eliana sousa silva
prefácio:
paul heritage
A OCUPAÇÃO
DA MARÉ
PELO EXÉRCITO
BRASILEIRO
percepção de moradores
sobre a ocupação das forças
armadas na maré
eliana sousa silva
coordenação geral da pesquisa
Eliana Sousa Silva
coordenadora técnica
Gisele Martins
coordenadora de campo
Lidiane Malaquini
análise dos dados
Eliana Sousa Silva
Jailson de Souza e Silva
tratamento e processamento
dos dados
Dalcio Marinho Gonçalves
assistente de processamento
dos dados
João Aleixo Sousa e Silva
dados internacionais de catalogação na publicação (cip)
S586o
Silva, Eliana Sousa
A ocupação da Maré pelo Exército brasileiro: percepção de
moradores sobre a ocupação das Forças Armadas na Maré / Eliana Sousa
Silva. — Rio de Janeiro : Redes da Maré, 2017.
120 p. : il. ; 24 cm.
Inclui índice, bibliograia e anexo.
ISBN: 978-85-61382-07-0
1. Exército brasileiro. 2. Ocupação. 3. Complexo da Maré – RJ.
I. Título.
2017-68
CDD: 355.49
CDU: 355.355
pesquisadores de campo
Bognar Lopes
Cláudia Santos
Fernanda de Freitas Lima
Luiza Azevedo Siqueira
Márcio Danelon
Sirlane Tavares Lima
Viviane Linares da Silva
foto (capa)
Gabriela Lino (ECOM – Escola
de Cinema Olhares da Maré)
revisora
Elizete Munhoz
projeto gráfico e diagramação
Mórula_Oicina de Ideias
SUMÁRIO
7
8
14
apresentação
prefácio
introdução
16
o contexto da maré antes da ocupação
das forças militares
23
o processo de construção da pesquisa
26
O recorte territorial da pesquisa
28
O tamanho da Maré
30
Tamanho e seleção da amostra
33
Cálculo e expansão dos resultados
35
A coleta de dados
38
análise dos dados da pesquisa
39
Peril dos moradores da Maré entrevistados
48
O vínculo afetivo com a Maré, a mobilidade
e a sensação de segurança
57
Percepções sobre o processo de ocupação
da Maré pelo Exército brasileiro
96
considerações finais
97
referências bibliográficas
98
entrevistas
98
Manoela Silva
102
Vitor Santiago
111
anexo | instrumento de coleta de dados
sobre ação das forças de pacificação
na maré
6
APRESENTAÇÃO
quem vive e trabalha na bela cidade
do rio de janeiro sabe bem que em paralelo à vida vibrante, alegre e exuberante existe a diiculdade real. Em
muitas comunidades em toda a cidade a situação de segurança é frágil
e muitas vidas inocentes são perdidas a cada mês. Neste contexto, as relações entre a polícia e as comunidades que policiam são de fundamental
importância. Desconiança e tensão
podem ter se acumulado ao longo de
muitos anos, razão pela qual o desaio de quebrar o ciclo é tão difícil. Isso
torna um trabalho como este, produzido através de uma excelente colaboração entre a Queen Mary, University of London e a Redes da Maré, tão
importante.
O governo britânico teve a honra
de apoiar este trabalho, que nos permitiu compartilhar com especialistas
brasileiros a experiência da Grã-Bretanha em construir relações entre a
polícia e suas comunidades. Como
resultado, há de haver novas ideias e
práticas para fortalecer a coniança,
reduzir tensões e, inalmente, eliminar a violência. Tal como acontece
com qualquer projeto bilateral, tenho a certeza de que os peritos britânicos aprenderam tanto quanto
partilharam.
O inanciamento do Governo britânico para este projeto foi dado através do Newton Fund, criado para
apoiar uma maior cooperação entre
as comunidades acadêmicas e de ciência e inovação do Reino Unido e
de outros países, incluindo-se aí as
áreas de transformação urbana e direitos humanos. Este projeto é um
dos muitos que apoiamos este ano
através do Newton Fund. Até 2021, o
fundo fornecerá um total de £75 milhões (R$ 290 milhões) em parcerias
de pesquisa conjuntas com parceiros
brasileiros.
Sei que as questões da violência
urbana e as relações entre a polícia e
as comunidades no Brasil são assuntos complexos, difíceis e sensíveis.
Seria compreensível se o governo
britânico quisesse evitar envolver-se
nestas questões. Mas tal postura seria incoerente com o relacionamento
entre o Reino Unido e o Brasil, que é
próximo, amigável e de apoio. Numa
relação assim, trabalha-se as questões que são as mais importantes e
nas quais há experiências para se
compartilhar.
jonathan dunn obe
cônsul geral — consulado geral
do reino unido, rio de janeiro
7
PREFÁCIO
8
a nona passarela sobre a avenida
brasil, indo em sentido oposto ao
centro do rio de janeiro, é sempre
meu alerta de que cheguei à altura
da via expressa quando é necessário
pegar a saída para entrar no Complexo da Maré. Conforme informo ao
taxista que precisamos tomar a próxima à direita, ele encosta no pátio de
um posto de gasolina. Inclinando-se
sobre mim, ele abre a porta do passageiro e indica que devo prosseguir
a pé. Apesar de não haver uma distinção real dividindo este complexo
de favelas dos cinco quilômetros da
Avenida Brasil que ele margeia, poucos motoristas se dispõem a descer
uma das vias secundárias que imediatamente te lançam nas vivas ruas
das dezesseis comunidades conhecidas coletivamente como Maré. O táxi
parte antes que eu comece a curta
caminhada pela Rua Teixeira Ribeiro, que me levará à Rua Sargento
Silva Nunes e para a sede da Redes da
Maré, onde encontrarei Eliana Silva.
Não há transição. O barulho de um
moto-táxi, que por pouco desvia de
mim, toma minha atenção enquanto
caminho pelo exuberante luxo perene de compra e venda, ida e volta
que ocupa cada milímetro indivisível das ruas e calçadas da Maré. Na
esquina do primeiro beco que foge
da rua principal, lembro-me de me
empenhar na tarefa de ver sem olhar.
Um grupo de adolescentes exibe as
mercadorias e armamentos de seu
comércio de drogas. Um fuzil AK47
casualmente apoiado numa mesa de
bar, vermelha e de plástico, tem sua
imagem reletida na janela de um salão de beleza do outro lado da rua.
Com uma população de aproximadamente 150.000 habitantes, a
Maré é maior que 90% dos municípios brasileiros. Sua história se entrelaça com a estrada que eu percorri
para estar aqui. Quando a Avenida
Brasil inalmente foi inaugurada em
1946, muitos dos operários que passaram sete anos construindo a nova
via expressa estabeleceram residência ao longo de suas margens,
transformando dramaticamente o
que antes era uma comunidade de
famílias sustentadas pela pesca na
Baía de Guanabara. Eliana chegou
aqui há mais de quarenta anos, aos
sete de idade, trazida por sua família, que seguiu a rota migratória feita
por muitos dos moradores das favelas do Rio, vindos do seco, empobrecido e intensamente vivo sertão nordestino. Foi aqui na Maré que aos 22
anos ela se tornou a primeira mulher
a ser eleita presidente de uma associação de moradores em uma comunidade do Rio de Janeiro. Foi aqui
neste complexo de dezesseis favelas à beira da Avenida Brasil que ela
criou seus dois ilhos, estudou para
ingressar na universidade e em 2009
completou seu doutorado sobre relações de poder nos territórios marginalizados do Rio.
Foi na Maré, em 1996, que fundou a Redes de Desenvolvimento
da Maré, uma organização comunitária que visa melhorar a qualidade
de vida na favela em todas as suas
dimensões. Eliana foi Diretora e Pesquisadora da Divisão de Integração
Universidade Comunidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde
coordenou um curso de pós-graduação em Segurança pública para os
Departamentos de Direito e Serviço
Social. Deixe que ela seja sua guia,
como foi tantas vezes minha, dentro
desta comunidade:
Você sente a vida cotidiana da Maré
imediatamente ao entrar: o cheiro
forte vindo de becos laterais por causa
da rede de esgotos precária; o barulho
constante, especialmente de funk ou
forró; as ruas principais ocupadas por
camelôs; pequenas lojas e empresas,
muitas delas servindo álcool; motos, bicicletas e vans lutando por espaço entre
pessoas de todas as idades – permanentemente nas ruas, o dia todo, todos os
dias. A presença de pessoas nas ruas é o
que causa mais forte impressão às pessoas que entram em uma favela como a
Maré. As ruas de bairros de classe média icam vazias à noite, todos trancados
dentro de suas casas cercadas por paredes. A favela permanece viva, as lojas icam abertas e os bares, cheios.1
1
Entrevista com Eliana Silva gravada por Paul
Heritage em 28 de setembro de 2016.
Para qualquer pessoa que tome
a primeira à direita após a passarela
número nove na Avenida Brasil, a
Maré estará esperando para contar
sua história.
Há dois anos venho trabalhando
em parceria com a Dra. Eliana Silva
em um projeto de pesquisa que chamamos de Someone to watch over
me (Alguém para cuidar de mim). A
proposta era investigar novas formas
de compreender polícia, cultura e favela no Rio de Janeiro, com foco especíico no Complexo de Maré. Este
relatório é um dos vários diferentes
resultados da pesquisa, que foi tornada possível graças a uma bolsa do
Newton Advanced Fellowship, concedida em 2015 pela British Academy a Eliana, em parceria comigo
e com a Queen Mary University of
London. Como parte da pesquisa,
Eliana fez uma série de visitas ao
Reino Unido para analisar o policiamento de comunidades desfavorecidas, que estão sujeitas a múltiplos
fatores de risco e onde há uma ameaça percebida de aumento dos níveis de violência social. O trabalho
no Reino Unido levou-a a Londres,
Northumberland e Belfast, onde se
reuniu com policiais responsáveis
pelo policiamento de bairros e comunidades, bem como com diretores de Departamentos de homicídio
e crime organizado. Ela visitou também projetos artísticos que criaram
intervenções ligadas a tais contextos,
9
PREFÁCIO
10
buscando usar a cultura como ferramenta para criar espaços onde a coniança e compreensão mútuas possam ser construídas. O envolvimento
com artistas e organizações artísticas
foi parte de um processo através do
qual procuramos entender as formas
como a supervisão civil do trabalho
da polícia é feita no Reino Unido por
meio de uma rede formada por agências governamentais e organizações
não-governamentais.
A Newton Advanced Fellowship
tornou possível que a Eliana Silva, do
complexo de favelas da Maré, pudesse
reunir a então Secretária Nacional de
Segurança Pública do Brasil, o chefe da
Divisão de Homicídios da Polícia Civil
do Estado do Rio de Janeiro e um coronel da Polícia Militar para sair em patrulha com a Polícia Metropolitana de
Londres. Em seminários internacionais em Londres e no Rio de Janeiro,
Eliana e eu reunimos policiais brasileiros e britânicos, políticos, funcionários
públicos, advogados de direitos humanos, representantes de autoridades policiais locais, ONGs, acadêmicos, ativistas e artistas. Além dos seminários,
treinamentos, reuniões oiciais, visitas
a delegacias, encontros com políticos e
gestores, também convidamos os visitantes britânicos que vieram ao Rio de
Janeiro a viajar com a gente pela Avenida Brasil e virar à direita logo depois
da nona passarela. Dois oiciais da Polícia Metropolitana de Londres, um advogado britânico, uma diretora de uma
ONG especializada em garantir que a
polícia responda por mortes e outros
abusos sofridos sob custódia policial,
um conselheiro de políticas de Segurança pública da prefeitura de Londres
e uma integrante da Comissão Independente de Queixas da Polícia (IPCC,
na sigla em inglês) uniram-se a Eliana,
sob um sol tropical implacável, para
caminhar lenta e conscientemente pelas ruas da Maré.
Este relatório é uma oportunidade
e um convite a observar essas ruas e
entender algo profundo sobre as pessoas que nelas vivem. Como parte da
bolsa Newton, Eliana se propôs a examinar as atitudes dos moradores da
Maré à ocupação de suas comunidades pelo Exército brasileiro - parte de
uma estratégia das autoridades estaduais e federais para reforçar a “segurança” - assumindo o policiamento
da Maré durante quinze meses entre
2014 e 2015. Combinando o rigor da
análise sociológica com uma compassiva e convincente revelação das narrativas pessoais por trás dos dados, a
pesquisa oferece uma visão clara de
um horizonte que é muitas vezes coberto por uma névoa de incerteza,
preconceito e ignorância. Ela demonstra que a tarefa mais complexa,
mas também a mais importante, é
tentar capturar a dimensão narrativa
destes territórios e perguntar como as
pessoas criam uma consciência sobre
seu lugar neste mundo. A pesquisa
revela que necessitamos equilibrar a
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
consciência entre o que é real e o que
é ictício, se quisermos desenvolver
estratégias eicazes para a Segurança
pública. Neste relatório, Eliana nos
guia pelas ruas da Maré e empresta a
própria sensibilidade ao diálogo com
as histórias pessoais reveladas pela
pesquisa para que, nas palavras de
Mário de Andrade, “a razão discuta
com a imaginação”. Ela nos permite
enxergar além da precisa análise sociológica dos dados de sua pesquisa,
para demonstrar que a relação entre o
simbólico e o real é fundamental não
só para uma compreensão do que já
aconteceu, mas para desvendar os
meios através dos quais o rico potencial daqueles que vivem neste território pode e deve ser o ponto de partida
de qualquer solução.
Em novembro de 2016, apresentamos os resultados iniciais desta pesquisa na Sala Cecília Meireles, um
dos espaços culturais mais prestigiados do Rio de Janeiro. Neste auditório batizado em homenagem a uma
escritora que está entre os maiores
poetas modernistas do Brasil e projetado quase exclusivamente para recitais de música clássica, Eliana revelou os fatos, os números e as histórias
por trás de quinze meses da invasão e
ocupação do Complexo da Maré pelo
Exército brasileiro. Aos coronéis militares e agentes de investigação da Polícia Civil, aos responsáveis pela política de Segurança pública no Brasil
e na Grã-Bretanha, aos advogados e
“
A pesquisa revela que
necessitamos equilibrar
a consciência entre o que
é real e o que é ictício,
se quisermos desenvolver
estratégias eicazes para
a Segurança pública”
gestores de políticas públicas de direitos humanos, aos acadêmicos e
ativistas da sociedade civil, aos jornalistas e blogueiros; aos que foram baleados e às mães, irmãos e vizinhos
dos que foram mortos, Eliana insistiu
para que olhemos de novo e olhemos
com mais cuidado, para evitar respostas redutivas que pesam sobre perdas
humanas, sociais e econômicas.
Para além das entrevistas, estudos de caso, análises de dados e seminários, a resposta mais eloquente
ao Someone to watch over me talvez
tenha sido uma de natureza musical, o que é apropriado para um projeto de pesquisa que toma seu nome
emprestado de uma canção popular.
Para coincidir com o seminário inal,
obtivemos inanciamento do AHRC
para produzir uma instalação sonora
imersiva chamada Outros Registros/
Other Registers no Centro de Artes
de Maré (um espaço cultural criado
11
PREFÁCIO
“
Os dados oiciais mostram que mais de 800
pessoas são mortas anualmente pela polícia no Estado
do Rio de Janeiro, um nível de letalidade duas vezes
maior que as forças policiais combinadas de todos
os estados dos Estados Unidos da América”
e dirigido pela organização de Eliana,
Redes da Maré). Um compositor, um
cientista da computação, um artista
performático e uma acadêmica2 do
Brasil, da Grã-Bretanha e da Irlanda
do Norte uniram forças para transpor
a frieza dos dados sobre homicídios
no Rio e transformá-los em música
que pôde ser sentida visceralmente
através de uma instalação sonora. Eles
trabalharam com base no registro de
mortes civis por parte da Polícia Militar, conforme compilado e publicado
pela Secretaria Estadual de Segurança
Pública do Rio de Janeiro3. Os dados
oiciais mostram que mais de 800 pessoas são mortas anualmente pela polícia no Estado do Rio de Janeiro, um
nível de letalidade duas vezes maior
que as forças policiais combinadas
de todos os estados dos Estados Unidos da América. A polícia do Rio de Janeiro não só mata mais, mas também
12
2
Nicolas Espinoza, Samuel van Ransbeeck, Rafael
Puetter (Rafucko) e Tori Holmes
3
http://www.isp.rj.gov.br/
morre mais do que qualquer outra
força policial no Brasil, tanto durante
horário de expediente, quanto fora
dele4. A equipe cientíica e artística
transformou os dados desses números desumanizados em uma música
que carrega o legado de vidas perdidas, famílias dilaceradas e comunidades que vivem em estado de medo
constante. Mortes que tinham sido
transformadas em números tornaram-se notas musicais em oito caixas
de som que circundavam o público.
No centro de um espaço octogonal
cavernoso na sala principal do Centro de Artes, a equipe riscou em giz
uma representação do caveirão – o
veículo blindado que a Polícia Militar
usa para suas invasões das favelas - e
que tem sua própria trilha sonora, que
mistura funk agressivo e abusivo com
os sons de tiros.
A partitura para a instalação
Outros Registros teve três camadas interligadas. O som mais constante foi
4
http://www.forumseguranca.org.br/
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
produzido pela “soniicação” do número de civis mortos pela polícia. A
segunda camada era composta por
um som similar ao dobrar de um sino,
criando uma melodia a partir da justaposição do número de mortes de
policiais e de civis. A terceira camada
adicionava uma voz humana lendo
manchetes de jornal relacionadas à
violência policial. Enquanto público,
fomos chamados a ouvir e a estar presentes face a esses dados num registro
poético, em vez de sermos meras testemunhas do espetáculo desumanizante
das estatísticas que é reproduzido nos
meios de comunicação. O mais importante de tudo foi o espaço no qual esta
instalação-performance foi encenada:
o Centro de Artes da Maré. Distante
apenas 500 metros da Avenida Brasil,
mas já embrenhada no complexo de
favelas, a arte transformava assassinatos em formas matemáticas musicais,
na rua em que ontem e amanhã ecoará
o som aterrador do caveirão.
Foi uma honra fazer parceria com
Eliana Silva na pesquisa que ela realizou durante a sua Newton Advanced Fellowship para a British Academy. Como órgão nacional do Reino
Unido para as ciências humanas e sociais, a British Academy reúne o estudo de povos, culturas e sociedades,
e isto está no cerne da pesquisa que
apresentamos aqui nesta publicação. Abrimos nossa proposta original
à British Academy com uma citação
do escritor alemão Bertolt Brecht. Era
o último verso de um poema que tem
o mesmo título e que fala da necessidade de nunca se aceitar que mudança não é possível. Ao encerrar esta
fase da pesquisa, o eco deste poema
continua a expressar as responsabilidades que foram nossa preocupação
ao longo de todo o projeto.
paul heritage
diretor artístico da people’s palace
projects e professor da queen mary
university of london
nada é impossível
de mudar
[ bertolt brecht, em tradução
de manuel bandeira]
Desconiai do mais trivial,
na apar̂ncia singelo
E examinai, sobretudo, o que parece
habitual.
Nós vos pedimos com insist̂ncia:
nunca digam “isso é natural”
diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão,
em que corre o sangue,
em que se ordena a desordem,
em que o arbítrio tem força de lei,
em que a humanidade desumaniza
não digam nunca: isso é natural.
A im de que nada passe por imutável.
13
INTRODUÇÃO
entre 5 de abril de 2014 e 30 de junho
de 2015, as forças armadas ocuparam
as favelas da maré, localizada na cidade do Rio de Janeiro, com a inalidade de contribuir para a paciicação
do território e estabelecer condições
de segurança para a implantação da
Unidade de Polícia Paciicadora. A
atuação dos militares — comandada
pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e chamada de Operação
São Francisco — foi regulada por uma
Garantia da Lei e da Ordem (GLO)5,
expedida pela Presidência da República. Esta medida concedeu poder
de polícia às tropas em uma área de
cerca de 10 km², autorizando os militares a fazer patrulhamentos, revistas,
vistorias e prisões em lagrante.
Dando prosseguimento aos estudos e análises que realiza sobre a
questão da Segurança pública e do
direito à vida, com o propósito de
orientar as ações e campanhas que
empreende junto às comunidades e
contribuir para a formulação de uma
política pública de segurança que respeite e garanta os direitos dos moradores dos espaços populares, a Redes
da Maré se dedicou a acompanhar e
avaliar o impacto da referida ocupação no cotidiano dos habitantes.
5
14
Reguladas pela Constituição Federal, em seu
artigo 142, pela Lei Complementar 97, de 1999, e
pelo Decreto 3.897, de 2001, as operações de GLO
concedem provisoriamente aos militares a faculdade
de atuar com poder de polícia até o restabelecimento
da normalidade.
Nesse contexto, entre fevereiro e
setembro de 20156, a Redes da Maré
realizou uma pesquisa denominada
“Percepção de moradores sobre a
ocupação das Forças Armadas na
Maré”, entrevistando 1.000 moradores, com idade entre 18 e 69 anos e
distribuídos por todas as comunidades da Maré que vivenciaram a ocupação do Exército.
Cabe ressaltar que a Operação São
Francisco contou com integrantes
das três Forças Armadas. Além de militares do Exército, fuzileiros da Marinha também izeram patrulhamento
na Maré e houve, ainda, o apoio logístico da Aeronáutica no transporte
de pessoal, equipamentos e víveres.
6
Em 2015, ocorreu a etapa de campo. O projeto de
pesquisa completo teve início em abril de 2014.
FOTO: GABRIELA LINO / ECOM
Todavia, nesse estudo, optamos por
privilegiar o protagonismo do Exército, pelo fato desta Força ter representado mais de 80% do efetivo presente7 e, consequentemente, por ter
sido esta a representação predominante entre os moradores da Maré.
Em sua fase inicial, o estudo recebeu o apoio de uma bolsa de pesquisa
do Programa Drogas, Segurança e
Democracia (DSD), do Social Science
Research Council. Já a segunda etapa
do trabalho aconteceu em parceria
com o People´s Palace Projects e com
o apoio do Fundo Newton, através de
edital público. Este relatório tem por
7
O efetivo foi composto por 2,5 mil militares,
substituídos a cada dois meses. Porém, segundo o
Ministério da Defesa, houve momento de estarem
mobilizados até 3,3 mil militares. Disponível em:
<http://www.defesa.gov.br/noticias/16137ocupacao-das-forcas-armadas-no-complexo-damare-acaba-hoje.> Consulta realizada em 31 de
outubro de 2015.
objetivo apresentar os resultados gerais desta consulta realizada junto
aos moradores.
Na primeira parte do documento
foi apresentado o contexto das favelas
da Maré, marcados pela atuação dos
grupos criminosos armados e da polícia, antes da chegada das Forças militares. O intuito maior foi a explicitação
das expectativas dos moradores em
relação à atuação da Polícia Militar
com a possível implantação da Unidade de Polícia Paciicadora (UPP) na
Maré — fato este que não ocorreu.
Na sequência, apresentamos as
condições em que a pesquisa foi realizada, o percurso metodológico adotado e a análise dos dados coletados
nas entrevistas, destacando a percepção dos moradores em relação à ocupação das Forças militares. Uma boa
leitura a todos!
15
O CONTEXTO DA MARÉ
ANTES DA OCUPAÇÃO DAS FORÇAS MILITARES
o momento que antecede a ocupação
da maré pelo exército brasileiro, em
abril de 2014, foi crítico em vista dos
enfrentamentos entre os Grupos Criminosos Armados (GCAs) e a Polícia
Militar, especialmente o seu grupo de
elite, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Naquele contexto, um conjunto de violações ocorreu, ampliicando as incertezas sobre
o cenário da Segurança pública no
curto, médio e longo prazos na Maré.
Como é sabido, estamos falando de
uma região onde residem cerca de
140 mil pessoas8, distribuídas por 16
favelas, e consistindo no mais populoso conjunto de favelas do Rio de Janeiro, com mais habitantes que 96%
das cidades brasileiras9.
A vida cotidiana nas favelas da
Maré tem sido marcada, historicamente, pelo atravessamento de violências que conformam uma paisagem na qual estão presentes quatro
Grupos Criminosos Armados existentes no Rio de Janeiro: Comando
Vermelho (CV), Terceiro Comando
(TC), Amigos dos Amigos (ADA) e
a Milícia. Em que pese às especiicidades de cada um desses Grupos
— já que a forma de lidarem entre
si, com a polícia e com os moradores é diferenciada — os conlitos entre eles criou um processo complexo
16
8
Redes da Maré; Observatório de Favelas. Censo
Maré 2013.
9
IBGE. Censo Demográico 2010.
em torno do direito de ir e vir, dentre outros limites impostos no cotidiano. Além disso, contribuiu para
desenvolver no imaginário da cidade
a representação da Maré como um
dos locais mais perigosos, no Rio de
Janeiro, o que se tornou um argumento para a inibição da garantia de
outros direitos dos moradores locais,
como, por exemplo, o de terem Segurança pública10.
Além de diicultarem a livre circulação em toda região da Maré, os
conlitos e as tensões derivadas do
processo de “guerra às drogas” criam
constrangimentos para que os moradores possam se manifestar de forma
pública sobre as violações que sofrem
ou assistem. Isso pode ser constatado
na declaração do presidente de uma
associação de moradores local, ao ser
indagado sobre como os residentes da
Maré poderiam ser sensibilizados a
serem mais ativos no processo de conquista do direito à Segurança pública:
O morador participar é complicado.
Nem todo mundo tem o mesmo pensamento. Uns têm medo, outros não. Então, quando ele é chamado a participar
10
Um exemplo concreto desse limite aos direitos
é uma Portaria ainda em vigor, publicada pela
Secretaria Municipal de Educação, que autoriza que
as escolas da Maré terminem as aulas mais cedo
em relação ao horário vigente em outros espaços
da cidade. Instituída em nome da proteção aos
professores, a prática discrimina os estudantes
locais e revela uma recusa do Órgão municipal em
cumprir sua obrigação de proteger integralmente as
crianças e adolescentes.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
do debate sobre esse tema, mesmo
quando é divulgado apenas no boca a
boca, o pessoal ica com medo. Lembro-me quando o Exército veio aqui na Associação e chamou todo mundo, deixou
convite até para os policiais do DPO11
que tem aqui na comunidade a comparecerem na Ação Social que eles promoveram. Muito morador ica desconiado,
com temor. Ele vai participar porque
precisa, mas dão telefone e endereço errados, pois ninguém quer meter a cara,
e eu não tiro a razão.
A partir de 2013, a população da
Maré viveu um período de incertezas, com muitas movimentações em
relação à presença da polícia e dúvidas sobre como os GCAs locais iriam
lidar com a anunciada chegada da
nova estratégia de policiamento, denominada Unidade de Polícia Paciicadora (UPP)12. Ela é apresentada,
do ponto de vista teórico, como uma
ação que privilegia o conceito de policiamento comunitário, com princípios trazidos da ideia de “polícia de
proximidade”. A ênfase é que as iniciativas no campo da Segurança pública aconteçam com a chegada da
UPP numa comunidade, a partir da
parceria entre a população e as instituições desse campo. Nesse sentido,
há um padrão de ações por parte da
11
Destacamento de Policiamento Ostensivo.
12
Depois de anos de adiamento da iniciativa, o
Governo estadual declarou, em agosto de 2016, que
havia desistido deinitivamente de implantar a UPP
na Maré.
Secretaria Estadual de Segurança Pública, que foi se conformando a partir das seguintes ações: (a) anúncio
da entrada da UPP pelos meios de
comunicação; (b) cumprimento de
mandados judiciais; (c) busca e apreensão por meio de operações envolvendo diferentes delegacias da Polícia
Civil, como, por exemplo, de roubo e
de desmonte de veículos; e (d) reuniões da Secretaria de Segurança Pública com associações de moradores
e outras organizações, para apresentar como seria o processo de entrada
na favela, dentre outras.
A nova estratégia de Segurança,
mesmo antes de sua implantação, já
havia impactado o território da Maré.
Um dos seus efeitos colaterais, notadamente, era a migração de muitos
integrantes dos grupos criminosos
dos locais onde as UPPs se implantavam para outras favelas ocupadas
por aliados. Assim, a sua chegada em
algumas favelas de áreas próximas,
como o Complexo do Alemão — em
2010, Manguinhos, Jacarezinho, Caju
e Lins — em 2013, fez com que muitos integrantes das facções presentes nesses lugares migrassem para a
Maré. O fato impactou a estrutura e
a forma de funcionamento dos grupos atuantes até então nesse território, visto que essas pessoas passaram a compartilhar as atividades
ligadas ao tráico de drogas. O fato
ocorreu, especialmente, a partir de
2013, e impactou de forma profunda
17
O CONTEXTO DA MARÉ ANTES DA OCUPAÇÃO
DAS FORÇAS MILITARES
o cotidiano dos moradores, como relata uma moradora do Parque Maré:
Nunca vi tanta cara diferente aqui na
Maré. Esses meninos vieram de suas favelas, fugidos da UPP. Lá era a mesma
facção daqui. Mas eles são muito diferentes. Eles icam na nossa porta com
arma e droga e nem pedem licença; não
sei onde vai parar esse troço. Ocupa um
lugar e os bandidos fogem pra outro.
Vai entender.
A presença daqueles membros
das facções, que eram continuamente perseguidos pelas Forças policiais, e a proximidade da Copa do
Mundo de Futebol13 izeram com que
o ano de 2013 e o início de 2014 fossem bastante conturbados na região,
com a ocorrência de muitos conlitos
armados. No período, ocorreram as
mortes de nove moradores, devido a
um ato de vingança dos policiais, em
função da morte de um sargento do
BOPE, numa operação local. Aquela
lamentável morte gerou uma ação
sangrenta, com muitas violações de
13
18
Havia uma grande preocupação no campo da
Segurança em relação a esse evento e aos Jogos
Olímpicos, que ocorreram no Rio de Janeiro em 2014
e 2016. Como a região da Maré ica no caminho para
o Aeroporto Internacional e é necessário atravessar
as vias que cruzam a favela para chegar a outras
partes da cidade, havia uma forte preocupação
com o seu controle pelas forças de Segurança para
impedir eventuais conlitos que pudessem ser
provocados pelos GCAs.
direitos de quem reside na Maré14,
e que só foi interrompida diante da
mobilização de várias organizações
locais. Os fatos foram tão graves que
os moradores se manifestaram por
meio de um ato público organizado
na Avenida Brasil, a principal via da
cidade. Reivindicava-se que fossem
realizadas investigações e, ainda, que
a Justiça punisse os responsáveis pelas violações ocorridas15. A mobilização fez com que, pela primeira vez
na história da Maré, a Delegacia de
Homicídios entrasse na favela para
realizar perícias nos locais onde as
mortes aconteceram16. Até o encerramento desta publicação, após mais de
três anos do episódio, as investigações
apontavam que oito vitimados foram
mortos por, pretensamente, resistirem
14
Sobe para 10 o número de mortos em operação na
Maré no Rio de Janeiro. O Globo. Rio de Janeiro, 26
de junho de 2013. Disponível em: <http://g1.globo.
com/rio-de-janeiro/noticia/2013/06/sobe-para10-numero-de-mortos-em-operacao-na-mare-norio-diz-policia.html.> Acessado em 28 de setembro
de 2016.
15
Ato ecum̂nico homenageia mortos na Maré nesta
terça-feira. Folha de São Paulo. Rio de Janeiro, 1º
de julho de 2013. Disponível em: <http://www1.
folha.uol.com.br/cotidiano/2013/07/1304467-atoecumenico-homenageia-mortos-na-mare-nestaterca-feira.shtml.> Acessado em 28 de setembro
de 2016.
16
Delegacia de Homicídios investiga excessos na ação
de PMs no Complexo da Maré (RJ). Rede Record.
26 de junho de 2013. Disponível em: <http://
rederecord.r7.com/video/delegacia-de-homicidiosinvestiga-excessos-na-acao-de-pms-no-complexoda-mare-rj--51cb7d560cf26c5058b30ba9/.>
Acessado em 28 de setembro de 2016.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
à ação policial. Isso signiica dizer que
essas pessoas foram consideradas provocadoras das suas próprias mortes,
num contexto de confronto com a polícia. Sobre o nono morador, comprovadamente trabalhador e morto a sangue frio, até agora nenhum policial foi
levado a julgamento ou mesmo indiciado como réu.
O cenário, portanto, que se apresentava no período anterior à chegada das
Forças militares na Maré era de muito
enfrentamento da polícia com, especialmente, uma das facções estabelecidas na região. A tática de intervenção
policial evidenciou que a entrega do
território pela polícia, aos militares, tinha como estratégia básica enfraquecer o domínio dos grupos armados,
com ênfase para um deles. O relato de
um chefe desses grupos impressiona,
pela clareza sobre aquele momento vivido na Maré. Quando indagado sobre
a chegada de pessoas de outras partes
da cidade à Maré, ligadas ao Grupo que
pertencia, ele airmou:
É verdade que tivemos de aceitar os
amigos aqui na comunidade. Um tem
de ajudar o outro quando precisa. Eu
não tenho mais o comando de tudo, tem
“boca” que não é mais minha. Tive de
dividir o território. E tem muita gente,
morador, reclamando porque o sistema
era diferente nas comunidades de onde
eles eram. Eu vou ter de conversar com
eles, eu sei, porque nós, aqui, respeita
morador e não faz bagunça na porta de
ninguém. Mas tô cansado dessa vida.
Quando perguntado sobre o que
achava acerca do anúncio da chegada do Exército, expressou:
Eu acho que o Exército tá entrando, porque os cana17 não dão conta. Eles desrespeita, esculacha o morador, como
todo mundo vê aí. Ouvi dizer que no
Alemão os morador respeita o Exército, mas odeia a polícia. Acho que na
Maré vai ser igual. Esses soldados estão
vindo aqui pra mostrar pro mundo que
no Brasil pode ter Copa do Mundo. Eles
não vêm aqui prá enfrentar nós. Não
sei nem se o Exército vai ocupar toda a
Maré. A polícia só vem aqui desse lado.
Vê se eles vão lá enfrentar os outros inimigos aqui da Maré?
De fato, era incontestável que o
Exército estava ocupando a Maré, em
parte, para exercer um controle do
território, em função da realização da
Copa do Mundo, de junho a julho de
2014. Mas, também foi transparente a
preocupação do Governador do Rio
de Janeiro, à época, Sérgio Cabral,
com o processo escalar de enfrentamentos, no Estado, entre policiais e
integrantes de GCAs na Maré e em
outras favelas onde as UPPs tinham
sido implantadas. Foi neste período
que se intensiicaram alguns questionamentos sobre a eiciência dessa
iniciativa, em particular devido a
reiteradas situações de conlito que
trouxeram de volta, para o cotidiano,
a morte de policiais e moradores.
17
Refer̂ncia aos policiais militares.
19
O CONTEXTO DA MARÉ ANTES DA OCUPAÇÃO
DAS FORÇAS MILITARES
ações no campo da Segurança pública estavam sendo crescentemente
questionadas pela imprensa e pela
população, de modo geral. Foi, portanto, a alternativa encontrada pelo
Governador para dar conta de um
processo que estava saindo do controle, em relação ao crescente número de eventos envolvendo a polícia e integrantes de GCAs, à época.
Essa foi uma das razões que izeram
com que Sérgio Cabral, um dos mais
impopulares governadores do País
naquele momento, renunciasse ao
cargo, assumido pelo seu Vice, Luiz
Fernando Pezão.
Levantamento noticiado pela Revista
Veja em junho de 2016, aponta que
421 policiais já haviam sido baleados
— com 38 óbitos — nas áreas com
UPP desde a primeira delas, implantada em 2008. No ano de 2015, ocorreram 155 desses casos, com 13 óbitos entre eles. Contudo, apenas nos
primeiros 160 dias de 2016, mais 94
policiais foram atingidos, com nove
óbitos.
Naquele contexto, a ocupação da
Maré pelo Exército, baseada em um
protocolo assinado entre os governos Estadual e Federal, signiicou um
“pedido de socorro”, uma vez que as
gráfico 1 | número de policiais mortos e feridos em áreas com upp
mortos
feridos
13
8
9
142
101
85
3
5
2008
1 UPP
20
2009
5 UPPs
2010
12 UPPs
30
6
18
2011
18 UPPs
2012
28 UPPs
1
2013
36 UPPs
FONTE: VEJA.COM. UM BATALHÃO DE BALEADOS. 11 DE JULHO DE 2016. DISPONÍVEL EM
<HTTP://VEJA.ABRIL.COM.BR/BRASIL/UM-BATALHAO-DE-BALEADOS/>
2014
38 UPPs
2015
38 UPPs
ATÉ
10 JUN 2016
38 UPPs
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
O expediente legal acionado para
o Exército ocupar a Maré foi o Decreto nº 3.897, de 24/08/200118, editado no governo do então Presidente
Fernando Henrique Cardoso e no
mandato da Governadora Rosinha
Garotinho. Seus artigos e incisos dispunham o seguinte:
Art. 3º — Na hipótese de emprego das
Forças Armadas para a garantia da lei e
da ordem, objetivando a preservação da
ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos
no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva,
como as demais, de natureza preventiva
ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e
limites impostos, a estas últimas, pelo
ordenamento jurídico.
Art. 4º — Na situação de emprego das
Forças Armadas objeto do art. 3º, caso
estejam disponíveis meios, conquanto
insuicientes, da respectiva Polícia Militar, esta, com a anuência do Governador do Estado, atuará, parcial ou totalmente, sob o controle operacional
do comando militar responsável pelas
operações, sempre que assim o exijam,
ou recomendem as situações a serem
enfrentadas.
§ 1º Tem-se como controle operacional
a autoridade que é conferida, a um comandante ou chefe militar, para atribuir
18
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/2001/d3897.htm.> Acessado em
29 de setembro de 2016.
e coordenar missões ou tarefas especíicas a serem desempenhadas por efetivos policiais que se encontrem sob esse
grau de controle, em tal autoridade não
se incluindo, em princípio, assuntos
disciplinares e logísticos.
§ 2º Aplica-se às Forças Armadas, na atuação de que trata este artigo, o disposto
no caput do art. 3º anterior quanto ao
exercício da competência, constitucional
e legal, das Polícias Militares.
Portanto, com a solicitação da
ocupação das Forças federais, tivemos, objetivamente, a entrega da
responsabilidade das ações de competência da Secretaria de Segurança
no território da Maré ao Exército,
que passou a ter poder de polícia, e
os agentes policiais do Estado passaram a ter que se submeter ao seu comando, quando precisavam atuar na
Maré. Aparentemente, esse procedimento parece ir de encontro ao que a
Constituição Brasileira normatiza sobre os Órgãos responsáveis pela Segurança pública no País, como assinala o Artigo 144:
A Segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública
e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I.
II.
III.
IV.
V.
Polícia federal;
Polícia rodoviária federal;
Polícia ferroviária federal;
Polícias civis;
Polícias militares e corpos de bombeiros militares.
21
O CONTEXTO DA MARÉ ANTES DA OCUPAÇÃO
DAS FORÇAS MILITARES
“
Não havia um estado de
guerra, de fato, instalado na
Maré, a não ser a metafórica
política de guerra às drogas"
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
22
Como podemos observar, não
há menção às Forças Armadas para
essa inalidade e, apesar da existência de Lei Complementar19 que dispõe sobre seu emprego em ações de
interesse nacional e participação em
operações de paz, ao crivo da Presidência da República, a edição de um
Decreto não deveria servir para estender aquilo que está explícito no
texto constitucional — até porque
não havia um estado de guerra, de
fato, instalado na Maré, a não ser a
metafórica política de guerra às drogas. E, sem dúvida, o ponto de vista
dos constituintes levou em conta que
o treinamento e as características das
Forças Armadas eram distintos das
competências e habilidades necessárias para cuidar da Segurança pública em um aglomerado residencial,
habitado por população civil, em decorrência de delitos no âmbito da criminalidade urbana. A falta de compreensão dessa realidade cristalina
fez com que o Estado gastasse centenas de milhões de reais em uma
iniciativa cujos resultados foram inconsistentes e geraram lamentáveis
perdas humanas.
19
Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999.
O PROCESSO
DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
o estudo sobre a ocupação da maré
pelas forças militares foi iniciado
a partir da formação de um grupo
técnico formado por proissionais
atuantes em projetos sociais na
Maré, principalmente no campo da
Segurança pública. Nossa intenção
era reunir informações que pudessem contribuir no aprofundamento
do processo, coordenado pela Redes
da Maré20, a partir de registros e análises de violências ali cometidas pelo
Estado, principalmente. O intuito foi
o de produzir conhecimentos que
alargassem a nossa compreensão sobre o fenômeno e pudessem ser cotejados com estudos anteriormente
feitos sobre a ação das Forças policiais na favela21.
Embora a Maré tenha se consolidado, historicamente, como um conjunto de 16 favelas, o território de
Marcílio Dias não foi ocupado pelo
Exército22. Assim, o levantamento e
a análise de dados desta pesquisa
abrangem as 15 favelas que foram
ocupadas. Conforme a localização, no
sentido Centro-Zona Oeste da Avenida Brasil, são elas: Conjunto Esperança, Vila do João, Salsa e Merengue
(Novo Pinheiros), Vila dos Pinheiros,
Conjunto Pinheiros, Conjunto Bento
Ribeiro Dantas, Morro do Timbau,
Baixa do Sapateiro, Nova Maré, Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz, Parque União, Parque Roquete Pinto e Praia de Ramos.
Deinimos como ação central do
projeto a realização de um survey, a
respeito da percepção dos moradores
da Maré sobre a ocupação militar. O
morador foi nosso público prioritário
por sofrer, cotidianamente, o efeito
de violências decorrentes, em grande
medida, da omissão do Estado no
sentido de garantir seu direito à
22
20
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP), fundada por moradores e ex-moradores da
Maré, que tem como missão construir um processo
global de desenvolvimento sustentável para o
território local.
21
Destaca-se, nesse caso, a tese de doutorado sobre o
tema da Segurança pública na Maré que culminou no
livro “Testemunhos da Maré”, de Eliana Sousa Silva.
O conjunto de favelas da Maré é constituído por
uma faixa de ocupação praticamente contígua,
à margem da Avenida Brasil, que se estende do
Conjunto Esperança a Marcílio Dias, ao longo de
favelas que, em sua origem, faziam parte dos
bairros de Manguinhos, Bonsucesso, Ramos ou
Penha. Todavia, quando o bairro Maré foi criado e
delimitado por meio da Lei Municipal nº 2.119, de
19 de janeiro de 1994, o território da comunidade
de Marcílio Dias, situado em um dos extremos do
chamado Complexo da Maré, não foi incluído em
seu contorno. Assim, quando se faz refer̂ncia ao
Bairro Maré, a favela Marcílio Dias não é contada,
uma vez que pertence, oicialmente, ao Bairro Penha
Circular. Cabe assinalar que Marcílio Dias está a,
aproximadamente, 2,5 km da Praia de Ramos e
entre esses dois territórios existe um conjunto de
unidades pertencentes à Marinha do Brasil.
23
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
Segurança pública. Nosso intento foi
identiicar a percepção da população
local sobre a estratégia de ocupação e
permanência das Forças do Exército
na Maré. Trata-se de uma tentativa
de captar o que signiicou essa ação
numa região onde a população não
se reconhece com os mesmos direitos que outros moradores da cidade,
como bem sinalizou o presidente de
uma das 16 associações de moradores da Maré:
O Exército entrar na Maré é uma coisa
que poderia ser boa se estivesse aqui
para ajudar as pessoas. Não vejo que
eles venham prá cá pensando em ajudar
a melhorar a vida do morador, mas, sim,
para dar satisfação para o pessoal da
Zona Sul23, os ricos, que têm medo de
quem mora na favela. O que vejo é que
eles estão aqui para aumentar a guerra
que já existe. E o morador, como ica
nisso?
A realidade da Maré no campo da
Segurança pública torna um estudo,
nesse campo, profundamente complexo. Como orientação de pesquisa,
temos um cuidado especial nas coletas de dados que fazemos com os
moradores da Maré e, além do conteúdo, com a formulação de uma linguagem na construção das perguntas
que, de fato, seja compreendida pela
23
24
Região que concentra, desde o século 20, os grupos
sociais mais ricos do Rio de Janeiro e que tiveram
acesso privilegiado a equipamentos e serviços
públicos.
população local. Quando o tema é
a Segurança pública, redobramos o
cuidado, tendo em vista a delicadeza
do tema e o temor de muitos moradores em falar sobre assuntos a ele
vinculados. A imensa maioria da população dos territórios populares não
reconhece os proissionais da Segurança pública como agentes dedicados a garantir sua proteção e a prevenção de crimes. E esse sentimento
não existe por acaso, foi construído
como reação ao modo como os Órgãos do Estado trataram, na nossa
história, os moradores das favelas e
periferias no Brasil, especialmente
no Rio de Janeiro, que sempre contou — pela condição de porto central
de recepção de negros escravizados
— com um grande percentual desse
grupo étnico em sua população.
O fato demonstra que ainda há
um longo caminho a ser percorrido no campo dos direitos no País
para se garantir que qualquer pessoa, independente de onde resida,
da cor da sua pele, sua condição de
gênero, sexo ou faixa etária possa se
sentir cidadã plena. Diante da falta
de reconhecimento do direito à Segurança pública no seu dia a dia, os
moradores das favelas e periferias, da
mesma forma que izeram para garantir serviços e equipamentos urbanos, desenvolveram arranjos locais
próprios, para ter acesso a ele, para
deinir as regras de uso do espaço público e lidar com eventuais práticas
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
criminosas que ocorressem no território local. Os GCAs, em seu processo de controle armado dos territórios populares cariocas, buscaram
se legitimar, estabelecendo o monopólio da violência e da repressão aos
crimes contra o patrimônio. Desse
modo, atingiram uma situação de
poder, que gera uma série de questões e tensões no cotidiano desses
territórios.
A partir do quadro considerado,
nosso Grupo Técnico, na primeira
etapa do trabalho, deiniu o tema,
o conteúdo e o escopo do estudo, a
metodologia da pesquisa e os instrumentos que seriam utilizados no
survey e nas entrevistas com públicos especíicos. Além disso, ordenamos o conteúdo a ser trabalhado
nas entrevistas, deinimos o peril e
o tamanho da amostra e contratamos e preparamos tecnicamente os
entrevistadores.
Após o alinhamento do conteúdo e da metodologia, iniciamos o
contato com integrantes das Forças
militares e dos GCAs que atuam na
Maré. O objetivo dessa iniciativa era
identiicar como todos eles percebiam a dinâmica bélica que estava
ocorrendo, a partir de quais pressupostos atuavam, onde poderiam
chegar e o impacto da presença do
Exército nas atividades das facções.
Dessa maneira, nós acompanhamos,
de abril de 2014 a junho de 2015, as
reuniões e as atividades propostas
pelos diferentes grupos de militares
que, a cada dois meses, assumiam
o comando da operação na Maré24.
No período, foi possível conversar,
de maneira direita, com 57 desses
proissionais, mesmo sem a autorização formal do Comando do Exército.25 Além dos militares, conseguimos conversar com 20 integrantes
dos GCAs locais, com exceção de milicianos. O contato com as Forças em
confronto armado na Maré foi importante para que pudéssemos ter
uma visão global da ocupação militar e, também, contribuiu para qualiicar e aperfeiçoar o instrumento de
coleta de dados para a amostra com
os moradores. Cabe salientar que a
presente publicação trata apenas dos
resultados das entrevistas com os
moradores. Os diálogos com os proissionais do Exército e os membros
das facções criminosas foram úteis
para a concepção detalhada dessa
pesquisa e, certamente, serão utilizados em estudos posteriores.
24
A metodologia de ação das forças militares consistia
na presença de batalhões especíicos, de diferentes
regiões do Brasil, durante dois meses, na Maré.
Eles icavam baseados em um quartel do Exército
localizado na região. Após aquele período, esse
batalhão era substituído por outro, inclusive com
outro Comando. Essa estratégia, com o tempo,
gerou graves problemas no relacionamento com a
população e instituições locais.
25
Tínhamos solicitado, no início do processo
de ocupação, autorização para realizar essas
entrevistas, mas nunca tivemos uma resposta —
negativa ou positiva.
25
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
A aplicação dos questionários
ocorreu entre fevereiro e setembro de
2015, continuando, portanto, mesmo
após a saída das Forças de ocupação,
ocorrida em junho de 2015.
A receptividade dos moradores
para participar das entrevistas foi
boa, no período inicial, mas a postura
se modiicou no processo de realização da pesquisa: nas primeiras áreas
onde as entrevistas foram realizadas,
a aceitação foi maior que nas áreas
onde ocorreram no período inal da
presença das Forças militares. O fato
evidencia o desgaste que foi se estabelecendo na relação dos moradores
com a corporação e ilustra os riscos
que um tipo de operação como a realizada na Maré pode apresentar no
trato da Segurança pública em áreas
de favelas e periferias, questão que
percorrerá todo esse trabalho.
O RECORTE TERRITORIAL
DA PESQUISA
26
Embora a Maré seja composta por
16 favelas, é possível identiicar alguns
subconjuntos formados por grupos
de favelas limítrofes que apresentam,
entre si, semelhanças socioespaciais.
Tais semelhanças são decorrentes dos
processos históricos de constituição,
marcados, por exemplo, por diferentes épocas e vigências de políticas públicas, uma vez que as favelas foram
se consolidando entre 1940 e 2000 (a
primeira, Morro do Timbau e, a última, Salsa e Merengue). Com isso, algumas favelas adjacentes coniguram
subconjuntos com contornos razoavelmente deinidos.
Neste sentido, há, pelo menos,
quatro áreas bem visíveis na Maré: (i)
o núcleo em torno do Parque Maré,
que inclui o Parque Rubens Vaz, o Parque União e a Nova Holanda; (ii) o núcleo em torno do Morro do Timbau,
contando com a Baixa do Sapateiro,
a Nova Maré e o Conjunto Bento Ribeiro Dantas; (iii) o núcleo em torno
da Vila do Pinheiros, complementado
pela Vila do João, Conjunto Pinheiros,
Salsa e Merengue e Conjunto Esperança; e o (iv) o núcleo formado pelo
Parque Roquete Pinto e a Praia de Ramos (não convém considerar Marcílio
Dias neste núcleo, em razão da distância de mais de dois quilômetros que a
separa da Praia de Ramos).
Por razões estratégicas e logísticas, o domínio de cada GCA se estende pela área de uma ou mais favelas semelhantes, até bem próximo de
seus limites e acessos, evitando apenas a linha de contato com os territórios dominados por rivais. Portanto,
o que se observa é que, na lógica de
ocupação territorial, os GCAs se estabelecem na Maré de acordo com a
espacialidade das comunidades.
Assim, tendo em vista os quatro
subconjuntos mencionados acima,
veriica-se a seguinte territorialidade
dos GCAs:
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
15
14
área
3
13
12
11
as favelas do bairro
maré e as áreas de
coleta da amostra
01_ CONJUNTO ESPERANÇA
02_ VILA DO JOÃO
03_ CONJUNTO PINHEIROS
04_ VILA DO PINHEIROS
E PARQUE ECOLÓGICO
05_ SALSA E MERENGUE
06_ BENTO RIBEIRO DANTAS
07_ MORRO DO TIMBAU
08_ BAIXA DO SAPATEIRO
09_ NOVA MARÉ
10_ PARQUE MARÉ
11_ NOVA HOLANDA
12_ PARQUE RUBENS VAZ
13_ PARQUE UNIÃO
14_ ROQUETE PINTO
15_ PRAIA DE RAMOS
FONTE: REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS.
CENSO MARÉ 2013. IMAGEM DO GOOGLE EARTH, 2012.
área
1
10
09
08
07
área
2
06
04
03
05
02
01
27
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
•
•
•
•
Parque Maré, Parque Rubens
Vaz, o Parque União e Nova Holanda — domínio do Comando
Vermelho (CV).
Morro do Timbau, Baixa do Sapateiro, Nova Maré e Conjunto Bento
Ribeiro Dantas — domínio do Terceiro Comando Puro (TCP).
Vila dos Pinheiros, Vila do João,
Conjunto Pinheiros, Salsa e Merengue e Conjunto Esperança —
domínio do Terceiro Comando
Puro (TCP).
Parque Roquete Pinto e Praia
de Ramos (bem como Marcílio
Dias) — Milícia
Em função do tema dessa pesquisa e da correspondência entre
os subconjuntos de comunidades e
a territorialidade dos GCAs, optamos por agrupar e analisar os dados
conforme suas respectivas áreas de
ocupação, supondo que esse recorte
territorial representa uma forma de
identiicar percepções que, eventualmente, possam ser indiferentes ou
afetadas pela inluência dos GCAs.
Nessa perspectiva, denominamos de:
•
•
•
28
área 1, o conjunto de favelas sob
o controle do CV;
área 2, as favelas sob domínio do
TCP; e,
área 3, aquelas ocupadas pela
Milícia.
Cabe assinalar que há alguns anos
não se tinha notícias de conlitos
entre os GCAs na Maré – e em outras favelas do Rio –, por um lado
como consequência da implantação
das UPPs na cidade. Por outro lado,
não há notícias de atuação conjunta
contra rivais ou contra a polícia,
nem mesmo para se defenderem. Na
Maré, os episódios mais recentes de
enfrentamento foram entre o TCP e
o Grupo Amigos dos Amigos (ADA),
em face das tentativas deste último
em retornar ao território que já dominou há cerca de seis anos. No período da pesquisa o Grupo ADA não
possuía domínio territorial na área
estudada, mas esse cenário se modiicou em março de 2017, quando os
grupos TCP e CV entraram em conlito na Maré, rompendo com um período sem enfrentamento entre eles.
O TAMANHO DA MARÉ
Segundo dados do Censo Demográico de 2010, do IBGE, o bairro Maré é o
9º (nono) mais populoso entre os 161
existentes na cidade do Rio de Janeiro,
contabilizando 129.770 habitantes26.
O Censo Maré revelou, em 2013,
que o contingente populacional do
bairro Maré já possuía 132.732 moradores — e, contabilizando Marcílio
Dias, era de 139.073 moradores.
26
Como já mencionado, o Bairro Maré não envolve a
favela de Marcílio Dias, pertencente ao Bairro Penha
Circular, embora faça parte do conjunto de favelas
da Maré. Vale lembrar que o recorte territorial dessa
pesquisa coincide com os limites do Bairro Maré, por
ter sido este o território ocupado pelo Exército.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
A Tabela 1, a seguir, apresenta o
número de domicílios ocupados, o tamanho da população e do contingente
com idade de 18 a 69 anos, e a média
de moradores por domicílio, em cada
favela, conforme o Censo Maré 2013.
tabela 1 | número de domicílios ocupados, população total,
população com idade de 18 a 69 anos e média de moradores por domicílio,
por favela da maré
ÁREA
DE
COLETA
FAVELA
Nº DE
DOMICÍLIOS
OCUPADOS
POPULAÇÃO
MÉDIA DE
MORADORES
POR
DOMICÍLIO
45.510
132.732
2,91
89.661
PARQUE UNIÃO
7.601
20.567
2,71
14.474
NOVA HOLANDA
4.625
13.799
2,98
8.936
PARQUE MARÉ
4.531
13.164
2,91
8.782
PARQUE RUBENS VAZ
2.391
6.222
2,60
4.528
TOTAL DA ÁREA 1
19.148
53.752
2,81
36.720
ÁREA 2
VILA DOS PINHEIROS
5.089
15.600
3,07
10.326
VILA DO JOÃO
4.437
13.046
2,94
9.069
BAIXA DO SAPATEIRO
3.276
9.329
2,85
6.362
MORRO DO TIMBAU
2.324
6.709
2,89
4.501
SALSA E MERENGUE
2.164
6.791
3,14
4.370
CONJ. ESPERANÇA
1.880
5.356
2,85
3.862
CONJ. PINHEIROS
1.332
4.028
3,02
2.849
CONJ. BENTO RIBEIRO DANTAS
986
3.553
3,61
2.282
NOVA MARÉ
944
3.215
3,41
1.879
22.432
67.627
3,01
45.499
PARQUE ROQUETE PINTO
2.867
8.132
2,84
5.319
PRAIA DE RAMOS
1.063
3.221
3,03
2.124
3.930
11.353
2,89
7.443
2.248
6.342
2,82
4.172
47.758
139.073
2,91
93.842
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
TOTAL DA ÁREA 2
ÁREA 3
TOTAL DA ÁREA 3
MARCÍLIO DIAS
TOTAL GERAL
FONTE: REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. CENSO MARÉ 2013.
POPULAÇÃO
COM 18 A 69
ANOS DE IDADE
29
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
TAMANHO E SELEÇÃO
DA AMOSTRA
30
Para que a amostra pudesse ser
distribuída por todas as favelas e alcançasse homens e mulheres de diferentes idades em cada uma delas,
foram previstas — e realizadas 1.000
entrevistas. Caso o método de seleção fosse exclusivamente probabilístico, esse número de entrevistas
proporcionaria um erro amostral máximo de três pontos percentuais, com
Intervalo de Coniança (IC) de 95%.
Todavia, em virtude da expectativa
de resultados por área de atuação dos
GCAs, o número de entrevistas não
foi distribuído aleatoriamente, sob
pena de não serem representativos
na Área 3, por ser menos populosa.
Assim, para a obtenção de resultados
que permitissem análises consistentes para as três áreas de estudo, nós
arbitramos tamanhos de amostra especíicos para cada uma delas, de
modo que os dados coletados fossem
representativos. Neste sentido, a distribuição das entrevistas foi determinada como se a amostra fosse probabilística, ou seja, admitindo um erro
amostral máximo de seis pontos percentuais (IC = 95%) em cada área.
A seleção da amostra foi produto
de uma combinação entre um método aleatório e a seleção por cotas,
que consiste em um método intencional. Neste, os elementos da população
da amostra são divididos em grupos
de forma que cada elemento pertença
a uma, e somente uma, classe, a qual
demanda um determinado número de
entrevistas a ser realizada, chamado
de cota. A seleção por cotas tem a vantagem de compor grupos mais homogêneos e garante a representação de
todos os grupos na amostra. Para a seleção por cotas, foram executadas as
seguintes etapas: (i) levantamento da
composição da população, segundo
características conhecidas, presumidas ou estimadas que sejam relevantes
para o tema a ser pesquisado; (ii) deinição do tamanho mínimo da amostra, a partir do erro amostral máximo
admitido, tal qual uma amostra probabilística; e (iii) ixação de cotas para
a seleção da amostra, segundo as características consideradas, formando
conjuntos proporcionais à composição da população, também chamados
de classes ou domínios.
Fixado o número de entrevistas em
cada área, esse número foi distribuído segundo os peris de entrevistados
que importariam para a análise dos
resultados — homens e mulheres, de
três faixas etárias distintas — proporcionalmente ao tamanho desses mesmos contingentes na população, conforme dados do Censo Maré 2013. A
deinição das cotas teve como critério
chegar a um resultado que, de fato, representasse a percepção dos diferentes segmentos dos moradores de cada
área pesquisada e evitar a predominância de um peril sobre os demais,
sob pena de comprometer o resultado
da pesquisa.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
18 A 29 ANOS
TOTAL
348
179
169
418
220
198
235
113
122
ÁREA 1 — TOTAL
291
102
52
50
131
65
66
59
31
28
PARQUE UNIÃO
111
41
20
21
51
25
26
19
10
9
NOVA HOLANDA
86
31
16
15
39
21
18
16
8
8
PARQUE MARÉ
56
18
9
9
27
12
15
11
7
4
PARQUE RUBENS VAZ
38
11
6
5
14
7
7
13
6
7
421
149
76
73
157
87
70
115
53
62
VILA DOS PINHEIROS
51
19
10
9
20
12
8
12
7
5
VILA DO JOÃO
63
21
10
11
27
12
15
15
8
7
BAIXA DO SAPATEIRO
50
18
9
9
17
10
7
15
5
10
MORRO DO TIMBAU
48
15
7
8
19
12
7
14
6
8
SALSA E MERENGUE
42
13
8
5
14
7
7
15
6
9
CONJUNTO ESPERANÇA
34
13
7
6
13
7
6
8
3
5
CONJUNTO PINHEIROS
19
5
3
2
6
3
3
8
6
2
BENTO RIBEIRO DANTAS
73
31
14
17
25
13
12
17
6
11
NOVA MARÉ
41
14
8
6
16
11
5
11
6
5
ÁREA 3 — TOTAL
288
97
51
46
130
68
62
61
29
32
ROQUETE PINTO
191
70
36
34
86
45
41
35
18
17
PRAIA DE RAMOS
97
27
15
12
44
23
21
26
11
15
ÁREA 2 — TOTAL
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015
HOMENS
MULHERES
HOMENS
1.000
BAIRRO MARÉ
TOTAL
MULHERES
50 A 69 ANOS
TOTAL
30 A 49 ANOS
HOMENS
MULHERES
TOTAL GERAL
tabela 2 | número de entrevistas realizadas, por favela da maré,
segundo a faixa etária e o sexo
31
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
A idade entre 18 e 69 anos foi estabelecida para privilegiar a participação de pessoas com maior potencial de autonomia pessoal e de
mobilidade/circulação
territorial.
Deste modo, foram entrevistados homens e mulheres entre 18 a 29, 30 a
49 e 50 a 69 anos, em cada uma das
comunidades. Assim, o universo da
pesquisa foi reduzido de 132.732 para
89.661, como indicado na Tabela 1.
De modo a garantir que a seleção
dos entrevistados fosse o mais aleatória possível, optamos pela amostragem domiciliar, uma vez que contamos com um cadastro de endereços
elaborado no Censo Maré. Para o sorteio, os endereços de cada área de coleta foram classiicados por ordem
alfanumérica e, em cada listagem,
gerada uma sequência de números
aleatórios. Em seguida, os endereços foram reordenados conforme a
sequência numérica aleatória gerada, dispondo-os do primeiro ao
enésimo, sendo n o número total de
endereços em cada área de coleta.
32
Em cada domicílio (unidade de coleta), a pessoa entrevistada foi escolhida pelo entrevistador, com o intuito
de preencher as cotas de peris populacionais pré-determinadas. Em cada
domicílio visitado, um morador apto
e disposto a participar da pesquisa foi
entrevistado27 e contabilizado na respectiva cota de peril que aquele entrevistador teve como meta. Cabe ressaltar que, uma vez preenchida a cota,
este não pôde mais entrevistar outra
pessoa que tivesse o mesmo peril.
Na ausência de pessoa apta ou
disposta a dar a entrevista, o domicílio era descartado e, mais um, acrescentado à lista de domicílios a serem
visitados, respeitando-se sempre a
ordem aleatória que fora sorteada
para cada área de coleta. Porém, somente após a segunda visita em vão
— em alguns casos, a terceira — o domicílio podia ser substituído.
27
Vale ressaltar que não houve entrevistados
residentes no mesmo domicílio.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
CÁLCULO E EXPANSÃO
DOS RESULTADOS
Como o número de entrevistas
não foi proporcional ao contingente
populacional segundo as variáveis
de peril (Comunidade de residência, Sexo e Faixa etária) foram aplicados pesos amostrais para retornar os
valores às proporções conhecidas no
universo da pesquisa.
O peso amostral aplicado foi o
quociente entre o número de moradores de determinado sexo e faixa etária
em cada comunidade e o número de
entrevistados na respectiva classe.
Os resultados de cada variável
correspondem às porcentagens derivadas do somatório dos produtos do
número de entrevistados com determinada resposta e os respectivos pesos amostrais atribuídos a esses entrevistados, de acordo com as classes
de Comunidade de residência, Sexo
e Faixa etária a que pertencem. De
modo geral, o resultado estimado em
uma variável pode ser expresso por:
x(%)= 100
N
wk=
Nk
nk
onde:
w = peso amostral;
N = tamanho da população
no universo conhecido;
n = tamanho da amostra
selecionada no universo
conhecido
K = índice de determinada
classe de comunidade de
residência, sexo e faixa etária.
i=n
∑ (r w )
i
k
i=1
onde:
x(%) = média amostral,
em porcentagem;
N = universo conhecido
(que pode ser o geral, por área de
coleta, por sexo ou por faixa etária);
i = índice referente ao entrevistado;
n = número de determinadas
respostas em uma variável
de interesse;
k = índice referente ao peso
amostral;
ri= 1 = resposta unitária dada por
um entrevistado i em uma variável
de interesse;
wk = peso amostral k atribuído
ao entrevistado.
33
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
Os
pesos
variaram
entre
15,93307716 e 302,6453386. O mínimo foi associado aos homens de
50 a 69 anos residentes na Praia de
Ramos. O máximo foi associado aos
homens de 30 a 49 anos residentes
na Vila dos Pinheiros. Quanto menor
a fração amostral, maior foi o peso
aplicado. Por isso, na Área de coleta
3, o peso amostral variou de 15,8824
a 33,4191233, enquanto na Área de
Coleta 1, icou entre 18,65146813 e
302,6453386.
A Tabela 3 apresenta os pesos
amostrais, mínimo e máximo, atribuídos a cada classe de Comunidade de
residência, Sexo e a Faixa etária, aproximados para duas casas decimais.
tabela 3 | pesos aplicados às médias amostrais para a expansão
dos resultados, por favela de residência, segundo o sexo e a faixa
etária dos entrevistados
MULHERES
18 A 29
ANOS
34
30 A 49
ANOS
HOMENS
50 A 69
ANOS
18 A 29
ANOS
30 A 49
ANOS
50 A 69
ANOS
PARQUE UNIÃO
135,45
135,75
127,15
120,52
131,55
127,63
NOVA HOLANDA
99,36
102,70
110,30
99,92
115,93
90,20
PARQUE MARÉ
164,63
172,10
138,38
163,43
130,70
208,91
PARQUE RUBENS VAZ
125,80
141,41
65,67
168,05
163,91
57,34
VILA DO PINHEIROS
175,53
204,55
152,41
187,54
302,65
187,94
VILA DO JOÃO
165,32
181,81
96,58
143,70
147,42
95,58
BAIXA DO SAPATEIRO
111,28
147,93
151,63
109,75
209,80
66,64
MORRO DO TIMBAU
91,84
91,02
100,74
80,57
140,27
66,85
SALSA E MERENGUE
100,15
157,52
56,16
143,72
160,04
32,26
CONJUNTO ESPERANÇA
80,34
132,09
146,99
88,54
171,65
74,67
CONJUNTO PINHEIROS
155,41
227,86
62,43
213,68
205,34
140,37
BENTO RIBEIRO DANTAS
27,67
44,48
41,40
22,80
39,60
18,65
NOVA MARÉ
43,42
41,44
30,26
58,49
79,05
29,53
ROQUETE PINTO
22,03
31,13
29,15
22,22
33,42
27,95
PRAIA DE RAMOS
21,90
22,92
24,65
25,57
21,49
15,93
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
Os resultados estão apresentados
em percentuais. Para facilitar a interpretação do quanto representam
em números absolutos, em cada tabela consta no cabeçalho o número
de entrevistados, indicado por n, e o
número de moradores que estes representam, ou seja, o tamanho do
universo da pesquisa, indicado por N.
Maré e quais seriam as estratégias a
serem utilizadas para superar as inevitáveis resistências de alguns moradores em participar, dentre outras
questões de caráter mais técnico.
O roteiro de entrevista foi estruturado em cinco blocos, que, em linhas
gerais, versaram sobre os seguintes
conteúdos:
a.
peril dos entrevistados, com informações sobre sexo, idade,
grau de escolaridade, cor/raça,
local de moradia, tempo de
moradia na Maré e condição
proissional;
b.
percepção sobre a vivência, a
mobilidade e a segurança na
Maré, tendo como referência o
período de ocupação das Forças
do Exército, com questões sobre
os lugares que frequentam na
Maré, se gostam ou não de residir ali, onde costumam circular
na região e como se sentem em
relação a sua segurança favela;
c.
posicionamento em relação à
violência e, também, modos de
lidar quando ela os afetou; indagações a respeito do que os
entrevistados pensavam sobre
as ações do Exército e da polícia e como essas ações afetavam
a vida da população da Maré no
campo da Segurança pública;
d.
experiência de viver na Maré
após a ocupação das Forças
A COLETA DE DADOS
O trabalho de coleta dos dados
junto aos moradores foi realizado por
oito entrevistadores, todos residentes
da Maré e com escolaridade de nível
Superior, alguns graduados e outros
estudantes. A Coordenação também
acompanhou o trabalho em campo.
A maioria dos entrevistadores declarou querer participar da pesquisa
pelo interesse no tema da Segurança
pública e, também, por querer ser
parte na busca por caminhos para se
enfrentar questões relativas às violências na Maré.
A equipe de campo recebeu
orientação de um proissional especialista em pesquisas de opinião
pública para a aplicação dos questionários, esclarecimentos sobre a
organização do conteúdo dos instrumentos, cobertura das áreas, abordagem dos entrevistados, etc. De forma
especial, discutimos, no processo de
formação, o sentido da pesquisa, o
que ela representa no contexto da
35
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
militares na região e questões sobre a percepção das mudanças
no Rio de Janeiro após a instalação das UPPs; e
e.
36
percepção da atuação dos militares do Exército em comparação
com os agentes das polícias, sobre a relação com os soldados, os
problemas que sentiram e possíveis diferenças ou aproximações
na comparação com a atuação dos
agentes das polícias Militar e Civil.
Os entrevistadores levaram de 30
a 45 minutos para concluir o roteiro
de perguntas, que possuía de 38 a 58
questões, a depender do tipo de resposta dada pelo entrevistado. As informações foram coletadas com o auxílio
de um aplicativo chamado QuickTap
Survey, instalado em tablets.
Muitos moradores tiveram diiculdades de entender o fato de
a pesquisa estar acontecendo no
mesmo momento em que os militares estavam na Maré. A impressão que tinham, inicialmente, era
da pesquisa ser uma ação empreendida pelo Comando militar. Tínhamos de explicar nossa condição
de integrantes de uma Organização
da Sociedade Civil que, ao contrário
daquele pensamento, queria contribuir para garantir o direito dos moradores da Maré à Segurança pública. Um exemplo objetivo foi a
postura de uma mulher: assustada
com o convite para participar da
pesquisa, ela não abriu a porta da
casa, por completo, para conversar
com o entrevistador. Com a porta
entreaberta, muito desconiada, dizia que não sabia por que o Exército
estava ali. Queria entender o porquê
de ela estar sendo entrevistada e se
na rua inteira seriam feitas as mesmas perguntas.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
Eu não tenho nada a declarar. Sou moradora antiga aqui e vivo minha vida do
trabalho para casa. O que vocês querem
comigo? Só mora eu e minha mãe, que
já tá aposentada.
Na mesma linha, outro morador
foi ainda mais enfático:
Não estou entendendo porque querer
saber o que o morador acha do Exército
estar na Maré. Morador aqui não pode
falar o que pensa. Se digo o que acho
posso ser morto por um lado ou por outro. Você acha certo isso?
Se houve recusas e desconiança
de alguns moradores abordados,
também, por sua vez, encontramos
outros abertos e querendo falar a respeito do tema da Segurança pública e
da presença tão expressiva do Exército na Maré:
Acho muito importante pesquisa como
essa na nossa porta. O Governo tem de
saber o que o morador daqui pensa.
Eles acham que todo mundo aqui é
bandido e não é não.
E outro mais:
Posso falar. Quero falar o que está engasgado. Só não posso aparecer. Se não
estou morto amanhã. O que vocês vão
fazer com o que a gente falar? Quem vai
ouvir?
O nosso esforço foi tratar dúvidas e desconfianças dos moradores, caso a caso, valorizando a delicadeza que precisamos ter quando
vamos falar de temas tão sensíveis
na realidade da favela carioca, em
geral. Importante salientar que temos cada vez mais a necessidade de
compreender o universo de questões que envolvem a garantia do
direito à Segurança pública de populações que residem em áreas
dominadas por GCAs e com uma
atuação da polícia que não as reconhecem como sujeitos de direitos.
Entendemos que trabalhos como
esse contribuem de forma significativa para a produção de conhecimento e de novas proposições sobre o fenômeno aqui tratado.
O mais gratiicante é que, como
evidenciou o contato direto com os
moradores da Maré que, apesar dos
obstáculos encontrados, eles estão,
em geral, abertos a contribuírem
para estudos no campo da agenda
da Segurança pública para favelas, o
que nos permite pensar na ampliação de nossa produção de conhecimentos nesse tema, não apenas na
Maré, mas também em territórios
que vivem situações análogas. Desse
modo, haverá melhores condições
para se compreender as formas concretas das relações entre as Forças
policiais e as populações como as
que habitam as favelas e periferias
no Rio de Janeiro.
37
ANÁLISE DOS DADOS
DA PESQUISA
as análises dos dados levantados
nesta amostra estão apresentadas
de forma a trazer uma visão geral da
percepção dos moradores sobre as
condições anteriores à presença dos
militares e o período da ocupação em
si. Serviram, também, como insumo
para a análise, as informações produzidas em outros estudos no campo da
Segurança pública na Maré. A forma
de apresentação desse Capítulo privilegiou a estrutura do instrumento
de coleta.28
Logo, a primeira parte da análise
trará o peril dos moradores entrevistados. O intuito é expor suas características principais. A descrição dos
peris dos entrevistados permite ao
leitor, em especial se for estrangeiro,
elaborar uma visão mais abrangente
sobre as características que compõem a vida de quem mora numa
favela do Rio de Janeiro. Na segunda
parte da análise, levamos em conta
a percepção dos residentes da Maré
abordados pela pesquisa, considerando cinco aspectos centrais: grau
de satisfação por morar nesse território; formas de exercício da mobilidade física dentro e fora da favela;
sentimento de segurança na Maré;
formas de resolução de conlitos em
questões que estão no campo de
competência do Poder Judiciário; e,
por im, percepções sobre o comportamento dos militares do Exército na
38
28
Ver Anexo desta Publicação.
Maré e, comparativamente, as práticas adotadas pelos agentes policiais.
Antes de iniciar a análise dos quesitos apresentados ao entrevistado,
cabe assinalar que a primeira atitude
do entrevistador ao fazer contato com
o morador foi realizar a leitura do pequeno texto que se encontra na abertura do instrumento. Nele, apresentamos o sentido e os objetivos da
pesquisa, e indagamos se podíamos
prosseguir com a entrevista. No caso,
84% dos moradores abordados responderam que sim, e 16% declinaram
de participar. Como já ilustrado em
outro item desse texto, apesar do signiicativo receio dos moradores em
participar de pesquisas com o tema
proposto, o desejo de falar sobre o
mesmo, na perspectiva de que a situação atual melhore, é muito expressivo.
Por isso que mais de 80% dos entrevistados enfrentaram seus eventuais temores e desconianças para abrir sua
casa e falar sobre o tema da Segurança
pública, o que muito nos gratiicou.
A postura dos moradores da Maré
também decorre da coniança que
adquiriram nas ações realizadas por
organizações como a Redes da Maré
(várias delas em parceria com a OSCIP Observatório de Favelas e as associações de moradores locais), além
da expectativa de que poderão se beneiciar, de alguma forma, das atividades propostas. Esse tipo de apoio e
coniança decorre do fato de não termos aberto mão de tratar do tema da
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
“
Apesar do signiicativo receio dos moradores em
participar de pesquisas com o tema proposto, o desejo
de falar sobre o mesmo, na perspectiva de que a
situação atual melhore, é muito expressivo. Por isso,
mais de 80% dos entrevistados enfrentaram seus
eventuais temores e desconianças para abrir sua casa e
falar sobre o tema da Segurança pública”
Segurança pública na favela, apesar
de todas as recomendações contrárias, da complexidade da questão e,
de certa forma, dos eventuais riscos
que envolvem o tratamento do fenômeno. Com efeito, acumulamos um
histórico tanto no que diz respeito à
produção de conhecimento sobre a
ação da polícia e dos GCAs quanto
na articulação de muitos moradores, para garantir o direito de acesso
à Justiça, por exemplo. Nesse sentido, celebramos, com alegria, a participação desses 84% que aderiram à
pesquisa, sem perder a empatia ou
deixar de compreender os temores
daqueles que se recusaram a contribuir, pois a posição revela que temos
muito a avançar na caminhada para a
garantia do que nos parece ser, hoje,
o direito mais imediato e necessário
dos moradores das favelas: a proteção e a dignidade da vida.
PERFIL DOS MORADORES
DA MARÉ ENTREVISTADOS
As tabelas a seguir mostram algumas características de peril dos entrevistados. São elas: sexo (Tabela 4),
faixa etária (Tabela 5), cor da pele ou
raça (Tabela 6), escolaridade (Tabela
7), situação em relação ao trabalho
(Tabela 8) e tempo de residência na
Maré (Tabela 9).
Em relação ao sexo, 51,1% dos
entrevistados são mulheres e 48,9%,
homens. Nas três áreas de coleta, as
mulheres tiveram maior participação
na amostra. A diferença é equivalente
à representatividade de cada grupo
no universo, uma vez que essa variável foi umas das que balizaram o tamanho das cotas.
A faixa etária foi outra variável que balizou o tamanho das cotas, portanto, a participação de cada
39
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 4 | população com idade entre 18 e 69 anos e número de
entrevistados por área de coleta e favela de residência, segundo o sexo
TOTAL
POPULAÇÃO
40
MULHERES
ENTREVISTADOS
POPULAÇÃO
HOMENS
ENTREVISTADOS
POPULAÇÃO
ENTREVISTADOS
BAIRRO MARÉ
89.661
1.000
45.857
511
43.804
489
ÁREA 1
36.720
291
18.657
147
18.063
144
PARQUE UNIÃO
14.474
111
7.374
55
7.100
56
NOVA HOLANDA
8.936
86
4.629
45
4.307
41
PARQUE MARÉ
8.782
56
4.515
28
4.267
28
PARQUE RUBENS VAZ
4.528
38
2.139
19
2.389
19
ÁREA 2
45.499
421
23.355
216
22.144
205
VILA DOS PINHEIROS
10.326
51
5.277
29
5.049
22
VILA DO JOÃO
9.069
63
4.608
30
4.461
33
BAIXA DO SAPATEIRO
6.362
50
3.239
24
3.123
26
MORRO DO TIMBAU
4.501
48
2.340
25
2.161
23
SALSA E MERENGUE
4.370
42
2.241
21
2.129
21
CONJUNTO ESPERANÇA
3.862
34
1.928
17
1.934
17
CONJUNTO PINHEIROS
2.849
19
1.524
12
1.324
7
BENTO RIBEIRO DANTAS
2.282
73
1.214
33
1.068
40
NOVA MARÉ
1.879
41
985
25
894
16
ÁREA 3
7.443
288
3.845
148
3.598
140
ROQUETE PINTO
5.319
191
2.719
99
2.601
92
PRAIA DE RAMOS
2.124
97
1.127
49
997
48
FONTES:
(1) REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. CENSO MARÉ 2013.
(2) PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 5 | população com idade entre 18 e 69 anos e número de entrevistados
por área de coleta e favela de residência, segundo a faixa etária
TOTAL
18 A 29 ANOS
30 A 49 ANOS
50 A 69 ANOS
POPULAÇÃO
ENTREVISTADOS
POPULAÇÃO
ENTREVISTADOS
POPULAÇÃO
ENTREVISTADOS
POPULAÇÃO
ENTREVISTADOS
BAIRRO MARÉ
89.661
1.000
29.994
347
42.642
418
17.026
235
ÁREA 1
36.720
291
12.876
101
17.220
131
6.624
59
PARQUE UNIÃO
14.474
111
5.240
41
6.814
51
2.420
19
NOVA HOLANDA
8.936
86
3.089
31
4.243
39
1.604
16
PARQUE MARÉ
8.782
56
2.953
18
4.026
27
1.804
11
PARQUE RUBENS VAZ
4.528
38
1.595
11
2.137
14
795
13
ÁREA 2
45.499
421
14.934
149
21.672
157
8.892
115
VILA DOS PINHEIROS
10.326
51
3.443
19
4.876
20
2.007
12
VILA DO JOÃO
9.069
63
3.234
21
4.393
27
1.442
15
BAIXA DO SAPATEIRO
6.362
50
1.989
18
2.948
17
1.425
15
MORRO DO TIMBAU
4.501
48
1.287
15
2.074
19
1.139
14
SALSA E MERENGUE
4.370
42
1.520
13
2.223
14
627
15
CONJUNTO ESPERANÇA
3.862
34
1.094
13
1.955
13
814
8
CONJUNTO PINHEIROS
2.849
19
894
5
1.300
6
655
8
BENTO RIBEIRO DANTAS
2.282
73
775
31
1.053
25
454
17
NOVA MARÉ
1.879
41
698
14
851
16
329
11
ÁREA 3
7.443
288
2.184
97
3.749
130
1.510
61
ROQUETE PINTO
5.319
191
1.548
70
2.771
86
1.000
35
PRAIA DE RAMOS
2.124
97
635
27
978
44
510
26
FONTES:
(1) REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. CENSO MARÉ 2013.
(2) PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015.
41
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
42
grupo foi próxima de sua representatividade no universo. Porém, para garantir a representatividade estatística
de cada grupo em face de uma eventual análise particular dos resultados
e para obtermos um razoável número
de entrevistas em cada segmento de
faixa etária, feminino e masculino,
em todas as comunidades, a participação do grupo mais idoso, o de 50 a
69 anos, foi signiicativamente maior
que a proporção observada no universo — 23,5% contra 19,0%. Consequentemente, o grupo de 30 a 49
anos, por ser o mais numeroso, foi o
que teve o percentual de participação na amostra menor que o do universo — 41,8% contra 47,6%. Como
descrito no item sobre o Cálculo e a
Expansão dos Resultados, para a estimação do resultado geral e por áreas
de coleta, foram aplicados pesos com
a inalidade de retornar os valores
aos percentuais de referência.
A cor da pela ou raça do entrevistado não foi uma variável controlada
na seleção da amostra. Portanto, seu
resultado foi sujeito, por um lado, ao
acaso e, por outro, à intencionalidade
do entrevistador, em função de sua
busca ativa por indivíduos que preenchessem as cotas de sexo e faixa
etária. Cabe destacar, também, o critério da autodeclaração na classiicação da cor ou raça: embora as opções
oferecidas tenham sido apenas as
cinco categorias utilizadas pelo IBGE
(amarela, branca, indígena, parda e
preta), a escolha foi exclusivamente
do entrevistado.
Se comparados ao universo conhecido através do já citado Censo
Maré 2013, os percentuais obtidos na
amostra variaram pouco. Os de cor
branca e parda variaram para menos
e os de cor preta para mais. No Censo
Maré, 36,6% se declararam de cor
branca, 52,9%, de cor parda e 9,2%,
de cor preta.
Cabe assinalar que no Censo
Maré a classiicação de todos os moradores do domicílio era declarada
por um único entrevistado, enquanto
na presente amostra, cada entrevistado classiicou somente a si.
No geral, os pardos representam a metade dos entrevistados, a
cor branca foi a classiicação declarada por quase 30% e a cor preta, por
cerca de 20%. A Área 1 se destaca por
ter tido a maior proporção de brancos, a Área 2, de pretos, e a Área 3, de
pardos.
Um detalhe muito relevante a respeito desses dados é o percentual de
entrevistados que se autodeclaram de
cor preta: nos censos demográicos
de 2000 e 2010, do IBGE, o percentual
de pessoas declaradas como de cor
preta no Rio de Janeiro foi de 9,4% e
11,2%, respectivamente. Não casualmente, considerando-se as características socioculturais das favelas, o
número de brancos participantes na
pesquisa ica bem abaixo da média
da população carioca, que estava em
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 6 | total de respondentes segundo a cor da pele
ou raça autodeclarada
BAIRRO MARÉ
ENTREVISTADOS
AMARELA
%
ÁREA 1
ENTREVISTADOS
ÁREA 2
ENTREVISTADOS
%
ÁREA 3
%
ENTREVISTADOS
%
12
1,2%
4
1,4%
7
1,7%
1
0,3%
297
29,7%
106
36,4%
110
26,1%
81
28,1%
7
0,7%
4
1,4%
2
0,5%
1
0,3%
PARDA
497
49,7%
128
44,0%
207
49,2%
162
56,3%
PRETA
187
18,7%
49
16,8%
95
22,6%
43
14,9%
TOTAL
1.000
100%
291
100%
421
100%
288
100%
BRANCA
INDÍGENA
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
51,2%, em 2010, e até mesmo da brasileira, que era 47,7% naquele ano.
Um fato que tem sido notado, em
particular com o fortalecimento dos
programas de ações airmativas nos
últimos anos, é o aumento de forma
regular no número de pessoas que
se declara de cor preta ou parda no
Brasil, o que pode caracterizar uma
perda de força da “ideologia do embranquecimento” — processo social
e subjetivo em que as pessoas negras
buscavam se identiicar com o fenótipo branco para se sentirem mais valorizadas socialmente.
No quesito escolaridade, pouco
mais da metade dos entrevistados —
56,6% — frequentou, no máximo, até
o Ensino Fundamental, com o agravante de 3,5% terem declarado não
possuir escolaridade alguma. Signiica dizer que a maior parte dos moradores da Maré ainda tem uma escolaridade média bem abaixo de
nove anos, que expressa a etapa fundamental da educação básica. O
dado positivo é que mais de 40% dos
entrevistados ingressaram, no mínimo, no ensino médio. Além disso,
chegaram ao ensino superior 4,5%
dos respondentes. Os dados revelam
que a escolaridade dos moradores da
Maré vem, felizmente, aumentando
de forma expressiva com o decorrer
dos anos. O censo realizado na Maré,
em 2000, encontrou pouco mais de
43
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 7 | total de respondentes segundo nível de escolaridade
BAIRRO MARÉ
ENTREVISTADOS
%
ÁREA 1
ENTREVISTADOS
ÁREA 2
%
ENTREVISTADOS
ÁREA 3
%
ENTREVISTADOS
%
SUPERIOR COMPLETO
17
1,7%
8
2,7%
7
1,7%
2
0,7%
SUPERIOR
INCOMPLETO
28
2,8%
10
3,4%
8
1,9%
10
3,5%
ENSINO MÉDIO
COMPLETO
252
25,2%
65
22,3%
111
26,4%
76
26,4%
ENSINO MÉDIO
INCOMPLETO
137
13,7%
36
12,4%
67
15,9%
34
11,8%
ENSINO
FUNDAMENTAL
COMPLETO
138
13,8%
41
14,1%
57
13,5%
40
13,9%
ENSINO
FUNDAMENTAL
INCOMPLETO
393
39,3%
121
41,6%
157
37,3%
115
39,9%
35
3,5%
10
3,4%
14
3,3%
11
3,8%
1.000
100%
291
100%
421
100%
288
100%
SEM ESCOLARIDADE
TOTAL
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
44
1,6% de pessoas com nível superior.
Sendo assim, o fato de uma em cada
22 dos entrevistados ter chegado ao
ensino superior, mesmo que tenha
interrompido ou ainda não completado o curso, é expressivo e, sem dúvida, está relacionado à implementação de políticas públicas airmativas
e de inclusão, nos últimos anos, no
Brasil. No caso da Maré, este processo foi bastante impulsionado pela
oferta de cursos comunitários preparatórios para vestibular ou para o
ENEM, como o disponibilizado pela
Redes da Maré, que já contribuiu
para o ingresso de mais de 1.200 moradores nas instituições universitárias. Situação correlata pode ser atribuída aos que chegaram ao Ensino
Médio, visto que o percentual é quatro vezes maior que o encontrado entre os chefes de família da Maré no
ano 2000, segundo o Censo Demográico do IBGE.
Em relação ao trabalho, 32,1%
responderam trabalhar por conta
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
própria e 31,4% como empregados.
Dos empregados, pouco mais de 2/3
com carteira de trabalho. Os desempregados somaram 13,8% e aposentados ou pensionistas, 8,8%.
Chama a atenção o número de
respondentes que declaram trabalhar por conta própria — quase 1/3
dos entrevistados. Claro que o fato de
as pessoas trabalharem de forma autônoma e, muitas vezes, na própria
casa ou em estabelecimento vizinho
aumentou as chances de ser selecionado na amostra, ou seja, de participação na pesquisa.
Por um lado, nesse contingente podem estar contabilizados os trabalhadores informais, tais como vendedores ambulantes e diaristas domésticos,
que se reconhecem como autônomos.
Mas entre esses entrevistados podem
estar, também, pessoas que têm seu
tabela 8 | total de respondentes segundo a situação de trabalho
BAIRRO MARÉ
ENTREVISTADOS
%
ÁREA 1
ENTREVISTADOS
ÁREA 2
%
ENTREVISTADOS
ÁREA 3
%
ENTREVISTADOS
%
EMPREGADOS COM
CARTEIRA ASSINADA
215
21,5%
86
29,6%
79
18,8%
50
17,4%
EMPREGADOS SEM
CARTEIRA ASSINADA
99
9,9%
25
8,6%
48
11,4%
26
9,0%
TRABALHAM POR
CONTA PRÓPRIA
321
32,1%
72
24,7%
154
36,6%
95
33,0%
DESEMPREGADOS
138
13,8%
49
16,8%
39
9,3%
50
17,4%
APOSENTADOS
OU PENSIONISTAS
88
8,8%
24
8,2%
29
6,9%
35
12,2%
DO LAR
67
6,7%
18
6,2%
30
7,1%
19
6,6%
ESTUDANTES
55
5,5%
13
4,5%
34
8,1%
8
2,8%
NUNCA
TRABALHARAM
6
0,6%
1
0,3%
3
0,7%
2
0,7%
OUTRA
11
1,1%
3
1,0%
5
1,2%
3
1,0%
TOTAL
1.000
100%
291
100%
421
100%
288
100%
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
45
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 9 | o/a senhor/a ou algum membro da sua família frequenta
alguma ong na maré?
BAIRRO MARÉ
ENTREVISTADOS
%
ÁREA 1
ENTREVISTADOS
ÁREA 2
ENTREVISTADOS
%
ÁREA 3
%
ENTREVISTADOS
%
NÃO
863
86,3%
243
83,5%
344
81,7%
276
95,8%
SIM
137
13,7%
48
16,5%
77
18,3%
12
4,2%
1.000
100%
291
100%
421
100%
288
100%
TOTAL
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
próprio negócio. Isso porque a força
econômica da Maré é expressiva: o
Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré, um dos produtos do
Censo Maré, revelou existirem no território local mais de três mil unidades de
comércio ou de prestação de serviço,
com cerca de 2.500 empreendedores
que residem no bairro.29
Ainda no âmbito do peril, foi perguntado aos entrevistados se eles ou
alguém da família já havia frequentado alguma Organização Não Governamental (ONG) localizada na
Maré. Não houve uma tentativa de
explicar o que seria esse tipo de organização, deixando essa interpretação
para o entrevistado. Disseram sim à
pergunta 13,7% dos entrevistados.
46
29
Redes da Maré; Observatório de Favelas. Censo de
Empreendimentos Maré. Rio de Janeiro, 2014.
Considerando-se o tamanho da população local, pensamos ser um
número bastante expressivo, revelando a forte presença desse tipo de
instituição no cotidiano de muitos
moradores.
No tocante à pergunta sobre o
tempo de residência na Maré, quase
80% dos entrevistados disseram morar aí há mais de dez anos contra menos de 2% que chegaram há menos
de um ano. Observa-se, nesse quesito, uma característica importante
relacionada à população da Maré: a
sua ixação no território.
Isso pode explicar outra importante peculiaridade dos moradores
da Maré, que é o histórico de lutas comunitárias empreendidas com resultados bastante positivos. Ao mesmo
tempo, a forte mobilização dos moradores pelo acesso a equipamentos
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
e serviços urbanos gera um processo
de valorização do território que mantém as pessoas na região.
De fato, considerando-se a localização geográica, a oferta de equipamentos e de serviços por parte de
muitas organizações locais e do Estado e a identidade histórica das pessoas com a região, a Maré funciona
mais como uma área de atração populacional que de repulsão. Assim,
em face das condições socioeconômicas, da perspectiva cultural e do
acesso aos serviços urbanos, a Maré
é um dos espaços de residência mais
atraentes para os segmentos populares do Rio de Janeiro. Não por acaso,
o processo de valorização imobiliária ali é crescente, mesmo sem o advento da Unidade de Política Paciicadora. Nota-se que o mercado de
imóveis vem aumentado de forma
signiicativa nos últimos anos, o que
impulsiona não só o preço de compra, como o de aluguéis. Com isso, as
favelas da Maré já têm um razoável
número de imobiliárias voltadas para
as transações locais.
A transformação da Maré no
maior polo de habitação popular da
cidade começou com o Projeto Rio,
em 1979. A iniciativa do Governo Federal foi centrada no aterramento de
grandes áreas, na extinção das palaitas e na transferência de sua população, bem como dos moradores do
entorno, para quatro conjuntos habitacionais — Vila do João, Conjunto
Esperança, Vila dos Pinheiros e Conjunto Pinheiros. Nos anos 1990, por
sua vez, a Prefeitura construiu mais
três conjuntos — Nova Maré, Bento
Ribeiro Dantas e Salsa e Merengue
(inaugurado com o nome de Novo Pinheiros). Com isso, o conjunto inicial
das seis favelas contíguas — Morro
do Timbau, Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Parque
Rubens Vaz e Parque União — foi
transformado, com a consolidação
de outras próximas e a construção
dos citados conjuntos habitacionais,
chegando ao número de 16. Na realidade, os moradores que foram residir nos novos conjuntos eram, em
sua maioria, oriundos desse núcleo
inicial da Maré, fazendo parte de famílias que tinham uma relação de
longa data com a região. Isso ajuda a
explicar, apesar de as construções serem mais recentes, o longo período
de permanência de seus habitantes.
Sem dúvida, o longo período de
residência permite, considerando-se
as especiicidades dos espaços favelados e periféricos no Brasil, a criação
de laços de vizinhança, de partilha
e de ainidade entre os moradores,
de forma a conigurar uma sociabilidade assertiva, bem como a vivenciar
muitas experiências comunitárias
sólidas e com poder transformador.
Não era intenção analisar a relação
entre o tempo de moradia e a disponibilidade ou interação do respondente, contudo, foi possível perceber
47
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
O VÍNCULO AFETIVO COM
A MARÉ, A MOBILIDADE E A
SENSAÇÃO DE SEGURANÇA
que os moradores com mais tempo
de residência na Maré se sentiram
mais seguros em emitir opinião sobre
a questão da Segurança pública. Essas pessoas já conhecem iniciativas
desenvolvidas nesse campo, realizadas por determinadas instituições na
Maré e, em alguns casos, já até participaram diretamente de algumas.
Além disso, conhecem mais moradores, inclusive, integrantes de GCAs,
de hoje ou do passado. Logo, uma
questão que deve ser perseguida em
futuras pesquisas é a identiicação do
peril dos moradores que se sentem
à vontade para falar do tema da Segurança pública e o seu grau de interesse/compromisso com o enfrentamento do problema.
As tabelas apresentadas até aqui
mostraram algumas características dos
entrevistados, a im de apresentar um
rápido peril do público selecionado
na amostra. Nos quesitos a seguir, entretanto, as respostas revelam opiniões,
pontos de vista, avaliações, percepções
e expectativas dos entrevistados.
Os resultados estão apresentados
em forma de frequência relativa, que
é a razão entre a frequência absoluta
e o número total de observações, comumente, expressa em percentual.
Todavia, os valores aqui apresentados
estão ponderados pelo peso amostral.
tabela 10 | total de respondentes segundo o tempo de residência na maré
BAIRRO MARÉ
ENTREVISTADOS
%
ÁREA 1
ENTREVISTADOS
ÁREA 2
%
ENTREVISTADOS
ÁREA 3
%
ENTREVISTADOS
MAIS DE 10 ANOS
796
79,6%
228
78,4%
340
80,8%
228
79,2%
3 A 10 ANOS
129
12,9%
43
14,8%
42
10,0%
44
15,3%
1 A 3 ANOS
56
5,6%
17
5,8%
26
6,2%
13
4,5%
MENOS DE 1 ANO
19
1,9%
3
1,0%
13
3,1%
3
1,0%
1.000
100%
291
100%
421
100%
288
100%
TOTAL
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
48
%
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
Em outras palavras, o percentual
nas tabelas a seguir não expressa propriamente a razão entre o número de
respostas e o total de entrevistados.
Isso porque o quantitativo de respostas, usado como denominador, está
ponderado pela quantidade de moradores que cada entrevistado com a
respectiva resposta representa, conforme as variáveis de peril consideradas: comunidade de residência, sexo e
faixa etária. Assim, conforme descrito
na seção Cálculo e Expansão dos Resultados, os percentuais expressam a
média amostral ponderada e estão representando valores expandidos para
o universo pesquisado. Por isso, em
cada tabela é possível ver o número de
entrevistados (n) que foram consultados na amostra e o de moradores (N)
que eles representam para o conjunto
da Maré e por área de coleta.
No primeiro quesito dessa seção
opinativa e de percepção, foi indagado se o entrevistado gosta ou não
de residir na Maré (ver Tabela 11). A
ideia de identiicar a satisfação, ou
não, dos entrevistados em viver na
Maré teve como pressuposto apreender como o território é percebido
e concebido por quem o vivencia no
cotidiano, assim como sua inserção
na cidade. O resultado desse quesito
reiterou o que já observamos em outros levantamentos: 85,3% declaram
gostar de morar na Maré.
Signiica dizer que quase nove
pessoas em cada 10 gostam de viver
na favela. Esse dado é muito relevante, principalmente porque quase
todos os índices que medem a qualidade de vida social, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice
de Vulnerabilidade Social; Índice de
Pobreza Multidimensional e, em menor medida, o Índice de Progresso
Social, não levam em conta a satisfação do morador com a localidade
em que vive. Desse modo, a percepção que se constitui, em geral, é que
a vida nas áreas ricas é quase um paraíso e a vida nas favelas e periferias
é um inferno, no qual as pessoas têm
seu cotidiano marcado pelas diiculdades e pelo sofrimento. O fato é que
as pessoas gostam de morar na Maré,
assim como na grande maioria das
favelas, em que pese os aspectos negativos em torno do acesso aos direitos nesses territórios.
A satisfação dos moradores da
Maré pode se justiicar pelas seguintes razões: proximidade de comércios e serviços; facilidade de locomoção para diferentes partes da cidade;
custo baixo de moradia; relações pessoais de longo prazo; existência de
escolas, postos de saúde, boa infraestrutura de água, esgoto sanitário e coleta de lixo; oferta de projetos sociais;
igrejas de diferentes crenças etc. No
tocante às razões para não gostar de
morar na Maré, já identiicamos em
pesquisas anteriores que os conlitos armados são o fator de maior repulsão à vida cotidiana na favela. Não
49
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 11 | o/a senhor/a gosta de morar na maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
SIM
85,3%
87,9%
81,7%
94,4%
NÃO
14,7%
12,1%
18,3%
5,6%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
50
por acaso, temos na Área 2 — com
18,3% — o maior percentual de pessoas insatisfeitas. Ali é, justamente,
a área onde ocorreram recentes enfrentamentos entre o TCP e a ADA
pelo controle do território, particularmente na Vila do João e no Conjunto Esperança. Da mesma forma,
foi a área onde ocorreram mais enfrentamentos do grupo armado local
com as Forças do Exército.
No outro extremo, na Área 3, dominada pela milícia, onde não ocorrem enfrentamentos entre facções
ou com a polícia, o percentual de insatisfeitos cai para menos de 6%, ou
seja, três vezes menos que na área
com mais conlitos. A área 1, por sua
vez, onde os conlitos são ocasionais,
tendo diminuído durante a ocupação
das Forças Armadas, ica entre os dois
extremos, com 12,1% de sua população insatisfeita de viver na região.
Os dados são muito reveladores do
impacto que as situações de conlitos
armados provocam na subjetividade
das pessoas e no seu cotidiano e sugerem que não é, simplesmente, a
presença do GCA que gera maior insatisfação na população, mas os conlitos que podem ocorrer em função
de sua ação no território. Isso reitera
que temos de ouvir a população que
vive nos territórios dominados pelos conlitos e, a partir daí, construir
políticas que, acima de tudo, preservem seus interesses e demandas. Entendemos ser fundamental a preservação da vida e da integridade das
pessoas como meta central de uma
política de Segurança pública.
Os dados sobre os vínculos dos
moradores com a Maré nos ajudam
também a romper com alguns pressupostos que hegemonizam o olhar
sobre as favelas, em geral. De fato, comumente, esses territórios são pensados como espaços apartados da
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
marcado por muitas contradições se
coloca como um elemento emblemático nos desaia a buscar soluções
originais para os obstáculos presentes
na favela, especialmente as violações
de direitos que ali são praticadas,
muitas vezes pelos Órgãos do Estado.
A questão da mobilidade física
dentro e fora da região da Maré é outro
aspecto relevante da pesquisa. Os moradores entrevistados foram indagados
se costumam circular em outras favelas
da Maré, já que são 16 e, ainda, se frequentam outras regiões da cidade.
Em relação à circulação dentro da
Maré, 66,8% frequentam outras favelas, além da que reside (ver Tabela
12). Com isso, vemos que, diferentemente do que se airma, a maioria
dos moradores da Maré, a despeito
da presença de grupos criminosos rivais e dos conlitos eventuais com a
cidade, com muita precariedade, insegurança, falta de organização, etc.
Deinimos essa representação a partir do que aponta Silva, 2001, como
o “Paradigma da Ausência”. Ele mais
esconde e desconhece do que revela
e reconhece as dimensões criativas e
potentes das favelas. Identiicamos,
em outra direção, essa perspectiva
de trabalhar a partir das presenças
como “Paradigma da Potência”, conclui Silva. Nesse sentido, não deixamos de reconhecer as demandas por
equipamentos, serviços e múltiplos
direitos dos moradores dos territórios
populares, mas temos de levar em
conta, também, as formas como eles
constroem meios de lidar com as carências, a partir de estratégias coletivas e inovadoras. Logo, essa realidade
e suas práticas complexas, em que a
satisfação por viver em um território
tabela 12 | o/a senhor/a costuma circular em outras comunidades
dentro da maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
SIM
66,8%
67,1%
70,0%
45,6%
NÃO
33,2%
32,9%
30,0%
54,0%
NÃO RESPONDEU
0,0%
–
–
0,4%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
51
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
52
polícia, costuma circular fora do seu
território de moradia. Obviamente,
há pessoas que não se sentem seguras em frequentar áreas onde atua
uma facção diferente daquela que
está em sua comunidade. Nossa experiência com outras pesquisas na
Maré nos ensinou que a possibilidade
de circulação local varia de acordo
com a escolaridade, o gênero e, especialmente, a faixa etária. Assim, os
homens, jovens e com maior escolaridade tendem a circular bem mais
que, no outro extremo, uma mulher
mais velha e com baixa escolaridade.
A análise um pouco mais desagregada dos dados revela que os moradores da Área 2, que reúne nove
favelas, têm maior circulação extra
local de moradia que os moradores da Área 3. Isso ocorre, também,
porque as duas favelas dessa última
área — Praia de Ramos e Roquete
Pinto — não fazem parte do território contíguo da Maré e sua população, historicamente, utiliza menos as
centralidades da Maré, sobretudo o
comércio do Parque União e de Nova
Holanda/Parque Maré. Acima de
tudo, temos observado que os moradores da Maré, conforme diminuem
os conlitos entre as facções, perdem,
progressivamente, o temor de circular e acessar oportunidades em favelas que não estão próximas da sua
casa. O relato de uma moradora da
Baixa do Sapateiro ilustra a mudança
em curso:
Eu sempre quis participar e levar minha
ilha aos cursos que tem lá na Nova Holanda, mas sempre tive medo de atravessar a fronteira.30 Então, uma amiga
foi comigo lá, pois o ilho já está estudando, e vi que não é um bicho de sete
cabeças. Se você não deve nada, não
tem o que temer. [ j. barbosa ]
Eu vou pra tudo que é canto na Maré.
Nem eu nem minha família deve nada
a ninguém, mas eu sei que muita gente
tem medo de ir, às vezes, até visitar um
parente. Eu não. Moro na Nova Holanda, mas tenho irmã na Vila do João
e domingo eu sempre vou lá ou ela vem
aqui. [ c. coutinho — moradora da nova
holanda ]
A questão da mobilidade física dos
moradores para fora da Maré é outra
variável a ser levada em conta, quando
falamos do direito de ir e vir, tendo em
vista que, em geral, essa garantia não
está na agenda das políticas públicas
implementadas na cidade. Os dados revelam que 81,5% dos moradores locais
circulam em outros lugares externos à
Maré, enquanto 18,5% airmam o contrário (ver Tabela 13). O que chama a
atenção na informação é o fato dos moradores da Área 3 serem não só os que
menos circulam na Maré, mas, também, em outros territórios da cidade.
30
O termo fronteira é utilizado de forma naturalizada
na Maré. Ele denomina as divisões de territórios
estabelecidas pelas facções, que são organizadas,
como abordado, de acordo com os limites que
distinguem as comunidades. Assim, as facções
controlam o território de uma favela como um todo e
nunca, apenas uma fração dele.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 13 | o/a senhor/a visita ou frequenta outros lugares fora da maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
SIM
81,5%
81,6%
82,4%
75,1%
NÃO
18,5%
18,4%
17,6%
24,9%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
Mesmo as pessoas que circulam
fora da Maré, a grande maioria o faz
nas centralidades próximas, especialmente o bairro de Bonsucesso. Ele,
embora quase sete vezes menos populoso que a Maré, oferece serviços
públicos e comerciais, como as agências bancárias, que não existem na
Maré e evidenciam a necessidade de
deslocamento. Assim como a tendência observada no padrão da circulação
interna, os homens trabalhadores são
os que mais circulam para outros bairros da cidade, assim como os jovens
com maior escolaridade, que o fazem
em função dos estudos ou em busca
de atividades culturais e de lazer.
De acordo com pesquisa feita anteriormente sobre a mobilidade física dos moradores da Maré31, as
mulheres e os idosos são, como já
31
Redes da Maré; Observatório de Favelas; CEIIA. 1ª
Amostra sobre Mobilidade na Maré. 2014.
mencionado, os que menos circulam
na favela ou fora dela, o que implica
dizer que uma mulher idosa tem as
menores chances de circular além de
seu lugar mais próximo.
No item sobre a sensação de segurança, 60,1% dos moradores relatam que se sentem mais seguros na
Maré que em outras partes do Rio
de Janeiro, 24,4% se sentem tão seguros como no restante da cidade e
apenas 15,4% se sentem menos seguros que em outras regiões (ver Tabela 14). De fato, a sensação de Segurança no que diz respeito a crimes
é acima da média da cidade, especialmente nos crimes contra o patrimônio — o que é um paradoxo para
aqueles que não conhecem as favelas
cariocas. São atípicos, por exemplo,
roubo em domicílio, furto de veículo
ou, tampouco, assalto a transeunte.
No máximo, acontecem contra determinados tipos de negócio, tais como
53
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
supermercados ou lojas de loteria. E
são realizados, em geral, por assaltantes de outros territórios, nunca
por aqueles que residem na própria
favela. A explosão de uso do crack, a
partir da segunda metade dos anos
2000, e a criação das UPPs aumentaram o número de crimes contra
o patrimônio em algumas favelas.
Mas, no caso do crack, esse processo
foi rapidamente sufocado com a repressão por parte dos GCAs sobre os
usuários. Nos territórios com UPP,
a recente retomada da regulação do
território pelos GCAs tende a contribuir para diminuir esse tipo de delito
em função do temor da punição por
parte desses grupos.
Diante do exposto, podemos deduzir que a sensação de insegurança
na Maré é provocada mais pelo risco
à vida, devido às chances de estar em
perigo em meio a eventuais conlitos armados, do que pelo temor de
crimes contra o patrimônio ou, até
mesmo, de ser assassinado de forma
consciente por algum criminoso.
Fechando o bloco sobre como se
sente o entrevistado em relação à sensação de segurança na Maré, indagamos sobre o registro de qualquer delito
ou violação que tenha sofrido (ver Tabela 15). O intuito foi identiicar como
os moradores da Maré entendem o
processo necessário de registros de
eventuais violências que sofram. Apenas 6,1% foram pessoalmente à Delegacia ou algum parente o fez. Vale destacar que 1/3 das pessoas que tiveram
ou souberam dessa experiência por
tabela 14 | complete essa frase: na maré, eu me sinto...
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
...MAIS SEGURO DO QUE NO RESTANTE
DA CIDADE
60,1%
57,8%
59,7%
74,6%
...TÃO SEGURO QUANTO NO RESTANTE
DA CIDADE
24,4%
24,5%
25,1%
19,6%
...MENOS SEGURO DO QUE NO
RESTANTE DA CIDADE
15,4%
17,7%
15,2%
5,4%
NÃO RESPONDEU
0,0%
–
–
0,4%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
54
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 15 | o/a senhor/a ou alguém do seu domicílio já foi a alguma
delegacia para registrar algum delito que tenha sido vítima na maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
NÃO
93,9%
96,4%
91,6%
95,2%
SIM
6,1%
3,6%
8,4%
4,8%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
tabela 16 | isso foi antes ou depois da ocupação da “força de pacificação”
na maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n=58
N= 5.480
n=11
N= 1.322
n=33
N= 3.804
n=14
N= 355
ANTES
64,7%
80,8%
58,7%
67,9%
DEPOIS
35,3%
19,2%
41,3%
32,1%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
parte de algum parente, disseram que
a ocorrência se deu no período anterior à ocupação pelo Exército (ver Tabela 16).
É evidente que nem todas as pessoas sofreram ou se percebem vítimas de delitos. Mas um número tão
baixo de registros relete a histórica
desconiança dos moradores das favelas em relação aos órgãos policiais.
Estes não são vistos como instituições
dedicadas à defesa dos direitos das
pessoas, sobretudo as mais pobres,
mas, sim, como instrumentos de repressão de direitos. Além disso, sabe-se que a imensa maioria dos crimes,
especialmente furtos ou assaltos, não
são investigados. Nesse caso, bem
como em grande parte da cidade, os
cidadãos não têm espaço para fazer
55
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
56
valer seus direitos no campo da proteção à vida e ao patrimônio. Assim,
os únicos crimes que são notiicados
pelas pessoas, em geral, são o assassinato, por força da lei, e a subtração
de veículos, tendo em vista a necessidade do Boletim de Ocorrência no
caso de o veículo ser segurado.
Todavia, os dados não podem ser
lidos como se boa parte dos moradores da Maré recorresse aos GCAs para
resolver suas pendências nos casos
em que sofrem violência ou algum
tipo de atentado ao patrimônio. Cabe
ressaltar que a grande maioria dos
residentes não admite essa hipótese
e não quer recorrer aos grupos criminosos em situações desse tipo.
Considerando-se o exposto, o
sentimento de segurança e de insegurança dos moradores de favelas é algo bastante complexo, tendo
em vista sua ambiguidade. Historicamente, se convencionou airmar
que dentro das favelas não ocorrem
determinados tipos de crimes, tais
como assalto, furto, estupro etc., porque nas regras impostas pelos GCAs
consta, justamente, a proteção dos
moradores contra delitos que, muitas vezes, são cometidos fora da favela por autoria ou conivência desses próprios grupos. Mas esse é um
viés estereotipado do imaginário das
comunidades populares. O fato dos
moradores se sentirem seguros dentro da favela deve-se, sobretudo, à
constatação de que a reparação de
determinados crimes será realizada,
de forma inapelável, pelo grupo criminoso, e não por algum órgão do
sistema de Justiça, como deveria ser.
Podemos considerar essa realidade uma aberração do ponto de
vista da democracia, da ética e do Estado de Direito. Além de suas vantagens imediatas, o fenômeno gera a
naturalização de um conjunto de violências e estabelece práticas de convivência consideradas inaceitáveis
em áreas da cidade, que não nas favelas e periferias. O episódio relatado, a seguir, por M. Oliveira, moradora da Nova Holanda, pode ilustrar
a profundidade do problema que estamos considerando:
Eu vivia há oito anos com meu marido e
tivemos uma ilha. Com o tempo, o meu
marido foi mudando e começou a chegar em casa bêbado, gastava uma parte
do salário que recebia em farras, até eu
descobrir que ele vivia saindo com outras mulheres. Eu cheguei a ir atrás dele
em alguns bares aqui de Nova Holanda.
Um dia, eu me cansei e disse pra ele ir
embora e me deixar; ele veio pra cima
de mim, querendo me agredir. Como
isso se repetiu outras vezes, resolvi procurar o chefe do tráico, aqui, que, na
época, era o Jorge Negão. Chamei uma
amiga para ir junto comigo falar com
ele. Ele recebeu a gente numa laje da
casa de um parente dele e eu expliquei
o que estava acontecendo. Ele me perguntou o que eu queria, se era o caso de
mandar ele embora ou de dar um susto
nele. Respondi que queria que ele fosse
embora. Ele não queria ir embora, porque tinha comprado o barraco que nós
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
morava e eu dizia que ele não podia me
deixar na rua com uma ilha. O chefe
do tráico, então, falou que eu podia ir
para a casa que ele iria resolver. Saí dali
e fui na casa do meu pai. Fiquei com um
pouco de medo, pois não sabia o que
iriam fazer. Quando voltei pra casa, meu
marido já tinha ido lá, pego as roupas
dele e ido embora. Nunca mais vi ele na
comunidade. Eu soube que o Jorge Negão tinha mandado um dos meninos
que trabalhava com ele falar com meu
marido que ele ia ter que deixar a casa.
O fato demonstra como a Justiça
feita pelos grupos criminosos pode
ser rápida, se pensarmos esses casos contextualizados. O problema
central é que os moradores das favelas e periferias não têm, em geral,
meios de recorrer ao sistema Judiciário para lidarem com conlitos que
estão no seu âmbito. Assim, como
podemos observar, a ideia de segurança ou insegurança de quem vive
nas favelas da Maré acontece fora do
âmbito do sistema democrático de
Justiça estabelecido em nosso país.
Na verdade, o modelo estabelecido
pelo Estado ainda serve, em geral,
para as parcelas mais ricas e escolarizadas da sociedade. A sua incapacidade de atender aos mais pobres de
forma universal gera atroia de direitos, falta de reconhecimento e de legitimidade dos órgãos do Estado para
aqueles que mais necessitariam deles, bloqueando-se suas condições
de exercício da cidadania. Logo, o
descompromisso histórico do Estado
em cumprir seu papel de regulação
do espaço público e da vida social sobre o conjunto do território é o principal elemento a colocar em risco os
direitos dos cidadãos e a democracia
na sociedade brasileira.
A ausência nesse campo — que
afeta o funcionamento, inclusive, de
órgãos públicos presentes nas favelas
e periferias, tais como escolas, creches e postos de saúde — só poderá
ser resolvida a partir do reconhecimento dos moradores desses territórios como cidadãos e da criação de
práticas inovadoras que permitam,
ao Estado, ampliar sua legitimidade e
sua capacidade de exercer soberania
numa perspectiva republicana.
PERCEPÇÕES SOBRE O
PROCESSO DE OCUPAÇÃO
DA MARÉ PELO EXÉRCITO
BRASILEIRO
Chegamos ao bloco central da investigação proposta: apreender a percepção do morador sobre a ocupação
da Maré pelo Exército. Como ponto
preliminar do estudo, buscamos entender o que representou a atuação das
Polícias Militar e Civil no período prévio da ocupação das Forças Armadas.
Como já dito, houve um leque de grandes intervenções das polícias, especialmente do BOPE, com foco na Área 1.
Assim, em alguns quesitos, buscamos
compreender como eles se sentiram
57
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
Contudo, para indagar sobre o
processo de ocupação da Maré pela
chamada Força de Paciicação, foi
necessário saber se o entrevistado
já morava na localidade antes do
mesmo ter iniciado, pois alguns quesitos foram direcionados apenas para
os que vivenciaram o período anterior. O objetivo foi assinalar um parâmetro comparativo do respondente
com situações anteriores à ocupação.
Tal como constatamos no bloco
sobre o peril dos entrevistados, identiicamos que 96,4% já moravam na
Maré antes da entrada do Exército
(Tabela 17). Um fator fundamental
na moradia de longo prazo é que os
moradores conhecem a realidade local, tanto em termos das práticas das
facções criminosas como dos agentes
policiais, assim como as instituições
que atuam na defesa de seus direitos.
Portanto, a maioria se sente à vontade para responder às entrevistas que
diante das práticas efetivadas pelos
agentes militares, com atenção particular para a invasão das casas.
Na seção que apresentou o peril dos entrevistados, um dos quesitos
foi acerca do tempo em que estão morando na Maré (ver Tabela 10). Estes
dados conirmam uma característica
importante da população da Maré,
que é a permanência de longo prazo
na região. Não há um luxo contínuo
de mudança, visto que, considerando-se as condições habitacionais dos
territórios populares, a residência na
Maré tem um grau de valorização
acima da média da maior parte das
favelas e periferias do Rio de Janeiro.
Assim, mesmo quando as famílias
crescem, a tendência é continuar residindo na comunidade de origem. Este
fato pode ser identiicado pelo contínuo processo de verticalização das
construções que continua a ocorrer
na maior parte das favelas locais.
tabela 17 | o/a senhor/a já morava na maré antes da pacificação?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
SIM
96,4%
97,6%
95,2%
97,7%
NÃO
3,6%
2,4%
4,8%
2,3%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
58
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 18 | antes da ocupação da “força de pacificação” na maré,
o/a senhor/a se sentia inseguro/a com que frequência?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 970
N= 86.441
n= 286
N= 35.838
n= 402
N= 43.329
n= 282
N= 7.274
NUNCA
41,6%
31,6%
49,7%
42,0%
RARAMENTE
13,6%
13,2%
13,3%
17,0%
ÀS VEZES
27,3%
36,0%
20,5%
24,1%
FREQUENTEMENTE
9,3%
9,2%
9,0%
11,2%
SEMPRE
8,4%
9,9%
7,5%
5,6%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FFONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
entidades como a Redes da Maré fazem, pois sabem que elas visam contribuir para a conquista de mais direitos para os residentes na favela. Da
mesma forma, o tempo maior de residência permite que os moradores desenvolvam uma visão em perspectiva
e possam avaliar com mais elementos
as práticas efetivadas pelos órgãos estatais nas comunidades locais.
No quesito sobre sentimento de
insegurança por morar na Maré antes da entrada do Exército, 55,2% dos
moradores nunca ou raramente se
sentiram inseguros (ver Tabela 18). Os
percentuais das respostas não se diferenciam tanto das que tivemos em relação à sensação de segurança comparada a outros espaços da cidade
(ver Tabela 14), mas, em alguma medida, mostra que uma proporção
maior de pessoas passou a se sentir
em risco. Na questão anterior, apresentamos uma referência espacial;
nesta, uma referência temporal. Logo,
quando o morador pensa na inserção
da Maré na cidade, ele se sente mais
protegido no seu lugar, no espaço local. Quando, todavia, falamos da experiência restrita à Maré, levando em
conta o período imediatamente anterior à ocupação do Exército, a sensação de insegurança cresce.
Veriicamos, todavia, 17,7% dos
moradores se sentindo sempre ou
frequentemente inseguros. Considerando-se a representação sobre a
violência na Maré, especialmente na
59
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 19 | na sua opinião, a pacificação de outras áreas da cidade
interferiu na situação dentro da maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 970
N= 86.441
n= 286
N= 35.838
n= 402
N= 43.329
n= 282
N= 7.274
NÃO
66,0%
58,4%
69,1%
85,2%
SIM
33,7%
41,6%
30,4%
14,0%
NÃO RESPONDEU
0,3%
–
0,5%
0,8%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
60
forma veiculada na mídia tradicional,
é um percentual até pequeno. Porém,
quando pensamos que o direito à Segurança é o mais básico, primário, na
vida social, que antecede a todos os
outros, se evidencia que o percentual
de pessoas dominadas pela insegurança é preocupante.
Um ponto relevante a destacar sobre essa questão, em particular, e sobre a coleta de dados, em geral, diz
respeito à dimensão subjetiva no processo de produção de percepções e,
portanto, das respostas. Como é sabido, o survey é um bom instrumento
para captar impressões gerais, mas
deixa a desejar em relação ao signiicado das respostas dadas. Neste caso,
seria necessária a utilização de outros
instrumentos de coleta de dados para
compreendermos devidamente o que
as pessoas estão pensando, de fato,
quando dizem que nunca ou sempre
se sentem inseguras. De acordo com a
forma como lidam com a vida, com as
instituições e com as tensões cotidianas, elas podem ter percepções distintas de situações semelhantes e, com
isso, desenvolverem diferentes sentimentos em relação à segurança na vida
cotidiana. O mais importante na interpretação da sensação de segurança é
compreender que ela é mais inluenciada pela forma como o indivíduo se
relaciona com o meio no qual vive do
que pelas situações objetivas de risco
social que corre. Portanto, pode ocorrer de moradores em locais com índices baixos de crime se sentirem mais
inseguros de circular na cidade do que
pessoas que vivem em áreas com altas
taxas de criminalidade.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
Perguntados se acreditavam que
a implantação das UPPs em várias
favelas da cidade teria provocado alguma interferência na dinâmica cotidiana da Maré, 66% consideram
que não houve interferência e 33,7%
acreditam que houve (ver Tabela 19).
De acordo com informações de outras fontes (polícia e mídia, especialmente), muitos integrantes de facções criminosas teriam migrado para
outros territórios da cidade, da Baixada Fluminense ou outras cidades
do Estado, em função da chegada
das unidades paciicadoras. No caso
das favelas da Maré, como já sinalizamos em outra parte desse texto,
a ocupação do conjunto de comunidades do Alemão pelo Exército e,
posteriormente, pela Polícia Militar,
assim como na do Jacarezinho, Manguinhos e Lins, teria atraído muitos
integrantes do Comando Vermelho,
principalmente, para os territórios
controlados pela facção na Maré —
Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e Parque União, que
agregamos na Área 1. Logo, não é casual que nesse espaço tenhamos um
percentual maior de moradores —
41,6% — que consideram ter havido
impacto em sua comunidade com a
implantação das UPPs — bem acima,
por exemplo, do percentual de 14%
dos entrevistados da Área 3. A migração dos integrantes da citada facção
para a Maré trouxe, na época, muita
apreensão para os moradores, uma
vez que o aumento de circulação
de armas e de pontos de drogas foi
signiicativo.
No quesito seguinte, indagamos
se no período anterior à ocupação do
Exército, algum morador do domicílio da pessoa entrevistada havia sido
vítima de qualquer tipo de violação
de direito como, por exemplo, entrada da polícia no domicílio sem autorização, algum sofrimento corporal
ou dano à propriedade.
O resultado obtido foi que 77,9%
dos moradores não passaram por nenhuma das violações apontadas (ver
Tabela 20). Já 22,1% vivenciaram algum tipo de violência pela polícia
dentro da Maré. A questão buscou
captar o percentual e o padrão de
violação que ocorrem na Maré, basicamente a partir da ação das polícias.
Desde 2009, algumas instituições na
Maré vêm chamando a atenção para
as violações que ocorrem na região,
fruto das entradas pontuais das polícias, porém, frequentes, denominadas de operações policiais. Como
não há uma presença regular, nem
uma postura preventiva dos agentes
da Segurança pública, o que se observa é um saldo expressivo de mortes e feridos e/ou violações de outros
direitos dos moradores cada vez que
essas operações acontecem. Além da
quebra da rotina, com o fechamento
de escolas, creches, clínicas da família, comércio e outras atividades, há
reiteradas denúncias sobre a forma
61
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 20 | nos últimos três anos antes da pacificação, o/a senhor/a
ou alguém do seu domicílio foi vítima de algum tipo de violação de direito
(por exemplo: entrada em domicílio sem autorização, dano corporal
ou de propriedade) por parte da polícia dentro da maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 970
N= 86.441
n= 286
N= 35.838
n= 402
N= 43.329
n= 282
N= 7.274
NÃO
77,9%
73,0%
79,6%
92,3%
SIM
22,1%
27,0%
20,4%
7,7%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
62
desrespeitosa como os policiais realizam a abordagem aos moradores.
Por isso, provavelmente, os mais de
20% que passaram por alguma violação rememoram tais eventos. Não
por acaso, na Área 1 (Parque Maré,
Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e
Parque União), região de maior ocorrência de operações policiais, mais
de 1/4 dos entrevistados airma ter
sofrido alguma violação, seguida
pela Área 2, em que cerca de 1/5 passou por essa experiência. Com 7,7%,
o contraponto é a Área 3, controlada
pela milícia e, portanto, constantemente poupada das operações.
Dados levantados por proissionais da Redes da Maré que atuam no
eixo Segurança pública revelam que,
entre julho de 2015 e maio de 2016,
ocorreram 36 incursões policiais na
Maré: três foram coordenadas pelas
Forças Armadas, seis pela Polícia Civil, 22 pela Polícia Militar e cinco delas não se conseguiu saber de quem
era a responsabilidade. Um exemplo
do impacto delas no cotidiano refere-se ao fechamento das escolas: dados da 4ª Coordenadoria Regional de
Educação, Órgão da Secretaria Municipal de Educação (SME), mostram
que, entre julho de 2015 e maio de
2016, as escolas municipais da região tiveram 23 dias de aulas suspensas em decorrência dos conlitos entre polícia e integrantes de GCAs na
Maré (ver Quadro 1 e Quadro 2).
Em diálogos com a Secretaria Municipal de Educação, os técnicos airmam que, além do cancelamento das
aulas, existem consequências que
não são possíveis de ser quantiicadas, como a diiculdade de aprendizagem das crianças e adolescentes
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
quadro 1 | atividades escolares
suspensas devido a operações
policiais entre julho
e dezembro de 2015
DATA
NÚMERO
ESCOLAS
FECHADAS
TOTAL DE
ALUNOS
AFETADOS
POR DIA
02/07/2015
13
6529
03/07/2015
15
8295
08/07/2015
13
5780
07/08/2015
11
4845
21/08/2015
11
5046
25/08/2015
3
520
03/09/2015
11
4504
08/09/2015
4
4340
09/09/2015
10
4946
quadro 2 | atividades escolares
suspensas devido a operações
policiais entre fevereiro e maio
de 2016
DATA
NÚMERO
ESCOLAS
FECHADAS
TOTAL DE
ALUNOS
AFETADOS
POR DIA
10/09/2015
6
3345
15/09/2015
5
2312
03/02/2016
17
6213
22/09/2015
6
124
22/02/2016
10
3522
01/10/2015
10
5231
01/03/2016
16
5362
08/10/2015
7
3193
16/03/2016
13
5786
13/10/2015
9
3400
18/03/2016
13
4305
23/10/2015
12
4600
11/04/2016
5
1835
28/10/2015
10
5120
13/04/2016
11
3158
10/12/2015
11
5302
12/05/2016
23
5736
18 DIAS SEM AULA
FONTE: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO /
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. 2015.
8 DIAS SEM AULA
FONTE: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO /
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. 2015.
63
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
foram vítimas de violação passaram
por essa situação, pelo menos, três
vezes (ver Tabela 21). Novamente, a
Área 3, que apresentara a menor proporção de pessoas com a percepção
de terem sofrido algum tipo de violação, é aquela que as pessoas que entendem ter sofrido alguma violação
por parte da polícia, viveram isso em
menor número de ocasiões.
Quanto ao tipo de violação sofrida, quase 2/3 assinalam a invasão de domicílio e 57,8%, a forma
de abordagem (ver Tabela 22). Nas
Áreas 1 e 2, a invasão de domicílio é a
violação que atingiu o maior número
de pessoas. Já na Área 3, a forma de
abordagem é a mais incidente.
Os dados sobre a frequência com
que ocorrem as violações contra os
em um contexto de conlitos frequentes e os transtornos psíquicos causados aos estudantes e outros integrantes da comunidade escolar, que
ocasionam, por exemplo, o elevado
número de licenças por motivo de
estresse e síndrome do pânico entre
os proissionais que atuam nas escolas da Maré. Outra medida preocupante, embora nos pareça inaceitável
como justiicativa, por impedir a garantia do direito básico das crianças
da Maré à educação, é a redução da
carga horária das escolas em função
da falta de segurança.
Para os entrevistados que airmavam ter sofrido alguma violação, perguntamos quantas vezes isso ocorreu
e, além disso, o tipo de delito cometido pela polícia. Mais de 1/4 dos que
tabela 21 | quantas vezes sofreu alguma violação?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 176
N= 19.082
n= 75
N= 9.688
n= 79
N= 8.836
n= 22
N= 557
UMA VEZ
42,8%
44,2%
38,7%
84,1%
DUAS VEZES
31,1%
34,0%
29,1%
11,9%
TRÊS A CINCO
VEZES
14,2%
12,8%
16,5%
4,0%
SEIS VEZES OU
MAIS
11,8%
9,0%
15,7%
–
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
64
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 22 | o/a senhor/a pode indicar o/s tipo/s de incidente?
pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 176
N= 19.082
n= 75
N= 9.688
n= 79
N= 8.836
n= 282
N= 7.274
INVASÃO DE DOMICÍLIO
63,6%
73,3%
54,9%
35,0%
FORMA DE ABORDAGEM
57,8%
61,4%
54,2%
51,2%
AGRESSÃO VERBAL
41,6%
32,7%
52,1%
29,4%
DISCRIMINAÇÃO
24,9%
16,3%
35,4%
7,9%
AGRESSÃO FÍSICA
21,4%
10,1%
32,5%
41,7%
DANO AOS SEUS BENS MATERIAIS
18,6%
16,1%
20,8%
27,5%
OUTRO
10,0%
7,4%
12,3%
19,7%
NÃO RESPONDEU
0,6%
-
1,1%
4,0%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
moradores da Maré e, ainda, os tipos que têm maior incidência reforçam algumas percepções já correntes
de que a polícia tem estabelecido, de
maneira histórica, um padrão de trabalho na Maré, e em outros espaços
análogos, incompatível com o que
seria esperado de servidores do Estado. O fato de mais de 60% dos agredidos terem sofrido a violação no
momento da abordagem policial ou
por invasão de domicílio conirma a
forma arbitrária e pouco respeitosa
com o direito dos moradores da Maré
quanto à Segurança pública.
As práticas evidenciam a representação de que os moradores das
favelas são criminosos em potencial
ou, conforme expressão utilizada em
publicações do Observatório de Favelas, a “população civil do exército
inimigo” e, por isso, não precisam ter
seus direitos básicos respeitados. Os
moradores são vistos, muitas vezes,
como perigosos, cúmplices dos criminosos ou, no mínimo, coniventes.
Desse modo, a condição de moradia
passa a deinir um determinado tipo
de caráter ou comportamento marginal, o que é um imenso preconceito
por parte dos policiais.
Cabe salientar que a representação dos policiais sobre a população
favelada não é solitária. Na verdade,
eles reproduzem um juízo que é dominante em grande parte da população carioca que não reside nas favelas. Essa estigmatização gera, como
65
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 23 | o/a senhor/a ou alguém do seu domicílio denunciou
este/s incidente/s junto a alguma instituição?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 176
N= 19.082
n= 75
N= 9.688
n= 79
N= 8.836
n= 22
N= 557
NÃO
95,9%
97,4%
96,3%
64,6%
SIM
4,1%
2,6%
3,7%
35,4%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
tabela 24 | onde a/s denúncia/s foi/foram registrada/s?
pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 14
N= 779
n= 2
N= 252
n= 4
N= 330
n= 8
N= 197
DELEGACIA
58%
46%
70%
55%
PATRULHA DA POLÍCIA MILITAR
17%
54%
–
–
EXÉRCITO
13%
–
30%
–
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES
10%
–
–
39%
IGREJA
6%
–
–
23%
DISQUE–DENÚNCIA
3%
–
–
11%
ONG
3%
–
–
11%
OUTRA
33%
54%
30%
11%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
66
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
resposta, a intolerância de parte da
população local em relação à Polícia,
o que faz com que diversos tipos de
conlito e situações de violência terminem ocorrendo nos momentos da
incursão policial.
Indagados se izeram algum tipo
de comunicação da violação de direito sofrida, nove em cada dez pessoas do universo que teve os seus direitos agredidos não izeram registro
algum da denúncia (ver Tabela 23).
Entre os poucos que izeram, pouco
mais da metade foi à Delegacia. O
restante procurou uma Patrulha da
Polícia Militar, um representante do
Exército, o Disque-Denúncia ou, até
mesmo, associações de moradores,
igrejas e organizações não governamentais (ver Tabela 24).
Na perspectiva de aumentar a capacidade dos moradores se defenderem dessas violações, algumas
instituições que atuam na Maré realizaram, em 2012, a primeira edição
da Campanha “Somos da Maré — Temos Direitos”, e que teve uma nova
versão, em 2016. Esse trabalho busca,
de maneira direta, realizar a mobilização dos moradores, porta a porta, por
meio da distribuição de um material
impresso que contém informações
sobre como deve ser uma abordagem
policial que respeite os direitos dos
moradores. Essa iniciativa vem permitindo que muitos moradores da Maré
entendam a necessidade de fazer o
registro da violação. Além disso, eles
descobrem que as situações de abuso
cometidas por agentes do Estado podem ser enfrentadas e que existem
canais institucionais que devem ser
acionados pelas pessoas diretamente
envolvidas nesses episódios.
Um item de grande relevância na
pesquisa, ao qual, temos dado uma
atenção maior, diz respeito à sensação de segurança dos moradores da
Maré. Como já airmamos, esse é, talvez, o mais básico dos direitos: sentir
que se vive em um mundo social que
não é hostil, no qual se pode circular
com segurança, sem temor.
Como vimos em resposta anterior, 60% dos entrevistados se sentem
seguros na Maré em relação ao conjunto da cidade (ver Tabela 14) e 55%,
normalmente, não se sentiam inseguros antes de 2014. Logo, não é surpreendente que, para 69,2% da população adulta da Maré, a entrada das
Forças Armadas não tenha aumentado sua sensação de segurança (ver
Tabela 25). Devemos levar em conta
que a segurança não era um problema para eles, o que contribui para
esse tipo de resposta. Portanto, esta
não é, necessariamente, negativa ou
representa um problema.
O que chama mais atenção, porém, decorre do fato de 22,4% declararem que essa sensação piorou um
pouco ou muito. Nesta perspectiva,
cabe assinalar que 28,1% dos moradores se sentem frequentemente ou
sempre inseguros depois da entrada
67
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 25 | sua sensação de segurança mudou com a entrada
da “força de pacificação” na maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
MELHOROU MUITO
8,4%
10,3%
4,8%
20,4%
MELHOROU POUCO
22,5%
33,4%
12,6%
28,7%
NÃO MUDOU NADA
46,8%
45,7%
47,3%
49,0%
PIOROU POUCO
7,7%
5,7%
10,4%
0,7%
PIOROU MUITO
14,7%
4,9%
24,8%
1,2%
NÃO RESPONDEU
0,0%
–
0,1%
–
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
68
do Exército (ver Tabela 26). Analogamente, conforme mostra a Tabela
25, o fato de menos de 1/3 achar que
a sensação de segurança melhorou,
talvez esteja aquém das expectativas
em face de um investimento tão vultoso do Estado, sob qualquer ponto
de vista: econômico, logístico, militar, político e social. Logo, a Operação São Francisco deveria ter uma
avaliação bem melhor na percepção
do morador, o qual deveria ser o alvo
privilegiado da ação do Estado.
O problema central, na verdade,
que caracteriza também a ação das
UPPs, é que o foco da intervenção militar não é a garantia dos direitos dos
moradores, mas o controle do território, dos corpos e das práticas sociais.
Em nome do combate aos grupos criminosos, considera-se que a favela
possa ser tratada como um “território de exceção”, no qual as garantias
de direitos do sistema republicano
não precisam ser efetivamente obedecidas. Isso explica porque o Exército usa, com naturalidade, tanques
para fazer o patrulhamento das ruas,
anda com armas de guerra de alto calibre e coloca arames e sacos de areia
nas vias, inclusive nas ciclovias, o que
torna a paisagem, de fato, como a de
uma arena de guerra, em todos os
sentidos. Tudo isso acontecendo em
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 26 | depois da entrada da “força de pacificação” na maré,
o/a senhor/a se sente inseguro com que frequência?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
NUNCA
25,9%
21,7%
25,6%
48,4%
RARAMENTE
16,7%
19,0%
11,9%
35,1%
ÀS VEZES
29,1%
36,6%
26,0%
11,5%
FREQUENTEMENTE
15,4%
11,7%
20,5%
2,9%
SEMPRE
12,7%
10,7%
16,0%
2,1%
NÃO RESPONDEU
0,2%
0,4%
–
–
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
um território com 140 mil pessoas,
quase 32 mil por km2. Em uma região tão densamente povoada, o trabalho em inteligência policial deveria ser a base da ação de combate ao
crime, a im de evitar que as pessoas,
incluindo os próprios militares, corressem riscos desnecessários. Essa
perspectiva, no entanto, parece que
nunca esteve no cenário das ações
policiais ou das Forças Armadas, no
Rio de Janeiro.
A presença dos soldados do Exército se tornou muito visível na paisagem da Maré. Mas buscamos saber
dos entrevistados quais experiências
mais diretas eles teriam vivenciado
com aqueles servidores do Estado.
Para isso, cada entrevistado foi indagado sobre possíveis acontecimentos para responder se já havia ou
não ocorrido consigo. O resultado
das entrevistas indica que metade
dos moradores reconhece ter vivido
alguma experiência direta com as
Forças de ocupação.
Embora não fosse direcionado na
pergunta, é possível que alguns dos
acontecimentos possam ter ocorrido
com familiares e amigos do entrevistado, mas assumidos como experiência própria. Mesmo assim, o fato de a
ação de revista pessoal ter alcançado
34% dos moradores (ver Tabela 27),
69
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
segundo a amostra, é marcante, já que
este não é um acontecimento que seja
naturalizado na maior parte da cidade.
Além disso, 21,6% viram algum
confronto violento entre soldados e
integrantes de GCAs. Os percentuais revelam como a Maré, de fato, se
tornou um território dominado pela
lógica da guerra e, em momento algum, um território de paz. E evidenciam a falta de sentido do uso do
termo paciicação, que foi a marca
institucional adotada pelas Forças do
Exército, como forma de identiicação da ação militar. No entanto, a paz
nunca se materializou como objetivo
da instituição, mas, sim, o controle
do território e de seus moradores,
visando estabelecer uma situação
de repressão a possíveis formas de
criminalidade. Como era claro para
muitos moradores da Maré, a ocupação militar foi uma demanda externa, para impedir que os GCAs
agissem em outras partes da cidade.
O Exército não estava na favela para
proteger os seus moradores, mas
para impedir que dali pudesse sair
ações que atingissem outros territórios do Rio de Janeiro.
tabela 27 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou
com os militares da força de pacificação?
70
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
NENHUMA DESSAS OPÇÕES
49,1%
61,0%
34,5%
79,7%
REVISTA PESSOAL
34,0%
30,5%
40,2%
13,4%
UM CONFRONTO VIOLENTO
ENVOLVENDO MILITARES
21,6%
7,0%
36,6%
2,2%
REVISTA À RESIDÊNCIA
8,7%
5,7%
12,1%
2,6%
EVENTO COMUNITÁRIO COM A
PARTICIPAÇÃO DE MILITARES
5,2%
3,6%
7,0%
2,3%
DETENÇÃO
1,1%
0,3%
1,9%
0,3%
REGISTRO DE DENÚNCIAS JUNTO
AOS MILITARES
0,8%
0,4%
0,9%
1,9%
NÃO RESPONDEU
0,9%
0,3%
1,3%
1,9%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 28 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou
com os militares da força de pacificação?
BAIRRO MARÉ
MULHERES
HOMENS
n= 1.000
N= 89.661
n= 511
N= 45.857
n= 489
N= 43.804
NENHUMA DESSAS OPÇÕES
49,1%
60,6%
37,1%
REVISTA PESSOAL
34,0%
20,0%
48,6%
UM CONFRONTO VIOLENTO
ENVOLVENDO MILITARES
21,6%
21,7%
21,5%
REVISTA À RESIDÊNCIA
8,7%
9,3%
8,0%
EVENTO COMUNITÁRIO COM
A PARTICIPAÇÃO DE MILITARES
5,2%
4,5%
6,0%
DETENÇÃO
1,1%
0,6%
1,6%
REGISTRO DE DENÚNCIAS
JUNTO AOS MILITARES
0,8%
0,6%
1,1%
NÃO RESPONDEU
0,9%
1,2%
0,7%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
Os dados sobre a revista pessoal
são tão expressivos que merecem
uma análise mais detalhada. Desagregando-os segundo o sexo do entrevistado, observa-se, como era de
se esperar, que os homens são mais
submetidos à revista que as mulheres, respectivamente, 48,6% e 20%
(ver Tabela 28). Quando o iltro é por
faixa etária, os jovens de 18 a 29 aparecem como os mais visados, atingindo 46,3% deles (ver Tabela 29).
Por cor da pele ou raça, o resultado
da amostra assinala um percentual
de 62,2% entre os moradores de origem indígena, porém, na amostra
realizada, foram entrevistados apenas sete moradores que se declararam integrantes deste contingente
étnico, o que não nos permite considerar o resultado signiicativo para o
universo de moradores. Em seguida,
o contingente que apresenta o maior
percentual — 44,5% — é o de pessoas com cor da pele preta. Em contrapartida, entre as pessoas brancas,
o percentual é de 26,4% (ver Tabela
30). Quanto à escolaridade, os resultados não podem ser considerados
representativos para os que chegaram ao nível superior e para aqueles
sem escolaridade alguma, em razão
71
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 29 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou
com os militares da força de pacificação?
BAIRRO MARÉ
18 A29 ANOS
30 A 49 ANOS
50 A 69 ANOS
n= 1.000
N= 89.661
n= 347
N= 29.994
n= 418
N= 42.642
n= 235
N= 17.026
NENHUMA DESSAS OPÇÕES
49,1%
40,5%
48,6%
65,6%
REVISTA PESSOAL
34,0%
46,3%
33,8%
12,8%
UM CONFRONTO VIOLENTO
ENVOLVENDO MILITARES
21,6%
22,3%
23,7%
15,4%
REVISTA À RESIDÊNCIA
8,7%
7,6%
9,4%
8,8%
EVENTO COMUNITÁRIO COM A
PARTICIPAÇÃO DE MILITARES
5,2%
7,6%
4,0%
4,1%
DETENÇÃO
1,1%
2,5%
0,4%
0,3%
REGISTRO DE DENÚNCIAS
JUNTO AOS MILITARES
0,8%
1,3%
0,8%
–
NÃO RESPONDEU
0,9%
0,9%
0,5%
2,2%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
tabela 30 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou
com os militares da força de pacificação?
72
BAIRRO
MARÉ
AMARELA
BRANCA
INDÍGENA
PARDA
PRETA
n= 1.000
N= 89.661
n= 12
N= 1.594
n= 297
N= 26.844
n= 7
N= 681
n= 497
N= 43.083
n= 187
N= 17.460
NENHUMA DESSAS OPÇÕES
49,1%
69,8%
58,0%
19,3%
49,0%
35,0%
REVISTA PESSOAL
34,0%
6,3%
26,4%
62,2%
35,0%
44,5%
UM CONFRONTO VIOLENTO
ENVOLVENDO MILITARES
21,6%
22,6%
17,4%
48,6%
21,3%
27,9%
REVISTA À RESIDÊNCIA
8,7%
–
7,6%
9,3%
8,6%
11,4%
EVENTO COMUNITÁRIO COM A
PARTICIPAÇÃO DE MILITARES
5,2%
–
4,0%
27,3%
4,9%
7,7%
DETENÇÃO
1,1%
–
–
11,8%
1,1%
2,4%
REGISTRO DE DENÚNCIAS
JUNTO AOS MILITARES
0,8%
1,4%
1,4%
24,0%
0,4%
–
NÃO RESPONDEU
0,9%
–
1,4%
–
0,8%
0,6%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
BAIRRO MARÉ
SUPERIOR
COMPLETO
SUPERIOR
INCOMPLETO
ENSINO MÉDIO
COMPLETO
ENSINO MÉDIO
INCOMPLETO
ENSINO
UNDAMENTAL
COMPLETO
ENSINO
FUNDAMENTAL
INCOMPLETO
SEM
ESCOLARIDADE
tabela 31 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou
com os militares da força de pacificação?
n= 1.000
N= 89.661
n= 1.000
N= 89.661
n= 511
N= 45.857
n= 1.000
N= 89.661
n= 489
N= 43.804
n= 1.000
N= 89.661
n= 1.000
N= 89.661
n= 1.000
N= 89.661
NENHUMA
DESSAS OPÇÕES
49,1%
51,3%
41,9%
50,9%
35,5%
40,8%
55,9%
61,1%
REVISTA PESSOAL
34,0%
28,2%
51,8%
32,5%
49,5%
41,1%
27,1%
8,4%
UM CONFRONTO
VIOLENTO
ENVOLVENDO
MILITARES
21,6%
23,9%
33,5%
22,6%
25,0%
22,3%
18,3%
21,8%
REVISTA À
RESIDÊNCIA
8,7%
8,8%
0,9%
7,4%
14,4%
8,4%
7,8%
9,6%
EVENTO
COMUNITÁRIO
COM
A PARTICIPAÇÃO
DE MILITARES
5,2%
1,2%
9,5%
4,3%
10,5%
4,5%
4,2%
–
DETENÇÃO
1,1%
4,2%
–
1,1%
1,8%
1,3%
0,7%
–
REGISTRO DE
DENÚNCIAS
JUNTO AOS
MILITARES
0,8%
–
2,6%
1,0%
2,7%
0,6%
–
–
NÃO RESPONDEU
0,9%
3,1%
–
0,3%
1,3%
0,2%
1,2%
4,4%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS: 2014/2015.
73
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
do pequeno número de entrevistados. Mas, grosso modo, a comparação desde os que não concluíram o
fundamental até os que completaram o ensino médio sugere que não
há padrões muito distintos entre os
segmentos (ver Tabela 31). Talvez,
por não ser uma característica aparente, como o sexo, a idade e a cor
da pele, essa variável não se conigurou como determinante na ação dos
agentes do Exército.
Certamente, são necessários levantamentos mais especíicos do
ponto de vista metodológico para
que certas inferências, como a inluência ou não da escolaridade, possam ter consistência. Todavia, os
resultados apontam para a conirmação de que os homens jovens de cor
preta são mesmo os alvos preferidos
para a abordagem com revista pessoal, vulgarmente chamada de “dura”.
No caso da violação de direitos,
9% consideram ter sofrido alguma
ação caracterizada como tal (ver Tabela 32), especialmente, a entrada de
soldados no domicílio. Cabe destacar que a menção ao tipo de acontecimento (violação) neste quesito foi
espontânea.
Mais de 40% dos que sofreram
alguma violação airmam que isso
aconteceu mais de uma vez (ver Tabela 33). A forma de abordagem
(70%), a agressão verbal (46%) e a
74
agressão física (31%) são as violações apontadas por mais pessoas, segundo a pesquisa (ver Tabela 34).
Todavia, um dado menos frequente na amostra chama a atenção:
a invasão da residência por parte dos
militares, o que já era comum nas
operações policiais na Maré. Levando-se em conta que o bairro possui
mais de 45.500 domicílios (ver Tabela
1), a amostra indica que cerca de quatro mil lares podem ter sido invadidos
pelo Exército. Cabe assinalar que esse
número pode ser inferido das respostas ao quesito que indagou sobre a vivência de determinadas experiências
durante a ocupação militar (Ver Tabela 27). No entanto, no quesito em
que o enunciado faz referência à violação de direitos, a estimativa de residências invadidas passa a ser de,
aproximadamente, 1.200 domicílios,
sendo as agressões física e verbal citadas por um número bem maior de entrevistados (Tabela 34). Isso pode signiicar — e os dados ilustram — que
o desrespeito à privacidade e, também, a ausência de legalidade no ato
da invasão à residência não são, em
um universo no qual as pessoas têm
pouco conhecimento sobre as leis e
sobre seus direitos, atos facilmente
identiicados como violação de direitos — pelo menos, não tanto como é o
atentado à pessoa, na forma de agressão física e verbal.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 32 | depois da entrada das forças de pacificação, o/a senhor/a ou
alguém do seu domicílio foi vítima de algum tipo de violação de direito
(por exemplo: entrada em domicílio sem autorização ou dano corporal
ou de propriedade) por parte dos militares?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
NÃO
91,0%
94,3%
87,5%
96,1%
SIM
9,0%
5,7%
12,5%
3,9%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
tabela 33 | quantas vezes foi vítima de algum tipo de violação?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 82
N= 8.072
n= 15
N= 2.099
n= 55
N= 5.684
n= 12
N= 289
UMA VEZ
56,6%
42,0%
62,3%
50,9%
DUAS VEZES
25,8%
24,6%
26,2%
26,1%
TRÊS A CINCO
VEZES
5,9%
6,7%
5,5%
7,6%
SEIS VEZES OU
MAIS
11,4%
26,7%
6,0%
7,7%
NÃO RESPONDEU
0,3%
–
–
7,7%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
75
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 34 | o/a senhor/a pode indicar o/s tipo/s de incidente?
pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 82
N= 8.072
n= 15
N= 2.099
n= 55
N= 5.684
n= 12
N= 289
AGRESSÃO FÍSICA
31%
28%
31%
51%
FORMA DE ABORDAGEM
70%
51%
78%
50%
INVASÃO DE DOMICÍLIO
29%
27%
30%
27%
AGRESSÃO VERBAL
46%
45%
48%
26%
DISCRIMINAÇÃO
24%
26%
23%
15%
DANO AOS SEUS BENS
MATERIAIS
15%
–
21%
8%
OUTRA
9%
14%
6%
15%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS.
76
Segundo estimativa a partir dos
resultados da presente pesquisa, apenas 13% dos moradores que se sentiram com direitos violados por integrantes das tropas do Exército izeram
algum tipo de denúncia ou registro
(ver Tabela 35) e pouco mais da metade levaram a queixa a órgãos oiciais, notadamente, o próprio Exército
— o Comando do Exército, o (vizinho)
Centro de Preparação de Oiciais de
Reserva, o Batalhão do Exército e a
Unidade da Força de Paciicação — e
a Delegacia de Polícia (ver Tabela 36).
Esse percentual, embora baixo, é
superior ao que tivemos em relação às
denúncias de violações de direitos por
policiais, que foi de 4,1% (ver Tabela
23). Cabe ressaltar que todos os entrevistados da Área 1 informaram que
não izeram denúncia ou registro.
A maior disposição para denunciar eventuais abusos de membros
do Exército pode ser decorrente, de
certa maneira, do maior crédito desta
Instituição junto aos moradores e a
maior crença, talvez, que as Forças
Armadas poderiam ter maior interesse em tomar providências para
defender os direitos dos moradores.
Há outras hipóteses que podem justiicar essa diferença, entre elas, um
maior grau de tolerância com os atos
do Exército, uma sensação mais forte
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 35 | o/a senhor/a ou alguém do seu domicílio denunciou
este/s incidente/s junto a alguma instituição?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 82
N= 8.072
n= 15
N= 2.099
n= 55
N= 5.684
n= 12
N= 289
NÃO
87%
100%
83%
65%
SIM
13%
–
17%
35%
100%
100%
100%
100%
TOTAL
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS.
tabela 36 | onde a/as denúncias/s foi/foram registrada/s?
pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 14
N= 1.071
n= 0
N= 0
n= 10
N= 971
n= 4
N= 100
DELEGACIA
3,9%
–
4,3%
–
EXÉRCITO
52,8%
–
58,2%
–
OUTRA
47,2%
–
41,8%
100,0%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
de intimidação, a sensação maior
de quão inócuo seria denunciar ou
a falta de clareza sobre a que autoridade competente se reportar.
O fato é que o instrumento que
utilizamos não previu perguntar as
razões de fazer ou não o registro, assim como para outros comportamentos indagados na entrevista, pois esta
se tornaria exaustiva e prejudicaria a
qualidade das respostas em geral. Temos que reconhecer que a ausência
de algumas explicações faz parte das
características da metodologia de coleta de dados utilizada, portanto, novos estudos são necessários para se
chegar a uma conclusão a respeito de
determinados resultados.
77
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
Uma questão central nessa amostra foi o grau de aprovação da atuação
do Exército, conforme demonstrado
na Tabela 37. De forma geral, observamos que 4% a avaliam como ótima
e menos de 20%, como boa. Com isso,
estimamos que apenas 1/4 da população adulta da Maré teve um juízo
positivo sobre a ocupação militar. Em
outro extremo, 13,9% a consideraram
péssima, e 11,9%, ruim, o que, grosso
modo, também relete a opinião
de um em cada quatro moradores.
Quando desagregamos esses dados
pelas três áreas, todavia, o resultado
mostra que o impacto da ocupação
foi muito diferenciado nos territórios:
na Área 3, controlada pela milícia, o
grau de satisfação com a ocupação
foi muito maior que nas outras áreas.
Para mais de 60%, a presença militar
foi boa ou ótima e menos de 8% a avaliam como ruim ou péssima. Por sua
vez, na Área 2, apenas 13,5% consideraram a ação militar boa ou ótima e
36%, ruim ou péssima. A Área 1 icou
no meio do caminho: 28,7% a avaliam
como boa ou ótima, enquanto 16,9%
como ruim ou péssima. Coerentemente, esta Área apresentou o mais
alto percentual de avaliação regular
da ocupação do Exército: 54,4%.
tabela 37 | sua avaliação sobre atuação da força de pacificação
na maré, em geral, é:
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
ÓTIMA
4,0%
4,8%
2,4%
9,2%
BOA
19,9%
23,9%
11,1%
53,7%
REGULAR
49,5%
54,4%
49,1%
28,0%
RUIM
11,9%
9,8%
14,9%
4,3%
PÉSSIMA
13,9%
7,1%
21,1%
3,5%
NÃO RESPONDEU
0,9%
–
1,5%
1,2%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
78
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
Dois fatores contribuem para explicar discrepância tão expressiva
entre as percepções dos entrevistados. O primeiro deles decorre da estratégia diferenciada da milícia na
relação com as forças policiais e, no
caso, com as Forças de ocupação.
Sendo controlada por policiais32, as
milícias nunca foram para o confronto com as forças de Segurança
do Estado do Rio. Da mesma forma,
nunca foram atacadas. O Exército
manteve, aparentemente, a mesma
lógica diante desse grupo criminoso.
Cabe salientar que a milícia, diferentemente dos traicantes de drogas,
extorque os moradores de variadas
formas, tanto cobrando mensalidades como um imposto, nos casos de
venda de imóveis, por exemplo, dentre outras formas de exploração econômica no território. Logo, apesar de
se legitimar pelo monopólio da violência e da repressão aos crimes contra o patrimônio e da venda de drogas, sua presença nos territórios que
ocupa é dominada pelos interesses
econômicos, o que se torna ainda
32
Em 2011, a Delegacia de repressão ao crime
organizado prendeu tr̂s líderes da milícia da Área
3: um era Sargento da PM; outro, seu ilho, Inspetor
da Polícia Civil; e o terceiro, um Delegado de Polícia.
Mesmo assim, como registra reportagem do
Estadão, disponível no link: <http://www.estadao.
com.br/noticias/geral,milicianos-continuam-nocontrole-de-favelas-da-mare,1147914>, o grupo
criminoso continuava agindo livremente em 2014,
pouco antes da entrada das Forças de ocupação
e em momento de forte enfrentamento na Área 1,
especialmente.
mais perverso, já que estamos nos
referindo à população com um dos
menores níveis de rendimento médio da cidade do Rio de Janeiro.
O segundo fator, este relacionado à existência de maior rejeição
ao Exército na Área 2, deve-se ao fato
de as suas comunidades serem dominadas pelo Terceiro Comando.
No processo prévio de ação da Polícia Militar, especialmente do BOPE,
na Maré, a estratégia foi atacar de
forma constante o Comando Vermelho, visto que a polícia acreditava que
essa facção pudesse resistir mais à
ocupação das Forças Armadas. Desse
modo, muitos líderes da facção saíram da favela durante o processo. O
mesmo não ocorreu em relação ao
Terceiro Comando: tendo sofrido
um menor combate das forças policiais, a facção teve seu poder bélico
e seus homens mais preservados. A
prisão de dois importantes integrantes deste grupo, sem que tivesse havido um prévio processo de diminuição do poder militar da facção, gerou
certa desestabilização na região e um
processo de constantes conlitos com
as Forças do Exército, que culminou
na morte de um cabo, na Área 2 em
novembro de 201433. Após a morte
do militar, a tensão cresceu no processo de ocupação, com os novos
33
Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/
noticia/2014/11/morre-cabo-do-exercito-baleadona-cabeca-em-ataque-na-mare-rio.html>
79
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 38 | o/a senhor/a já pediu ajuda para a força de pacificação?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
NÃO
98,5%
100,0%
97,3%
98,2%
SIM
1,5%
–
2,7%
1,8%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
80
grupos de militares que chegaram à
favela assumindo uma postura mais
reativa e agressiva com os moradores. Com isso, o grau de insatisfação
dos moradores com a ocupação foi
aumentando, conforme sua duração
se prolongava. Até porque, gradativamente, o tráico de drogas voltou
a agir normalmente, vendendo drogas nas vielas, com mão de obra majoritariamente formada por adolescentes, e portando armas, embora de
menor calibre — pistolas, em geral.
Com isso, se evidenciou para os moradores, progressivamente, o fracasso
da presença das Forças Armadas e
sua incapacidade de alterar a realidade da Segurança pública na Maré.
Na perspectiva de identiicar o
grau de contato entre os moradores
e as Forças de ocupação, foi perguntado aos entrevistados se eles tinham
solicitado algum tipo de auxílio aos
militares. Como era esperado, dentro
do contexto de reconhecimento do
poder dos GCAs e considerando a
histórica desconiança dos moradores em relação às Forças de Segurança, os resultados permitem estimar que 98,5% dos moradores não
solicitaram qualquer tipo de auxílio
(ver Tabela 38).
Um dado mais revelador ainda
(embora pouco consistente, dado
o pequeno número de entrevistados para os quais a pergunta foi dirigida), de como os moradores têm
razão para, infelizmente, não coniar nas Forças de Segurança, se conirma quando, entre os poucos que
recorreram ao Exército para algum
tipo de auxílio, mais da metade avaliaram a ajuda como péssima ou ruim
(ver Tabela 39). De fato, os militares
do Exército recebem um tipo de treinamento — que não se diferencia do
que ocorre na Polícia Militar — que
tende a levá-los a tratar os moradores
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 39 | como avalia a ajuda recebida pela força de pacificação?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 17
N= 1.375
n= 0
N= 0
n= 11
N= 1.239
n= 6
N= 136
–
–
–
–
44,0%
–
43,9%
44,5%
REGULAR
3,2%
–
3,6%
–
RUIM
7,5%
–
4,7%
32,5%
PÉSSIMA
45,4%
–
47,8%
23,0%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
ÓTIMA
BOA
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
de favelas como seres potencialmente
perigosos, que devem ser controlados,
a im de não representarem riscos ou
praticarem atos perigosos. Nesse caso,
temos a identiicação das classes populares como perigosas, como registrado em vários estudos no campo das
Ciências Humanas no Brasil.
Os limites assinalados buscaram
ser enfrentados, em alguma medida,
por alguns comandos das Forças de
ocupação. Um bom exemplo dessa
tentativa de aproximação com a população local foi por via da distribuição de doces e lanches para as crianças da Maré.
Perguntados sobre essa tentativa
de aproximação, 48,3% dos moradores se mostram a favor dessa atitude,
a maioria concordando totalmente e
os demais, em parte (ver Tabela 40).
No outro espectro, 31,9% discordam
total ou parcialmente da conduta.
Entre 19,2%, o posicionamento é o
de que, dependendo da situação, eles
poderiam concordar ou não.
Como se vê, apenas 1/3 dos moradores, aproximadamente, discordou
da distribuição de doces e lanches
para as crianças. O fato evidencia que
a população, em sua grande maioria, não tem uma postura, a priori,
de rejeição às Forças de Segurança,
tampouco, ao Exército. Sua rejeição
dirige-se a determinadas atitudes
praticadas pelos militares, especialmente. A mudança da postura das
Forças militares, na perspectiva de
81
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 40 | é uma boa atitude da força de pacificação distribuir doces
e lanches para as crianças?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
34,5%
31,6%
34,4%
48,9%
CONCORDO EM PARTE
13,8%
16,7%
10,6%
18,6%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
19,2%
18,5%
21,2%
11,0%
DISCORDO EM PARTE
4,5%
4,1%
4,8%
5,4%
DISCORDO TOTALMENTE
27,4%
29,1%
28,0%
15,7%
NÃO RESPONDEU
0,5%
–
1,0%
0,4%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
ter atitudes republicanas, respeitadores dos direitos dos moradores e uma
nova atuação, que não tenha a lógica do confronto aberto como eixo,
podem melhorar as condições para
a presença policial na Maré, assim
como gerar melhor receptividade da
parte dos moradores.
Na verdade, como revelam outros
estudos já feitos na Maré34, os moradores desenvolvem representações
sobre as práticas sociais que se identiicam com as airmadas por moradores de outros territórios da cidade.
82
34
SILVA, Eliana Sousa. Testemunhos da Maré — tese de
Doutorado; PUC/RJ, 2009.
Isso inclui o reconhecimento do poder do Estado. Desse modo, é possível entender porque, mesmo sendo
a Maré um território onde o Estado
não tem demonstrado capacidade de
regular o espaço público, tarefa que
acaba desempenhada pelos GCAs,
48,9% dos entrevistados concordam
total ou parcialmente que é necessário pedir autorização ao Exército para
realizar uma festa na rua, o que signiica reconhecer a legitimidade das
Forças de Segurança para regular o
espaço público da favela (ver Tabela
41). Por outro lado, 38,8% mostram
discordância com relação a essa interferência. Logo, como dissemos, há
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 41 | é importante que seja necessário pedir autorização da força de
pacificação para organizar uma grande festa na rua?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
33,0%
34,3%
30,7%
40,7%
CONCORDO EM PARTE
15,9%
18,1%
13,8%
17,9%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
11,2%
9,3%
12,9%
10,4%
DISCORDO EM PARTE
7,6%
7,6%
7,7%
7,4%
DISCORDO TOTALMENTE
31,2%
30,7%
33,0%
22,1%
1,1%
–
1,9%
1,6%
100%
100%
100%
100%
NÃO RESPONDEU
TOTAL
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
espaço para que os Órgãos do Estado
tenham o apoio da população para
airmarem um processo de regulação
do espaço público da favela, desde
que o façam numa perspectiva republicana e, não, a partir do pressuposto da favela como uma “arena de
guerra e de extermínio”.
Na perspectiva de apreender a percepção dos moradores sobre a forma
de ação das Forças de Segurança, perguntamos aos entrevistados se consideravam importante que os soldados izessem o patrulhamento nas
ruas da Maré, especialmente à noite.
Essa questão é importante por esse
tipo de ação apresentar um alto risco
de confrontos com os integrantes
das facções criminosas. Apesar disso,
cerca de 2/3 dos moradores se mostram favoráveis, concordando total ou
parcialmente com a proposição, enquanto 24,1% discordam (ver Tabela
42) e outros 9,1% acham que depende
da situação. O grau de concordância
dos moradores com esse tipo de atuação demonstra uma naturalização do
modo de as Forças de Segurança agir
na favela. Claro que o policiamento ostensivo é um tipo de ação que acontece
em toda a cidade, mas ela assume um
caráter diferente nas favelas, em particular naquelas que contam com grupos criminosos fortemente armados.
83
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 42 | é importante ter o monitoramento das ruas
pela força de pacificação, especialmente à noite?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
51,0%
61,4%
40,1%
65,6%
CONCORDO EM PARTE
14,8%
15,0%
14,7%
14,2%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
9,1%
7,2%
10,7%
7,8%
DISCORDO EM PARTE
4,6%
4,0%
5,1%
4,3%
DISCORDO TOTALMENTE
19,5%
12,3%
27,4%
6,7%
1,1%
–
2,0%
1,3%
100%
100%
100%
100%
NÃO RESPONDEU
TOTAL
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
Atualmente, no Rio de Janeiro, o
uso de armas tem sido cada vez mais
uma forma de monitorar o território
urbano. Esse tipo de estratégia contribui para colocar a vida de mais
pessoas em risco. Acima de tudo, um
trabalho sistemático de inteligência
para retirar de circulação as armas seria fundamental a im de diminuir os
conlitos armados e o número de vítimas. Entre 2011 e 2015, foram mortas no Brasil 278 mil pessoas, a grande
maioria por armas de fogo35. Criar estratégias que diminuam a letalidade
deve ser uma tarefa central das Forças
de Segurança e, não, continuar utilizando paradigmas de policiamento
que aumentam os riscos de morte.
Essa questão deve ser priorizada na
agenda da Segurança pública.
Outra questão central no campo
da Segurança é a vinculação entre o
racismo e a vitimização dos negros,
especialmente os jovens residentes nas favelas e periferias. Uma parcela expressiva dos mortos e presos
brasileiros tem esse peril36, o que
36
84
35
Conforme Relatório anual do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, 2016.
Disponível em:< http://www.bbc.com/portuguese/
brasil-36461295: a cada 23 minutos, um jovem
negro é assassinado no Brasil, diz CPI>.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
contribui para explicar o fato de o
País ter o maior número de pessoas
assassinadas no mundo, embora seja
apenas o quinto mais populoso, e
isso não ser tratado como uma questão central pelos órgãos do Estado e
tampouco mobilizar o quanto deveria a sociedade.
Diante disso, indagamos aos entrevistados se a cor de uma pessoa inluenciava a forma como ela era tratada pelas tropas do Exército.
Como se veriica na Tabela 43,
um contingente correspondente a
41% discordam total ou parcialmente que a cor de uma pessoa
estava inluenciando a forma de tratamento e 48,6% concordaram com
a proposição. Outros 10,1% acham
que depende da situação, o que
pode estar reletindo a opinião de
que a cor da pele até inluencia, mas
existem outras variáveis que também pesam, tais como a postura da
pessoa, vestimentas etc.
A radical divisão entre os que
concordam e os que discordam da
relação entre cor da pele e abordagem policial pode ilustrar a principal característica do racismo no Brasil, historicamente, negado como
uma prática social disseminada,
tabela 43 | a cor de uma pessoa influencia na forma como ela é tratada
pela força de pacificação na maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
38,6%
35,1%
44,5%
19,9%
CONCORDO EM PARTE
10,0%
9,9%
9,6%
12,7%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
10,1%
8,7%
11,2%
10,0%
DISCORDO EM PARTE
5,9%
5,8%
4,5%
14,1%
DISCORDO TOTALMENTE
35,1%
40,4%
29,5%
42,8%
NÃO RESPONDEU
0,5%
–
0,8%
0,6%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
85
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
86
prevalecendo o entendimento de
que as discriminações e problemas
sociais são derivados da condição
econômica do indivíduo. Apesar de
muitos indicadores sociais e econômicos, tais como o de letalidade, escolaridade, percentual de presos, órfãos, moradores de rua e renda, entre
outros, apontarem uma evidente associação entre o racismo, inclusive
institucional, e as condições socioeconômicas dos negros, as representações majoritárias são as de que não
há uma prática estrutural que explique aqueles indicadores, mas que
eles seriam decorrentes das ações (ou
falta de iniciativas) dos indivíduos.
Todavia, vale ressaltar que há
grande possibilidade de ter ocorrido
um viés acentuado em decorrência
da má formulação e, consequentemente, compreensão do enunciado.
Os quesitos anteriores apresentavam proposições em que concordar
ou discordar da sentença coincidia,
respectivamente, com um posicionamento favorável ou desfavorável
frente à situação. Concordar era o
mesmo que ser favorável e discordar era o mesmo que ser contrário.
Neste, porém, seria necessário distinguir bem o ato de concordar que
o fato existe do ato de concordar
com sua prática, isto é, ser favorável
a ela. O entrevistado podia concordar que a prática existe, mas discordar da reprodução da mesma. Então,
vários responderam tendo em vista
a veracidade da frase, mas, outros,
podem ter expressado na resposta,
simplesmente, um posicionamento
contrário a esse tipo de discriminação. Assim, é possível que um entrevistado contrário ao racismo tenha
respondido que discorda totalmente
da proposição, quando, na verdade e
por analogia, concorde que a mesma
foi reproduzida na atuação dos militares. Diante disso, devemos admitir
que o resultado desse quesito icou
comprometido, em razão da dúvida.
A ocupação militar teve, dentre
outros, um imenso custo econômico:
de acordo com dados do Diário Oicial, foram de R$1,7 milhão por dia,
R$ 51 milhões por mês, podendo ter
chegado a mais de R$ 700 milhões
durante seus 14 meses de duração37.
Logo, é decepcionante que apenas
1/4 (25,7%) dos entrevistados concordem plenamente que a operação
foi positiva (ver Tabela 44). Mesmo
somando com aqueles que concordam parcialmente, pouco menos da
metade (47,2%) a consideraram positiva. Aqueles que discordam total ou
parcialmente do caráter positivo da
ocupação militar soma 39,4%.
E, desagregando os dados, se evidencia que na Área 2, onde reside o
maior contingente populacional entre
as áreas que estabelecemos, menos
37
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/
presenca-de-militares-na-mare-custa-17-milhaopor-dia-12601748>
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
tabela 44 | a atuação da força de pacificação na maré é positiva
e não deve mudar?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
25,7%
31,7%
16,6%
51,2%
CONCORDO EM PARTE
21,5%
22,6%
20,3%
23,5%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
11,8%
15,5%
9,1%
10,7%
DISCORDO EM PARTE
13,5%
14,6%
13,4%
8,3%
DISCORDO TOTALMENTE
25,9%
14,9%
38,3%
4,8%
NÃO RESPONDEU
1,6%
0,7%
2,3%
1,5%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
de 40% a avaliaram como positiva,
enquanto mais de 50% se mostraram contrários, total ou parcialmente.
Considerando-se que os recursos públicos são escassos e devem, por isso,
ser usados de forma rigorosa e racional, com vistas a beneiciar, de maneira duradoura, o maior número
possível de cidadãos e, em particular,
aqueles que mais necessitam do suporte do Estado, não podemos deixar
de questionar a utilização de recursos
econômicos de tão alto valor sem que
a população beneiciária se sinta contemplada com os resultados pretendidos. Falaremos mais sobre isso na
conclusão deste Relatório.
Algumas razões podem explicar
porque grande parte da população da
Maré não reconhece, de forma positiva, a ocupação das Forças Armadas.
Sabemos, por exemplo, que a população se sente, em geral, desrespeitada
pela ação policial no território. Logo,
era necessário que a intervenção das
tropas militares fosse reconhecida de
forma distinta nesse campo.
Em termos numéricos, tivemos
uma resposta positiva: 58,3% concordam, total ou parcialmente, que os militares tenham respeitado os direitos
dos moradores (ver Tabela 45). Todavia, 25% discordam e 15,3% acham que
dependia da situação — sabendo-se
87
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 45 | a atuação da força de pacificação na maré, em geral,
respeita os direitos dos moradores?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
33,2%
41,3%
21,4%
65,4%
CONCORDO EM PARTE
25,1%
27,4%
24,3%
19,0%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
15,3%
15,4%
16,6%
6,9%
DISCORDO EM PARTE
9,1%
6,5%
12,1%
3,0%
DISCORDO TOTALMENTE
15,9%
9,4%
23,1%
4,4%
NÃO RESPONDEU
1,3%
–
2,4%
1,2%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
88
que, na Área 2, a reação negativa está
acima da média da Maré.
Sentir-se respeitado por servidores do Estado é um direito básico do
cidadão. Assim, uma relexão maior
sobre esses resultados nos desperta
para o fato de ser inaceitável que apenas três em cada cinco moradores
da Maré digam que se sentem respeitados pelas Forças do Exército.
Os soldados representam o Estado
brasileiro, de forma material. Os moradores entendem que eles têm uma
missão a cumprir e muitas respostas sinalizam essa concepção. Logo,
não existe uma postura de resistência
da população ao trabalho realizado
pelas tropas. A questão fundamental
é por que isso não pode ser feito de
um modo em que as pessoas, em sua
quase totalidade, não se sintam atingidas em seus direitos individuais
em decorrência da respectiva ação?
Como temos reiterado, o fato de morar numa favela não pode ser motivo
para a perda de direitos. Cabe às Forças de Segurança construir, visto que
negligenciaram a instalação e a soberania dos GCAs em tantos territórios
populares, estratégias nas quais se reconheçam os direitos fundamentais
dos moradores. Esse é o desaio colocado. E os indicadores sobre a postura policial e a forma como tratam
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
os moradores são centrais para percebermos a vinculação entre ações
no campo da Segurança e respeito ao
Estado democrático de direito.
Sobre haver diferenças entre a
forma de atuação do Exército e a da
Polícia Militar, 74,9% concordam totalmente ou em parte (ver Tabela 46).
Apenas 15,5% discordam e 8,5% têm
a percepção de que havia distinção
conforme a situação, ou seja, não em
todos os aspectos.
A distinção entre as ações do
Exército e as da Polícia não parece
diretamente relacionada à percepção sobre o grau de honestidade dos
integrantes dessas duas corporações,
ainal, segundo os resultados da pesquisa, pouco mais da metade dos
moradores — 54,9% — consideram
que os militares do Exército são mais
honestos, ao passo que 22,1% discordam desse juízo e 21,5% pensam que
varia conforme a situação (ver Tabela 47). Vale lembrar que considerar
os militares do Exército mais honestos sempre ou em algumas situações
não quer dizer que os entrevistados
achem que os policiais sejam mais
honestos, pois sabemos, por pesquisas anteriores, já sinalizadas nesta
publicação, que a maior parte da
tabela 46 | a força de pacificação atua de forma diferente
da polícia na maré?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
59,7%
60,3%
60,2%
53,0%
CONCORDO EM PARTE
15,2%
18,2%
12,6%
16,4%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
8,5%
9,0%
7,4%
12,6%
DISCORDO EM PARTE
5,3%
3,7%
6,8%
4,3%
DISCORDO TOTALMENTE
10,2%
8,9%
11,0%
11,1%
NÃO RESPONDEU
1,2%
–
2,0%
2,6%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
89
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
tabela 47 | os militares são mais honestos do que os policiais?
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
38,6%
44,8%
32,8%
43,9%
CONCORDO EM PARTE
16,3%
16,2%
16,4%
17,0%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
21,5%
20,9%
21,4%
25,2%
DISCORDO EM PARTE
6,5%
4,1%
8,6%
4,8%
DISCORDO TOTALMENTE
15,6%
14,0%
18,2%
7,9%
NÃO RESPONDEU
1,4%
–
2,7%
1,1%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
90
população da Maré e do conjunto da
cidade não atribui essa virtude à corporação policial.
Chama-nos a atenção o fato de
que um em cada cinco moradores
acha que a honestidade dos membros do Exército depende da situação. Nesse caso, esses entrevistados
admitem, aparentemente, que a honestidade dos militares do Exército
não é um princípio moral que caracterize a ação do indivíduo em todas
as ocasiões, mas que ora se manifesta ora não. Algo do tipo “a ocasião
pode fazer o ladrão”. De qualquer
forma, o fato de mais de 40% dos
moradores da Maré não coniarem
na honestidade plena dos membros
do Exército mostra a fragilidade institucional e a falta de coniança da
população da favela nas Forças de
Segurança.
O fato de o Brasil ser o País com
o maior número de assassinatos no
mundo não é obra do acaso. Como já
sinalizamos, a banalização da violência decorre da desvalorização do próprio direito à vida por parte de uma
grande parcela da população. Pesquisa encomendada, em 2016, pelo
Fórum Nacional de Segurança Pública atesta, de forma dolorosa, que
metade da população brasileira concorda com a ideia de que “bandido
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
bom é bandido morto”—máxima dos
grupos que lutam contra o reconhecimento do direito à vida para todos
os cidadãos, entre eles, os que cometem crimes 38.
Assim, considerando-se o que
seria o quadro nacional, chega a ser
alentador que quase 70% dos moradores de uma favela onde são
obrigados a lidar no cotidiano com
integrantes de GCAs, discordem totalmente da ideia de que as tropas do
38
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
cotidiano/2015/10/1690176-metade-do-paisacha-que-bandido-bom-e-bandido-morto-apontapesquisa.shtml>
Exército deveriam matar integrantes das facções criminosas, mesmo
quando tivessem a possibilidade
de prendê-los (ver Tabela 48). Bem
abaixo da pesquisa nacional, apenas
7,7% concordam plenamente com o
enunciado, enquanto 4,9% concordam em parte. Curiosamente, o percentual daqueles que não opinaram
atingiu 2,9%, ainda baixo, porém,
acima do percentual de não respondentes na grande maioria dos quesitos dessa pesquisa.
De qualquer forma, não diminuiremos a violência letal no Brasil enquanto não superarmos o imaginário
de grande parte da população, que
tabela 48 | a força de pacificação deve matar alguns integrantes
das facções mesmo que tenham a possibilidade de prendê-los
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
7,7%
5,9%
8,7%
9,8%
CONCORDO EM PARTE
4,9%
7,3%
2,6%
6,2%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
8,9%
7,0%
10,1%
10,7%
DISCORDO EM PARTE
5,9%
6,5%
4,8%
9,7%
DISCORDO TOTALMENTE
69,8%
72,8%
68,6%
61,8%
NÃO RESPONDEU
2,9%
0,4%
5,2%
1,9%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
91
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
considera que os direitos, inclusive
o maior deles, o direito à vida, pode
ser garantido de forma diferenciada,
de acordo com o comportamento
dos indivíduos. Essa representação
apenas contribui para ampliar as formas de violência presentes no País e
aumentam o sentimento de distanciamento das pessoas que cometem
crimes em relação às instituições cidadãs. As pessoas que cometem crimes, mesmo na Maré, não podem ser
monstrualizadas, processo mental no
qual se desumaniza um ser e, desse
modo, criam-se as condições subjetivas para que ele seja eliminado do
convívio humano.
Na mesma direção do reconhecimento de seus direitos, a indagação
se as forças de ocupação deveriam
utilizar todos os meios para enfrentar o tráico de drogas, mesmo que
os moradores sofressem algum risco,
apontou que 73,2% dos moradores discordam total ou parcialmente
dessa possibilidade (ver Tabela 49).
Mesmo assim, não deixa de ser preocupante que 24,6% concordem ou
admitam ocasionalmente essa possibilidade. Signiica que ainda temos
um longo caminho para que as pessoas entendam que o objetivo fundamental da Segurança pública deve
ser o de proteger as pessoas e não
tabela 49 | a força de pacificação deve usar todos os meios para enfrentar
o tráfico de drogas, mesmo que os moradores sofram algum risco
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
11,6%
13,9%
9,5%
14,0%
CONCORDO EM PARTE
7,9%
9,6%
6,6%
8,0%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
5,1%
4,2%
5,1%
9,7%
DISCORDO EM PARTE
6,6%
7,3%
5,7%
8,8%
DISCORDO TOTALMENTE
66,6%
65,1%
69,3%
58,1%
2,1%
–
3,8%
1,4%
100%
100%
100%
100%
NÃO RESPONDEU
TOTAL
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
92
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
secundarizar esse dever, priorizando
o combate a um tipo de ação ilegal,
o comércio de drogas, que, eventualmente, pode deixar de ser considerado crime por uma decisão do Poder Legislativo.
Não temos condições nesse relatório de fazer uma discussão sobre o
caráter e a deinição de crime, mas
cabe reconhecer que as interpretações do que seria crime ou não, são
frutos de disputas entre concepções
de mundo e não se relacionam com
o fenômeno da violência. Assim, durante muito tempo no Brasil e em
outros países, a tese do crime de legítima defesa da honra serviu como
argumento para absolver homens
que matavam suas mulheres ou outros homens em função, por exemplo, do adultério. Atualmente, isso
não é mais admitido à luz das leis
brasileiras, pois perdeu legitimidade
no mundo social. Da mesma forma,
é crescente o número de países que
descriminalizam o consumo e/ou a
produção de drogas para uso pessoal
e regulamentam o comércio. Mas,
como a maior parte da sociedade entende que essas medidas seriam maléicas, apesar do evidente fracasso
para impedir o acesso às drogas por
parte de quem deseje usá-la, a proibição legal ainda continua vigente.
tabela 50 | é importante e necessário que a força de pacificação
continue atuando dentro de favelas
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
40,7%
50,8%
29,3%
61,3%
CONCORDO EM PARTE
17,8%
20,0%
16,0%
17,4%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
13,2%
13,2%
13,8%
9,9%
DISCORDO EM PARTE
4,9%
3,1%
6,4%
4,1%
DISCORDO TOTALMENTE
22,5%
12,9%
32,8%
6,6%
NÃO RESPONDEU
0,9%
–
1,7%
0,7%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
93
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
94
A Tabela 50, bem como a seguinte,
que concluem a apresentação dos resultados, demonstram que apesar dos
problemas ocorridos durante o processo de ocupação, a intervenção do
Exército nas favelas conta com um
apoio majoritário da população. Praticamente seis em cada dez moradores (58,5%) acham necessário que a
Força de Paciicação continue atuando dentro de favelas e 13,2% consideram que esse processo de intervenção deve depender da situação.
Discordando dessa proposição, total
ou parcialmente, são menos de 30%.
Um aspecto que não pode deixar de ser observado, pois subsidia
uma crítica fundamental ao modelo
de atuação adotado, é que a defesa
da presença do Exército nas favelas
na Área 3, controlada pela milícia, e
na Área 1, pelo Comando Vermelho,
é bem mais ampla do que na Área 2,
dominada pelo Terceiro Comando.
Nesta área, a mais afetada pelos confrontos armados entre os soldados e
a facção que controla o território, a
proporção daqueles que concordam
com a continuidade da Força de Paciicação é bem menor que nas demais,
não alcançando sequer 1/3 dos moradores, segundo os resultados da presente pesquisa. Logo, ica evidente,
que a forma como as Forças Armadas
agem é que deine a maior ou menor
aprovação do uso dessa estratégia no
campo da Segurança pública.
Por im, a Tabela 51 apresenta dados reveladores do sentimento da
maior parte da população em relação ao Estado: no período de permanência das tropas do Exército, havia
muita expectativa sobre a chegada
da Unidade Policial Paciicadora na
Maré. Perguntamos, então, se os entrevistados acreditavam que haveria
mais segurança para a Maré com tal
iniciativa. Quase 60% discordavam
total ou parcialmente, segundo estimativa a partir das respostas dos entrevistados. Na Área 2, o percentual
chega a quase 72%. Com outro ponto
de vista, 21,7% concordaram com a
questão. Um dado relevante é o fato
de 18,9% entenderem que a melhoria
da Segurança pode variar conforme a
situação, o que pode ser interpretado
como a convicção de que não dependeria apenas da chegada do programa
de policiamento, mas da forma como
ele funcionaria. Entretanto, como já
registramos, depois de inúmeros adiamentos, a Secretaria de Estado de Segurança sepultou, em março de 2016,
qualquer expectativa de que a UPP
fosse instalada na Maré 39.
39
Disponível em:< http://veja.abril.com.br/brasil/
beltrame-anuncia-que-nao-fara-upp-na-mare/>
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
tabela 51 | quando a força de pacificação sair, a chegada da upp
trará mais segurança para a maré
BAIRRO MARÉ
ÁREA 1
ÁREA 2
ÁREA 3
n= 1.000
N= 89.661
n= 291
N= 36.720
n= 421
N= 45.499
n= 288
N= 7.443
CONCORDO TOTALMENTE
10,8%
14,6%
5,9%
22,4%
CONCORDO EM PARTE
10,9%
12,6%
7,5%
23,8%
VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO
18,9%
23,9%
13,6%
26,5%
DISCORDO EM PARTE
8,8%
7,1%
10,0%
9,4%
DISCORDO TOTALMENTE
49,9%
41,8%
61,8%
17,2%
NÃO RESPONDEU
0,6%
–
1,1%
0,7%
TOTAL
100%
100%
100%
100%
FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS
uma pergunta fundamental surgiu
para a nossa equipe de pesquisa depois da análise dos dados e de outros
aspectos atinentes à experiência de
ocupação da Maré pelo Exército por
14 meses: a ação teve impacto para
melhorar as condições de oferta de
Segurança pública para os moradores da Maré? Airmamos que não.
Considerando-se o enorme custo
econômico da operação, o impacto
da criação de um literal front de
guerra na Maré e, por im, mas não
menos importante, a falta de resultados sobre o controle armado do território da Maré pelos GCAs locais,
pois eles passaram a utilizar armamentos ainda mais pesados, se tornaram mais rigorosos no controle do
direito de ir e vir, e empregam mais
adolescentes e crianças que antes daquela experiência, a ocupação militar
na Maré pode ser avaliada como um
equívoco e um fracasso.
Pode-se considerar até que as Forças Armadas obtiveram resultados
naquilo que muitos denunciavam
“
96
como sua verdadeira intenção: controlar o território durante a realização da Copa do Mundo. Seguramente, essa pode ter sido a razão
central para a ocupação. O que não
é pertinente é fazer uma ligação entre a eventual iniciativa das facções
criminosas que colocassem em risco
o evento, de alguma forma, e a intervenção do Exército na Maré. A melhor comprovação disso é que a ocupação militar não ocorreu durante
os Jogos Olímpicos, que foram realizados exclusivamente no Rio de Janeiro, com um número muito maior
de pessoas — tanto de atletas como
de público — e não houve qualquer
tipo de problema no campo da Segurança para o evento.
Não há solução fácil, simples,
imediata ou de baixo custo para a garantia do direito à Segurança pública
nas favelas e nos outros territórios
de periferias dominados por Grupos
Criminosos Armados. A ocupação da
Maré foi cara, porém, simplista e de
curto prazo. Nessas condições, ela
Não há solução fácil, simples, imediata
ou de baixo custo para a garantia do direito
à Segurança pública nas favelas e nos outros
territórios de periferias dominados por
Grupos Criminosos Armados”
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
não tinha nenhuma chance de ser
sustentável. Da mesma forma, a experiência das UPPs, com mais investimentos, apoio popular e mais duradoura, perdeu sua força inicial por
não trabalhar com a ideia de que a
questão da Segurança pública nas
favelas é complexa. Ela demanda,
necessariamente:
I.
a participação da população local na construção de formas inovadoras de regulação do espaço
público;
II. o aumento de investimentos em
políticas sociais e na estrutura
econômica, o que exige maior
presença estatal e de empresas; e
III. um plano de desenvolvimento
global, de longo prazo e integrado, com um fórum institucional com poder de construir tal
iniciativa, avaliá-la e propor retiicações de rumo, se for o caso.
Articulado a esse conjunto de
ações, há a necessidade de reconhecer os GCAs como forças efetivas no território, o que exige a
construção de ações e estratégias
que não podem passar apenas
pelo confronto armado. Em outra escala, exige que a luta pela
descriminalização das drogas
atinja um novo patamar, o que
passa por construir um plano de
comunicação que amplie o apoio
social à mudança da legislação
nesse tema, no Brasil.
O caminho é longo, complexo e
difícil. O que não podemos é jamais
desistir dele, pois essa é a única opção que não temos, se quisermos
uma cidade mais justa, mais humana
e digna para todos os seus habitantes,
sem exceção.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
SILVA , Eliana Sousa. Testemunhos
da Maré. Rio de Janeiro:
Mórula, 2015.
REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO
DE FAVELAS . Censo Maré 2016.
Rio de Janeiro: Mórula, 2016.
97
ENTREVISTAS
98
meu nome é manoela silva, tenho 29
anos, moro na maré há dez anos, na
vila do pinheiro. Tenho uma ilha de
oito anos. Vim pra cá porque me casei com uma pessoa daqui. Antes eu
morava na Baixada Fluminense. A
minha mãe e o Felipe vieram depois
de um tempinho. Eles vieram também por problemas inanceiros e icaram dois anos. Depois da situação,
minha mãe foi embora.
Depois que teve a última guerra
aqui, se não me engano em 2010, senti
a diferença de ter mudado da Baixada
pra Maré. Tem um tempinho, mas foi
uma violência braba aqui. Uma “sangraria” danada. Terrível! Mas tem bastante diferença desses tempos pra cá.
Agora mudou pra pior. Porque antes era ADA, né? Era mais arrumadinho. Agora tá tudo uma bagunça, tudo
sujo, os polícia vêm, dá tiro e vão embora. Uma cachorrada que só.
Quando a polícia entra, a gente
ica apreensiva, as crianças não têm
aula, não podem ir a lugar nenhum.
Eles xingam a gente, chamam de piranha, vagabunda. Não dá pra icar
no meio da rua. E é muito ruim, porque eles entram na casa dos moradores aqui. Se a porta não tiver aberta,
eles abre com a chavezinha deles. É
muito ruim. Muito invasivo isso.
Quanto ao Exército, a princípio
a gente achava que ia icar tudo bem
com a entrada deles, né? Mas não icou nada bem. Porque eles vieram pra
fazer besteira. Mataram um monte de
MANOELA SILVA
gente. Agrediram pessoas. Quando
eles não matam, eles batem. Muito.
Teve um ilho de uma conhecida do
meu esposo que icou até surdo. Eles
deram tanto no ouvido do rapaz que
ele icou surdo. Foi horrível. Isso fora o
abuso deles xingando as pessoas. Não
foi nada bom, nada bom.
A gente achava que os meninos
iam se acalmar ou até, de repente,
que um pouco dessa violência ia acabar. Porque mesmo eles vendendo
drogas é violento pra gente. Nós temos ilhos e a gente espera um crescimento melhor pra eles. Não é porque
a gente mora em comunidade que
tem de conviver com isso, né? Então,
quando o Exército entrou, a gente
achou que ia icar tudo bem; não vai
ter tiroteio, vai icar tudo bem. Mas
não foi nada disso, nada disso.
O que mais me marcou da presença do Exército foi o caso do Victor.
O Victor ia lá em casa, cara. Sentava
e icava jogando videogame com meu
marido. Quando soubemos que era o
Victor, o Vitinho, icamos arrasados.
Todo mundo da minha família, até
quem não o conhecia. Ele era super
do bem. E depois teve o meu irmão...
Aí já foi outra história.
A gente icava o tempo todo apreensivo, porque saía na rua e não sabia se tava tudo bem. Chegava lá na
frente e eles passavam com os carros deles, jogando poeira em cima de
morador. E depois voltavam e icavam dando tiros.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
Entraram na casa da minha mãe
e reviraram tudo. Isso antes do meu
irmão falecer. Horrível! Horrível!
Quando meu marido estava vindo do
trabalho, o Exército parou ele, e disseram que ele estava com lagrante.
Nada a ver. Meu sogro também, até
xingaram ele. Então era assim, um
absurdo atrás do outro. Muito abuso.
Eles olhavam para os moradores com
cara feia e todo mundo icava apavorado, aquela coisa, era horrível.
O meu irmão morava no Jacarezinho, com o pai. O pai dele e minha
mãe viviam em conlito. Depois que
ele passou um processo com o pai,
veio morar com a minha mãe e icou
aqui. Morou dois anos. Nesses dois
anos, o Felipe, em relação à minha
mãe, aprontou o que quis e o que não
quis. Não respeitava. Abusado. Até
achar que tinha que ir e viver na boca.
A minha mãe tentava ajudar com
as forças dela. O pai dele é conselheiro tutelar. Ela tentava conversar
com ele, mas o pai nada, também.
Muito complicado essa fase rebelde
da adolescência.
Teve um tempo que ele saiu de
casa, foi morar sozinho e depois voltou. Tudo aqui, em dois anos. Depois
ele se envolveu e icou três meses.
Nesses três meses, ele fez de tudo. Foi
preso, icou lá na boca e morreu. A
vida do meu irmão foi rápida, né?
Ele viveu tudo e mais um pouco,
muito rápido. Parecia que Deus tinha
um plano pra ele do tipo: “você só vai
“
Entraram na casa
da minha mãe e reviraram
tudo (...) Quando meu
marido estava vindo do
trabalho, o Exército parou
ele, e disseram que ele
estava com lagrante. Meu
sogro também, até xingaram
ele. Então era assim, um
absurdo atrás do outro”
viver até os dezessete, porque tu tens
um negócio lá em cima”.
Em outubro de 2014 ele foi pego
pela primeira vez. O Exército levou.
Aí, eles não agrediram, só levaram
pro DEGASE. Ele icou uma semana,
e nessa semana a moça icou conversando com ele, tentando fazer com
que ele se associasse com pessoas
normais, né? (risos). Quando voltou,
ele foi pro curso, e do curso minha
mãe colocou ele na escola, só que
ele não foi. Pro curso ele foi alguns
dias. Foi quando ele voltou e faleceu.
Ele morreu no dia 3 de novembro de
2014, às 9h03min da manhã.
Ele tinha de ter ido estudar, só
que ele não foi. Tinha de tá fazendo
um curso ou trabalhando, fazendo alguma coisa que prendesse a atenção
dele pra que não voltasse ou pra que
não tivesse outra passagem. Mas isso
não aconteceu, não deu tempo. E ele
não se deu essa oportunidade.
99
ENTREVISTAS | MANOELA SILVA
100
Eu tava trabalhando e vim aqui pra
Vila do João. A moça falou que ele foi
morto em cima da laje, que ele correu um pouco e que tava respirando
ainda, se debatenu. Aí eles colocaram
o corpo enrolado em um tapete, desceram com ele e levaram pra UPA.
Quando chegou na UPA, a assistente social falou que eles só deixaram ele lá e izeram um autozinho,
dizendo que ele tinha 35 anos, que
estavam trocando tiro e é, foi isso. Só
que nada a ver, tudo ao contrário.
Ele foi tirado da laje ainda com
vida. Tomou um tiro no coração.
Acho que foi até acabar o fôlego de
vida. Ele ainda se debatia muito.
Quando chegou na UPA, já chegou
morto. Eu não acho que foi um lance
deles de botarem no camburão e “pô,
vou matar”. Não izeram nada, como
tampar a respiração, nada do tipo. Ele
já tava praticamente morto. Acho que
o coração é uma coisa de segundos,
né? Ele deu entrada na UPA morto.
A gente foi pra delegacia, e eu dei
entrada. Fui lá pra ver como tava a situação dele. Quando eu cheguei lá,
eles falaram pra mim que ele tinha
uma passagem. Depois disso a gente
foi tentar correr atrás. Depois de uma
semana, quando a gente falou com
o advogado particular, ele disse que
não adiantava nada. Disse pra gente
não colocar na Justiça, porque a
gente estaria entrando com um processo contra a Dilma. Não adiantaria
nada, porque o Exército é a Dilma.
Ele falou que a gente ia gastar um dinheiro e não ia resolver nada.
Aí nos fomos na... Como é o nome?
Na base do Exército que tem aqui na
Maré, pra saber e ver como é que tava
icando o processo e tudo o mais, disseram que tava arquivado e que não
iam movimentar mais nada contra a
situação. A gente voltou pra delegacia
e eles falaram que não tinham como
fazer nada e que só um advogado poderia desarquivar a situação.
Só que pra dar entrada, o cara
pediu 10 mil reais. Minha mãe icou
meio murcha, né? “Eu não tenho esse
dinheiro”, ela me disse. De onde íamos tirar 10 mil pra dar entrada?
O pai dele é conselheiro tutelar e
não quis saber bulhufas da situação.
Então, a gente não tinha recurso nenhum. Foi quando a Irone apareceu com essa proposta pra gente, de
ir procurar vocês. Minha mãe icou
“meio assim”. Ela foi até num lugar
com Irone pra dar entrevista, mas
acho que se assustou. Quando ela
chegou lá, pensou: “caraca, tem tanta
gente com os ilhos vivos, desaparecidos, precisam até muito mais que eu,
porque o meu já foi, já descansou.”
Cada um reage de uma forma.
Eu, como irmã, praticamente criei o
Felipe pra minha mãe trabalhar. Eu
acho que foi muito chato o que eles
izeram. Por mais errado, por mais
inconveniente a situação, eles não
deveriam matar. Até porque ele já tinha um histórico no DEGASE, era só
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
levar pra lá. Tá fazendo besteira e tal
ica aqui. Não, eles foram matar! Eles
deram pra matar, porque ele tava de
costas e eles miraram no coração!
É pra matar! Eles não deram nem
tempo. Eu achei que minha mãe poderia... [suspiro profundo]. Mas não,
ela não chorou, tadinha! Ela não chorou. E eu acho importante isso.
Ele faz aniversário agora dia 13.
Faria 20 anos. Todo dia 3 de novembro e dia 13 de janeiro pra minha
mãe acabou. Inclusive, eu vou até pra
lá, porque eu sei que é uma bosta pra
ela. Eu tô aí, não sei como vai continuar a situação, mas eu vou.
Depois que o Exército foi embora
tudo voltou ao que era antes. Os caras tão aí armados, a droga continua
rolando solta com a bandidagem.
Os polícias não vêm, porque eles pagam arrego, né? Mas continua tudo a
mesma coisa, minha ilha!
Eles não estão invadindo como
era antes da passagem do Exército.
Antes eles entravam aqui direto, davam tiros à beça. O BOPE vinha pra
cá direto, direto. E eu, pelo menos,
não tenho visto mais isso depois que
o Exército foi embora. Mas acho até
que é por conta do aumento do dinheiro que eles pagam. Mas assim...
Tudo a mesma coisa.
Não sei se tenho expectativa de
mudança. Não sei, cara. É muito vago
isso. Até porque os próprios moradores não ajudam. Sinceridade ó, tipo assim, eu estou aqui dando a entrevista,
né? Eu não quero me expor, quantos não se expõem? Acho que se todo
mundo colocasse a cara de uma vez
só, talvez fosse um pouco melhor. Que
nem tem o Maré Vive, né?
As pessoas falam muito. Falam
o que pensam sobre a comunidade,
mas nunca é a real. Acho que daqui
pra frente vai ser a mesma coisa se
ninguém olhar, se os moradores não
se juntar e se a própria comunidade
não sair dessa de pedir permissão pra
falar. Quase ninguém sabe que vocês
tão com essa proposta de ajudar.
A Irone tava falando que tem um
conhecido dela que perdeu, acho que
o braço, e ele não quer falar. Ele não
quer correr atrás. Então assim, enquanto tiver essa coisa na gente, não
muda. A Irone icou divulgando que
nem uma doida. A gente via ela passando aqui, não comia, não bebia, vivia
cansada. Ela foi pro Wagner Montes, e
o que o Wagner Montes fez? Cagô!
O Estado tá dando o que é de direito dele? E quantos anônimos estão aí, hoje, numa cadeira de rodas
por eventos como o BOPE dando tiro
ou algum outro tipo de polícia dando
tiro? Não morreram, mas estão em
cima de uma cama, entrevados. Ou
até outros que estavam na janela,
como tem a menina que faleceu, né?
Quantos tomaram tiro na janela e tão
aí vegetando em cima da cama? Enquanto um, dois ou três falar, a Maré
não muda, continua isso aí. É uma
constância toda vez.
101
VITOR SANTIAGO
102
meu nome é vitor santiago borges,
tenho 31 anos. Nasci na Vila dos Pinheiros, na Maré. Aqui na Vila vivi a
melhor infância possível. A gente podia brincar de fazer tour pela rua, corria de um lado e prá outro. Juntava
todo mundo na rua, icava até tarde,
conversando, sem tiroteio, sem bagunça, sem ameaça. Até ônibus rodava aqui dentro! Minha infância foi
boa, foi normal, iz tudo o que uma
criança faz: jogava bola de gude, rodava pião, soltava pipa. A gente icava
brincando até tarde na rua. Fazia de
tudo como as crianças daquele tempo
faziam, né? Mas hoje a gente vê que tá
bem diferente, até por conta da tecnologia e acessibilidade a muitas coisas.
Hoje em dia as crianças conseguirem
as coisas é muito mais fácil, muito
mais rápido, que no tempo em que eu
era criança. Além disso, há 20 anos a
violência e o poder paralelo, as coisas
que acontecem hoje na comunidade
são completamente diferentes. Vocês
que são mais velhos, que têm mais
idade e que nasceram antes, têm mais
experiência que eu, sabem que a verdade é essa. Mas tirando isso, eu fazia
tudo normalmente. Minha infância
foi excelente! Antes de morar na Vila
dos Pinheiros, meus pais moraram
nas palaitas de Nova Holanda. Eles
só se mudaram para cá quando a minha avó veio morar aqui.
Pensando na Vila dos Pinheiros e
nos problemas que temos hoje, vejo
como um grande problema o ir e vir,
ENTREVISTAS
que está um pouco complicado. Também a juventude tá bem diferente do
passado, a gente vê criança de 12,
13 anos envolvida, portando arma
de fogo e tal. Tem essa diferença da
forma que a polícia entra na comunidade. Antigamente, a polícia entrava
de outro jeito. Da forma que é feito,
atualmente, parece é que 99% da comunidade, dos moradores, são coniventes com o bandido; que 100% participam de alguma forma do tráico. É
essa a forma da polícia abordar morador, as incursões na comunidade...
É muito mais truculenta...
Antes eles, os policiais, entravam
na casa dos outros, só que não faziam o que fazem exatamente agora.
Olha: pelas vezes que eu convivi, que
eu vi isso, eu notei que era um pouco
diferente. Era um pouco mais social,
pois eles pediam pra entrar e tal. Já
entraram aqui em casa. Já foram pra
laje, já pediram pra prender o cachorro pra entrar, mas de maneira
educada. Existiam outros casos de
entrar com chave-mestra, pois não
tinha gente ou chamava e tal. Mas
era diferente! Agora eles entram arrombando tudo, entendeu?
Hoje em dia, qualquer situação
de incursão é esculacho em cima
do morador. Entram na casa, batem,
obrigam a fazer as coisas. Entram
sem licença, sem documentação, e
revistam, acham que têm direito de
fazer tudo. Trocam tiro com bandido
com a gente na rua ou não. Não tem
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
“
Hoje em dia, qualquer situação de incursão
é esculacho em cima do morador. Entram na casa,
batem, obrigam a fazer as coisas. Entram sem licença,
sem documentação, e revistam, acham que têm direito
de fazer tudo. Trocam tiro com bandido com a gente
na rua ou não. Não tem hora certa pra poder entrar ou
fazer incursão, de causar vários tipos de problema”
hora certa pra poder entrar ou fazer incursão, de causar vários tipos
de problema. Eu tenho uma ilha de
quatro anos e ela já deixou de ir pra
escola algumas vezes por causa de
incursão de manhã cedo, 7 horas da
manhã, 6 horas manhã, e outros colégios fechados também devido a isso.
Eu me lembro de que a presença
da polícia na comunidade era mais
constante antes. Era mais constante
mesmo! A gente tem um posto de polícia na Vila do João, onde pelo menos lá tinha carros de polícia, a gente
via polícia na porta, por mais que não
izessem nada a gente via isso. Antes tinha linha de ônibus rodando
aqui dentro, de verdade. Passava na
minha porta. Então esse acesso era
maior, mais amplo e a polícia, eu lembro que antes eles entravam mais vezes, passava mais aqui e tal. Quando
o Exército esteve aqui na comunidade, eu lembro como se fosse hoje,
eu tava num pagode aqui com o meu
irmão, eles tinham autorizado a entrada do Exército na Maré, eles chegaram de madrugada. Eu acompanhei
toda a entrada aqui, porque eu vim
de madrugada da rua com o meu irmão, nós entramos junto com eles. E
eu confesso pra você que no começo
eu tinha esperança de mudar alguma
coisa na comunidade. É porque sempre que eu falo do meu caso, eu falo
isso. Eles tinham planos, né? De projetos sociais, sei lá, de tirar as crianças da rua, de fazer alguma coisa,
ocupar a mente dos jovens, ocupar a
mente das crianças pra que não icassem como elas estão hoje, na situação
que elas estão hoje. Eu tive esperança
disso, né? Desde um ano de idade eu
só via a polícia entrar na comunidade,
via cada vez mais crescer traicante
por aí, por falta de oportunidade, de
projetos, por falta de ocupação. E eu
via muita polícia entrando aqui. O
Exército entrando pensei que seria diferente. Eu me lembro de que quando
103
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO
104
iz 18 anos eu queria muito ser militar! Eu fui da primeira turma a me
alistar, primeira a fazer teste, mas aí
sobrei por excesso de contingente.
De verdade, eu tinha uma fé que
as coisas fossem mudar com o Exército aqui, né? Por não ser a polícia
propriamente dita, mas por ser um
Órgão de ordem, botaria ordem na
comunidade e eu tinha pra mim que
ia dar tudo certo. Eu passava com a
minha ilha, minha ilha dava tchau,
eles davam tchau, brincavam com
ela. Eu parava com ela na rua pra ver
tanque passando, carro do Exército
passando e tal. Mas não foi nada do
que a gente esperava, né? Principalmente nada do que eu esperava. Eu
vi muita violação de direitos humanos, com certeza. Às vezes você andava, por exemplo, 300 metros, sei lá,
600 metros, se tivesse três pontos de
soldados do Exército você era parado
nos três pontos. Uma vez me pararam aqui, eu com a chave do portão
na mão, me izeram sair da escada,
eu tive de voltar. Uma série de perguntas, violação de privacidade. Eles
tentavam olhar o telefone celular das
pessoas, conversa de WhatsApp e tal,
invadiam casas, arrombavam casas.
Todo mundo sabe disso! Furtavam
coisas de pessoas e tudo.
Não me lembro de quanto tempo
eles icaram aqui. Mas houve muitos relatos dessa parte. E eu fui muito
positivo quanto a isso, achei que pudesse adiantar, ajudar em alguma
coisa e tal. Mas por incrível que pareça, o destino pregou uma peça. A
pessoa que via isso como positividade, acabou sendo baleada com
dois tiros por soldados do Exército e
hoje se encontra no estado que tá.
No dia 12 de fevereiro de 2015,
eu tinha ido assistir ao jogo de futebol com os meus amigos. Um amigo
meu tava de férias aqui no Rio, Sargento da Aeronáutica. A gente tava
num bar e dali a gente foi pra outro
lugar. Sabe como é: fevereiro, Carnaval, na verdade era quarta ou quinta-feira, e o Carnaval começaria na
sexta. A programação já tava pronta
aqui na comunidade e eu não tava
trabalhando e tinha um mês, ia fazer
um mês, que eu não tava trabalhando.
Fomos assistir ao jogo e voltamos,
viemos pela Linha Amarela e fomos
parados pelos soldados. Até aí tudo
normal, apresentamos documentos.
Ninguém devia nada, sem problemas, seguimos em frente. Fomos embora. Daí a 15 minutos, em outra área
da comunidade, eles abriram fogo
contra o carro onde estava eu e mais
quatro amigos. Isso aconteceu entre
duas e duas e meia da manhã. E foi
aí que tudo aconteceu. Depois alegaram que a gente trocou tiro com eles,
que não obedecemos a ordem de parada. Por último, eles disseram que a
gente tentou atropelar um soldado e,
aí, por tentativa de homicídio da parte
do motorista, eles abriram fogo contra o carro. Mas não foi nada disso, né?
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
Tem fotos, evidências, que mostram
que não foi nada disso. Foi nessa que
levei dois tiros. Um tiro nas costas, na
altura da costela, que atravessou meu
pulmão e pegou minha coluna, pois
houve invasão do canal medular. Eu
iquei paraplégico, na altura da T5 pra
baixo, um pouco acima da barriga.
O segundo tiro, eu levei na perna, no
fêmur direito e atravessou para o fêmur esquerdo, porque eu tava atrás,
no banco do passageiro. O fêmur esquerdo não pôde ser salvo, daí houve
a amputação do membro, de cima do
joelho pra baixo.
Por causa dessa violência que sofri, entrei com uma ação contra o Estado. A Defensoria não fez nada. Direitos Humanos não olharam por
mim, pra mim. Recebi muita ajuda
da comunidade, muita ajuda de Organizações, de pessoas ligadas à
ONG, pessoas inluentes nesse meio
que me ajudaram. O pessoal da Redes da Maré, Anistia Internacional,
Justiça Global, Grupo Reaja e muita
gente da comunidade, muitos amigos. E eu não ganhei cama do Estado
do Rio de Janeiro, do Governo, não
ganhei cadeira de rodas, por exemplo. A cadeira que eu usava, ganhei
de amigos. A cama que eu dormia,
ganhei de amigos. Curativos, fraldas,
essas coisas, eu ganhei tudo de pessoas solidárias, aqui da comunidade.
É isso, a gente tá na justiça agora tentando fazer com que eles paguem pelas consequências do ocorrido.
Fiquei 98 dias no Hospital Getúlio
Vargas. Cheguei com 7% de vida no
hospital. Daí o tempo foi passando e
no mês de maio eu saí. E veio junho,
julho, agosto, setembro, outubro, novembro e nada de ajuda. Minha mãe
guerreira, ela virou uma militante comigo no hospital. Enquanto eu tava
lá ela saía pra reuniões, pra conversar
com pessoas inluentes. Minha mãe
conversou com muita gente a portas
fechadas, muita gente importante,
muita gente inluente mesmo no Rio
de Janeiro. E disseram que ia icar na
mão do Ministério Público, que já tinha advogado público pra resolver o
caso e tal. E o caso foi andando, andando, andando e nada. Foi aí que
minha mãe conseguiu um advogado
particular. O pessoal do grupo Reaja
mandou pra cá, pra orientar, né? Saber como resolvia isso.
Esse advogado foi procurar saber
em que pé tava a situação, e a gente
descobriu que havia um inquérito, um
processo interno do Exército contra o
motorista do carro, que me colocava
como testemunha, e não como vítima do caso. E em fevereiro de 2016,
a gente resolveu entrar na Justiça com
esse advogado particular. Isso porque
já tinha completado um ano e o Ministério Público não tinha feito nada.
O único jeito seria contratar um advogado particular, porque minha mãe
ia aos lugares e já tava ouvindo sobre
“arquivamento do processo”, e isso já
tava deixando a gente desesperado,
105
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO
106
porque eu não iquei doente. Eu não
nasci deiciente físico. Me impuseram isso, me colocaram dessa forma.
Agora em fevereiro de 2017 completa
um ano que o advogado tá no caso.
Então, algumas coisas têm mudado,
graças a Deus. Porém, não da forma
que a gente queria, né? Isso porque,
no inal das contas, a gente vai ter de
abrir mão de parte do dinheiro, independente do que a gente for receber
de indenização, a gente vai ter de abrir
mão de uma grana pra poder pagar
o serviço do advogado. Isso era uma
coisa que o Estado deveria ter feito
pela gente, né? Que seria o justo! Na
verdade não izeram.
Essa situação me deixa revoltado,
porque no início, quando o Exército
chegou à Maré, eles atuaram de um
jeito, depois mudaram. Como é que
isso foi acontecer do ponto de vista do
trabalho que eles deveriam fazer com
os moradores? Foi, foi bem diferente
mesmo, no início. No início, acho que
nos primeiros 15 ou 20 dias eles foram
muito diferentes e amigáveis.
Foi bem diferente sim, no começo,
quando eles chegaram. Eu acho que a
ideia de colocar Exército no Complexo
da Maré, nas comunidades, foi meio
no escuro, por eles não saberem, por
não fazerem ideia, no caso o Exército,
um Órgão Federal, como funcionava
o poder paralelo, de fato, no Rio de Janeiro. Acho que eles tinham só uma
noção de como funcionava e quando
chegaram aqui é que viram que era
completamente diferente. E eu vou falar que aqui, a comunidade em si não
abraçou muito a causa, a verdade é
essa. Não abraçou muito a causa.
Eles se sentiram invadidos pela
“lei”, entre aspas, por um Órgão que,
de repente, colocaria ordem para algumas coisas. Mas sem nenhuma preparação, organização, e aí a comunidade começou a rejeitar o Exército.
Daí eu acho que eles começaram a
dar o mesmo troco, na mesma face,
na mesma moeda. Já que a gente não
está sendo bem aceito aqui, a gente
vai fazer jus a isso. E aí era isso: abuso
de poder. A comunidade sempre fez
festas, muitas coisas. Muita gente aqui
faz aniversário, faz na rua, liga um
som, faz alguma coisa, chama a comunidade. Eles não pediam, discutiam com os moradores. Na verdade,
eles ordenavam parar com festa, mas
a festa era particular. Eles entravam
em casas, a revista e a abordagem
eram completamente diferentes. Revistavam tudo, faziam a pessoa tirar
as coisas da bolsa, espalhavam, depois
faziam com que as pessoas catassem.
Foi assim, diferente da polícia até.
Fazendo uma comparação entre as
abordagens de policiais que eu já levei
na minha vida, elas foram completamente diferentes das do Exército. Foi
pior, foi pior. Já mexeram no meu telefone. Já me ameaçaram de prisão por
não deixar mexer, por eu não autorizar mexer no meu telefone, né? Por
invadirem a minha privacidade dessa
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
forma. A falta de informação, eu acho,
era muito grande. Porque é inadmissível! É engraçado até, num espaço
de 600 metros, numa rua reta, são três
pontos de soldados, o Exército em três
pontos, sabe? Você ser abordado nos
três pontos. O que podia ser resolvido com uma simples comunicação
entre eles. Você era revistado nos três
lugares o tempo todo. Às vezes, você
virava a esquina, às vezes você era revistado aqui e no segundo ponto estavam vendo que você era revistado,
chegando lá eles revistavam você de
novo. Era completamente diferente
de todas as abordagens da polícia que
eu já tive na vida. No começo era tranquilo, eles icavam nos pontos deles
e tal, mas depois foi o que eu falei: a
comunidade não abraçou muito, né?
Começou a rejeitar, né? E eles se sentiram rejeitados e quiseram fazer jus a
isso e fazer o mesmo.
Eu sempre disse à minha família e
amigos que a Segurança pública do Rio
de Janeiro está completamente equivocada em muitas coisas, né? Primeiro,
achar que colocar Exército em comunidade vai resolver alguma coisa. Acho
que o que tem de acontecer é diálogo,
né? Acho que tem de conversar, tem de
saber, tem de investir mais em outros
planos, em projetos sociais, pra poder
tirar gente da rua, ocupar a cabeça dos
jovens, dessas pessoas de 13 e 14 nos
que não têm expectativa de vida e só
veem expectativa de vida no tráico.
Pras coisas poderem se resolver.
Acho que precisa dar um treinamento melhor para o policial. Mas
também não só o melhor treinamento.
O melhor é treinamento e fazer com
que valha a pena os proissionais atuarem de forma correta nas suas proissões, porque as pessoas fazem prova,
viram policiais e não têm salário. Entra na comunidade pra poder trocar
tiro com bandido e não tem salário,
não tem dinheiro?! O custo benefício
não vale a pena, por isso é que muitos vão pra corrupção. Tem grupos de
extermínio de policial e tal, acho que
é isso. A Segurança pública do Rio de
Janeiro está bem equivocada com as
coisas. Acho que implantar UPPs nas
comunidades não resolve, né? Tem
vários exemplos que não têm resolvido, até hoje morador some, troca de
tiro sempre, o tráico continua e tal.
Acho que uma melhor abordagem
junto aos moradores, junto com a Associação de Moradores, junto com as
ONGs que existem dentro dessas comunidades mudaria bastante, ajudaria muito na violência e na forma que
o Rio de Janeiro vive hoje.
Quer perguntar mais, pode falar.
Será que eu me esqueci de alguma
coisa?
Não consigo, sinceramente, eu
não consigo perceber diferença alguma na atuação da polícia e do
Exército. Não teve diferença alguma!
Não houve nada de diferente, de
melhor, que tenha mudado alguma
coisa na comunidade. Nada. Nada,
107
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO
nada, de verdade. E não tiveram projetos sociais, não tiveram planos, não
tiveram programas, planos de melhoria. Assim, coisas básicas. Coisas
que poderiam articular como saneamento básico, coleta de lixo. Mas
nada, não teve nada de diferente,
nada, nada. Pelo contrário, acho que
teve medo, né? O pessoal se sentiu
muito acuado aqui. Porque é o que
eu falei e eu já ouvi também, e é uma
opinião que eu compartilho: a polícia
já virou vitrine no Rio de Janeiro pra,
nos casos de violência, e a gente sabe
que quem entra em comunidade é a
polícia. Quem entra pra tentar resolver as coisas é a polícia. Quando o
Exército chegou muita gente icou assustada, porque começou a ver muita
coisa que não se via antes. Eu nunca
tinha visto um tanque de guerra tão
perto, tão perto, um tanque de guerra
de verdade, via no Desile de 7 de
Setembro. Helicóptero do Exército,
moto, jipe, barricada, sabe? Muita
coisa de guerra!
“
108
Como pode? Saco de areia, arame
farpado, tática de guerra, eu não tinha visto, só tinha visto na televisão,
aqui foi completamente igual ao que
a gente via lá no ilme. Aconteceu
aqui, sei lá, a gente tava numa guerra.
Acho que a 3ª Guerra Mundial. Eu
nunca tinha visto isso, o poder bélico
deles era muito forte. Como é que
você anda numa comunidade com
tanque de guerra e bazuca, gente?
Como é que se anda numa comunidade portando bazuca na mão, como
é que é isso? Pra acuar o morador e
foi o que aconteceu. Morador se sentia muito acuado, não saía, e eu saía,
porque tinha de trabalhar, eu trabalhava na época.
Eu trabalhava numa empresa de
distribuição de material cirúrgico,
trabalhava na área de ortopedia,
pino, parafuso, placa, essas coisas. E
paralelamente eu fazia um curso técnico de segurança do trabalho e, por
incrível que pareça, por ironia do
destino, o cara que via positividade
Saco de areia, arame farpado, tática de
guerra, eu só tinha visto na televisão, aqui foi
completamente igual ao que a gente via lá no
ilme (...) a gente tava numa guerra. Acho que
a 3ª Guerra Mundial. Eu nunca tinha visto isso,
o poder bélico deles era muito forte”
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
nisso tudo, o cara que torcia por projetos sociais, por mudanças, levou
dois tiros, como eu já falei, e está em
cima de uma cadeira de rodas.
Eu, atualmente, tenho saudade
de ir a entrevistas de emprego, tenho
saudade de reclamar, de olhar no relógio e dizer que são 10 horas da manhã e esperar até às 5 horas pra poder
ir embora do trabalho. Tenho saudade de dançar. Tenho saudade de
andar e fazer tudo o que eu fazia antes. Eu tenho saudade de pegar a minha ilha no colo, como eu pegava. Eu
tenho saudade de levar a minha ilha
pra praia, de sair com ela. Eu sinto
falta de tudo isso que me tiraram.
Eu dançava, né? Eu fazia parte de
um projeto de Corpo de Dança da
Maré, onde eu iquei por três anos,
viajei pra vários lugares do Brasil.
Sou músico, né? Quem me conhece,
sabe. Sempre toquei instrumento, cavaquinho, violão, contrabaixo, eu sei
cantar. E hoje eu não posso fazer absolutamente nada disso. Quer dizer
ainda, né? Não ainda.
Porque eu tenho uma positividade muito grande dentro de mim.
Eu sei que minha vida entrou num
slow motion, mas as coisas vão voltar ao normal, eu sei disso. Isso modiicou demais a minha vida, eu não
faço as coisas que eu fazia antes, eu
moro no segundo andar, numa casa
grande, com uma sala boa, corredor,
quartos, cozinha. Porém, uma casa
feita pra pessoas bípedes, pessoas
que andam normalmente, né? E o Estado me colocou de forma diferente,
né? Nasci com duas pernas, nasci andando, sempre fui muito ativo e hoje
eu sou um cadeirante, amputado, pra
descer e subir pra casa e fazer as coisas são cerca de três pessoas pra poder fazer as coisas comigo. Tudo eu
tenho de pagar. Um carro pra tal lugar eu tenho de pagar e é muito caro.
Eles me deixaram dessa forma e
não me deram o meu direito. Eu não
tive a opção na verdade, não me deram direito a coisas básicas de que
eu preciso. Eu não tenho ambulância
pra entrar na comunidade, pra entrar
e me buscar pra fazer um exame de
rotina. É tudo muito complicado. Eu
tenho de esperar na ila do SisReG, na
ila do SUS, para uma consulta normal, sei lá, para uma urologia, um
exame de sangue.
Isso modiicou demais a minha
vida e tá tudo mais complicado agora.
Eu sinto falta de tudo isso. Hoje eu
não posso fazer o que eu fazia antes.
Minha ilha me cobra muita coisa,
mas eu não faço de tudo agora. Estou numa rotina nova. Eu tenho saído algumas vezes, eu comecei a reabilitação há quatro meses. Mas é isso,
modiicou bastante a minha vida, modiicou muito. Eu sinto muita falta,
muita saudade das coisas que eu fazia
antes, mas... Bola pra frente, né?
Graças a Deus eu tô vivo. Pior se eu
tivesse morrido; o pior já passou, né?
Agora eu tô bem, eu tô tranquilo, vejo
109
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO
minha ilha, vejo minha mãe, vejo minha família todo dia, minha namorada
e tal. E agora, bola pra frente. E assim,
de uns tempos pra cá, a vontade de falar sobre isso aumentou, de ir a grandes Órgãos, falar sobre isso, falar em
palestras, campanhas e tal, né? Como
a Anistia, a Redes da Maré, e de muitos outros lugares botar a cara, nesses
lugares assim, pra mostrar que eu sou
vítima e estou vivo, e pra fazer com
que essas coisas não aconteçam com
mais pessoas, dentro e fora de comunidade. Entendeu?
Vejo que o meu futuro depende
do meu presente agora, porque o
passado já icou pra trás, aconteceu
o que aconteceu. Desde o momento
em que eu acordei no hospital eu sabia que tudo ia ser diferente dali pra
frente. Desde o momento em que eu
saí do hospital, eu também sabia que
seria diferente dali pra frente. E tudo
está sendo diferente hoje. Tô tendo
uma vida diferente, uma vida completamente diferente, nova, mas eu não
queria essa vida. Essa é a verdade.
Mas o futuro depende de hoje, eu
preciso, eu tenho feito, estou fazendo
reabilitação agora. Tenho tido cada
110
vez mais independência nas minhas
coisas. Poxa, um cara que chegou
com 7% de vida no hospital, hoje tá
fazendo as coisas que eu faço já é um
avanço muito grande. Porém, comecei tarde a isioterapia, a reabilitação,
devido a esse atraso de ila de SisReg,
de SUS, esse atraso de forma geral. O
meu futuro eu não sei, eu tô focado
na minha reabilitação, na minha família, na minha melhora e no meu
processo indenizatório, que eu espero que saia o mais rápido possível.
Quero ter uma casa adaptada, um
carro adaptado, meu direito de ir e vir
de novo, que um dia eu tive, já que
eu fazia de tudo. Quero fazer de tudo
novamente, quero dirigir. O meu futuro, espero que seja esse. Eu sou
aposentado, hoje, consegui me aposentar por invalidez, e é isso. Espero
pelo processo, eu não tô com cabeça
pra trabalhar ou fazer alguma coisa
devido à isioterapia, da reabilitação,
da minha família, da minha ilha e
do processo. Depois que tudo isso se
resolver, eu penso em investir em alguma coisa e tal, até pra dar uma vida
melhor pra minha mãe, pra minha ilha e, seguir assim: bola pra frente!
ANEXO
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS SOBRE
AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO NA MARÉ
questionário b | entrevista com morador
número do questionário:
nome do entrevistador:
Prezado/a Senhor/a,
O presente instrumento busca reunir informações acerca das ações dos
militares na Maré desde março de 2014. Pedimos sua contribuição por meio
do preenchimento deste, para que possamos conhecer melhor como os
moradores da região t̂m percebido a presença policial. Para que este trabalho
resulte em um consistente material de pesquisa, solicitamos que as respostas
sejam abrangentes, e as informações fornecidas suficientemente detalhadas.
Cabe assinalar que o sigilo das informações será resguardado e o uso dos
resultados acontecerá de forma ética e responsável, sempre com a prévia
anûncia dos participantes da pesquisa. Neste sentido, informações de casos
particulares não serão disponibilizadas publicamente. A divulgação, quando
permitida, será restrita à totalidade dos casos e sob a forma de estatísticas
referentes ao conjunto dos entes pesquisados.
O questionário será sempre aplicado presencialmente.
Desde já agradecemos sua colaboração e nos colocamos à disposição
para dirimir quaisquer dúvidas que surjam ao longo do preenchimento.
bloco 1 | perfil do entrevistado
1.
Sexo: c 1. Masculino
2.
Idade: c c anos
c 2. Feminino
3.
Raça:
c 1. Branca
4.
Grau de Escolaridade:
c 1. Sem escolaridade c 2. Ensino Fundamental (1º grau) incompleto
c 3. Ensino Fundamental (1º grau) completo
c 4. Ensino Médio (2º grau) incompleto c 5. Ensino Médio (2º grau) completo
c 6. Superior incompleto c 7. Superior completo
c 8. Pós-Graduação Lato Sensu c 9. Mestrado (ou equivalente) ou Doutorado
c 2. Preta
c 3. Parda
c 4. Amarela
c 5. Indígena
111
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ
5.
Comunidade onde reside na Maré:
6.
Tempo de residência na Maré [informar se meses ou anos]
7.
Quantas pessoas moram no seu domicílio, incluindo você:
8.
Trabalho:
c 1. Trabalha, com vínculo empregatício
c 2. Trabalha, sem vínculo empregatício
c 1. Conjunto Esperança
c 3. Vila do Pinheiros
c 5. Conjunto Pinheiros
c 7. Baixa do Sapateiro
c 9. Conjunto Bento Ribeiro Dantas
c 11. Nova Holanda
c 13. Parque União
c 15. Praia de Ramos
c 2. Vila do João
c 4. Salsa e Merengue
c 6. Morro do Timbau
c 8. Nova Maré
c 10. Parque Maré
c 12. Parque Rubens Vaz
c 14. Parque Roquete Pinto
c 16. Marcílio Dias
c 3. Desempregado (já trabalhou e está à procura de emprego)
c 4. Nunca trabalhou c 5. Estudante
c 7. Do lar
9.
c 8. Outro. Especiicar:
c 6. Aposentado ou pensionista
Você ou algum membro da sua família frequenta alguma ONG na Maré?:
c 1. Não c 2. Sim
9.1. Em caso airmativo, qual?
bloco 2 | questões gerais
1o.
Você gosta de morar na Maré?
c 1. Não c 2. Sim
11.
Você visita ou frequenta outros lugares fora da Maré?
c 1. Não [pular para a 12] c 2. Sim
11.1. Por qual/quais motivo/s? Até tr̂s motivos, por ordem de importância:
Motivo principal:
2º motivo (opcional):
3º motivo (opcional):
12.
112
Você costuma circular em outras comunidades dentro da Maré?
c 1. Não c 2. Sim
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
bloco 3 | sobre o período anterior à entrada das forças de pacificação
A ocupação das Forças de Paciicação na Maré foi iniciada no m̂s de março de 2014.
Considerando-se a realidade da Maré nos três anos anteriores a esse processo, responda
às seguintes perguntas:
13.
Nos últimos três anos antes da paciicação, sem contar os programas do Governo,
você ou alguém da sua família recebeu benefícios de terceiros, seja de instituição ou
de pessoa física? Se sim, de quem?
[ ex. associação de moradores, igreja, amigos e parentes, tráfico, milícia,
exército etc. ]
Os benefícios aqui considerados podem ser: comida, dinheiro, medicamento, ajuda
com aluguel, pagamento de contas, etc.
c 1. Não c 2. Sim
13.1. Se sim, de qual desses?
c 1. Associação de Moradores c 2. Igreja c 3. Amigos ou parentes
c 4. Tráico c 5. Milícia c 6. Polícia c 7. Político c 8. ONG
c 9. Outro. Especiicar:
14.
Na sua opinião, antes da paciicação da Maré, era seguro ou inseguro morar aqui?
c 1. Seguro c 2. Inseguro
15.
Na sua opinião, depois da paciicação da Maré, é seguro ou inseguro morar aqui?
c 1. Seguro c 2. Inseguro
16.
Então houve ou não houve mudança em relação à sensação de segurança
com a Paciicação da Maré?
c 1. Houve mudança c 2. Não houve mudança
17.
Na sua opinião, a paciicação de outras áreas da cidade interferiu na situação dentro
da Maré? Como?
c 1. Sim, a Maré icou mais segura com a paciicação de outras áreas da cidade.
c 2. Sim, a Maré icou menos segura com a paciicação de outras áreas da cidade.
c 3. Não, a situação da Maré não mudou com a paciicação de outras áreas
da cidade.
18.
Qual/Quais da/s alternativa/s abaixo você considera verdadeira/s?
c 1. Dentro da Maré eu me sinto tão seguro quanto no restante da cidade.
c 2. Dentro da Maré eu me sinto mais seguro que no restante da cidade.
c 3. Dentro da Maré eu me sinto menos seguro que no restante da cidade.
113
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ
19.
Você ou alguém do seu domicílio já foi a alguma Delegacia para registrar algum
delito de que tenha sido vítima? Ex.: furto, roubo, agressão, ameaça, ofensa,
discriminação, etc.? Se sim, foi antes ou depois da paciicação?
c 1. Sim, antes da paciicação da Maré
c 2. Sim, depois da paciicação da Maré
c 3. Sim, antes e depois da paciicação da Maré
c 4. Não
Considere a situação a seguir ocorrendo nos últimos três anos antes da paciicação:
Um morador de sua comunidade daniicou a parede do vizinho enquanto fazia uma
reforma. O vizinho atingido cobrou o pagamento dos danos causados, mas esse morador
não aceitou e ameaçou o vizinho atingido.
Usando o bom senso e o conhecimento da realidade da Maré, qual desses grupos abaixo
voĉ acha que o vizinho atingido deveria acionar para resolver o problema?
20.
Associação de Moradores:
c 1. Sim c 2. Não
Por que?
21.
Uma ONG local:
c 1. Sim c 2. Não
Por que?
22.
Uma igreja local:
c 1. Sim c 2. Não
Por que?
23.
Tráico ou milícia:
c 1. Sim c 2. Não
Por que?
24.
Justiça (Defensoria Pública, Juizado, etc.):
c 1. Sim c 2. Não
Por que?
25.
Delegacia:
c 1. Sim c 2. Não
Por que?
114
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
bloco 4 | sobre a violência
26.
Nos últimos três anos antes da paciicação, você ou alguém da sua família imediata
foi vítima de algum tipo de violação de direito — entrada em domicílio sem autorização
ou dano corporal ou de propriedade — por parte da polícia dentro da Maré?
c 1. Não c 2. Sim
26.1. Com que freqûncia?
c 1. Nunca
c 2. Uma vez
c 3. Duas vezes
c 4. Mais de duas vezes
26.2. Caso tenha ocorrido, pode descrever brevemente o incidente?
26.3. Voĉ ou alguém da sua família denunciou este incidente junto à alguma
Organização? c 1. Não c 2. Sim
26.3.1 Em caso airmativo, indique onde a denúncia foi registrada:
c 1. ONG. Qual?
c 2. Igreja. Qual?
c 3. Disque Denúncia
c 4. Delegacia
c 6. Outra resposta. Especiicar:
c 5. Associação de Moradores
bloco 5 | sobre a ação das forças de pacificação e das facções,
inclusive a milícia
Você ou algum membro da sua família imediata já vivenciou alguma das experiências
listadas abaixo:
27.
Revista pessoal
c 1. Sim
c 2. Não
28.
Revista à residência
c 1. Sim
c 2. Não
29.
Detenção
c 1. Sim
c 2. Não
30.
Participação em eventos comunitários
(debates, ações sociais, atividades culturais, etc.)
onde houve a contribuição de militares
c 1. Sim
c 2. Não
31.
Participação em eventos religiosos onde houve
a contribuição de militares
c 1. Sim
c 2. Não
32.
Participação em eventos onde houve monitoramento
especial da Força de Paciicação
c 1. Sim
c 2. Não
115
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ
c 1. Sim
c 2. Não
c 1. Sim
c 2. Não
c 1. Sim
c 2. Não
33.
Confronto violento envolvendo militares
(onde houve uso de armas e/ou outros artefatos)
34.
Registro de denúncias/reclamações junto aos militares
sobre ocorrências na comunidadea
35.
Outros. Especiicar:
36.
Depois da entrada das Forças de Paciicação, você ou alguém da sua família
imediata foi vítima de algum tipo de violação de direito — entrada em domicílio sem
autorização ou dano corporal ou de propriedade — por parte dos militares?
c 1. Não c 2. Sim
36.1. Com que freqûncia?
c 1. Nunca
c 2. Uma vez
c 3. Duas vezes
c 4. Mais de duas vezes
36.2. Caso tenha ocorrido, pode descrever brevemente o incidente?
36.3. Voĉ ou alguém da sua família denunciou este incidente junto à alguma
Organização? c 1. Não c 2. Sim
36.3.1 Em caso airmativo, indique onde a denúncia foi registrada:
c 1. ONG. Qual?
c 2. Igreja. Qual?
c 3. Disque Denúncia
c 4. Delegacia
c 6. Outra resposta. Especiicar:
c 5. Associação de Moradores
Em relação às airmativas abaixo, diga se você: concorda plenamente; acha que
depende/varia conforme a situação; discorda totalmente
37.
É uma boa atitude da Força de Paciicação distribuir doces e lanches para
as crianças.
c 1. Concordo totalmente
c 3. Discordo totalmente
38.
É importante que seja necessário pedir autorização para a Força de Paciicação
para organizar uma grande festa na rua.
c 1. Concordo totalmente
116
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO
39.
É importante ter o monitoramento das ruas pela Força de Paciicação,
especialmente à noite.
c 1. Concordo totalmente
c 3. Discordo totalmente
40.
A cor de uma pessoa ainda inluencia na forma como ela é tratada pelos militares.
(pensar se concorda com a frase, não com o ato)
c 1. Concordo totalmente
c 3. Discordo totalmente
41.
c 1. Concordo totalmente
c 1. Concordo totalmente
c 3. Discordo totalmente
c 1. Concordo totalmente
c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
Militares devem matar alguns integrantes das facções, mesmo que tenham
a possibilidade de prendê-los.
c 1. Concordo totalmente
c 3. Discordo totalmente
47.
c 2. Depende/Varia conforme a situação
Os militares atuam de forma diferente da polícia.
c 3. Discordo totalmente
46.
c 2. Depende/Varia conforme a situação
Os militares atuam de forma diferente da polícia.
c 3. Discordo totalmente
45.
c 2. Depende/Varia conforme a situação
As ações cumpridas pelos militares na Maré costumam ser positivas para a
comunidade local e não devem mudar.
c 1. Concordo totalmente
44.
c 2. Depende/Varia conforme a situação
Os militares que atuam na Maré, em geral, usam mais força do que é necessário.
c 3. Discordo totalmente
43.
c 2. Depende/Varia conforme a situação
A atuação dos militares na Maré, em geral, respeita os direitos dos moradores.
c 3. Discordo totalmente
42.
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 2. Depende/Varia conforme a situação
Os militares devem usar todos os meios para enfrentar o tráico de drogas, mesmo
que os moradores sofram algum risco.
c 1. Concordo totalmente
c 3. Discordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
117
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ
48.
Quando os militares saírem, a chegada da UPP trará mais segurança para a Maré.
c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente
49.
A atuação dos militares é mais valorizada que a dos policiais, pela sociedade.
c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente
50.
Os militares são mais honestos que os policiais.
c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente
51.
É importante e necessário que os militares continuem atuando dentro de favelas.
c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente
52.
Sua avaliação da atuação dos militares na Maré, em geral, é:
c 1. Péssima
c 2. Ruim
c 3. Regular
c 4. Boa
c 5. Ótima
53.
Você já recorreu ao auxílio dos militares em alguma situação do cotidiano em que
isso foi necessário?
c 1. Não
c 2. Sim
54.
Como avalia a resposta dos militares, em geral, quando recorreu a esses?
c 1. Péssima
c 2. Ruim
c 3. Regular
c 4. Boa
c 5. Ótima
118
Quem vive e trabalha na bela cidade do Rio de Janeiro sabe bem que
em paralelo à vida vibrante, alegre e exuberante existe a diiculdade
real. Em muitas comunidades em toda a cidade a situação de
segurança é frágil e muitas vidas inocentes são perdidas a cada m̂s.
Neste contexto, as relações entre a polícia e as comunidades que
policiam são de fundamental importância. Desconiança e tensão
podem ter se acumulado ao longo de muitos anos, razão pela qual
o desaio de quebrar o ciclo é tão difícil. Isso torna um trabalho
como este, produzido através de uma excelente colaboração entre a
Queen Mary, University of London e a Redes da Maré, tão importante.
jonathan dunn obe
cônsul geral — consulado geral do reino unido, rio de janeiro