ARTE PARA UMA
CIDADE SENSÍVEL
ART FOR A
SENSITIVE CITY
BRÍGIDA CAMPBELL
ARTE PARA UMA
CIDADE SENSÍVEL
ART FOR A SENSITIVE CITY
BRÍGIDA CAMPBELL
> Invisíveis Produções é um centro de criação, ação e reflexão que trabalha na intersecção entre arte e política. A
Invisíveis Produções opera de forma autônoma, transversal e horizontal. Autônoma na maneira de movimentar-se,
criando diferentes diagramas e vínculos institucionais sustentando sua independência de pensamento. Transversal na
maneira de coletar e reunir uma reserva crítica de vozes dissonantes. Horizontal na forma de produzir e compartilhar
livremente o conhecimento em livros, filmes e projetos culturais.
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> Invisíveis Produções is a center for creation, action and reflection that works at the intersection between art and
politics. Invisíveis Produções operates autonomously, transversally and horizontally. It is autonomous in the way it
moves, creating different diagrams and institutional ties keeping their independence of thought. Transversal in the
way it collects and assembles a critical reserve of dissonant voices. Horizontal in the form it produce and freely share
knowledge in books, films and cultural projects.
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Atribuição-Uso não-comercial 3.0 Brasil
. eai e o
o s.o g/li e ses/ - - d/3.0/ /
Este li o pode se uilizado, opiado, dist i uído, e i ido ou ep oduzido e
ual ue eio ou fo a, seja e i o ou elet i o, i lui do
foto pia, desde ue o te ha o jei o o e ial e seja
itados os
auto es e a fo te.
© Todos os di eitos ese ados aos auto es das i age s.
Para Bruno.
o artista não mais como
um criador para a contemplação,
mas sim um motivador
para a criação.
Hélio Oiticica
the artist not as a creator for
contemplation, but a
motivator for creation.
Hélio Oiticica
APRESENTAÇÃO
08
INTRODUCTION
12
OCUPAR, AFETAR E
16
COCRIAR UM ESPAÇO
URBANO SENSÍVEL
OCCUPY, AFFECT AND
32
CO-CREATE AN URBAN
SENSITIVE SPACE
TERRITÓRIOS ENTRE
49
TEMPO E TEMPORALIDADE
PÚBLICO E PRIVADO
NA CIDADE
TERRITORIES BETWEEN
TIME AND TEMPORALITY
PUBLIC AND PRIVATE
IN THE CITY
95
DIÁLOGO: VERA PALLAMIN
54
DIÁLOGO: CÁSSIO HISSA
100
DIALOGUE: VERA PALLAMIN
60
DIALOGUE: CÁSSIO HISSA
116
PERNOITE
66
PERCA TEMPO
132
LOTES VAGOS
70
QG DO GIA
136
ADOTE UM JARDIM
140
LEILÃO DE ARTE
PIOLHO NABABO 1,99
74
ALAGAMENTO
14 4
VECANA
78
O LEVANTE
148
CAMPANHA NÃO ELEITORAL 82
MÚSICA PARA SAIR DA BOLHA
152
COZINHAS TEMPORÁRIAS
86
SERVIÇOS GERAIS
90
PALAVRA E IMAGEM NA CIDADE
157
WORD AND IMAGE IN THE CITY
P ERFO RMATI VI DAD E
224
ARTE E ATIVISMO
257
ART AND ACTIVISM
URBAN A E VI OLÊ NCIA
ESPAC I AL
URBAN PERFORMATIVITY
AND SPATIAL VIOLENCE
DIÁLOGO: MARISA FLÓRIDO
162
DIÁLO GO : REN ATA M A R QUEZ 228
DIÁLOGO: MARIA MELENDI
266
DIALOGUE: MARISA FLÓRIDO
174
DIALOGUE: RENATA MARQUEZ 234
DIALOGUE: MARIA MELENDI
272
278
PIRATÃO
186
GRUPO EM PREZA
240
CIDADÃO COMUM
4 GRAUS
190
R OSA P ÚRPURA
24 4
ÔNIBUS INCENDIADO/
SUAVECICLO
194
GUERR A É G UERRA
248
BALA PERDIDA
282
A VERDADE DAS COISAS
198
N OT ÍCIAS D E AM ÉRI CA
252
PROJETAÇÃO
286
INTERVENÇÕES - TRANSVERSO
202
ÔNIBUS TARIFA ZERO
290
PAREDES PINTURAS
206
BANDEIRAS
294
CRAS DO MICÉLIO
210
PROJETO CICLOCOR
214
EU AMO CAMELÔ
218
GLOSSÁRIO
299
THESAURUS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERENCES
310
APR E S E N TAÇ ÃO
10
11
Desde o início dos meus estudos em arte, eu já sentia que queria fazer algo além
de expor meus trabalhos em galerias. Não me parecia estimulante repetir mais
uma vez essa fórmula. Logo no começo do curso, houve encontros com outros
amigos igualmente inquietos que tinham, como eu, vontade de expandir o seu
fazer para outros espaços. O trabalho coletivo apresentou-se logo como uma
possibilidade rica de produção de arte, que abria canais múltiplos e interessantes. No lugar da pseudoneutralidade das galerias, partimos para algo oposto:
suja, barulhenta, confusa, cansativa, a rua nos parecia mais estimulante.
Formamos um coletivo, inicialmente “GRUPO” e depois “Poro”. Pensávamos os
trabalhos como pequenas frestas para o respiro cotidiano. Na medida em que
esse coletivo ganhava força, nos envolvemos com outros artistas e coletivos
que estavam interessados nas mesmas coisas. Essas redes formadas no início
dos anos 2000 se configuravam como espaços ricos de trocas entre realizadores de diversas áreas do trabalho criativo. A internet estava se popularizando no
Brasil, o que facilitava muito a comunicação e os intercâmbios, e todos estavam
interessados em conhecer as experiências dos outros, em diferentes regiões do
país. Nesse percurso, a arte também ia ganhando outros sentidos, alargando-se e ocupando o espaço público. A cidade foi, desde o começo, o espaço onde
as ações e os desejos de criação ganhavam força e forma – ela parecia ampliar
o potencial político e rebelde da arte, fortalecendo o aspecto de liberdade da
produção. O trabalho artístico era naturalmente inspirado por novos e diferentes impulsos estéticos e éticos.
Nesse trabalho articulado entre coletivos, grupos e espaços independentes, foi
possível perceber a construção de uma rede e de um circuito que acontecia de
forma paralela – ou de alguma maneira autônoma – ao circuito oficial da arte.
Esse movimento era também estimulante, pois apontava para uma reinvindicação comum: a ocupação do espaço público, a retomada e o uso livre desse espaço para a arte. A produção artística deveria estar em toda parte e não apenas
nos espaços pré-definidos. E a cidade, como espaço polifônico, sempre esteve
a completar as obras como páginas escritas cheias de interferências e abertas
a todo tipo de invenção.
Esta publicação nasce do desejo de reunir um pouco da produção que começou
no início dos anos 2000 e vem se transformando e ganhando força nos últimos
anos, a partir das transformações urbanas pelas quais as cidades brasileiras
têm passado. Como a cidade é polifônica, para fazer este livro, meu primeiro exercício foi escutar diversos agentes envolvidos na produção de arte na cidade contemporânea – artistas, produtores, pesquisadores, professores, designers – para
compreender os interesses e as dinâmicas próprias desse tipo de trabalho.
Esta é, portanto, uma obra polifônica, em que as diferentes vozes ouvidas reproduzem um pouco do pensamento existente em torno dessa forma de criação. Se a cidade é o espaço de encontro, mas também de conflito, muitas vezes
suas vozes podem ser dissonantes. O tema da cidade e da arte tem múltiplas
entradas, sendo difícil ver uma linha única. São leituras diversas, que se multiplicam, como um grande coro formado por diferentes vozes que falam ao mesmo tempo, diversas entradas, linhas de força, pessoas trabalhando. Tudo isso
somado conduz a uma forte energia criativa, que produz a diversidade de coisas
que constitui a cidade.
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Este livro traz uma pequena amostra de obras de arte que tomam o espaço público brasileiro como espaço de produção. Ele não pretende abranger a totalidade das obras, pois essa seria uma pesquisa quase infinita (visto que a cada
dia surgem novos artistas e novas obras são construídas), mas sim, representa
uma amostra da produção em diversas partes do Brasil, um breve panorama
do cenário atual. Além disso, esta publicação traz uma contextualização da
produção recente, apontando para o relacionamento entre a arte e a produção
do espaço nas cidades brasileiras. A intenção foi buscar, nesse tipo de produção artística, a parcela política e utópica desta geração e reunir uma parte da
produção de arte brasileira que acontece nos espaços públicos das cidades,
produzindo debates e criando ambientes para a arte. Dessa forma, foram escolhidas produções a partir do ano 2000 e os artistas e grupos que ainda estão em
atuação foram privilegiados.
Analisando os processos criativos dos artistas, podemos entrar em contato com
a forma como cada um entende e percebe o espaço público. O processo criativo
é algo riquíssimo, fascinante e lúdico e pode nos levar a caminhos desconhecidos, assim como nos fazer perceber como as coisas são e o que podemos mudar. É possível entender também como a dinâmica das diferentes realidades
sociais está impressa nas obras, como os contextos específicos modificam a
realidade dos trabalhos produzidos e suas formas de circulação e fruição.
O livro traz também diálogos com os professores e pesquisadores Cássio Hissa, Maria Angélica Melendi, Marisa Flórido, Vera Pallamin e Renata Marquez,
que constituem um grupo de referência para mim. Suas produções são uma
importante fonte de pesquisa e de inspiração, uma vez que a diversidade de
pontos de vista e abordagens constitui um interessante acervo de possibilidades e potências para se ampliar, crítica e poeticamente, a percepção da arte no
mundo contemporâneo. Essas conversas levam a arte para outros campos, outros lugares, e vejo aí uma potência da arte que é “sair dela”. Para mim, é papel
fundamental da arte nos levar a tocar em diferentes assuntos, esferas, áreas
do conhecimento, percepções sensíveis, fora e dentro do trabalho de arte, num
trânsito rico em possibilidades, que conduzem à criação de ambientes criativos
e à experimentação de novos imaginários.
Os textos foram organizados a partir do ponto de vista de uma artista e professora. O que me interessa, portanto, é estudar a dimensão crítica e poética dos
processos criativos, muito mais do que fazer a crítica das obras. Tentei organizar os trabalhos apresentados de acordo com as linhas de força que identifiquei como sendo mais presentes nos processos de produção de cada artista.
Obviamente não são caixas fechadas, pelo contrário, podem ser lidos de várias
formas, e são atravessados por diversos sentidos e processos.
O livro traz ainda um glossário com termos usados nos textos. A intenção é
produzir uma linha de conceitos, abrangendo práticas e ideias libertadoras e
transformadoras, levando-se em consideração o desejo de que esses conceitos
possam ser incorporados ao nosso cotidiano.
Por fim, agradeço à Funarte e ao Departamento de Desenho da Escola de Belas
Artes da UFMG, pela oportunidade de desenvolver este trabalho. Espero que
ele sirva de inspiração e fonte de pesquisa para diversas pessoas, que, como
eu, desejam a transformação do espaço público e a ampliação dos sentidos da
arte para a construção de cidades mais poeticamente construídas. Boa leitura
e bom olhar!
INT R O D U C TI O N
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Since the beginning of my art studies, I felt I wanted to do something other than
just expose my work in galleries. It did not seem stimulating to repeat that formula once again. Early in the course, there were meetings with other equally
restless friends who had, like me, wanted to expand their own space in order to
create other spaces. Collective work soon presented itself as a rich possibility
of art prodution, which opened multiple and interesting channels. Instead of the
pseudo neutrality of the galleries, we set off for something opposite: loud, confusing, exhausting, the street seemed to be more stimulating.
We formed a collective, initially “GROUP” and then “Poro”. These project were
seen by us as small openings for daily breathing. To the extent that this collective gained strength, we engaged with other artists and collectives that were
interested in the same things. These networks formed in the early 2000s were
set as rich exchange spaces between creators from various fields of the creative work. The internet was becoming popular in Brazil, which greatly facilitated
communication and exchanges, and everyone was interested in learning about
the experiences of others, in different regions of the country. Along the way, art
was also gaining other directions, widening and occupying the public space. The
city was, from the beginning, the space where the creation-based actions and
desires gained strength and shape - it seemed to broaden the political and rebellious potential of art, strengthening the freedom of the aspect of production.
The artwork was naturally inspired by new and different aesthetic and ethical
impulses.
In this work articulated among collectives, groups and independent spaces, it
was possible to see the construction of a network and a circuit that occurred in
parallel - or somehow autonomously – to the official art circuit.
This movement was also exciting because it pointed to a common claim: the
occupation of public space, resumption and free use of that space for art. The
artistic production should be everywhere and not just in predefined areas. And
the city, as a polyphonic space, has always completed the works as written pages full of interference and open to all kinds of invention.
This publication is born from the desire to bring together some of the production that began in the early 2000s and has been transforming and gaining momentum in recent years, through the urban transformations that Brazilian cities
have been experiencing. As the city is polyphonic, in order to make this book my
first exercise was listening to various actors involved in the production of art in
the contemporary city - artists, producers, researchers, professors, designers –
in order to understand the interests and the very dynamics of this type of work.
This is therefore a polyphonic piece, in which the different voices heard reproduce a little of the thoughts existing around this form of creation. If the city is
the place for meetings, but also for conflict, many times the voices can be dissonant. The theme of the city and the art has multiple entries, and it is difficult to
see a single line. There are several readings, which are multiplying like a big chorus of different voices speaking at the same time, several inputs, power lines,
people working. It all adds up leading to a strong creative energy that produces
the diversity of things that constitute the city.
This book provides a small sample of works of art that take the Brazilian public space as production space. It is not intended to cover all works, because
that would be an almost endless research (since every day brings new artists
and new works are constructed), but rather, it is a sample of the production in
16
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various parts of Brazil, a brief overview of the current scenario. In addition, this
publication provides a contextualization of recent production, pointing to the
relationship between art and the production of space in Brazilian cities. The intention was to look for the political and utopian portion of this generation in
this type of artistic production, and gather a part of the Brazilian art production
that takes place in the public spaces of cities, producing debates and creating
environments for art. Thus, productions were chosen from the year 2000 and the
artists and groups that are still active were privileged.
Analyzing the creative processes of artists, we can get in touch with how each
understands and notices the public space. The creative process is something
very rich, glamorous and playful and can lead us to unknown paths, and make
us realize how things are and what we can change. It is also possible to understand how the dynamics of different social realities are emprinted in the works,
how the specific contexts change the reality of the works produced and their
forms of circulation and fruition.
The book also brings dialogues with professors and researchers Cássio Hissa,
Maria Angélica Melendi, Marisa Flórido, Vera Pallamin and Renata Marquez,
who constitute a personal reference group. Their productions are a major source
of research and inspiration, since the diversity of views and approaches is an
interesting collection of possibilities and powers to expand, critically and poetically, the perception of art in the contemporary world. These conversations take
the art to other fields, other places, and there I see the power of art that is “to
get out of itself”. For me, it is the essential role of art to take us to reach different
subjects, spheres, fields of knowledge, sensitive perceptions, outside and inside the work of art, in a transit that is rich in possibilities, leading to the creation
of creative environments and experimentation of a new imaginary.
The texts were organized from the point of view of an artist and professor. What
interests me, therefore, is to study the critical and poetic dimension of the creative process, much more than to criticize the works. I tried to organize the work
presented in accordance with the power lines that I have identified as being
more present in each artist’s production processes. Obviously this boxes are not
closed, instead, they can be read in various ways, and are traversed by several
senses and processes.
The book also contains a glossary (Thesaurus) of terms used in the texts. The intention is to produce a range of concepts, covering practices and liberating and
transformative ideas, taking into consideration the desire that these concepts
can be incorporated into our daily lives.
Finally, I thank Funarte and the Departamento de Desenho da Escola de Belas
Artes da UFMG [Department of Design in the School of Fine Arts of UFMG] for
the opportunity to develop this work. I hope it will inspire and become a source
for research for many people who, like me, want the transformation of public
space and the expansion of the artistic directions to build cities that are more
poetically constructed.
O CU PA R ,
AFETA R
E CO C RIA R
U M E S PAÇO
UR BA NO
S E N S Í V EL
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ARTE E ESPAÇO PÚBLICO
“A ART E POD E D EIX AR
D E SE R U M R E L ATO
SO BR E AS SE NSAÇÕE S
PA RA TO R N AR- SE UM A
O R GA NI ZAÇ ÃO D I R E TA
D E SE NSAÇÕE S
SUPER IOR E S.
T RATA- SE D E PR OD UZ IR
A NÓS ME SMOS E
NÃO CO I SAS QUE NOS
Um restaurante onde se cozinham plantas cultivadas
no quintal, micronarrativas coletadas e espalhadas
pela cidade em papéis coloridos, venda de CDs piratas
de vídeoarte, desenhos feitos nas paredes de um túnel
com um pano úmido, ocupação de lotes vagos, abrigo
para moradores de rua, cartazes lambe-lambe com
imagens e mensagens, uma caminhada do Brasil até
os Estados Unidos… Essas são apenas algumas das
inúmeras formas como os artistas vêm ocupando a cidade e os espaços públicos brasileiros com sua arte
nos últimos anos.
E SCRAV I ZAM”
INTERNACIONAL SITUACIONISTA
Sob os mais diversos nomes – intervenção urbana,
arte pública, arte participativa, arte colaborativa, arte
relacional, arte contextual, situações... – esses projetos nos apresentam novos paradigmas e apontam para
um redesenho das práticas artísticas na contemporaneidade. Ao transporem a exclusividade dos espaços
institucionais da arte, como galerias e museus, e sua
neutralidade na exibição das obras, revelam outros
lugares para a criação e veiculação dos projetos artísticos. As obras de arte realizadas no espaço público
dão ênfase ao lugar, incorporando-o em todas as suas
dimensões – físicas, sociais, culturais, ambientais. Além
disso, elas se fundam numa experiência que busca incorporar também o tempo, ou seja, o momento em que
a obra acontece. Assim, os processos de trabalho são
visivelmente contaminados pelas dinâmicas dos espaços, que passam a completar o sentido das obras.
De alguma maneira, os artistas substituem a concepção da criação da arte como um objeto, ou um
bem mercadológico, por uma concepção da criação
como forma relacional. Ainda que não possamos negar, contudo, a inserção dessas obras no mercado de
arte (vide, por exemplo, a inserção do grafite, a princípio uma arte transgressora, nos mercados cada vez
mais vorazes, e o interesse das galerias por esse tipo
de trabalho). Através da arte, a cidade passa a ser o
lugar de reflexão sobre o “estar no mundo” e, muitas
vezes, o trabalho artístico desloca o senso comum em
relação à própria arte. Isso porque os trabalhos de arte na cidade podem se
tornar imperceptíveis frente às dimensões e proporções urbanas, não sendo
por vezes identificados como arte por estarem imersos em um ambiente comunicacional diferente. Efêmeros ou duradouros, dependem das estruturas
do entorno e podem se dissolver, se perder, restando apenas registros, experiências ou relatos.
20
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Ao adotar esses espaços da vida cotidiana, os artistas e suas obras apresentam desejos utópicos de reaproximação entre o sujeito e o mundo. A cidade
aqui é vista como um lugar de fluxo, de movimento, de relações coletivas, e de
sobreposições de questões históricas e políticas. Nesse sentido, os “espaços
públicos” podem designar não apenas as estruturas físicas das cidades, como
ruas, praças, parques e prédios (embora muitas vezes a obra precise dessas
estruturas para acontecer), mas também espaços desmaterializados onde
ocorrem debates e acontecimentos públicos como, por exemplo, a internet,
os livros, o rádio, a TV e a propaganda. Com a ampliação do conceito de espaço público gerado pelos avanços tecnológicos dos aparatos de comunicação,
pode-se dizer que o debate público torna-se muitas vezes desterritorializado. As redes de comunicação, as redes sociais, a internet, podem então ser
compreendidas como um “espaço público expandido”, onde o debate se dá de
modo orgânico e descentralizado.
COLETIVOS, REDES E CIRCUITOS
Além das ruas, os artistas também vão ocupar e se utilizar dos meios eletrônicos. A expansão do acesso à internet no Brasil favoreceu muito a criação em
rede. Conectados, muitos jovens puderam entrar em contato com as produções que vinham de várias partes do Brasil e do mundo. Esse esquema descentralizado de veiculação e circulação das informações ajudou a promover a
criação de redes de artistas e, ao mesmo tempo, redes de coletivos que trocavam informações por meio de listas de e-mails e blogs. Era, ainda, uma forma
de romper com uma circulação muito focada no eixo Rio de Janeiro – São Paulo, dando voz a artistas de várias partes do Brasil, inclusive as mais remotas.
Nesse mesmo momento, início dos anos 2000, há ainda no país a discussão
em torno do software livre e da inclusão digital, fomentada por projetos criados pelo governo federal, como os Pontos de Cultura, o Cultura Livre e o Cultura Digital. Uma das principais lutas nesse período era pelo “compartilhamento
do conhecimento”, por meio do copyleft, conceito que permite a reprodução e a
distribuição de obras, desde que essas continuem livres. Foi o primeiro passo
para que o debate avançasse para a criação do Creative Commons, iniciativa
que prevê a cessão de licenças gratuitas de uso das obras, na qual o autor
pode escolher se o seu trabalho é totalmente aberto a intervenções, se pode
apenas circular, se pode ser reproduzido sem fins lucrativos, entre outras
possibilidades. Em meio a esse debate, surgem ainda os fóruns de discussão
sobre mídia tática, estratégia que abrange novas formas de intervenção nas
mídias tradicionais – impressos, TV, rádio, vídeo, websites e os demais tipos
de mídia eletrônica –, a fim de incluir mensagens críticas em um sistema marcado pelo controle poderoso das corporações.
Nesse contexto, foi marcante, dentro do sistema da arte, o surgimento de diferentes coletivos de artistas, que se disseminaram por todo o Brasil, ocupando
as ruas, mesclando arte e ativismo político, articulando-se com movimentos
sociais (como movimentos de ocupação urbana e rural, ativismo de mídia, entre outros). As práticas e linguagens artísticas que emergem dessas misturas
e conexões passam a ter uma atitude reflexiva e ativa diante dos problemas
sociais, e também sobre aspectos sensíveis e materiais da configuração da
vida nas cidades.
As práticas são fortemente marcadas pela cultura do DIY (do it yourself - faça
você mesmo) e os coletivos passam a criar de forma conjunta ações de intervenção e debates. Podemos apontar, como exemplos, o C.O.R.O Coletivo, uma
rede de grupos do mundo todo, e os festivais de mídia e de intervenção urbana, como a Semana EIA de Imersão Ambiental, o Festival ReverberAções e o
Festival Submidialogia.
No caso da Semana de Imersão Ambiental, realizada anualmente pelo grupo
EIA, reúnem-se projetos de intervenção urbana de todo o Brasil a serem realizados na cidade de São Paulo: “a ideia é transformar e aprofundar a relação
com a cidade e transformar o espaço público num laboratório de vivências
sócio-políticas e ambientais”. Vários projetos como esse também se organizaram pelo Brasil, como o Salão de Maio, em Salvador, o Multiplicidade, em Vitória, entre tantos outros. As iniciativas sempre envolviam a realização de obras
por outras pessoas. Ou ainda os artistas viajavam até as cidades para realizar
os trabalhos, ficando hospedados nas casas dos realizadores ou de amigos.
Era na improvisação que tudo acontecia e desses encontros nasceram férteis
projetos e experiências.
Quem participou desses eventos ficou fortemente marcado por essa forma
de fazer arte coletiva. Nesses espaços de produção, a autoria se dissolvia e
era possível experimentar a produção de uma arte mais livre. A ocupação dos
espaços públicos gerou ânimo e empoderamento para alguns artistas criarem intervenções em suas cidades. Uma forte sensação de liberdade passou
a potencializar a criação de novos circuitos para a arte. Um circuito paralelo
e independente do mercado, feito a partir da apropriação e da colaboração
entre pessoas do Brasil, e também do mundo todo. Cartazes, por exemplo,
eram enviados por um artista, via correio, a grupos de todo o Brasil que os
colavam na rua. Ações como essa possibilitavam que os trabalhos circulassem por lugares e entre pessoas que o artista nem conhecia, gerando uma
grande abrangência de suas obras. Exposições portáteis “viajavam” pelo cor-
reio, mostras de vídeos aconteciam nas universidades, trabalhos propositivos
eram realizados por terceiros… De lá para cá, muitos coletivos se desfizeram
e muitos outros surgiram. Porém, as práticas continuam com a mesma intensidade no improviso e no desejo de transformação do espaço e do tempo. A
ação coletiva marca fortemente o trabalho realizado nos espaços públicos.
Coletivamente é possível produzir situações e obras que individualmente seria bem mais difícil de realizar. Além disso, há uma colaboração entre os integrantes que faz com que cada um traga as suas habilidades para o conjunto,
ou seja, cada um contribui com o que sabe fazer melhor. Quando se trabalha
no coletivo, amplia-se a potência de se trabalhar em rede. A produção coletiva
no Brasil poderia assim ser entendida como um grande rizoma que se espalha
por seu território.
ARTE E POLÍTICA
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Esta arte naturalmente urbana e pública produzida pelos artistas, ou pelos
coletivos, traz em si uma forte carga política, por ocupar espaços fora dos
campos institucionalizados da arte e tocar as realidades sociais de perto.
Como afirmou o geógrafo Milton Santos, “quando a sociedade age sobre o espaço, não o faz sobre os objetos como realidade física, mas como realidade
social, formas-conteúdo, isto é, objetos sociais já valorizados”. Para ele, a atuação da sociedade “anima” a paisagem conferindo-lhe novas funções, dando-lhe conteúdo. Altera a organização espacial para criar novas situações de
equilíbrio e movimento. Isto é, formula uma “inserção” na paisagem que acaba
por originar o espaço – a síntese, “sempre provisória, entre o conteúdo social
e as formas espaciais”.
Assim, podemos pensar que a arte desenvolve um programa político na cidade, quando atua diretamente em seu espaço simbólico e imagético, gerando
novas formas de percepção do cotidiano. Não cabe aqui pensar a política na
arte apenas no sentido de “arte engajada”, envolvida com os movimentos sociais, pois não se trata apenas de utilizar o fazer artístico como instrumento
de política. Como escreve Jacques Rancière, há uma gênese estética que a
arte compartilha com a política: ambas intervêm na partilha que fazemos do
nosso mundo sensível. Arte e política são maneiras de se recriar as “propriedades do espaço” e os “possíveis do tempo”, as condições históricas a partir
das quais dividimos e percebemos o que é ruído e o que é palavra, o que é
visível e o que é invisível, os que fazem parte da cena ou dela estão excluídos.
Esta arte contemporânea, coletiva e urbana, e que se realiza no espaço público, diferentemente das vanguardas artísticas modernas, ou ainda da arte
produzida no período de ditadura no Brasil, não possui a presença de uma luta
única, uma filiação partidária ou a sindicatos. O crítico de arte Fernando Cochiaralle aponta que: “Se o caráter político da arte nos anos 60 e 70 decorria
do fato de que todas as formas de oposição atingiam um alvo comum que as
unificava numa única e grande luta, atualmente elas se manifestam contra
alvos não tão facilmente designáveis, posto que difusos, que podem estar situados em quaisquer esferas dos campos ético, político e estético, indiscriminadamente, conforme objetivos provisórios (traço que revela e traz à tona a
crise do sujeito no mundo contemporâneo”.
A política realizada por esses artistas e coletivos, nas cidades, pode ser melhor entendida como “micropolítica”. O que está em jogo aqui são pequenas
lutas fragmentadas, rizomáticas e móveis, que se modificam em diferentes
contextos e lugares. A micropolítica (em oposição à macropolítica: as políticas
estatais, normativas e de ação massificadora) trata de um campo de poder
que é invisível e abrange o contexto político de cada ação e cada ato singular
de produção de realidades. É uma atitude focada em questões cotidianas, nos
direitos, nas ecologias, nas questões sociais e em tudo aquilo que nos afeta
no dia a dia e nos organiza como sociedade. Trata-se de uma forma de recortar
a realidade a partir dessas forças que produzem novas experiências e afetos.
As artes são pensadas como micropolíticas produtoras de subjetividades e de
realidades possíveis e espaciais.
Ao misturarem arte, política, vida, teoria, afeto, público, privado, entre outras
dimensões, essas ações possíveis alimentam um caráter de indefinição da
arte contemporânea. Nesse lugar de mistura, a arte abre espaço para abranger algo não falado, não verbal, tensionando as fronteiras da sensibilidade.
Assim, resiste à categorização e às classificações geradas dentro do discurso
teórico-crítico. Para Jacques Racière, a estética e a política são maneiras de
organizar o sensível: de dar a entender, de dar a ver, de construir a visibilidade
e a inteligibilidade dos acontecimentos. A arte pode assim gerar regimes de
dissenso, situações que desestabilizam as formas de sensibilidade e percepção, reconfigurando-as em situações abertas em que há liberdade para a produção de sentido, criando novos regimes de interpretação. “O resultado não é
a incorporação de um saber, de uma virtude ou um habitus. Ao contrário, é a
dissociação de certo corpo de experiências”.
REVOLUÇÃO COTIDIANA
O que está em jogo no momento político atual é a fragmentação das formas
de se produzir e entender o campo político, uma vez que o capitalismo contemporâneo adentrou nas formas mais sutis e delicadas da produção de subjetividade. Os militantes deste tempo pretendem mostrar como as raízes da
dominação estão fragmentadas nas formas de vida que criamos e consumimos. As lutas pelas macroestruturas existem e são também negociadas. No
entanto, as pequenas atitudes e as formas cotidianas de se relacionar com o
mundo passam a ocupar o centro da cena.
O poder está assim espalhado em todas as atividades cotidianas, deixando
de ser pensado apenas em termos de opressão e exclusão. Pelo contrário. O
poder passa a estar presente em todas as relações e assim também é a política. A “microfísica do poder”, como definia o filósofo Michel Foucault, é o poder
que atua no cotidiano, enquanto relação. Para ele, o poder é produtor, antes de
repressor; produz maneiras de viver, produz realidades.
O que os artistas que atuam na esfera pública buscam muitas vezes é ativar
esse poder presente nas relações e nas pequenas ações, desestabilizando-o,
em pequenas, e às vezes singelas, utopias de transformação do comum, no
sentido da transformação da realidade a sua volta e do tencionamento das
redes de poder geradoras de realidades.
Muitos artistas em diversas épocas tentaram tocar o cotidiano de forma sensível. A Internacional Situacionista é um bom exemplo de um grupo que acreditava que a transformação cotidiana viria a partir de práticas libertárias no
espaço público. A cidade era para eles era um grande laboratório de novas
formas de viver. Para isso criaram o “Urbanismo Unitário”, em oposição ao urbanismo moderno: a cidade situacionista seria uma cidade para uma vivência
lúdica do espaço. Eles queriam provocar uma revolução e acreditavam que
a arquitetura e o ambiente urbano eram ferramentas contra a alienação e a
passividade da sociedade.
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É no cotidiano que as formas de percepção sensível se incorporam e ganham
força social, do individual ao coletivo. Na maneira como vivemos nosso dia
a dia, como experimentamos os espaços e as relações a nossa volta. A arte,
contra a banalização do cotidiano, pode ser assim entendida como pequenas
táticas que desmobilizam as práticas sociais instituídas, gerando estruturas
ínfimas que se ramificam pelas estruturas tecnocráticas, alterando seu funcionamento, articulando-se sobre detalhes poéticos do cotidiano.
CI DA D E :
P R ODUTORA DE
M ODOS DE V I DA
“Cidade: rede de lugares de existências, de densidades e de superfícies corpóreas.
Lugares de movimento, de pressas, lentidões, pausas, asfixias e paralisias. Redes
de encontros e territórios de desencontros. Lugares de vazios, desertos, sertões.
Espaços do conhecimento, saberes e sabores. Territórios da razão. Lugares de afeto, de vivências, de experiências. Espaços de limites, de fronteiras e sobrevoos, de
todas as espécies, que fazem ver o que do terreno é invisível. Lugares de perguntas
e territórios de respostas. Territórios de fortes questões e de frágeis respostas
provisórias. Lugares de derrotas sobre as quais não se fala: derrotas invisíveis.
Lugares de expressão, de ação. Territórios de conquistas de poucos, quando muitos experimentam esquecimentos e fracassos. Cidade para poucos e de muitos.
Moderna cidade, metrópole, globalizada cidade feita de teoria do planejamento e
de prática política excludente. Cidade, também, de práticas de todas as espécies
que fazem a existência e o existir na cidade e nos lugares da cidade; nas cidades
da cidade. Espaços de técnica e de arte. Territórios de saberes desqualificados
que, por sua vez, fazem a vida que, também, ignora a ciência. Saberes de arte. Arte
de viver e de sobreviver. Arte de dar vida aos corpos de todas as espécies. Corpos-paisagem, lugares-cotidianos, territórios de possibilidades e significâncias.”
Cássio Hissa e Carla Wstane
CIDADE: ESPAÇO DE
TRÂNSITO E MOBILIDADE
São várias as cidades dentro da cidade, com diferentes nuances, possibilidades e impossibilidades. Como
habitantes, nos deparamos cotidianamente com a
intensidade dessa convivência entre as inúmeras
realidades sobrepostas em nosso campo de visão.
Movimentos distintos, trânsitos sobrepostos, deslocamentos diversos que marcam a experiência dos
sujeitos, homens e mulheres, ocupantes e realizadores das cidades, que em passeios pelo espaço urbano
absorvem todo tipo de sonoridades, melodias, odores,
e que, muitas vezes, retornam para as obras de arte
como matéria intensa advinda de sua vivência ou prática.
26
27
1.
CAIAFA, Janice. Comunicação e diferença
nas cidades. In: Revista Lugar comum, nº18,
p. 91-102. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003.
Experienciamos as diferentes cidades da cidade enquanto nos deslocamos: a cidade da velocidade, a
cidade vista a pé, a cidade vista da janela do ônibus,
a cidade espetáculo, a cidade favela, a cidade bairro.
Andar pela cidade, atitude subjetiva e singular, abre
um canal incrível de possibilidades de infinitas transgressões. Através do ato de caminhar atualizamos e
reinventamos o espaço urbano em nosso cotidiano.
Como um pequeno ato revolucionário que corrompe,
na prática, uma certa ordem instituída. Para muitas
pessoas, a experiência nas cidades se dá apenas a
partir de seus automóveis. A paranoia da segurança
incutiu em nós o medo do desconhecido, o medo da
rua, e nos afastou da esfera pública. Andar pela cidade se tornou um ato radical, na medida em que nos
colocamos em contato com seu corpo físico e urbano:
em movimentos lentos, durante a caminhada, sem rapidez (aceleração) ou orientação, e tão somente pela
presença física. A cidade deixa de ser o lugar de trânsito e passa a ser o lugar da experiência: “Habitar uma
cidade é experimentar de alguma forma a vizinhança
de estranhos. Se saímos à rua, encontramos desconhecidos em grande variedade, gente cuja procedência não conhecemos e que cruzamos em nosso caminho nos espaços públicos e partilhados”. 1
Experimentar esse confronto e estar exposto a essa percepção de (des)continuidades e diferenças seria uma prática fundamental para o exercício da vida
na cidade. Por isso também proliferam movimentos que buscam retomar os
espaços públicos e difundir outras formas de presença e mobilidade, como a
bicicleta, por exemplo, cujo uso vem ganhando força a cada dia e, felizmente,
mais adeptos.
O predomínio do carro e sua lógica imprimem nos espaços urbanos um estilo
de vida que restringe nossa existência ao deslocamento, reduzindo os espaços de convívio e nos afastando da esfera pública e do contato com a própria
pele da cidade. Acelera-se assim o tempo na cidade. Os espaços urbanos desenhados no Brasil, em sua maioria, não estimulam ou produzem lugares para
o ócio, para os encontros fortuitos, para a produção coletiva e comunitária ou
mesmo para a presença da natureza.
Como seria viver em um lugar onde, por exemplo, as formas de produção energéticas, de alimento e de serviços são produzidas de modo comunitário, nos
jardins e quintais das casas? Ou imagine haver em cada quarteirão uma horta
pública, para uso comum, ou parques em todos os bairros ou escolas geridas
pelos pais... enfim, uma série de novas possibilidades de experiências, de um
outro modo de vida possível, mais interessante de se vivenciar nos espaços
públicos. Infelizmente, porém, as mudanças urbanas introduzidas em grande
parte dos municípios brasileiros nos últimos anos vão na contramão da criação de espaços comuns e acabam por potencializar uma experiência individualista de habitar e viver nas cidades. O shopping center é um bom exemplo de
uma das formas de viver e se divertir no contexto urbano, baseada meramente
na lógica do consumo. Um lugar sem janelas, com ar condicionado, com uma
atmosfera controlada, cercado de vitrines nas quais se expõem todas as possibilidades de objetos para comprar. Um lugar onde não há pobreza e, sobretudo, há segurança. Nesse contexto, a cultura do medo afasta as pessoas da
esfera pública e produz uma cultura baseada na segregação social.
Não é possível pensar a cidade, no entanto, sem levar-se em conta a experiência
coletiva. A cidade é o lugar privilegiado para a experiência do comum. Pois,
viver na cidade é, necessariamente, viver coletivamente. A cidade não existe
sem troca, sem aproximações e sem proximidade: ela cria relações. As ruas
não são apenas um lugar de passagem, são também o lugar do encontro. Seja
em espaços previamente reservados a isso, como cafés, teatros, praças ou,
simplesmente, em encontros fortuitos pelas ruas, o movimento, a mistura, são
elementos da vida urbana. Sob sua aparente desordem, constroem uma ordem
superior que, às vezes, pode converter a experiência urbana em mero espaço
para a mercadoria. Isso acaba por transformar o espaço público em cenário
da luta de interesses privados, que exploram e monopolizam a carga simbólica
veiculada nas ruas. Em meio às suas diversas possibilidades, a cidade contemporânea é um espaço complexo, dinâmico e em permanente transformação.
ESPAÇOS DA CIDADE
A arquitetura e o urbanismo, mais que estruturas arquitetônicas, criam formas de experiências espaciais, criam lugares. Definem fluxos e modos de ocupação. O modelo de produção do espaço urbano atual incorpora cada vez mais
o acúmulo das desigualdades sociais, produzindo processos excludentes. O
próprio Estado, com suas instâncias de governo sobre a vida coletiva, incide
politicamente na produção do espaço urbano, por meio de formas de centralidade, hierarquização e imposição de sua presença, a partir do controle e da
vigilância. Para isso, conta com diferentes aparatos repressivos, que inibem
com violência qualquer ação transgressora.
Nos últimos anos, presenciamos uma série de ações nas cidades, cujos desdobramentos vêm transformando os espaços urbanos em lugares de especulação imobiliária, “limpeza urbana” e gentrificação.2 A partir do crescimento
econômico vivido no Brasil nos últimos anos, aliado à corrupção e aos investimentos internacionais, estamos assistindo a processos de expropriação do
espaço público em favor do lucro das grandes empreiteiras.
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Esses processos vinham acontecendo já há algum tempo, mas se intensificaram nos últimos quatro anos, em decorrência da Copa do Mundo realizada
no Brasil em 2014. A Copa trouxe uma série de investimentos estrangeiros e
a flexibilização de leis, voltada para implementação de obras em estruturas
viárias e turísticas, assim como instalações para a atividade esportiva. De
fato, o que realmente houve foi um grande roubo dos bens comuns, no período
que antecedeu o evento. Construção de hotéis, pavimentação de ruas, criação
ou reforma de estádios, entrega de recursos e espaços públicos para empresários e empreiteiras lucrarem e criarem novas estruturas e serviços urbanos
cuja lógica é a da capitalização de tudo.
Nesse contexto, torna-se latente a percepção de que estamos perdendo praças, parques, rios e espaços de convívio das cidades, favorecendo a construção de grandes avenidas e obras de infraestrutura, especialmente para os
carros. Casas históricas são derrubadas e em seu lugar surgem torres envidraçadas, rios são cobertos para dar espaço para mais carros e árvores são
cortadas para também abrir novas vias para os automóveis. Além disso, populações inteiras são retiradas violentamente de suas casas, em áreas de
2.
A gentrificação é uma das principais estratégias do capitalismo atual, e um inclui o investimento, financeiro muitas vezes é chamado de “requalificação ou revitalização” de áreas esquecidas
da cidade. Por meio da especulação imobiliária, transforma lugares para atrair investimentos.
Geralmente em áreas pobres ou desvalorizadas, são realizados grandes empreedimentos imobiliários.
interesse especulativo, e os aluguéis aumentam ao ponto de obrigar muitas pessoas a se mudarem de suas residências. Projetos de “revitalização”
retiram os vendedores ambulantes das calçadas, deslocam as pessoas em
situação de rua e produzem novas arquiteturas em que a estética corrente é a
de uma “shoppinização” e espetacularização dos espaços.
Aos poucos, a experiência urbana vai se enfraquecendo, tornando-se cada vez
mais monótona e violenta. Ao mesmo tempo, as mudanças na paisagem das
cidades também influenciam muito diretamente as práticas artísticas contemporâneas. Essa mesma cidade sem espaço para as pequenas vivências,
onde as pessoas e os lugares de convívio vão sendo massacrados pelo poder
do capital, gera matéria poética para os artistas e ativistas desenvolverem
seus projetos.
Da mesma maneira que existem diversas frentes de especulação privada dos
espaços públicos, emergem também uma série de projetos e iniciativas realizadas para ocupar criticamente a cidade:
- Um bom exemplo são os movimentos pela mobilidade urbana – as
“bicicletadas” – , no qual um grupo de pessoas se reúne para pedalar e afirmar o espaço da bicicleta dentro da cidade. Iniciativas como a
“Massa Crítica”, movimento internacional, também existente em algumas cidades do Brasil, em que são marcados encontros coletivos para
pedalar (em Belo Horizonte, toda a última sexta feira do mês, os participantes da Massa Crítica formam um grande coletivo, para pedalar e
ocupar a cidade no horário em que o trânsito está pior). Outra proposta
interessante vem do projeto “Bike Anjo”, que ensina as pessoas a andar
de bicicleta na cidade, orientando-as e dando dicas de circulação, por
exemplo, no caminho para o trabalho ou em outras situações nas quais
as pessoas querem começar a usar a bicicleta como meio de transporte. O grupo oferece ainda dicas de segurança, promove passeios e também participa das instâncias de decisão pública, como fóruns e conselhos ligados à prefeitura e às empresas de transporte. Dessa forma, o
projeto desenvolve um trabalho lúdico na cidade, estimulando o uso da
bicicleta e mostrando os males do uso exagerado do carro. Ao mesmo
tempo, atua diretamente nas instâncias decisórias, influenciando na
execução das políticas públicas, estratégia comum das ações ativistas
contemporâneas.
- Em São Paulo, no projeto “A batata precisa de você”, um grupo faz uma
ocupação cultural semanal no Largo da Batata, no bairro Pinheiros. O
Largo é um espaço tradicionalmente ocupado por comércio popular e
que passou por uma série de transformações que visavam a uma “limpeza urbana”, em decorrência da construção de uma estação de metrô,
e a valorização do bairro no mercado imobiliário. Essa remodelação
urbana acabou por transformar um lugar extremamente vivo em uma
área estranha, morta, cercada de concreto e sem árvores. O coletivo “A
batata precisa de você” passou a desenvolver, toda semana, uma série
de atividades naquele espaço – como aulas abertas, festas, shows e
oficinas – e assim vai deixando sua marca e presença no local, com a
instalação de mobiliário urbano e o plantio de árvores e outras plantas.
Aos poucos e em uma ação contínua, o grupo começa a modificar o espaço , produzindo ali um senso de pertencimento.
- “Ocupe Estelita”, em Recife, é um movimento de resistência que ocupa
a região do cais Estelita, lugar no centro da cidade que foi entregue
para as empreiteiras construírem quatro torres enormes e desproporcionais em todos os aspectos. O “Ocupe Estelita” é um bom exemplo de
movimentos de ocupação que atuam nas cidades a partir da cultura e
da arte. No cais, diversas pessoas acampam e realizam oficinas, shows,
exposições, documentários e exibições de vídeo. O movimento conta
com uma interlocução nacional, ou seja, diversos movimentos em várias cidades do Brasil o apoiam, criando assim uma rede de pessoas
dedicadas a discutir esses processos contemporâneos de especulação
e também de manifestação.
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- Em Belo Horizonte, a “Praia da Estação” ocupa uma praça no centro
da cidade, desde 2010. A iniciativa surgiu depois que a prefeitura lançou um decreto proibindo o uso da Praça da Estação, para eventos de
qualquer natureza. Para resistir às restrições de uso do espaço público
estabelecidas pelo poder público municipal, um coletivo organizado de
forma horizontal passou a ocupar a praça com toalhas de piquenique,
guarda-sol, boias, pranchas de surf e a contratação de um caminhão
pipa, que promove um banho entre os participantes. A “Praia da Estação” foi responsável por articular uma série de movimentos sociais em
Belo Horizonte. Uma vez que um grupo enorme de pessoas já estava
mobilizada em torno da questão da praça, criou-se um contexto favorável para a articulação e a produção de novos projetos.
Esses são apenas alguns dos exemplos de movimentos que vêm acontecendo
no Brasil nos últimos anos. Em várias cidades, inclusive nas pequenas, pessoas estão mobilizadas para criar um contraponto aos processos de gentrificação. Em Belo Horizonte, podemos destacar ainda a Ocupação pelo Parque Jardim América, o movimento Fica Ficus, Ocupação Cultural no Centro.
Em São Paulo, o movimento Parque Augusta, ocupações na Praça Roosevelt.
Poderíamos citar muitos outros exemplos espalhados pelo Brasil. Iniciativas
como essas, também têm se proliferado em vários países, gerando inclusive
conexões entre si, ao produzir espaços de troca e apoio mútuo entre projetos
de diferentes partes do mundo.
Na arte, o que se pode observar é que artistas como Guga Ferraz, Alexandre Vogler, Coletivo Bijari, entre muitos outros, também incorporam em suas
obras – mesmo aquelas expostas em galerias ou museus – a presença dos
processos de gentrificação e espetacularização das cidades. Em sua produção, os artistas ocupam o espaço público ou buscam representá-lo, no sentido de produzir um imaginário ampliado das formas de ocupação e resistência
urbanas.
O DIREITO À CIDADE
Muito se tem falado sobre o “Direito à Cidade”, termo cunhado por Henri Lefrebvre
em sua obra-manifesto Le droit à la ville, publicado poucos meses antes de
maio de 1968. Nesse trabalho, o autor politiza a produção social do espaço,
em contraponto a uma visão administrativa da cidade. Para ele, o direito à cidade vai muito além do direito de usufruir dos bens urbanos. Trata-se de uma
forma de democracia direta, pelo controle social das pessoas sobre as formas
de habitar e viver nas cidades. O direito à cidade é, portanto, o direito de construir modos de vida urbana, como uma grande obra humana coletiva em que
cada indivíduo e comunidade tem espaço para manifestar suas diferenças.
Para Lefebvre, o direito à cidade não é a produção de uma vida melhor e mais
digna na cidade capitalista, mas sim a produção de uma outra vida em sociedade, muito diferente, em que a lógica de produção do espaço urbano passe
a estar subordinada ao valor de uso e não ao valor de troca. Para o autor, “o
direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à
obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade”.3
A arte a serviço do urbano pode colaborar na produção desses espaços livres
para as experiências e vivências urbanas: a arte de viver a cidade como uma
obra de arte. Nesse sentido, a produção artística pode preparar as “estruturas
de encantamento”, contra a espetacularização do espaço público contemporâneo, que impede as pessoas de verem a verdadeira função da cidade: o encontro entre estranhos.
3.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed.
São Paulo: Centauro, 2008.
IMAGINÁRIO URBANO
A noção de “Imaginário” é bastante complexa e possui uma multiplicidade de
significados, sendo comuns aqueles que conectam o imaginário à fantasia, ao
ilusório, ao fictício e ao irreal. Mas o campo do imaginário é também um campo político. A partir dele se configuram identidades e subjetividades coletivas,
não somente no campo da produção de imagens, em que é tradicionalmente
usado, mas também no domínio da vida social, podendo ser entendido como
uma rede de conexões, imagens e ideologias que nos fazem perceber a vida.
“Verifica-se a existência de técnicas de manejo do imaginário em
todas as sociedades, confundindo-se com os mitos e os ritos, pois
os guardiões do imaginário social são também os guardiões do sagrado. Enquanto nas sociedades ditas “primitivas” os mitos possuem implicações ideológicas; na sociedade moderna, racional e
técnica, as ideologias escondem os mitos, pois o imaginário social
é racionalizado e instrumentalizado. Nesta, emergem novas formas de trabalho com o imaginário, que conduzem a sua utilização
e manipulação cada vez sofisticada e com técnicas mais refinadas, tais como a propaganda moderna”. 4
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Se a noção de imaginário está ligada a um poder simbólico, podemos então
pensar que o imaginário urbano tem relação com a maneira como interpretamos e experienciamos a cidade e os elementos urbanos, em níveis simbólicos
e subjetivos. Do mesmo modo, as imagens/paisagens urbanas interferem nos
processos contemporâneos de subjetivação e, ainda, na forma como experienciamos os lugares e os territórios da cidade.
Nos processos de ocupação dos espaços urbanos, as obras de arte e os movimentos ativistas criam outros imaginários: novas formas de se relacionar,
organizar, construir e viver a cidade. Esses trabalhos servem como uma espécie de gatilho para um imaginário possível e experienciável. Neles, a partir de
uma experiência ou simplesmente da ideia proposta pelas obras, pretende-se, pouco a pouco, criar uma outra imagem da cidade.
Como afirma David Harvey em seu texto “A liberdade da cidade”: “a liberdade
da cidade, é muito mais do que o acesso àquilo que já existe, é o direito de mudar a cidade a partir do desejo de nossos corações. Pois ao refazer as cidades
estamos refazendo a nós mesmos”. 5 Isso significa que primeiro modelamos a
4.
in SERBENA, Carlos Augusto, “Imaginário,
Ideologia e Representação Social”, documento eletrônico.
5.
HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. Belo Horizonte: Ed. Annablume, 2005
cidade e depois ela nos modela. Por isso faz-se necessário pensar os modelos
culturais e sociais implantados nas cidades, que, em sua maioria, não privilegiam a livre circulação de pessoas, ideias e pensamentos.
Inserindo-se no rizoma urbano, o artista, com sua obra/experiência, atua
no espaço-tempo do lugar, imprimindo nele outras qualidades. Modificando
os espaços e produzindo situações que valorizam a passagem do tempo, as
transformações e os acontecimentos.
A tarefa da arte contemporânea, de acordo com Nicolas Bourriaud, é criar espaços livres, cujo ritmo atravesse aqueles que organizam a vida cotidiana; é
favorecer relacionamentos intrapessoais diferentes daqueles que nos impõe
a sociedade capitalista atual. Ele aponta para as “utopias de aproximação”,
práticas artísticas que pretendem agir, gerando novas percepções e novas relações de afeto, num mundo regulado pelo isolamento individual.
Como afirma o pesquisador Cássio Hissa, “Os homens são o que fabricam
para si mesmos. Eles são o seu espaço, produto do seu trabalho e resultado
do seu consumo – dispêndio do próprio território, derivação do uso que se
faz dele. Os homens são o seu ambiente – que se transforma no outro, como
se esse fosse seu oponente que não lhe diz respeito. Os homens são as suas
próprias películas, pois dessa matéria – que também o consome – ele é feito”.6
Imaginar - criar - recriar são partes comuns de uma mesma ação, que apontam para a necessidade de se transformar subjetivamente os espaços, pois,
uma vez que somos nós quem fazemos as cidades, temos o direito a transformá-las. A arte muitas vezes não causa mudanças concretas na realidade, mas
desenvolve um projeto político e ético na medida em que pode inspirar essas
mudanças. Nesse caso, inspira processos de discussão crítica sobre o real
significado da esfera pública e da segregação social.
6.
HISSA, Cássio. Ambiente e Vida na Cidade.
In: BRANDÃO,Carlos Antônio (org.). A cidade
das cidades. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2006.
O CCU PY,
AFFEC T A N D
CO- C R E ATE
34
35
A N URBAN
S E N S I T I VE
S PAC E
ART AND PUBLIC SPACE
“ART CA N STO P BE I NG AN
ACCOUNT
O F SE NSAT IONS
TO BECOME A D IR ECT
O R GA NI ZAT ION OF
H I GH E R SE NSAT IONS.
IT I S ABOUT PR OD UCING
O UR SE LV E S AND
NOT T H E T H I NGS T H AT
A restaurant where plants grown in the backyard are
cooked, micronarratives collected and spread around
the city on colored papers, the selling pirated video
art CDs, drawings on the walls of a tunnel made with
damp cloth, occupancy of vacant lots, shelter for homeless people, street posters with images and messages, a walk from Brazil to the United States ... These
are just some of the many ways in which artists have
occupied the city and the Brazilian public spaces with
their art in recent years.
E NSL AV E US”
SITUATI ONI ST I N TE R NATI ON AL
Under various names - urban intervention, public art,
participatory art, collaborative art, relational art, contextual art, situations ... - these projects present us
with new paradigms and point to a redesign of artistic practices in contemporary times. By transposing
the exclusivity of the institutional art spaces such as
galleries and museums, and its neutrality in the exhibition of the works, other places are revealed for the
creation and circulation of artistic projects. The works
of art performed in public spaces emphasize the place, incorporating it in all its dimensions - physical, social, cultural, environmental. Moreover, they are based
on an experience that aims to also incorporate the
time, i.e. the time when the work takes place. Thus, the
work processes are visibly contaminated by the dynamics of the spaces, which now complete the sense of
the works.
Somehow, artists replace the concept of art creation
as an object, or a marketing good, with a conception
of creation as a relational form. Although we cannot
deny, however, the inclusion of such works in the art
market (see, for example, the inclusion of graffiti, firstly viewed as transgressive art, in the increasingly voracious markets, and the interest of galleries for this
type of work ). Through art, the city becomes the place of reflection about “being in the world” and often
the artwork displaces common sense in relation to
art itself. That’s because the artwork in the city can become imperceptible in
the face of urban dimensions and proportions, sometimes not being identified
as art by being immersed in a different communications environment. Ephemeral or lasting, they depend on surrounding structures and can dissolve, get
lost, leaving only records, experiences or reports.
By adopting these spaces of everyday life, the artists and their works have
utopian desires of rapprochement between the subject and the world. The city
here is seen as a place of flow, movement, collective relations, and overlays of
historical and political issues. In this sense, the “public spaces” can designate
not only the physical structures of cities, such as streets, squares, parks and
buildings (although the work often needs these structures in order to happen),
but also dematerialized spaces where public debates and events such as, for
example, the internet, books, radio, TV and advertising take place. With the expansion of the concept of public space generated by technological advances
in communication devices, it can be said that the public debate often becomes
de-territorialized. Communication networks, social networks, and the Internet
can then be understood as an “expanded public space” in which the debate
takes place in an organic and decentralized manner.
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COLLECTIVES, NETWORKS AND CIRCUITS
In addition to the streets, artists will also take up and use electronic media.
The expansion of Internet access in Brazil much favored network creation. By
being connected, many young people were able to make contact with productions coming from various parts of Brazil and the world. This decentralized
scheme of propagation and circulation of information helped promote the networking of artists and at the same time, collective networks that were exchanging information through lists of e-mails and blogs. It was also a way to
break with a very focused circulation corridor between Rio de Janeiro - São
Paulo, giving voice to artists from various parts of Brazil, including the most
remote ones.
In that same time, the early 2000s, there is also the discussion around free
software and digital inclusion in the country, fostered by projects created by
the federal government, such as the Pontos de Cultura (Culture Points), the
Cultura Livre (Free Culture) and the Cultura Digital (Digital Culture). One of
the main struggles in this period was for the “knowledge sharing”, through
“copyleft”, a concept that allows the reproduction and distribution of works,
provided that they remain free. This was the first step for the debate to move
forward for the creation of Creative Commons, an initiative that provides for
the assignment of free licenses for the use of works in which the author can
choose whether his work is completely open to interventions, if it can only circulate, if it can be reproduced without profit, among other possibilities. In the
midst of this debate, there are also the discussion forums on tactical media,
a strategy covering new forms of intervention in traditional media - print, TV,
radio, video, websites, and other types of electronic media - to include critical
messages in a system marked by powerful corporate control.
In this context, the emergence of different collectives of artists who have spread throughout Brazil, occupying the streets, merging art and political activism,
linking up with social movements (such as urban and rural occupancy, media
activism, etc.) was remarkable within the art system. Practices and art forms emerging from these mixtures and connections now have a reflective and
active attitude towards social problems, and also on sensitive aspects and
configuration materials of life in cities.
The practices are strongly marked by the DIY culture (do it yourself) and the
collective start to create joint intervention and debate actions. We can point
as examples, the C.O.R.O Coletivo, a network of worldwide groups, and the media and urban intervention festivals, as the Semana EIA (EIA Week) for Environmental Immersion, the ReverberAções (Reverberations)Festival and the
Submidialogy Festival.
In the case of the Environmental Immersion Week, held annually by the EIA
group, urban development projects from all over Brazil meet to be executed in
São Paulo. “The idea is to transform and deepen the relationship with the city
and transform the public space into a laboratory of socio-political and environmental experiences.” Several projects like this are also organized around
Brazil, such as the Salão de Maio in Salvador, the Multiplicidade in Vitória,
among others. The initiatives always involved the execution of works by others.
Artists traveled to the cities in order to carry out the work, by staying in the
homes of directors or friends. The improvisation made everything happen, and
from these meetings fertile projects and experiences were born.
Whoever participated in these events was strongly marked by this way of
making collective art. In these production spaces, authorship dissolved and
it was possible to experience the production of a more liberated. The occupation of public spaces generated encouragement and empowerment for some
artists to create interventions in their cities. A strong sense of freedom began
to enhance the creation of new circuits for art. A parallel circuit independent
of the market, made from the ownership and collaboration between people of
Brazil, and also around the world. Posters, for example, were sent by an artist
by mail to groups from all over Brazil that would glue them on the streets.
Actions such as this made it possible for the work to circulate in places and
among people who did not know the artist, allowing his work to become widespread. Portable exhibitions “traveled” by mail, video exhibitions took place
in universities, purposeful projects were carried out by others ... Since then,
many collectives crumbled and many others emerged. However, the practice
continues with the same intensity through improvisation and the desire for
the transformation of space and time. The collective action strongly marks the
work done in public spaces. Collectively it is possible to produce situations
and works that if produced individually would be far more difficult. In addition,
there is a collaboration among members that makes each of them bring their
skills to the set, i.e. each contributes with what they do best. When working
collectively, the power of working in a network broadens. The collective production in Brazil could thus be understood as a large rhizome that spreads
throughout the territory.
ART AND POLITICS
This naturally urban and public art produced by the artists, or the collective,
carries a strong political charge, because it occupies spaces outside the institutionalized art field and closely touches social realities.
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As stated by geographer Milton Santos, “when society acts on the space, it
does not do it on the objects as a physical reality, but as a social reality, forms-content, i.e. already valued social objects.” For him, the activities of society
“animate” the landscape giving it new features, giving it content. They change
the spatial organization to create new situations of balance and movement.
That is, they formulate an “insertion” in the landscape which ultimately leads
to creating space - a summary, “always provisional, between the social content and spatial forms.”
Thus, we may think that art develops a political program in the city when acting
directly in its symbolic imagery and space, generating new forms of everyday
perception. This is not the place to consider politics in art only in the sense of
“engaged art”, involved with social movements because this is not about just
using the artistic work as an instrument of politics. As Jacques Rancière writes, there is an aesthetic genesis that art shares with politics: both involved in
sharing what we do in our sensitive world. Art and politics are ways to recreate
the “space property” and “possible time,” the historical conditions from which
we divide and realize what is noise and what is word, what is visible and what
is invisible, those who are part of the scene or are excluded of it.
This contemporary, collective and urban art, which takes place in the public
space, unlike the modern avant-garde art, or art produced in the dictatorship
period in Brazil, does not have the presence of a unique struggle, a party affiliation or trade unions. The art critic Fernando Cochiaralle points out that: “If
the political character of art in the 60s and 70s stemmed from the fact that
all opposition forms reached a common target that unified them into a single,
big fight, now they manifest against targets not so easily assignable, since diffused, which can be situated in any spheres of ethical, political and aesthetic
fields, indiscriminately, as interim targets (trait that reveals and brings up the
subject of the crisis) in the contemporary world. “
The policy carried out by these artists and collectives in the cities, may be
best understood as “micro-politics”. What is at stake here are small fragmented struggles, rhizomatic and mobile, that change in different contexts and
places. The micro-politics (as opposed to macro politics: state, regulatory and
mass action policy) deal with a power field that is invisible, and comprises
the political context of every action and every single act of the production of
realities. It is an attitude focused on everyday issues, the rights, the ecologies,
social issues and everything that affects us on a daily basis and organizes
ourselves as a society. It is a way to cut out the reality from those forces that
produce new experiences and emotions. The arts are thought of as micro-politics producing subjectivity and potential and spatial realities.
When mixing art, politics, life, theory, affection, public, private, among other
dimensions, these possible actions feed into a blurring of character of contemporary art. In this place of mixture, art makes room to cover something not
spoken, nonverbal, straining the boundaries of sensitivity. Thus, it resists categorization and ratings generated within the theoretical and critical discourse.
For Jacques Racière, aesthetics and politics are ways to organize the sensitive: to imply, to make visible, to build visibility and intelligibility of events. Art
can thus generate disagreement schemes, conditions that destabilize forms
of perception and sensitivity, reconfiguring them into open situations in which there is freedom for the production of sense, creating new interpretation
schemes. “The result is not the addition of a knowledge, a result or a habitus.
Rather, it is the dissociation of a certain body of experience. “
EVERYDAY REVOLUTION
What is at stake in the current political moment is the fragmentation of the
ways to produce and understand the political field, since contemporary capitalism entered in the most subtle and delicate forms of subjectivity production. The militants of this time intend to show how the roots of domination
are fragmented in life forms we create and consume. The struggles for macro-structures exist and are also traded. However, small attitudes and everyday
ways of relating to the world come to occupy the center stage.
Power is therefore spread in all daily activities, no longer to be thought of
only in terms of oppression and exclusion. On the contrary, power comes to
be present in every relationship and so is politics. The “microphysics of power”, as defined by the philosopher Michel Foucault, is the power that works
in everyday life, as a relationship. For him, power is producer before being a
opressor; it produces ways of living, it produces realities.
What artists who work in the public sphere are seeking is often to enable this
power in relationships and in small actions, destabilizing it, in small, sometimes simple, utopias of common transformation, towards the transformation
of reality in its surroundings and the tensioning of the power networks generating realities.
Many artists at various times tried to sensitively touch the everyday life. The
Situationist International is a good example of a group who believed that
everyday transformation would come from libertarian practices in public space. For them, the city was a great laboratory for new ways of living. Thus, they
created the “Unitary Urbanism”, as opposed to modern urbanism: a situationist
city would be a city for a playful experience of space. They wanted to provoke a
revolution and believed that the architecture and the urban environment were
tools against the alienation and passivity of society.
40
41
It is in everyday life that the forms of sensitive perception are incorporated
and gain social power, from the individual to the collective. The way we live our
daily lives, experience the spaces and relationships around us. Art, against
the everyday life becoming commonplace, can be understood as small tactics
that demobilize the instituted social practices, creating tiny structures that
branch into technocratic structures by changing its operation, hinging on the
poetic details of everyday life.
C I TY:
P R ODUC E R O F
WAYS O F L I F E
“City: Network of places for existing, densities and tangible surfaces. Places for
movement, rushes, slowdowns, pauses, choking and paralysis. Meeting networks
and disagreement territories. Places for the empty, deserts, hinterlands.
Areas of knowledge, understanding and flavors. Territories of reason. Places
for affection, experiences, experiments. Space for limits, boundaries and
overflights, of all kinds, making visible what is invisible from land. Places of
questions and territories of answers. Territories of strong questions and weak
provisional answers. Places of defeat about which no one speaks: invisible
losses. Places of expression, action. Territories where few conquer, and
where many experience neglect and failures. City for the few and the many.
Modern city, metropolis, globalized city made of the theory of planning and
exclusionary political practices. City, also, for practices of all species that
make the existence and existing in the city and in the places around town;
in the city’s cities. Spaces for technique and art. Territories of disqualified
knowledge which, in turn, make life that also ignores science. Knowledge of
art. The art of living and surviving. The art of giving life to the bodies of all
kinds. Bodies-landscapes, places - everyday life, territories of possibilities
and significance“.
Cássio Hissa and Carla Wstane
CITY: SPACE FOR TRAFFIC AND MOBILITY
There are several cities within the city, with different nuances, possibilities
and impossibilities. As residents, we have daily encounters with the intensity
of this interaction between the many overlapping realities in our field of
vision. Different movements, overlapping transits, several shifts that mark
the experience of subjects, men and women, occupants and executors of the
cities, which during walks through urban space absorb all kinds of sounds,
melodies, smells, and often return to the artworks as an intense matter arising
out of experience or practice.
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We experience the different cities within the city as we travel: the city of speed,
the city viewed on foot, the city viewed from the bus window, the show city, the
city slums, the city districts. Walking around the city, a subjective and unique
attitude, opens an incredible channel of infinite transgression possibilities.
Through the act of walking we update and reinvent urban space in our
daily lives. As a small revolutionary act that corrupts, in practice, a certain
established order. For many people, the experience in cities takes place only
from their cars. The safety paranoia instilled the fear of the unknown in us,
the fear of the street, and it brought us far from the public sphere. Walking
around the city has become a radical act, as it put us in touch with its physical
and urban body: in slow motion, while walking without speed (acceleration) or
orientation, and only by the physical presence. The city is no longer the place
of transit and it becomes the place of the experience: “Inhabiting a city is to
experience the neighborhood of strangers in some way. If we go out to the
street, we find a variety of the unknown, whose origin we do not know and
which crossed our way in public and shared spaces “. 1
Trying this confrontation and being exposed to this perception of
discontinuities and differences would be an important exercise of living in
the city. That is why there is the proliferation of movements seeking to regain
public spaces and propagate other forms of presence and mobility, such as
cycling, for example, which has been gaining strength and fortunately more
supporters every day.
The dominance of cars and their logics imprint a lifestyle in urban areas that
restricts our existence to dislocating, reducing the living spaces and moving
us away from the public sphere and the contact with the city’s own skin. Thus,
1.
CAIAFA, Janice. Comunicação e diferença
nas cidades. In: Revista Lugar comum, nº18,
p. 91-102. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003.
it speeds up the time in the city. Urban spaces designed in Brazil, mostly, do
not stimulate or produce places for leisure, for chance encounters, for the
collective and community production or even the presence of nature.
What would it be like to live in a place where, for example, forms of energy
production, food and services are produced in a communitarian way in the
gardens and backyards of houses? Or imagine a public garden on every block
for common use, or parks in all districts or schools run by parents ... in a variety
of ways, a number of new possibilities of experiences, of another possible way
of life, more interesting to experience in public spaces. Unfortunately, however,
the urban changes introduced in most municipalities in recent years go against
the creation of common spaces and ultimately enhance an individualistic
experience of living and inhabiting cities. The shopping mall is a good example
of one way to live and have fun in the urban context, merely based on the
logic of consumption. A place without windows, with air conditioning, with a
controlled atmosphere, surrounded by window shops in which they expose all
the possibilities of objects to buy. A place where there is no poverty and, above
all, there is safety. In this context, the culture of fear isolates people from the
public sphere and produces a culture based on social segregation.
It is not possible to think of the city, however, without taking into account
the collective experience. The city is the ideal place for common experience.
Because living in the city is necessarily living together. The city does not exist
without exchange, without approximations and without proximity: it creates
relationships. The streets are not only a place of passage, they are also the
meeting place. Either in previously reserved spaces such as cafés, theaters,
parks, or simply chance encounters in the streets, the movement, the mixture
are elements of urban life. Under its apparent disorder, they construct a higher
order which sometimes can convert the urban experience into mere space for
merchandise. This ultimately transform the public space into a scenario of
private interest fights that exploit and monopolize the symbolic conveyed in
the streets. Amid its many possibilities, the contemporary city is a complex,
dynamic and constantly changing space.
CITY SPACES
The architecture and urbanism, more than architectural structures, create
forms of spatial experiences, create places. They define flows and occupancy
modes. The production model of the current urban space is increasingly
shifting towards the accumulation of social inequalities, producing
exclusionary processes. The State itself, with its levels of government on the
collective life, politically focuses on the production of urban space by means
of forms of centrality, hierarchy and imposing their presence, through control
and surveillance. For this, it has a different repressive apparatus that inhibits
any offending action with violence.
In recent years, we witnessed a series of actions in cities, whose developments
is transforming urban spaces into real estate speculation of places, “urban
cleansing” and gentrification2. From the economic growth experienced in
Brazil in recent years, coupled with corruption and international investments,
we are witnessing the expropriation proceedings of public space in favor of
the profits of large contractors.
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45
These processes had already been going on for some time, but have intensified
in the last four years, due to the World Cup held in Brazil in 2014. The World
Cup brought a lot of foreign investment and the easing of laws, aimed at the
implementation of works on road and tourist structures, as well as sports
facilities. In fact, what really happened was a great theft of the common
goods, in the period before the event. The construction of hotels, the paving of
streets, creation or renovation of stadiums, delivery of resources and public
spaces and entrepreneurs and contractors to profit and create new structures
and urban services whose logic is the capitalization of everything.
In this context, the perception that we are losing squares, parks, rivers
and living spaces of cities, favoring the construction of major roads and
infrastructure works, especially for cars becomes latent. Historic houses are
torn down and in their place come glazed towers, rivers are covered to make
room for more cars and trees are cut to also open new avenues for the cars. In
addition, entire populations are taken violently from their homes in areas of
speculative interest, and rents increase to the point of forcing many people to
move from their homes. “Revitalization” projects remove street vendors from
2.
Gentrification is one of the key strategies
of contemporary capitalism and includes
investment, often financial called “redevelopment or revitalization” of forgotten areas
in the city. Through real estate speculation it
transforms places in order to attract investments. Usually in poor or devalued areas,
large real estate developments are made.
the sidewalks, dislocate homeless people from the streets and produce new
architectures in which the current aesthetic is that of a “Mallinization” and
turning spaces into spectacles.
Gradually, the urban experience will weaken, becoming increasingly
monotonous and violent. At the same time, changes in the landscape of cities
also influence the contemporary artistic practices very directly. This same city
with no room for the little experiences, in which people and convivial places
are being massacred by the power of capital, generates poetic material for
artists and activists to develop their projects.
Just as there are several private speculation fronts of public spaces, there are
also a number of projects and initiatives undertaken to critically occupy the
city:
- A good example are the movements for urban mobility - the “bike rides”,
in which a group of people get together to ride and claim the bike’s space
within the city. Initiatives such as the “Massa Crítica” (Critical Mass) an
international movement also exists in some cities in Brazil, in which
collective meetings are scheduled for bike riding in large numbers (in
Belo Horizonte, every last Friday of the month, the participants of the
Critical Mass form a large group for cycling and occupy the city at the
time when the traffic is at its worst). Another interesting proposal is the
“Bike Anjo” (Bike Angel) project, which teaches people how to ride a bike
in the city, guiding them and giving outstanding advice, for example, on
the way to work or in other situations in which people want to start to
use the bicycle as a means of transport. The group also provides safety
tips, promotes tours and also participates in public decision making
courts, such as forums and councils connected to the city hall and
transportation companies. Thus, the project develops a entertaining
activity in the city, encouraging the use of bicycles and showing the
dangers of excessive car use. At the same time, it acts directly in the
decision-making, influencing the execution of public policies, common
strategy of contemporary activist actions.
- In São Paulo, the project “A batata precisa de você” (The potato needs
you), a group holds a weekly cultural occupation at Largo da Batata,
in Pinheiros district. The Largo is a space traditionally occupied
by popular trade and it underwent a series of changes aimed for a
“street cleaning”, due to the construction of a subway station, and the
increasing valuation of the neighborhood in the housing market. This
urban renewal ended up transforming an extremely lively place in a
strange area, dead, surrounded by concrete and no trees. The collective
“A batata precisa de você” went on to develop on a weekly basis, a series
of activities in that area – such as open classes, parties, shows and
workshops - and so it leaves its mark and presence at the site, with
the street furniture installation and planting of trees and other plants.
Slowly and in a continuous action, the group begins to modify the space,
thus producing a sense of belonging to the area.
- “Ocupe Estelita” (Occupy Estelita), in Recife, is a resistance movement
that occupies the Estelita pier area, a place in the city center which
was delivered for contractors for the construction of four towers that
are huge and disproportionate in every aspect. The “Ocupe Estelita”
is a good example of an occupation movement which works in cities
of culture and art. At the pier, several people camp and conduct
workshops, concerts, exhibitions, documentaries and video displays.
The movement has the support of a national dialogue, that is, several
movements in several cities in Brazil support it, thus creating a network
of people dedicated to discuss these contemporary processes of
speculation and also demonstration.
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- In Belo Horizonte the “Praia da Estação” (Station Beach) occupies a
square in the city center since 2010. The initiative emerged after the
city hall issued a decree banning the use of Praça da Estação (Station
Square) in the city center for events of any kind. In order to resist the
restrictions in the use of the public space established by the municipal
government, a horizontally organized collective started to occupy the
square with picnic towels, beach umbrellas, floats, surfboards and
hired a water truck, which promotes a bath among the participants. The
“ Praia da Estação “ was responsible for articulating a number of social
movements in Belo Horizonte. Considering a huge number of people
were already mobilized around the issue of the square, it created a
favorable context for articulating and producing new projects.
These are just a few examples of movements that have been happening in
Brazil in recent years. In several cities, including small towns, people are
mobilized to create a counterpoint to the gentrification processes. In Belo
Horizonte, we can still highlight the Ocupação pelo Parque Jardim América, the
Fica Ficus movement, Ocupação Cultural no Centro; In São Paulo, the Parque
Augusta movement, occupations in Roosevelt Square; among many others
throughout Brazil. Such initiatives also have proliferated in many countries,
also generating connections with each other to produce spaces for exchange
and mutual support among projects from different parts of the world.
In art, what can be observed is that artists like Guga Ferraz, Alexandre Vogler,
Bijari Collective, among many others, also incorporate in their works - even
those exhibited in galleries or museums - the presence of gentrification
processes and spectacularization of cities. In their production, the artists
occupy the public space or seek to represent it, in order to produce an
expanded imaginary of forms of occupation and urban resistance.
THE RIGHT TO THE CITY
Much has been said about the “Right to the City,” a term coined by Henri
Lefrebvre in his book-manifesto Le droit à la ville, published a few months
before May 1968. In this work, the author politicizes the social production of
space, as opposed to an administrative view of the city. For him, the right to
the city goes far beyond the right to make use of urban property. It is a form
of direct democracy, for the social control of people on ways to inhabit and
live in the cities. The right to the city is therefore the right to build modes of
urban life, as a great collective human endeavor in which every individual and
community has a space to express their differences.
To Lefebvre, the right to the city is not the creation of a better and more dignified
life in the capitalist city, but the production of another life in society, very
different, in that the production logics of urban space become subject to use
value and not the exchange value. According to the author, “the right to the city
is manifested as a higher form of rights: the right to liberty, to individualization
in socialization, to the habitat and to inhabit. The right to work (the participant
activity) and the right to ownership (quite distinct from the right to property)
are involved in the right to the city”. 3
3.
LEFEBVRE, Henri. O direito a cidade. 5. ed.
São Paulo: Centauro, 2008.
The art in service to the urban can collaborate in the production of these free
spaces for urban experiments and experiences: the art of living the city as a
work of art. In this sense, artistic production can prepare “enchantment structures” against the spectacularization of contemporary public space, which
prevents people from seeing the true function of the city: the encounter between strangers.
URBAN IMAGINARY
The notion of “Imaginary” is quite complex and has a multiplicity of meanings.
The most common ones are those that connect the imaginary to fantasy, to
the illusory, to the artificial and to the unreal. But the imaginary field is also a
political field. It is where identities and collective subjectivities are configured, not only in the image production field, in which it is traditionally used, but
also in social life and it can be understood as a network of links, images and
ideologies that make us notice life.
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49
“There is the existence of imagery handling techniques in all societies,
mingling with myths and rites, as the guardians of the social imaginary
are also the guardians of the sacred. While in the said “primitive” societies myths have ideological implications; in modern, rational and technical societies, ideologies hide the myths, as the social imagination is
rationalized and instrumentalised. In this society new ways of working
with the imaginary emerge, leading to its use and handling of increasingly sophisticated and more refined techniques, such as modern advertising. “4
If the imaginary notion is linked to a symbolic power, then we can think that
the urban imaginary is related to the way we interpret and experience the city
and urban elements, in symbolic and subjective levels. Similarly, the images /
cityscapes interfere with the contemporary processes of subjectivity and also
in the way we experience the city sights and territories.
4.
in SERBENA, Carlos Augusto, “Imaginário,
Ideologia e Representação Social”, electronic
document.
In the city’s occupation processes, works of art and activist movements create
other imaginaries: new ways to relate, organize, build and live the city. These
works serve as a kind of trigger for a possible and experienced imaginary. In
them, from an experience or simply from the idea proposed by works, the intention is to, little by little, create another image of the city.
As stated by David Harvey in his text “The Freedom of the City”, “the freedom
of the city is much more than access to what already exists, it is the right to
change the city from the desire of our hearts. For when remaking cities we
are remaking ourselves“. 5 This means that first we shape the city, and then
it shapes us. Therefore it is necessary to think about the cultural and social
models deployed in cities, which mostly do not emphasize the free movement
of people, ideas and thoughts.
Entering in the urban rhizome, the artist, with his work/experience, acts in the
time-space of the place by printing other qualities into them. Modifying the
spaces and producing situations that value the passage of time, changes and
events.
The task of contemporary art, according to Nicolas Bourriaud, is to create free
spaces, whose pace crosses those who organize daily life; it is to support different intrapersonal relationships from those that impose the current capitalist society. He points to the “approximation utopias,” artistic practices that
intend to act, generating new insights and new relationships of affection in a
world governed by individual isolation.
As stated by researcher Cássio Hissa, “men are what they produce for themselves. They are their space, the product of their work and the result of their
consumption - spending their own territory, derivation of the use made of it.
Men are their environment - that is transformed into the other, as if it were
their opponent that does not concern them. Men are their own films, for that
matter - which also consume them – they are made.”6
Imagining - creating - re-creating are common parts of the same action, pointing to the need to transform spaces subjectively, because since we are the
ones who make the cities, we have the right to change them. Art often causes
no concrete changes in reality, but it develops a political and ethical project
in that it can inspire these changes. In this case, it inspires critical discussion
processes on the real meaning of the public sphere and social segregation.
5.
HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. Belo Horizonte: Ed. Annablume, 2005
6.
HISSA, Cássio. Ambiente e Vida na Cidade – in A cidade das cidades, Carlos Antônio Leite Brandão
(planning), Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006
50
51
TERRITÓRIOS ENTRE O
PÚBLICO E O PRIVADO
TERRITORIES BETWEEN
PUBLIC AND PRIVATE
O urbanismo não procura modelar
o espaço como uma obra de arte.
Nem segundo razões técnicas,
como pretende. O que o urbanismo
elabora é um espaço político.
Henri Lefebvre
Urbanism does not seek to shape
the space as a work of art.
Not even by technical reasons as
intended. What urbanism develops
is a political space.
Henri Lefebvre
Milton Santos define o conceito de “território” como
“território usado”. Sinônimo de “espaço habitado”, é o
resultado de um processo histórico construído a partir de necessidades e interesses humanos, sejam eles
econômicos, afetivos, morais ou culturais. É o lugar
onde construímos a história a partir das nossas ações
individuais e coletivas, das relações sociais e dos encontros e acontecimentos solidários: “O território é o
chão e mais a população, isto é uma identidade, o fato
e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence.
O território é a base do trabalho, da residência, das
trocas materiais e espirituais e da vida, sobre as quais
ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois,
de logo, entender que está falando em território usado, utilizado por uma população”.1
52
53
Ele deixa claro que o território não é feito apenas de
sua porção espacial, física, mas é criado nas relações,
usos, ocupação e sentimento de pertencimento. Um
território é sempre político e muitas vezes produzido
através de exclusões, pois a produção do território é
sempre violenta, prevendo recortes e contornos.
Apesar da aparente liberdade de circulação, as cidades são marcadas por diversos territórios impenetráveis. Lugares onde não podemos ir porque sentimos
medo, nos sentimos deslocados, não temos como pagar, não nos sentimos benvindos, não temos acesso
através do transporte público e tantas outras dificuldades. Isso não se aplica apenas a lugares ou regiões,
mas também a situações, ocasiões, rituais. Um bom
exemplo são os vigias que ficam nas portas nos centros culturais: os espaços são públicos, mas muitas
vezes nos sentimos intimidados de entrar ali. Isso serve até mesmo para as pessoas que já frequentam o
lugar, a postura do segurança pode dar a entender que
aquele evento não é para você, marca ali um território
político no qual você não é convidado.
Entender a presença dos diversos territórios espalhados pelo espaço público é necessário para compreender
uma questão complexa que permeia várias ações artísticas na cidade: a “luta por território” e, por consequência, a relação entre “o público e o privado”. Essa relação é
bastante complexa e pode ter diferentes interpretações.
1. SANTOS, Milton. A natureza do
espaço: técnica e tempo, razão e
emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
“Público” pode ser entendido como sendo pertencente ao Estado ou como algo
comum. O fato das pessoas terem livre acesso a alguns espaços não determinam que eles sejam públicos ou democráticos. Pois muitas vezes a produção
dos espaços públicos parte de interesses privados. As instâncias de poder e
os canais de decisão públicos são comandados por grupos e famílias, em contato com o poder público, que definem os usos a partir de uma perspectiva de
exploração econômica. Gerenciam assim as cidades e exercem poder produzindo espaços pseudopúblicos. Não existe no Brasil hoje um espaço que não
seja gerenciado/produzido/criado a partir de pressões de empresas e grupos
que bancam financeiramente a política nacional. Por isso, tantas lutas pelo
direito à cidade e pelo direito à moradia que se apresentam por meio de ocupações urbanas em prédios vazios ou em grandes acampamentos nas periferias das cidades, que fazem uma linda pressão contrária (e necessária) nos
governos e nas empresas.
Nesse contexto, para se produzir um “território usado” muitos artistas irão
conduzir trabalhos e experiencias que estimulam a quebra e o rompimento
de fronteiras entre os diversos territórios. Produzem assim um certo embaralhamento do universo imagético e imaginário daqueles espaços, em obras
colaborativas nas quais se apresentam situações e modos de atuação de um
novo sujeito político que intervém de várias formas e produz espaços para
vivências lúdicas e coletivas.
A arte, nesse sentido, pode tensionar as pessoas a perceber os diversos esquemas invisíveis de separação social e estimular, através de seu discurso, a
criação de espaços para o encontro, o diálogo, a experimentação e o trânsito
entre territórios. Pela facilidade de replicação de diversas ideias, é também
possível, empoderar os grupos para que realizem a obra e, quem sabe, torna-la uma política pública.
Essas ações geram o sentimento de pertencimento através de propostas que
induzem o uso coletivo dos espaços públicos (e também de áreas privadas).
Proporcionando compartilhamento do espaço, encontros, que buscam romper
com os muros invisíveis de todas as naturezas.
Essas obras se apropriam do espaço público como lugar de conflito e, portanto, podem realizar ali uma ação crítica que cria outros imaginários possíveis.
Funcionando como base de potência imaginativa para outros usos do mesmo
e conhecido lugar, pois, muitas vezes, nos falta referência para imaginar uma
cidade e modos de viver diferentes. Quando experienciamos isso na prática,
podemos criar, através destes micromodelos, modos de imaginar e romper a
lógica dos usos dos espaços, criando territórios livres para a experimentação
e a vivência da arte e das relações na cidade.
Milton Santos defines the concept of “territory” as
“used territory”. Synonym of “inhabited space”, it is
the result of a historic process whose construction
is based on human necessities and interests, be they
economic, emotional, moral or cultural. It’s the place
where we construct history, based on our individual
or collective actions, on our social relationships and
on the encounters and occurrences of solidarity: “The
territory is the ground, and the population is even
more so, that is, an identity, the fact and the feeling of
belonging to that which belongs to us. The territory is
the basis of work, of residence, of material and spiritual exchanges and of life, and the territory influences
all of these things. When one speaks of territory one
should, then, from the start, understand that one is
speaking of used territory, utilized by a population”.1
54
55
He makes it clear that the territory is not made by its
mere portion of physical space, but is created in the
relationships, uses, occupation and feeling of belonging. A territory is always political and often produced
through exclusions, since the production of a territory
is always violent, because it foresees cutouts and contours.
Regardless of the apparent freedom of movement, the
cities are marked by diverse, impenetrable territories.
Places where we can’t go because we feel afraid, dislocated, we can’t pay for it, we don’t feel welcome, we
don’t have access via public transportation and a host
of other difficulties. This does not apply only to places
or regions, but also to situations, occasions and rituals. A good example is with the security guards that
stand at the gates of the cultural centers: the spaces
are public, but we often feel intimidated upon entering
that place. This even goes for the people who frequent
the place, the posture of the guard can lead one to understand that the event is not for you, marking a political territory to which you are not invited.
To understand the presence of a variety of territories
spread throughout the public space, it is first necessary to understand a complex question that permeates many artistic actions in the city: the “fight for
territory” and, consequently, the relationship between
1. SANTOS, Milton. A natureza do
espaço: técnica e tempo, razão e
emoção. São Paulo: Hucitec, 1996
“public and private”. This relationship is quite complex and can have different
interpretations. “Public” can be understood as being something that belongs
to the State or as something common. The fact that people have free access
to certain spaces does not make them public or democratic, since often the
creation of these spaces is based on private interests. The instances of power
and the channels of public decisions are commandeered by groups and families, in contact with the public authorities, that define the uses based on a
perspective of economic exploitation. In this way, they manage the cities and
exercise their power, producing semi-public spaces. In Brazil today there is
no space that is not managed/produced/created based on the pressures from
companies and groups that financially support national politics. This is why
so many fights for the rights to access the city and for the right of inhabiting
that present themselves, through the urban occupations in empty buildings or
in large encampments in the outskirts of the cities, creating a beautiful (and
necessary) counter pressure on the governments and companies.
In this context, for one to create a “used territory”, several artists will conduct
works and experiences that stimulate the break and rupture of frontiers between the diverse territories. In this way, they produce a certain entanglement
of the universe of imagery and the imaginary of those spaces, in collaborative works in which one is presented with situations and ways of being, of a
new political subject that intervenes in various ways and produces spaces for
playful and collective experiences.
Art, in this sense, can push people to perceive the diverse invisible schemes of
social separation and stimulate, through its discourse, the creation of spaces
for encounters, for dialogues, for experimentation and for transiting among
territories. Because of the ease in replicating a variety of ideas, it is also possible to empower groups so that they can create the work themselves, and who
knows, turn it into public politics.
These actions generate a feeling of belonging through proposals that induce
the collective use of public spaces (as well as private areas). Providing the
sharing of space, encounters seek to breaking away from invisible walls of all
sorts.
These works appropriate themselves of the public space as a place of conflict,
and therefore, can hold a critical action there that creates other possible imaginations. They function as a base of imaginative potency for other uses of the
same and known place, since we often lack reference to imagine a different
city and different ways of living. When we experience this, hands on, we can
create, through these micro models, ways of imagining and breaking with the
logic of the uses of spaces, and create territories that are free for the experimentation and experiencing of art and of relationships in the city.
DIÁ LO GO
V E RA
PA L L A M I N
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Com o crescimento econômico das últimas
décadas, estamos assistindo a grandes
empreendimentos imobiliários (em acordo
com o Estado) modelando os espaços
públicos: pequenas casas dão lugar a
grandes prédios e bairros se transformam
totalmente. Sem praças, sem serviços
públicos, sem escolas públicas e atendimento médico, a cidade se privatiza.
O plano de saúde privado, a escola
privada, a escolinha de esporte privada,
o clube para o fim de semana, o carro
individual... Estaríamos caminhando (ou
dirigindo) cada vez mais rápido para a
privatização de tudo? Estamos cada vez
mais longe de viver a utopia urbana de
uma vida em comum?
Isso que você comenta associa-se a um dos
paradoxos que estamos enfrentando de
forma cada vez mais aguda, atualmente: a
crescente concentração territorial e populacional urbana, chegando à configuração
de megametrópoles em escalas jamais
vistas na história, tem sido concomitante
ao evidente empobrecimento da dimensão
pública da vida em comum. Esse empobrecimento se torna nítido nas espacialidades
urbanas de caráter coletivo, que em sua
dinâmica vão sendo reconfiguradas não na
matriz de se ampliar lugares de encontros
abertos à socialização pública gratuita, à
celebração da vizinhança e do bairro, mas
como localidades predominantemente
funcionais e desafetadas de lastro simbólico de alianças compartilhadas.
Afetos como o medo e a insegurança tomaram a dianteira no uso dos espaços urbanos abertos, submetendo as expectativas
do encontro, do desconhecido, do imprevisto muito elogiadas nos primórdios da
cidade moderna, no século XIX – ao sinal
contrário, resultando num esgarçamento
do tecido social urbano.
Esse movimento de crescente privatização a que você se refere tomou enorme fôlego a
partir dos anos 70, quando da “flexibilização” produtiva, associada ao desemprego estrutural, à terceirização e à mercantilização da cultura. Nos países centrais, à fase dos
chamados “30 anos dourados” do pós-guerra e aos movimentos políticos e culturais dos
anos 1960 – os quais incorporavam em sua crítica a ideia de utopia – seguiu-se uma
forte reação sistêmica conservadora, de desmantelamento de garantias ligadas ao estado do bem-estar e à adoção de práticas econômicas e sociais de natureza neoliberal
(que se iniciaram neste país nos anos 1990). Décadas depois, uma das tarefas que se
nos apresenta, politicamente, é repensar os termos de como voltar a incorporar a ideia
de uma utopia socializante no horizonte coletivo. A atual matriz temporal dominante dificulta enormemente esta tarefa, pois, se por um lado alimenta-se de fluxos cada vez
mais acelerados de eventos efêmeros e circuitos rápidos que favorecem o consumo e o
retorno sempre mais ágil de excedentes, por outro lado essa intensa movimentação se
concretiza num presente prolongado, ou num presentismo, que é vivenciado como um
futuro despotencializado. No entanto, na consideração em amplitude destes aspectos é
preciso não negligenciar o fato de que, por mais rebaixado que esteja o atual horizonte de
expectativas, este sempre pode ser modificado pelas possibilidades da ação política no
curso da história.
A gentrificação acontece em áreas esquecidas, que se valorizam na medida em
que atraem investimentos econômicos
e culturais. Isso aumenta a disputa por
territórios e cria muros invisíveis por toda
a cidade. Muros que separam, que geram
barreiras, que intensificam a separação
social. Como seria possível quebrar esses
muros invisíveis (e as vezes visíveis)? A
arte pode ajudar?
A produção do espaço urbano possui um
vínculo de base com a produção capitalista, porém, o estágio atual de dominância
financeira incrementou em muito a
intensidade desta produção, já que nela
encontra-se hoje uma de suas estratégias
centrais de valorização do valor. Esse
modo de reprodução do capital impõe
disputas por terrenos que se concretizam
com expedientes frequentemente violentos, sendo um deles a gentrificação. A segregação socioespacial que vai resultando
dessa dinâmica, erigindo barreiras físicas
e simbólicas, é parte dessa lógica. Atacar
essa lógica exige, de saída, a consideração
dialética entre essa racionalidade, suas
dominâncias e as intervenções sociais
realizadas na microescala, pontuais.
Ambas modificam-se incessantemente,
em proporções não previstas e não exatamente previsíveis, o que abre um campo
de potência crítica e formativa para a
ação de trabalhos da arte e da cultura, de
extrema importância. A arte tem explorado
este campo de potência de maneira muito
consequente, transformando seus conceitos e suas próprias práticas internas a partir
dos modos inéditos de sua inserção na vida social, como temos visto acontecer com muita
ênfase nas últimas décadas. A presença da arte desdobra as dimensões simbólicas nos
contextos em que atua, ao mesmo tempo em que nutre processos estético-políticos de
subjetivação de artistas e de participantes, com inequívocos ganhos sociais e culturais.
Considero esta ação e formação estético-política uma das dimensões mais importantes
da produção artística, hoje.
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Espaços verdes estão ficando escassos
na maioria das cidades grandes brasileiras. Quando olhamos a paisagem
podemos ver mais o cinza dos prédios e
viadutos e menos o verde das árvores.(o
verde está cada vez mais raro, e não tenho
notícia, de nenhum lugar no Brasil, onde o
planejamento urbano incorpore a natureza de forma generosa). A natureza cresce
em pequenos recortes na calçada. A luta
por parques urbanos está em todo o país.
Como você pensa essa relação da “natureza” com a “natureza urbana”? Faltam
espaços para o ócio e a contemplação.
Como produzir contrapoderes capazes de
mudar essa lógica?
Observo sua enorme preocupação com
as possibilidades de resistência a essa
racionalidade que em nossas cidades tem
eliminado progressivamente a urbanidade
e seus espaços de convívio. Depois de
séculos de ampliação do capital e da
atualização da sua dupla fórmula de valorização do valor e de superação incessante
de limites, estamos diante de situações
limítrofes em relação à natureza como um
todo. A finitude da natureza e o grau de
transformação a que tem sido submetida
planetariamente em função dos bilhões
de humanos atingiu limiares que a própria
ciência alerta serem intransponíveis sem
danos irreversíveis. Realmente, diante
deste cenário, todos que compreendem
tal insanidade sentem-se eticamente solicitados a fazer algo em direção contrária
à marcha desse poder de desnaturação
e objetificação. A formação de contrapoderes capazes de vir a impor obstáculos
e resistência a estes fluxos dominantes
encontra na vida cotidiana, em seus
saberes e fazeres, um terreno importantíssimo, já que, na cidade, é na produção
desse cotidiano que podem ser efetuados
desvios em direção à apropriação de
espaços e usos não pautados pelo valor
de troca. As escalas de ação aí possíveis
são múltiplas, mas é preciso insistir na
escala do coletivo, já que é esta a escala
do político. Gerar contrapoderes significa
comprometer-se com o coletivo. Enquanto
as contraposições ficarem restritas aos âmbitos individuais ou moleculares, sua eficácia,
embora válida, será moderada. Mudanças de peso dependem de organização coletiva,
propositada e estruturada. Não à toa, o investimento ininterrupto nos valores e práticas
do individualismo é tão valorizado pelo status quo.
A arte pode ser entendida como uma prática social mediadora. A arte no espaço
público pode desestabilizar certezas e as
formas com as quais nos identificamos
no nosso cotidiano. A arte atua nesta
produção do espaço, gerando outros espaços de encantamento e experiência da
cidade. Isso é lindo e super interessante,
mas ao mesmo tempo a arte pode ser
usada como auxiliar nos processos de
gentrificação, docilizando as pessoas e
produzindo espaços neutros e espetacularizados, onde os embates políticos
tendem a desaparecer (quem iria dizer
alguma coisa contra um museu?). Estes
paradoxos entre a arte e a política são
históricos e parece que estamos muito
longe de conseguir alguma solução neste
sentido. Visto as presença cada vez mais
marcante do mercado de arte na lógica
de produção e circulação da produção
artística. Como você percebe esse uso
instrumental da arte nos processos de
gentrificação urbana?
De fato, esse uso instrumental da arte é
recorrente. Um dos últimos casos marcantes foi o do MAR, Museu de Arte do Rio, que
está diretamente ligado à gentrificação da
área perto do Pier Mauá, onde está sendo
construído o Museu do Amanhã. Lembro-me de que, logo depois de inaugurado,
vi com surpresa o nome de coletivos de
arte expondo ali trabalhos que se diziam
críticos de processos urbanos! Parece que
com o tempo tudo foi se neutralizando
ideologicamente, sendo absorvido no circuito oficial. Hoje as origens deste museu
(embora recentes) parecem esquecidas.
Na história da arte contemporânea, há
nomes como o de Krzysztof Wodiczko que
fez da crítica à gentrificação o motivo de
trabalhos marcantes. Essa direção me
parece muito proveitosa, uma vez que
sua crítica elaborou-se em formações
estéticas densas e eficazes não apenas
no âmbito urbano, mas sobretudo naquele
da própria arte. Nesse enfrentamento, a
armadilha a evitar é a de se focar mais no
problema urbano do que naquele estético.
A dificuldade está no trato preciso de
ambos.
A arte e a cidade têm sido tema de suas
pesquisas já há algum tempo. O que há de
novo nas obras de arte – em contato com
a cidade – na arte contemporânea, à luz
da produção de outras épocas?
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Um dos importantes pontos a destacar
é que a dicotomia entre o plano da autonomia e o da heteronomia da arte, que
perdurou com vigor na arte moderna, foi
superada na prática artística por uma
dialética entre ambos. Isso significou um
modo bem diferente de se compreender
a relação entre o estético e o político, os
quais passaram a não mais ser tomados
como distintos e excludentes, mas como
mutuamente constituintes. A filosofia
de Jacques Rancière trabalha profundamente essa questão. Uma imagem ou
uma ação artística é ao mesmo tempo
autônoma e heterônoma, paradoxo este
que faz parte do regime estético em vigor
nas artes desde o século XVIII, segundo o
filósofo. Nesses termos, há uma nova compreensão sobre a politicidade da imagem e
dos trabalhos de arte. O antigo selo de arte
engajada, que perdurou por tanto tempo,
envelheceu e tornou-se datado.
Um outro aspecto também a destacar é que
a vida urbana e suas práticas passaram
a ser lidas e apreendidas pelos artistas
de modo muito mais complexo, exigindo-lhes um envolvimento de outra ordem
nas situações com as quais trabalham. O
campo de saberes implicados ampliou-se qualitativamente reconfigurando os
termos dessa experiência.
Numa sociedade marcada pela dominação cultural, a arte exerce o importante
papel de estimular uma educação sensível, num mundo marcado pela produção
vertiginosa de imagens. A educação
crítica para as imagens é de fundamental
importância para se restaurar a parcela
poética de nossas vidas, contra uma
cultura visual totalitária e totalizante. A
Arte pode ser uma importante ferramenta
para dar suporte a utopias urbanas. Você
acredita, como diz Schiller, que “a beleza
é o caminho para a liberdade”?
Schiller tem um importante papel na reflexão do campo estético. Em seu trabalho A
educação estética do homem – numa série
de cartas –, de 1793, ele projetou, de modo
inaugural, uma utopia estética em que a
arte tem um papel revolucionário. Tratava-se de um processo de formação sensível
que não dizia respeito apenas ao indivíduo,
mas também à coletividade, e é nesse
sentido que tal formação estética seria o
caminho para a liberdade política. Uma
de suas preocupações era a de buscar
superar a cesura entre o sensível e o inteligível, advinda de uma longa tradição que
remonta aos gregos. Escrevendo logo após
a Revolução Francesa e o período do terror
que a sucedeu, Schiller se preocupava em
como pensar uma sociedade não apenas
racional mas também humanizada, partindo da realidade existente. Sua tese é a
de que a educação estética seria a melhor
via de recuperação da totalidade das
capacidades humanas, totalidade esta
que fora roubada dos indivíduos por uma
cultura unilateral e fragmentada. Para ele,
este empreendimento formativo se estenderia por um longo período histórico, pois
implicaria a constituição de uma cultura e
um projeto de emancipação da humanidade. Sua utopia, em última instância, dizia
respeito a uma revolução mais radical que
aquela política, visando à constituição dos
fundamentos de uma nova vida. Como se
vê, as questões de fundo por ele enfrentadas não saíram ainda de cena na nossa
situação contemporânea: diante da onipresença da forma-mercadoria, será que
a arte não continuaria ainda apostando na
promessa de uma nova vida?
Vera Pallamin é graduada em Arquitetura e Urbanismo e em Filosofia pela Universidade
de São Paulo. É docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde orienta pesquisas de mestrado e doutorado. É autora dos livros Arte Urbana - São Paulo, região central
(2000), Cidade e Cultura: esfera pública e transformação urbana (org), (2002) e Arte, cidade e
cultura: aspectos estético-políticos (no prelo).
DIA LO GU E
V E RA
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With the presence of the economic growth
over the last decades, we are witnessing
great building ventures (in accordance
with the State) shaping public spaces –
small homes make way for large buildings,
and entire districts are completely transformed. With no public utilities, schools,
medical services or plazas, the city is privatized. Private healthcare plans, private
schools, private gyms, weekend clubs,
personal cars... are we heading, at an
increasingly quickened pace, towards the
privatization of everything we know? Are
we even farther away of living the urban
utopia of a common, shared life?
What you are describing is associated with
one of the paradoxes we face in modern
days, one which has become increasingly
poignant: the growing urban population
and territorial concentration - leading to
the conformation of mega-metropolises of
unprecedented scales - has been simultaneous with the clear impoverishment of
the public dimension of common life. This
impoverishment becomes distinct in urban spatialities of collective nature, which
in their dynamics, are being recomformed;
not to expand meeting places open to free
public socialization, to the celebration of
the neighborhood, but as predominantly
functional localities, unaffected by the
symbolic coverage of shared alliances.
Impairments such as fear and insecurity
have taken the lead in the usage of open
urban spaces, subjecting the expectations
of the meeting, the unknown, the unexpected – often commended in the early days
of the modern city, during the 19th Century
– towards the opposite way, resulting in a
fragmentation of the urban social fabric.
This movement of increasing privatization you mentioned gained ground around the
70’s with the occurrence of what is known as “productive loosening”, which is associated
with structural unemployment, outsourcing, and the commercialization of culture. In
central nations, the era of the so-called “30 golden years” of the post-war period and rise
of social and political movements during the 60’s – which were incorporated into their
criticism of the concept of “utopia” – was followed by a strongly conservative, systemic
reaction, involving the dismantling of guarantees associated to the Welfare State and the
adoption of socio-economical practices which were neoliberal in nature (introduced to
Brazil during the 90’s). Decades later, one of the tasks politically presented to us is to
consider a way to reincorporate the idea of a socialized utopia on the collective horizon.
The current, dominant temporal matrix makes this task significantly difficult since, while
it feeds on increasingly accelerated flows of ephemeral events and fast circles which
favor consumption and the continuously faster return on excess, this intense movement
is materialized in a prolonged present time, or a presentism, which is lived through as an
unpotentialized future. However, taking these aspects into consideration, one must not
overlook the fact that, as downgraded as the current horizon of expectations may be, it
can always be modified by the possibilities of political actions over the course of history.
The process of gentrification happens in
forgotten areas, which gain value as they
attract economical and cultural investments. This increases the competition
over territory, and creates invisible walls
all over the city. Walls that divide and
isolate, intensifying the sense of social
separation. How would it be possible
to break these invisible - and at times,
visible - walls? Can art help in some way?
The production of urban space possesses
a basic bond with the capitalist production. However, the current state of financial
dominance has increased the intensity of
this production of space, since it contains
one of its main strategies of appreciation
of value. This method of capital reproduction imposes the competition for terrains
which materialize with frequently violent
proceedings, one of them being the process of gentrification. The socio-spatial
segregation generated by these dynamics,
raising physical and symbolic barriers,
is a part of this logic. Attacking this
logic requires, first of all, the dialectical
consideration between this rationality,
as well as its dominances, and punctual
social interventions, done under a micro
scale. Both are incessantly modified, in
unpredictable proportions, which opens
a field of formative and critical potency
for the actions of works of art and culture
of the utmost importance. Works of art
have explored this field of potency in a
very consequential manner, transforming
its concepts and its own internal practices based upon the unprecedented methods of
their insertion in social life, as we have seen happening with pronounced emphasis over
the last decades. The presence of art unfolds the symbolic dimensions of the contexts
in which it acts, at the same time as it nourishes aesthetic and political processes of
subjectivation of artists and participants, with clear cultural and social gains. I consider
this action and this aesthetical-political formation one of the most important dimensions
of modern artistic production.
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Green areas are becoming scarce in most
of the larger Brazilian cities. When we
look at the landscape, we can see more
of the gray of buildings and overpasses,
and less of the green of trees. Green is
becoming increasingly rare, and I have no
knowledge of any city in Brazil in which
urban planning incorporates nature in a
generous manner. Nature grows in small
cutouts on the pavement. The struggle
for urban parks can be noticed all over
Brazil. What are your thoughts on this
relationship between primeval nature and
urban nature? There is a lack of spaces
reserved for leisure and contemplation.
How would it be possible to counteract
against this logic?
I can notice your great concern in regard
to the possibilities of resistance to this
rationality, which has been gradually
removing urbanity and communal areas
from our cities. The capital has expanded
for centuries, while continuously updating
its twofold formula of appreciation of value
and incessant surpassing of boundaries,
and we are now faced with neighboring
situations in relation with nature. The
extent of the transformation nature has
been subjected to due to the billions of
humans inhabiting the planet has reached
thresholds that scientists have alerted to
be insurmountable with no irreversible
damage. Truly, when faced with this reality,
those who comprehend this kind of insanity feel ethically solicited to do something
directly opposite to the path carved by this
power of denaturation and objectification.
The establishing of counter-powers capable of imposing obstacles and resistance
to these prevailing flows is able to find in
everyday life - in its knowledge and actions
- a supremely important terrain, since it
is in the city and in the production of this
routine that it becomes possible to accomplish deviations towards the appropriation
of spaces and habits under no rule by the
exchange value. There are multiple scales
of action one can take, but it is necessary
to focus on the scale of the collective, since this is the scale of politics. To generate
counter-powers is to create a commitment
with the collective. As long as oppositions
are restricted to an individual or molecular scope, their effectiveness, although valid, will
be moderate. Significant changes depend on collective, purposeful and structured organization. It is not a coincidence that the continued investment on the values and practices
of individualism is so prized by the status quo.
Art can be understood as a mediating
social practice. The art in the public
space can destabilize the convictions and
ways with which we identify ourselves in
our daily lives. Works of art act over this
production of space, generating other
spaces where one can experience and be
fascinated by the city. This is something
interesting and beautiful, but at the same
time, art can be used as a tool in gentrification processes, manipulating people to
be more accepting and producing neutral,
spectacle-dominated areas where political contentions tend to disappear (one
can’t just protest against a museum, after
all). These paradoxes between art and politics have happened throughout history,
and it seems we are far from achieving
any sort of solution in this direction. This
becomes evident with the increasingly
strong presence of the art market in the
logistics of production and circulation of
artistic works. How do you perceive this
instrumental usage of art in urban gentrification processes?
It is true that the instrumental usage of art
has become recurrent. One recent notable
example is that of MAR - Museu de Arte do
Rio (Art Museum of Rio), which is directly
associated to the gentrification of the
area near Píer Mauá, where the Museu do
Amanhã (“Museum of Tomorrow”) is being
built. As I recall, soon after it was opened,
I was surprised to see the names of artistic collectives, exhibiting works which
considered themselves critical of urban
processes! It seems that, as time went on,
everything has been going through a process of ideological neutralization, being
absorbed into the official circle. Nowadays,
the origins of this museum, although recent,
seem to have been forgotten. There are names in the history of modern art, such as
Krzysztof Wodiczko, who have turned the
critique of gentrification into the reason
for the creation of remarkable works. I see
this as a beneficial direction, since their
critiques were elaborated upon dense and
effective aesthetic formations not only in
an urban context, but in the context of art
itself above all else. One trap which should
be avoided in this confrontation is that
of giving greater focus to the urban issue
than to the aesthetics. The difficulty lies in
the precise tract of both elements.
Art and the city are two themes you have
used in your research for some time. What
is new in works of art – in their contact
with the city – from modern times, when
compared to productions in past eras?
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One important point to highlight is that
the dichotomy between the autonomous
plan and the artistic heteronomy plan,
which has vigorously persisted in modern
art, has been overcome in the artistic
practice by means of a dialectic between
both. This denoted a fairly different way of
comprehending the relationship between
aesthetics and politics, which have since
been considered no longer distinct and
exclusionary, but as being mutually constituent. The philosophy of Jacques Rancière
is deeply engaged to this matter. According
to the philosopher, an artistic action or
image is simultaneously autonomous
and heteronomous, and this paradox is a
part of an aesthetic framework which has
been in effect over the arts since the 18th
Century. Under these terms, there is a new
comprehension in regard to the political
elements of images and works of art. The
old label of “engaged craft”, which lasted
for so long, has aged and became dated.
One other aspect that stands out is that
urban life and its practices are now read
and seized by artists in a much more
complex way, which demands them to
be involved in a different order in the
situations with which they work with. The
field of involved knowledge went through
a qualitative expansion, redefining the
terms of this experience.
In a society marked by cultural domination, art exercises the important role
of stimulating a sensible education in a
world characterized by the vertiginous
production of images. The critical education regarding images is of paramount
importance towards restoring a poetic
part of our lives, when faced with a
totalitarian and all-encompassing visual
culture. Art can be an important tool to
support urban utopias. Do you believe, as
said by Schiller, that “beauty is the path
to freedom”?
Schiller has an important role in the
debate of the aesthetic field. In his work
Letters Upon The Aesthetic Education of
Man, published in 1793, he designed the
then new idea of an aesthetic utopia, in
which art has a revolutionary role. It was
a sensible formative process which did
not concern only the individual, but also
the collective, and it is in this direction
that said aesthetic formation would be
the path for political freedom. One of his
concerns was attempting to overcome the
censorship between the sensible and the
comprehensible, arising out of an enduring
tradition which dates back to ancient
Greece. Writing soon after the French
Revolution and the Reign of Terror which
succeeded it, Schiller was concerned with
the way of contemplating a society which
was not only rational, but also humanized,
grounded on the realities of the time. His
thesis states that the aesthetic education
would be the best approach to recover the
totality of human faculties, a totality which
was taken from the individuals by an unilateral and fragmented culture. According
to him, this formative undertaking would
be extended for a long historical period,
since it would entail the constitution of a
culture and a project of emancipation for
humanity. His utopia, ultimately, concerned a revolution of a much more radical
nature than simple politics, aiming at the
constitution of foundations for a new life.
As you can see, the underlying issues he
confronted are not yet gone from our situation in modern times: when faced by the
omnipresence of form-merchandise, isn’t
it possible that art is still attempting to bet
on the promise of a new life?
Vera Pallamin has graduated in Architecture and Urbanism, and in Philosophy, at the Universidade de São Paulo. She is a professor in the Faculty of Architecture and Urbanism at the
USP, where she guides master and doctorate studies. She is the author of Arte Urbana – São
Paulo, região central (2000), Cidade e Cultura: esfera pública e transformação urbana (org),
(2002) and Arte, cidade e cultura: aspectos estético-políticos (in press).
PER N O I TE
S al vad o r, 2 0 1 3
RAP HAE L ES C O BAR
htt p : //esco b aresco b ar.weeb ly.co m/
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O trabalho do artista Raphael Escobar
é fortemente influenciado pela cultura
urbana de São Paulo. O skate, o grafitti, o
pixo, o rap e a “cultura das quebradas” são
o elo de ligação de sua arte com a cidade.
Em sua produção, seja nas intervenções
na rua, seja nos trabalhos criados para os
espaços expositivos tradicionais, a “rua”
está em atravessamento.
Em seu projeto “Pernoite”, desenvolvido
em Salvador, Bahia, durante a residência
do projeto Muros – Territórios Compartilhados (no qual os artistas são convidados
a desenvolver trabalhos no espaço público
evidenciando uma série de muros físicos
ou não, existentes nas cidades), o artista
desenvolve, a partir de conceitos da biologia sobre os modos de coexistência entre
as espécies (inquilinismo, mutualismo,
parasitismo), uma forma de moradia urbana temporária para os moradores de
rua.
Fotos [photos]: Bruno Vilela
O artista instala, em um estabelecimento
comercial, um toldo retrátil dotado de um
mecanismo que possibilita abri-lo à noite
para ser usado como abrigo. Na simplicidade da proposta se deflagra uma rede de
relações entre as pessoas na cidade e a
formação de territórios. Ao mesmo tempo,
o trabalho chama a atenção para uma
situação delicada e complexa que é a vida
de quem habita as ruas.
O projeto não se dá apenas na instalação
do toldo, mas se complexifica no momento
de buscar um comerciante disposto a
abrigar um morador de rua na frente de
sua propriedade (pois a negociação entre
as partes era necessária).
O trabalho envolve não apenas a relação
do morador de rua e do proprietário com a
obra, mas também a relação entre os dois.
A calçada como espaço de passagem é
transformado e a lógica de espaço público
ganha um outro significado. O toldo aponta
para as potências do uso dos espaços e os
problemas de convivência entre os diferentes agentes das metrópoles.
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OV ERNIGHT STAY
The work of artist Raphael Escobar is
strongly influenced by São Paulo’s urban
culture. Skateboarding, graffiti, “pixo”
(brazilian graffiti font), rap and “back
alley culture” are the link in the chain of
his artistic connection with the city. In his
work, be it in the street interventions, or in
the works created for traditional exhibition
spaces, the “street” is at the crossroads.
In his project “Pernoite [Overnight Stay]”,
developed in Salvador, Bahia, during the
residency with the project “Muros – Territórios Compartilhados [Walls – Shared
Territories], (in which the artists were invited to develop works in the public space
showing evidence of a variety of walls in
the cities, both physical and invisible). The
artist develops a form of temporary urban
dwelling for the homeless population,
based on concepts of biology related to the
modes of coexistence among the species
(inquiline, mutual and parasitic).
Sal vador, 2013
RAPH AE L ES C O BAR
The artist installs, in a commercial establishment, a retractable awning endowed
with a mechanism that allows for it to be
opened at night so that it may be used as
a form of shelter. In the simplicity of the
proposal, what breaks out is a network
of relationships among the people in the
city, in the formation of territories. At the
same time, the work calls one’s attention
to a delicate and complex situation which
is the life of one who inhabits the streets.
The project doesn’t merely manifest itself
in the installation of the awning, but makes
itself more complex when it’s time to look
for a merchant willing to shelter a homeless
person in front of his/her property (since negotiation between the parties is necessary).
The work involves not only the relationship
between the homeless person and the
proprietor with the work of art, but also the
relationship between the two people. The
sidewalk as space for passing through is
transformed, and the logic of public space
gains new meaning. The awning points to
the potencies of the use of spaces and
the problems of coexistence among the
different agents of the cities.
70
71
LOT E S
VAGOS
B elo H o rizo n te, 2 0 0 5 e 2 0 0 6
For t aleza , 2 0 0 8
B R E N O S I LVA E LO U I S E G ANZ
ht t p : // lotevago.b lo gsp ot .co m.b r/
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Lotes Vagos é um projeto que visa transformar os lotes vagos em espaços públicos
de uso coletivo, durante um período prédeterminado. Os lotes são emprestados
pelos seus proprietários e usados por vizinhos, moradores e transeuntes. O grupo
que participa da transformação do lote
torna-se responsável pela implantação do
projeto, pelo cuidado com o espaço e pelos
acontecimentos.
A intenção do trabalho é criar situações que
estão na contramão da lógica de especulação imobiliária e de espetacularização
dos espaços públicos. A proposta é trilhar
um caminho que vise realçar uma rede de
espaços vazios – áreas, potencialmente,
de invenção e experiência – trabalhando
tanto com as especificidades físicas do
lugar (como a vegetação, o relevo, o terreno
e as construções), quanto com as pessoas
do entorno e suas atividades.
O processo começa com a busca desses
lotes, por meio de caminhadas e do contato
com diversas áreas da cidade. Depois são
feitas negociações com os proprietários,
que emprestam os lotes por períodos
distintos, e em seguida é realizado um
trabalho em colaboração com as pessoas
do entorno, que decidem coletivamente
qual será o uso do lote. As possibilidades
para o uso das áreas são inúmeras, como
festas de casamento, lugar para descanso,
hortas públicas, bibliotecas, salões de
beleza, parques e muitas outras. As formas
de ocupação problematizam os modos de
vida social hoje e colocam em debate as
relações de propriedade, meio ambiente,
ócio, ética e estética.
As ocupações não visam “requalificar” ou
“revitalizar” os lotes, mas mantêm seu
caráter de abandono, incorporam suas
especificidades e projetam esses espaços
como lugares entre o vago e o propositivo.
Ao mesmo tempo, intensificam o debate
sobre a qualidade de vida nas cidades e
colocam em discussão a relação entre o
público e o privado, o modo como utilizamos os espaços públicos da nossa cidade
e como eles fazem parte da vida privada. O
projeto pensa os lotes vagos como extensões do doméstico, que podem ser lugares
para o lazer e o ócio, mas também como
extensão da casa e da domesticidade,
pois o espaço público também se faz pelo
uso e pelas práticas informais, legais e
ou ilegais, como habitações, vendas e
plantações que se dão em ruas e áreas
residuais.
VACA N T LOTS
B e lo H orizonte, 2005 and 2006
Fo r talez a , 2008
B R E N O S I LVA AN D LO UI S E G AN Z
http: //lotevago.blog spot .com .br/
74
75
Lotes Vagos [Vacant Lots] is a project
that aims to transform vacant lots
into public spaces for collective use,
during a pre-determined period of time.
The lots are loaned by the proprietors
and used by neighbors, residents and
passers-by. The group that participates
in the transformation of the lot becomes
responsible for the implementation of the
project, for taking care of the space and for
what happens there.
work effort takes place with the people
in the surrounding area, who collectively
decide what the lot will be used for. The
possibilities for the use of these spaces
are unlimited, including wedding parties,
leisure areas, public gardens, libraries,
beauty salons, parks and several others.
The forms of occupation question the ways
of social life today and propose the debate
regarding relationships with property, the
environment, idleness, ethics and beauty.
The intent of the work is to create situations
that are swimming upstream against
the current of real estate speculation
and the spectacularization of public
spaces. The idea is to open a pathway
that aims to highlight a network of empty
spaces - areas, potentially, of invention
and experience - working as much with
the physical specifics of the space (like
the vegetation, the terrain, the land and
the buildings), as with the people in the
surrounding area and their activities.
The occupations don’t aim to “recategorize”
or “revitalize” the lots, but instead to
maintain their abandoned characteristics,
incorporating their specifics and projecting
these spaces as places somewhere
between emptiness and volition. At the
same time, it intensifies the debate
regarding the quality of life in cities and
proposes the discussion related to what
is public and what is private and the way
in which we use our city’s public spaces
and how they are part of our private lives.
The project thinks of the lots as extensions
of what is domestic, which can be places
for leisure and idleness, but also as an
extension of the home and all that is
domestic, as the public space is also
created through use and through informal
routines, legal or illegal, such as housing,
sales, and the gardening that goes on in
residual areas.
The process begins itself with the
search for these lots, through walks and
contact with a variety of areas in the
city. Afterwards, negotiations are made
with the proprietors, who loan the lots
to the project for different periods of
time, and following that, a collaborative
LEIL ÃO DE
ART E P IO LHO
NABA B O
R$1,99
B elo H o rizo n te e Fo r t aleza
d e s d e 2010
PI O L HO N ABAB O
p io l ho n a b a b o. b lo g s p ot .co m . b r /
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77
O coletivo Piolho Nababo, formado por
Daniel Toledo, Froiid K e Warley Desali é
conhecido no meio underground belohorizontino desde 2010, quando criaram a
Galeria de Arte Piolho Nababo, ocupando
uma sala comercial no edifício Maletta, no
centro de Belo Horizonte, onde qualquer
pessoa poderia expor. As obras eram
trocadas, vendidas, doadas e a quantidade
foi crescendo tanto que as obras se sobrepunham em camadas nas paredes, no
teto e no chão.
Nesse espaço surgiu o “Leilão de Arte
Piolho Nababo R$1,99” (que acontecia
inicialmente no Ystilingue – espaço que já
abrigou diversas iniciativas independentes
em BH – e migrou para outros lugares,
incluindo espaços institucionais). No
Leilão, o coletivo convoca diversos artistas
a participarem e organiza um grande e
performático Leilão de Arte cujos preços
iniciam em R$ 1,99, numa clara referência
ao comércio popular brasileiro. O diferencial do leilão é que as obras que não são
vendidas são destruídas. Eles afirmam
de forma irônica que “se uma obra de arte
não tem valor comercial, ela não merece
existir”. Cada evento tem um mote, mas
todos trazem críticas afiadas ao sistema
tradicional da arte.
O acervo do leilão compreende uma série
de trabalhos dos mais diversos tipos, como
pinturas, desenhos, gravuras, colagens, fotografias, esculturas, entre outros. O leilão
que funciona como uma extravagante
festa, conta com uma banda, ou DJ, que
toca durante todo o evento, produzindo um
ambiente de catarse coletiva. Os lances
podem ser ou não acatados pelo leiloeiro.
O evento é uma sátira aos tradicionais
leilões que integram o mercado de arte
e assim o coletivo questiona: “O que é
arte?” “O que é o espaço de arte? “O que é
o artista?” “Por que este ou aquele foram
eleitos?”. Dessa forma, instigam a todos, a
partir da ideia de que todos somos artistas, a produzirem e exibirem suas obras.
Fazem piada com o mercado de arte e o
colecionismo e com o fetiche de se possuir
uma obra de arte. Retiram todo o glamour
e tornam a arte uma mercadoria qualquer.
Além de criarem espaços para trocas e
compartilhamento entre os artistas participantes.
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Fotos [photos]: Luis Carlos Oliveira
P IOL HO NA BABO R$ 1,9 9
A RT AU CTI O N
The collective Piolho Nababo, formed by
Daniel Toledo, Froiid K and Warley Desali,
has been a familiar name in the Belo
Horizonte underground since 2010, when
they created the Galeria de Arte Piolho
Nababo, occupying an office space in the
Maletta building, in the center of Belo
Horizonte, where anyone could exhibit
their work. The works were traded, sold
and donated, and the quantity continued
to grow so much that the works layered
themselves over each other on the walls,
ceiling and floor.
This space hosted the emergence of the
“Leilão de Arte Piolho Nababo R$1,99”
[Art auction] (which initially took place at
Ystilingue – a space that has given shelter
to a variety of independent initiatives in
Belo Horizonte –, and migrated to other
places, including institutional spaces).
At the Auction, the collective calls upon
a variety of artists to participate and they
organize a big, performative Art Auction
with prices that start at R$ 1,99, in a
clear reference to the popular Brazilian
commerce. What differentiates the
auction from others is that the works that
are not sold are destroyed. They affirm, in
an ironic way, that if a work of art has no
commercial value, it doesn’t deserve to
Belo Horizonte and Fortaleza since 2010
PIOLH O NABABO
exist”. Each event has a theme, but all of
them carry sharp criticisms regarding the
traditional system of art.
The auction’s collection includes a series
of works of the widest variety, such as
paintings, drawings, engravings, collage
works, photographs and sculptures,
among others. The auction functions as
an extravagant party, including a band
or a DJ, who plays throughout the event,
producing an environment of collective
catharsis. The bids may or may not be
acknowledged by the auctioneer.
The event is a satire of the traditional
auctions that are a part of the art market
and ask: “What is art?” “What is an art
space?” “What is the artist?” Why was this
one or that one elected? In this way, they
instigate all, based on the idea that we
are all artists, to produce and exhibit our
works.
They make a joke about the art market
and collecting, with a fetish for one’s
ownership of an artwork. They remove all
the glamour and turn art into everyday
merchandise. Aside from this, they create
spaces for exchanging and sharing among
the participating artists.
78
79
VECAN A
B e lo Ho r izo n te, 2011
P I E R R E FO N S ECA
vecan a .web n o d e.co m.b r
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Numa certa manhã, árvores de Belo
Horizonte aparecem marcadas com
placas de metal que trazem a logomarca
de uma empresa chamada “Vecana”. Além
da informação de que aquela árvore está
reservada para corte, há também um
código de barra, número do lote para exportação e o endereço do site da empresa.
No site, tudo dá a entender que se trata de
uma empresa verdadeira. Em sua missão,
visão, valores e estratégia de negócios,
apresenta uma proposta que tensiona os
limites éticos em relação à negociação e à
exploração dos bens naturais nas cidades
brasileiras.
Alguns moradores da cidade se assustam
e entram em contato com a Prefeitura e a
polícia, que dizem não saber nada sobre
o assunto. O caso começa a tomar grande
repercussão na mídia local e diversos
jornais impressos e na TV noticiam o fato
com muita revolta. A ação ganha páginas
inteiras nos jornais e traz à tona diversas
reclamações sobre como as árvores da
cidade estão sendo cuidadas, a falta
de responsabilidade da Prefeitura, etc.
Repórteres vão até Brasília, no local onde
estaria localizada a empresa de acordo
com o site, e veem um prédio comercial
bem luxuoso, porém não existe ali empresa
alguma.
A demora para o público entender que se
tratava de uma ação artística colaborou
para uma recepção ainda mais séria da
notícia na mídia. Nesse sentido, a ação
é uma proposta artística que cria uma
realidade distorcida, porém possível. Ao
exagerar as estratégias comerciais que já
existem no mercado, evidencia a falta de
escrúpulos na negociação dos bens naturais nas cidades brasileiras e as relações
comerciais que exploram o bem comum
em nome do lucro.
V ECA N A
82
B e lo H orizonte, 2011
PIERRE FONS ECA
83
On a certain morning, trees in Belo Horizonte appear marked by metal signs that
bear the brand mark of a company called
“Vecana”. Aside from the information that
the tree is designated to be cut, there is
also a bar code, a lot number for export
and the address of the company’s site. On
the site, everything leads one to believe
that one is dealing with a real company.
In its mission, vision, values and business
strategy, it presents a proposal that stretches ethical limits regarding negotiation
and the exploration of natural resources in
Brazilian cities.
Some city residents get frightened and
contact the city government and the police, who say that they don’t know anything
about the matter. The case begins to make
a lot of noise in local media coverage,
with a variety of print newspapers and TV,
newscasts reporting the fact with outrage.
The action gains full page coverage in the
newspapers and brings to the surface a
variety of complaints about how the trees
in the city are being taken care of, the city
government’s lack of responsibility, etc.
Reporters go to Brasília, the location in
which the company was supposed to exist,
according to the site, and see a highly luxurious office building, however no company
of any sort exists there.
The delay in the public’s understanding
that what was an artistic action collaborated with the receiving of even more
serious news from the media. In this way,
the action is an artistic proposal that creates a distorted yet possible reality. Upon
exaggerating the commercial strategies
that already exist in the market, it shows
evidence of the lack of scruples in the negotiation of natural resources in Brazilian
cities and the commercial relationships
that exploit the common good in the name
of profit.
CAM PA NH A
NÃO
E LE I TORAL
B e lo H o r izo n te, 2012
PI S E AG R AM A
www. p is e a g ra m a .o rg
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A ação se dá em Belo Horizonte, durante
o período da campanha eleitoral de 2012
e é composta por uma série de materiais
gráficos, cartazes, adesivos, bolsas, cavaletes, camisetas, que vão pouco a pouco
colorindo os espaços públicos das cidades
(e também as redes sociais) através de
imagens que se expandem para além do
período eleitoral. O material vendido a
preço de custo em livrarias, feiras ou na
loja on-line, traz uma série de quadrados
coloridos com hashtags como #ÔNIBUSSEMCATRACA, #CARROSFORADOCENTRO, #PARQUESABERTOS24H,#UMAPRA
ÇAPORBAIRRO, #NADAREPESCARNOARRUDAS, provocando o imaginário urbano
num momento no qual as cidades estão
totalmente tomadas por slogans, imagens
e propagandas de partidos políticos.
Esse material se configura como uma
série de pílula de projetos para o espaço
público, estimulando e apresentando
outras formas de se reivindicar o espaço
público para uso coletivo, uma vez que
esses espaços se apresentam cada vez
mais privatizados. Os cartazes sem assinatura se lançam livres às interpretações
e interferências nos espaços das cidades,
desenrolando propostas e imaginários,
paisagens e práticas de código aberto.
Durante as manifestações que tomaram
as ruas do Brasil, a proposta da campanha
foi apropriada por diversos grupos e movimentos sociais que inseriram no mesmo
layout novas frases de reivindicação
coletiva. Como, por exemplo, #NENHUMVIADUTO ou as diversas bandeiras vermelhas com a frase #ÔNIBUSSEMCATRACA,
empunhadas durante os protestos por
melhoria no transporte público. A simplicidade do design e das mensagens fizeram
o trabalho também viralizar nas redes
sociais.
Piseagrama é uma publicação dedicada
aos espaços públicos “existentes, urgentes
e imaginários” e se define como “espaço
público periódico”, coordenada por Fernanda Regaldo, Renata Marquez, Roberto
Andrés e Wellington Cançado. A noção de
“público” é desenvolvida na revista a partir
da articulação entre diversas áreas do
saber, como a arte, a política, a arquitetura,
a fotografia e a vida nas cidades. Além do
periódico, o grupo de editores publica uma
série de livros como o Domesticidades,
O guia do morador de Belo Horizonte e o
Atlas Ambulantes. As publicações existem
no meio impresso, mas servem também
como material que se desdobra no espaço
público para trazer ao debate as formas
de viver, ocupar e experienciar a cidade de
forma crítica.
CA M PA N HA N ÃO EL EI TO RA L
NON EL ECTOR A L CA M PA IGN
The action that occurs in Belo Horizonte,
during the period of the electoral campaign
of 2012, was composed of several graphic
materials, posters, stickers, purses, easels
and t-shirts, that little by little, go on to
color the public spaces of the cities (and
the social networks as well) through images
that expand themselves beyond the electoral period. The material sold at the price
of cost in bookstores, fairs or at the online
store, brought a series of colorful squares
with hashtags like #ÔNIBUSSEMCATRACA,
[#BUSWITHOUTATURNSTILE], #CARROS
FORADOCENTRO,[#CARSOUTOFTHECEN
TER], #PARQUESABERTOS24H, [#PARKSOPEN24HRS], #UMAPRAÇAPORBAIRRO,
[#ONEPARKPERNEIGHBORHOOD], #NADAREPESCARNOARRUDAS [#SWIMMING
P ISE AG RAMA
BELO HORIZON TE , 201 2
B e lo H orizonte, 2012
PIS EAGRAMA
ANDFISHINGINTHEARRUDASRIVER], provoking the urban imaginary in a moment in
which the cities are completely overtaken
by slogans, images and advertisements
from political parties.
This material configures itself like a pill
series of projects for the public space,
stimulating and presenting other ways of
demanding that the public space be used
for collective use, since these spaces
present themselves to be more and more
privatized. The unsigned posters launch
themselves, free to the interpretations and
interferences in the city’s spaces, unrolling
proposals and imaginations, landscapes
and practices of open code. During the
protests that covered the streets of Brazil,
the proposal of the campaign was appropriated by a variety of groups and social
movements that inserted new phrases for
collective demands into the same layout.
Like, for example, #NENHUMVIADUTO
(#NOOVERPASSWHATSOEVER) or the
variety of red banners with the phrase
#ÔNIBUSSEMCATRACA (#BUSWITHOUTATURNSTILE), held during the protests for
the improvement of public transportation.
The simplicity of the design and of the
messages made the work become viral as
well, through the social networks.
Piseagrama is a publication dedicated to
public spaces that are “existent, urgent
and imaginary” and defines itself as a
“periodic public space”, coordinated by
Fernanda Regaldo, Renata Marquez,
Roberto Andrés and Wellington Cançado.
The notion of what is “public” is developed
in the magazine based on the articulation
among diverse areas of knowledge, like
art, politics, architecture, photography and
life in the cities. Aside from the periodical,
the group of editors publishes a series
of books like Domesticidades, O guia do
morador de Belo Horizonte e o Atlas
Ambulantes [Domesticities, The guide for
the resident of Belo Horizonte and the
Ambulant Atlas]. The publications exist in
printed media, but also serve as material
that unfolds itself in the public space to
critically debate ways of living, occupying
and experiencing the city.
COZ I NHA S
T E MP O RÁ R IAS
PELOS QUINTAIS
DO JARDIM CANADÁ
N ov a Lim a , 2012
T HI S L AN DYO UR L AN D
t his l a n d yo u r l a n d . b lo g s p ot .c o m
88
89
Thislandyourland é uma dupla formada
por Louise Ganz e Ines Linke e desenvolve
trabalhos que se relacionam com a paisagem, a arte, a natureza e a cidade. Suas
propostas buscam colocar em debate o
acesso à terra e aos meios de produção,
tanto no contexto urbano, quanto rural.
As artistas investigam como as macroestruturas econômicas influenciam nas
nossas vidas cotidianas, inviabilizando
nossa autonomia e construindo espaços
de homogeneização. O trabalho aborda a
forma como os processos de globalização
e capitalismo em larga escala conduzem a
formas de vida socioculturais padronizadas internacionalmente. Elas idealizam
uma cidade na qual as trocas acontecem
de forma horizontal e comunitária, em que
a subsistência das pessoas acontece a
partir de formas produtivas autônomas; de
quintal em quintal, onde os insumos disponíveis estão acessíveis a uma coletivização. A função final desse processo seria
a independência das macroestruturas e
a possibilidade de se ter uma total autonomia nos sistemas construtivos, energéticos, de acesso à água e de produção de
alimentos.
A dupla ressalta que sua proposta não é
criar um projeto para uma nova cidade, ou
uma cidade do futuro. A ideia é ampliar os
processos que já existem e estão sendo
praticados em vários bairros e cidades.
“Cozinhas temporárias: pelos quintais do
Jardim Canadá” (2012) foi um trabalho realizado no bairro Jardim Canadá, na cidade
de Nova Lima, região metropolitana de
Belo Horizonte. Trata-se de um bairro novo,
caracterizado pela presença da mineração
e sua terra vermelha, formado por galpões
industriais, casas e ruas largas, onde
a paisagem e a arquitetura misturam o
super tecnológico com as práticas de
improviso bastante populares.
Nesse trabalho, as artistas investigam o
grau de produção de alimentos no bairro
e, para surpresa da dupla, havia muita
coisa sendo produzida nos quintais, vasos,
lotes vagos, garagens e outros espaços. De
quintal em quintal, conversando com os
moradores e funcionários das empresas,
negociaram um lugar para a construção de
um pequeno restaurante onde funcionaria
a cozinha temporária.
As refeições eram feitas apenas com os
produtos coletados no bairro, que deixavam
os quintais para ganhar vida e espaço
no coletivo, a partir de uma situação de
socialização coletiva que conduz a formas
alternativas de ocupar e consumir.
T EMPO R A RY KITCHE NS
Thislandyourland is a duo formed by
Louise Ganz and Ines Linke. They develop
works that relate to the landscape, art,
nature and the city. Their proposals seek to
raise the debate regarding access to land
and the means of production, as much in
the urban context as in the rural context.
90
91
The artists investigate how the economic
macrostructures influence our daily lives,
making our autonomy unviable and constructing spaces of homogenization. The
work deals with the way in which the processes of globalization and capitalism on a
large scale direct the ways of sociocultural
life that are standardized internationally.
N ova Lima , 2012
TH IS LAN DYOURLAND
“Cozinhas temporárias: pelos quintais
do Jardim Canadá” [Temporary kitchens:
throughout the yards of Jardim Canadá]
(2012) was a work created in the neighborhood of Jardim Canadá, in the city of Nova
Lima, located in the metropolitan region of
Belo Horizonte. It’s a new neighborhood,
characterized by the mining presence and
the red earth, formed by industrial warehouses, houses and wide streets, where
the landscape and architecture mix the
super technological with the widely popular practices of improvisation.
They idealize a city in which the exchanges
happen in a horizontal, communitarian
way, in which people’s subsistence happens based on autonomous and productive formats; from yard to yard, where
the available seeds are accessible to a
collectivization. The end function of this
process would be the independence from
the macrostructures and the possibility of
one having total autonomy in the systems
of construction, energy, access to water
and the production of food.
In this work, the artists investigate the
degree to which food is produced in the
neighborhood, and to the surprise of
the duo, there were lots of things being
produced in the yards, vases, vacant
lots, garages and other spaces. The local
production included herbs, papaya, sugar
cane, limes, chayote, fennel, capuchinha,
boldo, collard greens, tomatoes, strawberries, spinach, a variety of herbs, eggs,
chickens, etc. From yard to yard, talking
with the residents and employees of the
companies, they negotiated for a place to
construct a small restaurant where the
temporary kitchen would function.
The duo emphasizes that its proposal is
not to create a project for a new city, or a
city of the future. The idea is to expand the
processes that already exist and that are
being practiced in several neighborhoods
and cities.
The meals were made using only the
products collected from the neighborhood,
these leaving the yards to gain new life and
space in the collective, based on a system
of collective socialization that steers alternative forms of occupying and consuming.
S ERVI ÇOS
G ERAIS
S ão Pau lo, d e s d e 2011
TR I N CA S P
www.youtube.com/user/servicosgerais
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A cidade e os equipamentos urbanos
sempre precisam de algum reparo: placas
sujas, pedras soltas no piso, faixas de
pedestres desbotadas, postes entortados, bancos quebrados… Direcionando
seu olhar para a conservação dos bens
urbanos, o coletivo Trinca SP, formado
por Rodrigo Machado, Filipe Machado e
Gustavo McNair, caminha pelas ruas de
São Paulo com uma pequena maleta que
contém um kit de ferramentas básicas, até
que encontram algum reparo a ser feito. De
longe, dois deles filmam a ação e registram
a reação das pessoas que passam pelas
ruas durante o processo.
O trabalho “Serviços Gerais”, no qual simplesmente consertam coisas na cidade,
surge da inquietação de querer fazer algo
pela cidade e deseja mostrar um espaço
público que é de responsabilidade de
todos. Normalmente terceirizamos esses
cuidados ao poder público e nos eximimos
de fazê-los. O trio mostra, por uma simples
ação, possibilidades de interação entre
as pessoas e seus espaços e como essa
interação pode conduzir a uma cidade
melhor.
“Serviços Gerais” são ações simples e
provocativas que buscam existir enquanto
potência de mudança. Por isso, além das
ações em si, o coletivo publica em seu site
os vídeo-registros das intervenções para
que o trabalho se espalhe por mais pessoas. Seus consertos são efêmeros e, por
meio da ação de preservação, evidenciam
a natureza dinâmica das cidades, onde os
reparos, consertos e diálogos podem ser
infinitos.
GENERA L SERV IC ES
The city and its urban infrastructure always require some kind of maintenance:
dirty signs, loose stones in the sidewalk,
faded pedestrian crosswalks, crooked
posts, broken benches… Directing its focus to the conservation of urban goods,
the collective Trinca SP, formed by Rodrigo
Machado, Filipe Machado and Gustavo
McNair, walk among the streets of São
Paulo with a small toolbox that contains
a basic tool kit, until they encounter some
repair to be made. From a distance, two of
them film the action and document the reactions of the people who walk by on the
streets during the process.
They simply fix things in the city. The work
Serviços Gerais emerges from the restless urge to do something throughout the
city, wishing to show a public space that is
São Paulo, since 2011
TRINCA S P
everyone’s responsibility. We usually delegate this caretaking to a third party, the
public authorities, and we avoide doing it
ourselves. The trio shows, with a simple
action, possibilities of interaction among
the people and their spaces and how this
action can lead to a better city.
General services are simple and provocative actions that seek to exist as a potency
of change. Because of this, aside from the
actions in themselves, the collective publishes the video documentation of the interventions on its site so that the work may
spread through more people. Their repairs
are ephemeral, and by way of the action of
preservation, show evidence of the dynamic nature of cities, where the repairs, fixes
and dialogues can be infinite.
96
97
TEMPO E TEMPORALIDADE
NA CIDADE
TIME AND TEMPORALITY
IN THE CITY
A “arte com base no tempo”
transforma escassez
de tempo em excesso
de tempo.
Boris Groys
“Art based on time”
transforms the shortage
of time into excess of time.
Boris Groys
Estou sem tempo! Tempo é dinheiro! Não podemos
perder tempo! São frases muito comuns na vida contemporânea. A falta de tempo é resultado de um processo econômico e cultural que acelerou todas as
dinâmicas de produção e transformou nossa relação
com o trabalho e o tempo livre.
98
99
A própria ideia de trabalho está hoje transformada e não mais se resume, por exemplo, às horas trabalhadas no escritório, passando a configurar uma
dimensão totalizante da vida, necessária para nos
tornarmos parte dos fluxos do capitalismo. Em geral,
costumamos levar o trabalho para casa e estamos
constantemente conectados a ele, 24 horas por dia, 7
dias por semana. É também cada vez mais comum a
exigência de que as pessoas coloquem não apenas os
seus corpos e mentes no trabalho, mas sua imaginação, seus sonhos, sua capacidade criativa – contexto
que leva à exaustão do fluxo de energia dos trabalhadores. Antonio Negri disse que “o trabalho é, como sabemos perfeitamente, ao mesmo tempo, capacidade
de produção, atividade social, dignidade das pessoas
que trabalham. Por outra parte é também escravidão,
comando, sujeição, alienação ”.
Nesse novo capitalismo que adentra todas as nossas
moléculas de vida, o trabalho se torna escravidão: fora
as “horas trabalhadas”, sobram de fato poucas “horas
de vida”. Tempo muitas vezes preenchido pela internet,
a televisão e outras formas de absorção midiática.
A falta de tempo colabora para a produção generalizada do cansaço. Para Byung-Chul Han, autor do livro “Sociedade do Cansaço” , não vivemos mais numa
sociedade disciplinar, como denominou Foucault as
sociedades no século XVIII baseadas no poder sobre
as pessoas através de mecanismos de confinamento
1.
Subjetividade e Política na Atualidade,
transcrição da Conferência de Antonio
Negri, Estados Gerais da Psicanálise:
Segundo Encontro Mundial - Rio de Janeiro
- outubro 2003, documento eletrônico.
2.
HAN, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço.
Lisboa: Relógio D’agua, 2014.
3.
GROYS, Boris. Camaradas do tempo. In:
Caderno SESC videoBrasil, vol.6. São Paulo,
Edições SESC SP: Associação Cultural
Vídeobrasil, 2010.
(escolas, presídios, fábricas). Para Han, a técnica disciplinar, deu lugar ao que
ele chama a “sociedade do desempenho” – cuja configuração é marcada pela
presença de grandes centros comerciais, laboratórios, torres de escritórios e
de um novo sujeito, não mais submetido a técnicas disciplinares e de controle,
mas que possui a “liberdade da obrigação” de produzir e se entregar à tarefa
de uma autoexploração. O autor aponta que isso é muito mais eficaz do que a
exploração pelo outro, pois a exploração de si mesmo vem acompanhada de
um sentimento de liberdade.
Somos todos “multitarefas” e isso torna precária nossa capacidade de concentração, de contemplação e de criação e a substitui por uma hiperatividade.
Essa agitação permanente, amplamente difundida e louvada, não gera o novo,
mas apenas reproduz e acelera o que já existe. Um certo estado de embriaguez eletrônica envolve as nossas existências.
Assim, nossa experiência no mundo fica debilitada, e cada vez mais rara, pois
tudo passa muito depressa, os estímulos são instantâneos e imediatos. São
também rapidamente substituídos por outros, e outros, e outros, numa trama
sem fim. Somos superestimulados e criamos vivências fragmentadas e pontuais. Essa velocidade nos impede de criar uma conexão significativa entre os
acontecimentos. Nos tornamos assim, incapazes do silêncio, das pausas e da
contemplação. O tempo se torna um valor, uma mercadoria.
Muitas obras de arte, e também movimentos sociais, que tomam vida nos
espaços públicos das cidades, vêm justamente abordar o tempo e a temporalidade dos espaços urbanos como material poético para seu desenvolvimento. A cidade pode ser vista como um lugar com grandes sobreposições
de diversos tempos, lentos ou rápidos – seja nas experiências cotidianas de
aceleração da vida, seja nas construções, demolições, edificações e ruínas, na
natureza que invade os prédios abandonados, na construção de novos prédios
e empreendimentos. Assim, os discursos da arte acabam sempre por produzir
situações nas quais o tempo e o espaço são colocados no foco das questões.
Boris Groys, em seu texto “Camaradas do Tempo”, recompõe o significado da
palavra “contemporâneo”: “Ser contemporâneo não significa necessariamente ser presente, estar aqui e agora; significa estar “com tempo”, em vez de
“no tempo”. “Contemporâneo” em alemão é zeitgenössich. Já que Genosse
significa ‘camarada’, ser contemporâneo – zeitgenössich – pode se entender
como ’camarada do tempo’ – como colaborador do tempo, que ajuda o tempo
quando ele tem problemas, quando tem dificuldades”. Para ele, quando a arte
tematiza o tempo ela se torna “camarada do tempo”, ao trabalhar com o tempo
não produtivo, desperdiçado, excedente – uma temporalidade suspensa – em
atividades que transcorrem no tempo, mas que não levam a nenhum produto ou sentido. Pelo contrário, documentam o tempo que está em risco de ser
perdido.
I don’t have time! Time is money! We can’t lose
time! These are phrases that are quite common in
contemporary life. The lack of time is the result of an
economic and cultural process that accelerated all
of the dynamics of production and transformed our
relationship with work and with free time.
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The idea itself of work is today transformed and no
longer can be summed up by, for example, the hours
of work at the office, going on to configure a totalizing
dimension of life, necessary for us to become part
of the fluxes of capitalism. In general, we’re used to
taking work home and we’re constantly connected to
it, 24 hours a day, 7 days a week. It is also more and
more common to demand that people put not only
their minds and bodies to work, but their imagination,
their dreams, their creative capacity – the context
that brings the worker’s flow of energy to the point
of exhaustion. “Work is, as we know perfectly well, at
the same time, production capacity, social activity
and dignity among the people who work. On the other
hand it is also slavery, command, subjugation and
alienation”.
In this new capitalism that enters every molecule of
our lives, work becomes slavery: aside from the “hours
worked”, few “hours lived” are actually left over. Time
often filled up by the internet, television and other
forms of media absorption.
The lack of time contributes to the generalized
production of fatigue. For Byung-Chul Han, author
of the book “Fatigue Society”, we no longer live in a
disciplinary society, as denominated by Foucault
regarding the societies of the XVIII century based
on power over people through the mechanisms of
confinement (schools, prisons, factories). For Han,
1.
“Subjetividade e Política na Atualidade”,
transcription of the Conference of Antonio
Negri, Estados Gerais da Psicanálise:
Segundo Encontro Mundial - Rio de Janeiro outubro 2003, eletronic document.
2.
HAN, Byung-Chul, A Sociedade do Cansaço,
Lisboa, Ed. Relógio D’agua, 2014
3.
GROYS, Boris. Camaradas do tempo. In:
Caderno SESC videoBrasil, vol.6. São Paulo:
Edições SESC SP: Associação Cultural
Vídeobrasil, 2010.
the disciplinary technique gave way to the what he calls “the society of
performance” – whose configuration is marked by the presence of great
commercial centers, laboratories, office towers and of a new subject, no
longer subjected to disciplinary techniques and control, but that possesses
a “freedom from the obligation” of producing, opening oneself up to the task
of self exploitation. The author points out that this is much more effective
than the exploitation done by the other, since the exploitation of one’s own self
comes with a feeling of liberty.
We are all “multi tasks” and this makes our capacity to concentrate,
contemplate and create become precarious, and puts hyperactivity in its
place. This permanent agitation, amply widespread and praised, does not
generate the new, but merely reproduces and accelerates that which already
exists. A certain state of electronic inebriation involves our existences.
In this way, our experience of the world becomes debilitated, and more
and more rare, since everything goes by so fast, the stimulants instant
and immediate. They are also quickly substituted by others, and others,
and others, in an endless tapestry. We are over stimulated and we create
fragmented and punctual experiences. This velocity impedes us from creating
a significant connection among the events. We become, in this way, incapable
of silence, of pauses and of contemplation. Time becomes a price, some kind
of merchandise.
Many works of art, as well as social movements, that come alive in the public
spaces of the cities, have been dealing with the time and temporality of public
spaces as a poetic material for development. The city can be seen as a place
of a great layering of a variety of times, slow or fast – whether it’s in the daily
experiences of accelerated life, or in constructions, demolitions, buildings
and ruins, in nature, invading the abandoned buildings, in the construction of
new buildings and entrepreneurships. In this way, the discourse of art ends
up always producing situations in which time and space are placed in focus
among the issues.
Boris Groys, in his text “Camaradas do Tempo” [Comrades of Time], recomposes the
meaning of the word “contemporary”: “To be contemporary does not necessarily
mean to be present, to be here and now; it means to be ‘with time’, instead of ‘in
time’. ‘Contemporary’ in german is zeitgenössich. Since Genosse means ‘comrade’,
to be contemporary – zeitgenössich – can be understood as ‘comrade of time’ –
as a collaborator of time, that helps time when it has problems”. For him, when
art thematizes time, art becomes the “comrade of time”, upon working with nonproductive time, wasted, leftover – a suspended temporality – in activities that
transgress in time, but that do not lead to any product or meaning. On the contrary,
they document the time that is at risk of being lost.
DIÁ LO GO
CÁ S S IO
HI S SA
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A cidade tem sido um tema bastante presente nos debates públicos nos últimos
tempos, bem como a arte em contato com
a esfera pública. Hoje se fala bastante
sobre a liberdade da cidade: o poder de
transformar a cidade a partir do desejo
de produzir espaços e tempos mais interessantes para todos. Apesar de a cidade
ser um espaço tão estimulante, parece
que estamos insatisfeitos com a forma
que ela tem tomado. Precisamos sonhar e
criar uma cidade melhor para todos.
Eu acredito que a arte pode criar imagens
que conduzem ao desenvolvimento de
uma sensibilidade crítica que poderia
estimular uma mudança nas coisas.
Em um de seus textos (“A criação”, em A
mobilidade das fronteiras), você disse que
“a disponibilidade para a imaginação é,
em grande medida, um reflexo da disponibilidade de imagens”. Você acha que as
imagens da arte podem produzir novos
imaginários possíveis para uma vida
urbana melhor?
A sua questão conduz o meu pensamento
para diversos caminhos. Entretanto, é
certo que existe, aqui, algo que é posto por
você como central e que me faz retornar
à reflexão acerca das relações entre
imagem e imaginação. Portanto, antes de
percorrer alguns dos referidos caminhos,
é necessário repensar os entrelaçamentos
envolvendo imagem e imaginação.
Em A mobilidade das fronteiras, observo
que a imaginação é uma potência que
mobiliza a disponibilidade para a criação.1
Mais adiante, no curso da escrita, sublinho
o que você traz para a discussão: a disponibilidade da imaginação é, em grande
medida, um reflexo da disponibilidade de
imagens. Entretanto, não me refiro preferencialmente às imagens visuais, corpóreas, cobertas pela luz; mesmo porque isso
não poderia ser, pois vivemos o mundo
e o tempo em que há uma inflação de
imagens 2 obstrutivas da imaginação e
da criatividade. Portanto, as imagens
não são originárias apenas do mundo
visual. Isso significa que há imagens
interiores, teóricas, históricas, ainda
feitas também de memória — sempre a
se refazer — tributárias da experimentação do mundo e das vivências diversas. São
tais imagens, dentre outras motivações, que também propiciam o enriquecimento da
capacidade imaginativa. 3
Concordo com a sua leitura: a arte poderá criar imagens a mobilizar a sensibilidade criativa. Portanto, nós estaríamos prestes, aqui, a construir um pressuposto que percorreria
a trajetória: da sensibilidade criativa às desejáveis transformações produtoras de uma
vida melhor. No entanto, o referido pressuposto não poderia desconsiderar um conjunto
de processos articulados que, em determinadas circunstâncias, interrogariam ou mesmo
negariam o próprio pressuposto. Tudo isso mereceria uma reflexão em profundidade, mas
aqui sublinharemos apenas um dos referidos processos.
Como observo em passagem do livro Entrenotas: compreensões de pesquisa, nem tudo
será arte, mas poderá haver o exercício e a presença da arte em qualquer prática.4 Entretanto, mesmo considerando a possibilidade da presença da arte em qualquer prática,
há que se considerar que o mais radical exercício de arte já está sendo, passo a passo,
capturado pelas forças de mercado. A consequência mais imediata: a redução da capacidade libertadora da arte em razão da subtração de liberdades nos interiores da própria
prática artística. Não é incomum se fazer referência aos processos de domesticação dos
exercícios de arte. Ainda assim, a arte poderá ser compreendida como uma referência
transformadora.
De um modo progressivamente mais explícito, a vida das cidades se faz através da
presença do mundo-mercado nos lugares, nas cidades. Estamos nos referindo a esse
mundo-mercado que transfere a pressa e a competitividade para os territórios urbanos,
para os sujeitos da cidade. Em termos bastante genéricos, o que se pode dizer é que
quanto mais mundo — mundo-mercado — há nas cidades, contraditoriamente, menos
presença de arte há na vida dos sujeitos.5 Há pressa e, certamente, muito mais pressa
em vez de velocidade. Em consequência da supremacia da pressa em relação à lentidão
e ao vagar, há menos estado de reflexão e pensamento, mais alienação, menos rebeldia
e indignação, mais subordinação, menos indisciplina, menos diálogo e cidadania. Até
poderíamos acrescentar que o estado de submissão do pensamento nos conduz, com
rapidez, ao estado de alienação e, por analogia, ao pensamento de Hannah Arendt, ao
estado de uma terrível normalidade que banaliza — e isenta — o mal6 e a barbárie em
nossas sociedades. Como imaginar ou conceber uma vida urbana melhor, se ela está
destituída do essencial: a permanente reflexão — acima de tudo — sobre as nossas vidas
na cidade? É o que parece nos faltar: a priorização do que nos é essencial, a ampliação da
nossa capacidade de pensar as nossas vidas com a dos outros, mas, sobretudo, a nossa
capacidade de pensar, refletir, contemplar, ver, sentir e experimentar a nossa existência.
1.
Cf. HISSA, 2002.
2.
3.
Cf. DEBORD, 1997 [1967].
Assim como as referidas imagens estimulam a capacidade imaginativa, também as
vivências diversas alimentam, reconstroem e fortalecem as imagens interiores.
4.
HISSA, 2013, p. 17.
5.
Isso implica, também, a progressiva obstrução da criatividade nas práticas cotidianas.
6.
ARENDT, 1999.
A arte deveria estar em todas as práticas, assim como o pensamento e a reflexão sobre
o que estamos a fazer em nossos cotidianos. Mas não está como deveria. Ao mesmo
tempo, portanto, estamos diante de um caminho e de uma dificuldade de caminhar; pois
o caminho é caminho-pronto, enquanto necessitamos de fazer caminhos ao caminhar,
mas, talvez, nos desacostumamos de desfrutar dessa riqueza de liberdade.
104
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Eu conheci muitos artistas (eu inclusive)
que têm feito trabalhos em resposta a
falta de tempo das pessoas. Eles tentam
criar espaços para experienciar o nada, o
sonho, ou as ações da vida ordinária, como
cozinhar, dormir, namorar etc. A falta de
tempo em geral também afeta o tempo
para se ver a arte, para se colocar em um
estado contemplativo (ouvi dizer que o
tempo médio que as pessoas gastam em
frente a uma obra de arte no museu caiu,
pasme, de 3 segundos para 1 segundo).
Você acha que a arte poderia ajudar as
pessoas a recuperar um certo estado
contemplativo que estamos perdendo?
A pressa não apenas dialoga com a sensação de falta de tempo: ela produz o que,
aparentemente, é consensual: que não
há tempo. Todos se apressam por algum
motivo fútil ou sem que se saiba o motivo
e, sobretudo, sem que haja algum motivo
essencial que articula a pressa à manutenção de vida digna.7 A pressa é um sinal
expressivo de que nos falta algo. Entretanto, o que nos falta não é tempo, mas os
valores que, perdidos, nos encaminhariam
o significado da vida e, certamente, mais
pensamento às nossas vidas, mais vagar,
sensibilidade crítica e criativa, mais arte,
mais contemplação.
Trata-se de uma questão difícil e não sei
se estamos, aqui, a inverter processos. Em
princípio, penso que sociedades — e certas comunidades — com valores distintos
das nossas, em que prevaleceria o referido
estado contemplativo — assim como o
pensamento, a reflexão, a crítica e a sensibilidade criativa — valorizariam, por natureza, a arte. Nesses termos, a arte, por si só,
já seria uma espécie de valor dentre tantos
outros perdidos ou esquecidos. Seja como
for, não há como discordar das suas notas:
a arte nos auxiliaria a recuperar certo
estado contemplativo que perdemos e que
continuamos a perder. Entretanto, para
que isso pudesse acontecer, a arte deveria
7.
Deveríamos enfatizar que a vida digna não
se reduz apenas à remuneração digna do
trabalho.
se desvencilhar do que denomino, aqui, de mundo-mercado — ou se libertar de práticas
que, capturadas ou demandadas explicitamente pelo mercado, subvertem a sua própria
condição de arte transformadora. Não estou aqui a defender a arte ensimesmada, pois a
prática artística está mergulhada no mundo, no contexto da cultura e da vida nos lugares,
sendo, também, referenciada pelos paradigmas vigentes. Portanto, a arte não poderá ser
compreendida de modo desarticulado e interpretada isoladamente no mundo da cultura.
Entretanto, para que cumpra os seus papéis e se identifique como arte e, sobretudo, para
que produza certo desconforto, deslocamento e desequilíbrio, será sempre necessário
que as práticas artísticas deem as costas à subserviência. Ainda, além disso, será sempre
indispensável que provoque, instigue e que, de alguma maneira, seja engajada. Nesses
termos em que me expresso, considerando que são breves as notas encaminhadas sem
a intenção de aprofundamento, penso que somente assim a arte poderá contribuir para
a minimização do estado de imobilidade em que se encontram as sociedades modernas.
Não sei, portanto, se a dita e genérica falta de tempo — originária dos tempos de pressa
— ocasiona a escassez de tempo para se ver arte, definindo a referida perda de estado
contemplativo. Penso que há certa falta de arte em nós.8 Há escassez de pensamento e
de reflexão. Há certo imobilismo social e um processo de alienação em curso. O estado
de contemplação assume uma condição de quase incompatibilidade com o modo de vida
próprio das sociedades modernas e contemporâneas. A reversão desse quadro se daria
no tempo cronológico da cultura e, jamais, no tempo cronológico do mercado. A potência
da arte nesse processo de reversão seria inegável, mas ele não poderia se consumar de
modo isolado; ainda que a arte possa ter um modo distinto de dizer o mundo.
Portanto, há, aqui, dois pontos que merecem a nossa atenção. Em primeiro lugar, há a
arte, esse modo distinto de dizer o mundo que deve mesmo ser produzido à distância
do modo convencional de ler o mundo — e deve se deslocar dele. Somente assim, ele se
distinguirá a ponto de exercer algum desequilíbrio e produzir a perspectiva de reflexão
acerca do próprio tempo presente na existência dos sujeitos. Em segundo lugar, há o
contexto no qual está mergulhado o processo criativo. Esse contexto, nas sociedades
modernas e ocidentais, e, sobretudo, naquelas predominantemente urbanas e metropolitanas, é marcadamente referenciado pelos paradigmas do mercado. A arte, produzida
nesse contexto, contaminada por ele, deve subverter e subverter a si própria para que
possa, contraditoriamente, se deslocar e, simultaneamente, produzir o necessário e aqui
discutido deslocamento. É preciso ser artista em todas as circunstâncias.
8.
A sublinhada falta de arte em nós pode ser compreendida de diferentes maneiras e todas elas, articuladas, fazem o que se diz aqui. Diante disso, a referida perda de estado contemplativo merece ser
brevemente discutida. No âmbito da arte, também, o exercício de contemplar não se reduz às práticas de contemplação que incorporam encantamento. É mais do que isso. O próprio encantamento
mobiliza o que contempla na direção da recriação. Portanto, a contemplação deve ser tratada, aqui,
como o imprescindível diálogo que se faz entre o sujeito que contempla — e, portanto, que recria
— e a obra. É nesses termos que a obra se faz através desse diálogo criativo e, portanto, passa a
existir em razão dele.
Você já percebeu que ninguém tem tempo
para nada? A promessa das máquinas
(e computadores) era a de liberar o ser
humano de atividades massacrantes e
libertá-lo para o seu autodesenvolvimento, o ócio e a alegria. Mas essa utopia não
se concretizou; pelo contrário, parece
que estamos cada vez mais aprisionados
e dependentes. Estamos com o dia todo
ocupado e com uma série de demandas
que parece não acabar nunca. Essa
pressa fica impressa na cidade quando
saímos para perceber e observar os espaços públicos. Quando podemos parar e
observar de longe os fluxos da rua, parece
que está todo mundo com pressa, correndo, num time lapse infinito? Sem tempo,
se movendo para lá e para cá, indo de um
lugar para outro.
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Se existem várias cidades dentro da cidade, por que será que a cidade da pressa se
sobrepõe a cidade lenta? É tudo culpa do
capitalismo? A cidade dos jovens vadios,
que utilizam o seu tempo apenas para
circular por aí, vai ficando ameaçada,
sem espaço (aliás, vadiar pega mal). Na
nossa cidade, você já percebeu como os
espaços públicos não proporcionam o
ócio ou a perda de tempo? Parece até que
existe um complô para deixar as pessoas
dentro de casa. Pois as praças e ruas não
são convidativas, especialmente para os
jovens. Você acha possível expandir a
dimensão doméstica/festiva da casa para
as ruas, nesta cidade cheia de viadutos
opressores?
9.
Cf. BARTHES, 2001. A primeira edição do
texto de Barthes foi publicada no ano de 1973.
O problema que você nos traz é feito de
um conjunto de questões articuladas que
estão presentes em sua reflexão. Penso
que a introdução à leitura que deveremos
fazer passará, antes de tudo, pelo que você
denomina de “culpa do capitalismo”. Antes
de tudo, o capitalismo somos nós. Não há
algo cultural que não seja criado por nós
ou que não seja compatível com os nossos
pequenos, maiores ou rotineiros sonhos,
ou, ainda, que não seja indesejável por
nós, pela maioria, pela minoria hegemônica e com a conivência da maioria.
Em princípio, tudo o que está sendo aqui
pensado é, de alguma maneira, compatível
com o que disse Barthes, por exemplo,
acerca das ideologias: não há uma ideologia dos dominados que se contraponha à
ideologia dos dominadores, pois o que resta
aos dominados é a própria ideologia dos
dominadores.9 Portanto, há, na contemporaneidade, uma energização das forças
mais conservadoras, uma desmobilização
social, um individualismo dos sonhos que,
por sua vez, estão plenamente mergulhados na ideologia do mercado, no discurso
das competências, no elogio da competição
desprovida de qualquer indício de ética.
Além disso, há uma prevalência inconcebível do não pensar e, consequentemente, do
agir sem responsabilidade — como se os
males do mundo estivessem além da nossa
capacidade de pensar, de decidir e de agir. O
maior dos lugares comuns está no interior
do discurso que transfere responsabilidades para algo abstrato e superior, acima de
nós, quando a mais superior das práticas
está em admitir que a transformação de
nós mesmos é o alicerce da transformação
dos males que criticamos e, na maioria das
vezes, com a isenção de nossas próprias
responsabilidades.
O capitalismo já não pode ser visto exatamente como Marx o compreendeu.10 No mundo
contemporâneo, o capitalismo já deixou de ser apenas modo de produção. Trata-se de
compreendê-lo agora, sobretudo, como força propulsora de um modo de vida referenciado pelas forças do mercado, pela competição exacerbada, individualismo sem precedentes, consumismo, elogio da produção, pressa, alienação incomum, atomização social,
precariedade de espírito cidadão e de sensibilidade coletiva. Além disso, a cartografia do
capitalismo se expande horizontalmente, mas, portanto, também, verticalmente. Diante
das circunstâncias, não poderemos negligenciar o papel e o poder das forças de mercado
na constituição das sociedades modernas, fazendo com que, na contemporaneidade, a
leitura do mundo nas cidades passe, necessariamente, pela leitura da cultura e do modo
de vida vigentes.
Não poderíamos dizer com toda a convicção que a expectativa sempre foi a de que, com
o advento das máquinas — e de todas as tecnologias —, estaríamos livres: para pensar,
para criar, produzir alegria e paz. A leitura crítica econômica, política e sociológica motivada pelas referidas transformações indicava que as máquinas substituiriam trabalho,
pois o propósito capitalista era mesmo o de sempre: a ampliação da velocidade da produção e, consequentemente, a intensificação da produtividade, dos lucros e da acumulação;
em vez de libertação, temos aprisionamento, como você observa. Olhares críticos sobre a
cidade permitem a compreensão da pressa que nos diz algo acerca do aprisionamento no
contexto de apenas aparente liberdade.
Sim, há cidades na cidade, assim como há lugares no lugar. A percepção é quase imediata:
a de que a cidade da pressa avança sobre a cidade lenta. No entanto, algumas breves
notas devem servir como referência para que trabalhemos criticamente o limite entre as
referidas cidades na mesma cidade. Há lentidão — não apenas à espreita — na cidade
da pressa. Pelo inverso, há também pressa explícita na cidade da lentidão. O que define
a pressa e a lentidão na cidade são os homens lentos11 e os apressados. Seria útil a distinção entre pressa e velocidade? A questão parece fundamentar a compreensão de que
a pressa sugere a presença do atraso, mesmo que não se saiba a razão dele. Mas sempre
10. Cf. MARX, 1975. A primeira edição da referida obra de Marx data de 1890
11. Talvez, aqui, devamos fazer referência à determinada passagem da questão trabalhada por você.
Vadiar pega mal: é o que você sublinha. O significado do verbo indica uma ação que, em nossas
sociedades, parece indicar uma ausência de atitude. A atitude de não trabalhar, no entanto, é mais
ressaltada dentre todas as demais. No entanto, existem alguns significados do referido verbo que
merecem ser explorados: vaguear e se divertir. No mundo-mercado, desde sempre, a ideia de vadiar
está plenamente articulada à ideia de perder tempo e, sobretudo, à de perder dinheiro. Entretanto,
um dos maiores males é o de levar a pensar que perder tempo — ou gastar tempo — é o mesmo
que perder vida. Em nossas sociedades modernas e ocidentais adoecidas, a ideia de perder tempo,
portanto, é contrária à de incorporar vida às nossas práticas e ao nosso cotidiano. É preciso gastar
o tempo — aprendendo a fazer as nossas escolhas de modo a sempre nos divertir com o trabalho
de modo a questionar a própria ideia convencional de trabalho; e gastar o tempo até que ele, de tão
gasto, deixe de existir como tempo que nos falta; e vaguear a tal ponto que nos chegue — mais e
mais — a sabedoria que nos falta. É exatamente a ideia de perder tempo — ou de gastar o tempo
— que nos faria adquirir tempo-vida-sabedoria, com a história que estaríamos a construir a partir
de outras referências de vida.
se está em atraso e, consequentemente, a presença da pressa é uma das condições para
a compreensão do que chamamos de permanente escassez de tempo. A velocidade pode
ser apenas um componente da pressa e, em determinadas circunstâncias, paradoxalmente, na lentidão, destituída de pressa, pode haver velocidade.
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Milton Santos, em algumas passagens de sua obra, faz referência aos homens lentos e,
consequentemente, à cidade lenta e sua opacidade contraposta à cidade da pressa e sua
luminosidade.12 Entretanto, Milton Santos não trabalha em profundidade — quando, talvez, mais adiante, pudesse trabalhar — as analogias de várias naturezas, assim como as
compreensões diversas que se pode ter dos homens e das cidades lentas, opacas, assim
como dos homens e das cidades luminosas e da pressa. É feita uma quase superposição
envolvendo, de um lado, pobreza e lentidão e, de outro, riqueza e sonhos de riqueza,
pressa e luminosidade. Entretanto, há mais o que dizer acerca das cidades e dos homens.
Poderíamos pensar em determinadas questões que, por circunstâncias, não foram discutidas por Milton Santos. Nos homens lentos, há lentidão, mas não há, de modo algum,
sonhos de riqueza? Em outros termos, não há desejo algum de pressa nos homens lentos
de Milton Santos? Outra questão basilar: os homens lentos são os que desejam uma
vida mesmo lenta, feita de reflexão e que, por natureza, também se faz de sonhos com
um mundo diferente do que prevalece hegemonicamente, e que contradiz a irrefletida
vida dos homens apressados? O que motiva a lentidão: a pobreza a que os sujeitos estão
submetidos ou os sonhos com um mundo diferente e muito distante, oposto, daquele que
criticamos? Haveria uma ideologia dos homens lentos — que se projetaria no sentido da
construção de uma cidade lenta e opaca — contraposta a uma ideologia dos homens de
pressa que, também, se projetaria no sentido da reprodução e expansão da cidade-pressa
e de sua luminosidade? Duas ideologias distintas e rivais?
Esse perder tempo — do modo como você a ele se refere — nos faz pensar em gastar o
tempo com algo prazeroso e digno da vida, ao ponto de fazer o tempo deixar de existir
como um objeto-estorvo a impedir que se faça algo desejado. Como a cidade-pressa proporcionaria a supressão desse objeto-estorvo? Pelo contrário, a cidade-pressa ressaltará
a existência da falta de tempo, pois não há lugar para o vagar e o pensar. Há lugar para a
passagem rápida e todos os espaços são abertos para os fluxos e trânsitos cegos de todas
as espécies. Aos poucos, da cidade-pressa vão sendo subtraídos os espaços coletivos,
as praças, não apenas para viabilizar fluxos, mas, também, porque a cidade já não é a do
convívio. A questão posta por você é motivadora de um conjunto de reflexões: é possível
expandir a dimensão doméstica e festiva da casa para as ruas dessa cidade?
O desejo de transferência da dimensão doméstica da casa para a dimensão das ruas,
por princípio, já pressupõe certa perturbação na ordem local, para utilizar expressão de
Milton Santos. É a ordem local que “[...] funda a escala do cotidiano, e seus parâmetros
são a copresença, a vizinhança, a intimidade, a emoção, a cooperação e a socialização
com base na contiguidade.”13 A perturbação a que me refiro — já presente nas grandes
metrópoles e, particularmente, nos lugares luminosos do território urbano — é provocada
pela prevalência da ordem global em determinados recortes da cidade. Há, desde algum
tempo, em territórios da cidade, inserções muito evidentes desta ordem global, “[...] cujos
parâmetros são a razão técnica e operacional, o cálculo de função, a linguagem matemática.”14 No entanto, a partir da passagem do século XX para o XXI, especialmente no Brasil,
já não mais poderíamos falar apenas de inserções, mas de captura da vida cotidiana
em todos os sentidos. Diante disso, já não se imagina, com facilidade, a mencionada
transposição da dimensão doméstica e festiva da casa para os seus espaços externos já
capturados pela ordem global. Além disso, deveríamos refletir sobre o significado presente da dimensão doméstica, já que está referenciada, em grande medida, também, pelas
ideologias hegemônicas.15 O que se deseja afirmar é que os espaços domésticos, também,
de modo disseminado, já estão capturados pelas referências de mercado.
12. Cf. SANTOS, 1996.
13. SANTOS, 2005 [1994], p. 170.
14. SANTOS, 2005 [1994], p. 170.
15. No âmbito da sua domesticidade, o que carregam essas pessoas em sua solidão íntima, confinadas
em suas casas, em seus territórios de intimidade? Em seus cômodos, em seu silêncio sem qualquer
audição, ignorantes do outro, o que querem do mundo e em que medida elas desejam transformá-lo? Transformá-lo a partir de referências que estão muito mais identificadas com o conformismo do
que com a indignação? Para qual dimensão se dirigiu o mundo da festa e do afeto? Certo é, também,
que tais questões não podem ser compreendidas como resultantes da leitura de uma sociedade urbana padronizada. Na cidade, há espaços de rebeldia, de contestação, de resistência, de indignação,
de crítica e criatividade.
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Você tem observado como as construtoras têm acabado com as casas antigas na
nossa cidade? Cada dia perdemos mais
uma. Existe uma luta muito grande de
certos grupos para a manutenção dessas
casas como forma de patrimônio histórico. Entende-se que os espaços podem
ensinar. Essas casas antigas falam de
outros modos de viver, de se ocupar, de
morar. Estar nestes espaços nos ajudaria
a entender o presente e repensar o futuro.
Não tenho muito apego ao passado,
acho que o tempo é fluído e a cidade é
um grande movimento. No entanto, me
preocupa o planejamento urbano e a
construção de maneiras de viver criadas
por essas grandes incorporadoras — em
acordo com o poder público —, que
reduzem os espaços urbanos a pequenos
e entediantes apartamentos, ruas para
os carros e shoppings para uma diversão
domesticada que aqui questiono. Ruínas
do tempo e produção do futuro, tudo-ao-mesmo-tempo-agora-na-cidade-contemporânea. O que o tempo dos nossos
espaços tem nos ensinado? A cidade é
uma grande ruína?
As perdas descritas por você já parecem
assumir uma condição de irreversibilidade. Desde as últimas três décadas do
século XX, elas já indicavam uma tendência em curso. No entanto, já na segunda
década do presente século, a visibilidade
das perdas é mais que uma evidência e
já está incorporada pelo processo social
referente à produção do espaço urbano.
Mas as construtoras são uma pequena
ponta de um movimento muitíssimo
profundo, e ao mesmo tempo horizontal,
extenso; esse movimento que incorpora,
inclusive, grande parte das urbanas
sociedades modernas desejosas de mais
modernidade, de mais luminosidade nas
cidades. Por sua vez, tampouco a preservação das edificações é capaz de deter o
processo, pois, de alguma maneira, em
diversas circunstâncias, a riqueza da vida
cotidiana — em suas variadas dimensões,
no âmbito do que é doméstico — é subtraída dos interiores do que é tombado pelo
patrimônio histórico. Quando há alguma
chance, preserva-se, no máximo, o que há
de físico na história em curso da cidade.
O que resta pode ser compreendido como
testemunho de outros modos de viver, de
ser e de estar na cidade. Entretanto, não se
trata, infelizmente, de um testemunho que
diz ou que é chamado a dizer. Trata-se de
um testemunho-silêncio que, na cidade luminosa e feita de pressa, serve mais como
ilustração, no presente, do que foi a cidade
e sua vida; mas não apenas isso. É certo,
também, que se trata de um patrimônio
a ser explorado de modo a constituir uma
arqueologia de modos de viver e de existir
que, por sua vez, permitiria a concepção de
uma arqueologia de modos de ocupar e de
modos de morar. 16
Os espaços somos nós a ocupá-los e a construí-los. Eles são abandonados, postos
relativamente à margem, ou transformados quando nos transformamos ou abdicamos
de determinados modos de viver e de existir. Eles poderiam nos ensinar, mas desde que
houvesse abertura nossa para aprender por quais razões nos tornamos o que somos.
Mais que isso, certamente: o que poderemos ser a partir do que nos tornamos. Entretanto,
o que parece é que não estamos dispostos a transformar as nossas vidas e assumir, como
nossas, as grandes questões que tornam indignas as nossas existências no mundo e na
cidade-pressa. Entretanto, há mais. Os espaços não são compreendidos nesses termos:
somos nós a ocupá-los e a transformá-los. Não há uma compreensão desses espaços
como espaços em comum. Não aprendemos com o outro. Não percebemos a existência
nossa na existência do outro.
Assumimos outros modos de vida e, com isso, até mesmo as nossas casas de algumas décadas atrás já não nos servem no presente. Posto de outra maneira, a história nos diz que
fizemos algumas negociações com as nossas próprias vidas. Alguns poderiam dizer que
nos adaptamos, nos conformando com as possibilidades oferecidas pelo trágico presente
— produto de nós mesmos, de nossas atitudes e omissões. Mas, certamente, negociamos
mal ou sequer negociamos. Caso fosse possível uma leitura psicanalítica das sociedades
urbanas e moderno-ocidentais, ela poderia nos indicar que, no mínimo, dissimulamos
as nossas grandes perdas e, socialmente, superestimamos os nossos supostos ganhos.
Trocamos — em diversas circunstâncias, obrigados a fazê-lo — as nossas abertas e
espaçosas casas por acanhados apartamentos; obrigados a fazê-lo, mas, contraditoriamente, nos entregamos ao processo histórico de produção — desigual e injusto — dos
espaços urbanos e, com isso, contribuímos, com algum cinismo e arrogância, para a sua
reprodução.17 Ainda construímos o discurso de nossa inserção no mundo da modernidade
e referenciado pelo mercado; enfatizamos o discurso de nossa necessária e inevitável
16. “Muito mais: cada casa contém um pouco desse animal pegajoso que se movimenta lentamente,
que muda o calcário ambiente em forma delicada: a família. Cada casa tem o seu aspecto. [...] Cada
cidade é uma obra e também cada casa. Tudo nela se mistura e se une: objetivos, funções, formas,
prazeres, atividades. [...] O molusco, agonizante, boceja na luz. Os comerciantes que sobrevivem não
são mais do que gerentes. Os artesãos? Contam-se nos dedos. O mercado, que se realiza no mesmo
dia da semana desde o século XIV, perdeu sua importância. Na rua desfilam carros e caminhões; ela
é cada vez mais barulhenta e deserta. [...] A gente se entendia há muito tempo, mas o tédio tinha
antigamente a mole doçura dos domingos em família, uma tepidez feliz. Havia sempre alguma coisa
para contar ou para fazer. Vivia-se numa marcha lenta, a gente vivia. Agora a gente se entendia puramente, essencialmente...”. (LEFEBVRE, 1969, p. 138-139).
17. Algumas das práticas de planejamento urbano, por sua vez, indicam a prevalência dos paradigmas
da racionalidade e, simultaneamente, fortalecem o afastamento das sociedades nas decisões acerca do que é e do que não é melhor para as cidades.
inserção no próprio mercado18 e esse discurso está incorporado pelas relações de âmbito
doméstico.19
Tal como pensava Henri Lefebvre ainda no início dos anos de 1960, deixamos de viver — ao
abandonarmos a lentidão, o vagar, o pensar — e, no ritmo da cidade-pressa, entregamos
o tempo-vida em troca de algo que nos endivida. Deixamos de aprender com o tempo que
amadurece pensamentos. Como poderia dizer o pensador francês, a cidade moderna é um
grande e barulhento movimento e, paradoxalmente, um grande deserto que, em grande
medida, temos carregado em nós.
Antigamente não era possível estar em
dois lugares ao mesmo tempo. Hoje isso
mudou. Será que estamos fragmentados
demais?
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A sua questão é direta, sem rodeios e
parte de um pressuposto: o de que hoje,
diferentemente de antigamente, é possível
estar, simultaneamente, em dois lugares
distintos. Diante disso, julgo ser indispensável refletir sobre o próprio pressuposto,
antes de pensar a questão referente à
fragmentação a que supostamente nos
submetemos.
Estar em dois lugares distintos ao mesmo
tempo: tomemos apenas duas disciplinas — a geografia e a física —, desde
que referenciadas pelos paradigmas
convencionais da ciência moderna: ambas
negariam tal pressuposto. No entanto,
ainda poderíamos avaliar como é pouco
interessante esse caminho de construção
de argumento. Outros modos de pensar
nos fariam percorrer trajetórias estranhas
ao pensamento científico hegemônico
e que nos permitiriam refletir, inclusive,
sobre a natureza humana, o seu espírito,
a sua imaginação e o próprio imaginário
18. É interessante, para a reflexão aqui conduzida, a recuperação do discurso do Estado nos anos de
1990 acerca da necessária inserção do Brasil no mercado econômico internacional globalizado. Nos
governos de Fernando Collor de Mello e de Fernando Henrique Cardoso, o discurso foi reforçado,
como se a dita necessidade não fosse portadora de certa inevitabilidade; e como se a dita necessidade de inserção estivesse articulada à ideia de progresso — como se ele não fosse excludente
—, de desenvolvimento — como se fosse desenvolvimento social — e de mais modernidade a ser
incorporada pelos nossos espaços-tempos.
19. As famílias educam os seus filhos para competirem no mercado e as escolas procuram se orientar
apenas a partir desse desejo de competição.
coletivo.20 A partir de outros modos de pensar, poderíamos dizer que, no que diz respeito
à questão, pouco ou nada foi transformado a partir do advento da internet. Os lugares
são feitos daquele mundo com o qual estabelecemos relações de identidade. Eles são
feitos de nós, mas não se trata apenas disso. Somos feitos dos lugares que carregamos
em nós. Decorrem disso, inclusive, alguns de nossos sentimentos ou sensações de perdas
em razão de perdas experimentadas pelos lugares. Somos os vários lugares ou recortes
de lugares que também fazem a nossa corporeidade, o nosso ser, a nossa existência.
Podemos não estar fisicamente em todos eles, mas somos todos eles em nosso corpo.
Entretanto, a nossa corporeidade física é também afetada por esse somos todos eles
em nosso corpo; e isso quer dizer que as nossas corporeidades não são feitas apenas de
nossas corporeidades físicas.
Caso possamos dizer que muito pouco desse sentimento foi transformado a partir do
advento da internet, por outro lado deveremos dizer que, com o advento da internet,
de variados modos e graus de intensidade essa sensação foi incorporada pelas nossas
práticas de comunicação. As mais novas tecnologias potencializaram a sensação de possibilidade de estar, simultaneamente, em mais de um lugar. Está aí uma oportunidade que
nos faz refletir sobre a natureza dos lugares e sobre a memória que construímos: essa
memória ativa que mobiliza o presente e, ao mesmo tempo, reinventa o passado a partir
das referências do agora. Ela ainda nos convida a refletir acerca do que somos e do que
carregamos em nós. Aqui, também estou me referindo à corporeidade feita de memória,
mente, espírito, imaginação, sonhos e tudo o que constitui a existência ativa dos sujeitos.
Entretanto, penso que não é exatamente essa sensação de poder — é mesmo uma espécie de poder que aparentemente incorporamos — que nos levaria a discutir a nossa
fragmentação: a sensação de estar, simultaneamente, em lugares distintos, distantes.
O fragmento pode ser pensado a partir de alguns significados. O mais comum: parte de
um todo que se quebrou. Mas há um modo radical de se pensar o fragmento: o de que a
partir dele, não se pode imaginar, conceber ou restaurar o todo já destruído. É certo que,
em geral, não estamos a este extremo. Entretanto, algumas considerações ontológicas
básicas devem ser trazidas para a discussão.
A denominada unicidade do ser — a do indivíduo — não poderá ser contraposta à movente
situação do estar. O estar é circunstancial, mas ele é pertencente ao ser. Experimentamos
variadas situações de estar e, ao fazê-lo, frequentemente, confrontamos a situação de
estar à suposta indivisibilidade do ser em sua individualidade. O estar é incorporado pelo
ser; e existem tantas situações de estar — que são postas por eventualidades, contingências, conjunturas — quantas forem as de ser. Somos vários, cada um de nós; e cada
um de nós pode — coerentemente com o nosso ser — vivenciar o estar de diferentes
modos. Ainda há que se considerar o ser em sua existência dialógica com o mundo e,
20. Ainda há que se considerar certo argumento e seus alicerces: não há natureza que não seja natureza humana. Cf. Boaventura de Sousa Santos, 1987, para aprofundamentos sobre a reflexão.
consequentemente, com os mais variados tempos, espaços e contextos diversos. Nesses
termos, estamos submetidos a um contexto que faz com que estejamos — ou sejamos
— aparentemente mais expostos a processos de fragmentação. O contexto também
nos faz. O mundo também faz o que somos, além de, em parte, condicionar esse como
estamos, ainda que sejamos o mundo feito por nós. Carregamos o mundo em nós: este que
se refere a nós. Carregamos os lugares em nossos interiores, em nossa memória corporal:
os que nos dizem respeito, às nossas identidades, sonhos, vivências, experimentações.
Estamos, sim, mais suscetíveis às fragmentações. Estamos mais adoecidos, alienados,
individualistas e, esquizofrenicamente, percebe-se uma forte dissociação entre as práticas verbais e imagéticas21 — disseminadas, sobretudo, através das redes sociais —, as
atitudes22 e o pensamento.23
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No entanto, a despeito de toda a leitura que aqui se expõe, esse estar, simultaneamente,
em mais de um lugar ainda deve ser avaliado a partir de outro ponto de vista. A transformação do mundo — a partir de referências contrárias àquelas postas pelos paradigmas
da modernidade — significa a transformação substantiva da nossa existência. Significa,
dentre tantas coisas, a transformação dos nossos sonhos individuais em coletivos. A
referida transformação requer a construção ou a recuperação de valores aparentemente
perdidos e, talvez, o mais importante de todos seja o de estar, simultaneamente, em mais
de um lugar e, sobretudo, o de desejar estar e de ser no lugar onde todos estão e são. Existimos em virtude da existência do outro. Seria essencial que tal referência não estivesse
perdida para que, mais adiante, no tempo da cultura, pudesse ser recuperada também
sob as referências das práticas artísticas.
Há uma passagem no livro a Sociedade
do Espetáculo, de Debord, na qual o autor
fala que: “é nesta dominação social do
tempo-mercadoria que o “tempo é tudo,
o homem não é nada: no máximo, ele é a
carcaça do tempo”. É o tempo desvalorizado, a inversão completa do tempo como
“campo de desenvolvimento humano”
(tese 147). Na sua opinião, o que temos
que aprender com o tempo? Qual a influência da lógica do “tempo-mercadoria”,
nas nossas subjetividades?
Guy Debord faz referência ao tempo transformado pela indústria ou pelo capital em
tempo consumível: tempo-mercadoria à
venda em blocos.24 Trata-se de algo basilar
no processo de acumulação capitalista em
que a produção em série não apenas considera o tempo, mas toma, para si, o tempo
como indispensável para a ampliação
progressiva da produtividade; mas, antes
de tudo, toma, para si, o tempo. Diz-se,
com isso, que o tempo é desvalorizado.
Tempo: à medida que ele é incorporado ao
processo de produção de riqueza — e, com
isso, adquire valor no mundo-mercado —,
perde valor na produção da vida. Portanto,
ao tempo são encaminhados valores que
contradizem a própria ideia de tempo, pois
tempo deveria ser sempre tempo para
os sujeitos do mundo e, à medida que é
tomado pelo capital, passa a ser tempo-mercadoria — enquanto os sujeitos passam a
ser trabalho-tempo à venda.
Aqui, há questões para muito se pensar e que considero importantíssimas para a
compreensão do mundo nas cidades. Antes de tudo, registra-se: escolho, aqui, um
modo de interpretação dentre as diversas formas de leitura das transformações das
temporalidades-espacialidades em nossas subjetividades. As referidas transformações
são as que se dão nos espaços-tempos das cidades modernas que, por sua vez, devem
ser compreendidos como o espaço-mundo em que se desenvolvem os encontros entre
as individualidades e o próprio mundo social. Este espaço-mundo, em termos amplos, é
também feito das subjetividades. Entretanto, há outro modo de fazer a leitura da questão:
as subjetividades são, simultaneamente, os territórios íntimos dos sujeitos e as trocas
experienciais que eles estabelecem com o espaço-mundo.
Deveremos considerar que, acima de tudo, a lógica do tempo-mercadoria é a que se refere
ao tempo da cidade-pressa ou o tempo do espaço-mundo que, por princípio, interfere na
construção de nossas subjetividades. O sentir e o pensar o mundo estão entrelaçados de
modo a constituir o corpo do sujeito que vive o mundo; e viver o mundo é senti-lo, experimentá-lo, pensar sobre ele e, consequentemente, ser afetado por ele e o transformar.
A lógica do tempo-mercadoria, portanto, afeta as nossas subjetividades à medida que
deixamos nos afetar por esse tempo-pressa ou por esse tempo-mercado. Dentre tantas
as influências da referida lógica sobre as nossas subjetividades, gostaria de enfatizar
muito mais a que diz respeito a esse pensar o mundo que é afetado por esse sentir o
mundo. O tempo-pressa — tempo-mercadoria — ocasiona certa incapacidade nossa de
experimentação do mundo que, por sua vez, interfere incisivamente em nossa capacidade
de pensar o mundo e a nós mesmos no contexto do espaço-mundo. Essa nossa relativa
incapacidade de pensar — esse certo desleixo com a rotineira e importantíssima reflexão
feita de vagar, de pausas ou de intervalos regulares — nos torna reféns da nossa própria
incapacidade de escolher o que pode ser melhor para todos nós juntos. Além de tudo,
referenciada pelo paradigma do mercado — que referencia ou que regula a lógica do
tempo-mercadoria — não se pode negligenciar a inexistência desse todos nós juntos na
construção de nossa própria existência melancólica em que a vida se faz destituída de
sentido.
21. Práticas verbais cobertas de imagens que revelam muito mais o que se deseja ser do que se é. Entretanto, as referidas práticas são reveladoras do estado de superficialidade em que se encontra o
sujeito que se manifesta.
22. Aqui, as atitudes se referem às mais diversas práticas cotidianas que, originárias dos sujeitos, se
dão no mundo, nos lugares onde a vida se realiza.
23. O pensamento se expressa tanto nas práticas verbais e imagéticas, quanto, também, nos discursos
proferidos nos mais diversos fóruns.
24. DEBORD, 1997 [1967], p. 104-105.
Pareceria óbvio dizer que a lógica do tempo-mercadoria ofusca as nossas capacidades
de compreensão do tempo-vida para todas as nossas práticas? Entretanto, talvez, não
parecesse óbvia a resposta à questão: quanto mais de história ainda necessitaríamos
para construir a compreensão coletiva de que é o tempo que faz a vida?
A cidade está ocupada. Ações, pessoas,
gestos, palavras, tudo somado forma a
cidade em processo. Os produtores de
arte estão tentando reinventar a vida nos
espaços públicos, em vias abertas à alegria e ao sol. Em contato com a alteridade
produzem momentos para misturar gente,
encontrar gente, conversar e festejar.
Estaria a arte ingênua demais? Existe
tempo/espaço para utopia na cidade
contemporânea?
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A partir do modo como os sujeitos compreendem o mundo, com os seus discursos,
práticas, atitudes e omissões — e fazem
dele o mundo que é —, a arte poderá mesmo ser compreendida como ingênua. Mas
essa compreensão não se restringe à arte,
mas, também, a todos os modos de viver
que, por princípio, resistem ao mundo-mercado, à cidade-pressa.
No presente, o mundo que construímos
também cria certo contexto para que se
questione o significado mais usual de
utopia: projeto imaginário e irrealizável
de sociedade. Entretanto, caso carreguemos em nós o desejo de nossa própria
transformação — e nos transformemos
de modo a se fazer legítimo o discurso em
prol da transformação do mundo —, cabe
incorporar o significado de utopia identificado com os nossos sonhos de mudança:
concepção alternativa de sociedade capaz
de apontar capacidades de realização de
certa ordem política que contribui para
a transformação do mundo. Além disso,
são reconhecíveis determinadas práticas
no passado que eram concebidas como
irrealizáveis; e que, no presente, após a
sua realização, negam o próprio caráter
fantasioso — impraticável — com o qual
foram identificadas.
Não é um simples exercício imaginar que
as nossas vidas na cidade-pressa se libertem das referências de mercado. São tais
referências que, no mundo a se expressar
na cidade, fazem a luminosidade e, em
oposição, a opacidade. É o paradigma
do mercado que estimula a pressa, o
consumo desmesurado, o individualismo,
a manutenção de valores que negam os
valores da própria vida digna. De outra
parte, também não é um simples exercício
imaginar que continuemos, por tempo
indeterminado — ou por tempo determinado pelas próprias forças do mercado
—, a reproduzir os valores que destituem
o significado de nossas vidas, submetidos
a esse paradigma que negamos e, contraditoriamente, reforçamos com as nossas
omissões. Aqui, há algo essencial a ser
pensado.
Diante do que tenho refletido, acho inconcebível que não carreguemos esse duplo
e radicalmente contraditório sentimento:
de que não há meios perceptíveis, no
presente, de se transformar o mundo; e de
que não há como deixar tudo como está.
Oscilamos entre um e outro sentimento e,
com isso, construímos em nós a crescente
melancolia e a sensação de perda de
vida. É exatamente por isso que penso
como muitos outros: que carregamos em
nós — que divulgamos os nossos falsos
ganhos e, simultaneamente, padecemos
em razão de nossas sensíveis perdas — o
embrião de nossa própria transformação.
Isso significa que há motivos para se pensar que o mundo-mercado — a existir na cidade-pressa — carrega, em si, o embrião da sua própria transformação. No interior desse
mundo — interior de nós mesmos — há outro mundo, que é diferente, aberto, crescente.
Não poderíamos dizer quando é que se estabelecerá em nós a prevalência desse mundo.
Não poderíamos dizer quando nascerá esse mundo crescente no interior desse mundo-mercado. Do mesmo modo, não saberíamos como tudo isso se daria. Entretanto, diante
do que temos sido, há algo que se permite dizer: a emergência de um paradigma da arte e
a expansão, em todos os sentidos, das práticas artísticas de resistência crítica e criativa
— em suas mais diversas possibilidades de manifestação — seriam protagonistas nesse
processo.
Referências:
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. Lisboa: Edições 70, 2001 [1973].
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997 [1967].
HISSA, Cássio E. Viana. A mobilidade das fronteiras: inserções da geografia na crise da modernidade.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
HISSA, Cássio E. Viana. Entrenotas: compreensões de pesquisa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2013.
LEFEBVRE, Henri. Introdução à modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 6 v. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975
[1890].
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996.
SANTOS, Milton. Razão global, razão local; os espaços da racionalidade. In: SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005 [1994]. p. 164-170.
Cássio Hissa é licenciado e bacharel em geografia pela UFMG, mestre em demografia
pelo CEDEPLAR da UFMG, doutor em geografia pela UNESP, tem o seu pós-doutorado em
epistemologia e em sociologia pela Universidade de Coimbra. Professor do Departamento
de Geografia da UFMG.
DI ALO GU E
CÁ S S IO
HI S SA
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The city has been a frequently represented theme in public debates of recent
times, simultaneously with the contact
of art with the public sphere. There are
currently many discussions regarding
freedom in the city: the power of changing
the city based on the desire of producing
more interesting spaces and times for all.
Despite the city being such a stimulating
place, we seem to be unsatisfied with
the form it has taken. We need to dream
and create a better city for all. I believe
art is able to create images which lead to
the development of a critical sensibility
which could stimulate significant changes. In one of your texts - A Criação (The
Creation), included in A Mobilidade das
Fronteiras (The Mobility of Frontiers) - you
said that “the availability for information
is, on a grand scale, a reflection of the
availability of images”. Do you believe the
images of art can produce new possible
imaginaries for a better urban life?
Your question leads my thoughts towards
many paths. However, it is certain that
you have proposed me a central theme,
something which makes me return to the
reflection regarding the relationships
between image and imagination. Therefore,
before we cover some of these paths, it
is necessary to rethink the interweavings
which involve image and imagination.
In A Mobilidade das Fronteiras, I make
note of that imagination as a power which
mobilizes the availability for creation.1
Further on, over the course of the work,
I highlight what you brought to this
discussion: the availability of imagination
is, to a great extent, a reflection of the
availability of images. However, I do not
make a preferential reference to visual,
corporeal, light-exposed images; not least
since it would not be possible, considering
we live in a world and time in which there
is an inflation of images2 which obstruct
imagination and creativity. However,
images do not originate only from the
visual world. This means there are images
which are inward, theoretical, historical,
and also made up of memories — always
to be redone — which are tributary of the
experiencing of the world and a diversity
of perceptions. Those images are, among
other incentives, what also provide the
enrichment of imaginative capacity. 3
I agree with your interpretation: art can
create images a ble of mobilizing creative
sensibilities. Therefore, we are to build
right here an assumption which would
run across the path: from the creative
sensibility to desirable transformations
for the production of a better life. However,
this assumption should not overlook a set
of articulated procedures which, under
specific circumstances, would question
or even negate the assumption itself.
This entire discussion deserves a more
thorough reflection, but for now, lets us
highlight only one of these procedures.
As I note at a certain point in Entrenotas:
compreensões de pesquisa (Inter-annotations: understandings of studies), not
all things will be considered art, but the
exercise and presence of art can still be
present in any practice.4 However, even
when considering the possibility of the
presence of art in any practice, one should
take into account that the most radical
exercise of art is already being captured,
step by step, by market forces. The most
immediate consequence: the reduction of
the liberating capacity of art due to the
subtraction of freedoms from the inside
of the artistic practice itself. It is not
uncommon to reference domestication
processes in artistic exercises. Even so,
art can be understood as a transforming
reference.
In a progressively more explicit manner,
the life in the cities happens through the
presence of the market-world in spaces,
in the cities. We refer to this market-world
which transfers haste and competition to
urban territories, to the individuals in the
city. In fairly generic terms, it could be said
that, the more world — market-world —
there is in the cities, the more the presence
of art decreases in the lives of individuals,
as contradictory as it may seem.5 There
is a feeling of haste and, certainly, much
more haste than actual speed. Due to the
supremacy of haste over a more slowed
pace, there is less time for reflection and
thought, and more alienation. There is less
rebelliousness and indignation, and more
subservience. There is less indiscipline,
less dialogue, and less citizenship. We
could even add that the state of submission
of thought leads us quickly to the state of
alienation, and by analogy, referring to a
thought by Hannah Arendt, to the state
of a terrible normalcy which trivializes
— and exempts — evil6 and barbarism in
our societies. How to image or conceive a
better urban life, if it is devoid of what is
1.
Cf. HISSA, 2002.
2.
3.
Cf. DEBORD, 1997 [1967].
Just as the images stimulate the imaginative capacity, so does the diversity of experiences nourish, rebuild and strengthen the inner images.
4.
HISSA, 2013, p. 17.
5.
This also indicates a progressive obstruction of creativity on daily practices.
6.
ARENDT, 1999.
essential: a permanent reflection — above all — on our lives in the city? It is what we
seem to lack: the prioritization of what is essential to us, the amplification of our capacity
to contemplate our lives with those of others, and more than anything, our capacity to
think, reflect, contemplate, see, feel and experience our existence. Art should be present
in every practice, as well as the thought and reflection over what we are to do in our daily
lives. But things are not as they should be. Therefore, we are facing a path, while at the
same time struggling with a difficulty to walk; because this specific path is a finished
path, and we need to make paths as we walk. Perhaps we are unused to enjoying the
freedom of doing so.
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I have many artists who, like myself, have
done works which make a commentary
on the lack of time most people have.
They try to create spaces to experience
the nothing, the dream, or the actions of
ordinary life such as cooking, sleeping,
dating, etc. Generally, the lack of time also
affects the time reserved for observing
art, to find a contemplative state. I have
heard that the average time people use
when observing a work of art in a museum
fell, unbelievably, from 3 seconds to 1
second. Do you believe art could help
people recover a particular contemplative
state we are losing?
Haste not only speaks to the sensation of
lacking time: it states something which is
apparently consensual: that there is no
time. Everything is done in a hurry due to
some futile reason, or with no knowledge
of the reason, and above all, without any
essential reason to associate haste to
the maintenance of a dignified life7. Haste
is an expressive sign that something is
lacking. However, what we lack is not time,
but values which, in case we lost our path,
would lead us to the meaning of life, and
would certainly lead us towards a greater
reflection of our lives, allowing us to slow
down, giving us more critical and creative
sensibilities, and a greater contact with art
and contemplation.
This is a difficult question, and I do not
know if we are here to reverse processes.
In general, I believe that societies
— and certain communities — with
values distinct from ours, in which there
would be the prevalence of the referred
contemplative state — as well as the
prevalence of thought, reflection, critical
vision and creative sensibility — would
value art by nature. Under these terms, art
7.
We must stress that a dignified life does not
restrict itself solely to a dignified employment remuneration.
by itself would already be a kind of value among many others that are lost or forgotten.
In any case, I cannot disagree with your observations: art would help us recover a certain
contemplative state we have lost, and continue to lose. However, for such a thing to happen,
art would have to disengage from what I refer to here as the market-world — or to free
itself from practices which, seized or explicitly demanded by the market, subvert its own
condition as a transforming art. I am not defending the self-absorbed style of art, since
the artistic practice is immersed into the world, into the context of culture and places
with life, also referenced by existing paradigms. Therefore, art cannot be comprehended
in a disjointed manner and interpreted in isolation in the world of culture. However, for
art to be able to accomplish its roles and identify itself as art and, above all, to produce
some unease, displacement and unbalance, it will always be necessary for the artistic
practices to turn their back to subservience. Moreover, it will always be essential that it
provokes, instigates, and stays committed in one way or another. Under these terms I have
described, taking into consideration the brevity and lack of a broader analysis of these
observations, I believe this is the only way art will be able to contribute to the minimization
of the state of immobility in which modern societies find themselves.
Therefore, I cannot say if the referred and generic lack of time — originating from the times
of haste — causes the scarcity of time to observe art, defining the loss of the contemplative
state. I believe there is a certain dearth of art within ourselves.8 There is a scarcity of
thought and reflection. There is a certain social paralysis and a process of alienation
underway. The state of contemplation assumes a condition of near incompatibility with
the very way of life of modern societies. The reversal of this condition would happen in the
chronological time of culture, and never in the chronological time of the market. The power
of art in this process of reversal would be undeniable, yet it would not be able to take place
in isolation; even if art may possess a distinct way to say the world.
Thus, there are two aspects worthy of our attention. First of all, there is art, this distinct
manner of saying the world which must be produced a significant distance away from
the conventional method of reading the world — and has to move farther away from it.
Only then will it distinguish itself, to the point it will be able to exercise some degree of
unbalance and produce the reflective perspective related to its own time, present in the
existence of individuals. Secondly, there is the context into which the creative process
is immersed. This context, in modern and western societies - above all, those which are
predominantly urban and metropolitan - is markedly referenced by market paradigms. Art
produced within this context, influenced heavily by it, must subvert it and subvert itself to
be able to, contradictorily, move away from it and at the same time produce the necessary
shift we have discussed. Under all circumstances, it is necessary to be an artist.
8.
This highlighted statement can be comprehended in different ways; and all of them, when organized,
do what is described. Accordingly, the noted loss of the contemplative state deserves to be briefly
discussed. Also within the context of art, the exercise of contemplation does not limit itself to contemplative practices which incorporate enchantment. It is much more than that. The enchantment
itself mobilizes that which contemplates to the direction of remaking. Therefore, contemplation
must be handled here as the indispensable dialogue between the contemplating individual — consequently, the remaking individual — and the work. It is under these terms that the work is created
through this creative dialogue and, subsequently, comes into existence based on it.
Have you noticed nobody seems to
have time for anything? Machines and
computers promised to free human beings
from arduous activities, giving them more
freedom for self-development, leisure
and happiness. But this utopia did not
materialize; on the contrary, we seem to
be even more imprisoned and dependent.
Our whole day is busy with series of
demands which never seem to end. This
haste is noticeable in the city when we go
outside to observe public spaces. When
we stop and watch from afar the flows
in the streets, doesn’t everyone seem to
be in a hurry, running, in an infinite time
lapse? Moving hastily from one side to the
other, with no time to spare.
122
123
If there are many cities inside the city,
why is the city of haste superimposed
over the city of tranquility? Is capitalism
to blame for this all? We are talking of a
city of vagrant young people, utilizing
their time only for wandering; not only it
is inappropriate to loiter, it is also open
to negative influences in increasingly
reduced spaces. Have you noticed, in our
city, how public spaces do not provide
opportunities for the leisurely nonutilization, or “waste”, of time? It may even
seem there is a plot to keep people inside
their homes; plazas and streets look
uninviting, specially for young people.
Do you believe it is possible to expand
the domestic/festive dimension of home
to the streets, in a city so filled with
oppressive highways?
9.
The issue you brought here is composed
of a range of connected questions, all
present within your reflection. I believe
that the introduction to the interpretation
we shall make will go through, before
anything else, what you may call the
“blame of capitalism”. First of all, we are
the capitalism. There is not a single cultural
element which is not created by us or
which is not compatible with our smallest,
greatest or uneventful dreams, or which
is not undesirable by us, by the majority,
by the hegemonic minority and with the
connivance of the majority. In principle,
everything which is being thought here
is in some way compatible with Barthes’
statement regarding ideologies: there is
no ideology of the ruled which opposes the
ideology of the rulers, since what is left
to the ruled is the rulers’ own ideology.9
Therefore, in modern times, there is an
empowerment of more conservative
forces, a social demobilization, an
individualism of dreams which, in turn, are
completely immersed into the ideology of
market, in the discourse of competencies,
in the praise to competition devoid of
any sign of ethics. In addition, there is an
inconceivable prevalence of the absence of
thinking, and consequently the prevalence
of acting without responsibility — as if the
evils of the world were beyond our capacity
to think, to decide and to act. The greatest
of the common places is inside the
discourse which transfers responsibilities
to something abstract and superior, above
us, when the most superior of practices is
in admitting that our own transformation is
the foundation of the transformation of the
evils we criticize, many times exempting us
from our own responsibilities.
Cf. BARTHES, 2001. The first edition of Barthes’
work was published in 1973.
Capitalism can no longer be seen in the exact manner as Marx perceived it.10 In the
modern world, capitalism isn’t just a method of production. It is important to perceive
it now, above all, as a driving force of a way of life referenced by the forces of market,
by exacerbated competition, unprecedented individualism, consumerism, tribute to the
production, haste, uncommon alienation, social fragmentation, and the precariousness
of the sense of citizenship and collective sensibility. In addition, the cartography of
capitalism is expanded horizontally, as well as vertically. In the face of the circumstances,
we cannot ignore the role and the power of the forces of market in the establishment of
modern societies, making it so that, in modern times, the interpretation of the world in the
streets goes, necessarily, through the interpretation of the current culture and way of life.
We cannot say with full conviction that the advent of machines - and all technology always brought expectations of freedom for all: freedom to think, to create, and to produce
peace and happiness. The economical, political and sociological critical interpretations
encouraged by these transformations indicated that machines would take the place of
labor, since the capitalist purpose was the same as always: the amplification of production
speed and, consequently, the intensification of productivity, profits and accumulation;
instead of freedom, we had imprisonment, as you have observed. Critical perspectives
over the city allow us to perceive the haste, which tell us something regarding this
imprisonment, within the context of a freedom out of our reach.
Yes, there are cities within the city, just as there are many places within a place. The insight
is almost immediate: the city of haste advances over the city of tranquility. However, a few
brief observations must serve as a reference for the critical analysis of the boundaries
of these cities contained within the same city. There is tranquility — not just lurking —
within the city of haste. Inversely, there is also explicit haste within a city of tranquility.
What defines haste and tranquility in the city are those who function at a slower pace11
10. Cf. MARX, 1975. The first edition of Marx’s work dates from 1890.
11. It is perhaps appropriate to make a reference to this specific part of the question analyzed by you.
It is inappropriate to loiter: it is what you highlighted. The meaning of the verb indicates an action
which, in our societies, seems to indicate an absence of attitude. The attitude related to the lack
of work, however, is more emphasized when compared to the others. However, this verb has a few
meanings which deserve to be explored: to loiter and to have fun. In the world-market, for as long as
we have known, the concept of loitering is fully associated with the idea of wasting time, and above
all the idea of wasting money. Nevertheless, one of the greatest evils is to make the assumption
that wasting time — or losing time — is the same as wasting your life. In our modern and ill western
societies, the idea of wasting time is, therefore, contrary to the idea of incorporating life to our practices and our routine. It is necessary to use your time — learning how to make our own choices so as
to allow us to always enjoy our work, and also to question the conventional concept of work itself.;
and to use our time until it, after being so used, stops existing as the time we have left; and to loiter
until we find — with increasing frequency — the knowledge we lack. It is exactly the idea of wasting
time — or losing time — which would make us acquire life-time knowledge, with the story we would
attempt to build from other life references.
and those who are always in a hurry. Would it be useful to make the distinction between
haste and speed? The matter seems to substantiate the understanding that haste
suggests the presence of delay, even if there is no known reason for such a delay. But
people always feel as if they are late, and consequently, the presence of haste is one of
the conditions for the understanding of what we call a permanent lack of time. Speed can
only be a component of haste and, under specific circumstances, paradoxically, there may
be speed in tranquility, as devoid of haste as it may be.
124
125
Milton Santos, in a few excerpts of his work, references men of tranquility and, consequently,
the city of tranquility and its opacity, opposite to the city of haste and its luminosity.12
However, he does not take a broader approach — something which should be done —
regarding analogies of various natures, as well as the diversity of interpretations one
could make of the men in opaque cities of tranquility, and also of the men in the luminous
cities of haste. This creates a near overlay involving impoverishment and slowness on one
side, and wealth (or dreams thereof), haste and luminosity on the other. However, there
is more to be said regarding cities and men. We could think about particular questions
which, due to circumstances, were not discussed by Milton Santos. There is slowness in
men of tranquility; but wouldn’t there also be, in some way, dreams of wealth? In other
words, wouldn’t there be some desire for haste in the men of tranquility described by
Milton Santos? Another relevant question: are men of tranquility those who wish for a slow
life of reflection which, by its own nature, would also be composed of dreams of a world
different of what has hegemonic prevalence, contradicting the thoughtless life of men in
haste? What encourages this slowness: the poverty these individuals are subjected to, or
the dreams of a world significantly different and distant, opposite to the one we criticize?
Is there an ideology of tranquil men — projected towards building a slow, opaque city
— opposite to an ideology of men of haste, similarly projected towards reproducing and
expanding the city of haste and its luminosity? Are we dealing with two distinct, opposite
ideologies?
This waste of time — as you have referred to it — makes us think of spending time with
something pleasurable and dignified for life, to the point it makes time stop existing as an
obstructive object keeping us from doing what is desired. Does the city of haste provide
the suppression of this obstructive object? On the contrary - the city of haste highlights
the existence of the lack of time, since there is no place for reflection or thought. There
is place for fast transit, and all spaces are open for flows and blind transits of all kinds.
Gradually, collective spaces like plazas are subtracted from the city of haste, not only to
make way for more flows, but also because the city is no longer an area of conviviality.
The question you proposed encourages a range of reflections: is it possible to expand the
festive and domestic dimension of home to the streets of this city?
The desire of transferring the domestic dimension to the dimension of the streets, as
a matter of principle, already assumes that there is a certain disturbance on the local
order, if we borrow an expression used by Milton Santos. It is the local order that “[...]
establishes the extent of daily life, and its parameters are the co-presence, neighborhood,
intimacy, emotion, cooperation and socialization based on contiguity.”13 The disturbance
I have mentioned — already present in the largest cities, particularly in luminous areas
of urban territories — is caused by the prevalence of a global order in certain areas of
cities. For some time now, there are very evident insertions of this global order in these
territories. This global order, “[...] whose parameters are operational and technical reason,
the calculation of functions, and a mathematical language.”14 However, starting from the
transition from the 20th Century to the 21st Century, especially in Brazil, we can discuss
not only about insertions, but also the apprehension of daily life in all directions. Faced
with this, it becomes significantly harder to imagine the transposition of the domestic and
festive dimension of home to those external spaces, already occupied by the global order.
Besides, we should reflect upon the current meaning of the domestic dimension, since it
is also extensively referenced by the hegemonic ideologies.15 What I attempt to state here
is that domestic spaces have also been captured by market references, in a widespread
manner.
12. Cf. SANTOS, 1996.
13. SANTOS, 2005 [1994], p. 170.
14. SANTOS, 2005 [1994], p. 170.
15. Within the context of their domesticity, what do these people carry in their intimate solitude, confined inside their homes, their own territories of intimacy? When inside of their rooms, in the most
absolute silence, ignorant to the others... what do they want of the world, and to what extent do they
wish to transform it? Would they want to change it based on references much more defined by conformism than by outrage? Up to what extent was the world of festivities and affections been influenced? It is certain that such questions cannot be understood as being the result of the interpretation
of a standardized urban society. The city has spaces of rebelliousness, of objection, of resistance, of
indignation, of criticism and creativity.
126
127
Have you observed how construction
companies have been destroying antique
houses in our city? With each passing day,
more are lost. Certain groups are faced
with a great struggle to maintain these
houses as a form of historical heritage. We
understand that spaces can teach. These
old houses are a reference of other ways to
live, occupy, and inhabit. Being able to be
in those places would help us understand
the present and rethink the future. I am
not particularly attached to the past - I
believe time should flow, considering
the city is a great movement. However, I
am concerned about the urban planning
and the building of ways of life created
by these big real estate developers — in
accordance to the public power —, which
reduce urban spaces to small and tedious
apartments, roads for cars and malls for
the domesticated diversion I question
here. Ruins of the past and the production
of the future, all sharing the same time
and space in the modern city. What has
the time of our spaces been teaching us?
Is the city a great ruin?
The losses you have described seem to
undertake a condition of irreversibility.
Over the last three decades of the 20th
Century, they were already a sign of an
ongoing trend. However, as soon as the
second decade of this century, the visibility
of the losses is more than an evidence, and
was already embedded into the social
process related to the production of the
urban space. But construction firms are
a small tip of a much more deep-seated,
and at the same time horizontal and wide,
movement; a movement which is also able
to incorporate a great part of modern urban
societies, those that crave more modernity
and luminosity to the cities. For its part,
the preservation of buildings cannot
impede this process since, in some way in
its diversity of circumstances, the richness
of daily life — in all of its dimensions within
the domestic context — is subtracted
from the interiors of that which is listed as
historical heritage. Given the chance, we
are able to preserve, at most, the physical
element of the city’s ongoing history. What
remains can be understood as an exhibit
of others ways of living, becoming and
being in the city. However, unfortunately,
this exhibition does not say anything,
nor is it invited to say. It is a silent exhibit
which, in the city of luminosity and haste,
functions more as an illustration in the
present of what the city and its life used to
be; but not just that. It is also right to say
that it is a heritage to be explored, so as
to constitute an archeology of ways of life
and being which, for its part, would allow
the conception of an archeology of ways of
occupying and living. 16
We are the ones to occupy and build the spaces. They are abandoned, relatively sidelined,
or transformed when we change or relinquish certain ways of living and being. They can
teach us something, as long as we are open enough to learn the reasons for becoming
what we are. More than that, certainly: what we can become, based on what we have
already become. However, what it seems is that we are not willing to change our lives
and take on as ours the great questions which put our existence in the world and the
city of haste under an undignified light. However, there is more. Under these terms, the
spaces are not understood: we are the ones to occupy and transform them. There is no
comprehension of these spaces as spaces in common. We do not learn from others. We do
not notice our existence within the other’s existence.
We assume other ways of life, and due to this, even our homes from a couple of decades
ago are no longer useful to us in the present. Analyzing it from another perspective, history
tells us that we have bargained a few times with our own lives. Some could say that we
have adapted, conforming ourselves with the possibilities offered by the tragic present —
a product of ourselves, our actions and omissions. Certainly, we have made bad bargains,
and sometimes we did not bargain at all. If it were possible to make a psychoanalytical
interpretation or urban and modern western societies, it would show us that, on the very
least, we dissimulate our great losses and, socially, overestimate our alleged gains. We
have exchanged — in many circumstances, forced to do so — our open and spacious
homes for cramped apartments; forced to do so, yet we have contradictorily surrendered
to the historical production process — unequal and unjust — of urban spaces, and in
doing so we contributed, with some cynicism and arrogance, to its reproduction.17 We still
build the discourse of our insertion into the world of modernity and market reference;
16. “Look closely, and within every house you will see the slow, mucous trace of this animal which transforms the chalk in the soil around it into something delicate and structured: a family. Every house
has its own particular face. [...] Each village is a construct in its own right, and so is each house.
Everything about them forms a kind of unity: goals, functions, forms, pleasures, activities. [...] The
expiring seashell lies shattered and open to the skies. The surviving shopkeepers are little more than
managers. The craftsmen? You could count them on the fingers of one hand. Market day has been
the same since the fourteenth century, but the market itself is tiny compared with what it used to
be. The street is filled with cars and lorries; it is getting more and more noisy, more and more like a
wasteland. [...] It always was boring, but in times gone by that boredom had something soft and cozy
about it, like Sundays with the family, comforting and carefree. There was always something to talk
about, always something to do. Life was lived in slow motion, life was lived there. Now it is just boring,
the pure essence of boredom...”. (LEFEBVRE, 1969, p. 138-139).
17.
Some practices of urban planning, in turn, indicate the prevalence of rationality paradigms and,
simultaneously, strengthen the alienation of societies in decisions regarding what may or may not
be the best for the cities.
we emphasize the discourse of our necessary and unavoidable insertion into the market
itself18, and this discourse is incorporated by relationships of a domestic context.19
As stated by Henri Lefebvre in the beginning of the 60’s, we stopped living — when we
abandoned our tranquility, our wandering, our thinking — and, caught in the rhythm of
the city of haste, we surrendered our life time in exchange of something which puts us
into debt. We have stopped learning with time, that which makes thoughts more mature.
As the French philosopher would say, the modern city is a large and loud movement,
and paradoxically, is also a large desert which, to a great extent, we have carried within
ourselves.
Years ago, it was impossible to consider
being in two places at the same time.
This has changed in modern times. Is it
possible that we are too fragmented?
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129
This is a very direct question, and is based
on the assumption that, unlike the old days,
it is possible to be in two distinct places
simultaneously in modern times. In light of
this, I believe it is essential to reflect upon
the assumption itself, before analyzing
the question regarding the fragmentation
to which we have supposedly subjected
ourselves.
Regarding being in two distinct places at
once; let us take into consideration two
disciplines — geography and physics —, as
long as they are referenced by conventional
paradigms of modern science: both would
deny this assumption. However, we can
still assess how little interesting is this
path for building an argument. Other ways
of thinking would make us run through
18. It is interesting to note, within the context of this discussion, the recovery of the discourse of the
State in Brazil at the beginning of the 90’s, regarding the necessary insertion of the country into the
globalized international economic market. This discourse was reinforced during the Fernando Collor
de Mello and Fernando Henrique Cardoso administrations, as if this necessity did not possess some
degree of inevitability; and as if said necessity of insertion was articulated with the idea of progress
— implying it would not be exclusionary —, development — implying it meant social development —
and of greater modernity, incorporated by our space-time.
19. Families educate their children to compete in the market, and schools seek to guide themselves
based solely on this competitive desire.
strange courses towards the hegemonic scientific thought, and would also allow us to
reflect upon the human nature, its spirit, its imagination, and the collective imaginary
itself.20 Based on other ways of thinking, we could say that, regarding your question, little
or nothing has changed since the advent of the internet. Places are made out of the one
world with which we establish relations of identity. They are made by us, but this is not all.
We are made of the places we carry within us. This happens to be the cause of some of
our feelings or sensations of loss due to the losses these places have gone through. We
are the various places or traces thereof which also make up our corporeality, our being,
our existence. We may not be physically in all of them, but we are all of them in our being.
However, our physical corporeality is also affected by the concept of being all of them in
our being; and this means our corporealities are not composed exclusively of our physical
corporealities.
While we may say that very little of this sentiment has changed since the advent of the
internet, on the other hand we must say that due to this same event, in a diversity of
manners and scales of intensity, this sensation was incorporated by our communication
practices. The most recent technologies have optimized the sensation of the possibility
of being in more than a single place simultaneously. This is an opportunity which makes
us reflect upon the nature of the places and the memory we have built: this active
memory which mobilizes the present and, at the same time, reinvents the past based
on the references from today. It also invites us to reflect upon what we are and what we
carry within ourselves. Right now, I am also referring to the corporeality composed by
memory, mind, spirit, imagination, dreams and all that constitutes the active existence
of individuals.
However, I believe it is not exactly this feeling of power — truly a kind of power we seem
to embody — which would lead us to discuss our fragmentation: the sensation of being
simultaneously in distinct, distant places. A fragment can be interpreted based on a few
meanings. The most common of them: a part of a broken whole. But there is a more radical
way to perceive the fragment: as something that, by itself, does not allow the destroyed
whole to be imagined, conceived or restored. It is true that, generally, we have not reached
such an extreme. However, a few basic ontological considerations must be brought to this
discussion.
The so-called uniqueness of the being — of the individual — cannot be shown in opposition
to the moving situation of being. The act of being is circumstantial, but it belongs to the
being. We experience many situations of being, and in doing so, we frequently encounter
the situation of being to the supposed indivisibility of being in its individuality. The act of
being is embedded by the being; and there are as many situations of being — which come
20. We should also consider one specific argument and its foundations: there is no nature
which is not human nature. Cf. Boaventura de
Sousa Santos, 1987, for a further broadening
of this reflection.
into existence due to possibilities, eventualities and scenarios — as there are ways of
being. We are many, each and every one of us; and each of us is able to — consistently
with our being — experience these different ways of being. One should still consider the
being in their dialogical existence with the world, and consequently with a great diversity
of times, spaces and contexts. Under these terms, we are subjected to a context which
makes it so we are — or become — seemingly more exposed to fragmentation processes.
The context also makes us. The world shapes us as well, while at the same time it is also
partially responsible for conditioning this state of being, even if we are the world built by
ourselves. We carry the world within us: a world which refers to us. We carry the places
within our hearts, within our physical memory: all that is relevant to us, to our identities,
our dreams, lives, experiences. We are indeed more susceptible to fragmentations. We
are more ill, alienated and individualistic, and schizophrenically, we can notice a strong
dissociation between verbal and image-based practices21 — disseminated above all
through social networks —, demeanors22 and thoughts23.
130
131
However, despite the entire interpretation exposed here, this situation of being
simultaneously in more than one place must still be assessed based on another point of
view. The transformation of the world — based on references contrary to those introduced
by the paradigms of modernity — signify the material transformation of our existence.
It means, among many other things, the transformation of our individual dreams into
collective dreams. This transformation requires the construction or recovery of seemingly
lost values, and the most important of them all is perhaps the act of being simultaneously
in more than one place, and above all, the desire of being in the place where all are. We
exist by virtue of the existence of others. It is of the upmost importance that this reference
is not lost, to make it possible - further on, in the age of culture - for it to be recovered as
well under the references of artistic practices.
There is an excerpt of Debord’s The
Society of the Spectacle, in which the
author mentions: “it is in this social
domination of time-merchandise that
‘time is everything, and man is nothing: at
most, man is the carcass of time’. It is the
devalued time, the complete reversal of
time as a ‘field of human development’.” (thesis 147). In your opinion, what can we
learn from time? What is the influence
of the “time-merchandise” logic over our
subjectivities?
Guy Debord referred to the time
transformed by the industry or the capital
into consumable time: time-merchandise
on sale in bulk.24 It is a foundation in
the process of capitalist accumulation,
in which the serial production not only
considers time, but also takes it for itself as
something essential for the amplification
of productivity; but before all else, it takes
time for itself. This is what he referred to as
“devalued time”. Time: as it is incorporated
into the process of production of wealth
— with that, acquiring value within the
world-market —, it loses value within the
production of life. Therefore, time receives
values which are contrary to the concept
of time itself, since time should always be
time to the individuals of the world, and as it is taken by the capital, it becomes instead
time-merchandise — while individuals become labor-time on sale.
Some of these questions are very important for the comprehension of the world contained
in the cities, and deserve a broader analysis. Before all, let it be known that I will choose
a specific kind of interpretation among the many ways of evaluating the changes of
temporality-spatialities contained within our subjectivities. These changes take place
within the space-times of modern cities, which in turn must be comprehended as the
space-world in which the encounters between individualities and the social world itself are
developed. This space-world, in broad terms, is also composed of subjectivities. However,
there is another way to interpret this question: subjectivities are, simultaneously, the
intimate territories of individuals and the experiential exchanges they establish with the
space-world.
We should consider that, above all, the logic of time-merchandise refers to the time
in the city of haste or the time of the space world which, on principle, interferes in
the construction of our subjectivities. To feel and to think the world are two actions
intertwined so as to constitute the body of the individual who lives the world; to live the
world is to feel it, to experience it, to think about it, and subsequently, to be affected by
it and change it. Therefore, the logic of time-merchandise affects our subjectivities as
we allow the time-haste or time-market to affect us. Among the many influences of this
logic over our subjectivities, I would like to emphasize the one which refers to the act of
thinking the world under the effect of this specific way to feel the world. The time-haste
— time-merchandise — brings about a feeling of inability regarding our experiencing of
the world which, in turn, interferes sharply with our capacity to consider the world and
ourselves within the context of the space-world. This relative inability to think — a relative
neglect of the routine, yet very important, reflection made out of wanderings, pauses or
regular intervals — makes us hostages of our own inability to choose what may be the
best for all of us, as a collective. Added to that, referenced by the market paradigm —
which references or regulates the logic of time-merchandise — we cannot neglect the
inexistence of our collective in the construction of our own melancholic existence, in
which life goes on, devoid of meaning. Would it seem obvious to say that the logic of timemerchandise obfuscates our capacity to comprehend the time-life in all of our practices?
However, the answer to the following question is perhaps less obvious: how much more
history would we still need to build the collective comprehension that time is what makes
life?
21. Verbal practices covered by images which reveal much more what it desires to be than to what it is.
However, said practices are telling of the state of superficiality in which the one who manifests find
themselves.
22. In this case, “demeanors” refers to a diversity of daily practices which, originating from
individuals, occur all over the world, in places where life happens.
23. Thoughts are expressed as much through verbal and visual practices, as they are
through discourses delivered in many different forums.
24. DEBORD, 1997 [1967], p. 104-105.
The city is occupied. Actions, people,
gestures, words; the entire sum forms the
city in process. Art creators try to reinvent
the life in public spaces, in paths open to
happiness and sunshine. In contact with
alterity, they produce moments to allow
people to meet, intermingle, talk and
celebrate. Is art being too naïve? Is there
time/space for utopias in the modern
city?
Based on the way individuals comprehend
the world, with their discourses, practices,
attitudes and omissions — making
the world the way it is —, art can truly
be perceived as being naïve. But this
comprehension is not restricted to art,
since it also encompasses all the ways of
living which, by principle, resist the marketworld and the city of haste.
132
133
Presently, the world we have built also
creates a context for the questioning of
the more usual meaning of utopia: an
imaginary and unrealizable plan of society.
However, if we carry within ourselves
a desire for our own change — and we
change so as to legitimize the discourse
in favor of the transformation of the world
—, it is worth incorporating the meaning
of utopia identified with our dreams for
change: an alternative conception of
society, capable of indicating capabilities
for the establishment of a political order
which contributes to the transformation
of the world. In addition, certain practices
in the past are recognizable for being
once considered unrealizable; and in the
present, long after their acknowledgement,
they deny the unrealistic — unfeasible —
nature they were previously identified with.
Trying to imagine our lives in the city of
haste, free from the market references, is
not a simple exercise. These references
are what, in the world expressed through
the city, create luminosity and, in
opposition, opacity. The market paradigm
is what stimulates the haste, the excessive
consumerism, the individualism, the
maintenance of values which deny the
values of a dignified life. On the other hand,
it is also not easy to imagine that we will
continue, for an indeterminate amount
of time — or by the time determined by
the forces of market — to reproduce the
values which make our lives devoid of
meaning, subjected to this paradigm we
deny and, contradictorily, reinforce with our
omissions. There is something essential
here to be conceived.
Based on what I have reflected upon, I think
it would be inconceivable for us to not carry
this twofold and radically contradictory
sentiment: that there are currently no
perceptible means to change the world; and
that there is no way to leave everything as it
is. We swing from one sentiment to the other,
and this causes us to build within ourselves
a creeping melancholy and sensation of
loss of life. It is exactly because of this that I
think, like many others, that we carry within
ourselves — promoting our false profits,
while simultaneously suffering due to our
sensitivity losses — the embryo of our
change. This means that there are reasons
to believe that the world-market — existing
within the city of haste — carries within
itself the embryo of its own transformation.
Inside this world — within ourselves
— there is another world, one which is
different, open and expanding. We cannot
say when the prevalence of this world will be established within ourselves. We cannot say
when this expanding world will be born from the inside of the world-market. Similarly, we
do not know how this will all happen. However, taking into consideration what we have been
so far, we are able to say: the emergence of a paradigm of art and the expansion, in every
sense, of artistic practices of critical and creative resistance — in its various possibilities of
demonstration — would be protagonists in this process.
References
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. Lisboa: Edições 70, 2001 [1973].
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997 [1967].
HISSA, Cássio E. Viana. A mobilidade das fronteiras: inserções da geografia na crise da modernidade.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
HISSA, Cássio E. Viana. Entrenotas: compreensões de pesquisa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2013.
LEFEBVRE, Henri. Introdução à modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 6 v. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996.
SANTOS, Milton. Razão global, razão local; os espaços da racionalidade. In: SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005 [1994]. p. 164-170.
Cássio Hissa holds a bachelor’s degree in Geography from the UFMG, a master’s degree
in Demography from CEDEPLAR at the UFMG, has a doctorate degree in Geography from
the UNESP, and a post-doctorate in Epistemology and Sociology from the Universidade de
Coimbra. He teaches at the Department of Geography in the UFMG.
PER CA
T E MP O
B e lo Ho r izo n te, 2009
PO R O
www. p o ro. re d eze ro.o rg
134
135
O Poro – Brígida Campbell e Marcelo
Terça-Nada! – é uma dupla de artistas que
trabalham juntos desde 2002, realizando
intervenções urbanas e ações efêmeras.
Seu trabalho se destaca pelas sutilezas
das imagens que geram. São intervenções
ínfimas e efêmeras, realizadas em espaços urbanos e que circulam pelas redes
em forma de registro (impressos e digitais),
criando diversas camadas de circulação
de suas obras/ideias.
A dupla é fascinada com os processos de
comunicação na cidade, que coloca em
disputa e em debate os meios de comunicação oficiais e os meios de comunicação
populares. O Poro realizou durante sua
trajetória diversas intervenções em mídias populares – como panfletos, faixas
de sinalização, cartazes lambe-lambes,
bottons, etc. A ideia é produzir momentos
de suspensão ou micromudança na percepção das pessoas e no cotidiano cada
vez mais mecanizado e acelerado dos
grandes centros urbanos.
Em uma de suas ações, “Perca Tempo”
(2009), a dupla se apropria da lógica
comercial que se vale de frases como
“não perca tempo” ou “tempo é dinheiro”
e cria uma campanha publicitária com a
mensagem PERCA TEMPO. A frase está
estampada em uma faixa que se abre na
área de travessia de pedestres enquanto
o semáforo está fechado para os carros,
em um botton amarelo com a frase “perca
tempo – pergunte-me como” e ainda na
distribuição, em uma banquinha, dos
panfletos “10 maneiras incríveis de perder
tempo”. Na ação, o grupo traz ao debate
o próprio conceito de tempo e propõe às
pessoas que parem por um momento para
pensar como estão vivenciando o tempo
em suas vidas na cidade.
Os problemas da vida urbana e cotidiana
são assim incorporados como valores
artísticos. A dupla questiona como as espacialidades da cidade são determinadas
por discursos dominantes e busca, através
de suas pequenas ações, desestabilizar
práticas corriqueiras e abrir relações
subjetivas e imprevisíveis. São enigmas
poéticos discretamente incorporados no
cotidiano.
O Poro está interessado no fato das pessoas
poderem se relacionar diretamente com o
trabalho, sem que ele seja percebido como
obra de arte e esteja, ao contrário, à mercê
de uma série de leituras contaminadas e
ricas, que dão outros sentidos às ações.
WASTE T IM E
Poro – Brígida Campbell and Marcelo
Terça-Nada! – is a duo of artists that have
been working together since 2002, creating urban intervention works and ephemeral actions. Their work stands out by the
subtlety of the images that they generate.
They are tiny and ephemeral interventions,
taking place in urban spaces, circulating
through networks in the documentation
form (print or digital), creating diverse layers in the circulation of their works/ideas.
136
137
Poro is a duo that is fascinated by the city’s
processes of communication, which put
the official means of communication and
the popular means of communication up
for debate and dispute. Over the course of
their career, the duo has created a variety
of public works in popular media – such as
pamphlets, banner signs, glued up street
posters, buttons, etc. They insert “nonsensical” phrases and forms into these means,
normally utilized for commercial sales and
advertisements. In this way they generate
a sort of detour or distortion in the messages. The idea is to create moments of
suspense or microchanges in people’s perception and in daily lives, which are more
and more mechanized and accelerated
in the big urban centers. The proposal is,
in some way, to substitute the imperative
logic of capitalism for another.
B e lo H orizonte, 2009
PORO
In one of their actions, “Perca Tempo”
[Waste Time] (2009), the duo made use of
commercial logic which uses phrases like
“don’t waste time” or “time is money” and
created an advertising campaign with the
message WASTE TIME. The phrase is emblazoned on a banner that opens itself up
in the pedestrian crosswalk area while the
traffic light is red for the cars, in a yellow
button with the phrase “waste time - ask
me how” and also by distributing, using a
little vendor’s table, the pamphlets “10 incredible ways to waste time”. In the action,
the group brings the concept of time itself
up for debate and proposes that people
stop for a moment to think about how they
are experiencing time in their lives in the
city.
The problems of urban and daily life are in
this way incorporated as artistic values.
The duo questions how the spatialities of
the city are determined by the dominant
discourses, and through its small actions
searches to destabilize commonplace
practices, opening relationships that are
subjective and unexpected. There are poetic enigmas discreetly incorporated into
daily life.
Poro is interested in the fact that people
can have a direct relationship with the
work, without it being perceived as a work
of art, so it may be, on the contrary, at the
mercy of a series of interpretations both
contaminated and rich, that give other
meanings to the actions.
> WASTE TIME - Ask me how
10 INCREDIBLE WAYS TO WASTE TIME*
1. Following the ants’ trail; 2. Listening to music; 3. Drawing an orange; 4. Having a picnic; 5. Walking
around the city; 6. Spending time with friends; 7. Observing the light changes throughout the day; 8. Folding paper airplanes and boats; 9. Leafing through picture books; 10. Sunbathing
*Footnote: Time is not money. Keep this leaflet and read it whenever necessary.
+10 INCREDIBLE WAYS TO WASTE TIME*
1. Listening to a story; 2. Looking for images in the clouds; 3. Making lists of unlikely things; 4. Walking
in the rain; 5. Rereading books; 6. Taking a nap in the afternoon; 7. Cooking for hours; 8. Observing the
movement of the leaves; 9. Writing and mailing letters; 10. Walking through street markets picking fruits,
*Important information: Wasting time is not losing time. Do not throw this leaflet on the streets.
Q G D O G IA
D ive rs a s C id a d e s, d e s d e 2009
G I A - G R UPO D E I N T E R F E R ÊN C I A
AM B I E N TAL
g ia b a hia . b lo g s p ot .co m
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O GIA é um coletivo baiano que existe
desde 2002 (atualmente composto por
Everton Marco, Tiago Ribeiro, Ludmila Britto, Tininha Llanos, Mark Dayves Cristiano
Piton e Luis Parras). A vida cotidiana e as
sutilezas do convívio nos espaços públicos
das cidades aparecem como tema central
de suas obras. Seu fazer artístico, fortemente colaborativo, está marcado pela
amizade e o entrosamento entre os participantes do grupo, que criam, com suas
ações, momentos de compartilhamento de
experiências, percepções e festividades.
O GIA transita entre diferentes artes, misturando uma série de proposições como
panfletos, vídeos, performances, instalações, música e também comida, festa,
fabricação de cerveja e outras ações. Uma
caraterística forte de seu trabalho é o uso
do humor para tocar em questões importantes relativas ao convívio social.
Entre as iniciativas do coletivo está o “QG
do GIA”, espaço de “encontro, pensamento
e ação” que já foi realizado em diversos
lugares. O trabalho consiste na produção
de um espaço temporário no qual os
artistas convivem com o público em uma
proposta de vivência criativa ampliada. O
ambiente é decorado com plantas, sofás,
tapetes, redes, instrumentos musicais, uma
cozinha e uma lona amarela, que é a marca
do coletivo. Esse espaço funciona como
um “quartel general”, pois serve como sede
para que os artistas planejem suas ações
urbanas. O lugar funciona ainda como um
grande estúdio aberto de criação, no qual
as pessoas envolvidas são parte fundamental do processo criativo.
O “QG” é uma obra que se desdobra no
próprio espaço (a instalação), no convívio
entre o grupo e as pessoas envolvidas (o
processo como obra de arte) e nas ações
e intervenções que nascem dali mas que
tomam corpo no espaço urbano, pelos
mais diversos meios. Outras práticas não
necessariamente artísticas, como cozinhar, dormir e tomar banho, também são
derivadas do “QG” e ressignificadas dentro
do processo. Assim, o coletivo brinca com
os limites de definição e indeterminação
das obras de arte. As festas nos trabalhos
do GIA tem uma grande importância, pois
nelas há uma dissolução entre o público e
os artistas, sendo que na catarse coletiva do
samba se cria um ambiente criativo aberto.
Os trabalhos do GIA agregam poesia, delicadeza e bom humor como ferramentas
que interferem na realidade das coisas
postas e potencializam afetos.
Q G D O GIA
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G IA HQ
GIA is a collective from the state of
Bahia (Brazil) that has been in existence
since 2002 (current members being
Everton Marco, Tiago Ribeiro, Ludmila
Britto, Tininha Llanos, Mark Dayves and
Cristiano Piton), who with their actions
create moments of shared experiences,
perceptions and festivities.
GIA transits between different art forms,
mixing a series of
approaches such
as pamphlets, videos, performances,
installations and music, as well as food,
parties, a brewery and other actions. A
strong characteristic of their work is the
use of humor to touch on important issues
that relate to social coexistence.
Among the collective’s initiatives are
the “QG do GIA”, [GIA HQ], a space for
“encounters, thinking and action” which
has already been held in a variety of places.
The work consists of the production of
a temporary space in which the artists
coexist with the public in an approach
of expanded creative life experience.
The environment is decorated with
plants, sofas, rugs, hammocks, musical
instruments, a kitchen and a yellow tarp,
which is the mark of the collective. This
space functions as a “headquarters”,
since it serves as headquarters for the
artist to plan their urban actions. The
place also functions as a big open arts
Several cities, since 2009
G I A - E N V I R O N M E N TAL
ACTI O N GRO UP
studio, in which the people involved are a
fundamental part of the creative process.
The space also organizes itself as an
installation to be visited, that is modified
over time as well, gaining new images on
the walls, notes all over the place, new
plants and other interferences.
HQ is a work that unfolds itself throughout
the space (the installation), in the coexistence
of the group and other people involved (the
process as a work of art) and in the actions
and interventions that are born out of
that but which take on forms in the urban
space, through the most diverse variety
of means. Other practices that are not
necessarily artistic, like cooking, sleeping
and bathing, are also derived from HQ
and gain a new meaning in the process.
Aside from this, HQ incorporates visitors
that normally don’t frequent institutions,
but who approach a “work” without the
armor of one who intends to enjoy a
work of art. In this way, the collective
plays with the limits of the definition and
indetermination of artworks. The parties
in GIA’s work have great importance, since
in them exists a dissolving between the
public and the artists, being that in the
collective catharsis of samba, an open
and creative environment creates itself.
GIA’s works gather poetry, tenderness
and a good mood as tools that interfere
with the reality of established things and
potentialize affection.
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ADOTE U M
JAR D IM
Flo r ia n ó p o l is, 2011
GR UPO FO R A
htt p : //fo ragrup o.h otgl ue.me/
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“Adote um jardim (Aroeira, vassoura, picão
e cia.)” é uma intervenção em que o Grupo
Fora (composto por Bruna Maria Maresch,
Camila Argenta, Gabriel Pundek e Nara
Milioli) produz recortes de paisagens
provindas de terrenos baldios, instala-os
em caixas de feira e os dispõe em espaços
públicos para a adoção. A ação é pautada
pelo deslocamento das plantas presentes
em terrenos residuais, sob risco de ocupação arquitetônica.
O coletivo desenvolve seus projetos artísticos a partir de passeios por áreas esquecidas, abandonadas, ermas ou renegadas
da cidade. Florianópolis é uma cidade
que contém uma expressiva presença
de áreas verdes no espaço urbano e há,
portanto, uma diversidade muito grande
de espaços naturais que convivem (nem
sempre pacificamente) com as edificações
e o avanço das construtoras em áreas
privadas e públicas.
O grupo caminha por essas regiões – locais
com vegetação natural, canteiros no meio
de avenidas, pequenos pedaços de rua,
áreas de convivência entre pessoas e animais – e busca utilizá-las como espaços de
convívio, nos quais é possível desenvolver
pesquisas sobre a vegetação e promover
encontros com a vizinhança, produzindo
novas formas de habitar a cidade.
Empinar pipa, promover piqueniques,
cozinhar, dormir, desenhar, ler... são ações
a serem experimentadas nesses espaços
naturais. O coletivo investe na simplicidade
das coisas, executando ações que surgem
do próprio local, como a coletas de plantas,
restos de madeira, caixas de frutas, vasos e
caixinhas de leite.
Sua proposta pretende perceber as plantas
a partir das experiências dos terrenos, cultivando ervas daninhas, medicinais, matos,
etc, e nos leva a perguntar: porque precisamos sempre retirar do terreno o que é original para plantar um novo jardim? Com esse
trabalho, o grupo propõe novos formatos de
jardins, que não possuem apenas plantas
ornamentais, mas também outros tipos que,
além de manter sua função estética, podem
ser comestíveis ou medicinais.
Para esse trabalho, o grupo coleta fragmentos desses territórios, extraindo recortes
da paisagem e propiciando mobilidade de
diferentes paisagens da cidade. A proposta
é compartilhar e cultivar a prática de jardins
espontâneos em territórios urbanos, assim
como evidenciar os terrenos baldios como
espaços de respiro. Ao inserirem esses suportes no espaço público, busca-se criar um
diálogo com a população a fim de evidenciar
a condição muitas vezes frágil e esquecida
dessas plantas nas cidades.
A D OPT A GA R DE N
Adopt a garden (Aroeira, vassoura, picão e
cia.) is a public work that Grupo Fora (with
members Bruna Maria Maresch, Camila
Argenta, Gabriel Pundek and Nara Milioli)
makes cutouts of landscapes from vacant
lots, installs them in vegetable crates from
the market and places them in public spaces
for adoption. The action is based on the
dislocation of plants found in residual plots
of land, running the risk of being occupied
architecturally.
144
145
The collective develops its artistic projects
by starting with walks through forgotten,
abandoned, wild or neglected areas of the
city. Florianópolis is a city that contains an
expressive presence of green areas in the
urban space and has, therefore, a great
diversity of natural spaces that coexist with
(not always peacefully) constructions and
the advance of developers in private and
public areas.
The group walks through these regions
– locations with natural vegetation, flower
beds in the middle of avenues, small parts of
streets, areas of coexistence among people
and animals – and seeks to utilize them as
spaces for coexistence in which it is possible
to develop research about vegetation and
promote encounters with the neighbors,
creating new ways of inhabiting the city.
Flying kites, picnic invites, cooking, sleeping, drawing, reading… are actions that are
Florianópol is, 2011
GR U PO FO R A
experienced in these natural spaces. The
collective invests in the simplicity of things,
executing actions that emerge from the
place itself, like the harvesting of plants and
the gathering of discarded wood, fruit crates,
plant vases and milk cartons.
Its proposal intends to perceive plants in
a way that is based on the experiences of
the terrain, cultivating weeds, medicinal
herbs, etc, and it brings us to ask: why do we
always need to remove that which is original,
to plant a new garden? With this work, the
group proposes new garden formats, that
do not have merely ornamental plants, but
other types as well, these being edible or
medicinal aside from their aesthetic function.
For this work, the group harvests parts of
the territory of these locations, extracting
fragments of the landscape and creating a
sort of mobility of different landscapes of
the city. The proposal is to share and cultivate the practice of spontaneous gardening
in urban territories, as well as prove that
vacant lots can be spaces to breathe. They
construct structures, shelving units, wooden
bleachers, that serve as the support medium
for each cutout of terrain, making it possible
for people to choose which flower beds to
adopt. Upon inserting this support media
into the public space, they seek to create a
dialogue with the population in order to show
evidence of the often fragile and forgotten
condition of these plants in the cities.
I t a j a í, 2013
FL AV I A M I E L N I K
f l av ia m ie l n ik . b lo g s p ot .co m
146
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Em “Alagamento” (2013), a artista Flávia
Mielnik cria uma intervenção gráfica na
fachada de uma casa parcialmente abandonada no porto da cidade de Itajaí, em
Santa Catarina. O trabalho busca criar
um diálogo poético com a arquitetura e a
história do lugar onde a intervenção acontece. Criando uma ilusão gráfica e apontando para camadas de história perdidas
naquele espaço e naquela arquitetura. É
uma interferências delicada e silenciosa
que se soma à superfície do local.
A poética de Flávia está voltada a lugares
abandonados na cidade, como casas
em ruínas, muros, fachadas, lotes vagos,
restos de demolição, e busca criar interferências sutis que deslocam e criam
diferentes narrativas do espaço, que são
compostas por elementos próprios do
lugar e outras que a artista insere naquele
sistema. Ela busca produzir um estado de
pertencimento nestes locais, mesmo que a
ocupação seja temporária.
Com suas obras, a artista mostra como as
mudanças do meio urbano, as histórias
cotidianas e as memórias da cidade estão
em constante transformação, porém,
nem sempre sua velocidade é rápida. Há
diversos tempos que sobrepostos criam
paisagens.
Em suas obras, ela explora as mudanças
nos espaços públicos, mas também em lugares próprios de sua intimidade, como as
casas que fizeram parte de sua infância e
que foram sendo substituídas por grandes
edifícios. Ela busca encontrar poesia
nestes lugares abandonados por meio de
intervenções gráficas que modificam os
espaços e edificações.
A artista opera no tempo e no espaço e lhes
acrescenta intervenções que modificam
sua percepção, seu trabalho é enraizado
no desenho, mas também a fotografia
é uma forma importante de registrar a
intervenção.
OVERFLOW
I taja í, 2013
F L AV I A M I E L N IK
In “Alagamento” [Overflow] (2013), São
Paulo artist Flávia Mielnik creates public,
graphic art on the side of a partially
abandoned house on the docks of the city
of Itajaí in the Brazilian state of Santa
Catarina. The work seeks to create a poetic
dialogue with the architecture, the history
of the place where the public art takes
place. Creating a graphic illusion and
pointing to layers of history that had been
lost in that space and that architecture. It
is a delicate and silent interference that
sums up the surface of the location.
Through her works, the artist shows how
changes in the urban environment, the day
to day stories and the memories of the city
are in constant transformation, however
not always being so fast paced. There are
many time periods that, once layered over
themselves, create landscapes.
Flávia’s poetry is geared towards abandoned
places in the city, with homes in ruins, walls,
facades, vacant lots, demolition remains,
and seeks to create subtle public works that
dislocate and create different narratives
of the space, that are composed of local
elements and others that the artist inserts
into that system. She seeks to create a
state of belonging in these locations, even
though the occupation may be temporary.
She seeks to encounter poetry in these
abandoned places through her graphic
interventions that modify her perception.
Her work is rooted in drawing, but
photography is also an important way
of registering the intervention that
associates itself with places which submit
themselves to the forms and interventions
of time in the city.
In her works she explores the changes in
public spaces, but also in places of her
own intimacy, like the homes that were a
part of her childhood and that went on to
be replaced by tall buildings.
148
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Recife, 2 0 1 2
J O N ATH AS D E AN D R AD E
w w w. j o n at h a s d e a n d ra d e.c o m . b r
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Para dar visibilidade à presença dos
carroceiros nos espaços públicos de
Recife, Jonathas de Andrade faz toda a
articulação necessária para produzir a “1a
Corrida de Carroças no Centro da Cidade
de Recife”. Como os animais rurais são
proibidos de circular pela cidade, para promover a corrida, foi necessário criar uma
estratégia dentro da lei. Para isso, o artista
trata a corrida como se fosse uma cena de
filme e então consegue a autorização da
Prefeitura para fechar ruas no centro da
cidade, onde seriam gravadas as cenas da
obra de ficção.
A corrida foi divulgada em panfletos
distribuídos nas feiras de cavalos e
a partir do boca a boca entre os carroceiros e entusiastas da proposta. Os
prêmios oferecidos eram bodes e ração.
No dia combinado, compareceram ao local
cerca de 40 carroças, vários cavaleiros
e a corrida foi ganhando uma proporção
inesperada. Com a dificuldade de manejar
todos os envolvidos, foram inscritos 10
Fotos [photos]: Josivan Rodrigues e Ricardo Moura
carroceiros, que participaram da corrida e,
antes da premiação, foi realizado um cortejo com todos os presentes. O evento, que
começou no caminho previsto, virou um
grande galope, com um descontrole que
se direcionou no final para uma grande
festa, com pessoas, cavalos e carroças
espalhados pelo centro.
O trabalho celebra a presença dos
carroceiros no espaço urbano. Esses
trabalhadores são invisíveis aos demais
moradores da cidade e eles ganham a vida
fazendo fretes em carroças, carregando
restos de supermercado para pequenos
currais e para os quintais de suas casas
em diversas partes da cidade. São pessoas que usam cavalos como meio de
transporte e ferramenta de trabalho,
guardam traços importantes de ruralidade
e que, notadamente, fazem parte de nossa
cultura e vivem na contramão da lógica
desenvolvimentista das cidades, com o
trânsito de carros, os prédios e a higienização dos espaços públicos.
TH E UPRISING
To shed light on the presence of rickshaw
drivers in the public spaces of Recife,
Jonathas de Andrade makes all the
articulations necessary to produce the “1a
Corrida de Carroças no Centro da Cidade
de Recife” [The 1st Rickshaw Race in the
Center of the City of Recife”]. Since rural
animals are prohibited from circulating
around the city, to promote the race it was
necessary to create a strategy within the
law. For this, the artist treats the race as
if it were a movie scene, and in doing so
is able to receive authorization from the
city government to close 14 streets in the
center of the city, where the scenes of a
work of fiction were to be filmed.
The race was promoted through
pamphlets distributed at the horse fairs
and through “word of mouth” among the
rickshaw drivers and project enthusiasts.
The prizes offered were goats and feed.
On the scheduled day, approximately 40
rickshaws showed up with many riders and
the race went on to take on an unforeseen
Re cife, 2012
J O N ATHAS DE A N DRA DE
proportion. With difficulty in managing all
those involved, 10 rickshaw drivers signed
up, who participated in the race and before
the prizes were given, a parade took place
with all present. The event, which began on
the planned route, became a great gallup,
with a lack of control that guided itself
on to a big party, with people, horses and
rickshaws spread throughout the city’s
center.
The work celebrates the presence of
rickshaw drivers in the urban space. These
workers are invisible to the other residents
of the city, and they earn their living by
hauling freights on rickshaws, carrying
supermarket leftovers to small corrals and
to the yards of their houses in a diverse
variety of areas in the city. They are people
who use horses as their means of transport
and work tool, they maintain important
traces of rural life that are a noteworthy
part of our culture and live swimming
upstream against the logic of development
in the cities, with traffic, buildings, and the
hygienization of public spaces.
152
153
C u r it ib a , d e s d e 2008
I N T E R LUX ART E L I V R E
h t t p s : // i n t e r l u x . w o r d p r e s s . c o m /
154
155
Em “Música para sair da bolha”, ação do
coletivo Interlux Arte Livre, os artistas
promovem uma roda de música ao ar
livre, próxima a locais onde o trânsito é
mais crítico, sempre na hora do rush. A
intenção é produzir um convite para que
os motoristas saiam de seus carros,
aproveitem as apresentações e reflitam
sobre o trânsito – e, especialmente, sobre
a relação com os pedestres e os ciclistas.
“Encapsulados” em seus automóveis, as
pessoas transitam pelas ruas em uma
“bolha de alienação”, que acaba por definir
a forma como elas se relacionam com os
espaços públicos da cidade.
Baseado em Curitiba, o coletivo iniciou
suas atividades em 2002 e desde então
realiza ações em diferentes territórios,
abrangendo os campos das artes visuais,
música, intervenção urbana e ativismo
político. A proposta do grupo busca repensar a cidade de forma crítica e proporcionar novos modos de experiência do espaço
urbano. A partir de suas intervenções, o
Interlux propõe “estimular as pessoas a
deixar de ter uma postura passiva, tanto
em relação às suas próprias vidas, como
em relação à cidade, em relação uns aos
outros, em relação à maneira com elas
enxergam a rua”.
O trabalho é uma ação performática
musical, que celebra a rua como espaço
de troca e convivência. Os integrantes do
grupo são críticos ao modelo de cidade
que privilegia o transporte individual,
destruindo a sociabilidade, criando áreas
de isolamento e privatizando os espaços
das ruas.
Entre os outros vários projetos do Interlux,
está a “Jardinagem Libertária – semeando
nas ruínas da civilização”, no qual os artistas, em conjunto com diversos colaboradores, criam jardins, hortas e canteiros
na cidade. A ação propõe a retomada do
espaço urbano por meio do plantio e manutenção da “cobertura vegetal” das áreas
urbanas, abrindo brechas para o respiro e
a vida na cidade.
M USIC TO LEAV E TH E BU BBLE
In “Música para Sair da Bolha” [Music to
leave the bubble], an action by the collective
Interlux Arte Livre, the artists promote an
open air music circle near locations that
have the heaviest traffic, always during
the rush hour. The intention is to make
an invitation for the drivers, giving them
an opportunity to get out of their cars,
enjoy the presentations and reflect upon
the traffic - and, especially, upon their
relationship with pedestrians and cyclists.
“Encapsulados” (“encapsulated”) inside
their automobiles, people drive through
the streets in a “bubble of alienation” that
ends up defining the way they relate to the
city’s public spaces.
The work is an action of musical
performance, that celebrates the street
as a space for exchange and coexistence.
The members of the group are critical of
the model of cities that gives privileges
to individual transportation, destroying
sociability, creating areas of isolation and
privatizing the spaces in the streets.
Curitiba , since 2008
IN T E R LU X ART E L I V R E
Based in Curitiba, the collective began
its activities in 2002, and since then have
been creating actions in different regions,
encompassing the fields of visual arts,
music, public art and political activism.
The group’s proposal seeks to rethink the
city in a critical way and to provide new
ways of experiencing the urban space.
With their interventions as a starting point,
they propose to “stimulate people to stop
having a passive attitude, as much in their
own lives as in their relationships with the
city, with each other, with the way with
which they see the streets”.
Interflux has several other projects, including “Jardinagem Libertária – semeando
nas ruínas da civilização” (“Libertarian
Gardening - sowing in the ruins of civilization”), in which the artists, together with
several collaborators, create gardens and
flower beds in the city. The action proposes
the retaking of the urban space by way of
planting and maintaining the “vegetation
topping” of urban spaces, opening niches
for breathing and living in the city.
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PALAVRA E IMAGEM NA CIDADE
WORD AND IMAGE IN THE CITY
As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é um ser
eternamente desperto, eternamente agitado que vivencia,
experimenta, reconhece e imagina tantas coisas entre as
fachadas quanto os indivíduos no abrigo de suas quatro paredes.
Para esse coletivo, as brilhantes e esmaltadas tabuletas de
firmas comerciais são uma decoração de parede tão boa,
senão melhor, quanto um quadro a óleo o é para o burguês
em seu salão, muros com o “Proibido colar cartazes” são sua
escrivaninha; bancos são a mobília de seu dormitório e o terraço
do café, a sacada de onde ele observa seu lar.
Walter Benjamin
The streets are the residence of the collective. The collective is
a forever awake, forever restless being who exists, experiences,
recognizes and imagines so many things between the facades, as
the individuals in the shelter of their own four walls.
For this collective, the bright and enameled tablets of commercial
firms are a wall decoration that is as good, if not better, as an
oil painting is to the bourgeois in his salon, walls with the “no
posters allowed” are their desks, benches are the furniture of
their bedroom and the cafe terrace, the balcony from where they
observe their home.
Walter Benjamin
As superfícies da cidade estão repletas de palavras e imagens que estão nas
paredes, cartazes, capas de revistas, jornais, nas telas dos celulares, estampas de tecidos, muros, embalagens, carros, televisões nos metrôs e ônibus,
placas feitas à mão, grandes empenas publicitárias, cartazes tipográficos,
anúncios de shows pela cidade, panfletos de cartomante, mapas de turismo,
folhetos, catálogos, folders, jogos, alimentos, arquiteturas, identidades visuais, faixas de rua, placas de sinalização, numeração das casas, demarcação
do piso, pichação e grafites... Ainda somamos a isso a vocalização e o som:
carros de som, rádios ligados, evangélicos lendo a bíblia em voz alta, gritos
dos ambulantes que anunciam seus produtos em uma sinfonia popular, formam uma sobreposição de camadas gráficas e informações fragmentadas
continuamente rearranjadas.
Estar na cidade é estar mergulhado em uma grande quantidade de signos e
não há um código único para decifrá-los, os significados não são dados de
antemão, precisam ser produzidos. A cidade é completamente povoada por
um dimensão gráfica-comunicacional. A mistura entre comunicação oficial, comunicação corporativa, comunicação popular e outras intervenções
transformam a cidade em um lugar riquíssimo para a experiência visual.
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Para os artistas, é um verdadeiro parque de diversões, todo aberto a intervenções e diálogos. Muitas vezes, a inspiração para as obras vem do amor
pela reprodutibilidade da imagem e da palavra, pois todas as formas de comunicação na cidade trazem em si alguma forma de reprodutibilidade. Para
os artistas interessados no mundo das artes gráficas, ver a impressão de uma
quantidade enorme repetida de uma mesma imagem é algo maravilhoso. A escolha do papel, da tinta, o cheiro do impresso novo, tudo isso cria um ambiente
rico e poético de quem intervém nesta camada gráfica da cidade.
Para quem observa e caminha pelas ruas, ver aquela sequência de imagens
repetidas pelas ruas é um prazer. O universo das gráficas e bureaus de impressão de quintal, trabalhar onde de imprime os panfletos populares na
cidade, com seus mecanismos um pouco arcaicos, sempre escuros e muito
bagunçados passa a fazer parte da obra.
Muitos desses artistas irão investigar a natureza dessas imagens e palavras
(escritas e verbalizadas) que estão por toda a cidade, buscando entender
quais as relações que elas estabelecem com os locais onde se instalam. A
partir dessas observações, um jogo de diálogos infinitos começa a se estabelecer, pois novas intervenções entram em contato com o que já estava lá, e na
sequência vem outra intervenção que modifica ainda mais o jogo, a conversa,
e abre caminhos para novas interferências e leituras, uma vez que o espaço
urbano pode ser entendido como uma obra coletiva.
Normalmente, associamos o meio gráfico a tudo aquilo que pertence ao universo da impressão, reprodução técnica, imagens e informação: cor, pixel, retícula, mancha gráfica, tipografia, tiragem, mídia, suporte, são algumas das
palavras evocadas por essa definição. Mas, num sentido mais amplo, o gráfico
pode ser entendido como um processo de dar ordem formal e estrutural a uma
mensagem, informação ou conceito. Mais do que um procedimento técnico,
o uso do gráfico é uma ferramenta poética para reivindicar e recuperar sua
presença nos espaços de comunicação e expressão. Nesse processo, os meios
gráficos passam a fazer parte do processo criativo, a partir da impressão, gravura, tipografia, stencil, colagem, cartazes, livros, projeções, sinalização...
O gráfico e a reprodutibilidade estão ligados a uma espécie de democratização do fazer artístico, pois as obras múltiplas, ao contrário das obras únicas e
exclusivas do mundo da arte, rompem com a aura normalmente presente nos
objetos de arte. Não é por acaso que as gravuras, de um modo geral, costumam
ser as obras de arte mais baratas no mercado. Trazem de volta para a cidade
uma obra nada exclusiva, mas que, pelo contrário, se multiplica pelos muros,
de mão em mão, assim como as proposições e as ideias. Cria-se, assim, um
outro circuito para as obras de arte, que não estão apenas nos meios de arte,
mas, pelo contrário, circulam de forma fluida por espaços de toda natureza.
Os artistas infiltram-se não apenas no circuito da palavra e da imagem da
cidade, mas nos circuitos de verbalização, venda e comércio de imagens. Inserem-se no grid urbano, apropriando-se do alfabeto da cidade. O papel seria
a expressão primeira do gráfico, e, numa perspectiva poética, podemos ver a
cidade inteira como papel, não como a folha em branco a ser preenchida, mas
folhas já preenchidas e cheias de elementos que se recombinam.
Assim, a cidade pode também ser vista como um livro, com diversos textos
possíveis e imaginários que disputam (e compartilham) espaços com a comunicação oficial. Quando ocupamos as cidades estamos conferindo novos significados para aqueles territórios e por consequência, “escrevendo um texto
novo”: “É como se a cidade fosse um imenso alfabeto, com o qual se montam
e desmontam frases”.1 A arte nesses espaços embaralha códigos urbanos, faz
confusão e cria momentos de suspensão. As pessoas voltam-se para si mesmas por alguns minutos, pois a eles não se oferece nada a não ser um suspiro,
não se vende nada. Gera contrainformação, poesia e literatura, por meio de
intervenções de autores muitas vezes anônimos, que imprimem no cotidiano
marcas invisíveis no tecido urbano em diálogo constante com um espaço público compartilhado.
1.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: 1988, p.18
The surfaces of the city are full of words and images that are on the walls,
posters, magazine covers, newspapers, on cell phone screens, there are
patterns on fabrics, walls, wrappers, cars, televisions on the subways and
buses, handmade signs, big advertisements on the sides of buildings, posters,
announcements of shows throughout the city, pamphlets, tourist maps,
leaflets, catalogs, folders, games, food, architecture, visual identities, street
banners, street signs, house numbers, the demarcation on the pavement,
“pixo”, grafitti… We even add to this the vocalization and the sound: car
speakers, turned on radios, evangelists reading the bible out loud, shouts
from street vendors that announce their products in a popular symphony, all
form a layering of graphics and fragmented information that is continually
rearranged.
To be in the city is to be submersed in a great quantity of signs and there is no
single code to decipher them, the meanings are not given beforehand, they need
to be produced. The city is completely peopled by a graphic-communicational
dimension. The mixture of official communication, corporate communication,
popular communication and other interventions transform the city into an
extremely rich place for visual experience.
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For the artists it is a real amusement park, entirely open to interventions
and dialogues. Often, the inspiration for works comes from the love for the
reproducibility of images and words, since all forms of communication in the
city bring in themselves some form of reproducibility. For the artists interested
in the world of graphic arts, to see the printing of an enormous quantity of a
repeated image is something marvelous. The choice of paper, ink, the smell
of the fresh print, all of this creates a rich and poetic environment for one to
intervene in this graphic layering of the city.
To the person who walks the streets, to see that sequence of repeated images
in the streets is a pleasure. The universe of graphics and bureaus of backyard
printing, working where popular pamphlets are printed in the city, with their
somewhat archaic mechanisms, always dark and quite messy, go on to become
part of the work.
Many of these artists will investigate the nature of these images and words
(written and verbalized) that are found throughout the city, seeking to
understand what relationships they have with the locations where they are
installed. Based on these observations, a game of infinite dialogues begins
to establish itself, since new interventions enter in contact with what was
already there before, and following that, another intervention comes along
that modifies the game, the conversation, even more, and opens paths for new
interferences and readings, given that the urban space can be understood as
a collective work.
We normally associate the graphic medium with all that pertains to the universe
of print, reproduction techniques, images and information: color, pixels, dots,
graphic stains, typography, edition, media, support media, among others, are
some of the words evoked by this definition. However in a broader sense, what
is graphic can be understood as a process of giving formal and structural order
to a message, image or concept. More than a technical procedure, the graphic
use of a poetic tool to demands and recuperates its presence in the spaces for
communication and expression. In this process, the graphic means go on to
become part of the creative process, based on prints, engravings, typography,
stenciling, collage, posters, books, projections, signage...
That which is graphic and that which is reproducible are linked to a sort of
democratization of artistic doings, since the multiples are the opposite of the
unique and exclusive works of the art world, breaking with the aura normally
present in art objects. It is not by chance that the engravings, in general, are
usually the cheapest works of art in the market. They bring back to the city a
work that is not exclusive at all, yet which, on the contrary, multiplies itself
among the walls, from hand to hand, as do the propositions and the ideas. In
this way, another circuit creates itself, circulating in a fluid way through all
types of spaces.
The artists infiltrate themselves, not only into the city’s circuit of words
and images, but also in the circuits of verbalizations, sales and the
commercialization of images. They infiltrate themselves into the urban grid,
appropriating themselves of the city’s alphabet. Paper would be the first
graphic expression, and in a poetic perspective, we can see the entire city as a
piece of paper, not like a blank sheet to be filled, but a sheet that has already
been filled with elements that recombine themselves.
In this way, the city can also be seen as a book, with a variety of possible texts
and imaginations that dispute (and share) spaces with the official community.
When we occupy the cities we are giving new meanings to those territories
and by consequence, “writing a new text”: “It’s as if the city was an immense
alphabet, with which one constructs and deconstructs phrases”.1 Art in
these spaces entangles itself with urban codes, mixes things up and creates
moments of suspense, people go back into themselves for a few minutes, since
to them what is offered is no more that a sigh, nothing is being sold. Counterinformation, poetry and literature are generated, through the intervention of
authors that are often anonymous, who print invisible marks onto the urban
fabric of daily life, in constant dialogue with a shared public space.
1.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: 1988, p.18
DI ÁLO GO
MARISA FLÓRIDO
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Em conversa com o artista Alexandre
Vogler, ele me disse que uma das coisas
que o inspirou a fazer suas séries de cartazes lambe-lambe foi observar todos os
dias, de dentro do ônibus, a presença dos
cartazes colados em série na cidade, que
anunciam, shows, festas, rodeios, entre
outros acontecimentos. Essa presença
gráfica nas cidades pode ser, às vezes, um
pouco incômoda, pois contamina a paisagem com interferências demais. Mas ao
mesmo tempo, existe tanta beleza nisso,
não? As sobreposições de imagens de
textos, parece formar um grande palimpsesto sem fim. Por que os artistas gostam
tanto disso? Por que essa presença gráfica na cidade é tão fascinante? Muitos
artistas têm um certo impulso gráfico,
um desejo de criar relações, brincar, dialogar, criticar, se infiltrar, subverter essas
mensagens cotidianas com propostas
poéticas, lúdicas ou críticas. Como você
vê essas intervenções nos circuitos de
comunicação/palavras/imagens?
Creio que sua questão têm várias camadas
que tentarei minimamente deslindar.
Primeiro, qual a relação entre “publicidade”
e espaço público? Como diz Jean-Pierre
Vernant, o aparecimento da polis grega
só foi possível graças à proeminência da
palavra sobre todos os outros instrumentos de poder, tornando-se o elemento
político por excelência. Ela não será mais
o conteúdo de um saber esotérico secreto,
o termo justo de uma narrativa ritual, mas
o debate contraditório, a argumentação, a
polêmica nas regras do jogo intelectual e
político. A seu surgimento correspondeu
a exigência de uma “publicidade”, de uma
publicação: colocar, sob os olhos de todos,
as condutas, os processos, os saberes
antes reservados a alguns. Distinguia-se
assim um domínio de interesse comum,
de práticas e saberes abertos separando-se do recesso das tradições familiares:
privilégios e saberes, antes restritos a
sacerdotes e guerreiros, podem ser democratizados e divulgados em praça pública.
A palavra e a escrita vão cumprir um papel
fundamental de divulgação de conhecimentos interditos; a escrita, privilégio de
alguns, guardada à meia-sombra do Templo que presidia a vida, ganha então a ágora. O
que era segredo religioso, revelação de essências reservada a eleitos vai ser exposto a
céu aberto, a escrita vai cumprir um papel fundamental de divulgação de conhecimentos
interditos, na reivindicação dos direitos pela redação da lei e sua fixação.
A propaganda na cidade, a “publicidade” capitalista dos outdoors, basicamente sequestra
essa força profanadora da escrita, a força da “publicidade” da polis grega. Confunde e
esvazia tanto a esfera pública, como também a esfera privada (ainda que, claro, ambas
foram ganhando sentidos bastantes diversos ao longo dos séculos). Mas o que é importante salientar é que o que era público é doravante privatizado (como propriedade), o que
era privado ganha uma vasta exposição em seus outdoors – mesmo a intimidade torna-se
objeto de consumo, relegada à tela da tevê e da internet, mostra-se nos reality shows, nas
redes sociais e blogs com seu caráter confessional.
Vogler, certa vez em uma conversa, associou a publicidade na cidade a uma espécie de
trompe l’oeil (técnica artística que, com truques de perspectiva, cria uma ilusão ótica
que faz com que formas de duas dimensões aparentem possuir três dimensões) contemporâneo (não por acaso, a Igreja católica, no período Barroco, lançaria mão de seu
recurso de modo exaustivo como instrumento de persuasão, propaganda e comunicação
da mensagem cristã). E, de fato, os slogans e as imagens das propagandas nos outdoors
rasgam a superfície opaca e repetida das empenas cegas dos edifícios e nos promete
paraísos artificiais, os paraísos do consumo. A publicidade é a transcendência prometida na pintura, a evasão do espaço imanente. Na pintura, à cena representada sobre a
superfície da tela correspondia um sujeito capaz de dominar as aparências e seus jogos.
O trompe l’oeil viria perturbar, na evocação mágica da coisa, na fascinação do duplo, as
regras da imitação. É a mimese levada à sua própria desmedida. Uma armadilha ao olho
sensível: ele vacila, inebriado e seduzido, mas apenas por instantes. O espectador sabe
que é uma armadilha, o artifício afirma-se enganador para que a acuidade da consciência
logo serene a estupefação momentânea. Entretanto, esse segundo de dúvida e narcose
imobiliza o espectador e desperta nele o desejo de ali se abismar. O trompe l’oeil viola e
explicita as regras de seu jogo e o segredo de seu poder.
Na propaganda, ver é crer, e não há o momento seguinte que deslinde a ilusão. Seu
objetivo é fazer crer que se deseja o que se vê. Ver e crer, prazer e poder estabelecem
nexos profundos e antigos. A ilusão capitalista impõe a todos as figuras de felicidade e
infelicidade como produtos a serem consumidos. Em sua produção massificadora, nossa
capacidade de imaginar e sonhar é sequestrada. De modos distintos, os artistas buscariam explicitar as regras e os segredos de seu poder, por vezes devolvendo a ambiguidade
e a indeterminação dos sentidos, turvando as efígies publicitárias, implodindo seu poder
alucinante, para fazer o desejo se desvincular desse apelo e dessas identificações fusionais que elidem a alteridade, e para devolver ao olhar a liberdade de uma escolha, de um
juízo, de um desejo que não se sacia na saturação do consumo e do espetáculo.
Há ainda outros aspectos a esses interligados: vivemos em uma economia da atenção. O
ambiente urbano e social é cada vez mais saturado de estímulos. As novas tecnologias
nos assediam com informações e imagens. O capitalismo introduz incessantemente novos produtos e rápidos descartes, manipulando atenção e distração. Isso provocaria, nos
últimos séculos, alterações profundas na percepção, na experiência da temporalidade e
nos regimes da atenção. Nas ciências, e em particular na psicologia emergente do século
XIX, a atenção se tornaria uma questão central. Alguns autores, como Jonathan Crary, vão
apontar o paradoxo que se estabelece a partir de então: a mesma lógica que provoca tal
dispersão e enfraquece qualquer certeza quanto à percepção do mundo (denunciando-a
contingente, mas fundamentando a verdade da visão na densidade e materialidade do
corpo) vai impor regimes de disciplina, controle e classificação da atenção. Era preciso
gestá-la, orientá-la para a eficácia produtiva, disputá-la no mercado de consumo.
Por isso também o interesse dos artistas pela inserção e alteração nos códigos e nas
sinalizações. Esses trabalhos nos colocam em alerta sobre o modo como nossa atenção
é dirigida e disputada. Somos afetados também pelas distrações, pelo que permanece
nas margens e periferias, pelo modo como somos conduzidos a ignorar ou a esquecer.
Há nesses trabalhos certo atravessamento por uma (re)economia de forças e disputas.
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Esse tipo de inserção artística esteve presente ao longo no século XX (dos cartazes
da vanguarda russa às manifestações dos anos 60 e 70), mas a partir dos anos 2000,
intensificaram-se em todo o país. São intervenções em outdoors, em placas de sinalização urbana, nos muros das cidades, são adesivos colocados em transportes públicos e
postes, em meio a cartazes, propagandas e outras sinalizações. Suas interferências sutis
necessitam da sensibilidade desarmada de quem circula pelas ruas para percebê-las.
Com mensagens alteradas, os artistas abririam sopros de ar na asfixia de um mundo
massificado e ultracodificado, no qual a própria vida se torna signo, código genético.
Essas interferências também teriam modos diversos de abordagem. Ou são pensadas
para gerar embates como/com as imagens e manchetes publicitárias, ou estão próximos
da poesia visual, trabalhando sobre o texto e o design da sinalização viária e transtornando sua codificação universal com referências às artes e à liberdade do olhar. Outros por
exemplo reescrevem a história a contrapelo, como diria Benjamin, narrando-a a partir do
ponto de vista dos vencidos (como o “rebatismo” de ruas e viadutos trocando os nomes de
personagens da ditadura militar ou dos colonizadores pelos nomes dos personagens da
resistência) e assim por diante...
Alguns artistas dizem que a cidade é uma
galeria a céu aberto. Outros discordam,
dizendo que, na verdade, a galeria é
um espaço que busca a neutralidade, o
cubo branco, para a obra poder ser vista
sem interferência alguma, e nas ruas,
pelo contrário, está tudo amontoado. As
intervenções abrem caminho para outras,
e outras... Hélio Oiticica disse que “Museu
é o Mundo” – acho que ele quis dizer que
a arte é viva e está em todos os lugares.
Como você percebe esse trânsito entre
a rua e os espaços institucionais? Há
sempre uma dimensão institucional na
arte? É possível acreditar em uma produção totalmente livre do cubo branco?...
abertas à interferências sem fim? A arte é
mais viva fora do museu? Ou é impressão
minha?
Primeiro, acho necessário esclarecer que
o famoso cubo branco — apelidado assim
por Brien O’Doherty, no texto No interior
do cubo branco: a ideologia do espaço na
arte — nunca foi neutro, sempre esteve
impregnado da ideologia que o concebeu e
pela qual deveria velar.
Toda obra está referida a uma circunstância de onde ela se apresenta e com a
qual ela dialoga. Toda obra está de alguma
forma situada, está inscrita e é relativa a
uma trama de relações que a ultrapassa.
E estar situada não significa relacionar-se apenas com as características físicas
do lugar onde se insere, estar dentro ou
fora de uma galeria, mas estar referida
a uma infinidade de afetos, fenômenos,
sistemas e poderes exteriores, inclusive ao
conjunto de valores para a qual se dirige
e à vizinhança ao lado da qual ela se coloca. E uma vez que essas circunstâncias
mudam, a percepção da obra também se
dá em relação a cada situação, infinitos
sentidos surgirão e desaparecerão nesse
movimento: toda obra está a um só tempo
situada e deslocada, são suas geografias
circunstanciais. Ou seja, nem a obra, nem
a montagem, nem o lugar de sua exposição
são neutros. A arte não tem sentido fechado em si, mas é atravessada por essa série
de potências (o capital, a religião, a mídia,
etc.), saberes e afetos que terminam por
defini-la e contra a qual muitas vezes ela
estabelecerá seus conflitos, suas guerrilhas e suas querelas. E como essas potências jamais são exteriores, pois moldam a
vida e as subjetividades, investindo sobre
aquilo que nomeamos “arte” de modo intrínseco, as querelas e resistências da
arte são, portanto, também guerrilhas e
resistências a si mesma e ao que somos.
Eis seu nó e seu desafio.
Ocorre que a partir principalmente dos anos 60, ocorreria uma expansão do campo de
experimentação da arte. Um gesto, o corpo, um lugar, os sítios naturais, o espaço urbano,
uma situação, um acontecimento eram designados como fatos artísticos. Sucederia,
desse modo, uma valorização da vivência e da experiência direta com o mundo, assim
como uma interrogação dos signos, das concepções, dos discursos e dos sistemas que
a priori pretendiam traduzir homem, mundo e arte em verdade. Sistemas perceptivos,
culturais, ideológicos, políticos, quaisquer que fossem os dados que estavam reprimidos
sob o discurso da autonomia da arte, são explicitados. Essa excursão, para fora dos meios
convencionais e dos espaços tradicionais de exposição, teria como objetivo justamente
explorar o contexto e o campo nos quais as obras se inscreviam, evidenciar esses sistemas, colocá-los a descoberto. Inclusive apontando a falácia da neutralidade do cubo
branco.
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O que se tornava evidente é que a obra resplandecendo em si mesma para além de
qualquer condição da experiência, nas coordenadas abstratas e ideais do espaço e do
tempo – onde o cubo branco é a figura paradigmática – pareceria então impossível.
Não porque as obras que reivindicam sua autoreferência desapareceram, mas porque
os discursos que as legitimavam (como o formalismo do pós-guerra) já não encontram
onde ancorar suas verdades. O cubo branco, receptáculo indiferenciado cuja arquitetura
deveria preservar a neutralidade máxima para que apenas a obra de arte tivesse existência e se revelasse, seria explicitado como uma ilusão moderna. Mesmo a valorização
da prática curatorial, assim como a ênfase na montagem expositiva como parte de um
sistema discursivo e nada neutro, destas últimas décadas, têm relação com o fim dessa
expectativa de neutralidade do espaço expositivo.
Ora, quando “algo” acontece na rua, este algo dificilmente é reconhecido como “arte”.
Desprotegidos dos discursos de legitimação (inclusive do enquadramento do museu ou
da galeria que dirigia a recepção do objeto convencionando-o como artístico), realizando-se no afrouxamento das molduras e fronteiras das categorias artísticas convencionais,
esses trabalhos colocam em tensão absoluta o que poderia ser considerado como arte,
para quem, em nome de quem.
É claro que o interesse pela cidade como o campo expandido da prática artística a partir
dos anos 60 já trazia essas questões, mas o que acontece na produção artística mais
recente nos leva a outras interrogações: por que esse interesse renovado pela cidade
(espaço por tradição da vida em comum)? E em que medida ele se relaciona com as
novas geografias globais, com a organização das cidades em redes competitivas? Pois,
um paradoxo se formava: enquanto as cidades estão no foco de um mundo fluidamente
conectado, a noção de civilização única se dilacera, as noções de cidadania e civilidade se
vêem confrontadas ao seu esgotamento. Um paradoxo que a arte enfrentava e interrogava? Esse interesse não apontava então para a necessidade de se repensar e reformular as
dimensões do comum (entre as quais a comunidade estética e a da arte)? Por outro lado,
no mesmo período, multiplicaram-se os espaços alternativos administrados por artistas.
Esses espaços formavam redes de hospitalidade: os artistas viajavam por conta própria,
um hospedava o outro. A casa deixava assim de ter somente as funções de moradia —
perdia-se a especialização do lugar — e passava a ser também hospedagem, ateliê e lugar
expositivo. Ou seja, eram inserções por duas frentes, tanto naquela que foi, por tradição, a
arena dos conflitos e da convivência de complexas diferenças, a cidade, e naquele que foi
o espaço da intimidade doméstica, a casa. As fronteiras entre público e privado estavam
ali confundidas. Que processo é esse? Há uma evidente percepção do esgotamento do
repertório ético e político do Iluminismo quanto de como é ilusória a especialização das
esferas do conhecimento, da sensibilidade e da ação (cognitiva, estética, ético-política). O
que pretende a arte? Talvez novos modos de rever, repensar e rearticular esses domínios?
Se, recentemente, certa ênfase vem sendo dada aos contextos, processos e interferências nas relações pessoais, sociais e culturais, o que fica manifesto não é a existência
e a deflagração de um contexto específico e originário, mas a confrontação e a conexão
contingente de múltiplas e móveis circunstâncias e mundos por onde obra, autor e espectador se friccionam e se deslocam. Uma pluralidade de redes complexas, sobrepostas
ou interligadas, simultaneamente excêntricas, irregulares e esquivas. Se vêm ativar as
“especificidades relacionais”, os “entrelugares”, os lugares “errados”, também explicitam
as fraturas e a complexidade e fragilidade dos laços e das conexões com os lugares e os
tempos, com os outros com quem somos. Tais experiências vêm colocando em questão o
que pode ser considerado como esfera pública e/ou privada, e como dimensão estética,
quais os campos por elas interceptados, o que elas determinam. Colocar em tensão
temporalidades de modelos diferentes, buscar abrir a existência a outros ritmos, ensaiar
distensões e rupturas com um tempo dominante tem sido prática recorrente da arte. Por
isso sua urgência em operar no cruzamento e nos intervalos dos tempos e dos mundos da
experiência, reinventar as temporalidades e as relações entre elas, produzir a redistribuição dos lugares, evidenciar e sabotar os códigos de inclusão e exclusão que determinam.
Quando falamos de espaço público, logo
vem em mente ruas, praças, calçadas e
espaços físicos da cidade (tudo que está
do lado de fora de casa). Mas, podemos
entender que os espaços públicos se
manifestam em diferentes dimensões e
não somente nos espaços físicos em si. Os
jornais, os sistemas de comunicação, as
publicações, o meio eletrônico são também espaços públicos potenciais. Assim
como são passíveis de se tornarem matéria poética para o trabalho dos artistas.
Gosto tanto dessa arte que se dissolve no
cotidiano e se infiltra nas mais delicadas
brechas. A arte tem sempre uma dimensão
pública, pois, como você mesma diz, é
sempre “endereçamento”. Como lidar com
essa arte que a principio nem parece arte?
Arte é endereçamento a outro qualquer. É
para mim sempre indissociável de uma dimensão comum, que envolve desde nossas
projeções da alteridade às figuras sonhadas de totalidade. Um “nós” que implica e
interroga desde a relação a dois até a mais
vasta comunidade (como a comunidade
estética e universal postulada por Kant).
A própria noção de humanidade está aí
em questão. Ora, aquilo que nomeamos
“arte” apenas pode se constituir na partilha... Mas esse algo, “arte”, se esquiva de
definições fáceis, incorre em imprecisões
e desabrigos, desconcerta a sensibilidade,
não cessa de obrigar o pensamento a se
confrontar a seus próprios limites. Assim,
se algo se partilha nesse envio ao outro, é
a partilha paradoxal de um indeterminado.
Por isso, para mim, a denominação de arte
pública é redundante. A arte é pública
porque supõe o outro nesse endereçamento e nessa publicização, mas ao mesmo tempo
o faz interrogando o que afinal é “público” (ou se preferirmos, o que é “comum”).
Pois bem, grande parte desses artistas que intervém hoje no espaço urbano, assim como
em jornais e nas redes, pertence a uma geração que cresceu entre a rua e a internet,
entre as guerras por território de uma e a ubiquidade da outra, entre a fragmentação dos
discursos e os links e as associações rizomáticas, entre a tridimensionalidade realista
dos jogos virtuais e os layers dos programas de imagem, entre o interdito dos muros e a
diluição das fronteiras entre exposição e intimidade, entre a dispersão dos antigos laços
sociais e a conectividade compulsiva com sua pretensa comunidade virtual. Por isso, eles
operam no cruzamento entre o espaço urbano e as mídias como os jornais, a televisão, o
ciberespaço, entre a ágora e as redes sociais. Por isso, infiltram-se no espaço invisível da
(contra) informação e da comunicação. Por isso, comunicam-se pelas redes eletrônicas,
muitas vezes desvirtuando sua mera função de fazer circular a informação para explorar
sua potência transformadora de sociabilidades e de mobilização, o que demonstra sua
percepção como fluxo e conectividade.
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As cidades que sempre foram estratégicas para se pensar a articulação da diversidade
e da diferença, com suas alianças enviesadas, estendem-se à comunicação sem fio, são
cidades “comunicacionais”, como muitos denominam. Curioso é que essa percepção da
cidade estendida, de uma metrópole comunicacional, já estava por exemplo em Flávio
de Carvalho na primeira metade do século 20. Suas performances nas ruas, suas experiências e intervenções já atravessavam vários campos ampliados de práticas e discursos
antes especializados. É assim que New look e no manifesto A cidade do homem nu se
divulgam também nos jornais, a cidade do antropófago como ele propõe no manifesto é a
metrópole comunicacional, que estende a rua, o espaço.
Infiltrar-se nessas mídias significa também infiltrar-se nos seus sistemas de poder, tentar
explicitar como operam. Algo que vem se tornando mais complexo com as redes sociais.
Muito se fala de como o jornalismo está perdendo o monopólio da informação, sobre o
que (ou a quem) ele decide dar visibilidade ou ocultar, e que o domínio de empresas de
tecnologia na produção e distribuição de conteúdo informativo e opinativo está criando
uma nova esfera pública. Mas as redes sociais como o Facebook têm se tornado um novo
sistema de poder cujos mecanismos de controle são ainda mais intrincados. O Facebook
usa um conjunto de complicadas fórmulas e algoritmos secretos para definir como as
notícias vão para o alto das páginas pessoais dos usuários, quais devem aparecer mais
e com que frequência; esses mecanismos não apenas determinam o que o vamos ver,
mas também o modelo de negócio das plataformas sociais. Uns veem nas novas tecnologias em rede a base da revolução de uma força criadora que libera o tempo de sua
medida unilateral abrindo-o a vários tempos; outros, que o tempo é comprimido de forma
exponencial pelo agora sincrônico e pelo imediato do programa. Alguns celebram as redes
sociais porque interferem no poder/violência/monopólio da produção e da distribuição
da informação exercidos pelas mídias, ou seja, no controle da opinião e da produção da
verdade dos fatos; na contramão dessa exaltação, outros lamentam que pelas redes são
difundidas informações cujas fontes ninguém questiona a autenticidade e que, em sua
replicação imediata e numerosa, torna-se verdade inconteste.
Do mesmo modo que redes colaborativas e de solidariedade (de “indignação e esperança”,
como supõe Manuel Castells) são formadas, os fundamentalismos, preconceitos e sectarismos de toda ordem se espalham pela e em rede. De um lado, a internet torna-se um espaço de catarse em que as indignações e os desejos, mas também as frustrações pessoais
e as intolerâncias, afloram – ataca-se o outro sem qualquer pudor. De outro, a exposição
excessiva e a conexão compulsiva a transformam na esfera dos pequenos impérios (e não
na feliz coletividade redentora), dos “narcisismos das pequenas diferenças”, como falava
Freud, e da naturalização da arrogância.
Algumas pessoas acreditam que a dimensão virtual de nossa existência (o ciberespaço, as redes sociais de comunicação)
está retirando as pessoas do espaço
público, das ruas. Eu discordo – e imagino
que você também. Como você pensa que
essas novas formas de contato e as redes
de informações mudam a experiência do
lugar, especialmente para os jovens? E
como elas mudam a relação com a arte?
Uma vez que a circulação de imagens e
experiências estéticas (não apenas artísticas) é vertiginosa.
Essa afirmação de que “a dimensão virtual
de nossa existência (o ciberespaço, as redes
sociais de comunicação) está retirando as
pessoas do espaço público, das ruas” chega
a ser ingênua. Basta ver os efeitos das redes
nos movimentos sociais que eclodiram
pelo mundo a partir de 2010: do Egito e da
Primavera Árabe às manifestações que
tomaram conta das cidades brasileiras em
2013 ou as recentes manifestações de 2015.
O fogo de um poder coletivo acende aqui e
ali, buscando novas formas, novos rastilhos
por onde queimar. E isso pode ter qualquer
conseqüência. Acho impossível pensar
este tempo apenas em suas luzes, sem nos
debruçarmos sobre suas sombras e demências, perscrutarmos suas ambivalências
em que primaveras revolucionárias estão
entranhadas aos ovos da serpente. Nossos
fascismos ancestrais e cotidianos também
estão sendo amplificados pelas redes
sociais, em discursos de ódio e intolerância
à alteridade, ao mesmo tempo que insuflados e autorizados pelas antigas mídias. As
mídias (a internet, inclusive) são também
o espelho que a um só tempo nos reflete e
autoriza nossas barbáries. Os linchamentos
antes virtuais já saíram das redes e estão se
concretizando em atos bárbaros, homicidas.
O que nos exige um esforço de pensamento
urgente para entender como se dá essa
passagem do virtual para as ruas, do ver
e do dizer para o fazer, com que grau de
especularidade e exemplaridade mítica
(perversa ou não). Mas, sinceramente, ainda
não vi um trabalho de arte que coloque essa
complexidade. Ao contrário.
Como disse, é preciso encarar o abismo ou fechá-lo. E fechá-lo nos faz reviver perigosas
e santas inquisições. Os juízos morais são imperativos, fáceis e nos infantilizam. Isso
vale para os fundamentalismos religiosos e os sectarismos em todos os campos da vida
e do pensamento (da política às artes). Estamos revivendo polaridades e maniqueísmos
que, em última instância, coloca o mal no “outro” (e, considerando a esfera da arte, vai da
condenação ao peixe na exposição, à condenação da instituição em si, do curador, etc.).
As polêmicas atuais da arte, quando rasas, giram em torno de juízos morais. O extremo
desse quadro se manifesta nos cotidianos linchamentos virtuais e em praça pública. O
grande risco disso não é apenas a pouca percepção da complexidade dos fenômenos,
a intolerância cega e estúpida, mas o fato de os conflitos não serem introjetados — a
responsabilidade é sempre do outro, jamais nossa. A exigência de uma pureza (da arte e
na arte) parece ter sido transferida da estética para a ética. Mas a pureza é um mito, já
disse Oiticica, seja ela formal ou moral.
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Poderia a arte restaurar o espírito do
comum, perdido nessa cidade contemporânea, baseada na individualidade e cheia
de desafios? Seria a arte uma forma eficaz
de se aproximar do outro?
É necessário perceber que essa crise do
“comum” (dos modelos que a fundamentavam, das unidades substanciais que
a prometiam tanto na origem como na
finalidade histórica) está inserida em uma
crise mais geral. Nessa crise ecoam outras: a crise das formas de representação
o esgotamento de antigos repertórios e
modelos políticos que dêem conta da complexidade de nosso tempo com sua fluidez
vertiginosa (sacudidos, inclusive, pelos
novos lugares de visibilidade e enunciação
instaurados pelas novas tecnologias), a
crise do que entendíamos como civilização
e cidadania. É uma crise mais profunda do
valor, do sentido e da verdade. É uma ferida
aberta, um vazio ontológico, que nos coloca possibilidades e riscos: ou encaramos
esse abismo e afirmamos os vários mundos e as várias humanidades, com suas
muitas singularidades, com as diferenças
que nos moldam, ou o fechamos com violência e abjeção. E ao fechar, ao colocá-lo
sob a pressão do tamponamento, o que o
abismo nos devolve (quando não olhamos
para ele) são as figuras de ressentimento,
intolerância e ódio. São elas que emergem
da agonia das ideologias moribundas e da comunidade que ela nos prometia. Se nas
possibilidades desse vazio talvez venha uma abertura ao igual desigual, ao semelhante
dessemelhante, com o qual temos que ensaiar um complexo aprendizado das vizinhanças, a reaprender a difícil costura entre as diferenças; seu fechamento e negação
promovem nossa conjunção como identificação fusional, em que aquilo ou aquele que
não cabe ou lhe difere é excretado. Um abre as perspectivas, outro as fecha com terror e
violência. Os identitarismos étnicos e sexuais (e seus racismos, xenofobias e homofobias),
os fundamentalismos religiosos, os terrorismos são como cabeças ressurgentes de comunidades monocéfalas, que orientam a dispersão da multidão, fossem na figura de um
soberano centralizador (Deus, a identidade, o Chefe, a Natureza), fossem na invenção da
cabeça inimiga a ser decapitada, convertida ela própria no Grande Mal a ser eliminado (a
busca por um inimigo é tanto os ecos dessa crise e a salvaguarda desse anseio de totalidade e unidade, como a preservação perversa desse olhar unívoco e monolítico que não
distingue meios tons). Autorreferentes, não aceitam diferenças, reproduzem dicotomias
polarizadoras e juízos maniqueístas. E esse filme nós já assistimos: o século XX foi aquele
de genocídios épicos.
Por isso, não creio que seja casual os grupos ou coletivos que surgem e desaparecem por
todo o país desde os fins dos anos 90, nem a intensidade com que ações, performances,
intervenções urbanas e práticas afins (é impossível reduzir a multiplicidade de estratégias e procedimentos, de meios e repertórios visuais e discursivos dessa produção, a uma
única denominação) têm acontecido nas ruas de cidades do Norte ao Sul do país.
No fundo desse fenômeno – o que importa aqui ressaltar –, está a indefinição de uma
existência comum, suas partilhas e conflitos. Está a necessidade de se pensar a dimensão do comum que resista à substancialidade, que não se anuncie a partir de uma
unidade original a ser resgatada ou destruída e nem como destinação teleológica. Um
comum que também escape da comunidade esvaziada do mercado global. Como pensar
uma humanidade que não se defina como uniformidade e totalidade fechada? Nem a
felicidade amorosa de Adão, nem o destino comum das utopias históricas, parecem nos
serenar com uma resposta... O que emerge dessas práticas e contendas é o caráter espectral da própria noção de comunidade: a ilusão, a ficção, a fantasia do viver junto. O que
fica manifesto é a grave crise no sentido do comum no qual antigos modelos e dialéticas,
como as oposições entre público e privado, perdem fronteiras evidentes e identificadoras.
O que é colocada sob suspeita é a possibilidade de um acordo ou contrato universal (como
unanimidade comunicativa ou sentimental) e a própria concepção de comunidade sem
conflitos (pragmática, política, ética ou estética), como algo originário ou destinado,
excludente dos diversos modos do ser /estar junto.
É essa privação ontológica (de sentido, valor e verdade) a ser enfrentada em toda sua
sombra que talvez faça do comum a ligação que não assemelha e reduz, mas como a
frágil trama sempre aberta e movente que une as diferenças, que aproxime o distante em
nós, que partilhe o espaçamento, que abra o tempo em infinitas gêneses, em inesperadas
finalidades.
E a tentativa de vários desses trabalhos é fazer da arte uma operadora de deslocações:
de sentidos, tempos, lugares, dos corpos que os habitam, das vozes que se enunciam, das
faces que se apresentam. Partilha do comum incomum, do próprio impróprio. Mobilidade
incessante das situações subjetivantes, arte como o se colocar no lugar do outro (como
no juízo estético kantiano), como o gesto que abre o lugar ao outro (como a hospitalidade
de Derrida), e que se converte na promessa de meu próprio lugar e do lugar de todos
nós. Esse “nós” será sempre desproporção e demasia: é esse excesso que ampara minha
própria aparição. É a esse excedente sem contornos que a existência se compara e se
expõe. É preciso passar pela prova dessa não relação com o que me excede, para que as
relações se tornem possíveis. Para que um “nós” se enuncie e tenha lugar. Um “nós” como
ficção, desvio, êxtase. Um “nós” indeterminado e em perpétuo entrelaçar. O horizonte em
perpétua renegociação e fuga.
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A arte é política quando se mistura aos
movimentos sociais, quando produz
ativismos, quando está engajada em
lutas e reinvindicações; mas é política
também quando propõe novos regimes
de sensibilidade, neste mundo marcado
pela padronização e homogeneização das
formas sensíveis e criativas – nas formas
de percepção. Os sentidos políticos da
arte podem ser muitos. Como você percebe essa relação entre ética, estética e
política na arte contemporânea brasileira?
A arte corre o risco de se instrumentalizar
e perder seu caráter poético?
Sob alguns aspectos, concordo com Jacques Rancière quando diz que a arte constrói novas relações entre o visível e seu
significado, entre o singular e o comum,
entre a passividade e a atividade. Ela produz ficções ou dissensos, agenciamentos
de relações de regimes heterogêneos do
sensível, não para a ação política, mas no
seio de sua própria política. A arte é política na medida que abre novos mundos que
surgem de desregramentos e das redistribuições dos lugares e das temporalidades,
dos corpos que reivindicam ocupar outros
lugares e ritmos diferentes daqueles que
lhes eram demarcados. Quando novas
figuras do sentir, do fazer e do pensar,
novas relações entre elas e novas formas
de visibilidade dessa rearticulação são demandadas e engendram novas formas de
subjetivação. Uma comunidade política
é, para Rancière, sempre reconfiguração,
deslocamento no interior de um comum
para colocar ali o que não era comum. É
diferença reivindicada no interior de uma
“figura de comunidade”, subjetivação
imprópria que a redesenha, desfazendo-a,
porque tal experiência nova e incomum
não poderia ser incluída nas partilhas
existentes sem estilhaçar os códigos de
inclusão e os modos de visibilidade que as
regulavam.
Entretanto, em uma época em que a vida se espetaculariza, em que o sistema de arte se
hipertrofia, em que o monopólio das visibilidades conquista impérios, em que o visível
é comercializado, que lugar a arte ocupa em meio a essas conexões transbordantes,
epidérmicas e rizomáticas? Que lugar ela ocupa nas complexas relações de poder? Lugar
ambíguo, decerto, tanto de cumplicidade como de resistência.
Em relações de resistência e inelutável conivência, a arte responde de modo diverso a
seus impasses. E não apenas porque ela alimenta o marketing cultural (e dele também se
sustenta), conferindo visibilidade a empresas, governos ou causas sociais. Mas porque,
como já disse, as potências (o mercado e as religiões, o espetáculo e a mídia) não são
exteriores; a resistência da arte torna-se assim uma resistência a si mesma. Entretanto,
de certa forma, é nessa contradição que a arte parece hoje sustentar o seu mais fecundo
exercício. Ou seja, na tensão entre o anseio de sua autonomia (no desejo de não se deixar
instrumentalizar) e sua inevitável dependência ao mundo e à vida (seu caráter relativo e
relacional aos sistemas, poderes, afetos, etc).
Apesar disso, a arte não deixa de convocar os gestos aos pequenos cuidados e às grandes
hospitalidades, como se fosse urgente convocar as trocas entre corpos, olhares, gestos.
Ao que Christian Ruby chamou de substituição da pulsão escópica pela “pulsão de troca”.1
Mas tal pulsão se arrisca com frequência a instrumentalizar a arte e o outro a quem se
endereça e troca (como acontece muito constantemente quando está engajada em uma
causa social). Esses desafios estarão sempre aí: como dar visibilidade ao outro que está
na sombra, sem ofuscar ou cegar? Como iluminá-lo sem apagá-lo? Como estilhaçar os
balizadores simbólicos e os códigos de inclusão/exclusão para que ele tenha voz e para
não tomar sua voz? Essas indagações não obterão jamais respostas fáceis e desprovidas
de ambiguidades ou de dúvidas. É como se cada movimento carregasse seus crepúsculos
a exigir um cuidado redobrado, uma atenção incansável. Cabe-nos interrogar, sem trégua,
nossa responsabilidade nesses processos. Esse é seu perigo e sua força. Pois que a arte
hospede a interrogação, a interlocução, a indeterminação e a abertura de sentidos, gestos
e afetos. Que opere no cruzamento e nos intervalos das temporalidades e dos mundos, no
cruzamento do possível e do impossível.
1.
RUBY, Christian. Esthétique des interferences. EspacesTemps.net, Laboratory, 15.07.2002.
Disponível em <http://www.espacestemps.net/en/articles/lsquoesthetique-des-interferencesrsquo-en>.
Marisa Flórido Cesar é professora adjunta da UERJ, crítica de arte e curadora independente. Possui textos sobre artes visuais em livros, revistas de arte, catálogos e periódicos
no Brasil e no exterior. Entre os livros publicados, está: Nós, o outro, o distante na arte
contemporânea brasileira [Ed. Circuito, 2014].
DI A LO GU E
MARISA FLÓRIDO
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In a conversation with the artist Alexandre
Vogler, he told me one of the things that
inspired him in the creation of his lambe-lambe poster series was observing,
during his daily bus trips, the presence
of lambe-lambe posters placed around
the city, announcing shows, festivities,
rodeos, and other events. This graphic
presence in the cities can be somewhat
bothersome at times, since it pollutes the
scenery with excessive interferences. But
at the same time, it does possess so much
beauty, does it not? The superimposition
of images and text seem to form a large,
unending palimpsest. Why do artists enjoy
it so much? Why is this graphic presence
in the city so fascinating? Many artists
possess a certain graphic drive, a desire
to create relationships, to jest, discuss,
criticize, infiltrate and subvert these
ordinary messages with poetic, playful or
critical proposals. How do you perceive
these interventions in communicational/
verbal/imagetic circles?
I believe your question has many layers,
which I will try to disentangle minimally.
First of all, what is the relationship between “publicity” and public space? According
to Jean-Pierre Vernant, the emergence of
the Greek polis (and politics, politikós, is
what concerns the citizen and public businesses) was only possible due to the prominence of the word above all other instruments of power, becoming the prime political element. It is no longer the content of
a secret esoteric knowledge, the fair term
of a ritual narrative, but the contradictory
debate, the argument, the controversy within the rules of the political and intellectual game. Its emergence corresponded to
the demand for “publicity”, for publication:
to make visible to all a series of conducts,
processes and knowledge previously reserved to a small number of people. This
is how a domain of common interests used
to be distinguished, separating open knowledge and practices from the recession
of family traditions: privileges and knowledge, previously restricted to priests and
warriors, can be democratized and shared
in public spaces. The spoken and the written word will accomplish an essential role
in the exposition of interdict knowledge;
the written word, a privilege forbidden for
most people, kept under the shadows of the Temple presiding over life, has become widely
available. What were once religious secrets, the revelation of essences reserved to the
chosen few, is now exposed to the open sky; the written word will accomplish a fundamental role in imparting previously-banned knowledge, and in reclaiming the right to the
writing of the law and its settlement.
Advertisements in the streets, the outdoor-based capitalist “publicity”, basically sequesters the profane force of writing, the force of the “publicity” of the Greek polis. It confounds
and empties the public sphere, as well as the private sphere (although both have obviously been gaining many different meanings over the centuries). But it is important to stress
that what used to be public is henceforth privatized (as property), and what used to be
private gains a vast exposition through its billboards – where even intimacy becomes an
object to be consumed, relegated to television shows and the internet, as seen in reality
television, social networks and blogs, in all of their confessional nature.
Vogler once associated the publicity in the city with a type of modern trompe l’oeil (it is no
coincidence that the Catholic Church, during the Baroque period, would make exhaustive
use of its resources as instruments of persuasion, propaganda and communication of the
Christian message). Indeed, the slogans and images of the advertisements on billboards rend the opaque and repetitive surface of the blind banners on buildings, promising
us artificial paradises, consumerism paradises. Publicity is transcendence promised on
paintings, the evasion of the immanent space. On the painting, the scene pictured over the
surface of the canvas corresponds to an individual capable of dominating appearances
and their games. The trompe l’oeil would come to disturb, through the magic reminder of
the thing, the fascination for duality, the rules of imitation. It is mimesis taken to its own
lack of control. A trap for sensible eyes: they falter, inebriated and seduced, but only for
a few moments. The spectator knows that it is a trap, and the artifice confirms its own
deception, allowing the sharpness of the conscience to calmly take on the momentary
amazement. However, this single instant of doubt and narcosis immobilizes the spectator
and awakens the desire to give in to that moment of weakness. The trompe l’oeil violates
and explicitly showcases the rules of its game and the secret of its power.
In advertisements, to see is to believe, and there is not a subsequent moment to investigate the illusion. Its objective is to make others believe they desire what they see. Seeing
and believing, as well as pleasure and power, have established old and deep connections.
The capitalist illusion enforces to all the figureheads of happiness and unhappiness as
products to be consumed. In its mass production, our capacity to imagine and dream is
sequestered. In distinct ways, artists seek to explain the rules and secrets of its power,
at times restoring the ambiguity and indetermination of meanings, muddying publicity
effigies, imploding its hallucinatory power, so as to make the desire untie itself from this
appeal and these fusional identifications which remove alterity, and to return to the eyes
the freedom of choice, of judgment, of a desire which is not satisfied in the saturation of
consumerism and spectacle.
There are other interconnected aspects: we live in an economy of awareness. The urban
and social environment is becoming increasingly saturated with stimuli. The new technologies harass us with images and information. Capitalism keeps ceaselessly introducing
new products and quick scrapping, manipulating the attention span and distractions of
many people. This has provoked, over the last few centuries, profound alterations in our
perception, in the experiencing of temporality and in awareness regulations. In science,
particularly in the emerging field of Psychology in the 19th Century, awareness would become a central theme. Authors such as Jonathan Crary indicated the establishment of a
new paradox: the same logic which provoked this dispersion and weakened any certainty
regarding the perception of the world (denouncing it as a contingent, but substantiating
the truth in the vision of the body’s density and materiality) would impose systems of discipline, control and classification of awareness. It was necessary to administrate it, guide
it for a productive effectiveness, disputing it on the market of consumption.
Which is why artists also show an interest in insertions and changes in these codes and
signals. These works put us in a state of alert regarding the way our attention span is directed and disputed. We are also affected by distractions, by what remains on the fringes
and outskirts, by the way we are led to ignore or forget. These works possess a certain
crossing for a better management of forces and disputes.
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This type of artistic insertion has been present over the 20th Century (from the posters of
the Russian vanguard to the movements in the 60’s and the 70’s), but it has intensified all
over Brazil in the beginning of the new millennium. There are interventions on billboards,
on urban road signs, on walls. There are adhesive posters stuck on public transportation
and poles, among pamphlets, advertisements and other signs. Their subtle interferences
need the unarmed sensibility of those who walk the streets to be noticed. With altered
messages, artists allowed a breath of fresh air into the asphyxiating atmosphere of a
massified and ultra-encoded world, in which life itself becomes a sign, a genetic code.
These interferences also possess different methods of approach. Or they are elaborated
to generate shocks as/with promotional headlines and images; or they are closer to a visual poetry, working over the text and the design of road signage, inconveniencing its universal encoding by referencing art and the liberty of seeing. Others, as an example, opt for
rewriting history on the opposite direction, as Benjamin would say, narrating it from the
point of view of the defeated (such as the renaming of streets and highways, replacing
the names of those involved with the military dictatorship or colonizers with the names of
important figures from the resistance), and so on...
Some artists say that the city is a gallery under an open sky. Others disagree, saying
that a gallery is actually a space which seeks neutrality, a white cube, to allow works to
be seen with no interference, in contrast with the clutter of the streets. These interventions lead the path to others, which in turn lead others... Hélio Oiticica has said that the
“museum is the world” – I think he meant that art is alive, and is everywhere. How do you
perceive this transit between the streets and institutional spaces? Is there always an
institutional dimension in art? Is it possible to believe in a production entirely free of the
white cube, open to limitless interferences? Is art more alive outside of the museums?
Or is it just my impression?
First of all, I believe it is necessary to make it clear that the famed white cube — so called
by Brien O’Doherty in Inside the White Cube: Ideologies of the Gallery Space — was never
neutral; it has always been impregnated by the ideology which conceived it, and whose
existence it should ensure.
Every work is referred to a circumstance from which it presents itself, and with which it
is in dialogue. Every work is in some way situated, inscribed, and relative to a tapestry of
relationships which overtakes it. And being situated does not mean being associated only
to the physical characteristics of the place it is inserted into, inside or outside a gallery,
but to be referred to an infinity of external powers, affections, phenomena and systems,
including the set of values to which it drives itself and the neighborhood beside which it
finds itself. And when these circumstances change, the perception of the work also happens in relation to each situation, and infinite meanings emerge and disappear in this
movement: every work is simultaneously situated and displaced in their circumstantial
geographies. This means that the work is not neutral, and neither are its installation or
place of exhibition. Art does not have a meaning closed in on itself, it is crossed by this
series of powers (the capital, religion, media, etc.), knowledge and affections which end up
defining it, and against which it will many times establish its conflicts, its guerrillas, and
its quarrels. And since these powers never act from the outside, considering they shape
life and subjectivities by intrinsically investing on that which we call “art”, the quarrels and
resistances of art are therefore also guerrillas e resistances to itself and to what we are.
This is the knot and its challenge.
It so occurs that, during the 60’s, an expansion of the field of art experimentation would
start to take place. A gesture, a body, a place, natural sites, the urban space, a situation,
a happening - these were all designated as artistic facts. And thus would come into light
an appreciation of the direct experience with the world, as well as a questioning of the
signs, the conceptions, the discourses and systems a prioris which intended to translate
man, world and art into truths. Cultural, ideological, political, perceptive systems; whatever data was restrained under the discourse of the autonomy of art, it would be explicitly explained. This excursion, outside the conventional means and traditional spaces of
exposure, would have as its main objective to explore the context and the field in which
works of art are inscribed into, highlight these systems, and expose them to all - and in the
process, point out the fallacy of the white cube’s neutrality.
What had become evident is that a work of art shinning with its presence beyond any
condition of experience - in ideal and abstract coordinates of time and space in which
the white cube becomes a paradigmatic figure - would seem impossible. Not because
any works reclaiming their auto-referencing would disappear, but because the discourses that made them legitimate (such as the post-war formalism) would be unable to find
where to anchor their truths. The white cube, the indistinct receptacle whose architecture
should preserve a complete neutrality for the sole existence and exposure of the work of
art, would be explained as a modern illusion. Even the appreciation of the curatorial practice, as well as the emphasis on expository assembly as a part of a discursive and biased
system, both taking place over the last few decades, are associated with the end of this
expectation for neutrality in the exhibition space.
In fact, when “something” happens in the streets, this something is hardly recognized as
“art”. Unprotected from legitimization discourses (including the guidelines of the museum
or gallery directing the reception of the object and the agreement over its artistic nature),
performed through the loosening of the frames and borders of conventional artistic categories, these works put a great strain over what could be considered art, for somebody
and in the name of somebody.
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Of course the interest in the city as an expanded field of artistic practice already brought
these matters as soon as the 60’s, but what happens in modern artistic productions leads
us to other interrogations: why is there a renewed interest in the city (a space by tradition
of the common life)? And to what extent does it relate with the new global geographies,
with the arrangement of cities in competitive networks? This led to the formation of a
paradox: while the cities are in the focus of a smoothly connected world, the concept of a
single civilization is lacerated, and the notions of citizenship and civility see themselves
confronted by their own depletion. A paradox which art confronts and interrogates? At
the time, didn’t this interest point out to the necessity of rethinking and rearranging the
dimensions of that which is common (including the aesthetic and artistic communities)?
On the other hand, during the same period, there was a multiplication of alternative spaces managed by artists. These spaces formed hospitality networks: artists would travel
by themselves, and artists would host each other. In this situation, a home would not only
have its housing functions — the place was no longer specialized — but would also function as a place for hosting, a place for studios, a place for exhibitions. In other words,
there would be insertions through two fronts: one which was traditionally an arena for
different and complex conflicts and interactions - the city - and the space of domestic
intimacy - home. This made it harder to distinguish the boundaries of that which is public
and private. What kind of process is this? There is a clear perception of the depletion of the
ethical and political repertoire of the Enlightenment, as well as a perception of how the
specialization in fields of knowledge, sensibility and action (cognitive, aesthetic, ethical-political) is an illusion. What does art intend to do? Perhaps new ways to review, rethink
and reorganize these domains?
If, recently, there is a certain emphasis given to contexts, processes and interferences in
social, cultural and personal relationships, what becomes manifest is not the existence
and deflagration of an original and specific context, but the confrontation and the contingent connection of multiple and mobile circumstances and worlds in which the work,
the author and the spectator clash and are displaced. A plurality of complex networks,
superimposed or interconnected, simultaneously eccentric, irregular and elusive. We witness the activation of “relational specificities”, “in-betweens”, and “wrong” places, which
also expose the fractures, the complexity and the fragility of the bonds and connections
with spaces and times, with the others with whom we are. These experiences are calling
into question what can be considered part of the public and/or private field, and as an
aesthetic dimension, which fields it has intercepted, and what they have ascertained. Putting a strain on temporalities of different models, seeking the opening of the existence to
other rhythms, and rehearsing distensions and disruptions with a dominating time have
all become reoccurring practices in art. This is why it is so urgent for them to operate
in the crossing and the intervals of the times and worlds of experience, reinventing the
temporalities and the relationships among them, encouraging the reallocation of places,
and highlighting and sabotaging the codes of inclusion and exclusion established by the
dominant model.
When we speak of public spaces, streets,
plazas, sidewalks and other physical
spaces in the city (anything outside of
home) quickly come to mind. But we
can understand that public spaces can
manifest in different dimensions, and not
only in the physical spaces themselves.
Newspapers, communication systems,
periodicals and electronic means are
other potential public spaces. They are
also capable of becoming poetic matter
for the work of artists. I have a great
appreciation for this type of art, which
dissolves in everyday life and infiltrates
the most delicate gaps. Art always had a
public dimension, since, as you have said,
it always had an “addressing” nature.
How to deal with this art, which at a first
glance doesn’t even appear to be art?
To create art is to address others. For me, it
has always been inseparable from a common dimension, involving our projections
of alterity and dreamed figures of totality.
A collective which implies and questions
all interactions, from a relationship of two
to the broadest community (such as the
aesthetic and universal community postulated by Kant). The very concept of humanity is called into question. After all, that
which we designate “art” can only be constituted through sharing... but this something, “art”, avoids easy definitions, incurs
inaccuracies and lack of sheltering, baffles
sensibilities, and incessantly forces one’s
thoughts to face its own limits. Therefore,
if something is shared through these deliveries to others, it is the paradoxical sharing of something indeterminate. This is
why I believe the designation of public art
is redundant. Art is public because it expects the other in this addressing and this
advertising, but at the same time it does so
by questioning what, after all, is “public” (or
if we so prefer, what is “common”).
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Now, many of the artists that currently
intervene in the urban space, as well as
in newspapers and networks, belong to a
generation which has grown among the
streets and the internet, among wars that
are territorial for some and ubiquitous
for others, among the fragmentation of
discourses and links and rhizomatic associations, among the realistic tri-dimensionality of virtual games and the layers of
image programs, among forbidden words
on the walls and the dilution of the borders
between exposition and intimacy, among
the scattering of old social bonds and the
compulsive connectivity with its alleged
virtual community. This is why they operate
on the crossing between the urban space
and media outlets such as newspapers,
television and cyberspace, between public
squares and social networks. Which is why
they infiltrate the invisible space of (counter-) information and communication. Which is why they communicate through electronic networks, many times distorting its
mere function as a tool for the circulation
of information to explore its transforming
power of sociabilities and mobilization,
which demonstrates its perception as flow
and connectivity.
The cities which always had a strategic
mind for the articulation of diversity and
differences, with their skewed alliances,
extended themselves to wireless communications, becoming known to many as
“communicational” cities. It is curious to
note that this perception of an extended
city, a communicational metropolis, had
already been exemplified by Flávio de Carvalho during the first half of the 20th Century. Its street performances, experiences
and interventions have crossed various
expanded fields of then specialized practices and discourses. This is how New look
and the manifesto A cidade do homem nu
(“The City of Naked Men”) have also been
published in newspapers; the city of the
researcher, as proposed in the manifesto,
is the communicational metropolis that
extends the streets, the space.
Infiltrating these media outlets also means infiltrating their systems of power
and trying to expose how they operate
- and with the advent of social networks,
this has become a more complex process.
Much is said about how journalism is losing the monopoly over information, about
to what (or to whom) it decides to give
visibility or conceal, and about how the
domain of technology companies in the
production and distribution of informative
and opinionated content is creating a new
public sphere. But social networks such
as Facebook have become a new system
of power whose control mechanisms are
even more elaborate. Facebook utilizes
a complex set of formulas and secret algorithms to define how new stories go to
the top of the users’ personal pages, which ones should have greater visibility, and
with which frequency; these mechanisms
not only define what we see, but also the
business model of social platforms. Some
see new networking technologies as a
foundation for the revolution of a creative
force which frees time from its unilateral
measure, opening it to a diversity of time
periods; others believe that time is exponentially compressed by the synchronic
“now” and the quickness of the program.
Some celebrate social networks because
they interfere with the power/violence/
monopoly of the production and distribution of information exercised by media outlets, that is, the control over opinion and
the production of the truth of facts; on the
opposite way to this glorification, others
mourn over the fact that the networks
can be used to spread information from sources whose veracity is never questioned, and
which, in its immediate and numerous replication, becomes an uncontested truth. In the
same way that collaborative and solidarity networks (of “indignation and hope” as assumed by Manuel Castells) are formed, fundamentalisms, prejudices and factionalisms of
all orders are also spread through networks. The internet has become a space of catharsis
in which not only indignations and desires, but also personal frustrations and bigotry, can
arise – a space in which one can attack and harass others with no sense of decency. At
the same time, the excessive exposition and compulsive connection turn this space into a
sphere of small empires (and not one of collective, redemptive happiness), of the “narcissism of small differences” (a term coined by Freud), and the naturalization of arrogance.
Some people say that the virtual dimension of existence (cyberspace, communicational social networks) is moving
people away from the public space of
the streets; I disagree, and I imagine you
share this opinion. How do you believe
these new forms of contact and information networks change the experiencing of
the space, particularly for young people?
And taking into consideration the steep
circulation of aesthetic (not only artistic)
images and experiences, how do they
change the relationship with art?
The assumption that this virtual dimension makes people grow distant from the
physical space in the streets can almost be
considered naïve. You just have to see the
effects of virtual networks on the social
movements which have emerged around
the world over this decade: from Egypt and
the Arab Spring to the protests which took
over Brazilian cities in 2013 and even more
recently in 2015. The fire of a collective power is lit in different corners, seeking new
ways and new fuses through which to burn.
And this can lead to all sorts of consequences. I believe it is impossible to think
about this time by only considering its lights and paying no mind to its shadows
and dementias; we must scrutinize its ambivalences, in which revolutionary springs are intertwined with serpent eggs. Our
ancient and daily fascisms are amplified
as well by social networks, through discourses of hatred and intolerance towards
alterity, at the same time as they are inflated and authorized by older media outlets.
Media outlets, including the internet, are
also a mirror that simultaneously reflects
and authorizes our own barbarism. Certain
incidents of lynching, previously restricted
to virtual spaces, have left the networks
and are materializing as savage, homicidal acts. This makes it necessary for us to
understand, as thoroughly and urgently as possible, how this transition from the virtual
space to the physical streets - from seeing and saying to doing - happens, and with what
intensity of analysis and mythical exemplariness (of a perverse nature or otherwise). But
frankly, I have not yet seen any works of art approaching this complex matter. On the contrary.
As I mentioned previously, it is necessary to face the abyss, or to close it; and closing it can
make us revive dangerous and holy inquisitions. Moral judgments are imperative, simple
and infantilizing. This goes for religious fundamentalisms and factionalisms in all fields of
life and thought (from politics to art). We are bringing back polarities and Manichaeisms
which, ultimately, put the blame for evil on the Other (and considering the field of art, this
goes from the conviction of the fish in the exhibit, to the condemnation of the curator or
the institution itself). Modern controversies in art, when shallow, revolve around moral
judgments. The most extreme display of this scenario is manifest through daily lynchings
in social spaces and public environments. The greatest risks of this situation are not only
the sparse perception of the complexity of these phenomena, and the blind and mindless
intolerance, but the fact that these conflicts are not introjected — it is always the responsibility of somebody else, and never ours. The demand for purity regarding art seems to
have been transferred from aesthetics to ethics. But as Oiticica once said, purity is a myth,
be it formal or moral.
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Could art be able to restore the spirit of
common, lost in the modern city - founded on individuality and dealing with so
many challenges? Is art an effective way
of approaching others?
It is necessary to notice that this crisis of
“common” (of the models which used to
substantiate it and the substantial units
which promised it on both the origin and
the historical finality) is inserted in a more
general crisis. Other turmoils echo from
this one: the crisis of the forms of representation, the depletion of old political
models and repertoires which are able to
handle the complexity of our time with its
vertiginous fluidity (shaken inclusively by
the new places of visibility and enunciation introduced by new technologies), the
crisis of what we perceived as civilization
and citizenship... it is a much deeper crisis of value, of meaning, and of truth. It is
an open wound, an ontological emptiness
which presents us with possibilities and
risks: we either face this abyss and affirm
the existence of the many worlds and humanities - with all of the singularities and
differences which shape us - or we close it
with violence and abjection. And when we
close it, subjecting it to an obstructive pressure, the abyss repays (when we don’t look
back at it) with figures of resentment, intolerance and hatred. They emerge from the agony
of dying ideologies and the communities they promised us. If among the possibilities of
this emptiness comes the establishment of the opening of an unequal equality, of dissimilar similarities with which we have to rehearse an elaborate learning of neighborhoods relearning the difficult process of reconciling differences - closing and denying it promote
our conjunction as a fusional identification, in which anything and anyone that does not fit
or is dissimilar is excreted. One option opens perspectives, the other closes them with terror and violence. Intolerant ethnic and sexual identifications (and their racism, xenophobia and homophobia), religious fundamentalisms and terrorisms are like reemerging heads of narrow-minded communities, seeking to lead the masses, be it through the figure of
a centralizing sovereign (God, the identity, the Chief, Nature), or through the fabrication of
a target to be converted into a Great Evil to be eliminated (the search for an enemy is both
an echo of this crisis and a safeguard for this yearning for totality and unity, the perverse
preservation of an unambiguous and monolithic vision which is unable of distinguishing
colors that are not black or white). Self-referential, these ways of thought do not accept
differences, and reproduce polarizing dichotomies and manacheistic judgments. And we
have seen the consequences through the large-scale genocides of the 20th Century.
This is why I do not believe it is mere coincidence that so many collective groups have
emerged and disappeared all over the country since the end of the last century, nor that
there is so much intensity in similar urban and practical interventions, actions and performances (it is impossible to reduce the multiplicity of strategies and procedures, and of
visual and discursive means and repertoires in this production, under a single denomination) happening in the streets of cities in the North and South regions of Brazil.
Deep down, this phenomenon – it is important to highlight – represents the ambiguity
of a common existence, its shares and conflicts. It represents the need to consider a dimension for that which is “common”, one able to resist substantiality, and which will not
announce itself based on an original unity to be rescued or destroyed - nor as a technological destination. A “common” which is also able to escape the exhausted community of
the global market. How to imagine a humanity which does not define itself through closed
uniformity and totality? Not even the loving happiness of Adam, nor the common destiny
of historical utopias, seem to tranquilize us with an answer... what emerges from these
practices and feuds is the spectral character of the very concept of community: the illusion, the fiction, the fantasy of living together with others. What becomes manifest is the
severe crisis in the meaning of “common”, which causes old models and dialectics, such
as the opposition between public and private, to lose clear and identifying boundaries.
What becomes suspicious is the possibility of an universal agreement or contract (like
communicational or sentimental unanimity) and the very conception of a community without conflict (pragmatic, political, ethical or aesthetical in nature), as something original
or fateful, excluding the many different ways of being/living together.
This ontological deprivation (of meaning, value, truth) has to be confronted along with its
shadows, so as to give the chance of making “common” not a bond that isolates that which
is different, but a fragile fabric - always moving and opened - which unites differences,
makes us closer to what is distant within us, allows the sharing of space, and opens time
in an infinity of geneses, with unexpected purposes.
What many of these works attempt is to make art operate displacements: of meanings, times, places, the bodies which inhabit it, the voices that enunciate, the faces that present
themselves. A sharing of the uncommon common, of the impersonal personal. An incessant mobility of subjective situations, art as a method of putting oneself on the other’s
place (as in the Kantian aesthetic judgment), like a gesture that opens the place to the
other (as noted in Derrida’s hospitality), converting into the promise of a place for myself
and a place for all of us. The concept of “us” will always be disproportionate and excessive: this excess is what supports my own apparition. Existence compares and exposes
itself to this contour-less surplus. It is necessary to pass this test, regarding our lack of
relationship with that which exceeds us, to allow these relationships to become possible.
To allow an “us” to enunciate itself and find its place. An “us” that may seem fictitious, a
deviation, an ecstasy. An indeterminate “us”, perpetually intertwined. The horizon in perpetual renegotiation and flight.
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Art is politics when it intermingles with
social demonstrations, when it produces
activisms, when it is involved in protests
and demands; but it also becomes political when it proposes new sensibility
measures, in this world so characterized
by the standardization and homogenization of sensible and creative forms of
perception. Art can have many political
meanings. How do you perceive this relationship between ethics, aesthetics and
politics in modern Brazilian art? Is art at
risk of being reduced to a tool and losing
its poetic character?
Under some aspects, I agree with Jacques
Rancière, when he says art builds new
relations between what is visible and its
meaning, between the unique and the
common, between passivity and activity. It
produces fictions and dissention, agency
for relations of heterogeneous systems
of sensibility - not for political action,
but in the heart of its own politics. Art is
politics to the extent that it opens new
worlds which emerge out of profligacy
and redistributions of places and
temporalities, of bodies which demand
to occupy other places and rhythms
different from those previously delineated
to them. When new figures of feeling,
doing and thinking, new relations between
them and new forms of visibility for this
rearticulation are demanded and engender
new forms of subjectivation. A political
community, for Rancière, has always
meant reconfiguration, displacement
in the interior of something common to
insert something uncommon. It is the
difference reclaimed inside a “figure of
community”, an impersonal subjectivation
which redesigns it, undoing it, because
this new and uncommon experience could
not be included in existing shares without
shattering the codes of inclusion and the
visibility methods which regulated it.
However, in a time in which life becomes such a spectacle, the system of art goes through
a process of hypertrophy, the monopoly of visibilities conquers empires and the visible
is commercialized, what place does art occupy among these overflowing, impulsive and
rhizomatic connections? What place does it occupy in complex relationships of power?
Surely an ambiguous place - a place of both complicity and resistance.
In relationships of resistance and inescapable connivance, art can react in different ways
to its impasses. And not only because it feeds the cultural marketing (gaining sustenance
from it as well), giving visibility to companies, governments or social causes; but because,
as it was mentioned, the powers (market and religions, spectacle and media) are not of
an external nature; thus, the resistance of art becomes a resistance to itself. However, in
a certain way, it is in our contradiction that art currently seems to sustain its most fruitful
exercise - in other words, in the tension between the craving for its autonomy (in the desire
of not letting itself become an instrument) and its unavoidable dependency on the world
and on life (its relative and relational character towards systems, powers, affections, etc.).
In spite of this, art does not stop rallying gestures towards small precautions and great
hospitalities, as if it was urgent to summon exchanges between bodies, looks and gestures. This is what Christian Ruby called a substitution of the see-through pulse for the
“exchange pulse”.1 But this pulse frequently risks making tools out of the art and the other
to whom it addresses and makes exchanges (which happens constantly when it is involved in social causes). These challenges will always exist: how to make visible those in the
shadows, without obfuscating or blinding them? How to cast a light without extinguishing
them? How to shatter the symbolic guidelines and codes of inclusion/exclusion, so as
to give them a voice and allow them to keep it? These inquiries will never have simple
answers, or answers devoid of ambiguities or doubts. It is as if each movement carried
its twilights by demanding redoubled care and tireless vigilance. It is up to us to question
our responsibility in these procedures incessantly. This is their danger, and their power.
Because art hosts questioning, interlocution, indetermination, and the opening of meanings, gestures and affections. It operates in the crossing and intervals of temporalities
and worlds, in the crossing between what is possible and impossible.
01. RUBY, Christian. Esthétique des interferences. EspacesTemps.net, Laboratory, 15.07.2002.
Available at <http://www.espacestemps.net/en/articles/lsquoesthetique-des-interferencesrsquo-en>.
Marisa Flórido Cesar is an associate professor at the UERJ, an art critic and an independent curator. She has published works on the topic of visual arts in books, art magazines,
catalogues and journals in Brazil and overseas, including “Nós, o outro, o distante na arte
contemporânea brasileira” [Ed. Circuito, 2014].
D ive rs a s cid a d e s, d e s d e 2009
C O L E T I VO F I L É D E PE I X E
www.co let ivof ile d e p e ixe.co m
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O coletivo Filé de Peixe intervém na economia política da arte, agindo criticamente
sobre processos de recepção e circulação
da arte enquanto mercadoria, investigando tanto as relações entre arte e vida,
como as instâncias limítrofes entre objeto
e produto, entre colecionismo e consumo.
Inserem, no universo “aurático” do sistema
da arte, a lógica e os procedimentos do
mercado informal.
Em seu projeto “Piratão”, utilizando a
mesma estética dos vendedores ambulantes existentes nas grandes cidades,
o coletivo comercializou cerca de 7.000
obras de vídeo-arte de artistas clássicos
e contemporâneos. O grupo possui uma
estrutura profissional de pirataria que
inclui, entre outros dispositivos, copiadora
simultânea de CDs, DVDs, equipamentos
de televisão, projetores e DVD portátil para
testar a mídia na hora da compra.
Por meio de suas ações, o Filé de Peixe promove um debate sobre direitos autorais,
pirataria, democracia, circulação e acesso
aos bens artísticos. A cada nova montagem da obra, eles realizam a “Sessão
Pirata”, uma mostra de vídeo-arte, a partir
de uma seleção de trabalhos do acervo do
“Piratão”. A lógica pirata está instaurada
no projeto e não há autorização para exibição, nem comunicado aos autores.
No processo atual de produção de arquivos digitais, não é mais possível saber
se uma obra é original ou cópia, pois a
princípio tudo é cópia. O mercado da arte,
por sua vez, é baseado na unicidade, na
autenticidade e no objeto-único, exigindo
o certificado de um galerista ou curador
para legitimar uma obra. Em “Piratão”, os
artistas brincam com o status das obras
de arte e inserem o universo informal,
popular, característico das classes mais
pobres, em ambientes elitizados da arte.
Uma vez que os pobres conseguem acessar apenas certos tipos de conteúdo que
circulam no mercado formal da arte, o
mercado pirata acaba por também revelar
a existência de uma cultura da exclusão.
Dessa forma, a partir da pirataria e do
compartilhamento de material cultural pelas redes, emerge um importante
mecanismo de luta contra a indústria do
capitalismo cultural.
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BIG PIRATE
The collective Filé de Peixe intervenes
in the political economy and art, with
critical action concerning the processes
of the reception and circulation of art as
merchandise, investigating the relationship between art and life as much as the
similar instances between object and
product, between collecting and consuming. They insert the logic and procedures of
the informal market into the “halo effect”
universe of the art system.
In its project “Piratão” [Big Pirate] (2009),
utilizing the same aesthetic as the street
vendors commonly seen in big cities, the
collective sold approximately 7,000 works
of video art about consecrated and contemporary artists. The group has a professional structure for piracy that includes,
among other mechanisms, a simultaneous
burnning of CDs, DVDs, television equipment, projectors and portable DVD players
to test the media at the time of purchase.
Through their actions, Filé de Peixe
promotes a debate about copyright laws,
piracy, democracy, circulation and access
to artistic assets. In each new set-up of the
work, they hold a “Sessão Pirata” [Pirate
Session], a showing of video art, based
Seve ral citie s, since 2009
C O L E T I VO F I LÉ D E PE I X E
on a selection of works from the “Piratão”
archives. The pirate logic is established in
the project and there is no authorization
for the showing, nor any notification to the
authors.
In the current production processing of
digital archives, it is no longer possible to
know if a work is an original or a copy, since
in essence, everything is a copy. The art
market, in turn, is based on uniqueness,
on the authenticity and the unique object,
demanding a certificate from a gallery
director or curator to legitimize the work.
In “Piratão”, the artists play with the status
that works of art have, and insert an informal and popular universe, characteristic
of the poorer classes, in the elitist environments of art.
Since the poor obtain access to merely
certain types of content that circulate
in the formal marketing of art, the pirate
market ends up revealing the existence of
a culture of exclusion. In this way, based on
piracy and the sharing of cultural material through networks, what emerges is an
important mechanism in the fight against
the industry of cultural capitalism.
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R io d e J an eiro e Recife, 2 0 0 4
A L E X AN D R E VO G L E R
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A obra do artista plástico carioca Alexandre Vogler abrange trabalhos, individuais
ou coletivos, relacionados ao contexto
público e aos sistemas de comunicação.
No projeto “Atrocidades Maravilhosas”,
realizado em 2000, Vogler convidou uma
série de artistas a utilizar o lambe-lambe
como linguagem para intervenção. Os
lambe-lambes são cartazes de grande formato, impressos geralmente em serigrafia
ou tipografia móvel e que costumam ocupar os muros das cidades com anúncios
de shows populares. Esse projeto ficou
conhecido a partir de um documentário
no qual é registrado todo o processo de
trabalho, desde a impressão até a colagem
nas ruas e a reação das pessoas.
O lambe-lambe foi experimentado pelo
artista em várias outras intervenções,
como em “Base para unhas fracas” (2008),
um cartaz que simula a propaganda de
um esmalte com a imagem de uma mão
feminina com unhas vermelhas e compridas cobrindo parte de sua vagina. Em
2004, Vogler criou o projeto “4 Graus”, que
consiste em uma série de lambe-lambes
que exibem imagens dos quatro graus de
celulite acompanhadas de laudos e orientações médicas em linguagem científica.
O trabalho causa estranhamento ao tocar
de forma realista num dos maiores fetiches do brasileiro, a bunda. Nessa ação,
a sexualidade feminina não é abordada
a partir de uma estética publicitária, que
padroniza o corpo e manipula digitalmente
as imagens para produzir uma falsa
realidade. Ao contrário, os lambe-lambes
mostram imagens de mulheres reais,
como as que circulam todos os dias pelas
cidades, e não de mulheres objetificadas
pela publicidade.
Nas obras, o artista evidencia a natureza
do universo publicitário, que ocupa e
privatiza o espaço público, criando imaginários homogeneizantes de consumo.
Suas intervenções criam subversões das
mensagens normalmente veiculadas pela
publicidade, gerando estranhamento e
atravessando os sistemas de comunicação instituídos.
4 D EGREES
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The work of artist Alexandre Vogler
encompasses works, both individual and
those based in artist’s collectives, relating
to the public context and communication
systems. In the project “Atrocidades Maravilhosas” [Marvelous Atrocities], created
in 2000, Vogler invited several artists to
utilize the “lambe-lambe” (the glued-on
street posters) as the media, the language
to be used for the intervention. These posters are large, generally printed with silk
screens, or a mobile printing device, and
usually occupy the walls of the cities with
announcements of popular shows. This
project became known because of a documentary which shows the entire process of
the work, from printing to gluing them in
the streets, along with people’s reactions.
The “lambe-lambe” was tested by the
artist in several other interventions, like in
“Base para unhas fracas” [Base for weak
finger nails], a poster that simulates the
advertising of nail polish with the image
of a woman’s hand with long, red nails
covering part of her vagina. In 2004, Vogler
created the project “4 Graus” [4 Degrees],
Rio de J ane iro and Re cife, 2004
ALEXAN DRE VOGLER
which consisted of a series of “lambelambe” posters that exhibit images of the
four degrees of cellulite, accompanied
by reports and medical orientation in
scientific terms. The work causes a
sense of awkwardness upon realistically
touching on one of the biggest Brazilian
fetishes, the ass. In this action, feminine
sexuality is not approached based on an
advertising aesthetic, which standardizes
the body and digitally manipulates the
images to create a false reality. On the
contrary, the posters show images of real
women, like the ones who circulate around
the city every day, and not of the women
objectified by advertising.
In the works, the artist shows evidence
of the nature of the advertising universe,
which occupies and privatizes the public
space, creating homogenized imaginations
of consumption. His interventions create
subversions of the messages usually
connected with advertising, generating
awkwardness and traversing the instituted
systems of communication.
D ive rs a s C id a d e s, d e s d e 2009
VJ SUAV E
www.v j s u ave.c o m
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Vj Suave é o nome da dupla de artistas Ceci
Soloaga e Ygor Marotta, que moram em
São Paulo e trabalham juntos desde 2009,
promovendo intervenções audiovisuais
nos espaços públicos de várias cidades do
Brasil e do mundo.
Por meio da bicicleta, a dupla cria uma
espécie de cinema nômade, iluminando
os “cenários” e as paisagens urbanas com
um desenho delicado e em grande escala,
transportando as pessoas para um universo lúdico e sensorial.
Suas principais técnicas são o vídeo mapping – projeções de larga escala com intervenção sonora paralela – e o light painting
– animação de desenhos ao vivo. Um dos
trabalhos da dupla que merece destaque
é o “SuaveCiclo”, no qual os artistas usam
um triciclo adaptado com sistema de
projetor, computador, som, luzes e ferramentas de desenho ao vivo para criar a
interação entre os seus filmes/desenhos
e a cidade, projetando-os sobre fachadas,
empenas, viadutos e paredes. Seus personagens tomam vida sobre essas superfícies e interagem com a paisagem, criando
uma atmosfera poética, lúdica e bela para
os passantes. Outro recurso utilizado pela
dupla nesse trabalho é a produção de
curtas-metragens que registram as narrativas que acontecem nessas superfícies.
Com a bicicleta, eles também chamam
a atenção para o uso sustentável e livre
desse meio de transporte e para novas
formas poéticas de ocupação dos espaços
públicos com poesia e frases de amor.
Ygor Marota também é o criador da campanha “Mais amor por favor”, uma ideia
que se espalhou por todo o Brasil por meio
de cartazes lambe-lambes impressos em
tipografia, serigrafia, camisetas e vários
materiais impressos que circulam com a
mensagem. A ideia do projeto é comunicar
a todos a importância de se dar e receber
amor na construção de uma sociedade
mais justa.
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S UAV ECICLO
seve ral citie s, since 2009
VJ SUAV E
Vj Suave is the name of the duo of artists
Ceci Soloaga and Ygor Marotta, who live in
São Paulo and have been working together
since 2009, promoting audiovisual interventions in the public spaces of several
cities in Brazil and abroad.
By way of the bicycle, the duo creates a
sort of nomad cinema, illuminating the
“sceneries” and the urban landscapes with
a delicate drawing, and on a large scale,
transporting people to a playful and sensorial universe.
Their main techniques are video mapping – large scale projections with parallel
sound intervention – and light painting –
the live animation of drawings. One of the
duo’s works that deserves special mention
is “SuaveCiclo”, in which the artists use an
adapted tricycle with a projector system,
computer, speakers, lights and drawing instruments for live observational drawing,
to create an interaction among their films/
drawings and the city, projecting them
onto facades, the sides of buildings, overpasses and walls. Their characters gain
lives of their own upon these surfaces and
interact with the landscape, creating a poetic, playful and beautiful atmosphere for
the passers by. Another resource utilized
by the duo in this work is the creation of
short films that document the narratives
that occur on these surfaces.
With the bicycle, they also call attention to
the sustainable and free use of this mean
of transportation and for new, poetic ways
of occupying public spaces with poetry
and phrases of love.
Ygor Marota is also the creator of the campaign “Mais amor por favor” [More love,
please], an idea that spread throughout
Brazil by way of glued–on street posters
of silk screen prints, shirts and a variety of
other printed materials that circulate with
the message. The project’s idea is to communicate to everyone how important giving and receiving love is, in the construction of a more just society.
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B e lo H o r izo n te, 2008
DAN I E L ES C O BAR
d a n ie le s c o b a r.co m . b r
200
201
A cidade e seu imaginário atravessam
toda a obra do artista Daniel Escobar, que
explora em sua produção, essencialmente
gráfica, o universo publicitário presente
nos dispositivos de comunicação visual,
como cartazes outdoor, panfletos, mapas,
guias turísticos, letreiros, faixas, placas
luminosas, entre outros. O artista trabalha
com diversas representações possíveis
da paisagem urbana, aquelas que dão
acesso às condições físicas do lugar, como
placas de trânsito e guias de turismo, que
carregam cargas simbólicas e expressam
modos de viver baseados na lógica do
consumo.
Escobar ironiza as mensagens publicitárias e o universo gráfico das cidades com
seus panfletos, folders e outdoors, que
apresentam os mais novos empreendimentos imobiliários, anunciam cidades
ilusórias, desenhadas nos programas de
3D e prometem casas perfeitas, cercadas
de verde, uma vida perfeita, garantia de
excelência, felicidade e exclusividade.
Há em seu trabalho um deslocamento de
sentido desse universo visual e gráfico
das cidades, que altera a percepção sobre
as mensagens e imagens e instaura um
novo momento de envolvimento com suas
estruturas. No trabalho “Impermeáveis”
(2008), o artista utiliza um furador de
papel e cria, a partir da sobreposição de
diversos papéis de outdoor, uma renda que
mistura as imagens e deixa transparecer
as diversas camadas de material publicitário. O trabalho alude ainda à forma de
impressão do outdoor criando, com uso de
retículas, um efeito ótico em que, vista de
perto, a imagem perde seu contorno.
Em “A Verdade das Coisas” (2008), Escobar se apropria de faixas de rua, uma
mídia proibida, porém muito utilizada
para comunicação de vendas, promoções,
aluguéis e anúncios em geral. Ele retira
o texto das faixas deixa apenas a forma
vazada das palavras e devolve-as às ruas
com o texto “roubado” ou subtraído,
causando estranhamento e curiosidade.
Ao mesmo tempo, as letras retiradas das
faixas ganham volume num processo de
enchimento e costura e são espalhadas
em pontos da cidade.
A pesquisa de Escobar explora os processos de representação e comunicação e
transita entre os espaços institucionais
e a rua para lembrar que o universo da
comunicação em massa cria e fortalece
ilusões e ficções.
TH E T RU T H A BOU T T HINGS
202
203
The city and its imagination traverse the
work of artist Daniel Escobar, who in his
art, which is graphic art in essence, explores the universe of advertising present
in the mechanisms of visual communication, such as billboards, pamphlets, maps,
tourist guides, placards, banners, neon
signs and others. The artist works with
a variety of possible representations of
the urban landscape, the ones that give
access to the physical characteristics of
the place, that bear symbolic loads and
express ways of life that are based on the
logic of consuming.
Escobar ironizes the advertising messages
and the graphic universe of cities with their
pamphlets, folders and billboards, that
present the newest ventures in real estate,
announce illusionary cities designed with
3D programs and promise perfect homes,
surrounded by greenery, a perfect life,
guaranteeing excellence, happiness and
exclusiveness.
In his work one finds the dislocation
of meaning, of this visual and graphic
universe of the cities, that alters one’s
perception of the messages and images,
and establishes a new moment of involvement in his structures. In the work “Impermeáveis” [Impermeables](2008), the artist
B e lo H orizonte, 2008
DAN I E L ES C O BAR
uses a hole puncher and creates, with the
layering of a variety of pieces of billboard
paper as his starting point, a sort of lace
that mixes images and allows the diverse
array of layers of advertising material to
show through. The work also alludes to the
way billboard prints are made, creating
an optical effect with the use of dots that,
when seen up close, cause the image to
lose its contour.
In “A Verdade das Coisas” [The Truth about
Things] (2008), Escobar makes use of
street banners, a prohibited medium,
however widely used for the communication of sales, rentals and announcements
in general. He removes the text from the
banners leaving only the cutout form of the
words and returns them to the streets with
the text “stolen” or subtracted, causing
people to find it odd and curious. At the
same time, the letters removed from the
banners gain volume in a process of stuffing and sewing and are spread throughout
different parts of the city.
Escobar’s research explores the processes
of representation and communication and
moves among institutional spaces and the
street to remember that the universe of
mass communication creates and fortifies
illusions and fiction.
D ive rs a s cid a d e s, d e s d e 2011
CO L E T I VO T R AN SV E R S O
www. coletivotransverso.blogspot.com
204
205
“Na desordem do progresso, a rua há de
ser verso”, “a maldade dá saudade”, “A vida
é um emaranhado de nós”. Essas são algumas das frases que o Coletivo Transverso
espalha pelas ruas de cidades do Brasil e
do mundo. Com uma “sede” em Brasília e
outra em São Paulo, o coletivo, que surgiu
em 2011, busca levar poesia ao espaço
público e ao cotidiano das pessoas e
ampliar o potencial que existe na rua para
essa forma de expressão.
O grupo é formado por Cauê Novaes,
Patrícia Del Rey e Patrícia Bagniewski,
mas possui também uma rede de colaboradores que executam, registram e
distribuem o trabalho. O coletivo também
estimula as pessoas a baixar, imprimir e
registrar, por meio do site e da página do
facebook, as frases e os cartazes que o
grupo produz. A partir de sua intervenção,
busca formar uma rede de intervenções
que acontecem em vários lugares e que,
muitas vezes, saem do controle do próprio
coletivo, ganhando vida própria.
Os trabalhos do Transverso se misturam
a outras intervenções na cidade, como o
grafitti, a pichação, os cartazes publicitários e outras interferências e, dessa forma,
habitam esse espaço múltiplo de mensagens que são as paredes das cidades.
Além disso, suas ações abrem canais para
outras intervenções e outros diálogos, geram infiltrações nas mensagens vigentes
e relacionam-se com o espaço de modo a
subverter ou transformar sua lógica. Eles
buscam apropriar-se da cidade de forma
não possessiva, mas sim pela cocriação
de espaços e formas de ocupação, abrindo
canais para intervenções futuras.
O grupo enxerga a cidade como um poema vivo e incompleto com muitas possibilidades narrativas, criando instantes de
desvio que retiram os passantes de uma
“rotina cega”. A partir desse deslocamento,
os passantes são convidados a participar
ativamente do processo de ressignificação
do espaço.
<
This detachment is mine, and nobody takes it from me
Caution: This can be a poem.
Were it not for tomorrow, this would be a busy day today.
I’ve been your loved one for 3 days.
206
207
INTERV ENTIONS
seve ral citie s, since 2011
C O L E T I VO TR AN SV E R S O
<
I’d spend a lifetime by your side, but not this lifetime.
It may contain poetry.
I just came to say who I am.
To a good listener, half a smile is enough.
“In the disorder of progress, the street
has to be the other side”, “malice leads
to nostalgia”, “Life is an entanglement of
ourselves”. These are some of the phrases
that Coletivo Transverso spreads through
the streets of Brazilian cities and others
abroad. With a “headquarters” in Brasília
and another in São Paulo, the collective,
which emerged in 2011, seeks to bring
poetry to the public space and to people’s
daily lives and expand the potential that
exists in the streets for this form of expression.
The group is formed by Cauê Novaes, Patrícia Del Rey and Patrícia Bagniewski, but
also possesses a network of collaborators
that execute, document and distribute the
work. The collective also stimulates people to download, print and document, by
way of the site and the facebook page, the
phrases and the posters that the group
produces. With its intervention as a starting
point, it seeks to form a network of interventions that happen in a variety of places
and which, often, spin out of the collective’s
own control, gaining a life of its own.
Transverso’s works mix themselves with
other interventions in the city, like graffiti,
“pixo” (local graffiti style), advertising posters and other interferences, and in this
way, inhabit this space of multiple messages that are the walls of the cities. Aside
from this, its actions open channels for
other interventions and other dialogues,
generating infiltrations in the existing
messages and relating to the space in a
way that subverts or transforms its logic.
They seek to appropriate the city for themselves in a way that is not possessive, but
instead in a way that co-creates spaces
and forms of occupation, opening channels for future interventions.
The group sees the city as a live and incomplete poem with many narrative possibilities, creating instances of detours, that
remove the passers by from the “blind routine”. Based on this dislocation, the passers by are invited to actively participate
in the process of the resignification of the
space.
206
207
D ive rs a s c id a d e s, d e s d e 1996
M Ô N I CA N AD O R
www. j a m a c.o rg. b r
208
209
O trabalho “Paredes Pinturas” deriva da
dissertação de mestrado da artista Mônica
Nador. A pesquisa pretende incorporar
moradores de comunidades pobres em um
processo de pintura mural com a técnica
do stencil. Na intervenção, as pessoas são
convidadas a pintar a fachada de suas
casas com padrões gráficos decorativos
adaptados à técnica (o stencil utiliza
um molde vazado que, colocado sobre
a superfície, permite que a tinta passe
pelo molde, imprimindo na superfície o
desenho e possibilitando sua reprodução).
“Paredes Pinturas” acontece desde 1996
em vários lugares e já teve formatos que
vão desde a pintura mural até tecidos,
paredes internas e externas, muros, entre
outras superfícies.
O trabalho motivou a artista a criar o
JAMAC – Jardim Míriam Arte Clube –, em
2003, uma associação na periferia da zona
sul da cidade de São Paulo. Nesse espaço
cultural, voltado para a comunidade do
entorno, acontecem ações como oficinas,
palestras, cursos, workshops, sessões de
cinema, encontros de filosofia e ciências
políticas, promovidos em parceria com professores, estudiosos e lideranças do bairro.
A artista consegue gerar uma grande
motivação na população, partindo da mudança da realidade do lugar e explorando
o potencial transformador da arte, como
forma de socialização e produção criativa.
Nador alia a tradição da pintura a um exercício
colaborativo e conceitual e deseja mostrar
que em um circuito de arte, dominado
pelos valores do mercado, ainda há espaço para a produção de uma arte cujo
sentido e valor real reflitam a experiência
de diversas pessoas e não apenas de uma
elite. Foram esses valores e a sensação de
estar deslocada dentro do circuito da arte
que levaram a artista a se mudar para a
periferia da cidade, onde desenvolve seu
trabalho juntamente com seus colaboradores.
WALL PA INT INGS
The work “Paredes Pinturas” [Wall Paitings]
is derived from artist Mônica Nador’s
master’s thesis. The research intends to
incorporate residents of poor communities
in a process of mural painting with the
stenciling technique. In the public work,
people are invited to paint the facade
of their homes with decorative graphic
patterns, adapted to the technique (the
stenciling process uses a cut out template,
printing the drawing onto the surface,
allowing the paint to pass through the cut
out, printing the drawing onto the surface
and making reproductions possible).
“Paredes Pinturas” has been going on
since 1999 in several places and has had
formats that go from mural painting to
fabric to internal and external walls and
partitions, among other surfaces.
The work motivated the artist to create
JAMAC – Jardim Míriam Arte Clube
(Jardim Míriam Art Club), in 2003, an
association in the outskirts of the
southern region of the city. In this space for
seve ral citie s, since 1996
M Ô N I CA N AD O R
culture, geared towards the surrounding
community, actions occur such as
workshops, speeches, courses, film
screenings, encounters for the discussion
of philosophy and the political sciences, all
promoted in partnership with professors,
scholars and community leaders. The artist
is able to generate great motivation among
the population, based on the changing of
the reality of the place and exploring the
transformational power of art, as a form of
socialization and creative production.
Nador combines the tradition of painting
with the collaborative and conceptual
exercise, and wishes to show that in an art
circuit that is dominated by market values,
there is still space for the production of an
art whose real meaning and value reflects
the experience of a variety of people and
not only an elite group. These were the
values, along with the sensation of being
dislocated inside the art circuit, that led
the artist to move to the outskirts, where
he develops this project alongside his
associates.
S ão Pau lo, 2013
ST E PHAN D O I TS C HI N O F F
d o it s chin of f.c o m
212
213
Pelas redes sociais, as pessoas são
convidadas pelo artista a participar da
performance/marcha realizada em São
Paulo, nas ruas do bairro Pinheiros. Elas
deveriam estar no lugar e no horário indicados, vestidas com trajes previamente
sugeridos. O convite as leva a uma marcha, que se assemelha a uma procissão
religiosa e é composta por participantes
mascarados que carregam estandartes
com a imagem da Jurema Preta, além de
diversos adereços como bonecos gigantes,
esculturas e ornamentos, em referência
a elementos ligados ao Xamanismo e a
compostos psicoativos.
A performance, que contou com a participação de Iggor Cavalera, Laima Leyton
e Elisa Gargiulo, traz ao espaço urbano da
capital paulista um imaginário relacionado
às propriedades psicoativas de plantas,
fungos e extratos vegetais, cujo uso está
ligado à práticas espirituais, medicinais e
ritos de passagem de povos originários.
fotos [photos]: Franco Amendola
Cras significa “amanhã”, em Latim, e micélio
é o nome que se dá ao conjunto de hifas de
um fungo, uma alusão às plantas enteógenas (termo que quer dizer “manifestação
interior do divino” e que faz referência às
propriedades de alteração da consciência). Na performance, estandartes trazem
estampado um cogumelo, um dos ícones
das plantas de poder psicoativo.
O artista, que também tem um potente trabalho gráfico, inspira-se na lógica hacker
para adentrar estruturas conservadoras,
especialmente aquelas ligadas à igrejas
e cortejos militares, inserindo mensagens
subversivas nesses espaços. Partindo
da subversão do imaginário e de uma
estética religiosa, ele retira o conteúdo
conservador e inclui ali outras mensagens,
buscando aproximar-se das pessoas com
o seu trabalho, uma vez que em nossa
cultura as imagens cristãs, assim como
as de raiz africana, têm uma força muito
grande. No caso de “Cras do Micélio”, as
intervenções carregam um conteúdo relacionado às plantas psicoativas e psicodélicas e trazem à tona reflexões sobre como
o nosso sistema capitalista desconsidera
o uso das plantas e sua relação com uma
matriz espiritual.
CRAS OF M YC E LIU M
214
215
Through social networks, people are
invited by the artist to participate in this
performance/march held in Sao Paulo,
on the streets in the neighborhood of
Pinheiros. They are to be in the set time
and place, wearing previously suggested
clothing. The invite takes them to a march,
the appearance being similar to a religious
procession, and is composed of masked
participants who carry banners bearing
the image of Jurema Preta, as well as a
variety of ornaments like gigantic dolls,
sculptures and decorations, in reference
to elements linked with Shamanism and
psychoactive composites.
The performance, which included the
participation of Iggor Cavalera, Laima
Leyton and Elisa Gargiulo, brings to the
urban space of the capital of São Paulo
something imaginary, relating to the
psychoactive properties of plants, fungus
and vegetable extracts, the uses of these
being linked to spiritual and medicinal
practices as well as the rites of passage of
indigenous peoples.
São Paulo, 2013
ST E PHAN D O I TS C HI N O F F
Cras means “tomorrow” in Latin, and
mycelium is the name given to the group
of hyphae of a fungus, alluding to the
entheogenic plants (term that means
“interior manifestation of the divine”) and
which makes reference to the referencing
their consciousness-altering properties).
In the performance, banners bear the image of the mushroom, one of the icons of
the psychoactive power of plants.
The artist, who also has done potent
graphic works of his own, finds inspiration
in hacker logic to get into conservative
structures, especially those affiliated with
churches and military parades, inserting
subversive messages in these spaces. His
starting point being the subversion of the
imaginary and of the religious aesthetic,
he removes the conservative content and
puts other messages in its place, seeking
to get closer to people with his work, since
in our culture the Christian images, as well
as those with African roots, have great
power. In the case of Cras of Mycelium, the
manifestations carry within themselves
a content related to psychoactive and
psychedelic plants, and bring reflections
to the surface about how our capitalist
system disregards the use of plants in
relationship to a spiritual template.
For t aleza , 2 0 1 1
AC I DUM
htt p : //grup o acid um.ar t .b r/
216
217
Com um sistema simples, desenvolvido
com garrafas pet, mangueiras, trinchas,
fita adesiva e outros materiais, acoplados
a bicicletas, o projeto “CicloCor”, uma das
iniciativas do Acidum, foi uma intervenção
realizada em 2011, na cidade de Fortaleza,
durante o Salão de Abril, importante
evento de arte do Brasil. Durante a ação,
produzida como uma espécie de flashmob,
as pessoas eram convidadas a pedalar
pela cidade com o dispositivo na bicicleta
e a produzir, com tinta, traços que iam
ocupando toda a rua.
As linhas criadas pelas diversas bicicletas
vão se sobrepondo e criando um emaranhado colorido pelo chão. Os ciclistas vão
sendo guiados pelos rastros que a tinta
deixa no piso, produzindo assim um itinerário orgânico. Na ação, um desenho único
e fluido vai sendo criado na medida em que
as pessoas se movimentam.
Em seus projetos, o Acidum promove
um diálogo com os espaços urbanos da
cidade, a partir das diferentes interferências que lotam os muros e as ruas das
áreas urbanas. O coletivo, sediado em
Fortaleza, é composto atualmente por
Robézio Marqs e Tereza Dequinta. Em seu
trabalho, a dupla pesquisa e desenvolve
projetos artísticos nos mais variados
suportes, como intervenções urbanas,
cartazes (lambe-lambe), grafite, stickers,
fotografia e pintura, projetos audiovisuais,
livro de artista e tatuagens.
C ICLOC OR P R OJ ECT
218
219
With a simple system developed with
plastic soda bottles, hoses, paint brushes,
adhesive tape and other materials, coupled with bicycles, the project Ciclocolor,
one of Acidum’s initiatives, was a public
artwork that took place in 2011 in the city
of Fortaleza, during the Salão de Abril, an
important art event in Brazil. During the
action, happening as a kind of flash mob,
people were invited to pedal around the
city with the mechanism on the bicycle
and create paint strokes that went on to
occupy the entire street.
The paint strokes created by the variety
of bicycles layered themselves on all over
each other, creating an entanglement of
color on the ground. The cyclists are guided
For talez a , 2011
A C I D UM
on by the trails that the paint leaves on
the pavement, and in this way produce an
organic itinerary. In the action, a single and
fluid drawing continues to be created as
the people move themselves around.
In its projects, Acidum promotes a dialogue with the city’s urban spaces, starting
with the variety of public art that covers
the walls and streets of urban areas. The
collective, based in Fortaleza, is currently
composed of artists Robézio Marqs and
Tereza Dequinta. In their work, the duo
research and develop artistic projects with
the widest variety of media, such as public
art works, posters (lambe-lambe), graffiti,
stickers, photography, painting, audiovisual
projects, artist books and tattoos.
♥
R io d e Ja n e iro, 2010
O PAV I VAR Á
www.o p av iv a ra .co m . b r
220
221
O Opavivará! é um coletivo de arte que
iniciou suas atividades em 2005, no Rio
de Janeiro. Tem como projeto realizar
“experiências poéticas coletivas interativas”. Suas obras, sempre voltadas para
o espaço público, buscam criar situações
nas quais os espectadores são convidados
a participar das ações do coletivo. Em
“Almoço Coletivo” (2013), o grupo realizou
um almoço em uma praça pública e, em
“Self-service Pajé” (2012), os artistas disponibilizaram dezenas de ervas para que
as pessoas fizessem seus chás.
O grupo também criou a “Espreguiçadeira
multi” (2010), uma cadeira de praia coletiva que pode ser levada a vários lugares.
A proposta poética desse projeto não
está apenas na construção estética das
cadeiras, mas na convivência que o uso
delas pode gerar. Por ser um elemento
ligado ao relaxamento e ao descanso, a
espreguiçadeira pode mudar a forma como
as pessoas se comportam nos espaços
públicos, nas ruas e nas praças da cidade.
A cultura carioca e as questões políticas
cotidianas presentes na cidade do Rio
de Janeiro estão fortemente impressas
nas ações do coletivo. A cidade, sede da
Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas de
2016, tem sido um dos principais alvos,
no Brasil, da especulação imobiliária e
da gentrificação. Da mesma forma, o Rio
é uma das capitais brasileiras em que
houve uma forte e violenta repressão às
manifestações populares.
Esse contexto da cidade é abordado em
obras como “Eu amo camelô” (2010), uma
série de cartões postais com imagens
de vendedores ambulantes – profissionais que têm sido sistematicamente
expulsos dos espaços públicos, em nome
da “limpeza urbana” e da “saúde pública”,
abrindo espaço para empresas multinacionais que vão, aos poucos, substituindo
processos tradicionais e populares. O trabalho é apresentado em uma instalação
na qual o coletivo reproduz o ambiente
da praia na galeria, com cadeiras típicas,
areia, o mate e a sonoridade dos camelôs.
Além disso, é montada uma banquinha na
qual os postais ficam à venda e o dinheiro
é devolvido para os ambulantes.
I ♥ STREET M E R C HA NTS
Opavivará! is an art collective that began
its activities in 2005, in Rio de Janeiro. It
has the objective of holding “poetic and
collective interactive experiences”. Its
works, always geared towards the public
space, seek to create situations in which
the spectators are invited to participate
in the collective’s actions. In “Almoço
Coletivo” [Group Lunch] (2013), the group
held a lunch in a public square and in
“Self-service Pajé” [Self-service Shaman]
(2012), the artists provided dozens of
herbs so that people could make tea for
themselves.
The group also created “Espreguiçadeira
multi” [Multi beach chair] (2010), a collective beach chair that can be taken to
a variety of places. The poetic proposal
of this project is not only in the aesthetic
construct of the chairs, but also the coexistence that the use of these can generate.
In being an element linked to relaxation
and rest, the beach chair can change the
way with which people behave in public
spaces, in the streets and parks of the city.
Rio de J ane iro, 2010
O PAV I VAR Á
The culture of Rio de Janeiro and the day
to day political issues present in the city
are strongly emblazoned upon the collective’s actions. The city, headquarters for
the 2014 World Cup and the Olympics of
2016, has been one of the main targets, in
Brazil, of real estate speculation and gentrification. In the same way, Rio is one of
the Brazilian capitals in which there was a
strong and violent repression of grassroots
protests.
This context of the city is approached in
works such as “Eu amo camelô” [I love
street merchants] (2010), a series of postcards with images of street vendors – professionals that have been systematically
driven out of public spaces, in the name of
urban cleansing” and “public health”, paving the way for multinational companies
that go on to substitute traditional and
popular processes, little by little. The work
is presented in an installation in which the
collective reproduces the beach environment in the gallery, with typical chairs,
sand, iced tea and the sound of the street
vendors. Aside from this, a little table is set
up where the postcards are sold and the
money is returned to the street merchants.
222
223
224
225
PERFORMATIVIDADE URBANA
E VIOLÊNCIA ESPACIAL
URBAN PERFORMATIVITY AND
SPATIAL VIOLENCE
A arte é feita de reuniões arriscadas, caóticas de
signos e de formas. Hoje os artistas começam por
criar os espaços em cujo interior o encontro pode
aconte-cer. A Arte atual não apresenta mais o
resultado de um trabalho, ela é o trabalho
em si ou o trabalho futuro.
Nicolas Bourriaud
The art is made of risky, chaotic meetings of signs
and shapes. Nowadays artists begin to create
spaces within which the meeting can happen. The
current Art no longer presents the results of a job,
it is the work itself or the future work.
Nicolas Bourriaud
Uma vez, numa conversa entre amigos, uma pessoa disse que o trabalho do
Grupo Empreza era violento. Na mesma hora, uma outra comentou: violento
é o sistema! Fiquei pensando sobre isso, pois um vetor forte para os trabalhos de arte na cidade é justamente a violência. É quase impossível pensar
em cidade (especialmente as grandes) sem pensar em violência. A presença
dos crimes hediondos nas manchetes de jornais é rotineira e contribui para
produzir o imaginário que cria a cultura do medo. Todavia, existe muito mais
violência nas cidades do que aquela gerada pelos crimes (ou pela polícia), pois
muito mais violento do que os “criminosos” ou a polícia é o próprio sistema de
produção capitalista, que massifica a economia, a cultura e os sistemas de
controle (o que não deixa de ser um crime).
Produzir uma cidade na qual as pessoas moradoras das periferias são impedidas de transitar pelos diferentes territórios, construir modelos de ocupação
urbana massacrantes para a paisagem e para as pessoas, explorar de forma
predatória a natureza – acabando com o ar e a água –, produzir uma cidade
excludente: isso é violento. Uma vida baseada no trabalho, na falta de tempo,
na lógica do consumo e da produtividade, na competição, na corrupção... tudo
isso é muito violento. Há ainda a perversidade da naturalização. E não podemos esquecer que a violência simbólica produz as outras formas de violência.
226
227
Esse forte traço das cidades também está impresso em diversas obras de arte
que acontecem nos espaços públicos. Às vezes, as obras de arte podem não
falar desse assunto diretamente, mas o abordam por meio de processos simbólicos, mostrando suas diversas faces na cidade: a violência do mercado e do
capitalismo, nas diversas formas de exploração dos corpos e mentes.
Dessa forma, as obras de arte que adentram as cidades se encontram com
a natureza árida da vida urbana, chegando também às periferias. Lugares
renegados pela cultura dominante e sem valor dentro da lógica do mercado
capitalista, mas cheias de matéria poética e possibilidades de encontros e
expressão.
Alguns desses artistas buscam criar contrapontos, utilizando uma mensagem
inversa. Com uma linguagem contrária à violência – e com amor e atenção –,
executam suas obras em contato com os processos urbanos e colocam seus
corpos em contato direto com a realidade. Para isso, é necessário se inserir e
produzir grandes ou pequenas intervenções, que apontam para a invisibilidade de situações que marcam a vida nas cidades, mas não estão nas páginas
dos jornais. Situações que marcam a vida no interior das cidades grandes e
apontam para as desigualdades do mundo.
Michel de Certeau, em seu livro A invenção do cotidiano,1 chamou de “praticantes ordinários das cidades” aqueles sujeitos que experimentam a cidade
“por dentro” ou “embaixo” – se referindo a uma vivência contrária à visão área
do mapa, vista pelos urbanistas. Ele mostra que há um conhecimento da espacialidade que é próprio desse tipo de praticante, um saber que é subjetivo,
lúdico e amoroso. Que vem das práticas de se andar e se relacionar com a
cidade a partir de uma “cegueira” que propicia uma experiência única, não mediada pelas representações, mas baseada somente na experiência.
Essa experiência abriria um canal para uma vivência mais completa e lúdica
dos espaços, que foge das representações comuns dos territórios e abre possibilidades de encontros em outras atmosferas, que podem ser a base para o
desenvolvimento de um trabalho de arte engajado na realidade dos lugares,
das pessoas e das coisas.
Podemos pensar em algumas estratégias artísticas – ou práticas ordinárias
da cidade – como modos de adentrar a cidade “por dentro”, ou por “baixo”, e
produzir relações, para perturbar os processos neutralizados pela cotidianidade e as formas repetitivas de viver. Criando infiltrações no cotidiano e produzindo o que Paola Berenstein Jaques chamou de “corpografias urbanas”,2
uma cartografia desenhada no corpo e com o corpo e que se dá no embate direto do corpo com a cidade: “Uma corpografia é um tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja, a memória urbana inscrita no corpo, o registro de
sua experiência da cidade, uma espécie de grafia urbana, da própria cidade vivida, que fica inscrita mas também configura o corpo de quem a experimenta”.
Por meio dessas “corpografias”, os artistas se acoplam a ferramentas capazes
de criar situações que geram novas redes e linhas nos mapas fixos da cidade.
Colocam seus corpos em situação de risco, no limite, muitas vezes, ampliando
a força da presença dos espaços públicos nos corpos. Mostram o quanto somos fortes e o quanto somos frágeis diante de todas as violências causadas
pelo capital.
Estabelecendo relações que buscam subverter lugares de visibilidade, dar visibilidade a lugares e situações “invisíveis”, os artistas perturbam uma certa
ordem presente no espaço público e produzem performances, ações, ativismos que apontam para um universo rico e emaranhado de arte e vida, belo e
feio, luta e resistência, força e fraqueza, sublime e mundano, rápido e lento...
1.
CERTEAU, Michel de. A invenção do
cotidiano. 3.ed. Petropolis: Vozes, 1998
2.
JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias
Urbanas. In: Revista Arquitextos (edição 93/
ano 08).< Site Vitruvius - www.vitruvius.com.
br/revistas/read/arquitextos/08.093/165>.
Acesso em: 21/06/15.
Once, in a conversation among friends, someone said that the work of Grupo
Empreza was violent. At the same time, someone else commented, the system
is what’s violent! I kept thinking about that, since a strong vector for the works
of art in the city is just that, violence. It’s almost impossible to think about
cities (especially the big ones) without thinking about violence. The presence
of heinous crimes in the newspaper headlines is routine, and contributes to
produce an imagination that creates a culture of fear. However, much more
violence exists in the cities than that which is caused by the crimes (or by
the police), since much more violent than the “criminals” or the police is the
system of capitalist production itself, promoting a mass economy, culture and
control systems (which is a crime, nonetheless).
To create a city in which the people who reside in the outskirts are impeded
from transiting among the different territories, constructing models of urban
occupation that massacre the landscape for the people, exploit nature in a
predatory way – using up the air and water – , making a city that excludes, that
is violent. A life based on work, on a lack of time, on consumer logic and on productivity, on competition, on corruption… this is all very violent. There’s even
the perverseness of naturalization. Also, we can not forget that the symbolic
violence produces the other forms of violence.
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229
This strong feature of the cities is also imprinted upon the variety of artworks
that take place in the public spaces. Sometimes, the artworks may not speak
of this matter directly, yet deal with it through symbolic processes, showing
the diverse facets of the city: the violence of the market and of capitalism, in
the diverse ways of exploiting bodies and minds.
In this way, the artworks that enter the cities find themselves with the arid nature of urban life, also reaching the outskirts. Places that are rejected by the
dominant culture and of no value in the logic of the capitalist market, yet full
of poetic material and possibilities of encounters and expression.
Some of these artists seek to create counterpoints, utilizing an inverse message. With a language that counters violence – and with love and attention –,
they execute their works in contact with the urban processes and put their bodies in direct contact with reality. For this, it is necessary to insert oneself and
create big or small interventions, that point to the invisibility of situations that
mark life in the cities, but that are not in the pages of the newspapers. Situations that mark life in the inner cities and point to the inequalities of the world.
Michel de Certeau, in his book The invention of daily life1, called “ordinary practitioners of the cities” those subjects that experience the city “from the inside”
or “underneath” – referring to a life experience contrary to the viewing of the
map in terms of area, as seen by urbanists. He shows how there is knowledge
of the spatiality that is inherent to this type of practitioner, a playful and loving
knowledge. Something that comes from the practices of walking and relating
with the city based on a “blindness” that provides a unique experience, not
mediated by representations, but based only on the experience.
This experience would open a channel for a more complete and playful experience of the spaces, that flees from the common representations of the
territories and opens possibilities for encounters in other atmospheres, one
that can be the basis for the development of an artwork that is engaged in the
reality of the places, of the people and of the things.
We can think of some artistic strategies – or ordinary practices of the city –
as ways of entering the city “from the inside” or “underneath”, and create relationships, to perturb the processes neutralized by the daily grind and the
repetitive ways of living. Creating infiltrations in daily life and creating what
Paola Berenstein Jaques called “corpografias urbanas”2 (“urban bodygraphs”), a cartograph drawn on the body and with a body and that happens in
the direct clash of the body with the city: “A bodygraph is a type of cartograph
that is made by and on the body, in other words, the urban memory inscribed
on the body, the register of one’s experience of the city, a sort of urban script,
of one’s own lived city, that becomes inscribed yet also configures the body of
the person who experiences it”.
Through these “bodygraphs”, the artists couple themselves with the tools capable of creating situations that generate new networks and lines on the fixed
maps of the city. They put their bodies in a situation of risk, often at the limit,
expanding the force of the presence of the public spaces on/in their bodies.
They show how we are strong and how we are fragile, facing all the acts of
violence caused by the capital.
Establishing relationships that seek to subvert places of visibility, giving visibility to “invisible” places and situations, the artists perturb a certain order
present in the public space and create performances, actions and acts of activism that point to a rich and entangled universe of art and life, beauty and
ugliness, fight and resistance, strength and fragility, sublime and mundane,
rapid and slow...
1.
CERTEAU, Michel de. A invenção do
cotidiano. 3.ed. Petropolis: Vozes, 1998
2.
JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias
Urbanas. In: Revista Arquitextos (edição 93/
ano 08).< Site Vitruvius - www.vitruvius.com.
br/revistas/read/arquitextos/08.093/165>.
Acessed on: 21/06/15.
DI ÁLO G O
RENATA MARQUEZ
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231
David Harvey disse que o direito à cidade
é também o direito de transformar as
cidades de acordo com o que sonhamos e
desejamos. Como você tem percebido os
atuais movimentos pelo direito à cidade?
Como percebe a presença da arte nesses
movimentos? A arte pode colaborar com
as ações políticas atuais?
Os movimentos atuais pelo direito à cidade
são movimentos estéticos no sentido de
que novos regimes de sensibilidade estão
sendo criados e processados. Gosto de
pensar a arte não exclusivamente como
uma disciplina, mas como um estado
prático de sensibilidade no qual podem
atuar artistas e não artistas. E, no caso específico de uma possível arte-na-cidade,
um estado no qual podem atuar artistas
e cidadãos. Isso vai na direção oposta à
romantização do artista e da própria arte,
considerando que os movimentos por uma
cidade melhor são laboratórios abertos e
coletivos para novas sensibilidades compartilháveis.
Lembro-me de dois episódios. O primeiro,
numa terça-feira de junho de 2013, na assembleia pública que aconteceu debaixo
do viaduto de Santa Tereza, no centro de
Belo Horizonte. Lá, após a assembleia de
domingo ter decidido que grupos de trabalho temáticos iriam discutir as pautas
de reivindicação a serem apresentadas ao
governador – tais como direitos humanos,
moradia, polícia, meio ambiente, educação, mobilidade... – acabei parando para
ver a discussão do grupo de “intervenções
artísticas”.
Desde o início das manifestações, eu
vinha reparando na potência performática
e imaginativa das manifestações como
intervenções urbanas em larga escala. As
manifestações eram totalmente espontâneas, construídas por “coletividades
instantâneas” e performatizavam “utopias
de proximidade” – termos comuns para
as experiências de estética relacional
caras à arte contemporânea. Elas traziam
complexidade às coletividades e dilemas
às políticas de proximidade (rico, pobre,
direita, esquerda, médico, advogado, feirante, professor, aluno), escancarando as
limitações da representação artística na
prática da estética relacional (dentro das
galerias).
Pensei na possível inadequação daquele
agrupamento de artistas, único grupo
“profissional” e “especializado”, uma vez
que os outros grupos tinham formações
interdisciplinares para discutir cada pauta
definida na assembleia anterior. Por um
lado, foi ótimo ver a discussão de dezenas
de jovens artistas em torno da função
social da arte, da aproximação entre arte
e política, da necessária emergência
sistemática da arte nas ruas e na revisão
das políticas públicas. Mas os repertórios
apresentados como propostas artísticas
pareciam não se encaixar nas aspirações
do grupo. Performers, capoeiristas, palhaços, atrizes, desenhistas, músicos e pichadores queriam dar a sua contribuição.
Um dos artistas revelou que o pai era policial integrante da tropa de choque e que
havia perguntado ao filho: onde estavam
os artistas da cidade na hora do confronto,
para substituir os “vândalos”? Pairava a
pergunta: o que o pai policial esperava
dos artistas? Propostas inteligentes,
pacíficas, simbólicas, imaginativas, de
diálogo audiovisual? E o que os artistas
esperavam performatizar no confronto?
As mesmas ações que fariam num dia
comum, com uma audiência costumeira?
Ou talvez um “vandalismo artístico”? Uns
poucos defendiam que naquele momento
a única atuação possível seria a de confrontar a polícia e defender as vítimas
(como cidadãos), prevendo sobretudo o
confronto violento. Outros queriam chegar
numa proposta de “intervenção artística” e
simbólica em faixas, performances, fantasias e pequenas ações e ocupações. O que
fazer? Um dilema.
Minha vontade era de espalhar aqueles jovens artistas nos demais grupos temáticos,
diluir a arte nas discussões urgentes, promover trocas pragmáticas de sensibilidade
não especializada naquele laboratório
coletivo.
Paralelamente, a alguns metros dali, podíamos ver algumas imagens espertas coladas em paredes estratégicas da cidade por
artistas-cidadãos, como os lambe-lambes
de Kenny Mendes e de Pierre Fonseca.
O segundo episódio que gostaria de comentar ocorreu bem antes das “jornadas
de junho”. Algumas iniciativas artísticas
instigadoras de ações coletivas chegaram perto de se transformar em políticas públicas, o que seria maravilhoso
para a cidade: cito aqui os “Lotes vagos”
de Louise Ganz e Breno Silva. Em 2005, o
então prefeito Pimentel convidou a dupla
ao seu gabinete para conversar sobre os
“Lotes Vagos”. Os artistas apresentaram
o projeto e propuseram como viabilidade
técnica a redução de IPTU para quem
emprestasse o terreno para uso público
temporário. A conversa não avançou, mas
alcançou apoio prático da Prefeitura na
limpeza dos lotes usados por Breno e
Louise.
Em 2008, o projeto foi de novo foco de interesse, dessa vez em Fortaleza. A Secretaria de
Cultura e um vereador se mostraram animados para discutir a proposta, que também
não avançou. Se falta imaginário na política, esses encontros eram mais que reuniões
costumeiras: eram ensaios potenciais para novas sensibilidades compartilháveis.
O desenho urbano é construído de forma
rígida e define o comportamento dos
232
233
nossos corpos em relação aos espaços
da cidade. Você já percebeu como o grid
urbano é fechado? Endurecido? Ruas
para os carros, calçadas para caminhar,
bancos duros de concreto... Percebo que
muitas ações artísticas na cidade buscam
romper com esse uso pré-determinado
dos espaços, propondo outras formas de
ocupação e movimento. Na sua opinião,
o que busca o artista quando se coloca
– com sua obra – nos espaços públicos
da cidade? Pois, apesar de sermos
apaixonados pela cidade (e pela arte na
cidade), não podemos deixar de perceber
o quanto ela é violenta e o quanto naturalizamos isso. Não estou falando apenas
de violência física (policial), mas também
da violência simbólica dos espaços e dos
territórios e da violência disfarçada por
detrás dos processos culturais. Essas
questões marcam uma série de projetos
artísticos nos espaços da cidade, que
produzem denúncias, ou criam outros
imaginários. Você acha que seria ingênuo
imaginar uma cidade sem violência? Ou
ela faz parte da construção do processo
urbano? Acho que não buscamos uma
cidade sem conflito, o que seria diferente.
Como você percebe essa relação entre
arte e violência na cidade?
O desenho urbano é baseado numa ideia
de modernidade na qual não há espaço
para natureza (dominada de vez), arte
(contrafluxo) ou antropologia (humanismo
democrático, como dizia Lévi-Strauss). Vemos nos jornais que imperam a economia
e o direito – ou uma economização e um
legalismo práticos – que tentam homogeneizar as diferenças, aplainar os desejos e
justificar os traços proibitivos da violência
cotidiana. De fato, a violência tem muitas
faces e a exclusão, em todas as escalas e
ambiências, é uma das mais perversas.
Mas não acredito que o desenho urbano
defina o nosso comportamento, senão já
teríamos sido exterminados por ele. Sempre houve e haverá o descontrole, a apropriação, o desentendimento, a soberania
do homem sobre o objeto – prerrogativas
do “espaço vivido”. Henri Lefebvre chama
o espaço imóvel do desenho urbano de
“espaço concebido”. Mas bem sabe que,
na produção do espaço, a prática espacial
é o “espaço percebido”, mediador entre
a ordem distante do desenho e a ordem
próxima da experiência cotidiana.
Esse campo da prática espacial é onde a
arte frequentemente atua, junto às demais
práticas do “espaço percebido” – trabalhando no âmago da noção de percepção
urbana. Até que ponto somos capazes de
“olhar no olho do outro” (citando o belo
texto da Maria Rita Kehl)? Lidar com a alteridade, o estranhamento, a transformação
do cotidiano? Essas perguntas importantes se apresentam, simultaneamente,
aos espectadores da cidade (nós) e aos
artistas da cidade (nós?).
Propor novos usos, conhecer lugares,
romper com barreiras do território, cruzar
as fronteiras, tensionar as relações de
convívio... são proposições de sujeitos
inquietos com a situação do meio urbano.
Quando os artistas se apropriam de lugares de uso comum como laboratórios de
experimentação artística, podemos dizer
que existe aí um exercício de liberdade?
Os artistas se utilizam de várias formas
de se apropriar, experienciar e representar os espaços das cidades. Uma delas
é a deriva: ato simples (caminhar) mas
que transforma a relação que temos com
as cidades, pois podemos vivenciar a
cidade “por dentro”, criando cartografias
novas, com o nosso corpo e no nosso
corpo. Muitos artistas relatam ainda que
sentem um prazer enorme na medida em
que adentram o tecido urbano em busca
de lugares desconhecidos, abandonados
ou ermos. Essa “outra cartografia”, criada
pelos artistas, pode ajudar as pessoas a
entender e se relacionar melhor com os
espaços da cidade?
“Lugares de uso comum” trazem o desafio
da arte dita “pública”. Liberdade para
quem? Com quem? Uso para quem, com
quem? Já é clássica a discussão dos
anos de 1980 sobre a complexidade de se
trabalhar na esfera pública, onde atuam
diversas forças e desejos (vide Richard
Serra)1. Mas será que, para além de termos
consensualmente descartado o monumento (impossível de consenso), evoluímos nas ideias de “intervenção”, “ação”
e “experimentação” artísticas? Estamos
de fato autorizados a chamar a cidade de
nosso “laboratório”?
Se, por um lado, me incomoda o imaginário
paradigmático do distanciamento do cientista e do convívio instrumental com os seus
ratinhos brancos, por outro, me agrada a ideia
de “outras cartografias”, pois é uma transversalidade política e epistemológica criada
entre a arte e a ciência (ou a geografia, se
preferirmos). Elas são importantes porque
são contracartografias, pensando contra
o lugar de poder hegemônico dos mapas
oficiais. É produção de conhecimento sobre o mundo que deve ser disponibilizada,
compartilhada e usufruída da forma mais
aberta possível.
Lembro-me de Frederico Morais escrevendo em 1980: “eu me considero uma espécie
de caixeiro-viajante da arte, um camelô
da arte, sempre disposto a vendê-la pelo
preço mais baixo, se necessário oferecê-la
1.
Em 1981, o artista norte-americano Richard Serra instalou na Federal Plaza, em Nova York, por
encomenda do Programa Art-in-Architecture, a obra Titled Arc. Tratava-se de uma grande placa
de aço curva que tomava grande extensão daquele espaço, interferindo no percurso e na percepção habituais dos seus frequentadores. A obra suscitou enorme polêmica pública e, sob processo
judicial, foi retirada do local em 1989. Administradores públicos e transeuntes reclamavam que
a obra interferia no espaço, atrapalhando o seu uso; por outro lado, o artista e seus defensores
afirmavam que a obra havia sido concebida especificamente para aquele lugar, tornando-se parte
integrante dele, e que “remover a obra era destruir a obra”. Com esse debate, ficou explícito que a
“especificidade da obra” dizia respeito não a aspectos formais e materiais, mas às dinâmicas da
esfera pública (condições sociais e políticas) constituintes do espaço em questão.
de graça” – justamente para detonar a capacidade de imaginação... Claro que a arte pode
ser, como disse Mário Pedrosa, “um exercício experimental de liberdade” ou, como pensava Claude Lévi-Strauss, uma reserva de “pensamento selvagem” na metrópole. Há um
potencial político aí, sem dúvida. Mas a arte apenas pode ser um exercício de liberdade ao
fugir da repetição perversa do “pensamento domesticado”. Acredito que, mais do que uma
redenção, a arte é sobretudo uma atividade arriscada.
No encontro com a cidade “por dentro” a
dinâmica do processo criativo se transforma. Não é mais o artista em seu ateliê
sozinho trabalhando, mas em contato
com uma rede fértil e dinâmica de movimentos e pessoas. Na sua experiência,
como você observa o funcionamento do
processo criativo dos artistas que você
acompanha, ou estuda, nessas diversas
e diferenciadas formas de fazer arte em
contextos sociais?
234
235
No meu entendimento e no meu mapa
de interesse de pesquisa, os processos
criativos mais relevantes hoje são aqueles
que empregam a arte como uma prática de
fronteira. Eles tensionam o papel do artista, o objeto da exposição, o público da arte,
a forma de disseminação, o lugar do debate. Para isso, esses processos têm que
compreender o que se passa no mundo.
Trata-se de artistas-pesquisadores que se
inserem de modo orgânico em processos
instalados no mundo.
A curadoria tal qual experimentada por
mim é uma plataforma de pesquisa
fantástica, que me permite estar próxima
dos processos de trabalho dos artistas
em situações específicas, discutindo,
aprendendo, propondo e aceitando
desafios mútuos. Tive a oportunidade de
acompanhar, em medidas variadas (participando de conversas ou acompanhando o
artista, também em campo), os processos
de trabalho de Mônica Nador, Ines Linke e
Louise Ganz e Sara Lambranho; de Daniel
Carneiro e Graziela Kunsch; de Ricardo
Basbaum; e de Paulo Nazareth e um grupo
de cineastas Maxakali. Organizo esses
artistas em quatro grupos, por guardarem
certas semelhanças. Respectivamente:
Mônica, Ines, Louise e Sara trabalharam
em comunidades de Belo Horizonte (Vila
Aeroporto e, no caso de Sara, Favela da
Serra); Daniel e Graziela atuaram nas
ocupações, mutirões e movimentos
sociais em Belo Horizonte e São Paulo,
respectivamente; Ricardo constrói redes virtuais para apropriações reais; e Paulo e os
Maxakali tiveram uma atuação cartográfica no sentido das contra cartografias, como já
mencionamos.
Como funcionam os seus processos de criação? São processos co-criativos. Não há
controle ou previsibilidade, trata-se de uma ação que se abre para deixar o mundo
acomodar-se nela, contradizê-la, ampliá-la, constitui-la. Às vezes há, no processo criativo, o desenvolvimento de uma verdadeira metodologia de trabalho – contaminação de
outros campos do conhecimento, como a etnografia ou a pedagogia –, o que de maneira
alguma é uma contradição com relação ao estatuto da criação. É o caso de Mônica e o
projeto “Paredes Pinturas” ou de Ricardo e o projeto “Você gostaria de participar de uma
experiência artística?”
Outras vezes o processo é baseado numa rede de relações locais que envolvem várias
especialidades e saberes, como atuam geralmente Ines e Louise e como atuou Sara em “O
peso de uma casa”. Em casos de conflito, trata-se de um processo criativo baseado no ato
de testemunhar e atuar nos modos políticos de criar visibilidades e expectações (Daniel
e Graziela). Por último, nessa pequena amostragem, temos a criação como um traço
cartográfico de uma viagem ou itinerância que é um vetor aberto, uma linha-mestra para
uma série de acontecimentos, descobertas e novas narrativas históricas que daí advêm.
Penso em “Árvore do esquecimento”, de Paulo Nazareth, e no filme “Cosmopista Maxakali-Pataxó”, do Projeto Convivência e Ancestralidade no Território Tikmun’un Maxakali.
Links:
http://lotevago.blogspot.com.br
https://jamacarteclube.wordpress.com/tag/paredes-pinturas
http://www.nbp.pro.br
https://vimeo.com/82012008
https://www.youtube.com/watch?v=e26AJhlkLF8
http://doclin-tikmuun.blogspot.com.br/
Renata Marquez é professora da Escola de Arquitetura e Design/UFMG. É graduada em
Arquitetura e Artes Plásticas, doutora em Geografia e atualmente pós-doutoranda em
Antropologia/UFRJ. Foi curadora das exposições do Projeto Arte Contemporânea no Museu
da Pampulha, entre 2011 e 2012, e da exposição Escavar o Futuro, no Palácio das Artes,
entre 2013 e 2014. É editora da revista Piseagrama. www.geografiaportatil.org
DI A LO GU E
RENATA MARQUEZ
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237
According to David Harvey, the right to
the city is also the right to transform the
city in accordance to what we dream and
desire. How do you perceive the current
movements for the right to the city? How
do you notice the presence of art in these
movements? Can art collaborate with
modern political actions?
Modern movements for the right to the city
are aesthetical movements in the sense
that new sensibility systems are being
created and processed. I like to think about
art not exclusively as a discipline, but as
a practical state of sensibility in which
artists and non-artists can act. And in the
specific case of a potential “art in the city”,
a state in which artists and citizens can
act. This goes on the opposite direction of
the romanticization of the artist and art
itself, considering the movements for a
better city are open and collective laboratories for new shareable sensibilities.
Two episodes come to mind. The first
one occurred on a Tuesday in June, 2013,
during a public meeting held under the
viaduct of Santa Tereza, in the center of
Belo Horizonte. After it was decided in the
Sunday meeting that groups in charge of
thematic works would discuss the list of
claims to be presented to the governor
– involving topics such as human rights,
habitation, the police, the environment,
education and travel – I decided to check
on the discussion of the group in charge of
“artistic interventions”.
Since the beginning of the rallies, I have
noticed the imaginative and performative
capacity of protests as large-scale urban
interventions. The rallies were entirely
spontaneous, built by “instant communities”, and performed “utopias of proximity”
¬– common terms for the experiences of
relational aesthetics, which possess great
value to modern art. They brought complexity to communities and quandaries
to proximity politics (the rich, the poor,
right-wing, left-wing, doctors, lawyers,
merchants, teachers, students), making
greatly evident the limitations of artistic
representation in the practice of relational
aesthetics (inside galleries).
I thought about the potential inadequacy
of that grouping of artists, the only “professional” and “specialized” group, since
those in the other groups had interdisciplinary formations to discuss each of the
issues defined during the previous meeting. On the one hand, it was great to see
dozens of young artists discussing about
the social function of art, the closeness
between art and politics, on the necessity
of the systematic emergence of art in the
streets, and the revision of public policies.
However, the repertoires presented as
artistic proposals did not seem to fit the
group’s aspirations. Performers, capoeira
fighters, clowns, actors, cartoonists, musicians and graffiti artists all wanted to give
their contribution.
One of the artists brought to light that his
father was a member of the riot police,
and he once asked his son: where were
the city’s artists when a confrontation took
place, to keep “actual hooligans” away?
This brought another question: what did
the father, the policeman, expect from the
artists? Proposals of an intelligent, peaceful, symbolic, imaginative nature, involving
audiovisual dialogue? And what did artists
expect to perform in case of a confrontation? The same actions they would take in
a regular day, with the usual audience? Or
maybe some sort of “artistic vandalism”?
A few defended the position that, in such
a situation, the only possible action would
be to confront the police and protect any
victims (like citizens), expecting above all
a violent confrontation. Others wanted to
reach a proposal of an “artistic intervention” of a symbolic nature, making use of
banners, performances, costumes, and
small actions and occupations. What could
be done? It was a dilemma.
At the time, I wished I could spread out those young artists among the other thematic
groups, diluting more art to those urgent
discussions and promoting pragmatic
exchanges of unspecialized sensibility in
that collective laboratory.
At the same time, not far from that area,
we could see some well-composed images
placed over strategic walls in the city by
citizen artists, like the lambe-lambes by
Kenny Mendes and Pierre Fonseca.
The second episode I would like to comment about happened a fair amount of
time before the “journeys of June”. Some
artistic initiatives for the instigation of
collective actions were close to becoming
public policies, which would be wonderful
to the city. One of them were the “Lotes
vagos” (“Vacant lots”), by Louise Ganz and
Breno Silva. In 2005, the acting mayor of
Belo Horizonte invited the two of them
to his office to talk about “Lotes vagos”.
The artists presented the project, and
proposed it as a technical practicality for
the reduction of the property tax for those
who lent their terrain for temporary public
usage. The talks did not advance, but they
achieved a practical support from the municipality through the cleaning of the lots
used by Breno and Louise.
In 2008, there was once again interest in the project, this time in the city of Fortaleza.
The Department of Culture and a councillor had shown great interest in discussing the
proposal, although it did not advance much further this time, either. If there is a lack
of imaginary in politics, these encounters were more than routine meetings: they were
potential rehearsals for new shareable sensibilities.
238
239
The urban design is built rigidly, and
defines the behavior of our bodies in
relation to the spaces in the city. Have you
noticed how enclosed the urban grid is?
How hardened? Roads for cars, sidewalks
for pedestrians, banks of solid concrete...
I can notice that many artistic actions in
the city attempt to break away from this
predetermined usage of spaces, proposing different ways to occupy and move.
In your opinion, what does the artist seek
when they put themselves – alongside
their work – in the city’s public spaces?
Since, although we may love the city
(and the art in the city), we can’t ignore
how violent it can be, and how natural
this can become to us. I am not referring
exclusively to physical violence (such as
police brutality), but also to the symbolic
violence in spaces and territories, and
the violence disguised behind cultural
processes. These questions mark a series
of artistic projects in spaces in the city,
which produce denouncements, or create
other imaginaries. Do you think it is naïve
to imagine a city without violence? Or is
the violence a part of what builds the
urban process? I don’t think we seek a city
without conflict, which would be something different. How do you perceive this
relationship between art and violence in
the city?
The urban design is based on an idea of modernity in which there is no room for nature
(absolutely dominated), art (counter-flow)
or anthropology (democratic humanism,
as told by Lévi-Strauss). We can see in
newspapers that this is the rule of economy
and law – or alternatively, of practical
conservation and legalism – which tries
to homogenize what is different, to flatten
desires, and to justify the prohibitive traits
of everyday violence. In fact, the concept of
violence has many facets - and exclusion, in
all of its dimensions and ambiences, is one
of the most perverse.
But I do not believe that the urban design defines our behavior - otherwise, it would have
already exterminated us. The loss of control,
appropriations, misunderstandings and the
sovereignty of Man over objects - prerogatives of the “experiential space” - have always
existed, and always will exist. Henri Lefebvre
refers to the immobile space of the urban
design as the “conceived space”. But we are
also well aware that, in the production of
space, the spatial practice is the “perceived
space”, which mediates between the distant
order of the design and the immediate order
of daily life experiences.
The field of spatial practice is where art frequently acts, alongside all the other practices of the “perceived space” – working at the
core of the idea of urban perception. To what
extent are we able to “look at the eyes of the
other” (quoting Maria Rita Kehl’s beautiful
prose)? To deal with otherness, distrust, and
the transformation of one’s daily life? These
important questions present themselves,
simultaneously, to the audience in the city
(us) and the artists in the city (us?).
Proposing new uses, meeting new places,
breaking territorial barriers, crossing
boundaries, tightening interactions and
relationships... those are proposals of
individuals concerned with the situation
of the urban environment. When artists
appropriate areas of common usage and
use them as artistic experimentation
laboratories, can we say that this is an
exercise in freedom?
Artists utilize many ways to appropriate,
experience and represent the spaces in
the cities. One of them is known as “wandering”: it involves a simple act (walking),
yet it transforms the relationship we have
with the cities, since it allows us to live the
city “from the inside”, creating new maps
with our body, and within our body. Many
artists have recounted the incredible
pleasure they feel as they go further into
the urban fabric in search of unknown,
abandoned or remote places. Could this
“new map” created by artists be able to
help people have a better understanding
and relationship with the spaces in the
city?
“Areas of common usage” bring to light
the challenges of allegedly “public” art.
To whom does this freedom refer to? With
whom? Who is it used for, and with who?
There was a famous debate during the
80’s regarding the complexity of the work
within the public sphere, where a diversity
of forces and desires are acting simultaneously (see Richard Serra) . But is it possible, beyond our consensual disposal of
the monument (of impossible unanimity),
for us to have evolved within the ideas of
artistic “intervention”, “action” and “experimentation”? Are we in fact authorized to
call the city our “laboratory”?
Although the paradigmatic imaginary of
the detachment of a scientist and their
instrumental interaction with their guinea
pigs may bother me, at the same time I am
pleased by the idea of “new maps”, since it
is an epistemological and political cross-disciplinarity created between art and
science (or geography, if we so prefer). They
are important because they are counter-cartographies, a thought contrary to the
place of hegemonic power presented in
official maps. It is a production of knowledge about the world, one which should
be made available, shared, and enjoyed in
the most open way as possible.
This reminds me of something Frederico
Morais wrote in 1980: “I consider myself
some sort of travelling merchant of art,
always willing to sell it for the lowest price,
1.
In 1981, the American artist Richard Serra installed his work Tilted Arc on the Foley Federal Plaza,
New York, as commissioned by the program Art-in-Architecture. It was a large, curved steel plate
which occupied a large extension of that area, interfering with the usual path and perceptions of its
attendants. The work stirred great public controversy, and under legal action, was removed from the
area in 1989. Public officials and bystanders complained that the work was a cause of problems in
the area, hampering its utilization; on the other hand, the artist and its defenders claimed that the
work had been conceived specifically for that place, becoming one of its integral parts, and that “to
remove the work would be the same as destroying it”. This debate made it clear that the “specificity
of the work” referred not to formal or material aspects, but to the dynamics of the public sphere
(social and political conditions) which composed that place.
even offering it for no expense if necessary.” – something done precisely to trigger the
capacity for imagination... but of course art can be, as told by Mário Pedrosa, “an experimental exercise in freedom”, or as Claude Lévi-Strauss used to think, a reserve of “wild
thought” in the metropolis. There is no doubt that this possess a political potential. But art
can only be an exercise in freedom when it distances itself from the perverse repetition
of “domesticated thought”. I believe that, more than a redemption, art is above all a risky
activity.
Through the meeting with the city “from
the inside”, the dynamics of the creative
process are changed. We don’t see the
artist working alone in their studio, but
in contact with a dynamic and fertile
network of movements and people. In
your experience, how do you observe the
workings of the creative process of the artists you follow, or study, in this diversity
of ways to make art in social contexts?
240
241
As I understand, and within my map of
research interests, the most relevant
creative processes today are those which
employ art as a boundary exercise. They
tighten the role of the artist, the object
in exhibit, the audience of the work, the
method of delivery, the place of debate. For
all of this, these processes need to comprehend what happens around the world.
This is about artist-researchers inserting
themselves organically into processes
installed all over the world.
Curatorship, as I have experienced it, is a
fantastic platform for research, one that
allows me to stay close to working processes of artists in specific situations, discussing, learning, proposing and accepting
mutual challenges. I had the opportunity of
following, in varied extents (participating
of talks or accompanying the artist, also
in the field), the working processes of
Mônica Nador, Ines Linke, Louise Ganz and
Sara Lambranho; of Daniel Carneiro and
Graziela Kunsch; of Ricardo Basbaum; and
of Paulo Nazareth and the cinematography
group Maxakali. I organize these artists in
four groups, based on a few shared similarities. Respectively: Mônica, Ines, Louise
and Sara have worked in communities in
Belo Horizonte (Vila Aeroporto and, in the
case of Sara, Favela da Serra); Daniel and
Graziela have acted in occupations, community projects and social movements
in Belo Horizonte and São Paulo, respectively; Ricardo sets virtual networks for solid
appropriations; and Paulo and Maxakali had a cartographic actuation in the direction of
counter-cartographies, which were previously mentioned.
How do your processes of creation work? They are co-creative processes. There is no
control or predictability - it is an action which opens itself to let the world accommodate
itself into it, allowing the world to contradict it, to expand it, to form it. At times, during
the creative process, we have the development of a true working methodology – the
influencing of other fields of knowledge, such as ethnography or pedagogy – which is in
no way a contradiction regarding the statute of creation. That is case with Mônica and the
project “Paredes Pinturas” (“Wall Paintings”), or Ricardo and the project “Você gostaria
de participar de uma experiência artística?” (“Would you like to participate in an artistic
experience?”)
There are other times when the process is based on a network of local relationships involving many specialties and fields of knowledge, which is the method generally used by Ines
and Louise, and is how Sara worked with “O peso de uma casa” (“The weight of a house”).
In situations of conflict, it is a creative process based on the act of witnessing and acting
in political methods for the creation of visibilities and expectations (Daniel and Graziela).
Lastly, within this small sampling, we have creation as a cartographic tracing of a travel or
a roam, which works as an open vector, a master line for a sequence of related happenings,
discoveries and new historical narrations. This brings to mind “Árvore do esquecimento”
(“Tree of oblivion”), by Paulo Nazareth, and the film “Cosmopista Maxakali-Pataxó”, by the
project Convivência e Ancestralidade no Território Tikmun’un Maxakali.
Links:
http://lotevago.blogspot.com.br
https://jamacarteclube.wordpress.com/tag/paredes-pinturas
http://www.nbp.pro.br
https://vimeo.com/82012008
https://www.youtube.com/watch?v=e26AJhlkLF8
http://doclin-tikmuun.blogspot.com.br/
Renata Marquez is a professor at the Architecture and Design School at the UFMG. She
is graduated in Architecture and Visual Arts, has a doctorate degree in Geography, and is
currently working on her post-doctorate in Anthropology at the UFRJ. She was a curator of
the exhibitions of the Projeto Arte Contemporânea at the Museu da Pampulha from 2011
to 2012, and of the exhibit Escavar o Futuro at the Palácio das Artes from 2013 to 2014.
She is the editor of the magazine Piseagrama. (www.geografiaportatil.org)
S ão Pau lo, 2014
G R U PO E M PR E ZA
www. g ru p o e m p rez a .co m
242
243
O Grupo Empreza tem investigado a performance e a intervenção urbana desde 2001
com obras que experimentam os limites
do corpo em ações instigantes e cheias
de simbolismo. Formam um dos grupos de
performance mais coeso e transgressor do
Brasil.
Vários artistas já passaram pela
formação do GE, que atualmente é formado pelos membros-integrantes Aishá
Kanda, Babidu, Helô Sanvoy, João Angelini,
Marcela Campos, Paul Setubal, Paulo
Veiga Jordão, Rafael Abdala, Rava e Thiago
Lemos. Seus integrantes estão no CentroOeste do Brasil, em sua maioria, no estado
de Goiás e no Distrito Federal.
Uma das marcas do grupo é o uso de um
“uniforme”, terno e gravata, tailleur e
roupas sociais usadas normalmente por
empresários e executivos. O grupo, assim,
faz uma alusão ao universo do mercado
capitalista, mas, ao mesmo tempo se utiliza desta vestimenta como forma de anular a identidade, construindo um conjunto
que mostra o coletivo coeso ao realizar
suas ações.
O grupo desenvolve “Serões Performáticos”
nos quais realizam vários trabalhos em um
pequeno período de tempo, geralmente
dentro e fora da instituição.
Seus trabalhos testam os limites do
corpo e colocam o espectador em um lugar
privilegiado de participação, o que pode
gerar desconforto. No trabalho “Sua vez”
(2002-2014), realizado em São Paulo, capital
financeira do Brasil, duas performers se
colocam uma de frente para a outra e
começam a revezar tapas no rosto. Na
primeira versão do trabalho, os performers
estavam sentados e marcavam a vez de
cada jogador com um relógio de xadrez. Na
versão de 2014, duas mulheres revezam
tapas em uma faixa de pedestres na Avenida Paulista. Em “Mil Catinodez” (2014),
os artistas, vestidos com o seu “uniforme”
de executivo, ficam parados segurando
uma nota de dinheiro com a testa contra
a parede e, em “Gravate” (2014), duas pessoas ficam presas por uma corda em volta
do pescoço.
A arte do grupo Empreza está afinada com
o mundo contemporâneo e sua arte está
totalmente ligada à vida e ao cotidiano. Não
é aquela arte da simplicidade ou da beleza
do senso comum que leva à tranquilidade
e à contemplação. Pelo contrário, suas
obras nos fazem entrar em um estado
de desconforto para nos encontramos
com o nosso eu, modificado, afetado pela
simbologia e pela estética transgressora
(e agressiva) de seus trabalhos, dos quais
não é possível sair ileso.
Gravate, 2014
G RAVAT E
M IL CATI N O DEZ
S UA V EZ
244
245
Grupo Empreza has been investigating
performance and urban interventions
since 2001 with works that test the limits
of the body by instigating actions full of
symbolism. They make up one of the most
cohesive and transgressive performance
groups of Brazil.
Several artists have come and gone through
the formations of GE, being currently
formed by members Aishá Kanda, Babidu,
Helô Sanvoy, João Angelini, Marcela
Campos, Paul Setubal, Paulo Veiga Jordão,
Rafael Abdala, Rava and Thiago Lemos. Its
members are in the Midwest of Brazil, most
of them in Goiás and the Distrito Federal
[Federal District].
One of the marks of the group is the use of a
“uniform”, suits and ties, two piece suits and
social attire normally used by businessmen
and executives. In this way the group alludes
to the universe of the capitalist market, yet
at the same time makes use of this garment
as a way of annuling identity, constructing a
set that shows the cohesive collective upon
carrying out its actions.
The group develops “Serões Performáticos”
[Performative Overtime], in which several
works take place in a short period of time,
generally in and out of institutions.
S ão Pau lo, 2014
G R U PO E M PR E ZA
Their works test the limits of the body and
put the spectator in a privileged place
for participation, which can generate
discomfort. In the work “Sua vez” [Your
Turn] (2002-2014), which took place in São
Paulo, the financial capital of Brazil, two
performers set themselves face to face and
begin to exchange slaps on the face. In the
first version of the work, the performers
were seated and they marked each other’s
turns with a chess clock. In the 2014
version, two women took turns slapping
each other on a pedestrian crosswalk on
Avenida Paulista. In “Mil Catinodez” [One
Thousand Catinodez] (2014), the artists,
wearing their executive “uniforms”, stay
still, holding a bill of currency with their
foreheads against the wall, and in “Gravate”
(2014), two people become bound by a rope
around their necks.
The art of the group Empreza is tuned
into the contemporary world and its art
is completely linked to life and to daily
life. It is not that art of simplicity or of the
beauty of common sense that brings one
to tranquility and contemplation. On the
contrary, its works make us enter a state
of discomfort for us to encounter our self,
modified, affected by the symbology and by
the transgressive (and agressive) aesthetic
of its works, of which it is not possible to get
out of unscathed.
Mil Catinodez, 2014
Sua vez, 2002-2014
S ão Pau lo e B e lé m , 2014
B E R N A R E AL E
b e r n a re a le.c o m
246
247
A artista Berna Reale tem dedicado seu
trabalho a produzir situações que tocam
a questão da violência, os abusos de
poder e os conflitos sociais. Berna é perita
criminal do Centro de Perícias Científicas
do Estado do Pará, em Belém, e convive de
perto com situações extremamente fortes,
que estão, sem dúvida, impressas em seu
processo criativo.
Suas performances são pensadas com o
objetivo de criar um ruído provocador de
reflexão, a partir da criação de imagens
contundentes, fortes e extremamente
bem realizadas que produzem narrativas
críticas e ácidas, inseridas no cotidiano,
sobre as relações de poder, o abuso sexual
e a pobreza.
Em seu projeto “Rosa Púrpura” (2014), a
artista cria um vídeo no qual 50 mulheres
vestem um uniforme escolar, típicos de
colégios tradicionais, com camisa de
botão e saia de pregas, porém cor-de-rosa,
seguidas por uma banda militar. Todas
elas têm na boca uma prótese que remete
à bonecas infláveis. Além do vídeo, foram
colados cartazes com retratos dessas
mulheres por toda a cidade de São Paulo.
O projeto conta ainda com um site em que
são publicados depoimentos de mulheres
que sofreram violência sexual. A artista
expõe ainda matérias jornalísticas sobre
o tema, publicadas por jornais de diversas
partes do mundo, e com isso revela que o
abuso é, infelizmente, um problema global.
Berna cria com seu trabalho alegorias e
narrativas respaldadas na realidade, produzindo outras realidades estetizadas e
em conflito. Assim, o trabalho se torna um
espelho da vida cotidiana, apresentando
imagens vibrantes que chocam pela
beleza e a contundência.
P URPLE R OSE
248
S ão Paulo an d B elém, 2 0 1 4
B E R N A R E AL E
249
The artist Berna Reale has dedicated her
work to producing situations that touch
on the question of violence, the abuses
of power and social conflicts. Berna is a
crime specialist at the Centro de Perícias
Científicas do Estado do Pará, em Belém
[the Center for Scientific Specialization of
the State of Pará, in the city of Belém], and
has up close experience with extremely
tough situations, which are, without
a doubt, imprinted upon her creative
process.
Her performances are thought through
with the objective of creating a provocative
noise of reflection, based on the creation
of hard hitting images about the
relationships of power, sexual abuse and
poverty that are strong and extremely
well made, producing critical and acidic
narrations and are inserted into daily life.
In her project “Rosa Púrpura” [Purple Rose]
(2014), the artist creates a video in which
50 women wear a school uniform, typical
of traditional high schools, with a buttoned
shirt and a pleated skirt, however in pink,
followed by a military band. All of them had
a prosthesis in their mouths resembling
inflatable dolls. Aside from the video,
posters with portraits of these women
were glued up all over the city of São Paulo.
The project also has a site on which is
posted statements made by women that
have suffered from sexual violence. The
artist also shows news articles about the
subject, published by newspapers in a
variety of places in the world, and with this
reveals that sexual abuse is, unfortunately,
a global problem.
With her work, Berna creates allegories
and narratives backed by reality, producing
other realities aestheticized and in conflict.
In this way, the work becomes a mirror of
daily life, presenting vibrant images that
shock with their beauty and forcefullness.
R io d e Ja n e iro, 2002-2014
RO N AL D D UART E
www. ro n a ld u a r te.co m
250
251
A série “Guerra é Guerra”, do artista carioca
Ronald Duarte, é composta por uma série
de trabalhos que envolvem a questão da
violência nas cidades, em especial na
cidade do Rio de Janeiro. O tradicional
bairro de Santa Tereza, assim como muitos
outros, é um lugar onde acontecem diversas atrocidades, e foi cenário do trabalho
“O que rola VC VÊ” (2001), no qual o artista
contrata um caminhão pipa para “lavar”
as ruas do bairro com corante vegetal
vermelho, numa clara alusão ao sangue
que corre pelas ruas da cidade. As ruas
cheias de “sangue” se transformam em um
cenário macabro que se abre para as mais
diversas reações da população.
Em “Fogo Cruzado” (2002), também realizado no bairro, o artista, com a ajuda
de vários colaborabores, ateia fogo em
1500 metros do trilhos do bondinho. A
ação acontece no auge dos conflitos entre
grupos de traficantes rivais que disputam
territórios do tráfico. Em outra obra da
série, “A Sangue Frio” (2003), o artista embala grandes blocos de gelo com corante
vermelho em cobertores usados normalmente por moradores de rua e os espalha
pelo centro da cidade. Os cobertores a
princípio se parecem com crianças dor-
mindo e conforme o tempo vai passando
e o gelo vai derretendo e vão se formando
poças de sangue pelas calçadas e ruas.
No trabalho mais recente, “Mar de Amor”
(2014), o artista tinge um quilômetro de
mar usando 100 quilos, de pó de beterraba
desidratado.
A poética do trabalho de Ronald Duarte
é marcada pela presença das diversas
formas de violência, vivenciadas nas
cidades. Nesta série de trabalhos, ele
chama a atenção para a naturalização
dos assassinatos cometidos pela polícia
e pelas facções que comandam o tráfico
e também para uma espécie de invisibilidade da pobreza e das desigualdades
sociais. Chama a atenção para o “fogo cruzado” no qual a população está envolvida
diariamente. Banhar, ou lavar, as ruas com
sangue mostra que muito sangue já rolou
por aquelas ruas, mesmo que às vezes não
seja visto ou divulgado de fato. Nos mostra
que ações violentas existentes na cidade,
muitas vezes invisíveis aos olhos da classe
média, apontam para o desastre da guerra
urbana, que é local, porém também é
universal, e está presente em qualquer
metrópole ou comunidade do mundo, onde
jovens renegados pelo sistema perdem
suas vidas todos os dias.
Mar de amor, [Sea of Love], 2014. Foto [photo]: Agencia Brasil/Tânia Rêgo
A Sangue Frio, [In Cold Blood] 2003. Foto [photo]: Fernando Rabelo
WAR IS WAR
The series “Guerra é Guerra” [War is War],
by artist Ronald Duarte, is composed of a
series of works that involve the question
of violence in the cities, especially in
the city of Rio de Janeiro. The traditional
neighborhood of Santa Tereza, like many
others, is a place where a variety of
atrocities occur, and it was the scenery
for the work “O que rola VC VÊ” [What goes
down, you see] (2001), in which the artist
hires a tanker truck to “wash” the streets
of the neighborhood with red food coloring,
in a clear allusioin to the blood that flows
through the city streets. The streets full
of “blood” transform themselves into a
macabre scenery that opens itself up to
R io d e J an eiro, 2 0 0 2-2 0 1 4
RO N AL D D UART E
the most diverse reactions amongst the
population.
In “Fogo Cruzado” [Crossfire] (2002),
also taking place in the neighborhood,
the artist, with the help of several
collaborators, set fire to 1500 meters of
trolley train tracks. The action occurs at
the height of the conflicts between rival
groups of drug traffickers that dispute
drug turf. In another work from the series,
“A Sangue Frio” [In Cold Blood] (2003), the
artist takes big blocks of ice made with red
food coloring and wraps them in blankets
normally used by homeless people and
spread them throughout the city. The
<
O que rola VC VÊ, [What goes down, you see], 2002, foto [photo]: Ducha
< Fogo Cruzado, [Crossfire], 2002, foto [photo]: Wilton Montenegro
blankets at first appear to cover sleeping
children, and as time goes on and the ice
melts, pools of blood begin to form on the
sidewalks and streets. In the most recent
work, “Mar de Amor” [Sea of Love] (2014),
the artist dyes 1 km of ocean by using 100
kilos of powdered beets.
The poetics of Ronald Duarte’s work is
marked by the presence of diverse forms of
violence, experienced in the cities. In this
series of works, he calls attention to the
naturalization of the murders committed
by the police and by the factions that
control the drug trafficking, and also to
the sort of invisibility of the poor and of
the social inequalities. He calls attention
to the “crossfire” in which the population
is involved daily. To bathe, or wash the
streets with blood shows that much
blood has been spilled on those streets,
even though sometimes it is not seen or
actually reported. It shows us that violent
actions that exist in the city, often invisible
to the middle class, point to the disaster of
urban warfare, which is local, however also
universal, and is present in any metropolis
or community in the world, where youths
that are rejected by the system lose their
lives every day.
D ive rs a s cid a d e s, 2012
PAULO N A ZAR E T H
artecontemporanealtda.blogspot.com
254
255
As ações, performances e instalações de
Paulo Nazareth são fluidas e se misturam
ao cotidiano do artista de uma forma que
não é fácil saber o que é uma coisa ou
outra. Arte, vida, cotidiano se apresentam
em ações que vão desde rascunhos com
proposições, a fotografias, desenhos, folhetos, vídeos, etc. São situações nas quais os
espectadores são convidados a participar
da elaboração do sentido dos trabalhos.
O artista se insere nas relações sociais
para extrair formas e funções poéticas e
políticas. O que ele faz é explorar e criar
relações entre as pessoas e o mundo. Paulo
Nazareth já teve diversas profissões: jardineiro, guardador de carro, padeiro, agente
de saúde, faxineiro, vendedor de muamba
do Paraguai, trocador de ônibus e pintor
de letreiro. Vendeu limão, urucum, feijão,
picolé, cocada, sabão de coco, bananada e
pipoca em sua banca na feira do Palmital
(região metropolitana de Belo Horizonte).
Em 2012, saiu a pé de Belo Horizonte rumo
a Miami e Nova York. A viagem durou 7 meses, período no qual deixou de lavar os pés
a fim de carregar a poeira de toda a América
Latina para os Estados Unidos, onde lavou
os pés nas águas do Rio Hudson. Durante
todo o percurso, Paulo fotografa-se em
diferentes situações, com as pessoas, ou
nas paisagens, segurando cartazes como
“vendo minha imagem de homem exótico”
ou “dinheiro acaba” ou ainda “free all day”.
O artista registra ainda de forma sutil a
presença da cultura estadunidense entre
os latino-americanos. Em seu caminho,
cruzou aldeias indígenas, cidades grandes
e pequenas, relacionando-se com os mais
diversos tipos de pessoas. Ao final da
viagem, ele “estaciona” uma kombi lotada
de bananas na feira Art Basel, em Miami.
A instalação, ironicamente, se chama “Art
market/Banana market”.
Paulo brinca com o mercado e veicula
suas obras/proposições por meio de sua
empresa “Paulo Nazareth – Arte Contemporânea LTDA”, que vende obras por valores
baixos, a partir de dez centavos. Apesar de
sua grande inserção no mercado de arte, o
trabalho de Paulo vai muito além da galeria, dos museus ou das bienais. O trabalho
não parece ser feito para a veiculação
nesses espaços institucionais, mas para
circular numa instância de vida cotidiana.
Seus objetos artísticos não têm a forma
que normalmente se espera de uma obra
de arte, são em sua maioria resíduos de
suas experiências de vida. Marcam sua
passagem pelos lugares e a presença das
pessoas que estiveram em seu caminho.
NE WS F R OM THE A M E R ICAS
256
257
The actions, performances and installations designed by Paulo Nazareth are
fluid and mix themselves with the artist’s
daily life in a way that is not easy to know
which is what. Art, life and the day to day
present themselves in actions that range
from sketches with propositions, to photographs, drawings, pamphlets, videos, etc.
They are situations in which the spectators
are invited to participate in the elaboration
of the meaning of the works.
The artist inserts himself into social
relationships between people and the
world. Paulo Nazareth has had a variety of
professions: gardener, street “valet”, baker,
health worker, custodian, smuggler of Paraguayan merchandise, bus fare collector
and sign painter. He sold lemons, urucum,
beans, popsicles, coconut and banana
sweets and popcorn from his farmer’s
market table in Palmital (a metropolitan
region in Belo Horizonte). In other words,
he maintains a very simple lifestyle, connected with the alternative and peripheral
networks of production.
In 2012, he left Belo Horizonte on foot,
headed towards Miami and New York. The
trip took 7 months, a period of time during
which he stopped washing his feet in order
to carry dust from throughout Latin America to the United States, where he washed
s eve ra l c it ie s, 2012
PAULO N AZ AR E TH
his feet in the waters of the Hudson River.
Throughout the entire journey, Paulo photographs himself in different situations,
with people, or the landscapes, holding
signs like “my image of an exotic man is for
sale” or “money runs out” or even “free all
day”. The artist also registers, in a subtle
way, the presence of U.S. culture among
Latin Americans. He came across a variety
of people on his path. At the end of his trip,
he “parked” a VW van full of bananas at the
Basel Art Fair in Miami. The installation,
ironically, is called “Art market/Banana
market”.
Paulo plays with the market and manifests
his works through his company “Paulo
Nazareth – Arte Contemporânea LTDA”,
that sells works at low prices, from 10
cents up. Although he has been deeply
inserted into the global art market, Paulo’s
work goes much further than the gallery,
the museums or the biannual exhibitions.
The work doesn’t seem to be made to be
manifest in these institutional spaces, but
to circulate in an instance of daily life. His
artistic objects do not have the form that
one normally expects from a work of art,
they are for the most part residues of his
life experiences. They mark the passage
through places and the presence of people
who he met along the way.
258
259
ARTE E ATIVISMO
ART AND ACTIVISM
Da mesma forma, já não é a Arte (com A maiúsculo)
o que deveria contar como a substância aqui, não é
o estético como fim, mas sobretudo como meio. Daí
igualmente uma renúncia, cada vez mais necessária
e ainda incipiente, hesitante portanto, ao próprio
“status” de arte, ou seja, um desapego e uma entrega
incondicional à vida.
Ricardo Rosas
Similarly, it is no longer Art (with a capital A) that should
count as the substance here, it is not the aesthetic
as an end, but rather as a means. Therefore, it is also
a resignation increasingly necessary and still in its
infancy, so hesitant, to own the “status” of art, i.e. a
detachment and unconditional surrender to life.
Ricardo Rosas
“A ditadura no Brasil só acabou para as elites”, afirmam as representantes do Movimento Mães de Maio1,
que lutam contra a violência no Brasil e pedem a desmilitarização da polícia. Elas mostram que a repressão e a violência militar está presente no cotidiano
dos moradores das periferias que vivem diariamente
sob forte pressão da polícia – 30 mil jovens são assassinados por ano no Brasil, dos quais 77% são negros2.
A luta de classes e a desigualdade social são temas
presentes nos debates públicos dos últimos anos,
quando os processos de resistência e de violência se
intensificaram no país.
260
261
Após mais de um século da abolição da escravatura,
a garantia dos direitos básicos para a população negra está longe de acontecer e a violência urbana é o
resultado de um processo perverso do racismo institucionalizado e da naturalização das desigualdades
sociais. Isso tudo, somado a outras formas de preconceito e ao fundamentalismo religioso, tem promovido
a criação de ambientes bastante hostis nas cidades
brasileiras. A presença cada vez mais violenta da polícia contribui para essa hostilidade, seja no dia a dia
das periferias, seja em manifestações e protestos de
diversas naturezas, como a luta pela moradia, pela
liberdade sexual, contra a homofobia, pelos direitos
das mulheres, o ativismo ecológico e muitos outros.
Nesse contexto, as ruas têm sido palco de ações que
querem mostrar, de maneira diferente do que é veiculado pela grande mídia, a violência da atual situação política do Brasil. Os grupos querem ocupar os
espaços urbanos e os imaginários com suas palavras
de ordem e suas reinvindicações. Assim, as manifestações culturais são incorporadas aos movimentos
sociais, gerando trocas, intercâmbios e produzindo
espaços de dimensão criativa. Há nesse processo um
encontro profícuo entre a arte e a militância política.
A arte contemporânea brasileira possui uma origem
que relacionou as manifestações estéticas da arte
com o mundo da política, por meio de várias produções artísticas que mostram a necessidade do envolvimento político para a ampliação dos sentidos da
arte. Em seu texto “Esquema Geral da Nova Objetividade”3, Hélio Oiticica mostra a necessidade do envol-
vimento do artista com questões éticas, políticas e sociais. De acordo com ele,
só assim seria possível vivenciar uma totalidade artística: “(...) não compete
ao artista tratar de modificações no campo estético como se fora este uma
segunda natureza, um objeto em si, mas sim de procurar, pela participação
total, erguer alicerces de uma totalidade cultural, operando transformações
profundas na consciência do homem, que de espectador passivo dos acontecimentos passaria a agir sobre eles usando os meios que lhe coubessem: a revolta, o protesto, o trabalho construtivo para atingir essa transformação” . Os
anos 60 e 70 foram marcados por propostas de arte que buscavam responder
a violência da ditadura com produções criativas e estéticas que ampliavam o
papel de participação do espectador e também o papel do artista.
De lá pra cá, as formas de se fazer arte politicamente engajada, ou socialmente preocupada, transformaram-se. Com a ampliação das redes de comunicação e das tecnologias, as novas formas de relacionamento entre arte e
ativismo buscam tomar as ruas e as redes, em ações que migram do espaço
virtual para o espaço urbano, ocupando espaços simbolicamente importantes
na esfera pública.4 Desde o final dos anos 90, com a emblemática participação dos coletivos de São Paulo na Ocupação Prestes Maia5, até hoje, a arte
esteve envolvida nos protestos e nas ocupações culturais em todo o Brasil.
1.
O Movimento Mães de Maio é formado por cerca de 70 mulheres que apontam a Polícia Militar
como responsável pela morte de seus filhos, direta ou indiretamente. O grupo pede a desmilitarização da polícia, a criação de uma política de apoio aos familiares de vítimas da violência do
Estado e a caracterização das mortes cometidas por policiais como homicídio e não “resistência
seguida de morte”, como são registradas atualmente. Mais sobre as ações do movimento no blog
do grupo: www.maesdemaio.blogspot.com.
2.
Dados de 2012 sobre o massacre da juventude negra levantados pela Anistia Internacional
na campanha Jovem Negro Vivo. In: anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/. Acesso em
22/06/2015.
3.
Esquema Geral da Nova Objetividade. In: OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro:
Rocco, 1986.
4.
O trabalho do pesquisador André Mesquita sobre arte e ativismo constitui uma rica e importante
fonte para aqueles que desejam saber mais a respeito dessa relação. MESQUITA, André. Insurgências poéticas: arte ativista e ação coletiva. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2011.
5.
A ocupação Prestes Maia (2002-2007), localizada em um prédio no Centro de São Paulo, organizada
pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), autorizou a participação de alguns coletivos de arte
para realizar intervenções, eventos e manifestações nos espaços ocupados. Os coletivos realizaram
uma resistência simbólica, fazendo com que o debate sobre a questão da moradia pudesse atingir
um espectro maior de locais e pessoas, inclusive do mundo da arte. Mais informações sobre a ocupação no livro: MESQUITA, André. Insurgências poéticas: arte ativista e ação coletiva. São Paulo:
Annablume; FAPESP, 2011.
Mais recentemente, a relação entre arte e ativismo político se delineia ganhando novos traços, como se pode observar em movimentos como o Movimento Parque Augusta, em São Paulo, o Ocupe Estelita, em Recife, o Parque
Jardim América, em Belo Horizonte,6 e ainda em movimentos de literatura
como os saraus das periferias, que acontecem em todo o Brasil, nos quais se
forma uma grande rede de produção literária engajada e política.7
A partir dessas iniciativas, as noções de política, de arte engajada, de ativismo e até mesmo de arte estão sendo remodeladas e apontam para o surgimento de novas formas de resistência e guerrilha. Os militantes do nosso
tempo problematizam os códigos da militância, muitas vezes ultrapassados,
e criam novas referências. Nesse contexto, a arte pode servir como uma arena,
ou um meio de mediação na esfera pública, em que as tensões entre o poder
e a política se manifestam.
262
263
Diante dessas novas formas de se fazer arte e política, podemos entender que
a produção atual dá sequência a uma utopia artística de diluição da arte na
vida e, nesse sentido, tudo se mistura ainda mais, arte e vida, arte e política,
arte e ativismo, etc. Com os novos meios de controle social, os laços entre arte
e política tornam-se indissociáveis. A vida em rede abre uma série de camadas de inter-relação entre essas áreas e a arte, por sua vez, não se restringe a
trabalhar com as questões estéticas, mas, pelo contrário, envolve-se em uma
série de outras questões que são incorporadas às obras, como a sexualidade, a violência, a moradia e a natureza. Assim, a arte pode ser uma mediação
entre os processos de subjetivação, criando novos parâmetros. Por sua vez, a
arte abre mão do significado estético e se assume como articuladora de signos que se prestam a outras ordens de fruição.
6.
Esses são apenas alguns dos movimentos
políticos que surgiram no Brasil depois de
2013. O que eles têm em comum é a tomada do espaço público da cidade como lócus
para debates e intervenções.
7.
Os saraus de poesia nas periferias ganharam força no início da década de 2000 nas
cidades grandes do Brasil, como polos de
resistência, e estão fortemente ligados à
cultura hip-hop. O sarau mais conhecido e
que estimulou a criação de diversos outros
é o Cooperifa de São Paulo. cooperifa.blogspot.com.br/.
Uma característica marcante dos movimentos de arte e ativismo é o trabalho
coletivo e colaborativo. Em grupos multidisciplinares, formado, por ativistas,
intelectuais, estudantes, artistas, designers, biólogos, advogados, arquitetos
entre outros, cada um atua com suas competências e redes, unindo-se num
esforço coletivo em torno de um projeto comum. Esses grupos sinalizam a
potência do pensamento crítico e imaginativo como uma identidade comum,
colocando em prática a ideia de que a ação coletiva, e não a individual, é capaz
de modificar o mundo. Esses coletivos servem como pequenos laboratórios de
produção, que mostram, com erros, acertos e muitas experimentações, o que
é possível conseguir quando nos articulamos coletivamente com o objetivo de
produzir algo em comum.
Diferentemente das ações políticas do passado, os movimentos sociais de
hoje contam com a facilidade do acesso às redes eletrônicas para a comunicação e a difusão de suas ações. A internet aparece, assim, como uma importante ferramenta de produção na contemporaneidade e os artistas e militantes fazem uso tático desse espaço e produzem novas formas de resistência
na rede, criando estruturas descentralizadas de poder, grupos de discussão
e uma infinidade de maneiras de difundir e promover suas lutas, por meio de
redes sociais locais, regionais, nacionais e internacionais.
Os artistas ativistas de hoje compartilham uma série de estratégias de atuação, são críticos ao sistema da arte e desejam produzir algo “útil”, algo que
modifique a realidade social. Suas obras, ações ou manifestos organizados
muitas vezes pela internet ganham as áreas públicas e de uso cotidiano das
cidades, re-significando-os e criando novas maneiras de circulação, discussão e debate. A dimensão política da arte, em contato com diferentes dinâmicas sociais, tem um papel muito particular de criar espaços de discussão por
meio de experiências críticas, lúdicas, irônicas e criativas. A arte empresta ao
repertório do ativismo seu próprio repertório de símbolos, de ideias e de estratégias de expressão e comunicação, fazendo sua linguagem de intervenção
entrar em diálogo (ou conflito) com o repertório da ação política.
“The dictatorship in Brazil only ended for the elite”,
affirm the representatives of the Movimento Mães
de Maio1 (The Mothers of May Movement), who fight
against the violence in Brazil and call for the demilitarization of the police. They show that the repression
and the military violence is present in the daily lives of
the residents of the outskirts of the cities, who live under heavy police pressure day after day - 30 thousand
youths are murdered every year in Brazil, of which 77%
are black.2 The class struggle and social inequality are
themes present in the political debates of the last few
years, as the processes of resistance and of violence
intensified in the nation.
264
265
After over a century since the abolishment of slavery,
the guarantee of basic rights for the black population
is far from happening and the urban violence is the result of a perverse process of institutionalized racism
and of the naturalization of social inequalities. All
this, in addition to other forms of prejudice and religious fundamentalism, has promoted the creation of
very hostile environments in Brazilian cities. The ever
increasing violent police presence contributes to this
hostility, whether it be in the daily life of the outskirts,
or in the protests of a variety of natures, like the fight
for housing, for sexual liberties, against homophobia,
for women’s rights, ecologic activism and many others.
In this context, the streets have also been the stage
for actions that want to show, in a way that is different
from that which is conveyed by big media, the violence
of the current political situation in Brazil. The groups
want to occupy the urban spaces and the imaginations
with their words of order and their demands. In this
way, the cultural manifestations are incorporated into
the social movements, generating trades and exchanges, as well as creating spaces of a creative dimension. In these processes there is a fruitful encounter
between art and political militancy.
Brazilian contemporary art possesses an origin that is
related to the aesthetic manifestations of art with the
world of politics, through several artistic productions
that show the necessity of political involvement for
the broadening of the meanings of art. In his text “Es-
quema Geral da Nova Objetividade” 3 (“General Scheme of the New Objectivity”,
Hélio Oiticica shows the necessity of the artist’s involvement in ethical, political and social issues. According to him, only in this way could it be possible
to experience an artistic totality: “(...)it is not the task of the artist to deal with
modifications in the aesthetic field as if this was second nature, an objective in itself, but instead to seek, through total participation, to erect pillars of
a cultural totality, operating on profound transformations in the consciousness of man, who from passive spectator of events goes on to act upon them
using the means that suit him: revolt, protest, constructive work to reach this
transformation”. The 60’s and 70’s were marked by art proposals that sought
to respond to the violence of the dictatorship with creative and aesthetic productions that expanded the participatory role of the spectator as well as the
role of the artist.
From then to now, the ways of making politically engaged, or socially concerned art, are going through a transformation itself. 4 With the expansion of communication networks and new technologies, the new forms of relationships
between art and political activism delineate themselves, gaining new lines, as
it can be observed in movements such as the Prestes Maia Occupation5, the
Movimento Parque Augusta, in São Paulo, the Ocupe Estelita, in Recife, the
1.
The Movimento Mães de Maio is formed by approximately 70 women who point to the Military Police as being responsible for the death of their children, directly or indirectly. The group calls for the
demilitarization of the police, the creation of a policy of support to the victims of State violence and
the classification of the deaths caused by the police officers as homicide and not as “resistance
following death”, as they are currently registered. More about the movement’s actions on the group’s
blog: www.maesdemaio.blogspot.com.
2.
Data from 2012 about the massacre of black youth gathered by Amnesty International in the Jovem
Negro Vivo campaign. In: anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/. Accessed on 22/06/2015.
3.
Esquema Geral da Nova Objetividade. In: OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro:
Rocco, 1986.
4.
The work of researcher André Mesquita about art and activism constitutes a rich and important
source for those who wish to know more about this relationship. MESQUITA, André. Insurgências
poéticas: arte ativista e ação coletiva (Poetic insurgencies: activist art and collective action). São
Paulo: Annablume; FAPESP, 2011
5.
The Prestes Maia occupation (2002-2007), located in a building in the Centro of São Paulo, organized
by the Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) [Roofless Movement of the Centro], authorized the
participation of some art collectives to create interventions, events and protests in the occupied
spaces. The collectives create a symbolic resistance, making it possible for the debate concerning
the issue of housing to reach a wider spectrum of locations and people, including the art world. More
information about the occupation in the book: MESQUITA, André. Insurgências poéticas: arte ativista
e ação coletiva. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2011.
Parque Jardim América, in Belo Horizonte6, and even in literary movements
such as the poetry slams in the outskirts, that happen all over Brazil, in which
a great network is formed, of literary production engaged in politics 7.
Based on these initiatives, the notions of politics, of engaged art, of activism
and even art itself are being remodeled and point to the emergence of new
forms of resistance and guerrilla tactics. The militants of our time problematize the codes of militancy, these often being outdated, and create new references. In this context, art can serve as an arena, or a means of mediation in
the public sphere, in which the tensions between power and politics manifest
themselves.
266
267
Facing these new forms of making art and doing politics, we can understand
that the current proin which art can be spread throughout life and, in this sense, everything becomes even more intermingled: art and life, art and politics,
art and activism, etc. With the new means of social control, the ties between
art and politics make themselves inseparable. Life in a network opens a series of layers of inter-relationships among the areas of art, and in turn, does
not restrict itself to work with aesthetic matters, but, on the contrary, involves
itself in a series of other issues that are incorporated into the works, such
as sexuality, violence, housing and nature. In this way, art can be the mediation among the processes of subjectivation, creating new parameters. In turn,
art gives up aesthetic meaning and assumes the position of the articulator of
signs that lend themselves to other orders of fruition.
A marked characteristic of the movements of art and activism is the collective and collaborative work. In multidisciplinary groups, formed by activists,
intellectuals, students, artists, designers, biologists, lawyers, architects and
6.
These are merely a few of the political movements that emerged in Brazil after 2013.
What they have in common is the taking of
public space in the city as locus for debates
and interventions.
7.
The poetry slams in the outskirts gain
strength in the beginning of the decade of
2000 in the big cities of Brazil, as poles of resistance, and are strongly linked to hip hop
culture. The most well known poetry slam
that stimulated the creation of many others
is the Cooperifa of São Paulo. cooperifa.blogspot.com.br/.
others, each one performing with his/her abilities and networks, uniting themselves in a collective effort revolving around a common project. These groups
signal the potency of critical and imaginative thinking as a common identity,
putting into practice the idea that collective, not individual action, is capable
of changing the world. These collectives serve as little laboratories of production, that show, with mistakes, successes and many experimentations, that it
is possible to reach objectives when we articulate ourselves collectively with
the objective of producing something in common.
Differently from the political actions of the past, the social movements of today have the ease of access to electronic networks for the communication and
spreading of their actions. The internet appears, in this way, as an important
production tool in contemporary times, and the artists and militants make
tactical use of this space and produce new forms of resistance in the network,
creating structures that decentralize power, discussion groups and an infinity
of ways to spread and promote their struggles through local, national and international social networks.
The artist activists of today share a series of performance strategies, are critical of the art system and wish to create something “useful”, something that
modifies social reality. Their works, actions or manifestos, often organized
through the internet, gain public areas of daily use in the cities, re-signifying
them and creating new forms of circulation, discussion and debate. The political dimension of art, in contact with different social dynamics, has the very
specific role of creating spaces for discussion by way of experiences that are
critical, playful, ironic and creative. Art loaned to the repertoire of activism
with its own repertoire of symbols, ideas and strategies for expression and
communication, making their language of intervention capable of having a
dialogue (or to come into conflict) with the repertoire of political action.
DIÁ LO G O
MARIA
A N G É L I CA
MELENDI
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269
Os recentes protestos – no Brasil e no
Mundo – abalaram as nossas certezas
políticas. Tanto as manifestações de
2013, antes da Copa do Mundo – com
blackblocks, gás lacrimogênio e spray de
pimenta – quanto os últimos protestos
que reivindicavam o impeachment da
presidente da República, guiados por
uma direita conservadora e alienada, têm
tirado o nosso sono. Os protestos de 2013
fizeram surgir uma energia muito interessante, apesar da violência. Foi muito bom
ver surgir diversos grupos estudando e
conversando sobre política e direitos, nas
mais diversas regiões do Brasil. Parece
que os jovens pararam um pouquinho para
entender melhor o que está acontecendo.
Isso foi lindo! A partir desses momentos
de encontro (potencializados por ações
já em curso) surgiram muitos coletivos,
ocupações e ações ativistas. Como você
tem percebido essas movimentações
políticas que criam o imaginário rebelde
atual?
As manifestações de 2013 me parecem
hoje tão distantes e incompreensíveis
como o país de 2013, que escondia dentro
de si, como uma fruta esconde seu caroço,
os protestos de 2015. Naquele momento,
estávamos esperançosos. Lembro de conversas tresnoitadas com amigos de outros
países, nas quais nos perguntávamos se
a Revolução seria feita no Brasil, se esse
povo nas ruas, alegre e irreverente, como
nós havíamos sido, poderia, enfim, mudar
a inércia que nos paralisava. Estupefatos,
constatamos que, apesar do que repetimos, por anos a fio, a revolução seria sim
televisada, e o seria pelas câmeras que
nós mesmos portávamos. Estupefatos,
também observamos a reaparição anacrônica e trágica do gás lacrimogênio,
dos porretes e das balas de borracha, de
miguelitos que estourassem os pneus dos
carros repressores, de bombas molotov e
garrafas de vinagre, tudo o que já acreditávamos ter sepultado para sempre nas
vitrines dos museus da memória.
De novo, falávamos de violência policial e
proliferavam habeas corpus, repórteres feridos e pessoas presas para averiguações.
Alguém caía de um viaduto e morria na contramão, atrapalhando o tráfego (e os planos
da festa democrática programada pela Fifa e pelo Estado). Não houve, porém, a marcha
dos cem mil, nem justiça. Afinal, reinava a democracia. Meses depois, quando a cidade
vibrava com a Copa, começaram a cair os viadutos, mas não os prefeitos.
As pessoas saíram às ruas (mas que pessoas?) e isso parece bom. Mas cresceu uma
intolerância que desconhecia, me atreverei a falar de um ódio de classe, quando supomos
(ou fingimos) que vivemos numa sociedade sem classes.
Os jovens se mobilizaram (mas que jovens?). Queria ser mais otimista acerca dessa
participação das juventudes, que enxergo promissora, mas ainda à deriva num cenário
complexo no qual é muito difícil perceber linhas de pensamento crítico. Pelo menos
para mim, que em algum momento consegui distinguir matizes sutis nas esquerdas. Por
outro lado, vejo uma tendência que leva os jovens a se agruparem em células identitárias
cada vez menores, o que faz sentido, mas é estrategicamente perigoso. Tudo isso tem
se contextualizado a partir do meu lugar de enunciação: professora de escola pública e
estudante proletária argentina nos anos 60, migrante no Brasil nos anos 70 e professora
de arte desde os 80.
Nesses encontros dos movimentos (ou
mesmo nas passeatas) a arte sempre está
presente. Criando espaços de expressão,
espaços de criatividade, ou mesmo decorando os lugares ou as ações nos quais
os encontros acontecem. Oficinas, exposições, projeções, palestras, pinturas coletivas, tudo isso tem sido constante nos
movimentos ativistas atuais. Como você
percebe essas manifestações artísticas
que surgem em meio a esses movimentos
políticos no Brasil hoje?
Espaços de comoção e de emoção são
propícios para a emergência de fenômenos aos quais poderíamos chamar de arte.
Mas, me surpreende o uso generalizante
de um conceito de arte ligado ao regate
social ou ao politicamente correto. Não vou
explicitar genealogias que todos conhecemos, mas prefiro uma arte que se afaste da
“bondade” e que aposte na ética. Porque a
arte é um excesso, é um supérfluo, aquilo
que “não serve para nada” e que, justamente por isso, “serve” para tudo, inclusive
para aliá-la às tarefas mais perversas.
A arte não decora, nem é bela, é dura e
impenetrável. Não tenho acompanhado
muito esses trabalhos no Brasil. Aqui e
acolá vejo ONGs ou outras associações
fazendo um uso efetivo de procedimentos
artísticos e que funcionam – porque são
feitos para sair na mídia e saem. Rosas ou
velas, uma por cada assassinado ou ferido,
dão uma boa foto, um lindo travelling. É
arte ou propaganda? É ritual? Estamos
voltando para usos ritualísticos da arte?
Só tenho perguntas...
Em 1969, Carl André escreveu:
“Qual é a relação entre a política e a
arte?
A. A arte é uma arma política.
B. A arte não tem nada a ver com a
política.
C. A arte serve ao imperialismo.
D. A arte serve à revolução.
E. A relação entre a política e a arte não é
nenhuma dessas coisas, algumas dessas
coisas, todas essas coisas”.
270
271
Você foi a primeira pessoa a me alertar
para o fato de que toda arte é política,
mesmo aquela que a princípio não parece
política é política. Eu demorei a ter uma
noção melhor do que isso significava, pois
os sentidos da arte são muitos, assim
como a ideia de política também é múltipla. Como você entende que se dá essa
relação – entre arte e política – na arte
contemporânea brasileira? Existe algum
caso que te chame mais a atenção?
Em 1969, era muito fácil entender a
oposição entre imperialismo e revolução
mas, como Carl André, todos sabíamos
que a arte não é nenhuma dessas coisas
e, ao mesmo tempo, todas essas coisas.
Parecia fácil também acreditar que a arte
era uma arma, a única que muitos nos
atrevíamos a usar em favor da revolução.
Já pelos anos 70, porém, aprendemos que
“canção desarmada não enfrenta fuzil”.
Na arte brasileira de hoje me interessa
ações ou obras que atualizam o passado,
como se nele buscassem vestígios que
possam evocar as origens de nossa violência cotidiana. Esses artistas apontam
para um fato esquecido, rasurado ou escamoteado, o descobrem, o exibem, narram
os fatos a contrapelo para colocá-los em
nossas mãos como se fossem flores secas
ou borboletas mortas. Adivinho o desejo de
que possamos revivê-las, deixá-las perfumar e voar por aí. Posso citar “A árvore do
esquecimento”, de Paulo Nazareth, que
desfaz os passos dos cativos ao redor dessa árvore, em Ouidah, Benim, e, com isso,
revive sofrimentos que até hoje nos sufocam como súcubos. “Gameleira”, de Lais
Myrrha, traz, junto à maquete das ruínas
rasuradas do desastre da Gameleira, nos
distantes anos 70, a lista de nomes dos
mortos esquecidos. A instalação ressoa
nas ruínas do viaduto que desaba durante
a Copa de 2014, na mesma cidade de Belo
Horizonte, e que já desapareceram da paisagem urbana, como se nunca tivessem
estado nela.
A autora Lucy Lippard em seu ensaio “Trojan Horses: Activist Art and Power” (1984)
faz uma distinção curiosa entre “arte política” e “arte ativista”. Para ela, o artista
político é aquele que traz em seu trabalho
assuntos e temas de ordem social. A
“arte política” tende a ser socialmente
“preocupada”, enquanto a “arte ativista”
tende a ser uma arte na qual o artista se
envolve “socialmente” e se mistura com
os espaços, pessoas e locais que trata em
sua obra.
Existem muitas maneiras diferentes de se
produzir arte politicamente, nas galerias
ou fora delas. Mesmo as ações de intervenção direta na realidade política têm
uma camada institucional, ou passam
pelo mundo da arte de alguma maneira.
Como resolver essa questão? Você acha
possível produzir uma arte que mesmo
conectada aos meios de legitimação/
circuito (mundo da arte) tenha uma força
viva na realidade social?
Quando eu leio os escritos dos artistas
dos anos 60, em especial os do Hélio
Oiticica e da Lygia Clark, percebo como a
relação que eles tinham com o trabalho de
arte era diferente da que temos hoje. Tem
um texto da Lygia – “Cartas a Mondrian”
– em que ela fala que tinha uma relação
“ético-espiritual” com a obra. Esse tipo
de pensamento é quase inexistente hoje,
num cenário de arte marcado pela presença do mercado em todas as instâncias
de produção. Percebo a arte muito mais
como um negócio do que como algo íntimo, profundo e expressivo. Claro que existem exceções, mas não me parece que na
arte atual exista essa parcela “espiritual”
ou “apaixonada” que era a base para a
produção dos artistas de vanguarda. Você
acredita que possa haver uma possibilidade de mudança na forma de se fazer
arte hoje? Algo que caminhasse para um
fazer mais poeticamente envolvente? Que
se assemelhasse de alguma forma com
essa pulsão espiritual?
Alguns dos artistas contemporâneos que
conheço e admiro tem essa pulsão espiritual e a confessam sem problemas. Outros
preferem não falar dela por pudor ou
vergonha, ou porque parece um discurso
antiquado. Cada vez se fala menos disso
em público. Evidentemente, a carência
em Belo Horizonte e no Brasil de uma crítica apaixonada, como queriam e faziam
Baudelaire e Benjamin, ou, chegando
mais perto, Mario Pedrosa, nos afoga a
todos nesse oceano de mediocridade que
é a produção critica atual. Não se toma
partido, a não ser nas mesas de bar, não
existem lideranças, nem grupos ideológicos, somente panelas e panelinhas mesquinhas. E isso acontece na universidade,
nos museus que estão largados nas mãos
de burocratas desocupados, na administração do patrimônio público, etc.
Mas, pensar que artistas como Francis
Alÿs, Tania Bruguera, Cildo Meireles e
muitos outros não têm pulsões espirituais,
libertárias, políticas, emocionais, é podar
e mutilar suas obras para acomodá-las na
sociedade acanhada em que vivemos. Ter
que usar dia após dia a máscara do cinismo é o preço que pagamos para sobreviver
nessa sociedade. As declarações de Lygia
nas “Cartas a Mondrian” têm sua imagem
espelhada no absurdo materialismo com
o qual seus herdeiros [de Lygia Clark] se
aferram ao “patrimônio” da artista, ao seu
espólio, que os enriquecerá até a morte e
do qual nos privam.
Há uma primeira pergunta embutida nessa. Supomos que grande parte da arte contemporânea não sobrevive fora do mundo da arte. De fato, grande parte da arte ocidental
não sobreviveu desde Lascaux até hoje e não havia o tal mundo da arte. Somos perecíveis, somos mortais, destruímos as coisas que não compreendemos, somos humanos.
Colamos cartazes de cartolina nas igrejas barrocas, dormimos sob a escultura de Mary
Viera, grafitamos as pirâmides, pertencemos a uma espécie iconoclasta (apesar dos
conservadores que querem conservar tudo). Mas há formas de sobreviver que não estão
na manutenção do objeto. Como sabemos do templo de Diana, em Éfeso, ou do Colosso de
Rodhes? Porque os guardamos no relato, na memória. Na insistência formalista-retiniana
dos períodos totalitários, a arte foi reduzida à imagem sem narrativa, a melhor forma de
despolitizá-la: o que se vê é o que se vê. O espírito não se vê. E voltamos ao começo da
resposta.
272
A arte perdeu sua função utópica?
Como você sabe, a arte já foi e será muitas
coisas. Entre elas, é bom sempre lembrar,
criadora de imagens que fortaleciam e
divulgavam a religião e o poder. A função
utópica é relativamente recente, será que
começa com os desejos frustrados de
autonomia ou com o romantismo? Com
certeza, a utopia social dos anos 60 e 70
acabou. Pior ainda, fracassou. Acredito,
porém, que tomar consciência dessa derrota seria o primeiro passo para remendar
as velhas bandeiras e alçá-las de novo –
ou para queimá-las e inventar outras.
O poder transnacional da produção capitalista é massivo e deixa pouco espaço
para a esperança em tempos de guerras,
neoconservadorismo e controle. Parece
que não podemos fazer nada. Parece que
tudo já está perdido. Na sua opinião, o que
podem os artistas com suas “maneiras de
fazer”, sua apropriação de espaços na
construção de outros mundos-possíveis?
Gosto de pensar que o trabalho do intelectual ou do artista tem o efeito de uma
pedra caindo verticalmente na água. Vai
direito ao fundo e fica quieta, porém a
queda faz com que a água deslocada
forme círculos cada vez mais largos e
alguma coisa que se diga ou se faça, aqui,
nesta poça, pode chegar longe, sem que
possamos ter controle.
273
Tenho também essa sensação de impotência da qual você fala, mas intento reverter as
frases, ser otimista, pensar que o que acontece é que aqui tudo está por ser feito. Esse é
o problema que nos desanima: a falta de continuidade dos projetos culturais e artísticos,
o estancamento, o regionalismo, o nacionalismo, a velha constatação de Levi Strauss,
atualizada por Caetano, de que tudo o que ainda está em construção já é ruína. Esse
“entre lugar” eterno que nos faz sobreviver nas bordas de uma modernidade que nunca
existiu como tal, amarrados indissoluvelmente à saudade de um passado interiorano,
escravocrata, predatório, do qual parece impossível se libertar. Erramos como espectros
perdidos entre as ruínas restauradas de um modernismo impossível: a igreja que não é
mais que o monumento de si mesma, o cassino e o salão de baile que pretendem ser
museus sem consegui-lo, os jardins tombados. Como se tomba um jardim, meu deus? Em
que momento algo vivo se mantém como foi?
O que fazer? Pois é, seguir atirando pedras na lagoa, quem sabe um dia...
Maria Angélica Melendi é pesquisadora e professora. Doutora em Literatura Comparada
pela Faculdade de Letras da UFMG. Na atualidade, é professora adjunta do Departamento
de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da UFMG e pesquisadora do CNPq. Nos últimos
anos vem investigando as relações entre memória, arte visual, literatura e política na América
Latina, assunto sobre o qual tem publicado artigos em livros, jornais e revistas acadêmicas
nacionais e internacionais.
DI A LO GU E
MARIA
A N G É L I CA
MELENDI
274
275
Recent protests in Brazil and around the
world have shaken our political certainties. Both the rallies of 2013 - before the
World Cup, involving the use of Blackblocks, tear gas and pepper spray - and the
most recent protests – demanding the
president’s Impeachment - guided by a
conservative and alienated right, have
made us lose our sleep. Well, the 2013
protests gave rise to a very interesting
energy, in spite of the violence. It was very
pleasant to see the emergence of a diversity of groups focused on the study and
discussion of politics and rights, in many
different regions in Brazil. It seems that
young people have gained more interest
in better understanding what happens
around them. It’s truly beautiful! Based
on these meetings (and potentialized by
actions already in progress), we have seen
the occurrence of many activist actions,
occupations and collectives. How do
you perceive these political movements
which create the modern rebel imaginary?
The protests in 2013 seem to me as
distant and incomprehensible as Brazil’s
situation in 2013, which concealed within
itself - like seeds in a fruit - the protests
which would take place in 2015. At that
time, we were hopeful. I remember having
many conversations all night long with
friends from other countries, in which we
asked ourselves if the Revolution would
take place in Brazil, if this jovial, irreverent
population in the streets, much like how
we were at another time, would finally be
able to change the inaction which had us
paralyzed. Astonished, we determined
that, in spite of what we had said and
repeated for many years, the revolution
would be televised, and by cameras of our
own possession. Yet we were also astonished to observe the anachronistic and
tragic return of the retaliation with tear
gas, clubs and rubber bullets, the return
of miguelitos, blowing up the tires of oppressive vehicles, of Molotov cocktails and
vinegar bottles, everything we believed to
be buried forever inside the glass cases
of museums. Once more we were talking
about police brutality and the proliferation
of habeas corpus, wounded journalists
and individuals detained for questioning.
Someone would fall from a highway and die on the wrong way of the road, disturbing the
traffic (and the plans for democratic festivities planned by Fifa and the State). However,
there was no march of a hundred thousand, nor there was justice. After all, we were already in the reign of democracy. Months later, while the city was thrilled with the World Cup,
the highways started to fall - but not the mayors.
People went to the streets (which people?), which would seem like a good thing. But there
was a surge of a strain of intolerance which did not know enough and, I dare say, possessing some degree of class hate, when we assume (or pretend) we live in a society with no
class distinctions.
Young people have mobilized (again, which people?). I wish I could be more optimistic regarding this participation of youth, which I consider promising, but still adrift in a complex
scenario in which it is specially hard to perceive lines of critical thought. At least for me,
who at some point was able to distinguish subtle nuances in left-wing demonstrations.
On the other hand, I notice a tendency which leads young people to gather in progressively
smaller identity cells; while it may make sense, it is strategically dangerous. This all has
to be contextualized based on my position of enunciation: I taught at a public school and
was an Argentinean proletarian student during the 60’s, migrated to Brazil during the 70’s,
and I am an art teacher since the 80’s.
In these meetings of movements (or
even in public demonstrations), art will
always be present, creating spaces of
expression, creativity, or even decorating
the places and actions in which these
meetings happen. Workshops, exhibits,
projections, lectures, collective paintings;
they have all been continuous in modern
activist movements. How do you perceive
these artistic manifestations, which
occur in the midst of the current political
movements in Brazil?
Spaces of commotion and emotion are favorable for the emergence of phenomena
we could call art, but it surprises me that
a concept of art so associated to social
retrieval or political correctness would be
so generally utilized. I won’t explain genealogies we all know already, but I would rather see an art which would distance itself
from “kindness” and give greater focus to
ethics. Since art can be seen as an excess,
as something superfluous, “functionless”,
it can precisely be used as a “tool” by
anything, and this includes associating
it with particularly perverse tasks. Art is
not beauty or a decoration, it is hard and
impenetrable. I have not followed much of
these works in Brazil; occasionally I see
NGOs or other associations using artistic
procedures effectively in a functional matter, since they are made to appear through
the mediums, and they do. Roses or candles, each for every victim of a murder, do
make a good picture, or a beautiful exhibit.
Is this art or propaganda? Is it a ritual? Are
we going all the way back to the ritualistic
usage of art? Only questions remain...
In 1969, Carl Andre wrote:
“What is the relationship between
politics and art?
A. Art is a political weapon.
B. Art has nothing to do with politics.
C. Art is a tool of imperialism.
D. Art is a tool of the revolution.
E. The relationship between art and
politics is none of those things, some of
these things, and all of those things”.
276
277
You were the first person to alert me
to the fact that every art is political in
nature, even works that don’t appear to
be political-minded at a first sight. It took
me some time to better understand what
this meant, since Art has many meanings,
much like how the idea of politics is also
multiple in nature. How do you perceive
the way the relationship between art
and politics happens in modern Brazilian
art? Is there a case you find particularly
noteworthy?
In 1969, it was very easy to understand
the opposition between imperialism and
revolution, but like Carl André, we all knew
that art was none of those things, and
simultaneously it was all of them. It also
seemed easy to believe that art could be
used as a weapon, the only one many of
us dared to use in favor of the revolution.
However, by the 70’s, we had learned that
“disarmed songs can’t fight rifles”.
What catches my interest in modern
Brazilian art are actions or works which
modernize the past, as if they were seeking
within it traces which could evoke the origins of the violence in our everyday lives.
These artists call attention to facts which
may be forgotten, erased or concealed discovering and exhibiting them, narrating
these facts through the opposite direction
to put them on our hands like dried flowers
or dead butterflies. I can perceive the desire that we are able to revive them, letting
them fly and leave a scent wherever they
go. One work I can mention is A árvore do
esquecimento (“The tree of oblivion”), by
Paulo Nazareth, which unravels the steps
taken by the captives around this tree
in Ouidah, Benin, reviving in the process
many afflictions which to this day smother us like succubi. Gameleira, by Lais
Myrrha, brings alongside a model of the
erased ruins of the disaster in Gameleira
(occurred in the 70’s, now so distant) a
list of names of the forgotten dead. The
installation resonates with the ruins of
the highway which crumbled during the
2014 World Cup, located in the very same
city (Belo Horizonte); both have already
disappeared from the urban scenery, as if
they had never been a part of it.
In her essay “Trojan Horses: Activist Art
and Power” (1984), Lucy Lippard makes a
curious distinction between “political art”
and “activist art”. According to her, political artists are those whose work contains
themes and topics related to social order,
with a tendency to be socially “concerned”, while the “activist art” tends to be
an art in which the artists are “socially”
involved, blending themselves with the
spaces, people and places of relevance in
their work.
There are many different ways to produce art politically, inside or outside of
galleries. Even the actions of direct intervention in the political reality possess an
institutional layer, or are somehow able
to pass through the world of art. How can
this matter be solved? Do you believe it is
possible to produce a work of art which,
even when connected to the mediums
of legitimization/circle (world of art),
possesses an active strength in social
reality?
By reading written works from artists of
the 60’s, particularly those by Hélio Oiticica and Lygia Clark, I was able to notice
how the relationship they had with works
of art was different from the one we have
today. In one of the texts by Lygia, - “Cartas
a Mondrian” (“Letters to Mondrian”) - she
mentions having an “ethical-spiritual”
relationship with her work. This kind of
thought is nearly nonexistent today, in
an artistic scenario marked by the presence of the market in all of its stages
of production. I perceive art as being
much more of a business than something
intimate, deep and expressive. Of course
there are exceptions, but I am not able
to perceive in modern art the presence
of this “spiritual” or “enamored” fraction,
which was the basis of production for
avant-garde artists. Do you believe there
may be a possibility of change in the way
art is created currently? Something which
would lead to a more poetically involving
process, similar in some fashion to this
spiritual pulse?
Some of the modern artists I know and
admire possess this spiritual pulse and
have no trouble admitting it, while others
prefer not to talk about it out of modesty or
embarrassment, or because it may seem
like an outdated discourse. This topic is
becoming progressively less talked about
in public, and it becomes evident that in
Belo Horizonte and in Brazil, there is a
deprivation of passionate critiques - as
seen in works by Baudelaire, Benjamin, or
specially Mario Pedrosa - which submerges us inside the ocean of mediocrity that
is the current production of critiques. Nobody takes any sides (except at bar tables),
there aren’t any leaderships or ideological
groups, and we only hear the banging of
petty pots and pans. And this happens at
universities, at museums nearly abandoned at the hands of idle bureaucrats, at the
management of public heritage, and so on
and so on...
But to assume that artists such as Francis
Alÿs, Tania Bruguera, Cildo Meireles, and
many others have no spiritual, libertarian,
political or emotional pulse would be the
same as cutting down and mutilating their
works to accommodate them in the shortsighted society in which we live. Being
forced to wear the mask of cynicism day
after day is the price we pay to survive in it.
Lygia’s statements in “Cartas a Mondrian”
have their image mirrored on the senseless materialism with which her heirs cling
to the “heritage”, the spoil which will enrich
them until death, while still denying it to
us.
There is another question contained within the first one. We assume that a large part
of modern art does not survive outside the world of art; in fact, much of the western art
did not survive since the days of Lascaux until today, and there was not an established
world of art. We are perishable, mortal; we destroy that which we do not comprehend,
we are human. We stick cardboard posters on baroque churches, sleep on Mary Vieira’s
sculpture, cover the pyramids with graffiti; we are part of an iconoclastic species (in spite
of the conservatives who try to retain everything they can). But why are there ways to
survive which are not related to the maintenance of the object, as is the case with the
Temple of Artemis at Ephesus or the Colossus of Rhodes? Because of have kept them in
our tales, our memories. Through the formalistic-retinal insistence of totalitarian periods,
art was reduced to an image without narrative, which is the best way to depoliticize it:
what you see is what you see. The spirit can’t see itself. And so we return to the beginning
of the answer.
278
Has art lost its utopian function?
As you know, art has been and will be many
things, including - one must not forget - a
creator of images which strengthen and
publicize religion and power. The utopian
function is relatively recent; does it find its
beginnings with the frustrated desires for
autonomy, or with the Romanticism? Certainly, the social utopia of the 60’s and 70’s
is not only over - it has failed. However, I
believe that becoming aware of this defeat
is the first step towards repairing the old
flags and lifting them up again - or alternatively, to burn them down and create other
flags.
The multinational power of capitalist
production is massive, and leaves little
room for hope in these times of wars, neo-conservatism and control. It seems there
is nothing we can do. Everything seems
lost. In your opinion, what are artists, with
their know-how and appropriation of spaces, able to do regarding the construction
of other possible worlds?
I like to think that the work of an intellectual or an artist has the effect of a
stone falling vertically into a pond. It goes
directly deep and stays there, yet the impact causes the dislocated water to form
increasingly larger circles; anything that is
said or done in this pond can reach a far
distance, beyond our own control.
279
I also feel this sentiment of helplessness
you described, but I attempt to reverse
these statements, trying to be optimistic
and to believe that this whole situation is
just a matter of having much to be done. This is the issue which discourages us; the lack
of continuity in cultural and artistic projects, the stagnation, the regionalisms, the nationalisms, the old observation by Levi Strauss - updated by Caetano - that anything which
is still under construction can already be seen as ruins. This never-ending in-between
which allows us to survive on the borders of a modernity which has never existed as such,
unbreakably tied to the longing for a provincial, enslaving, predatory past from which it
seems impossible to free ourselves from. We wander like lost specters through the restored ruins of an impossible modernism: a church which is nothing more than a monument
to itself, casinos and ballrooms which intend unsuccessfully to be museums, and locked
gardens. By God, how can one lock down a garden to protect it? In what moment does
something alive keeps itself as it was?
What can we do? For now, we keep tossing stones into the pond. Who knows, one day...
Maria Angélica Melendi has a doctorate degree in Literature from the Faculty of Arts at
the UFMG. She currently acts as an associate professor of the Department of Visual Arts
of the Escola de Belas Artes at the UFMG, and as a researcher at CNPq. In recent years,
she has studied the relationship between memory, visual arts, literature and politics in
Latin America, a topic she has used as the foundation for articles published in books,
newspapers, and national and international academic journals.
B e lo Ho r izo n te, d e s d e 2005
COMUM
www. f l ick r.co m /p hoto s /c o m u m
280
281
O trabalho do artista Comum está
intimamente ligado à cultura urbana
e ao imaginário dos muros, com suas
sobreposições de tipografias, pichações,
propagandas, sinalizações oficiais e não
oficiais. Ele se utiliza dos acontecimentos
e transformações da cidade para produzir
suas obras, que transitam por diversas
linguagens, como o grafite, o stencil, o livro
de artista e também a música (Comum
faz parte de uma banda de rap chamada
coletivo Dinamite e também possui um
trabalho solo). Suas obras nascem de
vivências e deambulações pela cidade, em
que recolhe diversos materiais, situações
e imagens que compõe seu repertório
poético.
A série de stencils “Cidadão Comum” foi o
ponto de partida para o desenvolvimento
de sua pesquisa artística. Nessa série de
stencils, ele retrata o cidadão comum, mas
especialmente o cidadão marginalizado.
Nas imagens mais recentes, as obras possuem um recorte mais marginal e as imagens mostram retratos de pessoas através
de máscaras ou com o rosto coberto. A
série tem relação com o pensamento
Zapatista, a partir da ideia de que somos
todos um só, não personificamos uma individualidade apenas, mas fazemos parte
de um grande coletivo mundial.
Em sua outra série de cartazes em
stencil, “Corpo Presente”, Comum retrata
quatro artistas que foram presos durante
as manifestações de 2013 e 2014, em
Belo Horizonte, por exporem suas ideias.
Os cartazes foram produzidos a partir de
fotografias feitas pelo artista, nas quais
ele pede que os retratados se coloquem
como quiserem.
O trabalho “Praça 7 de Setembro” é um livro
de artista que retrata uma ação policial
ocorrida no centro de Belo Horizonte, na
qual um policial militar levanta um cobertor de um morador de rua em busca de
drogas ou algo ilícito. O livro foi todo construído com materiais encontrados nas
ruas, que formam uma espécie de textura
urbana produzida a partir de pedaços de
papel, embalagens, sacolas e etiquetas.
Todos esses elementos criam o pano de
fundo no qual a ação policial acontece.
O trabalho de Comum relata a violência urbana vivenciada cotidianamente pelos cidadãos comuns, pessoas marginalizadas
pelo sistema, criando interferências nas
paisagens que dialogam com as imagens
e textos da rua. Em suas intervenções,
o artista procura produzir espaços de
representação social desses personagens
urbanos e das transformações geradas na
cidade.
<
Cidadão Comum, [Common Citizen], desde [since] 2005
C OMMO N C IT IZE N
282
283
The work of the artist Comum is intimately
linked to urban culture and the imaginary
of its walls, with their layerings of typographies, graffiti, advertisements as well as
official and nonofficial signage. He makes
use of the events and transformations of
the city to create his works, which traverse
a variety of media such as graffiti, stenciling, artist’s books and music as well (Comum is a member of the rap group called
Coletivo Dinamite and also has solo work
of his own). His works are born from life
experiences and wanderings around the
city, where he collects a variety of materials, situations and images that compose
his poetic repertoire.
The series of stencils “Cidadão Comum”
[Common Citizen] was the starting point
for the development of his artistic research. In this series of stencils, he makes
portraits of the common citizen, but especially the marginalized citizen. In the more
recent images, the works possess a more
marginalized cutout and the images show
portraits of people through masks or with
covered faces. The series has a relationship with Zapatista thought, based on the
idea that we are all a single one, we do not
personify a mere individuality, but instead
are part of a great global collective. In another series of posters made with stencils,
B e lo H orizonte, since 2005
COMUM
“Corpo Presente” [Present Body], Comum
makes portraits of four artists that were
imprisoned during the protests of 2013
and 2014 in Belo Horizonte for making
their ideas public. The posters were created with the artist’s photographs as their
starting point, in which he asks the models
to pose as they please.
The work “Praça 7 de setembro” [7 de
Setembro Square] is an artist’s book that
portrays police action carried out in the
center of Belo Horizonte, in which a military
police officer lifts the blanket of a homeless man in search of drugs or some other
illicit thing. The book was completely made
of materials found in the streets, that form
a sort of urban texture made from pieces
of paper, packaging, bags and tags. All of
these elements create the background for
the police action that occurs.
The work of Comum tells of the urban
violence lived daily by the common citizens, people who are marginalized by the
system. He creates interferences in the
landscapes that dialogue with the images
and texts of the street. In his public art
works, the artist seeks to make spaces for
the social representation of these urban
characters and of the transformations
generated in the city.
<
Praça Sete de Setembro, [Sete de Setembro Square], 2010
< Corpo Presente, [Present Body], Belo Horizonte, 2013-2014
R io d e J a n e iro, 2003-2009
GUG A F E R R A Z
gu gaferra z .b lo gsp ot .co m
284
285
A obra do artista carioca, Guga Ferraz, tem
uma forte relação com os processos de
exclusão e violência nas cidades, em especial do Rio de Janeiro, uma cidade onde
a guerra pelo tráfico e os conflitos nas
periferias da cidade tomam proporções de
uma verdadeira guerra civil.
Guga cria intervenções silenciosas e ao
mesmo tempo fortes, que deflagram essas
relações de violência nas cidades, especialmente contra as pessoas mais pobres
e em situação de risco social, como os moradores de rua, e moradores das favelas,
mas também mostra que a violência está
espalhada por todas as classes sociais.
Seus trabalhos criam ruídos nos meios,
comunicação urbanos, como as placas
de sinalização, mobiliários urbanos e a
sinalização oficial, como adesivos nos
meios de transporte público. Em “Ônibus
Incendiado” (2003-2009), o artista cola
pequenos adesivos de fogo nas imagens
dos ônibus, nas placas dos pontos. Na
ocasião, o trabalho foi confundido com
apologia do crime, sendo inclusive alvo de
uma possível investigação policial.
Em “Bala Perdida” (2003-2009), o artista faz
uma intervenção no circuito de comércio popular muito comum nas cidades brasileiras: jovens, que vendem balas no trânsito.
Quando o sinal está fechado, eles colocam
sobre os retrovisores, saquinhos plásticos
com balas e mensagens geralmente de
cunho cristão. Nesse trabalho, o artista
reproduz a ação dos vendedores de bala,
porém, com estilhaços e cartuchos de
balas de armas de fogo encontrados pela
cidade.
Seu trabalhos são sutis e muitas vezes
incorporam o design das mensagens oficiais. Assim, interfere neste organismo
vivo que é a cidade, onde várias coisas
se somam e se completam na dinâmica
urbana, informando e confundido quem
passa por ali.
Ônibus incendiado, [Bus on fire], 2003-2009
B US ON FIR E
STRAY BU LLE T
286
287
The work of Rio de Janeiro artist Guga
Ferraz has a strong relationship with the
processes of exclusion and violence in the
cities, especially in Rio, a city where the
territorial disputes of drug trafficking and
the conflicts in the marginalized outskirts
of the city take on the proportions of a true
civil war.
Guga creates silent yet at the same time
strong interventions, that show these
violent situations in the cities, especially
those committed against the poorest of
people, in a situation of social risk, like
the homeless population and residents of
the shanty towns. The artist also seeks to
reveal how this violence today is spread
throughout all of the social classes.
His works make noises in the urban means
of communication, such as traffic signs,
public real estate offices and official
signage. In “Ônibus Incendiado”, the artist
glued small stickers of fire on the images
of the buses and on the signs that signal
Rio de J ane iro, 2003-2009
G U G A F E R R AZ
the bus stops. The work, on the occasion,
was interpreted as an excuse for for criminal activities, even being the target of a
police investigation.
In “Bala Perdida”,* Guga makes an intervention in a circuit of popular commerce
that are very commonly found in Brazilian
cities: youth selling candy in traffic. When
the light is red, they hang little plastic bags
on the rear view mirror that contain candy
and messages, generally of a christian
nature. In this work, the artist reproduces
this action of the candy vendors, however
in this case with shards and cartridges of
firearms found throughout the city.
His works are subtle and often incorporate
the design of official messages. In this way,
the artist interferes in this live organism
which is the city, where a variety of things
add themselves up and complete each
other in the urban dynamic, informing and
confusing those who pass by.
*translator’s note: The word “bala” has a double meaning in Brazil, meaning both “candy”
and “bullet”.
Bala Perdida, [Stray Bullet] 2003-2009
^ By buying candies for R$ 1.00, you are helping me to survive. God is faithful. God bless you. Thank you...
R io d e Ja n e iro, d e s d e 2013
CO L E T I VO PR O J E TAÇÃO
p ro j et a c ao.o rg
288
289
O coletivo Projetação foi um dos muitos
grupos que surgiram no Brasil no ano de
2013, a partir das manifestações que ocuparam e mobilizaram todo o país. Formado
em sua maioria por mulheres, o coletivo
reúne diferentes tipos de profissionais
(designers, comunicadorxs, arquitetxs,
médicxs, advogadxs, entre outrxs). Em
suas intervenções, o grupo ocupa as
paredes das cidades com frases políticas,
críticas e irônicas, para falar dos seus
desejos e reivindicações.
em que estampam em grande escala suas
reivindicações. O Projetação está ainda
envolvido com os processos de lutas e
protestos urbanos em várias partes do
mundo, projetando mensagens em apoio a
causas internacionais, como, por exemplo,
a ocupação na Palestina, a repressão aos
movimentos sociais da Espanha e a luta
do povo mexicano. As ações fomentam a
solidariedade a todos os presos políticos
do mundo, não importa de que país.
Armados com um projetor, um computador
e um gerador, eles projetam nas fachadas,
nas árvores, nos carros da polícia ou em
qualquer superfície disponível, palavras e
frases de ordem que emergem da multidão
que caminha. Como trabalha com a projeção de luz, a intervenção pode acessar
lugares nos quais as faixas ou o spray não
podem (pelo menos não com a mesma
agilidade), construindo assim uma intervenção móvel que gera reflexão por meio
de um discurso de resistência, ocupando
o imaginário das pessoas que estão ali,
mas também ocupando as imagens que
derivam daquelas ações.
O grupo intensificou suas ações nas manifestações de 2013/2014, porém suas lutas
não estão apenas focadas nas questões
relacionadas à Copa do Mundo ou às Olimpíadas no Brasil. Os problemas sociais
brasileiros são a principal motivação do
coletivo: a repressão policial, a violação de
direitos humanos, a ameaça às liberdades
individuais e a criminalização dos pobres
são temas nos quais eles estão envolvidos.
O grupo também faz uma crítica aos nossos
modelos de representação política, pois percebem que estamos submetidos a sistemas
representativos que não nos representam
e, por isso, buscam a produção de formas
autônomas de se fazer política em prol das
lutas sociais que são mais urgentes.
As intervenções do coletivo servem como
uma forma de comunicação para as
pessoas, militantes ou não, para trazer
informações antes, durante e depois dos
atos. Constituem também uma forma de
se criar uma mensagem que possa ser
veiculada pelas próprias empresas de mídias, como as emissoras de TV, na medida
Sua obra é uma comunicação direta nãoviolenta que busca diminuir os muros
existentes entre as diferentes formas
de pensamento. Com isso, o trabalho do
Projetação se propõe a “gerar segregação
mínima e reflexão máxima”.
What was there to be stolen has already been stolen
PROJECT IONS
Rio de J ane iro, since 2013
C O L E T I VO PR O J E TAÇÃO,
>
Rafael Vieira Brava Arrested.
Sentenced to 5 years
Crime? Carrying Pinho-Sol (disinfectant).
500 kilos of cocaine: they are all free.
290
291
The collective Projetação was one of the
many groups that emerged in Brazil in 2013,
ignited by the protests that occupied and
mobilized the entire nation. Made up mostly
by women, the collective unites different
types of professionals (designers, communicators, architects, doctors and lawyers,
among others). In their public works, the
group occupies the city’s walls with critical
and ironic political phrases, to talk about
their wishes and demands.
Armed with a projector, a computer and a
generator, they project onto facades, trees,
onto police cars, or onto any other available
surface, with words and phrases in an order
that emerges from the walking multitude.
Since they work with the projection of light,
the intervention can access places that lines
or spray paint can’t reach (at least not with
the same agility), and in this way they construct a mobile intervention that generates
reflection by way of a discourse of resistance, occupying the imaginary of the people
who are there, yet also occupying the images
that are derived from those actions.
The collective’s interventions serve as a way
of communicating to people, militant or not,
to bring information before, during and after
the acts. They also constitute a form of creating a message that can be conveyed by the
media companies themselves, like the TV
broadcasters, as they mark their demands
on a large scale. Projetação is also involved
in the processes of urban protests and
struggles in several parts of the world, projecting messages in support of international
causes, such as, for example, the occupation
in Palestine, the repression of the social
movements of Spain and the struggle of the
Mexican people. The actions foster solidarity with all of the world’s political prisoners,
regardless of the country they inhabit.
The group intensified its actions in the
protests of 2013/2014, however their fight
is not only focused on the matters relating
to the World Cup or the Olympics in Brazil.
Brazilian social problems are the collective’s
main motivation: a repressive police force,
the violation of human rights, the threat to
individual liberties and the criminalization
of the poor are themes in which they involve
themselves. The group also criticizes our
models of political representation, since
they perceive that we are submitted to systems of representation that don’t represent
us, and for that reason, seek the production
of autonomous ways of conducting politics
in favor of more urgent social struggles.
Their work is a direct, non violent form of
communication that seeks to lower the
existing walls between different ways of
thinking. With this, Projetação’s work proposes to “generate minimum segregation
and maximum reflection”.
S ão Pau lo, 2014-2015
G R AZI K U N S CH
n ao ca b e r.o rg
292
293
Um dos projetos da artista Graziela Kunsch
na 31ª Bienal foi a proposição, para a
prefeitura de São Paulo, de uma linha
experimental de ônibus, circular, sem destino conhecido. Esse ônibus deveria
passar pelas ruas e avenidas da cidade
de São Paulo e parar nos pontos de ônibus
regulares. A cada vez que o ônibus parasse
em um ponto, todas as suas portas se
abririam – a da frente, a de trás e a do
meio. As pessoas poderiam entrar ou sair
por qualquer uma das portas. Dentro do
ônibus não haveria uma catraca e ele seria
gratuito. Ali na frente, no local onde normalmente se escreve o destino do ônibus,
estaria escrito “TARIFA ZERO”.
Esse projeto só poderia acontecer com
o apoio da Prefeitura de São Paulo, que
deveria fazer sua implantação e o investimento necessário para a existência da
linha. No entanto, a prefeitura não demonstrou interesse pelo projeto.
Para realizá-lo, a artista convocou
integrantes de movimentos sociais que
vêm realizando experiências de linhas
populares de ônibus Tarifa Zero para um
workshop, em que foram compartilhadas
experiências, práticas e estratégias. Estavam presentes no encontro integrantes
do Movimento Passe Livre de São Paulo e
de Ribeirão Preto, da Luta do Transporte
no Extremo Sul, do Movimento Tarifa Zero
BH, o editor do portal Tarifa Zero.org e moradores da região de Parelheiros (extremo
sul da cidade de São Paulo). O que a artista
só revelou depois, em uma performance
realizada no Palácio das Artes (Belo Horizonte), em uma atividade da itinerância da
Bienal, é que o cachê de todos os participantes do workshop foi por eles doado aos
movimentos, para que realizassem novas
experiências de linhas populares de ônibus Tarifa Zero em suas cidades. O cachê
que a artista recebeu pela performance
em Belo Horizonte também foi doado por
ela para o movimento Tarifa Zero BH (e
a própria doação caracterizou sua ação
como uma performance).
A ideia inicial do Ônibus Tarifa Zero na
Bienal não aconteceu na prática, mas,
para a artista, “existe como um projeto –
ou como um horizonte, um destino – num
esforço de imaginação coletiva radical”. O
trabalho aponta para o papel da arte na
construção de um novo imaginário de cidade e também para as potentes relações
entre a arte e a esfera pública, trazendo
ao debate processos tão importantes
como a luta pelo direito à cidade e o uso
de dinheiro público (seja o destino dos
recursos de uma prefeitura, seja o destino
dos recursos de uma exposição de arte
feita por meio da Lei Rouanet).
Diogo de Moraes, 2014. Desenho feito pelo artista a partir da proposição Ônibus Tarifa Zero, de
Graziela Kunsch. [Diogo de Moraes, 2014. Drawing inspired by Graziela Kunsch’s Fare Free Bus project].
FA RE FR E E BU S
São Paulo, 2014 -2015
G R A ZI E L A K UN S C H
294
295
One of the projects by artist Graziela
Kunsch at the 31st Bienal was the proposal, to Sao Paulo’s city hall, of an
experimental bus line, circular, without a
known destination. This bus should pass
through São Paulo streets and avenues
and stop at the regular bus stops. Every
time the bus would stop, all of its doors
would open - the front door, the back door
and the middle door. People could walk in
or out using any door. Inside the bus there
would be no turnstile and it would be free.
In the place where the bus destination is
normally written, one would instead read
“TARIFA ZERO” (FARE FREE).
This project could only have happened
with the support of São Paulo’s city hall,
that should have made its implementation and the investment required for the
existence of the line. However, the city hall
wasn’t interested in collaborating with
this project.
In order to do the project, the artist
invited members from Transport social
movements that had been doing popular
and fare free bus lines for a working session, in which they shared experiences,
practices and strategies. There were
militants from Movimento Passe Livre São
Paulo and Ribeirão Preto, Rede de Luta do
Transporte no Extremo Sul, Movimento
Tarifa Zero BH (Belo Horizonte); the editor
Foto [photo]: Danilo Ramos
<
Linhas populares tarifa zero na zona sul de São Paulo e em Belo Horizonte [Popular and fare free
lines in São Paulo and Belo Horizonte].
< Workshop realizado na 31ª Bienal com integrantes da Luta do Transporte no Extremo Sul,
Movimento Passe Livre e Tarifa Zero BH [Workshop at the 31st Bienal].
of TarifaZero.org; and people who live in
the extreme south of São Paulo, where
there are no buses available. Only later, in
a performance held at Palácio das Artes
(Belo Horizonte), as part of an itinerancy
of the 31st Bienal, the artist revealed that
the payment that each participant of
the workshop received was donated by
them to the social movements, so that
the movements could do new popular
and fare free lines in their towns. The
payment that Graziela received for doing
this performance was also donated by
her to Movimento Tarifa Zero BH (and the
donation is what qualified her talk as a
performance).
The original idea of the Fare Free Bus
didn’t happen but, for the artist, “it exists
as a project - or a horizon, a destiny - in
an effort of radical collective imagination”.
The work points to the role of art in the
construction of a new imaginary of cities
and also to the powerful relationships between art and the public sphere, bringing
to debate issues related to the struggle
for the right to the city and to the use of
public money (be it the destination of the
resources of a city hall, be it the destination of the resources of an exhibition built
with public funding, through the Brazilian
law called Lei Rouanet).
S ão Pau lo, 2005
F R E N T E T RÊS D E F E V E R E I R O
www. f re n te 3d efeve re iro.c o m . b r
296
297
A Frente Três de Fevereiro é um grupo de
pesquisa e ação direta, que por meio de
um trabalho multidisplicinar busca levantar o debate sobre o racismo do Brasil,
em especial o racismo policial. O grupo
trabalha com artes visuais, teatro, poesia,
audiovisual, aulas, debates e uma infinidade de formas expressivas que buscam
investigar as raízes do preconceito racial
no Brasil e promover ações para colocar o
tema em debate.
Umas das ações mais conhecidas do grupo
aconteceu em resposta a um episódio de
racismo no futebol, entre os jogadores
Leandro Desábato, do time argentino
Quilmes, e Grafite, do São Paulo, no qual
o primeiro foi autuado por racismo por ter
chamado Grafite de “macaco”. O caso fez o
grupo migrar para esse outro espaço, que
a princípio se apresenta como um espaço
democrático, mas que traz traços profundos de injustiça social, que é o futebol.
O racismo é uma cultura muito introjetada
no Brasil e vem de uma herança escravocrata que sempre existiu para privilegiar
as elites em detrimento do povo em geral. O
racismo é disseminado das mais diversas
formas e sua manutenção se dá também
pela cultura do medo nas grandes cidades.
Em uma partida transmitida em rede
nacional, a Frente Três de Fevereiro, em
colaboração com as torcidas organizadas,
abriram durante o jogo enormes bandeiras,
normalmente utilizadas pelas torcidas,
com as frases: “Onde estão os negros?”,
“Brasil Negro Salve” e “Zumbi somos nós”.
Eles desenvolveram uma extensa e
importante pesquisa acerca do racismo
policial em São Paulo, e publicaram um
livro (Zumbi Somos Nós – Editora Invisíveis Produções, 2004), com gráficos que
mostram os processos de construção
simbólica e as formas de violência contra
os negros. O trabalho é uma importante
fonte de dados para se compreender os
processos perversos de racismo no Brasil.
O trabalho do coletivo é um mergulho
radical nas questões sociais do Brasil, em
uma estética de intervenção direta que
mistura música, poesia, artes visuais e
projeção com uma ação multidisciplinar e
ativista. Tensionando os limites entre arte
e política, o grupo utiliza o vídeo, o audiovisual e a poesia para registrar e difundir
seu trabalho. Articulam- se com uma série
de pessoas e movimentos que vão desde o
meio acadêmico e intelectual, às torcidas
organizadas, estudantes e movimentos
sociais.
F LAG S
298
299
Frente Três de Fevereiro is a group of
research and direct action, that by means
of multidisciplinary work seeks to raise the
debate about racism in Brazil, especially
racism in law enforcement. The group
works with visual artists, theater, poetry,
audiovisual work, classes, debates and an
infinity of forms of expression that seek to
investigate the roots of racial prejudice in
Brazil and to promote actions to put the
theme up for debate.
Racism is a very internalized culture in
Brazil and comes from a heritage of slavery
that always existed to privilege the elite in
detriment of people in general. Racism is
disseminated in the widest variety of ways
and its maintenance takes place through
the culture of fear in the big cities.
They developed an extensive and important research regarding racism in São
Paulo’s law enforcement, and published a
book (Zumbi Somos Nós - Editora Invisíveis
Produções, 2004), [We are Zumbi - Editora
Invisíveis Produções, 2004], with charts
that show the processes of symbolic
construction and the forms of violence
against blacks. The work is an important
source of data to comprehend the perverse
processes of racism in Brazil.
São Paulo, 2005
F R E N T E T RÊS D E F E V E R E I R O
One of the group’s most well known actions
happened in response to an episode of
racism in soccer, between the players Leandro Desábato, from the Argentine team
Quilmes, and Grafite, from the São Paulo
team, in which the former was accused
of racism for calling Grafite a “monkey”.
The case made the group migrate to this
other space, that at first presents itself as
a democratic space, but which brings with
it deep traces of social injustice, - such is
the case with soccer.
In a game that was broadcast nationwide,
Frente Três de Fevereiro, in collaboration with the soccer fan clubs, opened
enormous banners during the game that
read “Onde estão os negros” [Where are
the blacks?], “Brasil Negro Salve” [Save
Black Brazil] and “Zumbi somos nós” [We
are Zumbi].
The work done by the collective is a radical
dive into the social issues of Brazil, in an
aesthetic of direct intervention that mixes
music, poetry, visual arts and projections
with multidisciplinary and activist actions. Increasing the tension of the limits
between art and politics, the group uses
video, the audiovisual and poetry to register and spread their work. They articulate
themselves with a variety of people and
movements that range from the academic
and intellectual to the soccer fan clubs,
students, social movements and others.
GLOSSÁR IO
THESAURUS
A RT E
ar t
302
Arte é um termo em constante mutação. Seus significados,
papéis e formas de entendimento dependem dos contextos,
épocas e locais. A arte pode ser, como disse Nicolas Bourriaud,
“uma atividade que consiste em produzir relações com o mundo
com a ajuda de signos, de formas, de gestos ou de objetos”. Pode
ser também uma forma de conectar as pessoas a um mundo
sensível, da criatividade, da ludicidade, do belo, do político e do
crítico; ou uma maneira de se criar processos de subjetivação
libertários em um mundo marcado pelo controle, pela lógica do
mercado e pela violência em todas suas formas. Como aponta
Deleuze, “toda a arte é um ato de resistência. Todo ato de resistência é revolucionário”.
“Art” is an expression in continuous mutation. Its meanings,
roles and methods of comprehension are dependent on a variety of contexts, time periods and locations. Art can be, as Nicolas Bourriaud once said, “an activity which consists of creating
relationships with the world, with the aid of signs, shapes, gestures or objects”. Art may also be a way to connect people to a
world of sensibility, creativity, recreation, beauty, politics and
critical thinking. Art may be a mean to create libertarian subjectivation processes in a world marked by control, by marketbased logic, and by all shapes of violence. Deleuze also points
out that “any form of art is an act of resistance. Every act of resistance is revolutionary”.
303
ART E C R ÍT ICA
c r it ic al ar t
Arte Crítica é uma arte que fomenta dissensos, ou seja, traz
para a visibilidade questões que o consenso dominante tenta
apagar ou esconder. É uma prática artística que busca desestabilizar as certezas que temos. Pretende se mostrar – e se criar
– em espaços cheios de invenção, nos quais é possível aprender a enxergar a realidade com outros olhos. É uma arte que
contempla respostas críticas às questões sociais, políticas ou
culturais.
“Critical art” is an art which fosters dissention - that is, an art
which brings visibility to matters the mainstream consensus
attempts to erase or hide. Its is an artistic practice which aims
to destabilize that of which we are certain of. It aims to show
itself and create itself in areas brimming with inventiveness,
where it is possible to learn to see reality through different eyes.
Those are actions created as critical reactions to social, political, or cultural issues.
Articular é uma forma de potencializar as ações. Consiste na
criação de uma rede de pessoas e iniciativas que, unidas, são
mais fortes e formam laços de solidariedade e criam estratégias de atuação.
ART I C U L AÇÃO
a r t i c ul at i o n
The act of articulating is another way to potentialize actions. It
consists of creating a network of people and initiatives which,
united, are much stronger and shape solidarity bonds, creating
actuation strategies.
O termo Arte Política está relacionado às obras de Arte Crítica,
contemplando ações caracterizadas por um envolvimento social e cultural na sua criação e produção. Alguns autores, porém,
como Chantal Mouffe, afirmam que não é possível distinguir
entre arte política e arte não política, pois todas as manifestações artísticas sempre trazem em si ideologias. Nesse sentido, mesmo a arte não crítica pode ser considerada política.
ART E PO L Í T I CA
political art
The expression “political art” is related to works of art of a critical nature, taking a social and cultural approach. However, according to some authors such as Chantal Mouffe, it is not possible to distinguish between political art and non-political art,
since all artistic manifestations always bring an ideology within
themselves - which means even non-critical art is political in
nature.
Estética Relacional consiste em uma forma de produzir arte
que leva em conta uma preocupação com as relações humanas,
ou seja, do artista com o seu entorno e com o seu público. Nesta
forma de fazer arte, os repertórios individuais estão a serviço
da construção de significados coletivos e a participação é um
fator crucial em todos os processos da obra, desde sua concepção até produção e exibição. Conforme define Nicolas Bourriaud, Estética Relacional é a “teoria estética que consiste em
julgar as obras de arte em função das relações inter-humanas
que elas figuram, produzem ou criam”.
Can be defined as a way of creating art which takes into consideration a greater concern with human relations, including the
artist’s relationship with their surroundings and their audience.
Under this method of artistic creation, individual repertoires
are tasked with building collective meanings, and participation
is a crucial factor for the realization of works. Participation is
important in all the processes of a work of art, from its conception through its production and exhibition.
EST ÉT I CA
R E L AC I O N AL
rel at io n a l
a e st h et i c
AT IV ISM O
A RT ÍST IC O
ar t ist ic
act iv ism
ART E R E LAC IONA L
304
Ações de Arte Crítica, que ocupam ou se apropriam de situações para construir experiências sensíveis, antiespetaculares
e que buscam romper com a hegemonia das imagens consensuais. A reunião desses dois temas – Arte e Ativismo – se dá
muitas vezes nas ações dos coletivos de arte, que articulam
seu fazer artístico às intervenções de ordem política e social.
Para saber mais sobre esse assunto, temos um precioso material produzido pelo pesquisador André Mesquita: Insurgências
Poéticas: Arte Ativista e Ação Coletiva. São Paulo, Annablume/
Fapesp, 2011.
Actions of critical art, which occupy or appropriate situations
to build sensible and unspectacular experiences, which aim
to break away from the hegemony of consensual imagery. The
meeting of these two themes - art and activism - happens many
times through the actions of artistic collectives, which unite
their artistic work with interventions of political and social nature. For more information about this topic, please consult a
valuable work included in this project, written by the researcher
André Mesquita, accessible in: Mesquita, André. Insurgências
Poéticas: Arte Ativista e Ação Coletiva. São Paulo, Annablume/
Fapesp, 2011.
305
C IDA DE
c it y
As cidades de acordo com Hanna Arendt não seriam apenas a
dimensão terrestre ou as edificações, elas contemplam também o espaço de relações e as relações sobre elas erguidas.
É portanto um lugar criado pelo homem para o encontro, as
trocas, a alteridade, as conversas e o diálogo. Não é possível
criar uma definição para a cidade, pois existem várias cidades
dentro da cidade, vista de cima, vista por dentro, por fora, todas
mostram lugares vazios, lugares cheios, lugares de exploração,
exclusão, violência e uma diversidade enorme de possibilidades.
According to Hanna Arendt, a city is not just defined by its
earthly extent and its buildings; a city is a space of relations,
and the relationships built over them. It is as such, a place created by Man for meetings, exchanges, alterity, conversations
and dialogues. It is not possible to create a single definition for
what constitutes a city, since many other cities are contained
within it; all possible viewpoints - from the inside to the outside
- display empty areas, populated areas, places of exploration,
exclusion, violence, and many more possibilities.
Uma colaboração ocorre quando um grupo de pessoas se une
para criar algo que seria impossível fazer sozinho. Para isso é
necessário haver diálogo, comunicação, concessões. Verdadeiros trabalhos colaborativos de arte são aqueles em que as pessoas se envolvem, no tempo e no espaço, formando uma rede de
interesses comuns. A colaboração e seus termos irmãos, como
livre-cooperação, comunidade, interação e rede, é palavrachave para uma transformação política que está se dando em
escala global.
C O L AB O R AÇÃO
c o l l a b o rat i o n
A collaboration occurs when a group of people gather to create something a single person would never be able to. For such
a thing to happen, it is necessary to communicate and make
concessions. True collaborative works of art are those in which
multiple people are involved through time and space, forming a
network of common interests. Collaboration and similar terms,
such as free cooperation, community, interaction and networking are keywords for a currently ongoing global political transformation.
Termo usado para descrever grupos de artistas envolvidos em
práticas colaborativas. Mas pode ser usado também para designar qualquer ajuntamento de pessoas que trabalham por
uma causa ou em algum processo criativo. Coletivos de arte
privilegiam, muitas vezes, uma produção artística que transita
por diversas áreas do conhecimento. Envolve trabalhos que valorizam o processo em detrimento da produção de um “objeto”
a ser exposto. Articulam, entre seus integrantes, saberes, contatos e modos de fazer, que somados produzem resultados que
não poderiam ser alcançados individualmente.
C O L E T I VO
c o l lect i ve
This term is used to describe groups of artists involved in collaborative practices. But it may also be used to designate any
gathering of people working for a cause or in a creative process.
Artistic collectives often favour an artistic production in transit through a diversity of areas of knowledge. They are involved
with procedural works which value the process in detriment of
the production of an “object” to be exhibited. They articulate
through their participants, knowledge, contacts and methods
which, by the means of their sum, produce results which could
not be reached by a single person.
É uma apropriação dos meios de circulação e produção da informação para deslegitimar o estado de poder das mídias “oficiais”. por meio do uso dos meios de comunicação, das redes
sociais, dos meios impressos ou artísticos, é possível produzir
imagens, relatos, vídeos ou textos que promovem a desconstrução dos discursos oficiais. Podem ser desvios, ou intervenções em publicidade, ou a produção de mídia independente,
jornais, zines, cartazes, sites, blogs, páginas em redes sociais,
canais de TV, rádios piratas, transmissões online, entre outros.
C O N T R AI N FO R M AÇÃO
c o un te ri n fo r m at i o n
It is an appropriation of the means of circulation and production of information, done with the intention of delegitimizing
the state of power of the “official” media. Through the usage of
means of communication, social networks, print media and artistic means, it is possible to produce images, reports, videos or
texts promoting the deconstruction of official discourse. They
may be publicity interventions or deviations, or the production
of independent media - including newspapers, magazines, banners, websites, blogs, social networking pages, television channels, pirate radio, online broadcasting, and others.
O DIR E ITO À
C IDA DE
t h e r ight to
t he c it y
306
307
A cidade que queremos está totalmente associada ao tipo de
pessoas que queremos ser. Podemos então observar a ideia
central de Henri Lefebvre sobre o direito à cidade: “não como
um simples direito de visita ou como um retorno às cidades
tradicionais”, mas “como um direito à vida urbana transformado
e renovado”. Sua noção aponta para o fato de que o direito à cidade é muito maior do que o direito ao acesso aos espaços da
cidade, mas é acima de tudo o direito de transformar a cidade
de acordo com os nossos desejos. O direito à cidade, para Lefebvre, é um direito humano dos mais importantes, pois através
dele seria possível reconstruir os tipos de relações sociais que
queremos. Para saber mais leia: Lefebvre, Henri. O direito à cidade. Tradução Rubens Frias. São Paulo: Ed. Moraes, 1991.
The kind of city we want is wholly associated to the kind of people we want to be. This allows us to observe Lefebvre’s central
idea in regard to the right to the city: “not as a simple right to
visit or as a return to traditional cities”, but “as a transformed
and renovated right to urban life”. This concept points to the fact
the right to the city is much greater than the right to access the
spaces in the city, but is above all the right to change the city according to our desires. To Lefebvre, the right to the city is one of
the most important human rights, since it makes it possible to
rebuild the types of social relationships we want. For more information, please consult Henri Lefebvre’s “The right to the city”.
D OCU M E NTAÇÃO/
REGI STRO
d ocu me nt at io n/
rec o rd
Diz respeito aos registros de toda natureza, como fotografias, vídeos, gravações de áudio, relatos, ilustrações, material
impresso, correspondências, etc. Documentação é a reunião
desse material, relativo a uma ação, trabalho artístico, processo criativo, etc., com o objetivo de produzir arquivos que criam
história, memória, e compartilham ações. A documentação e o
registro levam parte dos projetos a outros espaços e tempos,
permitindo sua ressignificação ou servindo como matéria bruta
ou referência para outros projetos e reflexões.
It refers to records of any nature, such as photographs, videos,
audio recordings, reports, illustrations, printed works, letters,
etc. A documentation is the gathering of all of these materials,
in relation to an action, artistic work, creative process and more,
with the objective of creating memory and history-forming
archives, capable of sharing actions. A documentation or record
takes a part of the projects to other spaces and times, allowing
them to be redefined or to serve as a raw matter or reference to
other projects and reflections.
A Deriva é um modo de comportamento experimental que visa a
uma experiência viva da cidade. É a pratica de andar sem rumo.
D E R I VA
dr if t
Drift is an experimental behavioral mean which aims to generate a life experience in the city. It is the practice of drifting
through a space, with no set course.
No sentido dado por Guy Debord: “o espetáculo é o capital em
tal grau de acumulação que se torna imagem”. Diz respeito a um
estágio do capitalismo avançado onde a imagem ganha uma
onipresença na vida em sociedade, de forma que as relações
humanas não são mais “diretamente vividas. É a transição do
“ser” para o “parecer”. O Espetáculo para eles seria “a alienação
e a passividade da sociedade” e o seu antídoto seria “a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social,
principalmente no da cultura”. Ver: Debord, Guy. A sociedade do
espetáculo, Contraponto: Rio de Janeiro, 1997.
ES PE TÁC U LO
s p e ct a c le
As defined by Debord: “the spectacle is the capital at such a
degree of accumulation it becomes image”. It refers to a stage
of advanced capitalism in which image becomes omnipresent
in the life in society, in such a way that human relations are no
longer directly lived through. It is the transition of “being” to “appearing to be”. According to him, the spectacle can be seen as
“society’s passiveness and alienation”, and its antidote would be
“the active participation of individuals in all areas of social life,
specially the cultural area”. For more information, please consult Guy Debord’s “The Society of the Spectacle”.
É uma das principais estratégias do capitalismo atual e inclui o investimento de grandes recursos em ações denominadas de “requalificação ou revitalização” de áreas “esquecidas”
da cidade. A partir de uma lógica de especulação imobiliária,
baseada em negociações entre o setor privado e os governos,
esse tipo de iniciativa transforma lugares para atrair novos
investimentos. Geralmente envolve a realização de grandes
empreendimentos imobiliários em áreas pobres ou desvalorizadas, incluindo a construção de imóveis de alto padrão e a criação de serviços e espaços para consumo (lojas, restaurantes,
cafés e shoppings) e lazer (centros culturais, museus, galerias,
etc.). Como consequência, a gentrificação leva à expulsão ou à
substituição das famílias de baixa renda pelas de classe emergente. Portanto, a gentrificação não é um processo apenas
físico (de intervenção no lugar) ou econômico, mas é também
cultural e social, pois modifica todos os aspectos culturais de
uma determinada região.
G E N T R I F I CAÇÃO
gen t r if ic at io n
It is one of the main strategies of modern capitalism. It involves
the financial investment, many times called “requalification”
or “revitalization”, of forgotten areas in a city. By means of real
estate speculation, it transforms these places to attract investments. This generally happens in impoverished or devalued
areas, on which great building ventures are carried out, generally involving high standards and the creation of services and
spaces for consumption (shops, restaurants, diners, malls)
and leisure (cultural centers, museums, galleries, etc.), causing transformations and explorations by using negotiations
between the private sector and the governments as a starting
point. Consequently, gentrification leads to the eviction or substitution of families with low income by those in the emergent
class. Therefore, gentrification is not only an economical and
physical process (intervening over a place), but is also cultural
and social in nature, since it modifies all the cultural aspects of
the affected region.
308
309
GR U P O
g ro u p
Sinônimo de Coletivo, um grupo serve, entre outras coisas, para
viabilizar projetos que os membros não conseguiriam realizar
sozinhos. Em um grupo, busca-se compartilhar os processos
e socializar os resultados. É um núcleo de produção em que a
questão da autoria se dissolve.
A synonym of collective, a group functions - amongst other purposes - to facilitate projects which could not be carried out by a
single person. Those in a group aim to share the processes and
socialize the results. It is a production core in which the matter
of authorship is dissolved.
INSE R Ç ÕES
EM C IR C U ITOS
I DEOLÓGIC OS
in ser t io n s in to
id eolo g ic al c irc le s
Inserções em Circuitos Ideológicos: as inserções tomaram forma em dois projetos do artista Cildo Meireles – “Projeto CocaCola” e “Projeto Cédula” – que nasceram da necessidade de criar
um sistema de circulação, de intercâmbio de informações que
não dependesse de nenhum tipo de controle centralizado. Consistia na inserção de mensagens como “Quem Matou Herzog”
ou “Ianques Go Home” em cédulas de dinheiro ou nas garrafas
de Coca-Cola. O trabalho utiliza os meios de circulação próprios
do dinheiro, ou das garrafas de refrigerante, para existir.
Insertions have taken shape in two projects by the artist Cildo
Meireles: “Projeto CocaCola” and “Projeto Cédula”, which were
born out of the need of creating a system of information exchange and circulation, with no dependency on any kind of centralized control. It consisted of the insertion of messages like
“Who killed Herzog?” or “Yankees Go Home” in ballots or CocaCola bottles. The continued existence of the project utilizes the
established circulation means of currency and soda bottles.
Criada em 1957 numa conferência em Cosio d’Aroscia, Itália,
por membros da Internacional Letrista e do Movimento por uma
Bauhaus Imaginista, a Internacional Situacionista (IS) envolveu
um grupo de intelectuais e artistas de vários campos que se associaram num movimento artístico, político e poético, criado e
liderado por Guy Debord. Era um grupo radical de crítica política
e constituiu uma vanguarda artística que pretendeu – e exigiu
dos seus membros – a ultrapassagem das formas vigentes
de arte e a disposição de todas as suas energias a serviço da
revolução. O tédio era entendido como a pior das coisas, como
forma de patologia social que conduz a humanidade à pior escravidão. Percebiam a importância da produção industrial da
cultura como fenômeno profundamente transformador das estruturas simbólicas, inaugurando a “sociedade do espetáculo”,
conforme descrita e criticada por Guy Debord.
I N T E R N AC I O N AL
S I T UAC I O N I STA
sit uat io n ist
i n te r n at i o n a l
Created in 1957 at a conference in Cosio d’Aroscia, Italy, by
members of the Lettrist International and the International
Movement for an Imaginist Bauhaus, the Situationist International (SI) was formed by a group of intellectuals and artists
from a diversity of fields, which associated themselves to an
artistic, political and poetic movement created and led by Guy
Debord. It was a radical group of political critique, and was constituted of an artistic vanguard which aimed for - such was demanded from its members - the overcoming of the prevailing
forms of art and the disposition of all energies at the service of
the revolution. Boredom was regarded as the worst of all things,
as a form of social pathology leading humanity to the worst
kind of slavery. They realized the importance of the industrial
production of culture as a deeply transforming phenomenon to
symbolic structures, unveiling the “society of spectacle”, as described and critiqued by Guy Debord.
Esse termo é usado quando objetos, imagens ou informações
são colocadas em certos contextos (museus, jornais ou na rua),
interrompendo a percepção da arte e chamando atenção para
as mensagens veiculadas ali. Pode ser entendida como um
procedimento prático, ou uma ação que se dá nas estruturas
urbanas, em que o artista intervém produzindo ou alterando as
caraterísticas do local da ação.
This term is used when information, objects or images are put
into specific contexts (museums, newspapers or the streets)
interrupting the perception of art and drawing attention to the
messages contained within. It can be regarded as a practical procedure, or as an action taking place in urban structures on which
the artist intervenes by producing or modifying their features.
I N T E RV E NÇÃO
i n te rve n t i o n
LIV R E
INFOR M AÇÃO
free info r mat io n
A defesa da livre informação está relacionada diretamente ao
contexto da luta pela democratização da comunicação e pelo
direito humano de acesso à informação e livre expressão do
pensamento. Nessa perspectiva, o exercício efetivo da cidadania pressupõe a possibilidade de todas as pessoas buscarem
seus meios de livre expressão e manifestação do pensamento,
sem restrições ou qualquer tipo de controle. Nesse sentido,
busca-se combater a hegemonia da grande mídia, que veicula
apenas aquilo que é de seu interesse, criando situações falsas
que geram a desmoralização de certos grupos, ações e pessoas.
The defense of free information is done with the intention of
making information democratic, believing that the free expression of thought and true knowledge of the facts are pivotal for
the sound exercise of citizenship. It aims to resist the greater
media, which displays only what relates to its interests and creates false situations to demoralize specific groups, actions and
people.
310
311
PA ISAGE M
l a n dsc a pe
Milton Santos aponta que a palavra paisagem pode ser entendida como um “conjunto de elementos naturais ou artificiais
que fisicamente caracterizam uma área”. “A rigor, a paisagem é
apenas a porção da configuração territorial que é possível abarcar com a visão”. Ele afirma ainda que a paisagem é constituída
de objetos passados e presentes, portanto é transtemporal.
Milton Santos indicates that “landscape” can be understood as
a “collection of natural or artificial elements which physically
characterize an area”. “There is no such a thing as an inert, stationary landscape, and if we use this concept, it should only be
as an analytical resource. Landscape is materiality, formed by
material and immaterial objects”. He also states that a landscape is composed of past and contemporary objects, and as
such it is transtemporal.
PSICOGEOGR A FIA
psych o ge o g rap hy
Psicogeografia: experiência prática de apropriação lúdica do
território urbano, criada pelos Situacionistas, que abrange a
produção de uma geografia afetiva, subjetiva, que busca cartografar as diferentes ambiências psíquicas provocadas, basicamente, pelas deambulações urbanas. A psicogeografia
propõe o “estudo dos efeitos específicos do meio geográfico,
conscientemente ordenado ou não, e suas influências sobre
o comportamento afetivo dos indivíduos.”. Ver JACQUES, P. B.
(Org.) Apologia da Deriva. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
A practical experience of recreational appropriation of urban
territory, created by the Situationists, which can be defined
as the production of an affective, subjective geography. It intended to map the many different psychic ambiences, basically
provoked by urban wanderings. Psychogeography proposes
the “study of the specific effects of the geographic medium,
consciously sorted or otherwise, and its influences over the
affective behavior of individuals”. For more information, please
consult JACQUES, P. B. (Org.). Apologia da Deriva. Rio de Janeiro:
Casa da Palavra, 2003.
Zonas Autônomas Temporárias (tradução de TAZ – Temporary
Autonomous Zones). Na denominação de Hakim Bey, TAZ são
lugares, que por uma fração do tempo, funcionam de maneira
independente de qualquer controle político do Estado.
TA Z
TA Z
Temporary Autonomous Zones, as denominated by Hakim Bey,
are places which, for a fraction of time, function independently
from any sort of political control by the State.
Criado pelos Situacionistas, não era uma proposta de urbanismo, mas sim uma crítica a ele. Consiste em uma teoria urbana crítica que busca o emprego conjunto de artes e técnicas
que trabalham para a construção integral de um ambiente em
ligação dinâmica com experiências de comportamento. O urbanismo unitário luta contra o tédio nas cidades por meio de
exercícios livres que “descondicionam” os modelos de vida para
organizá-los de outra maneira, de forma a criar um novo padrão
de comportamento para o cotidiano. O pensamento do urbanismo unitário foi a base para a criação da “Nova Babilônia”, uma
proposta de cidade utópica, desenvolvida pelo arquiteto holandês Constant. Nessa cidade, existiria uma infinidade de construções experimentais inacabadas, abertas ao uso livre pelos
seus habitantes.
U R BAN I S M O
U N I TÁR I O
un it a r y ur ba n ism
Created by the Situationists, it was not a proposal of urbanism,
but a critical statement to urbanism. It is a critical theory which
sought the collective employment of arts and techniques which
worked for the integral construction of an environment dynamically connected to behavioral experiences. Unitary urbanism
counteracts the boredom in cities by means of free exercises,
which decondition the established life models to organize them
in a different manner, so as to create a new standard of behavior
for ordinary life. The idea of unitary urbanism was the basis for
the creation of “New Babylon”, a proposal for an utopian city, developed by Dutch architect Constant Nieuwenhuys. In this city,
there would exist an infinity of experimental, unfinished constructions, available to be freely used by its inhabitants.
De acordo com Milton Santos, a utopia não é algo inatingível,
irrealizável, mas sim a possibilidade real de mudança.
According to Milton Santos, “utopia” does not refer to something
unattainable, unrealistic; it refers, in truth, to the real possibility
of change.
U TO P I A
uto p i a
R EFE RÊ NCI A S
B IBLI OGRÁFICAS
R EFE RE NCES
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Brígida Campbell é artista e professora do curso de graduação em Artes Visuais
da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutoranda em Artes Visuais na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo e mestre pela EBA-UFMG. Sócia fundadora do EXA - Espaço Experimental
de Arte, em Belo Horizonte [www.exa.art.br]. Faz parte do Poro [www.poro.redezero.org].
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Brígida Campbell is an artist and professor of the of the graduation course in
Visual Arts at the School of Fine Arts of the Federal University of Minas Gerais.
She is a doctoral student in Visual Arts at the Escola de Comunicações e Artes of
the University of São Paulo; and has a Master’s degree at the EBA-UFMG. She is a
founding partner of EXA – Espaço Experimental de Arte in Belo Horizonte [www.
exa.art.br] and a member of Poro [www.poro.redezero.org].
www.brigidacampbell.art.br
[email protected]
AGRADECIMENTOS
T H A NKS
Agradeço a todos os amigos que colaboram para a execução desde livro em especial [I
thank all the friends who helped with the execution of this project, in particular: ]: Bruno
Vilela, Pedro Vieira, Maria Clara Xavier, Valéria Sarsur, Lorena Vicini, Rafael Maia, Fernando
Paes, Elisa Campos, Marcelo Drummond, Amir Brito, Vlad Eugen, Fernanda Goulart, Adriano
Guerra, Larissa Agostini, Vera Pallamin, Marisa Flórido, Maria Angélica Melendi, Cássio
Hissa, Renata Marquez, Daniel Lima e Invisíveis Produções, Márcia Lousada, Gráfica
Formato, Alexandre Vogler, Berna Reale, Breno Silva, Louise Ganz, Coletivo Transverso,
Daniel Escobar, Dereco, Babidu, Grupo Empreza, Frente Três de Fevereiro, Coletivo Filé
de Peixe, Gia, Guga Ferraz, This Land Your Land, Paulo Nazareth, Pierre Fonseca, Piolho
Nababo, Piseagrama, Coletivo Projetação, Raphael Escobar, Vj Suave, Trinca SP, Interlux Arte
Livre, Goura, Monica Nador, Acidum, Sthepan, Opavivará, Grupo Fora, Flavia Mielnik, Ronald
Duarte, Jonathan de Andrade, Barbara Szaniecki, Mário Ramiro, ECA-USP, FAU-USP.
Agradeço a Funarte pelo patrocínio e a Escola de Belas Artes da UFMG pela licença para
estudos. [I thank Funarte for the sponsorship and the Escola de Belas Artes da UFMG for the
sabbatical for my studies.]
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EX P EDI E N TE
CR E D I TS
CONCEPÇÃO E ORGANIZAÇÃO
CONCEPT AND ORGANIZATION
PROJETO GRÁFICO
GRAPHIC DESIGN
DIAGRAMAÇÃO
LAYOUT
IMPRESSÃO DA CAPA
COVER PRINT
ARTE FINAL E PRODUÇÃO GRÁFICA
ARTWORK AND GRAPHIC PRODUCTION
EDIÇÃO DE TEXTO
TEXT EDITING
REVISÃO
REVISION
TRADUÇÃO
TRANSLATION
BRÍGIDA CAMPBELL
RAFAEL MAIA
BRÍGIDA CAMPBELL
RAFAEL MAIA
FERNANDO PAES
BRÍGIDA CAMPBELL
ADRIANO GUERRA E LARISSA AGOSTINI
MARIA CLARA XAVIER
PEDRO VIEIRA
VALÉRIA SARSUR
C187e
Campbell, Brígida
Arte para uma cidade sensível / Art for a sensitive city / Brígida Campbell; tradução para o
inglês Valéria Sarsur e Pedro Vieira - São Paulo, Invisíveis Produções, 2015.
320 p. : il.
ISBN: 978-85-66129-22-9
1. Artes 2. Arte Contemporânea 3.Cidades Imaginárias I.Título
CDD - 700
* Feito por humanos. Aprecie as imperfeições! :-)
Made by humans. Enjoy the imperfections! :-)
Impresso no mês de setembro de 2015, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, pela gráfica
Formato. O corpo do texto é na fonte Akkurat. Projetada por Laurenz Brunner em 2004 e
baseada na tradição tipográfica suíça, como a Helvética. Para os títulos utilizou-se a fonte
Neutra Face, desenhada por Christian Schwartz em 2002. Inspirada nos princípios de Design
do arquiteto Richard Neutra, é um projeto ambicioso de criar uma fonte geométrica que fosse
tipograficamente a mais completa. O miolo foi impresso em offset sobre o papel Polén Bold
90g e a capa em serigrafia, por Fernando Paes, sobre o papel Cartão Duplex 250g da Suzano.
Printed in September 2015, in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil, by Formato Press. The
body text is in Akkurat font. Designed by Laurenz Brunner in 2004 and based on the Swiss
typographic tradition, such as Helvetica. For titles, the Neutral font was used, designed by
Christian Schwartz in 2002. Inspired by the Design principles of architect Richard Neutra,
it is an ambitious project that aims to create a geometrical font that is typographically
the most complete. The interior was printed in offset on the Pollen Bold 90g paper and
the cover in screen printing, by Fernando Paes, on the Duplex Card paper 250g by Suzano.
ESTE PROJETO FOI CONTEMPLADO PELO MINISTÉRIO DA CULTURA E PELA FUNDAÇÃO NACIONAL DE
ARTES - FUNARTE NO EDITAL BOLSA FUNARTE DE ESTÍMULO À PRODUÇÃO EM ARTES VISUAIS.
distribuição gratuita - venda proibida
free distribution - not for sale