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ÁGUAPALAVRA - Poema

1969, Revista da Universidade Federal de Minas Gerais

ÁGUAPALAVRA* fabricio fernandino** *Instalação coletiva realizada por ocasião da Bienal 0-Bienal de Arte Universitária em 2010, no Centro Cultural UFMG, e que teve sua continuidade em Diamantina, na Galeria do Teatro Santa Isabel, dentro das atividades do 43º Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse coletivo foi composto por artistas-professores do Brasil e da Argentina. Coordenação: Fabricio Fernandino (UFMG); coparticipação: Francisco Marinho (UFMG), Damian Kess, da Universidad Nacional del Litoral (UNL), Isabel Molinas (UNL) e Eduardo Righi, da Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Foram trabalhadas neste projeto as poéticas computacionais interativas associadas ao texto, ao som e à visualidade plástica, relacionadas ao tema da água. Este é um projeto realizado pelo Centro Especializado de Arte e Educação Ambiental da UFMG.

156 Umidade, água, granito e grafite, 2002 fabricio fernandino fernandino f. águapalavra rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 fernandino f. águapalavra ÁGUAPALAVRA* fabricio fernandino** *Instalação coletiva realizada por ocasião da Bienal 0 – Bienal de Arte Universitária em 2010, no Centro Cultural UFMG, e que teve sua continuidade em Diamantina, na Galeria do Teatro Santa Isabel, dentro das atividades do 43º Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse coletivo foi composto por artistas-professores do Brasil e da Argentina. Coordenação: Fabricio Fernandino (UFMG); coparticipação: Francisco Marinho (UFMG), Damian Kess, da Universidad Nacional del Litoral (UNL), Isabel Molinas (UNL) e Eduardo Righi, da Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Foram trabalhadas neste projeto as poéticas computacionais interativas associadas ao texto, ao som e à visualidade plástica, relacionadas ao tema da água. Este é um projeto realizado pelo Centro Especializado de Arte e Educação Ambiental da UFMG. **Artista visual. Professor adjunto da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: <[email protected]>. rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 157 fernandino f. águapalavra S onhei líquido, sonhei água. Fluída, transparente que se amalgamava à forma de minhas mãos. Volume que deixava transparecer a lucidez de meu olhar. Água, água, água... São tantas. Presença constante em minha vida. Fascínio, umidade que perpetua o frescor de uma infância nunca esquecida. Sou água, líquido, escoo... entre mundos, entre modos, entre meios. Adapto, conformo, modelo, preencho. Submerso, presencio a morte, quase revelada. Vida infinita que flui. Água. Existem intimidades que não devem ser ditas. Estranho momento desse escrever. Justo instante em que lavo a ponta dos dedos em uma lavanda oferecida, morna, perfumada que acaricia os meus sentidos. Água. Que magnitude confere à minha vida. Águapalavra 158 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 fernandino f. águapalavra Faço parte deste universo fluido. Entre mergulhos profundos, imersivos me surpreendo com paisagens únicas e abissais. Com o viver foi sendo construída essa aproximação incomum. Bebo desse universo líquido que me encanta, que revela, que instiga. Matéria de criação, água, instância do prazer e do sentir. Descubro em Bachelard,1 em Barros2 e em Guimarães3 horizontes muito mais amplos, abordagens Imersão – Série: Esculturas efêmeras Parque do Itacolomi, Ouro Preto, julho, 1994. 1. Gaston Bachelard – Filósofo e poeta francês. inesquecíveis. Essa é uma história que perdura, que existe desde antes, 2. Manoel de Barros – Poeta brasileiro. que insiste, e me confere o conforto de transitar por essa 3. Guimarães Rosa – Escritor brasileiro. matéria já íntima. Muitas foram as artes, os trabalhos e as criações fluidas. Crio... o meu ato criador dialoga com esse elemento aquoso, surge o espaço, a consistência e a matéria. Água – Série de esculturas: O olhar e o fazer Parque do Itacolomi, Ouro Preto, julho, 1996. Impulsionado pela ação coletiva, coordeno, inspiro e recrio. Aproprio... na Imersão, em águas tépidas, o reflexo ganha contornos associados ao real e na duplicidade manifesta a forma, possível pela luz. Nessas incursões líquidas adentramos o rio. No silêncio surdo da mata, sussurram segredos, um gorgolhar, que nos chama, sempre adiante. Umidade – Série de esculturas: O olhar e o fazer Parque do Itacolomi, Ouro Preto, julho, 1996. Em invernos intensos, alto do Itacolomi. Em um gotejar continuado, cronométrico, medidor de um tempo que não existe, a Água, fala do instante e do acaso. Nesse mesmo tempo, úmido e silencioso, nos reflexos da rocha molhada, uma instalação contígua, a Umidade, segreda a dança da luz e da sombra. O espírito da água – Série de esculturas: Poesia das coisas naturais Belo Horizonte, julho, 1996. rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 159 fernandino f. águapalavra Nessas divagações, o Espírito da água reflete a cada instante um reverberar ritmado. Outra escultura líquida, que adentra a síntese desse elemento. Já íntimos, compreendo, intuo, percebo e me surpreendo pela alegria do revelado. Em Diálogos possíveis, uma Diamantina concedida – água pura. Cristais líquidos que escoam entre as fendas rupestres. Ah! Diamantina, são tantas e tão raras as suas revelações. Naquelas Diálogos possíveis. Instalação: Diálogos possíveis Parque do Biribiri – Diamantina, maio, 2005. madrugadas umedecidas e solitárias, em auroras douradas, em seus poentes infinitos, vivo o incomum. Montanhas de meu pensar, onde me deleitava ao nadar em suas águas noturnas, gélido estremecer. Grito abafado de uma felicidade incontida. Energias límpidas. Sentimento profundo por onde escoavam todos os meus anseios, diluíam-se minhas angústias, acalmava-se meu coração quase menino. Menino porque feliz em meus mergulhos notívagos, únicos e solitários. Mutação contínua – Série: Esculturas da luz – Parque do Rio Preto – Rio Preto, maio, 2002. Nessas montanhas registro a beleza da massa líquida que modela e conforma o sólido. Longos instantes de eternidades. Uma Mutação contínua onde a forma é congelada no instante do olhar e é revelada pela luz e pela sombra. Entretanto, na ação de um tempo 160 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 fernandino f. águapalavra Vida - Série: Águas Vivas Diamantina, agosto, 2008. Morte - Série: Águas mortas Pico do Itabirito – Itabirito, maio, 2008. Residência Artística: Olhar Diamantina Série Fotográfica: Olhar – Diamantina, agosto, 2005. demasiadamente humano, contraponho um diálogo entre a Vida e a Morte. O belo que se manifesta delicado, nas águas primordiais e nascentes, prometendo a vida face ao belo medonho de uma morte anunciada em águas aviltadas. No barco da vida, em águas moventes, estacionário, sou a terceira margem, aquele que observa, aquele que vê, e antes de tudo, aquele que sente eternidades. Tempo de um tempo raro, vagante e disforme. Tempos não sequenciais e incomuns. Tempo do universo sentido. Observo em Olhar Diamantina a revelação pela água. Monumento ao bicentenário – Monumento alusivo ao bicentenário da República Argentina e ao centenário de fundação da Universidad Nacional del Litoral. Coletivo que partiu de um conceito básico e desenvolvido sob a minha coordenação com a participação de artistas e estudantes da UNL. O tema água foi a base do trabalho e toda matéria constitutiva. Santa Fé, Argentina, outubro, 2010. Água que me encanta... que permite, que instiga que movimenta, que conduz. Em terras estrangeiras, a água se fez presente. Monumental, adquire contornos públicos e possibilita, pela história recente de uma cidade submersa, o resgate de um tempo e da memória. No Monumento ao bicentenário, a água é a base é o fio condutor do olhar, é o rio vertical, que nos guia para o alto, emergindo de águas revoltosas e incontidas. O caminho pela água nos leva ao universo. Águapalavra... Descubro outra margem. Pelo ar descubro a água. Água, água e água... sul de um continente. Em paisagens argentinas sinto-me surpreendido... Água, água, água e mais água... platinas. Naquelas planícies encharcadas, flutuamos juntos, cercados pelas águas. Compartilhamos, vivenciamos e sentimos. Criamos, falamos a linguagem dos índios e intuímos rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 161 fernandino f. águapalavra revelações das águas. Nos permitimos o espaço do encanto e do canto. Ao som orquestrado de água, água, águaaaaaaaa. Cantamos a felicidade de sermos líquidos, fluidos, contíguos e adjacentes. E lá bem ao sul, em terras distantes e mais tarde ao norte, sertanejos, num parque de um rio quase preto, vivenciamos plenos a água. E, nesse convívio, criamos juntos um poema visual, revelador dos encantos das águas. Águas puras, águas vívidas e vividas, memória Instalação: Águapalavra Centro Cultural da UFMG – Belo Horizonte, dezembro, 2012. de um universo que se foi. Como um rio. Manhã, recortando o olhar havia um rio. Desceu... Encontrou montanhas. No caminho dos ventos, permeou pedras. Redondas águas de um gosto profundo e azul. Sons dourados que encantam. ... ... ... Com o rio, veio a noite. O céu trouxe as estrelas, silêncio... O olhar, agora é rio. Perdido. Em Águapalavra traduzimos esse universo líquido, uma visualidade sentida, poetizada e revelada. Seja na 4. Mocovi, tribo indígena da região sudoeste da Argentina. linguagem Mocovi,4 em língua portuguesa ou hispânica, na musicalidade do improviso ou na poética Instalação: Águapalavra 162 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 fernandino f. águapalavra roseana. Águapalavra uma experiência nossa para o mundo. Uma experiência líquida. Lá fora, enquanto escrevo, o mundo se desfaz em meio a um dilúvio de verão5. Fabricio Fernandino (2014) Instalação: Águapalavra 5. Todas as fotografias são de autoria de Fabrício Fernandino, excetuando as fotos dos trabalhos: Espírito da água e Diálogos possíveis, que são de autoria do fotógrafo Paulo Baptista. Instalação: Águapalavra tercera margen6 (Isabel Molinas, 2010) 6. Poema tem como referência conto do mesmo Memoria y devenir, palabras claves de un viaje que comienza en el Parque Estadual de Río nome de autoria do escritor João Guimarães Rosa. Preto con el propósito de registrar el pulso poético de cuatro ríos de Latinoamérica: Preto, Paraná, San Francisco y Amazonas. A partir de un doble registro, fenoménico y poético, se propone una instancia de sensibilización sobre el cuidado de nuestros bienes naturales. El objetivo es propiciar una reflexión a partir de la mirada del Otro. Nunca los litorales son iguales y aunque coincidamos en la importancia del agua como bien colectivo, cada cultura, cada pueblo lo vivirá de manera diferente. El resultado es un relato polifónico que articula lenguas y geografías diversas. Flujos y derivas a través del espacio y del tiempo. Signos de lluvia y de sequía. Intensidad de los vientos. Pulso del agua en la grieta de una roca. Primer movimiento de una canción futura que nos encuentra más sensibles y más humanos. Ritos do pasaje: luz, sonhos e fala do Río Preto. rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 156-163, jul./dez. 2013 163