REforma
ATIVA
estudo de um programa promotor
de um envelhecimento saudável
A Transição para a Reforma
em Reformados Portugueses
The transition to retirement in
Portuguese retirees
Helena Loureiro (IP)
FICHA TÉCNICA
TÍTULO
A TRANSIÇÃO PARA A REFORMA EM REFORMADOS PORTUGUESES
COORDENAÇÃO
Investigador Principal, Helena Maria Almeida Macedo Loureiro
EQUIPA DE INVESTIGAÇÃO
Aida Maria de Oliveira Cruz Mendes
Ana Alexandre Fernandes
Ana Paula Forte Camarneiro
António Manuel Godinho Fonseca
Margarida Alexandra Moreira da Silva
Manuel Teixeira Veríssimo
Maria Madalena Carvalho
Rogério Manuel Clemente Rodrigues
Ana Teresa Martins Pedreiro
Margareth Ângelo
EDIÇÃO
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E)
Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC)
ISBN
978-989-98909-4-7
MAQUETIZAÇÃO
Eurico Nogueira, MS em Tecnologias de Informação Visual
REVISÃO FINAL
Tatiana Sousa, Lic. em Relações Internacionais
REVISÃO DOCUMENTAL
Serviço de Documentação da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
APOIO TÉCNICO
Cristina Louçano, Secretariado da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem
ANO DE PUBLICAÇÃO 2014
É divulgação científica do projeto Reforma ativa: estudo de um programa promotor de um envelhecimento
saudável, integrado na rede de estudos associados do Grupo 2 (Bem-Estar, Saúde e Doença) da Unidade de
Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E).
COMO SE CITA (Normas APA 6ª edição)
Loureiro, Helena, Mendes, Aida, Camarneiro, Ana, Fernandes, Ana, Fonseca, António, Veríssimo, Manuel, … Ângelo,
Margareth (2014). A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses. Coimbra: Unidade de Investigação em
Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) / Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC)
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
III
AUTORES
Aida Maria de Oliveira Cruz Mendes. Professora Coordenadora na Escola
Superior de Enfermagem de Coimbra, Doutora em Educação, Mestre em
Saúde Ocupacional, Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica.
Coordena o grupo de investigação “Bem-estar, saúde e doença” da Unidade
de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA:E). A sua atividade
científica e pedagógica centra-se na “Saúde Ocupacional” e “Transições de
saúde, ajustamento e respostas emocionais associadas”.
Ana Alexandre Fernandes. Professora Catedrática no Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa desde 2010. É
doutorada em sociologia, na especialidade de demografia e investigadora no
Cesnova/FCSH/UNL, onde coordena um grupo de trabalho e nessa qualidade
integra a direção do Centro. O envelhecimento demográfico, a saúde, as
migrações e o género são as áreas privilegiadas de investigação. É autora de
várias publicações, em livros e revistas, nacionais e internacionais.
Ana Paula Forte Camarneiro. Professora Adjunta na ESEnfC – UCPESPFC;
Investigadora na UCISA:E; Doutorada em Psicologia Clínica pela Faculdade
de Psicologia da Universidade de Lisboa; Mestre em Psicologia Clínica do
Desenvolvimento pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
da Universidade de Coimbra; Licenciada em Psicologia pela Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Membro do
CQA da ESENFC, desde 2012.
Ana Teresa Martins Pedreiro é doutoranda em Saúde Pública (FMUP), mestre
em Educação para a Saúde (ESTeS – Coimbra) e licenciada em Relações
Internacionais (FEUC). É bolseira de investigação na Unidade de Investigação
em Ciências da Saúde: Enfermagem. É autora de diversas publicações em
revistas nacionais e internacionais, com fator de impacto.
António Manuel Godinho Fonseca. Licenciado em Psicologia e doutorado
em Ciências Biomédicas pela Universidade do Porto. Professor associado de
Psicologia, na Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica
Portuguesa (FEP-UCP). Director do Centro de Estudos em Desenvolvimento
Humano. Membro do Global Ageing Research Network. Autor de livros,
capítulos de livros e artigos científicos, publicados em Portugal e no
estrangeiro, nas seguintes áreas de interesse: Desenvolvimento Psicológico,
Psicologia do Envelhecimento, Reforma, Bem-Estar Psicológico, Saúde e
Qualidade de Vida.
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
IV
Helena Maria Almeida Macedo Loureiro. Licenciada em Enfermagem
Comunitária (ESEAF), Mestre em Saúde Pública (FMUC) e Doutorada em Ciências
da Saúde (UA). Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem de
Coimbra (ESENFC). Membro da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde
- Enfermagem (UICISA-E). Coordenadora do projeto REATIVA: Active Retirement:
study of a healthy ageing promotor program (FCT: PTDC/MHC-SC/4846/2012).
A sua atividade científica e pedagógica centra-se na “Metodologia de
Investigação em Enfermagem”, “Enfermagem Comunitária”, “Saúde Familiar” e,
“Saúde Ocupacional”.
Manuel Teixeira Marques Veríssimo. Licenciado em Medicina pela Universidade
de Coimbra em 1980. Doutorado em Medicina na Universidade de Coimbra
em 1999. Professor de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra. Médico Internista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna 2014-2016.
Margareth Ângelo. Licenciada em Enfermagem pela Universidade de São Paulo
(1977), Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade
de São Paulo (1982) e Doutorada em Ciências pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo (1989). É professora titular da Escola de Enfermagem
da Universidade de São Paulo. As áreas de interesse e domínio são enfermagem
da família, pesquisa em saúde da família, prática clínica com famílias e métodos
qualitativos de pesquisa. Recebeu prêmios e reconhecimento internacional
pelo trabalho desenvolvido na área de enfermagem e família no Brasil.
Margarida Alexandra Moreira da Silva. Licenciada em Enfermagem Comunitária
(ESEAF) e Mestre em Ciências da Enfermagem (ICBAS). Doutoranda em Ciências
da Enfermagem (ICBAS). Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem
de Coimbra (ESEnfC). A sua atividade científica e pedagógica centra-se na
“Enfermagem Comunitária” e na “Enfermagem de Saúde Familiar”.
Maria Madalena dos Santos Torres Veiga de Carvalho. Psicóloga. Doutorada em
Psicologia Clínica pela Universidade de Coimbra. Professora da Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade e Coimbra. Terapeuta Familiar
e de Casal. Responsável da Consulta de Terapia de Casal e Familiar do Centro de
Prestação de Serviços à Comunidade, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação, Universidade de Coimbra.
Rogério Manuel Clemente Rodrigues é doutorado em Ciências de Enfermagem
(ICBAS), Mestre em Saúde Pública (FMUC) e licenciado em Enfermagem (Escola
de Enfermagem de Bissaya Barreto). É professor-adjunto na Escola Superior de
Enfermagem de Coimbra. Investigador principal do projeto intitulado “Os muito
idosos: estudo do envelhecimento em Coimbra” (PTDC/CS-SOC/114895/2009).
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
V
RESUMO
A passagem à reforma é um evento de transição que se carateriza por uma vivência de adaptação à
mudança. Dependendo da forma como os seus protagonistas a percecionam poderão diferir as suas
respostas adaptativas, expondo-os a diferentes estados de vulnerabilidade que interferem naquele
que se preconiza ser um envelhecimento ativo.
O projeto REATIVA tem por finalidade a construção de um programa de intervenção promotor da
saúde, dirigido a indivíduos e famílias que se encontram numa fase do ciclo vital de meia-idade e que
experienciam um processo de adaptação à reforma. Num primeiro momento de intervenção deste
projeto e com o objetivo de conhecer as perceções dos indivíduos que experienciam um processo de
adaptação à reforma, bem como as estratégias adotadas para fazer face à referida transição, realizouse um estudo descritivo, de carácter qualitativo. Tomou-se como população-alvo os indivíduos
aposentados há menos de 5 anos, inscritos em unidades de saúde prestadoras de Cuidados de Saúde
Primários (CSP), da Administração Regional de Saúde do Centro (ARS Centro), cuja identificação foi
conseguida através da colaboração dos enfermeiros de família das referidas unidades. Os participantes
selecionados foram alvo de uma abordagem por grupos focais, tendo a informação recolhida, por
registo áudio digital, sido submetida a análise temática com o recurso ao programa NVivo10®.
Da referida análise e com base na natureza transicional do fenómeno em estudo, emergiram os temas:
perceção antes da reforma, perceção após a reforma e idealização do futuro. A perceção da vivência antes
da reforma traduziu-se por precipitantes da passagem à reforma (pelos benefícios pessoais, ausência de
saúde e desemprego indesejado); interiorização da proximidade da passagem à reforma (pela perceção
da mudança a que iriam estar sujeitos) e expectativas relativas à futura vivência da passagem à reforma
(idealização de bem-estar e de projetos). A perceção da vivência após a reforma foi expressa pela
perceção da transição (dada pela continuidade, readaptação, ganhos, perdas e ambivalência); pelos
sentimentos de adaptação; pelos recursos e estratégias de adaptação (formais, informais, familiares e
sociocomunitários); e pelas transições simultâneas (decorrentes do retorno da condição de emigrante,
da mudança de estado civil e da mobilidade do cônjuge). Da idealização da vivência futura, emergiram:
a auto-perspetiva (proferida na voz do eu relativamente ao otimismo, incerteza, dependência, crença,
medo e preocupação); a hétero perspetiva (proferida pela voz do nós e dada pelo impedimento à
oportunidade e preparação para o final da vida); e ainda as sugestões para futuros aposentados.
Concluiu-se que os indivíduos percecionam a passagem à reforma em função das suas características
pessoais, muito particularmente daquelas que foram as suas vivências no passado e da forma como se
aposentaram. Percebeu-se também que a transição em estudo interferiu naquelas que eram as suas
rotinas habituais e que essas foram fortemente marcadas pelo contexto socioeconómico e político em
que vivenciaram este fenómeno. Ainda, no mesmo contexto, que a saúde individual e familiar foi alvo de
mudança, destacando-se neste âmbito a interferência que a transição em estudo teve na conjugalidade.
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
VI
ABSTRACT
Retirement is a transition event that is characterized by an experience of adapting to change.
Depending on how their protagonists may perceive it, their adaptive responses are different,
exposing them to different states of vulnerability that interfere in what is an active aging.
Project REATIVA aims to build an intervention program to promote health directed to individuals
and families who are in a life cycle phase of middle age and experiencing a process of adaptation
to retirement. As the first intervention of this project and in order to know the perceptions of
individuals who experience a process of adaptation to retirement, as well as the strategies adopted
to cope with this transition, we performed a descriptive study of a qualitative nature. The target
population was individuals retired for less than 5 years, registered in health care providers in Primary
Health Care (PHC), in the Regional Health Administration Center (ARS Center), who were identified
through the collaboration of their families’ nurses. The selected participants were subjected to an
approach by focus groups, and the information was gathered by digital audio recording, and then
was subjected to thematic analysis with the use of NVivo10® program.
Of this analysis and based on the transitional nature of the phenomenon under study, the following
themes emerged: life before retirement, life after retirement and idealization of future experience. The
perception of the experience before retirement has as subthemes: precipitants of retirement (by
personal benefits, no health and unwanted unemployment); internalization of the proximity of
retirement (the perception of change they would be subject) and expectations regarding future
experience of retirement (wellness idealization and projects). The perception of the experience after
retirement was expressed by the perception of the transition (given by continuity, improvement,
gains, losses and ambivalence); by feelings of adaptation; resources and adaptation strategies (formal,
informal, family and social and community) and simultaneous transitions (arising from the return
of the migrant condition, the change of marital status and mobility of the spouse). Idealization
of future experience also emerged in the subthemes: self-perspective (given voice to the self on
optimism, uncertainty, dependence, belief, fear and worry); the outside perspective (given voice
to us by the opportunity for preventing and preparing for the end of life); and also suggestions for
future retirees.
It was concluded that individuals perceive retirement depending on their personal characteristics,
especially their experience of the past and how they became retirees. It was also perceived that
the transition under study interfered with their usual routines and that these were strongly marked
by the socio-economic and political context in which they experienced this phenomenon. Still
in the same context, it was noticed that the individual and family health was subject to change,
being highlighted in this scope the interference that the transition in study had on the marital
relationship.
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REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
VII
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Perceção Antes da reforma.
5
Figura 2. Perceção após reforma.
11
Figura 3. Perceção da Transição na passagem à reforma.
11
Figura 4. Recursos e estratégias de adaptação percecionados na passagem à reforma.
24
Figura 5. Idealização da vivência futura.
29
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
VIII
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Mapa de realização dos Grupos Focais
3
Tabela 2 - Guião de condução dos Grupos Focais
4
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IX
SUMÁRIO
1. NOTA INTRODUTÓRIA
1
2. METODOLOGIA
2
3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
5
3.1. ANTES DA REFORMA
5
3.2. APÓS A REFORMA
11
3.3. IDEALIZAÇÃO DA VIVÊNCIA FUTURA
29
4. CONCLUSÕES
36
5. BIBLIOGRAFIA
38
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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X
1. NOTA INTRODUTÓRIA
A passagem à reforma é um evento de transição do ciclo vital humano (Meleis, 2010), habitualmente
ocorrido no final da meia-idade, que se carateriza por uma adaptação à mudança decorrente da
cessação de um período de vida produtivo em que se assumiu o estatuto de ativo. De carácter
singular na pessoa e família que o vivenciam (Loureiro, 2011), esta transição poderá ser mais ou
menos bem-sucedida em função das características dos seus protagonistas, da rede de sistemas
envolventes e das respostas adaptativas que se estabelecem na interação entre os mesmos. Será
da qualidade dessa interação e da capacidade de maior ou menor adaptação a esta transição
que decorrem diferentes estados de vulnerabilidade (Loureiro, Fonseca, & Veríssimo, 2012), que
poderão colocar em causa aquele que se preconiza ser um envelhecimento ativo.
Com a finalidade de promover a saúde numa fase do ciclo vital que se identifica com a meia-idade
e de prevenir a vulnerabilidade multidimensional que possa resultar da vivência da passagem
à reforma, nasceu o projeto REATIVA [Reforma Ativa: estudo de um programa promotor de um
envelhecimento saudável]. O REATIVA é um projeto registado e financiando pela Fundação para a
Ciência e Tecnologia (PTDC/MHC–PSC/4846/2012), encontra-se em desenvolvimento desde julho
de 2013, é constituído por uma equipa multidisciplinar de investigadores e apresenta por objetivo
geral: construir um programa de intervenção em saúde promotor da autoeficácia percebida, da
autoestima percebida e da resiliência familiar em indivíduos e famílias, que se encontram numa
fase do ciclo vital de meia-idade e que vivenciam um processo de adaptação à reforma.
O presente documento constitui o relatório do primeiro momento de intervenção (M1A), previsto
para o seu primeiro ano de desenvolvimento, que decorreu entre setembro de 2013 e janeiro
de 2014 e que teve como objetivo: conhecer as perceções dos indivíduos que experienciam um
processo de adaptação à passagem à reforma, bem como as estratégias adotadas para fazer face
à referida transição. A sua redação descreve a metodologia da intervenção realizada no sentido
da recolha de informação consignada para este momento, apresenta e discute os temas e
subtemas emergentes da análise das perceções proferidas pelos indivíduos que no momento se
encontravam numa vivência recente da transição em estudo (Passagem à Reforma) e conclui com
aquelas que foram as evidências mais relevantes para dar continuidade ao desenvolvimento da
fase M1B (Entrevistas com casais) e para a construção do programa que se pretende vir a aplicar no
segundo ano deste projeto.
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
1
2. METODOLOGIA
O M1A integrou a primeira fase do primeiro momento preconizado pelo projeto REATIVA
[Reforma Ativa: estudo de um programa promotor de um envelhecimento saudável (PTDC/MHC–
PSC/4846/2012)]. Constituiu um estudo do tipo descritivo e de carácter qualitativo, baseado num
paradigma empírico e construtivista, cujo desenvolvimento teve por objetivos específicos:
• Conhecer as alterações e/ou diiculdades percecionadas pelos indivíduos, no processo de
adaptação à passagem à reforma;
• Conhecer as estratégias que os indivíduos desenvolvem por forma a fazer face às alterações
e/ou dificuldades percecionadas, no processo de adaptação à passagem à reforma;
• Aceder a evidências que orientem para a realização de um guião de entrevista
semiestruturada, a ser aplicado ao subsistema conjugal no momento de intervenção
seguinte (M1B).
Considerou-se população alvo deste estudo, os indivíduos inscritos em unidades funcionais de
saúde pertencentes à Administração Regional de Saúde do Centro (ARSCentro) que cumprissem a
condição de estar aposentado há menos de 5 anos, independentemente da idade, género, motivo
de aposentação, ou área de exercício da qual se aposentaram.
O processo de seleção dos participantes desenvolveu-se em quatro fases. Na primeira fase
foram selecionadas aleatoriamente 18 unidades funcionais de saúde (Tabela 1) nas quais, em
tempo posterior, foram realizadas reuniões com os seus profissionais de saúde, no sentido de
serem apresentados os objetivos e ser obtida a colaboração no desenvolvimento deste projeto.
Na segunda fase, foram identificados potenciais participantes através do conhecimento dos
enfermeiros de família seus responsáveis. Na terceira fase, os indivíduos identificados foram
convidados a colaborar no estudo, tendo para tal sido estabelecido o contacto com todos os
potenciais participantes. Na quarta, e última fase deste processo, constitui-se a amostra com
os indivíduos que mediante consentimento informado se disponibilizaram voluntariamente a
colaborar na realização de grupos focais e que cumpriam os referidos critérios de inclusão.
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REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
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Tabela 1
Mapa de realização dos Grupos Focais
ACES
Unidades Funcionais
Data (Hora de início)
Investigadores
Baixo Vouga
UCSP de Albergaria-a-Velha
16 out 2013 (09:30h)
HL + AP
UCSP de Ílhavo
02 out 2013 (14:00h)
HL + AP
USF Beira-Ria
23 out 2013 (14:00h)
HL + AP
UCSP de Cantanhede
23 out 2013 (09:00h)
HL + AP
Baixo Mondego
HL + AP + AF
Pinhal Litoral
Pinhal Interior Norte
Cova da Beira
Dão Lafões
USF Rainha Santa Clara
30 out 2013 (14:00h)
HL + AP
UCSP de Figueira da Foz/Buarcos
24 set 2013 (14:00h)
HL + AP
UCSP de Pombal
Não foi possível realizar
-
UCSP de Arnaldo Sampaio
20 nov 2013 (14:00h)
AC + AP
UCSP de Gorjão Henriques
Não foi possível realizar
-
UCSP de Vila Nova de Poiares
29 out 2013 (14:00h)
RR + AC
UCSP da Lousã
24 out 2013 (14:00h)
RR + AT
UCSP de Tábua
22 out 2013 (14:00h)
AC+MS
UCSP da Covilhã
22 out 2013 (09:00h)
HL + AP
UCSP do Tortosendo
22 out 2013 (14:00h)
HL + AP
UCSP de Vouzela
3 out 2013 (14:00h)
HL + AP
USF Lafões
3 out 2013 (09:00h)
HL + AP
Legenda:
• AF- António Manuel Godinho Fonseca (PhD)
• AC - Ana Paula Forte Camarneiro (PhD)
• AP – Ana Teresa Pedreiro (MS)
• HL – Helena Maria Almeida Macedo Loureiro (PhD/IP)
• MS – Margarida Alexandra N. C. M. Silva (MS)
• RR – Rogério Manuel Clemente Rodrigues (PhD)
Cada um dos 18 grupos focais teve a constituição mínima de oito e máxima de dez participantes,
tendo sido orientado por um guião semiestruturado de colheita de dados (Tabela 2) e alvo de
gravação áudio digital.
Respeitaram-se todos os procedimentos éticos e formais inerentes ao desenvolvimento da
investigação, tendo para tal o projeto sido submetido às Comissões de Ética da Unidade de
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Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
(UICISA:E/ESENFC - P131-01/2013) e da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC 27/06/2013), tendo sido dada a aprovação de intervenção por parte dos conselhos executivos
de todas as unidades funcionais de saúde onde decorreu a colheita de dados, e obtido o
consentimento informado de todos os participantes dos grupos focais.
A informação recolhida (num total de 1063 minutos de gravação) foi transcrita e submetida a
análise com recurso ao programa NVivo10®, tendo da mesma emergido diferentes temas.
Tabela 2
Guião de condução dos Grupos Focais
FASE
PROCEDIMENTOS
TEMPO
Abertura
Apresentação dos investigadores
15’
Apresentação do projeto
Objetivos da realização dos Grupos focais
Metodologia de participação
Obtenção de consentimento informado
Desenvolvimento
Apresentação
• Querem partilhar a vossa idade, a proissão da qual se aposentaram e
há quantos anos estão aposentados?
60-150’
Contextualização
Vários estudos indicam que a passagem à reforma interfere na vida das
pessoas: Gostávamos de vos ouvir falar acerca dessa mudança na vossa vida.
• Podem contar-nos o que aconteceu nas vossas vidas?
Perguntas-chave
• Tempo - Como passaram a ocupar o vosso tempo?
• Saúde - Sentiram mudança no vosso estado de saúde? (que tipo de
mudança e que vigilância de saúde)
• Família - Que interferência teve a aposentação nas vossas relações
familiares? (dinâmica conjugal, na família nuclear e/ou alargada)
Pergunta final
• Querem acrescentar mais alguma ideia ao que foi aqui falado?
Encerramento
Agradecimento da participação
Disponibilização de contactos
Entrega de t-shirt promocional do projeto
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4
15’
3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A estória da experiência vivida foi marcada por um identificador temporal muito forte – a
perda da relação com o trabalho – e por outros, mais fluidos no tempo, onde uma nova vida se
consciencializava e outra se perspetivava.
Emergem assim, três temas centrais da análise da informação recolhida (antes da reforma, após a
reforma e idealização da vivência futura), sendo que o caráter transicional que envolveu o fenómeno
em estudo (passagem à reforma) e o facto de este assumir simultâneas características de natureza
desenvolvimental e situacional (Meleis, 2010), justificaram em certa forma esta continuidade
temática encontrada.
3.1. ANTES DA REFORMA
Os discursos dos participantes evidenciaram significados relativos às vivências anteriores à
passagem à reforma, tendo estes se identificado com o tema Antes da reforma (Figura 1).
Figura 1. Perceção Antes da reforma.
Neste tema, evidenciam-se três subtemas. Um abordou os precipitantes da passagem à reforma,
outro reportou-se ao processo ocorrido de interiorização da proximidade da passagem à reforma
e um outro, ainda, expressou as expectativas relativas à futura vivência da passagem à reforma,
como sendo os desejos construídos para este período e que foram antecipados. Enquanto o
primeiro constituiu uma explicitação das razões para a tomada de decisão, em que se tornou
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necessário enumerar e concretizar os argumentos que foram utilizados no diálogo interno, os
outros dois subtemas apareceram como a tonalidade emocional em que aquele se construiu.
Dúvidas, hesitações, ansiedade perante a incerteza e confabulação sobre o devir deixaram antever
a variabilidade emocional ocorrida durante o referido período.
De entre as motivações que levaram as pessoas a decidirem precipitar o pedido de aposentação
constataram-se: os benefícios pessoais, a ausência de saúde e o desemprego indesejado.
Os indivíduos percecionaram a importância dos benefícios pessoais como tendo um peso
considerável na decisão de pedirem o estatuto de aposentado, ainda que a sua idade lhes permitisse
continuar a trabalhar. Esses benefícios estiveram essencialmente ligados a uma certa insatisfação
com a conjuntura em que viviam e com a antecipação da incerteza no futuro, dada pela instabilidade
socioeconómica que se vinha a instalar desde o final da primeira década deste século, em Portugal.
A verbalização dessa insegurança no futuro esteve patente em diversos excertos dos discursos
proferidos pelos participantes, sendo estes alusivos à maior intervenção do Estado no sentido de
um maior controlo da rede de estruturas de apoio social.
O que me deu mais origem a desistir do meu negócio foi as leis da ASAE. […] O comércio
está de rastos e depois eu pensei ‘se posso pedir a reforma peço’. Não fiquei muito
contente mas avancei com aquilo. […] as exigências de equipamento … as multas é o
que temos de mais complicado e as quantias são elevadas! P37 (2013)
Idêntica insegurança esteve também relacionada como a previsão da maior contenção de custos
que se avizinhava com a continuidade do exercício profissional, nomeadamente com respeito à
perda de remunerações e regalias até aí conseguidas.
E depois tudo o que ganhava era para gasolina, alimentação e pouco mais … e depois
pensei na diferença … vou tentar reformar-me. P49 (2013)
[…] devido a toda esta situação económica que já vem de 2008. […] E eu até acho que
nos últimos dois anos paguei para trabalhar. P89 (2014)
Eu quando meti a papelada foi com uma penalização de 6,5 … ouvi dizer que no ano a
seguir que era 10. E como valia mais um pássaro na mão do que dois a voar […]. P15 (2013)
Segundo deram a saber, na época, os participantes tomaram conhecimento desta conjuntura
sociopolítica e da possibilidade de se aposentarem mantendo os seus benefícios pessoais, através
de familiares, amigos ou comunicação social.
Eu fui informada por um familiar meu, que vive em Lisboa e sabia e aconselhou-me e
tratou-me de tudo e disse-me como eu havia de fazer […] P33 (2013)
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O governo ajudou a empurrar o pessoal. A função pública … e a gente aproveitou! …
Eu, por exemplo, aproveitei logo. P31 (2013)
No que se refere à ausência de saúde, esta foi também uma precipitante do pedido de reforma.
Algumas pessoas reformam-se pela perceção de um certo cansaço físico e psicológico originado
pela profissão que exerciam.
E as crianças não têm culpa que eu vá envelhecendo e não possa ter com elas a mesma
genica, a mesma alegria, a mesma disponibilidade … Portanto, eu acho que […] mesmo
as crianças precisam de pessoas mais novas para lidar com elas, as minhas energias já
não são as mesmas de quando eu tinha 24 ou 25 anos […]. P23 (2013)
Mas outras pessoas houve que o fizeram por situações de invalidez, que as obrigaram a tomar tal
decisão, sem que tivesse sido seu o desejo de abandonar a vida profissional ativa.
Custou-me muito, é verdade. Sentia-me muito debilitada porque o meu corpo não
conseguia trabalhar. […]. Eu sentia que não era capaz de fazer o trabalho que tanto gostava
de fazer … que era trabalhar com idosas … pessoas humanas … pessoas que nos aparecem
diferentes, cada um tem a sua maneira de ser, a sua maneira de estar […] P8 (2013)
Foi nesta última situação de aposentação (adotada em função do benefício físico pessoal, mas
tomada de forma indesejada) que se encontraram pessoas com uma elaboração mental difícil,
revelando tristeza por não lhes ter sido possível continuar a trabalhar, a ser úteis e produtivas.
Eu encarei a reforma muito mal … foi de maneira compulsiva. Tive que ser operado às
coronárias, quatro bypass em Coimbra … e isso cessou-me logo os meus horizontes.
Embora eu já tivesse ultrapassado o mínimo da idade da reforma … pensava que ainda
estava ativo por mais algum tempo e no espaço de um mês… P60 (2014)
Comigo tem sido um bocadinho complicado … porque eu reformei-me por invalidez
… comecei a ter problemas de saúde e daí para a frente tenho continuado sempre com
problemas de saúde… P36 (2013)
Outras pessoas, apesar de não aceitarem, acabaram por resignar-se com a situação.
Fui obrigada a aposentar-me em 2009 devido a um problema de saúde. Uma prótese
numa anca tive que deixar de trabalhar. Até aí era doméstica. Mas continuo em casa, na
medida das minhas posses, a fazer … as minhas rotinas. P7 (2013)
[…] infelizmente, pela saúde do meu marido fui obrigada a reformar-me. Não só pela
saúde dele mas também pela minha e acabei por vir para casa…P55 (2014)
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REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
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Também em benefício próprio, a decisão de passar à reforma pode igualmente ter constituído uma
fuga às dificuldades presentes no trabalho, revelando o estigma psicossocial possivelmente atribuído
ao facto de se permanecer no local de trabalho com limitações de saúde (Chanlat et al., 1996) ou,
ainda, com a perceção das organizações permanecerem pouco solidárias com a disfunção.
Eu posso dizer que reformei-me com problemas de saúde … ou seja, eu continuo a ter
pedra no rim … estava constantemente a ter que ir para o hospital. E chegou uma altura
que eu me sentia uma pessoa a mais dentro da empresa. […] Eu percebi que estava a
criar um ambiente que não me facilitava nada a vida. E a forma de fugir a isso, e eu tive
que fugir, foi reformar-me. P61 (2014)
A possibilidade de vir a ficar em situação de desemprego indesejado foi mais um dos precipitantes
da antecipação da reforma, enunciados pelos participantes. Assim, antes que fossem colocados
no desemprego, anteciparam-se com um pedido de reforma. A alteração do contexto laboral,
dada pela substituição humana e a insatisfação com a situação político-económica que impedia a
vinculação à empresa, foram apontadas pelos participantes como motivos de reforma.
Trabalhei na cerâmica, 28 anos […] O patrão já não precisava de nós, as máquinas ficaram
mais automáticas. […] aposentei-me… quer dizer, estive no desemprego, em 2003, de
2003 a 2006, e depois passei a aposentado em… 2006. Estive três anos no desemprego.
… Fui obrigado a deixar de trabalhar porque a empresa teve que remodelar aquilo mais
moderno e fomos obrigados a sair. P6 (2013)
[…] trabalhei 40 anos sempre em escolas … e andava sempre com os meninos e aquelas
coisas… quando me reformei, reformei-me porque passei para contrato e andava a
passar de contratos em contratos, depois vinham as férias e ia para o desemprego … e
então meti a reforma. P12 (2013)
No subtema interiorização da proximidade da passagem à reforma encontrou-se um processo de
moratória psicossocial (Erikson, 1971), em que os participantes se prepararam, internamente, para
a nova fase de desenvolvimento que possivelmente iriam viver.
[…] procurei preparar-me bem para esta passagem. E também há um aspeto que me
parece que pode ter um lado negativo mas também pode ter um lado positivo … foi o
meu caso, demorou quase um ano. E esse ano ajudou a descomprimir de certo modo
e a preparar-me … eu já estava preparado! […] Foi muito bem pensado. Mas de certo
modo, aqueles tempos, que mediou entre a aposentação e o meter da papelada…o
meter os papéis para a aposentação e o depois sair … Essa preparação é essencialmente
é introspetiva, quer dizer, nós temos que olhar para nós próprios e pensar o que é que
vamos fazer a seguir? Será que é isto que eu quero? Comigo foi assim … eu sabia que a
partir do momento em que me aposentasse que a minha vida seria um pouco diferente
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… por razões que qualquer um de nós consegue perceber. […] fui-me preparando, quer
dizer, não fiz preparação nenhuma especial … foi introspeção […]. P25 (2013)
Acerca das expectativas relativas à futura vivência da passagem à reforma, os participantes
apresentaram a idealização de bem-estar e a idealização de projetos. A idealização de bemestar passou sobretudo por imaginar as coisas boas que finalmente se poderiam vir a realizar
ou a ter. Os participantes referiram que, durante a vida ativa, idealizavam a passagem à reforma
como a possibilidade de atingir o bem-estar e a qualidade de vida que não tinha sido possível
anteriormente. Este achado veio ao encontro da fase de lua-de-mel idealizada para o período pós
aposentação (Atchley, 1996), na qual o indivíduo projeta colocar em prática todas as expectativas
positivas e projetos futuros que tinha interiorizado durante o seu período de exercício profissional
(ex.: passar a realizar mais exercício físico, conviver mais com os amigos, viajar).
Aquilo que eu idealizei que era a minha qualidade de vida. P7 (2013)
Ser dono de si mesmo, relativamente às ações a desenvolver, foi outro dos aspetos descritos
nesta idealização que esteve também relacionada com o fazer atividades que não foram possíveis
durante o período em que trabalhavam, devido à impossibilidade de ter tempo ou dinheiro para
a realização das mesmas. Assim, verificou-se que muitos dos participantes idealizavam o período
da aposentação como um momento em que passariam a ter maior disponibilidade financeira e de
tempo, em que poderiam finalmente concretizar sonhos que tinham ficado por realizar.
Eu toda a minha vida pensei em não parar completamente quando chegasse à reforma
mas quando já faltavam 2 anos eu já contava as horas … já fiz uma hora … acabava o dia
a contar as horas porque a saúde … e agora, embora esteja doente, quer dizer, não está
ninguém atrás de mim, se me quiser sentar posso sentar … faço as coisas ao meu ritmo
… o que é mais fácil visto a minha situação. P44 (2013)
O meu sonho era ter muito dinheiro e passear… Gostava de ter saúde e andar a passear
[…] P18 (2013)
Alguns participantes referiram que já tinham atividades planeadas e que estas se centram muitas
vezes na família, o que de certo modo vem na linha do pensamento de Loureiro (2011), quando
refere que a família constitui a principal fonte de apoio na perceção do indivíduo aposentado.
[…] quando pensei nisso já tinha algumas … ocupações pensadas … tinha os meus netos
[…] P41 (2013)
Para além da perceção do bem-estar, alguns participantes idealizaram muitos outros projetos,
independentemente de os virem ou não a concretizar.
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Então, também programei a minha reforma, a minha aposentação, pensava sempre nisso e
… não era aqui desta zona mas comprámos aqui uns bocadinhos … realmente já com a ideia
de que quando me aposentasse me ia entreter. E sinto-me completamente feliz! P38 (2013)
Quando me reformei, para além de já ter planeado … já sabia, já tinha um desenho
do que pretendia fazer quando me aposentasse […] Três ou quatro anos antes de me
reformar, interrogava-me o que é que eu ia fazer e dentro desse desenho, estava fazer
qualquer coisa que não tivesse nada a ver com a profissão. Queria viver a vida e dentro
dessa caixa estava um monte de coisas […]. P75 (2014)
[…] é claro que, como disse, ao início tinha outras perspetivas em vista … talvez até
tirar um curso universitário que não tive possibilidades […] mas dada a conjuntura
económica que é conhecida de todos nós … as coisas não estão fáceis. P68 (2014)
Eu, a bem dizer, reformei-me e a minha vida não alterou muito porque eu já tinha
programado a minha reforma, quando tivesse 60 anos vinha-me embora. E portanto eu
já tinha uns hobbiezitos, tinha os animais, tinha aquilo tudo. P74 (2014)
Estes achados levam a perceber que os participantes, para além de terem uma perspetiva positiva
do que seria a vida após deixarem o trabalho, antecipavam já algumas ideias e projetos a efetivar
no futuro. Esta preocupação clara com o não estar desocupado, será reflexo de um medo latente
de se sentirem inúteis após uma vida que foi centrada no trabalho, no estatuto social e no papel
familiar que a caracterizou (Fernandes, 2001; Fonseca, 2011).
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3.2. APÓS A REFORMA
Quando se reportaram ao novo estatuto de aposentados que passaram a assumir, estatuto esse
propiciado pela perceção da efetiva passagem à reforma (após a reforma), os participantes atribuíram
a essa vivência significados que se coadunaram com os subtemas: perceção da transição, sentimentos,
recursos e estratégias de adaptação e transições simultâneas a que estiveram sujeitos (Figura 2).
Figura 2. Perceção após reforma.
Com respeito à perceção da transição (Figura 3), e ainda que alguns participantes tivessem
considerado que a mesma constituiu uma continuidade de vida, tornou-se notória a mudança
que a passagem à reforma suscitou nas suas vidas, dada pelos significados de readaptação, ganhos,
perdas e ambivalência que expressaram.
Figura 3. Perceção da Transição na passagem à reforma.
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Os participantes que percecionaram a vivência em estudo como uma continuidade de vida
assumiram essa postura em virtude de, após a aposentação, terem mantido uma semelhante
forma de ocupação. Foi o caso daqueles cuja atividade laboral era realizada por conta própria ou
cujo horário laboral já anteriormente lhes facultara um idêntico ritmo de vida e/ou de proximidade
com a família e comunidade.
[…] e tem corrido na mesma, eu já trabalhava, continuei com a minha vida na mesma,
não parei … sempre trabalhei na agricultura … continuei na mesma. P9 (2013)
A mim não me fez uma diferença assim tão grande porque eu tinha um horário que
entrava às 6h30m da manhã e às 2h30 saía. Portanto, estava a tarde toda livre. Daí a razão
de que eu não notei muita diferença. P85 (2014)
Pelos modelos socioculturais que no período de realização deste estudo vigoravam e caraterizavam
esta faixa etária da população portuguesa, em que a passagem ao estatuto de aposentado é
maioritariamente percebida como uma fase do ciclo vital para ser vivida de uma forma mais calma
e disfrutando de uma pensão de reforma para a qual foram descontando ao longo da sua vida
contributiva (Fernandes, 2001), esta perceção de continuidade tornou-se de certa forma atípica.
Ainda assim, e dada a continuidade de objetivos de vida que deverá permanecer nesta transição,
Fonseca (2011) considera que esta perceção constitui um indício promotor do desenvolvimento
psicológico que favorece um envelhecimento bem-sucedido.
Já a readaptação, percecionada pela grande parte dos participantes, relacionou-se com as
alterações adaptativas a que passaram a estar sujeitos e que, segundo os mesmos, lhes terão
suscitado um novo ritmo de vida e uma readaptação familiar.
Com respeito ao novo ritmo de vida, foram unânimes as perceções de como passaram a sentir e a
descrever os seus dias de forma diferente.
Porque trabalhar é diferente … a trabalhar nós temos que ir às compras, temos que isto e
aquilo … milhares de coisas para fazer. […] E depois uma pessoa vem para casa e é tudo
diferente … até o relacionamento com as pessoas é diferente. P88 (2014)
Esta perceção de alteração do ritmo de vida veio evidenciar o efeito de mudança que está
subjacente à transição em estudo e que, segundo diversos autores (Fonseca, 2011; Loureiro, 2011;
Relvas & Alarcão, 2002), origina adaptações diversas a várias dimensões do desenvolvimento
individual, familiar e comunitário.
No que se reporta à readaptação familiar, foi evidente a perceção da diferente interação que os
participantes passaram a estabelecer com os restantes elementos do seu sistema familiar (filhos,
netos, irmãos e pais), após a passagem à reforma. Essa alteração expressou-se por uma maior
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proximidade, participação e interajuda no desenvolvimento de algumas tarefas, muitas vezes,
anteriormente não conseguidas.
[…] tenho outro tipo de atividades, porque elas próprias (as filhas) formaram outro tipo
de vida … e esse tipo de vida delas acaba por sobrecarregar um bocado para o outro
lado. A minha mais velha é solteira mas tem as suas casas, lava e vem estender ao quintal
da mãe, para a mãe passar a ferro … e quando vem já tem o jantar feito. […] E quem diz
uma, diz a outra, isso não há dúvidas que é assim. […]. P76 (2014)
[…] e agora … tenho todo o tempo para ajudar os meus filhos naquilo que eles precisam
…ir buscar os meus netos à escolinha … ir levá-los. P40 (2013)
Ainda no âmbito da readaptação familiar, mais precisamente no âmbito da conjugalidade,
revelaram-se formas de adaptação muito díspares, constituindo ora fonte prazerosa ora de
insatisfação para os cônjuges. Foi igualmente notória a diferente readaptação em função das
circunstâncias em que a passagem à reforma ocorreu, nomeadamente em função de qual dos
elementos do casal se aposentou primeiro.
Dadas as características socioculturais da população portuguesa desta idade, como seja o
matrimónio contraído com homens geralmente mais velhos e a massiva feminização do
trabalho que passou a ocorrer a partir da década de 70 (Torres, 2005), esta situação levou a que
frequentemente se tivesse verificado que, no casal, o cônjuge masculino fosse o primeiro a
aposentar-se. E neste contexto, não havendo da parte do homem uma atitude ativa na procura da
ocupação de tempo, essa situação parece ter propiciado um sentimento de intrusão no espaço de
ação anteriormente gerido pela mulher, daí decorrendo um certo mote para o conflito conjugal.
Quando eu vim para casa, as relações não foram assim muito boas […] o nosso par
começa a ver e ‘isto como é?’ e ‘isto é para quê?’, gera-se sempre aquele conflito, aquele
atrito, aquela coisa … mas depois com o tempo a gente lá vai acertando as agulhas. Tu
tens o teu espaço, eu tive que aprender a ter o meu espaço […] e não me intrometer
muito no espaço dele, nem ele se intrometer muito no meu espaço. P88 (2014)
Também as construções individuais, que se foram operando ao longo da relação conjugal, dadas
pelos diferentes contextos de desenvolvimento de cada um dos cônjuges (diferentes interesses,
diferentes rotinas, diferentes relações pessoais e tantas outras diferenciações pessoais), parecem
ter influenciado a adaptação à transição em estudo e sido geradoras de alguns constrangimentos
de readaptação no e em casal.
Foi muito difícil para mim integrar o mundo dele quando me aposentei. Foi a tarefa
mais difícil. Hoje estamos … a partilhar as coisas como fazíamos antes mas o que mais
me custou foi realmente a … nossa reintegração vivencial de 24 horas por dia, não é?
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Porque primeiro … ele tem mais 8 anos do que eu […], ele tinha um trajeto ligado aos
números… ele é muito mais racional, eu sou muito mais emocional… nós tínhamos
perspetivas de vida … diferentes mas que eram complementares quando estávamos
a trabalhar. Passaram a ter uma conotação diferente quando eu comecei a invadir o
espaço dele […] Porque eu aposentei-me e invadi o espaço que ele geria ao longo do
dia, o espaço temporal dele […] não foi tarefa fácil … mas conseguimos sobreviver e
agora vivemos. Mas foi um ano … o primeiro ano de aposentação foi um ano muito
difícil na gestão emocional da nossa vida como casal. P8 (2013)
Idêntica dificuldade de readaptação parece ter ocorrido na ausência de objetivos estruturais
comuns, que conferissem ao casal a sua projeção numa geração seguidora (filhos e netos) que
nesta fase do ciclo vital da família, caraterizada por ninho vazio (Relvas & Alarcão, 2002), se torna
tão relevante.
Eu não tenho filhos, fico eu e a minha mulher, […] isto leva-nos a certas partes do dia
em que estamos na solidão e pensamos o que será a minha vida e da minha esposa
daqui a uns anos? O que é que será? […] Quem não tem filhos nem netos fica com esse
problema a girar dentro do cérebro. P61 (2014)
Ainda num contexto de difícil readaptação tomou também particular destaque o efeito dos
problemas relacionais que se foram cristalizando ao longo de uma história de conjugalidade.
Essa situação foi notória nos discursos de alguns participantes, quando se reportaram aos difíceis
relacionamentos que já anteriormente estabeleciam com os seus cônjuges e que se agudizaram
após a transição em estudo. Esta dificuldade coadunou-se com os comportamentos de hostilidade,
angústia, afastamento e dificuldade de resolução de problemas que fizeram parte das suas vidas
e que, mesmo em contexto de grupo focal, os seus protagonistas não se inibiram de expressar.
Não foi muito bom, essa parte, e posso partilhar convosco, porque o meu marido
começou a exigir mais de mim como empregada doméstica, a exigir muito de mim uma
vez que eu estava em casa … e isso também não fez bem à minha cabeça. Não fez bem
à minha cabeça, nem ao nosso relacionamento. P84 (2014)
Em alguns dos referidos casos de difícil conjugalidade, as estratégias utilizadas para uma
readaptação relacional passaram por uma maior tolerância, compreensão, negociação, ocupação
e comunicação (ainda que esta se revelasse, por vezes, pouco funcional).
[…] levou a uma nova aprendizagem de como viver […]porque ao fim e ao cabo nós
estávamos pouco tempo juntos … estávamos de manhã e estávamos à noite … e agora
temos que nos aturar um ao outro muito mais tempo[…]E isso obrigou a uma alteração
na forma de nos relacionarmos, muito mais paciência, muito mais compreensão […]
agora habituámo-nos e temos esta técnica: quando eu ralho ela não responde e quando
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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ela ralha eu não respondo … e à noite ralhamos os dois […] fora de brincadeiras, tivemos
que nos reorganizar em termos de relacionamento, porque passamos mais tempo
juntos[…]. Por mais que se goste de uma pessoa, há sempre atritos e há sempre conflitos
… e as pessoas têm que aprender a resolver … é uma nova situação. P83 (2014)
Todavia, como anteriormente referido, nem todos os participantes percecionaram a passagem à
reforma como uma fonte de dificuldade conjugal. Para muitos, pelo contrário, as narrativas aludiram
ao facto de terem passado a ter mais tempo para estarem juntos e a disfrutarem, finalmente, da sua
desejada conjugalidade. Essa disponibilidade deveu-se muito e foi em certa medida consequência
do investimento que ambos os cônjuges terão efetuado na sua relação, naquele que foi o passado.
Eu acho que agora voltou-se quase que a reencontrar o … namoro porque temos mais
tempo um para o outro. Há ali muitos momentos, tirando os netos, tirando isto e aquilo,
há mais tempo para dedicarmos um ao outro. Acho que estamos mais tempo juntos
e fazemos mais coisas que gostamos em conjunto, que não se fazia antigamente … é
ótimo! P32 (2014)
Tal como já tivera concluído Loureiro (2011), também os achados desta pesquisa reiteraram
o particular enfoque que os recém-aposentados dão à família, enquanto fonte de apoio e
suporte na transição para a reforma. Com base nesta premissa e suscitando um vasto conjunto
de reaprendizagens que se identiicam com a forma como passam a Estar, a Sentir e a Ser em família
(Loureiro, 2011, p. 325), compreende-se então a imperiosa necessidade de intervir de uma forma
sistémica quando se pretende promover a saúde familiar nesta transição.
Mais especificamente a nível conjugal, entre outras evidências que revelaram a singularidade desta
vivência, destacou-se a readaptação conjugal. Esta depende, em grande parte, da qualidade do
casamento associada à perceção de cada um dos cônjuges sobre as expectativas e a realidade
experienciada, da satisfação conjugal e das perspetivas face ao futuro, enquanto casal (Relvas, 2000).
A transição para a reforma foi também sentida pelos participantes como um ganho, como uma
perda e/ou como uma concomitante destes dois, ou seja como uma ambivalência.
As perceções de ganho estiveram quase sempre presentes nos discursos dos participantes e
relacionaram-se com as mais-valias conseguidas a nível biofisiológico, psicoemocional, económico
e de qualidade de vida que passaram a adquirir.
Os ganhos bioisiológicos foram percecionados como uma efetiva melhoria do estado de saúde
que passaram a sentir após a reforma.
O motivo da minha aposentação foi uma úlcera varicosa, aqui numa perna. […] andei
com isto 14 anos. E depois curei-a, agora está curada. Curou-se com a reforma, com o
descanso. […] Com o trabalho, ela abria mais, com o descanso fechou mais. P77 (2014)
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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A minha asma continua com agravamento próprio da idade. […] No inverno, tinha mais crises,
estava constipada, fazia pneumonias, tinha que estar internada quando trabalhava … porque
estava aqui a lidar com vírus. E desde que estou em casa nunca mais me aconteceu. P84 (2014)
Eu, por exemplo, sou diabético já há muitos anos. Sentava-me às 6,7h da manhã ao volante
de um camião, saía de lá às 7, 8, 10, 11h da noite … as refeições eram … olhe. A partir
do momento em que me reformei, comecei a ter muito mais cuidado com as refeições
certinhas e a diabetes estabilizou. Quer dizer, continua a estar lá mas trazia-a a […] 280 e
agora 130,140. Portanto, isso já é uma melhoria … muito, muito grande! P67 (2014)
Foi igualmente percecionada como um ganho biofisiológico a maior oportunidade de tempo que
os participantes passaram a ter no sentido de promover o seu estado de saúde.
[…] a manhã que eu passo no ginásio, que já frequentava antigamente mas não com
esta intensidade … com intensidade sim mas como um trabalho de segunda a sexta,
que é o caso, dá-me energia para o resto do dia. P5 (2013)
Os ganhos psicoemocionais foram evidentes pelos significados que esta mudança de vida terá
originado, no sentido de proporcionar um maior dispêndio de tempo para si próprio, produzindo
uma perceção de maior bem-estar e conforto para os participantes.
[…] De resto, a minha vida foi alterada … […] Porque tinha uma forma de … viver […]
sempre debaixo de uma pressão, sempre debaixo de pressão. E agora há liberdade. Não
há liberdade de expressão na Guarda. Nós não podíamos falar como qualquer pessoa
[…]. E olhe é assim, pelo menos já não como à pressa que qualquer Guarda à hora da
refeição é comer o mais rápido possível … porque senão fica o comer em cima da mesa
[…]. De resto, anda-se bem, anda-se de cabeça … livre. P58 (2014)
[…] que eu nem que não me deitasse conseguia fazer o trabalho todo … que às vezes
apetecia-me atirar o Toshiba pela janela fora … dizia ‘maldito computador’ que o trabalho na
escola já me chegava para que é que ainda tenho que trabalhar toda a noite… P23 (2013)
A minha experiência foi ótima, está a ser ótima porque quando eu me aposentei era um
stresse muito grande porque já tinha três netos, estar num conselho executivo de uma escola
é muito complicado … e eu estava desejosa de me vir embora para o stresse se acalmar um
bocadinho e estar mais disponível para mim própria e para os meus netos. P64 (2014)
Quanto aos ganhos económicos, estes foram unicamente proferidos pelos participantes que ao
longo da sua vida não tinham auferido qualquer remuneração mensal fixa e de índole institucional.
Foi o caso daqueles que apesar de terem trabalhado sempre por conta própria (ex.: agricultura ou
em casa) e terem realizado poucos ou nenhuns descontos para a caixa geral de aposentações, terem
passado, agora num estatuto de aposentados, a receber uma pensão de reforma da Segurança Social.
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Eu senti (em) bom… senti em bom porque foi uma ajuda só que realmente a ajuda
(monetária) foi muito pequenina… se fosse maior, ainda mais contente ficava. P9
(2013)
Com respeito aos ganhos em qualidade de vida, estes foram transversalmente evidentes na grande
maioria dos discursos dos participantes e identificaram-se com a sensação de bem-estar geral e de
melhoria da gestão do tempo que passaram a ter.
Terminou o cansaço […], não há vida melhor do que a de reformada. P33 (2013)
[…] eu costumo dizer que adoro ouvir o silêncio… portanto, como no serviço tínhamos
sempre muito barulho, muita confusão, o estar um bocadinho um casa e conseguir estar
em silêncio, a pensar no que quero, a ler… que eu gosto muito de ler. P50 (2014)
Começo agora a olhar para os cartazes das viagens… agora começo a pensar que posso
fazer viagens que antes não fiz porque o meu marido era uma pessoa muito sossegada,
pacata. Talvez agora comece a sair um bocadinho, a dedicar-me a essa atividade. O
tempo também ainda não é muito, só agora é que começo a separar as coisas … a
interiorizar a ideia de que tenho que viver assim. P43 (2013)
Não é preciso cumprir horários, não é preciso um gajo molhar-se … não é preciso
apanhar chuva, quando me levanto já tenho o dia ganho. […] vejo o telejornal quando
for aí uma 1h… e depois às 2h durmo uma sesta! P15 (2013)
[…] Ando à vontade, tudo bem… chego à noite, vejo um bocadinho de televisão e vou-me
deitar relaxada, no outro dia logo se vê […]. P18 (2013)
A perceção de perda esteve igualmente presente nos discursos dos participantes, quando se
reportaram à vivência da passagem à reforma, relacionando-se esta com as dimensões biofisiológica,
psicoemocional, económica e social.
A perda biofisiológica que percecionaram não esteve propriamente relacionada com a transição,
em si mesma, mas com o processo de senescência que inevitavelmente acompanhou o
envelhecimento biológico dos participantes e que, muitas das vezes, é também consequente do
próprio desuso da função (Veríssimo et al., 2014).
[…] mas é, não aconselho ninguém a ficar fechado em casa porque eu tive 3 meses
(após depressão) e tive uma muito má experiência … depois queria sair à rua, nem um
grão de milho podia pisar caia logo ao chão. Perdi as forças nas pernas. P11 (2013)
Custa-me essencialmente ver o que eu fazia antes no desporto e o que não consigo
fazer agora. P61 (2014)
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Um outro aspeto que terá levado a esta mesma perceção parece ter sido o facto de os aposentados
terem passado a ter mais tempo para si mesmos e, em função dessa maior disponibilidade, prestarem
mais atenção ao seu estado de saúde e aos sinais e sintomas do seu processo de senescência.
Sim, porque a gente tem mais tempo para pensar na doença. Quando eu trabalhava não
pensava tanto … até me esquecia que estava doente. P66 (2014)
Com respeito à perda psicoemocional, esta coadunou-se com o estado de solidão, isolamento e
até mesmo depressivo que alguns dos protagonistas desta transição passaram a percecionar.
E de um momento para o outro cheguei a casa e fechei-me … pronto, eu não saio de
casa … ou vou buscar o neto ou vou levá-lo, pronto, mais nada … estou uma pessoa
presa praticamente … quando me fizeram este convite eu aceitei logo, pois, eu queria
era sair de casa. P55 (2014)
[…] para ele (marido) foi mais difícil porque estava sempre a pensar na fábrica, sonhava
com a fábrica, sempre a pensar na fábrica, sempre a pensar na fábrica… P7 (2013)
A perda económica foi um dos subtemas que mais se evidenciou nos discursos dos participantes,
quando estes fizeram referência à limitação pessoal e social que tal circunstância lhes terá ocasionado.
[…] tempo para passear tenho, não tenho é dinheiro. Trabalhei 40 anos para me darem
uma esmola. Descontei 40 anos, mais de 40 anos … mais de resto […] P37 (2013)
A turbulência maior que eu tenho agora é estar sozinha com uma reforma pequena …
muito pequena, não dá nem para comer, quanto mais para a medicação que eu estou a
tomar presentemente. […] P87 (2014)
[…] as reformas são baixas e torna-se difícil contornar a situação … em que há todo um
custo de vida […] portanto, eu já pensei em inscrever-me num ginásio […] mas como é
que é possível inscrever-me num ginásio e ter mais 30€ por mês para pagar? P51 (2014)
Sou diabética! Antes os medicamentos eram de graça, agora pago 30 e 40€ por cada
um … deixei de ser isenta … e no fundo tudo isto vai degradando a nossa maneira de
estar e de ser [… ] porque uma pessoa chega ao fim do mês e sobra-nos mês, não nos
sobra dinheiro [… ] eu gostava de pensar: ‘estou na reforma, posso ir 2, 3 dias passear,
gozar a vida’ … […] quem está isolado, mais isolado fica. Uma pessoa para sair de casa
já está a gastar dinheiro […] quando estava ao serviço ganhava 600€ e estava isenta de
pagar taxas moderadoras … agora que estou reformada com 400€, cada vez que venho
ao médico tenho que pagar, então para isso não venho … só venho quando estou na
última para não pagar os 5€ […] P49 (2014)
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Com respeito à perda social, esta perceção esteve essencialmente relacionada com a perda de
status e com a diminuição de interação social, decorrente do afastamento do contexto de trabalho
e da rede de contactos ligada a este exercício.
[…] Ou, por exemplo, acontece muito, quando nós temos determinado tipo de trabalhos
que éramos a senhora ou o senhor ou o doutor ou a doutora ou o engenheiro e de
repente … ou, por exemplo, ter um trabalho na Câmara, e as pessoas até nos chamavam
porque precisavam de nós e de repente temos a sensação de que aposentei-me, agora
já ninguém se lembra de mim, já ninguém precisa de mim … aquela sensação de perda
… não sei se me estou a fazer entender … sentiram isso? P29 (2013)
Tem sido difícil… porque eu era uma pessoa que saía de casa às 6h da manhã e entrava
em casa às 6h e tal da tarde… e tinha muita convivência com o povo todo porque estava
ali no mercado municipal […] P55 (2014)
Tive pena de vir para casa. Porque eu gostava muito de onde estava, convivia […]
ríamos, brincávamos e estávamos sempre bem-dispostos e o trabalho parecia que me
dava ânimo. Ficar em casa, embora eu tenha sempre que fazer, […] mas é totalmente
diferente. P85 (2014)
Estas perceções, segundo França (2002), poderão estar associadas à perda de benefícios,
compensações e status oferecidos pelo cargo que foram ocupando ao longo da vida ativa. Mas não
só, também com uma maior predisposição para questionar as dimensões do eu sujeito (enquanto
experiência existencial), eu corpo (enquanto matéria/função) e eu alter (enquanto relação com os
outros subsistemas envolventes) que passam agora a ser mais colocados em causa.
A ambivalência, dada pela perceção de simultâneos ganhos e perdas atribuídos à passagem à
reforma, foi também percetível nos discursos dos participantes.
Eu tenho saudades das crianças. Eu tenho saudades das colegas que eram um grupo
excelente. Convivíamos muito, trabalhávamos muitíssimo mas também éramos amigas e
muito alegres. Passávamos momentos muito interessantes … mas do trabalho em si não.
Do essencial do meu trabalho que era as crianças, tenho saudades! Agora dos acessórios, das
fichas de materiais, todas aquelas coisas que andam à volta … e que tornava a profissão um
pesadelo […] de reuniões inúteis, de papéis inúteis, de trabalhos de computador… P7 (2013)
Em função destes achados parece que a transição em estudo constitui (…) uma ocorrência que
comporta ganhos e perdas e cujo resultado inal em termos adaptativos dependerá muito quer de
fatores eminentemente individuais (história de vida, saúde, estilo de vida, padrão de ocupação do
tempo extra-proissional, etc.) quer, da relação do indivíduo com os contextos envolventes (relações de
convivência, família, inserção social, etc.) (Fonseca, 2004, p. 376).
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
REATIVA [PTDC/MHC-PSC/4846/2012]
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Os sentimentos relativos à vivência da passagem à reforma foi outro tema que emergiu das narrativas
dos participantes, sendo que estes se expressaram por significados de satisfação e insatisfação.
Os significados de satisfação com a vivência da reforma estiveram relacionados com as perceções
de liberdade, alívio e felicidade que a referida transição lhes terá suscitado.
A liberdade, entre outros aspetos, esteve relacionada com a sensação de deixar de estar sujeito aos
condicionalismos socioinstitucionais que o exercício da atividade laboral lhes exigia.
De resto, a minha vida foi alterada … foi alterada, não é? Porque tinha uma forma de …
viver porque, por exemplo, há muita gente que não sabe mas os guardas vivem sempre
debaixo de uma pressão, sempre debaixo de pressão. E agora há liberdade. P58 (2014)
A perceção de alívio, igualmente relacionada com os condicionalismos de trabalho, esteve associada
à sensação de descanso de caráter físico que passaram a ter em função de passarem à aposentação.
[…] era um trabalho muito pesado. Agora é melhor […]. P59 (2014)
Mas entre todas as formas de satisfação, o sentimento de felicidade foi o que mais se destacou,
pelo espaço de vida e de relação que proporcionou aos seus protagonistas.
Só queria era mais um bocadinho de saúde para mim e para o meu marido, de resto estou
muito feliz. E sinto-me muito feliz porque me levanto à hora que quero, se me apetecer sair
vou para onde quero … estou muito feliz. Sinto-me muito bem, muito feliz em casa. P69 (2014)
Estes significados vieram mais uma vez ilustrar a perceção de “lua-de-mel” atribuída pelos recémaposentados à fase inicial do processo de adaptação à reforma (Atchley, 1996), na qual o indivíduo
sente uma excelente sensação de bem-estar e tenta colocar em prática todas as expectativas
positivas e projetos futuros que tinha idealizado ao longo do seu exercício profissional.
Num contexto de insatisfação, o sentimento de desilusão foi um dos significados que mais
pontuou o discurso dos participantes. Este esteve relacionado com a perceção de desengano,
a que estiveram sujeitos após um longo período de trabalho, em função de terem passado a
vivenciar experiências diferentes das que tinham idealizado anteriormente. Estas expêriencias
reportaram-se ao isolamento social, inerente ao afastamento dos colegas de trabalho, ou à
mudança de residência, a que alguns se sujeitaram.
É assim: nós quando prevemos uma reforma, prevemos para a nossa vida, outro estado
de espírito … uma outra vivência … pensamos em passear mais, em andar, em caminhar,
eu … não é que não se tenha tempo, a situação em si criada, sem vida social, uma pessoa
estar num sítio que não conhece, completamente isolada do Mundo, que é mesmo assim
… […]. P49 (2013)
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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Também ao aparecimento de algumas doenças que os tornam em as pessoas fisicamente menos
ativas.
As pessoas dizem ‘quando passarmos à reforma … vamos passear’. Depois não pode ser,
começa uma dorzinha. Não é nada do que a gente imagina quando tem 40 anos: ‘depois
eu vou gozar a reforma’ … goza é nada. P7 (2013)
Ou, ainda, com desilusões relacionadas com a escassez de recursos económicos, originada pela
diminuição dos valores monetários das pensões de reforma, verificada em consequência da
conjuntura de austeridade que na época se vivenciava em Portugal.
[…] Claro que as coisas nunca saíram como eu pensava.[…] Mas estou um bocado
desiludido porque hoje estão-nos a levar mais de 50% da reforma. P68 (2014)
O arrependimento marcou igualmente os discursos dos participantes, nomeadamente quando
estes tomaram a consciência de que as perdas passaram a superar os ganhos expectados.
Na altura diziam-me ‘tu não vais ter reforma tão cedo’ … e eu comecei a pensar, isso tudo
pesou na balança […]. Hoje arrependo-me. O filho trabalha, a nora trabalha, o neto está
em Aveiro … […]. Quebrei o contacto com as pessoas, agora passo 24h em casa. Sintome uma pessoa amorfa […]. P65 (2014)
A revolta também emergiu como um sentimento consequente ao contexto sociopolítico que na
época vivenciavam e que não era de todo esperado, ao fim de longos anos de trabalho.
[…] O meu patrão que era o Estado estabeleceu comigo, em 1974, que eu iria trabalhar para
ele 35 anos. Ao fim desse tempo, teria a minha reforma na totalidade, tinha conquistado a
minha reforma. E eu achei que ao fim dos 35 anos, eu tinha cumprido a minha parte. Ele
é que já não estava a cumprir a parte dele. Portanto, há aqui uma revolta contra a forma
como fizeram esta reforma … como estão a fazer. Isto não é nenhuma reforma … isto é
empurrar as pessoas para a rua! Para a rua … com nuances de violência psicológica. Esta
reforma que estão a fazer tem nuances, tem laivos de violência psicológica. Eu quero saber
quem processa o Estado por ser violentador psicológico dos seus cidadãos. P9 (2013)
O sentimento de saudade esteve igualmente presente nos discursos dos participantes e prendeuse com a melancolia relacionada com a mudança do ritmo de vida, das rotinas, do status e das
pessoas que envolviam a fase ativa, das suas vidas.
Foi-me difícil adaptar-me foi … um mês, dois meses, três meses … faltava-me qualquer
coisa. É uma angústia, é uma angústia … nós deixámos o nosso trabalho de que muito
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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gostamos. […] Tenho saudades do meu trabalho, aquela coisa de era o telefone, era isto
era aquilo … era ser útil, era procurar este documento … aqueles meses foram difíceis,
faltava-me qualquer coisa. […] Mas depois mentalizei-me e ponto final. Nesse tempo,
aprendi a reorganizar a minha vida. P88 (2014)
[…] eu senti muito a falta da minha rotina … da escola e dos alunos. Só agora é que
começo a deixar de pensar na escola, nos alunos, nas aulas … e tenho ainda saudades
desse tempo. P43 (2013)
Os primeiros tempos são sempre muito ingratos. De noite sonhar com a empresa …
com as pessoas. Não tenho saudades nenhumas daquilo … tenho saudades, muitas,
das minhas trabalhadoras porque tinha 80 mulheres a trabalhar debaixo das minhas
instruções … e é isso que me deixou muita mágoa. Ainda hoje nos reunimos de vez em
quando […]. P62 (2014)
Eu tenho saudades das crianças. Eu tenho saudades das colegas que eram um grupo
excelente. Convivíamos muito, trabalhávamos muitíssimo mas também éramos amigas
e muito alegres. Passávamos momentos muito interessantes … mas do trabalho em si
não. Do essencial do meu trabalho que era as crianças, tenho saudades! P7 (2013)
Uma certa desorientação foi similarmente sentida pelos participantes, tendo esta sido
particularmente notória nos indivíduos que se aposentaram de forma antecipada ou que não
tinham realizado qualquer tipo de moratória para a vivência deste evento.
Ao fim de 3 meses de estar em casa […] eu estava habituado a uma rotina e eu em casa
pegava nisto, pegava naquilo, quer dizer, usando um termo assim um bocado calão, andava
com o cu de roda como a cigarra… Faltava-me ali qualquer coisa mas o quê? P4 (2013)
O sentimento de perda, característico dos processos de transição e muito particularmente da
passagem à reforma (Fonseca, 2011), foi evidenciado não tanto numa dimensão afetiva interpessoal
mas sobretudo no que se referiu à perda do estatuto e da identidade social.
Eu por acaso quero dizer que também senti um bocadinho esta … sensação de perda. Mas
não foi … como se fosse … uma perda afetiva. Porque o trabalho fez parte dos meus afetos
também. […] Eu adorava trabalhar. E eu adoro trabalhar! O trabalho faz parte de […] do
meu desenvolvimento como pessoa. Não é? Portanto, preciso dele. E eu … porque com o
trabalho vem o reconhecimento público. Com o trabalho vem a satisfação pessoal, não é?
O … a sua própria … superação … nós percebermos que … afinal até somos capazes de
fazer coisas que, por vezes, muitas pessoas nos limitam … e nós também nos autolimitamos
quando dizemos ‘não sei fazer’, ou ‘não sou capaz’ … eu nunca digo não sou capaz, nunca
digo não sei fazer. Isto foi uma aprendizagem que eu fiz ao longo da minha vida. P8 (2013)
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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A solidão, tida como estado emocional marcado pela carência de relacionamentos afetivos e calorosos
(Loureiro, 2011, p. 35), foi outro dos sentimentos verbalizados pelos participantes.
No início foi tudo muito bonito porque eu fui para a terra, estive lá 2 anos … agora passo
24 horas em casa, não conheço cá ninguém, não me dou com ninguém porque eu sou
de Seia … foi lá que fiz as minhas amizades, vim para aqui com 40 anos … […]. É horrível.
P46 (2013)
Este mesmo estado emocional parece ter precipitado a restrição ao espaço doméstico, em
consequência do afastamento progressivo com o meio ambiente, comportamento esse que
constitui um dos traços característicos das pessoas em idade avançada.
[…] e a minha vida em casa tem sido um horror. É assim, eu levanto-me, faço a minha
higiene e tal, venho aqui ao café buscar o pão e a partir daí não saio mais de casa pronto
… é assim, tem sido um bocado complicado. Não tenho filhos perto, não tenho netos
perto, somos só os dois. Dois pares de calças, duas camisas, eu passo aquilo numa hora
[…] P55 (2014)
[…]por isso, e porque estou sozinha e tenho muito que fazer e faço … muita coisa de
mão e assim … mas se houvesse alguém que nos puxasse e fossemos. P14 (2013)
Estes achados de insatisfação evidenciaram que, para muitos dos participantes, a transição para
a reforma terá assumido características de um certo desencanto [(fase de desencanto, segundo
Atchley (1996)], na qual o indivíduo percebe que perante a disponibilidade que agora apresenta
para realizar os seus projetos idealizados, pelo facto de não os conseguir colocar em prática, por
diversas razões, se traduz num certo descontentamento que por vezes se expressa em estados de
impotência e de depressão.
Com base nestas evidências e numa perspetiva de saúde individual, salienta-se a importância que
a intervenção em saúde mental poderá ter em termos preventivos no desenvolvimento de uma
primeira ajuda dirigida a indivíduos que apresentem estas características e, por ventura, que se
manifestem mais vulneráveis a esta transição. De resto, tal como o Plano Nacional de Saúde Mental
2007/2016 (Portugal, 2008) prevê na sua implementação, considera-se que a promoção da saúde
mental na transição para a reforma é igualmente exigível, dado expor indivíduos pertencentes a uma
faixa etária avançada a um particular estado de vulnerabilidade em saúde (Loureiro et al., 2012).
Os recursos e estratégias de readaptação (Figura 4) percecionados identificaram-se com aqueles que
partiram do próprio (pessoais), com os que se referiram às famílias e com os sociocomunitários
envolventes.
Os pessoais, à semelhança daquela que é a rede social pessoal preconizada por Sluzki (2006), prenderamse com atividades impulsionadas pela sua própria vontade e subdividiram-se em informais e formais.
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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Figura 4. Recursos e estratégias de adaptação percecionados na passagem à reforma.
Os recursos informais reportaram-se a ações de maior acessibilidade e identificaram-se com a
prática de atividades realizadas no domicílio dos próprios, tais como a lida da casa, tratar do quintal,
cuidar dos animais, o visionamento de televisão ou outras.
Eu tenho convivência logo de manhã com as minhas galinhas e os meus galos … e
planto as minhas couves e os meus nabos … essas coisas todas que me fica tudo muito
mais económico! E faço essas coisas assim todas e ainda cuido da minha casa! P32 (2013)
Ainda, com a prática de determinados hobbies como colecionismo, pesca, música, artesanato,
escrita, leitura, exercício físico.
Tenho aquilo a que nós chamamos os hobbies, que um deles é realmente a pesca, e dizia
eu que quando me reformasse que lá ia eu à pesca … quando eu quero peixe, pego na
bicicleta ou no carro e vou comprar peixe. O pescar não é realmente apanhar o peixe! É
ter paciência para estar ali uma ou duas horas … a ideia é estar livre! P61 (2014)
[…] eu sempre desejei aprender a bordar e nunca o fiz quando era menina e moça … e
outra coisa que eu sempre desejei aprender era a costurar e também já aprendi. E já tenho
máquina industrial em casa e tudo! Faço uma série de coisas … roupinhas para bebés,
enxovais para bebés … aquelas coisas. Portanto, estou a … cumprir sonhos. P8 (2013)
Ou, ainda que de forma menos expressiva, com a continuidade de atividades extra laborais que
já anteriormente detinham em contexto de vida ativa e que faziam parte da sua regular vivência.
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No meu caso, eu crio ou tento criar forma de compensação. Vale-me que tenho algumas
atividades extralaborais. Sempre fui músico … a minha alma é de músico … nunca o pude
ser como profissional da área, embora tenha ganho uns dinheiros … […] mas não era o
suficiente para sobreviver. […] A atividade que pratiquei foi em grupo, tive vários conjuntos
musicais … e nós fazíamos as festas e os bailes, quando foi tempo de bailes […]. P89 (2014)
Relativamente aos recursos formais, estes passaram pela procura autónoma de atividades facultadas
por entidades formativas, no sentido de dar continuidade da aprendizagem ao longo da vida.
[…]acabei por tirar o curso de pintura, que foi a melhor coisa que fiz. O convívio no atelier
com pessoas que não estavam ligadas à minha profissão, deixei de ouvir falar em doenças
e em problemas com os serviços … gostei muito do trabalho de atelier porque trabalhava
com miúdos, podia ser mãe deles, e achava aquilo muito interessante, foi muito bom para
mim. P62 (2014)
Passaram também pelo (re)emprego, sendo que este recurso sucedeu quando a atividade laboral
anterior era exercida por conta própria, e sempre com o propósito de manter uma ocupação e
fonte de rendimento.
[…] sempre que posso, trabalho na área jurídica porque tenho um filho que tem um
escritório de advogados e sempre que posso vou ajudá-lo. P68 (2014)
Eu sou eu e o meu marido… mas trabalhamos os dois! Fazemos pastéis de […] Estamos
aposentados mas continuamos a trabalhar! P6 (2013)
Igualmente de caráter formal, o empreendorismo foi outra das estratégias utilizadas pelos
participantes para se adaptarem a esta transição.
[…] e estou com um projeto de turismo de habitação… com uma casa da minha avó. P75 (2014)
No que se reporta aos recursos familiares, o direcionamento para os netos foi uma das estratégias
que mais se evidenciou. Tal estratégia sucedeu pelo prazer que esta atividade lhes suscitou, na
estreita relação e no afeto que a sua maior disponibilidade de tempo lhes trouxe, após a reforma.
[…] e gosto de brincar com eles, gosto de fazer jogos com eles, faço-lhes por vezes
aqueles brinquedos antigos para eles verem como se fazia. Levo-os até ao pinhal comigo,
também para verem as coisas… e eles até já percebem dessas coisas e isso para mim é
uma felicidade! P38 (2013)
O estreitamento de relações com os filhos foi também uma das estratégias utilizadas para a adaptação.
[…] ajudo a minha filha, quando tenho um bocadinho. Quando não tenho, faço por ter!
P76 (2014)
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Também o cônjuge assumiu um papel de recurso de adaptação a esta transição, pela companhia
e companheirismo que proporcionou.
Eu, agora, […] vou com o meu marido, que ele é camionista, e vai para Lisboa … vai para
o Porto … às vezes vou com ele! P13 (2013)
[…] com a minha mulher, vamos para aqui, vamos para acolá. P60 (2014)
Os amigos, vizinhos, voluntariado e as coletividades e associações foram recursos sociocomunitários
adotados pelos participantes na adaptação à reforma.
Os amigos constituíram um recurso importante para os aposentados, quando constituíram um
incentivo para a continuidade da interação social que parecia ameaçada e para a manutenção de
um certo ritmo de vida estimulante e prazeroso.
Sair, ‘vamos fazer’, ‘vamos acolá’, ‘vamos ao cinema’. Alguém que puxe também por nós
[…] E foram os amigos que me ajudaram muito. A amizade, mais propriamente do que a
família, e a minha família é muito reduzida, e ajudaram-me muito! P42 (2013)
Realmente a amizade é muito importante, especialmente nesta fase da vida. P44 (2013)
Os vizinhos parecem ter constituído também um importante recurso, pela sua proximidade e
possibilidade de estabelecer partilha. Este recurso foi particularmente notado nos participantes
que eram originários de contextos rurais, onde estas práticas de partilha comunitária permanecem
usuais e mais frequentes.
Nós também lá na rua somos tão poucos… nós ajudamo-nos uns aos outros… há pessoas
que vivem sozinhas… eu vivo sozinha… e há outras pessoas que vivem sozinhas… à
noite juntamo-nos, assim na casa do meu irmão e da minha cunhada… passamos ali
um serão… fazemos um trabalhinho de mãos… ver televisão, essas coisas. E quando
é a descascadela do milho […] agora vêm as vindimas… ajudamo-nos uns aos outros,
somos tão poucos… e já pessoas com idade. E é assim, vivemos muito em comunidade
… pelo menos nós lá na rua e acho que todas aqui o sentem […] P19 (2013)
O apoio sentido por parte de familiares e amigos parece exercer então uma importante influência
na forma como os indivíduos percecionam a passagem à reforma. Zanelli (2012), a este respeito,
refere a existência de dois aspetos que contribuem para esse processo de adaptação: um reporta-se
à reconstrução da identidade que é facilitada na proporção do apoio percebido pelo aposentado;
o outro, segundo o autor não menos importante, é o grau de consonância nas expectativas
acerca da passagem da reforma por quem o protagoniza e pelas pessoas que o rodeiam. Caso
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seja positiva, será então decorrente desta última expetativa que uma reconstrução satisfatória da
identidade se desenvolve nos indivíduos reformados (Neri, 2007), com consequentes ganhos em
saúde para todos os protagonistas desta transição.
No que diz respeito aos recursos sociais foram várias as coletividades proferidas, destacando-se
nestas as religiosas (ditas, paróquias). Esta evidência não esteve propriamente associada à expressão
da espiritualidade, que numa fase mais avançada do desenvolvimento humano assume um
particular destaque, mas ao facto de proporcionar atividades de voluntariado sócio-humanitário
associado a uma forma privilegiada de ocupar o tempo.
Eu, também faço voluntariado, tenho dias marcados na Igreja… tenho a Capela da Nossa
Senhora também tenho, um mês cada uma… tenho a Capela da minha aldeia que é a
Senhora dos Milagres… e também passo a mensagem de Fátima quando vou visitar os
doentes… passo muito tempo com eles… todos os bocadinhos que me sobram vou para lá
que eu gosto muito dos doentes. O meu gosto era estar sempre ao pé deles […] P12 (2013)
A análise dos discursos também evidenciou que alguns participantes experimentaram transições
simultâneas, a par da passagem à reforma. Essas experiências coadunaram-se com outros
acontecimentos de vida passíveis de ocorrer na faixa etária em que se encontravam (final da meiaidade), como por exemplo o retorno ao país natal na condição de ex-emigrante ou a alteração
do estado civil por falecimento do cônjuge. Tal simultaneidade, como Glover (1998) afirmou,
terá requerido uma particular flexibilidade de resposta adaptativa a este evento, tendo essa
transparecido nos discursos dos participantes.
Com respeito à condição de ex-emigrante, tornou-se evidente a problemática que o retorno
ao país natal envolve e, a par desta, o acrescido esforço adaptativo a que estiveram sujeitos os
participantes que experienciam esta transição em simultâneo com a passagem à reforma.
[…] dificuldade cultural e em tudo! Nós estamos habituados a um sistema completamente
diferente. E chegamos aqui e começa, eu não digo que seja verdade mas as pessoas em si têm
aquele complexo: é emigrante. E como é emigrante… Eu pergunto a essas pessoas muitas
vezes, especialmente aqui neste Centro, já aqui tive mil e uma discussões por causa disso, o
que quer dizer a palavra emigrante? É uma pessoa que emigra e eu não sou emigrante. Eu
tenho nacionalidade portuguesa, apresento-lhes o cartão do cidadão, hum, apresento-lhes
o cartão de cidadão e eles continuam a tratar-me: você é emigrante! P1 (2013)
O excerto sugere, porém, que independentemente da natureza do contacto que foram estabelecendo
com as comunidades de origem, o regresso na condição de emigrante exige uma readaptação
sociocultural: quer por parte de quem volta quer por parte de quem ficou (Barros, 2007). Assim
sendo, esta transição simultânea poderá contribuir para uma maior conflituosidade e dificuldade de
adaptação por parte do ex-emigrante reformado.
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A mudança do estado civil, nomeadamente a passagem ao estado de viuvez, foi outra das transições
simultâneas que exigiu um acrescido esforço adaptativo.
Eu tive dificuldade em posicionar-me nesta situação em relação a estas questões porque
a aposentação coincidiu com um evento muito triste na minha vida … e levou a que eu
não consiga separar os dois momentos … as alterações que a minha vida sofreu, pelo
facto de ter perdido o meu marido, um dia antes de ser aposentada. Portanto, tive que
sofrer alterações na minha vida enquanto … esposa, em que deixei de ter companhia …
e depois alterações que a aposentação implicou. P43 (2013)
Também Loureiro (2011) identificou esta fragilidade no seu estudo, quando constatou que os
inquiridos que percecionaram mais alterações e dificuldades na sua vida de aposentados se
encontravam num estado civil de divorciado ou viúvo, denotando que viver esta transição de
forma desacompanhada e/ou solitária se torna mais penoso para quem a protagoniza.
Ainda que num estatuto de casado, mas em idêntica semelhança de solidão, uma outra situação
de readaptação que denotou alguma fragilidade para os indivíduos que agora se aposentaram foi
a mobilidade do cônjuge.
A minha situação é um bocado sui generis quanto a mim porque … por motivos
laborais, a minha esposa teve que me abandonar, entre aspas. Foi deslocada para Lisboa.
Trabalha numa empresa de cimentos e deslocaram os serviços administrativos … e isto
foi tudo no mesmo ano. […] Aliado a isto há a questão laboral da minha esposa, que são
encostados à parede autenticamente … ou vão para onde nós dizemos ou vão para a
porta da rua … a opção foi tomada. P89 (2014)
Conforme o excerto sugere, tal situação, ainda que não constituindo uma transição clássica desta
fase do ciclo vital, assumiu um carácter de vulnerabilidade individual e conjugal, contribuindo para
a maior dificuldade de adaptação à condição de reformado.
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3.3. IDEALIZAÇÃO DA VIVÊNCIA FUTURA
A idealização da vivência futura foi outro dos temas emergentes que, segundo os significados
atribuídos, se coadunou com a auto perspetiva, hétero perspetiva e sugestões para futuros
aposentados (Figura 5).
Figura 5. Idealização da vivência futura.
Numa auto perspetiva de idealização do futuro emergiram os subtemas: otimismo, incerteza,
dependências, crença, medo e preocupação. Estas idealizações, que se apropriaram de uma
multiplicidade de sentimentos e intuições, transpareceram desde logo o carácter ambivalente
característico de quem passa a tomar consciência de já ter entrado num processo de
envelhecimento. Com efeito, apesar de este processo ter o seu início num momento muito
anterior, a passagem à reforma parece continuar a ser um marco para esta consciencialização
(Fonseca, 2011), pelo estigma de entrada na terceira idade, a si associado.
Com base na anterior perspetiva, a perceção de otimismo emergiu de forma ténue e esteve
associada a uma forma de personalidade com a qual as pessoas já anteriormente conviviam e que
nesta fase de vida se torna protetora na vivência desta transição.
[…] Sou um otimista por natureza, sempre fui e sempre achei que a vida era muito boa
para se viver e quero cá estar porque gosto de cá estar. Alteraram-se certas coisas que
não são só da idade. […] Sentia-me incapacitado de dar a volta, tendo em conta toda a
envolvente negativa que me circundava. […] Psicologicamente, sinto-me muito melhor
no último ano. Fisicamente não tanto… porque eu fiz um enfarte e portanto tenho
cansaços … mais do que tinha. Tenho limitações que eu vou percebendo e tentando
ultrapassar. […] Não sinto agravamento da condição física depois da reforma. P89 (2014)
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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A incerteza emergiu num contexto de imprevisibilidade, expressa pela incapacidade humana
de prever o futuro. Esta atribuição, de certa forma empolgada pelo processo de envelhecimento
agora percecionado, colocou em evidência a vulnerabilidade biopsicossocial a que os indivíduos
passam a estar expostos na transição para a reforma (Loureiro et al., 2012).
[…] Certezas nunca temos … a gente não sabe o futuro de amanhã … e nós nunca
sabemos como é que eles (filhos) estão, se ainda precisam mais do que nós. P42 (2013)
Eu vivo hoje e amanhã vivo amanhã. […] Não quero pensar no que vou fazer para o ano,
eu não sei se chego a logo à noite. P4 (2013)
Ainda na sequência desta incerteza emergiu a perceção de dependência. Associada à
consciencialização da incapacidade que a evolução do processo de envelhecimento poderia
suscitar, esta dependência foi expressa pelo reconhecimento de no futuro se poder vir a assistir a
uma inversão de papéis e funções, no seio da sistémica familiar.
[…] mas isso só se pensa quando se chega a esta altura, quando se tem vagar para
isto. […] Antes foi dar-lhes asas para eles poderem voar […]. Quando somos ativos, os
filhos são parte do dia-a-dia ativo […]. A profissão mais difícil que há na vida é ser pai/
mãe. […] Agora acompanhamos de outra forma, já não somos nós que mandamos… as
dependências são completamente diferentes. P89 (2014)
As crenças foram outra das perceções evidenciadas pelos recém-aposentados, com respeito ao
futuro. Associada à espiritualidade, estas emergiram numa perspetiva positivista e com um sentido
facilitador quanto ao futuro que os esperava.
Eu vou morrer um dia… eu vou ficar doente mas quanto mais tarde melhor! E não me vou
queixar porque é assim, eu acho que cada vez sou mais crente… porque passei uma coisa na
minha vida que pedi tanto, tanto, tanto que fui ajudada… e eu reconheço que como sou muito
crente que estas coisas […] não vou andar por aí a dizer que agora estou doente […] P88 (2014)
Residindo na cognição, no afeto e no comportamento e, distinguindo-se de pessoa para pessoa
(Wright, Watson, & Bell, 1996), tal perceção não constituiu surpresa dado que nesta geração,
cujas características e desenvolvimento sociocultural foram fortemente marcados pelo culto à
religiosidade, vendo-se agora mais pronunciadas tais características, associadas à perceção de
proximidade da morbilidade e da finitude em contexto familiar.
O medo marcou também a perceção dos recém-aposentados quanto ao futuro, estando
relacionado com a atribuição de significados relativos aos processos de doença e sofrimento, morte
e institucionalização.
A Transição para a Reforma em Reformados Portugueses
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Os excertos de alguns participantes evidenciaram que o seu maior medo, até mais do que a própria
morte, seria a doença e o sofrimento. A apreensão face ao estado de dependência, solidão, dor
e previsível sofrimento decorrente de estados de morbilidade adjacentes a processos de terapia
paliativa e, ainda, a apreensão associada à ausência de recursos para dar resposta a estes estados,
expressaram uma das auto perspetivas futuras com relação a este tipo de medo.
A mim só me preocupa sofrer, agora morrer não. Morrer é uma paragem”zita” e xau até
logo! Agora sofrer, isso é que é mais complicado … […] Tenho medo do cancro. Tenho
medo de entrar numa cama consciente e não me puder mexer que eu sou muito ativa
… mas o meu medo não é de morrer, é de sofrimento! Abandonada sei que não vou
ser … nada me vai faltar, de certeza. Porque eu semeei para ter essa certeza absoluta, de
resto não tenho medo de mais nada […] P36 (2013)
De certa forma associado à doença e sofrimento, emergiu também o medo da institucionalização.
É assim, se eu pudesse ficar na minha casa até morrer … arranjava alguém que pudesse
tratar de nós. Haverá alturas em que não podemos subir escadas como agora a correr …
[…] Porque eu vejo centro de dia depósito de idosos, lares antecâmara da morte, é isso
que eu vejo, é … perfeitamente impressionante […] P43 (2013)
Eu não queria estar assim num depósito … que quando fosse velhinha não queria estar
assim à espera que caísse a morte em cima. Eu acho que quando uma pessoa pode ter
alguma atividade, deve-a ter. P42 (2013)
Sim, mesmo até nos lares haviam de ter atividades para as pessoas […] P44 (2013)
Este medo, prevalente na população portuguesa, decorre em certa medida do estigma relacionado
com este tipo de instituições, às quais se associam essencialmente perdas, como o isolamento, a
solidão, o abandono e o final de vida. Assim, no tempo em que vivemos, em que as sociedades
assumem características cada vez mais envelhecidas e cujos sistemas familiares estão cada vez
menos disponíveis para os seus idosos, torna-se premente conhecer a origem desta fuga aos lares
de terceira idade e intervir no sentido de dotar estas instituições de infraestruturas e de recursos
humanos capazes de inverter esta constrangedoríssima perceção.
O medo da morte emerge também dos discursos dos recém-aposentados, desta vez associado à
perspetiva de finitude e de toda a sua envolvência.
Eu tenho muito medo da morte. Não gosto de pensar nisso que eu tenho medo da
morte … não sei porquê mas desde sempre. Não sei, sempre tive muito medo. É uma
coisa que me aflige, vá! P41 (2013)
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Ao referir que Cada um deve estar plenamente consciente de que sua própria vida é uma aventura
[…] todo destino humano implica uma incerteza irredutível, até na absoluta certeza, que é a da morte,
Edgar Morin (2002, p.63) apresenta a morte como uma realidade com a qual as pessoas algum dia
se têm de confrontar e, neste contexto, as crenças poderão fazer toda a diferença.
Por fim, uma outra auto perspetiva com respeito à idealização da futura vivência encontrada neste
estudo foi a preocupação, relacionando-se esta com a segurança e preservação do bem-estar dos
descendentes.
O futuro é com alguma responsabilidade … se formos para a parte dos investimentos.
Evidentemente, como se costuma dizer, não podemos estar a dar a passada maior do que
a perna. Portanto também tem que ser de uma maneira responsável. Embora gostemos
de passear, de fazer isto e aquilo, temos os nossos investimentos, também temos que
pensar se os investimentos que estamos a fazer se os conseguimos cumprir. Não deixar
responsabilidades para os outros. […] Tenho a preocupação de não deixar barreiras e
compromissos para os filhos, essa é a minha maior preocupação. […] P75 (2014)
Esta preocupação, relacionada com a transgeracionalidade, não emergiu da importância do
legado que é herdado dos antepassados e que constitui a riqueza dos costumes e tradições para
as gerações futuras mas, sim, do contexto socioeconómico e político em que se vivia no momento
em que foram inquiridos e que os levava a temer pela futura estabilidade dos seus descendentes.
Já que na época se assistia ao transversal corte de salários e pensões, situações de despedimento
e desemprego prolongado e, pior de tudo, de emigração afastando-os dos seus parentes mais
próximos (filhos e/ou netos).
Da hétero perspetiva idealizada para o futuro pelos participantes recém-aposentados, emergiram
os subtemas: impedimento à oportunidade e preparação para o final de vida.
A perceção de impedimento à oportunidade relacionou-se com o facto das estruturas sociais
não recorrerem ao potencial humano que poderão representar para a comunidade em que se
encontram inseridos.
O estado, as câmaras não aproveitam, principalmente as câmaras e as juntas de freguesia,
não aproveitarem mais a possibilidade que nós temos, da experiência de vida que nós
temos para poder dar à comunidade. […] Nós todos temos experiências que não são
minimamente aproveitadas. Ao nível profissional, somos completamente postos de lado,
pelas próprias instituições estatais. […] Os políticos ainda não se preocuparam com os
idosos, nesta fase. P64 (2014)
Este mesmo impedimento decorreu igualmente da perceção de também agora, numa fase de
abrandamento do ritmo de vida, permanecerem alvo de vastas solicitações que não lhes permite
despender do tempo em proveito próprio, que já anteriormente ansiavam.
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Eu acho que daqui a pouco estamos a querer impingir à 3ª idade, que é o nosso caso, o que se
está a impingir às crianças. Sais da escola, vais para a ginástica … vais para o ballet, vais não sei
para onde … a criança nem tem tempo para respirar. Mais os trabalhos de casa e não sei quê
… a criança nem tem tempo para brincar nem para estar com ela mesma. E a nós qualquer
dia vai-nos acontecer a mesma coisa, se nós não estivermos atentos … não nos querem
dar tempo para estarmos quietos, digamos assim, connosco mesmos … para refletirmos …
porque enquanto trabalhámos quase nem tínhamos tempo para estar connosco mesmos e
refletirmos. E qualquer dia vai-nos acontecer o mesmo, é atividade, atividade, atividade e nós
também gostamos de atividade mas temos que ter tempo para nós. P32 (2013)
Embora oculta, esta mesma perceção poderá ter estado associada ao facto da geração de avós,
que agora se aposenta, continuar a ser bastante solicitada nas funções e tarefas relacionadas
com o cuidar dos netos. Os indícios de temas anteriores revelam que essa mesma atividade é
na grande maioria das vezes realizada com bastante gosto, e muitas das vezes estimulante nas
suas vidas. Ainda assim, e porque alguns referiram que o seu trabalho passou a ser a de Avô/Avó,
questiona-se até que ponto este papel de cuidador não exerce uma certa perceção sobrecarga
nestes indivíduos.
No que diz respeito ao subtema preparação para o final de vida, a perceção da morte volta a estar
presente e, com esta, a noção de um certo investimento numa morte assistida.
Se não encararmos a morte de uma forma positiva, vamos ter sempre medo da morte
… não é? Nós a partir de que nos reformamos ou a partir de uma certa idade, quem é
que não começa a pensar na morte? Digam-me lá. […] Não fazemos nada sem segundas
intenções. […] Estamos a investir naquilo que damos aos outros para garantirmos o nosso
futuro … nós somos muito interesseiros! O amor que damos não é nada desinteressado
… estamos a ver se investimos nalguma coisa. E isso não é amor porque o amor tem que
ser totalmente desinteressado, sem receber nada em troca. P32 (2013)
Este excerto de discurso vem uma vez mais reforçar a ideia de que a passagem à reforma é
por muitos percecionada como um evento que propicia a consciencialização do processo de
envelhecimento que já silenciosamente se instalava. Permitiu também perceber que, em função
dessa consciencialização, alguns indivíduos poderão procurar estratégias para os ajudar nessa
mesma vivência.
O subtema sugestões para futuros aposentados reportou-se a indicações que os aposentados
inquiridos propuseram no sentido dos reformados virem a adotar, como sejam: manter objetivos
de vida, fazer o que se gosta, sair de casa e preparar para a mudança.
Os discursos apontaram para a necessidade de futuros aposentados manterem objetivos de vida,
quando se reportaram à pertinência de as pessoas permanecerem ativas e com um sentido de
vida.
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Que pensem realmente antes da reforma na … no que gostam de fazer, que não
conseguiram fazer com certeza quando estavam no ativo. E terem objetivos, sejam eles
quais forem. Mas terem objetivos! O acordar sem ter um único objetivo deve ser um horror
… ocupar o tempo da melhor forma, ou pintar, ou inscrever-se numa academia, ou ter
um terreno e fazer uma horta ou cultivar flores … o que quer que seja … prioritário: ter
objetivos! […] Tem uma compra a fazer mas em vez de ir à loja ao lado … não, vai a uma
loja que fica a 1km de distância, para poder andar, ter oportunidade de encontrar pessoas,
de conversar, quer dizer … pretextos, pretextos. Não ir sempre aos mesmos sítios … variar
… não ir sempre ao mesmo café. A pessoa pode … ir ao seu café de preferência mas de vez
em quando mudar para ver novas caras, outras pessoas, ter oportunidade de se integrar
num grupo, noutros grupos. Porque a parte da socialização isso é muito importante. A
pessoa se se mete na toca então fica … isso não, nem pensar. P5 (2013)
O conselho que eu daria foi aquele que eu ao longo do tempo fui recolhendo indiretamente
das outras pessoas. […] Há avós que passam a vida a fazer comida e a lavar loiça e a dar
comer aos netos e a estender roupa … eu tenho muita pena dessas pessoas, muita pena.
Porque não tiveram a coragem, ou talvez não tenham a tal caixa, para dizer ‘eu reformeime, tenho isto para fazer’. […] É como aquelas pessoas que dizem: ‘é um dia de cada vez,
eu não penso no dia de amanhã’. Isso faz-me muita confusão[…] E é isto, como as pessoas
não têm alternativas, estão com uma disponibilidade total para a família … acho que não
devemos ter disponibilidade total, acho que devemos ter o nosso bocadinho. Porque as
pessoas que não têm o seu bocadinho fazem, fazem mas no fim não se sentem bem …
[…]. Os filhos também não podem esperar tudo dos pais […] P75 (2014)
Com respeito ao fazer o que se gosta, esta sugestão emergiu por várias vezes em expressões que
foram sendo emitidas nos discursos dos aposentados.
Que pensem realmente antes da reforma na … no que gostam de fazer, que não
conseguiram fazer com certeza quando estavam no ativo. P5 (2013)
[…] Que aproveitem o tempo para fazerem o que gostam… P39 (2013)
Sair de casa foi outra das sugestões apresentadas, para quem se irá aposentar num futuro breve.
Realmente, também não aconselho ninguém a refugiar-se em casa, se tem que fazer
muito bem, se não tem que fazer … eu cá não posso estar em casa! P37 (2013)
Dizia às pessoas para terem uma atividade, para não se fecharem em casa … que isso é
muito mau. P35 (2013)
Para se ocuparem, para não ficarem em casa … se não tiverem netos para arranjarem
outras coisas … marcarem encontros com pessoas amigas … ir até ao café, ir à ginástica, ir
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à piscina … fazer essas coisas assim! Não se deixarem ficar em casa, em casa não […] Ficar
em casa todos os dias, a fazer sempre as mesmas coisas, não seria boa ideia, quanto a mim
[…] P41 (2013)
As sugestões foram também alusivas à necessidade de preparar para a mudança.
Mas temos que pensar e temos que nos preparar… é como preparar a reforma enquanto
estamos a trabalhar. É a mesma coisa só que ninguém nos prepara para isso… e é uma
coisa tão importante como preparar para nascer […] P32 (2013)
Mas não é no fim de se reformarem que estas coisas se criam. Estes desenhos têm que
começar uns 4 ou 5 anos antes de a pessoa se aposentar. Desenhar as coisas, ir falando
com a família, o que é que quer fazer depois quando se reformar… […]. Eu digo muitas
vezes que quero ver se morro a andar. P75 (2014)
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4. CONCLUSÕES
As evidências resultantes deste estudo deram a perceber que os indivíduos recém-aposentados
em Portugal percecionam a passagem à reforma como uma transição de vida e que a mudança que
envolve esse mesmo processo exige um esforço adaptativo, dotado de alguma complexidade. Os
achados fizeram ainda notar que a forma como os aposentados experienciam o referido processo
adaptativo se realiza em função das suas características pessoais, das vivências e estratégias de
coping de que já eram detentores, das redes de apoio informal e formal que dispõem no meio em
que habitam e, ainda, para aqueles que se encontram numa relação de casal, das características do
processo de conjugalidade que foram construindo ao longo do tempo.
Com respeito às características pessoais, uma vez mais se verificou que difere aposentar-se
no género feminino ou masculino, na condição de estar só ou acompanhado em termos de
relacionamento conjugal, em níveis socioeconómicos mais elevados ou inferiores ou, ainda, em
meio urbano, semiurbano ou rural.
Relativamente à contextualização de vivências anteriores, aspeto que foi transversal e que esteve
muito presente nos discursos dos participantes deste estudo, a sua emissão fez notar que as
opções do presente resultam em grande parte das vezes das experiências do passado e que terá
sido decorrente das mesmas que muitos fizeram as suas opções adaptativas. Exemplos destas
influências do passado foram os motivos que estiveram na base de uma decisão de aposentação
antecipada (ex.: por ausência de saúde ou por razão económica), as causas para a adoção de
novos comportamentos em saúde (ex.: a prática regular de exercício físico, perante o anúncio
de um diagnóstico de diabetes mellitus tipo II) ou perante a não concretização das expetativas
que tinham quanto à passagem à reforma, a expressão de sentimentos de revolta, desilusão e
arrependimento.
Quanto às estratégias de coping, estas assumiram particular relevância quando a passagem à
reforma não foi desejada, na situação de simultânea vivência de outras transições ou, de uma
maneira geral, na adaptação às diversas perdas e adversidades que passaram a percecionar no
período pós reforma (ex.: as perdas percecionadas em função do novo estatuto que passaram
a assumir, o esforço adaptativo originado pelo regresso a casa ou, ainda, o isolamento social
percecionado em função do afastamento da vida ativa).
Foi ainda decorrente destas perceções de perda e dos muitos sentimentos de insatisfação que daí
emergiram que se tornou evidente a relevância das redes informais e formais, enquanto estruturas
de apoio a esta transição. Com respeito às redes formais, a oferta disponível, a acessibilidade e,
de forma definitiva, a motivação para a sua procura foram determinantes para o sucesso desta
transição; sendo que para tal contribuíram a perceção de autoestima, na sua procura, e a perceção
de autoeficácia, na sua utilização. Relativamente às redes informais, e mais particularmente
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no que diz respeito à família, o (re)acolhimento deste seu elemento agora num novo estatuto
e a capacidade de resiliência que esta apresenta na resposta reestruturativa originada por esta
mudança, revelaram-se igualmente determinantes para o sucesso desta adaptação.
Focando ainda a resiliência familiar, verificou-se também que esta se torna particularmente
relevante quando os aposentados vivem maritalmente ou em comunalidade de interesses. Tal
situação, segundo deram a conhecer, decorre de assumirem o cônjuge ou companheiro(a) como
um dos principais pilares de apoio nesta transição. E porque muitas das vezes, só nesta fase, depois
de um longo período mais direcionado para os filhos e para o trabalho, é que lhes é possível
estar mais atentos à pessoa que esteve sempre ao seu lado durante todo o tempo de casal; esta
(re)descoberta pode constituir uma importante fonte de stresse que se acumula com o esforço
adaptativo originado pela passagem à reforma. Em consequência desta perceção, considera-se
que a interferência que a conjugalidade poderá assumir nesta transição carece de ser alvo de um
estudo mais aprofundado.
Com respeito à idealização da vivência futura, os recém-aposentados mantêm o seu otimismo.
Todavia, a incerteza, a preocupação e o medo estão bem explícitos nos seus discursos, talvez por
se sentirem abandonados pela sociedade que ajudaram a construir e por esta os fazer continuar
a percecionar esta transição como uma das últimas etapas das suas vidas. Numa tentativa de
contrariar este fado deixaram ficar algumas sugestões para os futuros aposentados, entre as quais
se destacaram: o facto de deverem manter os seus objetivos de vida, de fazerem apenas o que lhes
é aprazível, de não se deverem isolar do mundo e, em especial destaque, de deverem preparar-se
convenientemente para esta transição.
Em síntese:
Concluiu-se que os indivíduos percecionam a passagem à reforma em função das suas
características pessoais, muito particularmente daquelas que foram as suas vivências no passado,
as suas estratégias de coping e, ainda, o motivo e estado de saúde que poderá ter precipitado a
aquisição desse seu novo estatuto. Percebeu-se também que a transição em estudo interferiu
naquelas que eram as suas rotinas habituais e que essas foram fortemente marcadas pelo contexto
socioeconómico e político em que viviam, no momento em que se reformaram. Ainda, porque foi
notória a interferência que esta transição teve na saúde mental individual e no equilíbrio sistémico
operado a nível da saúde familiar, esta última com particular enfase na relação conjugal, considerase que esta fase do desenvolvimento humano carece de uma intervenção em saúde específica, a
ser implementada em contexto de cuidados de saúde primários.
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