Paludo, S. S., & Koller, S. H. (2007). Psicologia Positiva
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______________________________________Disponível em www.scielo.br/paideia____________________________________
Psicologia Positiva: uma nova abordagem para antigas questões
Simone dos Santos Paludo
Sílvia Helena Koller
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil
Resumo: Historicamente, a Psicologia preocupou-se em investigar patologias, negligenciado os
aspectos saudáveis dos seres humanos. Mas, a partir de 1998, assumindo a presidência da American
Psychological Association, Seligman iniciou movimento denominado Psicologia Positiva, que
visa oferecer nova abordagem às potencialidades e virtudes humanas, estudando as condições e
processos que contribuem para a prosperidade dos indivíduos e comunidades. Este artigo apresenta e discute essa nova proposta científica, que promete melhorar a qualidade de vida dos
indivíduos e prevenir patologias; também as lacunas existentes nas investigações em Ciências
Humanas, as contribuições teóricas e empíricas e as possíveis aplicações desse conhecimento.
Palavras-chave: Psicologia positiva. Potencialidades humanas. Histórico da investigação
psicológica.
Positive Psychology: a new approach to old questions
Abstract: Throughout history, Psychology studies were focused on pathologies, neglecting issues
related to human healthy state. In 1998, when Seligman assumed the head of American
Psychological Association, he started the Positive Psychology movement, which objective is to
offer a new approach to human strengthens and virtues, by studying the conditions and processes
that contribute to the prosperity of individuals and communities. The present paper presents and
discusses this new scientific approach that intends to promote the quality of life at individual and
community levels, preventing pathologies. We also point out its gaps in Human Sciences-directed
investigations, as well as its theoretical and empirical contributions and applications.
Keywords: Positive psychology. Human potentiality. History of psychological investigation.
Psicología Positiva: un nuevo acercamiento para antiguas cuestiones
Resumen: Históricamente, la Psicología se preocupó por investigar patologías, descuidándose
de los aspectos saludables de los seres humanos. Pero, desde 1998, Cuando Seligman, asumió la
presidencia de la American Psychological Association, se inició el movimiento denominado
Psicología Positiva, cuyo objetivo fue dar una nueva mirada a las potencialidades y virtudes humanas, estudiando las condiciones y los procesos que contribuyen para la prosperidad de los individuos
y comunidades. Este articulo presenta y discute esta nueva propuesta científica, que promete
mejorar la calidad de vida de los individuos y prevenir patologías; así como indicar las lagunas
producidas en las investigaciones de las Ciencias Humanas, sus contribuciones teóricas, empíricas
y posibles aplicaciones.
Palabras clave: Psicología positiva. Potencialidades humanas. Historia de la investigación
psicológíca.
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Nos últimos anos, muitas tragédias têm sido
anunciadas pelos principais meios de comunicação
em todo o mundo - guerras, criminalidade, doenças,
pobreza, tráfico de drogas, mortalidade infantil, entre
outros. Devido a tal evidência, o destaque a esses
eventos parece contraditório aos aspectos positivos
da natureza humana. Pergunta-se, então, como a ciência poderia investigar as causas da felicidade se existem, por exemplo, outros fatores mais emergentes,
como as causas da depressão? Mas, será que o progresso da ciência deve ser orientado somente pelas
emergências? Ou pode se ocupar de outros temas?
Como primeira resposta, tem-se a Psicologia
abordando essas questões dentro de um novo movimento científico intitulado Psicologia Positiva, que,
nessa nova proposta científica promete melhorar a qualidade de vida dos indivíduos e prevenir as patologias.
O movimento pela Psicologia Positiva teve início em 1998, quando o psicólogo Martin Seligman
assumiu a presidência da American Psychological
Association (APA). Segundo ele, a ciência psicológica vinha negligenciando o estudo dos aspectos virtuosos da natureza humana, o que pode ser confirmado por uma simples pesquisa no banco de dados
da PsycInfo. Ao utilizar a palavra-chave “depressão” são encontrados 110382 artigos entre os anos
de 1970 e 2006, por outro lado, a palavra-chave “felicidade” indica apenas 4711 artigos publicados no
mesmo período, ou seja, menos da metade.
Para evidenciar a realidade da produção
cientifica em Psicologia, Seligman e Czikszentmihalyi
publicaram uma edição especial da American
Psychologist em janeiro de 2000, na qual enfatizaram
que a Psicologia não produzia conhecimento suficiente sobre os aspectos virtuosos e as forças pessoais que todos seres humanos possuem. Nessa importante publicação, apontaram as lacunas presentes nas
investigações psicológicas e destacaram a necessidade de pesquisas sobre aspectos positivos como, por
exemplo, esperança, criatividade, coragem, sabedoria, espiritualidade, felicidade.
No entanto, em cinco anos, houve grande expansão e muito tem acontecido nesse movimento científico; é grande o número de artigos e livros publicados, conforme mostra a literatura (Aspinwall &
Staudinger, 2003; Compton, 2005; Keyes & Haidt,
2003; Lopez & Snyder, 2003; Peterson & Seligman,
2004; Schmuck & Sheldon, 2001; Snyder & Lopez,
2002); são muitas as conferências, cursos, financiamentos e prêmios oferecidos a pesquisadores do
mundo inteiro a fim de fortalecer e divulgar o estudo
empírico e teórico. A Psicologia Positiva está, pois,
em pleno processo de expansão dentro da ciência
psicológica, a qual possibilita uma reavaliação das
potencialidades e virtudes humanas por meio do estudo das condições e processos que contribuem para
a prosperidade.
De acordo com essa nova visão, o conhecimento das forças e virtudes poderia propiciar o
“florescimento” (flourishing) das pessoas, comunidades e instituições. E florescimento tem sido um termo bastante utilizado na Psicologia Positiva, sendo
definido por Keyes e Haidt (2003), como uma condição que permite o desenvolvimento pleno, saudável e
positivo dos aspectos psicológicos, biológicos e sociais dos seres humanos. Keyes e Haidt (2003) salientam, ainda, que o florescimento significa um estado
no qual os indivíduos sentem uma emoção positiva
pela vida, apresentam um ótimo funcionamento emocional e social e não possuem problemas relacionados à saúde mental, o que não quer dizer ser um
“super-homem ou super-mulher”, mas indivíduos considerados em pleno florescimento são aqueles que
vivem intensamente mais do que meramente existem
(Keyes & Haidt, 2003).
O processo histórico
A negligência ao estudo dos aspectos positivos
e virtuosos dos seres humanos pela Ciência Psicológica, de acordo com Seligman (2002), baseou-se historicamente no pensamento dominante na Psicologia
direcionado ao estudo dos aspectos “anormais”. Parece que o fator mais intrigante no estudo do comportamento humano não era representado pela média da população, mas o improvável e o diferente.
Embora tenham surgido psicólogos humanistas como,
Abraham Maslow (1954) e Carl Rogers (1959), comprometidos com uma nova visão e perspectiva sobre
o comportamento humano, suas idéias não pareceram ser suficientemente atrativas e, conseqüentemente, não produziram dados empíricos suficientes para
dar força a uma visão mais positiva do ser humano.
Seligman e Csikszentmihalyi (2000) apontam a falta
Paludo, S. S., & Koller, S. H. (2007). Psicologia Positiva
de rigor metodológico e a inconsistência dos resultados como principais responsáveis pelo enfraquecimento da Psicologia Humanista. Talvez esses autores
estivessem à frente de seu tempo e, por isso, suas
idéias não foram reconhecidas como necessárias à
Psicologia, naquele momento.
Existem importantes discussões sobre as
interlocuções e as aproximações teóricas e conceituais
entre a Psicologia Humanista e a Psicologia Positiva.
Hernandez (2003) apresenta as diferentes manifestações sobre a origem das idéias que fundamentam
essa nova abordagem psicológica. Os pesquisadores
humanistas dividem-se em dois grandes grupos, aqueles que questionam as proposições de Seligman
(Resnick, Warmoth & Serlin, 2001; Taylor, 2001) e
aqueles que as aceitam (Pajares, 2001; Sollod, 2000).
Certamente o movimento da Psicologia Positiva compartilha e resgata conceitos e objetivos propostos pela
terceira força em Psicologia. Hernandez (2003) propõe uma parceria entre as novas idéias do presente e
as novas idéias do passado e sugere a necessidade
de estudos que explorem essas relações.
É importante reconhecer que a Psicologia
Humanista enfatizou aspectos positivos do desenvolvimento humano, no entanto, suas contribuições científicas receberam pouca atenção no passado. Inúmeros motivos podem ser apontados para justificar a
preferência pelos aspectos negativos em detrimento
aos positivos. Primeiro, existe uma tendência para o
estudo dos fatores que afligem a humanidade, e a
expressão e experiência de emoções negativas são
responsáveis pela maioria desses conflitos. Em contraste, experiências que promovem felicidade, muitas
vezes, passam desapercebidas. Seligman (2002) salienta a II Guerra Mundial como um marco importante
para o estudo focado somente nas patologias. Antes
desse acontecimento, a Psicologia possuía três missões: curar as doenças mentais; tornar a vida das
pessoas mais produtiva e feliz; e, identificar e criar
talentos. No entanto, após a guerra, as duas últimas
missões foram esquecidas. A necessidade de tratar
os veteranos de Guerra e a fundação do Instituto
Nacional de Saúde Mental nos Estados Unidos propiciaram vantagens econômicas, profissionais e sociais aos psicólogos e pesquisadores. Dessa forma, as
pesquisas e o atendimento clínico concentraram-se
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no “reparo” dos danos e prejuízos provocados pelas
patologias, de acordo com um modelo de doença do
funcionamento humano. Esse movimento trouxe benefícios importantes para o fortalecimento e o aperfeiçoamento das terapias e tratamentos para as doenças mentais, mas ao mesmo tempo, enfraqueceu
as investigações sobre os aspectos virtuosos dos seres humanos.
Como outros psicólogos, Seligman devotou sua
carreira ao estudo das doenças mentais, especialmente
da depressão. Ao assumir a presidência da APA,
enfatizou os avanços que a Ciência Psicológica havia
obtido nos últimos anos; ele salientou que não havia
tratamentos disponíveis para nenhuma doença mental no ano de 1947 e que, nos anos 90, 14 diferentes
doenças já podiam ser tratadas através de psicoterapia
e psicofarmacologia, ou ambas, o que era uma notável vantagem trazida pelo estudo das patologias. No
entanto, a Psicologia ainda não era capaz de oferecer ferramentas para ajudar os indivíduos a prosperarem e a florescerem. Segundo Seligman (2002), a
Psicologia deveria possibilitar muito mais do que apenas reparar o que está errado, devendo identificar e
fortalecer o que está bom. A partir desse desequilíbrio,
Seligman juntamente com Csikszentmihalyi iniciam o
movimento da Psicologia Positiva.
Diversos pesquisadores têm discutido a origem
e o movimento da Psicologia Positiva. Gable e Haidt
(2005) abordam os aspectos teóricos, filosóficos e
históricos que propiciaram a visão negativa da natureza humana e oferecem três razões que justificariam o interesse dos pesquisadores pela investigação
das “fraquezas” dos seres humanos. Primeiramente,
apontam a compaixão ou a necessidade de ajudar
outras pessoas quando essas estão sofrendo; a segunda razão refere-se à II Guerra Mundial, e a todos
os aspectos históricos e pragmáticos que permearam
esse acontecimento; e, por último, indicam as próprias teorias sobre os processos psicológicos, que focalizam os eventos negativos. Os autores argumentam
que esses fatores deram suporte ao desequilíbrio atual nas investigações científicas, embora existam poucas justificativas empíricas para a visão predominantemente negativa da natureza humana. Por outro lado,
afirmam que o movimento da Psicologia Positiva colabora com a evolução da ciência, sendo que em ape-
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nas cinco anos, ele cresceu rápido e começa a explorar novas fronteiras, levando a que o reconhecimento
das virtudes humanas possa ajudar a prevenir ou a
diminuir os prejuízos causados pelas patologias, pelo
estresse e pelas doenças.
Assinala-se que a Psicologia Positiva pretende contribuir para o florescimento e o funcionamento
saudável das pessoas, grupos e instituições, preocupando-se em fortalecer competências ao invés de
corrigir deficiências. Sheldon e King (2001) a definem como o estudo científico dos aspectos virtuosos
usuais presentes nos indivíduos, o que demonstra a
preocupação central desse movimento, que seria estudar o que é típico, ordinário e usual na maioria dos
indivíduos. Portanto, compreendem os aspectos típicos como sendo os positivos. Esse movimento não
implica em condenar o “resto” da Psicologia como
negativo; ao contrário, seu objetivo não está em negar o que é ruim, o que vai mal, ou o que é desagradável na vida dos seres humanos, porque reconhece
a existência do sofrimento humano, situações de risco e as patologias, entretanto pretende investigar a
outra face dessas questões como, por exemplo, a felicidade e o altruísmo. Essa mudança de abordagem oferece
novas possibilidades de resposta às antigas questões.
Seligman (2002) afirma que é chegado o momento para a Psicologia Positiva. Sua principal preocupação é ampliar o campo e modificar o foco dos
estudos, ou seja, a Psicologia não estar restrita apenas a reparar o que está errado ou ruim, mas
(re)construir qualidades positivas; ele afirma que o
tratamento psicológico e as pesquisas não devem pretender apenas consertar ou descobrir o que está “quebrado” ou não funciona, mas fomentar e nutrir o que
existe de melhor nos indivíduos. Para o autor a Psicologia não é apenas uma filial da Medicina, preocupada com a doença e a saúde, mas é muito mais do
que isso, envolvendo também o trabalho, a educação,
o afeto, a superação e o crescimento, fatores que
estão intimamente ligados às possibilidades cotidianas e comuns que passam desapercebidas diante das
investigações empíricas. Estudar o comum e o positivo pode propiciar o entendimento do que adoeceu ou
não vai bem. Porque, caso contrário, parece que a
Psicologia se “esquece” de sua premissa básica, uma
vez que a atividade profissional indica ou deveria in-
dicar essa consciência dos aspectos positivos e ordinários no desenvolvimento dos seres humanos, porque a própria atuação dos psicólogos traz a crença
nas habilidades e fatores saudáveis das pessoas, pois,
para que existiriam tratamentos se eles não acreditassem na possibilidade de recuperação da boa qualidade de vida? Assim, afirma-se que essa mudança
de perspectiva não é exclusiva da Psicologia Positiva, bem como não se trata de algo novo ou diferente
na Ciência Psicológica, mas que resgata aspectos que,
até então, eram considerados secundários.
O movimento científico da Psicologia Positiva
O campo da Psicologia Positiva tem oferecido
espaço para a investigação empírica dos aspectos
virtuosos a partir de métodos científicos rigorosos.
Seligman (2003) identifica três importantes pilares para
a investigação nessa perspectiva: 1) a experiência
subjetiva; 2) as características individuais – forças
pessoais e virtudes; 3) as instituições e comunidades.
A experiência subjetiva refere-se aos estudos
sobre o bem-estar subjetivo, experiências positivas
ocorridas no passado (Diener, 2000), emoções positivas (Frederickson, 2002b); e, no presente, a aspectos
como felicidade (Myers, 2000; Seligman &
Csikszentmihalyi, 2000) e transcendência – flow
(Nakamura & Csikszentmihalyi, 2002); assim como,
no futuro, às relacionadas à esperança (Snyder, Rand &
Sigmon, 2002) e ao otimismo (Carver & Scheier, 2002).
Em relação às características individuais, são
focalizados os estudos relacionados às capacidades
para o afeto (Hendrick & Hendrick, 2002), o perdão
(McCullough & Witvliet, 2002), a espiritualidade
(Pargament & Mahoney, 2002), o talento e a sabedoria (Baltes, Gluck & Kunzmann, 2002).
E, no nível relacionado ao funcionamento dos
grupos, é incentivado o estudo sobre as virtudes cívicas e instituições que possibilitam mudanças dos indivíduos como melhores cidadãos, com o foco
direcionado para a responsabilidade, o altruísmo, a
tolerância (Turner, Barling & Zacharatos, 2002) e a ética no trabalho (Handelsman, Knapp & Gottlieb, 2002).
Investigar esses fatores pode ser eficaz na prevenção de problemas relacionados ao comportamento humano. Nos últimos 50 anos, muitos foram os
estudos e pesquisas sobre as diferentes patologias e
Paludo, S. S., & Koller, S. H. (2007). Psicologia Positiva
modelos de doença. Entretanto, pouco se conhece
sobre prevenção, o que se confirma pela escassez de
trabalhos sobre os aspectos saudáveis, mantidos durante o desenvolvimento da doença. Com certeza, o
principal progresso dado à prevenção tem ocorrido a
partir da construção de competências. Pesquisadores reconhecem que as virtudes e as forças pessoais
atuam como agentes protetores e preventivos nas
doenças mentais. Conhecer os danos e as fraquezas
pessoais não se mostra suficiente para promover a
prevenção. É necessário fortalecer as pesquisas e o
trabalho clínico sobre as habilidades e as capacidades dos seres humanos. Um dos principais aportes
teóricos que oferece espaço para o estudo dessas
habilidades refere-se à resiliência. Ryff e Singer (2003)
afirmam que o funcionamento positivo humano é mais
evidente em contextos de mudanças significativas
repletas de situações de risco e de adversidades. A
análise da resiliência favorece a compreensão das
forças humanas, ou seja, quando ela se expressa, as
virtudes e as forças pessoais tornam-se conhecidas
e, essa possibilidade produz efeitos importantes na
vida dos indivíduos, uma vez que favorece suas
potencialidades, tornando-os mais fortes e produtivos.
Masten (2001) reconhece que a resiliência é
um fenômeno comum e presente no desenvolvimento de qualquer ser humano. No entanto, geralmente,
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essas forças são conhecidas pela própria pessoa apenas nos momentos adversos. Para compreender a
resiliência, segundo Rutter (1993), é preciso saber a
dinâmica das características protetoras, ou seja, como
se desenvolveu e modificou a trajetória do indivíduo.
Nesse sentido, pode-se perceber a importância do
reconhecimento das habilidades e capacidades individuais. E Seligman (2003) salienta que para alcançar sucesso em prevenção é necessário e emergente
o investimento no conhecimento científico sobre as
virtudes e forças pessoais, o que pode ser uma contribuição da Psicologia Positiva.
O movimento da Psicologia Positiva tem produzido importantes aplicações e avanços científicos.
Segundo Snyder e Lopez (2002), um dos passos mais
importantes nessa promoção foi a independência do
modelo tradicional patológico. Certamente, essa afirmação demonstra uma preocupação de renomados
cientistas pelo outro lado – o lado bom dos seres humanos, embora o “lado escuro” ainda atraia atenção
de muitos. A Psicologia Positiva não pretende travar
batalhas a fim de descobrir ou demonstrar a superioridade de um ou outro modelo explicativo do comportamento humano, mas levar a que se reconheça uma
nova abordagem constituída de rigorosos métodos da
ciência para a investigação dos fatores que dão significado ao que há de sadio no ser humano; ela pode e
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deve se ocupar de todos os passos metodológicos da
Ciência “tradicional” para promover o conhecimento.
Muitos pesquisadores têm feito uso dessas premissas
para investigar os aspectos virtuosos e as forças existentes nos indivíduos, comunidades e instituições, o que
pode ser confirmado através do que mostra o banco
de dados do PsychInfo, onde são encontradas 793 referências sobre Psicologia Positiva no período compreendido entre o ano 2000 até 2006 (ver Figura 1).
Constata-se a existência de uma tendência
positiva devido ao crescente número de publicações
no cenário científico internacional, o que evidencia o
interesse dos pesquisadores nessas temáticas. É inegável o crescimento da área, apesar da visível queda
no ano de 2005. Além disso, essa ampla gama de
estudos demonstra a capacidade e a emergência desse movimento em pouco tempo.
Contribuições da Psicologia Positiva
Entre as principais contribuições destacam-se
a construção de instrumentos de avaliação, modelos
de intervenção e aplicação no curso desenvolvimental
(Seligman, 2002). Trata-se de uma proposta teórica
que pretende criar métodos preventivos através do
conhecimento dos fatores protetivos, aprimorar técnicas de avaliação psicológica para identificação das
virtudes e dos aspectos positivos e ampliar o escopo
de estudo das Ciências Sociais e Humanas. Assim,
esforços não têm sido medidos para a criação e aperfeiçoamento de técnicas e instrumentos de medidas
a fim de facilitar e promover o desenvolvimento dessa nova área da ciência. A principal missão, no momento, tem sido a operacionalização de instrumentos
para a avaliação e a classificação das virtudes e das
forças pessoais.
Essa proposta surge em contraponto ao Manual de Estatística e Diagnóstico das Desordens
Mentais (DSM), ao possibilitar a identificação dos
aspectos saudáveis, mesmo avaliando as patologias.
Certamente, o DSM-IV R (American Psychiatric
Association, 2000) tem ajudado os profissionais não
só a identificarem e diagnosticarem as doenças mentais como, também, a viabilizarem tratamentos para
as desordens. No entanto, conforme apontam Wright
e Lopez (2002), a partir da discussão do modelo da
doença, há um erro comum na prática profissional
dos psicólogos: o diagnóstico, o tratamento e as decisões políticas baseiam-se apenas nas deficiências
apresentadas pelos pacientes/clientes, ao invés de
serem consideradas as forças e as virtudes pessoais
do indivíduo e seu ambiente, o que indica que o foco
está nos pontos negativos, embora como profissionais da saúde, tenham o conhecimento de que as pessoas exibem uma ampla variedade de comportamentos e capacidades saudáveis; no entanto, na sua atuação cotidiana os aspectos doentes ainda são
priorizados. Dessa forma, pesquisas têm sido realizadas a fim de promover a construção de instrumentos
para identificação, avaliação e classificação do positivo dos indivíduos, dos grupos e instituições. A Psicologia Positiva tem como principal ambição difundir
esse modelo, no mesmo nível exibido pelo da doença,
indicado pelo reconhecimento do DSM.
Recentemente, Peterson e Seligman (2004)
desenvolveram um sistema de classificação para os
aspectos positivos, enfatizando as forças e o caráter
denominado Values in Action (VIA) – Classification
of Strengths and Virtues Manual. Os autores afirmaram que as forças poderiam ser amplamente classificadas a partir de suas características emocionais,
cognitivas, relacionais e cívicas, através de seis grupos de virtudes: sabedoria, coragem, humanidade, justiça, temperamento e transcendência. Essa classificação tem sido considerada universal, uma vez que a
avaliação envolveu diferentes culturas, contextos e
tempos históricos. O objetivo desse material é prover
definições, medidas e intervenções para cada uma
das forças de caráter, algumas já publicadas como o
livro, Positive Psychology Assesment: A Handbook
of Models and Measures (Lopez & Snyder, 2003).
Pesquisadores e terapeutas podem utilizar esses
instrumentos para desenvolverem intervenções e
ajudarem as pessoas a acentuarem suas possibilidades de florescimento.
A terapia positiva é outra importante contribuição do movimento. Essa modalidade de tratamento
visa fortalecer os aspectos saudáveis e positivos dos
indivíduos, (re)construir as virtudes e forças pessoais, e ajudar os clientes a encontrarem recursos
inexplorados para mudança positiva. Seligman (1995)
investigou a psicoterapia e notificou que 90% dos cli-
Paludo, S. S., & Koller, S. H. (2007). Psicologia Positiva
entes sentem-se beneficiados com o tratamento.
Destacou, ainda, que esses benefícios não são resultados de uma forma ou modelo particular de
psicoterapia ou da eliminação de sintomas, mas, argumentou que uma boa terapia aumenta as forças
pessoais já existentes nos clientes, ou seja, modificar
somente o que está ruim ou errado é apenas uma
parte do trabalho da psicoterapia, sendo preciso também reconstruir e fortalecer o que está bom. A orientação positiva da terapia reconhece que os traços
positivos e os comportamentos adaptativos servem
como fatores protetores contra os estressores e as
dificuldades futuras. Dessa forma, ao tomar conhecimento dos aspectos positivos, as pessoas possuem
melhor capacidade para lidar com eventos difíceis,
tornando-se, assim, agentes ativos na superação da
vulnerabilidade e do risco. Idéias semelhantes foram
abordadas no início do século XX por Adler, Jung,
Rogers e outros teóricos humanistas, mas foram suprimidas pela principal corrente psicológica da época
que enfatizava a patologia.
Atualmente, novas perspectivas teóricas e aplicadas na clínica e no aconselhamento estão em concordância com a proposta da psicoterapia da Psicologia Positiva – o foco nas virtudes e forças pessoais,
as capacidades para resolução de problemas e a demonstração de competência. Pesechkian (1997) desenvolveu um sistema de terapia denominado
Psicoterapia Positiva baseada na hipótese de que todas as pessoas possuem capacidades para lidar com
problemas, o que facilita o reconhecimento e o fortalecimento delas. Robitschek (1998), Robitschek e
Cook (1999) propuseram uma orientação que facilita
a identificação dos aspectos positivos na psicoterapia,
denominada Personal Growth Initiative. Essa é definida como o envolvimento ativo e intencional na
modificação e no desenvolvimento como pessoa.
Outros aportes teóricos e empíricos têm sido explorados para incrementar a terapia de orientação positiva como, por exemplo, a Hope Therapy (Lopez,
Floyd, Ulven & Snyder, 2000).
A Psicologia Positiva tem, pois, produzido muitos avanços na intervenção psicoterapêutica através
da construção de instrumentos psicológicos e novas
metodologias de acesso aos seres humanos (Snyder
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& Lopez, 2002). Os estudos enfatizam a prevenção,
a identificação e o fortalecimento dos aspectos saudáveis presentes, uma vez que esses agem como fatores de proteção. Nesse sentido, as investigações
oferecem técnicas e treinam os profissionais e os clientes para construirem e solidificarem as forças e as
virtudes pessoais sistematicamente, numa proposta
que pretende modificar o papel de passividade do
terapeuta e do cliente, existente no modelo tradicional
da doença, e torná-los ativos no processo terapêutico.
Outra importante contribuição da Psicologia
Positiva envolve a possibilidade de abordar as questões envolvidas no desenvolvimento das pessoas, reconhecendo que elas e as experiências estão inseridas
em contextos sociais e culturais. Certamente, esse
movimento não é o único que distingue a importância
do ambiente social para o comportamento humano,
no entanto, produz uma mudança na teoria psicológica ao conceitualizá-lo como um organismo integrado.
Por isso, dedica-se, também, ao estudo do funcionamento de grupos e instituições, por entender que esses ambientes são significativos na vida das pessoas.
Importantes contribuições têm sido feitas por
Myers (2000), que descreve como as relações sociais favorecem a felicidade na vida dos indivíduos;
Larson (2000) enfatiza as atividades voluntárias para
o desenvolvimento das pessoas e Winner (2000) indica o efeito positivo das famílias sobre o florescimento
de talentos. Além desses, outros trabalhos têm
enfatizado as relações saudáveis no ambiente de trabalho (Turner, Barling & Zacharatos, 2002) que previnem os conhecidos riscos nele presentes, tais como
o estresse e a depressão e, ao mesmo tempo, promovem o bem-estar psicológico e físico. De fato, o foco
nos aspectos positivos do trabalho humano ainda é
escasso na literatura, o que é corroborado pela própria história da investigação científica em psicologia.
Psicologia Positiva: influências da literatura
internacional e avanço no Brasil
No Brasil, o movimento da Psicologia Positiva
ainda não recebeu a devida atenção. Não são encontrados estudos científicos ou publicações nos bancos
de dados. Uma busca no Index Psi-Periódicos
(www.bvs-psi.org.br) aponta apenas uma referência
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a partir do descritor: Psicologia Positiva. O artigo
elaborado por Yunes (2003) introduz a discussão do
fenômeno da resiliência vinculado ao movimento da
Psicologia Positiva, uma vez que salienta um importante aspecto saudável e positivo do desenvolvimento humano - a superação das adversidades. O conceito de resiliência surgiu há pouco mais de vinte anos
na comunidade acadêmica (Masten & Garmezy, 1985;
Rutter, 1981, 1985, 1987, 1993, 1996, 1999).
O primeiro manuscrito sobre resiliência no Brasil foi publicado nas coletâneas da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Psicologia
(Hutz, Koller, & Bandeira, 1996). No entanto, estes
autores não a relacionavam diretamente com a Psicologia Positiva. Só recentemente, foi incorporado ao
movimento devido ao seu enfoque nas forças pessoais, que Yunes adotou de Masten (2001) que ofereceu uma importante contribuição ao argumentar que
a resiliência é um processo normativo da adaptação,
presente na espécie humana e aplicável ao desenvolvimento em ambientes favoráveis ou adversos, afirmando que todos os seres vivos possuem “capacidade” para o desenvolvimento saudável e positivo, o
que antes parecia ser exclusivo de alguns indivíduos.
Essa afirmação relaciona-se aos temas centrais da
Psicologia Positiva. De acordo com Yunes (2003), a
Psicologia no Brasil também negligenciou o fenômeno humano da resiliência, essencial para a adaptação
e o desenvolvimento durante os períodos de risco,
problemas, patologias e tratamento e ela ressalta que
a resiliência não emerge de qualidades raras ou especiais, mas que surge de fatos cotidianos e usuais
presentes na trajetória e nas relações das crianças,
famílias, e comunidades. Masten (2001), também,
revela uma perspectiva mais otimista e lança o desafio da compreensão dos processos que podem favorecer ou diminuir o fenômeno da resiliência.
O interesse pelos fenômenos positivos e aspectos saudáveis têm aumentado nesses últimos anos,
no Brasil e no mundo; e trata-se de uma mudança de
olhar com relação ao humano. Essa nova lente acompanha os preceitos indicados pelo movimento da Psicologia Positiva, mas ainda são escassas as informações sobre essa mudança expressiva que ocorre na
Psicologia, tendo-se uma modificação gradual dos
estudos brasileiros no seu enfoque e abordagem sobre o desenvolvimento humano.
Uma estratégia teórico-metodológica que tem
orientado as pesquisas sobre os aspectos saudáveis
das pessoas é a Abordagem Ecológica do Desenvolvimento Humano, proposta por Bronfenbrenner (1979/
1996, 1986, 1995a, 1995b), que foi reformulada mais
recentemente por Bronfenbrenner e Morris (1998) e
denominado Bioecológica. Esse modelo propõe uma
visão mais ampla do desenvolvimento humano através da interação de quatro núcleos inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo.
Dessa forma, possibilita que a atenção investigativa
seja dirigida não só para a pessoa e os ambientes
imediatos nos quais se encontra, mas também para
considerar suas interações e transações com os ambientes mais distantes, dos quais muitas vezes sequer
participa diretamente.
Neste modelo, o processo é destacado como o
mecanismo responsável pelo desenvolvimento, que é
visto através de interação recíproca progressivamente
mais complexa de um ser humano ativo,
biopsicologicamente em evolução, com as pessoas,
objetos e símbolos presentes no seu ambiente imediato (Bronfenbrenner & Morris, 1998). Estas formas
de interação no ambiente imediato são denominadas
processos proximais. O segundo componente é a pessoa, que é analisada através de suas características
determinadas biopsicologicamente e aquelas
construídas na sua interação com o ambiente. O terceiro refere-se ao contexto, é analisado através da
interação de quatro níveis ambientais, denominados
como microssistema, mesossistema, exossistema e
macrossistema. Finalmente, o quarto componente, o
tempo, permite examinar a influência para o desenvolvimento humano de mudanças e continuidades que
ocorrem ao longo do ciclo de vida (Bronfenbrenner,
1986), sendo analisado em três níveis no modelo
bioecológico: microtempo, mesotempo e macrotempo.
Diversas publicações brasileiras têm privilegiado a
utilização e a aplicação do modelo bioecológico nos
seus estudos (Koller, 2004).
Por fim, a Abordagem Bioecológica do Desenvolvimento Humano e a Psicologia Positiva trazem à
tona importantes implicações teóricas, empíricas e
práticas que podem e devem ser incorporadas à atuação dos diferentes profissionais e às investigações.
Ambas propostas possibilitam a crença no potencial
Paludo, S. S., & Koller, S. H. (2007). Psicologia Positiva
do ser humano como um ser ativo capaz de desenvolver estratégias e habilidades para conseguir atingir o desenvolvimento saudável, permitindo um novo
olhar para as antigas questões presentes na ciência.
Nesse sentido, a comunidade acadêmica brasileira está despertando para acompanhar os relevantes avanços nessa área. O movimento vem favorecendo uma rápida e complexa produção científica no
mundo, rompendo com os ideais epistemológicos vigentes até então. O futuro da Psicologia Positiva pretende
“revolucionar” a visão de ser humano, com a construção de uma ciência que focalize os aspectos positivos e
salutogênicos dos indivíduos, instituições e grupos, o que
parece ser imprescíndivel, numa idéia que não é nova
na Psicologia, mas nesse momento favorável ao
surgimento e estabelecimento dessa área da ciência.
Um elemento essencial que diferencia esse
movimento das tentativas anteriores, realizadas por
Rogers e Maslow, é o investimento teórico,
metodológico, aplicado e empírico. Myers (2000) afirma que a Psicologia Positiva apresenta uma metodologia
imbricada no inquérito sistemático e cientifico.
A psicologia dos últimos 50 anos, que voltou
suas energias ao estudo das patologias gerou muitos
benefícios, tais como o desenvolvimento de sofisticados métodos longitudinais e experimentais, essenciais para o entendimento do funcionamento humano;
transtornos foram descobertos, diagnosticados e tratados; laboratórios, instrumentos de medidas e avaliação confiáveis foram construídos; doenças consideradas incuráveis ou intratáveis foram expostas a intervenções psicológicas e psicofarmacológicas com
sucesso; terapias e tratamentos clínicos foram desenvolvidos e aprimorados. Esses estudos devem
continuar contribuindo para o avanço científico da
Psicologia. É necessário reunir os mesmos esforços
para o estudo do outro lado do funcionamento humano – o positivo. A ciência precisa também, como base
na promoção da saúde, aprender como proteger e
prevenir. Para esses fins, a Psicologia Positiva pretende trazer a compreensão das virtudes, forças pessoais, habilidades promovidas nos contextos de
resiliência, averiguar o papel das experiências positivas, e delinear a função das relações positivas com
os outros. Além disso, visa esclarecer como todos
esses fatores podem contribuir para a saúde física, o
bem-estar subjetivo, o funcionamento dos grupos e o
florescimento das instituições.
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Endereço para correspondência:
Simone dos Santos Paludo. UFRGS, Instituto
de Psicologia, Rua Ramiro Barcelos 2600/104, CEP
90035-003, Porto Alegre – RS, Brasil. E-mail:
[email protected]
Artigo recebido em 09/01/2007.
Aceito para publicação em 30/05/2007.
Apoio CAPES
Este estudo faz parte das atividades de Doutorado em Psicologia (UFRGS) da primeira autora, orientada pela segunda.
Simone Paludo é Psicóloga, Doutoranda e
Mestre em Psicologia do Desenvolvimento do Curso
de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e Professora da Universidade Federal de Rio Grande (FURG). Membro
do Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e
Meninas de Rua (CEP-RUA/UFRGS). Vice-coordenadora do CEP-RUA/FURG.
Sílvia Helena Koller é Psicóloga, Doutora em
Educação (PUCRS), Pesquisadora do CNPq e Professora do Curso de Pós-Graduação em Psicologia
do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Coordenadora do Centro de Estudos
Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua (CEPRUA/UFRGS).