RETINOPATIA ASSOCIADA AO USO DE ENROFLOXACINO EM GATOS
Jéssica de Lima Mendes¹, Larissa Jesus Trombetta2, Andréia Vitor Couto do
Amaral3*
1.Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Jataí, Jataí,
Goiás, Brasil.
2. Discente, Medicina Veterinária, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás,
Brasil.
3. Docente, Medicina Veterinária, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás, Brasil.
E-mail:
[email protected]
Recebido em: 06/04/2019 – Aprovado em: 10/06/2019 – Publicado em: 30/06/2019
DOI: 10.18677/EnciBio_2019A121
RESUMO
As fluorquinolonas são antimicrobianos com ampla aplicação na rotina da medicina
veterinária. Dentre estas, destaca-se o enrofloxacino, um fármaco que possui
espectro de ação antimicrobiana abrangente no organismo animal. Atualmente é
uma das maiores classes de agentes antibióticos utilizadas no mundo para o
tratamento de infecções bacterianas, tanto Gram-positivas, quanto as Gramnegativas. Assim, tais características a tornam uma frequente escolha para
tratamento de várias enfermidades em cães e gatos. Entretanto, na espécie felina,
devido ao aumento da dose, frequência de administração, ou infusões rápidas,
juntamente ao desconhecimento dos efeitos colaterais, pode ocasionar a
degeneração da retina. Tal degeneração causada pelo tratamento com enrofloxacino
manifesta-se como cegueira de caráter agudo, geralmente irreversível. Apesar da
fisiopatologia deste processo permanecer desconhecida, existem algumas hipóteses
prováveis, tal como a deficiência de proteína ABCG2 na barreira hemato retiniana
dos gatos, propiciando o acúmulo do fármaco na retina e a ocorrência das
alterações posteriores. Os sinais clínicos mais comuns incluem midríase com
ausência de reflexos pupilares, relutância ao andar ou pular, hiperreflexia tapetal e
atenuação dos vasos retinianos. O diagnóstico pode ser realizado através de
exames oftálmicos como a oftalmoscopia direta, analisando o padrão de alterações
do fundo de olho, e a eletreorretinografia, que fornece dados captados dos
fotorreceptores confirmando a cegueira dos animais. Como não há um tratamento, a
profilaxia é a melhor opção para evitar a degeneração de retina nos gatos. O
presente trabalho tem como objetivo elaborar uma revisão, que relacione o uso de
enrofloxacino em gatos e a degeneração de retina.
PALAVRAS-CHAVE: cegueira, fluorquinolonas, felinos
ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.16 n.29; p.1347
2019
ENROFLOXACIN-ASSOCIATED RETINOPATHY IN CATS - LITERATURE
REVIEW
ABSTRACT
Fluoroquinolones are antimicrobial agents with wide application in the routine of
veterinary medicine. Among them, highlights enrofloxacin, a drug that has a broad
range of antimicrobial action in the animal organism. It is currently one of the largest
classes of antibiotic agents used in the world for the treatment of bacterial infections,
both Gram-positive and Gram-negative. Thus, such characteristics make it a frequent
choice for the treatment of various diseases in dogs and cats. However, in the feline
species, due to increased dose, frequency of administration, or rapid infusions,
together with the lack of knowledge of side effects, can lead to retinal degeneration.
Such degeneration caused by treatment with enrofloxacin manifests as acute
blindness, usually irreversible. Despite the pathophysiology of the abnormality
process, there were some probable hypotheses, such as a protein ABCG2 deficiency
in the retinal retraction of the cats, leading to accumulation of drug in the retina and
the occurrence of subsequent changes. The most common clinical indicators are
absence of pupillary reflexes, reluctance to walk or jump, hyperreflexia, and retinal
vessel attenuation. The diagnosis can be made through ophthalmic exams such as
direct ophthalmoscopy by analyzing the pattern of alterations of the fundus of the
eye, and eletreoretinography, which provides data captured from the photoreceptors
confirming the blindness of the animals. As there is no treatment, prophylaxis is the
best option to avoid retinal degeneration in cats. The present work aims to elaborate
a review, which relates the use of enrofloxacin in cats and retinal degeneration.
KEYWORDS: blindness, fluoroquinolones, feline
INTRODUÇÃO
Os quimioterápicos antibióticos da classe das quinolonas são considerados
o centro de interesse clínico desde a sua descoberta na década de 60. São vistos
como antibióticos ideais pois seus representantes permeiam a vários atributos:
apresentações para uso tópico, oral e parenteral, alta potência, amplo espectro, boa
disponibilidade, alta concentração sérica e grande distribuição nos tecidos. Além da
baixa incidência de efeitos colaterais quando usado da forma correta (ANDERSON;
MACGOWAN, 2003).
O método de classificação das quinolonas mais encontrado na literatura é a
classificação através de gerações, tratando-se de quatro gerações, divididas de
acordo com o espectro antimicrobiano e suas indicações terapêuticas. As
fluorquinolonas constituem um tipo de quinolona, caracterizadas pela adição de flúor
na sua composição química (SILVA; HOLLENBACH, 2010).
Conforme Anjos e Brito (2009), o enrofloxacino é uma fluorquinolona
amplamente utilizada na medicina veterinária. Entretanto, sugere-se a degeneração
de retina como um efeito adverso encontrado em gatos que a utilizaram em
tratamentos. Ainda que o processo causador da degeneração retiniana pelo uso do
enrofloxacino não estar claramente definido , acredita-se que alguns fatores podem
predispor essa alteração como altas doses da droga, exposição à luz solar durante o
tratamento, infusão intravenosa rápida, longos períodos de uso, interações
medicamentosas, idade e o acúmulo da droga devido ao seu metabolismo alterado
ou eliminação reduzida (CAVALVANTE et al. 2009).
Por essa falta de elucidação quanto ao tema, surge a necessidade de
realizar uma revisão bibliográfica com o objetivo principal de relacionar o uso de
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enrofloxacino e a degeneração de retina em gatos, visando contribuir no
conhecimento para futuros estudos referentes ao tema. Este trabalho teve como
objetivos específicos: Discorrer sobre as características farmacológicas das
fluorquinolonas, em especial do enrofloxacino; discorrer sobre a fisiopatologia,
diagnóstico e prevenção da retinopatia associada ao uso do enrofloxacino em gatos;
e informar sobre a importância da prescrição e utilização do enrofloxacino com
atenção e cuidados necessários na rotina da clínica de felinos.
O médico veterinário deve saber diferenciar as particularidades dos felinos
frente as outras espécies. Frente ao exposto, justifica-se o interesse pelo tema,
devido ao surgimento da necessidade de investigar também as particularidades dos
gatos que favorecem as intoxicações medicamentosas.
Assim, acredita-se que o desenvolvimento dessa revisão possa contribuir
significativamente em estudos futuros acerca desta temática, e proporcionar a
reflexão ao profissional médico veterinário sobre a importância das particularidades
metabólicas dos gatos.
Propriedades das fluorquinolonas
As fluorquinolonas constituem um grupo de substâncias químicas com ação
antibacteriana. São caracterizadas pela adição de flúor na sua composição química
(Figura 1). São conceituadas como antibióticos, relativamente seguras para
humanos e animais domésticos. Os principais representantes deste grupo são
enrofloxacino, ibafloxacino, marbofloxacino e orbifloxacino (todos de uso exclusivo
em medicina veterinária), norfloxacino, ciprofloxacino, ofloxacino, lomefloxacina e
perfloxacina na medicina humana (BARCELLOS et al., 2006; SILVA;
HOLLENBACH, 2010; FORESTI, 2015).
As fluorquinolonas de primeira geração são representadas pelo ácido
nalidíxico, a flumequina e o ácido oxonílico. Na época da descoberta, estas drogas
foram efetivas somente para o tratamento de infecções urinárias. As quinolonas de
segunda geração foram obtidas na década de 80 a partir da adição de um átomo de
flúor na posição 6 e 7 (grupo piperazinil), do núcleo das quinolonas, e deram origem
a moléculas com considerável aumento de atividade antibacteriana. São exemplos
da categoria: o norfloxacino, ciprofloxacino, ofloxacino e enrofloxacino. As
quinolonas de terceira geração apresentam espectro de atividade balanceado,
sendo indicados basicamente no tratamento de infecções respiratórias como
levofloxacino e gemifloxacino. A maior atividade contra patógenos Gram (-) é
encontrada na quarta geração, estes ainda apresentam atividade aumentada contra
Gram (+) e patógenos do trato respiratório. Como exemplos podem ser citados o
moxifloxacino e sitafloxacino (HIGGINS et al., 2003, CAVALCANTE et al. 2009,
FORESTI, 2015; SPINOSA et al., 2017).
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FIGURA 1: estrutura química das fluorquinolonas e suas gerações.
Fonte: FORESTI, (2015)
Farmacodinâmica
Conforme Tavares (2014), o mecanismo de ação das fluorquinolonas é
caracterizado pela interferência na síntese do DNA bacteriano, através da inibição
de duas enzimas: DNAgirase e Topoisomerase IV, que tem como função o controle
do processo de divisão a reunião de novas cadeias no enovelamento do novo DNA
bacteriano durante a replicação. Foresti (2015) acrescenta que, durante este
processo, o DNA bacteriano se relaxa e suas espirais ocupam um espaço maior do
que o limite da célula bacteriana, sendo que as extremidades livres do DNA induzem
a síntese de proteínas, a produção de exonucleases e degradação dos
cromossomos, fatores que resultam na morte celular bacteriana.
Nesse sentido, as fluorquinolonas vão exibir diferentes ações antibacterianas
de acordo com o pH e as suas estruturas. Nas bactérias Gram-negativas, ocorre
entrada por meio das porinas do microrganismo. Nas bactérias Gram-positivas,
ocorre difusão via membrana celular interna (SILVA; HOLLENBACH, 2010).
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Farmacocinética
No que se refere à farmacocinética das fluorquinolonas, após a
administração por via oral (principal via de administração), são rapidamente
absorvidas por animais monogástricos. Por outro lado, o pico máximo de
concentração sérica varia conforme a espécie animal (SILVA; HOLLENBACH, 2010;
FORESTI, 2015).
Segundo Silva e Hollenbach (2010), os efeitos adversos do uso das
quinolonas em cães e gatos podem variar, sendo que, os mais comuns são vômito,
diarreia e dor abdominal. Apesar de não ser comum, podem ocorrer reações
alérgicas apresentando urticária, eosinofilia, ocorrência de pápulas e febre. Tavares
(2014) acrescentou que podem ocorrer, também, alterações do sistema nervoso
central, dependendo da dose e a frequência da administração do fármaco,
apresentando sonolência, cefaleia, insônia, fadiga, depressão e convulsão, e são
mais frequentes em animais idosos e lactentes.
Devido a sua intensa utilização nos gatos, para diversos tratamentos de
infecções bacterianas, têm sido descritos casos de cegueira aguda e irreversível
decorrente do uso de quinolona: o enrofloxacino. Esta alteração ocorre devido à
degeneração de retina, não sendo observada com as demais quinolonas. Os felinos
apresentam maior vulnerabilidade da barreira hematoencefálica quando comparado
às demais espécies domésticas. Esta característica, somada à lipossolubilidade do
medicamento, à alta dose ou aumento da frequência de administração, pode levar
ao acúmulo do enrofloxacino no sistema nervoso central dos felinos, potencializando
o risco de cegueira (SPINOSA et al., 2017).
O Enrofloxacino
Conforme Foresti (2015), o enrofloxacino é um fármaco antimicrobiano da
classe das fluoroquinolas de segunda geração, com a fórmula: 1-ciclopropil-7-(etil-1piperazinil)-6-fluoro-1, 4dihydro-4-oxo-3- ácido quinolonacarboxílico (Figura 2). Foi a
primeira quinolona a ser introduzida na medicina veterinária desde 1989,
abrangendo diversas espécies animais e produzida em diferentes formas
farmacêuticas. O principal metabólito ativo do enrofloxacino é o ciprofloxacino,
ambos possuem caráter anfótero, com valores de pka1 entre 5,5 e 6,0 e pka2 entre
7,7 e 8,7.
FIGURA 2: Fórmula estrutural do enrofloxacino.
Fonte: FORESTI, (2015).
Possui boa disponibilidade oral, favorável difusão para os tecidos, uma meia
vida maior e uma toxicidade consideravelmente reduzida, além de um mecanismo
de ação bastante abrangente, bem como um amplo espectro de ação contra
bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Devido a tantas vantagens e boa
distribuição no organismo animal, levou a um extensivo uso na rotina clínica de cães
e gatos, sendo indicada para tratamento de vários processos infecciosos, tais como
infecções respiratórias, gastrointestinais, urinárias, piodermatites, otites, entre outros
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processos infecciosos (CAVALCANTE et al. 2009; SILVA; HOLLENBACH, 2010;
MELO et al., 2014).
O mecanismo de ação do enrofloxacino é característico da classe das
fluorquinolonas. Ocorre interferência na síntese do DNA bacteriano, através da
inibição de duas enzimas: DNAgirase e Topoisomerase IV, que tem como função o
controle do processo de divisão a reunião de novas cadeias de DNA (SILVA;
HOLLENBACH, 2010; MELO et al., 2014).
Quanto à farmacocinética, o enrofloxacino é bem absorvido e distribuído
quando administrado por via oral, sendo excretado pela urina e pelas fezes em altas
concentrações. A biotransformação no organismo ocorre por N-desalquilação, se
convertendo em ciprofloxacino. O volume de distribuição é alto na maioria das
espécies animais. Concentra-se, sobretudo na saliva, secreção nasal, mucosas,
epitélio e secreção bronquial, assim como no fígado e no trato urinário. Transpõe
efetivamente o tecido pulmonar, fluido de revestimento e macrófagos alveolares,
resultando assim em concentrações maiores que as séricas (SPINOSA et al. 2011).
De acordo com Spinosa et al. (2011), o enrofloxacino é preferencialmente
administrado em comprimidos por via oral e é rapidamente absorvido com uma
biodisponibilidade de cerca de 83% em cães e 92% em gatos, demonstrando a
eficácia. A dose recomendada é de 2,5 mg/kg, via oral, a cada 12 horas. Porém, a
tendência popular de administrar antibióticos bactericidas em apenas uma dose
diária, influenciou o fabricante do enrofloxacino a alterar a dose. Assim, uma dose
variável de 5 a 20 mg/kg, uma ou duas vezes ao dia foi adicionada na bula do
medicamento.
Alguns estudos têm mostrado efeitos tóxicos do enrofloxacino em diversos
tecidos. Foram relatadas inibição da proliferação celular, indução da apoptose e
fragmentação do DNA em células do tendão e condrócitos em cães e cavalos. Em
gatos, o fármaco tem sido associado à degeneração retiniana irreversível e cegueira
por intoxicação medicamentosa (GURBAY et al. 2006; FORD et al, 2007;
CAVALCANTE et al. 2009; MELO et al. 2014).
Particularidades no metabolismo dos gatos
Conforme Anjos e Brito (2009), a intoxicação medicamentosa é o tipo que
mais ocorre em felinos, o qual pode ocorrer pela ingestão acidental ou administração
de um medicamento sem um conhecimento prévio. Outra problemática da
terapêutica felina é a extrapolação de doses e embasamento nas indicações
terapêuticas dos fármacos de outras espécies, em particular o cão. As doses de
muitos medicamentos, para terapêutica de felídeos, são obtidas a partir das
utilizadas para cães, ocasionando uma série de reações adversas. Essas reações se
manifestam de várias maneiras, conforme dose utilizada, tipo de fármaco, via de
administração, idade e condição física do animal, devido às diferenças no
metabolismo entre as espécies. Por estes motivos são relatados tantos casos de
intoxicações na clínica de felinos (WIEBE et al., 2002; CAVALCANTE et al. 2009;
TREPANIER ,2016).
É necessário lembrar que os felinos possuem diferenças fisiológicas
relacionadas ao metabolismo, tais como a deficiência da enzima glicuranil
transferase, responsável pela biotransformação de muitos fármacos, além da maior
propensão da hemoglobina do felino em se oxidar, resultando em
metahemoglobinemia e corpúsculos de Heinz (TREPANIER, 2016).
Assim, torna-se imprescindível o conhecimento acerca da farmacocinética e
da farmacodinâmica, além de particularidades do fármaco que o médico irá
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prescrever ao paciente felino, atentando-se quando são utilizadas doses repetidas,
uma vez que, caso a concentração estiver saturada, a meia vida do fármaco no
organismo pode aumentar, o que agravará os efeitos tóxicos. Podem ocorrer erros
nas prescrições, visto que muitos medicamentos ainda carecem de protocolos
específicos para os gatos (SOUZA, 2003; ANJOS; BRITO, 2009).
Anatomofisiologia ocular
Os olhos são órgãos sensoriais, compostos por estruturas diversas, as quais
encarregam da proteção, nutrição, acomodamento e percepção da luz para poder
focar a imagem de algum ser visual. Cada um possui uma camada de receptores,
um sistema de lentes para focalizar a luz, oito nervos condutores de impulsos que
transmitem sinais ao cérebro para serem convertidos em visão de cores (KLEIN,
2014; MILLER, 2017).
Conforme Oriá et al. (2011), o olho é formado pelas túnicas fibrosa, vascular
e nervosa, além da lente, humor aquoso, humor vítreo e estruturas acessórias, tais
como pálpebras, tapete lucidum, conjuntiva, aparelho lacrimal e músculos extraoculares. A órbita ocular separa o olho da cavidade craniana, envolve e protege o
olho.
O bulbo ocular encontra-se no interior da órbita, com as pálpebras
oferecendo proteção anterior. É composto por três camadas, a primeira e mais
externa é composta pela córnea e esclera transição entre ambas denominada de
limbo esclerocorneano. Ele é aproximadamente esférico em cães e gatos e o
tamanho varia entre as espécies e raças (GELLAT, 2013; TURNER, 2010; ORIÁ et
al.,2011; LEITE et al.,2013; MILLER, 2017).
A esclera compõe a túnica fibrosa, e dá suporte ao bulbo pela proteção física
do conteúdo intraocular contra agentes externos. A córnea, é formada por epitélio
espesso, membrana de Descemet e epitélio posterior ou endotélio. A nutrição é
garantida pela difusão de nutrientes e oxigênio pelos vasos perilímbicos, humor
aquoso (câmara anterior) e filme lacrimal pré-corneal. No gato, a córnea ocupa cerca
de 30% da camada externa do bulbo ocular e apresenta uma forma cónica. É
transparente, ausente de vasos e rica em inervação, possui ramo oftálmico do nervo
trigêmeo. Portanto, a córnea, torna-se o tecido ocular mais sensível à dor
(SAMUELSON, 2013; LEITE et al.,2013).
A região de transição entre a córnea e a esclera é denominada limbo. Esta
área é caracterizada pelo início de pigmento e vasos sanguíneos, e é o principal
local de onde partem os vasos para suprimento vascular nos processos de
inflamação e reparação corneais. A lente, ou cristalino, é uma estrutura esférica,
localizada próximo ao equador do bulbo. Trata-se de uma estrutura cristalina,
composta de 65% de água e 35% de proteínas (SILVA et al., 2013).
A camada intermediária é formada pelo trato uveal (íris, corpo ciliar e
coroide) e a última e mais interna é a camada nervosa, formada pela retina e parte
do nervo óptico. Inclui nesta os meios transparentes do globo ocular, humor aquoso,
lente e humor vítreo. O conjunto composto por íris e corpo ciliar caracteriza a úvea
anterior; e a coroide, a úvea posterior. A íris é a principal estrutura que separa a
câmara anterior da posterior, havendo comunicação entre elas apenas pela pupila,
por onde flui o humor aquoso (MILLER, 2017).
O corpo ciliar é estruturalmente dividido em pars plicata e pars plana. A pars
plicata, compreende os processos ciliares, que são projeções digitiformes. É nesta
porção, que permite o posicionamento correto da lente. A pars plana localiza-se logo
posteriormente e é relativamente avascular. O humor aquoso, secretado pelo corpo
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ciliar, é um fluido composto por glicose, oxigênio e aminoácidos, resultante da
filtração e secreção ativa das células epiteliais ciliares (SILVA et al., 2013).
A coroide é uma estrutura composta por camadas, de externa para
internamente, pela supracoroide, camada vascular, tapetum lucidum (camada
reflexora), camada coriocapilar e lâmina basal. A camada coriocapilar é a camada
vascular mais interna, que faz o suprimento de oxigênio para as camadas mais
externas da retina. A camada supracoroide consiste em uma membrana elástica
com tecido conjuntivo pigmentado, desprovida de vasos sanguíneos, e encontra-se
entre a porção externa dos grandes vasos e a esclera (MILLER, 2017).
O Tapetum lucidum é uma camada uveal com propriedades refletoras,
sendo celular nos cães e gatos. Nos cães, este material é composto por guanina,
colesterol, zinco e cisteína; e nos gatos, por riboflavina, pteridina e outros lipídeos.
Sua função é aprimorar a captação da quantidade de luz que atravessa todas as
camadas retinianas (LEITE et al.,2013).
As pálpebras têm função de proteção mecânica e luminosa do globo ocular.
Contribui, também, na secreção, na distribuição e na drenagem da lágrima. São
constituídas por quatro camadas: pele; músculo orbicular do olho; camada de tecido
conjuntivo, formando a conjuntiva palpebral. Possui a porção superior e inferior, são
móveis e delgadas que se juntam cobrindo os olhos e formando seus ângulos,
medial e lateral (SILVA et al., 2013).
Silva et al. (2013) afirmaram que os cílios protegem o olho contra a luz
excessiva e a entrada de pequenas partículas. E a outra estrutura próxima, a
terceira pálpebra, tem origem na porção ventromedial da órbita, é formada por uma
cartilagem e coberta pela conjuntiva, fornecendo sustentabilidade ao conjunto
ocular.
O aporte sanguíneo é feito pela artéria oftálmica externa, dando origem as
artérias ciliares posteriores longas, continuando através da artéria circular ciliar,
artéria circunlimbal e artéria circular da íris. Já a retina é irrigada pelas artérias
ciliares posteriores curtas que formam internamente as artérias da retina (LAUS et
al., 2004).
Anatomia e Fisiologia da retina
A retina é uma membrana delgada que recobre o interior do bulbo ocular,
desde a margem pupilar da íris até o disco óptico. Possui estrutura muito complexa
composta por 10 camadas. O nervo óptico e a retina são derivados da parte frontal
do cérebro (MILLER, 2017).
A retina sensorial está ligada ao cérebro pelo nervo óptico e das suas vias
ópticas. Existem as células fotorreceptoras especializadas, os cones e os
bastonetes, que contêm fotopigmentos que mudam conforme a exposição a luz e
produzem energia química. Esta energia é convertida em energia elétrica, que em
último momento é transmitido para o córtex visual do cérebro (GELATT et al., 2013).
Os cones servem para a visão colorida enquanto os bastonetes respondem
a todo o espectro visual, e fazem conexões sinápticas diretas com as células
bipolares, os quais conectam os receptores com as células ganglionares. Os axônios
das células ganglionares conduzem potenciais de ação para o cérebro, através dos
nervos ópticos e do humor vítreo (CUNNINGHAM, 2004).
O humor vítreo é um dos meios de transporte do bulbo ocular. Fornece uma
pressão que é fundamental no posicionamento da retina, exercendo uma força
contra o epitélio pigmentar desta estrutura (GELATT, 2003, LEITE et al., 2013;
MILLER, 2017). Dessa forma, conclui-se que a retina tem uma das mais altas taxas
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de metabolismo de qualquer tecido do corpo, se uma fonte de nutrição é
interrompida, ou alguma substância estranha se acumular na estrutura e prejudicar
as funções celulares, irá ocorrer uma isquemia, o que pode levar a completa perda
da função retiniana (GELATT et al., 2013; MILLER, 2017).
Etiologia e fisiopatologia da degeneração retiniana
Por fatores ainda desconhecidos em pesquisas, acredita-se que a
degeneração retiniana associada ao uso de enrofloxacino nos felinos tem sido
associada a fatores que podem predispor a essa alteração, e aumentar a severidade
da degeneração de retina, tais como: altas doses da droga, ou no plasma, longos
períodos de administração, exposição à luz solar durante o tratamento, infusão
intravenosa rápida, interações medicamentosas, idade e o acúmulo da droga devido
ao seu metabolismo alterado ou eliminação reduzida. Assim, controlando-se esses
fatores, autores de diversos estudos afirmam que seria possível diminuir as chances
da ocorrência de danos à retina felina (WIEBE et al., 2002; CAVALVANTE et al.
2009).
Várias são as suposições sobre os efeitos das fluorquinolonas nos olhos de
gatos. Quanto a fisiopatologia, estudos indicam que a retinopatia causada pelo uso
de enrofloxacino é devido a droga ter afinidade pelos tecidos retinianos (SPINOSA et
al., 2017). Cavalcante et al. (2009) discorreram que, as fluorquinolonas, em geral,
possuem estrutura química similar aos compostos que foram associados à toxicose
do nervo óptico, incluindo a cloroquina, que parece ser dose dependente e é
irreversível.
A cloroquina, na forma de difosfato, tem alta afinidade pela melanina e
se acumula nos lisossomos das células do epitélio pigmentar da retina, que
leva a inibição das enzimas lisossomais e possível morte celular. Logo em
seguida, ocorre absorção da luz UVA na estrutura onde se encontra a cloroquina, e
ocorre degradação de tecido e formação de produtos citotóxicos, os quais parecem
responsáveis pelo dano; o grau de dano é dose e tempo dependente
(CAVALCANTE et al., 2009).
Wiebe et al. (2002) relataram que a incidência da degeneração é aumentada
quando o enrofloxacino é associado a drogas como a furosemida e a cimetidina, que
aumentam as concentrações plasmáticas das fluorquinolonas devido a
diminuição da excreção renal. Cavalcante et al. (2009), afirmaram que infecções do
trato urinário ou hepático concomitantemente ao dano renal pode ter um efeito
substancial da disposição da droga, mesmo em gatos jovens, causando acúmulo da
droga no organismo mais facilmente.
Um estudo de Gellat et al. (2001) indicou que a administração intravenosa
de enrofloxacino pode ser um fator de indução de degeneração retiniana. Foi feito
um estudo com 17 gatos, e sete desenvolveram toxicose após terem recebido o
fármaco. Isso aconteceu devido ao pico de concentração plasmática ser alcançado
rapidamente, o que resultaria em grandes concentrações da droga penetrando na
retina e levando à degeneração do tecido retiniano. Os autores afirmaram que isso
poderia indicar que a degeneração retiniana pode ser concentração-dependente.
Ainda no estudo realizado por Gellat et al. (2001) puderam ser observadas
várias alterações oculares decorrentes da intoxicação por enrofloxacino em gatos,
tais como midríase, ausência de reflexos, e cegueira. Verificaram, também, aumento
da refletividade tapetal e atenuação do diâmetro dos vasos sanguíneos da retina em
gato como ilustrado na Figura 3A (caso em que foi administrado 24 dias de
enrofloxacino) e perda de vasos retinianos após 196 dias de tratamento (Figura 3B).
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FIGURA 3: (A) Observa-se granularidade da área tapetal, aumento da refletividade e
uma moderada atenuação dos vasos retinianos. (B) Perda dos vasos
retinianos, refletividade focal aumentada e focos de ferrugem pela área de
fundo tapetal.
FONTE: GELLAT et al. (2001).
Anormalidades neurológicas foram relatadas num estudo feito por Ford et al.
(2007), onde ocorriam mudanças de comportamento evidentes nos gatos tratados
com enrofloxacino, tais como epilepsia, e nistagmo. Tais alterações pioraram com o
aumento da administração da droga. O estudo foi feito com 24 gatos, divididos em
dois grupos, sendo um de controle, outro de tratamento, cada um contendo 12
animais (6 machos e 6 fêmeas) e divididos novamente em grupos por período de
tratamento, 3, 5 e 7 dias todos recebendo a dosagem de 50mg/kg uma vez ao dia.
Além da cegueira foi observado diminuição no consumo de alimento e queda do
peso corporal desses animais. Os achados dos exames clínicos, a oftalmoscopia e a
ERG mostraram perda dos bastonetes com progresso de perda de cones, as
mudanças estavam correlacionadas com a duração do tratamento. Porém
constatou-se que, após a terceira dose, a degeneração de retina se tornou evidente.
Nas imagens de oftalmoscopia foi realizado um estudo comparativo entre
um grupo controle (Figura 4A) com os demais grupos que estavam sob tratamento
com enrofloxacino por três dias (Figura 4B), cinco dias de tratamento (Figura 4C) e
sete dias (Figura 4D) (FORD et al., 2007).
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FIGURA 4: (A) Imagem do fundo ocular de uma animal do grupo controle que não
recebeu medicamento.(B) Ilustra alterações de um animal do grupo que
recebeu medicação por 3 dias. (C) Imagem se referindo ao grupo que
recebeu medicação por 5 dias. (D) Demonstra alterações observadas no
grupo de tratamento por 7 dias.
FONTE: FORD et al. (2007)
Dessa forma, ainda é desconhecida a etiologia da degeneração de retina
veiculada ao uso do enrofloxacino. Alguns autores apontam que a barreira
hematoencefálica do felino tem afinidade pela porção lipofílica do fármaco, fazendo
com que as altas concentrações se acumulem no sistema nervoso (SPINOSA et al.,
2017).
Outras pesquisas afirmam que esta alteração retiniana tem embasamento
genético, pois os gatos possuem uma deficiência na proteína ABCG2 (proteína
ligante de ATP 2 da subfamília G). Tal proteína funciona como parte da barreira
hemato retiniana impedindo a entrada de substâncias estranhas (LITTLE, 2016). A
barreira hematorretiniana possui duas camadas, sendo a mais interna formada por
células endoteliais capilares da retina e a mais externa consiste em células epiteliais
pigmentadas da retina. Atua na regulação do intercambio de vários compostos como
nutrientes, drogas e toxinas, entre o sangue sistêmico e a retina. A proteína ABCG2
atua como um transportador de efluxo, como composto sensíveis a luz. O
mecanismo de eliminação das fototoxinas para fora da retina ainda é desconhecido
(ASASHIMA et al. 2006; CAVALCANTE et al., 2009).
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Sinais clínicos da degeneração de retina
Durante a realização da consulta, os tutores fornecem detalhes do que
ocorre com o animal, sua condição de vida, as alterações observadas e as
medicações que foram administradas. O exame físico geral constitui um passo
importante, pois proporciona uma visão geral do estado do animal. De forma que se
inicie avaliando a postura, seu comportamento, o estado nutricional em que se
encontra, aspecto das mucosas visíveis e tempo de preenchimento capilar,
avaliação dos parâmetros vitais como frequência cardíaca e respiratória, além da
temperatura (ANDRADE, 2008). Após a observação de indícios da perca de visão
dos animais, se inicia o exame físico específico oftalmológico (LAUS et al., 2004).
Os sinais clínicos da retinopatia por enrofloxacino incluem uma diminuição
da visão e um início agudo de midríase, que é muitas vezes o primeiro sinal notado
pelos tutores. Reflexo pupilar à luz ainda pode estar presente, embora lenta e
incompleta, ou mesmo ausente. As alterações oftálmicas dessa intoxicação estão
associadas à hiperreflexia, alterando assim o diâmetro do nervo óptico e a perca dos
vasos sanguíneos. O fundo de olho pode parecer normal no exame inicialmente,
embora os sinais de degeneração da retina possam desenvolver-se dentro de
alguns dias de administração de enrofloxacino (GELATT et al., 2001).
A degeneração retiniana geralmente é difusa e bilateral. Pode ser observada
também atrofia de nervo óptico, e alterações no eletrorretinograma como redução da
amplitude da onda b. Na maioria dos casos, a cegueira tem sido permanente,
embora alguns gatos têm mantido alguma visão. Uma das descobertas importantes
da presente toxicidade é a rapidez com que a retina se degenera (GELATT et al.,
2013).
Diagnóstico
O diagnóstico é feito através do histórico de uso de medicamentos,
associados aos sinais clínicos, exame oftalmoscópico de fundo de olho e
eletrorretinografia. Nesses exames, é relatada a presença de degeneração de retina,
aumento da refletividade da zona tapetal, atenuação dos vasos retinianos entre
outras alterações causadas pelo uso de fluorquinolonas. Na histopatologia, os
pacientes apresentam degeneração da retina, perda difusa das camadas de células
fotorreceptoras, hipertrofia e proliferação do epitélio da retina (FORD et al.,2007;
CAVALCANTE et al. 2009).
Conforme Carneiro Filho (2004), o exame de fundoscopia ou oftalmoscopia
é utilizado para visibilização do fundo do olho após a dilatação da pupila. Possui as
formas direta e indireta, entretanto a mais usada na rotina é a forma direta, devido à
maior facilidade no manuseio e ao custo do mais acessível do oftalmoscópio direto.
Gellat (2003) relata que, entre as estruturas que se analisam neste exame estão o
disco óptico, a vascularização retiniana e a porção tapetal. Entre as alterações
descritas estão a refletividade tapetal, atenuação dos vasos retinianos, manchas de
ferrugem pelo fundo tapetal e alterações de pigmentação (GELLAT et al., 2001).
A eletrorretinografia é o registro e análise da atividade da retina quando
excitada pela luz. Sua importância ocorre por tratar-se de meio diagnóstico objetivo,
não invasivo, capaz de avaliar a função retiniana, detectando precocemente lesões
nas suas camadas mais externas. A luz para estimulação é colocada perto do olho,
e as respostas aos flashes de luz são gravadas usando três eletrodos. O eletrodo
ativo (da gravação) é acoplado geralmente a uma lente de contato colocada na
córnea. Dois outros eletrodos são colocados na pele para reduzir a interferência
elétrica (CARNEIRO FILHO, 2004; NEDEV; SIMEONOVA, 2017).
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Os sinais gravados da ERG são analisados avaliando a amplitude e a
latência (sincronismo) de dois componentes principais: a onda “A” é a primeira
deflexão negativa do sinal, e é indicativa da resposta do fotorreceptor. É seguida por
um pico grande, positivo, a onda “B”, que é gerada na camada intermediária da
retina (bipolar e células de Müller) (CARNEIRO FILHO, 2004; NEDEV;
SIMEONOVA, 2017).
Diagnóstico diferencial
É importante a diferenciação de outras retinopatias em gatos que podem
apresentar a mesma sintomatologia, tais como a Atrofia Progressiva Retiniana
(APR), que ocorre devido a uma deficiência na fosfodiesterase guanosina
monofosfato cíclico, sendo hereditária na raça Abissínia, a doença se manifesta por
midríase e nistagmo, progredindo para refletividade tapetal, atenuação de vasos
sanguíneos e perda da pigmentação (LAUS et al., 2004; SAMPAIO et al. , 2015).
FIGURA 5: Gato com Atrofia Progressiva de Retina, evidenciando midríase.
FONTE: SAMPAIO et al., (2015).
Antes das rações serem suplementadas com taurina era comum a
ocorrência de degeneração retiniana central, caracterizando-se por uma área focal
de hiperreflexibilidade tapetal no fundo do olho temporal progredindo até a atrofia
difusa por toda retina. Os animais afetados, demonstram sinais de cegueira quando
a lesão está em estado avançado. Entretanto, atualmente, este tipo de causa de
degeneração de retina é extremamente rara (SHERDING; STEPHEN, 2013).
Deve-se considerar outras possibilidades para causa de cegueira aguda em
gatos e que fazem (ou fizeram) uso de enrofloxacino por doença do trato urinário.
Isso porque os felinos possuem uma maior propensão a apresentar descolamento
de retina e outras alterações oftálmicas secundárias ao aumento da pressão arterial
sistêmica, que, por sua vez pode ser vista em animais com doença renal crônica
(LAUS et al., 2004).
Tratamento
Não existe tratamento especifico, para a degeneração de retina por
enrofloxacino, sendo indicada a interrupção imediata do fármaco assim que for feito
o diagnóstico. Alguns gatos podem recuperar uma parte da visão se a administração
da droga for interrompida imediatamente, outros irão continuar cegos. Também
ocorrem casos em que, se o diagnóstico for feito rapidamente, pode ocorrer um
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certo grau de recuperação da visão (ANJOS; BRITO,2009; CAVALCANTE et al.
2009).
Para evitar e minimizar a toxicidade retiniana em gatos deve-se prescrever
alguns fármacos em substituição do enrofloxacino, como o marbofloxacino ou
pradofloxacino quando necessário. Além do mais a dose para qualquer
fluorquinolona não deve exceder a recomendada pelo fabricante evitando o uso
parenteral e tratamentos prolongados principalmente em animais que se enquadram
nos fatores predisponentes (LITTLE, 2016).
A recomendação é a utilização do antibiograma para infecções graves ou
recorrentes, para pesquisa de qual antimicrobiano será eficaz. Em casos que o
enrofloxacino for utilizado a dose diária deve ser de 2,5mg/kg, via oral a cada 12
horas, e evitar administração via intravenosa, monitorando o fundo de olho no
período do tratamento. Caso seja necessária uma dose maior, recomenda-se um
acompanhamento oftálmico. Se for observado início de midríase, deve-se suspender
imediatamente o tratamento (GELATT et al., 2001; SOUZA; AMORIM, 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se primariamente que a degeneração de retina associada ao uso de
enrofloxacino é mais decorrente do uso de terapêuticas errôneas associadas a este
fármaco nos gatos, do que a fatores predisponentes diretamente ligados ao animal.
Devido a não existência de um tratamento eficaz, a profilaxia ou interrupção imediata
são as melhores opções.
É fato que são feitos diversos estudos acerca dos fatores predisponentes
que causam este tipo de retinopatia, mas em sua maioria, se desconhece uma
associação única de causa ao enrofloxacino. No entanto, os achados bibliográficos
sugerem alguns fatores de risco que podem predispor os gatos à degeneração
retiniana: altas doses ou altas concentrações plasmáticas da droga; infusão
intravenosa rápida; longas administrações, idade, exposição a luz, interações
medicamentosas, patologias que favorecem o acúmulo nos tecidos moles, ou afetam
a eliminação pelos rins; e alterações metabólicas.
A maioria dos casos de intoxicações e/ou reações adversas, que acontece
nos gatos, são resultantes do desconhecimento das diferenças de metabolização de
medicamentos e da fisiologia dos felídeos. A interrupção da administração de
enrofloxacino pode fazer com que alguns pacientes recuperem uma parte da visão,
mas outros gatos continuam cegos. A administração do enrofloxacino, quando
indicada, pode ser utilizada com mínimos riscos quando alguns detalhes forem
considerados, como dose mínima e exata para o peso de cada paciente. Deve-se
evitar interações medicamentosas, a fim de diminuir o risco de degeneração da
retina nos felinos.
Dessa forma, os profissionais médicos veterinários deverão ter em mente
que, os protocolos farmacológicos utilizados nos felinos não se baseiam nas doses
recomendadas para cães. É importante ressaltar que devem ter o conhecimento de
que os gatos não respondem da mesma forma que os canídeos, quando submetidos
a certos medicamentos, pelo metabolismo diferenciado na ausência de enzimas ou
diferenciações entre elas que provocam uma absorção mais lenta de uma droga.
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