AULA SOBRE PRECEDENTES MINISTRADA POR HERMES ZANETI JR.
Precedentes no novo CPC, a jurisprudência no novo CPC e o papel que os precedentes e a jurisprudência têm na nova legislação (Lei 13.105/2015).
Preparei um sumário dessa aula. Farei uma leitura do sumário para falar dos temas e depois irei recuperando tema por tema para que a gente possa concluir ao final com uma ideia de como se pode interpretar no código um modelo normativo de precedentes normalmente vinculantes.
A racionalidade como justificativa para os precedentes, a artificialidade do direito e a responsabilidade do intérprete no modelo de precedentes normativos vinculantes
4 problemas de teoria do direito: legalidade, separação de poderes, vinculação do juiz somente à lei, independência judicial
A jurisdição como atividade tendencialmente cognitiva (de conhecimento e não de criação)
A teoria da interpretação e a interpretação operativa
A nova fronteira da teoria da decisão judicial, a teoria do julgamento colegiado problema sobre como os tribunais devem decidir questões referentes à formação dos precedentes, uma vez que são órgãos colegiados e que para que possa formar o precedente, eles precisam ter uma deliberação a respeito dos tópicos relevantes
Uma classificação dos precedentes: precedentes normativos vinculantes, precedentes normativos formalmente vinculantes, precedentes normativos formalmente vinculantes fortes.
Começarei primeiro com a parte dogmática.
A teoria do direito que se separa da dogmática, que é mais objetiva, ela é preocupada em organizar o pensamento jurídico de forma a construir algo sólido que possa resolver os problemas não só do ordenamento jurídico brasileiro, mas para qualquer ordenamento jurídico.
Então, o papel da teoria do direito é um papel crítico e projectual. Crítico, porque permite verificar dentro das normas do ordenamento quando elas são conformes ou não à teoria do direito. Projectual, porque além de fazer essa verificação, permite ainda uma indicação de como o direito deveria ser interpretado como uma dogmática deveria ser utilizada para atingir os fins previstos na teoria para melhor execução da teoria.
Qual o objetivo de uma teoria dos precedentes? O que está por trás? Qual é a justificativa dos precedentes judiciais?
A justificativa dos precedentes judiciais é principalmente ter uma maior racionalidade nas decisões.
Precedentes são decisões anteriores que vinculam decisões futuras.
Precedentes acontecem na vida das pessoas, acontecem todos os dias, não só no direito.
Explicar o direito algumas vezes, explicar as decisões judiciais dos tribunais no Brasil algumas vezes para as pessoas comuns é muito difícil, porque os tribunais têm decisões contraditórias. A mesma causa é decidida de forma diferente para o vizinho que mora no mesmo condomínio, no mesmo prédio. Isso causa uma certa insegurança jurídica e mais que uma insegurança jurídica (termo jurídico para descrever o problema), causa uma insatisfação social.
Assim, uma teoria dos precedentes pretende, a partir da ideia da justificativa de dar mais racionalidade à aplicação do direito, resolver, ou pelo menos, minimizar essa insatisfação social e dar mais segurança jurídica, igualdade, mais estabilidade ao direito, depois que a reconhecemos como premissa de que juízes devem decidir os casos pensando que no futuro, se estiverem enfrentando a mesma questão, devem decidir da mesma forma.
A segunda parte é dogmática em que vamos enfrentar como o CPC disciplinou essa matéria:
Precedentes ou jurisprudência. O que mudou no CPC/2015? Artigos 926, 927, 928, 985, 489, § 1º, V e VI. Esses artigos formam o núcleo da teoria dos precedentes, eles nos permitem compreender o modelo de precedentes do código. Contudo, não se limita a esses artigos. Só pra antecipar, nós temos precedentes na tutela de evidência, improcedência liminar dos pedidos, na decisão monocrática do relator, na reclamação, nos embargos de declaração (utiliza-se os precedentes), também se utiliza os precedentes nos embargos de divergência, utiliza-se também na duração razoável do processo, na remessa necessária, na inexigibilidade da execução. O próprio CPC faz referência a esses institutos quando se utiliza de precedentes.
Precedentes ou Jurisprudência.
Livro – tese de doutorado na Universidade de Roma
Precedentes normativos vinculantes, que seriam os precedentes vinculantes do ponto de vista cultural. Vinculantes porque é da cultura do ordenamento jurídico respeitar os precedentes. É o caso de países de common law, onde não há um dispositivo de lei que diga que deve haver o respeito aos precedentes, mas uma cultura, uma tradição jurídica de respeito aos precedentes.
Precedentes normativos formalmente vinculantes, que são os precedentes que não decorrem dessa cultura, mas são induzidos pela legislação. É a legislação que vai dizer que essas decisões são precedentes vinculantes. Parte-se da premissa de que algumas decisões foram escolhidas pelo CPC de 2015 para se tornarem precedentes, com caráter vinculante.
O que isso tem a ver com distinção de precedente com jurisprudência?
Nós temos uma tradição no Brasil de não usar precedentes. Essa tradição vem de um desdobramento da tradição do processo civil brasileiro, que é uma tradição italiana, alemã, portuguesa, vinculada à origem continental europeia. Portanto, uma tradição de civil law, de direito romano germânico romano canônico. Nesse caso, só a lei é fonte do direito. Daí o problema da legalidade.
Precedentes podem desafiar a legalidade? Vamos enfrentar!
Mas a jurisprudência não pode substituir a lei.
O que é certo para o ordenamento civil law é que a jurisprudência tem apenas caráter persuasivo.
Se nós estamos falando que o CPC de 2015 introduz uma mudança cultural através de uma reforma legislativa, de uma nova lei, e que essa lei está introduzindo uma mudança cultural, (assim como foi introduzido uma mudança cultural quando passamos a usar cinto de segurança e não fumar em locais fechados que foi feito por meio de lei) nós temos que perceber nitidamente qual é essa mudança.
Diante disso, devemos então tentarmos algum rigor terminológico. Tentarmos compreender os termos do CPC de forma de forma a lhes dar clareza, separando o que são os precedentes vinculantes do que é jurisprudência (conjunto reiterado de decisões com caráter persuasivo)
O que a doutrina internacional chama de precedentes persuasivos, que tem apenas um caráter de fato, uma força doutrinária de persuasão que eu sigo ou não de acordo com as minhas boas razões. Isso, chamamos de jurisprudência persuasiva.
Por outro lado, a novidade, a mudança cultural que é introduzida a partir do artigo 927, devemos chamar de precedentes normativos formalmente vinculantes.
Vamos analisar quais são na tipologia do CPC esses precedentes vinculantes e aí discutir a normatividade do artigo 927 do CPC.
Artigo 927 caput: os juízes e tribunais observarão (palavra que descreve norma ou sugestão? É imperativo ou é um conselho? Quer dizer que os juízes observarão de longe os precedentes ou a eles ficarão vinculados? Parece muito difícil negar o caráter normativo da expressão observarão. Daí elenca dentro desse caráter normativo cinco incisos que são as decisões as quais consideraremos precedentes vinculantes.
As decisões do STF em controle de constitucionalidade concentrado.
Aqui (art. 102/CF), o efeito erga omnes da decisão de controle de constitucionalidade é muito menor do que está sendo dito no CPC. O CPC está desdobrando um duplo discurso da decisão, a decisão para o caso que é aquela prevista na Constituição (decisão do controle de constitucionalidade concentrado para a Lei 123 do Estado de Goiás do precedente que esta decisão forma, ou seja, dos fundamentos determinantes para decidir que a aquela lei é inconstitucional que os fundamentos determinantes deverão ser aplicados no momento futuro quando por exemplo o estado diferente fizer outra lei (p. ex. o Estado do Espírito Santo fizer a Lei 345) com o mesmo conteúdo.
Então é uma mudança com relação ao que nós temos hoje. E é uma mudança que significa algo que muitas vezes é mal compreendido na doutrina e na prática.
Uma teoria séria dos precedentes é antes de tudo, para ser racional, é uma teoria para Cortes supremas, como diz o prof. Michele Tarufo. O que significa dizer que as próprias cortes supremas estão vinculadas aos seus precedentes.
Quando o artigo 927, I, diz que as decisões de constitucionalidade de controle concentrado, portanto, formam o precedente, não só decidem aquele caso, está dizendo que o próprio STF deverá estar vinculado a esses precedentes.
Esse duplo discurso da decisão judicial pode ser exemplificado por meio do artigo 985. Este artigo está no núcleo do modelo de microssistema. Ele está nesse núcleo pois nos ajuda a perceber o duplo discurso da decisão judicial.
O artigo 985 trata do IRDR (incidentes de resolução de demandas repetitivas). Julgado o IRDR, a tese jurídica será aplicada. Percebam o duplo discurso da decisão judicial.
Inciso I: a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal. Qual a expressão chave? Os processos têm que estar tramitando. Essa é uma técnica de solução de casos repetitivos. É uma forma de gestão processual que é utilizada no inciso I do artigo 985 do CPC. Servem para os processos que estão tramitando. É diferente essa técnica da técnica utilizada no inciso II.
A técnica do inciso I diz respeito ao discurso da decisão do caso.
O inciso II diz respeito ao discurso do precedente e diz: aos casos futuros que versem em idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal. Percebam que aqui no inciso II, nós vamos aplicar aquela decisão jurídica do inciso I não aos casos atuais, mas aos eventuais casos futuros que vierem a ser propostos. Aí nós estamos falando de precedentes judiciais. E aí todo modelo de precedentes judiciais previsto nos parágrafos do artigo 927, 926, 489, § 1º, V e VI, se aplica ao IRDR (se aplica aos recursos extraordinários repetitivos), porque nesses casos, eles estarão sendo utilizados como precedentes.
Então, essa distinção é importante. Discurso do caso (artigo 985, I) e discurso do precedente (artigo 985, II).
Continuando o artigo 927, nós vamos chegar ao inciso II que fala dos enunciados das súmulas vinculantes. Esses enunciados também vinculam. Precisava o CPC de 2015 falar isso? Já não estava expresso no artigo 103 da CF? Já não é uma norma constitucional? A EC45 não trouxe essa mudança no nosso ordenamento jurídico? Trouxe. Essa mudança veio com a EC45 e não era necessário que o CPC tratasse disso pra que essas súmulas fossem vinculantes. Mas há uma diferença. O rol do art. 927 é um rol formal. Para que nós saibamos que estamos diante de um precedente, além dos aspectos formais, precisamos verificar os aspectos materiais.
Os aspectos materiais estão disciplinados no art. 926, nos parágrafos do artigo 927, no art. 489, V e VI. Não estão disciplinados nesse rol do art. 927.
As súmulas vinculantes que vinculam também a Administração Pública (não por força do art. 927, mas por força do dispositivo constitucional da Lei da Súmula Vinculante), elas passam agora a estar acrescidas do conteúdo previsto para os precedentes do ponto de vista material.
Uma súmula vinculante que não corresponde ao conteúdo previsto para o modelo de precedente pode ter a sua legalidade questionada, pode ter a sua constitucionalidade questionada, porque ela não segue o devido processo legal do modelo de precedentes. Ela não respeita, por exemplo, as circunstâncias do caso concreto que hoje é uma exigência pra formação da súmula, prevista no artigo 926, § 2º.
Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua criação.
Então, vamos ter aqui a necessidade de trabalhar dentro do conteúdo das súmulas, os fundamentos determinantes. As súmulas que não são o precedente, elas servem para explicitar os fundamentos determinantes do precedente, para dar publicidade aos fundamentos determinantes do precedente. E além de dar essa publicidade, as súmulas servem para tornar decisões que, eventualmente não teriam o caráter de precedentes, precedentes, porque as súmulas são vistas como uma forma de um filtro de transformação através do artigo 927 de decisões em precedentes. Exemplo: embargos de divergência (artigo 1.043 e 1.044 do CPC) não estão ao lado das decisões que formam precedente do artigo 927.
Mas combinando os artigos dos embargos de divergência (artigo 1.043 e 1.044 do CPC) com o artigo 926, § 1º, que trata da formação das súmulas, nós vamos ver que os tribunais têm o dever de sumular a sua jurisprudência dominante e os embargos de divergência não se questiona isso. São jurisprudência dominante. Portanto, o tribunal deve, a partir do momento que estabelecer os embargos de divergência, sumular a matéria para que ela também possa ser considerada aquela decisão formalmente um precedente normativo vinculante.
Existem algumas dúvidas a respeito desse rol do artigo 927.
3 Teses da doutrina sobre a vinculatividade do artigo 927.
Tese esposada por Nelson Nery Jr.: tese que tenta justificar a inconstitucionalidade do artigo 927, a partir da premissa de que seriam constitucionais apenas os incisos I e II, porque haveria no caso do controle concentrado de constitucionalidade e no caso da súmula vinculante, uma autorização constitucional para que o judiciário legislasse de forma geral e abstrata.
Temos dois problemas nessa expressão. Primeiro: achar que as decisões de controle concentrado de constitucionalidade e as decisões de súmulas vinculantes são uma legislação geral e abstrata. Na verdade, o que eu defendo é que há uma integração de trabalho entre o legislador e o poder judiciário. Essa integração de trabalho implica em que o legislador estabelece leis e o juiz está vinculado a estas leis e deve seguir estas leis. Lembrar que quando nós falamos da parte teórica, nós dissemos que a interpretação tem de ser tendencialmente cognitiva. Significa dizer que a atividade do juiz é principalmente uma atividade de conhecer o direito e de aplicar o direito da forma como ele é corretamente compreendido a partir desse conhecimento. A lei vincula. E a lei não depende do precedente para vincular.
A atividade do juiz é uma atividade integrativa do conteúdo da legislação, porque o próprio legislador contemporâneo tem estabelecido normas de tessitura aberta, cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados, princípios, normas que dependem de concretização, exige um esforço de interpretação e aplicação por parte do Judiciário.
Para dar racionalidade a esse esforço de interpretação e aplicação, nós precisamos de um modelo de precedentes que também vincule o Judiciário à própria concretização que ele deu aos conceitos indeterminados, às cláusulas gerais, aos princípios, de forma que nós precisamos saber no futuro, nos outros casos análogos ou similares, que se trata também de uma matéria com entendimento mais coeso por parte do Judiciário, que se pode saber qual é o direito no caso. E, portanto, se pode tomar opções do ponto de vista econômico, social, político, sabendo como o Judiciário vai se comportar com relação àquela matéria.
Por que isso é tão importante? É importante, primeiro, para dizer que o legislador ainda vincula o juiz e o juiz não está livre da legislação. O CPC fala no artigo 8º sobre o princípio da legalidade, a Constituição define o princípio da legalidade. Não há violação do princípio da legalidade na interpretação da lei. Esta é uma função típica do Poder Judiciário. Então, não há nenhuma violação, há sim uma integração de tarefas!
É importante para dizer que, portanto, não há como se falar de uma autorização constitucional para que o Judiciário legisle, porque a tarefa de legislar é apenas do legislador. Se uma lei nova vier, depois de estabelecido o precedente, contrariando o precedente, o Poder Judiciário terá, inclusive, no controle de constitucionalidade, que analisar a constitucionalidade da nova lei. Ele não pode simplesmente aplicar o precedente, tem que analisar a constitucionalidade da nova lei, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes.
Quando o Judiciário interpreta, decide, ele está interpretando, ele está fazendo uma reconstrução, como diria Humberto Avila, do ordenamento jurídico a partir do que existe no ordenamento jurídico e não criando do nada (do nada, nada advém).
Nós não permitimos no direito brasileiro, interpretações enormes, absurdas e sem conteúdo jurídico. As interpretações jurídicas têm que ser realistas (pois dependem do caso concreto, dependem das configurações particulares, dependem da possibilidade de universalização), moderadas (porque dependem dos textos da lei, dependem dos precedentes anteriores) e responsáveis (porque o juiz tem a responsabilidade de tender a cognição, tender à reconstrução ou à aplicação daquilo que já existe – se ele vai mudar, ele precisa de uma crítica constitucional, de uma crítica dogmática que dê suporte a esse novo posicionamento).
Então, com relação ao argumento de que seriam inconstitucionais porque depende de autorização do legislador a possibilidade de o Judiciário legislar de forma geral e abstrata, eu objetaria dizendo que o legislador nem poderia autorizar isso porque não é uma atividade típica do Judiciário. O que o Judiciário faz é decidir através da interpretação jurídica os casos e mesmo no controle abstrato de constitucionalidade, ele faz isso quando ele decide se a matéria é ou não é inconstitucional, retirando a norma do ordenamento jurídico. Nós usamos a expressão que o Judiciário atua como legislador negativo. Na verdade, ele está reconstruindo o ordenamento jurídico através da interpretação. Isso é claro quando a gente fala de “interpretação conforme”, em declaração de constitucionalidade, decretação de inconstitucionalidade sem redução de texto, que são técnicas diferenciadas no controle de constitucionalidade.
Então, seria inconstitucional dizer que o Judiciário está vinculado à própria interpretação? Porque é isso o que o art. 927 diz. O art. 927 não diz que o poder administrativo está vinculado à interpretação do Judiciário. É até aconselhável que isso ocorra, quando vemos precedentes sólidos que o poder administrativo já antecipe os posicionamentos administrativos de forma a se coordenar com que é o direito estabelecido pelos tribunais, mas não é necessário, porque não é o comando normativo do art. 927 autoriza. O comando do art. 927 é claro: “os juízes e tribunais observarão”; então os precedentes vinculantes valem para os juízes e tribunais. Não há nenhuma inconstitucionalidade, nenhuma quebra da separação de poderes, porque os juízes e tribunais continuam vinculados à lei, só podendo afastar a lei quando for o caso de inconstitucionalidade e continuam fazendo a tarefa que sempre exerceram: a interpretação do direito.
Então, nós vamos superar a questão da inconstitucionalidade e passar a falar da segunda tese, em relação aos precedentes que é a tese que diz que os precedentes são apenas as decisões das Cortes Supremas, pois são estas que geram a unidade do direito. Essa tese tem um fundamento lógico importante que é a valorização do papel das Cortes Supremas para dar unidade ao direito. Portanto, a valorização do papel no Brasil do STF para dizer qual é o direito constitucional e do STJ para dizer qual é o direito infraconstitucional. Porém, ela peca por dois aspectos: 1) peca por deixar de reconhecer que podemos ter precedentes regionais em matéria constitucional e em matéria infraconstitucional que vinculam os órgãos fracionários do próprio tribunal, o próprio tribunal e os juízes de primeiro grau independentemente dessa matéria já ter decidido pelas Cortes Supremas.
É possível, por exemplo, no controle de constitucionalidade difuso falar do incidente de decretação de inconstitucionalidade. O incidente é julgado pela Corte Especial por força de dispositivo constitucional. Esse incidente forma um precedente. Forma um precedente tão forte que não pode ser suscitado novamente o incidente quando ele já tiver sido decidido. Todas as vezes que o tribunal analisar o controle de constitucionalidade, ele tem que aplicar a decisão daquele incidente. Os órgãos fracionários têm que aplicar a decisão do incidente. Os órgãos de primeiro grau também têm que aplicar aquele incidente.
Bom, mas ainda não chegou ao STF. O STF pode entender de forma diversa. É verdade. Nos EUA costuma se dizer que quando as decisões são distritais (que não foram para a Suprema Corte) que ainda não há lei no caso, porque ainda é possível que o STF decida de outra forma, mas nós sabemos que a pauta do STF está abarrotada, nós sabemos que o STF tem a repercussão geral, nós sabemos que a partir daí o STF começa a limitar aquilo que ele quer conhecer e limitar aquilo que ele quer pacificar do ponto de vista da interpretação constitucional. Pode ser que o recurso extraordinário não seja admitido. E há uma necessidade de pacificação. Há uma necessidade de racionalidade. Não podemos negar a racionalidade que é aferida a partir da decisão do incidente de controle de constitucionalidade difuso. Então, no primeiro aspecto nós podemos dizer que enquanto não for julgado pelo STF e pelo STJ, mesmo a matéria infraconstitucional e constitucional decidida nos tribunais locais, vai formar precedentes.
Quando se formar o precedente nos tribunais competentes para tanto, há uma derrogação dos precedentes anteriores e passa a aplicar o precedente das Cortes Supremas que são as constitucionalmente competentes para dar unidade ao direito. Mas existe também um outro aspecto que interessantemente foi revelado pelo código dentro deste modelo de precedentes que estamos construindo no art. 332, que trata da improcedência liminar do pedido (inciso IV).
O que fala o artigo 332, IV? Algo que não é dito n o artigo 927, mas que é tecnicamente correto. Diz o seguinte: nas causas que dispense a fase instrutória, o juiz independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente pedido que contrariar enunciado de súmula do Tribunal de Justiça sobre direito local. Se o Tribunal de Justiça é o órgão competente para dizer em última palavra qual é a interpretação do direito local, é óbvio que as decisões do Tribunal de Justiça local formam precedentes normativos vinculantes. Se não há uma questão infraconstitucional federal, se não há uma questão de constitucionalidade, esta será a última palavra da matéria. Portanto, são precedentes normativos vinculantes. Também as decisões dos tribunais locais sobre direito local. Por isso, não se pode dizer que precedentes são apenas as decisões das Cortes Supremas. É importante que se diga: precedentes são melhores quando tomados pelas Cortes Supremas e quando elas mesmas se consideram vinculadas às suas decisões, mas não são apenas as decisões das Cortes Supremas.
A 3ª tese diria então que precedentes são apenas as decisões com força normativa vinculante forte pelo próprio CPC ou pela Constituição. Um grau maior de força dessas decisões que o próprio CPC ou a Constituição atribuiria. Seria o caso do inciso I, II e III do art. 927.
Por que o inciso III? Porque o inciso III trata do modelo dos casos repetitivos que é formado pelo incidente de resolução de demandas repetitivas e pela possibilidade dos recursos especial e extraordinário repetitivos. E trata, ainda, do incidente assunção de competência que é o incidente que existe justamente para os casos de grande relevância, de repercussão social, de interesse público que não tem a característica de serem repetitivos, mas que como são relevantes também exigem a formação de precedentes. Parece-me que essa tese peca no momento em que exclui a vinculatividade, por exemplo, dos incisos IV e V que tratam das demais súmulas do STF, do STJ e dos tribunais locais e da orientação do Plenário e do Órgão Especial ao qual os juízes e tribunais tiverem vinculados. O modelo que o art. 927 criou é formalmente muito mais amplo. E não há porque excluir esses outros dois incisos da vinculação só porque esses incisos, por exemplo, não permitiriam em princípio a reclamação.
O que ocorre quando é possível a reclamação e quando a gente tem um quórum qualificado para a formação da decisão é o que eu chamei nessa tese de precedentes normativos formalmente vinculante fortes, porque eles exigem um quórum qualificado e porque eles permitem uma impugnação direta que não mediante recurso.
Então seria muito interessante que pudéssemos superar essa limitação pra reconhecer mais racionalidade dentro do ordenamento jurídico, também para outras decisões.
Inciso IV: os enunciados das súmulas do STF, em matéria constitucional, e do STJ em matéria infraconstitucional. Vamos acrescer aqui os enunciados das súmulas dos tribunais locais sobre direito local.
Uma das críticas da doutrina é que estamos falando de súmulas no inciso II e de súmulas no inciso IV então estaríamos tratando as súmulas sempre tão vinculantes como as súmulas vinculantes. Não é verdade. As súmulas vinculantes têm um regime constitucional próprio e vinculam, inclusive, a Administração Pública. Estas súmulas aqui vinculam apenas os tribunais.
O que são as súmulas?
As súmulas não são em si um precedente. As súmulas são um extrato das decisões. Elas devem levar em consideração (art. 926, § 2º) as circunstâncias fáticas das decisões que são os precedentes. Eu não vou nunca aplicar as súmulas sem conhecer os precedentes. A súmula é uma forma de divulgação, é o extrato da decisão, é uma forma de dar conhecimento àquela decisão e deve ser expresso na súmula o fundamento determinante que ela extraiu dos precedentes anteriores, mas eu tenho que para bem aplicar os precedentes ler as decisões que deram origem a essa súmula.
Nós temos várias súmulas. A gente tem um problema de direito intertemporal. Saber se as súmulas que foram aprovadas antes da vigência do Código vão ou não ser consideradas precedentes. Do ponto de vista formal, sim; mas do ponto de vista material, pode ser que não. Pode ser que elas não tenham as circunstâncias fáticas exigidas no art. 926, § 2º, do CPC. Pode ser que elas não atendam aos requisitos do art. 489, § 1º, V, do CPC.
O art. 489, § 1º, V, do CPC diz o seguinte:
“Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
[...]
se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos [...]”
Quando nós vamos fundamentar a sentença, esta vai ser considerada sem fundamentação (e, portanto, nula), se ela se limitar a invocar precedente do rol do art. 927 do CPC ou enunciado de súmula sem identificar se os fundamentos determinantes, nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.
Primeira coisa é saber o que são fundamentos determinantes. Usa-se a combinação proposta por CROSS e HARRYS das teses conhecidas entre a identificação dos fatos e a solução jurídica. O que nós queremos fazer aqui é colocar as circunstâncias fáticas (ou categoria de fatos) junto com a solução jurídica. É isso que forma o precedente.
O que são circunstâncias ou categorias fáticas que fazem parte dos fundamentos da ratio decidendi?
EX. 1:
Caso da responsabilidade civil do fornecedor de serviço ou produtor. Caso da cerveja com uma lesma dentro. Nesse caso que foi a responsabilidade civil ampliada que se reconheceu uma responsabilidade na tutela do consumidor. O inglês bebeu a cerveja com uma lesma dentro e passou mal. O fato (cerveja + lesma) gerou a consequência (responsabilidade). Muitos anos depois, hoje temos a contaminação de uma lata de extrato de tomate com sangue contaminado (qq coisa q tenha caído na produção, dentro da lata de extrato de tomate – uma barata/rato dentro de uma garrafa de coca-cola). Em todos esses casos, não temos uma identidade de fatos absoluta. E não é essa identidade que se busca no precedente.
Uma garrafa de cerveja de gengibre e uma lesma não corresponde a uma lata de extrato de tomate e a uma camisinha, mas a categoria de fatos é a mesma. E a solução jurídica dada para a categoria de fatos, uma vez que o consumidor consumiu o produto, teve prejuízo causado por um defeito do produto gera a solução jurídica (= a responsabilidade civil). Então, vamos ter precedente nesse caso.
Se no caso futuro, eu perceber que está dentro da categoria de fatos, nós vamos aplicar a mesma solução jurídica.
EX. 2: Neil Andrews
Carruagem envidraçada que foi encomendada por uma prostituta no Séc. XVIII na Inglaterra. A carruagem foi encomendada. A pessoa produziu a carruagem e na hora de cobrar, não conseguiu cobrar. Então, ela ajuizou uma ação de cobrança. O tribunal disse: o objeto da obrigação era ilícita (finalidade ilícita). Portanto, não se pode usar o Poder Judiciário para compelir o cumprimento dessa obrigação. Muitos anos depois, em 2000, nós vamos ter um caso em que há produção de placa de aço para fazer armamento para guerrilha. Nesse caso, também não se pode cobrar judicialmente uma dívida que se sabe tinha por finalidade fomentar uma atividade ilícita.
Carruagem envidraçada e placas de aço não têm relação com os fatos, mas tem relação dentro da mesma categoria de fatos. E a solução jurídica é idêntica.
Então, o trabalho do intérprete no caso do inciso V é identificar qual é a categoria de fatos e qual é a solução jurídica dada. E, a partir daí, na segunda parte demonstrar que o caso atual sob julgamento se ajusta aos fundamentos determinantes da decisão anterior.
Então, essa questão é muito relevante pra sabermos como aplicar esses enunciados de súmula. Saber o que se trata e como nós falamos de fundamentos determinantes.
As súmulas vinculantes também vinculam a Administração Pública e não se confundem com as súmulas normais dos tribunais. E como o inciso IV está abaixo do inciso II, elas são mais fortes do ponto de vista vinculante, porque, inclusive, permitem impugnação, têm quórum qualificado pra estabelecimento pelo próprio STF.
E, por fim, nós chegamos no inciso V que é a orientação do Plenário, do Órgão Especial ao qual estiverem vinculados os juízes e tribunais. Então, aqui, nós temos uma regra de abertura. Qualquer decisão tomada pelo Plenário, seja através de súmula, seja através da assunção de competência (inciso III), ela já permite que consideremos aquela orientação formalmente vinculante.
Ex: as decisões de incidente de controle concentrado de incidente de constitucionalidade difuso vão ser vinculantes, não só porque estão previstas como vinculantes, mas também porque entram no inciso V.
Vamos analisar os parágrafos do artigo 927 do CPC:
1º diz que se aplica aos precedentes a vedação da decisão surpresa. Não se pode aplicar um precedente que não foi discutido no processo, porque as partes têm o direito de dizer que o precedente não se aplica ao caso. Esse parágrafo cria uma unidade de sistema, porque como o art. 927 falou dos aspectos formais do precedente, vem o parágrafo 1º diz: juiz, ao aplicar o precedente, você não está aplicando lei, você tem que aplicar o precedente usando a técnica de aplicação de precedentes e, portanto, se curvando ao art. 489, § 1º, V e VI, do CPC.
Vamos agora ver o inciso VI que trata da distinção do precedente e também trata da superação do precedente para mostrar que o modelo de precedentes vinculantes não é o engessamento, não acaba com a independência do Judiciário, não acaba com a vinculação do juiz à lei e não é contrária à separação de poderes. Não significa uma imutabilidade das orientações jurisprudenciais. O inciso VI fala da possibilidade de superação e distinção.
VI – os tribunais e juízes quando resolverem as questões através de decisão judicial, interlocutórias, sentença ou acórdão, não terão considerada fundamentada sua decisão se deixarem de seguir o enunciado de súmula, jurisprudência, ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou superação do entendimento.
O Prof. Hermes acredita que a expressão “jurisprudência” não caberia no inciso VI. Pois a jurisprudência é persuasiva se aplica conforme esteja de acordo ou não com as razões dadas, diferentemente dos precedentes que são normativos.
Se há uma lei, eu tenho q aplicar (não é questão de concordar ou não com a lei, se existe lei deve aplicá-la), a menos que ela seja inconstitucional. O precedente normativo vinculante (formalmente vinculante) é a mesma coisa. Eu não tenho que concordar com o precedente, não posso discutir com ele, a menos que ele seja inconstitucional ou que o caso é distinto e não se aplica o precedente.
Só quem pode superar o próprio precedente é a Corte que estabelece o precedente. Ou uma Corte hierarquicamente superior, como é o caso do STJ e do STF, revisando posicionamento dos tribunais de instância inferior. E aí a jurisprudência entrou aqui um pouco enviesada. Temos dois posicionamentos:
1º posicionamento: O Prof. Hermes já adotou por escrito, mas já tem como superado esse posicionamento!
Seria no sentido de que a jurisprudência que está mencionada aqui seria a do artigo 927 do CPC. Não seria bom que nós fizéssemos isso. Porque se fizermos isso, estaremos eliminando o discurso com toda a nossa tradição jurídica que respeita o termo jurisprudência persuasiva, que reconhece um valor nas decisões persuasivas, como argumentos. Diríamos que essas decisões não são relevantes para considerar a decisão não fundamentada. Eu acho que a solução técnico-dogmática seria dizer o seguinte: o termo jurisprudência está aqui como jurisprudência persuasiva. Portanto, quando for o caso de aplicação do enunciado da súmula ou do precedente invocado pela parte, eu não preciso dizer o porquê que não vou discutir jurisprudência. Porque quando há precedente vinculante, não se aplica a jurisprudência como exemplo. Eu não preciso discutir isso. Olha, estou vinculado ao precedente, aplico o precedente. Este aqui é equiparado a uma norma, que, no caso, vincula e, assim, dá racionalidade ao sistema. Tem que aplicar o precedente, pois.
O juiz que discorda, mas não tem poderes de superação, ele pode, inclusive, fazer como se fosse a técnica do voto vencido, com a reserva de consciência. Dizer: eu entendo em sentido contrário, entendo que o precedente deveria ser revisto, mas me curvo ao precedente em razão da sua autoridade normativa. Isso possibilita a parte que recorra e talvez consiga mudar, no futuro, o precedente.
Então, a jurisprudência aqui deve ser destacada desse inciso e interpretada em conjunto com o inciso IV. Se não houver precedente, aí sim eu vou ter que discutir os argumentos apresentados na jurisprudência. Aquela petição que elenca trinta, quarenta, cinquenta jurisprudências. Eu só vou precisar enfrentar essa jurisprudência, se ela for capaz de infirmar a minha decisão (é o q está no inciso IV) e ela é capaz disso, se não houver precedentes vinculantes, se houver precedentes vinculantes eu não precisarei enfrentar a jurisprudência. Também é importante dizer isso, porque, a rigor, eu não faço distinguish ou superação do entendimento previsto na jurisprudência, porque este é um entendimento doutrinário. Ele pode continuar existindo independentemente da minha decisão. Eu não sou obrigado a enfrentar ele de modo a distinguir o caso concreto ou a superar o entendimento, pois ele não vincula.
Esses incisos IV e VI devem ser levados em consideração para todas as vezes que o juiz deixar de seguir o enunciado da súmula ou do precedente invocado pela parte, ele estará deixando de fundamentar a sua decisão, a menos que ele demonstre a existência de distinção – portanto, não se engessa o ordenamento jurídico – ou supere o precedente, quando se tratar de próprio tribunal ou de tribunal superior que estabeleceu o precedente.
Reitere-se que a principal justificativa para o precedente é a ideia de racionalidade e não a segurança jurídica e não a igualdade, podendo gerar uma certa imutabilidade no sistema.
O CPC adota uma teoria da justiça (entre Alexy e Ronald Dworkin)?
ART. 926, CAPUT, DO CPC.
O CPC, no art. 926, vai mencionar expressamente um termo utilizado pela doutrina de Dworkin que é a integridade.
Diz o CPC, os tribunais devem uniformizar, dar unidade à sua jurisprudência (= precedente, pois não tem como uniformizar algo que não me vincula, mas sim o que vincula, inclusive, os órgãos inferiores);
os tribunais devem unificar seus precedentes e mantê-los estáveis (tem um ônus argumentativo de garantia e estabilidade dos precedentes), íntegros (doutrina de Dworkin - ideia de unidade do direito) e coerentes (ou seja, nessa concepção do CPC, para o prof. Hermes, não contraditórios)
Então, há uma oposição, porque quando lemos o art. 489 CPC e o artigo 8º do CPC usam uma terminologia do Robert Alexy.
O art. 8º/CPC fala em proporcionalidade
O art. 489, § 2º, do CPC fala em colisão
“No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais de ponderação efetuada”
Esse é o controle que nós temos de ter nas decisões judiciais. É assim que nós vamos fazer com que princípios, seja na teoria de Dworkin, seja na teoria de Alexy, seja o fechamento do sistema e não a abertura do sistema do direito positivo.
Foi essa crítica que tanto Alexy, quanto Dworkin, fizeram à teoria de Hart sobre o conceito de direito.
Então, é uma forma de diminuir a discricionariedade deixada pelo positivismo jurídico de Hart, naquela franja do direito, naquela zona de penumbra, em que o Hart diz que o juiz pode decidir com liberdade.
Dizem Alexy e Dworkin (com fundamentos diferentes) que o juiz não pode decidir com liberdade. Ele tem que ter a sua decisão controlável e o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada. É a possibilidade de fazer um controle intersubjetivo (como fala Humberto Ávila) das decisões enunciando as razões que autorizam a interferência da norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão (as razões de direito e as premissas fáticas).
O CPC não adota uma teoria da justiça.
O CPC aqui nos possibilita usar duas teorias da justiça para atingir o mesmo objetivo: garantir uma maior unidade do direito, ter um fechamento da discricionariedade judicial e um modelo de precedentes, não que o juiz crie direito, mas permite que nós tenhamos um direito mais estável, íntegro e coerente. E que os juízes, tribunais (inclusive, os superiores) sejam responsabilizados pela reconstrução do ordenamento jurídico que é a sua tarefa cotidiana, dando mais racionalidade ao sistema.