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Ruptura e Subversão na Arte Moderna e Contemporânea

Este trabalho tem por objectivo desenvolver uma reflexão acerca das primeiras Vanguardas Europeias que surgiram segundo uma necessidade de ruptura, subvertendo um passado artístico e social instituído. Nesta mudança de paradigma artístico que teve o seu início no século XX, apresenta-se uma análise ás principais Vanguardas deste período, que estabeleceram novas formas de olhar e pensar o mundo.

Ruptura e Subversão na Arte Moderna e Contemporânea Rogério Paulo da Silva Resumo: Este trabalho tem por objectivo desenvolver uma reflexão acerca das primeiras Vanguardas Europeias que surgiram segundo uma necessidade de ruptura, subvertendo um passado artístico e social instituído. Nesta mudança de paradigma artístico que teve o seu início no século XX, apresenta­se uma análise ás principais Vanguardas deste período, que estabeleceram novas formas de olhar e pensar o mundo. Introdução Apresenta‐se este trabalho assente numa reflexão das Primeiras Vanguardas Europeias que possuem o seu acontecimento histórico sensivelmente desde o início do século XX até ao ano de 1945. Durante este período a arte e as sociedades iniciaram uma mudança de paradigma, assente em novas formas de olhar o mundo tanto artisticamente como ao nível do pensamento. Devido a mudanças mundiais ligadas a desenvolvimentos tecnológicos, Revolução Industrial e duas Guerras Mundiais, trouxeram ao mundo novas formas de poder ‐ económico, social e politico – as quais resultaram em profundas alterações sociais e humanas, levantando novas questões que apontaram para a recusa de padrões instituídos pelo poder dos estados. As Vanguardas surgiram pela necessidade de quebrar com as regras instituídas e, diante essa urgência, o trabalhos dos artistas assentavam numa produção de obras de dimensão e pensamento crítico que aniquilavam toda a cultura dominante instalada. Com raízes no Modernismo instalado numa época que reflectia sobre si própria, as Vanguardas seguiram a mesma urgência na criação de um novo olhar sobre a sociedade, recusando a representação da realidade. É dentro desta base critica associada às Vanguardas que se incluirá a análise de algumas questões, recorrendo a referências de alguns autores que, de alguma forma, poderão contribuir para este ensaio. Artisticamente, as Vanguardas detêm e representam por si só uma linguagem natural de ruptura dos padrões clássicos do passado. O que se pretende provar neste trabalho será a existência de ligações de ruptura e subversão entre as primeiras Vanguardas Europeias. Ruptura e Subversão As vanguardas artísticas europeias que se destacaram a partir do inicio do século XX, determinaram uma mudança de paradigma entre a arte e a sociedade de cada época evolutiva. Desde as primeiras Vanguardas (até 1945) às segundas Vanguardas (até 1975) que importantes acontecimentos mundiais ‐ desenvolvimento tecnológico, Revolução Industrial e a 1ª e 2ª Grande Guerra – fizeram surgir vários eixos de pensamento ligados ao poder social, a correntes ideológicas e artísticas que sofriam do mesmo objectivo – a ruptura de momentos conservadores da história social e política e o questionamento das artes, integradas no seu próprio tempo. Esta forma de afirmação artística originou que as vanguardas europeias influenciassem e se propagassem também fora da Europa ‐ na Rússia e nos Estados Unidos. Os artistas exaltavam novas formas de olhar o mundo, indo contra o que era instituído, tornando essa apreensão uma vivência radical e dinâmica da vida moderna com um foco dirigido ao futuro. Diante daqueles que tinham uma consciência específica do tempo histórico em que estavam inseridos, esses eram os momentos que incitavam uma mudança social radical. Dentro deste contexto todos os artistas ligados às vanguardas produziam obras com uma dimensão critica que destruía toda a cultura dominante instalada. Proclamando a ideia de novas experimentações artísticas marcadas pela ruptura com a tradição, ideia essa que Baudelaire no século XIX já traduzira como um “novo estar” num tempo que se consome a si próprio e no qual Balzac projectara no seu espírito literário os costumes da época em a Comédie Humaine, faz emergir o artista numa atitude critica do passado sujeitando‐o, por outro lado, a entregar‐se ao domínio do novo e da mudança. Essa posição não interventiva de uma arte descomprometida, segundo Baudelaire, deveria valer por si mesma e não ter pretensões em intervir ou transformar a sociedade. Desta forma todos os valores e normas instituídas por fundamentos tradicionais perdem esta sua natureza e dão lugar a mudanças emancipadoras, onde uma visão do futuro se projecta nessa transformação. A par com esta consciência, a concepção em Kant de que tudo deve ser submetido à crítica, anulando‐se assim a ideia de totalitarismo ideológico, é transversal ao Modernismo e às Vanguardas que se cruzam numa atitude de mudança e de ruptura de um passado artístico instituído por um sistema ideológico de uma arte comprometida, afirmando‐se numa consciência critica no uso do saber. Por um lado temos o Modernismo que surge possuído por uma época que reflecte sobre si própria de uma forma crítica e, por outro as vanguardas, que segundo Peter Burger se viriam a destacar pelo seu tom ainda mais crítico, combativo e interventivo tanto social como politicamente. As próprias Vanguardas artísticas contêm em si a consciência da Modernidade e, desta forma, transforma‐se operativa num pólo de negação aos estilos artísticos proclamados pela tradição. Estas Vanguardas são, por si, criticas da própria cultura existente, colocando‐se para além do engagement artístico assimilado noutras épocas. A este respeito, Adorno refere‐se a uma arte completamente autónoma – experimentalista ao nível dos materiais e das técnicas, crítica de si própria e não subjugada ‐ sendo essa autonomia a base das vanguardas. «Toda a obra significativa deixa vestígios no seu material e na sua técnica; segui­los é a definição do Moderno como do que se vence a prazo, e não cheirar o que anda no ar. Ela concretiza­se pelo momento crítico. Os vestígios deixados no material e nos procedimentos técnicos, a que adere toda a obra qualitativamente nova, são cicatrizes, os pontos onde as obras precedentes fracassaram. (Adorno, 2008: 62)» Em 1905 o grupo expressionista alemão Die Brucke lutava por uma cultura humana e negava os cânones existentes do romantismo alemão. Esta época desenvolve‐se num ambiente de forte tensão social durante a 1ª Guerra Mundial, onde os conflitos que resultam daí são tema de inspiração para o desenvolvimento dos trabalhos onde a emoção caracteriza o estilo do grupo ao contrário de Der Blaue Reiter, que exalta o homem e a natureza a partir de sensações e sentimentos interiores, não reconhecendo o cubismo como manifestação artística reformadora. Assim como existia o objectivo da não representação da natureza por parte das Vanguardas, também a dificuldade de aceitação das diferentes estéticas, era presente entre si, pois não havia nestes grupos programas definidos por orientações teóricas rígidas. Os seus estilos iam‐se construindo através da constante experimentação e pela especificidade dos meios que iam utilizando. Segundo Matei Calinescu as vanguardas, não anunciando nenhum estilo, tornam‐se elas próprias um anti‐estilo. Elas negam a ideia da arte como veículo de representação do real tal como os cubistas que entre 1907 e 1914 recusavam a mimesis na representação, «subvertendo cerca de 700 anos de tradição ao destruírem todas as definições e conceitos de obra de arte até então existentes» (Janssen, 2010: 980). Também para os fauvistas, defendendo uma arte menos sujeita à imitação, a figura e a paisagem transformava‐se apenas num «jogo complexo de cor e de composição» (Janssen, 2010: 974). A expressão de uma época nem sempre tinha o mesmo significado para todos os artistas. A “era das máquinas”, para Picabia, era a expressão mais intensa onde a arte se deveria encontrar (Hobsbawm, 2001). O Futurismo viria a surgir radical, através do Manifesto Futurista de Marinetti que em 1909 apelava a um mundo onde o homem seria o centro da vida universal, exaltando ideais extremistas da glorificação da guerra, anarquismo, violência e velocidade furiosa numa atitude libertadora, «que pretende destruir, pelo menos panfletariamente, a obra e a aura de todo o labor precedente» (Quaresma, 2007: 89). A aura que, para Benjamim, significa o «aqui e agora da obra de arte – a sua existência única no lugar em que se encontra» (2012: 64). A subversão artística das Vanguardas torna‐se o reflexo de uma sociedade que se consome a si própria dentro de uma hegemonia social que a 1ª Guerra Mundial vai construindo. É nesse anseio criado em ambiente de revolta e indignação, que um grupo de artistas alemães formado por escritores, poetas e pintores refugiados em Zurique surgem com o objectivo de produzir algo que faça chocar a burguesia, subvertendo tudo e todos com as suas manifestações dadaístas iniciadas no Cabaret Voltaire. Em 1916 Tristan Tzara determina que: "A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque a beleza está morta"1. Com esta frase ele pretende negar todos os valores estéticos de beleza do movimento dadaísta, que significa o mesmo que dizer que a arte que se fez até ali jamais existirá. Desordem, agressividade visual e verbal e incoerência artística são as manifestações estéticas que exaltam estes artistas enquanto indivíduos autónomos no mundo, «praticando formas operativas de escapar à norma, de impedir o sentido único das coisas e a instalação imobilista do sistema» (Rodrigues, 2007: 208). Esta atitude anarquista e individualista «como alternativa ao idealismo alemão e ao materialismo dialéctico de Karl Marx, e das consequências da declaração de Nietzche» (Ibidem, 2007) era regrada segundo os manifestos dadaístas que tinham por objectivo não terem qualquer significado, mas de ir contra os próprios princípios do movimento, auto‐anulando‐se e tornar‐se um motor da contra cultura subvertendo tudo o que era racional numa uma atitude crítica, sendo este o seu verdadeiro objectivo – o choque do irracional. Em 1924 André Breton declara guerra à atitude realista, considerando‐a hostil para o desenvolvimento intelectual e que, segundo o manifesto Surrealista, exalta a imaginação artística e “assenta a sua crença na realidade superior de certas formas de associações até aqui desprezadas, na omnipotência do sonho, no mecanismo desinteressado do pensamento”. A Vanguarda surrealista da qual Breton foi pai, questionava pela primeira vez o sujeito como material de investigação artística, colocando‐o num lugar entre o mundo real e o mundo dos sonhos. O automatismo psíquico, pelo qual se pretendia exprimir verbalmente, ou por escrito, ou de qualquer outra maneira, era tratada pelos surrealistas como uma desagregação do sujeito, tratando-se eles próprios como autómatos durante o estado alterado da experiência surrealista – algo entre a repetição do gesto e o sonho. 1 Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo A partir da ideia de Breton de que «tudo está escrito» (Breton apud Foster, 1993: 7) - no sentido em que o devir de cada indivíduo se encontra gravado numa dimensão em que tudo se repete num ciclo - ele considera que «o automatismo surrealista aponta para o mecanismo psíquico da repetição compulsiva» (Foster, 1993: 7) mas, por outro lado, inscrito também na ideia de algo que provoca um sentimento estranho (uncanny). Este lugar de estranheza, no qual Freud nos cerca através da ideia de que qualquer coisa que nos é familiar poderá ser estranha, é-nos transmitido pela sensação ambígua e confusa «entre o animado e o inanimado» (ibidem, 1993: 7) de objectos ou imagens que se revelam familiares e que, no entanto, provocam uma impressão de paradoxo. Conclusão Conclui‐se neste trabalho que a causa do surgimento das Vanguardas deveu‐se ao declínio de padrões das sociedades europeias causadas pelo poder instituído, pelas guerras e pelo surgimento de novas ideologias que levaram a processos de instabilidade social e humana. A arte e os artistas que fizeram parte das Vanguardas foram levados a reagir a pressões externas aos seus processos de trabalho e, neste contexto, as suas necessidades tornaram‐se comuns a todos os artistas, em cadeia, desde o início do século XX. Nesse sentido todos os movimentos enquadravam‐se em objectivos comuns nos contextos económico, social e politico. Embora tenham seguido linhas de actuação artística divergentes e nalguns casos se terem cruzado, a vontade de quebrarem as regras instituídas tanto ao nível das artes como na politica ou socialmente, eram objectivos comuns e isso fê‐los evoluir na História da arte e na mesma direcção. Referências ADORNO, Theodor W. (2012). Teoria Estética. Lisboa: Edições 70 BENJAMIN, Walter (1992) Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água. BÜRGER, Peter (1993). Teoria da Vanguarda (tradução de Ernesto Sampaio). Lisboa: Veja CALINESCU, Matei (1999). As Cinco Faces da Modernidade: Modernismo, Vanguarda, Decadência, Kitsch, Pós‐Modernismo (tradução de Jorge Teles de Menezes). Lisboa: Veja. FOSTER, Hal (1993) Compulsive Beauty, Massachusetts: MIT Press. JANSSEN, A. H., A Nova História da Arte de Janssen ‐ A Tradição Ocidental, 2010, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian QUARESMA, José (2007) Introdução ao Futurismo: Estilhaçamento e vórtice in As artes visuais e as outras artes. 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