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Miyamoto
ONTOLOGIA E MÉTODO NO PENSAMENTO DO ÚLTIMO LUKÁCS
Title: ontology and method in the last thought Lukács
Hidemi Soares Miyamoto1
RESUMO: O objetivo deste texto é realizar uma análise da reinterpretação da teoria social de
Marx empreendido pelo pensador húngaro György Lukács. Pretendemos analisar de que forma
Lukács interpreta as questões atinentes à ontologia, à metodologia e à epistemologia no
pensamento de Marx. Tentamos compreender como estes três elementos se encontram
articulados especialmente nas obras póstumas Prolegômenos para uma ontologia do ser social (2010),
Para uma ontologia do ser social I (2012) e Para uma ontologia do ser social II (2013). Assim como
buscamos recuperar a relação existente entre o trabalho e o conhecimento humano no
pensamento crítico de Lukács e Marx.
PALAVRAS-CHAVES: Ontologia; Trabalho; Dialética.
ABSTRACT: The objective of this paper is to analyze the reinterpretation of the social theory
of Marx undertaken by the hungarian thinker György Lukács. We intend to analyze how Lukacs
interprets questions concerning the ontology, the methodology and the epistemology in Marx's
thought. We try to understand how these three elements are articulated especially in the
posthumous works Prolegômenos para uma ontologia do ser social (2010) Para uma ontologia do ser social I
(2012) and Para uma ontologia do ser social II (2013). As we seek to recover the relationship between
labor and human knowledge in Marx's and Lukacs's the critical thinking.
KEYWORDS: Ontology; Labor; Dialectic.
INTRODUÇÃO2
Neste presente artigo buscaremos analisar a contribuição da última fase do pensamento
de György Lukács (1881-1971), notadamente o período em que o autor se centra em discussões
referentes à ontologia e, sua subsequente crítica ao pensamento que se orienta tão somente através
de pressupostos lógicos ou gnosiológicos. Com efeito, Lukács enfatiza que,
1
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)e doutorando também em Ciências Sociais
pela UFBA.
2
Devo agradecer imensamente a Bruno Evangelista por sua atenção e gentileza em realizar correções ao texto.
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Ontologia e método no pensamento do último Lukács
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Certamente ninguém se surpreenderá – menos ainda o autor destas linhas – ao
constatar que a tentativa de basear o pensamento filosófico do mundo sobre o ser se
depara com resistências de muitos lados. Os últimos séculos do pensamento filosóficos
foram dominados pela teoria do conhecimento, pela lógica e pala metodologia, e esse
domínio está longe de ser superado. (LUKÁCS, 2010, p. 1).
Para tanto, centraremos nossa discussão tendo como base três obras póstumas 1 de
Lukács: Prolegômenos Para uma Ontologia do Ser Social (2010), Para uma Ontologia do Ser Social I (2012) e
Para uma Ontologia do Ser Social II (2013).
A escolha desse autor se justifica por nos parecer a abordagem mais instigante e, de nosso
ponto de vista a mais correta também, da teoria social de Marx, pois recupera uma discussão de
cunho ontológico que ficou, na visão do autor, escamoteada no desenvolvimento do pensamento
marxista ao longo do século XX. O pensamento ontológico de Lukács, apoia-se especialmente,
em uma conhecida passagem em Marx dos Grundrisse (2011), segundo o qual “as categorias
expressam formas de ser, determinações de existência” (MARX, 2011, pg.59), apontando, desse
modo, para a dimensão ontológica do pensamento de Marx. Tais categorias exprimem a própria
realidade apresentada de forma conceitual, isto é, o chamado “concreto pensado”, a realidade
efetiva, para a qual a ontologia tornar-se-ia o fundamento do método marxiano.
MÉTODO E ONTOLOGIA.
O argumento modal de Lukács é de que haveria certa unidade referente a metodologia, a
teoria do conhecimento e a ontologia, tanto na dialética hegeliana, como – a grosso modo – na de
Marx, porém o método e a gnosiologia estariam subordinados às características da própria
realidade efetiva. Nesse sentido, um dos diferenciais entre a dialética de Hegel e Marx estaria na
introdução levada a cabo por Marx do conceito de “momento predominante”, além da conhecida
inversão materialista, que caberia à própria realidade, ou seja, a ontologia.
Esse “momento predominante” teria possibilitado para Marx superar o arranjo
estacionário que haveria na dialética de Hegel, pois na interrelação entre os diversos elementos
que compõem uma dada totalidade, se não houvesse esse “momento predominante” –, ou seja,
um elemento da própria realidade que direciona o desenvolvimento de um objeto ao
automovimento de todo ser –, em última instância, seria um não-movimento. Pois, segundo o
1
Segundo José Paulo Netto na Apresentação à Para uma ontologia do ser social volume I a primeira edição integral
da obra data do ano de 1976, portanto, cinco anos após a morte do pensador húngaro.
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autor, os elementos contrastantes de um dado ente se anulariam ocasionando uma imobilidade,
ao invés de um movimento, Segundo Lessa (2011-12),
Nesta muito resumida exposição, seria uma grave falha se não mencionássemos - ainda
que apenas em um parágrafo - que uma das peculiaridades da Ontologia de Lukács no
interior do marxismo reside justamente na importância que confere à categoria do
momento predominante (übergreifendes Moment) . Segundo esta obra, em todo e
qualquer processo social atua um momento predominante. A demonstração pelo
filósofo húngaro de que em Marx não há qualquer "fim da história", ou qualquer
concepção teleológica da evolução humana, também tem na categoria do momento
predominante um aspecto central: sem o momento predominante não teria sido
possível a Marx expressar no plano teórico a processualidade puramente causal que é a
história. As muitas contradições da sua processualidade não conduzem em Marx a um
arranjo estacionário (como ocorre, ao final, em Hegel) precisamente porque em cada
interação sempre um dos elementos exerce o momento predominante. (LESSA, 201112, p.8).
Devemos salientar que dentro do percurso intelectual do próprio Lukács trata-se de uma
mudança substancial em seu entendimento da teoria marxiana a discussão sobre ontologia. Em
seu ensaio, O que é o marxismo ortodoxo? (1920)1 o autor afirma que a ortodoxia do marxismo se
referiria tão somente ao método, pois, para ele Marx teria encontrado o método correto de
apreensão da realidade. Nesse caso,
O marxismo ortodoxo não significa, pois, uma adesão sem crítica aos resultados da
pesquisa de Marx, não significa uma fé numa ou noutra tese, nem a exegese de um livro
sagrado. A ortodoxia em matéria de marxismo refere-se, pelo contrário e
exclusivamente ao método. (LUKÁCS, 1974, p. 15).
A prioridade dada ao método que se encontra no pensamento do jovem Lukács cedeu
espaço para a prioridade da própria realidade, da ontologia. Nesse sentido, haveria dois
inconvenientes nessa postura que se centra nas discussões sobre o método como sendo o critério
da verdade científica.
O primeiro ponto a ser criticado seria o fato de que haveria um deslocamento no critério
de validade na ciência. Em vez da própria realidade ser o fundamento último de correção ou
incorreção de uma análise científica, o método seria esse critério, de modo a possibilitar a
existência de resultados científicos distintos, mesmo com a utilização de uma única abordagem
metodológica. O próprio marxismo seria um exemplo disso, pois comportaria em seu interior
interpretações tão díspares como, por exemplo, o marxismo analítico de John Elster (1940) e o
estruturalismo-marxista de Louis Althusser (1918-1990), dois exemplos paradigmáticos do campo
marxista2.
1
Ensaio esse que se encontra na obra que marca sua adesão ao comunismo: História e consciência de classe.
2
Encontramos uma análise detalhada sobre esse assunto no texto de Sérgio Lessa, Lukács e o Marxismo Contemporâneo
(1993).
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O segundo momento problemático dessa concepção em relação ao universo teórico de
Marx estaria no fato de que a construção da objetividade seria um produto da subjetividade.
Então, a realidade seria um mero construto de nosso processo gnosiológico. Sendo assim, a
centralidade do método inverteria a relação entre o ser e a consciência, de maneira que não seria
mais o ser que determinaria a consciência e sim a consciência que determinaria o ser. Posto desta
forma, a própria realidade social aparece em Marx como fundamento último do ser ou do não-ser
social de um determinado fenômeno social. E isso independentemente se determinada forma de
consciência social é correta ou falsa do ponto de vista ontológico. Essa postura de Marx já se
encontra visível em sua análise da crítica lógico-gnosiológica de Kant acerca da existência de
Deus.
Para Marx apud Lukács (2012, p.283), mesmo sendo correta a crítica de Kant sobre a
inexistência de Deus haveria um aspecto negativo nessa análise kantiana. Pois, trata-se de uma
crítica que se restringia ao aspecto lógico-gnosiológico e não levava em consideração a influência
dessas construções ideológicas no comportamento efetivos dos homens. Haveria em Marx já
naquele período a centralidade da função prática-social de determinadas formas de consciência
social.
Portanto, seria característico do pensamento ontológico de Lukács apontar a função
social como a esfera resolutiva dos complexos sociais, entre os quais a discussão sobre o método.
A esfera lógico-gnosiológica deixa de ser em Lukács, e em Marx, o critério de validade do método
científico passando a ser a função social que ele exerce dentro do complexo social. Cada esfera
particular da sociedade, política, jurídica, ciência, deveria fornecer respostas às necessidades
sociais postas pela reprodução social, e é somente nesse sentido que devemos entender a lógica
que a função social adquire no pensamento de Lukács.
O método científico tem fundamentalmente a particularidade de proporcionar um
alargamento do conhecimento humano enquanto função social. Dessa forma, buscaria apreender
certos fenômenos que ainda são desconhecidos buscando incorporá-los ao que já conhecemos.
E, dessa forma, a incorporação de novas determinações do real até então desconhecidas
provocaria uma nova relação entre o conhecido e o desconhecido, de modo que o que nós
conhecemos e o que desconhecemos seriam dois polos distintos de um mesmo processo social,
provocando a busca por descobrirmos os nexos causais que operam na realidade. E vale a pena
ressaltar que esse processo de conhecimento da realidade é determinado em última instância pelas
necessidades da reprodução social.
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Para Lessa (1999)1, uma consequência dessa relação entre o conhecido e desconhecido
reside no fato de que do ponto de vista do método não haveria como saber quais seriam os
caminhos metodológico adequados para se investigar um objeto em particular. Apareceria, dessa
forma, um aparente paradoxo, pois, se não há um método adequado a priori como poderia ser
investigado um determinado objeto, sem metodologia? Para se resolver esse paradoxo o conceito
de totalidade é central na análise luckasiana, pois se cada esfera da realidade, a natureza inorgânica,
a orgânica e o ser social, constitui-se como totalidades distintas, mas interdependentes, os
procedimentos inerentes a determinados entes que estão inseridos em um complexo particular
compartilham fundamentos metodológicos em comum, possibilitando uma aproximação entre
objetos distintos que pertencem a uma mesma esfera ontológica. E é como consequência desse
fato que se podem elevar as investigações metodológicas de um objeto particular em direção a
uma universalização teórica.
Assim posto, José Chasin, de uma forma bem provocativa, afirma que não existiria um
“método” em Marx, pois,
Se por método é entendido uma arrumação operativa, a priori, da subjetividade,
consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos, ditos científicos, com
os quais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, então, não há método em Marx.
(CHASIN, 2009, p.389).
Debruçamo-nos sobre o conceito de totalidade e de historicidade, pois serão de extrema
importância para entendermos o fundamento ontológico do método em Marx, segundo a
interpretação de Lukács. Dessa afirmação se sobressai dois importantes conceitos atinentes ao
método dialético: o primeiro conceito seria da centralidade da história na dialética. Todo ser é
histórico. Natureza e sociedade formariam dois complexos que são ontologicamente distintos
entre si, mas mantendo entre si uma mútua relação. “O jovem Marx já havia reconhecido e dito
expressamente que toda sociedade constitui uma totalidade” (LUKÁCS, 2012, pg.304). Tanto
Marx quanto Engels expressam isso na Ideologia alemã (2010).
Aliás, nessa concepção das coisas tal como realmente são e tal como são e tal como se
deram, todo profundo problema filosófico é simplesmente dissolvido num fato
empírico, como será mostrado mais claramente adiante. Por exemplo, a importante
questão sobre a relação do homem com a natureza (ou então, como afirma Bruno na
p.110, as “oposições em natureza e história”, como se as duas “coisas” fossem
separadas uma da outra, como se o homem não tivesse sempre diante de si uma
natureza histórica e uma história natural. (MARX e ENGELS, 2007, p. 31).
1
LESSA, Sérgio. Lukács, ontologia e método: Em busca de um pesquisador(a) interessado(a). In: Revista Praia
Vermelha. Rio de Janeiro: vol.1, n.2, 1999, pp. 1-2.
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Dentro dessa unidade da história, Lukács argumenta que existem três esferas ontológicas
que são distintas entre si, mas, mantêm uma unidade dialética. A natureza inorgânica ou a esfera
da ontologia geral, àquela dos elementos químicos em que inexiste a vida propriamente dita, a
natureza orgânica, a esfera biológica, e o ser social que se caracteriza por apresentar uma
descontinuidade das esferas orgânicas e inorgânicas, mesmo que essa descontinuidade não
significa uma total ruptura, pois o ser social se fundamenta nas duas esferas ontológicas
precedentes. E, tal salto ontológico, que possibilitou a passagem da natureza orgânica em Marx se
dá pelo trabalho. Segundo, o pensador húngaro,
Portanto, só em Marx o problema adquire o seu justo perfil. Antes de tudo, ele vê com
clareza que há uma série de determinações categoriais, sem as quais nenhum ser pode
ter seu caráter ontológico concretamente apreendido Por essa razão, a ontologia do ser
social pressupõe uma ontologia geral. Porém, essa ontologia não pode ser de novo
distorcida em teoria do conhecimento. Não se trata aqui de uma analogia ontológica
com a relação entre a teoria do conhecimento geral e os métodos específicos das
ciências singulares. Trata-se, ao contrário, do fato de que aquilo que é conhecido numa
ontologia geral nada mais é que os fundamentos ontológicos de todo ser [...]. Por
conseguinte, a ontologia geral ou, em termos mais concretos, a ontologia da natureza
inorgânica como fundamento de todo existente é geral pela seguinte razão: porque não
pode haver qualquer existente que não esteja de algum modo fundado na natureza
inorgânica. (LUKÁCS, 2012, p.27).
Então, necessariamente se trata de uma unidade na diversidade. Se há um
compartilhamento de características que une a natureza inorgânica, a orgânica e o ser social, fica
evidente que a natureza inorgânica ou a ontologia geral será o fundamento último de todo o
método, valendo ressaltar em sua mais ampla universalidade. A diversidade nessa relação irá se
referir às particularidades dos objetos a serem estudados, pois, se há uma unidade nessa relação
também é verdade que existem diferenças. Sendo assim, voltamos a já aludida relação entre
universalidade e particularidade, isto é, se há procedimentos metodológicos universais, existem
também elementos particulares que são peculiares a cada esfera da vida.
Em outras palavras, se é verdade que quanto mais tendente à singularidade for o objeto
sob investigação, mais particular e requerido o método requerido, o contrário também é
verdadeiro. Ou seja, quanto mais universal o objeto investigado, mais genérica tende a
ser a validade dos procedimentos metodológicos empregados. Assim, se é verdade que
podemos falar de metodologias específicas a cada uma das esferas do real, também
podemos falar de uma reflexão metodológica a mais universal, que trate os
procedimentos metodológicos mais universais - os quais, portanto, estarão presentes
em todas as investigações a serem realizadas. (LESSA, 2013, p. 6).
Vejamos como essa relação entre ontologia e método aparece na obra de Lukács. Para
Lessa (1995)1, o fundamento ontológico último, que baliza todo arcabouço metodológico do
pensador húngaro é o fato de que todo ente apresentaria um “caráter de complexo” e somente a
partir do interior desse complexo, que as categorias podem ser adequadamente compreendidas
1
Idem. Lukács: Método e Ontologia. In: Cadernos de Serviço Social. Recife: v.11, 1995, pp. 2-3
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do ponto de vista do método. A totalidade só apresenta esse caráter de complexo por ser uma
totalidade histórica, de modo que a historicidade se torna um conceito central também para
Lukács. Depreende-se dessa relação entre totalidade e historicidade à relação entre essência e
aparência. Se todo “ser” é histórico, tanto a aparência quanto a essência de cada ente serão
igualmente históricos.
Então temos na Ontologia luckasiana uma conexão entre a essência e a continuidade
histórica, pois ela se diferencia da aparência dos fenômenos1 justamente por esse caráter contínuo
e histórico. Consequentemente, a relação entre essência e aparência nunca será estática, pois tal
relação ocorre de forma processual.
Por enquanto, fixemos este primeiro ponto: para o filósofo húngaro o ser é
essencialmente histórico. O desdobramento categorial do ser dá origem a dois
momentos distintos, porém intrinsecamente articulados. Um primeiro momento é
composto por aqueles elementos que articulam em unidade o processo enquanto tal- o
que implica, imediatamente, a existência e ação dos momentos singulares em toda
processualidade. Tais elementos marcam a continuidade do processo no interior de seu
devir, são a sua essência. O segundo momento é dado por aqueles elementos que
distinguem cada instante de todos os outros instantes. Essa esfera fenomênica, todavia,
apenas pode vir a ser se articulada aos momentos de continuidade, que fazem dessas
características fenomênicas partícipes de um dado processo mais geral. E isso, frisemos,
é válido tanto para o ser social como para o ser em geral. (LESSA, 2012, p. 50).
MÉTODO ONTOLÓGICO-GENÉTICO EM LUKÁCS
Adentremos agora na análise sobre o método ontológico-genético em Lukács. Gênese,
processualidade histórica e mediação são conceitos centrais nesse método. Para Lukács, o
processo de conhecimento só é verdadeiro quando ele busca a gênese dos fenômenos estudados,
ao mesmo tempo, que procura explicar as transformações que ocorreram nesse objeto ao longo
de sua existência histórica. Em outras palavras, quais mediações surgiram entre o aparecimento
de determinado objeto e seu posterior desenvolvimento ao longo da história. Sucintamente, tal
método tem como objetivo compreender o processo de gênese e complexificação de
determinado objeto. Assim,
Também na consideração dessa questão devemos aplicar o mesmo método utilizado até
agora: expor a estrutura originária que se constitui no ponto de partida para as formas
superiores e, simultaneamente, tornar visíveis as diferenças qualitativas que, no curso do
desenvolvimento social posterior, se apresentam de maneira espontaneamente
inevitável e modificam a estrutura originária do fenômeno de modo necessário,
1
Para uma discussão mais aprofundada sobre a relação entre essência e aparência em Lukács ver Lessa (2012),
em especial o capítulo 2 , intitulado, A ontologia de Lukács.
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inclusive de maneira decisiva em algumas determinações importantes. (LUKÁCS, 2013,
p. 137).
Pois, se a prioridade da totalidade na abordagem metodológica de Lukács é um fato
evidente, e a centralidade desse conceito é algo contínuo no pensamento do referido autor desde
sua obra de juventude História e consciência de classe1, também é de suma importância o conceito de
historicidade do ser, pois, dessa forma, se impõe igualmente à necessidade de uma abordagem
genética.
Tal procedimento metodológico tem como objetivo acompanhar a processualidade de
determinado objeto desde sua gênese histórica até suas transformações ocorridas ao longo do
tempo, sempre tendo em vista a relação entre essência e aparência. Apenas se compreendendo a
gênese do objeto e sua processualidade histórica, pois o ente em questão “é sempre uma
totalidade dinâmica, uma unidade de complexidade e processualidade” (LUKÁCS, 2012, pg.304).
Com efeito, só se pode falar em um conhecimento verdadeiro para Lukács e para o materialismo
histórico quando se tem em vista esse duplo movimento. Segundo Marx, essa historicidade seria a
característica revolucionária da dialética que se encontra no próprio Hegel.
Em sua forma mistificada, a dialética esteve em moda na Alemanha porque parece
glorificar o existente. Em sua figuração racional, ela constitui um escândalo e um horror
para a burguesia e seus porta-vozes doutrinários, uma vez que, na intelecção positiva do
existente, inclui, ao mesmo tempo, a intelecção de sua negação, de seu necessário
perecimento. Além disso, apreende toda forma desenvolvida no fluxo do movimento;
porque não se deixa intimidar por nada e é, por essência, crítica e revolucionária.
(MARX, 2013, p. 91)
Pensemos, por exemplo, na análise de Marx no que se refere à Acumulação Primitiva, haja
vista a necessidade do capitalismo de saquear outras regiões do planeta, em especial a África e a
América, para que ele se estabelecesse enquanto modo de produção predominante na Europa. É
assim que se percebe a importância que o método genético tem para o materialismo histórico, pois
a dialética busca reconstruir conceitualmente a gênese dos fenômenos, evidenciando o caráter
histórico de toda forma ser e, consequentemente, apontando para a possibilidade de superação de
todo ente natural ou histórico.
Então, o método ontológico-genético em Lukács buscar compreender as diferenças existentes
entre as três esferas ontológicas bem como as especifidades destas e suas interrelações, buscando
apreender o processo de transição de um nível ontológico mais simples para um nível ontológico
mais complexo.
No capítulo dedicado ao Trabalho, o pensador húngaro busca analisar as transformações
que o ser social experimenta desde o surgimento do trabalho ou o pôr teleológico primário - em
“Esta concepção da totalidade, que tanto afasta em aparência da realidade imediata e que constrói esta realidade de
um modo aparente “não-científico” é, de facto, o único método que pode captar e reproduzir a realidade no plano
do pensamento. A totalidade concreta é, pois, a categoria fundamental da realidade. (LUKÁCS, 1974, pgs. 24-5.).
1
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direção a uma incessante complexificação da vida social quando emerge o pôr teleológico secundário,
ou os complexos da superestrutura, movimento esse que possibilita o aparecimento da ética, da
moral, dos complexos ideológicos em geral, que apresentam uma autonomia relativa ao trabalho,
mas que conserva ainda elementos que têm sua origem no ato de trabalho, especialmente o pôr
teleológico. Dessa forma, esse método busca tanto compreender as diferentes mudanças
ocorridas em níveis ontológicos distintos quanto às mudanças que ocorrem em uma esfera
específica de ser.
Vejamos agora como Lukács interpreta o método da economia política em Marx, ou
melhor, da crítica da economia política. Metodologicamente, Lukács nos aponta que desde
sempre Marx propõe uma separação entre dois complexos, o do ser social, que tem sua existência
independentemente do fato de ser conhecido corretamente ou não, e o processo metodológico
de sua apreensão conceitual a mais adequada possível. Pensamento e ser são ontologicamente
distintos, mas conservam sempre uma unidade dialética.
Como o objeto em questão refere-se ao ser social, e não a um objeto da natureza, a crítica
da economia política de Marx versa sobre a relação imediata dada entre pesquisador e objeto, de
modo que o distanciamento existente entre o pesquisador e o objeto existente nas ciências da
natureza seria inexistente nas ciências humanas, trata-se de uma diferença metodológica
fundamental entre as ciências naturais e as ciências humanas.
A ciência econômica partiria de representações reais e concretas – no caso a população.
No entanto, Marx conclui que houve pouco avanço para o entendimento dessa realidade em
particular, cuja razão reside no fato de que se partirmos do ponto de vista de uma totalidade
imediatamente dada, o processo de conhecimento irá necessariamente desembocar em
representações e não no conceito, no “concreto pensado”. Nesse sentido, Marx critica as
posturas adotadas pelos economistas clássicos como Adam Smith e David Ricardo.
O caminho de Marx, segundo Lukács, é o de utilizar-se de “abstrações isoladoras”, que
nada mais são do que um processo de mediação entre a realidade empírica e o conceito, e através
dessas realizar uma “viagem de retorno” que irá desembocar novamente na população, mas com
a diferença de que agora ela seria uma totalidade rica em determinações e relações, através da qual
estaríamos diante do “concreto pensado”. Pois, consoante a lógica do método dialético e da
interpretação de Lukács, a objetividade do conhecimento na dialética é consequência da unidade
entre empiria e reflexão.
Posto desta forma, deve-se ter em mente que é a própria legalidade do real que indica o
caminho a ser seguido na construção dessas “abstrações isoladoras” sob o eminente risco de se
cair em construções idealistas e, portanto, falsas.
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A clivagem entre a metodologia materialista e o modo de conceber o real pelo idealismo
ocorre da seguinte forma: o processo de construção dessas “abstrações isoladoras” é
extremamente necessário no processo cognoscitivo para que transcendêssemos uma
representação da totalidade e dessa forma podermos chegar a um conceito de totalidade rica em
determinações, em suma, através da mediação dessas “abstrações isoladoras” passaríamos da
representação e chegaríamos ao conceito. Porém, esse movimento do pensamento não pode se
confundir com a gênese do próprio real, pois é necessário ter em mente que o processo de
construção do conhecimento no materialismo histórico é uma unidade entre objetividade e
subjetividade. A consciência participa ativamente no processo cognitivo, mas, essa última análise
sempre tem que estar com os pés fincados na própria realidade sob o risco de cair em um
idealismo que caracteriza o pensamento de Hegel.
É claro, portanto, que o método da economia política, que Marx designa como “viagem
de retorno”, pressupõe uma cooperação entre o procedimento histórico (genético) e o
procedimento abstrativo-sistematizante, os quais evidenciam as leis e as tendências. A
inter-relação orgânica, e por isso fecunda, dessas duas vias do conhecimento, todavia,
só é possível sobre a base de uma crítica ontológica permanente de todos os passos
dados, já que ambos os métodos têm como finalidade compreender, de ângulos
diversos, os mesmos complexos da realidade. (LUKÁCS, 2012, p. 306).
Dada à singularidade ontológica do ser social e da impossibilidade de se separar os
processos sociais através de experimentos efetivos é que se compreende a importância
metodológica dessas “abstrações isoladoras”, pois através delas é possível estabelecer as relações
existentes entre os diversos elementos que compõem essa totalidade e ao mesmo tempo tem-se a
possibilidade de se afastar os elementos secundários que apenas atrapalhariam o processo de
apreensão ideal da realidade. O papel ativo da consciência no processo cognitivo tem como um
dos objetivos transformar aquilo que é multiverso na realidade empírica em um universo,
afastando aquilo que é essencial do que é inessencial para os objetivos de determinada
investigação.
A GÊNESE DO CONHECIMENTO E SUA DIMENSÃO ONTO-PRÁTICA.
Voltemos agora a nossa análise para um dos aspectos mais importantes da obra de
Lukács, a saber, a gênese do conhecimento humano e seu caráter onto-prático. Para isso, é
necessário analisarmos a forma como ele constrói o conceito de trabalho tendo sempre como
ponto de partida a teoria marxiana. Segundo o autor, o trabalho é central em sua abordagem
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teórica, pois o mesmo teria propiciado o “salto ontológico”, ou seja, a passagem da mera
animalidade para a socialidade.
Do ponto de vista metodológico, Lukács parte do método marxiano das duas vias. A
primeira via é a da decomposição analítico-abstrativa desse novo complexo do ser, no caso o ser
social, e a segunda via, por sua vez, constitui-se em avançar em direção ao complexo do ser
social, que a partir de agora se torna rico em determinações e relações. Iremos nos focar apenas
na primeira parte desse movimento metodológico, pois, caso contrário, nos afastaria ao escopo
deste artigo.
Recuperando o fundamento ontológico do método em Lukács, lembraremos que todo
estágio de um ente por mais simples que ele seja tem um “caráter de complexo” e, nesse sentido,
o trabalho está contido em um complexo maior, isto é, o complexo do ser social, que se constitui
da linguagem, da divisão do trabalho e da cooperação social. Sendo assim, seria possível
questionar a Lukács qual a razão do trabalho ser o fundamento do ser social e não, por exemplo, a
linguagem.
A resposta a essa pergunta aparentemente complexa é muito simples, pois o trabalho
dentro da perspectiva marxiana é o intercâmbio entre o homem e a natureza, que visa à produção
de valores de uso para o atendimento de necessidades humanas. Devemos nos atentar para o
caráter de mediação que o trabalho apresenta no ser social e é, por esse motivo, que o trabalho é
compreendido por Lukács e por Marx como o fundamento ontológico do ser social, o vir a ser
do homem. Já a linguagem pressupõe o homem em uma socialidade já plena desprovido desse
caráter de transição que o trabalho apresenta. Sendo assim,
A resposta, em termos ontológicos, é mais simples do que possa parecer à primeira
vista: todas as outras categorias dessa forma de ser têm já, em essência, um caráter
puramente social; suas propriedades e seus modos de operar somente se desdobram no
ser social já constituído; quaisquer manifestações delas, ainda que sejam muito
primitivas, pressupõem o salto como já acontecido. Somente o trabalho tem, como
essência ontológica, um claro caráter de transição: ele é, essencialmente, uma interrelação entre homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (ferramenta, matériaprima, objeto do trabalho etc.) como orgânica, inter-relação que pode figurar em
pontos determinados da cadeia a que nos referimos, mas antes de tudo assinala a
transição, no homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social.
(LUKÁCS, 2013, p. 44).
Essa passagem da mera animalidade para o ser social não se deu através de uma
progressão simples e retilínea, visto que se tratou de um salto ontológico. E, por se tratar se um
salto, pressupõe uma ruptura com a então continuidade normal do ser precedente. Do ponto de
vista da diferenciação do ser biológico para o ser social, residiria para Lukács o fato de que na
esfera biológica não há nenhuma possibilidade imanente que leve os entes desta esfera ontológica
para além de suas determinidades biológicas de adaptação ao meio ambiente.
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Diferentemente do que ocorre na esfera biológica, a sociedade humana tem a
possibilidade de criar as suas próprias condições sociais de desenvolvimento sem que estas sejam
uma resposta imediata aos instintos biológicos, às necessidades biológicas. Portanto, nas diversas
formas de sociedade humana há um “recuo das barreiras naturais” nos dizeres de Marx. E é o
próprio Marx que aponta essa clivagem ontológica que separa o ser social das esferas inorgânica e
orgânica. Vale a pena relembrar, portanto, que não há uma independência do ser social em
relação às outras duas esferas da realidade, pois se trata apenas de um recuo e não de uma
superação por completo. Deste modo,
Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem.
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha
muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue
o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua
mente antes de construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um
resultado que já estava presente na representação do trabalhador no início do processo,
portanto, um resultado que já existia idealmente (grifo nosso). Isso não significa que
ele se limite a uma alteração da forma do elemento natural; ele realiza neste último, ao
mesmo tempo, seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, o tipo e o modo de
sua atividade e ao qual ele tem que subordinar sua vontade. (MARX, 2013, p. 255-6).
Marx nesse trecho enuncia aquilo que é a categoria ontológica central do trabalho no caso
o pôr teleológico ou prévia-ideação. É através dessa teleologia que o homem pode de forma consciente
transformar a natureza produzindo as chamadas objetividades postas. E, como consequência dessa
teleologia, nascida a partir do trabalho, que ele se torna o modelo de toda a práxis social
independentemente das complexas mediações que vão surgindo ao longo do desenvolvimento
histórico, pois toda ação social pressupõe uma finalidade e uma escolha entre distintas
alternativas.
Para se evitar possíveis equívocos com essa interpretação luckasiana acerca do trabalho,
Lukács, de forma alguma tende a identificar todas as formas de objetivações humanas, como o
direito, a política como diferentes formas de trabalho. Ele analisa o trabalho enquanto protoforma
de toda práxis social, e, ao mesmo tempo, em sua análise não há nenhum vestígio de juízo de
valor por parte dele no que se refere a essa categoria. Segundo ele, seriam às determinações que
existem na própria realidade efetiva.
Haveria, dessa forma, uma prioridade ontológica do trabalho quando comparado com
outras objetivações humanas, ou seja, o trabalho não teria um valor maior do que a arte, por
exemplo, explicando melhor o trabalho e a arte, dentro dessa perspectiva, a arte é tão importante
quanto o trabalho para a formação omnilateral do ser humano. Então, se o trabalho tem essa
prioridade ontológica isso significa que sem o trabalho não poderia ter surgido a humanidade.
Como exemplos poderiam citar a prioridade ontológica do ser sobre a consciência, pois existe ser
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sem consciência, mas não há possibilidade de existir consciência sem o ser. Essa é a lógica da
interpretação de Lukács.
Analisemos agora a lógica imanente do trabalho e sua relação com o conhecimento
humano e com o surgimento da ciência. Temos dois momentos distintos no ato de trabalho para
Lukács: o já mencionado pôr teleológico e a causalidade. Salientemos que o ato do pôr teleológico não
significa em Lukács um mero elevar-se à consciência, ou um mero processo cognitivo. O pôr
teleológico do trabalho desencadeia um processo real e, portanto, apresenta um caráter ontológico.
Ele, nesse sentido, busca acentuar o caráter ativo da consciência humana.
O segundo momento do trabalho é o da apreensão dos nexos causais que operam à
realidade objetiva. O ato de trabalho necessariamente impõe que sejam conhecidos de forma
exata os nexos causais que operam na realidade, pois caso a apreensão desses nexos não ocorra
de forma correta pela consciência não se terá o produto do trabalho e a consequência será o
fracasso de uma determinada ação humana.
Sendo assim, a causalidade em Lukács é um princípio de automovimento da própria
realidade. Ele ressalta o fato de que mesmo o trabalho possibilita que se fizesse um rearranjo
desses nexos causais. Devemos nos atentar para esse rearranjo, pois não se trata de uma mudança
da legalidade que existe na própria natureza – mesmo às mudanças que o ato de trabalho impõe
nos objetos naturais-, não são capazes de produzir no limite uma transformação da natureza dos
entes necessários para a produção dos valores de uso. Portanto, o ato de trabalho não muda a
natureza dos objetos, apenas possibilita a transformação deles tendo como objetivo a satisfação
de necessidades humanas.
Dessa forma, o ato de trabalho possibilita que determinadas características sejam
direcionadas de uma forma posta, e que no livre curso da natureza seria impossível o
aparecimento de um objeto que foi talhado pelo trabalho.
Destarte, o ato teleológico necessita de uma consciência ativa que o ponha e a causalidade
seria o movimento que repousa em si mesmo, legalidade essa intrínseca aos objetos. Se na
teleologia há a necessidade de se existir uma consciência à causalidade prescinde dela. O trabalho
possibilita a existência de uma unidade entre essas duas categorias que tomadas separadamente e
de forma abstrata seriam heterogêneas. O pôr e o fim são igualmente necessários para que o ato
de trabalho tenha sucesso. Porém, é a finalidade é que irá direcionar o processo cognitivo do ato
de trabalho.
Antes de qualquer outra coisa, a característica real decisiva da teleologia, isto é,
o fato de que ela só pode adquirir realidade enquanto pôr, recebe um fundamento
simples, óbvio, real: nem é preciso repetir Marx para entender que qualquer trabalho
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seria impossível se ele não fosse precedido de tal pôr, que determina o processo em
todas as suas etapas. (LUKÁCS, 2013, pg. 51).
Assim sendo, o ato teleológico divide-se em duas partes, o próprio pôr do fim e as
investigações dos meios mais adequados para a consecução desse objetivo. Essa subdivisão é
muito importante para a análise deste autor, pois o processo investigativo ou cognitivo tem uma
dupla função para o ato de trabalho. A primeira função é a de pôr em evidência o em si dos
objetos ou aquilo que governa seus movimentos e a segunda função é a de descobrir novas
conexões, novas possibilidades que permitam que a finalidade posta obtenha sucesso. Então, essa
dupla função do ato teleológico pressupõe um exato conhecimento da realidade objetiva e não
uma mera representação dela.
Assim, se é o ato teleológico que direciona o conhecimento humano ou aquilo que se
deve conhecer posteriormente a esse fundamental momento, a consciência humana deve buscar
controlar qualquer influência subjetiva, quer sejam valores, emoções, instintos, para que tenha
sucesso esse ato laborativo.
É por causa desse domínio de si mesmo que houve a possibilidade do homem tornar-se
homem, dominar os instintos, os medos, as emoções em suas determinações biológicas é que
permite a superação da mera animalidade. Essa é a importância do trabalho na hominização do
homem, segundo Lukács.
Apontemos agora a relação entre o ato de trabalho e o surgimento da ciência. No processo
de trabalho há uma necessidade de apreensão dos nexos causais dos objetos naturais, que seria
uma consequência da investigação dos meios que mencionamos acima. Em suma, “[...] o ponto
no qual o trabalho se liga ao surgimento do pensamento científico e ao seu desenvolvimento é,
do ponto de vista da ontologia do ser social, exatamente aquele ponto por nós designados como
investigação dos meios”. (LUKÁCS, 2013, p. 57).
A diferença fundamental entre os processos cognitivos que envolvem o ato laborativo e o
pensamento científico se encontra na possibilidade que a ciência apresenta em transcender o
conhecimento oriundo do trabalho, que se caracteriza pela sua particularidade, na direção de uma
universalidade. A ciência para Lukács possibilitaria a superação do pensamento cotidiano,
oriundo do trabalho, em sua heterogeneidade e fragmentação, em direção a um pensamento que se
basearia na homogeneidade e na totalidade.
Considerações Finais
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No presente artigo tentamos analisar alguns aspectos da reinterpretação da teoria social de
Marx levado a cabo pelo pensador húngaro György Lukács. Nessa nossa análise, buscamos
compreender alguns elementos centrais dessa discussão ontológica de Lukács tentando realizar
uma articulação entre ontologia, metodologia e epistemologia.
Apontamos que há elementos na própria teorização de Marx e Engels que apontam
fortemente para uma visão ontológica da realidade e que dessa forma essa releitura de Lukács nos
parece muito importante para reencontrarmos o caráter extremamente revolucionário da teoria
crítica de Marx. Assim como, mesmo indiretamente, a Ontologia do ser social de Lukács nos
possibilita ter um importante arcabouço teórico para que realizemos um debate crítico com
algumas teorizações então predominantes nas Ciências Sociais como, por exemplo, o pósmodernismo e o pós-estruturalismo. Com efeito, recupera-se a importância do conceito de
trabalho, cuja relevância para a construção de uma teoria crítica deve apontar as distopias que
vivenciamos em nossa realidade hodierna.
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ISSN: 2448-0916