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INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E VERDADE:
DISCUSSÕES CONTEMPORÂNEAS
Information, knowledge and truth: contemporary discussions
Leilah Santiago Bufrem (1)
(1) Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Av. Hygino Muzzi Filho, 737, CEP: 17525-900,
Bairro: Campus Universitário, Marília, São Paulo, Brasil,
[email protected].
Resumo
Abstract
Analisa relações evidenciadas a partir de leitura sobre o
trinômio Informação, Conhecimento e Verdade, ilustrando,
em visão diacrônica, como têm sido concebidos os
respectivos conceitos na dimensão gnosiológica. Realiza
pesquisa bibliográfica para descrever as posições tradicionais
relativas à possibilidade, origem e essência do conhecimento
e ao conceito de verdade. Com esta primeira aproximação, o
estudo engloba os três conceitos, de modo a revelar uma
unidade, proporcionada precisamente pelo relacionamento
decorrente da sua disposição diacrônica, na posição e
sucessão temporal respectiva de cada um com respeito aos
demais. Destaca, então, numa visão sincrônica, os aspectos
distintivos da teoria dialética do conhecimento, assim como
as articulações entre os três conceitos analisados. Ilustra com
exemplos a possibilidade de representação do conhecimento
e a explicitação dessas articulações que, ao mesmo tempo em
que concentram a individualidade de cada um, a transformam
em outra realidade. Argumenta, sob o ponto de vista da
concepção dialética, que o conhecimento, enquanto processo
de progressiva determinação das relações existentes na
realidade, não é de coisas, entidades, seres, mas se origina
das relações a descobrir, apreender e representar
mentalmente. Infere que são as representações assim
construídas os elementos constitutivos do conjunto ou corpo
do conhecimento e da ciência.
Palavras-chave: Informação; Conhecimento; Verdade;
Concepção dialética.
This study investigates relationships evidenced after an analysis about the trinomial Information, Knowledge and Truth, illustrating in a diachronic view how they have been conceived
in the gnosiological dimension. It performs a bibliographical
research in order to describe the traditional positions regarding
the possibility, origin and essence of knowledge and the concept of truth. Through this first approximation, the study encompasses the three concepts and reveals a unity given precisely by the relationship resulting from their diachronic disposition, in the respective position and temporal succession of
each one regarding the others. The study highlights then, in a
synchronic view, the distinctive aspects of the dialectic theory
of knowledge, as well as the connections between the three
analyzed concepts. Through examples, the research illustrates
the possibility to represent knowledge and to evidence these
connections which focus on the individuality, at the same time
as transforming it in a different reality. According to the dialectics point of view, the study argues that knowledge, understood as a process of progressive determination of the existing
relationships in reality, is not based on things, entities and beings, rather than originated from the relationships to be discovered, apprehended and mentally represented. The representations constructed in this manner are the constitutive elements
of the group or body of knowledge and science.
Keywords: Information; Knowledge; Truth; Dialectic conception.
1 Introdução
A relação aludida no trinômio informação,
conhecimento e verdade revela uma problemática
complexa dos estudos contemporâneos, envolvendo
questões sobre os modos de processar informações,
chegar ao conhecimento e, em decorrência, atingir a
verdade. Os temas adquirem pertinência para as
reflexões em qualquer área do saber, especialmente na
ciência da informação, devido ao ritmo das
transformações conjunturais, determinantes para os
modos de apreensão da realidade e motivadoras do
repensar das formas de organização da informação e do
conhecimento produzido, na busca da aproximação
com a verdade.
A complexidade na concepção do conhecimento
“certo”,
diante
das
informações
excessivas,
descontextualizadas, anacrônicas, manipuladas ou
desencontradas, revela-se no dia a dia de nossa
experiência vital. Como consequência, no contexto
denominado de pós-modernidade, têm sido colocadas à
prova noções clássicas de verdade, razão, identidade,
objetividade e emancipação universal, questionando-se
inclusive aquilo que se costuma afirmar como
“cientificamente comprovado”. De modo particular na
sociedade movida pelo capital, profissionais que
trabalham com a informação constatam as contradições
presentes no seu cotidiano acadêmico e profissional,
pois a informação que se tem nem sempre é aquela que
se quer, a informação que se quer não é a informação
da qual se precisa; a informação da qual se precisa não
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Trends. 10:2 (2016) 89-102. ISSN 1981-1640. https://doi.org/10.36311/1981-1640.2016.v10n2.11.p89.
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é a informação que se pode obter e a informação que se
pode obter custa mais do que se quer ou pode pagar.
(Giannetti, 2014).
Dai a dificuldade do profissional da informação para,
não somente reconhecer, como representar o
conhecimento. As linguagens documentárias por ele
construídas ou utilizadas, por exemplo, podem pecar
pela redução dos significados, revelando-se o dilema
entre, por um lado, a esperada abrangência universal,
respeitando o contexto global e, por outro, a
particularização relativa aos contextos e peculiaridades
locais. A dificuldade na concepção de linguagens
documentárias universais decorre da necessidade de
atualizações constantes e da apresentação de termos,
formato e interoperabilidade da estrutura ou sistema de
organização do conhecimento, de sua manutenção e
atualização, bem como da necessária influência mútua
entre a organização e a recuperação da informação,
como processos complementares. Acrescente-se a essas
restrições o poder e o uso político das informações,
cujo alcance estende-se além do contexto restrito de
uma área ou campo de conhecimento, para atingir
aquelas contidas em contextos internacionais. Sua
utilização por indivíduos ou instituições com pouco
poder aquisitivo, por grupos ou países periféricos pode
reforçar a dependência a paradigmas conflitantes do
ponto de vista econômico, cultural ou político. Essa
dependência gera um desiquilíbrio capaz de impedir ou
obscurecer a construção do conhecimento, já que ele
não procede somente da informação, mas de condições
favoráveis para que ela ocorra.
A posição crítica aos componentes ideológicos do
conceito de sociedade do conhecimento e da
expectativa de crescimento e expansão ininterruptos da
classe trabalhadora no ramo do conhecimento é bem
representada por Kumar, para quem a sociedade de
informação é a ideologia mais nova do estado
capitalista, “uma sociedade projetada, como as antigas,
por e para uns poucos: as ricas e poderosas classes,
nações e regiões do mundo” (Kumar, 2006, p.71).
Com esta primeira aproximação, procura-se integrar os
conceitos analisados, de modo a revelar uma unidade,
proporcionada precisamente pela disposição sincrônica
e diacrônica dos três conceitos, informação,
conhecimento e verdade. Eles adquirem, na posição e
sucessão temporal respectiva de cada um com respeito
aos demais e à totalidade, o destaque na constituição
deste estudo. Questiona-se inicialmente: como se
apresentam em textos da filosofia as relações entre
informação, conhecimento e verdade, sob uma visão
diacrônica; quais as concepções seminais construídas
sobre a possibilidade, origem e natureza do
conhecimento e que aspectos constituiriam uma teoria
dialética sobre o conhecimento.
Essa problemática, concebida a partir das reflexões
iniciais, resulta na questão orientadora deste estudo, ou
seja, de como se articulam os conceitos informação,
conhecimento e verdade para a compreensão e
enfrentamento das questões que se apresentam na
contemporaneidade.
A questão é motivada, por um lado, pelo
reconhecimento de que esses conceitos representam
realidades diferentes e que não podem ser apenas
compreendidos como fases do mesmo e único
processo. Por outro lado, ao reconhecer que as
concepções cognitivas contemporâneas consideram as
naturezas
individual
e
social
do
sujeito
simultaneamente, a todo instante, de forma
absolutamente indissociável, Borges et al (2003, p. 89)
ponderam que elas modificam sobremaneira os
conceitos prevalecentes a respeito da informação e do
conhecimento na ciência da informação. Com isso, a
veracidade do conhecimento científico, no atual
contexto, vem sido desafiada pelo acúmulo de
informações contraditórias, excessivas ou distantes dos
critérios de verdade e o ciclo de sua produção teve
transformado radicalmente seu ritmo, devido à redução
do período entre a geração de uma da pesquisa, sua
produção e comunicação. As informações nessa
conjuntura colaboram para a aceleração desse fluxo,
independentemente dos contextos específicos, o que
não garante necessariamente que resultem em
conhecimento.
Com essas motivações, pretende-se rever, sob uma
visão diacrônica concepções tradicionais relativas à
possibilidade e origem do conhecimento, relacionandoo ao conceito de verdade; analisar como se articulam
esses conceitos enquanto elementos de conjuntos mais
amplos na atual configuração social, para então
identificar aspectos distintivos da teoria dialética do
conhecimento.
Com essa proposta de reflexão, recorre-se à teoria do
conhecimento, aos modos de analisá-lo e interpretá-lo,
procurando, assim, contribuir para a compreensão de
seu processo de organização e representação. Partindose de uma análise do referencial teórico para descrever
as posições tradicionais, dispõem-se as concepções
conforme os questionamentos da problemática.
Concede-se destaque para os aspectos distintivos da
teoria dialética do conhecimento, assim como para as
articulações entre os aspectos analisados e a
identificação de elementos ilustrativos das relações,
pelas quais se articulam esses conceitos, de modo
especial para o conhecimento científico.
2 Uma reflexão diacrônica
A leitura diacrônica de posições históricas sobre o
trinômio aqui analisado permite que se ressaltem
sumariamente as principais posições representadas
pelos pensadores em resposta às questões propostas.
Como resultado, levanta-se a síntese das posições que
permeiam a literatura das ciências sociais, como seus
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fundamentos epistemológicos. Para descrever essas
posições tradicionais, adotaram-se questões enunciadas
por Hessen (2012) sobre a possibilidade e origem do
conhecimento e sua relação com a verdade. Aos
questionamentos
sobre
esses
aspectos
do
conhecimento, apresentam-se posições históricas que,
no entanto, permeiam quadros teóricos sincrônicos
presentes na literatura, fundamentando as produções
científicas nas diversas áreas do conhecimento.
Diante da questão sobre a possibilidade do
conhecimento e, portanto, de atingir a verdade, o
dogmatismo é aparentemente uma posição ingênua,
fundamentando-se na auto evidência da apreensão do
objeto pelo sujeito, sem colocar em dúvida essa
possibilidade. Entre seus pressupostos, destaca-se o de
que toda a informação, apreendida e incorporada ao
pensamento, realiza-se como conhecimento, podendo
constituir-se em verdade. Orientada pela tradição
metafísica, direção visível desde que considerados os
conceitos como os de essência e verdade, implícitos na
concepção do conhecimento, essa forma de interpretar
o ato de conhecer originou-se na filosofia clássica.
Hoje ainda discutida ou recusada, está presente em
correntes realistas e materialistas, desde as teses
aristotélicas de que todo o ser humano anseia por
conhecimento. O prazer causado pelas sensações seria
evidência do desejo de conhecer, pois, além de sua
utilidade, as sensações nos agradam por si mesmas.
Conhecer algo favorece o situar-se no mundo e na vida.
Ocorre que, tanto a informação quanto o conhecimento,
embora não signifiquem o mesmo processo, fazem
parte dele e também são situados e originados a partir
de uma relação com realidades, desafios e opções. O
remoto pela busca à verdade tem situado o homem em
constante observação da natureza e das suas próprias
realizações. A figura carismática de Leonardo
representa o impulso que o impele a transitar, com
sentidos aguçados, da análise da realidade a sua
descrição, e à concepção de instrumentos e métodos
que o levam a criar e a transformar o seu mundo e o
nosso mundo. Essa busca teria provocado, há milênios,
a crítica de Sócrates ao que seria a desordem intelectual
de seus predecessores, levando-o a adotar um método
cujas virtudes incluíssem a libertação de preconceitos
ou falsas opiniões de seus contemporâneos, antes de os
conduzir ao que deveria ser o verdadeiro
conhecimento. A ironia, ou purificação do espírito de
sua falsa ciência, forçando o interlocutor a se
contradizer, leva-o à reflexão e à maiêutica, arte de
partejar o espírito e segunda parte do diálogo,
originando, segundo Sócrates, a solução para a questão
proposta. O problema, configurado em diálogo por
Platão, recebe sua expressão quando o jovem Teeteto
instado a responder em que consistia o conhecimento,
limitou-se a enumerar um conjunto de artes. A
discordância de Sócrates é provocada pelo desejo de
saber, em vez da enumeração dos “conhecimentos
particulares”, a própria essência do gênero, que valida e
compreende as espécies enumeradas por Teeteto, ou “o
que seja o conhecimento em si mesmo” (Platão,
Teeteto, 1988, p. 8). A maiêutica é ilustrada no
diálogo, quando Teeteto confessa: “não consigo afastar
da ideia essa questão” e Sócrates responde: “São dores
de parto, meu caro Teeteto. Não estás vazio; algo em
tua alma deseja vir à luz” (Platão; Teeteto, 1988, p.
11). Com esse estilo bem pessoal, distinto e fiel ao
método utilizado por Sócrates para partejar os espíritos,
Platão revela a posição do mestre, motivando a
construção de teorias que o sucederam para analisar e
representar a realidade. Embora reproduzindo fielmente
o pensamento socrático nos seus diálogos de juventude,
ao situar o problema de uma maneira mais universal,
Platão passa a concebê-lo sob um duplo aspecto, o
lógico e o ontológico. Dessa forma, se por um lado
procura superar o mobilismo de Heráclito, por outro,
pretende encontrar para os objetos da ciência a fixidez
e estabilidade do ser de Parmênides. Como o homem –
ser concreto, que existe no tempo e no espaço – pode
conhecer as essências incorpóreas e intemporais? Essa
possibilidade depende da hipótese: ele possui algo
também incorpóreo e indestrutível, algo de natureza
semelhante à natureza das “ideias”. É necessário supor
que ele abriga em seu corpo uma alma – também pura
forma imortal [que] por ter contemplado as essências,
antes de se prender a esse corpo ao qual está
provisoriamente vinculada, como a uma prisão, faz
com que ela esqueça aquele conhecimento anterior. Ao
expressar, em Crátilo, que nem seria mesmo razoável
afirmar “a possibilidade do conhecimento, se todas as
coisas se transformam e nada permanece fixo” (Platão,
Crátilo, 1988, p. 176), Platão lança o impasse. Em
resposta, formula sua teoria das ideias, atribuindo-lhes
realidade ontológica e subsistente. Distintas e
superiores, fora do mundo do movimento e, portanto,
“cognoscíveis”, entende-as não como conceitos
abstratos, mas como razões objetivas e modelos de
todas as coisas. Na alegoria da caverna ilustra a
natureza dos homens e de sua dificuldade de conhecer
a verdade (Platão, A República, 1988, p. 281). O
conhecimento verdadeiro, portanto, somente se daria
por meio da dialética - o conjunto de esforços de
especulação e dos resultados obtidos na investigação da
verdade. Graças a aproximações sucessivas mediante
as quais o homem se eleva pouco a pouco, em
movimento ascendente, chega-se ao conhecimento e à
verdade. Distinguem-se nesse movimento três graus
hierárquicos de conhecimento: o sensível, cujos objetos
são os seres materiais e sensíveis, o racional discursivo,
que trata dos conceitos de número e quantidade e o
racional intuitivo, cujo objeto é todo o ser imaterial e
não quantificável (Fraile, 1965, p. 305). A posição
epistemológica de Platão tem sido considerada a mais
antiga das formas do racionalismo na história da
filosofia ocidental, pois os sentidos apreendem objetos
que são cópias imperfeitas daquelas essências que a
alma contemplara – e isso permite que ela vá se
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lembrando das “ideias”. Assim, o conhecimento seria,
de fato, reconhecimento, reminiscência, retorno,
embora “todo o verdadeiro saber” se distinga pelas
notas da “necessidade lógica e da validade universal”,
jamais fornecidas pelos sentidos. O que devemos aos
sentidos não seria uma episteme, mas uma doxa, “não é
um saber, mas sim uma simples opinião” (Hessen,
2012, p. 63).
Em Plotino e em Santo Agostinho encontram-se
formulações próximas do racionalismo platônico. A
ideia de Plotino de que “a parte racional de nossa alma
é alimentada e iluminada continuamente de cima” é
modificada por Santo Agostinho, para quem essa
iluminação seria provocada por interferência divina. As
verdades e os conceitos supremos seriam irradiados por
Deus para o nosso espírito. Embora em suas últimas
obras reconheça a experiência como outra fonte de
conhecimento, Santo Agostinho entende que esse seria
um conhecimento inferior, pois no sentido rigoroso, o
verdadeiro saber só poderia derivar da razão humana
pela iluminação divina (Hessen, 2012, p. 65). Essa
forma de racionalismo, de caráter teológico, inspirou
Malebranche que, em La recherche de la vérité,
identifica nossas ideias com as de Deus, uma espécie
de extensão inteligível e infinita: “Nós vemos todas as
coisas em Deus” (2006, p. 438). Outra fonte de
inspiração de Malebranche foi o racionalismo
cartesiano, cuja influência marcou a filosofia moderna
e persiste no pensamento contemporâneo.
Ao fazer da razão o principal instrumento da
investigação filosófica, Descartes tem como proposição
básica o cogito (penso, logo existo). Com essa maneira
de pensar, sem se deter nas opiniões de terceiros sobre
as coisas, chega-se ao critério da evidência, pela
inversão dos sinais do saber tradicional (mediato, não
intuitivo, impessoal), para o saber racional (imediato,
intuitivo, pessoal). Em Princípios da filosofia, refere-se
às ideias inatas (ideae innatae), conceitos fundamentais
do conhecimento, não originados da experiência, mas
da razão: “noções tão evidentes por si mesmas que se
obscurecem ao se desejar defini-las de modo escolar e
que não se alcançam pelo estudo, porém nascem
conosco” (1968a, p. 55). Ao defender a dúvida
universal como primeiro movimento para se chegar ao
conhecimento, Descartes, entretanto, apresenta a
“primeira e mais verdadeira (proposição) que se
apresenta àquele que conduz o pensamento por ordem”,
o cogito: “Penso, logo existo” (1968a, p. 55). Com o
método – “para bem dirigir a própria razão e procurar a
verdade nas ciências”, objeto de sua obra principal,
Discurso do método, expõe os fundamentos
metodológicos que podem ser resumidos em dúvida
sistemática, dedução e rejeição das noções tradicionais
(1968b, p. 7). Evita o grande número de preceitos
componentes da lógica, mas recomenda a “firme e
constante resolução de não deixar de observá-los uma
única vez”. (1968b, p. 27). O cogito cartesiano, ao por
em relevância o ego, torna-se, segundo Kant, o
fundamento de toda a filosofia racionalista ou
empirista, desde as “mônadas de Leibniz, a sensação
dos empiristas, o eu de Fichte e, inclusive, os atributos
radicalmente separados uns dos outros de Spinoza”
(1978, p. 13).
Na concepção de Leibniz, entretanto, os conceitos
inatos e fundamentais ao conhecimento só existiriam
potencialmente no homem. A ciência em geral, uma
espécie de matemática universal, primaria pelo
processo racional e dedutivo. A mônada leibziana seria
o “elemento unificador simplesmente originário que
previamente individualiza e separa”, argumenta
Heidegger (1979, p. 217), correspondendo ao cerne que
deve ser investigado, tendo em vista que o
desenvolvimento do pensamento tem nela seu
substrato.
Esta posição, cuja principal fonte de conhecimento é a
razão, teve suas origens muito antes de Kant, o filósofo
que adotou definitivamente o termo racionalismo para
designar sua filosofia transcendental. Partindo da
distinção entre três modos de conhecer: a sensibilidade
(Sinnlichkeit), o entendimento discursivo (Verstand) e
a razão (Vernunft), a esta razão, Kant acrescenta o
adjetivo pura, para designar aquela que se move sobre
os princípios a priori, independentemente da
experiência. Kant reconhece que “se é verdade que
alguns conhecimentos derivam da experiência, alguns
há, no entanto, que não têm essa origem exclusiva, pois
poderemos admitir que o nosso conhecimento empírico
seja um composto daquilo que recebemos das
impressões e daquilo que a nossa faculdade
cognoscitiva lhe adiciona [...]” (1965, p. 5). Aos
conhecimentos não originados da experiência, atribui
uma origem a priori, noção fundamental da doutrina
denominada apriorismo, que pode ser concebida como
síntese entre o racionalismo e o empirismo. O mérito
histórico de Kant, na concepção de Fougeyrollas, foi
ter superado o ceticismo empirista e o dogmatismo
racionalista, observando que o processo de
conhecimento científico, longe de se reduzir às
sensações, conforme o empirismo, ou aos conceitos, na
concepção dos racionalistas, engloba uma colaboração
permanente das sensações, que preenchem os
conteúdos, e dos conceitos, que determinam as formas
deste conhecimento (1992, p. 195).
A ocorrência do conhecimento é colocada em
suspeição pelo ceticismo, que nega a possibilidade de
apreensão do objeto pelo sujeito, dada a incapacidade
de formulação do juízo e, portanto, de se chegar à
verdade. Atribui-se a Pirro de Élis, a defesa da
suspensão radical do juízo. Seu pensamento foi
propagado pelas obras de Diógenes Laércio, Cícero e
Sexto Empírico e, na Idade Média, pelos escritos de
Santo Agostinho, para refutá-lo, assim como a
referências dispersas presentes numa grande variedade
de fontes, até hoje (Hessen, 2012).
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A forma radical de contradizer a possibilidade do
conhecimento é o "movimento antipositivo”,
representado pelo niilismo, cuja origem é a reação à
crença nas categorias da razão, isso é, no que seria,
segundo Nietzshe, um mundo fictício. O niilismo
revela a ausência de cada fundamento, verdade, critério
absoluto e universal e, portanto, lança o sujeito diante
da própria liberdade e responsabilidade, na luta pelo
que ele chama “conhecer”, ou seja, “esquematizar –
impor tanta regularidade e forma ao caos quanto é
necessário para a satisfação de nosso conhecimento
prático” (Nietzsche, apud Heidegger, 2007, p. 431),
dando à verdade uma dimensão apenas de efeito a
partir dessa luta.
Ao seguir diacronicamente uma orientação filosófica
cuja prioridade recaiu sobre a razão e que tem sua
expressão mais remota na filosofia ocidental em Platão,
influenciando outras doutrinas até o século XIX,
procurou-se recuperar uma das linhas de pensamento a
que se oporia outra, como sua antítese: o empirismo.
Entretanto, se a oposição entre as duas correntes em
certos aspectos parece clara, no caso do penso, logo
existo cartesiano, em que o eu (ego) é colocado em
relevo, permanece uma aparente contradição,
comentada por Goldmann (1978). Nessa perspectiva, o
Ego, por ser o primeiro dado fundamental, o ponto de
partida, o problema das relações entre os homens,
quando se apresenta, se converte naturalmente no
problema alheio. Os outros homens são assimilados
pela realidade física e sensível. Não são mais do que
seres que eu vejo e ouço, como vejo uma pedra que cai
e como ouço sua queda (1978, p. 13). Essa seria a
razão pela qual o autor refere-se ao ego cartesiano
como fundamento não somente da filosofia
racionalista, mas também da sensação dos empiristas.
Originado das reflexões de Sexto Empírico, dirigidas
contra a defesa dogmática da pretensão de conhecer a
verdade absoluta, o empirismo pauta-se na convicção
de que a experiência é a única fonte de conhecimento
humano, levando seus seguidores à negação de um
patrimônio a priori da razão. O intelecto seria uma
tábua rasa, espécie de folha em branco, no qual a
experiência
escreve.
Como
consequência
epistemológica, essa linha de pensamento reconhece
que toda a verdade, sem caráter absoluto deverá ser
posta à prova e, portanto, corrigida ou modificada. O
sujeito empírico, ou metódico, nada afirmaria sobre
fatos obscuros, mas seguiria os fenômenos, ao modo
dos céticos (Abbagnano, 1970, p. 309).
Numa perspectiva histórica, pode-se afirmar que os
defensores desta doutrina procedem das ciências
naturais, para as quais a experiência tem representado
papel decisivo na realização de estudos e pesquisas. Os
fatos são comprovados mediante observação ou
manipulação. Seria muito natural a quem trabalha
principalmente com esse método das ciências naturais,
uma “tendência para de antemão colocar o fator
empírico sobre o racional”, assim como para considerar
a experiência, fonte e base do conhecimento” (Hessen,
2012, p. 69).
Na Antiguidade encontram-se adeptos do empirismo
entre os sofistas, mais tarde entre estoicos e epicuristas.
Com efeito, a primeira analogia entre a alma e uma
tábua por escrever, imagem até hoje repetida, teria sido
de responsabilidade dos estoicos (Hessen, 2012, p. 70).
Mas o empirismo moderno inicia com Locke, para
quem a influência de Descartes, justamente o pai do
racionalismo
moderno,
teria
sido
decisiva,
especialmente no que concerne ao método de se chegar
ao conhecimento. Ele retoma o problema crítico de
Descartes para considerar que ao invés da disputa por
“ideias vãs”, os homens deveriam sim, examinar
cuidadosamente sua capacidade de conhecer e assim
descobrir até onde podem ir seus conhecimentos. À
pergunta sobre como a mente consegue a prodigiosa
quantidade de ideias que utiliza na sua ilimitada
atividade, ele responde: “com uma palavra só: da
experiência, o fundamento de todo o nosso saber e
donde, em última análise, todo ele procede” (Locke,
1956, L. I, C. II, § 1).
O empirismo de Locke teve em David Hume seu
continuador, que, rejeitando ao dever ser, leva em
consideração somente o fato. Assim, argumenta
Hirschberger, “o positivismo e o empirismo do século
XIX, a filosofia de vida de então até hoje, o
irracionalismo de Rousseau e a Filosofia da força de
Nietzsche, tanto o individualismo como o coletivismo,
o ceticismo e o relativismo e, além disso, a Filosofia da
existência, na medida em que insere tudo no fluxo do
tempo, tudo isso data de Hume” (1967, p. 250). Essa
influência concede ao empirismo um significado
expressivo que vem a resultar numa reação à excessiva
valorização da razão.
Além disso, a investigação da natureza e dos seus
fenômenos contribuiu historicamente para os alicerces
do pensamento científico, assim, como o advento das
teorias astronômicas no século XVI contribuiu para a
utilização do método hipotético-dedutivo. Ao sustentar,
com Kepler, que a Terra não seria o centro do universo,
Galileu influenciou as transformações, não só da
ciência, enquanto acervo de conhecimentos, mas do
processo da construção científica. Galileu também foi o
primeiro teórico do método experimental. Discordou de
Aristóteles e seus seguidores que visavam conhecer a
essência íntima das substâncias por acreditar que se
deveria descobrir a lei que presidia os fenômenos.
Valorizando a pesquisa empírica, Bacon opôs-se à
atitude de aceitação à autoridade, decorrente
especialmente da crença na filosofia escolástica,
iniciada por São Tomás de Aquino, pela qual todo o
saber estaria na obra de Aristóteles e de seus
continuadores (magister dixit). Opondo-se a essa
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atitude passiva, Bacon defendeu o método empírico
para a solução de problemas, argumentando a
necessidade de verificar e observar os fatos isolados.
Propugnava, assim, pelo método indutivo, procurando
extrair da experiência os conceitos e as leis e, dessa
forma, rejeitar as noções tradicionais. Sob essa
perspectiva, as teorias científicas seriam as derivadas,
de um modo rigoroso, dos fatos da experiência,
adquiridos por meio da experimentação ou da
observação. Procurava enxergar com os próprios olhos
e por isso acusou Aristóteles de ter rompido com a
filosofia natural ao estabelecer antes as conclusões,
sem consultar a experiência, que teria sido
transformada em escrava, segundo ele. Em sua
principal obra, Novum organum, na qual descreve o seu
novo método de pesquisa, pretendia igualar ou superar
o Organun aristotélico. Apresenta seu método,
constituído de dois momentos: o negativo (pars
destruens) e o positivo (pars construens). No primeiro
momento, o investigador deveria estar alerta contra os
quatro tipos de tabus que perturbam e impedem a
pesquisa científica: os tabus da raça (idola tribus), da
caverna (idola specus), do forum (idola fori) e do
teatro (idola theatri) (Sciacca, 1968a, p. 66). Para
atingir o conhecimento científico, devem-se seguir os
passos da experimentação, formulação de hipóteses,
repetição do experimento por outros cientistas em
outros lugares com a finalidade de acumulação de
dados e formulação de hipóteses, repetição do
experimento para a testagem das hipóteses, com dados
e evidências que as confirmem e formulação das
generalizações. Seguidos esses passos, o cientista passa
a generalizar as explicações para os fenômenos da
mesma espécie. Bacon acreditava que a mente poderia
chegar à verdade se seguisse este método indutivo de
investigação da causa do fenômeno. Assim, contribuiu
para o desenvolvimento da ciência, embora Scciaca
destaque na posição de Galileu a percepção de que está
no intelecto e não no sentido a justificação da indução,
o que o levou complementar o processo com a dedução
(1968, II, p. 68). Galileu, assim como Newton,
contribuiu para que o conceito de conhecimento
científico traduzisse aquele conhecimento comprovado
e alertou para a insuficiência da formulação de teorias,
sem a necessária experimentação. Valeu-se da
matemática para iniciar-se no mundo da física e da
astronomia, desmistificando lendas, negando teorias,
estabelecendo novos princípios e causando um impulso
de renovação dos mais importantes que houve na
história da ciência. Assim como Bacon, Galileu
rejeitou os dogmas vigentes (aristotélicos), lançando-se
na busca de provas e, embora fosse um teórico
brilhante, empenhava-se em confirmar suas teorias com
experiências práticas. Antes dele, o método
experimental era quase desconhecido e também se deve
a ele a ciência dos corpos em movimento - a dinâmica.
O empirismo, principal corrente para sistematizar o
método indutivo, contou com outros adeptos como
Locke, Berkeley, Hume e Stuart Mill. O significado do
empirismo para a história do problema do
conhecimento está em ter “assinalado com energia a
importância da experiência perante o desdém do
racionalismo”, embora se considere que ele tenha
apenas substituído “um extremo pelo outro” (Hessen,
2012, p. 73).
A organização da linha de pensamento aqui adotada é
arbitrária e, portanto deve ser entendida como uma
exposição das vertentes antagônicas que, na sua
evolução, procuraram explicar a origem do
conhecimento e que motivaram a denúncia de
Bachelard sobre o duplo mito de uma racionalidade
vazia e de um empirismo descosido (1949, p. 4).
Entre as correntes representadas pelo racionalismo e o
empirismo, uma mediação possível, segundo Hessen,
seria o intelectualismo (2012, p. 74), direção
epistemológica que também remonta à Grécia e, mais
especificamente, a Aristóteles (384-323 a. C.), criador
da lógica formal, ou a arte e o método de pensar
corretamente, expressa no Organum, um conjunto de
textos sobre o tema. Com ele iniciaram-se as reflexões
sobre a ciência, a sistematização dos conhecimentos da
época em tratados, com os princípios de classificação e
a terminologia da ciência e da filosofia. Sua defesa da
observação universal e contínua sobre a realidade,
aliada à crença de que os dados coletados constituíam a
base do progresso científico foi fortemente influenciada
pelo seu mestre Platão e o racionalismo. Mas enquanto
naturalista, considerado o criador da Biologia,
trabalhava com o mundo empírico, cuja influência
também se faria notar nos seus esforços para dar
solução ao problema do ser e do conhecimento.
Aristóteles situa-se entre as duas posições antagónicas,
de Heráclito e de Parmênides (Fraile 1965, p. 460),
contribuindo consideravelmente para as reflexões
posteriores sobre a ciência e o conhecimento. À
primeira, refere-se como “o conhecimento certo e
evidente das coisas pela sua causa”, resultante de um
esforço além das simples experiências, coleções de
fatos contingentes, sem atingir sua razão de ser ou a
verdade necessária. A ordem lógica para chegar à
verdade realiza-se pela razão em trabalho de abstração
puramente intelectual, mas para o qual a experiência
alcança importância fundamental e converte-se na base
de todo conhecimento. Por meio dos sentidos é que
será possível obter imagens perceptivas dos objetos
concretos. “Nestas imagens sensíveis encontra-se
incluída a essência geral, a ideia da coisa.” Extrair esta
ideia seria a tarefa do entendimento real e ativo que,
segundo Aristóteles, “trabalha como a luz” (Hessen,
2012, p. 76) para iluminar no fundo das coisas a
essência a ser recebida pelo intelecto passivo, que
realiza plenamente o conhecimento.
A noção de causa, que aparece pela primeira vez nos
Analiticus Posterioris, repete-se na Física e na
Metafísica, como o princípio da explicação científica,
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contribuindo para a compreensão das relações
evidenciadas a partir da observação da realidade.
Juntamente com a organização de algo como uma
enciclopédia de todos os ramos do saber, já
perfeitamente distintos entre si, o filósofo contribuiu
tanto para representar o panorama científico no Liceu,
em fins do século IV, quanto para o desenvolvimento
do corpus da epistemologia (Fraile, 1965, p. 446).
A teoria aristotélica foi interpretada e desenvolvida na
Idade Média por São Tomás de Aquino e Duns Scotus,
mantendo até hoje nítida influência nas questões
religiosas nos problemas da razão.
Atualmente, o intelectualismo tem seu contraponto nas
filosofias de vida e da ação, doutrinas que privilegiam
a intuição, a vida, a vontade e o instinto, em detrimento
do intelecto como via de acesso à verdade ou como
guia de conduta moral. Seria o caso do intuicionismo
de Bergson, do empirismo, das filosofias da ação e do
pragmatismo. Aliás, o traço mais saliente, pelo qual a
doutrina bergsoniana se distingue das doutrinas
clássicas, é o seu anti-intelectualismo, cujo argumento
que a verdadeira realidade, o tempo real, a duração,
distinta do movimento como propriedade da matéria,
só podem ser captados por meio da intuição. Espírito e
matéria como os extremos de uma mesma realidade, a
duração, apresentam níveis diferentes de tensão. Só a
intuição, segundo o autor, é capaz de apreender essa
realidade movente, na qual o inextensivo, como que
num processo de endosmose (difusão osmótica de fora
para dentro de uma célula ou vaso), torna-se extensivo
e vice-versa. Intuição, pois, é a vivência dessa
realidade como duração em que espírito e matéria se
conjugam. Portanto, a realidade é inexprimível pela
linguagem e pode apenas ser vivenciada (Habitzreuter,
2011).
A configuração das duas posições, racionalismo e
empirismo, cujos pontos de partida para alcançar o
conhecimento seriam a razão ou os sentidos, a
observação ou as teorias e hipóteses, teria sido motivo
para outras tentativas de sínteses. Entre elas, a de
David Hume, que levaria a “suas últimas
consequências a direção empirista que se inicia em
Bacon” (Julián Marías 1970, p. 249). Ao discriminar,
no campo do conhecimento, as “impressões e as
ideias”, designou como trabalho da mente a associação
das imagens, realizada por meio de três normas ou
preceitos: da semelhança, da contiguidade e da
causalidade. Propôs o problema da causalidade em A
treatise of human nature, de 1739, explicitando oito
regras sobre as relações entre causa e efeito (Hume,
1946, p. 173). A importante contribuição de Hume foi
o fato de duvidar do próprio método indutivista. A
fonte histórica do problema encontra-se na terceira
parte do seu tratado. Observou que nenhum número de
enunciados de observações singulares, por mais amplo
que fosse, poderia acarretar logicamente um enunciado
geral e irrestrito. O que se pode conseguir com a
enumeração constante de uma relação causa-efeito,
além da expectativa psicológica de que a relação torne
a ocorrer, é uma probabilidade maior ou menor.
Contribuindo para o desenvolvimento da indagação
científica, principalmente pelas proposições da sua
obra Discurse, relativas à observação, experimento e
classificação, Herschell considerava a indução como o
fator que governa a enunciação direta dos preceitos
metodológicos, distinguindo nela dois estágios.
Enquanto no primeiro as leis seriam obtidas
examinando-se fatos individuais, o resultado do
segundo estágio da indução consistiria em leis de alto
poder de generalização, chamadas teorias, que
poderiam ser verificadas por outros (Black, 1979).
Outro marco na linha iniciada por Bacon foi o
pensamento de John Stuart Mill, representante do
empirismo inglês, cujo principal objetivo consistiu em
renovar a lógica, tida como acabada e perfeita desde a
construção aristotélica. Como representante do
empirismo, de certa forma ultrapassou Locke e Hume,
ao também reduzir à experiência o conhecimento
matemático. Segundo ele, não haveria proposições a
priori, válidas independentemente da experiência. Até
as leis lógicas seriam, segundo o filósofo,
generalizações da experiência passada. Em sua obra A
system of logic, a noção de indução torna-se mais clara
e é considerada como a operação da descoberta, que de
proposições particulares chegaria a proposições gerais.
Mill destaca três operações a serem seguidas na
investigação científica, a indução, a racionalização e a
verificação (Heydt, 2014).
Herbert Spencer influenciou o pensamento que se
seguiu, especialmente com as noções de evolução e
progresso. A evolução para Spencer não seria o
resultado de leis e ideias como para Hegel, mas
constituiria “a essência da natureza universal”
(Hirschberger, 1968, p. 107). As questões relativas ao
conhecimento científico também foram discutidos por
Northrop, em sua obra The logic of the sciences and the
humanities, sugerindo a dúvida e a incerteza original de
um trabalho de pesquisa.
Desse modo, as forças, denominadas por Chalmers de
progressistas, estimuladas, a partir do séc. XVII, pelos
êxitos dos grandes experimentadores “consideraram
cada vez mais a experiência como fonte do
conhecimento” (1991, p.11). A partir de então,
aumentou consideravelmente o prestígio da ciência
experimental, a ponto de se afirmar que a ciência seria
uma estrutura assentada sobre fatos (Davies, 1968, p.
8). O raciocínio indutivo influenciou de modo especial
a produção do conhecimento científico, passando a ser
visto como método por excelência para as ciências
naturais. Com o advento do positivismo, foi enfatizada
a sua importância ao ponto de ser proposto como
método das ciências humanas.
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O positivismo apresentou-se historicamente em forma
de uma teoria geral da ciência por Augusto Comte,
significando, ao mesmo tempo, uma concepção global
do devir do espírito humano, como objeto do Curso de
Filosofia Positiva, publicado em Paris, em seis
volumes, entre 1830 e 1842, após exposição a um
público selecionado, entre cientistas, em busca de uma
nova visão geral do conhecimento e da sociedade
(Fougeyrollas, 1992, p. 24). A ordem seria a base do
conhecimento científico, segundo Comte.
A corrente crítica ao positivismo teve Popper como um
dos mais incisivos representantes. Ele lançou as bases
do método hipotético dedutivo e do critério de
falseabilidade, na sua obra Conjectural knowledge: my
solution to the problem. Assume a posição de realista
crítico ao acreditar que “um mundo material existe,
independente da experiência” (Magee, 1979, p. 54).
Por outro lado, pode-se identificar, pela postura
metodológica que adota – “enunciar claramente o
problema e examinar”, criticamente, “as várias
soluções propostas” (Popper, 1975, p. 536) - que ele
relaciona a atitude científica a uma postura racional e
crítica diante dos problemas. Defende o emprego do
método hipotético-dedutivo, que consiste na construção
de conjecturas a submeter aos testes mais diversos, à
crítica intersubjetiva, ao controle mútuo pela discussão,
à publicidade crítica e ao confronto com os fatos para a
verificação das hipóteses que se sustentam como mais
aptas por resistirem às tentativas de refutação e
falseamento. A importância do critério de
falseabilidade tem sido reconhecida e interpretada
especialmente por estar ligada à ideia de um saber que
se cria e se constrói. Na perspectiva de Popper, esse
critério responderia pelo aspecto dinâmico do
conhecimento. A diversidade de ramos do saber
reconhecidos hoje em dia como ciências e, por outro
lado, a facilidade com que se observa a palavra ciência
sendo usada no singular, é destacada por Granger, ao
caracterizar o espírito e as disciplinas científicas como
primeiro fato que impressiona o observador, ao se
perguntar sobre a existência de uma unidade real da
ciência. A questão foi desenvolvida pelos
neopositivistas das décadas de 1920 e 1930, de modo
contundente, chegando-se a compreender uma
uniforme
estruturação
lógico-matemática
do
conhecimento científico e a possibilidade de expressão
dos conteúdos empíricos, em linguagem única,
independentemente da área. Ao dar um sentido mais
fraco à unidade da ciência, o autor faz justiça à
pluralidade de métodos e de objetos associada à
unidade de uma comum visão do conhecimento
(Granger,1994, p. 42).
O racional seria o real para Hegel, o filósofo da razão
absoluta, razão que concretamente se identificaria com
a história (Sciacca, 1968b, p. 34). Para ele, a dialética
seria o modo de conhecimento ontológico que, “no
confronto do idêntico com o contrário, do imediato
com o mediato, realiza um ultrapassamento dessas
antinomias”. Assim, o movimento do real identifica-se
com o do pensamento (Bruyne; Herman e Schoutheete,
1977, p. 67).
A análise dialética definiu as relações do geral com o
particular em sua concretização histórica. Como
metodologia stricto sensu, a dialética foi um esforço
epistemológico que procurou destacar os traços
comuns ou, ao contrário, diferenciados de um caso para
outro, de todas as abordagens científicas que visam
prestar contas dos desenvolvimentos que se desenrolam
no tempo (Bruyne et al., 1977, p. 68).
A influência de Hegel, considerada perigosa, tanto do
ponto de vista científico, quanto político, teve como
seu contraponto a crítica de Schelling, que representou,
sem a intenção do autor, o final do primado da filosofia
na cultura ocidental. Segundo Gadamer, impôs-se a
partir de então o predomínio das ciências naturais
(1994, p. 34). Mas, colocou-se outra questão, para
substituir aquela já respondida por Kant, sobre como
seria possível a ciência natural pura. A nova questão
pergunta sobre a possibilidade da ciência da história.
Como a teoria do conhecimento justificaria a história
foi a pergunta indutora do redimensionamento das
ciências, segundo o modelo das ciências naturais.
Nesse contexto, Wilhelm Dilthey concebeu uma
psicologia descritiva e analítica como fundamento das
ciências do espírito. A vida seria para ele o fato
nuclear, suporte do conhecimento humano. A dimensão
objetiva da vida humana radicaria, segundo Dilthey, no
trabalho objetivo da vida e não em um sujeito de uma
teoria do conhecimento. A falta de horizonte histórico
daria origem a ideias como a pretensão aos valores
absolutos. Fundamentando sua filosofia na experiência
interna da compreensão, uma vez que somente esta
desvenda a realidade, Dilthey argumenta que todo o
conhecimento histórico fundamenta-se nesse gênero de
compreensão, que difere estruturalmente do método
das ciências naturais (Gadamer, 1994, p. 37).
Esse argumento serve de contraponto à crença no poder
das ciências da natureza do século XVII, cujas
expectativas eram de que os conhecimentos gerados
pelas ciências humanas e sociais permitissem ao
homem um domínio análogo sobre o mundo humano e
histórico. Porém, como afirma Gadamer, “espera-se
ainda mais das ciências do espírito ao invés de reduzilo” (1994, p. 43). Percebe-se como um continuum, o
que seria chamado projeto da modernidade que,
segundo Coelho Netto, lançado no século XVIII
firmou-se ao longo do XIX, marcado, neste, por
processos como o da Revolução Industrial, de um novo
pensamento sobre o social (como o de Karl Marx) e
dos passos iniciais da psicanálise, para ficar nos mais
evidentes. Mas a modernidade assumiu contornos mais
nítidos no início do século XX, quando da primeira
revolução russa, numa “proposta de alteração das
relações sociais, após a qual a humanidade não voltou e
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não voltará a ser a mesma”. Mas as transformações
seriam mais radicais, pois foi também o ano da teoria
transformadora do núcleo mesmo do conhecimento
humano, o ano em que Einstein escreveu seus artigos
revolucionários sobre a teoria da relatividade.
“Conceitos fundamentais para o homem, como o de
espaço e tempo, são revistos de cima para baixo.
Deixam de existir noções até então consideradas
postulados, princípios não demonstrados” (Coelho
Netto, 1995, p. 25).
Outra vertente da modernidade foi a escola
funcionalista, originariamente influenciada por
Malinowski, mestre da escola antropológica inglesa e
fundador do que se denominou análise funcional
(Fougeyrollas, 1992, p. 81). Defende a forte coerência
da totalidade cultural, pela qual cada fenômeno cumpre
com uma função e representa parte indispensável de
uma totalidade orgânica. Essa posição, que enfatiza a
forma global de existência social, influenciou posições
características do estruturalismo e do sistemismo.
Continua a exercer influência considerável na pesquisa
social e na biblioteconomia e ciência da informação,
sendo inúmeros os trabalhos sob esse enfoque.
Entretanto, tem sofrido restrições, em virtude de sua
identificação com as ideologias conservadoras.
Uma de suas vertentes críticas tem origem no
marxismo, pois como argumenta Fougeyrollas (1992,
p. 84), por mais escrupuloso que seja o observador, não
se poderia deixar de reconhecer o funcionalismo como
“uma sistematização ideológica cuja função reside na
justificação da ordem existente”. Entretanto, para
Florestan
Fernandes,
tais
críticas
seriam
improcedentes, pois “uma valorização construtiva do
uso científico desse método não impede a adesão dos
sociólogos, seja a ideologias compósitas (como o
terceiro caminho liberal socialista, de Mannheim), seja
à ideologia socialista [...]” O autor considera que “os
conhecimentos empíricos e teóricos, fornecidos por
esse método, são igualmente úteis e potencialmente
exploráveis sob quaisquer ideologias” (1978, p. 199).
Neste sentido, após analisar os três postulados,
comumente admitidos em análise funcional - da
unidade funcional da sociedade, do funcionalismo
universal e da indispensabilidade - na sua obra sobre
teoria e estruturas sociais, Merton chega a considerá-la
uma ideologia conveniente tanto a fins conservadores,
quanto a revolucionários (1964, p. 35-43).
Com fortes tendências provenientes das correntes
empirista e funcionalista, o período da Segunda Guerra
Mundial, decisivo para as ciências sociais,
especialmente nos Estados Unidos e, de modo indireto,
porém efetivo, para a Ciência da Informação, foi
marcado pela busca de uma nova sistematização com
nítida marcha para todo o Ocidente. Entre os problemas
epistemológicos que, segundo Ianni (2011),
precisariam ser mais bem explicitados, para esclarecer
a controvérsia sobre a crise de paradigmas na
sociologia destaca-se o da relação sujeito-objeto do
conhecimento. Na sociologia, essa é sempre uma
relação complexa, com sérias implicações quanto ao
objeto e método. As diversas perspectivas teóricas
mostram que a relação sujeito-objeto nem sempre se
resolve numa tranquila relação de exterioridade, como
se o real e o pensado se mantivessem incólumes. Essa é
uma hipótese do positivismo e está presente no
funcionalismo, estruturalismo, estrutural-funcionalismo
e teorias deles decorrentes. Mas a sociologia inspirada
na fenomenologia sempre carrega a hipótese da
cumplicidade. A redução fenomenológica e a
hermenêutica tendem a tornar ambos cúmplices do
conhecido, objeto e sujeito. Ao passo que a sociologia
de inspiração dialética, se pensamos em Marx, Lukács,
Gramsci e alguns outros, leva à hipótese da
dependência mútua, da reciprocidade. O sujeito e o
objeto constituem-se simultânea, reciprocamente. A
reflexão científica pode corresponder a um momento
fundamental da constituição do real. Enquanto não se
constitui como categoria, concreto pensado, pleno de
determinações, o real está no limbo.
Sucedem-se
momentos
lógicos da reflexão
sociológica, opondo-se pares dicotômicos como
aparência e essência, parte e todo, singular e universal,
qualidade e quantidade, sincrônico e diacrônico,
histórico, e lógico, passado e presente, sujeito e objeto,
teoria e prática. Nem sempre coincidentes seus
significados, há conceitos sociológicos divergentes de
acordo com as teorias que os aplicam.
Nessa conjuntura, o estruturalismo, termo nascido dos
estudos da psicologia da forma e da linguística, veio a
significar todo o método ou processo que, em qualquer
campo do conhecimento, faça uso do conceito de
estrutura. Parte do princípio de que cada sistema seja
um jogo de oposições, presenças e ausências,
constituindo uma estrutura, onde todo e partes seriam
interdependentes, de forma que modificações num dos
elementos implicariam em modificação de cada um dos
outros componentes e do próprio conjunto. O termo,
em nossos dias, aplica-se para identificar as correntes
com bases conceituais na linguística de Ferdinand
Saussure e na antropologia de Lévi-Strauss. Para
chegar ao conhecimento, parte-se de um fato concreto,
elevando-se a seguir ao nível abstrato, por intermédio
da constituição de um modelo que represente o objeto
de estudo, retornando ao concreto de forma a relacionálo com a experiência do sujeito. Na sua exigência mais
geral, o estruturalismo tende não só a interpretar em
termos de sistema um campo específico de pesquisa,
como também a mostrar como os diversos sistemas
específicos se correspondem ou têm entre si, caracteres
análogos (Abbagnano, 1970, p. 358). O sentido e o
valor relativo de qualquer elemento dependem de sua
posição em relação aos demais, assim a proposta de
investigação estruturalista tem como regra principal de
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observação que os fatos devem ser descritos sem que
preconceitos teóricos alterem sua natureza e sua
importância. No esforço para instaurar uma verdadeira
ciência do homem, Lévi-Strauss distingue três níveis
de investigação: o da etnologia, o da etnografia e o da
antropologia. O da etnologia corresponderia ao
primeiro passo para chegar, passando pelo nível da
etnografia, à síntese representada pelo da antropologia,
em que se pode adquirir um conhecimento global do
homem, abrangendo seu tema em toda a extensão
histórica e geográfica (Fougeyrollas, 1992, p. 90).
Hoje, o termo estende-se a todo o domínio das ciências
humanas, concretizando-se em oposição ao empirismo
já que nega significado ao fato isolado como tal. Por
outro lado, o estruturalismo também se opõe a qualquer
tipo de idealismo, pois, embora seu modelo conceitual
se apresente como uma construção científica, ele não
poderia ser reduzido a um ato ou função subjetiva.
Dessa forma, confirma a objetividade de todo sistema
de relações.
A fenomenologia de Husserl desempenhou importante
papel para as ciências sociais, ampliando as opções
metodológicas, diante do domínio positivista sobre as
ciências sociais. Husserl apresentou o método
fenomenológico como modo seguro e liberto de
pressuposições para todas as ciências, cuja fonte de
conhecimento seria a consciência. Assim, toma como
ponto de partida de sua filosofia e da metodologia dela
decorrente os fenômenos da consciência, por entender
que somente eles poderão revelar o que as coisas
realmente são. E seria a intencionalidade a
característica da consciência. O conceito chave da
fenomenologia é o da intencionalidade, que Husserl
teria utilizado de modo bastante preciso para indicar
que a consciência é sempre consciência de alguma
coisa (Pedra, 1992, p. 19). Daí que seu método consiste
numa visão intelectual do objeto, baseando-se numa
intuição. A intuição dirige-se ao fenômeno (ao dado) e
nenhuma categoria deve interpor-se entre os dois. Essa
exigência requer uma tríplice eliminação ou redução:
do subjetivo, ou posturas diante do dado (fenômeno);
do teórico, presente em hipóteses, pressupostos ou
saber adquirido e de toda tradição, ou seja, de tudo o
que foi dito sobre o fenômeno. Seriam posições
fundamentais para o conhecimento, portanto, a intuição
eidética, ou intuição da essência, quando se projeta a
intuição para as coisas mesmas e a orientação para o
dado com exclusão de todo o subjetivo e de tudo o que
já se tenha dito sobre ele. Alguns nomes como os de
Merleau-Ponty, Paul Ricoeur, Karl Jaspers, L.
Binswanger, Paul Tillich e Alfred Schutz receberam a
influência da fenomenologia. Segundo Sutton (1993, p.
415), isso se deve em parte ao desenvolvimento de
métodos por ela inspirados, diante das perceptíveis
limitações nos estudos sociológicos e em parte pela
similaridade dos fenômenos estudados.
A partir dessa visão diacrônica, constata-se que, em
relação à fonte do conhecimento, confrontam-se
posições fundamentadas em princípios diversos, cujas
correntes não são passíveis de categorizações, dada a
impossibilidade de aplicar o princípio da mútua
exclusão. Desse modo, afirmar: que o realismo
defende a existência de coisas reais, independentes da
consciência; que o racionalismo posiciona-se em favor
da razão como a principal fonte de conhecimento, da
verdade e dos juízos verdadeiros decorrentes da
necessidade lógica e com validade universal; que
segundo o empirismo a fonte do conhecimento é a
experiência e a mente é uma tabula rasa; que o
intelectualismo considera o pensamento e a experiência
como partícipes na formação do conhecimento (Nihil
est in intellectu quod prius non fuerit in sensu); que o
apriorismo fundamenta-se na existência de formas a
priori da consciência, receptoras de conteúdo da
experiência; que para o idealismo é impossível pensar
em coisas reais, independentes da consciência e que
para o fenomenalismo o conhecimento não se refere às
coisas como são, mas como se nos aparecem; é cair na
simplificação diante das contribuições dos pensadores
cujas obras renovam nossa capacidade de compreender
o trinômio aqui analisado.
3 Verdade
A verdade tem sido concebida em íntima relação com o
conhecimento, uma vez que o conhecimento que se
legitima
é
aquele
considerado
verdadeiro.
Reconhecida como uma propriedade do ente, a veritas
(medieval) ou correspondência entre o intelecto e a
coisa, seria a verdade discursiva, na concepção de
Aristóteles a adequação entre a coisa e o intelecto
(adequatio rei et intellectum), isso é a coincidência
entre o juízo e o julgado. Entre as teorias sobre a
verdade destaca-se aquela representada pela palavra
hebraica Emunah, para significar amém, a verdade
derivada do senso comum, por consenso, espelhada na
maioria, que, segundo Nietzsche, seria a “mentira do
rebanho” (Nietzsche, 1975).
Contrapondo-se ao esquecimento, a alétheia seria o
movimento de descobrir, desvelar, ir além das
aparências, tirar o véu, ou relembrar. No Mito da
Caverna, Platão mostra a natureza dos homens e sua
dificuldade em conhecer a verdade, à qual se chega por
meio da dialética - o conjunto de esforços de
especulação e dos resultados obtidos na investigação da
verdade. A realidade é a que se vislumbra no
suprassensível, sempre iluminada ao “sol” da alétheia
que não mais pressupõe o encobrimento do Ser da
physis (que tende a se esconder). O Ser está além da
physis, “acima” da physis, é “metafísico”.
Por sua vez, a verdade por coerência, originária
principalmente das concepções de Espinoza e Hegel,
seria decorrente das implicações lógicas, derivada da
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ordem, conexão e harmonia de um sistema de
conhecimentos. Nesse sentido, Kant atribuía aos
conhecimentos a priori a função de dar ordem e
coerência às representações sensíveis. Implica não só a
ausência de contradição, mas a presença de conexões
positivas que estabeleçam harmonia entre os elementos
do sistema (Abbagnano, 1970).
Considerando-se que para o racionalismo é possível
chegar à verdade, pois ela se realiza no conhecimento a
priori e se estabelece por meio de argumentos racionais
e que, por outro lado, o empirismo argumenta que a
verdade provem da experiência e da observação
sensorial, o criticismo kantiano tem sido reconhecido
como um movimento de superação das posições
anteriores, pela tese de que devem ser investigadas as
fontes e os fundamentos sobre os quais se assenta a
verdade. Assim como não resultam exclusivamente das
sensações, ou somente nos conceitos, o conhecimento e
a verdade dependem da colaboração permanente das
sensações, que preenchem os conteúdos, e dos
conceitos, que determinam as formas deste
conhecimento.
Já para o pragmatismo, é verdadeiro o que é útil, como
defendem as escolas de William James e Charles
Sanders Peirce. Embora o primeiro seja considerado o
fundador do pragmatismo norte-americano, ambos
desenvolveram o método, do qual Peirce foi o criador e
James teria cunhado o termo em livros e conferências.
Segundo o pragmatismo “a verdade não é um valor
teórico, mas uma expressão para a utilidade, para a
função do juízo [...] conservadora de vida e servidora
da vontade de poder” (Nietzsche, 1975). À filosofia
compete diferenciar, em contextos diversos, a forma
verdadeira de agir ou pensar.
Resultantes da maior ou menor convicção sobre a
possibilidade de se atingir o conhecimento e de se
chegar
à
verdade,
desdobram-se,
correntes
subjetivistas, empiristas, realistas, racionalistas,
idealistas e pragmáticas, permeadas por posições
céticas e niilistas desde a antiguidade, suspeitando ou
negando a possibilidade de se chegar à verdade,
relativizando essa possibilidade ou sua integridade
enquanto verdade absoluta.
O pós-modernismo, ao se referir aos conceitos de
conhecimento e verdade, tem alarmado bispos e
encantado executivos, conforme argumenta Eagleton
(1998), para quem esse movimento adotou certa
compulsão para colocar termos como "realidade" e
“verdade” entre aspas, embora esteja repleto de
recomendações morais, tais como a de que hibridez é
preferível à pureza, a pluralidade à singularidade, a
diferença à auto identidade. Argumentando contra a
possibilidade de descrever a situação do mundo, pois
decorre do antirrealismo epistemológico, o pósmodernismo,
[...] ao mesmo tempo libertário, é determinista em sua
aspiração por um sujeito humano livre de limitações,
deslizando feito um desvairado de uma posição a outra, e
sustenta simultaneamente que o sujeito é o mero efeito do
conjunto de forças que o constituem. (Eagleton, p. 25).
A crítica de Eagleton considera, entretanto, os insights
originais do pós-modernismo sobre Kant, de modo
especial sua crítica à lógica transcendental aplicada ou
prática, objeto da segunda parte principal da Crítica da
Razão Pura, cuja proposta pautou-se na determinação
das condições formais de um sistema completo de
razão pura.
A Pós-modernidade, desde que considerada como linha
de pensamento crítica às noções clássicas de verdade,
razão, identidade e objetividade, à ideia de progresso
ou emancipação universal, aos sistemas únicos, às
grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de
explicação tem produzido, segundo Eagleton,
“alegações verdadeiras o tempo todo, ainda que não
possamos distinguir com precisão verdadeiras para
quem”. Assim, para o autor “alguns dos nossos atos da
fala se relacionam com o mundo na medida em que seu
efeito ou intenção é esconder, mistificar, racionalizar,
naturalizar, universalizar ou se não legitimar partes
dele”, o que se tem traduzido como ideologia, sem
qualquer relação com “algum oposto imaginário à
verdade absoluta, sem dúvida um alvo imaginário pósmoderno”. Desse modo, o autor denuncia certa
semiótica pós-moderna somente ocupada com a
maneira como o significado produz o significante, em
detrimento das “complexas operações do significado
sobre ele”. Essa semiótica simplesmente “combina uma
variedade de atos da fala, com variadas relações entre
signos e coisas”, constituindo-se em modelo de
"linguagem em geral", centrada no seu papel de parte
integrante do mundo (Eagleton, 1998, pp. 33-45).
Ao considerar o mundo como “contingente, gratuito,
diverso, instável, imprevisível”, representado por um
conjunto de culturas ou interpretações desunificadas,
geradoras de “ceticismo em relação à objetividade da
verdade, da história e das normas, às idiossincrasias e a
coerência de identidades” a visão pós-moderna,
segundo Eagleton, depara-se com uma contradição ao
perceber que o sacrifício da noção de verdade
“significaria desabilitar certos princípios bastante úteis
de coesão social, como religião e moralidade cívica”.
Com essa percepção, linhas mais radicais voltam sua
“desconfiança da verdade contra a eterna necessidade
que seus governantes têm dela como forma de controle
social”. Mas, “ao insistirem em que a verdade é uma
função de poder e desejo, eles se aproximam demais do
que seus defensores mantêm na prática, denuncia
Eagleton”. (1998, p. 33).
Adotando diferentes pressupostos teóricos, outras
concepções têm expressado o esmorecimento da
confiança em uma razão que assegurasse a verdade e o
progresso da humanidade. Elas decorrem da não
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realização das propostas previstas de libertação do
homem, diante das modalidades de tirania e
obscurantismo. Essa análise é representada pela Escola
de Frankfurt, de modo especial no ensaio de
Horkheimer, Teoria Tradicional e Teoria Crítica, no
qual, como argumenta Nobre, ele distingue os avanços
da ciência e da técnica de modo a não se confundirem
com os progressos da humanidade (2008, p. 35).
4 Uma compreensão dialética
isto é, pela consideração dos fatos não em si, mas em
função uns dos outros. Vai-se com isto destacando na
realidade que Marx convida a analisar, e se torna
percebida, uma disposição ordenada, de conjunto,
daqueles fatos. Com o avanço da análise, chega-se à
determinação de um conjunto integrado de relações,
pelo qual discernir o conjunto da estrutura e
funcionamento da realidade que se pretende conhecer e
representar. Vai-se com isto destacando certa
disposição de conjunto daqueles fatos.
O pensamento dialético inicia, como afirma Goldmann
(1978), com uma frase talvez exagerada, quase um
manifesto ou anúncio revolucionário que se opera no
pensamento filosófico: ao Ego de Montaigne e
Descartes, Pascal contrapõe: “O eu é odioso”. A partir
de então, de Hegel a Marx, “os outros homens se farão
cada vez mais, não seres que eu vejo e ouço, mas seres
com os quais ajo em comum” (1978, p. 14). Dessa
forma, o nós prevalecerá entre os dialéticos,
convertendo-se em realidade fundamental da qual o eu
será derivado.
Assim se compreende a elaboração do conhecimento e,
portanto, de sua representação. O traço fundamental da
teoria marxista do conhecimento, ou do que devia ser
esta teoria, caso Marx tivesse desenvolvido e expresso
a sua concepção acerca do conhecimento, conforme
expressa Prado Junior (1973, p. 2), é, portanto, a
natureza “construtiva” do conhecimento. Essa
construção é efetuada pelo pensamento e suas
operações e consiste numa “representação” mental do
“concreto”, elaborada a partir da percepção e intuição.
Assim, o concreto:
Como raiz para a explicitação de um método capaz de
orientar a elaboração e representação do conhecimento,
a dialética marxista, não se constitui em construção
teórica especulativa. Pode-se afirmar que ela é uma
aplicação de um modo especial de analisar a realidade
(Prado Junior, 1973), ou seja, um método que fornece
os elementos e base necessários para a sistematização
teórica de seus procedimentos, assim como para a
busca da compreensão dos caminhos para o
conhecimento e, portanto, de sua representação. Mas o
conhecimento e as doutrinas são sempre tomados como
parte integrante do fato social em si, somente
separáveis dele por uma abstração provisória. Ao
acentuar o caráter total da vida social, o pensamento
dialético visa contribuir para a unidade do pensamento
e da ação.
[...] é concreto porque é a síntese de múltiplas
determinações, portanto, a unidade da diversidade. Por
essa razão, o concreto aparece no pensamento como
processo de síntese, como resultado, não como ponto de
partida, não obstante seja o ponto de partida efetivo, e, em
consequência, também o ponto de partida da intuição e da
representação (Marx, 2011, p. 54).
Para o pensador dialético, as doutrinas integram o fato
social como elemento indispensável do estudo atual do
problema, do mesmo modo que a realidade social e
histórica constitui um dos elementos mais importantes
quando se trata de compreender a vida de uma época
(Goldmann, 1978, p. 47). Como modo de conhecer e
superar os posicionamentos antagônicos, a práxis
científica reside na relação fecunda entre sujeito e
objeto, mediados pelo mundo, desde a permanente
problematização da prática social, se considerado de
uma perspectiva social e humana. Com essa concepção,
Sánchez Vásquez (2011) destaca a consciência
possível, para expressar possibilidades no plano do
pensamento e da ação em determinada estrutura social,
considerando que conhecer não é um modo de auto
assimilação ou fusão com o real, mas “produção de
conceitos”, graças à qual a apropriação de um campo
teórico ou empírico é possível. Assim, compreende-se
o conhecimento em Marx numa perspectiva relacional,
Ele distingue entre os três tipos de concreto: o realconcreto (das Real), ponto de partida de toda intuição e
toda representação e, como tal, pressuposto efetivo do
pensar científico; o concreto representado pela
consciência imediata, por meio de categorias que a
análise mais atenta revela serem ainda meras
abstrações (Abstrakta); o concreto como “processo da
síntese, como resultado, não como ponto de partida”,
efetivo, conceituado - e “não mais individual, mas sim
um todo, “uma rica totalidade, de muitas determinações
e relações”, expressando não mais momentos isolados
apreendidos pelos sentidos, mas sim o nexo concebido
e conceituado (Marx, 2011, p. 54).
Nesse caso, sendo a realidade a parcela exterior ao
pensamento conhecedor (Prado Junior, 1973), a
representação é “elaborada a partir da percepção e
intuição” dessa realidade, o que elimina a ideia de
“reprodução”, decalque, ou qualquer outra forma de
transposição do que está fora para o pensamento. Mas
não elimina a possibilidade de que a quantidade de
informação gere modificações nas suas qualidades,
provenientes das relações possíveis a partir do
procedimento analítico.
O conhecimento é realizado, portanto, sob um ponto de
vista relacional, isso é, pela consideração dos fatos em
sua relação uns com os outros; pelo questionamento de
como eles “participam” uns dos outros; de como entre
si se entrosam nas duas dimensões da sucessão -
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transformação e simultaneidade - e de como cada qual
tem um sentido e papel que deriva desse seu
entrosamento com os demais.
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O patrimônio histórico em que se fundamentam os
estudos sobre as relações entre informação,
conhecimento e verdade expressa ampla diversidade de
pontos de vista e pressupostos construídos pelos
pensadores, explorados aqui, sob um ponto de vista
diacrônico e exploratório. Das reflexões sumariadas
nesta comunicação, pode-se apenas inferir que o
conhecimento se verifica, a partir das informações e
sensações, em espaço e tempo definidos, ou seja,
sempre situado em contexto no qual permeiam relações
de forças, lutas e interesses políticos.
Em decorrência dessa historicidade, a verdade
científica não resulta da descrição da realidade em si,
mas do resultado de um esforço para a compreensão
dessas relações e condições, que inclui um esforço de
objetividade relativa às informações e aos
conhecimentos situados no espaço e no tempo. O
mesmo esforço refere-se ao olhar de quem organiza e
representa o conhecimento, pois esse tipo de
construção está sempre dependente do referencial e do
olhar, tanto daquele que organiza para representar,
quanto daquele que seleciona para utilizar, assim como
dos elementos externos a eles, como fontes,
instrumentos e influências que recebem e com os quais
trabalham.
Ao considerar esses elementos, é possível observar as
circunstâncias sob as quais ocorre o trabalho para
organizar e representar o conhecimento, além de
reconhecer as relações presentes a partir de uma
construção fundamentada nas interfaces entre campos
do conhecimento e seus conceitos. Partindo-se de uma
reflexão crítica sobre os conceitos gerais que guiam a
representação e recuperação da informação e do
conhecimento, a apropriação da informação se realiza a
partir da compreensão dos contextos e de sua
representação em acervos informacionais e digitais e
em fontes de dados.
Assim, importa situar e reconhecer essas relações
historicamente construídas, analisá-las e interpretá-las,
enquanto resultantes de um conjunto de fatores sociais,
políticos e econômicos que caracterizam e influenciam
a produção, organização e representação do
conhecimento.
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Received: 2016-05-25. Accepted: 2016-05-26
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