Academia.eduAcademia.edu

Arte: o fazer como forma de conhecimento

2001, ECDJ em cima do joelho

A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso.

Arte: o fazer como forma de conhecimento Autor(es): Olaio, António Publicado por: Editorial do Departamento de Arquitectura URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/37484 persistente: DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/0874-6168_5_4 Accessed : 20-May-2020 17:33:15 A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. impactum.uc.pt digitalis.uc.pt texto ant6nio olaio Arte: o Faze r coma Fo rma de conhecimento > ~ bastante engra~ado o facto de Duchamp, sendo frequentemente associado ao afastamento da ideia de arte enquanto manufactura, ter definido arte enquanto faze r e fazer quase que com as maos. > Duchamp, com a defini~ao de arte enquanto fazer , nesta aparente redu~ao da ideia de arte ao artefacto, numa atitude que podera aparentar ser um gesto de puro niilismo, de pura dessacraliza~ao e banaliza~ao da arte, mais nao estara do que situar a arte ao nivel, na familia, dos artificios (da ponta de si lex ao supermercado?). Duchamp, aqui, mais uma vez revel a a sua estrategia de reflexao sobre arte, no sentido da melhor forma, da forma mais limpida de abordar a arte, que e parecer que nao se lhe da grande importancia. No sentido de uma indiferen~a. ou melhor de uma indi ferencia~ao da arte em rela~ao a todas as coisas. > O facto da arte poder se r , assim, encarada como artefacto, como uma cadeira ou um copo, gera uma forma de abordagem que pode ser extremamente significante . > Desta forma, na rela~ao entre a concep~ao de um objecto e a sua manufactura, poderemos considerar um crescente grau de sofistica~ao na forma como os conceitos se relacionam com o objecto produzido. Desde a satisfa~ao de uma fun~ao primaria, a um grau de sofistica~ao tal que a pr6pria ideia de fun~ao se complexifica ao ponto de, como nas obras de arte, parecer nao servir para nada. > Mas, de facto, mesmo a pr6pria sobrevivencia nao depende s6 da satisfac;ao das necessidades primarias. > E a arte e imagem de uma forma mais complexa da ideia de necessidade. Esta definic;ao de arte enquanto meramente fazer, pela sua extrema simplicidade, parece ter a intenc;ao de afastar a arte das concepc;oes mais obscuras e, quantas vezes essas concepc;oes poderao ser intencionalmente obscuras, come sea arte fosse uma especie de misterio insondavel. > Na relac;ao da arte com a inteligencia, este encarar da arte come algo de obscure, se, por um lade, pode induzir a concepc;oes de exaltac;ao romantica, tambem, para conforto de uma sociedade dominada pela racionalidade mais linear, pode levar a encarar os artistas come aqueles que nao pensam, na exaltac;ao do que chamam sentimento. Ea ideia tao popular de genie criador mai s parece ser si n6ni mo de aquel e que faz sem pensar , eel ebrando- se muitas vezes a intuic;ao artistica como sea intuic;ao fosse fruto de seres que satisfariam uma ideia estupidamente nostalgica do ser primitive, come se o artista fosse uma especie de born selvagem (ainda me lembro dos tao celebrados Novas Selvagens nos anos 80, onde a apreciac;ao da sua obra sublinhava, da forma mais redutora, um regresso a pintura, come se a pintura tratasse de J 0 tintas e, sobretudo, seas pinceladas fossem largas e evidentes, numa ideia Cl u de expressionismo que mais nao seria, no simplismo do discurso de entao de (IJ alguns criticos de arte, do que uma mimesis de uma certa imagem de expressao). De facto, o que chamamos intui~ao , mais nao sera que um pensamento mais rapido e complexo, tao rapido e complexo que nao e sequer perceptivel pela lenta racionalidade. > OS proceSSOS da intui~ao Sao tao ageis que, que quando a racionalidade OS procura entender, eles ja aconteceram. Tera talvez sido este pensamento complexo e agil que permitiu a Einstein a cria~ao da teoria da relatividade que, certamente, nao teria sido possivel meramente nos mecanismos de uma estrita racionalidade. Sera certamente a intui~ao um dos principais motores do conhecimento, isto porque somos bem mais inteligentes do que somos. > O aparente disparate do final da frase anterior , deixara eventualmente de o parecer se considerarmos os mecanismos em jogo no ensino das artes . Grande parte da actividade de ensinar art e nao sera, propriamente, e em rigor, ensinar . > Parece-me ser, pela rela~ao que tenho com os alunos nas aulas das disciplinas de desenho deste curso de arquitectura, sobretudo nos aspectos do desenho que se situam para alem da representa~ao, principalmente revelar e desenvolver aspectos menos exercitados das suas capacidades intelectuais. > A actividade artistica, e considero a resposta a exercicios das disciplinas de desenho uma manifesta~ao da pratica artistica, e uma forma de revelar aspectos da percep~ao e conhecimento do mundo que, infelizmente, muitas vezes e recalcada por uma racionalidade dominadora. E distingo aqui racionalidade de razao, usando a palavra racionalidade para denominar esta especie de doen~a que nos faz tomar por um verdadeiro conhecimento a utilitaria e pragmatica simplifica~ao da realidade de que muitas vezes a razao se serve para ser operativa. > E a confusao chega ao cumulo de confundirmos a complexidade da realidade com esta redu~ao a uma linearidade utilitarista, como se pretendessemos substituir o espa~o, nem sequer por um plano, conformando- nos a substitui - lo por uma linha. Pois, quanta mais linear mais livre estaria de qualquer ambiguidade. 0 que e um terrivel disparate! 0 que e, de facto, um facto e que a objectividade ea coisa mais ambigua que ha. > Isto ao ponto de dar o nome de objectividade aos pensarnentos mais lineares . > E quanta mai s li near, mais objective seria o pensamento . > Pois, quanta mais linear mais liv re estaria de qualquer ambiguidade. > 0 que e um terrivel disparate! > 0 que e, de facto, um facto e que a objectividade e a coisa mais ambigua que ha. > Bern mais ambfgua que a subjectividade, enquanto subjectividade que percepciona, que filtra, pela dinamica da percep~ao, a objectividade, e a conforma aos dados empiricos do sujeito e, fatalmente, ao conhecimento de uma linguagem que a procura traduzir (e nao sei se pensar em portugues e o mesmo que pensar em alemao, mas suspeito que devem haver algumas diferen~as: certamente, a Torre de Babel ainda tera vindo complicar mais as coisas). > Se conseguissemos conceber a objectividade pura, certamente deparariarnos com a ambiguidade na sua manifesta~ao absoluta. Mas, de facto, como s6 conhecemos o mundo conforme o vemos, a unica objectividade a que poderemos aceder ea nossa subjectividade, quando a subjectividade e usada para percepcionar a subjectividade. > ou melhor, por outras palavras, quando a subjectividade e o objecto de percep~ao. > Assim, esta unica verdadeira forma de aceder a uma objectividade nao passara de um puro acto de introspec~ao. > Quando (dado o contexto desta revista) um arquitecto reflecte sabre uma cidade, reflecte sobretudo sabre as rela~oes dos dados que o seu cerebra possui com a percep~ao que tern sabre a cidade, estando aqui perante, ao mesmo tempo, um acto filos6fico (mesmo quando a fi losofia tern o fazer como finalidade) e um acto i ntrospectivo. > sendo eu artista plastico e professor de desenho no curso de arquitectura da universidade de coimbra, encaro as duas actividades como sendo indissociaveis. > Tanto o que fa~o como artista quanta os exercicios que proponho aos alunos (sobretudo no 2° ano, onde os rudimentos instrumentais ja deverao estar dominados) encaro como parte de uma investiga~ao, pois encaro a fun~ao de artista plastica como algo que nao se esgota na autoria de obras de arte, sendo estas sobretudo concretiza~oes, ou mesmo, residues de toda uma rela~ao com a frui~ao estetica. , Nao foi s6 pela procura de um desenvolvimento instrumental que, no ultimo ano lectivo, propus como exercicio de desenho aos alunos do 2° ano trabalhos que partiam dos desenhos de representa~ao do esqueleto que eles tinham feito, para a cria~ao de novas composi~oes. , A partir da estrutura do esqueleto humano, os alunos, passando por fases de estiliza~ao onde anulavam a acidentalidade da caligrafia, criavam composi~oes onde as metamorfoses que o desenho original sofria eram motivadas por uma rela~ao com o suporte (na ideia de inter- rela~ao que compoe o conceito de composi~ao). , Mas nao foi a pura atitude formalista que conduziu os processos de composi~ao, porque a ideia de esqueleto estava sempre presente, na plena ambiguidade de sugerir multiplas ideias, como: estrutura, corpo, individuo, constru~ao, material de constru~ao, montagem, desmontagem, remontagem, lego. > Perante a surpresa agradavel dos trabalhos que surgiram decidimos fazer uma exposi~ao, ou melhor os trabalhos deci diram pornos, n6s nao fizemos mais do que lhes obedecer. , E, coma sintese das rela~oes que os desenhos sugeriam, chamamos a exposi~ao: A capela dos ossos, ou se os ossos fossem lego . ~ Capela, pela rela~ao destes ossos metamorfoseados com a ideia de edifica~ao, lego pela no~ao aqui provada da arte coma campo de possibilidades . > oe facto, a criatividade em arte, ea arte acontece quando um objecto ultrapassa a sua objectualidade (mesmo quando a objectualidade e um dos ingredient es de uma obra de arte) para a gesta~ao de um espa~o, de um campo de possibilidades. • Quando Ilya Kabakov cria O homem que voou para o espa~o do seu apartamento cria uma instala~ao que simula a possibilidade de, com os meios mais rudimentares, e tendo-se a si pr6prio e ao seu quarto, ao seu espa~o mais infimo, um homem conseguir conquistar o espa~o. Para alem da for~a que as viagens espaciais teriam no imaginario sovietico, Kabakov, aqui, parece sublinhar a ideia de arte como processo de concep~ao, mesmo na rudimentaridade dos meios fisicos (nao propriamente na rudimentaridade dos meios mentais), de abertura de um campo de possibilidades. De um quartinho para o Espa~o. ou melhor da rela~ao entre a inteligencia do artista e os elementos do seu espa~o. mesmo que infirno, para a sua amplia~ao para um campo de infinitas possibilidades, tao vasto que nem sequer a ideia de dimensao fara sentido (e nem mesmo a ideia de vasto). Por outro lado, Anthony Gormley cria esculturas/corpos ou, melhor, esculturas que parecem ser representa~ao de moldes de um corpo. De um corpo sem identidade, na maximiza~ao da seu sentido simb6lico . Os corpos/moldes das esculturas de Antony Gormley parecem confinar a existencia do individuo ao espa~o mais infirno, como se o espa~o de vida de um individuo nao fosse mais do que o espa~o dado pelos limites do seu corpo. Mas em Gormley um corpo e encarado tambem pelo seu caracter de representa~ao. 0 u um corpo representando um individuo. ~ E, aqui. na rela~ao de um individuo com o mundo, o corpo podera ser ~epresenta~ao deste espa~o concentracionario que reside na condi~ao de se ser um individuo . Encarando o corpo como representa~ao da ideia de individuo e, nessa condi~ao, sendo os seus ossos l ego, um individuo e imagem de todas as constru~oes poss1veis. ·