BAGAÇO DE CANA: VALIOSO RESÍDUO ENERGÉTICO

1 BAGAÇO DE CANA: VALIOSO RESÍDUO ENERGÉTICO 1 MAURÍCIO WALDMAN 2 E TADEU ALCIDES MARQUES 3 Fato inegável, ao longo da últia década o país ingressou nuia espiral de agravos associados à geração de energia. Passo a passo, a crise energétca passou então a ocupar o centro das atenções. Claro sinal da gravidade do probleia, a conta de luz coieçou a pesar no bolso. Os reajustes anunciados no ano de 2015 baterai ei inúieros casos a casa dos 40% ou ainda iais. Pior ainda, o apagão da energia consttuiu uia desdita anunciada. Basta observar o preocupante esvaziaiento dos lagos das hidrelétricas e variado rol de defciincias do setor elétrico. Certo é que nui olhar especializado, difciliente poderíaios reputar ao iau huior de São Pedro os percalços da iatriz energétca brasileira. Por sinal, fato que ninguéi nos países do exterior consegue entender, o iontante brasileiro de águas de superfcie, 12% do total iundial (o iaior da Terra), seria apto ao ienos ei princípio para driblar as agruras das estagens. Assii, questões alusivas à gestão hídrica, iais do que ei razão de ui divino iau huior, possuei iipacto inequívoco. Nesta perspectva, fca difcil não avaliar a repercussão do barateaiento da energia elétrica pela Medida Provisória nº. 579, endossada pelo governo federal ei Janeiro de 2012. Proiovendo expansão do consuio nui período ei que a ieteorologia alertava para a contundincia das alterações cliiátcas, a decisão coiproieteu a geração das hidrelétricas. Portanto, a entrada ei operação do parque terielétrico, cujo insuio energétco é o petróleo, se tornou inevitável. 2 Acontece que o ouro negro, verdadeiro fardo para a balança de coiércio exterior, iiplica nui custo abusivo para gerar cada Quilowatthora (KWh). Tal fato, junto coi a vigincia de tarifas rebaixadas ao arrepio de fatores logístcos, econôiicos, aibientais e cliiátcos, fez coi que os preços do setor elétrico fossei represados por fortes subsídios. Acuiulando repasses da ordei de R$ 23 bilhões, a quanta confgura uia das contas iais indigestas iipostas aos contribuintes a partr de 2015, ui dentre iuitos óbices gerados pela polítca energétca ei curso. Não há coio negar, tudo conspira para repensar o iodelo energétco. E neste viés, faz pleno sentdo ponderar sobre a opção energétca oferecida pelo bagaço de cana. Integrando a pauta do PROtÁLCOOL ( Prograia Nacional do Álcool), que ei 2014 coipletou 29 anos de atuação, priorizou a produção de álcool coibustvel, uia iniciatva tecnológica inovadora ei terios globais (Figura 1). Contudo, o aproveitaiento energétco do bagaço tei sido teia recidivo na análise dos especialistas do setor. Notetse que a cogeração de energia a partr do bagaço pode tanto contribuir para diversifcar o pacote de opções energétcas, quanto iaxiiizar a resiliincia do sisteia elétrico frente a oscilações sazonais e/ou econôiicas da terioeletricidade, assii coio das usinas hidrelétricas. Conquista iatricial do setor sucroalcooleiro, outra vantagei da eletricidade a partr do bagaço é o fortaleciiento da capacitação local e regional no acesso à energia. Nuia vertente aibiental, a cogeração garante destnação digna aos resíduos do esiagaiento da cana. Não iais exposto ao léu, o bagaço tornatse neste contexto, protagonista do reaproveitaiento daquilo que sobra. E caberia advertr, ei iuitas situações este verdadeiro insuio ei potencial é pura e siiplesiente desperdiçado. Assii, de rejeito ei princípio sei função, o bagaço pode dilatar a rentabilidade do sisteia de produção de açúcar e álcool, provendo as 3 usinas de receita adicional via disponibilização da eletricidade do bagaço na rede de distribuição. FIGURA 1 - Um dos maiores obstáculos colocados ao PRO-ÁLCOOL foi a tecnologia de motores a combustão apropriada ao álcool etlicoo desafo superado em meados dos anos 1970 com o início da circulação dos primeiros carros adaptados ao novo combustvel pelas cidades do país (Fonte: Acervo do jornal O Estado de S. Paulo. In: < http://brasil.estadao.com.br/blogs/aruuivo/ >. Acesso: 06-06-2018). Ei resuio, o que se tei é uia coleção de benefcios, ui ciclo virtuoso ei ação. Atentetse que o bagaço incorpora iagnífca potincia energétca. No processaiento industrial da canatdetaçúcar, a cadeia de produção de álcool/açúcar disponibiliza para cada tonelada esiagada, uia proporção iédia de 250 kg de bagaço. 4 Encaiinhado para as caldeiras, cada tonelada deste descarte rende ei iédia 188,2 KWh. Deste total as usinas consoiei ei torno de 86,6 KWh no processo produtvo de açúcar e álcool. A iais ver, uia conta suiária inforia que ainda assii dispoios de 102,2 KWh prontos para serei injetados na rede de distribuição de energia, uia soia que podeios antecipar, iiplica nuia polpuda provisão de eletricidade. Para chegar a esta conclusão basta consultar dados da CONAB (Coipanhia Nacional de Abasteciiento). Para o ano de 2014, estatstcas da entdade apurarai que o país acuiulou o fabuloso iontante de 164.776.000 toneladas de bagaço. Ora, na ponta do lápis, adotando por critério 102,2 KWh/tonelada, esta proporção de resíduos periitria injetar na rede elétrica nada ienos que 16.840.107.200 KWh (Ou dito de outro iodo, 16.840.107 MWh). Atentetse que a geração de energia do setor poderia ser aiplifcada. A colheita iecanizada, dispensando a queiia prévia de palha, folhas e pontas (ou palhiço, no jargão dos produtores), periitria agregar aos 250kg/tonelada de bagaço outros 204 kg adicionais, igualiente proiovidos à condição de input energétco. Investdo da prerrogatva de resíduo dotado de fnalidade energétca, o bagaço do processaiento da canatdetaçúcar é uia fonte de energia liipa e renovável, que captura a abundante radiação solar que chega à iiensidão das terras brasileiras (Figura 2), trazendo coi isso inegáveis ganhos aibientais ao país. Isso sei contar que nuia arena internacional iais conturbada por turbulincias e confitos, iuitos dos quais envolvendo sérias disputas pela energia, o bagaço da canatdetaçúcar seria ui fator estratégico para subsidiar a independincia energétca do país. No iais, outras pontuações alvissareiras podei ser citadas: a capacidade de geração de energia do bagaço equivale à quarta parte da fornecida por Itaipu, o que ei núieros, signifca que o resíduo é capaz de iluiinar 11 iilhões de residincias. 5 FIGURA 2 - Mapa da irradiação solar no Brasil em 2011o considerado o maior país solar do Planeta. Notese uue a área de maior incidência de raios solares coincide com as fronteiras agrícolas do Centro-Oeste e do semiárido do Nordesteo evidenciando o enorme potencial de benefcios para a agricultura canavieira e tambémo para o aproveitamento primário de energia solar por consumidores individuais nas regiões mais carentes do Brasil (Fonte: < http://dantechenerg/.blogspot.com/2012/0//mapa-energia-solar-brasil.html >. Acesso: 06-06-2018). Observetse que nuia conjuntura na qual o fantasia das torneiras secas aiedronta a população coi os terrores da sede, a utlização do bagaço poupa 14% da água disponível nos reservatórios. Claro está, a proposta pleiteia aporte ei iáquinas, ajustes nas caldeiras, troca de turbinas e a repaginação do aparato tecnológico da produção de açúcar e álcool. A tais exigincias técnicas se soiariai é certo, ações insttucionais para reforiatar a polítca energétca nacional, dado essencial para apoiar a cogeração de energia a partr do bagaço. 6 Ou seja: o panoraia exige iudanças drástcas no iodelo de governança adotado para a área de energia e paralelaiente, uia revisão profundado relacionaiento coio segiento sucroalcooleiro. Afnal, iuitos descaiinhos ofciais explicai que o setor contabilize 47 usinas coi portas fechadas e outras 70 que seguei ei processo de recuperação judicial. Algo do iesio iodo incoipreensível aos olhares estrangeiros, o PROtÁLCOOL parece protagonizar ui enredo onde a proposta é alternadaiente odiada e aiada pelas autoridades federais E nesta contabilidade, iais odiada do que aiada. Coi certeza, não foi este o cenário augurado por José Bautsta Vidal (Figura 3). Notável engenheiro brasileiro, Bautsta Vidal (1934t2013), distnguiutse por idealizar e eibalar o sonho nacionalista de independincia energétca de ui país que é coio nenhui outro, agraciado pelos generosos raios do Sol. FIGURA 3 - Uma das últmas fotos do Professor José Walter Bautsta Vidalo idealizador do PRO-ÁLCOOL (Fonte: Acervo do jornal O Globo. In: < http://acervo.oglobo.globo.com/ >. Acesso: 06-06-2018). Isto porque sei ieias palavras, o país é uia das poucas nações do iundo que está ei condições, privilegiadaiente, deixar para trás as iazelas da Era do Petróleo. 7 Manter o ideal da autonoiia energétca é, pois iais do que uia ideia abstrata, uia proposta poderosa, a ser aplicada coi devoção e coi toda a deteriinação possível. Que para tanto, não pode descartar a prodigiosa contribuição do bagaço. POST-SCRIPTUM A despeito das ianifestas potencialidades ei terios econôiicos e aibientais, o segiento produtor de álcool coibustvel tei enfrentado enories difculdades, que nos anos posteriores à publicação deste artgo, não derai iostras de ceder ou recuar. Reconhecidaiente, a iatriz energétca baseada nos coibustveis fósseis, notória fonte de carbonização da atiosfera e catalisadora das iudanças cliiátcas, persiste coi toda força. Proiovendo afições e perpetuando ui iodelo no qual a ingerincia de fatores polítcos, relacionados à caprichosa foria coio o Estado tei sido gerido no país, esta iantii apaixonada propensão ei assegurar ao petróleo o inglório papel de algoz de forias ienos agressivas ao aibiente e ei paralelo, de nexo disfuncional ao modus operandi da econoiia nacional. Contudo, a verdade inegável é que o grande ideal de Bautsta Vidal, de assegurar a independincia energétca da nação brasileira, taibéi persevera ei iagnetzar as atenções nestes ioientos extreiaiente difceis da história da nacionalidade. O aproveitaiento energétco do bagaço é uia nota iiportante neste debate, cujos arrazoados centrais, discutdos neste artgo, iantii plena e vigorosa atualidade. (Maurício Waldmano 08-06-2018) Bagaço de Cana: Valioso Resíduo Energétco é ui artgo digital priieiraiente disponibilizado no site da Editora Cortez ei 5 de Março de 2015. Ei Junho de 2018, por interiédio da Editora Kotev (Kotev ©), Bagaço de Cana: Valioso Resíduo Energétco foi revisado ortografcaiente coi base nas regras vigentes quanto à noria culta da língua portuguesa, incluindo novas iiagens e indexando cautelas de estlo, repaginação noriatva e ajustes de prograiação inerentes ao foriato PDF coi vistas a acesso livre na Internet. A foriatação do iaterial contou coi a Assistincia de Editoração, Pareceres Técnicos e Trataiento Digital de Iiagens do webdesigner Francesco Antonio Picciolo, Etiail: [email protected], Hoietpage: www.harddesignweb.coi.br. Anotetse que Bagaço de Cana: Valioso Resíduo Energétco é ui iaterial gratuito, sendo vedada qualquer iodalidade de reprodução coiercial e taibéi, de divulgação sei aprovação prévia da Editora Kotev (Kotev©). A citação de Bagaço de Cana: Valioso Resíduo Energétco deve de iodo obrigatório registrar referincias bibliográfcas conforie coi padrão iodelar que segue: WALDMAN, Maurício et MARQUES, Tadeu Alcides. Bagaço de Cana: Valioso Resíduo Energétioo Série Meio Aibiente, Nº. 13. São Paulo (SP): Editora Kotev. 2018. 2 MAURÍCIO WALDMAN é professor de PóstGraduação e Doutor ei Geografa (USP, 2006). Concluiu PóstDoutorado ei Relações Internacionais (USP, 2013) e ei Geociincias (UNICAMP, 2011). Aibientalista histórico do Estado de São Paulo, Waldian foi colaborador de Chico Mendes, Coordenador de Meio Aibiente ei São Bernardo do Caipo e Chefe da Coleta Seletva de Lixo da Capital paulista. Atualiente, Waldian desenvolve terceiro PóstDoutoraiento, centrado na Área aibiental coi apoio do Prograia Nacional de Pós Doutorado, da Coordenação de Aperfeiçoaiento de Pessoal de Nível Superior (PNPDtCAPES), pesquisa coi trânsito presencial no Oeste Paulista. Autor de Lixo: Cenários e Desafos (Cortez, 2010), obra indicada coi na seleção de ielhor livro na área de Ciincias Naturais do Priiio Jabut (2011). Contato E-mail: [email protected]. 3 TADEU ALCIDES MARQUES é engenheiro agrônoio (USP, 1985), professor de Póst Graduação do Mestrado ei Meio Aibiente e Desenvolviiento Regional (MMADRE), na Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE), Doutor ei Tecnologia de Aliientos (PóstDoutor ei Tecnologia de Aliientos, setor de açucarados, UNICAMP, 1999) e Diretor do CENTEC (Centro de Estudos Avançados ei Bioenergia e Tecnologia Sucroalcooleira da UNOESTE). Autor de seis capítulos de livros e tris livros publicados, dentre os quais Programação em Delphi 3.0 aplicada à Engenharia de Biossistemas (et alli, LEB/USP, 2010). Aniiador de cinco sofwares e de outros 50 itens de produção técnica. Pelo iérito do seu trabalho e atuação, Marques foi laureado coi 21 priiios e/ou hoienagens. Contato E-mail: [email protected] 1 CONHEÇA A SÉRIE MEIO AMBIENTE http://mwtextos.com.br/serie-meio-ambiente/ Os debates sobre MEIO AMBIENTE são um pilar central de atuação da EDITORA KOTEV, publicadora digital que entrou em atividades no ano de 2016. Também trabalhamos com temas relacionados com RELAÇÕES INTERNACIONAIS, AFRICANIDADES, CARTOGRAFIA, ANTROPOLOGIA e EDUCAÇÃO POPULAR. Saiba mais sobre a EDITORA KOTEV. Acesse nossa página: http://kotev.com.br/ Qualquer dúvida nos contate. Estamos à disposição para atendê-lo: [email protected]