AS ATITUDES TRANSFERENCIAIS E A ACP
THE TRANSFERENTIAL ATTITUDES AND THE PCA
Lucas Baptista Albertoni
RESUMO
O conceito da “Transferência” é de extrema importância para a Psicanálise e para a Psicologia
Clínica, devido ao seu brilho e à própria predominância da Psicanálise nos meios acadêmicos.
Através de uma breve apresentação dos contextos cultural e acadêmico de Carl Ransom
Rogers, criador da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), o presente trabalho busca
incialmente demonstrar a conexão existente entre a elaboração da ACP e Psicanálise para a
contextualização do tema. Como objetivo principal, a partir da leitura do conceito
psicanalítico de “Transferência”, almeja alcançar uma compreensão do fenômeno ao qual ele
se refere, sua origem e importância dentro da ACP. Não obstante, também objetiva
estabelecer um diálogo entre as duas teorias, de modo a enriquecer o debate científico e
demarcar as divergências entre as visões que elas apresentam. Finalmente, presume a eficácia
da Abordagem Centrada na Pessoa frente a atitudes transferenciais, as quais são entendidas
como fenômenos intrínsecos e naturais ao processo psicoterapêutico.
PALAVRAS-CHAVE: Atitudes Transferenciais; Distorção; Ameaça; Fantasia; Condições
favoráveis.
ABSTRACT
The concept of “Transference” is of extreme importance to Psychoanalysis and to Clinical
Psychology due to its luster and to Psychoanalysis predominance in the academic field.
Throughout a brief presentation of the cultural and academic contexts of Carl Ransom Rogers,
the creator of the Person Centered Approach (PCA), the present work intends to initially
demonstrate the existing connection between the elaboration of the PCA and Psychoanalysis
to the contextualization of the topic. As the main objective, from the understanding of the
psychoanalytic concept of “Transference”, it aims to reach a comprehension of the
phenomenon to what it refers, its origin and its importance inside the PCA. Furthermore, the
present work also tries to establish a dialogue between the two theories, in order to enrich the
scientific debate and to outline the divergences between the visions that they present. Finally,
it presumes the efficacy of the Person Centered Approach when faced with transferential
attitudes, which are understood as intrinsic and natural phenomena in the psychotherapeutic
process.
KEY-WORDS: Transferential Attitudes; Distortion; Threat; Fantasy; Core conditions.
RESUMEN
El concepto de “Transferencia” es de extrema importancia para la Psicoanálisis y para la
Psicología Clínica, debido a su brillo y a su propia predominancia del Psicoanálisis en los
medios académicos. A través de una breve presentación de los contextos cultural y académico
de Carl Ransom Rogers, el creador del Enfoque Centrado en la Persona (ECP), el presente
trabajo busca demostrar inicialmente la conexión existente entre la elaboración del ECP y el
Psicoanálisis para la contextualización del tema. Como objetivo principal, según la lectura del
concepto psicoanalítico de “Transferencia”, se intenta alcanzar una comprensión del
fenómeno al cual se refiere, su origen e importancia dentro del ECP. Además, también se
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objetiva establecer un dialogo entre las dos teorías, de modo a enriquecer el debate científico
y demarcar las divergencias entre las visiones que presentan. Finalmente, presume la eficacia
del Enfoque Centrado en la Persona frente a las actitudes transferenciales, las cuales son
entendidas como fenómenos intrínsecos y naturales al proceso psicoterapéutico.
PALABRAS-CLAVE: Actitudes Transferenciales; Distorsión; Amenaza; Fantasía;
Condiciones favorables.
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INTRODUÇÃO
A “Transferência” é um conceito bastante estudado quando o assunto é
Psicanálise. Este conceito é representativo por inúmeros motivos que vão desde o brilho de
sua criação e emprego, até a sua ampla divulgação pela predominância da Psicanálise nos
ambientes acadêmicos. Contudo, a Transferência não é um construto completamente
moldável a todo e qualquer propósito. Ele carrega suas propriedades e suas definições
próprias, situadas a partir de sua herança e de seu contexto.
O verdadeiro interesse de falar sobre Transferência vem da tentativa de
compreender este termo sob outros olhos, a partir de outros paradigmas. É evidente que uma
adaptação forçada representaria uma apropriação hedionda, um estraçalho de algo que já
existe e que se dá por esta palavra. O que se pretende, no entanto, é fazer uma leitura do termo
a partir de outro prisma: o objetivo é buscar entender como a Abordagem Centrada na Pessoa
(ACP) entende a Transferência e como trabalha com ela. É, sem dúvidas, essencial que todo o
cuidado necessário seja tomado para que não haja propensão a distorções ou mal-entendidos.
A ideia de começar pelo contexto psicanalítico vivido por Carl Rogers, o criador da ACP, tem
a intenção apenas de viabilizar ordem e cronologia, além de preservar o termo e deixar claro o
objetivo de releitura, mas é crucial reforçar que o foco é a compreensão do termo pela ACP.
Não obstante, se fará presente também um plano de fundo da vida científica e laboral de
Rogers, onde se pretende apresentar um pouco de sua trajetória e repercussão de suas ideias.
No que diz respeito ao olhar da ACP para a Transferência, o texto busca destacar
elementos que demarcam bruscas diferenças na compreensão do fenômeno pelas duas teorias
e cria hipóteses acerca de seu constante aparecimento na relação psicoterapêutica, levando em
conta obras de Freud (1969, 1976, 1996) e Rogers (1951, 1977a, 1977b, 2001), como também
outras fontes de referência da Psicanálise (ROUDINESCO, 1998; LAPLANCHE;
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PONTALIS, 1999) e da Abordagem Centrada na Pessoa (CARRENHO; TASSINARI;
PINTO, 2010; MERRY; TUDOR, 2006; RUSSELL, 2002). Entrarão em diálogo ainda outros
autores que foram escolhidos para facilitar a fluidez desta obra.
Este trabalho pressupõe a eficácia do atendimento psicoterápico nos moldes da
Abordagem Centrada na Pessoa frente a situações em que a Transferência aparece, apesar de
demonstrar que a mesma não é um problema nesta abordagem, segundo as palavras do
próprio Rogers, e que o psicoterapeuta centrado na pessoa não se ocupa efetivamente com
esse fenômeno. Para a elaboração dessa explicação, que continua a causar surpresa após anos
de existência, o texto apresentará diversos conceitos e seus papéis frente à situação em
questão, de modo que almeja alimentar o debate entre as perspectivas e demonstrar o
potencial da Abordagem Centrada na Pessoa frente à Transferência.
ROGERS E A PSICANÁLISE
Na teoria da psicanálise não hesitamos em supor que o curso tomado pelos eventos
mentais está automaticamente regulado pelo princípio de prazer, ou seja,
acreditamos que o curso desses eventos é invariavelmente colocado em movimento
por uma tensão desagradável (...). Sabemos que o princípio do prazer é próprio de
um método primário de funcionamento por parte do aparelho mental, mas que,
do ponto de vista da autopreservação do organismo entre as dificuldades do mundo
externo, ele é, desde o início, ineficaz e até mesmo altamente perigoso. (FREUD,
1996, p.17, grifos nossos).
Como observado através dos grifos, Sigmund Freud deixava claro que a natureza
do ser humano é destrutiva: ele seria regulado pelo princípio do prazer e busca o prazer a todo
e qualquer custo. Não bastasse a tensão experimentada, a consideração é que este
funcionamento seria nem mais nem menos que “altamente perigoso”, o que evidencia seu
elevado grau de desconfiança da natureza humana.
Por outro lado, fomentado por uma concepção humanista, Carl Ransom Rogers
afirmava sua crença na capacidade e nas potencialidades humanas:
O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si
mesmo e de resolver seus problemas de modo suficiente para alcançar a satisfação e
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eficácia necessárias ao funcionamento adequado (ROGERS; KINGET, 1977a, p.39).
É evidente que Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) e Psicanálise destoam no
âmbito mais elementar: a visão de homem. Apesar da divergência, deve-se compreender que a
teoria rogeriana foi formulada em meio a um contexto predominantemente psicanalítico. Ou
seja, a teoria rogeriana foi construída levando em conta ideias oriundas da Psicanálise, mesmo
que não lhe fossem efetivamente proveitosas.
Cresceu sob os olhos de pais bastante controladores, onde prevalecia “pouca vida
social de qualquer tipo” (RUSSELL, 2002, p.2, tradução nossa)1. Rogers, desde cedo,
estimulado pelos fortes laços familiares e certa reclusão, desenvolveu grande interesse pela
leitura e pelos moldes do pensamento científico – segura e certamente também inspirado por
seu pai. Desde os doze anos, como um pequeno estudante de agricultura, realizou
experimentos seguindo os padrões científicos na fazenda de sua família e assim continuou até
o estabelecimento de sua teoria. Em continuação, pautou suas ponderações em dados e
resultados encontrados em inúmeras pesquisas e trabalhos científicos ao longo de sua carreira.
É totalmente compreensível, portanto, que tenha se dedicado a demasiadas críticas à
Psicanálise. O caráter especulativo desta teoria prevalecia no Institute for Child Guidance
(ROGERS; KINGET, 1977a, p.146), uma clínica para adolescentes delinquentes em
Rochester, ao norte do estado de Nova Iorque na qual trabalhou. Rogers descreveu seu
trabalho nesta clínica da seguinte maneira:
O modelo era bastante simples, mas eu não percebi isso naquele momento. Era
predominantemente Freudiano em sua orientação, e eu desenvolvi muito interesse no
pensamento Freudiano, e gradualmente muito desinteresse. Eu senti que
simplesmente não era objetivo e que eles não estavam preocupados com fatos
verificáveis. E eu havia sido devidamente ensinado no Teachers College que aquilo
tinha importância para mim. O fato de que eles podiam elaborar teorias sem
preocupação em usá-las em pesquisa realmente me ofendia (ROGERS apud
RUSSELL, 2002, p.102, tradução nossa).2
1
(…) little social life of any kind.
The pattern was quite simple, but I didn’t realize that at the time. It was mostly Freudian in its orientation, and I
developed a lot of interest in Freudian thinking, and gradually a lot of disinterest. I felt that it was simply not
objective and that they were not concerned about verifiable facts. And I had been sufficiently taught at Teachers
2
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Os doze anos vivendo e trabalhando em Rochester foram cruciais para o
amadurecimento de suas ideias e a definição de sua maneira de trabalho. Além disso, muito
influenciaram e facilitaram na elaboração e sistematização de sua teoria.
Se por um lado a Psicologia era quase totalmente teórica dentro da Universidade
naquela época, ou seja, tomava um rumo especulativo e exclusivamente intelectual, o aspecto
prático dos resultados era o que interessava tanto às escolas quanto às outras instituições.
(ROGERS; KINGET, 1977a). Desta maneira, foi um momento muito oportuno para o
desenvolvimento do pragmatismo da teoria, pois havia uma constante demanda de resultados
observáveis no Institute for Child Guidance. Entende-se, portanto, que a união de aspectos
práticos e teóricos foi de suma importância para o desenvolvimento do que se tornaria a
essência da teoria da Abordagem Centrada na Pessoa. A consolidação de seu jeito de trabalhar
ocorreu em uma via a partir da influência recebida no contato com personalidades que
estiveram presentes nesta clínica (RUSSELL, 2002). Assim aconteceu na visita de Alfred
Adler, por exemplo. Rogers se surpreendeu com a maneira com que Adler fugia à proposta
original freudiana de buscar no passado a causa de comportamentos do presente (RUSSELL,
2002). Rogers disse, anos depois, comparando o que viu do trabalho de Adler com o trabalho
freudiano que realizavam na clínica: “Percebo agora que ele era muito mais sensato do que
nós éramos”. (RUSSELL, 2002, p.104-105, tradução nossa)3. Mas foi o contato com Otto
Rank, ainda em Rochester, que Rogers considerou o momento de maior influência para a
construção de sua teoria:
(...) ele passou o primeiro dia em sua teoria - trauma no nascimento e assuntos afins.
Parecia-me especulativa, tipicamente Freudiana. Eu não fiquei muito impressionado.
Mas no segundo dia ele falou de sua terapia, e aí sim fiquei realmente
impressionado. Pareceu-me que ele construiu a teoria baseado nas características
College that that had importance to me. The fact that they could spin elaborate theories with no regard for using
them in research really offended me.
3
I realize now that he was far more sensible than we were.
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positivas do indivíduo. Era um despertar das características positivas (ROGERS
apud RUSSELL, 2002, p.112-113, tradução nossa).4
Rogers foi profundamente impactado com a exposição: “As opiniões de Rank
tiveram como resultado cristalizar certas concepções teóricas que eu já possuía em estado
embrionário.” (ROGERS; KINGET, 1977a, p.147). Russell confirma a importância do
encontro e constata:
Foi provavelmente em Rochester que ele veio a acreditar na capacidade do indivíduo
de encontrar seu caminho adiante. Parece-me que esta crença estava
primordialmente fundada em sua experiência clínica, mas foi reforçada por sua
compreensão do trabalho de Rank e foi transmitida a ele através das palavras e
exemplos de Jessie Taft e seus colegas (RUSSELL, 2002, p.9, tradução nossa)5.
Enfim, este momento de sua vida retrata seu grande contato com o pensamento
psicanalítico da época, através da interação com personalidades que trabalhavam com esta
perspectiva. Vários outros ainda podem ser citados, incluindo especialmente Frederick Allen e
Elizabeth Davis (RUSSELL, 2002), ambos estudantes de Otto Rank.
Outro aspecto, entretanto, merece ser destacado. O período trabalhando na cidade
de Rochester lhe serviu não somente para fortalecer sua crença, sistematizar sua teoria e
impulsionar-lhe clinicamente, mas também para constatar que havia desenvolvido uma
maneira de ser profissional que se divergia drasticamente daquela ensinada nas universidades
e que ele mesmo havia aprendido. Isso ocorreu devido à sua abertura à experiência, à sua não
ortodoxia e à liberdade que acompanhou o isolamento profissional vivido nesta cidade. Em
1940, ao retornar para o meio universitário em Ohio, Rogers percebeu o que tal momento lhe
havia representado:
4
(…) he spent the first day on his theory – birth trauma and so forth. It seemed to me speculative, typically
Freudian. I wasn’t very impressed. But the second day he talked about his therapy, and that I really was
impressed by. It seemed to me he built on the positive characteristics of the individual. It was a release of
positive characteristics.
5
It was probably at Rochester that he came to believe in the individual’s capacity to find his or her own way
forward. This belief, it seems, was primarily founded on his clinical experience but was buttressed by his
understanding of Rank’s work and it was transmitted to him by the words and example of Jessie Taft and her
colleagues.
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Descobri, para minha grande surpresa, que os princípios terapêuticos que havia
elaborado e que me tinham guiado de maneira, pelo menos implícita, durante meus
anos de prática em Rochester, estavam longe de ser evidentes aos jovens
profissionais – estudantes e colegas – que me esperavam em Ohio. (...) e que meu
pensamento como profissional seguia uma linha que se afastava consideravelmente
do pensamento estabelecido (ROGERS; KINGET, 1977a, p.147).
Em 1942, quando lançou o livro Psicoterapia e Consulta Psicológica6, houve
muita polêmica. Rogers acreditava que o livro era particularmente ameaçador àqueles que não
queriam crer que o cliente sabia mais sobre si que os próprios terapeutas, os quais tinham
grande experiência profissional e conhecimento (RUSSELL, 2002). Apesar disso, Rogers não
comprava conflitos desnecessários. Demonstrava cuidado com as pessoas e, como já dito,
demonstrava também grande cuidado com a aplicabilidade da ciência. Sempre investiu tempo
e esforço na comprovação de dados e publicações concisas e buscou evitar o misticismo do
processo terapêutico, porém se preocupava com os rumos e os excessos negativos que as
pesquisas poderiam ocasionar. Russell afirma que:
Este comprometimento com a pesquisa científica, aliado a uma ambivalência básica
sobre sua última eficácia constitui uma tensão um tanto quanto desconfortável que
persistiu em algum nível por toda a vida de Rogers e continua a ser observada entre
os terapeutas centrados na pessoa desde sua morte (RUSSELL, 2002, p.10, tradução
nossa)7.
Não restam dúvidas de que apesar de nova e impactante aos profissionais da
Psicanálise da época, a teoria rogeriana causou um profundo impacto no campo da Psicologia,
psicoterapia e, posteriormente, educação, grupos e política. O reconhecimento de seu trabalho
foi evidenciado pela indicação ao Prêmio Nobel da Paz, em 1987, após anos de demonstração
da aplicação de seu trabalho em diversas áreas e momentos. Incluem-se os conflitos
internacionais na Irlanda do Norte, África do Sul, Polônia e Rússia, além da bem sucedida
conferência denominada Central American Challenge, na Áustria, onde atingiu seu objetivo
de reunir líderes influentes de dezessete diferentes países, visando discutir a preservação da
6
Título original: Counseling and Psychotherapy: Newer Concepts in Practice.
This commitment to scientific inquiry allied to a basic ambivalence about its ultimate efficacy constitutes a
somewhat uneasy tension that persisted at some level throughout Rogers’ life and continues to be observable
among person-centered therapists since his death.
7
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paz mundial e o distanciamento do conflito nuclear (RUSSELL, 2002). Menos dúvidas ainda
restam na relação existente entre a expansão de suas ideias e teoria e de seu sucesso
intermediando conflitos com sua crença na capacidade e nas potencialidades humanas quando
em condições favoráveis.
A TRANSFERÊNCIA E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA
Sabe-se que o a formulação do conceito da Transferência foi de grande
contribuição para a Psicologia. É um dos conceitos representativos das grandes ideias de
Freud e também um dos conceitos de impacto e influência no âmbito clínico.
O termo “Transferência” foi introduzido por Sigmund Freud e Sandor Ferenczi
entre 1900 e 1909 (ROUDINESCO; PLON, 1998); uma apropriação fantástica de uma
simples palavra, que se transformou engenhosamente em um termo carregado de sentidos
próprios. A Transferência pode ser conceituada como:
um processo constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o qual os desejos
inconscientes do analisando concernentes a objetos externos passam a se repetir, no
âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocando na posição desses
diversos objetos. Historicamente, a noção de transferência assumiu toda a sua
significação com o abandono da hipnose, da sugestão da catarse pela psicanálise
(ROUDINESCO; PLON, 1998, p.766).
O presente trabalho apresentou, no primeiro capítulo, uma parte da trajetória e
desenvolvimento do criador da ACP, quem se desenvolveu como profissional vivendo forte influência
da Psicanálise. Por este motivo, mesmo após romper com a realidade clínica e teórica circundante
daquela época, Rogers resolveu dar atenção ao tema e dedicar-se a um breve capítulo sobre o conceito
e fenômeno da Transferência em uma tentativa de “melhorar a comunicação entre as diferentes
terapias.” (ROGERS, 1951, p.199). Ademais, sua preocupação com o desenvolvimento da ciência era
uma constante e por mais que as discussões provessem relevante tensão, configuravam-se como um
meio eficiente para divulgação e reorientação de formulações. Relevando que neste momento da
história da Psicologia (momento onde Rogers aparece em seu auge com todo o arcabouço da teoria) as
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concepções psicoterapêuticas ainda se apresentavam em menor número, variedade e estruturação,
Rogers e Kinget completam o intuito da Abordagem Centrada na Pessoa de dedicar-se ao tema:
Considerando-se que as questões da transferência e do diagnóstico ocupam um lugar
central na maior parte das concepções psicoterapêuticas e que todo terapeuta
sinceramente interessado no progresso de sua especialidade deseja investigar a
significação que têm estas questões em outras teorias que não a sua, parece-nos
importante caracterizar a terapia rogeriana com relação a estas questões (ROGERS;
KINGET, 1977b, p.191).
Observa-se que há um reconhecimento da importância da Transferência e chamase atenção para o seu estudo em caso de desejo de desenvolvimento científico. No entanto,
como se já não bastasse toda a polêmica vivida nas conferências que sucederam o nascimento
da ACP na década de 40, Rogers e Kinget são enfáticos ao afirmar que “Com efeito, enquanto
problemas, as questões da Transferência e do diagnóstico não se colocam nem com relação à
teoria, nem com relação à prática desta terapia.” (ROGERS; KINGET, 1977b, p.192).
Não surpreende pensar que a frase acima causou novamente murmúrios e severas
críticas. É óbvio que para alguns, classificar a teoria como superficial ou irresponsável pode
ser uma saída cômoda para dispensar a troca, o novo aprendizado e consolidar a permanência
na ignorância consentida. Para a compreensão pormenorizada da afirmação de Rogers e
Kinget e propriamente da Transferência sob a ótica da Abordagem Centrada na Pessoa é
necessário considerar alguns aspectos básicos desta teoria e da divergência entre a sua
estratégia e a da Psicanálise. Isso requer um mínimo de esforço e desprendimento para
apreensão do conteúdo que sucede. Rogers e Kinget demonstram preocupação com o
conteúdo de sua afirmação:
(...) Se nos delimitamos, porém, à indicação pura e simples desta posição sem dar a
conhecer sua lógica, arriscamo-nos não somente a não aproximar os pontos de vista,
mas distanciá-los ainda mais. (...) O efeito sobre o interlocutor de orientação
divergente é geralmente devastador. (...) Vejamos se é possível atenuar o choque
produzido por estas e evitar que a distância entre concepções terapêuticas
divergentes aumente, apresentando os argumentos sobre os quais estas respostas se
apoiam (ROGESR; KINGET, 1977b, p.192)
É exatamente a esse propósito que se dedica a continuação deste trabalho.
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As atitudes transferenciais e a ACP______________________________________________________________
CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRANSFERÊNCIA SOB O PRISMA DA ACP
Carrenho, Tassinari e Pinto trazem uma importante ponderação quando colocam
que: “a Abordagem Centrada na Pessoa não questiona se Freud estava certo ou errado em seus
conceitos (...)” (CARRENHO; TASSINARI; PINTO, 2010, p.137). Merry e Tudor
complementam:
É uma das ideias equivocadas (...) que os praticantes da abordagem centrada não
“acreditam” em transferência e não levam isso suficientemente a sério. Essas são
representações e ideias equivocadas. Não é uma questão de crença ou de seriedade, é
uma diferença de percepção e definição e de filosofia e prática terapêutica
(MERRY; TUDOR, p.144, 2006, tradução nossa).8
Há uma preocupação em não desmerecer a importância que o termo pode ter
adquirido para fazer deslanchar a teoria psicanalítica e também outras teorias. Assim, esta
afirmação aparece para trazer calmaria à possibilidade iminente de críticas, como é
corriqueiro entre profissionais que escolhem referenciais diferentes. O presente trabalho, em
sua finalidade, almeja facilitar o diálogo entre duas perspectivas, como proposto pelo próprio
Rogers e objetiva completar tal tarefa através da tentativa de leitura de um dos termos
utilizados por uma teoria sob a ótica da outra. A tarefa não é fácil e tampouco é comum. Mas
se é este o propósito, o trabalho evitará a desconsideração do conceito para que não se perca
por completo a possibilidade de questionar a existência do fenômeno. O questionamento se
dará principalmente no âmbito do fenômeno que tal conceito carrega. Entende-se que se o
conceito é cogitado para discussão clínica é porque merece atenção, mesmo que sua leitura
através de outros olhos mereça uma modificação terminológica ou compreensiva.
Inicialmente, é possível tecer pelo menos quatro considerações que diferenciam a
compreensão do fenômeno chamado Transferência em Psicanálise e em Abordagem Centrada
na Pessoa.
8
It is one of the popular misconceptions (…) that person-centred practitioners do not “believe” in transference
and do not take it seriously enough. These are misrepresentations and misconceptions. It is not a question of
belief or seriousness, it is a difference of perception and definition and of philosophy and therapeutic practice.
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Laplanche e Pontalis (1999) afirmam que o termo Transferência é:
(...) o processo pelo qual os desejos inconscientes se actualizam (sic) sobre
determinados objectos (sic) no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com
eles e, eminentemente no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma
repetição de protótipos infantis vivida com uma sensação de actualidade (sic)
acentuada. A maior parte das vezes é à transferência no tratamento que os
psicanalistas chamam transferência, sem qualquer outro qualificativo
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1975, p.668-669, grifos nosso).
A primeira consideração está relacionada à “repetição de protótipos
infantis”. A Psicanálise insiste em afirmar a existência dessas atitudes como expressão de um
conflito fundamental, o qual foi vivido com os pais e do qual se originaram as tais atitudes
que aparecem na relação. O modelo presente na clínica da ACP se dá pela via do aqui e do
agora e não privilegia a experiência de nenhuma relação no que se refere à escuta terapêutica
ou a mecanismos estratégicos. Diz Rogers, portanto, que:
Se uma definição de transferência inclui todo o afecto (sic) para com os outros,
então há transferência; se a definição que se utiliza é a de transfert (sic) de atitudes
infantis para a relação actual (sic) a que não se ajustam, então está presente em
muito pequeno grau qualquer transferência (ROGERS, 1951, p.202).
Para a segunda consideração, atentar-nos-emos para a seguinte definição de
Transferência, encontrada em “Um Estudo Autobiográfico”, onde Freud afirma que:
Em todo tratamento analítico surge, sem interferência do médico, uma intensa
relação emocional entre o paciente e o analista, que não deve ser explicada pela
situação real. Pode ser de caráter positivo ou negativo, e pode variar entre os
extremos de um amor apaixonado, inteiramente sensual, e a expressão infrene de
desafio e ódio exacerbados. Essa transferência — para designá-la pelo seu nome
abreviado — logo substitui na mente do paciente o desejo de ser curado, e, enquanto
for afeiçoada e moderada, torna-se o agente da influência do médico e nem mais
nem menos do que a mola mestra do trabalho conjunto de análise. (...) se tiver
sido convertida em hostilidade, (...) poderá então acontecer que paralise os poderes
de associação do paciente e ponha em perigo o êxito do tratamento. Contudo, seria
insensato fugir à mesma, pois uma análise sem transferência é uma
impossibilidade (FREUD, 1976, p.56, grifos nossos).
A Transferência aparece aqui como o “agente da influência do médico e nem
mais nem menos do que a mola mestra do trabalho conjunto de análise”. Não sendo a
Transferência um problema para a Abordagem Centrada na Pessoa, é incogitável analisa-la
como a mola mestra. O fato de que é possível perceber um conteúdo do campo experiencial
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da pessoa projetado na figura do terapeuta não legitima o ocorrido como instrumento
primordial na psicoterapia centrada no cliente, tampouco uma ferramenta que tenha privilégio
de importância sobre quaisquer outras ferramentas do terapeuta ou ainda um conteúdo que se
sobreponha a outros conteúdos em ordem de importância. Estando o fenômeno da
Transferência em mesmo plano que outros fenômenos, não seria prudente ou desejável fugir
do mesmo (talvez seja verdadeiramente insensato), mas também não seria condizente buscá-lo
como prioridade.
O terapeuta lida com estas atitudes precisamente da mesma foram que lida com
atitudes semelhantes dirigidas a outros. Parafraseando e modificando a afirmação de
Fenichel para tornar verdadeira esta perspectiva, poder-se-ia dizer: A reação do
terapeuta centrado no paciente à transferência é a mesma que perante qualquer outra
atitude do paciente: procura compreendê-la e aceita-la (ROGERS, 1951, p.204).
A terceira consideração é que, segundo Freud, as projeções transferenciais se
desenvolvem em uma relação transferencial, como já entendido. A relação transferencial
tem importância crucial no que se refere ao processo e aos resultados da análise. Em
contrapartida, Rogers diz que “na terapia centrada no paciente, esta relação de transferência,
implícita, persistente e dependente não tende a desenvolver-se” (ROGERS, 1951, p.203). Isto
porque o material transferencial dirigido ao terapeuta não recebe qualquer tipo de
manutenção, assim como não é reforçado. Este material é caracterizado como pontual e
esporádico, pertencente ao aqui e ao agora e não uma semente de um processo transferencial
que se inicia, se estabelece e se alonga. É exatamente por este motivo que este material recebe
o nome de “Atitudes Transferencias” (ROGERS; KINGET, 1977b). É possível pensar em
Atitudes Transferenciais, mas não é possível pensar em relação transferencial dentro da
Abordagem Centrada na Pessoa.
Finalmente, uma quarta e última consideração a ser feita (que também usará
a citação anterior de Freud como referência) está na necessidade de identificação da
Transferência. Se a ACP não vê a mesma como um problema, como prioridade, como
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instrumento ou ferramenta privilegiada; se a ACP não vê a necessidade de sua busca ou de
seu reforço, a terapia na ACP não depende da Transferência. E se o sucesso da relação
terapêutica não depende desta, a terapia sem Transferência é possível dentro do ponto de vista
conceitual e no que concerne à propedêutica e à estratégia. As Atitudes Transferenciais, sim,
efetivamente se manifestam num considerável número de casos de terapeutas centrados
segundo esta maneira de ver: atitudes afetivas que são dirigidas impropriamente ao outro;
neste caso, ao terapeuta (ROGERS, 1951).
CUIDADOS FRENTE À RELAÇÃO PSICOTERAPÊUTICA: PONTOS DOS QUAIS
PODEM SE DERIVAR AS ATITUDES TRANSFERENCIAIS
Ressaltando uma situação observável de atitudes equivocadamente dirigidas a
uma pessoa que não é propriamente quem lhes merece (aqui, o terapeuta), encontra-se uma
distorção, uma deformação. Hycner diz que “o terapeuta é, de muitas formas, uma
“pseudopessoa” para o cliente. Essa é a verdade sobre o conceito de transferência.”
(HYCNER, 1995, p.63). Isto é dizer que as Atitudes Transferenciais estão calcadas em
expectativas não reais do outro, em fantasias. Segundo Rollo May, “o que falta é um conceito
de contato, através do qual, e somente por intermédio deste, a transferência encontra um
significado genuíno. A transferência deve ser entendida como uma distorção do contato”.
(MAY, 1983, p.21).
Um primeiro ponto que pode ser impulsionador às Atitudes Transferenciais é
a ameaça (ROGERS, 1951). Este ponto parece perpassar todos os outros e de alguma
maneira se faz presente em diferentes graus em todos os casos onde as Atitudes
Transferenciais aparecem. Uma pessoa que se sente ameaçada tende a se proteger e isso
representa essencialmente o funcionamento dos mecanismos de autopreservação. Exatamente
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por este motivo, as resistências não se apresentam como fenômenos absurdos ou que devam
ser extirpados da experiência do cliente, assim como defendem vários terapeutas. Em certo
sentido, pode-se compreender que as defesas ou as resistências são uma barreira entre o
indivíduo e sua experiência, enquanto que o desprendimento delas pode resultar em uma
apreensão mais plena e eficaz da experiência. Entretanto, há uma ressalva. Rogers e Kinget
afirmam:
No nível de suas raízes, as tendências defensivas e as tendências ao crescimento se
emaranham de tal modo que ao arrancar umas, corre-se o risco de destruir as outras.
(...) Em caso de ameaça de crise ou de conflito sério, o recurso às barreiras pode ser,
temporariamente, o único meio de proteção contra o desmoronamento (ROGERS;
KINGET, 1977a, p.94).
As Atitudes Transferenciais, portanto, funcionam a serviço de forças defensivas,
de uma resistência que priva a percepção de conteúdos ameaçadores. Aparecem quando a
pessoa experimenta uma ameaça à organização do eu por elementos acessíveis à consciência
(ROGERS, 1951). Na relação terapêutica, o terapeuta se torna o bode expiatório da distorção
que a pessoa cria para proteger-se do conteúdo que a ameaça e ele (terapeuta) acaba por
receber todas as projeções desses conteúdos.
Vê-se, pois, que o objetivo do terapeuta é prover condições favoráveis (as quais
serão tratadas posteriormente) para contribuir contra a ameaça que a pessoa que busca ajuda
encontra no momento de exploração de conteúdos próprios. Ou seja, ele busca não aumentar
as resistências que são inextricáveis a esta empreitada, pois elas se configuram como
experiências naturais ao processo terapêutico em desenvolvimento (HYCNER, 1995) e
representam papel importante no aspecto relacional. Sendo bem-sucedido nesta tentativa, que
está de certa maneira em seu controle, reduz-se a possibilidade do desenvolvimento de
Atitudes Transferenciais.
O segundo ponto que pode estar ligado ao surgimento das Atitudes
Transferenciais é o julgamento (ROGERS, 1951). Este se subdivide em diversas categorias
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______________________________________________________________As atitudes transferenciais e a ACP
que tem como elementos comportamentos por parte do psicoterapeuta que contribuem para
um alto grau de dependência do cliente e esta, por sua vez, está intimamente relacionada com
o surgimento e a manutenção das Atitudes Transferenciais. Incluem-se, por exemplo, o
diagnóstico e a avaliação, práticas não comuns ao profissional centrado no cliente. Dizer o
que o outro tem e é não pode ser totalmente benéfico. Observa-se que para quem se encontra
em estado de grande fragilidade psicológica (e muitas vezes física, por consequência) a
nomenclatura sustenta a fantasia do lugar do psicoterapeuta de um detentor do saber. É
comum constatar também que muitas vezes o psicoterapeuta se demonstra satisfeito e
orgulhoso em ostentar esta posição de superioridade que apenas contribui para a deterioração
da relação. Se o psicoterapeuta se mantém no papel de alguém que sabe o que o outro tem ou
é, ele não pode ser visto como uma pessoa, e sim como um objeto fornecedor de respostas
prontas. O que acontece é que ele não é eterno e muito menos é onipotente para estar presente
em todas as situações de tomada de decisão. Por fim, a pessoa se atrela de uma maneira
lamentável e se mostra cada vez mais longe de assumir as rédeas de sua própria vida, como
ressalta Rogers:
(...) o verdadeiro processo de diagnóstico coloca o centro de apreciação de forma tão
definida no perito que pode desenvolver no paciente quaisquer tendências de
dependência e leva-lo a sentir que a responsabilidade da compreensão e da melhoria
da situação está nas mãos de um outro indivíduo (ROGERS, 1951, p.223-224).
O terceiro ponto do qual podem se derivar as Atitudes Transferenciais são as
Atitudes Tutelares (ROGERS, 1951). É razoável pensar que em suas consequências, as
Atitudes Tutelares desembocam no mesmo resultado que o julgamento em seu caráter
diagnóstico: o convite à dependência. A apreciação moral ou de características de uma pessoa
por parte do terapeuta destitui novamente o seu centro de avaliação e o institui como
privilégio do profissional. Transvestida de nobres atitudes, as de ordem tutelar visam
tranquilizar, reconfortar, encorajar, consolar e estandardizar o que a pessoa vive (ROGERS;
KINGET, 1977a). Em uma avaliação centrada na pessoa, pode-se dizer que todas essas
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intervenções não passam de iniciativas que desqualificam a experiência. O cliente é então
desmotivado a contatar seus conteúdos mais intensos e dá novamente o poder a quem passa a
qualificar sua experiência com propriedade profissional e científica. Em outras palavras, o
terapeuta é quem sabe como a pessoa é, o que vai acontecer e o que deve fazer.
Chega-se à expectativa, como quarto ponto (ROGERS, 1951). A relação
terapêutica é muito sutil e os pequenos detalhes importam, assim como são devidamente
escutados e absorvidos. Se por algum motivo, há qualquer demonstração de uma expectativa
por parte do terapeuta, o cliente pode tentar buscar satisfazer essa demanda: “Deste modo, o
acento que o psicanalista põe no uso da associação livre comunica uma expectativa de
dependência por parte do paciente.” (ROGERS, 1951, p.216). Não é possível controlar
algumas das sensações que acometem os que estão envolvidos em uma relação, mas sim o que
se escolhe fazer com elas. A expectativa por parte do terapeuta, sendo natural ou não, merece
um cuidado.
Após a enumeração e exame cuidadoso de algumas hipóteses geradoras das
Atitudes Transferenciais, chega-se a um ponto que está bastante mais longe de ser
propriamente trabalhado. Concluindo, é saudável levar em conta os aspectos mais obscuros e
incontroláveis, dos quais podem se derivar as Atitudes Transferenciais. Em várias ocasiões, o
limite frente ao desconhecido aparece para golpear o narcisismo e dizer do não saber que está
sempre presente na condição existencial humana. Há alguns motivos que não estão ao alcance
de avaliação desse trabalho, há limitações para especular e examinar. Dito de outra forma, não
é possível ter controle de todos os aspectos e o último ponto a ser destacado é justamente o
ponto que não se pode aprofundar.
A CONDUÇÃO FRENTE A UMA SITUAÇÃO TRANSFERENCIAL
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Seguindo os rumos que o presente trabalho tomou, faz-se importante a tarefa de
amarrar a origem e compreensão do termo dentro dos princípios da Abordagem Centrada na
Pessoa à possível maneira de conduzir um atendimento em que a pessoa que solicita ajuda
dirige Atitudes Transferenciais ao psicoterapeuta. Este capítulo poderia parecer desnecessário
considerando o argumento previamente apresentado, o qual sugere uma intervenção similar a
qualquer outro tipo de fenômeno que pudesse ser observado clinicamente. No entanto, a
proposta aqui é de obter mais elementos palpáveis para embasar uma possível intervenção
neste momento e alimentar a leitura do construto Atitudes Transferenciais. Observemos que a
qualidade técnica no assunto é de suma importância para o quadro dialógico entre quaisquer
teorias e a ACP dispõe de diversos elementos para elucidar sua competência frente ao que
encaramos como resultado da análise anterior: uma distorção relacional.
A Abordagem Centrada na Pessoa trabalha minuciosamente na precisão do que
seriam “condições favoráveis” ao desenvolvimento de um indivíduo (não só em atendimento
psicoterápico como também fora dele). Este construto das condições favoráveis representa um
papel fundamental na teoria e serve como base de entendimento da qualidade relacional que
ela se propõe a oferecer. Deste ponto, acredita-se, se origina a atmosfera de segurança
necessária para um desenvolvimento saudável, isto é, se origina uma qualidade relacional que
não dá espaço para distorções na relação, como as Atitudes Transferenciais, por exemplo. Se
estas, por sua vez são identificadas mesmo assim, então são devidamente trabalhadas a partir
do oferecimento das próprias condições favoráveis, as quais se fazem justamente pertinentes
por real importância em todas as situações segundo a Abordagem Centrada na Pessoa.
A conceituação sobre a atmosfera terapêutica propiciou uma pertinente
diferenciação entre técnicas e atitudes. Sabe-se que a terapia exige um conjunto de disposição
de atividades que podem ser apreendidas por meio de um aprendizado formal: são as técnicas,
que independem da personalidade de quem as utiliza e não requerem nenhum compromisso
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pessoal por parte do profissional. Já as atitudes estão enraizadas na personalidade e não
podem ser adotadas circunstancialmente (ROGERS; KINGET, 1977a), sendo passíveis de
desenvolvimento mediante treino e esforço. Seguem a análise de três atitudes presentes na
obra de Rogers, as quais serão atreladas a conceitos de igual importância que facilitarão o
entendimento da condução de um processo na situação transferencial. É importante frisar que
este trabalho se focará em um recorte aplicado aos propósitos estabelecidos.
A atitude de Consideração Positiva Incondicional parece ser mais apropriada
à primeira exemplificação. Seu conceito será atrelado ao de Experiência. Esta última é
definida por Rogers e Kinget como:
(...) tudo o que se passa no organismo em qualquer momento e que está
potencialmente disponível à consciência; em outras palavras, tudo o que é suscetível
de ser apreendido pela consciência. A noção de experiência engloba, pois, tanto os
acontecimentos de que o indivíduo é consciente quanto os fenômenos de que é
inconsciente (ROGERS; KINGET, 1977a, p.161).
Rogers e Kinget dizem que “Com efeito, o terapeuta deve, não somente
testemunhar tal atitude, como deve igualmente experimentá-la.” (ROGERS; KINGET, 1977a,
p.75). Para que o processo seja fecundo, o terapeuta deve expressar esta atitude
verdadeiramente, e não utilizá-la para a atuação de um papel, o que seria facilmente percebido
pela pessoa em atendimento. Eles conceituam, portanto:
Se as experiências de uma outra pessoa, relativas a ela própria, me afetam (todas
elas) como igualmente dignas de consideração positiva, isto é, se entre todas estas
experiências nenhuma exige que eu distinga como mais ou menos digna de
consideração positiva, dizemos que experimento com relação a esta pessoa uma
atitude de consideração positiva incondicional (ROGERS; KINGET, 1977a, p.175).
Há muitos mal-entendidos a respeito desta atitude. A ênfase do conceito está
clara: a aceitação incondicional é da experiência e não do comportamento e dizer sobre esta
experiência faz parte do processo de elaboração pessoal. Partindo de uma premissa não
diretiva, o terapeuta não pretende hierarquizar conteúdos experienciais e muito menos sugerir
prioridades. Novamente, ele estaria gozando de uma posição de expert para corroborar o
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processo da pessoa, destituindo-a de seu senso próprio de critério. Isso não quer dizer que a
pessoa pode fazer o que bem entender e sim, ela estaria livre para reconhecer e elaborar as
experiências e sentimentos pessoais como os entende. Isto revelou ser tão importante na
empreitada da auto exploração que se tornou outro conceito dentro da ACP: é a Liberdade
Experiencial. Viver uma Liberdade Experiencial é supor “que o indivíduo não se sinta
obrigado a negar ou a deformar suas opiniões e atitudes íntimas para manter a afeição ou o
apreço das pessoas importantes para ele” (ROGERS; KINGET, 1977a, p.46).
Pois bem, o entrelaçamento acontece da seguinte maneira: a pessoa pode
reconhecer e elaborar sua experiência como a entende; o terapeuta, como testemunha de sua
narrativa, aceita esta experiência sem julgá-la ou desqualifica-la e finalmente favorece a
vivência mais intensa de uma Liberdade Experiencial. Esta, por sua vez, instiga o
fortalecimento da percepção realista de si, a qual fortalece o estabelecimento de um critério
próprio de avaliação. Melhor dizendo, o terapeuta constrói uma relação “centrada na pessoa”
mais sólida.
A Empatia, conceituada como outra atitude terapêutica básica e necessária ao
desenvolvimento, assim como a Consideração Positiva Incondicional, exerce igualmente um
caráter protetor à integridade da experiência (ROGERS; KINGET, 1977a) na medida em que
não a mutila e não a subjuga. Ela merece ser entendida em seu conceito mais puro para que se
faça possível a compreensão do seu potencial terapêutico:
A empatia ou a compreensão empática consiste na percepção correta do ponto de
referência de outra pessoa com as nuances subjetivas e os valores pessoais que lhe
são inerentes. Perceber de maneira empática é perceber o mundo subjetivo do outro
“como se” fôssemos essa pessoa – sem, contudo, jamais perder de vista que se trata
de uma situação análoga, “como se”. (...) sem jamais se esquecer de que estão
relacionadas às experiências e percepções de outra pessoa. Se esta última condição
está ausente, ou deixa de atuar, não se tratará mais de empatia, mas de identificação
(p.179).
Quando um terapeuta é profundamente empático, ele consegue uma conexão
muito forte com outra pessoa, mas treinar-se e desenvolver-se em Empatia é uma tarefa
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bastante difícil. Conseguir posicionar-se (temporariamente) no campo experiencial do outro,
“como se” fosse esse outro, demanda um esforço e desprendimento enormes em relação aos
juízos próprios de valores e crenças pessoais. Além disso, é uma tarefa por vezes desgastante
e perigosa. Caso o treino e a supervisão não sejam acompanhados, há o risco de identificação
com o conteúdo que a pessoa em atendimento traz, e isto pode acarretar desastrosas
consequências no processo, para não dizer na vida de quem solicitou ajuda. Mas para um bom
terapeuta centrado, a atitude de Empatia, que se traduzirá efetivamente em uma intervenção
empática, é uma ferramenta absolutamente confiável no exercício de derrubada da fantasia.
Verifica-se que a ACP não se preocupa inicialmente em verificar a origem desta fantasia, e
sim, compreender a experiência do cliente e consequentemente trazer os elementos reais ao
aqui e ao agora da relação, de modo a corrigir a percepção que sustenta a pessoa a se manter
na experiência fantasiosa. Hycner continua o raciocínio: “É apenas trabalhando com esses
conflitos “transferenciais” que o terapeuta pode ser visto como uma pessoa “real”.”
(HYCNER, 1995, p.63).
A última atitude a ser mencionada nesta parte do trabalho é a Autenticidade
ou Congruência:
Quando as experiências relativas ao eu são corretamente simbolizadas e integradas
na estrutura do eu, há acordo entre o eu e a experiência. Se absolutamente todas as
experiências de um determinado indivíduo fossem corretamente simbolizadas e
integradas no eu, este indivíduo – hipotético – funcionaria de modo ótimo. Na
prática, quando um determinado seguimento da experiência é corretamente
simbolizado (...) o indivíduo realiza um estado de acordo (ROGERS; KINGET,
1977a, p.172).
Nota-se que a complexidade da situação nos convida ao caos: ora, o terapeuta não
há de perceber e atentar-se somente ao mundo do cliente e suas experiências internas, pois
dentro de si existe também outro mundo, cheio de experiências. Apesar de complexo e
assustador, este mundo interno do terapeuta é também uma ferramenta para a relação onde há
Atitudes Transferenciais. Em face de mais uma dificuldade, confirma-se novamente a
importância de uma atenção à própria preparação pessoal. Anderson e Goolishian colocam as
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consequências do trabalho psicoterapêutico guiado por um profissional destituído de um
trabalho prévio sobre seus próprios conteúdos:
Os terapeutas, geralmente, perdem contato com as experiências do cliente e
constrangem sua narrativa. A certeza pré-determinada pela teoria implícita ou
explícita faz com que se perca contato com a experiência do cliente, com o
desenvolvimento de significados particulares e também com a vivência do terapeuta
(ANDERSON; GOOLISHIAN, 1993, p.17-18).
Se há Congruência por parte do terapeuta, isto é, se percebe suas experiências
como são, ele tem em suas mãos elementos internos para serem usados na relação com o
outro. Se se desenvolveu suficientemente e consegue ser igualmente empático, certamente
poderá inclusive encontrar em si recursos que, como um espelho da narrativa do outro
construiu e os tem em sua própria experiência. Tudo isso quer dizer que o mundo interno do
psicoterapeuta pode ser usado em favor da relação terapêutica. No entanto, a expressão da
experiência do terapeuta é secundária. Ela acontecerá caso este considere o conteúdo dessa
experiência produtivo à relação terapêutica e obviamente essa ação estará totalmente
condicionada à configuração do próprio processo. Mantendo o foco na intervenção no aqui e
no agora, a qual compreende a demanda e a distorção dos papéis, mas que traz o real da
relação à tona, a Congruência sim, poderia ser efetiva neste segundo nível: o da comunicação.
O psicoterapeuta pode corrigir ou estabelecer limites claros na relação no momento em que
aparecem as fantasias e a especulação como sintomas de Atitudes Transferenciais.
A contraposição que dirige a conclusão é no mínimo interessante. Muitas vezes é
necessário recorrer à expressão dos limites, visto que a construção distorcida que o cliente faz
da relação endereça demandas que o psicoterapeuta não quer e não deve atender – afinal, não
são reais. Para estampar seu lugar, ele necessita de assertividade e firmeza, pois a tensão
cresce na frustração que se instaura. No entanto, apesar desse despojamento que todo
psicoterapeuta necessita, o filiado à Abordagem Centrada na Pessoa quer oferecer a Aceitação
Positiva Incondicional e quer ser extremamente empático. Ele quer favorecer uma Liberdade
Experiencial para estimular as forças de crescimento da pessoa. Por mais extremo que possam
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parecer essas duas posições, há equilíbrio. E por mais tensão que resida no atendimento, ela
também encontra sua vazão. A possibilidade de expressão proporcionada pela atmosfera rica
em compreensão e aceitação da experiência tende a contradizer o senso comum, como
comprovam Rogers e Kinget:
Se o indivíduo pode exprimir livremente seus sentimentos, quaisquer que sejam,
ainda que anti-sociais ou imorais, sua tensão emocional tende a diminuir. Ao
contrário, se deve sufocar seus sentimentos, por medo de que eles provoquem
desaprovação ou a punição, a tensão tenderá a se elevar. Dito de outra forma, a
probabilidade do ato agressivo parece proporcional ao grau de tensão
experimentado. Tudo o que aumenta o nível da tensão, aumenta, em conseqüência,
a probabilidade do ato agressivo (ROGERS; KINGET, 1977a, p.51, grifos nossos).
O que ocorre ostensivamente é o esvaziamento da tensão se propriamente
trabalhada. Não é o objetivo, no entanto, garantir a ausência de riscos, pois toda relação os
inclui e os implica, mas sim estabelecer pontos de sustentação para a crença propulsora da
continuação do trabalho e das metas clínicas. Diferentemente do que se pensa, trabalhar não
diretivamente é drasticamente diferente do que trabalhar sem metas ou objetivo. Trabalhar
não diretivamente é acreditar na capacidade do indivíduo.
CONCLUSÃO
A Consideração Positiva Incondicional, a Empatia e a Congruência são nem mais
nem menos que peças-chave nos processos psicoterapêuticos, independentemente do
conteúdo peculiar que carregam cada um deles. Considerar positivamente a experiência da
pessoa que solicita ajuda sem quaisquer condições, escutar empaticamente “como se” fosse o
outro e ser autêntico ou congruente ao ponto de reconhecer suas próprias experiências
avaliando a necessidade e produtividade terapêutica de comunicação, são ações que devem,
sobretudo, funcionar de maneira sincrônica. Se assim for, se tornam grandes agentes que
funcionam a favor de uma relação ativa, real, que valoriza o aqui e o agora e que tende a
contribuir para as forças de crescimento.
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As Atitudes Transferenciais aparecem como forças defensivas, sintomas frente a
uma ameaça que a pessoa sente ou que vislumbra sentir em algum momento diante de
conteúdos pessoais. Elas representam uma parcela da resistência natural decorrente de todo
processo de auto exploração. São frequentemente percebidas clinicamente, pois se
demonstram uma distorção relacional onde o cliente endereça um papel ao terapeuta que não
lhe cabe e demanda ocasionalmente a este que atenda seus pedidos. E se há uma expectativa
de que o terapeuta irá corresponder a esta demanda, há uma tensão.
A demanda cria a tensão e a tensão gera o pedido, implícito ou explícito. Caso
seja implícito, o psicoterapeuta treinado em Empatia (terapeuta empático) poderá ajudar a
pessoa a verbalizar ou a simbolizar essa experiência. Caso seja explícito, a busca por palavras
coloca o processo em movimento. Se o cliente pode falar sem ser julgado, então ele goza de
uma Liberdade Experiencial que completa o ciclo: colocar em palavras é reduzir a tensão, é
eleger símbolos que acalentam. O fluxo deste processo evita algumas consequências da
tensão, pois se não há como esvaziá-la, então a pessoa passa ao ato por não simbolizar
corretamente a experiência.
O psicoterapeuta que consegue não sobrepor seu eu sobre o do cliente ajuda a
pessoa a perceber que a fonte das Atitudes Transferenciais está em si mesma e que ele
representa a ocasião e não a causa dessas atitudes. Posteriormente, isso contribui para que
essa pessoa reconheça fragmentos de experiência que não queria ou não dava conta de admitir
e esta percepção lhe “conduz” a uma recuperação de um centro de critério interno. Percebe-se
que, finalmente, esse deslocamento da fonte de critério representa uma reestruturação do eu e,
consequentemente, uma diminuição das Atitudes Transferenciais.
É claro que considerar esses fenômenos como atitudes implica uma posição de
circunstância. Do lado da Psicanálise, a relação transferencial é não somente duradoura como
é também condição metodológica para o sucesso do processo. Ademais, o fenômeno é visto
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As atitudes transferenciais e a ACP______________________________________________________________
como repetição de protótipos infantis e mola mestra da análise. Todas essas posições
demonstram bastante distância da compreensão da Abordagem Centrada, a qual trabalha
sobre o presente e sem a hierarquização de fenômenos ou de experiências. A Transferência
não é prioridade e nem é mais importante. É possível pensar em um processo sem
Transferência se a considerarmos como é vista em seu sentido original. O que não é possível
aceitar é uma relação onde não haja transferência de valores afetivos de uma pessoa para outra
porque basta estar em contato para que as pessoas sofram influências diretas em seus campos
experienciais.
Rogers foi um grande pesquisador e sempre demonstrou muita preocupação com o
desenvolvimento da ciência. Suas ideias tiveram enorme impacto em várias áreas e
alcançaram um público e propósito inesperados, como, por exemplo, a resolução de conflitos
mundiais. O caminho percorrido por ele indica sua determinação e sua qualificação, o que
evidencia sua credibilidade e a de seus construtos. Especialmente no que diz respeito à
Transferência, essa credibilidade é digna de reforço, por todo o histórico de convívio com
psicanalistas e seu contexto dentro de um meio onde essa perspectiva prevalecia. As palavras
Atitudes Transferenciais não surgiram como confronto, imitação, repulsa ou sem critério. Elas
se originaram a partir de uma ânsia de tornar a Abordagem Centrada na Pessoa acessível ao
debate científico. Essa era a vontade de Rogers. Uma vontade calcada em sua história de vida
e contexto de desenvolvimento.
Um fato interessante reside nos contrapontos da história de Rogers; fato que
também não se difere muito de revolucionários em seus devidos tempos. Quebrar os
paradigmas e os tabus presentes é uma árdua e penosa tarefa: sob essa avaliação, o que Rogers
viveu não se difere muito do que vivem os clientes. Porém, há algo que chama mais atenção
do que esta quebra. A teoria que Rogers criou parecia um desafio que lhe daria mais trabalho
do que precisava ter. Não só a ele, como também a todos os outros que alcançassem o poder
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de suas intenções e de suas descobertas. O objetivo aqui não é enaltecer a glória de Rogers ou
outorgar-lhe um posto mais alto do que merece. O objetivo talvez seja ressaltar os desafios
que enfrenta um psicoterapeuta da Abordagem Centrada na Pessoa. Originalmente, ele não
utiliza de técnicas, não usa do diagnóstico como ferramenta, não trabalha com testes, não
tutela, não estimula, não tranquiliza e não conforta, assim como não busca causas. Ele
também não dirige, a fim de tornar a relação mais centrada no cliente, na pessoa que busca
ajuda. Ele se esforça para estar, para acompanhar sem sugerir, para dotar a relação de um
caráter real, verdadeiro. Ele se esforça para ser uma pessoa, e não um objeto frente ao outro.
Ele participa com seu mundo interno, com todo o cuidado necessário. Por outro lado, interfere
com limites usando a assertividade necessária, porque o seu objetivo é estimular as forças de
crescimento com todos os recursos que tem. Justamente por isso, acredita que todos têm os
seus próprios recursos: ele aposta em si tanto quanto no seu cliente. Portanto, resta ao
terapeuta centrado viver a relação da forma mais pura e inteira em que ela se dá.
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