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Adolescência e a Escuta Psicanalítica

Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação

Este trabalho tem o objetivo de analisar o adolescente contemporâneo, bem como seus desconfortos, questionamentos, buscas, encontros e desencontros. Neste sentido o presente estudo pretende investigar, refletir e contribuir, a partir da escuta psicanalista, sobre características e particularidades desse adolescente frente aos desafios e mudanças em seu desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social, que provocam alterações em seu comportamento, muitas vezes não compreendido pela família e sociedade. Esse ser humano adolescente está em processo de formação e amadurecimento psíquico e é constantemente bombardeado pela mídia, com seus poderes apelativos, muitas vezes causando inversões de valores, inseguranças e medos, principalmente pela ditadura da beleza, gerando angústia, insatisfação e infelicidade, por não se considerar dentro deste padrão. É necessário que o psicanalista tenha conhecimento dos fatores angustiantes desse adolescente que está em seu divã trazendo sua dema...

Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE doi.org/10.51891/rease.v9i6.10386 ADOLESCÊNCIA E A ESCUTA PSICANALÍTICA Vânia Lúcia Rodrigues Rocha1 Orimar Batista dos Reis2 Arquimedes Martins Góis3 RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de analisar o adolescente contemporâneo, bem como seus desconfortos, questionamentos, buscas, encontros e desencontros. Neste sentido o presente estudo pretende investigar, refletir e contribuir, a partir da escuta psicanalista, sobre características e particularidades desse adolescente frente aos desafios e mudanças em seu desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social, que provocam alterações em seu comportamento, muitas vezes não compreendido pela família e sociedade. Esse ser humano adolescente está em processo de formação e amadurecimento psíquico e é constantemente bombardeado pela mídia, com seus poderes apelativos, muitas vezes causando inversões de valores, inseguranças e medos, principalmente pela ditadura da beleza, gerando angústia, insatisfação e infelicidade, por não se considerar dentro deste padrão. É necessário que o psicanalista tenha conhecimento dos fatores angustiantes desse adolescente que está em seu divã trazendo sua demanda, apresentando sintomas físicos e emocionais para ajudá-lo a enfrentar esta fase da melhor maneira possível. Sendo fundamental que o analista ouça o adolescente com afetividade e atenção e conduza-o a uma vida menos estressante, com mais saúde mental. A escuta ocupa um lugar importantíssimo na psicanálise por ela analisar palavras ditas e silenciadas, palavras que causam inquietudes, desconfortos, medo, insegurança, mas ao serem ditas abrem acesso a ressignificação. Palavras-chave: Adolescência. Conflitos. Escuta. Diálogo. Psicanálise. 1Graduação em Pedagogia pela Fundação Educacional de Oliveira (FEOL), Oliveira- MG; Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia pela Universidade de São Paulo (UNICID); Pós-graduação Lato Sensu em Terapia Familiar pelo Instituto FAMET de Educação e Estudos Superiores, Belo Horizonte- MG; Pós-graduação Lato Sensu em Psicanálise pelo Instituto FAMET de Educação e Estudos Superiores, Belo Horizonte- MG. 2Doutor em Educação, pela Universidad Americana de Asunción, Paraguai. Doutorando em Engenharia de Materiais pela Redemat- UFOP. Professor Titular do Instituto Federal de Minas Gerais- IFMG- Campus Ouro Preto, atuando nos cursos de Tecnologia em Gestão da Qualidade e Técnico em Metalurgia Nível Médio e Subsequente. 3Doutorando em Administração. Mestre em Administração pela Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC). Pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho (FUMEC). Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). É professor do Instituto Federal de Minas GeraisCampus Ouro Preto, atuando nos cursos de Tecnologia em Gestão da Qualidade e Técnico em Metalurgia Nível Médio e Subsequente. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2515 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE ABSTRACT: This work aims to analyze the contemporary adolescent, as well as his discomforts, questions, searches, meetings and disagreements. In this sense, the present study intends to investigate, reflect and contribute, based on psychoanalytic listening, about the characteristics and particularities of this adolescent in face of the challenges and changes in his physical, emotional, intellectual and social development, that cause changes in his behavior, understood by family and society. This adolescent human being is in the process of formation and psychic maturity and is constantly bombarded by the media, with its appealing powers, often causing inversions of values, insecurities and fears, mainly for the dictatorship of beauty, generating anguish, dissatisfaction and unhappiness, for not if considered within this standard. It is necessary for the psychoanalyst to know the distressing factors of this adolescent who is on his couch bringing his demand, presenting physical and emotional symptoms to help him face this phase in the best possible way. It is fundamental that the analyst listen to the adolescent with affection and attention and lead him to a life less stressful, with more mental health. Listening plays a very important place in psychoanalysis because it analyzes spoken and silenced words, words that cause restlessness, discomfort, fear, insecurity, but when they are said, they open access to signification. Keywords: Adolescence. Conflicts. Listening. Dialogue. Psychoanalysis. 1.INTRODUÇÃO Ao se conviver com adolescentes nas famílias, nas escolas, nas igrejas, e nos estágios, constata-se desconforto, questionamentos, buscas, encontros e desencontros. Neste sentido o presente estudo pretende investigar, refletir e contribuir a partir da escuta psicanalista, as características e particularidades, contribuindo para uma adolescência saudável e menos dolorida. A adolescência constitui-se um grande desafio devido às mudanças no desenvolvimento social, físico e intelectual, provocando alterações no comportamento, o que não se caracteriza como patologias, mas uma fase de agitação, crescimento físico e psíquico, incertezas, conflitos, muita insegurança, medo do futuro que está chegando e o desconforto de deixar de ser criança. Na sociedade brasileira, com as constantes mudanças na política econômica dos diversos governos que se sucedem, os quais geram incertezas e desemprego, a mídia bombardeia constantemente estes adolescentes, utilizando instrumentos apelativos, desenvolvendo uma contracultura, em que há inversão de valores, onde o certo é errado e o errado é que é certo. Este adolescente se encontra num dilema e muita euforia, onde ficam perdidos e inseguros. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2516 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE Os adolescentes passam por uma frequente angústia e muitos questionamentos: O que eu vou fazer da minha vida? Qual será a profissão que vou seguir? Devo agradar a mim ou devo superar as expectativas de meus familiares? Qual a profissão está em alta no mercado e o que pode ser mais vantajoso em termos financeiros? O corpo está pronto, os órgãos sexuais estão maduros, os hormônios agora passam a ter um funcionamento normal e ativo para a reprodução, mas a cabeça ainda não está preparada pra assumir as consequências do convívio em sociedade. A maturidade vai acontecer quando este jovem for capaz de tolerar as frustrações em sua vida com dignidade e assumir-se como homem ou mulher, construindo sua independência afetiva, emocional, econômica de forma a seguir seu destino com responsabilidade. Partindo deste pressuposto, como a escuta psicanalítica pode ajudar os adolescentes e pais a vencerem essa fase da adolescência? Este trabalho tem como objetivos: Descrever as transformações biológicas ocorridas no adolescente; Explicar os perigos da mídia e do consumo para este adolescente em desenvolvimento; Descrever a escuta psicanalítica e como ela pode ajudar o adolescente e seus pais a vencerem esta etapa. 1.1 A adolescência e seu desenvolvimento histórico A adolescência é um período que separa a infância da vida adulta, e tem como particularidades as diversas circunstâncias de falta de equilíbrio e de interrupções. Normalmente, compreende-se adolescência como uma etapa que se inicia aos doze ou treze anos, finalizando por volta dos vinte anos aproximadamente. Fase transitória que ultrapassa este sujeito em desenvolvimento que não é nem criança e nem adulto formado. Mas viverá um tempo de espera até atingir a fase adulta que Erickson (1987) chamou de “moratória social” A palavra” adolescência” vem do latim ad (para) e olecer (crescer), significando a condição ou processo de crescimento. Muitos jovens em nossa sociedade ainda possuem uma dependência financeira e emocional dos pais, moram sob o mesmo teto com eles, no entanto sentem necessidade de ajuntarem-se a tribos, em relação a gosto e estilo que combinam seu perfil diferenciado. Unem-se aos iguais para ficarem mais fortes e poderosos, andando em bandos e com comportamentos parecidos. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2517 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE A era da Revolução Industrial traz em seus estudos vários fatores sociais, econômicos e culturais. Nesta época não existia a cultura da adolescência. As crianças se uniam aos pais e começavam a trabalhar ainda muito cedo, até mesmo para complementar a renda familiar. Raros eram os jovens que possuíam oportunidade de estudar. A adolescência não era considerada uma fase de desenvolvimento. Com o passar dos anos e o progresso da industrialização, os filhos de operários ganharam o direito e a obrigatoriedade dos estudos. O trabalho se sofisticou do ponto de vista tecnológico, e passou a exigir um tempo prolongado de formação adquirida na escola, afastando-os do trabalho, gerando um atraso dos jovens para se inserirem no mercado de trabalho. Segundo Nádia Bossa (2009), a história da adolescência é marcada por um fenômeno social da contemporaneidade e a adolescência tem sido objeto de estudo de pesquisadores e clínicas. Essas pesquisas têm contribuído muito para discussões e reflexões, em assuntos referentes à gravidez e paternidade na adolescência, drogas, violência, fracasso escolar, saúde física e mental. A fase da adolescência hoje não é considerada mais uma transição entre a infância e a fase adulta, mas considerada uma fase crítica da vida, e deve-se olhar com muita atenção e estudo. Atualmente um jovem torna-se adulto em nosso sistema político aos dezoito anos e ao sistema econômico aos vinte e um anos. A sociedade cria um impasse para os jovens e adolescentes. Aos dezesseis anos, obtêm o direito de votar e escolher o presidente do país, mas muitas vezes não têm o direito de escolher em qual escola frequentar. O adolescente se torna adulto biologicamente, mas continua dependente economicamente da família, principalmente se ingressarem em cursos universitários em período integral. Os jovens adquirem a concessão da maturidade social relacionada a comportamentos como consumo de álcool, direito de dirigir, de votar, de casar, abrir conta bancária etc. 1.2 Desenvolvimento biológico do adolescente A adolescência é um período de transformações físicas e de transição entre a infância e a fase adulta, podendo gerar insegurança e conflitos em muitas situações por não saber ao certo como se comportar, querendo ao mesmo tempo o acolhimento da infância e a independência do adulto. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2518 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE Assim, o adolescente busca uma identificação com o mundo e percebe as diferenças da fase anterior para a atual, no qual o seu corpo infantil vai cedendo lugar ao corpo adulto, sendo normal que aconteçam conflitos internos e externos. É importante lembrar que não é uma regra, pois cada ser humano tem sua peculiaridade, sua própria história de vida, seu modo de ser, agir e interpretar os fatos que ele está vivenciando. As mudanças corporais na adolescência são normais e estão relacionadas com a puberdade. No entanto, dependem do histórico familiar e do tipo de alimentação que tem ou teve na infância. Nas meninas notam-se o crescimento dos seios, dos pelos pubianos e axilas, os quadris ficam mais largos, o crescimento fica mais acentuado, a cintura afina, o útero aumenta de tamanho e acontece a menarca. Nos meninos as mudanças incluem o aparecimento dos pelos pubianos, nas axilas, pernas e rosto, mudanças na voz, aumento do tamanho do nariz e das orelhas, com braços desproporcionais ao tamanho do tronco. Ocorre a primeira ejaculação, aumento do pênis e aumento da laringe. Nesta fase é comum o adolescente sofrer com problemas dermatológicos como surgimento de espinhas e cravos, oleosidade excessiva da pele, aumento de suor com cheiro diferenciado. As mudanças do corpo aparecem acompanhadas de surpresas gostosas e assustadoras tudo ao mesmo tempo, o jovem se desconhece, passando grande parte do tempo voltado para o espelho ou trancado no quarto, se olhando e se manuseando. Lidar com essas transformações físicas que alteram o emocional não é algo simples nem fácil, pois geram insegurança, incertezas, receios, medo do desconhecido. Acontece uma dicotomia entre a satisfação de crescer e o medo da perda dos benefícios da infância. Ao mesmo tempo em que precisa de afeto rejeita suas manifestações por parte dos pais. Conflitos e agressividades com relação aos pais e irmão são frequentes. Taquette (2006) em seu artigo “Doenças psicossomáticas na adolescência” diz que na adolescência, os sintomas psicossomáticos frequentemente têm relação com o estágio de desenvolvimento. Na fase precoce, dos 11 aos 14 anos, as mudanças do corpo, a masturbação, a definição da identidade sexual são os principais fatores estressantes. Na adolescência média, dos 14 aos 17 anos, os conflitos que aparecem são de tentativa de independência da família e em relação ao início dos relacionamentos amorosos. Na fase tardia, dos 17 aos 20 anos, os principais problemas são relacionados ao início profissional, às preocupações com o futuro, às questões espirituais e filosóficas. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2519 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE A autora destaca que os sintomas psicossomáticos mais comuns na adolescência são: cefaleia, dor no peito, dor abdominal e fadiga persistente. Lembrando que sempre deve haver uma investigação clínica para diagnosticar as causas, que não sendo orgânicas provavelmente serão psicossomáticas. A psicanálise auxilia na compreensão dos sintomas apresentados pelo adolescente, uma vez que a doença não acontece por acaso nem é um fato isolado, devendo-se considerar a história pessoal, a bagagem genética, a situação social, bem como as influências e agressões dos meios interno e externo que perturbam a sua homeostase4, gerando então a doença. 1.3- O perigo da Mídia e o consumismo na adolescência Nos dias atuais é muito normal encontrar pais procurando ajuda em consultórios psicanalíticos, devido à preocupação com seus filhos adolescentes que apresentam comportamentos inadequados em casa, passando grande parte do dia trancados em seus quartos, envoltos na internet ou whatsapp, dormindo menos que o necessário, ocasionando baixo rendimento escolar e sono durante o período de aula. É normal os adolescentes sofrerem Cyberbullying, prática de comportamento cruel e de intimidação nas mídias sociais, que gera dor, sofrimento e até mesmo depressão. Alguns adolescentes acessam sítios de relacionamentos e marcam encontros com desconhecidos, sem se preocuparem com o risco que correm. A internet é uma poderosa ferramenta que aproxima as pessoas que estão distantes, mas ao mesmo tempo também pode distanciar os membros do convívio familiar. É um importante meio de trabalho para muitos, uma oportunidade de inovação, conhecimento, criatividade, até mesmo divulgação de trabalhos, mas traz inquietude aos pais, que nem sempre conseguem acompanhar o que o adolescente está fazendo, que sítios está acessando, com quem está conversando. Estudos mostram que o uso da internet, pelos adolescentes que ainda não têm um senso crítico, pode causar doenças cibernéticas, como depressão, por interpretar que as outras pessoas são mais felizes, realizadas e bem sucedidas que eles e, também gerar ansiedade, 4 Homeostasia é uma condição fisiológica dos seres vivos. O termo foi criado por Walter Bradford Cannon (1871-1945) – fisiologista americano – em 1932 através dos termos de origem grega homeo– que significa “similar” – e stasis– que significa “estático”, após ter sido observado e descrito anteriormente por Claude Bernard, fisiologista francês. Termo pesquisado no site https://www.meusdicionarios.com.br/homeostasia, em 15/02/2018. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2520 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE chamada de nomophobia, que é a sensação de ansiedade, ao ficar sem celular. Outros fatores observados nos adolescentes é o narcisismo exagerado, levando-os a postarem diariamente fotos e, não obtendo muitas curtidas, ficam deprimidos ou com baixa autoestima. A dependência da internet, vícios de jogos online e ainda a cibercondria ou hipocondria digital, que é a crença de que possui as doenças sobre as quais leu na internet também se fazem presente. Frente a estes desafios, muitos pais não sabem como agir e o que fazer com os filhos, uma vez que estão trabalhando fora de casa, dificultando assim o acompanhamento e o diálogo familiar, tão necessário ao adolescente. Muitas vezes, esse adolescente busca preencher sua carência afetiva em sítios de relacionamentos ou de amizades com pessoas desconhecidas, onde os perfis de usuários podem ser falsos e fantasiosos. É necessário que os pais e responsáveis observem seus adolescentes e por meio do diálogo mostrem-lhes o perigo e riscos que estão expostos. A mídia televisiva pode influenciar de forma positiva ou negativa sobre os adolescentes, ditando normas de comportamento sobre o que devem comer, o que vestir, assistir, ouvir, ditando padrões diferentes dos preconizados pela família. No entanto, todas as influências e os efeitos negativos que o adolescente recebe em sua vivência midiática podem ser amenizados pelos valores recebidos em casa, onde os pais devem demonstrar autoridade sem autoritarismo, e estabelecerem regras bem definidas, para que esse adolescente sinta-se seguro e amado. Numa sociedade capitalista o jovem é seduzido ao ideal da moda e incentivado cada vez mais a consumir sem necessidade. É a cultura do ter, do eu preciso, do eu quero porque meus amigos têm. As propagandas apelam para meios convidativos, exuberantes e convincentes, atingindo facilmente os adolescentes que são muito ligados às aparências, só se sentindo afetivamente felizes se estiverem comprando, de forma desenfreada, na busca de sentir prazer, o que pode gerar patologias. O adolescente que vive neste contexto poderá ser um adulto sempre em busca de novos prazeres. Se ele tem uma casa confortável logo irá querer outra melhor. Adquire uma moto, um carro, usa roupas da última moda, de marcas famosas e nunca se satisfaz, pois sempre deseja mais e mais. É uma eterna busca que nada preenche. Para a psicanálise a melhor forma de tratar os adolescentes é por meio da escuta, do diálogo e da conscientização da necessidade de gastar de forma consciente, adquirindo Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2521 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE responsabilidades e evitando gastos com coisas necessárias e supérfluas, ensinando-lhes o valor da própria conquista. Nada substitui o amor, o diálogo, a compreensão, o abraço, o olho no olho. De nada adianta presentear o adolescente e não dar a ele atenção ou demonstrar por meio de atitudes o quanto ele é amado e aceito. 2. A escuta psicanalítica Por volta de1912 Freud escreveu um artigo direcionado aos médicos que praticavam a Psicanálise. Através deste texto fez determinadas recomendações acerca da técnica da psicanálise que serve de reflexão e guia até nos dias de hoje. Ele ressalta que esta técnica é muito simples: “Consiste em não dirigir o reparo para algo específico e em manter atenção uniformemente suspensa (atenção flutuante) em fase de tudo o que escuta”. (Freud 1912). Na associação livre, o paciente deve falar de forma espontânea o que vier a sua cabeça. Faz-se necessário que o analista não tenha nenhuma seleção de determinado ponto de discurso do paciente que será prejudicial à escuta do mesmo, mas de uma alguma forma ficar atento a tudo que foi falado, e não colocar em destaque pontos isolados do discurso do paciente, sem negligenciar outros pontos que podem ser tão ou mais importantes. A escuta vai de encontro ao conceito do inconsciente, na medida em que a associação livre é uma oportunidade para investigação das próprias formações do inconsciente. Os sonhos são considerados também parte deste inconsciente, que em análise podem revelar conteúdos importantes registrados no inconsciente. Sonhos não devem ser interpretados de uma forma isolada, mas dentro de um contexto que o analisando se encontra. É na análise que ele descobre e associa este enigma dos sonhos juntamente com seu analista. Freud nos presenteia com o caso “clássico” da histeria de Dora, a respeito da relevância da escuta, onde Dora se queixava do pai e de um casal de amigos do pai, que lhes era íntimo. Freud a interroga sobre qual era a sua parte neste sofrimento que tanto queixava. Então Dora refletiu e percebeu sua parcela de responsabilidade perante essa situação que tanto lhe adoecia naquele momento, assumindo seu papel perante o quarteto, e descobre que não dava mais para ficar só se queixando e pousando de vítima, culpando outras pessoas por sua insatisfação, atribuindo ao outro a causa de seus fracassos e sofrimentos. A associação livre leva a um patamar na qual o sujeito se depara com as palavras que escapam do seu domínio, que ele mesmo diz, e não eram de seu conhecimento. Muitas vezes Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2522 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE as grandes mudanças e saberes estão dentro de si, que só através da escuta analítica este saber emerge. Esta construção de saberes faz parte da história pessoal de cada indivíduo. Isto só se tornou possível porque Freud desenvolveu um olhar atento, particular de cada paciente, na investigação dos processos do inconsciente. 2.1 Contribuição aos pais dos adolescentes Segundo Chapman (2002), adolescentes e pais constantemente se chateiam, e estão sempre em conflito. Ambos trazem em seus discursos palavras agressivas, que quando pronunciadas no calor das emoções muitas vezes se arrependem e deixam marcas de grande sofrimento. A ira e o amor são opostos, estando presentes no relacionamento familiar. Os pais ficam irados com seus filhos, observando-os e avaliando-os em seus comportamentos irresponsáveis. É preciso uma maior reflexão e o controle dessa ira, pois esse filho está numa fase de transformação biológica e disparo hormonal, com muitos questionamentos, e um estresse extremo, que vai adentrando a independência e a nova identidade. Os pais se acostumaram a corrigir os seus filhos desde quando eram crianças, impondo ordens sem muito questionamento significativo. Com o desenvolvimento psíquico os filhos passam a ter um pensamento crítico, levando-os a não concordar com tudo que lhes é imposto, gerando dessa forma um conflito com os pais. Os pais recebem este comportamento como sendo uma rebeldia, desrespeito, e afronta. O dilema é como esses pais foram criados e como devem conduzir seu adolescente. Necessário se faz que os pais compreendam seu jovem, que está num estado contínuo de mudanças, assim como o mundo e os seus contextos sociais nos quais vive. O adolescente vive um luto devido o final da infância e do corpo infantil e do colo aconchegante dos pais da infância. Chapman (2002) diz que: “Os modelos de ira mal orientada são frequentemente passados de geração para geração”. Esses modelos precisam ser quebrados. Com ira, violência e gritos, os adolescentes não assimilam o desejo dos pais e se sentem inseguros e mal amados. Segundo o autor, os pais precisam aprender a controlar sua ira e ressignificar esse comportamento, criando novas estratégias para lidar com o adolescente. Devem manter um diálogo com toda a família, escolhendo o melhor momento para envolver este adolescente com o assunto que lhe diz respeito. É preciso que os pais saibam ouvir este ser Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2523 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE em evolução, reconhecendo seus erros e acertos. Evitar idas e vindas ao passado que não chegam a lugar algum, ao contrário, traz angústia e baixa autoestima deste adolescente. O diálogo deve ser honesto, respeitoso, sem interrupção, mas pautado no amor e consideração de ambas as partes. Devem buscar juntos a melhor forma de solucionar os problemas, promovendo paz, alegria a toda família, deixando assim um legado positivo para estes adolescentes que futuramente serão esposos, pais e o ciclo da vida continuará. Segundo Galligares (2000), a adolescência é complexa e difícil, sendo que os pais devem estabelecer com clareza as regras de convivência social. Os jovens não devem ser poupados quanto às suas responsabilidades escolares, afazeres domésticos e outras atividades cotidianas que envolvem a família. Os pais precisam aliviar as tensões conflituosas com seus filhos, ao invés de ficar sobrecarregando-os, tê-los como aliados nos projetos e necessidades de toda família. Os adultos devem manter uma firmeza simultaneamente a uma compreensão, pois esta é uma fase de preparação para a vida e o futuro destes jovens, que serão inseridos em breve no mercado de trabalho. Com o desenvolvimento das pesquisas na área da psicologia e psicanálise, enfatizando a importância da influência do ambiente na formação de um indivíduo, a questão da educação dos filhos tem merecido um maior cuidado por parte de educadores, psicólogos e estudiosos de várias áreas. Para educar um filho não há um manual que possa seguir, pois cada filho e cada pai e mãe são únicos em sua natureza. Todos precisam ser respeitados, assim haverá famílias melhores e uma sociedade menos patológica e um adolescente mais saudável. CONSIDERAÇÕES FINAIS A adolescência tem sido alvo de estudos, por ser uma fase conflituosa, de mudanças físicas e emocionais, podendo ocasionar dificuldades de relacionamento entre pais e filhos, muitas vezes causadas pela ausência dos pais em casa, pelo uso errôneo da autoridade, pela falta de limites estabelecidos ao adolescente, frente ao uso desenfreado da tecnologia. Cabe ao analista ouvir atentamente o que esse adolescente fala, observando sua entonação, gestos, lapsos, esquecimentos, palavras contraditórias, duplo sentido em sua frase, levando-o a perceber esses pontos em sua fala e a refletir de forma que lhe proporcione crescimento e mudanças de comportamento. Para tal, é necessário que o analisando internalize esse conhecimento e o pratique em seu fazer cotidiano e relacionamento familiar. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2524 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE Faz-se necessário que os pais quando sentirem que a educação de seu adolescente está conflituosa além da normalidade, busque ajuda terapêutica para encontrar um suporte emocional diante das dificuldades de ajustamento que enfrentam. Muitas vezes só se alcança êxito no tratamento deste adolescente se os pais também se sujeitarem à análise, e se verem como sujeitos que também necessitam de ajuda, pois muitas vezes estão reproduzindo nos filhos suas dificuldades emocionais, sendo necessário um trabalho de ressignificação e reorganização simbólica de suas subjetividades e de suas histórias. A relação com os adultos na adolescência pode ser conflituosa. Muitos pais se sentem inseguros e perdidos quanto à educação deste adolescente. É comum pais terem o sentimento de frustração e até mesmo culpa por não darem conta de amenizar os conflitos existenciais deste adolescente que está sob seus cuidados e responsabilidade. É fundamental que os pais tenham a capacidade de tolerância e compreensão e que saibam que mesmo dando o seu melhor, algo pode sair diferente do que ensinou e planejou, mas o amor foi, é e sempre será a melhor forma de educar. A adolescência um dia passará, assim como toda fase existencial, mas ficará o aprendizado da obediência, dos limites recebidos, da segurança e afetividade dos pais, bem como seus exemplos de vida. REFERÊNCIAS CALLIGARIS, Contardo. PUBLIFOLHA, 2000. Adolescência. Coleção Folha Explica. São Paulo: BOSSA, Nádia Aparecida. Avaliação psicopedagógica do adolescente. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. CHAPMAN, Gary. As cinco linguagens do amor dos adolescentes. São Paulo: Mundo Cristão, 2002. ERICKSON, Erik. Identidade, juventude e crise. 2ª Ed. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem psicanálise, 1912. In: ESB das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Editora Imago, Rio de Janeiro, 1996. v. XII, p. 123-133. TAQUETTE, Stella. Doenças psicossomáticas na adolescência. Revista Oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do adolescente/UFRJ Vol. 3 nº 1 - Jan/Mar – 2006. Acesso disponível em http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=149, na data de 04/07/2017. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375 2525 Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem psicanálise, 1912. In: ESB das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Editora Imago, Rio de Janeiro, 1996. v. XII, p. 123-133. 2526 Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.06. jun. 2023. ISSN - 2675 – 3375