜLLER; STROM, 1999), apresentem tendência de
estruturar a burocracia de suas lideranças apenas para a assessoria regimental,
em detrimento da produção de informação e análise.
O corte temporal para este capítulo retrata a situação das lideranças partidárias
no ano de 2015 a partir de coleta de dados por meio de survey eletrônico, realizada em outubro daquele ano. Entrevistas em profundidade, realizadas com
assessores das lideranças em 2016 e 2017, e observação participante da atuação
das lideranças nas arenas decisórias da Câmara dos Deputados auxiliaram na
análise qualitativa das lideranças para o corte indicado.
Revisão de literatura
Nos estudos do presidencialismo de coalizão pela visão da teoria partidária
(desenvolvida inicialmente por Cox e McCubbins, em 1993), advoga-se que a
dificuldade sistêmica de se tomar decisões em situação de concorrência de várias forças centrípetas (presidencialismo, federalismo, tripartição dos poderes,
290
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
sistema partidário multifracionado) é superada pela racionalidade dos atores e
por ferramentas disponíveis ao chefe do Executivo, as quais geram ambiente propício à coexistência de governabilidade e de representatividade do sistema. Para
essa corrente, o processo legislativo federal é capitaneado pelo Poder Executivo,
que ao lançar mão das várias ferramentas constitucionais ao seu dispor (medidas
provisórias, ampla iniciativa legislativa, urgências constitucionais; iniciativas
legislativas exclusivas) consegue superar problemas de ação coletiva e fazer
com que o Legislativo atue de forma cooperativa na formatação de políticas públicas (AMORIM NETO, 2000; 2006; MIRANDA, 2010). Fernando Limongi
e Argelina Figueiredo ressaltam ainda que o Executivo dispõe de recursos que
podem ser distribuídos aos partidos da base para a construção de coalizões, a
exemplo de liberação de emendas orçamentárias e de nomeação a cargos na
Administração Pública, entre eles, cargos de Ministros de Estado (LIMONGI;
FIGUEIREDO, 1999; 2002).
Dentro do Legislativo, além de instrumentos de composição e direção de uma
base de apoio no Congresso, como a indicação de líderes do governo na Câmara,
no Senado e no Congresso, regras regimentais centralizam as possibilidades de
intervenção no processo decisório nas mãos de determinados atores (Presidentes
das casas legislativas e de suas comissões, líderes partidários e relatores de proposições), dificultando sobremaneira a atuação atomizada dos parlamentares e
gerando razoáveis graus de disciplina partidária (PEREIRA; MUELLER, 2003).
Esses atores centrais são fortemente atraídos para a base governista, devido aos
recursos à disposição do Executivo. Para obter esses recursos, o líder partidário
oferece não só a sua fidelidade, mas a fidelidade de toda a sua bancada, conseguida devido ao centralismo decisório. Logo, disciplina partidária e atratividade
do Executivo são as engrenagens principais do mecanismo que fazem com que
o processo legislativo fique preponderantemente condicionado pelas vontades
do presidente da República (MENEGUELLO, 1998; PEREIRA; MUELLER,
2003; SANTOS, 2003; AMORIM NETO, 2006; LIMONGI, 2006).
No entanto, conforme explicitam Pereira, Power e Rennó (2005) e Rennó
(2006), os recursos finitos fazem com que o Chefe do Executivo racionalmente
procure constituir a sua base de apoio de maneira tal que permita aprovar suas
políticas públicas sem comprometer a gestão dos recursos. De qualquer sorte,
está presente nessas abordagens a percepção de que os partidos, de acordo com
os incentivos perseguidos e conseguidos e apesar do sistema partidário multi-
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
291
fracionado, se aliam em dois polos principais em relação ao governo, distinguindo-se em partidos da base governista (identificados também como partidos
da situação, da coalizão governista) ou em partidos de oposição, que desejam
alcançar o poder e controlar esses recursos (LIMONGI; FIGUEIREDO, 1999;
2002; SANTOS, 2003; RENNÓ, 2006; MOISÉS, 2011; FERRARI, 2011;
LIMONGI; GUARNIERI, 2014; 2015). Quando muito, há um terceiro grupo
de partidos, denominados de independentes ou de terceira via, que por não se
adequarem momentaneamente a um dos dois grupos anteriores, buscam posição
alternativa intermediária que lhes possibilitem em algum momento ocupar os
papéis centrais de situação ou de oposição (LIMONGI; GUARNIERI, 2014).
Dentro desses dois ou três polos, contudo, as agremiações partidárias não são
necessariamente homogêneas quanto a seus anseios e a suas estratégias. Há as
que, como o PT e o PSDB, até o presente momento, buscaram ocupar o posto
principal da política nacional – a presidência da República – e há partidos que
desejam apenas serem destinatários das benesses distribuídas à base governista
dentro do modelo de presidencialismo de coalizão (MENEGUELLO, 1999).
Essa divisão de anseios (e de funções) se assemelha ao comportamento partidário teórico imaginado por Strom e Müller (1999), para quem os partidos
podem ser divididos, de acordo com suas estratégias, em office seeking, vote
seeking e policy seeking.
Assim, há partidos que na arena eleitoral buscam ocupar o principal posto do
Executivo e outros que amiúde se lançam como coadjuvantes nesse processo.
Igualmente, na arena legislativa, há partidos que buscam participar mais fortemente da produção de informação e da discussão aprofundada dos temas de
política pública e outros que se esmeram e se especializam nas disputas regimentais. Neste momento, portanto, parece necessário tentar tipologia para
classificação dos partidos que considere essas estratégias nas arenas eleitoral e
legislativa, o que se faz no quadro 1, a seguir:
Quadro 1
Tipologia para partidos no presidencialismo de coalizão
Arena Eleitoral
Estratégia principal do partido
Classificação
Conquistar o Executivo
Principal
Ser partido coligado
Satélite
292
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Situação estratégica do Partido
Classificação
Partido elegeu o presidente ou
Arena Legislativa
Partido compõem a base
Partido da Base
Partido se opõe ao presidente
Oposição
Partido não se identifica com a
Independente
oposição ou com o governo
Elaboração dos autores.
Reconhece-se que identificar em dado momento como se posicionam os partidos
nessas arenas pode equivaler a um mero retrato de situação passageira. Em
verdade, na arena eleitoral, partidos podem trocar de estratégias de uma eleição
para outra e na arena legislativa podem mudar seu posicionamento mais de uma
vez dentro de uma mesma legislatura.
Feita essa consideração, percebe-se que há partidos que na arena eleitoral historicamente sempre buscaram o poder (PT e PSDB), partidos que sempre foram
oposição um do outro na esfera federal (PT e DEM) e partidos, que, não importando quem ocupe a presidência da República, são/foram sempre base governista (PP, PR, PMDB). A situação, principalmente deste último grupo, reforça
o pragmatismo da política brasileira.
Compulsando-se os dados do Tribunal Superior Eleitoral para candidaturas às
eleições para presidência da República pós 1988, encontra-se que de fato PT
e PSDB se lançaram à presidência da República desde a redemocratização. O
PSOL lançou candidato em 2006, 2010 e 2014, enquanto que o PDT disputou a
presidência da República em 1989, 1994 e 2006, sendo aliado histórico do PT
nas eleições em que não apresentou candidato e no segundo turno das demais.
O PPS disputou a presidência da República em 1998 e 2002 e se tornou oposição
durante o primeiro governo Dilma. O PSB disputou a presidência da República
em 2002 e em 2014. Esses são os partidos que na pesquisa foram considerados
como principais, na arena eleitoral. O PMDB, por ter oferecido candidato à
presidência apenas em 1994 e o PV, que disputou a presidência da República
somente em 2010, com uma candidata que não era oriunda de sua base, foram
classificados como coadjuvantes nessa arena. Essa classificação será utilizada
para análise dos dados apresentados posteriormente no quadro 3.
Na arena legislativa, partidos ocupam posições estratégicas que decorrem de
suas escolhas nas arenas eleitorais e se apresentam como partidos da base (o
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
293
partido principal da arena eleitoral que se sagrar vencedor da eleição presidencial e partidos satélites que em relação ao principal não lhe sejam extremamente
opositores) e partidos de oposição (partidos principais derrotados nas eleições
presidenciais). Cabe observar que partidos principais derrotados podem também
ocupar a posição de independentes (ou seja, que não fazem oposição sistemática
ao partido na presidência) ou podem vir a compor a base de coalizão. Nessa
arena legislativa, para partidos da base, de oposição, ou independentes, tem-se
que o líder partidário é visto como ator-chave devido a enfeixar em suas mãos
prerrogativas regimentais que lhe conferem o poder de condicionar a atuação
do parlamentar liderado. Fernando Limongi e Argelina Figueiredo (1999, 2006,
2007) afirmam, inclusive, que a partir da opinião do líder acerca de determinada
proposição, externada em plenário pela orientação de votação, é possível predizer o resultado da votação dessa proposição.
Os regimentos das casas legislativas conferem a esse ator poder de agenda dentro
do Congresso Nacional por meio de algumas prerrogativas, como as prerrogativas de substituir a vontade de toda a bancada em requerimentos durante
o processo legislativo, de indicar ou de retirar membros das várias comissões
parlamentares a qualquer momento e, principalmente, de influenciar na definição
da pauta deliberativa no plenário das casas legislativas, por meio de participação no colégio de líderes. São, ainda, prerrogativas regimentais dos líderes
orientar a bancada nas votações de plenário; participar dos trabalhos em qualquer comissão, mesmo que dela não seja membro, por si ou por intermédio dos
seus vice-líderes; pedir verificação de votação em qualquer comissão. Como não
pode ser onisciente e onipresente, o líder partidário necessita de uma assessoria
especializada que lhe auxilie, em cada arena, a se utilizar com efetividade de
todo esse ferramental.
A questão que se coloca, contudo, é como cada líder, de acordo com o tipo de
partido que coordena, vai organizar sua assessoria especializada para se utilizar
desses poderes centrais. Espera-se que essa organização seja reflexo das estratégias que o líder e seu partido desenham, de acordo com os seus objetivos
principais. Nesse contexto, a hipótese de pesquisa é que os objetivos partidários
condicionam os papéis desempenhados pelos partidos na arena parlamentar e
na arena eleitoral, que, por sua vez, vão se correlacionar ao (ou condicionar o)
formato das assessorias das lideranças partidárias.
294
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Se é esperado que estruturas de lideranças partidárias se diferenciem em função
da estratégia dos partidos nas arenas eleitoral e legislativa, não se pode olvidar
que elas também se diferenciam devido ao tamanho do partido. É que a divisão
de poder dentro da Casa Legislativa é orientada pelo princípio da proporcionalidade da representação partidária. Em decorrência desse princípio, tem-se que
alguns partidos muito pequenos não podem indicar um de seus membros como
líder e não dispõem de liderança partidária. Para as bancadas que dispõem de
liderança partidária, a estrutura burocrática a elas deferida é tanto maior e mais
complexa quanto maior for o número de parlamentares do partido com assento
na Câmara dos Deputados.
Feita essa ressalva da diferenciação pelo tamanho, tem-se que cada líder dispõe
de plena autonomia para distribuir os recursos deferidos à sua liderança, de
acordo com as prioridades estabelecidas por ele ou por seu partido. Quanto a
isso, não há regra linear que vincule uma liderança a outra, ou que imponha
formatos preestabelecidos, existindo, tão somente, o critério proporcional para
definição do quantitativo de servidores que cabe a cada uma. É essa liberdade
de constituição que vai possibilitar a cada líder direcionar sua assessoria para
perseguir os objetivos e adotar as estratégias partidárias.
O papel das lideranças: o desenho burocrático como
reflexo do posicionamento partidário
Frente às considerações encontradas na literatura para presidencialismo de coalizão e comportamento partidário dentro do quadro do neoinstitucionalismo,
passou-se a buscar a compreensão da engenharia organizacional das lideranças
partidárias a partir dos papeis dos partidos nas arenas eleitoral e legislativa. Para
essa etapa, realizou-se pesquisa inicialmente exploratória, com caráter majoritariamente quantitativo, com o objetivo de se mensurar a distribuição efetiva de
servidores pelas lideranças e as funções que mais corriqueiramente as lideranças
desempenham, considerando que nem todos os nomeados para os cargos que
cabem a cada liderança são efetivamente lotados nesses órgãos.98 Numa segunda
98
Os dados coletados foram utilizados, inicialmente, para verificar a estrutura de cada liderança
voltada para o processo legislativo e foram tratados em artigo apresentado ao 10º Encontro da
Associação Brasileira de Ciência Política. (FERREIRA JR., 2016).
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
295
etapa, foram realizadas entrevistas em profundidade com assessores dessas lideranças para se compreender qualitativamente como se apresenta a arquitetura
de cada liderança para o assessoramento do líder partidário, considerando-se os
papeis do partido nas arenas eleitoral e legislativa.
Inicialmente, percebeu-se que para o assessoramento imediato nas deliberações
do processo legislativo, cada liderança dispõe de assessores de cunho mais técnico e temático (aqui denominados de assessores técnicos) e de assessores de
cunho mais estratégico, de cunho finalístico e processual (aqui denominados
de assessores regimentais). A partir da análise quantitativa, construiu-se índice
(denominado aqui de Índice de Assessoramento Parlamentar – IAP) que correlaciona o número de assessores dedicados ao processo de tomada de decisão
em cada liderança (somatório de assessores técnicos e regimentais) ao tamanho
da bancada. Já, a partir da análise qualitativa da distribuição desses assessores,
segundo critérios políticos do partido ou do líder da bancada, decompôs-se o
IAP em dois outros índices, o índice de assessores técnicos por deputado (IAPt)
e o índice de assessores regimentais por deputado (IAPr).
Para a primeira aproximação à realidade das estruturas burocráticas das lideranças, foi necessária a compreensão de como o poder é distribuído a cada
partido, segundo o princípio da proporcionalidade. Inicialmente observa-se que
segundo o art. 9º do Regimento da Câmara dos Deputados (BRASIL, 1989),
somente os partidos que contarem com pelo menos um centésimo da composição
da Casa (cinco parlamentares) podem indicar um de seus membros como líder.
Esses partidos gozam, ainda, do direito de ter a estrutura de uma liderança partidária, destinada a fornecer suporte técnico, administrativo, jurídico e político
ao líder. Em outubro de 2015, havia representados na Câmara dos Deputados
26 partidos; destes, em obediência ao critério do tamanho da bancada, somente
20 partidos dispunham de lideranças partidárias.
Esses 20 partidos albergavam 490 deputados (95,5% dos membros da Casa),
o que garante representatividade à análise que se segue. Segundo informações disponíveis no Sistema de Gestão do Departamento de Pessoal (Sigesp),
estavam lotados nessas lideranças 1,2 mil servidores na data de 15 de outubro
de 2016. No entanto, se observa, até por força de resolução editada pela Câmara
dos Deputados (BRASIL, 2015), que os quadros das lideranças podem ser
compartilhados com os gabinetes parlamentares, o que significa dizer que é
296
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
necessário outro meio para se descobrir o efetivo contingente de servidores à
disposição das lideranças.
Dessa forma, para o conhecimento da estrutura efetiva de cada uma das lideranças, em outubro de 2015, foram realizadas entrevistas semiestruturadas
(VIEIRA, 2009), por telefone, com chefes de gabinetes e/ou chefes de assessorias jurídico/legislativas e regimentais com dezenove das vinte lideranças
(a Liderança do PCdoB foi a única em que não se conseguiu colher dados para
o estudo). Nesse início de exploração, buscou-se verificar a quantidade de servidores efetivamente dedicados a assessorar os parlamentares no processo político e legislativo.
Ou seja, descartaram-se as informações para secretarias; assessorias de imprensa,
administrativa, de informática; motoristas, contínuos (embora os dados para
esses cargos também tenham sido colhidos). Focou-se a pesquisa nos servidores
que atuavam diretamente com o processo legislativo, geralmente, denominados
pela própria Casa de assessores técnicos e assessores regimentais, todos esses,
servidores com funções de consultoria e assessoramento aos parlamentares. A
razão para esse filtro inicial decorre do fato de que, em todas as lideranças, as
funções de assessoramento citadas se mostram presentes, sendo que os órgãos
se diferenciam exatamente pela quantidade de assessores destinados ao assessoramento direto à bancada partidária no processo político de tomada de decisão
e pela função que esses assessores desempenham no processo legiferante: se em
tom mais analítico ou mais político.
Aos entrevistados, foram feitas perguntas fechadas quanto ao quantitativo de
servidores que se destinam para o assessoramento parlamentar, de caráter meritório/temático (com apelo jurídico) e para o assessoramento regimental. Foram
feitas, ainda, perguntas abertas, para se depreender, em cada liderança, o tipo
de assessoria às comissões que a liderança mantém (técnica e/ou regimental)
e a existência ou destinação de assessor exclusivo para acompanhamento de
comissões permanentes mais específicas e com peso maior no processo político, como as comissões especiais para Medida Provisória, a Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania e a Comissão de Finanças e Tributação.
O resultado dessa primeira etapa apresenta a existência de 255 assessores que
atuam diretamente no processo de tomada de decisões políticas nas 19 lideranças analisadas (como a liderança do PCdoB, a única não entrevistada, en-
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
297
contra-se entre as menores, estimou-se que o total de servidores dedicados ao
assessoramento legislativo nas lideranças em outubro de 2015 não alcançava os
270 servidores). Das entrevistas, percebeu-se que esses servidores não estão uniformemente distribuídos, mas variam, por força de Resolução citada (BRASIL,
2015), de acordo com o tamanho da representação do partido na Câmara dos
Deputados, isto é, bancadas maiores dispõem de mais assessores, conforme
quadro 2, a seguir:
Quadro 2
Número total possível de servidores na liderança, de acordo com o tamanho da bancada
Faixa 1
Faixa 2
Faixa 3
Faixa 4
Faixa 5
Faixa 6
Número de
deputados
5a7
8 a 10
11 a 15
16 a 19
20 a 21
22 a 34
Número de
servidores
25
38
45
60
67
77
Faixa 7
Faixa 8
Faixa 9
Faixa 10
Faixa 11
Faixa 12
Número de
deputados
35 a 42
43 a 60
61 a 75
76 a 86
87 a 100
> 100
Número de
servidores
88
108
114
123
129
134
Fonte: Resolução nº 1/2007, alterada pela Resolução nº 61/2014 (BRASIL, 2007).
O quadro acima representa o quantitativo de servidores a que tem direito cada
liderança, de acordo com o número de deputados do partido com assento na
Câmara dos Deputados. O número efetivo de servidores que ficam à disposição da liderança, contudo, depende do desenho que cada líder vai dar ao gabinete da liderança.
Esse número efetivo, conforme demonstra a pesquisa, varia em razão da posição
da bancada nas arenas eleitoral e parlamentar, não só no que tange à quantidade
de servidores dedicados ao processo político decisório, mas, principalmente, na
função que ali exercem. Por fim, é desse número de servidores que efetivamente
estão lotados nas lideranças que se extrai o quantitativo de assessores voltados
ao apoio mais direto ao processo de tomada de decisão, aqui denominados de
assessores técnicos (ou de mérito) e de assessores regimentais (ou estrategistas),
objeto da pesquisa ora relatada, e que serviram para a consecução do IAP.
298
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Construção e análise do IAP
Na primeira rodada de entrevistas, perceberam-se três pontos de destaque no
que tange ao efetivo dedicado a cada liderança partidária e que orientaram a
consecução do IAP: primeiro, que a distribuição dos servidores pelas lideranças
varia de acordo com o tamanho da representação do partido na Câmara dos
Deputados (partidos maiores têm mais servidores). Segundo, que os servidores
dedicados ao assessoramento mais direto ao parlamentar nas arenas decisórias
são divididos em dois grupos básicos: assessores regimentais, de índole estratégica/processual, que auxiliam os parlamentares a se utilizarem dos recursos
regimentais e atingir os objetivos do próprio parlamentar ou do partido; e assessores técnicos, que auxiliam na produção de informações que vão subsidiar
a tomada de decisão. Terceiro, e o que mais caracteriza a distribuição desses
servidores, percebeu-se que o papel do partido nas arenas eleitoral e legislativa
é fundamental no balanço distributivo dos cargos disponíveis para assessores
técnicos e assessores regimentais, revelando a prevalência de critério qualitativo
na estruturação das lideranças. Assim, duas são as principais variáveis explicativas que causam efeito sobre a estrutura da assessoria das lideranças: o tamanho
da bancada e a posição do partido nas arenas eleitoral e legislativa.
Contudo, para o melhor dimensionamento do IAP é necessário perceber que as
faixas de distribuição do quadro 2 seguem critério político, o que gera alguma
incongruência na distribuição de servidores por número de deputados. Por
exemplo, a explicação para a variação no número de servidores entre as faixas
1 e 2 ou entre as faixas 4 e 5 não é derivada diretamente de alguma proporcionalidade ou de alguma regra matemática.
Outro fator que influencia o IAP é o número necessário de servidores mínimos
para funcionamento de uma liderança partidária, ou, para a questão específica
deste momento da pesquisa, o número mínimo necessário para o assessoramento
jurídico e político direto ao líder e seus partidários. Segundo Abreu Júnior
(2009), há serviços comuns em todas as lideranças, divididos em dois ramos:
administrativo e técnico- jurídico. No ramo administrativo, repete-se em quase
todas as lideranças a existência de chefia de gabinete, secretaria administrativa e
assessorias de informática e imprensa. No ramo técnico-jurídico, encontram-se
amiúde as assessorias técnica, de orçamento, de plenário e de comissões.
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
299
São cargos indispensáveis, seja porque são repetidos em todas as lideranças,
seja porque se dedicam ao mister de realizar as tarefas básicas para as quais as
lideranças foram imaginadas, a chefia de gabinete e uma assessoria administrativa, a assessoria de plenário e a assessoria de comissões. Os demais cargos
(e.g. assessorias de imprensa, de redação, política) existirão naquelas lideranças
que disponham de quantitativo de servidores disponíveis para as tarefas.
Para a pesquisa relatada neste capítulo e também para a consecução do IAP, centraram-se esforços na análise do número de servidores dedicados à assessoria ao
processo decisório (assessores regimentais e assessores técnicos). Esses assessores são destinados fisicamente para apoio em três arenas específicas: a assessoria
técnica na própria liderança, o setor de comissões (comissões da Câmara e comissões mistas do Congresso Nacional), o Plenário da Câmara dos Deputados (e
por vezes o Plenário do Congresso Nacional, cujas sessões não são concomitantes às do Plenário da Câmara dos Deputados). Toda liderança destina 2 a 3 assessores para acompanhar o Plenário (a arena de deliberação máxima da Casa, com
sessões que não raro duram mais que 8 horas seguidas), com exceção do PMDB,
que dispunha de 6 assessores para essa função. Esses assessores de plenário, sem
exceção, têm caráter extremamente estratégico, voltados para as disputas regimentais em plenário. Por esse fato e devido ao número de assessores de plenário
ser quase constante, decidiu-se por não considerar esses assessores no cálculo do
IAP, construindo-o somente os assessores técnicos da liderança e os assessores
regimentais que acompanham as comissões.
Em 2015, eram arenas decisórias que demandavam o acompanhamento por um
ou mais assessores, o Plenário e o sistema de comissões da Câmara, constituído
por 24 comissões permanentes, e mais de 50 comissões temporárias (além das
comissões mistas permanentes), não raro com várias reuniões marcadas para um
mesmo horário e tendo em discussão uma infinidade de temas e de matérias.
Tudo isso exige que as assessorias sejam compostas por vários servidores, sendo
que o número médio encontrado nas lideranças gira em torno de 10 assessores
de comissão (mas com desvio padrão grande), decorrente não só do número de
deputados de cada partido, mas, também, da estratégia de cada qual.
Por essas razões, espera-se que lideranças maiores tenham maior número
absoluto de assessores, mas com tendência de apresentar menor número de
assessores por deputado. Isso decorre do fato de que, como há um mínimo de
servidores exigidos para o funcionamento de qualquer liderança, compreende-se
300
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
que as pequenas lideranças destinam proporcionalmente um número de servidores maior (ainda assim, às vezes insuficiente) para atendimento aos parlamentares, o que influencia no aumento esperado para o IAP desses atores. Igualmente, olhando-se para os serviços comuns de uma liderança (ABREU JR.,
2009), acredita-se que haja um número médio de servidores que represente o
teto para lideranças maiores. Esse teto ainda carece de apuração.
Um último fator que influencia a construção e a análise do IAP é o uso político
da estrutura da liderança partidária e de seus cargos e funções. Historicamente,
o líder partidário cede servidores da liderança para a lotação em gabinetes de
deputados de sua bancada (e por vezes, a parlamentares até de outras bancadas).
Esse costume, que era uma regra informal até julho de 2015 e que passou a
ser normatizado a partir da Resolução de nº 9/2015 (BRASIL, 2015), faz com
que o número de servidores efetivamente disponíveis à estrutura das lideranças
seja diferente daquele disponibilizado de acordo com o tamanho do partido e
conforme a citada Resolução de nº 1/2007 (BRASIL, 2007). De fato, em quase
todas as lideranças, a maioria dos servidores não estão lotados em sua estrutura.
Tendo em vista todas as variáveis acima e a partir das entrevistas feitas em outubro de 2015, elaborou-se o IAP, tendo por expectativas dois pontos principais:
1) como há um número mínimo de servidores necessário ao funcionamento desses órgãos e um teto médio que lhes proporcione o funcionamento efetivo, pelo
critério meramente quantitativo, esperava-se que lideranças menores apresentassem maior IAP que lideranças maiores. 2) pelo critério qualitativo, contudo,
esperava-se alguma incongruência ou diferença nos dados do IAP de partidos
assemelhados em tamanho (quando analisados só pelo critério quantitativo),
que poderiam ser explicadas pelo uso mais ou menos político de sua estrutura.
Assim, elaborou-se o IAP, conforme quadro 3, abaixo, com ênfase no tamanho
da bancada partidária. A análise do índice permite inferir, por um lado, que partidos que sistematicamente se colocam como satélites nas eleições presidenciais
e como partidos componentes da base – PMDB, PP, PR, PRB, PROS, PSC, SD
e PTB – apresentam tendência de IAP menor e ausência de assessores de cunho
mais técnico. Por outro lado, partidos que se lançaram à disputa presidencial
e/ou que se colocaram como oposição na Câmara dos Deputados apresentam
tendências de alto IAP e de prevalência numérica de assessores técnicos sobre
assessores regimentais.
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
301
Igualmente, houve a pressuposição de que partidos pequenos (situados nas duas
primeiras faixas do quadro 2, portanto, com até 10 deputados e até 38 Cargos
em comissão) apresentassem alto número de assessores por deputado (i.e., alto
IAP). Por esse fato, não se considerou as participações do PSOL e do PV nas
disputas presidenciais como fator preponderante do alto IAP dessas bancadas.
Também se percebeu que o tamanho da bancada está correlacionado à variação
gradual do IAP em bancadas satélites, pois, iniciando-se pelo PMDB e passando
pelo PP, PR, PSB, PTB, PRB, SD, e PROS, o Índice de Acompanhamento Parlamentar sofre acréscimo sensível à medida que o tamanho da bancada diminui.
O tamanho da bancada, contudo, não é variável explicativa para as discrepâncias
encontradas para DEM, PMDB, PP, PSD, PPS. Da mesma sorte, o IAP é incapaz
de explicar porque assessorias como o DEM, o PT e o PSDB possuem maior
número de assessores técnicos do que assessores regimentais (ou porque o PPS
não possui, praticamente, assessores regimentais). Para esses casos, houve a
necessidade de se decompor o IAP em dois outros índices: o Índice de Assessoramento Parlamentar de Caráter Técnico (IAPt) e o Índice de Assessoramento
Parlamentar de Caráter Regimental (IAPr).
Decomposição do IAP e possibilidade alargada de análise
Para se compreender a razão de tantos partidos sem assessorias de cunho mais
técnico e para a percepção mais qualitativa da estrutura das lideranças partidárias na Câmara dos Deputados, realizaram-se entrevistas em profundidade com
dezesseis assessores, de dez lideranças da Câmara dos Deputados (DEM, PHS,
PMDB, PMN, PPS, PR, PROS, PSC, PSD e PTB), durante o último semestre
de 2016 e o primeiro semestre de 2017. Como se nota, com exceção do DEM,
do PSD e do PPS, os demais partidos com os quais se realizaram entrevistas
apresentam IAP nulo. Os dados colhidos nessa segunda aproximação, de caráter
estritamente qualitativo, foram tratados por meio da ferramenta metodológica
da análise de conteúdo, utilizando-se a plataforma on-line para compilação e
análise conjunta das entrevistas (DEDOOSE, 2017). Por eles, buscou-se testar a
hipótese de que partidos com estratégias assemelhadas apresentariam estruturas
burocráticas também assemelhadas.
302
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O perfil dos entrevistados para essa rodada apresenta 100% de servidores pós-graduados (a maioria com formação relacionada ao processo legislativo, em
cursos oferecidos pela própria Câmara dos Deputados), com média de dedicação
à área legislativa superior a 10 anos (sendo que apenas quatro servidores assessoram lideranças em tempo inferior a 4 anos) e 71,4% dos servidores com experiência de assessoramento em pelo menos duas lideranças. Buscou-se esse perfil
para os entrevistados no intuito de se extrair o máximo de percepção comparativa do funcionamento das diversas lideranças da Câmara dos Deputados.
Enfim, em um resultado não pretendido, há exata paridade de gênero na amostra,
muito embora aqui todos os relatos sejam trazidos no gênero masculino, para se
garantir o anonimato dos participantes.
A compilação dos dados e a decomposição do IAP resultaram no quadro 3,
abaixo, o qual possibilitou a percepção de duas tendências principais:
Quadro 3
Estrutura das lideranças na Câmara dos Deputados
Partidos coadjuvantes na arena eleitoral
Partido
N. Dep.
Assessores
Técnicos
Assessores
Regimentais
IAPt
IAPr
IAP
PMDB
66
0
15
0
0.22
0.22
PP
39
0
12
0
0,3
0,3
PR
34
0
12
0
0,35
0,35
PTB
25
0
9
0
0,36
0,36
PRB
20
0
7
0
0,35
0,35
SD
17
0
5
0
0,29
0,29
PSC
13
0
4
0
0,84
0,84
PROS
12
0
8
0
0,66
0,66
PV
8
0
9
0
1,12
1,12
PHS
5
0
5
0
1
1
PMN
3
0
4
0
1.33
1.33
PSD
33
23
13
0,7
0,39
1,09
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
303
Partidos que disputaram a presidência da República
Partido
N. Dep.
Assessores
Técnicos
Assessores
Regimentais
IAPt
IAPr
IAP
PT
62
18
16
0,29
0,26
0,55
PSDB
54
16
8
0,3
0,15
0,45
PSB
33
0
15
0
0,45
0,45
PDT
19
12
12
0,63
0,63
1,26
PSOL
5
4
1
0,8
0,2
1
DEM
21
18
6
0,86
0,28
1,14
PPS
10
20
1
2
0,1
2,1
Elaboração dos autores.
Nota: excluiu-se o PCdoB, para o qual não há dados coletados.
Tendência 1: Partidos principais na arena eleitoral possuem
assessores técnicos na arena legislativa e lideranças mais bem
estruturadas
Com a decomposição do IAP, foi possível apontar tendência dos dados, sendo
a primeira o fato de que restou mais evidente a afirmação de que a postura do
partido nas arenas eleitoral e legislativa condiciona a estrutura da liderança. No
quadro acima, percebe-se que partidos que lançam candidatos à presidência
no pós-1988 (PDT, PPS, PSB, PSDB, PSOL) ou os que se colocam sistematicamente como opositores na arena legislativa (DEM) sentem necessidade de
constituírem assessorias técnicas e têm IAPt maior que zero.
Essas lideranças mantêm em seus quadros assessores regimentais (que têm a
função de propiciar subsídios para que os líderes e seus seguidores possam,
nas arenas de deliberações, aplicar os instrumentos regimentais de obstrução
ou de consecução das pautas legislativas) e assessores técnicos/temáticos (que
propiciam estudo mais aprofundado do conteúdo das proposições, construindo
cenários de aplicação da futura norma e sugerindo ao líder a forma de encaminhamento da bancada na votação das proposições). Embora tenham os dois tipos
de assessores, nessas lideranças predominam assessorias de mérito.
Observa-se nessas assessorias técnicas a presença de especialistas requisitados
de outros órgãos (Judiciário, Executivo, Ministério Público, Tribunais de Contas,
Receita Federal), que com conhecimento, expertise e experiência, contribuem
na discussão e formatação das políticas públicas, como relatado por um dos
304
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
entrevistados acerca da estrutura dos Democratas para assessoria às comissões
mistas para medidas provisórias:
Emendas mais complexas exigem do assessor muito conhecimento, dedicação
exclusiva. Um cara experiente na área econômica, um cara só da área tributária. Então muitas assessorias têm auditores da Receita cedidos para cuidar
só da área tributária, porque exige velocidade, dada pelo conhecimento prévio.
Não dá, nesses casos, para adquirir conhecimento de qualidade na hora. É o
caso dos Democratas. O DEM tem um analista do Banco Central, um analista
da Receita Federal, que são caras que conseguem (depoente estala o dedo, indicando velocidade instantânea) mais rapidamente absorver a demanda e dar
uma resposta técnica, na forma de emendas, ou mesmo de qualquer outra proposição, como destaque, parecer, projetos.
É possível verificar no quadro 3 que mesmo no caso de partidos pequenos (PSOL
e PPS), em que logicamente o assessor acumula atribuições devido ao número
insuficiente de cargos à disposição da liderança, há a preocupação em produzir
alguma informação e denominar de técnicos a seus assessores. A exceção é o PV,
que embora tenha concorrido às eleições presidenciais em 2010, não apresenta
IAPt positivo. A explicação pode ser o fato de a candidata Marina Silva não
ser ideologicamente ligada ao PV, tendo sua origem política vinculada à CUT
e ao PT e ter se utilizado da legenda apenas para ter espaço para candidatura à
presidência. Nas eleições seguintes, inclusive, a candidata lançou-se na disputa
pelo PSB.
Tendência 2: Partidos satélites na arena eleitoral tendem a ser
coadjuvantes na arena legislativa e a apresentar estruturas de
liderança mais procedimentalistas
Uma segunda tendência dos dados diz respeito à correlação entre papel secundário na disputa à presidência da República e papel secundário na arena
legislativa, levando o partido a estruturar sua liderança com número reduzido de
assessores, quando comparado proporcionalmente às demais lideranças e sem
estruturas de produção mais técnica de informação. Iniciando-se pelo PMDB,
a maior bancada da Câmara dos Deputados durante a realização da pesquisa,
tem-se que na arena legislativa esse partido historicamente se posiciona como
membro da coalizão governista (é assim desde o governo FHC, passando pelos
dois governos Lula e os dois governos Dilma). Na arena eleitoral, o PMDB
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
305
também apresenta histórico de ser partido coadjuvante na disputa pela presidência da República (1994 foi o último ano em que o partido lançou candidato
ao cargo).
Essa qualidade de coadjuvante nas duas arenas, segundo visão dos entrevistados, condiciona a forma de composição e de atuação da assessoria do PMDB
na Câmara dos Deputados. Nessa liderança, segundo o Entrevistado 1, “Não
há especialistas em temas de política pública. Todos os assessores são generalistas. O acompanhamento que esses servidores proporcionam é meramente
regimental”.
Infere-se na pesquisa que o grande interesse dos parlamentares dessa bancada
em relação à estrutura da liderança é receber cargos. Isso fica bem ressaltado na
fala do Entrevistado 1:
A liderança do PMDB é moldada para fornecer esse assessoramento mínimo,
de acompanhamento das proposições. Nós não temos quadros para estudos
mais aprofundados, porque isso requer estudos e destacar uma pessoa para
fazer esses estudos e produzir material. Como o nosso quadro de pessoal é pequeno relativamente ao tamanho da bancada, fica impossibilitado esse tipo de
assessoria. Esse quadro é diminuto porque a prática do partido tem sido a de
conceder aos parlamentares o direito de requisitar servidores para os seus gabinetes. Então, você dilui esses quadros no atendimento direto aos parlamentares. Então, a gente nem estimula a produção de material e informação porque
não temos condições de atender a toda a bancada de quase setenta parlamentares e receamos o precedente de fazer para um e todos desejarem atendimento igualitário. Eventualmente poderíamos produzir para um, para o líder.
Mas nem para ele há o costume dessa produção no PMDB. Esse posicionamento tem sido passado aos parlamentares, e eles compreendem a situação.
Além da falta de pessoal, também o espaço físico do PMDB é precário.
Não temos um ambiente apropriado para produção de estudos e informação.
(Entrevista concedida aos autores em 1º/8/2016)
Na visão dos entrevistados, o grande interesse dos parlamentares em relação
à estrutura da liderança é receber cargos. Como compensação, os deputados
compreendem que não terão da assessoria da liderança qualquer produto de
cunho mais técnico, ou estudos aprofundados acerca de qualquer política em
306
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
discussão na Câmara dos Deputados. Essa é a percepção que igualmente sobressai das palavras do Entrevistado 13:
Para mim é claro. O PMDB tomou a decisão política, isso há pelo menos vinte
anos, (..) de dividir todos os CNEs [Cargo de Natureza Especial: cargos de
livre nomeação e exoneração] entre os deputados. Isso inviabiliza a montagem
de qualquer estrutura que funcione. Você tem até um número, pequeno, de
CNEs que ficam no PMDB, mas isso é muito desequilibrado para o tamanho
da bancada. A relação da quantidade de servidores efetivos para CNEs também
é única no PMDB, além do fato de que os CNEs que ficam não passam por
nenhum filtro prévio de competência. Tem CNEs que estão lá porque um prefeito pediu.
O PMDB não privilegia o funcionamento da sua estrutura. Até o espaço físico.
Metade do espaço físico é destinado ao partido, e isso leva também alguns
servidores. Ora, o partido é uma organização privada que não deveria funcionar dentro do Congresso. Então, se o PMDB quisesse manter uma estrutura
assemelhada [a de partidos com assessorias maiores], não teria espaço para
alocar os assessores. O PMDB, como é muito grande, deveria ter no mínimo
setenta assessores para atender a sua bancada. Agora, foi uma questão de
política, ou de falta de política, de distribuir os CNEs entre os deputados e
deputado não pode pedir nada lá. O acordo é mais ou menos este, o assessor
tem a orientação expressa de informar que não pode fazer nada, não pode
gerar uma informação, um produto legislativo. (Entrevista concedida aos autores em 7/7/2017)
A razão para a cessão de tantos servidores, com prejuízo para o bom assessoramento, segundo três entrevistados, é propiciar uma bancada mais coesa e
obediente ao líder, em espécie de quid pro quo. Quanto à questão das informações e auxílio necessários ao desempenho do mandato, infere-se que o PMDB
se utiliza das informações carreadas ao processo decisório pela liderança do
governo na Câmara (uma das principais fontes de auxílio dos assessores do
PMDB na condução de suas estratégias regimentais, segundo afirma a maioria
dos entrevistados). Se há a necessidade de produção de alguma proposição, ou de
trabalho técnico mais elaborado, o assessor do PMDB encaminha o deputado de
sua bancada à Consultoria. Já para construir a orientação que é dada ao deputado
em plenário ou nas comissões, o assessor do PMDB observa a orientação dada
pelo líder do governo à base e a repercute aos deputados da bancada.
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
307
Dessa sorte, explica-se, a uma só vez, a razão de o PMDB não dispor de assessoria técnica (que decorre da escolha política de não a ter em sua estrutura) e de
apresentar o menor IAP (fato que decorre da escolha de ceder espaço e recursos
humanos ao partido e aos parlamentares em troca de disciplina partidária).
Embora o baixo IAP seja uma característica mais marcante do PMDB, extraiu-se
das entrevistas que PP, PR, PSC, PSB, PTB, PRB, SD, e PROS também seguem
a sistemática de ceder boa parte de seus servidores com cargos em comissão
para os gabinetes parlamentares. Assim, esses partidos, igualmente ao PMDB,
apresentam IAPt nulo, revelando tendência à política de se abdicar da mantença
de uma estrutura de liderança apta a prestar consultoria mais adequada ao auxílio
na construção de políticas públicas. Nesse sentido, interessantes as revelações
de dois entrevistados do PR:
1º Entrevistado:
No PR só há assessoria regimental. A diferença é só quem são os assessores
de plenário, quem são os de comissões. [...] As orientações para os deputados
do PR vêm do próprio assessor. A gente segue sempre as orientações do governo e as outras que a gente colhe.
Mas isso não é suficiente para um deputado decidir como votar. O deputado
do PR precisa de fontes externas, não daria para decidir só com as informações da assessoria. O que eu percebo muito dos parlamentares do PR é que
eles acompanham muito a liderança do governo, o quê que o governo quer.
Acho que é difícil eles irem contra. (Entrevistado 6. Entrevista concedida aos
autores em 6/2/2017).
2º Entrevistado:
A Assessoria do PR não é dividida em mérito e regimental. Nas comissões,
o quê que a gente faz? A gente faz mais assessoria regimental, mas a gente
faz todo o estudo da pauta, então, querendo ou não, a gente se aprofunda um
pouco, na parte temática, mas para uma explicação superficial para o deputado,
não é uma coisa aprofundada.
O deputado do PR não tem condições de decidir só com a informação produzida pela liderança, acho que a nossa informação não é mais para decisão, é
mais para, como ele acompanha muita coisa, só para ele se situar qual que é o
assunto que ele vai tratar aquele dia, mas não para embasar a decisão dele. O
PR não indica para o deputado como ele deve votar, se sim ou se não, a não
308
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
ser quando seja um projeto mais polêmico, mas são questões mais em plenário,
nas comissões dificilmente acontece isso. (Entrevistado 7. Entrevista concedida aos autores em 7/2/2017)
No entanto, algumas diferenças foram notadas nas atribuições específicas de
assessores do PHS, PSC e PTB (e que deve se repetir em alguma das outras
lideranças não entrevistadas na segunda fase da pesquisa) em que, embora predomine a primazia para a atuação estratégico processual, algum produto técnico
é realizado no âmbito da assessoria. Pela codificação e análise das entrevistas,
contudo, percebeu-se que o conteúdo técnico produzido por essas lideranças
pouco contribui para o acréscimo de informação ao Legislativo ou para a construção de políticas públicas. Elas servem, por exemplo, ao intento de garantir
ao líder ou ao membro da bancada a apresentação de inúmeras proposições,
às vezes, sem um liame ideológico entre elas, elevando as estatísticas de sua
atuação parlamentar. Outras vezes, sinalizam às bases ou respondem a apelos
midiáticos, em qualquer situação, contribuindo para o já inflacionado ambiente
institucional.99 Nesse sentido, é o relato de um dos assessores do PSC, corroborado por assessor do PDT:
Assessor do PSC:
No PSC, a assessoria de comissões ou a de plenário não elaboram emendas,
elas só acompanham a discussão das proposições. Quem faz as emendas é essa
assessoria técnica. Já essa assessoria técnica não estuda as pautas, nem do plenário nem das comissões. Ela fica encarregada mesmo é de elaborar essas pequenas proposições e as emendas, caso as assessorias de comissões e do plenário solicitem. Essa assessoria também prepara complementação de voto e
votos em separados.
O objetivo era verificar matérias nos jornais, que eram polêmicas, que a população não estava se sentido agradada com aquilo, ou se sentindo lesada e,
com isso, tanto o chefe de gabinete quanto o líder falavam “Viram o que saiu
no jornal? Viram o que saiu no Fantástico? Tem essa situação na escola não
sei das quantas, está acontecendo isso no Rio de Janeiro, está acontecendo isso
não sei ‘aonde’. Vamos apresentar uma proposição!”.
99
Pesquisa no Sistema de Informação Legislativa da Câmara dos Deputados, na data de 20 de julho
de 2017, apontou que havia em tramitação 23.173 proposições principais.
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
309
Há um vínculo entre a mídia e o feitio de proposições, logo, essa assessoria
técnica não foi criada para nutrir o PSC de informação relativa às proposições
em pauta, seus efeitos e objetivos. É uma ferramenta para dar resposta à população... (Entrevistado 2. Entrevista concedida aos autores em 25/11/2016).
Assessor do PDT:
Na época, era assim: [...] a gente definiu, “olha, o PDT tem 5% dos membros,
tem de apresentar 5% das emendas, 5% das emendas de deputados têm de ser
do PDT”. A gente chegou a pressionar para ter isso. Eu sei que a gente perde
em qualidade, mas para forçar uma produção, e na época eles seguiam isso:
“olha, a qualidade é com vocês, vocês têm de cuidar disso, mas a quantidade,
pelo menos 5% tem de ter”. (Entrevistado 15. Entrevista concedida aos autores em 4/7/2017)
Noutras situações, a denominada produção técnica, assim considerada pelo entrevistado, nada mais é do que mero resumo da matéria em pauta:
Os assessores técnicos do PHS fazem notas técnicas das matérias que estão em
plenário, que são espécies de resumos da matéria da pauta. O chefe de gabinete
gosta que se faça uma análise mais profunda, ele é muito exigente, que significa dizer o que o projeto de lei altera da lei em vigor. Analisando impactos.
Mas a gente não analisa impactos econômicos, ou ambientais, algo assim específico, que só dá para fazer quando há dados dos ministérios, dos órgãos do
governo, quando eles enviam. Para as matérias em geral a gente utiliza a internet como fonte de informação. A gente não coloca orientação nos resumos.
(Entrevistado 8. Entrevista concedida aos autores em 8/2/2017).
Portanto, a eventual existência e produção de análise mais técnica nos partidos
que compõem a base do Executivo no Congresso não desdizem a tendência de
estratégias de cunho procedimentalista.
Considerados todos esses parâmetros, são pontos fora da curva a liderança do
PSD (que, apesar de ser partido governista do tipo satélite, apresenta alto IAP
e presença de assessoria técnica), e a liderança do PPS (que apesar de contar
com poucos parlamentares, dispõe de assessoria volumosa). Na pesquisa, não
foi possível encontrar explicação para o número comparativamente elevado de
assessores no PPS. Supõe-se que naquela bancada haja menor cessão de servidores para os gabinetes parlamentares, o que, como dito, carece de outras incursões para a sua comprovação. No que diz respeito ao PSD, um dos entrevistados
310
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
na segunda rodada da pesquisa informou que essa liderança, estruturada em
2013-2104, foi imaginada à semelhança da liderança do PDT, adotando, desta,
a sistemática de se ter uma assessoria bem estruturada, técnica e regimentalmente. Há indícios, contudo, de que a sequência de legislaturas trará a estrutura
dessa liderança para os moldes adotados pelas demais, com adoção da prática de
empréstimo de servidores aos gabinetes parlamentares, sendo essa a percepção
de três dos entrevistados. Também, para esse caso, se fazem necessárias novas
incursões, em momento posterior.
Considerações finais
O presente capítulo, por meio de entrevistas e observação participante, buscou
enxergar e compreender a organização das lideranças partidárias na Câmara
dos Deputados a partir de classificação dos partidos que considera as arenas
eleitoral e legislativa. A análise dos dados sugere que há correlação entre o
papel desempenhado pelo partido na arena eleitoral e na arena legislativa e a
forma de prover a organização da burocracia da respectiva liderança na Câmara
dos Deputados. Partidos principais e oposicionistas digladiam-se pelo poder e
buscam produzir informações.
Por sua vez, há indícios de que partidos que historicamente não disputam as
eleições para presidente da República desempenham papel de coadjuvantes na
arena legislativa (partidos da base) e apresentam estrutura burocrática de liderança menos especializada. O fato de as estruturas de apoio desses partidos
dedicarem pouco esforço à produção de informação pode significar espécie de
delegação à liderança do governo na Câmara dos Deputados ou ao Executivo da
função de formatar políticas públicas. Porém, essa foi hipótese não perseguida
neste capítulo e que fica como proposta para outras pesquisas.
Fica ressaltado, principalmente pela análise dos dados para partidos da base
governista, o pragmatismo político vigente no modelo de presidencialismo de
coalizão brasileiro. Deputados, além da procura pelas prebendas comumente
apontadas pela literatura, como cargos no Executivo e liberação de emendas,
também se beneficiam de cargos na estrutura do Legislativo. Esses cargos são
mais fortemente usados como moeda de troca por partidos do tipo office seeking.
A relação entre as estratégias eleitorais e a organização das lideranças
partidárias na Câmara dos Deputados
311
Assim, o presente capítulo reforça os estudos que apontam quais são as ferramentas que possibilitam o centralismo decisório no Congresso Nacional e a governabilidade média que se tem experimentado no período pós 1988. Contribui,
ainda, para a compreensão do presidencialismo de coalizão.
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315
Faces partidárias na esfera virtual:
a atuação política das lideranças da
Câmara dos Deputados no Facebook
Malena Rehbein Rodrigues Sathler
Antônio Barros
Cristiane Brum Bernardes
Introdução
Com o avanço das tecnologias digitais, a política passou a ser um fenômeno de
penetração difusa nas diversas esferas da sociedade, ou seja, consegue atingir o
cidadão mesmo fora do âmbito político no sentido estrito, pois as mídias digitais
contribuem para a inserção ampliada dos temas políticos nas relações sociais. O
elevado potencial de sedução dessas mídias, calcado na lógica do poder simbólico (Bourdieu, 1989) e do poder de agência dos usuários (RIBEIRO, 2000), em
muito contribui para a reconfiguração dos fluxos e dos circuitos de informação
nas sociedades metropolitanas, o que inclui o campo político, as formas partidárias e as suas lideranças.
As redes sociais digitais são vistas como mecanismos importantes na democracia
digital, pois pressupõem o uso de tecnologias para suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas numa comunidade democrática (GOMES,
2011). Para entender como essa prática ocorre em uma das redes mais usadas
– o Facebook – o trabalho apresenta dois focos de análise: de conteúdo (tema,
objetivo, comentários do post, etc.) e potencial interativo dialógico (número de
compartilhamentos, curtidas, seguidores, respostas, etc.). São analisados todos
os posts das doze100 lideranças de partidos na Câmara com página no Facebook,
no período de 1º a 31 de outubro de 2015. Adicionalmente, realizamos regressões
100 No item referente à Metodologia esclarecemos os critérios para escolha das doze lideranças partidárias analisadas neste estudo.
316
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
multivariadas com as seguintes variáveis independentes: assunto, linguagem,
conteúdo, e presença ou ausência de recursos de multimídia no conteúdo. As variáveis dependentes, por sua vez, são: compartilhamento, curtida e comentários.
O propósito é avaliar as táticas discursivas dos principais partidos que dominam
a cena das disputas políticas no contexto nacional atualmente.
Estudos recentes mostram que as mídias sociais passaram a configurar um espaço relevante de atuação dos partidos políticos e de suas lideranças, especialmente o Facebook, que “vem se configurando como uma das ferramentas
comunicativas mais intensamente utilizadas pelos partidos políticos brasileiros”
(ROCHA; BRAGA, 2013, p. 217).
Com 1,59 bilhão de usuários no mundo todo, o Facebook mantém a liderança
das redes sociais, de acordo com o sexto mapa elaborado pela organização do
Congresso Ibero-americano sobre Redes Sociais (iRedes), apresentado em fevereiro de 2016, com base em dados de crescimento das redes durante o ano de
2015 (FACEBOOK, 2016). O mapa reúne todas as redes sociais do mundo com
mais de 10 mil usuários organizadas por temas. Em segundo, terceiro, quarto
e quinto lugares estão respectivamente: Qzone, uma rede social chinesa (1 bilhão de usuários); Youtube (1 bilhão de usuários); Instagram (400 milhões de
usuários); e Twitter (320 milhões de usuários). Segundo a Pesquisa Brasileira
de Mídia 2015, feita pela Secretaria de comunicação da Presidência da República (2015), entre os internautas brasileiros, 83% estão conectados por meio
do Facebook. Essa rede social conta com 90 milhões de usuários no Brasil, dos
quais 59 milhões acessam a página diariamente (PIVA, 2014).
Com base nesse pressuposto mais amplo, o artigo aqui apresentado analisa
como as lideranças partidárias101 da Câmara dos Deputados usam seus perfis
no Facebook. Por que estudar as lideranças partidárias? Parte-se do pressuposto de que as lideranças partidárias são consideradas bunkers estratégicos
dos partidos nas casas legislativas. Nelas são construídos os posicionamentos
das agremiações nas questões legislativas e mesmo de projetos de políticas do
Poder Executivo no Congresso. É no âmbito das lideranças que são decididos
101 Os partidos políticos com mais de cinco deputados federais têm direito a um espaço próprio e a
um grupo de servidores destinados ao assessoramento técnico do líder e da bancada partidária.
Geralmente, as lideranças são compostas por três núcleos: 1) parlamentar (o líder e os demais
deputados); 2) administrativo (servidores que executam as tarefas de Chefia de Gabinete, Secretaria
Administrativa, Assessoria de Imprensa e Assessoria de Informática); e 3) técnico (assessorias de
orçamento, de plenário, de comissões e assessoria técnica) (ABREU JR., 2009).
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
317
e/ou discutidos os principais projetos e as principais relatorias assumidas pelo
partido. Sendo a Câmara uma das casas legislativas mais importantes no quesito
representação da sociedade civil, como se dá a interface do partido na casa representativa com a sociedade que representa? Que imagem a liderança constrói
pela rede social Facebook? Que estratégias e assuntos divide com a sociedade?
Há diálogo entre elas? Há participação cidadã e feedback partidário? Em suma,
como se mapeia essa relação de rede social entre liderança partidária e cidadã?
Mais do que avaliar ou criticar o retrato desta atuação, este estudo tem caráter
exploratório, com o propósito de avaliar e entender como esse espaço está sendo
utilizado.
Conforme explica Abreu Jr. (2009), o setor encarregado da comunicação das
lideranças torna-se cada vez mais importante, especialmente por conta da “necessidade de divulgação das realizações das bancadas de deputados federais
para que os cidadãos brasileiros possam acompanhar o desempenho dos seus
representantes e também contribuir com o trabalho parlamentar, fazendo críticas
ou sugestões” (ABREU JR., 2009, p. 47). Obviamente, os interesses eleitorais na
visibilidade do trabalho parlamentar são lembrados pelo autor, que destaca ainda
a ênfase dada no trabalho de comunicação às novas ferramentas tecnológicas à
disposição dos políticos.
Antes do advento da internet no Brasil, a área de comunicação das lideranças
resumia-se ao assessor de imprensa. Hoje a comunicação torna-se cada vez
mais importante, devido ao surgimento e ao número crescente de usuários de
serviços provenientes da internet, como os sites, blogs e as comunidades virtuais (YouTube, Orkut, Twitter, Facebook etc.). As lideranças partidárias aos
poucos vão-se adaptando a esses novos serviços (ABREU JR., 2009, p. 47).
A partir da pesquisa realizada sobre essas estruturas partidárias, Abreu Jr. afirma
que a utilização da internet tem sido crescente, com a criação de sites e blogs,
além do uso cada vez mais comum de plataformas de mídias sociais como
YouTube, Twitter e Facebook, entre outras (ABREU JR., 2009, p. 48). Além da
Assessoria de Imprensa, a Assessoria de Informática, estrutura presente em todas
as quinze lideranças estudadas por ele em 2009, também desenvolve tarefas
conectadas ao uso das tecnologias digitais de informação e de comunicação.
Optou-se por uma análise fora do período eleitoral, com base no diagnóstico
de Rocha e Braga (2015) de que há uma concentração de estudos em períodos
eleitorais. Vários autores destacam a relevância de pesquisas que cobrem os
318
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
períodos não eleitorais (ROCHA; BRAGA, 2015; SANTANA, 2012; SILVA,
2012). Afinal, a política vai além das épocas de campanha ou o tempo da política, reconhecido como o período eleitoral (GOLDMAN; PALMEIRA, 1996;
BARREIRA; BARREIRA, 2012). Para Rocha e Braga (2015, p. 213) a
relevância de análises que cobrem períodos não eleitorais se justifica pela necessidade de se compreender como os partidos e suas lideranças fomentam a
prática democrática para além dos períodos eleitorais, “que são mais extensos
e permanentes do que os momentos episódicos de campanhas”. Além disso,
os autores acrescentam mais dois motivos que justificam as pesquisas fora das
épocas de campanhas:
[...] o primeiro é porque a comunicação partidária, inclusive, na internet, ocorre
de forma diferente em períodos eleitorais e não eleitorais, pela necessidade
que os partidos possuem em intensificar e qualificar sua comunicação nos períodos em que diretamente dependem da simpatia do eleitorado. Segundo, pela
importância de entender como os partidos fomentam a prática democrática,
a participação nas esferas de poder, não apenas na época de pleitos eletivos
(ROCHA; BRAGA, 2015, p. 213).
Do ponto de vista teórico, o artigo usa como suporte elementos da sociologia dos
partidos políticos e os estudos sobre a relação entre internet e política na atualidade. Cabe salientar, no entanto, que não se pretende apresentar uma ampla revisão
de literatura sobre esses temas. Devido à amplitude da bibliografia, optou-se por
um enquadramento mais aplicado às questões aqui analisadas, com enfoque mais
voltado para as abordagens sociológicas que relacionam as formas simbólicas e
sua utilização pelos partidos políticos, no contexto de redefinição das formas de
mediação dessas instituições com os variados segmentos eleitorais.
Formas tecnológicas e reconfigurações partidárias
A sociologia dos partidos políticos tem atribuído pouca relevância ao estudo
empírico da atuação partidária virtual. Esse diagnóstico estimulou a análise
de como os partidos políticos brasileiros (aqui representados pelas lideranças)
marcam presença nesse universo de ação política à distância, por meio da copresença proporcionada pelas interações e mediações digitais. Para tanto, recorremos ao conceito de formas tecnológicas de Scott Lasch, entendidas como
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
319
mediadoras típicas da ação social nas sociedades interconectadas (LASCH,
2005; ANDRADE, 1996).
Também recorremos às contribuições de Anthony Giddens no que se refere às
configurações sociotécnicas das sociedades destradicionalizadas, nas quais as
formas tecnológicas atuam como reformadoras da vida cotidiana e potencializadoras de escolhas ativas em contextos em que a individualização é crescente
(GIDDENS, 1994). As formas tecnológicas ampliam o espaço de ação política,
com um novo tipo de copresença on-line, além de múltiplas possibilidades de interação, permitidas pela ação à distância, ancoradas na lógica dos sistemas peritos.
As formas tecnológicas podem ser entendidas no atual contexto como resultado
do desenvolvimento de ações e práticas recursivas, ou seja, que resultam da
cognoscitividade dos atores e de sua capacidade de reflexividade. Esse processo
resulta em aprendizados práticos continuados, sob a dinâmica da plasticidade
dos atores e da ação social, como defende Giddens (1994).
Os partidos representam a pluralidade ideológica da sociedade, pois oferecem,
no âmbito do sistema de representação democrático-liberal, as possibilidades de
adesão política (PEIRANO, 2011). As diferentes agremiações correspondem às
distintas visões e divisões do mercado político. Embora haja redefinições frequentes, frutos das dinâmicas políticas, as legendas ainda conservam algumas
características, objetivos e funções que lhes são peculiares na esfera de pertinência da mediação política. Como destaca Rodrigues:
Conjugando os dados sobre a volatilidade eleitoral com os de outras pesquisas – influência das organizações partidárias locais nos resultados eleitorais, trocas de legenda, tipos de coligações, disciplina das bancadas nas votações na CD, perfis ideológicos no Congresso e nas assembleias legislativas,
etc. – parece ser mais correto trabalhar com a hipótese de que o sistema partidário brasileiro está em processo de estruturação e não com a de que se trata
de um sistema em desestruturação ou intrinsecamente incapaz de organização.
(RODRIGUES, 2002, p. 48)
Para alcançar seus objetivos – com destaque para a busca contínua de confiança
dos eleitores e, consequentemente, de legitimidade na disputa política, uma das
estratégias desenvolvidas contemporaneamente pelas siglas é a comunicação
digital com seus públicos, a fim de reforçar sua atuação no plano institucional,
na arena eleitoral e na esfera legislativa, já que a identificação partidária e a
320
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
estabilidade nas preferências partidárias não são fortes no Brasil (PEREIRA,
2014; VEIGA, 2007).
Peter Mair (2003) sustenta a tese de que os partidos não estão em decadência,
mas sim em transformação e adaptação aos novos contextos, o que se aplica ao
ambiente virtual. O autor sugere que os partidos não são mais intermediários
entre a sociedade e o Estado, mas o Estado é que passou a exercer a função de
mediador entre a sociedade e os partidos. Essa ideia é compartilhada por Manin
(2013), Mendonça (2008) e Urbinati (2013). Para esses autores, em linhas gerais,
apesar das crises e metamorfoses da democracia e dos partidos, tais instituições
permanecem relevantes e passam por processos de adaptação e reconfiguração
atualmente, mas não de decadência ou declínio. Nesses processos de reconfiguração as tecnologias podem ser aliadas dos partidos, devido à sua elevada
penetração na sociedade, além de permitirem a comunicação instantânea e direta
com os públicos eleitorais ou com os interlocutores políticos preferenciais das
lideranças.
Apesar das redefinições frequentes, os partidos políticos ainda conservam algumas características e funções que lhes são peculiares na esfera de pertinência
da mediação política e das configurações associativas (WEBER, 1999). Segundo
Manin, apesar de perderem força em várias áreas, os partidos continuam dominando a política parlamentar (o que se aplica diretamente às lideranças) e as
campanhas eleitorais em todos os países (MANIN, 2013). Mesmo com a pluralidade de funções, interesses e desenhos institucionais, há um elemento que define
por essência um partido político, ou seja, seu caráter de associação (WEBER,
1999; OPPO, 2000), uma das causas de afirmação de seu poder. É por essa razão
que, nos termos weberianos, o partido é antes de tudo uma associação no seio da
comunidade política, independentemente de seus fins ou objetivos, dotada, por
isso, de potencial de criação de capital social e político. Nesse ponto, é preciso,
como afirma Reis, ter em mente a complexa articulação entre identidade e instrumentalidade exercida pelos partidos e suas lideranças, isto é, a relação paradoxal que eles executam ao combinarem valores e interesses no processo político e nas negociações internas no âmbito dos parlamentos (REIS, 1988, p. 304).
A natureza da associação realizada pelos partidos está intrinsecamente relacionada a uma formação que luta pela dominação, ou seja, o objetivo é assegurar
um campo de exercício de influência e poder, seja pelos recursos econômicos
obtidos, pela influência social ou pelo poder de palavra. Nesse último quesito
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
321
situam-se as estratégias de publicidade política, entendidas como uma forma de
propaganda das legendas a fim de consolidar seu poder discursivo e simbólico,
nos termos de Bourdieu (1989). Em suma, as formas tecnológicas funcionam
como revitalizadores da mediação entre os cidadãos e as instituições partidárias
ou entre as próprias lideranças entre si.
Apesar de serem fruto da globalização e da tecnicalização, como decorrência do
processo civilizatório (ELIAS, 1990), as novas mídias são utilizadas de acordo
com as lógicas culturais específicas ou as lógicas políticas definidas pelos atores.
Em outras palavras, as complexidades da dinâmica das trocas comunicativas
são ancoradas nos substratos da formação cultural e da ambiência política, que
compreende os valores e as maneiras como a sociedade se relaciona com suas
instituições e autoridades. As redes sociais digitais exercem cada vez mais repercussão na esfera pública, mas tal repercussão também depende de fatores
culturais e das práticas sociais típicas de cada sociedade (TAVARES, 2014).
Do ponto de vista político, tais ferramentas são vistas sob a ótica de mídias
táticas, ou seja, meios alternativos aos veículos convencionais, capazes de produzir agendamentos e enquadramentos diferenciados que contemplem os interesses e valores dos emissores ou enunciadores, como no caso dos partidos políticos e das instituições governamentais (JURIS, 2005). Uma característica das
mídias táticas é a divulgação seletiva de informações e de opiniões favoráveis
aos atores políticos que as divulgam. Mesmo no caso de informações aparentemente objetivas, elas carregam enquadramentos interpretativos e opinativos.
Afinal, como argumenta Bourdieu (2011, p.119), “como a força está sempre do
lado dos governados, os governantes não têm nada que os sustente a não ser a
opinião”. Ao adotarem essa tática, tais atores pretendem fortalecer um determinado tipo de doxa política, entendida como “um ponto de vista particular, o
ponto de vista dos dominantes, que se apresenta e se impõe como o ponto de
vista universal” (BOURDIEU, 2011, p.120).
Os estudos realizados até o momento sobre o uso de tecnologias digitais por
instituições políticas destacam duas características: a primazia das funções das
novas mídias como veículos de divulgação de informações políticas de interesse
dos emissores dessas mídias e o uso padronizado dessas ferramentas. O uso
das mídias em rede se dá segundo a lógica de mídias táticas. Nielsen e Vaccari
(2014) preferem a nomenclatura de pull medias, entendidas em oposição a push
medias. Para esses autores, as mídias sociais atuam prioritariamente como pull
322
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
medias, ou seja, funcionam segundo a lógica da demanda. Isso significa que
o receptor exerce um papel ativo na escolha de acessar tais informações, em
vez de serem expostos a elas de forma involuntária, como ocorre no caso das
mídias anteriores à internet (TV e Rádio – denominadas de push medias), que
são regidas pela lógica da oferta de conteúdos (WOLTON, 1994). Nas novas
mídias o receptor é empoderado, com maior poder de agência (TORRES, 2011;
RIBEIRO, 2000). De forma ativa e autônoma o usuário de internet pode escolher
de forma seletiva os canais e os conteúdos informativos, pois as pull medias são
mais interativas, descentralizadas e individualizadas:
Como um ambiente principalmente pull, a internet dá aos usuários mais poder
de controlar os conteúdos que são trocados no processo de comunicação do que
ocorre nos mass media. Como resultado, para que a comunicação direta entre
políticos e cidadãos ocorra, via sites de mídias sociais, os usuários devem optar
por se envolver em tal interação. Os meios digitais permitem aos eleitores interessados se conectarem diretamente com as elites, mas também proporcionam
uma miríade de oportunidades para que aqueles que não estão interessados evitem a política completamente. (NIELSEN; VACCARI, 2014, p. 234)
Na perspectiva oposta, push medias referem-se a estratégias direcionadas às
pessoas, independentemente do fato de elas desejarem ou não a informação (por
meio de publicidade na televisão, mala direta, telemarketing, e várias formas
de publicidade on-line) e são contrastadas com estratégias pull, cujo objetivo é
fazer com que o público-alvo opte ativamente por isso e se engaje de maneira
mais efetiva com a mensagem” (NIELSEN; VACCARI, 2014, p. 231).
Em suma, as formas tecnológicas funcionam como amplos painéis para se visualizar e compreender as funções que os partidos e suas lideranças exercem na
Web, além de oferecer pistas relevantes para a análise de seu lugar de fala, dos
públicos preferenciais e do seu habitus partidário.
Nesse sentido, ferramentas digitais de comunicação têm sido apontadas como
potenciais auxiliares na chamada democracia digital: “Qualquer forma de
emprego de dispositivos (computadores, celulares, smartphones, palmtops,
ipads...), aplicativos (programas) e ferramentas (fóruns, sites, redes sociais, mídias sociais...) de tecnologias digitais de comunicação para suplementar, reforçar
ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos,
em benefício do teor democrático da comunidade política” (GOMES, 2011).
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
323
É nesse contexto que podemos situar a chamada democracia digital. No ambiente das TICs (tecnologias de informação e comunicação), a democracia
digital vem dar forma à discussão sobre a ampliação e aperfeiçoamento das
práticas democráticas e viabilizar mecanismos de participação e deliberação públicas (COLEMAN; BLUMER, 2009; SAMPAIO, 2010; MARQUES, 2008).
Isso porque a democracia digital é apontada como potencial instrumento para
(GOMES, 2011, p. 28-30): 1) fortalecer a capacidade concorrencial de cidadania (aumentar quotas do poder cidadão, pois as lutas concorrenciais são permanentes na política); 2) consolidar e reforçar uma sociedade de direitos, isto
é, uma comunidade política organizada como Estado de Direito (minorias); 3)
promover o aumento da diversidade de agentes, de agências e de agendas na esfera pública. Ou seja, dando possibilidades mais amplas para viabilizar o processo participativo, aqui visto como um potencial complemento ou aprimoramento do sistema representativo.
Pesquisadores de vários países percebem o incremento nas estratégias de comunicação e interação com a sociedade por parte de órgãos governamentais e, especificamente, legislativos nos últimos anos. Para autores como Leston-Bandeira
(2012) e Ward e Lusoli (2005), o desenvolvimento dessa relação por meio das
mídias digitais é uma tentativa de reação ao descrédito e à apatia política das
atuais sociedades, preocupantes não só pela sua importância para as eleições,
do ponto de vista parlamentar, mas ainda mais para a democracia. As mudanças
trazidas pela internet afetam principalmente o relacionamento das instituições
políticas com a sociedade. A tendência é que os parlamentos utilizem a internet
como forma de suprir lacunas de transparência e accountability e de, com isso,
buscar legitimidade perante a opinião pública.
Considerando os requisitos listados acima, no que se refere a aspectos fora da
estrutura institucional interna da política, a internet se constitui em arena de potencial democrático ao propiciar não só a veiculação de grande volume de informações, com interpretações e participações dos mais variados grupos, tanto em
período eleitoral como no acompanhamento da cena política, mas também em
um locus de concentração das mais diversas fontes alternativas de informação.
Também favorece a associação coletiva, ampliando as chances de fortalecimento
de capital social,102 tarefa que, segundo Baquero e González (2010), não é nada
102 Entendemos capital social como a realização de atividades deliberativas e de colaboração coletiva
de forma horizontal, como associações e cooperativas, que geram confiança interpessoal.
324
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
simples na América Latina: “[...] não se compreende como países com tantas
possibilidades tenham, simultaneamente, tanta pobreza e estejam polarizados,
minando as possibilidades de aproveitar o potencial de capital social” (p. 281).
Obviamente que aqui não se desconsideram os problemas já apontados na chamada democracia digital ou simplesmente no uso da internet para formação e
informação política, como informação política pouco qualificada, desigualdade
de acesso, cultura política, predomínio de atuação dos meios de comunicação de
massa como autoridades no ambiente virtual, excesso de controle e ciberameaça,
entre outros (GOMES, 2008, p. 315-323). Estudos empíricos já realizados mostram um descompasso entre as possibilidades e o uso efetivo da internet pelas
instituições parlamentares. Stanley e Weare (2004), por exemplo, citam vários
estudos que mostram que o uso predominante das TICs na primeira década do
século XXI foi feito por indivíduos e organizações que já participavam do processo político antes da internet. Isto é, a tão propalada diversidade de vozes não
se confirmou nos veículos digitais, assim como é uma realidade ainda distante
da mídia convencional, pelo menos na América Latina. Entretanto, como afiança
a própria pesquisa de Stanley e Weare, a internet pode, em certos contextos,
expandir o alcance de vozes no processo e mobilizar alguns indivíduos inativos
politicamente a participarem (2004, p. 505).
Hindman (2009) também aponta limites claros do que considera política on-line:
os níveis baixos de tráfico relevante de material político pela net; baixa estrutura
de visibilidade (facilidade de visibilidade de informação) nos sites políticos;
estratégias limitadas de busca de conteúdo pelo próprio cidadão, que busca
mais o que lhe é familiar; alto custo de profissionalização de investimento em
mídias virtuais, que seriam essenciais para facilitar o acesso e o entendimento
do material (p. 133).
É preciso lembrar, ainda, que o debate sobre democracia digital, transparência
política dos parlamentos, accountability e temas afins está diretamente relacionado à questão da confiança do cidadão nas instituições. A discussão está
conectada à ideia de que a confiança103 da população nas instituições de seus
103 Neste texto não fazemos a diferença entre trust e confidence, como Norris (2011, p. 19). Segundo
a autora, trust seria uma crença afetiva ou racional na motivação benevolente e capacidade de performance de outra parte. Confidence seria acreditar na capacidade de performance efetiva de um
agente. Em português, ambas as palavras são traduzidas como confiança. Dessa forma, entendemos
confiança como um conceito que engloba os dois significados que recebem em inglês.
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
325
países ou comunidades é um aspecto essencial para a legitimidade do regime
político e, portanto, para a estabilidade do sistema social. De maneira geral,
podemos dizer que quanto mais confiança nas instituições, maiores as chances
de desenvolvimento de um regime democrático satisfatório para a população
(DAHL, 1989; NORRIS, 1999; LIJPHART, 2001; TILLY, 2008). No sistema
representativo, com parlamentos, isso adquire ainda mais importância.
A intenção, neste artigo, é ver como essa relação se dá na realidade cotidiana
das práticas de rede social digital, e que potenciais podem e são explorados.
Estudos recentes, como os de Nogueira e Castro (2014) e Farranha (2015),
corroboram o que se tem encontrado sobre o uso de redes sociais em geral e
não só no Brasil (LESTON-BANDEIRA; BENDER, 2013; BARROS et al.;
BRAGA, 2014), ao verificar que o governo ainda não busca participar ativamente de um diálogo nas redes sociais, assim como ocorre no âmbito do Legislativo (em relação aos parlamentares), na generalidade. O espaço é usado mais
para divulgar ações, como uma assessoria de imprensa, o que não deixa de ser
uma forma de accountability. Bitencourt da Silva (2014) analisa os posts partidários no Facebook, mas, especificamente sobre os protestos de 2013. Percebe,
entretanto, a relação verticalizada entre partidos e sociedade. Além de verificar
se o mesmo processo identificado pelos autores aqui citados ocorre nas instituições que podem ser consideradas as lideranças parlamentares, este estudo
busca observar ainda que outro tipo de uso também ocorre e, mais do que isso,
as diferentes estratégias partidárias.
Metodologia
Como já colocado na introdução, o trabalho tem dois focos de análise: de conteúdo (tema, objetivo e comentários do post) e potencial interativo dialógico
(número de compartilhamentos, curtidas, seguidores e respostas). São analisados todos os posts de doze lideranças de partidos na Câmara com página no
Facebook, no período de 1 a 31 de outubro de 2015: PT, PSDB, PSB, PSD, PRB,
MINORIA, PSOL, PCdoB, PROS, DEM, PPS e SOLIDARIEDADE.
326
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Foram escolhidos os partidos com mais de cinco deputados na bancada, com
exceção para o PSOL, que tem só cinco também,104 mas tem uma atividade
muito diferenciada na web e foi incluído pelo grande uso de tecnologias e pela
mobilização na arena digital. Entre os partidos que têm mais de cinco, ficaram de
fora ainda PMDB, PP, PR e PV por não possuírem páginas na rede estudada. As
páginas das lideranças do PDT e do PSC tiveram os dados coletados, porém não
foram incluídas por terem publicado menos de cinco posts (ambas só tiveram
um post no período).
Na parte de conteúdo, seguimos parte dos critérios de Nogueira e Castro (2014),
como tipo de conteúdo, assunto e linguagem, mas ampliamos o escopo das
categorias para poder observar mais aspectos, conforme consta no quadro 1:
Quadro 1
Critérios observados em relação ao conteúdo dos posts
Formal
Tipo de linguagem
Informal
Divulgação de eventos
Notícias próprias
Notícias de imprensa geral
Campanhas
Sondagem de opinião
Objetivo do conteúdo
Divulgação de opinião
Respostas ao cidadão
Mensagem de otimismo
Reforço da imagem
Humor
104 Na época da análise, o PSOL tinha apenas cinco parlamentares, atualmente conta com seis
deputados federais.
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
Educação
Bastidores
Política interna do partido
Conflito entre partidos
Recrutamento eleitoral
Internacional
Social (trabalho, previdência...)
Infraestrutura
Cultura
Assuntos do post
Tecnologia
Política geral
Corrupção
Soft
Meio ambiente
Agricultura
Direito do consumidor
Segurança
Misto
Nacional
Foco geográfico do post
Regional
Internacional
Posição política do post
em relação ao governo
petista de Dilma Rousseff
Favor
Contra
Não se aplica
Executivo
Legislativo
Partido ou Liderança
Atores envolvidos no post
Parlamentares individuais
Sociedade civil/ cidadão
Mídia
Lideranças internacionais
327
328
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Apenas texto
Texto e foto
Texto e vídeo
Recursos de multimídia
Texto e áudio
Apenas foto
Apenas vídeo
Apenas áudio
Em relação às categorias, é importante ressaltar que o conteúdo das postagens
poderia englobar mais de um ator político envolvido ou mesmo assunto. Para
solucionar essa ambiguidade, optou-se pela construção da categoria “misto”
em relação aos temas. Nos demais aspectos, a análise considerou aquilo que era
preponderante em cada postagem, ainda que houvesse uma citação secundária
a outros elementos. Dessa forma, espera-se observar os principais aspectos de
conteúdo do material veiculado e como ele é veiculado.
Quanto ao potencial interativo dialógico de cada postagem, as categorias estão
detalhadas no quadro 2.
Quadro 2
Critérios observados em relação ao caráter interativo dos posts
Número de seguidores
Número de posts
Número de compartilhamentos por posts
Número de curtidas por posts
Número de comentários por posts
Elogio
Concordância
Crítica
Pergunta
Tipo de comentário
Resposta do partido
Resposta do usuário
Interação entre usuários
Opinião do usuário
Opinião do partido/líderes
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
329
Até um dia
de 1 a 3 dias
Tempo mínimo de resposta ao comentário
de 3 a 7 dias
Mais de uma semana
Sem resposta
Após a contabilização das postagens, realizamos regressões logísticas com a finalidade de perceber a variação desses itens em conjunto. As seguintes variáveis
independentes foram analisadas: assunto, linguagem, conteúdo e presença ou
ausência de recursos de multimídia no conteúdo. As variáveis dependentes, por
sua vez, são referentes ao impacto numérico das postagens: compartilhamento,
curtida e comentários.
Com esses dados, espera-se poder observar o potencial interativo em termos de
público potencialmente atingido e relação (ou não) com esse público, além do
comportamento do próprio público a partir do tipo de comentário feito. A intenção é observar se há padrões comuns ao uso do perfil pelas diferentes lideranças, ou se eles se diferenciam de acordo com o partido. Ao final, espera-se
poder avaliar como a democracia digital acontece na prática via uma das redes
sociais mais usadas no mundo, o Facebook, isto é, que aspectos são favorecidos,
de fato, na democracia digital conforme compreendida pelas representações
partidárias da Câmara dos Deputados.
Análise dos dados
O volume de posts e de seguidores
Durante o período pesquisado, o Solidariedade foi o partido que mais postou
no Facebook (quadro 3). Seguido pelo PSOL, PSD, PCdoB e PPS, portanto
sem uma homogeneidade em termos de perfil ideológico.105 Entretanto, como
veremos no decorrer da análise, um maior número de posts não irá se refletir,
automaticamente, em mais interação e capacidade de mobilização ou diálogo
105 Para esta pesquisa, são considerados partidos de direita: PSD, PRB, PROS e SOLIDARIEDADE;
de esquerda: PT, PCdoB e PSOL; de centro: PSDB, PSB e PPS. A Minoria está fora da classificação
por poder abranger partidos com diferentes matizes ideológicas.
330
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
com os usuários. Entre as legendas com menor volume de postagens estão:
DEM, PRB, PSB, Minoria106 e PROS.
Quadro 3
Quantidade de posts
Partido
Quantidade de posts
SOLIDARIEDADE
188
PSOL
173
PSD
158
PCdoB
135
PPS
126
PROS
82
PSDB
76
PT
68
MINORIA
54
PSB
41
PRB
23
DEM
7
Elaboração dos autores.
Quanto ao número de seguidores, observa-se que PSDB e PT são as agremiações
com maior presença junto aos usuários, muito provavelmente por serem os
partidos que disputaram as cinco últimas eleições presidenciais. Mesmo assim,
o PSDB tem mais que o dobro (77 mil) de seguidores que o PT (30 mil). Na
perspectiva de Nielsen e Vaccari, ambos os perfis seriam exemplos de pull medias, funcionando numa lógica de demanda que atende aos usuários favoráveis
e contrários ao governo de Dilma Rousseff, em um rescaldo da disputa que
transbordou do período eleitoral.
Quadro 4
Quantidade de seguidores
Partido
Quantidade de seguidores
PSDB
77.051
PT
30.428
106 Cabe esclarecer que há a inclusão da liderança da Minoria porque na época da pesquisa a liderança
do governo figurava como a Maioria.
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
Partido
Quantidade de seguidores
PSOL
15.268
PCdoB
14.733
PPS
13.375
SD
6.622
PSB
4.997
PRB
4.744
DEM
3.520
PSD
3.140
MINORIA
765
331
Elaboração dos autores.
Nota: nos sites que não tinham perfil de página, o número de amigos foi considerado como número de seguidores, como no caso do Democratas.
Na sequência, PSOL, PCdoB e PPS aparecem com uma quantidade similar de
usuários que curtem seus perfis, na faixa entre 10 e 15 mil seguidores. As demais
agremiações têm uma quantidade bem menor de seguidores, variando entre 6
mil e algumas dezenas de usuários, conforme mostra o quadro 4.
Linguagem dos posts
Conforme mostra o quadro 5, a grande maioria dos partidos usa uma linguagem
mais formal nos posts. Isso porque a linguagem mais usada é a jornalística, já
que, como se vê mais adiante, vários partidos acabam usando a web primordialmente para veicular matérias jornalísticas que disseminam informações sobre a
atuação de líderes e de parlamentares. A estratégia confirma que o Facebook é
usado de forma tática pelos partidos, conforme teorizado por Juris (2005), com
divulgação seletiva de informações e opiniões que interessam às legendas, e não
em busca de um diálogo permanente com os usuários. O uso do discurso midiático convencional, nesse sentido, serve como estratégia para conferir credibilidade às opiniões e às críticas emitidas e endossadas pelos partidos.
Apenas uma legenda, o PRB, tem percentual maior de posts com linguagem
informal (56,5%). Apesar de usar a linguagem jornalística, o PRB faz chamadas
informais para as notícias, tentando adequar o material à informalidade que
marca a linguagem do Facebook. PSD, PSOL e DEM têm um percentual um
pouco expressivo (entre 20% e 30%) de linguagem informal, mais adequada à
internet. Entretanto, é preciso destacar que a linguagem informal do PSD está
332
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
vinculada a posts pessoalizados com mensagens de autoajuda que veicula na sua
página, como será visto mais adiante.
Quadro 5
Tipo de linguagem
LINGUAGEM
Fomal
Informal
PT
100
0
MINORIA
100
0
PPS
100,0
0,0
PROS
100
0
PSDB
93,4
6,6
PSB
92,7
7,3
PCdoB
80
20
PSOL
78,6
21,4
DEM
71,4
28,6
PSD
63,3
36,7
SOLIDARIEDADE
46,3
53,7
PRB
43,5
56,5
Elaboração dos autores.
Objetivo do conteúdo dos posts
Como podemos observar no Quadro 6, a maior parte dos partidos está preocupada
em divulgar notícias, seja da imprensa comercial, de um modo geral, ou notícias produzidas por equipe própria, geralmente a Assessoria de Imprensa da
liderança. Interessante observar que partidos grandes, como PSDB e PT, priorizam a divulgação de notícias de segunda mão, ou seja, extraídas da imprensa
privada. Como são os partidos que historicamente se polarizaram e dividem a
maior batalha política no país, imagina-se que a intenção é trazer um argumento
de autoridade para o material divulgado, do tipo “não somos nós que estamos
dizendo, mas é a imprensa” (que desfrutaria de maior imparcialidade). Já o PSB
vai na contramão, com cerca de 90% de seus posts divulgando notícias feitas
por equipe própria, seguido por PSD (75,9%) e PRB (73,9%). O motivo deve
ser basicamente o mesmo, mas pela razão inversa: esses partidos não têm muita
cobertura da imprensa nacional privada, então dependem de material próprio
para divulgarem seus feitos e opiniões.
O fato é que a reprodução de conteúdos de mídias consagradas revela um tipo de
comportamento das lideranças partidárias que favorece o reforço da “concepção
publicista da opinião pública” (CARVALHO, 2010, p. 37). Uma concepção que
confere centralidade às empresas de comunicação enquanto “representantes da
opinião pública”. Nessa mesma perspectiva, Panebianco (2005) destaca que
os partidos são sensíveis a estímulos políticos externos; entre esses estímulos
o autor destaca as mídias e suas perspectivas de difusão de informação e de
opinião.
Como mostra o quadro 6, o PSDB e a Minoria recorrem com maior frequência
a conteúdos publicados por outras fontes devido ao maior volume de notícias
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
333
e de reportagens de teor negativo em relação ao PT no período da análise. As
investigações sobre as denúncias de corrupção envolvendo integrantes do PT
abasteciam a mídia diária de material com teor negativo em relação ao PT e ao
governo, o que certamente explica a opção do PSDB e da Minoria pela reprodução desse tipo de noticiário. Além de ser mais fácil e barata a publicação,
trata-se de uma estratégia que utiliza o capital de credibilidade da imprensa
como um órgão especializado na apuração e na denúncia de desvios de conduta
no campo político. Segundo Wilson Gomes (2015, p.2), “o jornalismo é um
sistema de autentificação e de checagem”. Por essa razão, passa credibilidade
ao público. Outro fator que confere credibilidade ao jornalismo na visão de
Patrick Champagne (2012, p.70) é a semelhança com a investigação judiciária.
“A objetividade consiste, como em um processo judicial, em dar a palavra a
todas as partes envolvidas, os jornalistas buscando explicitamente, em cada caso,
representantes da defesa e da acusação, o pró e o contra, a versão oficial de um
incidente e a das testemunhas.”
É oportuno salientar que a internet é a fonte principal que abastece os perfis
das duas lideranças mencionadas. O material reproduzido das mídias privadas
é extraído dos portais dos veículos na internet. Mesmo no caso da reprodução,
os partidos recorrem a mecanismos discursivos para construir uma determinada
perspectiva interpretativa, ou seja, um enquadramento retórico favorável a seus
propósitos, segundo a lógica de mídias táticas abordadas anteriormente. Seja
para defender ou atacar o governo, observa-se a tática de usar o conteúdo jornalístico a favor do interesse partidário, seja para denunciar, seja para ressaltar
aspectos positivos. Cabe menção especial ao modo como os posts são introduzidos, em textos que colocam em relevo expressões como “denúncias gravíssimas” ou “grave denúncia”. Em suma, o modo de qualificação das matérias já
aponta para os sentidos que o partido quer acentuar e chamar atenção de seus
partidários.
PSOL (27,7%), PCdoB (34,1%), PROS (23,2%), DEM (14,3%) e SOLIDARIEDADE (38,3%) chamam atenção por divulgarem suas opiniões diretamente
nos posts sem intermediação da imprensa. É uma forma de divulgação adequada aos perfis de rede social, que demandam conteúdos curtos e diretos. Em
várias postagens, PSOL e Solidariedade utilizam-se de memes e de linguagem
humorística, especialmente quando trazem críticas a seus adversários políticos,
respectivamente, Eduardo Cunha e Dilma Rousseff.
334
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O DEM chama atenção pela maioria de seus sete posts serem de campanha
de opinião, como “Rejeita, TCU”, um pedido para o Tribunal de Contas da
União rejeitar as contas do governo da presidente Dilma Rousseff. O PSD destaca-se, por sua vez, pelo percentual curioso de mensagens de otimismo, do
tipo: “Bem-vinda, quarta-feira!!! As grandes ideias surgem da observação de
pequenos detalhes (Paulo Coelho)”.
Quadro 6
Objetivo do conteúdo dos posts
OBJETIVO DO CONTEÚDO
Campanhas
Divulgação de eventos
Divulgação de opinião
Humor
Mensagens de Otimismo
Notícias de imprensa em geral
Notícias próprias
Reforço da imagem
DEM
42,9
0,0
14,3
0,0
0,0
14,3
28,6
0,0
MINORIA
0
0
0
0
0
83,3
16,7
0
PCdoB
7,4
4,4
34,1
0
5,2
1,5
45,9
1,5
PRB
13,0
0,0
0,0
0,0
4,3
0,0
73,9
8,7
PROS
0,0
2,4
23,2
0,0
0,0
0,0
74,4
0,0
PPS
2,4
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
PSB
2,4
2,4
0,0
0,0
0,0
2,4
90,2
2,4
PSD
5,1
0
0,6
0
13,3
0
75,9
5,1
PSDB
0
0
0
5,3
0
75
19,7
0,0
PSOL
2,9
12,1
27,7
4,6
1,7
3,5
45,7
1,7
PT
0
0
0
0
0
72,1
27,9
0
SOLIDARIEDADE
6,9
1,6
38,3
6,9
3,2
18,6
23,4
1,1
Elaboração dos autores.
Se fizermos a média por post, comparando os que divulgam notícias próprias
(atuação da bancada) e mensagens de otimismo, percebemos que estas últimas
têm maior público, já que podem ser aproveitadas pelos usuários para compartilhamento. Assim, enquanto a média de compartilhamentos por post de notícias
próprias é de três, a de mensagens de otimismo é de dez por postagem. A média
de curtidas para notícias próprias é 6,3 (em muitos casos, percebe-se que são os
próprios funcionários das lideranças ou conhecidos que curtem), enquanto a média de curtidas nas mensagens de otimismo é de 13,7 por postagem.107
A média de comentários é igualmente baixa para os dois tipos de post (0,1), ou
seja, há praticamente ausência total de diálogo, o que se explica pelo tipo de conteúdo divulgado, que se enquadra no tipo de material e linguagem usualmente
veiculados em redes sociais: temas polêmicos, autoajuda e serviços úteis para o
dia a dia. O processo legislativo ordinário tem pouco apelo público, assim como
baixa noticiabilidade. Isso também explica a baixa divulgação desses aspectos
pela mídia.
107 Detalhes de correlação entre as variáveis serão possíveis após as regressões que ainda estão em
andamento. Sendo esta, portanto, uma versão preliminar do artigo.
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
335
Abrangência dos conteúdos dos posts
Para detalhar mais os aspectos do conteúdo, dividimos os posts entre aqueles
que abordavam os diferentes assuntos sob uma perspectiva nacional, regional
ou internacional. Percebe-se, pelo quadro 7, que a quase totalidade dos posts
de todos os partidos têm conteúdo nacional. Ou seja, por reunirem as bancadas
dos diferentes estados e terem como público potencial todos os usuários brasileiros do Facebook, os partidos chamam atenção para os temas nacionais, em
busca de consolidar uma imagem positiva mais geral na sociedade brasileira.
Provavelmente, seus temas regionais devem ser divulgados de forma setorizada,
para veículos de imprensa escrita e eletrônica nos estados, que pautam a atuação
parlamentar em âmbito local ou regional, ao contrário da mídia nacional, cujo
foco está naquilo que acontece em Brasília.
Um ponto interessante a ser observado, contudo, é o foco do Solidariedade e do
PCdoB no debate ideológico de temas relacionados à política externa. Enquanto
o PCdoB traz a discussão de temas internacionais em 4,4% dos seus posts (especialmente a crise econômica e as críticas ao modo de organização capitalista
das economias contemporâneas), o Solidariedade faz, em grande parte, críticas
à condução da política externa pelo governo Dilma em 2,1% de suas postagens.
Quadro 7
Foco do conteúdo dos posts
FOCO
Nacional
Regional
Internacional
DEM
100,0
0,0
0,0
MINORIA
98,1
0,0
1,9
PCdoB
95,6
0,0
4,4
PRB
100
0
0
PROS
98,8
0,0
1,2
PPS
95,2
4,0
0,8
PSB
95,1
4,9
0
PSD
99,4
0,6
0
PSDB
98,7
1,3
0
PSOL
96,5
2,9
0,6
PT
98,5
1,5
0
SOLIDARIEDADE
95,2
2,7
2,1
Elaboração dos autores.
Passando agora propriamente aos conteúdos de cada post, percebe-se, pelo
quadro 8, que o tema mais tratado é economia, com oito partidos (PT, PSDB,
PSB, PRB, Minoria, PCdoB, DEM e Solidariedade) que dedicam entre 10% e
43% de seus posts a isso, muito provavelmente em razão da crise econômica
vivida pelo Brasil desde 2015. Em seguida, aparece o item Misto (quando há
mais de um assunto no post ou noticiário geral do partido), que ganha prioridade
nos perfis de PROS (41,5%), PSD (23,4%), PCdoB (17%), PSB (14,6%), DEM
(14,3%) e PSOL (11,6%).
336
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Com menos partidos, apenas cinco (PT, PSDB, PRB, Minoria e PPS), mas
não com menos importância está o tema política geral.108 Esse tópico chega
a ocupar 86,8% dos posts do PSDB e 54,4% do PT, justamente por causa da
crise política, sendo enfatizado também pelas lideranças da Minoria (59,3%)
e do PPS (65,9%). O PCdoB (19,3%) e o Solidariedade (44,7%), por sua vez,
abordam a crise mais como um conflito entre partidos, fazendo acusações aos
partidos de oposição (PCdoB) ou às legendas que compõem a base do governo
(Solidariedade). Já o PSOL dedica 39,9% dos seus posts à corrupção, tema
importante dentro da crise política, mas com foco exclusivo no escândalo envolvendo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
O tema social é o próximo tópico com mais posts, com destaque para o PT
(17,6%), PSB (17,1%), PSOL (13,9%) e DEM (14,3%), sendo este o único
partido de direita a se dedicar um pouco mais ao tema. Nessa categoria estão os
posts sobre políticas sociais, assistência social, previdência, trabalho e outros.
Em seguida vem o tema Soft, que inclui mensagens de ânimo ou autoajuda, com
destaque para o PSD (22,2%) e PRB (17,4%). No caso do PSD chama atenção,
de fato, o uso pessoalizado da página do partido no Facebook, com mensagens
sobre o humor do dia que o partido apresentaria. Presume-se que a estratégia de
“personalizar” a sigla faça parte de alguma estratégia de aproximação dos usuários ou parta de uma iniciativa individual da pessoa responsável pelas postagens
da legenda. Nesse caso, observa-se que há uma falta de entendimento do partido
como uma entidade política, pelo menos no tocante ao uso dessa rede social.
O único partido a dedicar uma parcela razoável de posts à educação é o PCdoB
(10,4%), enquanto o tema da saúde é abordado com maior ênfase pelo PSB
(12,2%) e a segurança aparece com mais força nas postagens do PROS (12,2%).
108 No item “Política Geral” foram agrupadas as postagens que tratam da crise política, relacionadas
à discussão sobre o sistema político brasileiro, e da situação política mais geral do país, enquanto
a categoria “Política interna do partido” inclui as postagens que tratam de questões partidárias
organizativas ou estruturais. Já o item “Conflito entre partidos” agrupa os posts mais diretamente
relacionados à disputa entre as legendas e ao ataque das demais agremiações.
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
337
Quadro 8
Assunto tratado nos posts
ASSUNTO
Agricultura
Conflitos entre partidos
Corrupção
Cultura
Direito do consumidor
Direito e Justiça
Economia
Educação
Esportes
Infra-estrutura
Internacional
Meio ambiente
Misto
Política geral
Política interna do partido
Recrutamento
Saúde
Segurança
Social
Soft
Tecnologia
DEM
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
42,9
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
14,3
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
14,3
0,0
0,0
MINORIA PCdoB
0
0,0
0
19,3
0
0,0
0
4,4
0
0,0
0
0,0
37,0
10,4
0,0
10,4
0,0
0,0
0,0
4,4
0,0
3,0
0,0
0,0
0,0
17,0
59,3
7,4
0,0
3,7
0,0
0,0
0,0
5,2
0,0
5,9
3,7
8,1
0,0
0,7
0,0
0,0
PRB
0
0
0
0
17,4
0,0
13,0
4,3
0,0
8,7
0,0
0,0
4,3
13,0
4,3
4,3
8,7
0,0
4,3
17,4
0,0
PROS
0,0
0,0
1,2
0,0
0,0
0,0
8,5
7,3
0,0
7,3
0,0
0,0
41,5
6,1
1,2
0,0
8,5
12,2
3,7
2,4
0,0
PPS
0,8
0,0
0,0
0,0
0,0
7,1
7,1
1,6
2,4
2,4
0,0
2,4
0,0
65,9
0,8
0,0
7,1
0,0
0,8
0,0
1,6
PSB
0,0
0,0
4,9
0,0
0,0
2,4
17,1
4,9
0,0
7,3
0,0
0,0
14,6
2,4
4,9
0,0
12,2
2,4
17,1
4,9
4,9
PSD
4,4
0,0
0,6
0,6
3,2
1,3
2,5
1,9
5,1
6,3
0,6
7,0
23,4
1,3
0,0
0,0
6,3
3,8
9,5
22,2
0,0
PSDB
0
0
0
0
0
0
10,5
0
0
0
0
0
0
86,8
1,3
0
0
0
1,3
0
0
PSOL
0,0
3,5
39,9
0,6
0,0
0,0
2,3
7,5
0,0
2,3
0,0
1,2
11,6
4,0
6,9
0,0
0,6
4,0
13,9
0,0
1,7
PT
0
0
0
0
0
7,4
13,2
1,5
1,5
0,0
0,0
0,0
0,0
54,4
0,0
0,0
1,5
1,5
17,6
0,0
1,5
SOLIDARIEDADE
1,6
44,7
1,1
0,0
0,0
0,0
21,8
0,5
0,0
0,5
0,0
1,6
5,9
1,6
2,1
0,0
4,3
1,6
6,4
6,4
0,0
Elaboração dos autores.
Obviamente nem todos os posts apresentam alguma posição crítica ou de apoio
em relação ao governo, mas, considerando aqueles que o fazem, o quadro 9
mostra que as posições são radicalmente polarizadas. Ou são praticamente 100%
contra (PSDB, PSB, PRB, Minoria, PSOL, DEM e PPS), ou 100% a favor (PT,
PSD, PCdoB). Curiosamente, o PROS aparece como o único partido com um
exato equilíbrio entre as posições, com 50% para cada. Num balanço quantitativo, temos então o dobro de partidos com páginas que postam contra o governo.
A confrontação política é predominante nos seguintes temas: política governamental e partidária, corrupção e economia. A confrontação reflete-se, portanto,
em duas estratégias: enquanto a oposição ataca o PT e o governo, o PT dedica-se
a divulgar material favorável à defesa do próprio partido e do governo. PSOL,
apesar de atacar o governo, pouco se refere ao partido da presidenta, o PT. Por
sua vez, o PCdoB também participa da defesa do governo, sem muito se referir
aos demais partidos da coalizão. A política representada por esse enquadramento
nos perfis partidários no Facebook limita-se, portanto, ao jogo político marcado
pela disputa e confrontação. O principal objetivo é marcar e demarcar posição,
segundo a lógica de disputa eleitoral e a tradicional divisão parlamentares entre
base do governo e oposição.
338
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Quadro 9
Posição dos posts em relação ao governo
POSIÇÃO EM RELAÇÃO AO GOVERNO
A favor
Contra
PT
100
0
PCdoB
97,9
2,1
PSD
97,5
2,5
PROS
50
50
PSOL
5,6
94,4
DEM
0
100
MINORIA
0
100
PPS
0
100
PRB
0
100
PSB
0
100
PSDB
0
100
SOLIDARIEDADE
0
100
Elaboração dos autores.
Para verificar a inserção ou não das minorias no conteúdo dos posts, fizemos a
tipologia descrita no quadro 10. A maioria dos partidos simplesmente não traz
nenhum deles, com exceção de PSOL e PCdoB, com baixas parcelas de quase
todos. O DEM se destaca por um número maior de posts com atores vindos de
movimentos sociais, especialmente tratando da convocação dessas lideranças
sociais para os protestos contra o governo. A conclusão é de que as minorias não
são o público-alvo da maior parte dos posts das lideranças.
Quadro 10
Tipos de atores sociais presentes nos posts
ATORES
Lideranças étnicas
Lideranças femininas
Lideranças juvenis
Movimentos de gênero
Movimentos sociais
Sindicatos
Não se aplica
DEM
0
0
0
0
28,6
0
71,4
MINORIA PCdoB
0
4,4
0
6,7
0
1,5
0
0,7
0
1,5
0
0,0
100
85,2
PRB
0
0
0
0
0
0
100
PROS
0
0
0
0
0
0
100
PPS
0
0
0
0
0,8
0,8
98,4
PSB
0
0
0
2,4
2,4
0
95,1
PSD
0
0
0
0
0
0
100
PSDB
0
0
0
0
0
0
100
PSOL
9,2
0,6
1,2
6,9
6,9
0,0
75,1
PT
0
0
0
0
0
0
100
SOLIDARIEDADE
0
1,1
1,1
0,0
2,1
0,0
95,7
Elaboração dos autores.
Potencial Interativo
Para sabermos como é a reação aos posts, fizemos uma tipologia para os
comentários que, como veremos mais abaixo, são bastante escassos na maioria
dos perfis. Três partidos, contudo, foram exceções a essa regra, apresentando um
número considerável de comentários: PCdoB (411), PSOL (476) e Solidariedade
(1237). Nesses casos, a análise dos comentários foi feita a partir de uma amostra,
considerando a totalidade deles quando menores ou iguais a dez, e levando em
conta 10% deles quando em quantidades maiores. Os comentários analisados
foram coletados aleatoriamente da totalidade de cada post.
Analisando o quadro 11, destaca-se que 100% dos comentários do PT, da
Minoria e do PPS são de concordância, ou seja, é a própria militância da le-
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
339
genda que frequenta a página, o que torna o diálogo naturalmente enviesado
para um lado. No caso do PSDB, a maioria dos comentários se divide em críticas
(51,3%) e em opinião do usuário (40,8%), este último quando não há claramente
concordância ou crítica, mas uma ponderação. Como a militância do PT parece
mais atuante, inclusive pelo que veremos adiante sobre o compartilhamento,
imagina-se que ela também frequente a página do PSDB com críticas, já o contrário não acontece. O único nível de crítica semelhante (46,7%) é apresentado
pelo PSB, partido que se destacou por ter alcançado o terceiro lugar nas eleições
presidenciais de 2014.
PSOL (41,4%), PCdoB (32%), PROS (99,5%), DEM (50%) e Solidariedade
(67,3%) – além do PSDB (40,8%) já citado acima – se destacam pelo alto percentual de opiniões do usuário, revelando um potencial de diálogo mais forte,
já que as pessoas se preocupam menos em defender um lado e mais em dizer o
que pensam. São três partidos de direita e dois de esquerda.
PRB (63,6%) e PSD (57,1%) evidenciam-se pelos comentários elogiosos, que
revelam um pouco mais do que a simples concordância. Nesses dois casos, parece que a construção de uma identidade pública para as siglas, suas lideranças
e os usuários pode estar sendo feita também por meio do Facebook, e não mais
pelos processos tradicionais de construção identitária nos partidos políticos.
A interação entre os próprios usuários acontece mais no perfil do PRB (22,7%),
o que talvez mostre uma maior identificação entre os usuários.109
Quase a totalidade dos comentários fica sem resposta, com exceção de raros
casos do PSOL, PCdoB e Solidariedade. Isso denota mais uma vez a não preocupação dos partidos com o diálogo típico de rede social (até porque os grandes
números de concordância e elogio não demandariam mesmo resposta; já as críticas e opiniões do usuário, sim). Tal diagnóstico reitera o uso das redes sociais
digitais como mídias táticas, conforme abordado anteriormente, e não como
canais efetivos de interação política e debate público.
109 Para confirmar essa possibilidade, contudo, precisaríamos realizar uma análise de conteúdo pormenorizada desses comentários, o que não será possível nos limites deste trabalho.
340
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Quadro 11
Tipos de comentários
COMENTÁRIOS
Concordância
Crítica
Elogio
Interação entre usuários
Opinião do partido/líderes
Opinião do usuário
Pergunta
Resposta do partido
Resposta do usuário
DEM
25
25
0,0
0,0
0,0
50,0
0,0
0,0
0,0
MINORIA
100
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
PCdoB
5,4
12,3
23,6
19,2
0,5
32,0
4,4
1,0
1,5
PRB
0
0
63,6
22,7
0,0
4,5
9,1
0,0
0,0
PROS
0,0
0,0
10,5
0,0
0,0
89,5
0,0
0,0
0,0
PPS
100
0
0
0
0
0
0
0
0
PSB
13,3
46,7
13,3
0,0
0,0
26,7
0,0
0,0
0,0
PSD
0
14,3
57,1
7,1
0,0
21,4
0,0
0,0
0,0
PSDB
7,9
51,3
0,0
0,0
0,0
40,8
0,0
0,0
0,0
PSOL
20,7
7,8
10,4
12,9
0,0
41,4
3,6
0,6
2,6
PT
100
0
0
0
0
0
0
0
0
SOLIDARIEDADE
11,5
4,0
2,3
11,7
0,0
67,3
2,3
0,0
0,9
Elaboração dos autores.
Chegando finalmente ao potencial de interação, há o quadro 12, com a média de
compartilhamentos, curtidas e comentários por post. Os partidos que se destacam
nessa categoria são PT, PSDB e PSOL. Analisando os dados dos partidos polarizados – PSDB e PT – reitera-se o que já foi falado sobre a militância ativa. A média de compartilhamentos por post do PT (682,9) é o dobro do PSDB (321,9), ou
seja, os apoiadores são mais preocupados em espalhar o conteúdo, a fim de mobilizar a militância. Já a média de curtidas por post é muito maior nas publicações do PSDB (40.698,3) do que nas do PT (387,9).
O perfil do PSDB está focado na guerra política contra o governo, com alto
apelo público e noticiabilidade, o que pode explicar sua alta média de curtidas.
O enquadramento de guerra incita as pessoas a se manifestarem e tomarem um
lado. A média de compartilhamentos de comentários também é muito maior do
que nos outros, muito provavelmente pelo mesmo motivo. Entretanto, percebemos que os comentários são majoritariamente de pessoas que concordam e
dão opiniões pessoais de forma mais alinhada ao post (92,1%). Somente 7,9%
criticam veementemente o conteúdo da postagem. Por isso, no perfil tucano,
o protagonismo não é dado à atuação da bancada geral (partido e liderança
+ parlamentares individuais somam 30,3%), mas obviamente ao Executivo
(59,2%), principal alvo dos posts.
No caso do PT, o fato de o número de compartilhamentos ser maior que o de
curtidas também parece ser um claro sinal de atuação da militância. O enquadramento de guerra, como do PSDB, também funciona para a mobilização militante. Se os partidos continuam dominando não apenas a política parlamentar, mas
também as campanhas eleitorais, faz todo o sentido encontrar a militância organizada para um uso estratégico do Facebook. Dessa forma, os perfis das lideranças são mais um espaço disponível para a disseminação de informações relevantes e para a produção de um discurso político que busca uma identidade coletiva.
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
341
Por seu turno, a alta média do PSOL, tanto nos compartilhamentos (4.948),
quantos nas curtidas (6.422), não parece ter a mesma explicação, uma vez que
o enquadramento da guerra não é usualmente o preferido no discurso do partido.
Apesar de também fazer a maioria dos posts com críticas ao Executivo, o partido
convoca os usuários a darem sua opinião sobre os temas abordados. Esse parece ser o motivo para o diferencial, em relação aos outros dois partidos, do
alto número de comentários por post (275,1), o segundo maior encontrado em
toda a pesquisa. No caso do PSOL, não apenas a média de comentários por
postagem é mais alta, mas o partido também é um dos que tem maior índice de
comentários do tipo “opinião do usuário”, “concordâncias”, “elogios” e “interação entre usuários”. Observando os posts do PSOL, do ponto de vista qualitativo, percebe-se uma postura mais dialógica, com vídeos que pretendem falar
diretamente ao cidadão e com a convocação do usuário para emitir sua opinião
sobre os temas abordados.
Quadro 12
Médias interativas (compartilhamentos, curtidas e comentários)
MÉDIA POR POST
COMPARTILHAMENTOS
CURTIDAS
COMENTÁRIOS
DEM
0,6
8,1
0,6
MINORIA
2,2
5,8
1,6
PCdoB
86,0
43,7
3,0
PRB
39,7
18,1
0,8
PROS
0,2
1,7
0,2
PPS
6,5
32,8
1,6
PSB
0,3
9,9
0,9
PSD
4,1
7,6
0,1
PSDB
321,9
40698,3
122,7
PSOL
4948,0
6422,0
275,1
PT
682,9
387,9
7,2
SOLIDARIEDADE
282,6
52,3
1237,0
Elaboração dos autores.
O Solidariedade chama atenção por apresentar a maior média de comentários
(1.237) por postagem, ainda que apresente um índice mediano de curtidas por
post (52,3) e tenha uma boa média de compartilhamentos (282,6). Em geral, os
posts com mais comentários recebidos eram extremamente críticos ao governo
de Dilma Rousseff e utilizavam de uma linguagem informal, alguns deles recorrendo ao humor e aos memes, tão caros ao público das redes sociais. Boa parte
desses comentários apresentava a interação entre os usuários, isto é, a possibilidade oferecida pelo Facebook de um usuário marcar seus amigos na publicação,
compartilhando com eles o conteúdo visto no perfil do partido.
PRB, PPS e PCdoB têm níveis medianos nos três quesitos de interação. PSB,
PSD, PROS e DEM são os que têm menor atividade, ainda que tenham todos
mais de 3 mil seguidores. Os dados apresentados pelo DEM talvez sejam explicados pelo baixo número de posts no período analisado (conforme quadro 3),
mas PSB, PSD e PROS têm todos pelo menos mais de uma publicação por dia.
No caso do PSD, como mostra o quadro 8, há muitos posts soft (22,2%), que
342
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
não demandariam muita ação. Mas também há no PSB e no PROS uma característica comum: os três investem muito em posts mistos (respectivamente 23,4%,
14,1% e 41,4%) em relação a outros temas. Mistos são os posts com vários assuntos misturados, geralmente noticiários gerais dos partidos, que as pessoas
precisam abrir o link para saber o que há. Esse tipo de conteúdo não é o mais
adequado ao perfil imediatista das redes sociais, já que as pessoas não podem
identificar a mensagem só de “bater o olho”, muito menos são instigadas a interagir com elas. Ainda nesse caso também observamos que as curtidas, poucas,
em geral são das mesmas pessoas, que são, em muitos casos, funcionários das
próprias lideranças.
Finalmente, analisando o quadro 13, quanto ao uso de recursos de multimídia,
percebe-se, como esperado, que o material mais usado em todos os partidos
contém texto e foto, seguido por texto e vídeo. No caso do PROS, a totalidade
dos posts segue o padrão “foto com texto”. Em todos os perfis, contudo, quase
não há posts com apenas texto ou foto, pois juntos é que facilitam o entendimento do cidadão com apenas um olhar. Com exceção dos perfis do PCdoB
e do Solidariedade, que ainda investem muito em texto desprovido de outros
recursos (respectivamente 23,7% e 23,4%). O áudio ainda é uma mídia pouco
usada, talvez por ter menos apelo midiático, quando comparado com o poder
da imagem e da força da cultura televisiva entre os usuários das mídias sociais.
Quadro 13
Uso de multimídia
MULTIMÍDIA
Apenas foto
Apenas texto
Texto e áudio
Texto e foto
Texto e vídeo
DEM
0,0
0,0
0,0
71,4
28,6
MINORIA
0,0
0,0
0,0
88,9
11,1
PCdoB
3,0
23,7
5,9
41,5
25,9
PRB
4,3
0,0
0,0
91,3
4,3
PROS
0,0
0,0
0,0
100,0
0,0
PPS
0,0
19,8
1,6
57,9
20,6
PSB
0
2,4
0,0
92,7
4,9
PSD
0,6
1,3
7,6
67,1
23,4
PSDB
1,3
2,6
2,6
71,1
22,4
PSOL
1,7
23,7
0,0
41,6
32,9
PT
1,5
2,9
1,5
69,1
25,0
SOLIDARIEDADE
3,2
23,4
0,0
62,8
10,6
Elaboração dos autores.
Análise multivariada
Por último, foram feitas regressões logísticas buscando identificar correlações
entre atributos dos diversos posts e sua repercussão em termos de compartilhamentos, curtidas e comentários. Adotaram-se como variáveis independentes,
sucessivamente, o assunto, a linguagem, o conteúdo e a presença ou a ausência
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
343
de recursos de multimídia no conteúdo. Os resultados foram não significativos
para todas as regressões, o que é contra intuitivo à expectativa de que o assunto,
por exemplo, seja um grande influenciador da repercussão das postagens. Por
outro lado, a questão do que repercute e do que não repercute em redes sociais
ainda é uma questão em aberto. O fenômeno da viralização, por exemplo, ainda
é estudado de forma apenas aproximativa.
Ademais, considera-se que o nível de granularidade em que os dados foram tratados não contribuiu para os resultados, sendo, porém, impróprio um tratamento
simples de aglutinação dos posts. A seguir, há a regressão respectiva a cada uma
das variáveis independentes analisadas.
Regressão do assunto
Regressão da linguagem
344
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Regressão do conteúdo
Regressão do multimídia
Conforme mostram os dados, o adj r squared110 apresenta valores muito baixos em
todas as regressões. Desse modo, não é possível atribuir a variação nos compartilhamentos, curtidas e comentários a nenhuma das variáveis que tentamos isolar.
Conclusões
De maneira geral, em todos os perfis analisados há predomínio da lógica da
política de visibilidade, com o propósito de usar o perfil do Facebook para
110 Adjusted R-Squared (R-quadrado ajustado) fornece a porcentagem de variação explicada pelas
variáveis independentes que afetam a variável dependente.
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
345
divulgar informações seletivas sobre o mundo da política, de acordo com os
enquadramentos alinhados aos interesses do partido. Apesar de ser comum à
comunicação política a busca por visibilidade das ações e discursos dos atores
políticos, a redução do uso das redes sociais nesse aspecto é um bom motivo
para questionamento das estratégias das lideranças no Facebook.
Os perfis do PSDB e do PT, mais fortemente, revelam uma intensa polarização
política. Diante desse cenário dicotômico, o objetivo da divulgação se enquadra
em duas possibilidades: atacar ou defender o governo. O caso do PSOL é menos
óbvio, uma vez que, apesar da maioria dos posts da legenda conterem críticas
ao governo, o tom usado não é o mesmo do restante da oposição. Além disso,
a convocação do usuário para expor sua opinião é mais intensa, não revelando
a mesma postura de “torcida organizada” presente nos perfis de PSDB e PT.
Nessa perspectiva, o foco da política de visibilidade e de divulgação dos perfis
das lideranças são os próprios partidos e os demais atores políticos e agentes
governamentais que fazem interlocução com a arena partidária e a esfera
parlamentar. Trata-se, portanto, de um circuito restrito de interlocução política,
e não de um sistema amplo e aberto de debate com usuários da ferramenta ou
com a própria sociedade brasileira. Por essa razão, os demais atores sociais são
quase totalmente excluídos desse limitado diálogo político, com algumas poucas
exceções, como mostram os perfis do Solidariedade e do PSOL, com uma quantidade expressiva de comentários e de compartilhamentos.
No levantamento de dados, mapeou-se os possíveis atores sociais envolvidos
no debate. As conclusões mostram que, em geral, não há interesse dos partidos
em envolver atores da sociedade civil no debate político protagonizado pelos
perfis das lideranças no Facebook. Isso mostra que o foco das lideranças são as
dinâmicas internas das lutas políticas e dos embates entre os próprios partidos,
no âmbito da esfera legislativa, o que limita o potencial de interação das redes
sociais. Isso faz sentido ao se levar em conta as finalidades das lideranças enquanto órgãos de organização interna da ação coletiva dos parlamentares dentro
da Casa Legislativa. Contudo, acreditamos que um uso estratégico das redes
sociais permitiria ultrapassar o diálogo com os atores institucionais e incluir a
sociedade no debate político das questões discutidas no parlamento.
De qualquer forma, parece que os perfis das lideranças não propõem a consecução dos objetivos citados por Gomes para as ferramentas de democracia
346
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
digital e que consistiriam no fortalecimento da capacidade concorrencial da
cidadania, no reforço da sociedade de direitos e no aumento da diversidade
dos agentes, agências e agendas na esfera pública (2011, p.28-30). Ainda que
permitam alguma forma de accountability, centrada na disseminação das informações sobre ações e opiniões das lideranças, esses perfis não ampliam a
capacidade participativa da sociedade civil na decisão política.
Por ficarem restritos à conversa entre os atores parlamentares, os perfis são
praticamente monotemáticos, com foco no jogo político polarizado entre oposição e situação, com ênfase para os enquadramentos de conflito, disputa política e controvérsias. Dessa perspectiva, não há diferenciação em relação à
cobertura midiática convencional. Inclusive, o compartilhamento de material
produzido pela mídia convencional é uma estratégia comum a todos os perfis.
O elenco temático é dominado pelas categorias política geral e economia. Os
demais temas da agenda que fogem ao escopo central de disputas e lutas políticas
aparecem com menor frequência nas postagens. Saúde, educação, segurança e
meio ambiente figuram em patamares pouco expressivos.
Outra constatação da pesquisa que reforça essa perspectiva, portanto, é que os
conteúdos publicados pelos perfis das lideranças são prioritariamente matérias
jornalísticas propagadas por veículos convencionais de mídia ou materiais informativos produzidos pela própria equipe de comunicação dos partidos. Assim,
os perfis das lideranças se resumem a uma amplificação e disseminação desses
conteúdos, os quais são divulgados de modo seletivo, segundo os interesses de
cada liderança. Entre as lideranças que divulgam conteúdo próprio, destacam-se
PSD, PSB, PCdoB e PROS, talvez por não terem grande espaço nas mídias convencionais para se posicionarem. Já PSDB e PT, que também possuem equipe
própria, usam a imprensa convencional como argumento de autoridade, para dar
mais credibilidade e legitimidade a suas opiniões, que são reproduzidas pelos
veículos tradicionais, diferentemente da maior parte dos outros partidos.
Quanto à interatividade, os dados mostram que não existe a função de mediação
pelos agentes que gerenciam os perfis das lideranças. A preocupação é apenas
publicar os conteúdos previamente selecionados, sem prioridade para responder
os comentários dos cidadãos. De todos os partidos analisados, apenas PSOL e
PCdoB demonstraram alguma preocupação em responder os questionamentos
de usuários por intermédio do Facebook. Por essa razão, o que predomina é
a interação entre os próprios cidadãos, sem a participação das lideranças no
Faces partidárias na esfera virtual: a atuação política das
lideranças da Câmara dos Deputados no Facebook
347
debate. O papel das lideranças se resume a oferecer os inputs, com a postagem
dos conteúdos selecionados. Esses inputs servem de estímulo para os cidadãos
continuarem a discussão política, a partir do tema e do enquadramento oferecido
pela liderança.
Ainda do ponto de vista da interação entre os próprios cidadãos, os dados mostram que existe uma adesão irrestrita a cada perspectiva política dominante nos
perfis analisados, quase uma lógica de fidelidade ideológica. Assim, o que se
observa é uma lógica paroquial de adesão política dos cidadãos aos perfis das
lideranças. Isso significa que aqueles internautas que são a favor do governo,
aderem de forma entusiasmada e radical, curtindo, compartilhando e oferecendo
comentários favoráveis diante dos conteúdos divulgados. Exemplares desse
comportamento são os perfis de PT e PCdoB. O mesmo ocorre com os partidários da oposição, cuja adesão também é irrestrita e radical, quase com a “repetição de mantras” contrários ao governo e ao PT, o que se verifica nas páginas
de PSDB e Solidariedade. O que alimenta essa adesão, em ambos os casos, são
argumentos de reiteração, caracterizados pela repetição e a redundância discursiva, com um repertório limitado de clichês, estereótipos e chavões políticos.
No caso dos partidários do governo, predominam as operações de neutralização
discursiva das postagens que atacam e criticam o atual governo, enquanto os
partidos de oposição reproduzem as críticas e memes humorísticos repetidos à
exaustão no ambiente digital.
No cômputo geral dos perfis analisados, observa-se que no plano da interação
entre os cidadãos o elemento característico predominante é a opção “curtir”, em
segundo lugar está o “compartilhamento”. A alternativa “comentário” é utilizada
em menor escala. Trata-se, portanto, de uma configuração de interação passiva
ou semiativa, ou seja, basta clicar em curtir ou compartilhar. A interação ativa
propriamente dita, ou seja, o comentário, a expressão da opinião, a crítica ou as
perguntas, é menos utilizada, pois exige mais atenção, habilidades cognitivas e
o ato de escrever, além de demandar mais tempo do cidadão conectado.
Chama atenção ainda no levantamento de dados o poder de atração dos vídeos
como mecanismos incitantes para o incremento da interação. Certamente trata-se
da força que a cultura televisa exerce na cultura brasileira. Os dados mostram
que as postagens com vídeos apresentam maior audiência on-line dos usuários.
Quanto maior o número de vídeos publicados, maior o número de curtidas e de
compartilhamentos. Os tradicionais textos com foto ou apenas textos apresentam
348
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
índices menores de atratividade para a audiência on-line dos usuários. Apesar
disso, observa-se um predomínio dos recursos texto e foto nas postagens.
Obviamente, os dados podem e devem ser desdobrados em análises futuras.
Essa é uma tarefa ainda inconclusa, que não caberia no espaço de análise específico deste artigo.
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Mudança institucional e financiamento
político: o papel dos partidos nas
eleições de 2014
Wagner Pralon Mancuso
Rodrigo Rossi Horochovski
Neilor Fermino Camargo
Introdução
De 2014 para cá, pelo menos duas importantes alterações no modelo de financiamento de campanhas eleitorais no Brasil foram de iniciativa do Poder Judiciário:
a obrigatoriedade de identificação dos doadores originários e a proibição de
doações empresariais. Em ambos os casos, a mudança institucional é exógena,
vinda de fora do mundo da política. Seus efeitos diretos, porém, agem sobre os
atores que operam neste campo e que, ordinariamente, seriam os responsáveis
pela produção normativa mais geral. Trata-se, pois, de exemplo da declamada
judicialização da política pela qual, mediante a produção de dispositivos infralegais ou de judicial review, as cortes absorvem a função de legislar ou modificar
o legislado atinente à competição político-eleitoral, tendência que se teria incrementado a partir de 2002 (MARCHETTI, 2008).
A primeira alteração, trazida pela Resolução no 23.406/2014, do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), vigorou já nas eleições daquele ano e obrigou todos
os prestadores de contas das campanhas eleitorais a informarem os doadores
originários dos recursos que não constituíssem doações diretas. A medida nasceu
das pressões em torno da accountability do processo eleitoral, no sentido de sua
transparência, para evitar as denominadas “doações ocultas”. Havia suspeitas de
que os partidos escamoteavam o elo entre financiadores e candidatos111, já que
111 A medida e suas motivações foram objeto de ampla cobertura jornalística, em geral favorável,
pelos principais meios de comunicação do país, como, por exemplo, O Estado de S.Paulo (TSE
...), Folha de S.Paulo (TSE..., 2014), O Globo (CONFIRA..., 2014).
354
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
nos pleitos anteriores os prestadores de contas não tinham obrigação de especificar o caminho exato que o dinheiro percorria, não havendo como rastrear as
doações que tivessem um ou mais intermediários. Reportagem da Folha de S.
Paulo mostra, por exemplo, que, nas eleições de 2010, 72% do valor despendido
pelos 10 maiores doadores daquela campanha destinaram-se a partidos e comitês
financeiros (Principais financiadores optaram por doação oculta 2011).
A segunda mudança tem, por certo, implicações mais profundas para a estrutura
do modelo de financiamento eleitoral. Trata-se da proibição das doações empresariais às campanhas, determinada, em 2015, pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) na análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.650, requerida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tendo
como amici curiae diversas organizações da sociedade civil. A ação foi relatada
pelo ministro Luiz Fux, que, entre as justificativas para provê-la, argumentou
que o financiamento empresarial no Brasil atendia mais à ação estratégica de
grupos privados nas suas relações com agentes políticos do que a princípios
democráticos, como liberdade de expressão, pluralismo e isonomia, criando
condições muito desiguais de disputa e influência. Poucos dias depois da decisão
do STF, o Congresso Nacional tentou reinstituir as doações empresariais, pelo
menos para partidos políticos, no ordenamento jurídico nacional, no âmbito de
uma “minirreforma política”. Sob forte pressão de sua base, a então presidenta
Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.165/2015, mas vetou o dispositivo que
permitia a volta do financiamento eleitoral empresarial. O Congresso não foi
capaz de derrubar este veto.
Neste capítulo, do ponto de vista empírico, nos debruçamos especificamente
sobre a primeira mudança institucional, que já produziu efeitos sobre as eleições gerais de 2014. Interessa-nos particularmente suas implicações sobre os
partidos políticos, que vêm sendo os principais intermediadores de recursos de
campanha no Brasil – as 32 agremiações que participaram do referido pleito, por
meio de suas direções nacionais, estaduais/distritais e municipais, receberam e
repassaram valores que ultrapassam os dois bilhões de reais.
A mudança em tela deve acarretar efeitos importantes nas estratégias e no
comportamento dessas organizações, menos no sentido de perder centralidade
no financiamento eleitoral e mais no de serem forçadas a ser mais transparentes,
o que, no fim das contas, permite à sociedade compreender melhor o peso do
financiamento empresarial. É nesse sentido que se apresenta a possibilidade de
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
355
analisar os partidos e suas ações enquanto elementos centrais do financiamento
eleitoral no país. Nesse ponto, uma explicação é necessária. Partidos não geram
recursos per se, de modo que praticamente a integralidade de seu caixa provém
de doações de pessoas jurídicas, pessoas físicas e do fundo partidário – respectivamente, do mercado, da sociedade civil e do estado. Assim, toda doação
partidária é um repasse dentro do complexo fluxo de transações financeiras em
uma campanha eleitoral. O que almejamos é descrever e analisar este fluxo.
Nosso principal objetivo é, portanto, identificar as fontes e o destino dos recursos
que os partidos políticos repassaram nas eleições gerais de 2014, à luz das coerções institucionais engendradas pela obrigatoriedade de se declarar suas origens primitivas. Para a operacionalização do estudo, o passo inicial foi efetuar
o download das prestações de contas disponibilizadas pelo TSE em seu Repositório de Dados Eleitorais, dispostas em 81 arquivos correspondentes às planilhas de três diferentes tipos de prestadores de contas (candidatos, comitês financeiros e partidos) em cada uma das 27 unidades da federação. O gerenciador
de banco de dados PostgreSQL permitiu reunir todos os dados em uma planilha
única, com as quase 450 mil doações então declaradas. O objeto específico deste
texto são as 38.912 receitas tipificadas nas planilhas como recursos de partidos
políticos, i.e., doações feitas por estes organismos para os diferentes agentes que
participaram da competição eleitoral em 2014 – candidatos, comitês e partidos.
O texto está dividido em quatro partes, além desta introdução. A primeira apresenta aspectos institucionais do financiamento de campanhas políticas no Brasil
e discute questões teórico-metodológicas relacionadas ao estudo deste fenômeno. Desse modo, a seção situa o debate sobre o tema, descreve seu arcabouço
normativo, reflete sobre a influência da regulação no comportamento dos atores
e mostra como um campo próprio de investigação acadêmica se constituiu em
torno dessas questões.
As duas seções seguintes relatam os resultados empíricos, começando pela exposição das origens das receitas objetos de transações pelos partidos políticos
em 2014, sob dois enfoques: I) o da concentração de recursos, ou seja, a parcela
de cada tipo de fonte originária (fundo partidário, pessoa jurídica e pessoa física)
apropriada pelas diferentes agremiações; e, II) o da dependência de recursos, isto
é, a importância relativa de cada fonte originária no montante total de dinheiro
angariado pelas siglas. Com isso, é possível saber quais são os partidos que mais
recebem de cada fonte e de que forma se compõem suas arrecadações.
356
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
A seção posterior aborda o destino dos recursos. Trata-se, portanto, de verificar
para quem os partidos distribuem o dinheiro que arrecadam, a partir de dois
focos principais: I) o fluxo intra e interpartidário – ou seja, o quanto os partidos
repassam para si ou para outras siglas; e, II) o fluxo entre os diferentes níveis
de direção partidária – sobretudo entre as direções nacionais e estaduais/distritais. Isso viabiliza divisar semelhanças e diferenças no modo como os partidos
alocam os valores que intermedeiam.
Por fim, na conclusão, apresentamos uma síntese analítica dos principais achados
do capítulo e conjecturamos sobre possíveis efeitos da segunda mudança institucional tratada acima (a proibição do financiamento eleitoral empresarial)
no comportamento dos partidos políticos, o que descortina uma nova agenda
de pesquisa sobre o comportamento das agremiações partidárias diante dos
constrangimentos institucionais que enfrentam.
Aspectos conceituais e institucionais do financiamento
eleitoral no Brasil
O tema do financiamento político, notadamente dos partidos e das eleições, vem
obtendo progressivo destaque, mormente nas duas últimas décadas. Nas arenas
política e midiática, sua visibilidade aumenta conforme propagam-se escândalos
de corrupção decorrentes das relações que grupos de interesses privados estabelecem com agentes políticos em função da produção de normas e de políticas
públicas, assim como da alocação de recursos estatais. No campo acadêmico,
o assunto também desperta a atenção de um número cada vez maior de pesquisadores, sobretudo na ciência política (MANCUSO, 2015). As razões para isso
são tanto de ordem operacional quanto substantiva.
Do ponto de vista operacional, o recente desenvolvimento exponencial da informática possibilitou o armazenamento e, principalmente, a ampla divulgação
de dados eleitorais dos mais diversos, incluindo os relativos a resultados de
eleições, perfis de candidatos e partidos e, o que é mais importante aqui, receitas e despesas de campanha. À medida que tal divulgação passa a compor o
quadro legal-normativo da política, algo usual em democracias razoavelmente
consolidadas, basta dispor dos meios técnicos para que qualquer cidadão, jornalista, militante, pesquisador, etc. possa obter os dados mencionados. O Brasil
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
357
é um exemplo bem-sucedido disso e o órgão que gerencia as eleições no país, o
TSE, divulga dados completos de receitas e despesas de campanha desde 2002,
por meio de seu portal na internet.112
São as razões de ordem substantiva que demandam, contudo, um debate mais
acurado, particularmente em face da decisiva influência do dinheiro nos resultados eleitorais nos mais diferentes países, em todos os continentes. Vale ressaltar que se trata de uma agenda internacional e que a relação entre dinheiro e
política vem sendo discutida e demonstrada em várias pesquisas sobre o tema,
podendo-se citar, entre diversos trabalhos de qualidade, o relatório “Funding
of political parties and election campaigns: a handbook on political finance”,
publicado pelo International Institute for Democracy and Electoral Assistance
– International IDEA (FALGUERA et al., 2014). Logo, é possível postular que
o poder econômico traz repercussões decisivas para a distribuição de pessoas
nas posições de governo, para o processo decisório e para a própria construção
e execução de políticas públicas.
As implicações para a qualidade da democracia são evidentes, daí derivando
uma questão central: a quem os agentes políticos eleitos são mais accountable
e responsivos? Ao conjunto de eleitores formalmente dotados do igual direito de
escolher quem os governa e os rumos da política estatal ou aos grupos de interesses financiadores, geralmente empresas, organizações que não são cidadãos
que portam direitos políticos?
A questão acima é especialmente delicada onde o arcabouço institucional do
financiamento político gera condições de forte assimetria entre os competidores,
com a prevalência dos interesses de grupos organizados. Não se trata de um
problema tipicamente brasileiro, já que outros países, onde o princípio da liberdade econômica sobressai sobre o princípio da igualdade de condições entre os
competidores no debate normativo do financiamento político, também sofrem
os efeitos da força do poder econômico em seus processos eleitorais – nessa
direção, análises sobre os EUA podem ser encontradas em Fortier e Malbin
(2013) e Tokaji e Strause (2014), autores que descrevem o sistema de financiamento eleitoral naquele país e suas repercussões na agenda legislativa.
112 Consultar http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais.
358
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O Brasil historicamente construiu uma trajetória institucional em que a desigualdade de condições de financiamento e disputa é muito intensa, com claros
efeitos nas estratégias e ações dos participantes do jogo eleitoral. Faz-se necessário, então, descrever minimamente o desenho institucional do financiamento
de campanha, em especial o que vigorou em 2014.
O primeiro aspecto a se ter em conta são as possíveis trajetórias do dinheiro.
Quanto à origem, a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) estipulou uma mescla
de financiamento público – por meio do fundo partidário, composto por recursos orçamentários da União – e privado, com amplo predomínio deste (tabela 1).
No pleito investigado, a principal fonte de recursos privados foram as pessoas
jurídicas, seguidas de forma distante pelas pessoas físicas e pelos recursos próprios dos candidatos. Além dessas origens principais, a legislação previu outras
possibilidades: doações pela internet, rendimentos de aplicações financeiras e
comercialização de bens e realização de eventos. Outra rubrica possível, ainda,
são os recursos de origens não identificadas. Todavia, essas quatro últimas fontes foram de importância ínfima em 2014, não havendo ganhos no aprofundamento de seu estudo. Quando se observam os possíveis destinos dos recursos de
campanha, há três tipos de receptores: candidatos, partidos e comitês financeiros.
Tabela 1
Composição do financiamento eleitoral no Brasil na eleição de 2014, segundo
principais fontes de recursos (em R$)
Tipo de doador
R$
%
PESSOAS JURÍDICAS
3.050.308.391,24
73,6%
PESSOAS FÍSICAS
556.860.093,90
13,4%
RECURSOS PRÓPRIOS
377.006.656,10
9,1%
FUNDO PARTIDÁRIO
159.731.231,71
3,9%
TOTAL
4.143.906.372,95
100,0%
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Nesse ponto, vale a pena discorrer brevemente sobre uma liberalidade que caracteriza o financiamento eleitoral no Brasil, especialmente até 2014. Do lado das
fontes dos recursos, dentro de certos limites de que trataremos a seguir, os financiadores podem destinar suas doações a quem desejarem, incluindo candidatos, partidos e comitês de coligações diferentes e mesmo rivais. Os receptores
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
359
podem, por seu turno, empregar os valores que recebem não apenas para fazer
frente às suas despesas de campanha, mas também para efetuar doações, na
verdade repasses, a quaisquer outras candidaturas, partidos ou comitês, também
dentro ou fora de seu partido/coligação.
A liberalidade do modelo ajuda a explicar, em parte, o tamanho do fenômeno,
em outros termos, a quantidade de dinheiro que compõe o financiamento eleitoral no Brasil e como se chega a tal montante, o segundo aspecto a ser observado. A tabela 1 mostra que nas eleições de 2014, os doadores privados aportaram pouco mais de 4,1 bilhões de reais, com amplo predomínio das pessoas
jurídicas, em conjunto responsáveis por quase três quartos do montante total. Na
outra ponta, as pessoas físicas pouco contribuíram para o volume de doações –
sua parcela era de apenas 13,4%. Pode-se, então, afirmar que antes de 2015 o
financiamento eleitoral no país era tipicamente empresarial.
Para se entender como se chega a esses valores, é preciso considerar outra liberalidade estabelecida pelo arcabouço institucional brasileiro, que são os limites
proporcionais à capacidade econômica dos potenciais doadores. Nas eleições
de 2014, conforme os arts. 23 e 81 da Lei nº 9.504/1997, as pessoas físicas
puderam doar até 10% de seus rendimentos declarados no Imposto de Renda do
ano anterior. Enquanto no caso das pessoas jurídicas, este limite perfazia 2% de
seu faturamento bruto, também no ano anterior. Os candidatos, partidos políticos e comitês financeiros podiam empregar todos os seus recursos disponíveis
na campanha, dentro dos limites de gastos previamente informados à justiça
eleitoral, de acordo com o disposto no art. 18 do diploma legal em apreço.
O resultado da ausência de limites fixos e predeterminados produz a desigualdade intensa na capacidade dos atores de doar e angariar recursos, mencionada
anteriormente. A título de exemplo, basta comparar uma empresa, cujo faturamento anual importe dez bilhões de reais e que pode, portanto, doar até duzentos
milhões de reais, com quase todos os cidadãos comuns, para quem 10% dos rendimentos anuais são insignificantes diante dessa quantia. O quadro é agudizado na
medida em que os limites são estipulados para o faturamento de cada CNPJ, não
havendo impedimento que um grupo corporativo formado por várias empresas
tenha multiplicada sua capacidade de financiar a política, por meio de doações
de suas subsidiárias.
360
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Acontece que instituições importam e exercem coerções sobre as preferências
e decisões dos atores que participam de qualquer processo político e em seu
resultado. Em outros termos, o comportamento dos atores políticos só pode ser
compreendido no contexto das instituições, aqui entendidas como o conjunto
de regras e procedimentos que presidem esses processos (IMMERGUT, 2007).
Da mesma forma, câmbios institucionais – alterações nas referidas regras –
provocam reações dos atores, no sentido da readequação de suas estratégias
visando à maximização dos recursos de que dispõem nas disputas em que se
colocam (TSEBELIS, 1998). Não é diferente com o financiamento eleitoral e
o instrumental teórico-metodológico do institucionalismo de escolha racional
pode orientar a investigação do tema.
A primeira das alterações normativas a que nos referimos neste trabalho, a identificação obrigatória dos doadores originários, encaixa-se no que Mahoney e
Thelen (2009) denominam mudanças institucionais graduais, pelas quais transformações incrementais podem produzir efeitos importantes sobre o comportamento dos atores. Mais especificamente, é uma mudança gradual por acúmulo
(MAHONEY; THELEN 2009, p. 17), pelas quais regras novas são inseridas por
cima ou ao lado de regras existentes, não envolvendo a introdução de regras ou
instituições totalmente inéditas, mas sim emendas, revisões e adições às regras
existentes. Exemplo nesse sentido é o estudo de Clève (2016) sobre como participantes das eleições de 2014, sejam doadores, sejam receptores de recursos de
campanha, moldaram suas condutas aos constrangimentos institucionais trazidos
pela Resolução nº 23.406/2014, aqui analisada. Conforme a autora, os partidos
mantiveram-se como agentes centrais na intermediação de recursos, o que relativiza a força do argumento de que a ausência de identificação dos doadores
originários servia para, basicamente, ocultar a origem e/ou o destino do dinheiro
transacionado. Tiveram, todavia, de ser mais transparentes no exercício deste
papel.
A proibição das doações empresariais, por sua vez, pode ser entendida como uma
mudança radical, pela qual alterações drásticas nas regras do jogo praticamente
criam uma nova institucionalidade, obrigando os atores a uma reorientação
muito expressiva de suas ações para conseguirem continuar a perseguir suas
preferências. Eleições vindouras mostrarão os efeitos da medida no comportamento dos atores, incluindo os partidos políticos.
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
361
Em suma, os participantes das campanhas, sejam eles financiadores, sejam partidos ou candidatos, especialmente os mais bem informados e competitivos,
têm o desenho institucional descrito acima em mente quando desenvolvem,
executam e, eventualmente, reelaboram seus planos de ação, os quais geram
efeitos dos mais diversos na disputa eleitoral. A análise desses efeitos produziu
um extenso conjunto de pesquisas sobre financiamento eleitoral no Brasil.
De acordo com Mancuso (2015), as pesquisas distribuem-se em três vertentes.
A primeira mensura a influência do dinheiro sobre os resultados eleitorais, em
outros termos, como se dá a conversão do investimento em votos e mandatos,
podendo-se citar, como exemplos, os estudos de Samuels (2001), Figueiredo
Filho (2009), Peixoto (2010), Lemos, Marcelino e Pederiva (2010), Cervi (2010)
e Mancuso e Speck (2012). Uma segunda abordagem – representada, entre outros, por Bandeira de Mello e Marcon (2005), Araújo (2008), Rocha (2011),
Mezzarana (2011), Santos (2011), Boas; Hidalgo e Richardson (2014) – perscruta as relações entre financiamento de campanhas e benefícios para os doadores. A terceira discussão volta-se às determinações do investimento eleitoral,
notadamente em termos de atributos de candidatos e partidos, e inclui pesquisadores como Samuels (2002), Bandeira de Melo, Marcon e Alberton (2008),
Santos (2009), Sacchet e Speck (2011).
A despeito da qualidade das pesquisas sobre o tema, Mancuso (2015) aponta a
existência de uma lacuna importante, que é o estudo mais específico do papel
dos órgãos partidários no financiamento eleitoral no Brasil, em face das dificuldades que os pesquisadores tinham para identificar com precisão o caminho
do dinheiro que passa por essas organizações. Esforços mais recentes neste
sentido podem ser encontrados em Horochovski et al. (2015; 2016), com uso
da metodologia de análise de redes.
A superação do desafio de identificar o percurso do dinheiro começa a tornar-se
viável com a exigência de identificação dos doadores originários. Em trabalho
anterior, apresentamos o fluxo de doações empresariais intermediadas ou não
pelos partidos nas eleições presidenciais de 2014, com ênfase na identificação dos setores econômicos dos doadores (MANCUSO; HOROCHOVSKI;
CAMARGO, 2016). Na próxima seção, trazemos resultados da continuidade da
investigação, agora para os partidos políticos.
362
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
A origem dos recursos oficiais recebidos pelos partidos
políticos brasileiros na eleição de 2014
Nas eleições de 2014, os partidos políticos – por meio de suas direções nacionais,
estaduais/distritais e municipais – receberam um montante de 2,056 bilhões de
reais das mais diversas origens. Como mencionamos anteriormente, naquele
pleito os prestadores de contas foram obrigados a identificar os doadores originários das receitas oriundas de partidos e de outros candidatos e comitês, em
face da Resolução no 23.406/2014, do TSE. Em função da referida exigência
normativa, conseguimos apurar, a partir das planilhas de prestação de contas
do repositório de dados eleitorais do TSE, a origem de praticamente todas as
doações indiretas repassadas pelas agremiações partidárias.113 O anexo 1 mostra
como essas doações se distribuem segundo sua fonte original declarada.
As pessoas jurídicas exercem nítida centralidade no financiamento eleitoral intermediado pelos partidos, com 87,1% do montante total. Num distante segundo
lugar, encontram-se os recursos oriundos do fundo partidário, com 7,8%. As
pessoas físicas respondem por apenas 1,8% dos recursos destinados aos partidos. Outras fontes declaradas, como direções partidárias e outros candidatos
e comitês, a rigor não são doadores originários, já que seus recursos não são
próprios, advêm de outras fontes, tratando-se, provavelmente, de erros no preenchimento da prestação de contas. No entanto a soma das duas origens não chega
a um por cento.
Desse modo, nossas análises recaem sobre as três primeiras fontes, em relação
às quais investigamos o grau de concentração e dependência de cada partido.
Por concentração, entendemos a proporção que cada partido detém de cada uma
das três fontes principais nas eleições de 2014. Por dependência, entendemos a
proporção de cada uma das três fontes principais no montante que os partidos
arrecadaram naquele ano.
No que se refere à concentração, três grandes partidos – Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB) e Partido dos Trabalhadores (PT) – juntos, arrecadam praticamente 60%
113 Do total de recursos, 2,4%, ou 48,9 milhões de reais, não puderam ter sua origem identificada,
provavelmente por equívocos de alguns prestadores de contas de campanha. O valor é pouco
expressivo em relação aos mais de dois bilhões de reais que compõem o nosso objeto.
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
363
das doações empresariais (figura 1). Não por acaso, trata-se das agremiações
com melhor desempenho eleitoral, seja em votos, seja em mandatos, dada a
proeminência do dinheiro empresarial no financiamento da política no Brasil.
Com percentuais entre três e seis por cento, encontram-se diversos partidos
médios. Vale destacar ainda o baixo ou mesmo nulo financiamento empresarial
de pequenos partidos de esquerda, sendo que dois deles, Partido Comunista
Brasileiro (PCB) e Partido da Causa Operária (PCO), não contam com nenhum
recurso desta origem.
Figura 1
Gráfico de concentração de recursos oriundos de doações de pessoas jurídicas
recebidos pelos partidos políticos em 2014 (%)
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Quando se observa a distribuição de recursos oriundos do Fundo Partidário e
empregados nas disputas eleitorais, os resultados são bastante distintos (figura
2). Nesse caso, partidos médios se mesclam com agremiações maiores nas primeiras posições do ranking, o que reflete a distribuição desse fundo em função
de resultados eleitorais prévios – o PT é a grande exceção, pois apesar de ser um
partido grande, parece não ter direcionado recursos desta fonte para financiar
suas campanhas em 2014.
364
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Os pequenos partidos também se agrupam com os menores percentuais. Todavia,
diferentemente do que acontece com os recursos empresariais, não encontramos
apenas siglas à esquerda no espectro ideológico. Com efeito, há partidos mais
à direita, ainda que de pequeno porte, entre os que menos concentram recursos
do fundo partidário.
Figura 2
Gráfico de concentração de recursos oriundos do Fundo Partidário recebidos pelos
partidos políticos em 2014 (%)
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
No caso das doações de pessoas físicas, os três maiores partidos voltam a ocupar
as primeiras posições na concentração de recursos (figura 3). No entanto, vale
destacar a presença de pequenos partidos de esquerda, como PCB e Partido
Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) em posições superiores ou médias. A despeito da cautela necessária nesta análise, em função do baixo volume relativo de dinheiro doado pelas pessoas físicas aos partidos, é possível vislumbrar aqui um padrão pelo qual o financiamento eleitoral por esses doadores
possui um caráter mais ideológico.
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
365
Figura 3
Gráfico de concentração de recursos oriundos de doações de pessoas físicas recebidos
pelos partidos políticos em 2014 (%)
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Por sua vez, no que concerne à dependência dos partidos em relação às fontes
de seus recursos, mais de três quartos das siglas dependem majoritariamente
de doações empresariais e praticamente metade tem pelo menos 80% de seus
recursos vindos dessa origem, incluindo aí todos os partidos mais competitivos
do Brasil (figura 4). Esse resultado reforça a centralidade que os agentes empresariais tinham no financiamento de campanha até a eleição em apreço.
366
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Figura 4
Gráfico de dependência de recursos oriundos de doações de pessoas jurídicas
recebidos pelos partidos políticos em 2014 (%)
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Na análise em curso, destaca-se o PT, que nos seus primeiros anos contava quase que integralmente com a sustentação de sua militância de base, Meneguello
(1989) inventaria e interpreta o período. Em 2014, o partido apresentou mais de
95% de dependência em relação ao financiamento empresarial de campanha,
sendo a segunda agremiação no ranking, atrás somente do Solidariedade (SD).
A dependência em relação às pessoas jurídicas é forte mesmo entre pequenos
partidos de centro e de direita. Apenas pequenos partidos de esquerda se afastam deste padrão.
O gráfico de dependência de doações de pessoas jurídicas contrasta com o
gráfico relativo ao fundo partidário, e o complementa (figura 5), a despeito das
diferenças expressivas nos volumes de uma e outra origem. Em 2014, partidos
mais dependentes desta fonte formada por recursos públicos tenderam, em geral,
serem menos dependentes daquela, constituída de capital privado.
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
367
Figura 5
Gráfico de dependência de recursos oriundos do Fundo Partidário recebidos pelos
partidos políticos em 2014 (%)
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Finalizam esta seção os resultados concernentes às pessoas físicas (figura 6).
Apenas um partido, o PSTU, é majoritariamente dependente das doações desses
indivíduos. Pode-se destacar, também, a relevante proporção desses recursos no
PCB, outro pequeno partido de esquerda.114 Entre outros partidos em que esta
fonte é importante, independentemente de sua posição no espectro ideológico,
não se encontram partidos grandes e competitivos. Estes, por seu turno, apresentam dependência ínfima do dinheiro de pessoas físicas.
114 A soma da dependência das três fontes (pessoas jurídicas, pessoas físicas e fundo partidário) deveria aproximar-se a 100%. Tal não ocorre no caso desses dois partidos, possivelmente em função
de problemas nas prestações de contas. De fato, não pode ser identificada a fonte de parcela considerável dos recursos dessas agremiações, respectivamente 49% e 33%.
368
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Figura 6
Gráfico de dependência de recursos oriundos de pessoas físicas recebidos pelos
partidos políticos em 2014 (%)
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Todavia, dado que a contribuição financeira do cidadão comum é diminuta em
relação a outras origens, especialmente as pessoas jurídicas, contar com este recurso praticamente não trazia qualquer vantagem aos partidos enquanto vigeu o
financiamento empresarial legal. No entanto, como vimos acima, este foi proibido em 2015. Resta saber o impacto nas estratégias e ações dos partidos. De
um lado, o fundo partidário experimentou robusto crescimento nos últimos anos.
Outra novidade que as eleições a partir de 2016 podem trazer é um novo papel,
mais destacado, para as pessoas físicas no financiamento da política e, em consequência, na própria vida partidária. Voltaremos a esse ponto nas considerações finais.
A distribuição de recursos oficiais pelos partidos políticos
brasileiros na eleição de 2014
Até aqui, focalizamos os órgãos partidários como recebedores de recursos eleitorais oficiais, procedentes de diversas fontes, sobretudo de empresas privadas,
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
369
mas também do Fundo Partidário e de pessoas físicas. A partir de agora os focalizaremos como distribuidores dos recursos oficiais recebidos. Os órgãos partidários que distribuíram recursos nas eleições de 2014 foram diretórios nacionais,
estaduais/distritais115 e municipais, responsáveis, respectivamente, por 52,1%,
47,5% e 0,4% do total de repasses. Como a proporção de repasses realizados
pelos diretórios municipais é comparativamente muito pequena, esta seção se
deterá apenas sobre os repasses operados pelos diretórios nacionais e estaduais.
O anexo 2 revela a distribuição de recursos realizada pelos diretórios nacionais
dos 32 partidos políticos que disputaram as eleições brasileiras de 2014.
Em primeiro lugar, o anexo 2 mostra que, no geral, nada menos que 97,1% das
receitas distribuídas pelos diretórios nacionais têm por destino candidaturas,
comitês e órgãos de direção de seus próprios partidos. Os diretórios nacionais
com menor proporção de repasses intrapartidários são os do Partido Humanista
da Solidariedade (PHS), do Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), e do Partido
Republicano da Ordem Social (PROS). Mesmo assim, esses três diretórios
atingem, respectivamente, elevados patamares de 67,5%, 68,9% e 78% em repasses internos às próprias agremiações.
Em segundo lugar, o anexo aponta que a notável maioria dos diretórios nacionais opta, predominantemente, por realizar repasses intrapartidários de
cima para baixo, isto é, por investir nas disputas da própria sigla em nível
estadual. No total, 78,1% dos recursos distribuídos pelos órgãos nacionais de
direção partidária destinam-se a agentes do mesmo partido situados nos estados. Compreensivelmente, as principais exceções ficam por conta de seis partidos pequenos que concentram os recursos escassos de seus órgãos diretores
nacionais nas candidaturas a presidente que decidiram lançar: PCB (100% das
receitas para a candidatura de Mauro Iasi), Partido Social Democrata Cristão
– PSDC (91,3% para a candidatura de Eymael), PSTU (89,8% para a candidatura de José Maria), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB (75,7%
para a candidatura de Levy Fidélix), Partido Verde – PV (75,5% para a candidatura de Eduardo Jorge) e, por fim, Partido Socialismo e Liberdade – PSOL
(71,7% para a candidatura de Luciana Genro).
115 Nesta seção, as menções ao nível estadual incluem o Distrito Federal (DF).
370
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Em outras palavras, os recursos oficiais obtidos pelos órgãos partidários superiores junto ao estado (fundo partidário), ao mercado (empresas privadas)
e à sociedade (pessoas físicas) são utilizados precipuamente para financiar as
campanhas de seus correligionários, em parte no nível nacional (sobretudo
se houver candidatura presidencial), mas principalmente no nível estadual.
Então, se um partido decide coligar-se a outro em nível nacional, para apoiar
o candidato deste partido à Presidência da República, a contrapartida típica
nesse nível não parece ser o recebimento de recursos de campanha (pelo menos
de recursos oficiais), mas talvez a obtenção de outros tipos de benefício, tais
como projeção política para seus líderes (que comporão a chapa presidencial,
ou então aparecerão junto aos candidatos em eventos oficiais ou na propaganda
política) e acesso a recursos de poder em caso de vitória eleitoral (por exemplo,
cargos no governo federal). Investigações recentes conduzidas pelo Ministério
Público e pela Polícia Federal mostram que não se pode excluir a hipótese de
que um fluxo de recursos ilícitos e não declarados entre agentes partidários
também fomente a formação de coligações.116 Estes fatos não devem ser ignorados, mas são de difícil escrutínio para o analista, pois pertencem ao mundo
subterrâneo da política.
Poucos recursos dos diretórios nacionais são repassados de forma interpartidária,
ou seja, para candidaturas, comitês e órgãos partidários de outras agremiações
políticas, em nível nacional ou estadual (apenas 2,9% do total). Quando isso
ocorre, predominam as transferências para siglas coligadas com o partido financiador. É o que mostram abaixo as tabelas 2 e 3.
Tabela 2
Transferência interpartidária de recursos pelos diretórios nacionais para agentes de
nível nacional na eleição de 2014, por pertença à coligação nacional (em R$)
O recebedor integra a coligação nacional do doador?
Total
Partido
Sim
$
Não
%
$
%
$
%
PP
300.000,00
54,5
250.000,00
45,5
550.000,00
100,0
PT
950.000,00
100,0
-
0,0
950.000,00
100,0
116 Veja-se, por exemplo, a delação de Joesley Batista, da JBS, sobre a compra do apoio político de
partidos coligados em 2014 (CERTEZA de vitória: JBS comprou partidos das coligações de Dilma
e Aécio em 2014, 2017).
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
371
O recebedor integra a coligação nacional do doador?
Total
Partido
Sim
Não
$
%
$
%
$
%
PMDB
9.600.000,00
100,0
-
0,0
9.600.000,00
100,0
DEM
5.290.000,00
100,0
-
0,0
5.290.000,00
100,0
PHS
-
0,0
250.000,00
100,0
250.000,00
100,0
PSDB
618.500,00
100,0
-
0,0
618.500,00
100,0
PT do B
184.250,00
100,0
-
0,0
184.250,00
100,0
TOTAL
16.942.750,00
97,1
500.000,00
2,9
17.442.750,00
100,0
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
A tabela 2 indica que 97,1% das receitas transferidas lateralmente por diretórios
nacionais para agentes nacionais de outras agremiações destinam-se a coligados na eleição presidencial. A maior parte desses repasses procede de dois
partidos importantes: PMDB (que financiou a coligação vitoriosa encabeçada
por Dilma Rousseff, do PT, e a integrou com Michel Temer, como candidato a
vice-presidente) e o Democratas – DEM (que integrou e financiou a coligação
liderada por Aécio Neves, do PSDB). Vale a pena observar que o fluxo predominante de recursos nesse nível foi do partido coadjuvante para o partido que
detinha a cabeça de chapa, e não o contrário.
Tabela 3
Transferência interpartidária de recursos pelos diretórios nacionais para agentes de
nível estadual na eleição de 2014, por pertença à coligação estadual (em R$)
O recebedor integra coligação estadual com o doador?
Total
Partido
Sim
Não
$
%
$
%
$
%
PP
200.000,00
44,4
250.000,00
55,6
450.000,00
100,0
PT
3.896,00
3,8
97.500,00
96,2
101.396,00
100,0
PTB
2.500,00
100,0
0,0
2.500,00
100,0
PMDB
5.000.000,00
100,0
,0
5.001.100,00
100,0
PSL
30.000,00
100,0
0,0
30.000,00
100,0
PCB
150,00
100,0
0,0
150,00
100,0
1.100,00
372
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
O recebedor integra coligação estadual com o doador?
Total
Partido
Sim
$
Não
%
$
%
$
%
PSC
0,0
118.000,00
100,0
118.000,00
100,0
PR
0,0
400.000,00
100,0
400.000,00
100,0
75.000,00
3,1
2.445.000,00
100,0
DEM
2.370.000,00
96,9
PMN
173.800,00
100,0
0,0
173.800,00
100,0
PSB
200.000,00
100,0
0,0
200.000,00
100,0
PSDB
2.716.054,41
66,8
1.348.880,00
33,2
4.064.934,41
100,0
0,0
3.225,00
100,0
3.225,00
100,0
0,0
184.250,00
100,0
PEN
PT do B
184.250,00
100,0
PROS
110.000,00
11,8
825.000,00
88,2
935.000,00
100,0
TOTAL
10.990.650,41
77,9
3.118.705,00
22,1
14.109.355,41
100,0
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Por sua vez, a tabela 3 mostra que 77,9% dos recursos repassados de cima
para baixo por diretórios nacionais para agentes estaduais de outras siglas
canalizam-se para partidos coligados em eleições para governador, senador,
deputado federal ou estadual. Destacam-se aqui novamente o PMDB e o DEM,
junto agora com o PSDB, três partidos importantes que compuseram diversas
coligações eleitorais em praticamente todas as unidades da federação brasileiras
e que, em algumas delas, ajudaram a financiar seus aliados. O estudo mais detalhado dos contextos estaduais – algo que foge ao escopo deste capítulo – é
necessário para compreender os critérios de escolha dos agentes contemplados
pelos diretórios nacionais e para explicar por que uma parcela, ainda que baixa,
dos recursos dos diretórios nacionais vai para candidaturas, comitês e partidos
com os quais não estão coligados em âmbito estadual.
O quadro observado acima não muda muito quando focalizamos a transferência de recursos operada pelos diretórios estaduais nas últimas eleições gerais.
Os dados apresentados no anexo 3 permitem essa constatação.
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
373
Também no nível estadual, a grande maioria das transferências (85,9%) ocorre
no interior das fronteiras dos partidos. Novamente as principais exceções ficam
por conta de partidos pequenos: o PROS e o Partido Trabalhista Nacional (PTN),
cujos diretórios estaduais destinaram respectivamente apenas 23,6% e 41,3% de
seus recursos para correligionários. Dentre os partidos de maior porte, aqueles
que apresentam taxas relativamente menores de transferências intrapartidárias
– mas ainda assim, muito significativas – são o Partido Progressista (PP), com
74,7%, e o PMDB, com 78,1%.
Nada menos que 82,7% dos recursos distribuídos pelos diretórios estaduais
consistem em repasses laterais intrapartidários internos, ou seja, repasses para
agentes do mesmo partido, no mesmo estado. É ínfimo o volume de transferências laterais intrapartidárias externas ou interestaduais (apenas 0,6% do total).
Também é muito pequena a proporção de transferências intrapartidárias feitas
de baixo para cima, destinadas a candidaturas, comitês ou diretórios de âmbito
nacional (2,6% do total). Os dois partidos que se destacam neste caso são justamente aqueles cujos candidatos foram ao segundo turno da eleição presidencial:
os diretórios estaduais do PT e do PSDB repassaram, respectivamente, 16,6%
(cerca de 16,4 milhões de reais) e 4,6% (cerca de 7,1 milhões de reais) de seus
recursos para o nível nacional.
Em síntese, os dados discutidos nos parágrafos anteriores mostram que o financiamento de campanhas próprias – sobretudo realizadas neste mesmo nível
– também predomina amplamente no caso dos diretórios partidários estaduais.
Deste modo, mais uma vez o repasse de financiamento oficial de campanha
para agentes de outros partidos, em troca da formação de coligações eleitorais, não parece ser o procedimento dominante. É antes a exceção que a regra.
Sendo assim, é possível especular que, também em nível estadual uma sigla se
coliga com outra e apoia o candidato desta agremiação para a chefia do poder
executivo porque espera, em caso de vitória da chapa, ter acesso a recursos de
poder comandados pelo governador. Quando a coligação se estende às eleições proporcionais, a ideia é ampliar o número de cadeiras conquistadas pelo
agrupamento partidário e, assim, facilitar que os candidatos mais competitivos
de cada agremiação coligada efetivamente ocupem um espaço no parlamento.
Fluxos de recursos ilícitos podem viabilizar a formação de coligações deste
nível, mas o estudo desses fluxos é aqui igualmente difícil.
374
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
A tabela 4 focaliza a transferência interpartidária de recursos operada pelos
diretórios estaduais dos partidos brasileiros nas eleições de 2014. Destaca-se aqui,
exclusivamente, a transferência interpartidária no âmbito da própria unidade da
federação, pois praticamente inexistem repasses interpartidários interestaduais ou
para o nível nacional, tornando desnecessária uma análise detalhada desses casos.
Tabela 4
Transferência interpartidária de recursos pelos diretórios estaduais para agentes de
nível estadual na eleição de 2014, por pertença à coligação estadual (em R$)
O recebedor integra coligação estadual com o doador?
Total
Sim
Partido
Não
$
%
$
%
$
%
PRB
100.000,00
100,0
42,50
,0
100.042,50
100,0
PP
9.546.174,94
83,8
1.852.082,10
16,2
11.398.257,04
100,0
PDT
–
0,0
1.915,00
100,0
1.915,00
100,0
PT
1.165.230,47
99,6
4.221,33
,4
1.169.451,80
100,0
PTB
974.500,00
43,4
1.269.300,00
56,6
2.243.800,00
100,0
PMDB
51.723.567,69
83,7
10.090.140,20
16,3
61.813.707,89
100,0
PSTU
10.927,39
100,0
–
0,0
10.927,39
100,0
PSL
25.000,00
44,8
30.769,30
55,2
55.769,30
100,0
PCO
2.939.524,35
97,4
80.000,00
2,6
3.019.524,35
100,0
PSC
537.693,01
99,1
4.988,00
,9
542.681,01
100,0
PR
2.229.935,10
65,4
1.180.269,50
34,6
3.410.204,60
100,0
PPS
255.940,00
100,0
–
0,0
255.940,00
100,0
DEM
1.416.130,00
75,6
457.500,00
24,4
1.873.630,00
100,0
PRTB
30.370,10
100,0
–
0,0
30.370,10
100,0
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
375
O recebedor integra coligação estadual com o doador?
Total
Sim
Partido
Não
$
%
$
%
$
%
PHS
102.554,56
52,5
92.890,00
47,5
195.444,56
100,0
PMN
391.190,27
100,0
–
0,0
391.190,27
100,0
PTC
3.020,00
100,0
–
0,0
3.020,00
100,0
PSB
5.984.527,13
81,0
1.399.925,23
19,0
7.384.452,36
100,0
PV
82.754,68
71,4
33.083,00
28,6
115.837,68
100,0
PSDB
4.975.639,94
61,1
3.161.791,30
38,9
8.137.431,24
100,0
PSOL
2.000,00
100,0
–
0,0
2.000,00
100,0
PEN
23.689,30
10,8
195.206,41
89,2
218.895,71
100,0
PSD
5.522.510,00
93,6
374.814,00
6,4
5.897.324,00
100,0
PC do B
–
0,0
40.000,00
100,0
40.000,00
100,0
PT do B
46.337,90
100,0
–
0,0
46.337,90
100,0
SD
701.858,60
98,6
10.292,00
1,4
712.150,60
100,0
PROS
27.585.400,00
98,5
425.815,00
1,5
28.011.215,00
100,0
TOTAL
116.376.475,43
84,9
20.705.044,87
15,1
137.081.520,30
100,0
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Novamente fica claro que os repasses interpartidários, além de escassos (somam
14% do total de transferências), destinam-se preponderantemente a agremiações
coligadas ao partido financiador. De fato, a tabela 4 mostra que 84,9% das transferências interpartidárias realizadas no interior do mesmo estado vão para siglas
coligadas nos pleitos para governador, senador, deputado federal ou deputado
estadual. Os partidos que mais financiam coligados, em valores absolutos, são
376
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
o PMDB e o PROS, seguidos pelo PP, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB),
pelo Partido Social Democrático (PSD) e pelo PSDB. Trata-se de partidos importantes que integram diversas coligações nos mais diferentes estados. Mais
uma vez será necessário descer às particularidades estaduais para se entender
por que o repasse interpartidário ocorre em alguns casos, mas não em outros,
e por que alguns diretórios decidem financiar candidaturas, comitês e partidos
que, formalmente, são seus adversários no plano eleitoral.
Conclusão
Os resultados empíricos relatados neste trabalho revelam que, pari passu uma
precisão cada vez maior na identificação dos doadores, a mudança institucional
que obrigou os prestadores de contas a declararem os doadores originários de repasses jogou luzes sobre o papel dos partidos políticos no financiamento eleitoral.
Do ponto de vista das origens dos recursos, a análise dos dados apresentados
trouxe três achados principais:
a)
O financiamento privado dos partidos políticos tem origem predominantemente empresarial. Embora bastante inferior, o fundo partidário fornece
montante razoavelmente expressivo. A contribuição de pessoas físicas é
residual.
b)
Os partidos maiores, vale dizer, são mais competitivos, concentram a
maior parte dos recursos empresariais e, em consequência, do financiamento eleitoral. Partidos médios concentram percentuais menores, porém
ainda significativos. Pequenos partidos de esquerda têm financiamento
empresarial baixo ou nulo. Quanto ao fundo partidário, a concentração
segue aproximadamente, como é de se esperar, o desempenho eleitoral
prévio das agremiações, com a importante exceção do PT. No que tange
à concentração de doações de pessoas físicas, os três maiores partidos
(PT, PSDB e PMDB) voltam a se destacar, todavia, pequenos partidos de
esquerda colocam-se em posições médias ou superiores, sugerindo que
o financiamento eleitoral por pessoas físicas apresenta um caráter mais
ideológico.
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
c)
377
Os maiores partidos, assim como os pequenos e médios partidos de direita,
apresentam maior dependência de doações de pessoas jurídicas. Pequenos
partidos de esquerda dependem mais de recursos de outras origens – Fundo
Partidário e de pessoas físicas.
Do ponto de vista do destino dos recursos transacionados pelos partidos políticos, as análises autorizam três conclusões:
a)
O destino dos recursos distribuídos pelos diretórios é predominantemente
intrapartidário, isto é, consiste majoritariamente em candidaturas, comitês
e diretórios pertencentes à mesma sigla.
b)
A maior parte dos recursos distribuídos pelos diretórios é canalizada para
disputas estaduais. Sendo assim, no caso dos diretórios nacionais, embora
certa parcela da receita permaneça neste nível, prevalecem os repasses de
cima para baixo, isto é, dirigidos para candidaturas, comitês e diretórios de
nível estadual. Já no caso dos diretórios estaduais, preponderam de forma
quase absoluta os repasses laterais internos, isto é, destinados a agentes que
estão situados no próprio estado. Os repasses laterais externos ou interestaduais, bem como os repasses de baixo para cima (ou seja, de diretórios
estaduais/distritais para agentes de nível nacional), são exceções.
c)
Relativamente escassos, os repasses interpartidários operados pelos
diretórios (ou seja, repasses destinados a candidaturas, comitês e diretórios
de outras siglas) vão predominantemente para agremiações que integram
coligações eleitorais com o partido financiador.
Em suma, a primeira mudança institucional analisada, provocada pelo Poder
Judiciário, joga luzes sobre o fenômeno investigado, evidenciando o papel central dos partidos no financiamento de campanhas no Brasil. Esta mudança institucional é gradual por acúmulo, para usar a tipologia de Mahoney e Thelen
(2009), de menor impacto se a comparamos com a segunda mudança, a qual
suscita uma série de dúvidas, a serem dirimidas após observação dos efeitos
advindos das eleições gerais de 2018.
A principal questão, para nossa agenda de estudos, são as implicações da proibição das doações empresariais de campanha nos papéis, nas estratégias e nas
ações dos partidos políticos, visto que, no modelo anterior a 2015, esta fonte era
378
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
predominante. Disso levanta-se um problema sociopolítico e acadêmico: como
essas dimensões se comportarão a partir de agora?
Por ora é possível apenas construir conjecturas, de onde poderemos derivar
hipóteses de trabalho. Em face da redução no volume de recursos disponíveis,
os partidos políticos inicialmente devem perder relevância nas interações entre
financiadores privados – doravante apenas pessoas físicas – e candidaturas e
comitês financeiros. Em tal quadro, tal como sói acontecer em todo jogo de
atores, os partidos tenderiam a promover conversões em suas estratégias, visando a manter seu posicionamento na correlação de forças.
Na tentativa de esquadrinhar as possibilidades mais plausíveis, podemos, por
exemplo, prognosticar que eles busquem novas formas de centralizar a arrecadação de recursos. Isso poderá ocorrer de diversas maneiras, porém duas podem
ser prognosticadas.
Uma primeira tendência seria a cartelização dos partidos (KATZ; MAIR, 2009),
com estes procurando aumentar a disponibilidade de recursos de origem estatal,
o que poderia colocar partidos de diferentes portes em lados opostos. Nessa direção, grandes partidos poderiam defender a concentração de recursos públicos
em si mesmos, sob os argumentos do combate à fragmentação partidária e do incremento da governabilidade, ao passo que pequenas siglas propugnariam maior
dispersão dos recursos estatais no sentido do fortalecimento do pluralismo e da
competição política.
A segunda tendência seria a retomada da busca pela sustentação militante (que
os referidos autores denominam party on the ground), em face dos ocupantes
de cargos públicos (party in public office) e da burocracia partidária (party in
central office), especialmente durante as campanhas. Possibilidade nesse sentido é o uso intensivo de novas tecnologias, como as doações pela internet, ou
mesmo, o que não é excludente, a aposta no trabalho de base, mais orientado
ideologicamente. De outro lado, como até o momento não houve alteração nos
limites de gastos de pessoas físicas, indivíduos mais ricos continuarão a ser um
alvo dos partidos mais próximos do tipo catch-all, tanto para financiá-los, quanto
para colocarem recursos próprios, aí na condição de candidatos.
Em suma, o programa de pesquisa estimulado pela mudança institucional em
exame tem como um de seus pontos fundamentais o monitoramento das estratégias partidárias a partir das posições relativas que as siglas terão nos fluxos
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
379
de financiamento. Isso poderá ser feito a partir da consolidação dos dados das
eleições municipais de 2016 e das eleições gerais de 2018, cotejando-os com os
dados das eleições correspondentes anteriores.
Referências
ARAÚJO, G. B. (2008). O deficit entre acordado e realizado no Mercosul.
Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo.
BANDEIRA DE MELLO, R.; MARCON, R.; ALBERTON, A. (2008).
Drivers of discretionary firm donations in Brazil. Brazilian Administration
Review, v. 5, n. 4, p. 275-288.
BOAS, T. C.; HIDALGO, F. D.; RICHARDSON, N. P. (2014). The spoils of
victory: campaign donations and government contracts in Brazil. The Journal
of Politics, v. 76, n. 2, p. 415-429.
BRASIL. Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nos
9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096, de 19 de setembro de 1995, e
4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), para reduzir os custos das
campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e
incentivar a participação feminina. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 29 set. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13165.htm>. Acesso em: 3
jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para
as eleições. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 1 out. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L9504.htm>. Acesso em: 11 dez. 2016.
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PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Anexos
Anexo 1
R$
%
R$
%
R$
%
PMDB
479.390.740,72
26,8
31.208.894,57
19,5
7.797.884,20
21,2
PSDB
311.080.025,33
17,4
4.618.505,00
2,9
7.879.288,74
21,4
PT
277.886.753,35
15,5
419.976,82
0,3
3.695.984,51
10,0
PSD
123.059.398,48
6,9
6.994.206,59
4,4
1.425.101,74
3,9
PP
108.069.419,33
6,0
19.710.872,56
12,3
1.027.337,00
2,8
PR
71.370.341,17
4,0
34.930.550,83
21,9
322,00
0,0
PSB
89.280.943,47
5,0
2.929.004,16
1,8
1.440.636,30
3,9
DEM
78.833.418,83
4,4
14.465.030,00
9,1
646.712,55
1,8
PTB
64.450.887,88
3,6
814.393,72
0,5
1.072.000,00
2,9
SD
55.134.744,96
3,1
971.093,52
0,6
480.838,00
1,3
PROS
Físicas
36.641.212,22
2,0
15.972,12
0,0
3.186.750,00
8,7
PCdoB
Pessoas
26.901.390,84
1,5
3.539.160,36
2,2
1.432.669,07
3,9
PV
Fundo
Partidário
9.191.699,30
0,5
12.779.604,01
8,0
773.401,21
2,1
PRB
Pessoas
Jurídicas
9.105.514,35
0,5
9.626.572,73
6,0
249.199,90
0,7
PDT
Partido
Origens dos recursos partidários (em R$)
5.418.229,05
0,3
5.029.858,37
3,1
445.512,14
1,2
R$
%
R$
%
R$
%
PSC
9.309.274,94
0,5
1.522.440,79
1,0
21.009,20
0,1
PTN
8.719.430,95
0,5
240.111,60
0,2
1.215.146,92
3,3
PPS
8.523.138,66
0,5
1.374.816,42
0,9
251.957,62
0,7
PMN
5.300.439,30
0,3
1.174.956,45
0,7
14.025,00
0,0
PSL
1.822.048,78
0,1
3.480.269,62
2,2
151.700,00
0,4
PEN
2.916.039,53
0,2
1.101.690,97
0,7
80.908,65
0,2
PCB
0,00
0,0
53.364,69
0,0
1.570.242,64
4,3
PRTB
2.657.217,70
0,1
284.505,16
0,2
76.746,00
0,2
PTdoB
881.666,29
0,0
823.734,26
0,5
787.231,60
2,1
PHS
1.839.300,37
0,1
7.727,90
0,0
116.160,00
0,3
PPL
1.808.138,76
0,1
22.629,31
0,0
18.677,00
0,1
PSOL
275.000,00
0,0
1.274.865,27
0,8
187.521,19
0,5
PRP
1.048.552,76
0,1
11.377,29
0,0
42.116,00
0,1
PSDC
Físicas
446.847,85
0,0
98.505,43
0,1
253.494,08
0,7
PSTU
Pessoas
9.500,00
0,0
83.833,70
0,1
445.574,12
1,2
PTC
Fundo
Partidário
369.860,00
0,0
90.172,57
0,1
26.109,50
0,1
PCO
Pessoas
Jurídicas
0,00
0,0
32.534,92
0,0
0,00
0,0
TOTAL
Partido
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
1.791.741.175,17
87,1
159.731.231,71
7,8
36.812.256,88
1,8
385
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Outros candidatos
Não
Partidos
Total
%
R$
%
R$
%
R$
%
619.181,52
21,3
408.171,99
2,6
6.675.430,67
13,6
525.692.131,68
25,6
425.059,91
14,6
2.245.910,39
14,1
5.279.231,86
10,8
329.282.110,84
16,0
PT
73.784,50
2,5
1.455.868,20
9,1
9.465.918,99
19,3
291.542.418,17
14,2
PSD
4.987,02
0,2
1.929.372,00
12,1
925.531,00
1,9
132.409.224,83
6,4
PP
4.159,68
0,1
1.159.336,84
7,3
2.456.220,31
5,0
131.268.008,88
6,4
PR
0,00
0,0
0,00
0,0
16.295,04
0,0
106.317.509,04
5,2
PSB
1.399,63
0,0
2.068.621,77
13,0
4.663.895,95
9,5
98.315.879,51
4,8
DEM
64.986,00
2,2
7.138,33
0,0
230.174,42
0,5
94.240.321,80
4,6
PTB
630.080,94
21,7
878.570,32
5,5
4.215.031,91
8,6
71.182.394,45
3,5
SD
3.336,00
0,1
44.225,00
0,3
906.197,10
1,9
57.496.209,58
2,8
PROS
22.905,98
0,8
258.090,90
1,6
769.586,98
1,6
40.636.427,30
2,0
PCdoB
396.149,36
13,6
1.333.800,00
8,4
3.941.740,58
8,0
36.211.110,21
1,8
PV
3.500,00
0,1
24.979,50
0,2
964.500,89
2,0
23.712.705,41
1,2
PRB
9.500,00
0,3
5.105,53
0,0
1.442.264,56
2,9
20.433.051,54
1,0
PDT
0,00
0,0
18.403,00
0,1
1.313.857,35
2,7
12.207.456,91
0,6
24.141,80
0,8
12.742,25
0,1
843.181,71
1,7
11.720.048,44
0,6
23.538,89
0,8
551.264,32
3,5
320.487,67
0,7
10.518.716,03
0,5
242.064,24
8,3
456.835,02
2,9
115.746,82
0,2
10.507.723,76
0,5
PSDB PMDB
R$
PSC
Identificável
PTN
E comitês
PPS
Partido
386
Outros candidatos
Não
Partidos
Total
%
R$
%
R$
%
R$
%
PMN
1.225,02
0,0
245.722,20
1,5
236.672,70
0,5
6.727.318,47
0,3
PSL
27.320,00
0,9
132.060,00
0,8
232.480,81
0,5
5.713.819,21
0,3
PEN
79,48
0,0
33.600,00
0,2
309.554,12
0,6
4.408.272,75
0,2
PCB
73.601,71
2,5
2.314.890,70
14,5
1.635.070,07
3,3
3.332.279,11
0,2
5.280,00
0,2
0,00
0,0
66.770,89
0,1
3.090.519,75
0,2
51.929,45
1,8
800,00
0,0
533.465,02
1,1
3.078.026,62
0,1
PHS
17.311,80
0,6
182.800,00
1,1
476.053,95
1,0
2.456.554,02
0,1
PPL
42.237,55
1,5
24.705,33
0,2
440.028,41
0,9
2.331.711,03
0,1
PSOL
0,00
0,0
16.500,00
0,1
47.452,68
0,1
1.784.839,14
0,1
PRP
11.377,29
0,4
0,00
0,0
81.359,91
0,2
1.194.783,25
0,1
PSDC
500,00
0,0
135.822,00
0,9
59.569,27
0,1
858.916,63
0,0
PSTU
0,00
0,0
0,00
0,0
276.934,83
0,6
815.842,65
0,0
125.234,00
4,3
0,00
0,0
22.990,01
0,0
634.366,08
0,0
0,00
0,0
0,00
0,0
4.171,37
0,0
36.706,29
0,0
2.904.871,77
0,1
15.945.335,59
0,8
48.967.867,85
2,4
PTdoB PRTB
R$
PTC
Identificável
PCO
E comitês
387
TOTAL
Partido
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
2.056.102.738,97 100,0
388
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Anexo 2
Transferência de recursos pelos diretórios nacionais na eleição de 2014 (em R$)
Intrapartidário
PARTIDO
Nacional
%
Estadual
%
Subtotal 1
%
PRB
3.806.015,10
26,6
10.517.840,73
73,4
14.323.855,83
100,0
PP
12.092.495,13
13,9
74.034.746,43
85,0
86.677.241,56
98,9
PDT
850.000,00
33,7
1.671.000,00
66,3
2.521.000,00
100,0
PT
22.045.000,00
11,4
170.539.360,47
88,1
193.534.360,47
99,5
PTB
129.500,00
1,5
8.661.757,50
98,5
8.791.257,50
100,0
PMDB
36.837.530,40
15,2
190.543.744,07
78,7
236.981.274,47
94,0
PSTU
87.164,70
89,8
9.860,00
10,2
97.024,70
100,0
PSL
1.777.990,00
50,2
1.736.208,85
49,0
3.514.198,85
99,2
PTN
-
0,0
5.928.255,10
100,0
5.928.255,10
100,0
PSC
2.043.700,00
30,0
4.661.014,19
68,3
6.704.714,19
98,3
PCB
53.364,69
100,0
-
0,0
53.364,69
100,0
PR
16.514.313,16
19,9
65.879.090,69
79,6
82.393.403,85
99,5
PPS
30.000,00
1,0
2.862.900,00
99,0
2.892.900,00
100,0
DEM
6.710.000,00
11,2
45.261.970,00
75,8
57.261.970,00
87,0
PSDC
200.767,27
91,3
19.075,50
8,7
219.842,77
100,0
PRTB
243.428,88
75,7
78.337,28
24,3
321.766,16
100,0
PCO
10.799,99
29,4
25.906,30
70,6
36.706,29
100,0
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
389
Intrapartidário
PARTIDO
Nacional
%
Estadual
%
Subtotal 1
%
PHS
136.000,00
17,7
383.170,00
49,8
769.170,00
67,5
PMN
422.242,30
15,5
2.120.685,77
78,1
2.542.928,07
93,6
PTC
-
0,0
33.812,56
100,0
33.812,56
100,0
PSB
18.726.510,58
35,9
33.297.635,22
63,8
52.024.145,80
99,6
PV
10.956.434,27
75,5
3.554.494,96
24,5
14.510.929,23
100,0
PRP
-
0,0
256.240,00
100,0
256.240,00
100,0
PSDB
63.944.949,83
36,9
104.556.614,98
60,4
169.120.064,81
97,3
PSOL
531.874,25
71,7
210.352,03
28,3
742.226,28
100,0
PEN
-
0,0
2.033.945,97
99,8
2.033.945,97
99,8
PPL
136.000,00
10,7
1.138.000,00
89,3
1.274.000,00
100,0
PSD
3.287.227,58
5,6
55.497.227,58
94,4
58.784.455,16
100,0
PC do B
1.660.014,00
8,7
17.359.216,00
91,3
19.019.230,00
100,0
PT do B
408.402,23
34,5
408.402,23
34,5
1.001.054,46
68,9
SD
-
0,0
29.730.009,00
100,0
29.730.009,00
100,0
PROS
-
0,0
3.310.000,00
78,0
3.310.000,00
78,0
TOTAL
203.641.724,36
19,0
836.320.873,41
78,1
1.057.405.347,77
97,1
390
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Interpartidário
PARTIDO
TOTAL
%
Nacional
%
Estadual
%
Subtotal 2
%
PRB
-
0,0
-
0,0
–
0,0
14.323.855,83
100,0
PP
550.000,00
0,6
450.000,00
0,5
1.000.000,00
1,1
87.127.241,56
100,0
PDT
-
0,0
-
0,0
–
0,0
2.521.000,00
100,0
PT
950.000,00
0,5
101.396,00
0,1
1.051.396,00
0,5
193.635.756,47
100,0
PTB
-
0,0
2.500,00
0,0
2.500,00
0,0
8.793.757,50
100,0
PMDB
9.600.000,00
4,0
5.001.100,00
2,1
14.601.100,00
6,0
241.982.374,47
100,0
PSTU
-
0,0
-
0,0
–
0,0
97.024,70
100,0
PSL
-
0,0
30.000,00
0,8
30.000,00
0,8
3.544.198,85
100,0
PTN
-
0,0
150,00
0,0
150,00
0,0
5.928.405,10
100,0
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
391
Interpartidário
PARTIDO
TOTAL
%
Nacional
%
Estadual
%
Subtotal 2
%
PSC
-
0,0
118.000,00
1,7
118.000,00
1,7
6.822.714,19
100,0
PCB
-
0,0
-
0,0
-
0,0
53.364,69
100,0
PR
-
0,0
400.000,00
0,5
400.000,00
0,5
82.793.403,85
100,0
PPS
-
0,0
-
0,0
–
0,0
2.892.900,00
100,0
DEM
5.290.000,00
8,9
2.445.000,00
4,1
7.735.000,00
13,0
59.706.970,00
100,0
PSDC
-
0,0
-
0,0
–
0,0
219.842,77
100,0
PRTB
-
0,0
-
0,0
–
0,0
321.766,16
100,0
PCO
-
0,0
-
0,0
–
0,0
36.706,29
100,0
392
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Interpartidário
PARTIDO
TOTAL
%
Nacional
%
Estadual
%
Subtotal 2
%
PHS
250.000,00
32,5
-
0,0
250.000,00
32,5
769.170,00
100,0
PMN
-
0,0
173.800,00
6,4
173.800,00
6,4
2.716.728,07
100,0
PTC
-
0,0
-
0,0
-
0,0
33.812,56
100,0
PSB
-
0,0
200.000,00
0,4
200.000,00
0,4
52.224.145,80
100,0
PV
-
0,0
-
0,0
-
0,0
14.510.929,23
100,0
PRP
-
0,0
-
0,0
-
0,0
256.240,00
100,0
PSDB
618.500,00
0,4
4.064.934,41
2,3
4.683.434,41
2,7
173.184.999,22
100,0
PSOL
-
0,0
-
0,0
-
0,0
742.226,28
100,0
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
393
Interpartidário
PARTIDO
TOTAL
%
Nacional
%
Estadual
%
Subtotal 2
%
PEN
-
0,0
3.225,00
0,2
3.225,00
0,2
2.037.170,97
100,0
PPL
-
0,0
-
0,0
-
0,0
1.274.000,00
100,0
PSD
-
0,0
-
0,0
-
0,0
58.784.455,16
100,0
PC do B
-
0,0
-
0,0
-
0,0
19.019.230,00
100,0
PT do B
184.250,00
15,5
184.250,00
15,5
368.500,00
31,1
1.185.304,46
100,0
SD
-
0,0
-
0,0
-
0,0
29.730.009,00
100,0
PROS
-
0,0
935.000,00
22,0
935.000,00
22,0
4.245.000,00
100,0
TOTAL
17.442.750,00
1,6
14.109.355,41
1,3
31.552.105,41
2,9
1.071.514.703,18
100,0
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores
394
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Anexo 3
Transferência de recursos pelos diretórios estaduais na eleição de 2014 (em R$)
Intrapartidário
Partido
Mesmo estado
%
Outro
estado
%
Nacional
%
Subtotal 1
%
PRB
3.752.753,74
94,9
100.000,00
2,5
-
0,0
3.852.753,74
97,5
PP
33.459.571,57
74,2
219.978,00
0,5
-
0,0
33.679.549,57
74,7
PDT
9.285.964,43
98,9
99.000,00
1,1
-
0,0
9.384.964,43
100,0
PT
81.218.069,25
82,1
110.716,50
0,1
16.448.359,55
16,6
97.777.145,30
98,8
PTB
57.429.714,24
91,5
3.122.486,00
5,0
-
0,0
60.552.200,24
96,4
PMDB
221.319.466,65
78,0
291.046,35
0,1
-
0,0
221.610.513,00
78,1
PSTU
697.183,78
97,7
-
0,0
5.353,47
0,8
702.537,25
98,5
PSL
2.186.411,06
97,3
4.000,00
0,2
-
0,0
2.190.411,06
97,5
PTN
2.126.050,90
41,3
-
0,0
-
0,0
2.126.050,90
41,3
PSC
4.065.811,49
81,8
-
0,0
360.000,00
7,2
4.425.811,49
89,1
PCB
16.295,04
100,0
-
0,0
-
0,0
16.295,04
100,0
PR
27.737.091,23
89,1
-
0,0
-
0,0
27.737.091,23
89,1
PPS
7.741.568,78
96,6
-
0,0
-
0,0
7.741.568,78
96,6
DEM
28.331.525,71
91,4
-
0,0
790.000,00
2,5
29.121.525,71
94,0
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
395
Intrapartidário
Partido
Mesmo estado
%
Outro
estado
%
Nacional
%
Subtotal 1
%
PSDC
303.901,24
100,0
-
0,0
-
0,0
303.901,24
100,0
PRTB
2.638.482,49
95,3
-
0,0
100.000,00
3,6
2.738.482,49
98,9
PCO
-
PHS
1.674.739,46
89,5
-
0,0
-
0,0
1.674.739,46
89,5
PMN
3.723.144,33
87,4
60.000,00
1,4
24.000,00
0,6
3.807.144,33
89,4
PTC
511.638,52
99,4
-
0,0
-
0,0
511.638,52
99,4
PSB
37.771.180,04
80,8
1.533.000,00
3,3
75.000,00
0,2
39.379.180,04
84,2
PV
8.281.946,67
98,6
-
0,0
-
0,0
8.281.946,67
98,6
PRP
936.802,25
100,0
-
0,0
-
0,0
936.802,25
100,0
PSDB
143.406.627,11
90,3
-
0,0
7.085.751,64
4,5
150.492.378,75
94,8
PSOL
996.720,52
95,0
-
0,0
51.000,00
4,9
1.047.720,52
99,8
PEN
2.180.497,42
90,9
-
0,0
-
0,0
2.180.497,42
90,9
PPL
1.081.787,05
99,9
629,31
0,1
-
0,0
1.082.416,36
100,0
PSD
69.256.846,55
92,1
30.000,00
0,0
-
0,0
69.286.846,55
92,2
PC do B
18.323.044,30
99,2
-
0,0
100.000,00
0,5
18.423.044,30
99,8
PT do B
1.789.301,86
94,4
60.802,40
3,2
-
0,0
1.850.104,26
97,6
-
-
–
396
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Intrapartidário
Partido
Mesmo estado
%
Outro
estado
%
Nacional
%
Subtotal 1
%
SD
26.581.295,37
96,9
150.000,00
0,5
-
0,0
26.731.295,37
97,4
PROS
8.385.578,20
22,9
250.000,00
0,7
-
0,0
8.635.578,20
23,6
TOTAL
807.211.011,25
82,7
6.031.658,56
0,6
25.039.464,66
2,6
838.282.134,47
85,9
Interpartidário
Partido
Total
%
Mesmo estado
%
Outro
estado
PRB
100.042,50
2,5
-
0,0
-
0,0
100.042,50
2,5
3.952.796,24
100,0
PP
11.398.257,04
25,3
-
0,0
-
0,0
11.398.257,04
25,3
45.077.806,61
100,0
PDT
1.915,00
0,0
-
0,0
-
0,0
1.915,00
0,0
9.386.879,43
100,0
PT
1.169.451,80
1,2
-
0,0
-
0,0
1.169.451,80
1,2
98.946.597,10
100,0
PTB
2.243.800,00
3,6
-
0,0
-
0,0
2.243.800,00
3,6
62.796.000,24
100,0
PMDB
61.813.707,89
21,8
140.000,00
0,0
32.750,00
0,0
61.986.457,89
21,9
283.596.970,89
100,0
%
Nacional
%
Subtotal 2
%
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
397
PSTU
10.927,39
1,5
-
0,0
80,00
0,0
11.007,39
1,5
713.544,64
100,0
PSL
55.769,30
2,5
-
0,0
-
0,0
55.769,30
2,5
2.246.180,36
100,0
PTN
3.019.524,35
58,7
-
0,0
-
0,0
3.019.524,35
58,7
5.145.575,25
100,0
PSC
542.681,01
10,9
-
0,0
-
0,0
542.681,01
10,9
4.968.492,50
100,0
PCB
-
0,0
-
0,0
-
0,0
–
0,0
16.295,04
100,0
PR
3.410.204,60
10,9
-
0,0
-
0,0
3.410.204,60
10,9
31.147.295,83
100,0
PPS
255.940,00
3,2
-
0,0
13.000,00
0,2
268.940,00
3,4
8.010.508,78
100,0
DEM
1.873.630,00
6,0
-
0,0
-
0,0
1.873.630,00
6,0
30.995.155,71
100,0
PSDC
-
0,0
-
0,0
-
0,0
–
0,0
303.901,24
100,0
PRTB
30.370,10
1,1
-
0,0
-
0,0
30.370,10
1,1
2.768.852,59
100,0
398
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
PCO
-
PHS
195.444,56
10,5
-
0,0
-
0,0
195.444,56
10,5
1.870.184,02
100,0
PMN
391.190,27
9,2
-
0,0
61.800,00
1,5
452.990,27
10,6
4.260.134,60
100,0
PTC
3.020,00
0,6
-
0,0
-
0,0
3.020,00
0,6
514.658,52
100,0
PSB
7.384.452,36
15,8
-
0,0
-
0,0
7.384.452,36
15,8
46.763.632,40
100,0
PV
115.837,68
1,4
-
0,0
-
0,0
115.837,68
1,4
8.397.784,35
100,0
PRP
-
0,0
-
0,0
-
0,0
–
0,0
936.802,25
100,0
PSDB
8.137.431,24
5,1
-
0,0
150.000,00
0,1
8.287.431,24
5,2
158.779.809,99
100,0
PSOL
2.000,00
0,2
-
0,0
-
0,0
2.000,00
0,2
1.049.720,52
100,0
PEN
218.895,71
9,1
-
0,0
-
0,0
218.895,71
9,1
2.399.393,13
100,0
-
-
-
–
Mudança institucional e financiamento político:
o papel dos partidos nas eleições de 2014
399
PPL
-
0,0
-
0,0
-
0,0
–
0,0
1.082.416,36
100,0
PSD
5.897.324,00
7,8
-
0,0
-
0,0
5.897.324,00
7,8
75.184.170,55
100,0
PC
do B
40.000,00
0,2
-
0,0
-
0,0
40.000,00
0,2
18.463.044,30
100,0
PT
do B
46.337,90
2,4
-
0,0
-
0,0
46.337,90
2,4
1.896.442,16
100,0
SD
712.150,60
2,6
-
0,0
-
0,0
712.150,60
2,6
27.443.445,97
100,0
PROS
28.011.215,00
76,4
-
0,0
-
0,0
28.011.215,00
76,4
36.646.793,20
100,0
TOTAL
137.081.520,30
14,0
140.000,00
0,0
257.630,00
0,0
137.479.150,30
14,1
975.761.284,77
100,0
Fonte: dados do TSE.
Elaboração dos autores.
Parte III
O poder das comissões em movimento
403
Do plenário às comissões: mudança
institucional na Câmara dos Deputados
Acir Almeida
Introdução
Os estudos sobre a produção legislativa no pós-1988 costumam destacar três
padrões: forte dominância do Poder Executivo, atuação reativa do Congresso
e predomínio do plenário nas deliberações, com consequente escanteamento
do sistema de comissões (FIGUEIREDO; LIMONGI, 2001; PEREIRA;
MUELLER, 2000). De fato, esses aspectos predominaram até o início dos anos
2000. Desde então, contudo, ocorreram mudanças substanciais: leis presidenciais perderam espaço para as de origem parlamentar e as comissões passaram a
participar com mais frequência das deliberações, tendo suas decisões inclusive
natureza final (ALMEIDA, 2015). Essas mudanças são indicativas de inédito
e intrigante protagonismo legislativo do Congresso e, mais especificamente,
dos sistemas de comissões das suas Casas. O fenômeno, contudo, não encontra
explicação satisfatória na literatura.
Este capítulo oferece uma investigação empírica da participação das comissões
da Câmara dos Deputados no processo legislativo. Com base no universo de
iniciativas de lei não orçamentárias de origem presidencial ou parlamentar, aprovadas pelos deputados em cada uma das seis legislaturas do período 1991-2014,
realizam-se análises descritivas quantitativas da frequência com que se permitiu
que as comissões exercessem sua função institucional, de examinar e dar parecer
às proposições de lei, e da frequência com que se delegou a elas a palavra final
no processo decisório.
Além disso, propõe-se uma explicação original para as variações longitudinais
observadas naqueles dois fenômenos, assentada na ideia de que elas refletem
diferentes escolhas de maiorias de deputados a respeito da delegação de poderes
de agenda – e, por extensão, da própria organização do processo legislativo –,
404
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
escolhas essas condicionadas pela distribuição das preferências parlamentares.
Para sustentar essa hipótese, apresenta-se evidência empírica original.
A título de antecipação, a análise descritiva revela forte crescimento da participação das comissões da Câmara dos Deputados no processo decisório, ao longo
dos anos 2000. Conquanto, nas legislaturas de 1995-1998 e 1999-2002, a maior
parte das iniciativas de lei aprovadas pelos deputados seguiu processos legislativos que impossibilitam ou restringem a atuação institucional do sistema de
comissões, nas legislaturas seguintes inverteu-se esse quadro, com as comissões recebendo delegação do plenário para dar a palavra final sobre a maioria
absoluta das proposições aprovadas. Embora isso se deva, em boa medida, ao
progressivo aumento da produção legislativa de origem congressual, quando se
analisam exclusivamente as iniciativas de lei presidenciais observa-se que, especialmente nesse caso, houve forte aumento no protagonismo das comissões.
Evidência produzida por meio de um modelo de regressão Logit multinomial das
probabilidades de diferentes processos legislativos é consistente com a hipótese
de que o recente crescimento do protagonismo das comissões (e consequente
secundarização do plenário) decorreu de mudanças na distribuição das preferências parlamentares, mais precisamente da diminuição da polarização entre a
maioria governista e a minoria opositora. A evidência também mostra que essa
hipótese se ajusta melhor aos dados que outras, disponíveis na literatura.
O restante deste capítulo está organizado em mais quatro seções. Na próxima,
descrevem-se brevemente algumas regras do processo legislativo da Câmara
dos Deputados, particularmente os dispositivos que conferem centralidade ao
sistema de comissões permanentes e os que permitem contorná-lo, de maneira
a transferir a deliberação para o plenário da Casa. Na terceira seção, realiza-se
análise descritiva da frequência de uso desses dispositivos, por meio da qual se
revelam padrões de evolução do protagonismo das comissões e do plenário. Na
quarta, se oferece uma explicação teoricamente fundamentada para esses padrões
e evidência empírica para apoiá-la. Por último, na quinta seção, apresentam-se
um breve resumo dos principais achados e algumas considerações finais.
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
405
Processos legislativos
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) estabelece que toda
proposição de lei deve ser inicialmente distribuída a pelo menos uma comissão
permanente, para exame do mérito, de acordo com a pertinência da matéria às
áreas ou temas de política pública de competência exclusiva de cada comissão.
Excepcionalmente, para projetos de código ou cuja matéria é pertinente a mais
de três comissões, deve-se constituir comissão especial ad hoc, em substituição às permanentes com jurisdição sobre a matéria, mas formada por pelo
menos metade dos seus titulares. É nas comissões que a proposição e eventuais
emendas a ela apresentadas devem ser discutidas e, por fim, um parecer final
deve ser aprovado, recomendando a rejeição ou aprovação da matéria, com ou
sem alteração.
Relativamente ao plenário, nas comissões são mais amplas as oportunidades de
exame e debate. É onde se realizam audiências públicas, para se ouvir especialistas, e as discussões são abertas à participação de parlamentares individuais.
A exigência de que sua composição siga o princípio da proporcionalidade da
representação partidária garante espaço de atuação às minorias. Como esse princípio também se aplica à distribuição das suas presidências, e tendo em vista
que os presidentes detêm a prerrogativa exclusiva de designar os relatores das
proposições, as comissões conferem capacidade de influência efetiva a partidos
minoritários. Note-se ainda que, embora o regimento estabeleça prazos para a
conclusão dos trabalhos das comissões, não há qualquer mecanismo de encaminhamento automático de proposições que tramitam em regime ordinário,
quando aqueles prazos se esgotam totalmente.117
Pareceres de comissão especial e de comissões permanentes, desde que convergentes, dispensam apreciação em plenário, salvo no caso de matéria reservada
a lei complementar e poucas outras exceções (art. 24 do RICD). Esse poder de
apreciação conclusiva das comissões permite, a princípio, que se decidam a
grande maioria das iniciativas de lei exclusivamente no âmbito dessas arenas.
Contudo, o Regimento garante ao plenário o direito de dar a palavra final sobre
qualquer matéria, bastando para tanto que uma maioria aprove recurso contra o
117 Somente o presidente da Câmara pode determinar a retirada de proposição da comissão quando
seus prazos regimentais se esgotam (art. 52 do RICD). Contudo, até onde foi possível apurar, essa
prerrogativa nunca foi utilizada com frequência significativa.
406
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
poder conclusivo. Nesse caso, a inclusão da proposição, junto com o parecer das
comissões, na pauta do plenário fica a cargo do presidente da Câmara. Não havendo recurso, considera-se a matéria aprovada (ou rejeitada) automaticamente,
na forma do parecer das comissões.
Não obstante a centralidade que o regimento confere ao sistema de comissões no processo legislativo, existem dispositivos regimentais e constitucionais que permitem contorná-lo. O primeiro deles é a “urgência”, que estabelece regime de tramitação abreviado e da qual podem se valer o Plenário da
Câmara e o presidente da República. O RICD permite que uma maioria do
plenário, mediante aprovação de requerimento submetido por pelo menos um
terço dos deputados (ou líderes que representem esse número), adote regime
de urgência para qualquer projeto de lei (doravante PL), a qualquer momento da sua tramitação, mesmo que as comissões não tenham concluído seus pareceres (arts. 154 e 155 do RICD). Um PL em regime de urgência passa a
ocupar o primeiro lugar da pauta do plenário na sessão imediata, para discussão e votação. No caso de já haver duas matérias em regime de urgência, tanto
a apresentação como a aprovação de novo requerimento requer maioria absoluta dos deputados. Aprovando-se a urgência com essa maioria qualificada, o
PL pode ser votado imediatamente, na mesma sessão em que tenha sido requerida. A Constituição Federal de 1988 (CF/1988), por sua vez, confere ao presidente o poder unilateral de atribuir urgência somente a PLs de sua inciativa,
a qualquer tempo, impondo-se, assim, prazo de 45 dias para que o Congresso
conclua a deliberação (CF, art. 64).
O outro dispositivo, também previsto na CF/1988, é a medida provisória (doravante MP). De uso exclusivo do presidente da República, a MP é um instrumento
de proposição de lei ordinária, restrito a casos de relevância e urgência, que tem
força imediata de lei, mas requer posterior aprovação do Congresso (art 62). São
poucas as restrições materiais ao uso desse dispositivo, entre elas algumas matérias de código e as reservadas a lei complementar. Diferentemente do PL, MPs
não passam pelo sistema de comissões da Câmara, sendo distribuídas a comissões mistas ad hoc, para exame de admissibilidade (inclusive sua relevância e
urgência) e mérito. Em seguida, devem ser necessariamente votadas em plenário,
dentro de prazo constitucionalmente definido, com ou sem parecer da comissão.
Esse dispositivo sofreu modificações substanciais ao longo do pós-1988, sendo
três delas especialmente relevantes para os propósitos desta análise, quais
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
407
sejam: (i) a “autorização” dada pelo Congresso, no início de 1989, por meio do
Parecer nº 1, de 1989, para que o Executivo reeditasse medidas não votadas no
prazo constitucional, de maneira a preservar a validade delas; (ii) a revogação
dessa autorização pela Emenda Constitucional nº 32, de setembro de 2001,
que também alongou o prazo total de deliberação, de 30 para 120 dias; e (iii) a
simultânea instituição do trancamento automático da pauta do plenário sempre
que uma MP não seja votada até o 45º dia da sua edição, impedindo a deliberação que qualquer outra matéria legislativa nessa arena, até que se conclua
a apreciação da medida pelos deputados.
A possibilidade de reeditar continuamente MPs não votadas ampliou o poder
legislativo do presidente, por duas razões: tornou desnecessário mobilizar uma
maioria parlamentar para aprová-las no prazo constitucional, transferindo para
o Congresso o ônus de mobilizar uma maioria de veto, e facilitou a realização de
mudanças na lei, bastando para tanto alterar os textos de medidas no momento
da sua reedição. Não está claro se a regra de trancamento da pauta afeta a taxa
de edição de MPs e, de forma mais geral, a relação estratégica entre presidente
e congressistas, na produção de leis. Porém, a ocorrência frequente de trancamentos pode ter implicações importantes para o processo legislativo, como será
apontado mais adiante.
A urgência e a MP são mais do que dispositivos para se agilizar a deliberação
sobre matérias consideradas urgentes. Em certas circunstâncias, pode ser vantajoso para a liderança da maioria governista lançar mão deles para sistematicamente alijar do processo decisório comissões com preferências divergentes da
sua (SANTOS; ALMEIDA, 2011). Esse comportamento tem potenciais implicações negativas tanto para a produção de leis como para a institucionalização
do sistema de comissões. No primeiro caso, porque reduz as oportunidades de
exame e debate de proposições. No segundo, porque reduz os benefícios esperados pelos membros das comissões de se especializarem nos temas sobre os
quais a comissão detém jurisdição.
Encontra-se fartamente documentado na literatura que, pelo menos até o
início dos anos 2000, predominaram processos legislativos que privilegiam
o plenário, em detrimento das comissões. Mais especificamente, a liderança
da maioria governista recorreu intensamente a MPs e, em boa medida, à urgência, principalmente a regimental, para avançar a agenda do governo, contribuindo, assim, para que as comissões fossem relegadas a papel secundário,
408
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
se não subordinado aos interesses do Executivo. A constatação dessa situação
levou Figueiredo e Limongi (2007, p. 168) a concluir que “o lócus decisório por
excelência é o plenário e não as comissões”. Contudo, mudanças recentes na
produção legislativa questionam a atualidade dessa caracterização. Na próxima
seção, com base em dados que contemplam anos mais recentes, verifica-se em
que medida se tem privilegiado ou o plenário ou as comissões, no processo
legislativo da Câmara dos Deputados.
Do plenário às comissões
Esta seção investiga o uso de dispositivos extraordinários – no caso, urgência
e MP – e a participação das comissões permanentes no processo legislativo
da Câmara dos Deputados, durante as seis legislaturas do período 1991-2014.
Como será mostrado a seguir, nos últimos doze anos o plenário perdeu espaço
para as comissões, como protagonista no processo legislativo.
Compõem a base de dados da análise as proposições de natureza não orçamentária, de lei ordinária ou complementar, originadas na Presidência da República
ou no Congresso, que tramitaram segundo as regras definidas na CF/1988 e
no atual regimento e, por fim, que foram aprovadas pelos deputados federais,
independentemente de posteriormente terem sido convertidas em lei. Em todos
os casos, considerou-se somente a decisão da Câmara anterior à deliberação
do Senado (exceto, claro, pelos projetos de origem na segunda Casa). Ao todo,
compõem a base de dados 5.101 proposições, distribuídas por origem e tipo
conforme discriminado na tabela 1.
Tabela 1
Proposições de lei não orçamentária aprovadas pelos deputados federais, por origem e
tipo de proposição (1991-2014)
MP*
PL (ordinária)
PL (complementar)
Total
Presidência da
República
1.602
814
49
2.465
Câmara dos
Deputados
n.a.
2.162
40
2.202
Senado Federal
Total
n.a.
414
20
434
1.602
3.390
109
5.101
Fonte: elaboração do autor, com base em Câmara dos Deputados, Casa Civil da Presidência da República e
Senado Federal.
Notas: *inclui reedições com alteração substantiva de texto e as diferentes matérias de medidas multitemáticas; n.a.= não se aplica.
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
409
A contagem de MPs seguiu critérios distintos, em razão de duas peculiaridades
no uso desse instrumento. A primeira foi a prática, frequente a partir de 1995,
de reeditar continuamente medidas não votadas pelo Congresso, muitas vezes
com alteração substantiva de texto, prática que perdurou até setembro de 2001,
quando foi proibida pela Emenda Constitucional nº 32 (AMORIM NETO;
TAFNER, 2002, p. 10). A segunda peculiaridade, frequente desde 2009, é a
inclusão de diferentes matérias, muitas vezes não relacionadas, no corpo da
mesma MP (CABRAL, 2014, p. 50). A respeito das medidas reeditadas mais
de uma vez, considerou-se como data de aprovação (tácita) pelos deputados
o prazo constitucional para sua votação, que era de trinta dias. No caso de a
medida ter sido reeditada com alteração substantiva de texto, cada reedição foi
computada como uma nova proposição. Com relação às medidas multitemáticas,
considerou-se como proposição em separado cada uma das diferentes matérias
constantes no seu corpo, sem contar matérias eventualmente incluídas por meio
de emenda parlamentar.
Para cada PL verificou-se a data da sua aprovação pelos deputados, se tramitava em regime de urgência (e, se positivo, se constitucional ou regimental) e
a data em que fora adotada, relativamente à data em que o último parecer de
mérito havia sido aprovado em comissão. Esse último critério justifica-se pelo
interesse em se analisar o uso da urgência como mecanismo de cerceamento do
trabalho das comissões. Assim, consideraram-se como aprovados em regime de
urgência apenas os PLs para os quais esse regime de tramitação fora adotado
antes que as comissões permanentes (ou a especial) tivessem aprovado todos
os seus pareceres de mérito. Por fim, verificou-se também quais projetos foram
aprovados mediante poder conclusivo das comissões, sem que recurso em sentido contrário tenha sido aprovado pelo plenário.
O gráfico 1, a seguir, ilustra a evolução da distribuição das proposições da
amostra por legislatura e regime de tramitação. As proposições aprovadas por
meio de MP constituíram maioria absoluta nas legislaturas de 1995-1998 e
1999-2002, perdendo essa posição nas legislaturas seguintes, para as proposições aprovadas mediante poder conclusivo das comissões, que chegaram a representar três quartos do que os deputados aprovaram na legislatura 2007-2010.
As proposições aprovadas sob um ou outro regime de urgência ocorreram com
frequência menor, sendo que o uso da regimental declinou gradativamente ao
longo de todo o período, enquanto que o da constitucional foi insignificante
410
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
(menos de 5%) em todas as legislaturas. Existe um quinto conjunto de proposições, não apresentado no gráfico, que são PLs aprovados em plenário sem que
regime de urgência tenha sido adotado antes de concluídos todos os pareces
de mérito das comissões. Exceto pela primeira legislatura, quando representou
12% do total aprovado pelos deputados, em nenhuma das demais esse conjunto
chegou a 10%.
Gráfico 1
Distribuição das proposições da amostra, por legislatura e regime de tramitação
Fonte: Câmara dos Deputados, Casa Civil da Presidência da República e Senado Federal.
Elaboração do autor.
Notas: MP: medida provisória; URGc: urgência constitucional; URGr: urgência regimental; PCT: poder
conclusivo.
Os dados mostram claramente que, ao longo dos anos 2000, tanto aumentou
a participação das comissões permanentes nas deliberações sobre mérito –
evidenciada pela forte redução relativa nas proposições aprovadas mediante
MP ou adoção prematura de urgência – quanto cresceu a frequência com que
decisões finais foram tomadas exclusivamente no seu âmbito, por meio do
poder conclusivo. Esses movimentos são indicativos de uma mudança legislativa, na direção de tornar as comissões permanentes protagonistas na produção
de leis.
A validade dessa caracterização, contudo, requer que se descarte a hipótese de
que a mudança decorre simplesmente de transformações no perfil da agenda
legislativa. Estudos mostram que, pelo menos até o início dos anos 2000, a
agenda era dominada por iniciativas do Executivo, sendo a maior parte delas
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
411
sobre gestão da administração pública ou da política econômica, matérias que
o governo geralmente tem pressa em aprovar e sobre as quais o Congresso tem
menos expertise (AMORIM NETO; TAFNER, 2002, p. 11-13; FIGUEIREDO;
LIMONGI, 2001, p. 61-62). Ao longo dos anos 2000, contudo, ocorreram duas
alterações significativas no perfil da agenda: crescimento absoluto e relativo
tanto da produção legislativa de origem congressual quanto de matérias que
versam sobre questões sociais ou de natureza simbólica (ALMEIDA, 2015;
CARNEIRO, 2009; GOMES, 2013, p. 112). Quaisquer que sejam as causas
dessa alteração de perfil, o ponto a ser destacado é que o maior protagonismo
das comissões pode ser reflexo do crescimento de proposições de origem
parlamentar, por um lado, e de matérias sociais e simbólicas, por outro, pela
simples razão de ser menos frequente o recurso à urgência e a MP para agilizar
a aprovação de proposições desses tipos.
Para avaliar essa hipótese, analisou-se a evolução do uso dos dispositivos
extraordinários e do poder conclusivo, separadamente para iniciativas de
origem parlamentar e presidencial, controlando-se pelo conteúdo da proposição
e, por fim, excluindo-se os 109 projetos de lei complementar da amostra original
(tabela 1), em razão de não serem sujeitos ao poder conclusivo das comissões
nem poderem ser objeto de MP.
Classificou-se o conteúdo da proposição segundo duas dimensões separadas,
quais sejam o tema e a natureza da matéria. Para a primeira, utilizou-se um
esquema classificatório com cinco categorias, quais sejam: administração pública; relações e políticas de Estado; economia (macro); economia (outros);
e sociedade. A primeira categoria engloba a gestão e organização dos três poderes, exceto assuntos relativos às forças armadas. A segunda, relações institucionais entre poderes ou entes da federação, relações exteriores, sistema político
e defesa, incluindo a gestão e organização das forças armadas. A terceira, temas
relacionados a impostos, dívida pública, moeda, preços, salários e comercio
exterior. A quarta engloba todos os demais assuntos relacionados à economia.
Por fim, a quinta categoria abarca políticas sociais, assuntos relacionados à
aplicação da justiça e a proteção do meio ambiente.
Para a natureza da matéria também se utilizaram cinco categorias, que visam
capturar o tipo de ação ou política proposta. São elas: administrativa, regulatória,
financeira, jurídica e simbólica. Por matéria administrativa entendem-se as autorizações para atos ou procedimentos relacionados à gestão de cargos, processos,
412
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
servidores (inclusive salários) ou patrimônio no âmbito do setor público, assim
como a criação ou modificação de órgãos e suas atribuições institucionais,
também nesse âmbito. Matéria regulatória consiste na definição de regras de
conduta, direitos ou deveres, assim como a criação ou modificação de órgãos de
natureza regulatória, inclusive no setor público. As de natureza financeira são as
que gerenciam ou distribuem recursos financeiros, inclusive por meio de fundos
e transferências governamentais, ou que modificam tributos e taxas, inclusive sua
incidência. Consideram-se de natureza jurídica matérias que tratam de processos ou procedimentos estritamente judiciais. Por fim, definem-se como simbólicas a criação de dias comemorativos, denominação de equipamentos ou órgãos
públicos, e concessão de homenagem, doação, pensão ou indenização especial.
Os gráficos 2 e 3 ilustram a evolução da distribuição das proposições da amostra por legislatura e, respectivamente, tema e natureza da matéria. Note-se, no
primeiro, o forte aumento da parcela de proposições sobre tema social, nos anos
2000, em detrimento principalmente das parcelas de proposições que tratam da
administração pública ou de assuntos macroeconômicos. No segundo gráfico, a
mudança mais notável nos anos 2000 foi o forte aumento da parcela de matérias
de natureza simbólica, na legislatura 2007-2010. Notam-se também diminuições
substanciais tanto em proposições de natureza financeira quanto regulatória.
Gráfico 2
Distribuição das proposições da amostra, por legislatura e tema
Fonte: Câmara dos Deputados, Casa Civil da Presidência da República e Senado Federal.
Elaboração do autor.
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
413
Gráfico 3
Distribuição das proposições da amostra, por legislatura e matéria
Fonte: Câmara dos Deputados, Casa Civil da Presidência da República e Senado Federal.
Elaboração do autor.
Se o novo protagonismo das comissões decorre simplesmente de mudanças no
perfil da agenda legislativa, então os padrões temporais que mostram a substituição do plenário pelas comissões ao longo dos anos 2000 (gráfico 1), deverão
desvanecer ao se controlar por esse perfil. Com isso em mente, estimaram-se
modelos Logit multinomial das probabilidades de uma proposição ser aprovada
mediante dois tipos de processo legislativo, sendo um que privilegia o plenário
e outro que privilegia as comissões. O tipo “plenário” consiste simplesmente
na combinação dos casos de aprovação por meio ou de MP ou de PL em regime
de urgência adotado antes de concluídos todos os pareces de mérito das comissões. O tipo “comissão” compreende os PLs aprovados mediante poder conclusivo. Como base de referência para a estimação, utilizou-se um terceiro tipo
(“comissão-plenário”), que abarca PLs encaminhados à votação em plenário somente após aprovados todos os pareces de mérito das comissões. Do lado direito da equação, incluíram-se indicadores da legislatura, da origem da proposição (se parlamentar ou presidencial), do tema e da natureza da matéria. Para
avaliar eventuais diferenças na evolução daquelas probabilidades como função
da origem, também se incluiu a interação entre essa variável e a legislatura.
Os gráficos 4 e 5 apresentam as probabilidades estimadas, respectivamente
para as proposições de origem parlamentar e presidencial. A despeito de em todas as legislaturas se ter privilegiado as comissões na aprovação de iniciativas
congressuais e o plenário na aprovação de proposições presidenciais, as variações longitudinais observadas nos dois gráficos – principalmente no segundo
414
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
– são consistentes com o que se observou no gráfico 1. Ou seja, que nos anos
2000 houve crescimento relativo das proposições aprovadas exclusivamente no
âmbito das comissões, e correspondente diminuição das aprovadas em plenário
antes de concluída a apreciação do mérito pelas comissões. Em suma, a evidência dos gráficos 4 e 5 permite concluir que a mudança em direção a maior protagonismo das comissões não pode ser atribuída a eventuais transformações do
perfil da agenda legislativa.
Gráfico 4
Probabilidades dos processos do tipo plenário e comissão em proposições de origem
congressual, por legislatura
Elaboração do autor.
Obs.: estimativas de modelo Logit multinomial. Valores em negrito são significativamente diferentes (ao
nível de 5%) do relativo à legislatura 1991-1994.
Gráfico 5
Probabilidades dos processos do tipo plenário e comissão em proposições de origem
presidencial, por legislatura
Elaboração do autor.
Obs: estimativas de modelo Logit multinomial. Valores em negrito são significativamente diferentes (ao nível
de 5%) do relativo à legislatura 1991-1994.
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
415
Também se notam dois outros padrões potencialmente relevantes nesses gráficos. O primeiro é o comportamento fortemente simétrico de cada par de séries:
aumentos/diminuições da probabilidade de se privilegiar o plenário são sempre
acompanhados de diminuições/aumentos da probabilidade de se privilegiar as
comissões. Note-se que essa simetria não é necessária, haja vista a possibilidade
de um terceiro processo legislativo (o tipo de referência, “comissão-plenário”).
Na verdade, a simetria sugere que as probabilidades de se privilegiar o plenário
e de se privilegiar a comissão são duas faces da mesma moeda e que, por isso,
devem ter causa comum.
O outro padrão de potencial relevância é a diferença entre a evolução do protagonismo das comissões nas proposições de origem parlamentar e nas presidenciais. No primeiro conjunto, nota-se crescimento gradual e contínuo a partir da
legislatura 1999-2002, com pequena diminuição na última (2011-2014). Entre
as proposições de origem presidencial, o movimento é ondular, com forte redução nas duas legislaturas do período 1995-2002 e aumento acelerado nas duas
seguintes. Essa diferença na dinâmica das séries indica a existência de causas
específicas do protagonismo das comissões, de acordo com a origem da proposição, se parlamentar ou presidencial.
Enfim, a evidência quantitativa oferecida nesta seção deixa claro que, nos anos
2000, o processo legislativo da Câmara dos Deputados mudou, diminuindo-se
o uso relativo de dispositivos extraordinários de tramitação (MP e urgência) e
conferindo-se ao sistema de comissões permanentes maior protagonismo. Essa
mudança ocorreu tanto para proposições de origem parlamentar quanto presidencial, porém com muito mais intensidade nas últimas, e não se deveu a
transformações da agenda legislativa.
Explicando a mudança
O primeiro passo na compreensão dessa mudança legislativa é caracterizá-la
conceitualmente. Parte-se aqui da hipótese de trabalho de que se trata de uma
mudança institucional. A seguir, justificam-se os fundamentos dessa caracterização e, então, discutem-se potenciais explicações.
Por instituição, entende-se qualquer conjunto de regras ou procedimentos, formais ou informais, que: (i) estruturam a interação entre indivíduos em situações específicas, definindo quem pode fazer o que, como e quando; (ii) são de
416
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
conhecimento comum entre esses indivíduos; e (iii) são relativamente independentes de preferências idiossincráticas (NORTH, 1990, p. 3-6). A partir dessa
definição, instituições legislativas são simplesmente as regras ou procedimentos
que estruturam a produção de leis. Nesse subconjunto, são especialmente relevantes os poderes de agenda, isto é, as regras que conferem prerrogativas sobre
o fluxo de proposições para votação final, na forma de direitos de proposição
e de aceleração do processo legislativo (poder de agenda positivo) ou de veto
e obstrução (poder negativo). A urgência e a MP são exemplos dos primeiros.
A distribuição de poderes de agenda está associada à forma como os trabalhos legislativos são organizados. Basicamente, a literatura distingue dois modelos organizacionais ideal-típicos e opostos: o modelo de comissão, pelo qual se dispersa o controle da agenda entre comissões permanentes, cada uma com monopólio
sobre certos temas de políticas públicas; e o modelo de partido-cartel, pelo qual
se concentra esse controle no partido ou coalizão que detém maioria legislativa
(COX; MCCUBBINS, 1993). Note-se que esse modelo é compatível com comissões atuantes, desde que elas se comportem como agentes do partido majoritário.
Com relação à Câmara dos Deputados, existe razoável consenso de que
prevaleceu o modelo de partido-cartel durante as duas legislaturas do período 1995-2002, com as coalizões governistas fazendo uso intenso da urgência
e da MP para avançar sua agenda legislativa (ALMEIDA; SANTOS, 2009;
AMORIM NETO; COX; MCCUBBINS, 2003; FIGUEIREDO; LIMONGI;
VALENTE, 1999). Embora não haja uma caracterização dominante a respeito
das legislaturas posteriores, análisesz sugerem fortemente que, não obstante a
persistência de coalizões de governo majoritárias, não se constituiu um cartel
legislativo (AMORIM NETO, 2007; SANTOS; VILAROUCA; MANTOVANI,
2007).
O fato de dois períodos legislativos relativamente longos e contíguos (1995-2002
e 2003-2014) apresentarem padrões de organização legislativa significativamente distintos sugere fortemente que as mudanças observadas na seção
anterior expressam uma reorganização do próprio jogo legislativo, e não apenas
oscilações ocasionais. Por isso, pode-se caracterizar o fenômeno como uma
mudança institucional.
Um aspecto interessante dessa mudança é que ela não ocorreu por meio de
alterações das regras formais. Tal como mencionado anteriormente, dos três
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
417
dispositivos analisados – poder conclusivo, urgência e MP –, apenas o último
sofreu alterações, sendo as mais relevantes a autorização legislativa para a reedição de medidas não votadas e a reforma que posteriormente proibiu essa prática. Note-se que a primeira alteração se deu por meio de interpretação (generosa) da CF/1988, e que a segunda, embora tenha consistido em reforma dessa
Carta, veio apenas reestabelecer seu sentido original. Por isso, parece mais correto descrever o modus faciendi da mudança em direção a maior protagonismo
das comissões como adoção progressiva e sistemática de um subconjunto das
regras formais existentes, qual seja o que confere papel central ao sistema de
comissões na definição da agenda legislativa e do conteúdo das leis.
Explicações existentes
O que explica o afastamento do modelo partido-cartel e consequente aproximação do modelo de comissões, na Câmara dos Deputados? A literatura sobre
o Congresso Nacional e, de forma mais geral, sobre relações Executivo-Legislativo no Brasil, não fornece elementos que permitam responder de maneira satisfatória essa pergunta. A seguir, justifica-se essa leitura.
Figueiredo e Limongi (2001) explicam a centralidade do plenário nas decisões
legislativas como decorrência da combinação, por um lado, de uma estrutura
institucional que concentra poderes formais no presidente e nos líderes partidários e, por outro, de um padrão de governança baseado em coalizões de governo
majoritárias partidárias. Segundo os autores, o uso frequente da urgência e da
MP resulta de uma delegação da maioria governista para sua liderança, com os
objetivos de viabilizar acordos de intracoalizão e reduzir sua exposição ao debate
em matérias politicamente sensíveis. Como o padrão de governança não se alterou no pós-2002, depreende-se dessa explicação que a causa mais provável da
mudança legislativa foi uma redução nos poderes da liderança da maioria – no
caso, a vedação da reedição continuada de MPs, pela Emenda Constitucional nº
32 (EC nº 32), de setembro de 2001.
De maneira complementar, outros estudos argumentam que, embora a natureza
das coalizões de governo não tenha se alterado no pós-2002, o seu gerenciamento foi diferente, no sentido de ter se concentrado mais recursos políticos
no partido do presidente, particularmente postos ministeriais, o que teria gerado conflitos intracoalizão e, por extensão, reduzido a capacidade da liderança
418
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
governista de controlar a agenda legislativa (PEREIRA, 2015; PEREIRA;
BERTHOLINI; RAILE, 2016).
Por outra perspectiva, Vieira (2015) sugere que a transferência de decisões legislativas para as comissões foi uma solução organizacional para o congestionamento frequente da pauta do plenário da Câmara, decorrente de mudanças
promovidas pela EC 32. Essa Emenda determinou, dentre outras coisas, que a
tramitação de MPs passasse a ser bicameral e que se alguma medida não fosse
votada em até 45 dias da sua edição a pauta da Casa onde estivesse tramitando
ficaria “trancada”, ou seja, não se poderia votar outra proposição. A inclusão das
MPs na pauta do plenário da Câmara, somada à ocorrência frequente de trancamento, reduziu sobremaneira a oportunidade para se aprovar PLs em plenário.
Segundo o autor, foi essa a razão pela qual os deputados (ou seus líderes) teriam
passado a recorrer com maior frequência ao poder conclusivo das comissões.
Não obstante serem empiricamente plausíveis, essas explicações deixam importantes questões teóricas em aberto. A hipótese de que a perda de centralidade
do plenário é decorrência da redução dos poderes legislativos do presidente,
especificamente da proibição de se reeditar MPs, impõe que se pergunte por que
uma maioria governista escolheria reduzir o poder de agenda da sua liderança.
Se o uso de MPs pelo presidente reflete uma delegação legislativa, então as
regras que regulam aquele uso também devem ser entendidas como parte desta
delegação e, por isso, precisam ser explicadas.
A hipótese de que a diminuição da capacidade do Executivo de priorizar o plenário na aprovação da sua agenda decorreu de um gerenciamento inadequado
da coalizão governista não fornece elementos para se entender por que sucessivos presidentes persistiram por tanto tempo em uma estratégia – no caso, de
concentrar ministérios em seu partido, em detrimento dos parceiros da coalizão
– que se mostrou custosa do ponto de vista legislativo.
Por fim, a hipótese do congestionamento do plenário da Câmara nos faz questionar a razão pela qual os deputados sistematicamente não votam MPs dentro
do prazo de 45 dias. Além disso, ela compartilha da mesma limitação da primeira hipótese, de não ser capaz de explicar por que uma maioria governista não
teve interesse ou não foi capaz de mudar a regra de trancamento, de maneira a
manter o protagonismo do plenário, onde são menores os custos de transação
para a aprovação da sua agenda.
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
419
Tendo em vista essas limitações, a seguir elabora-se uma explicação alternativa,
fundamentada teoricamente e, acredita-se, com capacidade de responder as
questões deixadas em aberto pelas explicações existentes.
Governo presidencial condicionado
A chave explicativa adotada aqui fundamenta-se na principal hipótese da teoria
do governo de partido condicional (doravante TGPC), segundo a qual o incentivo da maioria para concentrar poderes legislativos na sua liderança, vis-à-vis
dispersá-los entre as comissões, é crescente no grau com que as preferências
dos seus membros são distintas das preferências da minoria, ou seja, no grau
com que as preferências desses dois grupos localizam-se em polos opostos do
espectro político (ALDRICH, 1994).
A rationale subjacente a essa hipótese é a seguinte. Supondo que existe uma
maioria partidária, a dispersão do poder de agenda entre as comissões, onde a
minoria opositora supostamente tem mais oportunidade de exercer influência,
implica resultados legislativos mais próximos da preferência mediana do plenário e maiores custos de transação (por exemplo, com debates e manobras de
obstrução da minoria). Por outro lado, quando a maioria concentra poderes de
agenda na sua liderança, os resultados legislativos tornam-se mais próximos da
preferência mediana do partido e diminuem-se os custos de transação. Assim,
membros da maioria cujas preferências são mais próximas da mediana do partido (vis-à-vis a mediana do plenário) têm incentivo para delegar poderes ao seu
líder, e esse incentivo é crescente na distância entre as medianas do partido minoritário e do majoritário, em razão de o incentivo da minoria para impor maiores
custos de transação ser crescente nessa distância.
Essa hipótese foi originalmente pensada para o Congresso norte-americano, no
qual é frequente a existência de maioria unipartidária, em pelo menos uma das
casas legislativas. Não obstante, lógica semelhante pode ser aplicada a contextos multipartidários. Por exemplo, Martin e Vanberg (2005) mostram que,
em democracias parlamentares governadas por coalizões, partidos governistas
recorrem às comissões parlamentares para examinar as políticas propostas por
seus parceiros de coalizão. Esse monitoramento mútuo possibilita a resolução
de eventuais problemas de agência decorrentes da delegação entre parceiros
com preferências heterogêneas. Por isso, aposta-se que, no contexto do presidencialismo de coalizão, no qual o presidente é o líder em última instância da
420
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
coalizão de governo, opere lógica semelhante – uma forma de governo presidencial condicionado.
Aplicando-se a hipótese ao caso brasileiro recente, tem-se o seguinte enredo.
A redução e posterior ampliação da participação das comissões no processo
legislativo, ocorridas nos períodos 1995-2002 e 2003-2014, refletiram, respectivamente, ampliação e encolhimento da delegação de poderes da maioria
governista à sua liderança – no caso, o presidente da República e os líderes
partidários. Esses movimentos, por sua vez, foram causados por variações no
grau de diferenciação entre as preferências da maioria e da minoria opositora.
A respeito dessa diferenciação, pode-se dizer que ela se ampliou no período
1995-2002 e diminuiu no 2003-2014. Evidência do primeiro movimento é a
formação de uma coalizão de governo relativamente mais homogênea, formada por partidos de centro-direita (PSDB-PFL-PMDB-PTB e, posteriormente,
PPB), tendo um partido de esquerda (PT) como principal força opositora. Essa
coalizão se comportou tal como um cartel legislativo até o início do ano 2001
(ALMEIDA; SANTOS, 2009). O segundo movimento, de diminuição da diferença entre as preferências da maioria e da minoria, consistiu na formação de
uma coalizão de governo bem mais heterogênea, composta por partidos localizados desde a esquerda (p.ex., PT e PCdoB) até a direita (PP).
No que se refere à delegação, nota-se que, a partir de 1995 e até 2001, a maioria
governista se tornou muito mais leniente com o uso de MPs pelo presidente e
com o uso da urgência regimental pelos líderes partidários. Em apoio a essa
ideia, podem-se listar: o forte aumento de MPs reeditadas, muitas delas por vários meses sucessivos (AMORIM NETO; TAFNER, 2002); as frequentes alterações substantivas no texto de medidas reeditadas (idem); e o forte aumento no
uso não consensual da urgência parlamentar em PLs do Executivo (ALMEIDA;
SANTOS, 2009). Por outro lado, observa-se o exato oposto nos anos 2000: diminuíram significativamente tanto a taxa de edição de MPs originais (ou seja,
sem considerar as reedições) quanto a de uso da urgência regimental em PLs do
Executivo (ALMEIDA, 2014; ALMEIDA; SANTOS, 2009).
Talvez o principal questionamento que se possa levantar à aplicação da TGPC no
contexto da Câmara dos Deputados seja a validade da premissa de que políticas
públicas (policy) são importantes para os parlamentares. Afinal, parte considerável da literatura considera que a principal motivação dos deputados consiste
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
421
em transferir benefícios localizados (pork) para suas bases eleitorais, o que é
feito basicamente por meio de atividades voltadas para a aprovação e execução
do orçamento, sobre o que as comissões permanentes da Câmara não têm qualquer prerrogativa (PEREIRA; MUELLER, 2002). Nesse caso, os parlamentares
não têm incentivo para delegar poderes de agenda ao sistema de comissões.
Em contraposição, pode-se oferecer número igualmente considerável de estudos que argumentam que preferências por policy são relevantes para o comportamento e as decisões legislativas dos deputados (HAGOPIAN; GERVASONI;
MORAES, 2009). Além disso, achados recentes sugerem que o incentivo para
a produção de pork está perdendo espaço para a representação de interesses de
grupos organizados, sem base territorial. Evidência nesse sentido são: (i) a redução do número de deputados eleitos com perfil de votação localista (TAVARES,
2018); (ii) a diminuição da proporção do valor das emendas orçamentárias destinada a municípios (MESQUITA et al., 2014, p. 1); (iii) o aumento das chamadas frentes ou bancadas parlamentares, de defesa de interesses particulares ou
difusos (CORADINI, 2009); e (iv) o crescimento dos vínculos entre deputados
e empresas ou grupos econômicos de setores específicos, por meio de doações
de campanha (SPECK; MARCIANO, 2015). Na medida em que a produção de
policy se torna eleitoralmente importante para os deputados, e dado que as comissões são as arenas que regimentalmente oferecem maior oportunidade de
participação no processo legislativo, há incentivos para que se delegue poderes de agenda a essas arenas.
No que diz respeito à hipótese explicativa da TGPC, as implicações analíticas
do debate sobre a relevância empírica de policy vs. pork é bastante simples: se
o primeiro tipo de política não for suficientemente importante para a maior parte
dos deputados, então aquela hipótese se mostrará inconsistente com os fatos.
Testando as hipóteses
Nesta seção, avalia-se o mérito empírico da hipótese do governo presidencial condicionado na explicação do novo protagonismo das comissões permanentes da Câmara dos Deputados, confrontando-a com as principais hipóteses
alternativas oferecidas pela literatura. Para tanto, estimam-se modelos econométricos das probabilidades de se privilegiar ou o plenário ou as comissões
na aprovação de proposições de lei de origem presidencial, desde o ano 1991
até 2014. Restringe-se a análise às iniciativas presidenciais por duas razões:
422
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
apresentam maior variação naquelas probabilidades e são o foco das hipóteses
discutidas anteriormente.
Para testar as hipóteses do TGPC (ALDRICH, 1994), do gerenciamento da
coalizão (PEREIRA, 2015; PEREIRA; BERTHOLINI; RAILE, 2016) e do
congestionamento do plenário (VIEIRA, 2015), computaram-se, respectivamente, as variáveis Polarização, Concentração e Trancamento, cujos valores
têm como referência a data da aprovação da proposição pelos deputados. A primeira consiste no valor absoluto da estatística t de Student do teste de diferença entre as médias das preferências políticas de dois grupos de deputados,
quais sejam, a maioria governista e a minoria opositora.118 Para as preferências
políticas utilizaram-se as estimativas unidimensionais produzidas por Power e
Zucco (2009 e 2011) a partir de pesquisas de opinião realizadas com amostras
de deputados de cada legislatura, especificamente das respostas sobre onde, na
dimensão esquerda-direita, o parlamentar posiciona a si próprio e os principais
partidos parlamentares. A justificativa para se usar a estatística t é que ela capta as
duas causas subjacentes à hipótese, quais sejam, a distância entre os dois grupos e
a dispersão da maioria. Espera-se que os efeitos dessa variável sobre as probabilidades dos tipos plenário e comissão sejam, respectivamente, positivo e negativo.
Concentração e trancamento consistem, respectivamente, na diferença entre as
porcentagens de ministérios e de cadeiras legislativas do partido do presidente,
no âmbito da coalizão de governo, e na porcentagem das sessões ordinárias da
Câmara nas quais havia pelo menos uma matéria trancando a pauta, levando-se
em conta os seis meses anteriores à aprovação da proposição. De acordo com a
literatura, essas duas variáveis devem ser negativamente associadas com a probabilidade do tipo plenário e, principalmente a segunda, positivamente associada com a probabilidade do tipo comissão.
A tabela 2 apresenta as médias, por legislatura, dessas três variáveis explicativas.
Note-se que todas apresentam diferenças substanciais entre os períodos 19952002 e 2003-2014, que a princípio podem explicar o recente protagonismo das
comissões. O par com menor correlação é Polarização-Concentração (r= – 0,71)
e o com maior é Polarização-Trancamento (r= – 0,80).
118 Ver o apêndice para a lista de maiorias legislativas.
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
423
Tabela 2
Médias das variáveis explicativas, por legislatura
Legislatura
Polarização
Concentração (%)
Trancamento (%)
1991-94
1995-98
1999-02
2003-06
2007-10
2011-14
6,16
11,4
9,58
2,87
2,80
1,60
-2,04
5,83
-9,60
22,2
22,7
24,3
0,00
0,00
6,38
69,6
74,8
74,4
Fonte: Power e Zucco (2009; 2011), Amorim Neto (2007), Figueiredo (2007, p. 190), Inácio e Rezende (2015,
p. 306-307).
Elaboração do autor.
O gráfico 6 ilustra as estimativas dos efeitos decorrentes do aumento de um
desvio padrão em cada uma das variáveis explicativas, sobre as probabilidades
dos tipos plenário e comissão (em relação ao tipo comissão-plenário), para proposições de origem presidencial. Essas estimativas foram geradas por meio de
um modelo Logit multinomial com controles que indicam a legislatura em que
se aprovou a proposição, se foi aprovada durante governo de minoria e, por fim,
o tema e a natureza da matéria, tal como definidos anteriormente.119
Gráficos 6
Efeitos de polarização, concentração e trancamento, sobre as probabilidades dos tipos
plenário e comissão
Elaboração do autor.
Obs.: valores são estimativas do efeito do aumento de um desvio padrão na respectiva variável, em unidade
de ponto percentual. Estimativas destacadas em negrito tem p – valor < 1%.
119 As estimativas foram geradas pelo módulo margins do Stata. Resultados de testes adicionais se mostraram favoráveis aos pressupostos do modelo, no sentido de que categorias da variável dependente
não podem ser combinadas e que não se viola a independência de alternativas irrelevantes.
424
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Nota-se que a evidência somente corrobora a hipótese proposta neste estudo, de
que a polarização entre maioria governista e minoria opositora aumenta a probabilidade de se privilegiar o plenário e diminui a de se privilegiar as comissões.
No caso, ao aumento de um desvio padrão da polarização corresponde crescimento médio de 18,8 pontos percentuais (pp) na primeira dessas probabilidades
e diminuição de 14,3 pp na segunda. Essas estimativas são estatisticamente
significativas, ao nível de 1%. Além de não se mostrarem significativas, as estimativas de concentração e trancamento apresentam valores substantivamente
irrelevantes.120
A respeito dos efeitos das variáveis de controle, os resultados (não reportados)
mostram que a probabilidade de se privilegiar decisões em plenário/comissão é
significativamente menor/maior em governos minoritários. Sobre o conteúdo,
têm maior/menor probabilidade de serem aprovadas em processo do tipo plenário/comissão proposições sobre os temas “administração pública” ou “macroeconomia”, ou cuja matéria é regulatória ou financeira.
Para avaliar o ajuste do modelo e da variável explicativa aos dados, computaram-se a medida de Akaike (AIC) e o R2 de Efron ajustado ao modelo multinomial. A primeira medida, que expressa a quantidade de informação perdida
pelo modelo estimado (relativamente ao “verdadeiro”), não tem interpretação
substantiva, mas é apropriada para a comparação do ajuste relativo de diferentes
modelos. No caso, valores menores da medida refletem melhor ajuste, sendo a
diferença considerada relevante somente quando maior ou igual a dez unidades.
O R2 de Efron é o equivalente do R2 do modelo linear em modelos de variável
binária e, portanto, pode ser interpretado substantivamente como a porcentagem
da variância “explicada”. No caso, também se calculou essa medida para cada
uma das duas probabilidades estimadas.
A tabela 3 apresenta os valores para três modelos. O primeiro (“completo”) é
o modelo por meio do qual se obtiveram os resultados do gráfico 6. O segundo
exclui as variáveis concentração e trancamento. No terceiro e último excluem-se
as três variáveis explicativas, mantendo-se apenas os controles. Pela medida
AIC, relativamente ao modelo apenas com os controles, o que melhor se ajusta
aos dados é o que inclui, entre as variáveis explicativas, apenas polarização. Por
120 Esses resultados são robustos a operacionalizações alternativas de trancamento, com base nos
últimos três meses e no último mês. Também são robustos à exclusão da amostra das 704 reedições
de MP com alteração de texto.
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
425
outro lado, pelo R2 de Efron os modelos não apresentam diferença relevante de
desempenho.
Tabela 3
Medidas de ajuste
Modelo
completo
Modelo sem
concentração e
trancamento
Modelo apenas
com controles
2.181
2.174
2.188
R de Efron (total)
0,203
0,203
0,198
R2 de Efron (plenário)
0,247
0,247
0,240
0,203
0,203
0,198
Critério de informação Akaike (AIC)
2
2
R de Efron (comissão)
Elaboração do autor.
Em suma, pode-se concluir, com base na evidência econométrica, que existe
suporte empírico para a hipótese de que o novo protagonismo do sistema de
comissões da Câmara dos Deputados resultou de mudanças na configuração
das preferências da maioria governista vis-à-vis a minoria opositora. Não há
evidência de que a concentração de postos ministeriais no partido do presidente
ou o trancamento frequente da pauta do plenário da Câmara tenha contribuído
para o protagonismo das comissões.
Considerações finais
Este capítulo demonstrou empiricamente que a forma de organização do processo legislativo da Câmara dos Deputados mudou de maneira relevante e sistemática nas últimas três legislaturas, distanciando-se de um modelo centralizado,
dominado pela liderança da maioria, e aproximando-se de outro, mais descentralizado, no qual o sistema de comissões tem o protagonismo na definição da
agenda e nas decisões finais.
Caracterizou-se esse movimento como uma mudança institucional e argumentou-se que ela reflete uma transferência de poderes de agenda, da liderança da maioria governista para as comissões, motivada pela ampliação das
divergências políticas entre, de um lado, os membros da maioria governista
e, de outro, a minoria opositora. Ao empoderarem as comissões, membros da
maioria viabilizam o monitoramento legislativo das políticas propostas pela sua
liderança e pelos seus parceiros de coalizão. Evidência econométrica, com base
nos regimes de tramitação das proposições de lei presidenciais aprovadas pelos
426
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
deputados desde 1991 até 2014, oferece suporte empírico para a relação entre
distribuição de preferências parlamentares e processo legislativo.
Deve-se reconhecer que esses achados se baseiam em medida demasiadamente
superficial do protagonismo das comissões, que consiste apenas nas frequências
com que se permitiu que aquelas arenas concluíssem seus pareceres de mérito e
decidissem conclusivamente. Não obstante, tal como a outrora predominância
do plenário provavelmente desmotivou estudos sobre as comissões, espera-se
que a evidência oferecida neste capítulo seja suficientemente relevante para
estimular análises mais detalhadas sobre essas arenas, incluindo aspectos relacionados a resultados legislativos e, principalmente, ao conteúdo final das
proposições.
Existem razões para crer que o alcance das contribuições desta investigação
ultrapasse a questão específica que a motivou. Por exemplo, a perspectiva endógena aqui adotada, pela qual a organização legislativa dependente das preferências e da natureza dos interesses políticos representados no parlamento,
tem recebido pouca atenção da literatura sobre o Congresso, que costuma enfatizar os efeitos da estrutura organizacional sobre o comportamento parlamentar.
Considerar também o sentido contrário dessa relação é essencial para se entender as recentes mudanças legislativas, tanto em termos das suas causas quanto
dos seus processos políticos.
De forma mais geral, pensando-se o próprio funcionamento do presidencialismo de coalizão, esta investigação também fornece contribuição potencial
para a especificação teórica da tese da delegação legislativa, na medida em
que identifica incentivos de natureza política para que os parlamentares deleguem mais ou menos poderes de agenda ao Executivo. Assim, instrumentaliza-se a análise da variação do escopo dessa delegação, trazendo-se para o
centro da investigação os atores que efetivamente delegam poderes, ou seja, os
parlamentares.
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Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
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Anexo
Maioria legislativa e minoria opositora, 1991-2014
Maioria legislativa
Principais partidos de oposição
1º/2/1991
31/3/1992
PRN-PFL-PTB-PDS-PL-PDC-PMDB
PT-PCdoB-PSB-PDT-PSDB
1º/4/1992
30/9/1992
PRN-PFL-PTB-PDS-PL-PDC-PMDB
PT-PCdoB-PSB-PDT-PSDB
2/10/1992
31/8/1993
PSDB-PTB-PFL-PMDB-PSB
PT-PCdoB-PDT
1º/9/1993
31/12/1994
PSDB-PTB-PFL-PMDB-PP
PT-PCdoB-PSB-PDT
1º/1/1995
25/4/1996
PSDB-PFL-PTB-PMDB
PT-PCdoB-PSB-PDT
26/4/1996
31/12/1998
PSDB-PFL-PTB-PMDB-PPB
PT-PCdoB-PSB-PDT
1º/1/1999
5/3/2002
PSDB-PFL-PPB-PMDB
PT-PCdoB-PSB-PDT-PPS
6/3/2002
31/12/2002
PSDB-PMDB-PPB-PFL
PT-PCdoB-PSB-PDT-PPS
1º/1/2003
22/1/2004
PT-PL-PCdoB-PSB-PTBPDT-PPS-PV-PMDB
PSDB-PFL
23/1/2004
21/7/2005
PT-PL-PCdoB-PSB-PTBPPS-PV-PMDB
PSDB-PFL
22/7/2005
31/12/2006
PT-PL-PCdoB-PSB-PTB-PMDB-PP
PSDB-PFL-PPS
1º/1/2007
31/8/2009
PT-PR-PCdoB-PSB-PTBPMDB-PP-PDT-PV-PSC
PSDB-PFL-PPS
Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados
431
Maioria legislativa
Principais partidos de oposição
1º/9/2009
31/12/2010
PT-PR-PCdoB-PSB-PTBPMDB-PP-PDT-PSC
PSDB-PFL-PPS
1º/1/2011
17/9/2013
PT-PMDB-PCdoB-PSB-PPPDT-PRB-PR-PSC-PTB
PSDB-PFL-PPS
18/9/2013
31/12/2014
PT-PMDB-PCdoB-PP-PDTPRB-PR-PSC-PTB-PROS
PSDB-PFL-PPS
Fonte: Amorim Neto (2007); Figueiredo (2007, p. 190); Inácio e Rezende (2015, p. 306-307).
Elaboração do autor.
Notas: em negrito, partido do presidente; em itálico, partido sem ministério; sublinhado, partido sem ministério e que não apoiou formalmente o governo.
433
Interesses organizados nas comissões
parlamentares: percepções de grupos de
interesse e assessores parlamentares121
Ciro Antônio da Silva Resende
Introdução
O sistema político brasileiro tem passado por significativas mudanças institucionais, sobretudo no que se refere ao Poder Legislativo e sua relação
com outros poderes e com a sociedade. Entre as principais transformações
das instituições políticas, a literatura tem enfatizado as mudanças nas relações Executivo-Legislativo e o papel protagonista que assumem legisladores
e o sistema comissional do processo legislativo (ALMEIDA, 2015). O enfoque deste capítulo recai sobre as percepções de atores ligados a interesses organizados acerca de sua ação junto às instituições políticas. Essa análise é fundamental, uma vez que as decisões políticas em regimes democráticos resultam
de complexos processos nos quais muitos atores interagem. Entre esses atores,
os grupos que representam interesses organizados, sejam ou não econômicos,
não devem ser desconsiderados, dada sua capacidade de influência no processo
decisório (SANTOS, 2011). Ao longo do texto, esses grupos serão referidos pelas expressões grupo de interesse e grupo de pressão, adotadas como sinônimas,
assim como se faz em parte da literatura (BROWNE, 1998; THOMAS, 2004).
Nesse sentido, Baird (2016, p. 71) destacou que, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, houve uma desatenção acerca da influência dos grupos
de interesse na construção de políticas públicas, sendo “fundamental que se
traga a lume quais grupos são esses e se explicite como atuam politicamente
acionando essas instituições em defesa de seus interesses”. É grande, portanto,
o desconhecimento acerca do tema e, especialmente, de um dado básico, que se
121 Agradeço enormemente aos revisores deste capítulo, Osmar de Oliveira Aguiar, Manoel Leonardo
Santos e Wagner Pralon Mancuso, pelos valiosos comentários e sugestões.
434
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
refere a quais grupos de interesse atuam nas arenas decisórias. Compreender a
atuação dos grupos de pressão no processo político é uma questão complexa e,
ao mesmo tempo, essencial.
Dessa forma, o objetivo deste capítulo é retratar onde e como atuam representantes de interesses organizados, considerando o complexo processo decisório
que envolve múltiplas instituições. Pretende-se, assim, verificar de que maneira as percepções desses atores se aproximam ou se distanciam dos recentes
achados da literatura que apontam na direção de mudanças institucionais. Para
tanto, lança-se mão de duas tentativas de aproximação do dado concernente aos
grupos de interesse que estão presentes nas arenas decisórias: uma por meio
de um cadastro da Câmara dos Deputados e outra por meio de uma das principais associações nacionais de profissionais de relações institucionais e governamentais. Deve-se registrar que as amostras utilizadas para esses dois grupos
apresentam vieses a ser considerados. No primeiro caso, o dado advém de uma
arena específica de atuação dos grupos de interesse. No segundo caso, participaram da pesquisa, em grande medida, membros de uma associação, com
sua composição específica. A discussão empreendida procura, ainda, observar a
existência de diferenças nas percepções dos dois grupos.
Os dados apresentados são oriundos de duas pesquisas,122 as quais consistiram
na realização de surveys online. A primeira (“Lobby e representação de interesses no Congresso Nacional”) foi realizada pelo Centro de Estudos Legislativos
da Universidade Federal de Minas Gerais (CEL-UFMG), em parceria com o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).123 Sua atenção foi direcionada aos representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares do governo cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados, no biênio
2011-2012. A coleta de dados foi realizada entre 2012 e 2013 e, do total de
179 profissionais cadastrados, 65 responderam ao questionário online (36,3%).
Ao longo do texto, esses respondentes serão referidos como “grupo um” (G1).
A segunda pesquisa (“Relações institucionais e governamentais: uma radiografia
da atividade profissional”) foi desenvolvida por meio de uma parceria entre
122 Ambas as pesquisas foram realizadas sob a coordenação do Professor Manoel Leonardo Santos
(UFMG), a quem agradeço pela ampla disponibilização dos dados que embasam a discussão empreendida neste capítulo.
123 Uma análise mais aprofundada acerca dessa pesquisa pode ser encontrada em Santos et al. (2017).
Em Santos e Cunha (2015), há uma ampla discussão acerca das percepções sobre a regulamentação
do lobbying no Brasil.
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
435
o CEL-UFMG e a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), direcionando-se a dois grupos de profissionais de relações
institucionais e governamentais: (i) associados à Abrig e (ii) não associados presentes em um cadastro fornecido pela organização. A coleta de dados aconteceu
em 2016 e as questões cujos resultados serão apresentados foram respondidas,
em média, por 104 associados e 34 não associados.124 Por não se observar
diferenças significativas entre os padrões de respostas de associados e de não
associados e visando simplificar a apresentação dos resultados, essas respostas
serão analisadas de maneira agregada. Assim, nessa segunda pesquisa, o número
médio de respondentes é 138, os quais serão referidos, ao longo do texto, como
“grupo dois” (G2).
É importante registrar, no que concerne à política de tratamento dos dados e disponibilização de resultados, que todas as informações prestadas pelos entrevistados de ambas pesquisas são sigilosas e divulgadas de forma não individualizada.
Cumprem-se, dessa forma, dois critérios: (i) tratamento não individualizado e (ii)
uso exclusivo para fins institucionais e acadêmicos. Ademais, as duas pesquisas
foram autorizadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (Coep-UFMG),
no qual estão devidamente registradas.
Este capítulo, portanto, apresenta os principais resultados da percepção desses
dois grupos sobre as arenas, os atores e as estratégias acionados em sua atuação
como representantes de interesses organizados. A primeira seção analisa as percepções relativas às arenas políticas de atuação, destacando a existência de uma
percepção de produtividade do trabalho de pressão em múltiplas arenas, com
destaque para o Poder Legislativo. A seção seguinte se debruça sobre as percepções concernentes a arenas e atores do Congresso Nacional, emergindo uma clara
indicação das comissões como espaço de atuação dos interesses organizados.
A terceira seção, por sua vez, discute o posicionamento dos respondentes sobre
as estratégias e as atividades de lobbying mais frequentemente utilizadas, sendo expressiva a importância atribuída ao elemento informacional. Na sequência,
apresentam-se algumas considerações finais.
124 Há uma pequena variação no número de respondentes das questões aqui discutidas. Isso se deve ao
fato de que ao participante era dada a possibilidade de avançar no questionário online sem registrar
nenhuma resposta. Em cada tabela, é reportado o número de profissionais que respondeu à questão.
436
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Frente a um emaranhado de instituições, atuação em
múltiplas arenas
O sistema político brasileiro é um complexo emaranhado de instituições, o que
desafia a atuação de grupos de interesse e coloca a indagação acerca da valorização de algumas arenas em detrimento de outras. Diante desse cenário,
almeja-se, ao longo desta seção, discutir as perspectivas dos dois grupos respondentes sobre as principais arenas acionadas, procurando visualizar em que
medida há similaridades e diferenças. A tabela 1 elenca os resultados concernentes à produtividade da atividade de representação de interesses em cada
arena política, indicando onde, segundo os respondentes, é mais factível obter
resultados positivos para o seu grupo.
Tabela 1
Produtividade da atividade em cada arena política (%)
Arena
política
Nada
produtivo
Pouco
produtivo
Produtividade
moderada
Produtivo
Muito
produtivo
NS / NR
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
1. Câmara
dos
Deputados
0
1,5
1,5
2,2
10,8
8,9
47,7
36,3
32,3
41,4
7,7
9,7
2. Senado
0
1,5
1,5
3
23,1
9,6
49,2
45,9
18,5
29,6
7,7
10,4
3. Poder
Executivo
3,1
0
12,3
2,2
21,5
18,5
30,8
34,1
16,9
37,0
15,4
8,2
4. Agências
reguladoras
7,7
0
10,8
4,4
20
14,8
20
37
7,7
31,9
33,8
11,9
5. Poder
Judiciário
4,6
-
18,5
-
21,6
-
16,9
-
1,5
-
36,9
-
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
Arena
política
Nada
produtivo
Pouco
produtivo
Produtividade
moderada
Produtivo
Muito
produtivo
437
NS / NR
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
6.
Ministério
Público
-
9,6
-
13,3
-
23,7
-
9,6
-
4,5
-
39,3
7. STF
-
11,1
-
20,8
-
17
-
11,1
-
1,5
-
38,5
8. STJ
-
11,9
-
20
-
17
-
9,6
-
0,8
-
40,7
Fonte: dados do survey “Lobby e representação de interesses no Congresso Nacional” (UFMG; Ipea) (G1)
e do survey “Relações institucionais e governamentais: uma radiografia da atividade profissional” (UFMG;
Abrig) (G2).
Elaboração do autor.
Notas: – N G1: 65; N G2: 135 (103 associados e 32 não associados).
– Na primeira pesquisa, o questionário apresentava a opção Poder Judiciário, ao passo que, na segunda,
as opções eram Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Ministério
Público. Por essa razão, existem campos na tabela sem a indicação de percentuais.
É possível observar que, na perspectiva dos representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara
dos Deputados (grupo um), a Câmara dos Deputados é a arena na qual o trabalho de pressão é mais produtivo. As respostas à opção muito produtivo representam 32,3%, percentual que, somado às respostas à opção produtivo, passa a
ser de 80%. Os percentuais correspondentes à elevada produtividade das demais
arenas são: 18,5% para o Senado, 16,9% para o Poder Executivo, 7,7% para as
Agências reguladoras e 1,5% para o Poder Judiciário.
A comparação desses resultados com os dados acerca do segundo grupo pesquisado indica diferenças, a citar os maiores percentuais de resposta à opção muito
produtivo atribuídos às arenas políticas. A ordem de produtividade reportada
também é distinta: Câmara dos Deputados (41,4%), Poder Executivo (37%),
Agências reguladoras (31,9%) e Senado (29,6%). Às demais arenas listadas foi
indicado um grau de produtividade inferior. Assim, Ministério Público, Supremo
Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) registraram,
respectivamente, 4,5%, 1,5% e 0,8%. É importante destacar que muitos respondentes reportaram as opções não sei ou prefiro não responder para essas três
438
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
arenas (39,3%, 38,5% e 40,7%, respectivamente), o que também foi observado
para o Poder Judiciário no caso dos respondentes do grupo um (36,9%).
Os números apresentados parecem sinalizar uma dificuldade no acesso às arenas judiciárias e ao Ministério Público e precisam ser melhor compreendidos.
Nesse sentido, vale citar o trabalho de Carvalho et al. (2016), que se debruçou
sobre a interação entre grupos de pressão e o STF por meio do uso de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade. Os autores mostraram que grupos com mais
recursos e aqueles melhor posicionados institucionalmente no Estado conseguem resultados mais expressivos, apontando também que a judicialização do
conflito de interesses, embora tenha baixa probabilidade de êxito, é uma importante estratégia.
Chamam a atenção, ainda, os distintos graus de produtividade atribuídos pelos
grupos respondentes à atuação no Poder Executivo e nas Agências reguladoras,
os percentuais registrados na segunda pesquisa são muito superiores. A distinção relativa às Agências reguladoras é digna de registro: 7,7% de resposta
à opção muito produtivo entre os respondentes do grupo um e 31,9% no grupo
dois. É possível que essa diferença se deva, em grande medida, ao fato de os
respondentes da primeira pesquisa serem profissionais registrados na Câmara
dos Deputados, o que pode estar associado a uma atuação mais especializada
nessa arena.
A discussão que se estabelece é central, uma vez que os ambientes políticos
recebem e processam inputs de maneiras distintas, e o que se procura observar
é a possível percepção dos respondentes acerca desse processo, o qual se refere
à factibilidade da obtenção de resultados positivos em diferentes espaços de
atuação. Em ambas as pesquisas, fica claro o maior grau de produtividade atribuído às atividades de representação de interesses no Legislativo, com destaque
para a Câmara dos Deputados. Esse dado vai ao encontro de outros achados
na literatura. Santos (2014), por exemplo, ao analisar o cadastro de grupos
de interesse e assessores parlamentares da Primeira Secretaria da Câmara dos
Deputados, observou uma ampliação significativa da atuação dos interesses organizados: o crescimento vai de 47 grupos cadastrados no biênio 1983/1984 a
179 grupos no biênio 2011/2012. Dados atualizados para o biênio 2015/2016
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
439
mostram que o número chegou a 423.125 Assim, diante da significativa mudança
institucional acarretada pela Constituição de 1988, a qual devolve ao Congresso
Nacional importantes prerrogativas, considerar que o Executivo não “domina”
facilmente a agenda legislativa (ALMEIDA, 2015) é um relevante indicativo de que os interesses organizados têm espaço cada vez maior para atuar
no Legislativo. Infere-se, portanto, que essas organizações não deslocariam
seus recursos para a referida arena se não houvesse espaço para defender no
Congresso Nacional uma agenda favorável a suas demandas.
Dessa forma, em consonância com a perspectiva dos respondentes, o que outros trabalhos têm mostrado é que o Legislativo se tornou um espaço de decisão
e atuação política altamente disputado (SANTOS, 2014). Espaço esse que se
revigora com o processo de redemocratização, uma vez que “a atuação dos grupos de pressão no Congresso Nacional perdeu impulso frente ao deslocamento do eixo das decisões políticas para o Executivo controlado pelos militares”
(ARAGÃO, 1994, p. 21-22). Nesse sentido, Almeida (2015, p. 45) mostrou que
“a agenda legislativa, antes dominada por iniciativas do Executivo, passou a incluir quantidade muito maior de proposições de origem parlamentar”. Na mesma direção, Freitas (2016) destacou a importância do Poder Legislativo no processo de formatação das leis, exercendo um grande papel na deliberação sobre
as propostas e na alteração das mesmas.
Dos números elencados nesta seção, alguns merecem investigação mais
acurada, a citar: (i) os elevados percentuais de resposta, em ambos os grupos
respondentes, às opções não sei e prefiro não responder acerca da produtividade
da atuação no Poder Judiciário (grupo um) e no Ministério Público, no STF e
no STJ (grupo dois); e (ii) a menor percepção de produtividade indicada pelos
respondentes cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados
(grupo um) para a atuação no Poder Executivo e nas Agências reguladoras.
Por outro lado, os resultados são claros no que se refere à centralidade do
Legislativo, especialmente da Câmara dos Deputados, o que corrobora os recentes achados da literatura no sentido de uma revalorização desse Poder e
de modificações concernentes às suas relações com o Executivo. Desse modo,
sinaliza-se que a arena congressual se constitui em espaço proeminente e indispensável à atuação de interesses organizados.
125 Essa atualização se deu no âmbito da pesquisa Dinheiro e política: a influência do poder
econômico na Câmara dos Deputados (Ipea).
440
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Arenas e atores legislativos: a comissão como o lócus da
atuação dos interesses organizados
Constatada a importância do Legislativo para o trabalho dos profissionais que
responderam aos surveys, é fundamental direcionar o olhar para o funcionamento desse Poder, em especial para suas regras, suas arenas e seus atores-chave. A indagação referente à relevância estratégica de arenas políticas do
Congresso Nacional, apontadas pela literatura como importantes no processo
legislativo, esteve presente em ambas pesquisas, sendo os resultados apresentados na sequência.
Tabela 2
Relevância estratégica de arenas políticas do Congresso Nacional (%)
Irrelevante
Pouco
relevante
Relevância
moderada
Relevante
Muito
relevante
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
NS / NR
Arena política
1.
Comissões
0
0,7
0
0
3,1
5,2
29,2
25
63,1
61
4,6
8,1
2.
Presidência
0
2,2
3,1
0,7
10,8
8,8
27,7
27,2
53,8
51,5
4,6
9,6
3.
Plenário
0
2,9
10,8
6,6
21,5
16,2
32,3
37,5
30,8
28,7
4,6
8
4.
Consultoria
legislativa
4,6
1,5
10,8
2,9
21,6
24,3
41,5
42,6
16,9
19,9
4,6
8,8
5.
Mesa diretora
1,5
2,9
21,6
8,8
26,2
22,1
29,2
40,4
16,9
16,2
4,6
9,6
6.
Primeira
Secretaria
6,2
3,7
21,5
15,4
30,8
19,1
29,2
36
6,2
16,2
6,1
9,6
Fonte: dados do survey “Lobby e representação de interesses no Congresso Nacional” (UFMG; Ipea) (G1)
e do survey “Relações institucionais e governamentais: uma radiografia da atividade profissional” (UFMG;
Abrig) (G2).
Elaboração do autor.
Nota: N G1: 65; N G2: 136 (103 associados e 33 não associados).
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
441
Como pode ser observado, entre os respondentes do grupo um, são registrados
os seguintes percentuais de relevância estratégica para as arenas legislativas:
63,1% (de resposta à opção muito relevante) para as Comissões, 53,8% para a
Presidência das Casas, 30,8% para o Plenário, 16,9% para a Consultoria legislativa, 16,9% para a Mesa diretora e 6,2% para a Primeira Secretaria. A ordem de
relevância atribuída a essas arenas pelos respondentes do grupo dois é a mesma:
Comissões (61%), Presidência (51,5%), Plenário (28,7%), Consultoria legislativa (19,9%), Mesa diretora (16,2%) e Primeira Secretaria (16,2%).
Se consideradas de forma agregada as opções relevante e muito relevante, verifica-se que, no grupo um, apenas a Mesa diretora e a Primeira Secretaria não
foram avaliadas como relevantes ou muito relevantes pela maioria dos participantes da pesquisa. Já no grupo dois, todas as arenas mencionadas foram
consideradas estrategicamente relevantes ou muito relevantes pela maioria dos
profissionais de relações institucionais e governamentais. Alguns resultados
se aproximam do que é apontado em outros trabalhos, a exemplo da importância da consultoria legislativa para os grupos de interesse já indicada por
Taglialegna (2005).
Ademais, chama a atenção o elevado grau de relevância atribuído às comissões.
Esse resultado converge com a análise de Zampieri (2013), indicando que, nas
comissões permanentes, são encontrados os mais variados tipos de grupos de
pressão, exercendo ações de influência e defesa de interesses dos seus associados.
O autor asseverou que grande parte da função institucional da Câmara dos
Deputados e do Senado é realizada sob a estrutura de comissões permanentes.
Também Almeida (2015), por meio da revisão de indicadores utilizados na
literatura, ressaltou que o timing de um número crescente de decisões legislativas passou a ser definido no escopo das comissões. Nesse sentido, o autor
matizou uma visão de que o sistema de comissões seria governado por agentes
do Executivo e que sua principal função estaria associada à contribuição para a
aprovação da agenda legislativa do presidente da República.
Santos (2011, p. 11), por sua vez, ao estudar o lobbying da indústria, enfatizou a
importância dessa arena, apresentando resultados que elucidam “que o sucesso
legislativo do setor produtivo é alto, mas se dá apenas sob certas condições.
O lobby funciona no âmbito das comissões, mas no Plenário [...] a probabilidade
de influenciar a decisão é menor”. Considerando que, segundo a literatura especializada (BAUMGARTNER; LEECH, 1998; SCAROW, 2007; SMITH, 1995;
442
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
STRATMAN, 2005), o financiamento de campanhas eleitorais e as atividades de
lobbying são elementos centrais na análise da influência, outro resultado merece
ser citado na presente discussão. Santos et al. (2015, p. 51) analisaram a votação
dos deputados federais brasileiros em Plenário, no que se refere aos projetos de
interesse da Confederação Nacional da Indústria (CNI), concluindo que “a hipótese sobre a influência do financiamento específico da indústria sobre o comportamento parlamentar em matérias de interesse do setor não se confirmou”.126
Diante desse achado, é importante indagar se a fase comissional do processo legislativo seria o momento no qual essa influência se manifestaria, encontrando-se, aqui, mais um indicativo da necessidade de se atentar para o comportamento
dos deputados no âmbito das comissões.
De forma geral, esses e outros estudos recentes reforçaram a importância das
funções desempenhadas pelas comissões permanentes no Legislativo, o que não
pode ser desconsiderado em quaisquer análises do sistema político brasileiro.
Deve-se ressaltar que o papel das comissões legislativas é tema corrente na literatura americana. Segundo Shepsle e Weingast (1987), persistem diferenças de
opinião acerca do papel das comissões, entretanto, há um consenso substancial
no que se refere, dentre outros fatos, a sua atuação como gatekeepers em suas
jurisdições, como repositórios de expertise em políticas e como controladoras
da agenda em seus domínios de política. Redimensionar, portanto, a relevância dessas arenas, que cumprem um grande papel informacional (SANTOS;
ALMEIDA, 2011), é indispensável para se compreender a dinâmica de atuação
dos interesses organizados. Isso porque, como alguns trabalhos mostraram
(MANCUSO, 2007; SANTOS, 2011), as comissões funcionam como arena indispensável para os grupos de pressão na tentativa de barrar proposições contrárias a seus interesses. Sobre esse ponto, Mancuso (2007) identificou que,
entre os processos de produção legislativa relativos ao custo Brasil, são mais
frequentes os sucessos do setor industrial que mantêm o status quo do que os
sucessos que o alteram. Na mesma direção, Santos (2011, p. 163) afirmou que
“boa parte do sucesso da indústria reside em não mudar a realidade, impedindo
o avanço de ideias contrárias aos seus interesses no Parlamento”.
126 Apesar da não confirmação dessa hipótese, os autores encontraram alguns resultados substantivos.
Pode-se destacar o achado de que, quanto mais recursos recebidos de empresas (de modo geral,
e não apenas das indústrias) durante a campanha, maior é a cooperação dos deputados com os
interesses da CNI.
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
443
No espaço das comissões e no Legislativo como um todo, diversos atores assumem importantes papéis no processo decisório. Conhecer a relevância que
profissionais ligados à representação de interesses atribuem a esses atores
também é fundamental para uma maior aproximação com a dinâmica estratégica levada a cabo pelos grupos de pressão. A tabela 3 apresenta a perspectiva
dos respondentes dos dois surveys acerca da relevância de alguns postos-chave
do Congresso Nacional.
Tabela 3
Relevância de postos-chave do Congresso Nacional (%)
Irrelevante
Posto-chave
Pouco
relevante
Relevância
moderada
Relevante
Muito
relevante
NS / NR
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
G1
G2
1. Relator
0
1,5
0
0
0
2,2
23,1
20,4
73,8
69,3
3,1
6,6
2. Líder do governo
0
2,9
1,5
0
0
6,6
24,6
32,1
70,8
51,1
3,1
7,3
3. Líderes
partidários
0
2,9
1,5
2,2
10,8
6,6
29,2
32,1
53,9
48,2
4,6
8
4. Presidentes
das comissões
0
1,5
1,5
0
7,7
5,1
46,2
28,5
41,5
58,4
3,1
6,5
5. Líder da oposição
0
2,9
6,1
2,2
18,5
16,8
30,8
31,4
41,5
38
3,1
8,7
6. Outros titulares
das comissões
0
2,2
3,1
2,2
43,1
21,9
36,9
50,4
13,8
17,5
3,1
5,8
7. Líderes
das bancadas
suprapartidárias
e frentes
4,6
2,2
10,8
2,2
27,7
16,8
41,5
45,2
12,3
24,8
3,1
8,8
8. Membros da
Mesa diretora
3,1
3,7
12,3
6,6
36,9
24,8
32,3
42,3
10,8
14,6
4,6
8
Fonte: dados do survey “Lobby e representação de interesses no Congresso Nacional” (UFMG; Ipea) (G1)
e do survey “Relações institucionais e governamentais: uma radiografia da atividade profissional” (UFMG;
Abrig) (G2).
Elaboração do autor.
Nota: N G1: 65; N G2: 137 (104 associados e 33 não associados).
A ordem de relevância dos postos-chave do Legislativo, segundo os respondentes do grupo um, é a seguinte: relator (73,8% de resposta à opção muito
444
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
relevante), líder do governo (70,8%), líderes partidários (53,9%), presidentes
das comissões (41,5%), líder da oposição (41,5%), outros titulares das comissões que não o relator e o presidente (13,8%), líderes das bancadas suprapartidárias e frentes parlamentares (12,3%) e membros da Mesa diretora (10,8%).
Por sua vez, entre os respondentes do grupo dois, a ordem de relevância atribuída
aos postos-chave apresenta algumas diferenças. Ao relator é indicada a maior
relevância estratégica (69,3% de resposta à opção muito relevante), posto que
é seguido por outro ator central na atividade das comissões, qual seja o presidente dessa arena (58,4%). Adiante, aparecem as figuras dos diversos líderes
que atuam no processo legislativo: líder do governo (51,1%), líderes partidários (48,2%), líder da oposição (38%) e líderes das bancadas suprapartidárias e
frentes parlamentares (24,8%). Por fim, são registrados, para os outros titulares
da comissão (que não o relator e o presidente) e para os membros da Mesa diretora, os seguintes percentuais, respectivamente: 17,5% e 14,6%.
Em geral, pode-se dizer que é alta a relevância atribuída pelos respondentes a
muitos atores-chave mencionados em ambas as pesquisas. Apenas no grupo
um, registrou-se um percentual inferior a 50% de resposta às opções relevante
e muito relevante, o qual foi atribuído aos membros da Mesa diretora. Por outro
lado, em ambas as pesquisas, destacam-se os atores com grande importância no
sistema comissional do Legislativo. Considerando apenas as respostas à opção
muito relevante, observa-se que, na percepção dos respondentes, o relator é o
posto-chave mais relevante, ao passo que o presidente da comissão aparece
como o quarto mais relevante no grupo um e o segundo mais relevante no grupo
dois. Nesse sentido, Freitas (2016, p. 83) ressaltou que a deliberação acerca
dos projetos se dá nas comissões e que é “nelas que o conteúdo dos projetos é
definido, e o relator é um ator central no processo de tramitação das matérias.
Desconsiderar sua importância ou classificá-las como fracas sem observar o
seu trabalho cotidiano impossibilita uma visão completa do sistema político
brasileiro”.
Esses resultados vão ao encontro de outros argumentos encontrados na literatura.
Taglialegna e Carvalho (2006), por exemplo, destacaram que, para o exercício
de influência no processo legislativo, é fundamental que os grupos de pressão
estabeleçam bons relacionamentos com os relatores de matérias ligadas aos seus
interesses. Mancuso (2007) apontou que, no âmbito das comissões, o relator é
um alvo privilegiado da ação política da indústria. Zampieri (2013), por sua vez,
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
445
empreendeu a análise da ação dos grupos de interesse nas comissões, apontando
que três são os momentos principais de decisão aos quais as ações de influência
devem se direcionar: (i) definição de relatoria, (ii) formulação do parecer e (iii)
definição do posicionamento da comissão. Considerando esses momentos, é no
processo de formulação do parecer que o relator se coloca como figura central,
quando, na conclusão a que chegou Zampieri (2013, p. 133), “a ação dos grupos
de pressão é realizada com mais facilidade [...], pois é o momento de apresentar
ao relator o posicionamento dos grupos sob determinada proposição”.
Dos números reportados nesta seção, é possível observar que, seja olhando para
as arenas acionadas pelos grupos de interesse no processo de influência ou para os
atores-chave da dinâmica legislativa, há uma clara indicação de que as comissões
são loci da atuação dos interesses organizados. Ademais, a relevância atribuída ao
relator parece sugerir a existência de uma dinâmica de representação de interesses
na qual a informação apresenta-se como insumo indispensável. Esse é o tema da
seção subsequente, a qual direciona a atenção para as estratégias e atividades desenvolvidas pelos grupos de interesse.
Estratégias e atividades: a relevância da dimensão
informacional
A discussão relativa a estratégias e atividades utilizadas por grupos de interesse
com vistas a influenciar o processo decisório não pode ignorar o momento pelo
qual passa o Brasil, em que a Operação Lava Jato tem mostrado a existência
de fortes conexões entre influência política e práticas ilícitas. No entanto, como
assinalou Mancuso (2007), a relação entre público e privado, em sua faceta
legal, oferece um importante espaço para a investigação acadêmica, o qual é
ainda pouco explorado. O foco desta seção é essa faceta legal, abordando ações
que podem ser mobilizadas por grupos de pressão em suas interações com os
tomadores de decisão.
Nesse sentido, Zampieri (2013) analisou a ação dos grupos de pressão no âmbito das comissões permanentes do Congresso Nacional a partir de três modelos
tradicionalmente utilizados em estudos acerca do comportamento dos atores do
446
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Legislativo: distributivista, informacional e partidário127. Segundo o autor, ações
de influência e defesa de interesses nessas arenas possuem como momento ideal
aquele em que predomina o modelo teórico informacional. Isso porque é “função
básica dos grupos de pressão instruir os membros das comissões permanentes
por meio de documentos técnicos” (ZAMPIERI, 2013, p. 135). Dessa forma, as
incertezas de parlamentares acerca das políticas em debate seriam reduzidas, sendo
esse o momento no qual o sistema político mais se abre às informações externas.
Os dados apresentados na seção anterior, sobretudo a relevância atribuída ao
sistema comissional e ao posto de relator, parecem corroborar as teses sobre a
atuação dos grupos de pressão por meio de estratégias que têm a informação
como principal insumo. O propósito agora é analisar especificamente estratégias e atividades desenvolvidas pelos grupos de interesse visando influenciar o
processo decisório. É importante considerar que o desenvolvimento dessas estratégias e atividades é condicionado a outros fatores, como o fato de que grupos têm recursos distintos e, por conseguinte, acesso diferenciado às arenas decisórias (SMITH, 1984). A tabela 4 destaca os resultados do survey aplicado ao
grupo um, ou seja, a representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados,128 apresentando suas percepções acerca da eficiência de estratégias tipicamente utilizadas.
Tabela 4
Eficiência das estratégias utilizadas pelos grupos de pressão (%) (G1)
Estratégias
Ineficiente
Eficiente
Altamente
eficiente
NS /
NR
Total
1. Oferecer notas ou relatórios técnicos
1,5
40
57
1,5
100
2. Fazer gestões junto ao relator
1,5
40,1
55,4
3
100
3. Visitas preventivas a parlamentares
3,1
46,1
47,7
3,1
100
127 É importante ressaltar que, respectivamente, esses modelos estão ligados a: (i) motivações dos
parlamentares em se reeleger, mobilizando, para tal, benefícios distributivos para seus distritos;
(ii) utilização da maior quantidade possível de informação no processo de tomada de decisões; e
(iii) visualização das comissões como uma forma de governo partidário (LIMONGI, 1994).
128 No que se refere à discussão acerca das estratégias, serão reportadas tabelas distintas para os dois
grupos respondentes, uma vez que, para o grupo um, a indagação se referiu à eficiência das estratégias elencadas, enquanto, para o grupo dois, referiu-se à relevância.
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
447
Estratégias
Ineficiente
Eficiente
Altamente
eficiente
NS /
NR
Total
4. Tentar influir na indicação do relator
7,7
43,1
44,6
4,6
100
5. Sugerir minutas de emendas
4,6
52,3
41,6
1,5
100
6. Tentar influir na agenda da comissão
13,8
36,9
36,9
12,4
100
7. Encontros informais com parlamentares
7,7
46,1
32,3
13,9
100
8. Fazer gestões junto aos
líderes partidários
6,2
61,5
29,2
3,1
100
9. Fazer gestões junto ao líder do governo
18,5
53,8
23,1
4,6
100
10. Sugerir minutas de
proposições legislativas
6,2
67,7
21,5
4,6
100
11. Fazer gestões junto ao
líder da oposição
27,7
50,8
16,9
4,6
100
Fonte: dados do survey “Lobby e representação de interesses no Congresso Nacional” (UFMG; Ipea).
Elaboração do autor.
A partir desses resultados, verifica-se que as estratégias consideradas pelos respondentes do grupo um como as mais eficientes são: oferecer notas ou relatórios técnicos sobre os impactos de uma determinada proposição legislativa em
apreciação e a posição da entidade/órgão (57% de resposta à opção altamente
eficiente); fazer gestões junto ao relator tentando influir no conteúdo de determinada proposição legislativa (55,4%); realizar visitas preventivas para preparar/convencer o parlamentar, chamando a atenção para questões de interesse
do grupo (47,7%); fazer gestões junto ao presidente da comissão tentando influir
na indicação de um relator para determinada proposição legislativa de interesse
(44,6%); e sugerir minutas de emendas para que o parlamentar avalie a possibilidade de apresentá-las (41,6%).
Esses resultados também apontam para a centralidade das comissões e de seus
principais atores políticos estratégicos. Dentre as cinco estratégias consideradas
mais eficientes, duas ocorrem diretamente em seu âmbito (gestões junto ao relator
e tentativa de influenciar na indicação do relator) e as outras três apresentam
forte relação com o seu escopo de atividades. Por sua vez, a pesquisa realizada
em parceria com a Abrig indagou a opinião dos profissionais de relações institucionais e governamentais sobre o grau de relevância das mesmas estratégias
listadas anteriormente. Os resultados encontram-se na tabela 5.
448
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Tabela 5
Relevância das estratégias utilizadas pelos grupos de pressão (%) (G2)
Irrelevante
Pouco
relevante
Relevância
moderada
Relevante
Muito
relevante
NS /
NR
Total
0,7
0
8
21
64,5
5,8
100
1,4
1,4
8,7
32,6
49,3
6,6
100
3. Visitas preventivas
a parlamentares
1,4
1,4
10,9
31,9
48,6
5,8
100
4. Fazer gestões
junto ao relator
5,8
2,2
13
24,6
45,7
8,7
100
5. Sugerir minutas
de proposições
legislativas
1,4
2,9
12,3
32,6
44,2
6,6
100
6. Fazer gestões junto
aos líderes partidários
2,9
2,9
16,7
31,9
34
11,6
100
7. Fazer gestões junto
ao líder do governo
4,3
2,9
18,1
31,9
32,6
10,2
100
8. Tentar influir na
indicação do relator
4,4
6,5
18,8
26,8
31,2
12,3
100
9. Tentar influir na
agenda da comissão
4,4
7,2
23,9
26,1
26,8
11,6
100
10. Fazer gestões junto
ao líder da oposição
4,3
5,1
24,6
29
25,4
11,6
100
11. Encontros
informais com
parlamentares
10,1
12,3
17,4
29
17,4
13,8
100
Estratégias
1. Oferecer notas ou
relatórios técnicos
2. Sugerir minutas
de emendas
Fonte: dados do survey “Relações institucionais e governamentais: uma radiografia da atividade profissional”
(UFMG; Abrig).
Elaboração do autor.
Nota: N G2: 138 (104 associados e 34 não associados).
Para o grupo dois, as cinco estratégias às quais se atribui maior relevância
são: oferecer notas ou relatórios técnicos (64,5% de resposta à opção muito
relevante); sugerir minutas de emendas (49,3%); realizar visitas preventivas a
parlamentares (48,6%); fazer gestões junto ao relator (45,7%); e sugerir minutas
de proposições legislativas (44,2%).
Mesmo considerando que a discussão se refere, no primeiro grupo, à eficiência
das estratégias e, no segundo grupo, à relevância, a comparação entre os dois
grupos respondentes é interessante. A ordem de importância atribuída às estra-
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
449
tégias é distinta, entretanto, no que se refere às cinco primeiras opções, há uma
coincidência de quatro. Além disso, o oferecimento de notas ou relatórios técnicos é a opção considerada mais eficiente, no caso do grupo um, e mais relevante, no caso do grupo dois.
O elemento informacional presente na atividade de representação de interesses
pode ser facilmente percebido por meio dos números apresentados. Associado a
esse aspecto, destaca-se a centralidade das comissões, a qual é reportada também
na avaliação das estratégias. Dessa forma, vale assinalar a aplicação da teoria
informacional para o caso brasileiro empreendida por Santos e Almeida (2011).
Os autores sugeriram que, em grande medida, o trabalho das comissões consiste
na produção e disseminação de informação, vista como insumo indispensável ao
processo de tomada de decisão. Nessa direção, Groseclose e King (2001, p. 3),
ao apresentar as teorias acerca do papel das comissões, ressaltaram que há, no
escopo da teoria informacional, a seguinte visão: “a committee is better informed
about the consequences of a policy than the full member ship of the House or
Senate”. Sendo assim, grupos de interesse, dada sua expertise em áreas específicas, poderiam ser considerados como importantes agentes informacionais.129
Outra dimensão da representação de interesses abordada em ambas as pesquisas
se refere às atividades desenvolvidas por grupos de pressão na tentativa de
influenciar o processo decisório. A tabela 6 destaca os resultados do survey
aplicado ao grupo um130, apresentando a frequência indicada pelos respondentes.
Tabela 6
Frequência de atividades desenvolvidas (%) (G1)
Atividade
Nunca
Raramente
Frequência
moderada
Muita
frequência
1. Acompanhamento de
reuniões das comissões
0
4,6
13,8
23,1
Sempre Total
58,5
100
129 Em Ambrus et al. (2013, p. 112), pode ser encontrada uma análise das comissões legislativas
enquanto intermediária informacional. Uma das conclusões a que chegaram os autores é: “if
the legislative process requires informational input from outside interest groups, it can be in the
legislature’s interest to appoint a biased committee to communicate with the expert”.
130 No que se refere à discussão acerca das atividades, também serão reportadas tabelas distintas para
os dois grupos respondentes. Para o grupo um, a indagação se referiu à frequência de desenvolvimento das atividades elencadas, ao passo que, para o grupo dois, referiu-se à relevância das
atividades.
450
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Atividade
Nunca
Raramente
Frequência
moderada
Muita
frequência
2. Contato direto com
os parlamentares
1,5
1,5
27,7
29,3
40
100
3. Participação em
audiências públicas
4,6
7,7
23,1
35,4
29,2
100
4. Acompanhamento das
reuniões plenárias
1,5
16,9
38,5
18,5
24,6
100
5. Visitas aos gabinetes
1,5
10,8
35,4
32,3
20
100
6. Contato com a assessoria
das comissões
3,1
12,3
33,8
32,3
18,5
100
7. Contato com outros
grupos de pressão
4,6
10,8
36,9
29,2
18,5
100
8. Contato com os líderes e
acompanhamento das bancadas
suprapartidárias e frentes
4,6
15,4
40
24,6
15,4
100
9. Contato com a
consultoria legislativa
4,6
24,6
44,6
16,9
9,3
100
Sempre Total
Fonte: dados do survey “Lobby e representação de interesses no Congresso Nacional” (UFMG; Ipea).
Elaboração do autor.
Como pode ser observado, o acompanhamento de reuniões das comissões é citado como a atividade mais frequentemente desenvolvida (58,5% de resposta
à opção sempre). Na sequência, aparecem o contato direto com os parlamentares (40%) e a participação em audiências públicas (29,2%). Esses números
reforçam o que apontou Mancuso (2007), segundo o qual, no espaço das comissões, a defesa de interesses se dá em eventos como audiências públicas e
reuniões de trabalho, quando representantes de grupos de pressão ficam face a
face com os tomadores de decisão e manifestam suas demandas. Além disso, os
números confirmam o argumento de que as audiências públicas são espaços altamente importantes nos quais interagem e se articulam os mais variados interesses (CESÁRIO, 2016). As outras duas atividades mais frequentemente desenvolvidas são o acompanhamento das reuniões plenárias (24,6%) e a visita
aos gabinetes (20%).
O survey aplicado ao grupo dois, por sua vez, indagou os profissionais de relações institucionais e governamentais acerca da relevância das atividades
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
451
desenvolvidas, sendo os números apresentados na tabela 7. A título de comparação com os resultados do grupo um, deve-se registrar que frequência de
desenvolvimento de determinada atividade e relevância a ela indicada são atributos consideravelmente distintos. No entanto, assume-se que ambos contêm
uma indicação de importância, o que possibilita o exercício aqui desenvolvido.
Tabela 7
Relevância de atividades desenvolvidas (%) (G2)
Atividade
Irrelevante
Pouco
relevante
Relevância
moderada
Relevante
Muito
relevante
NS /
NR
Total
1. Contato direto com
os parlamentares
0,7
0,7
7,1
26,9
59,6
5
100
2. Contato com
os líderes e
acompanhamento
das bancadas
suprapartidárias e frentes
1,4
2,8
11,3
27,7
53,2
3,6
100
3. Contato com outros
grupos de pressão
0,7
2,1
12,8
27,7
52,5
4,2
100
4. Contato com a
assessoria das comissões
1,4
4,3
14,2
35,5
40,4
4,2
100
5. Acompanhamento de
reuniões das comissões
2,1
2,8
17,7
36,2
37,6
3,6
100
6. Visitas aos gabinetes
2,8
3,5
15,6
37,6
35,5
5
100
7. Participação em
audiências públicas
0
7,8
19,9
39
29,8
3,5
100
8. Contato com a
consultoria legislativa
3,5
5
20,6
39
27,7
4,2
100
9. Acompanhamento
das reuniões plenárias
3,6
12,8
26,2
36,2
17,7
3,5
100
Fonte: dados do survey “Relações institucionais e governamentais: uma radiografia da atividade profissional”
(UFMG; Abrig).
Elaboração do autor.
Nota: N G2: 141 (106 associados e 35 não associados).
O contato direto com os parlamentares é o trabalho considerado, do ponto de vista
estratégico, como o mais relevante (59,6% de resposta à opção muito relevante),
sendo seguido pelas seguintes atividades: contato com os líderes e acompanhamento das atividades das bancadas suprapartidárias e frentes (53,2%) e contato com outros grupos de pressão para o desenvolvimento de ações articuladas
452
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
(52,5%). Na sequência, aparecem atividades diretamente associadas ao funcionamento das comissões: contato com a assessoria dessas arenas (40,4%) e acompanhamento de suas reuniões (37,6%).
Observando as cinco principais atividades reportadas pelos dois grupos, é possível verificar que duas se repetem: contato direto com os parlamentares e acompanhamento de reuniões das comissões. Sobre o primeiro ponto, vale registrar o
balanço da literatura realizado por Figueiredo e Richter (2013), apontando que
legisladores poderosos são alvos mais propensos de lobbying. Segundo os autores, esses legisladores geralmente têm poder para definir a agenda, estão em
comissões poderosas e influentes e ocupam postos de lideranças no Legislativo. Certamente, o argumento dos autores dialoga com a discussão empreendida quando da análise dos postos-chave existentes no Poder Legislativo. Os
dados indicam que os grupos de interesse percebem a importância de se estabelecer contatos diretos com os legisladores e, mais do que isso, com legisladores específicos e decisivos no processo legislativo. A análise das atividades
também aponta para a importância das comissões, claramente percebidas como
uma arena na qual é essencial estar presente e desenvolver ações de influência.
Chama atenção, ainda, a relevância atribuída, entre os respondentes do grupo
dois, ao contato com os líderes e acompanhamento das bancadas suprapartidárias e frentes e ao contato com outros grupos de pressão, o que não é fortemente
indicado pelos respondentes do grupo um. O fato de que a segunda pesquisa
tenha sido, em grande medida, respondida por profissionais de uma associação
específica pode estar relacionado a essa maior articulação no processo de representação de interesses, tanto com bancadas e frentes parlamentares como com
outros grupos de pressão. Esse aspecto requer, entretanto, maior investigação.
Conclusão
Este capítulo procurou retratar onde e como atuam representantes de interesses
organizados, considerando o complexo processo decisório que envolve múltiplas instituições. Para isso, foram utilizados dados de dois surveys: o primeiro
aplicado a representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados e o segundo aplicado
a associados à Abrig e outros profissionais de relações institucionais e gover-
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
453
namentais constantes em cadastro fornecido pela associação. Os resultados
dos surveys trazem informações sobre arenas, atores e estratégias acionados
pelos grupos de interesse, o que possui potencial para agregar conhecimento
à área, sobretudo no que se refere às estratégias que têm, na perspectiva dos
respondentes, maior capacidade de influenciar decisões políticas (SANTOS et
al., 2017).
A discussão empreendida procurou, ainda, verificar a existência de diferenças
nas percepções dos dois grupos respondentes, observando-se, entretanto, considerável correspondência entre elas. Diante de um sistema político complexo
como o brasileiro e da consequente exigência de atuação em múltiplas arenas,
os dados indicam que os profissionais respondentes percebem a produtividade da
atuação em diversas instâncias. Todavia, é no Legislativo, mais especificamente
na Câmara dos Deputados, que a representação de interesses é percebida com
maior factibilidade de produzir resultados positivos na direção das demandas
defendidas.
Quando a atenção se dirigiu para a atuação dos interesses organizados no
Congresso Nacional, tanto no que se refere às arenas relevantes quanto no que
diz respeito aos atores acionados, fica claro que as comissões se constituem
como um espaço fundamental para a defesa de interesses. Há, assim, uma ênfase
dos profissionais respondentes no Legislativo, em sua estrutura de comissões
e em seus postos-chave, com destaque para o relator. Esse dado indica que a
percepção dos profissionais acerca de uma atuação produtiva está relacionada
ao seu maior ativo, qual seja, a informação qualificada.
A importância da dimensão informacional também se coloca na análise das
estratégias e das atividades empreendidas tradicionalmente pelos grupos de
interesse. Apesar de alguma variação nas repostas entre os dois grupos respondentes, o oferecimento de notas ou relatórios técnicos foi a opção considerada mais eficiente, no caso do grupo um, e mais relevante, no caso do grupo
dois. Associado a esse aspecto, destaca-se a centralidade das comissões, a qual
é reportada também na avaliação das estratégias. Isso é, ainda, percebido pela
observação das principais atividades reportadas. Mesmo com algumas diferenças entre os grupos, dentre as cinco principais atividades, duas se repetem,
destacando-se o contato direto com os parlamentares e o acompanhamento de
reuniões das comissões. Diante desses dados, o caminho da influência parece
454
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
ser percebido, pelos profissionais, como o caminho da negociação, cuja moeda
de maior valor é a informação.
Os resultados apresentados mostram, portanto, que percepções dos profissionais ligados à representação de interesses corroboram os recentes achados da
literatura que apontam na direção de mudanças institucionais. Assim, há uma
forte indicação da centralidade do Legislativo, reforçando o argumento de revalorização desse Poder e sinalizando que há espaço para a atuação de interesses
organizados na arena legislativa. Mais do que isso, comissões legislativas e seus
atores-chave, como relatores, são indicados como muito importantes, indicando
que é para essa arena que os esforços dos profissionais predominantemente
se deslocam, dada a percepção de que nesse espaço se encontram as maiores
chances de influência. Ademais, as estratégias com maior atribuição de importância são associadas à produção e disseminação de informação qualificada, a
qual se apresenta como o principal insumo na dinâmica de atuação dos interesses
organizados no complexo sistema político brasileiro.
É importante ressaltar que o debate apresentado neste capítulo acerca de onde e
como atuam os representantes de interesses organizados direciona sua atenção
para a dimensão legal da interação entre grupos de interesse e instituições políticas. Esse ponto deve ser enfatizado diante do contexto vivenciado pelo Brasil,
em que a Operação Lava Jato tem mostrado a existência de fortes conexões entre
influência política e práticas ilícitas, a citar corrupção, tráfico de influência e
financiamento ilegal de campanhas eleitorais. O foco em atividades de lobbying
públicas e legais não significa ignorar essas conexões. Pelo contrário, o esforço
empreendido na discussão das percepções de representantes de grupos de interesse, marcado por duas tentativas de aproximação do dado concernente aos
grupos presentes nas arenas decisórias, pretendeu contribuir com a área de estudos
relativa à influência política. Dessa forma, muitos estudos fazem-se necessários
e, avançando-se no conhecimento da dimensão legal das interações entre público
e privado, torna-se possível explorar a relação entre essa dimensão e episódios de
corrupção como os que têm dominado a pauta dos noticiários brasileiros.
Interesses organizados nas comissões parlamentares: percepções
de grupos de interesse e assessores parlamentares
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459
Sub-representação feminina no sistema
de comissões parlamentares: um
indicador da exclusão das mulheres do
jogo político
Giovana Dal Bianco Perlin
Introdução
Nada de novo em constatar a sub-representação feminina no parlamento brasileiro. Não só no Brasil, mas em quase todas as democracias, as mulheres
ocupam pouco espaço no sistema político. Mas o que isso significa, para além
da sub-representação numérica? A partir do mapeamento da ocupação de espaços de poder por mulheres parlamentares na Câmara dos Deputados, este
trabalho propõe analisar algumas consequências de sua diminuta participação,
com foco em sua ausência no jogo da governabilidade e de negociação de
agendas políticas no presidencialismo de coalizão, que resulta em pouca força
para se envolver em barganhas e inexpressiva capacidade de negociar agendas
junto ao Executivo.
Não há dúvida de que a inequidade de gênero experimentada pelas mulheres
ao longo dos últimos séculos foi, em parte, superada. Os pesquisadores e estatísticos José Alves e Suzana Cavenaghi (2012) expuseram vários indicadores
que corroboram essa afirmação no contexto brasileiro. As mulheres galgaram
a educação formal em todos os níveis de ensino, mas ainda estão pouco presentes nas ciências exatas e na liderança dos grupos de pesquisa. Aumentaram
as taxas de participação no mercado de trabalho, mas concentram-se em setores de atividade menos valorizados, são submetidas a diferenças salariais
para realizar as mesmas atividades e arcam com a dupla jornada de trabalho
(ALVES; CAVENAGHI, 2012). Conquistaram avanços na legislação nacional,
mas trata-se de direitos que ainda não são efetivamente usufruídos, porque seus
460
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
efeitos práticos são obstruídos por tetos de vidro131 culturais ou firewall132 de
gênero. A expectativa de vida das mulheres é, em média, sete anos acima da
média masculina, e elas são maioria da população e do eleitorado. Obtiveram
o direito de voto, em 1932, mas não conseguiram ultrapassar o teto de 10% de
deputadas federais. O que falta para que a equidade seja plena?
Um caminho profícuo para compreender os desafios da equidade de gênero é a
ideia da “perspectiva” social, utilizada por Marion Young (2006) no contexto
teórico da representação política. Em seu artigo sobre representação política e
minorias, Marion Young sugere o conceito de perspectiva como opção explicativa para a compreensão da importância da participação de mulheres na política.
Marcadores sociais tão primevos, como sexo, desenvolvem nas pessoas perspectivas diferenciadas do mundo, ou seja, as interações sociais que se estabelecem e se constroem são forjadas de forma a desenvolver relações pautadas em
diretrizes e regras sociais diferenciadas.
Conforme suas posições sociais, as pessoas estão sintonizadas com determinados tipos de significados e relacionamentos sociais, com os quais outras pessoas estão menos sintonizadas. Eventualmente estas últimas não
estão posicionadas sequer de forma a ter consciência deles. A partir das suas
posições sociais as pessoas têm compreensões diferenciadas dos eventos
sociais e de suas consequências. Uma vez que suas posições sociais derivam
parcialmente das construções que outras pessoas fazem delas, assim como
das construções que elas fazem de outras pessoas em diferentes posições,
pessoas diferentemente posicionadas podem interpretar de modos diferentes
o significado de ações, eventos, regras e estruturas. Assim, as posições sociais
estruturais produzem experiências particulares, relativas ao posicionamento,
e compreensões específicas dos processos sociais e de suas consequências.
Cada grupo diferentemente posicionado tem uma experiência ou um ponto
de vista particular acerca dos processos sociais precisamente porque cada
qual faz parte desses processos e contribui para produzir suas configurações.
É especialmente quando estão situadas em diferentes lados das relações de
131 Barreira invisível para a ascensão ou promoção das mulheres. (POWELL; BUTTERFIELD,
1994).
132 Um constructo mais velado a respeito da dominação masculina nas organizações que impede o
desenvolvimento feminino. (MENEZES, 2012)
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares:
um indicador da exclusão das mulheres do jogo político
461
desigualdade estrutural que as pessoas entendem essas relações e suas consequências de modos diferentes. (YOUNG, 2006, p. 162).
A representação política a partir de uma perspectiva no mundo implica que a
presença de mulheres no parlamento representa, em verdade, a perspectiva de
quase metade da população mundial. Apesar disso, as mulheres ocupam muito
menos da metade (22% em média) das cadeiras nos parlamentos das democracias: em apenas 25% dos parlamentos elas representam mais de 30% dos membros. Em 2015 o aumento do número de mulheres em cadeiras dos parlamentos
foi de 0.5 percentual em relação ao ano de 2014 (INTER-PARLIAMENTARY
UNION, 2016), o que mostra uma preocupante estabilização dessa participação.
O Brasil, em 2015, ocupava, num total de 189 países, o 115º lugar em presença de mulheres no Poder Legislativo, com 10% de mulheres na Câmara dos
Deputados.
Mesmo o número de cadeiras ocupadas no Parlamento é insuficiente para a
compreensão da sub-representação política feminina. Estudos, como o que nosso
grupo de pesquisa realizou, sugerem que, quando conseguem adentrar na esfera
da representação política, as mulheres continuam ocupando espaços periféricos
e distantes do lócus de tomada estratégica de decisão política, repetindo e mantendo limitações e padrões de gênero seculares (PERLIN et al., 2016), permanecendo distantes dos espaços que permitem participar da construção das agendas
políticas importantes. Ou seja, a sub-representação feminina pode ser ainda mais
grave do que indicam os dados sobre a presença de mulheres nas cadeiras dos
parlamentos.
No presidencialismo de coalizão, a questão relacionada ao custo de gestão
da coalizão é ponto fundamental, assim como a negociação de agendas.
A compreensão do jogo entre os atores nas coalizões multipartidárias é ponto
nodal, isso porque esse jogo que envolve o peso dos possíveis custos apresenta
promissoras contrapartidas: abre portas para possibilidades de ganhos de troca e
de cooperação entre os atores políticos (PEREIRA; MELO, 2012), benefícios e
vantagens aos quais, como desenvolveremos neste texto, as mulheres raramente
têm acesso. Elas estão, em verdade, fora do jogo.
Identificar o alcance da sub-representação demanda observar o que se passa com
as parlamentares dentro da instituição legislativa. Uma das formas de fazê-lo
é por meio do estudo das comissões parlamentares permanentes e especiais da
462
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Câmara dos Deputados, espaços decisórios que vem ganhando cada vez mais
atenção. Neste estudo analisamos a distribuição das mulheres parlamentares
nas presidências de comissões, conforme os eixos temáticos das comissões.
Buscamos identificar as comissões com maior e menor participação de mulheres
no cargo de presidência e analisá-las conforme sua relevância temática, por
meio de um levantamento de dados das Comissões permanentes da Câmara dos
Deputados, desde 1934 até 2016.
Analisamos, ainda, com o mesmo foco, a participação das parlamentares em
cargos de presidência nas comissões temporárias especiais. Com esse trabalho,
pretendemos mostrar que os espaços nos quais se constrói capital político para
acessar benefícios no gerenciamento da coalizão e, mais especificamente, nos
quais se negocia e define a agenda política, não estão ao alcance das mulheres
parlamentares.
Sub-representação política feminina: estamos falando
de quê?
Vários estudos têm buscado compreender o fenômeno da sub-representação
feminina nos parlamentos (AZEVEDO; RABAT, 2012; MIGUEL; BIROLI,
2011; PHILIPS, 2001; PINTO, 1998; INGLEHART; NORRIS, 2003; YOUNG,
1990; PATEMAN, 1989). Reconhecidas as questões teóricas mais seminais
relacionadas à discriminação de gênero, ou seja, a ideia geral de que, na cultura,
durante a história da humanidade, desenvolveram-se e multiplicaram-se padrões
generificados de inequidade (SCOTT, 1995), vários estudos vêm apontando
fatores que explicam a estagnação da sub-representação política feminina.
A participação política demanda, basicamente, três tipos de recursos: dinheiro
(financiamento), tempo livre e rede de contatos (influência). Os grupos que estão
em posição desfavorável, como o das mulheres, normalmente não possuem um
ou mais desses recursos (MIGUEL; BIROLI, 2011). A hipótese de que os eleitores são fator determinante para compreensão da sub-representação, tendendo
a não votar em mulheres, vem sendo descartada (FOX; LAWLESS, 2012).
Financiamento político é variável dependente em relação a sexo, sendo necessário vinculá-la ao funcionamento dos sistemas eleitorais, de partidos e de
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares:
um indicador da exclusão das mulheres do jogo político
463
governo vigentes (ZOVATTO, 2005). Mulheres candidatas têm arrecadações de
campanha significativamente menores do que homens candidatos (SACCHET;
SPECK, 2012). Os partidos políticos no Brasil possuem autonomia para realizar
a distribuição dos recursos, mesmo considerando a decisão do Supremo Tribunal
Federal e do Tribunal Superior Eleitoral em relação aos repasses dos recursos.
No primeiro semestre de 2018, por unanimidade, o Tribunal determinou que
pelo menos 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha devem ser
gastos em candidaturas de mulheres. Mesmo com essa delimitação, os partidos possuem autonomia para repassar os recursos conforme suas preferências,
deixando mulheres candidatas com pouco ou nenhum recurso. Considerando a
alta correlação entre financiamento e sucesso eleitoral, o escasso financiamento eleitoral de mulheres pode ser fundamental para explicar seu baixo desempenho eleitoral (SACCHET; SPECK, 2012).
O tempo da mulher e a forma como é utilizado também é variável importante
para a compreensão da sub-representação. O peso das tarefas domésticas ainda
recai de forma desproporcional sobre as mulheres, apesar de terem ocorrido
mudanças nos arranjos maritais (MIGUEL; BIROLI, 2011). A maior quantidade
de horas trabalhadas pelas mulheres, no Brasil, aproximadamente 5 horas a
mais de trabalho semanal (IBGE, 2013), não significa ampliação de seu poder
econômico, porque atuam mais em trabalhos não remunerados e não contabilizados, como as atividades domésticas, o cuidado com os filhos e com pessoas
idosas ou doentes. Com maior sobrecarga laboral elas têm menos tempo livre
para participar de movimentações políticas. Essas tarefas são permanentes,
o que compromete a participação no competitivo mundo político (MIGUEL;
BIROLI, 2011).
A questão da divisão sexual do trabalho afeta, também, o pool de elegibilidade.
Poucas mulheres ocupam posições estratégicas nas ocupações que servem como
via para carreiras na política (FOX; LAWLESS, 2012). Essa escassez implica
que as ocupações que permitem estabelecer relações de influência são pouco
acessíveis a elas, que têm menos chance de receber incentivos para uma candidatura advindos de uma fonte política. Quando um líder, ou outro ator político, oferece apoio, o candidato potencial tende a levar adiante uma candidatura
(FOX; LAWLESS, 2012).
Além disso, as mulheres não se percebem suficientemente preparadas para participar do mundo político, influência de educação e socialização tradicionais
464
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
(FLAMMANG, 1997; FOX, 1997; KAHN, 1996; NIVEN, 1998). Independentemente de suas qualificações ou credenciais, e mesmo pertencendo à camada
superior de realização profissional, elas não se consideram suficientemente qualificadas para concorrer a um cargo político (FOX; LAWLESS, 2012).
Os espaços tradicionais de gênero também refletem as especialidades e ideologias das mulheres na política. As mulheres se envolvem mais em políticas
relacionadas aos interesses de mulheres e crianças (SWERS, 2002; THOMAS,
1994; DODSON, 1998; FOX; LAWLESS, 2012). Também obtêm mais confiança dos eleitores quando se trata de “temáticas de mulheres”, como saúde,
educação, meio-ambiente e ajudar os pobres (HUDDY; TERKILDSEN, 1993,
1993; LEEPER, 1991; FOX; LAWLESS, 2012).
Esses espaços tradicionais de gênero, construídos e mantidos ao longo da
história, são conformados por compreensões polarizadas acerca da natureza
dos sexos, geralmente pautadas nas diferenças reprodutivas, e multiplicadas
por ideias como a natureza predominantemente racional dos homens e predominantemente emocional das mulheres. Predisposições naturais para o cuidado
e para a empatia são consideradas essencialmente femininas, o que circunscreve as mulheres a atividades e competências aderentes a essas características
(FÁVERO, 2010). Ao tecer análise crítica acerca das construções dos espaços
naturalizados de gênero, Fávero destaca o valor social que é atribuído a essas
diferenças: o racional possui mais valor do que o emocional, considerado sinônimo de fragilidade. Da mesma forma, atividades que envolvem cuidado, como
de dona de casa, de professora primária, de enfermeira, são desvalorizadas.
As áreas que envolvem trabalhos de cuidado são também pouco prioritárias
na pauta de políticas públicas de países como o Brasil. Estudos de Figueiredo
e Limongi (1995) já identificaram as agendas políticas mais caras no cenário
político, e não são as pautas sociais. Parlamentares, de forma geral, alcançam
maior sucesso legislativo nas questões com menos importância na hierarquia
legislativa, consideradas como agenda social, enquanto o Poder Executivo se
dedica mais à agenda econômico-administrativa, mais cara.
Os principais temas de atuação política podem ser divididos por categorias, conforme o impacto nas políticas públicas ou de governança. Para Miguel e Feitosa
(2009) Hard politics constituem o núcleo do processo político, em especial o
exercício do poder de Estado e a gestão da economia. Soft politics abarcam
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares:
um indicador da exclusão das mulheres do jogo político
465
assuntos voltados para a temática social. Middle politics contemplam temas de
abordagens mistas, como “previdência social”, incluindo questões relativas aos
pensionistas e às contas públicas. Mulheres atuam, proporcionalmente, mais do
que homens em soft politics (PERLIN et. al., 2016).
Como exposto, a sub-representação relaciona-se a múltiplos fatores, alguns
estruturais, o que demanda soluções diferenciadas e muito difíceis de serem
implantadas, mesmo em médio e longo prazo, principalmente pelo caráter retroalimentador de alguns fatores que mantêm o status quo do sistema.
Mulheres e as presidências de Comissões da Câmara
Apesar da importância das proposições legislativas e das relatorias de projetos
de lei como investimentos no capital político do parlamentar (o que pode acarretar, direta ou indiretamente, repercussões no âmbito da conexão eleitoral para
a manutenção de um mandato), o que realmente conta é a agenda da maioria
(LIMONGI; FIGUEIREDO, 2009). Para fazer parte do grupo que constrói esta
agenda, o cargo de presidente de comissão é privilegiado.
[...] torna-se relevante fazer parte dos processos de discussão e tomada de
decisão sobre os projetos de lei e outras proposições legislativas, não apenas
no âmbito dos plenários das casas legislativas, mas também nas comissões
permanentes e temporárias, especialmente quando o parlamentar está à frente de determinado processo, centralizando as negociações em torno do futuro
texto legal e servindo de ponto de referência para o governo e os grupos organizados. Ou seja, aquele que está cuidando e orientando as discussões das
matérias em tramitação, enfim, que consegue atuar como agenda holder.
(SILVA; ARAUJO, 2013, p. 22).
O presidente de comissão possui várias importantes atribuições estabelecidas
pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2012). Entre elas:
dirigir os trabalhos legislativos do órgão colegiado pelo qual é responsável; dar
à comissão e às lideranças conhecimento da pauta de reuniões; designar relatores e relatores-substitutos e distribuir a matéria sujeita a parecer, ou avocá-la,
nas suas faltas; conceder a palavra aos membros da comissão, aos líderes e aos
deputados que a solicitarem; submeter a votos as questões sujeitas à deliberação
da comissão e proclamar o resultado da votação; resolver, de acordo com o
466
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Regimento, as questões de ordem ou reclamação suscitadas na comissão e
definir a pauta das reuniões da comissão (AGUIAR, 2013).
O controle do processo de discussão e votação também está em suas mãos,
sendo sua competência declarar aprovação ou rejeição de proposições a partir
da votação, cabendo àqueles que discordarem pedir a verificação do resultado
ou do quórum. O presidente também dispõe de prerrogativas regimentais que
podem interferir no resultado final de uma deliberação, quando decide o momento exato da votação, o que pode influenciar no quórum favorável ou contrário à matéria (AGUIAR, 2013).
Silva e Araújo (2013) consideram, inclusive, que nas comissões especiais, nas
quais há apenas um processo capitaneado por um relator e um presidente, a centralização das decisões é potencializada. Nessas comissões há maior ingerência
do governo na indicação de presidentes, que adquirem grande poder no processo de negociação política. No processo legislativo ordinário, os projetos de
lei passam por até três comissões de mérito, mais a CFT (Comissão de Finanças
e Tributação) e a CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), o
que exige mais gastos políticos com negociações e articulações.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), em seu inciso I do
art. 22, define comissões permanentes como sendo
[...] as de caráter técnico-legislativo ou especializado integrantes da estrutura
institucional da Casa, copartícipes e agentes do processo legiferante, que têm
por finalidade apreciar os assuntos ou proposições submetidos ao seu exame
e sobre eles deliberar, assim como exercer o acompanhamento dos planos e
programas governamentais e a fiscalização orçamentária da União, no âmbito
dos respectivos campos temáticos e áreas de atuação. (BRASIL, 2012).
São importantes órgãos na função legislativa e fiscalizadora da Câmara dos
Deputados, podendo concluir a tramitação de alguns projetos sem que sejam
submetidos ao plenário. Atualmente, são 25 as Comissões Permanentes. Já as
Comissões Especiais (inciso II do art. 22 do RICD) são “criadas para apreciar
determinado assunto, que se extinguem ao término da legislatura, ou antes
dele, quando alcançado o fim a que se destinam ou expirado seu prazo de
duração” (BRASIL, 2012). Elas constroem parecer sobre proposta de emenda
à Constituição, projeto de código e proposições que versem matéria de compe-
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares:
um indicador da exclusão das mulheres do jogo político
467
tência de mais de três comissões de mérito. Dependendo do tema, a comissão
especial pode ter poder conclusivo.
Para este estudo, as comissões foram divididas em categorias temáticas, utilizando a classificação de Miguel e Feitosa (2009): Hard politics (núcleo do processo político, ou seja, o exercício do poder de Estado e a gestão da economia),
Soft politics (temáticas sociais, como pobreza, desigualdade, fome, meio
ambiente, educação, cultura e esporte, direitos do consumidor, família, direitos
reprodutivos, infância e adolescência) e Middle politics (emprego, trabalho
e formação social, ciência e tecnologia, funcionalismo público, comunicação social, propriedade intelectual, pirataria, biopirataria e assemelhados,
previdência social, e questões consideradas irrelevantes, como homenagens e
comemorações, questões religiosas e outros).
Quadro 1
Lista de Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados e categoria temática
Comissões Permanentes
Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento
e Desenvolvimento Rural (CAPADR)
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI)
Categoria temática
hard
middle
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
hard
Comissão de Cultura (CCULT)
soft
Comissão de Defesa do Consumidor (CDC)
soft
Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD)
soft
Defesa dos Direitos da Mulher – CMULHER
soft
Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa – CIDOSO
soft
Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU)
soft
Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC)
hard
Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)
soft
Comissão de Educação (CE)
soft
Comissão do Esporte (CESPO)
soft
468
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Comissões Permanentes
Categoria temática
Comissão de Finanças e Tributação (CFT)
hard
Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC)
hard
Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento
Regional e da Amazônia (CINDRA)
soft
Comissão de Legislação Participativa (CLP)
middle
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS)
soft
Comissão de Minas e Energia (CME)
hard
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN)
hard
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO)
hard
Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF)
soft
Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP)
middle
Comissão de Turismo (CTUR)
soft
Comissão de Viação e Transportes (CVT)
hard
Fonte: dados da Câmara dos Deputados e Miguel e Feitosa (2009).
Elaboração da autora.
Quadro 2
Distribuição das Comissões Permanentes em Categorias Temáticas
Freq.
%
Comissões de Soft Politics
13
52,0%
Comissões Hard Politics
9
36,0%
Comissões Middle Politics
3
12,0%
TOTAL
25
100%
Categorias Temáticas
Fonte: tipologia de Miguel e Feitosa (2009) e dados da Câmara dos Deputados.
Elaboração da autora.
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares:
um indicador da exclusão das mulheres do jogo político
469
Presidências de Comissões Permanentes ao longo da história
Dados fornecidos pela Câmara dos Deputados, que vão de 1934 (as mulheres
passam a ter direito ao voto em 1932), até 2016, mostram o histórico da participação das mulheres nas presidências de comissões permanentes. De fato, a primeira comissão presidida por uma mulher na Câmara se deu 55 anos depois do
início da contagem, em 1989, na Comissão de Serviço Público, pela deputada
Irma Passoni, do PT de São Paulo.
Gráfico 1
Mulheres na presidências de comissões permanentes ao longo do tempo, por legislatura
60
52
50
42
40
30
30
51
45
43
39
29
20
10
8
6
2
1
0
1934
1951
a
1955
1955
a
1959
2
1
1959
a
1963
1963
a
1967
1
1967
a
1971
1971
a
1975
4
1
1975
a
1979
1979
a
1983
4
2
1983
a
1987
n. de comissões presididas por mulheres
1987
a
1991
1991
a
1995
2
1995
a
1999
1999
a
2003
10
7
4
2003
a
2007
5
2007
a
2011
2011
a
2015
7
2015
a
2016
n. de mulheres eleitas
Fonte: elaboração da autora.
As mulheres aparecem na presidência de 41 comissões permanentes ao longo
de 82 anos de participação feminina na Câmara. A maioria foram comissões de
soft politics, com menor relevância política.
Tabela 1
Participação de mulheres nas presidências e tipo de comissões, desde 1934
Tipo de política
Número de presidências
middle
4 (9.7%)
hard
11 (26.8%)
soft
26 (63.5%)
total
41 (100%)
Fonte: tipologia de Miguel e Feitosa (2009) e dados da Câmara dos Deputados.
Elaboração da autora.
470
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Com poucas mulheres nas presidências de comissões de hard politics, a possibilidade de fazer parte do grupo que constrói a agenda política, o que implica
grande capital político (LIMONGI; FIGUEIREDO, 2009), fica comprometida,
deixando as mulheres à margem do sistema e mantendo sua posição predominantemente coadjuvante.
Os espaços permitidos ou escolhidos para a atuação parlamentar feminina são
repetições dos tradicionais espaços de gênero. Os locais nos quais ocorrem os
processos decisórios estratégicos são ocupados por homens. Miguel e Feitosa
(2009) atribuem essa distribuição, em parte, a questões partidárias, já que a distribuição dos deputados nas comissões depende de indicações e anuências dos
partidos. Os partidos, por sua vez, conforme aponta Pippa Norris (2004), funcionam como ponte entre a sociedade e o governo, estruturando a escolha eleitoral,
recrutando candidatos legislativos, provendo uma agenda legislativa no governo.
Presidências e comissões especiais na 55ª legislatura
Na 55ª Legislatura (2015-2019), de 31 comissões especiais constituídas para
apreciação de PEC, 2 são presididas por mulheres. A que analisa a PEC 134, de
2015, (Participação Feminina no Legislativo), presidida pela deputada Carmen
Zanotto, e a que cuida da PEC 214, de 2003, (Consultorias Jurídicas para a CD,
o SF e o TCU) presidida por Cristiane Brasil. A PEC 134, de 2015, pleiteia
cadeiras para mulheres no Poder Legislativo brasileiro, tema considerado de
interesse feminino e hard politics. A PEC 214, de 2003, trata de direito administrativo, midle politics.
Das demais 48 Comissões especiais, 3 possuem mulheres à frente da presidência:
Bruna Furlan, PL 4060, de 2012, (Tratamento e Proteção de Dados Pessoais);
Tereza Cristina, PL 6299, de 2002, (Regula Defensivos Fitossanitários); e Gorete
Pereira, PL 7420, de 2006 (Lei de Responsabilidade Educacional).
As Comissões especiais observadas neste estudo foram as que estavam em
funcionamento até o final de 2016. Em síntese, das 79 comissões especiais,
5 são presididas por mulheres, o que representa 6,3% de mulheres em presidências, porcentagem inferior à proporção de mulheres na Câmara (9,94%). Dessas,
apenas uma trata de hard politics e, cabe considerar, é um assunto que interessa
diretamente às mulheres. A proporcionalidade, aqui, não é o principal foco,
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares:
um indicador da exclusão das mulheres do jogo político
471
mas, sim, a importância temática da política. O reduzido número de mulheres
na Câmara torna a mera análise de proporcionalidade insuficiente para explicar
a gravidade da sub-representação feminina.
Frentes Parlamentares
Incluímos no estudo, como dado complementar, as Frentes Parlamentares. São
associações suprapartidárias destinadas a aprimorar a legislação referente a um
tema específico. São importantes porque aproximam parlamentares de grupos
de interesse e de eleitorado, dão visibilidade e possuem baixo custo para os gabinetes, já que a estrutura da Câmara dos Deputados, inclusive para divulgação,
pode ser utilizada. Para que tenham seu registro oficial, deverão ser integradas
por, no mínimo, um terço de membros do Poder Legislativo Federal.133
Em 2015 foram criadas 212 Frentes Parlamentares, com 159 deputados e
deputadas como Coordenadores, já que um mesmo parlamentar pode coordenar
mais de uma frente. Também foram classificadas de acordo com seus assuntos
nas categorias temáticas hard, soft e middle politics.
Gráfico 2
Distribuição das Frentes Parlamentares por Categorias Temáticas
Tema
Hard
Middle
33,0%
Soft
49,1%
17,9%
Fonte: tipologia de Miguel e Feitosa (2009) e dados da Câmara dos Deputados.
Elaboração da autora.
133 Ato da Mesa nº 69, de 10/11/2005, que trata sobre a criação de Frentes Parlamentares na Câmara
dos Deputados.
472
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Mais flexíveis em termos institucionais e com maior autonomia quando comparadas às comissões permanentes e especiais, as frentes parlamentares parecem
abrigar as agendas de hard politics reprimidas nas comissões. Verificamos
(gráfico 2) uma predominância de Frentes Parlamentares que tratam de temas
de hard politics com 49,1% do total, seguido de soft politics com 33% e, por
último, temas de middle politics com 17,9% de frentes.
Tabela 2
Distribuição de homens e mulheres nas Frentes Parlamentares
Sexo
Freq.
%
Masculino
191
90,1%
Feminino
21
9,9%
Total Cit.
212
100,00%
Fonte: dados da Câmara dos Deputados.
Elaboração da autora.
As mulheres (tabela 2) ocupam 9,9% das coordenações de frentes, porcentagem
similar à proporção de mulheres na Câmara (9,94%). Já em relação aos temas, a
distribuição de homens e mulheres segue a mesma tendência das comissões. As
mulheres se concentram na coordenação de temas de soft politics e os homens
em temas de hard politics, como verificamos no gráfico abaixo (gráfico 3).
Gráfico 3
Distribuição nas Coordenadorias das Frentes por Sexo
57,10%
Soft
30,40%
19,00%
Middle
Mulheres
17,80%
Homens
23,80%
Hard
0,00%
51,80%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Fonte: tipologia de Miguel e Feitosa (2009) e dados da Câmara dos Deputados.
Elaboração da autora.
Sub-representação feminina no sistema de comissões parlamentares:
um indicador da exclusão das mulheres do jogo político
473
Conclusão
A sub-representação feminina no parlamento não se observa meramente no número reduzido de mulheres nas cadeiras do legislativo, mas, principalmente, na
rara participação delas nos espaços estratégicos de formação de capital político
e na influência no jogo de poder, como é o caso da construção e negociação da
agenda política. As mulheres concentram sua atuação no âmbito das Comissões
em soft politics, área temática menos valorizada no processo político, enquanto
os homens se concentram em Comissões hard politics. Nas presidências das
Comissões, posições que promovem influência na construção da agenda política, a presença de mulheres é mínima. A raridade de mulheres nas presidências
de comissões, somada à maior participação delas em comissões soft politics,
contribui para a manutenção de agendas com menor visibilidade, para a atuação
concentrada na política social e para a exclusão das mulheres do processo de
construção das agendas políticas consideradas mais importantes pelo governo.
O poder de agenda e a capacidade do parlamentar de influenciar a agenda legislativa são formas de avaliar a força dos parlamentares em relação à representação e ao cumprimento dos interesses de seus eleitores (POWELL, 2005). A
pouca influência na conformação da agenda implica pouca força para garantir
os interesses de seus eleitores, o que leva a uma ruptura no processo de representação, tanto de interesses quanto de opiniões e perspectivas. É nessa posição
que se encontram as mulheres parlamentares.
O parlamento reproduz as diferenças de gênero da sociedade, circunscrevendo
as parlamentares aos espaços menos estratégicos para o processo decisório.
As mulheres encontram, na política, outro teto de vidro, similar ao encontrado
no ambiente profissional. A elas é permitida a participação no processo político
do ponto de vista formal, mas, de fato, elas não alcançam os espaços nos quais as
negociações políticas envolvem um capital político mais caro e maior influência.
Assim, ficam excluídas das negociações com o governo que envolvem alto
custo, não tendo similar acesso aos possíveis benefícios que uma gestão de
coalizão ou mesmo uma barganha de agenda permitem.
A integração de fatores como a falta de mulheres nas presidências e a maior
participação delas em colegiados soft politics faz com que as suas agendas
tenham menos visibilidade e importância do que a agenda dos homens. A
naturalização das características consideradas femininas, como o cuidado e a
474
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
sensibilidade, já perpetuadas no ambiente doméstico e laboral, se estendem para
o ambiente político, mantendo um padrão e um ciclo de invisibilidade e coadjuvância difíceis de mudar.
A equidade na representação política perpassa, necessariamente, pela quebra do
padrão que mantém este círculo vicioso, o que não se dará, como observado nos
resultados deste trabalho, naturalmente, com o passar do tempo. Com poucas
mulheres representantes, circunscritas a temas sociais e raramente ocupando
postos estratégicos, o potencial efetivo de representação política feminina tende
a continuar com pouca expressão e, muitas vezes, meramente figurativo.
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Latina: uma análise comparada. Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 2,
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arttext&pid=S0104-62762005000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16
mar. 2016.
481
Considerações finais
Mudanças institucionais relevantes foram identificadas neste volume. Na primeira parte foram identificadas mudanças nas relações Executivo-Legislativo e
Judiciário-Legislativo. De forma resumida, o chefe do Executivo passou a contar
menos com as vantagens relacionadas à edição de medidas provisórias, outrora
identificadas como um dos mais importantes instrumentos de governabilidade.
Sobre esse instrumento observou-se um processo incremental de perda de força
do Executivo, a começar pela proibição da reedição com a EC nº 32/2001 até
se chegar à instrução obrigatória, por comissão mista, a partir de 2012, por
decisão do STF. A inclusão de nova instância decisória, a dispersão do processo
legislativo das MPs, a especialização dos debates e, principalmente, a multiplicação dos pontos de veto aumentaram a participação e o poder de barganha dos
parlamentares, mitigando o controle do Executivo sobre a agenda legislativa
exercido pela via das MPs.
Outro instrumento, o veto presidencial, identificado como fundamental para
conter a oposição do Legislativo ao presidente, também passou por transformações. Até bem pouco tempo os vetos presidenciais sequer eram apreciados e,
na prática, representavam a decisão final do processo legislativo. Mas duas mudanças importantes aconteceram. Primeiro a decisão do STF sobre apreciação em
ordem cronológica, que ao criar embaraço para o Legislativo acabou motivando
uma segunda mudança, de natureza regimental. Trata-se da mudança aprovada
em 2015, que determina período específico para a apreciação dos vetos em
Plenário, inclusive prevendo o trancamento de pauta. Tal mudança aumentou a
capacidade dos parlamentares de ameaçar o chefe do Poder Executivo com
a apreciação e a derrubada dos seus vetos a dispositivos legais aprovados pelo
Parlamento.
Também no campo orçamentário observaram-se importantes mudanças. Elas
apontam para a perda da eficiência do uso do orçamento como importante
instrumento utilizado pela coordenação política da coalizão de governo para
conseguir a cooperação dos parlamentares. A perda de capacidade de execução
do orçamento pelo Executivo afetou as emendas de interesse dos parlamentares
e um intenso debate sobre a dinâmica orçamentária desaguou na aprovação do
482
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
“orçamento impositivo” em 2015. A perda, pelo menos em parte, da discricionariedade da execução orçamentária criou constrangimentos ao Executivo, que
ao mesmo tempo em que viu diminuída a força de sua moeda de troca, também
se vê agora obrigado a contingenciar orçamento em outras áreas, com possíveis
prejuízos para a implementação e execução de políticas públicas de sua prioridade. Isso se deu porque como as emendas individuais se tornaram obrigatórias,
restou ao governo cortar outros gastos discricionários. Em suma, as restrições
orçamentárias e o subsequente orçamento impositivo enfraqueceram um poderoso instrumento de barganha do Executivo perante o Legislativo.
Outra mudança relevante afetou importante moeda de troca entre o Poder
Executivo e sua coalizão parlamentar, a nomeação para cargos na administração
pública federal. Houve diminuição da força da indicação partidária para esses
cargos. Essa diminuição foi determinada por três fatores: a centralização das
decisões na Casa Civil, a redução do número de cargos à disposição para recrutamento amplo e o fortalecimento da burocracia pela via das carreiras estatais.
Com a diminuição da disponibilidade desse recurso, partidos ficam menos
dóceis ao mesmo tempo em que o executivo vê sua “caixa de ferramentas”
ainda mais esvaziada.
No que diz respeito ao papel do Poder Judiciário, resta claro que o STF passou
a ser um ator com poder de veto mais poderoso no sistema político brasileiro.
Em grande parte, esse poder vem do desenho constitucional de 1988, mas foi
sendo reforçado à medida em que o próprio tribunal avançava, por ação própria,
em seu ativismo judicial.
Além das decisões do STF que impactaram a “caixa de ferramentas” do
presidente, como já visto, um ponto relevante tratado neste volume foi a análise
dos mandados de segurança, impetrados por parlamentares e partidos junto ao
STF. A análise dos mandados de segurança impetrados contra atos legislativos
mostrou que a interferência perpassa por uma lógica interpretativa dos ministros
sobre a nuance constitucional envolvida na questão: as linhas tênues sobre o
que seria matéria interna corporis das Casas legislativas e efetivamente uma
discussão sobre o “devido processo legislativo constitucional”. Assim, a judicialização do processo legislativo (termo dos autores) dá novo significado à ideia de
judicialização da política e convida a perquirir sobre suas consequências sobre a
governabilidade e o papel da política na construção do consenso. Seja nas Casas
legislativas, seja fora delas.
Considerações finais
483
Outro achado relevante diz respeito à atuação cada vez mais intensa dos grupos
de interesse no Parlamento. A arena legislativa passou a ser um ambiente político cada vez mais competitivo, com diferentes grupos da sociedade civil,
de interesses econômicos e de representantes do próprio Estado em disputa
por influência. Esse aumento do pluralismo vem acompanhado de uma recente
profissionalização da atividade de lobby, e a presença mais ativa dos interesses organizados no Parlamento representa mais um desafio, tanto para o
próprio Legislativo quanto para o Executivo. Estando o processo legislativo
mais suscetível a múltiplos inputs oferecidos por uma miríade de grupos de
interesse, dificuldades adicionais de formação de consenso se estabelecem. A
forte presença de assessores parlamentares representando os órgãos da própria burocracia estatal nas atividades legislativas (com destaque para os assessores parlamentares dos ministérios) mostra que o Executivo esteve atento ao
problema. Tanto quanto quaisquer outros atores políticos, o presidente e seus
ministros entenderam que precisam monitorar o processo legislativo e fazer
lobbying, se quiserem ver suas agendas plenamente implementadas. Ou, se preferir, se quiserem que o resultado do processo legislativo não se afaste significativamente das suas preferências. Em suma, o Parlamento tem sido espaço de
decisão e atuação política cada vez mais disputado por interesses econômicos,
por movimentos sociais e por agentes públicos, o que torna o ambiente político
ainda mais complexo.
A segunda parte deste volume dirige o foco para os partidos políticos, e aqui
os autores também identificam mudanças institucionais bastante relevantes.
Resta demonstrado que a extrema fragmentação partidária e o financiamento
empresarial de partidos e eleições também se somam às dificuldades políticas
enfrentadas, tanto na arena eleitoral quanto no Parlamento. Melo (neste volume)
analisa a hiperfragmentação partidária e chama a atenção para o fato de que
não “chegamos a tanto” apenas por causa das regras eleitorais, mas também
por causa da migração partidária. O resultado é que Parlamento conta hoje com
muitos partidos de porte médio, que acabaram se convertendo em muitos atores
com poder de veto. O problema não é exatamente o número elevado de partidos,
e sim a força relativa dos muitos partidos de médio porte.
Sobre o financiamento de partidos e candidatos os números no Brasil chegaram a
valores alarmantes. A eleição de 2014 movimentou nada menos que 4,1 bilhões
de reais, sendo 73% desses recursos oriundos de doações da campanha por
484
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
pessoa jurídica (leia-se, empresas). O grau de dependência dos partidos e candidatos dessa fonte de recursos não pode ser ignorado, e é factível que isso
tenha efeito sobre comportamento dos partidos, tanto na arena eleitoral quanto
na arena parlamentar. Em revisão recente da literatura intitulada Investimento
eleitoral no Brasil, publicada na Revista de Sociologia e Política em 2015,
Mancuso já identificava que, além de vultoso, o investimento eleitoral crescia
a cada pleito e em ritmo muito superior ao da inflação. Neste volume Mancuso
e coautores analisam duas importantes mudanças institucionais que puderam
ser identificadas desde 2014: a obrigatoriedade de identificação dos doadores
originários e a proibição de doações empresariais. Sobre a primeira, a regra
gerou mais transparência, permitindo identificar a dependência de partidos e
candidatos dessa fonte, assim como a concentração de recursos nos grandes
partidos e por grandes doadores. Sobre a segunda não se pode ainda identificar
os impactos, mas seguramente gerarão mudanças significativas na estratégia
de sobrevivência dos partidos nas próximas eleições, visto que mexe com a
principal fonte de recursos que vinha, pelo menos até agora, determinando de
forma desmedida os resultados eleitorais e a força dos partidos no Parlamento.
Tanto na legislação que regula as regras eleitorais quanto na do financiamento
de campanhas e partidos, as interações entre o Parlamento e o STF acabaram
gerando, ao longo do tempo, idas e vindas e efeitos não intencionais advindos
dessa instabilidade. Em boa medida, tanto a extrema fragmentação partidária
quanto a elevada força do dinheiro empresarial nas eleições é resultado do
comportamento estratégico das elites parlamentares diante das oportunidades
criadas pela instabilidade das regras do jogo. Ao longo do período analisado, as
falhas sequenciais nas tentativas de reforma política pelo Parlamento impediram
mudança institucional que fosse capaz de conter tanto a fragmentação partidária
quanto alterar o modo de financiamento dos partidos. No caso das reformas nas
regras eleitorais, nas poucas vezes que foi possível fazer alterações via maioria
parlamentar, decisões judiciais do STF reverteram o quadro, ajudando a deixar
que o número de partidos aumentasse até estressar ao extremo o sistema político.
Registre-se, contudo, que as reformas mais recentes nesse campo são profundas.
O Congresso aprovou em 2017 medidas que são, para muitos, positivas. O
agravamento da crise política criou as condições para mudanças relevantes e, ao
final, o Parlamento aprovou uma nova reforma política, cujos principais pontos
são a cláusula de barreira de 1,5% (que será progressiva até 3% em 2030) e a
Considerações finais
485
proibição de coligações nas disputas proporcionais (a entrar em vigor em 2022).
É razoável supor que essa combinação de novas regras tenha efeito positivo e
ajude a diminuir a hiperfragmentação partidária, pelo menos em longo prazo. Por
outro lado, a decisão do STF, em 2015, de proibir o financiamento das eleições
por empresas também foi radical. Mudanças significativas nas estratégias dos
partidos para financiar suas campanhas já começaram a acontecer. Na reforma
política de 2017, os parlamentares aprovaram um fundo eleitoral no valor de
1,7 bilhões de reais, o que garante o financiamento de campanha em 2018 com
dinheiro público. São esperadas, ainda, mudanças estratégicas de arrecadação
financeira dos partidos junto aos seus militantes e mudanças também nas estratégias de seleção de candidatos, provavelmente privilegiando aqueles que podem
aportar recursos próprios nas campanhas eleitorais – leia-se, os mais ricos. Esses
movimentos, contudo, ainda estão por gerar seus efeitos, e só poderão ser adequadamente avaliados em tempo futuro.
Ainda na segunda parte do livro, que tem como foco os partidos, achados relevantes ajudam a entender as estratégias de partidos e parlamentares na arena
parlamentar. Importante achado, baseado na distinção conceitual e empírica
entre a coesão e a disciplina partidárias, identifica uma coerência ideológica
(coesão) entre os maiores partidos ao longo de três legislaturas. Ao mesmo
tempo em que chama a atenção o fato de que o eixo estruturador do comportamento do parlamentar em votações nominais no Plenário (disciplina) é a
clivagem governo/oposição. Um importante puzzle se coloca na medida em
que se conclui que deputados agem sob uma tensão entre o que pensam e os
constrangimentos e os incentivos das regras institucionais. Há pelo menos duas
implicações dessa análise para o processo decisório. A primeira é que aprovar
uma agenda legislativa certamente dependerá de como as lideranças partidárias
conduzirem o processo de coordenação política de seus membros. A segunda,
reforça a ideia da necessidade de o Executivo gerenciar de forma eficiente suas
coalizões governamentais, problema já conhecido de todos.
Resultado que se comunica com o anterior encontra-se no capítulo 8, oferecido
por Ferreira Júnior e Fabiano Schwartz. Eles apresentam achados que deixam a
intepretação sobre o comportamento parlamentar em Plenário ainda mais intrigante. Análise empírica robusta não foi capaz de confirmar a hipótese segundo a
qual as votações nominais respondem a ciclos eleitorais, como sugere a literatura
sobre o tema. Os autores sustentam que a taxa de apoio ao governo é de 61%,
486
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
percentual significativamente menor que o apresentado pela literatura corrente
(entre 80% e 85%). Ao empregar nova metodologia no tratamento dos dados
sobre as votações nominais, chamam a atenção para dois pontos importantes.
O primeiro é que um número maior do que se acreditava de parlamentares
abandona a base de governo quando em confronto com a orientação do seu líder.
Não raramente essa orientação pode ser conflituosa com seus interesses e com
suas ideias. A segunda sugere que é possível levantar hipóteses sobre o comportamento fugidio de cerca de 25% dos parlamentares, que faltam votações talvez
para não enfrentar a situação na qual tenham que escolher entre acompanhar o
governo e contrariar sua constituence. Segundo os autores, o apoio ao governo
e a previsibilidade do comportamento dos parlamentares e dos partidos no Plenário vinham sendo superestimados.
Duas estratégias dos líderes partidários para lidar com o dia a dia em um
Congresso fragmentado também foram alvo de análise neste volume. A primeira
buscou enxergar e compreender a organização burocrática dos gabinetes dessas
lideranças partidárias. Conclui-se que há correlação entre o papel desempenhado pelo partido na arena eleitoral e na arena legislativa e a forma de prover
a organização da burocracia da respectiva liderança na Câmara dos Deputados.
Partidos principais e oposicionistas digladiam-se pelo poder e buscam produzir
mais informação. Para tanto, optam por estruturas burocráticas especializadas.
Por outro lado, o pragmatismo político determina também essa composição.
Deputados também se beneficiam de cargos na estrutura do Legislativo, e esses
cargos são mais fortemente usados como moeda de troca por partidos do tipo
office seeking.
A segunda estratégia utilizada pelas lideranças partidárias no dia a dia da
atividade parlamentar é o uso das redes sociais como forma de comunicação.
Avaliando as táticas discursivas utilizadas no Facebook pelas lideranças dos
principais partidos, Sathler, Barros e Bernardes afirmam que essa estratégia é
pouco interativa e que regra geral não envolve conteúdo próprio. Basicamente
os perfis reproduzem o conteúdo da mídia convencional e a interação entre os
partidos e os cidadãos fica em segundo plano. A estratégia dominante nesses
perfis é a comunicação com os próprios partidos e os demais atores políticos
e agentes governamentais que fazem interlocução na esfera parlamentar. Esse
ambiente virtual, segundo os autores, caracteriza-se muito mais como um circuito restrito de interlocução utilizado como política de visibilidade seletiva.
Considerações finais
487
Na última parte do livro, que volta suas atenções para o sistema de comissões
parlamentares, mudanças institucionais significativas também foram relatadas.
A descentralização do processo legislativo é a principal delas. Almeida registra
que o processo legislativo da Câmara dos Deputados mudou, diminuindo o uso
relativo de dispositivos extraordinários de tramitação (MP e urgência) e conferindo ao sistema de comissões permanentes maior protagonismo. As comissões
parlamentares passaram a exercer um papel cada vez mais relevante no processo decisório, vis-à-vis o Plenário. A investigação apresenta sólida evidência
empírica e explica que o recente crescimento do protagonismo das comissões
decorreu de mudanças na distribuição das preferências dos parlamentares. Mais
precisamente, da diminuição da polarização entre a maioria governista e a minoria opositora. Segundo o autor, a polarização (menor no período mais recente)
aumentou a probabilidade de se privilegiar as comissões, em detrimento do
Plenário. A análise se contrapõe às interpretações mais correntes na literatura e
convida a refletir sobre a revisão de aspectos relevantes das explicações sobre
as bases institucionais do presidencialismo de coalizão no Brasil.
Outro achado relevante diz respeito à atuação dos grupos de interesse no âmbito
das comissões parlamentares. Resende registra que é predominantemente para
as comissões que os grupos de interesse deslocam seus esforços de lobbying.
Comissões, na visão desses grupos, são os loci privilegiados para tentar influir
no processo decisório. Para os interesses organizados, segundo pesquisas
analisadas pelo autor, presidentes de comissões e relatores são atores centrais e
têm (para eles) papel mais relevante no processo legislativo do que os poderosos
líderes partidários, por exemplo. A intensa ação dos interesses organizados nas
comissões representa um enorme número de inputs ao processo legislativo. Não
há razão, claro, para ver esse quadro como negativo do ponto de vista normativo, afinal, quanto mais interesses forem considerados no processo decisório,
mais democrático e participativo ele será. Mas a intensa presença de múltiplos
(e frequentemente conflitivos) inputs somados ao recente protagonismo das
comissões, sugere um processo legislativo com maior número de atores com
poder de veto. E como nos ensina Tsebelis, isso afeta negativamente a probabilidade de mudança do status quo. Embora mais estudos precisem ser feitos nesta
direção, há motivos para crer que isso se configura como mais uma barreira ao
controle da atividade legislativa pelo Poder Executivo e, consequentemente,
para a aprovação da sua agenda legislativa.
488
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Por fim, uma perversa estabilidade é constatada. Trata-se da continuidade
da exclusão das mulheres como atores centrais no processo decisório. Perlin
mostra que, nesse campo, nada mudou e o Parlamento continua reproduzindo
as diferenças de gênero da sociedade, circunscrevendo as parlamentares aos
espaços menos estratégicos para o processo decisório. A elas é permitida a
participação no processo político do ponto de vista formal, mas, de fato, não
alcançam os espaços nos quais as negociações políticas envolvem um capital
político mais caro e maior influência. A estabilidade encontrada mostra que essa
mudança não acontecerá “naturalmente” ou “com o tempo”, como versam os
pouco interessados em promovê-las. Ela dependerá de mudanças institucionais
(formais e informais) claramente intencionadas. Infelizmente não se encontram
em marcha mudanças nessa direção, o que demonstra a necessidade e urgência
do debate sobre o tema. Afinal, permanecendo o quadro, o viés representativo
de gênero continuará a reproduzir injustiças e a minar as bases da representação
política necessárias ao aperfeiçoamento da democracia.
As análises aqui empreendidas mostraram um sistema político em movimento.
As transformações nos poderes de agenda do presidente, nas relações Executivo-Legislativo, o crescente protagonismo do Supremo Tribunal Federal, a descentralização do processo legislativo, a fragmentação partidária e a crescente influência dos grupos de interesse foram as principais mudanças institucionais
identificadas. De forma resumida, a principal e mais relevante conclusão é que o
sistema político brasileiro conta, hoje, com mais atores com poder de veto. Esse
quadro sugere um sistema político significativamente diferente daquele observado no início da nova ordem constitucional, iniciada em 1988.
A opção de tomar como ponto de partida a análise do Parlamento e suas relações
com outros Poderes permitiu ver que algumas dessas mudanças foram impulsionadas de fora para dentro, como as pressões para soluções institucionais a crises
políticas. Outras foram produzidas a partir da própria Casa, de dentro para fora,
como as transformações na institucionalidade das comissões parlamentares e
as tentativas das lideranças partidárias de lidarem com os problemas de coordenação política. Assim, seja por seus fazeres, por pressões externas ou por contingência de sucessivas crises, o Parlamento e o presidencialismo de coalizão
brasileiro seguem sempre convidando a novas interpretações.
Seria mais fácil se as instituições políticas fossem mais estáveis, para que
pudessem ser melhor dissecadas e conhecidas cientificamente. Mas, como o
Considerações finais
489
termo diz, a dissecação é para os mortos. Uma instituição viva e dinâmica como
o Parlamento requer que os estudos tenham sempre uma dimensão exploratória, aproximativa e que, acima de tudo, estejam abertos a novos olhares, em
diferentes momentos e a partir de múltiplos ângulos. A presente obra é mais um
fotograma nesse filme de longa-metragem.
491
Sobre os autores
Giovana Dal Bianco Perlin
Doutora e mestra em Psicologia, especialista em Ciência Política, professora e psicóloga. Exerce
o cargo de analista legislativo na Câmara dos Deputados, atuando na área de processo legislativo
e treinamento, desenvolvimento e educação. É docente e pesquisadora do Mestrado em Poder
Legislativo da Câmara dos Deputados.
E-mail:
[email protected]
Manoel Leonardo Santos
Professor do Dep. de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco/Universidad de
Salamanca (Espanha). Foi pesquisador visitante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) (2011/2013 e 2016/2017). Atualmente é diretor do Centro de Estudos Legislativos (UFMG).
E-mail:
[email protected]
Acir Almeida
Pesquisador de carreira do Ipea e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais
e Políticos da Universidade do Estado do Rio de janeiro (Iesp/Uerj). Suas áreas de interesse são
estudos legislativos e instituições políticas.
E-mail:
[email protected]
Aldenir Brandão da Rocha
Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Católica de Brasília (1991) e
graduação bacharelado em Direito pela Universidade Paulista (2004). Pós-graduado em Direito
Público, pela Universidade Católica de Brasília (2005) e especialista em Processo Legislativo,
pelo Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados (2008),
mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, área de concentração: Políticas e
Instituições. tem experiência na área de Direito. Atualmente é técnico legislativo da Câmara
dos Deputados e advogado, com ênfase em Direito Civil.
E-mail:
[email protected]
André Rehbein Sathler Guimarães
Economista pela UFMG, mestre em Informática pela PUC-Campinas, mestre em Comunicação
pela Umesp, doutor em Filosofia pela UFSCar. Consultor da Capes, do Ministério da Educação, do Ministério da Justiça e membro do Comitê Gestor do Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia em Democracia Digital (CNPq). Atualmente é analista legislativo na Câmara dos
492
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Deputados, atuando como docente do Mestrado Profissional em Poder Legislativo e assessor
econômico da Liderança do Partido Socialista Brasileiro.
E-mail:
[email protected]
Antônio Teixeira de Barros
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (1999). Pós-doutor em Comunicação pela
Universidade Fernando Pessoa (2008). Docente e pesquisador do Programa de Mestrado em
Ciência Política do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara
dos Deputados, vinculado à linha de pesquisa Política Institucional do Poder Legislativo.
Coordenador do grupo de pesquisa, interatividade, visibilidade e transparência: estratégias
da Câmara dos Deputados para aperfeiçoamento da democracia.
E-mail:
[email protected]
Carlos Ranulfo Melo
Professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG e pesquisador 1D do CNPq. É
autor de Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária na Câmara dos Deputados (Ed.
UFMG), coautor de Governabilidade e representação política na América do Sul (Konrad-Adenauer/Unesp) e coeditor de La democracia brasileña: balance y perspectivas para el siglo
21 (Ed. Salamanca). Tem artigos publicados sobre partidos, sistemas partidários, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.
E-mail:
[email protected]
Ciro Antônio da Silva Resende
Mestre em Ciência Política pela UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da
UFMG (CEL-UFMG). É graduado em Gestão Pública pela mesma Universidade e foi assistente
de pesquisa no Ipea. Suas áreas de interesse são estudos relacionados a Poder Legislativo e
lobbying.
E-mail:
[email protected]
Cristiane Brum Bernardes
Doutora em Ciência Política (2010) pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da
UERJ. Mestra em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (2004). Docente do Mestrado Profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
Pesquisadora visitante no Centro de Estudos Legislativos da Escola de Política, Filosofia e
Estudos Internacionais da Universidade de Hull, no Reino Unido (2013). Tem experiência na
área de Comunicação e Política, atuando principalmente nos seguintes temas: Legislativo e
internet, representação e participação política, internet e política no Brasil, relações entre campo
midiático e campo político, comunicação pública, jornalismo popular.
E-mail:
[email protected]
Sobre os autores
493
Ernani Carvalho
Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2005), foi Visiting Research na
Universidade de Coimbra (2003-04) e na Universitat Pompeu Fabra (2012-2013). Foi coordenador do curso de bacharelado em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) (2008-2010). Foi diretor da Associação Brasileira de Relações
Internacionais (ABRI / 2009-2011). Foi coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política da UFPE (2010-2012). Foi assessor do reitor da UFPE (2011-2012). Atualmente
é professor associado I do Departamento de Ciência Política da UFPE, onde exerce a função
de pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação. Também é bolsista de Produtividade em Pesquisa
(Nível 2) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é
o atual editor da Revista Política Hoje e editor associado da Revista Brasileira de Ciências
Sociais. Coordenou projetos de pesquisa financiados pela Facepe, CNPq e Capes. Publicou artigos na Análise Social, America Latina Hoy, Brazilian Political Science Review, Revista de
Sociologia e Política, Lua Nova, Sociologias, Revista Direito GV, entre outras e é parecerista da
America Latina Hoy, Brazilian Political Science Review, Revista Brasileira de Ciências Sociais,
Dados, Análise Social (Lisboa), Revista de Sociologia e Política, Latin American Policy, Revista
Colombia Internacional, Revista Direito GV, entre outras. Tem interesse nas áreas de política
brasileira, política comparada e política internacional.
E-mail:
[email protected]
Fabiano Peruzzo Schwartz
Analista legislativo na Câmara dos Deputados, atual diretor da Coordenação de Pós-Graduação
do Cefor. Graduado em Processamento de Dados (UCB – 1993) e em Engenharia Elétrica
(UnB – 1995), é mestre em Ciência da Computação (UnB – 1997) e doutor em Engenharia
de Sistemas Eletrônicos e de Automação (UnB – 2010). Professor/Pesquisador no Curso de
Mestrado Profissional em Poder Legislativo, ensina e orienta nas áreas de gestão pública e
estatística.
E-mail:
[email protected]
Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt
Possui graduação em Ciências Econômicas pela Uerj (1990). É mestre em Poder Legislativo
(Mestrado Profissional em Poder Legislativo do Cefor da Câmara dos Deputados). Atualmente
é professor universitário e consultor legislativo em orçamentos do Senado Federal. Atua principalmente nos seguintes temas: orçamento, fiscalização, controle, auditoria e assessoramento
legislativo.
E-mail:
[email protected]
José Mário Wanderley Gomes Neto
Advogado, cientista político, professor e pesquisador do Praetor – Grupo de estudos sobre
Poder Judiciário, Política e Sociedade (UFPE) e do Logos – Processo, Linguagem e Tecnologia
(Universidade Católica de Pernambuco). Possui graduação em Direito pela Universidade
Católica de Pernambuco (2000), mestrado em Direito pela UFPE (2003) e doutorado em Ciência
494
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Política pela UFPE (2015). Atualmente é professor da Universidade Católica de Pernambuco.
Tem experiência nas áreas de Direito e Ciência Política, atuando principalmente nos seguintes
temas: democracia, controle de constitucionalidade, instituições políticas, judicialização da
política, direitos humanos e acesso à justiça.
E-mail:
[email protected]
Lincoln Macário Maia
Jornalista pela UnB; mestre em Ciência Política pela Câmara dos Deputados; especialista em
Políticas Públicas pela UnB. Analista legislativo da Câmara dos Deputados; editor-chefe da
Rádio Câmara. Repórter setorista no Congresso Nacional por mais uma década em vários
veículos. Presidiu o Sindicato dos Jornalistas do DF e preside a Associação Brasileira de
Comunicação Pública.
E-mail:
[email protected]
Luis Felipe Andrade Barbosa
Advogado, cientista político, professor de Direito na Asces/Unita e pesquisador do Praetor
(UFPE), com bacharelado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2006) e
bacharelado em Ciências Sociais pela UFPE (2009). Possui mestrado em Ciência Política
pelo PPGCP/UFPE e é atualmente doutorando em Ciência Política da mesma instituição. Tem
experiência nas áreas de Direito e Ciência Política, atuando principalmente nos seguintes temas:
democracia, Poder Judiciário, controle de constitucionalidade, instituições políticas, judicialização da política, ativismo e autocontenção judicial, direitos fundamentais e acesso à justiça.
E-mail:
[email protected]
Malena Rehbein Rodrigues Sathler
Doutora em Ciência Política e Sociologia pelo Iuperj, hoje Iesp-Uerj, em janeiro de 2011.
Possui mestrado em Relações Internacionais e Teoria Política Contemporânea no Centro de
Estudos para a Democracia da Universidade de Westminster/Londres (2003), mestrado em
Comunicação (1997) e graduação em Comunicação Social – habilitação Jornalismo – pela UnB
(1994). É analista legislativa da Câmara dos Deputados, onde trabalha como jornalista e professora do mestrado em Poder Legislativo (Cefor). Tem experiência na área de Ciência Política
e Jornalismo, atuando principalmente nos seguintes temas: democracia, mídia/política, jornalismo político, participação e representação política, democracia digital, corrupção.
E-mail:
[email protected]
Marcello Fragano Baird
Mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Foi pesquisador
visitante na Columbia University (NY). Possui graduação em Relações Internacionais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006) e em Ciências Sociais pela USP (2007).
Atualmente, é professor do curso de pós-graduação Legislativo e Democracia da Escola do
Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, professor assistente do curso de Relações In-
Sobre os autores
495
ternacionais na ESPM e professor do MBA em Relações Governamentais na Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Tem experiência na área de Relações Internacionais e Ciência Política, com
ênfase em grupos de interesse, lobby, advocacy, agências reguladoras, políticas públicas, processo decisório e segurança pública.
E-mail:
[email protected]
Neilor Fermino Camargo
Possui mestrado em Informática na Área de Tecnologia da Informação pela Universidade Federal do Paraná (2003), graduado em Ciências Econômicas pela Fundação de Estudos Sociais
do Paraná (1975). Atualmente é professor na Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral.
Tem experiência com mais de trinta anos no desenvolvimento, administração e consultoria de
sistemas de informação, redes e bancos de dados, com atuação no Ministério do Trabalho na
Caixa Econômica Federal e em empresas privadas nas áreas financeira, industrial e educacional.
E-mail:
[email protected]
Nivaldo A. Ferreira Júnior
Analista Legislativo da Câmara dos Deputados e pesquisador e professor colaborador do programa de pós-graduação do Cefor. Doutorando (UnB, 2014) e mestre Ciência Política (UnB,
2013). Especialista em Direito Administrativo e Processo Administrativo (Ucam, 2004) e em
Processo Legislativo, (Cefor, 2007), licenciado em Letras-Português (IESA, 2013) e bacharel
em Direito (Ceub, 1998).
E-mail:
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Rafael Câmara de Melo
Doutor em Ciência Política pela UFMG. Graduado em Ciências Sociais pela mesma instituição.
Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos vinculado ao Departamento de Ciência Política
da UFMG. Trabalha na área de Instituições Democráticas, com ênfase nos estudos sobre os
Poderes Executivo e Legislativo.
E-mail:
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Ricardo de João Braga
Professor no Cefor da Câmara dos Deputados e coordenador da área de Pós-Graduação.
Atua em seu curso de Mestrado em Poder Legislativo, cursos de especialização e cursos livres.
Trabalhou anteriormente no Poder Executivo como gestor governamental, especificamente
nos Ministérios da Fazenda, Previdência Social e Meio Ambiente. Na Câmara dos Deputados
exerceu também atividades de analista legislativo em lideranças partidárias. Obteve seu doutoramento em Ciência Política pelo Iesp/Uerj em 2011 (Mestrado UnB, 2006). Suas áreas de interesse são estudos legislativos, política comparada e relações Política-Economia, com foco especial no Brasil Democrático (período 1946-1964 e pós-1985). As palavras-chaves mais comuns
em suas atividades são representação política, processo legislativo e Câmara dos Deputados.
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PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO EM MOVIMENTO
Rodrigo Bedritichuk
Analista legislativo do Senado Federal. Mestre em Ciência Política pela UnB. Especialista
em Ciência Política pelo Instituto Legislativo Brasileiro. Graduado em Economia pela UnB e
Direito pelo UniCeub.
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Rodrigo Rossi Horochovski
Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Programas de Pós-graduação em Ciência
Política e em Desenvolvimento Territorial Sustentável, Setor Litoral, Matinhos, PR, Brasil.
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Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo
Consultora legislativa da Câmara dos Deputados. Doutora e mestre em Ciência Política pela
UnB. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UnB e Direito pelo UniCeub. Atualmente é
presidente do Ibama.
E-mail:
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Wagner Pralon Mancuso
Professor da USP, Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Programas de Pós-graduação em
Ciência Política e em Relações Internacionais, São Paulo, SP.
E-mail:
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Presidencialismo de coalizão
em movimento é uma coletânea
de artigos de pesquisadores
vinculados ao Programa da
Pós-Graduação em Ciência
Política da Universidade
Federal de Minas Gerais
(UFMG) e ao Mestrado
Profissional em Poder
Legislativo do Centro de
Formação, Treinamento e
Aperfeiçoamento (Cefor)
da Câmara dos Deputados,
resultado da parceria
técnico-científica entre os
programas de pós-graduação
das duas instituições.
Os autores buscam
descrever e explicar a
mudança institucional no
presidencialismo de coalizão
brasileiro com ênfase nas
relações entre o Poder
Legislativo e os outros poderes,
os partidos políticos e as
comissões parlamentares.
A obra decorre do esforço
institucional e acadêmico e
da inquietação epistemológica
própria de pesquisadores e
profissionais comprometidos
com a busca de explicações
para questões relevantes do
ponto de vista científico, social
e político, com a disseminação
de valores democráticos e
com o oferecimento de uma
reflexão crítica que contribua
para a melhoria do desempenho
institucional do Legislativo.
Longe de pretender exaurir o
complexo tema da evolução do
presidencialismo de coalizão,
com um razoável grau de
unidade e coerência, de modo a
propiciar uma leitura aprazível,
abrangente e bem articulada,
esta obra lança novos olhares,
oferece perspectivas de
análise importantes, revisita
modelos, abre espaço para
novas questões e, finalmente,
convida à continuidade do
diálogo sobre o tema.
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ESTUDOS E DEBATES