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O Belo e a Arte Ou A Arte é só o belo

https://doi.org/10.13140/RG.2.2.13673.60000

Platão é o primeiro "filho" da filosofia, uma vez que Sócrates, seu mestre, é considerado o pai da mesma. Seus textos são repletos de diálogos, onde os personagens citados parecem realmente terem existido, mesmo porque existem citações a estes em textos atribuídos a outros autores contemporâneos ao mesmo, como Xenofonte e Antístenes. O pequeno excerto de três páginas, retirado do Banquete 1 , narra uma conversa de Sócrates com a "estrangeira", Diotima de Mantinéia, que era também sacerdotisa e mestra que o ensinou sobre o erotismo 2 . O dialogo não disserta apenas sobre o Amor (Eros), ou sobre a natureza do Amor, mas também sobre o Belo e a natureza do Belo, que sim, possui uma relação com o Amor.

O Belo e a Arte Ou A Arte é só o belo? Sandro Rinaldi Feliciano Bacharel em Ciências e Humanidades - UFABC Licenciando em Filosofia - UFABC Platão é o primeiro “filho” da filosofia, uma vez que Sócrates, seu mestre, é considerado o pai da mesma. Seus textos são repletos de diálogos, onde os personagens citados parecem realmente terem existido, mesmo porque existem citações a estes em textos atribuídos a outros autores contemporâneos ao mesmo, como Xenofonte e Antístenes. O pequeno excerto de três páginas, retirado do Banquete1, narra uma conversa de Sócrates com a “estrangeira”, Diotima de Mantinéia, que era também sacerdotisa e mestra que o ensinou sobre o erotismo2. O dialogo não disserta apenas sobre o Amor (Eros), ou sobre a natureza do Amor, mas também sobre o Belo e a natureza do Belo, que sim, possui uma relação com o Amor. Primeiramente, Diotima explica que o jovem tende a se dirigir a belos corpos, mas deve amar um só corpo, e dar origem a belas palavras, ou discursos, ou elogios. Depois ele invoca pela lógica, que a beleza de um corpo, é igual, ou até mesmo uma única para todos os corpos, subindo assim o nível do amor, de um corpo, para todos os corpos. Em seguida, ela explica que a beleza da alma deve ser mais preciosa do que a dos corpos, e como parte da alma tem relação direta com os belos ofícios, e as belas leis, pois são de mesmo valor, a Sacerdotisa praticamente elimina a necessidade da beleza dos corpos. Depois, a estrangeira coloca Sócrates no caminho das ciências, deixando clara a não necessidade de ser escravo de um amor corpóreo, para que sejam produzidos diversas reflexões e discursos belos, sendo possível perceber que a aposta da Sacerdotisa, é que um único amor, a um único belo, seja este um corpo ou um ofício, torna a pessoa cega às demais belezas e sabedorias. Ela também afirma que na pratica não existe aquilo que é belo, ou aquilo que é feio, pois a beleza suprema existe em si mesma, independente das coisas que a compõe. Também afirma que o conhecimento da beleza absoluta é a ciência das ciências, e que quem tiver este conhecimento será capaz de criar as verdadeiras virtudes. 1 (PLATÃO, 2011) Pag. 67 - 70 2 Nails, Debra, "Socrates", The Stanford Encyclopedia of Philosophy É possível concluir, que a estrangeira ensinou a Sócrates o amor a tudo e a todos, e desta forma, passou este conhecimento aos seus seguidores, amigos e discípulos durante o Banquete. Por este é possível entender também o motivo de Sócrates ser desapegado das coisas materiais, e também do amor corpóreo no discurso de Alcibíades3. Passando um pouco mais à frente, temos Erwin Panofsky que foi um historiador e crítico de arte alemão, e é um dos principais expoentes do método iconológico, que busca compreender uma obra de arte através de suas estruturas, “ícones”, o que envolve muito de semiótica 4 O autor começa a introdução olhando para o passado, para Platão, e a forma com que o mesmo analisa a beleza como um dos fundamentos universais, e caracterizando sua teoria das Ideias, como algo importante para a estética, embora não tenha conseguido aplica-las a seu tempo. Para Panofsky, a filosofia platônica não é inimiga das artes, sendo ela, apenas estranha à arte. Assim “Platão avalia o valor das produções (...) em função do conceito de um conhecimento verdadeiro (...) uma estética das artes plásticas não pode encontrar lugar em seu sistema filosófico” 5. O autor comenta que só a partir do século XVIII começa uma separação entre estética, teorética e ética, porem Platão delimitou o círculo de produção artística, de forma a abranger o que ele podia aprovar o que no sentido idealista é apenas as formas, por serem eternamente válidas. Assim Platão aceitava a arte egípcia em detrimento da modernidade grega. Uma obra de arte não pode pretender uma categoria mais elevada do que a ideia, pois está em contradição com esta. Assim para Platão uma obra de arte tem valor de uma investigação científica, inteligência teorética e matemática, sendo toda arte mimética. Duplica o mundo sensível (imitação da cópia), ou imita por simulacro (alteração de tamanhos). Para Panofsky, Platão está criticando a escultura de Fídias, devido a manipular o existente, fazendo deformações que dão a ilusão de serem belas. Para Platão não era o artista, mas sim o dialético que tinha a missão de revelar o mundo das ideias. 3 (PLATÃO, 2011) Pag. 74 - 84 (HASENMUELLER, 1978) Hasenmueller, C.; Panofsky, Iconography, and Semiotics, 1978 5 Panofsky, E; IDEA pag. 8-9 4 Após isso analisa Melanchton (Philipp Melanchton, alemão escritor da Confissão de Augsburgo, documento da reforma Luterana) 6 discordando da posição deste quanto à ideia platônica, porém aceitando que a teoria da arte pertence à doutrina das ideias, e de que a antiguidade preparou o terreno para as concepções renascentistas. Já Nietzsche tem um peculiar olhar da estética, que pode ser observado logo no começo do texto ”Teremos ganho muito a favor da ciência estética(...)” 7 pois antes de mais nada, entende a estética, não só como algo relacionado ao belo, mas dá uma dimensão científica, isto é, a estética tem como ser estudada, avaliada e mensurada. O autor também percebe que o desenvolvimento da arte se dá em uma dicotomia, uma duplicidade entre Apolo e Dionísio; travam um embate que reflete a criação de uma obra de arte, uma mais estática (apolínea), e outra mais movimentada, (dionisíaca), que caminham de forma paralela, e às vezes se emparelham, gerando a tragédia ática8. Nietzsche passa a analisar as aparências, considerando que todos são artistas quando criam seus sonhos, e que com isso, todos têm a sensação das aparências, pois os sonhos também são considerados aparências, fazendo um contraponto entre a realidade da existência, percebida pelos filósofos e a realidade do sonho, ou das aparências, realizada pelos artistas “(...) o fundo comum a todos nós colhe no sonho uma experiência de profundo prazer e jubilosa necessidade” 9. Comenta o autor que esta necessidade onírica de experiência alegre era expressa pelos gregos em Apolo, deus dos poderes configuradores, e também divinatórios, reinando sobre a bela aparência do mundo da fantasia. Já sobre Dionísio, Nietzsche se utiliza de Schopenhauer, descrevendo o terror da exceção da razão, somado ao êxtase da ruptura do principio individualizado, que chega quase a ser uma embriaguês. São canções e danças de uma forma até primitiva. Chega a comparar o êxtase dionisíaco à audição da “Ode à alegria” de Beethoven, realçando a ligação entre o homem e a terra. Na segunda parte, ele indica que sem a mediação dos artistas humanos, estas entidades não são nada mais que a própria natureza. Em ambos os casos, o artista é só um “imitador”. 6 Philipp Melanchthon. (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA) (NIETSZCHE, 1992) pag.27 8 Puro, Sóbrio (LARROUSSE DO BRASIL, 2009) 9 (NIETSZCHE, 1992) pag.29 7 No ultimo trecho, Nietzsche tenta explicar a junção do gênio apolíneodionisíaco, e o resultado desta união, dizendo que os primeiros a unirem os dois foram Homero e Arquíloco. Temos que para Sócrates a beleza não é apenas aquilo que é visível, e sim, o que está na essência. Desta forma, a beleza da arte pode não estar em seu visual, o que é ligado diretamente com a forma que Panofsky vê a estética, como sendo algo do mundo das ideias, ou seja, não é algo que deve ser bonito, mas sim, algo que deve representar uma ideia. É possível visualizar que então o belo deve ser a ideia por trás da obra, e não a sua forma apenas, não sua execução apenas. Nietzsche já entende que a estética não é só o belo, mas sim também científico. Assim, temos três teorias a dizer que a arte não precisa ser bela em sua aparência, mas sim em sua concepção, em sua essência, e em sua ciência. Bom, não há nada mais cientifico do que a reprodução técnica de uma obra, portanto está de acordo com a teoria de Nietzsche, a obra não perde a sua ideia ao ser reproduzida, então está de acordo com a teoria de Panofsky. Porem existe uma perda, que pode ser percebida pela forma socrática – não há paixão (amor) em uma reprodução técnica. Esta paixão pode ser chamada de aura? Talvez sim. Walter Benjamin nos explica que a reprodução técnica conseguiu democratizar de forma soberba a arte, no entanto, esta democratização fez com que muitas obras perdessem sua aura, e em alguns casos, embora mantenha sua aura, estas perdem sua significância, o que cria dois tipos de auras: a aura de valor monetário, e a aura de valor estético. A aura de valor monetário está ligada ao mercado, ou seja, quanto uma obra vale para que seja possível ter a mesma em sua posse. De certa forma, é um investimento para aqueles que podem pagar por uma obra de um artista renomado. Já a aura estética não tem mais a importância, ou relevância que tinha, pois reproduções fotográficas de quadros tem muito mais qualidade visual do que ver a obra em um museu, a menos que você seja um estudioso que consiga chegar perto o suficiente da obra. Então hoje, podemos afirmar que estar na presença de uma obra renomada, é apenas uma forma de autopromoção. Aqueles que visitam o museu do Louvre, e observam a Mona Lisa, não conseguem analisar, ver a obra de perto, mas se apropriam da experiência, por exemplo, tirando uma foto com a mesma ao fundo, em um sentimento de apropriação de algo que não pode ser apropriado, e que gera exposições com filas enormes. Ricardo Fabbrini em recente ( e excelente) entrevista10 relembra que a primeira exposição arrasa-quarteirões foi a mostra de esculturas de Rodin, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1998, e discorre sobre a mesma: “É possível supor, com mais realismo, que os visitantes acotovelados na Avenida Tiradentes, como mães com filhos de colo, associassem – no plano imaginário, é claro- sua primeira visita a uma exposição de arte à experiência de inclusão ou ascensão social, que sempre foi negada pela escola pública formal (...)” 11 Mais à frente, Fabbrini diz que hoje o fenômeno é diferente, pois hoje, devido ao tempo máximo de permanência (fruição), por conta da superlotação, faz exatamente com que a pessoa escolha poucas obras para contemplar por mais tempo. Indicando uma pergunta “o que se vai fazer em um museu?”, de Paul Valéry, Fabbrini diz “ Já temos, neste momento, uma resposta: um selfie cult”12 Assim, parece que para compensar, hoje temos algumas obras interativas, onde o visitante pode se quiser alterar parte da obra, ou mesmo tirar o seu “selfie cult” fazendo parte da mesma. Isto cria um pertencimento ainda maior do que apenas uma foto, embora não exclua a foto com uma obra propriamente dita... Então não, a arte não é só o belo. 10 (REVISTA FILOSOFIA CIÊNCIA E VIDA, 2015) Ibidem pag. 11 12 Ibidem pag. 13 11 Bibliografia ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Philipp Melanchthon. Disponivel em: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/373644/Philipp-Melanchthon>. Acesso em: 21 mar. 2015. HASENMUELLER, C. Panofsky, Iconography, and Semiotics. The Journal of Aesthetics and Art Criticism, p. 289-301, 1978. Disponivel em: <http://www.jstor.org/stable/430439>. Acesso em: 21 mar. 2015. LARROUSSE DO BRASIL. Minidicionário Larrousse da Lingua Portuguesa. 3. ed. São Paulo: Larrousse do Brasil, 2009. NAILS, D. Socrates. The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2014. Disponivel em: <http://plato.stanford.edu/cgi-bin/encyclopedia/archinfo.cgi?entry=socrates>. Acesso em: 16 fev. 2015. NIETSZCHE, F. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 27 - 48. PANOFSKY, E. Idea: Contribuição à história do conceito da antiga teoria da arte. 2ª. ed. São paulo: Martins Fontes, 2013. p. 7 - 13. PLATÃO. O Banquete. Tradução de Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Saraiva de bolso, 2011. p. 67 - 70, 74 - 84. REVISTA FILOSOFIA CIÊNCIA E VIDA. Entrevista com Ricardo Fabbrini. Filosofia Ciência e vida, São Paulo, n. 105, p. 5-13, 2015.