Academia.eduAcademia.edu

PANORAMA DA SEMIÓTICA

1995, Panorama da Semiótica

This introduction to semiotics has its focus on the history of semiotics from Greek antiquity until Charles Sanders Peirce's general theory of signs. Chapters from the history of semiotics include (a) History and definitions of semiotics, semiology, and semiosis (b) The Graeco-Roman period, (c) From the Middle Ages the Renaissance Period, (d) Semiotics in the 19th Century. The book includes the following chapters of applied (Peircean) semiotics, (1) Iconicity in Language, (2) Alice's Adventures in the Land of Semiosis, and (3) Peircean Semiotic Foundations of Cognitive Science.

WINFRIED NÕTH ~- __f?ANOBM~ , DA SEMIOIICA DE PLATÃO A PEIRCE 4ª Edição Winfried Nõth é professor de lingüística inglesa e semiótica na Universidade de Kassel, Alemanha. Publicou Strukturen des Happenings (1972), Semiotik: eine Einführung mit Beispielen für Rek!ame-analysen (1975), Dynamik Semiotischer Systeme (19TT) e Uteratursemiotische Analysen - zu Lewis Carro/Is Büchern (1980). É também autor do Handbook of Semiotics (edição alemã de 1985 e edição em inglês de 1990) e editor do Origins of Semiotics (1994), além de números artigos nas áreas de comunicação, lingüística, literatura e mídias. PANORAMA DA SEMIÓTICA DE PLATÃO A PEIRCE WINFRIED NõTH PANORAMA DA SEMIÓTICA DE PLATÃO A PEIRCE 4ª EDIÇÃO Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro Nõth, Winfried Panorama da semiótica : de Platão a Peirce / Winfried Nõth - 4ª edição . São Paulo Annablume , 2003 - (Coleção E - 3) ISBN 85-85596-36-8 Bibliografia. 1. Peirce , Charles Sanders, 1839-194 2. Semióiica 3. Semiótica - História 4. Signos e símbolos 1. Título li . Série CDD-410 95-2890 Índices para catálogo sistemático: 410 1. Semiótica : Lingüística PANORAMA DA SEMIÓTICA de Platão a Peirce Coordenação de produção: Ivan Antunes Projeto gráfico: Aida Cassiano Revisão: Finalização: Mara Guasco Vinicius Viana CONSELHO EDITORIAL Eduardo Peiiuela Caiiizal Nerval Baitello Junior Maria Odila Le~ da Silva Dias Celia Maria Marinho de Azevedo4 Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeff {ln memoriam) Cecilia de Almeida Salles Pedro Roberto Jacobi Lucrécia D'Alessio Ferrara 1• edição: julho de 1995 2ª edição, revisada: julho de 1998 3' edição: outubro de 2003 4• edição: abril de 2005 Reimpressão: abril de 2009 2ª reimpressão: outubro de 2009 © Winfried Nõth ANNABLUME EDITORA . COMUNICAÇÃO Rua Martins, 300 . Butantã 05511-000 . São Paulo . SP . Brasil Tel. e Fax. (011) 3812-6764- Televendas 3031-1754 www.annablurre.com.br SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 7 PREFÁCIO 13 TERMO, ORIGENS E PRECURSORES DA SEMIÓTICA O que é semiótica Precursores da semiótica geral História terminológica da semiótica Semiótica versus semiologia 15 17 19 21 23 li HISTÓRIA DA SEMIÓTICA Período greco-romano antigo Da Idade Média ao Renascimento Racionalismo, Empirismo e Iluminismo Semiótica no século XIX Ili A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE Visão pansemiótica do mundo As três categorias universais 25 27 34 40 55 59 61 63 Signo, semiose e semiótica A classificação peirceana dos signos 65 76 IV A SEMIÓTICA APLICADA DE EXTRAÇÃO PEIRCEANA Formas de iconicidade na linguagem As aventuras de Alice no país da semiose 93 96 104 V PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS DO PARADIGMA COGNITIVO O giro cognitivo e a história da filosofia da mente Cognição na semiose Cognição, conceitualização e iconicidade Modelos de cognição como modelos de semioses 123 126 128 130 133 CONCLUSÃO 141 BIBLIOGRAFIA 143 APRESENTAÇÃO Entre outros livros e um grande número de artigos nas áreas de lingüística, comunicação e semiótica teórica e aplicada às artes, literatura e mídia, publicados na Alemanha e fora dela, Winfried Nõth, professor de lingüística e semiótica na Universidade de Kassel, é nada menos do que o autor do Handbook of semiotics (Manual de semiótica, Indiana University Press, 1990). O artigo definido o - Omanual de semiótica - faz perteita justiça a esse livro ou compêndio que, de fato, continua sendo, até hoje, único no gênero. E provavelmente continuará a ser único por muito tempo. Já apareceram e poderão ou deverão aparecer, sem dúvida, outros manuais, dicionários ou enciclopédias de semiótica escritos por vários autores. Além de suas inúmeras e indiscutíveis qualidades, excepcional no livro de Nõth, entretanto, que o torna incomum e único, é o fato de ter sido escrito por uma só pessoa. São 576 páginas com 64 artigos, agrupados em oito seções: 1. história da semiótica e suas teorias básicas; 2. signo e significado; 3. semiose, código e o campo semiótico, incluindo a zoosemiótica, etologia e as relações entre comunicação e semiose; 4. a língua e os códigos baseados na língua; 5. do estruturalismo à semiótica textual, apresentando suas escolas 8 P.Al',l()fWMDASEMÓTICA e figuras maiores; 6. o campo da semiótica textual; 7. acomunicação não-verbal; e 8. estética e comunicação visual, que inclui música, arquitetura, imagem, fotografia, filme e publicidade, entre outros. Tudo isso é seguido de um impressionante e incomparável referencial bibliográfico de 2.945 títulos, além de um longo índice remissivo de assuntos etermos no qual os leitores podem encontrar respostas para suas interrogações terminológicas. Publicado originalmente em alemão, em 1985, ao ser traduzido para o inglês, em 1990, o manual foi revisado e ampliado para se aproximar ainda mais do ousado ideal proposto pelo autor: o de fornecer, a partir de um miradouro pluralista, uma topografia das principais áreas teóricas e aplicadas da semiótica. Como não poderia deixar de ser, desde o original em alemão até sua versão em inglês, a recepção crítica não poupou elogios à obra: "uma das melhores introduções à semiótica que já encontrei( ... ) um grande passo na produção de livros de referência na semiótica" (Eugen Baer, 1987); "uma forma que demonstra coerência enquanto faz justiça à diversidade do campo( ... ) a área de semiótica como um todo deveria dar boas vindas a este projeto ambicioso pela síntese impressionante por ele atingida" (Patricia J. Eberle, 1986); "a soberba compreensão global que o autor tem do campo da semiótica( ...) a objetividade profissional superlativa de Nõth e sua ausência de tendenciosidade( ...) num livro magnífico" (lrmengard Rauch, 1994); "uma corajosa performance solo de um jovem acadêmico alemão que sintetizou uma vasta massa de informação sobre a semiótica contemporânea no compasso de um manual de um volume" {Thomas Sebeok, 1986). Como fruto do conhecimento profundo e constelar, internacionalmente reconhecido, de Winfried Nõth no campo da semiótica, contando com o auxílio do DAAD, FAPESP e CNPq, o programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Católica de São Paulo e a ECA da Universidade de São Paulo convidaram-no para, entre outras atividades de orientação de pesquisas, ministrar, em agosto de 1994, um curso intensivo 9 sobre as diversas correntes da semiótica e suas contribuições para os estudos da comunicação. Como também não poderia deixar de ser, o curso recobriu-se do mais completo sucesso. Contando com o privilégio de seu perfeito domínio de nossa língua, enquanto foi dando o curso em português, Nõth foi também redigindo-o na forma de um livro. O resultado está neste panorama breve, mas amplamente diversificado, cuidadosamente documentado e admiravelmente bem informado dos conceitos e teorias semióticas, num arco-íris histórico de quase dois mil e quinhentos anos, que se estende de Platão até Peirce. O panorama se apresenta em cinco capítulos muito claramente delimitados. O primeiro deles édedicado aos precursores e à bem lembrada e necessária história terminológica da semiótica. Esta inclui uma muito propositada excursão pela oposição entre semiótica e semiologia, desde sua origem até sua pretendida extinção, em 1969, quando a Associação Internacional de Semiótica, por iniciativa de Roman Jakobson, decidiu pela unificação do termo em torno da designação de semiótica. Osegundo capítulo éo mais nitidamente histórico. Tendo iniciado o livro com adistinção entre uma semiótica avant la lettre e uma semiótica propriamente dita, a primeira é caracterizada como as doutrinas dos signos que, mesmo sem terem recebido explicitamente o nome de semiótica,foram brotando, ao longo dos séculos, mais particularmente nas obras dos filósofos. A segunda, tendo seu aparecimento originalmente no campo da medicina, refere-se às teorias dos signos que, desde John Locke, em 1690, foram batizadas pelo nome de Semeiotiké evariantes. Assim sendo, dos gregos aos romanos, da Idade Média ao Renascimento , o percurso do segundo capítulo atenciosamente se estende também pelo racionalismo, empirismo e iluminismo até chegar à semiótica do século XIX. O esmero emeticulosidade da pesquisa documental, aliados a uma excepcional capacidade de síntese para capturar, numa vastíssima massa de informações, exatamente aquelas que são relevantes e pertinentes, fazem desta parte do livro uma peça cristalina em precisão eobjetividade. 10 PN\OR.AMADASEMÓOCA O terceiro capítulo, ainda no século XIX, é inteiramente dedicado à explanação dos conceitos semióticos de Charles Sanders Peirce, muito propriamente apresentado como "o mais importante dos fundadores da moderna semiótica geral", o que justifica o fato de ser esse o capítulo central e mais longo de todo o livro. São bastante notórias a complexidade, a extrema abstração e a interconectividade dos conceitos criados por Peirce. Não étarefa nada fácil apresentar e discutir esses conceitos com fidelidade às fontes, economia de meios e clareza comunicacional. Winfried Nõth realiza a proeza de integrar esses três difíceis requisitos em explanações primorosas. Embora sucinto, o capítulo fica longe das simplificações grosseiras e lacunares. A rede conceituai peirceana é assim apresentada em detalhes nítidos, quase cirúrgicos na sua precisão. Mais uma vez, a lucidez do autor para a condensação informativa é exposta com a naturalidade de quem a pratica por talento congênito. Diferentemente de muitos autores que se limitam à discussão dos conceitos de Peirce, sem se preocuparem com o teste de sua validade aplicativa, Nõth dedica o quarto capítulo a uma amostragem da aplicabilidade da teoria peirceana dos signos na investigação da semiose da língua, de um lado, e ao estudo de signos transformados no mundo fictício da literatura, de outro. Na primeira, o autor leva adiante, com originalidade própria, as célebres análises que Jakobson (1971) realizara em sua "Procura da Essência da Linguagem". No segundo, a escolha feliz das Alices, no país das maravilhas e no país dos espelhos, nos oferece, com inigualável propriedade, um teste para o valor heurístico das categorias peirceanas. Esse capítulo de aplicação se constitui, sem dúvida, no momento de coroamento do livro. Superando as tendências, infelizmente comuns, de aplicação estática e estéril dos signos peirceanos, Nõth sabe como ninguém fazer uso daquilo que chama de "perspectivismo das classificações de Peirce". A esse respeito ele afirma que "é preciso sublinhar que a tipologia peirceana dos 11 signos não é uma classificação aristotélica, no sentido de que cada signo pertence a uma só classe dessa tipologia. O que Peirce descreve não são classes aristotélicas de signos, mas aspectos de signos. Por isso, um mesmo signo pode ser considerado sob vários aspectos e submetido a diversas classificações". Assim sendo, num jogo minucioso e personalíssimo, criado pelo autor, de variações prismáticas das tipologias peirceanas, a potencialidade dos conceitos, para a aplicação em processos sígnicos atualizados, é explorada no limite do seu rendimento, em análises fecundas, sugestivas, instigantes, certeiras e certamente criativas. Vale a pena conferir. Ocapítulo final não poderia ser mais bem lembrado. Diante da notável presença da ciência cognitiva no cenário da contemporaneidade, Nõth põe em discussão as possíveis afinidades entre a ciência cognitiva e a semiótica. Embora esta não possa ser reduzida àquela, não parece haver dúvida quanto às bases semióticas do paradigma cognitivista. O papel fundamental desempenhado pela semiótica peirceana para esse diálogo emergente é posto em relevo, especialmente nas relações que se tecem entre representações mentais e iconicidade, na importância da mediação sígnica para a superação de modelos diádicos de cognição e nas implicações semióticas das teorias dos esquemas. Enquanto o quarto capítulo demonstra, de modo magistral, o aproveitamento aplicativo das tipologias peirceanas, o quinto capítulo coloca em evidência quão fértil pode ser o diálogo entre a semiótica peirceana e as questões que o cognitivismo tem trazido à tona. Isso tudo é discutido em argumentos sóbrios, despidos de qualquer retórica supérflua e sem tendencialidades ou partidarismos. Numa visão global, fiel ao seu título, o livro, no seu todo, funciona como uma apresentação panorâmica não apenas do desenvolvimento histórico da semiótica, mas também das questões mais fundamentais que esse campo de estudo permite detectar. Ao mesmo tempo, o livro acaba por funcionar como uma espécie de caleidoscópio das diferenciadas facetas intelectuais do seu autor. 12 P.ANOR.AMADASEMÓTICA Se o primeiro capítulo faz emergir sua vocação filológica, no segundo, ésua habilidade incomum para a investigação documental que aflora. Enquanto oterceiro capítulo traz as marcas de uma lucidez conceituai também rara, o quarto põe em evidência um intelecto criativo e pragmaticamente orientado. Só faltava a capacidade avaliativa para o balanço crítico das teorias. Éjustamente isso que o quinto capítulo nos apresenta. Enfim, trata-se de uma obra que, de modo abreviado, traz todas as características que a crítica aplaudiu no Handbook of semiotics: a manutenção da unidade e fluência da linguagem não obstante a diversidade dos tópicos trabalhados, a elegância, clareza e condensação do estilo intimamente fundido à precisão e instigação das idéias. A palavra filigrana se refere a uma obra de ourivesaria, formada de fios de ouro ou de prata, delicadamente entrelaçados e soldados. Não há imagem melhor para caracterizar este pequeno livro que Nõth entrega ao público brasileiro do que a da filigrana. De fato, cada um dos capítulos assemelha-se a uma obra de ourivesaria, o conjunto deles compondo uma pequena constelação de filigranas finissimamente tecidas com os fios da erudição e da lucidez. Diante de uma obra tão bem realizada etão relevante para atender às necessidades de todos aqueles que têm curiosidade e interesse em compreender a multiplicidade de aspectos que o mundo dos signos é capaz de exibir, resta-nos torcer para que o prometido segundo volume desta obra, que foi reservado para as correntes semióticas do século XX, possa vir à luz muito brevemente. Lucia Santael/a PREFÁCIO Panorama da Semiótica é o título de um curso intensivo que ministrei para os doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, durante o mês de agosto de 1994. As páginas seguintes constituem apontamentos que elaborei para o curso, durante minha permanência no Brasil. O objetivo original deste panorama foi o de oferecer um curso sobre "as diversas correntes da semiótica e suas contribuições para os estudos da comunicação". Os deuses, porém, sabem que toda pretensão deve ser punida. As correntes da semiótica são tão diversas e amplas que um simples curso, mesmo intensivo, que informasse sobre as mais significativas tendências desta área de estudo, teria de ser superficial demais para estudantes de pós- · graduação. Resolvi, portanto, fazer uma análise mais profunda das correntes da semiótica desde Platão e encerrar o panorama com a teoria do signo de Charles Sanders Peirce e suas perspectivas para o futuro da semiótica. Prometo, porém, continuar este panorama em um curso futuro sobre as correntes da semiótica no século XX, 14 PANORAMA DA SEMIÓTICA para o qual o reitor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo teve a amabilidade de me convidar. Uma exposição sumária sobre uma área de investigação tão ampla como a semiótica tem necessariamente de permanecer incompleta. Para uma orientação mais extensiva sobre o campo semiótica, tenho que remeter o leitor ao meu manual de semiótica e A semiótica no século XX, 1 nos quais há capítulos e informações mais específicos sobre a maioria dos assuntos aqui tratados . Agradeço à professora Lucia Santaella pela iniciativa de me convidar para este curso em São Paulo. A ela, ao professor Norval Baitello Jr., aos colegas, às colegas do Programa e aos estudantes do Curso, agradeço a hospitalidade que me dispensaram durante todo o tempo de minha permanência na capital semiótica do Brasil. Lucia Santaella, Norval Baitello Jr., Tarcísio J. Loro, Ana Cecília Koblitz Hübscher, Gerson Tenório dos Santos e Luiz Carlos lasbeck tiveram a amabilidade de melhorar o português do manuscrito, sendo que este último e Guida lpsen ainda o transpuseram para uma forma mais legível. Defeitos que sobrevierem são só de minha própria responsabilidade. Dedico este pequeno livro a quatro pessoas que me ensinaram a língua portuguesa com hospitalidade, paciência e amizade nos anos sessenta, na Universidade de Münster e em Lisboa: Luís de Souza Costa e Alzira Alexandre Pires (in memoriam), Henrique Braz e Margarida Braz Cunha da Silveira. Winfried Nõth 1. Winfried Nõth, Handbook of semiotics, Bloomington, Indiana Univ. Press, 1990, e A semiótica no século XX, São Paulo, Annablume, 1996. TERMOS, ORIGENS E PRECURSORES DA SEMIÓTICA Ü QUE É SEMIÓTI CA Oque é Semiótica é o título de um pequeno livro publicado por Lucia Santaella em 1983.2 Diante do desenvolvimento de uma área de investigações que se estende da semiótica da arquitetura, da biossemiótica ou da cartossemiótica até a zoossemiótica, uma resposta possível e pluralista à questão é: a semiótica é a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura. Essa definição não é, porém, aceita por todos os estudiosos da área. Várias escolas da semiótica preferem definições mais específicas e restritivas; muitas exigem que a semiótica se ocupe apenas da comunicação humana ea escola de Greimas até se recusa adefinir semiótica como uma teoria dos signos, postulando, ao contrário, defini-la apenas como uma teoria da significação. Equal é a origem dessa ciência dos signos? Na história das ciências, épreciso distinguir entre odesenvolvimento de uma semiótica propriamente dita e as tendências de uma semiótica avant la lettre, que também era uma doutrina dos signos. 2. São Paulo, Editora Brasiliense (Coleção Primeiros Passos 103). 18 PANORAMADASEMIÓTICA Asemiótica propriamente dita tem seu início com filósofos como John Locke (1632-1704) que, no seu Essay on human understanding, de 1690, postulou uma "doutrina dos signos" com o nome de Semeiotiké, ou com Johann Heinrich Lambert (1728-1777) que, em 1764, foi um dos primeiros filósofos a escrever um tratado específico intitulado Semiotik. Adoutrina do signo, que pode ser considerada oomo semiótica avant la lettre, compreende todas as investigações sobre a natureza dos signos, da significação eda comunicação na história das ciências. E a origem dessas investigações coincide com a origem da filosofia: Platão e Aristóteles eram teóricos do signo e, portanto, semioticistas avant la lettre. PRECURSORES DA SEMIÓTICA GERAL A semiótica propriamente dita encontra seu ancestral mais antigo na história da medicina, aí entendida como o primeiro estudo diagnóstico dos signos das doenças.Omédico grego Galeno de Pérgamo (139-199), por exemplo, referiu-se à diagnóstica como sendo "a parte semiótica" (semeiotikón méros) da medicina. No século XVIII a l~eratu médica também começou aempregar o termo sem( e)iologia como alternativa de semiótica, às vezes, com algumas variações de sentido. Naquela altura, a semiótica médica foi ampliada para incluir três ramos de investigação: aanamnéstica, estudo da história médica do paciente; a diagnóstica, estudo dos sintomas atuais das doenças; eaprognóstica,que trata das predições eprojeções do desenvolvimento futuro das doenças. A partir da tradição médica, o termo semiótica também começou aadquirir sentidos mais amplos no contexto de uma semeiótica mora/is. 3 Num tratado com esse título, Scipio Claramonti, em 1625, postulou uma disciplina que investigaria "oconhecimento dos homens". 20 PANOfWMDASEMIÓTICA Entre os filósofos que seguiram essa tradição, está Christian Woltt (1679-1754), semioticista, discípulo de Leibniz. Na medicina de hoje, otermo semiótica ou foi abandonado ou confinado ao sentido de sintomatologia. O Novo Dicionário Aurélio ainda especifica tal sentido como uma das definições possíveis para o verbete semiótica,4 assim como para semiologia. Dentro da semiótica moderna, porém, estabeleceu-se uma nova semiótica médica que estuda aspectos da medicina, da microbiologia e até da psicanálise, sob o ponto de vista de uma semiótica geral. Entre os precursores da semiótica propriamente dita encontramos também uma curiosidade terminológica: John Wilkins (16141672), um dos pioneiros do desenvolvimento das idéias de criptografia, estenografia e de língua universal no século XVII, introduziu, no seu livro Mercury: or lhe secret and swift messenger, de 1641 , o termo semaeologia para designar uma linguagem secreta por senhas ou gestos (Wilkins, 1641 : 8). 3. Al ém das fontes citadas no meu Handbook incluo aqui refe rências ao artigo "Semiotik" de S. Meier-Oeser, 1997, vol. 9 do Historisches Wórterbuch der Phi/osophie, ed . J. Ritter & K. Gründer, Basel, Schwabe . 4. Uma curiosidade terminológica que está ainda para ser explorada nesse contexto é o fato de o Novo Dicionário Aurélio definir o termo semiótica também como "a arte de comandar manobras militares por meio de sinais, e não da voz". HISTÓRIA TERMINOLÓGIC.A DA SEMIÓTICA A semióticá como teoria geral dos signos teve várias denominações no decorrer da história da filosofia. A etimologia do termo nos remete ao grego semeion, que significa "signo", e sêma, que pode ser traduzido por "sinal" ou também "signo". Semio-, uma transliteração latinizada da forma grega semeio' eos radicais parentes, sema(t)- e seman-, têm sido a base morfológica para várias derivações de vocábulos que dão nome às ciências semióticas . Além das formas semeiotica e semeio/agia, já mencionadas, houve precursores e rivais terminológicos da semiótica, tais como semiologia, semântica, sematologia, semasiologia, semologia, além dos termos usados por Lady Welby: sensifics e significs. Semântica esemasiologia são termos que hoje só se referem ao estudo das significações na lingüística. Nos séculos XVII e XVIII, a semântica apresenta ainda sentidos semióticos mais gerais. John Spencer (A discourse concerning prodigies, 1665), por exemplo, referiu-se à"semantick philosophy'' como sendo o estudo das previsões do futuro por senhas. Outros termos rivais de semiótica - como sematologia e semologia -ficaram circunscritos aalguns autores isolados na história 22 PMIQRAMADAS8v11ÓTICA da semiótica. Sematology é o título de um tratado semiótico que Benjamim Humphrey Smart publicou em 1831 . Kar1 Bühler,osemioticista que influenciou aobra de Roman Jakobson,também empregou otermo sematologia, em 1934, para referir-se à teoria geral dos signos. Porém, o primeiro a usar esse termo parece ter sido George Dalgarno que, na sua obra AIS signorum, de 1661 , definiu sematologia como a doutrina dos signos artificiais. Semiotics, na forma plural em inglês, é de origem relativamente recente. Charles Sanders Peirce (1839-1914) nunca a usou, preferindo semeioticou, menos freqüentemente, semeiotics, semiotic ou semeotic. Charles Morris (1901-1979) também só usou aforma singular semiotic. O plural semioticsfoi adotado em analogia com as demais formas plurais que, em inglês, denominam ciências, como linguistics, semantics, mathematics ou physics. Um dos primeiros usos dessa forma aparece em 1964 como título de uma obra organizada por T. A. Sebeok et ai., Approaches to semiotics. SEMIÓTICA VERSUS SEMIOLOGIA O maior rival terminológico de semiótica tem sido semiologia. Para designar uma teoria geral dos signos o termo já havia surgido alguns decênios antes que Locke, em 1690, postulasse uma doutrina dos signos com o nome de Semeiotiké. Já em 1659, o filósofo alemão Johannes Schulteus falou de uma doutrina geral do signo edo significado, sob o título Semeio/agia Metaphysiké. No nosso século, otermo semiologia ficou ligado à tradição semiótica fundada no quadro da lingüística de Ferdinand de Saussure econtinuada por semioticistas como Louis Hjelmslev ou Roland Barthes. Sob essas influências, semiologia permaneceu durante muito tempo como o termo preferido nos países românicos, enquanto autores anglófonos ealemães preferiram otermo semiótica Alguns semioticistas, porém, começaram a elaborar distinções conceituais entre semiologia e semiótica: semiótica, designando uma ciência mais geral dos signos, incluindo os signos animais eda natureza, enquanto semiologia passou a referir-se unicamente à teoria dos signos humanos, culturais e, especialmente, textuais. Uma distinção muito interessante entre semiótica e semiologia foi introduzida por Hjelmslev e adotada por Greimas. Para ambos, 24 P.AJ\IORAMADASEMIÓTICA semiótica é um sistema de signos com estruturas hierárquicas análogas à linguagem-tal como uma língua, um código de trânsito, arte, música ou literatura -ao passo que semiologia é ateoria geral, a metalíngua, ou melhor, a metassemiótica desses sistemas, que trata dos aspectos semióticos comuns a todos os sistemas semióticos. Arivalidade entre esses dois termos foi oficialmente encerrada pela Associação Internacional de Semiótica que, em 1969, por iniciativa de Roman Jakobson, decidiu adotar semiótica como termo geral do território de investigações nas tradições da semiologia e da semiótica geral. 11 HISTÓRIA DA SEMIÓTICA PERÍODO GRECO-ROMANO ANTIGO Passemos, agora, da história etimológica e institucional da semiótica à história implícita e explícita da doutrina dos signos. A primeira parte dessa história pertence à semiótica avant la /ettre; são capítulos da filosofia greco-romana que tratam da teoria dos signos verbais e não-verbais. Platão (427-347) Platão tratou de vários aspectos da teoria dos signos; definiu signo verbal, significação e contribuiu com idéias críticas para ateoria da escritura. Omodelo platônico do signo tem uma estrutura triádica, na qual é possível distinguir os três componentes do signo: • o nome (ónoma, nómos) • a noção ou idéia (eidos, lógos, dianóema) • a coisa (prágma, ousfa) à qual o signo se refere 28 P.AJ\IORAMADASEMIÓTICA Idéias, para Platão, são entidades objetivas que não só existem na nossa mente,como também possuem realidade numa esfera espiritual além do indivíduo. No diálogo Crátilo (Sobre a justeza dos nomes), Platão investigou a relação entre o nome, as idéias e as coisas. Uma das questões levantadas é se a relação entre nome, idéia e coisa é natural ou depende das convenções sociais, sendo, portanto, arbitrária. As respostas platônicas são: 1) signos verbais, naturais, assim como convencionais são só representações incompletas da verdadeira natureza das coisas; 2) o estudo das palavras não revela nada sobre a verdadeira natureza das coisas porque a esfera das idéias é independente das representações na forma de palavras; e 3) cognições concebidas por meio de signos são apreensões indiretas e, por este motivo, inferiores às cognições diretas. Desse modo, para Platão, a verdade que se exprime e se transmite por palavras, mesmo que as palavras possuam semelhanças excelentes com as coisas às quais se referem, é sempre inferior ao conhecimento direto, não-intermediado, das coisas. A natureza indireta da escritura em relação à língua falada é, também, a base da crítica que Platão faz à escritura no diálogo de Fédon. G. Manetti,5 discutindo a origem dessas concepções céticas da função comunicativa na Antiguidade clássica, faz uma retrospectiva que vai até os tratados de maneia mesopotâmica. Aí, os signos foram descritos como omina, ou presságios capazes de serem interpretados por oráculos. Nessa tradição, o signo (seme/on) continuou para os gregos aser uma percepção que indica qualquer coisa escondida (áde/os) da cognição. Por isso, Platão usou o verbo "significar" (semaínein) como sinônimo de "revelar" (delóun). 5. Theories of the sign in c/assical antiquity, Bloomington, Indiana Univ. Press, 1993. HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 29 Aristóteles (384-322) Aristóteles começou a traçar uma distinção entre o signo incerto (semeion) e o signo certo {tekmérion) e discutiu a teoria dos signos no âmbito da lógica eda retórica. Em geral, definiu o signo como uma relação de implicação: se (q) implica (p), (q) atua como signo de (p). Na Primeira Analítica (li, 70a, 7-9), explica tal definição: Pois aquilo que procede ou segue o ser ou o desenvolvimento duma coisa é um signo do ser ou do desenvolvimento dessa coisa. Além disso, Aristóteles descreveu o signo como uma premissa que conduz a uma conclusão: O signo[. .. ] quer ser uma proposição bem certa ou necessária ou também corresponde a uma opinião. Chamou o signo lingüístico de "símbolo" (symbolon) e o definiu como um signo convencional das "afecções (pathémata) da alma". Descreveu essas afecções como "retratos" das coisas (prágmata). O modelo do signo aristotélico é, portanto, triádico. Estóicos (ca. 300 a.e. -200 d.C.) Um modelo triádico do signo étambém a base da teoria do signo dos estóicos. Para eles, o signo consiste em três componentes básicos, a saber: 1) semaínon, que é o significante, a entidade percebida como sígno; 2) semainómenon, ou lékton, que corresponde à significação ou significado; e 30 P.ANOR.AMADASEMIÓTICA 3) tygchánon, o evento ou o objeto ao qual o signo se refere. Enquanto significante e objeto são entidades materiais, o significado é uma entidade ideal, não-corporal. Ateoria estóica do signo está igualmente ligada à lógica. Os estóicos interpretavam a cognição de um signo como um processo silogístico de indução. O signo estóico, segundo Sextus Empiricus (Adv. math.11, 245), é a proposição antecedente numa válida premissa maior que serve para revelar o conseqüente. Além disso, os signos são classificados em comemorativos, quando se referem a observações associadas anteriormente ao signo, e indicativos, quando indicam fatos não evidentes. Epicuristas (ca. 300) Contra os estóicos, os epicuristas pretendiam desenvolver um modelo diádico do signo, onde só entram em composição osignificante (semaínon) e o objeto referido (tygchánon) . O significado imaterial do signo (lékton) não é reconhecido como componente semiótica do signo. Na base do modelo epicurista há uma epistemologia materialista, na qual o objeto físico é considerado como a origem das imagens (eídola) que emanam de sua superfície, na forma de verdadeiros átomos. Na cognição do receptor, esses átomos icônicos reaparecem como uma nova imagem chamada fantasia. A imagem emitida do objeto e a imagem captada pelo observador descrevem, portanto, os dois componentes do signo. Por outro lado, os estóicos consideravam que a cognição não é só um processo inteiramente mecânico; o reconhecimento de um signo, para eles, presumia a capacidade de antecipação (prolépsis) por parte do receptor. Uma tal antecipação, porém, só é possível se na mente do receptor já existem previamente imagens mentais ou conceitos capazes de antecipar a imagem. HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 31 Considerando esse aspecto do processo semiótico, o modelo estóico do signo contém, em verdade, uma terceira dimensão semelhante aos modelos triádicos do signo. Essa idéia de uma imagem mental antecipando uma cognição atual, aliás, está bem de acordo com as teorias modernas da ciência cognitiva, ao passo que a base materialista da teoria epicurista parece hoje uma mera curiosidade da história da epistemologia. Os epicuristas também atacaram um outro aspecto da semiótica estóica: ateoria da natureza inferencial do processo semiótico. Semiosis, para os epicuristas, não pressupõe combinações lógicas, porque mesmo um cão que segue a pista de um outro animal está apenas interpretando signos, sem conhecer as regras de indução. Tais reflexões zoossemióticas, em conjunto com especulações sobre a origem gesticular da língua, constituem a parte mais interessante da contribuição dos epicuristas à história da semiótica. O epicurista romano Lucrécio, por exemplo, no seu poema De Rerum Natura, foi um dos primeiros adar uma explicação evolutiva dos sistemas semióticos humanos: ele afirma que aorigem da língua humana,dos gestos infantis e do comportamento animal não se fundamenta em convenções intelectuais, mas tem suas bases na natureza e na utilidade (utilitas) . Aurélio Agostinho (354-430) Ahistória da semiótica antiga atinge seu apogeu com aobra de Aurélio Agostinho. E. Coseriu oconsiderava "o maior semioticista da Antiguidade e o verdadeiro fundador da semiótica". Os tratados nos quais Agostinho desenvolveu suas idéias semióticas são: De Magistro (389), De Doctrina Christiana (397) e Principia Dialecticae (ca. 384). Agostinho concordou com a teoria epicurista que definiu o signo como um fato perceptivo que representa alguma coisa atualmente não perceptível. Na sua definição do signo, porém, Agostinho seguiu 32 PANORAMADASEMIÓTICA mais os estóicos eacentuou o papel da interferência mental no processo de semiose:s O signo é, portanto, uma coisa que, além da impressão que produz nos sentidos, faz com que outra coisa venha à mente como conseqüência de si mesmo " (De Doctrina Christiana, li , 1, 1). Agostinho continuou, também, a distinguir os signos naturais dos signos convencionais. Para ele, os signos naturais são aqueles produzidos sem a intenção de uso como signo, mas nem por isso conduzem à cognição de outra coisa. A fumaça como índice de fogo é um dos exemplos daquilo que entendia por signo natural. Os signos convencionais, por outro lado, são aqueles que '1odos os seres vivos trocam mutuamente para demonstrar sentimentos da mente" (ibid. li, 1, 3). Outra idéia interessante na semiótica agostiniana éa distinção entre signos ecoisas. Em Doutrína cristã 1, 2, 2Agostinho deu respostas à seguinte questão: "O que é uma coisa e o que é um signo?": Uso a palavra "coisa" num sentido estrito para referir-me ao que nunca foi usado como signo de outra coisa, como madeira, pedra, gado ou outras tantas coisas desse gênero. Mas Agostinho também sabia que signos não são uma classe de objetos ontologicamente diferente das coisas, econtinua (ibid.): 6. Infelizmente, a tradução portuguesa da Doutrina cristã (São Paulo, Edições Paulinas, 1971 , p. 93) traduz o latim signum por "sinal". HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 33 Todo signo é, ao mesmo tempo, alguma coisa, visto que se não fosse alguma coisa não existiria. Porém, não são todas as coisas signos ao mesmo tempo . Apesar dessa separação fenomenológica entre coisas que são signos e coisas que não são signos, Agostinho via as duas esferas do mundo ligadas pelo processo de semiose. Por isso, concluiu que "as coisas são conhecidas por meio dos signos" (1, 2, 2). Uma dimensão inovadora na semiótica de Agostinho foi o fato de ter estendido os estudos semióticos dos signos verbais aos signos não-verbais. Eco, Lambertini, Marmo e Tabarroni (1986: 65) resumiram esse aspecto da doutrina agostiniana dos signos do seguinte modo: Com Agostinho, esta "doutrina" ou "ciência" do signo toma uma forma na qual os sintomas, as palavras da língua, os gestos miméticos de atores junto ao som de clarins militares e as estridulações das cigarras, tudo isso se torna objeto de estudo. No ensaio de uma tal doutrina, Agostinho previu linhas de desenvolvimento de um interesse histórico enorme. Last, but not least, a dimensão teológica da semiótica agostiniana merece ser mencionada. Na interpretação de Agostinho, todas as coisas percebidas como signo são, ultimamente, signos naturais que revelam a vontade de Deus na criação terrestre. Tais idéias continuaram a ser desenvolvidas na semiótica exegética medieval, no quadro da teoria dos sentidos múltiplos do mundo e dos textos. DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO Asemiótica medieval desenvolveu-se no âmbito da teologia e do trívio das artes liberais: gramática, retórica e dialética (lógica). Filosofia eteologia medievais, como foram ensinadas em muitas escolas universitárias,são também conhecidas pela denominação de escolástica ou escolasticismo. Temas dominantes Ateoria geral dos signos foi tema para muitos escolásticos. Roger Bacon (1215·1294), por exemplo, escreveu um tratado sob o título De Signis. Atradição escolástica de estudos do signo continuou até a Renascença, quando chegou ao apogeu na obra monumental do português João de São Tomás, também conhecido como Jean Poinsot (1589-1644). Oseu Tractatus de Signis, escrito em 1632, foi publicado em uma nova edição crítica por John Deely, em 1984. Entre os temas predominantes da semiótica escolástica estão as doutrinas do realismo edo nominalismo, as doutrinas das suposições edos modos de significação. Adistinção entre denotação e conotação HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 35 provém da semiótica desenvolvida nesse período, quando também uma teoria da representação começou a estudar as funções semióticas de signos, símbolos e imagens. Além de Roger Bacon, John Duns Scot (1270-1308) eWilliam de Ockham (1290-1349) foram semioticistas escolásticos de grande importância. Peirce foi leitor assíduo das obras desses teóricos do signo, e Umberto Eco fez com que alguns deles reaparecessem no seu romance O nome da rosa. Semiótica como lógica Em vez de introduzir pormenores adicionais sobre os temas centrais da semiótica medieval, parece mais relevante esboçar o lugar da teoria do signo no âmbito das demais ciências oficialmente reconhecidas pelos escolásticos.7 Fundamentados na filosofia estóica, os escolásticos distinguiram três ciências: a phi/osophia natura/is, a phi/osophia mora/is e, em terceiro lugar, a scientia de signis. Esta última foi também chamada scientia rationalis e equivalia à lógica. Um autor desse período, Leonino de Pádua, por exemplo, escreveu: "Logica est doctrina principaliter de signis".a Essa divisão triádica das ciências, aliás, reapareceu em 1690 no famoso Essay de Locke, no qual ele descreveu a ciência dos signos como lógica, no quadro de uma tríade científica, ao lado da física (ou '1ilosofia natural") e da ética -à qual Locke se referia com o termo grego praktiké. 7. A seguir, incluo resultado de pesquisas de S. Meier-Oeser, já mencionado. 8. Em F. Bottin , "La polemica contra i Moderni Loyci [.. .] nella Oecas Loycadi Leonino da Padova", em Medioevo4 (1978), p. 108. 36 PANORM1ADASEMIÓTICA O signo como instrumento cognitivo João de São Tomás também foi um dos filósofos aconsiderar o estudo do signo no campo da lógica. A definição de signo dada por ele em sua Ars logica9 interessa tanto sob o ponto de vista do passado quanto do futuro da semiótica: Omnia instrumenta, quibus ad cognoscendum et /oquendum utimur, signa sunt. ("Todos os instrumentos dos quais nos servimos para a cognição e para falar são signos.") Tal definição contém dois elementos de grande interesse para ateoria dos signos. Oprimeiro éadefinição do signo como instrumento e, portanto,como um meio, constttuindo um esboço da idéia de semiose como mediação, desenvolvida mais tarde por Peirce. Outro semioticista a acentuar a instrumentalidade dos signos foi Karl Bühler, autor do modelo órganon10 da lí~gua, que é a base da teoria das funções de linguagem de Jakobson. Osegundo elemento importante da definição de João de São Tomás éa afirmação de que os signos não são apenas instrumentos de comunicação, mas também de cognição. Repare-se que essa interpretação contraria oque Platão havia postulado quando distinguia entre acesso direto às coisas por cognição direta - sem uso de signos - ecognição indireta por intermediação sígnica. Na presente definição, ao contrário, o uso dos signos verbais, assim como os processos da cognição do mundo, são definidos como processos de semiose. Essa visão semiótica da cognição é bem peirceana e de grande interesse no contexto do diálogo entre a semiótica e o paradigma das ciências cognitivas. 11 9. Ed. B. Reiser (Roma, 1948), p. 9a. 1O. Órganon significa precisamente "instrumento" e o modelo órganon é o modelo da instrumentalidade da comunicação. 11 . Ver capítulo 5. HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 37 Digressão sobre a semiótica do mundo natural Na cultura da Idade Média até a Renascença, havia modelos semióticos não só para a interpretação daqueles signos humanos, animais ou naturais, que asemiótica moderna ainda estuda, mas também modelos ainda mais ambiciosos, criados para servir de chave semiótica para a interpretação de todo o mundo natural. Os mais importantes desses modelos pansemióticos do mundo são o modelo dos quatro sentidos exegéticos na Idade Média eo modelo das assinaturas das coisas, na Renascença. Os quatro sentidos do mundo medieval Omodelo dos quatro sentidos exegéticos no mundo medieval provém de um outro modelo desenvolvido para a interpretação de uma mera parte desse mundo, os textos bíblicos. A hermenêutica cristã medieval postulava que a interpretação da Bíblia tinha de ser ferta sobre quatro níveis capazes de revelar quatro sentidos diferentes do mesmo texto. No primeiro nível, os textos tinham um sentido literal ou histórico, que explicava o sentido das personagens, localidades e eventos, tais como apareciam na superfície do texto. No segundo, aparecia osentido tropológico ou moral, que era achave para arevelação do sentido que um texto bíblico devia ter para a vida individual dos homens neste mundo. No terceiro nível, vinha o sentido alegórico, que se referia diretamente a Cristo e à Igreja. O quarto sentido era o sentido anagógico e referia-se aos mistérios celestes que teriam lugar no futuro dos fiéis cristãos. Importante para o nosso contexto é ressaltar que esse modelo dos quatro sentidos foi, mais tarde, usado também como um modelo de leitura do mundo natural. O mundo foi, portanto, interpretado da mesma maneira que o livro dos livros, o que nos mostra um caso interessante de metagênese, uma inversão cronológica do processo 38 PAl'JORAMADASEMIÓTICA da evolução: em vez de explicar os textos em termos da semiose no mundo, omundo éinterpretado em termos de sentidos de textos escritos, depois de sua evolução.12 Um exemplo de leitura do mundo natural nas categorias dos quatro sentidos escriturais pode ser encontrado numa passagem em que Dante(// Convivia li, 1, 2-15) descreve o sentido da cidade de Jerusalém: no âmbito histórico ou literal, Jerusalém é a "cidade dos judeus"; no sentido tropológico,éa"alma do homem"; no sentido aleg)rico, simplesmente a "Igreja de Cristo"; e no sentido anagógico, a "cidade de deus no céu". A doutrina das assinaturas Avisão pansemiótica do mundo chegou ao apogeu na doutrina das assinaturas da Renascença,quando foi estudada na obra do médico e sábio suíço Paracelsus (1493-1541).13 Aí encontramos um sistema elaborado de códigos para a interpretação de signos naturais, onde não só deus aparece como autor das mensagens do mundo, mas éacompanhado de três outros emitentes (assinantes) de signos naturais (De Nat. Rer., 1591 ): primeiro, o homem, em segundo, um princípio interior do desenvolvimento chamado archaeus e, em terceiro lugar, as estrelas ou planetas (astra) . Os signos naturais, que tais emitentes deixaram como traços indexicais no mundo, eram chamados assinaturas e podiam ser descobertos em várias zonas do mundo. Na face humana, os signos eram codificados pela fisiognomia. As regras para descobrir o sentido das assinaturas nas linhas do corpo humano, assim como nas linhas visíveis da superfície das plantas, foram ensinadas na quiromancia; 12. Cf. Winfried Nõth (ed.), Origins ofsemiosis, Berlin, Mouton de Gruyter, 1994, p. 5. 13. CI. Winfried Nõth, A semiótica no século XX, São Paulo, Annablume, 1996, p. 270. HISTÓRIA DAS8v11ÓT/CA 39 os segredos semióticos das assinaturas da terra, do fogo, da água e dos astros foram descobertos pelos códigos da geomancia, da piromancia, hidromancia e da astrologia, respectivamente. Conforme a doutrina das assinaturas, os signos do mundo natural mantêm entre eles relação de iconicidade porque existem semelhanças, analogias, afinidades ou correspondências 14 escondidas que os ligam numa relação pansemiótica. 14. Cf. Michel Foucault, Les mots et les choses, Paris, Gallimard, 1966. RACIONALISMO, EMPIRISMO E ILUMIN ISMO A semiótica dos séculos XVII e XVIII se desenvolveu no ambiente de três grandes correntes filosóficas: o racionalismo, sobretudo na França; o empirismo britânico eoiluminismo, aidade da luz, sobretudo na Alemanha. O Racionalismo de Port-Royal No século XVII muitas idéias de interesse para o futuro da semiótica se desenvolveram sob o racionalismo francês. Idéias inatas René Descartes (1596-1650), na sua teoria das idéias inatas, postulou a prioridade do intelecto sobre a experiência. Do ponto de vista semiótico, a conseqüência maior dessa teoria foi o fato de ela ter alijado da teoria dos signos o aspecto referencial. Sem verdadeiro elo de contato com o mundo aparente, o processo semiótico foi descrrto em categorias mentais. HISTÓRIADASEMIÓTICA 41 O modelo do signo diádico Ao invés da tríade, o racionalismo optou por um modelo diádioo de signo, cuja definição mais famosa. na época. se encontrava na gramática geral e na lógica da escola semiótica de Port-Royal. Uma formulação dessa definição na Lógica de Arnauld e Nicole (1683: cap. 4) é: O signo compreende duas idéias - uma é a idéia da coisa que representa, e outra, a idéia da coisa representada - e a natureza do signo consiste em excitar a segunda pela primeira. A"idéia da coisa representada" corresponde ao significado do signo; "a coisa que representa" se refere ao significante, às características acústicas ou visuais do signo. Em contrapartida à tradição estóica, que tinha postulado a materialidade desse aspecto do signo, a contribuição revolucionária da semiótica de Port-Royal está na descrição do significante como imaterial, como idéia de uma tal coisa. Nesse caso. o signo verbal - o significante - não seria a expressão acústica da palavra pronunciada, mas a representação ou o modelo mental daquele som e daquela articulação no momento da recepção. Como esse significante mental "excita" um significado que éigualmente mental,oprocesso semiótioo fica completamente confinado à mente, desde a recepção até a compreensão final do signo. O futuro do mentalismo semiótico (comentário) Omodelo racionalista de signo concebido em Port-Royal foi importante para ofuturo da semiótica porque antecipou precisamente um modelo diádico que exerceu grande ascendência na semiótica do nosso século, o modelo de Saussure. Para este, o significante de um signo verbal qualquer não étambém um som ou uma marca de lápis 42 PAJ\OR.AMA.DASEMIÓTICA sobre um papel branco; é uma "imagem acústica" ou visual da palavra falada ou escrita. É importante registrar, neste contexto, que o mentalismo semiótico de Port-Royal antecipou uma das correntes das ciências cognitivas - hoje conhecida pelo nome de "construtivismo radical" que descreve o processo da comunicação como autopoiético, ou seja, um processo que égerado por si mesmo. Teóricos desse construtivismo -como os biólogos H. R. Maturana e F. J. Varela (1972)-postulam que os signos percebidos por um observador nunca podem vir de fora da sua própria mente. Assim, todo o processo semiótico se dá num sistema fechado e exclusivamente mental; os signos não circulam entre fonte erecepção, limitando-se, assim, auma auto-referencialidade. Port-Royal estava longe de um construtivismo tão radical, mas é oportuno ressaltar que sua concepção de signo também não estabelece vínculos com uma mente exterior, limitando-se auma conexão entre duas idéias numa mesma mente. Entre Racionalismo e Empirismo Antes de passar a Locke eo empirismo britânico, énecessário ao menos mencionar mais um tema e alguns filósofos semióticos desse período que, apesar de importantes na história da semiótica, não podem ser discutidos em detalhes neste rápido panorama da semiótica. Tais filósofos são G. W. Leibniz (1646-1716) e Francis Bacon (1561-1626) e otema é a procura de uma língua universal por George Dalgarno e John Wilkins, entre outros. Leibniz não só estudou uma grande variedade de signos e assuntos semióticos, mas sobretudo as regras para combiná-los tendo em vista um sistema racional de signos. Bacon, um cético semiótico, estudou os meios lingüísticos de 'falsificar" as coisas no seu tratado /dois of the marketplace (Novum organum 1, 43). Também foi ele quem descobriu, em 1605, a possibilidade de codificar economicamente oaHabeto, substituindo-o por um código binário, no qual dois elementos HISTÓRIADASEMIÓTICA 43 (a e b) são usados para substituir as 25 letras do alfabeto com combinações do tipo A= aaaaa, B= aaaab, C= aaaba, D= aaabb (De Augm. Scient. Vl.1 ). De certo modo, essa idéia está nas origens da teoria da informação. Locke e o Empirismo britânico No quadro do empirismo britânico dos séculos XVII e XVIII , encontramos idéias semióticas nas obras de Hobbes, Locke, Berkeley e David Hume. Hobbes (1588-1679) Thomas Hobbes (1655: 2.5) elaborou uma definição diádica e materialista do signo verbal ao escrever que "os nomes são signos das nossas concepções e não das coisas mesmas". Se os signos não podem se referir ao mundo, mas apenas a outros conceitos dele derivados, o processo de semiose irá se desenvolver numa rede de tramas mentais,que Peirce, mais tarde, denominaria "semiose ilimitada". Hobbes evidenciou ainda um modelo associacionista bastante unilinear de semiose ao salientar que, na associação dum acontecimento antecedente com um evento conseqüente, um é signo do outro. Berkeley (1685-1753) George Berkeley radicalizou ateoria diádica do signo no quadro do seu nominalismo e idealismo ontológico. Amatéria do mundo, para ele, não participa do processo de semiose; as nossas sensações do mundo são "idéias impressas nos sentidos" e não existem a não ser na mente de quem as percebe. O"ser" delas éo ser percebido: Esse est percipi (Berkeley, 171 O: §3). 44 PANCJR.AM\DASEMIÓTICA Uma das conseqüências dessa visão tão radical do mundo está no fato de que todos os processos que se desenvolvem no mundo são interpretados como processos de semiose. Em vez de promover relações entre causas e efeitos, Berkeley vê apenas relações entre "signos" e"coisas significadas". Assim, o barulho que ouvimos não é causado pelo movimento dos carros na rua mas étão-somente um signo deles. Dessa forma, todo o mundo natural aparece permeado de signos, tal como diria Peirce mais tarde. Locke (1632-1704) John Locke é a principal figura da história da semiótica de sua época. Já nos referimos a ele no contexto da história terminológica da semiótica (p. 21) e no contexto da relação entre a semiótica e as demais ciências (p. 34). Porém, apesar da enorme importância de suas idéias, o aspecto inovador de sua obra não étão grande quanto poderia parecer. Locke (1690: § 4.21.4) descreveu os signos como "grandes instrumentos de conhecimento" e distingue duas classes de signos: as idéias e as palavras. As idéias são os signos que representam as coisas na mente do contemplador; as palavras não representam nada "senão as idéias na mente da pessoa que as utiliza". Palavras, portanto, são os signos das idéias do emissor. Porém, se as palavras fossem apenas signos de idéias e as idéias fossem apenas signos de coisas, a comunicação humana não seria realmente possível. Locke (1690: §3.2.4), entretanto, nãoadm~iu que as palavras são também signos "das idéias na mente das outras pessoas com as quais nos comunicamos". Como idéias são signos e palavras são signos de idéias-, palavras, na definição de Locke, são signos de signos, ou, como diríamos hoje, meta-signos. Aseparação categórica entre dois níveis semióticos- idéias e palavras - implica problemas sérios do ponto de vista da semiótica geral. Hoje sabemos que as idéias- ou significados ligados às palavras HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 45 - em muitos aspectos não são independentes das palavras que as designam. Asignificação das palavras não vem (ou não vem apenas) da percepção das coisas, como Locke sugeriu, mas também do sistema da linguagem que gera as diferenças entre as palavras.·Esta idéia é central para a semiótica lingüística desde Saussure.15 A imagem que Saussure {1916: 131) usou para descrever a relação entre palavra e idéia foi a imagem da relação indissociável entre o anverso e o verso de uma folha de papel; no anverso temos o significante de Saussure ou a palavra de Locke, no verso temos o 'significado ou a idéia. Não se pode separar o anverso do verso de uma folha sem que se perca oconjunto. Uma metáfora que corresponderia ao modelo de Locke seria o símile de um sanduíche: a fatia de baixo é a idéia, que permanece mesmo se a fatia de cima - a palavra- for retirada. Iluminismo Da semiótica no século das luzes, este panorama pode só escolher alguns capítulos do iluminismo francês, poucos apontamentos sobre o iluminismo alemão e uma digressão curta sobre Vico. Temas e ciências vizinhas Os grandes temas semióticos do século XVIII foram discutidos nas áreas da epistemologia, da hermenêutica ede uma nova ciência que, junto com asemiótica,começou apenas nesse século aestabelecerse explicitamente, a estética. 15. Winfried Nõth . A semiótica no século XX. São Paulo , Annablume, 1996, p. 35. 46 PAl\QRMDSEIÓ~C O tema principal da epistemologia semiótica foi o papel dos signos nos processos da percepção e a gênese dos signos. A hermenêutica - arte geral da interpretação - enfatizou o papel dos signos no processo de compreensão dos textos. Aestética teve como temática principal o papel dos signos naturais e artificiais ou arbitrários na percepção do belo. Aestética foi primeiramente estabelecida por Alexander Gottlieb Baumgarten num livro de 1750. O termo grego aísthesis, do qual estética é derivado, significa "percepção dos sentidos". De acordo com esse sentido, Baumgarten definiu a estética como a ciência da cognição perceptiva (scientia cognitionis sensitivae), em contraposição à lógica, definida como "ciência do conhecimento racionar·. Éinteressante ver que a especialização da ciência geral da percepção inaugurada por Baumgarten ligava-se diretamente a um ramo da lógica que ele denominava "semiótica". Em sua definição, essa semiótica devia tratar de signis pulchrae cogitatorum et dispositorum: dos signos belos na cognição e na disposição. Vico (1668-1774) Antes de começarmos a tratar dos protagonistas da filosofia semiótica da Idade das Luzes, é necessário introduzir brevemente algumas informações sobre um pensador do século XVIII, cuja obra constituiu uma significativa contribuição para o passado e o futuro da semiótica, embora suas idéias não mantivessem aessência do programa principal dos iluministas: a confiança no progresso ena razão, desafiando a autoridade e a tradição. O que o napolrtano Giambattista Vico, em sua obra Nuova Scienza,de 1725, tem em comum com os iluministas da segunda metade desse século éa base evolucionista enão-cartesiana de suas idéias. As diferenças residem não apenas nos métodos extremamente especulativos, mas também na sua simpatia pelos ritos e mrtos arcaicos, assunto que só viria a despertar interesses maiores nos séculos XIX e XX. HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 47 Os temas de maior relevo semiótica na Nuova Scienza são a poesia, o mito, a metáfora, a língua e a evolução dos signos da humanidade. Vico acreditava em uma "história ideal e eterna", na qual a humanidade teria passado por três fases de desenvolvimento: era divina, era heróica e era humana. Essas três fases ocorrem em ciclos que podem resultar em fases de retrocesso a estágios anteriores do desenvolvimento. Para Vico, durante a era divina, os homens acreditavam que tudo fosse deus ou criado por um deus. Seria, pois, a época da semiose ritual , marcada por "atos religiosos mudos ou cerimônias divinas". Antes de desenvolver a linguagem articulada, os homens se comunicavam por meio de hieróglifos divinos, ou expressavam-se por meio de gestos ou objetos físicos que tivessem relações naturais com as idéias. A linguagem falada ter-se-ia se desenvolvido, então, a partir da onomatopéia e das interjeições; era "uma linguagem com significações naturais". Durante a época heróica, o modo dominante de comunicação deu-se por meio de emblemas visuais, brasões, insígnias eoutros signos de posse material. Idéias abstratas foram expressas na forma antropomórfica de heróis míticos. Osignificado de herói, por exemplo, era expresso pelo herói mítico Aquiles. Ambas as eras foram períodos de sabedoria poética e as pessoas que nelas viveram foram autênticos poetas. Para Vico, portanto, poesia, metáfora e mito são formas arcaicas de pensamento. A terceira era - a era dos homens - foi também a idade da razão eda civilização. Os signos, agora arbitrários, literais eabstratos, fazem com que entrem em declínio a poesia e a imaginação. Porém, seria errôneo pensar que somente essa era teve acesso à verdade. Vico postulou que as mitologias antigas não são meras ficções ou mesmo distorções da realidade, mas expressões poéticas precoces das sabedoria humana. A conseqüência (Vico, 1725: §51) é que a primeira ciência a ser aprendida deveria ser a mitologia ou a interpretação das fábulas, pois 48 P.AJ\IORAMADASEMIÓTICA [. ..] todas as histórias dos gentis tiveram seu começo em fábulas . Condillac e o sensualismo francês Na Idade das Luzes os filósofos franceses desenvolveram uma outra forma de empirismo conhecido pelo nome de sensualismo. Um novo elemento, na semiótica dessa época, foi atentativa de interpretação genética do processo da semiose. Osensualista Etienne Bonnot de Condillac (1715-1780), por exemplo, foi o autor de Essai sur L'origine des connaissances humaines, obra em que descreve a semiose como um processo genético que começa em níveis primitivos e chega até níveis mais complexos. O mais primitivo deles, o ponto de partida para o conhecimento, é a sensação, a experiência sensual imediata; os níveis seguintes, pela ordem, são percepção, consciência, atenção, reminiscência, imaginação, interpretação, memória e reflexão. Ofundamento básico dessa interpretação psicogenética da cognição está na convicção de que "o uso dos signos é o princípio que revela a fonte de todas as nossas idéias" (Condillac, 1746: introd.). Condillac distinguiu também três categorias de signos: a) signos causais, que estabelecem conexões entre objetos e algumas de nossas idéias por meio de circunstâncias particulares; b) signos naturais, signos que "a natureza estabeleceu" para expressarmos sentimentos como o medo, a alegria, a dor etc.; e c) signos por instituição, aqueles "que escolhemos e que só têm uma relação arbitrária com as nossas idéias". Na gênese da cognição, considerando a escala que vai das sensações às reflexões, o signo só aparece ao nível da reminiscência. É apenas nesse estágio que começam a surgir os signos casuais (ou acidentais) e naturais. Antes de se chegar à reminiscência, a cognição se processa pré-semioticamente. Tal divisão é uma das primeiras HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 49 tentativas de se estabelecer, na história da semiótica, o limiar dos signos, como reconhecerá U. Eco, mais tarde, no âmbito das pesquisas de uma semiótica genética. A divisão entre signos naturais e institucionais constituirá, também, o limiar entre a semiótica animal ea semiose humana. Além dessas questões, a semiótica sensualista discutiu, sobretudo, a origem da língua e as fases do seu desenvolvimento. Diderot: a comunicação não-verbal e estética Nos estudos genéticos da semiose humana surgiram também idéias sobre a diferença entre a comunicação verbal e não-verbal. O enciclopedista Diderot (1713-1784) tratou desse assunto nas suas obras Lettres sur /es aveug/es (1749) e Lettre sur /es sourds et muets (1751). As idéias que desenvolveu foram revolucionárias se comparadas com aquelas desenvolvidas pelo racionalismo cartesiano. Diderot afirmou que a linguagem dos gestos não é só mais expressiva como também mais lógica que a linguagem verbal. A razão desse argumento surpreendente prende-se à linearidade temporal dos fonemas na expressão verbal, que acarreta uma estrutura unidimensional. Já a linguagem dos gestos é tridimensional, como a realidade do mundo. Diderot conduiu que arepresentação tridimensional corresponde necessariamente mais à realidade do que as demais representações unidimensionais, como a linguagem. Portanto, podemos concluir que, para Diderot, a linguagem provoca uma distorção da realidade. O argumento da superioridade da comunicação não-verbal insere-se numa teoria semiótica mais geral desenvolvida no âmbito da estética do século XVIII: a teoria da mimese, da representação por signos icônicos, mais próximos ao mundo representado . Argumentava-se, nessa época, que os signos icônicos e os signos naturais são meios de representação semiótica e esteticamente 50 PAf\ORAMADASEMIÓTICA superiores aos signos arbitrários. Assim, o mais icônico e natural dos signos étambém o mais belo. Oteórico semiótica da estética G. E. Lessing (1729-1781 ), por exemplo, concluiu , a partir desse argumento, que o teatro é a forma mais estética de todas as artes por ser mais icónico que a poesia e a pintura. A semiótica genética dos ideólogos Outras idéias semióticas do século das luzes vieram de um grupo de filósofos da época da Revolução Francesa chamado os ideólogos. Oprograma desses filósofos, porém, não foi nada ideológico, no sentido que hoje atribuímos a esse termo. Ideologia, para eles, era "o estudo das origens das idéias", constituindo uma ciência sem preconceitos metafísicos e religiosos. Em 1795,o Instituto Nacional da França promoveu um concurso entre os intelectuais da época sobre o tema A influência dos signos na faculdade de pensar. Oideólogo Marie-Josef Degérando (17721842) foi premiado com o seu tratado Des signes et de l'art de penser. Nessa obra, Degérando desenvolveu asemiótica sensualista propondo um modelo semiogenético que distingue dois limiares semi óticos entre três níveis no processo da semiose. No nível mais baixo aparecem apenas as sensações, que ainda não são reconhecidas como signos mas como condição prévia à existência das representações. O limiar entre as sensações, que ainda não são signos eaquelas que pertencem ao primeiro nível dos signos, corresponde a um estado de conexão da sensação com a idéia. Um signo é, portanto, "qualquer sensação que acarreta uma idéia em nós, por causa da associação que existe entre elas" (Degérando, 1800: 1, 63). Há signos em dois níveis de semiose: signos prelingüísticos esignos lingüísticos. Na passagem do primeiro para o segundo, estão os signos indicativos e naturais. Assim, o cheiro de uma rosa (pura sensação) evoca a idéia de sua cor ede sua forma. Degérando afirmava HISTÓFllA DA SEMIÓTICA 51 que os signos nesse nível ainda não são capazes de comunicar e usa a metáfora dos "signos mudos" para deixar claro que tais signos são causados por fatores externos. A diferença entre os níveis está no fato de que os signos prelingüísticos e naturais chamam nossa atenção para eles mesmos quando evocam idéias, ao passo que os signos lingüísticos desviam nossa atenção para as idéias que evocam. Tal referência à atenção para osigno contém os rudimentos de uma distinção mais profundamente elaborada pela teoria fenomenológica dos signos de Husserl que, posteriormente, influenciaria Jakobson easemiótica de Praga no século XX. Semiótica do Iluminismo alemão A semiótica do iluminismo alemão começou com a teoria dos signos de Christian Wolff (1679-1754), elaborada num capítulo denominado De Signo, parte de sua obra Philosophia prima, de 1720. Sua definição e tipologia do signo, entretanto, têm mais ligação com o passado do que com o futuro da semiótica. Na obra de Johann Hein rich Lambert (1728-1777), au1or do primeiro tratado da teoria geral do signo intitulado Semiótica (1746), encontramos também um esclarecimento sobre as fronteiras entre o pré-semiótico e o semiótico: abaixo desse limiar há sensações que não podem ser repetidas voluntariamente; acima, há produção de signos com cognição simbólica, único estágio que permite a reiteração das sensações necessárias para atingir clareza na cognição.Sem a reiteração, as sensações ficam irremediavelmente obscuras e indistintas. Esse é um tema típico da semiótica do iluminismo: o papel dos signos na clarificação das idéias obscuras. Para resolver a questão, Lambert indicou a cognição simbólica como "instrumento indispensável do pensamento". Na sua investigação semiótica, Lambert distinguia quatro tipos de signos: naturais, arbitrários, meras imitações e representações. 52 P/\l\QRAMADASEMIÓTICA "Representações", para ele, são signos que representam por variados graus de similitude ou, como diríamos hoje, "iconicidade". Nas várias línguas,signos arbitrários enaturais fundem-se com mais uma categoria semiótica, que Lambert denominou "signos necessários". Lambert explorou nada menos do que 19 sistemas sígnicos: de notas musicais, gestos, hieróglifos até signos químicos, astrológicos, heráldicos, sociais e naturais. Os critérios de investigação usados por ele são a arbitrariedade, a motivação, a necessidade, a sistematicidade e a autenticidade dos signos. Sob essas diretrizes, os sistemas sígnicos alcançam graus diferenciados de aproximação à realidade. O grau mais alto coincide com os signos científicos, que não só representam conceitos, mas também indicam relações de tamanha afinidade a ponto de assegurar que "ateoria das coisas e a teoria dos signos são permutáveis". Com base nessa idéia otimista de homologia entre signos científicos e coisas está o ideal perseguido por Leibniz e outros pensadores desde oséculo precedente:apossibilidade de uma linguagem científica e universal, pela representação isomórfica das coisas do mundo. No desenvolvimento desse ideal, Lambert postulou que os signos científicos deveriam estar fundamentados numa teoria semiótica sem signos arbitrários, pois os signos são mais perfeitos na medida em que contêm sinais de seu próprio sentido. Aarbitrariedade deveria, pois, ser banida de uma linguagem científica universal ou os signos arbitrários deveriam ser aproximados aos naturais e necessários. Ciência e arte Nesse ponto, a época iluminista da semiótica nos leva a uma constatação surpreendente: a iconicidade- a correspondência entre signo e mundo- era o critério semiótica principal para duas formas de expressão cultural tantas vezes consideradas contrárias, a ciência e a arte. Em ambos os setores os iluministas viram a possibilidade de se atingirem níveis mais altos de perfeição por meio de signos que HISTÓRIA DA SEMIÓTICA 53 representem coisas por aproximação icônica. Esse ponto de vista aproxima arte e ciência como irmãs gêmeas. Para concluir a apresentação da semiótica iluminista, não se pode deixar de fazer uma referência ao filósofo alemão Gottfried Herder (17 44-1803), que explicitamente enfatizou as afinidades entre poesia e linguagem científica ideal. Numa passagem de 1768, Herder esboçou uma visão do futuro da semiótica que faz pressentir o período romântico eque é, em si mesma, um exemplo da aplicação da linguagem poética ao discurso científico, sem demandar mais comentários: Existe um simbolismo comum para toda a humanidade - um grande tesouro no qual o conhecimento que pertence a toda a humanidade está guardado. A maneira autêntica de falar, da qual ainda não tenho conhecimento, é a chave para esse tesouro escondido. Quando a chave for conhecida, vai abrir o tesouro e trazer luzes para dentro dele, mostrando-nos, assim, os seus valores . Isto seria a semiótica que, agora, só podemos entender nos registros de nossas enciclopédias filosóficas: o deciframento da alma humana através da linguagem (Herder, 1768: 13). SEMIÓTICA NO SÉCULO XIX Os poucos apontamentos de que dispomos sobre asemiótica do século XIX começam com a idade do romantismo (ca. 1790-1830). Símbolo e imagem são as noções centrais da semiótica desse período. Na área do idealismo filosófico, J. G. Fichte (1762-1814), por exemplo, revelou a importância das imagens na cognição e defendeu a tese neoplatônica de que "o sistema de conhecimentos é necessariamente um sistema de meras imagens sem nenhuma realidade, significação e finalidade" (cf. Oehler, 1981: 78). Outro retomo ao passado da semiótica pode ser encontrado na visão de mundo do poeta Novalis (1 n2-1801 ). Novalis,que descreveu a teoria dos signos como "assunto central de uma filosofia autêntica", faz lembrar a doutrina renascentista das "assinaturas das coisas" quando afirma que "ouniverso fala" que 'todas as coisas são mutuamente sintomasumasdasoutras"(cf. Haller, 1959: 136). Dentre os grandes filósofos do século XIX, G. W. F. Hegel (1n0-1831) foi um dos que definiram as fronteiras semióticas introduzindo distinções entre signos e símbolos: por baixo do limiar hegeliano do signo temos meras percepções, "a matéria dos quais é imediatamente 56 PANORAMA DA SEMIÓTICA presente (como a cor do cocar)" (1830: § 458). Hegel acreditava que, como uso de signos, a percepção não é "avaliada positivamente e por si mesma, mas como a representação de outra coisa". O signo é, portanto, "uma percepção imediata que representa um conteúdo bem diferente daquele que tem em si mesmo" (ibidem) . Hegel (1830: § 458) distinguiu símbolos de (outros) signos segundo o critério da arbitrariedade: o símbolo é"uma percepção que, pela sua natureza própria, é mais ou menos o conteúdo que manifesta". Nos demais signos, pelo contrário, o conteúdo perceptivo e o conteúdo do significado não têm nenhuma relação. Em contraposição à semiótica iluminista, Hegel considerava os signos arbitrários como mais idôneos à comunicação. Com tais signos, diferentemente dos símbolos, diz Hegel, a inteligência é mais leve e tem melhor controle no uso e na percepção. Dos demais protagonistas da semiótica do século XIX, mencionaremos brevemente Humboldt, Bolzano e Lady Welby. Wilhelm von Humboldt (1767-1835) é figura central para a semiótica da linguagem. O princípio da relatividade lingüística - mais tarde radicalizado por B. L. Whorf- que mostra a influência das diferenças estruturais entre as várias línguas do mundo sobre a cognição humana é uma das idéias que provém de Humboldt. Outras são a diferença entre substância eforma e a diferença entre o sistema e os processos dinâmicos do uso (érgon e enérgeía) da linguagem. Bernard Bolzano (1781-1848) continuou atradição da semiótica propriamente dita num grande tratado sobre a doutrina dos signos, obra de 1837. Nela encontramos, por exemplo, uma investigação sobre o"aperfeiçoamento ou a utilidade dos signos" na qual são relacionadas nove vantagens do uso dos signos na descoberta da verdade e 13 regras para o uso e a invenção de signos. Entre as idéias semióticas de Bolzano, que nos parecem arcaicas do ponto de vista da semiótica moderna, destacam-se duas teses: 1) é possível pensar sem signos; e 2) existem signos em si mesmos, independentemente de sua atualização. HISTÓRIADASEMIÓTJCA 57 Lady Victoria Welby {1837-1912) é conhecida pela sua correspondência com Charles S. Peirce e pelos livros What is meaning (1903) e Significs and /anguage (1911 ). A ciência do significado e da comunicação-que ela denominou significs-deixou certa influência no famoso livro The Meaning of Meaning {1923), de C. K. Ogden e 1. A. Richards, e continuou a exercer grande influência até meados do século XX num movimento semiótica dos Países Baixos que se chamou Significs. Charles S. Peirce, porém, o correspondente de Lady Welby e maior figura da semiótica dessa época, merece ser estudado em capítulo à parte neste panorama da semiótica. 111 A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE Charles Sanders Peirce (1839-1914)-cujo nome se pronuncia como a palavra inglesa purse e não como pierce - é, sem dúvida, o mais importante dos fundadores da moderna semiótica geral. De sua imensa obra -que percorre todas as áreas da filosofia e, além disso, quase todas as ciências do seu tempo- trataremos, nesse panorama histórico, apenas de introduzir três assuntos de interesse especial para o estudo da semiótica geral e aplicada: a sua visão semiótica universal do mundo, sua definição e sua classificação dos signos. VISÃO PANSEMIÓTICA DO MUNDO Oponto de partida da teoria peirceana dos signos éo axioma de que as cognições, as idéias e até o homem são essencialmente entidades semióticas. Como um signo, uma idéia também se refere aoutras idéias eobjetos do mundo. Assim, tudo sobre oque refletimos tem um passado (Peirce, Collected Papers, 5.253). 16 Mas Peirce foi mais longe ao concluir que "ofato de que toda idéia é um signo junto ao fato de que a vida é uma série de idéias prova que ohomem éum signo'' (CP, 5.314). Essa interpretação semiótica do homem e da cognição tem uma dimensão presente, passada e futura: O homem denota qualquer objeto de sua atenção num momento dado . Conota o que conhece ou sente sobre o objeto e é também a encarnação desta forma ou espécie inteligível; 16. Os números, nas citações extraídas do Co/lected Papers - CP, referem-se, respectivamente, aos volumes e aos parágrafos. 62 PANORAMA DA SEMIÓTICA o seu interpretante é a memória futura dessa cognição, o seu "eu" futuro ou uma outra pessoa à qual se dirige, ou uma frase que escreve, ou um filho que tem (CP, 7.591). Peirce tem, portanto, uma visão pansemiótica do universo. Na sua interpretação, signos não são uma classe de fenômenos ao lado de outros objetos não-semióticos. Ao contrário, "o mundo inteiro está permeado de signos, se é que ele não se componha exclusivamente de signos" (CP, 5.448). A semiótica derivada de tal visão do signo se reveste de um caráter universal que Peirce (1977: 85), numa correspondência famosa com Lady Welby (23.12.1908), assim descreveu: Nunca esteve em meus poderes estudar qualquer coisa - matemática, ética, metafísica, gravitação, astronomia, psicologia, fonética, economia, a história da ciência, jogo de cartas, homens e mulheres, vinho, metrologia - exceto como um estudo de semiótica. As TRÊS CATEGORIAS UNIVERSAIS Filósofos desde Aristóteles têm perseguido o projeto ambicioso de encontrar um número limttado de categorias que servisse de modelo capaz de conter a multiplicidade dos fenômenos do mundo. Espaço e tempo, por exemplo, são dois tipos de fenômenos que foram considerados como categorias por serem irredutíveis aoutros fenômenos na nossa experiência. Aristóteles conseguiu classificar dez categorias; Kant elaborou 12, todas com base no seu sistema filosófico. Numa redução radical das listas categóricas do passado, Peirce desenvolveu uma fenomenologia de apenas três categorias universais que chamou de Fírstness, Secondness e Thirdness, traduzidas por primeiridade, secundidade eterceiridade. Primeiridade é a categoria do sentimento imediato e presente das coisas, sem nenhuma relação com outros fenômenos do mundo. Na definição de Peirce, "primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem referência a outra coisa qualquer'' (CP, 8.328). É a categoria do sentimento sem reflexão, da mera possibilidade, da liberdade, do imediato, da qualidade ainda não distinguida e da independência (CP, 1.302-303, 1.328, 1.531 ). 64 PANORAMA DA SEMIÓTICA Secundidade começa quando um fenômeno primeiro é relacionado a um segundo fenômeno qualquer (CP, 1.356-359). Éa categoria da comparação, da ação, do fato,da realidade eda experiência no tempo e no espaço: "Ela nos aparece em fatos tais como o outro, a relação, compulsão, efeito, dependência, independência, negação, ocorrência, realidade, resultado". Terceiridade é acategoria que relaciona um fenômeno segundo a um terceiro (CP, 1.337/ss): "É a categoria da mediação, do hábito, da memória, da continuidade, da síntese, da comunicação, da representação, da semiose e dos signos". A base do signo é, portanto, uma relação triádica entre três elementos, dos quais um deve ser ofenômeno da primeiridade, outro de secundidade e o último de terceiridade. Quais são esses três constituintes no signo e na semiose? SIGNO, SEMIOSE E SEMIÓTICA Peirce aplicava terminologia idiossincrática nos seus estudos do signo. Numa fase pré-terminológica, referiu-se aos três constituintes do signo simplesmente como signo, coisa significada e cognição produzida na mente (CP, 1.372). Na terminologia que adotou mais tarde, o representamen é o primeiro que se relaciona a um segundo, · denominado objeto, capaz de determinar um terceiro, chamado interpretante: Um signo ou representamen, é tudo aquilo que, sob um certo aspecto ou medida, está para alguém em lugar de algo. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido. Chamo este signo que ele cria o interpretante do primeiro signo. O signo está no lugar de algo, seu objeto. Está no lugar desse objeto, porém, não em todos os seus aspectos, mas apenas com referência a uma espécie de idéia (CP, 2.228). 66 PANORAMA DA SEMIÓTICA O relacionamento do signo com os seus três componentes é assunto de relevância central nessa definição. O signo não é uma classe de objetos, mas afunção de um objeto no processo da semiose. O signo, portanto, tem sua existência na mente do receptor e não no mundo exterior: "Nada ésigno se não é interpretado como signo" (CP, 2.308). Ainterpretação de um signo é, assim, um processo dinâmico na mente do receptor. Peirce (CP, 5.472) introduziu otermo semiose para caracterizar tal processo, referido como "aação do signo". Também conceituou semiose como "o processo no qual o signo tem um efeito cognitivo sobre o intérprete" (CP, 5.484). Por isso, para definir a semiótica peirceana é preciso dizer que não é bem o signo, mas é a semiose que é seu objeto de estudo. Numa de suas definições, Peirce diz que "semiótica é a doutrina da natureza essencial e variedades fundamentais de semiose possível" (CP, 5.488). Otermo semiose foi por ele adaptado de um tratado do filósofo epicurista Filodemo. Em outra definição, onde usou a palavra grega, ele dizia: "semeiosis significa a ação de quase qualquer signo, e a minha definição dá o nome de signo a qualquer coisa que assim age" (CP, 5.484). O representamen do signo Representamen éo nome peirceano do "objeto perceptível" (CP, 2.230) que serve como signo para o receptor. Outros semioticistas têm-se referido a esse correlato do signo com termos distintos, tais como símbolo (Ogden & Richards), veículo do signo (Morris), significante (Saussure) ou expressão (Hjelmslev). Para os estóicos era o semaínon do signo. Notamos, porém, que na terminologia semiótica há uma grande confusão entre esse correlato como um dos componentes do signo e o signo mesmo na sua totalidade, seja triádica ou diádica. A distinção A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 67 terminológica entre essas duas perspectivas parciais ou totais do signo é muitas vezes descuidada, a ponto de alguns autores usarem otenno signo no sentido do representamen peirceano e, outras vezes, no sentido do signo na sua totalidade. Peirce mesmo não foi sempre conseqüente ao observar essa diferença. Na definição citada mais acima ele se refere ao "signo ou representamen" sem distingui-los. Voltemos , porém, à definição deste "objeto perceptível" chamado representamen. Ele é, segundo Peirce afirmava, "o veículo que traz para a mente algo de tora''. É, assim, o signo considerado do ponto de vista "da sua própria natureza material" ou "como é em si mesmo". O objeto Segundo correlato do signo, o objeto corresponde ao referente, à coisa (prágma) ou ao denotatum em outros modelos do signo, numa correspondência que é só aproximativa. Objetos reais e mentais Conforme Peirce, o objeto pode ser "uma coisa material do mundo", do qual temos um "conhecimento perceptivo" (CP, 2.230), mas também pode ser uma entidade meramente mental ou imaginária "da natureza de um signo ou pensamento" (CP, 1.538). Peirce até distingue uma terceira possibilidade do "ser' do objeto,além do perceptível e do imaginável: algo que é "inimaginável num certo sentido". Uma ilustração desse terceiro modo de ser do objeto é a seguinte: A palavra "estrela '', que é um signo, não é imaginável, dado que não é esta palavra em si mesma que pode ser transposta para o papel ou pronunciada, mas apenas um de seus 68 PANORAMA DA SEMIÓTICA aspectos, e sendo a mesma palavra quando escrita e quando pronunciada, no entanto é uma palavra específica quando significa "astro com luz própria ", outra totalmente distinta quando significa "artista célebre" e uma terceira quando se refere à "sorte" (CP, 2.230). Oobjeto pode ser "uma coisa singular existente" (CP, 2.232) ou uma classe de coisas: O signo pode apenas representar o objeto e falar sobre ele; não pode proporcionar familiaridade ou reconhecimento desse objeto [... ] O objeto do signo pressupõe uma familiaridade a fim de veicular alguma informação ulterior sobre ele (CP, 2.331). Objeto imediato e objeto dinâmico Peirce reconheceu duas espécies de objeto: o objeto imediato e o objeto mediato, real ou dinâmico. Oobjeto imediato é o"objeto dentro do signo", o objeto "como o signo mesmo o representa e cujo ser depende, portanto, da representação dele no signo" (CP, 4.536). É, dessa forma, uma representação mental de um objeto, quer exista ou não o objeto. Oobjeto mediato, real ou dinâmico é "o objeto fora do signo"; é"a realidade que, de uma certa maneira, realiza a atribuição do signo à sua representação" (CP, 4.536). Esse segmento da realidade,também chamado objeto real, é mediato e dinâmico porque só pode ser indicado no processo da semiose. O objeto dinâmico é, portanto, "aquilo que, pela natureza das coisas, o signo não pode exprimir e só pode indicar, deixando para o intérprete descobri-lo por experiência colateral" (CP, 8.314). Tal definição parece estar baseada num realismo ontológico, A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 69 mas, de fato, a filosofia semiótica de Peirce ultrapassou a dicotomia entre o realismo e o idealismo. Num outro contexto, Peirce exprimia dúvidas sobre a realidade ontológica do objeto dinâmico, que também chamava objeto real, dizendo: ''Talvez oobjeto seja inteiramente fictício" (CP, 8.314). Objeto e auto-referência Como o objeto é algo "que o signo representa", deveria ser, pois, uma entidade diferente daquela que o representa, ou seja, o representamen. Existe, porém, o caso excepcional de um signo que se refere a si mesmo (CP, 2.230). Hoje a semiótica discute tais signos sob o nome de signos auto-referenciais. Em tais signos,o representamen e o objeto são a mesma entidade. O caso contrário caracteriza os signos que se referem aum objeto diferente do representamen - também denominados signos alo-referenciais. Peirce fornece dois exemplos, um sobre a representação teatral e outro sobre a cartografia: Assim, nada impede que um ator que represente uma personagem num drama histórico ostente relíquias que deveriam ser apenas representadas, tais como o crucifixo que Richelieu ergue com tal efeito em sua rebeldia. Num mapa de uma ilha colocado sobre o chão dessa mesma ilha deve haver, em condições normais, alguma posição, algum ponto assinalado ou não que representa idêntica posição no mapa, o mesmíssimo ponto qua posição na ilha (CP, 2.230). Os exemplos peirceanos de auto-referência parecem bem excepcionais. Mas é na Semiótica da Cultura que o princípio de autoreferencialidade tem mais relevo geral do que parece. No teatro do 70 PANORAMA DA SEMIÓTICA modernismo, as revoluções estéticas do Living Theater e Happening 17 nos anos 60 e70 - com a sua mistura programática da representação teatral ou ficcional , com uma nova forma de "presentação" imediata, espontânea e"rear', para quebrar os códigos da tradição representacional - demonstra um aumento de auto-referencial idade num contexto de alo-referencialidade. Ébom lembrar que a idéia do signo auto-referencial está no centro de uma tradição da estética que, desde Santo Agostinho e Kant, reclamava o signo estético como referente de si mesmo. No que concerne à cartografia, é interessante notar que a idéia da auto-referencialidade nos signos cartográficos foi desenvolvida de uma maneira de um lado mais radical e, do outro, menos sériapor um contemporâneo de Peirce e docente de lógica em Oxford, Charles Dodgson, autor do famoso Alice in wonderland, escrito sob o pseudônimo de Lewis Carrol!. No capítulo 11 do seu romance Sylvie and Bruno Concluded, Carroll retratou um professor alemão de geografia que tinha a idéia de desenvolver um mapa de uma ilha que deveria ser uma representação ponto aponto do território. Adesvantagem de um tal mapa completamente auto-referencial foi logo percebida pelos lavradores, pois o mapa ideal cobriria todas as suas terras e assim impossibilitaria que a luz chegasse às plantas, matando-as. Revoltados, os lavradores resolveram usar a terra mesma como um mapa de si mesma. Em vez da auto-referencialidade num só ponto como no mapa de Peirce - os mapas de Carroll exemplificariam a auto-referencial idade levada ao extremo, em todos os pontos. Depois de Peirce e Carroll, o tema da auto-referencialidade cartográfica foi também resumido no quadro da semântica geral de A. Korzybski, autor de Science and sanity (1933). Num dos seus princípios semânticos-que chamava oprincípio de auto-referencial idade (se/f reflexivity) - disse: "O mapa ideal contém o mapa do mapa 17. Cf. Winfried Nõth, Strukturen des Happenings, Hildesheim, New York, Olms, 1972. A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 71 etc.". Korzybski afirmou este princípio para demonstrar a necessidade de distinção entre sistemas semióticos e metassemióticos. Para concluir esta digressão sobre signos que têm seus objetos em si mesmos, vale lembrar a discussão prévia sobre o construtivismo radical (p. 40) e seu princípio da auto-poiesis, que também implica uma forma de auto-referencialidade. Otema poderia ser, inclusive, estendido à crítica da sociedade consumista do pós-estruturalismo à Baudrillard (p. ex, 1976), onde também encontramos a idéia de autoreferencialidade incrustada na sociedade pós-industrial do Primeiro Mundo, cujos valores não possuem justificativas fora de si, mas reproduzem-se e criam-se permanentemente segundo as estruturas do sistema cultural que os gera. O interpretante e a semiose limitada O terceiro correlato do signo, que Peirce denominou interpretante, éasignificação do signo. Algumas vezes Peirce também fala de significance (CP, 8.179) , significado, ou interpretação (CP, 8.184) do signo. Definição do interpretante Peirce deu uma definição pragmática da significação quando definiu o interpretante como o "próprio resultado significante", ou seja, "efeito do signo" (CP, 5.474-475), podendo também ser "algo criado na mente do intérprete" (CP, 8.179). Em conformidade com sua teoria de que as idéias são signos e com a sua visão da interpretação como processo de semiose, também definiu o interpretante como signo: Um signo dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Chamo o 72 PANORAMA DA SEMIÓTICA signo assim criado o interpretante do primeiro signo(CP, 2.228). Semiose ilimitada Como cada signo cria um interpretante que, por sua vez, é representamen de um novo signo, a semiose resulta numa "série de interpretantes sucessivos", ad infinitum (CP, 2.303, 2.92). Não há nenhum "primeiro" nem um "último" signo neste processo de semiose ilimitada. Nem por isso, entretanto, a idéia de semiose infinita implica um círculo vicioso. Ao contrário, refere-se à idéia muito moderna de que "pensar sempre procede na forma de um diálogo- um diálogo entre várias fases do ego-de maneira que, sendo dialógico, se compõe essencialmente de signos" (CP, 4.6). Como "cada pensamento tem de dirigir-se a um outro" (CP, 5.253), o processo contínuo de semiose (ou pensamento) só pode ser "interrompido, mas nunca realmente finalizado" (CP, 5.284). Na vida cotidiana, devido às exigências práticas, as séries de idéias não continuam, de fato, ad infinitum, mas tecnicamente a seqüência da semiose é sempre possível. Digressão: a idéia da circularidade hermenêutica Aidéia da semiose ilimitada que ocorre na fonna de um diálogo pennanente assemelha-se, sob certos aspectos, a uma circularidade hermenêutica no processo dialógico entre o eu e o outro: o eu se torna outro e o novo outro, por sua vez, se torna eu novamente, e assim por diante. Além disso, o nosso repertório de signos - ao menos ao nível do vocabulário-é limitado e, por isso, temos que, no processo da semiose verbal, recorrer a signos anterionnente empregados. Na hermenêutica - ateoria da interpretação de textos-, a idéia de uma circularidade semiótica foi desenvolvida no âmbito do modelo clássico do círculo hennenêulico por Wilhelm Dilthey, em 1900. A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 73 A tese central de Dilthey dizia que, no processo da leitura de um texto, o sentido global nunca se desenvolve simplesmente a partir da compreensão seqüencial de elementos que já tenham um sentido precedente ao texto ou que existam independentemente dele. Em verdade, as palavras-os elementos do texto-formam os seus sentidos antes da leitura de certas idéias, às vezes com base em preconceitos que já temos acerca do sentido global do texto. O efeito desse processo na inferência do global sobre o elementar pode ser depreendido da relação entre um texto e o seu título: com atroca do título, a interpretação das palavras pode mudar de forma surpreendente. Na arte e na poesia de vanguarda do século XX, tal efeito tem sido usado para criar a estética de estranhamento. Numa antologia de poesias dos anos 60 intitulada Found poems,1 por exemplo, o autor inclui uma receita culinária, em cuja leitura, num novo contexto, o leitor e amante de poesia descobre estruturas muito diferentes daquelas que o cozinheiro encontra. Desaparece, pois, o sentido instrutivo e aparecem versos, ritmos, rimas e paralelismos (cf. Nõth, 1986). Mais recentemente, Stanley Fish (1980), no seu artigo Is there a text in this ctass, ilustrou de outra forma esse processo. Num fragmento de um texto acadêmico apresentado aos seus alunos de poética, sem mais referências ao contexto original, só foi possível descobrir estruturas poéticas. Os alunos consideraram o texto como um poema bem feito. Oprocesso de interpretação textual não é, portanto, um processo que começa com signos autônomos e sentidos independentes ª para seguir até o mais alto nível do sentido global. Osentido elementar já contém traços do sentido global. Porém aí aparece a circularidade, uma vez que o sentido global também não pode existir sem os sentidos elementares. 18. Bem Porter, Found poems, New York, Something Else Press, 1972. 74 PANORAMA DA SEM IÓTICA Qual é, então, a relação entre a idéia peirceana de semiose ilimitada eo círculo hermenêutico? Acircularidade hermenêutica entre o global eo elementar é um caso especial do processo dialógico que Peirce descreveu. A categoria peirceana também se refere a munas outras formas de conexões entre idéias estabelecidas durante o processo da semiose. Mais perto da circularidade hermenêutica está outra teoria desenvolvida por Peirce: ateoria da abdução, o método de interpretar dados elementares por meio de hipóteses preliminares sobre leis que possam determiná-los. Os três interpretantes De acordo com o eferto do signo sobre a mente do intérprete e em conformidade com o seu sistema triádico, Peirce chegou a três classes maiores de interpretantes. A primeira categoria - o interpretante imediato - corresponde à "qualidade da impressão que um signo é capaz de produzir, sem uma reação atual" (CP, 8.315). Conforme sua definição de primeiridade, Peirce apresentou esse interpretante imediato como uma potencialidade do signo: É o efeito inanalisado total que se calcula que um signo produzirá ou naturalmente poderia se esperar que produzisse, o efeito que o signo produz primeiro ou pode produzir sobre uma mente, sem nenhuma reflexão sobre ele mesmo. O interpretante imediato é, desse modo, a "interpretabilidade peculiar" do signo "antes que ele chegue a um intérprete". Asegunda categoria - o interpretante dinâmico - corresponde ao "eferto direto realmente produzido por um signo sobre um intérprete, aquilo que é experimentado em cada ato de interpretação t:l édiferente, em cada ato, do efeito que qualquer outro poderia produzir". A SEMI ÓT ICA UNIVERSAL DE PEIRCE 75 A terceira categoria- o interpretante final - está ligada à categoria do hábito e da lei: É aquilo que seria finalmente decidido se a interpretação verdadeira e se a consideração do assunto fosse continuada até que uma opinião definitiva resultasse[. .. ] aquele resultado interpretativo ao qual cada intérprete está destinado a chegar se o signo for suficientemente considerado (CP, 8.184). O estudo das significações dos lexicógrafos seria, pois, o estudo de interpretantes finais. A CLASSIFICAÇÃO PEIRCEANA DOS SIGNOS Peirce desenvolveu uma tipologia elaborada de signos com base em uma classificação do representamen, objeto e interpretante, cada uma em três classes denominadas tricotomias. Considerando as possibilidades de combinar primeiridade, secundidade eterceiridade, chegou a um sistema de dez classes principais de signos. Primeira tricotomia Do ponto de vista do representamen, Peirce dividiu os signos com base nas três categorias fundamentais, segundo as quais "o signo em si mesmo será uma mera qualidade, um existente concreto ou uma lei geral" (CP, 2.243). Na categoria da primeiridade, temos o quali-signo: O quali-signo é uma qualidade que é um signo. Não pode, em verdade, atuar como um signo, enquanto não se corporificar (CP, 2.244). A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 77 Tão logo um signo se corporifica, passa a pertencer à classe da secundidade, do "existente concreto". Os signos desta classe são denominados sin-signos, por serem "signos singulares". Outro nome para os signos desta categoria é token. Orepresentamen de um sinsigno é"uma coisa ou evento que existe atualmente" como um "signo singular" (CP, 2.245). Na terceira classe dos signos considerados do ponto de vista do representamen e fundamentados nas leis gerais, temos os legisignos: Um legi-signo é uma lei que é um signo [... ] Todo signo convencional é um legi-signo. Não é um objeto singular, mas um tipo geral sobre o qual há uma concordância de que seja significante (CP, 2.246). Assim, cada palavra de uma língua é um legi-signo, mas, quando articulada numa frase particular, pode também aparecer como sin-signo. Peirce entende tais sin-signos, que são ocorrências de legisignos, como "réplicas": Todo legi-signo significa através de um caso de sua aplicação, que pode ser denominado réplica do legi-signo. Assim, a palavra "o", normalmente, aparecerá de quinze a vinte cinco vezes numa página. Em todas essas ocorrências, uma e a mesma palavra é o mesmo legi-signo; cada uma das suas ocorrências singulares é uma réplica. A réplica é um sin-signo (CP, 2.246). Na lingüística, sobretudo na lingüística estatística, a distinção entre legi-signo e réplica tem sido geralmente adotada, mas os termos comuns nessa área são type (em vez de legi-signo) e token (no lugar de réplica). 78 PANORAMA DA SEMIÓTICA Segunda tricotomia Baseada na categoria fundamental da secundidade, a segunda tricotomia descreve os signos sob o ponto de vista das relações entre representamen e objeto. Peirce considera esta tricotomia como "a divisão mais importante dos signos" (CP, 2.275). Os três elementos que a compõem são determinados conforme as três categorias fundamentais. São eles, o ícone, o índice e o símbolo. O ícone O ícone participa da primeiridade por ser "um signo cuja qualidade significante provém meramente da sua qualidade" (CP, 2.92). Conforme tal definição, o ícone é, ao mesmo tempo, um quali-signo. Porém um quali-signo icônico - também denominado ícone puro (CP, 2.276, 2.92)- que participa apenas da categoria da primeiridade é só uma possibilidade hipotética da existência de um signo, pois o signo genuíno participa necessariamente das categorias da secundidade (qua objeto) e da terceiridade (qua interpretante). Um ícone puro seria, portanto, um signo não comunicável , porque "o ícone puro é independente de qualquer finalidade, seNe sã e simplesmente como signo pelo fato de ter a qualidade que o faz significar". Assim entendido, o ícone puro não pode verdadeiramente existir; pode, no máximo, constituir "um fragmento de um signo mais completo''. Um pequeno exemplo dado por Peirce fornece elementos para que possamos entender melhor como se dá, num fenômeno semiótica, a aproximação ao ícone puro: Ao contemplar uma pintura, há um momento em que perdemos a consciência do fato de que ela não é a coisa. A distinção do real e da cópia desaparece e por alguns momentos é puro sonho; não é qualquer existência particular A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 79 e ainda não é existência geral. Nesse momento, estamos contemplando um ícone (CP, 3.362). Como tais fenômenos de iconicidade reduzida à primeiridade não ocorrem na realidade semiótica cotidiana -onde os signos genuínos participam sempre da primeiridade- Peirce também define a idéia de um ícone puro como sendo um caso de "degeneração semiótica". Um ícone puro seria, pois, um signo degenerado - não no sentido de uma avaliação pejorativa - mas no sentido de estar restrrto a participar de apenas um constituinte do signo. Após esses comentários sobre a impossibilidade de uma iconicidade pura, temos de chegar à realidade cotidiana dos ícones que são signos genuínos. Em contraposição ao ícone puro, Peirce também se referiu aos ícones que participam na secundidade e na terceiridade, denominando-os hipo-ícones (CP, 2.276). Um hipo-ícone é ou um sin-signo icônico ou um legi-signo icônico. O critério para defini-los é o da similaridade entre representamen e objeto. Peirce fala de um signo que é "semelhante" ao seu objeto (CP, 3.362), mas também se refere a um signo que participa "do caráter do objeto" (CP, 4.531) e, ainda, de um signo "cujas qualidades são semelhantes às do objeto e excitam sensações análogas na mente para a qual é uma semelhança". Os seus exemplos são de retratos, pinturas (CP, 2.92), fotografias (CP, 2.280), metáforas, diagramas, gráficos lógicos (CP, 4.418-420) e até fórmulas algébricas. Muitos desses signos não são semelhantes aos seus objetos, no sentido ordinário da palavra. Por que, por exemplo, as fórmulas algébricas e os diagramas seriam ícones? A chave da iconicidade desses signos reside na noção das correspondências relacionais. Peirce explica: "muitos diagramas não se assemelham de modo algum aos seus objetos quanto à aparência; a semelhança entre eles consiste apenas da relação entre suas partes" (CP, 2.282). 80 PANORAMA DA SEMIÓTICA Prós e contras a iconicidade !conicidade, como vimos, inclui "similaridade" entre relações abstratas e homologias estruturais. Mufos ícones participam, também, de outros modos de semiose: um signo ideográfico, por exemplo, não é só um signo por semelhança, mas também signo por arbitrariedade e convenção- portanto, signo simbólico, para Peirce. Com essa interpretação mais ampla do signo icônico, chegamos a um momento em que é preciso considerar, ainda que brevemente, os argumentos dos críticos do conceito desse tipo de signo. Entre eles, Nelson Goodman e Umberto Eco. Eco (1976: 191-217) considera "ingênua" ateoria dos signos baseados na semelhança com oobjeto. Na interpretação dele, oiconicismo tem sua base nas convenções culturais e"similaridade não diz respeito à relação entre imagem e objeto, mas entre imagem e um conteúdo previamente compactuado pela cultura" (Eco, 1976: 204). Nelson Goodman (1972), no seu ensaio Seven strictures on simi/arity, mantém posição ainda mais radical: na sua interpretação relativista, quase qualquer imagem pode significar qualquer outra coisa. Peirce mesmo antecipou tais argumentos iconoclastas quando explicou que iconicidade não é uma relação de qualquer realidade ontológica entre dois fenômenos do mundo, mas, ao contrário, resulta de uma relação estabelecida no ponto de vista do intérprete do signo icônico: Quaisquer dois objetos na natureza se assemelham e, de fato, neles mesmos, tanto quanto quaisquer outros dois objetos. É só com respeito aos nossos sentidos e necessidades que uma semelhança conta mais que a outra . Semelhança é uma identidade de caracteres. E isto é o mesmo que dizer que a mente reúne as idéias semelhantes numa só noção (CP , 1.365). A SEMIÓTI CA UNIVERSAL DE PEIRCE 81 Imagens, diagramas e metáforas Na análise das formas de iconicidade dos signos, Peirce aplicou novamente as três categorias fundamentais para distinguir três modos de primeiridade com base nos ícones (CP, 2.277). Na primeiridade dos ícones, isto é, na consideração do representamen deles, pode haver, mais uma vez, primeiridade, secundidade eterceiridade. No primeiro caso, o representamen do ícone ésigno por mera qualidade e tem o nome de imagem. Um exemplo é o valor de apresentação da cor em uma pintura. Aarte minimalista deste século inventou as pinturas monocromáticas, um caso típico de ícones do tipo imagem. No segundo caso, o representamen é ícone devido às relações diádicas existentes entre suas próprias partes, como acontece num diagrama.Acategoria, porém, não inclui só os diagramas dos engenheiros, mas qualquer ícone cuja semelhança seja evidenciada nas relações. Há diagramas até mesmo na estrutura interna das frases; uma receita culinária é também um diagrama, na medida em que a seqüência de frases instruindo o cozinheiro corresponde à seqüência das ações a serem executadas. No terceiro caso, o representamen é signo porque mantém relação triádica na forma de paralelismo entre dois elementos constitutivos, paralelismo que se resolve com uma terceira relação. Um ícone dessa categoria éa metáfora. Consideremos, como exemplo, a metáfora "olho do céu", com a qual Shakespeare se refere ao sol. Os três elementos de sua composição são, respectivamente, o sentido literal do órgão da percepção, o sentido metafórico do "sol" eo tertium comparatíonis, o sentido comum à relação dos dois primeiros. Nesse caso, poderíamos ainda relacioná-los com outros atributos, tais como o "redondo" e o "brilhante". Os três tipos de ícone representam três graus de iconicidade decrescente e, também, de degeneração semiótica. Imagens são imediatamente icónicas, mas uma vez que significam sem passar pela secundidade eterceiridade são signos degenerados. Metáforas 82 PANORAMA DA SEMIÓTICA são signos genuínos, mas por se referirem indiretamente ao objeto possuem menor grau de iconicidade. Índices O índice participa da categoria de secundidade porque é um signo que estabelece relações diádicas entre representamen eobjeto. Tais relações têm, principalmente, o caráter de causalidade, espacialidade etemporalidade. Quanto à causalidade, Peirce escreveu que '1oda força física atua entre um par de partículas, de forma que qualquer uma delas pode servir de índice da outra" (CP, 2.300). Por isso, "o índice está fisicamente conectado com seu objeto; fonnam, ambos, um par orgânico. Porém, a mente interpretativa não tem nada a ver com essa conexão, exceto o fato de registrá-la, depois de estabelecida" (CP, 2.299). Entre os exemplos peirceános de índice estão o cata-vento, uma fita métrica, uma fotografia, o ato de bater à porta, um dedo indicador apontando numa direção e um grito de socorro. Índices também existem na linguagem. Nomes próprios e pronomes pessoais são índices porque se referem a indivíduos particulares. Outros pronomes, artigos e preposições são índices verbais porque estabelecem relações entre palavras dentro de um texto. As características do índice ficam mais patentes quando comparamos esses signos aos signos icônicos eaos símbolos. Peirce fez tal comparação: Os índices podem distinguir-se de outros signos ou representações por três traços característicos: primeiro, não têm nenhuma semelhança significante com seus objetos; segundo, referemse a individuais, unidades singulares, coleções singulares de unidades ou a contfnuos singulares; terceiro, dirigem a atenção para os A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 83 seus objetos através de uma compulsão cega [ ... ] Psicologicamente, a ação dos índices depende de uma associação por contigüidade e não de uma associação por semelhança ou por operações intelectuais (CP, 2.306). Símbolos O símbolo é o signo da segunda tricotomia que participa da categoria de terceiridade. A relação entre representamen e objeto é arbitrária edepende de convenções sociais. São, portanto, categorias da terceiridade - como o hábito, a regra, a lei e a memória - que se sttuam na relação entre representamen eobjeto. Na definição peirceana, "um símbolo é um signo que se refere ao objeto que denota, em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais" (CP, 2.449). Cada símbolo é, portanto e ao mesmo tempo, um legi-signo: "Todas as palavras, frases, livros eoutros signos convencionais são símbolos" (CP, 2.292). Outros exemplos de símbolos são o estandarte, uma insígnia, uma senha, um credo religioso, uma entrada de teatro ou um bilhete ou talão qualquer (CP, 2.297). O perspectivismo da classificação peirceana Neste ponto é preciso sublinhar que a tipologia peirceana dos signos não é uma classificação aristotélica, no sentido de que cada signo pertence a uma só classe dessa tipologia. O que Peirce descreve não são classes aristotélicas de signos, mas aspectos de signos. Por isso, um mesmo signo pode ser considerado sob vários aspectos e submetido a diversas classificações . Essa visão perspectivista dos signos é especialmente importante para descrever os signos verbais: cada palavra é, em primeiro lugar, símbolo, pelos 84 PANORAMA DA SEMIÓTICA aspectos da arbitrariedade e do convencionalismo. Atradução para outras línguas nos dá provas disso. Entretanto, algumas palavras são, ao mesmo tempo, índices, uma vez que estabelecem relações diádicas, como no caso, já referido, dos pronomes. Outras palavras, como é o caso das onomatopéias, são símbolos e ícones ao mesmo tempo, por representarem, na pronúncia, o som natural das coisas (p. ex., "murmúrio", "ping-pong" etc.). Os fundamentos indexicais dos símbolos Além dos casos de cruzamento entre signos icônicos, indexicais esimbólicos, nos quais oaspecto icônioo ou indiciai predomina em signos de base simbólica, Pei rce ainda reconheceu outra forma de participação mais substancial dos símbolos nos outros dois tipos da segunda tricotomia. Sua tese éa de que o uso dos signos simbólicos no processo da comunicação também implica sempre o uso indiciai e icônico desses símbolos. Consideremos primeiramente o aspecto indiciai dos símbolos usados na semiose humana. Peirce enfatizou que: Um símbolo [... ] não pode indicar uma coisa particular qualquer; ele denota um tipo de coisa. Não apenas isso, mas ele próprio é um tipo e não uma coisa singular. Podemos escrever a palavra estrela, mas isso não faz de quem a escreve o criador da palavra, assim como, se apagarmos a palavra, não a destruímos. A palavra vive na mente daqueles que a empregam. Mesmo que estejam dormindo, ela existe em suas memórias. Assim, não podemos admitir, se houver razão para assim proceder, que os universais são meramente palavras, isto é, sem dizer, como Ocam supunha, que na verdade são individuais (CP, 2.230). A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 85 Aidéia do símbolo é, portanto, uma pura abstração. Em termos lingüísticos, diríamos que é uma categoria da langue, ou seja, do sistema lingüístico, enão da parole, da língua falada. No uso pragmático da língua falada ou escrita, em situações concretas, os símbolos logo adquirem ancoragem indiciai. Éessa ancoragem que liga o signo aos objetos e situações tatuais do mundo. Os fundamentos icônicos dos símbolos O uso de símbolos icônicos tem também um fundamento icônico. Peirce afirmou que: [... ]a única maneira de comunicar diretamente uma idéia é através de um ícone; e todo método de comunicação indireta de uma idéia deve depender, para ser estabelecido, do uso de um ícone. Daí segue que toda asserção deve conter um ícone ou conjunto de ícones, ou então deve conter signos cujos significados só sejam explicáveis por ícones (CP, 2.278). No discurso verbal, a iconicidade consiste em metáforas, paráfrases explicativas e, sobretudo, na estrutura diagramática das proposições gramaticais, que Peirce também denominou ícones lógicos. Conforme sua idéia da evolução da língua humana, houve originalmente signos icônicos que foram, gradativamente, sendo substituídos por símbolos. Nesses símbolos, permanece, contudo, a base icônica: Em todas as escrituras primitivas, como nos hieroglifos egípcios, há ícones de um tipo nãológico, os ideógrafos. Nas primeiras formas de fala houve, provavelmente, grande quantidade de elementos de mimetismo. Contudo, em todas 86 PANORAMA DA SEMIÓTICA as línguas conhecidas, tais representações foram substituídas pelos signos auditivos convencionais. Estes, no entanto, são de tal natureza que só podem ser explicados através de ícones . Mas na sintaxe de toda língua existem ícones lógicos do tipo dos que são auxiliados por regras convencionais (CP, 2.280). Além dessas considerações sobre aiconicidade na filogênese da língua, Peirce também examinou outro aspecto desse fator na evolução lingüística: a criatividade e a inovação no desenvolvimento da língua. Num trecho muito citado sobre o assunto, Peirce escreveu: Os símbolos crescem. Retiram seu ser do desenvolvimento de outros signos, especialmente dos ícones ou de signos misturados que compartilham da natureza dos ícones e símbolos[. .. ] Se alguém cria um novo símbolo, ele o faz por meio de pensamentos que envolvem conceitos. Assim, é apenas a partir de outros símbolos que um novo símbolo pode surgir. Omne symbolum de symbolo. Um símbolo, uma vez existindo, espalha-se entre as pessoas. No uso e na prática, seu significado cresce[... ] O símbolo pode, como a esfinge de Emerson, dizer ao homem: De teu olhar, sou a olhadela (CP, 2.231).19 À primeira vista, esta conclusão peirceana sobre o papel do íoone na evolução das significações produz uma impressão enigmática. Acitação do verso do poeta Emerson, através da qual Peirce se referiu ao papel da iconicidade no desenvolvimento dialógico da semiose ilimitada, 19. O contexto desta citação no poema The sphinx de Ralph Waldo Emerson é o seguinte: A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 87 parece antecipar a idéia lacaniana da fase do espelho, como momento decisivo na evolução do indivíduo. Qualquer que seja o papel da iconicidade na forma de metáforas e do princípio da analogia durante a evolução das palavras, este é um fato que a lingüística histórica tem estudado desde o início e continua a ser de interesse central em nossa época, no âmbito da lingüística cognitiva (cf. cap. IV). Terceira tricotomia De acordo com a terceira tricotomia -que considera o signo do ponto de vista da relação entre representamen e interpretanteum signo pode ser rema, dicente - também chamado dicissigno - ou argumento. Essa divisão triádica "corresponde à antiga divisão (da lógica) entre termo, proposição e argumento, modificada para ser aplicável aos signos em geral" (CP, 8.337). Rema Um termo, na lógica, é "simplesmente um nome de classe ou um nome próprio". No sentido mais geral da semiótica, um rema é, 1hear a poet answer, / [... ]li "Dull Sphinx, Jove keep thy five wits; / Thy sight is growing blear; I Rue, myrrh and cummin for lhe Sphinx, / Her muddy eyes to clear!" I The old Sphinx bit her thick lip, - / Said, "Who taught thee me to name? / 1am thy spirit, yoke-fellow; / OI thine eye 1am eyebeam." li "Thou art lhe unanswered question; / Couldst see thy proper eye, / Alway it asketh, asketh; / And each answer is alie. / [... ]" li Through a thousand voices I Spoke lhe universal dame; / "Who telleth one of my meanings / Is master of ali 1am." 88 PANORAMA DA SEM IÓTI CA portanto, "qualquer signo que não é verdadeiro nem falso, como quase cada uma palavra por si, exceto sim e não" (CP, 8.337). Rema vem do grego rhéma, que significa simplesmente "palavra". As palavras enunciadas isoladamente são incapazes de serem certificadas. Como ainda não participa de afirmações, o rema é "um signo de possibilidade qualitativa, ou seja, é entendido como representando esta e aquela espécie de objeto possível" (CP, 2.250). Dicente A segunda categoria de signo- considerado do ponto de vista do interpretante e correspondente à categoria lógica da proposição éo dicente (ou dicissigno). Na lógica, a proposição éa unidade mínima para exprimir idéias que podem ser ou verdadeiras ou falsas. Consiste de uma combinação de ao menos um argumento (sujeito) eum predicado, por exemplo, do tipo "A é B". Seguindo esse modelo lógico, Peirce definiu o signo dicente como "um signo de existência real" (CP, 2.251) ou um "signo que veicula informação" (CP, 2.309). "A prova característica mais à mão que mostra se um signo é um dicissigno ou não é que o dicissigno é ou verdadeiro ou falso, mas não fornece as razões de ser desta ou daquela maneira" (CP, 2.310). Argumento Logo que o signo supera o quadro proposicional e passa a participar de um discurso racional mais estendido, chega à categoria da terceira tricotomia. Um argumento é, portanto, "o signo de uma lei" (CP, 2.252), "a saber, a lei segundo aqual a passagem das premissas para as conclusões tende a ser a verdadeira" (CP, 2.263). O caso prototípico de um signo que participa num discurso argumental é o silogismo, a dedução formal de uma conclusão de, ao menos, duas premissas do tipo "A é B, B é C, logo A é C". A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 89 A dimensão pragmática do signo Na sua introdução à semiótica peirceana, Teixeira Coelho Neto (1980: 61) descreve atricotomia do rema, dicente e argumento como pertencendo à dimensão pragmática do signo. Essa avaliação é provavelmente motivada pela idéia de que a tricotomia do interpretante deve ser aquela que estuda a relação entre o signo eo seu intérprete, mais do que outras dimensões. Porém, as definições peirceanas, nesta tricotomia, provam que suas categorias têm pouca relevância para a pragmática, que é o estudo do efeito do signo sobre os intérpretes em situações de comunicação. Atricotomia muito mais importante para a pragmática é a segunda tricotomia, que trata das relações entre signo e objeto e caracteriza o ícone, o índice e o símbolo. É aí que estudamos as relações entre o intérprete e o seu ambiente semiótica, principalmente na forma dos signos indexicais. Aterceira tricotomia, pelo contrário, pertence às duas outras dimensões da semiótica, a semântica e a sintática. Pertence à semântica porque estuda o potencial dos signos para dizer a verdade ou não; pertence à dimensão sintática porque determina as condições combinatórias favoráveis para que os remas participem de proposições (dicentes) e no discurso racional (argumentos). As dez classes principais de signos Resumimos, aqui, os critérios que Peirce desenvolveu nas suas análises triádicas do signo. Aplicando as três categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade na perspectiva do representamen,do objeto edo interpretante,chegamos anove categorias distribuídas pelas três tricotomias seguintes: PAN ORAMA DA SEMIÓTICA 90 Tricotomias 1 li 111 · Relação ao Relação ao REPRESENT/>NEN CB.ETO INlm:-RETfiNTE em si Categorias PRIMEIRIDADE QJAl.J..SIOO ÍOH REMA. SEGUNDIDADE SIN-SKN) ÍNDICE DICENTE TEFUJRtDADE LEOO<ID SÍMnO A'OJ.JENTO Como cada signo tem que ser determinado pelos seus três consfüuintes (representamen, objeto e interpretante), e como há três modos categóricos nos quais cada um desses constituintes pode aparecer, chegamos a uma possibilidade combinatória de 27 classes de signos (3 x 3 x 3 = 27). Algumas dessas combinações teóricas, porém, são semioticamente impossíveis: um quali-signo, por exemplo, é sempre um signo icônico e remático, mas não pode ser nem índice, nem dicente; um sin-signo não pode ser um símbolo e um índice não pode ser um argumento. Tais restrições reduzem o número de combinações válidas a dez classes principais. Na lista seguinte, enumeramos as classes principais de signos. Os parênteses indicam categorias descritivas que são redundantes por estarem pressupostas em outras categorias indicadas (CP, 2.254-263, 8.341). 11 . O quali-signo (remático e icônico) é uma qualidade que é um signo, tal como a sensação de "vermelho" ou de uma pintura monocromática. 112. O sin-signo icônico (e remático) é um objeto particular e real que, pelas suas próprias qualidades, evoca a idéia de um outro objeto, tal como o diagrama dos circuitos eletrônicos numa máquina particular. 113. Osin-signo indiciai remático dirige aatenção aum objeto determinado pela sua própria presença, tal como um grito espontâneo é um signo de dor. A SEMIÓTICA UNIVERSAL DE PEIRCE 91 li 4. O sin-signo (indiciai) dicente é também um signo afetado diretamente por seu objeto, mas além disso é capaz de dar informações sobre esse objeto, assim como um cata-vento. 1115. O legi-signo icônico (remático) é um ícone interpretado como lei, tal como um diagrama - à parte sua individualidade fáticanum manual de engenharia eletrônica. 1116. O legi-signo indiciai remático é uma lei geral "que requer que cada um de seus casos seja realmente afetado por seu objeto, de tal modo que simplesmente atraia aatenção para esse objeto" (CP, 2.259), como um pronome demonstrativo. 1117. Olegi-signo indiciai dicente é uma lei geral afetada por um objeto real, de tal modo que forneça informação definida a respeito desse objeto, tal como um pregão de um mascate, uma placa de trânsito ou uma ordem. 1118. O (legi-signo) símbolo remático é um signo convencional que ainda não tem ocaráter de uma proposição, tal como um dicionário. 1119. O (legi-signo) símbolo dicente combina símbolos remáticos em uma proposição, sendo, portanto, qualquer proposição completa. 1111 O. O(legi-signo simbólico) argumento éo signo do discurso racional, tal como a forma prototípica de um silogismo. IV A SEMIÓTICA APLICADA DE EXTRAÇÃO PEIRCEANA Asemiótica peirceana não é apenas uma semiótica teórica efilosófica, mas tem um amplo potencial de aplicação na área dos estudos da comunicação. Neste capítulo, trabalharemos com alguns exemplos de aplicação dessa teoria na área dos estudos lingüísticos e literários. Nosso objetivo principal éaprofundar o conhecimento das categorias peirceanas através de exemplos analíticos sobre os processos da semiose verbal. Para tanto, os dois temas escolhidos são: 1) o papel da iconicidade na linguagem falada e escrita; e 2) a transformação dos signos no mundo imaginário da Alice, de Carrol!, no país das maravilhas.20 20. As fontes desses dois capítulos da semiótica aplicada são: Winfried Nõth, "The semiotic potential for iconicity in spoken and written language", in: Kodikas/Code 13 (1990), p. 191209, e Winfried Nõth, "Alice's adventures in semiosis", in: R. Fordyce & C. Marello (eds.), Semiotics and linguistics in Alice's worlds, Berlin, de Grutyer, 1994, p. 11-25. FORMAS DE \C ONI CI DADE NA LI NGUAGEM Soni rerum índices, "os sons são os índices das coisas'', foi a fórmula com a qual o gramático John Wallis, em sua Grammatica Linguae Anglicae, de 1653, resumiu sua tese de uma iconicidade básica na linguagem. Aordem das palavras, para ele, reflete a ordem do mundo. Na idade do iluminismo encontramos uma idéia afim e, aí, ao menos o ideal das linguagens literárias e científicas foi considerado como sistema icônico da realidade (p. 54-55). Hoje, ambas as teorias pertencem ao passado da semiótica. Sabemos que as línguas não são nem modelos icônicos fiéis do mundo, nem sistemas sem correspondências com aquilo a que se referem. Arbitrariedade versus iconicidade "O signo lingüístico é arbitrário" foi uma das teses centrais do fundador da lingüística moderna, Ferdinand de Saussure (18571913). A comprovação saussureana dessa tese apoiou-se no fato de existirem diferentes línguas no mundo para expressão de idéias ASEMIÓTICAAPLJCADADEEXTRf\ÇÃOPEIRCE4NA 97 elementares. A idéia da "planta arbórea", por exemplo, se exprime em português por árvore, em inglês por tree e em alemão por Baum. Não há nada na forma desses vocábulos que esteja ligado à natureza da planta à qual eles se referem (cf. Saussure, 1986: 81 ). O princípio saussureano da arbitrariedade lingüística tem sido observado como dogma pela lingüística estruturalista do nosso século. As exceções a esse princípio - como as palavras onomatopéicas - foram consideradas casos marginais no estudo das línguas. A partir dos anos 80, com o advento da lingüística cognitiva, as descobertas sobre a relação entre estruturas da linguagem e o mundo das cognições não-verbais alargaram o conhecimento sobre várias formas de motivação não-arbitrária do signo lingüístico. No quadro desses estudos, o papel da iconicidade na língua vem sendo mais e mais sublinhado e as categorias peirceanas da iconicidade têm sido um modelo fundamental. O ícone verbal e o seu objeto Quais são os objetos aos quais um ícone verbal pode se referir? À primeira vista, a língua falada - com sua estrutura linear e acústica - parece pouco idônea para representar o mundo multidimensional e multimedial. De fato, a iconicidade da língua é relativamente baixa, se considerarmos apenas o seu potencial de representar o mundo por meio de imagens, no sentido peirceano do termo. Na categoria de ícones que participam das qualidades simples dos objetos , temos , em substância, só as palavras onomatopéicas: murmúrios, sussurro, chiado ou bum são exemplos de palavras que participam das qualidades acústicas dos seus objetos. Na língua escrita há, além disso, um certo potencial icônico para a representação de estruturas visuais. Ícones da categoria 98 PMORAMADASEMIÓTICA imagem, derivados da escritura alfabética, são, por exemplo, as expressões decote em U, decote em V, ou curva em S. Porém, um maior potencial para criar imagens existe no território das artes gráficas. Aí temos múltiplas possibilidades de utilizar letras e palavras de calibres, cores e disposições diferentes, de forma a criar constelações de correspondências com os objetos do mundo. A poesia concreta tem explorado, de forma mais sistemática, esse potencial da língua. Os exemplos de iconicidade verbal mencionados até agora constituem casos em que o representamen lingüístico possui, a princípio, um correlato no mundo não-lingüístico, seja acústico, seja visual. Esse modo de referência da língua ao mundo é caracterizado, na lingüística, como referência exotérica. Do ponto de vista da semiótica geral, trata-se de uma relação alo-referencial (p. 69). Porém, uma fonte maior de iconicidade lingüística está nas estruturas que não se referem ao mundo externo, mas ao mundo do próprio discurso. As referências aos segmentos precedentes ou conseqüentes no próprio discurso são denominadas referências endofóricas ou auto-referenciais. !conicidade do tipo endofórico é, desse modo, referência icônica aoutros lugares de um mesmo texto. Tal referência é a base do princípio da recorrência da linguagem. Repetições, paralelismos, rimas, aliterações e outras formas de reiteração de unidades equivalentes num mesmo texto são formas de iconicidade endofórica. Abase semiótica da poeticidade, que Jakobson localiza no princípio de recorrência, é, portanto, uma relação de iconicidade endofórica. Digressão: iconicidade versus autonomia literária A interpretação do princípio da recorrência como forma de iconicidade permite, em parte, reconciliar duas teorias da literatura que tradicionalmente foram consideradas opostas: os princípios da iconicidade e da autonomia literária. ASEMIÓTICAAPIJCADA DE EXTRAÇÃO PEIRCEANA 99 A teoria clássica da iconicidade literária postulava uma relação de iconicidade exofórica entre os signos do texto literário e o mundo representado nele. Platão usava o símile do espelho; Horácio, o símile da pintura (ut pictura poiesis, "a poesia devia ser como uma pintura") para ilustrar suas teses de iconicidade literária.21 A semiótica do iluminismo (Lessing) seguiu esse mesmo modelo na sua estética literária (p. 50). Um dos mais recentes proponentes de uma teoria icônica da literatura foi Jurij Lotman.22 Na sua interpretação, literatura é um "sistema secundário de modelização" que efetua atransformação de estruturas do signo em estruturas do conteúdo. As estruturas sonoras da arte verbal são, portanto, interpretadas como um ícone diagramático de conotações (conteúdos secundários) que o texto revela para além dos conteúdos do seu nível primário de significação. Em contraponto à teoria da mimese literária, desenvolveuse a teoria da autonomia semiótica da arte verbal , cujos representantes mais eminentes foram Jakobson e Mukarovsky. Em vez de semantização, essa teoria considera a auto-referencialidade como o princípio constituinte da literariedade. Na interpretação da poética tradicional, a arte verbal - tal como a vêem os autonomistas - não é um espelho que reflete o mundo, mas uma lâmpada que produz luz por si mesma.23 Roland Barthes, outro proponente ilustre da tese autonomista, utilizou símile mais moderno: para ele, a literatura é um sistema semiótica no qual "a matéria-prima do autor tem finalidade em si mesma", de maneira que "a literatura é, no fundo, uma atividade tautológica, à maneira daquelas máquinas cibernéticas construídas por si mesmas".24 21 . Platão, República X, 596; Horácio, Ars Poetica, 361 . 22. Jurij Lotman, The structure of the artistic text, Ann Arbor, Michigan Slavic Contributions, 1977, p. 21, 55 , 119. 23. CI. M. H. Abrams, The mirrar and lhe lamp, Oxford, Univ. Press, 1953 . 24. Roland Barthes, Criticai essays, Evanston, North Western Univ. Press, 1972 , p. 144. 100 PANORAMA DASEMIÓTlCA Auto-referência - pelo princípio estético de recorrência verbal - é, como vimos, uma forma de iconicidade endofórica. Apesar das diferenças entre os autonomistas e os iconicistas na teoria da literatura, vemos que as duas teorias têm em comum o princípio da iconicidade, na forma exotérica (para os iconicistas) e na forma endofórica (para os autonomistas). Formas da iconicidade diagramática na linguagem Anteriormente havíamos concluído que o potencial da linguagem para representar por meio de imagens - no sentido peirceano - é mais ou menos restrito. As áreas mais importantes da iconicidade lingüística são as representações diagramáticas e metafóricas. Como o estudo das metáforas tem se desenvolvido no centro dos estudos literários e lingüísticos da atualidade, podemos restringir o tema das estruturas diagramáticas a três subáreas, a saber: os símbolos em estruturas diagramáticas, diagramas sintagmáticos e diagramas paradigmáticos. Símbolos em estruturas diagramáticas Diagramas verbais são ícones fundamentados em elementos simbólicos. A natureza de tais estruturas foi explicada por Peirce com o exemplo da seguinte fórmula algébrica: a1x+ b1y= n1, 82X + b 2y = n 2. Peirce dizia que esta fórmula é um ícone diagramático porque 'faz parecerem semelhantes quantidades que mantêm relações análogas para com o problema. Em verdade, toda equação algébrica é um ícone, na medida em que mostra, por meio de signos ASEMIÓTICA APLICADA DE EXTRAÇÃO PEIRCEANA 1O1 algébricos (que em si mesmo não são ícones) , as relações das quantidades em causa" (CP, 2.282). Tais ícones também existem em contex1os não matemáticos na língua escrita. A estrutura tipográfica de qualquer livro com sua subdivisão em capítulos e parágrafos e até em frases e outros segmentos indicados pela pontuação e pelo espaçamento constitui um diagrama das relações estruturais do texto. Enquanto a língua escrita pode utilizar-se do espaço bidimensional do papel para representar relações diagramáticas, o potencial diagramático do discurso falado fica restrito a relações lineares. A linearidade da linguagem é, porém, apenas uma de suas dimensões estruturais; a outra é a estrutura paradigmática, que se refere às relações dentro do sistema da linguagem. Consideremos, pois, algumas formas de diagramaticidade nessas duas dimensões do sistema lingüístico. Diagramas sintagmáticos As estruturas diagramáticas que se desenvolvem na linearidade da língua referem-se principalmente às relações temporais, espaciais econceituais. O protótipo de um diagrama temporal é a narrativa clássica: se a ordem das proposições tex1uais corresponde à "ordem natural" dos eventos representados pelo tex1o, o resultado éum ícone diagramático. Um exemplo de diagrama espacial é adescrição de um caminho. Aordem de enunciação dos locais, no discurso, corresponde à ordem em que esses mesmos lugares estão relacionados ao ponto de partida. Já os diagramas conceituais refletem ordens de causalidade, de seqüencial idade ou de hierarquia no mundo conceituai. Há ordem diagramática no discurso quando a representação da causa precede a do efeito ou quando a idéia importante é mencionada antes da idéia menos importante. As representações diagramáticas de estruturas temporais, espaciais e conceituais são formas de iconicidade exofóricas. Para 102 PMOFWMDASEMIÓTICA completar esse breve panorama da iconicidade de diagramas sintagm áticos, incluímos ainda dois exemplos de diagramas endofóricos: Beauty is truth, truth beauty. (Keats, "Ode to a Grecian Um") Love 's fire heats water, water coais not /ove (Shakespeare, Soneto 154). Na estrutura do quiasma poético ABBA, de Keats, é a relação AB que é representada diagramaticamente na forma inversa de BA, ícone relacional do AB precedente. A estrutura da linha de Shakespeare contém um quiasma mais desenvolvido, também chamado antimetábole. Consiste na inversão da relação ABC na ordem inversa CB'A, com mais uma relação de oposição entre os antônimos paralelizados - heats (B) e coais (B'). Diagramas paradigmáticos A função dos diagramas paradigmáticos pode ser ou endo ou exofórica. É endofórica quando a estrutura paradigmática se refere a todas as outras formas da mesma língua que pertencem ao mesmo paradigma. Oeferto semiótica dessa forma de iconicidade endofórica se nota, por exemplo, no caso das transformações históricas da língua por analogias. Por exemplo, na palavra inglesa could, a presença ortográfica da consoante nunca pronunciada -1- apenas se explica pela analogia gramática e semântica com tais como should, would etc. que contêm um - 1 - antigamente pronunciado. A função dos diagramas é exofórica quando reflete estruturas cognitivas. O paradigma das palavras terminadas com o-s do plural, por oposição ao paradigma das formas singulares, é um diagrama icônico da categoria cognitiva da pluralidade. Os ASEMIÓTICA APLICADA DE EXTRAÇÃO PEIRCEANA 103 paradigmas morfológicos do tipo alto, mais alto e altíssimo são um diagrama exofórico. Como Jakobson observou, a relação do aumento quantitativo do número das sílabas no paradigma lingüístico corresponde a um aumento quantitativo no âmbito cognitivo. As AVENTURAS DE ALI CE NO PAÍS DA SEMIOSE Após a nossa investigação em torno da semiose na língua, o tema central da discussão seguinte será o valor heurístico das categorias peirceanas para o estudo de signos transformados no mundo fictício da literatura, signos esses que, aparentemente, podem parecer anomalias, mas que, no entanto, pelo princípio do desvio, evidenciam as estruturas dos signos normais na semiose cotidiana. Signos na semiose normal e no país das maravilhas Tanto Aventuras de Alice no país das maravilhas (AM) quanto Através do espelho e o que Alice encontrou lá (AE) nos mostram regiões nas quais as leis do espaço, do tempo, da linguagem e da lógica ficam parcialmente abolidas. As curiosidades que lá acontecem envolvendo Alice fazem-na procurar constantemente por signos capazes de auxiliá-la a encontrar seu caminho no País das Maravilhas. Algumas vezes, Alice é, de fato, bem-sucedida nesse empreendimento, orientando-se através de tais signos; em outras, no País das Maravilhas, o processo de interpretação ASEMIÓTICAAPl.JCADADEEXTRAÇÃO PEIRCEANA 105 sígnica é freqüentemente desorientador, incompreensível e até mesmo enganador. Signos na semiose cotidiana Agarrafa "beba-me" (AM, IV) é um signo orientador no País das Maravilhas. Alice verifica o rótulo da garrafa para certificar-se de que ela não caracteriza o conteúdo como "veneno" ou outro qualquer, uma vez que conhece o código estabelecido pelos farmacêuticos e usuários de drogas químicas. Notamos aí a presença de dois signos: o rótulo "veneno" e a sua ausência, que é um signo zero. Alice não se engana ao aplicar as regras desse código e interpreta o signo zero como referência a um líquido bebível. Experimenta-o, acha-o "muito bom" e não se envenena. Tais signos de orientação são interpretados com sucesso com base em um código válido, e o resultado dessa semiose está de acordo com as expectativas do intérprete. A natureza do signo, em tais processos de semiose bemsucedida, pode ser especificada em termos da semiótica peirceana. Conforme já dito, Peirce baseou sua semiose na tríade por ele denominada "conexão tripla do signo, coisa significada e cognição produzida na mente" (CP, 1.372). Somente na semiose que serve para a orientação normal, Alice encontra signos que se constituem em tríades completamente desenvolvidas. Considere-se o signo zero da garrafa "beba-me": o rótulo ausente é o representamen; o objeto do signo é a qualidade química do líquido que Alice eventualmente bebe e seu interpretante, ou seja, a cognição produzida na mente de Alice é o conhecimento que ela detém sobre líquidos ingeríveis. Tal interpretante é, por si mesmo, um signo mental mais desenvolvido, uma vez que, entre outras coisas, a idéia de "não-venenoso" pertence à rede semântica que contém a oposição entre líquidos bebíveis e não-bebíveis. 106 PAt()FWMDASEMIÓTICA Signos na semiose do país das maravilhas No País das Maravilhas, Alice não encontra apenas signos de orientação. A presença constante de signos de desorientação e as conseqüentes surpresas diante de acontecimentos estranhos são atribuídas aos desvios da semiose normal na vida cotidiana. Gostaria de discutir esses eventos semióticos sob o nome de "semiose incompleta e transformada". Na semiose incompleta, o intérprete desorienta-se porque um dos correlatos do signo não pode ser identificado. As transformações dos signos no País das Maravilhas são ou enganosas ou criativas: na semiose enganosa, o signo cria expectativas semióticas que não se realizam; na semiose criativa, os signos são usados quer na exploração de potencialidades inesperadas de um código já existente, quer com base em um novo código. Tais anomalias na semiose do País das Maravilhas dirigem a atenção do leitor para eventos da vida cotidiana. Ao transformar os constituintes da tríade semiótica e outros elementos do processo da semiose, Carrol! conseguiu dirigir a atenção do leitor para a estrutura do signo em geral. Gostaria, pois, de investigar esses processos metassemióticos, focalizando, um a um, os três correlatos do signo. O representamen No País das Maravilhas, tomamos consciência do papel do representamen na semiose quando ele está ausente ou é transformado criativamente. O representamen ausente A ilustração mais evidente que Carrol! nos ofereceu do questionamento do representamen por sua ausência está no "bosque ASEMIÓTICAAPUCADADE EXTRAÇÃO PEIRCEANA 107 onde as coisas não têm nomes" (AE, Ili). Aí, Alice é incapaz de designar lingüisticamente o bosque, o cervo e a si mesma. Mas embora os representamens estejam ausentes, Alice não chega a ficar totalmente desorientada. Ela sabe que está debaixo das árvores ("'debaixo disso aqui, ora!', disse, colocando a mão no tronco da árvore.") e é capaz de encontrar seu caminho através do bosque. Ela não perdeu, pois, a familiaridade com o objeto do signo, de cujo nome ela não se lembra. Esse objeto chega a produzir uma cognição subseqüente na sua mente que é seu interpretante, "um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido", como Peirce o define (p. 71 ). Esse novo signo mental mais desenvolvido, que se reporta ao seu objeto, é a memória de que o bosque consiste de árvores e de que nesse lugar o esquecimento dos nomes "então terminou acontecendo" (AE, Ili). As aventuras de Alice no bosque onde as coisas não têm nome não prova que a semiose seja possível com signos sem representamen. De fato, a ilustração que Carrol! nos forneceu dessa situação não chega a ser radical ou suficiente como demonstração de um caso extremo de semiose incompleta. O diálogo de Alice com o cervo e sua caminhada através do bosque mostram que a heroína ainda dispõe de muitos representamens para substituir os nomes esquecidos. Essas substituições constituem processos de semiose que ilustram muito bem o princípio peirceano da semiose como "uma série de sucessivos interpretantes ad infinitum" (Peirce, CP, 2.303, 2.92). O representamen transformado Considerado em si mesmo, o representamen que ora discutimos é um quali-signo, um sin-signo ou um legi-signo. As transformações criativas do representamen aparecem em todas essas três conformações. 108 P.AJ\OFWv1ADASEMIÓTICA O quali-signo transformado A transformação não-usual de um quali-signo é tentada pelos jardineiros da Rainha de Copas (AM, VIII). Depois de plantar roseiras brancas em vez de vermelhas, os jardineiros esperam reparar o que consideram um erro pintando as rosas brancas de vermelho. Ora, a qualidade natural da brancura é um quali-signo pelo qual a Rainha poderia detectar o erro; pintá-las seria uma tentativa enganosa de manipular um quali-signo. Uma transformação natural da qualidade visual dos signos aparece no primeiro encontro de Alice com o poema "Jaguadarte" na escrita especular (AE, 1). Pela simples inversão ótica das letras impressas, o poema torna-se, à primeira vista, enigmático; e aí a possibilidade de compreensão se dá apenas ao nível do quali-signo. Com a reversão da imagem refletida num espelho, o quali-signo é transformado em legi-signo, ou seja, em letras e palavras que formam o poema. Legi-signos transformados em sin-signos e quali-signos Os signos da linguagem na semiose cotidiana funcionam largamente por convenção. Na medida em que uma palavra está regularmente associada a um dado significado, ela passa a funcionar como um legi-signo. Em Alice no país das maravilhas encontramos, entretanto, estranhas transformações de legi-signos lingüísticos em sin-signos, no caso da distinção feita pelo Rei de Copas entre os antônimos importante e desimportante (AM, XII): "Isso é extremamente importante" disse o Rei, voltando-se para o júri [. ..], quando o Coelho Branco interrompeu: "Desimportante, é o que Vossa Majestade quer dizer, é claro." [. .. ] AS8v11ÓTICAAPLICADA DE EXTAAÇÃO PEIRCEANA 109 "Oesimportante, é claro, foi o que quis dizer" apressou-se o Rei a corrigir-se. E prosseguiu falando para si mesmo, a meia voz: "Importante - desimportante - desimportante - importante ... " como se procurasse ver qual das palavras soava melhor. No princípio, o Rei está incerto quanto a usar o legi-signo importante ou desimportante. Mais tarde, perde completamente a pista da regra lingüística que distingue as duas palavras como antônimas. Finalmente, ele se preocupa apenas com a mera impressão sonora dessas palavras. Os legi-signos lingüísticos degeneram-se, portanto, em meros quali-signos fonéticos . O objeto Conforme já foi visto (p. 67), o objeto do signo, na semiótica de Peirce, é aquilo com que o signo "pressupõe uma familiaridade a fim de veicular alguma informação ulterior sobre ele" (Peirce, CP, 2.231 ). Quando ele está 'fora do signo", sendo a realidade "que o signo só pode indicar'', ele é chamado objeto real ou dinâmico. Quando ele é uma cognição produzida na mente do intérprete como representação mental de tal objeto, ele é chamado de objeto imediato. Carrol\ ilustra o papel do objeto na semiose de dois modos: ou sugerindo sua ausência ou transformando as relações que normalmente existem entre o representamen e seu objeto na semiose cotidiana. O objeto ausente No País das Maravilhas, a desorientação semiótica em razão do correlato do objeto é particularmente freqüente com os 110 P.AN:>RAMADASEMIÓTJCA signos indexicais. O rótulo Marmelada Laranja, por exemplo, num pote vazio no buraco do coelho (AM, 1) é um representamen cujo objeto imediato é uma cognição que dirige Alice a esperar marmelada como objeto real dentro da jarra. Porém, uma vez que o pote está vazio, o objeto real está ausente. A semiose sem um objeto dinâmico ou real não é uma anomalia em si mesma. Peirce sabia que o "objeto fora do signo" poderia estar ausente, poderia até mesmo não existir ou ser "totalmente fictício". Alice, porém, na sua mentalidade semiótica infantil, defende o realismo e insiste na existência da realidade manifestada em objetos dinâmicos. Ela fica, por isso, "grandemente desapontada" ao descobrir que não havia marmelada como objeto real do signo indiciai (o rótulo) no pote. Em outro lugar, Alice até mesmo exprime o seu realismo explicitamente: quando Tweedledum sugere que Alice poderia ser tão-somente um objeto-sonho fictício, ela protesta gritando: "Eu sou real sim!" (AE, IV). Além desse tópico de realismo semiótico, há uma outra forma típica de questionar o objeto na semiose do País das Maravilhas: a ausência do objeto dinâmico na semiose indiciai. O signo-marmelada foi o primeiro exemplo; o outro é o signo "RAINHA ALICE", em letras maiúsculas na porta (AE, IX), o que a desapontara porque, de fato, a entrada havia sido recusada pela Rã-Serva. Surge a dúvida: será que não é realmente seu o palácio que o signo na porta indicara? Assim também os indicadores "PARA A CASA DE TWEEDLEDUM" e "À CASA DE TWEEDLEDEE" (AE, Ili) são questionáveis quanto à sua confiabilidade em relação ao objeto dinâmico para o qual apontam, encontrando os dois Tweedles meramente "de pé sob uma árvore" (AE , IV). A questão que se levanta a partir dessas e outras situações de semiose indiciai desorientadora é se o objeto dinâmico- a casa - está simplesmente ausente na situação significada ou se ele está, antes de tudo, em absoluta falta. Na possibilidade dessa última ocorrência, o índice adquire feições de um signo enganador, um signo que não aponta para nenhum objeto, sendo, portanto, causa ASEMIÓTICAAAJCADADEEXTRAÇÃOPEIRCEANA 111 de desorientação, como no poema Prova (AM, XII) e no poema Quatro Estações de Humpty Dumpty (AE, VI) . Aí, os índices desorientadores são as palavras dêiticas, cujos objetos de referência situacional (exofórico) e contextual (endofórico) estão vazios. No início de Prova (AM, XII: "Disseram-me que foste perto dela, I Dando a ele o meu nome, sem pensar.") todos os pronomes pessoais estão exoforicamente vazios. Não sabemos para quem essa carta se dirige e quais seriam as outras pessoas referidas. Enquanto o Rei deseja tirar proveito do vazio exofórico que se forma, declarando arbitrariamente o acusado (Valete) como objeto dinâmico do pronome você, Alice revela ser inadmissível tal interpretação ao exclamar: "Se algum deles é capaz de explicar os versos[ ...] eu lhe darei seis pence. Quanto a mim, acho que não há neles a menor partícula de sentido". No poema "Quatro Estações", de Humpty Dumpty, o vazio referencial é extensivo à referência endofórica. Nas linhas (AE, VI), Eu mandei um recado aos peixes: Disse-lhes: - Este é o meu desejo. E eis que os peixinhos lá do mar, Me responderam sem tardar. A resposta dos peixes foi - Impossível, meu caro, pois... o conteúdo da mensagem ea resposta permanecem ocultos, embora sejam referidos endoforicamente pelos pronomes indexicais "eu" e"este". Mesmo a conjunção "pois" funciona como índice lingüístico vazio. A razão pela qual ela promete indicar não é expressa. 112 PANOFWAADASEMIÓTlCA Símbolos e índices de desorientação e icones transformados Considerando a relação entre representamen e objeto na tricotomia ícone-índice-símbolo, aparecem várias novas formas de desorientação ou surpresa no País das Maravilhas. Símbolos desorientadores Num país estrangeiro, tal como o País das Maravilhas, em primeiro lugar é o código dos símbolos que permanece enigmático ao visitante. Humpty Dumpty, ao explicar o poema "Jaguadarte", chega a sugerir que existem linguagens incompletas, sistemas de símbolos arbitrários que o visitante tem, necessariamente, de aprender. Também não há símbolos não-lingüísticos que Alice tenha aprendido a decodificar. O código dos uniformes e brasões militares - nos quais os dois Tweedles estão armados- é um desses códigos simbólicos: Tweedledum está usando aquilo que "ele chamava de elmo, embora parecesse muito mais com uma caçarola" (AE, IV). A função do elmo-caçarola no código militar de Tweedle não é naturalmente aparente. Assim, Alice tem de aprender que aquela peça do vestuário é um elemento desse código. A arbitrariedade de se conferir uma função marcial a esse objeto, de outro modo pacífico, é que dá ao signo o caráter simbólico. Entretanto, a experiência semiótica no País das Maravilhas nem sempre pode depender do ensino. Alice consegue mesmo decodificar símbolos utilizando ícones ou índices contextuais, típicos signos naturais que não precisam ser ensinados. A orientação icônica na desorientação simbólica Que os ícones são importantes para a orientação de uma criança no mundo simbólico é uma das primeiras idéias expressas ASEMIÓTICAAPUCADADEEXTRA.ÇÃOPEIRCEANA 113 por Alice (AM, 1): "De que serve um livro", ela se pergunta, "sem figuras nem diálogos?" Mais tarde, quando Alice quer saber o significado de uma "corrida de comitê", descobrimos que os ícones podem até mesmo servir como meio para o ensino de códigos simbólicos convencionais: O método para explicar o significado de "corrida de comitê" proposto pelo Dodó é executar essa corrida, portanto, produzir um ícone do signo simbólico "corrida de comitê". O Dodó diz: "A melhor maneira de explicar isso é fazê-lo" (AM, Ili). A orientação indiciai na desorientação simbólica A importância especial dos signos indexicais em situações nas quais a comunicação simbólica se rompe é particularmente evidente no bosque onde as coisas não têm nomes (p. 107). No bosque, onde representamens simbólicos não estão disponíveis, os signos indexicais continuam a fornecer, pelo menos, uma orientação mínima para Alice. Ela designa a árvore por meio da palavra indiciai "isso" e por meio do gesto indiciai que aponta para o seu tronco. Tal substituição gestual dos símbolos arbitrários por meios indiciais, mais diretos e naturais, bem ilustra uma regressão a estágios anteriores da evolução humana onde os modos de semiose ainda eram precários. Índices enganadores na desorientação simbólica O melhor exemplo de índices desorientadores está no poema "Jaguadarte" (AE, 1): "Era briluz. As lesmolisas louvas I Roldavam e relviam nos gramilvos". Uma vez que Alice não pode decodificar os símbolos desse poema, a saber, raízes lexicais como bril-, lesmolis- etouv-, ela considera o poema "um pouquinho difícil de entender". No entanto, reconhece alguns morfemas gramaticais e derivacionais que funcionam como índices lingüísticos, tal como 114 PANORAMA DA SEMIÓTICA era, as, -as, -avam, - iam ou nos. Por isso, o poema, "de algum modo, parece encher a sua cabeça de idéias". 25 Porém, os índices que deveriam indicar relações estruturais entre os símbolos lingüísticos são, na verdade, signos enganadores, uma vez que nenhuma relação pode ser indicada com precisão se os conectivos essenciais para tanto estão ausentes. Índices de desorientação Na nossa investigação do objeto ausente já vimos que os índices no País das Maravilhas sempre estão contribuindo para desorientar Alice. Mas índices também ocorrem na linguagem das demais criaturas no País das Maravilhas. Éo que veremos a seguir. Desorientação proporcionada por um índice Os índices na linguagem aparecem tanto nos modos de referência exotéricos ou situacionais quanto nos modos endofóricos ou tex1uais. Na referência endofórica, o índice lingüístico aponta para trás e para frente do discurso, sendo, respectivamente, uma anáfora ou uma catáfora. Ambas as direções da indicialidade endofórica são confundidas pelo Pato quando ele interrompe o Rato na sua história árida sobre a conquista normanda (AM, Ili): "[. .. ] e até Stigand, o patriótico arcebispo de Cantuária, achando isso conveniente ... " 25. Na edição portuguesa de AE, p. 148, linha 4, falta a tradução da passagem seguinte: "Somehow it seems to fill my head with ideas - only 1don't exactly know what they are! However, somebody killed something: that's clear, at any rate-". ASEMIÓTICAAPLICADADEEXTRAÇÃOPEIRCEANA 115 "Achando o quê?" perguntou o Pato. "Achando isso," replicou o Rato,já meio aborrecido. "Naturalmente você sabe o que 'isso ' quer dizer." "Sei muito bem o que 'isso' quer dizer quando sou eu que acho alguma coisa" explicou o Pato. "Em geral, uma rã ou um verme. Mas a questão é: o que foi que o arcebispo achou?" O Rato não tomou conhecimento da pergunta e prosseguiu às pressas: "achando isso conveniente, foi com Edgar Atheling ao encontro de Guilherme e ofereceu-lhe a coroa". O Rato usa o pronome isso numa construção chamada extraposição. O isso extraposto antecipa cataforicamente o objeto !rasai adiado ("foi com Edgar A."). Assim, o pronome torna-se um índice sintático que só pode ser interpretado em referência ao objeto !rasai subseqüente, que ele antecipa. OPato, no entanto, interrompe imediatamente sua fala após o isso extraposto, porque essa palavra é interpretada ou como um pronome anafórico ou como pronome exofórico, índices que deveriam ser precedidos ou acompanhados situacionalmente por seus referentes, nesse caso ausentes. Toda essa confusão encontra paralelo no equívoco do uso do verbo "achar". Nas construções extrapostas que o rato tem em mente, o uso do verbo "achar" é, com certeza, um encontro figurativo de idéias. A compreensão do pato, no entanto, se restringe à interpretação literal de "encontrar" um objeto físico. Nesse sentido, o verbo achar não ocorre em construções extrapostas, na língua portuguesa. 116 PANORIWADASEMIÓTICA Desorientação pelo uso abusivo de índices como símbolos Em contraste com um símbolo tal como a palavra "dia" que o interpretante pode relacionar com o seu objeto sem conhecer quando e onde tal representamen foi produzido -, um índice temporal, tal como a palavra "hoje", só pode ser relacionado ao seu objeto num certo dia, num certo mês e ano, quando o intérprete sabe o momento da enunciação. Os índices são, assim, representamens com coordenadas espaço-temporais fixas. Enquanto um índice muda, enquanto seu objeto referencial e as coordenadas do seu representamen se alteram, o símbolo basicamente continua a se referir ao mesmo objeto, não importando se o tempo e o espaço da produção do signo variam . A característica da indicialidade é seriamente negligenciada pela Rainha Branca quando ela oferece a Alice os seguintes pagamentos para um emprego como camareira (AE, V) : "Dois pence por semana e doce todos os outros dias[... ] A regra é: doce amanhã e doce ontem e nunca doce hoje. n "Algumas vezes tem de ser 'doce hoje' " objetou Alice. "Não, não pode" disse a Rainha. "Tem de ser sempre doce todos os outros dias: ora, o dia de hoje não é outro dia qualquer, como você sabe." "Não estou entendendo nada" disse Alice. "É horrivelmente confuso." Por definição, uma regra é essencialmente um legi-signo simbólico. Ela é válida independentemente do tempo e do lugar de sua enunciação. "Doce todos os outros dias" seria uma regra ASEMIÓTICAAPLICADA DE EXTRAÇÃO PEIRCEANA 117 aceitável mesmo que seu objeto de referência fosse vazio, visto que o tempo dos eventos referidos pode ser ou o conjunto dos dias pares ou dos dias ímpares do mês. A Rainha, no entanto, abusa dessa regra ao interpretar seus símbolos temporais como índices cujos objetos referenciais mudam com o tempo da enunciação. Sua interpretação ("doce amanhã e doce ontem"), sendo dependente do seu tempo de enunciação específico, não é, de fato, uma paráfrase válida da regra, mas apenas uma aplicação dela ao momento de sua enunciação. Porém, a Rainha quer elevar essa sentença, duplamente indiciai, à categoria de legi-signo simbólico. Ela quer que sua pseudo-regra indiciai - "doce amanhã e doce ontem" - seja considerada válida em qualquer momento dessa enunciação, como uma regra verdadeiramente simbólica. Com a mudança diária do tempo de enunciação, haveria também uma mudança diária do seu objeto - o tempo do evento - o que resultaria num adiamento indefinido do dia de pagamento de Alice. !conicidade transformada No País das Maravilhas, signos icônicos são, às vezes, auxiliares semióticos em meio à desorientação, mas outras vezes funcionam também como surpresa, revelando um potencial até então desconhecido de criatividade. Essa criatividade é explorada com ícones da categoria imagem e da categoria dos diagramas. Opotencial criativo por meio de imagens aparece com muita evidência nas experiências de Carroll com o efeito especular e com o potencial icônico da tipografia. À primeira vista, o mundo por detrás dos espelhos parece um ícone otimizado do mundo original refletido. Mas Alice sabe que é um mundo inverso: "A sala que a gente vê do outro lado do espelho - é igualzinha à nossa sala de visitas, só que está tudo ao contrário" (AE, 1). A inversão pelo espelho continuará a ser tematizada em todo o livro, chegando ao apogeu com o poema "Jaguadarte", todo escrito em forma invertida. 118 PAl\ORMfiADAS8v11ÓTlCA O potencial icônico da tipografia é sobretudo explorado em dois lugares dos livros de Alice: no poema figurativo em forma de rabo de rato (AM, Ili) e no uso de uma letra pequena para representar a "vozinha muito baixa" do inseto (AE, Ili), pormenor infelizmente perdido na tradução portuguesa (p. 162). Nesse último caso, temos exemplo de duplo ícone: de um lado, a forma curvilínea da disposição do texto e, de outro, o representamen "tail" ("rabo"), imagem fonética do homófono '1ale" ("história"), proporciona um jogo entre forma e conteúdo no conjunto total. Um outro grupo de ícones transformados são os diagramas. Oprincípio predileto de transformação que Carroll aplica é a inversão da ordem seqüencial. Acontece tal situação quando Alice se encontra com Humpty Dumpty (AE, VI) e soluciona o problema algébrico da subtração de 1 em 365, utilizando um ícone diagramático para chegar mais facilmente à solução (364). Porém Humpty Dumpty tem dificuldades em entender o diagrama, uma vez que ele o lê invertido, alterando a operação matemática da subtração para a da adição (AE, VI). Outro exemplo memorável de inversão diagramática ocorre no tribunal do Rei de Copas (AM, XI 1). O Rei estabelece que a regra mais antiga de seu caderno de anotações era o "Artigo Quarenta e Dois: Todas as pessoas com mais de um quilômetro e meio de altura devem abandonar o recinto do tribunal." Alice, porém, revela que o número dessa regra indicava um caso de diagramaticidade desnaturada. Se fosse a regra mais velha no caderno, ela observa, "nesse caso, devia ser o Número Um". Logo depois, a Rainha segue o Rei numa outra tentativa de inverter a iconicidade diagramática na ordem das coisas, quando exige, "Primeiro a sentença, o veredito depois". O interpretante Anomalias relativas ao interpretante aparecem no caso de ausência ou da determinação arbitrária do signo "criado na mente do intérprete" (Peirce, CP, 8.179). ASEMIÓTICAAPUCADADE EXTRAÇÃO PEIRCEANA 119 O interpretante ausente No País das Maravilhas o interpretante se torna problemático todas as vezes em que Alice encontra signos cujos significados não pode saber sem a ajuda de outras pessoas. Ouvindo o poema "Jaguadarte" (AE VI), Alice pergunta ao Humpty Dumpty: "E o que quer dizer 'grilvos '?" "Penso que deve ser uma mistura de gritos com silvos bem agudos, com algo parecido com o chilro dos grilos. Aliás, você ouvirá esse som em breve, talvez lá na floresta. E ao ouvi-lo, ficará muito satisfeita, creio." "Grilvos" é um representamen que não tem interpretante no código da língua de Alice. Humpty assegura que há um interpretante para ela e o define por meio de uma paráfrase. A sua definição tem todas as características peirceanas de um interpretante (p. 71): é um signo "mais desenvolvido", o qual Humpty diz que equivale ao significado de "grilvos". Mas para Alice, não só o interpretante, mas também o som ao qual Humpty se refere como objeto do signo, são problemas semióticos. Alice nunca ouviu tal som e nunca o ouvirá durante as suas aventuras. Portanto, neste processo de explicação semiótica, o critério peirceano que diz que a "cognição do interpretante supõe conhecimento do objeto enquanto lhe confere um conhecimento ulterior sobre este objeto" (Peirce, CP, 2.231) não pode ser cumprido. O desconhecimento dos interpretantes é também a causa pela qual o Aguioto não compreenderá o Dodó (AM, Ili), mas, dessa vez, as palavras do Dodó pertencem certamente ao código da língua inglesa. Só o conhecimento deste código seria suficiente para o Aguioto entender o sentido das palavras eruditas do Dodó, que são: "Proponho que o conclave seja suspenso, para a imediata adoção de medidas mais operacionais[ ... ]". 120 PAl\ORAMADASEMIÓTICA Interpretante privado Humpty Dumpty é quem propõe uma língua privada, um sistema em que os interpretantes dos signos são determinados por ele próprio, porque o seu mote é "Quando uso uma palavra[ ... ] ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique[ ...] nem mais nem menos" (AE, VI) . A impossibilidade da comunicação sob essa base é bem conhecida. Uma outra idéia idiossincrática que Humpty tem sobre o significado das palavras é que os nomes próprios "devem significar alguma coisa" (AE, VI) . O interpretante que ele declara pertencer ao seu próprio nome parece, à primeira vista, mais um exemplo da sua semântica privada: "O meu nome significa a forma que tenho". Nomes - como Alice adivinhou ao perguntar "deve um nome significar alguma coisa?" - são signos indexicais com a função de identificar uma pessoa e distingui-la de outra. Nomes também são símbolos, signos que têm algum sentido por outra convenção, além da identificadora. Porém, no seu caso particular, Humpty tem razão em descobrir mais do que isso no seu nome que é, de fato, um nome onomatopéico. O nome Humpty Dumpty contém duas vezes o fragmento morfemático "-ump-" que também ocorre nas palavras inglesas "hump" ("corcova") e "lump" ("montão"), indicando algo compacto e pesado. Este conteúdo é bem idôneo para servir como interpretante de Humpty Dumpty, cuja forma é "exatamente como a de um ovo", conforme Alice observa. O interpretante final ausente Uma obra literária como a de Lewis Carrol! é uma obra aberta a leituras de diversos níveis. Nossa leitura permaneceu apenas num nível particular; há outros aspectos a estudar sem que o esforço interpretativo comum dos estudantes dessa obra possa um dia chegar a uma conclusão definitiva sobre seu significado. ASEMIÓTICAAPLJCADADEEXTRAÇÃOPBRCEANA 121 Aobra literária é, portanto, um signo sem interpretante final, no sentido que Peirce dá a essa expressão. A obra sempre continuará aberta a interpretações imprevistas, até mesmo por parte de seu autor. Carrol! parece ter adivinhado a característica evolutiva dos seus textos quando escreveu o seguinte a uma amiga: 26 Sti/I, you know, words mean more than we mean to express when we use them; so a who/e book ought to mean a great dea/ more than the writer means. So whatever good meanings are in the book, J am glad to accept as the meaning of the book. Assim, podemos concluir que, mesmo se Carrol! nãotiv !SSe previsto como interpretante dinâmico todas as implicai ões interpretativas da nossa leitura peirceana, ele deveria, ao me os, aceitá-la como interpretante imediato, quer dizer, como um dos sentidos possíveis de sua obra. 26. Em C. J. Wollen, "Lewis Carroll philosopher", Hibbert Jouma/ 46 (1947), p. 63. V PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS DO PARADIGMA COGNITIVO Depois de nossa digressão pela semiótica aplicada, gostaria de voltar, neste último capítulo, a algumas questões da semiótica geral. O assunto é interdisciplinar - a relação entre a semiótica e o paradigma das ciências cognitivas, como esse paradigma tem se desenvolvido e assumido caráter dominante nas ciências humanase de grande interesse para o futuro da semiótica.27 Ciências rivais ou irmãs? Tanto a semiótica quanto as ciências cognitivas têm sido desenvolvidas como ciências transdisciplinares. Será que ocrescimento recente das ciências cognitivas não é um índice de substituição iminente da semiótica pelo novo paradigma? Enquanto alguns autores já evocaram o espectro do fim da semiótica na era do cognitivismo, outros têm previsto uma revolução cognitivista no próprio quadro da semiótica. Por outro lado, um autor como T. A. Sebeok (1991: 2) declarou que a semiótica é uma ciência cognitiva avant la /ettre e que as ciências cognitivas são, em si mesmas, variantes da semiótica. Diante desse panorama, quais são as direções das ciências que começam a ser vislumbradas? 27 . Este artigo resume idéias previamente publicadas em Semiosis (Stuttgart) 73 (1994), p. 5-16. Ü GIRO COGNITIVO E A HISTÓRIA DA FILOSOFIA DA MENTE Conforme a historiografia normal das ciências cognitivas, o paradigma cognitivo não é de maneira nenhuma oposto à semiótica, mas surgiu das cinzas do behaviorismo. Na área da psicologia, a história dessa ciência no nosso século tem até sido considerada como seqüência de só duas eras: a do behaviorismo e a do cognitivismo (cf. Knapp, 1986: 13). Porém, a partir da perspectiva mais geral da história das ciências humanas, o giro cognitivo não tem sido só uma substituição de um paradigma por um outro, mas também uma restrição do escopo das ciências da mente. Defato, apsicologia, nas suas origens, começou com uma divisão do estudo da mente em três partes: cognição, afeição e conação (ou: conhecimento, sentimento e volição).28 Essa tríade pode ser encontrada já nas obras de Christian Wolff (1679-1754) e Alexander Baumgarten (1714-1762), que distinguem uma facultas cognoscitiva, uma facultas sensitiva e uma facultas appetiva. A 28. Cf. E. R. Hilgard, "Thetrilogyofmind", Journalofthe History of lhe Behavioral Sciences 16 (1980). p. 107-17. PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS .. 127 tríade étambém aparente na obra de lmannuel Kant (1724-1804), com suas três críticas: da razão pura (cognição), do julgamento (sentimento de prazer e dor) e da razão prática (volição e ação). Nessa ampla tradição, o paradigma cognitivo já começa a ser cr~iado pelo seu descuido para com a dimensão afetiva da mente. Essa crítica advém também de considerações sobre a estrutura de funcionamento do cérebro humano, no qual a diferenciação evolutiva entre neocortex (que coordena a cognição) edo sistema límbico (que coordena os afetos) fornece evidência para pensarmos a autonomia modular dos afetos e das cognições (cf. Maclean, 1972). COGNIÇÃO NA SEMIOSE Na filosofia de Peirce,atríade tradicional da mente corresponde às suas três categorias de primeiridade, secundidade eterceiridade. O sentimento pertence à primeiridade, a categoria do imediato e das qualidades ainda não diferenciadas. Avolição pertence à secundidade, categoria da interação diádica entre o eu e o outro (um primeiro e um segundo). Acognição pertence à terceiridade, categoria da comunicação, da representação "entre um segundo e um primeiro" (CP, 5.66). Embora cada categoria seja irredutível em si mesma, as mais elevadas pressupõem as mais baixas. Nesse sentido, o sentimento não é secundário à cognição mas está contido nela e faz a mediação entre o sentimento e a volição. Conforme Merrell indica, sentimento, volição e cognição também correspondem aos três constituintes do signo, de acordo com Peirce. O representamen, percebido na sua imediaticidade, pertence ao sentimento: "Aquilo no lugar do qual ele está, o objeto, é um outro diferente do eu e sujeito à volição. E a idéia que o representamen origina éoseu interpretante, que também resulta numa atividade cognitiva" (Merrell, 1971 : 27). Acognição é, portanto, um elemento constitutivo no processo do signo triádico ou semiose, tal como Peirce (CP, 5.484) define o processo em que o signo tem um efeito cognitivo no seu intérprete. PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS... 129 Mas a semiose não pode ser reduzida à cognição. Ela pressupõe a percepção, um processo triádico29 gerado na consciência do observador a partir de um nível de sentimento imediato ainda indiferenciado, no qual ele é "meramente a qualidade de um signo mental" (Peirce, CP, 5.291). Além de estar enraizada na tríade que forma junto ao sentimento eà volição, nesta moldura semiótica, acognição é parte de uma cadeia infinita de semiose ilimitada, de acordo com a qual ela "é determinada por uma cognição prévia" na mente do intérprete. As cognições são, conseqüentemente, nós na rede semiótica ilimitada que tem suas fundações no princípio de que '1odo pensamento é um signo" que "deve se dirigir a um outro, deve determinar algum outro, visto que essa é a essência de um signo" (Peirce, CP, 5.253). 29. Cf. Lucia Santaella, "A triadie theory oi perception", in: R. J. Jorna, 8. van Heusden, R. Posner (eds.), Signs, search and communications, Berlin, de Gruyter, 1993, p. 39-47. C OGNI ÇÃO, CO NCEI TU ALIZAÇÃO E ICO NI CIDADE Oparadigma cognitivo não é de modo algum homogêneo nas suas suposições básicas. Além disso, há também incompatibilidades entre correntes cognitivas diversas no seu estudo da mente. Lakoff (1987: xii-xv), por exemplo, opõe sua visão "experimentalista'' da cognição às vertentes "objetivistas" do estudo da mente. A semiótica, por outro lado, não é menos diversificada nas suas correntes de estudo dos sistemas sígnicos e, nesse contexto, é importante notar que nem todos os paradigmas da tradição semiótica são igualmente compatíveis com as visões mantidas pelos cognitivistas . A semiótica, na tradição saussureana do modelo diádico do signo, é um paradigma essencialmente incompatível com as suposições básicas da ciência cognitiva. Uma delas é a hipótese cognitivista da motivação do pensamento e da linguagem pela experiência corporal, a conformação biológica e raízes evolucionistas dos seres humanos. De acordo com avisão que Lakoff (1987: xiv) tem da motivação cognitiva da linguagem, "o coração dos nossos sistemas conceituais está diretamente fundado na percepção, no movimento corporal e na experiência de caráter físico e social". Tal visão não seria endossada pelos semioticistas da tradição diádica do signo que vai de Saussure, PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS. .. 131 via Hjemslev, até Greimas. Conforme o dogma saussureano da arbitrariedade, aestrutura dos conceitos lingüísticos é essencialmente imotivada por fenômenos não-lingüísticos. O pensamento antes da linguagem seria apenas uma massa amorfa eindistinta, uma nebulosa vaga não delimitada. Para essa tradição, "as idéias não existem antes da linguagem; nada é distinto e inteligível antes do aparecimento da linguagem". 30 Asemiótica na tradição do signo triádico peirceano, ao contrário, não é apenas compatível com a hipótese de a linguagem ser cognitivamente motivada, como também é capaz de fornecer moldura teórica apropriada para esse princípio cognitivista através da categoria do signo icônico, cujas "qualidades assemelham-se àquelas do seu objeto" (Peirce, CP, 2.299). Na medida em que um signo lingüístico ou padrão sintático é motivado cognitivamente pela estrutura da experiência corpórea, ele é um signo icônico. Note-se que a teoria semiótica da iconicidade não adota o realismo ingênuo que Lakoff (1987: 13) imputa à visão objetivista da cognição, a visão de que "uma vez que a mente humana faz uso de representações internas da realidade externa, a mente é um espelho da natureza e a razão correta espelha a lógica do mundo externo". Na moldura da semiótica peirceana, o objeto do signo verbal icônico não éde modo algum qualquer parte da realidade. Particularmente, um signo motivado por uma experiência corporal prévia é icônico das formas da cognição humana e seu objeto, a cognição motivadora, é assim, ela mesma, de uma natureza semiótica. 31 A referência icônica não relaciona o signo com um referente externo, mas ocorre dentro do processo da semiose. Conforme Peirce colocou em 1902, "o objeto do signo, aquilo a que ele virtualmente, 30. Ferdinand de Saussure, Curso de lingüística geral, São Paulo, Cultrix, (1916) 1969, p. 130 e Winfried Nõth, 1996, p. 33. 31 . Cf. Lucia Santaella, op. cit., "Charles S. Peirce's object (oi lhe sign)", ín: Versus 49 (1988), p. 53-8. 132 PANORAMA DA SEMIÓTICA pelo menos, professa ser aplicável, só pode ser ele mesmo um signo" (Pearce, 1967, manuscrito 599). A explicação da motivação cognitiva na linguagem como semiose icônica étambém compatível com o postulado cognrtivo de Lakoff (1987: xiv) de que "o pensamento é imaginativo, na medida em que aqueles concertos que não estão diretamente fundados na experiência empregam metáfora, metonímia e imagens mentais, todas elas indo além do espelhamento literal ou representação da realidade externa". A natureza imaginativa da cognição, à qual Lakoff se refere nesse postulado, reporta-se às variedades da semiose icônica que Peirce distingue corno aimagética, adiagramática eametafórica, hoje, fundação da semiótica lingüística. MODELOS DE COGNI ÇÃO COMO MODELOS DE SEMIOSES Holenstein (1990: 106) apontou para o fato de que o giro do behaviorismo para o paradigma cognitivista se fez acompanhar por um giro da metalinguagem fisicalista para a semiótica. Em lugar de categorias físicas,tais como energia,tensão,descarga, impulso, atração, repulsão ou reforço, o novo paradigma usa categorias que se referem a signos e processos sígnicos. Representação, imagem, informação ou código, programa e computação são os termos do novo paradigma Este giro de metalinguagem fisicalista para asemiótica caminha paralelamente com a mudança de uma lógica das relações diádicas, que são básicas na física clássica (tais como causa-efeito, estímuloresposta), para relações triádicas,que estão subjacentes aos processos semióticos.32 Examinemos, no que se segue, alguns termos-chave da ciência cognitiva, para que se possa investigar em mais detalhes sua natureza semiótica. 32. Cf. John Deely, lntroducing semiotic, Bloomington, Indiana Univ. Press , 1982 , p. 95 . Ver também Dan Nesher, "Understanding sign semiosis as cognition", in: Semiotica 79 (1990), p. 4. 134 PANORAMA DA SEMIÓTICA Cognição como interpretante e signo equivalente Já comentamos brevemente sobre a natureza semiótica da cognição, o termo do qual a ciência cognitiva buscou seu nome. A tríade semiótica do signo veículo (representamen), objeto e interpretante (p. 65, 128) constitui o signo como "um representamen do qual algum interpretante éacognição de uma mente" (Peirce, CP, 2.242). Acognição funciona então em primeiro lugar como o interpretante de um signo, que Peirce (CP, 8.179) também define como o pensamento ou idéia "criada na mente do intérprete" de um signo. No entanto, uma vez que o pensamento, e, portanto, a cognição, de acordo com Peirce (CP, 5.283), é somente possível através de signos, o interpretante de um signo também funciona ele mesmo como um signo. Na cadeia infinita de semioses, a cognição é, portanto, um "signo-pensamento [... )traduzido ou interpretado por um subseqüente" (CP, 5.284). Givón (1989:21, 71) adota anoção peirceana de interpretante como uma base de sua gramática cognrtiva,usando-a como um sinônimo do "contexto percebido"dos signos da linguagem. Uma vez que "contexto" comum ente se refere à dimensão sintagmática dos signos da linguagem, essa interpretação pode ser enganadora. Arelação entre orepresentamen eseu interpretante é mais uma relação paradigmática, uma vez que ambos os signos estão em uma relação de equivalência semiótica ao referir-se ao mesmo objeto. Como assinala Peirce (CP, 2.228), osigno criado na mentede um intérprete é"um signo equivalente,ou talvez um signo mais desenvolvido". A relação de equivalência é também central para o paradigma cognitivo. Ela caracteriza, por um lado, a relação lógica entre o domínio do representante e do representado de uma representação cognitiva (p. 135) e é, por outro lado, importante para o processo mental de assimilação de novas cognições. Neste último sentido, Minsky (1986: 57)'33 define acompreensão como um processo em que representamos 33. Ver também: Thomas A. Sebeok, Semiotics in lhe United States, Bloomington, Indiana Univ. Press, 1992, p. 4. PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS ... 135 tudo o que énovo como se essa coisa nova se assemelhasse a algo que já conhecemos. Sempre que o funcionamento interno de uma nova coisa é bastante estranho ou complicado de se lidar diretamente, representamos quaisquer que sejam suas partes em termos de signos mais familiares. Desta forma, fazemos com que cada novidade pareça similar a algo mais comum . Representações mentais, modelos e iconicidade Aciência cognitiva investiga significados como representações mentais e descreve a compreensão como um processo de construção de modelos mentais.34 Anatureza semiótica destes processos éóbvia para cognitivistas e semioticistas. Johnson-Laird (1988a: 28) enumera "percepções, idéias, imagens,crenças, hipóteses, pensamentos ememórias" como exemplos de representações mentais e especifica que ·~odas estas entidades [... ]são símbolos de um ou de outro tipo". Em termos de semiótica peirceana, o argumento é que "cada pensamento, ou representação cognitiva, é da natureza, do signo. "Representação" e "signo" são sinônimos" (Peirce, CP, 8. 191 ). Tendo como base a ciência cognitiva, Palmer (1978: 262) define o conceito de representação da seguinte maneira: Uma representação é, primeiro e antes de mais nada, algo que está no lugar de outra coisa. Em outras palavras, é algum tipo de modelo da coisa (ou coisas) que ela representa. Esta descrição implica a existência de dois mundos 34. Cf. Philip N. Johnson-Laird, "How is meaning mentally represented?", in: U. Eco, M. Santambrogio & P. Violi (eds.), Meaning and mental represenfafions, Bloomington, Indiana Univ. Press, 1988b, p. 99, 110. 136 PANORAMA DA SEMIÓTICA relacionados mas funcionalmente separados: o mundo representado e o mundo representante . A função do mundo representante é refletir alguns aspectos do mundo representado de alguma maneira. Nem todos os aspectos do mundo representado precisam ser modelados, nem todos os aspectos do mundo representante precisam modelar um aspecto do mundo representado. No entanto, deverá haver alguns aspectos correspondentes se um mundo representar o outro. A base semiótica dessa concepção cognitiva de representação é, por um lado, o ingênuo modelo diádico, não odo tipo saussureano, mas aquele baseado na hipótese realista de uma simples oposição signo/objeto ou mente/mundo. Por outro lado, Palmer defende a visão de iconicidade na representação mental. De maneira similar, Jorna (1990: 31 , 35) define representação como o mapeamento de estruturas de um domínio representado referindo-se àquelas de um domínio representante, onde a relação entre os dois domínios éde equivalência ou semelhança (portanto iconicidade). Como Joma (1990: 37) assinala, os conceitos fundamentais da ciência cognitiva, tais como modelo, analogia, metáfora, simulação e representação, "são baseados na noção de representação pictórica, ou seja, no retrato do(s) (aspectos do) domínio A no/sobre o domínio B". A ciência cognitiva distingue muitos subtipos de representações mentais relacionadas a diferentes atividades da mente. Entre eles estão as representações perceptuais, pictoriais, proposicionais, episódicas e semânticas (cf. Joma, 1990: 20). Estas podem ser incluídas na categoria de iconicidade ou elas não evidenciam a presença de signos icônicos esimbólicos na representação mental? Aresposta para esta questão pode ser dada se levarmos em consideração os três tipos de iconicidade peirceana: iconicidade imagética, diagramática e metafórica. Na representação pictórica há, sem dúvida, a PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS .. 137 predominância da iconicidade imagética. As representações semânticas e proposicionais envolvem o processamento de signos simbólicos (arbitrários), mas, na medida em que concernem a seus padrões sintagmáticos, tais representações também evidenciam iconicidade diagramática (p. 135). Cognição e mediação semiótica Contrariamente ao modelo diádico ingênuo (mundo/mente) de cognição, as teorias triádicas da cognição semioticamente mais adequadas são aquelas que reconhecem o papel da mediação na cognição. Do ponto de vista da ciência cognitiva, Molitor, Ballstaedt e Mandl (1989: 1O) descrevem afunção mediata dos modelos mentais da seguinte forma: Modelos mentais parecem oferecer um meio de mediação entre as diferentes formas de conhecimento . Um modelo mental é a representação de uma área limitada da realidade num formato que permite a simulação interna de processos externos de tal forma que permita tirar conclusões e fazer predições. Novamente, temos uma descrição cognitivista do papel do interpretante- também modelo mental - no processo de interpretação. Afunção de mediação neste processo é mais especificamente clara na teoria dos modelos mentais na compreensão da linguagem proposta por Johnson-Laird (1988b: 11 O): De acordo com esta teoria, a representação mental inicial de um enunciado que está próximo de sua forma /ingüfstica é usada para construir um modelo do estado de coisas que 138 PANORAMA DA SEMIÓTICA é descrito [. .. ]. O processo é guiado por um conhecimento da contribuição para as condições de verdade produzidas pelas palavras no enunciado, por um conhecimento de como combinar significados de acordo com a sintaxe [. ..] por um conhecimento do contexto [.. .] e pelo conhecimento geral do domínio das convenções do discurso. Esta descrição da cognição verbal corresponde em sua base à concepção triádica peirceana de semiose. Ela começa com uma especificação da fala como um representamen, que já é um signo, uma vez que evoca uma representação inicial mental. Os "estados de coisas" são os objetos deste signo. Os modelos mentais fazem a mediação entre esses dois correlatos do signo como seu interpretante. Fazem surgir um "signo mais desenvolvido" (p. 134) esão auxiliados neste processo pelos vários modos de conhecimento disponível. A concepção de Johnson-Laird da compreensão do texto pode assim servir como uma exemplificação da definição de Peirce do interpretante como uma "representação mediata" (CP, 1.554) e de representação como um "meio entre um segundo e seu primeiro" (CP, 5.66). Peirce deve ter antecipado o papel central que sua idéia de mediação um dia teria na teoria cognitivista dos modelos mentais quando exclamou em 1906 (MS, 339):35 "Todas as minhas noções são muito estreitas. Ao invés de 'Signo', não deveria dizer 'Meio'?" Esquemas, hábitos e interpretante final Ateoria dos esquemas éuma abordagem adicional da cognição cujos fundamentos podem ser elucidados tendo-se como referência 35. Em Richard J. Parmentier, "Sign's place in medias res", in: E. Mertz & R.J. Parmentier (eds.), Semiotic mediation, Orlando, FL, Academic Press, 1985, p. 23. PEIRCE E AS BASES SEMIÓTICAS ... 139 a teoria da semiose. No contexto da cognição, o termo esquema foi primeiramente proposto por Kant edepois adotado como um termochave na psicologia da memória de Bartlett ena epistemologia genética de Piaget. Tendo como fundamento a ciência cognitiva, Rumelhart (1980: 33-34) define esquema como os '1ijolos da cognição" que representam e organizam o uso do conhecimento: Um esquema, portanto, é uma estrutura de informação para representar os conceitos gerais guardados na memória [ ... ]. Um esquema contém, como parte de sua especificação, a rede de intercorre/ações que se acredita estar normalmente entre os constituintes do conceito em questão. Há três implicações semióticas nesta consideração do papel dos esquemas no processo de cognição. Oprimeiro é que a descrição de esquemas como "redes de inter-relações" refere-se ao princípio semiótica de semiose ilimitada (p. 128), de acordo com a qual o interpretante do signo está sempre presente em uma rede de cognições prévias (e futuras) ou elementos do conhecimento. Asegunda implicação tem a ver com a natureza essencialmente inferencial da semiose que se reporta ao princípio peirceano de que toda cognição édeterminada logicamente pelas cognições prévias.36 Uma vez que os esquemas são formados como resultado de cognições previamente memorizadas, estes servem da mesma maneira como dados dos quais derivam-se inferências na interpretação de novas cognições. Aterceira implicação refere-se ao fato de os esquemas serem um conjunto de relações que o intérprete "acredita estar normalmente entre os constituintes de um concerto". As categorias semióticas que estão mais proximamente 36. Cf. G. Gentry, "Peirce's early and !ater theory of cognition and meaning", in: Philosophical Review 55 (1946), p. 636-37. 140 PANORAMA DA SEMIÓTICA associadas a este aspecto dos esquemas são as do hábito37 e da generalização. Ambas as categorias são centrais para a semiose como processo cognitivo,38 pois hábitos e regras gerais são o resultado do uso do signo e o pré-requisito das inferências necessárias na interpretação do signo. Neste contexto, Peirce (CP, 8.332) argumenta: "Parece-me que a função essencial de um signo é[ ... ] estabelecer um hábito ou uma regra geral de acordo com a qual eles agirão numa dada ocasião". Mais especificamente em sua teoria do significado, a categoria do hábito é constitutiva daquilo que Peirce define como o interpretante lógico "finaf', "nonnal'' ou "último".39 Este tipo de interpretante refere-se à fase final no processo de interpretação semiótica, na qual a cognição formada na mente do intérprete torna-se um hábito, "uma tendência [.. .] certa de comportar-se de maneira similar sob circunstâncias similares no futuro" (Peirce, CP, 5.487). Neste estágio, o signo preenche a mesma função de um esquema da cognição. Ele aponta tanto para opassado (qua memória) quanto para ofuturo (qua interpretação habrtual) no processo de semiose. Como Peirce afirmou em 1902:40 "A natureza de um signo écomo a da memória, que recebe as transmissões da memória passada e transfere parte dela para a memória futura." 37. Cf. M. Arbib & M. Hesse, The construction of reality, Cambridge Univ. Press, 1986, p. 43 . 38. Cf. Dan Nesher , "Understanding sign semiosis as cognition", in: Semiotica 79 (1990) , p. 10. 39. Cf. G. Gentry, "Habit and the logical interpretant", in : P. P. Wiener & F. H. Young (eds.), Studies in the philosophy of Charles Sanders Peirce, Cambridge, MA, Harvard Univ. Press, 1952, p. 75-90. 40. MS, 599, citado em J. Dines Johansen, Dialogic semiosis, Bloomington , Indiana Univ. Press, 1993, p. 169. C ONCLUSÃO A semiótica está longe de ser um paradigma ameaçado pelo advento da ciência cognitiva, mas há um desafio duplo para as ciências do signo e da cognição. Enquanto a ciência cognitiva representa um desafio para a semiótica na medida em que semioticistas são requisitados para contribuir nas fundações dos estudos cognitivos, a semiótica é também um desafio para a ciência cognitiva na medida em que o novo paradigma no estudo da mente não pode atingir um conhecimento satisfatório da cognição sem levar em consideração o conhecimento com que a semiótica tem contribuído para o estudo da cognição desde quando John Locke primeiramente postulou uma Sémeiotiké como uma Doutrina dos Signos em 1690. BIBLIOGRAFIA Abrams, M. H. 1953. The mirrar and lhe lamp. Oxford, Univ. Press. Arbib, M. & M. Hesse. 1986. The construction of reality. Cambridge, Univ. Press. Arnauld, Antoine & Pierre Nicole. (1683) 1965. La logique ou l'art de penser. Organização de B. von Freytag Lõringhoff & H. E. Brekle, 2 vols. Stuttgart, Frommann. Agostinho, Aurélio. (397) 1971. Doutrina cristã. São Paulo, Edições Pauli nas. Baer, Eugen. 1987. Grasping semiotics. ln: Semiotica 65-112, 157-61. Barthes, Roland. (1964) 1993. Elementos de semiologia. São Paulo, Cultrix. _ _ _ _ _ . 1972. Criticai essays. Evanston, North Western Univ. Press. Baudrillard, Jean. 1976. L'échange symbolique et la mort. Paris, Gallimard. Baumgarten, Alexander Gottlieb (1750/58) 1983. Theoretische Asthetik. Organização de H. R. Schweizer. Hamburg, Meiner. Berkeley, George. (171 O) 1969. The principies of human knowledge. Organização de G.J. Warnock. London, Fontana. PANORAMA DA SEMIÓTICA 144 Bolzano, Bernard. (1837a) 1971 . Semiotik. Organização e Introdução de E. Walther. Stuttgart, Edition Rot. _ _ _ _ _ . (1837b) 1970. Wissenschaftslehre. 4 vais. Aalen, Scientia. Trad. ingl., 1973. Theory of science. Dordrecht, Reide!. Bottin, Francesco. 1978. La polemica contra i Moderni Loyci [... ] nella Decas Loyca di Leonino da Padova. ln: Medioevo 4, 108. Bühler, Karl. (1934) 1965. Sprachtheorie. Stuttgart, Fischer. Carrol!, Lewis. (1865/1871) 1971 . Alice in wonderland. Organização de D. J. Gray. New York, Norton. Trad. port., 1977, por Sebastião Uchoa Leite, Aventuras de Alice. Rio de Janeiro, Fontana/Summus. Carrol!, Lewis. (1890) 1977. Sylvie and Bruno concluded. ln: L. Carrol!. The complete works. Organização de A. Woollcott. London, Nonesuch. Condillac, Etienne B. de. (1746) 1947. Essai sur !'origine des connaissances humaines. ln: E. B. de Condillac. 1947. Oeuvres philosophiques. Paris, Presses Univ. de France, vol. 1, 1-118. Daddesio, T. A. 1986. The construction of reality. American Journal of Semiotics 6, Cambridge, 312-24. Dalgarno, George. (1661) 1968. Ars signorum, vulgo character universalis et lingua philosophica. Menston, Scolar. Deely, John. 1982. lntroducing semiotic. Bloomington, Indiana Univ. Press. Trad. port., 1995. Introdução à semiótica. Lisboa, Fundação C. Gulbenkian. Degérando, M.-J. 1800. Des signes et de l'art de penser considérés dans leurs rapports mutueis. Paris, Etienne. Dilthey, Wilhelm. (1900) 1968. Die Entstehung der Hermeneutik. ln: W. Dilthey. Gesammelte Schriften, vol. 5. Gõttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 317-31. Eberle, Patricia J. 1986. Semionauts. ln: Toronto Semiotic Gire/e 6, 4. BIBIJOGRARA 145 Eco, Umberto. 1976. A theory of semiotics. Bloomington, Indiana Univ. Press. Eco, Umberto, Roberto Lambertini, Costantino Marmo & Andrea Tabarroni. 1986. "Latratus canis" or The dog's barking. ln: J. Deely, B Williams & F.E. Kruse (orgs.). Frontiers in Semiotics. Bloomington, Indiana Univ. Press, 63-73. Fish, Stanley. 1980. Is there a text in this class? The authority of interpretive communities. Cambridge (Mass.), Harvard Univ. Press. Foucault, Michel. 1966. Les mots et les choses. Paris, Gallimard. Gentry, G. 1946. Peirce's early and later theory of cognition and meaning. Philosophical Review 55, 634-650. Gentry, G. 1952. Habit and the logical interpretant. ln: P. P. Wiener & F. H. Young (orgs.). Studies in the philosophy ofCharles Sanders Peirce. Cambridge, MA, Harvard Univ. Press, 7590. Givón, Talmy. 1989. Mind, code, and context. Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum. Goodman , Nelson. 1972. Seven strictures on similarity. ln: N. Goodman. Problems and projects. lndianapolis, BobbsMerrill, 437-47. Haller, Rudolf. 1959. Das 'Zeichen' und die 'Zeichenlehre' in der Philosophie der Neuzeit, ln: Archiv für Begriffsgeschichte 4, 113-57. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. (1830) 1970. Enzyklopadie der philosophischen Wissenschaften, 3 vols. Frankfurt/Main, Suhrkamp. Herder, Johann Gottfried. 1768 (1877). Über die neuere deutsche Literatur. Fragmente (Samtliche Werke. Organização de B. Suphan, vol. 2), 1-108. Berlin, Weidmann. Hilgard, E.R. 1980. The trilogy of mind. Journal of the History of the Behavioral Sciences 16, 107-17. Hjelmslev, Louis. (1943) 1961. Prolegomena to a theory oflanguage. Madison, Univ. of Wisconsin Press. 146 PANORAMADASEMIÓTICA Hobbes, Thomas (1655) 1966. Elements of philosophy 1, Concerning body. ln: T. Hobbes, The English works, vol. 1. Aalen , Scientia. Holenstein, Elmar. 1990. Kognitive oder semiotische Wissenschaft. ln: W. A. Koch (ed). Semiotik und Wissenschaftstheorie. Bochum, Brockmeyer, 103-17. Jakobson, Roman. 1971 . À procura da essência da linguagem. ln: R. Jakobson. Lingüística e comunicação. São Paulo, Cultrix, 98-117. João de São Tomás (loannis a Saneio Thoma). (1634) 1948. Ars logica . Organização de Beato Reiser. Roma, Marietti. Johansen, J. Dines. 1993. Dialogic semiosis. Bloomington, Indiana Univ. Press. Johnson-Laird, Philip N. 1988a. The computer and the mind. Cambridge, MA, Harvard Univ. Press. Johnson-Laird, Philip N. 1988b. How is meaning mentally represented? ln: U. Eco, M. Santambrogio & P. Violi (orgs.). Meaning and mental representations. Bloomington, Indiana Univ. Press, 99-118. Jorna, René. 1990. Knowledge representation and symbols in lhe mind. Tübingen, Stauffenburg. Knapp, Terry J. 1986. The emergence of cognitive psychology. ln: T. J. Knapp & L. C. Robertson (orgs.). Approaches to cognition. Hillsdale, Erlbaum, 13-35. Korzybski, Alfred. 1933. Science and sanity. Lakeville, Conn., lnt. Non-Aristotelian Library. Lakoff, George. 1987. Women, fire and dangerous things: What categories reveal about lhe mind. Chicago, Univ. Press. Lambert, Johann Heinrich. (1764) 1965. Neues Organon oder Gedanken über die Erforschung und Bezeichnung des Wahren und dessen Unterscheidung vom lrrthum und Schein (Philosophische Schriften, vol. 1-2). Hildesheim, Olms. Locke, John . (1690) 1973. An essay concerning human understanding. London, Collins. BIBU03RAFIA 147 Lotman, Jurij. 1977. The structrure of lhe artistic text. Ann Arbor, Michigan Slavic Contributions. Maclean, Paul D. 1972. Cerebral evolution and emotional processes. ln: Annals ofthe New York Aca'demyof Sciences 193, 13749. Manetti, Giovanni. 1993. Theories of lhe sign in classical Antiquity. Bloomington, Indiana Univ. Press. Maturana, Humberto R. & Francisco Varela. 1972. Autopoiesis and cognition. Dordrecht, Reide!. Merrell, Floyd. 1991 . Signs becoming signs. Bloomington, Indiana Univ. Press. Minsky, Marvin. 1986. The society of mind. New York, Simon & Schuster. Molitor, Sylvie, Steffen-Peter Ballstaedt & Heinz Mandl. 1989. Problems in knowledge acquisition from text and pictures. ln: H. Mandl & J. R. Levin (orgs.). Knowledge acquisition from text and pictures. Amsterdam, North Holland, 3-35. Morris, Charles W. 1971 . Writings on lhe general theory of signs. The Hague, Mouton. Nesher, Dan. 1990. Understanding sign semiosis as cognition and as self-conscious process. ln: Semiotica 79, 1-49. Neto, Teixeira Coelho. 1980. Semiótica, informação e comunicação. São Paulo, Perspectiva. Nóth, Winfried. 1972. Strukturen des Happenings. Hildesheim, Olms. _ _ _ _ _ . 1986. EI marco semiótica de la textolinguística. ln: J. B. Leongómez (org.). Antología de linguística textual. Bogotá (Publ. dei lnst. Caro y Cuervo, ser. min.), 75-98. _ _ _ _ _ . 1990a. Handbook of semiotics. Bloomington, Indiana Univ. Press (Advances in semiotics). _ _ _ _ _ . 1990b. The semiotic potential for iconicity in spoken and written language. ln: Kodikas/Code 13, 191-209. _ _ _ _ _ . 1994a. Alice's adventures in semiosis. ln: R. Fordyce & C. Marel/o (orgs.). Semiotics and linguistics in Alice's worlds. Berlin, de Grutyer, 11-25. 148 PMIQRAMADASEMIÓTICA Nõth, Winfried. 1994b. Semiotic foundations of the cognitive paradigm. ln: Semiosis (Stuttgart) 73, 5-16. _ _ _ _ _ (org.). 1994c. Origins of semiosis. Berlin, New York, Mouton de Gruyter. _ _ _ _ _ . 1996. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume. Oehler, Klaus. 1981. Johann Gottlieb Fichte. ln: A. Lange-Seidl (org.). Zeichenkonstitution, vol. 1. Berlin, de Gruyter, 75-81 . Ogden, Charles Kay & lvor Armstrong Richards. (1923) 1946. The meaning of meaning. New York, Harcourt. Palmer, S.E. 1978. Fundamental aspects of cognitive representation . ln: E. Rosch & B. B. Lloyd (orgs.). Cognition and categorization. Hillsdale, N. J., Lawrence Erlbaum, 259-303. Parmentier, Richard J. 1985. Sign's place in medias res: Peirce's concept of semiotic mediation . ln : E. Mertz & R. J. Parmentier (orgs.). Semiotic mediation. Orlando, FL, Academic Press, 23-48. Peirce, Charles Sanders. 1931-58. Col/ected papers. vols. 1-6 organizados por Charles Hartshorne & Paul Weiss; vols. 7-8 organizado por Arthur W. Burks. Cambridge, Mass., Harvard Univ. Press. _ _ _ _ _ . 1967. Annotated Catalogue of lhe Papers of Charles S. Peirce de Richard S. Robin. Amherst, University of Massachusetts Press. _ _ _ _ _ . 1977. Semiotic and significs: The correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Organização de C. S. Hardwick. Bloomington, Indiana Univ. Press. Poinsot, John (João de São Tomás). (1632) 1985. Tractatus de signis. Trad. &org. John N. Deely. Berkeley, Univ. of California Press. Rauch, lrmengard. 1994. 1994. ln: Semiotica 98-112, 157-62. Rumelhart, David E. 1980. Schemata, lhe building blocks of cognition. ln : R. J. Spiro, B. C. Bruce & W. F. Brewer (orgs.). BIBl.JOGRAFIA 149 Theoretical issues in reading comprehension. Hillsdale, N. J., Lawrence Erlbaum , 33-58. Santaella, Lucia. 1983. Oque é semiótica. São Paulo, Brasilense. _ _ _ _ _ . 1988. Charles S. Peirce's object (of lhe sign). Versus 49, 53-58. _ _ _ _ _ . 1993. A triadie theory of perception. ln: R. J. Jorna, B. van Heusden, R. Posner (orgs.). Signs, search and communications. Berlin, de Gruyter, 39-47. Saussure, Ferdinand de. {1916) 1986. Cours de linguistique générale. Organização de Charles Bally & Albert Sechehaye. Paris, Payot. Trad. port. 1969. Curso de lingüística geral. São Paulo, Cultrix. Sebeok, Thomas A. 1986. An evolving theory oi mind. Times Literary Supplement 4 July, 740. Sebeok, Thomas A. 1991. Semiotics in lhe United States. Bloomington, Indiana Univ. Press. Sebeok, Thomas A., Alfred S. Hayes & Mary Catherine Bateson (orgs.) (1964) 1972. Approaches to semiotics. The Hague, Mouton. Smart, Benjamin Humphrey. 1842. Beginnings of a new schoo/ of metaphysics. Three essays: (1) Outline oi sematology & sequei to sematology (1831). (2) Sequei to semtology (1837). (3) Appendix (1839). London, Longman. Vico, Giambattista. (1725) 1984. The newscience. Trad. T. G. Bergin &M. H. Fish. lthaca, Cornell Univ. Press. Welby, Victoria Lady. (1903) 1983. What is meaning? Organização de A. Eschbach. Amsterdam, Benjamins. _ _ _ _ _ . (1911) 1985. Significs and /anguage. Organização de H. W. Schmitz. Amsterdam , Benjamins. Wilkins , John . (1641) 1984. Mercury, ar lhe secret and swift messenger. Amsterdam , Benjamins. Wolff, Christian. (1720) 1983. Vernünfftige Gedancken von Gott, der Welt und der Seele des Menschen, auch allen Dingen überhaupt(Gesammelte Werke 1. 2). Hildeshmheim, Olms. Esta obra foi impressa em sistema digital sob demanda e corresponde ao consumo de 1,2 árvores retlorestadas sob a nonna ISO 14001. RECICLE SEMPRE. 1 12 !!-rteaf • _.,,.li.e.ti.com.br Tel.(11 ) 3111-2117 ~NSAIO ~SBOÇ ~STUDO "A palavra filigrana se refere a uma obra de ourivesaria, formada de fios de ouro ou de prata, delicadamente entrelaçados e soldados. Não há imagem melhor para caracterizar este Panorama da Semiótica que Winfried Nõth entrega ao público brasileiro do que a filigrana. De fato, cada um dos capítulos assemelhase a uma obra de ourivesaria, o conjunto deles compondo uma pequena constelação de filigranas finissimamente tecidas com os fios da erudição e da lucidez. Numa visão global, fiel ao seu título, o livro, no seu todo, funciona como uma apresentação panorâmica não apenas do desenvolvimento histórico da semiótica, mas também das questões mais fundamentais que este campo de estudo permite detectar." ... -~· (Trecho da apresentação de Lucia Santaella) \O !"') \O °' AN_~ V') V') ao V') ao ao r- °' -"