COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA DOS ATOS PROCESSUAIS
Breve balanço dos cinco anos de vigência da Lei n. 11.419/2006
Heitor Vitor Mendonça Sica
Professor Doutor em direito processual civil pela Universidade de São Paulo. Mestre e
doutor em direito processual civil pela mesma instituição. Advogado.
SUMÁRIO
1. Introdução
2. Breve panorama do regime de comunicação dos
atos processuais antes da Lei n. 11.419/2006
3. Linhas gerais da disciplina de comunicação
eletrônica dos atos processuais prevista na Lei n.
11.419/2006
4. Alguns problemas práticos da comunicação
processual eletrônica enfrentados pelos tribunais
5. Bibliografia.
1.
Introdução
Há algum tempo a doutrina tem apontado a informatização do processo como elemento
fundamental para incremento da efetividade prestação jurisdicional. Após algumas
alterações legislativas tímidas e limitadas – como, por exemplo, o art. 8º, par. ún., da
Lei n. 10.259/2001 e o art. 154, par. ún., do CPC introduzido pela Lei n. 11.280/20061 –
finalmente sobreveio a Lei n. 11.419 de 19 de dezembro de 2006, contendo regras
gerais sobre a adoção de meios eletrônicos para a prática de atos nos “processos civil,
penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição”
(art. 1º, §1º).
Lá se vão mais de cinco anos do início da vigência desse diploma (em março de 2007),
convindo fazer um balanço a seu respeito. Nos modestos limites deste estudo,
houvemos por bem centrar atenções apenas no regime da comunicação eletrônica dos
atos processuais, tema do qual se ocupa o Capítulo II da Lei n. 11.419/2006 (arts. 4º ao
7º2). Também daremos ênfase aos atos de comunicação realizados no âmbito do
processo civil.
Como adiante veremos, nesses dispositivos há novidades que foram postas em prática
quase imediatamente e outras que, ao que consta, ainda não vem sendo adotadas pela
esmagadora maioria dos tribunais. Essa constatação realça aspecto relevante da Lei n.
11.419/2006, ao permitir que os tribunais adotassem os diversos mecanismos
eletrônicos de maneira gradativa, de modo a tornar a implantação dessas ferramentas
(um pouco) menos “traumática”. Basta verificar, por exemplo, que a adoção do Diário
Oficial eletrônico (regulado pelo art. 4º da lei) não depende da utilização de meios
eletrônicos para citação (art. 6º) ou para documentação dos demais atos processuais em
geral (aquilo que o capítulo III da lei denomina impropriamente de “processo
eletrônico”, quando o correto seria “autos eletrônicos”).
Esse dispositivo relegou aos tribunais o papel de “no âmbito da respectiva jurisdição, disciplinar a
prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos”, dando margem a uma
completa ausência de padronização entre os mecanismos eletrônicos utilizados em cada Corte.
2
A rigor, o art. 7º trata dos atos de “cooperação judicial” (carta precatória, de ordem e rogatória), os quais
não se confundem com os atos de “comunicação processual” (citação e intimação). Centraremos atenção
apenas nessa segunda categoria (arts. 4º ao 6º).
1
Ainda assim, por mais louvável que tenha sido o esforço do legislador e por maior que
seja o empenho dos tribunais, a adoção das ferramentas previstas na Lei n. 11.419/2006
tende a causar dificuldades, sobretudo aos advogados. Afinal, o diploma altera a forma
de prática de importantes atos processuais, tanto do juiz quanto das partes. Se a
inobservância do regime formal imposto aos atos do juiz implica, em última instância, a
nulidade e repetição do ato irregular, o vício formal dos atos das partes, como regra,
ensejará a sua inadmissibilidade, sem se cogitar, ao menos em princípio, de emenda ou
repetição, privando-se a parte do exercício de ato processual.
Logo se vê qual é, a nosso ver, o maior desafio à informatização do processo. Ao menos
num primeiro momento, a substituição do suporte físico dos atos processuais (de papel
para bits) deve orientar-se pelo critério de não alterar demasiadamente o costume
assentado na prática judiciária.
Embora ramo do direito público, governado pelo princípio da legalidade, o direito
processual civil não fica imune à importância do costume, conforme lição emblemática
de CALAMANDREI (1954: 35): “a importância prática do costume judiciário vai além dos
limites das teorias sobre a interpretação da lei, ainda que daquelas mais arrojadas. Em
realidade, o que plasma o processo, o que lhe dá a sua fisionomia típica, não é a lei
processual, mas o costume de quem a põe em prática” (tradução livre).
Sem a observância dessa advertência do notável jurista italiano, corre-se o risco de se
concretizar a advertência feita por AUGUSTO MARCANINI (2002: 2): “[a] tecnologia que
cura também pode ser usada para matar”.
A informatização do processo judicial trará resultados perniciosos se não
observar o costume já assentado no dia-a-dia do foro.
Resta então saber, a partir da análise da jurisprudência formada nesses mais de cinco
anos de vigência da Lei n. 11.419/2006, se têm surgido problemas práticos decorrentes
da adaptação do costume arraigado no espírito dos/sujeitos processuais às ferramentas
eletrônicas relativas à comunicação processual.
2.
Breve panorama do regime de comunicação dos atos processuais antes do
advento da Lei n. 11.419/2006
Segundo entendimento absolutamente corrente na doutrina, a garantia constitucional do
contraditório (CF, art. 5º, LIV) se assenta sobre o binômio “informação-reação” 3, de tal
modo que a participação do sujeito no processo em que figura como parte depende
fundamentalmente dos atos de comunicação processual.
O nosso ordenamento processual civil classifica esses atos de comunicação processual
em duas categorias: a citação e a intimação. Embora deixem a desejar as definições
constantes dos arts. 213 e 234 do CPC4, respectivamente, da leitura dos demais
dispositivos legais dedicados ao tema infere-se com razoável clareza que citação é o ato
3
Cf., v.g., ROGÉRIO LAURIA TUCCI e JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (1989: 61).
Os dispositivos acham-se assim redigidos: “Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou
o interessado a fim de se defender” e “Art. 234. Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos
atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”. O primeiro dispositivo é
criticável por usar um termo vago e pouco técnico (“interessado”) e o segundo deixa indevidamente de
reconhecer que a intimação é necessária mesmo que não seja para que o litigante faça ou deixe de fazer
algo. Mesmo aqueles atos processuais que não ensejam qualquer reação devem ser dados ao
conhecimento das partes. Exatamente por isso é que simples despachos – por definição atos de mero
impulso, desprovidos de conteúdo decisório (CPC, art. 162, § 3º e 504) – devem ser publicados na
imprensa oficial, do mesmo modo que uma parte deve ser intimada de decisão dirigida ao seu adversário.
Em resumo: mesmo que não se faculte qualquer reação nesse caso, é de absoluto rigor que haja
comunicação processual.
4
inicial de comunicação, pelo qual o demandado (aquele contra quem o demandante
deduziu pretensão) é informado da instauração do processo e convocado para, querendo,
dele participar. Todos os demais atos de comunicação do processo hão de ser
classificados como intimações.
Considerando-se que de tais atos de comunicação depende a correta observância do
contraditório, estão eles cercados de rigor formal, cujo descumprimento enseja nulidade
expressamente cominada (arts. 214, caput, 236, §1º e 247).
Sem atos de comunicação processual regulares, não há contraditório
válido.
O ato de citação é sabidamente cercado de maior formalismo, pois oportuniza a defesa
do réu, sem a qual se aplica o grave ônus da revelia5. Em razão disso, a maioria da
doutrina reputa que o vício processual consistente na falta ou nulidade da citação enseja
a inexistência jurídica da sentença6. Isso justifica que o vício sobreviva ao advento da
coisa julgada material, podendo ser alegado e reconhecido a qualquer tempo e por
qualquer meio, em especial quando do cumprimento da sentença proferida contra o réu
indevidamente declarado revel (art. 475-L, I e 741, I).
Daí porque a regra geral é a de que a citação seja pessoal. Apenas excepcionalmente, a
pessoalidade do ato pode ser quebrada, em hipóteses textualmente previstas, tais como
nos casos de ausência do réu no local onde normalmente se encontra (art. 215, §1º),
suspeita de ocultação (arts. 227 a 229) ou paradeiro “ignorado, incerto ou inacessível”
(art.231), casos em que o ato será cumprido, respectivamente, na pessoa do
“mandatário, administrador, feitor ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles
praticados”, por “hora certa” e por edital. Essas duas últimas modalidades (edital e
hora certa) consideram-se fictas7 e, por isso, a elas o juiz recorre apenas em último
caso. E se o réu fictamente citado permanecer revel, a ele ainda será dado curador
especial (art. 9º, II).
Para encerrar esse rol de exceções à pessoalidade do ato citatório, podermos acrescentar
hipóteses em que ele é cumprido na pessoa do advogado já constituído pelo sujeito a
quem se dirige a comunicação8.
Além dessa formalidade essencial – a pessoalidade –, o Código prescreve muitas outras
para garantia de que o réu teve efetiva ciência do ato, tais como: (a) a exigência de que
o oficial certifique aparente “demência” do réu ou outra circunstância que o impeça de
receber a citação (art. 218); (b) as informações que devem constar da carta ou mandado
(arts. 223, 225 e 285); e (c) como deve proceder o carteiro e o oficial ao cumprirem o
ato citatório (arts. 223, par.ún, e 226).
Já a intimação se sujeita a regra inversa à da citação. Como regra, a intimação não será
pessoal, bastando a veiculação da informação pelo Diário Oficial (art. 236, caput),
5
Como bem apontou CALMON DE PASSOS (1992:398), a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo
autor (CPC, art.319) é consequência tão severa, que o sistema trata o réu revel como um verdadeiro
delinquente (salvo, é claro, nos casos do art. 320 do CPC e em outras hipóteses espalhadas pelo sistema).
6
Cfr., por todos, CASSIO SCARPINELLA BUENO (2010:440).
7
Cfr., por todos, DINAMARCO (2009: 425). Haveremos que reconhecer que também a hipótese do art.
215, §1º, merece ser catalogada como modalidade ficta de citação, ante a inexistência de certeza quanto
ao recebimento do ato de comunicação pelo próprio citando.
8
É o caso da citação do réu dos embargos de terceiro, conforme se infere (a contrario sensu) do art.
1.050, §3º, do CPC, com redação dada pela Lei n. 12.125/2009: “A citação será pessoal, se o embargado
não tiver procurador constituído nos autos da ação principal”. Pode-se considerar que o art. 316 do CPC
encerra outro exemplo, embora se refira a “intimação” para que o autor se defenda quanto à reconvenção.
Na redação original do CPC, o art. 603, par. ún., determinava a “citação” para o “processo” liquidação de
sentença (o que foi alterado por força da Lei n. 11.232/2005, que “rebaixou” a liquidação a mera “fase”
do processo sincrético, iniciada por simples intimação – CPC, art. 475-A, §1º). De certa maneira, foi o
que ocorreu também com relação à “fase” de cumprimento de sentença (CPC, art. 475-J).
devendo dela constar, necessariamente e sob pena de nulidade, “os nomes das partes e
de seus advogados, suficientes para sua identificação” (art. 236, §1º9). Apenas
excepcionalmente é que a intimação deverá ser pessoal (ora por mandado, ora pelo
correio), como, v.g., (a) quando não houver órgão de publicação de atos oficiais na sede
do juízo (art.237); (b) quando a intimação for dirigida ao Ministério Público (art. 236,
§2º e art. 41 da Lei n. 8.625/93) e aos advogados da União e procuradores da Fazenda
Nacional (art. 38, LC n. 73/93); (c) para determinar à parte que dê andamento ao
processo abandonado (art. 267, §1º); (d) para colheita de depoimento pessoal (art. 343,
§1º); etc.. Nesses casos, aplicam-se, em linhas gerais, formalidades similares àquelas
previstas para a citação (arts. 237, I e II, 238, e 239).
Em linhas gerais, esse é a disciplina dos atos de comunicação processual traçada desde
o início de vigência do CPC, tendo sido alterada apenas pelas reformas processuais
pontualmente e sem maior relevância (Leis n. 8.710/93, 8.952/94 e 11.382/2006).
Esse cenário legislativo se alterou profundamente face à promulgação da Lei n.
11.419/2006, que criou regras sobre comunicação eletrônica dos atos processuais que
sequer foram introduzidas no corpo do CPC, por força da nova redação dada aos seus
arts. 221, IV, e 23710. Como se verá, essa nova disciplina legal dispensa uma parte
razoável das formalidades anteriormente listadas para as citações e intimações.
3.
Linhas gerais do regime de comunicação eletrônica dos atos processuais
prevista na Lei n. 11.419/2006
A primeira novidade introduzida pela Lei n. 11.419/2006 concerne à possibilidade de
criação do Diário da Justiça eletrônico, a ser disponibilizado pela rede mundial de
computadores, tanto para os atos judiciais, quanto para os atos administrativos dos
tribunais (art. 4º).
Essa disciplina legal é cercada de cuidados, tanto prévios à instituição do Diário
Eletrônico (para dar publicidade geral a essa alteração – art. 4º, §5º), como para sua
efetiva circulação, tais como a exigência de assinatura digital (art. 4º, §1º) e a
diferenciação entre a data de “disponibilização” da informação no Diário e a data da
efetiva “intimação” (um dia útil depois – art. 4º, §3º e §4º11). Além disso, trata-se de
forma de comunicação que não substitui a pessoal, quando exigida (art. 4º, §2º).
A adoção do Diário da Justiça eletrônico espalhou-se rapidamente pelos quatro cantos
do país, o que pode ser explicado pelas sensíveis vantagens em relação ao Diário
impresso (desde que, evidentemente, respeitadas as formalidades estipuladas pelo CPC
e pela Lei n. 11.419/2006). Do ponto de vista da Administração da Justiça, a redução de
custos se apresenta tão manifesta, que carece de qualquer demonstração matemática. Do
ponto de vista do jurisdicionado, o costume assentado quanto à consulta do Diário
9
É curioso notar que o edital de citação é publicado não apenas em órgão oficial, mas também em jornais
de grande circulação por pelo menos duas vezes (CPC, art. 232, III), e se cuida de ato de comunicação
ficto, ao passo que a intimação feita em nome da parte e de seu advogado pela imprensa oficial por uma
única vez não o é. A explicação para isso é a de que, uma vez informados acerca da existência do
processo, do órgão judiciário perante o qual tramita e o número dos autos, a parte e seu patrono passariam
a se sujeitar ao ônus de consultar diariamente o Diário Oficial.
10
“Art. 221. A citação far-se-á: (...) IV - por meio eletrônico, conforme regulado em lei própria” e “Art.
237. (...). Parágrafo Único. As intimações podem ser feitas de forma eletrônica, conforme regulado em lei
própria”. Aliás, o projeto de novo CPC, tal como aprovado pelo Senado, mantém vigente a Lei n.
11.419/2006, relegando-lhe a disciplina dos atos de comunicação processual eletrônicos (art. 215, IV, e
242).
11
O legislador certamente teve receio de que a veiculação do Diário da Justiça eletrônico poderia ocorrer
ao longo do dia (e não necessariamente no início da manhã, como ocorria com o Diário impresso em
papel), o que justificaria a contagem de um dia a mais para início da fluência do prazo.
impresso não se altera, ao passo que desponta evidente a facilidade de consultar o
Diário de qualquer lugar do mundo, sem nenhum prejuízo em termos de publicidade dos
atos processuais. Se a veiculação do Diário eletrônico for gratuita (como sói ocorrer) e
dotada de ferramentas de pesquisa por critérios como nome da parte ou advogado
(também bastante comuns), tem-se um quadro em que a comunicação processual
eletrônica passa a ser muito mais efetiva do que a tradicional, sem qualquer
desvantagem12.
O Diário da Justiça eletrônico foi rapidamente adotado por muitos
tribunais, e não alterou o costume forense já sedimentado em torno do
Diário impresso em papel.
Já a análise que se pode fazer da segunda novidade trazida pela Lei n. 11.419/2006 é
bastante diferente. Referimo-nos às ferramentas previstas nos arts. 5º e 6º do diploma,
pelas quais as intimações e citações, respectivamente, podem ser feitas “por meio
eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º”. Uma vez
cadastrados, os jurisdicionados e/ou advogados passarão a contar com uma senha de
acesso ao sistema, no qual seriam registradas as intimações e citações a eles dirigidas13.
Quando o sistema for acessado, as intimações até então postadas eletronicamente são
consideradas realizadas (art. 5º, §1º14). Caso o usuário deixe de consultar o sistema por
10 (dez) dias corridos da data de envio eletrônico da intimação, a comunicação será
considerada “automaticamente realizada na data do término desse prazo” (art. 5º, §3º).
Essa forma de intimação pode substituir aquela feita por Diário Oficial (tanto impresso
quanto eletrônico – art. 5º, caput) e ser suplementada por correspondência eletrônica de
“caráter informativo” (art. 5º, §4º).
Essa disciplina legal pode ser alvo de diversas críticas.
A primeira concerne a aspecto enfatizado desde o início desta exposição: o costume
sedimentado no dia-a-dia forense não é compatível com essa forma de comunicação
processual.
A realização “automática” da comunicação ao final do decêndio legal não chega a
lançá-la no rol dos atos fictos15, mas parece-nos que, considerados os costumes
forenses, o grau de certeza quanto à efetiva ciência do destinatário é consideravelmente
menor.
Além disso, se o sistema informatizado não for muito bem montado, o jurisdicionado
animado por espírito protelatório poderá encontrar brechas para sempre utilizar o
12
As ferramentas de busca no corpo do Diário eletrônico trazem particular ganho de eficiência no tocante
à citação por edital. Ninguém duvida que é totalmente impossível que o réu se depare com o edital ao
folhear as centenas ou milhares de páginas do Diário Oficial impresso (a menos que o réu, imbuído de
má-fé, esteja propositalmente escondido e saiba de antemão qual órgão judiciário tentará citá-lo). Embora
ainda muito improvável, passa a ser perfeitamente possível que o réu pesquise diariamente o seu nome no
Diário eletrônico. A citação editalícia passa a ser “menos ficta” do que quando feita pelo Diário impresso.
13
Para os fins do art. 6º, o advogado só poderia receber citações quando autorizado em lei (CPC, art. 38),
exigindo-se, então, o cadastramento da própria parte. Aliás, esse cadastramento da própria parte se
prestaria igualmente para viabilizar as intimações pessoais (que podem ser feitas sob essa forma, nos
termos do art. 5º, §6º).
14
Se o acesso se der em dia sem expediente forense, dispõe o art. 5º, §2º, que se considerará realizada no
dia útil seguinte.
15
Fosse assim, a intimação do advogado pelo Diário Oficial (impresso ou eletrônico) também receberia
esse rótulo, o que não ocorre à luz da generalidade da doutrina.
referido prazo de 10 (dez) dias previsto no art. 5º, §3º16. Poderá se experimentar atraso
processual17.
Outro aspecto a chamar a atenção é o de que o art. 5º não informa se esse mecanismo de
intimação substituirá a pessoal, quando exigida. A omissão legislativa, interpretada
sistematicamente, conduz à conclusão de que sim. Afinal, quando o legislador
pretendeu preservar os casos de intimação pessoal, o fez expressamente (art. 4º, §2º, já
referido). Ademais, conforme art. 6º, adiante examinado, se até mesmo as citações
poderão ser feitas utilizando-se a mesma ferramenta tecnológica, não há porque negar
que as intimações pessoais não o sejam por ela substituídas.
De outra parte, a utilização desses mecanismos depende necessariamente do
cadastramento dos interessados. Parece-nos pouco provável que os advogados e partes
se disponham voluntariamente a tanto, seja pela comodidade de contar com atos de
comunicação com o qual já estão habituados, seja pela natural desconfiança que um
sistema inteiramente novo gera. Os tribunais teriam que obrigar advogados e litigantes a
fazer o cadastramento, o que não seria exatamente fácil, sobretudo face à ausência de
qualquer sanção prevista em lei para o descumprimento dessa ordem. A única coerção
possível seria condicionar a consulta aos autos (especialmente os digitais, onde
houver) ao prévio cadastramento. A nosso ver, isso constituiria retumbante
ilegalidade, tanto sob o ponto de vista da garantia constitucional da publicidade ampla
ou externa (de que são destinatários todos os cidadãos), quanto, principalmente, sob o
prisma da publicidade restrita ou interna (direcionada às partes18).
No tocante à citação eletrônica, a exigência de prévio cadastramento reduz a utilidade
da ferramenta, que só teria condições de funcionar para os litigantes contumazes (e o
art. 6º cuidou de mencionar expressamente o mais notório deles: a Fazenda Pública). A
pessoa física ou jurídica que jamais litigou e nunca se cadastrou no portal da justiça, por
óbvio não poderia ser citada eletronicamente. E mesmo que o sujeito já conte com
cadastro realizado quando do acompanhamento de outro processo (pendente ou findo), a
nós parece inaceitável dispensar a citação pessoal.
As ferramentas de citação e intimação eletrônicas previstas nos arts. 5º e 6º
da Lei n. 11.419/2006 contêm pontos bastante criticáveis.
4.
Alguns problemas práticos da comunicação processual
enfrentados pelos tribunais na vigência da Lei n. 11.419/2006
eletrônica
Considerando-se que os tribunais, por ora e felizmente, não vêm adotando as formas de
citação e intimação eletrônicas mediante prévio cadastramento (arts. 5º e 6º), e que o
Diário da Justiça eletrônico, já largamente disseminado, mantém o formato do Diário
impresso em papel, não é de se espantar que sejam poucas as polêmicas geradas pela
Lei n. 11.419/2006 na jurisprudência.
16
O §4º do mesmo dispositivo pouco refresca a situação, permitindo que as intimações sejam feitas por
outra forma apenas em “casos urgentes”.
17
PETRÔNIO CALMON mostrou-se mais otimista ao analisar essa novidade, ponderando que o advogado já
se sujeita ao ônus de consultar diariamente o Diário de Justiça, e afirmando que o prazo de 10 dias
previsto art. 5º, §3º, não comprometerá a celeridade pois “atualmente demora muito mais de dez dias para
que uma decisão judicial seja efetivamente publicada” (2008: 87). A nosso ver, a lei não cuida dos
trabalhos internos da Serventia Judicial para viabilizar a intimação. E é nessa etapa que se verifica a
demora, pouco importando a sua forma (Diário da Justiça impresso, Diário eletrônico ou mensagem
postada no portal do tribunal).
18
Trata-se de distinção acolhida amplamente na doutrina, cumprindo citar, apenas à guisa de exemplo,
TUCCI- CRUZ E TUCCI (1989: 73).
Em grande medida, têm-se repetido em diversos precedentes o exame de questões que já
vinham antes sendo debatidas na época em que circulava o Diário da Justiça impresso.
A jurisprudência em torno dos problemas da Lei n. 11.419/2006 é ainda
incipiente.
Veja-se que a maioria dos precedentes continua a negar valor oficial às informações
sobre o andamento processual obtidas nos portais dos tribunais na rede mundial de
computadores ou constantes de mensagens eletrônicas automaticamente geradas por
esses sítios virtuais (aqui nos referimos ao notório sistema batizado de “push”). Há
tempos tem prevalecido o entendimento de que esses dados teriam caráter meramente
informativo e não oficial. Desse modo, em caso de discrepância entre os dados obtidos
pelo site ou através de e-mails e a informação veiculada na imprensa oficial,
prevaleceria sempre a segunda, pouco importando se o jurisdicionado foi induzido em
erro pela primeira19-20. O advento do Diário da Justiça eletrônico não alterou esse
entendimento, que continua a ser prevalecente21-22.
Igualmente continuou a se prestigiar, na vigência da Lei n. 11.419/2006, o entendimento
jurisprudencial há tempos cristalizado de que não configura justa causa para evitar a
preclusão temporal (CPC, art. 183, §1º) a falha do serviço contratado pelo advogado
para facilitação à consulta às intimações publicadas em seu nome no Diário Oficial, a
cuja leitura o causídico permanece obrigado23.
Discussão realmente nova na jurisprudência concerne à intimação dos Advogados
Públicos na vigência da Lei n. 11.419/2006.
Como se viu acima, os advogados da União e os Procuradores da Fazenda Nacional hão
de ser intimados pessoalmente de todos os atos processuais, mas o TRF da 2ª Região
entendeu que bastaria a intimação eletrônica quanto os autos forem digitais24.
Cumpre destacar também precedente do TJSP25 que concluiu que a intimação do
Procurador do Estado poderia ser feita apenas pela imprensa oficial eletrônica por força
da Lei n. 11.419/2006. O entendimento, a nosso ver, acha-se equivocado, pois o art. 25
19
Essa é a posição mais frequentemente acolhida no STJ: REsp 713.012/DF, Rel. Ministra Eliana
Calmon, 2ª T., j.: 21/06/2005; AgRg nos EREsp 514412/DF Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJ de
20.8.2007; AgRg no Ag 1070497/RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, 4ª T., j.:09/09/2008; e AgRg
no Ag 934.846/DF, Rel. Ministro José Delgado, 1ª T., j.:20/05/2008.
20
Há acórdãos mais antigos do STJ em sentido oposto: REsp 390561/PR, Rel. Ministro Humberto Gomes
de Barros, 1ª T., j.: 18/06/2002; REsp 538642/RS, Rel. Ministro César Asfor Rocha, 4ª T., j.: 09/09/2003;
REsp 557103/MG, Rel. Ministro Franciulli Netto, 2ª T., j.: 01/04/2004;
21
A guisa de exemplo, confiram-se acórdãos recentíssimos dos TRFs da 1ª e 3ª Regiões:,
respectivamente: AI 200901000486646, Rel. Juiz Convocado Cleberson José Rocha, 8ª T., DJ
06/05/2011; Ap. 200003990311634, Rel. Des. Vera Jucovsky, 8ª T., DJ 06/10/2010).
22
Há também decisões em sentido contrário, como a seguinte, do STJ: REsp 1186276/RS, Rel. Ministro
Massami Uyeda,3ª T., j.: 16/12/2010, DJe 03/02/2011.
23
Veja-se como exemplo o seguinte acórdão do TRF 3ª Região,, que invoca precedentes da época em que
o Diário da Justiça ainda era impresso: AC 200861820309643, Rel. Des. Consuelo Yoshida, 6ª T., DJ
22/06/2011.
24
Eis os trechos principais do julgado: “Por óbvio, não seria possível a remessa física de autos eletrônicos
à Fazenda Pública; também seria contraproducente expedir mandados para dar ciência à exeqüente dos
atos e termos do processo. Assim, resta perquirir se a intimação por meio eletrônico equivale à intimação
pessoal. A Lei nº 11.419/2006 conferiu nova redação ao parágrafo único do artigo 154 do Código de
Processo Civil, prescrevendo que os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a
prática e a comunicação oficial de atos processuais por meios eletrônicos. Portanto, a intimação
convencional foi mitigada pela referida inovação. Com efeito, a comunicação eletrônica é considerada
como intimação pessoal para todos efeitos legais, inclusive para a Fazenda Pública” (AC
198151014110818, Rel. Des. Luiz Antonio Soares, 4ª T., DJ 13/07/2009).
25
Ap. 0000123-56.2004.8.26.0099, Rel. Des. Reinaldo Miluzzi, 6ª Câm. Dir. Púb., j.: 23.05.2011).
da Lei n. 6.830/80 prescreve a formal pessoal para intimação do advogado público 26, a
qual não pode ser substituída pelo Diário da Justiça eletrônico, a teor do art. 4º, §2º, da
Lei n. 11.419/2006.
Essas polêmicas jurisprudenciais, hoje pouco numerosas, seguramente se multiplicarão
à medida que se ampliar o uso dos mecanismos previstos na Lei n. 11.419/2006,
sobretudo aqueles previstos nos já examinados arts. 5º e 6º do diploma, que destoam
consideravelmente das formas tradicionais de intimações e citações e apresentam pontos
muito criticáveis. Ao menos num primeiro momento, os tribunais terão mais trabalho
para resolver os pontos de dúvida, os quais desaparecerão à proporção que os sujeitos
processuais se habituarem às ferramentas informatizadas. Entendemos que somente
depois desse período de adaptação é que se poderá esperar da informatização do
processo alguma contribuição para a melhoria da prestação jurisdicional.
5.
Bibliografia
CALAMANDREI, Piero. Processo e democrazia. Padova: Cedam, 1954.
CALMON, Petrrônio. Comentários à lei de informatização do processo judicial: Lei
nº 11.419 de 19 de dezembro de 2006. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil,
7.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1992, v.3.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 6 ed., São
Paulo, Malheiros, 2009, v.3.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Intimações judiciais por via eletrônica: riscos
e
alternativas,
2002,
Disponível
eletronicamente
em:
<http://augustomarcacini.net/index.php/DireitoInformatica/IntimacoesEletronicas>,
consulta em 02.03.2012.
TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e
processo, São Paulo: Saraiva, 1989.
SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil, 4
ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2010, v.1.
26
O STJ tem posição consolidada no sentido de que os Procuradores dos Estados e Municípios só serão
intimados pessoalmente quando houver norma expressa, o que ocorre não apenas na hipótese versada no
corpo do texto (art. 25 da Lei de Execuções Fiscais), como em outras situações (v.g., arts. 9º e 13 da Lei
do Mandado de Segurança), como se infere do seguinte julgado: EDcl no REsp 984.880/TO, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª T., j.: 01/10/2009.
Nos demais casos, os advogados públicos estaduais e municipais se sujeitarão ao mesmo regime imposto
aos advogados privados, qual seja, a intimação pela imprensa oficial.