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Qual seria o olhar do nobre-diplomata sobre a corte onde exerceu a sua Missão? A esta proposta de comunicação procurarei responder com os dados que recolhi na investigação realizada, anos atrás, sobre os dois diplomatas, D. Luís da Cunha e o Conde de Tarouca, que participaram nas negociações da Paz de Utreque. Porém, antes de contrapor o olhar de duas figuras cimeiras da diplomacia portuguesa do princípio do século XVIII, sobre as cortes e a diplomacia europeias do século XVIII, terei de esclarecer dois ou três aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, é fundamental distinguir História da Diplomacia, da História Diplomática. De facto, enquanto a História Diplomática se limitou a recolher e interpretar dados sobre todas as negociações oficiais que os Estados realizaram entres si, recorrendo para tal a uma profusão de fontes existente e tendo como objectivo transmitir uma narrativa racional e explicativa das orientações políticas adoptadas por cada Estado, em matéria de política externa, a História da Diplomacia, procura entender o diálogo entre os Estados, no tocante à técnicas, aos métodos e às ideias que estão associadas às negociações. Ora, ao dar relevo à observação dos principais agentes das negociações, quer fossem soberanos, embaixadores ou informadores, a História da Diplomacia permitiu-nos perscrutar o olhar do diplomata sobre a corte onde desempenhava a sua missão. Neste caso, tanto D. Luís da Cunha e como Conde de Tarouca, observaram as cortes onde exerceram as missões e para as quais foram nomeados pelo seu soberano. Em segundo lugar, convém esclarecer que o olhar do diplomata sobre as cortes onde viveu, não deve ser confundido com a sua análise da política externa. De facto a diplomacia é em si mesma um métier, uma função e seu exercício obrigava a um conjunto de "competências" das quais faziam parte a representação, a informação e a negociação. Ora, é muito fácil, para nós investigadores, confundirmos a informação prestada pelos ministros público sobre as cortes onde desempenham uma missão e a sua visão sobre a mesma corte. A distinção entre uma e outra é, por vezes, ténue e para as distinguir é necessário cotejar a correspondência oficial e a particular, a formal e a informal, ou seja verificar, em cada momento, o que cada representante escreve, enquanto diplomata para a Secretaria de Estado que o tutela e as informações que envia, enquanto observador estrangeiro, numa corte diferente da sua. 2 Por último, não podemos apresentar os olhares dos diplomatas sobre as cortes europeias, como se o corpo diplomático fosse um conjunto homogéneo. Para além das diferenças individuais, essa forma de olhar para o outro depende também da qualidade do ministro público em estudo. Na altura, as nomeações dependiam do monarca e, grosso modo, este cingia as nomeações a dois tipos : negociação ou representação, conforme o tipo de missão que pretendia que os seus representantes desempenhassem. Se a missão exigia determinados conhecimentos na área do Direito, geralmente escolhia entre os homens de letras com experiência nas magistraturas, sendo-lhe atribuído o título de Enviado. Por sua vez, se o que estava em causa era a representação do soberano numa solenidade, era escolhido um nobre de uma Casa titular que prestigiasse a pessoa do monarca que o nomeou. Ora, esclarecidas estas questões, podemos debruçar-mo-nos sobre o olhar que os dois diplomatas, D.Luís da Cunha e o Conde de Tarouca, tiveram sobre as cortes e a diplomacia europeias do século XVIII. Ambos pontuaram no congresso da Paz de Utreque, mas um e outro têm características distintas. João Gomes da Silva, Conde Tarouca, nomeado Embaixador Extraordinário de Portugal ao Congresso da Paz, correspondia ao modelo de diplomata de Representação. Descendente de uma Casa titular, Vilar Maior / Alegrete, pertencendo a uma rede clientelar de corte, manifestou cedo uma capacidade invulgar para se adaptar aos contextos culturais diferentes do seu. Ainda jovem acompanhou o pai numa digressão diplomática, em 1687,a Heidelberg, a fim de negociar o segundo casamento de D. Pedro II com D. Maria Sofia de Neubourg. A união, com Joana de Menezes, 4ª condessa de Tarouca 1 , em 1688, permitiu-lhe o acesso ao título de 4º Conde de Tarouca, que pertencera à família Menezes e remontava a D. João de Menezes, 1º Conde de Tarouca 2 . Seguindo a tradição familiar, o conde de Tarouca em Maio de 1694, habilitou-se a Familiar do Santo Ofício Governador do forte de Lisboa em Alcântara, em 1701, o Conde de Tarouca seria um dos nobres presentes na recepção oferecida ao arquiduque Carlos (III) quando este desembarcou em Lisboa. Decorria ainda o ano de 1704 quando João Gomes da Silva foi nomeado capitão de cavalaria da Guarda Real para as campanhas da Beira e deputado da Junta dos Três Estados. Contava então trinta e três anos. Em de 1705 vamos encontrar o Conde de Tarouca, como Sargento Mor de Batalha 4 , na Guerra da Sucessão de Espanha. No ano seguinte ainda permanecia na Beira acompanhado o marquês de Fronteira acabando por participar na campanha do marquês de Minas contra a fortaleza de Alcântara. Incumbido pelo Marquês de Minas de redigir os termos da capitulação da praça espanhola de Alcântara, seria umas das primeiras tarefas, ao serviço do rei de Portugal, que lhe valeu notoriedade. A subida de D. João V ao trono abriu a Tarouca a possibilidade de viajar para Inglaterra na qualidade de emissário do rei, tendo este decidido nomeá-lo Embaixador e Plenipotenciário ao Congresso de Paz. Entre 18 de Junho de 1709 e em Agosto de 1709 recebeu três Instruções diferentes. De facto, a ruptura das negociações entre a Secretaria de Estado, então tutelada por Diogo de Mendonça Corte Real, e o Embaixador Extraordinário britânico em Portugal, Lord Gallway , 5 mudaria a natureza da sua missão. As novas circunstâncias obrigá-lo-iam assim a viajar para a Corte inglesa sem carácter e consequentemente sem credencial de Embaixador. Durante algum tempo o Conde de Tarouca permaneceu em Londres, sendo mais tarde nomeado Embaixador Extraordinario e Primeiro Plenipotenciário, na Holanda, a fim de se inteirar sobre os "preliminares do Congresso de Paz ". No mês Julho de 1710 já encontrava-se na Haia, juntamente com cerca de 50 ministros estrangeiros. Apesar de nenhuma das nomeações ter sido do seu agrado, uma vez estabelecido na Haia entendeu que teria desempenhar o melhor possível a sua missão. Tarouca não desconhecia que um desaire seu no Congresso faria perigar o seu bom-nome, o da Casa onde nasceu e o da Casa onde ingressara pelo casamento. Competia-lhe manter o prestígio da Casa Alegrete/Tarouca e essa motivação orientou a sua actuação durante os vários anos em que permaneceu na Holanda, mais tarde em Cambrai ( 1720) e finalmente em Viena onde viria a falecer em 1735. 4 Oposto de Sargento Mor de Batalha equivalia a auxiliar de Mestre de Campo General, superior portanto a coronel. 5 Marquês de Ruvigny. Sairia de Portugal em Setembro de 1710, a pedido de Portugal. A forte personalidade do Conde de Tarouca marcaria toda a sua actuação nas embaixadas pelas quais passou. Audaz nas palavras, nas propostas e atitudes, o seu comportamento deixava adivinhar a sua origem social, a educação erudita e informal mas, sobretudo, a prática militar que adquiriu, ao serviço de D. João V, durante a guerra em Espanha. Homem de afectos, crítico e fogoso, como ele próprio gostava de se definir entabulou a par de uma correspondência oficial em Londres, uma correspondência particular abundante, que manteve ao longo da sua estada na Europa e que nos permite sentir o pulsar dos seus sentimentos durante os diversos momentos em que actuou nas Cortes europeias. Ao contrário de Tarouca, D. Luís da Cunha pertencia ao universo da diplomacia de negociação. Originário da Casa dos Cunhas, nobreza não titular, era filho segundo do Guarda-mor da Torre do Tombo. Estudou em Coimbra, onde se licenciou em Cânones. Nomeado directamente para desempenhar o cargo de desembargador, funções que aliás nunca foram do seu agrado, partiu para Londres, pouco tempo depois, na qualidade de Enviado, a fim de substituir o Visconde da Fonte Arcada. O novo lugar surgiu-lhe recheado de atractivos. Mal chegou a Londres gostou da cidade, da vida em Inglaterra, das mulheres, 6 mas acima de tudo interessou-lhe a diplomacia e o jogo político que esta implicava. Preocupado em desempenhar o cargo com sucesso embrenhou-se a fundo no estudo da História da Diplomacia europeia, tomando contacto com as obras publicadas na Europa e fazendo uma leitura crítica das mesmas. A análise que fez da política inglesa, e mais tarde da política europeia, relevou do interesse que lhe despertaram, conceitos, métodos, práticas políticas e diplomáticas das cortes onde residiu. Cuidadoso, paciente e estudioso, dispor-se-ia imediatamente a aprender os meandros da diplomacia com os ministros das Cortes europeias. Tendo começado a partir do zero, pois segundo confessou, ao sair de Lisboa pouco mais sabia que despachar um "feito" e com uma formação em jurisprudência que lhe foi pouco útil para entrar nos princípios da Política, D. Luís, uma vez em Londres aplicou-se à convivência com os ministros ingleses, o que muito contribuiu para a sua aprendizagem das regras e métodos da política internacional. Ao longo da sua carreira que começou, como se disse, em Londres no ano de 1696 e que viria a terminar em Paris, em 1749, com o seu falecimento, D. Luís da Cunha evidenciou sempre o gosto pela diplomacia, bem como pela análise da situação política internacional. 6 Por esta altura ter-se-ia casado com Catherine Brawn. Conforme provámos em D. Luís da Cunha e a ideia de diplomacia em Portugal, UNL, 1996 pelos dotes." 9 E, por fim, referindo-se à ausência de divertimentos em Londres apontou como causa o luto da rainha, um luto que todos sabiam sentido, pois a morte do Príncipe Jorge (Dinamarca), seu esposo, tinha sido muito dolorosa para ela. Estas apreciações reflectem as impressões de um nobre-diplomata...

D. Luís da Cunha e o Conde de Tarouca: dois olhares sobre as cortes e a diplomacia europeias do século XVIII ". Qual seria o olhar do nobre-diplomata sobre a corte onde exerceu a sua Missão? A esta proposta de comunicação procurarei responder com os dados que recolhi na investigação realizada, anos atrás, sobre os dois diplomatas, D. Luís da Cunha e o Conde de Tarouca, que participaram nas negociações da Paz de Utreque. Porém, antes de contrapor o olhar de duas figuras cimeiras da diplomacia portuguesa do princípio do século XVIII, sobre as cortes e a diplomacia europeias do século XVIII, terei de esclarecer dois ou três aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, é fundamental distinguir História da Diplomacia, da História Diplomática. De facto, enquanto a História Diplomática se limitou a recolher e interpretar dados sobre todas as negociações oficiais que os Estados realizaram entres si, recorrendo para tal a uma profusão de fontes existente e tendo como objectivo transmitir uma narrativa racional e explicativa das orientações políticas adoptadas por cada Estado, em matéria de política externa, a História da Diplomacia, procura entender o diálogo entre os Estados, no tocante à técnicas, aos métodos e às ideias que estão associadas às negociações. Ora, ao dar relevo à observação dos principais agentes das negociações, quer fossem soberanos, embaixadores ou informadores, a História da Diplomacia permitiu-nos perscrutar o olhar do diplomata sobre a corte onde desempenhava a sua missão. Neste caso, tanto D. Luís da Cunha e como Conde de Tarouca, observaram as cortes onde exerceram as missões e para as quais foram nomeados pelo seu soberano. Em segundo lugar, convém esclarecer que o olhar do diplomata sobre as cortes onde viveu, não deve ser confundido com a sua análise da política externa. De facto a diplomacia é em si mesma um métier, uma função e seu exercício obrigava a um conjunto de “competências” das quais faziam parte a representação, a informação e a negociação. Ora, é muito fácil, para nós investigadores, confundirmos a informação prestada pelos ministros público sobre as cortes onde desempenham uma missão e a sua visão sobre a mesma corte. A distinção entre uma e outra é, por vezes, ténue e para as distinguir é necessário cotejar a correspondência oficial e a particular, a formal e a informal, ou seja verificar, em cada momento, o que cada representante escreve, enquanto diplomata para a Secretaria de Estado que o tutela e as informações que envia, enquanto observador estrangeiro, numa corte diferente da sua. 1 Por último, não podemos apresentar os olhares dos diplomatas sobre as cortes europeias, como se o corpo diplomático fosse um conjunto homogéneo. Para além das diferenças individuais, essa forma de olhar para o outro depende também da qualidade do ministro público em estudo. Na altura, as nomeações dependiam do monarca e, grosso modo, este cingia as nomeações a dois tipos : negociação ou representação, conforme o tipo de missão que pretendia que os seus representantes desempenhassem. Se a missão exigia determinados conhecimentos na área do Direito, geralmente escolhia entre os homens de letras com experiência nas magistraturas, sendo-lhe atribuído o título de Enviado. Por sua vez, se o que estava em causa era a representação do soberano numa solenidade, era escolhido um nobre de uma Casa titular que prestigiasse a pessoa do monarca que o nomeou. Ora, esclarecidas estas questões, podemos debruçar-mo-nos sobre o olhar que os dois diplomatas, D.Luís da Cunha e o Conde de Tarouca, tiveram sobre as cortes e a diplomacia europeias do século XVIII. Ambos pontuaram no congresso da Paz de Utreque, mas um e outro têm características distintas. João Gomes da Silva, Conde Tarouca, nomeado Embaixador Extraordinário de Portugal ao Congresso da Paz, correspondia ao modelo de diplomata de Representação. Descendente de uma Casa titular, Vilar Maior / Alegrete, pertencendo a uma rede clientelar de corte, manifestou cedo uma capacidade invulgar para se adaptar aos contextos culturais diferentes do seu. Ainda jovem acompanhou o pai numa digressão diplomática, em 1687,a Heidelberg, a fim de negociar o segundo casamento de D. Pedro II com D. Maria Sofia de Neubourg. A união, com Joana de Menezes, 4ª condessa de Tarouca 1, em 1688, permitiu-lhe o acesso ao título de 4º Conde de Tarouca, que pertencera à família Menezes e remontava a D. João de Menezes, 1º Conde de Tarouca 2. Seguindo a tradição familiar, o conde de Tarouca 3 em Maio de 1694, habilitou-se a Familiar do Santo Ofício , tal como outros membros da sua família. 1 Senhora de Penalva e Gulfar, de Lalim e de Lazarim, administradora da Alcaidaria mor e Comenda de Albufeira na ordem de Avis. 2 Mercê concedida pelo rei de Espanha .Filho do 3º conde de Viana e de Isabel de Castro, da casa de Tarouca, concedido por carta régia em 1499. 3 ANTT, Habilitações de familiares do Santo Ofício, Maço 24, Dil. 572, Maio de 1694. Do processo consta que todos os parentes da mulher eram familiares do Santo Ofício, portanto limpos de sangue. D. Luís da Cunha no Testamento Político, viria a apontar o envolvimento do 1º marquês de Alegrete com a Inquisição acusando-o intolerância e abuso de poder por não consentir revelar o nome das testemunhas de acusação. 2 Governador do forte de Lisboa em Alcântara, em 1701, o Conde de Tarouca seria um dos nobres presentes na recepção oferecida ao arquiduque Carlos (III) quando este desembarcou em Lisboa. Decorria ainda o ano de 1704 quando João Gomes da Silva foi nomeado capitão de cavalaria da Guarda Real para as campanhas da Beira e deputado da Junta dos Três Estados. Contava então trinta e três anos. Em de 1705 vamos encontrar o Conde de Tarouca, como Sargento Mor de Batalha4, na Guerra da Sucessão de Espanha. No ano seguinte ainda permanecia na Beira acompanhado o marquês de Fronteira acabando por participar na campanha do marquês de Minas contra a fortaleza de Alcântara. Incumbido pelo Marquês de Minas de redigir os termos da capitulação da praça espanhola de Alcântara, seria umas das primeiras tarefas, ao serviço do rei de Portugal, que lhe valeu notoriedade. A subida de D. João V ao trono abriu a Tarouca a possibilidade de viajar para Inglaterra na qualidade de emissário do rei, tendo este decidido nomeá-lo Embaixador e Plenipotenciário ao Congresso de Paz. Entre 18 de Junho de 1709 e em Agosto de 1709 recebeu três Instruções diferentes. De facto, a ruptura das negociações entre a Secretaria de Estado, então tutelada por Diogo de Mendonça Corte Real, e o Embaixador Extraordinário britânico em Portugal, Lord Gallway ,5mudaria a natureza da sua missão. As novas circunstâncias obrigá-lo-iam assim a viajar para a Corte inglesa sem carácter e consequentemente sem credencial de Embaixador. Durante algum tempo o Conde de Tarouca permaneceu em Londres, sendo mais tarde nomeado Embaixador Extraordinario e Primeiro Plenipotenciário, na Holanda, a fim de se inteirar sobre os "preliminares do Congresso de Paz ". No mês Julho de 1710 já encontrava-se na Haia, juntamente com cerca de 50 ministros estrangeiros. Apesar de nenhuma das nomeações ter sido do seu agrado, uma vez estabelecido na Haia entendeu que teria desempenhar o melhor possível a sua missão. Tarouca não desconhecia que um desaire seu no Congresso faria perigar o seu bom-nome, o da Casa onde nasceu e o da Casa onde ingressara pelo casamento. Competia-lhe manter o prestígio da Casa Alegrete/Tarouca e essa motivação orientou a sua actuação durante os vários anos em que permaneceu na Holanda, mais tarde em Cambrai ( 1720) e finalmente em Viena onde viria a falecer em 1735. 4 Oposto de Sargento Mor de Batalha equivalia a auxiliar de Mestre de Campo General, superior portanto a coronel. 5 Marquês de Ruvigny. Sairia de Portugal em Setembro de 1710, a pedido de Portugal. 3 A forte personalidade do Conde de Tarouca marcaria toda a sua actuação nas embaixadas pelas quais passou. Audaz nas palavras, nas propostas e atitudes, o seu comportamento deixava adivinhar a sua origem social, a educação erudita e informal mas, sobretudo, a prática militar que adquiriu, ao serviço de D. João V, durante a guerra em Espanha. Homem de afectos, crítico e fogoso, como ele próprio gostava de se definir entabulou a par de uma correspondência oficial em Londres, uma correspondência particular abundante, que manteve ao longo da sua estada na Europa e que nos permite sentir o pulsar dos seus sentimentos durante os diversos momentos em que actuou nas Cortes europeias. Ao contrário de Tarouca, D. Luís da Cunha pertencia ao universo da diplomacia de negociação. Originário da Casa dos Cunhas, nobreza não titular, era filho segundo do Guarda-mor da Torre do Tombo. Estudou em Coimbra, onde se licenciou em Cânones. Nomeado directamente para desempenhar o cargo de desembargador, funções que aliás nunca foram do seu agrado, partiu para Londres, pouco tempo depois, na qualidade de Enviado, a fim de substituir o Visconde da Fonte Arcada. O novo lugar surgiu-lhe recheado de atractivos. Mal chegou a Londres gostou da 6 cidade, da vida em Inglaterra, das mulheres, mas acima de tudo interessou-lhe a diplomacia e o jogo político que esta implicava. Preocupado em desempenhar o cargo com sucesso embrenhou-se a fundo no estudo da História da Diplomacia europeia, tomando contacto com as obras publicadas na Europa e fazendo uma leitura crítica das mesmas. A análise que fez da política inglesa, e mais tarde da política europeia, relevou do interesse que lhe despertaram, conceitos, métodos, práticas políticas e diplomáticas das cortes onde residiu. Cuidadoso, paciente e estudioso, dispor-se-ia imediatamente a aprender os meandros da diplomacia com os ministros das Cortes europeias. Tendo começado a partir do zero, pois segundo confessou, ao sair de Lisboa pouco mais sabia que despachar um “feito” e com uma formação em jurisprudência que lhe foi pouco útil para entrar nos princípios da Política, D. Luís, uma vez em Londres aplicou-se à convivência com os ministros ingleses, o que muito contribuiu para a sua aprendizagem das regras e métodos da política internacional. Ao longo da sua carreira que começou, como se disse, em Londres no ano de 1696 e que viria a terminar em Paris, em 1749, com o seu falecimento, D. Luís da Cunha evidenciou sempre o gosto pela diplomacia, bem como pela análise da situação política internacional. 6 Por esta altura ter-se-ia casado com Catherine Brawn. Conforme provámos em D. Luís da Cunha e a ideia de diplomacia em Portugal, UNL, 1996 4 Ora, será da dualidade destas figuras, por um lado o conde de Tarouca Embaixador oriundo da nobreza titular e de formação militar e por outro, D. Luís da Cunha, Enviado Extraordinário, homem de formação jurídica e portanto preocupado com o rigor do documento escrito, que fará emergir duas visões distintas sobre a diplomacia e as cortes europeias diferentes. A visão do conde de Tarouca sobre a diplomacia e as cortes europeias . O conde de Tarouca, homem cuja personalidade extrovertida era uma das características mais notórias iniciou, a partir de Londres, uma correspondência particular abundante, comunicação que manteve ao longo da vida e da sua prolongada estada na Europa. O estudo dessa mesma correspondência permitiu-nos conhecer os seus sentimentos durante os diversos momentos em que actuou nas Cortes europeias, bem como entender a sua observação sobre os locais onde residiu. Com efeito, a leitura dos seus escritos facultou-nos a compreensão da conduta do homem, mas também do Embaixador e do cortesão ao longo dos anos. Em 1709 o conde de Tarouca partiu com destino a Londres a fim de insistir, junto do governo inglês, quer no pagamento das tropas, que Portugal mantinha em território ibérico, quer no aumento dos subsídios, anteriormente reclamados tanto pelo marquês de Alegrete, seu pai, como por D. Luís da Cunha. O conde viajou sem carácter, dado que o assunto que ia tratar era de natureza específica e chegou a Londres depois de uma atribulada viagem que descreveu em 7 pormenor ao irmão. A carta é um fiel retrato das dificuldades que se punham aos viajantes naquela época. Depois de lermos as suas palavras dificilmente poderemos esquecer o cheiro nauseabundo da nau em que embarcou, o enjoo que sentiu, o muito que emagreceu. Podemos ainda entender a emoção que dele se apoderou quando a sua embarcação deu caça aos piratas franceses. Por fim, podemos reviver a sua alegria ao chegar são e salvo a Inglaterra. Ao irmão Tarouca afirmou que ter alcançado ileso a Grã-Bretanha tinha sido uma questão de sorte, pois a embarcação em que devia ter seguido dias antes fora, durante a viagem, assaltada e dizimada 8 pelos piratas franceses. 7 AT, 164, Cartas de João Gomes da Silva ao tio e ao irmão, Londres, 8 Dez 1709. Outra carta é datada de 15 de Outubro 1709, Londres. A correspondência do Conde para o irmão, Marquês de Alegrete, é muito mais livre do que a enviada para a corte. 8 Segundo François Bluche, a importância dos ataques dos corsários franceses às embarcações aliadas, foram uma estratégia a que recorreu Luís XIV, com o objectivo abalar as forças inimigas. Desta forma, em 1707, conseguiu impedir a chegada à Península dos reforços enviados pelos ingleses para o arquiduque. (Ver, "Louis XIV gagne la Bataille de L'Atlantique", Historiama, Paris, 1986, p. 8) 5 Confidenciava ainda que ao chegar a Inglaterra (Portsmouth), no dia 3 de Outubro de 1709, fora muito bem recebido, embora não tivesse à sua espera qualquer carruagem. Referiu de seguida a partida para Londres, apenas com alguns criados, de modo a não atrasar as negociações. Descrevendo minuciosamente os passos que deu na cidade, onde era aguardado por D. Luís da Cunha, contou que se instalou na casa do Enviado português, onde permaneceu até alugar residência própria. Mais tarde acabaria por instalar a família do Embaixador no mesmo bairro onde habitava D. Luís da Cunha. No dia da sua chegada a Londres os ministros ingleses encontravam-se fora da cidade, pois assistiam em Newmarket a uma corrida de cavalos. Procurando informar-se qual a melhor altura para ser atendido, Tarouca foi informado que Charles Spencer Sunderland só costumava receber nas instalações da Secretaria de Estado, não tendo por costume admitir em sua casa os diplomatas estrangeiros. Simultaneamente foi-lhe transmitido que Sunderland não o escutaria sem que primeiro a Rainha Ana o recebesse em Audiência. O que viria a suceder nos dias seguintes. A descrição da Audiência revela o olhar do diplomata sobre os costumes da Corte inglesa. Pelas suas palavras ficamos a saber que o local, onde foi recebido pela soberana, era um “estranho e pequeno aposento” do Palácio de Windsor. A conversa entre ambos, embora cordial, deu a entender a Tarouca que a Rainha, instruída por Sunderland, não tomaria qualquer decisão, encaminhando-o para ao seu ministro. A partir de então o Conde informou Lisboa sobre a sua opinião em relação à corte para a qual se deslocara. Nas cartas transmite as primeiras impressões e traça o perfil da rainha Ana : “ Esta rainha que vence batalhas, parece-me que tem muito pouco entendimento e muita hipocrisia”. Acrescentava que apesar da cortesia com que o tratou a rainha mal disfarçara a pressa em dar por finda a audiência, chegando ao ponto de se esquecer de se inteirar estado dos soberanos portugueses, razão pela qual foi obrigada a chamá-lo de novo, depois de já se ter despedido dele. Tarouca concluía que a Rainha estava muito pouco preparada para o cargo e tinha pouco talento para reinar, deixando-se dominar pelos ministros que a rodeavam. Mais tarde, em carta para a Viscondessa de Vila Nova, em 18 de Fevereiro de 1710, também confiou as suas observações sobre a rainha Ana que cuidava ser uma pessoa infeliz, melancólica, a quem os vassalos “ amavam mais pelos achaques, que 6 9 pelos dotes.” E, por fim, referindo-se à ausência de divertimentos em Londres apontou como causa o luto da rainha, um luto que todos sabiam sentido, pois a morte do Príncipe Jorge (Dinamarca), seu esposo, tinha sido muito dolorosa para ela. Estas apreciações reflectem as impressões de um nobre-diplomata representante de uma corte de monarquia absoluta. Tarouca estranhava os costumes de tomada de decisão, em matéria de política externa, fora da esfera do próprio monarca, parecendo ter dificuldade em aceitar os métodos de uma monarquia parlamentar. Porém, procurando adaptar-se às regras do jogo político inglês e face ao comportamento distanciado da rainha Ana, Tarouca, procurou alcançar o objectivo para o qual tinha sido mandatado pelo rei D. João V. Assim, apresentou um memorial ao ministro inglês, no qual explanava a situação de conflito existente entre os oficiais portugueses e ingleses durante as campanhas da Guerra da Sucessão de Espanha, documento mais tarde refutado pelos ministros ingleses. A leitura das cartas enviadas pelo conde de Tarouca põe-nos pois perante uma descrição acutilante da sociedade inglesa de então e de ferozes críticas ao governo do reino. Ao irmão atreveu-se a afirmar que o rei fazia despesa inútil ao tentar negociar a paz em Londres pois "nem esta corte a quer, nem el rey a procura e o que he de pasmar é que isto não se contará de outro Príncipe da Europa." 10 A frontalidade da afirmação ilustra claramente o espírito que envolvia as partes em confronto, bem como a ambiguidade implícita ao papel de negociador. Atrevido no comentário, Tarouca sugeriu ter encontrado entre os ministros estrangeiros de outras cortes, residentes em Londres, a maior civilidade. Pelo contrário, os ministros ingleses não lhe despertaram a menor simpatia. Acrescentou até que o apreço que estes expressavam pelo 2º Marquês de Alegrete lhe parecia incoerente dado que “a compustura do irmão” não se coadunava com “ a liberdade bárbara desta gente." A crítica aos ministros ingleses vai mais longe. Em relação a Charles Spencer Sunderland transmitiu que o considerava "um patarata, fazendo grandes barretadas 11 mentindo muito." Esta apreciação contradizia a opinião anos antes emitida por D. Luís da Cunha, que ao chegar a Londres comunicara ter conhecido “Milord Sunderland”, ministro muito seguido no Conselho pela sua prudência. 12 9 ACL, Ms. 82, serie azul, Cartas do Ill. Conde de Tarouca 1706-1715. 10 AT, 164, Conde de Tarouca para o irmão marquês de Alegrete, 12 de Novembro, 1709. Londres 11 E. Brazão, Op. cit., p. 29 7 Relativamente ao Grande Tesoureiro, Sidney Godolphin, Tarouca transmitiria uma opinião bastante diferente já que este o impressionara positivamente: "Quase todos desta Corte são uns brutos, o que não direy de o Grande Thezoureiro, que me parece homem de muita capacidade, e como elle tem a maior parte no governo politico, dame grande gosto entender que esta em boa inclinação com as minhas pretenções". 13 O homem que lhe despertava esta simpatia era Sidney Godolphin (1645-1712), membro do Parlamento desde 1668, destacando-se como Tesoureiro. Godolphin, que tinha participado na tentativa de afastamento de Jaime II – 1680 – manteve-se como Tesoureiro até 1685. Reconduzido no mesmo cargo, em 1689, por Guilherme III, serviu até 1696, altura em que foi implicado na conspiração para o regresso de Jaime II. Entre 1700 e 1701 seria chamado de novo a desempenhar funções de Tesoureiro e, apreciado pelas suas qualidades, tornar-se-ia ministro da Fazenda, após a subida ao trono da rainha Ana. O conhecimento do percurso político de Godolphin permite-nos concluir que Tarouca não divergia da opinião geral, quando o descreveu como um dos melhores elementos do governo inglês. Na altura, nada fazia crer que a boa estrela do Tesoureiro se iria apagar pouco tempo depois, em 1711, com a chegada da maioria Tory ao poder. A leitura dos vários ofícios e cartas do conde permite-nos assinalar que Godolphin foi o único elemento do governo inglês, que Tarouca elogiou, durante a sua estadia em Londres. Analisadas as impressões sobre a Corte, quais seriam as impressões de Tarouca sobre as cidade que o acolheu ? A cidade de Londres não lhe despertou grande afeição. Não há na sua correspondência muitas referências à cidade, aos costumes, ao quotidiano. A descrição sobre a cidade encontra-se numa carta enviada para o irmão e sobrinho, quando soube que estes se preparavam para viajar até Londres. Em primeiro lugar informava-os sobre a facilidade com que os estrangeiros obtinham audiências régias, ao contrário do que acontecia em Portugal. Depois chamava-lhes a atenção para a carestia de vida, razão pela qual os aconselhava a não fazerem compras. Referindo-se às dificuldades do uso da língua inglesa, opinou 12 Instruções Inéditas, pág. 10/11. Alteração no texto em itálico, segundo manuscrito da BN, Cod. 8.759 13 E. Brazão, Op. cit., p. 53, Correspondência de Tarouca para o Bispo, capelão-mor, 12 de Novembro. 8 não ser vergonha alguma falar em francês. Seguidamente apresentou uma listagem dos lugares que mereciam ser visitados, dos quais salientou a Bolsa de Londres, a Catedral de S. Paulo, a Real Sociedade, a Casa dos "Doudos", a Ópera, a Torres de Londres, a Sala de Westmintser, o Parlamento e a Casa do Duque de Buckinguam. Fora de Londres aconselhava a visita a algumas quintas, à Universidade de Oxford e a Windsor. Concluía o pequeno guia alertando-os para os preços elevados das viagens e ser costume dar algum dinheiro ao guia, advertindo todavia que não se deviam meter em fantasias. Que concluir destas indicações? Que Tarouca costumava passear pela cidade e apreciar os locais mais emblemáticos da cultura britânica? Aparentemente assim é, embora não haja opiniões explícitas sobre os locais, mas apenas a sua listagem. Quanto aos habitantes podemos salientar esta alusão que fez sobre as damas da corte: "As damas fazem crer aos que tao barbaramente como eu não sabem avaliar Divindades, que bem podem nascer no Norte sem serem Estrelas; e assim como a natureza as separou tanto dos outros reinos na situação, o que fez também nos estilos, porque nem seguem a Liberdade de outras Nações mais plausíveis, nem a severidade Portuguesa, em que a Providencia pôs tanta da estimação. Os trajes e enfeites são dispostos pela magnificencia, não pelo bom gosto, porque a toda esta nação deo a fortuna mais riqueza do que garbo e os toucados que são geralmente concordes na forma, o são no desalinho". 14 As considerações sobre o universo feminino prosseguem com a informação sobre os costumes de se divertirem a jogar na Banca ou a passear no Parque, com máscaras contra o sol e o ar, prática que o conde encarava como sendo necessária para esconderem a falta de saúde, ou de beleza, parecendo-lhe, em caso contrário, incompreensível esse hábito. Não há portanto, da sua parte, uma grande admiração pela cidade ou pelos seus habitantes ou mesmos pelas mulheres. Este conjunto de informações revelam, de certo modo, o juízo do conde de Tarouca sobre Londres. Na capital inglesa nada o parecia entusiasmar muito, ao contrário de D. Luís da Cunha. O que o tornaria tão pouco disponível para apreciar a cidade? 14 ACL, Ms. 82, serie azul, Cartas do Ill. Conde de Tarouca 1706-1715, Londres, 18 de Fevereiro de 1710. 9 João Gomes da Silva pertencia, como referimos anteriormente, à nobreza titulada. Mais, pertencia a uma das poucas famílias que em Portugal tivera prestígio e influência junto de D. Pedro II e que o mantivera, apesar de tudo, durante o reinado de D. João V. A sua formação, embora não tenha passado pela Universidade de Coimbra, foi a de um cortesão. Frequentou as Academias Literárias em Lisboa. Deslocou-se em jovem à corte Palatina e integrou o exército, como militar de alta patente, na Guerra de Espanha. Ao Conde não interessava portanto uma "carreira" de diplomata em Londres ou em qualquer outra Corte, mas sim desempenhar uma missão de prestígio, que lhe permitisse acrescentar a Casa onde ingressara pelo casamento. De facto, as estratégias de perenidade da linhagem a que pertencia, e da Casa à qual se unira por matrimónio, teriam sido planeadas por seu pai desde que nasceu. Tarouca estava assim consciente que tinha que prestar serviços, no quadro das funções de Estado, que lhe assegurassem o estatuto social e institucional, evitando assim que outros aristocratas ocupassem o lugar que por direito, e naturalmente, entendia como seu e é sob este prisma que devemos entender a apreciação que produziu sobre a sua nomeação e estada em Londres. Em Janeiro de 1712 Tarouca já estava na Holanda e, na altura, tal como os outros diplomatas aliados, já tinha a certeza que era necessário jogar tudo por tudo no Congresso convocado, pelos ingleses e franceses, para a cidade de Utreque, depois de ambas as coroas terem acordado entre si os preliminares da paz a negociar. Tempos depois assistiu às movimentações tendentes a ultimar o processo de suspensão das armas, tendo recebido de Diogo de Mendonça Corte Real orientações sobre os procedimentos a adoptar. As Instruções que recebeu, no sentido de apressar o processo de paz, desagradaram-lhe e ao irmão manifestou a sua discordância em relação às orientações que foi obrigado a seguir e das quais resultaram condições de paz pouco vantajosas para o reino. Apesar do desconforto sentido o conde de Tarouca não deixaria de celebrar com fausto e magnificência os nascimentos dos príncipes de Portugal15. As festas assumiram um carácter público quando a cidade se transformou ela própria em palco de espectáculo oferecido pelo conde aos habitantes de Utreque mas, acima de tudo a celebração do nascimento do príncipe foi uma festa destinada aos numerosos embaixadores presentes no congresso. 15 D. Maria Francisca Xavier Bárbara, 4 de Dezembro de 1711. Baptizada pelo "capelão-mor, inquisidor-geral e valido da capela real, "D. Nuno da Cunha Ataíde, (Conde de Povolide , Op. cit., p. 232.). A 19 de Outubro de 1712 nasceu o príncipe D. Pedro, cujo padrinho teria sido o Imperador. O conde de Povolide refere o mesmo acontecimento situando-o a 19 de Setembro de 1712. O príncipe D. José, futuro rei de Portugal, viria a nascer em 6 de Junho de 1714 e recebeu por padrinho o rei de França. 10 A obra, Relation des fêtes do Conde de Tarouca, que nos dá a conhecer detalhadamente, as celebrações que o diplomata levou a cabo e parece ter como intenção não só de glorificar a actividade diplomática do conde de Tarouca, como enaltecer o soberano que o enviou, bem como louvar as festas em si mesmas.16 A estrutura da obra, dando ênfase às estampas que reproduziam os acontecimentos, assemelhava-se às publicações de peças de teatro e, tal como essas edições, permitia imaginar as cenas das festas O jantar oferecido em 9 de Janeiro de 1713 vem magnificamente reproduzido na (1ª estampa). A mesa redonda reunia à sua volta numerosos convivas. 17 A sala tinha sido construída, expressamente para o efeito, num jardim. Os espelhos, as velas, os lustres, as tapeçarias de Raphael, o buffet, a duração de três horas, nada escapou aos observadores.18 Durante a refeição a leitura de poesia dedicada aos Príncipes, à sobremesa tocou uma sinfonia19. Depois da refeição, a comédia. Foi apresentada a peça "Femme juge et partie", cujo cenário se pode reconstruir a partir da observação da 2ª estampa. A 10 de Janeiro de 1713 as celebrações continuaram, dessa vez com um baile oferecido em honra das senhoras (3ªestampa). No dia 2 de Fevereiro de 1713, Tarouca organizou outro evento, desta vez um teatro (4ª estampa), à qual se seguiu um novo baile (5ª estampa). Este viria a decorrer numa sala, havendo no aposento ao lado uma espécie de boutique, ou feira com tudo o que de exquis se pudesse sonhar. Por fim, na divisão seguinte jogava-se Bassette (planta da sala ). Sem dúvida o conde superava a imaginação dos outros embaixadores. As festas que encenou parecem ter-se assemelhado intervenções de arte pública actuais ou, como diria a autora das Lettres Gallantes eram uma espécie de carnaval de Veneza.20 Porém, a mais surpreendente de todas festas teria sido sem dúvida a que teve lugar no dia 28 de Fevereiro de 1712. Realizada nos passeios de Utreque, a patinagem no gelo, com magníficos barcos puxados por cavalos, foi oferecida por Tarouca a todos os habitantes da cidade. O 16 "Quelques cérémonies rappelaient, par leur organisation, une forme plus struturée de célébration politique. Ce fut le cas d'une série de fêtes données par Tarouca à l'occasion de la naissance d'un fils du roi du Portugal, le prince du Brésil, en Janvier de 1713." p. 398, Bély, 1991. 17 Segundo Madame de Noyer, que descreveu a mesma festa, à mesa estariam 50 ministros, representantes de todos os soberanos da Europa, assinalou também que o jantar teria sido servido com ordem e tranquilidade. Op. cit., p. 111. 18 Madame de Noyer, Lettres Historiques et Gallantes, faz uma descrição semelhante, p. 110-119. 19 Idem, p. 112 20 Madame de Noyer, Op. cit., p. 229. 11 privado e o público misturaram-se tornando Portugal inesquecível aos olhos de quem usufruiu das encenações idealizadas pelo embaixador (6ª/ 7ª/8ª estampas). A discrição das festas de Tarouca revelaram-nos, mais uma vez, sua a relação com as cortes onde residiu. Preocupado em avultar no campo da diplomacia, para depois se retirar para o reino, o conde sustentou com brilho, quer as negociações, quer a sociabilidade no congresso e, em Utreque, não teve dúvidas em demonstrar a grandiosidade da diplomacia portuguesa. Anos mais tarde, no fim da vida, já em Viena de Áustria e sendo nomeado para um cargo áulico na Corte joanina, Mordomo-Mor da Casa da Rainha21, acabaria por expressar uma opinião sob o exercício da diplomacia distinta daquela que expressara ao chegar a Londres. Afirmando numa das suas últimas cartas ao sobrinho : "[…] eu por humor e habito somente me apliquei na vivida vida a os empregos activos, e ardentes para que tenho algum (geito? […] As gentes que fazem a opinião nas cortes do centro da Europa tem-me certamente por mui experimentado, e providente nos negócios políticos e os meus contemporaneos ou portugueses ou estrangeiros não me julgão de estado (?) para empregos militares; porem para os cargos aulicos, ou forenses acho-me em mim mesmo mui pouco geito e ao mesmo tempo muita repugnacia. Quem me diria a mim que el Rey me escolheria para um Cabo superior de Guarda de Damas? Mas emfim quanto mais desagradavel for para mim este cargo no meu interior, tanto mais respeitado e encarecido será no meu exterior.” Este desabafo, em 1734, permite-nos conhecer a opinião do nosso diplomata em Viena. Activo e ardente, e auto-proclamando que nas cortes da Europa lhe reconheciam a sua experiência em negócios políticos, Tarouca não desejava ocuparse de cargos áulicos no Reino, por não se achar com aptidões, ou mais propriamente, por não estar com disposição para assumir um lugar que lhe parecia indigno da sua 21 AT, 26.18 Resposta ao aviso de 12 de Julho de 1734 , que fora nomeado Mordomo-Mor da Casa da Rainha, 21 de Julho de 1734. 12 pessoa, depois de uma vida diplomática agitada entres os Príncipes e diplomatas europeus. Acrescentava ainda: “Eu desde que há muitos anos me fiz empenho e delícia de passar por philósofo, como inumeráveis vezes leríeis nas minhas cartas para vosso pay, assentey que em lugar de solicitar premios era melhor e maior no mundo que eu me singularizasse pelo desinteresse e pobreza; resolvi e pratiquei que nenhuma pessoa me ouvisse queixar el rey que nunca eu regeitasse oficios que me desse e que tambem que lhe não pedisse emprego algum.” Ao recusar solicitar ao rei benefícios, que considerava ter por direito próprio, Tarouca mostrava uma certa amargura pela forma como Portugal tratava a lealdade e o empenho dos seus representantes nas cortes da Europa. O seu comentário sobre o seu amigo Príncipe Eugénio ficaria registado na sua carta , bem como a sua lealdade ao monarca: “Eu nisso de ter outro Amo sou de tal modo delicado que amando infinitamente o meu intimo amigo e famoso Príncipe Eugénio sempre digo que se eu tivesse dinheiro daria muito para que o tal Príncipe não houvesse empregado o seu raro préstimo militar ao serviço de outro Monarca, contra o seu soberano. […]” E acrescentava: “Para que me convira a mim servir outro amo? Se era para fazer a guerra he melhor em utilidade da minha Patria.” Terminaria com uma crítica aos costumes da aristocracia em Portugal : “Que [lugar] esse de Mordomo mor da rainha he dignissimo e não haverá pessoa grande em Portugal que o recuse”.Dizia ele, ser evidente. Mas não deixava de afirmar que a ele o amofinava por “não ser do génio” e “ porque velho podre como estou prefiro antes as ocupações ruidozas em que haja de trabalhar e merecer.” Concluía com : “ Habituado eu aqui, permiti-me esta patarata, a dar os dias santos aos ministros e a roncar com o poder de um Amo que tendo eu feito avultar não poderei deixar de achar-me sem sabor metido entre as damas do Palácio 22 fazendo papel de dona." . 22 AT, 260, Cartas do conde de Tarouca que servem para desenho do carácter dele, Viena, 21 de Julho de 1734. 13 . A idade, o muito que viu e viveu, aliada à consciência da posição social que possuía, dentro, mas sobretudo fora do país, parecem tê-lo afastado definitivamente de qualquer vestígio de respeito pela corte, mas também pelo rei. O seu olhar sobre Portugal foi certamente influenciado pela vida entre diplomatas e Príncipes estrangeiros. Notoriamente a monarquia absoluta de Maria Teresa de Áustria agradava-lhe mais que o parlamentarismo inglês, ou que o provincianismo da corte de D. João V. Para a sua atitude muito devem ter contribuído, certamente, os muitos anos vividos em Viena, na companhia do Príncipe Eugénio de Sabóia de quem era amigo íntimo. Passemos agora a analisar como D. Luís da Cunha, interpretou a diplomacia de negociação e qual o seu olhar sobre as cortes europeias. Para referir D. Luís da Cunha precisamos de nos deslocar para o universo da diplomacia de negociação. Já se disse que este diplomata não pertencia à nobreza não titular e que, ao contrário de Tarouca nada o prendia a Portugal, pois não tinha uma família constituída e não estimava as funções que desempenhava enquanto jurista. De facto, D. Luís, apesar de reconhecer que a formação que recebeu, enquanto membro de uma elite, lhe havia facultado os meios essenciais para o exercício da diplomacia, não deixava de salientar a importância da experiência como aspecto fundamental da sua actividade de diplomata. Nas Instruções a Marco António de Azevedo Coutinho, explicou claramente a importância de ter frequentado a Corte inglesa: "Dois grandes Ministros Secretarios de Estado conheci em Londres, os quais me confessarão que sabendo quais erão os negócios que no Conselho se poderião tratar, se servião das semilhanças e como por acaso, para os comunicarem às pessoas que supunhão ter deles melhores luzes e mais profundas notícias; e que depois de as ouvirem com paciência e atenção escolhião entre as suas rezoens, as que lhes parecião mais solidas, e mais concernentes à materia de que se tratava, para depois dizerem a sua opinião. E não sabe pouco quem escolhe o bem. Mr. Robert Southwel que me deu os primeiros elementos do governo de Inglaterra e foi ministro em Portugal no tempo em que fizemos a paz em Hespanha me disse que o voto de Milord Suderland , informando-me do seu caracter, hera no Conselho o mais seguido;porque de tudo o que ouvia aos que consultava, escolhia as melhores flores e delias concertava o mais vistoso e mais bem fundado ramalhete.” A sua reflexão continuava afirmando que ao método inglês de fazer política tinha associado a sabedoria popular portuguesa. 14 “Este methodo me pareceu sempre muito bom e muito prudente devendo porém praticar-se com grande cautela para que não perigue o segredo. O nosso proverbio de que mais vem quatro olhos que dois he assaz verdadeiro, não porque estes deixem de ver igualmente os mesmos objectos; mas porque todos juntos os vêm, ainda que materiais por todas as suas partes; e esta multiplicação de olhos parece ser mais necessaria nos do entendimento, porque sendo especulativa a sua terminação deve examinar-se em todas as circunstâncias."23 Não há dúvida que para D. Luís da Cunha os contactos mantidos com o embaixador Robert Southwell e com ministro Lord Sunderland, ter-lhe-iam sido fundamentais para entender os Príncipios da teoria e da prática diplomática, bem corno das relações internacionais. Quanto ao método, apesar de algumas reservas, acrescentava que bastaria usar a sabedoria popular portuguesa. Mais adiante, e ainda a Marco António de Azevedo Coutinho, D.Luis expressou a sua admiração pelas Cortes onde tanto ele, como o futuro Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, residiram : "[...] ter V. S. sido enviado extraordinario nas duas maiores Cortes da Europa, a saber: Pariz e Londres; e por consequência adquerido nellas as experiencias que convem ao seu novo emprego.”24 Quando anos antes do envio da Instruções, em 1736, D. Luís escreveu para Marco António, já se encontrava fora de Portugal há quarenta anos, talvez por isso se definia-se a si próprio como um “Homem do Mundo”, com hábitos estranhos à Corte portuguesa e com dificuldade em aceitar os costumes da nobreza. Pela primeira vez, e talvez a única na sua correspondência, assumiu-se como um “estrangeirado”, com todas as características que, mais tarde, viriam a ser definidas pela historiografia portuguesa. “Considero pois meu amado Pay ou filho, como V.Sª quizer, que seria grande expectação que todos conceberião do meu prestimo e de que V.Sª mostra ser o primeiro, se o Amo me tirasse de tão longe para o servir de mais perto, […]. Lembrese V.Sª, que quando algumas vezes falamos nesta matéria, sempre lhe disse, que eu poderia ser menos mau Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros porque o uzo me poderia haver dado delles mais conhecimento que a qualquer outro que nem os tractou, nem talves ouviu falar delles, se não muito 23 24 Instruções Inéditas, p.10/11.alterações em itálico segundo ms BN cod. 1681 Idem, p.12./ 13 15 superficialmente; mas que das couzas interiores do Reyno faria hum pessimo ministro, porque totalmente as ignoraria, e estas são as que fazem quazi todo o trabalho e pezo daquella Secretaria[…] De maneira, que logo que nella estivesse 4 dias ouvira VSª dizer aos críticos e ainda aos que o não são, este he o Oraculo que S.Magestade nos foy buscar a Holanda ! que utilidade nos trouxe que faz e em que nos melhora? e terão muita razão de assim o dizerem[…] Ajunte V.Sª a esta consideração a do meu genio inteiramente oposto ao das intrigas e lizonjas das cortes, de que ordinariamente depende a conservação, alem de que os muitos annos que tenho vivido com as outras naçoens me fizerão contrahir habitos, que me não deixarão contentar com a nossa nobreza e he muito tarde para me repatriar[…] Nesta carta, D. Luís analisa não só as suas insuficiências, como também reconhece que os largos anos de afastamento da corte o impediam de ocupar um cargo no aparelho administrativo central. Ele próprio sabia não dominar os mecanismos fundamentais da actividade política interna, nomeadamente as redes clientelares. Ao contrário, reconhecia que um cargo na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros estava perfeitamente ao alcance das competências. Pela primeira vez na sua correspondência, tal como farão mais tarde os seus admiradores, D. Luís auto-intitula-se “Oráculo” da vida política portuguesa, reconhecendo porém não admirar a nobreza titular que rodeava o monarca. A influência dos costumes das cortes, onde ao longo da vida residiu, são citadas sem qualquer hesitação e embora estes não sejam encarecidos, também não são repudiados. Mas qual será verdadeiramente a sua apreciação sobre as cortes europeias? No final da vida D. Luís, residia no Bairro do Palais Royal e habituou-se a contactar com os agentes diplomáticos sediados em Paris. Recebido, tal como outros embaixadores, por Luís XV no palácio das Tulherias, conhecia também o ambiente da rua de Tournon, onde se erguera o Hôtel des Ambassadeurs, local onde se desenvolvia a prática diplomática. Este universo era o frequentado pelo nosso embaixador, quando a Paris chegou Gonçalo Manoel de Lacerda a fim de o assistir com diplomata. 16 Pouco tempo depois o mesmo Enviado foi encarregado de transmitir a António Guedes Pereira, Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, informações sobre a vida particular do embaixador. Numa, das duas cartas que escreveu, traçava para o Reino o perfil nosso embaixador : Este ministro he de fundo malencolico e adusto, mas não fastidioso na companhia, por que o muito que tem visto lhe dá sempre materia para entreter a companhia ministerial […] He de muito facil acesso; e ouve tudo o que se lhe dizer com grande paciencia e se lhe sobe alguma lavareda conserva o entendimento livre para abbafala ; mas nem sempre dá abertura, e do que ouve guarda o que lhe parece contradizer o que lhe não agrada, evitando por este modo todo o género de disputa e contestação porque a detesta. […] Esta mesma circunspeção se estende a não criticar as acçoens de cada hun ainda que sejão irregulares dando por fundamento que ellas não podem authorizar nem escuzar as suas; assim não se embarassa do que os outros fazem ou dizem, nem se informa das suas vidas, deixando a cada qual obrar como lhe parece ; e esta sua maxima vay tão longe,que não estranha, que alguns fallem do que lhe toca : parece que os muitos annos que viveu em paizes livres lhe naturalizarão estes sentimentos. Embora esta carta pertença a Gonçalo M. Lacerda esta transmite o olhar de D. Luís da Cunha sobre as cortes onde residiu, já que se baseia numa conversa havida entre ambos. De facto, Gonçalo M. Lacerda ao mencionar o que D. Luís lhe confiou sobre os " países livres " onde vivera nos últimos quarenta anos e onde não era costume comentar a vida particular de cada um, entende que este se tinha afastado da mentalidade que grassava na Corte em Portugal. Por outro lado, verifica-se nessa carta que D. Luís entendia por países livres os que estavam fora do alcance da Inquisição e do poder da Igreja católica, admitindo mesmo, que no caso da Holanda, a liberdade de consciência religiosa era um factor importante. 17 O certo é que, embora não tenhamos acesso uma correspondência particular, como no caso do conde de Tarouca, a obra teórica produzida por D. Luís da Cunha basta para nos informar sobre o seu olhar em relação às Cortes por onde passou, uma vez que reflecte a sua adaptação ao “espírito do tempo”, transmitindo-nos a linguagem da diplomacia, bem como a sua observação do Mundo. Nesse aspecto torna-se particularmente interessante o modo como entendeu a Inquisição e o problema dos judeus em Portugal, (nas Instruções a Marco António de Azevedo Coutinho) referindo : "A terceira sangria bem he mais perigosa para o corpo do estado que as precedentes, porque sendo o Santo Officio o sangrador não ha quem ouse pôr-lhe as ataduras, e assim he necessario que se deixe esvahir o sangue e perca toda substãncia, que são como digo os homens que com o medo da Inquisição estão todos os dias sahindo de Portugal com os seus cabedais para hirem enriquecer os países estrangeiros” E, revelando uma certa ousadia, talvez por estar perto da morte e não tencionar voltar a Portugal defendeu : "darem aos Judeus a liberdade de viverem na sua Religião, como se pratica entre todas as nações da Europa, sem embargo de serem tão Christãos com a nossa, liberdade digo, que de duas maneiras se lhe pode accordar, dando-lhe dois Guitos, hum em Lisboa, outro no Porto[…] […] pois he certo que não será Judeo occulto, o que puder ser declarado, mas quando assim sucedesse o poder secular o castigasse com pena de morte... […] E não há duvida que em toda as partes,onde os judeos tem liberdade de consciencia, jamais se casão com Christãos; e isto mesmo succederia em Portugal se a tivessem ; […] Tornando pois ao meu assumpto, já disse que a primeira e princial utilidade, que teriamos da dita permissão, seria de se abolir o injurioso nome de Christão Novo[…] a terceira, que he a mais do meu caso, a sangria que a Inquisição dá a Portugal, não o enfraqueceria, antes lhe 18 meteria mais sangue nas veias sem contaminar o que já tinha e sem prejudicar o Estado[…] "25 Como se justificam estas opiniões? Liberdade para os judeus e tolerância religiosa são valores em voga na Europa. D. Luís da Cunha, como numerosos homens de cultura do seu tempo, pressentiu que a situação de Portugal não podia manter-se ao arrepio da história e embora a sua preocupação seja, como ele próprio afirmou, fundamentalmente de natureza económica, não deixava de estar subjacente a defesa de direitos e o princípio da utilidade das penas, tal como mais tarde Beccaria viria a teorizar Chegarão talvez estes exemplos para demonstrar como os dois diplomatas, Tarouca e D. Luís da Cunha, tinham olhares distintos sobre as cortes onde exerceram as missões. Porém, nem um, nem outro ficaram indiferentes ao que observaram e talvez por essa razão ambos acabaram por ser designados por esse conceito tão vago, quanto abstracto , de estrangeirados. 25D.Luís da Cunha, Instrucções Inéditas ,p.55 /57 19