A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado
A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e
(re)construir percursos de cuidado
Fabiana Schneider Pires*; Graciela Soares Fonsêca**; Carolina Rogel de Souza***; Carlos
Botazzo****
* Professora Adjunta, Faculdade de Odontologia da
**
***
****
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Professora Adjunta, Universidade Federal da Fronteira Sul
- campus Chapecó
Professora Adjunta, Universidade Federal de Santa Catarina
Professor Sênior, Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo
Recebido: 15/07/2021. Aprovado: 17/03/2022.
RESUMO
O artigo traz análises dos processos de trabalho e uso de tecnologias de cuidado e competências nas
relações interpessoais e de vínculo. Em pesquisa multicêntrica sobre clínica ampliada e saúde bucal no
Sistema Único de Saúde (SUS), utilizou-se o método clínico da clínica ampliada envolvendo pacientes
e equipe de saúde. Este texto tem o objetivo de discutir a prática clínica em saúde bucal e o cuidado em
saúde centrado no paciente, tendo por base os referenciais teóricos da bucalidade, do acolhimento e das
tecnologias de cuidado em saúde. Traz reflexões sobre um dos cenários do estudo com a participação
de quatro pesquisadores e oito estagiários (alunos de Odontologia), tendo como lócus a clínica de saúde
bucal de uma UBS de São Paulo/SP As atividades ocorreram por 13 meses (2014 e 2015), atendendo
135 pessoas. Foram realizados 375 procedimentos odontológicos no escopo da APS, com média de
1,54 retornos e de 6,38 intervenções por paciente, em 2014, e 7,25 em 2015. A maior parte das pessoas
teve suas necessidades de saúde bucal atendidas em único retorno. Os pesquisadores e estagiários
produziram diários de campo com impressões e percepções sobre atendimentos e este artigo traz
análises a partir de uma narrativa à luz da Análise do Discurso. Ao ressignificar as práticas, assume-se
novas possibilidades para o cuidar, dentro da singularidade de cada caso e com tecnologias leves, de
comunicação e acolhimento/vínculo e de processos que integrem o ser, o pensar, o fazer e o estar.
Destaca-se a potencialidade de práticas de saúde que se constituem no devir, na retomada da clínica
como espaço de produção da subjetividades, da produção de si, apontando para a (re)construção do
campo de sinais e sintomas, valorizando diferenças e descontinuidades, convidando a todos para pensar
e discutir as práticas clínicas hegemônicas da Odontologia, desde a formação até os serviços de saúde.
Descritores: Saúde Bucal. Tecnologia Biomédica. Assistência Integral à Saúde. Capacitação de
Recursos Humanos em Saúde.
1 INTRODUÇÃO
As práticas em saúde têm sido constituídas
por tecnociências e desvelam em seu discurso uma
fusão entre ciência e tecnologia em uma interrelação que dá subsídios e se faz mediadora entre a
ciência e o real, em acontecimentos que funcionam
no interior de uma economia de poder e que se
caracterizam pela interação e retroalimentação
mútua do capitalismo, da ciência e da tecnologia1,2.
O trabalho em saúde, principalmente a
clínica em saúde bucal, prescinde da legitimação de
um fazer/saber no cotidiano dos serviços que
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valorize e priorize a interação intersubjetiva desta
ação. São desafios à prática clínica odontológica a
construção de propostas que articulem saberes (não
somente os saberes técnico/cirúrgicos) na direção
de projetos terapêuticos legitimados pelos
envolvidos, processos firmados na perspectiva de,
coletivamente, estabelecer relação com o mundo
subjetivo de cada um e com o modo como são
construídas as necessidades de saúde, permeado
por relações de acolhimento e vínculo, por uma
ética do cuidado.
Um dos principais pilares teóricos para
analisar e compreender as dimensões da clínica
praticada pelas equipes de saúde bucal é o conceito
de bucalidade3-6: uma ferramenta teórica que tem
como base científica a saúde coletiva e que traz
para a prática clínica a subjetividade da boca
humana, reconhecendo seu papel social, cultural,
emocional e político em todas as relações de
cuidado em saúde, compreendendo que as bocas e
as correlatas experiências bucais dos sujeitos são
algo para além dos tecidos e órgãos e funções
fisiológicas que a odontologia como ciência
percebe (e para as quais produz conhecimento e
evidências científicas).
Considerando esses argumentos, um coletivo
de pesquisadores conduziu o projeto multicêntrico
“Inovação na Produção do Cuidado em Saúde
Bucal. Possibilidades de uma nova abordagem na
Clínica Odontológica para o Sistema Único de
Saúde”, desenvolvido em quatro cenários distintos.
O estudo partiu do pressuposto de que a prática em
saúde bucal permanentemente reproduz um
modelo de atenção que se organiza pelo uso de
tecnologias duras (equipamentos, instrumentais e
materiais) constituindo, portanto, uma prática
centrada nas lesões (acentuadamente aquelas
relacionadas aos processos de cárie) que destitui o
sujeito no processo de cuidado7,8.
É desejável repensar a clínica de saúde bucal
e compreender como programas e políticas tornamse ações em saúde no cotidiano dos serviços.
Importa, neste ponto, analisar uma proposta para a
clínica na qual os atores sociais sejam protagonistas
de percursos “mais sensíveis, críticos e responsivos
aos sucessos práticos sempre visados por meio e
para além de qualquer êxito técnico no cuidado em
saúde” 9.
O projeto de pesquisa foi incorporado por
equipes de saúde bucal das Unidades Básicas de
Saúde (UBS) na condução das intervenções, em
novos arranjos tecnológicos para a prática em
saúde bucal. Os atendimentos estruturaram-se a
partir da escuta qualificada, compreendida como a
possibilidade do encontro com a subjetividade do
indivíduo, como o ato de estar sensível ao que é
comunicado e expresso por meio de gestos e
palavras, ações e emoções, com a sensibilidade
para compreender aquilo que fica oculto no íntimo
do sujeito. Entende-se que a escuta se inscreve na
habilidade de captar as sensações do outro,
realizando a integração ouvir-ver-sentir10.
O método clínico que guiou os
pesquisadores e bolsistas-estagiários na condução
dos atendimentos pautou-se em abordagens
singulares, de acordo com a necessidade de cada
pessoa quando esta comparecia às consultas
agendadas. Este método clínico alinhou-se aos
conceitos de clínica ampliada11. Os pacientes (de
acordo com o número de pessoas agendadas para o
turno de estágio/atendimento) eram convidados a
participar de uma conversa em roda com outros
pacientes. Tal procedimento estruturou-se como
anamnese coletiva, entendida na pesquisa como um
dispositivo que toma o grupo como referência,
religando o paciente com seu processo pessoal e
social, possibilitando a construção de narrativas de
vida com entrada em cena de outros elementos
além dos aspectos clínico-bucais12.
Em outros atendimentos, priorizava-se a
consulta individual, momento de maior
aprofundamento da relação com o paciente, com
tempo e espaço privilegiados para a escuta,
utilizando-se por base a história patográfica,
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realizada fora do ambiente odontológico e sem uso
do odontograma (considerado como ferramenta ou
tecnologia leve-dura e que neste projeto optou-se
por não a utilizar).
A história patográfica, na qual este projeto
conceitualmente se apoia, é pensada a partir da
fusão da história clínica e suas dimensões factual e
ficcional e a patografia concebida como a descrição
do indivíduo doente e sua vida indo além dos
aspectos clínicos. Ou seja, a história clínica é, a um
só tempo, história de vida13,14.
Deste modo, a consulta pode ser considerada
como um sistema, envolvendo estrutura, processo
e resultados15. Na prática desenvolvida pelo
estudo, muitos elementos pertencentes à estrutura
entraram em cena: elementos arquitetônicos e de
mobiliário da UBS - como cadeiras e mesas - uso
de salas anexas ao consultório odontológico e a
dispensa do equipo odontológico - cadeira, mocho,
refletor e mesa auxiliar, além de unidade de sucção.
Ainda sobre a estrutura, destaca-se a organização
da sala de espera e do acolhimento; o modo de
chamar os pacientes; os tempos previstos e as
regras de agendamento e marcação de consultas15.
Pode-se incluir, na estrutura para a consulta,
o suporte comum para o registro clínico: prontuário
único, onde a evolução das consultas é feita em
conjunto com os registros de médicos, enfermeiros,
psicólogos, assistentes sociais e outros possíveis
profissionais que compõem as equipes de saúde.
Destaca-se que o registro das consultas, da
anamnese e do histórico clínicos das pessoas
atendidas nas atividades do projeto eram realizadas
por pesquisadores e estagiários, armazenadas em
arquivos do setor de Odontologia da UBS e
posteriormente anexadas ao prontuário pela equipe
de saúde bucal da UBS. Inicialmente buscou-se
utilizar os prontuários únicos dos pacientes que já
era utilizado para todos os registros clínicos por
diferentes categorias profissionais na instituição
(UBS Paula Souza, São Paulo/SP, no entanto, a
instituição não permitiu o acesso dos pesquisadores
a estes prontuários.
Os processos envolvidos numa consulta
clínica dizem respeito à comunicação da equipe
com o paciente; às estratégias de condução da
consulta (estruturada versus desorganizada, linear e
não linear, grau de diretividade); ao método clínico;
aos processos de envolvimento e vínculo; à
participação e negociação com a pessoa que está
sendo cuidada; aos modelos de registros clínicos,
entre outros15.
Explicita-se que o objetivo, ao discutir
alguns aspectos da pesquisa realizada, foi apontar
inovações para a prática clínica de saúde bucal,
partindo-se de um método clínico que a um só
tempo deslocasse o centramento na lesão dentária
e nos procedimentos cirúrgico-reparadores
(característica da prática odontológica hegemônica,
historicamente suportada por tecnologias duras e
leves duras, estruturada por uma semiotécnica de
sinais e sintomas que exclui, tanto para o
diagnóstico quanto para o prognóstico, o contexto
social e cultural do paciente, entre outros aspectos)
e assim percorre outros saberes, alinhando a ciência
odontológica com as ciências sociais e humanas,
com práticas de saúde que se reconfiguram com
vistas a construir e conduzir as consultas, nos
cenários de prática e de pesquisa-intervenção, a
partir de pilares que foram estruturantes para a
produção do cuidado em saúde bucal16,17.
Esta reconfiguração envolveu escuta
qualificada (buscava construir um percurso para a
construção do caso clínico, iniciava com espaços
para falas e escutas sobre as pessoas, suas
necessidades, histórias de vida, perspectivas,
relações pessoais, sociais, do seu mundo de
trabalho e de afetos); projetos terapêuticos
compartilhados e singularizados (processos de
construção de percursos de cuidado que
desenhavam-se a partir da anamnese e eram
imperativamente
apoiados
nos
desejos,
necessidades percebidas pelos pacientes e nos
recursos técnicos disponíveis na APS); rodas de
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conversa, ou grupos de conversa, que constituíram
os momentos de anamnese coletiva. As diferentes
abordagens destacadas são as principais diferenças
entre a prática odontológica e a clínica ampliada de
saúde bucal.
A anamnese coletiva foi uma atividade em
grupo com, no máximo, 12 pacientes e duração não
superior a 90 minutos. Como atividade grupal,
guarda relação com práticas de grupos em
dinâmica, grupos operativos ou, como pode
eventualmente ocorrer, com o psicodrama. Assim,
ela não se assemelha à anamnese que é usualmente
praticada (questionários sobre doenças e situações
de saúde), mas sim é desenvolvida para propiciar o
acolhimento, processar o vínculo e permitir que os
pacientes possam falar sobre seu mal-estar, seus
sintomas, suas expectativas e sua vida ao mesmo
tempo que ouvem as histórias dos demais
componentes do grupo e assim reafirmam ou
reveem seus percursos de saúde. Não houve
definição a priori de nenhum assunto e aqueles
pacientes que não pactuaram com a proposta grupal
foram atendidos pela equipe de saúde bucal da
unidade de saúde, fora do escopo da pesquisa. O
profissional conduzia a conversa deixando os
pacientes
se
expressarem
livremente,
interrompendo com perguntas ou fazendo
observações de modo a permitir ou facilitar a
depositação do material subjetivo.
O itinerário das pessoas pela rede de atenção
em saúde no município acontecia por meio de
encaminhamentos
(protocolos
municipais)
realizados pelas cirurgiãs dentistas da equipe com
regulação pelas esferas correspondentes.
Assim, estabeleceu-se um fluxo para o
atendimento que respeitou a centralidade e o
protagonismo de cada paciente na construção de
suas demandas e, por conseguinte, pautou as ações
em saúde bucal do coletivo de pesquisadores e
bolsistas-estagiários no percurso do estudo.
Os modelos explicativos dominantes para
definir demandas reduzem o sujeito pela
objetivação da doença, desconsiderando os
contextos em que se inserem. Os elementos
constituintes das demandas de saúde “surgem de
interações dos sujeitos (pacientes, profissionais e
gestores) na sua relação com a oferta nos serviços
de saúde, em face de um determinado projeto
político institucional” 18.
Segundo Pinheiro et al. (2005)18, demanda e
oferta de serviços de saúde não devem ser vistos
como dois conceitos que não se relacionam, posto
que esta visão coloca usuário e trabalhador em
“lados opostos”, afastando a possibilidade de
construção conjunta do cuidado. Para Stotz
(1991)19, demandas são fruto da relação entre
atores que têm necessidades, desejos e projetos
institucionais distintos, os quais devem ser
considerados.
2 MÉTODO
O material utilizado para análise foi um
relato presente em um dos diários de campo dos
pesquisadores. O diário como dispositivo para a
pesquisa vem sendo considerado como parte do
material empírico e integrante da investigação,
porque permite aos pesquisadores o registro das
impressões do trabalho de campo, os eventos e os
acontecimentos, bem como as irregularidades e os
acertos. Ele permite explorar o vivido pelos
pesquisadores, bem como facilita e articula, entre
estes, a análise dos achados de campo e a respectiva
implicação com o trabalho de investigação,
reduzindo ou achatando a ideia de neutralidade na
produção científica20.
O estudo estruturou-se como pesquisaintervenção em atividade experimental de clínica
ampliada de saúde bucal em uma UBS no
município de São Paulo/SP], com uso de diário de
campo ou pesquisa para registro de dados,
impressões, descobertas, dificuldades e realizações
de cada pesquisador envolvido. Em muitos
momentos, o diário relatava não só as percepções e
sentidos ou significados dos atos de cada
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pesquisador, mas também narrativas sobre as
observações e percursos na clínica. Do exercício de
repensar a prática de cada pesquisador na produção
do cuidado, no trabalho que se realizava a cada
encontro e também pelo uso sistemático dos
diários, o resgate de algumas histórias contribuiu
para que fosse possível ressignificar os afetos que
foram surgindo neste processo, como se fossem
produtos discursivos.
Para a análise do material produzido,
utilizou-se dos aportes de autores21-23 que
convergem quanto à apreensão do discurso no
momento mesmo de sua emergência ou na
positividade de sua existência. É como se as coisas
fossem captadas no momento particular do seu fluir
em meio aos seus determinantes e circunstâncias.
Estas seriam as condições metódicas para sua
análise, como análise do discurso. Assim, o que
importa é o modo como é dado a perceber, ou seja,
seu conteúdo manifesto, onde então deverá ser
significado, e não por algum significado oculto que
porventura possa guardar com realidades desde
sempre estranhas às condições práticas de sua
produção e emergência. Nestas análises, o objeto
de apreciação de estudo deixou de ser a frase, ou
cada palavra individualmente, e passou a ser o
discurso por inteiro, escapando de uma sequência
fechada em si mesmo. É importante lembrar que o
conceito de formação discursiva lembra o de
totalidade. Pois imediatamente todo discurso só
poderá ser na condição de que expresse o conjunto
possível do dizível quanto a um determinado
objeto, fato ou ocorrência. Não são apenas os
discursos científicos que interessam, mas também
os documentos, a legislação, os comentários
políticos interessados, os textos literários, as
imagens, as figuras de metáfora, os jogos
semânticos, as obras de arte, partes dos próprios
discursos científicos, as falas e as práticas
cotidianas e usuais. O que compete à análise do
discurso é explicitar as relações entre o dito e o não
dito, ao tempo em que explora nas análises as
relações de intertextualidade21-23.
Para Narvaz et al. (2006)24, na análise do
discurso, a produção do saber acontece quando
sujeito e objeto interagem para produzir
significados. Nessas abordagens, não há a
separação defendida pelo positivismo entre sujeito
que conhece e realidade (objeto) a ser investigada.
O que se produz é uma relação de interdependência
e de resgate da subjetividade do pesquisador (que
analisa o discurso) no processo de conhecimento.
Como a análise de enunciados se dá pelas
coisas ditas, sem perguntar o que escondem, o que
nelas foi dito, ou o não dito que recobrem, os
pensamentos, as imagens ou o que seja que trazem
consigo, a análise do discurso opera como uma
pergunta, uma investigação sobre os modos como
algo é dito, por quem e com que interesses. A
análise do discurso busca compreender as marcas
deixadas pelo que foi dito e as possibilidades de seu
surgimento, identificando o percurso pelo qual os
enunciados aparecem24.
Guiados por estas linhas, os pesquisadores
apresentam conjuntos narrativos produzidos pela
experiência viva, pelo interior do processo, no
momento em que foi uma experiência real, sentida,
vivenciada e com potência para produzir novos
signos. A partir dos registros, uma formação
discursiva compõe o material empírico de análise
deste artigo, porque não apenas fizemos diários,
mas também conversamos o tempo todo, vimos,
interagimos e produzimos a cada jornada novas
experienciações e novos modos coletivos de dizer
e fazer. Foram produzidos ao total oito diários de
campos (pesquisadores e bolsistas).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Reproduzida como resultado, a narrativa que
segue (os nomes usados são fictícios para preservar
o anonimato dos participantes da pesquisa)
potencializa a discussão sobre sujeitos e clínica,
sobre o método clínico que foi suporte teórico do
estudo e ilustra as relações que se desenharam no
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curso da pesquisa, entre pacientes e pesquisadores,
como prática de cuidado em saúde:
"Era mais uma tarde quente do final do
verão paulistano... cheguei para o atendimento na
unidade de saúde e lá já estavam os estagiários e
mais duas pesquisadoras do projeto. Minha
atividade naquele dia era a de conduzir as
consultas individuais em conjunto com as
alunas/estagiárias do último ano do curso de
Odontologia. No corredor que dava acesso à
clínica odontológica aguardavam para o
atendimento seis mulheres, nenhuma propriamente
jovem, todas entre seus 40 e 70 anos de idade. As
mais idosas conversavam sobre o tempo, o calor, a
falta de chuva... logo percebi o distanciamento da
mais jovem... alheia ao assunto das demais.
Quieta, um ar de cansaço e de pouca paciência
para aquela espera, espera que ainda não fazia
sentido pois o agendamento para a “odonto” como
proposto pela equipe do projeto era explicado
previamente aos interessados: uma conversa
inicial, muitas vezes em grupo, mas que naquele
dia seria feita individualmente.... meus olhos
correram por todas ao passar pelo corredor, dei
um sonoro boa tarde senhoras! Como estão? Ao
que então cessou a conversa e todas me olharam
animadas, menos Maria das Graças. O olhar
cansado me chamou a atenção e, confidencio, torci
para que esta não fosse a primeira paciente a
consultar, pois imaginava conduzir uma boa
anamnese e uma consulta rica em detalhes da
história de vida para que isso fosse didático aos
olhos das alunas que acompanhariam a consulta
individual e que começar com alguém tão sem
vontade – na minha primeira impressão – seria um
pouco desanimador. Pois foi que peguei a primeira
“ficha”, o prontuário único de cada paciente que
é matriculado naquela unidade, olhei para a
estagiária e voltamos para o corredor:
- Maria das Graças, por favor.
Levantou-se lentamente… Maria das Graças
não tinha graça no olhar, não tinha graça ao
andar… como já falei, seu ar cansado vinha
acompanhado por um cabelo desalinhado, suado e
preso num coque, as olheiras, o andar curvado e
lento. A mais jovem das senhoras sentadas no
corredor era também a mais desanimada. Vamos
lá, pensei, com um misto de desafio e até
preocupação: o que poderíamos propor nesta
conversa/consulta para alguém tão “baixo
astral”?
A sala que a unidade de saúde ofereceu ao
projeto para as consultas individuais era a sala da
ginecologista que não atendia no período da tarde.
Entre a maca ginecológica, um biombo gasto e um
armário de portas de vidro com algumas poucas
amostras grátis de medicamentos, uma pequena
mesa e três cadeiras espremidas no exíguo espaço
nos aguardavam.
O suor corria pelo rosto de Maria das
Graças. Fiz as apresentações iniciais, comentei
sobre o projeto e propus um roteiro largo, sem
amarras, para a nossa conversa. Deixei de lado as
clássicas perguntas sobre a boca, sobre alguma
possível dor de dentes ou dentes quebrados.
Não pude deixar de perceber a falta de
alguns dentes e o hálito ruim quando Maria das
Graças começou a falar. Timidamente ela
começou a contar que sempre esteve sem tempo
para cuidar da boca, que poucas vezes na vida foi
ao dentista... um misto de desculpa e vergonha.
Mas que agora tinha resolvido cuidar dela. E
então, de uma forma eloquente e surpreendente,
Maria das Graças contou com muitos detalhes as
dificuldades financeiras por que passara nos
últimos anos, desde que foi demitida de uma
empresa multinacional e abriu um pequeno
comércio de doces na região. Falou da vida
boêmia do marido músico, da filha única
adolescente e do pai viúvo e adoentado que lhe
coube cuidar. E ela discursou com uma clareza
sobre sua vida, sem ser queixosa, sem resignação...
falou com força, com coragem, como uma lutadora
da vida e pela vida. Pontuou os momentos difíceis
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pelos quais tem passado e também esclareceu
como vinha enfrentando cada um deles.
Ao final da nossa conversa me fitou
seriamente e de uma forma muito afetuosa me
aconselhou:
“ - cuide mais de você também.... a vida de
nós mulheres não é feita só de trabalho, filho e
marido. Descanse mais e procure fazer coisas que
você goste de verdade”.
Fomos realizar o exame clínico (na cadeira
odontológica) como duas pessoas que se
encontram nesta vida, que partilham experiências,
que estabelecem um vínculo importante para que
se possa produzir algum cuidado. Neste dia as
cadeiras odontológicas estavam em manutenção e
poucos procedimentos cirúrgicos ou restauradores
da clássica prática odontológica poderiam ser
realizados, expliquei que faríamos um exame da
boca, dos dentes, faríamos a medição de fluxo de
saliva e anotaríamos na sua ficha para, na próxima
consulta, começar o tratamento. Foi quando Maria
das Graças novamente me surpreendeu e deu a
mais valiosa contribuição que se podia esperar
para um projeto que pensa a inovação do cuidado
e novos processos de trabalho:
“- Doutora, eu já estou sendo tratada...
confio em vocês e no que vocês estão fazendo por
mim”.
E abriu um largo e sincero sorriso, um
sorriso que não tinha vergonha e nem precisava
pedir desculpas, pois a relação que estabelecemos
não fixava posições hierárquicas do saber ou
continha
protocolos
da
relação
profissional/paciente. E assim foram as consultas
seguintes, mais focadas na resolução dos
problemas bucais que Maria das Graças relatava
e que faziam sentido para seu modo de andar a
vida, mas o seu olhar e o nosso olhar já não era o
mesmo... como cúmplices pelo cuidado, com um
vínculo de confiança e principalmente em uma
relação centrada nos sujeitos de todo o processo,
construindo uma troca a cada dia menos
prescritiva ou controlista, menos pensada no papel
que a equipe de saúde bucal deva ter em relação à
boca dos pacientes (lembrando aqui as ações de
promoção de saúde que em muitos casos pautam
toda a relação entre profissional e paciente e
deixam à margem de qualquer relação as
potências da vida cotidiana de pacientes e equipes
de saúde).
A narrativa exposta possibilitou análises
sobre pontos centrais para a discussão dos
processos de trabalho em saúde bucal no SUS e
sobre inovação na produção do cuidado no
contexto de uma UBS. A narrativa, enquanto
material empírico de análise, representa a
construção de um território existencial, de
intersubjetividades que são inerentes às relações da
clínica e que, no entanto, se pretende encoberta pela
tecnociência, pela dureza das tecnologias há
tempos estruturantes e mediadoras das relações
decorrentes das práticas profissionais.
Guia-se a discussão considerando este dado
empírico como representante de muitos outros
momentos de encontro, de alteridade e de produção
de subjetividade na clínica de saúde bucal objeto
desta pesquisa. A seleção deste trecho, entre outros
produzidos pelos e pelas pesquisadores e
pesquisadoras ao longo dos meses de
desenvolvimento do projeto, é legítima porque o
discurso contido nesse específico diário é em si
mesmo legítimo; naturalmente, todos poderiam
compor o material empírico deste artigo, pois a
análise do material produzido (diários de campo)
nos diferentes cenários do estudo indicam a
construção de tecnologias de cuidado, sobretudo o
acolhimento e o vínculo, como os principais
aportes para o método clínico centrado no paciente.
E então é de uma clínica de saúde bucal que trata
este texto, expondo material empírico (em forma de
narrativa) para iluminar a discussão e produzir
conhecimentos sobre as práticas em saúde bucal,
questionando algumas prerrogativas da prática
odontológica e suas atividades e redesenhando
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A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado
percursos para a clínica: percursos de cuidado e de
produção de saúde a partir de desejos, saberes,
contextos culturais, sociais e afetivos. Uma clínica
de saúde bucal não exclui a técnica, a perícia e
mesmo a ciência odontológica, mas absorve outros
conhecimentos e propõe a construção do cuidado a
partir da abordagem do paciente e suas múltiplas
possibilidades, trazendo suas experiências para o
centro do processo. Propõe-se ultrapassar o “plano
de tratamento”, ao passo que convida a equipe de
saúde e o paciente para a construção comum de
‘projetos de cuidado em saúde’.
Dentre os pontos centrais, o delineamento do
que são as necessidades em saúde é necessário para
a discussão. Dessa forma, fomos guiados pela
noção de que as necessidades apontadas pelas
pessoas são traduzidas por demandas que resultam
da organização da vida cotidiana, da sociabilidade,
da afetividade, da subjetividade, da cultura e do
lazer, enfim, das relações23-25.
A saúde se produz a partir do conjunto da
experiência social, individualizado em cada sentir
e vivenciado em um corpo que é, também,
biológico, produzido em seus contextos sociais,
culturais, políticos, afetivos e que convocam a
mobilização de múltiplos saberes e fazeres para o
enfrentamento da complexidade dos problemas e
necessidades de saúde das pessoas, dos coletivos.
Reconhecer necessidades de saúde da população
está relacionado à permanência de uma visão
ampliada e que identifique os diversos sujeitos e
sua posição na “estrutura de poder” em saúde26.
Como pilares de uma (re)construção da
clínica, inserida em um pano de fundo para as ações
como os processos de falas e escutas, a relação
com o “mundo do paciente” e o modo como ele
constrói suas necessidades de saúde, o estudo
experienciou novos arranjos tecnológicos para a
produção do cuidado, buscando estabelecer
relações de vínculo, a partir de um posicionamento
ético. Ao reestruturar as ações no espaço da clínica,
com articulação de saberes, foi possível construir
projetos terapêuticos a partir da singularidade de
cada um.
Na discussão sobre arranjos tecnocientíficos
que possam lidar com necessidades em saúde que
não se enquadram no referencial hegemônico,
biomédico e historicamente construído, destacamse a percepção sobre os componentes subjetivos
dos usuários ou, dito de outra forma, aquilo que
para as pessoas são suas necessidades de saúde.
Cecílio (2006)27, apoiado na discussão que propôs
Stotz (1991)19, reconhece que, se as necessidades
de saúde são social e historicamente determinadas
ou construídas, elas só podem ser captadas e
trabalhadas em sua dimensão individual, pois “a
maneira como se vive se ‘traduz’ em diferentes
necessidades de saúde”27, consubstanciadas no
corpo do sujeito.
É imprescindível que se reconheça o vínculo,
não como apenas a adscrição a um serviço ou ação
de saúde, mas como o processo que afeta aqueles
envolvidos em uma relação contínua, pois é real e
experimentada no tempo, é intransferível, é um
encontro de subjetividades28. As necessidades de
saúde são amplas e singulares, percorrem campos
distintos, podem ter diferentes traduções e vão
desde boas condições de vida ao direito de ser
acolhido e escutado, de ter acesso a serviços e
tecnologias necessários, ao vínculo com uma
equipe que se responsabilize pelo cuidado, de
forma contínua28-30.
Feuerwerker (2011)31 traz algumas
premissas básicas para os processos de cuidado em
saúde: o usuário faz escolhas e é o gestor de sua
própria vida; é desejável a ampliação da autonomia
dos sujeitos para configurar os modos de conduzir
sua própria vida, enfrentando seus agravos28-32.
Neste sentido, a aproximação da saúde
coletiva com a clínica poderia ultrapassar um
estreitamento de relações ao dar relevo para a
escuta, por uma disponibilidade ao outro, ao seu
sofrimento, não apenas na dimensão das dores ou
compreensão de suas doenças mas, principalmente,
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A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado
no contato com sentidos mais essenciais de uma
outra clínica, “de uma requalificação, conceitual e
operativa, no campo da saúde”33.
Modelos, saberes, fazeres
Ao pensar em novos processos de trabalho na
clínica de saúde bucal, inovando tecnologias para a
produção do cuidado, este coletivo de
pesquisadores encontrou situações, no cenário da
pesquisa-intervenção, que apontaram para a
construção de possibilidades a partir dos preceitos
de clínica ampliada11.
Ao passo que se compreendia a clínica em
um plano potente de escuta, que permitia uma
cartografia e a construção de novas formas de
intervenção, buscamos inovar na construção de
projetos
terapêuticos
compartilhados
e
singularizados com as pessoas, colocando em foco
seus desejos, suas expectativas e não mais as
programáticas ações da prática odontológica
pública, inovando e incorporando tecnologias
relacionais, criando novos fluxos dentro da rede,
propondo também outros arranjos para o trabalho e
para a gestão.
O resultado aponta para uma nova semiótica:
momentos de relação de escuta, acolhimento e
vínculo enquanto tecnologias de cuidado para a
clínica de saúde bucal. Ao compreender o sujeito
no momento em que ele traz relatos de doença e
histórias de vida, é desejável que os trabalhadores
desenvolvam competências para realizar uma
escuta atenta e que qualifique a experiência do
usuário. A partir de diálogos não verticalizados por
saberes e redefinindo as relações de poder que
sustentam práticas clínicas34, o estudo reestruturou
a anamnese em diferentes dimensões,
possibilitando uma outra relação com as pessoas. A
intervenção clínica desenvolveu-se em um segundo
momento, a partir das demandas e não apenas pela
identificação mecânica de sinais35-38.
As análises apontam para uma desejável
(re)construção coletiva da clínica, alicerçada nas
necessidades de cada usuário (visto como o sujeito
e não objeto da clínica) que constituem o principal
desafio para o processo de produção do cuidado em
saúde bucal.
Compreender a clínica a partir de um espaço
interlocutor para o cuidado é reconsiderar sua
sólida ancoragem teórica, além de acrescentar à sua
dimensão técnica, uma produção de acolhimento e
de desvio. A clínica e a ciência: o conhecimento
quando aplicado ao cuidado de pessoas incorpora
um conhecimento moral e interpretativo, isto é,
uma razão prática39.
Neste ponto, o poder e o saber investidos
nesta clínica sustentam, densamente, uma prática
que traz os imperativos de excelência e de
qualidade técnica, o que não é bom ou ruim em si,
posto que pode alavancar “processos criativos,
abertos à diversidade, acolhedores da diferença; ou
funcionar como receita prescritiva, guarda-chuva
defensivo contra aquilo que no outro nos
ameaça”40. Portanto, compreende-se que o valor
útil da técnica reside em ser valor para o outro, não
para programas de saúde, nem tampouco para o
cumprimento de metas de produtividade que as
diretrizes de uma política de saúde podem induzir.
Da mesma forma, a inovação do e no
trabalho em saúde apontou a importância de se
repensar os cenários de prática. Enquanto alguns
formatos oferecem mais tempo e várias
possibilidades de encontro, outros cenários são
mais duros e proporcionam encontros pontuais,
pouco aprofundados e muitas vezes tensionados.
Compreende-se no trabalho vivo que sempre é
possível recriar espaços e, principalmente,
reformular nossos fazeres na direção de um resgate
da vida do usuário com seus desejos,
possibilidades, apostas e projetos como pauta
desses encontros, assim como Campos (2005)40
ressaltou em seu trabalho.
O encontro como produto e produtor nesta
clínica de sujeitos contradiz um modelo praticado
pela economia do contemporâneo, modelo que
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A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado
condiciona uma doença a uma intervenção e então
produz prescrições, sintomas, mortes, tratamentos
e “curas”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após revisitar a teoria e a narrativa expostas
e discutidas pelo texto, podemos concluir que a
jornada durante a execução do projeto, como
construção conjunta de conceitos, práticas e novos
sujeitos para a clínica foi um dos resultados mais
expressivos.
Essa construção levou os pesquisadores a
repensar a clínica em direção a uma outra,
ampliada, com a elaboração de projetos
terapêuticos
singularizados,
de
forma
compartilhada com os indivíduos atendidos, como
rotina no fazer cotidiano, com a escuta qualificada,
de usuários, profissionais e estudantes, como fazer
cotidiano. A clínica e a saúde bucal entrelaçam uma
complexa rede de cuidados e o centro deste cuidado
precisa voltar-se para o sujeito e não apenas para a
“sua” doença. Há que se repensar percursos que
valorizem a assunção de sujeitos, suas
possibilidades e necessidades para além do que a
semiótica clínica acostumou-se a valorizar: ritmos
fisiológicos, normalidade e doenças e seus sinais e
sintomas. O estudo apontou a premência de uma
clínica para a saúde bucal que tenha incondicional
valor e aporte técnico odontológico, mas que,
acima deste saber-fazer tecnocientífico, abra
espaços de escuta, valorize percursos singulares,
encontre pontos de articulação entre necessidade,
produção de vida e de saúde. Inovar neste caminho
é investir em práticas de saúde que se constituam
no devir, na retomada da clínica como espaço de
produção da subjetividades, da produção de si,
apontando para a (re)construção do campo de
sinais e sintomas, valorizando diferenças e
descontinuidades.
AGRADECIMENTOS
A pesquisa foi financiada pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) edital MCTI/CNPq/MSSCTIE-Decit nº 10/2012 e Fapesp- 2013/116682.
ABSTRACT
Clinic and oral health at SUS: innovating and
(re)constructing care pathways
The article provides analyses of work processes
and the use of care technologies and
competencies in interpersonal and bonding
relationships. In a multicentric research on
expanded clinic and oral health at SUS, we used
the clinical method of the expanded clinic
comprising users and the health team. This text
aims to discuss the clinical practice in oral health
and patient-centered health care, based on the
theoretical frameworks of buccality, welcoming,
and health care technologies. It brings reflections
on one of the study settings, with the
participation of four researchers and eight
trainees (dentistry students), having as a locus the
oral health clinic of a primary care service of São
Paulo/SP. The activities took place along 13
months (2014 and 2015), serving 135 users. A
total of 375 dental procedures were performed,
with an average of 1.54 returns per patient and
6.38 interventions per user in 2014, and 7.25 in
2015. Most users had their oral health needs met
in one single return. Researchers and trainees
produced field diaries with impressions and
perceptions about care, and this article brings
analyses from a narrative within the scope of
Discourse Analysis. By resignifying the
practices, we assume new possibilities for care,
within the singularity of each case and with light,
communication
and
welcoming/bonding
technologies, as well as processes that integrate
the being, the thinking, the doing and the being.
It is emphasized the potential of health practices
constituted in the becoming, in the resumption of
the clinic as a space for the production of
subjectivities, of production of the self, pointing
to the (re)construction of the field of signs and
symptoms, appreciating differences and
discontinuities, and inviting everyone to think
and discuss the hegemonic clinical practices of
Dentistry, from the training to the health services.
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A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado
Descriptors: Health Education. Biomedical
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Correspondência para:
Fabiana Schneider Pires
e-mail:
[email protected]
Rua Honório Silveira Dias, 1500/508
90540-070 Porto Alegre/RS
Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725
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