Academia.eduAcademia.edu

Resenha Sobre Autoridade Etnografica Ja

Universidade Federal de Pernambuco Centro de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Antropologia História e Teoria Antropológicas II Resenha: SOBRE A AUTORIDADE ETNOGRÁFICA (A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA) James Clifford Professores: Dr. Peter Schröder Dr. António Mota Aluno: Alcides J. D. Lopes Recife, Novembro de 2013. Neste capítulo o autor versa sobre a autoridade etnográfica e procura investigar a natureza do olhar do etnógrafo nas narrativas que desenvolve a partir do estudo do outro. Muito habilmente nos faz perceber que a concretização textual é uma problemática na etnografia contemporânea, e trata de identificar os modos ou processos de autoridade etnográfica mais relevantes, como experiencial, interpretativo, dialógico e polifônico. No início, a leitura nos convida a uma viagem na construção histórica da noção de autoridade etnográfica, de como o etnógrafo tem se encontrado no campo e como ele constrói a legitimidade do seu discurso. O autor usa um modelo imagético para descrever a natureza das diferentes estratégias de construção da autoridade etnográfica. Ele, primeiramente, identifica uma limitação na abordagem que ele chama de Alegoria de Lafitau quando entende que este só transcreve, não cria. Isto a meu ver caracteriza o processo experiencial. Na sequência capta a nossa atenção denunciando um pormenor de elevada importância camuflado na fotografia de Malinowski no frontispício de Os Argonautas, criando uma dinâmica de olhares e também da habilidade dele tornar coerente um fenómeno de acordo com uma estrutura de percepção, caracterizando assim o processo interpretativo. Clifford enuncia o caráter dialético do estudo que foca na formação e desintegração da autoridade etnográfica na antropologia social do sec. XX, ressalvando, no entanto, que os exemplos discutidos se restringem ao âmbito dos ingleses, americanos e franceses. Chama atenção sobre a problemática da representação intercultural e da necessidade de imaginar um mundo de etnografia generalizada. Toda essa diversidade e oposições são cristalizadas no conceito de “heteroglossia” onde, segundo ele, fica mais difícil conceber a diversidade humana como culturas independentes e inscritas, e sim, um fenômeno que resulta em um efeito sincrético inventivo. Aparece aqui uma crítica reflexiva sobre o lugar da etnografia moderna em comparação com as outras precedentes quando comenta sobre o “realismo” e autoridade sobre o relato implícito no trabalho de campo moderno. Há uma descrição das exigências da observação participante no que toca ao aprendizado de habilidades específicas, mas chama atenção ao mito do trabalho de campo. O autor reitera a legitimidade da etnografia na construção do conhecimento a partir de um intenso envolvimento intersubjetivo e critica os atuais estilos de descrição cultural por serem historicamente limitados e instáveis. No parágrafo seguinte faz menção ao comprometimento político-ideológico da etnografia e da construção da concepção do trabalho de campo intensivo, realizado por especialistas como fonte privilegiada e legitimada de dados etnográficos. A discussão aborda a atual crise de autoridade quando se questiona a forma como se constrói a legitimidade etnográfica e afirma que a etnografia está imersa na escrita e que esta traduz a experiência para a forma textual. A discussão procura localizar esta autoridade historicamente e elabora uma crítica das suposições subjacentes a esta autoridade e uma resenha de práticas textuais emergentes. James Clifford explica sobre a criação de uma nova forma particular de autoridade, no final do séc. XIX, em que há uma validação científica baseada numa singular experiência pessoal e que nos inícios do séc. XX o que emerge é uma nova fusão de teoria com pesquisa empírica, de análise cultural com descrição etnográfica. Mesmo antes do surgimento da etnografia profissional já se tentava controlar a qualidade dos relatos. Esta característica define o fazer etnográfico que vai culminar em Boas – a coleta de dados por cientistas treinados na academia. Segundo o autor, o estabelecimento da observação participante intensiva se dá com Malinowski e mais uma vez, é delicada a situação de autoridade do etnógrafo-antropólogo, mas observa que a narrativa de Os Argonautas é arquétipo do conjunto de etnografias. Na década de 1920 surge este gênero científico e literário com as seguintes inovações:       A persona do pesquisador de campo foi legitimada pública e profissionalmente; Permitia-se que o etnógrafo “usasse” as línguas nativas mesmo sem dominá-las; A nova etnografia era marcada por uma acentuada ênfase no poder de observação; Abstrações teóricas servem de auxilio ao etnógrafo; A cultura como um todo complexo está além do alcance numa pesquisa de curta duração, então, o foco se concentra em instituições específicas; Todos os aspectos anteriores tendem a ser produtos sincrónicos de uma atividade de pesquisa. Dessa forma há uma exclusão de processos diacrónicos e a adoção de uma sinédoque (pars pro toto). Estas inovações validam uma etnografia eficiente na observação participante científica, como também leva à abstração científica para direcionar a pesquisa e articular dados complexos. Esta abstração consiste em um argumento sobre a tradução, participação textual, descrição direta e a união subjetiva de análise abstrata com experiência concreta. O autor afirma que esse amálgama peculiar de experiência pessoal intensa e análise científica se denomina observação participante. Este método, se reformulado hermeneuticamente, legitima a experiência do pesquisador como a fonte unificadora da autoridade do campo. Dessa forma a experiência aparece como garantia da autoridade etnográfica. No entanto, não deixa de chamar atenção de que esse “mundo”, quando concebido como uma criação da experiência, é subjetivo, não dialógico ou intersubjetivo. A análise de Ricoeur propõe uma relação necessária entre o texto e o “mundo” e reivindica que a etnografia é a interpretação das culturas enquanto estuda o processo pelo qual o “discurso” se torna texto, e para isto, deve ser separado de uma locução específica e de uma intenção autoral. Assim estes textos se tornam evidências de um contexto englobante, uma realidade “cultural” (o ponto de vista do nativo). O autor comenta sobre as formas de escrita etnográfica que apresentam o modo discursivo, cita o exemplo de Jeanne Favret-Saada como uma experiência incisiva e autoconsciente de etnografia num modo discursivo. Cita os trabalhos de vários autores para identificar o modo dialógico que ressalta elementos discursivo-circunstanciais e intersubjetivos- o processo de dar e receber. Uma posição que o autor vai considerar extrema, porém útil, é a análise do romance “polifônico”. Um campo onde há diversidade, complexidade discursiva e interação dialógica, uma resistência à totalidade. Dá-se a quebra de um tabu profissional pósmalinowskiano sobre os “informantes privilegiados” e a indagação: se a etnografia é parte da “invenção da cultura”, sua atividade é plural e além do controle de qualquer indivíduo. Outra abordagem para realizar a produção colaborativa do conhecimento etnográfico é citar os informantes, essa utopia da autoria, nas palavras de Clifford, atribui aos colaboradores status de enunciadores independentes e de escritores. Para isso adota-se a estratégia da autoridade de “dar voz” ao outro e uma ideia de autoria plural que desafia a profunda identificação ocidental com a intenção de um único autor. Em concordância com o autor conclui-se que a consciência “etnográfica” não pode mais ser considerada monopólio de certas culturas e classes sociais do ocidente. A escrita etnográfica ganha coerência por meio de atos específicos de leitura. Nenhum dos modos de autoridade é obsoleto nem é puro. Os processos experiencial, interpretativo, dialógico e polifônico são encontrados de forma discordante em cada etnografia. A escrita etnográfica está em luta no limite destas possibilidades, ao mesmo tempo contra elas.