M
agia é um processo semiótico. O sig-
no mágico é um signo humano usa-
do com a intenção e a promessa de obter uma
influência imediata sobre o mundo dos objetos.
Enquanto na nossa vida cotidiana o signo atua
como um mediador entre os mundos mentais e
o mundo dos objetos, o mago pretende que os
seus signos tenham o poder de causar transformações e efeitos imediatos no mundo não-humano. O racionalismo da modernidade quis desmascarar a magia como uma falácia semiótica
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WINFRIED NÖTH
SEMIÓTICA
DA MAGIA
WINFRIED NÖTH
é professor de
Semiótica e
Lingüística e diretor
do Departamento de
Línguas Modernas da
Universidade de
Kassel, Alemanha.
É também professor
convidado
permanente do
Programa de
Pós-graduação em
Comunicação e
Semiótica da
PUC-SP. Entre os
seus vários livros e
inúmeros artigos
destacam-se
Handbook of
Semotics (trad. bras.
em preparação pela
Edusp), Origins of
Semiosis e Semiotics
of the Media.
Publicou no Brasil
Panorama da
Semiótica e A
Semiótica no Século
XX (AnnaBlume).
A criação do
mundo segundo
xamãs mexicanos
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Este trabalho desenvolve
umas idéias previamente
publicadas em Nöth (1977a,
1977b, 1986, 1990a, pp. 18891, e 1990b). O autor agradece a Gerson Tenório dos Santos e Luci Mendes de Melo
Bonini pelas traduções dos
artigos de 1986, 1990a e
1990b, que foram em parte
incorporadas neste trabalho.
Lucia Santaella fez milagres
para melhorar o português
deste texto.
31
ou até como um grande erro da civilização,
mas o pensamento mágico conseguiu resistir
à sua desconstrução analítica e até encontrou
um novo reconhecimento na era pós-moderna. Examinaremos, a seguir, as raízes
semióticas da magia, os mecanismos da
semiose mágica e umas manifestações do
pensamento mágico desde os tempos arcaicos até a vida cotidiana da civilização pósmoderna (1).
BREVE HISTÓRIA SEMIÓTICA
DA MAGIA
AS ORIGENS DA SEMIÓTICA
NA MAGIA
As origens da semiótica estão intimamente
relacionadas com a prática dos magos préhistóricos (2). Evidência dessa conexão arcaica entre a semiótica e a magia aparece na
etimologia de várias palavras designando
conceitos semióticos básicos. A palavra inglesa spell ainda hoje significa tanto “soletrar” quanto “fórmula de encantamento”. A
velha palavra germânica runa não designava
somente as letras do alfabeto rúnico, mas também “feitiço” ou “encantamento mágico”. O
domínio das letras foi aparentemente associado ao domínio da magia. A palavra inglesa
glamour, que significava antigamente “bruxaria” e “palavra mágica”, era uma corrupção
popular da palavra grammar (gramática): para
o povo, o conhecimento da gramática era
evidentemente um saber mágico. Não só os
sábios dos signos lingüísticos, mas também
os produtores dos signos visuais eram considerados aliados da magia. Evidência dessa
conexão arcaica entre a pintura e a magia (3)
existe na etimologia da palavra alemã Bild
(“imagem”), cujo étimo germânico *bil- significa “signo miraculoso”.
1 Sobre outros aspectos da
semiótica da magia, ver
também Lange-Seidl (org.)
(1988).
2 Thorndike (1958) e Hansen
(1986) desenvolveram a
tese de que a magia é o precursor cultural das ciências
naturais.
3 Sobre as origens culturais
das artes visuais no contexto da magia, ver, por exemplo, Kris (1952, pp. 47-56)
ou Koch (1984).
32
A MAGIA ARCAICA E MEDIEVAL
A história semiótica da magia começa com
a magia pura das culturas arcaicas, que sobreviveu até hoje nas culturas que os antropólogos eurocentristas do século XIX chamavam de “primitivas”. Exemplos europeus
dessa magia pura se encontram, entre outros,
na coleção dos antigos encantamentos ingleses (Old English Charms) do século IX
(Storms, 1948; Grattan e Singer, 1952). A
magia pura é caracterizada pela confiança
imperturbável da comunidade, que pratica a
magia, na eficiência real do ato mágico no
mundo. A Igreja medieval quis romper com
a tradição dessa magia pura com proibições,
estigmatizando-a como pagã. As doutrinas
judaico-cristãs, porém, não estão livres de
elementos mágicos, ou, ao menos, das possibilidades de uma interpretação mágica. Se
Deus, conforme o livro da Gênese 1, criou o
mundo com palavras, este ato criativo foi
certamente um ato mágico. Na tradição cristã, a magia não se encontra só nos milagres
dos santos, mas também na doutrina da
transubstanciação eucarística. Se as palavras
do padre, Hoc est corpus, têm o poder de realmente transformar o pão em corpo de Cristo, não é de admirar que o povo medieval via
aí um ato mágico e que a fórmula sagrada
Hoc est corpus foi ironicamente corrompida
pela palavra nova hocuspocus, que significa
nada menos do que “charlatanice”.
O FIM DA MAGIA NO
RACIONALISMO MODERNO
O fim da magia pura veio com a era moderna, que, no sentido amplo, começa com
as descobertas científicas da Renascença. O
pensamento mágico foi então considerado
incompatível com o espírito científico. Max
Weber caracterizou o advento da idade moderna como um processo de “desencantamento (Entzauberung) do mundo”: o mundo desencantado é o mundo que perdeu a
confiança no poder do mago. Na teologia, o
último capítulo dessa história do desencantamento do mundo foi escrito por Rudolf
Bultmann com a sua teoria da exegese metafórica da Bíblia.
Na antropologia cultural, o crítico mais
severo da magia nas sociedades chamadas de
“primitivas” foi Frazer. No seu julgamento, a
magia é um “sistema errôneo” ou mesmo uma
“falácia grande e desastrosa” (Frazer, 1922,
p. 26): “O homem confundiu a ordem de suas
idéias com a ordem da natureza e, portanto,
imaginou que o controle que ele tem, ou pare-
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ce ter, sobre seus pensamentos permitiu-lhe
exercitar um correspondente controle sobre as
coisas” (citado por Freud, 1913, p. 83).
Nesse ambiente racionalista do mundo
“civilizado”, a magia pura não podia sobreviver senão em várias formas transformadas ou
degeneradas: o primeiro domínio de sobrevivência restringe-se ao ambiente subcultural
das práticas mânticas (cf. Guiraud, 1971, pp.
59-65), tal como na adivinhação do futuro
pela leitura do depósito de café, pela observação da terra (geomancia; cf. Jaulin, 1970),
pelas cartas (cartomancia; cf. Aphek e Tobin,
1986) ou pelas linhas da mão (quiromancia).
Enquanto na magia pura o poder sobrenatural
provém de um signo emitido pelo mago, o
signo mântico é emitido pelo acaso da natureza, que o médio mântico pretende somente
interpretar. O segundo domínio da sobrevivência da magia é a magia supersticiosa. A
prática dessa forma de magia no mundo civilizado é ambígua com respeito às suas condições pragmáticas de sinceridade: ninguém tem
que admitir realmente acreditar que, por exemplo, “deixar o guarda-chuva aberto dentro de
casa traz desgraças”, mas as pessoas, de
qualquer modo, o fecham, sem ter que admitir que o fazem por superstição. Quando seguimos as regras do código supersticioso, sem
crer nelas, a prática supersticiosa no mundo
civilizado se torna uma forma de semiose
lúdica. Pretendemos segui-las somente “por
brincadeira”.
O terceiro domínio em que o mundo moderno permite a sobrevivência da magia é na
ficção do conto popular, por exemplo, no
conto de “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”:
o leitor desse exemplo de magia fictícia é
confrontado com um mundo imaginário no
qual não tem que acreditar na realidade dos
acontecimentos. O quarto e último domínio
da magia no mundo civilizado é a magia
metafórica tal como é encontrada, por exemplo, nas promessas da publicidade nas mídias
que descrevem os produtos com epítetos tais
como “mágico” ou “sobrenatural”. Tais figuras retóricas não exigem nenhuma crença literal em efeitos realmente mágicos e não pressupõem uma mentalidade arcaica do lado do
público, mas o alvo dessa retórica hiperbólica
não se distingue muito da prática dos magos.
Ambos querem o máximo de influência sobre o público.
DO PENSAMENTO “PRIMITIVO”
AO PAN-MÁGICO
A história do estudo da magia mostra uma
expansão progressiva do campo dos fenômenos considerados mágicos. Os primeiros estudos feitos por antropólogos referiram-se
somente à magia em contextos culturais ou
rituais. Os antigos encantamentos ingleses são
exemplos desse setor do campo da magia.
Uma primeira extensão significante na
área da magia foi proposta no fundamento da
epistemologia genética de Piaget (1927). Para
ele, o pensamento mágico é uma primeira fase
do desenvolvimento da criança na qual realidade e pensamento estão ainda insuficientemente diferenciados.
A extensão mais radical no domínio dos
fenômenos da magia foi proposta numa tradição iniciada por Ogden e Richards (1923), no
capítulo sobre “O Poder das Palavras” de seu
livro O Significado do Significado (ver também Ogden, 1934). Essa tradição continuou
com a crítica da linguagem dos semanticistas
gerais (Korzybski, 1933) e suas advertências
contra a “tirania das palavras” (Chase, 1938)
na língua cotidiana. Finalmente, essa tradição culminou na assim chamada teoria
conotativa da palavra mágica (Izutsu, 1956;
Tambiah, 1968, p. 17) que se baseia na hipótese de que a linguagem e o pensamento estão
totalmente permeados pela magia. Apesar
dessa teoria pan-mágica do pensamento sofrer de exageros e reducionismos, ela chama
a nossa atenção para o campo do uso cotidiano do pensamento lógico e da comunicação
de massa.
A REABILITAÇÃO DA MAGIA NA
ERA PÓS-MODERNA
Na era pós-moderna encontramos uma
reabilitação cultural da magia. Magia pura
não só se torna novamente respeitada em
ambientes subculturais, tal como no movimento New Age, mas, sobretudo, a crítica
positivista da magia arcaica tem sido abandonada por uma nova avaliação que reconhece
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o potencial psicoterapêutico do signo mágico. Magia, desse ponto de vista, já não é uma
falácia semiótica, mas um potencial semiótico
para influenciar a mente de um participante
na semiose mágica. Um dos primeiros a dar
uma nova interpretação positiva à comunicação mágica foi Malinowski. Para ele, a ação
mágica é uma atividade semiótica com a função de preencher lacunas na realização das
atividades práticas da vida (Malinowski,
1925, pp. 79, 90). A magia, portanto, começa
com o fim do conhecimento prático e teórico
do mundo. Essa visão da magia como uma
válvula de escape e uma alternativa para os
impasses práticos da vida cotidiana
corresponde às interpretações psicoterapêuticas do fenômeno (cf. Schmidtbauer,
1975; Hsu, 1983). Também nessa perspectiva, o signo tem um efeito imediato, mas exerce uma influência mediata no mundo, passando primeiro pelo inconsciente do destinatário, antes de desenvolver os seus efeitos no
mundo dos objetos, principalmente no próprio corpo do destinatário da palavra mágica.
Além da magia pura, a magia fictícia desenvolve novas dimensões nos gêneros
subliterários contemporâneos, onde a encontramos à maneira da science fiction à la
Stephen King num mundo futurista onde tudo
se torna possível por meio de tecnologias
semióticas que transformam o mundo das
maneiras mais incríveis.
Até a magia metafórica na linguagem
publicitária contemporânea parece transformar-se de mera figura retórica em sugestão
de magia pura. Pelo menos é surpreendente
que a publicidade para produtos das novas
tecnologias, que sempre pareceram estar o
mais longe possível da magia, tenha descoberto uma forte preferência pelo discurso
mágico: “Por que comprar uma câmera de
vídeo que apenas grava?”, pergunta, por
exemplo, um anúncio da Newsweek e continua: “Panasonic apresenta Omni Movie. Ela
produz os seus movimentos mágicos”. E de
acordo com Sports Illustrated, o novo autorádio estéreo Clarion não foi apenas “feito
para a Magia da Música”, mas é ele próprio
mágico devido às suas características técnicas fora do comum: “O rádio 7513 inclui a
nova seção I. F. Com esta unidade, você con-
34
segue tanto seletividade quanto sensitividade,
porque Clarion tem tudo isso. Isto é magia!”.
Enquanto esses exemplos fazem referências
explícitas à magia, a AT&T anuncia seus sistemas de teleconferências aos leitores de
Business Week com slogans que implicitamente pressupõem um fundamento mágico
do pensamento ao perguntar: “Como se fazer
notar sem estar presente lá?”. Será que esses
exemplos significam que a magia está de volta
com as novas tecnologias?
A MAGIA, O SOBRENATURAL
E O MIRACULOSO
O que é magia? Afinal, a propaganda faz
muitas promessas com pouca ou nenhuma
credibilidade. Assim, no fim das contas, pode
não haver qualquer magia envolvida em nossos exemplos. Vamos, portanto, começar
nossa análise com um exemplo de magia fictícia representando o protótipo do uso de
palavras mágicas.
O CASO DE ALI BABÁ
Na noite de número 852 de suas 1.001
noites, Sherazade nos conta como Ali Babá,
escondido em uma árvore, observava os quarenta ladrões:
“Os quarenta ladrões carregaram suas cargas
até o pé de uma grande rocha que ficava na
base de uma pequena colina. Então depositaram os sacos, e o chefe gritou em direção à
pedra: ‘Abre-te, Sésamo!’. Imediatamente a
superfície da rocha abriu-se. O líder esperou
até que todos os seus seguidores tivessem
passado com suas cargas através da passagem e então adentrou com o seu saco. ‘Fechate, Sésamo!’, gritou, quando estava dentro, e
a face da rocha fechou diante dele. Ali Babá
ficou surpreso com este acontecimento e disse: ‘Alá permita que os poderes deles não me
encontrem nesta árvore!’ [...]
Tão logo desceu ao chão, caminhou na ponta
dos pés, segurando a respiração, em direção
à misteriosa rocha [...]. Viu que a superfície
da pedra era inteiramente lisa e não tinha a
menor ranhura, nem mesmo suficiente para
se introduzir a ponta de uma agulha. ‘Mas eu
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vi os quarenta ladrões entrarem’, pensou.
‘Certamente o lugar deve estar guardado por
estranhas palavras mágicas. Apesar de eu não
saber nada de palavras mágicas, com certeza
me lembro das palavras para abrir e fechar.
Não seria melhor tentar dizê-las para ver se
têm em minha boca os mesmos poderes que
têm nos lábios daquele terrível homem?’
Ainda prisioneiro do destino e desprovido de
seu costumeiro destemor, Ali Babá virou-se
para a pedra e disse: ‘Abre-te, Sésamo!’.
Apesar de ter pronunciado estas duas palavras de maneira fraca e sem segurança, a pedra
abriu-se”.
A aventura de Ali Babá ilustra duas características principais da magia: um processo de uso mágico do signo com a fórmula
“Abre-te, Sésamo” e o efeito sobrenatural
resultante desta semiose. Vamos primeiro
considerar o último aspecto da magia e perguntar se a magia em todas as suas formas
pressupõe um efeito sobrenatural.
O EFEITO SOBRENATURAL
A pedra que se abre é a causa da surpresa de Ali Babá. O evento se apresenta definitivamente contra as leis da natureza. Não
acreditando, ele testa a superfície da pedra
e conclui que testemunhou um evento sobrenatural.
Muitos estudiosos consideram a ocorrência de um efeito sobrenatural como uma característica distintiva da magia (por exemplo,
Storms, 1948, p. 36). Nessa perspectiva da
magia não admira que Morris tenha concluído que a ineficiência factual é uma característica específica da magia: “O que é
freqüentemente chamado de ‘magia’”, escreve ele, “é a persistência de técnicas, quando
há evidência de que as práticas, de fato, não
influenciam a realização do objetivo, especialmente quando essas práticas são simbólicas por natureza” (Morris, 1946, p. 221).
No entanto, quando passamos de Ali Babá
para a magia enquanto um fenômeno cultural, esse critério torna-se difícil, senão impossível, de aplicar. Por razões a serem ainda
consideradas, o antigo encantamento inglês,
a seguir, contra tumores e outras doenças é
36
um exemplo de magia médica (Grattan e
Singer, 1952, p. 162):
“Contra tumores: Nove eram as irmãs do nódulo; então a nona tornou-se oitava; a oitava,
sétima; a sétima, sexta; a sexta, quinta; a quinta, quarta; a quarta, terceira; a terceira, segunda; a segunda, primeira e a primeira, nenhuma.
Isto será para vós um remédio para tumor, para
escrófula, para verminose e para todos os males.
Cante ‘Benedicte’ nove vezes”.
Supondo-se que o pronunciamento desse
encantamento seja seguido de uma cura dos
tumores, então o observador esclarecido
moderno poderia concluir que esse efeito é
sobrenatural, uma vez que a ciência natural
da medicina somática não reconhece essa cura.
Se o encantamento não tem sucesso na cura
da doença, o critério poderia ainda ser mantido com uma modificação. Poderíamos então falar da pretensão de um efeito sobrenatural e assim definir magia independentemente das conseqüências observadas.
De acordo com o critério do efeito mágico pretendido, os folcloristas distinguem entre magia negra e magia branca. A magia negra
objetiva efeitos negativos ou deseja evitar
aqueles que são positivos. Na magia branca,
o agente pede um evento positivo ou quer
prevenir um negativo. Duas variedades da
magia branca que sobreviveram até hoje são
o tabu lingüístico e o eufemismo (cf. Bruneau,
1952; Todorov, 1973). Tabu é o evitar de
certas palavras devido ao medo de seus efeitos ao serem usadas, enquanto o eufemismo
é a substituição de uma palavra-tabu por uma
não-tabu.
AS EXPLICAÇÕES “NATURAIS”
DO SOBRENATURAL
Contudo, em contraposição a Ali Babá e
à mente esclarecida moderna, nosso paciente medieval pode não ver absolutamente nada
de sobrenatural na cura descrita. Ele pode
não ver a diferença entre seu encantamento
mágico e um remédio herbal que poderia ser
classificado como fisiologicamente eficiente de acordo com os padrões médicos modernos. Para os participantes das práticas
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mágicas, os efeitos naturais e sobrenaturais
podem pertencer à mesma ordem objetiva
de um universo coerente (cf. Lévi-Strauss,
1962, p. 221).
De acordo com Tylor, o mago “tenta descobrir, predizer e causar eventos” (1871, vol.
1, p. 104). Na magia genuína, esses efeitos
não devem ser o resultado do ato prático nem
ser causados por um evento natural, que poderia ocorrer independentemente da ação do
mago. Esse pré-requisito levou muitos antropólogos a postular uma oposição fundamental
entre ciência e magia. A magia, portanto, depende da crença de que o efeito pretendido não
pode ser obtido pela natureza e pela ciência.
Mesmo se reconhecermos que o sobrenatural é apenas uma categoria da mente moderna, esse critério é de determinação problemática. A fronteira entre o natural e o
sobrenatural depende dos limites do cientificamente possível, como destacou Todorov
(1973, p. 41). Com a expansão de nosso
conhecimento científico, o sobrenatural pode
se tornar natural. A magia, se definida em
termos do sobrenatural, pode se tornar ciência. As descobertas da psicologia e da
psicoterapia têm mostrado que um encantamento, como o que foi discutido, pode ter
um efeito curativo somático. Além disso, as
práticas mágicas que acompanham as atividades diárias, como caçar e trabalhar, podem
ter uma influência psicológica positiva sobre
elas. Dessa forma, o sobrenatural torna-se
natural. A magia, se definida como categoria
do sobrenatural, pode vir a ser ciência.
A MAGIA E O MIRACULOSO
Finalmente, deve ser ressaltado que, mesmo não havendo dúvida a respeito do caráter
sobrenatural de um certo evento, o
inexplicável sozinho não pode definir a magia. Deve ser traçada uma linha entre a magia e o miraculoso. Sem o signo mágico, o
evento sobrenatural e inexplicável é um
milagre, e não um acontecimento mágico.
No entanto, na linguagem diária, a palavra “magia” é comumente usada nesse sentido de “milagre”. Quando nosso anunciante
descreve as características tecnológicas fora
do comum de seu auto-rádio estéreo como
“mágicas”, ele quer descrever seu desempenho hiperbolicamente como sendo “sobrenatural”. Não há nenhum signo usado como
meio de obter esse efeito sonoro sobrenatural. A palavra “magia” é então usada no sentido de “miraculoso”. Uma metáfora menos
ousada nesse contexto poderia ser a palavra
“incrível”, preferida em muitos slogans propagandísticos. Nesse sentido do
“miraculoso” e, portanto, como uma metáfora de “o incrível”, a palavra “mágica” também comparece no seguinte anúncio da cidade de Las Vegas na revista norte-americana Money (4):
“Las Vegas é mágica! Desde a vibrante
Downtown até a sensacional Strip, ela pulsa
com excitação. [...] Uma das razões para a
popularidade universal da cidade é a maneira mágica como ela estica os dólares de suas
férias. [...] Nenhuma cidade faz melhor pelo
seu dinheiro do que Las Vegas”.
PRAGMÁTICA DA SEMIOSE
MÁGICA
Do “miraculoso” voltamos à magia genuína, que – como mostrou o exemplo de Ali
Babá – pressupõe uma forma particular de
uso dos signos. Este aspecto da semiose mágica é melhor ilustrado pela fórmula “Abrete, Sésamo!”. O próprio Ali Babá surpreende-se com o poder de suas palavras. Na
semiose normal, os signos são usados diferentemente e a comunicação constitui-se de
um processo diferente. Há duas características principais que distinguem a magia da
semiose normal.
SEMIOSE COM EFEITOS
PRÁTICOS IMEDIATOS
A primeira característica pragmática da
magia é a de que os signos são usados tendo
em vista um efeito prático imediato no mundo dos objetos. No mundo fictício de Ali Babá,
esse efeito podia ser observado e testado. Na
magia cultural, assim como no antigo encantamento inglês ou na dança da chuva mágica,
esse efeito pode apenas ser admitido com
graus variáveis de crença em sua realização.
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4 Sobre o miraculoso na propaganda e no consumo
cotidiano, cf. também
Baudrillard (1970, p. 25).
37
Na semiose normal, os signos nunca têm
um efeito imediato no mundo dos objetos.
Tal efeito é sempre mediato: o “mediador”
entre os signos e os efeitos é um destinatário. Em uma definição de Morris (1938, p.
4), a semiose mágica é descrita como um
“levar em consideração mediado”. Isso quer
dizer que um emissor deve primeiro dirigir
uma mensagem a um receptor e somente após
este ato comunicativo ter obtido sucesso é
que pode seguir-se, como segundo passo,
uma ação prática e, com ela, um efeito imediato no mundo. Enquanto na semiose normal, somente um efeito prático mediato sobre o mundo é possível, na comunicação
mágica, espera-se obter um efeito prático
imediato sobre o mundo dos objetos. O signo mágico, diz Maritain (1957, p. 96), “não
apenas faz os homens conhecerem, ele faz
as coisas serem; é uma causa eficiente em si
mesma” (5).
O DESTINATÁRIO MÁGICO
5 Sobre as semelhanças e diferenças entre a magia e as
ações práticas cotidianas,
ver também a discussão
que Leach (1976, p. 32) faz
da “tecnomagia no lar”.
38
A segunda característica da semiose mágica refere-se aos comunicadores. Enquanto a comunicação normal acontece tendo
como base um código que deve ser conhecido pelo emissor e receptor, o mago direciona
sua mensagem para estranhos receptores. Na
aventura de Ali Babá, o destinatário é um
objeto físico: a pedra. A forma da mensagem é um imperativo e o conteúdo, um pedido. Na semiose normal, as condições pragmáticas da solicitação (cf. Searle, 1970, pp.
57, 66) requerem um locutor que tenha autoridade sobre o destinatário, e um ouvinte
que possa executar a ação solicitada. Trivialmente, o destinatário deve ser capaz de
ouvir ou ver a mensagem. Todas essas condições não podem ser preenchidas por um
objeto físico como uma pedra.
No antigo encantamento inglês já discutido, a forma precisa de endereçamento não
nos foi passada no manuscrito, mas deve ter
sido similar àquela reportada por outro encantamento para o qual dá-se a seguinte prescrição: “E deixe-se que se cante na boca do
homem, e em ambas as orelhas e dentro do
ferimento que enfeitiça...”.
O destinatário mágico nesse encantamen-
to não é evidentemente o paciente como uma
pessoa, mas seu corpo e a doença que há
nele. Não somente as orelhas, mas também
a boca do homem e o ferimento aparecem
como receptores nessa cadeia comunicativa
mágica.
SEMÂNTICA DA MAGIA
No sentido mais estreito, a dimensão semântica da semiótica estuda a relação entre
o signo e seu objeto. Na dimensão semântica
da magia, a relação entre os signos que expressam um conteúdo mágico e o efeito prático que supostamente resulta da semiose mágica têm que ser analisados. São de particular interesse as formas de motivação através
das quais o signo é determinado por seu pretendido efeito mágico.
Frazer (1922, p. 16) já fez uma distinção
entre magia motivada pela similaridade (magia homeopática) e magia motivada por “contato” ou contigüidade (magia simpática). Em
termos semióticos, essa é a distinção entre
signos icônicos e indiciais. Mas a magia também pode se basear em signos arbitrários, e,
algumas vezes, mesmo em signos especialmente codificados. Estes signos mágicos são
símbolos em sua relação com o objeto.
MAGIA ICÔNICA
O antigo encantamento inglês das nove
irmãs, que gradualmente está desaparecendo, forma um ícone que se relaciona por similaridade com o pretendido desaparecimento da doença. Assim como as irmãs desaparecem, também desaparecem os sintomas da
doença, promete o mago.
Um exemplo de magia icônica praticada
pelas crianças na Inglaterra é o costume de
confirmar uma aposta. De acordo com esse
costume (Opie e Opie, 1959, p. 149), a aposta só valerá “se dois garotos lamberem seus
polegares e os colocarem juntos”. O nãoverbalmente legalizado “colar dos polegares” é iconicamente motivado pela idéia de
uma similaridade com a durabilidade desejada da aposta.
Finalmente, um exemplo publicitário
para um signo mágico motivado iconi-
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camente é o nome de um produto chamado
de “Herb Magic” (“Erva Mágica”). O anunciante na revista Health explica: “Herb
Magic não é óleo. Só sabor [...]. Se você já
tentou fazer um molho de salada sem óleo,
sabe o quanto é difícil criar um que seja
verdadeiramente delicioso. Herb Magic o
fez!”. A afirmação implícita nessa marca é:
“Você pode usar não-óleo no lugar de óleo.
Porém, Herb Magic é mais do que um simples substituto do óleo. Usá-lo em vez de
óleo e ainda obter o mesmo resultado significa usar um signo mágico de óleo através do
qual o efeito sobrenatural de um gosto oleoso será obtido”. Nessa propaganda, o nome
comercial “Herb Magic” implica em um signo icônico se sua motivação, admitidamente
vaga, é tomada como referindo-se ao ingrediente sem óleo, que pode ser usado no lugar
do óleo com um efeito parecido
culinariamente com óleo.
MAGIA INDICIAL
Um antigo encantamento inglês “contra
dor de cabeça”, que prescreve “queimar uma
cabeça de cachorro até virar cinzas, separar
o pó, e aplicá-lo sobre a cabeça”, é tanto
icônico quanto indicial em sua motivação.
O ícone é a queima da cabeça do cachorro:
assim como a cabeça do cachorro queima
até virar cinzas, supõe-se que a dor de cabeça desapareça. A colocação do remédio remete-se ao signo mágico em contigüidade
com a cabeça do paciente. É, portanto, um
índice.
Um exemplo de magia indicial no folclore infantil é o seguinte encantamento
autoprotetor, dito por crianças na Inglaterra
ao avistarem uma ambulância passando na
rua (Opie e Opie, 1959, p. 231): “Segure sua
gola/ Nunca engula/ Nunca morra de febre”
(“Hold you collar/ Never swallow/ Never die
of fever”). O primeiro elemento indicial nesse encantamento já está presente no pressuposto medo de encontrar uma ambulância: a
ambulância é um índice da doença da pessoa
que ela carrega. O mero ato de ver esse índice é avaliado como um perigo pela criança.
Presume-se que esse índice tenha uma influência potencial no mundo, principalmente
no corpo da pessoa que observa. Um segundo elemento indicial está no ato de “segurar
a gola”. A gola está em contigüidade com a
garganta, que é a passagem do mundo exterior para o interior, sendo, portanto, seu índice. No mundo dos objetos uma gola dá
proteção para a garganta e, portanto, para a
saúde da pessoa. No ato mágico, pensa-se
que o signo indicial de tocar a gola cause
proteção contra a ameaçadora infecção proveniente da pessoa doente na ambulância.
Esse índice mágico é acompanhado por um
segundo ato mágico: a inibição da ação de
engolir. Esse ato não-verbal é um ícone para
se evitar a ingestão de uma doença.
MAGIA SIMBÓLICA
Os símbolos são signos arbitrários e convencionais. As fórmulas “Abre-te, Sésamo”
e “Fecha-te, Sésamo” de Ali Babá consistem de símbolos retirados do código da língua natural. Algumas vezes os símbolos são
inventados para propósitos mágicos. Por
exemplo, um antigo encantamento inglês que
recomenda que se pronuncie a fórmula
pseudolatina a seguir contra “erupções em
cavalo e homem”: “In domo mamosin
inchorna meoti”.
Um exemplo de publicidade mágicosimbólica é uma propaganda para o licor
francês de nome Demi-Tasse em Time, que
proclama que “algo maravilhoso acontece
quando traduzimos licor de café para o francês. Surge Demi-Tasse. O licor de café importado com verdadeiro creme e refinado
espírito francês”.
A afirmação é que um efeito prático imediato resultou de um processo de semiose
simbólica. O evento semiótico é o ato de
traduzir a palavra (signo simbólico) de “licor de café” do inglês para o francês. O fato
de o resultado dessa tradução ter sido a
marca registrada Demi-Tasse já é certamente alguma coisa miraculosa. De acordo com
os códigos das línguas inglesa e francesa,
poderíamos esperar traduções equivalentes
muito diferentes. Todavia, a tradução sozinha não pode ainda constituir magia, pois
essa só aparece na declaração do anúncio
de que o ato da tradução resultou não ape-
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nas na palavra francesa Demi-Tasse, mas
teve também o resultado imediato prático
de gerar uma bebida. O resultado da tradução é um “acontecimento”, um evento cuja
conseqüência é supostamente “licor de café
creme e refinado espírito francês”.
CAUSALIDADE E SEMIOSE
Ícone, índice e símbolo são tipos de signos de tal generalidade que podem ser encontrados em qualquer lugar no reino dos
signos. Em contraposição à dimensão pragmática, a análise da dimensão semântica não
tem mostrado até o presente nenhuma característica distintiva da magia.
Porém, é precisamente na dimensão semântica que muitas teorias da magia têm localizado a característica particular desse modo
arcaico de pensamento. Essas teorias sustentam que na magia a relação entre signo e objeto
é tomada erroneamente como uma relação
entre causa e efeito. Semiose é confundida
com causalidade. Nas palavras de Frazer
(1922, p. 26), “o homem confundiu a ordem
de suas idéias com a ordem da natureza, e
assim imaginou que o controle que tem, ou
parece ter, sobre seus pensamentos permitiulhe exercitar um controle correspondente
sobre as coisas”. De acordo com essa concepção, a magia baseia-se numa falácia semântica (cf. também Maritain, 1957). Essa confusão entre causalidade e motivação semiótica
pode ser descrita em termos das falácias que
a antiga lógica distinguia. Se o signo mágico
for um índice, temos as falácias do post hoc,
ergo propter hoc (após isto, portanto, devido
a isto), juxta hoc, ergo propter hoc (ao lado
disto, portanto, devido a isto) ou pars pro
toto. No caso da motivação icônica, a falácia
pode ser resumida através do antigo sofisma
similia similibus evocantur: a hipótese de que
“o semelhante produz o semelhante, ou um
efeito assemelha-se a sua causa” (Frazer,
1922, p. 14).
CONCLUSÃO
Gostaria de resumir os argumentos,
enfatizando que a semiose mágica com efeitos imediatos no mundo dos objetos não pode
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existir em nossa assim chamada realidade.
O encontro de Ali Babá com a magia ocorreu somente em um mundo fictício. Na propaganda, a magia desse tipo pode somente
ser entendida como uma metáfora. Na magia cultural primitiva e parcialmente, também, na superstição folclórica, a magia existe
apenas como um modo de pensamento, como
uma pretensão ou uma crença em um efeito
prático imediato. No entanto, como sabemos hoje, essa crença, embora se baseie em
uma falácia semiótica, pode assim mesmo
resultar no desejado efeito prático. O encantamento dos mágicos pode ser tão eficiente quanto os esforços de um psicoterapeuta
moderno.
Vistas desse ponto de vista pragmático,
as falácias semióticas delineadas neste trabalho não são necessariamente as principais
características distintivas da magia. O que
permanece é a comunicação com um destinatário humano, com objetivo pragmático
de influenciar o mundo. Nesse sentido bem
geral, uma nova afinidade entre a magia e as
estratégias persuasivas da propaganda e da
comunicação de massa é evidente. Como a
magia, a propaganda também objetiva não
somente influenciar as mentes dos consumidores, mas também alcançar efeitos práticos, principalmente o efeito de compra e
consumo de mercadorias. Enquanto nesse
sentido geral a magia, a propaganda e a retórica da persuasão são semelhantes, uma
afinidade adicional, mais particular, entre
magia e propaganda repousa no efeito sobrenatural que é freqüentemente, apesar de
não necessariamente, prometido pelos anunciantes assim como pelos mágicos. Na propaganda, encontramos essa característica da
magia tanto nos rituais de compra quanto
nos de consumo. No primeiro, encontramos
o mito dos incríveis preços baixos e a fantástica oportunidade de uma compra única.
No último, temos o mito da mercadoria que
garante qualidade ilimitada e inacreditável,
bem como um prazer infindável de consumir. Com esse retorno às realidades, ou
melhor, irrealidades, econômicas da moderna comunicação de massa e do consumo,
gostaria de concluir estas reflexões sobre a
semiótica da magia.
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