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2 DOSSIER RESÍDUOS

A produção de resíduos sólidos tem sido cada vez mais elevada em todos os países do mundo, como consequência do modelo de consumo estabelecido na atual sociedade. Mais de 4 mil milhões de toneladas todos os anos, sem considerar os quantitativos que o setor mineiro, da energia e das águas produzem, que elevaria a mais de 6,4 mil milhões de toneladas. Tem como consequência uma rápida depleção de recursos naturais, podendo levar à exaustão de vários recursos minerais em relativamente pouco tempo. No entanto, continuamos a desperdiçar esses recursos através da gestão ineficiente dos resíduos e a preocuparmo-nos apenas com o fim do petróleo. Com efeito, a perceção geral do público é que os resíduos sólidos são de fácil solução e algo muito simples. Depois de gerar os resíduos, camiões recolhem-nos e acabam-se os problemas. Na verdade é muito mais complexo e requer a participação de todos os atores envolvidos, dado haver interação e componentes de ordem social, económica, política, institucional e financeira, que importa equacionar/compatibilizar para uma solução compatível com os requisitos hoje considerados fundamentais na preservação ambiental e salvaguarda dos recursos naturais. Neste artigo são abordados os problemas dos resíduos, desde a geração às consequências da sua gestão, boa ou má.

DOSSIER RESÍDUOS © NINO BARBIERI Mário Russo Engº Civil, Mestre em Hidráulica e Doutor em Engenharia Civil Professor Coordenador do Instituto Superior Politécnico de Viana do Castelo [email protected] GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO RECURSOS A produção de resíduos sólidos tem sido cada vez mais elevada em todos os países do mundo, como consequência do modelo de consumo estabelecido na atual sociedade. Mais de 4 mil milhões de toneladas todos os anos, sem considerar os quantitativos que o setor mineiro, da energia e das águas produzem, que elevaria a mais de 6,4 mil milhões de toneladas. Isto tem como consequência uma rápida depleção de recursos naturais, podendo levar à exaustão de vários recursos minerais em relativamente pouco tempo. No entanto, continuamos a desperdiçar esses recursos através da gestão ineficiente dos resíduos e a preocuparmo-nos apenas com o fim do petróleo. Com efeito, a perceção geral do público é que os resíduos sólidos são de fácil solução e algo muito simples. Depois de gerar os resíduos, camiões recolhem-nos e acabam-se os problemas. Na verdade é muito mais complexo e requer a participação de todos os atores envolvidos, dado haver interação e componentes de ordem social, económica, política, institucional e financeira, que importa equacionar/compatibilizar para uma solução com- 12 INDÚSTRIA E AMBIENTE 80 MAIO/JUNHO 2013 patível com os requisitos hoje considerados fundamentais na preservação ambiental e salvaguarda dos recursos naturais. Neste artigo são abordados os problemas dos resíduos, desde a geração às consequências da sua gestão, boa ou má. 1. O PROBLEMA A geração de resíduos começa com a mineração, para se obter a matéria-prima bruta, e em todos os passos da transformação desta matéria-prima até ser transformada em bens de consumo, continuam a ser produzidos resíduos. Aparentemente poderia ser simples o equacionamento dos resíduos sólidos, por um lado com a diminuição da utilização desta matéria-prima e, por outro, com o aumento da taxa de recuperação/reciclagem de produtos dos resíduos (Figura 1). No entanto, tais medidas seriam dificilmente aplicadas na nossa sociedade. Deste modo, a sociedade tecnológica tem de procurar novas formas de gerir os resíduos que produz, bem como procurar por locais adequados para os tratar e depositar. Ao contrário dos líquidos e dos gases, que se diluem no meio recetor, os sólidos permanecerão no local onde forem depositados, mesmo que venham a sofrer transformações físicas e bioquímicas, como veremos mais tarde. A Gestão de resíduos sólidos hoje em dia está associada ao controlo, produção, armazenamento, recolha, transferência e transporte, processamento, tratamento e destino final dos resíduos sólidos, de acordo com os melhores princípios de preservação da saúde pública, economia, engenharia, conservação dos recursos, estética e outros princípios ambientais. Deste modo, a gestão de resíduos envolve uma inter-relação entre aspetos administrativos, financeiros, legais, de planeamento e de engenharia, cujas soluções são interdisciplinares, envolvendo ciências e tecnologias provenientes da engenharia, economia, sociologia, geografia, planeamento regional, saúde pública, demografia, comunicações e conservação. 1.1. Consequências da má gestão dos resíduos Quando o homem não cuida dos resíduos que produz causa disfunções ambientais e sociais PUB. FIGURA 2.1 Diagrama do fluxo de geração dos resíduos sólidos na atualidade (Adap. Russo, 2012). com consequências para a saúde pública e perda de recursos naturais e biodiversidade, como as Figuras 2 e 3 sugerem. 1.2. Alguns números sobre a gestão de resíduos no mundo Hoje geram-se anualmente no mundo mais de 4 biliões de toneladas de resíduos de origem municipal, industrial e perigosos. Os resíduos municipais gerados são entre 1,6 e 2 biliões de toneladas. Destes, a maior parte são resíduos orgânicos putrescíveis, alimentos e restos de alimentos e resíduos verdes, cujo crescimento se estima ser de 44% até 2025 devido ao crescimento da população e do consumo. Representará um acréscimo da emissão de gases de efeito de estufa (GEE) de 8 a 10% relativamente à atualidade. Estima-se que a indústria dos resíduos valha anualmente 433 biliões de USD$. Cerca de 70% dos resíduos municipais são depositados em lixeiras ou em aterros sanitários, 11% são tratados por métodos FIGURA 2 Plásticos flutuam em rios e desembocam no mar. (FONTE: CNN.com/tecnhology November 16, 2007) térmicos em incinerações com produção de energia elétrica e os restantes 19% são reciclados ou tratados por tratamentos mecânico-biológico (TMB), que inclui a compostagem (ver Figura 4). Estima-se que cerca de 3,5 biliões de pessoas no mundo não tenham acesso a sistemas de gestão de resíduos, o que representa cerca de 52 % da população da Terra (dados de 2008) e inclui população sem recolha para fora das suas áreas de residência e menos ainda tratamento. O crescimento rápido da população sugere que o problema se agravará com a rápida urbanização das populações. Isto acontecerá igualmente em África. Esta situação, entre outras, acarreta a deposição de plásticos no oceano num volume de cerca de 7 milhões de toneladas por ano, que com o tempo se degradam em pequenas e mais tóxicas partículas de petropolímeros. Estes dados sugerem claramente o agravamento dos problemas de saúde pública FIGURA 3 Resíduos num rio no Amazonas (FONTE: Projeto FADE/BNDES, UFPE, Recife) DOSSIER RESÍDUOS FIGURA 4 Destino dos resíduos no mundo FIGURA 5 Evolução da população, produção de resíduos e custos de gestão 2002-2025. (FONTE: ISWA, 2012). TRATAMENTO DE RESÍDUOS NO MUNDO (2009) e riscos ambientais que exigem uma tomada de posição de todos os governos na solução do problema de forma ambiental e socialmente adequada. Acresce que estimativas do Banco Mundial apontam para um agravamento da produção de resíduos e do seu custo superior ao aumento da população, que já é uma das preocupações políticas dos nossos dias. Apresenta-se na Figura 5 a evolução estimada da população, resíduos e custos no mundo até 2025. 2. PERDA DE RECURSOS A reserva de vários recursos é ilustrada na Figura 6, que apresenta um conjunto de elementos minerais essenciais à vida nos nossos dias e o tempo de existência, considerando as reservas conhecidas e um consumo anual a crescer 2%. A perda destes elementos pode causar a impossibilidade de se construir máquinas e ferramentas de écrans táteis tão utilizados nos modernos telefones e computadores. Vários dos aparelhos que usamos hoje não poderão ser construídos no futuro. Muito dos recursos estão nos resíduos que são enterrados todos os anos à razão de 70% do total gerado anualmente. Razões de sobra para se encarar os resíduos como recursos e gerir de forma diferente o seu destino final. 3. SOLUÇÕES PARA OS PROBLEMAS DOS RESÍDUOS As opções são diversas e muito particulares para cada caso. Não há uma única Rota Tec- 14 INDÚSTRIA E AMBIENTE 80 MAIO/JUNHO 2013 nológica, mas um conjunto apropriado para cada caso, respeitando-se sempre os meios, a cultura e a capacidade técnica e económica das comunidades, sem ferir o ambiente. Há soluções mais robustas que outras. Há soluções que servem numa cidade e são inadequadas para outra, dependendo de vários fatores que devem ser convenientemente apreciados e avaliados. É precisamente no âmbito desta abordagem que os modernos conceitos de gestão de resíduos sólidos assentam a sua estratégia baseada na seguinte hierarquia de gestão: • Redução e Reutilização de resíduos; • Reciclagem; • Digestão anaeróbia e Compostagem; • Incineração energética; • Aterro sanitário (confinamento técnico) 3.1. Reciclagem A reciclagem deve ser fomentada e incentivada ao mais alto nível, pois muitos dos produtos residuais da atividade de certas indústrias, estabelecimentos comerciais e das residências podem ser reutilizados, recuperados ou usados como matéria-prima para outras indústrias. A legislação com metas quantitativas e qualitativas é o melhor meio de se conseguir atingir este objetivo. 3.2. Digestão anaeróbia e compostagem A digestão anaeróbia é um processo biológico processado na ausência de oxigénio em que microrganismos transformam a matéria orgânica biodegradável em compostos finais de que se destacam o biogás e o material digerido. Após a digestão anaeróbia deve proceder-se à compostagem do material recalcitrante não degradado, corrigindo-se o rácio C/N com material rico em carbono, higienizando assim o material digerido. A compostagem é um processo biológico aeróbio de reciclagem da matéria orgânica biodegradável, que está presente nos resíduos sólidos urbanos em quantidades maioritárias em relação aos restantes componentes FIGURA 6 Anos de existência das reservas de vários elementos (FONTE: UNFPA, 2011) PUB. (cerca de 50%). Trata-se de um processo aeróbio controlado, em que diversos microrganismos são responsáveis, numa primeira fase, por transformações bioquímicas na massa de resíduos e humificação, numa segunda fase. As reações bioquímicas de degradação da matéria orgânica processam-se em ambiente predominantemente termofílico, também chamada de fase de maturação, que dura cerca de 25 a 30 dias. A fase de humificação em leiras ou pilhas de compostagem processase entre 30 e 60 dias, dependendo da temperatura, humidade, composição da matéria orgânica (concentração de nutrientes) e condições de arejamento. É um processo eficaz de reciclagem da fração putrescível dos resíduos sólidos urbanos, com vantagens económicas, pela produção do composto, aplicável na agricultura (não está sujeito a lixiviação, ao contrário dos adubos químicos), ótimo para a contenção de encostas e para o combate da erosão, etc. Quando incluído numa solução integrada, tem a vantagem de reduzir ou mesmo eliminar a produção de lixiviados e de biogás nos aterros sanitários, o que torna a exploração mais económica. 3.3. Incineração É outra das tecnologias utilizadas para tratamento dos resíduos sólidos, tanto urbanos como industriais, utilizada em especial nos países nórdicos, devido à necessidade de diversificação das fontes energéticas para aquecimento, à densidade populacional elevada e devido à falta de terrenos apropriados para outras soluções. Para o tratamento dos resíduos hospitalares perigosos para a saúde e certos resíduos industriais perigosos é, porventura, um dos métodos mais seguros (registam-se experiências com autoclavagem e micro-ondas muito interessantes que poderão vir a alterar o panorama dos tratamentos deste tipo de resíduos hospitalares). A incineração tem vantagens na redução dos volumes a depositar em aterros, que pode chegar a 85 %, na eliminação de resíduos patogénicos e tóxicos e na produção de energia sob a forma de eletricidade ou de vapor de água. Tipicamente, a incineração envolve a combustão de resíduos tal qual, sem qualquer preparação prévia, realizada a temperaturas superiores a 850ºC e tempo de residência superior a 2 segundos, com produção de CO2 e água sob a forma de vapor a alta temperatura, aproveitando a energia contida nos RSU, de 8 a 11 MJ/kg. 3.4. Aterros sanitários Os processos ou métodos de tratamento anteriormente descritos não são concorrentes com o aterro sanitário, mas complementares a este. Efetivamente, o aterro sanitário é um órgão imprescindível porque é comum em toda a estrutura de equacionamento dos resíduos sólidos. A incógnita é a quantidade de resíduos a serem ali depositados para tratamento e destino final. Quanto maior for a taxa de valorização conseguidas nas fases anteriores, menores serão as quantidades a aterrar, prolongando-se a vida útil do AS e diminuindo-se o custo de exploração. Se a escala do aterro for adequada, disposição de uma quantidade mínima de cerca de 200 toneladas por dia, pode haver o aproveitamento do biogás produzido no aterro. Sem esta disposição mínima não é rentável o aproveitamento energético, e o biogás terá de ser queimado em tocha com tempo de residência mínima de 0.3 segundos na câmara de combustão, a uma temperatura de pelo menos 850 ºC, para minimizar a libertação dos gases de efeito de estufa. BIBLIOGRAFIA • Russo, M (2012) – Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Publicação IPVC/ESTG. • Tchobanoglous, G et all (1993) – Integrated solid waste management, McGraw Hill. • Diretiva Aterros e Diretiva Incineração da UE. • The Economist, 2012, em http://www. economist.com/blogs/graphicdetail/2012/06/daily-chart-3 • Mavropoulos, A. (2011) – Globalization and Recycling markets. http://www.iswa2012. org • http://www.snide.fr/virtuelle.php/page/ traitement_thermique_procede • https://www.unfpa.org/webdav/site/ global/shared/documents/publications/2011/EN-SWOP2011-FINAL.pdf. • ISWA, 2012 “Globalization and Waste Management”.