As Empresas privadas de segurança pós-11 de setembro
Ariana Bazzano de Oliveira
Mestranda em Ciência Política na UNICAMP. Área de concentração: Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto. Bolsista FAPESP. Pesquisadora no INEU (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos). Pesquisadora-colaboradora do GETEPOL (Grupo de Estudos em Teoria Política), coordenado pela Profa. Dra. Raquel Kritsch. E-mail:
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RESUMO
Os atentados de 11 de setembro de 2001 retomaram a questão da segurança para o topo da agenda internacional contemporânea e uma de suas conseqüências para as políticas de segurança internacional foi o aumento das empresas privadas de segurança utilizadas em zonas de conflito. Esse fenômeno, que pode ser chamado de “terceirização da guerra”, traz uma série de dúvidas e desafios ao sistema internacional, especialmente aos Direitos Humanos e ao Direito Internacional.
O objetivo desse texto é apresentar o papel das empresas privadas de segurança na “Guerra contra o Terror”, o qual será dividido em três seções: na primeira seção, serão tratados alguns aspectos do terrorismo, questões conceituais e o contexto dos atentados de 11/09; na segunda seção, serão abordadas as empresas privadas de segurança e as transformações da natureza da guerra e por fim, na terceira seção, será apresentada a análise da relação entre as empresas privadas de segurança e a sua atuação na “Guerra contra o Terror”.
Palavras-chave: Empresas Privadas de Segurança; “Guerra contra o Terror”; Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
No ano de 2001, os Estados Unidos foram alvos de atentados terroristas. Em 11 de setembro, quatro aviões civis foram seqüestrados e colidiram contra as Torres Gêmeas (World Trade Center), em Nova York e contra o Pentágono, em Washington D.C., o que provocou a morte de cerca de 3000 pessoas, além da tentativa do quarto avião caído numa floresta da Pensilvânia, que provavelmente se dirigia à Casa Branca. Esse fato inédito na história dos Estados Unidos levou o governo a anunciar uma “Guerra contra o Terror”, o que implicou numa série de medidas legislativas, executivas e ações militares controversas.
Os ataques de 11 de setembro foram percebidos como eventos transformadores, não só do ponto de vista teórico-analítico, mas principalmente, no discurso e no ambiente político estadunidense. Nesse sentido, vale frisar, que a opinião pública americana manifestava intensa preocupação com novos atentados terroristas, o que causou inclusive uma tendência favorável às ações do executivo em sua relação com o legislativo – já que poucos políticos ousavam desafiar o possível veto das urnas, a acusação de traição ao patriotismo e as tentativas de dividir a nação num momento de crise.
Além dos atentados sofridos pelos Estados Unidos, diversos locais no mundo também sofreram ataques terroristas em grande escala, como por exemplo: as infra-estruturas turísticas de Bali, em 2002 e 2005; nos trens de Madri, em 2004; em uma escola de Breslan, Rússia, em 2004; os atentados suicidas em Londres, em 2005; e o ataque no aeroporto de Glasgow, Escócia, em 2007. Todos esses fatos demonstram a continuidade da ameaça terrorista e recolocaram a temática da segurança no topo das prioridades da agenda internacional contemporânea (LUTZ; LUTZ, 2010, p.339).
O contexto do fim da Guerra Fria e dos atentados de 11 de setembro contribuiu para um aumento das empresas privadas de segurança empregadas em zonas de conflito e atualmente, também empregadas na “Guerra contra o terror”. E esta privatização, apesar de movimentar bilhões de dólares e de gerar inúmeros problemas ao Direito Internacional, tem tido pouca atenção da Academia. Há poucas análises sobre a natureza específica das tarefas ou dos efeitos das operações promovidas pelas empresas privadas de segurança. Atualmente, essas empresas movimentam cerca de 100 bilhões de dólares por ano e desde os atentados de 11 de setembro, os seus negócios foram um dos poucos que tiveram uma disparada nas bolsas de valores (CAVALARRI, 2009).
Além do que, esse fenômeno que pode ser chamado de “terceirização da guerra”, traz uma série de dúvidas e desafios ao sistema internacional, especialmente aos Direitos Humanos e ao Direito Internacional. Por exemplo, como são julgados os funcionários das empresas privadas de segurança por crimes cometidos durante o trabalho? Um caso pode exemplificar a nossa questão: Os Estados Unidos arquivaram as acusações contra cinco funcionários da ex-Blackwater
Em 2009, a empresa Blackwater mudou o seu nome para Xe Services. que são acusados da morte de civis em Bagdá, no ano de 2007, incidente que ficou conhecido como o “Domingo Sangrento de Bagdá”.
O objetivo desse texto é apresentar o papel das empresas privadas de segurança na “Guerra contra o Terror”, o qual será dividido em três seções: na primeira seção, serão tratados alguns aspectos do terrorismo, questões conceituais e o contexto dos atentados de 11/09; na segunda seção, serão abordadas as empresas privadas de segurança e as transformações da natureza da guerra e por fim, na terceira seção, será apresentada a análise da relação entre as empresas privadas de segurança e a sua atuação na “Guerra contra o Terror”.
1 - O Terrorismo e a “Guerra contra o terror”
O terrorismo não é um fenômeno recente no cenário internacional, é um fenômeno muito antigo na história da humanidade, porém somente com a Revolução Francesa é que surgiu o terrorismo com os contornos políticos tal como é conhecido hoje. A grande mudança nesta forma de ação, é que atualmente os terroristas buscam resultados grandiosos e chegam a morrer para atingir seus objetivos (Rudzit, 2005, p.317). O terrorismo contemporâneo, entendido como o acontecimento que teve como ponto de inflexão, os atentados de 11 de setembro de 2001, se desenvolve não como um movimento que se opõe ao Estado nacional — como o terror anarquista na segunda metade do século XIX — mas que opera pela condenação de um outro Estado. Essa mudança é fundamental para compreender esse movimento de internacionalização do terrorismo, que deixa de ter uma dimensão exclusivamente nacional, associada à construção e à abolição do Estado moderno, e redimensiona-se internacionalmente num confronto de valores e propostas políticas. Ademais, o terrorismo contemporâneo introduziu outros redimensionamentos na prática do terror que não se manifestam apenas no seu espaço de ação, mas nos usos do corpo e dos instrumentos. O atual terrorista utiliza o seu corpo como um instrumento, convertendo o seu próprio corpo em bomba.
Na literatura acadêmica produziu-se uma grande quantidade de definições para o terrorismo, Krueger chegou a quantificar que existem mais de 100 acepções de terrorismo, no meio diplomático e acadêmico (CASTRO, 2008, p. 01). Dessa maneira, pode parecer (e talvez seja) impossível chegar a uma única definição que compreenda todos os aspectos de um ato terrorista, que segundo Fletcher, são: violência, intenção, vítimas, ofensa ao Estado, apresentação de uma causa/reivindicação, organização, elemento teatral ou exibicionista, ausência de sentimento de culpa (FLETCHER apud CASTRO, 2008, p. 01).
Para Aurelia Castro, perseguir fins políticos é o aspecto chave de várias definições de terrorismo e para outros pesquisadores, segundo a autora, destaca-se o planejamento dos atentados ou a falta de códigos e regras de guerra ou ainda, a incidência psicológica do terror sobre as vítimas imediatas. Com base nisto, Castro oferece uma definição de terrorismo: “o uso de violência por um indivíduo ou grupo com fins políticos e de intimidação ou ameaça a um grupo social, exercida por meio de vítimas imediatas”
Tradução Livre. Cito original: Terrorismo es el uso de violencia por un individuo o grupo con fines políticos y de intimidación o amenaza hacia un grupo social, ejercida a través de unas víctimas inmediatas (CASTRO, 2008, p.01). (CASTRO, 2008, p.02).
Ken Booth e Tim Dunne, no livro “World in Collision: Terror and the Future of Global Order” provavelmente oferecem uma das definições mais interessantes de terrorismo. Em sua definição, os autores destacam que o terrorismo também é um método de ação política que, porém, se utiliza da violência contra civis. Nas palavras dos autores:
Terrorismo é um método de ação política que usa violência (ou deliberadamente produz medo) contra civis e infra-estrutura civis, a fim de influenciar o comportamento, para infligir um castigo ou de vingança. Para os perpetradores, o ponto é fazer com que o grupo-alvo tenha medo do hoje, medo do amanhã e medo do outro. Terrorismo é um ato, não uma ideologia. Os seus instrumentos são o homicídio, o assassinato em massa, o sequestro, o bombardeio, o rapto e a intimidação. Tais atos podem ser cometidos tanto por Estados, como por grupos privados (BOOTH; DUNNES, 2002, p.08)
Tradução Livre. Cito original: Terrorism is a method of political action that uses violence (or deliberately produces fear) against civilians and civilian infrastructure in order to influence behaviour, to inflict punishment or to exact revenge. For the perpetrators, the point is to make the target group afraid of today, afraid of tomorrow, and afraid of each other. Terrorism is an act, not an ideology. Its instruments are assassination, mass murder, hijacking, bombing, kidnapping and intimidation. Such acts can be committed by states as well as private groups (BOOTH; DUNNE, 2002, p.08)..
Muitos autores passaram a definir o terrorismo contemporâneo como distinto do que existiu em outros períodos históricos, tratando-o como uma nova forma de guerra. Segundo Mary Kaldor, o terrorismo pode ser chamado de “network war”, considerando-se o uso da mídia, dos seus meios de financiamento, sua ideologia e forma de organização. Desta maneira, as organizações terroristas contemporâneas têm como características a ausência de estruturas de comando identificadas, a fim de manter sua tendência de autonomia e ao mesmo tempo, os líderes carismáticos têm um papel importante. Outra característica é que essas organizações possuem uma arquitetura como as de uma sociedade paralela com infra-estrutura política, militar e educacional. Igualmente, esses grupos fazem amplo uso da mídia, televisão, internet e vídeo, sendo que muitos deles têm seu próprio canal de televisão e rádio. Sobre a questão do financiamento, assim como no passado, os grupos terroristas utilizam fundos provindos de remessas fornecidas por Estados que apóiam suas causas e a novidade estaria no patrocínio vindo do exterior, fruto da diáspora e de concessões peculiares de indivíduos abastados e organizações não governamentais (KALDOR apud STORTI, 2009, p. 46).
Michael Cohen e Maria Küpçü afirmam que o terrorismo, anteriormente, foi em grande parte patrocinada pelo Estado, ou pelo menos era mantido por aspirações estadocêntricas. Hoje, a Al-Qaeda opera fora do sistema estatal, e seu sucesso é devido, em grande medida, à sua capacidade de utilizar os mecanismos da globalização, as viagens transfronteiriças, a tecnologia avançada de comunicações e dos meios de comunicação internacionais a seu favor (COHEN; Küpçü, 2005, p. 40).
Já Andrew Kydd e Barbara Walter afirmam que a violência terrorista é uma forma de sinalização onerosa. Os terroristas seriam demasiado fracos para impor a sua vontade diretamente pela força das armas. Porém, por vezes, eles são fortes o suficiente para convencer o público a fazer o que desejam e para alterar as crenças do público sobre assuntos, tais como: a capacidade terrorista de impor custos e seu grau de comprometimento com sua causa. Dado o conflito de interesses entre os terroristas e os seus objetivos, a comunicação ordinária é insuficiente para mudar as mentes ou influenciar o comportamento. Se Al-Qaeda tivesse informado os Estados Unidos em 10 de setembro de 2001, que iria matar 3.000 americanos, a menos que os Estados Unidos se retirassem da Arábia Saudita, a ameaça poderia ter acendido uma preocupação, mas não teria tido o mesmo impacto como os ataques que se seguiram. Por ser difícil para os atores fracos tornarem credível as suas ameaças, os terroristas são obrigados a mostrar publicamente o quão longe eles estão dispostos a ir para obter os resultados desejados (KYDD; WALTER, 2006, p.50-51).
Os ataques de 11 de setembro foram um fato inédito na história dos Estados Unidos, já que foi a primeira vez que o país foi atacado em seu território. E como consequência desses ataques, o governo anunciou uma “Guerra contra o Terror”, o que implicou em uma série de medidas legislativas, executivas e ações militares. Vários países e organizações internacionais condenaram os atentados de 11 de setembro, afirmando que eles constituem um crime contra a humanidade e pediram para que se julguem os responsáveis, conforme as normas internacionais de direitos humanos. Porém, não foi isso que os Estados Unidos fizeram e em nome da segurança nacional, o governo criou várias medidas controversas, dentre elas, o Ato Patriota e as comissões militares.
O Ato Patriota são medidas legislativas que foram aprovadas em outubro de 2001, com o objetivo de reforçar a segurança interna e aumentar os poderes das agências de cumprimento da lei para identificar e parar os terroristas. Dentre as disposições controversas, se incluem a concessão de novos poderes ao governo para manter detentos sem acusações durante um período de até sete dias a cidadãos estrangeiros supostamente envolvidos em atos de terrorismo ou em qualquer atividade que ponha em perigo a segurança nacional dos Estados Unidos. Essa lei também autoriza a detenção por prazo indeterminado, por motivos de segurança nacional, de cidadãos estrangeiros acusados de infringir as leis de imigração. Além disso, o Ato Patriota possui uma definição muito ampla de “atividade terrorista”, o que pode justificar a expulsão ou a detenção de cidadãos estrangeiros.
Em novembro de 2001, o presidente Bush aprovou uma ordem que estabelecia a criação de comissões militares especiais, alheios às normas processuais internacionais, para julgar cidadãos estrangeiros supostamente envolvidos em atos de terrorismo internacional. Em virtude dessa ordem, as comissões podem atuar em segredo e prescrever penas de morte, sem a possibilidade de recorrer contra as decisões diante aos tribunais superiores. Os julgamentos levados a cabo por tais comissões violam o principio da não-discriminação e as normas processuais internacionais.
Segundo algumas organizações internacionais de promoção aos direitos humanos, como a Anistia Internacional, a “Guerra contra o Terror” tem proporcionado aos governos uma cortina de fumaça muito eficaz que tem servido para autorizar as detenções arbitrárias, as torturas, os julgamentos injustos, a repressão da dissidência política e as perseguições políticas (ANISTIA INTERNACIONAL, 2006, p.03).
No contexto da “Guerra contra o Terror”, alguns governos têm se omitido da proibição absoluta da tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Os Estados têm infligido aos detentos um sofrimento físico e mental indescritíveis, utilizando métodos tão brutais e abomináveis que estavam proibidos há muito tempo pelo direito internacional. Há muitas provas de tortura e maus-tratos pelas forças estadunidenses na prisão de Abu Ghraib e em outros centros de detenção do Iraque e no Afeganistão, assim como na base naval em Guantánamo, Cuba. O mundo se escandalizou com os documentos secretos que foram divulgados que mostravam que o governo dos Estados Unidos não estavam nada comprometidos com a proibição internacional da tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. No dia 16/04/09
Os documentos podem ser vistos no site do New York Times - http://documents.nytimes.com/justice-department-memos-on-interrogation-techniques#p=1, o Departamento de Justiça disponibilizou alguns memorandos que descrevem detalhadamente algumas técnicas “duras” de interrogatório utilizadas pela CIA. Nestes documentos ficam evidentes o endosso do governo americano com o uso de práticas que configuram tortura em interrogatórios a supostos terroristas, especialmente a tática de waterboarding (técnica de simulação de afogamento).
2 - as Empresas Privadas de Segurança
O fim da Guerra Fria proporcionou o crescimento da importância e da influência das organizações não-estatais no cenário internacional, dentre as quais, podem-se citar as ONGs, as organizações internacionais (ONU, OEA, FMI), as corporações transnacionais, dentre elas, destaca-se as empresas privadas de segurança. No caso das empresas privadas de segurança, estas possuem um papel cada vez mais proeminente em quase todos os aspectos da política externa, como na promoção da democracia, na prestação da assistência humanitária, nas guerras, no combate ao terrorismo internacional e nas operações de reconstrução nacional.
Les Johnston afirma que as companhias de segurança transnacional atendem a uma ampla gama de funções. Desde as mais convencionais como, a guarda, movimentação financeira, serviços de alarme, segurança eletrônica até os serviços mais especializados ligados à governança transnacional: segurança aérea, proteção executiva e diplomática, construção de presídios, habilidades militares, dentre outros (JOHSNTON, 2006, p. 38). Contudo, o autor chama a atenção para o fato de que pouca atenção tem sido dada à comercialização da segurança militar em si, principalmente, a nível transnacional (idem, p.40). E dado ao objetivo desse texto, será justamente as empresas privadas que comercializam a segurança militar, o foco do artigo.
Peter W. Singer destaca que as empresas privadas de segurança
Alguns autores preferem distinguir o termo, empresas privadas de segurança de, companhias privadas de segurança ou ainda, de empresas militares privadas. E há aqueles que tratam os termos como sinônimos e outros mais podem ser acrescentados a lista: corporações militares privadas, firmas militares privadas, empresas de segurança privada, companhias de segurança transnacional ou prestadores de serviço militar. Para a finalidade desse texto, utilizar-se-á o termo empresas privadas de segurança.
Para citar um exemplo, Peter W. Singer divide o termo empresas privadas militares em três setores: companhias militares privadas que prestam serviços de combate e proteção; empresas de consultoria militar que prestam serviços de consultoria e formação profissional; e empresas militares de apoio que prestam serviços de logística, suporte técnico e transporte (SINGER, 2004, p.15). são as organizações com fins lucrativos, cujos serviços profissionais estão intrinsecamente ligados à guerra, ou seja, são empresas que se especializarem em fornecer aos contratantes habilidades militares: operações de combate tático, planejamento estratégico, inteligência e análise, apoio operacional, treinamento de tropas, e assistência técnica militar (SINGER, 2001/02, p. 186).
Essa crescente terceirização da função da segurança pública, principalmente da militar, nos faz questionar a própria função do Estado, se pensarmos na definição weberiana de Estado como o monopólio legítimo da violência. Assim, pode-se supor que a provisão de serviços de segurança e militares privados desafia as suposições convencionais sobre os papéis do Estado-nação como o único protagonista em assuntos militares e responsável pela segurança física dos seus cidadãos.
Contudo, é um dado histórico que a prestação de serviços militares privados é uma atividade tão antiga quanto à própria guerra em si. No entanto, os casos de mercenarismo antes da década de 90 eram esporádicos e limitados, e o benefício pessoal financeiro imediato era a principal motivação desses prestadores de serviço. Embora hoje, a atividade mercenária isolada ainda seja realizada, ela está mais relacionada com a criminalidade do que com o maior desenvolvimento da oferta privada de serviços de segurança (HOLMQVIST, 2005, p. 02). Singer afirma que as empresas privadas de segurança representam a evolução dos atores privados na guerra. Para ele, o fator analítico-crítico da distinção entre o mercenarismo e as empresas privadas de segurança é a forma de negócio corporativo. As empresas são organizadas hierarquicamente, constituídas e registradas como um comércio e competem abertamente no mercado internacional. Elas recrutam mais eficientemente do que os seus antecessores e fornecem um amplo leque de serviços militares a uma maior variedade e números de clientes (SINGER, 2001/02, p. 191).
A ascensão das empresas privadas de segurança e militares internacionais contemporâneas começou no início de 1990, com o surgimento de prestadores de segurança privada com estruturas corporativas. Uma variedade de fatores de demanda e oferta têm sido associados com o aumento da esfera das empresas de segurança atuais, apesar de três fatores serem os mais freqüentemente citados: (1) a predominância dos modelos de livre-mercado nos Estados no pós-Guerra Fria, o que impulsionou uma forte tendência à terceirização de funções governamentais tradicionais; (2) a redução global das forças armadas nacionais, oferecendo um vasto conjunto de ex-militares treinados para a contratação de empresas privadas, cerca de seis milhões de soldados
Fonte: Marcelo Musa Cavallari. Guerra S.A. Revista Época, 29/09/2009. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI38960-15227,00-GUERRA+SA.html ficaram sem emprego nos anos que se seguiram após a queda do Muro de Berlim e (3) a retirada gradual das grandes potências de muitas partes do mundo em desenvolvimento. Outros comentadores afirmam que o surgimento de prestadores de serviços privados de segurança como uma progressão lógica da privatização da produção de bens militares (a indústria de armamentos) na Europa e na América do Norte (HOLMQVIST, 2005, p.02). Além disso, o próprio contexto do fim da Guerra Fria e as transformações da natureza da guerra que tornam a distinção entre os soldados e os civis, um tanto fluídas, também são fatores que favoreceram o crescimento das empresas privadas de segurança na década de 90 (NANDI; MOHANTY, 2010, p. 04).
Como já foi dito acima, o uso das empresas privadas de segurança tem crescido continuamente desde o início de 1990. Por exemplo, durante a Guerra do Golfo, a proporção de soldados das empresas de segurança privada foi: a cada 50 soldados militares, havia 1 soldado privado, hoje, essa relação se aproxima de 7 para 1 (COHEN; Küpçü, 2005, p.41). O imenso crescimento das empresas privadas de segurança não é um fenômeno localizado, está presente tanto em países pobres e ricos. Além do que, parece que a presença dessas empresas foi um fator decisivo para resolver vários conflitos como: Eritréia, Angola, Serra Leoa, Somália, Kosovo, Colômbia, Haiti, etc. E atualmente, como no Iraque e no Afeganistão, a participação dessas empresas também tem se estendido para os projetos de reconstrução nacional.
As empresas privadas de segurança são atores transnacionais e públicos, pois não agem “fora da lei”, como os terroristas. A utilização das empresas privadas de segurança significa a introdução de um novo protagonista na política de segurança. Para Singer, o ponto central na discussão sobre as empresas privadas de segurança é que os indivíduos, Estados e organizações internacionais dependem cada vez mais de serviços militares fornecidos pelo mercado privado e não, por instituições públicas (SINGER, 2001/02, p. 189). E os aspectos da atuação dessas empresas exigem análises e estudos, já que a responsabilidade principal dessas empresas não é para com os eleitores, nem com as instituições democráticas, mas com os acionistas das empresas e com os seus contratantes e isto é uma razão para se preocupar.
Pode-se citar o exemplo de uma das empresas privadas de segurança mais conhecidas do mundo, a Blackwater. Jeremy Scahill cita num artigo publicado na Revista The Nation
Versão traduzida para o português disponível em http://www.outraspalavras.net/?p=2095, que só esta empresa possui contratos com o Reino da Jordânia, o exército do Canadá, a polícia holandesa e várias bases militares dos EUA, como o Fort Bragg, sede do Comando Unificado das Operações Especiais e o Fort Huachuca, onde são treinados os interrogadores militares. E através de suas subempresas, a Blackwater trabalha para a Agência de Inteligência da Defesa, a Agência de Redução de Riscos da Defesa e o Comando Militar dos EUA na Europa. Além desses contratos com os Estados, a Blackwater também presta serviços a várias corporações multinacionais, dentre as quais a Monsanto, Chevron, Walt Disney Company, Royal Caribbean Cruise Lines e bancos gigantes como o Deutsche Bank e o Barclays (SCAHILL, 2010).
Muitas outras empresas privadas de segurança também prestam serviços aos mais diversos atores do sistema internacional. Além dos governos e companhias transnacionais (Shell, British Airways, General Motors, Coca-Cola, etc.), muitas embaixadas e organizações internacionais em zonas de conflito contratam esses serviços; pode-se citar: a ONU, o PNUD, ACNUR, UNICEF e ONGs, como a CARE, CARITAS, USAID e World Vision. Do mesmo modo, as empresas privadas de segurança são contratadas por regimes ditatoriais, grupos rebeldes, cartéis de droga e grupos terroristas (PRADO, 2006, p.24).
A respeito desses contratos, Les Johnston faz uma questão interessante: esses contratos são celebrados de forma justa e transparente? Essa pergunta, segundo o autor, levanta questões sobre lobby e influência política indevidas. Nos Estados Unidos, uma organização de lobby, a International Peace Operations Association (IPOA), sediada em Washington D.C., foi criada para apoiar os interesses das empresas privadas de segurança, dentre elas, estão as grandes corporações, como a DynCorp e a MPRI
A Blackwater foi membro da IPOA até outubro de 2007, se retirou 3 semanas depois dos eventos que ficaram conhecidos como “Domingo Sangrento” em Bagdá.. Do mesmo modo que a IPOA, a DynCorp e a MPRI estão estrategicamente sediadas na região da Virginia do Norte, o que além de facilitar o acesso ao Congresso Americano e à Casa Branca, também lhes garante acesso ao Pentágono, permitindo-lhes recrutar os seus funcionários. Johnston cita um exemplo de quando um porta-voz do MPRI (ele mesmo, ex-funcionário da Agência de Inteligência da Defesa do Pentágono) afirmou: “Nós temos mais generais do que o Pentágono”. Tudo isto somado ao fato de que pelas doações substanciais ao Partido Republicano, empresas como a DynCorp, a Bechtel e a Halliburton, mobilizam apoio político suficiente para os seus interesses em uma política externa beligerante (JOHNSTON, 2006, p.42).
Caroline Holmqvist destaca que com freqüência várias preocupações são levantadas sobre a legitimidade das operações das empresas privadas de segurança, até mesmo o ex-Secretário Geral da ONU, Kofi Annan afirmou: “o mundo pode ainda não estar pronto para privatizar a paz”. Para Holmqvist, essa apreensão de uma indústria global para a prestação de serviços de segurança diz respeito, em princípio, há duas preocupações legítimas e inter-relacionadas.
Primeiro, embora o domínio da situação das relações de segurança tenha sido desafiada por uma variedade de atores não-estatais, o impacto das empresas de segurança privada sobre a primazia do Estado na prestação e garantia de segurança suscita novas questões. Os Estados passaram a reconhecer e aceitar cada vez mais que eles não são os únicos atores para enfrentar as ameaças à segurança internacional. Esforços para combater as novas ameaças à segurança internacional tais como, a criminalidade transnacional, os riscos ambientais ou a proliferação de armas de destruição em massa, obrigaram os Estados a agir em grande medida através de ou com as organizações internacionais ou regionais (por exemplo, a ONU e a OEA), e das ONGs, criando assim uma ampla estrutura de governança de segurança
Jennifer Wood e Benoît Dupont definem governança de segurança como as tentativas conscientes de influenciar o comportamento dos indivíduos, grupos e populações em prol de um objetivo particular, neste caso, a segurança (WOOD, DUPONT; 2006, p.02). (HOLMQVIST, 2005, p. 08).
E a criação dessa estrutura aconteceu sem uma redefinição fundamental da capacidade do Estado: os Estados ainda mantêm uma posição principal no sistema internacional e são vistos como a única fonte da regulamentação internacional juridicamente vinculativa. Certamente, no âmbito dos assuntos militares, os Estados ainda reivindicam a prerrogativa de criar e de julgar a sua legitimidade política. Se o Estado está “fragilizado” na área militar, há um risco de que um dos núcleos tradicionais de governança da segurança, como o controle geral do uso da força, seja desestabilizado, afetando não apenas o Estado, mas também o sistema internacional em si. Nos assuntos militares, o papel do Estado deve ser mantido prioritário em face de uma "privatização da segurança". O uso de segurança privada e os prestadores de serviço militar privados têm de ter um lugar dentro das estruturas e processos destinados a salvaguardar a legitimidade e a transparência nos assuntos militares, ou seja, faltam estruturas de accountability. Atualmente, estas estruturas não estão presentes nas empresas privadas de segurança e nem os Estados têm esse controle sobre essas empresas (idem, p.08).
Em segundo lugar, o fornecimento privado das funções de segurança é o cerne do debate sobre a reforma do setor da segurança. Na tentativa de defender o papel do Estado como provedor de segurança, a questão de que tipo de Estado deve ser respeitado é crucial. O estabelecimento do funcionamento da lei e da ordem e as instituições de segurança (militares, policiais e de inteligência) é frequentemente citado como um requisito mínimo para a estabilidade dos Estados. No entanto, quando o objetivo é alargar a garantia de uma distribuição equitativa de segurança, a legitimidade democrática das instituições de segurança é fundamental. O reconhecimento de que garantir a segurança não é apenas uma questão de proteger o Estado, mas também de proteger os seus cidadãos é a base para a agenda de reforma do setor de segurança. Neste sentido, a utilização de atores do setor privado para fornecer serviços de segurança e militar representa um desafio particular, já que essas empresas privadas de segurança são responsáveis perante os acionistas e os seus contratantes e não aos eleitores, o que compromete qualquer tentativa de construção de instituições democráticas (idem, p. 09). O ponto crucial é garantir que os setores privados de segurança sejam um ator legítimo no cenário internacional, o que reside na capacidade relativa dos Estados em gerenciar o uso dessas empresas e assegurar que elas sejam compatíveis com a promoção da boa governança, tanto no âmbito externo como interno (idem, p.09).
Além dessas questões sobre a legitimidade das operações das empresas privadas de segurança, Les Johnston aponta que há dúvidas e problemas sobre a eficácia dos procedimentos operacionais. Dentre estes problemas, o autor cita o exemplo da falta de regras claras e uniformes de combate; há relatos e queixas dos empregados de serem colocados em situações de combate sem o armamento, treinamento ou equipamentos adequados; e relatórios sobre a comunicação deficiente com os comandantes militares, onde os seguranças foram presos ou ficaram sem reforços quando sob ataque (JOHNSTON, 2006, p. 45). Estas situações demonstram a fragilidade dos laços empregatícios dos funcionários das empresas privadas de segurança. Além desses problemas operacionais, pode-se questionar sobre o quão precário são as relações desses empregados comparando-se com os militares, que possuem um plano de carreira e um código de conduta e ético bem estabelecidos, e mais uma legislação militar que regulamenta as forças armadas de cada país.
3 - As Empresas Privadas de Segurança e a “Guerra contra o Terror”
O uso intenso dos serviços de segurança privada dos Estados Unidos durante a sua campanha de “Guerra contra o Terror” no Iraque e no Afeganistão, e a maneira em que este uso tornou-se ligado a preocupações com os abusos dos direitos humanos e com a ética empresarial, é apenas a ponta de um grande iceberg de problemas. Hoje, os serviços prestados por empresas privadas no setor de segurança cobrem uma gama enorme de atividades (assistência humanitária, guerras, conflitos étnicos, combate ao terrorismo). Essas empresas estão presentes tanto nos chamados “Estados falidos
A autora do texto conhece o quanto é problemático a discussão em torno do conceito de Estados Falidos. Contudo, por fazer parte da literatura corrente, optou-se por manter o conceito.” como nos países mais poderosos do mundo. Para Caroline Holmqvist, é difícil ver como esta tendência de privatização da segurança pode ser rapidamente bloqueada ou revertida, já que há uma preferência crescente dos modos de ação intervencionista de segurança, uma escala crescente de esforços de peacebuilding, e a falta de dinheiro e homens para aumentar ou mesmo manter os níveis de defesa estatais e forças de segurança, assim, esses fatores reunidos permitiram o crescimento da utilização das empresas privadas de segurança (HOLMQVIST, 2005, p. IV).
A privatização das operações militares do governo reflete em uma grande ênfase de conseguir uma maior rentabilidade e eficiência nas instituições públicas. No inicio de 2005, o secretário de Defesa Donald Rumsfeld afirmou no Congresso que a contratação de civis era para "liberar dezenas de milhares de militares adicionais para as responsabilidades militares [resultando em] uma elevação do utilizável militar sem um aumento do número global" (apud COHEN; KÜPÇÜ, 2005, p. 42). Ao mesmo tempo, no entanto, o recurso do governo nas empresas de segurança privadas tem crescido mais rapidamente do que sua capacidade de controlá-los. Especialmente porque grande parte destas empresas opera em uma zona cinzenta, além da supervisão do Congresso, dos códigos de conduta militar, e até mesmo do direito internacional humanitário, criando uma série de preocupações legais, financeiras e políticas (idem, p.42). Jeremy Scahill, em entrevista para a Folha de São Paulo, no dia 22 de junho de 2008, afirmou:
Ela [Blackwater] representa a nova face das guerras travadas pelos EUA. Desde a Segunda Guerra, o governo americano vem privatizando radicalmente suas capacidades militares. No Iraque, há mais agentes privados do que soldados americanos. A Blackwater formou um aparato paralelo das forças de segurança: tem Força Aérea, Marinha, aeroportos. E 90% dos contratos da Blackwater são com o governo americano. Agora estão trabalhando em sua própria agência de inteligência, uma CIA particular. Veja, atualmente os EUA têm 16 agências governamentais de inteligência, com um orçamento conjunto de entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões - o número exato é secreto. 70% desse orçamento é usado para pagar serviços de empresas privadas.
Segundo Jeremy Scahill, se os Estados Unidos levassem a sério os crimes cometidos pelos funcionários das empresas privadas de segurança contratados por eles, teriam buscado as muitas outras possibilidades de impor sanções aos acusados. Porém, o fato é que nenhum funcionário, seja da Blackwater ou de outra firma, foi acusado por Corte alguma pelos inúmeros crimes cometidos contra os iraquianos. Essas companhias privadas negociam a imunidade diplomática aos funcionários em serviço para que eles não sejam levados ao Tribunal Internacional Penal. Isto revela que estas empresas operam num clima de total impunidade, o que para alguns observadores é um ato deliberado e serve a um propósito maior na ocupação do Iraque (SCAHILL, 2008, p.25). Michael Ratner, presidente do Centro de Direitos Constitucionais afirma:
O fato de eles gozarem de imunidade significa que não existe sequer a possibilidade de eles temerem quaisquer conseqüências dos seus atos de brutalidade e assassinato (...). Nada disso é por acaso; o verdadeiro objetivo deles é brutalizar e incutir o medo no povo do Iraque (apud Scahill, 2008, p.25).
Cohen e Küpçü ressaltam que as empresas privadas de segurança podem ser militarmente e politicamente convenientes, mas existem desafios políticos para se considerar o equilíbrio adequado entre o poder público e privado na política externa. No esquema das relações entre as empresas privadas de segurança, a privatização das operações militares exige que os governos tornem-se clientes vigilantes e, ao mesmo tempo mantendo o seu papel como reguladores do interesse público (COHEN; KÜPÇÜ, 2005, p. 43).
Para os autores Cohen e Küpçü, pode-se supor que a segurança nacional seria uma esfera na qual o poder do Estado permanece incontestado. Mas, com a ameaça de diminuição de conflitos interestatais, as noções de solidariedade nacional foram gravemente enfraquecidas. Enquanto o Presidente Kennedy poderia chamar os americanos para "suportar quaisquer encargos" para prevalecer sobre os inimigos da liberdade, a Casa Branca de Bush exortava os americanos para ajudar a combater a guerra contra o terrorismo, "indo ao shopping". Como o cientista político Joseph Nye coloca, "a ausência de uma ética do guerreiro nas democracias modernas", limita a flexibilidade das nações, não só para fazer a guerra, mas também de justificá-la (COHEN; KÜPÇÜ, 2005, p.38). Logo, com a atuação das empresas privadas de segurança, os governos podem se preocupar menos com a ausência da ética do guerreiro e em como justificar uma guerra ou uma intervenção.
Contudo, misturar os guerreiros públicos e privados em operações de segurança também está afetando o moral dos soldados alistados e está levando a dilemas práticos no campo. Em Fallujah, as mortes violentas dos empregados da Blackwater forçaram os militares a participar mais cedo de algumas missões do que teriam preferido. As subsequentes operações de combate resultaram em perdas significativas dos militares dos Estados Unidos e após este fato, as relações ficaram tensas entre as fileiras militares e os prestadores privados de segurança (idem, 42-43). Essas empresas estão fora da cadeia de comando e do Código de Justiça Militar, no Iraque, por exemplo, há relatos de empregados com dúvidas sobre a quem se reportar, ao comandante local ou aos empreiteiros? Esse problema se agrava porque algumas dessas empresas não estão apenas trabalhando diretamente para as unidades militares, muitas vezes, elas estão subcontratadas por outras empresas de segurança. Por outro lado, os militares têm dúvidas sobre quem comanda e tem controle sobre os prestadores de serviços e se eles se envolvem num tiroteio, os soldados devem socorrê-los?
Em 2008, a Anistia Internacional em seu relatório anual denunciou que Guardas armados de origem estrangeira, funcionários de empresas militares e de segurança privadas mataram civis. As empresas de segurança contavam com imunidade jurídica, segundo a Ordem 17, expedida em 2004 por Paul Bremer, chefe da Autoridade Provisória da Coalizão. No entanto, após um grave incidente ocorrido em setembro, envolvendo a empresa Blackwater, com sede nos EUA, o governo iraquiano apresentou um projeto de lei que revogaria a Ordem 17.
No dia 16 de setembro de 2007, 17 civis iraquianos foram mortos e 27 foram feridos, quando seguranças da Blackwater dispararam contra civis em um movimentado cruzamento do bairro Al Mansour, em Bagdá, evento conhecido como “Domingo Sangrento de Bagdá”. A empresa afirmou que seus seguranças atiraram em legítima defesa. Porém, as testemunhas e o governo iraquiano afirmaram que os seguranças iniciaram os disparos. Tanto as autoridades iraquianas quanto o Departamento de Estado dos EUA anunciaram que iriam conduzir investigações e, em novembro, o Escritório Federal de Investigação dos EUA (FBI) concluiu que o tiroteio havia sido injustificado. A empresa declarou que, se algum de seus seguranças fosse culpado de má conduta, eles seriam responsabilizados. O governo iraquiano exigiu que a Blackwater pagasse 8 milhões de dólares em compensação para cada uma das famílias das 17 pessoas mortas (ANISTIA INTERNACIONAL, 2008, p.136). Em seu livro, Jeremy Scahill traz um relato desse incidente, abaixo seguem alguns trechos:
O comboio fortemente armado da Blackwater entrou no congestionado cruzamento do distrito de Mansour, na capital iraquiana. A ameaçadora caravana consistia em quatro grandes veículos blindados modelo “Mamba” de fabricação sul-africana, com metralhadoras de calibre 7.62 montadas na parte superior. Para a polícia iraquiana, já se tornara parte corriqueira do seu dia de trabalho interromper o tráfego para abrir caminho para a passagem dos VIPs americanos, protegidos por soldados particulares fortemente armados.
Ali Khalaf Salman, um policial de trânsito iraquiano de serviço na praça Nisour naquele dia, recorda-se vivamente do momento em que o comboio da Blackwater entrou no cruzamento, obrigando a ele e os colegas a prontamente interromper o tráfego. Mas quando os Mambas entraram na praça, o comboio subitamente deu meia-volta numa manobra-surpresa e prosseguiu na contramão numa rua de mão única. Enquanto Khalaf observava, o comboio parou abruptamente. Ele diz que um enorme homem caucasiano de bigode, posicionado acima do terceiro veículo do comboio da Blackwater, começou a disparar sua arma “a esmo”.
O policial Khalaf lembra-se de olhar para os atiradores da Blackwater: “Ergui o braço esquerdo bem alto no ar para tentar sinalizar ao comboio que parasse de disparar”. Ele diz que pensou que os homens fossem cessar o fogo, já que ele era um policial claramente idenficado. “Não atirem, por favor!”, Khalaf lembra-se de ter gritado. Mas enquanto ele estava lá de mãos erguidas, Khalaf diz, um atirador do quarto veículo da Blackwater abriu fogo contra a mãe que abraçava o filho e matou-a diante dos olhos de Khalaf e Thiab. “Vi partes da cabeça da mulher voando diante de mim, estouradas”, disse Thiab. “Eles imediatamente abriram fogo pesado contra nós” (SCHAHILL, 2008, p. 13-15).
Segundo o advogado iraquiano Hassan Jaber Salman, em entrevista para “Al Arabiya News Channel”
http://www.alarabiya.net/articles/2010/01/10/96918.html, no dia 10 de janeiro de 2010, a empresa Xe Services, ex-Blackwater, ofereceu 100 mil dólares por cada iraquiano morto e entre 20 a 50 mil para cada ferido. Com exceção de uma família, todas as outras famílias aceitaram a oferta e retiraram as suas acusações no processo civil contra a empresa americana. Segundo o advogado das famílias, ele próprio ferido no tiroteio, o acordo no processo civil não impedirá a continuidade do processo penal de promotores públicos americanos.
A confirmação do pagamento vem pouco depois da sentença do juiz federal americano, Ricardo Urbina, que no dia 31/12/2009, rejeitou e arquivou o processo contra os funcionários da Blackwater. A corte argumentou que os direitos constitucionais dos acusados haviam sido violados, pois os funcionários estavam sob um acordo de imunidade com o departamento do Estado dos EUA. Após essa decisão, o governo do Iraque anunciou que está tomando as providências necessárias para abrir os processos em tribunais iraquianos e norte-americanos contra a Blackwater e os funcionários responsáveis pelo “Domingo Sangrento”. Para o governo e para a população iraquiana, o arquivamento do processo é inaceitável e o “Domingo Sangrento” se tornou um símbolo do desrespeito dos estrangeiros pela vida da população.
No Relatório de 2009, a Anistia Internacional afirma que os empregados privados de segurança estrangeiros continuam sendo imunes aos processos por delitos cometidos no Iraque. O governo do Iraque propôs em outubro de 2007, uma legislação que revogava essa imunidade, mas o Parlamento iraquiano não aprovou. Em abril de 2008, as autoridades estadunidenses renovaram com a Blackwater o contrato para a proteção dos diplomatas dos Estados Unidos, apesar da polêmica provocada pelo homicídio de civis iraquianos por guardas da empresa, em setembro de 2007 (ANISTIA INTERNACIONAL, 2009, p.237). Somente em 2009, quando foi negociada entre os Estados Unidos e o Iraque, a devolução da soberania do país, é que foi derrubada a imunidade judicial aos funcionários terceirizados.
Na questão da “Guerra contra o Terror”, pode-se dizer que a presença das empresas privadas de segurança serviu para atender a vários interesses dos Estados Unidos. O fato das empresas privadas de segurança atuarem numa espécie de “vácuo jurídico” permitiu que os Estados Unidos e a sua coalizão pudessem investigar e punir os supostos terroristas e apoiadores, mesmo que essa perseguição violasse os Direitos Humanos e o Direito Internacional, como por exemplo, a proibição da tortura. Os relatos de abusos na prisão de Abu Ghraib demonstram esse fato, já que as empresas privadas também foram utilizadas nos interrogatórios de prisioneiros. Jeremy Cloward afirma que a Blackwater possui laços estreitos com o governo federal americano, entre outras coisas, a empresa fez contribuições regulares ao Partido Republicano e ao governo Bush. Para o autor, este é o ponto inicial para começarmos a entender o porquê e como os serviços do governo foram transferidos da esfera pública para os interesses privados (CLOWARD, 2008, p.02). Aliás, dois congressistas democratas pediram ao GAO (US Government Accountability Office), conhecido como o “cão de guarda do Congresso”, para investigar se a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA e o Pentágono estão contornando e/ou burlando procedimentos de contratação do governo para privilegiar as empresas com ligações na administração Bush (JOHNSTON, 2006, p. 43).
Sobre a relação entre a “Guerra contra o Terror” e as empresas privadas de segurança, Jeremy Scahill diz:
São parte essencial da guerra ao terror. Um presidente como George W. Bush pode ganhar muito com essas empresas. Ele não precisa mais formar uma coalizão com governos estrangeiros nem lidar com uma opinião pública internacional hostil. Pode pagar por uma coalizão de corporações, que vão contratar mercenários, inclusive em países cujos governos se opõem às guerras. Isso aconteceu no Chile, que votou contra a invasão do Iraque quando era membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU. O governo Bush, através da Blackwater, enviou para o Iraque centenas de chilenos. Outra questão é que, como não há contagem oficial das mortes dos agentes privados, isso encobre o custo humano. Os americanos pensam que há 150 mil soldados no Iraque, mas há outros 180 mil mercenários contratados pelo governo. Então na verdade são mais de 330 mil soldados. E não há leis sendo aplicadas sobre a punição de agentes privados em caso de abuso. Isso é uma ameaça à segurança das pessoas do mundo todo, porque não param de crescer esses exércitos privados com capacidade suficiente para derrubar um pequeno governo (Folha de São Paulo, 2008).
Em março de 2004, a opinião pública americana se chocou com as imagens de corpos queimados e desmembrados sendo arrastados pelas ruas da cidade iraquiana de Fallujah e depois pendurados em exposição horripilante. A cena trouxe de volta lembranças de uma outra tragédia que afetou profundamente os estadunidenses e a condução da política externa dos Estados Unidos com a morte de 19 Rangers na Somália em 1993. Mas desta vez em Fallujah, os cadáveres não eram os de soldados norte-americanos. Estes homens eram empregados da Blackwater, uma empresa privada de segurança. Nandy e Mohanty afirmam que mais de 60 empresas, atualmente empreguem mais de 20 mil prestadores de serviços privados que desempenham funções militares, o que é aproximadamente, o mesmo número de militares fornecidos por toda coalizão dos EUA (NANDY, MOHANTY, 2010, p. 05-06).
A “guerra no Iraque” é um dos exemplos mais profundos (e controversos) da cooperação entre o Estado e a utilização das empresas de segurança privada. É uma relação com consequências visíveis para a forma e de como os planos de governo e os Estados Unidos gerenciam as operações de segurança global. Essa “guerra” é marcada por um vasto leque de trabalhos realizados pelas empresas privadas de segurança, que é muito mais extensa do que em guerras anteriores. Além dos serviços de segurança e treinamento das tropas, as empresas privadas de segurança ficaram responsáveis, por uma grande estrutura logística e de apoio da guerra. O complexo militar de Camp Doha, no Kuwait, que é a grande base militar dos EUA no Oriente Médio desde a Guerra do Golfo, foi construída pela DynCorp International. E desde então, é operada e protegida por empresas privadas de segurança. Durante a invasão do Iraque, essas empresas desempenharam um papel ainda maior, tendo acesso e operando as mais sofisticadas armas dos EUA, como os bombardeiros, os mísseis e o sistema antimísseis (idem, p.06).
Contudo, essa relação entre o Estado e as empresas privadas de segurança ainda possui questões não-respondidas e talvez um dos maiores problemas seja a responsabilização dos atos cometidos pelos funcionários dos prestadores de serviço privado. Quem monitora, regula e pune os empregados ou as companhias são todas perguntas sem respostas satisfatórias. Um militar que comente um crime de guerra é julgado de acordo com o código militar do seu país. Porém, os funcionários das empresas privadas de segurança são civis, mesmo estando armados e participando dos combates, e isto gera uma ambiguidade jurídica toda vez que cometem um delito. O que é agravado pelo fato de que esses funcionários não são nacionais nem do país em que trabalham, nem do país onde estão sediadas as empresas contratantes, ou seja, são civis estrangeiros que quando comentem um delito e/ou um crime de guerra, não estão submetidos ao código militar, ao código civil e penal do país onde o crime foi cometido e às convenções internacionais, como a Convenção de Genebra (JOHNSTON, 2006, p. 44; PRADO, 2006, p. 26).
Um exemplo é o caso da empresa DynCorp, contratada pelos EUA e pelas Nações Unidas para fornecer serviços de polícia internacional no Haiti e nos Balcãs. Vários dos seus funcionários se envolveram em casos de comércio de armas, tráficos de mulheres e crianças para prostituição. Há até mesmo um vídeo de um supervisor que filmou a si mesmo, durante um estupro contra duas mulheres. Nenhum dos funcionários foi processado criminalmente, apenas alguns foram demitidos pela Dyncorp e os denunciantes, surpreendentemente, também foram demitidos
Estas denúncias também são feitas por algumas ONGs, como a CorpWatch, a Anistia Internacional e a War on Want. Nestes sítios podem ser obtidos relatórios e denúncias sobre violações de direitos humanos por Empresas Privadas de Segurança: CorpWatch - http://www.corpwatch.org/article.php?id=11119;
Anistia Internacional - http://www.amnestyusa.org/annualreport/2006/overview.html;
War on Want - http://www.waronwant.org/attachments/Corporate%20Mercenaries.pdf. Mesmo assim, a Dyncorp possui contratos semelhantes para as operações no Iraque (SINGER, 2004, p.17).
Cabe destacar que no Iraque, a segunda fase da ocupação é a reconstrução do país. E para tal fim, várias corporações norte-americanas obtiveram contratos lucrativos de reconstrução do país, por exemplo, a Bechtel Corporation assinou um contrato com a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos para a reparação e renovação das redes de esgoto, água e dos sistemas de ensino, no inicio de 2003, ou seja, no inicio das operações de ocupação do Iraque. Posteriormente, em janeiro de 2004, o contrato da Bechtel foi ampliado, por um custo de U$ 2,8 bilhões, assim essa empresa só ficou atrás, em termos de contratos com o governo dos EUA, da Halliburton (anteriormente chefiada pelo vice-presidente Dick Cheney) (CLOWARD, 2008, p. 10).
Entre os milhares de funcionários privados que prestam (e prestaram) apoio logístico no Iraque, pode-se calcular, pelo menos, 20.000 empregados de 60 diferentes empresas privadas de segurança que estão sob contrato com o governo dos Estados Unidos para a prestação de serviços de segurança. Além dos prestadores privados de segurança, há outros de 50 mil a 70 mil civis desarmados que estão no Iraque para fornecer outros serviços, como a entrega de correios e a reconstrução de infraestruturas essenciais. Esses funcionários de empresas privadas correspondem em até 30% do estimado para os serviços essenciais de segurança, protegendo os projetos de reconstrução, fazendo a escolta de comboios nas áreas hostis, defendendo as posições estratégicas e a guarda de indivíduos, entre outras coisas. Até o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, é protegido por uma empresa privada dos Estados Unidos, a DynCorp (COHEN; KÜPÇÜ, 2005, p.41).
Depois da declaração do Presidente Obama que marcou o fim das operações no Iraque e a retirada das tropas americanas para o dia 31/08/2010, o Departamento do Estado americano afirmou que planeja dobrar o número de funcionários terceirizados de segurança, para garantir a proteção da equipe civil no Iraque, após a retirada das tropas. Nesta fase depois da retirada das tropas, a maioria do trabalho futuro de desenvolvimento no Iraque é de responsabilidade do Departamento de Estado, que solicitou entre US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões de dólares por ano, para ajudar a financiar desde a construção de novos consulados até o treinamento da política iraquiana
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/785812-eua-planejam-dobrar-terceirizados-de-seguranca-no-iraque-apos-retirada-militar.shtml. Data 19/08/2010..
Considerações finais
as Empresas Privadas de Segurança podem vir a se encaixar nas novas formas de governança da segurança internacional, porém isto dependerá, em última análise, de se conseguir direcionar as capacidades dessas empresas para as estruturas políticas e jurídicas, em vez de se regerem somente pela economia, tal qual acontece atualmente.
As consequências da provisão de segurança por parte do setor privado são globais e envolvem a reformulação de algumas das premissas básicas da política de segurança internacional. A este respeito, uma análise com base nas perspectivas dos “Estados falidos” versus “Estados eficientes” podem ajudar a dar sentido a uma questão complexa e multifacetada. Em quase todos os casos de uso de empresas privadas de segurança, os “Estados falidos” e “Estados poderosos” têm uma relação: as empresas operam geralmente em um “Estado falido”, mas as sedes dessas empresas ficam em “Estados fortes”, as operações dessas empresas são pagas por um “Estado forte” ou um “Estado forte” utiliza os serviços das empresas privadas de segurança para ajudar a implementar sua política externa. Portanto, o impacto da dependência do setor privado pode ser considerado a partir da perspectiva de qualquer Estado em praticamente todos os casos. Em última análise, qualquer tentativa de responder ao aumento de uma indústria global de serviços de segurança e militares terá de levar em conta as análises sobre as relações entre “Estados Falidos” versus “Estados fortes” (HOLMQVIST, 2005, p. 09-10).
Segundo Holmqvist, os efeitos da dependência do setor da segurança privada dependem da natureza dos contratos que os Estados firmam com essas empresas e para o ambiente estratégico nos quais elas serão utilizadas. Se as empresas privadas de segurança devem ser empenhadas construtivamente num sistema mais amplo de governança de segurança de Estados e de atores não-estatais, a autora propõe que três questões principais sejam ser abordadas.
Primeiro, há a questão da responsabilização dos atos das empresas privadas de segurança. Sem a obrigação jurídica de empresas individuais, o uso das empresas privadas de segurança irá continuar a ser visto com desconfiança e a chance de cometerem abusos e violações será grande.
O segundo é a questão mais ampla da legitimidade. Se empresas privadas de segurança devem ter um papel ativo na construção da governança de segurança, elas precisam ser vistas como atores legítimos pelos Estados e por atores não-estatais, bem como pelas pessoas que serão objetos dos serviços prestados. Mais do que apenas a responsabilidade jurídica teórica para assegurar que a ação das empresas privadas de segurança sejam adequadas, é necessário que sejam percebidas como legítimas, seja por meio do sancionamento das operações pelos Estados ou por outros atores. A legitimidade das empresas privadas de segurança também vai depender da existência de níveis adequados de transparência e de normas democráticas em termos das operações das empresas, finanças e conduta.
Em terceiro lugar, os obstáculos práticos para a ação efetiva das empresas privadas de segurança precisam ser abordados, e sistemas de interação público-privado, em âmbito internacional precisam ser desenvolvidos. Isso vai exigir que cada vez mais, as empresas privadas de segurança devem trabalhar com os Estados, e não à custa dos Estados, bem como em conjunto com outros atores, como as organizações internacionais e regionais, ONGs e outros atores não-estatais ((HOLMQVIST, 2005, p. 42-43).
Nota-se que com essas recomendações de Holmqvist, os abusos e os crimes cometidos pelas empresas privadas de segurança no Iraque e no Afeganistão, em nome da “Guerra contra o terror” poderiam ter sido evitados, caso essas empresas fossem tratadas como qualquer outra empresa e tivessem responsabilidades jurídicas. Cabe a curto-prazo, a tentativa da responsabilização dos serviços prestados por essas empresas, para assim evitar a criação do vácuo jurídico em que elas se encontram. Agora, cabe verificar se certos Estados têm o interesse de evitar esse vácuo, pois até agora o que se percebe é que esse limbo jurídico tem servido muito bem aos interesses dos Estados que não querem cumprir os direitos humanos.
Já no que se refere ao terrorismo, uma discussão coerente deve ter uma ferramenta de identificação do fenômeno que permita descobrir quais ações, agentes e organizações são “terroristas”, quais são seus objetivos e causas, enfim, qualquer trabalho sobre terrorismo, deveria levantar quais são os atores desse processo e as suas vozes – Quem fala? O que fala? Para quem fala? – são questões fundamentais a serem pesquisadas. Apenas deste modo consegue-se definir os meios adequados para uma “resposta legítima” para aquilo que alguns consideram um desafio fundamental do século XXI. O general espanhol Alberto Piris sensatamente afirma:
Não há guerra eficaz nem fórmula definitiva contra o terrorismo internacional. Este só poderá desaparecer quando se extinguirem os fogos que o alimentam sem cessar: os conflitos não resolvidos por incapacidade, cumplicidade ou rivalidades internas entre as grandes potências que neles têm interesses. (...) Acrescentar nova violência a já existente, aplicando a Lei de Talião numa espiral infernal e ilimitada, não levará a uma solução final
Tradução livre. Cito original: “no hay guerra eficaz ni fórmula definitiva contra el terrorismo internacional. Este solo podrá desaparecer cuando se extingan los fuegos que lo alimentan sin cesar: los conflictos no resueltos por incapacidad, complicidad o rivalidades internas entre las grandes potencias que en ellos tienen interesses.(..) Añadir nueva violencia a la ya existente, aplicando la Ley del Talión em una espiral infernal e ilimitada, no llevará a una solución final”. (PIRIS, 2001, p.54).
Os Estados Unidos continuam sendo uma potência econômica e militar sem rival na região e no resto do mundo e também continuam mantendo um duplo discurso sobre os direitos humanos, enquanto leva a cabo a sua “Guerra contra o Terror”. Os Estados Unidos afirmam ser o principal impulsionador da promoção dos direitos humanos e do Estado de direito e ao, mesmo tempo, utilizam políticas e práticas que burlam e ferem aos princípios mais básicos do direito internacional. Ao se comportar dessa maneira, os Estados Unidos, minam não só a segurança, pilar fundamental do Estado de direito, senão também a sua própria credibilidade no cenário internacional.
Portanto, para se enfrentar o desafio do terrorismo, deve-se reforçar algumas conquistas históricas importantes, como os direitos humanos e as instituições democráticas. E os Estados Unidos ao promoverem a “Guerra contra o Terror” e terem se utilizado de forma maciça das empresas privadas de segurança nas suas operações, acabaram por desmoralizar essas conquistas tão relevantes.
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