Revista Estudos Feministas
ISSN: 0104-026X
[email protected]
Universidade Federal de Santa Catarina
Brasil
Tiburi, Márcia
Ofélia morta - do discurso à imagem
Revista Estudos Feministas, vol. 18, núm. 2, mayo-agosto, 2010, pp. 301-318
Universidade Federal de Santa Catarina
Santa Catarina, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=38116094002
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Márcia Tiburi
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo
Ofélia mor
ta – do discurso à
morta
imagem
Resumo
Resumo: O artigo reflete sobre a relação entre a imagem de Ofélia em Hamlet, de Shakespeare,
e as representações pictóricas da personagem comuns no século XIX com o objetivo de situar
a ideologia da morte das mulheres entre textos trágicos e pinturas.
Palavras-chave
Palavras-chave: Ofélia; imagem; mulheres mortas; ideologia; artes visuais.
Copyright 2010 by Revista
Estudos Feministas.
1
Alan Young, em Hamlet and the
Visual Arts – 1709-1900 (2002),
traça um panorama geral das
numerosas representações de
Ofélia em pinturas, gravuras e
ilustrações até o fim do século XIX
e inícios do XX. Young mostra
como a imagem de Ofélia a cada
nova representação no teatro
sofria modificações que tinham
como objetivo comum suavizar os
traços eróticos da jovem mulher,
acentuar ou diminuir nela o peso
da loucura, uma das linhas
cruciais da idealização de
Shakespeare. A pesquisa de
doutoramento de Alex Myioshi,
intitulada Moema é morta: pintura
e escultura na segunda metade
do século XIX, traz também um
capítulo sobre a representação de
Ofélia nas artes visuais,
relacionando-a ao teatro. A ele
agradeço por alguns dos
importantes textos consultados
para este artigo.
Mulher e morta
“Eu sou Ofélia. Aquela que o rio não conservou A mulher
na forca A mulher com as veias abertas A mulher com
overdose SOBRE OS LÁBIOS DE NEVE A mulher com a
cabeça no fogão a gás. Ontem deixei de me matar.
Estou só com meus seios, minhas coxas, meu ventre.
Destruí os instrumentos do meu cativeiro a cadeira a
mesa a cama. Destruo o campo de batalha que foi
meu lar. Escancaro as portas para que o vento possa
entrar e o grito do mundo. Despedaço a janela. Com
as mãos sangrando rasgo as fotografias dos homens
que amei e que se serviram de mim sobre a cama a
mesa, sobre a cadeira sobre o chão. Toco fogo na
minha prisão. Atiro minhas roupas ao fogo. Exumo do
meu peito o relógio que era meu coração. Vou para a
rua vestida em meu sangue”
(Ofélia em Hamlet-Machine, de Heiner Müller)
Ofélia é a personagem mais famosa de Shakespeare
que, mais do que emprestar a fama de Hamlet, peça em
que ela surge como personagem secundário, se afirma com
uma expressiva recepção histórica, sobretudo nas artes
visuais, em que aparece muito mais do que o príncipe infeliz
pelo qual morreu.
Nos últimos 200 anos, a representação de Ofélia
parece seguir certa unanimidade, ou bem Ofélia é
representada louca ou morta.1 Loucura e morte compõem
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 352, maio-agosto/2010
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MÁRCIA TIBURI
2
Sobre a loucura na literatura, ver
Sandra GILBERT e Susan GUBAR,
2000.
3
Bram DJKISTRA, 1986.
4
Eva Alterman BLAY, 2008.
5
Judith Wechsler, em seu artigo
Performing
Ophelia:
The
Iconography of Madness (2002),
levanta não apenas a questão da
influência da personagem na
cultura, mas a tão particular
quanto curiosa história de Harriet
Smithson, atriz irlandesa que se
tornou sensação entre franceses
pela naturalidade com que
representava Ophelia. Segundo
Wechsler, atrizes e diretores da
época passaram a visitar asilos de
loucos com a intenção de
aprender um modo de ser com
as loucas. No entanto, foram
surpreendidos com certa
encenação das loucas a la
Ophelia. A imitação de Ofélia por
parte das loucas foi possível
devido a certa difusão promovida
pelos psiquiatras bardólatras
quanto ao modelo Ophelia,
como se houvesse um modo de
agir correto a ser seguido pelas
mulheres loucas e que estava
personificado em Ofélia. Um
dever-ser extraído de um “ser”, eis
o que significa a correspondência
entre estética e ética. Uma
falácia naturalista que entre o
ridículo e a maldade típica do
machismo não nos deixa espaço
de decisão.
6
Antes do século XIX, a pintura
de Vermeer fetichizou a imagem
da mulher, compondo-a em
cenários domésticos – casa como
túmulo? – como natureza-morta,
segundo Cláudio DÍAZ, em
Vermeer, o la mujer naturaleza
muerta (2001).
7
DIJKSTRA, 1986, p. 27.
8
Cito apenas para não deixar de
mencionar, já que não cabe no
espaço deste trabalho, a obra da
cubano-americana
Ana
Mendieta, morta em 1985, da
americana Daniela Ediburg, da
guatemalteca Regina Galdino, da
espanhola Pilar Albarracín e do
brasileiro Bruno Vilella.
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uma espécie de equação da representação de mulheres
no século XIX,2 assim como doença e morte, bem como sono
e morte, segundo a tese de Dijkstra3 em sua leitura do que
chamou o “culto do invalidismo” nas artes visuais daquele
século. A morte como forma central do imaginário dos
homens sobre mulheres é a questão central deste trabalho
interessado em compreender os fundamentos da necrofilia
cultural, desse “padrão cultural de se matarem mulheres”
que aparece na pesquisa sociológica de Eva Blay4 e é tão
bem exposto na história da arte nessa espécie de culto da
mulher cadáver.
Vários livros demonstram hoje o interesse analítico
despertado no século XX pela profusa imagem da moça
nobre, louca e morta que se tornou perturbadoramente
paradigmática tanto nas artes quanto no contexto geral da
vida do século XIX. Ofélia tornou-se um modelo de mulher
tendo um correspondente ideal de beleza a ser seguido
pelas moças na realidade. Serviu como um estranho
paradigma: era o modelo das histéricas dos manicômios
que, segundo a psiquiatria vigente, deveriam copiar o
comportamento de Ofélia.5 Ora, sabemos que a loucura é
um conceito amplo e que não escapa de uma construção
cultural. A loucura atribuída a alguém seria um mecanismo
de controle capaz de “neutralizar” a ação daquele que é
considerado louco. A loucura das mulheres no século XIX,
no contexto da histeria, é apenas um estágio preparatório
da morte ou sua eufemização. Podemos, assim, sustentar
que há um interesse político no silenciamento das mulheres
que é alcançado pela construção da loucura, mas há
ligado a ele um interesse estético que pode ser apavorante
e que vem remeter a um questionamento sobre o desejo
contido no ato de representar a ponto de que a força e a
profusão dessa representação criem um tema clássico da
pintura.6
Podemos dizer que, enquanto o século XIX
representava Ofélia morta, o século XX a dissecou, de certo
modo, pela literatura de comentadores, embora já houvesse
à época uma autora, Abba Goold Woolson, que percebia
aquilo que Dijkstra retomou como “culto da invalidez”.7
Estranhamente, no entanto, o conhecimento sobre o tema
não fez cessar sua aparição nas artes. Ainda hoje artistas –
e, sobretudo, mulheres – representam a morte das mulheres,
outras ou elas mesmas.8 Esse interesse na representação de
mulheres mortas é questão que se deve compreender no
circuito geral da imaginação misógina revelada pela
história da arte.
Ofélia foi a mais fundamental representante do que
podemos chamar “impulso assassino”, presente na história
do patriarcado e bem exposto na história dos textos, dos
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
trágicos antigos aos modernos, assim como na pintura. Tal
impulso, amplamente difundido na história das imagens,
corresponde a uma ideologia necrófila própria do
romantismo, que cultua a mulher cadáver.
Que não haja personagem criado pela pintura, mas
tão somente representações a partir de textos literários,
poemas ou romances, mitos, contos populares ou narrativas
prévias, é algo que faz pensar na função da própria pintura
ao criar imagens para representações que antes nascem
no contexto da ação aliada à reflexão que vem compor o
campo do literário. Ao lado de Ofélia estiveram as
representações de “Elaine” e “Lady de Shallott”, a partir dos
poemas de Tennyson, de Albina, “O crime do padre Mouret”
de Zola, “Isabella” de Bocaccio e Keats, “Matelda” de
Bordignon, e várias outras, entre as quais não devem ser
esquecidas as princesas adormecidas dos contos de fadas.
Que a história da pintura permaneça por mais de um século
determinada por esse imaginário é algo que nos diz tanto
da pintura quanto do olhar misógino e perverso que a
constituiu como iconografia em que a mulher não chega
nem mesmo a ser “outro”, mas aquilo que se torna “objeto”.
“A mulher
mulher”” é uma imagem
9
Ver, por exemplo, as coletâneas
As mulheres e a filosofia (2002) e
Mulheres, filosofia ou coisas do
gênero (2008a).
Se a história do pensamento filosófico é a
centralidade do trabalho da razão ao qual cabe bem a
tradução pela palavra “logocentrismo”, ela foi uma promoção da morte das imagens. A filosofia sempre foi iconoclastia,
fortalecimento do logos contra a imagem. Curiosamente a
filosofia também foi o discurso fundador da negação das
mulheres, do seu ostracismo político. Podemos dizer que o
“desejo de saber” aconteceu concomitantemente a uma
profunda misoginia. Não cabe simplesmente traçar a
correspondência entre o desejo de saber pela aversão a
qualquer coisa de “feminino”, mas ao mesmo tempo é
fundamental perceber o avanço de um discurso contra as
mulheres altamente demarcado nos textos dos filósofos
enquanto se assiste a uma representação imagética de seu
evanescimento. Se a filosofia em sua história lutou contra as
imagens, não o fez contra a imagem da mulher. Ao contrário,
ajudou no processo de definição de uma mulher “como
imagem” da falsidade, da ignorância e da anatomia como
destino.9
Caso se possa dizer que a morte da imagem é a
imagem de uma mulher morta à medida que se compreende
a mulher como metáfora da imagem, a história das
representações das ninfas, das mulheres jovens, é a
representação de um ideal da beleza como ideal do
conhecimento, mas também ideal poético. A associação
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10
11
12
13
Giorgio AGAMBEN, 2007, p. 45.
AGAMBEN, 2007, p. 50.
Citado por AGAMBEN, 2007.
AGAMBEN, 2007, p. 47-48.
14
AGAMBEN, 2007.
15
AGAMBEN, 2007.
16
Edgar Allan POE, 1960, p. 506.
17
Elisabeth BRONFEN, 1996.
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entre mulher e imagem, no sentido de um romantismo tardio
que tem seus ancestrais na literatura e na filosofia medievais,
é o que faz, por exemplo, Giorgio Agamben, em seu Ninfe,
expor aspectos da “história da ambígua relação entre os
homens e a ninfa”, que “é a história da relação difícil entre
o homem e sua imagem”.10 Segundo Agamben,11 a “conjunção amorosa com a imagem, símbolo do conhecimento
perfeito”, acaba por ser o fito da invenção da imagem da
ninfa tal como aparece em Bocaccio.12 Ninfa era, segundo
Agamben,13 já em Dante, o “objeto do amor” que representava “o ponto em que a imagem ou fantasma comunica
com o intelecto possível. Como tal este é um conceito limite
não apenas entre o amante e a amada, entre sujeito e
objeto, mas também entre o vivente singular e o intelecto
particular (ou pensamento, ou linguagem)”.
Segundo Agamben,14 a imaginação que deveria unir
o mundo sensível e o pensamento sofre de uma fratura,
aquela entre a imagem e a mulher real, aquela que aparece
no fato de que Bocaccio toma o partido das mulheres contra
as musas, porque, embora sejam todas mulheres, as musas
não “mijam”. Tal fratura fora suturada pelo “amor” dos
poetas. A ninfa, diz Agamben,15 seria essa mulher ao mesmo
tempo imagem, aquela que teria curado a fratura, a mesma
com quem sonha Edgar Allan Poe em sua Filosofia da
composição, publicada em 1846, ao dizer que “[...] a morte,
pois, de uma mulher é, inquestionavelmente, o tema mais
poético do mundo [...]”.16 A imagem de uma ninfa morta
seria uma contradição em relação à vida, que é própria da
beleza feminina, um “oxymoron tornado pleonasmo”17 com
o ideal poético do amor na Idade Média e na Renascença,
mas a modernidade define que apenas uma ninfa morta
ainda pode ser amada. O ideal do amor do romantismo é
assim perverso: ele vem necrofilicamente curar a fratura
aberta por Bocaccio.
Que a imaginação seja “mulher” impõe uma
correspondência fantasmática e nociva para as mulheres:
a imagem é metonímia para a mulher. A mulher é vista como
imagem, eis também um modo de matar outra coisa que
ela possa ser, sobretudo seu potencial político. A principal
imagem de uma mulher, bem como a essencial imagem
“da mulher” na história patriarcal moderna, é a imagem de
uma mulher morta. Mas filosofia e arte se unem em necrofilia
desde a tragédia grega. Seria esse o verdadeiro nome de
seu projeto? A história do pensamento que tentou submeter
as imagens se une a essa mesma história que estabelece
uma reunião entre a morte e as mulheres. É essa mulher morta,
emblemática do que é a história dos homens, símbolo da
aniquilação pela qual se alcança na história e na
experiência dos homens que a constituiu o absoluto do gozo
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
escópico em que o olho se torna o órgão devorador do
mundo, com toda a carga de efeitos e ressonâncias
suspeitáveis em termos políticos, o que convém ter em mente
quando se analisa uma figura como Ofélia: imagem de um
gozo masculino – sendo o masculino nada mais do que um
modo de ver a mulher, de posicionar-se diante dela.
Ofélia como imagem
18
Refiro-me aos níveis de
significação – significado fatual,
significado expressivo, significado
intrínseco ou conteúdo –, tais
como foram definidos por Erwin
Panofsky e lembrados por Judith
Wechsler em seu estudo
Performing Ophelia acima citado.
Ver PANOFSKY, 1991.
Ofélia foi a imagem espetacular que, como tal,
alimentou outras imagens. Foi uma imagem que se alimentou
da vida, mas uma imagem que, por força do poder que lhe
é típico, alimentou a vida. Ofélia, louca e morta, foi imagem
da loucura, do modo de ser mulher em vida e da complexa
relação que há entre mulheres e morte nas representações
do século XIX. A imagem, portanto, se destaca dela apenas
naquele aspecto conceitual – e, portanto, convencionado
no campo do entendimento –, que nos faz saber que uma
imagem sendo uma imagem nunca é “mera” imagem. Nesse
sentido, é preciso pensar Ofélia como uma imagem que vai
além de si, que em seu poder de afetar o real tornou-se
“fantasma”: uma atuante memória do que foi visto.
Cada vez que a imagem se renova, sofre interferências
do elemento confuso chamado de realidade e que tomarei
aqui apenas no caráter de convenção que nos permite
entender um conceito. É nesse intervalo que vem se deitar o
corpo morto de Ofélia, para o qual devemos olhar com
atenção, como cabe a quem se dedicar a qualquer
desvendamento iconológico em que não se deve perder
de vista a filiação filosófica da qual faz parte.
A imagem de uma mulher não pode ser pensada
como imagem universal de mulher, como as leituras mais
tradicionais e inevitavelmente essencialistas tentam fazer,
mas deve ser tratada dialeticamente como imagem de uma
mulher18 que se torna imagem de mulher. É a relação entre
conteúdo e forma que devemos analisar para não perder
de vista o foco na direção do qual uma imagem com
valência universal é produzida. Deve-se partir do
pressuposto, portanto, de que Ofélia, ainda que
personagem, foi a imagem de “uma mulher” na visão de
“um homem” para responder à questão do modo como se
constroem as imagens. Imagens não são apenas a cópia
do real, mas sua invenção. Tampouco, no entanto, dele
meramente se desligam. A dialética entre a fratura e os
desejos de eliminá-la não pode ser deixada para trás. Para
além da cópia, ao se dizer representação, diz-se de uma
espécie de montagem, de configuração, que não pode ser
desligada de um caráter particular, representativo de um
sujeito, de uma época ou de um lugar. Que uma
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MÁRCIA TIBURI
representação se torne o todo das representações, ou seja,
que um particular se torne universal, é a questão de fundo
metafísico que está presente no processo metonímico pelo
qual passam as imagens que atingem a posição de mitos,
narrativas investidas de algo como “a verdade”, como é o
caso de Ofélia. Em outras palavras, assim como se pode
representar uma guerreira, pode-se representar uma doente,
uma louca, uma suicida. Que personagens possam ser
tomados como representantes de uma verdade universal é
questão a se levar em conta na análise de Ofélia.
Mais do que a visão de uma mulher por parte de um
homem ou a metonímia que o personagem vem mostrar, o
que aparece na universalização são as facetas com que
uma cultura inteira pode ver – e, assim, representar –, isso
que essa mesma cultura chama “mulher”. Não se pode dizer,
no entanto, que essa “mulher” canonizada como imagem
ideal de uma mulher – uma espécie de tipo ideal – seja
simplesmente o cerne de uma questão particular. Ela é
questão cultural. No caso da imagem de Ofélia, é pela
profusão das representações e pelo interesse manifesto dos
artistas visuais, dos artistas do teatro e do público que tal
afirmação adquire sentido. O que nos vem dizer uma tão
constante presença? O que a justifica? Que feitos, que
valores e que verdades estão associados à história contada
dessa mulher que não é mais do que a “história de sua
morte”?
Poderíamos dizer que Shakespeare criou uma
imagem de mulher e que simplesmente foi seguido por outros
que se comoveram com sua criatividade, mas infelizmente
essa solução não nos leva longe ao inviabilizar a
interpretação capaz de revelar os diversos véus da imagem
de Ofélia. A imagem de Ofélia não pode ser vista apenas
como emblema ou metáfora por trás da qual nenhuma
intenção se revela. Interpretá-la como metáfora seria passar
por cima da metonímia em que ela se tornou, e que desde
sempre o fora. É preciso compreender as veladuras da
pintura da qual ela foi tema. Infelizmente, não podemos
apostar na falta de sentido ou na falta de significado que
faria do significante Ofélia – para usar termos semióticopsicanalíticos – apenas uma imagem. Certamente todas as
heroínas das peças de Shakespeare, da rainha Gertrudes à
Lady Macbeth, passando por Cornélia e Julieta, são imagens
de mulheres estereotipadas como o são, de um modo geral,
as imagens à medida que são imagens, e não a realidade
que as transcende. Ao mesmo tempo, essa “estereotipificação” se constrói a partir da realidade. O caráter de
imagem de Ofélia é, pois, incontestável, e é sobre esse
aspecto, a saber, o modo como é representada, o fato de
que seja representação de uma mulher que, como tal,
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OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
interferiu e ainda interfere na construção da vida real de
mulheres, o que se deve discutir aqui.
Enquadramento
19
Infelizmente não será possível
tratar do poema “Uma carniça”,
de As flores do mal, neste
contexto.
20
As mulheres vivas são altamente
“tangíveis”, ver o livro de Blay
Assassinato de mulheres e direitos
humanos (2008).
O século XX, que deixou de tratar as mulheres como
demônios perigosos e aos poucos passou a enfrentá-las
como bibelôs, não precisando domesticá-las para evitar
seus malefícios, já não se interessa tanto por Ofélias.
Interessa-se, no entanto, por imagens por trás das quais há
uma ideologia da imagem que não escapa de sua própria
história, a saber, a história de sua negação como imagem
por parte da filosofia e da afirmação da imagem da ninfa
(primeiro viva, depois dormente, depois morta, até chegar a
ser cadáver putrefato como em Baudelaire19) por parte da
poesia. Nem por isso se deve perder de vista a objetificação,
a verdadeira eleição que uma cultura patriarcal faz de
mulheres como objetos, que a tornam fetiches; essa
objetificação seria uma espécie de sublimação do objeto
em uma abstração visual? Muito aos poucos homens se
tornam também imagens para o gozo escópico geral, como
se pode ver nas revistas eróticas masculinas que começam
a ter espaço no cotidiano das bancas de jornal, mas ainda
são poucas diante das revistas com mulheres nuas. A
objetificação dos homens não deixa de ser uma vitória do
patriarcado. Enquadram-se hoje homens e mulheres pela
fotografia e pela publicidade. Ofélia, como ninfa morta, é o
transcendental que preside toda imagem fetichizada.
Mesmo que o século XX não tenha “enquadrado”
Ofélia tanto quanto o século XIX, ele continua a enquadrar
tantas outras, não apenas nos quadros da arte, mas no
espaço de poder da imagem que se tornou a publicidade.
Ainda que se encontrem algumas representações famosas
da virgem suicida tanto no teatro quanto nas artes visuais
que tomo aqui como cerne da minha investigação, é um
fato que Ofélia já não interessa tanto. Mas o que teria feito
perder seu interesse? Quero sustentar que ela foi apenas
substituída pela mulher reduzida à carne, à imagem de um
animal sedutor que, se intangível pelas mãos e pelas
armas,20 é tangível aos olhos. Afinal, o que mais poderia
tocar uma imagem? O caráter de imagem de Ofélia e de
seus avatares novecentistas não é diferente do caráter de
imagem de uma mulher reduzida à fotografia de seu corpo
a ser contemplado nu em uma cultura espetacular. Essa
figura da passividade e da imobilidade pela morte é a
própria fotografia.
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MÁRCIA TIBURI
A ninfa deve morrer
21
Gaston BACHELARD, 2002, p.
84.
22
BACHELARD, 2002.
23
BACHELARD, 2002.
24
Refiro-me àquelas leituras que
apenas conseguem ver na
imagem da ninfa aquilo que os
homens disseram dela, a confirmação do desenho feito pelos
homens de uma adolescente
suavizada, adoecida, branca
como a neve, nem que para isso
tenha de usar o pó de Ofélia.
Dijkstra (1986) conta que nos
anos 90 do século XIX uma
indústria de cosméticos francesa
criou o “Poudre Ophélia”, que foi
um enorme sucesso. Busco, no
entanto, uma leitura que faça
desmoronar o romantismo que
até hoje sustenta leituras como a
de Giorgio Agamben (2007), autor
que não abre seus olhos para o
problema interno à representação da ninfa no que tange à
relação da imagem com a história
das mulheres. Pensando na
imagem e na imagem da imagem
como toda a tradição, ele se
esquece da mulher e da escolha
política em fazer da “imagem da
imagem” a imagem de uma
mulher. Vê na ninfa apenas a
história da imagem como modo
de se dizer a si mesma, despercebendo-a como algo que “é
dito” sob um específico modo de
dizer.
308
Foi Gaston Bachelard, em A água e os sonhos,21 quem
deu atenção à natureza de ninfa de Ofélia: “A água é a
pátria das ninfas vivas, é também a pátria das ninfas mortas.
É a verdadeira matéria da morte bem feminina”. Bachelard22
vê, “desde a primeira cena” entre Hamlet e Ofélia, o príncipe
como uma espécie de assassino, o que é lógico de se pensar,
pois tanto mais grave é o suicídio de Ofélia quanto maior a
dor de Hamlet, seu luto invejoso à mostra na cena do enterro.
Lacan sustenta a inveja de Hamlet em relação à dor de
Laertes, irmão da morta, mas podemos também imaginar
que a inveja esteja relacionada à própria Ofélia, que
alcançou a morte. O que dói não é perdê-la, mas que ela
tenha ganhado a morte, coragem que o próprio Hamlet não
teve. Hamlet, para Bachelard, 23 segue “a regra da
preparação literária do suicídio –, como se fosse um adivinho
que pressagia o destino, sai de seu profundo devaneio
murmurando; eis a bela Ofélia! Ninfa, em tuas orações,
lembra-te de todos os teus pecados”. Ofélia é a ninfa, Hamlet
o sabe, a mulher jovem – no caso, uma “quase” mulher que
é, antes de sua vida adulta, devolvida à natureza de ondina.
Ninfa – nem bem mulher – depois de morta, “nunca mais
mulher”?
Ninfa é a mulher que, a rigor, ainda não é mulher e,
se levarmos a sério a hipótese do coveiro que se pronuncia
na peça, nem chegou a ser, posto que, quando morta, já
não pode ser mulher. A correspondência entre a suspensão
da ninfa (nem bem mulher) e a morta (não mais mulher) vem
à tona nos raciocínios do coveiro, um dos mais importantes
da peça. O coveiro, aquele que não mente sobre o suicídio
que Gertrudes tenta ocultar, como veremos mais adiante,
não entra no acordo entre o que é uma mulher e o que é a
morte. Mantém a suspensão que é própria à ninfa. Ele vê o
significante mulher como algo que se pode dizer do vivente,
não do corpo morto que está fora das relações, inútil e fora
de qualquer jogo. O coveiro não é um nobre, nem mesmo
um burguês, é quem, em uma classe social muito abaixo,
cuida dos restos, dos conteúdos rejeitados em que, podemos
supor, mora a verdade indesejável. O coveiro, filósofo, levado
por seu raciocínio, não demonstra ter nenhum anseio por ver
o corpo de uma mulher morta, posto que para ele uma mulher
morta não é mulher. Mas também ele apaga a mulher,
mantendo-a na suspensão. Não há saída para a mulher
que encontra, morta, sua realidade de ninfa: aquela que
deve morrer e que, morta, atinge o ápice de sua descrição
como coisa suspensa. A necessidade de uma análise crítica
segue na contramão do que podemos chamar de “leituras
amorosas” sobre o tema da ninfa.24
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
25
BACHELARD, 2002.
Hamlet chama Ofélia de “ninfa” quando a exorta ao
convento/prostíbulo; contenta-se com seu “sumiço”. Ela irá
até as últimas consequências desse ordenamento. A ninfa,
diz Bachelard,25 deverá “morrer pelos pecados de outrem”.
O dever de morte define motivos que não lhe pertencem em
um primeiro momento e que só deixarão ver seu fundo
quando se olhar para os motivos da morte de suas
antecessoras trágicas, como veremos adiante. Não há, na
história da tragédia, mulher sem o homem que sustente uma
corporeidade que se define por uma textualidade. Ofélia
vem apenas reafirmar essa verdade visível na literatura e
nas artes visuais. Encarnação de um significante, ela é
corpo literário, ideal da poesia, da prosa e das artes visuais.
Libertar-se de seu complexo só é possível pela desconstrução
do signo da “mulher morta” que ela é.
A tragédia é a textualidade em que o culto à morte
de uma mulher faz dela o assassinato de mulheres elevado
à forma. O desejo mais que antiético de matar uma mulher
funda a história da política e a história da estética. Como
fundação, esse desejo dispõe-se em um lastro metafísico
que é preciso tornar claro. É em relação a essa leitura que
devemos nos orientar tentando compreender a analogia
entre a morte e a mulher que configurou o estatuto do discurso
literário e imagético por trás do qual cresce a história do
pensamento patriarcal. A pergunta – se é a mulher que
devém de um texto ou se é o texto que devém de uma imagem
de mulher – fica pendente, resposta para sempre perdida.
Aqueles que se dispõem como sacerdotes do feminino
apenas guardam a porta de uma prisão. A sociedade
patriarcal que, ao esperar suicídios, comete assassinato
impõe compreender o que seja em seu fundamento algo
como um “Complexo de Ofélia”.
O Complexo de Ofélia
26
Sobre a questão da heterodeterminação, ver Célia AMORÓS,
1991.
Ofélia é imagem heterodeterminada26 que resiste
como o mito do desejo feminino que é preciso esclarecer. O
Complexo de Ofélia é complementar ao mito de Édipo
encarnado por seu parceiro de tragédia, o príncipe Hamlet.
Se levarmos Freud e Lacan a sério, Hamlet é uma espécie de
adaptação moderna ao mesmo problema antigo de Édipo,
um dos pilares da teoria psicanalítica de Freud. Não caberia
aqui discutir em linhas mais do que leves a amplitude dessa
teoria, senão para levantar um aspecto da análise de
Jacques Lacan sobre Hamlet e Ofélia que enriquece essa
argumentação, a saber, o Édipo como “estrutura do desejo”.
A leitura de Lacan infelizmente põe Hamlet no centro da
questão como necessariamente deve fazê-lo toda leitura
do ponto de vista do patriarcado; põe foco em Ofélia apenas
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
309
MÁRCIA TIBURI
27
Como os famosos cinco volumes organizados por Georges
Duby e Michelle Perrot (1991).
28
A análise de Simone de Beauvoir,
em O segundo sexo (2009), inicia
com essa condição das mulheres
em relação aos homens.
29
BACHELARD, 2002.
30
Jacques LACAN, 1986.
310
para ver o caráter secundário a que está estrita na trama
shakespeariana. Se esse fosse o ponto de vista correto – ou
o único possível –, nenhum historiador até hoje teria se
ocupado com algo como uma história das mulheres,27
sequer a discussão e a luta feministas teriam acontecido. É
certo, no entanto, que Ofélia é para Hamlet um “ser para o
outro”, e não um “ser para si”,28 mas é justamente essa
inversão, a de pensar Ofélia “em si e para si”, que permite
pensar a narrativa do ponto de vista de Ofélia.
Ofélia suicida-se por Hamlet, que não é, de modo
algum, responsabilizado. Cabe a ela a responsabilidade
sobre seu suicídio, já que em nenhum momento a culpa é
posta em ninguém, além dela mesma. A culpa aparece no
discurso dos coveiros, que desconfiam de seu suicídio, ou é
posta na própria loucura, que, aliada à natureza, produz
um acidente fatal, segundo o discurso da rainha Gertrudes.
Ofélia é secundária em relação a Hamlet, mas responsável,
o que a torna menos secundária no contexto de dois pesos
e duas medidas. Hamlet vive no desejo de outra mulher: sua
mãe.
Lacan fala de uma prisão no desejo da mãe que
impede Hamlet de ser feliz, de amar Ofélia. Isso o
desresponsabiliza em relação a ela, até porque o foco de
sua vida é o heroísmo da planejada vingança pela morte
do pai. A prisão no desejo de outrem é que configura, a meu
ver, o cerne do que podemos chamar, usando a expressão
de Bachelard,29 de “Complexo de Ofélia” e que, na peça,
não poderia jamais ser sustentado caso uma mulher
estivesse em situação de protagonista, pois o complexo se
dá sempre pelo caráter secundário da vida das mulheres.
Isso que poderia ser o machismo de Shakespeare é, no
entanto, o retrato de uma época, mais que isso, retrato da
modernidade inteira. O teatro de Shakespeare não está na
contramão do desejo de uma cultura inteira. O sucesso de
Shakespeare também é um acordo seu com seu público,
que queria ver a morte de uma mulher. E é isso que o Bardo
dá aos seus espectadores.
O Complexo de Ofélia seria a prisão no desejo de um
homem ou, mais ainda, a prisão de todos no desejo
patriarcal. Mas o que é o desejo senão aquilo que faz viver
e que, realizado, se define na morte? O Complexo de Ofélia
simboliza um acordo no campo do desejo em que mulheres
são negadas ou subordinadas, enquanto homens
prevalecem como protagonistas. Lacan30 tratou de Ofélia
como o falo, aquilo que Hamlet deveria ter para escapar do
círculo mortífero do desejo da mãe no qual estava enredado.
Hamlet deveria ter optado por ela antes de seu suicídio, que
representava para ele a vida, o sexo, a alegria, em uma
palavra, a chave para fora do desejo da mãe.
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
31
Ver Márcia TIBURI, 2008b, p. 5373.
Analogamente, devemos dizer que, para uma mulher,
libertar-se seria escapar do desejo do homem.
A leitura de Lacan obriga a pensar no desejo do
ponto de vista de um homem, como se o desejo não fosse
mais que a cena em que se instaura a história de um homem.
Hamlet teria uma libertação por meio do amor de Ofélia. No
entanto, Ofélia, sendo presa de Hamlet, teria chance de
outra sorte? Se a liberdade é liberdade do desejo, o que
libertaria Ofélia do desejo do homem? Se olharmos para o
desejo do ponto de vista dos acontecimentos concernentes
à Ofélia, as coisas não deixam de envolver o círculo da
morte, ela só escapa de um homem como um dia Antígona,
como notou ironicamente Nicole Loraux, escapou de casarse com Hemon ao suicidar-se. Não há saída, como não
havia para Branca de Neve,31 que experimenta a morte e o
casamento num estranho paralelo. Mas há uma diferença.
A lógica do desejo implica a vida até o instante de sua
realização, quando encontra na morte o seu ser como falta
absoluta, a falta que se possui, a falta finalmente
alcançada. Mas como a falta se teme, mesmo sendo a única
que se pode ter, só o que resta realizar, ela é indesejável. O
círculo do desejo envolve o não-desejo. Aquilo que
Schopenhauer chamou o Nolens volens, o nada querer, não
é simplesmente querer nada, mas desejar não desejando,
desejar sem nunca alcançar a total e mortífera realização
do desejo. O que a peça de Hamlet nos mostra é que a
realização do desejo de um homem é a morte. A tragédia
não seria mais do que a encenação do desejo, que,
deixado solto à própria sorte, não leva a outro lugar. O desejo
em si mesmo é sempre aniquilação de si mesmo enquanto
não encontra os limites do não-desejo que o impedem de
se transformar em nada pela ausência da falta, que é em si
a falta absoluta. Absolutamente desejar já seria não desejar,
desejar é desejar apenas parcialmente. Se o desejo
masculino estiver de fato representado em Hamlet e o desejo
feminino o estiver em Ofélia, a morte de um homem é
inevitável, mas não sem antes efetivar a ação típica de
Hamlet: matar. Ofélia, por sua vez, tem a opção feminina; e
a morte de uma mulher também o é: o mesmo suicídio de
sempre.
Não é errado dizer que tragédia é a forma do desejo
que, nascendo da morte, a reafirma como seu conteúdo
mais originário. O desejo é sua matéria-prima, mas a morte
de uma mulher igualmente o é. Não há espaço aqui para
discutir a questão da tragédia grega, suas origens
verdadeiras ou falsas. No entanto, não é possível se esquecer
de que no cerne da definição do trágico está sempre a
morte. A tragédia não é apenas a representação da
condição humana em um tempo ido, mas a mais profunda
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
311
MÁRCIA TIBURI
apresentação da relação do homem com a morte no limiar
de sua representação. Ofélia, por sua vez, é, como
personagem, a mulher feita para morrer, sem a qual não
seria possível a existência de uma tragédia. Nem, como tal,
a existência da política que se constrói numa eterna
construção biopolítica das mulheres como corpos vivos ou
mortos, parturientes, reprodutores ou servis, quando não
carne exposta como sexo ou, no limiar do belo, como
cadáver. Se a morte constitui o cerne das representações
trágicas, o que fica explícito em sua própria etimologia, ela
precisa se dar sobre o bode (expiatório), aquele que é levado
ao sacrifício e que será “inscrito” na cultura pela palavra
“escrita”.
Vida e morte do texto à imagem
32
33
34
35
Nicole LORAUX, 1985, p. 7.
LORAUX, 1985, p. 8
LORAUX, 1985, p. 10.
LORAUX, 1985.
312
Nicole Loraux alerta, em suas “Maneiras trágicas de
matar uma mulher”, que não se pode perder de vista o
caráter de texto da tragédia. Ainda que a encenação seja
espetáculo para os olhos, “tudo passa pelas palavras,
porque tudo se passa nas palavras, principalmente a
morte”.32 Segundo Loraux, “tudo começa por ser dito, por ser
ouvido, por ser imaginado”.33 O que Loraux diz da tragédia
grega precisa ser levado em conta diante do caráter textual
da tragédia shakespeariana. Também a morte de Ofélia é
dita como texto. E que não seja apagado apenas porque
certa memória sobre suas encenações possa estar mais
próxima de nosso tempo pós-moderno. A tragédia é “texto”,
é como texto que ela é concebida, é como texto que ela é
apresentada, é do texto que saem as possibilidades de
interpretação, de direção, de cenário. Loraux percebe que
tanto o sacrifício das virgens quanto o suicídio das esposas
não se apresentam nas tragédias senão como “narração”.
Segundo ela,
a tragédia coloca as moças em cena apenas para
delas tirá-las e para entregá-las, longe dos olhos, ao
cutelo do degolador: execução escandalosa, ficção
satisfatória narrada passo a passo pelos mensageiros
em linguagem técnica cujas palavras carregam todo
o peso do real. Faz bem matar as moças em
pensamento, em narração, e não pela visão.34
Isto posto, temos que nos ater ao fato de que a cena
de Ofélia morta no rio não é descrita senão pelas palavras
da rainha Gertrudes, que se torna a porta-voz da tragédia
que estará de uma vez, adaptando a leitura de Loraux,35
“sob o signo da escuta”. Trata-se de um texto que conta com
o sacrifício de uma figura que deve morrer, que se deseja
que morra, ou que, morrendo – justamente por simplesmente
morrer –, faz surgir a tragédia? O julgamento, o veredicto, a
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
36
LORAUX, 1985, p. 11.
37
LORAUX, 1985, p. 11-12.
38
LORAUX, 1985.
39
LORAUX, 1985.
40
Kaara PETERSON, 1998.
41
PETERSON, 1998.
PETERSON, 1998.
42
sentença sobre a morte da outra tem seu lugar estético na
tragédia, carregaria a tragédia a moral da morte das
mulheres? Que uma mulher deve morrer pela lei de seu pai
ou esposo? Essa lei encontraria sua forma simbólica na
tragédia? Uma forma estética teria em si alguma ética
subterrânea com a qual o espectador aprendiz teria que
concordar, assustar-se, ou simplesmente entender quais são
as regras do jogo? Mas que jogo está sendo jogado? De
que regras se trata?
Certo imperativo categórico para o feminino se põe
em cena na elaboração textual que é a tragédia. Quem
teria vindo antes, a mulher morta, suicidada/sacrificada, ou
a tragédia? Loraux nos diz que “recorrer à ordem da
linguagem para matar Fedra ou Dejanira talvez seja uma
das dimensões constitutivas do trágico em sua definição
grega”.36 A forma nasce de um conteúdo ou a forma dá
lugar a um conteúdo? Qual o limite entre imitar uma ação e
praticá-la? Seria a morte da mulher mais um elemento do
fomento pedagógico que é próprio da tragédia desde as
lições de Aristóteles? Devemos concordar com Loraux quando
fala de um “benefício imaginário muito real que estas mortes
apenas ditas deviam trazer a um público de cidadãos”.37
Assim, a “morte-narração” presta-se mais a conjecturas, diz
Loraux. Alimenta um imaginário? Quem necessitaria de tal
imagem? Ofélia e todas as suas “primas” teriam a mesma
função nos tempos modernos? A quem serve a pintura? Fará
pensar, segundo ela, no porquê de a tragédia usar as
palavras para fazer um discurso bem audível. Bem audível
será, para Loraux,38 a diferença entre os sexos que os homens
não podem nem desejam apagar.
Assim devemos trabalhar em analogia com Loraux39
e acrescentar a tese que norteia a investigação de autoras
como Kaara Peterson.40 Em “Framing Ophelia: Representation
and Pictorial Tradition”, Peterson investiga o que ela chama
a “convenção” da “morte de uma bela mulher” e tem como
foco a compreensão de uma “iconologia ecfrástica, na qual
a invariabilidade verbal torna-se a intérprete do visual”.41
Peterson42 discute o caráter “elusivo” das representações de
Ofélia, “corpo literário” que se apresenta nas representações
visuais. Ofélia, como bem nota, é a todo momento contada,
citada, referida pelas falas dos outros personagens, sejam
Polônio, Laerte ou Hamlet, que durante toda a peça
reconfiguram o que é Ofélia, o que ela quer, o que ela pode
ser. Ofélia vem a ter sua vida inteira transformada na história
de sua morte (sua morte é sua metonímia, ela não é mais do
que a morte que um dia, quem sabe, apareceu como louca,
sendo a louca apenas uma espécie de pré-morta, mas,
igualmente, como a morta, impotente para a razão) por meio
do discurso de Gertrudes, que é, segundo a autora, “a
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
313
MÁRCIA TIBURI
43
PETERSON, 1998.
44
PETERSON, 1998.
45
Que se lembre o Dom
Casmurro, de Machado de Assis,
e a inconclusividade da traição
de Bentinho por Capitu.
46
PETERSON, 1998.
47
PETERSON, 1998.
48
PETERSON, 1998.
49
BRONFEN, 1992.
314
epítome da reconfiguração da realidade de Ofélia”.43
Gertrudes relata uma espécie de “história ventríloqua”,
pondo-nos a pensar no porquê de a morte de Ofélia ter de
ser lembrada por ela como um acidente. O que Gertrudes
consegue ao contar a história do acidente enquanto, por
outro lado, os coveiros relatam tratar-se de um suicídio? Por
que o suicídio de Ofélia é escondido pelo discurso da
rainha? É claro que o suicida e sua família eram vítimas de
preconceito jurídico e religioso, e da verdade de sua morte
dependiam também seu funeral e a chance de chegar ao
reino de Deus. Peterson44 pretende que o caráter inconclusivo
da morte de Ofélia, assim como é deixado no texto de Hamlet,
seja a chave de sua compreensão.45 Esse gap não quer
dizer pouco. É nele, intervalo entre os discursos, que se constrói
a dúvida quanto à verdade da morte (que se torna a única
vida) de Ofélia.
O corpo de Ofélia reside, portanto, na visão de
Peterson,46 entre o discurso de Gertrudes e o dos coveiros.
Gertrudes discursa em torno de uma perda, elevando a perda
à linguagem. Tal é a tese de Peterson,47 que analisa a
repetição da perda na estrutura da tragédia. Essa perda é
primeiramente do corpo morto de Ofélia; corpo morto que
pode ser elevado a discurso, discurso que está marcado
profundamente pelo desejo de narrar. Narrar por narrar?
Narrar para dar sentido? Ora, a perda é aquilo que justifica
a narrativa, que dá sua forma e permite que ela seja
também gozo sobre um conteúdo. Gozo de si mesma.
Segundo Peterson,48 fomos ensinados a “ler” esse
discurso da rainha como uma experiência visual, enquanto
Shakespeare o tratava como uma reportagem. Aquilo que
Gertrudes diz tornou-se cena em nossa memória coletiva,
passou a compor a memória visual de um tempo como a
bela morte de uma moça apaixonada. Peterson insiste que
Gertrudes enquadra Ofélia, torna-a “bela como uma
pintura”. Cita Bronfen,49 para quem esse desejo de enquadrar significa “forcluir” uma reação ao discurso, ou seja,
criar a imagem com o objetivo de acobertar e interromper a
pergunta que necessariamente dirigimos ao discurso. A
imagem de uma mulher morta em um quadro apenas nos
faz ver que ela é morta. A imagem sustenta uma “verdade”
que não permite o questionamento que seria inevitável para
o discurso.
Nesse ponto, a relação íntima da representação pelo
discurso e seu efeito e a representação pela imagem mostram
sua notória solidariedade. Ambas estão envolvidas com a
“redução da morte de Ofélia somente ao status de objeto
verbal”, que é logo transferido à objetificação pela imagem.
A história narrada serve como o verbal–visual, verdade como
o eidos platônico que os filósofos sempre almejaram
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
50
Guimarães Rosa faz o mesmo
com o corpo de Diadorim quando
finaliza Grande Sertão Veredas
(1986). Pela narrativa ele consegue seu momento máximo na
cena trágica em que “enquadra”
Diadorim como corpo de mulher
morta a ser contemplada. É nesse
enquadramento pela narrativa de
memória da imagem de uma mulher morta que ele a transforma
em mulher, após todo um processo narrativo em que essa mulher
é ocultada sob as vestes de um
homem. O contrário também á
válido. Diadorim é enquadrada e
assim revelada, enquanto antes
era escondida, porque é mulher
e só assim pode ser vista. Como
se, por ser mulher, não lhe coubesse outro destino no contexto
da narrativa. Também Guimarães
Rosa atinge o “ápice” da beleza
poética, como indicada em Poe
(1960).
51
PETERSON, 1998.
52
PETERSON, 1998.
53
ARISTÓTELES, 1992.
contemplar. O corpo de Ofélia torna-se “objeto de
contemplação” pela imagem que estava já desenhada no
discurso ecfrástico de Gertrudes. Com a imagem, fica
garantida a proteção desse corpo que apavora em sua
“instabilidade” provada pela inconclusão do discurso de
Gertrudes e dos coveiros. A chance de tornar estável a
instabilidade é o que encanta artistas visuais que a
representam morta ou louca, pronta a morrer. A morte de
uma mulher é a contemplação absoluta: o “puro olho do
mundo”, para usar uma expressão cara à estética de
Schopenhauer. A mulher que pode ser contemplada é a
morta, que só pode ser contemplada como morta.50 A pintura
elimina a reflexividade, não há nada mais a contar, como
afirma Petersen.51 Nela se cala aquilo que a tragédia queria
calar ao criar um discurso imagético. Uma completa a outra.
O feminismo, nesse sentido, leitura que abre o que é visível
com total descompromisso com a lógica das representações,
é antitrágico e antipictográfico, uma pura anatomia do
discurso e da imagem feita pelos homens em tempos de
“enquadrar” mulheres.
Não sendo mais nada a contar, mas demonstração,
a pintura define a estase do corpo feminino, um corpo sem
narrativa, sem história, corpo reduzido à notícia de sua morte;
estase que permite sua configuração como objeto, bibelô
fetichizado da contemplação que em seu extremo é morte.
Também essa morbidez é ocultada. Como diz Petersen,52
Ofélia parece sentada em uma sala onde ela posa para
uma pintura, mais do que vitimada em um fim violento. A
mulher estática é a mulher morta, que cabe bem à pintura
representar quando ela quer apenas conjugar-se ao ideal
poético da beleza do romantismo a la Poe. Ápice de tal
gozo é, na história da pintura, a imagem de Ofélia morta
flutuando sobre as águas de Millais, que antes de dedicarse à ninfa das águas, pintou uma jovem dentro de um caixão,
alguns anos antes da colorida Ofélia.
Que esteja dado na tradição que a beleza é uma
mulher morta, conforme o axioma de Poe, é questão das
mais graves a entender. Seria um modo de imobilizar, conter,
aquilo que apavora? Seria essa imobilidade a beleza? O
caráter apotropaico da representação de um corpo morto
já estava declarado na Poética, de Aristóteles.53 Ver a morte
representada é vê-la por meio de uma mediação que
protege quem vê, ao mesmo tempo que permite conhecer e
“gozar” de seu objeto. Mas que a mediação deixe de ser
instrumento de proteção, anteparo ou aquilo que permite
entrar em contato com o abismo sem se perder e se torne
instrumento de manipulação não é coisa impossível de
sustentar. Que esse corpo de mulher seja tornado instável
pelo discurso, no discurso seja posto em cena como o que
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
315
MÁRCIA TIBURI
54
PETERSON, 1998.
55
Refiro-me não apenas àquela
que dorme, mas a uma segunda,
a que é caçada, derrubada e
eviscerada. Ver a primeira na
análise de Georges DIDIHUBERMAN, 2002 e a segunda
em DIDI-HUBERMAN, 2005; ver as
pinturas de Botticelli sobre
Nastagio Degli Onnesti.
56
LORAUX, 1985.
57
PETERSON, 1998.
58
LORAUX, 1985.
59
AGAMBEN, 2007.
316
se foi e se transforme em imagem que torna sua instabilidade
fixa, posto que imóvel, eis o que significa a função da arte
em relação a mulheres em uma sociedade patriarcal.
O que Peterson54 chama “elisão” textual em sua
argumentação tem uma conotação fundamental: elidir é
tanto fazer desaparecer quanto “deitar no chão”. Elidir é o
gesto essencial que está em jogo nas representações das
mulheres. Não é apenas a morta, mas antes dela a
“deitada”,55 a que dorme, como demonstrou Dijikstra, citado
no início deste artigo com referência ao “culto da invalidez”.
Podemos dizer, seguindo Loraux,56 que sem a morte
de uma mulher a tragédia não se realiza como forma. Seria
demais dizer o mesmo das artes visuais? Nietzsche
demonstrou muito bem como a pintura e a escultura
enquanto artes visuais se fizeram como arte apolínea, na
contramão de anseios dionisíacos, que, na tragédia,
estariam representados pela música em seu caráter reticente,
não linguístico, intraduzível, de abertura ao imponderável.
Apolínea é a pintura com sua alta dose de “imagem”, na
contracorrente da tragédia, com suas altas doses de
indecisão e reticências. A imagem de uma mulher morta é o
que vem colar dionisíaco e apolíneo. A pintura torna fixas
tais reticências, vem coroar o discurso e, por fim, traindo-se a
si mesma, vem apresentar o corpus delicti, como o fez
Shakespeare com Ofélia no dizer de Peterson.57 Vem pôr em
cena, sobre a mesa como uma carta, o corpo ao qual é
negado habeas corpus. É em torno dessas duas figuras do
direito que se poderia hoje pensar um direito feminista: um
direito pelo corpo, e não por seu espectro.
As artes visuais, da gravura ao cinema, passando
pela vasta oferta da pintura, devem ser pensadas,
analogamente ao “signo da escuta” com que Loraux58 diz
ser preciso entender a tragédia, “sob o signo do olhar”. Tendo
em vista, no caso da hiper-representada Ofélia, que os
pintores dos últimos séculos se dedicaram a pintar
principalmente a imagem, que era oferecida pelo bardo
ao seu espectador, apenas como alimento para a
imaginação, precisamos ficar atentos. Se a tragédia leva a
sonhar, dando ao seu espectador uma alusão pela palavra,
a pintura mostra aos olhos, sem que ele tenha a chance de
sonhar. Certamente a pintura é trabalho da imaginação
criadora, mas que ela obedeça, ou seja seduzida, à oferta
da tragédia não a torna simplesmente serva das artes
ligadas à palavra, mas define que a “imaginação” que é
trunfo da pintura, a promessa cumprida do invisível tornado
visível, não existe sem a ideologia que vem inscrever-se
necessariamente como texto que dele nasce. O ideal antigo
de que a imaginação colaria o fantasma e o real, como
sugere Agamben,59 encontra sua elaboração cruel, pois
Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010
OFÉLIA MORTA – DO DISCURSO À IMAGEM
todo texto – mesmo o mais feminista – é afim ao logocentrismo.
É natural que submeta as imagens. Todo discurso informa
uma imagem. Não há imagem que não esteja dominada
por teorias, embutida delas. As imagens serão ajudadas
por um discurso ou por ele subjugadas, perdendo-se em
seu próprio combate, vítimas de novos discursos capazes
de induzir a novas imagens. Nosso tempo é o de imagens
mortas, pornográficas, vazias de sentido. Tempo das
imagens que não pertencem a si mesmas: publicitárias.
Imagens-mercadorias, espetáculo como tragédia sem
sublimação, em que a morte não é mais um possível, mas a
exposição cínica de um grau último da lei que rege a
sociedade. Eis que a leitura do “signo mulher” – que a lei
declarada como sentença “é uma mulher” – define que
uma mulher, por ser mulher, está condenada à morte.
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[Recebido em outubro de 2009
e aceito para publicação em novembro de 2009]
Ophelia – Discourse, Image and Biopolitics
Abstract
Abstract: This article discusses the relation between Ophelia’s image in Hamlet, Shakespeare,
and the character’s pictorial representations in the nineteenth century, aiming at situating the
ideology of the women’s death amidst drama and pictures.
Key Words
Words: Ophelia; Image; Dead Women; Ideology; Visual Arts.
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Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 301-318, maio-agosto/2010