A formação da estratégia de
defesa brasileira
The formation of a brazilian strategy of defense
Pedro Henrique Miranda Gomes*
Victoria Viana Souza Guimarães **
Resumo
O artigo a seguir busca realizar um apanhado histórico do processo de concepção e desenvolvimento de
uma estratégia nacional de defesa. Como será visto,
a América do Sul dispõe de atenção especial nos
principais documentos aqui estudados. Com o aprofundamento das relações entre os países do subcontinente através de iniciativas visando a formação de
um bloco econômico e político, a região passa a ser
entendida como um “entorno estratégico”, de modo
que a defesa do país passa a ser pensada para além
de suas fronteiras nacionais. Em alguns momentos,
com destaque para o período no qual Celso Amorim
esteve à frente da diplomacia brasileira, chega-se
a mencionar uma “comunidade sul-americana”,
refletindo o desejo de consolidar uma ligação que
transcende a esfera econômica e política. Aqui será
analisado como se deu esse percurso e os interesses
da chancelaria brasileira nesse processo.
Palavras-Chave: Estratégia Nacional de Defesa.
Política Externa Brasileira. América do Sul.
Abstract
The following article aims at performing a historical
compilation of the process of creation and development of a strategy for national security. As will be
seen, South America disposes of special attention
in the main documents analyzed here. Following
the deepening of the relations among the countries
of the subcontinent through initiatives aimed at
forming a trade and political bloc, the region starts
being understood as a “strategic surrounding”, in a
way that the national security formulation surpasses
the national boundaries. In some moments, with a
highlight for the period in which Celso Amorim was
ahead of the Brazilian diplomacy, the term “south-american community” becomes part of its discourse,
reflecting the hopes for consolidation of a bond that
transcends the economical and political sphere. Here,
we’ll analyze the evolution of this process and the interests linked to the Brazilian foreign policy ministry.
Keywords: Strategy of National Security. Brazilian
Foreign Policy. South America.
* Graduando em Relações Internacionais pela UFF. E-mail:
[email protected].
** Graduanda em Relações Internacionais pela UFF. E-mail:
[email protected].
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A formação da estratégia de defesa brasileira
Introdução
A América do Sul, por representar seu contorno imediato, impõe naturalmente um papel diferenciado nos cálculos estratégicos
do Brasil. Contudo, devido a motivos que serão abordados mais
adiante, a interação com os demais países do subcontinente foi
visivelmente intensificada (e posteriormente institucionalizada),
tornando-se mais íntima, somente a partir da década de 80.
Desde então, iniciou-se um processo de reformulação da estratégia brasileira que se deu em duas fases: uma primeira de consolidação das instituições democráticas e fundação do ministério
da defesa; e uma segunda de expansão da concepção de defesa para
níveis regionais. Assim, através da União de Nações Sul-americanas
(UNASUL), busca-se trazer para a região a autonomia para discutir e criar soluções para questões inerentemente sul americanas,
distanciando-se do âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR), que são originárias do projeto estadunidense para a região
no pós-guerra.
O presente texto objetiva-se em analisar como se deu esse
processo e como passa a ser entendido estratégia no Brasil, correlacionando documentos que refletem o posicionamento oficial do
Estado com realizações concretas. Entre estas, abordaremos tanto
resultados que sejam frutos de um esforço comum aos países sul
americanos, como a UNASUL, quanto iniciativas brasileiras que
reflitam a nova perspectiva do ponto de vista estratégico do país.
Na realização de tal análise, empregamos uma base teórica que
se estende de perspectivas estruturais (WALTZ, 2002) à regional
(Buzan). Dessa forma, entendemos que o processo de mudanças
que aqui analisamos tem como um dos elementos originários o fim
da guerra fria e a transição da disposição do sistema internacional
(SI) da bipolaridade à multipolaridade.
Acerca da dinâmica de poder na região, adiantamos que a posição brasileira se mostra algo paradoxal, por vezes reforçando o desejo da constituição de uma “comunidade” sul americana, a partir
do desenvolvimento comum da região; enquanto por outras deixa
claro o objetivo brasileiro de instrumentalização do fortalecimento
da região em prol das suas aspirações de poder no SI. Desta forma,
o país desempenha a complexa tarefa de, em meio ao fortalecimento em matéria de defesa que refletem suas ambições de nível global,
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manter a calma e a coesão dos vizinhos menores, evitando que se
vejam ameaçados pelo vizinho maior.
Comecemos, portanto, entendendo de que forma se desenvolvem as interações entre os países da região no período da Guerra Fria
e quais são as mudanças estruturais derivadas do fim da mesma.
Desenvolvimento
A Guerra Fria e os esforços de integração
Um fenômeno se destaca ao se analisar a América do Sul sob a
ótica das relações internacionais: a baixa frequência de guerras em
meio a uma quantidade relativamente grande de fronteiras nacionais, sobretudo a partir do século XX. Dentre os diversos elementos
que fornecem explicações para tal, entendemos que o fator estrutural merece destaque.
A ascensão dos Estados Unidos da América (EUA) como uma
potência regional e posteriormente global, alcançando o status
de superpotência, relaciona-se diretamente com a concepção de
defesa no continente. Já no século XIX, os países sul americanos
passam a gravitar na zona de influência norte-americana (notoriamente a partir da doutrina Monroe), configurando o movimento
de bandwagon (WALTZ, 2002).
Se em meio à multipolaridade do início do século XX ainda era
possível para os países sul americanos encontrar certa autonomia
ao buscar aliados fora do continente1; ao final da Segunda Guerra,
a nova estrutura bipolar que se formava limitou cada vez mais as
possibilidades de ação dos países latino-americanos. Isso se reflete
no projeto estadunidense para a região, que contava com a formação de instituições regionais que, na prática, funcionavam como
uma estrutura de proposição e legitimação dos interesses estadunidenses no continente e uma arena para que os países latino-americanos pressionassem por demandas e para tentar ganhar alguma
influência na política exterior norte-americana (BUZAN, 2003,
p.308): nascem a OEA e o TIAR.
A criação de tais instituições se insere no projeto estadunidense da estruturação de uma “defesa hemisférica”, como foi definida
1. Um exemplo disso eram as relações mantidas por Brasil e Argentina com a Alemanha.
A “equidistância pragmática” (MOURA, 1980) que Vargas mantinha entre EUA e o país
europeu mostra como o Brasil obtinha retornos em autonomia do cenário multipolar.
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nas conferências, na qual os EUA se responsabilizaria pela defesa
do continente, enquanto aos demais países caberia a estabilidade
interna, luta contra o comunismo e padronização das forças armadas segundo o modelo de Washington. A partir de então, a América
do Sul (assim como o resto do continente) se insere definitivamente na órbita norte-americana.
Seguindo uma perspectiva estruturalista, esse movimento de
inserção em uma zona de influência bem definida gera, como contrapartida a redução de possibilidade de conflito no interior dessa
zona. Portanto, de forma análoga ao fenômeno descrito por Waltz
(2002) no qual os países europeus, em meio à bipolaridade e alinhamento com uma potência maior, passam a cooperar entre si, o
mesmo ocorre na América do Sul.
Em uma perspectiva nacional cuja interpretação do SI em
meio à Guerra Fria se aproxima da de Waltz se encontra a teoria
do “sistema interimperial” de Hélio Jaguaribe (1986). Nela, o autor
entende a estrutura internacional dividida em 4 níveis hierárquicos (supremacia geral, supremacia regional, autonomia e dependência), entre os quais se forma um fluxo de capital, tecnologia e
cultura que emana a partir dos níveis superiores, coordenando os
níveis inferiores2, tendo como resultado uma crescente desigualdade e gerando dependência destes em relação a aqueles.
Nestas condições, seria imperativo que um país que se encontra longe das esferas superiores busque o seu fortalecimento através de desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, que estaria
conjugado com um avanço e busca pela autonomia da indústria de
defesa nacional, como forma de evitar a própria desagregação3. No
caso da América Latina, seria primordial o avanço da integração
regional com vistas a fortalecer a região socioeconomicamente e
fomentar a autonomia regional em matéria de defesa.
Entretanto, os esforços de integração foram prejudicados, segundo aponta Maria Regina Soares de Lima, pelo próprio modelo
de desenvolvimento da região, de matriz cepalina, que se basea2. Essa coordenação, ainda que seja frequentemente realizada por maneiras “pacíficas”,
a partir da influência cultural, econômica ou tecnológica dos níveis superiores sobre
os inferiores, por vezes se dá através da interferência direta, mais “invasiva”, como no
apoio militar estadunidense ao estabelecimento de ditaduras na América Latina para
evitar a formação de governos “dissidentes”.
3. Como veremos adiante, essa teoria se alinha com a postura oficial brasileira em seus
documentos acerca da defesa nacional, onde é reforçada a intenção de que o Brasil possa “dizer não” quando o tiver que fazer (BRASIL, 2012a)
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va no modelo de industrialização por substituição de importações
(ISI). Segundo Lima,
curiosamente a prescrição cepalina não levou em conta que um
modelo de substituição de importações (SI) desestimularia os esforços exportadores destes países e, ainda mais, a criação de um
espaço comum latino-americano tendo em vista a forte indução
para a proteção industrial e comercial dentro de cada país da região (LIMA, 2016, p.22-23).
Outro motivo que atrasa a integração na região seria a necessidade do aprofundamento da confiança entre os Estados. Ainda
que na prática guerras tenham sido coibidas na região devido ao
fator estrutural, deve-se lembrar que em termos de pensamento
de defesa, as forças armadas da região (que sempre se mostraram
elementos de forte importância política) entendiam os países do
entorno como principal fonte de perigo à soberania de seus respectivos países. Isso muda completamente a partir da Guerra das
Malvinas, a qual Jaguaribe (1985) entende que representa a desarticulação do sistema interamericano de “defesa hemisférica”, uma
vez que a potência responsável por essa defesa se alinhou com o
Reino Unido contra a Argentina, um dos Estados mais importantes
na América do Sul.
Os anos que antecederam o fim da Guerra Fria foram marcados pelo fim da ditadura nos países latino-americanos, assim como
por confrontos armados na região. Alguns exemplos são a disputa territorial de fronteira entre Equador e Peru, em 1981, e a já
mencionada guerra entre a Argentina e o Reino Unido, em 1982,
pelas ilhas Malvinas. Além disso, uma crise econômica, no início da
década de 80, marcada por altas taxas de inflação acometeu esses
países, esta crise, considerada uma das piores já enfrentada pela
América Latina, juntamente com os outros fatores mencionados
contribuiu para que o processo de integração fosse deixado de lado
(SOUZA, 2011).
Apesar de todos esses fatores que contribuíram de modo negativo para a integração, a aproximação que estava ocorrendo entre
Argentina e Brasil4, que pôde ser aprofundada pelo apoio político
estendido pelo Brasil à Argentina, durante o conflito das Malvinas
e pela subsequente representação, pelo Brasil, dos interesses argen4. Como o Convênio de Amizade e Consulta, Acordo Tripartite Itaipu-Corpus, Acordo
de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia
Nuclear, que desaguou na mencionada ABACC e a Declaração do Iguaçu.
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tinos junto ao Reino Unido lançou as bases do desdobramento desse relacionamento bilateral. Tal relacionamento, segundo Jaguaribe, seria o eixo para que, a partir dele, a integração sul americana
pudesse ser criada.
Aqui reconhecemos o elemento construtivista de nossa análise, ao elevar os padrões de amizade e inimizade entre as nações
da região ao status de elemento independente no processo de integração regional. Se o discurso de união proferido pela chancelaria brasileira na década de 2000 tem como papel manter em baixa
a desconfiança dos países vizinhos em relação ao Brasil, Eugênia
Barthlmess, em sua retrospectiva das relações Brasil-Argentina5,
nos lembra que o processo de consolidação de confiança se desenvolveu através de marcos históricos, como a Declaração do Iguaçu,
de 1985, que representaria a pedra angular sobre a qual foram
erguidas as estruturas das demais iniciativas de integração na
região, que viriam a ser o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL,
criado em 1991), a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL,
criada em 2008), e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC, criada em 2010).
Um aspecto da integração que deve ser mantido em mente é a descrição feita por Buzan (2003) da região como dividida
em dois sub-complexos de securitização: um no chamado “Cone
Sul” (países que compunham, originalmente, o Mercosul) e um
sub-complexo andino6. Este fenômeno é relevante na análise da
região, uma vez que tem efeitos diretos tanto na localização de
áreas de conflito mais latentes (como, por exemplo, as disputas entre Equador, Colômbia e Venezuela), assim como áreas de
identidade política mais próximas, como os governos bolivarianos na Venezuela e Bolívia.
A atitude dos EUA, no período pós Guerra Fria, de ampliar as
relações comerciais por intermédio de acordos regionais e bilaterais
- como a criação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio
5. Cabe salientar que Jaguaribe, já afirmava que quanto mais sólido e profundo fosse
o eixo, Brasil-Argentina, maior autonomia política, econômica e militar em relação ao
restante do mundo a integração como um todo teria.
6. Na teoria de complexos regionais de securitização de Buzan (2003), entre os elementos que podem representar as fronteiras entre os diferentes complexos ou sub-complexos figuram tanto questões históricas e culturais (religião, língua, etc.) quanto
barreiras geográficas, como é o caso da Cordilheira dos Andes. Na seção inferior, ou
“Cone Sul”, se encontram 3 dos Estados mais fortes da região (Brasil, Argentina e Chile)
e seus “Estados-tampões”, Uruguai e Paraguai.
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(NAFTA) junto com o Canadá e México - também contribuiu para
que a percepção da identidade do Brasil ficasse mais ligada a uma
área de influência diferente. Este começou a pensar no seu entorno
estratégico representado pelo Atlântico Sul, com papel preponderante da América do Sul, ao invés da América Latina (SOUZA, 2011).
Esta mudança também tem origem na transição do SI da bipolaridade da Guerra Fria para um sistema “uni-multipolar” (HUNTIGTON, 1999), no qual a tentativa de afirmação de uma hegemonia por
parte dos EUA, primeiramente de cunho multipolar - como se percebe na ação coletiva na 1ª Guerra do Golfo -, mas que progressivamente se transforma em um claro unilateralismo estadunidense, quando
a potência age sem o aval da Organização das Nações Unidas (ONU)
nas ocasiões das crises da Iugoslávia e (principalmente) invasões ao
Afeganistão e Iraque. Esses eventos reforçam o temor dos países da
região de ingerência externa originada da superpotência hemisférica, resultando no incremento das interações no subcontinente, que
foram ainda facilitadas, por um lado, pela estabilidade econômica na
região ligada ao aumento do preço das commodities, pelo redirecionamento da política externa estadunidense para o oriente7 e, por outro,
por uma identidade política regional formada a partir da eleição de
líderes progressistas em diversos países da região.
Contudo, antes de nos determos mais a fundo na questão da
integração regional, cabe um aprofundamento do que ocorreu no
Brasil quando, próximo ao fim da Guerra Fria, teve-se o retorno da
democracia. Desse modo, em seguida será analisado o processo de
consolidação das instituições democráticas, a fundação do Ministério da Defesa (MD) e as críticas que a criação deste ministério gerou.
Criação do Ministério de Defesa
O debate sobre a criação de um MD não se iniciou na década de 90, a Constituição brasileira de 1946 já citava a criação de
um Ministério único. Todavia, naquele período foi somente criado
a instituição do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), então
denominado de Estado-Maior Geral.
7. Vale ressaltar que, durante a lógica bipolar da Guerra Fria, a América Latina ganhava
destaque como zona de combate e perseguição do comunismo, concedendo-lhe, portanto, maior importância. Com o fim da bipolaridade, o papel estratégico da região é
sensivelmente reduzido, a princípio devido à ascensão da China e da nova importância
do tabuleiro de poder no leste asiático e, posteriormente, às atenções direcionadas ao
Oriente Médio.
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Outra iniciativa para criação deste Ministério se deu na década de 60, no período da ditadura militar, quando o General Castelo
Branco estava à frente do governo. Castelo Branco defendia a tese
da criação de um MD e chegou a assinar o Decreto-Lei 200, em fevereiro de 1967, que previa a promoção de estudos para elaborar o
projeto de lei de criação do Ministério das Forças Armadas. Entretanto, tal proposta foi abandonada. O assunto voltou novamente à
discussão, ao longo da Assembleia Nacional Constituinte de 1988,
mas também não deu em nada.
O processo de redemocratização, por um lado, foi seguido pelo
temor de envolvimento dos militares no aparato estatal, o que atrasou a formação do MD8. Por outro, ao fato de que a redemocratização não representou uma interferência nítida da sociedade civil na
política externa, dado o tradicional afastamento daquela, exacerbado pela crise econômica, que se tornava o cerne das preocupações.
Foi com Fernando Henrique Cardoso (FHC) que essa ideia
voltou a ser debatida, a criação do MD foi uma das promessas de
sua campanha eleitoral. O presidente eleito pretendia implementar
esta promessa logo no primeiro mandato, entretanto isso não foi
possível. Durante o período de 1995-1996, o EMFA, mais especificamente, o Ministro-Chefe do EMFA, General Benedito Onofre
Leonel, ficou encarregado de fazer estudos sobre a criação do MD.
Segundo Zaverucha, isto indicava que o MD teria uma percepção
militar, apesar de ser formado como instância de poder civil (ZAVERUCHA, 2005).
De modo a dar continuidade aos estudos de criação do ministério, o presidente FHC criou o Grupo de Trabalho Interministerial que definiu as diretrizes para implantação do MD. A partir do
segundo mandato, o presidente nomeou o senador Elcio Álvares
Ministro Extraordinário da Defesa e este recebeu a incumbência de
implantar o órgão. No dia 9 de junho de 1999, o Ministério da Defesa foi oficialmente criado, o EMFA extinto e os Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica transformados em Comandos.
A criação do ministério tinha como “preocupação principal
[na redemocratização] estabelecer uma função constitucional que
garantisse as Forças Armadas como um instrumento político e não
um sujeito político autônomo” (SANT’ANNA, 2011, p.52). Desse
8. Este que seria formado para determinar qual seria o papel das forças armadas após
um período de crise de identidade exacerbado pelo fim da guerra fria e ausência de
contenciosos regionais.
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modo, além de coordenar as ações das três forças, o MD exerceu
um controle político sobre elas e permitiu uma maior coordenação
entre a política externa/estratégia do país, com a sua força militar.
Na América latina isto é muito significativo devido ao histórico de
ter as forças armadas como um ator político importante e interventor, não subordinadas ao Estado. Assim, a formação do ministério
fortalece o Estado brasileiro.
Apesar do MD ter sido criado com essa finalidade em mente,
ele foi muito criticado em relação a sua autonomia frente às forças
armadas. O Deputado Federal Benito Gama, da aliança governista
e relator da PEC9, afirmou que o novo Ministro da Defesa civil seria
o equivalente a “rainha da Inglaterra” - reina mas não governa (ZAVERUCHA, 2000, p. 52, apud ZAVERUCHA, 2005), pois na realidade os militares continuariam exercendo o poder.
Outra crítica, que reforça esse argumento da falta de autonomia do ministério recém criado, seria o fato do Ministro da Defesa ter limitadas atribuições como a de centralizar o orçamento das
Forças Armadas, comprar armas e redigir a política de defesa do
Brasil. Além disso, os comandantes das forças armadas, apesar de
deixaram de ser politicamente ministros de Estado, mantiveram o
status jurídico de Ministro10 e também continuaram com a prerrogativa de, juntamente com o Ministro da Defesa, indicar ao Presidente da República os nomes para a promoção de oficiais-generais
(ZAVERUCHA, 2005).
Entretanto, com o passar do tempo e com a mudança de governo, o MD passou por algumas transformações. A produção de
documentos como o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa
(END) ajudaram a esclarecer melhor qual seria a Política de Defesa
do Brasil. Desse modo, no próximo tópico esses documentos serão
abordados com o intuito de demonstrar como o país passou a entender o que seria Defesa.
Documentos basilares
Representando a consolidação de uma posição oficial do Estado brasileiro em matéria de defesa, a partir da década de 90 são
9. A PEC n. 498/97 que propôs a criação do Ministério da Defesa.
10. Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal ficou encarregado de processar e julgar
as infrações penais comuns e crimes de responsabilidade dos ministros de Estado e dos
comandantes militares.
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redigidos documentos que tornam mais transparente esse posicionamento, bem como aspirações e princípios gerais que coordenam
as ações brasileiras tanto no âmbito doméstico quanto internacional. Esses documentos são as Políticas nacionais de Defesa (PND I
e II), a END e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN).
A PND, produzida em 1996, foi o primeiro documento nesse
sentido, montando as bases do posicionamento brasileiro de defesa. Buscava harmonizar as prioridades das forças armadas no país
às vésperas da criação do Ministério da Defesa, em 1999. Além disso, inicia uma abordagem que dialoga com o embasamento teórico-estratégico de Hélio Jaguaribe (que será mantida e aprofundada
nos documentos seguintes), na qual se busca conjugar estabilidade
e integração regional com desenvolvimento socioeconômico como
base orientadora do setor.
A PND II, de 200511, além de aprofundar disposições já presentes em sua versão anterior, realiza algumas correções que cabem
ser mencionadas. Primeiramente, consolida-se o entendimento de
um entorno estratégico no Atlântico Sul, incorporando a África
(saindo, portanto, do limite estratégico continental) e concedendo
importância renovada à “Amazônia Azul”, ou seja, a área marítima
sobre a qual o Brasil exerce direito jurídico (que viria a ser importante com o descobrimento do pré-sal). Ademais, revia a percepção das versão anterior do documento, que entendia que o mundo
dispunha de uma configuração crescentemente multipolar. A nova
versão, escrita pouco após a invasão do Iraque passa a dar foco à
interpretação de um mundo unipolar.
Há, ainda, um diálogo entre as disposições do documento de
2005 e o pensamento de Jaguaribe no que concerne a necessidade
de fortalecimento da indústria de defesa, tanto no setor privado
quanto público, na busca de maior autonomia internacional. Deseja-se a “redução da dependência tecnológica e a superação das
restrições unilaterais de acesso a tecnologias sensíveis” (BRASIL,
2005).
“A questão tecnológica”, ainda “é reforçada nas orientações estratégicas que privilegiam a indústria de defesa tanto pela busca do
domínio de tecnologias de uso dual, ou seja, civil e militar e como
pela integração regional com base no MERCOSUL” (SANT’ANNA
2011, p. 61). Esse elemento será ainda aprofundado na END, onde
11. Originalmente aprovado sob o nome de Política de Defesa Nacional e alterado para
Política de Defesa Nacional no documento de 2012.
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o papel da indústria de defesa adquire papel fundamental no princípio de contribuir com o desenvolvimento socioeconômico do país
através do avanço tecnológico de alto nível que o setor permite.
A PND deixa evidente que “o planejamento da defesa inclui
todas as regiões do Brasil e, em particular, as áreas vitais onde se
encontram maior concentração de poder político e econômico”
(BRASIL, 2012c p. 25). A Amazônia e o Atlântico Sul, são prioridades devido a sua riqueza de recursos e vulnerabilidade de acesso
pelas fronteiras terrestre e marítima.
A análise do ambiente estratégico dá ênfase à instabilidade, à
assimetria de poder e às novas ameaças à segurança dos Estados.
Repudia o terrorismo e enfatiza a intensificação da cooperação internacional com os países do já referido entorno estratégico, assim
como os de língua portuguesa como mecanismo de fortalecimento
de autonomia (BRASIL, 2012b p.12).
De acordo com a PND,
a existência de zonas de instabilidade e de ilícitos transnacionais
– como o narcotráfico e a guerrilha – podem provocar o transbordamento de conflitos de outros países da América do Sul. A persistência desses focos de incertezas impõe que a defesa do Estado
seja vista com prioridade, para preservar os interesses nacionais, a
soberania e a independência (BRASIL, 2012c, p. 22).
Nesse sentido, a afirmação do Brasil como potência regional,
bem como a sua inserção crescente como ator relevante no cenário
internacional é reforçada. Cabe salientar que a PND está de acordo com a Constituição Brasileira de 1988 e os 13 compromissos
programáticos do atual Governo, em particular o 13º, que ressalta
questões como a defesa da soberania nacional e a presença ativa e
altiva do Brasil no mundo (COLIGAÇÃO, 2010p. 22-23 apud CORRÊA, 2014).
A END tem por objetivo guiar a reforma e a modernização
das Forças Armadas brasileiras, além disso, também determina os
meios para cumprir as metas traçados na Política de Defesa. Além
disso, determina “que esta Estratégia deveria estar vinculada com a
estratégia nacional de desenvolvimento, ou seja, as duas andariam
pari passum em uma relação de reforço e de estímulo simultâneo”
(SANT’ANNA, 2011, p.62)
De acordo com a END, os três setores considerados estratégicos para o Brasil são o nuclear, coordenado pela Marinha do
Brasil, o cibernético, coordenado Exército Brasileiro, e o espacial,
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A formação da estratégia de defesa brasileira
coordenado pela Força Aérea Brasileira. A definição desses setores
tem como prioridade elevar a capacitação científica e tecnológica
do país. Como ressalta (SANT’ANNA, 2011, p.68), a indústria de
defesa adquire papel fundamental na estratégia nacional a partir
deste documento
o fortalecimento da indústria de material de defesa é visto como
fundamental, por ser este o canal de entrada no sistema produtivo
brasileiro da tecnologia transferida, através de acordos de cooperação com outros Estados, e da desenvolvida nos programas de
aparelhamento e modernização de equipamentos militares e nos
programas de treinamento de pessoal que são propostos na própria END, principalmente, os três campos tecnológicos apontados
como prioritários. (SANT’ANNA, 2011, p.68)
Essa abordagem condiz com iniciativas concretas e projetos
realizados pelo país, sobretudo a partir da década de 2000. Entre
elas, como veremos, constam o projeto de transferência de tecnologia para a construção de um submarino (de propulsão) nuclear e a
compra dos caças Gripen NG.
Por fim, o LBDN visa proporcionar o amplo acesso à informação sobre o contexto da estratégia de defesa nacional, no horizonte
de médio e longo prazo, assim como tornar possível o acompanhamento do orçamento e do planejamento plurianual relativos ao setor. O livro representa uma iniciativa das forças armadas de buscar
uma maior transparência para com a sociedade e a comunidade internacional (CORRÊA, 2014).
No Brasil, em especial, por ser considerado um país pacífico
e cuja sociedade, portanto, não vislumbra grandes ameaças, esse
documento é de extrema importância, pois busca demonstrar à sociedade que defesa não diz respeito somente às forças armadas e ao
governo, mas também aos seus cidadãos.
Em relação a comunidade internacional, o livro representa
uma resposta a demanda internacional para evitar tensões, cabe salientar que diversos países já possuem documentos semelhantes. O
Brasil necessita deixar claro, a comunidade, quem são seus parceiros estratégicos e aliados, qual a forma de tratamento destinada a
eles e quais princípios regem suas relações internacionais. O LBDN,
portanto, visa elucidar todos esses pontos (CORRÊA, 2014).
Portanto, entre os diversos tópicos e aspectos que circundam
os documentos mencionados acima destacamos alguns elementos
que consideramos centrais para a discussão proposta neste artigo:
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Pedro Henrique Miranda Gomes e Victoria Viana Souza Guimarães
• a consolidação de uma estratégia voltada para o Atlântico
Sul, com destaque à importância dada à integração regional;
• diálogo com a tese de Hélio Jaguaribe, sobretudo no papel da
indústria nacional de defesa como fomentadora de desenvolvimento tecnológico; e
• percepção dos perigos e constrangimentos impostos pelo SI,
que reforçam a necessidade de integração regional.
Desse modo, percebe-se a existência de diversos projetos, que
estão sendo desenvolvidos nos três ramos das Forças Armadas, que
estão diretamente interligados com as diretrizes montadas pelos
documentos abordados acima. Em seguida buscar-se-á destacar esses principais projetos.
América do Sul
Na última década houve um crescimento com gastos militares
na América do Sul, tal fato fez com que em 2006, o então presidente
da Costa Rica, Oscar Arias Sanches, afirmasse que a região teria
entrado em uma corrida armamentista. Todavia, o que se percebe
é que as aquisições tem sido determinada primariamente pela necessidade de fazer um upgrade nas capacidades militares de modo
mantê-las, atender as necessidades domésticas no quesito das
ameaças à segurança, estimular a indústria doméstica, a participação em missões de paz, ou o aperfeiçoamento do relacionamento
internacional ou regional do país (SIPRI, 2008, p.305, apud SIEBENEICHLER, 2009).
Neste sentido percebe-se uma atitude brasileira de buscar obter um maior envolvimento em missões de paz e propor uma maior
interação entre os países da região através de iniciativas como a
da criação de um Conselho de Defesa Sul-Americano. Contudo, é
preciso ter em mente o paradoxismo presente na análise do discurso gregário brasileiro (notoriamente em meio à gestão de Celso
Amorim à frente da pauta de relações exteriores) e suas ambições
de aumento de poder e relevância internacional. Deve-se contestar
até que ponto a região não foi instrumentalizada pela política externa brasileira com vistas à projeção de sua influência.
Seguindo a postura de inserção mais assertiva no cenário internacional definida para a década de 2000 (que foi amplamente
auxiliada pelo crescimento econômico da década), o Brasil passa a
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incorrer em novas iniciativas em matéria de defesa tanto regional,
quanto global. A participação como figura central na Missão das
Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), além
de servir como propulsor da influência e visibilidade internacional
do país,12 deixar claro o papel pretendido pelo Brasil de manter a
liderança e estabilidade na região.
Por outro lado, o país, ao incorrer em outro país da região,
passa a lidar com a questão delicada de que a permanência, excessivamente longa, pode gerar uma desconfiança por parte dos países
menores de pretensões hegemônicas por parte do Brasil. No sentido de contra-balancear esses temores, a diplomacia brasileira manteve um discurso gregário, de modo a fortalecer a identidade e a
união sul americana. Isso fica visível no discurso de Celso Amorim:
por isso temos trabalhado juntos no Mercosul, por isso temos impulsionado também a Comunidade Sul-americana, porque ajudamos a criar com outras áreas que estão aqui, porque não temos
capacidade de falar só. [...] Mas teremos muito mais forças se estivermos unidos. E se não pudermos estar unidos de maneira absoluta, porque não temos, por exemplo, uma tarifa externa comum
[...] se não podemos estar totalmente unidos podemos estar coordenados, isso ajudaria, nos fortaleceria a todos (AMORIM, 2006).
O discurso gregário, que visa fortalecer a concepção de uma
identidade regional sul americana é, ainda, fortalecido por fenômenos que datam da década de 2000. Lima (2016) aponta para o que
a autora chama de “regionalismo pós-liberal”, em um processo de
substituição dos paradigmas políticos e econômicos (notoriamente
liberais) que vigoraram na América do Sul na década de 90. Esse
conceito é caracterizado pela
• primazia da política nas relações entre os Estados e na integração regional (substituindo a primazia econômica anterior);
• a forte presença do Estado na economia; e
• avanço da importância dada à questão das vulnerabilidades
sociais na região.
12. O que seria repetido posteriormente, tanto no comando do a missão de paz no Congo pelo general Santos Cruz (em um marco de missões de paz da ONU, devido à sensível
redução de restrições ao uso da força pelas tropas), bem como pela tentativa, ao lado da
Turquia, de alcançar um acordo acerca do programa nuclear iraniano. Essas iniciativas
brasileiras fazem parte da busca de formação de capital político do país, mostrando-se à
altura de player global, capaz de ser integrante, por exemplo, do conselho de segurança
permanente das nações unidas.
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O “regionalismo pós-liberal” montou as bases para o fortalecimento de uma identidade sul-americana, ainda que rasa. Enquanto a política externa da potência hemisférica se direcionava para
o leste (Oriente Médio e Ásia), a região ganhou certa autonomia
(acompanhada do avanço econômico causado pela alta do preço das
commodities) e passa a se posicionar em oposição à ação (frequentemente entendida como imperialista) dos EUA. O temor de um
forte unilateralismo norte-americano, aliado ao fortalecimento da
identidade mencionado acima, permitiu que a região acelerasse seu
processo de integração e avançasse para o setor de defesa.
Desse esforço em 2004, a partir de iniciativa do ex-presidente
Lula, é formada a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA),
que apresenta um espaço de articulação cultural, política e econômica das nações do sub-continente. Essa entidade monta as bases
para a fundação da UNASUL, que por sua vez reflete a nova interpretação da defesa regional, agora oposta ao tradicional conceito de
“defesa hemisférica”, alcançando, portanto, níveis sem precedentes
de autonomia no sub-continente. Por iniciativa brasileira, no mesmo ano da fundação da UNASUL, é criado um órgão interno a ela
voltado para os assuntos de defesa, o Conselho de defesa Sul-Americano (CDS)13.
A quarta reunião das delegações - dos países sul americanos
- realizada no final de 2008 estabeleceu o documento constitutivo necessário para a criação do CDS, este foi aprovado no Brasil
em de dezembro de 2008. O documento caracterizou o Conselho
como um órgão de consulta, cooperação e coordenação no âmbito
da Defesa, que seria parte dos Conselhos da UNASUL (OLIVEIRA,
2013).
Dentre seus objetivos gerais pode-se ressaltar a instituição de
uma Zona de Paz e Cooperação no subcontinente e a construção
de uma identidade sul-americana de defesa. Já entre os objetivos
específicos destaca-se o incentivo de trocas de informação e análise
sobre a situação regional e internacional, a busca por posições conjuntas da região em foros multilaterais sobre defesa e a elaboração
de uma visão compartilhada a respeito das tarefas de defesa (OLIVEIRA, 2013).
Cabe salientar que o CDS tem seus princípios fundados com
base na Carta das Nações Unidas, na Carta da OEA e no Tratado
13. Cabe mencionar que, devido à ainda curta vida do CDS, ainda não está claro o papel
que o conselho é capaz de exercer nos temas de defesa regional.
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Constitutivo da UNASUL, não é baseado, portanto em uma aliança
militar como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),
ou seja, não foi criado literalmente com o intuito de ser uma instituição anti-americana como o presidente da Venezuela Hugo Chávez chegou a imaginar - cabe recordar que este havia proposto, em
1999, a criação da Organização do Tratado do Atlântico Sul, esta
sim seria uma aliança militar “anti-imperialista”(OLIVEIRA, 2013).
O CDS realiza suas reuniões anualmente - podendo ser convocadas reuniões extraordinárias - enquanto que o setor executivo
se reúne a cada seis meses para produzir o plano de ação anual. Entretanto, cabe frisar que as decisões, apenas são tomadas se houver
consenso (OLIVEIRA, 2013).
Atualmente, o Conselho é formado por doze países sul-americanos, novos membros serão aceitos apenas após 5 anos de vigência
do Tratado Constitutivo da UNASUL. Para serem admitidos estes
Estados precisarão estar associado à instituição há pelo menos quatro anos, e devem fazer parte dos Estados que compõem o Caribe
ou a América Latina, pois o CDS visa desenvolver uma parceria para
firmar uma unidade com estas regiões (OLIVEIRA, 2013).
Conclusão
A institucionalização das relações no continente, em grande
medida por iniciativa brasileira, faz parte de um projeto maior de
Brasília na projeção da sua influência, no qual deseja-se um papel
de liderança que sirva como uma ponte entre os principais centros
decisórios globais e a região, desempenhando o papel de responder
pelos interesses desta. Por mais que a END afirme que “O Brasil
ascenderá ao primeiro plano no cenário internacional sem buscar
hegemonia” (BRASIL, 2012a p.41), interpretações como a de Corrêa (2014) no trecho seguinte, veem na política exterior brasileira,
justamente esse caráter hegemônico (ao menos em intenção):
assim como os demais Estados, especialmente grandes potências,
o Brasil busca poder e, se possível hegemonia. Mas esse não é um
cenário realizável, ao menos por hora. [...] Uma saída para o Brasil, arduamente buscada na administração Lula, é a ampliação de
poder através de organismos e outras instituições internacionais.
(ROSI, 2012p. 65, apud CORRÊA, 2014p.35)
Essa interpretação se evidencia a partir das palavras do próprio
ex-presidente: “A proposta nova, que nós poderemos apresentar, é
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que o Brasil precisa propor aqui no continente um conselho de defesa sul-americano e que o Brasil esteja no Conselho de Segurança em
nome desse conselho, em nome do continente.” (SILVA, 2008)
Corrêa completa:
no entanto, os modelos como essa projeção e liderança foram alicerçados revelam uma alteração nos padrões tradicionais de influência internacional (que privilegia a imposição da vontade dos atores mais fortes sobre os mais fracos), fazendo emergir uma maior
cooperação e interdependência entre os Estados, na busca por cooptar parceiros em vez de coagi-los, vindo a caracterizar a essência
do smart power brasileiro (CORRÊA, 2014p.36).
Essa perspectiva está de acordo com o arcabouço teórico utilizado no presente texto. O fortalecimento do Brasil depende de
um simultâneo fortalecimento da região constituinte do “entorno
estratégico”, com destaque para o sub-continente sul americano,
como foi bem avaliado pelos policy makers brasileiros nas décadas
recentes (que, na formulação daquela que seria a estratégia de defesa brasileira, recuperaram conceitos e interpretações de teóricos
nacionais, como Hélio Jaguaribe).
Essa integração, devido não apenas ao seu tamanho geográfico,
mas também à importância econômica e tradição diplomática, tende a conceder a posição de liderança regional ao Brasil. Esse papel,
contudo, é tratado de maneira delicada, devido a temores por parte
dos Estados menores de aspirações hegemônicas do “irmão maior”.
O smart power brasileiro, mencionado na citação acima, destacando
o aspecto construtivista da nossa análise, auxilia na desconstrução
desses temores, permitindo que, uma vez o balanço de interações de
“amizade” e “inimizade” pesando a seu favor, o país possa facilitar a
aceitação de sua liderança por parte dos seus vizinhos.
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