5.
Filosofia Política
JOÃO CARDOSO ROSAS,
MATHIAS THALER E IÑIGO GONZÁLEZ *
1. Teorias da justiça
A teorização da justiça é, provavelmente, a vertente mais visível e prolífica da
Filosofia Política contemporânea. Isso deve-se ao influxo da obra publicada por
John Rawls, em 1971, com o título Uma Teoria da Justiça. Aí a ideia de justiça surge
como «a virtude primeira das instituições sociais» (Rawls, 1971: 27). A justiça é o
padrão moral que permite ajuizar se as instituições de enquadramento de uma
sociedade estão ou não bem ordenadas. Isso implica que, na concepção de justiça,
estejam subsumidas ideias de liberdade, igualdade e distribuição da riqueza e que
essas ideias, para além de devidamente justificadas, sejam também examinadas
quanto às suas consequências institucionais e aos benefícios e encargos que delas
decorrem para os cidadãos.
Muitos pensadores contemporâneos partiram da teorização de Rawls para, continuando a usar a linguagem da justiça e dos direitos e deveres que as instituições
justas implicam para cada indivíduo, aprimorarem a formulação rawlsiana da própria concepção de justiça social, corrigindo aspectos menos conseguidos na formulação de Rawls (e.g. Dworkin, 2000; Sen, 2009). Outros procuraram alargar a ideia
Este é um texto escrito a três mãos e em três línguas diferentes. Por isso o produto final teve a intervenção decisiva de uma quarta mão, a de Alexandra Abranches, que traduziu e unificou a prosa. Os quatro
intervenientes no texto, embora filiados em diferentes instituições, são todos membros do Grupo de Teoria
Política da Universidade do Minho.
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de justiça a elementos não incorporados na visão rawlsiana, como a multiculturalidade das sociedades em que vivemos (Kymlicka, 1989) ou a injustiça e a pobreza a
nível global (Beitz, 1979; Pogge, 1989, 2002). Outros ainda romperam com a formulação de Rawls, ao criticarem a distribuição de oportunidades e riqueza (Nozick,
1974), ou a visão anti-perfeccionista das liberdades básicas (Sandel, 1980), ou ainda
ao articularem uma teoria alternativa de cariz comunitarista (Walzer, 1983). Há
também quem se tenha posicionado de uma forma radicalmente crítica diante do
«paradigma distributivo» rawlsiano, abrindo o caminho para uma Filosofia Política
mais atenta aos fenómenos da dominação e da opressão (Young, 1990).
Nesta primeira secção do capítulo dedicado à Filosofia Política, começaremos
por uma breve análise de conceitos centrais da formulação da justiça de Rawls e
de alguns dos seus críticos internos. Seguidamente, exporemos a crítica de Nozick,
baseada na ideia de «propriedade de si mesmo». Depois, confrontaremos estas
perspectivas liberais com as críticas comunitaristas, nomeadamente de Sandel e
Walzer. Referir-nos-emos também à crítica radical de Iris Young ao paradigma
distributivo. Para terminar, abordaremos as tentativas mais recentes de estender
o pensamento contemporâneo sobre a justiça da ordem doméstica dos Estados,
onde ele começou por ser elaborado, ao plano da sociedade global.
1.1. A justiça como equidade
Rawls chama à sua concepção «justiça como equidade» (justice as fairness) na
medida em que ela é escolhida, face a algumas alternativas possíveis, como veremos, a partir de uma situação inicial que é, ela própria, equitativa (fair). A ideia
geral é a de descrever uma situação de escolha na qual as regras que presidem à
eleição da concepção de justiça não favorecem especialmente nenhum indivíduo
na sociedade em relação a qualquer outro e são, por isso, equitativas. A situação
mais favorecida para esta escolha é, segundo Rawls, a «posição original». Vejamos
o que a caracteriza.
Trata-se de uma derivação da ideia clássica de contrato social. No entanto, a
posição original rawlsiana é puramente contrafactual – ao contrário do que acontece muitas vezes com a descrição do estado de natureza no contratualismo clássico
– e a escolha aí adoptada inscreve-se no plano hipotético – não se trata de um
acordo implícito na sociedade, como geralmente acontecia na tradição contratualista. Note-se ainda que Rawls, de novo em contraste com o contratualismo clássico,
não está apenas preocupado com a questão da justificação da autoridade política,
mas também e sobretudo com a definição da uma concepção alargada de justiça
(abarcando também aspectos sociais e económicos).
A posição original é um dispositivo de representação. Nela podemos colocar
«partes» iguais, representantes de todos e cada um dos cidadãos em cada comuni-
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dade política. Para que a sua decisão seja certa e infalível, essas partes são dotadas
de racionalidade instrumental e são mutuamente desinteressadas. No entanto, para
garantir a imparcialidade da sua escolha, elas são colocadas debaixo de um espesso
véu de ignorância, que não permite que conheçam os indivíduos que representam,
o seu status, as suas preferências pessoais, etc. Na posição original, as partes têm
acesso apenas a conhecimentos genéricos necessários para a decisão a tomar.
Nomeadamente: as sociedades vivem num contexto marcado pela escassez e pela
pluralidade dos objectivos individuais, todos os indivíduos necessitam de certos
«bens sociais primários» (liberdades, oportunidades, rendimentos, respeito próprio), etc.
Com a posição original assim caracterizada, as partes são confrontadas com
uma lista de alternativas a escolher. Na sua versão mais simplificada, sem ter ainda
em consideração alternativas mistas, ou combinatórias de alternativas, pode limitar-se a escolha a um menu tradicional no pensamento ético-político. Por um lado,
uma concepção deontológica da justiça, da qual falaremos já de seguida. Por outro,
concepções de cariz teleológico, como o perfeccionismo (aristotélico, nietzscheniano, etc.) e, sobretudo, o utilitarismo (de Bentham aos contemporâneos, passando por Sidgwick).
Rawls justifica longamente a concepção da justiça que considera mais apta a
medir-se com as concepções perfeccionistas ou utilitaristas. Ao apresentar a
melhor concepção de justiça ele está sobretudo preocupado em afastar à partida
o «sistema de liberdade natural» (a expressão é de Adam Smith), i.e., a situação na
qual se protegeria apenas as liberdades básicas, retirando da esfera da justiça a
construção da igualdade de oportunidades e a distribuição da riqueza, favorecendo
assim as instituições de um Estado protector das liberdades mas, para além disso,
apenas apostado em assegurar a abertura das carreiras ao mérito e a eficiência dos
mercados em termos paretianos (fazendo com que alguém fique melhor sem que
ninguém que pior). Contra esta ideia de sistema de liberdade natural, Rawls advoga
aquilo a que chama «igualdade democrática» que, para além da protecção das liberdades, requer instituições estatais que estabeleçam uma igualdade de oportunidades substantiva – não meramente formal – e uma distribuição do rendimento e da
riqueza de acordo com aquilo que designa por «princípio da diferença». Assim, a
concepção rawlsiana da justiça pode ler-se:
Primeiro
Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para
as outras. (Rawls, 1971: 68)
Segundo
As desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições:
em primeiro lugar, ser a consequência do exercício de cargos e funções abertos
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a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades; e, em
segundo lugar, ser para o maior benefício dos membros menos favorecidos da
sociedade (o princípio da diferença). (Rawls, 2001: 42-3)
Se o princípio das liberdades não parece oferecer problemas de maior e pode
ser apoiado pelos libertaristas, o mesmo não acontece com o segundo princípio. O
argumento central de Rawls para o adoptar, rejeitando o sistema de liberdade
natural, consiste em estabelecer a existência de uma lotaria social e natural que
distribui as condições sociais do nascimento e os talentos naturais de cada um de
forma aleatória. Ora, se essa distribuição inicial é extremamente desigual e os indivíduos não são por ela moralmente responsáveis, não faz sentido não a corrigir. Daí
ser necessário promover uma igualdade substantiva de oportunidades, para compensar os nascidos em situação socialmente desfavorecida, mas também aplicar o
princípio da diferença, de modo a compensar os menos talentosos, ainda que estes
beneficiem de uma verdadeira igualdade de oportunidades.
As partes na posição original, portanto, têm de escolher entre esta concepção
e os princípios teleológicos acima referidos. Como a posição original é uma situação de incerteza – devido ao barramento da informação através do véu de ignorância – Rawls considera adequado que os princípios a escolher para o ordenamento
da sociedade – de justiça, perfeição ou utilidade – sejam aqueles que todas as partes representantes possam aceitar, ainda que a situação que os seus representados
ocupem na sociedade, em termos de acesso a bens sociais primários, seja a menos
favorecida, ou seja, ainda que a posição social daqueles que as partes representam
seja escolhida pelo seu pior inimigo. Ora, tal estratégia – que se afigura, efectivamente, racional – equivale à adopção de uma regra decisória maximin, visando a
maximização do mínimo de bens sociais primários que cada um pode obter.
Uma vez adoptada a regra maximin, torna-se óbvio que a concepção da justiça
acima explicitada é superior, do ponto de vista da posição original, às concepções
de tipo teleológico. O princípio de utilidade visa a maximização da utilidade total
ou média, não tendo em atenção a forma da sua distribuição e menos ainda a maximização do mínimo que cada um pode obter. Pelo contrário, os princípios da justiça atribuem a cada indivíduo um mínimo muito elevado de bens sociais primários,
incluindo oportunidades e riqueza. Esse mínimo não é negociável em função de
um qualquer acréscimo de utilidade social. Um princípio de perfeição, por seu
turno, conduz a que os indivíduos dotados de determinadas qualidades ou virtudes
sejam beneficiados na distribuição de bens sociais primários. Mais uma vez, não é
aqui possível a maximização do que cada um pode obter que deve ser independente
das concepções da vida boa de cada indivíduo (as concepções do bem de cada um
não são do conhecimento das partes na posição original). Um princípio de perfeição apenas maximizaria o índice de bens sociais primários de alguns e não da generalidade dos indivíduos que as partes representam.
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Uma vez elaborados os princípios da justiça como equidade e justificada a sua
escolha face a alternativas de carácter teleológico, Rawls enfatiza a necessidade de
aplicá-los, nos nossos juízos de justiça, àquilo que designa por «estrutura básica da
sociedade». Esta é formada pelas principais instituições políticas, económicas e
sociais e pelo modo como elas, no seu funcionamento conjunto, distribuem benefícios e encargos pelos membros da sociedade. Essas instituições incluem a Constituição que estabelece o elenco de liberdades básicas e as regras do processo político, mas também os principais arranjos económicos e sociais (relativos à
propriedade, fiscalidade, educação, segurança social, etc.) e o modo como eles são
fixados no sistema legal. Para ser considerada justa, portanto, uma Constituição
terá de verificar o princípio das liberdades e uma legislação justa terá de operacionalizar o segundo princípio da justiça, garantindo a igualdade de oportunidades
em sentido equitativo e a distribuição do rendimento e da riqueza de acordo com
o princípio da diferença. Note-se, portanto, que a justiça é procedimental no sentido em que se aplica a sistemas de regras da estrutura básica e não directamente
a casos concretos. Presume-se que, uma vez em presença de uma estrutura básica
justa, os casos concretos possam ter um tratamento justo.
Alguns autores rawlsianos mas críticos de Rawls, começando por Dworkin,
cedo manifestaram a sua insatisfação face a uma conceptualização da justiça que
procura corrigir a lotaria social e natural, mas não dando suficiente atenção às
variações do esforço individual e aos factores de pura má sorte natural (como o
caso de uma deficiência física muito incapacitante, por exemplo). As versões das
justiça que procuram corrigir estes defeitos aparentes na formulação rawlsiana
designam-se por luck egalitarianism (“igualitarismo da sorte”). Este consiste pois
na tentativa de, aceitando embora o essencial da concepção rawlsiana, torná-la mais
sensível a premiar aqueles que mais se esforçam e a compensar especialmente – e
não apenas através do princípio da diferença – os que são afectados por factores
de pura má sorte.
Uma das contribuições mais importante do pós-rawlsianismo pode ser encontrada na obra de Amartya Sen. De acordo com uma visão desenvolvida ao longo de
muitos anos e sistematizada numa obra recente (Sen, 2009), este autor pretende
substituir a métrica da justiça de Rawls – os bens sociais primários –pela ideia de
«capabilidades». Ou seja, a justiça não consistiria numa distribuição equitativa dos
bens primários através da estrutura básica, mas antes na promoção das capabilidades ou poderes que os indivíduos efectivamente têm para as suas realizações individuais e colectivas. Mais ainda, o conteúdo da justiça não deveria ser decidido de
uma vez por todas a partir da perspectiva da posição original, mas antes em termos
mais práticos e variáveis, de acordo com o que as circunstâncias podem sugerir
para a promoção das capabilidades humanas. Em vez do institucionalismo transcendental de Rawls, Sen propõe uma perspectiva centrada nas realizações práticas
medidas pelo desenvolvimento das capabilidades.
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Um outra vertente interessante e exemplificativa da vastíssima literatura filosófica a que Rawls deu origem é a da reflexão sobre o multiculturalismo. Essa
reflexão está ausente do pensamento de Rawls. Mas Will Kymlicka (v. em esp.
Kymlicka, 1995) e outros autores rawlsianos partem dessa ausência para a colmatar
de uma forma que continua a ser claramente rawlsiana. Assim, Kymlicka considera
que a socialização dos indivíduos em culturas societais minoritárias tem consequências anti-igualitárias para esses indivíduos face aos membros das culturas
maioritárias ao nível do exercício efectivo das suas liberdades básicas. A cultura –
que deve ser considerada um bem social primário – tem um valor diferente para
os membros das maiorias e para aqueles que estão ligados às minorias. Por isso a
protecção das culturas societais minoritárias, através da concessão de direitos especiais para os seus membros – direitos de auto-governo para as nações minoritárias,
direitos poliétnicos para os grupos de imigrantes – é essencial para que as liberdades consagradas no primeiro princípio da justiça possam ser realizadas por todos
de forma igual.
O pensamento de Rawls deu origem a inúmeras correcções (como as do luck
egalitarianism), prolongamentos (e.g. Sen) e tentativas de complementaridade
(como em Kymlicka). Mas fez também surgir, através de oposições mais marcadas,
outros paradigmas na teorização da justiça. É o caso do libertarismo de Nozick.
1.2. Propriedade de si mesmo
Se, na teoria rawlsiana, os direitos (e deveres) dos cidadãos de uma sociedade
bem ordenada decorrem da justiça – através da estrutura básica –, na teorização
de Nozick os direitos individuais são, por assim dizer, constitutivos. A justiça
decorre desses direitos e do seu respeito absoluto, como veremos já de seguida.
A intuição central de Nozick é a renovação da ideia lockeana de «propriedade
de si mesmo». Cada indivíduo é proprietário do seu corpo e da sua vida, mas também da liberdade para a usar e dos haveres materiais que, no uso dessa liberdade,
possa acumular. A auto-propriedade, portanto, define-se por direitos individuais
ao próprio corpo, liberdade e posses. Esses direitos estabelecem restrições absolutas àquilo que os outros e o Estado nos podem fazer.
A justiça em termos sociais e económicos é aquela que diz respeito às posses
ou haveres dos indivíduos. Segundo Nozick, a justiça nesse sentido implica que os
indivíduos têm direito ao que adquirem e que inicialmente não pertença a ninguém
(um pedaço de terra, uma jazida de petróleo, uma patente farmacêutica por eles
descoberta, etc.). Também têm direito ao que lhes é transferido voluntariamente
ao longo do tempo (por contratos de compra e venda, doações, heranças).
Se alguém possui algo que não resulte de aplicações repetidas destes princípios da
justiça na aquisição e da justiça nas transferências, então uma rectificação deve ser
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introduzida (os tribunais fazem isso). De outra forma, aquilo que os indivíduos
detêm possuem-no a justo título.
Note-se que os haveres de cada um resultam da liberdade de adquirir e transferir. Mas, tal como Locke dizia que esses haveres só seriam legítimos se fosse
deixado o mesmo e igualmente bom para os outros, Nozick considera que a nossa
aquisição de algo (e também as transferências) não devem deixar ninguém pior do
que estaria se essa aquisição (ou transferência) não ocorresse. Mas isso significa
que, se não prejudicarmos directamente os outros, podemos adquirir e transferir,
ou não transferir, tudo o que desejarmos, como uma propriedade imobiliária, um
poço de petróleo, ou a fórmula para produzir um medicamente contra o cancro.
Ora, aquilo a que geralmente chamamos justiça social e económica – e que
pode ser exemplificado, numa versão sofisticada, pelo pensamento de Rawls –
implica que o Estado intervenha nas aquisições e transferências dos indivíduos
através de impostos com intuito redistributivo (por exemplo, para criar igualdade
de oportunidades, ou para cobrir riscos sociais que levam os indivíduos à pobreza).
Aquilo que decorre da visão nozickiana é a ilegitimidade desse tipo de interferência. Nozick é especialmente crítico das teorias que visam um qualquer resultado
final redistributivo (o princípio de utilidade, o princípio da diferença de Rawls),
mas também das teorias tradicionais da justiça que diziam «a cada um segundo…»
o mérito, ou a contribuição para a sociedade, ou qualquer outra coisa. Estas teorias
padronizadas visam também uma certa estrutura distributiva e como, tal, levam à
interferência constante do Estado nos haveres dos indivíduos, o que, para Nozick,
é também uma interferência na sua liberdade e uma violação do quesito central da
auto-propriedade.
Assim, não podendo ter funções redistributivas (sem violar os direitos dos
indivíduos), o Estado deverá ter apenas uma função protectora da auto-propriedade. O Estado deve proteger a vida e a liberdade dos indivíduos, assim como vigiar
o cumprimento dos contratos entre eles. Para isso são certamente necessárias as
instituições do Estado mínimo (tribunais, prisões, polícias), mas não mais do que
isso. Quaisquer outras instituições estatais, implicando formas de redistribuição
coerciva pela via fiscal, são contrárias aos direitos individuais e, como tal, injustas.
Nozick não deixa de considerar a possibilidade de uma anarquia, entendida
como ausência de Estado, poder proteger melhor os direitos individuais do que o
próprio Estado mínimo. Mas conclui que, sem esse tipo de Estado, mantém-se a
instabilidade existente no estado de natureza lockeano e decorrente da impossibilidade de resolver satisfatoriamente os conflitos entre os indivíduos. Nozick não
é pois um anarco-capitalista, mas antes um defensor do Estado mínimo, a partir de
premissas morais.
A ideia de auto-propriedade e a concepção de justiça que daí decorre não
deixou de ser revisitada por diversas vezes na Filosofia Política contemporânea,
não apenas por libertários de tipo nozickiano, favorecedores da desigualdade social
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e económica, mas também pelos «libertaristas de esquerda». Estes tendem a alargar em muito a restrição lockeana que Nozick limitava à ideia de não prejudicar os
outros, ou de não os deixar pior do que estavam à partida. Os libertaristas de
esquerda parecem estar mais próximos da ideia original de Locke de que o mundo
à partida é de todos e que, como tal, aqueles que têm mais posses ou haveres, ainda
que os tenham adquirido no uso da sua liberdade, devem uma compensação aos
que ficaram privados deles. A propriedade da terra e os restantes recursos naturais
não são, como sabemos hoje, inesgotáveis. Por isso aqueles que possuem são moralmente obrigados a pagar uma renda aos que não possuem, o que gera uma multiplicidade de efeitos distributivos. Daí estes libertaristas, pelo seu pendor igualitário, serem chamados «de esquerda». Mas este uso político da linguagem não nos
deve enganar. A teorização da justiça dos libertaristas de esquerda, em particular
em autores como Vallentyne ou Otsuka, é intelectualmente muito sofisticada e
insere-se num registo mais filosófico do que político (no sentido comum desta
palavra). Com os libertaristas de esquerda, o pensamento de matriz nozickiana
parece voltar a aproximar-se do pensamento de Rawls, em termos substantivos,
mas por razões radicalmente diferentes e baseadas na concepção hiper-individualista da propriedade de si mesmo.
1.3. Individualistas versus comunitaristas
Uma boa parte da teorização contemporânea da justiça pode ser descrita como
um debate entre individualistas e comunitaristas. Os individualistas incluem libertaristas como Nozick e os libertaristas de esquerda, mas também os liberais igualitários como Rawls, Dworkin ou Sen e até, num sentido mais vago, os utilitaristas
que estes outros individualistas tanto criticam.
O individualismo, ou mesmo atomismo, da concepção libertarista está fora de
dúvida. Os libertaristas advogam aquilo que noutro contexto foi designado como
«individualismo possessivo» (a expressão aplicada por C. B. Macpherson a autores
como Hobbes e Locke). O indivíduo auto-proprietário, que ninguém pode (legitimamente) possuir ou instrumentalizar para fins externos ao próprio indivíduo,
cuja liberdade consiste na inexistência de limites externos e coercivos à sua acção,
cujos bens são vistos como uma decorrência dessa liberdade, tudo isto constitui o
fundamento moral básico destes autores. A ideia de que a sociedade como um todo,
ou a cooperação social, ou os laços de solidariedade comunitária, possam desempenhar um papel restritivo do absoluto respeito pelos direitos individuais é algo
que está fora do horizonte libertarista.
O liberalismo igualitário é também individualista, embora num sentido mais
qualificado. Pense-se no caso de Rawls. O sujeito dos direitos (e deveres) que
decorrem da justiça é a pessoa política do cidadão individual. A prioridade da
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igualdade da liberdade na teoria da justiça como equidade protege o indivíduo
assim entendido, não permitindo que as suas liberdades básicas sejam sacrificadas
em nome de outros princípios distributivos, ou da maximização do bem-estar agregado. Estamos portanto na presença de um individualismo, mas de forma alguma
do individualismo possessivo dos libertaristas. O indivíduo rawlsiano, ao ser não
apenas racional mas também razoável, está aberto à cooperação com os outros e
pode aceitar, nomeadamente, o aspecto solidarista do segundo princípio da justiça,
incluindo a ideia de que se deve partilhar com os outros as eventuais vantagens
decorrentes da lotaria social e natural.
Por fim, o utilitarismo, alvo de crítica cerrada pelas teorias da justiça contemporâneas, não deixa de ser também individualista no sentido em que é o indivíduo
que constitui o sujeito da utilidade e que, como já dizia Bentham, cada um vale um
e ninguém vale mais do que um. No entanto, de uma forma ainda mais evidente
do que no liberalismo igualitário, este individualismo de base é mitigado pelo facto
de o utilitarismo estar preocupado apenas com a agregação do bem-estar (em termos totais ou médios, isso não importa aqui) e não com o modo como esse bem-estar é distribuído pelos indivíduos.
Tendo em conta estas diferenciações, ou gradações, que vão desde o individualismo extremo dos libertaristas ao individualismo mitigado de liberais igualitários
e, a fortiori, utilitaristas, pode dizer-se que o comunitarismo contemporâneo procura apresentar uma visão radicalmente diferente da dos individualismos. O comunitarismo tende a considerar que o indivíduo é constituído pela comunidade, em
termos psicológicos e sociológicos. Existe um primado desta em relação àquele ou,
se se quiser, alguma forma de holismo social, quer se traduza ou não num holismo
de carácter metafísico.
Michael Sandel, que hoje se designa como perfeccionista e já não como comunitarista, foi provavelmente o autor mais marcante na crítica ao individualismo
liberal, ainda que tenha assentado baterias sobretudo em Rawls. Este é um bom
caso para a crítica comunitarista porque, como Sandel não deixa de notar, o
segundo princípio da justiça – e especialmente o princípio da diferença –, ao corrigir a lotaria natural e social, opera numa lógica comunitarista. Por outras palavras:
os talentos naturais dos indivíduos e as contingências sociais que os favorecem são,
por assim dizer, colocados em comum. O problema em Rawls não está, portanto,
no conteúdo deste segundo princípio, mas na absoluta prioridade das liberdades
individuais e no modo anti-perfeccionsita como elas são lidas pelo próprio Rawls.
Vejamos.
Na concepção rawlsiana, o princípio das liberdades é lexicalmente prioritário
e protege a capacidade de cada um para escolher e perseguir a sua própria concepção do bem, desde que compatível com a justiça. As partes na posição original não
conhecem as concepções particulares do bem das pessoas que representam e, por
isso, nunca poderiam adoptar um princípio perfeccionista (de tipo aristotélico,
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nietzcheniano, ou outro qualquer) que levasse a uma ordenação da estrutura básica
intencionalmente favorável a determinadas concepções do bem e desfavorável a
outras. A visão rawlsiana das liberdades é pois anti-perfeccionista em função da
sua própria estrutura argumentativa e não porque esteja assente numa qualquer
concepção antropológica particular.
Para Sandel, no entanto, Rawls estará vinculado, malgré lui, a uma concepção
metafísica do homem que assenta numa visão desenraizada (unemcumbered) do eu
(self), a visão de um sujeito anterior e exterior às suas escolhas. Como alternativa,
Sandel propõe uma concepção propriamente comunitarista do eu, enraizado no
seu contexto social, com uma identidade que é descoberta a partir desse contexto
e não escolhida a partir de um ponto de vista exterior. Como acima sugerimos, esta
antropologia alternativa à rawlsiana não tem de levar a nenhuma alteração do princípio da diferença – que de alguma forma a pressuporá –, mas conduz a uma leitura
perfeccionista das liberdades (que Sandel, aliás, não deixou de desenvolver em
obras posteriores e na segunda edição do livro de 1982). O corolário da crítica de
Sandel é que caberá ao Estado promover algumas concepções do bem em relação
a outras, violando o princípio da neutralidade intencional, porque essas concepções
são predominantes e porque contribuem para o bem comum de uma determinada
sociedade.
No entanto, Sandel não chega a desenvolver uma teoria completa da justiça
alternativa à rawlsiana (ou à nozickiana). Esse feito coube a Michael Walzer. Este
autor recusa a existência de uma métrica universal da justiça – os bens sociais
primários, as posses materiais, ou qualquer outra – para afirmar o carácter social,
ou contextual, dos bens que uma concepção da justiça deve ter em consideração,
assim como dos próprios critérios da sua distribuição. Desta forma, Walzer abre
caminho na teorização da justiça para um certo relativismo cultural, incompatível
com qualquer universalismo abstracto (embora não incompatível com um universalismo empírico e de reiteração).
Para Walzer, cada sociedade política – no caso moderno, cada Estado – tem
um conjunto de esferas de justiça que englobam os bens a distribuir e as modalidades de distribuição. Assim, diferentes Estados valorizam de diferentes formas e
distribuem segundo critérios próprios os bens da qualidade de membro, da provisão social (daquilo que a sociedade considera dever prover a todos os seus membros), dos cargos e empregos, da educação, do parentesco e do amor, da graça
divina, do reconhecimento, etc. Entre as esferas da justiça são particularmente
importantes a do dinheiro e do mercado e a do poder político. O poder político é
sempre a esfera a partir da qual as restantes se podem alterar e recompor. É em
grande parte o modo como distribuímos o poder político (pelo controlo democrático, por exemplo, em vez da hereditariedade) que determina a configuração esférica da sociedade. Mas, nas sociedades capitalistas actuais, a esfera do dinheiro e
do mercado tende a ser especialmente relevante e mesmo predominante, alterando
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assim a autonomia relativa não apenas do político mas também de todas as restantes esferas.
Walzer salienta a necessidade de aceitarmos diferentes critérios de justiça,
correspondentes aos «entendimentos partilhados» em cada comunidade política
sobre os bens a distribuir e o modo da sua distribuição. No entanto, Walzer considera que existe injustiça sempre que a autonomia de qualquer esfera, correspondente ao entendimento partilhado na sociedade, é comprometida pelo predomínio
de outras esferas. É com certeza verdade que o dinheiro pode facilmente transformar-se num bem predominante, tal como o próprio poder político (num regime
não democrático). Mas também outras esferas têm essa tendência que as pode
transformar em predominantes, gerando a injustiça (e.g., a graça divina, o parentesco). O grande problema associado ao predomínio de um bem ou esfera sobre
todos os outros está no facto de os detentores desse bem – seja ele o dinheiro, o
poder, a graça divina ou qualquer outro – se transformarem eles próprios numa
classe dominante. Desta forma, o predomínio esférico transforma-se em dominação de uns homens sobre outros homens.
Segundo Walzer, o ideal de qualquer sociedade consiste no evitamento do
predomínio e da dominação de uns sobre os outros. Ele chama a isso «igualdade
complexa», para a distinguir do ideal da igualdade simples. Autores como Rawls,
Nozick ou os utilitaristas estão apenas preocupados com a igualização de alguns
bens considerados fundamentais (os bens sociais primários, as liberdades negativas, o bem-estar). Mas para Walzer, como dissemos acima, não há bens fundamentais universais. A questão central da justiça não consiste na distribuição igualitária
de alguns bens, mas antes na distribuição correspondente aos entendimentos de
cada sociedade sobre as suas esferas da justiça. As grandes desigualdades surgem
quando aparecem bens e classes predominantes. Se isso for evitado realiza-se
comunitariamente o ideal da igualdade complexa, ainda que a distribuição de
vários bens não seja necessariamente igualitária.
Note-se, para finalizar, que o comunitarismo conseguiu captar a imaginação de
muitos, não só no registo filosófico, mas também numa esfera mais sociológica e de
debate político corrente. Assim, ele pôde ser apresentado como o regresso do espírito de comunidade de que carecem muitas das sociedades actuais (Etzioni, 1993),
ou ainda como uma forma alternativa de sociedade, como aquela que existe no
Oriente e em torno do que por vezes se designa por «valores asiáticos» (Bell, 2000).
1.4. Para além do paradigma distributivo
Apesar de diferir radicalmente da teorização individualista ou mais liberal da
justiça, o comunitarismo não chega propriamente a romper com o «paradigma
distributivo». Mesmo no caso de Walzer, as esferas da justiça são apresentadas
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como «distributivas», embora as «coisas» a distribuir sejam extremamente variáveis
e nem todas facilmente interpretadas à luz da ideia de distribuição (e.g., o parentesco). A questão que se coloca consiste em saber se a distribuição de bens materiais e imateriais por parte do Estado é a forma mais adequada de pensar a justiça
nas sociedades contemporâneas, ou se podemos encontrar uma alternativa mais
satisfatória.
Iris Marion Young notabilizou-se pela tentativa teórica de encontrar uma alternativa ao paradigma distributivo (Young, 1990). Este seria mais adequado para
pensar a justiça relativa a bens materiais – como a riqueza – do que a bens imateriais
– como as oportunidades, por exemplo. Para além disso, o paradigma distributivo
centra-se apenas na alocação de bens específicos por parte do Estado, não examinando suficientemente o contexto no qual esses regimes distributivos ocorrem e
são justificados. Por isso é necessário passar a um paradigma que se centre no
contexto social e institucional no qual se formam os padrões distributivos, incluindo
aspectos políticos, económicos e simbólicos ou culturais.
Partindo de intuições recolhidas, nomeadamente, na ética do discurso de
Habermas, Young considera que as instituições justas são aquelas que todos possam aceitar numa situação de não-coerção. Por isso o seu trabalho consiste largamente em desmontar as situações de coerção, nas quais prevalece a injustiça, como
nos casos daquilo que designa por «opressão». A opressão impede o auto-desenvolvimento e a própria capacidade dos indivíduos para exprimirem os seus interesses, necessidades e sentimentos. As modalidades da opressão são muitas, divididas em algumas categorias: exploração económica, marginalização, carência de
poder, imperialismo cultural e violência. Os grupos oprimidos podem ser minorias
étnicas, mas também as mulheres, os homossexuais, as pessoas idosas, os deficientes, et cetera, e sofrem de uma ou várias modalidades de opressão.
A libertação da opressão é a construção da justiça através da política e não se
opera pela supressão da diferença dos grupos oprimidos face à maioria, mas antes
pela afirmação dessa diferença e pela participação desses grupos na vida pública.
A política da diferença defendida por Young abre a possibilidade de um tratamento
diferencial dos grupos oprimidos e estigmatizados, de modo a favorecer a sua inclusão (o que remete para a segunda secção deste capítulo e para o tema do «reconhecimento»).
1.5. Uma justiça global?
Serão as diferentes teorias contemporâneas da justiça, nascidas numa reflexão
balizada pela existência de um mundo dividido em Estados independentes, susceptíveis de ser adaptadas ao mundo globalizado? Esta é uma questão que tem
dominado a reflexão dos filósofos políticos nos anos mais recentes. As teorias igua-
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litárias, libertaristas e comunitaristas não pareciam muito sensíveis a esta questão.
De um ponto de vista comunitarista estrito, a justiça é e será sempre local e nunca
cosmopolita. Para os libertaristas, não podemos ultrapassar a existência e função
dos Estados (mínimos), embora no plano das transacções económicas o internacionalismo não seja rejeitado. Para um liberal-igualitário como Rawls, talvez surpreendentemente, a justiça internacional não pode ter o mesmo alcance e relevância que tem a nível doméstico, já que vivemos num mundo de Estados e povos com
culturas políticas diferentes e nem todas têm a mesma potencialidade para desenvolver uma concepção tão exigente como a da «justiça como equidade» (Rawls,
1999).
No entanto, a principal contribuição para o tema da justiça global veio precisamente dos autores neo-rawlsianos que criticaram o anti-cosmopolitismo de
Rawls, como Charles Beitz (Beitz, 1979 e 1999) e Thomas Pogge (Pogge, 2002).
Este último tem insistido na importância de um «princípio de suficiência» que
considera injustas todas as desigualdades que não estejam associadas à garantia da
eliminação da pobreza em termos absolutos. Pogge tem também enfatizado os
nossos deveres negativos face aos pobres globais. Com efeito, muitas das estruturas
internacionais, políticas e financeiras, causam dano directo aos mais pobres ao
legalizarem, por exemplo, o acesso a empréstimos internacionais e a exploração
de recursos naturais por parte de governos não democráticos e cleptocráticos.
O nosso dever em relação aos mais pobres é, antes de mais, o de não lhes causar
dano e por isso temos a obrigação de fazer o possível por mudar um sistema internacional de regras que permite isso mesmo.
Beitz, por sua vez, desde há muito que vem sugerindo a aplicação da posição
original rawlsiana ao plano internacional, pensando a concepção de justiça aí escolhida como aplicável também ao plano internacional. A ideia central é que, a este
nível, existe também uma estrutura básica institucional que distribui benefícios e
encargos pelos diferentes indivíduos em todo o mundo. Ora, o facto de alguém
nascer num determinado país, por exemplo num país especialmente pobre, é tão
arbitrário do ponto de vista moral como qualquer outro factor da lotaria social e
natural. Por isso deve ser corrigido. Abre-se assim o caminho à aplicação da justiça
igualitária em termos internacionais e globais.
A estratégia deontológica de autores como Beitz, Pogge e outros mais recentes
deve, no entanto, confrontar-se com a visão igualmente cosmopolita mas baseada
no princípio utilitarista de maximização do bem-estar agregado e não numa teoria
da justiça, como há muito vem sido defendido por Peter Singer (e.g., Singer, 1993).
Basta recordar a reflexão deste sobre as questões da pobreza longínqua e a necessidade de a contrariar até ao limite da utilidade marginal decrescente ou, pelo
menos, até ao ponto em que nós próprios, cidadãos de sociedades mais afluentes,
não tenhamos de sacrificar o nosso modo de vida.
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2. Teorias do reconhecimento
O conceito de «reconhecimento» recebeu uma considerável atenção no discurso da Filosofia Política dos últimos vinte anos e, tal como acontece com qualquer tendência teórica, há razões tanto internas como externas à academia que
explicam a veemência com que este conceito emergiu. No que diz respeito às
razões internas, é plausível a hipótese segundo a qual o conceito de «reconhecimento» articula um descontentamento hegeliano com a teoria política liberal de
índole kantiana que John Rawls (1971) inaugurou e que se tornou dominante. Não
é por acaso que os dois defensores mais proeminentes do reconhecimento
enquanto ideal normativo dedicaram grande atenção ao gigante do idealismo alemão (Taylor 1975; Honneth 2010). As razões externas prendem-se com o facto de
que, no final do século xx, as democracias liberais se viram confrontadas com a
diversidade cultural de uma forma urgente e nova (Thompson 2006). A questão
a que a teoria política tenta responder referindo-se ao conceito de reconhecimento
é a seguinte: como devem as instituições políticas e jurídicas das democracias liberais responder às pretensões colocadas pelas minorias sexuais, religiosas, étnicas e
culturais? Este é, ao mesmo tempo, um problema difícil para quem tem de tomar
decisões práticas e um desafio filosófico para os teóricos.
Ainda que não seja razoável afirmar que tenha já sido desenvolvida uma resposta uniforme a esta questão, é possível, hoje, delinear os contornos mais gerais
do debate em torno do conceito de reconhecimento. Tendo isto em vista, dividimos
a presente secção nos seguintes segmentos: primeiro, discutimos a perspectiva de
Charles Taylor sobre o reconhecimento e as suas implicações para o multiculturalismo. Em segundo lugar, sumarizamos a contribuição de Axel Honneth para o
debate. O passo seguinte consiste num breve exame das duas objecções mais relevantes ao ideal normativo do reconhecimento. Finalmente, fornecemos uma antevisão da direcção que o conceito de reconhecimento poderá estar a tomar.
2.1. Fundamentos normativos do reconhecimento
O texto de Charles Taylor «A Política do Reconhecimento» (Taylor 1994)
pode ser considerado como o ponto de partida deste debate e, tendo em conta que
desencadeou uma ampla discussão do conceito de reconhecimento, vale a pena
revisitá-lo. Neste texto seminal, Taylor introduz uma distinção entre dois significados possíveis do termo «reconhecimento». Por um lado, ele é usado para dar
peso à «política da igual dignidade», que se funda naquilo que todos os seres humanos, qua seres humanos, partilham. O reconhecimento em virtude da igual dignidade é, portanto, uma consequência da norma universal da autonomia. Hoje em
dia há muitos movimentos sociais que procuram promover esta «política da igual
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dignidade». Basta pensar em ONGs internacionais como a Amnistia Internacional,
que luta pelos direitos humanos em todo o mundo. O que une todos estes movimentos sociais é o facto de recorrerem de forma sistemática à lei. Os activistas que
promovem a igual dignidade de todas as pessoas apelam frequentemente a instituições legais de forma a garantir a universalidade dos direitos humanos.
Este significado de «reconhecimento» está em competição com outra perspectiva que enfatiza aquilo a que Taylor chama a «política da diferença». Esta coloca
o seu enfoque em grupos e indivíduos na sua especificidade. A norma subjacente
não é a autonomia mas antes a autenticidade – a natureza característica deste grupo
ou daquele indivíduo. O reconhecimento neste segundo sentido é o objectivo dos
movimentos sociais que se organizam em torno de uma identidade particular.
Taylor dá o exemplo do Québec, de onde é natural, e onde os partidos políticos e
os actores da sociedade civil tentam obter o reconhecimento do carácter único da
sua província instituindo, por exemplo, políticas da língua que protegem o francês
da extinção no Canadá.
É evidente que o reconhecimento no sentido de uma política da diferença é
extremamente relevante para o multiculturalismo. Se os indivíduos ou os grupos
merecem ser reconhecidos pela sua identidade específica, e não apenas por aquilo
que partilham com todos os outros indivíduos ou grupos, então temos à nossa
disposição um princípio para orientar políticas tipicamente associadas ao multiculturalismo, como os «direitos de grupo diferenciados», as excepções à lei geralmente aplicável com base em justificações religiosas, os direitos limitados de auto-governação, e algum tipo de soberania tribal (Levy 2000; Kymlicka 1995). Logo,
não é excessivo sugerir que Charles Taylor é, de facto, um dos mais importantes
teóricos do multiculturalismo.
Os argumentos filosóficos que podem ser mobilizados para a defesa de políticas multiculturais são vários, e parcialmente antagónicos, desde o igualitarismo
liberal até ao pós-colonialismo (Song 2010; Kymlicka 1989; Ivison, Patton, e Sanders 2000; Ivison 2002). O próprio Taylor recorre a uma variante da crítica comunitarista do liberalismo para oferecer uma justificação sólida da política da diferença. Aqui, é crucial verificar que todo o debate entre comunitarismo e liberalismo
se centra na questão do modo como o mundo social se organiza no seu nível mais
fundamental. A crítica comunitarista rejeita a ontologia social sobre a qual se erige
a ética liberal. A ontologia social do liberalismo dá primazia ao indivíduo. Isto
significa que todas as acções e bens colectivos podem ser compreendidos como
propriedades de indivíduos. Taylor acredita que este «individualismo metodológico» ou «atomismo» é fundamentalmente erróneo porque concebe de forma
desadequada o carácter próprio das acções e bens colectivos. Alguns bens são «irredutivelmente sociais», no sentido em que a sua bondade não pode ser reduzida ao
bem-estar dos indivíduos (Taylor 1995). Se a identidade cultural e linguística estiver entre estes bens, segue-se que uma política de reconhecimento é normativa-
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mente justificada. A interpretação de Taylor do modo como o mundo social se
organiza fornece, assim, um suporte ontológico ao seu compromisso com políticas
multiculturais.
2.2 Respeito próprio
Axel Honneth fornece uma leitura do «reconhecimento» que contrasta
de forma clara com o projecto de Taylor (Honneth 1996, 1997). Curiosamente,
Honneth publicou o seu primeiro livro (em alemão) sobre esta questão no mesmo
ano em que foi publicado o texto de Taylor sobre “A Política do Reconhecimento”.
As suas principais fontes intelectuais incluem Hegel e os pragmatistas americanos,
como George Herbert Mead ou John Dewey, mas também Jean-Paul Sartre. Com
a ajuda destes autores tão diferentes, Honneth procura examinar o papel do reconhecimento nas lutas sociais. Para compreender estas lutas, precisamos de ir além
de uma análise puramente económica da desigualdade, ou de uma análise puramente política da opressão: antes, o que é necessário é uma análise moral dos
modos como certos tipos de reconhecimento incorrecto estruturam o nosso mundo
colectivamente organizado. A intuição subjacente é bastante simples: a autonomia,
num sentido kantiano forte, não pode ser exercida se o sujeito que age sofre de
uma falta de respeito próprio. O respeito próprio, e é este o cerne do argumento
de Honneth, só pode ser cultivado se os outros se empenharem no reconhecimento
do valor do sujeito: através do respeito, da estima e do amor. Assim, a premissa
hegeliana fundamental sobre a qual repousa esta concepção do reconhecimento
afirma que a autonomia e a auto-realização só são possíveis inter-subjectivamente,
através do contacto e da troca com os outros.
Esta interpretação do reconhecimento tem consequências para a nossa compreensão das lutas sociais. Segundo Honneth, estas lutas não dizem respeito apenas à rectificação de injustiças, como a exploração económica ou a exclusão política; mas também, e principalmente, contêm pretensões de reconhecimento do
valor próprio dos indivíduos. Dito de outro modo, as lutas sociais têm motivações
morais porque são essencialmente acerca da necessidade de ser valorizado pelos
outros. É por isso que o conceito de «reconhecimento» contém tanto um aspecto
psicológico introspectivo como um aspecto social dirigido para fora. Sem o reconhecimento enquanto processo psicológico, o sujeito não é capaz de usar recursos
positivos de auto-realização. Sem o reconhecimento enquanto processo social, o
colectivo não é capaz de incluir todos aqueles que o habitam.
Honneth distingue ainda entre três modalidades de reconhecimento: amor,
respeito e estima. O amor é uma relação que envolve o reconhecimento de que o
nosso próprio ser é carente e vulnerável. A capacidade de amar é, pois, um pré-requisito para o desenvolvimento de uma personalidade completa. Já o respeito
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é uma categoria de reconhecimento completamente diferente. Quando um sujeito
se esforça por obter respeito, isso significa que quer ser reconhecido como um
igual. É por esta razão que Honneth associa o respeito às lutas sociais contra a
discriminação no domínio legal e político. Sempre que um sujeito sente que não
é tido em conta pelas instituições como um portador de certos direitos, inevitavelmente o seu respeito próprio sofrerá. Por isso, Honneth defende que a luta pela
aplicabilidade universal de certos direitos é, essencialmente, uma luta pelo reconhecimento dos sujeitos enquanto membros iguais de uma comunidade ou, dito
de outro modo, pela visibilidade na esfera pública (Honneth e Margalit 2001).
O movimento dos direitos civis pode ser visto como um exemplo entre muitos de
uma luta social em torno dos termos equitativos da pertença a uma comunidade.
Finalmente, há um terceiro sentido de reconhecimento que pode ser sintetizado
na estima. A estima é diferente do respeito porque não visa estabelecer qualquer
tipo de igualdade. Se estimo alguém, atribuo a essa pessoa qualidades extraordinárias. A estima é, pois, uma questão de hierarquias: sem uma avaliação excepcionalmente positiva (e, portanto, desigual), eu não seria capaz de reconhecer a pessoa como digna da minha atenção.
Este último ponto torna clara a divergência entre Taylor e Honneth. Enquanto
Taylor vê a política do reconhecimento de identidades particulares em contraste
com a luta pela igual dignidade (da humanidade universal), Honneth concebe esta
última luta precisamente como parte integrante da mesma política do reconhecimento, não como uma sua forma distinta. As lutas sociais pela inclusão no domínio
legal e político não podem, segundo Honneth, ser concebidas fora do mesmo processo de reconhecimento. Honneth usa o quadro de referência desenvolvido nos
seus primeiros textos para construir uma abordagem sistemática das várias patologias associadas ao reconhecimento inadequado (Honneth 2008).
2.3 Questões em aberto
A literatura secundária em torno da política do reconhecimento tem crescido
enormemente desde a publicação das contribuições seminais de Taylor e Honneth.
E, como seria de esperar, os comentadores têm chamado a atenção para as potenciais limitações deste conceito. Por uma questão de brevidade, iremos seleccionar
apenas duas áreas em relação às quais a teoria política do reconhecimento tem sido
alvo de críticas.
A primeira área diz respeito às políticas multiculturais advogadas por Taylor
e muitos outros defensores de uma política do reconhecimento. Recordemos que
o fundamento normativo para o reconhecimento da natureza característica de uma
cultura particular reside na ontologia social do comunitarismo. As culturas fornecem bens sociais, como a língua, que os indivíduos isolados não são capazes de
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assegurar. É esta importância primordial que torna as culturas valiosas e que faz
com que o atomismo liberal esteja errado. As políticas multiculturais, que muitas
vezes implicam excepções em relação às leis geralmente aplicáveis, são, assim, justificadas por referência ao valor intrínseco das culturas.
No entanto, há quem tenha sublinhado os perigos de tais políticas multiculturais. A crítica mais vigorosa diz respeito ao fenómeno das minorias vulneráveis
dentro das minorias (Eisenberg e Spinner-Halev 2005). O multiculturalismo parte
do pressuposto segundo o qual a justiça exige uma abordagem imparcial para
remediar o desequilíbrio de poder entre culturas diferentes. Mas o que acontece
aos indivíduos que não se identificam com ua identidade culltural particular ou
que inclusivamente se tornam vítimas de violência dentro do grupo? A maior parte
das questões que têm animado a controvérsia em torno das políticas multiculturais
estão relacionadas com o género e o sexo. Os críticos têm sublinhado a tensão
potencialmente fatal entre o multiculturalismo e o feminismo (Okin 1998). O problema é bastante evidente: se os defensores do multiculturalismo visam justificar
direitos de grupo diferenciados, podem estar a minar desse modo o princípio da
igualdade de género, já que as mulheres e as minorias sexuais são oprimidas em
praticamente todas as culturas. Logo, a organização patriarcal de muitas culturas
faz com que sejam questionáveis as excepções em relação à lei geralmente aplicável (Shachar 2000, 2001; Phillips 2003).
Em resposta a esta objecção ao multiculturalismo, há quem tenha argumentado que as feministas constroem binómios normativos, como a oposição entre o
valor da cultura e o princípio da igualdade de género, que são indevidamente simplistas. É, pois, possível e desejável instigar um diálogo construtivo entre o multiculturalismo e o feminismo (Volpp 2001).
A segunda área na qual o conceito de reconhecimento tem sido profundamente posto em causa pode ser sintetizada por uma dicotomia ilustrativa: redistribuição ou reconhecimento (Fraser 1995, 2000; Fraser and Honneth 2003). Como
vimos, Honneth concebe as lutas sociais em termos de conflitos em torno do reconhecimento. Lutar pelo reconhecimento é, pois, reclamar justiça na esfera cultural.
Mas os marxistas, tanto os ortodoxos como os revisionistas, têm levantado a objecção segundo a qual colocar o enfoque na transformação cultural pode pôr em causa
a busca da justiça propriamente dita – isto é, da justiça económica. O mal maior
desta nossa época do capitalismo avançado, dizem estes críticos, ainda é a desigualdade material e não a desigualdade simbólica. A política do reconhecimento
comete o grave erro de simplesmente presumir que existem diferentes culturas
com identidades particulares. Mas se a justiça económica é o objectivo primordial
de qualquer projecto progressista, então a política baseada na cultura tem um
problema: «reifica» identidades e, deste modo, impede a busca de solidariedade
de classe emancipatória. Logo, o multiculturalismo é considerado como sendo
perigosamente des-politizante: parece procurar a justiça através de acordos na
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esfera cultural, mas de facto perpetua a injustiça ao recusar-se a combater a desigualdade material.
Em resposta a esta objecção, alguns defensores do multiculturalismo têm tentado enfraquecer o contraste entre redistribuição e reconhecimento. Estes defensores argumentam que é um erro propor que seja necessário escolher entre justiça
na esfera cultural ou igualdade económica. Uma concepção suficientemente ampla
de justiça tem de ser multidimensional e dar conta da opressão numa variedade de
arenas sociais que se intersectam (Yar 2001).
2.4. Sucesso teórico, crise prática?
Talvez possamos, antes de passar à questão do reconhecimento ao nível global,
especular um pouco sobre as suas direcções futuras enquanto categoria teórica e
princípio prático. Por um lado, não podemos negar que o «reconhecimento» tem
tido uma carreira com surpreendente sucesso enquanto tendência académica no
âmbito da Filosofia Política. Além disso, o conceito migrou rapidamente dos limites mais restritos da filosofia anglo-americana e europeia para uma diversidade de
sub-disciplinas em ciência política, sociologia e antropologia. Os estudantes de
política comparada e de relações internacionais, em especial, têm usado o vocabulário desenvolvido por Taylor e Honneth de maneira criativa e ampla (Presbey
2003; Schmidt, Barvosa-Carter e Torres 2000). Neste aspecto, a perspectiva é bastante positiva e há razões para esperarmos o aparecimento de mais compromissos
interdisciplinares com o conceito de reconhecimento.
No que respeita às muitas e variadas práticas de reconhecimento, o quadro a
traçar é menos claro. É na Europa de hoje que a crise do multiculturalismo é mais
fortemente sentida. Por todo o continente, partidos de direita candidatam-se
usando plataformas xenófobas e racistas para explorar a insatisfação de muitos
eleitores, canalizando-a contra os imigrantes.
Fenómenos como a controvérsia dos cartoons dinamarqueses (Klausen 2009)
ou o affaire du foulard (a questão do véu) em França (Benhabib 2010) incitam medos
de uma reacção contra o multiculturalismo. Será já chegada a hora de escrevermos
o obituário do reconhecimento? Talvez ainda seja muito cedo para um diagnóstico
tão fatalista, mas a vigilância é certamente justificada: a teoria, bem como a prática,
mostram que há problemas sérios para os quais ainda não descobrimos uma solução.
2.5. A diferença cultural numa perspectiva global
Os princípios subjacentes ao conceito de reconhecimento não são relevantes
apenas no contexto dos Estados-nação. Podem também ser invocados para problematizar uma perspectiva convencional de acordo com a qual o Estado é o lugar
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quase natural para colocar, contestar e lidar com pretensões de justiça. Esta secção
irá focar, selectivamente, três tópicos distintos mas interligados que transformaram
esta perspectiva convencional: secessão, migração e novos movimentos sociais.
Estes tópicos são, todos eles, animados por um interesse em novas formas de agência na «constelação pós-nacional» (Habermas 2001).
A secessão torna-se intuitivamente pertinente se pensarmos nas ramificações
que as pretensões ao reconhecimento podem ter. A ideia central da filosofia política do reconhecimento de Charles Taylor é a convicção de que os grupos culturais
têm direito a ser reconhecidos pelo Estado porque fornecem bens irredutivelmente sociais que os indivíduos sozinhos não são capazes de assegurar. Implícito
nesta pretensão está um direito não especificado à auto-determinação para todos
os grupos culturais. Se tomarmos o Estado-nação como o quadro de referência no
âmbito do qual esta pretensão é negociada, há vários arranjos institucionais que
parecem ser adequados para a realização do objectivo do reconhecimento: entre
estes estão os «direitos de grupo diferenciados», as excepções à lei geralmente
aplicável com base em justificações religiosas, os direitos limitados de auto-governação, e algum tipo de soberania tribal. Considerados de um ponto de vista estatista, a maior parte destes arranjos enquadra-se melhor numa organização federal
do que numa organização centralista do Estado (Føllesdal 2010; Young 1990, 2000;
Levy 2008).
No entanto, se levarmos a sério o princípio da auto-determinação das culturas,
se o levarmos aos seus limites, inevitavelmente deparamos com a questão da secessão: sob que circunstâncias terão as minorias justificação para lutar por um Estado
próprio, em vez de procurarem uma acomodação no âmbito de um Estado existente? Esta questão tem tido muitas respostas diferentes, desde a reclamação de
território injustamente usurpado até à tomada de decisão plebiscitária (Buchanan
1997, 2007; Patten 2002; Wellman 1995; Philpott 1995). A questão da secessão
assinala, pois, uma limitação considerável da lei internacional convencional, na
qual o Estado figura como o modelo da soberania.
Em segundo lugar, ainda que o objectivo final dos movimentos secessionistas
seja, sem dúvida, a criação de um novo Estado, há outras ramificações possíveis da
teoria do reconhecimento numa escala global. Se o processo de reconhecimento
de uns e de outros envolver um encontro vertical, dialógico, entre membros iguais
de uma comunidade, segue-se que podem e devem emergir novas formas de agência para além do Estado (Tully 2004). Os migrantes, por exemplo, incorporam
estas novas formas de agência por todo o mundo: enquanto estrangeiros, eles são
residentes permanentes de um país de cujo processo democrático muitas vezes
estão excluídos. Os filósofos políticos têm tentado lidar com este fenómeno perturbador desenvolvendo perspectivas alternativas acerca da relação entre cidadania democrática e soberania territorial (Bauböck 1994, 2003, 2005; Benhabib
2002, 2005, 2007). O ponto fundamental do seu argumento é que, na época da
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globalização, a cidadania democrática precisa de ser radicalmente revista – tanto
na teoria como na prática – de modo a dar conta normativamente do facto de que
o trans-nacionalismo migrante veio para ficar.
Finalmente, surge a questão das novas formas de agência no que respeita aos
movimentos sociais. Cada vez mais os conflitos em torno do reconhecimento envolvem actores que não podem ser associados a um único Estado-nação. (Fraser
2008). De facto, alguns destes actores pertencem àquela que já tem sido chamada
«sociedade civil global» (Amoore and Langley 2004; Bartelson 2006; Kaldor 2003;
Smith 1998). Estes movimentos sociais organizam-se muitas vezes em torno de
questões concretas com significado verdadeiramente global, como o VIH/SIDA,
os direitos humanos, ou as mudanças climáticas. Na sua luta pela justiça, estes
movimentos desafiam de forma profunda o modo como o poder é distribuído e
exercido hoje em dia nas relações internacionais, contribuindo deste modo para
uma reorganização cosmopolita da política global.
3. Teorias da democracia
Ainda que, historicamente, a democracia tenha má reputação, ao longo do
século xx ganhou uma aceitação praticamente unânime enquanto forma de
governo. Que governos duvidosamente democráticos – a República Democrática
Alemã, a “democracia orgânica” de Franco, a República Popular Democrática da
Coreia – se tenham referido a si mesmos como democracias, ou que democratizar
países se tenha convertido num objectivo aparentemente legítimo de política
externa, são factos que mostram a força retórica e ideológica da democracia na
actualidade.
Consequentemente – ainda que com algum atraso em comparação com as
teorias da justiça e mesmo do reconhecimento – durante as últimas décadas os
filósofos políticos começaram a interessar-se pela democracia e a elaborar teorias
da democracia cada vez mais detalhadas (Pateman 1970; Young 1990; Dahl 1991;
Habermas 1992; Behabib 1996; Christiano 1996; Nino 1997; Elster 1998; Waldron
1999; Estlund 2008). Várias razões adicionais explicam este interesse renovado.
Em primeiro lugar, as ondas de democratização na América do Sul, no sul da
Europa e nos países da antiga União Soviética. Em segundo lugar, as reformas
constitucionais e a implementação de instituições contra-maioritárias (bancos
centrais independentes, tribunais constitucionais) em países com longa tradição
democrática, como a Nova Zelândia ou a Grã-Bretanha. Em terceiro lugar, a crescente desconfiança em relação às instituições políticas nas democracias consolidadas, com a consequente diminuição da participação dos cidadãos. E, finalmente,
no âmbito filosófico, a percepção de que, uma vez que os desacordos acerca da
justiça distributiva e do reconhecimento são tão persistentes entre os filósofos e
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os cidadãos, é necessário complementar as teorias da justiça e do reconhecimento
com teorias da autoridade acerca da tomada de decisões face a esses desacordos.
As teorias da justiça distributiva e do reconhecimento são, principalmente,
teorias de primeira ordem. Ou seja, são teorias sobre como partilhar encargos e
benefícios, materiais e simbólicos, entre os membros de uma sociedade. As teorias
da democracia, por seu lado, são teorias da autoridade, isto é, teorias de segunda
ordem sobre como tomar decisões quando existem desacordos acerca dessa partilha. A necessidade deste tipo de teorias surge quando se verifica aquilo a que
Jeremy Waldron (1999) chamou «as circunstâncias da política»: (1) a necessidade
de escolher um curso de acção comum (2) sobre o qual não existe um acordo.
Pensemos, por exemplo, num condomínio onde é preciso decidir se um elevador
deve ou não ser instalado. Cada condómino tem uma ideia sobre se o elevador deve
ser instalado, bem como sobre quem e em que medida deve pagar a instalação (por
exemplo, o condómino do primeiro andar pensa que o vizinho do sexto deveria
pagar mais do que ele, já que beneficiará mais do elevador). Ou seja, cada condómino tem uma ideia acerca do que é justo nesta situação. As circunstâncias da
política dão-se, pois, quando os condóminos têm que decidir instalar ou não o
elevador e, ao mesmo tempo, estão em desacordo sobre o que fazer. Precisam,
então, de um procedimento para tomar uma decisão que seja vinculativa para
todos. Hoje em dia, a resposta natural é que o único procedimento legítimo é o
democrático. Mas ainda que assim seja, a democracia é um conceito essencialmente
contestado, que admite definições diferentes e, por vezes, incompatíveis (Gallie
1956). Nesta terceira secção serão analisadas as principais teorias filosóficas acerca
de quatro questões básicas da democracia. Primeiro, o que faz com que as decisões
democráticas sejam legítimas? Segundo, quais são os limites da tomada de decisão
democrática? Terceiro, que tipo de participação se exige por parte dos cidadãos?
E quarto, quais são os procedimentos de tomada de decisão numa democracia?
3.1. Legitimidade
O que faz com que os cidadãos obedeçam às leis? A primeira resposta, óbvia,
é que o Estado faz respeitar as leis mediante o uso do poder coercivo – uma vez
que tem o monopólio da violência legítima sobre o seu território, segundo a famosa
definição de Weber. Mas para além disto, independentemente de estarem ou não
de acordo com elas, os cidadãos tendem a perceber as leis democráticas como
legítimas ou, pelo menos, como mais legítimas do que as dos regimes não democráticos. Ou seja, os cidadãos não obedecem apenas por medo de serem castigados,
mas também porque percebem que as leis democráticas gozam de certa legitimidade. Isto permite resolver o chamado paradoxo de Wollheim (1962): como é possível que um cidadão X esteja de acordo com a lei A se ao mesmo tempo está
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convencido de que não-A? É possível porque X pode acreditar que não-A é a decisão correcta e acreditar ao mesmo tempo que A é a decisão legítima (uma vez que
foi tomada democraticamente). Uma das tarefas da Filosofia Política é explicar a
natureza da legitimidade democrática, destacando-se, quanto a esta questão, três
tipos de teorias: instrumentalistas (Hayek 1960; Arneson 1993; Van Parijs 1996;
Dworkin 2001), procedimentalistas (Waldron 1999; Bellamy 2007) e mistas (Rawls
2001, Christiano 2008).
Ao contrário das teorias procedimentalistas, que atribuem a legitimidade da
democracia à qualidade dos seus procedimentos (por exemplo, que incluam todos
os cidadãos, que todas as vozes tenham o mesmo peso, ou que se garanta o direito
de manifestação e associação a todos os cidadãos), as teorias instrumentalistas consideram que a democracia goza de legitimidade em virtude dos seus resultados.
Ou seja, em virtude da sua capacidade de produzir x, sendo x uma variável externa
e independente do processo democrático, como, por exemplo, a alternância pacífica (Przeworski 1999), o bem-estar social (Sen 1999) ou a satisfação dos direitos
fundamentais dos cidadãos (Arneson 1993). Segundo Arneson, por exemplo, os
direitos políticos são análogos aos direitos que os pais têm sobre os seus filhos, na
medida em que dão aos seus titulares poder sobre terceiros – na influente terminologia de Hohfeld (1919) são direitos-poder, pois permitem modificar a estrutura
de direitos de primeira ordem, como os direitos civis e económicos. Assim, tal como
o poder dos pais sobre os seus filhos se justifica quando o seu exercício beneficia
os segundos, os direitos políticos só seriam justificados desde que servissem para
promover os direitos fundamentais dos restantes cidadãos. A legitimidade da
democracia não seria, então, intrínseca, mas meramente instrumental. Por isso, as
teorias deste tipo são comummente denominadas «consequencialistas», «instrumentalistas» ou até mesmo «epistémicas» (por atribuírem à democracia a capacidade de produzir resultados correctos ou «verdadeiros»).
Foram apresentadas duas objecções fundamentais a estas teorias. Primeiro,
uma vez que a relação entre democracia e resultados depende das circunstâncias,
de um ponto de vista instrumentalista não deveria haver nenhum problema quanto
à suspensão dos direitos políticos naquelas circunstâncias em que, mantendo-se o
resto igual, tal possa conduzir a melhores resultados. Uma vez que esta é uma
implicação contra-intuitiva para a maior parte de nós – concluem os críticos – a
legitimidade da democracia deve ser, pelo menos em algum grau, intrínseca e não
puramente instrumental. Segundo, ainda que pudesse estabelecer-se uma relação
empiricamente sólida e necessária entre democracia e resultados (uma justificação
consequencialista das regras, por assim dizer), os políticos e os cidadãos desde logo
discordam acerca dos objectivos que a democracia, supostamente, deve alcançar.
Tais discrepâncias não são transitórias, antes fazem parte da própria essência da
política. Logo, a democracia não pode ser justificada com base em objectivos políticos independentes porque existem desacordos persistentes acerca de quais
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devem ser os objectivos a perseguir. A democracia é, precisamente, o sistema que
usamos para tomar decisões sob as circunstâncias do desacordo (Waldron 1999;
Bellamy 2007).
Ao contrário das teorias instrumentalistas, as teorias procedimentalistas atribuem legitimidade à democracia não pelos seus resultados mas pela qualidade dos
seus procedimentos. Consideram, portanto, que a legitimidade da democracia
repousa no facto de os cidadãos gozarem de um conjunto de direitos políticos que
os habilitam a participar na tomada de decisões em pé de igualdade. E isto com
independência em relação aos resultados que o exercício desses direitos produza.
Ainda que seja difícil encontrar teorias puramente procedimentais por princípio,
são numerosas as teorias procedimentais elaboradas a partir do reconhecimento
dos desacordos políticos. Poderia dizer-se que as justificações deste tipo são pragmáticas ou second-best – uma vez que consistiriam em dizer que o ideal seria alcançar o consenso em torno de um conjunto de princípios a perseguir e sobre os meios
para o fazer, mas como isto não é possível é necessário um procedimento para gerir
o desacordo. No entanto, nem Bellamy nem Waldron aceitam a distinção entre
justificações por princípio e justificações second-best, porque consideram que a existência de desacordos é uma condição intrínseca da política que qualquer teoria da
legitimidade deve ter em conta. Negar os desacordos políticos implica negar a
própria essência da política.
3.2. Constitucionalismo
Ainda que haja muitas maneiras de concebê-lo (cf. Nino 1997), o constitucionalismo caracteriza-se pela limitação do poder político do soberano. Historicamente, o constitucionalismo surgiu para limitar o poder do monarca absoluto,
ainda que nos sistemas democráticos seja o poder do parlamento aquilo que é
limitado. Há dois tipos de limitações constitucionais (substantivas e procedimentais) e dois tipos de mecanismos principais para pô-las em marcha (a rigidez constitucional e a justiça constitucional).
Os limites substantivos do constitucionalismo costumam identificar-se com os
direitos – individuais mas também colectivos, como muitos reconhecem hoje em
dia – tais como os que estão contidos em cartas de direitos desde a Bill of Rights da
Revolução Gloriosa britânica até à Declaração Universal de Direitos Humanos das
Nações Unidas, passando por múltiplas formulações incluídas na chamada parte
dogmática das constituições estatais. Trata-se, então, de limites substantivos e a
sua justificação num sistema democrático consiste em evitar a chamada «tirania da
maioria» (Tocqueville 1835; Mill 1859), ou seja, que uma maioria de cidadãos,
directamente ou através dos seus representantes, use o poder político para sacrificar os interesses de uma minoria. Os defensores do valor instrumental da demo-
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cracia de que falámos na subsecção anterior tendem a ver estes limites como uma
maneira de evitar que as decisões democráticas produzam resultados injustos
(Arneson 1993; Dworkin 2001). Mas os limites substantivos também têm sido justificados procedimentalmente, por se tratar de compromissos alcançados pelos
cidadãos em momentos de «política extraordinária», como os que ocorrem nos
processos de criação ou reforma constitucional e nos quais, ao contrário do que
acontece nos momentos de «política ordinária», a participação dos cidadãos é elevada e, por isso, as garantias democráticas dos acordos alcançados são comparativamente maiores (Ackerman 1991).
Os limites constitucionais podem ainda ser procedimentais e dirigidos a evitar
que uma maioria use o poder político para modificar a própria estrutura da tomada
de decisões num sentido antidemocrático. Goebbels comentou em certa ocasião
que «será sempre uma das coisas mais engraçadas da democracia que ela dê aos
seus inimigos mortais os meios de destruí-la» (cit. Kirshner 2010: 405). Ainda que
seja muito discutível que Hitler tenha chegado ao poder de forma democrática,
uma das preocupações clássicas em relação à República de Weimar é o facto de a
sua Constituição não proteger suficientemente o sistema democrático dos possíveis abusos antidemocráticos (como aquele que o Presidente Hindenburg cometeu
em 1933 em relação ao artigo 48, cancelando a liberdade de imprensa e reunião e
proibindo o Partido Comunista de participar nas eleições de Março, que Hitler
viria a ganhar com um apoio de 44%). Os limites procedimentais contidos na chamada parte orgânica da constituição – que define a divisão de poderes e os procedimentos de tomada de decisões – servem, então, de garantia face à dita ameaça e
têm sido justificados tanto a partir de posições instrumentalistas (Dworkin 2001)
como procedimentalistas (Ely 1980).
São dois os mecanismos normalmente usados para garantir institucionalmente
que os limites constitucionais – sejam substantivos ou procedimentais – são respeitados. Por um lado, a rigidez constitucional, ou seja, a incorporação de um procedimento de reforma constitucional mais exigente do que o procedimento legislativo normal (por exemplo, a exigência de super maiorias parlamentares ou de
aprovação em referendo). Por outro lado, o controlo judicial de constitucionalidade, ou seja, a competência atribuída ao poder judicial para rever e anular as leis
que sejam consideradas incompatíveis com a Constituição. Embora as formas de
revisão constitucional sejam numerosas, o modelo que tem sido mais debatido em
Filosofia Política é o modelo norte-americano de supremacia judicial (amplamente
exportado para outros países), no qual o Supremo Tribunal tem a última palavra
sobre a constitucionalidade das leis.
O constitucionalismo judicial – e, mais concretamente, a revisão judicial das
leis – tem sido atacado pelos procedimentalistas por duas razões principais (Waldron 1999; Bellamy 2007). Primeiro, por ser questionável que um grupo reduzido
de juízes constitucionais – que, tal como os parlamentares, toma decisões usando
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a regra da maioria – possa proteger melhor os direitos dos cidadãos do que os
próprios cidadãos ou os seus representantes. E segundo, pelo défice democrático
implícito no deslocamento das decisões acerca dos direitos dos cidadãos das mãos
dos seus legítimos titulares para as mãos de uma maioria não eleita de juízes que,
contrariamente aos representantes parlamentares, não tem que prestar contas aos
cidadãos. Segundo Waldron, existe, de facto, uma contradição entre, por um lado,
afirmar que os cidadãos têm direitos (reconhecendo a sua autonomia) e retirar-lhes, por outro, a capacidade para decidir quais são esses direitos, como devem
ser hierarquizados em casos de conflito, etc. (negando a sua autonomia).
Segundo Waldron e Bellamy a alternativa ao constitucionalismo judicial – tanto
procedimental como substantivo – é o chamado modelo de Westminster (em referência à sede do parlamento britânico) de acordo com o qual o parlamento retém
todo o poder político. No entanto, há que assinalar que tanto o Reino Unido como
a Nova Zelândia reformaram recentemente o seu sistema político, criando cartas
de direitos e tribunais constitucionais e distanciando-se, assim, do modelo de Westminster de que, historicamente, foram os principais representantes.
3.3. Participação e representação
No seu sentido etimológico, democracia significa o poder (kratos) do povo
(demos). Exige, pois, a participação do povo na tomada de decisões políticas. Ora,
a participação dos cidadãos tem sido definida de maneiras muito distintas. Esta
secção analisa as contribuições da tradição republicana e da tradição liberal.
Em primeiro lugar, a participação política pode conceber-se apenas como um
direito ou também como um dever e, neste segundo caso, ser vista como um dever
político (sendo que em muitos países o voto é obrigatório ou a filiação sindical é
exigida para haver acesso a provisões de bem-estar) ou unicamente moral (sendo
que muitos governos simplesmente destinam recursos públicos à promoção da
participação). A tradição republicana colocou a ênfase na necessidade da participação até ao ponto de «idiota» (idiotes) ser o qualificativo que recebiam os cidadãos
atenienses que não cumpriam as suas obrigações cívicas. Na tradição liberal, pelo
contrário, argumentou-se que a consideração da participação como um dever viola
a neutralidade estatal, uma vez que impõe aos cidadãos uma concepção particular
do bem. É verdade – argumentam os liberais – que alguns cidadãos podem realizar-se militando politicamente, mas, como defendeu, de forma célebre, Benjamin
Constant (1819), nas sociedades modernas muitos deles encontram satisfação em
âmbitos privados que nada têm a ver com a política (o trabalho, a família) e não
cabe ao Estado impor uma ou outra forma de vida. Esta crítica pode ser válida no
caso de concepções republicanas de tipo comunitarista ou neoaristotélico – o que
hoje é conhecido como «humanismo cívico» – e que, de facto, consideram a polis
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como «a esfera onde a liberdade se materializa em realidade» (Arendt 1968).
No entanto, há uma variante do republicanismo – o republicanismo cívico – que
definiu a participação política como um dever não porque tenha valor intrínseco
mas porque, na ausência de cidadãos informados e atentos, com capacidade para
influenciar e contestar as decisões políticas, é muito provável que quem dispõe de
maiores recursos políticos, económicos, mediáticos, etc., acabe por controlar o
processo político, impondo os seus interesses às vidas privadas dos cidadãos (Pettit 1997; Skinner 1999; Spitz 1995). Nas palavras de Rawls (2002:141), que considerava que a sua teoria da justiça como equidade era consistente com o republicanismo cívico, «a não ser que haja uma participação generalizada na política
democrática por parte de um corpo vigoroso e informado de cidadãos (…) até as
instituições políticas mais bem desenhadas acabarão por cair nas mãos dos que têm
fome de poder e de glória militar, ou dos que perseguem interesses económicos
estreitos e de classe (…). Se quisermos permanecer cidadãos livres e iguais não
podemos permitir-nos uma retirada geral na vida privada.»
Em segundo lugar, a participação política pode ser directa ou indirecta.
As democracias modernas fazem uso de ambos os tipos. Mantêm, desde logo,
mecanismos de participação directa, como o referendo ou a iniciativa legislativa
popular, mas fazem um uso extenso da representação, tipicamente através do voto
em eleições regulares, competitivas e abertas à participação de diferentes candidaturas (Manin 1997; Urbinati 2006). Ora, a representação política pode ser definida de duas maneiras distintas. Pensemos numa pessoa que recebe um prémio
em nosso lugar e num advogado em quem delegamos a gestão dos nossos assuntos
legais (Manin 1997). Ambos são nossos representantes e, no entanto, o modo como
nos representam é muito diferente. Na terminologia clássica (por exemplo, Pitkin
1967), no primeiro caso o representante actua como um mero delegado (delegate),
uma vez que não existe uma transferência de poder para tomar decisões – o representante simplesmente executa a tarefa tal como foi especificada ex ante – nem uma
relação informativamente assimétrica entre o representante e o seu representado.
No segundo caso, por seu lado, o representante actua como um fideicomisso (trustee), já que ambos os fenómenos se verificam. Assim, neste segundo caso, os cidadãos delegam a tomada de decisões políticas nas mãos de políticos profissionais,
de modo que os representantes dispõem de poder discricionário na tomada de
decisões e, por outro lado, o controlo dos representantes por parte dos cidadãos
limita-se ao voto em eleições periódicas. Nas palavras de Joseph Schumpeter, «os
eleitores não fiscalizam normalmente os seus líderes políticos de nenhuma maneira
a não ser recusando reelegê-los» (1942: 347).
Têm sido apresentadas três razões principais para justificar a representação.
Em primeiro lugar, a grande extensão dos Estados modernos, que tornam inviável
que o conjunto dos cidadãos se reúna numa única assembleia, como acontecia
na ekklesia ateniense. Em segundo lugar, a complexidade da administração dos
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Estados modernos, que requerem um elevado grau de especialização e divisão do
trabalho político. E em terceiro lugar, a tendência, nas sociedades capitalistas, para
uma maior atenção dos cidadãos aos seus assuntos privados em detrimento dos
públicos.
Mas cada uma destas três razões tem sido criticada por aqueles que defendem
uma posição republicana. Em primeiro lugar, argumentou-se que a descentralização do poder (não apenas da administração central para as administrações locais,
mas também para as associações cívicas, as escolas, ou os locais de trabalho) torna
possível uma maior participação dos cidadãos (por exemplo, Pateman 1970). Em
segundo lugar, observou-se que a premissa da complexidade suscita um dilema.
Por um lado, se os cidadãos carecem do conhecimento necessário para decidir
acerca de questões complexas, também carecerão do conhecimento necessário
para decidir se as decisões dos seus representantes sobre essas questões favorecem
os seus interesses ou não, pelo que não poderão controlá-los adequadamente. Por
outro lado, se os cidadãos dispõem do conhecimento necessário para controlar
adequadamente os seus representantes, então não há razão para que não participem directamente nas decisões (Christiano 1996:137). Em terceiro lugar, apesar
de a apatia política ter muitas vezes raízes estruturais – a percepção por parte dos
cidadãos de que a classe política é corrupta ou de que os interesses dos grupos de
pressão são mais influentes do que a vontade popular –, têm sido debatidas várias
propostas, no âmbito da tradição republicana, para reduzir a distância entre representantes e representados, aumentar a representatividade e reduzir deste modo a
apatia dos cidadãos. Entre outros, e sem entrar numa análise da sua idoneidade e/
ou aplicabilidade: mandatos breves, não reelegibilidade, uso de mandatos imperativos, uso de quotas de participação, criação de programas de educação cívica ou,
mais recentemente, acessibilidade aos meios de comunicação, promoção do uso
das TIC e luta contra a fractura digital.
3.4. Deliberação, negociação e voto
Os sistemas democráticos combinam o uso de três procedimentos de tomada
de decisões: o voto, a negociação e a deliberação. Historicamente – embora hoje
em desuso – o sorteio também foi considerado como um método característico da
democracia, ao ponto de Montesquieu ter afirmado que «a eleição por sorteio é
própria da democracia [enquanto] a designação por eleição corresponde à aristocracia» (1784: livro II, cap.2).
Pace Montesquieu, hoje em dia a votação passou a ser considerada como o
procedimento democrático por excelência, podendo ser levada a cabo de diversas
maneiras. Por um lado, a votação pode ser pública ou secreta. Uma vez que o voto
público pode fazer com que alguns cidadãos se sintam coagidos por outros, o voto
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realiza-se em geral de maneira secreta. Por outro lado, uma vez depositados, o
modo como os votos se agregam dependerá do sistema eleitoral e da regra de
maioria que forem utilizados, de maneira que uma mesma distribuição de votos
poderá produzir resultados muito diferentes. Esta é uma questão de engenharia
eleitoral complexa, já que existem sistemas eleitorais muito diferentes, mas vale a
pena distinguir entre sistemas proporcionais e sistemas maioritários. Os sistemas
parlamentares proporcionais tentam respeitar o mais possível o princípio «uma
pessoa, um voto» e costumam ter como resultado a existência de numerosos partidos com representação parlamentar, sendo que a crítica mais corrente a estes
sistemas é que, por fomentarem governos de coligação, são pouco estáveis.
Os sistemas maioritários, por seu lado, estão desenhados para concentrar o poder
em poucos partidos, de modo a que um único partido possa governar, muitas vezes
sem necessidade de formar coligações e aumentando a estabilidade política. Um
exemplo claro é o chamado first past the post britânico, no qual o candidato que
consiga uma maioria simples num distrito eleitoral ganha o mandato, deixando os
restantes partidos sem representação. Assim, em 1974 os Trabalhistas obtiveram
319 (de um total de 625) mandatos com apenas 39,9% dos votos, enquanto os
Liberais conseguiram apenas 13 mandatos com 18,6% dos votos.
Rousseau (1762) defendeu, de forma célebre, que os cidadãos deveriam votar
sem comunicar com ninguém para não serem persuadidos por demagogos. Mas
nos sistemas democráticos as votações são inevitavelmente precedidas e seguidas
de processos de comunicação que podem ser deliberativos ou de negociação. Ainda
que ambos os tipos estejam em geral presentes e muitas vezes seja difícil distingui-los na prática, a diferença entre a negociação e a deliberação é que na primeira as
preferências das partes são consideradas como estabelecidas e o resultado alcançado depende do poder das partes, ou seja, da capacidade para formular ameaças
e promessas credíveis a fim de promover os interesses próprios da maneira mais
vantajosa possível. No caso da deliberação, por seu lado, as preferências não são
consideradas como estabelecidas precisamente porque as partes fornecem razões
– em vez de ameaças – para suportar as suas propostas com o objectivo de modificar as preferências das outras partes.
Para ilustrar a diferença, voltemos ao exemplo do condomínio. No caso da
negociação, dá-se por estabelecido que cada vizinho tem a sua preferência e não
se discute se esta é legítima ou não. Assim, no momento da negociação do contributo económico de cada condómino, o condómino do sexto andar, que (suponhamos) se desloca numa cadeira de rodas, não poderá ameaçar credivelmente que se
retirará da mesa das negociações caso não se tome a decisão de instalar um elevador, enquanto o vizinho do primeiro andar, que está em plena forma física, poderá
fazê-lo. No caso da deliberação, pelo contrário, o condómino do sexto andar reclamará que é uma questão de justiça a instalação do elevador, por exemplo, porque
de outro modo não poderá sair e entrar na sua casa. Ao formular a sua exigência
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nestes termos não está a tentar negociar (pelo menos não explicitamente) mas sim
a tentar convencer os restantes condóminos de que a sua exigência é justa, obrigando-os a justificar as suas posições em termos de imparcialidade.
Nas últimas décadas, as análises dos benefícios, prejuízos e possíveis aplicações
da deliberação como procedimento democrático chegaram a dominar o debate
filosófico acerca da democracia, de maneira que hoje podemos distinguir três gerações de reflexão acerca desta questão (Elstub 2010). A primeira (Elster 1985;
Habermas 1992) tratou de questões normativas básicas acerca da desejabilidade e
viabilidade da democracia deliberativa. A segunda (Gutmann e Thompson 1996)
introduziu as possíveis aplicações institucionais da deliberação. A terceira está a
incorporar pressupostos excluídos (a assimetria de poder, o interesse próprio das
partes) pelas primeiras gerações (Mansbridge et al. 2010) e a levar as aplicações
institucionais ao extremo, como, por exemplo, a criação e implementação em numerosos países das auscultações deliberativas idealizadas por James Fishkin (2009).
Este desenvolvimento não se realizou sem críticas. Vejamos, como exemplo,
dois dos problemas frequentemente discutidos. Primeiro, aparentemente a deliberação está continuamente presente nos sistemas democráticos (a isegoría, o
direito de falar numa assembleia, era usada como sinónimo de demokratía em Atenas). É, pois, habitual que os políticos e os cidadãos apelem ao interesse geral e a
princípios imparciais na justificação das suas propostas. Afinal, ninguém gosta de
se apresentar perante os outros como sendo motivado unicamente por interesses
próprios. Mas isto não significa que as razões supostamente imparciais a que apelam não escondam motivos auto-interessados hipocritamente disfarçados – ou seja,
que façam «usos estratégicos da argumentação» (Elster 1995: 238). É, pois, provável, que também no caso da deliberação a hipocrisia seja o tributo que o vício presta
à virtude.
Elster apresentou duas réplicas a esta acusação. Primeiro, ainda que seja um
facto que muitas pessoas se comportam deste modo, a hipocrisia é, por definição,
parasitária da sinceridade. Como mostrou Kant, o mentiroso só pode sê-lo de forma
eficaz numa sociedade na qual pelo menos uma parte das pessoas não mente habitualmente. Senão, ninguém acreditaria nele e seria inútil mentir. Segundo, ainda
que a maioria dos agentes se comportem de forma hipócrita, a obrigação de disfarçar os seus interesses sob razões obriga-os a manter a sua posição em ocasiões
posteriores ainda que seja apenas por uma questão de coerência. Por exemplo, se
X defende A (por exemplo, fazer greve contra uma redução salarial) em T1 como
uma proposta que beneficia outras pessoas (ainda que, na realidade, X só tenha
interesse em A porque o beneficia a ele), ver-se-á obrigado a defender A em T2
ainda que já não o beneficie. Se não o fizesse, ficaria claro que a sua motivação em
T1 era auto-interessada e ele não seria capaz de apelar a razões aparentemente
imparciais de forma eficaz no futuro. Isto mostra, segundo Elster, que a hipocrisia
pode ter, apesar de tudo, uma força civilizadora.
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O segundo problema é que as desigualdades materiais que existem nas nossas
democracias podem distorcer a deliberação e produzir efeitos contrários aos desejados. É possível que, sob «condições ideais de diálogo» todas as partes possam
participar em pé de igualdade e apenas conte a «força do melhor argumento»
(Habermas 1983), mas no mundo real é muito provável que quem dispõe de melhor
educação e mais tempo livre, ou quem tem mais recursos económicos ou mediáticos, use a deliberação para aumentar o seu poder, promover os seus interesses e
excluir quem está numa posição de desvantagem (vejam-se os artigos de Stokes,
Przeworski y Johnson reeditados in Elster 1998).
Respondeu-se que, para evitar estas patologias, é necessário que se verifique
um conjunto de condições prévias (uma certa igualdade económica, educação de
qualidade, pluralismo mediático, etc.) Como observou J. S. Mill, sem salários
decentes e alfabetização universal não é possível o governo da opinião pública. Mas
esta solução conduz ao chamado paradoxo das condições prévias (Nino 1997). Por
um lado, a democracia deliberativa só pode funcionar adequadamente se certas
condições prévias se verificarem. Mas quanto mais exigentes forem estas condições, maior será o número de questões que ficam fora do âmbito da deliberação.
Assim, paradoxalmente, a democracia deliberativa funcionaria de maneira plenamente adequada apenas quando não houvesse mais nada sobre que deliberar.
3.5. A democracia global e os seus críticos
Antes de terminar, gostaríamos de assinalar o interesse recente da Filosofia
Política pela democracia global. O alcance da democracia e a possibilidade de
alargá-la a instituições não propriamente estatais – como a família ou a empresa
– tem sido uma questão tradicionalmente debatida pela Filosofia Política. Mas, nos
últimos anos, o debate centrou-se nas instituições internacionais. Embora a chamada globalização não seja algo de novo, os fenómenos supra-estatais, como os
fluxos migratórios, as mudanças climáticas, o crescente poder das multinacionais
ou a crise do modelo westfaliano de não ingerência na soberania estatal, tornaram
evidente a crescente debilidade dos Estados para actuar de forma autónoma. Para
enfrentar estes problemas de maneira coordenada, há quem tenha reclamado a
necessidade de criar instituições democráticas de alcance global ou, pelo menos,
de fortalecer e democratizar as que já existem (Held 1995; Archibugi 2008).
De acordo com os defensores da democracia global, o aparecimento de movimentos sociais e instituições globais – como o Fórum Social Mundial ou o Tribunal
Penal Internacional – seria testemunho da crescente preocupação com os problemas globais e de uma certa tendência para internacionalizar as instituições de
forma a enfrentá-los. A democracia global ou cosmopolita distingue-se tanto da
extensão da democracia no interior dos Estados como da existência de acordos
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multilaterais entre Estados. Consistiria, pelo contrário, num conjunto de instituições com força vinculativa, em cujas decisões todos os interessados participariam
democraticamente – seja individualmente, seja através dos seus Estados. A democracia global viria adicionar mais um nível à democracia local, estatal e regional,
cujas competências seriam atribuídas em função do alcance das suas decisões
(Archibugi 2004). Assim, enquanto competências como a política urbanística, a
educação, ou a saúde pública poderiam ser geridas de forma local ou estatal, fenómenos como aqueles mencionados acima exigiriam uma resposta coordenada a
nível global, na qual todos os afectados estejam representados democraticamente.
De acordo com os defensores da democracia global, se o provérbio medieval que
diz «o que a todos afecta, a todos respeita» serve para justificar a democracia dentro do Estado, também deveria servir para o mesmo fora do Estado, quando aqueles que são afectados por certas decisões são transnacionais.
Têm sido apresentados três tipos de críticas principais à democracia global:
críticas realistas, comunitaristas e marxistas. Os que defendem posições realistas
ou neo-hobbesianas (Zolo 1997; Chandler 2003) argumentam que, ao contrário
do funcionamento interno dos Estados, as relações internacionais são um estado
de natureza no qual as únicas motivações são a força e o interesse. Por isso, a democracia global não apenas seria utópica mas, mais ainda, o universalismo kantiano
que muitas vezes a justifica serviria de instrumento para que os países poderosos
interferissem na soberania dos países mais fracos e impusessem os seus interesses.
Por sua vez, os comunitaristas (Kymlicka 1999) criticam a incapacidade da
democracia global em reconhecer a importância que têm os laços identitários na
adesão dos cidadãos às instituições políticas. Kymlicka não nega que existam afectados globais e necessidade de lhes dar voz. Mas, dada a enorme diversidade cultural e linguística, bem como o fraco sentimento de cidadania global, considera
que é preferível que os afectados participem através das instituições políticas existentes, em vez de serem criadas instituições novas com as quais os cidadãos dificilmente se identificariam.
Finalmente, os marxistas (Görg e Hirsch 1998) argumentam que, uma vez que
a democracia global é uma proposta institucional, ela centra-se excessivamente na
super-estrutura internacional e negligencia a estrutura económica dos mercados
financeiros e das empresas multinacionais. Vale a pena mencionar, a título de
exemplo, que em 1996 51 das 100 maiores economias globais eram já empresas
privadas e apenas 49 eram Estados, de modo que a Wal-Mart era maior do que
Israel ou a Polónia, a Mitsubishi maior do que a Indonésia, ou a General Motors
maior do que a Dinamarca. A democracia global seria impossível, portanto, a
menos que fosse acompanhada de uma mudança na base económica.
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