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clínica e a saúde bucal no SUS

2022, Revista da ABENO

RESUMO O artigo traz análises dos processos de trabalho e uso de tecnologias de cuidado e competências nas relações interpessoais e de vínculo. Em pesquisa multicêntrica sobre clínica ampliada e saúde bucal no Sistema Único de Saúde (SUS), utilizou-se o método clínico da clínica ampliada envolvendo pacientes e equipe de saúde. Este texto tem o objetivo de discutir a prática clínica em saúde bucal e o cuidado em saúde centrado no paciente, tendo por base os referenciais teóricos da bucalidade, do acolhimento e das tecnologias de cuidado em saúde. Traz reflexões sobre um dos cenários do estudo com a participação de quatro pesquisadores e oito estagiários (alunos de Odontologia), tendo como lócus a clínica de saúde bucal de uma UBS de São Paulo/SP As atividades ocorreram por 13 meses (2014 e 2015), atendendo 135 pessoas. Foram realizados 375 procedimentos odontológicos no escopo da APS, com média de 1,54 retornos e de 6,38 intervenções por paciente, em 2014, e 7,25 em 2015. A maior parte das pessoas teve suas necessidades de saúde bucal atendidas em único retorno. Os pesquisadores e estagiários produziram diários de campo com impressões e percepções sobre atendimentos e este artigo traz análises a partir de uma narrativa à luz da Análise do Discurso. Ao ressignificar as práticas, assume-se novas possibilidades para o cuidar, dentro da singularidade de cada caso e com tecnologias leves, de comunicação e acolhimento/vínculo e de processos que integrem o ser, o pensar, o fazer e o estar. Destaca-se a potencialidade de práticas de saúde que se constituem no devir, na retomada da clínica como espaço de produção da subjetividades, da produção de si, apontando para a (re)construção do campo de sinais e sintomas, valorizando diferenças e descontinuidades, convidando a todos para pensar e discutir as práticas clínicas hegemônicas da Odontologia, desde a formação até os serviços de saúde. Descritores: Saúde Bucal. Tecnologia Biomédica. Assistência Integral à Saúde. Capacitação de Recursos Humanos em Saúde.

A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado Fabiana Schneider Pires*; Graciela Soares Fonsêca**; Carolina Rogel de Souza***; Carlos Botazzo**** * Professora Adjunta, Faculdade de Odontologia da ** *** **** Universidade Federal do Rio Grande do Sul Professora Adjunta, Universidade Federal da Fronteira Sul - campus Chapecó Professora Adjunta, Universidade Federal de Santa Catarina Professor Sênior, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo Recebido: 15/07/2021. Aprovado: 17/03/2022. RESUMO O artigo traz análises dos processos de trabalho e uso de tecnologias de cuidado e competências nas relações interpessoais e de vínculo. Em pesquisa multicêntrica sobre clínica ampliada e saúde bucal no Sistema Único de Saúde (SUS), utilizou-se o método clínico da clínica ampliada envolvendo pacientes e equipe de saúde. Este texto tem o objetivo de discutir a prática clínica em saúde bucal e o cuidado em saúde centrado no paciente, tendo por base os referenciais teóricos da bucalidade, do acolhimento e das tecnologias de cuidado em saúde. Traz reflexões sobre um dos cenários do estudo com a participação de quatro pesquisadores e oito estagiários (alunos de Odontologia), tendo como lócus a clínica de saúde bucal de uma UBS de São Paulo/SP As atividades ocorreram por 13 meses (2014 e 2015), atendendo 135 pessoas. Foram realizados 375 procedimentos odontológicos no escopo da APS, com média de 1,54 retornos e de 6,38 intervenções por paciente, em 2014, e 7,25 em 2015. A maior parte das pessoas teve suas necessidades de saúde bucal atendidas em único retorno. Os pesquisadores e estagiários produziram diários de campo com impressões e percepções sobre atendimentos e este artigo traz análises a partir de uma narrativa à luz da Análise do Discurso. Ao ressignificar as práticas, assume-se novas possibilidades para o cuidar, dentro da singularidade de cada caso e com tecnologias leves, de comunicação e acolhimento/vínculo e de processos que integrem o ser, o pensar, o fazer e o estar. Destaca-se a potencialidade de práticas de saúde que se constituem no devir, na retomada da clínica como espaço de produção da subjetividades, da produção de si, apontando para a (re)construção do campo de sinais e sintomas, valorizando diferenças e descontinuidades, convidando a todos para pensar e discutir as práticas clínicas hegemônicas da Odontologia, desde a formação até os serviços de saúde. Descritores: Saúde Bucal. Tecnologia Biomédica. Assistência Integral à Saúde. Capacitação de Recursos Humanos em Saúde. 1 INTRODUÇÃO As práticas em saúde têm sido constituídas por tecnociências e desvelam em seu discurso uma fusão entre ciência e tecnologia em uma interrelação que dá subsídios e se faz mediadora entre a ciência e o real, em acontecimentos que funcionam no interior de uma economia de poder e que se caracterizam pela interação e retroalimentação mútua do capitalismo, da ciência e da tecnologia1,2. O trabalho em saúde, principalmente a clínica em saúde bucal, prescinde da legitimação de um fazer/saber no cotidiano dos serviços que Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 1 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado valorize e priorize a interação intersubjetiva desta ação. São desafios à prática clínica odontológica a construção de propostas que articulem saberes (não somente os saberes técnico/cirúrgicos) na direção de projetos terapêuticos legitimados pelos envolvidos, processos firmados na perspectiva de, coletivamente, estabelecer relação com o mundo subjetivo de cada um e com o modo como são construídas as necessidades de saúde, permeado por relações de acolhimento e vínculo, por uma ética do cuidado. Um dos principais pilares teóricos para analisar e compreender as dimensões da clínica praticada pelas equipes de saúde bucal é o conceito de bucalidade3-6: uma ferramenta teórica que tem como base científica a saúde coletiva e que traz para a prática clínica a subjetividade da boca humana, reconhecendo seu papel social, cultural, emocional e político em todas as relações de cuidado em saúde, compreendendo que as bocas e as correlatas experiências bucais dos sujeitos são algo para além dos tecidos e órgãos e funções fisiológicas que a odontologia como ciência percebe (e para as quais produz conhecimento e evidências científicas). Considerando esses argumentos, um coletivo de pesquisadores conduziu o projeto multicêntrico “Inovação na Produção do Cuidado em Saúde Bucal. Possibilidades de uma nova abordagem na Clínica Odontológica para o Sistema Único de Saúde”, desenvolvido em quatro cenários distintos. O estudo partiu do pressuposto de que a prática em saúde bucal permanentemente reproduz um modelo de atenção que se organiza pelo uso de tecnologias duras (equipamentos, instrumentais e materiais) constituindo, portanto, uma prática centrada nas lesões (acentuadamente aquelas relacionadas aos processos de cárie) que destitui o sujeito no processo de cuidado7,8. É desejável repensar a clínica de saúde bucal e compreender como programas e políticas tornamse ações em saúde no cotidiano dos serviços. Importa, neste ponto, analisar uma proposta para a clínica na qual os atores sociais sejam protagonistas de percursos “mais sensíveis, críticos e responsivos aos sucessos práticos sempre visados por meio e para além de qualquer êxito técnico no cuidado em saúde” 9. O projeto de pesquisa foi incorporado por equipes de saúde bucal das Unidades Básicas de Saúde (UBS) na condução das intervenções, em novos arranjos tecnológicos para a prática em saúde bucal. Os atendimentos estruturaram-se a partir da escuta qualificada, compreendida como a possibilidade do encontro com a subjetividade do indivíduo, como o ato de estar sensível ao que é comunicado e expresso por meio de gestos e palavras, ações e emoções, com a sensibilidade para compreender aquilo que fica oculto no íntimo do sujeito. Entende-se que a escuta se inscreve na habilidade de captar as sensações do outro, realizando a integração ouvir-ver-sentir10. O método clínico que guiou os pesquisadores e bolsistas-estagiários na condução dos atendimentos pautou-se em abordagens singulares, de acordo com a necessidade de cada pessoa quando esta comparecia às consultas agendadas. Este método clínico alinhou-se aos conceitos de clínica ampliada11. Os pacientes (de acordo com o número de pessoas agendadas para o turno de estágio/atendimento) eram convidados a participar de uma conversa em roda com outros pacientes. Tal procedimento estruturou-se como anamnese coletiva, entendida na pesquisa como um dispositivo que toma o grupo como referência, religando o paciente com seu processo pessoal e social, possibilitando a construção de narrativas de vida com entrada em cena de outros elementos além dos aspectos clínico-bucais12. Em outros atendimentos, priorizava-se a consulta individual, momento de maior aprofundamento da relação com o paciente, com tempo e espaço privilegiados para a escuta, utilizando-se por base a história patográfica, Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 2 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado realizada fora do ambiente odontológico e sem uso do odontograma (considerado como ferramenta ou tecnologia leve-dura e que neste projeto optou-se por não a utilizar). A história patográfica, na qual este projeto conceitualmente se apoia, é pensada a partir da fusão da história clínica e suas dimensões factual e ficcional e a patografia concebida como a descrição do indivíduo doente e sua vida indo além dos aspectos clínicos. Ou seja, a história clínica é, a um só tempo, história de vida13,14. Deste modo, a consulta pode ser considerada como um sistema, envolvendo estrutura, processo e resultados15. Na prática desenvolvida pelo estudo, muitos elementos pertencentes à estrutura entraram em cena: elementos arquitetônicos e de mobiliário da UBS - como cadeiras e mesas - uso de salas anexas ao consultório odontológico e a dispensa do equipo odontológico - cadeira, mocho, refletor e mesa auxiliar, além de unidade de sucção. Ainda sobre a estrutura, destaca-se a organização da sala de espera e do acolhimento; o modo de chamar os pacientes; os tempos previstos e as regras de agendamento e marcação de consultas15. Pode-se incluir, na estrutura para a consulta, o suporte comum para o registro clínico: prontuário único, onde a evolução das consultas é feita em conjunto com os registros de médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros possíveis profissionais que compõem as equipes de saúde. Destaca-se que o registro das consultas, da anamnese e do histórico clínicos das pessoas atendidas nas atividades do projeto eram realizadas por pesquisadores e estagiários, armazenadas em arquivos do setor de Odontologia da UBS e posteriormente anexadas ao prontuário pela equipe de saúde bucal da UBS. Inicialmente buscou-se utilizar os prontuários únicos dos pacientes que já era utilizado para todos os registros clínicos por diferentes categorias profissionais na instituição (UBS Paula Souza, São Paulo/SP, no entanto, a instituição não permitiu o acesso dos pesquisadores a estes prontuários. Os processos envolvidos numa consulta clínica dizem respeito à comunicação da equipe com o paciente; às estratégias de condução da consulta (estruturada versus desorganizada, linear e não linear, grau de diretividade); ao método clínico; aos processos de envolvimento e vínculo; à participação e negociação com a pessoa que está sendo cuidada; aos modelos de registros clínicos, entre outros15. Explicita-se que o objetivo, ao discutir alguns aspectos da pesquisa realizada, foi apontar inovações para a prática clínica de saúde bucal, partindo-se de um método clínico que a um só tempo deslocasse o centramento na lesão dentária e nos procedimentos cirúrgico-reparadores (característica da prática odontológica hegemônica, historicamente suportada por tecnologias duras e leves duras, estruturada por uma semiotécnica de sinais e sintomas que exclui, tanto para o diagnóstico quanto para o prognóstico, o contexto social e cultural do paciente, entre outros aspectos) e assim percorre outros saberes, alinhando a ciência odontológica com as ciências sociais e humanas, com práticas de saúde que se reconfiguram com vistas a construir e conduzir as consultas, nos cenários de prática e de pesquisa-intervenção, a partir de pilares que foram estruturantes para a produção do cuidado em saúde bucal16,17. Esta reconfiguração envolveu escuta qualificada (buscava construir um percurso para a construção do caso clínico, iniciava com espaços para falas e escutas sobre as pessoas, suas necessidades, histórias de vida, perspectivas, relações pessoais, sociais, do seu mundo de trabalho e de afetos); projetos terapêuticos compartilhados e singularizados (processos de construção de percursos de cuidado que desenhavam-se a partir da anamnese e eram imperativamente apoiados nos desejos, necessidades percebidas pelos pacientes e nos recursos técnicos disponíveis na APS); rodas de Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 3 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado conversa, ou grupos de conversa, que constituíram os momentos de anamnese coletiva. As diferentes abordagens destacadas são as principais diferenças entre a prática odontológica e a clínica ampliada de saúde bucal. A anamnese coletiva foi uma atividade em grupo com, no máximo, 12 pacientes e duração não superior a 90 minutos. Como atividade grupal, guarda relação com práticas de grupos em dinâmica, grupos operativos ou, como pode eventualmente ocorrer, com o psicodrama. Assim, ela não se assemelha à anamnese que é usualmente praticada (questionários sobre doenças e situações de saúde), mas sim é desenvolvida para propiciar o acolhimento, processar o vínculo e permitir que os pacientes possam falar sobre seu mal-estar, seus sintomas, suas expectativas e sua vida ao mesmo tempo que ouvem as histórias dos demais componentes do grupo e assim reafirmam ou reveem seus percursos de saúde. Não houve definição a priori de nenhum assunto e aqueles pacientes que não pactuaram com a proposta grupal foram atendidos pela equipe de saúde bucal da unidade de saúde, fora do escopo da pesquisa. O profissional conduzia a conversa deixando os pacientes se expressarem livremente, interrompendo com perguntas ou fazendo observações de modo a permitir ou facilitar a depositação do material subjetivo. O itinerário das pessoas pela rede de atenção em saúde no município acontecia por meio de encaminhamentos (protocolos municipais) realizados pelas cirurgiãs dentistas da equipe com regulação pelas esferas correspondentes. Assim, estabeleceu-se um fluxo para o atendimento que respeitou a centralidade e o protagonismo de cada paciente na construção de suas demandas e, por conseguinte, pautou as ações em saúde bucal do coletivo de pesquisadores e bolsistas-estagiários no percurso do estudo. Os modelos explicativos dominantes para definir demandas reduzem o sujeito pela objetivação da doença, desconsiderando os contextos em que se inserem. Os elementos constituintes das demandas de saúde “surgem de interações dos sujeitos (pacientes, profissionais e gestores) na sua relação com a oferta nos serviços de saúde, em face de um determinado projeto político institucional” 18. Segundo Pinheiro et al. (2005)18, demanda e oferta de serviços de saúde não devem ser vistos como dois conceitos que não se relacionam, posto que esta visão coloca usuário e trabalhador em “lados opostos”, afastando a possibilidade de construção conjunta do cuidado. Para Stotz (1991)19, demandas são fruto da relação entre atores que têm necessidades, desejos e projetos institucionais distintos, os quais devem ser considerados. 2 MÉTODO O material utilizado para análise foi um relato presente em um dos diários de campo dos pesquisadores. O diário como dispositivo para a pesquisa vem sendo considerado como parte do material empírico e integrante da investigação, porque permite aos pesquisadores o registro das impressões do trabalho de campo, os eventos e os acontecimentos, bem como as irregularidades e os acertos. Ele permite explorar o vivido pelos pesquisadores, bem como facilita e articula, entre estes, a análise dos achados de campo e a respectiva implicação com o trabalho de investigação, reduzindo ou achatando a ideia de neutralidade na produção científica20. O estudo estruturou-se como pesquisaintervenção em atividade experimental de clínica ampliada de saúde bucal em uma UBS no município de São Paulo/SP], com uso de diário de campo ou pesquisa para registro de dados, impressões, descobertas, dificuldades e realizações de cada pesquisador envolvido. Em muitos momentos, o diário relatava não só as percepções e sentidos ou significados dos atos de cada Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 4 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado pesquisador, mas também narrativas sobre as observações e percursos na clínica. Do exercício de repensar a prática de cada pesquisador na produção do cuidado, no trabalho que se realizava a cada encontro e também pelo uso sistemático dos diários, o resgate de algumas histórias contribuiu para que fosse possível ressignificar os afetos que foram surgindo neste processo, como se fossem produtos discursivos. Para a análise do material produzido, utilizou-se dos aportes de autores21-23 que convergem quanto à apreensão do discurso no momento mesmo de sua emergência ou na positividade de sua existência. É como se as coisas fossem captadas no momento particular do seu fluir em meio aos seus determinantes e circunstâncias. Estas seriam as condições metódicas para sua análise, como análise do discurso. Assim, o que importa é o modo como é dado a perceber, ou seja, seu conteúdo manifesto, onde então deverá ser significado, e não por algum significado oculto que porventura possa guardar com realidades desde sempre estranhas às condições práticas de sua produção e emergência. Nestas análises, o objeto de apreciação de estudo deixou de ser a frase, ou cada palavra individualmente, e passou a ser o discurso por inteiro, escapando de uma sequência fechada em si mesmo. É importante lembrar que o conceito de formação discursiva lembra o de totalidade. Pois imediatamente todo discurso só poderá ser na condição de que expresse o conjunto possível do dizível quanto a um determinado objeto, fato ou ocorrência. Não são apenas os discursos científicos que interessam, mas também os documentos, a legislação, os comentários políticos interessados, os textos literários, as imagens, as figuras de metáfora, os jogos semânticos, as obras de arte, partes dos próprios discursos científicos, as falas e as práticas cotidianas e usuais. O que compete à análise do discurso é explicitar as relações entre o dito e o não dito, ao tempo em que explora nas análises as relações de intertextualidade21-23. Para Narvaz et al. (2006)24, na análise do discurso, a produção do saber acontece quando sujeito e objeto interagem para produzir significados. Nessas abordagens, não há a separação defendida pelo positivismo entre sujeito que conhece e realidade (objeto) a ser investigada. O que se produz é uma relação de interdependência e de resgate da subjetividade do pesquisador (que analisa o discurso) no processo de conhecimento. Como a análise de enunciados se dá pelas coisas ditas, sem perguntar o que escondem, o que nelas foi dito, ou o não dito que recobrem, os pensamentos, as imagens ou o que seja que trazem consigo, a análise do discurso opera como uma pergunta, uma investigação sobre os modos como algo é dito, por quem e com que interesses. A análise do discurso busca compreender as marcas deixadas pelo que foi dito e as possibilidades de seu surgimento, identificando o percurso pelo qual os enunciados aparecem24. Guiados por estas linhas, os pesquisadores apresentam conjuntos narrativos produzidos pela experiência viva, pelo interior do processo, no momento em que foi uma experiência real, sentida, vivenciada e com potência para produzir novos signos. A partir dos registros, uma formação discursiva compõe o material empírico de análise deste artigo, porque não apenas fizemos diários, mas também conversamos o tempo todo, vimos, interagimos e produzimos a cada jornada novas experienciações e novos modos coletivos de dizer e fazer. Foram produzidos ao total oito diários de campos (pesquisadores e bolsistas). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Reproduzida como resultado, a narrativa que segue (os nomes usados são fictícios para preservar o anonimato dos participantes da pesquisa) potencializa a discussão sobre sujeitos e clínica, sobre o método clínico que foi suporte teórico do estudo e ilustra as relações que se desenharam no Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 5 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado curso da pesquisa, entre pacientes e pesquisadores, como prática de cuidado em saúde: "Era mais uma tarde quente do final do verão paulistano... cheguei para o atendimento na unidade de saúde e lá já estavam os estagiários e mais duas pesquisadoras do projeto. Minha atividade naquele dia era a de conduzir as consultas individuais em conjunto com as alunas/estagiárias do último ano do curso de Odontologia. No corredor que dava acesso à clínica odontológica aguardavam para o atendimento seis mulheres, nenhuma propriamente jovem, todas entre seus 40 e 70 anos de idade. As mais idosas conversavam sobre o tempo, o calor, a falta de chuva... logo percebi o distanciamento da mais jovem... alheia ao assunto das demais. Quieta, um ar de cansaço e de pouca paciência para aquela espera, espera que ainda não fazia sentido pois o agendamento para a “odonto” como proposto pela equipe do projeto era explicado previamente aos interessados: uma conversa inicial, muitas vezes em grupo, mas que naquele dia seria feita individualmente.... meus olhos correram por todas ao passar pelo corredor, dei um sonoro boa tarde senhoras! Como estão? Ao que então cessou a conversa e todas me olharam animadas, menos Maria das Graças. O olhar cansado me chamou a atenção e, confidencio, torci para que esta não fosse a primeira paciente a consultar, pois imaginava conduzir uma boa anamnese e uma consulta rica em detalhes da história de vida para que isso fosse didático aos olhos das alunas que acompanhariam a consulta individual e que começar com alguém tão sem vontade – na minha primeira impressão – seria um pouco desanimador. Pois foi que peguei a primeira “ficha”, o prontuário único de cada paciente que é matriculado naquela unidade, olhei para a estagiária e voltamos para o corredor: - Maria das Graças, por favor. Levantou-se lentamente… Maria das Graças não tinha graça no olhar, não tinha graça ao andar… como já falei, seu ar cansado vinha acompanhado por um cabelo desalinhado, suado e preso num coque, as olheiras, o andar curvado e lento. A mais jovem das senhoras sentadas no corredor era também a mais desanimada. Vamos lá, pensei, com um misto de desafio e até preocupação: o que poderíamos propor nesta conversa/consulta para alguém tão “baixo astral”? A sala que a unidade de saúde ofereceu ao projeto para as consultas individuais era a sala da ginecologista que não atendia no período da tarde. Entre a maca ginecológica, um biombo gasto e um armário de portas de vidro com algumas poucas amostras grátis de medicamentos, uma pequena mesa e três cadeiras espremidas no exíguo espaço nos aguardavam. O suor corria pelo rosto de Maria das Graças. Fiz as apresentações iniciais, comentei sobre o projeto e propus um roteiro largo, sem amarras, para a nossa conversa. Deixei de lado as clássicas perguntas sobre a boca, sobre alguma possível dor de dentes ou dentes quebrados. Não pude deixar de perceber a falta de alguns dentes e o hálito ruim quando Maria das Graças começou a falar. Timidamente ela começou a contar que sempre esteve sem tempo para cuidar da boca, que poucas vezes na vida foi ao dentista... um misto de desculpa e vergonha. Mas que agora tinha resolvido cuidar dela. E então, de uma forma eloquente e surpreendente, Maria das Graças contou com muitos detalhes as dificuldades financeiras por que passara nos últimos anos, desde que foi demitida de uma empresa multinacional e abriu um pequeno comércio de doces na região. Falou da vida boêmia do marido músico, da filha única adolescente e do pai viúvo e adoentado que lhe coube cuidar. E ela discursou com uma clareza sobre sua vida, sem ser queixosa, sem resignação... falou com força, com coragem, como uma lutadora da vida e pela vida. Pontuou os momentos difíceis Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 6 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado pelos quais tem passado e também esclareceu como vinha enfrentando cada um deles. Ao final da nossa conversa me fitou seriamente e de uma forma muito afetuosa me aconselhou: “ - cuide mais de você também.... a vida de nós mulheres não é feita só de trabalho, filho e marido. Descanse mais e procure fazer coisas que você goste de verdade”. Fomos realizar o exame clínico (na cadeira odontológica) como duas pessoas que se encontram nesta vida, que partilham experiências, que estabelecem um vínculo importante para que se possa produzir algum cuidado. Neste dia as cadeiras odontológicas estavam em manutenção e poucos procedimentos cirúrgicos ou restauradores da clássica prática odontológica poderiam ser realizados, expliquei que faríamos um exame da boca, dos dentes, faríamos a medição de fluxo de saliva e anotaríamos na sua ficha para, na próxima consulta, começar o tratamento. Foi quando Maria das Graças novamente me surpreendeu e deu a mais valiosa contribuição que se podia esperar para um projeto que pensa a inovação do cuidado e novos processos de trabalho: “- Doutora, eu já estou sendo tratada... confio em vocês e no que vocês estão fazendo por mim”. E abriu um largo e sincero sorriso, um sorriso que não tinha vergonha e nem precisava pedir desculpas, pois a relação que estabelecemos não fixava posições hierárquicas do saber ou continha protocolos da relação profissional/paciente. E assim foram as consultas seguintes, mais focadas na resolução dos problemas bucais que Maria das Graças relatava e que faziam sentido para seu modo de andar a vida, mas o seu olhar e o nosso olhar já não era o mesmo... como cúmplices pelo cuidado, com um vínculo de confiança e principalmente em uma relação centrada nos sujeitos de todo o processo, construindo uma troca a cada dia menos prescritiva ou controlista, menos pensada no papel que a equipe de saúde bucal deva ter em relação à boca dos pacientes (lembrando aqui as ações de promoção de saúde que em muitos casos pautam toda a relação entre profissional e paciente e deixam à margem de qualquer relação as potências da vida cotidiana de pacientes e equipes de saúde). A narrativa exposta possibilitou análises sobre pontos centrais para a discussão dos processos de trabalho em saúde bucal no SUS e sobre inovação na produção do cuidado no contexto de uma UBS. A narrativa, enquanto material empírico de análise, representa a construção de um território existencial, de intersubjetividades que são inerentes às relações da clínica e que, no entanto, se pretende encoberta pela tecnociência, pela dureza das tecnologias há tempos estruturantes e mediadoras das relações decorrentes das práticas profissionais. Guia-se a discussão considerando este dado empírico como representante de muitos outros momentos de encontro, de alteridade e de produção de subjetividade na clínica de saúde bucal objeto desta pesquisa. A seleção deste trecho, entre outros produzidos pelos e pelas pesquisadores e pesquisadoras ao longo dos meses de desenvolvimento do projeto, é legítima porque o discurso contido nesse específico diário é em si mesmo legítimo; naturalmente, todos poderiam compor o material empírico deste artigo, pois a análise do material produzido (diários de campo) nos diferentes cenários do estudo indicam a construção de tecnologias de cuidado, sobretudo o acolhimento e o vínculo, como os principais aportes para o método clínico centrado no paciente. E então é de uma clínica de saúde bucal que trata este texto, expondo material empírico (em forma de narrativa) para iluminar a discussão e produzir conhecimentos sobre as práticas em saúde bucal, questionando algumas prerrogativas da prática odontológica e suas atividades e redesenhando Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 7 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado percursos para a clínica: percursos de cuidado e de produção de saúde a partir de desejos, saberes, contextos culturais, sociais e afetivos. Uma clínica de saúde bucal não exclui a técnica, a perícia e mesmo a ciência odontológica, mas absorve outros conhecimentos e propõe a construção do cuidado a partir da abordagem do paciente e suas múltiplas possibilidades, trazendo suas experiências para o centro do processo. Propõe-se ultrapassar o “plano de tratamento”, ao passo que convida a equipe de saúde e o paciente para a construção comum de ‘projetos de cuidado em saúde’. Dentre os pontos centrais, o delineamento do que são as necessidades em saúde é necessário para a discussão. Dessa forma, fomos guiados pela noção de que as necessidades apontadas pelas pessoas são traduzidas por demandas que resultam da organização da vida cotidiana, da sociabilidade, da afetividade, da subjetividade, da cultura e do lazer, enfim, das relações23-25. A saúde se produz a partir do conjunto da experiência social, individualizado em cada sentir e vivenciado em um corpo que é, também, biológico, produzido em seus contextos sociais, culturais, políticos, afetivos e que convocam a mobilização de múltiplos saberes e fazeres para o enfrentamento da complexidade dos problemas e necessidades de saúde das pessoas, dos coletivos. Reconhecer necessidades de saúde da população está relacionado à permanência de uma visão ampliada e que identifique os diversos sujeitos e sua posição na “estrutura de poder” em saúde26. Como pilares de uma (re)construção da clínica, inserida em um pano de fundo para as ações como os processos de falas e escutas, a relação com o “mundo do paciente” e o modo como ele constrói suas necessidades de saúde, o estudo experienciou novos arranjos tecnológicos para a produção do cuidado, buscando estabelecer relações de vínculo, a partir de um posicionamento ético. Ao reestruturar as ações no espaço da clínica, com articulação de saberes, foi possível construir projetos terapêuticos a partir da singularidade de cada um. Na discussão sobre arranjos tecnocientíficos que possam lidar com necessidades em saúde que não se enquadram no referencial hegemônico, biomédico e historicamente construído, destacamse a percepção sobre os componentes subjetivos dos usuários ou, dito de outra forma, aquilo que para as pessoas são suas necessidades de saúde. Cecílio (2006)27, apoiado na discussão que propôs Stotz (1991)19, reconhece que, se as necessidades de saúde são social e historicamente determinadas ou construídas, elas só podem ser captadas e trabalhadas em sua dimensão individual, pois “a maneira como se vive se ‘traduz’ em diferentes necessidades de saúde”27, consubstanciadas no corpo do sujeito. É imprescindível que se reconheça o vínculo, não como apenas a adscrição a um serviço ou ação de saúde, mas como o processo que afeta aqueles envolvidos em uma relação contínua, pois é real e experimentada no tempo, é intransferível, é um encontro de subjetividades28. As necessidades de saúde são amplas e singulares, percorrem campos distintos, podem ter diferentes traduções e vão desde boas condições de vida ao direito de ser acolhido e escutado, de ter acesso a serviços e tecnologias necessários, ao vínculo com uma equipe que se responsabilize pelo cuidado, de forma contínua28-30. Feuerwerker (2011)31 traz algumas premissas básicas para os processos de cuidado em saúde: o usuário faz escolhas e é o gestor de sua própria vida; é desejável a ampliação da autonomia dos sujeitos para configurar os modos de conduzir sua própria vida, enfrentando seus agravos28-32. Neste sentido, a aproximação da saúde coletiva com a clínica poderia ultrapassar um estreitamento de relações ao dar relevo para a escuta, por uma disponibilidade ao outro, ao seu sofrimento, não apenas na dimensão das dores ou compreensão de suas doenças mas, principalmente, Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 8 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado no contato com sentidos mais essenciais de uma outra clínica, “de uma requalificação, conceitual e operativa, no campo da saúde”33. Modelos, saberes, fazeres Ao pensar em novos processos de trabalho na clínica de saúde bucal, inovando tecnologias para a produção do cuidado, este coletivo de pesquisadores encontrou situações, no cenário da pesquisa-intervenção, que apontaram para a construção de possibilidades a partir dos preceitos de clínica ampliada11. Ao passo que se compreendia a clínica em um plano potente de escuta, que permitia uma cartografia e a construção de novas formas de intervenção, buscamos inovar na construção de projetos terapêuticos compartilhados e singularizados com as pessoas, colocando em foco seus desejos, suas expectativas e não mais as programáticas ações da prática odontológica pública, inovando e incorporando tecnologias relacionais, criando novos fluxos dentro da rede, propondo também outros arranjos para o trabalho e para a gestão. O resultado aponta para uma nova semiótica: momentos de relação de escuta, acolhimento e vínculo enquanto tecnologias de cuidado para a clínica de saúde bucal. Ao compreender o sujeito no momento em que ele traz relatos de doença e histórias de vida, é desejável que os trabalhadores desenvolvam competências para realizar uma escuta atenta e que qualifique a experiência do usuário. A partir de diálogos não verticalizados por saberes e redefinindo as relações de poder que sustentam práticas clínicas34, o estudo reestruturou a anamnese em diferentes dimensões, possibilitando uma outra relação com as pessoas. A intervenção clínica desenvolveu-se em um segundo momento, a partir das demandas e não apenas pela identificação mecânica de sinais35-38. As análises apontam para uma desejável (re)construção coletiva da clínica, alicerçada nas necessidades de cada usuário (visto como o sujeito e não objeto da clínica) que constituem o principal desafio para o processo de produção do cuidado em saúde bucal. Compreender a clínica a partir de um espaço interlocutor para o cuidado é reconsiderar sua sólida ancoragem teórica, além de acrescentar à sua dimensão técnica, uma produção de acolhimento e de desvio. A clínica e a ciência: o conhecimento quando aplicado ao cuidado de pessoas incorpora um conhecimento moral e interpretativo, isto é, uma razão prática39. Neste ponto, o poder e o saber investidos nesta clínica sustentam, densamente, uma prática que traz os imperativos de excelência e de qualidade técnica, o que não é bom ou ruim em si, posto que pode alavancar “processos criativos, abertos à diversidade, acolhedores da diferença; ou funcionar como receita prescritiva, guarda-chuva defensivo contra aquilo que no outro nos ameaça”40. Portanto, compreende-se que o valor útil da técnica reside em ser valor para o outro, não para programas de saúde, nem tampouco para o cumprimento de metas de produtividade que as diretrizes de uma política de saúde podem induzir. Da mesma forma, a inovação do e no trabalho em saúde apontou a importância de se repensar os cenários de prática. Enquanto alguns formatos oferecem mais tempo e várias possibilidades de encontro, outros cenários são mais duros e proporcionam encontros pontuais, pouco aprofundados e muitas vezes tensionados. Compreende-se no trabalho vivo que sempre é possível recriar espaços e, principalmente, reformular nossos fazeres na direção de um resgate da vida do usuário com seus desejos, possibilidades, apostas e projetos como pauta desses encontros, assim como Campos (2005)40 ressaltou em seu trabalho. O encontro como produto e produtor nesta clínica de sujeitos contradiz um modelo praticado pela economia do contemporâneo, modelo que Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 9 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado condiciona uma doença a uma intervenção e então produz prescrições, sintomas, mortes, tratamentos e “curas”. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após revisitar a teoria e a narrativa expostas e discutidas pelo texto, podemos concluir que a jornada durante a execução do projeto, como construção conjunta de conceitos, práticas e novos sujeitos para a clínica foi um dos resultados mais expressivos. Essa construção levou os pesquisadores a repensar a clínica em direção a uma outra, ampliada, com a elaboração de projetos terapêuticos singularizados, de forma compartilhada com os indivíduos atendidos, como rotina no fazer cotidiano, com a escuta qualificada, de usuários, profissionais e estudantes, como fazer cotidiano. A clínica e a saúde bucal entrelaçam uma complexa rede de cuidados e o centro deste cuidado precisa voltar-se para o sujeito e não apenas para a “sua” doença. Há que se repensar percursos que valorizem a assunção de sujeitos, suas possibilidades e necessidades para além do que a semiótica clínica acostumou-se a valorizar: ritmos fisiológicos, normalidade e doenças e seus sinais e sintomas. O estudo apontou a premência de uma clínica para a saúde bucal que tenha incondicional valor e aporte técnico odontológico, mas que, acima deste saber-fazer tecnocientífico, abra espaços de escuta, valorize percursos singulares, encontre pontos de articulação entre necessidade, produção de vida e de saúde. Inovar neste caminho é investir em práticas de saúde que se constituam no devir, na retomada da clínica como espaço de produção da subjetividades, da produção de si, apontando para a (re)construção do campo de sinais e sintomas, valorizando diferenças e descontinuidades. AGRADECIMENTOS A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) edital MCTI/CNPq/MSSCTIE-Decit nº 10/2012 e Fapesp- 2013/116682. ABSTRACT Clinic and oral health at SUS: innovating and (re)constructing care pathways The article provides analyses of work processes and the use of care technologies and competencies in interpersonal and bonding relationships. In a multicentric research on expanded clinic and oral health at SUS, we used the clinical method of the expanded clinic comprising users and the health team. This text aims to discuss the clinical practice in oral health and patient-centered health care, based on the theoretical frameworks of buccality, welcoming, and health care technologies. It brings reflections on one of the study settings, with the participation of four researchers and eight trainees (dentistry students), having as a locus the oral health clinic of a primary care service of São Paulo/SP. The activities took place along 13 months (2014 and 2015), serving 135 users. A total of 375 dental procedures were performed, with an average of 1.54 returns per patient and 6.38 interventions per user in 2014, and 7.25 in 2015. Most users had their oral health needs met in one single return. Researchers and trainees produced field diaries with impressions and perceptions about care, and this article brings analyses from a narrative within the scope of Discourse Analysis. By resignifying the practices, we assume new possibilities for care, within the singularity of each case and with light, communication and welcoming/bonding technologies, as well as processes that integrate the being, the thinking, the doing and the being. It is emphasized the potential of health practices constituted in the becoming, in the resumption of the clinic as a space for the production of subjectivities, of production of the self, pointing to the (re)construction of the field of signs and symptoms, appreciating differences and discontinuities, and inviting everyone to think and discuss the hegemonic clinical practices of Dentistry, from the training to the health services. Revista da ABENO • 22(2):1725, 2022 – DOI: 10.30979/revabeno.v22i2.1725 10 A clínica e a saúde bucal no SUS: inovar e (re)construir percursos de cuidado Descriptors: Health Education. Biomedical Technology. Comprehensive Health Care. Health Human Resource Training. REFERÊNCIAS 1. Hottois G. El paradigma bioético: una ética para la tecnociencia. Barcelona: Anthropos Editorial, 1991. 2. Castelfranchi Y. Scientists to the streets: science, politics and the public moving towards new osmoses. JCOM 2002; 1(2):1-15. 3. Botazzo C. Diálogos sobre a boca (cultura, sexualidade e repressão). In: ___. Diálogos sobre a boca. São Paulo: Hucitec; 2013, p. 90126. 4. Botazzo C. Sobre a bucalidade. Notas para a pesquisa e contribuição ao debate. Ciênc Saúde Colet. 2006; 11(1):7-17. 5. Botazzo C. Bucalidade. Pro Odonto Prev. 2013; 6(4):9-55. 6. Botazzo C. O conhecimento pelas mãos. Rev ABENO. 2017; 2-17;17(4):2-19. 7. Davies BJB, Macfarlane F. 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